Você está na página 1de 16

Direito do trabalho nos novos tempos

DIREITO DO TRABALHO NOS NOVOS TEMPOS


Labor law in the new times
Revista de Direito do Trabalho | vol. 196/2018 | p. 177 - 204 | Dez / 2018
DTR\2018\22464

Francisco Pedro Jucá


Mestre em Direito Constitucional pela UFPA. Doutor em Direito do Estado pela USP e em Direito
Privado pela PUC-SP. Livre-Docente da USP. Pós-Doutorado em Salamanca, Espanha e pela
Universidade Nacional de Córdoba, Argentina. Professor Titular da Faculdade de Direito de São
Paulo # FADISP (mestrado e doutorado). Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, da
Academia Paulista de Magistrados, da Asociación Hispanoamericana de Derecho Comparado e da
Sociedade Brasileira de Direito Financeiro. Juiz do Trabalho em São Paulo.
francisco.juca@trtsp.jus.br

Mércio Hideyoshi Sato


Juiz do Trabalho da 15ª Região (Campinas). Mestre e Doutorando em Direito no programa de
pós-graduação stricto senso da Faculdade de Direito de São Paulo # FADISP. Membro da Sociedad
Hisponobrasileña de Derecho Comparado. mercio.sato@gmail.com

Área do Direito: Trabalho


Resumo: Direito do século XXI e a inserção da tutela jurídica do trabalho. Centralidade dos direitos
fundamentais e seus efeitos irradiantes para o sistema jurídico. Dignidade e condição humana.
Trabalho digno e mínimo existencial. Alterações tecnológicas no mundo da produção, da
organização econômica e do trabalho. Necessidade de novas tutelas em pluralidade. Conexão entre
dignidade e sistema previdenciário. Tributação do salário.

Palavras-chave: Mudanças tecnológicas e de paradigmas # Dignidade humana e direitos


fundamentais # Significados do trabalho # O trabalhador como ser humano
Abstract: 21st century law and the insertion of legal protection of work. Centrality of fundamental
rights and their radiating effects to the legal system. Dignity and human condition. Decent work and
existential minimum. Technological changes in the world of production, economic organization and
work. Need for new tutelas in plurality. Connection between dignity and the social security system.
Taxation of wages.

Keywords: Technological and paradigm changes # Human dignity and fundamental rights #
Meanings of work # The worker as a human being
Sumário:

1. Introdução e referenciais - 2. Direito do trabalho, sociedade e economia, algumas considerações -


3. Umas conclusões - Bibliografia

1. Introdução e referenciais

A proposta deste breve estudo vai algo além da apreciação (mesmo crítica) daquilo que podemos
chamar de movimento reformista do Direito do Trabalho, que iniciou na Europa pós-crise de 2008,
exemplificativamente Espanha, com nova legislação já vigorando, França, que na busca da
recuperação econômica dá passos nesta direção, e, mesmo entre nós, no Brasil, que fizemos uma
recentíssima “modernização” da legislação trabalhista, a qual, segundo seus defensores, rompe com
a tradição varguista superprotetora e se pretende modernizante. Ensaia sua chegada entre nós pela
Lei 13.467, de 13 de julho de 2017 (LGL\2017\5978), cuja edição vem suscitando acendrada
polêmica que, é importante destacar, emerge muito mais de conflitividade política e ideológica, que
comete o pecado de “dispensar” leitura mais cuidadosa e meditada, o que seguramente não é a
melhor opção.

Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Não se pode ter dúvida da progressiva e crescente
inadequação da tutela jurídica das relações de trabalho no universo da organização econômica, que
tem como pano de fundo os tempos pós-industriais, a pós-modernidade e a revolução tecnológica
permanente, com cada vez maior substituição no processo produtivo da produção vertical pela
horizontal, especialmente considerado o fenômeno da mundialização, no qual os itens e
Página 1
Direito do trabalho nos novos tempos

componentes, insumos e mesmo mão de obra (a distância) espalham-se pelo espaço geográfico.

Assim posto, quando se cogita de modernização de legislação de tutela, e nós preferimos considerar
como adequação, porque na essência consiste num ajuste entre tutela e realidade, forçosamente há
de se considerar a necessidade de toda uma releitura sistêmica, dos fatos, normas, referências e
paradigmas, é imperioso que se reconheça a alteração real de todos estes fatores.

Consequentemente é de se reconhecer que quadro geral de tamanha complexidade (e delicadeza)


não comporta visão simples e muito menos resposta simplificadora. E, exatamente em razão disso,
hão de ser revisitados os mundos da economia, da produção, do trabalho e o próprio Estado. Só a
revisita e a releitura sistêmica nos podem fornecer os elementos necessários para a real
problematização e a consequente busca da formulação das respostas possíveis, dando as bases
para as escolhas políticas da sociedade sobre o caminho a ser seguido.

Temos claro que o simples passeio pelo direito positivado, a jurisprudência produzida sobre ele, as
práticas e costumes da vida do Mundo do Trabalho não nos oferecem senão mais do mesmo, nas
variações sobre o mesmo tom, feitas ad nauseam, dentro de um discurso excessivamente marcado
pela ideologia, cada vez mais afastado da realidade e, em razão disso, cada vez mais estéril e
prejudicial à evolução do processo. Há de se ir a águas mais profundas.

Deve-se buscar os elementos que se podem considerar como sendo pressupostos de tudo isso, e, a
partir dele, fazer a necessária reflexão, sendo de rigor lembrar o uruguaio Eduardo Couture nos seus
Mandamentos ao Advogado, de que “o tempo se vinga daquilo que é feito sem a sua ajuda”. Há
pressa, sem dúvida, tudo precisa ser feito em tempo reduzido, porém esta redução não pode
significar afogadilho, improvisação, falta de reflexão, mensuração de consequências, implicações
sistêmicas, em suma, alterações incapazes de oferecer soluções úteis e razoáveis.

Igualmente não se pode esquecer que os problemas, necessidades e temas devem ser debatidos.
Deve haver a oportunidade de aflorarem as divergências, porque é exatamente delas que vão derivar
os pontos consensuais, a partir dos quais se pode pactuar uma ordem jurídica equilibrada, estável e,
sobretudo, eficaz, capaz de produzir os resultados necessários e legitimamente esperados, com real
e verdadeira tutela das relações trabalhistas na sociedade contemporânea, que é plural,
quase-fragmentada, em que seus processos são fugazes, suas estruturações são mutáveis
aceleradamente e suas contradições e perplexidades pululam.

O enfrentamento deste quadro nos impõe, a um só tempo, cautela e audácia. Cautela para que não
se contamine de voluntarismo personalista e audácia para aceitar desafios e descortinar novos
horizontes.

Nesse contexto, propõe-se a utilização de dois referenciais orientadores: o primeiro, a percepção do


sistema jurídico como um todo, integrado por diversos subsistemas (especialidades) intimamente
ligados entre si, atuando interativamente, completando-se e complementando-se, compondo um
caráter sistêmico exatamente em razão dessa interação; o segundo, de certa forma deste
decorrente, é a transversalidade. Percebendo-se o sistema no seu todo e as relações internas entre
os subsistemas, cabe investigar as implicações dos efeitos destas inter-relações.

Noutras palavras, cogita-se de que a bipartição tradicional entre Direito Público e Direito Privado, se
não está exaurida, sem dúvida é insuficiente para os nossos dias, exatamente porque espaço
significativo entre ambos é ocupado por subsistemas híbridos, com pontos ora num, ora noutro. E
temos ressurgindo a figura do Direito Social nos moldes elaborados por Cesarino Junior, pioneiro
acadêmico do Direito do Trabalho entre nós.

No mesmo sentido é a formulação de Jean Megret,1 no clássico Droit Rural, quando explica o
posicionamento do Direito Rural à época, que incorpora elementos do Direito Civil na parte imobiliário
(fundiária) e contratual, com elementos de Direito Administrativo no que tange a restrições ao direito
de propriedade, regulamentação de exercício de atividades, com elementos do Direito Tributário,
quanto à tributação na atividade rural e florestal, e do Direito do Trabalho, no que respeita às
relações de trabalho na atividade. Diante disso, defende que existe um núcleo central de normas e
institutos, peculiares e próprios do Direito Rural, uma periferia de normas e institutos híbridos e uma
zona ou região exterior, em conexão com os outros ramos do Direito, contendo normas e institutos
de uso ou emprego comum a todos.
Página 2
Direito do trabalho nos novos tempos

A transversalidade que se propõe segue este caminho e se aproxima desta formulação.

