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Presença e importância do ternário na Maçonaria

A Maçonaria é uma irmandade cuja origem se perde no tempo. Apesar das


constituições fundamentais do Rito Escocês Antigo e Aceito remontarem ao ano de
1786, sua organização vem da Idade Média com a associação dos construtores. Além
do mais, os conhecimentos de que ela se faz herdeira remetem ou fazem referência às
grandes civilizações da antiguidade. Uma das características mais fortes na
transmissão deste conhecimento é que a iniciação se dá por meio do ritual e de todo o
simbolismo nele contido: começando com o templo, suas dimensões, disposição e
decoração; ao modo como se organizam os trabalhos em cada sessão.
Se por um lado este simbolismo tem um significado de apreensão mais
imediata, como por exemplo o fato de que o oriente é onde nasce o sol e do qual
provém a luz (conhecimento); por outro, é certo que a penetração ou aprofundamento
nestes significados não possuem um limite estabelecido. Em outras palavras,
recorrendo a metáfora de que o homem é uma pedra bruta a ser polida, não
saberíamos dizer até que ponto este poderia se aproximar da perfeição. Nosso
objetivo aqui é bem mais modesto. Em meio a uma diversidade tão rica de símbolos
pretendemos chamar a atenção para os números, mas sobretudo para o número três

