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ANDRÉA GOMES RIBEIRO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO DENTISTA


ESPECIALISTA EM HARMONIZAÇÃO OROFACIAL
CIDADE – UF
2023

ANDRÉA GOMES RIBEIRO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO DENTISTA


ESPECIALISTA EM HARMONIZAÇÃO OROFACIAL

Instituição Universidade Paulista.


Orientador:

CIDADE – UF
2023
ANDRÉA GOMES RIBEIRO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO DENTISTA


ESPECIALISTA EM HARMONIZAÇÃO OROFACIAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da


Instituição Universidade Paulista.

Orientador:

Aprovado em: _______/___________/2023.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________
Professor orientador

_______________________________
Professor convidado I

_______________________________
Professor convidado II

CIDADE – UF
2023
AGRADECIMENTOS
Dedico a...
LISTA DE SIGLAS

CC - Código Civil
CD - Cirurgião Dentista
CDC - Código de Defesa do Consumidor
CF - Constituição Federal
CFO - Conselho Federal de Odontologia
CPC - Código de Processo Civil
DJSC - Diário de Justiça de Santa Catarina
DJESP - Diário de Justiça Especial
DTM - Disfunção Temporomndibular
MEC - Ministério da Educação
MS - Mandado de
Segurança NCC - Novo
Código Civil REsp -
Recurso Especial
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal
TJSC - Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
UNESP - Universidade Estadual Paulista
UniFOA - Centro Universitário de Volta Redonda
Epígrafe
RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso possui como objetivo debater as questões relacionadas à
possibilidade de insegurança jurídica gerada pela incerteza da caracterização da natureza
obrigacional da responsabilidade civil do cirurgião-dentista nas Cirurgias de Harmonização
Orofacial realizadas no Brasil, no período de 2019 até 2020. Desde o recente reconhecimento
da Harmonização Orofacial como sendo uma especialidade da Odontologia, é flagrante a
fragilidade da norma regulamentadora de tal atividade no Brasil, por possuir um vácuo no que
concerne a caracterização de sua natureza obrigacional para responsabilização civil do
profissional, gerando uma certa insegurança jurídica para o atendido, seja ele paciente ou
cliente que busca pelo trabalho estético, com base na confiança de um trabalho médico-
odontológico. Com abordagem monodisciplinar e dedutiva, o objetivo central do trabalho é
verificar se há um certo grau de insegurança jurídica na entrega serviço fornecido pelo
cirurgião dentista, qual seja, a cirurgia de harmonização orofacial, para o seu cliente/paciente,
que se depreende da forma como é regulamentada a atividade como uma especialidade
odontológica pelas Resoluções nº 198/2019 e nº 230/2020 combinadas e interpretadas em
conjunto com a Constituição Federal, Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, bem
como da análise jurisprudencial e da produção acadêmica antecedente. A partir de Carlos
Roberto Gonçalves, Silvio Venosa, Maria Helena Diniz e Wander Pereira, da análise de uma
certa parte da produção acadêmica antecedente sobre o tema, e dos documentos que regulam o
tema, surge a hipótese de que a insegurança jurídica que pode existir na realização de tais
espécies de cirurgia, pode ser decorrente do fato de o tema ser recente, uma vez que a prática
foi reconhecida como especialidade odontológica apenas em 2019, caracterizando pouco
tempo para sua consolidação. Outra hipótese é a de que as legislações regulamentadoras do
assunto não são tão claras no sentido de definir se a obrigação é de meio ou de resultado, ou
quando é de meio e quando é de resultado, sendo possível realizar tal determinação apenas a
partir de uma análise combinada das Resoluções nº 198/2019 e nº 230/2020, com a
Constituição, normas infraconstitucionais presentes no Código Civil e no Código de Defesa
do Consumidor. Como conclusões percebe-se uma certa insegurança, gerada com origem na
legislação vácua acerca da atividade, sendo apenas possível chegar a uma caracterização da
natureza obrigacional a partir de uma análise combinada entre diversos dispositivos, bem
como, com o apoio da jurisprudência e do debate acadêmico.

Palavras-chave: Cirurgião-dentista. Responsabilidade Civil. Harmonização-Orofacial.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................9
2 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL......................................13
2.1 ETIMOLOGIA E CONCEITO........................................................................................13
2.2 PREVISÃO LEGAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E NO CÓDIGO CIVIL..........................................................................................14
2.3 FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR.................................................................................................17
2.4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL..............................................................18
2.4.1 Paralelo entre responsabilidade civil e responsabilidade penal..............................18
2.4.2 Da responsabilidade civil objetiva, subjetiva, contratual e extracontratual..........19
2.5 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL..................................................23
2.5.1 Da ação ou omissão qualificada juridicamente, culpa e dolo do agente.................23
2.5.2 Da necessidade de caracterização de nexo de causalidade e dano..........................25
2.6 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO DENTISTA
ESPECIFICAMENTE NO QUE CONCERNE ÀS CIRURGIAS DE HARMONIZAÇÃO
OROFACIAL............................................................................................................................26
2.6.1 Princípios constitucionais e éticos da responsabilidade civil do cirurgião
dentista.....................................................................................................................................26
2.6.2 Previsão legal da responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor
especificamente no que concerne ao cirurgião dentista......................................................28
2.6.3 A responsabilidade civil objetiva e subjetiva, contratual e extracontratual
especificamente no que concerne ao cirurgião dentista.......................................................29
2.6.4 A natureza obrigacional da responsabilidade civil do cirurgião dentista como
sendo obrigação de meio ou obrigação de resultado............................................................30
3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO-DENTISTA NO BRASIL A
PARTIR DO DEBATE ACADÊMICO................................................................................32
3.1 O DEBATE SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO DENTISTA:
OBRIGAÇÃO DE MEIO.........................................................................................................32
3.2 A DISCUSSÃO ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO
DENTISTA: OBRIGAÇÃO DE RESULTADO......................................................................34
3.3 ARGUMENTOS ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO
DENTISTA: OUTRAS ABORDAGENS.................................................................................44

4 EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO


DENTISTA NAS CIRURGIAS DE HARMONIZAÇÃO OROFACIAL..........................47
4.1 UMA ANÁLISE DA REGULAMENTAÇÃO GERAL DA ODONTOLOGIA – LEI Nº
5.081/66....................................................................................................................................47
4.1.1 Principais aspectos da Resolução CFO-198/2019.....................................................49
4.1.2 Elementos essenciais da Resolução CFO-230/2020...................................................51
4.2 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO
CIRURGIÃO DENTISTA NA CIRURGIA DE HARMONIZAÇÃO OROFACIAL.............52
4.2.1 O Reconhecimento da obrigação de resultado na jurisprudência brasileira.........53
4.2.2 O Reconhecimento da obrigação de meio na jurisprudência Brasileira................58
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................62
9

1 INTRODUÇÃO

O tema do presente trabalho de conclusão de curso é a análise da responsabilidade


civil do cirurgião dentista nas cirurgias de harmonização orofacial. Sabe-se que a
responsabilidade civil interfere diretamente nas relações sociais, já que está intimamente
ligada aos bens das pessoas. Como efeito dessa relação, aquele que comete ato ilícito, não
deve permanecer imune, uma vez que cada dia mais a sociedade se socorre do Poder
Judiciário, para ver seus direitos individuais ou coletivos garantidos.
Essa procura ocorre em decorrência do avanço cultural da sociedade contemporânea
brasileira, em especial da facilidade de acesso às informações veiculadas no país, sobretudo
em relação à política garantista de nossa Constituição Federal, norteada por seus princípios
fundamentais, em especial, aquele que sobreleva a dignidade da pessoa humana, o direito à
saúde e a vida.
Neste cenário, o profissional da odontologia atua diretamente, uma vez que, conforme
o juramento da graduação, seu objetivo primordial também é zelar pela saúde e vi da dos
indivíduos que lhe forem confiados, notadamente, pelo seu bem estar físico e emocional.
Portanto, os profissionais desta área, devem ser responsabilizados, por suas eventuais
condutas que venham a ferir os direitos de seus pacientes.
Ainda que dificilmente um profissional da saúde irá ter a intenção de prejudicar um
paciente, em detrimento da própria profissão, essa possibilidade existe, e mesmo sem o fator
intenção, o mesmo possui a responsabilidade de arcar com sua ação se assim o fizer. Uma vez
que a responsabilidade civil, como um princípio jurídico geral, estabelece que todo homem
mentalmente são e mentalmente desenvolvido tem a obrigação de responder pelos danos que
produzir a outros. Estende-se, tal responsabilização, ao cirurgião dentista.
Destaque-se, nesse aspecto, o problema do presente trabalho evidencia-se uma vez que
atualmente, os indivíduos, sem qualquer distinção de sexo ou idade, buscam pela perfeição
estética e a beleza, amplamente, demonstrada nas redes de comunicações, o que acarretou o
aumento da procura pelos procedimentos/cirurgias de harmonização orofaciais, objetivando o
alcance do padrão de beleza desejado. Sendo assim, a referida prática, antes utilizada para
tratar os mutilados, caiu no domínio da sociedade vaidosa.
A regulamentação da prática existe, ainda que seja muito controversa, e é bastante
recente. A competência legal da profissão está prevista na legislação vigente, seja na Lei nº
5.081/66, que regula o exercício da Odontologia no Brasil, mas foi só em 2019 que a
10

Harmonização Orofacial foi regulamentada como especialidade odontológica por meio da


Resolução-CFO-198/2019.
Salienta-se que, ainda que seja uma prática bastante controversa, inclusive não
possuindo a aceitação da comunidade médica, a sociedade tem utilizado muito esse tipo de
procedimento/cirurgia. Vale frisar que a ferramenta de busca do Google registrou um
aumento de 540% (quinhentos e quarenta por cento) na pesquisa sobre harmonização
orofacial de 2018 para cá, o que significa um aumento de 6 (seis) vezes na procura pelos
procedimentos/cirurgias no Brasil, com expressiva expansão no período de pandemia1.
Contudo, o resultado esperado pelos pacientes, nem sempre é alcançado e, desta
forma, na ânsia de ver seus direitos garantidos, abarrotam os Tribunais de todos os países,
com ações judiciais indenizatórias em face dos cirurgiões dentistas, sob a alegação de erro
cirúrgico. Nesse sentido pergunta-se: o dano causado nas cirurgias de harmonização orofacial
realizadas por cirurgiões dentistas caracteriza uma obrigação de meio ou de resultado? Como
isso reflete na entrega da prestação/serviço para o paciente?
A percepção deste problema no Direito Brasileiro chama atenção dos doutrinadores e
até mesmo de toda a população. É notável o aumento de pessoas insatisfeitas com seus
resultados, buscando de alguma forma ver o seu dano sanado, ou seja, o paciente busca
através do campo jurisdicional, a solução para resultado não atingido.
Ademais, os erros na área estão se tornando demasiadamente corriqueiros, pois se
identifica a imprudência, imperícia ou negligência na ocasião da realização dos
procedimentos, além da ausência de recursos seguros e aparelhagem adequada para efetivação
da cirurgia.
Por outro lado, não podemos deixar de mencionar, que o erro também pode ocorrer
por parte dos pacientes, que descumprem as orientações do profissional dando causa ao
posterior resultado danoso.
Nessas circunstâncias, o objetivo geral deste trabalho é discutir e delimitar se a
cirurgia seria uma intervenção geradora de uma obrigação de meio ou de resultado, bem como
sobre a necessidade de determinação se a culpa dos dentistas é de natureza objetiva ou
subjetiva, e finalmente, sobre a possibilidade de responsabilização civil de tais profissionais.
Destarte, a responsabilidade civil tem sido ao longo dos séculos, uma das mais
importantes formas de reparação de danos materiais e morais a disposição da sociedade, pois,

1
Fonte: encontrado no endereço eletrônico https://atanews.com.br/noticia/35409/buscas-por-harmonizacao-
facial-crescem-540-nos-primeiros-meses-do-ano, acesso em: 18 de novembro de 2020.
11

através desse instituto, ela poderá discutir judicialmente, a recomposição dos prejuízos
sofridos durante ou após a intervenção cirúrgica.
A responsabilidade profissional do cirurgião-dentista pode repercutir, portanto,
concomitantemente em sanções penais, cíveis e administrativas, como sanções disciplinares
éticas no Conselho Federal ou Regional de Odontologia.
Ultrapassado isto, justifica-se a relevância do presente estudo de caso abordado neste
trabalho de conclusão de curso, uma vez que será analisada, especificamente, a atuação do
cirurgião dentista nas cirurgias de harmonização orofacial e sua responsabilização perante o
seu paciente, na hipótese de identificação de erro, durante o procedimento.
A fim de alcançar o objetivo geral do presente trabalho, os objetivos específicos são:
a) apresentar os princípios constitucionais que permeiam a responsabilidade civil; b)
apresentar as legislações pertinentes ao tema, quais sejam Código Civil, Código de Defesa do
Consumidor, Lei nº 5.081/66 e Resoluções nº 198/2019 e n º 230/2020; c) apresentar o modo
como uma parte da comunidade acadêmica e dos magistrados vem abordando o assunto.
O raciocínio empregado para o tratamento do tema, qual seja a responsabilidade civil
do cirurgião dentista nas cirurgias de harmonização orofacial, é o método dedutivo, de modo
que se parte do geral (teoria geral da responsabilidade civil) para analisar o singular
(realização de cirurgia de harmonização orofacial por cirurgiões dentistas). Quando ao campo
da ciência, trata-se de uma pesquisa monodisciplinar, uma vez que transita apenas do campo
do direito civil privado. Quanto aos seus objetivos, será uma pesquisa exploratória, no que
consiste na coleta de fontes primárias, como a Constituição Federal, Código Civil, Lei de
regulamentação da profissão do Odontólogo (Lei nº 5.081/66) bem como as resoluções de
regulamentação da especialidade de Harmonização Orofacial (Resoluções nº 198/2019 e nº
230/2020) e doutrina; e secundárias, como artigos acadêmicos, monografia, dissertação;
descritiva na medida em que os dados coletados têm de ser tratados para que por fim possa se
tornar explicativa, informando as considerações acerca do tema. Quanto ao tipo de
abordagem, trata-se de uma pesquisa qualitativa, uma vez que após analisar os dados
apresentados, confere ao trabalho um parecer positivo ou negativo sobre o problema da
pesquisa. Quanto aos procedimentos propriamente técnicos foram empregados os métodos
bibliográfico e documental, com consulta a doutrina, manuais, artigos e publicações
acadêmicas; e documental, por trazer elementos da Constituição Federal de 1988, Código
Civil, Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 5.081/66 e Resoluções nº 198/2019 e nº
230/2020.
O trabalho está dividido em cinco partes, quais sejam: três capítulos, uma conclusão e
as presentes considerações iniciais. No segundo capítulo, apresenta-se uma fundamentação
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teórica, que aborda os conceitos da Responsabilidade Civil bem como a Responsabilidade


