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A RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL

LIBERAL E A PERDA DE UMA CHANCE

Olímpio Antônio de Paulo Neto 1


Rafael Gomes da Silva2
Patrick José Souto 3

Resumo: O presente estudo é desenvolvido para discutir os pressupostos da responsabilidade civil do


profissional liberal e sobre a aplicação da teoria da perda de uma chance. É notório que com o
advento da Constituinte de 1988 direito ao exercício de toda e qualquer profissão é
constitucionalmente assegurado. Segundo a classificação doutrinária das normas constitucionais, o
direito de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão é uma norma constitucional de eficácia
contida, possuindo aplicabilidade direta e imediata, mas não integral. Significa dizer que apesar de tal
norma possuir condições de produzir seus efeitos, quando da entrada em vigor da Constituição, esta
poderá ter reduzida sua abrangência, como ocorre em diversas profissões no cenário nacional.
Entretanto, apesar de existência de diversas entidades de classes regulando a atuação destes
profissionais, por questões atreladas à competência legislativa, estas só se limitaram à disciplinar
normas de condutas éticas e disciplinares, ficando a cargo da legislação civilista, especificamente o
Código de Defesa do Consumido atribuir a responsabilidade civil destes trabalhadores. Nesse viés, o
presente estudo possui a finalidade de debater a aplicabilidade da teoria da perda de uma chance, com
foco na responsabilidade civil do profissional liberal e como se dará a mensuração do dano à luz da
razoabilidade e proporcionalidade. Analisando o posicionamento de diversos juristas, e dos Tribunais
Superiores, constatou-se que existe diversos posicionamentos acerca do tema, violando o princípio da
segurança jurídica corolário do Estado de Direito. Desse modo, a pesquisa é realizada em três partes:
a primeira visa discutir a teoria da perda de uma chance como mitigação do nexo causal; a segunda
visa discutir a teoria da perda de uma chance como terceiro gênero de indenização, não possuindo
vinculação com dano emergente e o lucro cessante; a terceira visa discutir a mensuração da
indenização ou da compensação. Com o objetivo de desenvolver um estudo explicativo do tema, foi
realizado diversas pesquisas, através de levantamentos bibliográficos e jurisprudenciais que analisam
os aspectos da responsabilidade civil do profissional contemporâneo. Portanto, o presente estudo é
concentrado a discutir de modo genérico os pressupostos da responsabilidade civil do profissional
liberal, e de modo específico sobre a aplicação da mencionada teoria.

Palavras-Chave: Responsabilidade Civil, Profissional Liberal, Perda de uma Chance.

1 Graduando em Direito pela Faculdade Castelo Branco. Endereço Eletrônico:


rafaelgomes3991@hotmail.com
2Graduando em Direito pela Faculdade Castelo Branco. Endereço Eletrônico: olimpioa80@gmail.com
3
Orientador: Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professor da
Faculdade Castelo Branco. Defensor Público do Estado do Espírito Santo. E-mail: patricksouto@yahoo.com.br
1. INTRODUÇÃO

É notório que com o advento da Constituição Federal de 1988 o constituinte


estabeleceu diversas atribuições a serem seguidas e respeitadas pelo legislativo. Algumas
dessas garantias, por exemplo, é que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do
consumidor (art. 5º, XXXII). Com a advento da Lei 8.078/1990, a qual estabeleceu a
responsabilidade civil do profissional liberal, esta não abarcou nenhuma modalidade de dano
ou como se dará sua mensuração, estabelecendo somente que se verificará mediante culpa.
Nas palavras de Sergio Cavalieri Filho:
Algumas profissões, pelo risco que apresentam para a sociedade, estão sujeitas à
disciplina especial. O erro profissional, em certos casos, pode ser fatal, razão pela
qual é preciso preencher alguns requisitos legais para o exercício de determinadas
atividades laborativas, que vão desde a diplomação em curso universitário, destinado
a dar ao profissional habilitação técnica e científica, até a inscrição no órgão
especial. (FILHO, 2007, p. 368)

Em face do particularismo dessas profissões, é quase impossível formular um sistema


geral para equacionar os problemas da responsabilidade profissional em seu conjunto. Alguns
geram obrigação de resultado, como no caso do engenheiro, outros por sua vez, gera
obrigação de meio ou de diligência, de sorte que cada estudo de cada profissão deve ser feito
separadamente.
Nesse sentido, observando o constante desenvolvimento da responsabilidade civil, viu-
se o legislador a necessidade de positivar uma norma que suprisse eventuais lacunas não
preenchidas pelo o código civil de 1916. A cláusula geral de responsabilidade civil esculpida
no art. 159 do mencionado diploma já era considerada ultrapassada. Devido a isso, o
Congresso Nacional editou o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). Apesar de
vigorar a regra da responsabilidade objetiva no CDC, devido as particularidades de cada
profissão o legislador incluiu uma ressalva quando a relação de consumo envolve o
profissional liberal, sendo a responsabilidade subjetiva, ou seja, necessitando a averiguação da
culpa profissional.
A despeito disso, os demais institutos jurídicos consagrados no CDC são perfeitamente
aplicáveis na relação de consumo envolvendo o profissional liberal, como a inversão do ônus
probante.
Entretanto, devido a constante evolução da responsabilidade civil, e a incapacidade do
legislador ordinário regular toda e qualquer situação, faz-se necessário buscar alguns
institutos jurídicos adotados por outros países a fim de sanar toda e qualquer lacuna em nosso
ordenamento, desde que respeite outrora todos os princípios e regras pré-estabelecidos pelo
legislador ordinário.
Com o objetivo de diminuir esse hiato no ordenamento, juristas brasileiros, bem como
a jurisprudência abraçaram uma teoria chamada Perda de uma Chance que originariamente
começou a possuir aplicabilidade no Direito Francês e a posteriori no Direito Italiano,
fomentando os debates.
Diante da relevância do mencionado assunto, e o pouco aprofundamento jurídico
acerca de tal teoria, faz-se necessário um estudo pormenorizado a respeito do tema, e sua
aplicabilidade no que tange ao profissional libera e qual tipo de dano configura a
aplicabilidade de tal estudo.