O Direito do Trabalho atualizado precisa ser compreendido no contexto das suas conexões com o
Direito Econômico/Regulatório, porque existem normas de Direito Econômico que produzem efeitos
trabalhistas e existem normas de Direito do Trabalho que produzem efeitos econômicos, como por
exemplo, a impossibilidade de se desconsiderar a precarização do emprego e os efeitos na redução
da capacidade de consumo e diminuição de mercado. Também não se pode desprezar a
compreensão dos institutos trabalhista com exclusão das incidências fiscais e tributárias, sendo
forçoso reconhecer que o direito ao mínimo existencial digno está ligado com a capacidade tributária.
Da mesma forma, a compreensão sistêmica impõe considerar a conexão com o Direito
Previdenciário, porque os critérios de amparo social levam em conta a renda do trabalho, a
capacidade produtiva, as oscilações de mercado, o índice de emprego e o volume da renda do
trabalho na composição da renda nacional.

Como é possível perceber, o campo que se abre é vertiginoso, rico e desafiante. Este é o motivo
fundamental para que se investigue o Direito do Trabalho com outros olhos, com outros referenciais
e paradigmas.

Toda a construção do Direito do Trabalho desde a Revolução Industrial tem tomado como referência
o Mundo da Produção industrial manufatureira, que nas formulações tradicionais usa como núcleo o
binômio tempo e movimento: tempo trabalhado e operação física da atividade, seja operando
máquinas, seja em linha de montagem. Ora, dessa forma, a tutela jurídica regulamentadora e
protetora do trabalhador foi capaz de operar através do estabelecimento de limitações e controle
destes fatores, de onde vêm as concepções de jornada de trabalho diária, semanal e mensal, a
fórmula de cálculo da remuneração, observando este referencial, e as compensações pelo
movimento, contendo e limitando desgaste físico e mental na operação produtiva.

O sistema funcionou, deu resultados úteis e razoáveis durante longo tempo. Porém, é de se
reconhecer que hoje, com as mutações tecnológicas de reorganização econômica e produtiva (meios
e modo), os referenciais tempo e movimento já não desempenham o papel fundamental de antes, eis
que o tempo trabalhado, essencial na indústria manufatureira, não tem o mesmo papel e significado
nos setores de serviços e comércio, por exemplo, ou mesmo financeiro. O tempo em que permanece
aberta a loja, estabelecimento ou Banco não gera correspondência em escala da produção e dos
resultados. É elemento importante sim, porém com papel que não mais é central.

Doutra banda, a atividade produtiva hoje impõe a permanente adequação de competências da mão
de obra, demanda expertise especial do trabalhador, que deixa, assim, de ser apenas mais um
braço.

Resta claro que a tutela limitativa de tempo e movimento já não mais é capaz de oferecer real e
efetiva proteção, cabe sim, aos estudiosos do tema, a busca de outros caminhos. Esta é a
provocação que se faz neste breve estudo, a da busca pela construção de um Direito do Trabalho
renovado, adequado aos novos tempos e capaz de responder aos novos desafios.

Os problemas postos nos nossos dias são diversos, temos que o controle limitativo de tempo e
movimento ainda sobrevive, mas não mais é o único tema, outros se colocam porque o modo de
produção e a organização da economia modificaram severamente, e, ao referido tema, outros se
adicionaram, alguns deles com gravidade maior e consequências mais profundas. Este novo
universo precisa ser enfrentado e, para ele, deve-se corajosamente ir em busca de soluções e
alternativas.

Tudo acontece numa sociedade fugaz e fragmentada, as coisas acontecem muito rápido, tudo muda
aceleradamente, e tanto a percepção/compreensão da mudança e seu processo não são imediatos e
causam perplexidade, como também nem sempre a capacidade de resposta adequada e útil é
formulada e efetivada; doutro lado, a organização da sociedade atual mostra-se muito pluralista,
enormemente fragmentada, quase-tribal, as convergências de interesses são matizadas por enormes
diferenças, com isso a capacidade de diálogo e negociação são complexas e delicadas.

Ora, a resposta advinda do direito como instrumento de organização e controle social sofre
defasagem temporal importante, com isso, a necessária atualização para que se adeque a
regulamentação a situações novas quase nunca se ajusta completamente. Ademais, a sociedade e o
Página 3
Direito do trabalho nos novos tempos

imaginário social ainda estão impregnados dos antigos paradigmas e referências, que leem a
realidade com lentes de outros tempos, sendo consequência buscarem fatos e circunstâncias que já
não existem e desconsideram os novos, de tudo resultando pontos de desencontro que, não raro,
agravam mais do que amenizam a situação geral, com reflexos importantes para as situações
individuais.

É importante, para a compreensão do problema admitir que o conceito de classe, formulado no final
do século XIX e início do XX, já há algum tempo não se afeiçoa ao que se tem hoje, porque os
diversos e complexos interesses na sociedade fragmentada são díspares e mutáveis, com o que as
aglutinações sociais são voláteis, modificam-se a todo o momento. A propósito, nos anos 50 do
século XX, o jurista francês George Burdeau, no clássico Tratado de ciência política, dedica a maior
parte do 8º volume em formular a ideia de feixes mutáveis de interesses, entendendo-os (e
demonstra) como interesses cuja convergência se dá, porém em prazo curto (em relação ao
passado), rompendo as percepções de monolitismo das classes e de permanência delas.
Diversamente, identifica gigantescas variedades entre elas, concorrência, e até mesmo
incompatibilidade conflitiva interna.

Com efeito, é de se extrair daí que as referências norteadoras da formulação tradicional perdem a
eficácia, abrindo, assim, espaço para modificação desta percepção, o que é absolutamente
indispensável.

O eixo da questão sobrevivencial e mesmo promocional que embasou a formação do Direito do


Trabalho no seu estágio, digamos, inicial, ganhou novos contornos, porquanto entende-se, hoje,
inserido num mínimo vital de significativa capacidade de consumo de bens e serviços que não
estavam no universo antes. As aspirações, as necessidades e demandas sofreram o duplo
fenômeno da ampliação e alargamento e, seguramente, não são mais as mesmas, e, por isso, outras
devem ser a sua compreensão e enfrentamento.

É preciso superar o antigo e corajosamente acolher o novo. Este processo, entretanto, não pode
acontecer sem a devida cautela nem pode significar ruptura absoluta com a evolução histórica, nem
da tutela trabalhista nem da economia e da sociedade. Ao contrário de fazer a renovação sobre as
bases sólidas da experiência trazida pela história, antes aproveitá-la, valendo-se dela, do que
negá-la ou excluí-la

O ponto nodal da questão e que se deve ter como referencial fundamental, seja para compreender o
quadro dos fatos e interpretá-lo, seja para formular e dar as necessárias respostas, parte-se do
fenômeno político e jurídico da centralidade dos Direitos Fundamentais, da centralidade atribuída ao
ser humano na construção da sociedade e do direito dos nossos dias. Desde os anos 70 do século
XX, o chamado (impropriamente) Novo Constitucionalismo nos trouxe dois elementos, a centralidade
do homem na construção da ordem jurídica (que se erige e desdobra a partir dele), e a irradiação
dos efeitos das normas constitucionais em todo o ordenamento, não mais se exigindo apenas a
compatibilidade, mas sim, a conformidade com a Constituição.

Entendemos que o papel desempenhado pelas constituições hoje em dia é o de ser base de toda a
ordem jurídica, emprestando a legitimação formal kelseniana, mas também, e ao mesmo tempo,
cúpula do sistema que direciona todo o direito no sentido dos valores e princípios
constitucionalmente determinados. Não necessariamente uma constituição totalizante, mas uma que
centralize e harmonize (com ela) todo o sistema, e, em consequência, irradie os seus efeitos (efeitos
de suas normas) de forma direta (quando regula) ou indireta (quando orienta a regulação e a
hermenêutica) a todas a relações na sociedade, superando a dicotomia Direito Público/Direito
Privado, ou mesmo naquilo que se denominou de tertio genus. Daí derivar-se-á, imperativamente,
um sistema uno e harmônico, direcionado a um sentido estabelecido no pacto da sociedade que
buscará o que ele entendeu, dentro da sua compreensão de direito e de justiça, como sendo o
desejável.

Em termos concretos e objetivos, ilustra a observação de André Ramos Tavares2 examinando o art.
5º e o inc. II do art. 1º da Constituição brasileira:

Parece que o objetivo principal da inserção do princípio em tela na Constituição foi fazer com que a
pessoa seja, como bem nota Jorge Miranda, “fundamento e fim da sociedade”, porque não pode
sê-lo o Estado, que nas palavras de Ataliba Nogueira é “um meio e não um fim”, e um meio que deve
Página 4
Direito do trabalho nos novos tempos

ter finalidade, dentre outras, a preservação da dignidade do homem. Neste sentido também
Fernando Ferreira dos Santos, ao acentuar que importa concluir que o Estado existe em função de
todas as pessoas e não estas em função do Estado”. Não só o Estado, mas, consectário lógico, o
próprio Direito.

