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FACULDADE INTERNACIONAL SIGNORELLI - FISIG

Curso de Pós-graduação em Direito Constitucional

GUILHERME NATALINO FRÓIS

A CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO


PELO PODER PÚBLICO: COMPLEXIDADES E
PARÂMETROS JUDICIAIS

Nepomuceno - MG
2021
FACULDADE INTERNACIONAL SIGNORELLI - FISIG

A CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO PELO PODER


PÚBLICO: COMPLEXIDADES E PARÂMETROS JUDICIAIS

Monografia apresentada à Faculdade


Internacional Signorelli como requisito
parcial para a conclusão do curso de pós-
graduação
Lato sensu em Direito Constitucional.

Por Guilherme Natalino Fróis


Orientador Acadêmico Luciana de
Almeida Montagna

Nepomuceno - MG
2021
FACULDADE INTERNACIONAL SIGNORELLI - FISIG
Nome do estudante

A CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO PELO PODER


PÚBLICO: COMPLEXIDADES E PARÂMETROS JUDICIAIS

Monografia apresentada à Faculdade Internacional Signorelli, como


requisito do Curso de Pós-Graduação em Direito Constitucional.

APROVADA em _______ de __________________ de __________.

Prof._____________________________

Prof._____________________________

___________________________________________________
Orientadora

Nepomuceno – MG
2021
DEDICATÓRIA

De todo o amor que eu tenho


Metade foi tu que me deu
Salvando minh'alma da vida
Sorrindo e fazendo o meu eu

Se queres partir ir embora


Me olha da onde estiver
Que eu vou te mostrar que eu to pronto
Me colha maduro do pé

Me mostre um caminho agora


Um jeito de estar sem você
O apego não quer ir embora
Diaxo, ele tem que querer

Ó meu pai do céu, limpe tudo



Vai chegar a rainha
Precisando dormir
Quando ela chegar
Tu me faça um favor
Dê um manto a ela,
que ela me benze aonde eu for

O fardo pesado que levas


Deságua na força que tens
Teu lar é no reino divino
Limpinho cheirando alecrim
(Cila, Maria Gadu)

Em memória de minha saudosa


mãe, Hermínia Zuba Natalino,
Lúcia.
RESUMO

O presente trabalho acadêmico se propõe a discutir as complexidades


decorrentes da concessão judicial de medicamentos de alto custo pelo poder
público, os parâmetros de atuação e as tensões institucionais daí decorrentes.
Através de um raciocínio indutivo e analítico, aborda o tratamento doutrinário e
jurisprudencial conferido ao tema, bem como as principais críticas e
ponderações em torno do fenômeno do ativismo judicial e do
neoconstitucionalismo. São analisados institutos como a reserva do possível,
mínimo existencial, escolhas trágicas, o custo dos direitos, escolhas
orçamentárias e seu viés político, registro na ANVISA, critérios estabelecidos
pelo STJ para concessão de medicamentos não constantes de normas do SUS,
aspectos processuais das abordagens individual e coletiva da judicialização da
saúde, dentre outros. O objetivo a que se pretendeu foi lançar luz sobre tão
tortuoso tema que faz parte do cotidiano dos Tribunais brasileiros e do drama
fundamental que perpassa as ações de saúde no Brasil.

This academic work aims to discuss the complexities arising from the
judicial concession of high-cost medicines by the government, the action
parameters and the resulting institutional tensions. Through inductive and
analytical analisation, it addresses the doctrinal and jurisprudential treatment
given to the theme, as well as the main criticisms and considerations surrounding
the phenomenon of judicial activism and neoconstitutionalism. Subjects of the
work includes: the reserve of the possible, existential minimum, tragic choices,
the cost of rights, budget choices and their political bias, registration with
ANVISA, rules established by the STJ for granting drugs not included in SUS
standards, procedural aspects of individual and collective approaches of the
health judicialization, among others. The intended objective was to shed light on
such a tortuous theme that is part of the daily life of Brazilian Courts and the
fundamental drama that permeates health actions in Brazil.

PALAVRAS CHAVE

Saúde. Medicamentos. Judicialização.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 01

JUSTIFICATIVA.................................................................................................... 01

OBJETIVOS........................................................................................................... 04

Objetivo Geral......................................................................................................... 04

Objetivos Específicos.............................................................................................. 04

METODOLOGIA DA PESQUISA........................................................................ 04

1 DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988:


CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................. 06

1.1 A Constituição e os Direitos Sociais ...................................................................... 06

1.2 Efetividade dos Direitos Sociais ............................................................................. 08

1.3 Neoconstitucionalismo: um novo olhar sobre os direitos sociais......................... 12

1.4 Direito à saúde: direito de todos e dever do Estado.............................................. 13

1.4.1 Breve Notícia Histórica ........................................................................................... 14

1.4.2 Previsão Constitucional .......................................................................................... 14

1.4.3 Direito à Saúde na Legislação Infraconstitucional .............................................. 15

1.4.4 Direito à concessão de medicamentos pelo Poder Público .................................. 16

2 COMPLEXIDADES DECORRENTES DO DIREITO À SAÚDE E


PARÂMETROS DE ATUAÇÃO JUDICIAL ..................................................... 18

2.1 Panorama Atual ...................................................................................................... 18

2.2. Escassez de recursos e reserva do possível ........................................................... 19

2.3 O mínimo existencial ............................................................................................... 21

2.4 Políticas existentes e listas de medicamentos ........................................................ 23

2.5 Solidariedade passiva entre os entes estatais ........................................................ 24

2.6 Medidas Liminares e Abordagens Individual e Coletiva: Aspectos 26


Processuais................................................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 31
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 33
INTRODUÇÃO

1. Justificativa
O presente trabalho versa sobre o direito subjetivo a prestações de
saúde por parte do Estado, tema que tem atraído a atenção de juristas e
políticos de todo o Brasil nos últimos tempos, propiciando um acalorado debate
sobre os limites da atuação judicial na concretização do direito à saúde.
Subsidiariamente, é possível delimitar questões mais específicas: as
prestações de saúde pública tem sido satisfatoriamente implementadas de
acordo com os padrões mínimos estabelecidos pela Constituição Federal de
1988? É juridicamente legítimo pleitearem-se prestações de saúde
judicialmente ou a intervenção do Judiciário nas políticas públicas deve ser
considerada uma afronta ao princípio da separação de poderes existentes no
ordenamento brasileiro? Sendo possível, quais são os limites e nuances que
envolvem a atuação judicial? A apreciação judicial da elaboração e execução
do orçamento público na área de saúde é possível?
Nesta senda, a recusa do Poder Público em fornecer determinados
medicamentos de alto custo sob o argumento de não possuir recursos
financeiros para tanto trouxe para o direito questionamento de enorme
complexidade e importância: em que medida a efetivação do direito à saúde
deve esbarrar no argumento da reserva do possível?
O tema tem cindido seriamente a mais abalizada doutrina, bem
como toda a jurisprudência nacional. Os julgados multiplicam-se nas mais
diversas direções, transformando a expectativa dos jurisdicionados em
verdadeira “loteria” jurídica. Loteria que, ressalte-se, pode resultar na vida ou
morte de milhares de pessoas.
A conclusão a que se chegou através de uma pesquisa perfunctória
em alguns acervos bibliográficos é que o tema por ser recente e de pouca
abrangência, comumente é tratado em artigos, periódicos e pequenos textos
sobre a questão.
Neste sentido, cabe destaque a três artigos que, dentre outros,
nortearão o presente trabalho: “Da falta de efetividade à judicialização
excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e
parâmetros para atuação judicial” de Luis Roberto Barroso1, “O direito a
prestações de saúde: complexidades, mínimo existencial e o valor das
abordagens coletivas e abstrata” de Ana Paula de Barcelos2, e “Reflexões
sobre os Direitos Sociais” de Vicente de Paula Barretto3.

1 BARROSO, Luis Roberto. Da Falta de efetividade à judicialização excessiva: Direito à saúde,


fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para atuação judicial. ”. Disponível em:
http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf. Acesso em 01/09/2011 às 00:11
2
BARCELOS, Ana Paula de. O direito a prestações de saúde: complexidades, mínimo existencial e o
valor das abordagens coletivas e abstrata. ” Revista da Defensoria Pública - Ano 1 - n. 1 - jul./dez. 2008.
Disponível em:
1
De acordo com Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcelos, o
Direito Constitucional conseguiu, nos últimos anos, alcançar verdadeira força
normativa e efetividade. Contudo, os renomados autores entendem que hoje o
ordenamento nacional está sob grave ameaça de padecer pela excessiva
judicialização das políticas públicas, bem como pela falta de critérios na
prestação jurisdicional, o que lesiona irreparavelmente a eficiência das políticas
publicas relativas à saúde.
Ressaltam e suas obras que a abordagem individual do problema não
deve sobrepujar uma abordagem coletiva, pois muitas vezes ao se conceder
determinado medicamento de alto custo à um paciente, deixa-se de conceder
medicamentos de custo menos elevados à outras centenas.
Nas palavras de Luis Roberto Barroso:

Nos últimos anos, no Brasil, a Constituição conquistou,


verdadeiramente, forca normativa e efetividade. A jurisprudência
acerca do direito a saúde e ao fornecimento de medicamentos e um
exemplo emblemático do que se vem de afirmar. As normas
constitucionais deixaram de ser percebidas como integrantes de um
documento estritamente político, mera convocação a atuação do
Legislativo e do Executivo, e passaram a desfrutar de aplicabilidade
direta e imediata por juízes e tribunais. Nesse ambiente, os direitos
constitucionais em geral, e os direitos sociais em particular,
converteram-se em direitos subjetivos em sentido pleno,
comportando tutela judicial especifica. A intervenção do Poder
Judiciário, mediante determinações a Administração Publica para
que forneça gratuitamente medicamentos em uma variedade de
hipóteses, procura realizar a promessa constitucional de prestação
universalizada do serviço de saúde.
O sistema, no entanto, começa a apresentar sintomas graves de
que pode morrer da cura, vitima do excesso de ambição, da falta de
critérios e de voluntarismos diversos. Por um lado, proliferam
decisões extravagantes ou emocionais, que condenam a
Administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis – seja porque
inacessíveis, seja porque destituídos de essencialidade –, bem
como de medicamentos experimentais ou de eficácia duvidosa,
associados a terapias alternativas. Por outro lado, não ha um critério
firme para a aferição de qual entidade estatal – União, Estados e
Municípios – deve ser responsabilizada pela entrega de cada tipo de
medicamento. Diante disso, os processos terminam por acarretar
superposição de esforços e de defesas, envolvendo diferentes
entidades federativas e mobilizando grande quantidade de agentes
públicos, ai incluídos procuradores e servidores administrativos.

http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/20/documentos/outros/Revista%20n%C2%BA%201%
20Volume%201.pdf. Acesso em 01/09/2011 às 00:15.
3 Barreto, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os Direitos Sociais in SARLET. Ingo Wolfgang (Org).
Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005.
2
Desnecessário enfatizar que tudo isso representa gastos,
imprevisibilidade e desfuncionalidade da prestação jurisdicional4.
No mesmo sentido, Ana Paula de Barcelos:
Falar de eficácia jurídica dos comandos constitucionais que tratam do
direito à saúde significa dizer que há um conjunto de prestações de
saúde exigíveis diante do Judiciário por força e em conseqüência da
Constituição. Mais que isso, tal afirmação significa que os poderes
constituídos estão obrigados a colocar à disposição das pessoas tais
prestações, seja qual for o plano de governo ou a orientação política
do grupo que, a cada momento, estiver no poder. Embora simples de
enunciar, a questão está longe de ser singela.
Na realidade, em um contexto de recursos públicos escassos,
aumento da expectativa de vida, expansão dos recursos terapêuticos
e multiplicação das doenças, as discussões envolvendo o direito à
saúde – ou, mais precisamente, o direito a prestações de saúde –
formam, provavelmente, um dos temas mais complexos no debate
acerca da eficácia jurídica dos direitos fundamentais. Por certo é
agradável afirmar de forma singela que os direitos à vida e à saúde
são protegidos constitucionalmente e devem, portanto, ser
assegurados pelo Poder Judiciário. A verdade, porém, é que quando
se busca mapear de forma mais precisa o sentido e o alcance dessa
afirmação, problemas complexos surgem e não é possível fugir deles.
Diversas razões compõem esse quadro de complexidade. 5

