Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
*
Universidade de Passo Fundo. Doutora em História Ibero-Americana.
Artigas era tão contrário à permanência do domínio espanhol no Uruguai quanto se
insurgia contra as pretensões de Buenos Aires de incorporar as terras orientais. Sustentava que o
novo Estado que se formasse com as províncias que constituíam o Vice-Reino do Rio da Prata
deveria adotar a fórmula federativa, de maneira que cada província conservasse a sua autonomia, ao
contrário dos portenhos que advogavam a forma centralizadora de gestão.
As fórmulas políticas federativas completavam-se com as cláusulas nas quais Artigas
defendia as de ordem aspirações econômica; consagrava a liberdade de comércio interprovincial,
exigindo que não se colocasse nenhuma tarifa aos artigos exportados de uma província a outra uma
vez que as Províncias Unidas, além de um conglomerado político, constituiriam também uma unidade
econômica, que não devia descaracterizar-se com alfândegas interiores.
O artiguismo defendia a idéia de coordenação autônoma das províncias, em
contraposição ao preceito de subordinação centralizada proposta por Buenos Aires. Daí o caráter
irreconciliável dessas concepções e o fracasso de todas as gestões feitas no sentido de encontrar
uma solução para as divergências ( REYES ABADIE, 1976).
Divididos, os orientais buscaram cada qual efetuar alianças que lhes possibilitassem
vencer a disputa. Parte da elite montevideana buscou a união com Buenos Aires, disposta que estava
em assegurar a continuidade de seus interesses econômicos e preeminência social; os artiguistas,
por seu turno, deram início a conversações junto às autoridades lusitanas no Rio Grande do Sul. O
principal intermediário nessas gestões foi Antônio Gonçalves Chaves da Silva, irmão de Bento
Gonçalves, e também o comandante da fronteira, Francisco de Borja de Almeida Corte Real.
A ligação de Antônio Gonçalves com Artigas é mencionada por Henrique Wiederspahn
nos seguintes termos: " O que há de positivo a respeito de Antônio Gonçalves da Silva, que chegaria
a tenente-coronel farroupilha, posto em que faleceu, em 1841, é que iria manter relações pessoais
bastante amistosas com o próprio Artigas e com alguns de seus comandados, entre os quais existiam
inúmeros "portugueses", isto é, brasileiros que, por lá radicados, se sentiam como que integrados na
nova comunidade nacional uruguaia que acabara de despertar, preparando-se para lutar pela sua
liberdade e pela sua independência (...) " ( WIEDERSPAHN, 1979)
O principal argumento defendido por Artigas para justificar as gestões junto às
autoridades rio-grandenses baseava-se no fato de um suposto interesse comum entre a província
oriental e a área gaúcha – na condição de limítrofes – em atuar harmoniosamente frente à ação das
forças de Buenos Aires, as quais, caso conseguissem dominar o Uruguai, teriam acesso para atacar
o Brasil.
Nas tentativas de cooptar o apoio dos portugueses para enfrentar Buenos Aires, Artigas
elegeu como principais interlocutores as autoridades rio-grandenses, entre elas o governador do Rio
Grande do Sul, dom Diogo de Sousa. Este faria o papel de intermediário entre o caudilho e a corte.
Os planos de Artigas a respeito de uma aliança com o Brasil não frutificaram, entretanto.
As autoridades do Rio de Janeiro deram pouca atenção às suas propostas, esquivando-se de
qualquer compromisso. O fato repercutiu nas próprias relações de Artigas com Antônio Gonçalves ,
que, em certa ocasião, revelou ter estranhado a mudança no tratamento que o líder oriental
costumava dispensar-lhe a ponto de, em seus encontros pessoais, "não ter encontrado em Artigas
aquele agasalho do costume, tratando-o com alguma indiferença, o que lhe causou desconfiança" (
WIEDERSPAHN, 1979)
Diante das circunstâncias, Artigas ordenou o rompimento das relações comerciais com o
Brasil, em 1815, impedindo quaisquer negócios de gado, cavalos, couros e sebo e atingindo
diretamente os interesses rio-grandenses.
A posição de Artigas, interpretada pelos portugueses como uma "influência perturbadora"
que poderia despertar nos rio-grandenses simpatias aos desejos autonomistas regionais, levou a
corte a deliberar pela invasão da Banda Oriental, em 1817, sob o comando de Carlos Frederico
Lécor ( LYNCH, 1985).