O Estado e o Direito nos nossos dias estão a convergir em benefício do homem. O ser humano é
finalidade última e primeira, assim como a sociedade busca organizar-se para bem do homem, tudo
o que derive desta reunião e organização, tem como referência e ponto de inflexão o homem, a
condição humana, a dignidade humana, que lhe é inerente. Invocando novamente os dispositivos
constitucionais antes referidos, seus efeitos concretos impõem a vida social na sua totalidade, sendo
marcado pela ilicitude (e, portanto, desconformidade com o Direito) tudo o que negue, amesquinhe
ou vulnere o ser humano. Tal ganha mais força e expressão quando se constata que no nosso
sistema constitucional a dignidade humana é princípio fundamental, merecendo colação a
observação de Manoel Messias Peixinho:3

Assim, a concepção dos princípios fundamentais, como norteadores da nova hermenêutica, constrói
uma hierarquia de normas constitucionais. Significa dizer que a constituição deve ser interpretada a
partir dos valores que ela mesma consagra. A hermenêutica sedimentada nos princípios
fundamentais orienta-se para uma aplicação que extrai a sua legitimação da vontade soberana
inserta nos postulados básicos que o próprio Poder Constituinte elegeu como fundamento e fonte
primária dos parâmetros por que ser deve pautar o Estado Democrático.

Por óbvio que o que denominamos de princípios reitores do sistema atuam e produzem efeitos em
todo o sistema, vinculando, portanto, não apenas o intérprete/hermeneuta, mas também o legislador
(ao produzir normas no mesmo sentido e orientação) e os atos de significação jurídica ocorrentes na
sociedade. Nada está infenso, nada está excluído ou dispensado da conformidade com a ordem
jurídica harmonicamente gizada pela Constituição, repete-se base e cúpula do sistema inteiro,
dando-lhe harmonia e integridade, elementos indispensáveis a eficácia social da normatividade, e
assim, obtém a paz social pelo equilíbrio nas relações entre seus membros.

Irradia na ordem jurídica no seu todo e no que se reflete aqui, especialmente no Direito do Trabalho,
em que precisa (indeclinavelmente) estar presente o referencial da dignidade da pessoa humana,
que ganha importância fundamental, como pontua Carolina Noura de Moraes Rego:4

A dignidade da pessoa humana deve ser vista como o grande fundamento constitucional, servindo
de guia a todo o texto constitucional, em termos claros nada deve ser produzido ou normatizado sem
observar o fundamento maior da República Federativa do Brasil.

O trabalho tem significado humano porque a um só tempo social, econômico e cultural, sendo
referência para a inserção e qualificação social do indivíduo, integrando sua identidade social e sua
posição na sociedade. Tem-se, assim, amplitude e substancialidade de significação, merecendo por
isso mesmo um tipo especial de atenção. Naturalmente que esta atenção especial deu azo a que
mereça estatuto constitucional, porque seus pontos reputados como nobres estão
constitucionalizados (ato de escolha política do constituinte), e estes, articulados com o conjunto de
valores e princípios estabelecidos na Constituição, nutrem o direito o suficiente para que
desempenhe o papel que se lhe destina em relação à tutela jurídica, não apenas quanto ao indivíduo
que trabalha, o trabalhador, mas quanto ao Mundo do Trabalho em sua inteireza, seja na edição e
produção normativa infraconstitucional, seja na instância hermenêutica, porque as normas
constitucionais hão de produzir o máximo dos seus efeitos, como leciona Celso Ribeiro Bastos:5

O princípio da máxima eficiência (Canotilho) significa que, sempre que possível, deverá ser o
dispositivo constitucional interpretado no sentido que lhe atribua a maior eficiência. E, mais adiante
observa: “O postulado é válido na medida em que por meio dele se entenda que não se pode
empobrecer a Constituição. O que efetivamente significa esta axioma é o banimento da ideia de que
um artigo ou parte dele possa ser considerado em efeito algum, o que equivaleria a desconsiderá-lo
mesmo. Na verdade, nesse ponto, acaba por ser um reforço do postulado de unidade da
Constituição. Não se pode esvaziar por completo o conteúdo de um artigo, qualquer que seja, pois
isto representaria uma forma de violação da Constituição. Portanto, todos os preceitos
constitucionais têm valia, não se podendo nulificar nenhum. Na Constituição não devem existir
normas tidas como não jurídicas, pois todas tem que produzir algum efeito”. Com maior rigor, ainda,
afirma Jorge Miranda, lastreado na lição de Thomas: “A uma norma fundamental tem de ser atribuído
Página 5
Direito do trabalho nos novos tempos

o sentido que mais eficácia lhe dê”.

Assim, resta assentado que o princípio da dignidade da pessoa humana deve perpassar todo o
direito, inserido em todo o sistema e a orientação constitucional à normatividade laboral, seja da
fonte estatal (legislação), seja da fonte negocial (contratos coletivos e individuais), tendo como limite
a preservação e proteção da dignidade do homem, descabendo, assim, a dúvida de que sempre que
rompido este dique de contenção teremos violação constitucional e, mais do que isso, ilicitude,
porque não apenas tem-se o atrito constitucional, como também, ao mesmo tempo, violação de
disposição jurídica, o bastante para configurar ilicitude.

Este quadro que se apresenta, desafia a necessidade de adequação/atualização do Direito


Trabalhista. Estamos entre os que veem a necessidade de ruptura (séria) com o modelo atual, que
não obstante seja protetivo e quase-paternalista a ponto de certa forma considerar que o trabalhador
é “relativamente incapaz” de defender seus interesses, de se organizar coletivamente, de fazer
escolhas; ao mesmo tempo é restritivo ou reducionista, porque atende apenas ao trabalho
assalariado, subordinado e dependente da relação de emprego desenhada nos arts. 2º e 3º da
Consolidação das Leis do Trabalho, excluindo todo o restante do Mundo do Trabalho, porque, se o
assalariado empregado tem tutela, o autônomo e o desempregado não a tem, e nenhuma. É
importante destacar que nos nossos dias, com as modificações na organização da economia e no
modo de produção, a quantidade de pessoas que estão no Mundo do Trabalho em condição diversa
do assalariado cresce a cada dia, sendo razoável admitir que, com a permanente incorporação
tecnológica no processo produtivo, o Mundo do Trabalho subsistirá (e creio até se ampliara), porém
com nova formatação, com imensa variedade de formas em convivência imperativa. Daí formar-se a
convicção de que se impõe nova tutela e seguramente linhas gerais, porém desdobradas em
pluralidade capaz de albergar a integralidade do dele, sem exclusão, ajustado às diferenças,
garantindo o mínimo e regulando as variações na conformidade das suas naturezas e
características, cumprindo o real e necessário papel de inclusão social efetiva.

2. Direito do trabalho, sociedade e economia, algumas considerações

Washington Peluso Albino de Souza6 observa que as normas de Direito do Trabalho têm conteúdo
econômico, porque o trabalho é um dos fatores de produção, destacando a existência de
desigualdade de condições entre os sujeitos da relação de trabalho, e que isso motivou um sistema
normativo tutelar para manter ou garantir equilíbrio, compensando a desigualdade de condições, o
que nas palavras de Geraldo de Camargo Vidigal,7 laborando exatamente na intersecção que se
identifica, consistiu em alteração estrutural normativa e principiológica:

Porque o núcleo dos problemas de repartição se situava na remuneração do trabalhador e nas


condições de trabalho, pela extensão e peculiaridade das relações que são seu objeto, pela
intensidade dos conflitos em seu âmbito, pelas modificações radicais que a doutrina dos contratos de
trabalho trouxe à tradição romanista dos contratos de locação de serviço e de empreitada,
caracterizou-se muito cedo o território do Direito do Trabalho como independente do Direito Civil ou
do Direito Comercial.

Cabe, aqui, destacar um ponto em comum entre o Direito Econômico e o do Trabalho, qual seja o de
estarem direcionados à dimensão social das relações que regulam e que o citado Vidigal8 pontua:

Orientado o Direito Econômico teleologicamente pelos ideais de desenvolvimento e de bem-estar


social, marcado pelos métodos nascidos na macro-analise da evolução dos mercados, preocupado
com a disciplina de variáveis comportamentais e instrumentais, seu objeto reclama consideração
minuciosa.

