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Os conflitos entre federalistas e unitários atravessavam a fronteira Argentina e se manifestava no Uruguai. Ao longo
da década de 1840, o governo Imperial fez alianças com os colorados em Montevidéu e com Justo José de Urquiza
em Entre-rios, buscava conter o expansionismo de Juan Manuel Rosas. Da mesma forma, procurou dar amparo à
independência do Paraguai, aproximando-se de Carlos Antonio Lopez.
A INSTABILIDADE URUGUAIA
O principal foco de tensão para o Brasil na região era a situação uruguaia. Naquele país, problemas da política interna do
Brasil confrontavam-se com questões internacionais, tornando particularmente delicada a posição do império. Os
estancieiros do Rio Grande do Sul relutavam em reconhecer a existência de uma fronteira entre os dois países, transferindo
gado, escravos e trabalhadores livres para aquela república e, consequentemente, imiscuindo-se nos conflitos políticos
locais. Na década de 1860, os cidadãos brasileiros controlavam cerca de 30% do território uruguaio. Nessa época os
brasileiros formavam o mais importante grupo de estrangeiros que ali viviam, representando entre 10% e 20% da
população.
Com a ascensão do partido Blanco ao poder, em 1862, os conflitos entre brasileiros e uruguaios tornaram-se mais
intensos. O partido adotou posição favorável à nacionalização das fronteiras, que implicava a taxação dos brasileiros ali
residentes e o controle de gado e escravos que circulavam entre os dois países. Tratava-se de proposta de governo que
pretendia forçar o poder político do interior sobre a capital.
Em 1863 teve início outra guerra civil no Uruguai. Os partidos Blanco e Colorado eram os grandes protagonistas de um
conflito que evidenciava a debilidade do processo de construção do Estado uruguaio sob as condições impostas pela paz
de 1828. Essa guerra civil, como sempre, também envolvia interesses brasileiros e argentinos, só que, ao contrário do que
geralmente acontecia, os interesses dos dois países convergiram no apoio aos colorados. Os líderes gaúchos pressionaram
o governo imperial para que apoiasse a rebelião colorada, que também agradava aos comerciantes buenairenses.
A INSTABILIDADE URUGUAIA
A intervenção brasileira ocorreu em agosto de 1864, com a invasão do
território uruguaio e o bloqueio naval do porto de Paissandu, efetivado
em águas pretensamente neutras do rio da Prata. A ação brasileira e o
apoio dado aos colorados no Uruguai irritaram o governo paraguaio
que se havia oferecido para mediar diplomaticamente a situação. O
desdém pela oferta paraguaia foi considerado uma afronta pelo
ditador López. O governo paraguaio preconizava o respeito ao
equilíbrio de poder na bacia do Prata. O desprezo brasileiro foi visto
como afronta a esse equilíbrio, só passível de ser respondida pela
guerra. Nesse cálculo, o governo paraguaio contava com o apoio de
alguns caudilhos e também com o suporte de oligarquias dissidentes
que se opunham a Buenos Aires. López contava sobretudo com a
cooperação do chefe político de Entre Rios, Justo José de Urquiza
(1801-1870), apoio que jamais se materializou, uma vez que Urquiza
gradualmente aceitou as novas regras e os procedimentos
estabelecidos na Argentina, postura seguida por outros líderes
regionais. Finalmente, o ditador paraguaio também esperava que a
presença de escravos e o separatismo gaúcho comprometessem a
capacidade operacional do Exército brasileiro.
Figura satírica do
presidente Don
Francisco Solano
López, representando
a ideia do equilíbrio
dos estados de prata,
proposta por ele.
PARAGUAI - ISOLAMENTO, DITADURA E MITOS
A identidade nacional paraguaia foi cristalizada na segunda década do século XIX, a partir de vários fatores, entre eles a sua
precária posição na bacia do Prata, sua exposição permanente à instabilidade das províncias unidas argentinas e seu
isolamento em razão das rivalidades entre portenhos e brasileiros. Finalmente, a composição étnica do povo paraguaio, a
maior parte do qual descendia da mestiçagem entre espanhóis e índios, e o uso massivo do guarani como língua franca,
facilitaram a percepção de sua identidade nacional como distinta da identidade de Buenos Aires. Parte dessa diferença
residia na oposição, estimulada pelas elites locais, entre a anarquia da Confederação Argentina e a tranquilidade do
Paraguai. Os paraguaios responsabilizavam a política centralista da capital do antigo vicereinado pela instabilidade, atitude
que persistiu durante o restante da primeira metade do século XIX. Uma consequência da forma como o Paraguai obteve
sua independência foi a interrupção dos contatos regulares com o exterior. As guerras civis nas províncias argentinas e o
longo bloqueio naval durante o governo de Juan Manuel de Rosas estancaram o comércio ao longo do rio Paraguai. A
limitação do comércio entre 1814 e 1852 isolou o Paraguai, contribuindo para o senso de excepcionalidade, que era muito
forte entre seus habitantes. O primeiro ditador do país, Jose Gaspar de Francia, el Supremo (1776-1840), implementou
políticas de expropriação de terras que acabaram por transferir os monopólios coloniais e oligárquicos para a alçada do
recém-criado estado nacional paraguaio. Esse é um dos pontos nos quais as análises históricas produzidas nas duas
últimas décadas contrastam com os trabalhos influenciados pela Teoria da dependência. O excepcionalismo paraguaio não
seria, portanto, fruto de um protos-socialismo ou capitalismo de Estado, mas a consequência de um conjunto de fatores
locais que teriam levado a liderança daquele país a aprofundar práticas protecionistas.
