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Tutela aquiliana do empregado: considerações sobre o

novo sistema de reparação civil por danos


extrapatrimoniais na área trabalhista

TUTELA AQUILIANA DO EMPREGADO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O NOVO


SISTEMA DE REPARAÇÃO CIVIL POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS NA
ÁREA TRABALHISTA
Protecting the employee: considerations about the new system of lialibity for personal damages in the
labor area
Revista dos Tribunais | vol. 984/2017 | p. 219 - 254 | Out / 2017
DTR\2017\6423

Eugênio Facchini Neto


Doutor em Direito Comparado (Università Degli Studi di Firenze/Itália). Mestre em Direito Civil pela
USP. Professor Titular dos cursos de graduação, mestrado e doutorado em Direito da PUCRS.
Professor e ex-Diretor da Escola Superior da Magistratura/AJURIS. Desembargador do TJ/RS.
facchini@tj.rs.gov.br

Rodrigo Goldschmidt
Pós-Doutor em Direito pela PUCRS. Doutor em Direito pela UFSC. Professor e Pesquisador do
Programa de Mestrado Acadêmico em Direito da UNESC. Juiz do Trabalho Titular de Vara do TRT
12. rodrigo.goldschmidt@trt12.jus.br

Área do Direito: Constitucional; Trabalho


Resumo: O presente artigo trata da recente reforma trabalhista, na parte que introduz sensíveis
alterações no regime da responsabilidade civil por danos extrapatrimoniais de que tenham sido
vítimas os empregados. Procura-se analisar as reformas à luz da teoria geral da responsabilidade
civil e dos limites derivados da moldura normativa constitucional. O enfoque é crítico e não
laudatório, reconhecendo-se seus pontos positivos, mas se apontando inconsistências e potenciais
inconstitucionalidades. Conclui-se pela necessidade de se evitar análises teóricas e aplicações
práticas do novo regime como se fosse um sistema autônomo, fechado e sem vínculos com o
milenar instituto da responsabilidade civil, insistindo-se na sua interpretação em conformidade com a
Constituição. O método adotado, pela natureza do trabalho, é exegético, tópico-sistemático,
vinculado a uma pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: Reforma trabalhista - Responsabilidade civil - Danos extrapatrimoniais.


Abstract: The present article deals with the recent labor law reform, in the part that introduces
sensible alterations in the regime of civil liability for personal damages suffered by employees. It
seeks to analyze the reform in light of the general theory of civil liability and the limits derived from the
constitutional normative framework. The focus is critical and not laudatory, recognizing its strengths
but pointing to inconsistencies and potential unconstitutionalities. It comes to a conclusion that there
is a need to avoid theoretical analyzes and practical applications of the new regime as if it were an
autonomous system and not linked to the millenary institute of civil liability, insisting on its
interpretation in accordance with the Constitution. The method adopted, by the nature of the work, is
exegetical, topic-systematic, linked to a bibliographical research.

Keywords: Labor reform - Civil liability - Personal damages.


Sumário:

1 Introdução - 2 Panorama jurídico da responsabilidade civil por danos extrapatrimoniais - 3


Apontamentos críticos sobre o novo sistema de reparação civil por danos extrapatrimoniais na área
trabalhista. O pretendido sistema fechado – art. 223-A - 4 A definição dos bens e interesses
tuteláveis: artigos 223-B e 223-C - 5 Os bens e interesses tuteláveis do empregador: art. 223-D - 6 A
legitimidade passiva: responsabilidade conjunta ou solidária? - 7 Da cumulação de pedidos - 8
Critérios legais para a fixação do valor da indenização - 9 Conclusão - 10 Referências

1 Introdução

O presente estudo tem por objetivo apresentar apontamentos críticos sobre o novel regime de
reparação civil de danos extrapatrimoniais introduzido na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT
(LGL\1943\5) – Título II-A, através da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017.

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extrapatrimoniais na área trabalhista

Tratando-se, o texto originário da CLT (LGL\1943\5), de um estatuto normativo com mais de setenta
anos de vigência, é de todo razoável que, além das pontuais atualizações que sofreu ao longo das
décadas, se pensasse numa reforma mais ampla e consistente. Todavia, em razão das peculiares
condições políticas em que a reforma legislativa foi gestada e implementada, o viés ideológico
predominante passou ao largo de uma equidistante consideração de todos os relevantes interesses
em jogo. As forças predominantes nitidamente se posicionaram ao lado dos interesses dos
empregadores, tidos como a “classe produtiva”, em detrimento dos direitos dos empregados,
considerados por alguns como “entraves” ao desenvolvimento nacional.

Esse viés contaminou também alguns aspectos do novo regime da responsabilidade civil por danos
extrapatrimoniais. Historicamente, como se sabe, a maioria das questões envolvendo a
responsabilidade civil dos empregadores por danos sofridos por seus empregados, à margem do
regime previdenciário dos acidentes de trabalho, era tratada no âmbito da justiça comum. Com a
Emenda Constitucional 45, de 2004, todas essas questões passaram a ser tratadas pela justiça
trabalhista. Na ausência de normas específicas na seara laboral sobre o tema, naturalmente os
juízes trabalhistas passaram a resolver os litígios a eles submetidos aplicando o instituto da
responsabilidade civil, tal como regulado no Código Civil (LGL\2002\400) e teorizado por
doutrinadores substancialmente civilistas, com as imprescindíveis adaptações e sob a orientação
principiológica da Constituição. Diante da novidade da situação e ainda pouco familiarizados com
toda a complexidade da responsabilidade civil,1 talvez alguns excessos tenham sido cometidos e
algumas inconsistências dogmáticas, praticadas. Pressionados – e impressionados – pelo lobby,
especialmente da classe industrial, o legislador reformista procurou disciplinar com certa minúcia os
aspectos principais da responsabilidade civil. Ao fazê-lo, embora tenha observado limites que não
poderiam mesmo ser ultrapassados, em vários momentos procurou limitar os tipos de danos
extrapatrimoniais indenizáveis e circunscrever o valor das indenizações.

O presente artigo procura analisar cada uma das alterações introduzidas no novo regime dos danos
extrapatrimoniais, de forma crítica. Reconhecem-se os eventuais avanços ou pontos positivos, mas
também se criticam eventuais inconsistências normativas, apontam-se algumas superfluidades e
indicam-se potenciais inconstitucionalidades.

O tema é obviamente atual e relevante, considerando sua crescente importância para a cotidiana
jurisdição trabalhista.

Após um genérico panorama jurídico sobre a responsabilidade civil por danos extrapatrimoniais em
geral, sua evolução e tendências, passa-se à análise de cada dispositivo legal envolvendo o tema.
Tratando-se de texto novo e que somente agora começa a ser interpretado, entendemos que essa
forma analítica de abordagem era a que melhor conviria ao leitor, para que possa ele também ter
uma visão de conjunto das alterações normativas em comento.

Necessariamente, portanto, o método utilizado é o exegético, analisando-se topicamente as


alterações, mas dentro de uma interpretação necessariamente sistemática e em conformidade com a
Constituição. A pesquisa é puramente bibliográfica.

2 Panorama jurídico da responsabilidade civil por danos extrapatrimoniais

Muito antes de o tema ganhar importância e atualidade no âmbito do direito trabalhista brasileiro,
vinha ele sendo tratado no âmbito do direito civil. Desse setor originário, espraiou-se ele por outras
áreas do direito, especialmente o administrativo, o constitucional, o ambiental e do consumidor.
Como um dos subprodutos da reforma constitucional introduzida pela Emenda 45, de 2004, que
aumentou a competência da justiça trabalhista, o tema passou também a interessar mais de perto a
jurisdição laboral. Daí porque, não sendo instituto típico, nem originário, do direito trabalhista,
revela-se inadequado tratá-lo de forma fragmentada e isolada de suas origens, ainda que as
peculiaridades desse ramo do direito possam e devam influenciar a sua compreensão e aplicação.

No seu âmbito originário, segundo clássica definição (SAVATIER, 1951, p. 1), a responsabilidade
civil envolve a obrigação que incumbe uma pessoa de reparar o dano causado a outrem por ato seu,
ou pelo ato de pessoas ou fato de coisas que dela dependam. Na verdade, o dano ocorrido não se
cancela mais da sociedade: o ressarcimento não o anula. Trata-se simplesmente de transferi-lo
(civilizadamente) de quem o sofreu diretamente para quem o deverá ressarcir (TRIMARCHI, 1961, p.
16).
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Nem sempre foi assim, ou ao menos nem sempre foi esse princípio acatado universalmente. É
conhecida a lição de Oliver Wendell Holmes Jr. (1991, p. 50), em obra publicada originariamente em
1881, nos Estados Unidos, no sentido de que “sound policy lets losses lie where they fall, except
where a special reason can be shown for interference. The most frequent of such reasons is, that the
party who is charged has been to blame”2.

Atualmente, ao contrário, uma política saudável está a demonstrar que o foco atual da
responsabilidade civil, pelo que se percebe da sua evolução histórica e tendências doutrinárias, está
centrado cada vez mais no imperativo de se reparar um dano do que na censura do seu responsável.
Cabe ao direito penal preocupar-se com o agente, disciplinando os casos em que deva ser
criminalmente responsabilizado. Ao direito civil, contrariamente, compete inquietar-se com a vítima.
Trata-se, aliás, de velha lição entre nós, considerando-se que Bevilaqua (1976, p. 272-273) já
afirmava que “o direito penal vê, por trás do crime, o criminoso, e o considera um ente anti-social,
que é preciso adaptar às condições da vida coletiva”. Já o direito civil, segundo o projetista do
Código de 1916, “vê, por trás do ato ilícito, não simplesmente o agente, mas, principalmente, a
vítima, e vem em socorro dela, a fim de, tanto quanto lhe for permitido, restaurar o seu direito
violado”.