Civil quando aplicada especificamente ao profissional liberal Cirurgião Dentista, com base na
Constituição Federal, Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. No terceiro capítulo,
o presente trabalho apresenta como a responsabilidade civil do cirurgião dentista nas cirurgias
de harmonização orofacial é abordada pela comunidade acadêmica, dividindo-se em três
subitens: os artigos que entendem por obrigação de meio; os artigos que entendem por
obrigação de resultado; os artigos que entendem que o tema é novo e merece mais tempo para
melhor análise. O quarto capítulo apresenta as regulamentações específicas da especialidade,
quais sejam : as Resoluções nº 198/2019 e nº 230/2020, bem como apresenta um apanhado de
jurisprudências acerca do tema, subdividida em dois itens: as jurisprudências que entendem
por obrigação de meio e as jurisprudências que entendem por obrigação de resultado.
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2 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL

Nesta parte do trabalho se apresentam os principais conceitos e espécies de


Responsabilidade Civil, estes utilizados para posterior análise e abordagem do tema, quais
sejam: os conceitos deste instituto bem como suas principais características, abordados através
da ótica da doutrina vigente.

2.1 ETIMOLOGIA E CONCEITO

Conforme Carlos Roberto Gonçalves, a palavra responsabilidade origina-se do latim


respondere, que traduz a ideia de recomposição, de obrigação de restituir ou ressarcir o bem
prejudicado.
Não é de hoje que a doutrina enfrenta grande dificuldade para conceituar o instituto da
responsabilidade civil. De um lado, muitos doutrinadores baseiam sua definição no conceito
de culpa, do outro existem os que a consideram em seu sentido mais amplo, que é o caso de
Josserand, citado por José de Aguiar Dias (2006, p. 22), que “considera responsável aquele
que em definitivo suporta um dano.”
Para Caio Mário da Silva Pereira (1991, p. 11) a responsabilidade civil:
consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito
passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o
binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que
subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano

Para ele, a responsabilidade civil será configurada sempre quando houver a


subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, não
importando se o fundamento é a culpa, ou se é independente desta.
Já para Maria Helena Diniz (2007, p. 114) a responsabilidade civil é como:
a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial
causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele
responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples
imposição legal. Definição esta que guarda, em sua estrutura, a ideia da culpa
quando se cogita da existência de ilícito (responsabilidade subjetiva), e a do risco, ou
seja, a responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva)

Para Silva (2008), o instituto faz referência a uma forma obrigacional que possui
natureza contratual, ainda que esse contrato seja verbal, e que constitui uma relação entre
partes onde um se caracteriza como devedor, ao passo que o outro o credor.
Na mesma linha de pensamento, Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 15):
Responsabilidade exprime ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de
reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as
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espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito e extravasam


os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida so cial.

Ainda Carlos Roberto Gonçalves (2014) bem define que esse instituto trás uma ideia
de restauração do equilíbrio, uma vez existir uma contraprestação para a reparação de um
dano causado a outrem. Ou seja, ao responsável por ter infringido determinado dano, impõe-
se as devidas consequências não desejadas (resultantes de sua conduta danosa).
Para Fábio Ulhoa Coelho (2012), a responsabilidade civil classifica-se como obrigação
não negocial, mesmo quando exista relação contratual entre credor e devedor, para ele (2012,
p. 514):
Responsabilidade civil é a obrigação em que o sujeito ativo pode exigir o pagamento
de indenização do passivo por ter sofrido prejuízo imputado a este último. Constitui -
se o vínculo obrigacional em decorrência de ato ilícito do devedor ou de fato
jurídico que o envolva. Classifica-se como obrigação não negocial.

2.2 PREVISÃO LEGAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL NA CONSTITUIÇÃO


FEDERAL E NO CÓDIGO CIVIL

Os Direitos e Garantias Fundamentais, encontram-se regulados no Título II entre os


artigos 5º ao 17 da Constituição Federal, destinados a constituir direitos, garantias e deveres
aos cidadãos que, segundo o doutrinador José Afonso da Silva (2013), estão reunidas em três
gerações ou dimensões: individuais, civis e políticos, sociais, econômicos e culturais; difusos
e coletivos.
São prerrogativas constitucionais basilares inerentes a todos, sendo dever do próprio
povo fiscalizar a presença desses direitos à vida social. Segundo Flávio Ta rtuce (2012, p. 87):
Sabe-se que o Título II da Constituição Federal, sob o título ‘Dos Direitos e
Garantias Fundamentais’, traça as prerrogativas para garantir uma convivência
digna, com liberdade e com igualdade para todas as pessoas, sem distinção de ra ça,
credo ou origem. Tais garantias são genéricas, mas também são essenciais ao ser
humano, e sem elas a pessoa humana não pode atingir a sua plenitude e, por vezes,
sequer sobreviver.

Após o advento da Constituição Federal o direito civil foi constitucionalizado,


passando a ter uma dinâmica de usar-se a Constituição para a interpretação dos dispositivos
do Código Civil. Segundo Flávio Tartuce (2013, p. 301):
(…) Direito Constitucional e o Direito Civil são interpretados dentro de um todo e
não mais isoladamente. Todavia, essa interpretação não quer dizer que haja uma
fusão de conceitos. A norma constitucional é uma regra geral voltada para a atuação
do Estado em face da sociedade. E tendo na sociedade uma regra específica para a
atuação entre particulares, nada é mais justo do que exigir que a interpretação dessas
normas específicas seja feita em harmonia com a regra geral. Pelo Direito Civil
Constitucional, há, assim, não uma invasão do direito constitucional sobre o civil,
mas
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sim uma interação simbiótica entre eles, funcionando ambos para melhor servir o
todo Estado/Sociedade, dando as garantias para o desenvolvimento econômico,
social e político, mas respeitadas determinadas premissas que nos identificam como
seres coletivos (…) O Direito Civil Constitucional nada mais é do que a
harmonização entre os pontos de interseção do Direito Público e do Direito
Privado (…) Todavia, destaque-se que, por tal caminho metodológico, o Direito
Civil não perde a sua identidade.

Também sobre o tema, responsabilidade civil sob a ótica do Direito Civil


Constitucional, Flávio Tartuce (2013) destaca que Gustavo Tepedino apresenta três princípios
básicos que possuem correlação direta com a responsabilidade civil.
O primeiro seria o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no inciso III do
art. 1º da Constituição Federal e consiste na consciência que o ser humano tem de seu próprio
valor ou, ainda, a convicção de que cada ser humano tem um lugar destinado na sociedade, o
que lhe é garantido pelo direito. Para Immanuel Kant (2004), a dignidade é o valor absoluto
da própria racionalidade humana. Enquanto as coisas têm preço, as pessoas possuem digni
dade e autonomia da vontade.
Alexandre de Moraes (2004, p. 52) conceitua que dignidade humana é:
(…) um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente
na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a
pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo
invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente
excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos
fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas
as pessoas enquanto seres humanos.

Na mesma linha de raciocínio segue Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 60), a dignidade
da pessoa humana é:
(…) a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do
mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,
neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a
pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos
da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Importante frisar que o rol presente na Constituição Federal alberga nos dispositivos
referentes aos direitos fundamentais todos aqueles que prezam pela boa convivência e
dignidade da pessoa, estando ou não no texto constitucional.
Para reconhecer o caráter exemplificativo de tais direitos, o ordenamento jurídico
brasileiro estabelece uma cláusula geral de proteção da personalidade, qual seja a digni dade
da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º,
inciso III, da Constituição Federal de 1988.
16

Nesse contexto, Gustavo Tepedino (1999, p. 48) defende:


Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da
República, associada ao objetivo fundamental da erradicação da pobreza e da
marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntament e com a previsão
do parágrafo 2º do artigo 5º, no sentido de não exclusão de quaisquer direitos e
garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados
pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promo ção da
pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.

O segundo princípio elencado por Flávio Tatuce (2013) é o da solidariedade, que está
previsto no inciso I do art. 3º da Constituição Federal, entre os objetivos fundamentais da
República.
Conforme entendimento de Maria Berenice Dias (2009), é por meio deste princípio
que é estabelecido o compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas pelas outras, em
comunhão de atitudes e sentimentos. Dispõe de conteúdo ético e compreende a fraternidade e
a reciprocidade.
Na mesma obra, o terceiro princípio abordado por Flávio Tartuce (2013) ao falar sobre
responsabilidade civil, é o princípio da isonomia ou da igualdade previsto no art. 5º, caput,
da Constituição Federal, em que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988).
Sobre o tema ensina Gustavo Tepedino (2004, p. 37-38):
A rigor, as previsões constitucionais e legislativas, dispersas e casuísticas, não
logram assegurar à pessoa proteção exaustiva, capaz de tutelar as irradiações da
personalidade em todas as suas possíveis manifestações. Com a evolução cada vez
mais dinâmica dos fatos sociais, torna-se assaz difícil estabelecer disciplina
legislativa para todas as possíveis situações jurídicas de que seja a pessoa humana
titular

Com o advento do novo Código Civil (2002) a característica da Responsabilidade


Civil foi alterada, conforme Tartuce (2018), uma vez que antes a responsabilidade civil era
apenas fundada na teoria da culpa (responsabilidade subjetiva), hoje o código tende a ser mais
objetivista, como já assinalado. O que não quer dizer que a partir dele não mais temos
responsabilidade subjetiva. Para Cavalieri (2010, p. 22-23):
Estou dizendo que temos agora um sistema de responsabilidade civil
prevalentemente objetivo, porque esse, repito, é o sistema que foi sendo montado ao
a responsabilidade subjetiva tenha sido inteiramente afastada. Responsabilidade
subjetiva sempre teremos, até o juízo final, mesmo não havendo lei prevendo-a,
porque essa responsabilidade faz parte da ética, da moral, do sentimento natural de
justiça. Decorre daquele princípio superior de direito, de que ninguém deve causar
dano a outrem. Então, vale ressaltar, sempre que não tivermos disposição legal
expressa consagrando a responsabilidade objetiva, persiste a responsabilidade
subjetiva, como sistema subsidiário, como princípio universal de direito; posso não
responder objetivamente por falta de previsão legal, mas, subjetivamente, se causar
dano a outrem, vou ter sempre que responder.
17

Visto isto, o Código prevê uma cláusula geral de responsabilidade subjetiva, e esta é
encontrada conjugando o art. 927 com o art. 186. Dispõe o art. 927: “Aquele que, por ato
ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, conforme Cavalieri
(2003, p. 35):
Em outras palavras, aquele aquele que praticar ato ilícito, fica obrigado e indenizar.
O código colocou aqui muito bem que o fato gerador da respo nsabilidade civil, da
obrigação de indenizar é o ato ilícito, quer na responsabilidade subjetiva, quer na
responsabilidade objetiva. Quem praticar ato ilícito, causando dano a alguém, vai ter
que reparar, vai ter que indenizar.

Seguindo a linha de raciocínio, Cavalieri bem define “ato ilícito” para então clarear a
responsabilidade civil como um todo (2003, p. 36):

E aí vem a questão: mas quando é que alguém pratica ato ilícito? Nesse mesmo
dispositivo, o Código faz remissão aos arts. 186 e 187. Temos, então, que conjugar
esses dois artigos. O art. 927 contém uma norma incompleta, que vai ter que ser
completada através da conjugação com o art. 186. Vamos ter que ler os dois artigos
juntos - um completando o outro.

2.3 FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE


DEFESA DO CONSUMIDOR

Conforme Flávio Tartuce (2018) o Código de Defesa do Consumidor concentra a


abordagem da responsabilidade civil no produto e no serviço, nesse contexto, para ele (2018,
p. 448):
[...] surgem a responsabilidade pelo vício ou pelo fato, sendo o último também
denominado de defeito. Desse modo, quatro são as situações básicas de
responsabilidade civil tratadas pela Lei Consumerista) responsabilidade pelo vício
do produto; b) responsabilidade civil pelo fato do produto (defeito); c) responsa
bilidade civil pelo vício do serviço; d) responsabilidade civil pelo fato do serviço
(defeito). Tal divisão é fundamental para compreender a responsabilidade civil dos
fornecedores de produtos e prestadores de serviços, podendo ser encontrada nas
páginas da doutrina.

