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Curso de Direito

Direito Penal – Parte Geral

3ª Unidade
Criminologia Positivista

Prof.º Dr.º Eribelto Peres Castilho

1
Conteúdo Programático:

➢ Criminologia Positivista:

1. Etimologia do termo Criminologia.

2. Advento da Criminologia Positivista ou Escola Positiva.


• Cesare Lombroso
• Raffaele Garófalo

3. A Recepção da Criminologia Positivista no Brasil.


• João Vieira
• Raimundo Nina Rodrigues

4. A Criminologia Positivista na Legislação Penal Brasileira.


• Exame Criminológico – A Insígnia da Criminologia Positivista (art.
34 e 35 do Código Penal e art. 8º da LEP).

5. Criminologia Crítica.

Em fins do século XIX, e principalmente nas primeiras décadas do


século XX, assiste-se no Brasil um arrefecimento dos “pressupostos da Escola
Clássica, da importância atribuída à ação criminosa, ao deslocamento dessa
importância para aquele que a havia praticado, enfim, ao processo de
atribuição de maior significado ao criminoso, transformando em objeto
científico, em detrimento do objeto jurídico do crime”.1

1MOURA, Esmeralda Blanco B. de. Prefácio. In: FERLA, Luis. Feios Sujos e Malvados Sob
Medida: A utopia médica do biodeterminismo (1920-1945). São Paulo: Ed. Alameda, 2009, p.
10.

2
1. Etimologia do termo Criminologia.

“Etimologicamente, Criminologia deriva do latim crimen (crime, delito) e


do grego logo (tratado). Foi o antropólogo francês, Paul Topinard (1830-1911),
o primeiro a utilizar este termo no ano de 1879. Todavia, o termo só passou a
ser aceito internacionalmente com a publicação da obra Criminologia, já no ano
de 1885, de Raffaele Garofalo (1851-1934)”.2

2. Advento da Criminologia Positivista ou Escola Positiva.

A Escola Positivista do direito penal, também chamada de italiana,


moderna ou científica, surgiu e se difundiu nas últimas décadas do século XIX,
“a partir dos trabalhos do italiano Cesare Lombroso, médico e professor
universitário que viveu de 1835 a 1909. A escola se caracterizava por um
discurso médico-científico que patologizava o ato anti-social. Dessa forma, o
delinquente seria um doente; o crime, um sintoma; a pena ideal, um
tratamento”.3

Alicerçada sobre tal determinismo, a Escola acabava por negar a


existência do livre-arbítrio, considerado por ela uma abstração metafísica. Daí
derivar seu programa: a pena deveria ser concebida enquanto tratamento, e
não punição; por isso, deveria ter sua duração e condições de aplicação
indeterminados, conforme as respostas personalíssimas do condenado-
paciente ao ‘tratamento’; e a prevenção ao crime teria de receber mais ênfase
e prioridade, fazendo uso dos recursos médicos-científicos disponíveis para a
identificação do indivíduo perigoso antes do aparecimento do crime”.4

Importante observar, todavia, que as concepções da Criminologia


Positivista estabeleciam uma diferenciação em relação à Escola Clássica. Ou

2 CALHAU, Lélio Braga. Resumo de Criminologia. 5ª ed. rev. e ampl. Niterói/Rio de Janeiro: Ed.
Impetus, 2009, p. 7.
3 FERLA, Luis. Feios, Sujos e Malvados sob Medida: A utopia médica do biodeterminismo. São

Paulo: Ed. Alameda, 2009, p. 23.


4 FERLA, Luis. Op. cit., p. 24.

3
seja, o “eixo doutrinário dos clássicos se consolidou em torno das idéias de
Beccaria, Bentham e Von Feuerbach, associando o crime ao livre arbítrio, a
uma escolha do indivíduo, portanto assumindo, a partir disso, um discurso de
culpa e punição. As causas do crime e do comportamento desviante deveriam
ser encontradas na relação do indivíduo com a sociedade, e o fato do crime
seria a ruptura do contrato social. A ação era o objeto privilegiado da Escola
Clássica, não o sujeito da ação”.5

Cesare Lombroso (1835-1909)

Lombroso nasceu numa abastada família de Verona e formou-se em


Medicina na Universidade de Pavia, no ano de 1858 e, no ano seguinte, em
Cirurgia, na Universidade de Gênova, partindo depois para Viena, onde
aperfeiçoa seus conhecimentos, alinhando-se com o pensamento positivista.