Por outro lado, tende-se a substituir a ideia de um débito ressarcitório derivado de um fato ilícito a
cargo do sujeito responsável, pela noção de crédito a uma indenização a favor da vítima (ALPA,
1999, p. 7). Trata-se de uma verdadeira inversão de perspectiva, com inúmeras consequências no
âmbito da responsabilidade civil.

Mudança profunda passou a sofrer a teoria da responsabilidade civil a partir do último quartel do
século XIX, acentuando-se ao longo do século XX, em consequência dos fenômenos da
industrialização, acentuada urbanização e massificação da sociedade. A vida em conglomerados
urbanos acarretou a multiplicação dos acidentes. Com a disseminação do uso de máquinas no
processo industrial e no cotidiano das pessoas, operou-se sensível modificação na orientação da
doutrina e da jurisprudência para o tratamento das questões relativas à responsabilidade civil.
“Surgiu então a necessidade de socorrer as vítimas” (MAZEAUD; MAZEAUD, 1956, p. 302).

Partiu, então, a doutrina para a revisão de alguns conceitos até então considerados dogmas, como o
da necessidade de uma culpa para justificar o dever de reparar os danos causados por alguém.
Difundiram-se as teorias do risco. Até o final do século XIX, o sistema da culpa funcionara
satisfatoriamente. Os efeitos da Revolução Industrial e a introdução do maquinismo na vida cotidiana
romperam o equilíbrio. A máquina trouxe consigo o aumento do número de acidentes, tornando cada
vez mais difícil para a vítima identificar uma “culpa” na origem do dano e, por vezes, era difícil
identificar o próprio causador do dano. Surgiu, então, o impasse: condenar uma pessoa não culpada
a reparar os danos causados por sua atividade ou deixar-se a vítima, ela também sem culpa, sem
nenhuma indenização.

Para resolver os casos em que não havia culpa de nenhum dos protagonistas, aventou-se a ideia do
risco, descartando-se a necessidade de uma culpa subjetiva. Afastou-se, então, a pesquisa
psicológica, do íntimo do agente, ou da possibilidade de previsão ou de diligência, para colocar a
questão sob um aspecto até então não encarado devidamente, isto é, sob o ponto de vista exclusivo
da reparação do dano.

Atualmente, tem-se como certo que a teoria da responsabilidade civil comporta tanto a culpa como o
risco. Um como o outro devem ser encarados não propriamente como fundamentos da
responsabilidade civil, mas sim como meros processos técnicos de que se pode lançar mão para
assegurar às vítimas o direito à reparação dos danos injustamente sofridos. Onde a teoria subjetiva
não puder explicar e basear o direito à indenização, deve-se socorrer da teoria objetiva. Isso porque,
numa sociedade realmente justa, todo dano injusto deve ser reparado.

Como refere Karl Larenz (1990, p. 118-119):

(...) [n]ão se trata, como no direito penal, de reagir frente ao fato culpável, mas sim de levar a cabo
uma justa distribuição dos danos: quem causa um dano a outrem por meio de um ato antijurídico,
ainda que de modo apenas “objetivamente” negligente, está mais sujeito a ter que suportar o dano
do que aquele que diretamente o sofreu, sem ter contribuído para o evento.

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extrapatrimoniais na área trabalhista

Percebe-se, portanto, que a tendência da teoria da responsabilidade civil é no sentido de ampliar,


cada vez mais, a sua abrangência, a fim de possibilitar que todo e qualquer dano possa ser
reparado. Portanto, a recente reforma trabalhista, que procura identificar e delimitar não só os danos
extrapatrimoniais indenizáveis, como também fixar limites para o seu valor, parece ir na contramão
dessa evolução.

3 Apontamentos críticos sobre o novo sistema de reparação civil por danos extrapatrimoniais
na área trabalhista. O pretendido sistema fechado – art. 223-A

O novo sistema de reparação civil por danos extrapatrimoniais aplicável às relações de trabalho é
aberto pela seguinte previsão: “Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza
extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título”.

Como foi visto no item anterior, o instituto da responsabilidade civil, muito embora também
contemplado em normas esparsas e aplicado em inúmeras outras áreas, historicamente integra o
âmago do direito civil, recebendo desse ramo do direito privado o trato jurídico fundante e
estruturante.

Diante dessa realidade, afigura-se inovatória e ousada a atitude do legislador reformista de regular,
no âmbito do direito do trabalho, sabidamente regido por leis especiais, um instituto típico do
chamado direito comum (direito civil). Diz-se isso porque, historicamente, o direito do trabalho, em
caso de lacuna sistêmica, sempre se utilizou, de forma supletiva, do direito comum para resolver um
dado caso concreto.3

É justamente o caso do instituto da responsabilidade civil, amplamente utilizado pelos operadores


jurídicos que atuam na Justiça do Trabalho para aviar e julgar pretensões indenizatórias decorrentes
de inúmeros fatos corriqueiros no mundo do trabalho que geram o dever de indenizar, v.g., acidentes
de trabalho, discriminação no emprego, assédio moral, assédio sexual etc.

Por decorrência, e pelo fato do diálogo entre as fontes (direito civil e direito do trabalho) sempre ter
sido satisfatório, é que se coloca em questionamento a real necessidade de ter sido introduzido, no
âmbito do direito laboral, regime normativo de conteúdo heterotópico, historicamente regido pelo
direito comum.

O segundo ponto a ser criticado envolve a introdução de um sistema “fechado” (hermético) de


reparação civil por danos extrapatrimoniais no âmbito das relações de trabalho.

Com efeito, consoante o ensinamento de Canotilho (1993), o direito é um sistema aberto de


princípios e regras. Aberto porque o direito “conversa” com os múltiplos fatos sociais que pretende
normatizar, influenciando e sendo influenciado constantemente por tais fatos. Mas não só isso:
aberto porque as múltiplas fontes do direito, oriundas dos diversos ramos do saber jurídico, também
conversam entre si (diálogo das fontes), interagindo e coadunando-se, sob a batuta do intérprete, na
solução justa de um dado caso concreto.

Nada obstante, parece não ter sido essa a solução pretendida pelo legislador reformista, visto que o
novo art. 223-A se utiliza textualmente do advérbio de exclusão “apenas”. Por óbvio que tal menção
não foi casual, mas intencional.

Ora, se a reparação civil de danos extrapatrimoniais, no âmbito das relações de trabalho, rege-se
apenas pelos dispositivos previstos no Título II-A da CLT (LGL\1943\5), a literalidade do texto em
questão permite concluir que a norma não autoriza a interação e o diálogo com outras fontes de
direito (tratar-se-ia de um sistema fechado, portanto), o que se afigura incorreto e juridicamente
insustentável, potencialmente inconstitucional.

Com efeito, a abertura sistêmica, a que se referia Canotilho, consoante anteriormente visto, encontra
eco em vários dispositivos normativos que compõem o sistema jurídico pátrio. Para não ser cansativo
na ilustração dessa realidade, e para ficar apenas no âmbito das relações de trabalho, foco do
presente estudo, aponta-se o próprio artigo 8º da CLT (LGL\1943\5), já citado, que diz claramente ser
o direito comum fonte subsidiária do direito do trabalho.

Não bastasse, o artigo 7º, caput, da Constituição,4 preconiza uma espécie de cláusula de abertura
sistêmica, visto que, antes de estabelecer um rol de direitos fundamentais trabalhistas nos seus
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vários incisos, deixa a advertência clara de que ditos direitos compõem um rol não taxativo de
direitos mínimos, de forma que não excluem outros que visem a melhoria da condição social do
trabalhador, ainda que previstos em outras fontes jurídicas, mesmo que heterotópicas.

Em outras palavras, hipoteticamente falando, se no âmbito da negociação coletiva os sindicatos


envolvidos entabularem uma convenção coletiva de trabalho, contendo uma cláusula que
regulamente, de forma mais favorável, a reparação civil de dano extrapatrimonial, seja prevendo um
novo dano imaterial reparável (que não só o dano moral ou existencial estritamente regulados no
novel sistema introduzido na CLT (LGL\1943\5), ora em comento) ou ampliando o quantum
indenizatório devido (para além dos patamares previstos no artigo 223-G, § 1º, da CLT
(LGL\1943\5)), dita fonte jurídica, mais benéfica ao trabalhador, prevalecerá no caso concreto, a
despeito da norma referir ser aplicável, apenas, os dispositivos do Título II-A da CLT (LGL\1943\5).

A esse respeito, colhe-se a lição de Camino (2004, p. 121):

Como bem ensina Martins Catharino, no campo do direito do trabalho, a relatividade da hierarquia
das fontes decorre do favor iuris de que se beneficiam os destinatários da proteção jurídica para
compensar sua inferioridade econômica. Tanto assim, que a Constituição, em seu art. 7º, deixa clara
a possibilidade de criação de “outros direitos”, expressão da progressividade dos direitos sociais. No
mesmo tom, agora no nível da lei, a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 444, consagra a
mais ampla possibilidade de livre estipulação das condições de trabalho, a partir de um conteúdo
mínimo de tutela estatal e normativa.

Por decorrência, no ponto, o dispositivo introduzido pela reforma não se sustenta, indo de encontro
ao preconizado no caput do artigo 7º da Constituição Federal, sendo, em sede de análise preliminar,
inconstitucional.

4 A definição dos bens e interesses tuteláveis: artigos 223-B e 223-C

Seguindo o caminho normativo do novo sistema de reparação civil introduzido pela reforma, cumpre
agora abordar o artigo 223-B da CLT (LGL\1943\5), que assim preconiza: “Causa dano de natureza
extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou
jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação”.