Importante destacar que, conforme Tartuce (2013, p. 445) a responsabilidade civil


adotada pelo Código de Defesa do Consumidor é em regra objetiva, seguindo a regra de
responsabilidade civil prevista no Código Civil.
Em seus artigos 12, 13, 14, 18, 19 e 20, o CDC expõe claramente essa
responsabilidade objetiva, inclusive solidária, entre os fornecedores de produto e os
prestadores de serviço. A única exceção, lembra Flávio (2018), constante na codificação é a
relacionada aos profissionais liberais que prestam serviço, já que somente respondem
mediante prova de culpa (responsabilidade subjetiva). Ela consta no §4º do art. 14: A
responsabilidade pessoal dos
18

profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. A respeito da exceção,


veremos mais adiante.

2.4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A doutrina majoritária classifica a responsabilidade civil a depender do aspecto em


que se a analisa.
Segundo Maria Helena Diniz (2007), quanto ao fato ensejador da responsabilidade,
esta pode ser contratual ou extracontratual. Em relação ao seu fundamento, a responsabilidade
civil pode se apresentar como subjetiva ou objetiva.
Sob um enfoque mais genérico, mister se faz diferenciar a responsabilidade civil da
responsabilidade penal, o que faremos a seguir.

2.4.1 Paralelo entre responsabilidade civil e responsabilidade penal

O Direito é uma ciência una e indivisível, pelo que a responsabilidade jurídica abrange
a civil e a penal. Assim, se faz necessário diferenciar as duas espécies.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 52):
[...] no caso de responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito
público. O interesse lesado é o da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse
diretamente lesado é o privado. O prejudicado poderá pleitear ou não a reparação.

No mesmo raciocínio, esclarece o referido autor acerca de outros pontos


diferenciadores, tais como: a responsabilidade penal é pessoal, intransferível, o réu responde
com a privação de sua liberdade e independe do prejuízo causado à vítima, ou de sua vontade,
ao passo que a responsabilidade civil é facultativa e patrimonial.
Ainda nesse sentido, Gonçalves (2019, p. 54):
(...) a tipicidade é um dos requisitos genéricos do crime. É necessário que haja
perfeita adequação do fato concreto ao tipo penal. No cível, no entanto, qualquer
ação ou omissão pode gerar a responsabilidade civil, desde que viole direito ou
cause prejuízo a outrem (CC, art. 186).

É possível a coexistência dos dois institutos quando da realização do mesmo ato ilícito
gerar efeitos na esfera penal e cível. Se o agente causador do dano transgredir tam bém uma lei
penal, responderá perante o lesado (patrimonialmente) e perante a sociedade (criminalmente),
assim nos ensina Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 53):
o fato danoso se revestiu de características que justificam o acionamento do
mecanismo recuperatório da responsabilidade civil e impõem a movimentação do
19

sistema repressivo da responsabilidade penal. Quando, porém, no fato de que resulta


o dano não se acham presentes os elementos caracterizadores da infração penal, o
equilíbrio rompido se restabelece com a reparação civil, simplesmente.

O Código Civil de 2002, em seu artigo 935, estabelece o princípio da independência


das responsabilidades de modo que o mesmo fato pode dar origem a sanções civis, penais e
até mesmo administrativas, podendo, inclusive, ser aplicadas cumulativamente.
Nas sábias palavras de Nelson Nery Junior (2006, p. 493) “[...] a coisa julgada penal
não interfere na área civil. Absolvição do réu no processo penal, por exemplo, não significa
automática liberação de responder na esfera civil” uma vez que diferentemente do direito
civil, o direito penal exige “[...] culpa em sentido estrito para a condenação, enquanto o direito
civil pode sancionar o devedor que tenha agido com culpa, ainda que no grau mínimo”.
Embora, haja independência entre a jurisdição penal e civil, é certo que, em
determinadas circunstâncias, a primeira possui efeito reflexo na segunda, conforme disposto
no artigo 63 do Código de Processo Penal e 91, inciso I do Código Penal, os quais
estabelecem que a sentença penal condenatória transitada em julgado poderá ser executada no
juízo cível, para efeitos de reparação do dano.
Ademais, conforme explica Silvio Venosa (2003) na impossibilidade de se identificar
a existência do fato e da autoria do ato ilícito perante a esfera cível, inquestionável que, se
essas questões forem apuradas pelo juízo criminal, não caberá nova discussão, pois a sentença
fará coisa julgada
No mesmo raciocínio, à luz do princípio da independência dos juízos, segundo Sílvio
de Salvo Venosa (2003, p. 19):
[...] a sentença penal absolutória, por falta de provas quanto ao fato, quanto à
autoria, ou a que reconhece uma dirimente ou justificativa, sem estabelecer a culpa,
por exemplo, não tem influência na ação indenizatória que pode revolver
autonomamen te toda a matéria em seu bojo.

2.4.2 Da responsabilidade civil objetiva, subjetiva, contratual e extracontratual

O Código Civil Brasileiro adotou dois sistemas de responsabilidade, a


responsabilidade objetiva e a responsabilidade subjetiva. Essa última foi adotada pelo
ordenamento como a regra do sistema, sendo a outra exceção.
Essa classificação tem como base os fundamentos da responsabilidade e conforme os
ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2003) a
responsabilidade civil será caracterizada a partir da análise da conduta do agente (subjetiva)
ou no fato da coisa e/ou risco da atividade (objetiva), para eles na (2003, p. 240):
20

[...] responsabilidade objetiva o sistema fixa o dever de indenizar


independentemente da culpa ou dolo do agente. Na responsabilidade subjetiva há o
dever de indenizar quando se demonstra o dolo ou a culpa do agente, pelo fato
causador do dano.

Na responsabilidade subjetiva, o dever de reparar o dano somente se configura quando


provada a culpa em sentido lato qual seja imprudência, negligência, imperícia ou dolo do
agente, do contrário, não haverá responsabilidade.
Nesse sentido, a culpa passa a ser pressuposto necessário para a configuração da
responsabilidade e à, consequente, reparação do dano, conforme aduz os artigos 186 e 927,
caput do Código Civil, institutos basilares da responsabilidade subjetiva, verbis: “aquele que,
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, “ aquele que, por ato ilícito (arts.
186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Assim, para que haja o dever de indenizar na responsabilidade subjetiva, requer-se a
conjugação dos seguintes pressupostos: ação ou omissão do agente, prejuízo causado à vitima,
nexo causal entre esses dois elementos e a culpa do agente, de modo que incumbirá ao autor
da ação de indenização o ônus da prova.
Contudo, Maria Helena Diniz (2007) explica que a teoria da culpa ou subjetiva acabou
por não solucionar satisfatoriamente alguns casos. Por isso que, a corrente objetivista
desvinculou o dever de reparação do dano da ideia de culpa, baseando-o na atividade lícita ou
no risco, a fim de satisfazer o lesado na reparação do dano já que, por vezes, não é possível
demonstrar a culpa do agente.
Dessa forma, a responsabilidade objetiva é aquela que prescinde de culpa, ou seja,
basta, tão somente, a presença do nexo entre o prejuízo sofrido pela vítima e a ação ou
omissão do agente.
Ressalte-se, que a responsabilidade objetiva está prevista em vários dispositivos do
Código Civil, mas a disposição legal contida no parágrafo único do artigo 927, trata
especificamente, sobre o assunto, conforme descrito adiante: “Haverá obrigação de reparar o
dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para o direito
de outrem” (BRASIL, 2002).
Diante disso, por intermédio do dispositivo supracitado, o Código Civil de 2002
introduziu em nosso ordenamento jurídico a denominada responsabilidade objetiva fundada
na teoria do risco, segundo a qual todo aquele que se beneficia de uma atividade, é
responsável pelo risco dela advindo, obrigando-se a indenizar, independentemente, de culpa.
21

Nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 60):


a responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora
encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é
reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em
benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus); ora mais genericamente
como “risco- criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa,
expuser alguém a suportá-lo.

Assim, em termos gerais, a lei determina que, em algumas situações específicas, o


autor do dano será obrigado a indenizar a vítima, mesmo sem ter agido culposamente, ou
porque a culpa é presumida, ou porque a responsabilidade de indenizar decorre do risco de
sua atividade. De tal modo, com o advento da responsabilidade objetiva, restou à vítima,
em determinadas situações, tão somente, comprovar o nexo de causalidade entre o dano e a
ação ou omissão do agente, vez que a análise da culpa foi descartada, para efeitos da
responsabilização. Enquanto que, na responsabilidade subjetiva, a verificação e a
demonstração
da culpa são imprescindíveis, para o deslinde da questão.
Ultrapassado isto, acerca da análise da característica da natureza contratual e
extracontratual, conforme Maria Helena Diniz (2007) o dever de reparar um dano causado
pode originar-se do inadimplemento de uma obrigação previamente firmada entre as partes ou
pode decorrer da inobservância da lei.
No primeiro caso, diz-se que a responsabilidade daquele que ocasionou o prejuízo a
outrem é contratual e no segundo, extracontratual ou aquiliana.
Nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 55):
na responsabilidade extracontratual, o agente infringe um dever legal, e, na
contratual, descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. Nesta, existe uma
convenção prévia entre as partes que não é cumprida. Na responsabilidade extrac
ontratual, nenhum vínculo jurídico existe entre a vítima e o causador do dano,
quando este pratica o ato ilícito.

Observa-se que esses dois institutos foram diferenciados pelo Código Civil ao
prescrevê-los em artigos distintos. No entanto, o referido diploma legal omitiu qualquer
parâmetro diferenciador entre as duas espécies de responsabilidade. Verifica-se que a
responsabilidade extracontratual encontra-se disciplinada nos artigos 186 a 188 e 927 a 954, e
a responsabilidade contratual nos artigos 389 e seguintes, e 395 e seguintes.
Para José de Aguiar Dias (1987) ainda que o Brasil e muitos outros países tenham
acolhido a tese dualista ou clássica em seus ordenamentos jurídicos, muitos são os adeptos da
teoria unitária ou monista que criticam essa dualidade de tratamento entre a responsabilidade
contratual e extracontratual sob o fundamento de que os seus efeitos são iguais já que t rês são
22

as condições para a configuração da responsabilidade: o dano, o ato ilícito e o nexo causal


entre os dois primeiros elementos.
Silvio de Salvo Venosa (2003, p. 21) adota uma posição mais extrema ao afirmar que a
distinção entre os dois institutos é apenas de cunho didático já que “quem transgride um dever
de conduta, com ou sem contrato, pode ser obrigado a ressarcir o dano. O dever violado será o
ponto de partida, não importando se dentro ou fora de uma relação contratual.”
Segundo o Jurista Rodrigues (1993, p. 09), a diferença básica entre a
responsabilidade contratual e a extracontratual é que
[...] na hipótese de responsabilidade contratual, antes de a obrigação de indenizar
emergir, existe, entre o inadimplente e seu co-contratante, um vínculo jurídico
derivado da convenção; na hipótese da responsabilidade ex- tracontratual, nenhum
liame jurídico existe entre o agente causador do dano e a vítima até que o ato
daquele ponha em ação os princípios geradores de sua obrigação de indenizar.

Carlos Roberto Gonçalves (2019) afirma que a tendência das codificações modernas é
aproximar os dois institutos de modo que os aspectos comuns a ambas sejam regulados por
um regime uniforme. Exemplifica o referido doutrinador que o código alemão e português já
adotaram essa postura por uma vez que incluem diversas disposições com caráter geral sobre
o dever de indenização, ficando de fora da regulamentação apenas aspectos mais específicos
das variantes de responsabilidade.
De qualquer forma é inegável a existência de características específicas dessas duas
espécies de responsabilidade e, para o supracitado doutrinador, a distinção mais significativa
refere-se ao ônus da prova.
Na responsabilidade contratual, é o devedor que deverá provar, ante o
inadimplemento, a existência de alguma das excludentes do dever de indenizar: culpa
exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, pois, caso contrário, será condenado a
ressarcir os prejuízos causados à vítima.
No entanto, se a responsabilidade resultar da prática de um ato ilícito
(responsabilidade aquiliana, artigo 186 do Código Civil), o ônus da prova recairá sobre a
vítima do ato, cabendo a ela provar que o dano ocorreu por culpa do agente.
A par dessas distinções, há outra diferença no que diz respeito aos pressupostos. A
responsabilidade extracontratual exige-se para sua configuração a existência de uma ação ou
omissão do causador do dano, a ocorrência de um dano moral ou patrimonial à vítima, o nexo
de causalidade entre o dano e a ação do agente e por fim, a culpa. Na responsabilidade
contratual requer-se como pressupostos a existência de um contrato válido e seu posterior
descumprimento por alguma das partes.
23

2.5 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O artigo 186 do Código Civil, informativo da responsabilidade aquiliana, estabelece a


regra geral do sistema, qual seja: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito.”
Da análise desse artigo, depreende-se que os pressupostos necessários para a
configuração da responsabilidade civil extracontratual são: 1) ação ou omissão qualificada
juridicamente; 2) culpa ou dolo; 3) nexo de causalidade; e, 4) o dano experimentado pela
vítima.

2.5.1 Da ação ou omissão qualificada juridicamente, culpa e dolo do agente

O primeiro pressuposto da responsabilidade civil exige para sua configuração uma


ação ou omissão qualificada juridicamente, isto é, o ato praticado pelo autor do dano deve ser
ilícito e assim, decorrer de culpa ou dolo, ou lícito por decorrer do risco da atividade,
responsabilidade essa que prescinde a culpa lato sensu.
Nos dizeres de Maria Helena Diniz (2012, p. 56):
[...] a ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano,
comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do
próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que causa
dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.

