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Salvador
2010
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Salvador
2010
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TERMO DE APROVAÇÃO
____________________________________________
Professor Dr. Luiz de Pinho Pedreira da Silva
Orientador
____________________________________________
Professor(a) Dr(a)
____________________________________________
Professor Dr(a)
Salvador
2010
3
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
Constituição da OIT
6
RESUMO
ABSTRACT
“The Labor Law and its protective role in contemporary society: the necessity of
(re)definition in face of new labor relations” emphasizes the current crisis in Labor
Law in its final aspect of protection of the hyposufficient worker, bringing as central
aim the proposal of redefinition of classic paradigms in this field of Law. Such
redefinition has the intention of extending, under a contemporary and
neoconstitutionalist perspective of Law, the protection of new labor relations that
have arisen in the 21st century, in order to rescue the dignity of the hyposufficient
worker, irrespective of how he exercises the laboral activity, which overcomes the
traditional protection of the subordinate worker. Thereby, the first chapter begins by
presenting the traditional view of Labor Law, based on investigative analysis of the
course of labor relations from the beginning of the capitalism to contemporaneity,
focusing on its protective function. Therewith, it invests in the analysis of the
employment relations crisis, pointing out the deficiencies in its final aspect and
emphasizing, for that, the necessity of (re)adapting the work to the current juridical
system, inspired by the neoconstitutionalist theory of Law, which directs Labor Law to
changes, in order to meet the imperious need for enforcement of fundamental social
rights. Afterwards, a special chapter is reserved for analysis of the new labor
relations arising in the contemporary context, as well as old employment relations
with a new vesture, whose intent is to finish up the research work with the proposal of
restructuring the Labor Law, in a way to concentrate on a single code all labor
relations, organized according to how the activity will be developed (system of
subordination, coordination and autonomy), defending, however, the guarantee of
minimal protection to every social-economically hyposufficient worker, inspired by the
axiological concept of Constitution.
Ampl. - ampliada
Art. - artigo
Atual. - atualizado(a)
Aum. - aumentado(a)
CC - Código Civil
CF/88 - Constituição Federal de 1988
CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduaçõ
em Direito
Coord. - Coordenador(a)
CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas
DJ - Diário da Justiça
DJMG - Diário da Justiça de Minas Gerais
DJU - Diário da Justiça da União
Dr. - Doutor
EC. - Emenda Constitucional
Ed. - Edição
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião Pública e
Estatística
Inc. - Inciso
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MI - Mandado de Injunção
OEA - Organização dos Estados Americanos
OIT - Organização Internacional do Trabalho
ONU - Organização das Nações Unidas
Org. - Organizador
PIDESC - Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais
PME - Pesquisa Mensal de Emprego
9
SUMÁRIO
RESUMO ……………………………………………………………………………….. VI
1 INTRODUÇÃO
O modo de produção capitalista tem passado por uma fase de profunda modificação
no século XXI, motivada pela necessidade de concorrência e alta produtividade,
impulsionando o surgimento de técnicas de produção e formas de organização das
relações interempresariais, o que altera substancialmente as relações entre capital e
trabalho.
A visão tradicional do Direito do Trabalho será tratada neste capítulo, tendo como
base investigativa o modo de produção capitalista, desde a origem até a fase
contemporânea, buscando, dentro de uma abordagem histórico-social, contextualizar
a inserção do trabalhador e analisar como tem atuado o Direito do Trabalho em sua
finalidade precípua, qual seja, a proteção jurídica do trabalhador em face das
mazelas do sistema capitalista.
Leo Huberman, em sua obra “História da riqueza do homem”, chama a atenção para
o fato de que as condições caracterizadoras do sistema feudal variavam muito de
lugar para lugar, mas reforça o aspecto característico do trabalho servil:
Do outro lado, por evidenciar uma nova face da exploração do trabalho, com a
marginalização da questão social, revelada pelo aumento abusivo da demanda de
energia do trabalhador (sem qualquer intervenção estatal) e da privação de
vantagens, acentuando a já precária condição de trabalho, cuja insatisfação
desencadeou a formação de uma consciência coletiva, motivada pela concentração
de operários nas fábricas e pela necessidade de autodefesa de uma classe, não
mais de um aglomerado de trabalhadores.
Esta última Revolução, segundo José Augusto Rodrigues Pinto (2003, p. 24),
evidencia mais uma migração do trabalhador, que se desloca do setor terciário para
20
Finalmente, no século XX, o capitalismo avançou para seu terceiro e atual período,
cujo desenvolvimento se volta para a globalização, o sistema bancário e as grandes
corporações financeiras. Denominado por alguns estudiosos de Capitalismo
Monopolista-Financeiro ou, simplesmente, Capitalismo Moderno, é marcado pelas
grandes produções realizadas em diversas partes do mundo, rompendo fronteiras
em busca da redução de custos.
sistema, qual seja: quem trabalha vende sua força de trabalho, independente do tipo
de atividade exercida (manual, intelectual), gerando mais-valia.
Neste sentido, eis a ideologia que tem movido a máquina capitalista desde os
primórdios e perdura até os dias atuais, pronunciada por Karl Marx em 18651 e
destacado por Ricardo Antunes (2004, p. 90):
1
Fragmento de informe pronunciado por Marx em junho de 1865 nas sessões do Conselho Geral da
Associação Internacional dos Trabalhadores, publicado pela primeira vez em folheto à parte em
Londres (1898), com o título de Valor, Preço e Lucro, apresentado em coleção “Trabalho e
Emancipação”, como uma coletânea de textos e fragmentos de Marx e Engels.
22
O Direito do Trabalho, segundo Ives Gandra Martins Filho, significa “[...] o ramo do
Direito que disciplina as relações de trabalho, tanto individuais como coletivas”.
(2009, p. 28)
Ora, tomando como base interpretativa tal definição, aparentemente simplória, tem-
se que o Direito do Trabalho, à luz de uma compreensão semântica, é um ramo
jurídico que regulamenta e protege todo trabalhador em sua relação laboral, focado
na tutela de seus direitos em sentido amplo. Isto implicaria dizer que se encontra
albergado pelo manto protetivo do Estado todo e qualquer trabalhador em plena
atividade laborativa, independente da forma de contratação (cooperado, autônomo,
avulso, eventual, empregado).
2
Versão atualizada por José Augusto Rodrigues Pinto e Otávio Augusto Reis.
3
No Brasil, esta denominação é defendida por Cesarino Júnior.
23
4
Expressão utilizada por Orlando Gomes e Élson Gottschalk. (2006, p.1)
24
Curioso observar que o Direito vigente no século XIX era o Direito Civil, segundo o
qual, sob a égide liberal-individualista, os sujeitos da clássica relação trabalhista
(empregado e empregador) eram tratados de igual para igual, vinculados a uma
relação contratual bilateral. Esta relação de paridade só se alterou quando o
empregado passou a tomar consciência de que a sua vontade somente produzia
efeitos no âmbito restrito da relação bilateral (empregado/empregador), enquanto o
empregador era um ser coletivo, cuja vontade repercutia não só no ambiente de
trabalho, como também no âmbito comunitário.
trabalhador. Por fim, encerra-se o capítulo com breve análise do Direito do Trabalho
sob o enfoque do Capitalismo Moderno.
Não seria possível propor uma (re)definição do Direito do Trabalho, sem que se
contextualize o período de crise (ou renovação?) do Direito do Trabalho vivido nos
tempos atuais. Para tanto, crucial conhecer, ainda que brevemente, o histórico
evolutivo deste ramo jurídico, de atuação imprescindível na evolução das relações
sociais, a fim de que se possam cotejar as razões que justifiquem a (re)definição
proposta inicialmente.
Para tanto, será adotada a periodização apresentada por Mauricio Godinho Delgado,
por duas razões distintas: a primeira, por não destoar por completo da clássica
apresentada por Granizo e Rothvoss (1935, p. 24-27 apud DELGADO, 2006, p. 92-
93); a segunda por trazer uma abordagem explicativa da substância do Direito do
Trabalho no contexto evolutivo evidenciado.
Por fim, outro fator relevante neste contexto refere-se ao fortalecimento da política
de desregulamentação do Estado do Bem-Estar Social, impulsionado pela
reestruturação do modelo clássico de gestão empresarial, cujo foco encontra-se na
descentralização administrativa e na repartição de competências interempresariais
(surgimento da terceirização).
Embora Maurício Godinho Delgado risque este último período com a sombra negra
da crise no contexto internacional, tendente a marcar a ruptura definitiva do Direito
do Trabalho em sua íntima relação com as questões sociais (desregulamentação),
termina por revelar uma situação menos caótica no cenário nacional, apontando este
período como sendo de “transição para um Direito do Trabalho renovado” no Brasil,
caracterizado pela flexibilização das normas trabalhistas.
Note-se que, ao contrário do que aconteceu com a maioria dos países da Europa
ocidental, em que a sistematização e consolidação do Direito do Trabalho foram
impulsionadas pelo embate entre a sociedade civil e o Estado, fortalecendo o
movimento coletivo dos trabalhadores, no Brasil, a forte influência corporativa e
autoritária do Estado perdurou por longo período, revelando um Direito do Trabalho
resultante da vontade soberana do Estado e não da luta e amadurecimento da
classe trabalhadora. Daí a formação de um sindicalismo enfraquecido e pouco
representativo, inclusive com pouca repercussão, mesmo na fase de
redemocratização do país (1945).
c) crise e transição do Direito do Trabalho (1988 até os dias atuais) – fase marcada
pela tentativa de superação do modelo justrabalhista autoritário-corporativo, a
começar pelo não-intervenção do Estado na estrutura sindical e pelo incentivo
jurídico à negociação coletiva autônoma, com participação decisiva da sociedade
civil. Por outro lado, influências internacionais, dada a forte tendência à flexibilização
dos direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores.
E, neste sentido, muitas críticas despontam no cenário atual referente aos institutos,
princípios e normas constitucionais, que, sem sombra de dúvida, são uma realidade
na medida em que foram positivados pelo ordenamento jurídico pátrio. Porém, para
serem efetivados, requerem a participação ativa da população e a luta constante
para que se atinja a tão sonhada sociedade livre, justa e igualitária.
5
Segundo esclarece Maurício Godinho Delgado (2006, p. 143), fontes heterônomas seriam as regras
cuja produção não se caracteriza pela imediata participação dos destinatários principais das mesmas
regras jurídicas, sendo, em geral, as regras de direta origem estatal.