Numa primeira aproximação, observa-se que a norma opta por não fazer alusão direta ao “dano
moral” ou “dano existencial”,5 espécies de danos extrapatrimoniais que são delineadas e
conceituadas pela doutrina e jurisprudência, preferindo trabalhar com a expressão “esfera moral” ou
“esfera existencial”, peculiaridade que, em uma análise preliminar, permite agregar outras
possibilidades de danos imateriais, nominados ou inominados, que se encaixem no âmbito ou, ao
menos, façam intersecção com as ditas “esferas” moral ou existencial.

Caso a literalidade do preceito não comporte essa interpretação, entendendo que a norma quis
contemplar como danos extrapatrimoniais indenizáveis no seio das relações de trabalho apenas o
dano moral e o dano existencial, tem-se que a norma em questão é potencialmente inconstitucional,
pelas razões expostas no tópico anterior, na medida em que o caput do art. 7º da Constituição
permite ampliar o rol de direitos que visem a melhoria da condição social do trabalhador, aí
entendido o aumento do espectro de sua proteção em face de riscos e danos ao seu patrimônio
material e imaterial, ainda que dita ampliação seja oriunda de norma heterotópica (fora do sistema
específico de responsabilidade civil por danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho,
introduzida pela reforma), da negociação coletiva ou de outra fonte jurídica aplicável ao Direito do
Trabalho, a exemplo da própria doutrina e jurisprudência (fontes indiretas ou mediatas).

Nesse sentido, a doutrina e a jurisprudência vêm delineando outras espécies de danos


extrapatrimoniais, como o dano psicológico, o dano temporal, o dano estético, o dano à identidade
(todos com possível intersecção com as esferas moral ou existencial do lesado), entre outros
igualmente factíveis no âmbito das relações de trabalho e, por decorrência, reparáveis em sua exata
extensão.

Aliás, a própria conceituação dos danos é doutrinariamente controvertida. Ainda que no Brasil esteja
consagrada legislativamente e jurisprudencialmente a nomenclatura “danos morais”, a doutrina mais
atenta prefere a denominação “danos extrapatrimoniais” ou “não patrimoniais”, ou ainda “imateriais”
para se referir ao gênero, incluindo os danos morais puros (ou seja, aqueles ligados à dor, ao
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sofrimento, à angústia) como uma das espécies daqueles, juntamente com inúmeros outros tipos de
danos não patrimoniais.

Isso está ligado à evolução da compreensão do que sejam danos morais. Ao longo do tempo,
passou-se por três estágios diversos: uma concepção tradicional (conceito negativo), uma crítica e
outra mais contemporânea, constitucionalizada.

A concepção tradicional é a do conceito negativo de dano moral. Ou seja, dano moral seria todo o
dano não patrimonial. Trata-se de uma espécie de conceito genérico, sob o qual se reúnem as mais
variadas espécies de danos e prejuízos imateriais.

Normalmente, nessa concepção, alude-se apenas à presença de dor, sofrimento, frustração, tristeza,
humilhação etc. Fonte inspiradora dessa concepção foi o professor francês Savatier (1939, n. 525),
que afirmou que “dano moral é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda
pecuniária”.

Nessa concepção, não se tem uma ideia “positiva” do que seja dano moral. Sua ideia é inferida a
partir daquilo que ele não é: não se trata de danos materiais ou patrimoniais. Dessa forma, todo o
dano que não configure dano emergente ou lucro cessante, pode candidatar-se a ser identificado
como dano moral, desde que esteja acompanhado de elementos subjetivos, como dor, sofrimento
etc.

Configuram danos morais, nessa acepção, tanto a dor pela perda de um ente querido, a desonra
decorrente de um desacato, o abalo decorrente de um título indevidamente protestado, a injúria
lançada por outrem, o sentimento de humilhação inerente a uma situação de discriminação, a
frustração pela perda de afetos, a dor e desconforto decorrente de lesões físicas, perda ou
deterioração de órgãos anatômicos, exposição ao ridículo, redução de expectativa de vida, limitações
de atividades físicas etc. Basta uma olhada nos repertórios jurisprudenciais, ou uma rápida pesquisa
na internet e se constatará a enorme variedade e diversidade de danos que se encaixam sob o rótulo
de “danos morais”. Examinando mais criticamente essa diversidade de situações, percebe-se que,
na maioria dos casos, a única coisa que os acomuna é o fato de não se tratar de danos puramente
patrimoniais, sendo de difícil mensuração econômica.

Tal classificação é, obviamente, assistemática, além de revelar inconsistências e consequências


indesejáveis, como a de se conceder ao magistrado uma enorme discricionariedade em “precificar”
tais danos.

Em vista de tais inconvenientes, procurou-se densificar um pouco mais o conceito de danos morais,
daí derivando uma concepção mais crítica.

Vários de nossos juristas, entre os quais se podem incluir um de nossos maiores na área, Aguiar
Dias (1979, p. 414), criticaram a noção simplória da concepção clássica e esclareceram que a
distinção entre danos patrimoniais e danos morais não decorreria da natureza do direito, bem ou
interesse lesado, mas sim da repercussão da lesão sobre a vítima.

Assim, segundo tal visão, seria possível ocorrer dano patrimonial em consequência de lesão a um
bem não patrimonial (ex.: cicatriz deformante numa modelo), ou dano moral como resultado de
ofensa a bem material (sirvam de exemplo: extravio de uma aliança encaminhada para reparos;
extravio de um álbum de fotografias encaminhada para reprodução; atropelamento e morte de animal
de estimação).

Portanto, para essa concepção, dano moral seria o efeito não patrimonial da lesão de direito, bem ou
interesse, e não a própria lesão, abstratamente considerada.

A concepção crítica representou importante progresso para a caracterização e identificação dos


danos morais, mas, ainda assim, também se sujeita aos reparos endereçados à concepção clássica,
no sentido de que nenhuma dessas duas concepções fornece um conceito “positivo” de danos
morais. Não indicam seus pressupostos e requisitos, aludindo apenas aos efeitos não patrimoniais
(dor, sofrimento, tristeza, frustração etc.), deixando demasiada margem para arbítrio na sua
identificação.

Uma tentativa de fornecer parâmetros modernos e mais objetivos, afinada com o movimento da
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constitucionalização do Direito Civil, é aquela que vincula os danos morais à cláusula geral/princípio
da tutela da dignidade humana e dos direitos de personalidade.

De fato, juristas afinados com o movimento da constitucionalização do Direito Civil, que procura fazer
uma interpretação do sistema jurídico privado à luz dos princípios e valores contidos na Constituição
Federal, procuraram vincular os danos morais à violação da cláusula geral de tutela da pessoa
humana e dos seus direitos de personalidade. Pontes de Miranda (1958, p. 30) pode ser considerado
precursor dessa corrente, ao referir que “dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como
ser humano, não lhe atinge o patrimônio”. Ou seja, danos patrimoniais ocorreriam sempre que fosse
ofendida a dignidade humana, o ser humano e seus direitos de personalidade. Dentre quem pensa
assim, destacam-se Bodin de Moraes (2003, p. 156), Netto Lôbo (2001, p. 79-97) e Anderson
Schreiber (2001, p. 16).

Dano moral, para essa concepção, seria aquele que, independentemente do prejuízo material, fere
direitos da personalidade, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza a pessoa, tal como a
liberdade, a honra, a reputação, nome, imagem etc. (danos morais objetivos).

Para Bodin de Moraes, o dano também seria considerado moral quando origina dor, sofrimento,
angústia, tristeza ou humilhação à vítima – configurariam, então, os danos morais subjetivos –, com
tal intensidade que possa facilmente se distinguir dos aborrecimentos e dissabores do dia a dia,
situações comuns a que todos se sujeitam, como aspectos normais da vida cotidiana.

Cavalieri Filho (2012, p. 88) distingue o dano moral em sentido estrito e em sentido amplo. Em
sentido estrito, caracterizar-se-ia o dano moral como violação do direito à dignidade humana
(independentemente de dor, sofrimento ou percepção pessoal do dano, como é o caso de atentado à
dignidade de doentes mentais, pessoas em estado vegetativo, crianças de tenra idade etc.).

Em sentido amplo, caracterizar-se-ia o dano moral como violação dos direitos da personalidade,
envolvendo a imagem, bom nome, reputação, sentimentos, relações afetivas, convicções políticas,
religiosas, ideológicas, direitos autorais, etc., ainda que sua dignidade não seja arranhada.

Criticando a visão tradicional sobre os danos morais, refere Schreiber que tal entendimento tem a
flagrante desvantagem de deixar a configuração do dano moral ao sabor de “emoções subjetivas da
vítima”. Mais adiante salienta que “a definição do dano moral como lesão a atributo da personalidade
tem a extrema vantagem de se concentrar sobre o objeto atingido (o interesse lesado), e não sobre
as conseqüências emocionais, subjetivas e eventuais da lesão” (SCHREIBER, 2001, p. 16-17).

Diante disso, pensa-se que a melhor interpretação do dispositivo em comento é a que amplia, e não
a que restringe, as espécies de danos extrapatrimoniais passíveis de reparação nas multifacetadas
relações laborais, interpretando-se o art. 223-B em conexão com o art. 223-C, que analisaremos
mais tarde.

Isso colocado, o segundo apontamento a ser procedido diz respeito à titularidade dos danos
extrapatrimoniais. No ponto, o preceito ora em estudo estabelece que a pessoa física ou jurídica que
tenha a respectiva esfera moral ou existencial violada, é o titular exclusivo do direito à reparação
civil.

Na forma como redigida a norma, parece que fica afastada a possibilidade da configuração, no
âmbito das relações de trabalho, do chamado “dano por ricochete” ou “dano reflexo”.