5 FERLA, Luis. Op. cit., p. 24.

4
A obra mais influente de Cesare Lombroso, que estabeleceu os marcos
doutrinários da nova Escola, então denominada Criminologia Positivista, foi O
Homem Delinquente, publicada em 1876. “Nela, Lombroso desenvolveu a
teoria da origem atávica do comportamento anti-social e apresentou o
personagem que traria popularidade e controvérsia a suas teorias: o criminoso
nato”.6
O atavismo observa Ferla, “seria o reaparecimento, em um descendente,
de caracteres não presentes nos ascendentes imediatos, mas nos remotos.
Quando Lombroso escrevia o Homem Delinquente, o evolucionismo já gozava
de estatuto de paradigma científico, ainda que experimentasse múltiplas
interpretações e aplicações. “(...) Sempre posicionando o homem branco
europeu no começo da fila, os cientistas lançavam à tarefa de hierarquizar as
raças humanas”.7
Lombroso, com seu característico antropocentrismo, “iria buscar em
cada fase evolutiva sinais e manifestações da atitude criminosa, sob o ponto de
vista da civilização branca europeia. O que surpreende é a ousadia, para seus
próprios contemporâneas, de iniciar este percurso, logo no começo de seu
livro, pelas plantas carnívoras”. Segundo o médico italiano:

“Todas essas plantas [as carnívoras] cometem verdadeiros assassinatos


sobre os insetos”. Cesare Lombroso.

Depois de observar os “primeiros sinais da criminalidade na natureza”,


Lombroso enumera diversos casos supostamente “empíricos” e que denotam
que, também o mundo animal, se observado com cuidado, poderia revelar um
terrível desfile de atrocidade. Segundo o médico italiano, o mundo animal
também estaria”8:

“O mundo animal também estaria repleto de crimes de ordem sexual,


com ‘asnos sodomitas’, formigas-macho que violentam as operárias, vacas que

6 FERLA, Luis. Feios Sujos e Malvados Sob Medida: A utopia médica do biodeterminismo
(1920-1945). São Paulo: Ed. Alameda, 2009, p. 26.
7 FERLA, Luis. Op. cit., pp. 26 e 27.

8 Cf. Ibid., p. 29.

5
se comportam como touros, cópulas de cisnes com gansos, alces com vacas,
um cão apaixonado por uma tigresa; ou associações de malfeitores,
‘escroques’, ladrões’, e até mesmo, ‘alcoólatras. Cesare Lombroso.

Após a apresentação dessas formulações rudimentares e grosseiras da


existência do crime entre as plantas e os animais, Lombroso segue para a
caracterização do crime entre os “selvagens” e as crianças. “As identidades
entre primitivo, selvagem e infantil significativamente permeiam toda a obra [O
Homem Delinquente]. Lombroso procedeu a esta recapitulação da suposta
marcha evolutiva, em busca de manifestações de atitudes criminosas, para
demonstrar que estava no atavismo a origem do ato anti-social do homem
moderno”.9
Assim, o criminoso, vítima que era do atavismo, traria em seu corpo,
segundo o médico italiano, “os estigmas denunciadores de seu estado
anômalo. Eram os ‘estigmas somáticos da degeneração’, destinados a uma
longa vida no mundo da criminologia: mandíbulas mais desenvolvidas,
assimetria da face, orelhas em abano, frente fugidia, nariz disforme, etc.”.10

(Imagem: Estudo Antropométrico)

9 FERLA, Luis. Op. cit., p. 29.


10 Ibid., pp. 29 e 30.

6
Figura da esquerda: “Classificação Antométrica”
Figura da esquerda: “Fotografias para fins da classificação dos
ditos criminosos ‘natos’”

Classificação Antométrica”

Figura da esquerda: “Fotografias dos ditos criminosso natos”


Figura da esquerda: “Diagrama do Biótipo humano e critérios fundamentais para a formação de um
perfil Biotipológico individual – Pende”.