32
A mais antiga das fontes heterônomas do Direito do Trabalho no Brasil ainda vigente
e a que mais concentra dispositivos em torno do Direito dos Trabalhadores
(empregados) é a Consolidação das Leis dos Trabalhadores (CLT), promulgada pelo
Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943. Trata-se, como o próprio nome já
indica, da sistematização de leis trabalhistas esparsas vigentes à época da sua
aprovação, que se aplica até hoje a todos os empregados, indistintamente,
independente da natureza da atividade (técnica, manual ou intelectual).
33
Ressalta-se que a CLT, embora tenha sido um marco evolutivo na história do Direito
do Trabalho brasileiro e passe por paulatinas modificações, atualmente tem sido
considerada obsoleta, por não mais acompanhar a evolução legislativa e social dos
tempos modernos, principalmente no que diz respeito às normas sobre direito
coletivo, cujo ranço corporativista da política autoritária da década de 1930 ainda
vigora, dada a pouca valorização voltada à organização sindical, ao contrário do que
ocorreu com a Constituição Federal de 1988, objeto de análise subsequente.
6
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais; capítulo II – Dos Direitos Sociais da Constituição
Federal de 1988.
7
Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2003, p. 486) distingue efetividade de eficácia da seguinte forma: a)
efetividade entende-se a observância verificada, a aplicação e a obediência ocorridas. Segundo ele, a
norma efetiva é a norma observada em larga extensão; b) eficácia é termo relacionado com as
condições de aplicação e obediência.
34
Neste sentido, são providenciais as palavras de Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2003,
p. 486-487):
Outra análise digna de nota diz respeito à participação efetiva dos trabalhadores.
Neste aspecto, a Constituição Federal/88 rompe com o paradigma corporativista do
Estado, proibindo qualquer interferência ou intervenção do Estado na organização
sindical (CF, artigo 8º, I), democratizando o sistema de gestão trabalhista vigorante,
ao criar condições favoráveis à ampla participação dos grupos sociais 8, mediante
formas autônomas de exercício do poder, como também abrindo espaço para a
efetiva atuação dos sindicatos, com o reconhecimento das convenções e acordos
coletivos, nos moldes do artigo 7º, XXVI e alguns outros incisos (VI, XIII, XIV).
8
Maurício Godinho Delgado (2006, p. 124) destaca como elemento renovador também da nova
Constituição “a visão coletiva dos problemas, em anteposição à visão individualista preponderante,
oriunda do velho Direito Civil”.
35
Por fim, dando seguimento à breve análise das principais fontes primárias do Direito
do Trabalho vigentes no Brasil, oportuno se faz evidenciar que o Direito do Trabalho
não se encontra adstrito à regulamentação prevista pela CLT e pela Constituição
Federal. Existe um aparato de leis esparsas que estão sendo promulgadas após o
advento da Constituição Federal de 1988, com destaque para temas já
regulamentados como: o Direito de Greve (Lei 7.783/89); o salário mínimo (Lei nº
7.789/89); o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (Lei nº 7.839/89 alterada pela
Lei nº 8.036/90), o trabalho da mulher (Lei nº 7.855/99). Muitas outras leis
trabalhistas existem no ordenamento jurídico, embora não tenham sido citadas neste
texto, dado o escopo apenas de ilustrar os avanços já obtidos em matéria de
regulamentações atinentes ao Direito do Trabalho no Brasil. Apesar disto, se
reconhece que críticas e aperfeiçoamentos são passíveis em qualquer destas
regulamentações ora expostas.
9
A despeito de a Constituição Federal de 1934 ter inovado ao admitir o pluralismo sindical.
36
Neste mister, Maurício Godinho Delgado reforça tal entendimento ao afirmar que, em
10
pleno século XXI, vive-se a quarta fase do Direito do Trabalho (crise e transição) ,
iniciada no final do século XX, consubstanciada por uma série de fatores a seguir
apontados:
10
Orlando Gomes e Élson Gottschalk evidenciam, na obra “Curso de Direito do Trabalho” (2006, p. 4-
6), cinco fases distintas: 1º período – fins do século XVIII até Manifesto Comunista (1848); 2º período
– a partir de 1848 (Manifesto Comunista); 3º período – a partir de 1891 (Encíclica De Rerum Novarum
e a Conferência de Berlim); 4º período – fim da 1º Guerra e Tratado de Versalhes; 5º período – fim do
século XX (3ª. Revolução Industrial ou Revolução Tecnológica).
37
[...] De um lado, uma crise econômica, iniciada alguns anos antes, entre
1973/74 (a chamada crise do petróleo), [...] acentuando a concorrência
interempresarial e as taxas de desocupação no mercado de trabalho. A par
disso, agravava o déficit fiscal do Estado, colocando em questão seu papel
de provedor de políticas sociais intensas e generalizantes.
De outro lado, um processo de profunda renovação tecnológica,
capitaneado pela microeletrônica, robotização e microinformática. Tais
avanços da tecnologia agravavam a redução dos postos de trabalho em
diversos segmentos econômicos, em especial na indústria, chegando a
causar a ilusão de uma próxima sociedade sem trabalho. Além disso,
criavam ou acentuavam formas de prestação laborativa (como o
teletrabalho e o escritório em casa – home-office), que pareciam estranhas
ao tradicional sistema de contratação e controle empregatícios.
Em meio a esse quadro, ganha prestígio a reestruturação das estratégias e
modelos clássicos de gestão empresarial, em torno dos quais se
construíram as normas justrabalhistas. Advoga-se em favor da
descentralização administrativa e da radical repartição de competências
interempresariais, cindindo-se matrizes tradicionais de atuação do Direito do
Trabalho. (2006, p. 97-98)
11
Dados colhidos nas seis regiões metropolitanas abrangidas pela pesquisa (São Paulo, Recife, Belo
Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro, Porto Alegre).
38
Detalhe: grande parte desta mão-de-obra excluída do setor formal acaba migrando
para a informalidade, predominando, em regra, aqueles de baixa escolaridade, o que
evidencia a precarização do trabalho, uma vez que as empresas têm priorizado a
contratação formal dos trabalhadores qualificados, reforçando, assim, o contingente
de hipossuficientes não albergados pela CLT e desconsiderados pelo Direito do
Trabalho, como autônomos, “parassubordinados”, eventuais.
12
De acordo com os dados estatísticos do IBGE apresentados no texto acima, o contingente
percentual de empregados atinge a ordem de 57,7% (45,1% com carteira assinada, 12,6% sem
carteira assinada).
39
Prudente observar que a Carta Magna não restringe trabalho a emprego. Existe, no
conjunto de normas e princípios constitucionais, uma série de preceitos relativos ao
trabalho tomado em seu sentido amplo, como os valores sociais do trabalho (artigo
1º, IV), o trabalho como um direito social (artigo 6º), e algumas normas cuja
aplicação é taxativamente voltada para a relação de emprego, a exemplo da
proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária (artigo 7º, inciso I),
seguro-desemprego nos casos de desemprego involuntário (artigo 7º, inciso II) e
política de pleno emprego como princípio da ordem econômica e financeira (artigo
170, inciso VIII).
Neste sentido, Sergio Pinto Martins (2007, p. 17) declara como fundamento do
Direito do Trabalho “melhorar as condições de trabalho dos obreiros e também suas
situações sociais, [...] podendo, por meio de seu salário, ter uma vida digna para que
possa desempenhar seu papel na sociedade”. Isto explica o porquê de os valores
sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana serem erigidos, no texto
constitucional, à condição de fundamentos do Estado Democrático de Direito. E não
é à toa que o Direito ao Trabalho e os demais direitos dos trabalhadores, insculpidos
no título ‘Direitos e Garantias Fundamentais’ – capítulo II (Dos Direitos Sociais, artigo
6º e 7º) –, são considerados cláusulas pétreas, não podendo ser modificados sequer
por emendas constitucionais, conforme preceitua o artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV
da Constituição Federal.
Revendo a abordagem feita logo no início deste capítulo, note-se que, no primeiro
momento em que a definição do Direito do Trabalho fora aqui aventada, adotou-se
uma postura crítica, por não haver uma sintonia semântica entre a nomenclatura e a
categoria efetivamente tutelada. Agora, em consideração às fases mais avançadas
de transição (ou crise?) do Direito do Trabalho, nunca uma definição foi tão
41
Assim, resgatando-se a definição inicial adotada por Ives Gandra Martins Filho
(2009, p. 28), aparentemente superficial e frágil, é possível constatar quão atual e
ampliativo se apresenta: “[...] o ramo do Direito que disciplina as relações de
trabalho, tanto individuais como coletivas”.
Por outro lado, é inevitável a constatação de que este ramo tem avançado em outras
relações de trabalho que não envolvem especificamente o trabalhador subordinado,
outrora rotulado, frise-se, como a única categoria de trabalhadores hipossuficientes
(por exemplo, o trabalhador avulso13).
13
O trabalhador avulso é equiparado ao trabalhador subordinado (empregado) no que tange à
igualdade de direitos segundo determinação constitucional (art. 7º, inciso XXXIV).
42
Este quadro expansionista fora observado inclusive por José Augusto Rodrigues
Pinto e Otávio Augusto Reis, em atualização à obra de Orlando Gomes e Élson
Gottschalk (2006, p. 20). Embora enfáticos quando afirmam ser o objeto do Direito
do Trabalho “a regulamentação do trabalho subordinado, esteja o trabalhador na
empresa ou fora dela”, opinião a qual respeitosamente se refuta, não se furtam,
entretanto, de admitir o alargamento do Direito do Trabalho, acentuando:
14
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da
administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
[...]
VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
[...]
IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
15
Há que se registrar que, em Constituições anteriores à de 1988, admitia-se como competência da
Justiça Laboral a inclusão de outras relações de trabalho, desde que reguladas por lei especial, a
exemplo da Constituição de 1946 (art.123) e de 1967 (art. 134).
16
Para a primeira corrente, tudo que envolva trabalho, independe da natureza das pessoas
envolvidas (natural ou jurídica) ou da forma da prestação do serviço, está, agora, sob a competência
da Justiça do Trabalho.
43
Resta, por fim, refutar a remanescente controvérsia acerca dos litígios que envolvem
relação de consumo como sendo de competência da Justiça do Trabalho; ficam
aqueles reservados à Justiça especializada consumerista e, na sua inexistência, à
Justiça Comum, por serem distintas as relações. Para tanto, necessário se faz
caracterizar os sujeitos de cada relação, o que se fará com base nos
esclarecimentos revelados por Otávio Calvet:
A segunda corrente vai na mesma linha, apenas excluindo a tutela para os prestadores de serviços
pessoas jurídicas. Admite, portanto, o processamento na Justiça de Trabalho de conflitos que
envolvem relação de consumo, mesmo sem o critério da hipossuficiência do prestador ou da
continuidade na relação.