Discorrendo genericamente sobre o dano em ricochete, Farias, Netto e Rosenvald (2017, p. 284)
assim se manifestam:

No dano reflexo, ou em ricochete, ocorre um prejuízo em virtude de um dano sofrido por outrem. O
evento não apenas atinge a vítima direta, mas, reflexamente, os interesses de outra pessoa. Daí a
expressão ricochete, que significa o dano sofrido inicialmente por um, que acaba por repercutir em
outro, pelo fato de haver alguma ligação entre este e aquele.

Em artigo doutrinário específico, Alvarenga (2017, p. 199) destaca a responsabilidade do


empregador por danos causados a pessoas ligadas ao empregado, “por laços de parentesco ou de
afetividade”, pessoas estas que também “podem ser reconhecidas como vítimas” e,
consequentemente, serem titulares de pretensões reparatórias, de forma reflexa.
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novo sistema de reparação civil por danos
extrapatrimoniais na área trabalhista

Assim interpretado, temos que essa norma, além de possivelmente inconstitucional, vai na
contramão das tendências da responsabilidade civil contemporânea que, em vez de restringir, tem
ampliado a titularidade dos danos na hipótese ora em destaque, não podendo a norma legal
restringir o que a Constituição não limita.

De fato, no tocante ao aspecto constitucional, vale lembrar o disposto no inciso X do artigo 5º da


Constituição Federal, segundo o qual são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem
das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação.

Por tais razões, tem-se que o dispositivo em debate, por imposição constitucional e dogmática, deva
ser interpretado não de forma restritiva, como a literalidade do preceito insinua, mas sim de modo a
reconhecer como reparável o dano reflexo ou por ricochete, incluindo no espectro ressarcitório os
titulares indiretos, desde que também tenham as suas esferas moral e/ou existencial atingidas pelo
evento danoso, ocorrido no âmbito das relações de trabalho.

Pense-se, por exemplo, na seguinte hipótese de dano em ricochete: um empregado, por evidenciada
negligência de seu empregador, vem a sofrer acidente durante a jornada de trabalho, vindo a ficar
tetraplégico. Não há dúvidas sobre os danos que ele experimentou, envolvendo danos morais puros,
danos biológicos, danos existenciais, danos à sua esfera sexual. Mas imagine-se, agora, que esse
empregado era casado. Além dos óbvios transtornos que tal situação acarretará no âmbito
doméstico, sua jovem esposa também sofrerá repercussões na esfera de sua sexualidade, já que o
acidente fatalmente impactará a vida sexual do casal. Biologicamente ela poderia vivenciar sua
sensualidade livremente com qualquer outra pessoa. Todavia, a única pessoa com quem ela gostaria
de se envolver sexualmente era com seu amado marido. Essa sua importante dimensão da vida
sexual será prejudicada. Há autores que incluem essa hipótese como uma espécie de dano à esfera
da sexualidade, ao passo que outros o incluem como espécie de dano existencial. O dano atingiu
diretamente seu marido, mas reflexamente a atingiu também. Sendo um interesse juridicamente
protegido e havendo evidente nexo entre o acidente laboral e o dano que a atingiu, é possível
pensar-se no seu direito autônomo a uma indenização, da mesma forma que a morte do seu marido,
em razão de acidente de trabalho por culpa do seu empregador, igualmente permitiria que ela
pleiteasse os danos morais puros decorrentes da profunda dor pela perda de um ente querido.

Temos, assim, que o art. 223-B deve ser interpretado em sintonia com o artigo 223-C, que assim
dispõe: “A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde,
o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física”.

Este artigo pode ser visto como um desdobramento do anterior. Enquanto aquele se refere à esférica
moral e à esfera existencial como gênero, o artigo em comento identifica algumas espécies de danos
extrapatrimoniais, que apresentam em comum o fato de serem todos direitos de personalidade, ou
expressos e nominados (honra, imagem, intimidade, liberdade, por exemplo), ou integrantes do
chamado direito geral de personalidade (autoestima, sexualidade, lazer, por exemplo).

Pelas razões já expostas na análise do artigo 223-A da CLT (LGL\1943\5), entende-se que o sistema
de reparação civil por danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho não pode ser
encarado como um sistema fechado e hermético, bastante em si mesmo, posto que interage não só
com o meio social, mas também com outros ramos do saber jurídico, nomeadamente o direito do
trabalho, que sofre o impacto das mutações sociais, econômicas e políticas, bem como de toda a
normativa daí decorrente.

Ademais, não é demasiado salientar que o artigo 7º, caput, da Constituição Federal contempla uma
cláusula aberta, permitindo o ingresso, no sistema jurídico-trabalhista, de outros direitos que visem a
melhoria da condição social do trabalhador, comportando, por conseguinte, a ampliação do rol por
outras fontes jurídicas, diretas (leis, convenções coletivas, acordos coletivos, contrato de trabalho) ou
indiretas (doutrina e jurisprudência).

Merece destaque, no ponto, a proteção aos chamados direitos de personalidade arrolados no novo
dispositivo celetista ora em estudo. Com efeito, a dinâmica das relações laborais, incrementada pelo
crescente uso de novas tecnologias, que permitem não só o trabalho à distância (teletrabalho), mas
também o constante e permanente monitoramento do trabalhador (câmaras de vídeo, controle de
acesso a sites e correios eletrônicos, p. ex.), sem olvidar do uso das redes sociais, não só para fins
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novo sistema de reparação civil por danos
extrapatrimoniais na área trabalhista

laborais, mas para exposição indevida ou abusiva dos sujeitos da relação laboral, tem desencadeado
uma gama de novos danos a direitos de personalidade.

Com olhos nessa realidade, não se pode descurar que o empregado, mesmo sujeito ao poder de
comando do empregador (poder de dirigir o empreendimento e de, nos casos que a lei autoriza,
aplicar o poder disciplinar), não se despe de sua condição de pessoa, titular de direitos humanos e
fundamentais, os quais devem ser tutelados em qualquer tempo e lugar nas múltiplas relações
sociais que entabula, nomeadamente, no mundo do trabalho.

Diante disso, assume relevância e centralidade o regime de direitos fundamentais, os quais,


preponderantemente pela sua eficácia horizontal (vinculação dos particulares),6 acaba constituindo
uma espécie de “escudo”, protegendo o trabalhador hipossuficiente/vulnerável do poder empregatício
(por vezes abusivo e, por decorrência, danoso aos direitos de personalidade do trabalhador) exercido
pelo tomador do serviço.

Nesse ponto, colhe-se a relevante lição de Ledur (2016, p. 358):

Em realidade, a opção do poder constituinte originário em lançar a base da República Federativa do


Brasil em normas fundamentais como a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa, além de atribuir caráter jusfundamental a série de direitos do
trabalho, importou a transição do centro do sistema de proteção do trabalho da Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT (LGL\1943\5)) para a Constituição. E, do ponto de vista de sua dimensão
jurídico-objetiva, os direitos fundamentais possuem função de proteção que se manifesta quando
servem como referência interpretativa de regras infraconstitucionais, asseguram proteção em
hipóteses em que os conflitos de direito privado revelam grande desequilíbrio entre as partes e
irradiam eficácia que alcança os direitos e deveres do trabalhador e do empregador/tomador do
trabalho na relação de emprego ou de trabalho (eficácia horizontal).

Com isso em mente, e dando cabo a esse ponto, cabe ao operador do direito estar sempre
conectado com as transformações sociais e proceder à constante atualização do sistema jurídico,
sempre conduzido pelas diretrizes constitucionais, de modo a fortalecer o sistema de proteção dos
direitos e garantias fundamentais, protegendo a pessoa e seu patrimônio (material e imaterial) contra
a ação potencialmente lesiva dos entes públicos e privados, nomeadamente e inclusive, no âmbito
das relações de trabalho.

Portanto, diante dessa interpretação sistêmica dos artigos em comento, percebe-se que a proteção
dos direitos de personalidade do empregado não se resume à proteção dos bens e interesses
expressamente nominados no art. 223-C, a saber, a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de
ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física.

Pode-se pensar em inúmeros outros interesses juridicamente relevantes, afetos aos direitos de
personalidade, que, se lesados, necessariamente acarretariam o dever de indenizar. Pense-se em
eventual direito moral de autor, de que fosse titular o empregado. Será que o empregador poderia se
utilizar de uma bela e interessante fotografia captada por um empregado, no âmbito de seu trabalho,
e compor com ela uma campanha publicitária da empresa sem autorização do seu empregado?
Evidentemente que não. Caso o fizesse, uma das possíveis respostas jurídicas seria o dever de
indenizar pela violação ao direito moral de autor (art. 7º, inc. VII, art. 24 e art. 79, da Lei 9.610/98).
Sobre o direito moral do autor sobre obras criadas em execução de contrato de trabalho, no Brasil e
em Portugal, v. a contribuição de Sá e Mello (2017, p. 13-28). Pense-se, também, na violação ao
direito à identidade pessoal – direito integrante do direito geral de personalidade, mesmo que ainda
não positivado em alguns ordenamentos (está consagrado em alguns textos constitucionais, como é
o caso do art. 26, 1, da Constituição de Portugal, e art. 2º da Constituição Peruana de 1993).
Referido direito envolve não só a identidade estática, manifestada pelo nome, genoma,
características físicas, impressões digitais, ascendência genética, sexo, data e lugar do nascimento
etc., mas também a identidade dinâmica. Sob este último ponto de vista, a identidade do ser humano
se constitui, enquanto ser livre, através de um processo contínuo, autocriativo, que se vai firmando,
afinando, mas também mudando, ao longo de uma existência. A personalidade que socialmente
projetamos enriquece-se e se molda durante a vida. Pressupõe um complexo de elementos, alguns
de caráter espiritual, psicológico ou somático, enquanto outros são de índole cultural, ideológica,
religiosa ou política. Essa combinação de elementos, em proporções singulares, é que, em seu
conjunto, caracterizam o ser humano como alguém diferente dos outros, insubstituível. Desse direito,
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extrapatrimoniais na área trabalhista

entendido como o direito de ser ele mesmo, decorre o direito de que não sejam atribuídos a uma
pessoa, por parte de terceiros (inclusive, obviamente, seu empregador), atitudes, condutas ou ideias
não verdadeiras e que não correspondem à sua verdadeira identidade (SESSAREGO, 1992, p. 15 e
81). É aquilo que faz, repetindo a lição kantiana, que o homem não tenha preço, mas sim dignidade.
Na doutrina italiana, afirma-se que o direito à identidade pessoal é o direito a que a projeção pessoal
da própria personalidade não sofra falsificações ou distorções decorrentes da atribuição de ideias,
opiniões ou comportamentos diferentes daqueles que a pessoa manifestou ao longo de sua vida de
relação (PINO, 2003, p. 9). Na doutrina pátria especializada, Choeri (2010, p. 244), refere que:

O direito fundamental à identidade inclui o direito de toda pessoa expressar sua verdade pessoal,
quem de fato é (...) a tutela da identidade impede que se falseie a “verdade” da pessoa, de forma a
permanecerem intactos os elementos que revelam sua singularidade como unidade existencial no
todo social.

Embora nosso direito não tenha ainda positivado tal figura, “isso não deve servir de obstáculo à sua
proteção”, afirma Schreiber, uma vez que “os direitos de personalidade são categoria aberta, que
abarca aspectos historicamente variáveis” (SCHREIBER, 2011, p. 211). Recentemente, aliás,
interessante artigo doutrinário foca especificamente o dano à identidade pessoal do trabalhador,
especialmente nas empresas de tendência, defendendo a existência desse direito no âmbito
trabalhista (MOLINA, 2017, p. 38-41).

Danos sofridos por atos discriminatórios ou por assédio moral igualmente não foram contemplados
de maneira clara no rol do art. 223-C. Todavia, por óbvio que tais figuras de danos necessariamente
deveriam ser objeto de compensação econômica, caso ocorram no ambiente do trabalho (SANTOS,
2017, p. 192-193).

Também chama atenção o fato do legislador ter se referido à liberdade de ação, mas não às outras
inúmeras formas de liberdade, como a de expressão, de religião etc., que potencialmente podem vir
a ser violadas ou restringidas pelo empregador.

Por outro lado, o legislador reformista previu a intimidade como bem tutelável, mas não fez menção à
vida privada, que com aquela não se confunde: basta ver que o próprio constituinte, em inciso (inc. X
do art. 5º) que menciona quatro direitos de personalidade, coloca lado a lado a intimidade e a vida
privada, como a demonstrar que não têm o mesmo significado. A intimidade, ou privacidade, é
aquela parte de nossas vidas que queremos manter em segredo, ou, pelo menos, nos reservamos o
direito de escolher com quem queremos compartilhar tais informações. Já a vida privada não
necessariamente diz respeito ao sigilo, ao segredo, mas sim constitui um exercício do direito à
autonomia privada, ou seja, representa o direito de governar nossas vidas particulares como
desejarmos, sem a influência do Governo, da família, da igreja, da sociedade, dos empregadores.
Representa o direito de tomar decisões que apenas a nós nos dizem respeito (desde que, é claro,
não violem normas de ordem pública nem prejudiquem terceiros), como é o caso da decisão de
casar ou manter-se solteiro ou em união estável, opções de gênero, de filiação partidária, de
associar-se a determinadas causas, ou clubes, ou associações, etc. Caso o empregador,
indevidamente, venha a cercear tal direito à vida privada, ferindo a própria ordem constitucional
(lembrando-se que o inciso X do art. 5º refere que “são invioláveis...”), porventura não seria o
empregador responsável civilmente por tal violação?

Poder-se-ia, também, lembrar outras figuras de danos extrapatrimoniais, conhecidas


doutrinariamente e reconhecidas jurisprudencialmente no âmbito europeu, como é caso dos loss of
amenities of life, tal como conhecida no âmbito da Common Law, ou préjudice d’agrément, como
praticada no direito francês (CASCELLA, 2016, p. 421). Tais figuras são perfeitamente compatíveis
com o nosso ordenamento jurídico, o qual outorga proteção integral à pessoa humana, por força da
principiologia constitucional, não se confundindo com o dano existencial de origem italiana.

Portanto, temos que não andou bem o legislador ao enumerar alguns bens ou interesses tuteláveis,
afirmando que aqueles “são os bens juridicamente tutelados”. Assim, a única forma de salvar referido
dispositivo da pecha de inconstitucionalidade, por excluir de indenização bens ou interesses
constitucionalmente protegidos, por revelarem direitos de personalidade e, portanto, direitos
fundamentais, é entendendo que referidos bens são tutelados, sim, mas não são somente esses os
bens tutelados. A interpretação mais adequada ao art. 223-C, portanto, é compreendê-lo como
simples especificação ilustrativa de alguns danos morais ou existenciais, mas sem exclusão de
outros.
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Tutela aquiliana do empregado: considerações sobre o
novo sistema de reparação civil por danos
extrapatrimoniais na área trabalhista

Vale registrar, por fim, mas não sem menor importância, que os bens jurídicos tutelados, ora em
apreço, são atribuídos à pessoa física, aí entendida não só como o empregado/trabalhador, mas
também como o empregador/tomador de serviço.

Com efeito, consoante o artigo 2 da CLT (LGL\1943\5),7 empregador é pessoa individual ou coletiva.
Logo, e até mesmo de forma frequente, figura como empregador pessoa física, como é corriqueiro
no âmbito doméstico, em pequenas oficinas, mercearias e prestação de serviços. Por decorrência, e
pelo fato de o contrato de trabalho/atividade ser bilateral, distribuindo direitos e deveres para ambos
os contratantes, não é cerebrina a hipótese do empregador, pessoa física, também sofrer danos
imateriais (aqui, preponderantemente, de direitos de personalidade) decorrentes de atos ilícitos
praticados pelo empregado/trabalhador.

A propósito, o artigo 482, alínea k, da CLT (LGL\1943\5),8 estabelece que o empregado pratica justa
causa para a sua despedida se enquadrar em ato lesivo da honra ou boa fama ou ofensas físicas
contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de
outrem.

Registre-se, a propósito, que são crescentes, por exemplo, o número de casos na jurisprudência em
que o empregado, através das redes sociais (Facebook, Twitter etc.) ofende a honra do
empregador/tomador de serviço, seja ele pessoa física ou jurídica, gerando a esses danos
extrapatrimoniais passíveis de reparação.

O legislador, porém, não se esqueceu de indicar orientações para a tutela de interesses do


empregador, confirmando, assim, o viés ideológico dos reformadores. É disso que trataremos na
sequência.

5 Os bens e interesses tuteláveis do empregador: art. 223-D

O próximo dispositivo a ser estudado criticamente é o art. 223-D da CLT (LGL\1943\5), o qual
preconiza: “A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são
bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica”.

No tocante ao preceito em tela, o primeiro ponto que desperta a atenção é o fato de que, de regra,
no âmbito das relações de trabalho, quem é alvo de especial proteção por parte do direito laboral é o
empregado/trabalhador, e não a pessoa jurídica do empregador. Isso é assim porque, histórica e
dogmaticamente, existe uma relação assimétrica (materialmente desigual) entre o empregado e o
empregador, na medida em que este possui o poder de direção/comando do empreendimento, ao
passo que aquele se coloca à disposição, aguardando ou executando ordens.

Diante disso, em face do poder empregatício do empregador, o direito do trabalho consagrou o


princípio da proteção, derivado do princípio da igualdade material, para proteger a parte considerada
hipossuficiente/vulnerável da relação laboral, no caso, o empregado.

Confira-se a lição de Camino (2004, p. 96):

A preocupação em implementar essa igualdade substancial expressa-se no princípio da proteção do


trabalhador, “a própria razão de ser do direito do trabalho”. Há, praticamente, uma unanimidade em
torno da proteção como ideia fundante do direito do trabalho. Todos os grandes tratadistas dessa
área juscientífica assim o afirmam. Esse princípio traduz a premissa de que se deve favorecer aquele
a quem se pretende proteger. Tal leva a uma constatação de unilateralidade do direito do trabalho,
expresso na intenção deliberada de tutelar o hipossuficiente na relação com o capital.

Tanto é assim que o artigo 7º da Constituição Federal preconiza direitos e garantias fundamentais
para o trabalhador, e não para o empregador, com o fito de garantir os meios (prestações) de
subsistência e a dignidade do laborioso.

Todavia, no caso em apreço, observa-se que o novo sistema de reparação civil de danos
extrapatrimoniais no âmbito das relações de trabalho também preconiza proteção à pessoa jurídica,
nomeadamente, ao empregador (na medida em que, por conceito, o empregado é sempre pessoa
física), tutelando, diante da bilateralidade da relação contratual, as esferas moral e existencial do
empreendimento.

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Tutela aquiliana do empregado: considerações sobre o
novo sistema de reparação civil por danos
extrapatrimoniais na área trabalhista

Tem-se que a medida é acertada e juridicamente correta, porquanto a pessoa jurídica também pode
sofrer danos extrapatrimoniais por violação a direitos ou interesses jurídicos seus.