É possível identificar nesta convergência que há de se buscar a harmonização entre a atuação do


Estado na organização e funcionamento da Economia, com a proteção especial ao fator de produção
Trabalho, sendo imperativa a manutenção do equilíbrio nas relações como fator de estabilidade
social e política, buscando a razoável distribuição das riquezas, reconhecendo que as distâncias
econômicas e sociais internas, especialmente no que respeita à renda, são fatais para a estabilidade
necessária ao curso regular da vida social; com isso, o norte orientador do processo é a busca pela
prosperidade material da sociedade, voltada ao desenvolvimento com justiça social que consiste
exatamente na redução do desequilíbrio a que se aduz. A propósito, Modesto Carvalhosa observa9
que: “O Estado torna-se missionário da prosperidade material do povo”.
Página 6
Direito do trabalho nos novos tempos

A regulação da atividade econômica da sociedade, objetivada a valores éticos e de


promocionalidade humana, serve de orientação da “ordem jurídico-econômica constituída sobre a
realidade social tomada a partir do fato econômico juridicamente regulamentado”,10 e vê-se o
destaque no cuidado com o tema, especialmente considerando-se as instituições de Mercado e
Consumo, fortemente influenciados pelo tratamento jurídico dispensado às relações de trabalho,
registrando-se ser algo que passa quase despercebido pelos juslaboralistas. Com razão, o já citado
Vidigal11 observa:

A tutela das relações de consumo se coloca em parte ponderável na esfera do Direito do Trabalho,
onde são apreciadas as relações entre empregados e empregadores e são definidos padrões
salariais. Mas a capacidade de consumo não se precisa pelo valor nominal dos salários e sim pelo
seu poder de compra. Dessa forma, o regime de formação dos preços e o ordenamento dado aos
instrumentos financeiros se mostram extremamente relevantes para a estruturação do consumo. O
regime jurídico do trabalho estende proteção a áreas mais amplas que as do consumo. A definição
da duração do trabalho, das condições em que é exercido, o direito a repouso e as férias, os quadros
de celebração e de rescisão de contratos de trabalho, o sistema de recontratação coletiva e o de
dissídio, as condições especiais de trabalho outorgadas ao menor e a mulher, múltiplos aspectos do
ordenamento jurídico do trabalho respondem ao princípio da valorização do trabalho, como condição
de dignidade humana. A disciplina jurídica da remuneração do trabalho, especificamente, guarda
relacionamento estreito com a tutela do consumo. O nível dos salários reais, o patamar dos salários
mínimos, o procedimento coletivo de contratação salarial, a administração do poder de compra da
moeda em função do poder de consumo dos salários são instrumentos extremamente relevantes
para a definição do consumo.

Examinando esta conexão, como se propõe, constata-se a impossibilidade de regulamentação do


trabalho desconsiderando a regulação da economia. Neste particular, temos claro que a busca
permanente pelo equilíbrio nas relações é fundamental para a manutenção do processo, eis que há
que se tutelar o trabalho de forma a viabilizar o bem-estar e a capacidade de consumo, exatamente
porque é esta capacidade de consumo que viabiliza, a seu turno, a produção de bens e serviços de
toda a ordem. Ora, ao se desconsiderar a proteção ao trabalho e ao trabalhador (naturalmente que
sem o exagero paternalista), não se está protegendo o mercado de consumo e, mais adiante, a
produção. Daí ser indispensável considerar-se a tutela do trabalho no contexto do processo
econômico, longe de estar num mundo à parte, ele está dentro da economia.

Doutra parte, há que se considerar que mantido o protecionismo advindo da Revolução Industrial,
com paradigmas de outra época e de outras circunstâncias históricas, econômicas e sociais,
manter-se-á também, de certa forma, uma estrutura de dominação, cabendo a reflexão de Antonio
Duarte Guedes Neto,12 quando, após considerar falsa, reacionária e preconceituosa a
hipossuficiência do trabalhador justificadora da proteção personalista do trabalho subordinado, diz:

Aliás, além desses dois fundamentos do princípio justrabalhista da proteção (a “caridosa”


hipossuficiência e a natureza analítica necessária à disciplina jurídica das relações de trabalho), há
outro: o fenômeno cultural sociológico da educação para a discriminação, com o condicionamento
operante das pessoas fadadas ao operariado, para se menosprezarem, se inferiorizarem e se
submeterem, como toda a sociedade espera deles.

A tutela das relações de trabalho no Estado Democrático de Direito deve estar direcionada às
inspirações dos Direitos Humanos Fundamentais. A dignidade do trabalho e do ser humano, deve
proteger, sim, as fragilidades e deficiências que surgem da desigualdade de condições, mas
precisam também ser emancipadoras e libertadoras do ser humano, devem contribuir para o
movimento social vertical ascendente e servir à evolução do processo e não a cristalização (sutil) do
status quo, que se pode resumir como forma dissimulada de dominação.

Ora bem, tomando esta referência impõe-se, desde logo, que se entenda o Direito do Trabalho do
século XXI com amplitude incomparavelmente maior do que até então se cogita. Isso significa ser
necessário ir além (e muito) da tutela individualista voltada ao contrato de trabalho na modalidade do
emprego tradicional, bem como seus desdobramentos sob o enfoque de categorias ou segmentos. É
indispensável acolher-se a figura do trabalho na sua totalidade, em todas as modalidades, com a
fragmentação típica dos nossos dias, que se pode, provisoriamente, denominar como “novas
modalidades” de trabalho. Temos, assim, nesta proposição, que o elemento de conexão
fundamental, o eixo aglutinador do sistema está no trabalho humano, deixando de importar a forma
Página 7
Direito do trabalho nos novos tempos

como acontece, entendendo-se que a tutela protetiva dele significa e contém a tutela do ser humano.

O trabalho inserido no universo do processo econômico precisa ser entendido no contexto dele, seja
porque é fator de produção, seja porque tem significado econômico, seja porque se opera em
articulação no processo. Daí porque se esvai a eficácia de tutela que desconsidere tais dimensões,
tornando-se enunciado de boas e bem-intencionadas ideias, ou mesmo discurso diversionista para
mascarar realidade de difícil aceitação (discurso ideológico).

A tutela há, portanto, de curvar-se aos limites de possibilidades materiais. Deve ser a tutela possível,
factível, capaz de produzir reais efeitos no mundo real. A identificação dos seus parâmetros e
pressupostos constitui-se em desafio hercúleo, a sociedade e o pensamento ainda estão perplexos
pelas alterações da realidade, daí porque a formulação de respostas encontra dificuldade da
problematização imprecisa. Mesmo assim, e provavelmente por isso mesmo, o desafio que se impõe
(antes que seja tarde) deve e precisa se enfrentado.

Naturalmente que esta tutela possível devirá de um pacto social, de ajuste político de vontades,
interesses e articulações sociais construídas em relativos consensos políticos (necessariamente
democráticos), que tornam possível um regramento com limitações imperativas às condutas e
procedimentos dos atores sociais, marcados por algum grau razoável de equilíbrio, tendo como norte
a valorização do ser humano no processo.

Esta valorização do humano significa na essência a redução importante da desigualmente a nível


minimamente toleráveis, inclusive no interesse e pela necessidade da estabilidade na ordem social,
sendo pertinente observação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho sob o tema, fundado em Robert
Dahl,13 quando acentua:

Mostra ele, por exemplo, que a democracia é favorecida por uma ordem socioeconômica não
concentrada nas mãos de uns poucos – ou seja, a existência de um pluralismo a dividir o poder
econômico; assinala que um nível mais alto de desenvolvimento favorece a democracia, mesmo
porque propicia o pluralismo no poder econômico, etc. O ponto que nos interessa, porém, concerne
ao nível de igualdade, ou numa visão reversa, o nível de desigualdade existente na sociedade em
que atua a democracia. Obviamente, a desigualdade é prejudicial à democracia, e mortal para ela, se
excessiva. Assim, embora a eliminação da desigualdade seja utópica – sou eu quem o diz, não ele –
é de todo o interesse para a democracia a redução das desigualdades. Entre os meios de atenuação
das desigualdades, certamente se inscrevem os direitos sociais. O direito ao trabalho, e os direitos
do trabalhador, o direito à educação, à saúde, à moradia, ao lazer, à segurança e à previdência
social, por exemplo, que enumera o art. 6º da Constituição brasileira, se concretizados, conferem ao
povo mais necessitado um mínimo de bem-estar, não apenas condizente com a eminente dignidade
humana, mas também o apego ao regime democrático, no qual foram conquistados. Servem,
portanto, de sustentação para a democracia.

