Você está na página 1de 4

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO
DIREITO PENAL, MEDICINA FORENSE E CRIMINOLOGIA

Disciplina: Introdução ao pensamento Jurídico-Penal (DPM0114) Docente: Alamiro V. S.


Netto Discente: Julia T. Filie Kamada

I. Resumo: DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o


homem delinquente e a sociedade criminógena. 2º edição. Coimbra: Coimbra Editora, 1997.

Apesar da Escola Clássica de direito penal ter sido plural, o que faz com que seja
praticamente impossível interpretá-la de maneira unilateral, pode-se destacar algo comum aos
autores do período: a prevalência do sistema de liberdade; garantia em oposição ao modelo
punitivista.

Considera-se que a publicação do livro O homem delinquente, de Cesare Lombroso


em 1876 marca o início da escola positivista italiana. Isso ocorreu cerca de um século depois
da publicação de Dos delitos e das penas, de Beccaria, obviamente em um cenário muito
diferente. Primeiramente, o pensamento idealista e otimista dos clássicos iluministas não foi
suficiente para mudar a situação penitenciária da Europa, visto que criminalidade não só
aumentara como também se tornou mais diversa.

Segundamente, o pensamento positivista, com todo seu rigor científico empírico e


métodos próprios parecia adequado à aplicação em todas as áreas do conhecimento. Nesse
contexto, surgiu a criminologia científica, dotada de cientificidade e método experimental,
fazendo um verdadeiro contraponto ao modelo idealista e “metafísico” da Escola Clássica.

É importante fazer a observação de que a escola positivista italiana não esgota o


positivismo em criminologia, afinal, toda investigação criminológica realizada à luz da
metodologia do positivismo (separação entre moral e ciência, crença no determinismo e
negação do livre- arbítrio, unidade do método indutivo-quantitativo, reivindicação da
neutralidade científica) pode ser considerada positivista. Além disso, considera-se Lombroso
como o pai da criminologia científica por uma questão que considera mais sua relevância e
repercussão (a partir da publicação de obras, realização de congressos e debates) do que a
cronologia de apresentação dessas ideias.

Vale citar ainda a influência de outras correntes e/ou escolas na criação da


criminologia científica: I. Teoria dos fisionomistas (pretendia diferençar o criminoso a partir
dos traços de seu rosto); II. Escola freneológica (buscava a identificação do delinquente a
partir de sinais presentes em seu crânio) e III. Psiquiatria.

A partir do século XX, a loucura passou a ser vista como uma doença mental, ao invés
de um mal resultante da intervenção de bruxas, demônios, monstros ou dos astros. Ao mesmo
tempo, o crime também passou a ser enxergado como uma questão mental. Alguns autores o
enxergavam como uma monomania (forma de loucura em que um único pensamento toma
conta da mente do indivíduo), outros como uma forma de “regressão” na escala evolutiva e
outros, como insanidade moral.

Lombroso, Ferri e Garófalo são considerados os três maiores nomes da escola positiva
italiana, sendo estes dois últimos discípulos de Lombroso. Todos convergem à medida que
suas teorias possuem o positivismo como núcleo fundamental - rejeitando, por exemplo, o
livre arbítrio e adotando a noção de determinismo -, mas, as diferenças de percurso e adoção
de diferentes áreas do conhecimento em suas teses são fatores de distinção entre os autores.
De maneira geral, faz-se uma correspondência entre os pensadores os fatores que eles mais
levam em consideração:

 Lombroso- Condicionantes antropológicas. Sua tese central é o atavismo, ou seja, o


criminoso atávico seria um homem menos civilizado que seus contemporâneos; esse
homem seria facilmente reconhecível e representava um enorme anacronismo;

 Ferri- Condicionantes sociológicas. Classificou os criminosos entre delinquente nato,


passional, ocasional, habitual e louco; além disso, estabeleceu que o crime é resultado
de múltiplas causas, que podem ser individuais ou antropológicas, físicas ou naturais
ou sociais. Foi um defensor da pena indeterminada e da indenização à vítima, além de
“advogar” em favor dos substitutivos penais, estabelecendo que o papel do direito
penal fosse a prevenção dos delitos a partir de medidas de natureza técnica e
econômico-social;