A guerra, sustentada até 1820, terminou com a derrota de Artigas, que refugiou-se em
terras paraguaias, facilitando a incorporação da área oriental pelos portugueses. Nesse processo, a
elite rio-grandense ligada aos negócios de gado foi favorecida, sendo-lhe permitida a apropriação de
terras e gado para o abastecimento das charqueadas, o que foi feito especialmente com a ocupação
das terras ao norte do rio Negro.(MACHADO,1973)
A resistência dos orientais ao invasor português logo se fez sentir. Liderados por um
antigo oficial de Artigas, Juan Antonio Lavalleja, um grupo conhecido como os treinta y tres orientales
, ativou o movimento pró-independência ainda latente no país, iniciando as hostilidades contra o
Brasil a partir de 1825.
No contexto de guerra, o Rio Grande do Sul foi palco de intensas mobilizações, tanto
pela sua situação fronteiriça quanto pelos interesses dos estancieiros gaúchos que lutavam pela
defesa de suas propriedades no Uruguai.
A obtenção da independência uruguaia, em 1828, constituiu um marco básico
na formação regional, pois o estabelecimento do Estado-nação uruguaio, impôs , pelo traço político, a
divisão de um espaço que até então fora uniformizado cultural e economicamente: o pampa uruguaio-
sul-rio-grandense. Estavam , assim, criadas as condições para o delineamento de um espaço ao
mesmo tempo regional e internacional (KAPLAN, 1974).
BIBLIOGRAFIA
CALÓGERAS, Pandiá. Formação histórica do Brasil. São Paulo: Cia Ed. Nacional,
1945.
CARDOSO, Fernando Henrique. Rio Grande do Sul e Santa Catarina. In: HOLANDA, Sergio
Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, v. 4, 1978.
JANOTTI, Aldo. Uma questão mal posta: a teoria das fronteiras naturais como determinante da
invasão do Uruguai por d. João VI. Revista de História. São Paulo, v. 52,n. 103, ano XXVI,p. 315-341,
jul/set,1975.
KAPLAN, Marcos. Formação do Estado nacional. Rio de Janeiro: América Latina, 1974
LEVENE, Ricardo. Lecciones de historia argentina. Buenos Aires: J. Lajoane e Cia.,1939,
v. 2
LYNCH, John. Las revoluciones hispano-americanas (1808-1826). Barcelona: Editorial
Ariel, 1985.
MACHADO, Carlos. História de los orientales. Montevideo: Ediciones de la Banda
Oriental, 1973.
MENA SEGARRA, C. Enrique. Aparício Saravia: las últimas patriadas. Montevideo:
Ediciones de la Banda Oriental, 1977.
MORENO, Eduardo. Aspectos de la Guerra Grande. Montevideo: Barreiro y Ramos, 1925.
OLIVERA, Enrique Arocena. Política internacional – teoria y realidad en las relaciones
entre Estados. Montevideo: Centro Militar, s/d
REYES ABADIE, Washington. Artigas y el federalismo en el Rio de La Plata.
Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental, 1976.
RIBEIRO, Duarte da Ponte. As relações do Brasil com as repúblicas do Rio da Prata. Rio
de Janeiro: Officinas Graphicas do Archivo Nacional, 1936.
ROCHA, Pinto da. A política brasileira no Prata até a guerra contra Rosas. In: Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. T. especial.1. CHN. V. 5. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, p. 567-617,1917.
SOUZA, Suzana Bleil de. A fronteira do sul: trocas e núcleos urbanos – uma aproximação.
In: LENHEN;CASTELO; SCHÄFFER. Fronteiras no Mercosul. Porto Alegre: Editora
da Universidade/Ufrgs/ co-edição Prefeitura Municipal de Uruguaiana, p. 78-89,1994.
TOURON, Lucia Sala de; ELOY, Rosa Alomo. El Uruguay comercial, pastoril y
caudillesco. T. II. Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental, 1991.
VARELA, Alfredo. Política brasileira: interna e externa. Porto: Livraria Chardron, 1929
VIANA, Francisco. Argentina: civilização e barbárie. São Paulo: Atual, 1990.
WIEDERSPAHN, Henrique Oscar. Bento Gonçalves e as guerras de Artigas. Porto Alegre:
IEL/ Caxias do Sul: EST, 1979.
WILSON, José de Torres. Caudillos y partidos políticos. Montevideo: Ediciones de la
Planta, 1986.