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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

E TECNOLOGIAS APLICADAS
AO DIREITO - III

PROFESSSORES
YURI NATHAN DA COSTA LANNES
RÔMULO SOARES VALENTINI
RAQUEL BETTY DE CASTRO PIMENTA
SKEMA BUSINESS SCHOOL
Belo Horizonte Cape Town-Stellenbosch Lille Paris Raleigh Sophia Antipolis Suzhou

Lille, France
Campus
Montreal, Canada
Sophia Antipolis, France
Global Lab in Al
Campus Suzhou, China
Raleigh, USA Campus
Campus

Paris, France
Campus

Belo Horizonte, Brazil Stellenbosch, South Africa


Campus Campus

SKEMA Business School, Marketing & Communications department, non-contractual document – May 2020
SKEMA CAMPUSES

Belo Horizonte Campus Sophia Antipolis Campus Global Lab in AI


R. Bernardo Guimarães, 3071 60 rue Dostoïevski CS 30085 4200 Boulevard Saint-Laurent
Santo Agostinho, Belo Horizonte 06902 Sophia Antipolis Cédex, France Porte 685, Montréal, H2W 2R2 (QC),
MG, 30140-083, Brazil Canada
Stellenbosch Campus
Lille Campus Ryneveld Street,
Avenue Willy Brandt Stellenbosch 7 600, South Africa
59777 Euralille, France
Buzhou Campus
Paris Campus Building A4 & A5
Pôle Universitaire Léonard de Vinci 99, Ren’ai Road, Dushu Lake
Esplanade Mosa Lisa - Courbevoie Higher Education Town
92916 Paris La Défense Cédex, France 215123 SIP Suzhou
Jiangsu Province, China
Raleign Campus
920 Main Campus Drive
Venture II, Suite 101 Raleign
NC 27606 - USA

SKEMA BUSINESS SCHOOL


WWW.SKEMA.EDU
I61
Inteligência artificial e tecnologias aplicadas ao direito III [Recurso eletrônico on-line]
organização Congresso Internacional de Direito e Inteligência Artificial: Skema Business
School – Belo Horizonte;

Coordenadores: Yuri Nathan da Costa Lannes, Rômulo Soares Valentini e Raquel Betty
de Castro Pimenta – Belo Horizonte: Skema Business School, 2020.

Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-5648-098-5
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Desafios da adoção da inteligência artificial no campo jurídico.
1. Direito. 2. Inteligência Artificial. 3. Tecnologia. I. Congresso Internacional de Direito
e Inteligência Artificial (1:2020 : Belo Horizonte, MG).

CDU: 34
_____________________________________________________________________________
CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO E
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E TECNOLOGIAS APLICADAS AO
DIREITO III

Apresentação

É com enorme alegria que a SKEMA Business School e o CONPEDI – Conselho Nacional
de Pesquisa e Pós-graduação em Direito apresentam à comunidade científica os 14 livros
produzidos a partir dos Grupos de Trabalho do I Congresso Internacional de Direito e
Inteligência Artificial. As discussões ocorreram em ambiente virtual ao longo dos dias 02 e
03 de julho de 2020, dentro da programação que contou com grandes nomes nacionais e
internacionais da área, além de 480 pesquisadoras e pesquisadores inscritos no total. Estes
livros compõem o produto final deste que já nasce como o maior evento científico de Direito
e da Tecnologia do Brasil.

Trata-se de coletânea composta pelos 236 trabalhos aprovados e que atingiram nota mínima
de aprovação, sendo que também foram submetidos ao processo denominado double blind
peer review (dupla avaliação cega por pares) dentro da plataforma PublicaDireito, que é
mantida pelo CONPEDI. Os quatro Grupos de Trabalho originais, diante da grande demanda,
se transformaram em 14 e contaram com a participação de pesquisadores de 17 Estados da
federação brasileira. São cerca de 1.500 páginas de produção científica relacionadas ao que
há de mais novo e relevante em termos de discussão acadêmica sobre os temas Direitos
Humanos na era tecnológica, inteligência artificial e tecnologias aplicadas ao Direito,
governança sustentável e formas tecnológicas de solução de conflitos.

Os referidos Grupos de Trabalho contaram, ainda, com a contribuição de 41 proeminentes


professoras e professores ligados a renomadas instituições de ensino superior do país, os
quais indicaram os caminhos para o aperfeiçoamento dos trabalhos dos autores. Cada livro
desta coletânea foi organizado, preparado e assinado pelos professores que coordenaram cada
grupo. Sem dúvida, houve uma troca intensa de saberes e a produção de conhecimento de
alto nível foi, certamente, o grande legado do evento.

Neste norte, a coletânea que ora torna-se pública é de inegável valor científico. Pretende-se,
com esta publicação, contribuir com a ciência jurídica e fomentar o aprofundamento da
relação entre a graduação e a pós-graduação, seguindo as diretrizes oficiais. Fomentou-se,
ainda, a formação de novos pesquisadores na seara interdisciplinar entre o Direito e os vários
campos da tecnologia, notadamente o da ciência da informação, haja vista o expressivo
número de graduandos que participaram efetivamente, com o devido protagonismo, das
atividades.

A SKEMA Business School é entidade francesa sem fins lucrativos, com estrutura
multicampi em cinco países de continentes diferentes (França, EUA, China, Brasil e África
do Sul) e com três importantes acreditações internacionais (AMBA, EQUIS e AACSB), que
demonstram sua vocação para ensino e pesquisa de excelência no universo da economia do
conhecimento. A SKEMA, cujo nome é um acrônimo significa School of Knowledge
Economy and Management, acredita, mais do que nunca, que um mundo digital necessita de
uma abordagem transdisciplinar.

Agradecemos a participação de todos neste grandioso evento e convidamos a comunidade


científica a conhecer nossos projetos no campo do Direito e da tecnologia. Já está em
funcionamento o projeto Nanodegrees, um conjunto de cursos práticos e avançados, de curta
duração, acessíveis aos estudantes tanto de graduação, quanto de pós-graduação. Até 2021,
será lançada a pioneira pós-graduação lato sensu de Direito e Inteligência Artificial, com
destacados professores da área.

Agradecemos ainda a todas as pesquisadoras e pesquisadores pela inestimável contribuição e


desejamos a todos uma ótima e proveitosa leitura!

Belo Horizonte-MG, 07 de agosto de 2020.

Profª. Drª. Geneviève Daniele Lucienne Dutrait Poulingue

Reitora – SKEMA Business School - Campus Belo Horizonte

Prof. Dr. Edgar Gastón Jacobs

Coordenador Acadêmico da Pós-graudação de Direito e Inteligência Artificial da SKEMA


Business School
E-JUSTIÇA: DESAFIOS DA INTEROPERABILIDADE DIGITAL NO PROCESSO
JUDICIAL
E-JUSTICE: CHALLENGES OF DIGITAL INTEROPERABILITY IN THE
JUDICIAL PROCESS

Luciana Cristina de Souza

Resumo
O conceito de e-Justiça é mais amplo do que a Era Digitalização de documentos e o uso de
links da Internet para realizar atos procedimentais à distância. Representa uma nova forma de
conhecimento e o exercício da racionalidade humana, através do qual a interação entre
Estado e Cidadãos ocorre para defender direitos fundamentais. Nesse cenário, é crucial
analisar a importância das ontologias nas comunicações digitais e o papel dos profissionais
da informação técnica, bem como dos juristas, no que se refere à preocupação com a
manipulação de vocabulários controlados aplicados em juízo.

Palavras-chave: Acesso à justiça, Interoperabilidade, Processo, Tecnologia, Tesauro

Abstract/Resumen/Résumé
The concept of e-Justice is broader than the mere digitization of documents and the use of
internet links to perform procedural acts at a distance. It represents a new form of knowledge
and the exercise of human rationality through which the interaction between the State and
Citizens happens in order to defend fundamental rights. In this scenario, it is crucial to
analyze the importance of ontologies in digital communications and the role of technical
information professionals, as well as jurists, regarding the concern with the manipulation of
controlled vocabularies applied in courts.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Access to justice, Interoperability, Process,


Technology, Thesaurus

4
e-JUSTIÇA: DESAFIOS DA INTEROPERABILIDADE DIGITAL NO PROCESSO
JUDICIAL

e-JUSTICE: CHALLENGES OF DIGITAL INTEROPERABILITY IN THE JUDICIAL


PROCESS

RESUMO
O conceito de e-Justiça é mais amplo do que a mera Digitalização de documentos e o uso de links
da Internet para realizar atos procedimentais à distância. Representa uma nova forma de
conhecimento e o exercício da racionalidade humana, através do qual a interação entre Estado e
Cidadãos ocorre para defender direitos fundamentais. Nesse cenário, é crucial analisar a
importância das ontologias nas comunicações digitais e o papel dos profissionais da informação
técnica, bem como dos juristas, no que se refere à preocupação com a manipulação de vocabulários
controlados aplicados em juízo.
Palavras-chave: Acesso à justiça, Interoperabilidade. Processo. Tecnologia. Tesauro.

ABSTRACT
The concept of e-Justice is broader than the mere digitization of documents and the use of internet
links to perform procedural acts at a distance. It represents a new form of knowledge and the
exercise of human rationality through which the interaction between the State and Citizens
happens in order to defend fundamental rights. In this scenario, it is crucial to analyze the
importance of ontologies in digital communications and the role of technical information
professionals, as well as jurists, regarding the concern with the manipulation of controlled
vocabularies applied in courts.
Keywords: Access to justice. Interoperability. Process. Technology. Thesaurus.

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é refletir sobre a importância da comunicação entre os sistemas


judiciais e o uso de terminologias específicas na área jurídica como instrumento para garantir
direitos processuais de base constitucional, como devido processo legal, contraditório e acesso a
Justiça. O texto discute o problema de garantir que as prerrogativas desses cidadãos continuem
sendo preservadas, mesmo com o uso de ações digitais em vez do sistema anterior, impresso e
mais presencial em relação à execução de atos processuais. A tecnologia traz avanços, mas deve
ser implementada para que todos possam continuar sendo usuários do sistema judicial sem
problemas de entendimento ou acessibilidade; os órgãos judiciais podem manter um padrão de
operação que homogeneiza o tipo de serviço oferecido em todo o território nacional. Esses dois

5
desafios dependem, primeiro, do estabelecimento de um vocabulário controlado1 compartilhado
que contém os descritores que serão aplicados aos procedimentos legais; segundo, dos padrões de
interoperabilidade entre os sistemas em uso pelo Poder Judiciário para desempenhar sua função
constitucionalmente prevista.
Para a realização da pesquisa descritiva que resultou neste texto, foi utilizado o método
dedutivo, através do qual foi utilizada a metodologia de análise documental dos instrumentos
normativos relacionados ao vocabulário controlado e à interoperabilidade, no caso, como é uma
pesquisa de estudo de caso do Brasil. Para a realização da pesquisa descritiva que resultou neste
texto, foi utilizado o método dedutivo, através do qual foi utilizada a metodologia de análise
documental dos instrumentos normativos relacionados ao vocabulário controlado e à
interoperabilidade, no caso, como é uma pesquisa de estudo de caso do Brasil. O texto explica o
que é um vocabulário controlado e quais são os padrões de interoperabilidade.

2 RELEVÂNCIA DE UMA COMUNICAÇÃO EFETIVA

Jürgen Habermas2 nos ensina que é essencial estabelecer um discurso comunicativo na


relação política e jurídica entre o Estado e os cidadãos, com base na ética3. Portanto, esse discurso
deve ter uma reivindicação de validade, que inclua sua veracidade e inteligibilidade, sem a qual
uma das partes é afetada na interação, tornando-a ilegítima. Considerando as declarações de
Habermas, conclui-se que há uma necessidade urgente de interoperabilidade nos sistemas digitais
do Judiciário, uma vez que o direito ao devido processo é afetado quando a comunicação entre a
parte técnica dos serviços judiciais digitais, a parte o técnico-jurídico representado pelos
operadores do direito e a parte social representada pelos usuários do sistema não se comunicam
com transparência e inteligibilidade. É necessário desenvolver melhor o conceito de cidadania
digital, em que uma das características essenciais da dinâmica de interação pelas redes sociais é a
troca de informações.

Dessa percepção da interação digital como uma via de mão dupla surge um novo perfil
de cidadão, o qual, em razão do processo de redemocratização das últimas décadas
intensificou sua pressão por mais espaços deliberativos junto ao Estado, agora, com a

1
KOBASHI, Nair Yumiko. Vocabulário controlado: estrutura e utilização. Escola Nacional de Administração
Pública (ENAP), Rede de Escolas de Governo, 2008. Disponível em:
https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/1289/41/Vocabul%C3%A1rio%20controlado%20-
%20estrutura%20e%20utiliza%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em 12 de março de 2020.
2
HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.
3
CORTINA, Adela. Cidadãos do Mundo: para uma teoria da cidadania. Tradução de Silvana Cobucci Leite. São
Paulo: Ed. Loyola, 2005.

6
criação de agências virtuais devido ao uso das novas tecnologias pelo governo, apresenta
em sua conduta junto a estas o mesmo perfil proativo que neles é percebido quando
trocam experiências e buscam informações na internet.4

Considerando a existência, hoje, da cidadania digital, é correto afirmar que os meios


processuais eletrônicos devem obedecer a padrões de interoperabilidade que garantam o gozo de
direitos fundamentais relacionados ao acesso à justiça. Isso significa maior transparência na
composição dos descritores utilizados nos modelos de e-Justiça e inclusão de vários segmentos
afetados pelo processo judicial digital nos debates sobre a padronização da tecnologia da
informação aplicada a essa área. Todo o processo de governança digital deve estar impregnado
dos valores democráticos e constitucionais, a exemplo do que revela o exemplo espanhol:

garantizar la independencia en la elección de alternativas tecnológicas por parte de los


ciudadanos y las Administraciones Públicas y la adaptabilidad al progreso de la
tecnología5

Para que isso seja alcançado, cada discurso deve ter as reivindicações de: validade,
inteligibilidade, verdade e sinceridade6. Os sujeitos devem poder confiar um no outro para que a
democracia aconteça e que os direitos fundamentais sejam protegidos. O desenvolvimento de
padrões de interoperabilidade para os sistemas utilizados pelo Judiciário deve seguir essas
premissas Habermasianas e, como tal, ampara-se nas condições de comunicação pelas quais o
processo político busca desenvolver resultados racionais decorrentes de um debate deliberativo7.
A evolução tecnológica contribuiu muito para o desenvolvimento, promovendo novas
iniciativas que ajudaram a transformar a relação entre Estado e Cidadãos. Por isso, principalmente
nos processos judiciais digitais, a ética de reconhecer o outro como sujeito é essencial para a
criação de sistemas interoperáveis e, como resultado, dos vocabulários controlados de cada Área
de Conhecimento, em casos legais, para refletir sobre No seu conteúdo padronizado, a diversidade
de tópicos e direitos ali presentes. Se não forem adequadamente representados como informações

4
SOUZA, L. C. Contribuição das práticas de e-cidadania para a formulação, implantação e monitoramento das
políticas públicas. Revista Direito Público, 13(74), p. 187-202, 2017. p. 189
5
ESPANHA. Código de Administración Electrónica. Disponível em:
https://www.boe.es/legislacion/codigos/abrir_pdf.php?fich=029_Codigo_de_Administracion_Electronica.pdf.
Acesso em 05 de março de 2020. p. 608
6
HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990; HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. Lua Nova, São
Paulo, 36, p. 39-53, 1995. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
64451995000200003&lng=en&nrm=iso. Acesso em 01 de março de 2020.
7
HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. Lua Nova, São Paulo, 36, p. 39-53, 1995. Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451995000200003&lng=en&nrm=iso. Acesso
em 01 de março de 2020. p. 45

7
no sistema por meio do uso de descritores, eles poderão se tornar sub-cidadãos no ambiente digital
de e-Justiça.

2.1 Padrões de interoperabilidade

Para compreender a dinâmica entre Estado e cidadãos na Era Digital é preciso assegurar
espaço democrátivco e acesso à informação, o que é assegurado por meio de alguns requisitos de
regulação do governo eletrônico. Um deles é a adoção de padrões de interoperabilidade. Para que
se possa proseguir a análise desse artigo, seguem algumas definições sobre o termo:

La interoperabilidad es la capacidad de los sistemas de información y de los


procedimientos a los que estos dan soporte, de compartir datos y posibilitar el intercambio
de información y conocimiento entre ellos.8

Interoperabilidade é a capacidade de vários sistemas e organizações de trabalharem em


conjunto (interoperar), a fim de garantir que pessoas, organizações e sistemas de
computador interajam para trocar informações de maneira eficaz e eficiente.9

O site do governo brasileiro que determina as diretrizes nacionais de interoperabilidade


dentro do conceito de governo eletrônico, ePING, explica que

Visando facilitar o cruzamento de dados de diferentes fontes de informação, quando da


sua utilização por outras organizações integrantes da administração pública, por
organizações da sociedade civil ou pelo cidadão, devem ser utilizados recursos tais como
vocabulários controlados, taxonomias, ontologias e outros métodos de organização e
recuperação de informações.

Tais recursos podem ser desenvolvidos colaborativamente por pessoas com


conhecimento na área específica e/ou em metodologias de modelagem específicas, e os
resultados devem ser compartilhados, reaproveitados e disponibilizados em um
repositório de vocabulários e ontologias de Governo Eletrônico.10

A interoperabilidade pode ser classificada em três tipos: organizacional, técnico e


11
semântico . O aspecto técnico refere-se à interconexão de sistemas; a organização se refere à

8
ESPANHA. Portal Administración Electrónica, Estratégias, 2020. Disponível em:
https://administracionelectronica.gob.es/pae_Home/pae_Estrategias/pae_Interoperabilidad_Inicio.html. Acesso em
05 de março de 2020.
9
ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Introdução à interoperabilidade – Módulo 1. Brasília:
ENAP, 2015. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/2399/1/M%C3%B3dulo_1_EPING.pdf.
Acesso em 12 de março de 2020.
10
PROGRAMA DE GOVERNO ELETRÔNICO BRASILEIRO. Padrões de Interoperabilidade de Governo
Eletrônico – ePING. 2018. Dimensão Semântica. Diponible en: http://eping.governoeletronico.gov.br/#p1s2.1.2.
Acesso em 01 de março de 2020.
11
ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Introdução à interoperabilidade – Módulo 1. Brasília:
ENAP, 2015. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/2399/1/M%C3%B3dulo_1_EPING.pdf.
Acesso em 12 de março de 2020. p. 6-8; FUNDACIÓN TELEFÓNICA. Las TIC en la justicia del futuro. Madrid:
Editora Ariel, 2009. Colección Fundación Telefónica, Cuaderno 21. p. 205

8
criação de estruturas organizacionais para gerenciamento tecnológico; o aspecto semântico garante
o significado do conteúdo e dos dados compartilhados pelos sistemas. Este último é o foco central
do debate deste artigo, pois representa o espaço público em que o Estado, a Tecnologia da
Informação e os Cidadãos se encontram como partes importantes da definição de conteúdo para a
identificação do vocabulário controlado por cada Área de Conhecimento, in casu, o processo
judicial.
Todas essas reflexões são cruciais para a democratização dos sistemas digitais e
determinar o modelo de governança do governo eletrônico e da e-Justiça. De acordo com o Plano
Estratégico Europeu12 para a interoperabilidade da e-justiça devem ser aplicados os princípios
fundamentais da governança eletrônica são: igualdade, acessibilidade, legalidade, privacidade,
responsabilidade, adaptação tecnológica, reutilização, entre outros. Nesse cenário, espera-se que
cada agente envolvido se comprometa com a ação ética e, em relação ao Poder Público, estabeleça
limitações ao excesso de poder que alguns grupos podem querer exercer para sobrepor o princípio
da igualdade. Isso é crucial para estabelecer as bases para o padrão de interoperabilidade,
especialmente para a e-Justiça, em que vocabulários controlados que trocam informações podem
servir tanto para inclusão quanto para exclusão, neste último caso, se forem mal administrados.
Em suma, a semântica da interoperabilidade visa criar uma base dialética e acessível, facilitando
a comunicação entre sistemas para tirar proveito de seu conteúdo por diferentes setores, além de
reduzir o impacto do uso de diferentes idiomas ou meios de tradução on-line, que podem adotar
diferentes semânticas e causar desinformação ou perda de dados. Isso pode ser conseguido através
do uso de vocabulários controlados, que serão descritos no próximo subtópico.

2.2 Vocabulários controlados

Segundo o site da Financiero de Estudos e Projetos (FINEP), empresa pública brasileira


que promove a ciência, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação:

O vocabuário controlado é um instrumento de controle terminológico que estabelece a


forma de representar os termos que compõem um conjunto de áreas do conhecimento,
tornando possível maior coerência entre os termos indexados. Os termos podem ser
acessados por ordem alfabética ou digitado o termo específico.13

12
EUROPEAN UNION. 2019-2023 Action Plan European e-Justice. Official Journal of the European Union,
13/03/2019. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-
content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52019XG0313(02)&rid=6. Acesso em 05 de março de 2020.
13
FINANCIADORA DE ESTUDOS E PROJETOS - FINEP. Vocabulário controlado. Disponível em:
http://www.finep.gov.br/biblioteca-2/biblioteca/produtos-e-servicos/biblioteca-vocabulario

9
O Comitê Europeu, em seu Plano Estratégico de e-Justiça, define o seguinte:

The aim of semantic interoperability is to facilitate communication between systems by


aligning terms used in metadata and standards. It also intended to reduce the impact of
language differences by providing automatic translation, thus freeing resources for urgent
translations.

A controlled vocabulary consists of a list of terms used to index content and make it easier
to retrieve of information. The processing of data and discoverability of information can
be further enhanced and rendered more efficient by using controlled vocabularies,
identifiers such as ELI or ECLI, Artificial Intelligence and analysis of legal Open Data
and Big Data.14

Vocabulários controlados, também chamados de descritores, fazem parte das ontologias


das Áreas de Conhecimento, como hoje definidas de acordo com a Web Semântica15. O termo
ontologia, aqui, não é usado da mesma maneira que na filosofia, por exemplo, mas como um
indicador de padrões de comunicabilidade que permite que diferentes sistemas compartilhem
informações no ambiente digital16. Os vocabulários controlados são, portanto, representações do
conhecimento, que devem usar a linguagem comunicável no sentido técnico-digital e, também, no
sentido de entendimento dos sujeitos que os utilizam em suas tarefas. Não basta ter significado
para a equipe de Tecnologia da Informação, deve ser acessível e inteligível para os profissionais
que a utilizam, como advogados, e para os usuários dos sistemas que eles os aplicam, que fazem
parte de um processo judicial. Se não houver atenção suficiente na elaboração da ontologia de uma
área, pode haver pessoas excluídas, problemas processados fora de seu campo ou falhas de
comunicação entre seus setores internos (tribunais, por exemplo). Nessa perspectiva, o uso da
inteligência artificial (IA) na lei pode ser útil, pois permitiria o uso de uma maneira de aprender
novas representações do conhecimento à medida que a realidade muda.

3 IMPACTOS E DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO DE MODELOS DE E-JUSTICIA

Um dos principais desafios para a interoperabilidade é a falta de treinamento de


profissionais do direito em questões tecnológicas, o que os torna menos capazes de enfrentar os
desafios existentes. Outro é que muitos pensam que o processo judicial eletrônico é o resultado de
decisões tomadas apenas por juristas, quando, de fato, em cada país existem comitês de

14
EUROPEAN UNION. 2019-2023 Action Plan European e-Justice. Official Journal of the European Union,
13/03/2019. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-
content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52019XG0313(02)&rid=6. Acesso em 05 de março de 2020.
15
SOUZA, Luciana C. A (des)proteção normativa da cidadania. Direitos Culturais, Santo Ângelo, v. 5, n. 9, p. 119-
134, jul./dez. 2010.
16
SOUZA, Luciana C. A (des)proteção normativa da cidadania. Direitos Culturais, Santo Ângelo, v. 5, n. 9, p. 119-
134, jul./dez. 2010. p. 21

10
administração da Internet que determinam muitos descritores e formas de comunicação entre
sistemas sem advogados, juízes ou mesmo cidadãos que conhecem quem são e como trabalham.
No Brasil, os responsáveis pela coordenação das comunicações por meios digitais, principalmente
na área pública, são o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e o Programa de Padrões de
Interoperabilidade do Governo Eletrônico. E, infelizmente, atualmente não há representantes do
Judiciário participando desses órgãos. Portanto, algumas decisões cruciais sobre
interoperabilidade são tomadas sem pensar no impacto sobre o conteúdo da comunicação no caso
de procedimentos legais, nos quais a transmissão de dados e a segurança digital, embora
tecnicamente adequada, não são suficientes para garantir o devido processo legal.
Portanto, ao aplicar as diretrizes de Habermas, afirma-se que a implantação de um conjunto
de descritores deve representar o conhecimento da área e, da mesma forma, deve reconhecer os
sujeitos que fazem parte dela para estabelecer uma comunicação eficaz. Quando as pessoas não
podem ser representadas, os vocabulários podem ser parciais, como eu disse antes.

4 CONCLUSÃO

A interoperabilidade é o que torna a informação digital comunicável entre diferentes


sistemas. Comunicar significa não apenas transmitir dados eletronicamente, mas conteúdo cujo
significado condiciona a vida humana. No caso de vocabulários controlados, é inegável que existe
uma relação de poder que deve ser analisada para evitar que seu uso indevido cause discriminação
e exclusão de cidadãos. Como resultado, o debate sobre tecnologias, para ser utilizado no processo
judicial digital e, em geral, nas atividades relacionadas ao conceito de justiça eletrônica, deve ser
deliberativo na composição das ontologias, pois seu conteúdo não é apenas técnico. Tem uma base
constitucional e pode expandir ou restringir o acesso à justiça, devido processo legal, direito de
defesa e outros direitos fundamentais significativos.

11
GAMEFICAÇÃO: A METODOLOGIA QUE VAI REVOLUCIONAR O ENSINO DO
DIREITO
GAMIFICATION: THE METHODOLOGY THAT WILL REVOLUTIONIZE THE
TEACHING OF LAW

Vitoria Assis Anselmo 1

Resumo
Esse estudo busca trazer a luz da ciência a gameficação, como alternativa para as
metodologias tradicionais para o ensino jurídico. Embasando em livros, artigos e filmes,
apresenta-se a conceituação da metodologia e a análise sobre se a implementação de
elementos de jogos no ensino superior é beneficial para o individuo e para sua carreira
profissional, ou se esse método é prejudicial. Além de averiguar as regulamentações legais
atuais sobre as novas metodologias que vem transformando o espaço de sala de aula. A
pesquisa conta com o posicionamento de Karl M Kapp e diversos outros pesquisadores do
assunto.

Palavras-chave: Ensino jurídico, Gameficação, Metodologias inovadoras

Abstract/Resumen/Résumé
This study seeks to bring the light of science to gamification, as an alternative to traditional
methodologies for Legal Education. Based on books, articles, and documentaries, it presents
the concept of the methodology and the analysis of whether the implementation of game
elements in college education is beneficial for the individual and for his professional career,
or if this method is harmful. In addition to investigating the current legal regulations on the
new methodologies that have been transforming the classroom environment. This research
was done based on the position of Karl M Kapp and several other researchers on the subject.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Legal education, Gamification, Innovative


methodologies

1 Graduando em Direito, modalidade Integral, pela escola Dom Helder Câmara.

12
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A presente pesquisa apresenta seu nascedouro na busca pela análise sobre o que
diz a literatura cientifica sobre o uso da metodologia da gameficação para o ensino
jurídico. Atualmente, as universidades e faculdades tem ficado para atrás em relação a
crescente tecnológica do mundo, sendo um grande prejudicial para seus alunos. A
pesquisa procura responder questões, como os benefícios da gameficação, e definir
parâmetros para possível aplicação das metodologias inovadoras para todos.
Além dos problemas de desigualdade, um dos grandes responsáveis para evasão
escolar e pela a desistência do ensino superior são as metodologias de ensino atrasadas, que não
incentivam e intrigam o aluno a persuadir o conhecimento. Por isso, ao longo dos últimos ano,
várias pesquisas e métodos foram desenvolvidos para aumentar a participação dos alunos no
próprio ensino e, também, para desenvolver outras habilidades no estudante que o vão preparar
para a vida adulta e para o futuro emprego. Uma das mais intrigantes metodologias criadas é a
gamificação da educação, que busca provocar o aluno a buscar pelo conhecimento e desenvolver
habilidades cognitivas que não são estimuladas pela metodologia tradicional.
Nesse sentido, o Direito, por ser uma ciência muito antiga, na maioria das
faculdades e universidades, é ensinado de uma forma tradicional, ou seja, conteudista e
teórica. Contudo, devido a globalização e o crescimento da tecnologia, os profissionais
do Direito se tornaram obsoleto em algumas das suas áreas de atuação, sendo essa uma
tendência crescente. Agora, burocracias de contratos e até defesas em tribunais podem
ser feitas por robôs e computadores e por isso é preciso que o direito, assim como seu
ensino, se reinvente.
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica.
No tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e
Gustin (2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente dialético. Dessa maneira, a pesquisa se propõe a analisar a
viabilidade da aplicação dessa metodologia perante a questão orçamentaria e judiciaria,
além de estudar os benefícios e desvantagens da gameficação.
2. A FALÊNCIA DO MODELO ATUAL DE ENSINO E COMO A
GAMEFICAÇÃO PODE AJUDAR
No Brasil, o ensino fundamental, médio e superior sofre com metodologias
ultrapassadas, conteudistas e maçantes das salas de aula. Uma notícia do G1, publicada
em 19/06/2019, traz dados do IBGE que afirmam que que 52,6% dos brasileiros até 25 anos
não concluíram o ensino básico, sendo o abandona da educação um dos grandes problemas da

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educação no Brasil, o percentual da população que terminou o ensino superior é ainda menor
(OLIVEIRA, 2019) . É evidente que grande parte desse problema tem como responsável a
desigualdade social que obriga jovens a ingressarem no mercado de trabalho mais rapidamente
para aumentar a renda familiar. Entre as duas jornadas, estudo e trabalho, os jovens optam por
deixar de lado a faculdade e se dedicarem exclusivamente ao trabalho. Diante dessa realidade, o
problema se intensifica pelo fato de que os currículos das universidades e escolas são muito
engessados e pouco integrados. A coordenadora do Todos pela educação, organização não
governamental, Thaiane Pereira afirma que a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) aponta
que uma das formas mais positivas de superar a questão da evasão escolar é deixando o ensino
mais interessante, dando ao jovem mais protagonismo no seu estudo e trazendo mais
flexibilidade para os cursos, esse posicionamento valendo, também, para o ensino superior
(PERREIRA,2019).
Dessa forma, as novas metodologias aparecem como possíveis caminhos para
estimular tal protagonismo. De acordo com o portal do FNDE, metodologias inovadoras
na educação, por definição, são aquelas compostas por novos produtos e sistemas
construtivos, ou seja, métodos inovadores são aqueles capazes de construir e modificar o
ensino com ideias novas, trazendo diversos benefícios para a educação no geral (FNDE,
2018). Uma dessas técnicas é a “gameficação”. Apesar de ser um termo recente,
aparecendo em artigos pela primeira vez em 2010, o conceito que ele abarca já é bem
antigo. Esse método de ensino busca aplicar elementos de jogos no ensino, com o objetivo
de tornar o conhecimento mais dinâmico e atrativo para os estudantes de todas as idades.
De acordo com o livro “Gameficaçao na educação”, essa metodologia é a construção, de
sistemas, módulos ou modos de produção, tendo em foco as pessoas, usando premissa de
a lógica dos games, por meio do estabelecimento de metas e premiações, esse modelo
leva em consideração a motivação do aluno, o trabalho em equipe e a noção de liderança.
Além disso, a gameficação incentiva o pensamento lógico e melhora a habilidade de
resolução de problemas e a tomada de decisão dos estudantes (FADEL, 2014). No meio
jurídico, essa metodologia é de grande ajuda, uma vez que busca integrar a teoria com a
prática. Dessa forma, os estudantes de direito seriam capazes de desenvolver capacidades
cognitivas que os permitiriam, por exemplo, interpretar leis e aplicá-las de forma mais
natural e eficaz, podendo facilitar o trabalho de um advogado.
No ensino jurídico os métodos tradicionais e conteudistas estão sendo usados faz
séculos, o que vem desmotivando os alunos a seguir com o curso. Além disso, há um
fosso abissal entre as metodologias usadas no ensino jurídico e o exercício concreto das