A terceira, mais restritiva, além de exigir a pessoalidade na prestação de serviço, ainda estabelece,
como pressuposto da competência da Justiça do Trabalho, que o prestador de serviço esteja sob
dependência econômica do tomador dos seus serviços ou que haja, pelo menos, uma continuidade
nesta prestação.
A quarta corrente recusa à expressão "relação de trabalho", trazida no inciso I, qualquer caráter
inovador com relação ao que já constava do mesmo artigo 114 antes da edição da EC 45, ou seja,
que continuariam na competência da Justiça do Trabalho apenas os conflitos decorrentes da relação
de emprego.
17
CDC, Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.
44
destinatário final”, cujo pleito judicial versará sobre direitos e obrigações oriundos da
relação de consumo, sendo considerado hipossuficiente na relação em que se
encontra envolvido; o tomador de serviço, por sua vez, detentor do poder diretivo e
econômico, encontra-se envolto em matéria atinente a direitos e obrigações
trabalhistas, jamais sendo tratado como hipossuficiente em qualquer das relações,
aspecto digno de reflexão.
18
ADIN nº 3.395-6 de 27 de janeiro de 2005.
19
CC, art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial,
reger-se-á pelas disposições deste Capítulo (Código Civil, Capítulo VII – Da Prestação de Serviço).
45
20
CF, art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social:
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei
complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II – seguro-desemprego, em caso de desemprego voluntário
[...]
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais,
facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção
coletiva.
XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo
negociação coletiva;
[...]
XXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o
trabalhador avulso.
[...]
XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte
dias;
[...]
XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
[...]
XVIII - seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que
este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
XXXIV – Igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o
trabalhador avulso;
46
Registre-se que não se está aqui propondo o resgate da intervenção estatal vivida
nas décadas de 30, tampouco o completo afastamento do Estado no que se refere
às relações laborais. “Nem tanto ao mar, nem tanto a terra”. O que se defende é
uma política de atuação estatal nos limites da garantia dos direitos fundamentais, de
modo que o patamar mínimo dos trabalhadores esteja assegurado.
Não se pode perder o foco da análise, qual seja, a característica finalística do Direito
do Trabalho. Sabe-se que este ramo jurídico, conforme já declarado anteriormente e
expressamente previsto no artigo 7º da Constituição Federal (in fine), visa
precipuamente à melhoria das condições sociais do trabalhador em sua relação
laboral, mediante obediência aos princípios e direitos previstos (ou negociados),
permitindo inclusive a criação de novos direitos que alcancem tais melhorias. Resta,
portanto, inquestionável o grau de interferência nas relações sociais e pessoais do
trabalhador.
Por muito tempo utilizou-se a expressão “relação de trabalho” como sendo sinônima
de “relação de emprego”, tornando-se um jargão no contexto jurídico trabalhista.
21
Respeitáveis doutrinadores adotaram abertamente tal “analogia” , como o fez
Maurício Godinho Delgado, em seu ‘Curso de Direito do Trabalho’, ao enfatizar, em
capítulo específico sobre a caracterização da relação de emprego:
[...] deve o leitor atentar para o fato de que, muitas vezes, está-se utilizando
a expressão relação de trabalho (ou contrato de trabalho) com o objetivo
estrito de se referir às figuras técnico-jurídicas da relação empregatícia ou
contrato empregatício. (2006, p. 287)
21
Termo usado pelos gregos antigos para expressar similaridade em relações proporcionais. Nas
disciplinas sociais e políticas, as analogias servem para esclarecer termos não conhecidos, em
função do que é mais familiar. (Enciclopédia Barsa, 1994, p. 26c).
48
Neste sentido, clarividente a definição apresentada por Arion Sayão Romita no que
concerne à relação de trabalho em sentido lato:
Por estes motivos é bom que se frise: toda relação de emprego implica numa
relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho pode ser enquadrada como
sendo uma relação de emprego. Pois, se assim fosse, algumas relações de trabalho
tidas como fronteiriças da relação de emprego poderiam se equiparar em proteção
ao trabalhador, o que não ocorre, como são as hipóteses dos representantes
comercias, dos cooperados, dos trabalhadores em domicílio, dos trabalhadores
intelectuais, igualmente hipossuficientes.
Há que se ressaltar, porém, que esta situação distintiva vem sendo criticada em
tempos de reestruturação do sistema produtivo. Isto se deve ao fato de que, com o
surgimento de modalidades de contratação, estas tem se mostrado carentes de
proteção jurídica, forçando, assim, a ruptura de paradigmas em defesa da garantia
constitucional de melhoria das condições sociais dos trabalhadores em sua realidade
laboral.
Uma vez feita a distinção entre relação de trabalho e relação de emprego, a fim de
situar, no contexto atual, a tutela jurídica reservada a cada um destes ramos
juslaborais distintos, intenta-se centrar um pouco mais na relação de emprego,
destacando sua natureza jurídica e seus elementos caracterizadores, por se tratar
da relação laboral predominante no cenário jurídico pátrio, a fim de que se possa
evidenciar, ao final, a atual crise por que tem passado esta relação em específico.
22
Para José Augusto Rodrigues Pinto (2003, p. 161), a definição doutrinária de contrato individual de
emprego é o ajuste tácito ou expresso que faculta ao empregador utilizar a energia pessoal e
permanente do empregado, mediante subordinação e retribuição, para a realização dos fins de sua
empresa. Critica, por sua vez, a definição apontada pela CLT, art. 442, considerando-a imprestável,
sob o argumento de ser ela redundante, pois todo contrato expressa uma relação jurídica, reforçando
o argumento ao considerar que há respeitável corrente no Direito do Trabalho de opinião
anticontratualista.
52
trabalho como relação de emprego, no que não está só. Em outras leis
também podem ser encontradas ambas as expressões (2001, p. 145)
23
Os defensores da teoria contratualista , pioneira na consideração da natureza
jurídica da relação entre empregado e empregador, centram-se no acordo de
23
Encontram-se inseridos nesta corrente contratualista: Amauri Mascaro Nascimento (2001, p. 149),
Maurício Godinho Delgado (2006, p. 314), José Augusto Rodrigues Pinto (2003, p. 167-168).
53
vontade dos pactuantes para considerar o vínculo empregatício como sendo oriundo
de um contrato (negócio jurídico), herança do Direito Civil, do qual o Direito do
Trabalho se origina, muito embora a corrente contratualista moderna reconheça ser
este um contrato de características próprias, com forte interferência estatal, o que
acaba por limitar a autonomia da vontade das partes.
José Augusto Rodrigues Pinto (2003, p. 167) também o rotula como contrato de
adesão, mas faz uma ressalva digna de nota. Para ele, a adesão neste caso se
caracteriza não pela predominância “da vontade de um contratante às regras pré-
firmadas pelo outro, mas da vontade de ambos às regras legais”.
A segunda teoria considera a empresa uma instituição regida por uma situação
estatutária, na qual são previstas as condições de trabalho, sem qualquer discussão
contratual entre empregado e empregador, muito embora se atribua ao empregador
o poder disciplinar. Esta teoria também não encontra abrigo no Direito trabalhista
pátrio conforme evidencia o já supracitado artigo 444 da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT).
24
Segundo Orlando Gomes e Élson Gottschalk (2006, p. 146), “o processo de admissão do
empregado difere, atualmente, do modo ordinário por que se contrai um vínculo contratual, revestindo
frequentemente a forma de adesão”.
25
CLT, art. 4º. Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à
disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial
expressamente consignada.
55
Por outro lado, ainda sob análise da teoria contratualista, tem-se que a autonomia
das partes, elemento formador da relação empregatícia, não pode mais ser
sustentada, pois, diferentemente da liberdade plena e da vontade caracterizadora
dos contratos típicos do Direito Civil (relação de igualdade entre os pactuantes,
embora com necessidades distintas), no contrato de emprego as partes encontram-
se vulneráveis, convencionando, por mera necessidade de inserção social,
56
Ilustra bem este quadro de vulnerabilidade social a declaração feita por Marcio
Pochmann (1999, p. 9):
26
Com a melhoria da qualidade de vida pós-revolução científica e tecnológica, os trabalhadores
almejam investir melhor seu tempo no aprimoramento pessoal e no lazer, embora sejam obrigados a
trabalhar por força da inevitável dependência econômica, marcante na era do consumo exacerbado.
Os empregadores, por sua vez, sob alegação de elevados custos na contratação de empregados,
têm reduzido cada vez mais o quadro de trabalhadores subordinados, investindo em tecnologia ou na
terceirizando de serviços.
57
Obviamente tal resposta será negativa, pois não é possível considerar qualquer dos
elementos caracterizadores do vínculo empregatício isoladamente, em sua unicidade
(sujeitos envolvidos ou tipo de prestação laboral). Sobre este aspecto, afirma
Maurício Godinho Delgado:
58
Logo, pode-se concluir que tais bens não se estendem à pessoa jurídica, uma vez
que esta, a priori, não se encontra sob proteção legal trabalhista, admitindo-se que o
empregador possa ser tanto pessoa física quanto jurídica.
27
CLT, art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não
eventual a empregador [...]. (grifo nosso)
59
Em outros termos, a relação empregatícia pactuada deve ser intuitu personae com
relação ao prestador de serviço (empregado), cuja obrigação não se estende ou
transmite a herdeiros ou sucessores, por força de extinção do contrato28. É o que
afirma Orlando Gomes:
Por óbvio, a substituição temporária do trabalhador, na função por ele exercida, não
tem o mesmo condão do que fora anteriormente analisado; em casos específicos,
sendo admissível por o trabalhador originalmente contratado encontrar-se com suas
atividades suspensas ou interrompidas, em gozo de direitos trabalhistas que lhe são
assegurados (férias, licença para tratamento de saúde, faltas legais permitidas).