Assim, referidos autores deslocam a discussão para uma inevitável


escolha entre o bem de um, contra o bem de muitos.
Com a devida venia, não é este o caminho que se pretende adotar.
De fato, a abordagem coletiva da questão, evitando-se desigualdades e
injustiças é de extrema importância, contudo, não parece correto partir-se do
pressuposto de que os cidadãos devem se conformar com o grau de suficiência
das políticas públicas implementadas pelo Estado, sob o argumento da reserva
do possível.
Neste sentido, Vicente de Paula Barretto defende que propriedade
que em determinado momento de nossa história surgiram inúmeras falácias
políticas acerca de direitos humanos e sociais, na tentativa de se legitimar a
má distribuição e má gestão dos recursos públicos, camuflando a ineficiência
da máquina estatal sob o falso argumento a escassez dos recursos públicos.
Prosseguindo, o autor combate cada uma das teses elencadas por tais
doutrinadores para defender seus argumentos, chegando a conclusão de que o
argumento da reserva do possível, como limite a efetivação das medidas
necessárias a efetivação dos direitos fundamentais acaba por ignorar o preço

4 BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade...cit. p. 03.

5 BARCELOS, Ana Paula de. O direito a prestação de saúde... cit. p. 133.

3
da efetivação de qualquer direito fundamental, afetando assim a integralidade
de todos os direitos.
Devido à relevância do tema, o Supremo Tribunal Federal realizou
uma Audiência Pública da Saúde nos dias 27, 28 e 29 de abril e 4, 6 e 7 de
maio de 2009, onde foram ouvidos representantes de diversos setores sociais,
bem como juristas de renome nacional, debatendo dentre outras, as questões
relativas ao trabalho que se segue. De igual importância, mostram-se alguns
precedentes jurisprudenciais que serão analisados, além de respeitadas
contribuições doutrinárias, que em seu somatório vêm demonstrar a
importância e complexidade da questão, que, como visto, encontra-se longe de
uma consonância de opiniões.
2. Objetivo Geral
O objetivo geral do presente trabalho é proceder à uma profunda
análise crítica da jurisprudência, doutrina e legislação concernente a concessão
de medicamentos de alto custo pelo Poder Público, apresentando os principais
posicionamentos atualmente defendidos, tudo sob a ótica da
constitucionalização do direito e da força normativa de seus princípios gerais,
procurando assim reunir argumentos a favor da constatação da insuficiência
das atuais políticas públicas de concessão de medicamentos face aos
mandamentos constitucionais existentes.

3. Objetivos Específicos
Os objetivos específicos desta pesquisa são:
 Primeiramente, realizar uma análise histórica da evolução dos
direitos fundamentais e sociais no ordenamento jurídico
brasileiro, ressaltando sua importância ao longo de cada
período histórico vivenciado na sociedade brasileira.
 Isto feito, proceder-se-á a uma verificação da efetividade das
normas constitucionais e direitos sociais, especificamente no
que tange ao direito à saúde e concessão de medicamentos
pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo os principais
modelos teóricos existentes.
 Em um terceiro momento, será avaliada a insustentabilidade
das teses arguidas pelo Estado para não concessão de
referidos medicamentos, através de uma análise crítica dos
principais argumentos suscitados.
 Por fim, propõe-se o estabelecimento de parâmetros e
limitações para a concessão de referidos medicamentos,
visando elencar os principais requisitos para a concessão, bem
como a uniformização dos métodos de sua exigibilidade
judicial, tendo em vista a necessidade de tratamento isonômico
às partes envolvidas.
4. Descrição da metodologia da pesquisa
4
Para concretizar o trabalho monográfico proposto, foram utilizados,
majoritariamente os métodos bibliográfico, dedutivo e dialético. Quanto ao
método bibliográfico, este foi utilizado ao longo de todo o trabalho, tendo em
vista que o cerne da presente pesquisa foi fundado na análise da legislação,
obras doutrinárias, artigos, periódicos e manifestações jurisprudenciais. Disto
decorre a utilização do método dialético, com o confronto e síntese das teses e
posições expostas.
O método dedutivo foi aplicado dentro de uma cadeia de raciocínio
jurídico, partindo de ideias gerais e abstratas, para demonstrar sua
aplicabilidade em situações especificas e concretas.
A fim de examinar o tema posto, a monografia encontra-se
estruturada em 2 capítulos, iniciando com uma análise acerca da natureza
jurídica dos direitos sociais protegidos pela Constituição de 1988, bem como da
sua efetividade dentro do nosso ordenamento jurídico.
Em seguida, realiza-se breve digressão histórica acerca da gênese
do Sistema Único de Saúde, que é sucedida por uma exposição da disciplina
legal do direito à saúde, e em especial, do direito à concessão de
medicamentos pelo Poder Público.
No segundo capítulo, procura-se perquirir inicialmente sobre a
legitimidade e fundamentos do fenômeno conhecido como ativismo judicial,
pano de fundo do presente trabalho, bem como de suas implicações para o
tema proposto.
Por derradeiro, conclui-se com a tentativa de exposição sistemática
das complexidades e nuances da atuação judicial em matéria de saúde nos
dias de hoje. Referida exposição começa pela análise crítica da tese chamada
de reserva do financeiramente possível. Após, é introduzido o conceito de
mínimo existencial, confrontando-se este com aquele. Pondera-se ainda acerca
das prioridades alocativas e orçamentárias do Estado, com base em análise
quantitativa de recursos investidos na saúde no ano de 2012 e 2013,
introduzindo a discussão acerca da possibilidade de controle judicial do
orçamento público.
Ainda no último capítulo, apresentam-se as conclusões produzidas
na Audiência Pública de Saúde realizada pelo Supremo Tribunal Federal, com
a exposição de parâmetros e limites para a atuação judicial. Finda-se o
trabalho com breves considerações sobre os aspectos processuais das
abordagens individuais e coletivas nas demandas judiciais de saúde.
Por todo o exposto, percebe-se que a escolha pela pesquisa na
seara em destaque fundou-se, dentre outros motivos, na extrema importância
dos contornos traçados pela doutrina e jurisprudência sobre o assunto, bem
como de sua influência na vida de milhares de enfermos que são atendidos
diariamente pelo Sistema Único de Saúde.

5
1. Direitos Sociais na Constituição Federal de 1988:
Considerações iniciais
1.1 A Constituição e os direitos sociais
A Carta Constitucional promulgada em 1988, ponto culminante do
processo de redemocratização de um país que ainda vivia sob os ecos de um
regime ditatorial de duas décadas, em diversos aspectos corresponde aos
anseios sociais do povo que lutava com todas suas forças pela conquista de
um Estado Democrático de Direito.
Não é por outro motivo que o eminente constitucionalista José
Afonso da Silva teceu as seguintes considerações sobre nossa lei fundamental:
Deve-se, no entanto, reconhecer que a Constituição [...] produzida
constitui um texto razoavelmente avançado. É um texto moderno,
com inovações de relevante importância para o constitucionalismo
brasileiro e até mundial. Bem examinada, a Constituição Federal, de
1988, constitui, hoje, um documento de grande importância para o
constitucionalismo em geral.6 (grifos no original)
Neste sentido, Paulo Bonavides, ao caracterizar a Constituição de
1988, assim o fez: “o novo texto constitucional imprime uma latitude sem
precedentes aos direitos sociais básicos, dotados agora de uma
substantividade nunca conhecida nas constituições anteriores, a partir da de
1934.”7
O apontamento feito pelo ilustre jurista ressalta uma das principais
características do novo texto constitucional: A previsão sem precedentes de
garantias relacionadas a direitos sociais fundamentais8.
Conceituando brevemente a noção de direitos sociais, José Afonso é
feliz em destacar a relação de mutualismo entre estes e as políticas ordenadas
pelo Estado, senão vejamos:
Podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos
fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas
pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas
constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos
mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações
sociais desiguais.9 (grifos no original)

6
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2004
7
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p.
374.
8
Neste ponto, com objetivo de localizar os direitos sociais dentro da sistematização tradicional, vale
conferir a classificação histórico-gradativa dos direitos fundamentais com base na geração dos direitos,
feita por Paulo Bonavides, onde os direitos sociais seriam direitos de segunda geração, fruto do princípio
da igualdade e da reflexão antiliberal do século XX, além de condição sine qua non para o exercício dos
direitos de primeira geração pelos hipossuficientes. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 20. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 565.
9
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 285.
6
Estabelecida a essência dos direitos sociais inseridos no texto
constitucional, muito bem delineada pelos mestres transcritos, pode-se dizer
com segurança que a Constituição Federal de 1988 ao estabelecer que a
República Federativa do Brasil “constitui-se em um Estado Democrático de
Direito”, ratifica o esforço de conciliação entre o Estado Social de Direito,
calcado do ideal de Estado-Providência que floresceu em 1919 na a
Constituição Alemã de Weimar, com a sensibilidade para as questões
financeiras do Estado Pós-Socialista, sem perder de vista a exigência de
garantias para a proteção dos direitos fundamentais.10
Ressalte-se aqui que o destaque em questão não reside unicamente
no fato do texto constitucional prever tais direitos, mas principalmente pelo fato
de prever as garantias para sua implementação.
Contudo, a realização prática de tais direitos, ou a eficácia social dos
mesmos, como classifica o mestre José Afonso da Silva11, infelizmente não
decorre de sua simples enunciação, dependendo outrossim, de prestações12
positivas por parte do Estado. Inocêncio Mártires Coelho, introduzindo o tema,
teceu delineação pertinente sobre a questão:
independentemente de quaisquer sentimentos que possamos nutrir
em relação à "pessoa" do Estado e à presença desse "sujeito" em
nossa vida, foi graças à atuação estatal — ora mais agressiva, ora
menos intensa — que os direitos sociais, antes reconhecidos apenas
por indivíduos altruístas ou generosos, lograram alcançar o status de
direitos fundamentais, vale dizer, a condição de direitos oponíveis
erga omnes — até mesmo contra o Estado, que, ao constitucionaliza-
los, dotou as suas normas da injuntividade, por menor que seja, com
que esses novos direitos iniciaram a luta pela sua efetivação —,
pouco importando, sob esse aspecto, que essa concretização fique a
depender da disponibilidade de recursos, sobretudo nos países
subdesenvolvidos13, nos quais impera a perversa reserva do possível,
apesar de, vez por outra, ver-se confrontada por decisões judiciais
proferidas em situações extremas (grifos no original)14
Nesta linha, ressaltando a tênue linha que separa os direitos
voltados à realização de uma determinada política econômica dos direitos
sociais, José dos Santos fez a seguinte ponderação:

10
TORRES, Ricardo Lobo. A Metamorfose dos Direitos Sociais em Mínimo Existencial. In: SARLET.
Ingo Wolfgang (Org.). Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional
e Comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 23.
11
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
2004, p. 65. A terminologia em destaque será analisada com mais detalhes posteriormente.
12
Sobre direitos sociais como direitos prestacionais, imprescindível a lição de George Burdeau, que os
classifica como liberdades-prestação, pois exigem comportamentos positivos por parte do Estado para a
realização da justiça social. Burdeau, George. apud Borges, Alice Gonzalez. Reflexões sobre a
judicialização de políticas públicas. Revista brasileira de direito público, v. 7, n. 25, p.16, abr./jun.
2009
13
O autor ao afirmar que a efetivação dos direitos sociais é mais perversa em países subdesenvolvidos
parece defender a tese comumente difundida de que a implementação dos direitos sociais depende de uma
economia forte.”
14
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 758.
7
Em certo sentido, pode-se admitir que os direitos econômicos
constituirão pressupostos de existência dos direitos sociais, pois, sem
uma política econômica orientada par a intervenção e participação
estatal na economia, não se comporão as premissas necessárias ao
surgimento de um regime democrático de conteúdo tutelar dos fracos
e mais numerosos.15
Pelos excertos acima, percebe-se, portanto, que falar em direitos na
Constituição de 1988, no qual se incluem os direitos relacionados à saúde, é,
sobretudo, falar sobre as possibilidades e complexidades de sua concretização
na ordem social.
1.2 Efetividade dos direitos sociais
Os direitos sociais, fruto da consagração da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, já foram considerados por muitos autores como normas
de fórmula fraca16 e vazias de efetividade.17
Isto porque, até a Constituição de 1988, o que se via era uma
constante frustração do propósito nuclear de se fazer repercutir o texto
constitucional sobre a realidade social da época.
Em verdade, os sucessivos fracassos em se realizar os objetivos
previstos no texto constitucional se deviam, em muito, a falta de seriedade18 em
relação à Carta Magna e o distanciamento entre o seu conteúdo normativo e a
realidade fática. O que se percebia era que a Constituição estava contaminada
de uma verdadeira insinceridade normativa.19
Perdia-se assim o sentido mais profundo da lei maior, tornando-a um
instrumento exclusivamente ideológico, repleto de promessas sem nenhuma
intenção concreta.
Neste cenário, buscando mecanismos capazes de se consolidar
efetivamente as normas constitucionais, e principalmente dos direitos sociais
nela previstos é que surgiu um movimento denominado doutrina da efetividade,

15
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2004.
16
A expressão utilizada por Vicente de Paulo por certo refere-se à ideia que, data venia, entendemos
ultrapassada, de que os direitos sociais, sendo normas programáticas, revelam-se meras recomendações,
destituídas de eficácia. Discorrendo sobre tal corrente doutrinária, surgida em 1948 na Itália, José Afonso
da Silva explica que a classificação ora vigente cuidava da “distinção das normas constitucionais em
programáticas e de natureza jurídica, o que equivale, consequentemente, a negar juridicidade às primeiras.
Tese acolhida por Azzariti, que sustentou que essas normas puramente diretivas se limitam a indicar uma
via ao legislador futuro, não sendo nem mesmo verdadeiras normas jurídicas, negando-lhes qualquer
eficácia.” SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 79.
17
BARRETO, Vicente de Paulo. Reflexões Sociais sobre os Direitos Sociais. In: SARLET. Ingo
Wolfgang (Org.). Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e
Comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 111.
18
A expressão “seriedade” aqui utilizada refere-se ao modo como a Constituição era vista pela sociedade,
muito devido ao evidente descolamento entre a vontade popular e o teor do texto constitucional.
19
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.218.
8
visando combater esta insinceridade constitucional e a superação da
supremacia política sobre a Constituição20.
Adentrando, pois, ao campo da eficácia das normas constitucionais,
Hans Kelsen na clássica lição advinda da obra Teoria Pura do Direito, citado
por José Afonso, esclarece que “eficácia é o fato de que a norma é
efetivamente aplicada e seguida; a circunstância de que uma conduta humana
conforme a norma se verifica na ordem dos fatos.”21 (grifo no original)
Já o próprio José Afonso atribui sentido duplo à eficácia, senão
vejamos:
Eficácia do Direito: toma-se a expressão em dois sentidos. A eficácia
social designa uma efetiva conduta acorde com a prevista pela
norma; refere-se ao fato de que a norma é realmente obedecida e
aplicada; [...] É o que tecnicamente se chama de efetividade da
norma. Eficácia da norma22 é a capacidade de se atingir os objetivos
previamente fixados como metas23. (grifos no original)
Quanto ao primeiro sentido de eficácia atribuído por José dos
Santos, também chamado de efetividade, que possui maior relevância para os
fins aqui propostos, vale conferir precisa conceituação de Luís Roberto
Barroso:
A ideia de efetividade expressa o cumprimento da norma, o fato real
de ela ser aplicada e observada, de uma conduta humana se verificar
na conformidade de seu conteúdo. Efetividade, em suma, significa a
realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social.
Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos
legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o
dever-ser normativo e o ser da realidade social. (grifos no original)24
A doutrina da efetividade, marco teórico essencial para o surgimento
da teoria dos direitos fundamentais25 e para o reconhecimento dos direitos
prestacionais, procura enxergar na Constituição não mais um mero documento

20
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível em:
http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/da_falta_de_efetividade_a_judicializac
ao_excessiva.pdf`. Acesso em: 26/02/2013.
21
KELSEN, Hans. Apud SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6. ed.
São Paulo: Malheiros, 2004, p. 64. Vale ressaltar que a visão positivista de Kelsen o fazia conferir nítida
prevalência à vigência (dever-ser), em prejuízo da eficácia, que precisaria existir somente de forma
mínima ou formal, como condição de vigência da norma.
22
Segundo o autor, é somente neste segundo sentido, ao nosso ver demasiadamente formalista, que o
mestre Noberto Bobbio concebe a eficácia das normas jurídicas. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade
das Normas Constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 65
23
Ibidem, p. 65.
24
Idem. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção do
novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.221.
25
Sobre tema, conferir BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. atual. São Paulo:
Malheiros, 2007, p. 560 e ss.; SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23.
ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 172 e ss.; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO,
Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 265 e ss.
9
político, mas sim uma norma jurídica, dotada de imperatividade e fonte de
direitos e obrigações. Cuida-se de atribuir normatividade plena à Constituição.
O processo de juridicização do texto constitucional teve por efeito
tornar vinculante a atuação do Poder Público em satisfazer as prestações
sociais ali garantidas, bem como ao Poder Judiciário em determinar ao
Executivo que realize o texto constitucional, quando este permanecer inerte.
Segundo Barroso, em trecho poético de sua obra:
A efetividade foi o rito de passagem do velho para o novo direito
constitucional, fazendo com que a Constituição deixasse de ser uma
miragem, com as honras de uma falsa supremacia, que não se
traduzia em proveito para a cidadania.26
A maior consequência advinda dessa alteração de paradigma reside
no fato de que, a partir de então, a insubordinação ao texto constitucional por
parte do Poder Público resulta em uma pretensão dedutível em face do Poder
Judiciário.
Das premissas teóricas então insurgentes, conclui-se, portanto, que
todas as normas constitucionais e direitos sociais, mesmo aqueles que são
classificadas como “normas programáticas”, contém em si o manto da
imperatividade, por serem normas jurídicas aplicáveis em sua máxima
extensão. Sobre esta questão, o mestre José Afonso da Silva teceu brilhante
comentário em sua obra Aplicabilidade das Normas Constitucionais, o qual
transcrevemos:
Temos que partir, aqui, daquela premissa já tantas vezes enunciada:
não há norma constitucional alguma destituída de eficácia. Todas
elas irradiam efeitos jurídicos, importando sempre uma inovação da
ordem jurídica preexistente à entrada em vigor da constituição a que
aderem e a nova ordenação instaurada. O que se pode admitir é que
a eficácia de certas normas constitucionais não se manifesta na
plenitude dos efeitos jurídicos pretendidos pelo constituinte enquanto
não se emitir uma normação jurídica ordinária ou complementar
executória, prevista ou requerida.27
Assim, defende o autor que não existem normas constitucionais
destituídas de eficácia. O que existe em verdade é a necessidade ou não de se
realizar determinada medida por parte do Legislativo ou do Executivo para que
o direito previsto constitucionalmente possa ser efetivamente fruído por seu
titular.
Neste sentido, interessa nesse momento constatar que todos os
direitos sociais, possuem em seu bojo a deflagração de efeitos jurídicos, de
maior ou menor densidade.
Em estudo sobre o tema, Celso Antônio Bandeira de Melo conclui
em sua obra Eficácia das Normas Constitucionais e Direitos Sociais:

26
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.225
27
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
2004, p.81.
10
As disposições constitucionais relativas à Justiça Social não são
meras exortações ou conselhos, de simples valor moral. Todas elas
são – inclusive as programáticas, comandos jurídicos e, por isso,
obrigatórias, gerando para o Estado deveres de fazer ou não
fazer.[...] Todas as normas constitucionais atinentes à Justiça Social –
tenham a estrutura tipológica que tiverem – surtem, de imediato, o
efeito de compelir os órgãos estatais, quando da análise de atos ou
relações jurídicas, a interpretá-los na mesma linha e direção
estimativa adotadas, pelos preceitos relativos à Justiça Social. Assim,
tanto o Executivo, ao aplicar a lei, quanto o Judiciário, ao decidir
situação contenciosas, estão cingidos a proceder em sintonia com os
princípios e normas concernentes à Justiça Social.28
Consagram-se assim os direitos sociais como direitos subjetivos.
Essa constatação foi um verdadeiro divisor de águas na teoria constitucional,
além de responsável pelo surgimento de inúmeras controvérsias doutrinárias e
jurisprudenciais que minudenciam o tema.
As implicações decorrentes desta classificação ficam mais claras
quando se analisada a noção de direito subjetivo trazida por Luís Roberto
Barroso:
Por direito subjetivo, abreviando uma longa discussão, entende-se o
poder de ação, assente no direito objetivo, e destinado à satisfação
de um interesse. Mais relevante para os fins aqui visados é assinalar
as características essenciais dos direitos subjetivos, a saber: a) a ele
corresponde sempre um dever jurídico por parte de outrem; b) ele é
violável, vale dizer, pode ocorrer que a parte que tem o dever jurídico,
que deveria entregar determinada prestação não o faça; c) violado o
dever jurídico, nasce para o seu titular uma pretensão, podendo ele
servir-se dos mecanismos coercitivos e sancionatórios do Estado,
notadamente por via de uma ação judicial. 29 (grifos no original)
Desta segunda constatação decorrem inúmeras consequências que
serão analisadas com maior apreço nos capítulos seguintes, mas que por ora
mostra-se prudente elencar: Todos os direitos sociais são dotados de eficácia
imediata, embora estes possam ser distinguidos conforme a densidade de
fruição imediata de seus efeitos por parte dos destinatários da norma; por
constituírem-se de direitos subjetivos, de acordo com a corrente da doutrina da
efetividade, referidos direitos irradiam deveres jurídicos de atuação prestacional
por parte do Estado; violado este dever, nasce para o titular do direito uma
pretensão30 que pode ser deduzida em face do Poder Judiciário.31

28
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das Normas Constitucionais e Direitos Sociais. 1. ed.
São Paulo: Malheiros, 2010, p.56
29
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 223.
30
Segundo Barroso referida pretensão nada mais é do que um corolário natural do “direito de ação
previsto no art. 5o, XXXV, da Constituição, em dispositivo assim redigido: ‘a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’”. É evidente que se o direito é violável,
inexoravelmente será exigível. “O direito de ação – ele próprio um direito subjetivo, consiste na
possibilidade de exigir do Estado que preste a jurisdição.” Ibidem, p. 223.
31
Ibidem, p. 222.