2. CONCEITO DE PROFISSIONAL LIBERAL E AFINS

Sergio Cavalieri Filho, citando a Confederação Nacional dos Profissionais Liberais,


diz que esta adotou um conceito restritivo, segundo o qual os profissionais liberais têm como
marca característica o labor relacionado ao conhecimento técnico e intelectual, como definido
no art. 1º, parágrafo único que menciona que:
Profissional Liberal é aquele legalmente habilitado a prestar serviços de natureza
técnico técnico-científica de cunho profissional com liberdade de execução que lhe é
assegurada pelos princípios normativos de sua profissão independente do vínculo da
prestação de serviço. (FILHO, 2007, p. 636-637)

Portanto, na categoria dos profissionais liberais, incluem-se médicos, dentistas,


advogados, engenheiros, arquitetos, psicólogos, veterinários, agrônomos, farmacêuticos,
economistas, contabilistas, professores etc.
Dessa forma, segundo o respeitado jurista, guardadas as peculiaridades de cada
atividade, podem-se apontar características comuns das profissões liberais:
I- Prestação de serviço técnico ou científico especializados;
II- Formação técnica especializada, normalmente em nível universitário;
III- Vínculo de confiança com o cliente (intuito personae);
IV- Ausência de vínculo de subordinação com o cliente ou com terceiros;
V- Exercício permanente da profissão;
Entretanto, existe uma corrente mais liberal que não exige formação universitária do
profissional liberal. Trabalhador autônomo, como o próprio nome indica, é aquele que exerce
uma profissão livremente, com autonomia e sem subordinação. Em outras palavras, presta
serviço pessoalmente, em caráter permanente e autônomo, por conta própria e sem vínculo de
subordinação, independente do grau de intelectualidade ou escolaridade. Segundo essa
corrente, não só o médico, o advogado, o engenheiro, o psicólogo, o dentista, o economista
podem ser profissionais liberais, mas também o eletricista, o pintor, o sapateiro, o marceneiro,
o mecânico, desde que com autonomia e sem subordinação - enfim, por conta própria.
Segundo os apontamentos realizados no sítio eletrônico
https://jomani.com.br/diferenca-entre-profissional-liberal-e-autonomo, o conceito de
profissional liberal possui algumas semelhanças com o profissional autônomo, mas com este
não se confunde. Profissional liberal é aquele que, deve possuir uma formação universitária
ou técnica e deve atender os requisitos da respectiva entidade de classe, exercendo profissão
ora com vínculo empregatício, ora de forma livre, desde que atue com liberdade de
disposição, organização e execução. Importante não confundir este profissional com o
trabalhador autônomo, tendo em vista que esse não necessita de uma formação acadêmica
para executar determinada atividade, muito menos da existência de vínculo empregatício.
Observa-se, portanto, que a aplicação do Código de Defesa de Consumidor só
restringe sua aplicabilidade na responsabilidade do profissional liberal, levando em
consideração o comando ipsis litteris do art. 14, § 4º, chegando-se à conclusão que a
responsabilidade civil do profissional autônomo deverá ser apurada segundo os preceitos do
Código Civil, sendo inaplicável a eles a responsabilidade objetiva pelo fato do serviço ou pelo
vício do produto.

3. ASPETOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL


LIBERAL

Consoante explanado no início do presente estudo, a obrigação de indenizar do


trabalhador autônomo segue as normas pré-estabelecidas pela legislação civilista, mais
especificamente o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990).
A partir de uma visão panorâmica da mencionada lei, observa-se que para alcançar a
responsabilidade civil deste profissional é preciso preencher os requisitos gerais da
responsabilidade civil, quais sejam: conduta humana, nexo causal, dano e a culpa (CDC, art.
14, §4º).
Sergio Cavalieri Filho entende que a responsabilidade civil requer “a existência de
uma conduta culposa, um nexo causal e um dano, dispensando o elemento culpa quando se
tratar de responsabilidade objetiva”. (FILHO, 2018, p. 40-41)
Devido a parcial discrepância acerca dos pressupostos da responsabilidade civil dos
profissionais liberais, podemos destacar como sendo necessários à reparação de danos, os
seguintes pressupostos: conduta humana comissiva ou omissiva, o nexo de causalidade, dano
e eventualmente a culpa.

