Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Assim, Alessandro Baratta foi figura fundamental e polo irradiador de uma nova
criminologia por meio da manutenção do diálogo e de parcerias de recepção e
desenvolvimento crítico, simultaneamente, tanto nos países centrais como nos periféricos.
Foi “um processo sem colonizados nem colonizadores pontuais; um processo dialógico e
aberto [permitindo a demarcação] (...) de identidades e diferenças regionais e contextuais".
[1]
Pouco tempo depois, em 1959, fez sua estreia na Filosofia do Direito apresentando seu
importante trabalho intitulado “Natura del fato e diritto naturale” (Natureza do fato e direito
natural), trazendo grandes contribuições que atualmente são extremamente úteis na
reconstrução dos debates acerca do tema naquela época.
Seu primeiro livro foi publicado em 1963, intitulado “Antinomie giuridiche e conflitti di
conscienza” (Antinomias jurídicas e conflito de consciência). É uma contribuição crítica à
Filosofia do Direito Penal que em verdade foi uma contribuição à história da cultura
jurídica, sendo dedicado a uma exposição das doutrinas penalistas alemãs do início do
século XIX até o ano de 1933.
No curso dos anos 70 e 80, modificando seus interesses sobre Filosofia e Sociologia do
Direito, Baratta trata do desenvolvimento de uma análise do desvio social e do processo
de criminalização feita a partir do ponto de vista da classe operária, pensamento que
representa a Criminologia Crítica. Baratta sugeriu, com base em uma política criminal
radicalmente alternativa, um direito penal mínimo, capaz de promover um processo
abrangente e gradual de descriminalização. Sua tese fundamental acerca do assunto é
intitulada “Criminologia crítica e crítica do direito penal”, de 1982, tendo ainda publicado
diversos artigos sobre o tema.
No curso dos anos 90, Baratta percebeu que o movimento havia entrado em crise, e
intentou redescobrir a questão a partir do enfoque nos direitos humanos e reinseri-lo
progressivamente em um discurso filosófico mais amplo, abarcando as necessidades e o
desenvolvimento humano.
No contexto do fim dos anos 90 e início dos anos 2000, Baratta levanta a teoria de um
Estado mestiço e de uma sociedade andrógina, desenvolvendo a ideia de um novo direito
para a infância, oferece alguns elementos para um novo constitucionalismo internacional e
ainda avança na ideia de uma nova aliança entre o homem e a natureza.
Em 1969 torna-se professor na Università degli Studi di Camerino. Nos anos setenta,
tornou-se e foi por muito tempo professor de Filosofia do Direito na Albert-Ludwigs-
Universität, de Friburgo e na Georg-August Universität de Göttingen, Alemanha. Também
foi direitor do Institut für Rechts- und Sozialphilosophie da Universität des Saarlandes.
Teve magistério nas cátedras de Filosofia do direito, Doutrina do Estado e Direito
Constitucional na Universidade de Camerino, na Itálica. Foi docente em filosofia do direito
em universidades italianas, como naUniversità Degli Studi di Lecce, atualmente
denominada Università del Salento.
Juntamente com Franco Bricola, fundou a revista “La questione criminale” (A questão
criminal), que se torna uma das revistas jurídicas mais propagadas na Itália. Em 1983, a
iniciativa editorial é renovada, tornando-se “Dei Delitti e delle Pene” (Dos delitos e das
penas), figurando na posição de diretor. Depois de sua morte, a revista recuperou parte de
seu nome original, tornando-se “Studi sulla questione criminale: nuova série di dei delitti e
delle pene” (Estudo sobre a questão criminal: nova série dos delitos e das penas), sob a
direção dos discípulos de Baratta: Dario Melossi, Giuseppe Mosconi, Massimo Pavarini e
Tamar Pitch. A redação da revista, coordenada por Stanislaus Rinaldi, reúne uma
alavanca mais jovem dos criminalistas críticos e sociólogos do direito penal italiano como
Alessando De Giorgi, Alvise Sbraccia, Monia Giovannetti, Giuseppe Campesi, Stefania
Crocitti, Vincenzo Scalia, Francesca Vianello.Foi coordenador de diversos projetos de
investigação na Alemanha, na Itália e também na América Central.
