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Introdução
Durante o período da Independência na América Portuguesa observou-se uma
transformação no conceito de Pátria, onde o pertencimento regionalista perdeu espaço,
progressivamente para uma concepção mais nacional, associada ao Estado em construção.
Este projeto político e ideológico encaminhado pela corte de Dom Pedro sofreu grande
resistência por parte das oligarquias provinciais, como foi o caso das províncias do Grão Pará,
Bahia e Pernambuco.
O desdobramento das revoluções liberais na Europa resultou na instalação das Cortes
Constituintes em Lisboa que passariam a funcionar como um centro de poder paralelo ao da
Coroa sediada no Rio de Janeiro. Foi nesse momento que as províncias do reino
experimentaram uma intensa atividade política. “A América Portuguesa no final do século
XVIII e XIX não era um bloco integrado, sendo mais associada a um compósito de mosaicos”
[2] alguns mais ou menos integrados com Lisboa, mas sem qualquer ou com muito pouca
integração entre si. Isto contribuiu para que, à época da Independência, várias destas regiões
tivessem uma ideia de Pátria bastante diferente daquela que começava a ser proposta pelas
cortes do Rio de Janeiro [2]. Demétrio Magnoli no seu texto “O Estado em Busca do Seu
Território” [3] demonstra como a América Portuguesa desde o final do século XVIII passou
por uma serie de intensas transformações geopolíticas, datadas do período Pombalino, que
tinham como objetivo melhor controlar a então América Portuguesa. Conceitos como Pátria e
Nação não tinham o mesmo significado. Mas, ao longo dos anos pós-independência, o recém-
criado Império Brasileiro começou a aproximá-los, tornando Pátria e Nação praticamente
sinônimos.
Com o sucesso do reconhecimento externo do novo Império Brasileiro percebeu-se a
necessidade e dificuldade em construir um programa de unidade que subordinasse as agora
províncias a um centro político de fato, materializado no imperador e tendo o Rio de Janeiro
como sede das decisões políticas.
Tal centralização da autoridade que distinguia o Estado e buscava consagrar o poder do
seu Executivo sobre as esferas regionais e locais acabou por ser incorporada à Constituição de
1824. Nela, as províncias que até então gozavam de certa autonomia política e administrativa,
passariam a figurar unicamente como “(...) circunscrições territoriais da unidade geral. A
divisão do território circunscrevia-se apenas à dimensão administrativa, não possuindo
nenhuma substância política. Ou, dito de outro modo, a atividade política tinha por condição a
lealdade à integridade territorial do Estado e implicava a renúncia absoluta à própria
representação de espaços políticos regionais.” [3] Esse poder imperial no Rio de Janeiro
certamente limitava a autonomia das províncias e comprometia os interesses das oligarquias
ali dominantes. Assumindo a forma “de uma entidade oligárquica de tipo pré-nacional” [3] o
Estado Imperial buscou para si a função de gerir os múltiplos e por vezes conflitantes
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Objetivos
A pesquisa indaga sobre o valor conferido aos termos “pátria” e “nação” dentro da
linguagem política e social utilizada à época das independências, para mostrar como eles vão
se transformando e se adaptando, sendo influenciados e influenciando, simultaneamente, as
transformações políticas em curso. Na documentação existente, conceitos como “pátria”,
“nação” e “povo” apresentam diferentes significados, conforme as províncias tratadas. Mais
ainda, nem sempre os seus sentidos coincidem com aqueles contemplados no projeto político
proposto a partir da corte do Rio de Janeiro.
Assim a análise parte de questões sobre a utilização desses conceitos, se foram objeto de
disputa e sobre que pontos se deram as principais controvérsias. Quem utilizava esses
conceitos? Quais os seus propósitos e a que tipo de público se destinou os seus usos? Houve
uma ressemantização ou ressignificação desses termos? Tais mudanças passaram a fazer parte
de algum vocabulário ou linguagem específicos?
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Entende-se, portanto, que será com a análise dessas categorias amplamente utilizadas no
período – “pátria” e “nação” – com as quais os contemporâneos deram sentido ao campo
político, que poderemos entender como foi crescentemente reativada e politizada a linguagem
do patriotismo na América portuguesa.
Metodologia
A pesquisa tomou como ponto de partida o exame de documentos que mostravam as
principais notícias e informes produzidos pelas autoridades locais das províncias brasileiras
do Pará, Bahia e Pernambuco, onde ocorreram as maiores reações ao então conturbado e
instável momento político vivido pelo nascente Império do Brasil após a independência.
Dentre estes documentos demos destaque principalmente aos periódicos publicados nessa
época.
Além disso, durante os encontros do grupo de pesquisa, discutimos as análises dos
textos teóricos e historiográficos lidos em conjunto e as apresentações de cada aluno
componente da pesquisa sobre os respectivos temas individuais. As diversas formas de
autonomia buscadas na reação das antigas províncias da América Portuguesa ao processo de
independência e a utilização que ambos os lados fizeram dos conceitos de Pátria e Nação
foram a preocupação em todos os estudos de caso.
Coube-me estudar no âmbito dos periódicos da região de Pernambuco primeiramente o
intitulado Segarrega. Segundo jornal aparecido na cidade de Recife impresso na oficina Trem
de Pernambuco e posteriormente na Tipografia Nacional, o Segarreaga, teve seu primeiro
número datado em 8 de dezembro de 1821. Possuí o formato de 27 x 18, com quatro páginas
com duas colunas de 12 cíceros e valor de 80 réis.