4. PRESSUPOSTOS CONFIGURADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

4.1. CONDUTA

Conduta é o comportamento humano, omissivo ou comissivo, no qual o direito


encontra realce quando delas advém efeitos jurídicos.
Nesse sentido, a conduta humana pode exteriorizar-se por um ato comissivo, isto é um
movimento corpóreo comissivo, um comportamento positivo, sendo, portanto, o aspecto
objetivo da conduta.
Por outro lado, a conduta comissiva do ponto de vista naturalístico consiste em
ausência de atividade, um não fazer, um nada.
Entretanto, no plano jurídico, Sergio Cavalieri Filho entende que:
A omissão tem que possuir natureza normativa e não naturalística, vale dizer, é
imposta pelo Direito e não pelas regras naturais. É a abstenção de atividade que o
emitente podia e devia realizar. Não é o mero não fazer, mas, sim, não fazer algo
que nas circunstâncias, era imposto ao emitente pelo Direito e que lhe era possível
submeter ao seu poder final de realização. (FILHO, 2018, p. 40-41)

Apesar das observações feitas por este respeitado jurista, faz-se necessário realizar
uma terceira observação. A responsabilização da omissão, além de ser imposta pelo Direito
também pode advir de um negócio jurídico, no qual se ambas as partes pactuarem
determinada obrigação de fazer ou não fazer e em caso de eventual omissão um dos
contratantes, este poderá vir a ser responsabilizado civilmente.

4.2. NEXO DE CAUSALIDADE

O segundo e essencial requisito para configurar a responsabilidade civil é o nexo


causal, também conhecido como nexo de causalidade, é um elemento indispensável em
qualquer espécie de responsabilidade civil, é o relacionamento lógico entre determinada
conduta e o dano praticado pelo agente.
No campo da responsabilidade civil, o nexo causal cumpre uma dupla função: (I)
permite determinar a quem se deve atribuir um resultado danoso e (II) é indispensável na
verificação da extensão do dano a se indenizar, pois serve como medida da indenização.
Quanto ao nexo de causalidade, Sergio Cavalieri Filho leciona:
Averiguar-se a exata extensão desse pressuposto é tarefa complexa, mormente nos
casos em que existe multiplicidade de causas predispostas ao evento danoso, ou seja,
quando existe um feixe de condições concorrendo sucessiva ou concomitantemente
para a consecução do dano e é imperioso descobrir qual dentre elas é a que
efetivamente causou o resultado. (FILHO, 2012, p. 50)

No âmbito da responsabilidade civil temos duas teorias que se demostram dominante,


a Teoria da Causalidade Adequada e a Teoria da Causalidade Direta e Imediata, no Direito
Civil brasileiro é adotada a Teoria da Causalidade Direta e Imediata que determina o
resultado danoso, como sendo uma consequência sua, direta e imediata.
O Código Civil brasileiro traz no art. 403 a sustentação do nexo causal, onde
demostra que qualquer ato praticado pelo agente que resulta em dano, o justo será reparar o
prejuízo para compensar a vítima.

4.3. DANO

O terceiro requisito para configurar a responsabilidade civil de toda e qualquer


pessoa é o dano. Segundo a melhor doutrina, o dano consiste em:
O dano nem sempre tem cunho patrimonial, como era concebido no passado. A
evolução da responsabilidade culminou com o reconhecimento jurídico de duas
formas de dano - o dano material (ou patrimonial) e o dano moral. O dano material é
aquele em que o fato causa efetiva lesão ao patrimônio do indivíduo atingido. Já na
noção de dano moral, o que o responsável faz atingir é a esfera interna, moral e
subjetiva do lesado, provocando-lhe, dessa maneira, alguma forma de sofrimento ou
incômodo". (FILHO, 2018, p. 595)

É conveniente lembrar que as espécies de dano acima conceituado é corolário do


gênero dano individual. Devido a constante evolução da responsabilidade civil, surgiu uma
nova modalidade de dano, chamada de dano social.

Realizando uma análise minuciosa dos diversos conceitos de dano social trazidos
por juristas de diversas áreas, podemos conceituar o dano social como: é aquele que
atingindo os direitos sociais positivados no art. 6º da CF/88, alcança toda a sociedade,
podendo provocar insegurança, intranquilidade ou redução da qualidade de vida da
população. É uma lesão à sociedade no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de sua
segurança quanto por diminuição de sua qualidade de vida.
É de extrema importância a conceituação de dano social no âmbito da aplicabilidade
da teoria da perda de uma chance e a responsabilização do profissional liberal. Segundo
Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral, expondo as ideias de Rafael Peteffi da Silva,
menciona que:

Independentemente de ser aplicada no contexto da ação individual ou coletiva, a


perda de uma chance é uma importante ruptura no contexto jurídico anterior à sua
introdução, não importando qual justificativa ofereça um tribunal. (AMARAL,
2015, p. 56)

Portanto, se uma conduta praticada por um profissional liberal vier a causar algum
dano social, violando os direitos da coletividade insculpidos no art. 5º e 6º da Constituição
Federal, é perfeitamente possível o reconhecimento de indenização com base na teoria da
perda de uma chance.