Se dedicou muito a viajar para se encontrar com outras pessoas com quem pôde refletir e
ensinar temas de seu interesse. Se identificou muito com a América Latina, onde deixou
vários discípulos, participou como assessor para diversas reformas legislativas sobre
menores infratores e sistema penitenciário, assim como inspirou a formação do Círculo de
Estudos Sobre Criminologia Crítica da América Latina em 1985.
Direito penal e pena seriam os mecanismos da defesa social, isto é, os instrumentos legais
para defender a sociedade do crime (dano social) de acordo com a necessidade e a
utilidade da pena.
Destacam-se autores como Cesare Beccaria e Francesco Carrara. Este último defendia
que a função da pena seria a defesa social e que o fim da pena não era a retribuição, mas
a eliminação do perigo social. A reeducação do condenado seria apenas um resultado
acessório e desejável, mas não essencial.
Seu conteúdo passou a ser incorporado pela filosofia dominante na ciência jurídica, pelos
representantes do aparato penal penitenciário e também pelo homem comum. Em virtude
da sua aceitação acrítica, surge a sensação de que se está do lado justo e a favor de uma
ciência e práxis penal racional.
A defesa social pode ser traduzida em diversos princípios que fundaram a ciência e a
dogmática penal: princípio da legitimidade, princípio do bem e do mal, princípio da
culpabilidade, princípio da finalidade ou da prevenção, princípio da igualdade e princípio do
interesse social e do delito natural. Entre eles, destaca-se o princípio da culpabilidade,
relativo ao aspecto interior do delinquente, o qual adquire um significado moral-normativo
traduzido em desvalor e condenação moral, para Escola clássica, e em fatores
sociopsicológicos reveladores da periculosidade social, para a Criminologia positivista.
Têm em comum a critica sobre o conceito de defesa social, defendendo que essa
ideologia corresponde a uma “concepção abstrata e aistórica de sociedade, entendida
como uma totalidade de valores”[3] , isto é, a um ideal de sociedade.
Por outro lado, falham ao não promover o diálogo entre seus conceitos e o contexto
histórico, econômico e social especifico, não os situando pontualmente. Assim, as teorias
“liberais” contemporâneas também acabaram se revelando universalizantes e aistóricas.
Durkheim é um dos autores que se destaca. Para ele, “O delito faz parte, enquanto
elemento funcional, da fisiologia e não da patologia da vida social. Somente suas formas
anormais [...] podem ser consideradas patológicas” [5] . Além disso, o delito seria o
responsável por provocar e estimula a reação social, fortalecendo laços coletivos de
solidariedade, tornando possível a transformação e a renovação social. O delito também
teria um papel no desenvolvimento moral de uma sociedade: ele seria responsável pela
antecipação da moral futura.
Robert Merton é outro autor que se destaca. De acordo com seu modelo funcionalista, o
desvio é o fruto de uma contradição entre estrutura social e cultural. A desproporção entre
fins culturalmente validos e os meios institucionais legítimos que estão à disposição de
cada indivíduo de forma desigual na sociedade, de acordo com sua camada social, pode
ser a origem do comportamento delituoso. Assim, o indivíduos podem se portar de maneira
conformista ou desviante, de tal forma que aqueles que pertencem a um estrato social
inferior estão mais propensos ao comportamento desviante.
Esta teoria consegue tratar a questão dos crimes de colarinho branco com maior
propriedade pois eles seriam, em sua concepção, uma forma de delinquência sistemática
como qualquer outra e que, portanto, pode ser aprendida. Assim, tornar-se criminoso seria
determinado pelo grau de frequência e de intensidade das relações que se tem com esse
tipo de comportamento[7] (“teoria das associações diferenciais” de Edwin H. Sutherland).