A tutela jurídica do trabalho humano, como insistimos, em toda a sua amplitude, tem o condão de
favorecer a diminuição das desigualdades (este deve ser o seu norte imperativo), contribuindo,
assim, para a estabilidade social instrumentada pela democracia, inclusive dos indivíduos na
sociedade.

Noutras palavras, entende-se que o conteúdo da cidadania está nutrido pela inclusão do indivíduo na
sociedade em grau significativo, de participação efetiva não apenas nos aspectos políticos formais
(tradicionais), mas em todas as dimensões da vida, no âmbito econômico, social, cultural, espiritual,
familiar etc., e parte fundamental da cidadania está no trabalho, que é direito/dever do individuo para
consigo mesmo e para com a sociedade.

Na visão que se formula, há que se compatibilizar esta tutela com a capacidade real da economia na
sociedade, considerados, assim, produção, produtividade, incorporação tecnológica, valor agregado,
partilhamento dos resultados, de sorte a se ter um sistema viável e, sobretudo sustentável, capaz de
sobreviver e se manter (ainda que se reinventando) ao longo do tempo.

A reinvenção da tutela é desafio permanente porquanto as alterações da organização econômica


decorrentes da tecnologia, sobretudo, desbordam às concepções tradicionais, obrigando a enfrentar
o binômio: trabalho formal versus trabalho informal. O primeiro com um tipo de tutela protetiva com
raízes e paradigmas da Revolução Industrial, enquanto que o segundo “abandonado à própria sorte”.
Página 8
Direito do trabalho nos novos tempos

O fato histórico e econômico que se vive é que o trabalho humano não mais pode ser
compartimentado desta forma, porque a realidade coloca novos fatos e fatores, e sobre estes é
indispensável à atenção e a atuação do Direito. Blanchet, Quetes e Tambosi, em recente estudo,
observam brilhantemente:14

“Durante décadas o trabalho formal foi considerado o principal parâmetro das relações de trabalho;
contudo, após 1990, as relações se modificam, ampliando-se ao trabalho informal. Nessa nova
realidade, faz-se necessário que o Estado atue de forma mais ativa, especialmente frente à
precarização do direito dos trabalhadores informais, minimizando a consequente violação de seus
direitos fundamentais”. E prosseguem destacando que “Tanto o desemprego quanto o trabalho
informal eram vistos como um status temporário...” Entretanto, a história divergiu fortemente da
expectativa e o desemprego cresceu desenfreadamente, transformando os institutos e trazendo
novos conceitos de políticas públicas. Nessa esteira fica evidente que não existem apenas dois
polos, pois o trabalho sem qualquer tipo de regulamentação é maior do que o desemprego; portanto,
a permanência do desemprego, re-significa seu sentido, rompendo o elo com o emprego, e,
evidenciando a ampliação da relação precária do trabalho.

Esse quadro demonstra e à saciedade, a necessidade de um redesenho do Direito do Trabalho


neste milênio, seu eixo precisa (e urgentemente) alargar-se do trabalho tradicional (emprego) para
todas as formas de trabalho existentes na economia, sendo capaz de oferecer garantias protetivas
mínimas a cada qual delas, em conformidade com suas características e natureza, de sorte a
promover a inclusão social do trabalhador, do contrário, caminha no sentido oposto, como meio de
exclusão, distinguindo e apartando os “com tutela” dos “sem tutela”. O papel que se está a atribuir ao
Estado em nosso tempo é o de promover, como deve e se propõe, o bem estar social, oferecendo
tutela jurídica aos indivíduos e à sociedade, diretamente sobre as relações sociedade in concreto, e
indiretamente sobre o universo circunstante dessas relações, no que concerne a políticas públicas
obrigatórias, e por isso mesmo de Estado e ações de governo, harmonizado em objetivos concretos,
inseridos em visão sistêmica e de conjunto da sociedade, incorporando obrigatoriamente o diálogo
cidadão entre estado e sociedade, que incorpora a participação social no processo decisório, sendo
necessário encontrar os mecanismos e instrumentos hábeis para tal e construí-los, de forma a
elaborar decisões, com a necessária legitimação política delas, para sustentar a execução e
concretização. A propósito, Hans-Hwe Erichsen, observa:15

A concepção de Estado de Bem-Estar Social é o resultado da busca das forças sociais, de tal modo
que o Estado se responsabilize pelo atendimento das necessidades sociais e pela pacificação das
tensões sociais.

A necessária modernização ou atualização do Direito do Trabalho precisa incorporar a sua inserção


e as conexões na sociedade e no Estado, desta forma, há que estar sintonizada com o Econômico,
as relações econômicas e sua regulamentação, mas também previdenciária, financeira e tributária,
sob pena de aparentemente resolver um problema, criando outros tantos. Apenas para ilustrar (por
ora), há que se ver em conjunto as relações e implicações de uma regulamentação com as demais.
O trabalho informal e sem tutela, como se aduziu antes, suprime receitas tributárias, porque
acontecendo extralegalmente, não sofre tributação, mesmo assim, os nele envolvidos demandam e
usam de alguma forma serviços públicos, onerando a sociedade sem a contribuição respectiva. A
fixação de idade para aposentação, que é imperativo lógico, ético e demográfico, precisa ter conexão
com tutela de trabalho para os que estão nessa faixa etária, sob pena de ser apenas cosmética. A
fixação de benefícios sociais e previdenciários, no que respeita a valores (nominais ou reais), precisa
ser compatibilizada com os valores de salários, sob pena de se ter incentivo ao ócio, quando há
indiferença entre o benefício do que contribui e o do que não contribui. Para chocar: se a
aposentadoria da grande maioria dos trabalhadores supera em pouco o salário mínimo, obtida após
contribuições ao longo do tempo, e o benefício de prestação continuada é de um mínimo legal, qual
o real estímulo para que haja contribuição, se ao alcançar determinada idade os benefícios serão
equivalentes?

É preciso entender, ter claro mesmo, que inexistem respostas simples para problemas complexos,
salvo como dizia repetidamente Jean Paul Sartre, quando há má-fé intelectual.

Há que se compatibilizar, e de maneira equilibrada, a liberdade de iniciativa, a liberdade contratual e


a valorização humana do trabalho, ao lado dos interesses gerais da sociedade. Inexiste direito
absoluto e ilimitado, impõe-se limitação (equilibrada) e esta limitação está em ajustar os interesses
Página 9
Direito do trabalho nos novos tempos

em jogo. Ilustra-se, como outro exemplo, as dispensas coletivas arbitrárias ou orientadas por decisão
puramente de gestão empresarial (redução de custos, reengenharia), há necessariamente de ter
limitações e condicionamentos, na medida em que geram ônus para a sociedade com encargos de
assistência social, seguro desemprego, levantamento de fundos etc. Não pode ser aceita como real
transferência de encargos do particular para a sociedade.

Com efeito, ao longo do tempo, as atualizações legislativas vêm-se dando de forma pontual, tópica,
desconectadas do sistema, deixando de levar em considerações as implicações periféricas e
conexas, o que tem levado a desbalanceamento das relações, tão frequentes, quanto indesejáveis.

O quadro se agrava e se torna complexo quando se percebe a inserção do mundo do trabalho no


contexto da globalização, entendida está como processo irreversível, fundado da interdependência
econômica e tecnológica, contra qual o isolacionismo (nacionalismo desfocado) apenas agrava a
situação e fragiliza quem o adota como opção política, acarretando muito mais danos e prejuízos do
que vantagens ou mesmo autoproteção contra o exógeno.

Com inteira pertinência neste particular, a observação de Antonio Rodrigues de Freitas Jr., quando
pontua:16

Por consequência da globalização, bem como das mudanças dela decorrentes no plano da divisão
internacional do trabalho, da superação da indústria taylorista-fordista, bem como da
transnacionalização do capital, está hoje em questão a capacidade do Estado-Nação de estabelecer
políticas sociais e trabalhistas sem atentar para o que se verifica na arena da competitividade
econômica em escala planetária. Em consequência, discute-se sob que condições é possível
vaticinar a sobrevida dos direitos sociais em sua acepção protecionista e promocional.

Com efeito, entendendo-se, como é a proposição deste ligeiro estudo, o Direito do Trabalho como
tutela jurídica integral do Mundo do Trabalho e, sobretudo, dos seres humanos nele envolvidos, é
forçoso acolher que, qualquer que seja a forma tutelar escolhida, há de estar inserida
sistemicamente nas diversas dimensões da proteção (possível e realista) ao ser humano, daí porque
a inflexão necessária vai deitar as suas raízes no campo dos direitos humanos fundamentais em
todas as suas dimensões. Assim, só é possível buscar eficácia protetiva quando esteja nutrida na
percepção sistêmica e, sobretudo, atenta às conexões com outras dimensões da proteção humana,
como ambiental, por exemplo (meramente ilustrativo). É imperioso romper o paradigma da
compreensão do Mundo do Trabalho, como Universo à parte, desconsiderando as suas interações e
processos com o restante do mundo, bem assim como os efeitos deste nele.