28
Em caso de morte de um dos contratantes na relação laboral, Orlando Gomes (2001, p.189) chama
a atenção para a impropriedade técnica de utilizar a nomenclatura resolução ou resilição do contrato,
e explica o porquê: “Entre as causas de extinção de contratos, a morte de um dos contratantes ocupa
lugar à parte. Sua inclusão nos outros modos de dissolução não tem realmente cabimento. Não é
possível afirmar-se que resolve o contrato. Sem dúvida, impossibilita sua execução, ou faz cessá-la
definitivamente, mas, a rigor, não pode ser considerada inexecução involuntária, porque seus efeitos
não se igualam aos do caso fortuito. Não se justifica, também, enquadrá-la entre as causas de
resilição, como procede a doutrina francesa, pois a resilição se caracteriza por ser conseqüência de
manifestação da vontade de um ou dos dois contratantes.
29
Provérbio jurídico romano que significa: “a morte tudo resolve”.
60
De outro modo, em havendo substituição por outro trabalhador, nasce, para este
último, uma nova relação jurídica, tornando-se legalmente titular de direitos, quando
se enquadrar em qualquer das seguintes hipóteses: cargo em comissão (artigo 450
da CLT)30, contratação por tempo determinado com prorrogações (artigo 451 da
CLT)31, contratação temporária (Lei nº 6.019 de 21 de janeiro de 1974) 32 ou Súmula
do Tribunal Superior do Trabalho, n. 159, I33.
30
CLT, art. 450. Ao empregado chamado a ocupar, em comissão, interinamente, ou em substituição
eventual ou temporária, cargo diverso do que exercer na empresa, serão garantidas a contagem do
tempo naquele serviço, bem como volta ao cargo anterior.
31
CLT, art. 451. O contrato de trabalho por prazo determinado que, tácita ou expressamente, for
prorrogado mais de uma vez passará a vigorar sem determinação do prazo.
32
Lei 6.019, art. 12 - Ficam assegurados ao trabalhador temporário os seguintes direitos:
a) remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa
tomadora ou cliente calculados à base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do
salário mínimo regional;
b) jornada de oito horas, remuneradas as horas extraordinárias não excedentes de duas, com
acréscimo de 20% (vinte por cento);
c) férias proporcionais, nos termos do artigo 25 da Lei nº 5107, de 13 de setembro de 1966;
d) repouso semanal remunerado;
e) adicional por trabalho noturno;
f) indenização por dispensa sem justa causa ou término normal do contrato, correspondente a 1/12
(um doze avos) do pagamento recebido;
g) seguro contra acidente do trabalho;
h) proteção previdenciária nos termos do disposto na Lei Orgânica da Previdência Social, com as
alterações introduzidas pela Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973.
33
TST, Súmula n. 159, I – Enquanto perdurar a substituição que não tenha caráter meramente
eventual, inclusive nas férias, o empregado substituto fará jus ao salário contratual do substituto.
34
CLT, art. 448. A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os
contratos de trabalho dos respectivos empregados.
61
35
CLT, art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviço de natureza não
eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. (grifo nosso)
Lei nº 5.859/72, art. 1º. Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de
natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas,
aplica-se o disposto nesta Lei. (grifo nosso)
62
36
Neste aspecto, Maurício Godinho Delgado (2006, p. 294) aponta quatro teorias distintas
informadoras da noção de eventualidade: teoria da descontinuidade, teoria do evento, teoria dos fins
do empreendimento e teoria da fixação jurídica.
37
Maurício Godinho Delgado (2006, p. 296) define tal teoria como sendo aquela em que considera
eventual o trabalhador chamado a realizar tarefa não inserida nos fins normais da empresa, o que a
caracteriza, em última instância, como sendo esporádica e de estreita duração.
38
Como exemplo, são colacionadas jurisprudências colhidas no TRT da 15ª e 10ª região,
relacionadas ao reconhecimento do vínculo empregatício de diarista e seus critérios de julgamento:
EMENTA: FAXINEIRA – DIARISTA – VÍNCULO EMPREGATÍCIO COMO EMPREGADA
DOMÉSTICA – NÃO-CARACTERIZACÃO – Faxineira que trabalha, como diarista, em residência
particular, duas vezes por semana, com liberdade para prestar serviços em outras residências, e, até,
para escolher dia e horário de trabalho, não se constitui como empregada doméstica, para efeito de
aplicação da Lei nº 5.859/72, qualificando-se, antes, como verdadeira prestadora autônoma de
serviço. Ausência dos requisitos da não-eventualidade e da subordinação, qual seja este último o
principal elemento da relação de emprego. (TRT 15ª R. – RO 14.617/2000 – Rel. Juiz Luiz Antônio
Lazarim – DOESP 28.01.2002)
EMENTA: DIARISTA – VÍNCULO EMPREGATÍCIO – A Lei nº 5.859/72, que regula o trabalho
doméstico, estabelece como um dos pressupostos para a configuração da relação de emprego a
continuidade na prestação de serviços, não se podendo considerar doméstica a diarista que presta
serviços em residência, como passadeira e faxineira, e lá comparece dois dias na semana, por assim
atender interesse e disponibilidade próprios. Recurso conhecido e provido. (TRT 10ª R. – ROPS
4136/2001 – 3ª T. – Relª Des. Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro – DJU 29.09.2006)
63
Outro aspecto digno de nota no que tange à onerosidade diz respeito ao fato de que,
visando ao aumento da eficiência e controle de qualidade dos seus produtos,
voltados para as exigências do mercado competitivo contemporâneo, as empresas
têm buscado a reformulação de suas estruturas produtivas, impondo mudanças
também no perfil dos trabalhadores, deles se exigindo maior grau de escolaridade,
aptidão para trabalhar em equipe, diversificação de conhecimento, ao contrário da
tradicional especialização exigida ao trabalhador.
39
CF, art. 7º, IV – Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o
poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.
64
encontra presente nas outras relações de trabalho, o que o torna distintivo por
excelência.
Tomando como base a definição apresentada por Maurício Godinho Delgado (2006,
p. 302), a subordinação seria a “situação jurídica derivada do contrato de trabalho40,
pela qual o empregado comprometer-se-ia a acolher o poder de direção empresarial
no modo de realização de sua prestação de serviços”. Ainda sobre definição da
subordinação, Amauri Mascaro Nascimento (2001, p. 164) esclarece ser “uma
situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da
autonomia de sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de
direção sobre as atividades que desempenhará”.
40
Sugere-se cautela ao vincular a subordinação ao contrato de trabalho, pois ao mesmo tempo em
que possa existir um contrato vinculante desta relação (tácito ou expresso), poderá existir um contrato
totalmente distinto com o fito de burlar a lei, camuflando uma verdadeira relação empregatícia.
41
Mario de La Cueva, em seu manual ‘El Novo Derecho Mexicano Del Trabajo’ (1980, p.203)
demonstra a preocupação do legislador mexicano em definir o termo “subordinação”, relatando que
na Lei de 1931, art. 17, o contrato de trabalho era definido como sendo “aquel por virtud del cual uma
persona se obliga a prestar a outra, bajo su dirección y dependencia, um servicio personal mediante
uma retribución convenida”. Já a Lei de 1970 expressa que “el trabajo protegido por la Ley es el
subordinado”, cuja exposição de motivos esclarece ser a subordinação “la relación jurídica que se
crea entre El trabajador y El patrono, em virtud de la cual está obligado el primero, en la prestación de
sus servicios, a cumplir sus obligaciones y las instrucciones dadas por el segundo para el mejor
desarrollo de las actividades de la empresa”.
65
não foram esclarecidos, com destaque para a indefinição da natureza jurídica de tal
elemento.
A confusão semântica referenciada em outros capítulos mais uma vez vem à tona.
Segundo o artigo 3º da CLT, empregado é “toda pessoa física que prestar serviços
de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante
salário” (grifo nosso). Ora, o texto legal fala de “dependência”, a doutrina adota o
termo “subordinação jurídica”, com inferência na interpretação paralela do que vem a
ser empregador, também definido em lei (art. 2º, CLT): “empresa, individual ou
coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige
a prestação pessoal de serviço” (grifo nosso).
Não se pode negar, a esta altura, que exista uma ordem de hierarquia entre
empregado e empregador, restando, ao primeiro, submissão de seu trabalho ao
comando do segundo. Vale, neste sentido, refletir acerca dos fatores que equilibram
esta relação tão díspar, cujos interesses se apresentam de forma completamente
distinta.
A dependência econômica revela-se outro elemento que deve ser considerar quando
se trata da caracterização da relação de emprego. Isto porque, ao contrário do que
se argumenta, em regra, o empregado depende exclusiva ou principalmente desta
fonte de renda para atender sua necessidade de consumo, ainda que o salário
supere os limites de sobrevivência do trabalhador e de sua família. Em outras
palavras, o trabalhador vende sua força de trabalho em prol de uma remuneração
42
Mauricio Godinho Delgado (2006, p. 631) em sucinta explanação define: a) poder diretivo (ou poder
organizativo) – conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas no empregador dirigidas à
organização da estrutura e espaço empresariais internos, inclusive o processo de trabalho adotado
no estabelecimento e na empresa, com a especificação e orientação cotidianas no que tange à
prestação de serviços; b) Poder regulamentar – conjunto de prerrogativas tendencialmente
concentradas no empregador dirigidas à fixação de regras gerais a serem observadas no âmbito do
estabelecimento e da empresa (p. 632); c) Poder fiscalizatório – (ou poder de controle) – conjunto de
prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria
vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno (p.634); d) Poder disciplinar – conjunto de
prerrogativas concentradas no empregador dirigidas a propiciar a imposição de sanções aos
empregados em face do descumprimento por esses de suas obrigações contratuais (p.636).
67
Outro tipo de dependência que precisa ser resgatada com o fito de reforçar o grau
de subordinação do empregado e sua condição de hipossuficiência diz respeito a
sua dependência social, uma vez que o trabalho, ao longo da história, tem-se
revelado importante instrumento de inserção ou exclusão social, como já revelado
em capítulo anterior.
Isto porque, data venia, tomando cuidado para não parecer arrogância dos sentidos,
se se considerar o empregado como sendo somente aquele que se ajusta ao molde
previsto no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, é possível, então, definir
subordinação jurídica como sendo o dever de observância dos pressupostos
jurídicos característicos da relação de emprego, quais sejam: prestação de serviço
personalizado, por pessoa física, de natureza não eventual, sob dependência do
empregador, mediante salário.
43
Segundo Américo Plá Rodriguez (1996, p. 217), este princípio significa que em caso de
discordância entre o que ocorre na prática e o que surge de documentos e acordos se deve dar
preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos. Seguindo esta linha de raciocínio,
Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1999, p. 210) esclarece que tal princípio, longe de possuir a função
de captar o sentido de normas jurídicas, serve para determinar como estas devem ser aplicadas
quando existe divórcio entre os elementos formais e os reais do contrato de trabalho, apontando no
rumo destes últimos.
