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“Bandidolatria e democídio”: a questão mais importante

de todas
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Lucas Berlanza 11/12/2018

Antes de travar contato com Bandidolatria e democídio: ensaios sobre garantismo penal e a
criminalidade no Brasil, obra de autoria dos prezados promotores de Justiça gaúchos Diego
Pessi e Leonardo Giardin de Souza, em terceira edição ampliada pela SV Editora, é
possível imaginar preconceituosamente que o livro seja um “desfile de juridiquês”. A
especulação, folgo em dizer, não poderia estar mais equivocada.

Em texto que exibe desenvoltura filosófica e profundidade teórica, os autores não recorrem
apenas, sequer majoritariamente, a doutrinadores do Direito ou a artigos jurídicos para
atacar os problemas sobre que se debruçam. Ao contrário: as duas referências mais
recorrentes na obra vêm da filosofia: ninguém menos que Olavo de Carvalho e o cientista
político Eric Voegelin. O livro ainda reúne contribuições de autores como Theodore
Darlymple e Mário Ferreira dos Santos, todos nomes facilmente reconhecíveis pelo público
liberal e conservador.

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A escolha permite que a abordagem, conquanto algumas vezes inevitavelmente e
oportunamente densa, traga ao alcance de um público menos restrito à área de formação e
atuação de Diego e Leonardo uma temática que não poderia ser de maior interesse para
qualquer brasileiro. Afinal, trata-se, sem exageros, da questão mais importante de todas
para o país, porque é a mais urgente: como, quando e por que “naturalizamos” uma
realidade dramática em que sessenta mil compatriotas perecem violentamente todos os
anos? Tudo o mais, por importante que seja, está alguns degraus abaixo em relevância; não
há como tratar de todos os outros problemas sem se preocupar primeiro com o fato de que
você tem cada vez menos convicção de que voltará ileso para casa.

O caráter crucial da questão é inegável, mas os autores não se limitaram a diagnosticá-la


superficialmente, apenas isolando-a de outros fatores que a estimulam. Em uma estrutura
dividida em duas partes, cada uma redigida por um dos procuradores, o livro apura as
causas subterrâneas e profundas desse quadro de coisas, encontrando-as na adoção de
uma ideologia abstrata, desconectada da realidade, por parte da intelectualidade e da
burocracia técnica – o mesmo “estamento burocrático” de que falava Raymundo Faoro
-, aí incluídos os juristas e funcionários públicos do Judiciário, que aposta na proteção a
“direitos humanos” como slogan para privilegiar os criminosos e sustentar o morticínio. Isso
torna o significado do título bastante claro; os autores enxergam no Brasil um culto (“latria”)
aos bandidos como vítimas sacrossantas de um “sistema injusto”, e a consequência disso é
a alimentação viciosa do “democídio” – expressão criada pelo professor norte-americano R.
J. Rhummel para significar “o assassinato de qualquer povo ou indivíduo por seu
governo”.

Diego Pessi: o gramscismo e a mentira rousseauniana

No caso brasileiro, pelo governo e as esferas de poder em geral, contaminadas pela


hegemonia esquerdista perseguida com base nas teorias de dominação cultural expostas
principalmente pelo filósofo marxista Antônio Gramsci, conforme brilhantemente exposto por
outra referência de Diego e Leonardo, o antropólogo Flávio Gordon, em seu A Corrupção
da Inteligência – livro que, aliás, tem em Bandidolatria uma interessante complementação.
De Gramsci e do substrato marxista viria a intuição falsa de que os criminosos ocupariam
um lugar inevitável na “luta de classes” contra o “direito burguês”, o que nada mais é que
uma adaptação mal disfarçada do relativismo moral da “moral revolucionária” de que, por
exemplo, já falava Trotsky: bem e mal não existem, existe a necessidade de derrubar o
sistema social inteiramente para implantar uma utopia assassina.

Em sua metade do livro, Diego Pessi se esforça por desnudar, recorrendo com riqueza a
pesquisadores, notícias e dados estatísticos, o engodo do criminoso como um produto mais
ou menos inocente das circunstâncias sociais, no pior estilo da máxima rousseauniana “o
homem é bom, mas a sociedade o corrompe”, que está por trás das ideologias criticadas no

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livro. Ele sustenta que prevalecem imensamente a subjetividade e a prerrogativa decisória
do indivíduo na hora de cometer um crime, muito mais que as injunções do meio ou as
condições socioeconômicas.

Pessi igualmente revisita uma série de lugares-comuns do politicamente correto, como a


suposta eficácia da política de desarmamento e a ideia de que a polícia “mata demais” e
“prende demais” – revelando ser o “encarceramento em massa” uma ilusão em um país em
que as prisões são sistematicamente sabotadas e mal tratadas para fortalecer o discurso da
ineficiência de medidas duras e justas contra a barbárie reinante, ao passo que o
ordenamento jurídico consagra um sem-número de dispositivos de relaxamento e
“progressão” de penas.