Tem-se, como fixado antes, a globalização como fato, objetivo e inelutável, e que dele decorre todo
um universo de consequências que acabam por colocar em xeque os paradigmas e referências
tradicionais, aos quais a cultura jurídica incorporou como hábito mental e crença, na acepção que a
sociologia empresta ao termo. O já citado autor observa, em seguimento:17

Ainda levando em conta esse quadro de alterações, e com o propósito de apresentar um conceito
que seja útil para fins meramente analíticos, chamo de globalização, sob o ponto de vista jurídico, o
deslocamento da capacidade de formulação de definição e de execução de políticas públicas, antes
radicada no Estado-Nação, para arenas transnacionais ou supranacionais, decorrentes da
globalização econômica e de seus efeitos sobre a extensão do poder soberano. Trata-se de um
fenômeno, e, portanto, de um dado da realidade no mundo da vida; antes de que uma figura jurídica,
mas de grande alcance para o direito.

Concordando com o autor neste aspecto, temos que quando se cogita em tutela jurídica do trabalho
e do trabalhador, esta tutela precisa e muito romper os estreitos limites da relação entre
empregado/empregador, mesmo coletivamente considerados, para ir além, alcançando ao nível de
políticas públicas promocionais e protetivas, capazes de enfrentar, com eficácia, as vicissitudes
decorrentes do processo da economia. Vislumbra-se um alargamento expressivo do campo de ação
do Direito do Trabalho, um como que “sair do gueto”. É claro que esta superação de paradigmas e
abertura para os novos tempos, formas e processos, há de implicar, necessariamente, a revisão e
resignificação conceitual, que se constitui em desafio que chega a assustar e mesmo intimidar,
quanto mais necessário é, porque o tempo e o processo impõem as mudanças e nunca “esperam”
que se supere a perplexidade (natural) diante das alterações materiais que são muito significativas.

Página 10
Direito do trabalho nos novos tempos

E no mesmo sentido em que se aborda o tema, o mesmo autor acentua:18

Isso me conduz para por em evidência outro aspecto do problema do qual muitas vezes não nos
damos conta. Ao contrário do que alguns possam supor, essas questões de fronteira quanto ao
futuro próximo do Estado-Nação e dos direitos sociais deixaram de ser preocupação exclusiva do
Direito sob a ótica dos países de capitalismo central. Mesmo nos países de economia periférica ou
semiperiférica (como o Brasil), a globalização introduziu o paradoxo de necessitarmos desenvolver
olhares simultâneos em direção à exclusão social e a superação da indústria fordista. Nos termos de
um conhecido sociólogo português: a globalização introduziu-nos a angustia da pós-modernidade,
sem que ainda tivéssemos tempo suficiente para completar a agenda social da revolução industrial,
ou seja, sem que tampouco pudéssemos reconhecer-nos completamente modernos.

Quer nos parecer claro que a tutela do trabalho, enquanto não superar os estreitos limites
(tradicionais) dos modelos existentes, contendo-se em alargar ou diminuir dimensões desses
mesmos limites, mais grave do que ser “mais do mesmo”, contribui antes para agravar do que para
aliviar o quadro, o que não se pode negar, assusta. Os nossos tempos (novos) são desafios que
angustiam e, certamente, por isso mesmo, exigem criatividade e lucidez, tanto da problematização
do quadro, quanto na elaboração de respostas. Está-se a exigir ação estatal sim, mas, também, da
sociedade, da comunidade e dos indivíduos, sob pena de cair no vazio das aparências, que nada
mais fazem do que mascarar esta tragédia em formação. A conclusão do autor é, a um só tempo,
amedrontadora e estimuladora, mas sem dúvida que desperta para uma compreensão nova e mais
ampla do problema, quando arremata:19

Longe de ser favorável à ampliação e ao crescimento da eficácia dos direitos sociais, o quadro
presente da globalização e da integração regional, entretanto, deixa entreaberta alguma luz pela via
de um pluralismo jurídico renovado e de certa, embora inespecífica, reabilitação da legitimidade da
proteção social por via dos direitos humanos de terceira geração, mesmo que dentro de parâmetros
mais frouxos e de duvidosa eficácia sob o prisma da coerção estatal.

Sem dúvida, como que com certo grano salis, mas nesse enfoque que se defende porque se
compreende que é a necessidade posta em nosso tempo, é o de buscar tutela mais ampla, mais
abrangente do mundo do trabalho se dos seus atores, centrando e fixando como referencial
essencial o ator principal, o homem; e o eixo do processo, como escolha que se nos apresenta como
mais factível e adequada, há de ser o dos direitos fundamentais. Impende, assim, estabelecer a
ligação indissociável entre estes e o Mundo do Trabalho, construindo a compreensão da real e
efetiva inserção do trabalhador no processo da sociedade, considerando a existência de
mecanismos de inclusão, de sorte a que, a clivagem decorrente do processo econômico não seja
forma de dividir a sociedade, entre os que participam do mundo e os que dele são excluídos, que
tendem a perder até a condição de espectadores dos fatos, limitando-se a sofrer as consequências
deles e, neste aspecto, ganha relevo especial a dimensão da promocionalidade materializada em
políticas públicas juridicamente instrumentadas pelo Direito do Trabalho, harmonizadas com a tutela
que seja oferecida de maneira sistêmica e não apenas voltada ao restrito universo
empregado/empregador, seja individual ou coletivamente considerado. E o referencial que se propõe
é exatamente estabelecer como norte a dignidade do ser humano que, aliás, é inerente à condição
humana. Vale a respeito colacionar o sempre autorizado ensinamento de Manoel Gonçalves Ferreira
Filho,20 em obra recentíssima, que observa:

[...] como projeções primeiras da dignidade humana, os direitos fundamentais se distinguem dos
direitos comuns. Não são meros direitos importantes. Não devem ser confundidos com tais direitos
comuns, nem estes devem ser elevados a seu nível. Assim, os direitos comuns afirmados como
fundamentais não podem ganhar senão um status formal de direito fundamental. Para erigir-se em
direito fundamental, uma projeção da dignidade humana tem de apresentar, ademais, determinados
caracteres, no rumo apontado por Alexy: hão de ser eles marcados por cinco traços: a dita
vinculação direta a dignidade humana, portanto concernirem a todos os seres humanos; terem valor
moral; serem suscetíveis de promoção ou garantia pelo direito e pesarem de modo capital para a
vida de cada um.

Com efeito, pela expansividade universalista que trazem em si os direitos fundamentais vem
exatamente ao encontro da renovação da tutela do trabalho. Com isso podem prestar relevante
contribuição na efetivação da dimensão promocional dele, que crê-se ser destino maior e mais
relevante para o qual se volta o sistema. Esta percepção, todavia, não pode sugerir resposta mágica
Página 11
Direito do trabalho nos novos tempos

capaz de superar todos os problemas, impõe-se moderação e equilíbrio, use-se-os, mas com os
indispensáveis equilíbrio e sábia moderação, para evitar banalização que antes enfraquece do que
consolida, valendo a observação respeito, do mesmo Ferreira Filho:21

Enfim uma observação pragmática. O generoso ideal de um mundo em que, em toda parte, sejam
concretizados os direitos fundamentais, não se realizará pelos apregoados “avanços”, caso estes
seja confundido com a multiplicação de novos direitos (o mais das vezes comuns travestidos de
fundamentais). Isto apenas desvalorizará, trivializando os verdadeiros direitos fundamentais.

Impõe-se real cuidado ao tratar do tema, se como se asseverou antes o norte é a dignidade do
homem, e este princípio de irradia para todo o sistema de forma vinculante, impondo-se a todos os
agentes do sistema, é preciso também que se fixe com razoável precisão ou menos imprecisão o
conteúdo da expressão dignidade, se se estabelece uma delimitação clara e razoável para o seu
conteúdo, a tendência é conseguir prestigiá-la, se ao revés, de a expande desmedidamente,
cedendo sem cuidado à chamadas micro lesões, que são desconfortos menores, quão antes
fragilizam do que fortalecem, a tendência será o desprestígio da banalização de que advertiu Ferreira
Filho antes citado.