4.4. CULPA

Quarto e último requisito, a responsabilidade subjetiva é assim chamada, pois


necessita, ainda, do elemento culpa.
Sergio Cavalieri Filho, mencionando o posicionamento do jurista João Antunes
Varela, entende que:
Para que o fato possa ser imputado, é necessário que o imputável tenha agido com
culpa, que haja certo nexo psicológico entre o fato e a vontade do agente. Com
efeito, na responsabilidade subjetiva a conduta culposa do agente erige-se em
pressupostos principal da obrigação de indenizar. Importa dizer que nem todo
comportamento do agente será apto a gerar o dever de indenizar, mas somente
aquele que estiver revestido de certas características previstas na ordem jurídica.
(FILHO, 2018, p. 46)

Importante salientar que no caso da responsabilidade civil do profissional liberal o


pressuposto da culpa pode estar presente ou não.
A priori, a responsabilização civil desta espécie de trabalhador é regulada pelo
Código de Defesa do Consumidor, mencionado o legislador em seu artigo 14, § 4º que: "A
responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de
culpa".
Entretanto, em que pese a norma do art. 14, § 4º do CDC, é necessário realizar uma
singela observação quanto ao vício do serviço e o fato do serviço ambos conceitos trazidos
pelos arts. 12 e 18 do CDC, respectivamente. Conforme se extrai da análise daquele artigo,
"a responsabilidade dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de
culpa", denota-se que a responsabilidade subjetiva do profissional liberal se circunscreve
somente ao acidente de consumo (fato do serviço). Nos casos de danos causados por vício do
serviço (art. 18 do CDC) a responsabilidade do profissional liberal continua sendo objetiva,
prescindindo do último requisito, a culpa do profissional.
Questão que tem fomentado bastante o debate entre os doutrinadores é saber se
quando o profissional liberal assume a obrigação de resultado, se sua responsabilidade
continua sendo subjetiva. Segundo Adriano Landolfo Andrade:
Obrigação de resultado é aquela que o devedor se compromete a alcançar um
resultado específico. A obrigação de meio, por sua vez, é aquela em que o devedor
se obriga a empenhar todos os esforços possíveis para alcançar um determinado
objetivo, sem, contudo, garantir o resultado pretendido. (ANDRADE, 2018, p. 588-
589)

A título de exemplo, podemos mencionar a responsabilidade do Advogado. A


depender da atividade prestada pelo patrono, pode se configurar como obrigação de meio ou
obrigação de resultado.
Entretanto, na prestação de serviço em que tal trabalhador se comprometer mediante
uma obrigação de resultado, Landolfo Andrade leciona que:
Nesses casos, embora a responsabilidade continue sendo subjetiva, opera-se a
inversão do ônus da prova, atribuindo-se ao profissional liberal que não alcançou o
resultado acordado o dever de provar que não incorreu em culpa. (ANDRADE,
2018, p. 588-589).

Corroborando tal posicionamento, o doutrinador Nelson Nery Júnior sustenta que:


Quando a obrigação do profissional liberal, ainda que escolhido intuitu personae
pelo consumidor, for de resultado, sua responsabilidade pelo acidente de consumo
ou vício de serviço é objetiva. Ao revés, quando se tratar de obrigação de meio,
aplica-se o § 4º do art. 14 do CDC em sua inteireza, devendo ser examinada a
responsabilidade do profissional liberal sob a teoria da culpa. (NERY, 1992, p. 59-
60)

Conforme o entendimento deste respeitado jurista, esse é o entendimento do Egrégio


Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul, senão vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA
POR ERRO DO PROFISSIONAL DA SAÚDE. TRATAMENTO
ORTODÔNTICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ODONTÓLOGO.
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. FALHA NO TRATAMENTO. PROVA
TESTEMUNHAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS MANTIDOS. Segundo o art.
14, §4º, da Lei 8.078/90, é subjetiva a responsabilidade do dentista, necessitando a
comprovação da culpa, de acordo com o disposto no art. 14, § 4º, do CDC. Contudo,
no caso concreto, no que respeita ao tratamento ortodôntico para alinhamento de
dentes, a obrigação a que se compromete o profissional liberal é de resultado. A má
prestação do serviço de ortodontia restou demonstrada pela prova testemunhal, razão
pela qual deve ser mantido o dever de indenizar imposto na sentença. APELO
DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70041302779, Quinta Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Julgado em
18/05/2011).

Corroborando o entendimento a jurisprudência do Tribunal de Justiça Gaúcho:


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COBRANÇA DE HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. RECONVENÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO
PROFISSIONAL LIBERAL.OBRIGAÇÃO DE MEIO E NÃO DE RESULTADO,
NA FORMA DO ARTIGO 14, § 4º, DO CÓDIGO CONSUMERISTA. Sentença de
improcedência da reconvenção e procedência da ação de cobrança. Condenação ao
pagamento de honorários advocatícios, em razão da sucumbência na ação de
desapropriação ajuizada perante a Justiça Federal. No caso em concreto, não restou
comprovada a afirmação de que houve perda de prazo, desídia, preclusão da matéria
com relação ao processo representado pelo advogado, na ação de desapropriação.
Também não houve prova do efetivo prejuízo, tal como alegado no recurso, certo de
que o advogado não apresenta obrigação de resultado, salvo quando assim
expressamente contratado, mas sim de meio. NEGARAM PROVIMENTO AO
RECURSO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70034657940, Décima Quinta
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas
Barcellos, Julgado em 20/10/2010). (Grifo nosso)

5. RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

5.1. RELEVÂNCIA DA ATUAL RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE


UMA CHANCE ENVOLVENDO OS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Conforme explanado no início deste trabalho, é sabido que a mudança de paradigma


da responsabilidade civil adveio do desenvolvimento da sociedade, alterando a atenção da
doutrina com a transferência de foco da persecução da culpa do agente causador do dano, para
o cabal ressarcimento da vítima.
A jurista Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral, menciona que:

Em verdade, o despontar de novos rumos no estudo da responsabilidade civil


influencia ou mesmo amplia o conceito de dano reparável. Desse modo, fatos como
quebras de expectativas ou confiança, quebra de privacidade, estresse emocional,
risco econômico, perda de uma chance e perda de uma escolha, são plenamente
reparáveis. (AMARAL, 2015, p. 56).

Nesse viés, considera-se hoje descabida a pretensão de um indivíduo de viver de forma


que suas escolhas e condutas sejam pautadas sempre pela certeza de determinados
acontecimentos. A incerteza e a dúvida fazem parte do cotidiano da vida em sociedade.
A jurisprudência pátria tem se delineado uma nova postura, com base no entendimento
de uma efetiva possibilidade de reparar uma chance perdida, ou seja, a oportunidade subtraída
do lesado, mas dentro de um parâmetro, aquilo que o lesado poderia ter de perceber em seu
favor, caso não houvesse a intervenção do agente causador do dano. Dessa forma é
reconhecida a aplicabilidade da teoria da perda de uma chance, envolvendo relação de
consumo com o profissional liberal, consoante a entendimento do Superior Tribunal de
Justiça. Veja-se o entendimento da 4ª Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1.190.180:
EMENTA RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO
PARA CONTESTAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS
FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO
MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO
DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS
MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO. Nesse sentido
Sergio Savi, com base em Maurizio Bocchiola, afirma que: "o termo chance perdida
significa, em sentido jurídico, a probabilidade de obter um lucro ou evitar uma
perda". (SAVI, Sérgio Responsabilidade Civil por Perda de Uma Chance, p. 13;
BOCCHIOLA, Maurizio, cit. página 58). A adoção dessa teoria é um reflexo da
consientização de que o direito, como ciência social, por encontrar-se
umbilicalmente ligada à sociedade, lida com situações imprevisíveis, como também
o são as condutas humanas, devendo a ciência jurídica oferecer respostas para os
problemas advindos dessa instabilidade.

5.2. ELEMENTOS DA PERDA DE UMA CHANCE

Como anotado alhures, para a responsabilidade civil e consequente dever de indenizar,


é necessária a conjugação dos seguintes elementos: conduta do agente, representada pela ação
ou omissão voluntária, a culpa, em sentido lato, o dano e o nexo de causalidade.
Nesse argumento, para a configuração da perda de uma chance é necessária uma
conduta do agente, um resultado perdido, podendo este ser caracterizado como o dano e o
nexo causal entre a conduta e a chance perdida. Acrescenta-se ainda que deve concorrer, de
toda forma, os elementos gerais da responsabilidade civil, sendo que o nexo de causalidade
apresentam uma diferente particularidade em decorrência da união do mesmo fato, da certeza
e da incerteza, residindo esta no fato de que, sem a conduta do agente, a vítima manteria a
possibilidade de lucrar com determinada circunstância ou, então, pelo menos não sofre
prejuízo.
Quanto a dificuldade em estabelecer o liame entre o nexo causal e o dano, Sergio
Cavalieri Filho assevera que:
Em face das dificuldades probatórias de se estabelecer um liame causal entre o fato
imputado ao agente e o dano final, parte da doutrina enquadra a responsabilidade
pela perda de uma chance como uma mitigação do nexo causal. (FILHO, 2018 p.
109)

Tal enquadramento se justifica pelo fato de que o nexo de causalidade se encontra na


possibilidade da existência de mais de uma causa ensejadora do evento danoso, comumente
denominado de concausa, que ocorre quando várias causas concorrem de forma simultânea ou
sucessiva para a ocorrência do dano. Ao tratar da concorrência de causas no nexo de
causalidade, entende-se que que cada uma delas é condição sine qua non.
Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral leciona que:
A perda de uma chance será considerada dano cetto, portanto indenizável sempre
que uma conduta imputar a outrem a privação da possibilidade de alcançar uma
vantagem, um beneficio patrimonial ou extrapatrimonial, que muito verossimilmente
seria obtido, se não fosse a ocorrência do fato danoso. Mas para tanto, necessário é o
nexo de causalidade, pois o se o juiz concluir que a relação causal entre a conduta e
a interrupção do processo aleatório é deveras genérica e vaga, considerar-se-á que o
alegado é puramente hipotético e eventual, não sendo portanto, indenizável.
(AMARAL, 2015, p. 141)

5.3. CONDIÇÕES PARA RESSARCIBILIDADE DO DANO PELA PERDA DE UMA


CHANCE

Evolução histórica, teoria geral do instituto, teoria da responsabilidade civil pela perda
da chance foram assuntos até então abordados.
Nesse ponto, a reparabilidade da chance perdida em face de ato ilícito do profissional
liberal é pacífica, tanto na doutrina quanto na jurisprudência pátria. Os elementos necessários
para a configuração da responsabilidade foram perfeitamente delineados.
Por ora, cumpre então demonstrar a existência de circunstâncias que condicionam a
ressarcibilidade do dano pela perda de uma chance e que devem ser apreciadas com cuidado
pelo magistrado, no momento decisório da demanda instaurada para a responsabilização.