Uma posição polêmica para liberais mais radicais e para libertários, defendida pelos dois
autores com riqueza de argumentos e dados, é a oposição à legalização ou
descriminalização das drogas, tais como a maconha e o crack. As drogas são apontadas,
com base em textos originais que atestam a intenção de líderes socialistas de distintas
origens nesse sentido, como instrumentos de desestabilização das sociedades ocidentais,
bem como são mostradas declarações de poderosos traficantes favoráveis à legalização.

Os autores consideram uma irracionalidade a ideia de que a descriminalização inibiria a


violência, dado que os narcotraficantes “equipados com armas de guerra, que costumam
executar policiais e membros de facções rivais com requintes de crueldade”, não
“irão simplesmente depor seu arsenal e cessar suas atividades, ou, ainda, se
submeter à fiscalização do Estado e à concorrência do livre mercado”. A seu ver, o
mercado lícito potencializaria o ilícito, “aumentando o número de consumidores e
fomentando ainda mais a criminalidade”. A ideia de combater o poderoso tráfico com o
livre mercado “não leva em conta um dado básico da realidade: a liberdade só pode
subsistir quando ancorada num princípio de ordem que a restringe e disciplina” e o
tráfico de drogas não é uma força criadora da sociedade, mas sim destrutiva, estruturada no
extermínio “de qualquer concorrente ou obstáculo à expansão do cartel”.

Giardin e a história do garantismo penal

Concorde-se ou não com os argumentos, em sua parte, Giardin reconstrói didaticamente o


histórico de emergência do moderno tráfico militarizado no Brasil, que comanda o crime de
dentro da cadeia, partindo das relações do crime comum com o terrorismo de esquerda dos
anos 70, na gênese do Comando Vermelho, e dissecando minuciosamente o modo por que
as forças socialistas, do Foro de São Paulo e do megainvestidor esquerdista George Soros,
se aproveitam da estrutura do narcotráfico e têm interesses na desestabilização social daí
decorrente.

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A maior parte do texto de Giardin, contudo, é uma análise minuciosa da ideologia do
“garantismo penal” – análise que começa, aliás, com uma das exposições mais objetivas
e didáticas que já vi do conceito de “ideologia” na acepção negativa e original da palavra,
que surge na França, com o deboche de Napoleão aos teóricos políticos de sua época,
associando o termo à devoção abstrata a uma ideia que se deveria impor ao mundo
concreto.

Com riqueza de detalhes, ele mostra como essa ideologia nasceu a partir de um movimento
de juristas politizados à esquerda na Itália conturbada dos anos 70, a Magistratura
Democrática Italiana, em especial com base nas ideias do jurista Luigi Ferrajoli. O apelo
oportunista ao positivismo jurídico disfarçou, na obra de Ferrajoli, as intenções políticas de
seu apelo às “garantias dos direitos” do criminoso como preocupação máxima do julgador, a
ponto de precisar ter sempre por disposição aplicar a pena mais leve. Essa corrente
politizada procura se travestir de neutra para “adocicar” o caminho dos meliantes, ocultando
uma sub-reptícia desconfiança da aplicação contundente da justiça e do “direito burguês”.
Ferrajoli chegou a dizer às claras que “o socialismo é o projeto de uma sociedade para a
qual a destruição dos lugares antissociais do nascimento dos delitos – sobretudo a
instituição carcerária – é um efeito de sua própria estrutura”, devendo-se buscar a
superação da “ética cristã-burguesa”. Comparando-se esse discurso com muito do que se
vê por aqui, deve-se no mínimo levar a sério a denúncia de Giardin quanto à hegemonia
dessa corrente no Brasil, algo que tem marco histórico com uma reunião de magistrados no
Sul em 1986, idealizando “a resistência política revolucionária em que a Justiça fosse
uma força ativa na luta de classes, através de uma hermenêutica constitucional
visando ao que alardeavam ser ‘um direito melhor e mais justo’”.

As consequências ficam mais evidentes através de exemplos nas últimas páginas, um deles
o caso de um projeto de lei influenciado por essa ideologia que propunha extinguir sem
julgamento qualquer processo com mais de um ano de duração – modelo explícito de
desconexão da realidade, já que isso somente preservaria os casos com réus e
investigados menos abastados, incapazes de financiar recursos e mais recursos antes da
condenação.

A quantidade de conceitos e informações abordados no livro é muito vasta e este texto já se


alonga demais; concluo com uma citação de Giardin, no interesse de estimular o leitor a
percorrer as páginas do trabalho importante dos autores: “libertar o pensamento jurídico
brasileiro dos grilhões da cultura ideológica do garantismo penal talvez não seja uma
solução definitiva para o problema da criminalidade em nosso país, mas, com toda a
evidência, é o primeiro e indispensável passo para a restauração da sanidade do
nosso sistema de repressão penal e das mentes mesmas de seus operadores”.

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