7
Raffaele Garófalo11

Nascido em Nápoles, Itália, em 1851. Advogado italiano e criminologista.


Estudou na Universidade de Nápoles, donde ensinou Direito e Direito
Processual Penal. Enrico Ferri, considerava ele o seguidor mais importante de
Cesare Lombroso.

Sua maior contribuição foi a formulação de uma teoria do "crime natural".


Esta teoria prevê dois tipos de crime: crimes violentos e de propriedade.

Segundo ele, o delinqüente é um anormal psíquico. Sua causa advém


de uma anomalia moral congênita.

Antes de ingressar na Escola Positiva Garófalo, já havia publicado


alguns escritos que serão de grande importância para a nova escola, lançando
as novas bases e a orientação necessária tais como os conceitos de risco e
prevenção geral e especial.

Entre suas obras destacam-se: Estudios Recientes Sobre La


Penalidade; “Criminología” (1885).

11Cf. GARÓFALO, Rafael. http://www.geocities.com/cjr212criminologia/garofalo.htm. Acesso


em: 21 de maio de 2009. Idem.

8
Como se vê, será justamente sobre essas formulações rudimentares e
grosseiras (como vimos em Cesare Lombroso e Raffaele Garófalo), que se
constituirá uma “escola de criminologia de enorme influência, havendo
extrapolado as fronteiras de seu país e ganho grande parte do mundo,
incluindo o Brasil”.12

Todavia, antes de prosseguirmos na apresentação da recepção de tal


escola no Brasil, uma questão importante se impõe: “como teorias tão precárias
cientificamente, com conceitos tão rudimentares e grosseiros puderam alcançar
tanto reconhecimento? Deve-se lembrar que a precariedade era sentida
mesmo por muitos dos contemporâneos de Lombroso, principalmente na
França, onde estavam os seus maiores críticos”.13

Arriscando uma possível resposta, Ferla observa que a pouca


sofisticação científica representava uma “vantagem propagandística, pois
facilitava seu manuseio por juízes, advogados, jornalistas e público em geral,
todos atores, testemunhas e espectadores dos dramas cotidianos da
criminalidade. As feições do criminoso nato se tornaram familiares a todos eles,
reconhecíveis nos tribunais e nas fotos de jornais. Além disso a doutrina
lombrosiana poderia fornecer um extraordinário método de prevenção do crime
e de defesa social, ao permitir a identificação do criminoso antes mesmo de
este haver cometido, e o fazendo a partir de alguma legitimidade científica”.14

3. A Recepção da Criminologia Positivista no Brasil.

Importante observar inicialmente que as “razões que ajudam a explicar


o sucesso na Europa das teorias dos racismos científicos e dos determinismos
biológicos, o lombrosianismo dentre elas, não estavam ausentes no Brasil. A
urbanização explosiva e a disseminação das classes perigosas também
transformaram as grandes cidades brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo
principalmente”. 15

12 FERLA, Luis. Op. cit., p. 30.


13 Ibid., p. 30.
14 Ibid., p. 31.

15 Ibid., p. 50.

9
Nesse período, a influência da Escola Positiva no Brasil se fará bastante
intensa experimentando seu auge, paradoxalmente, num momento em que já
se encontrava em franca decadência na Europa.

A proclamação da República, como vimos, havia se apresentado “como


o regime da liberdade e da igualdade, como o regime do governo popular”.
Desse modo, “esse igualitarismo potencialmente perigoso demandava da elite
intelectual ajustes ideológicos que justificassem exatamente o fracasso em sua
implantação prática, donde a [necessidade] e conveniência da importação de
teorias científicas racistas e biodeterministas”. 16

Nesse ambiente, as “ideias científicas que legitimassem a desigualdade


natural e inevitável entre os homens encontravam-se, por isso, terreno propício
no ambiente intelectual da época. Segundo Lilia Moritz Schwarcz, a elite
brasileira encontrou pertinência nas teorias do determinismo biológico e do
racismo científico porque ‘para além dos problemas mais prementes relativos à
substituição de mão-de-obra (sic!) ou mesmo à conservação de uma hierarquia
social bastante rígida, parecia ser preciso critérios diferenciados de
cidadania’”.17