11
1.3 Neoconstitucionalismo: um novo olhar sobre os direitos
sociais
Como visto no tópico anterior, a atribuição de normatividade plena à
Constituição é hodiernamente uma realidade fática e jurídica. Contudo, muito
desse modelo inédito se deve a um novo marco teórico denominado
neoconstitucionalismo.
Compreender o fenômeno do neoconstitucionalismo e suas
implicações sobre o Poder Judiciário é essencial para se analisar a atual
postura deste poder perante as questões relativas à judicialização das políticas
públicas, notadamente quanto à concessão de medicamentos pelo Poder
Público, tema central do presente estudo.
O fenômeno que convencionou-se chamar no Brasil de
neoconstitucionalismo começou a tomar forma na Europa após a Segunda
Guerra Mundial. Até então, o modelo interpretativo conferido às Constituições
era o mesmo adotado no Brasil até o advento da Assembleia Constitucional de
1988: uma cultura jurídica essencialmente legicêntrica, onde as cartas
constitucionais eram vistas como programas políticos de mera inspiração para
o legislador.32
Com o advento da Segunda Guerra, nasceu a percepção da
amplitude ameaçadora da liberdade de atuação conferida às maiorias políticas,
notadamente após as barbáries perpetradas pelo nazismo, o que levou a
compreensão da necessidade de se fortalecer a jurisdição constitucional,
criando mecanismos de proteção de direitos fundamentais, mesmo em face do
legislador.
Essa mutação ocorrida na cultura jurídica somente foi incorporada
pelo ordenamento pátrio após a vigência da Constituição de 1988. Nesta linha,
sendo nossa Constituição caracterizada por uma grande abertura33 e
indeterminação semântica, o que diminui a eficácia do método tradicional de
subsunção do fato à norma até então adotado, evidenciou-se a necessidade da
adoção de novas técnicas e estilos hermenêuticos.
Este novo estilo, genitor do neoconstitucionalismo, pode ser
conceituado, nas precisas palavras de Daniel Sarmento, em brilhante trabalho
sobre o tema, como:
uma teoria constitucional que, sem descartar a importância das
regras e da subsunção, abre também espaço para os princípios e
para a ponderação, tentando racionalizar o seu uso. [...] uma
concepção que, sem desprezar o papel protagonista das instâncias
democráticas na definição do Direito, reconhece e valoriza a
irradiação dos valores constitucionais pelo ordenamento, bem como a
atuação firme e construtiva do Judiciário para proteção e promoção
dos direitos fundamentais e dos pressupostos da democracia. E,

32
SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: Riscos e possibilidades. Disponível em
http://www.danielsarmento.com.br/wp-content/uploads/2012/09/O-Neoconstitucionalismo-no-Brasil.pdf.
p. 5. Acesso em 26/02/2013.
33
Sobre este ponto, vale conferir a teoria da “Constituição aberta” de Paulo Bonavides.
12
acima de tudo, [...] uma visão que conecta o Direito com exigências
de justiça e moralidade crítica, sem enveredar pelas categorias
metafísicas do jusnaturalismo.34
Especificamente quanto ao cenário brasileiro, é necessário destacar
que muito da impulsão dada a este fenômeno se deve a descrença geral da
população em relação às políticas majoritárias, notadamente quando a crise de
moralidade imputada ao Poder Legislativo e a crise de eficiência imputada ao
Poder Executivo.
Por tal motivo, o que se viu foi o constante crescimento político do
Poder Judiciário, com a consequente judicialização da política, posto que
questões de grande relevância social passavam a ser decididas em última
instância pelos magistrados.
Pode-se concluir, portanto, que o novo paradigma adotado
caracteriza-se pela valorização dos princípios, com a consequente adoção de
métodos hermenêuticos mais flexíveis e abertos, reconhecendo-se a
constitucionalização do Direito e o papel de destaque do Judiciário na
consolidação dos valores constitucionais.35
Destas considerações sobre o marco teórico analisado pode-se
chegar a três mudanças de paradigma: A atribuição de status de norma jurídica
à Constituição; a expansão da jurisdição constitucional, que mais tarde veio a
resultar no movimento denominado ativismo judicial, e o surgimento de uma
nova hermenêutica constitucional, que se irradiou sobre as normas
infraconstitucionais, determinado uma releitura de toda ordem jurídica a partir
de um prisma axiológico constitucional.36
1.4. Direito à Saúde: Direito de Todos e Dever do Estado
Introduzidos alguns conceitos necessários à compreensão das
complexidades que envolvem o presente estudo, já é possível adentrar em
uma exposição sistemática da proteção conferida pelo ordenamento pátrio à
saúde pública.
Inicialmente, constatou-se que o direito à saúde possui status de
direitos social fundamental, devido à relevância elementar do bem jurídico
tutelado por este direito.

34
SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: Riscos e possibilidades. Disponível em
http://www.danielsarmento.com.br/wp-content/uploads/2012/09/O-Neoconstitucionalismo-no-Brasil.pdf.
p. 40. Acesso em 26/02/2013.
35
SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: Riscos e possibilidades. Disponível em
http://www.danielsarmento.com.br/wp-content/uploads/2012/09/O-Neoconstitucionalismo-no-Brasil.pdf.
p. 20.. Acesso em 26/02/2013.
36
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p..

13
Em seguida, concluiu-se que, de acordo com a nova hermenêutica
constitucional, as normas que regulam o direito à saúde são consideradas
direitos subjetivos, e, portanto, violáveis e exigíveis judicialmente.
Estabelecidas tais premissas, mostra-se cabível realizar breve
exposição acerca da delineação do direito à saúde em nossa legislação,
começando por uma concisa digressão histórica da matéria.
1.4.1 Breve notícia histórica
A gênese do Sistema Único de Saúde (SUS) deu-se em meados da
década de 70, em meio aos efervescentes movimentos sociais de repúdio ao
regime autoritário vigente, onde questões relacionadas às liberdades civis e à
desigualdade de renda começavam a ser suscitadas. 37
Neste cenário, o movimento sanitarista nascia como fruto do
fortalecimento da democracia, em oposição ao regime militar, estando no
centro do debate político da época.
Por este motivo é que em 1986 ocorreu a 8a Conferência Nacional
de Saúde, onde foram delineados os princípios e linhas de atuação do projeto
de reforma sanitária que viria orientar o processo constituinte de 1988, no
tocante ao direito à saúde.38
1.4.2 Previsão Constitucional
O movimento sanitarista então insurgente teve seu ápice com a
assembleia constituinte de 1988, onde se deu a criação do Sistema Nacional
de Saúde. Na nova Constituição, firmou-se o preceito de que a saúde é direito
fundamental, cujo Estado está adstrito a garantir para todos os cidadãos
mediante políticas públicas.
O direito à saúde é estabelecido na Constituição de 1988 da
seguinte forma:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
Como se depreende do dispositivo transcrito, a partir de 1988 a
saúde passou a ser “direito de todos e dever do Estado”, garantindo-se,
portanto, “a assistência médico-sanitária integral e de caráter universal, com
acesso igualitário dos usuários aos serviços, sendo estes hierarquizados e a
sua gestão descentralizada.”39 Consagrava-se nesse momento a

37 LIMA, Nísia Trindade. et al. (org.). Saúde e Democracia: História e perspectivas do SUS. Rio
de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008, p.15.
38 LIMA, Nísia Trindade. et al. (org.). Saúde e Democracia: História e perspectivas do SUS. Rio

de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008, p.15.


39 LIMA, Nísia Trindade. et al. (org.). Saúde e Democracia: História e perspectivas do SUS. Rio

de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008, p.16.


14
universalidade, integralidade, participação e descentralização como princípios
norteadores do SUS.
Assim, o dispositivo deixa claro que “para além do direito
fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte
do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).”40, tendo por
diretrizes a descentralização, hierarquização e subsidiariedade, de acordo com
os parâmetros estabelecidos no artigo 198 da Constituição41. Ademais, nos
termos do inciso II do artigo 23 da Constituição, é competência comum dos
entes da Federação desenvolver ações na área de saúde, questão que será
novamente suscitada quando da discussão sobre o dever solidário dos entes
estatais.
Exposta a delineação constitucional dada a questão, resta analisar o
trato infraconstitucional conferido pelo legislador aos direitos e garantias de
saúde.
1.4.3 Direito à saúde na legislação infraconstitucional
Embora a Constituição tenha estabelecido um núcleo de princípios e
diretrizes do SUS, deve-se admitir que o texto constitucional é dotado de certa
vaguidez pragmática. Assim, o artigo 200 da Constituição ao definir as
competências do SUS, ressalta a necessidade de legislação complementar
para a concretização operacional do Sistema Único de Saúde, tendo em vista a
vinculação constitucional da saúde pública às políticas econômicas e sociais.
Com efeito, o artigo em comento assim dispõe: “Ao sistema único de saúde
compete, além de outras atribuições, nos termos da lei”42.(grifamos)
Neste sentido é que, em 1990, os princípios e diretrizes
constitucionais do sistema foram plasmados nas Leis 8.080 e 8.142, que
juntamente com as Noras Operacionais Básicas que viriam a ser editadas nos
anos vindouros, conferiram completude à letra constitucional e delinearam a
implantação das políticas públicas de saúde.43
No tocante à Lei 8.080/90, também conhecida como Lei Orgânica da
Saúde, esta estabelece a estrutura e modelo operacional do SUS, além de sua
forma de organização e funcionamento. Neste sentido é que:

40 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada no 175/CE. Relator


Ministro Gilmar Mendes. Julgamento: 17/03/2010. Publicado em 30/04/2010.
41 Nos termos de referido artigo: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma

rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com


as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II -
atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais; III - participação da comunidade.
42 Neste ponto, não se cuidará da legislação complementar relacionada ao financiamento do

SUS, tratada no art. 195 e parágrafos do art. 198 da Constituição, tendo em vista que a análise
seria de pouca utilidade para o presente estudo, e considerando ainda as limitações formais
deste trabalho monográfico, bem como o fato de que no capítulo 3 o assunto será abordado de
forma indireta.
43 LIMA, Nísia Trindade. et al. (org.). Saúde e Democracia: História e perspectivas do SUS. Rio

de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008, p.16.


15
O SUS é concebido como o conjunto de ações e serviços de saúde,
prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e
municipais, da Administração direta e indireta. Entre as principais
atribuições do SUS, esta a “formulação da política de medicamentos,
equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a
saúde e a participação na sua produção” (art. 6o, VI).44
Além de estruturar o Sistema Único de Saúde e fixar suas
atribuições, referido diploma estabelece os princípios e diretrizes orientadores
para a atuação e organização do SUS. Nesta esteira, o capítulo II, intitulado
“Dos Princípios e Diretrizes” enuncia em seu artigo 7o um rol de princípios,
dentre os quais cumpre destacar os princípios da universalidade de acesso e
integralidade de assistência, já analisados acima, além da descentralização
político-administrativa, municipalidade, integração e hierarquização das ações
de saúde (inciso IX e alíneas “a” e “b”).
1.4.4 Direito à concessão de medicamentos pelo Poder Público
Embora o Sistema Único de Saúde possua inúmeras facetas e
linhas de atuação, os grandes problemas do SUS certamente residem nas
áreas de assistência farmacêutica, bem como nos tratamentos de média e alta
complexidade.
Com relação à questão específica da distribuição de medicamentos,
uma das atribuições do SUS, conforme o já enunciado artigo 6o, inciso VI da
Lei Orgânica da Saúde, vê-se que o tema não se encontra regulamentado na
Constituição, e nem mesmo nas leis supracitadas.
Com efeito, a questão da distribuição de medicamentos pelo Poder
Público é regulada em nosso ordenamento por diversos atos administrativos,
dentre os quais o mais relevante é a Portaria no 3.916/98, do Ministério da
Saúde. Referia portaria cria a Política Nacional de Medicamentos,
estabelecendo as justificativas, diretrizes, prioridades (dentre as quais a
assistência farmacêutica) e responsabilidades das esferas de governo no
âmbito do SUS. Segundo Barroso:
A Portaria nº 3.916/98 pode ser considerada a matriz de toda a
estrutura de fornecimento de medicamentos, já que as outras
portarias são baseadas em suas disposições. Sendo assim, a
formulação da Política Nacional de Medicamentos forjou o sistema
hoje proposto para a distribuição dos medicamentos, cabendo às
portarias seguintes apenas delimitar os traços característicos.45