No tocante à omissão do agente, Carlos Roberto Gonçalves (2019) assevera que é


necessário observar dois requisitos: a) existência do dever jurídico de praticar determinado
fato (de não omitir); e, b) demonstração de que, com a sua prática, o dano poderia ter sido
evitado. O dever jurídico de agir, ou seja, de não se omitir pode decorrer de lei, como por
exemplo, o dever de prestar socorro às vítimas de acidente de automóvel imposto a todo
condutor (art. 176, I do Código de Trânsito Brasileiro) ou de convenção, como ocorre no
dever de guarda, de vigilância, de custódio ou, por fim, de alguma situação especial de perigo.
Acerca da culpa, o já citado artigo 186 do Código Civil estabelece a culpa, em sentido
amplo, como elemento necessário à configuração da responsabilidade civil, à qual engloba-se
o dolo e a culpa em sentido estrito nas seguintes expressões, respectivamente: “ação ou
omissão voluntária” e “negligência ou imprudência”.
À luz da teoria subjetiva adotada pelo sistema brasileiro, a vítima deve provar o dolo
ou a culpa em sentido estrito (negligência, imprudência e imperícia) do agente para obter a
reparação do dano. Excepcionalmente, o nosso direito positivo admite em situações pré -
24

estabelecidas o ressarcimento independentemente da comprovação da culpa lato sensu pela


vítima, como são os casos de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco ou
decorrente de culpa presumida.
Numa definição simplificada, Rui Stoco (2004, p. 133) diz que “o dolo é a vontade
dirigida a um fim ilícito; é um comportamento consciente e voltado à realização de um
desiderato.”
Em relação à culpa em sentido estrito, continua o referido doutrinador, “traduz o
comportamento equivocado da pessoa, despida da intenção de lesar ou de violar direito, mas
da qual se poderia exigir comportamento diverso, posto que erro inescusável ou sem
justificativa plausível e evitável para o homo medius.” Assim, entende-se que quando o erro
for escusável ou plenamente justificável pelas circunstâncias, não haverá a culpa em sentido
estrito.
A culpa em sentido estrito abrange a imprudência, a negligência e a imperícia. Em
linhas gerais, a imprudência é a ação sem as devidas cautelas; negligência é a inobservância
das normas impostas a todo homem médio; imperícia é a falta de habilidade ou inaptidão para
a prática de determinado ato que requer um conhecimento específico.
Nos ensinamentos de Rui Stoco (2004, p. 132):
a culpa pode empenhar ação ou omissão e revela-se através da imprudência:
comportamento açodado, precipitado, apressado, exagerado ou excessivo;
negligência: quando o agente se omite deixa de agir quando deveria fazê-lo e deixa
de observar regras subministradas pelo bom senso, que recomendam cuidado,
atenção e zelo; e imperícia: a atuação profissional sem o necessário conhecimento
técnico ou científico que desqualifica o resultado e conduz ao dano.

O caput do artigo 944 do Código Civil fixa o valor da indenização pela extensão do
dano, estabelecendo assim, a regra segundo a qual, nos dizeres de Nelson Nery Junior (2003)
seria dizer que “[...] quem estiver obrigado a reparar um dano deve recompor a situação
pessoal e patrimonial do lesado ao estado anterior, para torná-la como era se o evento
maléfico não tivesse se verificado” (BRASIL, 20020), ou seja, o evento impõe ao responsável
do dano (com ou sem culpa) a obrigação de repará-lo.
O Código Civil, embora não tenha feito nenhuma distinção entre os graus de culpa
(levíssima, leve e grave), estabeleceu no parágrafo único do supracitado artigo , um juízo de
equidade segundo o qual: “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o
dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização” (BRASIL, 2002). Assim, o
referido artigo confere ao juiz o poder de agir equitativamente.
25

2.5.2 Da necessidade de caracterização de nexo de causalidade e dano

O nexo de causalidade é um dos pressupostos da responsabilidade civil, sem o qual


não há o que se falar em dever de indenizar.
A obrigação de reparar um dano somente nasce se, além da existência dos demais
pressupostos, houver um nexo causal entre o fato ilícito e o dano produzido, conforme se
extrai do já mencionado artigo 186 do Código Civil. A obrigação de indenizar é atribuída
àquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem.
Ausente esse liame de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado danoso,
não há o dever de indenizar. Nesse sentido, afirma Rui Stoco (2004, p. 637) que “o nexo
causal se torna indispensável, sendo fundamental que o dano tenha sido causado pela culpa do
sujeito” , quando se tratar de responsabilidade subjetiva, ao passo que, na responsabilidade
objetiva, à luz da teoria do risco, haverá o dever de indenizar quando se demonstrar o nexo
causal entre a conduta culposa ou não do agente e o resultado danoso.
Sobretudo, a respeito do resultado danoso, o dano é mais do que um pressuposto da
responsabilidade civil, é seu verdadeiro objeto, de modo que se não houver a existência de um
prejuízo, a ação de indenização perderá sua razão de ser. Só haverá responsabilidade civil se
houver um dano a reparar.
Com amplitude, explica Agostinho Alvim, citado por Carlos Roberto Gonçalves
(2019, p. 390):
[...] dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão de qualquer bem jurídico, e aí se
inclui o dano moral. Mas, em sentido estrito, dano é, para nós, a lesão do
patrimônio; e patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa,
apreciáveis em dinheiro. Aprecia-se o dano tendo em vista a diminuição sofrida no
patrimônio. Logo, a matéria do dano prende-se a da indenização, de modo que só
interessa o estudo do dano indenizável.

O dano, sendo o prejuízo sofrido pela vítima, pode ser patrimonial (também chamado
de dano material), ou extrapatrimonial (denominado dano moral).
O primeiro refere-se ao dano que afeta somente o patrimônio da vítima e engloba tanto
os danos emergentes, como os lucros cessantes, conforme se extrai do artigo 402 do Código
Civil: “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor
abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”
(brasil, 2002).
26

O dano moral (extrapatrimonial) é a lesão que não produz qualquer efeito patrimonial,
provocando prejuízos ao ofendido no âmbito de sua dignidade. Trata-se de uma verdadeira
ofensa aos direitos da personalidade.

2.6 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO DENTISTA


ESPECIFICAMENTE NO QUE CONCERNE ÀS CIRURGIAS DE
HARMONIZAÇÃO OROFACIAL

No ano de 1966 foi publicada a Lei nº 5.081/66 que regulamenta o exercício da


odontologia em todo o território nacional. A partir deste momento houve a desvinculação
odontologia-medicina, passando a odontologia a ser uma profissão autônoma e
regulamentada.
O artigo 2 da referida lei, estabelece:
Art. 2º. O exercício da Odontologia no território nacional só é permitido ao cirurgião
- dentista habilitado por escola ou faculdade oficial ou reconhecida, após o registro
do diploma na Diretoria do Ensino Superior, no Serviço Nacional de Fiscalização da
Odontologia, na repartição sanitária estadual competente e inscrição no Conselho
Regional de Odontologia sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.

Sendo assim, somente será permitido o exercício do cirurgião dentista àquele que
estiver habilitado por meio de uma faculdade oficial, ou reconhecimento de diploma
(CAIXETA, 2008).
Conforme o artigo 2º, da Resolução CFO 198/2019, entende-se por Harmonização
Orofacial como um apanhado de procedimentos realizados pelo profissional aqui estudado, o
cirurgião-dentista, em sua área de atuação, que são responsáveis pelo equilíbrio estético e
funcional facial.
No que concerne a regulamentação da prática de Cirurgia de Harmonização Orofacial
como especialização da odontologia, foram editadas as Resoluções CFO 198/2019 e
230/2020, ambas serão melhor abordadas no Capítulo 04 do presente trabalho.
Para analisar o presente tópico, é necessário antes realizar brevemente o apanhado de
conceitos já abordados nos itens anteriores, mas de forma pontual no tocante a
Responsabilidade dos Cirurgiões Dentistas especificamente.

2.6.1 Princípios constitucionais e éticos da responsabilidade civil do cirurgião dentista

Para Wander Pereira (2014) realizar a análise que o presente trabalho demanda, faz-se
necessário entender quais os princípios constitucionais aplicáveis à prática da odontologia,
uma vez que é a Constituição Federal que rege as diretrizes e princípios do ordenamento
jurídico brasileiro. Para ele (Pereira, 2014):
27

[...] destaca-se o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que é em


última instância o arcabouço da proteção dos direitos individuai s e o primeiro
fundamento apresentado pela Carta Magna, que destaca no Art. 1º a dignidade
juntamente com a soberania e a cidadania. Sendo assim, esse princípio deverá
nortear a interpretação dos direitos e garantias trazidos para os indivíduos pelo texto
da Constituição Federal.

Na mesma linha de raciocínio, estabelece o artigo 9º, III do Código de Ética


Odontológica: “inciso III – zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Odontologia e
pelo prestígio e bom conceito da profissão; e ressalta no inciso VII – zelar pela saúde e pela
dignidade do paciente”.
Pereira (2014) também ressalta outro princípio constitucional a ser considerado
quando da análise da responsabilidade civil dos cirurgiões dentistas, qual seja o da
igualdade/isonomia, estabelecido no artigo 5º, I da Constituição, que de igual forma é
observado no artigo 2º do já citado Código de Ética: “Art. 2º. A Odontologia é uma profissão
que se exerce em benefício da saúde do ser humano, da coletividade e do meio ambiente, sem
discriminação de qualquer forma ou pretexto”
Necessário também frisar o artigo 170 da Constituição Federal, V, onde, conforme
Pereira (Pereira, 2014) “[...] veio consagrado o princípio que prima pela defesa do consumidor
para possibilitar e assegurar a todos a existência digna conforme os ditames da justiça social”.
Define Nunes (2000, p.53):
O mercado de consumo, aberto à exploração, não pertence ao explorador, ele é da
sociedade e em função dela; de seu benefício, é que se permite sua exploração; como
decorrência disso, o explorador tem responsabilidades a saldar no ato exploratório;
tal ato não pode ser expoliativo; se lucro é uma decorrência lógica e natural da
exploração permitida, não pode ser ilimitado; encontrará resistência e terá de se
refreado toda vez que puder causar dano ao mercado e à sociedade; excetuando os
casos de monopólio do Estado, o monopólio, o oligopólio e quaisquer outras
práticas tendentes à dominação do mercado estão proibidos; assim e principalmente,
o lucro é legítimo, mas o risco é exclusivamente do empreendedor. Ele escolheu
arriscar-se: não pode repassar esse ônus para o consumidor.

Definição em que, conforme entende Pereira (Pereira, 2014), tem-se o arcabouço para
a responsabilidade apresentada o Código de Defesa do Consumidor, onde, em “[...] outras
palavras, significa que o fornecedor deverá responder pelos danos causados, independente da
comprovação de culpa.
28

2.6.2 Previsão legal da responsabilidade civil no Código de Defesa do


Consumidor especificamente no que concerne ao cirurgião dentista

Como já citado anteriormente, ainda que o Código de Defesa do Consumidor tenha


adotado predominantemente a responsabilidade civil objetiva, o próprio, em seu artigo 14,
§4º, trouxe uma exceção a essa regra, quando institui que para os profissionais liberais, dentre
eles para os dentistas, a responsabilização será subjetiva, ou seja, deverá ser comprovada a
existência de culpa (negligência, imperícia e imprudência) para se exigir indenização. Para
Wander Pereira (Pereira, 2014):
A responsabilidade civil à qual está sujeito o cirurgião-dentista quando atua como
profissional liberal é subjetiva, ou seja, conforme descrito anteriormente, exige
como requisitos, além do dano e do nexo causal, a comprovação da configuração da
culpa. (...) Dessa forma, não se pode apenas enfatizar a existência do dano causado,
sem traçar uma correlação entre a culpa do cirurgião-dentista frente a tais lesões.
Deve-se ter, de forma efetiva, a comprovação da responsabilidade do profissional
liberal.

Para Paranhos (2007), visto isto e tendo como base que o Código de Defesa do
Consumidor considera o paciente como um consumidor e o profissional dentista como como
um fornecedor de serviços, e dessa forma quando este causar qualquer tipo de dano e
descumprir o contrato que outra foi estabelecido este terá o dever de reparar os danos se
comprovado a sua responsabilidade.
No entendimento de Silvio de Salvo Venosa (2015), ainda que no Brasil a odontologia
seja uma profissão autônoma, sem qualquer vínculo “formal” com a medicina, a
responsabilidade civil dos dentistas, quando no exercício da profissão, está disposta no mesmo
artigo que fala da responsabilidade civil dos médicos, qual seja o artigo 14 §4º do Código de
Defesa do Consumidor:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos. § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais
será apurada mediante a verificação de culpa.

Destaca também o autor Nery Junior (1992), no que diz respeito à responsabilidade
civil dos profissionais liberais, que a mesma trata-se de responsabilidade “[...] subjetiva,
fundada na culpa (art. 14, §4º), para cuja verificação incide o princípio do maior favor ao
consumidor, que é o da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII)”.
Lembra Pereira (Pereira, 2014) que:
Deve-se ressaltar que a exceção excepcionada pelo Código de Defesa do
Consumidor foi baseada na especificidade com que o serviço desses profissionais
liberais é prestado, peculiaridade que pode ser observada principalmente no que
concerne à
29

atividade laboral do dentista, pois, repetidas vezes, as relações dos pacientes com
esse profissional são pautadas na pessoalidade e na confiança.