A primeira das condições que ensejam discussões refere-se à causalidade, analisada no


próximo tópico.

5.4. CAUSALIDADE

Sopesadas as considerações e fundamentações, verifica-se um esforço doutrinário para


desvendar a teoria da perda de uma chance, principalmente pelas características peculiares da
investigação da existência real e séria da chance não apenas a aferição provável da vantagem
esperada. Consequentemente torna-se difícil concluir com tranquilidade a plausibilidade ou
não de considerar se efetivamente a conduta do agente tem relação com a possibilidade de
obtenção do resultado esperado.
Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral menciona que:
A perda da chance, por si, pode originar danos, independentemente de qualquer
previsão sobre o que teria acontecido sem a suposta má conduta do agente. Se
chance significa uma possiblidade, a sua perda é o resultado ou consequência da
conduta (AMARAL, 2015, p. 141).
É importante mencionar também que um dos maiores desafios quanto ao nexo causal
encontra-se na possibilidade da existência de mais de uma causa ensejadora do evento danoso,
comumente denominado de “concausa”, que ocorre quando várias causas concorrem de forma
simultânea ou sucessiva para a ocorrência do dano. Ao tratar de "concorrência de causas",
entende-se que cada uma delas é condição sine qua non. Portanto, nenhuma delas
isoladamente seria suficiente para determinar o evento danoso.
Pontes de Miranda discorrendo sobre o assunto na seara da culpa, leciona que:
É de afastar-se o conceito, que turvou a investigação e perturba a discussão, ainda
hoje, de 'compensação de culpas'. Culpas não se compensam. O ato do ofendido é
concausa, ou aumentou o dano. Trata-se de saber até onde, em se tratando de
concausa, responde o agente, ou se há de separar do importe o excesso, isto é, o que
'tocaria' ao que fez maior o dano, que, aí é o ofendido. (MIRANDA, 2001, p. 95)

A aplicabilidade das concausa é perfeitamente realizável nas hipóteses de


responsabilização do profissional liberal pela perda de uma chance. Imagine-se a hipótese em
que um magistrado julgue determinada lide previdenciária improcedente tendo em vista a
inépcia da petição inicial e a ausência de documentação comprobatória. Neste caso, houve a
incidência de duas causas: a inépcia (causa ensejada pelo advogado) e a ausência de
documentação comprobatória (causa ensejada pelo ofendido).
Sobre a questão do nexo de causalidade na teoria da perda de uma chance, mostra-se
pertinente e extremamente importante a reflexão esposada em lapida palavras do Italiano
Michele Taruffo:
Deve-se mostrar o consequente prejuízo, ou seja, que o sujeito teve uma
possibilidade que foi perdida, que não pode ser realizada, devido ao fato ilícito em
questão. O objeto da prova assume aqui um caráter peculiar: não se trata de provar
um fato que deveria ter acontecido como resultado de um fato ilícito. O nexo de
causalidade que tem que ser demonstrado é, portanto, hipotético, sendo hipotética a
conexão que existe entre a ausência do ilícito (uma vez que ocorreu) e a existência
de uma chance (uma vez que não ocorreu). Isto mostra que, se o ilícito não tivesse
ocorrido, o sujeito tinha uma possibilidade/chance, que, ao invés, foi perdida: o juiz
deve então formular uma espécie de prognóstico-póstumo, reconstruindo a situação
hipotética que teria ocorrido na ausência do ato ilícito". (TARUFFO, s.p.)

5.5. PROBABILIDADE DA CHANCE PERDIDA

A peculiaridade da chance encontra-se no fato dessa intrinsecamente representar uma


possibilidade real e concreta de alcançar determinada vantagem e, ao mesmo tempo padecer
de uma impossibilidade da demonstração da efetiva realização desse resultado útil.
Essa posição, evidentemente, reflete o entendimento de que um evento interrompe um
processo aleatório que poderia conduzir à obtenção de um benefício com o potencial para ser
alcançado, mas há impossibilidade de demonstrar com certeza que a probabilidade levaria ou
não à realização do resultado útil.
Uma visão particular considera que a chance vincula a necessidade de tutelar não a
probabilidade perdida, mas a valoração de determinado comportamento imposto pela lei,
como dever de lealdade e boa-fé nas obrigações e em seu cumprimento, nas negociações e no
dever de informação dos profissionais em relação a seus assistidos. O Italiano Antônio de
Rosa fazendo menção à legislação civil italiana ensina que:
A chance exprime a necessidade de tutelar não a probabilidade perdida, mas sim a
avaliação de determinado comportamento imposto pela lei como o dever de lealdade
e boa-fé nas obrigações, exemplos art. 1.175 do CC, nas tratativas, art. 1176 do CC
ou ainda a má conduta profissional ou obrigação profissional de obrigação ao cliente
sobre a possibilidade de alcançar o resultado. (DANO, s.p.)