***

De modo bem condensado a sétima instrução do Grande Oriente Minas


Gerais fala da simbologia dos números 1, 2, 3 e 4, que “além do valor intrínseco
representam verdades misteriosas e profundas, ligadas, intimamente, à própria
simbologia das alegorias e emblemas que, em nossos templos, estão bem visíveis”.
Nos fala ainda que esses números sempre foram tidos como sagrados pelos antigos,
como representação da ordem e inteligência das coisas e expressão da própria
divindade. O número Um, se compreendemos corretamente, a princípio com os
sistemas panteístas é confundido com a própria divindade, como expressão do todo,
mas com o desejo que os antigos denominavam Pothos, de sair do absoluto e entrar
no real ou concreto, a unidade só pode ser compreendida por efeito do número Dois.
Com a divisão e a diferença que este representa.
Por este motivo o Dois é considerado um número fatídico, não só no
sentido de profético como de terrível ou trágico, pois representa a dúvida, o
desequilíbrio e a contradição. Representa “o Bem e o Mal, a Verdade e a Falsidade, a
Luz e as Trevas, a Inércia e o Movimento, emfim, todos os princípios antagônicos,
adversos”. Em resposta ao antagonismo do número Dois, a instabilidade e o
desequilíbrio cessam repentinamente com o acréscimo de uma terceira unidade, o que
faz com que, simbolicamente, o número Três se converta também em uma unidade. A
nova unidade, entretanto, não é uma unidade vaga, indeterminada e isenta de uma
intervenção. Não é uma unidade primitiva e idêntica ao próprio número, mas uma
unidade da vida, do que existe por si mesmo e do que é perfeito, “eis porque o
Neófito vê, no Oriente, o Delta Sagrado, luminoso, emblema do Ser ou da Vida, no
centro do qual brilha a letra (IÔD), inicial do Tetragrama (IÔD-HÉ-VAU-HÉ)”.
No que diz respeito ao Quatro, cabe mencionar de passagem que o
Tetragrama, embora se componha de quatro letras, tem somente três diferentes (IÔD-
HÉ-VAU) para simbolizar as três dimensões do corpo. Além do mais ele tem
afinidade com a unidade, pois “4 e 1 são quadrados perfeitos, e, com as três letras
diferentes, indica que, a partir de 3, os números entram em nova fase”. Após
mencionar que o Tetragrama lembra ao aprendiz que ele passou pelas quatro provas
dos elementos, Terra, Fogo, Água e Ar, gostaríamos de retornar à importância do
número Três, tão presente no triângulo, no Delta Sagrado ou nos três pontos que o
Maçom deve se orgulhar de apor a seu nome. Sua importância está em que a unidade
por ele manifesta engloba nossa maneira de pensar, agir e sentir. E é por meio dele
que nossas ideias, levadas ao pensamento de um TODO HARMÔNICO, fazem
nascer em nós a noção de VERDADEIRO.
Ao permitir a conciliação dos antagônicos, presentes no número Dois, o
Três evita que sejamos condenados à luta estéril, à oposição cega ou à contradição
sistemática, em resumo, nos impede de ficar escravizados ao princípio da divisão,
“que a antiguidade simbolizou e estigmatizou sob o nome de ‘inimigo’ (Agranbaniu,
Cheitã, Satã, Mara, e outros)”. O símbolo que oculta esta verdade é o candelabro de 3
braços, que se vê sobre o altar do Ven∴ M∴, e o que ele representa como ideal, que
o iniciado deve ter como seu mais precioso talismã, é o anseio pelo justo, pelo belo, e
pelo verdadeiro. Além do mais, como se afirma nesta Instrução: “Três é o número da
Luz (Fogo, Chama e Calor). Três são os pontos de que o Maçom deve orgulhar-se de
apor a seu nome, pois esses três pontos, como o Delta Luminoso e Sagrado, são
emblemas dos mais respeitáveis. Representam todos os ternários conhecidos e,
especialmente, as três qualidades indispensáveis ao Maçom”.
No que diz respeito às qualidades indispensáveis ao Maçom, sobre as quais
se percebe uma certa ênfase, cabe dizer que são inseparáveis e que devem atuar de
modo harmonioso. Trata-se da Sabedoria que orienta, da Força que impele e da
Beleza que executa. São representadas pela Régua, pelo Maço e pelo Cinzel, ou pelas
colunas Sagradas do Templo, construídas ou representadas em estilo Jônico, Dórico e
Coríntio.
Em relação aos ternários conhecidos, ou sobre os aspectos em que pode ser
estudado, a Instrução citada enumera somente os principais, e nisso dá a dimensão de
como é amplo o campo do seu conhecimento. Eis a ordem de enumeração dos
ternários:
Do Tempo - Presente, Passado e Futuro.
Do Movimento Diurno do Sol - Nascer, Zênite e Ocaso.
Da Vida - Nascimento, Existência e Morte; Mocidade, Maturidade e Velhice.
Da Família - Pai, Mãe e Filho.
Da Constituição do Ser - Alma, Corpo e Mente.
Do Hermetismo - Arqueu, Azote, e Hilo.
Da Gnose - Princípio, Verbo e Substância.
Da Cabala Hebraica, da qual são tiradas as Palavras Sagradas de P ∴ da Maç ∴ -
Keter (Coroa), Hokma (Sabedoria) e Binah (Inteligência).
Da Trindade Cristã - Pai, Filho e Espírito Santo.
Da Trimurti - Brama, Vishnu e Shiva; Sat, Chit e Ananda. Dos Três Gounas,
qualidades inerentes a substância eterna - Tamas (Inércia), Rajas (Moimento) e Sattva
(Harmonia).
Do Budismo - Buda (Iluminado), Dharma (Lei) e Sanga (Assembleia de Fiéis).
Do Egito - Osiris, Isis, e Horus; Ammom, Mouth e Khons.
Do Sol, no Egito - Horus (Nascer), Ra (Zênite) e Osíris (Ocaso).
Da Caldeia - Olomus (Luz), Olosurus (Fogo) e Elium (Chama).
Podemos perceber com esta pluralidade de exemplos de que modo um
único símbolo, como os três pontos que se apõe ao nome, ou um número
relativamente limitado de variações, como os demais símbolos presentes no ritual e
que também presentificam o ternário, podem remeter a uma infinidade de conteúdos
ou significados. Neste sentido, voltamos nossa atenção para as próprias
características da iniciação, ou em outras palavras, para o modo como o ritual permite
uma transmissão do saber. Essa transmissão não é igual à do ensino escolar, em que
um conteúdo previamente organizado é oferecido como objeto de assimilação
meramente teórica ou intelectual. Os símbolos presentes no ritual não explicam, eles
presentificam uma relação com o mundo que deve ser vivenciada e decifrada; cabe a
cada um, ainda que seja auxiliado, assimilar sua verdade profunda.
Aliás, este poder metafórico dos símbolos ou sua linguagem figurada não é
exceção quando o que está em jogo é a elevação espiritual. Poderíamos recorrer aqui
à parábola do semeador contida em Mateus 13.4, primeiro por se tratar de uma
parábola, mas também porque o próprio conteúdo diz dessa relação individual com a
Palavra ou com a verdade. Pelo simples fato de ser uma parábola ela significa uma
coisa dizendo outra, fala do semeador, das sementes e dos tipos de solo, quando na
verdade o que fala é das palavras (símbolos), e do coração dos homens. Quanto ao
