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A Mística da Cidade das Damas

Sendo uma cidade há de ter uma geometria (prédios, castelos, palácios),


se há um trono que está acima deverá existir as arestas mais baixas,
pensamentos tristes como diz a segunda parte do livro primeiro. A esperança
implica em uma espera, espera por aquilo que não se percebe de pronto, a
espera é uma oferenda à divindade. Também há intensamente o coração de tal
cidade, que palpita por meio do esplendor do sol que penetra na cidade. O
sinal da cruz diante de tamanho esplendor: (PIZAN, 2008, p.61). Como todas
as virtudes estão implicadas e não se as desvenda pela razão, mas pela
sabedoria, ou seja, acima do reino dos pensamentos. A questão suprema,
então é: as coisas celestiais começam pelos sentidos? Suponho, pois que toda
a cidade seja fruto de uma experiência mística, ou dos sentidos, cf. p.63.
Então, pois, a natureza se figura nessa experiência, anterior à contemplação,
cf. página 63 e 64:

Não sei qual dos meus sentidos foi mais solicitado por sua
presença, minha audição, escutando sua fala digna, ou
minha vista, contemplando sua tão grande beleza, seus
adornos, a distinção de suas maneiras, e a nobreza de
sua face (PIZAN, 2008, p.64).
As virtudes, no entanto, passam pela razão, pois há uma separação,
entre aquilo que é hipnagógico ou da sensação pura, do desespero da
imediatez dos sentidos e do discernimento. Com efeito, a Cidade das Damas
tem seu lado místico e sua fronte racional e lógica, pois como haveria do
místico ser totalmente oposto ao racional? Dito de outro modo, como os
sentidos se revelam à razão?

Desta feita, exemplificando o fogo temos os três bastões suntuosos, na


contemplação (PIZAN, 2008, p.64). Há também evidências místicas devido aos
termos: mundo de baixo, também é notório uma essência celeste com
qualidades e leis convenientes aos diversos estados. Pergunta-se que
qualidades e leis são estas? É possível que na Cidade das Damas existam nas
três damas pelo espelho o esplendor. Espelho consoante a água viva, a
exemplo de Jesus e Nicodemos, cf. respondeu Jesus:
Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do espírito não
pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; e o que é
nascido do Espírito é espírito (João 3:5,6). Notar aqui a diferença sutil entre
Espírito e espírito, Espírito provavelmente seja o Espírito Santo, enquanto
espírito seja a Inteligência. Permanece assim a dualidade.

A essência divina pode ser vista como uma morada tríplice: no céu, na
terra e no inferno. É certo que este proceder da justiça pela essência divina em
algum grau de aproximação é não somente teológico, no sentido de canônico,
mas também da experiência e de algum modo místico. Entendendo então que
a essência tem o seu caráter duplo também ou dual, assim o aspecto da
realeza implica o complementar. Uma comparação é possível pelo tratado das
virtudes, Suma teológica V, de São Tomás de Aquino, pergunta-se se a partir
da fé a moral tem que saber tal como o ato de fé é, ou seja, se se exige total
ciência, ou ainda se é possível ter tal ciência do que se faz para ter eficácia o
ato ou se o ato é por si mesmo devido a sua finalidade? Isto é, existe uma
essência divina nos atos praticados?

A dualidade é tanto metafísica quanto moral: a fé sem as obras é morta


(Tiago 2:14-26). Pois tem o caráter do fazer com tal finalidade a questão do
grau de consciência e a medida que se sabe, também se domina e
consequentemente não somente se faz, mas se faz com a ciência. Mas assim
um ato pode não ser completo em sua abrangência a não ser que o seu fim
seja previsto e feito.

Pois se o homem fizer sem saber, ele não estará na verdade, mas ainda
titubeando. Por outro lado a depender das circunstâncias existem graus de
compreensão e de mistérios, posto que se pode agir na fé e pela fé ou na
graça e pela graça sem compreendê-las plenamente. Do mesmo modo, é
possível ter razão e ascender a um determinado caminho sem, contudo saber o
caminho todo a percorrer, já que é necessário ao caminhante apenas o
caminhar.

É relevante ressaltar que a personagem principal em tom auto-centrado


se dirige à damas, como se elas fossem intermediárias. Em certa altura a
personagem pergunta sobre se é possível alcançar as altas ciências, ao que
vem a resposta...

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