Sergio Savi citando Maurizio Bocchiola ensina que:


Chance significa a probabilidade de alcançar uma vantagem ou evitar um prejuízo,
surgindo, assim um conteúdo patrimonial pelo seu valor econômico. considerando a
chance a probabilidade concreta de alcançar um resultado favorável ou evitar um
prejuízo, ela não se confunde com a mera expectativa de fato ou simples hipótese,
constituindo, na realidade, uma entidade patrimonial, jurídica e economicamente
suscetível à valoração (avaliação) autônoma, enquanto a mera hipótese permanece
no abstrato campo do nunca vir ocorrer. (SAVI apud BOCCHIOLA p. 13)

A similaridade entre a perda da chance, a criação de um risco e a mera hipótese é


possuírem em comum uma álea. Contudo, a hipótese enquadra-se no campo da suposição,
sem qualquer aposta que possa vir a se realizar, permanecendo na órbita do hipotético,
constituindo prejuízo com caráter apenas de hipótese. Por outro lado, a chance, por encontrar-
se dentro da esfera da probabilidade, pode vir a ocorrer, o que a torna relevante, pelo fato de
que para o direito, a probabilidade pode certificar danos.

Dessa forma, embora a álea esteja presente tanto na chance quanto na criação do risco
e na simples hipótese, somente caracterizar-se-á a perda da chance quando essa álea tornar
incerto o resultado. Caso contrário, na ausência de álea, a perda de uma chance não se
caracteriza, tendo em vista que a conduta que interrompe o processo aleatório passa a ser
causa certa do prejuízo final. Isso significa que, em caso de perda de uma chance, o foco da
questão se desloca para a dúvida, caso a possibilidade tivesse se concretizado, se o dano final
pudesse ter sido evitado ou a vantagem alcançada.

5.5.1. PROBABILIDADE MÍNIMA DA CHANCE PERDIDA

O campo das possibilidades é gigantesco em detrimento das probabilidades. Todo o


provável é possível, sendo que nem tudo que é possível, é de igual modo provável.
Desse modo, argumenta-se, a pequena possibilidade estaria localizada, em verdade no
campo das possibilidades, não ensejando o ressarcimento. Dessa forma, somente quando a
possibilidade for altamente provável terá relevância para o direito e sua oportunizará
indenização.
Considerando que a responsabilidade do profissional liberal quanto ao fato do serviço
é fundamentada na culpa e, considerando a probabilidade mínima da chance perdida, faz-se
necessário uma singela observação quanto à aplicabilidade na seara da concorrência de culpas
(ou segundo Pontes de Miranda, o ato do ofendido é tratado como concausas).
O magistrado que se depara com uma lide envolvendo a aplicabilidade da perda de
uma chance, deverá sempre apoiado em motivações adequadas incensuráveis, proceder a uma
avaliação, se na prática existir um dano, sopesar a probabilidade do ofendido em ter obtido
uma vantagem ou evitado um prejuízo, identificar sua espécie de dano e ao final determinar o
eventual montante de indenização pautados pelo princípio da razoabilidade e
proporcionalidade.

Quando nos deparamos com concorrência de culpas (ou concorrência de causas)


envolvendo os profissionais liberais e a teoria da perda de uma chance afirma-se que a
indenização ou a compensação tornará-se-á inviável nos caso em que a culpa do ofendido
contribui para a interrupção do processo aleatório, uma vez que não existirá probabilidade e
sim possibilidade. Em outras palavras, só será possível a indenização do profissional liberal se
inexistir a concorrência de culpas, ou a culpa do ofendido for ínfima não influenciando de
forma relevante na probabilidade, haja vista que esta diminui a probabilidade tornando
desprovida de indenização.

6. QUANTIFICAÇÃO DO DANO PELA PERDA DE UMA CHANCE E


APLICABILIDADE AOS PROFISSIONAIS LIBERAIS E AOS
PROFISSIONAIS AUTÔNOMOS

Os parágrafos anteriores foram dedicados a expor os conceitos e diferenciação entre


profissionais liberais e profissionais autônomos e a aplicabilidade da teoria da perda de uma
chance.
Assentaram-se os parâmetros para o reconhecimento da chance perdida como
indenizável, afirmando-se ser necessária a existência de chance séria e real e não mera
expectativa; apresentou-se a chance como parte integrante e autônoma do patrimônio do
indivíduo, independente do sucesso final do processo aleatório, e justificou-se a
ressarcibilidade desse tipo de dano tendo em vista a recente teorização que emprega a
expansão da categoria dos danos indenizáveis.
Por essa razão, estas linhas são dedicadas a buscar, analisando-se os conceitos
apresentados pela doutrina nacional, comparando os diversos requisitos que fundamentam a
responsabilidade civil do profissional liberal e a diferenciação deste com o trabalhador
autônomo, tendo em vista esta classificação primordial influenciará na fundamentação da
quantificação do dano.