Nesse passo, “a apropriação dessas ideias científicas racistas e


discriminatórias atendia ao fortalecimento do projeto de construção do Brasil
moderno. Após a proclamação da República, os cientistas ganhavam renovada
autoridade na definição das prioridades nacionais”. Na primeira metade do
século XX, esses cientistas “se viam como os agentes privilegiados da
modernização do país. Construir a ponte que levaria das persistentes heranças
do Brasil colonial à civilização branca europeia seria impossível sem o
altruísmo necessário da ciência”.18

De certa forma, observa Ferla, “os defensores da Escola Positiva se


viam como os representantes das novas concepções, destinados a uma
confrontação militante contra as decadentes teses da Escola Clássica,

16 FERLA, Luis. Feios Sujos e Malvados Sob Medida: A utopia médica do biodeterminismo
(1920-1945). São Paulo: Ed. Alameda, 2009, p. 50.
17 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no

Brasil (1870-1930). São Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 18. Apud, FERLA, Luis. Op. cit., p. 52.
18 FERLA, Luis. Op. cit., p. 53.

10
recorrentemente considerada por eles como ‘metafísicas’ e pré-científicas. (...)
Por isso, muitos dos juristas que se agarravam às ideias de livre arbítrio e
responsabilidade moral pareciam aos olhos dos positivistas como obstáculos
incômodos ao triunfo das verdades científicas, portanto ao próprio progresso do
país”.19

Claro está que “as necessidades da elite brasileira relacionadas às


transformações históricas dos tempos da virada do século criaram a demanda
pelas teses da escola italiana de criminologia. A sua importação se deu tanto
pela via dos juristas quanto dos médicos”.20

Quanto aos primeiros – os juristas – “o direito penal no Brasil recebeu


as teses da nova escola por meio da Faculdade de Direito do Recife. O marco
inicial foi a publicação do livro ‘Ensaio de Direito penal ou repetições Escritas
sobre o Código criminal do Império do Brasil’, de João Vieira, em 1884”.21

Já ali, observa Álvarez, se apontava “para a necessidade de analisar a


legislação nacional de um ponto de vista filosófico mais ‘moderno’, ponto de
vista este que, no campo do direito criminal, seria representado sobretudo pela
obra de Lombroso’”.22

Desse modo, “Vieira se tornou o maior entusiasta e difusor das teses da


Escola Positiva por todo o Brasil, rapidamente possibilitando a sua recepção
nos meios jurídicos do Rio de Janeiro e de São Paulo”.23

Já pela via da medicina, a importação das idéias da Escola Positiva


deu-se, pioneiramente, pelo médico maranhense Nina Rodrigues (1862-1906).
Este, considerado o principal impulsionador da institucionalização da medicina
legal brasileira, foi quem “difundiu as ideias da criminologia científica no meio
médico. Apesar de haver trabalhado em São Luís e no Rio de Janeiro, foi em

19 FERLA, Luis. Feios Sujos e Malvados Sob Medida: A utopia médica do biodeterminismo
(1920-1945). São Paulo: Ed. Alameda, 2009, p. 54.
20 Ibid., p. 64.

21 Ibid., p. 64.

22 ÁLVAREZ, Marcos. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal

no Brasil (1889-1930). São Paulo: Ed. Método, 2003, p. 64.


23 Ibid., p. 64.

11
Salvador que Nina Rodrigues exerceu a principal parte de sua vida
profissional”.24

A conhecida identificação de Nina Rodrigues com a escola Positiva, teria


feito o próprio Lombroso chamá-lo de ‘apóstolo da antropologia criminal no
Novo Mundo’.

“Seus seguidores passaram a reverenciá-lo sistematicamente e a se


auto-referirem como membros da ‘Escola Nina Rodrigues’, atitude que lhes
conferia prestígio e legitimação profissional. Dois dos mais destacados
membros da escola levariam essa filiação para o sul do país: Afrânio Peixoto,
para o Rio de Janeiro, e Oscar Freire, para São Paulo”.25

Raimundo Nina Rodrigues26

Raimundo Nina Rodrigues nasceu em Vargem Grande, a 4 de dezembro


de 1862 — Paris, 17 de julho de 1906). Foi um médico legista, psiquiatra,
professor e antropólogo brasileiro.