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propostas (FACHIN, 2014). É necessário que os futuros graduandos de direito tenham
conhecimentos teóricos e habilidades práticas para estarem preparados para suas carreiras
profissionais. No artigo publicado na Revista de pesquisa e educação jurídica em 2018,
os autores Paulo Santos e Luiza Benedito, trazem a toda a ideia de que os futuro
profissionais do direito precisam de elevado padrão e desenvolvimento no conhecimento
técnico mas, é uma demanda, também, que esses conhecimentos sejam aplicados de forma
transdisciplinar e humana (BENEDITO; SANTOS, 2018) . Uma vez que com a crescente
tecnológica os trabalhos que antes eram de advogados e juízes estão sendo delegado a
robôs que são capazes de fazer o pedido, como retratado na notícia publicada no dia 18
de novembro de 2018 no site da Folha (OLIVEIRA,2018). Sendo assim, as metodologias
inovadoras são a mudança necessária para adequar o ensino ao momento histórico atual.
Por meio da gameficação, será possível integrar os conteúdos teóricos, como a
constituição e leis, à prática, por meio de simulações, jogos online ou até gincanas que
estimulem a busca do conhecimento pelo aluno.
Muito embora a gamificação no ensino jurídico ainda seja uma promessa a se
cumprir, já existem algumas instituições que já investem e incentivam o uso de tais
metodologias nas suas aulas. Um exemplo é o “Juri game”, plataforma digital em que
reúne alunos e permite que eles participem em uma serie de casos fictícios. Os estudantes
podem se dividir em acusação e defesa e simular um júri online, no qual eles poderão
aprender sobre o conteúdo jurídico da causa, compartilhar informações relativas à
disciplina, interagir e se sentirem desafiados a vencê-la. Essa plataforma é uma das muitas
que podem estimular o interesse do aluno no estudo e ainda agregar a educação a prática.
É importante ressaltar que essa metodologia, além de poder ser aplicada por meios
tecnológicos, como jogos online e dinâmicas promovidas pela internet pode, também, ser
feita sem o auxílio da internet, como por exemplo em um jogo de tabuleiro ou gincanas
na sala de aula que estimulem o estudo ativo.
3. A LEGISLAÇÃO SOBRE AS NOVAS METODOLOGIAS E O QUE É
NECESSÁRIO PARA COLOCA-LAS EM PRÁTICA
Atualmente, no Brasil, não existem legislações que regulem o uso de
metodologias inovadoras nas instituições de ensino. Contudo, de acordo com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 é obrigatório que cada
instituição de ensino tenha o seu Projeto Político Pedagógico. Esse documento tem a
função de criar um guia para a comunidade das instituições – alunos, pais, gestores,
professores, funcionários – estipulando os objetivos e modo de funcionamento. Nesse

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projeto devem constar diretrizes sobre a formação dos professores, diretrizes para a gestão
administrativa e a proposta curricular (BRASIL,1996).
Dentro desse último tópico é especificado o método de aprendizagem, ou seja,
metodologias inovadoras. Para preencher essas partes do projeto é necessário que seja
especificada qual metodologia será usada, as técnicas de avaliação, benefícios e práticas
que ocorrerão durante o curso. Sob uma visão do ensino jurídico, a gameficação seria
uma boa metodologia para ser especificada no Projeto Político Pedagógico das universais
de Direito . Isso se deve, pois, a flexibilidade curricular é um dos grandes facilitadores
para que as metodologias ativas possam ser implantadas.
Outro ponto a ser pensado e que deve ser explicitado no projeto é a formação dos
professores em relação a gameficaçao, já que eles precisam ser capazes de aplicar essa
técnica em sala de aula. Como discutido na pesquisa, há necessidade de mudanças no
processo de ensino e aprendizagem no ensino superior. No entanto, os professores
reproduzem, geralmente, as mesmas estratégias de ensino às quais foram submetidos,
reforçando o ensino tradicional. Sendo assim, com o objetivo de estudar as práticas em
sala de aula, relacionando-as com a aprendizagem do estudante e as estratégias de ensino
dos professores, foi constituído um campo de estudo denominado Scholarship of
Teaching and Learning (SoTL) (BOYER, 1990). Esse projeto busca estudar como o
ensino dos professores pode ajudar o profissional a introduzir as metodologias inovadoras
na sua forma de ensinar. Além disso, deseja que a formação de um professor não seja
apenas da formação de um pesquisador já que, um lecionador deve ser capaz de ensinar
e estimular quatro capacidades nos alunos: o descobrimento do conhecimento , a
integração do novo, a aplicação do conhecimento e a habilidade de ensinar o estudado,
como dito por Ernest Boyer em um dos seu seminários sobre o método. Dessa forma, é
evidente que para que a gameficaçao do ensino jurídico deixe de ser uma proposta no
papel é necessário que se repense, também, as pós-graduações que devem adotar um
método que vise introduzir as metodologias inovadoras, como o SoTL.
Sendo assim, não existem legislações que regulem especificamente o uso de
metodologias inovadoras na educação superior, em especial no ensino jurídico. Porém,
existem leis em que devem ser seguidas e exigem que as instituições de ensino
especifiquem seu modo de operação, a fim de analisar e verificar que eles estão de acordo
com o previsto na Lei N°9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do exposto, conclui-se que, as metodologias inovadoras, em especial a

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gameficaçao da educação, são essenciais para suprir um distanciamento entre o ensino
jurídico e a prática do Direito. Tal incongruência se deve a crescente globalização, que
modificou diversos aspectos do trabalho e da vida dos indivíduos, que por sua vez,
continuam tendo aulas tradicionais e conteudistas que são se adaptam ao novo mundo
tecnológico.
A gameficação, é uma metodologia pensada para desenvolver habilidades cognitivas
nos alunos. Essa metodologia, que utiliza elementos de jogos para estimular diversas
capacidades nos estudantes, possibilita que os alunos, por meio de um ensino mais ativo
relacionar, consigam relacionar com mais facilidade a matéria e as situações do dia a dia,
se tornando profissionais melhores e mais prestativos. Esse método é capaz também de
formar indivíduos mais preparados para as dificuldades que eles encontrarão nessa nova
era tecnológica,
Esse tipo de metodologia pode ser facilmente aplicado nas universidades e
faculdades, visto que não existem regulamentações sobre o assunto. Contudo, são
necessárias algumas mudanças, até na formação dos professores de universidade, que
precisam ser menos tradicionais e mais voltadas para a gameficação. Tudo isso deve ser
incluso, obrigatoriamente, no Projeto Político Pedagógico, e aí sim poderá funcionar
facilmente nas universidades e faculdades de Direito.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOYER, E. 1990. Scholarship reconsidered: Priorities of professoriate. San


Francisco: Jossey-Bass
BENEDITO, Luiza. SANTOS, Vitor;. O ensino jurídico sob a ótica da gameficação.
Revista de pesquisa e educação jurídica 2018. Disponível em:
https://indexlaw.org/index.php/rpej/article/view/4237/pdf. Acesso em: 14/05/2020
BRASIL. Lei n. 9.934, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.
Acesso em: 01/06/2020.
CINCO ESTRATÉGIAS PAAR COMBATER A EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO
MÉDIO. Fundação telefônica vivo, 2019. Disponivel em:
http://fundacaotelefonica.org.br/noticias/cinco-estrategias-para-combater-a-evasao-
escolar-no-ensino-medio/. Acesso em: 01/06/2020
EXPURGOS FGTS. Jurisgame. Disponivel em:
https://jurisgame.com.br/jurisgame/prepara.htm. Acesso em: 03/06/2020
FACHIN, Luiz. Limites e possibilidades do ensino e da pesquisa jurídica:
repensando paradigmas. Argumenta Journal Law, 2014. Disponível em:
http://seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta/article/view/2/2. Acesso em: 14/05/2020
FADEL. Luciane. et al. Gameficação na educação. Pimenta Cultural, 2014.
FONFOCA, Eduardo. et al. Metodologias Pedagógicas Inovadoras - Contexto da
Educação Básica e da Educação Superior. Ed. IFPF, 2018.
GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a

17
pesquisa jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
METODOLOGIAS INOVADORAS (MI). Fundo nacional de desenvolvimento a
educação. Disponível em:
https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/proinfancia/eixos-de-atuacao/mobiliario-
e-equipamentos-2. Acesso em: 01/05/2020
OLIVEIRA, Elida. Mais da metade dos brasileiros de 25 anos ou mais ainda não
concluiu a educação básica, aponta IBGE. G1, 19/06/2019. Disponível em:
https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/06/19/mais-da-metade-dos-brasileiros-de-
25-anos-ou-mais-ainda-nao-concluiu-a-educacao-basica-aponta-ibge.ghtml. Acesso em:
01/05/2020.
OLIVEIRA, Felipe. Robôs advogados analisam processos, fazem petições e
aceleram contratos. G1, 10 de novembro de 2018. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/11/robos-advogados-analisam-processos-
fazem-peticoes-e-aceleram-contratos.shtml. Acesso em: 01/06/2020
WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derechoPautas metodológicas y
técnicas para el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

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IMPRESSÃO 3D: UMA ANÁLISE JURÍDICA
3D PRINTING: A JURIDICAL ANALYSIS

Júlia Natividade Teixeira 1

Resumo
O presente trabalho, pertencente a vertente metodológica jurídico-sociológica, tem como
tema principal o impacto das impressoras 3D no mundo jurídico, no que diz respeito à
criminalidade, seja em um aspecto positivo ou negativo para o Direito, ou seja, diz respeito
explicitamente ao Direito Penal. O principal objetivo desta pesquisa é constatar de que
maneira as impressoras 3D seriam capazes de contribuir com a aplicabilidade da lei, e
examinar como essa tecnologia auxilia o mundo do crime, requerendo uma atualização no
Direito, para que se englobe esse novo aspecto do crime na sociedade.

Palavras-chave: Impressoras 3d, Direito, Criminalidade, Lei, Tecnologia, Sociedade

Abstract/Resumen/Résumé
The presente work, belonging to the juridical-sociological methodological aspect, has as it’s
main theme the impacto f 3D printers in the legal word, with regard to crime, whether in
positive or negative aspect for the Law, that is, it explicitly concerns the criminal law. The
main objective of this research is to find out how 3D printers would be able to contrinute to
the applicability of the Law, and to examine how technology helps the world of crime,
requiring na update in the law, to include this new aspect of crime in the society.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: 3d printers, Law, Criminality, Legislation,


Technology, Society

1 Graduanda em Direito, modalidade integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa, a qual tem como base as inovações positivas e negativas


produzidas pelas impressoras 3D no que concerne à criminalidade, é de fundamental
importância para o mundo jurídico e para a sociedade contemporânea. Isso se deve ao fato de
que propõe uma análise das contribuições já existentes, e em potência, das criações das
impressoras 3D para a aplicação do Direito, sem, contudo, deixar de relatar suas obras
favoráveis ao mundo do crime, o que exige, também, esforços do mundo legal para acompanhar
tais inovações.
Essas impressoras são capazes de imprimir objetos inimagináveis, e o que vem sendo
descoberto pode ser revolucionário. Apenas com algumas informações, essa tecnologia pode
contribuir imensuravelmente com os governos e as polícias na busca de criminosos procurados.
Isso é possível a partir de reconstruções feitas em 3D, como faciais ou até mesmo de digitais.
Com isso, a hipótese de ter acesso a informações privilegiadas para investigações criminais,
através de impressoras 3D, é profundamente inovadora.
Contudo, é inegável a possibilidade do uso desta tecnologia para o mal. Uma questão
que já é uma realidade em todo o mundo é a fabricação de armas de fogo em casa, e até mesmo o
roubo de propriedade intelectual, entre outros. Sem uma legislação mais específica a cerca desta
problemática, não haverá um controle eficiente sobre a questão. Além disso, este trabalho poderá
dar base a um futuro do Direito mais imerso nas tecnologias, possibilitando uma maior
acessibilidade aos aplicadores de tal.
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No
tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin
(2010), o tipo jurídico-interpretativo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente dialético. Dessa maneira, a pesquisa se propõe a expor a eficácia das
impressoras 3D no que tange à criminalidade, contribuindo com a possibilidade de mudança na
legislação e de uma adaptação dos aplicadores do Direito para com essa tecnologia.

2. AS IMPRESSORAS 3D E SUAS POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES PARA A


APLICAÇÃO DO DIREITO

O projeto Stranger Visions, da artista transdisciplinar e educadora Heather Dewey-


Hagborg, é um excelente exemplo para esta possibilidade. Neste projeto, ela criou esculturas
faciais a partir da análise de materiais genéticos que ela mesma coletou nas ruas de Nova York.
Apenas com essa informação, ela foi capaz de construir figuras reais, e extremamente

20
semelhantes à face humana. É uma espécie de retrato falado, mas basta apenas um vestígio com
o material genético do indivíduo para ajudar a procura do criminoso, sem expor a vítima ao
constrangimento de se recordar do rosto da pessoa que a lesou (HAGBORG, 2013).
Ademais, essa reconstrução facial 3D pode auxiliar o trabalho policial de outra maneira.
Através do DNA de alguma vítima, extraído, por exemplo, de fragmentos de ossos encontrados,
seria possível fazer uma reconstrução facial que ajude a reconhecer pessoas dadas como
desaparecidas. Segundo Moraes e Miamoto (2015, p.317-318): “Para o auxílio à identificação
humana através da estimativa da aparência antemortem do indivíduo [...] e o reconhecimento
desencadeado pelo reavivamento da memória de pessoas que possam conhecer a suposta
vítima”.
É válido ressaltar que, no final do ano de 2019, o Instituto Técnico-Científico de Perícia
do Rio Grande do Norte (Itep-RN) decidiu começar a utilizar a tecnologia 3D para reconstruir a
face de cadáveres não identificados. Com isso, será possibilitada a reconstrução a partir de
crânios encontrados em cenas de crimes, até mesmo quando o cadáver for encontrado em
decomposição (O INSTITUTO..., 2019).
Além dessa questão, é importante salientar quando o Departamento de Polícia de
Michigan procurou o professor Anil Jain, da Universidade Estadual de Michigan, para solicitar
sua ajuda na investigação de um crime. Foi pedido ao professor para que ele recriasse, na
impressora 3D, o dedo de um homem assassinado. A polícia já havia as digitais da vítima, e
acreditava que seu celular continha informações importantes para a investigação. Dessa forma,
com o material impresso, eles teriam acesso a seu dispositivo eletrônico. Para tanto, os cientistas
cobriram as próteses com uma fina camada de partículas metálicas que podem carregar energia e
“enganar” a tela, imitando um dedo de alguém vivo (EVELETH, 2016).
O professor Anil Jain também estudou, junto a sua equipe de biometria, a construção de
mãos através das impressoras 3D, para auxiliar, e melhorar, a segurança de scanners de
impressões digitais comumente usados em todo o mundo. Segundo Jain, em um artigo da “MSU
Today”:
Agora, outra aplicação dessa tecnologia será avaliar a resistência à falsificação
de scanners de impressões digitais comerciais. Destacamos uma brecha na
segurança e as limitações da tecnologia existente de digitalização de impressões
digitais, agora cabe aos fabricantes do scanner projetar um scanner resistente à
falsificação. O ônus deles é saber se o dedo que está sendo colocado no scanner
é uma pele humana real ou um material impresso (JAIN, 2016, tradução
nossa)1.

1
No original: Now, another application of this technology will be to evaluate the spoof-resistance of commercial
fingerprint scanners. We have highlighted a security loophole and the limitations of existing fingerprint scanning
technology, now it’s up to the scanner manufacturers to design a scanner that is spoof-resistant. The burden is on
them to tell whether the finger being placed on the scanner is real human skin or a printed material.
21
A partir da afirmação do professor, pode-se concluir que as impressoras 3D são capazes
de contribuir com o desenvolvimento de scanners mais seguros, questão essencial quando se
trata de cofres (principalmente públicos), departamentos de polícia, entre outros. Com modelos
em 3D, a tecnologia desses equipamentos de segurança poderá ser aperfeiçoada, de modo que se
tornem inacessíveis à falsidade ideológica.
Com base no supracitado, nota-se que essas impressoras são capazes de fornecer
benefícios à aplicação do Direito em diferentes âmbitos, na identificação de criminosos, na
reprodução de casos criminais, no reconhecimento de pessoas desaparecidas, e até mesmo no
aprimoramento da segurança.

3. AS IMPRESSORAS 3D E SEU AUXÍLIO E INOVAÇÃO AO MUNDO DO


CRIME

Hod Lipson, doutor pela Technion - Israel Institute of Technology e pós-doutor pela
Brandeis University e pelo MIT, junto a Melba Kurman, formada na Universidade de Cornell, na
I-School da Universidade de Illinois e na U.S. Peace Corps, produziram o livro “Fabricated: The
New World of 3D Printing”. Segundo os autores:

Como a varinha mágica de contos de fadas infantis, impressão 3D nos oferece a


promessa de controle sobre o mundo físico. Impressão 3D fornece a pessoas
comuns novas ferramentas poderosas de design e produção. [...] Em um futuro
impresso em 3D, as pessoas farão o que elas precisarem, quando e onde elas
precisarem. Porém, tecnologias são tão boas quanto as pessoas que as usam. As
pessoas podem fabricar armas e novas drogas não regulamentadas ou até
tóxicas (KURMAN; LIPSON, 2012, p.11, tradução nossa).2

Na assertiva, que é o marco teórico do presente trabalho, os autores retratam a


capacidade das impressoras 3D de reproduzirem quase qualquer objeto, devido ao fato de fazer o
que, por muitos séculos, era considerado impossível. Sustenta eles que, o que qualquer indivíduo
quiser, ele será capaz de fazer, sem, contudo, deixar de ressaltar que o que for produzido é um
reflexo da pessoa que manipula a impressora 3D. Desta forma, eles abrem o questionamento
sobre a capacidade dessa tecnologia de fabricar itens comumente usados na criminalidade.
Relacionando-se ao tópico anteriormente exposto, a possibilidade de facções criminosas
utilizarem do mesmo artefato para uso de dados de outras pessoas é uma realidade. Como
existem no mundo diversas bases de dados que armazenam as impressões digitais de cidadãos,

2
No original: Like the magic wand of childhood fairy tales, 3D printing offers us the promise of control over the
physical world. 3D printing gives regular people powerful new tools of design and production. [...] In a 3D printed
future world, people will make what they need, when and where they need it. Yet, technologies are only as good as
the people using them. People might fabricate weapons and unregulated or even toxic new drugs.
22
isso gera o risco de que, caso essas bases de dados sejam hackeadas, fossem criadas réplicas de
dedos ou mãos em larga escala. Com isso, os sistemas de segurança que operam com a
impressão digital ficam sujeitos a esse crime.
Uma realidade extremamente preocupante é a fabricação de armas de fogo em casa,
mais conhecidas como “armas fantasma”, que variam desde pistolas Glock 17 até AR-15. Essas
armas são um problema enorme para os aplicadores do Direito, tendo em vista o total anonimato
da existência delas. Elas não têm número de série, ou seja, não tem registro. Como seria possível
rastreá-las? Como a maioria de suas partes é feita de plástico, elas podem facilmente passar
despercebidas por equipamentos de detecção, como os de aeroportos. Além disso, indivíduos
proibidos pela lei de possuírem armas de fogo, poderiam produzi-las em casa sem que o
Governo e a polícia façam a menor ideia (GOMES, 2019).
Um exemplo real de tal acontecimento foi quando jornalistas do Channel 10 TV
testaram a segurança do Governo de Israel ao conseguirem ter feito uma arma 3D passar
despercebida pelo detector do Parlamento Israelense. Arma esta produzida com base em projetos
da Defense Distributed, organização sem fins lucrativos dos EUA, que fornece esquemas digitais
de armas de fogo que podem ser baixadas pela internet e utilizadas em aplicativos de impressão
3D (CAPTAIN, 2013).
Esse tipo de arma já foi banido da Austrália e do Reino Unido, e no Brasil a lei também
proíbe a produção de armas sem licença adequada. Contudo, sem uma legislação mais específica
a cerca deste tema, não haverá controle sobre a produção. Para se ter uma maior noção do
problema, ressalta-se que o primeiro modelo de arma criado em computador e impresso em três
dimensões teve seu projeto, em dois dias, baixado mais de 100 mil vezes (CORDEIRO, 2015).
Em outro contexto, destaca-se um crime denominado skimmer, que consiste em
produzir uma abertura de caixa automático semelhante a original, para os criminosos consigam
uma cópia dos dados bancários dos indivíduos durante as transações. Para tanto, eles,
denominados skimmers, conectam uma pequena câmera à placa de identificação do caixa
eletrônico. O alarmante sobre o uso das impressoras 3D na execução deste crime é o fato de que,
apenas com fotos do caixa eletrônico, elas conseguem imprimir cópias quase idênticas,
dificultando a identificação dessas fraudes pela polícia (FINANCIALLY..., 2014).
Outro fator agravante do uso das impressoras 3D é o roubo de propriedade intelectual.
Isso se deve pelo fato de ser possível a produção de réplicas de bolsas, relógios, obras, entre
outros, tão visualmente perfeitas quanto as originais. Basta apenas uma foto para que os
criminosos já consigam imprimir seu conteúdo nessas impressoras. Além disso, as invasões de
domicílio e de outros locais pode se tornar realidade, pois é possível a criação de chaves nessa
inteligência, até mesmo, como foi dito, a partir de uma foto das chaves originais (SOUZA,
23
2016).
Com base no exposto, é evidente a necessidade de estudos sobre o tema, para que haja
uma legislação extensa e completamente dedicada ao combate a esses novos tipos de delitos, em
que a tendência é aumentar cada vez mais. O Direito deverá determinar o que poderá e o que não
poderá ser feito por criadores e usuários de impressoras, de modo a conciliar o melhor
aproveitamento desta tecnologia com o combate aos crimes expostos e que ainda não são
conhecidos pela sociedade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no apresentado, conclui-se que as impressoras 3D, de fato, são uma
alternativa interessante aos aplicadores de Direito, sendo conveniente seu uso em todas as
esferas desta área, não só às grandes agências de investigação. Percebe-se que, se os
benefícios dessa tecnologia fossem mais discutidos, ela seria extremamente eficiente na
identificação de criminosos procurados, na solução de crimes, na identificação de
desaparecidos e até mesmo no desenvolvimento de dispositivos de segurança mais eficazes.
Outrossim, observa-se sua utilização pelo mundo do crime, sobre perspectivas ainda
inimagináveis. A produção de armas de fogo, uso indevido da impressão digital alheia, roubo
de propriedade intelectual, skimming, entre outros, são transgressões a partir das impressoras
3D já existentes e de gravidade ainda pouco discutida. Além disso, há a possibilidade de
crimes ainda nem conhecidos pela sociedade.
Portanto, essa tecnologia deve ser utilizada pelo Direito tanto em sua aplicação,
quanto em seu conteúdo normativo. O Direito deve acompanhar as inovações tecnológicas do
século XXI e abandonar técnicas muitas vezes rudimentares. Ademais, é necessário que os
legisladores se atentem acerca desta novidade, para que o combate ao crime oriundo das
impressoras 3D seja efetivo.

5. REFERÊNCIAS

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real. Revista Galileu, 24 jun. 2015. Disponível em:
https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/06/violencia-vai-mudar-como-os-crimes-
irao-partir-do-ambiente-virtual-para-o-real.html. Acesso em: 14 maio. 2020.

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EVELETH, R. Police asked this 3D printing lab to recreate a dead man's fingers to unlock his
phone. Splinter News, 21 jul. 2016. Seção Real Future. Disponível em:
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ITEP vai usar tecnologia 3D para reconstrução facial de cadáveres não identificados no RN. G1,
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WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para el
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25
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E ADVOCACIA: ALGUMAS APLICAÇÕES
PRÁTICAS
ARTIFICIAL INTELLIGENCE AND ADVOCACY: SOME PRACTICAL
APPLICATIONS

Otávio Morato de Andrade 1

Resumo
A inteligência artificial (IA) está rapidamente ganhando força no setor jurídico. Na
advocacia, novos softwares têm possibilitado a automatização no gerenciamento de processos
jurídicos, aperfeiçoando a qualidade dos serviços legais e tornando-os mais ágeis. Esse
estudo irá demonstrar alguns dos principais softwares de IA disponíveis na advocacia, bem
como as possíveis consequências da massificação dessas ferramentas nos próximos anos.

Palavras-chave: Softwares jurídicos, Inteligência artificial, Automatização

Abstract/Resumen/Résumé
Artificial intelligence (AI) is rapidly gaining traction in the legal sector. In advocacy, new
software has enabled automation in the management of legal processes, improving the quality
of legal services and making them more agile. This study will demonstrate some of the main
AI software available in law, as well as the possible consequences of the widespread use of
these tools in the coming years.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Legal software, Artificial intelligence, Automation

1 Advogado. Possui graduação em Direito pela UFMG e pós-graduação em Direito Civil pela PUC-MG.

26
1. INTRODUÇÃO
A automação informática já é uma realidade no mundo e o universo jurídico vem se
beneficiando há anos desses avanços tecnológicos. No Brasil, o processo eletrônico foi
difundido massivamente e se aprimora cada vez mais, ao passo que a consulta jurisprudencial
está largamente disponível nos meios digitais. Para além da automação, as inovações recentes
da computação vêm permitindo o desenvolvimento de ferramentas que utilizam uma tecnologia
instigante e desafiadora: a inteligência artificial (IA). A IA está dando origem a softwares de
arquitetura sofisticada, dotados de algoritmos capazes de desenvolver raciocínios e tomar
decisões que emulam o pensamento humano.
Mais do que automatizar tarefas repetitivas, os sistemas baseados em IA possuem
aptidão para analisar documentos e executar ações com altos índices de acerto, substituindo
trabalhadores humanos em diversas tarefas. No âmbito do Direito, essas novas plataformas têm
se mostrado capazes de aprimorar pesquisas jurisprudenciais, revisar contratos e elaborar peças
jurídicas simples. Tudo isso de forma autônoma, com pouca ou nenhuma interferência humana.
Este estudo tem o objetivo de examinar o funcionamento alguns dos principais
softwares de inteligência artificial existentes atualmente, bem como as contribuições que essas
ferramentas podem proporcionar à advocacia.

2. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (IA) E ADVOCACIA


Russel & Norvig (1995) descrevem a inteligência artificial como a capacidade da
máquina de interpretar dados de forma racional e humana, tomando decisões autônomas com
base em padrões preexistentes. Simons (2016) preleciona que é a ciência de ensinar
computadores a “aprender, raciocinar, perceber, inferir, comunicar e tomar decisões como os
humanos”. Mas como um sistema artificial é capaz de pensar de forma inteligente? De acordo
com o Grupo de Experts em IA da União Europeia, o software “percebe o ambiente em que
está imerso através de sensores, coletando e interpretando dados, processando as informações
sobre os dados recebidos para decidir qual é a melhor ação”. Esses sistemas de IA também
podem adaptar seu comportamento analisando como o ambiente foi afetado por suas ações
anteriores.
Luiz Fux entende que o conceito de IA é indissociável de um mecanismo fundamental
para a sua existência: o método de aprendizado de máquina, ou machine learning. Harry Surden
(2019) fornece uma definição precisa sobre essa técnica: “[...] consiste na capacidade de os
sistemas se adaptarem a novas circunstâncias e extrapolar padrões previamente estabelecidos,
aprendendo com os dados já conhecidos e subsidiando tomadas de decisão futuras”. No

27
machine learning, o computador é desenvolvido para “se autoprogramar” com base em sua
própria experiência. Ele reúne dados, interpreta essas informações e toma decisões
diferenciadas, trabalhando com padrões cognitivos similares aos usados por humanos (ARENS,
2017). Além das adaptações realizadas pelo próprio sistema com base em sua experiência
prévia, o machine learning pode se dar através da intervenção humana. Neste sentido, os
desenvolvedores podem reeditar o código do software, fazendo ajustes e correções até que o
computador passe a executar a tarefa com grau aceitável de acuidade.
A partir de 2010, os consequentes avanços científicos possibilitaram a introdução da
inteligência artificial em softwares jurídicos como o ROSS e o LawGeex, sistemas que, como
veremos adiante, são capazes de analisar contratos e emitir pareceres jurídicos com enorme
velocidade e precisão. Luiz Fux (2019, p. 3) relata que a IBM definiu seis categorias de
potenciais aplicações da inteligência artificial ao Direito, a saber: previsão de resultados de
conflitos judiciais, elaboração de peças jurídicas; revisão de contratos; identificação de padrões
em decisões judiciais; rastreamento de propriedade intelectual e mecanização do faturamento
de honorários.
O uso da IA na advocacia tem atraído muita atenção nos últimos anos. Atualmente, a
Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L) registra mais de cinquenta startups no
mercado legal no país. Há dois anos atrás existiam apenas vinte empresas do gênero. A AB2L
divide as Lawtechs brasileiras em onze categorias, a saber: i) analytics e jurimetria; ii)
automação e gestão de documentos; iii) compliance; iv) conteúdo jurídico, educação e
consultoria, v) extração e monitoramento de dados públicos; vi) gestão jurídica; vii) inteligência
artificial; viii) redes de profissionais; ix) regtechs; x) resolução de conflitos online e xi) taxtech.
Dentre essa extensa gama de aplicações, nos interessa, em especial, o uso da
inteligência artificial no cotidiano da advocacia. Nos tópicos a seguir, demonstraremos
exemplos de softwares que utilizam alta tecnologia para solucionar problemas jurídicos.
Embora também executem tarefas tradicionais de automação, todos estes sistemas possuem um
diferencial importante: eles são equipados com algoritmos de inteligência artificial, que
permitem o processamento de informações, a interação fluida com o usuário e o
aperfeiçoamento constante do software através do aprendizado de máquina.

2.1 CONFIABILIDADE E PRECISÃO: O ROBÔ “ROSS” DA IBM


Desde 2014, pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, vêm
desenvolvendo o software ROSS. A plataforma é baseada em tecnologia de inteligência

28
artificial da IBM1, e tem por objetivo oferecer pesquisas detalhadas e confiáveis aos advogados
na busca de argumentos para suas ações, através da comparação de jurisprudência, doutrina e
normas legais. O ROSS pode processar, em apenas um segundo, quinhentos gigabytes de dados,
o equivalente a um milhão de livros. Isso permite que ele arquive toda a legislação do país,
jurisprudências, precedentes, citações e qualquer outra fonte de informação jurídica. Além
disso, pode atualizar seu conteúdo vinte e quatro horas por dia, todos os dias, e alertar o
advogado sobre informações recentes que afetem um caso em que está trabalhando.
De acordo com Michal Addady (2016), a plataforma também é capaz de extrair
conclusões ao analisar a literatura jurídica, selecionar informações relevantes para um caso
específico, formular hipóteses, gerar respostas sustentadas por referências e interagir com o
usuário. A interface do sistema é simples e intuitiva: o advogado faz uma pergunta e o robô
soluciona a questão, citando precedentes jurídicos, leis relacionadas e até um percentual de
confiabilidade da resposta fornecida. O sistema também é capaz de pesquisar em outros idiomas
e alertar o advogado para novas mudanças de entendimento e tendências jurisprudenciais.
Em 2016, a Baker & Hostetler, uma das maiores bancas de advocacia dos EUA,
“contratou” o ROSS para a automatização de tarefas jurídicas na área de falências. O software
foi instalado nos computadores dos escritórios da firma, e já está operando como fonte de
pesquisas para cinquenta advogados da divisão de falências. Segundo Luiz Fux (2019, p. 3), o
ROSS possui um subsistema ainda mais automatizado, chamado EVA, que funciona
especificamente para a análise de peças processuais. No EVA, o usuário pode inserir a petição
inicial ou contestação apresentada pelo advogado da outra parte, deixando que a máquina
pesquise a jurisprudência citada, identifique as partes do texto mais relevantes, busque
jurisprudência atualizada sobre essas informações e apresente-as de forma concisa.

2.2 RASTREANDO DEFEITOS: “LAWGEEX” E A ANÁLISE CONTRATUAL


A LawGeex é uma empresa israelense fundada em 2014, que desenvolve tecnologia
automatizada de revisão de contratos. O sistema visa reduzir os recursos humanos e financeiros
com a análise e aprovação de minutas, e foi projetado para responder à seguinte pergunta:
"Posso assinar isso?”. Para solucionar a questão, o robô utiliza algoritmos computacionais que
examinam as cláusulas, verificam a sua legalidade com base no ordenamento jurídico e
investigam se o contrato cumpre critérios preestabelecidos pelo usuário. Caso seja encontrada

1
O Ross utiliza como base o sistema de inteligência artificial Watson, desenvolvido pela IBM. Pode-se dizer,
portanto, que o Ross é uma variante jurídica do Watson (SILLS, 2016)

29
uma contradição jurídica ou um dispositivo contratual que possa prejudicar os interesses do
usuário, o sistema envia um alerta ao advogado para que ele revise a cláusula defeituosa ou
indesejada.
Em um estudo divulgado pela LawGeex (Comparing the Performance of Artificial
Intelligence to Human Lawyers in the Review of Standard Business Contracts), advogados
americanos com décadas de experiência em direito societário e revisão de contratos foram
confrontados com um computador para detectar problemas em cinco contratos NDA (Non-
Disclosure Agreement)2. Os profissionais humanos competiram contra um sistema LawGeex,
que foi desenvolvido por três anos e treinado através de machine learning com base em dezenas
de milhares de contratos.
Após extensos testes, o sistema alcançou uma média de 94% de acertos na
identificação de cláusulas problemáticas, enquanto os advogados atingiram um índice de 85%.
Em média, foram necessários 92 minutos para que os profissionais humanos analisassem todos
os cinco NDA’s propostos. O advogado que consumiu mais tempo gastou 156 minutos na
análise, enquanto o profissional mais rápido fez a revisão em 51 minutos. Por sua vez, o
computador concluiu a tarefa em apenas 26 segundos.