Desse modo, a pessoa jurídica, conforme reconhecido pela norma em debate, também possui
direitos tuteláveis, ligados a sua esfera moral (pura, ou com reflexos patrimoniais), passíveis de
proteção e de reparação no seio das relações de trabalho, estando legitimado para exercer as
respectivas pretensões em juízo, quer em ação própria direta, quer através de reconvenção ou
contrapedido em face de reclamatória trabalhista eventualmente proposta por empregado ou
ex-empregado.

Cabe salientar, ainda nesse ponto, que, tal foi comentado no artigo anterior, o rol de bens jurídicos
tuteláveis inerentes à pessoa jurídica e passíveis de reparação por danos extrapatrimoniais também
é exemplificativo, não excluindo outros que por lei, acordo coletivo, convenção coletiva, doutrina ou
jurisprudência venham a ser reconhecidos, diante dos multifacetados acontecimentos que o mundo
do trabalho vai experimentando ao longo de sua evolução.

Por fim, merece registro que o “sigilo de correspondência” não é um bem jurídico tutelável apenas
em prol da pessoa jurídica, mas também em prol da pessoa física (empregado e empregador pessoa
física), posto que os mesmos, constitucionalmente (art. 5, XII, da CF (LGL\1988\3)),9 também são
titulares de igual proteção. Vale ter presente que, quando se fala de correspondência, abarca-se não
só na modalidade física, mas também a eletrônica (e-mail) devendo o empregador/tomador de
serviço, pessoa jurídica, ante a sua vinculação ao regime de direitos fundamentais (eficácia
horizontal, já anteriormente vista) abster-se de violar o sigilo de correspondência de seu
empregado/trabalhador, nomeadamente se a correspondência (física ou eletrônica) nada tem a ver
com a atividade laborativa. Do contrário, pensa-se, responderá igualmente por possíveis danos
extrapatrimoniais.

6 A legitimidade passiva: responsabilidade conjunta ou solidária?

O artigo 223-E trata da legitimidade passiva da ação reparatória, estatuindo que “São responsáveis
pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado,
na proporção da ação ou da omissão”.

O preceito em análise acerta ao contemplar uma das tendências contemporâneas da


responsabilidade civil, que é a de alargar/ampliar a cadeia de pessoas/entes responsáveis pela
reparação do dano.

Contudo, traz solução pior que aquela ofertada pelo direito comum, que até então vinha sendo
subsidiariamente aplicável à espécie por força do artigo 8º da CLT (LGL\1943\5), conforme já visto
em linhas pretéritas.

Com efeito, tanto o artigo 942 do Código Civil (LGL\2002\400)10 quanto o artigo 7º, parágrafo único,
do Código de Defesa do Consumidor11 consagram a responsabilidade solidária entre os agentes
causadores do evento danoso, podendo o lesado pleitear a indenização, e por inteiro, em face de
qualquer um deles. Trata-se de uma solução que tem raízes tão longínquas quanto o direito romano.

É o que pontua Miragem (2015, p. 336), com apoio em idêntica noção no direito comparado:

Em relação à solidariedade dos autores do dano pela obrigação de reparação, a regra do art. 942 do
Código Civil (LGL\2002\400) constitui espécie de obrigação in soludum, com antecedentes bastantes
antigos, remontando à solução romana para o caso dos danos decorrentes de dolo e violência,
presentes no Digesto.

Por conseguinte, não se discute o grau de contribuição de cada um dos agentes na provocação do
dano. Todos que contribuíram para a lesão respondem solidariamente. Diante desse quadro,
constata-se que o dispositivo em comento, em vez de proporcionar um avanço na matéria,
protegendo mais efetivamente o lesado, em verdade, apresenta uma solução que representa
retrocesso em face do que já se havia alcançado no âmbito do direito comum (direito civil e do
consumidor).

Para compreender isso, cita-se lição de Noronha (2013, p. 685) a respeito da razão de ser do regime
dos artigos 942 do Código Civil (LGL\2002\400) e do art. 7º, parágrafo único, do Código de Defesa
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do Consumidor:

Justifica-se plenamente a solução legal. Se existisse apenas um responsável, ele teria de arcar
sozinho com a total indenização do lesado. Se agora, em vez de um, são vários os responsáveis,
não se justifica que eles, só por isso, sejam beneficiados, respondendo cada um por uma parte do
prejuízo. Por outro lado, eventual divisão da responsabilidade imporia ao lesado um ônus
injustificado, o de ter de demandar todos os responsáveis, e ao mesmo tempo iria sujeitá-lo ao risco
de insolvência de algum deles: se um deles não pudesse pagar a sua parte, o lesado não poderia
exigi-la dos outros. É por estas razões que todos os corresponsáveis respondem solidariamente
perante o lesado.

Como no mundo do trabalho é comum a prestação de serviços terceirizados, bem como a


associação de duas ou mais empresas para explorar uma dada atividade econômica, o assunto é de
relevo e de importância.

Com efeito, o empregado, considerado vulnerável na relação de trabalho, muitas vezes atua em um
dado empreendimento e sequer sabe quem é ou quem são os seus reais empregadores, ante os
fenômenos já mencionados.

Daí porque é relevante a medida ofertada pelo direito comum, de reconhecer a solidariedade entre
todos os causadores do dano, sem estabelecer proporcionalidades ou divisões, porquanto isso
prejudica sobremaneira a posição do trabalhador e beneficia a condição do empregador,
subvertendo o princípio da proteção, já abordado em momento anterior deste estudo.

Interpretando-se o dispositivo em comento em conformidade com a Constituição, tem-se que a


solução ofertada pelo direito comum (solidariedade entre os agentes causadores do dano) prevalece
sobre a solução apresentada pelo dispositivo celetista ora em análise (repartição da
responsabilidade na proporção da ação ou omissão de cada um dos agentes causadores do dano),
na medida em que, por força do artigo 7º, caput, da Constituição Federal, que abarca o princípio da
norma mais favorável,12 sempre prevalece, no caso concreto, a norma mais benéfica ao
empregado/trabalhador, por traduzir uma melhoria em sua condição social, conforme já abordado.

Agora, como o empregador/tomador do serviço não é alvo da proteção especial na esfera do direito
do trabalho e do direito constitucional do trabalho, já que não é considerado vulnerável na relação de
emprego, acaso a lesão seja causada por dois ou mais empregados em desfavor de um
empregador, cada um dos empregados envolvidos responderá na medida de sua efetiva participação
(comissiva ou omissiva) para o evento danoso, adotando-se a solução da responsabilidade em igual
proporção somente se não se puder divisar uma diferença na atuação causal de cada um.

Disciplinada a questão de saber quem são os responsáveis e como respondem eles, o legislador
volta sua atenção para o que pode ser pedido numa ação de reparação de danos. É o tema do
próximo item.

7 Da cumulação de pedidos

O artigo 223-F da CLT (LGL\1943\5) disciplina a cumulação de pedidos da seguinte forma:

A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por
danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.

§ 1º Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os valores das


indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de natureza
extrapatrimonial.

§ 2º A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os danos


emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais.

O preceito em tela, em seu caput, não apresenta inovação, posto que, na dogmática da reparação
civil, de há muito, é possível pleitear, de forma cumulativa, a reparação de danos materiais e
imateriais decorrentes do mesmo ato lesivo. Trata-se de opção racional, comprometido com a
celeridade processual e redução de custos.

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Tutela aquiliana do empregado: considerações sobre o
novo sistema de reparação civil por danos
extrapatrimoniais na área trabalhista

No tangente ao § 1º, da mesma sorte, a norma nada apresenta de novo, pois apenas reproduz o que
é corriqueiro nas soluções judiciais das demandas reparatórias que se processam na Justiça
Obreira, que é justamente a discriminação dos valores devidos a título de danos patrimoniais e
danos extrapatrimoniais.

Em alguns julgados, ocorre do Juízo, mais precisamente no tocante a danos patrimoniais, fixar
critérios para apurar o quantum debeatur, v.g., o valor da remuneração do empregado, o tempo do
pensionamento, juros e correção monetária, remetendo a apuração, por simples cálculo, para a
liquidação de sentença. Mas, no tocante a danos extrapatrimoniais, a regra é a fixação, desde logo,
do valor a ser indenizado à vítima. Vale notar, contudo, que se afigura imprópria a norma em apreço
referir e regrar os danos patrimoniais e sua pronta valoração em sentença, posto que inserida no
título “danos extrapatrimoniais”.

No tangente ao § 2º, novamente, o legislador, de forma imprópria, ou ao menos incoerente, volta a


referir e regrar danos patrimoniais (danos emergentes e lucros cessantes), quando o título em que
inserido dito dispositivo diz respeito, tão somente, a danos extrapatrimoniais. Nada obstante,
esclarece, talvez para atingir um objetivo didático, que a fixação dos danos materiais não interferem
na caracterização e quantificação dos danos extrapatrimoniais, reconhecendo que se tratam de
esferas autônomas e independentes de danos, que não se abatem e não se compensam entre si.

Assim, a impressão que fica é a de que se trata de norma desnecessária – e, em certas passagens,
atécnica –, pois nem introduz orientação nova, nem corrige distorções na prática diuturna dos
julgamentos.

Quisesse o legislador realmente inovar positivamente, poderia então exigir dos julgadores que, no
caso de caracterização de vários tipos de danos extrapatrimoniais, devesse identificá-los, justificá-los
e quantificá-los separadamente.