Transferiu-se, em 1891, para a cadeira de Medicina Pública, ocupada


por Virgílio Damásio, como professor na disciplina de Medicina Legal,
empenha-se desde então em pôr em prática as propostas de Damásio que,
depois de visitar vários países da Europa, sugerira em seu relatório da visita a

24 FERLA, Luis. Op. cit., p. 64.


25 Ibid., p. 64 e 65.
26 Cf. NINA RODRIGUES, Raimundo.

12
implantação do ensino prático e a nomeação dos professores de medicina legal
como peritos da polícia. Na Medicina Legal, como em tudo o mais, transformou.
Afrânio Peixoto nos conta que Nina "deu tal lustro à especialidade que, por
todo o país, foi a cadeira mais ambicionada".

Com o resultado de seus estudos propôs uma reformulação no conceito


de responsabilidade penal, sugeriu a reforma dos exames médico-legais e foi
pioneiro da assistência médico-legal a doentes mentais, além de defender a
aplicação da perícia psiquiátrica não apenas nos manicômios, mas também
nos tribunais. Também analisou em profundidade os problemas do negro no
Brasil, fazendo escola no assunto e faleceu em Paris, França. Entre seus livros
destacaram-se “As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil
(1894)”, “O animismo fetichista dos negros da Bahia (1900)” e “Os africanos no
Brasil (1932)”. O Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR), o mais antigo
dos quatro órgãos que compõem a estrutura do Departamento de Polícia
Técnica da Bahia, foi criado (1906) pelo Prof. Oscar Freire e intitulado Nina
Rodrigues pela Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, em
homenagem ao famoso professor catedrático de Medicina-Legal, falecido
naquele mesmo ano, aos 44 anos de idade.

Nina Rodrigues defendeu teses racistas consideradas científicas e


modernas. Ele foi fortemente influenciado pelas ideias do criminologista italiano
Cesare Lombroso. No ano da abolição da escravatura, escreveu: “A igualdade
é falsa, a igualdade só existe nas mãos dos juristas”. Em 1894, publicou um
ensaio no qual defendeu a tese de que deveriam existir códigos penais
diferentes para raças diferentes.

Nina Rodrigues foi um dos introdutores da antropologia criminal, da


antropometria e da frenologia no país. Em 1899 publicou “Mestiçagem,
Degenerescência e Crime”, procurando provar suas teses sobre a
degenerescência e tendências ao crime dos negros e mestiços. Os demais
títulos publicados também não deixam dúvidas sobre seus objetivos:
“Antropologia patológica: os mestiços”, “Degenerescência física e mental entre
os mestiços nas terras quentes”. Para ele o negro e os mestiços se constituíam
na causa da inferioridade do Brasil.

13
Na sua obra, “Os Africanos no Brasil”, o biodeterminista e racista
Raimundo Nina Rodrigues escreveu:

“Para dar-lhe (a escravidão) esta feição impressionante foi necessário ou


conveniente emprestar ao negro a organização psíquica dos povos brancos
mais cultos (...). O sentimento nobilíssimo de simpatia e piedade, ampliado nas
proporções duma avalanche enorme na sugestão coletiva de todo um povo, ao
negro havia conferido (...) qualidades, sentimentos, dotes morais ou ideias que
ele não tinha e que não podia ter; e naquela emergência não havia que apelar
de tal sentença, pois a exaltação sentimental não dava tempo nem calma para
reflexões e raciocínios”.

Segundo o “cientista” baiano: “A inferioridade do negro – e das raças


não-brancas – seria “um fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da
marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas
diversas divisões e seções”.