6.1 CRITÉRIOS PARA O RESSARCIMENTO E QUANTIFICAÇÃO DO DANO PELA


PERDA DE UMA CHANCE: NOSSO POSICIONAMENTO

A análise desenvolvida no presente trabalho preocupou-se em avançar para a


compreensão necessária de que o dano pela perda de uma chance constitui uma modalidade
não traduzível a um dano hipotético ou eventual, como afirmaram alguns, mas um dano
concreto e atual, consistente na possibilidade perdida de atingir um resultado favorável.
Nesse viés, fez-se necessário estabelecer a distinção entre profissional liberal e
profissional autônomo, tendo em vista que no que tange a aplicação das normas que regulam a
responsabilidade civil destes profissionais será diversa, cabendo por conseguinte tal distinção.
Além do mais, é necessário observar se a redução equitativa da indenização proposta
pelo art. 944, parágrafo único do Código Civil ('se houver excessiva desproporção entre a
gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização'), é
aplicável nos casos em que a legislação consumerista exige o requisito da culpa para a
responsabilização do profissional liberal.
Entende-se que na responsabilidade subjetiva do profissional liberal sob o manto da
legislação consumerista é plenamente possível a aplicação do parágrafo único do art. 944 do
Código Civil, uma vez que a culpa é requisito imprescindível para responsabilização desse.
Portanto, se no caso sob judice o magistrado se depara com uma lide envolvendo a
responsabilidade civil subjetiva do profissional liberal pautado pela perda de uma chance, e
existindo a concorrência de culpa entre o profissional liberal e a vítima, e se essa proporção
for desproporcional é perfeitamente aplicável a redução do quantum indenizatório consoante o
parágrafo único do art. 944 do Código Civil.
No que concerne os profissionais autônomos, sustenta-se como regra que a aplicação
das normas do CDC são incompatíveis com a prestação laboral de tal trabalhador, haja vista
que a eles não é atribuída a qualidade de profissional liberal, inexistindo entidade de classe
que regula a atuação de tais trabalhadores e muito menos princípios normativos de sua
profissão. Não há o que se falar aqui em negligência, imprudência e imperícia, hipóteses em
que o profissional autônomo sequer possui qualificação para executar determinada tarefa,
devendo responder, portanto, pelas regras do Código Civil.
Entretanto, apesar de o trabalhador autônomo não preencher os requisitos de
profissional liberal, vislumbramos a possibilidade de aplicação das normas do CDC desde que
seja comprovada na dilação probatória que ele possui qualificação mínima para a execução do
trabalho de sua atuação, reparando determinada chance perdida em razão do ilícito praticado.

CONCLUSÃO

Desta feita, o presente trabalho desenvolveu os pressupostos que envolvem a


responsabilidade civil dentro do panorama de atuação do profissional liberal, haja vista, o
objetivo nas dificuldades de responsabilização do profissional liberal no exercício de seus
trabalhos, assim como a quantificação do dano.
Este trabalho também abordou as regulações exercidas pelas entidades que
representam as diversas classes de profissionais liberais, e sua representação no que se refere
as condutas de ética praticadas por esses profissionais. Explicou-se também, que apesar de
muito útil todas essas participações, existe uma competência legislativa para atribuição de
responsabilidade civil quanto a qualquer ato praticado por profissionais liberais.
Contudo, esse tema ainda carece dessa atenção legislativa, o que gerou a constatação
de diversos posicionamentos acerca do tema, afetando a segurança jurídica das decisões para
com os envolvidos.
Nesse sentido, explorou-se também, o advento do Código Civil brasileiro de 2002 com
seu conceito de responsabilidade civil na aplicabilidade do exercício de profissões que
desenvolvem atividade de “risco” e a maneira com quem seria averiguada e atribuída essa
responsabilidade a esses profissionais.
Consoante a essa complexa atribuição da responsabilidade civil ao profissional liberal,
mesmo que de maneira cautelosa, tem-se adotado no ordenamento jurídico brasileiro, a teoria
da perda de uma chance, sendo aquela que permite a indenização de uma chance perdida por
esses profissionais em detrimento as pessoas que representam.
Destarte, o objetivo desses posicionamentos, conforme explicado durante todo o
presente trabalho, é a proteção das vítimas em relação a qualquer dano que possa ser causado
por esses profissionais. Acontece que essa responsabilização existe para que não ocorra
abusos e unilateralidade nas relações jurídicas que envolvem esses profissionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Chance: Natureza Jurídica e Quantificação do Dano. 1º ed. Curitiba: Juruá, 2015.

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CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005.

FILHO, José dos Santos Carvalho, Manual de Direito Administrativo. 33 ed. São Paulo:
Atlas, 2019.

FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2018.

JÚNIOR, Nelson Nery. Os princípios gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.


São Paulo: Revista de Direito do Consumidor, 1992.

MIRANDA, Pontes, Tratado de direito privado, 1° ed. São Paulo: Bookseller, 2001.

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TARUFFO, Michele. La prova sientifica nel processo civile. Riv. Trim. Dir. Proc. Civ., 2005.
Disponível em: <http://www.csdri.org/italiano/class_deltai.asp?infoid=316>. Acesso em:
03/08/2020.

QUAL A DIFERENÇA ENTRE PROFISSIONAL LIBERAL E AUTÔNOMO? Disponível em:


<https://jomani.com.br/diferenca-entre-profissional-liberal-e-autonomo>. Acesso em: 03/08/2020.

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