O seu redator foi Filipe Mena Calado da Fonseca, um português radicado no Recife
desde criança e que foi um dos participantes do movimento de 1817, além de ex-secretário da
junta revolucionária de Goiana, traz no artigo de abertura, uma ideia de qual seria a sua linha
editorial: “Não pretendo dar uma determinada direção à opinião pública; limitar-me-ei a
narrar fatos despidos de todo o atavio de figuras. Minhas reflexões serão imparciais e não
serei aferrado aos meus princípios ao ponto de desprezar as advertências dos meus
correspondentes. Prometo ser fiel à palavra. Referir acontecimentos, eis a principal tarefa da
Segarrega, que também acolhe a correspondência noticiosa e oficiosa [...]”.
Divulgava atos oficiais; correspondências entre o governo pernambucano e o regencial;
notícias das províncias vizinhas e do exterior; avisos de interesse público, como saída de
embarcações do porto do Recife, venda de imóveis, gêneros alimentícios, compra e venda de
escravos.
Nos números um e dois tanto o redator quanto as cartas publicadas no periódico deixam
claro o fato destes que escreviam e seus leitores se considerarem Pernambucanos e não
Portugueses, chamando os que moravam na província de “Portuguezes de Pernambuco (sic)”
já no âmbito nacional se chamavam de “Brasillianos (sic)”. No Segarrega de número três
datado em 29 de janeiro de 1821, o redator escreveu em seu editorial que a junta de governo
fora eleita na província com sucesso, apesar de vozes contrárias de um “cardume de baxas
[sic], mandarins mandões e servis” que, movidos por interesses próprios, procuravam minar a
Constituição. O jornalista se perguntava se importava que até mesmo o governador do
bispado fosse contra aquelas reformas. De qualquer maneira as reformas haviam começado e
pedia ao público que observasse o efeito das mudanças e advertia que mesmo com novos
governantes as irregularidades não seriam ao todo erradicadas, mas diminuiriam, provando a
diferença na forma como vinham sendo organizados os negócios públicos.
O cidadão logo percebeu os efeitos das mudanças passando a expor seus pensamentos
por meio de cartas enviadas ao periódico que denunciavam as autoridades, os maus
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o dever de obedecer a outra qualquer, por maior e mais potentada. Portanto, podia cada
uma seguir a estrada, que bem lhe parecesse: escolher a forma de governo que julgasse
mais apropriada às suas circunstâncias e constituir-se da maneira mais conducente à sua
felicidade.
Quando aqueles sujeitos do sítio do Ypiranga, no seu exaltado entusiasmo,
aclamara S.M.I. e foram imitados pelos aferventados fluminenses, Bahia podia
constituir-se república; Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande, Ceará e Piauí
federação; Sergipe o Del-Rei reino; Maranhão e Pará monarquia constitucional; Rio
Grande do Sul estado despótico.
No meio dessas possibilidades, o Rio, pelo poder soberano que tinha no seu
território, aclamou S.M. Imperador Constitucional e, então, S.M. não ficou mais do que
Imperador do Rio de Janeiro. As outras províncias, ou seduzidas pelos emissários do
Rio, ou por seu mesmo conhecimento, esperando que nesta forma de governo podiam
achar a felicidade a que aspiravam, foram-se chegando muito de sua vontade aos
negócios do Rio, aclamando S.M Imperador Constitucional com o que nada mais
fizeram do que declarar que se uniam todos para formar um império constitucional, e
que S.M. seria o seu imperador.”
No último número do periódico que data do dia 05 de agosto de 1824, um pouco mais
de um mês da proclamação da Confederação do Equador, o redator mostra como o
movimento a favor da liberdade do governo central vem crescendo nas províncias do norte
como ficam claras nas palavras de Frei Caneca: “Por este princípio jamais nos poderemos
retratar do conceito, que havemos feito do liberalismo nas províncias do norte do Brasil.
Temo-las julgado, e ainda julgamos, incapazes de albardar os enganos e seduções do
ministério fluminense, para estabelecer o despotismo no país da liberdade. (...)”
Conclusões
No tratamento que pretendemos conferir à discussão do vocabulário político do
patriotismo, com destaque para os conceitos de “pátria” e “nação”, no período assinalado,
buscaremos atentar para os distintos contextos linguísticos aos quais os registros das fontes
analisadas pertenciam ou se encontravam inseridos, bem como reconhecer ou identificar os
agentes sociais que os produziram esses discursos políticos.
Os momentos de tensão social e instabilidade política vividos por Pernambuco, tanto em
1817 como em 1824, possibilitou uma experiência transformadora cuja amplitude se fez sentir
em todas as camadas sociais.
O Segarrega foi um dos porta-vozes dessa transformação a
incentivar os cidadãos e a denunciar, em suas folhas, os resquícios do Antigo Regime. O
cidadão não deveria mais temer os desmandos administrativos. A presença das demais
categorias sociais (cativos e homens de cor livres) não deve ser subestimada, e tampouco
esvaziada de qualquer reinvindicação própria. O Typhis Pernambucano demonstra que
mesmo após a independência o movimento constitucional novamente não foi vitorioso, pois o
fechamento da Assembleia Constituinte por Dom Pedro I, e o fracasso da Confederação do
Equador foram a vitória do Projeto do Rio de Janeiro de da Constituição Imperial outorgada
no ano de 1824.
Referências
3 - MAGNOLI, Demétrio. O Estado em busca do seu território. In: JANCSÓ, Istvan (Org.).
Brasil: Formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec, 2003, p.285- 296.