No Brasil, afirmava Nina Rodrigues: “Os arianos deveriam cumprir a


missão de não permitir que as massas de negros e mestiços possam interferir
nos destinos do país. A civilização ariana está representada no Brasil por uma
fraca minoria da raça branca a quem ficou o encargo de defendê-la (...) dos
atos anti-sociais das raças inferiores, sejam estes verdadeiros crimes no
conceito dessas raças, sejam, ao contrário, manifestações do conflito, da luta
pela existência entre a civilização superior da raça branca e os esboços de
civilização das raças conquistadas ou submetidas”.

“Esquema de uma das classificações morfológicas utilizadas nos anos 40”.


Fonte: FERLA, Luis. Feios Sujos e Malvados Sob Medida: A utopia médica do biodeterminismo
(1920-1945). São Paulo: Ed. Alameda, 2009, p. 331.

14
1.
“Exame antropométrico no Instituto de Identificação do Rio de Janeiro”.
Fonte: FERLA, Luis. Feios Sujos e Malvados Sob Medida: A utopia médica do biodeterminismo
(1920-1945). São Paulo: Ed. Alameda, 2009, p. 328.

“O Antropômetro de
“O Viola
Antropômetro de de
do Instituto Viola do Institutodo
Identificação Oscar
Rio de
Freire”.
Janeiro (em repouso)”.
2.
Fonte:
Fonte:
FERLA,
FERLA,
Luis.
Luis.
Feios
Feios
Sujos
Sujos
e Malvados
e Malvados
SobSob
Medida:
Medida:
A utopia
A utopia
médica
médica
do biodeterminismo
do biodeterminismo
(1920-
3. (1920-1945).
1945). SãoSão
Paulo:
Paulo:
Ed.Ed.
Alameda,
Alameda,
2009,
2009,
p. 326.
p. 327.

15
“O Antropômetro de Viola do Instituto de Identificação do Rio de Janeiro (em uso)”.
Fonte: FERLA, Luis. Feios Sujos e Malvados Sob Medida: A utopia médica do biodeterminismo (1920-1945). São
Paulo: Ed. Alameda, 2009, p. 327.

“Fotografia de examinado”.
Fonte: FERLA, Luis. Feios Sujos e Malvados Sob Medida: A utopia médica do biodeterminismo (1920-
1945). São Paulo: Ed. Alameda, 2009, p. 330.

16
“Gráfico de Deformações”.
Fonte: FERLA, Luis. Feios Sujos e Malvados Sob Medida: A utopia médica do biodeterminismo
(1920-1945). São Paulo: Ed. Alameda, 2009, p. 329.

“As cabeças do bando de Lampião estudado pela Criminologia Positivista”.

17
Como vimos o discurso positivista priorizou, no período em que nos
ocupamos, de “comportamentos e grupos sociais que representassem algum
‘perigo à sociedade’ (...). Todos eles de alguma forma transitavam na fronteira
muitas vezes ambígua que separava a norma da lei: os loucos, os alcoólatras,
as prostitutas, os epiléticos, os ‘vagabundos’, os menores, os homossexuais e
os trabalhadores urbanos. Na verdade, os três últimos eram objetos de uma
maior preocupação por parte da medicina legal positivista. De longe eram os
mais assíduos frequentadores das revistas especializadas”.27

Como a noção de anormalidade nem sempre era passível de ser


capturada pela lei e pelo aparato prisional para referir-se a esses
comportamentos e grupos sociais que representassem algum ‘perigo à
sociedade’, nasce então o conceito de periculosidade”.28

Esse conceito de periculosidade “acabou por se consolidar como a


principal sustentação de dispositivos extralegais capazes de abarcar amplos
setores da população, justificando os mecanismos de controle que
frequentemente extrapolam o acervo legal dedicado ao crime e ao delito”.29

4. Criminologia Positivista na Legislação Penal Brasileira:

• O Exame Criminológico – A Insígnia da Criminologia Positivista (art. 34


e 35 do Código Penal e art. 8º da LEP).

Dispõe o art. 34 do Código Penal brasileiro:

Regras do regime fechado:

Art. 34. O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a


exame criminológico de classificação para a individualização da execução.

27 FERLA, Luis. Op. cit., p. 239.


28 Ibid., p. 239.
29 Ibid., p. 239.

18
Também o artigo 35 do Código Penal assim dispõe:

Regras do regime semi-aberto:

Art. 35. Aplica-se a norma do art. 34 deste Código, caput, ao condenado que
inicie o cumprimento da pena em regime semi-aberto.