69
Para que se possa entender de fato a crise do emprego e, por que não dizer, por
extensão, a transitoriedade das relações de trabalho, mister partir do ponto central,
qual seja, a análise da situação atual dos trabalhadores subordinados. Neste
contexto, importante destacar que a chamada relação de emprego formal tem como
base um contrato de trabalho, cujos direitos nele definidos são resultantes da luta
histórica dos trabalhadores, o que se pretende a todo custo preservar.
Ocorre que esta relação de trabalho, que prevaleceu por séculos como a principal
forma de vinculação laboral, hoje se torna uma raridade, um privilégio de poucos,
dadas as deformações que vem sofrendo ao longo do processo intenso de
globalização da economia, colocando-se em evidência os fenômenos da
precarização, terceirização e flexibilização das normas trabalhistas.
70
Especialistas da área como Paul Singer (1999, p. 32) 44 têm anunciado a “destruição
da relação padrão de emprego” por força da precarização do trabalho subordinado e
justificam o caos apontando como um dos fatores de peso para este processo
destrutivo a terceirização crescente no país e no mundo inteiro.
44
Assim declara o economista ao tratar sobre “A crise das relações de trabalho”, em uma conferência
proferida durante o Seminário “Trabalho e Existência”, ocorrida em 13 de novembro de 1997, na PUC
Minas.
71
Com o trabalhador a situação não tem sido menos caótica. A relativa segurança e
estabilidade, outrora experimentada pelos empregados tipicamente vinculados a um
contrato por tempo indeterminado, transformam-se, atualmente, em instabilidade
constante. Os trabalhadores, na concepção capitalista, ainda são concebidos como
meras peças de uso e descarte, haja vista a considerável reserva de mão-de-obra à
disposição no mercado, o que reforça o poder de barganha dos empregadores, que
se restringem ao pagamento de uma remuneração mínima. Daí a necessidade de se
45
Entende-se por trabalho informal aquele desempenhado por pessoas que trabalham sem carteira
assinada, com rendas abaixo do padrão, em condições de trabalho precárias, de forma irregular ou
com prazo limitado.
72
Vale salientar que tais empresas têm prazo de funcionamento nestes locais
estrategicamente escolhidos para implementação de suas atividades. Uma vez
vencido o prazo de vigência do incentivo fiscal, as empresa levantam acampamento
para outros locais, em busca de exploração de mão-de-obra barata, com baixíssimos
investimentos, deixando para trás um rastro de desemprego e miséria. Esta é a
marca característica da precarização do trabalho assalariado.
46
Expressão adotada por Paul Singer, em texto intitulado “A crise das relações de trabalho” (1999, p.
35)
47
Como exemplo, destaca-se a Benetton, empresa voltada para o ramo da confecção, que
subcontrata diversas fábricas menores, que se tornam lojas franqueadas em quase todos os países,
já tendo atingido o montante de 40 mil empresas, segundo informa Paul Singer (1999, p. 35).
48
Marcio Pochmann (1999, p. 23) chama a atenção para o fato de que houve um tempo em que os
empregos foram regulares, de jornada plena e salários adequados e hoje vive-se um período em que
o que mais se expande são empregos parciais, com jornada reduzida, salários comprimidos e grande
parte das pessoas não tem acesso aos mecanismos de previdência social e de seguridade social em
geral.
73
Outro ponto importante que se deve chamar a atenção, quando se trata de refletir a
crise do emprego, está associado ao processo de flexibilização das normas
trabalhistas, cujas consequências são sentidas diretamente pelo trabalhador. Neste
sentido, providenciais as palavras de Amauri Mascaro Nascimento (2001, p. 63-64),
que assim esclarece:
Assim, espera-se dos sindicatos uma participação ativa e bem sucessiva no destino
dos trabalhadores, mas é importante que se volte não só para a defesa dos
empregados formalmente contratados, mas também para os desempregados e
trabalhadores informais, superando velhos paradigmas que já se tornam obsoletos
na contemporaneidade – como o binômio patrão/empregado.
O que se espera, de fato, é que o trabalhador seja tratado com dignidade em sua
atuação laboral, independente do mecanismo protetivo utilizado, quer seja por força
da intervenção estatal normativa, quer seja pelo reforço dado pelos sindicatos em
negociação coletiva, principalmente quando se trata de trabalhador em situação de
vulnerabilidade social e econômica (empregado informal, trabalhador informal,
autônomo em situação de hipossuficiência).
75
Luis Roberto Barroso (2003, p. 326), ao tratar do tema em outra obra, esclarece que
“o pós-positivismo não surge com o ímpeto da desconstrução, mas como uma
superação do conhecimento convencional”. Segundo este autor, tal teoria “guarda
49
Informações colhidas em texto de Luís Roberto Barroso, intitulado “Neoconstitucionalismo e
constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil”. (2005, p. 2-3)
76
Outro constitucionalista que trata do assunto é Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 33),
que traz nota esclarecedora quanto ao seu objetivo central:
Desta forma, conclui-se que a Lei Maior passa a servir de parâmetro não só para
validar a ordem infraconstitucional, como também para nortear a interpretação das
normas no sistema jurídico, inserindo em seu texto valores ligados à efetividade dos
direitos fundamentais50.
50
José Afonso da Silva (2000, p. 469) declara que “a garantia das garantias consiste na eficácia e
aplicabilidade imediata das normas constitucionais”. Para ele, “os direitos, liberdades e prerrogativa
[...] caracterizados como direitos fundamentais, só cumprem sua finalidade se as normas que os
expressem tiverem efetividade”.
77
No Brasil, esta influência tem seu marco na Constituição Federal de 1988, quando
se instaura o Estado Democrático de Direito, ancorado pela nova concepção
principiológica. Nesse aspecto, a dignidade da pessoa humana passa a ser
deslocada para o centro da normatividade constitucional, como um dos principais
fundamentos do Estado de Direito51, sendo amparada por vários outros princípios
que se voltam para a proteção dos direitos fundamentais (igualdade, liberdade,
solidariedade).
51
Paralelo à dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal de 1988 apresenta outros
fundamentos do Estado democrático de Direito, como a soberania, a cidadania, os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político (Constituição Federal, art. 1º, incisos I, II, IV e V,
respectivamente).
52
Para Ricardo Maurício Freire Soares (2009, p.188-189), o pós-positivismo refere-se a um momento
de reflexão do conhecimento jurídico, voltado a formular novas propostas de fundamentação e
legitimação do Direito, a fim de permitir a compreensão de suas múltiplas dimensões (normativa,
fática e valorativa) e a realização ordenada da justiça no âmbito das relações concretas.
53
A título de esclarecimento, Dirley da Cunha Júnior (2008, p.142) define vigência como sendo “a
qualidade de uma norma regularmente promulgada e publicada”. A validade da norma, por seu turno,
significa a “conformidade dela com o texto constitucional”.
54
Paulo Ricardo Schier (2005, p. 10) evidencia o atual papel dos princípios na fase contemporânea
do direito, afirmando que estes “passam a caracterizar o próprio ‘coração das Constituições’,
78
Seguindo esta linha de raciocínio, não faz mais sentido considerar a norma
constitucional como um valor meramente programático (direcionado ao legislador),
passível da vontade do legislador ordinário para sua completude55. Pelo contrário, a
teoria constitucional pós-positivista caminha para exigir eficácia direta e imediata no
que tange aos direitos fundamentais, com vistas a garantir condições de existência
mínima aos cidadãos56. É o que dispõe o art. 5º, §1º da Constituição Federal.
iluminando a leitura de todas as questões da dogmática jurídica, que devem passar pelo necessário
processo de filtragem constitucional axiológica”.
55
José Afonso da Silva (2000, p. 469) afirma que a existência de normas definidoras de direitos
fundamentais, por si só, “estabelece uma ordem aos aplicadores da Constituição no sentido de que o
princípio é o da eficácia plena e aplicabilidade imediata [...], de tal sorte que só em situação de
absoluta impossibilidade se há de decidir pela necessidade de normatividade ulterior de aplicação”.
56
Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 169) é enfático ao afirmar que “se a Constituição é, toda ela,
norma jurídica, todos os direitos nela contemplados têm aplicabilidade direta, vinculando tanto o
Judiciário, quanto o Executivo e o Legislativo”.
79
Neste diapasão, a Constituição revela sua supremacia não apenas por representar
um sistema próprio, dotado de ordem, unidade e harmonia, mas se estende em sua
importância ao servir como parâmetro interpretativo a todos os demais ramos do
Direito. Ocorre o que na doutrina é chamada de “filtragem constitucional”, segundo
Paulo Ricardo Schier (2005, p. 2), fenômeno que “pressupõe a preeminência
normativa da Constituição, projetando-a para uma específica concepção da
Constituição enquanto sistema aberto de regras e princípios”.
Isto, nas palavras de Paulo Ricardo Schier (2005, p. 2), “permite pensar o Direito
Constitucional em sua perspectiva jurídico-normativa em diálogo com as realidades
sociais, política e econômica”, cujo objetivo é a concretização dos valores
constitucionais e sua eficácia, mediante garantia de condições mínimas de
dignidade.
80
Assim, propõe, em sua teoria, a substituição desta “sociedade fechada” por uma
“sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”, segundo a qual o juiz deverá
interpretá-la em parceria com as demais forças da comunidade política (órgãos
estatais, instituições públicas, cidadãos e grupos ativos)58. Tal assertiva toma fôlego
no fragmento a seguir:
Esta nova teoria de interpretação, influenciada pela teoria democrática, tem sido
recepcionada no Brasil, pois encontra consonância com o atual Estado Democrático
de Direito, implantado com a Constituição Federal de 1988. Vale salientar, porém,
57
Peter Häberle (2002, p. 24) chama a atenção para o fato de que sua teoria não refuta a importância
da atividade desenvolvida pelos entes estatais, mas insere a concepção de que a interpretação
constitucional é uma “atividade” que diz respeito a todos.
58
Peter Häberle (2002, p. 33) justifica a legitimação das forças pluralistas da sociedade para
participar da interpretação constitucional no fato de que essas forças apresentam um “pedaço da
publicidade e da realidade da Constituição”. Neste sentido, para ele estas forças não podem ser
tomadas como fatos brutos, mas como elementos que se colocam dentro do quadro da Constituição.