É imperioso à esta altura considerar que se há como princípio constitucional a valorização e proteção
ao trabalho e ao trabalhador, há que se considerar o mesmo art. 1º da Constituição, no inciso IV,
também aponta como princípio fundamental e aponta como valores sociais proclamados pelo pacto o
trabalho e a livre iniciativa, repetindo mandamento no art. 170, apontando-os como princípios gerais
da atividade econômica. Daí decorre que é tarefa do Direito, ao regular a vida social, buscar, senão
harmonizar, pelo menos compatibilizar as duas pontas do sistema, capital e trabalho. O oposto é a
antagonização entre ambos, o que é deletério para a sociedade, na medida em que penalizando ou
privilegiando excessivamente um ou outro, antes agudiza conflitos do que os administra, o que não é
mais do que negar a natureza do estado e da organização política da sociedade, porque avivando
conflitos mina a solidariedade social e a sobrevivência mesmo do sistema, em descumprimento e
afronta violenta à disposição expressa da Constituição, que ao balizar juridicamente a ordem
econômica e social a partir de princípios humanistas, falseando a opção política pactuada pela
sociedade, valendo colacionar a observação de Eros Roberto Grau22 à respeito:

Isto significa, por um lado, que o Brasil – República Federativa do Brasil – define-se como entidade
política constitucionalmente organizada, tal como a constituiu o texto de 1988, enquanto assegurada,
ao lado da soberania, da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e do
pluralismo político, a dignidade da pessoa humana. Por outro, significa que a ordem econômica
mencionada no art. 170, caput, do texto constitucional – isto é, mundo do ser, relações econômicas
ou atividade econômica (em sentido amplo) – deve ser dinamizada tendo em vista a promoção da
existência digna que todos devem gozar.

A busca pela existência digna, e aqui se retoma a ampliação do mínimo vital que antes se referiu
para considera-lo como referencia básica, impõe a consolidação da solidariedade social, cimento de
toda a organização social, não no sentido sentimental e piegas, mas absolutamente pragmático,
entendendo que o esgarçamento da organização social, acentuado pela conflitividade não resolvida,
é o fermento da dissolução. A solidariedade social a quem deve o direito servir no interesse geral,
implica desarmamento dos espíritos no diálogo franco, aberto e por isso mesmo produtivo,
propositivo, capaz de estabelecer e concretizar compromissos, ou como poeticamente sugere
Bertelli,23 polindo consciências, ponderando:

[...] na minha visão, a necessária flexibilidade de posições junto à regras econômicas estabelecidas,
para dar espaço à intervenção da consciência em processos nos quais a distribuição de riquezas não
precisa se converter em renda. Mas o que deve ser equacionado, num debate com a opinião pública,
via canais apropriados, é o imenso tamanho das nossas carências e a nossa capacidade e
condições de enfrenta-las. E polir as consciências no sentido da fraternidade responsável e
resultante. É possível que esta proposta seja vista como exageradamente visionária e até um “conto
da carochinha”. Mas o fato é que nos precisamos saber exatamente como são o país e a sociedade
que temos e aquilo que queremos fazer deles.

Noutras palavras, a necessária harmonização entre os dois postulados constitucionalmente


estabelecidos: trabalho/libre iniciativa, demanda o ajuste regulatório, que incorpore dois requisitos,
cuja discrepância é apenas aparente, porque a vida de um implica a do outro, um não existe sem o
Página 12
Direito do trabalho nos novos tempos

outro. Ou vivem juntos, ou morrem juntos. Sem atividade econômica não há trabalho, sem trabalho
não há renda nem mercado consumidor, míngua a produção. O desafio posto é como fazê-lo.

A necessidade que se impõe é o frequente ajuste e adequação regulatórios à realidade, capaz de


absorver os impactos, contorna-los, o que implica transigência recíproca dos atores sociais, que o
devem e precisam fazer na conformidade com o pacto constitucional estabelecido para manter a
ordem social, jurídica e política concertada na sociedade, porém, no que tange ao trabalho,
considerada a centralidade dos direitos fundamentais no sistema jurídico, há de curvar-se ao fator
humano, ao caráter humanista, como já o identificava Amauri Mascaro Nascimento,24 ao dizer:

O direito do trabalho é expressão do humanismo jurídico e arma da renovação social pela sua total
identificação com as necessidades e aspirações concretas do grupo social diante dos problemas
decorrentes da questão social. Representa uma atividade de intervenção jurídica para a
reestruturação das instituições sociais e para melhor relacionamento entre o homem que trabalha e
aqueles para os quais o trabalho é destinado.

Temos que considerar neste particular que a tutela do trabalho o é também da dignidade humana,
fundamento constitucional, isso diretamente, doutro lado, ao fazê-lo, indiretamente amplia o mercado
e a capacidade de consumo e mesmo de poupança, trazendo assim efeitos benéficos para o
crescimento da economia, resta claro que uma coisa não exclui a outra, bem ao contrário,
retroalimentam-se, seguindo o rumo de outro princípio constitucional, o da redução das
desigualdades, sociais e regionais, nobilitando o papel do Estado de arbitrar as conflitividades, de
instrumentalizar o diálogo, de compatibilizar interesses e de estabelecer limites que inibam os
excessos e abusos. Não é sem razão que Roberto Victalino de Brito Filho, observa:25

O direito do trabalho como ferramenta de valorização do trabalho humano não deve se prestar
somente à regulação das relações laborais, mas também é seu objetivo dar proteção ao trabalho e
ao trabalhador, devendo a economia estar sujeita aos caminhos que tenham como destino o
cumprimento de tal campo protetivo. Assim, não são os direitos do trabalhador que devem estar a
serviço do sucesso econômico, mas a economia que deve estar a serviço da mais ampla realização
dos direitos laborais.

Mas, o que se insiste, é que a renovação ou atualização do Direito do Trabalho neste século XXI,
que já caminha para seu primeiro lustro, precisa superar o paradigma da tutela ao assalariado
apenas, precisa incorporar a sua finalística e objetivos outros modos e formas de trabalho, que
crescem e permanecem no mais sério desamparo jurídico, sem nenhuma tutela protetiva real,
relegado a sua fragilidade econômica. Há que se expandirem os horizontes, há que se incluir os
novos modos, há que se ampliar qualitativamente a tutela, quebrando o círculo de girar em torno dos
mesmos pontos.

3. Umas conclusões

Vamos extrair destas reflexões o que se pode considerar como sendo algumas conclusões
possíveis, que vem a ser formas e maneiras de enfrentar a situação com alguma expectativa
consistente de responder a este quadro que se descreveu, tendo como orientação considera-lo na
sua globalidade em suas principais nuanças e dimensões.

É preciso ampliar os estatutos tutelares, de forma a alcançar toda pluralidade de formas e maneiras
nas quais se estabelecem as relações de trabalho, em nossos dias cada vez mais diferenciadas, e
marcadas por peculiaridades. É preciso curvar-se às peculiaridades de tipos relacionais novos, de
forma a tornar possível efetiva proteção ao economicamente mais fraco.

Estamos aqui a pensar no prestador autônomo de serviços, o antigo “operário artífice”, que tem
direito à jurisdição laboral, porém está fora do abrigo da CLT (LGL\1943\5), neste universo se há de
incluir os autônomos que atuam na forma de pessoas jurídicas, as quais se pode considerar como
sendo “aparência” empresarial, mas que nada mais é do que o fornecimento de mão de obra do
próprio titular da “empresa”, que na prática não busca senão a redução dos custos indiretos da mão
de obra concernentes ao empregador no que tange à contribuição previdenciária e outros direitos,
como 13º salário, férias remuneradas e FGTS, além da desoneração na rescisão do contrato, tendo
como contrapartida (aparente) a redução do imposto de renda do empregado, cuja substancialidade
não se pode negar.
Página 13
Direito do trabalho nos novos tempos

Outra necessidade real que se identifica é a da regulamentação da parceria ou sociedade de


trabalho, quando dois ou mais profissionais se reúnem para a prestação de serviços a terceiros,
porquanto nesses casos muito frequentemente, quando se dá desencontro entre os parceiros,
acabam “discutindo” uma relação de emprego que não existiu, acabando por gerar solução artificial e
injusta, que mais do que resolver o problema, agrava-o.

Ao lado de tutelas reguladoras (minimamente) e protetivas do trabalho autônomo em si, é de se


considerar um fator vital que é a empregabilidade, que preferimos chamar de adequação para o
trabalho.