O exame criminológico deve ser realizado pela Comissão técnica de


Classificação de cada presídio “que observará a ética profissional, terá sempre
presentes peças ou informações do processo e poderá entrevistar pessoas,
requisitar de repartições públicas ou estabelecimentos privados dados e
informações a respeito do condenado e realizar outras diligências e exames
necessários (art. 9º da LEP)”.30

“O exame criminológico somente será realizado após o trânsito em


julgado da sentença condenatória, já que visa a individualização para a
execução da pena privativa de liberdade, e será obrigatória para os que forem
submetidos, pela decisão, ao regime fechado, e facultada para os que estão
sujeitos desde o início ao regime semiaberto”.31

Como se vê, o exame criminológico que, como vimos, tem seu advento
com a ideologia biodeterminista e racista da Escola Criminológica Positivista,
ainda persiste em nossa legislação. Tal é exigido, como nas disposições acima
citadas, no início do cumprimento da pena, seja em regime fechado (art. 34),
seja em regime semi-aberto (art. 35).

Sua função, como se pode inferir das disposições legais, consiste em


examinar o condenado a fim melhor classificá-lo e, assim, “garantir” a dita
individualização da pena.

Trata-se, sem dúvida, de uma perversa herança da ideologia


biodeterminista em nosso Código Penal, herança que, como veremos, não se

30 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal I: Parte Geral. 25ª ed. São Paulo: Ed.
Atlas, 2009, p. 240.
31 Ibid., p. 240.

19
restringe a ele, mas tem sua ampla recepção em nosso Sistema Penal como
um todo.

O Exame Criminológico na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84):

Dispunha o antigo art. 112 da LEP:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma


progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso, a ser
determinada pelo Juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto)
da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão.

Parágrafo único. A decisão será motivada e precedida de parecer da


Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando
necessário.

Todavia, com o advento da Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003


(lei que alterou a Lei nº 7.210/84 – Lei de Execução Penal – LEP), o artigo 112
foi modificado, extinguindo-se, desse modo, o exame criminológico para fins de
progressão de regime. Com efeito, dispõe o art. 1º do referido Diploma que a
LEP passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma


progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser
determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da
pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário,
comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que
vedam a progressão.

§1º. A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do


Ministério Público e do defensor.

20
§2º. Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento
condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas
normas vigentes. (NR)

Claro está, que a partir da nova disposição legal (Lei nº 10.792, de 1º de


dezembro de 2003), a necessidade do exame criminológico para fins de
progressão de regime foi extirpada de nossa legislação de execuções penais.
Entretanto, tal disposição, justamente por não agradar muitos juristas e
operadores, não foi acolhida na maioria de nossos tribunais, que ainda exigem
tal exame para fins de progressão de regime.

Com efeito, vejamos algumas posições dos juristas em face da extinção


do exame criminológico para fins de progressão de regime:

Para o professor Luiz Flávio Gomes, especialista em Direito Penal, a


mudança não é positiva: "A extinção do exame é lamentável porque ele
orientava muito o juiz, ajudava muito o juiz a decidir”.

Já numa avaliação mais coorporativa e utilitarista, a extinção do exame


criminológico é, segundo o criminalista Alberto Zacharias Toron, muito bem-
vindo "porque dinamiza a execução penal".

Por fim, na interpretação reticente de Mirabete: “Dispunha o art. 112,


parágrafo único, da LEP, que o exame criminológico também deveria ser
realizado previamente à decisão judicial sobre a progressão de regime, quando
necessário. O dispositivo foi revogado pela nova redação dada ao artigo pela
Lei nº 10.792, de 1º-12-2003. Permanece, porém, a possibilidade de realização
do exame quando o entender indispensável o juiz da execução, com amparo
no art. 196, § 2º, da LEP, que dispõe sobre a viabilidade da produção de prova,
inclusive pericial, nos procedimentos relativos à execução da pena”. 32

32 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., pp. 240 e 241.