significado, ou a lição profunda que devemos apreender, é que: “ouvindo alguém a
palavra e não a entendendo, vem o maligno e arrebata o que foi semeado no seu
coração, este é o que foi semeado ao pé do caminho”. Há o que “ouve a palavra e
logo a recebe com alegria, mas não tem raiz em si mesmo, antes, é de pouca
duração”, este foi o semeado nos pedregais. E há o que “ouve a palavra, mas os
cuidados deste mundo e a sedução das riquezas às sufocam”, este foi semeado entre
os espinhos.
Talvez não seja mera coincidência a descrição de três situações distintas
acima. São três casos em que a semente não frutifica, falam de três ausências, mas
também podem ser entendidas como o que é preciso ter pra frutificar, quais
características são necessárias. No primeiro caso faltou a compreensão; no segundo,
sem raiz ou de pouca duração, podemos dizer que faltou vontade; e no terceiro, que
se mostra prejudicado pela sedução mundana, é a própria ação que falhou. Creio não
ser necessário nenhum grande esforço, ou aproximação indevida, para observar aí as
três qualidades indispensáveis em um Maçom, representadas pela Régua, pelo Maço
e pelo Cinzel. Tanto é que assim se conclui a parábola, sendo nossos apenas os
parênteses: “mas o que foi semeado em boa terra é o que ouve (sente) e compreende
(pensa) a palavra; e dá fruto (age), e um produz cem, outro sessenta, e outro, trinta”.
É assim, como a terra fértil, e com as qualidades da sabedoria, da vontade e da ação
que devemos nos orientar em nosso percurso.
Esta referência à parábola nos permite compreender melhor a transmissão
de um significado por alegoria ou de forma simbólica, mas também nos desperta
interesse por ter tão presente a questão ternária. Acreditamos que o conteúdo visto até
aqui, se soubermos assimilá-lo de fato, nos permite nos espelharmos no construtor,
tornarmo-nos este bom solo ou a árvore que frutifica. Não obstante, tendo em vista as
armadilhas e obstáculos no caminho, devemos trazer a discussão pra atualidade da
nossa vida. Já foram citadas como características indispensáveis ao maçom a
sabedoria, a vontade e a ação, mas até sobre questões mais básica é preciso ter
clareza. É dito com frequência e acertadamente que vivemos na era da informação,
com celulares e tablets em mãos cada vez mais nos vemos rodeados de notícias,
teorias da moda e todo tipo de informação, mas não podemos confundir a sabedoria
com o conhecimento de generalidades ou informações.
Grande parte deste conteúdo disponível se insere numa sociedade de
consumo e na lógica do marketing, e diferente da ciência e da filosofia, por exemplo,
quem têm por objetivo a compreensão de uma verdade, a linguagem da propaganda
possui outros interesses como o lucro ou o poder. Façamos aqui uma breve analogia.
Um símbolo muito presente no ritual maçom é o esquadro, mas se vamos a uma loja
de ferramentas e por facilidades compramos um esquadro mais barato é possível que
este venha viciado, que seu ângulo não seja tão reto como o pretendido. É preciso
lembrar, entretanto, que o esquadro é mais do que o instrumento material. Ele é a
concretização de uma ideia matemática perfeita, representa as características de um
triângulo retângulo e encontra sua formulação no célebre teorema de Pitágoras.
Já foi dito anteriormente que: a sabedoria que orienta, a força que impele e
a beleza que executa devem atuar de modo harmônico, entendamos, seja na vida ou
na execução de uma obra. De modo harmônico sim, mas até pela proposta e
características do presente trabalho, não devemos nos surpreender se a consciência ou
sabedoria aparecer com um certo destaque sobre as demais, até porque se a
consciência ou a forma como vemos o mundo for distorcida, a força ou vontade
também se manifestariam de modo distorcido, assim como a beleza ou ação que delas
resultam.
Outra característica do tempo em que vivemos, e que também tem suas
relações com a lógica do marketing, é que certas visões presentes na sociedade se
colocam de forma polarizada. Isto tem a ver com visões de mundo distintas, aparece
de modo muito destacado no noticiário político, e embora este seja só um exemplo,
nos adverte para uma armadilha muito comum a ser evitada. Esta polarização nos
remete à falta de uma compreensão mais aprofundada. Seja por preguiça ou por
vaidade às vezes submetemos a verdade à nossa vontade e passamos a acreditar não
no que de fato é verdadeiro, mas no que gostaríamos que fosse a verdade. Este tipo de
postura revela uma certa estagnação na lógica própria ao número dois, representa a
insistência no que é antagônico e desarmônico, se aferra às diferenças e tende a
dividir o que é mais complexo em dualismos simplistas entre bem e mal, luz e trevas,
verdadeiro e falso.
Vimos, portanto, que o verdadeiro não está no binário e antagônico, mas na
harmonia trazida pelo número três. Trazendo isto pra vida, como poderíamos
entender este três senão como o terceiro que está fora do conflito, assim como um
juíz, no direito, está equidistante das partes? Mais do que o juíz, existem diversas
funções na sociedade que cumprem um papel de mediação, e é nesta ou graças a esta
função mediadora que talvez possamos encontrar um certo equilíbrio e nos aproximar
da verdade. Esta é uma discussão que visa somente problematizar a qualidade da
nossa régua, se existe tanta oposição no mundo, e tanta gente achando que está certa,
talvez existam muitas réguas, compradas a baixo custo, circulando por aí. E o simples
fato delas darem resultados tão díspares seria motivo suficiente de desconfiança.
Em resumo, o que queremos dizer é que é preciso que sejamos sempre
cuidadosos com nossos próprios parâmetros, que a sabedoria ou a consciência não é
algo que achamos prontos no mercado, mas que é preciso ser buscado ou construído.
Poderíamos ainda dizer que é de acordo com esta consciência que podemos melhor
empregar nossa força ou direcionar nossa vontade, ou que fazendo o uso de uma
régua precisa temos as condições de escolher um maço adequado pra cada situação,
nem pesado ou grosseiro em demasia, nem delicado demais pro que pretendemos. Já
a beleza é o que se busca ou espera como consequência desta ação, o resultado da
ação. Geralmente se avalia um profissional pelo resultado da obra, pela beleza e
qualidade do que produziu. Dificilmente se questiona o processo empregado, mas
qualquer pessoa sensata sabe que sem todo o processo que o antecede o resultado não
seria possível. Ou em outras palavras, que pelo uso constante do cinzel em suas obras
o construtor também se modela a si mesmo.

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