Não basta tutelar situações individuais. É preciso ir além, entendendo que o Direito do Trabalho é do
trabalho e não apenas do emprego, o que significa dizer, noutras palavras, que o nosso tempo
demanda uma proteção mais global, que não mais pode ficar restrita à relação de trabalho em si
mesma, mas precisa irradiar para e por todo o universo do Mundo do Trabalho. Com isso se
pretende que o Direito do Trabalho envolva também a obrigatoriedade de políticas públicas
permanentes de qualificação do trabalhador, habilitando-o às novas formas de trabalho, dando-lhe
novas competências e habilidades, de forma a mantê-lo com grau adequado do que podemos
chamar de “ocupabilidade”, como sendo dotado de capacidade para permanecer no mercado de
trabalho, em qualquer das formas e modalidades existentes, reconhecendo que, se, de um lado,
muitas profissões, ofícios e atividades estão em vias de desaparecimento por força da tecnologia,
por outro, novas e diferentes atividades surgem, e é imperativo que o trabalhador esteja preparado
para elas. Aqui temos uma forma de interpretar a proteção do trabalhador contra a automação,
constitucionalmente erigida. Não se trata de pretender a luta inglória de deter, retardar ou evitar a
evolução “natural” das coisas, mas ajustar-se a elas, sendo que a qualificação é a forma adequada
da proteção.

Outro aspecto a considerar é o concernente à tributação, campo sempre desconsiderado pelos que
refletem sobre o Mundo do Trabalho. Embora a Constituição vede expressamente a tributação
confiscatória, quando se considera as incidências de contribuição previdenciária e imposto de renda
sobre a renda do trabalho, esta alcança bem mais de 30%, e quando se leva em conta o nível de
renda (baixo) da remuneração, o saldo remanescente é fortemente reduzido, comprimindo
severamente a capacidade de consumo e poupança do trabalhador. Assim, quando se cogita de
tutela do trabalho, é indispensável considerar os aspectos da tributação, reconhecendo que o peso
dela acaba por neutralizar as eventuais melhorias obtidas. É claro que não se pode negar nem
ignorar o chamado “problema previdenciário”, mas o tratamento que se deve dar a ele não pode ser
isolado daquele que se dê ao trabalho, tal a ligação essencial entre ambos, de sorte a que se
completem e não se esterilizem quanto a resultados práticos.

O desafio posto pelo nosso tempo ao Direito do Trabalho, antes de amesquinhá-lo, o agiganta e
nobilita, porque alarga seu campo, destaca e consolida sua relação e articulação com todo o sistema
jurídico e, como constitucionalmente preconizado, erige-o com instrumento por excelência de ação a
favor dos Direitos Fundamentais e da Dignidade Humana.

Bibliografia

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014.

BERTELLI, Luiz Gonzaga. A valorização do trabalho e a livre-inciativa. In: MARTINS, Ives Gandra da
Silva; CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.) Justiça econômica e social. São Paulo:
Noeses/UJUCASP, 2017.

BLANCET, Luiz Alberto; QUETES, Regeane Brasin; TAMBOSI, Luciana Proceke. Combate ao
trabalho informal: políticas públicas de promoção dos direitos sociais dos trabalhadores. Revista de
Direito Público, Porto Alegre, v. 14, n. 77, p. 47-72, set.-out. 2017.

BRITO FILHO, Roberto Victalino. Vertentes para um trabalho humano valorizado. In: MARTINS, Ives
Gandra da Silva; CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.). Justiça econômica e social. São Paulo:
Noeses/UJUCASP, 2017.

CARMAGO VIDIGAL, Geraldo de. Teoria geral do direito econômico. São Paulo: Ed. RT, 1977.

CARVALHOSA, Modesto. Direito econômico. São Paulo: Ed. RT, 2013.


Página 14
Direito do trabalho nos novos tempos

DAHL, Robert; RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; BERARDI, Luciana Andrea Accorsi (Orgs.). Democracia
e direitos sociais. Estudos de Direito Constitucional em Homenagem à Prof. Maria Garcia. São Paulo:
IOB, 2008.

ERICHSEN, Hans-Hwe. A eficácia dos direitos fundamentais na Lei Fundamental Alemã no direito
privado. In: GRUNDMANN, Stefan; MENDES, Gilmar; MARQUES, Claudia Lima; BALDUS, Christina;
MALHEIROS, Manuel (Org.). Direito privado, Constituição e fronteiras: encontros da Associação
Luso-Alemã de Juritstas no Brasil. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Lições de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017.

FREITAS JR., Antônio Rodrigues de; DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves
(Orgs.). Doutrinas essenciais. Direito do trabalho e da seguridade social. São Paulo: Ed. RT, 2012. v.
I.

GRAU, Eros Roberto; CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES; Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo
Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord. Científica); LEONCY, Léo Ferreira (Coord. Executiva).
Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva; Coimbra: Almedina, Série IDP, 2013.

GUEDES NETO, Antônio Duarte. Apontamentos de crítica jus-econômica do trabalho.Revista da


Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, número especial em Memória do
Prof. Washington Peluso Albino de Souza, 2013.

MEGRET, Jean. Droit rural. Paris: Thecnique, 1979.

MORAES REGO, Carolina Noura de. O princípio da dignidade humana na evolução das
Constituições brasileiras: estudos em homenagem a Arno Wehling: história, direito e filosofia. Juiz de
Fora: Editar, 2017.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2015.

PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação constitucional e os princípios fundamentais: elementos


para uma hermenêutica constitucional renovada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.

SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico. São Paulo: Saraiva, 1980.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010.

1 Paris: Thecnique, 1979.

2 Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 2010. p. 578.

3 A interpretação constitucional e os princípios fundamentais. Elementos para uma hermenêutica


constitucional Renovada, Rio de Janeiro: ed. Lumen Juris, 2000. p. 133.

4 O princípio da dignidade humana na evolução das Constituições brasileiras. Estudos em


Homenagem a Arno Wehling. História, Direito e Filosofia, Juiz de Fora: Ed. Editar, 2017. p. 511-524.

5 Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 127.

6 Direito econômico, São Paulo: Saraiva, 1980. p. 75.

7 Teoria geral do direito econômico, São Paulo: Ed. RT, 1977, p. 29.

8 Ibidem, p. 44.

9 Direito econômico, São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 191.

10 Washington Souza, op. cit., p. 185.


Página 15
Direito do trabalho nos novos tempos

11 Op. cit., p.119-120.

12 Apontamentos de crítica juseconômica do trabalho. Revista da Faculdade de Direito da


Universidade Federal de Minas Gerais, número especial em Memória do Prof. Washington Peluso
Albino de Souza, 2013. p.115.

13 Democracia e direitos sociais. In: RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; BERARDI, Luciana Andrea
Accorsi (Orgs.). Estudos dedireito constitucional em homenagem à Prof. Maria Garcia. São Paulo:
IOB, 2008. p. 352-355.

14 BLANCET, Luiz Alberto; QUETES, Regeane Brasin; TAMBOSI, Luciana Proceke. Combate ao
trabalho informal: políticas públicas de promoção dos direitos sociais dos trabalhadores. Revista de
Direito Público, Porto Alegre, v. 14, n. 77, p. 47.72, set.-out. 2017.

15 A eficácia dos direitos fundamentais na lei fundamental alemã no direito privado. In:
GRUNDMANN, Stefan; MENDES, Gilmar; MARQUES, Claudia Lima; BALDUS, Christina;
MALHEIROS, Manuel (Orgs.). Direito privado, constituição e fronteiras. São Paulo: Ed. Thomson
Reuters, RT, 2014. p. 21-29.

16 Direito do trabalho e da seguridade social. In: DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela
Neves (Org.). Doutrinas Essenciais, São Paulo, v. I, 2012. p. 49.

17 Op. cit. loc. cit.

18 Op. cit. loc. cit.

19 Op. cit., p. 61.

20 Lições de direito constitucional, São Paulo: ed. Saraiva, 2017. p. 299.

21 Op. cit. loc. cit.

22 Comentários à Constituição do Brasil, J. J. Canotilho; Gilmar Ferreira Mendes; Ingo Wolfgang


Sarlet e Lenio Luiz Streck (Coord. Científica); Léo Ferreira Leoncy (Coord. Executiva). São Paulo:
Saraiva; Coimbra: Almedina, Série IDP, 2013. p. 1793-1794.

23 BERTELLI, Luiz Gonzaga. A valorização do trabalho e a livre-inciativa. In: MARTINS, Ives Gandra
da Silva; CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.). Justiça econômica e social. São Paulo: ed.
Noeses/UJUCASP, 2017. p. 31-42.

24 Iniciação ao direito do trabalho, São Paulo: Ed. LTr, 2015. p. 79.

25 Vertentes para um trabalho humano valorizado. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; CARVALHO,
Paulo de Barros (Coord.). Justiça econômica e social, cit. p. 375-398.

Página 16

Você também pode gostar