Conclui-se, portanto, que a obrigação de reparar, conforme Wander (Pereira, 2014):


[...] se faz assim necessária, mediante a verificação da existência de culpa, baseada
não apenas e tão somente na previsão legal, mas na valoração do prejuízo material e
na tentativa de amenizar o dano moral que teve de suportar a paciente em questão.

Portanto, é imprescindível entender a extensão do dano, tanto moral quanto material,


para valorar qualquer tipo de quantia a título de indenização, não podendo por esse motivo,
ser um valor fixo.

2.6.3 A responsabilidade civil objetiva e subjetiva, contratual e


extracontratual especificamente no que concerne ao cirurgião dentista

Para Wander (2014), é essencial determinar se a realização do contrato do profissional


do cirurgião dentista com o seu paciente aconteceu de forma direta ou indireta (por via de
hospital, convênio odontológico, etc). Para ele (Pereira, 2014):
Quando o dentista forma um vínculo com o paciente sem intermediá rios, ou seja,
contrata diretamente com o paciente, sua responsabilidade será subjetiva. Porém, se
o contato com o paciente ocorrer por intermédio de alguma pessoa jurídica, esta
responderá de maneira objetiva.

Para Bittar (1991) quando há no contexto o uso de máquinas, aparatos perigosos etc,
inserindo risco, se deve deslocar para o âmbito da teoria objetiva. No entanto, para Pereira
(Pereira, 2014):
Apesar do entendimento de Bittar (1991), deve-se ressaltar que o juiz deverá
analisar o caso concreto, para estabelecer de forma segura qual o tipo da
responsabilidade adequada a ser invocada, se deverá ser a subjetiva ou a
responsabilidade objetiva para melhor fornecer uma prestação jurisdicional às
partes.

Embora o direito civil, com o advento do código de 2002, tenha priorizado a


responsabilidade civil objetiva, não deixou de lado a subjetiva, sendo importante averiguar a
culpa como elemento essencial. Neste tom afirma Caio Mario da Silva Pereira (1997, p. 391):
A abolição total do conceito da culpa vai dar num resultado antissocial e amoral,
dispensando a distinção entre o lícito e o ilícito, ou desatendendo à qualificação da
boa ou má conduta, uma vez que o dever de reparar tanto corre para aquele que
procede na conformidade da lei, quanto para aquele outro que age ao seu arrepio.

Já a respeito da natureza contratual ou extracontratual, Pereira (2014) esclarece que


majoritariamente a doutrina aponta a responsabilidade civil do profissional liberal, aqui
tratado como o cirurgião dentista, é contratual, ainda que não exista um contrato escrito. Para
o autor (Pereira, 2014):
30

Entre o profissional da odontologia e seu cliente/paciente, se articula um liame


contratual, e esse contrato terá os seguintes elementos essenciais: a prestação de
serviços pelo dentista e, do outro lado, a satisfação do pagamento dos honorários
pelo paciente.

Na mesma linha, destaca Venosa (2015) que a responsabilidade civil do cirurgião-


dentista por ser em regra de resultado, trata-se de uma atividade tipicamente contratual, para o
autor (2015, p. 174-175):
[…] Observe, no entanto, que a responsabilidade do dentista geralmente é
contratual, por sua própria natureza. Com frequência, o dentista assegura um
resultado ao paciente. Sempre que o profissional assegurar o resultado e este não for
atingido, responderá objetivamente pelos danos causados ao paciente. No entanto,
nem sempre a responsabilidade do odontólogo será de resultado [...]

Venosa (2015) esclarece que, ainda que seja a regra, o profissional poderá não
responder por uma obrigação contratual, no entanto apenas em casos de atendimento de
emergência, por exemplo, quando não há um acordo anterior, em razão do estado de saúde do
paciente. Mas nos demais casos, permanece o entendimento de que a obrigação se dá por
contrato, ainda que verbal.

2.6.4 A natureza obrigacional da responsabilidade civil do cirurgião dentista como


sendo obrigação de meio ou obrigação de resultado

Wander Pereira (Pereira, 2014) entende que quando fala-se em responsabilidade


profissional, é necessária uma análise anterior no que diz respeito à natureza da obrigação
assumida, pra ele “[...] esse questionamento deve ser corretamente respondido para que haja
uma boa prestação jurisdicional, portanto, o tipo obrigacional torna-se uma questão de alta
relevância em um julgamento”. Para ele (Pereira, 2014) diferenciar se a obrigação será de
meio ou de resultado, requer “[...] avaliar como se deu a forma de contratação dos serviços e
quais são as possibilidades de se atingir o resultado esperado da obrigação estabelecida no
contrato”.
Para Wander (2014), existe a necessidade de análise do caso individualmente, sem
aplicar a caracterização do tipo de obrigação (como de resultado) a todos os
procedimentos/cirurgias realizados pelos cirurgiões dentistas, para que não se incorra em
injustiças, já que os próprios procedimentos possuem características e objetivos diferentes.
Segundo Diniz (1998, p. 253), “em regra, a obrigação de resultado, para problemas estéticos,
mas pode ser de meio em especialidades como periodontia e endodontia”.
Para Araújo (1991) as especialidades que caracterizam obrigação de resultado seriam a
dentística restauradora, odontologia legal, ortodontia, prótese dentária e radiologia, enquanto
31

que, especialidades como cirurgia e traumatologia buço-maxilofaciais, endodontia,


odontopediatria, patologia bucal, periodontia e prótese buço-maxilo-facial têm seu
enquadramento de acordo com o caso concreto, para esse autor somente as especialidades de
prótese buço-maxilo-facial e cirurgia e traumatologia buço-maxilo-faciais são caracterizadas
como obrigação de meio e de acordo com França (1993, p. 128):
Considera-se como obrigação de resultado as especialidades: prótese (em geral),
ortodontia, dentística, radiologia, estomatologia, odontologia em saúde coletiva e
patologia; como obrigação de meio: endodontia, periodontia, implantodontia, cirurgia
e traumatologia buco-maxilo-facial; quanto à odontopediatria, considera-se como
obrigação de meio e de resultado, dependendo da área de atuação do profissional.

Pereira (2014) sabiamente lembra que, mesmo com os avanços tecnológico no que
concerne as práticas e técnicas na área da saúde, aqui especificamente na área da odont ologia,
os resultados nem sempre dependem único e exclusivamente do profissional dentista (Pereira,
2014):
[...] às vezes, o cirurgião-dentista não tem condições de afirmar com certeza que irá
realizar um tratamento alcançando o resultado almejado e estabe lecido no plano de
tratamento, deve-se enfatizar que, assim como os médicos, os dentistas estão lidando
com seres humanos que respondem de formas singulares e especiais de acordo com
as condições de cada organismo, por vezes observa-se que para o mesmo tipo de
tratamento tem-se inúmeras modalidades de respostas, diferenciando-se de um
paciente para o outro.

Por outro lado, pode-se afirmar que as obrigações de resultado serão todas aquelas que
o cirurgião-dentista mediano tem a capacidade e o controle de atingir o fim desejado, essa
obrigação fica facilmente identificável naqueles tratamentos estritamente estéticos, em que o
resultado prometido ao paciente deverá ser satisfeito, cumprindo-se com a obrigação do
resultado contratado.
Assim sendo, a prestação que não consiste em um resultado certo e determinado a ser
atingido pelo odontólogo, mas tão somente exige uma prática prudente e diligente do
profissional em benefício do paciente/cliente, em outras palavras, os meios necessários e
tendentes a produzir o objetivo desejado, de forma que a inexecução da obrigação pode ser
caracterizada pela omissão do dentista em tomar certas prevenções, sem se preocupar com o
resultado final, será caracterizado como de meio.
Nesse sentido, feitas as considerações acerca dos principais conceitos das principais
categorias de análise essenciais ao tratamento do tema dessa pesquisa: a realização da cirurgia
de harmonização orofacial pelos cirurgiões dentistas, resta-nos, adiante, fazer um balanço da
produção acadêmica antecedente na perspectiva de verificar como a academia esta tratando do
tema, para a partir deste ponto podermos adquirir ferramentas para debate-lo.
32

3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO-DENTISTA NO BRASIL A


PARTIR DO DEBATE ACADÊMICO

Este capítulo consiste em um pequeno apanhado de produções acadêmicas


antecedentes a este trabalho, de forma que se procura demonstrar informações sobre o que
ocorreu nos últimos anos no campo do Direito Civil, no tocante a responsabilização dos
cirurgiões dentistas nas cirurgias de harmonização orofacial no Brasil . Para tal coleta foi
utilizada a plataforma do Google Acadêmico, detentor de um grande acervo de artigos
acadêmicos. Também foi utilizada a plataforma JusBrasil, para a coleta de artigos publicados
pelos acadêmicos do Direito. As palavras chaves usadas foram “responsabilidade civil do
dentista nas cirurgias de harmonização orofacial”; “responsabilidade civil do dentista”; e
“responsabilidade civil profissionais da saúde”.

3.1 O DEBATE SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO DENTISTA:


OBRIGAÇÃO DE MEIO

Na defesa pela linha de pensamento onde imputa-se ao dentista a responsabilidade


civil calcada na prestação obrigacional com natureza de meio, o artigo intitulado “A prestação
obrigacional do dentista como obrigação de resultado: sistematização e análise crít ica dos
argumentos”, publicado pela revista Saúde, Ética & Justiça (2012) os autores Sergio
Domingos Pittelli e Márcia Vieira da Motta iniciam levantando a grande discussão travada,
onde tem -se a intenção de definir a natureza da obrigação do profissional cirurgião-dentista
(meio ou resultado) no exercício da profissão. Poderam (2012, p. 25):
Atendo-nos à primeira delas, registramos que é usual e constitui mesmo uma
característica dos textos nos quais se discute a natureza da obrigação do dentista a
tentativa de classificar as especialidades da profissão segundo a dicotomia em
apreço, tomando-se, portanto, a especialidade como critério.

Os autores (2012) trazem a baila a definição de Souza (2011), sobre a classificação das
especialidades odontológicas a serem classificadas como especialidades com obrigação de
natureza de resultado, onde tomou como base de sua análise a Resolução CFO nº 63/2005 que
define em seu artigo 39 as especialidades odontológicas oficiais. Esclarecem que (2012, p.
27):
Esse autor classificou as seguintes especialidades como de obrigação de resultado,
de um total de 18 estabelecidas naquela norma: dentística restauradora, odontologia
em saúde coletiva, odontologia legal, patologia bucal e radiologia.

Tal tentativa de classificação é bastante criticada uma vez considerarem os autores


(2012, p. 27):
33

[...] impropriedade da atitude de qualificar especialidades e não procedimentos, uma


vez que uma mesma especialidade pode eventualmente albergar tanto s
procedimentos “de meio” quanto procedimentos “de resultado” e é ao procedimento
que se pode atribuir essa condição e não à especialidade.

Ainda nesta linha, os autores (2012, p. 27) criticam o posicionamento de relacionar


fim estético do procedimento com obrigação de resultado, para eles ainda que relacionado a
áreas como “[...] dentística restauradora e às próteses dentárias, áreas em que o elemento
estético é de significativa importância, entendemos que não se pode atribuir ao profissional a
obrigação de resultado certo.”
Por fim, concluem os autores (2012) nesta mesma toada, determinando e refutando as
bases de teorias que tendem a imputar aos profissionais cirurgiões-dentistas obrigação de
resultado, frisando que (2012, p. 29):
[...] nenhuma delas se sustenta: especialidade não pode ser tomada como critério
idôneo para a distinção em questão, argumentos estritamente estéticos tampouco,
conforme já amplamente demonstrado na literatura pertinente, entre eles os artigos
citados (4*, 5*, 6*) e as noções sobre a simplicidade e regularidade dos
procedimentos odontológicos não se sustentam com base nos fatos.

Na mesma linha do anterior, o artigo “Ortodontia como atividade de meio ou


resultado?”, publicado pela Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial (2008), os
autores Erivaldo Lopes Kátia Ferrer, Maria Helena de Almeida e Renato de Almeida
relembram Santos (2005), que em seu artigo discorreu sobre a impossibilidade de enquadrar a
prestação obrigacional do cirurgião-dentista nas obrigações de resultado, uma vez nãos ser
possível garantir um resultado ao paciente, uma vez que (2008, p. 39):
[...] que cada organismo responde biologicamente de forma diferente de outro,
ressaltando que não há obrigação legal para que o cirurgião-dentista atinja um
resultado, conforme inciso II do Art 5º da Constituição Federal (CF) que ressalta que
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada se não em virtude da lei.
Como não existe no Brasil uma lei onde o cirurgião-dentista seja obrigado a atingir
resultado, este não pode ser condenado com base na “obrigação de resultado.