A teoria das subculturas criminais se opõe ao princípio da culpabilidade uma vez que nega
que o delito seja uma ação contrária aos valores e as normas sociais gerais. Na verdade,
os valores e normas sociais positivados no direito penal são aqueles referentes a um
grupo social especifico: o dos legisladores, da magistratura, da policia, das instituições
penitenciárias. Assim, o direito penal é fruto de uma seleção e não de regras e valores
aceitos de forma unânime pela sociedade, já que não existe um único sistema de valores,
mas vários sistemas concorrentes ao institucionalizado pelo direito e pela moral “oficiais”.
Ainda assim, a teoria das subculturas herdou um paradigma etiológico das teorias
estrutural-funcionalista. Ambas erraram ao aceitar acriticamente a condição de
criminalidade sem questionar as condições de desigualdade econômica e cultural e o
significado histórico do fenômeno da criminalidade.
Essas teorias restringem sua analise ao nível sociopsicológico das aprendizagens e das
reações de grupo, apenas pontuando de maneira muito vaga e descritiva as condições
econômicas em que as subculturas estão inseridas. Trata-se de uma teoria de médio
alcance, limitada a um quadro socioeconômico estrutural do qual parte e permanece,
ficando presa dentro de seus próprios limites e contexto explicativo. Parece aceitar tais
condições como limite ao mesmo tempo em que universaliza o fenômeno do delito e a
reação punitiva.
O que distingue a nova sociologia criminal, onde as teorias do labeling approach estão
inscritas, da criminologia tradicional é a sua abordagem critica em relação a definição de
“criminalidade” e de “criminoso” que, em sua perspectiva, são construídos em torno do
conceito de processos de criminalização. Eles não são fixados como ponto de partida da
análise enquanto realidade dada, mas são considerados dentro de uma realidade social
que se constrói mediante processos de interação, ou seja, “uma realidade social que não
se coloca como pré-constituída”{{sfn|Baratta|1999|pp=86}.} Em razão dessa concepção,
olabeling approach é considerado um momento de ruptura dentro das ciências criminais,
ainda que a teoria ainda pertença a criminologia etiológica.
As teorias do labeling approach têm como foco central o problema da definição de delito a
partir de questionamentos como: quem é definido como desviante, quem define e como se
define o que é desvio, quais são os efeitos dessa definição para o desviante, etc. Assim, o
status social de delinquente que lhe é imputado pressupõe a reação de instâncias oficiais
e de agentes de controle social responsáveis pelo processo de criminalização,
etiquetamento e estigmatização do indivíduo.
Para lidar com isso, o labeling approach aponta para duas direções: uma voltada ao
estudo da formação da “identidade” do criminoso a partir do conceito de desvio secundário
(responsável pela aplicação da etiqueta de criminoso). A outra voltada a definição de
desvio como qualidade atribuída a comportamentos e indivíduos, o que, por consequência,
também gera a discussão sobre a distribuição do poder de definição, isto é, quais agentes
sociais detém o poder de definir e qualificar o que é crime. Assim, existe a dimensão da
definição e a dimensão do poder, ambas constitutivas do paradigma do controle.
Essas teorias, por outro lado, também se revelam teorias de médio alcance, uma vez que
reduzem sua análise aos efeitos das definições legais e dos mecanismos de
estigmatização/etiquetamento e de controle social. A análise das relações sociais e
econômicas, que são a chave para o desenvolvimento da questão criminal, é desenvolvida
de maneira insuficiente, superficial, sem adentrar no nível da lógica material. Portanto,
trata-se também de uma teoria limitada ao seu próprio contexto explicativo.
Princípio da igualdade: a lei penal é igual para todos, portanto é aplicada de modo
igual aos agentes criminosos. A criminalidade é o comportamento dessa minoria
desviante.[7]
Diversos autores alemães tiveram contato com as teorias do labeling approach, como é o
caso do próprio Baratta, e passaram a contribuir modificando-as, corrigindo e adicionando
novas perspectivas.