44
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. p.15. Disponível em:
http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/da_falta_de_efetividade_a_judicializac
ao_excessiva.pdf`. Acesso em: 26/02/2013.
45
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. p. 17. Disponível em:
http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/da_falta_de_efetividade_a_judicializac
ao_excessiva.pdf`. Acesso em: 26/02/2013.
16
Ademais, a Portaria 3.916/9846, no afã de organizar e racionalizar a
distribuição de medicamentos à população, estabeleceu a elaboração de listas
de medicamentos a serem adquiridos e distribuídos.
Por este motivo, foi criada a Relação Nacional de Medicamentos
(RENAME), lista onde consta as escolhas políticas do Estado no que tange aos
medicamentos que serão disponibilizados ao público, elaborada com base em
estudos técnicos realizados por comissões específicas para este fim.
De acordo com a sistemática adotada, cabe ao município definir
lista própria com relação de medicamentos essenciais de atenção básica,
enquanto cabe aos estados e à união a disponibilização de medicamentos de
caráter excepcional, ou de alto custo.
Medicamentos de caráter excepcional podem ser caracterizados
como “aqueles destinados ao tratamento de patologias específicas, que
atingem número limitado de pacientes, e que apresentam alto custo, seja em
razão do seu valor unitário, seja em virtude da utilização por período
prolongado.”47
No Estado de Minas Gerais, a política de assistência farmacêutica
voltada para a dispensação de medicamentos excepcionais é incumbência da
Superintendência de Assistência Farmacêutica (SAF), vinculada a Secretaria
de Estado da Saúde.48
A disponibilização de tais medicamentos é regulamentada pela
Portaria GM/MS no 2.981/09, que em seu Anexo IV apresenta uma relação de
cerca de 200 medicamentos de alto custo, que de acordo com as opções
políticas feitas pelo Executivo, devem ser disponibilizados à população.49
Contudo, em virtude das constantes descobertas e inovações
tecnológicas na área da medicina, as listas citadas necessitam de constante
atualização. Por este motivo que a “revisão permanente do RENAME” é a
primeira prioridade estabelecida no tópico 4.1 da portaria 3.916/98.

46 A portaria pode ser encontrada no endereço <


http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_medicamentos.pdf>. Acesso em
07/03/2013.
47 BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à

saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. p. 18.


Disponível em:
http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/da_falta_de_efetividade_a_ju
dicializacao_excessiva.pdf`. Acesso em: 26/02/2013.
48 Disponível em < http://www.saude.mg.gov.br/politicas_de_saude/farmacia-de-minas-

1/gmex/>. Acesso em 07/03/2013


49 A lista complete pode ser obtida em <

http://www.saude.mg.gov.br/politicas_de_saude/farmacia-de-minas-
1/gmex/ANEXO%201%20%20%20Relacao%20de%20Medicamentos%20Alto%20Custo%20%
20disponibilizados%20pela%20SES.MG%20fev.2011.pdf> Acesso em 07/03/2013.
17
2. COMPLEXIDADES DECORRENTES DO DIREITO À CONCESSÃO DE
MEDICAMENTOS E PARÂMETROS DE ATUAÇÃO JUDICIAL

2.1 Panorama Atual


O financiamento das prestações de saúde em um sistema
universalista de enormes proporções fica ainda mais difícil em tempos de
aumento de expectativa de vida, expansão constante de recursos terapêuticos
e aumento da eficácia dos comandos constitucionais relativos a direitos sociais,
tornando a questão “um dos temas mais complexos no debate acerca da
eficácia jurídica dos direitos fundamentais”50.
Assim, as dificuldades de ordem prática que envolvem a realização
das ações de saúde, sobretudo em um contexto onde os recursos são
escassos e as prioridades políticas não são razoáveis, transformam o
desatendimento do direito à saúde no Brasil em uma verdadeiro
desestabilizador da Constituição51.
Contudo, o tema ficou ainda mais complexo a partir do momento em
que a discussão foi trazida ao Judiciário. Segundo Felipe Rangel, a dualidade
da questão pode ser traduzida da seguinte forma:
Se analisarmos o fenômeno da saúde no Brasil, encontraremos
argumentos que justifiquem ambas as posições. Talvez de um lado
estejam principalmente os gestores de saúde, que abarrotados de
Mandados de Prisão, mudam as salas de seus gabinetes para não
serem encontrados. Por outro lado, determinados grupos organizados
da sociedade civil vêem no Poder Judiciário uma forma de acesso
aos seus direitos. Conforme sustenta Cappelletti, muitos grupos que
não encontram escuta nos poderes políticos têm no Poder Judiciário
uma imensa possibilidade de acolhida52.
No tocante a atuação do Judiciário em si, muitas críticas têm sido
feitas atualmente53, havendo, contudo quem reconheça um viés positivo na
atuação do Judiciário54.

50
BARCELLOS, Ana Paula de. O direito a prestações de saúde: complexidades, mínimo existencial e o
valor das abordagens coletiva e abstrata. Revista da Defensoria Pública. Ano 1, n. 1, p. 133, jul./dez. 2008.
51
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p.
380.
52
MACHADO, Felipe Rangel de Souza. Contribuições ao Debate da Judicialização da Saúde no Brasil.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 83, jul./out. 2008.
53
Apenas para ilustrar a questão, Luís Roberto Barroso, em tom negativo, entende que: “O sistema, no
entanto, começa a apresentar sintomas graves de que pode morrer da cura, vítima do excesso de ambição,
da falta de critérios e de voluntarismos diversos. Por um lado, proliferam decisões extravagantes ou
emocionais, que condenam a Administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis – seja porque
inacessíveis, seja porque destituídos de essencialidade –, bem como de medicamentos experimentais ou de
eficácia duvidosa, associados a terapias alternativas. Por outro lado, não há um critério firme para a aferição
de qual entidade estatal – União, Estados e Municípios – deve ser responsabilizada pela entrega de cada
tipo de medicamento. Diante disso, os processos terminam por acarretar superposição de esforços e de
defesas, envolvendo diferentes entidades federativas e mobilizando grande quantidade de agentes públicos,
aí incluídos procuradores e servidores administrativos. Desnecessário enfatizar que tudo isso representa
gastos, imprevisibilidade e desfuncionalidade da prestação jurisdicional.” BARROSO, Luís Roberto. Da
falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e
18
Como se vê, a tensão instaurada entre os Poderes resume-se em
grande parte na definição dos limites e parâmetros de atuação inequívoca do
Judiciário, perquirindo-se quais espécies de prestações são exigíveis do
Estado.
Assim, o que se deve responder a partir de agora é “como e em que
medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo
público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via
judicial”55.
2.2. Escassez de recursos e reserva do possível
A primeira questão complexa a ser analisada neste cenário
conflituoso refere-se à necessidade de compatibilização entre o que hoje tem
se chamado de reserva do financeiramente possível e o denominado mínimo
existencial.
Alegam os gestores públicos de saúde que a inexistência de suporte
financeiro suficiente para a realização de todas as necessidades sociais
implica, inevitavelmente, na realização de escolhas trágicas, ou seja, a escolha
pelo financiamento de uma determinada política pública implica,
necessariamente, na renúncia de outra.
Assim, as escolhas alocativas do Estado na elaboração das políticas
públicas de concessão de medicamentos jamais deveriam ser ampliadas pelo
Judiciário, visto que o Executivo estaria atuando sob o palio daquilo que lhe é
financeiramente possível. Do contrário, estar-se-ia exigindo mais do que o
Estado tem condições de arcar. Contudo, a discussão ora travada deve
começar com uma anterior, acerca do custo dos direitos.
O direitos subjetivos fundamentais vem sendo categorizados
historicamente como direitos positivos ou negativos, classificação formulada a
partir da necessidade ou não de se realizar prestações positivas por parte do
Estado para sua efetivação. Tal classificação coincide com a tradicional divisão
entre direitos fundamentais relativos às liberdades individuais e direitos
fundamentais sociais e econômicos.
Contudo, esta ideia inicial de que existem direitos subjetivos cuja
efetivação independe de qualquer atuação positiva por parte do Estado,
bastando sua abstenção, encontra-se ultrapassada.

parâmetros para a atuação judicial. p. 3. Disponível em:


http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/da_falta_de_efetividade_a_judicializaca
o_excessiva.pdf`. Acesso em: 26/02/2013.
54
Neste ponto, Gilmar Mendes observa bem que: “De um lado, a atuação do Poder Judiciário é
fundamental para o exercício efetivo da cidadania, por outro, as decisões judiciais têm significado um forte
ponto de tensão entre os elaboradores e os executores das políticas públicas, que se veem compelidos a
garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política
estabelecida pelos governos para a área de saúde e além das possibilidades orçamentárias.” BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada no 175/CE. Relator
Ministro Gilmar Mendes. Julgamento: 17/03/2010. Publicado em 30/04/2010.
55
Ibidem..
19
Conclui-se que deve ser superada a ideia obscura de que existem
direitos negativos. Todos os direitos integram as opções políticas e
orçamentárias feitas pelo Poder Público e estão sujeitos às escolhas
trágicas. Neste sentido:
Costuma-se referir apenas aos direitos sociais, ou que demandam
prestações públicas positivas, como fazendo parte do elenco de
opções entregues às escolhas trágicas, restando os direitos da
liberdade fora deste âmbito, como se fossem efetivados
independentemente daquelas. A afirmação não é correta, data
maxima venia56.
Dito isto, pensamos que o argumento da reserva do possível,
principal tese de defesa da Fazenda Pública quando em juízo, embora pareça
sólido à primeira vista, não resiste, a nosso ver, às críticas a ele formuladas,
mostrando-se em verdade uma camuflagem para o fomento de ideologias
políticas57 que precisam ser explicitadas58.
Por todo o exposto, não parece razoável a distinção de tratamento
dedicada aos direitos sociais quanto ao seu financiamento pelo Estado.
Entretanto, malgrado os argumentos aqui apresentados, o que se
verifica hodiernamente é que doutrina e jurisprudência tem reconhecido e
aceitado a tese da reserva do financeiramente possível por parte do Estado,
tendo, contudo, estabelecido certos parâmetros avaliativos.
Nesse sentido em, 25/04/2018, o STJ, ao apreciar o REsp
1.657.156-RJ (Info 625), consolidou a tese de que o poder público é obrigado a
conceder medicamentos mesmo que não estejam incorporados em normas
mantidas pelo SUS, desde que cumpridos três requisitos:

56
Ibidem., p. 209.
57
Paulo Bonavides, dissertando sobre este obscuro movimento que defende o escalonamento dos direitos
fundamentais, tratando os direitos sociais como mandamentos de segunda ordem, constata que: “Aliás,
um clima anti-Constituição, ou seja, contrário ao espírito da Constituição, se está formando nas cúpulas
empresariais mais retrógradas, assim como em algumas regiões da liderança política, ameaçando minar os
alicerces do regime e desfigurar os valores incorporados ao texto da nova Carta. A sofreguidão privatista,
a par de uma resistência à aplicação dos direitos sociais básicos, certifica tal tendência.” BONAVIDES,
Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 381. Ainda sobre o
tema: “Essa falácia político-ideológica sustenta que os direitos sociais são categorias jurídicas de segunda
ordem, pois não participaram do momento fundador do Estado de Direito, que foi estruturado em função
e para assegurar, preliminarmente, os direitos civis e políticos. BARRETTO, Vicente de Paulo. Reflexões
Sobre os Direitos Sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitos Fundamentais Sociais:
Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 118.
58
No estágio civilizatório atual, é premente a necessidade de superação da ideia de que o custo dos
direitos sociais é um óbice a sua realização, pois como visto, todos os direitos possuem custos. Sobre esta
questão, Flavio Galdino defende que: “os custos ostentam um caráter biface. Tanto podem ser vistos
tanto como óbices quanto como pressupostos. A experiência registra sem-número de tentativas de
visualizá-los como óbices tão somente com escopos ideológicos. Na história recente do país houve
mesmo quem impugnasse a instauração da Assembleia Nacional Constituinte (de 1986) em razão
dos elevados custos por ela impostos à sociedade” (grifamos). GALDINO, Flávio. O Custo dos
Direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Legitimação dos Direitos Humanos. 2 ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2007, p. 212.
20
a) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e
circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da
imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da
ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos
pelo SUS;
b) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento
prescrito;
c) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os
usos autorizados pela agência59.
Importante também estudar o seguinte julgado relacionado com o
tema “Fornecimento pelo Poder Judiciário de medicamentos não registrados
pela ANVISA”:
1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos
experimentais.
2. A ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento
por decisão judicial.
3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de
medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da
Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei
13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo
no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências
de regulação no exterior; e
c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem
registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face
da União.
STF. Plenário. RE 657718/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o
ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22/5/2019 (repercussão geral)
(Info 941)60.
2.3. O mínimo existencial
A construção do que hoje é chamado de mínimo existencial decorre
da constatação de que, apesar de os enunciados constitucionais serem vagos
em alguns pontos, não se podem ignorar os efeitos elementares pretendidos
pelo constituinte.
Contudo, embora reconhecida a existência de limites e os efeitos
deflagrados pela Constituição, mostra-se necessário precisar a extensão
destes. Sobre esta questão, Ana Paula de Barcellos assevera que:
Muitas vezes não é possível, realmente, precisar em toda a extensão
o efeito planejado pelo enunciado, mas apenas um conteúdo mínimo.
E assim é porque no momento em que determinadas condições – que
compõem esse mínimo – são desrespeitadas, há consenso61 de que o

59
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Requisitos para a concessão judicial de medicamentos não
previstos pelo SUS. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/27b09e189a405b6cca6ddd7ec869c14
3>. Acesso em: 20/12/2021.
60
Ibidem.
61
A autora destaca que o consenso social a que se alude acrescenta certo grau de subjetividade a questão, e
que pode sofrer alterações dado o momento social e/ou histórico vivenciados. Observa ainda que “só se
21
princípio foi violado. Ou seja: é possível identificar um núcleo de
condutas exigíveis e, para além desse núcleo, o enunciado
constitucional poderá ser desenvolvido em função das opções62 do
Legislativo e do Executivo em cada momento histórico. [...] Nenhuma
delas [as opções políticas], todavia, poderá deixar de estar
comprometida com essas condições elementares, necessárias à
existência humana (mínimo existencial), sob pena de violação de sua
dignidade que, além de fundamento e fim da ordem jurídica, é
pressuposto da igualdade real de todos os homens e da própria
democracia. [...] as prestações que fazem parte do mínimo existencial
– sem o qual restará violado o núcleo da dignidade da pessoa
humana, compromisso fundamental do Estado brasileiro – são
oponíveis e exigíveis dos poderes públicos constituídos63.
Assim, a autora reconhece a deflagração de efeitos mínimos
pretendidos pelo constituinte, os quais não fazem parte do âmbito de liberdade
de conformação do legislador, sendo, portanto, exigíveis judicialmente, visto
que elementares à preservação do princípio máximo de nosso ordenamento: a
dignidade da pessoa humana64.
Contudo, as conclusões alcançadas evidenciam a necessidade de
se enfrentar uma vexata quaestio: em matéria de saúde, seria possível definir,
objetivamente, em que consistiria este mínimo existencial65?

pode falar de consenso social em um Estado no qual os direitos individuais, ao menos os direitos típicos de
liberdade, sejam respeitados de forma consistente e contínua e no qual a imprensa seja livre.[...] Superado o
núcleo básico do princípio, é natural que haja diferentes concepções do que significa a dignidade e de como
ela pode ser alcançada. Entretanto, se a sociedade não for capaz de reconhecer a partir de que ponto as
pessoas se encontram em uma situação indigna, isto é, se não houver consenso a respeito do conteúdo
mínimo da dignidade, estar-se-á diante de uma crise ética e moral de tais proporções que o princípio da
dignidade da pessoa humana terá se transformado em uma fórmula totalmente vazia, um signo sem
significado correspondente. Se não é possível vislumbrar a indignidade em nenhuma situação, ou todos os
indivíduos desfrutam de uma vida digna – e aí sequer se cogitará do problema –, ou simplesmente não se
conhece mais a noção da dignidade.” BARCELLOS, Ana Paula de. O direito a prestações de saúde:
complexidades, mínimo existencial e o valor das abordagens coletiva e abstrata. Revista da Defensoria
Pública. Ano 1, n. 1, p. 139, jul./dez. 2008.
62
De fato, é muito bom que exista certa margem de liberdade de atuação aos poderes eleitos. Assim,
sempre será possível atender as pluralidades de um Estado Democrático de Direito de acordo com as
concepções e valores implementados pela vontade popular de acordo com cada momento histórico.
Ibidem., p. 140.
63
Ibidem., p. 139.
64
A dignidade da pessoa humana, consagrada em nosso ordenamento como fundamento do
Estado Democrático de Direito, conforme artigo 1o inciso III da Constituição Federal. Segundo
Ana Paula Costa Barbosa: “O princípio da dignidade humana, em resumo, se fundamenta
originariamente nos valores da liberdade e da igualdade. [...] pressupõe o direito do indivíduo de
escolher autonomamente qual plano de vida pretende seguir, o que, sem dúvida, perpassa a
questão da liberdade.” BARBOSA, Ana Paula Costa. A Fundamentação do Princípio da
Dignidade Humana. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Legitimação dos Direitos Humanos. 2 ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p. 95.
65
A potencial imprecisão concreta em destaque é vista de forma negativa por Vicente de Paulo Barretto, na
medida em que: “Essa teoria, por sua imprecisão básica, tem servido de justificativa para interpretar a
aplicação dos direitos sociais de forma restritiva, esvaziando a sua amplitude e magnitude. Isto significa
que o princípio da dignidade humana, basilar no sistema constitucional, deixa de apresentar sua dimensão
social e econômica”. BARRETTO, Vicente de Paulo. Reflexões Sobre os Direitos Sociais. In: SARLET,
22
A dificuldade de se responder tal pergunta reside no fato de que o
bem maior por trás das ações de saúde – a manutenção da vida – dificilmente
convive com gradações. Em verdade, sendo uma pessoa acometida por
determinada doença, ou se realiza o tratamento adequado e se obtém a cura,
ou o indivíduo permanecerá doente ou morrerá66.
Com efeito, Luís Roberto Barroso pondera que:
Parece evidente que, em um contexto de recursos escassos, um
medicamento vital a sobrevivência de determinados pacientes
terá preferência sobre outro que apenas é capaz de proporcionar
melhor qualidade de vida, sem, entretanto, ser essencial para a
sobrevida67. (grifamos)
Por todo o exposto, embora a Constituição Federal e a legislação
infraconstitucional de saúde priorizem como mínimo existencial ações de
atendimento básico e medicina preventiva68 - o que de fato é muito positivo na
medida em que minimiza a probabilidade de desenvolvimento de doenças
graves, com potencial risco de vida - o atendimento prioritário destas, quando
já instauradas, parece imanente ao próprio conceito de dignidade humana.
Mitiga-se, assim, a incidência da perversa reserva do possível, que, como se
verá, em verdade mascara a irresponsabilidade do Poder Executivo em cumprir
as diretrizes orçamentárias estabelecidas.
2.4. Políticas Existentes e Listas de Medicamentos
A negativa do SUS pode fundar-se no argumento de que a rede
pública de saúde já dispõe de medicamento ou tratamento equivalente para a
situação clínica do paciente. Neste ponto, é preciso que a questão seja
analisada com cuidado.
Se o Sistema Único de Saúde disponibilizar medicamento
equivalente, então “deverá ser preferido o tratamento fornecido pelo SUS em
detrimento da opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for

Ingo Wolfgang (Org.). Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e
Comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 122.
66 BARCELLOS, Ana Paula de. O direito a prestações de saúde: complexidades, mínimo

existencial e o valor das abordagens coletiva e abstrata. Revista da Defensoria Pública. Ano 1,
n. 1, p. 133, jul./dez. 2008.

67
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. p. 34. Disponível em:
http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/da_falta_de_efetividade_a_judicializaca
o_excessiva.pdf`. Acesso em: 26/02/2013.
68
Com efeito, Barcellos, ressalta que são “quatro prioridades estabelecidas pela própria Constituição para a
área da saúde, a saber: (i) a prestação do serviço de saneamento (arts. 23, IX; 198, II; e 200 IV); (ii) o
atendimento materno-infantil (art. 227, § 1, I); (iii) as ações de medicina preventiva (art. 198, II); e (iv) as
ações de prevenção epidemiológica (art. 200, II)”. BARCELLOS, Ana Paula de. O direito a prestações de
saúde: complexidades, mínimo existencial e o valor das abordagens coletiva e abstrata. Revista da
Defensoria Pública. Ano 1, n. 1, p. 142, jul./dez. 2008.
23
comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente”69, o
que por óbvio demandará laudo médico devidamente fundamentado.
Ainda nesta seara, Barroso destaca que para proteção do princípio
do acesso universal e igualitário às ações de saúde “deve-se privilegiar,
sempre que possível, medicamentos disponíveis no mercado nacional70 e
estabelecimentos situados no Brasil, dando preferência àqueles conveniados
ao SUS”71. Ademais, “os medicamentos devem ser preferencialmente
genéricos ou de menor custo”72.
Contudo, não se pode ignorar o fato de que existirão situações onde
as circunstâncias do caso concreto podem evidenciar que a prestação de
saúde oferecida pelo SUS mostra-se incompleta – o que viola o princípio da
integralidade - ou até inadequada. Nestes casos, havendo acervo probatório
robusto nos autos, o magistrado deverá deferir o pleito, evitando-se assim o
perecimento do direito, quase sempre urgente, e a violação do mínimo
existencial do indivíduo.
2.5 Solidariedade passiva entre os entes estatais
Outra discussão que desperta grande polêmica é a possiblidade de
se acionarem os três entes estatais (União, Estado-membro e Município)
solidariamente no polo passivo das ações judiciais para a concessão de
medicamentos. Embora esta postura venha sendo adotada amplamente pelo
Judiciário, muito autores a criticam com veemência, como Luís Roberto
Barroso:
Como mencionado, apesar das listas formuladas por cada ente da
federação, o Judiciário vem entendendo possível responsabilizá-los
solidariamente, considerando que se trata de competência comum.
Esse entendimento em nada contribui para organizar o já complicado
sistema de repartição de atribuições entre os entes federativos.