2.3 “LEXMACHINA”: EXAME DE PATENTES E AVALIAÇÃO DE RISCOS


Fundada em 2010, a LexMachina é fruto de pesquisas desenvolvidas nas faculdades
de Direito e de Ciência da Computação da Universidade de Stanford. O nome da empresa é
uma expressão latina que significa “máquina do direito”. A empresa oferece um conjunto de
aplicativos que possibilitam uma gama de ferramentas aos advogados, entre as quais: i) avaliar
o grau de ameaça representada por um novo caso, simulando riscos de prejuízos financeiros e
sanções judiciais; ii) permitir a elaboração de peças jurídicas com argumentação robusta e
confiável e iii) emitir relatórios sobre patentes e avaliar disputas de propriedade intelectual.
De 2000 a 2013, o LexMachina compilou dados de 147.000 casos de propriedade
intelectual, montando uma extensa base de dados de patentes, direitos autorais, marcas
registradas e casos antitruste. O sistema também é capaz de extrair publicações do
Departamento de Marcas e Patentes e das cortes judiciais estadunidenses, disponibilizando-os
para pesquisa dentro da plataforma. A mineração dessas informações permite que os advogados

2
Um acordo de não-divulgação (NDA, Non-Disclosure Agreement) é um contrato legal de confidencialidade,
através do qual as partes concordam em não divulgar determinadas informações.

30
acompanhem tendências processuais de tribunais específicos, históricos de advogados e das
partes adversárias, além de estimar prováveis custos e desdobramentos do litígio.

2.4 ASSISTENTES VIRTUAIS INTELIGENTES


Chatbots (em inglês “chat” = conversa; “bot” = robô) são softwares que tentam simular
um ser humano na conversação com as pessoas. O objetivo desses programas é responder
perguntas de tal forma que o usuário tenha a impressão de estar conversando com outra pessoa
e não com um programa de computador. Depois que o usuário formula um questionamento por
mensagem de texto, o programa consulta seu banco de dados ou a internet, e em seguida fornece
uma resposta em linguagem humana e acessível. Desta forma, o software constrói respostas
automatizadas com base em palavras-chave contidas na pergunta inserida. Os chatbots também
utilizam aprendizado de máquina para aumentar o grau de precisão das respostas e dar mais
naturalidade às conversas, tornando os chats com mais parecidos com as interações humanas.
O DoNotPay, ou numa tradução livre, “Não pague a sua multa”, é um aplicativo
disponível na AppleStore, que utiliza um sofisticado chatbot para responder consumidores
insatisfeitos com serviços de outras empresas ou órgãos públicos. Quando foi criado, em 2015,
a ideia inicial era que o DoNotPay examinasse multas de trânsito inseridas pelo usuário,
formulando dicas personalizadas para que o motorista escolhesse os melhores recursos
administrativos ou jurídicos para contestar a sanção. De acordo com o The Guardian, o
aplicativo solucionou 160.000 casos em menos de dois anos, livrando usuários de mais de 4
milhões de dólares em multas.
Com o tempo, a abrangência e complexidade do sistema aumentaram, e o aplicativo
passou a oferecer “assistência jurídica” a pessoas com as mais diversas reclamações sobre
órgãos públicos ou empresas, tais como: problemas com aplicativos de entrega,
desentendimentos com companhias aéreas, contestação de taxas bancárias consideradas
abusivas, etc. Ao receber a reclamação do cliente, o programa faz uma série de perguntas
específicas sobre a situação para, então, orientar o usuário sobre seus direitos e formular uma
lista de documentos que autor precisaria para dar entrada no processo. O DoNotPay também
fornece orientações sobre os trâmites processuais, como audiências e estimativas de prazo, caso
o autor decida processar a empresa.

3. CONCLUSÃO
A crescente indústria de tecnologia jurídica está colocando um conjunto cada vez
maior de ferramentas de IA à disposição dos escritórios de advocacia. Atualmente, a maioria

31
desses recursos está direcionada para a revisão de contratos, análise jurisprudencial e pesquisa
de documentos. Neste contexto, o uso de robôs pode transformar a vida jurídica e o cotidiano
dos escritórios, suscitando novas perspectivas para a advocacia, como por exemplo: 1)
eliminação de algumas tarefas do advogado, sobretudo as que envolvem organização de
documentos e pesquisas jurisprudenciais; 2) criação de empregos relacionados à concepção e
gerenciamento de ferramentas automatizadas; 3) aumento da eficiência dos escritórios, com
economia de tempo e recursos financeiros, que poderão ser reinvestidos pelo advogado de
várias formas; 4) redução da morosidade na Justiça, ensejando maior eficácia na prestação
jurisdicional e melhoria no atendimento dos advogados pela estrutura dos órgãos judiciários.
Todavia, os softwares de IA dificilmente substituirão, com plenitude, o trabalho de um
bom advogado na redação de peças jurídicas sofisticadas e no raciocínio estratégico em casos
mais complexos, uma vez que a IA ainda está longe de adquirir capacidade de dimensionamento
ético e ponderação de valores para mensurar as especificidades de cada caso em concreto.

REFERÊNCIAS
ADDADY, Michal. Meet Ross, the World's First Robot Lawyer. Rev Fortune. Mai 2016. [acesso em
15/06/2019] Disponível: http://fortune.com/2016/05/12/robot-lawyer/
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democratizar o acesso ao judiciário. STJ. Brasília, 2019.
ARENS, Bob. Cognitive computing: Under the hood. Thomson Reuters. Jan 2017 [acesso em
06/06/2019]. Disponível em https://blogs.thomsonreuters.com/answerson/cognitive-computing-hood/
FUX, Luiz. Palestra sobre Inteligência artificial. Conjur. Fev 2019. [acesso em 08/06/2019] Disponível:
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MARTINS, Kamila Mendes. Brasil chega a 1 milhão de advogados. [acesso em 15/06/2019] Disponível:
https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/brasil-chega-a-1-milhao-de-
advogados-636e8p084e82q2vq2du4excr1/
RUSSEL, Stuart. & NORVIG, Peter. 1995 by Prentice-Hall, Inc. A Simon & Schuster Company
Englewood Cliffs, New Jersey
SIMONS, John. Tomorrow’s Business Leaders Learn How to Work with A.I. The Wall Street Journal.
Nov. 2016.
The Guardian. Chatbot lawyer overturns 160,000 parking tickets in London and New York. Jun 2016.
[acesso em 15/06/2019] Disponível: https://www.theguardian.com/technology/2016/jun/28/chatbot-ai-
lawyer-donotpay-parking-tickets-london-new-york.

32
FERRAZ, Fred. Jurimetria é ferramenta importante nas mãos de um bom advogado. Rev Conjur. Out
2018. [acesso em 14/06/2019] Disponível: https://www.conjur.com.br/2018-out-12/fred-ferraz-
jurimetria-ferramenta-importante-direito
SILLS, Anthony. ROSS and Watson tackle the law. AI for Enterprise. IBM. Jan 2016. [acesso em
15/06/2019] Disponível: https://www.ibm.com/blogs/watson/2016/01/ross-and-watson-tackle-the-law/
SURDEN, Harry. Artificial Intelligence and Law: An Overview. Georgia State University Law Review,
Vol. 35, 2019 University of Colorado Law Legal Studies Research Paper No. 19-22.
ZIMMERMANN, Gustavo. Empresas Analitcs e Jurimetria. Lexnet. Jun 2018. [acesso em 15/06/2019]
Disponível: http://www.lex-net.com/new/empresas-analitcs-e-jurimetria/

33
INTERNET DAS COISAS E DIREITO DA PERSONALIDADE: LIMITES ÉTICOS E
JURÍDICOS DA INTIMIDADE E DA VIDA PRIVADA
IOT AND PERSONALITY RIGHTS: ETHICAL AND LEGAL LIMITS OF THE
INTIMACY AND PRIVATE LIFE

Marcelo Negri Soares 1


Valéria Julião Silva Medina 2

Resumo
Por meio do método dedutivo, baseado em análise e revisão bibliográficas, o estudo objetiva
apresentar a importância das normas éticas e jurídicas para garantir os direitos da
personalidade dos indivíduos, como a intimidade e vida privada, diante dos avanços da
tecnologia, em especial da internet das coisas (IoT).

Palavras-chave: Internet das coisas (iot), Direito da personalidade, Limites ético-jurídicos

Abstract/Resumen/Résumé
Through the deductive method, based on bibliographic analysis and review, the study aims to
present the importance of ethical and legal rules to garantee the individual personality rights,
such as intimacy and private life, in face of advances in tecnology, especially the internet of
things (IoT).

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Internet of things (iot), Personality rights, Ethical-


legal limits

1Pós-Doutor pela Universidade Nove de Julho e USP. Professor do PPGCJ - UNICESUMAR. Professor
visitante na Universidade de Coventry, Inglaterra (Programa de Doutorado em Direito e Negócios).
2Pós-doutoranda e bolsista da CAPES - artigo vinculado do PPGCJ do Centro Universitário de Maringá –
UNICESUMAR, através da linha de pesquisa de instrumentos de efetivação dos direitos da personalidade.

34
1

INTRODUÇÃO

Inovações disruptivas são, geralmente, desenvolvidas para garantir um avanço para seus
destinatários. É natural pensar que se Thomas Edison não tivesse descoberto a lâmpada,
Graham Bell, o telefone, dentre outras tantas inovações, certamente esta sociedade não estaria
no estágio de desenvolvimento tecnológico que vive hoje.
Entretanto, é evidente que muitas destas descobertas, podem e devem ser temidas pela
sociedade atual, em virtude do grau de ofensividade que podem trazer ao ser humano, o que
deve ser objeto de análise e tutela pelo direito.
Há muito se ouve a história de que os inventores da bomba atômica, os físicos Szilard e
Oppenheimer, consubstanciados nos estudos iniciais desenvolvidas por Einstein,
arrependeram-se da grande descoberta que fizeram, considerando os efeitos devastadores que
causaram na humanidade durante a 2ª Grande Guerra.1
Ao adentrar no século XXI, é perceptível que a automação é um caminho sem volta.
Vive-se em uma sociedade formada essencialmente por pessoas jovens pertencentes à chamada
‘geração Y’ ou ‘millennial’, ou seja, os nativos digitais, considerados aqueles nascidos entre os
anos de 1977 a 1997, do século XX. Não se pode, entretanto, afastar a existência dos super
jovens, integrantes da ‘geração Z’ ou ‘centenial’, considerados aqueles nascidos entre os anos
de 1998 a 2010, cuja inovação tecnológica já pode ser considerada parte de seus DNA’s e a ora
denominada ‘geração ALPHA’, que ainda crianças e/ou adolescentes na data de hoje, também
pertencem ao ambiente tecnológico por essência. Por fim, não se pode descartar a sobrevivência
de alguns integrantes da ‘Geração X’, os nascidos entre 1965 e 1976, que foram obrigados a se
adaptar aos ditames das novas tecnologias modernas. (TAPSCOTT, 2010)
Neste contexto de globalização tecnológica, tornou-se imprescincível uma mudança de
paradigmas axiológicos, culturais, sociais e até mesmo educacionais e comunicativos. Dentre
as tecnologias disruptivas que integram a sociedade pós-moderna, ora denominada de quarta
revolução industrial2, está a IoT - internet of things, sigla em inglês que significa ‘internet das

1
Disponível em: https://super.abril.com.br/historia/a-historia-da-bomba-atomica-e-seu-genocidio-instantaneo/
Acesso em 10.06.2020.
2
Denominação dada à atual revolução tecnológica do planeta; a primeira ocorreu aproximadamente entre 1760 e
1840, provocada pela construção das ferrovias e pela invenção da máquina a vapor, dando início à produção
mecânica; a segunda revolução industrial, foi iniciada no final do século XIX, entrou no século XX e, pelo advento
da eletricidade e da linha de montagem, possibilitou a produção em massa; a terceira revolução industrial começou
na década de 1960 e costuma ser chamada de revolução digital ou do computador, pois foi impulsionada pelo
desenvolvimento dos semicondutores, da computação em mainframe (década de 1960), da computação pessoal
(décadas de 1970 e 1980) e da internet (década de 1990); já a quarta revolução industrial teve início na virada do
século e baseia-se na revolução digital, mas é bem mais avançada, eis que caracterizada por uma internet mais

35
2

coisas’, o qual impõe uma interconexão entre pessoas e coisas através da internet, objetivando
uma facilitação da vida humana em sociedade. (SOARES, KAUFFMAN, CHAO, SAAD,
2020)
Diante destas premissas, serão analisados, a partir do método hipotético-dedutivo de
pesquisa, o que, de fato, é a internet das coisas (IoT) e como ela se apresenta perante a sociedade
atual, assim como quais seus efeitos no que tange à possíveis violações de direitos da
personalidade do indivíduo. Por fim, será objeto de análise fatores éticos de seu uso e como as
regras jurídicas devem servir como instrumento de proteção contra possíveis abusos.
1. A INTERNET DAS COISAS COMO UMA INOVAÇÃO DISRUPTIVA À
DISPOSIÇÃO DA SOCIEDADE

A experiência vivida nesta sociedade de informação, dentro do contexto já exposto


acerca da quarta revolução industrial, decorrente da evolução da inteligência artificial,
demonstra que o desenvolvimento de softwares que venham auxiliar o humano na tomada de
decisão e/ou facilitação de suas atividades cotidianas, dentre outros aspectos, cada vez mais tem
se tornado uma ferramenta essencial.
A partir desta premissa, é possível constatar a função predominante da internet nesta
realidade. Por ser um ecossistema de informações constantes, foi e é através desta que a
sociedade se tornou ainda mais globalizada, reduziu suas diferenças culturais, as barreiras do
binômio espaço e tempo, uma vez que é possível falar com várias pessoas que estejam em todas
as partes do planeta, simultaneamente. E é importante pensar em termos de inovações globais,
inclusive no campo legislativo, admitindo, alguns, até mesmo uma supra legalidade (SOARES,
KAUFFMAN, SALES, 2019).
Enquanto a internet limitava-se a uma rede privada para uso pessoal, havia uma regra
de conduta estabelecida, denominada netiquette3. No entanto, com a comercialização da rede
tais “regramentos” foram esvaziados e durante algum tempo chegou a ser chamada de “terra

ubíqua e móvel, por sensores menores e mais poderosos que se tornaram mais baratos e pela inteligência artificial
e aprendizagem automática (ou aprendizado de máquina). SCHWAB, 2016, p. 19-20
3
A etiqueta na Internet (netiquette) era um elemento importante nas relações entre usuários de redes acadêmicas.
Uma preocupação permanente da comunidade foi a de estabelecer regras de educação e de convivência entre pares,
que começaram nos dias das listas de discussões e persistiram por algum tempo na Internet. Algumas regras básicas
referiam-se à postagem: use assinaturas simples, evite a postagem de mensagens repetidas e as listas de distribuição
indiscriminada, use de modo apropriado os campos de destinatário e de cópia. Outras diziam respeito ao conteúdo:
mantenha-se aderente aos temas da lista de discussões ou do fórum, seja sucinto na mensagem, evite abreviações
e gíria, evite críticas ou agressões pessoais, não procure encerrar um thread com a postagem de mensagens
desqualificadoras. E, muito ofensivo, não use letras maiúsculas, pois equivale a dizer que você está gritando.
(LINS, 2013, p.21)

36
3

sem lei”, até que legislações específicas fossem aprovadas com a finalidade de estabelecer os
limites de uso e as respectivas responsabilizações.
A evolução das relações interpessoais no ambiente virtual é um fato notório. É
perceptível que a evolução tecnológica, com o auxílio da internet, trouxe uma ruptura
significativa com a realidade social experimentada antes de sua ascensão, no qual se encontra
a internet das coisas (IoT).
Em que pese as divergências conceituais, internet das coisas (IoT) pode ser entendido
como um ambiente de objetos físicos interconectados com a internet por meio de sensores
pequenos e embutidos, criando um ecossistema de computação onipresente (ubíqua), voltado
para a facilitação do cotidiano das pessoas, introduzindo soluções funcionais nos processos do
dia a dia. O que todas as definições de IoT têm em comum é que elas se concentram em como
computadores, sensores e objetos interagem uns com os outros e processam informações/dados
em um contexto de hiperconectividade. (MAGRANI, 2018, p. 20)
Na prática, a IoT já engloba bilhões dos chamados dispositivos “inteligentes” que
podem ser identificados de maneira exclusiva e são capazes de coletar, armazenar, processar e
compartilhar uma ampla gama de dados sobre o funcionamento das próprias coisas e sobre
ambiente – e, portanto, também sobre os indivíduos – em torno delas. De fato, o objetivo da
IoT é facilitar a conexão de todos os objetos e dispositivos do dia a dia a redes eletrônicas, que
podem compor a internet, mas também redes fechadas, como intranets privadas, para melhorar
a coleta de dados e melhorar a eficiência por meio do processamento de dados. (BELLI, 2019)
Segundo McKinsey Global Institute, o impacto econômico da internet das coisas será
de US$ 3,9 a 11,1 trilhões por ano, em 2025, significando 11% da economia mundial. Neste
contexto, conclui a pesquisa que os usuários serão o maior potencial econômico, rendendo cerca
de US$ 7,5 trilhões, diante da oferta de maior comodidade, melhores produtos e serviços,
através do uso de IoT, mas deixa claro que essa tecnologia digital deve impactar a estratégia
empresarial, impondo novos modelos de gestão. (MANYIKA; et al., 2015)
Devido a estimativas como essas, a IoT vem recebendo fortes investimentos do setor
privado e surge como possível solução diante dos novos desafios de gestão pública,
prometendo, a partir do uso de tecnologias integradas e do processamento massivo de dados,
soluções mais eficazes para problemas como poluição, congestionamentos, criminalidade,
eficiência produtiva, entre outros. Com o aumento exponencial de utilização desses dispositivos
que já existem ou que entrarão em breve no mercado, devemos estar atentos aos riscos que isso
pode acarretar para a privacidade e a segurança dos usuários. (MAGRANI, 2018, p. 24)

37
4

2. CONSEQUÊNCIAS ÉTICO-JURÍDICAS DA INTERNET DAS COISAS (IoT)

Em uma visão monocular, a ideia de utilização de dispositivos inteligentes


interconectados que propiciam o auxílio de humanos nas tarefas cotidianas, por máquinas, é
inequivocamente positiva. A utilização de utensílios inteligentes, como relógios, celulares,
óculos, carros, casas etc., que possam não só ampliar o contato, mas também enviar mais
informações sobre o uso e/ou consumo sobre esta mesma coisa, a princípio, só pode ser
concebida como uma realidade iminente e benéfica para a sociedade como um todo, seja para
o indivíduo, como para a coletividade.
No entanto, é importante enxergar que no ambiente de internet, o bem mais valioso são
os dados pessoais de seus usuários. Hodiernamente, dados pessoais valem mais do que petróleo,
o que se pode confirmar pelo volume financeiro já movimentado e em crescente expansão do
segmento, consoante dados e projeções estatísticas já mencionados.
É perceptível que muitos dados pessoais são colhidos por dispositivos interconectados
voluntariamente pelos usuários, sem que estes saibam do destino e consequências destes dados
armazenados, sendo certo que podem oferecer riscos a direitos fundamentais destas pessoas,
como privacidade e intimidade, expondo-os à danos sem que tenham conhecimento.
A captação não consentida de dados é facilmente percebida em qualquer lar deste país,
desde que seus integrantes tenham um aparelho celular em formato smartphone ou até mesmo
televisões, relógios e outros dispositivos do mesmo formato smart. E não é só por busca de
informações digitadas na rede mundial de computadores que os dados são captados. Tem sido
cada vez mais comum estes aparelhos inteligentes, interconectados, detectarem a voz das
pessoas e transformá-la em algoritmos, hipótese em que ao abrir qualquer dispositivo ligado à
internet, diversas propagandas serão exibidas para este usuário.
Este é um fato da vida real e não um filme de ficção científica!
As práticas disruptivas como fenômeno social também são verificadas na sociedade pós-
moderna em que vivemos até nos dias de hoje. A desumanização é uma realidade corrente,
guerras, pobreza, milhares de pessoas refugiadas e outras mazelas sociais vistas diuturnamente
acabaram gerando um sentimento mais passional na humanidade que passou a encarar esses
fatos de uma forma mais distante, atribuindo a responsabilidade aos governantes.
É verídico que a globalização e o estreitamento de barreiras trazidos pela internet, foi
um fato positivo, mas as agruras que a sociedade tem suportado diante desta “desumanização”
perceptível é, sem dúvida, em parte, surgida pela crescente tendência deste ambiente volátil que
a internet criou.

38
5

A “alienação do eu” é objeto de críticas desde o século XIX, através das ideias de Marx
que afirmava que os humanos haviam se tornado alienados de sua própria essência como
resultado sistêmico do capitalismo. Já no século XX, o sociólogo e psicanalista alemão Erich
Fromm afirmou que o problema havia mudado, pois as pessoas alienadas do senso do eu,
haviam perdido a habilidade de amar e raciocinar por si mesmas e corriam o risco de se tornar
robôs. (FROMM, 2015, p. 188)
A integração entre os mundos físico e digital fomentada pela IoT e a capacidade de
coleta de dados que ela facilita, provavelmente afetará não apenas o desempenho dos serviços
e dispositivos conectados, mas também poderá ter implicações diretas sobre os indivíduos.
Notavelmente, o fato de objetos estarem permanentemente conectados a outros objetos,
aplicações e redes de comunicação, e que tais objetos podem ser controlados remotamente,
impacta diretamente os indivíduos. Esse impacto não se refere apenas à forma como os
indivíduos interagem com os objetos, mas também, e crucialmente, às relações entre pessoas,
entre pessoas e empresas, bem como entre pessoas, empresas e órgãos públicos. (BELLI, 2019)
Assim, compete ao ordenamento jurídico, a partir desta complexidade envolvendo o
direito da personalidade, atuar como instrumento de defesa da pessoa humana, estabelecendo
regras e limites para sua proteção, bem como os meios de responsabilização contra estes abusos.

3. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO BRASIL COMO INSTRUMENTO EM


DEFESA DOS ABUSOS DA TECNOLOGIA.

Os direitos da personalidade no ordenamento pátrio são regulados pelo Código Civil


que em seus artigos 11 a 21 e são decorrentes dos direitos fundamentais da pessoa humana,
cláusula geral valorativa existencial, disposta no art. 1º, III, da Constituição, dentre eles os
direitos à intimidade e vida privada, expressamente garantidos no art. 5º, X. Os aludidos
estatutos legais estabelecem, ainda, o dever de reparação de quaisquer danos causados a estes
direitos.
Neste contexto, é por meio dos direitos da personalidade que o ser humano tem
resguardados a intimidade e a vida privada, assim entendida como conjunto de ações,
comportamentos, opiniões, preferências, informações pessoais, sobre os quais o interessado
pretende manter o controle exclusivo. (RODOTÁ, 2008)
Partindo-se deste pressuposto, bem como da inequívoca vulnerabilidade dos usuários
da internet das coisas (IoT), nos dias de hoje, uma vez que a intimidade e vidas privadas estão

39
6

sendo violadas sem que as pessoas tenham o devido conhecimento do fato, é que se torna
fundamental o acionamento das ferramentas jurídicas aptas à salvaguarda deste direito.
Sem prejuízo das respectivas tutelas processuais existentes, seja inibitória ou de
remoção do ilícito, previstas na legislação processual civil vigente (lei 13.105/2015), há a
possibilidade de formular pretensão de tutela ressarcitória objetivando indenização pelo dano
causado, independentemente da verificação da ocorrência de crime, mediante violação da lei
penal vigente. É mister registrar, ainda, a existência de regulamentos próprios para a utilização
de ambientes virtuais no sistema jurídico nacional, a saber: a Lei nº 12.968/2014 (Marco Civil
da Internet) e a Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de dados).
É relevante registrar que a Lei nº 12.968/2014 disciplina do uso da internet no Brasil e
tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, garantindo os direitos humanos, o
do desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais, objetivando
o amplo acesso à rede com vistas à promoção do bem da coletividade, incitando a cultura,
educação, cidadania e todos os direitos sociais constitucionais. Já a Lei nº 13.709/2018 dispõe
sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por
pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos
fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da
pessoa natural, consoante o disposto no art. 1º.
É mister destacar que as legislações trazem à baila a devida responsabilização pelos
danos causados no ambiente virtual, às vítimas, como o disposto no art. 7º, I daquela e arts. 42
a 45 desta, ratificando o disposto na regra constitucional. Não é demasiado registrar que o
causador do dano ainda pode sofrer multas administrativas e/ou sanções penais, previstas no
próprio ordenamento jurídico, ou em Tratados Internacionais, a exemplo da Convenção de
Budapeste sobre o Cibercrime (do ano de 2001), primeiro instrumento internacional assinado
sobre o assunto.

CONCLUSÃO

A garantia de acesso à internet tem por escopo a promoção do bem da coletividade,


incitando a cultura, educação, cidadania e todos os direitos sociais constitucionais. No entanto,
o ambiente virtual, tanto quanto o real, devem se submeter à proteção dos direitos humanos e
da personalidade, assim compreendidos os da intimidade e vida privada.
No entanto, o avanço tecnológico gerou não só uma dependência inequívoca do ser
humano à máquina, como esta se tornou uma fonte perigosa de captação de dados e violação

40
7

da intimidade e vida privada do cidadão que, na grande maioria das vezes, sequer possui ciência
desta invasão.
É fato que a problemática das ameaças no mundo digital parece ser objeto de ficção
científica, ou literatura distópica como a obra 1984, de George Orwell, em que os cidadãos são
controlados sem limites por um governo autoritário, sofrendo maciva invasão da privacidade e
da intimidade por meio de uma tecnologia chamada teletela, na qual constava um letreiro
escrito: “o grande irmão está de olho em você!”.
Por esta razão, é que impõe ao ordenamento jurídico a proteção dos direitos da
personalidade de seus membros, sem prejuízo na adoção de medidas que visem a promoção de
transparência na captação e armazenamento dos dados das pessoas, evitando a dissipação das
mazelas que o ambiente virtual pode desenvolver nas pessoas.
Obstar a propagação da ditadura tecnológica não é perder a crença na humanidade,
apenas despertar nesta valores éticos e morais diante do uso da internet, de modo a evitar que
esta se torne a nova bomba atômica!

REFERÊNCIAS

BELLI, Luca. Uma perspectiva de Direitos Humanos para decriptar a ascensão da internet
das coisas (IOT). Revista de Direitos Fundamentais & Justiça. Belo Horizonte, ano 13, nº 41,
2019.
FROMM, Erich. In O livro da Sociologia. São Paulo: Globo Livros, 2015.
LINS, Bernardo Felipe Estellita. A evolução da internet: uma perspectiva histórica. Revista
Cadernos ASLEGIS, nº 48, 2013.
MAGRANI, Eduardo. A internet das coisas. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018.
MANYIKA, James; et al. The internet of things: mapping the value beyond the hype.
Technical report, Mckinsey Gobal Institute, 2015.
ORWEL, George. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade de vigilância: a privacidade hoje. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.
SCHAW, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016.
SOARES, Marcelo Negri; Kauffman, Marcos Eduardo; CHAO, Kuo Ming; SAAD, Maktoba
Omar. New Technologies and the Impact on Personality Rights in Brazil. Pensar-Revista
de Ciências Jurídicas, v. 25.1, 2020.
SOARES, Marcelo Negri; KAUFFMAN, Marcos Eduardo; SALES, Gabriel Mendes de
Catunda. Avanços da comunidade europeia no direito de propriedade intelectual e
indústria 4.0: extraterritorialidade e aplicabilidade do direito comparado no Brasil.
Revista do Direito, 2019, 1.57: 117-137.
TAPSCOTT, Don. A hora da Geração Digital. Rio de Janeiro: Agir Negócios, 2010.

41
INTERNET DAS COISAS E OS REFLEXOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
ALIADA AO BIG DATA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
INTERNET OF THINGS AND THE REFLECTIONS OF ARTIFICIAL
INTELLIGENCE ALLIED TO BIG DATA IN CONSUMER RELATIONS

Isabela Akemi Marcussi Daikohara 1


André Pedroso Kasemirski 2

Resumo
A Inteligência artificial (IA) aliada ao Big Data e a Internet das Coisas têm alterado
profundamente todas as estruturas econômicas e sociais, em especial, as relações de
consumo. A implementação dessas tecnologias, de forma conjunta e coordenada, permite que
grandes volumes de dados sejam analisados, verificados e transformados em informações
organizadas para as empresas, o que afeta em diversos aspectos as relações de consumo,
especialmente no tocante às preferencias do consumidor e a proteção dos seus dados
pessoais. Portanto, se faz necessário a analise desse conjunto tecnológico frente às relações
de consumo.

Palavras-chave: Inteligência artificial, Internet das coisas, Relações de consumo

Abstract/Resumen/Résumé
Artificial Intelligence (AI) combined with Big Data and the Internet of Things have
profoundly altered all economic and social structures, especially consumer relations. The
implementation of these technologies, in a joint and coordinated manner, allows large
volumes of data to be analyzed, verified and transformed into organized information for
companies, which affects consumer relations in several aspects, especially with regard to
consumer preferences and the protection of your personal data. Therefore, it is necessary to
analyze this technological set in view of consumer relations.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Artificial intelligence, Internet of things, Consumer


relations

1Graduanda do 3° ano da Universidade Estadual de Londrina - UEL. Endereço eletrônico: Isabela.


daikohara@hotmail.com.
2Mestrando em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, vinculado ao projeto Internet:
Aspectos Jurídicos. Pesquisador e bolsista CAPES. Advogado. Pós-graduado em Direito Empresarial pela UEL.
E-mail: andrekasemirski@gmail.com.

42
INTERNET DAS COISAS E OS REFLEXOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
ALIADA AO BIG DATA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

1. INTRODUÇÃO

A Inteligência artificial (IA) é um ramo da ciência que tem como objetivo a criação
de dispositivos que simulem a capacidade humana de racionar. Um exemplo de sua aplicação
no dia a dia está nas redes sociais, algumas ferramentas, conhecidas como pixel ou até mesmo
algoritmos, avaliam os padrões de busca, e assim, selecionam os conteúdos que aparecem linha
do tempo do consumidor.
Já a Big data, em expressão literal, grandes dados, diz respeito a quantidade de dados
que a internet possui por segundo, constitui instrumento da Inteligência Artificial, a qual se
utiliza dos dados e informações existentes na nuvem para que máquina aprenda
comportamentos e realize atividades.
É possível citar como exemplo empresas que atuam no esportivo e de vestimentas,
como Nike ou Adidas que se utilizamdo big data para monitorar os hábitos e comportamentos
esportivos do seu público por meio dos aplicativos e dispositivos vestíveis, conhecidos como
wearables, que são capazes de gerar informações relacionadas com a distância percorrida,
velocidades, locais preferidos para treino etc.
Nesse sentido, a Internet das coisas, conhecido como IoT, do inglês, Internet of Things,
tem relação com os objetos cotidianos que estão conectados a internet, compartilhando
informações e banco de dados.
Dentre os exemplos, esta a maçaneta das portas com acesso biométrico e que passa a
entrar para o rol de produtos tecnológicos. A tendência é que cada vez mais objetos que antes
eram usados apenas para uma utilidade, estejam conectados e sejam capazes de se comunicar
com usuários através da internet.
Portanto, este conjunto: Inteligência Artificial, Big data, e Internet das coisas,
ocasionam impactos nas relações de consumo, vez que, os itens estão interconectados por meio
da rede mundial de computadores.
Como consequência é necessário estudar sobre os impactos dessa inter-relação frente
às relações de consumo. Portanto o presente trabalho, por meio do método dedutivo e da
pesquisa bibliográfica, tem como objetivo estudar a influencia do conjunto entre Inteligência
Artificial (IA), Big data e Internet das Coisas, nas relações de consumo.

2. DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

43
A Internet das coisas apresenta como conceito principal a tecnologia dos itens
interconectados utilizados diariamente e que estarão submergidos na rede mundial de
computadores.
O pesquisador britânico Kevin Ashton do Massachusetts Institute of Technology
(MIT) utilizou pela primeira vez o termo Internet das Coisas em 1999, ele relata que desejava
expressar algo que considerava válido para os dias atuais, que seria o encontro de duas redes, a
de comunicação humana (a internet) e a outra seria o mundo real das coisas (a IoT) (FINEP,
2014).
Contudo o termo internet das coisas só se tornou efetivamente popular por volta de
2010 e atualmente, já é uma realidade, acrescidas dos recursos de Inteligência Artificial e Big
Data.
Segundo Hieaux (2015) em entrevista ao site Computerword, o conjunto de IoT e Big
Data dará base para uma economia de produtos e serviços personalizados, em que os
consumidores terão o perfil mapeado, com possibilidade de se obter produtos e serviços.
É valido usar como exemplo, a MapLinkque, uma empresa brasileira especializada em
digitalização de mapas. De acordo com Dalmazo (2012, p.1), alguns anos atrás a empresa pôs
em xeque a credibilidade da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) da cidade de São
Paulo.
Outra empresa que utiliza esses recursos é a Walmart, que é a maior varejista do
mundo. A empresa é considerada referência por colher dados on-line para impulsionar as
vendas de suas lojas físicas. Em 2012 a Walmart possuía mais de 12 sistemas diferentes que
processam, diariamente, cerca de 300 milhões de atualizações de internautas em redes sociais,
como o Facebook e o Twitter (DALMAZO 2012, pg. 2).
Segundo Cruz (2016) os riscos envolvendo esses sistemas (IA, IoT e Big Data) são
seguranças e privacidades, Cruz divide a IoT em duas funções: Dispositivos que coletam
informações por intermédio de sensores do ambiente para transmitir informação de forma
constante; e, dispositivos desenvolvidos para receberem instruções por meio da Internet e
realizarem alguma atividade no local onde estão instalados.
Ainda segundo Cruz (2016), os fabricantes de tais dispositivos podem não estar cientes
de tais riscos e de toda a vulnerabilidade que estão expondo os usuários e os dados trafegados,
sendo assim, não aplicam nenhum tipo de prevenção.
Por essa razão, a regulamentação sobre a proteção de dados pessoais é um tema
extremamente importante, pois necessário regular a atividade de tratamento de dados pessoais,

44
que acabam se tornando verdadeira “moeda” na internet, chegando a compor avaliação do ativo
de empresas digitais (PINHEIRO, 2016).
Para Ragazzo (2012), o Big Data não modificará somente os negócios, mas também
haverá a necessidade de adequação de leis, juízes e reguladores para garantir a confiabilidade e
a segurança nas informações.
No Brasil ainda não esta definido de forma eficaz um órgão que fiscalize os
mecanismos da internet, haja vista que a Lei Geral de Proteção de Dados ainda não se encontra
vigente, bem como ainda não há sinais claros de definidos para a criação de uma Autoridade
Nacional de Proteção de Dados, de modo que assegure com que finalidade os dados trafegados
poderão ser tratados.
Destarte, a legislação brasileira passou a dispor sobre normas reais da proteção de
dados, através da criação da Lei 13.709/2018, de 14.08.2018, alterando a Lei 12.065/2014, mas
conhecida como Marco Civil da Internet. Além dessa norma regulamentadora, no Brasil esta
em tramite projeto de Lei que dispõe sobre a proteção de dados.
É verdade que o Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014 já trazia dentre os princípios
para o uso da internet, a proteção da privacidade e a proteção dos dados pessoais, conforme art.
3, incisos II e III.
Contudo, ante a prorrogação da LGPD, a atual legislação brasileira ainda é escassa
quando se pretende medidas efetivas para a proteção dos dados pessoais no ambiente virtual.
Neste cenário, não há dúvidas que a inteligência artificial aliada ao big data e ainda
implementada pela internet das coisas, torna praticamente todos os objetos interconectados, de
modo que os dados pessoais do titular são tratados sem o seu consentimento ou ainda fora das
finalidades previstas.
Nesse sentido, para Wimmer (2014) é necessário ainda examinar os casos em que os
dados são usados de maneira transnacional, causando o uso indevido de larga escala de
informações, uma vez que invisibilidade é um fator agravante e difícil de ser controlado no uso
da IoT. Outrossim, a regulamentação da utilização da big data aliada à inteligência artificial em
um cenário transnacional merece ser refletida, vez que não somente o Estado Nacional deverá
implementar uma proteção adequada, mas também a comunidade internacional.
Aliado a isso, a internet das coisas, como uma tecnologia em que torna tudo
interconectado, proporciona que grandes empresas, como por exemplo que como a Amazon,
por intermédio do aparelho Alexa, tenha acesso a todos os sons que são captados em um
determinado ambiente, ainda que o dispositivo esteja desligado, podendo tais dados pessoais

45
serem transferidos ou compartilhados para outros países em que a empresa possua sede ou
armazenamento de seus dados (MAGRANI, 2019).
Nesse enlace, a problemática da segurança nos dispositivos de internet é recorrente,
em especial porque muitos dos consumidores não querem se envolver, enquanto que não é de
interesse das empresas informar os consumidores o suficiente sobre o tratamento de dados que
é feito, se é comercializado ou utilizado para outros fins.

3. CONCLUSÃO

Com base em todo exposto, a Inteligência Artificial, Big Data e Internet das Coisas,
poderão trazer grandes benefícios para a empresa e para o consumidor, com a utilização de
sensores para monitorar ambientes e pessoas, cruzando informações proporcionando uma
gestão otimizada da informação.
Por outro lado, é necessário que haja uma regulamentação legal eficaz para solucionar
de forma adequada os novos impasses causados pela tecnologia entre o consumidor e a empresa
fornecedora.
Além disso, é necessário um posicionamento melhor das empresas buscando
melhorias, reduzindo problemas e aumentando a segurança dos dispositivos.
Por sua vez, é função do consumidor se informar sobre como seus dados estão sendo
tratados e até que ponto está disposto a abrir mão de sua privacidade em prol da utilização de
serviços tecnológicos.

4. REFERÊNCIAS

CRUZ E. V. A vulnerabilidade da Internet das coisas (IoT), um risco para as empresas,


2016. Disponível em: http://www.segs.com.br/info-ti/18046-a-vulnerabilidade-da-internetdas-
coisas-iot-um-risco-para-as-empresas.html. Acesso em: 12 jun. 2020.

DALMAZO, Luiza. Um fenômeno chamado Big Data. Exame.com, São Paulo, out. 2012.
Disponível em: <http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1025/noticias/para-nao-se-
afogar-em-numeros?page=1>. Acesso em: 12 jun. 2020.

46
HIEAUX E. Big Data e Internet das coisas serão motores de uma nova economia,
jun.2015. Disponível em: http://computerworld.com.br/big-data-e-internet-das-coisas-serao-
motores-deuma-nova-economia>. Acesso em: 12 jun. 2020.

MARTINS, Carmen Luisa Palhau, O Impacto da Internet no Processo de Decisão de


Compra do Consumidor – O Caso dos Produtos Turísticos, Faculdade de Ciências Humanas
e Sociais, Universidade Fernando Pessoa, 2013. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/277300588_O_Impacto_da_Internet_no_Processo_
de_Decisao_de_Compra_do_Consumidor. Acesso em: 14 jun, 2020.

MAGRANI, Eduardo. Professor da Direito Rio analisa impacto da 'Internet das Coisas'
na sociedade. Disponível em: <https://portal.fgv.br/noticias/professor-direito-rio-analisa-
impacto-internet-coisas-sociedade>. Acesso em: 12 jun. 2020.

PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Não paginado.
Arquivo E-Books.

RAGAZZO C. Big Data: O novo padrão de competição, 2012. Disponível em:


<http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/direito-e-desenvolvimento/2012/01/11/big-data-onovo-
padrao-de-competicao>. Acesso em: 12 jun. 2020.

SHIAO, Feng Su; Lancaster FW. Avaliação de sistemas especialistas em aplicativos de


serviços de referência. RQ 35, n.2, inverno de 1995, p.219-228.

47
LAW TECHS: AS NOVAS FERRAMENTAS JURÍDICAS ANTE A DISRUPÇÃO
DIGITAL NO DIREITO E OS IMPACTOS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
LAW TECHS: THE NEW LEGAL TOOLS FACED WITH THE DIGITAL
DISRUPTION IN LAW AND THE IMPACTS ON WORK RELATIONSHIPS

João Victor de Faria Freire 1

Resumo
A revolução 4.0 intensificou o processo de disrupção digital, proporcionando a instauração
de novas tecnologias que passaram a permear novas relações de trabalho. Neste sentido, as
law techs passaram a desempenhar papel fundamental no desenvolvimento de ferramentas
tecnológicas que permitiram a otimização do ofício jurídico através de softwares e sistemas
que automatizam procedimentos no Direito. Este trabalho tem o objetivo de analisar a
inserção destas ferramentas no Direito, bem como as respectivas implicações nas relações de
trabalho. A pesquisa utiliza a vertente metodológica jurídico-sociológica e pertence ao tipo
jurídico-projetivo, de acordo com a classificação de Witker (1985) e Gustin (2010).

Palavras-chave: Revolução 4.0, Disrupção digital, Law techs, Relações de trabalho, Direito

Abstract/Resumen/Résumé
The revolution 4.0 intensified the digital disruption process, providing the introduction of
new technologies that started to permeate new work relationships. In this sense, law techs
started to play a fundamental role in the development of legal technological tools that
allowed the optimization of the legal profession through software’s and systems that
automate procedures in law. This work aims to analyze the insertion of these tools for the
Law, as well as their respective implications for work relationships. The research uses the
legal-sociological methodological approach and belongs to the legal-projective type,
according the classification of Witker (1985) and Gustin (2010).

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Revolution 4.0, Digital disruption, Law techs, Work


relationships, Law

1Técnico em automação industrial pelo Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e graduando em Direito,
modalidade integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC).

48
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nos últimos anos, os termos “revolução 4.0” e “disrupção digital” ganharam


relevância no mundo. De acordo com Schwab (2016) a revolução 4.0 pode ser entendida
como uma revolução tecnológica atual que transformará significativamente as relações sociais
entre seres humanos através da utilização de tecnologias de ponta para automação e troca de
dados em larga escala e com alta velocidade. Essa revolução digital recorrente na
contemporaneidade resultou na chamada disrupção digital, que consiste na competência das
inovações tecnológicas em romper com os modelos tradicionais de trabalho (CUNHA, 2018).
Neste sentido, o Direito também deve passar por este processo de transformação nas
relações de trabalho impulsionado pelas tecnologias da revolução 4.0. Cabe ressaltar que as
limitações nas relações de trabalho geradas pela crise do corona vírus intensificaram a
necessidade da disrupção digital no Direito com a inserção de novas tecnologias jurídicas. No
entanto, a realidade revela que ainda nos dias atuais o Direito é uma área que está em fase
embrionária no tocante a inserção de tecnologias que otimizem e quebrem com os modelos
tradicionais jurídicos (ARABI, 2018). Isso se deve a visão negativista da tecnologia permeada
pelo senso comum, que a coloca como a grande vilã da contemporaneidade.
É evidente então, que a necessidade de adaptação do Direito às tecnologias da
revolução 4.0 se intensificou, uma vez que a crise pandêmica do corona vírus afetou
intensamente as relações de trabalho no século XXI. Neste sentido, a presente pesquisa se
propõe a analisar quais são as novas tecnologias, também conhecidas como law techs, que
podem ser aplicadas ao Direito de maneira a otimizar o mundo jurídico como um todo. Além
disso, a pesquisa também aborda a disrupção digital no Direito causada pela revolução 4.0,
isto é, apresenta de que maneira as tecnologias jurídicas transformarão as relações de trabalho
do mundo jurídico.
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No
que diz respeito ao tipo de investigação, foi eleito, na classificação de Witker (1985) e Gustin
(2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente dialético. A presente pesquisa se baseará principalmente em análises
anteriores acerca do assunto retiradas de artigos, revistas e outros documentos.

49
2. AS TRANSFORMAÇÕES DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO DIREITO

O mundo do trabalho passou por diversas transformações transitivas ao longo dos


anos. A exemplo, a primeira revolução industrial inglesa deu início a esse processo de
transformação no mundo do trabalho através da substituição dos modelos de produção
agrícola e artesanal pela produção seccionada nas fábricas, através do modelo fordista que
introduziu a divisão dos processos de trabalho. Atualmente a sociedade se encontra na quarta
revolução industrial, iniciada em 2011 e teorizada por Schwab (2016) em seu livro, “A Quarta
Revolução industrial”. A revolução 4.0 tem como um dos seus pilares a integração de
sistemas, ocasionando na disrupção digital, que por sua vez, consiste na quebra dos modelos
tradicionais de trabalho através da introdução de sistemas, softwares e tecnologias.
A necessidade de transformação nas relações de trabalho no Direito é discorrida por
Richard Susskind em seu livro “Tomorrow Layers” que ganhou relevância em todo o mundo,
sendo traduzido e estudado em diversas línguas. Uma das proposições de Susskind é
discorrida no livro “O advogado do amanhã: estudos em homenagem ao professor Richard
Susskind”. Segundo afirma o autor

A próxima geração de advogados não ficará mais isolada uns dos outros e da
tecnologia. Eles precisam aprender não apenas a fazer parte de equipes, mas
também, na minha opinião, devem ser treinados para serem capazes de desenvolver
os sistemas que substituirão os velhos métodos de trabalho dos advogados. Para esse
fim, precisaremos ensinar nossos advogados a serem tecnólogos jurídicos, analistas
de processos, finalistas de conhecimento, projetistas de sistemas, gerentes de risco e
cientistas de dados. Estes são os advogados de amanhã. São pessoas que
desenvolverão os sistemas que resolverão problemas legais para os quais atualmente
os advogados são a única solução. O problema aqui é que pouquíssimos professores
de direito reconhecem ou aceitam o movimento em direção a soluções baseadas em
tecnologia para os clientes. Nem eles são experientes ou especializados o suficiente
para treinar seus alunos (SUSSKIND apud FEIGELSON, 2019, p. 8, tradução
nossa).

A análise de Susskind acerca do futuro jurídico implica duas afirmações. A primeira


diz respeito à necessidade de adaptação frente aos anseios hodiernos, isto é, transformação nas
relações de trabalho através de tech skills que envolvem o desenvolvimento de sistemas
baseados em Inteligência Artificial, Integração de Dados, BigData entre outros softwares de
otimização. A segunda está relacionada à resistência no reconhecimento da necessidade de
disrupção digital, já que grande parte dos juristas ainda se baseiam nos modelos tradicionais
de trabalho, principalmente por desconhecimento do potencial benéfico da tecnologia no
Direito e por preconceito com as ferramentas tecnológicas.

50
O reflexo deste estigma que envolve tecnologia, Direito e trabalho se dá no atraso do
mundo jurídico em inserir ferramentas que quebrem com o modelo tradicional de trabalho.
Pesquisas da Global Access to justice sobre o comportamento do poder judiciário em 51
países durante a pandemia do corona vírus revelaram que 65% dos Estados não adotaram
medidas especiais que otimizassem o atendimento de novas demandas processuais (GLOBAL
ACCESS TO JUSTICE, 2020). Estes dados evidenciam que a maioria dos países não adotam
soluções inovadoras ou tecnológicas para otimizar a prestação de serviços jurídicos, o que
implica na perpetuação de vícios que afetam o mundo jurídico. Para este caso, é possível
inferir que a não adoção de novas medidas para suprir as demandas processuais durante a
pandemia, resulta em um aumento no número de processos, já que de acordo com essa mesma
pesquisa, 49% dos sistemas jurídicos pesquisados suspenderam a tramitação de processos
(GLOBAL ACCESS TO JUSTICE, 2020).
No entanto, apesar do atraso da inserção de tecnologias disruptivas no Direito, é
importante ressaltar que atualmente há uma maior preocupação em inserir tecnologias no
Direito que otimizem as relações de trabalho. As LawTechs e LegalTechs por exemplo, são
startups que oferecem soluções jurídicas inovadoras para a advocacia através do
desenvolvimento e aplicação de softwares.
Neste sentido, cabe citar a criação da Associação Brasileira de LawTechs e
LegalTechs (AB2L) que instituiu programas de fomento à tecnologia jurídica. No que diz
respeito à advocacia, uma pesquisa feita pela AB2L em parceria com o Centro de Estudos das
Sociedades de Advogados (CESA) revelou que os escritórios que contam com o apoio de
startups de LegalTechs tiveram impacto negativo menor durante a pandemia ou até mesmo
impulsionaram suas demandas (SANTOS, 2020). No tocante à inserção de tecnologias no
poder judiciário, Daniel Marques, diretor-executivo da AB2L aponta que a pandemia também
ajudou a acelerar a inserção de ferramentas tecnológicas para o poder judiciário (SANTOS,
2020). Um exemplo que evidencia a adoção de tecnologias no judiciário é o julgamento
eletrônico e sustentação oral em processos do STF, possibilitados pela emenda regimental 53
de 20 de março de 2020 (MEDINA, 2020). Além disso, a adoção do processo eletrônico
também é uma evidência de disrupção digital e transformação das relações de trabalho no
judiciário.
Desta forma, é possível observar que a pandemia do corona vírus e também o
advento da globalização exigem uma transformação nas relações de trabalho para que o
Direito supra as necessidades de demanda jurídica. A implementação de tecnologias jurídicas
é vital no processo de disrupção digital do Direito, já que flexibiliza o atendimento das

51
demandas jurídicas permitindo maior alcance, efetividade e otimização para o exercício do
ofício jurídico.

3. AS NOVAS FERRAMENTAS JURÍDICAS E A OTIMIZAÇÃO DO OFÍCIO


JURÍDICO

A revolução industrial 4.0 permitiu a ascensão de novas tecnologias que passaram a


ser fundamentais nos sistemas e mercados das diversas áreas profissionais. Deste modo,
atualmente, existem diversos sistemas que utilizam máquinas controladas por Inteligência
Artificial e Softwares de otimização de dados que auxiliam as relações de trabalho no Direito
no tocante à prestação de serviços jurídicos. Sendo assim, é fundamental o conhecimento das
áreas de inserção de tecnologia jurídica, bem como o conhecimento da aplicação e
funcionamento dos softwares e sistemas de IA.
Inicialmente cabe citar as LawTechs e LegalTechs que nada mais são que, startups
voltadas para o desenvolvimento de tecnologias jurídicas que otimizem o ofício do Direito por
meio de softwares, aplicativos e ferramentas jurídicas (ALBUQUERQUE, 2019). Cabe
ressaltar que estas ferramentas já estão sendo aplicadas e difundidas no controle de prazos e
intimações de processo e também na mediação de conflitos online, que são fundamentais
perante a era globalizada (ALBUQUERQUE, 2019). A fins de exemplificação de softwares
desenvolvidos por este tipo de startup, é possível citar o software brasileiro PROADV da
empresa Impacta que gerencia escritórios de médio e grande porte através de um sistema de
armazenamento de dados com alta eficiência, segurança e precisão. O PROADV é o único
software chancelado e conveniado pelo conselho federal da OAB (FOLHA
METROPOLITANA, 2020).
Além disso, é possível citar também a inserção de processos eletrônicos para
substituir as pilhas de folhas físicas que ocupavam grande espaço e eram de difícil acesso. Os
processos eletrônicos foram regulamentados, no Brasil, através da lei 11.419 de 2006. Essa
transformação resultou em praticidade de acesso aos processos, não sendo necessário mais se
descolar até o fórum onde se localiza o processo, além da economia de impressão ao utilizar
processos eletrônicos.
Outra ferramenta jurídica tendência para o ofício do Direito é a utilização de
inteligência artificial. Primeiramente é preciso diferenciar os softwares da inteligência
artificial. Neste sentido, os softwares são soluções de suporte administrativo para otimizar o
tempo e o processamento de dados jurídicos. Já a IA pode ser qualquer programa com

52
algoritmos e BigData capazes de auxiliar nas decisões relacionadas à atividade-fim jurídica
em que é implementado (INTELIGÊNCIA, 2019).
No tocante aos exemplos de IA’s aplicadas ao Direito, é possível citar os algoritmos
da plataforma “Digesto”, que consulta dados jurídicos de todo o Brasil e a partir disso cria
uma base centralizada e precisa, proporcionando um rápido levantamento de dados pelo
operador do Direito (INTELIGÊNCIA, 2019). Outro software de inteligência artificial é o
“LegAut” que possui um algoritmo capaz de analisar processos e até proferir sentenças
através da IA, de forma automatizada e eficaz, por meio do sistema de machine learning que
aprimora o sistema de acordo com a experiência de semelhança entre os processos
(INTELIGÊNCIA, 2019).
Estes são os principais sistemas atuais de ferramentas jurídicas desenvolvidas com o
objetivo de integrar Direito e tecnologia. É importante reiterar que apesar do baixo
investimento nessa área, a revolução 4.0 e a crise pandêmica causada pelo corona vírus
aumentaram o interesse pelo fomento às tecnologias jurídicas. Estima-se inclusive, em estudo
feito pelo McKinsey Global Institute, que a adoção de novas ferramentas tecnológicas devem
acrescer US$ 13 trilhões à economia global até o ano de 2030 (TAVARES, 2020).
Sendo assim, é vital o investimento do setor jurídico em tecnologias de pontas para
otimização das relações jurídicas. Atualmente, o cenário de tecnologias jurídicas ainda é
embrionário, com poucas empresas e Estados investindo neste tipo de tecnologia. Cabe citar
então, a empresa International Business Machines Corporation (IBM), líder mundial em
desenvolvimento de softwares e IA’s no Direito. Nacionalmente, é possível citar a Joint
Venture, maior lawtech do Brasil que atua na criação de sistemas de otimização jurídica.
Por fim, reitera-se que a tecnologia jurídica é o futuro da advocacia e do Direito
como um todo e, portanto, é de suma relevância o investimento e o fomento às tecnologias
jurídicas, às startups e aos softwares. Juntas, estas tecnologias possuem grande potencial na
resolução de problemas jurídicos hodiernos. Através de softwares e IA’s, por exemplo, é
possível desinchar o montante de processos no Brasil que passa dos 80 milhões (POMPEU,
2018). Além disso, os processos eletrônicos poupam dinheiro e tempo e oferecem maior
precisão na consulta de processos. Por fim as IA’s são capazes de resolver impasses e analisar
processos de maneira mais rápida e mais eficiente através do BigData e do machine learning.
Desta forma, através da utilização da tecnologia como aliada e não vilã será possível construir
os advogados do amanhã, assim como projetado por Richard Susskind em seu livro
“Tomorrow Lawyers: An Introduction to Your Future”.

53
4. COSNIDERAÇÕES FINAIS

A partir das reflexões expostas sobre o tema, verifica-se que a adaptação do Direito
às novas tecnologias provenientes do advento da revolução 4.0, que transformou as
tradicionais relações de trabalho por meio do uso de tecnologia de ponta, o encaminha para
uma otimização e maior eficiência no que diz respeito a atividade jurídica diante ao aumento
expressivo da demanda legal e da necessidade de agilização de processos jurídicos.
No entanto, a realidade revela que mesmo com os adventos da globalização, da
revolução 4.0 e do corona vírus, que intensificaram a necessidade de transformação nas
relações de trabalho, o Direito ainda é uma área que carece de fomento e investimento à
tecnologia.
Neste sentido, é imprescindível a inserção de IA’s e softwares jurídicos de alto nível
de processamento de informação no ofício jurídico. Estas tecnologias conferem alto grau de
precisão e segurança no ofício jurídico e proporcionam maior eficiência e otimização do
tempo da atividade jurídica. Portanto, verifica-se que a disrupção digital no Direito é de suma
vitalidade para o futuro e o sucesso da prática do ofício jurídico.

5. REFERÊNCIAS

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para
el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa
jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro, 2016.

CUNHA, Murilo. O que é disrupção digital? Synnex Westcon, 2018. Disponível em:
https://blogbrasil.westcon.com/o-que-e-disrupcao-digital. Acesso em: 11 mai 2020.

ARABI, Abhner Y. Mota. Direito e tecnologia: relação cada vez mais necessária. AB2L,
2018. Disponível em: https://www.ab2l.org.br/direito-e-tecnologia-relacao-cada-vez-mais-
necessaria/. Acesso em: 11 jun 2020.

FEIGELSON, Bruno (org.). O advogado do amanhã: estudos em homenagem ao professor


Richard Susskind. São Paulo: Future Law, 2019.

GLOBAL ACCESS TO JUSTICE. Impactos do COVID-19 nos sistemas de justiça. ConJur,


2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/maioria-paises-nao-facilita-acesso.pdf.
Acesso em: 11 jun 2020.

54
SANTOS, Rafa. Lawtechs e novas ferramentas despertam interesse do mercado jurídico na
quarentena. ConJur, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jun-13/lawtechs-
despertam-interesse-mercado-juridico-epidemia. Acesso em: 11 jun 2020.

MEDINA, Damares. Julgamento eletrônico no plenário virtual do STF: reflexos para a


advocacia. AB2L, 2020. Disponível em: https://www.ab2l.org.br/julgamento-eletronico-no-
plenario-virtual-do-stf-reflexos-para-a-advocacia/. Acesso em: 12 jun 2020.

ALBUQUERQUE, Humberto. Direito e tecnologia: as inovações no mundo jurídico. CERS,


2019. Disponível em: https://noticias.cers.com.br/noticia/direito-e-novas-tecnologias-as-
inovacoes-no-mundo-juridico/. Acesso em: 12 jun 2020.

FOLHA METROPOLITANA. Joint Venture formada pela Elaw e Impacta cria a maior
lawtech do Brasil. AB2L, 2020.Disponível em: https://www.ab2l.org.br/joint-venture-
formada-pela-elaw-e-impacta-cria-a-maior-lawtech-do-brasil/. Acesso em: 12 jun 2020.

INTELIGÊNCIA Artificial no Direito: O que é e Principais Impactos. FIA, 2019. Disponível


em: https://fia.com.br/blog/inteligencia-artificial-no-direito/. Acesso em: 12 jun 2020.

TAVARES, Patrícia. As múltiplas vantagens da tecnologia no apoio aos profissionais do


Direito. Law Innovation, 2020. Disponível em: https://lawinnovation.com.br/tecnologia-a-
servico-do-direito/. Acesso em: 12 jun 2020.

POMPEU, Ana. Judiciário brasileiro tem 80,1 milhões de processos em tramitação. ConJur,
2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-ago-27/judiciario-brasileiro-801-
milhoes-processos-tramitacao. Acesso em: 13 jun 2020.

55
LEGAL DESIGN E VISUAL LAW: NOVAS TECNOLOGIAS E O CONTEXTO
ATUAL
LEGAL DESIGN THINKING AND VISUAL LAW -NEW TECHNOLOGIES AND
THE CURRENT CONTEXT

Angélica Soares Oliveira


Gabriela Brandão Arrouk de Oliveira

Resumo
Em um mundo hiperconectado, que vive a “4ª revolução industrial”, é imperioso o estudo das
novas tecnologias disruptivas e seus impactos no Direito. Com o cenário global pandêmico
acelerou-se o processo da necessidade-adequação às inovações de modo que os juristas
buscam atender de forma mais simples, ágil e eficaz às demandas dos clientes. O Legal
Design e a subárea Visual Law vieram para auxiliar nas soluções jurídicas e descomplicar o
Direito complexo, inacessível e estático.

Palavras-chave: Visual law, Direito e tecnologia, Legal design thinking

Abstract/Resumen/Résumé
In a hyperconnected world, which is experiencing the “4th industrial revolution”, it is
imperative to study new disruptive technologies and their impact on law. With the global
pandemic scenario, the process of necessity-adaptation to innovations was accelerated so that
lawyers seek to meet the demands of clients in a simpler, more agile and effective way. Legal
Design and the Visual Law sub-area have come to assist in legal solutions and to simplify
complex, inaccessible and static law.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Visual law, Law and technology, Legal design


thinking

56
57

1 INTRODUÇÃO

É sabido que as ações ingressadas em juízo devem observar critérios como o binômio
necessidade-adequação, que nada mais é que a imprescindibilidade de se acionar o judiciário
para que o direito do Autor seja assegurado e a adequação do meio utilizado para que se
chegue ao resultado pretendido.

Ocorre que, em um mundo hiperconectado, que vive a “4ª revolução industrial”, é


essencial atender de modo simples, ágil e eficaz às necessidades do cliente, bem como
questionar se a propositura de uma ação em esfera judiciária de fato é necessária e significa a
solução para o problema trazido por esse cliente.

A partir dessa reflexão, é possível que tenhamos uma nova perspectiva do disposto
pelo artigo 3º do Código de Processo Civil de 2015, já que a prestação dos serviços da
advocacia não mais são considerados eficientes somente por ingressar em juízo atrás de uma
sentença favorável, mas inclusive por fazer com que o postulante se torne parte do trâmite e
da solução que será desenvolvida para ele.

Entretanto, como incluir o cliente na narrativa jurídica sem saturá-lo de informações


complexas, expressões jurídicas, também conhecidas como “juridiquês”, artigos de leis e
jurisprudência? Como trazer inovação para o universo jurídico que, durante anos se sustentou
na concepção de que os operadores do Direito são os únicos detentores de todo saber jurídico?
Como admitir a participação do cliente nos processos e procedimentos jurídicos sem transferir
a responsabilidade do conhecimento técnico para esse terceiro?

Durante anos essas e outras tantas perguntas foram ignoradas pelos juristas que,
entendiam e ainda entendem que o Direito é uma ciência isolada das demais e que a
multidisciplinaridade se aplica a todas as áreas menos a área jurídica.

A tecnologia tem modificado a economia e as relações de trabalho. Dessa forma, a


revolução tecnológica e a pandemia tem forçado os operadores do direito a se adequarem às
soluções tecnológicas e a quebrarem a resistência diante do novo. O cenário imposto pela
pandemia acelerou o futuro e mostrou como as novas tecnologias estão aí para ajudar a
solucionar problemas que perpetuam há mais de 100 anos no Direito. Entre as novas
58

abordagens estão o ​Legal Design Thinking e​ o ​Visual Law (Direito Visual), metodologias e
ferramentas extraídas de outras áreas e aplicadas ao Direito.

2​ ​OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Entender como o universo jurídico está se relacionando com as novas tecnologias


resultantes da quarta revolução industrial, em especial abordagens e metodologias trazidas de
outras áreas como o ​Legal Design​ ​Thinking​ e o ​Visual Law​.

2.2​ ​Objetivos Específicos

a) Conceituar Visual Law e Legal Design Thinking; b) Correlacionar a


necessidade-adequação às tecnologias durante e após a pandemia do COVID-19; c)
Compreender como se dá a aplicação do Design Thinking no Direito; d) Analisar a utilização
do Visual Law em documentos jurídicos; e) Verificar os impactos na relação entre Advogados
e Clientes a partir da utilização de novas ferramentas de trabalho; f) Entender como a
revolução tecnológica tem afetado o universo jurídico.

3 METODOLOGIA

O trabalho será desenvolvido através da análise de publicações e pesquisas já feitas


que suscitam o Legal Design Thinking e o Visual Law, bem como seus efeitos práticos pois
“o design é cada vez mais considerado ferramenta estratégica para a inovação centrada no
usuário” (...) “como atividade de inovação complementa a P&D transformando pesquisas em
produtos e serviços comercialmente viáveis, e aproximando a inovação das necessidades dos
usuários” (CEC, 2009)

Dessa forma, será feito um estudo dos problemas que ainda acometem o mundo
jurídico e a necessidade de adequação às novas tecnologias, de forma a dirimir a resistência
dos juristas para o novo.

4 O PENSAMENTO DO DESIGN TRADUZIDO PARA O DIREITO

4.1 Legal Design Thinking e o Ciclo de Aprendizagem


59

Conhecimentos padronizados tendem a produzir ideias padronizadas.

Repetir padrões é algo habitual no Direito, desde as salas de aulas das Universidades
de Direito do Brasil até as decisões judiciais, o que vemos é uma constante repetição de
padrões. A título de exemplo, qualquer advogado formado há mais de 40 anos, exerce a
advocacia sem maiores problemas nos tempos atuais, ressalvadas é claro as dificuldades
tecnológicas que são reduzidas apenas ao uso de computadores, internet, processo judicial
eletrônico (PJE), impressoras e armazenamento em nuvem.

O fato desse advogado exercer a advocacia da mesma forma há 40 anos não é o


problema central, mas a questão é por qual motivo os novos profissionais ainda estão
trabalhando dessa mesma maneira. Qual a dificuldade em reinventar a forma de trabalho e
porque várias profissões inovam constantemente, mas o Direito insiste em utilizar formas,
padrões e expressões do tempo do império.

A resposta para essas perguntas talvez esteja relacionada a eterna aversão ao risco que
precisamos sempre mitigar, conforme ensinado durante anos. Tudo que é padronizado não
apresenta risco constante, uma vez que já foi experimentado, testado e seus resultados são
conhecidos e esperados. Uma outra possibilidade talvez seja o apreço ao Princípio
Constitucional da Segurança Jurídica.

A Segurança Jurídica é um dos princípios gerais e que trazem sustentação ao Estado


Democrático de Direito e tem como função garantir a estabilidade das relações jurídicas, seja
no âmbito da Administração Pública ou da sociedade. Este princípio constitucional deve ser
respeitado e preservado, contudo não deve servir de justificativa para impedir a modernização
do Direito.

O fato é que apesar de trabalharmos da mesma forma os destinatários deste trabalho,


ou seja, a sociedade (clientes) não consomem mais produtos e serviços como antes.
Atualmente estamos vivenciando a era da informação causada pela quarta revolução
industrial. O consumidor que antes tinha pouco ou nenhuma informação sobre o trabalho do
advogado, funcionamento do judiciário e acesso à justiça, hoje conseguem obter e comparar
informações de forma quase instantânea através da internet.
60

Trazer o Direito e a advocacia para a era da informação deixou de ser uma opção e
passou a ser uma necessidade, haja vista que já não é possível exercer o Direito de forma
arcaica e tradicional em um mundo imerso na revolução tecnológica. A multidisciplinariedade
tornou indispensável aprender conteúdos, ensinamentos e ferramentas de outras áreas. Nesse
sentido surge o ​Legal Design Thinking​.

A expressão ​Design Thinking ​foi primeiro utilizada no livro ​The Science of the
Artificial de ​Herbert A. Simon​, onde o autor trouxe o entendimento de que o design é na
verdade um pensamento, ou seja, o pensamento do design. Tempos depois Tim Brown passou
a divulgar com mais notoriedade o termo ​Design Thinking ​que:

Não se trata de uma proposta apenas centrada no ser humano; ela é


profundamente humana pela própria natureza. O design thinking se baseia
em nossa capacidade de ser intuitivos, reconhecer padrões, desenvolver
ideias que tenham um significado emocional além do funcional, nos
expressar em mídias além de palavras ou símbolos (BROWN, 2017).

O Design Thinking é a capacidade de compreender o ser humano (cliente) de forma


profunda através do exercício de empatia, cocriar junto com esse cliente soluções para os
problemas complexos conhecidos e desconhecidos, experimentar essas soluções de forma
interativa, com a participação dos envolvidos, em um eterno ciclo de aprendizagem composto
por ​ver-criar-testar- ver-criar-testar.​

Ver é observar o que a sociedade não diz e não faz, pois aí está a real necessidade, para
então criar experiências de forma interativa e testando-as no mundo real em busca de
feedbacks ​constantes. Esse trabalho deve ser realizado sob o prisma da empatia que é “a
tentativa de ver o mundo através dos olhos dos outros, de compreender o mundo por meio das
experiências alheias e de sentir o mundo por suas emoções”(BROWN, 2017).