81
As inovações não param por aí. Ainda em se tratando da nova postura do intérprete
pós-moderno, em casos de termos vagos ou lacuna da lei, lhe é permitido certo grau
de discricionariedade, cuja resposta constitucional adequada se produz mediante
análise das circunstâncias que envolvem o caso concreto. Em situações de conflitos
de ordem principiológica constitucional, tem-se adotado a técnica da ponderação,
mediante concessões recíprocas, a fim de se preservar os interesses ao máximo.
Arrisca-se afirmar, no contexto, que talvez seja este o ramo jurídico que revele maior
influência do neoconstitucionalismo, na medida em que, sob a égide da dignidade da
59
A lei, pensando contemporaneamente, não pode se estagnar apenas como manifestação
conjuntural do sistema jurídico, como mero registro das conquistas sociais e suas peculiaridades.
Deve-se romper o dogma da legalidade formal e buscar a concretude e eficácia da norma, apostando
na ponderação como caminho para sanar conflitos de interesses contrapostos. Esta parece ser a
fórmula da equidade.
60
Constituição Federal, art. 60, §4º, inciso IV consoante com art. 7º.
83
Reforça-se aqui a tese defendida por Peter Häberle (2002, p. 37) para entender qual
o limite de participação do povo como “força produtiva de interpretação”
constitucional pós-positivista:
61
Neste sentido, a Constituição Federal, em seu artigo 2º, declara que “Todo o poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
62
Dispõe a CLT, art. 8º: “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de
disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por
equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda,
de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum
interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.
63
Conforme salienta Américo Plá Rodrigues (1996, p. 28), “o princípio de proteção se refere ao
critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho pois este, ao invés de inspirar-se num propósito
84
Como se pode perceber, o Direito do Trabalho não tem se furtado a esta influência
pós-positivista, por ter como objeto central a tutela de um dos direitos de maior
relevância no rol dos direitos fundamentais sociais – o trabalho (art. 6º, caput, da
Constituição Federal) e seus valores sociais (art. 1º, inciso IV da Constituição
Federal) – tema de grande repercussão na vida do cidadão.
Vale revelar, neste diapasão, outro aspecto que marca a forte influência
constitucionalista no Direito do Trabalho contemporâneo, a publicização do Direito
Laboral, marcada pelas constantes intervenções estatais nas relações entre
trabalhador e tomador de serviço/empregador (dirigismo contratual, por exemplo),
sob o argumento da proteção do trabalhador em sua dignidade, considerado, como
já dito, hipossuficiente 64.
64
Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1999, p. 29) ao tratar do princípio de proteção no Direito do
Trabalho, define-o como sendo “aquele em virtude do qual o Direito do Trabalho, reconhecendo a
desigualdade de fato entre os sujeitos da relação jurídica de trabalho, promove a atenuação da
inferioridade econômica, hierárquica e intelectual dos trabalhadores”.
86
Vale salientar que, embora se perceba toda uma aura positiva em relação ao efetivo
exercício dos direitos fundamentais na órbita das relações laborais, por influência da
nova teoria pós-moderna, tendente à validade constitucional do Direito, reconhece-
se que mudanças estruturais ocorrem lentamente e são encontradas resistências
acirradas ao longo de sua evolução.
Há de se salientar que tal decisão, além de não tutelar o direito de greve, violou o
princípio constitucional da isonomia, uma vez que trabalhadores integrantes da
iniciativa privada (não servidores públicos) gozam do direito de greve sem restrições,
direito este considerado como de aplicabilidade imediata, consoante Constituição
65
Federal (art. 9º) . O servidor público, embora exerça serviço ou atividade de
natureza essencial, o que exige tratamento diferenciado, dada a necessidade de
atendimento de interesse público (Constituição Federal, art. 9º, §1º), vem sofrendo
restrição em seu direito, por força da exigência de lei complementar, ainda
inexistente até os dias atuais (Constituição Federal, art. 37, VII)66.
65
CF, art. 9º. “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a
oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devem por meio dele defender”.
66
CF, art. 37, inciso VII - “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei
específica”.
88
Propõe-se destacar neste tópico uma breve demonstração das relações de trabalho
surgidas no contexto contemporâneo e como elas têm sido acolhidas no
ordenamento jurídico pátrio, considerando a possibilidade do seu enquadramento
numa relação de trabalho subordinado, autônomo, ou mesmo em uma zona
fronteiriça.
90
5.1.1 Teletrabalho
67
Um estudo detalhado foi realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2001, e
está disponível em inglês na página internacional com o nome Promoting Decent Work: the high road
to teleworking. Informação colhida do site da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades
(SOBRATT) (2009).
91
Em tese, esta forma de contratação é atrativa por trazer benefícios recíprocos para
ambos os envolvidos na relação laboral: para o empregador ou tomador de serviço é
possível reduzir custos com pessoal; já para o trabalhador, há uma tendência de
aumento da produção, o que gera maior rentabilidade financeira, bem como a
redução da carga de estresse, atenuada pela ausência pessoal do empregador na
fiscalização da atividade laboral diária, tendo como resultado melhores condições de
trabalho, com equilíbrio significativo entre o trabalho e a vida social e familiar do
trabalhador.
68
Alexandre Agra Belmonte (2007, p. 17) aponta, no contexto, algumas espécies de teletrabalho: a)
Fixo ou telecommuting, a domicílio ou em centros, realizado fora da sede em um ou mais dias da
semana. Caracteriza-se pelo envio de dados de ponto fixo – home-office ou posto de serviço, com
utilização da Internet e equipamentos de apoio (computador com acesso à Internet, scanner, câmera);
b) Móvel ou teleworking, assim entendido o trabalho permanentemente realizado fora da empresa.
Caracteriza-se pelo envio de dados de pontos variáveis, com utilização da Internet e/ou
equipamentos de conexão a longa distância: scanner, celular. Pager, PDA, notebook, palmtop,
correio eletrônico.
92
Vale ressaltar que, na ordem trabalhista pátria, não há lei que regulamente este tipo
de relação laboral. Quando muito, admite a CLT, por via indireta, o trabalho
subordinado desenvolvido em domicílio (espécie de teletrabalho), desde que fique
caracterizada a relação de emprego (art. 6º).69
Tal situação difere-se daquela realizada pelo trabalhador autônomo, que desenvolve
serviço com plena liberdade de organização da atividade, assumindo os riscos do
empreendimento (despesa com o funcionamento e manutenção dos equipamentos),
estabelecendo o preço e vinculando-se ao tomador de serviço sem exclusividade.
71
Informação fornecida por Manuel Martin Pino Estrada, em artigo intitulado “Horas extras e
sobreaviso no teletrabalho” (2008).
94
Mister observar, neste contexto, que a CLT passa a admitir a subordinação jurídica
mitigada, uma vez que o trabalhador distancia-se do controle presencial e direto do
tomador de serviço (empregador), tendo liberdade para administrar seu próprio
trabalho em matéria de horário, participação (ou não) de auxiliares, modo de
produção (quantidade e qualidade das peças produzidas), assumindo, entretanto, a
obrigação de entrega do produto ou serviço a ser desenvolvido a distância.
Mais uma vez ressalta-se que esta nova modalidade de relação laboral permite que
a atividade se enquadre nas várias formas de atuação (por subordinação, por
coordenação ou autônoma), vindo a se distinguir pelos elementos característicos de
cada uma delas (vide tópico 4.1.1). Assim, ao se desenvolver atividade laboral
contínua, em domicílio, de forma pessoal, sob controle pré-determinado do
empregador quanto à determinação da quantidade e qualidade de produção diária,
configura-se a hipótese de trabalho em domicílio subordinado.
Como visto nos excertos acima, não se pode, de imediato, rotular uma relação de
trabalho em domicílio como sendo necessariamente de subordinação. Necessário
analisar cada situação específica, ponderando elementos existentes na relação, a
fim de configurar a natureza jurídica do teletrabalho como sendo de subordinação,
coordenação ou autônoma, o que será evidenciado pelo modo de prestação do
serviço.
através de um contrato típico específico, regulado pela Lei n 4.886, de 1965 (com
alteração da Lei n. 4.420/92) e, mais recentemente, novo CCB”. De todo modo, por
72
se tratar de uma relação predominantemente autônoma , o contrato de
representação comercial passa a exercer uma função essencial, o de regular as
obrigações dos contratantes, constituindo lei entre as partes e sendo válidas todas
as cláusulas que não infringirem a lei.
Por esta razão, Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena (1999, p. 497) fala em “zona gris”,
tratando-se mais uma vez de uma tênue linha divisória que separa o representante
comercial autônomo (contrato regido pela lei nº 4.886/1965) do vendedor
subordinado (contrato regido pela CLT, art. 2º e 3º).
72
A Lei 4.886/1965 (alterada pela Lei 8.420/1992) traz em seu artigo 1° o conceito de representante
comercial autônomo: “a pessoa física ou jurídica, sem relação de emprego que desempenha em
caráter não eventual, por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para realização de negócios
mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou
não atos relacionados com a execução dos negócios”.
73
Entre as exigências, registram-se: a) condições e requisitos gerais da representação; b) indicação
genérica ou específica dos produtos ou artigos objeto da representação; c) prazo certo ou
indeterminado da representação; d) indicação das zonas onde será exercida, bem como da
permissibilidade ou não da representada poder negociar, naquele local, diretamente; e) garantia total,
parcial, por prazo certo ou determinado de exclusividade de zona ou setor de zona; f) retribuição,
época do pagamento e recebimento ou não, pelo representado, dos valores respectivos; g) hipótese
de restrição da zona concedida com exclusividade; h) obrigações e responsabilidade das partes; i)
exercício exclusivo ou não em favor do representado; j) indenização devida ao Representante pela
rescisão do contrato, fora dos casos previstos no art. 34.
99
Do exposto no tópico anterior, não se pode ignorar que a relação de emprego vem
perdendo espaço para outras relações de trabalho, algumas delas subordinadas ao
poder diretivo do tomador de serviço, outras sob a suposta coordenação deste e, por
fim, não menos digno de proteção, algumas categorias revestidas de autonomia na
prestação de serviço, que, sob a égide do princípio da isonomia, em seu sentido
ampliativo, merecem o amparo da ordem trabalhista pátria.
74
Existem duas modalidades de aprendizagem: uma escolar e outra empresarial, sendo que apenas
a segunda modalidade há relação de emprego envolvendo o trabalhador estudante e a empresa para
quem presta serviço. Justifica sua inserção no regime diferenciado, porque traz como peculiaridade a
obrigação do empregador de submeter o empregado à formação metódica do ofício ou ocupação
para o qual foi contratado. Esta última modalidade encontra-se regida pela CLT, com alterações
introduzidas pela Lei nº 10.097/2000, cujo contrato deverá preencher determinadas formalidades
previstas em lei.