69
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada no
175/CE. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgamento: 17/03/2010. Publicado em 30/04/2010.)
70
Neste sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA C/C TUTELA ANTECIPADA –
AUSÊNCIA DE REQUISITO INDISPENSÁVEL À CONCESSÃO DA MEDIDA ANTECIPATÓRIA –
ART. 273 DO CPC – SAÚDE PÚBLICA – ARTROSE – FORNECIMENTO DE PRÓTESE
ESTRANGEIRA – COMPROVAÇÃO DA EFICÁCIA INEXISTENTE – OBSERVÂNCIA À LISTA
OFICIAL DE MEDICAMENTOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – CONSTATAÇÃO DA
EXISTÊNCIA DE PRÓTESES NACIONAIS DE BOA QUALIDADE – FISCALIZAÇÃO
PROCEDIDA PELA ANVISA – RECURSO PROVIDO – Ausente um dos requisitos indispensáveis à
concessão da medida antecipatória, qual seja a verossimilhança das alegações, ante a inexistência de
prova capaz de evidenciar a inadequação da prótese nacional, mister a observância da lista oficial de
medicamentos do ministério da saúde, onde constam próteses similares àquelas produzidas no
exterior, de boa qualidade e com preços mais acessíveis, que são fiscalizadas por órgão governamental
de conhecida idoneidade, a ANVISA - Agência nacional de vigilância sanitária (grifamos). BRASIL.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento 2005.017656-2. Relator: Rui Fortes.
Publicado em 13.09.2005.
71
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. p. 33. Disponível em:
http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/da_falta_de_efetividade_a_judicializaca
o_excessiva.pdf`. Acesso em: 26/02/2013.
72
Ibidem., p. 33.
24
Assim, tendo havido a decisão politica de determinado ente de incluir
um medicamento em sua lista, parece certo que o polo passivo de
uma eventual demanda deve ser ocupado por esse ente. A logica do
parâmetro é bastante simples: através da elaboração de listas, os
entes da federação se autovinculam.
Nesse contexto, a demanda judicial em que se exige o fornecimento
do medicamento não precisa adentrar o terreno árido das decisões
políticas sobre quais medicamentos devem ser fornecidos, em função
das circunstâncias orçamentárias de cada ente político. Também não
haverá necessidade de examinar o tema do financiamento integrado
pelos diferentes níveis federativos, discussão a ser travada entre
União, Estados e Municípios e não no âmbito de cada demanda entre
cidadão e Poder Público. Basta, para a definição do polo passivo em
tais casos, a decisão política já tomada por cada ente, no sentido de
incluir o medicamento em lista73. (grifo no original)
A posição por ele adotada funda-se na razoável ideia de que, uma
vez organizado o Sistema Único de Saúde sob o pálio da descentralização e
hierarquia, sendo cada ente responsável pelo fornecimento de um tipo
específico de medicamento, deve-se incluir no polo passivo da ação somente o
ente federativo responsável administrativamente pela lista de medicamentos
em que consta o fármaco requerido, sob o risco de falência do sistema.
Contudo o posicionamento a que chega Gilmar Mendes, por
oportunidade de apreciação de Agravo Regimental na Suspensão de Tutela
Antecipada 175, nos parece mais razoável74, na medida em que:
A competência comum dos entes da Federação para cuidar da
saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito
Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto
do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados
passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS
(seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na
área de saúde75. O fato de o Sistema Único de Saúde ter

73
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. p. 34. Disponível em:
http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/da_falta_de_efetividade_a_judicializaca
o_excessiva.pdf`. Acesso em: 26/02/2013.
74
A questão fica mais clara ao se analisar a literalidade do texto constitucional, que define no artigo 196
que a saúde é dever do Estado. A acepção da expressão Estado, neste caso, é ampla, abarcando os três entes
estatais, de acordo com entendimento pacificado do STF, conforme ementa: “SAÚDE – AQUISIÇÃO E
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar
meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único
de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 195.192-3/RS. Relator:
Marco Aurélio. Publicado em 22/02/2000.
75
O argumento da descentralização como mitigador da solidariedade merece ainda a seguinte crítica:
como visto, o artigo 196 da Constituição estabelece o dever solidário dos três entes estatais na promoção
da saúde. No direito civil, é cediço que se um grupo de pessoas é solidariamente devedora de outra, uma
repartição interna da dívida firmada entre os devedores certamente não poderá ser imposta ao credor
quando da cobrança da dívida, que por certo poderá cobrar a totalidade do débito de qualquer um dos
devedores. Ora, se assim funciona o instituto da solidariedade passiva, não vemos motivos razoáveis para
que, no caso do direito à saúde, os gravames resultantes dos arranjos organizacionais internos do Estado
25
descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos
entes da Federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o
acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e
subsidiária entre eles76. (grifamos)
Neste sentido, o ressarcimento dos recursos gastos pelo ente
acionado ajudará a constranger o ente omisso a cumprir suas políticas de
saúde, ao invés de transferir o gravame deste cenário aos cidadãos.
Parece ser este também o entendimento de Gilmar Mendes:
De toda forma, parece certo que, quanto ao desenvolvimento prático
desse tipo de responsabilidade solidária, deve ser construído um
modelo de cooperação e de coordenação de ações conjuntas por
parte dos entes federativos77. (grifamos)
Assim, conclui o Ministro:
Após refletir sobre as informações colhidas na Audiência Pública -
Saúde e sobre a jurisprudência recente deste Tribunal, é possível
afirmar que, em matéria de saúde pública, a responsabilidade dos
entes da Federação deve ser efetivamente solidária78. (grifamos)
2.6 Medidas Liminares e Abordagens Individual e Coletiva: Aspectos
Processuais
Se, conforme exposto, os cidadãos têm direito a exigir judicialmente
determinadas prestações do Estado, é evidente que este tem o dever de
executá-las. Contudo, se o Estado tem tal dever perante aquele que o requer
judicialmente, por simetria, e em respeito à isonomia, terá – potencialmente -
este dever perante a coletividade. Entender em sentido contrário seria admitir
que somente aqueles com acesso qualificado à justiça teriam certos privilégios
em face dos que mais necessitam da assistência do Estado.
Com efeito, na tutela coletiva de determinado tratamento ou
medicamento, o Judiciário terá uma visão global do processo e da repercussão
financeira e social da medida, terá maiores subsídios para lidar com o
argumento da reserva do possível, tendo então uma ideia mais realista do
contexto geral e das dimensões da necessidade daquela prestação para a
sociedade como um todo, bem como dos recursos disponíveis para tanto.
Por certo, a principal crítica feita às ações individuais é que o juiz
realiza a microjustiça: influenciado pelas impressões pessoais e pela situação
dramática do jurisdicionado, acaba muitas vezes extrapolando o mínimo
existencial, ignorando a necessidade de se gerenciar demandas coletivas

sejam suportados pela população, principalmente porque muitas vezes isto acaba diminuindo ou até
suprimindo o pleno acesso à justiça dos jurisdicionados.
76
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada no 175/CE. Relator: Ministro
Gilmar Mendes. Julgamento: 17/03/2010. Publicado em 30/04/2010.
77 Ibidem.

78 Ibidem.

26
destinadas ao restante da população, a macrojustiça79. Ninguém quer negar
uma prestação de saúde para uma pessoa com um rosto, uma história pessoal,
sendo muito mais fácil fazê-lo a uma generalidade de sujeitos, onde os efeitos
concretos não serão vislumbrados naquele momento80.
Contudo, a maior dificuldade enfrentada nas ações individuais
refere-se à constante concessão de medidas liminares, o que dificilmente
acontece nas ações coletivas. Sobre esta questão, Felipe Rangel destaca que:
No Brasil, a liminar tem sido o instrumento principal utilizado pelo
Poder Judiciário para garantir o acesso imediato de um cidadão a um
determinado bem ou serviço de saúde.[...] Em dissertação de
mestrado, constatamos que [...] foram raríssimas as liminares
concedidas a pedido do MP. Prática oposta adotada em relação às
demandas individuais81.
Assim, as impugnações interpostos pela Advocacia Pública quase
sempre sustentam, além das críticas já apostas, as teses da grave lesão à
ordem econômica e à saúde pública, pelo alto custo dos medicamentos e
tratamentos comumente pleiteados, além do efeito multiplicador de tais
decisões, sintetizado no temor de que tais decisões sirvam de precedente para
que um número incontável de pessoas recorra ao Judiciário no mesmo sentido,
desestabilizando a organização e orçamento das políticas de saúde. Alegam
ainda a superficialidade da análise probatória feita pelo magistrado.
Quanto a tais argumentos, Gilmar Mendes assim posicionou-se
quando da apreciação do recurso tantas vezes já citado neste estudo:
Melhor sorte não socorre à agravante quanto aos argumentos de
grave lesão à economia e à saúde públicas, visto que a decisão
agravada consignou, de forma expressa, que o alto custo de um
tratamento ou de um medicamento que tem registro na ANVISA não é
suficiente para impedir o seu fornecimento pelo Poder Público. Além
disso, não procede a alegação de temor de que esta decisão sirva de
precedente negativo ao Poder Público, com possibilidade de ensejar
o denominado efeito multiplicador, pois a análise de decisões dessa
natureza deve ser feita caso a caso, considerando-se todos os
elementos normativos e fáticos da questão jurídica debatida. Por fim,
destaco que a agravante não infirma o fundamento da decisão
agravada de que, em verdade, o que se constata é a ocorrência de
grave lesão em sentido inverso (dano inverso), caso a decisão venha
a ser suspensa82.

79 BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à


saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. p. 31.
Disponível em:
http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_excessiva.pdf`. Acesso em: 26/02/2013.

80
BARCELLOS. op. cit., p. 152.
81
MACHADO, Felipe Rangel de Souza. Contribuições ao Debate da Judicialização da Saúde no
Brasil. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 88, jul./out. 2008.
82
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada no 175/CE. Relator Ministro
Gilmar Mendes. Julgamento: 17/03/2010. Publicado em 30/04/2010.
27
Outra impugnação comumente apresentada pela Fazenda Pública
refere-se à norma contida no § 3o do artigo 1o da Lei 8.437/92, que dispõe que:
“Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o
objeto da ação”. Desta forma, alega o Poder Público que medidas liminares
que determinem o fornecimento de medicamentos ou a realização de
tratamentos teriam natureza satisfativa, sendo vedadas pelo dispositivo legal
em comento.
Contudo, a jurisprudência felizmente vem entendendo que é possível
a concessão de tutela antecipada contra o Poder Público em casos onde é
evidente a probabilidade de perda do direito, conforme posição do Superior
Tribunal de Justiça:
O agravo foi interposto contra decisão que negou seguimento ao
recurso especial manejado em face de acórdão assim ementado:
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO PODER PÚBLICO.
LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE
PASSIVA. SUPOSTA VIOLAÇÃO AO 1º, §3º, DA LEI Nº 8.437/92.
INOCORRÊNCIA. DOENÇA SEVERA. INEXISTÊNCIA DE OUTRO
FÁRMACO FORNECIDO PELO SUS. MULTA DIÁRIA.
ASTREINTES. REDUÇÃO. Não colhe a alegação de ilegitimidade
ativa do Ministério Público Federal, uma vez que a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de autorizar o
ajuizamento de ação civil pública, pelo Parquet, objetivando o
fornecimento de medicamentos a pessoas necessitadas -
inclusive identificadas. Pacífico o entendimento no sentido de que
União Federal, Distrito Federal, Estados e Municípios são
legítimos, indistintamente, para as ações em que postulados
medicamentos (inclusive aqueles para tratamento de câncer, a
despeito da responsabilidade de os Centros de Alta
Complexidade em Oncologia fornecerem tratamento integral aos
doentes) e outros atos tendentes à preservação da saúde e higidez
do cidadão brasileiro. Foi essa a orientação unânime do Pleno do
Supremo Tribunal Federal, ao apreciar Agravo Regimental interposto,
pela União, em face de decisão que indeferiu o pedido de Suspensão
de Tutela Antecipada n. 175, Relator o Ministro Gilmar Mendes,
Relativamente à suposta violação ao art. 1º, §3º, da Lei nº
8.437/92, tampouco procede, já que a proibição do deferimento
de medida liminar que seja satisfativa ou esgote o objeto do
processo, no todo ou em parte, somente se sustenta nas
hipóteses em que o retardamento da medida não frustrar a
própria tutela jurisdicional. No caso, está se tratando de medida
preventiva relacionada à saúde, e dita norma de caráter formal,
diante desse quadro, não há de preponderar sobre liminar de tal
estirpe. Os documentos acostados ao evento 1 do processo
originário, demonstram a efetiva necessidade do fármaco, uma
vez que comprovam a inexistência de outros tratamentos
alcançados, pelo SUS, para a doença de que a parte agravante é
portadora. Dessa forma, em um juízo perfunctório, com os dados
colhidos nos autos originários, encontram-se razões suficientes para