Os autores (2008) concluem no mesmo sentido, alegando não ser possível enquadrar a
ortodontia como atividade de resultado, mas sim de meio, mais uma vez levantado o
argumento de que não é possível garantir ao paciente um resultado específico uma vez
depender de muitos fatores exteriores a atuação do profissional (2008, p. 41):
O resultado do tratamento ortodôntico não depende somente do profissional, sendo
dependente da cooperação do paciente e também de fatores biológicos e
psicológicos individuais, que podem limitar a ação da terapêutica ortodôntica. O
ortodontista pode ser responsabilizado civilmente somente quando incorrer em
imprudência, negligência, imperícia ou propaganda enganosa.
34

3.2 A DISCUSSÃO ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO


DENTISTA: OBRIGAÇÃO DE RESULTADO

Como contraponto ao item anterior, há os que defendem a natureza de prestação


obrigacional de resultado aos cirurgiões-dentistas no exercício de sua profissão, para a
imputação da responsabilidade civil.
Sá (2017), em seu artigo “A responsabilidade civil no exercício da Odontologia:
Atividade de meio ou de resultado?” analisa como se dá a responsabilidade do dentista no
exercício da profissão e procura entender em quais situações o profissional deverá responder
civilmente por danos e prejuízos causados a terceiros.
Apoiado no doutrinador Silvio de Salvo Venosa, o autor ressalta que ainda que a
odontologia seja no Brasil uma profissão autônoma e desvinculada da medicina, a
responsabilização dos dentistas encontra-se no campo da responsabilidade civil dos médicos
(art. 4º, §14, CDC), ou seja, como regra geral será subjetiva e dependerá de culpa.
O autor ainda, de acordo com a obra de Venosa, em regra a responsabilidade do
cirurgião dentista será de resultado, caracterizando-se como uma atividade tipicamente
contratual. Conforme Sá (2017, p. 03):
[...] Venosa ressalta ainda em sua obra, que a responsabilidade civil do cirurgião -
dentista, em regra, é de resultado, ou seja, é uma atividade tipicamente contratual,
principalmente se considerarmos os inúmeros tratamentos de rotina, como obtu
rações e outras atividades que buscam prevenir doenças dentárias, conhecidas pelos
profissionais da área como atuações de profilaxia.

No artigo, Sá pondera que, ainda que seja a regra, nem toda a atividade do odontólogo
será de resultado, a exemplo da traumatologia bucomaxilofacial que merece exame
individualizado, no entanto afirma que (2017, p. 04):
[...] é importante ressaltar que, nos casos em que a atividade do odontólogo for de
resultado e tal resultado não for alcançado no procedimento, o profission al deverá
indenizar o paciente por eventuais danos causados, vez que os objetivos relativos ao
tratamento são previsíveis, podendo a indenização abarcar danos materiais, morais e
até mesmo estéticos.

Por fim, conclui que ainda que não se aplique em todo o exercício da atividade
profissional do dentista, de acordo com o atual entendimento de jurisprudência e doutrina , em
regra a obrigação do dentista será de resultado, devendo o profissional ser responsabilizado
civilmente caso o procedimento/cirurgia não apresente o resultado esperado, ficando nesses
casos caracterizado o descumprimento contratual.
35

Ainda assim, frisa que o insucesso no resultado não caracteriza a responsabilidade


objetiva do dentista, uma vez que (2017, p. 09):
A responsabilidade continuará a ser subjetiva nos termos do artigo 14, § 4º do CDC,
mas com culpa presumida do profissional, o que significa que o ônus da prova é
invertido e caberá ao dentista afastar sua responsabilidade contratual, provando que
não agiu com negligência, imprudência ou imperícia, ou que o insucesso se deu por
culpa exclusiva do paciente.

Na mesma linha de Sá (2017), os autores Castro, Daruge Junior, Francesquini Júnior


Schmidt e Ulbricht (2016), em seu artigo “Tratamento odontológico estéticos: obrigação de
resultado?”, ponderam que ainda que de forma geral o posicionamento da responsabilização
dos profissionais da saúde ser de meio, a doutrina vem mitigando tal enten dimento nos casos
das cirurgias estéticas. Conforme o artigo (2016, p. 06):
[...] a doutrina já vinha mitigando este entendimento nos casos das cirurgias
estéticas, tendo em vista que estas intervenções são ditadas mais pela vaidade e
complexos psicológicos do paciente do que por necessidades orgânicas (MATIELO,
1998), de forma que o profissional obriga-se ao resultado prometido (KFOURI
NETO, 1998), chegando mesmo ao extremo de se falar, no caso específico da
odontologia, que somente nas hipóteses de prótese bucomaxilofacial e cirurgia e
traumatologia bucomaxilofaciais é que o profissional não teria obrigação de
resultado (ROMANELLO NETO, 1998).

Os autores trazem ainda a diferenciação de erros de diagnóstico e tratamento, sendo


esses respectivamente a má interpretação de dados obtidos ou desinteresse/omissão em obtê-
los e escolha de tratamento impróprio ou defeituoso (COUTINHO, 2010).
Nesse sentido, ponderam (2016, p. 06):
Os erros e defeitos nos tratamentos estéticos seguem as diferenciações acima, ou
seja, ou há imprudência, imperícia ou negligência no diagnóstico para fins de
realização de procedimento estético (tanto da viabilidade de realização do
procedimento quanto do tipo de procedimento escolhido), ou ocorre alguma das
modalidades de culpa acim a citadas na realização do tratamento estético; em ambos
os casos, ocasionando dano ao paciente, de ordem material, moral ou estético.

Em ato contínuo, ensinam que o posicionamento tradicional de que na relação paciente


- dentista a obrigação assumida seria de meio foi mitigado pelo STJ (REsp nº1238746/MS) no
caso do tratamento possuir caráter estético, estendendo o entendimento aplicado para
responsabilização médica, nas cirurgias plásticas, aos procedimentos odontológicos estéticos,
onde o profissional assume a obrigação como sendo de resultado, uma vez que tanto
finalidade estética e funcional podem (e devem) ser alcançadas com previsibilidade. Frisam os
autores, portanto, que resta necessário e importante identificar se são tratamentos estéticos, ou
não, para fins de configurar a obrigação de resultado.
Por fim, levantam as consequências legais da decisão (2016, p. 15):
36

As consequências legais da interpretação conferida pelo colendo Tribunal são duas:


a primeira, de natureza material, que é a presunção de culpa nas hipóteses de erros
em tratamentos estéticos na seara odontológica, e a segunda, de natureza processual,
ou seja, há a inversão do ônus da prova durante o processo judicial de conhecimento,
nos termos do preceituado no artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do
Consumidor (BRASIL, 1990).

Os autores concluem (2016) no sentido de que não se pode falar em responsabilidade


pelo resultado quando o objetivo do tratamento não for de exclusivamente estético.
No artigo publicado na Revista de Odontologia da Universidade de São Paulo (2008)
os autores Melissa Kato, Suzana Goya, Silvia Peres, Arsenio Peres e José Roberto Bastos
debatem a respeito da natureza da responsabilidade civil referente às atividades do cirurgião
dentista, segundo eles (2008, p. 67):
A natureza da responsabilidade civil gerada no caso de erro profissional de cirurgi ão-
dentista, geralmente é de natureza contratual. Segundo o Novo Código Civil3 (NCC)
brasileiro, no ato em que o profissional aceita alguém como paciente estabelece-se
entre as partes um contrato de trabalho (Gomes, Candelária e Silva, 1997 apud
Kfouri Neto5, 2003), mesmo se este for de natureza verbal (contrato de loca ção de
serviço).

Conforme os autores (2008), quando o paciente busca o cirurgião-dentista para a


utilização de seus serviços profissionais, estabelecendo todos os critérios para que o serviço
ocorra, há neste contexto um consenso verbal de vontades em se aplicar o tratamento,
restando evidente a natureza contratual da relação. Salvo em situações excepcionais (2008, p.
68):
[...] Entretanto, excepcionalmente, tal responsabilidade pode ser de natureza
extracontratu- al, e isso ocorre no caso de o profissional participar de um
atendimento de emergência. Entretanto, a ocorrên- cia de tal exceção é muito rara
em Odontologia.

Também ponderam os autores que quando analisada a fonte geradora da obrigação,


nota-se ser gerada em nada mais do que um acordo de vontade entre as partes, o que
caracteriza a relação contratual entre cirurgião-dentista e paciente. No artigo (2008, p. 68):
É através do contrato que surgem as obrigações contraídas que não serão cumpridas
por um dos contratantes. A responsabilidade extracontratual tem sua fonte na lei,
estabelecida basicamente no Artigo 186 do NCC (“Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou por imprudência violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”).

Discutem, ainda, acerca da tipificação da obrigação do cirurgião-dentista, delimitando


as diferenças entre obrigações de meio e resultado (2008, p. 69):
[...] na obrigação de resultado, o profissional (contratante), obriga-se a atingir
determinado fim, desejado pelo paciente. O que interessa é o resulta- do final, não
importando a diligência demonstrada durante o tratamento. Por conseguinte, se tal
fim não for alcançado, não terá cumprido sua obrigação. Consegue o resultado ou
deve arcar com as conseqüências. Sendo a obrigação de resultado, basta ao lesado
demonstrar, além da existência do contrato, independente das suas razões, cabendo
ao devedor provar o caso fortuito ou de força maior, quando se exonerará da
responsabilidade.
37

No artigo “Implicações Jurídicas do erro profissional: a responsabilidade civil do


cirurgião-dentista”, publicado na Revista da Universidade Vale do Rio Verde (2013) os
autores Aline Reis, Carlos Eduardo Reis e Maria Élida Sá discorrem a respeito das espécies
de responsabilidade civil do cirurgião dentista, bem como as consequências advindas de seu
eventual insucesso. Conforme pensam (2013, p. 87):
[...] com o advento da Lei no. 8078, de 11 de setembro de 1990, (Código de Defesa
do Consumidor), o cirurgião-dentista passou a ser considerado fornecedor de
serviços. Isso acirrou os debates sobre a questão, bem como elevou o número de
casos levados ao Poder Judiciário, no sentido de ressarcimento de danos por erro
profissional.

Assumem também os autores, a respeito do tema, ser de suma importância lembrar que
um ato ilícito odontológico ocorre ainda que a conduta do cirurgião-dentista seja involuntária,
uma vez que tal ato resulta de (2013, p. 88):
[...] imperícia (quando o cirurgião dentista, sem a devida qualificação técnica, ou
seja, sem os conhecimentos necessários para desenvolver tal intervenção faz o
atendimento fora do ramo de sua competência causando dano), imprudência
(caracterizada pela atuação precipitada, de maneira intempestiva e sem se preocupar
com os resultados adversos e nocivos que aquela conduta sem os devidos cuidados
poderá causar) ou negligência (entendida como descuido, falta de atenção, omissão
displicente, podendo ser entendida como a falta de cuidados e precauções que a
profissão exige).

Os autores (2013) também defendem que a responsabilidade civil do cirurgião-dentista


decorre de obrigação de resultado, uma vez ser demasiadamente frequente na área a procura
desse tipo de profissional decorrente de uma preocupação estética, ou seja, quando um
paciente procura por esse serviço, seja na colocação de um aparelho para correção dentária,
seja coroas de porcelana ou implantes dentais, resta evidente a busca de um resultado
específico estético, não lhe bastando apenas a obrigação de meio. Resta apenas necessário,
portanto, d iferenciar o que são obrigações de meio ou de resultado, para imputar a devida
responsabilização civil aos profissionais, conforme os autores (2013, p. 89):
Assim, a diferença que existe entre a obrigação de meio e a de resultado, é que na
primeira o profissional não se responsabiliza e não tem como prever como será o
resultado final do tratamento, pois ele pode variar de acordo como o organismo de
cada paciente. Porém, caso seja previsível o resultado, ou se o dentista prometer ao
paciente uma possibilidade de resultado ele deverá cumprir sob pena de ter que
indenizar o dano e/ou a insatisfação do paciente. Nessa modalidade de obrigação de
resultado o cirurgião-dentista está automaticamente assumindo a responsabilidade de
atingir e alcançar uma expectativa dada ao seu cliente, que normalmente, fica
preestabelecido no plano de tratamento proposto. Se o paciente entender que o
resultado obtido não atingiu e não coincidiu com aquele anunciado pelo dentista, ele
poderá levar seu caso para decisão em uma lide judicial.
38

No mesmo tom dos demais autores, o trabalho acadêmico “A responsabilidade Civil


do Odontologista especializado em Harmonização Orofacial” (2018), publicado pelo Instituto
Braga de Odontologia e Pesquisa pelo autor Paulo Carvalhosa, pondera que nos casos
concretos o profissional cirurgião-dentista, seja ele graduado, pós-graduado ou até mesmo
especialista, que agir no trato com o seu paciente com imperícia, negligência ou imprudência,
em todos os seus desdobramentos, incorre em ato ilícito passível de indenização. Conforme o
autor (2018, p. 33):
[...] age em relação ao seu paciente: com imperícia, qual seja, mediante falta de
especial habilidade, ou experiência ou de previsão no exercício de sua determinada
função, enquanto profissão, arte e ofício; com negligência, qual seja, omissão
voluntária de diligência ou de cuidado, ou ainda, falta ou demora no prevenir ou
obstar um dano; ou imprudência, qual seja, a atuação intempestiva e irrefletida no
praticar uma ação ou omissão sem as necessárias precauções, agindo com
precipitação, inconsideração, ou inconstância; faz com que o profissional incorra em
ato ilícito indenizável.

Ainda acrescenta haver a possibilidade de caracterização de não somente dano moral,


mas como dano material, nos casos em que (2018, p. 36):
[...] alguém sofreu danos estéticos decorrentes de procedimentos de harmonização
facial, o que já constitui dano de monta no patrimônio imaterial da pessoa lesada,
causando-lhe sofrimento moral, emocional e psíquico, e por conta destes danos
estéticos, deixou ela de trabalhar por determinado período de tempo, ou por ter, no
caso de uma modelo, por exemplo, pessoa de imagem pública, portanto, não mais
podendo ela exercer sua profissão, dado o dano estético, deixando a mesma de
auferir valor pecuniário servente para a subsistência própria e de sua família, o autor
do dano, além de responder pelo dano moral a que deu causa, responde tamb ém pelos
danos materiais infligidos à pessoa, pelo ato ilícito.