Essa abordagem é conhecida e utilizada por várias áreas como design, administração,
marketing e quando trazida para o universo jurídico ficou denominada como ​Legal Design
Thinking.​ Margaret Hagan, diretora do Legal Design Lab da Stanford Law School, professora
do Stanford Institute of Design, e uma das precursoras do tema afirma que o ​Legal Design
61

Thinking “é a forma como avaliamos e desenhamos negócios jurídicos de maneira simples,


funcional, atrativa e com boa usabilidade” (HAGAN,2017)

Simples, funcional, atrativo e com boa usabilidade não são características atribuídas
aos documentos jurídicos tradicionais, o que vemos são documentos complexos, inacessíveis
e estáticos que não permitem qualquer interação entre quem o está elaborando e o seu
destinatário final, seja ele o cliente ou o magistrado. Consequentemente, as informações
inseridas nesse tipo de documento não são compreendidas e interpretadas em sua totalidade,
comprometendo a finalidade desses documentos.

Para conseguir ​objetividade, clareza e foco nas informações relevantes, além observar
e escutar de forma empática as necessidades dos clientes junto com o ​Legal Design Thinking
existe uma subárea denominada ​Visual Law​ (Direito Visual).

4.2 Visual Law - Transformando Informações em Elementos Visuais

É imperioso que haja uma nova forma de fazer o Direito e de interpretar o cerne do
problema trazido pelo cliente. A pandemia afetou e afeta a saúde, a economia, negócios,
relações internacionais e observando esse cenário macro que teremos uma visão
multidisciplinar para obter pistas em busca de soluções. É preciso uma visão sistêmica.

O ​Visual Law utiliza elementos visuais (imagens, gráficos, vídeos, infográficos) em


documentos jurídicos com o objetivo de tornar o Direito mais claro, fazendo com que as
informações jurídicas sejam compreendidas de forma rápida. Isto porque conforme Relatório
Justiça em Números extraído pelo CNJ existem cerca de 78,7 milhões de processos judiciais
em tramitação no Brasil e apenas 21 mil juízes para analisá-los.

Os seres humanos são naturalmente atraídos por conteúdos visuais e também possuem
a capacidade de armazenar na memória imagens por até 3 dias, conforme nos mostra a
pesquisa publicada na revista ​Psychonomic Science​, conduzida por Lionel ​Standing, Jerry
Conezio e Ralph Norman Haber, em 1970.

A prática do ​Visual Law (Direito Visual) além de tornar as i​nformações e expressões


jurídicas mais acessíveis na relação advogado x cliente, também proporciona uma melhor
compreensão daquilo que os advogados pretendem ao ingressar com petições e documentos
no Judiciário, uma vez que ao analisar as informações através de imagens o magistrado
62

consegue ter uma visão ampla daquilo que está sendo explanado pelo advogado, fazendo com
que o pedido seja melhor analisado.

Tendo em vista esses dados e considerando a urgente necessidade de fazer com que o
Direito seja entendido não apenas por advogados e magistrados, mas por toda sociedade que
utiliza dos serviços jurídicos surge o ​Visual Law ​(Direito Visual) que transforma a escrita em
imagem, as informações complexas em imagens simples, claras e inteligíveis.

5 CONCLUSÃO

A quarta revolução industrial está em curso e com ela inúmeras tecnologias estão
surgindo nas mais variadas áreas de conhecimento, em especial no Direito. Expressões antes
desconhecidas no universo jurídico como ​Big Data,​ Inteligência Artificial, ​Design Thinking,​
Machine Learning​, hoje permeiam as discussões sobre o futuro do Direito e também da
advocacia.

Ignorar a existência desse “novo Direito” é como ignorar o futuro que se apresenta a
cada dia. É ignorar que as relações de trabalho, consumo, pessoais e profissionais estão
mudando e aceitar ser pego de surpresa e arrastado por essa onda tecnológica.

Os profissionais jurídicos que entenderem que o Direito não pode se desassociar dessa
nova realidade, com certeza estarão na frente daqueles profissionais que insistirem em olhar o
Direito como uma ciência única e isolada das demais. É o momento da multidisciplinaridade e
de aprender conhecimentos diversificados, pois, saber apenas Direito já não é suficiente.

Neste contexto de pandemia e de relações virtuais, entender o que o cliente precisa e


se fazer entender nunca foi tão importante. Por esse motivo, o Legal Design Thinking e o
​ ireito Visual​) ​se apresentam como opções para uma relação mais simples, clara
Visual Law (D
e objetiva entre advogados e clientes, advogados e magistrados e entre Direito e sociedade.

​6 REFERÊNCIAS

ANA PAULA HOLTZ. Legal Design Visual Law. Disponível em:


</https://www.anaholtz.com.br>. Acesso em: 9 jun. 2020.;

BROWN, Tim; Design Thinking: Uma metodologia poderosa para decretar o fim das
velhas ideias. 1. ed. Rio de Janeiro. 2017;
63

CEC, Comm. of the Eur. Communities. REVIEWING COMMUNITY INNOVATION


POLICY IN A CHANGING WORLD. CEC, 2009. Disponível em
http://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2009/EN/1-2009-442-EN-F1-1.Pdf. Acesso em:
13 jun. 2020.;

CONSULTOR JURÍDICO. O Direito do Juridiquês ao Visual Law. Disponível em:


</https://www.conjur.com.br/2020-mai-23/bruno-barros-direito-juridiques-visual-law>.
Acesso em: 9 jun. 2020;

HAGAN, Margaret. Law by Design. Stanford Law School. Disponível em:


</https://www.lawbydesign.co/>. Acesso em: 12 jun. 2020.

JUSTIÇA EM NÚMEROS. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:


<https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/>. Acesso em: 12 jun.
2020.

PATROCÍNIO, Gabriel; Políticas de Design e Propriedade Intelectual : Demandas


para uma nova era. 1. ed. Brasília: sebrae, 2018. p. 1-44;

THE LEGAL DESIGN LAB. Stanford Law School. Disponível em:


</https://law.stanford.edu/organizations/pages/legal-design-lab>. Acesso em: 9 jun. 2020.

VISUAL LAW. Bernardo de Azevedo - Direito, Inovação e Tecnologias. Disponível


em:</https://bernardodeazevedo.com/conteudos/visual-law-o-que-voce-precisa-saber/>.
Acesso em: 9 jun. 2020.
LIMITES À INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO PROCESSUAL DO
TRABALHO PARA CONCRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA NO ESTADO
CONSTITUCIONAL DE DIREITO
LIMITS TO ARTIFICIAL INTELLIGENCE IN THE PROCEDURAL LABOR OF
LAW FOR THE ACHIEVEMENT OF JUSTICE IN THE CONSTITUTIONAL
STATE OF LAW

Sandra Mara De Oliveira Dias

Resumo
RESUMO: O uso da Inteligência Artificial no Direito Processual do Trabalho é um
instrumento eficaz para assegurar o acesso à justiça, o que pode ser verificado através do
sistema PJE-JT, plataforma digital desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça. Este
artigo traz a discussão quais seriam os limites ao uso da Inteligência Artificial no Direito
Processual do Trabalho. Nesta delimitação, evidencia-se que não há espaço para robotização
das decisões judiciais por vulnerar o princípio constitucional da independência funcional do
juiz do trabalho. Emprega-se o método dedutivo com análise bibliográfica de artigos
científicos, doutrinas e legislações aplicáveis à matéria.

Palavras-chave: Palavras-chave: inteligência artificial, Direito processual do trabalho,


Limites

Abstract/Resumen/Résumé
ABSTRACT: The use of Artificial Intelligence in Labor Procedural Law is an effective
instrument to ensure access to justice, which can be verified through the PJE-JT system, a
digital platform developed by the National Council of Justice. This article discusses the limits
of the use of Artificial Intelligence in Labor Procedural Law. It turns out that the robotization
of judicial decisions cannot be made because it violates the constitutional principle of the
functional independence of the labor judge. The deductive method is used in conjunction
with the bibliographic analysis of scientific articles, doctrines and legislation.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: . kewwords: artificial intelligence, Labor procedural


law, Limits

64
1. INTRODUÇÃO
A aproximação entre o Poder Judiciário e os jurisdicionados, advogados, membros do
Ministério Público se torna possível através do processo eletrônico, viabilizado pelo sistema
PJE da Justiça do Trabalho.
A atividade jurisdicional é essencial no Estado Constitucional de Direito, assim como
a Inteligência Artificial que faz com que ela se concretize, já que todos os processos trabalhistas
são eletrônicos e permite serem alimentados por algoritmos.
Na primeira parte deste estudo procura se demonstrar como a tecnologia tem sido
adotada na Justiça do Trabalho para prática de atos processuais, impondo celeridade, qualidade
e eficiência na entrega da prestação jurisdicional. Em seguida traz a discussão sobre quais
seriam os limites ao uso da inteligência artificial nas decisões judiciais trabalhistas, ainda
pendente de regulamentação pelo Congresso Nacional.
A Inteligência artificial vincula à observância dos princípios constitucionais e aos
princípios específicos do Processo Eletrônico.
A imposição de limites ao uso da Inteligência Artificial nas decisões judiciais da
Justiça do trabalho é importante para evitar a estagnação da jurisprudência e solipsismo
algorítmico, pois a padronização das decisões judiciais pode obstar o acesso à justiça
assegurado no artigo 5º, XXXV da CF/88.
Espera-se, por meio deste estudo contribuir para o entendimento de quais seriam os
limites para o uso da inteligência artificial no Direito Processual do Trabalho.

2. O USO DA TECNOLOGIA COMO UM INSTRUMENTO EFICAZ DE


ACESSO À JUSTIÇA
O uso da tecnologia tem sido adotado no Processo do Trabalho para prática de atos
processuais como forma de democratizar o acesso à justiça, de tornar a prestação da tutela
jurisdicional mais célere e eficiente com resultados positivos.
Através do sistema de videoconferência, as partes e testemunhas podem participar de
audiências trabalhistas virtuais em qualquer lugar do mundo, exemplos de aplicação desta
tecnologia nos atos processuais são através de cartas rogatórias, cartas precatórias, audiências
de conciliação, entre outros.
O uso da inteligência Artificial no Direito Processual do trabalho, ainda na fase inicial,
pode contribuir com a redução dos custos do processo na Justiça do Trabalho, no momento
estão sendo desenvolvidos dois sistemas o Sistema Bem-te-vi, para tramitação de processos no
TST (análise automática da tempestividade)1 e o Projeto Gemini do TRTs da 5ª, 7ª, 15ª e 20ª
Região, que auxilia na elaboração de votos e na distribuição de processos por matéria nos
Gabinetes2.
A utilização da tecnologia e da inteligência artificial para prática de atos processuais
têm sido um instrumento eficaz para efetivação dos direitos sociais, concretizando os
ensinamentos de Mauro Cappelletti e Bryan Garth (1988, p. 12), que reconhecem o acesso à
justiça como “requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema
jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de
todos.”
Deste modo, o presente trabalho busca responder às seguintes perguntas, a inteligência
artificial pode ser utilizada no Processo do trabalho de forma ampla e irrestrita para prática de

1
O sistema Bem-te-vi, Inteligência Artificial traz melhorias inovadoras na tramitação de processos no TST,
Disponível em:< http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/inteligencia-artificial-traz-
melhorias-inovadoras-para-tramitacao-de-processos-no-tst.> Acesso em 11.04.2020.
2
TRT5 realiza projeto-piloto que utiliza inteligência artificial. Disponível em:< https://www.cnj.jus.br/trt5-
realiza-projeto-piloto-que-utiliza-inteligencia-artificial, >Acesso em 11.04.2020.

65
todos os atos processuais, inclusive decisões judiciais, sem que isso possa gerar nulidade
processual ou violação de princípios? Ela deve submeter aos princípios constitucionais? Esses
questionamentos demonstram a importância de estabelecer alguns limites para o uso da
Inteligência Artificial no Processo do Trabalho.

3. LIMITES À INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO PROCESSUAL DO


TRABALHO
A Inteligência Artificial no Direito Processual do Trabalho deve observar os seguintes
princípios constitucionais, a saber o 1) Dignidade da Pessoa Humana (artigos 1º, III da CF/88
e 8º do CPC/2015, 1º DUDH/1948); 2) Igualdade (artigos 5º, caput da CF/88, 7º da
DUDH/1948, e 7º, CPC/2015); 3) Preservação dos dados sensíveis (artigos 93, IX da CF/88, 11
do CPC/2015 e 10, da DUDH/1948); 4) Imparcialidade; 5) Interação, contraditório e ampla
defesa (artigos 5º, LV da CF/88, 9 e 10 do CPC/2015); 6) Transparência Algorítmica (artigos
5º, XXXIII, 37, 216 da CF/88, 14 da Lei 11.419/2006 e 195 do CPC);
Quanto ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o uso da Inteligência Artificial
no Direito Processual do Trabalho não está devidamente regulamentado, existe um Projeto de
Lei 5051 de 2019, em seu artigo 2º, que estabelece os princípios para aplicação da tecnologia
no Brasil que deve ser desenvolvida para melhorar o bem-estar humano em geral.
Quanto ao Princípio da Preservação dos Dados Sensíveis, Resende Chaves Jr, menciona
que no Processo eletrônico “A lógica tem a preocupação de preservar os dados sensíveis,
porque tem outros valores constitucionais em jogo, como o direito à privacidade que deve ser
respeitado”. Os artigos 6º e 11 da Lei 11.419/2006 busca a preservação das informações,
restringindo o acesso aos documentos apenas àqueles processualmente implicados e fazem
parte da relação processual3.
Quanto ao princípio da Imparcialidade, com o sistema PJE, mídias, as audiências
trabalhistas podem ser gravadas, impedindo o arbítrio, abuso de poder e parcialidade do
magistrado de primeiro grau na colheita das provas.
Quanto ao princípio da transparência algorítmica, toda decisão judicial tomada com o
auxílio de inteligência artificial deve conter essa informação em sua fundamentação, sob pena
de gerar nulidade processual. Neste mesmo sentido, é entendimento dos autores Dierle Nunes
e Ana Luiza Marques (2018) e Alves e Almeida (2020, p. 57).
Corroborando que a falta de transparência dos algoritmos pode ensejar erros gravíssi-
mos no processo decisório trabalhista, Ana Frazão (2017) esclarece que “os algoritmos se
baseiam em dados sigilosos sem qualquer transparência, que podem ser incorretos ou falsos,
e reproduzirem correlações que podem ser frutos de discriminações e uma serie de injustiças
da vida social. ”
Nathalia Medeiros (2019, p. 132), sustenta que a teoria normativa da comparticipação
atua como garantia da transparência e da fiscalidade do processo de tomada de decisões, para
que haja uma “transparência algorítmica” com fiscalidade (accountability) das ferramentas de-
senvolvidas para tomada de decisões pelo Estado no exercício de suas funções, não somente de
forma prévia, mas, sim, uma fiscalidade externa e constante por parte de determinados segui-
mentos da sociedade (v.g. OAB, advogados, juízes, jurisdicionados, especialistas de outras
áreas).
Considerando a posição da doutrina majoritária sobre o tema pode se afirmar que a
transparência digital é condição de validade para aplicação da Inteligência Artificial no Pro-
cesso do Trabalho.

3
Desembargador José Eduardo Resende Júnior expõe princípios do direito processual eletrônico. Disponível em:<
https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/des-jose-eduardo-expoeprincipios-
do-direito-processual-eletronico,>Acesso em 04.05.2020.

66
Há ainda outros princípios, no caso da inteligência Artificial no Direito Processual do
Trabalho, esta está vinculada aos princípios específicos do Processo Eletrônico: 1) Lealdade
Processual, Ética e Boa-fé (artigos 5º, 80 e 489, 3º do CPC); 2) Imaterialidade (CHAVES,
2015) ; 3) Conexão (artigos 1º, 8º, 13 e 14 da Lei n. 11.419/06 e 422, § 1º do CPC/ 2015); 4)
Intermidialidade (art. 1º, e 2º, I da Lei 11419/2006); 5) Hiper-realidade (CHAVES, 2015); 6)
Instantaneidade (CHAVES, 2015); 7) Desterritorialização (art. 144 da CF).
Os limites abordados no presente artigo envolvem 1) poder decisório ser uma função
constitucional indelegável; 2) o uso de algoritmos poderiam ocasionar a estagnação da
jurisprudência; 3) vedação ao solipsismo algorítmico; 4) necessidade de supervisão
humana na aplicação da IA e 5) independência funcional do juiz do trabalho.
Em relação ao primeiro limite, segundo Alexandre Zavaglia (2017): “O limite da
tecnologia deve ser o limite das prerrogativas dos profissionais. No caso do médico, o software
pode dar informações e até sugerir o diagnóstico, mas a decisão quem toma é o ser humano”.
Atualmente na Justiça do Trabalho é possível automatizar a maior parte dos atos processuais,
mas a decisão judicial continua sendo um trabalho intelectual humano exclusivo dos juízes do
trabalho, únicos detentores da jurisdição estatal, segundo o disposto nos artigos 5º, XXXV, LIII,
114 da CF/88. Este entendimento é corroborado por autores como Luiz Fernando Féola (2015,
p. 45-48), Dierle Nunes e Viana (2018), Viana (2019) e Alexandre Pereira (2017).
A Inteligência Artificial por não ter racionalidade interpretativa de ponderação
característica afeta ao homem, não estaria apta a julgar os seres humanos com justiça,
respeitando os valores e princípios inerentes ao Estado Constitucional de Direito.
Quanto ao segundo limite, Jordi Fenoll (2018, p. 32-33) justifica a necessidade de impor
limites à inteligência artificial pois não pode conferir a decisão final em um julgamento para
que não venha ensejar a estagnação da jurisprudência.
A Inteligência Artificial através de seus algoritmos, pode incorrer na padronização das
decisões judiciais, acarretando uma imutabilidade na jurisprudência dos Tribunais trabalhista e
obstando o acesso à justiça, assegurado no artigo 5º, XXXV da CF/88.
Quanto ao terceiro limite, Almeida Filho (2015, p. 17) menciona que “não podemos
permitir que o Processo Eletrônico encontre modificações a ponto de termos sentenças
cartesianas, emitidas por um computador.”. Não se coaduna com Estado Constitucional de
Direito decisões trabalhistas padronizadas por algoritmos, por afrontar o princípio da jurisdição
de o Estado juiz dizer o direito em cada caso concreto, de acordo com os princípios e valores
estabelecidos na Constituição Federal. Este entendimento é corroborado por autores como
Viana (2019), Medeiros (2019, p. 68) e Wandelli (2015, p.83).
No Estado Constitucional de Direito é necessário utilizar a inteligência artificial e tirar
proveito de seus benefícios, mas o seu uso deve ser sempre direcionado por juiz do Trabalho
numa interpretação racional humana com ponderação de valores, e respeito aos direitos e
garantias que fundam o processo jurisdicional democrático, refutando dessa forma “solipsismo
algoritmo”.
Em relação ao quarto limite, a matéria ainda pende de regulamentação, mas o artigo
2º, V do Projeto de Lei 5051/2019, estabelece a necessidade de supervisão humana no uso da
inteligência artificial. A inteligência artificial caso seja adotado nas decisões da Justiça do
Trabalho deve ser feita com autorização e supervisão do juiz do trabalho, responsável pela
condução do processo no Estado Constitucional de Direito, sob pena de nulidade processual.
Por fim, com relação ao quinto limite, o pensar humano sobre a concretização da
Justiça, fica destacado no pensamento de Hanna Arendt (SCHIO, 2011): “o julgamento é aquele
que prepara os dados pensados para serem decididos, para receber o impulso da vontade e
adentrarem no mundo externo por meio da ação. O julgar, então, não existe sem o pensar. ”
Resende Chaves Jr (XXXX): “Automatizar mecanicamente decisões é uma via rápida
para alcançar a completa falta de legitimação social do judiciário brasileiro". Ainda mais a

67
Justiça do Trabalho, que tem a função social de proteger e tutelar os direitos sociais
fundamentais dos trabalhadores hipossuficientes na relação entre capital e trabalho.
Daí porque não pode se admitir no Estado Constitucional de Direito a robotização das
decisões judiciais, porque o ato de julgar depende de interação entre os seres humanos, o bom
juiz precisa saber ouvir, e o jurisdicionados precisa sentir que está sendo ouvido e que seu
processo vai ser examinado e julgado de forma singular, está interação entre o juiz, as partes,
advogados e participantes do processo trabalhista é fundamental para concretização da justiça.
A Inteligência Artificial pode ser adotada na Justiça do Trabalho nos easy cases,
decisões que envolvem simples cálculos matemáticos, demandas repetitivas, matérias
exclusivamente de direitoe supervisionadas e validadas por um juiz do trabalho.
Nos “hard cases”, em que o intérprete algumas vezes atua com discricionariedade,
exerce o papel criativo do direito, considera valores éticos, morais e faz sopesamento de
normas no momento de julgar, não seria possível o uso da Inteligência Artificial nas decisões
na Justiça do Trabalho por encontrar óbice no princípio do juiz natural artigos 5º, incisos
XXXVII, LIII e 114 da CF/88, que estabelece um juiz constitucionalmente competente, humano,
independente e imparcial para julgar os conflitos trabalhistas.
A inteligência artificial ainda não tem programação para substituir o juiz do trabalho
em seus julgamentos mais complexos que exige um critério de racionalidade argumentativa nas
decisões judiciais, por força do artigo 93, IX da CF, 832 da CLT, 489 CPC, que estabelece o
princípio do dever de fundamentação estrutural das decisões judiciais.

4. CONCLUSÃO
A inteligência Artificial pode ser adotada na Justiça do Trabalho para prática de atos
processuais desde que cientificada as partes de sua utilização em observância ao princípio da
transparência algorítmica para evitar nulidade processual.
Os limites ao seu uso se concretiza na observância dos princípios constitucionais e
específicos do processo eletrônico previstos no ordenamento jurídico nacional e internacional.
Não tem respaldo no Estado Constitucional de Direito decisões trabalhistas
padronizadas por algoritmos, por afrontar o princípio da jurisdição de o Estado juiz dizer o
direito em cada caso concreto, de acordo com os princípios e valores estabelecidos na
Constituição Federal.
Estabelecer limites ao uso da inteligência artificial se faz necessário para evitar a
estagnação da jurisprudência, solipsismo jurídico e a robotização das decisões judiciais.
Delimitado, o uso da inteligência artificial, evidencia-se que pode ser adotada, na
Justiça do Trabalho, nos easy cases, decisões que envolvam simples cálculos matemáticos,
matérias exclusivamente de direito, com limitação ao valor da causa, demandas repetitivas,
mediante autorização e supervisão de um juiz do trabalho, dependendo de regulamentação pelo
Poder Legislativo. Já nos “hard cases”, não seria possível o uso da Inteligência Artificial por
violar princípio do juiz natural, artigos 5º, incisos XXXVII, LIII da CF/88 e dever de
fundamentação estrutural previsto nos artigos 93, IX da CF/88, 489 do CPC/2015, 832 da CLT.

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71
MAQUINAS INTELIGENTES – A PROPRIEDADE INTELECTUAL E A
INTELIGENCIA ARTIFICIAL
MAQUINAS INTELIGENTES - PROPIEDAD INTELECTUAL E INTELIGENCIA
ARTIFICIAL

Paula Chaves Costa


Luysa Hellena Guimarães Maruques

Resumo
O presente artigo tem como objetivo analisar como a propriedade intelectual é aplicada as
inovações tecnológicas e as consequências das lacunas legislativas. Buscou-se analisar qual a
necessidade de criação de uma Lei que regulamente de quem é o direito autoral quando a obra
/criação é fruto exclusivo de uma máquina. A inteligência artificial é de extrema importância
para que o país se desenvolva como um todo de forma rápida e eficaz. O método utilizado foi
o indutivo, analisando leis e doutrinas que abrangem o tema, tendo como marco teórico a
propriedade intelectual e as inovações tecnológicas.

Palavras-chave: Propriedade intelectual, Inovações tecnológicas, Lacuna legislativa,


Inteligência artificial

Abstract/Resumen/Résumé
Este artículo tiene como objetivo analizar cómo se aplica la propiedad intelectual a las leyes
y doctrinas que innovaciones tecnológicas y las consecuencias de las brechas legislativas.
Intentamos analizar la necesidad de crear una Ley que regule quién posee los derechos de
autor cuando el trabajo / creación es el resultado exclusivo de una máquina. La inteligencia
artificial es extremadamente importante para que el país se desarrolle en su conjunto de
manera rápida y efectiva. El método utilizado fue el inductivo, analizando cubren el tema,
tomando la propiedad intelectual y las innovaciones tecnológicas como marco teórico.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Propiedad intelectual, Innovaciones tecnológicas,


Brecha legislativa, Inteligencia artificial

72
INTRODUÇÃO:
A evolução tecnológica, a expansão das ferramentas de comunicação,
quantidades incalculáveis de dados sendo transmitidos dia após dia ( IT² - Indicador de
Transformação da TI - IDC), bem como a demanda crescente por desenvolvimento,
inovação, sustentabilidade, economia, celeridade, desdobram na urgente necessidade de
criação de sistemas, de aplicações, de softwares, com o fim de acompanhar os desafios
impostos pelo contexto social contemporâneo.

Com a existência de máquinas dotadas de inteligência artificial (IA), é


plenamente possível que tais aparelhos desenvolvam obras, sejam estas científicas,
artísticas, literárias, industriais e comerciais.

Com a possibilidade de se utilizar da AI, para que computadores criem sozinhos,


novos dados, caminhos, algoritmos, utilizando sua complexa rede neural (SILVA, 2016,
p. 24), o Direito é desafiado a decidir se tais criações pertencem a alguém, a quem
pertencem e se seria viável a proteção jurídica por meio das normas de propriedade
industrial, revelando-se, nestes termos o problema da pesquisa.

A princípio, é necessária a compreensão de que ao tratar do direito autoral e das


novas tecnologias, é fundamental a regulamentação das novas situações, com a
colaboração dos operadores do Direito, em especial da academia.

O marco teórico parte das Leis presentes no ordenamento jurídico pátrio, leis
genéricas que abordam a criação intelectual ou comercial, como a Convenção de Berna
(Lei 75.699/75), Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) e Lei de Direitos Autorais
(Lei 9.610/98) abrangendo doutrinas.

O objetivo da pesquisa revela-se em demostrar a (des) necessidade da criação de


uma legislação que regule a propriedade intelectual a respeito das obras produzidas,
autonomamente, por meio da inteligência artificial, bem como demonstrar os contornos
contemporâneos da propriedade intelectual, suas espécies, com a finalidade de lançar
luzes sobre a temática e contribuir para um melhor tratamento da matéria, inclusive pelos
legisladores.

O método adotado para a presente pesquisa foi o indutivo, na medida que a


indução é um processo mental, que conclui/deduz uma verdade geral ou universal. O
objetivo do método indutivo é obter conclusões amplas, a partir dos seus embasamentos.
(LAKATOS; MARCONI, 2009, p.86). Tal opção metodológica se coaduna com o

73
proposito deste artigo, uma vez que a propriedade intelectual e as inovações tecnológicas
partem de premissas, onde observamos os fatos, reais e sistemáticas, além disso, é
passível que os fatos sejam alterados, sendo a conclusão ampla, pois não é infalível nem
unanime, tendo em vista que a realidade pode vir a ser alterada a partir de uma construção
argumentativa. A técnica adotada é a bibliográfica.

PROPRIEDADE INTELECTUAL E INTELIGENCIA ARTIFICIAL


A propriedade intelectual se manifesta como as criações humanas, e em razão do
pertencimento, a princípio, a determinadas pessoas, merece tutela, a fim de que os
direitos morais e patrimoniais dessas sejam garantidos, a propriedade intelectual tende a
garantir ao dono da obra a exclusividade do seu produto, mesmo que de forma
temporária, como é o caso das patentes e dos registros de desenho industrial.
Reprimindo, desta forma, a concorrência desleal (ABIMAQ - Manual da Prop.
Industrial - pg. 1)
De acordo com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) a
propriedade intelectual tem como objetivo incentivar a atividade de criação e a promover
em todo o mundo a sua proteção. Tornando eficiente a administração das Uniões, quando
se tratar de propriedade industrial (indústrias e comércios), e proteção as obras literárias
e artísticas (produção literária, cientifica e artística), respeitando a autonomia de cada
União. (Convenção de Berna, 1979, p. 3).

No Brasil o direto autoral é subdividido em Direitos do Autor, Direitos Conexos


e Programas de Computador. Os Direitos Autorais são os que se relacionam ao autor de
uma obra. (Lei 9.610/98 - Lei dos Direitos Autorais)

Valendo-se do art. 7º da mencionada codificação, as obras intelectuais


protegidas pela lei são as criações de espírito, podendos essas, serem expressas por
qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte. No Brasil, atualmente a Fundação
Biblioteca Nacional é a responsável por registrar as obras produzidas no país.

Importante subdivisão dos Direitos Autorais, Programas de Computador, tem


previsão na Lei de Direitos Autorais, mas sua proteção de fato esta na Lei 9.609 de 19,
de Fevereiro de 1998, a qual define programa de computador sendo a expressão de um
complexo de linguagens naturais e codificadas, suas respectivas instruções que se
baseiam em técnicas digitais ou análogas.

74
Outra modalidade de propriedade intelectual é a Sui generis, a qual inclui
Topografia de Circuito Integrado, Conhecimentos Tradicionais (Lei 11.484, de 31 de
Maio de 2007) e Cultivares, (Lei 9.456, de 25 de Abril de 1997).

Por outro lado, a inteligência artificial é um instrumento utilizado para criar


mecanismos como, softwares e robôs com capacidade para solucionar problemas, pensar
e até mesmo agir de forma inteligente, similar à humana, podendo, em alguns casos,
uma criação gerar outra, de forma autônoma e não prevista pelo criador/autor.
(GRIMMELMANN, 2015)

Atualmente, com o avanço dos estudos da Inteligencia Artificial, sabe-se que


dela surge outros 5 conceitos/condições que possibilitam a aplicação da IA, quais sejam:
i) Big Data; ii) Machine Learning; iii) Deep Learning; iv) Algorítimos e; v) Campos
Neurais. (ROSA, 2016 - pg. 3)

Certo é que o desenvolvimento na principal área dessa pesquisa, que é a de


fazer uma inteligência similar à do ser humano, é gradual. (EXAME, 2018). Entretanto,
os estudos têm surtido efeito em outros âmbitos sociais, como o planejamento
automatizado e escalonamento, jogos, programas de diagnóstico médico, controle
autônomo, robótica.

Conforme discorrido, há no ordenamento jurídico pátrio, leis genéricas que


abordam a criação intelectual ou comercial, como a Convenção de Berna (Lei
75.699/75), Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.270/96) e Lei de Direitos Autorais (Lei
9.610/98). Tais codificações permitem tanto a concessão de direitos ao autor e inventor
do produto, quanto a participação do autor/inventor em toda a dimensão econômica
decorrente de sua criação.

No entanto, esta proteção não se demonstra eficaz e suficiente para abranger


todos os fundamentos derivados da Inteligencia Artificial, tais como: ciência de dados e
utilização nos diversos âmbitos sociais, tais como: i) Reconhecimento de Palavras
(Speach Recognition), ii) Predição de taxas de cura de pacientes com diferentes doenças;
iii) Detecção do uso fraudulento de cartão de créditoo; iv) Condução de automóveis de
forma autônoma; v) adversários virtuais em jogos digitais.

75
Certo é que, atualmente, tramitam na Câmara dos Deputados, alguns Projetos
de Lei voltados à regulamentação da Inteligência Artificial e consubstanciados nas
proposições da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico), entidade que anunciou princípios para o desenvolvimento de inteligência
artificial, sendo o Brasil um dos signatários do documento. Duas PL’s merecem destaque
neste cenário, quais sejam, PL 21/2020 (Dep. Eduardo Bismark) e PL 240/2020 (Dep.
Léo Moraes).

Embora os aspectos abordados por tais projetos legislativos tragam


transformações genuínas aos processos inerentes à Inteligência Artificial, importante se
faz elucidar que algumas questões técnicas ainda se encontram descobertas, como a
evidente possibilidade de criações oriundas exclusivamente dos softwares de
Inteligência Artificial, sendo necessário tratar com mais clareza a despeito de quem seria
considerado autor de tais criações.

Segundo Grimmelmann (2015, pg. 89), há a possibilidade de atribuir às


máquinas dotadas de IA a qualidade de pessoa jurídica, concedendo proteção às suas
criações, segundo as leis da Propriedade Intelectual. De certo, a situação merece
destaque visto que tais criações não podem ficar a critério da discricionariedade do
proprietário da inteligência artificial, conceber ou não proteção à autonomia da IA, em
seu nome.

Por oportuno, a situação não é incomum. Recente software desenvolvido pelo


engenheiro Zack Thoutt é responsável pelo desenvolvimento de 5 capítulos de Game of
Thrones, na intenção de dar à saga o final ainda não escrito por George R. R. Martin.

A Lei de propriedade intelectual por muitos anos foi suficiente para proteger o
direito de autores, no entanto, devido ao desenvolvimento, não é mais. A tecnologia hoje
está presente em tudo, desde o alimento ate o software mais sofisticado, não sendo
possível ignorar sua presença.