Adotar a perspectiva macrossociológica foi fundamental para analisar a lógica das
relações de poder e da desigual distribuição de bens e de oportunidades entre os diversos
grupos sociais. A criminalidade aqui é entendida não como um comportamento, mas como
um “bem negativo”, o oposto de um privilégio, e como tal, é submetida a mecanismos de
distribuição análogos àqueles dos bens positivos e dos privilégios [8] . Por isso que há um
“processo de filtragem” da população criminal, o qual se concentra em torno dos
estereótipos da criminalidade, isto é, das classes inferiores mais prejudicadas pela lógica
funcional e material do capitalismo, mediante a influencia e orientação dos órgãos e
instituições oficiais responsáveis pela produção e manutenção de tal realidade. É nesse
sentido que é possível entender os crimes de colarinho branco, cujos atores pertencem a
uma camada social economicamente e socialmente privilegiada e que, por isso, estão
praticamente imunes aos processos de criminalização e estigmatização.
Contudo, a critica de Baratta persiste: esta teoria tem a pretensão de analisar as condições
da realidade e da estrutura socioeconômica presentes no fenômeno do controle social, no
entanto, seu conteúdo é vazio, meramente teórico e descritivo. Trata-se, novamente, de
uma teoria de médio alcance em que falta a indicação de caminhos objetivos e
estratégicos para a transformação da estrutura lógica e material presente.
Baratta assevera que esta análise, em certo sentido, considera somente os elementos que
agem no momento de formação da lei, desconsiderando a (não menos importante)
seletividade no momento de sua aplicação. Apresenta, além disso, caráter conformista,
tomando por iguais mudanças de estrutura e mudanças de governo. Em terceiro lugar, as
teorias de Dahrendorf e Coser mantêm o modelo de equilíbrio, uma vez que o conflito é
uma integração deste. Há, na verdade, uma integração entre conflito e equilíbrio.
Seria esse atraso do direito penal em relação às ciências sociais recuperável? A tese do
autor é de que não. Não é possível reconstruir um modelo de ciência penal fundado no
caráter auxiliar das ciências sociais. A ciência jurídica formal não tem condições de
superar sua própria ideologia – de essência conservadora. Assim, Baratta sustenta que a
relação entre ciência social e o discurso dos juristas não deve ser vista como interação
entre duas ciências, mas entre ciência e técnica. A técnica jurídica consistiria na
elaboração de instrumentos legislativos, interpretativos e dogmáticos em vista de ações
político-criminais. Isto não significa a redução do jurista a técnico da sociedade. Será
cientista, e não técnico, na medida em que seu saber científico estará calcado nas ciências
sociais. Assim, a compreensão das ciências sociais poderá sustentar sua obra de técnico.
Que tipo de ciência social pode assumir esse papel crítico e reconstrutivo? Uma ciência
comprometida com a transformação da realidade, no sentido de resolução das
contradições que constituem a lógica do modo capitalista de produção. Assim, o interesse
pela transformação deve guiar a ciência na construção das próprias hipóteses e dos
próprios instrumentos conceituais, desenvolvendo a consciência das contradições
materiais. Para o autor: “isto significa que, em uma ciência dialeticamente comprometida
no movimento de transformação da realidade, o ponto de partida, o interesse prático por
este movimento, e o ponto de chegada, a práxis transformadora, estão situados não só na
mente dos operadores científicos, mas principalmente nos grupos sociais portadores do
interesse e da força necessária para a transformação emancipadora”. [10] . Isto porque na
atual fase capitalista, o interesse das classes subalternas é o ponto de vista a partir do
qual se coloca uma teoria social comprometida.
Na visão crítica de Baratta, neste sistema a pena obedece uma função de prevenção-
integração, pois sua função primária é exercitar o reconhecimento da norma e a fidelidade
ao Direito pelos membros da sociedade. Tal processo acarreta uma despersonalização do
indivíduo, uma vez que deixa de ser o centro dos interesses do sistema penal. Para
Baratta, a teoria de Jakobs funda uma nova ideologia para fundamentar e legitimar a pena,
sem levar em consideração a repercussão dos efeitos negativos que esta provoca ao
infrator, não trazendo a possibilidade de solução dos conflitos através de alternativas mais
funcionais do que a pena.