PARAGUAI - ISOLAMENTO, DITADURA E MITOS
Com a invasão de Mato Grosso as forças paraguaias obtiveram munição e suprimentos essenciais ao prosseguimento da
campanha nos quatro anos seguintes. No entanto, o ataque custaria tempo precioso aos invasores, uma vez que os
aliados blancos encontravam-se isolados no Uruguai e necessitavam de reforços imediatos. Em abril de 1865, quatro
meses após o início das hostilidades, o governo paraguaio solicitou autorização ao governo argentino para cruzar a
província de Missiones na tentativa de alcançar o Uruguai a tempo de mudar o destino da guerra civil daquele país. O
presidente argentino, Bartolomeu Mitre, recusou essa permissão. Os unitários argentinos apoiavam os colorados e
pretendiam manter a neutralidade no conflito entre o Brasil e o Paraguai. Após a recusa argentina, os paraguaios
invadiram as províncias de Corrientes e alcançando o Rio Grande do Sul por volta de junho. A invasao custou caro aos
paraguaios que, rompendo com os argentinos, perderam importante fonte de suprimentos, especialmente de armas.
A assinatura do Tratado da Tríplice Aliança, em maio de 1865, praticamente selou a sorte do Paraguai na guerra. Pelo
tratado, os governos do Brasil, Argentina e Uruguai (agora efetivamente governado pelos colorados) comprometiam-se a
não depor armas até a queda do ditador. As cláusulas então secretas eram draconianas: as instalações militares do
Paraguai deveriam ser demolidas, seu exército desmobilizado, e os contenciosos territoriais resolvidos segundo os
interesses dos membros da Aliança.
Tropas aliadas reconquistando a província de Corrientes um ano após o início da Guerra da Tríplice Aliança, Candido Lopez
NO RIO GRANDE DO SUL
Enquanto as novas forças eram reunidas no Sul, o ímpeto da invasão paraguaia aos poucos arrefeceu. Por
volta de junho de 1865 as condições operacionais eram precárias, pois os soldados paraguaios encontravam-
se pessimamente uniformizados, não havia casacos, nem linhas regulares de suprimentos. Confiando demais
na rage militar de seus soldados e em suposta superioridade racial guarani, López não planejou
adequadamente o avanço pelo território correntino nem seguiu a opinião de seu principal comandante, o
general Wenceslao Robles, que recomendava avanço mais planejado. Robles, que criticou seguidamente a
imprevidência da invasão, acabaria sendo fuzilado por indisciplina. A vanguarda das tropas invasoras rendeu-
se sem resistência ao exército imperial em Uruguaiana, em setembro de 1865.
A fortaleza era protegida de ataques em seu lado terrestre por pântano impenetrável ou, onde faltava, terraplenagens
defensivas que, em sua maior extensão, compreendiam um sistema de trincheiras estendendo-se por 13 km, tinha uma
guarnição de 18 000 homens e disparou 120 canhões. Uma tentativa de capturar uma de suas obras exteriores por ataque
frontal fracassou desastrosamente na Batalha de Curupaiti (22 de setembro de 1866).
Soldados paraguaios
voando no balão de
observação brasileiro.
Caricatura de
propaganda no jornal
do governo paraguaio
El Centinela, 8 de
agosto de 1867
'Torpedos'
paraguaios e
outras armas.
Ilustração de
1867
LONGA GUERRA E A DIFICULDADE EM RECRUTAR
Sem apoio naval efetivo, a invasão do Paraguai, que teve início em agosto de 1866, tornou-se campanha
penosa. Sem mapas, desconhecendo o terreno e sem oportunidades de reabastecimento a partir dos recursos
locais, as tropas tiveram praticamente que tatear a cada passo.
Aos poucos o estado de espírito foi mudando no império. A campanha mostrava-se longa e difícil. A
morosidade das operações, os sérios problemas de infraestrutura, o grande número de baixas por doenças, o
desamparo das famílias dos soldados e a necessidade de ampliação dos contingentes foram tornando o
recrutamento cada vez menos atraente.
Já no começo da guerra cerca de 30% dos contingentes recrutados não chegavam aos campos de batalha. O
prosseguimento da campanha em território estrangeiro, porém, deteriorou rapidamente a disposição inicial,
aumentando as taxas de deserção e isenção e comprometendo seriamente o esforço imperial. Até 1867, da
população estimada em 1.600.000 habitantes, somente 4.500 mineiros foram enviados ao front
LONGA GUERRA E A DIFICULDADE EM RECRUTAR
Desde o começo da campanha contra o Paraguai escravos e
libertos foram alistados no Exército e na Marinha. O alistamento
desses indivíduos ocorria pela força, por doações, por
substituições ou quando os escravos fugiam e se apresentavam
como homens livres. Com exército cuja composição era
multirracial, recrutada geralmente nas camadas mais desprotegias
da sociedade, era difícil distinguir entre livres e escravos. Nessas
ocasiões o uniforme funcionava como abrigo em relação à
condição prévia de cativo.