CONCLUSÃO:
A lei de direitos autorais e industriais regulam muito bem as relações que tem
presente o ser humano como autor, no entanto, nada falam sobre o que se deve fazer
quando a é a inteligência artificial quem cria a obra, quer que seja, cientifica, artística,

76
literária, industrial ou comercial. Daí vem á necessidade de criar uma legislação acerca
da inteligência artificial no âmbito da propriedade intelectual, regulando que o direito
moral e patrimonial oriundos do direito a propriedade intelectual é das maquinas e todo
o dinheiro recebido em função da obra/criação deve ser reinvestido no mesmo setor.

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79
NOVAS TECNOLOGIAS, SANDBOX REGULARÓTIO E AS CONSEQUÊNCIAS
PARA AS RELAÇÕES DE CONSUMO
NEW TECHNOLOGIES, REGULAROTIC SANDBOX AND THE CONSEQUENCES
FOR CONSUMER RELATIONS

Igor Barbosa Beserra Gonçalves Maciel 1

Resumo
O presente trabalho versa sobre as novas tecnologias, que têm impactado os mercados, os
Estados e os consumidores, além do sandbox regulatório aplicado àquelas, a fim de
compreender as consequências nas relações de consumo. Através do método de abordagem
hipotético-dedutivo, de procedimental exploratório e da técnica de pesquisa bibliográfica-
documental, objetiva-se: primeiramente, fazer um panorama das novas tecnologias. Em
seguida, apresentar o sandbox regulatório e como este pode ser aplicado às novas
tecnologias. Posteriormente, abordar as possíveis consequências da implementação daquele
às inovações e os efeitos no âmbito consumerista. Por fim, trazer as considerações finais
sobre a temática.

Palavras-chave: Novas tecnologias, Sandbox regulatório, Relações de consumo

Abstract/Resumen/Résumé
The present work deals with the new technologies, which have impacted the markets, the
States, and the consumers, in addition to the regulatory sandbox applied to those, in order to
understand the consequences in the consumer relations. Through the hypothetical-deductive
approach method, exploratory procedural and bibliographic-documentary research technique,
the objectives are: first, to provide an overview of new technologies. Then, introduce the
regulatory sandbox and how it can be applied to new technologies. Subsequently, address the
possible consequences of implementing that to innovations and the effects in the consumer
sphere. Finally, bring the final considerations on the theme.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: New technologies, Regulatory sandbox, Consumer


relations

1Mestrando em Direito Econômico pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas/UFPB. Bolsista


CAPES/DEMANDA SOCIAL. Advogado licenciado. Editor Assistente da Prim@ Facie (Revista do PPGCJ
/UFPB).

80
81

1 INTRODUÇÃO

A partir da criação do World Wide Web, na década de 1990, o Mundo tem vivenciado
uma revolução tecnológica sem tamanho, a qual atinge os mais diversos setores econômicos e
sociais, bem como não possui fronteira dado o atual estágio de globalização. Por conseguinte,
o surgimento de novos produtos, serviços, plataformas, fornecidos através de meios digitais,
trazem consigo incertezas, que acabam repercutindo diretamente nos mercados, nos Estados e,
especialmente, nas relações de consumo.
Nesse contexto tecnológico e disruptivo, o conhecimento prévio, ainda que mínimo,
das novas tecnologias pode proteger as relações de consumo de eventuais problemas, sobretudo,
pelo fato de, em regra, os consumidores serem a parte hipossuficiente da relação contratual,
uma vez que não dominam as características, as funcionalidades, os perigos, entre outras
questões, principalmente, frente às inovações.
Entrementes, como viabilizar a revolução tecnológica e, ao mesmo tempo, proteger às
relações de consumo frente às incertezas por aquelas trazidas?
Dentro deste quadrante, novas ferramentas têm surgido, como o sandbox, a fim de
conjugar o desenvolvimento tecnológico com os direitos básicos do consumidor, de modo que,
antes da entrada do produto e/ou do serviço no mercado, já seja possível antever algumas
questões que repercutirão no âmbito jurídico e, portanto, regulá-las se preciso o for.
Assim, em síntese, com o presente trabalho objetiva-se, inicialmente, fazer um
panorama das novas tecnologias. Em seguida, apresentar o sandbox regulatório e como este
pode ser aplicado àquelas. Posteriormente, abordar as possíveis consequências da
implementação daquele às inovações e os efeitos no âmbito consumerista. Por fim, trazer as
considerações finais sobre a presente temática.
Destaca-se que o debate sobre as novas tecnologias e suas consequências têm recebido
a atenção de diversos âmbitos do saber jurídico, não só no Brasil como em todo o Mundo, já
que aquelas impactam, máxime, as relações de consumo. Desse modo, almeja-se contribuir com
as discussões sobre novas tecnologias, sandbox regulatório e as relações consumeristas.

2 METODOLOGIA

Como metodologia, o presente trabalho utiliza-se do método de abordagem hipotético-


dedutivo, quando hipoteticamente traz o sandbox regulatório como ferramenta solucionadora
82

do problema das inseguranças nas relações de consumo devido às novas tecnologias. Desse
modelo hipotético geral, busca-se deduzir se pode ser aplicado aos demais casos.
No âmbito procedimental, a pesquisa tem caráter exploratório, uma vez que não se
pretende esgotar a temática, mas descortiná-la, já que o tema é novo e, por isso, não possui
entendimentos consolidados.
Por fim, no tocante à técnica de pesquisa, a adotada foi a bibliográfica-documental,
posto que se valerá de alguns escritos, de legislação, de doutrinas, para construir o raciocínio.

3 NOVAS TECNOLOGIAS, SANDBOX REGULATÓRIO E AS CONSEQUÊNCIAS


NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

3.1 NOVAS TECNOLOGIAS

Com o advento da internet, notadamente, com o desenvolvimento do World Wide Web


(WWW), no começo dos anos de 1990, pelo professor e cientista Timothy John Berners-Lee,
do Massachusetts Institute University – MIT (BERNERS-LEE, 1992), aquela ganhou maior
serventia, tendo em vista que o acesso às informações ficaram mais fáceis e, com isso,
contribuiu para a difusão do conhecimento, para a globalização dos mercados, das culturas, das
tecnologias, criando um ambiente de constantes inovações ao redor de todo o Mundo.
Além das redes sociais tradicionais, como e-mail, salas de bate-papos, chats, blogs,
surgiram inúmeras outras plataformas, sites, instrumentos de busca, a exemplo do Google, do
Cadê, ainda na década de 90. Contudo, nos anos 2000 é que ocorreu o boom, a consolidação e
mais revoluções decorrentes da internet (BARROS, 2013).
De fato, com a virada do século, os avanços continuaram, notadamente, com o
desenvolvimento de várias redes sociais, entre elas: o Fotolog (em 2002), o Orkut (em 2004), o
Facebook (em 2004), o Twitter (em 2006), o WhatsApp (em 2009), o Instagram (em 2010), o
Snap Chat (em 2011). A que mais se destacou foi o Facebook, que se tornara a maior rede social
do mundo. No ano de 2012, superou um bilhão de usuários (FOLHA, 2012) e, em 2017, a
empresa ultrapassou os dois bilhões de pessoas conectadas as suas redes (G1, 2017).
Todavia, a revolução tecnologia não foi restrita às redes sociais, lojas e empresas
começaram a funcionar através do e-commerce. Ainda, os serviços de streaming ganharam
destaque, seja de vídeo, com o crescimento da Netflix, que embora tenha sido criada em 1997,
o funcionamento nos moldes atuais passou a ocorrer a partir de 2007 (KLEINA, 2017), seja de
áudio, a exemplo do Deezer (2007), da Amazon MP3 (2007), do Spotify (2008).
83

Outrossim, concomitante aos avanços da internet, a indústria tecnológica foi


crescendo, as tvs de tubo deram lugar as de plasma, lcd, led, oled. Os celulares viraram
smartphones, isto é, minicomputadores, sendo possível fazer tudo através dele. A inteligência
artificial foi adicionada os dispositivos, a exemplo da Siri (Apple), da Alexa (Amazon).
A virtualização do mundo tem transformado os negócios, os quais muitos já têm
nascido totalmente digitais, a exemplo da Amazon, do Airbnb, Uber, 99táxi, Nubank, Banco
Inter, Gympass, iFood, Rappi. No mundo financeiro, a virtualização tem sido agressiva, com a
criação de várias fintechs. A economia está sendo desmaterializada (FEIGELSON, 2018).
Ressalta-se que, em 2008, nasceu a primeira criptomoeda, o Bitcoin, a qual provocou
uma grande disrupção no sistema financeiro, com a apresentação de um sistema de pagamento
totalmente distribuído e sem a presença de um Estado ou ente intermediário, além de seguro,
rápido, barato e dotado de privacidade. Ainda, trouxe em seu cerne o Blockchain
(NAKAMOTO, 2008). Inclusive, muito embora na maioria dos países não haja definição
jurídica quanto a estas, observa-se que várias Nações, mercados e consumidores já têm se valido
das criptomoedas e do Blockchain para a realização de transações e o registro de dados
(CAMPOS, 2018; RODRIGUES, TEIXEIRA, 2019).
O uso da internet pelas pessoas é cada vez maior, as novas tecnologias trazem consigo
a necessidade de constante conexão, e mais, fazem com que as pessoas tenham as vidas
espelhadas no mundo virtual, além de outras questões mais. Tudo isto demonstra quão
incontrolável é revolução tecnológica e que as inovações estão em constante ebulição. Ainda,
estas acabam repercutindo diretamente nos mercados, nos Estados e nas relações de consumo.
Com efeito, verifica-se que os institutos jurídicos existentes são incapazes de proteger
as relações de consumo e, desse modo, precisam acompanhar a disrupção proporcionada pelo
mundo virtual (BARBOSA, 2019). Caso contrário, não servirá à regulação de eventuais
problemas, gerando insegurança jurídica às relações, destacadamente, às consumeristas.
Entrementes, como antever o desconhecido, de modo racional e sem exageros
desnecessários, para que, concomitantemente, não se diminua o interesse e os investimentos em
inovações? Foi dentro desse contexto que veio à tona o sandbox regulatório, ferramenta que se
apresentará a seguir, almejando uma regulamentação das novas tecnologias sem castrá-las.

3.2 SANDBOX REGULATÓRIO

As novas tecnologias têm demostrado a inaptidão dos atuais regulamentos para a


correção de problemas eventualmente causados pelo uso daquelas, uma vez que não há
84

possibilidade de enquadrá-las nas normas já postas. Ademais, não raro, a elaboração de medidas
emergenciais, como fito de atender alguma urgência social, muitas vezes acaba por prejudicar
bastante o mercado, recrudescendo os investimentos, ao tempo em que para o consumidor não
passa de um direito meramente simbólico, sem qualquer eficácia prática.
Nesse mote, veio à tona a aplicação do sandbox regulatório às inovações, a fim de
contribuir para a segurança jurídica das relações e conferir outros benefícios a mais
(FEIGELSON, 2019). Entretanto, que é o sandbox regulatório?
Inicialmente, aponta-se que o sandbox diz respeito à “caixa de areia para brincar”
(SOARES, 2019), como as existentes nas praças, nos colégios, onde os pais e os professores
deixam as crianças brincando e desenvolvendo atividades livremente, enquanto ficam apenas
as observando de fora e, eventualmente, fornecem alguma orientação e/ou repressão.
Pode-se dizer que foi partindo desta ideia, isto é, da diversão das crianças em um
ambiente controlado, cujos efeitos e consequências se restringe a estes, que, em 2015, a
Autoridade de Controle Financeiro da Inglaterra, a Financial Conduct Authority (FCA), atentou
para o potencial do uso do sandbox com fins regulatórios. Na oportunidade, observou-se que
em um ambiente delimitado (número limitado de consumidores, tempo e espaço pré-fixados),
ficava mais propício para o atingimento de maior eficácia, de economicidade e de segurança
para os produtos e os serviços, especialmente, no que diz respeito aos financeiros.
Isto porque, com os resultados obtidos da experiência dos produtos e dos serviços pelos
consumidores, acompanhados pelas autoridades e pelas próprias empresas, é possível fomentar
o desenvolvimento de inovações sem que estas incorram em infrações legais ou regulatórias,
além de possibilitar o compartilhamento de informações e a construção conjunta de soluções
para o aprimoramento dos produtos e dos serviços (BARBOSA, 2019).
O sistema de assistido de regulação traz algumas vantagens, como a diminuição do
tempo de mercado, o estímulo aos investimentos, ao desenvolvimento de novas tecnologias
(FEIGELSON, 2019; RODRIGUES, TEIXEIRA, 2019). Ademais, muito embora no ambiente
de testas não seja garantido o resultado, as empresas participantes do sandbox devem arcar com
eventuais prejuízos aos consumidores que se dispuseram à experiência (SOARES, 2019).
Noutro giro, quanto às desvantagens, estas dizem respeito ao fato de em muitos países
ter várias autoridades reguladoras e, por sua vez, fazer com que as empresas tenham de
participar de vários sandboxes, inviabilizando os projetos. Ainda, se não houver regras claras,
pode pecar na transparência, também conferir privilégios as grandes empresas (BARBOSA,
2019). Todavia, estas questões podem ser superadas, na medida em que os Estados e os
mercados forem adotando o referido modelo de viabilidade das inovações.
85

Destarte, com o sandbox regulatório aplicado às novas tecnologias, estas são postas à
prova e, uma vez aprovadas, vão para o mercado com mais segurança para todos, já que as
intervenções regulamentares e jurídicas necessárias são conjuntamente formuladas.

3.3 AS CONSEQUÊNCIAS DA APLICAÇÃO DO SANDBOX REGULATÓRIO ÀS


RELAÇÕES DE CONSUMO

Considerando a revolução tecnológica, bem como a criação de ferramentas para


viabilizá-la, como o sandbox regulatório, é importante conjecturar quais os impactos nas
relações de consumo, tendo em vista que a proteção ao consumidor e as relações de consumo
possuem atenção especial no ordenamento jurídico brasileiro, pois, em regra, os consumidores
correspondem ao polo hipossuficiente da relação. Tal preocupação levou à proteção ao
consumidor a ter guarida no artigo 5º, XXXII, da Constituição da República Federativa do
Brasil (CRFB/1988), bem como no Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC/1990),
principalmente em seu artigo 6º, que traz os direitos básicos daqueles.
Entretanto, à época da elaboração dos respectivos textos legais não se conseguiu
antever tamanhas inovações proporcionadas pela revolução cibernética. Consequentemente, vê-
se um abismo jurídico entre o ordenamento vigente e as novas tecnologias, em virtude de aquele
não poder ser aplicado aos conflitos decorrentes das recentes invenções.
Ao romperem com o até então conhecido, as novas tecnologias trazem consigo várias
incertezas e, com isso, impõem que as instituições tradicionais também se reciclem para as
acompanharem a contento (BARBOSA, 2019). Inclusive, muitas das inovações surgem sem
definição de qual seja a sua natureza jurídica, dificultando ainda mais a aplicação das normas
já postas as eventuais questões envolvendo as partes que as utilizam ou as adquirem.
A ausência de regulamentação ou de instrumentos necessários à eventual controle
reflete diretamente nos mais diversos ramos jurídicos, em especial, no âmbito consumerista,
que exige ajustes com celeridade. Nesse mote, o sandbox regulatório aplicado às novas
tecnologias, às fintechs, às startups, tende a dar às relações de consumo mais segurança, já que
os envolvidos não serão pegos de surpresa, quando da ocorrência de eventuais problemas.
Outrossim, com a diminuição dos custos de operacionalização e mais investimentos,
haverá um maior número de produtos e de serviços postos no mercado, aumentando o leque de
opções, elevando a qualidade daqueles, bem como diminuindo os preços para o consumidor.
Destaca-se que a necessidade de proteção das relações de consumo frente às novas
tecnologias e ao mesmo tempo viabilizar o empreendedorismo, chamou a atenção da Comissão
86

de Valores Mobiliários (CVM) do Brasil, que, desde 2017, vem sinalizando para a utilização
do sandbox regulatório, com a realização de inúmeros debates ao ponto de, em maio de 2020,
ter sido elaborada e aprovada a Instrução Normativa nº 626 (CVM, 2020).
Com a normativa, foi institucionalizando a utilização do sandbox regulatório para o
mercado financeiro brasileiro. Entre as finalidades da ferramenta estão: o incentivo à inovação,
conferir celeridade ao mercado, diminuir os custos, fomentar a competição, aprimorar as
normas, entre outras. Ademais, assentou-se que todo o processo de seleção das novas
tecnologias, a forma de monitoramento dos participantes e as demais questões, têm como foco
conferir benefícios e proteger os consumidores, em ultima ratio, as relações de consumo.

4 CONCLUSÕES

A revolução tecnológica proporcionada pelo desenvolvimento da internet tem


viabilizado a desmaterialização da economia, que cada vez mais é virtual. Nos últimos anos,
viu-se o aumento exponencial das redes sociais, do surgimento de várias fintechs, do Bitcoin,
de aplicativos como Uber, iFood, Nubank. Ainda, observou-se que as novas tecnologias têm
rompido com os modelos de mercado até então visto e, por sua vez, trazem consigo inúmeras
incertezas, insegurança jurídica, sobretudo, para as relações de consumo, já que as normas
existentes não abarcam os eventuais problemas que aquelas geram.
Nesse contexto, o sandbox regulatório apresenta-se como uma importante ferramenta,
pois através de uma experiência assistida das inovações, é possível que os mercados, os Estados
e os consumidores identifiquem as reais necessidades de regulação, sem, contudo, frear o
interesse nos investimentos em novas tecnologias, bem como sem pôr em risco o consumidor.
Destarte, o uso do sandbox regulatório para as inovações confere consequências
bastantes positivas ao âmbito consumerista, como o fornecimento de segurança jurídica,
aumento da oferta, diminuição dos custos. No Brasil, a CVM já regulamentou o uso da
ferramenta alhures para o mercado financeiro, almejando beneficiar máxime os consumidores.

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O AVANÇO TECNOLÓGICO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO: O DIREITO À
DESCONEXÃO
TECHNOLOGICAL ADVANCEMENT AND LABOR RELATIONS: THE RIGHT
TO DISCONNECT

Victória Diamantino Ferreira Mont'Alvão


Carolina Bedeschi Calais

Resumo
O uso constante de tecnologias afetou a forma como os indivíduos organizam suas vidas e
interagem entre si. Essas transformações alcançam as relações de trabalho, uma vez que o
excesso de conectividade por parte do empregado dificulta o respeito aos limites da sua
jornada de trabalho. Nesse sentido, a presente pesquisa tem como objetivo expor o Direito à
Desconexão como fundamental à manutenção da dignidade do trabalhador, analisando de que
maneira a legislação e a jurisprudência brasileira abordam a temática.

Palavras-chave: Direito à desconexão, Relações de trabalho, Dignidade humana

Abstract/Resumen/Résumé
The constant use of technologies has affected the way individuals organize their lives and
interact with each other. These changes affect employment relationships, since the excessive
connectivity of the employee makes it difficult to respect the limits of their workday. Thus,
the present research aims to expose the Right to Disconnect as fundamental to preserve the
worker's dignity, analyzing how Brazilian's legislation and jurisprudence deals with the
theme.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Right to disconnect, Labor relations, Human dignity

88
1 Introdução

O progresso tecnológico promete alterar cada vez mais a maneira tradicional como a
sociedade de organiza. A partir deste, os direitos à privacidade e à intimidade, sobretudo nas
relações e no ambiente de trabalho, ganham maior atenção, haja vista que o empregador, ao
exercer seu poder diretivo da atividade econômica, acaba, por muitas vezes, cometer excessos
e submeter o trabalhador a jornadas de trabalho extenuantes.

A partir dos instrumentos eletrônicos, cria-se a possibilidade, e até mesmo a


obrigatoriedade, de que o empregado mantenha-se conectado ao ambiente laboral por período
integral, já que os mesmos permitem a troca de e-mails, o recebimento de mensagens
instantâneas e manutenção do constante contato entre empregadores e empregados, o que
acaba afetando a maneira como a jornada de trabalho é percebida e torna-se uma ameaça à sua
limitação.

Nesse sentido "a flexibilização do local e da jornada de trabalho, ao menos em


alguns setores, ocorre através da organização espacial do trabalho por meios eletrônicos, a
exemplo do trabalho eletrônico em casa, e de forma descentralizada, difusa e independente."
(LEAL; ROCHA, 2018)

O excesso de conectividade do empregado, que fica à disposição do empregador


constantemente, caracteriza completa afronta aos mais relevantes direitos sociais e
fundamentais do trabalhador, sendo totalmente prejudicial à sua vida, à saúde, ao direito ao
convívio familiar e ao direito ao não trabalho, além de oferecer um obstáculo à limitação de
uma jornada que lhe permita uma vida digna.

Dessa maneira, surge a importância de se garantir que o empregado tenha o direito


de se desconectar das obrigações laborais, de maneira a ter momentos de descanso, lazer e
liberdade para realizar atividades de seu interesse. Assim, o presente projeto visa analisar as
consequências do excesso de conectividade existente nas relações de emprego, sobretudo
quando contextualizado com o momento vivenciado mundialmente em 2020, o direito à
desconexão, sua importância e a maneira como a legislação brasileira trata do assunto.

A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No


tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin

89
(2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente dialético.

Quanto à natureza dos dados, serão fontes primárias: dados extraídos de documentos
oficiais ou não oficiais, legislação, jurisprudência, dados estatísticos e informações de
arquivos. Serão dados secundários: livros, artigos e artigos de revistas especializadas sobre o
tema.

2 O Direito à Desconexão e sua importância

O direito à desconexão consiste na faculdade do empregado utilizar seu tempo fora


do expediente de trabalho para realizar atividades de seu interesse não relacionadas ao
trabalho. Em resumo, é o direito de não ocupar-se com afazeres profissionais fora da sua
jornada laboral diária, sendo uma forma de se garantir que não será interrompido durante os
seu horários livres e de férias.

Assim, o direito à desconexão seria a permissão para que o trabalhador desprenda-se


da necessidade de permanecer sempre disponível e conectado ao trabalho quando fora de seu
expediente. Desta forma, o referido direito busca evitar que o empregado receba
comunicados, e-mails ou mensagens instantâneas relativas ao seu trabalho durante seu
período de descanso e, consequentemente, retirar a obrigação de, caso receba, respondê-los,
sem que a omissão prejudique sua posição profissional. Deve-se ressaltar que é fundamental
que o direito à desconexão vincule não apenas as relações em nível hierárquico, entre
empregador e empregado, mas também se oponha à relação horizontal relativa a clientes e
colegas de trabalho.

Apesar dos avanços tecnológicos agravarem a problemática acerca do direito à


desconexão, resta relevante esclarecer que o presente direito não está condicionado
exclusivamente a este cenário atual. Antes mesmo da evolução tecnológica, jornadas
extenuantes e o compromisso de estar sempre à disposição do empregador já eram parte das
relações de emprego. A informatização das relações humanas apenas tornou o referido direito
ainda mais importante.

A Constituição Federal de 1988 consolidou, em seu artigo 6º, que qualquer cidadão
possui o direito ao lazer e à saúde. Portanto, para garantir estes direitos fundamentais, é

90
imprescindível o direito a desconectar-se do labor e de qualquer atividade profissional quando
fora de seu horário de ofício.

Apesar do trabalho ter passado por uma ressignificação, adquirindo um conceito


relacionado à dignidade do cidadão e abandonando suas raízes escravocratas, o trabalhador
ainda mantém uma posição de hipossuficiência, sendo extremamente importante que seus
direitos e interesses sejam protegidos. Logo, torna-se crucial que haja uma preocupação não
apenas com o trabalho, mas também com o não-trabalho, tendo em vista que ambos são
essenciais para o bem-estar do empregado.

Com a informatização das relações humanas e o avanço tecnológico, as relações de


emprego passaram a extrapolar barreiras físicas, o que permitiu a existência das mesmas em
meio virtual. Dessa maneira, criou-se a possibilidade que empregados pudessem exercer suas
profissões de casa, ou seja, em home office. Esses novos hábitos, muitas vezes, acarretam ao
trabalhador um desgaste mental maior e uma jornada exaustiva de trabalho, além do que
aparenta realizar.

Em razão do cenário vivenciado mundialmente em 2020, o assunto em tela ganha


ainda mais importância, pois a pandemia de Corona vírus, e o seu alto nível de contágio, teve
como consequência um aumento exponencial da modalidade de trabalho em home office a fim
de evitar aglomerações e proteger a vida e a saúde dos funcionários. Assim, a tarefa de limitar
a jornada laboral dos empregados tornou-se ainda mais árdua e, consequentemente, o direito à
desconexão, uma promessa ainda mais distante.

E, sem que haja uma efetiva limitação da jornada, não há como o trabalhador exercer
suas funções de maneira salubre e segura e, se não há respeito à segurança e à saúde no
trabalho, o mesmo perde sua função social, não gerando qualquer benefício à dignidade do
empregado.

Ademais, a atenção constante em que se exige do trabalhador a prestação do serviço


fora de seu expediente, e da forma mais qualificada possível, tende a ocasionar enfermidades
ao trabalhador, como a Síndrome de Burnout, distúrbio emocional que tem como sintomas a
exaustão extrema, o estresse e o esgotamento físico e mental.

“Esta doença caracterizada pelo esgotamento físico, psíquico e emocional,


em decorrência de trabalho em condições muito estressantes, provoca
distúrbios mentais e psíquicos que tem como efeitos: stress, hipertensão

91
arterial, perda de memória, ganho de peso e depressão entre outros
problemas.” (DARCHANCHY, 2006)

Assim, o direito à desconexão se mostra essencial não apenas para assegurar o


lazer e o descanso do trabalhador, mas também para garantir direitos fundamentais, de forma
a visar a proteção à vida e à saúde, física e mental, do empregado e afastar moléstias
ocupacionais que ameaçam a busca pela dignidade humana.

3 O direito à desconexão no ordenamento jurídico brasileiro

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7o, demonstra preocupação em


regular a jornada de trabalho e o repouso, afirmando ser direito dos trabalhadores:

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e


quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução
da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos
de revezamento, salvo negociação coletiva;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos.

Essa interesse se estende à Consolidação das Leis do Trabalho, que trabalha a


temática em sua Seção II. Percebe-se, portanto, que a legislação brasileira em matéria
trabalhista busca delimitar o tempo necessário e suficiente para que cada trabalhador
desempenhe sua função de forma a não prejudicar outros aspectos de sua vida. Nesse sentido:

Se tanto a legislação constitucional como a infraconstitucional se


preocuparam em determinar qual o limite normal da jornada de trabalho e
também das horas excedentes é porque consideram esse limite como
socialmente aceitável para o trabalhador desempenhar suas atividades sem
lhe acarretar prejuízos ou trazer-lhe limitações de natureza física bem como
a sua própria segurança. (DIAS; SANTOS, 2019)

Destarte, percebe-se que todos aspectos concernentes à jornada de trabalho devem


ser altamente considerados, a fim de promover a atividade legislativa em prol de sua
regulamentação.

O direito à desconexão, como apontado, apresenta grande relevância na relações de


trabalho atuais, uma vez que o uso constante de tecnologias acaba por transformar a dinâmica
entre empregador e empregados, afetando significativamente os limites da jornada de
trabalho.

Não obstante sua influência, o Direito Brasileiro ainda é omisso quando se trata de
uma legislação que trate pormenorizadamente acerca do direito à desconexão. Com a recente

92
Reforma Trabalhista, promovida pela Lei 13. 467/2017, o legislador perdeu a oportunidade de
abordar a temática, não fazendo menção ao assunto.

Para fins de comparação, a França, pioneira no assunto, promoveu, em 2016,


alterações em seu Código do Trabalho, a fim de abordar expressamente o referido direito. A
Itália, por sua vez, editou a Lei 81/2017, tratando de forma mais detalhada o direito à
desconexão, indicando medidas a serem adotadas para que seja possível garantir que em
períodos de repouso o empregado possa se afastar de quaisquer aspectos referentes ao seu
trabalho.

A realidade brasileira, contudo, pode vir a ser modificada ao longo dos anos. Nesse
sentido, já é possível identificar uma abordagem ao direito à desconexão no Judiciário, a
partir de decisões em que os tribunais brasileiros enfrentaram a questão, como neste julgado
do Tribunal Superior do Trabalho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE


DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº
13.015/2014. JORNADA DE TRABALHO. HORAS DE SOBREAVISO. O
regime de sobreaviso caracteriza-se como o tempo, previamente ajustado,
em que o empregado permanece, fora do horário normal de serviço, à
disposição do empregador, no aguardo de eventual chamada para o trabalho.
Tal situação importa diminuição ou cerceamento da liberdade de dispor do
seu próprio tempo, pois a constante expectativa de ser chamado ao serviço
no momento de fruição do seu descanso, seja em casa ou em qualquer outro
lugar que possa vir a ser acionado por meios de comunicação, impede que
desempenhe as suas atividades regulares [...] A exigência para que o
empregado esteja conectado por meio de smartphone , notebook ou BIP,
após a jornada de trabalho ordinária, é o que caracteriza ofensa ao direito
à desconexão [...] O direito à desconexão certamente ficará comprometido,
com a permanente vinculação ao trabalho, se não houver critérios
definidos quanto aos limites diários, os quais ficam atrelados à permanente
necessidade do serviço. (AIRR-2058-43.2012.5.02.0464, 7ª Turma, Relator
Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 27/10/2017). (grifos nossos)

Além disso, em 2011 a CLT sofreu alterações em seu artigo 6o, que passou a
equiparar o trabalho realizado pelo empregado em sua residência com aquele realizado no
estabelecimento do empregador.

4 Considerações finais

A utilização de tecnologia promove inúmeras facilidades, mas altera


significativamente a forma como os indivíduos se organizam e interagem. No que tange às
relações de trabalho, a possibilidade de contato constante pelo uso de recursos eletrônicos

93
gera uma grande preocupação em preservar os limites estabelecidos entre a jornada de
trabalho e o repouso.

Com a Covid-19, pandemia enfrentada por todo o mundo em 2020, a discussão


ganhou ainda mais relevância, tendo em vista que a maioria dos empregados passou a
trabalhar em regime de home office, dificultando aos empregadores e empregados a necessária
separação entre o tempo dedicado a jornada de trabalho e o repouso.
Assim, o direito à desconexão ganha destaque, sendo aquele segundo o qual os
empregados devem ter assegurado o tempo de descanso sem interrupções relativas ao seu
trabalho. Como visto, apenas se afastando de suas obrigações laborais o indivíduo conseguirá
se dedicar à outros aspectos de sua vida pessoal.
O Brasil ainda não possui legislação que trate de modo específico do direito à
conexão, mas já é possível verificar avanços nesse sentido, uma vez que jurisprudência
aborda o assunto e a Consolidação das Leis do Trabalho já apresenta dispositivos abordando
temáticas próximas à esta.
Portanto, é possível concluir que, para além do direitos relativos ao trabalho, deve
existir uma preocupação em garantir o direito ao não-trabalho, sobretudo ao considerar-se que
atualmente os indivíduos fazem uso de diversas tecnologias que permitem uma interação
constante com empregadores e colegas, o que dificulta a efetiva desconexão.

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exaustiva e o direito de desconexão como garantia da dignidade da pessoa humana. Curso de

94
Pós-Graduação em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Previdenciário da UNIJUÍ,
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WITKER, Jorge. Como elaborar uma tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para
el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

95
O DESAFIO DA UNIFICAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO
JUDICIÁRIO BRASILEIRO
THE CHALLENGE OF UNICATION OF ARTIFICIAL INTELLIGENCE IN
BRAZILIAN JUDICIARY

Quithéria Maria de Souza Rocha


Mylene Manfrinato Dos Reis Amaro

Resumo
O presente estudo tem por objetivo analisar a problemática do grande desafio de conseguir
reunir em apenas um único software de inteligência artificial os sistemas já utilizados em
vários Tribunais de Justiça do país. Visa-se que esse software possa ser utilizado no
judiciário brasileiro inteiro, para auxiliar nas diversas etapas do processo. Assim, o estudo
examinará as inteligências que estão sendo testadas e aplicadas, os impactos que essas
inovações trazem para a economia e produtividade processual, bem como observar quais
cuidados devem ser tomados para que se evite que vieses humanos sejam empregados e
comprometam a acuidade da máquina.