Ensina ainda, o autor, acerca dos elementos necessários para tipificação da


responsabilidade civil do cirurgião dentista (2018, p. 37):
No caso do Cirurgião Dentista, para que incorra em responsabilidade civil,
necessariamente, devem ocorrer os seguintes elementos que tipificam a
responsabilidade civil, ou seja: a ação ou a omissão culposa do agente, a existência
do dano, e a determinação concreta e precisa do nexo de causalidade entre ato ou a
omissão lesante e o dano.

Carvalhosa (2018) ressalta ainda que, em linhas gerais, pode-se definir como
obrigações de meio aquelas odontológicas necessárias, ou seja, que tendem a restaurar
estruturas e funções (comprometidas ou perdidas), mas sem a existência de uma promessa de
resultado, seja a remissão dos sinais, sintomas, anatomias, funcionalidades comprometidas,
entre outros, com a intervenção do processo odontológico. Para ele (2018, p. 58):
Assim sendo, nas obrigações de meios, a responsabilidade civil (e por vezes, penal e
administrativa), não surge em virtude do resultado não alcançado, mas sim de
conduta odontológica eivada de negligência, imprudência ou imperícia no proceder.
39

Já as obrigações de resultado funcionam de maneira diferente, para o autor (2018, p.


58) muitas vezes os pacientes procuram o cirurgião-dentista para fins “parcial ou puramente
estéticos, sem que haja patologia evidente”, neste tipo de obrigação a promessa de resultado
ocorre de forma expressa ou tácita, o que importa dizer que (2018. p. 57):
Na obrigação de resultado, se impõe anecessidade de se atingir um certo fim pré-
determinado, objetivado, prometido, que o Odontologista se comprometeu, expressa
ou tacitamente, realizar.

No trabalho acadêmico “Conhecimento do cirurgião dentista sobre as implicações


judiciais embutidas na cirurgia estética de bichectomia”, publicado pela Faculdade Maria
Milza (2018) e escrito pelo autor Jorge Vinicius Santana dos Santos, o autor bem define por
dano estético, aquele que consistir em uma deformidade aparente que não existia antes do
procedimento cirúrgico, neste caso realizado por cirurgiões-dentistas. Para o autor, tal
deformidade pode ser (2018, p. 22):
[...] responsável pela desfiguração/deformação da vítima, induzindo a sentimentos
de inferioridade em relação as demais pessoas. Já o dano psíquico, baseia-se nas
transformações de personalidade, com sintomas de inibições, depressões e
bloqueios. Este dano acarreta em incapacidade do lesado de relacionar-se
socialmente de forma saudável (MAGALHÃES, 1980; VENOSA, 2003).

No mesmo tom dos autores anteriormente citados, Santos (2018) ressalta que os
cirurgiões-dentistas são passíveis de responsabilização civil, segmentada em obrigações de
meio e obrigações de resultado. Para ele as obrigações de meio são aquelas em que não há
previsibilidade de resultado, uma vez que existem diversos fatores, externos a execução do
profissional, que influenciam no resultado da cirurgia e/ou procedimento. Entende, portanto,
que (2018, p. 24):
Desta forma, na obrigação de meio, os profissionais não se responsabilizam pelo
resultado final obtido pelo paciente. Já as obrigações de resultados são representadas
pelas situações em que o resultado final é previsível ou situações em que os dentistas
prometem aos pacientes uma possibilidade de resultado. Sendo assim, os mesmos
deverão cumprir as promessas sob pena de indenização de dano e/ou insatisfação
dos pacientes.

No artigo “Responsabilidade do cirurgião-dentista frente ao código de Defesa do


Consumidor”, publicado pela UniFOA (2010) pelos autores Enio Figueira e Giselle Trindade
os autores ponderam que para haver a responsabilização do cirurgião dentista, é necessária a
ocorrência de cinco situações concomitantemente, quais sejam: 1. O agente cirurgião dentista
legalmente habilitado, uma vez que “[...]requer o agente, que necessariamente deverá ser um
cirurgião-dentista legalmente habilitado, não ficando, entretanto, isentos de penas, aqueles
que participam de práticas ilegais” (2010, p. 65); 2. O ato profissional, que pode ser “[...] por
ação
40

ou omissão, é a segunda condição para que ocorra a materialização; tais atos obedecem às
normas e dispositivos específicos da Legislação” (2010, p. 65); 3. A ausência de dolo, o que
caracteriza que o profissional não agiu de forma proposital, tratando-se de “[...] culpa
profissional praticada sem a intenção de prejudicar, nas condições consagradas juridicamente
nas suas três espécies da imprudência, negligência ou imperícia” (2010, p. 65) ; 4. A
existência de dano, uma vez que para responsabilizar civilmente o profissional no exercício de
su a profissão “[...] será necessário, então, que haja a ocorrência de uma consequência danosa
ou um prejuízo para seu paciente”(2010, p. 65); 5. O nexo causal, ou seja, demonstração de
causa e efeito, sendo necessário para a responsabilização a demonstração de (2010, p. 65)
“[...] uma relação direta ou indireta entre o ato profissional e o dano produzido. O nexo causal
é, portanto, a configuração de que, sem a ação ou a omissão do profissional, não haveria
ocorrido o prejuízo ou o dano ao paciente.”
Quando do tocante a relação cirurgião dentista - paciente, os autores trazem à baila o
Código do Consumidor (2010, p. 67):
Dentre os profissionais englobados pelo dever de indenizar pelo Código de Defesa
do Consumidor, está o cirurgião-dentista, ou seja, fornecedor, definido em seu art 3o
a este cunho, sendo este um profissional liberal, que exerce uma atividade
remunerada, incluído neste conceito devido a seu serviço caracterizar-e como
relação de consumo, escolhido pelo consumidor “intuitu personae”, ou seja, a
escolha se baseou em relação de confiança e competência acreditados pelo paciente,
este último, destinatário final do serviço prestado, interpretado no artigo 2o do CDC,
para que se caracterize como consumidor.

Ainda ponderam que com o advento do supracitado Código, surgiram orientações mais
concretas e direcionadas quando do tocante aos erros médicos e odontológi cos, orientando a
que direito o consumidor deve recorrer. Pois, conforme entendem (2010. p. 69):
[...] por esse Código, é dado ao consumidor uma proteção essencial, uma garantia de
efetivação da relação de consumo, a facilidade de sua defesa pela inversão do ônus
da prova a seu favor, cabendo ao cirurgião dentista provar que as alegações deste
não são verdadeiras.

Na mesma linha, segue o artigo “A Obrigação de Resultado nas Ações de


Responsabilidade Civil do Cirurgião-dentista no Brasil, em 2017”, publicado na Revista
Brasileira de Odontologia Legal - RBOL (2017) e escrito pelos autores Maria da Conceição
Lyra, Mariana Pereira e Jamully Musse, onde as autoras buscaram fazer um estudo
jurisprudencial sobre o entendimento jurídico brasileiro acerca do dilema entre:
responsabilidade de meio x responsabilidade de resultado dos profissionais odontólogos.
Acerca do tema, sustentam que o aumento dos processos judiciais movidos em face
dos profissionais cirurgiões-dentistas no Brasil, por seus pacientes, por motivo de
insatisfação do
41

serviço prestado são considerados pelos autores (2017, p. 53) “[...] um dos temas que mais
afligem a classe odontológica, uma vez que envolvem pedidos de indenização, por seus
pacientes, devido à insatisfação com o tratamentos executado”. Segundo as autoras (2017, p.
53):
Por tal motivo, este estudo buscou analisar as jurisprudências nos Tribunais de
Justiça dos estados brasileiros, nos processos de responsabilidade civil envolvendo o
CD, considerando o número de ações judiciais, a distribuição por Estado e o
entendimento dos Magistrados de 1º e 2º Graus sobre a condenação ou não do CD,
sobre a obrigação contratual de meio ou de resultado e sobre as especialidades
odontológicas.

Ressaltam também que é importante saber, identificar, a existência de um contrato


formal, ou não, uma vez que (2017, p. 53)
[...] se existe contrato, é no âmbito dos seus limites que será apurado o
inadimplemento. Se não há contrato, e a culpa decorre de um dever de conduta, é
neste agir do profissional que a culpa deve ser aferida. No entanto, em toda
responsabilidade profissional, ainda que exista um contrato, ou não, há sempre um
campo de conduta a ser examinado, inerente à profissão como ressalta Venosa
(2006). Enfim, o dever de indenizar pelo dano derivado da falha no tratamento
odontológico sobrevirá tanto da relação convencionada entre as partes, como da
que ocorreu sem contrato. Porém, quando a responsabilidade é dita contratual,
o descumprimento do contrato, por si só, cria a presunção de responsabilidade
do devedor, no caso o CD.

Finalmente, sobre a caracterização do tipo de obrigação, esclarecem que há a


incidência de obrigação de meio, quando nada mais é exigido senão a utilização dos meios
adequados. Acerca disso, exemplificam (2017, p. 54)
[...] É o exemplo comum do médico, que se obriga a envidar todos os esforços no
sentido de aplicar os meios indispensáveis à cura ou sobrevida do paciente, sem
que isto implique a obrigação de assegurar a própria cura ou o resultado benéfico.

Já quando se tratar de uma obrigação de resultado, as autoras esclarecem que o


profissional irá exonerar-se dela apenas nas hipóteses em que o fim prometido é alcançado, o
que quer dizer que não alcançando o profissional será visto como inadimplente, o que imputa
obrigação de responder pelos danos decorrentes do ato.
Sobre a grande maioria das cirurgias, enfatizam (2017, p. 54):
Oportuno destacar que, em regra, aos cirurgiões-dentistas é imputada a obrigação de
resultado. Esta afirmação foi demonstrada nesta pesquisa em que, excluindo os
recursos que não faziam referência ao tipo de obrigação, a maioria dos magistrados
considerou a obrigação do CD como de resultado (n=64) e apenas 16 magistrados
consideraram como de meio.

Por fim, concluem as autoras que (2017, p. 56):


[...] das análises das jurisprudências nos processos de responsabilidade civil do CD,
a obrigação do CD foi reafirmada como sendo, em sua maioria, de resultado,
principalmente quando a estética é envolvida [...].
42

No artigo “A Responsabilidade Civil e o Cirurgião- Dentista : direitos e obrigações”,


publicado pela Revista Cathedral (2020) e escrito por Cleiciane Aguiar, Vivian Souza e
Marcela Pereira, as autoras bem definem que a responsabilidade civil surge por motivo de
uma quebra contratual, uma violação obrigacional ou dano causado a terceiro, o que, dentro
do campo da odontologia, pode ser observado pelo uso de técnicas erradas, por exemplo.
Para elas (2020, p. 27):
O Cirurgião-dentista está mais propenso a sofrer certos riscos por conta da profissão
que exerce, pois o serviço prestado está relacionado com a expectativa paciente -
cliente. Então, o profissional responderá tanto por ação ou omissão inerentes a sua
obrigação de meio ou resultado.

Trazem a baila o Código de Defesa do Consumidor no tocante a responsabilidade


subjetiva do profissional cirurgião-dentista está estabelecido no princípio da culpa, ou seja
(2020. p. 31):
Não havendo culpa por parte do Cirurgião-dentista, inexiste o dever de indenizar.
Esta espécie de responsabilidade pode ser inserida como subjetiva na Odontologia,
conforme o Código de Defesa do Consumidor (CDC) em seu Art. 14, parágrafo 4°,
responderá o fornecedor de serviços, independentemente da presença da culpa, para
reparação dos prejuízos causados aos seus consumidores por defeitos relacionados à
prestação dos serviços, assim como inadequada utilização e riscos ou por
informações insuficientes. Para os profissionais liberais, a responsabilidade será
apurada por meio da verificação da culpa.

Desta forma, concluem as autoras (2020) que com esta definição, baseada neste
princípio, ou seja, um cenário de vinculação de relação de consumo, o profissional dentista
passa a figurar como prestador de serviço e o paciente, como consumidor.
Ainda, seguindo no mesmo sentido dos demais autores aqui citados, e elucidando
ainda mais detalhadamente o caso (2020, p. 31):
Segundo o CFO (2012), são consideradas especialidades odontológicas de meio:
cirurgia e traumatologia buco-maxilo-facial, endodontia, odontopediatria,
periodontia, ortodontia, prótese buco-maxilo-facial, odontologia do trabalho,
odontologia para PNE, odontogeriatria e ortopedia funcional dos maxilares.

Ao passo que, na obrigação de resultado existe a vinculação do profissional a alcançar


um determinado resultado (diferentemente da obrigação de meio anteriormente citada). Ainda
frisam que por força de contrato o profissional cirurgião dentista está submetido, obrigado, a
alcançar um resultado. Não o alcançando, deverá responder pelos danos resultantes de tal
inadimplemento.
Esclarecem ainda que (2020, p. 32):
E as especialidades de obrigação de resultado no que tange o CFO (2012) são:
dentística restauradora, odontologia em saúde coletiva, odontologia legal, patologia
bucal e radiologia. Com isso, a obrigação de meio é o próprio exercício do
profissional, na obrigação de resultado será a consequência da ação.
43

Por fim, no trabalho acadêmico “Reflexões sobre a responsabilidade civil do cirurgião-


dentista”, publicado pela revista Arch. Health Invest (2019), e escrito por Victor Colucci
Netto, o autor frisa a importância de distinguir o conceito de obrigação da noção de
responsabilidade, uma vez que, para ele (2019, p. 192) “[...] obrigação é sempre um dever
jurídico originário, ao passo que responsabilidade é um dever jurídico sucessivo,
consequente à violação do primeiro”, esclarece que (2019, p. 192):
Se alguém se compromete a prestar serviços profissionais a outrem, assume uma
obrigação, um dever jurídico originário. Se não cumprir a obrigação, violará o dever
jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade, o dever de recompor o prejuízo
pelo não cumprimento da obrigação.