75
Os empregados domésticos, a despeito de exercerem um trabalho subordinado, salvo na condição
de diaristas, possuem uma regulamentação própria, porque a estes não se aplicam todos os preceitos
da CLT, por força das excludentes tratadas no art. 7º, parágrafo único da Constituição Federal.
Encontram-se regidos pela Lei nº 5.859/72 com acréscimos da Lei nº 10.208/2001, que incluiu o
direito ao FGTS e seguro-desemprego.
76
Os Trabalhadores rurais, embora na maioria dos casos atendam aos requisitos empregatícios, são
tratados pela nomenclatura genérica de trabalhadores e encontram-se regidos pela Lei nº 5.889/73.
Vale ressaltar que ainda em se tratando de trabalhador rural, existe um rol dos excluído da Lei Rural
supracitada, como bem destaca Dirceu Galdino e Aparecido Lopes (1995, p. 51): domésticos,
parceiros, meeiros, arrendatários, empreiteiros, oleiros, carvoeiros, empregados de mineração,
trabalhadores parentes dos pequenos proprietários rurais e industriários. Veja que o trabalhador rural
doméstico não se encontra regido nem pela CLT nem pela própria lei Rural, ficando a cargo da Lei do
empregado doméstico.
102
77
Neste ínterim, há quem insira os “trabalhadores parassubordinados” , como
pertencentes à zona cinzenta entre o trabalhador subordinado e o autônomo, tema
que tem despertado o interesse de doutrinadores pátrios em obras específicas como
Amauri Cesar Alves (2004, p. 136), Otávio Pinto e Silva (2004, p.102-135), Dennis
Veloso Amanthéa (2008, p. 41-89), embora se reconheça que o tratamento no Brasil
encontra-se ainda em fase embrionária.
77
O trabalho parassubordinado tem sua origem na Itália, e configura relações de trabalho de natureza
contínua, não subordinativa, nos quais os trabalhadores desenvolvem atividades que se enquadrem
nas necessidades organizacionais da empresa. Ainda não se encontra regulamentado no Brasil,
embora a doutrina já tenha se encarregado se debruçar sobre tal tema com o fito de importar tal
instituto para a ordem jurídica laboral pátria.
78
Segundo Maurício Godinho Delgado (2006, p. 341), o obreiro chamado avulso corresponde à
modalidade de trabalhador eventual, que oferta sua força de trabalho, por curtos períodos de tempo,
a distintos tomadores, sem se fixar especificamente a qualquer deles. Na doutrina pátria, tem-se
como elemento distintivo entre avulso e eventual a circunstância de que aquele oferta sua força de
trabalho por intermediação do sindicato, atualmente por atuação do órgão de gestão de mão-de-obra
(instituído pela Lei 8.630/93). Aqui se abrem parênteses para acrescentar que não mais existe no
Brasil a figura do avulso sindical, segundo afirmação de Washington Luiz de Trindade (1998, p.138),
e sim avulsos cadastrados. Embora a doutrina não o considere inserto na relação de emprego, a
Constituição estabeleceu aos trabalhadores avulsos igualdade de direitos em relação ao trabalhador
subordinado típico, segundo art. 7º, inciso XXXIV da Constituição Federal de 1988.
79
Segundo a Lei nº 6.019/74, que regulamenta o trabalho temporário no Brasil, “é aquele prestado
por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu
pessoal regular e permanente ou à acréscimo extraordinário de serviços”. Neste sentido, a
contratação do trabalhador se dá por interposição de outra empresa (empresa de trabalho
temporário), que, por conseguinte, se responsabilizam pela remuneração e assistência ao trabalhador
temporário, em tese. Desta forma, entende-se como categoria distinta da relação empregatícia
propriamente dita, razão pela qual se insere na categorização de empregado atípico. Sobre a relação
de trabalho temporário, a autora desta dissertação apresentou artigo no Congresso Nacional de Pós-
Graduação em Direito (CONPEDI), intitulado “Contrato de trabalho a termo: empregabilidade ou
precarização?“, no qual traça distinção entre os diversos contratos a termo e provoca reflexão a
respeito da verdadeira função integradora desta nova categoria de trabalho – se se volta para a
empregabilidade ou precarização do emprego (PONTES, 2009, p. 7393-7404).
80
Foge aos padrões típicos de empregado por faltar-lhes a continuidade da prestação laboral, ou
seja, prestam serviço a outrem ocasionalmente (termo atribuído por Amauri Mascaro Nascimento
103
Ocorre, porém, que, pesar da previsão legal para a maioria das hipóteses
apresentadas, nem todos os trabalhadores exercem suas atividades sob proteção
normativa do Estado, ou seja, na forma como os trabalhadores são inseridos em sua
relação de trabalho pode ou não haver proteção jurídica, a depender da forma como
o trabalho é exercido, o que nem sempre corresponde às circunstâncias reais.
(1997, p. 314), o que acaba por gerar o entendimento de que seus serviços, em regra de curta
duração, não coincidem com os fins almejados pela atividade empresarial, fato que, por si só, afasta o
trabalhador da tutela protetiva do Direito do Trabalho, limitando-se a receber o preço contratado pelo
serviço, embora tais serviços se desenvolvam mediante subordinação. Neste aspecto, registra-se que
no âmbito previdenciário, a Lei 8.212/91, art. 12, inciso V, alínea “g”, considera o trabalhador eventual
contribuinte individual, conferindo-lhe a condição de segurado obrigatório da previdência social.
81
Maurício Godinho Delgado (2006, p.322) destaca este tipo de relação de trabalho como excludente
da proteção celetista, haja vista tratar-se de trabalhadores cujo vínculo contratual é de natureza
pública, com regulamentação própria. Neste sentido, a Constituição Federal de 1988 estatuiu o
regime jurídico único (antigo art. 39, atualmente alterado pela Emenda Constitucional 19 de
04/06/1998 que incentiva a dualidade de regimes na contratação de servidores públicos). Esclarece-
se, neste sentido, que no sistema de contratação do servidor público também se admite a figura do
servidor empregado que se enquadra na regulamentação celetista.
82
A lei nº 8.949/94 acrescenta parágrafo ao art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, no qual
declara a inexistência de vínculo empregatício entre as cooperativas e seus associados e entre os
associados e os tomadores de serviços. Há doutrinadores, como Maurício Godinho Delgado (2006, p.
329) que consideram tal hipótese não como sendo excludente legal absoluta, embora haja expressa
menção legal a este respeito (CLT, art. 442), mas consideram-no como simples presunção relativa de
ausência de vínculo de emprego, caso exista efetiva relação cooperativista envolvendo o trabalhador
e o tomador de serviço.
104
No tópico anterior, que tratou das novas relações de trabalho, é nítida a constatação
de que, em algumas hipóteses evidenciadas, a figura do trabalhador poderia se
caracterizar ora como subordinado, ora como autônomo e mesmo em algumas
circunstâncias não se enquadrar especificamente em nenhuma das opções jurídicas
destacadas, por exercerem atividades por coordenação, ainda não regulamentada
no Brasil.
83
O trabalhador que desenvolve atividade de natureza doméstica poderá ser empregado ou diarista.
O motorista de táxi, por sua vez, poderá ser empregado doméstico, exercer atividade de coordenação
ou ser totalmente autônomo.
105
Dentre os doutrinadores pátrios que defendem tal teoria doutrinária destaca-se Arion
Sayão Romita, que prenuncia,
Adverte, porém, Dennis Veloso Amanthéa (2008, p. 93-94) que tal instituto deve ser
implementado, no Brasil, mediante criação de lei específica, como forma de se
combater desvirtuamento e superar eventual resistência:
84
Segundo atualização apontada por Dennis Veloso Amanthéa (2008, p. 73), a relação passou a ser apelidada de
co.co.pro, para significar contrato de colaboração coordenada continuativa na modalidade de trabalho a projeto,
“reordenando o que representava a relação parassubordinada para se alinhar ao que se chama de “trabalho a
projeto”.
85
Segundo Dennis Veloso Amanthéa (2008, p. 73), a alteração legislativa ficou conhecida como “Reforma
Biagi” ou ainda “Lei Biagi”, em homenagem ao funcionário do Ministério do Trabalho da Itália, professor
universitário Marco Biagi, morto aos 52 anos (2002) com dois tiros, cuja autoria do crime foi atribuída a um
grupo terrorista de esquerda conhecido como “Brigada Vermelha”, sob o argumento de o professor ter
regulamentado a exploração dos trabalhadores assalariados (SIC).
107
Independente dos avanços já alcançados por tal instituto na Direito laboral italiano
vale ressaltar que a jurisprudência brasileira tem reconhecido sua existência, ainda
que timidamente, e almeja sua inserção na ordem pátria, como se pode observar
nos julgados a seguir colacionados:
Com vistas nesta reflexão, atinge-se o encerramento desta pesquisa, que teve como
eixo central a proposta de reorganização da ordem trabalhista pátria, com
abrangência na Constituição Federal de 1988 e, especificamente, no Direito do
Trabalho, tendo como fonte inspiradora as diretrizes estratégicas da Organização
Internacional do Trabalho. É o que se apresenta a seguir.
86
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é um organismo internacional
criado pelo Tratado de Versalhes (1919), destinado à realização da justiça social
entre os povos, com sede em Genebra, ao qual podem filiar-se todos os países-
membros da Organização das Nações Unidas (ONU). É a única das Agências do
Sistema das Nações Unidas que tem estrutura tripartite, na qual os representantes
dos empregadores e dos trabalhadores têm os mesmos direitos que os do governo.
A Organização Internacional do Trabalho é composta pelos seguintes órgãos:
Conferência Geral, Conselho Administrativo, Repartição Internacional do Trabalho
(Secretariado).
86
Informações colhidas no site oficial da OIT no Brasil: conheça a OIT>estrutura.
109
A estrutura da OIT inclui uma rede de cinco escritórios regionais e vinte e seis
escritórios de área – entre eles o do Brasil – além de doze equipes técnicas
multidisciplinares de apoio a esses escritórios e onze correspondentes nacionais que
sustentam, de forma parcialmente descentralizada, a execução e administração dos
programas, projetos e atividades de cooperação técnica e de reuniões regionais,
sub-regionais e nacionais.