Palavras-chave: Inteligência artificial, Judiciário brasileiro, Tribunais

Abstract/Resumen/Résumé
The present study aims to analyze the challenge of being able to gather in just one single
artificial intelligence software the systems already used in several Courts of Justice in the
country. It is intended that this software can be used in the entire Brazilian judiciary, to assist
in the various stages of the process. Thus, the study will examine the intelligences that are
being applied, the impacts they bring to the economy and procedural productivity, as well as
observe what precautions must be taken to avoid that human biases are employed and
compromise the accuracy of the machine.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Artificial intelligence, Brazilian judiciary, Courts

96
1 INTRODUÇÃO

A inteligência artificial (IA) nasce com o desenvolvimento tecnológico, o qual trouxe


grandes mudanças para a humanidade, trazendo ganhos como a inovação, o desenvolvimento,
a minimização do tempo gasto, maximização da produtividade, bem como, afastou
substancialmente do ser humano atividades que são exaustivas e repetitivas no qual, quase não
demandam capacidade intelectual e cognitiva.
É evidente que a tecnologia invadiu a vida dos indivíduos nos mais diversos âmbitos do
cotidiano, muitos já chamam essa era digital de “4º Revolução Industrial ou Tecnológica”.
Dessa forma, tem-se a utilização da inteligência artificial de forma massiva em vários campos,
como a medicina, a agricultura, a economia, a engenharia entre muitas outras.
Propagandas na Internet direcionadas a pesquisas recentes do usuário na rede, análise
do perfil do usuário com recomendações de compras, reconhecimento facial, processamento de
voz humano, chatbots, carros autônomos, aplicativos de celular recomendando em tempo real
da melhor rota a ser seguida pelo usuário, bem como aplicativos que fazem diagnósticos
médicos preliminares, internet das coisas, robôs, estes são alguns exemplos da aplicação da
inteligência artificial em distintas formas.
Desse modo, essas inovações mostram que a união máquina e homem tornou-se
inevitável, devendo ser utlizada corretamente para trazer contribuições a sociedade.
Isto posto, não seria diferente que a inteligência artificial também chegasse ao direito,
com a finalidade de auxiliar os juristas e assim efetivar o Princípio da Celeridade Processual,
tantas vezes debatido e necessário, em meio ao caos da sobrecarga processual do judiciário,
sendo que o Brasil é o país com maior carga judicial, congestionamento das ações e lentidão no
deslinde dos processos.
Assim, o chamado direito digital no judiciário teve início com o processo eletrônico que
atualmente abrange quase todo os estados do país, movimentando-se agora para se tornar
“Direito 4.0”, testando e implantando a inteligência artificial em alguns tribunais para auxiliar
na realização de tarefas repetitivas como: a triagem, a realização de pesquisas, classificação de
informações, desenvolvimento de peças, aplicação de jurisprudência entre outras atividades;
reduzindo a morosidade de tramitação de processos e o custo exorbitante.
Deste modo, o presente artigo visará abordar sobre a inteligência artificial aplicada no
âmbito do judiciário e seus impactos, trazendo à tona os vários sistemas que estão sendo

97
testados e aplicados pelos Tribunais brasileiros, tendo como problemática central a ser debatida
o desafio da unificação desses softwares que desempenham diferentes funções, em algo uno
que execute todas as funções já desenvolvidas, e que seja utilizado em todo território nacional.
Por último, a metodologia de abordagem utilizada neste trabalho foi a dedutiva,
envolvendo análise de textos e obras correlatas para alcançar os objetivos pretendidos, enquanto
a metodologia de procedimento foi o resumo expandido. Já a técnica utilizada é a pesquisa
bibliográfica que consiste na consulta a doutrina, artigos, legislação, notícias e pesquisa
audiovisual, pautada em filmes e documentários, relacionados com a temática.

2 DESENVOLVIMENTO

Tendo em vista, o exponencial crescimento da tecnologia, é nítido que o futuro chegou


e as instituições precisam moldar-se a isso para corresponder as exigências que as inovações
trazem e assim não ficarem defasadas e ultrapassadas, pois a modernização transformou a
sociedade numa velocidade imensurável, principalmente com a introdução da inteligência
artificial.
Dessa forma, conforme elucida Jairo Melo (2020) a “inteligência artificial (IA)é um
ramo de pesquisa da ciência da computação que busca, através de algoritmos e processos
estatísticos, construir mecanismos e/ou dispositivos que simulem a capacidade do ser humano
de aprender e resolver problemas, ou seja, de ser inteligente”, no qual esse aprendizado da
máquina é conhecido como machine learning.
Sendo que esse aprendizado pode ocorrer de duas formas: supervisionado e não
supervisionado. O primeiro consiste na inserção na IA de dados e resultados já conhecidos e
esperados por quem os insere para que aquela aprenda padrões, enquanto o segundo baseia-se
na imprevisibilidade do que a maquina irá gerar, pois o “controlador”1 irá inserir os dados e
pedir que a maquina busque uma lógica dentro do que foi inserido para gerar um resultado; ou
dará um resultado para a maquina dizer quais dados seriam necessários ali para que gerasse tal
resultado.

1
Adota-se neste artigo como controlador, em regra, o Técnico de Tecnologia da Informação, o qual dependendo
da área em que a IA será aplicada demandará de auxilio técnico de profissionais das demais áreas da ciência.

98
Assim, por mais que muitas vezes se utiliza a palavra máquina para referir-se à
inteligência artificial, esta, não necessariamente encontra-se tendo um corpo físico, sendo na
verdade um software2, que pode ser constituída da parte física, o chamado hardware3.
Isto posto, é necessário ressaltar, portanto, o importante papel do controlador no
processo de aprendizado da máquina, pois é este que irá inserir as informações na máquina e
depois monitorará os resultados ou padrões encontrados/aplicados pela IA.
Por isso é imprescindível que esse criador seja prudente e cauteloso, para não inserir
vieses4 na máquina, tendo em vista que a IA é programada por seres humanos e que estes,
mesmos sem perceber podem cometer discriminações e preconceitos, o que levaria a máquina
a repetir esses padrões, levando-a a cometer possíveis erros ou até mesmo injustiças.
Essa ponderação, torna-se ainda mais relevante quando se adentra ao campo da
aplicação da IA no judiciário, tendo em vista que os processos judiciais lidam com casos que
impactará significativamente a vida dos envolvidos na lide.
Em vista disso, é primordial analisar como vem sendo utilizada a inteligência artificial
pelo poder judiciário, no qual, os próprios tribunais desenvolveram sistemas de IA, o que diga-
se de passagem se faz muito positivo, tendo em vista que a terceirização da criação de IA por
alguém de fora, seria algo muito delicado, pois estes poderiam se aproveitar para recolher dados
com interesses pessoais e econômicos.
Assim, primeiramente cabe destacar o projeto VICTOR “que é uma parceira do
Supremo Tribunal Federal (STF) com a Universidade de Brasília (UnB), em homenagem a
Victor Nunes Leal, Ministro do STF de 1960 a 1969, principal responsável pela sistematização
da jurisprudência do STF em Súmula, o que facilitou a aplicação dos precedentes judiciais aos
recursos, basicamente o que será feito por VICTOR” (STF, 2018).
Conforme aponta Jeferson Melo (2019) o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte
(TJRN) em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), criou
“POTI, CLARA E JERIMUM. O primeiro está em plena atividade e executa tarefas de
bloqueio, desbloqueio de contas e emissão de certidões relacionadas ao BACENJUD. Em fase
de conclusão, JERIMUM foi criado para classificar e rotular processos, enquanto CLARA lê
documentos, sugere tarefas e recomenda decisões”.

2
Software é o conjunto de programas ou aplicativos, instruções e regras que permitem ao equipamento
funcionar.
3
Hardware são as partes físicas do equipamento.
4
Dicionário Online de Português: Vieses: é um termo usado em estatística para expressar o erro sistemático ou
tendenciosidade.

99
Já no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) o sistema de IA recebeu o nome de
RADAR no qual “é capaz de ler processos e separar os que são similares, dessa forma, ao juntar
processos parecidos, o sistema sugere um padrão de voto, que então é revisado por um relator.
O Radar também pode ser aplicado aos processos administrativos do Sistema Eletrônico de
Informações (SEI) do TJMG. O sistema conta também com taquigrafia digital, em que capta
áudio e vídeo dos participantes das audiências e converte voz em texto, assim arquivo gerado
vai para a Central de Taquigrafia que gerência os documentos e os encaminha para anexação
ao processo” (JURISBLOG, 2019).
Cabe ressaltar que o “tribunal mineiro reduziu em R$ 800 mil o gasto com capas de
processos, folhas de papel e grampos” (CNJ, 2019), o que é muito positivo economicamente
para a justiça e para o meio ambiente.
No Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) desenvolveu o sistema chamado SINAPSE
o qual “auxilia na elaboração de sentenças” (JURISBLOG, 2019).
Por último, discorre-se sobre a ELIS, sistema de IA criada no Tribunal de Justiça de
Pernambuco (TJPE), no qual sua função é “realizar a triagem de processos ajuizados (execuções
fiscais) eletronicamente e confere os dados, classificando-os e verificando a existência de
prescrição e competência (IBID, 2019). Assim conforme elucidação do CNJ:

“A importância da ferramenta é demonstrada nos levantamentos do TJPE, em que


53% de todas as ações pendentes de julgamento são relativas à execução fiscal. São
cerca de 375 mil processos relativos ao tema, com a expectativa de ajuizamento de
mais 80 mil feitos no decorrer do ano. A triagem e movimentação desse volume de
processos por servidores consumiria 18 meses. A mesma tarefa, com maior eficiência,
é realizada por Elis em apenas 15 dias”.

Dessa forma, verificou-se alguns dos softwares de inteligência artificial que estão
espalhados pelos tribunais brasileiros, suas funções e os impactos positivos dessas inovações,
seja no fato otimizar a gerencia do tempo, vez que a máquina trabalha 24 hora por dia, todos os
dias, em tarefas repetitivas, liberando os servidores a dedicarem maior tempo a tarefas
cognitivas.
Bem como, ser benéfico: ao meio ambiente, já que os meios materiais estão entrando
em desuso; ao judiciário, sociedade e Estado, tendo em vista a redução de custos; e finalmente
caminhar para efetivar o Princípio da Celeridade Processual e da Razoável Duração do

100
Processo, elencado na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso LXXVIII5,
diminuindo a morosidade no poder judicial.
Entretanto, há um grande desafio a ser superado, que é poder unificar esses sistemas
para que todo o judiciário brasileiro possa se beneficiar das inovações já alcançadas, tendo em
vista que, os sistemas acimas supracitados exerce funções distintas, seria ainda mais proveitoso
e útil poder juntá-las em apenas um único software.

3 CONCLUSÃO

Portanto, tendo em vista o problema da imensa carga processual no judiciário, a


aplicação da inteligência artificial se faz extremamente necessária para auxiliar na efetividade
da celeridade processual, visto que a demanda de processos é enorme e que muitos escritórios
de advocacia já aderiram as inovações da IA por meio das lawtechs6.
Assim, o desafio a ser solucionado agora, é o de combinar em um software diversas
funções que possam atender todas as instâncias do judiciário, de forma integrada, para facilitar
nas tomadas de decisões, sugestão de peças e penas, pesquisas jurisprudências, uniformização
de decisões, armazenamento e gerenciamento de dados, classificação de informações,
identificação de demandas de massa, recursos vinculados, temas repetitivos ou de repercussão
geral, e evitar convergências de decisões dadas pelo mesmo magistrado em casos semelhantes.
Essa discussão é necessário, pois cabe ao próprio poder judiciário buscar uma forma de
solucionar esse problema tendo em vista que não há nenhuma regulamentação e fiscalização
por parte do Estado quanto a utilização da IA, assim deve o judiciário estudar a melhor maneira
para dizer como se dará a utilização de IA, como serão utilização os recursos financeiros para
investir em IA, a realocação dos servidores para funções de maior capacidade cognitiva (já que
tarefas repetitivas e automatizadas serão realizadas pela máquina), bem como as
responsabilidades éticas que seu emprego exige.
A ausência de uniformidade pode trazer insegurança jurídica, tanto quanto causar
insegurança na sociedade a respeito da aplicação da inteligência artificial no judiciário, devendo
dessa forma ser aplicada de maneira transparente e confiável, com reflexão, no qual sejam
definidos e divulgados critérios e políticas acerca da automação, tal qual a forma de revisão

5
Art.5º, inciso LXXVIII, CF/88: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004).
6
São empresas especializadas em automação de serviços jurídicos.

101
humana e capacidade de explicação dos processos automáticos de decisão, de modo a legitimar
o emprego das ferramentas, sem gerar questionamento e desconfiança por parte dos
destinatários e seus operadores, advogados e procuradores.
Ainda, essa uniformização ajudaria na melhor destinação dos recursos públicos pois
sabendo-se que vários tribunais estão investindo em IA, sem comunicação com os demais
tribunais, tais poderiam estar gastando tempo e dinheiro criando sistemas praticamente iguais,
quanto o melhor seria compartilhar as ideias, ajusta-las e implementar um sistema que seja
compatível com todos. Não se quer desestimular a criação de IA, e sim, que esses
desenvolvimentos sejam organizados, planejados, discutidos, coordenados, para maximizar
seus benefícios e eliminar pontos negativos, discriminatórios, preconceituosos e divergentes
Desse modo, é necessário buscar entender as necessidades do poder judiciário para que
estas sejam atendidas de forma inteligente e satisfatória, criando uma base de dados segura,
para isso é necessário avaliar as ferramentas já desenvolvidas de modo isolado, para ajudar a
resolver o desafio da unificação do software de IA de forma harmônica respeitando os
princípios constitucionais, éticos e legais no qual a inovação seja transparente e cautelosa, pois
seus impactos e consequências são ainda incertos.
Por fim, cabe ressaltar que a IA aplicada com todas essas observâncias não irá substituir
o trabalho humano, mas sim dar efetividade a devida duração do processo.

4 REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,


DF: Senado Federal, 1988.
Dicionário online de português. Significado de vieses. Disponível
em:https://www.dicionarioinformal.com.br/vieses/Acesso em: 05jun. 2020.

GFC GLOBAL. O que são hardware e software? Disponível em:


https://edu.gcfglobal.org/pt/informatica-basica/o-que-sao-hardware-e-software-/1/Acesso em:
05jun. 2020.

JURISBLOG. 2019. Tribunais de todo o país investem em Inteligência Artificial para


reduzir ações. Disponível em: https://blog.juriscorrespondente.com.br/tribunais-de-todo-o-
pais-investem-em-inteligencia-artificial-para-reduzir-acoes/ Acesso em: 07jun. 2020.

MELO, Jairo. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. 2020. Inteligência artificial: uma
realidade no Poder Judiciário. Disponível

102
em:https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos-discursos-e-
entrevistas/artigos/2020/inteligencia-artificialAcesso em: 05jun. 2020.

MELO, Jeferson. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 2019. Judiciário ganha agilidade
com uso da inteligência artificial. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/judiciario-ganha-
agilidade-com-uso-de-inteligencia-artificial/ Acesso em: 07jun. 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias STF. 2018. Inteligência artificial vai agilizar
a tramitação de processos no STF. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=380038 Acesso em:
05jun. 2020.

103
O DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES AUTOMATIZADAS
THE DUTY OF RATIONALE FOR AUTOMATED DECISIONS

Fausto Santos de Morais


Sabrina Daiane Staats 1

Resumo
O trabalho trata da utilização da Inteligência Artificial como suporte das decisões judiciais e
a necessidade de fundamentação. Assim, o problema de pesquisa do trabalho é se as decisões
de casos repetitivos por programa de IA atendem ao dever de fundamentação previsto no
artigo 489 do CPC? A hipótese de trabalho que as decisões proferidas em casos repetitivos
por programa de IA atendem o dever de fundamentação quando realizado o explanation. O
objetivo é investigar de que forma a IA vem sendo aplicada pelo Poder Judiciário e utilizar a
teoria de Manuel Atienza para um modelo de fundamentação dessas decisões.

Palavras-chave: Inteligência artificial, Dever de fundamentação, Argumentação, Decision


trees, Explainability

Abstract/Resumen/Résumé
The work deals with the use of Artificial Intelligence to support judicial decisions and the
need for justification. So, the problem of job research is whether the decisions of repetitive
cases by AI program meet the duty of reasoning provided for in article 489 of the CPC? The
working hypothesis that decisions made in repetitive cases by AI program meet the duty of
reasoning when the explanation is carried out. The objective is to investigate how AI has
been applied by the Judiciary and to use Manuel Atienza's theory for a model to support these
decisions.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Artificial intelligence, Duty to state reasons,


Argumentation, Decision trees, Explainability

1 Mestranda em Direito do PPGD-IMED. Bolsista CAPES. Advogada.

104
INTRODUÇÃO
O crescente desenvolvimento de novas tecnologias impactou a todos no momento em
que se fez presente e acessível na vida cotidiana de grande parte da população mundial e
brasileira. Também no Sistema do Direito e no Judiciário brasileiro, as tecnologias se fizerem
presentes nos últimos anos, principalmente desde o início do uso da internet, com o
desenvolvimento de softwares de comunicação interna dos Tribunais e, dentre outros, a
utilização do processo eletrônico. Para além do uso da tecnologia, no âmbito do Poder
Judiciário brasileiro, também há iniciativas nesse mesmo sentido de utilização da inteligência
artificial.
No âmbito do Poder Judiciário brasileiro há iniciativas nesse mesmo sentido,
tendo-se como exemplo o sistema RADAR do TJMG, que consiste em um sistema para
indexação automática de processos, a fim de identificar com maior facilidade a existência de
demandas repetitivas, já o Supremo Tribunal Federal criou seu próprio programa de IA,
chamado VICTOR com o objetivo inicial de ler os recursos extraordinários interpostos,
identificando vinculações aos temas de repercussão geral, com o objetivo de aumentar a
velocidade de tramitação.
A presença desses sistemas de inteligência artificial no âmbito do Poder Judiciário
levanta questões que fazem com que se passe a refletir sobre os reflexos do emprego dessas
tecnologias no direito, especialmente no Brasil, onde os elevados números de processos que
aguardam uma solução lotam os Tribunais. Com vistas a isso, sistemas como o VICTOR e
RADAR foram desenvolvidos com o escopo de agilizar os trâmites dos processos, proferindo-
se decisões judiciais em menos tempo.
Apesar disso, não se deve esquecer o dever de fundamentação das decisões judiciais
posto no art. 93, IX da Constituição e como um dos marcos norteadores do CPC/2015, assim
como exigência constitucional a fundamentação das decisões é um modo de garantir a
proteção dos direitos fundamentais presentes no processo.
Ainda tem-se a consideração do Direito como argumentação, isso porque, com as
mudanças que tem se produzido nos sistemas jurídicos contemporâneos levam a um
crescimento em termos quantitativos e qualitativos da exigência de fundamentação e de
argumentação das decisões provenientes dos órgãos públicos e essa exigência se torna ainda
maior com a utilização de tecnologias pelo Judiciário.
Por isso, a presente pesquisa pretende investigar se as decisões proferidas em casos
repetitivos por programa de IA atendem ao dever de fundamentação previsto no artigo 489 do
Código de Processo Civil. Tendo como hipótese de trabalho que as decisões proferidas em

105
casos repetitivos por programa de IA atendem o dever de fundamentação quando são
utilizados algoritmos dotados de explanation. Sendo assim, os objetivos do trabalho são:
Investigar de que forma a IA vem sendo aplicada no Direito e pelo Poder Judiciário,
especialmente no brasileiro com o programa RADAR e utilizar a teoria da argumentação de
Manuel Atienza como suporte teórico a um modelo de fundamentação das decisões
automatizadas.
O ponto chave que relaciona a utilização de IA no Judiciário, especialmente quanto a
busca pela eficiência, com a aplicação da ideia de precedentes, adaptada ao contexto dado
pelo CPC, é o desenvolvimento de um modelo de argumentação baseado nas teorias já
existentes, como de Manuel Atienza, mas que utilize os recursos da IA, como as decision
trees. Para isso, inicialmente é preciso ter uma noção sobre o que representa a argumentação
jurídica e a teoria de Manuel Atienza, e entender os conceitos de decision trees e explaination.

DESENVOLVIMENTO
Conforme já apontado por Karl Branting (1998, p. 106), é difícil crer na elaboração de
um robô que assuma plenamente as funções do juiz, resolvendo todas as dificuldades que
envolvem a jurisdição como ela funciona hoje. Contudo, a aplicação da inteligência artificial à
prática judicial pretende fornecer instrumentos para auxiliar a atividade jurisdicional e
garantir o aprimoramento de novas técnicas de modelização da racionalidade legal e construir
um novo modelo de decisões judiciais que não pretenda ser igual aos juízes humanos, e sim
comparável em diversos critérios com eles.
Para exemplificar a ajuda que uma inteligência artificial pode proporcionar a
atividade jurisdicional tem-se o sistema RADAR desenvolvimento pelo TJ/MG, onde o
Núcleo de Gerenciamento de Precedentes – Nugep utiliza a ferramenta para pesquisar
processos em tramitação nos quais o ponto controvertido demonstra potencial repetitividade,
sendo útil para identificar eventual existência de decisões divergentes. Nesse caso, após a
verificação dos requisitos de instauração de incidentes de resolução de demandas repetitivas
(IRDR), elencados no artigo 976 do CPC, o Nugep encaminha essas informações ao
desembargador que é relator do processo em que se discutem essas questões de direito, o que
pode ensejar a admissão do IRDR. Desse modo, a ferramenta permite a identificação de
processos ainda não julgados e que podem ser paradigmas para instauração do incidente.
Como o RADAR também está alimentado com dados relativos aos temas repetitivos
do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (como questão
submetida a julgamento, número do processo-paradigma, tese firmada), os servidores do

106
Nugep utilizam-no para realizar pesquisas quando há distribuição de novos IRDR/IAC, a fim
de verificar se há temas semelhantes nos tribunais superiores – em sede de recurso
extraordinário com repercussão geral no âmbito do STF ou em sede de recurso especial
repetitivo no STJ. Essa modalidade de pesquisa é também feita de forma reversa: quando se
criam novos temas nesses tribunais, verifica-se se há algum IRDR em trâmite no TJMG. Por
fim, por meio de termos e palavras-chave, é possível identificar recursos que tratam do
mesmo objeto e que estejam em trâmite nesta Corte para os quais já existem precedentes no
STJ, no STF ou mesmo no TJMG, procedimento que possibilita a aplicação de uma solução
uniforme ao julgamento dos processos em curso. Nessa perspectiva, o RADAR traz
celeridade e segurança jurídica à prestação jurisdicional oferecida pelo Tribunal mineiro.
A aplicação da IA ao processo judicial agiliza a leitura, compreensão e aponta possí-
veis soluções ao processo, aproveitando a capacidade de processamento dos processadores
dos hardwares e as chamadas redes neurais, onde os computadores, dispostos e interligados
em redes conectadas à internet, possibilitam que os algoritmos busquem informações e as
apresentem aos usuários de maneira rápida e segura. Nesta senda, novas tecnologias surgem
como uma promessa de facilitar a vida dos servidores públicos, sendo capazes de executar
ações repetitivas para que os funcionários possam se dedicar a tarefas mais sofisticadas. Vale
lembrar que a utilização da inteligência artificial se conecta aos princípios da eficiência (arts.
37 da CF e 8º do CPC/15) e da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII e 4º, 6º e 139,
II, do CPC/15), na medida em que o novo diploma processual delegou ao Conselho Nacional
de Justiça a regulamentação dos avanços tecnológicos (art. 196 do CPC/15).
Uma das formas de atender com maior eficiência a grande quantia de demandas no
judiciário brasileiro foi a sistematização dos precedentes no CPC/15, bem como os institutos
de demandas repetitivas. O cerne da ideia de precedente judicial, que o Direito brasileiro cada
vez mais procura incorporar, consiste, portanto, na atribuição de eficácia vinculante às
decisões sucessivas àquelas proferidas em casos idênticos ou análogos. (TARUFFO, 2014, p.
465) o caráter vinculante dos precedentes decorre da necessidade de tratamento isonômico
entre os jurisdicionados, a qual é atingida por intermédio da seleção de aspectos relevantes de
um caso submetido a julgamento (ratio decidendi), com a posterior aplicação deste
entendimento a casos semelhantes.(WAMBIER, 2009, p. 129). Importante compreender de
que é imprescindível justificar-se sempre a aplicação de um precedente, identificando-se os
fundamentos determinantes do precedente que se deseja aplicar, bem como os fatos
subjacentes no precedente, a fim de verificar-se a correlação fática e jurídica entre o
paradigma e o caso concreto. (MARINONI, 2015, p. 2077)

107
Aqui cabe compreender que o dever de fundamentação está relacionado à necessidade
de controle político e social da função jurisdicional, é exigência constitucional que a sentença
e demais atos jurisdicionais sejam motivados, sob pena de nulidade (art. 93, IX). No mesmo
sentido é o novo CPC, ao determinar que todas as decisões do Poder Judiciário sejam
fundamentadas (art. 11, 2ª parte). A motivação é considerada a parte mais importante da
decisão. Nela, o juiz subsumirá os fatos em apreço às normas, fixando as bases sobre as quais
se assentará o julgamento.
Esse exercício de fundamentação pressupõe uma lógica jurídica da argumentação, de
modo que a decisão judicial é um ato em que ocorre a argumentação jurídica, pois, se o juiz é
obrigado por lei a fundamentar de sua decisão judicial, o caminho para alcançar esse fim
passa, necessariamente, pela argumentação. Segundo aduz Humberto Theodoro Júnior (2015,
p. 344), a decisão judicial não pode ser produto de pura decisão (escolha), mas deve reclamar
para si a pretensão de correção, vale dizer, não é suficiente que exista a decisão judicial, sendo
imperioso que ela seja íntegra, coerente, conforme o Direito Positivo (justificação interna) e
racionalmente aceitável, isto é, fundamentada (justificação externa).
O ponto chave que relaciona a utilização de IA no Judiciário, especialmente quanto a busca
pela eficiência, com a aplicação da ideia de precedentes, adaptada ao contexto dado pelo CPC,
é o desenvolvimento de um modelo de argumentação baseado nas teorias já existentes, como
de Manuel Atienza, mas que utilize os recursos da IA, como as decision trees. Para isso,
inicialmente é preciso ter uma noção sobre o que representa a argumentação jurídica e a teoria
de Manuel Atienza.
Proposto por Atienza, um modelo que incorpora a perspectiva pragmática da
argumentação, pois essa perspectiva permite dar conta dos elementos formais e materiais da
argumentação. O método assinalado por Atienza (2009), se baseia na utilização de diagramas
e setas e nele se encontra tanto o aspecto inferencial, ou seja, a passagem de uns argumentos a
outros, quanto os tipos de enunciados, a natureza das premissas e seu conteúdo proposicional,
e os diversos atos de linguagem que são levadas a cabo em cada um dos passos. Ainda, esse
método permite captar a diferença entre as argumentações, as linhas argumentativas e os
argumentos.
Nesse ponto, é possível, então, relacionar a teoria da argumentação jurídica de Manuel
Atienza apresentada no item anterior com o conceito de decision trees, eis que se assemelham
e podem ser complementares. Uma árvore de decisão é uma ferramenta de suporte à tomada
de decisão que usa um gráfico no formato de árvore e demonstra visualmente as condições e
as probabilidades para se chegar a resultados. O algoritmo utilizado para chegar na

108
representação visual da árvore pertence ao grupo de aprendizado de máquina supervisionado,
e funciona tanto para regressão quanto para classificação.
O processo de construção do modelo da árvore se chama de indução, e pode exigir
bastante poder computacional. O propósito da árvore de decisão é fazer diversas divisões dos
dados em subconjuntos, de tal forma que os subconjuntos vão ficando cada vez mais puros.
Um subconjunto dos dados será mais puro na medida em que contém menos classes (ou
apenas uma) da variável target.
Decision Tree são técnicas de machine learning que aprendem as três perguntas mais
comuns ou solicitadas determinam se uma instância é uma instância positiva de um
classificador. Cada pergunta é um teste: por exemplo, se o peso de um recurso específico for
menor que um valor limite, ramifique para um lado, caso contrário, para o outro. (ASHLEY,
2017, p. 396) Para aprender uma árvore de decisão a partir das unidades de texto em um
conjunto de treinamento, o algoritmo primeiro escolhe um recurso na base do que será
apresentado aos dados. Onde os recursos são binários, um algoritmo pode incluir o banco de
dados como uma qualidade da avaliação da característica e das condições do teste. O
algoritmo adiciona um nó de decisão à árvore que testa o valor do recurso: se "sim", pegue o
ramo direito e se "não" vá para a esquerda. (ASHLEY, 2017, p. 279)
Esse modelo como auxílio para a tomada de decisões pode se relacionar com a
argumentação já conhecidas, pois um sistema de machine learning baseado em árvores de
decisão ou redes bayesianas é muito mais transparente para programadores inspeção, que
pode permitir que um auditor descubra quais informações o algoritmo de IA usa na construção
de sua decisão. (BOSTROM; YUDKOWSKY, 2013, p. 3) Dessa forma, as decision trees se
abrem em uma rede de argumentos que geram informações que permitem a justificação e a
fundamentação da decisão tomada e, por isso, podem ser consideradas transparentes e
semelhantes a decisão humana.
A presença de IA nos sistemas judiciários se tornou uma preocupação grande o
suficiente para a União Europeia promulgar um regulamento sobre o tema, relativo à proteção
das pessoas no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses
dados. Em seu artigo 22º o documento normativo firma que “O titular dos dados tem o direito
de não ficar sujeito a nenhuma decisão tomada exclusivamente com base no tratamento
automatizado(...)” Os princípios desse documento da União Europeia articulam requisitos
para que os sistemas de IA sejam projetados e implementados para permitir a supervisão,
inclusive através da tradução de suas operações em saídas inteligíveis e no fornecimento de
informações sobre onde, quando e como eles estão sendo usados.

109
Os princípios da transparência e explainbility são os meios de respostas a essa
preocupação, sendo que a transparência refere-se as informações necessárias para justificar ou
explicar uma decisão, bem como detalhes sobre quem pode ser responsabilizado por essa
decisão. E a “explicabilidade” implica que o público receba uma explicação ou justificativa
para a decisão tomada, uma descrição do processo que a antecedeu e uma descrição de quem é
responsável por ela. (Floridi, 2018, p. 699) Dito de outra forma, uma explicação satisfatória
deve ter a mesma forma que a justificativa que exigiríamos que um ser humano tomasse o
mesmo tipo de decisão.
A explicabilidade é particularmente importante para sistemas que podem causar danos,
têm um efeito significativo sobre os indivíduos, ou impacto na vida da pessoa. (Fjeld, 2018, p.
42) Assim, o princípio da explicabilidade está intimamente relacionado ao tema da
Responsabilidade, bem como ao princípio do “direito à revisão humana da decisão
automatizada”. A Declaração de Toronto (2018) menciona a explicabilidade como um
requisito necessário para examinar efetivamente o impacto dos sistemas de IA nos indivíduos
e grupos afetados, estabelecer responsabilidades e responsabilizar os atores.

CONCLUSÃO
Recursos de inteligência artificial já são uma realidade no Direito, sendo
implementado nos seus mais diversos âmbitos, uma atenção especial deve ser dada para a
utilização desses recursos pelo Poder Judiciário como suporte para a tomada de decisões pois
num processo judicial, atentando-se ao dever de fundamentação e explicabilidade da decisão.
Diante disso, percebe-se que as novas tecnologias, como a Inteligência Artificial, se juntaram
ao Direito como um modo de avanço e de adaptação às novas realidades. Essas tecnologias
vêm para auxiliar nas tarefas do Judiciário, fazendo com que os processos tenham andamento
mais rápido, enquanto as partes recebem tratamento isonômico. Por isso, é muito importante
que se tenha a devida diligência no momento em que os recursos de inteligência artificial são
construídos, pois no design dessas tecnologias devem constar a garantia de proteção dos
direitos das partes.
Exemplo disso, pode ser a utilização de um modelo baseado nas decision trees como
auxílio para a tomada de decisões que pode se relacionar com a argumentação já conhecidas,
como a teoria de Atienza, pois um sistema de machine learning baseado em árvores de
decisão ou redes bayesianas é muito mais transparente para programadores inspeção, que
pode permitir que um auditor descubra quais informações o algoritmo de IA usa na construção
de sua decisão. Dessa forma, as decision trees se abrem em uma rede de argumentos que

110
geram informações que permitem a justificação e a fundamentação da decisão tomada e, por
isso, podem ser consideradas transparentes e semelhantes a decisão humana.
Assim, a automação da justiça deve ser implementada e desenvolvida com o devido
cuidado ao dever de proteção aos direitos dos jurisdicionados para que combata a opacidade e
a irrefutabilidade dos resultados algorítmicos, de sua programação e aprendizado, para assim
se ter um maior controle sobre a utilização de IA. Para tanto, deve ser franquiado o
conhecimento sobre os dados e os algoritmos que formaram tal decisão para que seja atendido
o dever de correta fundamentação exigido pelo ordenamento jurídico brasileiro tanto na
Constituição Federal quanto pelo Código de Processo Civil.

REFERÊNCIAS
ASHLEY, Kevin. Artificial Inteligence and Legal Analytics: New tools for Law Practice in
digital age. New York: Cambridge University Press, 2017.

ATIENZA, Manuel. Razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Tradução de


Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2003.

ATIENZA, Manuel. El derecho como argumentación.Barcelona: Ariel, 2006.

BOSTROM, Nick, and Eliezer Yudkowsky. Forthcoming. The Ethics of Artificial Intelligence.
In Cambridge Handbook of Artificial Intelligence, edited by Keith Frankish and William
Ramsey. New York: Cambridge University Press.

BRANTING, L. Karl; Bruce W. Porter. Rules e Precedents as Complementary Warrants.


Proceedings of the Ninth National Conference on Artificial Intelligence, Anaheim, California,
July 14-19, 1991.

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. Processos Coletivos. Porto Alegre:


vol. 2, n. 2, 01 abr. 2011.

TARUFFO, Michelle. Precedente e giurisprudenza, Rivista trimestrale di diritto e


procedura civile, 2007, p. 714.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito
processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 56. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2015. v. 1.

TORONTO DECLARATION: Protecting the Right to Equality and Non-Discrimination


in Machine Learning Systems’ (2018) <https://www.
accessnow.org/cms/assets/uploads/2018/08/The-Toronto-Declaration_ENG_08-2018. pdf>

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e Adaptabilidade como objetivos do direito:


civil law e common law. ln: Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, Vol. 172,
ano 34, jun. 2009, p. 129.