No entanto, deve ser mantida a prática na qual se isola uma ação voluntária do acusado e
se concentra nela a aplicação da pena. Isto porque é uma técnica indispensável para a
limitação da responsabilidade penal. Entretanto, neste processo, o jurista e o juiz devem
estar conscientes da distância que existe entre o modo de interpretação do conflito e a
realidade dos fatos, agregando uma interpretação acerca do contexto no qual se deu o fato
e das condições sociais do acusado. Baratta chama isto de “opção crítica”, na qual se
desenvolve uma consciência adequada sobre a distância entre abstrato e concreto. O juiz
ainda precisa fugir de preconceitos e estereótipos derivados do senso comum.
A ideologia penal, aqui num sentido negativo, como um “programa de ação penal”, coloca
obstáculos ao conhecimento das implicações reais das políticas e à criação de políticas
alternativas na medida em que se baseia em clichês e ao invés de criticar legitima a
realidade social. A Crítica ideológica e participação da sociedade civil são pressupostos
necessários para a transformação da política de controle de infrações delitivas e da
criminalização. Grande exemplo disso foi o Direito Penal da América do Sul nos anos 70 e
80 que, com base numa ideia de defesa da segurança nacional, se tornou um direito penal
do inimigo, além da criação de um direito penal paralelo, sanguinário, que era verdadeira
forma de realizar terrorismo de Estado.
As políticas públicas atuais têm como finalidade a satisfação do grupo das “vítimas”, isto é,
a redução da criminalidade que subtrai seus direitos, e como objeto a ação dos
“perigosos”. Garantem-se direitos à classe delinquente somente com a intenção de que
estas não se rebelem por meio da criminalidade e, consequentemente, restrinjam os
direitos da classe vítima.
Além disso, se observa hoje um aumento da ideia de eficientismo penal criando o direito
penal da emergência. A crise do sistema econômico social e dos partidos do sistema
representativo levaram a uma pretensão de abandono da subsidiaridade e virada para a
primeira forma de resolução de qualquer problema social. Deseja-se uma resposta mais
punitiva e mais rápida para os conflitos sociais e para isso exige-se uma mitigação do
garantismo. Em nome da segurança subjetiva se diminui a segurança objetiva e a busca
incansável desta primeira ignora o fato de que o Direito Penal é incapaz de resolver os
conflitos de maneira real e que a fragmentação dos interesses que devem ser defendidos
e a seletividade repressiva fazem com que o sistema cumpra sua função em, no máximo,
5% dos casos.
A verdadeira violência seria a repressão das necessidades reais. Como elas estão
asseguradas através dos direitos humanos no ordenamento jurídico, é certo afirmar que a
violência seria a violação desses direitos. No direito penal, entretanto, a violência que ele
propõe combater é uma construção social, sendo a violência criminal uma parcela das
demais violências existentes, como a estrutural, a individual, internacional, etc.
A relação entre preso e sociedade é aquela entre quem exclui e quem é excluído e não se
pode ao mesmo excluir e incluir.“ A verdadeira reeducação deveria começar pela
sociedade, antes que pelo condenado: antes de querer modificar os excluídos, é preciso
modificar a sociedade excludente, atingindo, assim, a raiz do mecanismo de exclusão”. [11]
para definir a realidade do cárcere é preciso ter em conta sua real função cumprida no
seio da sociedade e
para que a análise i seja possível, devemos nos atentar para os tipos determinados de
sociedade em que o cárcere apareceu e se desenvolveu como instituição penal.
O direito penal, por sua vez, é concebido como dinâmico e apresenta três fases: o de
produção das normas, o de aplicação das normas e o de execução da pena ou da medida
de segurança. A análise empírica destes três momentos permitiu que houvesse a
desmistificação do direito penal como direito igual:
O direito penal não defende todos e somente os bens essenciais, nos quais estão
igualmente interessados todos os cidadãos, e quando pune as ofensas aos bens
essenciais o faz com intensidade desigual e de modo fragmentário;
A lei penal não é igual para todos, o status de criminoso é distribuído de modo
desigual pelos indivíduos
O grau efetivo de tutela e a distribuição do status de criminoso é independente da
danosidade social das ações e da gravidade das infrações à lei, no sentido de que
estas não constituem a variável principal da reação criminalizador e da sua
intensidade.