Imagine-se o caso de um empregador negligente quanto à segurança nas condições de trabalho de


seus empregados. Por culpa sua, um acidente ocorre, vitimando três empregados na mesma ocasião
(exemplificativamente, o desabamento de um andaime móvel de construção civil, comprado
sucateado e usado sem qualquer revisão quanto à sua segurança). Suponha-se que se trate de três
serventes de pedreiros, ganhando o mesmo salário, do mesmo empregador, vitimados no mesmo
ato. Portanto, as condições objetivas do acidente são as mesmas para os três. O que pode diferir
são os danos extrapatrimoniais sofridos por cada um: gravemente feridos, os três são levados ao
hospital, onde ficam internados por cerca de um mês, durante o qual são submetidos a cirurgias,
correm risco de vida e padecem das naturais dores, angústias e grandes desconfortos inerentes a tal
situação. Essa situação configura o chamado dano moral puro (ou subjetivo, na terminologia usada
na Itália – MIRABELLI DI LAURO; FEOLA, 2014, p. 116; SCOGNAMIGLIO, 2009, p. 462),
caracterizado exatamente pela dor, angústia, grave desconforto etc. A título de danos morais puros,
assim, provavelmente será concedido o mesmo valor a todos os três empregados. Acontece, porém,
que além dessa situação comum aos três, houve diferenças importantes entre eles quanto às
sequelas. Ao deixarem o hospital, um deles ficou restabelecido plenamente, não padecendo de
qualquer sequela. A ele, portanto, não seriam devidas outras rubricas além dos danos morais puros.
Já os outros dois sofreram outros danos, pois ficaram com uma perna mais curta que a outra,
tiveram um olho vazado e o rosto desfigurado. A esses dois empregados, portanto, devem ser
reconhecidos ulteriores danos, distintos dos danos morais puros. Referimo-nos aos danos biológicos
(ou físicos) – perda ou comprometimento de órgão ou função – e aos danos estéticos (no caso,
ambos estão presentes. Mas pode um existir sem o outro: basta pensar em alguém que perde ou
tem comprometido um órgão interno – haveria dano biológico, sem haver dano estético; ou uma
cicatriz deformante no rosto – haveria dano estético, mas não necessariamente um dano biológico).
A esses dois empregados, portanto, diferentemente do primeiro, deveriam ser reconhecidos, além
dos danos morais puros, também um valor para compensar os danos biológicos e os danos
estéticos. Supondo-se que objetivamente as sequelas fossem as mesmas para ambos, o valor de tal
rubrica igualmente seria o mesmo para ambos. Imaginemos, agora, que o segundo desses
empregados, após a convalescência, consiga retomar suas atividades, em funções adaptadas às
suas condições. Por uma predisposição psicológica e crença religiosa, considera-se feliz por não ter
morrido e segue sua vida sem maiores percalços. Provavelmente a indenização a que fará jus
restringir-se-á aos itens anteriormente referidos (danos morais puros, danos físicos ou biológicos e
danos estéticos). Já o terceiro empregado, além de objetivamente padecer dos mesmos problemas
físicos e estéticos (afora os danos morais puros), ficou com graves sequelas psíquicas: entrou em
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depressão crônica, considerando-se injustiçado, achando-se deformado. Passou a evitar sair,


permanece a maior parte do seu tempo recluso dentro de sua casa. Antigamente, provavelmente
seria reconhecido a ele um dano psíquico ou abalo psicológico. Atualmente, haveria a tendência de
enquadrar tal situação na figura do dano existencial, de origem italiana, caracterizado especialmente
pelo comprometimento das “atividades realizadoras da pessoa”, ou seja, um “não mais poder fazer”
aquilo que se fazia anteriormente ao evento danoso ou um “ter de fazer de outra forma” (ROSSI,
2014, p. 69).

O exemplo anterior demonstra que, por vezes, há espécies de danos extrapatrimoniais distintos,
cada um com seus requisitos. Temos que cada um deles deveria ser pleiteado de forma
fundamentada e o julgador, na sentença, deveria igualmente fundamentar a sua presença e indicar
quanto está fixando para cada uma das rubricas de danos extrapatrimoniais. Isso permitiria, por
exemplo, que as partes pudessem eventualmente concordar com a fixação de determinada rubrica e
insurgir-se apenas em relação à outra. Tal exigência tornaria mais racional o debate sobre o
montante dos danos e evitaria simplificações, como ocorreria quando o juiz, diante de situações tão
díspares como a do exemplo figurado no parágrafo anterior, se limitasse a fazer avaliações globais, a
título de “danos morais”, fixando valor único.

Preciosa oportunidade perdida pelo legislador reformista, portanto.

Passa-se à análise do último dispositivo reformista.

8 Critérios legais para a fixação do valor da indenização

Por fim, aborda-se o artigo 223-G da CLT (LGL\1943\5), cujo teor é o seguinte:

Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:

I – a natureza do bem jurídico tutelado;

II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação;

III – a possibilidade de superação física ou psicológica;

IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;

V – a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;

VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;

VII – o grau de dolo ou culpa;

VIII – a ocorrência de retratação espontânea;

IX – o esforço efetivo para minimizar a ofensa;

X – o perdão, tácito ou expresso;

XI – a situação social e econômica das partes envolvidas;

XII – o grau de publicidade da ofensa.

§ 1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos,
em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

§ 2º Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos
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parâmetros estabelecidos no § 1º deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.

§ 3º Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.

No seu caput e incisos, o dispositivo em tela estabelece fatores que o Juízo deve levar em
consideração para fixar (dosimetria) o dano extrapatrimonial. Numa primeira análise, afiguram-se
pertinentes os fatores em questão. De outra sorte, apresentam-se como inovatórios na temática da
quantificação do dano, ao menos no âmbito das relações de trabalho, as circunstâncias
consideradas como “atenuantes” ou capazes de abater/diminuir o quantum indenizatório, a saber: a
ocorrência de retratação espontânea, o esforço efetivo para minimizar a ofensa e o perdão, tácito ou
expresso. Nos dois primeiros casos, parece ser adequado avaliar se o agressor se retratou ou
empenhou esforço para minimizar a ofensa, posto que a reparação que o ofendido persegue nem
sempre é pecuniária ou apenas pecuniária. No último caso, perdão tácito ou expresso, questiona-se
se remanesce ou não a pretensão (acaso pecuniária).

Vale considerar que o dispositivo em tela opta por disciplinar a quantificação de forma mais
minudente, diferentemente da solução do artigo 944 do Código Civil (LGL\2002\400)13 que, de forma
mais simples, diz apenas que a indenização mede-se pela extensão do dano. Assim, em forma
lapidar, consagra-se o princípio da reparação integral (restitutio in integrum), no seu duplo sentido de
que todo o dano deve ser reparado (função compensatória) e nada mais do que o dano deve ser
reparado (função indenitária) (SANSEVERINO, 2010, p. 58-59). Expressa-se, assim, que a
responsabilidade civil tem por objetivo a neutralização do dano, fazendo com que esse seja
suportado pelo seu responsável e não pela vítima. Esta, porém, não deve ficar em situação melhor
que a que estava antes da ocorrência do evento danoso. Por outro lado, referido art. 944/CC também
significa que o montante da indenização por danos materiais não deve sofrer a influência do
elemento subjetivo. Assim, se o agente causador tiver produzido um dano de cem, não deverá
indenizar mais do que cem, quer tenha agido com dolo, culpa grave, culpa levíssima, ou até
mediante responsabilização objetiva.

De outra sorte, mesmo estabelecendo uma série de fatores para a dosimetria da indenização, a
norma celetista nada refere sobre a chamada “culpa concorrente”, tratada pelo artigo 945 do Código
Civil (LGL\2002\400),14 a qual, uma vez reconhecida, também tem o condão de afetar o quantum
debeatur da indenização. Nada obstante, na linha defendida de que o sistema de reparação civil por
danos extrapatrimoniais no âmbito das relações de trabalho deva ser considerado como aberto (e
não fechado como insinua o artigo 223-A da CLT (LGL\1943\5)), entende-se cabível a consideração
da presença de culpa concorrente do empregado na matéria em apreço.

Isso assentado, o § 1º prossegue na temática da quantificação do dano, estabelecendo limites (tetos)


para a sua fixação. Assim, sendo leve, média, grave ou gravíssima, a indenização não poderá
passar, respectivamente, a 3, 5, 20 e 50 salários contratuais do ofendido.

No particular, tem-se que o legislador, ao prefixar os limites das indenizações segundo a gravidade
da culpa, não adotou a melhor solução. A uma, porque, por princípio geral, a indenização deve ser
fixada na exata extensão do dano (restituto in integrum), o que pode conduzir a situações cuja
gravidade ou intensidade do dano, e correspectiva indenização, esteja a sugerir/impor a superação
do teto fixado; a duas, porque ao fixar os tetos indenizatórios em um dado número de salários
contratuais do ofendido, o legislador parece fazer distinções inaceitáveis entre a dignidade de
trabalhadores que, pelo mesmo fato indenizável, recebem salários diversos.

Tome-se, por exemplo, o dano-morte. Um operário que ganha R$ 1.000,00 e o supervisor de


produção, que ganha R$ 20.000,00, são atingidos por uma explosão da caldeira e ambos morrem no
evento. O laudo pericial indica que a explosão se deu por falta de manutenção na caldeira, que
deveria ser mensal e fazia mais de dois anos que não ocorria, apesar de eventos menores anteriores
terem indicado que já havia problemas com esta. O Juiz considera que a empresa obrou com culpa
gravíssima. Observado o teto fixado para a indenização, na melhor das hipóteses, a indenização
pela morte do operário, a título de danos extrapatrimoniais, seria de R$ 50.000,00, ao passo que a
decorrente do óbito do supervisor, nas mesmas condições, ficaria em R$ 1.000.000,00. Será que
essa discrepância indenizatória se sustenta? Será que a dignidade do operário é inferior ao do
supervisor? Pensa-se que não.