21
5. Criminologia Crítica:

Observa Quinney que “a realidade oficial é a realidade com a qual o


positivista opera – e a realidade que ele aceita e suporta. O positivista toma por
dada a ideologia dominante, que enfatiza a racionalidade burocrática, a
tecnologia moderna, a autoridade centralizada e o controle científico”.33

Em suma: “tal criminologia necessariamente tende a tratar o episódio


criminal como episódio individual e a respaldar a ordem legal como ordem
natural: não por acaso, seus precursores procuraram tematizar um ‘homem
delinquente’, que, ao lado dos ‘loucos morais’, viola a ordem legal, ou um ‘delito
natural’, que atinge ‘sentimentos’ encontráveis nas ‘raças superiores’,
indispensáveis para a ‘adaptação do indivíduo à sociedade’, isto é, para a
manutenção da ordem legal. Se alguma abertura social se acrescenta a essa
perspectiva, como se deu com Ferri34, o resultado é, como precisou,
espirituosamente, Lyra Filho, ‘uma espécie de progressismo idílico’. A
racionalidade ou a justiça da ordem legal e das instituições que integram o
sistema penal, bem como as funções por ela desempenhadas numa sociedade
dividida em classes, não são absolutamente inquiridas pelo criminólogo
positivista”.35

Buscando contrapor-se a Criminologia Positivista, bem como a vertente


Neokantista que isolou o ser e o dever ser, defendendo ser apenas o segundo
o objeto da ciência penal36, nasce a Criminologia Crítica.

Esta, ao contrário da Criminologia Tradicional (Positivista), assinala Nilo


Batista: “não aceita, qual a priori inquestionável, o código penal, mas investiga
como, por quê e para quem (em ambas as direções: contra quem e em favor

33
QUINNEY, Richard. O controle do crime na sociedade capitalista: uma filosofia crítica da
ordem legal. In: TAYLOR, Walton e YOUNG (org.). Criminologia crítica. Trad. J. Cirino dos
Santos & S. Tancredo. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1980, p. 224.
34
Henrique Ferri foi o precursor da denominada “Sociologia Criminal”.
35
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica Ao Direito Penal Brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ed.
Revan, 2001, p. 31.
36
Para uma vertente Neokantista o jurista não podia questionar sobre a realidade do direito – o
ser do direito –, uma vez que seu objeto de estudo era tão somente a lei posta – o dever ser
do direito. Para essa vertente, portanto, havia um “desprezo olímpico pela realidade”, afinal
essa nada importava à sua análise. Cf. BATISTA, Nilo. Introdução Crítica Ao Direito Penal
Brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2001, p. 28.

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de quem) se elaborou este código e não outro. A Criminologia Crítica, portanto,
não se auto-delimita pelas definições legais de crime (comportamentos
delituosos), interessando-se igualmente por comportamentos que impliquem
forte desaprovação social (desviantes). A Criminologia Crítica procura verificar
o desempenho prático do sistema penal, a missão que efetivamente lhe
corresponde, em cotejo funcional e estrutural com outros instrumentos formais
de controle social (hospícios, escolas, institutos de menores, etc.). A
Criminologia Crítica insere o sistema penal – e sua base normativa, o direito
penal – na disciplina de uma sociedade de classes historicamente determinada
e trata de investigar, no discurso penal, as funções ideológicas de proclamar
uma igualdade e neutralidade desmentidas pela prática. Como toda teoria
crítica, cabe-lhe a tarefa de ‘fazer aparecer o invisível’”.37

Para essa vertente crítica, portanto, a Criminologia seria “a atividade


intelectual que estuda os processos de criação das normas penais e das
normas sociais que estão relacionadas com o comportamento desviante; os
processos de infração e desvio destas normas; e a reação social, formalizada
ou não, que aquelas infrações ou desvios tenham provocado: o seu processo
de criação, a sua forma e conteúdo e os seus efeitos”.38

37
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica Ao Direito Penal Brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ed.
Revan, 2001, pp. 32 e 33.
38
CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da reação social. Trad. E. Kosowski. Rio de Janeiro:
Ed. Forense, 1983, p. 52.

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