Com isso, “a crítica se dirige, portanto, ao mito do direito penal como direito igual por
excelência. Ela mostra que o direito penal não é menos desigual do que os outros ramos
do direito burguês, e que, contrariamente a toda aparência, é o direito desigual por
excelência”.[13]
As principais tarefas da criminologia crítica são construir uma teoria materialista do desvio,
dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização, e elaborar as linhas de
uma política criminal alternativa, uma política das classes subalternas no setor do desvio.
O autor defende que a criminologia deve se construir a partir do ponto de vista das classes
subalternas. Para isso, elenca quatro alternativas:
De todo exposto, resta claro que a função última de uma política criminal alternativa seria a
própria superação do direito penal. Isto, claro, significa a superação da pena, antes de ser
a superação do direito que regula seu exercício. De outro modo, dar-se-ia margem a
arbitrariedades e supressões de garantias fundamentais. Isto também não significa negar
a exigência de medidas alternativas de controle; contudo, há que se evitar a repressão
autoritária. Esta é importante no regime capitalista, pois, como foi dito, procura uniformizar
comportamentos. Em um regime socialista, as exigências de repressão diminuem, pois as
desigualdades diminuem. Para Baratta, substituir o direito penal por qualquer coisa melhor
somente poderá ocorrer quando substituirmos a sociedade por uma sociedade melhor.
Os princípios que se articulam com a ideia da mínima intervenção penal são agrupados
entre os princípios intrassistemáticos (ponto de vista interno), que indicam requisitos para
a introdução e manutenção de figuras delitivas na lei, e princípios extrassistemáticos
(ponto de vista externo), que se referem a critérios políticos e metodológicos para a
descriminalização e construção dos conflitos e problemas sociais.
O direito penal mínimo é, portanto, uma forma de contenção da violência punitiva por meio
do direito, garantindo a obediência aos direitos humanos, estes vinculados à satisfação
das necessidades reais fundamentais.
Existe também um controle externo do Direito Penal, que é ligado às questões de justiça
material e seus critérios, levando em conta os efeitos externos do sistema como a
seletividade e as consequências da proteção aos bens jurídicos não levando em conta um
objeto homogêneo, mas um universo de eventos heterogêneos que tem como ponto em
comum serem, em determinado tempo e determinada sociedade, vistos como intervenção
do sistema. Em suma, é o cálculo do custo social da intervenção penal.
Nesta dimensão o objeto da criminologia não é o próprio sistema de justiça criminal, mas o
“referente material” das definições de criminalidade atual ou potencial e situações
problemáticas criadas pelo comportamento de indivíduos. A problemática se dá pois estas
definições não apresentam limites estáveis nem homogeneidade (por exemplo há imensa
diferença entre lesões patrimoniais e físicas e danos ecológicos). Assim, esta dimensão se
dá pelo controle externo que é ligado a interdisciplinaridade externa que seria a
convergência de disciplinas científicas e saberes especiais com competências
equivalentes. Desta forma há a perda de autonomia e competência da criminologia uma
vez que necessita de uma convergência de disciplinas em que nenhuma delas seja
hegemônica ou invada o âmbito de competência da outra.
Defende-se que a criminologia não terá futuro se quiser se manter única e fechar dentro de
seus próprios saberes todas as dimensão comportamental. Se faz necessária a criação de
um Sujeito Coletivo que seria integrado pelas diversas comunidades científicas e negaria a
criminologia como ciência natural de comportamentos e indivíduos infratores. Somente
este novo sujeito poderia mudar a questão criminal e criar uma política criminal alternativa.
Esta aliança seria entre todas as vítimas excluídas do contrato e do homem com a própria
natureza. O entendimento de uma cidadania plural, tendo visto que o estado é mestiço, no
qual não há estrangeiros, mas sim vítimas e excluídos. Dentro desse Estado seria possível
ir além da fronteira dos direitos das diversas cidadanias e entender as diferenças e chegar
a uma maneira mais eficiente de resolução de conflitos e alcançar uma civilização superior
ao “Estado de Direito” onde se encontre uma maneira não violenta de superação da
violência.