A declaração Universal dos direitos humanos15 preconiza, em seu artigo primeiro, que todos os seres
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humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Assim sendo, essa disparidade de
tratamento, no que diz respeito ao quantum indenizatório, não se sustenta. Logo, no ponto, a norma
em tela, acredita-se, não resiste ao controle de constitucionalidade, por ferir, em ambos os casos, os
princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

A respeito, colhe-se a lição de Moraes (2003, p. 117):

O substrato material da dignidade (...) pode ser desdobrado em quatro postulados: i) o sujeito moral
(ético) reconhece a existência de outros como sujeitos iguais a ele, ii) merecedores do mesmo
respeito à integridade psicofísica de que é titular; iii) é dotado de vontade livre e autodeterminação;
iv) é parte do grupo social, em relação ao qual tem a garantia de não vir a ser marginalizado. São
corolários desta elaboração os princípios jurídicos da igualdade, da integridade física e moral –
psicofísica –, da liberdade e da solidariedade. De fato, quando se reconhece a existência de outros
iguais, daí dimana o princípio da igualdade; se os iguais merecem idêntico respeito à sua integridade
psicofísica, será preciso construir o princípio que protege tal integridade; sendo a pessoa
essencialmente dotada de vontade livre, será preciso garantir, juridicamente, esta liberdade; enfim,
fazendo ela, necessariamente, parte do grupo social, disso decorrerá o princípio da solidariedade
social.

Já o disposto no § 2º do artigo em estudo não apresenta a mesma inadequação, na medida em que


adota as mesmas gradações de culpa do § 1º, mas, agora, tendo como teto o salário do ofensor, de
forma a atender a capacidade econômica deste.

De outra sorte, quanto ao preconizado no § 3º, a norma estabelece que, no caso de reincidência
entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização. No tocante, pensa-se
que a medida assume caráter pedagógico e visa demover o ofensor de reiterar na prática lesiva.
Contudo, ao elevar ao dobro na hipótese de reincidência, a medida escapa da diretriz geral oriunda
do direito comum de que a indenização deve ser fixada na exata extensão do dano, consagrando
uma espécie de “dano punitivo”, não contemplado, até então, no nosso sistema normativo.

9 Conclusão

Nessas primeiras linhas sobre o novo regime de reparação de danos extrapatrimoniais no âmbito das
relações trabalhistas não foi possível, por óbvio, esgotar o tema nem aprofundar todas as questões
suscitadas.

Nosso objetivo, mais modesto, foi o de apresentar um panorama geral das pretendidas alterações,
mostrando seu alcance, suas virtudes, suas inovações, mas também suas fraquezas, eventuais
inconsistências e potenciais inconstitucionalidades.

Acreditamos ser possível melhorar o resultado da reforma pela via hermenêutica. Para tanto, é
imprescindível que os operadores jurídicos percebam que o instituto da responsabilidade civil tem
uma história milenar e profundas raízes, especialmente na área do direito civil. Desprezar toda a
contribuição oriunda dos profissionais que trabalham naquela área e pretender “reinventar a roda”,
isolando a análise do novel texto e pretendendo ver nele um sistema fechado, seria não só
contraprodutivo, mas dogmaticamente inconsistente.

Parte-se, assim, da constatação de que, apesar das óbvias peculiaridades setoriais, o direito é um
todo, cujas partes necessariamente devem se comunicar. Não há guetos jurídicos, nem muros
divisórios entre áreas do direito. Impõe-se, assim, um diálogo entre as diversas fontes do direito – lei,
doutrina, jurisprudência, bem como entre legislação nacional, tratados e convenções internacionais
–, observando-se também as contribuições do direito comparado.

E, sobretudo, examinando a reforma legislativa permanentemente com a lente da Constituição e


seus princípios, poderemos fazer com que o novo regime da responsabilidade civil extracontratual na
área trabalhista efetivamente cumpra a missão da qual não pode se afastar: através da tutela
aquiliana de seu direito à intangibilidade psicofísica, moral e existencial, proteger a dignidade da
pessoa do trabalhador.

10 Referências

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Tutela aquiliana do empregado: considerações sobre o
novo sistema de reparação civil por danos
extrapatrimoniais na área trabalhista

1 Henri de Page, clássico autor belga da responsabilidade civil, invocou as palavras com que Dante
encimou a porta do Inferno – “Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate” (Abandonai toda esperança,
vós que entrais!) (A Divina Comédia, 1ª estrofe do Canto III, 1ª Parte – Inferno) – para alertar aqueles
que se lançam ao estudo da responsabilidade civil da dificuldade do tema.

2 Em tradução livre: uma política sadia recomenda que os prejuízos permaneçam onde caírem,
exceto quando uma razão especial puder ser invocada para alterar esse resultado. A mais frequente
dessas razões é ter a parte demandada agido com culpa.

3 A respeito, cita-se o artigo 8º da CLT (LGL\1943\5): “As autoridades administrativas e a Justiça do


Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela
jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito,
principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito
comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o
interesse público” (grifos nossos). Vale notar que tal realidade ficou ainda mais clara com a nova
redação do dispositivo em tela, introduzida pela Lei 13.467/2017, que inseriu, no art. 8º, ora
reproduzido, o § 1º, vazado nos seguintes termos: “O direito comum será fonte subsidiária do direito
do trabalho” (grifos nossos).

4 O artigo 7º, caput, da Constituição estabelece: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...]” (grifo nosso). Sobre essa temática,
recomenda-se a leitura do Capítulo 3, intitulado Teoria da abertura material do catálogo de direitos
fundamentais e a aplicação das convenções internacionais da OIT nas relações de Trabalho no
Brasil, de: GOLDSCHMIDT, Rodrigo. Direito internacional do trabalho: o estado da arte sobre a
aplicação das convenções internacionais da OIT no Brasil. São Paulo: LTr, 2016.

5 Soares, pioneira no tratamento monográfico sobre danos existenciais entre nós, assim expõe sua
noção: “(…) é a lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da
personalidade do sujeito, abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social. É uma afetação negativa,
total ou parcial, permanente ou temporária, seja a uma atividade, seja a um conjunto de atividades
que a vítima do dano, normalmente, tinha como incorporado ao seu cotidiano e que, em razão do
efeito lesivo, precisou modificar em sua forma de realização, ou mesmo suprimir de sua rotina”
(SOARES, 2009, p. 44-45). Em obra mais recente, voltada ao direito do trabalho, a mesma autora,
embasada na jurisprudência da mais alta Corte italiana, refere que “o dano existencial corresponde a
um prejuízo que afeta negativamente os ‘hábitos de vida’ e a ‘maneira de viver socialmente’,
‘perturbando seriamente’ a rotina pessoal e privando a pessoa ‘da possibilidade de exprimir e realizar
sua personalidade no mundo externo’” (SOARES, 2017, p. 120).

6 Sobre isso, colhe-se a lição de Marmelstein: “Como se sabe, os direitos fundamentais foram
concebidos, originariamente, como instrumentos de proteção dos indivíduos contra a opressão
estatal. O particular era, portanto, o titular dos direitos e nunca o sujeito passivo. É o que se pode
chamar de eficácia vertical dos direitos fundamentais, simbolizando uma relação (assimétrica) de
poder em que o Estado se coloca em uma posição superior em relação ao indivíduo. No entanto,
atualmente, onde cada vez é mais aceita a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, tem-se
reconhecido que os valores contidos nesses direitos projetam-se também nas relações entre
particulares, até porque os agentes privados – especialmente aqueles detentores de poder social e
econômico – são potencialmente capazes de causar danos efetivos aos princípios constitucionais e
podem oprimir tanto ou até mais do que o Estado. (…) Em decorrência dessa constatação de que a
sociedade também pode tiranizar tanto quanto o Estado e também pode cometer violações aos mais
básicos direitos do ser humano, fala-se, hoje na aplicação dos direitos fundamentais nas relações
privadas, ou seja, esses direitos deixaram de ser um mero instrumento de limitação do poder estatal
para se converter também em uma ferramenta de conformação ou modelação de toda a sociedade,
melhor dizendo, em um 'sistema de valores' a orientar toda ação pública e privada. É o que se pode
chamar de eficácia horizontal dos direitos fundamentais” (MARMELSTEIN, 2014, p. 337-338). Para
aprofundar o estudo sobre a temática da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou a
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vinculação dos particulares ao regime de direitos fundamentais, recomenda-se: MIRANDA (2012, p.


331 e ss.); SARMENTO (2004, p. 234 e ss.); SARLET; MARINONI; MITIDIERO (2012, p. 323 e ss.);
CANARIS (2003, p. 52 e ss.); MONTEIRO; NEUNER; SARLET (2007, p. 111 e ss.); STEINMETZ
(2004, p. 135 e ss.); DUQUE (2013, p. 39 e ss.).

7 “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da


atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.”

8 “Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:


[…]

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e
superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem.”

9 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das


comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”

10 “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação
do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela
reparação. Parágrafo único: São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as
pessoas designadas no art. 932.”

11 “Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções
internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos
expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios
gerais do direito, analogia, costumes e equidade. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa,
todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.”

12 Trata-se de princípio através do qual, diante de duas ou mais normas que incidem
simultaneamente em uma mesma relação jurídica, prevalecerá a que for mais favorável ao
trabalhador, encontrando-se positivado no seio da Carta Política de 1988, no caput do art. 7º. Para
aprofundamento, confira GOLDSCHMIDT, Rodrigo. Flexibilização dos direitos trabalhista: ações
afirmativas da dignidade humana como forma de resistência. São Paulo: LTr, 2009.

13 “A indenização mede-se pela extensão do dano”.

14 “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada
tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.”

15 Disponível em: [https://nacoesunidas.org/direitoshumanos]. Acesso em: 09.08.2017.

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