28
a manutenção da tutela antecipada concedida pelo magistrado
singular83. (grifamos)
Nas ações coletivas84, por outro lado, muitas das dificuldades
vislumbradas nas ações individuais não existem ou são minimizadas, pois a
discussão é prévia, realizando-se o controle em abstrato das alocações
orçamentárias de acordo com as finalidades impostas pela Constituição,
corrigindo-se eventuais desvios. Assim, evidenciando a necessidade de
coletivização das decisões produzidas nas demandas individuais, defende-se
que:
Se a decisão judicial que concede determinado bem ou serviço não
pode ser razoavelmente universalizada, acaba-se por consagrar uma
distribuição no mínimo pouco democrática dos bens públicos: todos
custeiam – sem que tenham decidido fazê-lo – determinadas
necessidades de alguns, que tiveram condições de ir ao Judiciário e
obtiveram uma decisão favorável. Repita-se que no caso do mínimo
existencial, diferentemente, há sim uma decisão política fundamental
– constitucional –, pela qual toda a sociedade comprometeu-se a
custeá-lo para assegurar a dignidade de todos os homens, ao menos
em patamares mínimos85.
Por este motivo, é necessário que, paralelamente às ações
individuais, crie-se uma cultura em nosso ordenamento de se discutir também
as questões de saúde em uma uma seara coletiva, de modo a produzir-se mais
igualdade e efetividade das disposições constitucionais, visto que as distorções
vislumbradas nas ações individuais seriam minimizadas.
Ademais, a tutela coletiva da saúde, que, destaque-se, pode ocorrer
através da Ação Civil Pública, e no plano abstrato de discussão das alocações
orçamentárias86, da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental e da
Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, possui ainda a vantagem de
possibilitar a discussão judicial e alteração das listas de medicamentos do
SUS, tendo em vista que na defesa de direitos difusos produzirá efeitos erga
omnes87.

83
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial 219.549/RS.
Relator: Castro Meira. Publicado em: 27/08/2012.
84
Neste ponto, vale conferir o teor da lei 9.494/97, que trata especificamente sobre o tema.
85
BARCELLOS, Ana Paula de. O direito a prestações de saúde: complexidades, mínimo existencial e o
valor das abordagens coletiva e abstrata. Revista da Defensoria Pública. Ano 1, n. 1, p. 153, jul./dez. 2008.
86
A jurisprudência tradicional do STF entendia descabida ADI contra lei orçamentária, por visualizar
nela efeitos concretos. Entretanto referido entendimento felizmente foi revisto, senão vejamos: "Controle
abstrato de constitucionalidade de normas orçamentárias. Revisão de jurisprudência. O STF deve exercer
sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver
um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou
específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao
controle abstrato de constitucionalidade". BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de
Inconstitucionalidade 4.048/MC. Relator: Gilmar Mendes. Publicado em 22/8/2008. No mesmo
sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 4.049/MC,
Relator: Ayres Britto, Publicado em 08/05/2009.
87
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. p. 30. Disponível em:
29
Assim, a melhor solução a nosso ver, seria o magistrado, ao entrar
em contato com uma demanda individual, decidir a questão conforme os
parâmetros aqui expostos, tomando, contudo, medidas para que a mesma
demanda seja discutida em âmbito coletivo. Este mesmo entendimento parece
ser compartilhando por Barroso:
Parece impossível, por evidente, considerando a garantia
constitucional de acesso ao Judiciário, impedir demandas
individuais que visem ao fornecimento de medicamentos não
incluídos em lista. Ao decidir tais demandas, porém, o magistrado
terá o ônus argumentativo de enfrentar os óbices expostos no texto.
O ideal, a rigor, seria o magistrado oficiar ao Ministério Público
para que avalie a conveniência do ajuizamento de uma ação
coletiva, ainda que, naquele caso específico, e em caráter
excepcional, decida deferir a entrega do medicamento para evitar
a morte iminente do autor88. (grifamos)
Por todo exposto, a melhor solução parece ser a proteção do mínimo
existencial de forma urgente nas demandas individuais, paralela a uma
discussão judicial prévia e coletiva da questão de saúde enfrentada, a ser feita
pelo Ministério Público, através de uma abstração etérea do orçamento e das
necessidades do restante da população, que não são visíveis inicialmente.
Desta forma, a eficácia da decisão concedida na demanda individual pode ser
potencialmente coletivizada, garantindo-se um tratamento jurídico igual para
situações equânimes, tendo por supedâneo o princípio da igualdade.

http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/da_falta_de_efetividade_a_judicializac
ao_excessiva.pdf`. Acesso em: 26/02/2013.
88
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. p. 28. Disponível em:
http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/da_falta_de_efetividade_a_judicializac
ao_excessiva.pdf`. Acesso em: 26/02/2013.

30
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho almejou analisar as principais implicações jurídicas do


modelo de atuação adotado pelo Judiciário contemporâneo no desenho institucional
brasileiro de saúde pública. Diante do exposto, é possível compendiar as principais
conclusões obtidas através da seguinte sistematização:

 O direitos sociais abarcados pela Constituição Federal de 1988 possuem natureza


jurídica de direitos subjetivos, que conferem ao seu titular uma pretensão dedutível
em face do Poder Judiciário, caso tais direitos sejam violados por aquele que tenha
o dever de implementá-los.
 A discussão acerca da efetividade dos direitos sociais perpassa pela constatação
de que para sua implementação, é necessária a elaboração de políticas públicas por
parte do Estado, que por sua vez possuem um natural viés econômico.
 O neoconstitucionalismo introduz em nosso ordenamento novo paradigma
caracterizado pela valorização dos princípios e a adoção de métodos hermenêuticos
mais flexíveis, não podendo ser ignorada sua influência na atuação do Judiciário em
matéria de saúde pública.
 O direito à saúde encontra-se normativamente amparado em patamares
constitucionais e infraconstitucionais, sendo que a atuação do Poder Público deve
ser norteada pelos princípios da universalidade, integralidade, participação e
descentralização.
 O direito a concessão de medicamentos pelo Poder Público encontra amparo
genérico na Lei 8.080/90, sendo regulamentado pela Portaria 3.916/98, que cria a
Política Nacional de Medicamentos, estabelecendo ainda, a Relação Nacional de
Medicamentos, com a divisão distributiva de fármacos em razão de sua
excepcionalidade.
 O ativismo judicial revela-se fruto das mudanças sociais contemporâneas que
culminaram em uma judicialização de questões inicialmente políticas. O fenômeno
encontra seu fundamento na necessidade de se garantir a imperatividade dos
preceitos constitucionais e na dificuldade que os poderes eleitos tem encontrado em
vocalizar a vontade popular, ampliando assim a noção de cidadania ao Poder
Judiciário, o que demanda uma releitura do princípio da separação dos poderes.
 O custeamento das prestações de saúde pública pelo Estado, notadamente em
uma realidade de expansão das técnicas terapêuticas e aumento da força normativa
dos comandos constitucionais traz consigo dificuldades de ordem prática que tem
colocado em cheque a efetividade dos comandos contidos na Carta Magna.
 O principal argumento apresentado pelo Poder Público em juízo, a reserva do
financeiramente possível, parece não resistir às críticas a ele destinadas.
Demonstrado que todos os direitos fundamentais – e não somente os direitos sociais
– possuem custos para sua realização, não parece honesto invocar a escusa
orçamentária somente quanto aos direitos necessários às parcelas mais
marginalizadas da sociedade. Entretanto, a tese tem sido aceita pelos tribunais, com
a ressalva de que a impossibilidade econômica deve ser efetivamente comprovada
no caso concreto, não bastando sua simples enunciação.
 Outra limitação à reserva do possível consiste na sua mitigação em face do
mínimo existencial. Sua gênese coincide com o reconhecimento de efeitos nucleares
irradiados dos mandamentos constitucionais, mesmo aqueles dotados de maior
31
vaguidez conceitual. Não sendo atendido pelo Poder Público esse patamar mínimo
de prestações necessárias à preservação da dignidade da pessoa humana, mostra-
se inequívoca a necessidade da intervenção judicial.
 Alguns critérios analisados por parte da doutrina para a delimitação objetiva do
que seria mínimo existencial em matéria de saúde padecem de fundamentação
constitucional. Dentre estes, a ideia de que não se deve observar a gravidade do
estado de saúde das pessoas quando da definição de quais prestações de saúde
serão prioritariamente oferecidas ao público, sendo mais relevante se avaliar o custo
da medida curativa. Tais ideias consagram uma metodologia utilitarista e perversa,
camuflando ideologias políticas de repúdio aos direitos sociais.
 Quanto aos parâmetros de atuação judicial, é necessário que o magistrado, no
caso concreto, aprecie cautelosamente o acervo probatório para se verificar com
segurança se, de acordo com as circunstâncias apresentadas, a medida requerida
constitui-se em um mínimo existencial para o indivíduo, situação onde deverá atuar
visando o não perecimento do direito. Para tanto, convencionou-se que as ações
judiciais devem ser amplamente instruídas com prova documental, devendo ainda
serem evitados medicamentos e tratamentos experimentais e preferidos, se
possível, aqueles de origem nacional e de menor custo para o Estado.
 Embora a maior parte da doutrina e jurisprudência entenda pela impossibilidade
de concessão de medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, verifica-se que esta conclusão não pode ser absoluta, existindo situações
onde, comprovada a inequívoca eficácia do fármaco, bem como sua
imprescindibilidade para a manutenção da vida do paciente, este deverá ser
fornecido, sendo que o mesmo raciocínio deverá ser adotado para medicamentos
não constantes nas listas elaboradas pelo Poder Público.
 A possibilidade de inclusão solidária das três esferas de governo no polo passivo
das ações judiciais de saúde decorre de sua competência comum, estabelecida na
Constituição Federal de 1988, não podendo se admitir que divisões internas feitas
administrativamente constituam óbice ao acesso à justiça dos jurisdicionados, sendo
necessário, outrossim, a criação de mecanismos de repasses e compensação de
gastos.
 A concessão de medidas liminares pelo Poder Judiciário encontra fundamento na
regular urgência dos pleitos individuais, com grave risco de perecimento do direito. A
verossimilhança das alegações reside no fato de que a maioria das provas a serem
constituídas é documental, já constando na exordial. Por outro lado, a reversibilidade
da medida, necessidade de proteção do mínimo existencial e a necessidade de
análise das nuances do caso concreto suplantam as teses da grave lesão à ordem,
do efeito multiplicador das decisões e da vedação contida na Lei 8.437/92.
 Paralelamente às ações individuais, deve-se desenvolver discussões judiciais de
natureza coletiva, que possuem o condão de minimizar as dificuldades vislumbradas
nas demandas judiciais, universalizando o direito concedido individualmente. Neste
sentido, a melhor solução seria o magistrado oficiar o Ministério Público, quando da
apreciação de uma demanda judicial, para que este se utilize da tutela coletiva
adequada para o pleito individual assuma proporções coletivas, respeitando-se
assim o princípio constitucional da isonomia.

32
REFERÊNCIAS

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