111
O FENÔMENO DA UBERIZAÇÃO E A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOS
ENTREGADORES
THE PHENOMENON OF UBERIZATION AND THE PREPARATION OF THE
WORK OF EMPLOYERS

Maria Tereza Castro Ozava 1

Resumo
Este projeto de pesquisa objetiva analisar como que as empresas aplicativos de “uberização”
estão se comportando de forma errônea com os entregadores, não atendendo aos direitos dos
trabalhadores. Com isso, procurou-se entender o porquê das empresas de delivery ainda não
consolidarem a relação de trabalho que opera como trabalho mas não confere a identidade
profissional. Pela análise da pesquisa, conclui-se que constitui um novo modelo de trabalho,
onde os trabalhadores tornam-se microempreendedores, mas com a caracterização de um
trabalho precário e explorativo. Por tanto, a metodologia adotada no projeto de pesquisa foi a
jurídico-sociológica, a técnica usada foi à teórica.

Palavras-chave: Empresas aplicativos de entrega, Uberização e precarização do trabalho,


Regulamentação e reconhecimento dos motofreitistas

Abstract/Resumen/Résumé
This research project aims to analyze how the “uberization” application companies are
behaving in an erroneous way with the delivery personnel, not attending to the workers'
rights. With this, we tried to understand why delivery companies still do not consolidate the
working relationship that operates as work but does not confer professional identity. By
analyzing the research, it is concluded that it constitutes a new model of work, where workers
become microentrepreneurs, but with the characterization of precarious and exploratory
work. Therefore, the methodology adopted in the research project was legal-sociological, the
technique used was theoretical.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Application delivery companies, Uberization out of


precarious work, Regulation out of the recognition of motorcyclists

1 Graduanda em Direito, modalidade integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC).

112
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa tem-se seu começo no tema que aborda a questão do novo
modelo de trabalho informal, a “uberização”, na qual tem a precariedade e o modo
explorativo como principais características. No Brasil as startups de delivery interpõem a
oferta de serviços de quatro milhões de trabalhadores mal remunerados. Esse vínculo
trabalhista transformou mais dinâmica a força de geração de empregos debilitados no país, na
qual esse modelo de trabalho está associado à inconsistência por causa das empresas estarem
tentando burlar o Direito Trabalhista. É bastante normal ver hoje em dia trabalhadores na
profissão de motoboys, na forma de delivery, não tendo reconhecimento de seu vínculo
empregatício com a empresa para qual presta serviços.
É preciso considerar que a taxa de desemprego em nosso país aumentou muito
durante os anos, atingindo 11,2% no trimestre encerrado em janeiro de 2020 (BRASIL,
2020), o que consequentemente houve um aumento no número de pessoas que trabalham
informalmente, principalmente na área de delivery. Contudo, nota-se que não há uma
configuração laboral entre a empresa e o entregador, o que gera uma falta de
regulamentação mais efetiva dos direitos dos motofretistas, na qual nos mostra que “o
trabalhador “uberizado” encontra-se inteiramente desprovido de garantias, direitos ou
segurança associados ao trabalho; arca com riscos e custos de sua atividade; está disponível
ao trabalho e é recrutado e remunerado sob novas lógicas” (ABILIO, 2019).
Contudo, a uma necessidade de olharmos para a “precariedade dessa relação” de
trabalho, que já se submete os trabalhadores, onde tem-se a necessidade de revisar o vínculo
trabalhista entre as startups de delivery e os entregadores e fazer-se cumprirem os diretos
fundamentais, colocando os trabalhadores em condições mais dignas de trabalho, visto que a
Constituição Federal de 1988 assegura em seu Art.7 inciso XXXIV “igualdade de direitos
entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso” (BRASIL,
1988).
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No
tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin
(2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente teórico. Dessa maneira, a pesquisa se propõe a esclarecer se o Direito
Trabalhista, no que diz respeito se as regulamentações estão se cumprido e se está sendo
eficaz no novo modelo de trabalho informal e encobrindo os direitos dos motofretistas.

113
2. A INCONSISTÊNCIA DO TRABALHO DOS ENTREGADORES DE
DELIVERY

O fenômeno da “uberização” do trabalho está cada vez mais recorrente no Brasil,


visto que é um trabalho que é vendido como atraente e ideal para aquela pessoa que deseja ser
um empreendedor, autônomo, com flexibilidade de trabalho e com retorno financeiro
imediato, mas não enxergando a real realidade distinta desse modelo de trabalho.
Segundo afirma Ludimilla Abilio:

Tratou-se aqui da uberização como uma nova forma de controle e gerenciamento do


trabalho, apresentando-a como uma tendência de organização que eliminam direitos
e transforma trabalhadores em auto gerentes subordinados, disponíveis ao trabalho,
utilizados como trabalhadores just-in-time. No Brasil, os últimos anos foram
marcados pela crise econômica e pelas mudanças de rumo do governo,
acompanhados de um crescimento significativo do desemprego e do trabalho
informal. Investigando-se o trabalho dos motoboys, foi possível acompanhar sua
mobilização e engajamento, que na realidade são o que lhes permite garantir a
sobrevivência material em um meio cada vez mais competitivo. Concorrem entre si,
submetidos às empresas que vão monopolizando setores do mercado; criam suas
próprias estratégias de sobrevivência, a qual envolve polivalência, intensificação do
trabalho, extensão do tempo de trabalho e trabalho amador (ABILIO, 2019).

A teoria conceitual proposta pela autora procura demonstrar que o fato é que a
“uberização” deixa evidente uma relação obscurecida, entre desenvolvimento tecnológico e a
precarização do novo modelo de trabalho, visto que, para a compreensão da “uberização”,
temos que tirar um olho da inovação tecnológica para olhar o que há de mais precário e
socialmente invisível no mundo do trabalho. Abilio sustenta que “o trabalhador “uberizado”
encontra-se inteiramente desprovido de garantias, direitos ou segurança associados ao
trabalho” (ABILIO, 2019), que por sua vez nos mostra como a precarização desse trabalho
informal se da de forma alarmante no mundo contemporâneo.
Mesmo com a nossa Constituição Federal de 1998 assegurando os direitos desses
trabalhadores, as empresas preferem ignora-los para não terem que proporcionar certos
benefícios que lhes são garantidos, na qual a empresa se ausenta de qualquer tipo de
responsabilidade ou obrigação em relação aos seus “parceiros”, como são denominados os
cadastrados nesses aplicativos.
Contudo, vale ressaltar que além dos trabalhadores desse modelo estarem isentos a
qualquer tipo de benefícios, estão expostos a um trabalho explorativo, na qual a carga horário
de trabalho pode chegar a 18h para mais, sem pausa para o almoço e não tendo recompensa
por “hora extra”, além de terem que arcar com todas as despesas, como o celular, internet,

114
combustível, reparos no veículo tributos, seguros além de assumir a responsabilidade por
danos causados a terceiros. Isso nos mostra que a “uberização” do trabalho está cada vez mais
desumana, visto que as empresas aplicativos de delivery não atende a um dos principais
artigos dos Direitos Humanos, o Art. 23 estabelece:

1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições
justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por
igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória,
que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a
dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção
social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para
proteção de seus interesses. (ONU, 1948).

Contudo, podemos concluir que o Art. 23 da Declaração Universal dos Direitos


Humanos (DUDH) de 1948, consiste garantir que todos os trabalhadores tenham condições
mínimas para que possam conseguir o seu sustento, a onde não serão submetidos às situações
precárias no exercício de seu ofício e que possam ter os mesmo direitos que os demais
trabalhadores, tendo acesso aos benefícios como acesso à saúde, segurança e vida do
trabalhador.
Essa violação dos Direitos Humanos na questão dos motofretistas de delivery se dá
com maior frequência por causa da falta de reconhecimento do vínculo empregatício entre as
empresas aplicativos e os entregadores, um vez que não atende aos requisitos para veicular a
relação empregatícia, mesmo tendo constatações que existe esse vínculo laboral, o que acaba
gerando uma falta de regulamentação mais efetiva.
Dessa forma, a questão da inconstância do trabalho dos entregadores de delivery por
aplicativo vem se intensificando cada vez mais por causa dessa falta de regulamentação e
intervenção do Estado nesse trabalho informal, onde não se tem fiscalização ou instituição
para defender e regulamentar os direitos, assim como reger os riscos dessa atividade. O que
tem que ser feito é começar a fazer uma vigilância mais efetiva, e exigir que os aplicativos
cumpram com os devidos deveres e obrigações, criando novos mecanismos para proteger
esses trabalhadores, pois “quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga e ignora o
direito” (RIPER, 1940).

115
3. A FALTA DE RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO DOS
MOTOFRETISTAS COM AS EMPRESAS APLICATIVOS DE DELIVERY

A precariedade do trabalho dos entregadores se dá por causa da falta de


reconhecimento do vínculo empregatício entre os aplicativos e os motoboys, na qual confere
um trabalho autônomo e que o trabalhador é reconhecido como “empreendedor de si mesmo”,
na qual fica isento de qualquer direito ou obrigação que o Direito do Trabalhista assegura para
o empregado.
Apesar disso, muitos autores dizem que o trabalho autônomo cabe ao indivíduo
assumir os riscos e os resultados, como também os bens e os instrumentos de seu trabalho, ou
seja, decidem discricionariedade técnica e a auto-organização do emprego. Acentua Vilhena:

A iniciativa e a auto-organização do trabalho autônomo enfatizam a liberdade de o


prestador dispor de sua atividade para mais de uma pessoa, pois qualquer delas não
interferirá na execução de seu trabalho, o que não ensejará a que uma atue em
detrimento de outra. Somente a auto-organização, porém, é que presidirá o princípio
da oportunidade, por meio do qual o prestador livre atenderá a contento seus
diversos credores de serviços (VILHENA, 2005).

Como apresentado, o trabalho autônomo é caracterizado pelo fato da pessoa ser


“empreendedora de si mesmo”, o que chama a atenção de muitas pessoas pelo fato de ser um
emprego com uma maior flexibilidade, na qual a mesma tem a livre escolha de decidir as
coisas sobre seu serviço, e as empresas não interferem nessas decisões. Por um lado, essa
ideia parece ser muito convincente, por outro, é a mesma que assegura a falta de vínculo
empregatício fazendo esse trabalho “uberizado” ser inconsistente.
O vínculo laboral é que não existe uma relação empregatícia entre as empresas de
intermediação de serviços e parceiros prestadores de serviço, o que gera um despeito com os
entregadores. De acordo com o Art. 2 e o Art. 3 do Direito Trabalhista, reconhece
empregador “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”, e empregado “toda
pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência
deste e mediante salário” (BRASIL, 1943), na qual, de acordo com essa definição, é
necessário os seguintes requisitos para se estabelecer uma relação empregatícia reconhecida:
(I) a prestação por pessoa física; (II) a pessoalidade; (III) a não eventualidade; (IV) a
onerosidade; e (V) a subordinação.
Portanto, à pessoalidade, a qual traz consigo a ideia de intransferência de função em
razão de qualidades pessoais do empregado, os prestadores de tais serviços não são

116
individualmente selecionados. O cadastro no aplicativo já habilita qualquer indivíduo
entregador, em condição regular de condução do veículo, a operar por meio das plataformas.
À vista disso, é impossível identificar o requisito da não eventualidade, o qual se consiste na
habitualidade do serviço, em casos nos quais não se tem carga horária, nem jornada de
trabalho previamente fixadas e nem obrigatoriedade de aceite dos pedidos de serviço
recebidos por meio da plataforma. O que nos prova isso é o fato de que os entregadores
possuem autonomia para ativar o aplicativo apenas quando for de seu interesse ou solicitar o
cancelamento de seu cadastro por sua mera liberalidade. Em se tratando da necessidade de
subordinação intrínseca às relações de emprego, é de se observar que não há poder de controle
das empresas sobre o trabalho executado pelos prestadores.
Contudo, nota-se que não é possível se estabelecer uma configuração laboral por
causa da falta de cumprimento dos requisitos legais previstos, principalmente por não se ter
pessoalidade, habitualidade e subordinação. Porém, muitos juristas dizem não ter esse vínculo
laboral entre o aplicativo e o entregador, mas ocorrem muitas ações que mostram que as
startups de entrega tem o controle e o domínio dos prestadores de serviços, onde as empresas
aplicativos de delivery ditam as remunerações, orientam as metas de trabalho, criam um
sistema de avaliação, que é baseado nas notas dadas pelos clientes, e dizem como o
trabalhador deve se portar, o que nos mostra que essas empresas não são simples
intermediadoras de transações de serviços, mas sim empregadoras que burlam o Direito
Trabalhista para não ter que cumprir o seu dever com o trabalhador.
Mesmo com a Associação Brasileira de Online to Offline (ABO2O) afirmando que a
falta de vínculo empregatício não quer dizer a falta de garantias. “A autonomia garantida aos
usuários cadastrados nestas plataformas da economia compartilhada não implica em ausência
de direitos sociais, garantidos pela legislação para todo e qualquer trabalhador autônomo”.
Contudo, mesmo com a confirmação da Associação, a falta do de uma legislação mais efetiva
ocorre por causa da ausência do reconhecimento empregatício.
Com isso, a necessidade de buscar mecanismos para a regulamentação dessa relação
de emprego, que vem se mostrando cada vez mais latente, uma vez que, tendo esse vínculo
laboral reconhecido, os entregadores poderão gozar de melhores benefícios e condições mais
favoráveis de serviço.

117
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi evidenciado, o fenômeno da “uberização” do trabalho cada vez mais


transforma esse modelo informal em uma atividade laboral precária e explorativa, na qual as
empresas aplicativos de delivery importam mais com o seu capital do que fornecer condições
favoráveis de trabalho a seus entregadores.
Dessa forma, é indispensável ressaltar a importância da implementação de uma
legislação trabalhista mais eficácia e que, de fato, tenham um grau mais no seu vigor, para que
não ocorra a continuidade dessas condições desumanas de trabalho. Além disso, os
entregadores necessitam de terem sua personalidade reconhecida e serem tratados como todos
os outros entregadores, não havendo uma desigualdade nesta forme de tratar as pessoas, uma
vez que a nossa própria Constituição assegura em seu Art. 7 a “igualdade dos direitos entre o
trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso” (BRASIL, 1988).
Mesmo com esse trabalho forças no mundo contemporâneo, temos que começar a
enxergar os “os pontos cegos” nesse modelo, que apesar do Estado garantir na Lei o direito a
um trabalho digno, na realidade essas políticas têm se apresentados ineficazes, o que nos
mostra que o governo tem que começar a fiscalizar e normalizar essa “uberização” do
trabalho, pois somente assim poderemos acabar com essa inconsistência desse modelo de
trabalho informal.

5. REFERÊNCIAS:

ABILIO, Ludmila Costhek. Uberização: Do empreendedorismo para o


autogerenciamento subordinado. 28 out. 2019. Disponível em:
https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-69242019000300041.
Acesso em: 14 maio 2020.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais:


Capítulo II Dos Direitos Sociaisv. [S. l.: s. n.], 1988. Disponível em:
https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_15.12.2016/art_7_.asp. Acesso
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. Disponível em:
https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_15.12.2016/art_7_.asp. Acesso
em: 09 jun. 2020.

118
BRASIL. Lei n.13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3
de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de
adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em: 14
maio. 2020.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa
jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

LARA, Bruna de; BRAGA, Nathália; RIBEIRO, Paulo Victor. Parceria de risco: aplicativos
lucram com o coronavírus arriscando entregadores em risco de contagio. The Intercept
Brasil, Rio de Janeiro, 23 mar. 2020. Disponível em:
https://theintercept.com/2020/03/23/coronavirus-aplicativos-entrega-comida-ifood-uber-
loggi/. Acesso em: 30 mar. 2020.

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ed. São Paulo: LTr, 2005.

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas
para el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

119
O NOVO BÁSICO: HABILIDADES E COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS À
FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA ÁREA JURÍDICA NA QUARTA
REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O ENFRENTAMENTO DO TEMA NAS NOVAS
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
THE NEW BASIC: SKILLS AND COMPETENCES NECESSARY FOR THE
EDUCATION OF LEGAL PROFESSIONALS IN THE FOURTH INDUSTRIAL
REVOLUTION AND THE FACING OF THE THEME IN THE NEW NATIONAL
CURRICULUM GUIDELINES

Victor Russo Fróes Rodrigues 1


Jessyca Fonseca Souza 2

Resumo
A presente pesquisa analisa, a partir do método dedutivo, como as características
tecnológicas da Quarta Revolução Industrial impactam as habilidades e competências
necessárias aos profissionais jurídicos, com ênfase na necessidade de adaptação da educação
jurídica aos impactos causados por essa Revolução nas profissões jurídicas. Dentre as novas
habilidades básicas destaca-se a de leitura e interpretação de dados. Analisa-se também de
que forma as Diretrizes Nacionais Curriculares para os cursos de Direito enfrentam o tema,
notando-se a inclusão, na última versão das DCNS, de uma competência específica e a
previsão na formação básica a ser conferida aos novos bacharéis.

Palavras-chave: Quarta revolução industrial, Profissões jurídicas, Diretrizes curriculares

Abstract/Resumen/Résumé
This research examines, from the deductive method, how the technological characteristics of
the Fourth Industrial Revolution impact the skills and competencies needed by legal
professionals, with an emphasis to the adaptation of legal education to the impacts caused by
this Revolution in the legal professions. Among the new basic skills, reading and interpreting
data stands out. It also analyzes how the National Curriculum Guidelines for Law courses
address the theme, noting the inclusion, in the latest version of the DCNS, of a specific
competence and the provision in the basic training to be given to new bachelors.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Fourth industrial revolution, Legal professions,


Curricular guidelines

1Mestrando em História Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará. Bacharel em Direito pela
Universidade Federal do Pará.
2 Mestra em Direito pela Universidade Federal do Pará.

120
1. INTRODUÇÃO

As mudanças tecnológicas que o mundo tem acompanhado em vertiginosa velocidade,


modificando relações sociais e a própria vida humana, têm sido analisadas por diversos agentes
como a transição para um novo paradigma chamado de Quarta Revolução Industrial. Afetando
diversas áreas econômicas e produtivas, os impactos dessa Revolução no mundo jurídico já
estão sendo sentidos, apesar de ainda em menor intensidade no cenário jurídico brasileiro.

Nesse contexto, o acirramento da utilização tecnológica causará – mais do que já está


causando - inexoravelmente um impacto significativo nas profissões jurídicas. As competências
e habilidades exigidas dos juristas, para acompanhar o novo paradigma, serão outras. Por
conseguinte, a educação jurídica deverá, se pretender-se como legítima instância de preparação
mínima para o exercício das profissões jurídicas, adaptar-se a essas mudanças.

Nesse sentido, este artigo tem como objetivo analisar como as características
tecnológicas da Quarta Revolução Industrial impactam as habilidades e competências
necessárias aos profissionais jurídicos e de que forma as Diretrizes Curriculares Nacionais para
os cursos de graduação em Direito enfrentam o tema.

Para responder à pergunta proposta, a presente pesquisa utiliza o método dedutivo,


primeiramente analisando o significado e as características da Quarta Revolução Industrial,
valendo-se do referencial teórico lançado por Klaus Schwab, para em seguida analisar os
impactos dessa revolução nas profissões jurídicas. Quanto a esse segundo ponto, serão
utilizados como base os materiais produzidos pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação
(CEPI), da Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito/SP. Em seguida, realiza-se a análise da
forma como as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Direito –
DCN’s, plasmadas na Resolução n. 05/2018, encaram essa necessidade de enfrentar as
mudanças tecnológicas para as profissões jurídicas.

2. A QUARTA REVOLUÇÃO TECNOLOGICA E OS IMPACTOS NAS


PROFISSÕES JURÍDICAS

A relação da humanidade com os sistemas produtivos e com as tecnologias,


historicamente, é observada a partir da divisão em “Revoluções”. Desde a combinação de
elementos que gerou a longínqua Revolução Agrícola, até a introdução da máquina a vapor (1ª
Revolução Industrial), a introdução da eletricidade (2ª Revolução Industrial) e mais
recentemente da introdução da computação no processo produtivo (3ª Revolução Industrial –

121
década de 1960), sucessivas foram as modificações nas estruturas sociais e nos sistemas
econômicos causadas pela interação entre homem e tecnologia.

Apesar de o julgamento que leva à percepção de uma ruptura ser sempre sedimentado
após certo distanciamento histórico, isso não impede que analistas tentem predizer rupturas no
exato momento em que elas se desenrolam, principalmente quando preocupados com a
adaptação prévia às mudanças, numa tentativa de liderá-las. É nesse espírito que Klaus Schwab,
economista alemão, fundador do Fórum Econômico Mundial, é um desses agentes preocupados
com a liderança das transformações tecnológicas e seus impactos nos mercados, razão pela qual,
representando o referido Fórum, tem se debruçado sobre o que nomeia de Quarta Revolução
Industrial, a partir de um viés mais pragmático.

No livro “A Quarta Revolução Industrial”, Schwab (2016) traça uma argumentação


baseada na premissa de que “a tecnologia e a digitalização irão revolucionar tudo”, num
contexto em que as principais inovações tecnológicas irão impulsionar uma inevitável mudança
histórica (SCHWAB, 2016, p. 21). Baseada no aprimoramento tecnológico, de acordo com
Schwab (2016) já é possível notar alterações profundas na forma de viver, de trabalhar e de se
relacionar, causando uma transformação de toda a humanidade.

Essa nova revolução, iniciada na virada do século, é caracterizada por “uma internet
mais ubíqua e móvel, por sensores menores e mais poderosos que se tornaram mais baratos e
pela inteligência artificial e aprendizagem automática (ou aprendizado de máquina)”
(SCHWAB, 2016, p. 19). Mas, as mudanças drásticas já percebidas por Schwab, não dizem
respeito somente a sistemas e máquinas inteligentes e conectadas. Na verdade, isso já vinha
acontecendo antes, sendo que a Quarta Revolução Industrial se distingue pela fusão dos mundos
físico, digital e biológico, numa velocidade, amplitude e profundidade, e impacto sistêmico
nunca visto.

Colocada a premissa e as características dessa Revolução, de forma exploratória,


Schwab passa a analisar as tecnologias que, segundo diversas perspectivas, serão as
impulsionadoras dessa revolução: a produção de veículos autônomos, impressões em 3D,
robótica avançada, novos materiais, energias renováveis; a inteligência artificial, “internet das
coisas”, blockchain, criptografia, etc; o sequenciamento genético, a biologia sintética, a
nanotecnologia, a engenharia genética, etc...

Apesar de diversas, Schwab (2016) considera que essas tecnologias impulsionadoras


tem uma característica comum: todas elas aproveitam a capacidade de disseminação da

122
digitalização e da tecnologia da informação, não sendo possíveis sem os avanços ocorridos na
análise de dados e na capacidade de processamento.

Diante de todo esse contexto, pode-se concluir juntamente com Schwab (2016, p. 44-
45) que “Tendo em conta esses fatores impulsionadores, há uma certeza: as novas tecnologias
mudarão drasticamente a natureza do trabalho em todos os setores e ocupações”. Portanto, não
se pode deixar de considerar que o universo das profissões jurídicas não está de fora dessa
mudança estrutural, ao contrário, sofre e sofrerá mais ainda os seus efeitos de forma intensa. É
o já percebem algumas pesquisas específicas para o cenário jurídico.

No campo do Direito no Brasil, o estudo mais amplo e consolidado, quantitativa e


qualitativamente, sobre o impacto das tecnologias nas profissões jurídicas foi realizado pelo
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da Fundação Getúlio Vargas – FGV
Direito/SP. Para os pesquisadores da FGV envolvidos na pesquisa, o impacto das novas
tecnologias, aqui inseridas no contexto da Quarta Revolução Industrial, vai além da necessidade
de observância de novos problemas decorrentes do uso da tecnologia na sociedade, impacto
visto no aumento das demandas judiciais sobre temas envolvendo a utilização da internet, por
exemplo.

Ao lado dessa dimensão está uma segunda, que seria a “transformação da atividade
realizada por profissionais do direito (e.g. advogado(a)s, juíze(a)s, promotore(a)s, etc.) e por
suas organizações (e.g. escritórios, departamentos jurídicos, etc.)” - fenômeno que promete
trazer consequências mais profundas para o campo jurídico (INOVAÇÃO, 2018, p. 7).
Observando essa dimensão, a pesquisa resultou em quatro principais conclusões qualitativas
(INOVAÇÃO, p. 18), que envolvem (i) a progressiva adoção de soluções tecnológicas; (ii) a
existência de um processo de substituição de tarefas realizadas por profissionais da área
jurídica, concentradas em cargos mais baixos da hierarquia organizacional; (iii) a contratação
de profissionais com formação na área de exatas e sem formação jurídica para compor equipes
em escritórios de advocacia e, em alguns casos, gerindo-as; (iv) e a adoção de arranjos
organizacionais peculiares com o objetivo de obter maior integração tecnológica aos serviços
jurídicos.

Diante disso, uma consequência coligada à mudança nas atividades das profissões
jurídicas, além da criação de novos conhecimentos estritamente jurídicos (Direito Digital, etc),
é a necessidade do desenvolvimento de novas habilidades e competências para que os
profissionais possam lidar com essas mudanças, exigindo readequações fundamentais. As
competências e habilidades jurídicas tradicionais terão que se remodelar e somar-se a outras

123
antes não previstas. Sintetizando os resultados da pesquisa da FGV, tem-se diversas
necessidades de adaptação, entre elas o desenvolvimento de competências para o uso de
ferramentas tecnológicas, a gestão de processos internos, o trabalho colaborativo em equipe
multidisciplinar, a interpretação de dados e capacidade de tradução de linguagens (jurídica e
técnica), e, ainda, uma capacitação específica para aprimorar o tratamento interpessoal que o(a)
advogado(a) deve oferecer aos demais parceiros e clientes, aprendizagem sobre noções gerais
de programação, estatística e matemática e de formação em administração de negócios e
processos, dentre outras mais específicas (INOVAÇÃO, 2018).

Dentre essas novas necessidades, também exigíveis no âmbito de uma educação


jurídica que dê conta dessa transformação, chama-se a atenção para uma habilidade dentre as
elencadas: a de leitura e interpretação de dados. Ligando com o plano de fundo da Quarta
Revolução Industrial tal que caracterizada por Schwab, um ponto que une todas as novas
tecnologias é o avanço na análise de dados. Portanto, essa habilidade será fundamental para as
novas exigências de “sistematização de grandes volumes de informações e o desenvolvimento
de relatórios complexos, exigindo do(a) advogado(a) a capacidade de interpretação para
identificar problemas e soluções estratégicas para clientes” (INOVAÇÃO, 2018, p. 36). Mais
do que focar no ensino de tecnologias específicas (vide Processo Judicial Eletrônico e outros
softwares hoje existentes), cuja obsolescência é muito rápida, deve-se encarar a habilidade de
leitura e interpretação de dados como um novo elemento básico na formação jurídica.

Visto esse impacto nas profissões jurídicas e as suas consequências para a preparação
dos profissionais, seja a readequação dos que já estão no mercado ou a necessidade de
preparação dos estudantes de direito para esse novo paradigma, passa-se a verificar de que
forma as Diretrizes Curriculares Nacionais, reformuladas no ano de 2018, encaram essa
necessidade de enfrentar as mudanças tecnológicas para as profissões jurídicas.

3. O TRATAMENTO DAS COMPETÊNCIAS E HABILIDADES


RELACIONADAS À TECNOLOGIA NAS DCN’S

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Direito,


instrumento específico que baliza a elaboração dos Projetos Pedagógicos dos cursos jurídicos,
foram reformuladas no ano de 2018, após longo debate que resultou na edição da Resolução
CNE/CES n. 05, de 17 de dezembro de 2018. Partindo das DCNs anteriores (Resolução n.
09/2004), a justificativa da necessidade de reformulação das diretrizes curriculares foi baseada

124
na percepção de que as normas aplicáveis à educação jurídica deveriam acompanhar as
mudanças sociais e mercadológicas que afetam as profissões jurídicas (BRASIL, 2018a, p. 1).

Comparativamente, dentre os diversos temas modificados entre a norma anterior e a


atualmente em vigor, verifica-se o da incorporação de previsões quanto ao tema do impacto das
tecnologias na área jurídica, especificamente com a inclusão de uma nova competência dentre
o rol histórico adotado até então.

Art. 4º O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação


profissional que revele, pelo menos, as competências cognitivas,
instrumentais e interpessoais, que capacitem o graduando a:
(...)
XI - compreender o impacto das novas tecnologias na área jurídica;
XII - possuir o domínio de tecnologias e métodos para permanente
compreensão e aplicação do Direito;

Percebe-se que a Resolução n. 09/2004 já trazia a competência referida pelo inciso XII
– foi mantida – portanto, a novidade está na inclusão do inciso XI, que deu-se somente na
redação da última versão do texto das DCNs, não estando presente em nenhuma outra redação
intermediária discutida. Em verdade, a abordagem dessa competência foi incluída a partir de
proposta do professor de Direito e pesquisador do ensino jurídico, Horácio Wanderlei
Rodrigues, que no ano de 2018 incluiu a referida competência específica em artigo em que
analisou a minuta de Resolução apresentada pelo Conselho Nacional de Educação como texto
referencial para a audiência pública de julho de 2018 (RODRIGUES, 2018a).

O pesquisador justifica a sua proposição pela falta de um inciso fazendo referência “à


compreensão dos impactos da inteligência artificial no mundo em geral, e nas atividades
jurídicas em especial, e ao domínio das novas tecnologias dela derivadas” (RODRIGUES,
2018a, p. 50). Por isso, propõe a inserção de um novo inciso com a seguinte redação: “XI -
compreender o impacto da inteligência artificial na área jurídica e utilizar as novas ferramentas
tecnológicas da era do conhecimento”.

Materializando a sua percepção sobre o tema, Horácio Wanderlei realizou a referida


proposição (dentre outras) ao Conselho Nacional de Educação durante a colheita de sugestões
prévia à audiência pública de julho de 2018. Afunilando o pensamento, Rodrigues apresenta a
mesma redação referida acima, com a seguinte justificativa:

É necessário que o profissional do Direito, na Era do Conhecimento, seja


capaz de compreender os impactos da inteligência artificial no mundo em

125
geral, no Direito e nas suas atividades profissionais; e que possua domínio das
novas ferramentas tecnológicas. Nesse sentido, parece ser recomendável a
inserção, no artigo 4º, de um inciso que trate especificamente dessa questão.
(RODRIGUES, 2018b, p. 5)

Apesar de não ter sido integralmente adotada, a sugestão do pesquisador foi um avanço
na previsão e tratamento do tema nas DCNs, não ficando restrito à inteligência artificial.
Motivado por esse movimento, “a possibilidade de mudança do cenário profissional decorrente
da inserção de novas tecnologias” (BRASIL, 2018a, p. 14) passou a ser prevista como elemento
justificador da necessidade de reformulação das DCNs, preocupando o Conselho Nacional de
Educação o impacto das novas tecnologias na redução da demanda por recursos humanos nas
profissões jurídicas, reconhecendo a necessidade de novas competências e conhecimentos para
o profissional da área.

Ainda, as DCNs também previram - unicamente na redação final de seu texto - a


necessidade de oferecimento ao graduando de elementos fundamentais sobre as “novas
tecnologias da informação” (art. 5º, I), dentro das balizas da formação básica a ser conferida.
Ao lado disso, previu-se também, no parágrafo terceiro do mesmo artigo, a possibilidade de
inclusão de conteúdos e componentes curriculares necessários para “articular novas
competências e saberes necessários aos novos desafios que se apresentem ao mundo do
Direito”, tal como o Direito Cibernético.

Percebe-se, portanto, que a preocupação com as novas perspectivas trazidas


pelas tecnologias e, no geral, pelos impactos da Quarta Revolução Industrial na formação dos
estudantes de Direito, apesar de tímida e incluída nos últimos momentos, foi enfrentada pelas
novas Diretrizes Curriculares Nacionais a partir da previsão de uma competência específica, da
inclusão desse tipo de conhecimento nas possibilidade formativas básicas e na possibilidade
expressa dentro dos conteúdos opcionais que poderão ser livremente criados.

4. CONCLUSÃO

Diante das mudanças percebidas no contexto da Quarta Revolução Industrial, as


profissões jurídicas também estão sendo intensamente impactadas, gerando a necessidade da
remodelação ou do desenvolvimento de novas competências e habilidade para que os
profissionais jurídicos possam estar aptos a lidar com as exigências do novo paradigma.

Compreendidas as características da Quarta Revolução Industrial a partir do


referencial de Klaus Schwab, os impactos percebidos nas profissões jurídicas, com base em

126
pesquisa desenvolvida pela Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito/SP, levaram
especificamente ao destaque da habilidade de leitura e interpretação de dados, como um novo
elemento básico na formação jurídica. Por fim, percebe-se que as novas Diretrizes Curriculares
Nacionais enfrentaram o tema das necessárias adaptações à tecnologia de forma tímida, mas
presente, a partir da previsão de uma competência específica, da inclusão desse tipo de
conhecimento na formação básica e na possibilidade expressa dentro dos conteúdos opcionais
que poderão ser livremente criados.

Diante disso, os cursos jurídicos devem estar atentos a essas novas necessidade para
que seus alunos possam se inserir de forma adequada num mercado jurídico em intensa
transformação. Temos um novo básico a ser aprendido, o que poderá ser feito de diversas
formas, fugindo do conservadorismo normalmente impregnado na formação jurídica.

5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Parecer CNE/CES n. 635/2018. Disponível em


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INOVAÇÃO, Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação. O futuro das profissões jurídicas:


você está preparad@? – Sumário Executivo da Pesquisa Qualitativa “Tecnologia, Profissões e
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