A OIT se revela como uma das principais defensoras das melhorias das condições
de trabalho no mundo. Já em 1944, à luz dos efeitos da Grande Depressão a da
Segunda Guerra Mundial, adotou a Declaração da Filadélfia como anexo da sua
Constituição, que acabou servindo de modelo para a Carta das Nações Unidas e
para a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
110
Mas o que se entende por trabalho decente? Estaria este qualificativo do trabalho
diretamente relacionado à dignidade da pessoa do trabalhador?
87
Os objetivos estratégicos encontram-se no site oficial da OIT no Brasil> conheça a OIT.
88
Refere-se ao documento de debate para la Reunión tripartita de expertos sobre la medición del
trabajo decente, elaborado em Genebra (2008).
111
89
A Declaração de Filadélfia encontra-se anexa à Declaração referente aos fins e objetivos da
Organização Internacional do Trabalho.
112
Importante salientar que, malgrado a OIT tenha centrado inicialmente sua atenção
nas necessidades dos trabalhadores assalariados, hoje reconhece que merece
proteção também outros trabalhadores que se encontram à margem do mercado de
trabalho estruturado, como os assalariados informais, os trabalhadores por conta
própria e os trabalhadores em domicílio.
90
A Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a concepção contemporânea dos
direitos humanos ao inserir em seu art. 5º que: “Todos os direitos humanos são universais,
indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos
humanos de forma global, justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora
particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos
contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forme seus sistemas políticos, econômicos e
culturais”.
91
Flávia Piovesan ao tratar da universalidade evidencia que todo ser humano tem uma dignidade que
lhe é inerente, o que a torna incondicionada, ou seja, não depende de nenhum outro critério senão
ser humano; já ao se referir à universalidade, esclarece que os direitos humanos compõem uma
unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis
e políticos com o catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais, e quando um deles é violado,
os demais também o são.
92
Declaração de 1948 – art. 23º
1 – Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições eqüitativas e
satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2 – Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.
114
O artigo 6º, desse Pacto, que trata do Direito ao Trabalho Pacto, assim declara:
Mas os avanços não param por aí. A Constituição de 1988 traz em seu bojo
normativo princípios protetivos que alcançam o trabalhador não só em sua relação
laboral (da não-discriminação em consonância com o princípio geral da isonomia),
3 – Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua
família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os
outros meios de protecção social.
4 – Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos
para a defesa dos seus interesses.
Art. 24º Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma limitação
razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas.
115
Como se pode constatar, o trabalhador, perante a Lei Maior, evolui de mera peça de
produção econômica a ser humano que exerce atividade remunerada. Tal
circunstância limita o poder diretivo do empregador/tomador de serviços e a atitude
dos demais colegas de trabalho contra abusos historicamente cometidos, impondo-
lhes o respeito à integridade física e moral do trabalhador.
Assim, não se admite mais que o trabalhador seja discriminado com base em suas
características físicas, sofra qualquer tipo de tratamento desrespeitoso e humilhante,
ou seja vítima de assédio (moral ou sexual) em seu ambiente de trabalho, em razão
da prestação de serviço subordinado que exerça, pois, uma vez violados direitos
fundamentais, se atribui responsabilidade civil e penal aos agressores, por
configuração de atos atentatórios à dignidade do trabalhador.
Vale ressaltar, do excerto acima, que, embora a dignidade se revele como direito em
si (o que por si só já é suficiente), sua observância se dá quando há efetividade dos
direitos fundamentais. Neste sentido, acolhem-se as palavras de José João Abrantes
(2005, p. 189), que ao tratar do aspecto finalístico do Direito do Trabalho e da
dignidade da pessoa humana, assevera:
[...] A ordem econômica, que deve “assegurar a todos existência digna”, tem
por premissa orientadora a valorização do trabalho humano. Isso significa
que o Estado, quando intervém na atividade econômica, seja direta ou
indiretamente, deve tomar e impor, a si mesmo e aos particulares, medidas
que promovam a valorização do trabalho humano e, por oposição,
combatam as práticas de desvalorização, subvalorização e precarização do
trabalho. Em suma, o Estado deve atuar, normativa e faticamente, para
dignificar o trabalho humano, para que ele, de fato, seja um meio para a
conquista do bem-estar (pessoal e coletivo), da riqueza, da integração e
coesão sociais. (2006, p. 193)
Vale dizer que tanto o art. 1º, IV quanto o artigo 170 da Constituição Federal visam
assegurar em toda e qualquer circunstância a dignidade do trabalhador, alcançando
assim a justiça social.
redução dos custos finais da produção. Perfila-se um quadro caótico para o século
XXI, com a iminente desestruturação do mercado de trabalho.
Eis a justificativa para se propor uma reforma tão profunda que, deveras, irá
repercutir em todo o sistema jurídico pátrio, pois se projeta não só na valorização do
homem em sua relação do trabalho, como na sua atuação como cidadão, e na
formação de uma sociedade livre, justa e solidária, reservando aos iguais um
tratamento igualitário e aos desiguais, tratamento distinto, em busca da justiça
social. Neste sentido, enfatiza João José Abrantes:
Este também tem sido o entendimento defendido por Otávio Pinto e Silva (2004, p.
154), ao declarar que:
Assim não há que se temer que a negociação coletiva venha a reduzir ou até mesmo
retirar, do contexto jurídico, direitos trabalhistas conquistados arduamente. Isto
porque como se verá a seguir, a Constituição Federal se posicionará em nível
hierárquico superior às normas infraconstitucionais, cuidando para que as condições
mínimas de trabalho decente sejam asseguradas.
Por esta razão, a Constituição Federal de 1988 passa a atuar como elemento central
e norteador desta mudança de paradigma, contribuindo significativamente para a
aplicabilidade dos direitos fundamentais trabalhistas, na medida em que prevê
normas, princípios e garantias especificamente voltados para a melhoria de
condições laborais do trabalhador.
93
Diretrizes colhidas no Preâmbulo da Constituição da Organização Internacional do Trabalho,
Preâmbulo.
94
Há quem defenda a aplicação dos direitos constitucionais trabalhistas por intermédio da
interpretação jurisprudencial, como é o caso de Flávia Moreira Guimarães Pessoa (2009, p. 116),
embora reconheça que a tradição jurídica brasileira não seja de construção jurisprudencial de direitos.
122
Até mesmo a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que trata especificamente
da proteção do trabalho subordinado (empregado), não consegue abarcar, em seu
modelo organizacional, todas as normas protetivas atinentes à categoria em apreço.
A título de constatação, observam-se as normas esparsas que regulam o trabalho
rural (Lei nº 5.889/73 alterada pela Lei n.º 11.718 de 20.06.2008), trabalho
doméstico (Lei nº 5.859, de 11.12.1972 alterada pela Lei n.º 11.324, de 19.07.2006),
ambos considerados empregados, embora excluídos da CLT.
95
Neste sentido, compartilha-se, em parte, com a opinião de Tarso Genro (1996, p. 3) ao sugerir uma
mudança conceitual do Direito do Trabalho, enquadrando novas tutelas laborais, nelas inseridas: a
prestação autônoma; a tutela laboral para remuneração dos serviços sem qualificação (limpeza,
atividades manuais subsidiárias nas empresas altamente qualificadas, cozinha, prestações
domésticas de todos os tipos), cujo valor mínimo deve ser pautado pelo Estado; tutela laboral
124
coletiva, que vise socializar os postos de trabalho com a reorganização, gradação e redução da
jornada laboral nos setores diretamente atingidos pela revolução da microeletrônica, da informática e
da digitalização.
125
Neste aspecto, concorda-se com a crítica feita por Otávio Pinto e Silva (2004, p. 141)
que aponta como defeito do sistema trabalhista atual o excessivo intervencionismo
estatal no campo das relações individuais de trabalho. Coerente sua colocação
quando ressalta que os excessos normativos acabam sendo “responsáveis por uma
parafernália de normas jurídicas que muitas vezes restam descumpridas”. Por esta
razão, reforça-se a tese de enxugamento das normas infraconstitucionais para um
regime de direitos e garantias básicas, distribuídos por categorias de atividades
laborais a serem desenvolvidas, ficando sob custódia dos sindicatos as conquistas
trabalhistas a serem alcançadas em negociação coletiva.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Primeiro, porque se discute a crise do Direito do Trabalho por não mais atender
satisfatoriamente sua função primordial, qual seja, a tutela dos direitos do
trabalhador hipossuficiente, historicamente conquistados, o que evidencia a
necessidade de resgate desta função que representa o alicerce e a razão de
existência do Direito do Trabalho.
Finalmente, pela necessidade de resgate dos valores éticos, a fim de se atingir uma
justiça social atenta ao solidarismo, à função social do direito e à dignidade da
pessoa humana.
127
Isto implica dizer que o Direito do Trabalho, por excelência, deve estar apto a tutelar
os direitos mínimos dos trabalhadores em condição de vulnerabilidade em sua
relação laboral, incorporando os novos contratos e relações trabalhistas surgidas no
mercado de trabalho atual (avulsos, estagiários, teletrabalhador, trabalhador em
domicílio, representante comercial, entre outros).
É notório que o trabalhador tem vencido barreiras em sua evolução histórica, mas,
atualmente, tem uma missão árdua, quiçá a principal das suas batalhas: ser
considerado não mais como uma mera peça laboral, inserida no contexto da
produção, lutar para ser respeitado em sua dignidade, o que implica em impor limites
de atuação dos detentores do modo de produção (tomadores de serviço), exigindo
do Estado tutela específica em prol da sua integridade física e moral.
De toda sorte, fica uma advertência: não se pode mais admitir o tratamento
discriminatório dos trabalhadores, impulsionado pela marginalização do mercado
capitalista. Não se pode mais admitir a divisão entre incluídos e excluídos, formais e
informais, quando todos os trabalhadores labutam pela sobrevivência e merecem ser
tratados com dignidade em sua relação laboral. Neste mister, cabe ao Direito do
Trabalho a difícil missão de revitalizar o equilíbrio das relações entre capital e
trabalho.
129
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 11.324, de 19 de Julho de 2006. Altera dispositivos das Leis nos
9.250, de 26 de dezembro de 1995, 8.212, de 24 de julho de 1991, 8.213, de 24 de
julho de 1991, e 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Revoga dispositivo da Lei nº
605, de 5 de janeiro de 1949. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11324.htm Acesso
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Ficha Catalográfica
(Elaborada por Sônia Iraína Roque CRB-/1203)
CDU 349.2(81)