 Garófalo- Elementos psicológicos. Criou a teoria do delito natural, desenvolvendo a


ideia de que o crime seria a violação de sentimentos básicos e naturais e em suas obras
se preocupou com a explicação psicológica de como a ausência desses sentimentos
conduzia o indivíduo ao crime. Considera legítima a pena de morte sempre que o
criminoso apresentar uma anomalia psicológica que o impeça de conviver em
sociedade;

Já por volta do fim da Primeira Grande Guerra, pouco se falava do determinismo


endógeno que tanto influenciou o pensamento de Lombroso, além disso, as teorias
especificamente positivistas não sobreviveram com o tempo; entretanto, enquanto se pode
dizer que o parâmetro metodológico dessa escola não é mais utilizado, o mesmo não se aplica
a sua ideologia político-criminal. É o caso da ideologia de tratamento, a substituição da
punição penal pela terapia imposta, com consequências dramáticas para os criminosos.

Essa ideia inverte a premissa clássica que prega o recuo do poder sancionatório em
benefício dos direitos individuais, uma vez que substitui o conceito de responsabilidade
pessoal pelo de responsabilidade social, aumentando as exigências e direitos da sociedade
sobre o delinquente. A partir disso, surgem as doutrinas de prevenção especial, que dão
origem ao conceito de ressocialização do delinquente como fim preventivo-especial da pena,
alvo de muitas críticas.

Ao mesmo tempo em que a escola positivista percorreu a trajetória descrita, a


sociologia criminal se consolida, entrando em choque com ela. A sociologia criminal encara
o crime como um fenômeno coletivo e sujeito às leis do determinismo sociológico e, portanto,
previsível. Foi com as obras de Lacassagne, Tarde e Durkheim que a sociologia criminal
recebeu seus contornos.

O primeiro, Lacassagne, opunha-se ao positivismo lombrosiano afirmando que a


causa fundamental do crime era o meio social, levando em consideração as particularidades
climáticas, físicas, econômicas e sociais. Dizia que a miséria era um fator condicionante ao
crime e que se as sociedades “melhorarem a sorte dos humildes e dos pequenos, farão
diminuir o crime”.

Já Tarde tinha como núcleo central de sua obra o tema da mudança da fenomenologia
criminal em função das transformações sociais de uma sociedade, o que se denomina
arqueologia criminal. Ele se opõe a Durkheim no que tange à normalidade do crime,
afirmando que um parasita não deixa de condenar o hospedeiro à morte mesmo fazendo parte
de sua vida, nesse sentido, o crime seria simultaneamente um fenômeno social e anti-social.
Criou também as leis de imitação, dizendo que comportamentos de imitação e repetição
ocorrem em situações de hierarquia (de pai para filho, empregado para chefe) e sua
intensidade aumenta com a proximidade social.

Também se posiciona sobre a miséria, entendendo sua relevância criminológica, mas a


encarando como a disparidade entre desejos e recursos, o que não atinge só pobres, como
também ricos. Por fim, Tarde mão do conceito de livre-arbítrio, mas não é um determinista
puro: considera as questões de responsabilidade, identidade pessoal e similitude social.
Durkheim, em especial, tomou posição sobre temas caros à criminologia: definição,
normalidade e funcionalidade do crime.

No final do Século XIX, surge também a criminologia socialista, influenciada pelos


escritos de Marx e Engels, que entendia o surgimento do crime como consequência de uma
sociedade organizada sob o modo de produção capitalista, dizendo que haveria o
desaparecimento –ou drástica redução- da criminalidade após o sepultamento da sociedade
burguesa e implantação do socialismo.

Na Itália, seus maiores nomes foram Turatti (que entende que o crime patrimonial não
decorre só da miséria, mas também da cobiça e ambição típicas do capitalismo) e Colajanni,
que entende o papel da miséria e do egoísmo e privilegia a tese de que a minimização do
crime ocorrerá com a maximização da estabilidade econômica e repartição menos desigual
das riquezas. Para além do papel dos italianos, destacam-se os trabalhos do holandês Willem
Boger, que afirmava que o capitalismo tornava as pessoas mais propensas ao crime por ser um
sistema hostil aos sentimentos de altruísmo e solidariedade, já que tem como premissa básica
a competição.

O texto afirma que a criminologia socialista não vai além da concepção do crime a
partir do peso das variáveis econômicas, sendo limitada já que não oferece uma teoria
explicita e sistemática acerca do crime, e que a ausência do método reproduz estereótipos
dominantes.

Você também pode gostar