Na mesma linha dos demais, também defende a importância da distinção entre


obrigação de meio e resultado para a imputação de responsabilidade civil ao cirurgião-
dentista, uma vez que será desta definição é que tem origem a diferença a respeito do ônus da
prova da culpa em um processo.
Diferencia ambas, determinando que a obrigação de meio se dá quando o profissional,
que figura como devedor da obrigação, compromete-se a (2019, p. 196) “[...] empregar seus
conhecimentos, meios técnicos para a obtenção de determinado resultado, sem, no entanto,
responsabilizar - se por ele”. O autor bem exemplifica (2019, p. 196)
É o caso, por exemplo, dos advogados, que não se obrigam a vencer a causa, mas
sim a bem defender os interesses dos clientes de acordo com o emprego de todos os
meios técnicos disponíveis; bem como o caso dos médicos, que não se obrigam a
curar, mas tratar bem os enfermos, fazendo uso dos meios, consistentes em seus
conhecimentos científicos.

Ao passo que para Netto (2019) será caracterizada como obrigação de resultado
quando o profissional, que novamente figura como devedor da obrigação, se vincula a um
resultado específico. Nesses casos, portanto, o profissional apenas não será responsabilizado
quando (2019, p.196):
Não logrando êxito em atingir o resultado a que se comprometeu, o profissional é
considerado inadimplente e obrigado a responder pelos prejuízos decorrentes do
insucesso. Exemplo clássico de obrigação dessa natureza é a assumida pelo
transportador, que promete tacitamente, ao vender o bilhete de passagem, levar o
passageiro são e salvo a seu destino. Outro exemplo clássico é a obrigação do
médico no caso da cirurgia plástica estética, há o compromisso com um resultado
específico previsto ou esperado, ensejando obrigação de resultado.

Frisa o autor que, tendo presente a caracterização da obrigação de resultado (2019, p.


196):
[...] a não obtenção desse resultado importa o inadimplemento das obrigações
assumidas e a responsabilidade pelo dano ocasionado. Não se eximirá da
responsabilidade provando apenas ausência de culpa. Incumbe ao inadimplente o
ônus
44

de demonstrar que o dano se verificou por força maior, caso fortuito externo, culpa
exclusiva da vítima ou, ainda, fato exclusivo de terceiro [...]

Ainda especificamente sobre a responsabilidade civil dos dentistas, discorre que a


mesma (2019, p. 197):

[...] decorreria de uma obrigação de resultado, e justifica sua posição no fato de que
os procedimentos de tratamento dentário são mais regulares, específicos,
localizados. A obturação de uma cárie, o tratamento de um canal, a extração de um
dente, são procedimentos que exigem uma técnica específica, mas que permitem se
assegurar a obtenção de um resultado específico. Assim, segundo o jurista, ao
desempenhar estas atividades o profissional odontólogo compromete-se com um
resultado a entregar, e não apenas com a aplicação da melhor técnica e meios
científicos.

Por fim conclui que verificar-se que resta caracterizada a responsabilidade do cirurgião
dentista como sendo subjetiva, com classificação da obrigação como sendo de natureza de
resultado e não de meio.

3.3 ARGUMENTOS ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO


DENTISTA: OUTRAS ABORDAGENS

Há também, os estudos que indicam não haver consenso na caracterização da natureza


da obrigação imputada ao cirurgião-dentista no exercício de sua profissão, necessitando de
mais estudos e tempo para enfim chegar em tal definição.
No artigo “Estudo da percepção de cirurgiões-dentistas quanto à natureza da obrigação
assumida na prática odontológica”, publicado pela Revista de Odontologia da UNESP (2006),
os autores Cléa Garbin, Artênio Garbin e Ricardo Lelis ponderam que o Código de Defesa do
Consumidor, em seu artigo 3º, bem define fornecedores como sendo “[...] todas as pessoas
físicas ou jurídicas que desenvolvem atividades de produção, comercialização, distribuição de
produtos ou prestação de serviços”, restando evidente caracterizar o cirurgião-dentista como
um prestador de serviços odontológicos, enquadrando-se perfeitamente no conceito de
fornecedor, de modo que pode ser acionado judicialmente. Nesta relação, figura o paciente
como o consumidor, que é definido pelo citado código como “[...] toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final”.
Questionam, os autores (2006) que a obriga assumida pelo profissional é um “[...]
tema de grande conflito e polêmica, inexistindo um consenso entre cirurgiões -dentistas,
juristas e pesquisadores da área”. Conforme pensam (2006): “A dependência da resposta
biológica do paciente ou até a sua colaboração para o sucesso do tratamento odontológico têm
feito alguns juristas perceberem que, na Odontologia, não pode haver previsibilidade de
resultados”.
45

Na mesma linha, discorrem os autores que (2006, p.214):


[...] embora a percepção de alguns juristas venha inclinando-se para a obrigação de
meio, a prática odontológica, para o direito, assume, via de regra, obrigação de
resultado. Dessa forma, sabendo-se que o êxito de um tratamento odontológico está
na dependência não só da adoção de uma técnica correta e atualizada pelo
profissional, mas também da resposta biológica do paciente ante a terapêutica
adotada e, ainda, dos hábitos e cuidados adotados por este, acreditamos que, a
princípio, todas as especialidades deveriam ser consideradas como meio, devendo-
se, obviamente, apurar a conduta do cirurgião-dentista observando-se a sua
documentação.

Ao final do trabalho, concluem na mesma linha de pensamento, onde afirmam que


embora a maioria dos cirurgiões-dentistas tenha afirmado que a Odontologia deveria assumir
obrigação de meio, não há ainda um consenso quanto a isso.
Na mesma linha do trabalho anterior, o artigo “Responsabilidade civil e ética do
ortodontista”, publicado pela Revista Dental Press Ortodontia e Ortopedia Facial (2004), os
autores Bruno Minervino e Omásio Teixeira questionam nos tempos modernos houve uma
mudança da relação médico paciente deslocando-se “[...] verticalmente a posição impositiva e
imperial do médico, para assumir um comportamento mais horizontalizado, mais
democrático”. O que consideram ter havido na área da saúde como um todo, afetando
diretamente, também, a relação do profissional cirurgião-dentista com seu paciente (2004, p.
90):
Essa globalização gera uma busca de conhecimento por parte dos pacientes. O
mesmo procura conhecer melhor o seu caso, através de informações específicas,
busca o saber, investiga, questiona o ortodontista, indaga a respeito de seu
tratamento como um todo. E é dever do profissional fornecer todas as informações
necessárias.

Os autores discorrem sobre a relação contratual da relação entre o cirurgião-dentista e


seus pacientes, sendo “[...] o contrato é o ato resultante do acordo de vontades entre duas ou
mais pessoas, a respeito de um certo e determinado assunto”.
Sobre a obrigação de meio, para eles (2004) essa nada mais é do que a própria relação
contratual (2006, p. 91):
A obrigação de meio é a própria relação contratual, sem que para isso se atinja
determinado resultado. Isto é, existem fatores fora do alcance do contratado, de
difícil resolução que impedem que ele alcance o êxito total ao término do
tratamento. São os contratos que estabelecem obrigação de meios. Assim, o
contratado se compromete a utilizar-se de todos os meios ao seu alcance, para
realizar os objetivos previstos no contrato, mas, sem precisar alcançar na íntegra o
resultado final

Já a respeito da obrigação de meio, bem caracterizam que a mesma se dá quando o


contratado obrigou-se com um resultado no momento da contratação do serviço prestado pelo,
o que quer dizer (2004, p. 92):
[...] é quando o contratado se obrigou, no momento da aquisição da obrigação, a
executar determinado trabalho, sendo essa promessa o objeto da celebração do
contrato. Nem o fato do serviço ser de execução incerta ou impossível, poderá
46
aproveitar o devedor, pois a promessa de obtenção do resultado pretendido pelo
credor
47

foi determinada na celebração do contrato, e é o devedor, melhor que ninguém, por


ter o conhecimento científico, que pode avaliar ou não a obtenção de êxito na execução
do tratamento proposto inicialmente.

No entanto, após bem definir as características das obrigações, concluem que pela
análise da jurisprudencial, conclui-se que (2004, p. 95):
[...] ambas as obrigações de meio e fim, têm fundamentação jurídica. Com isso, não
se define em um contrato a modalidade obrigacional, apesar de existir uma tendência
a considerar os procedimentos odontológicos como de fim. Contu do, essa corrente
jurídica não deve prosperar sem que haja discussão significativa sobre o tema.

Resta evidente, portanto, que ainda que em maior número sejam aqueles acadêmicos
que já se posicionam com relação ao tema, acreditam já ser possível uma determinação da
natureza obrigacional da Responsabilidade Civil do Cirurgião Dentista, ainda existe uma
parcela que acredita que o tema é recente e demanda ainda mais tempo, estudo, para tal
determinação, sob pena de incorrer em injustiça perante os profissionais. Para melhor
esclarecer, portanto, trataremos no próximo tópico evidências empíricas (leis, resoluções e
jurisprudências) para nortear o presente estudo.
48

4 EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO


DENTISTA NAS CIRURGIAS DE HARMONIZAÇÃO OROFACIAL

A partir deste ponto passa-se a apresentar e discutir os efeitos da Lei nº 5.081/1966 e


Resoluções nº CFO-198/2019 e 230/2020 para a caracterização da Responsabilidade Civil do
Cirurgião Dentista pelo dano causado nas Cirurgias de Harmonização Orofacial.
Para tanto, utilizou-se análise jurisprudencial acerca das decisões dos Tribunais a
respeito da caracterização da natureza obrigacional do profissional enquadrando-a como
obrigação meio ou de resultado.

4.1 UMA ANÁLISE DA REGULAMENTAÇÃO GERAL DA ODONTOLOGIA – LEI Nº


5.081/66

De acordo com a Lei 5.081/66, compete aos cirurgiões dentistas, nos termos do art. 6º,
o seguinte:
Art. 6º Compete ao cirurgião-dentista: I - praticar todos os atos pertinentes a
Odontologia, decorrentes de conhecimentos adquiridos em curso regular ou em
cursos de pós-graduação; II - prescrever e aplicar especialidades farmacêuticas de
uso interno e externo, indicadas em Odontologia; III - atestar, no setor de sua
atividade profissional, estados mórbidos e outros, inclusive, para justificação de
faltas ao emprego.IV - proceder à perícia odontolegal em fôro civil, criminal,
trabalhista e em sede administrativa; V - aplicar anestesia local e truncular; VI -
empregar a analgesia e a hipnose, desde que comprovadamente habilitado, quando
constituírem meios eficazes para o tratamento; VII - manter, anexo ao consultório,
laboratório de prótese, aparelhagem e instalação adequadas para pesquisas e análises
clínicas, relacionadas com os casos específicos de sua especialidade, bem como
aparelhos de Raios X, para diagnóstico, e aparelhagem de fisioterapia; VIII -
prescrever e aplicar medicação de urgência no caso de acidentes graves que
comprometam a vida e a saúde do paciente; IX - utilizar, no exercício da função de
perito-odontólogo, em casos de necropsia, as vias de acesso do pescoço e da cabeça.
(grifo nosso)

Conforme é possível depreender do dispositivo acima citado a competência na atuação


do cirurgião depende de expressa colocação. Conforme o texto da lei, compete ao profissional
colocar em prática todos aqueles atos pertinentes ao exercício da odontologia, quando
adquiridos em cursos de graduação e/ou pós-graduação, devidamente regulamentados e
reconhecidos da área. Ainda pode prescrever medicações, desde que indicadas no campo da
odontologia, aplicar analgesia, fornecer atestados odontológicos (tanto de estados mórbidos
quanto ausência no emprego), realizar perícia odontolegal, possuir anexo ao consultório
laboratório e outros utilizados para o devido diagnóstico bem como, em casos de necropsia,
utilizar as vias de cabeça e pescoço.
49

Nesse sentido a lei também regulamenta as situações de impedimento da prática


profissional do cirurgião dentista, conforme segue:
Art. 7º. É vedado ao cirurgião-dentista: a) expor em público trabalhos odontológicos
e usar de artifícios de propaganda para granjear clientela; b) anunciar cura de
determinadas doenças, para as quais não haja tratamento eficaz; c) exercício de mais
de duas especialidades; d) consultas mediante correspondência, rádio, televisão ou
meios semelhantes; e) prestação de serviço gratuito em consultórios particulares; f)
divulgar benefícios recebidos de clientes; g) anunciar preços de serviços,
modalidades de pagamento e outras formas de comercialização da clínica que
signifiquem competição desleal.

É inequívoca a intenção de impor limites à área de atuação quando observados os


citados dispositivos. E, para a presente análise, é importante comentar que determinada a área
de atuação pela lei supracitada e, uma vez extrapolados os limites impostos, poderá incorrer
em ato ilícito o profissional cirurgião dentista, resultando em um dever de indenizar.
Ademais, no momento em que há permissões e vedações, em um campo onde há uma
ação de um profissional, prestando um serviço, em especial esse tipo de atividade
(intervenção cirúrgica invasiva) a possibilidade de incorrer em erro, cometer ato ilícito, e
gerar um dano é palpável.
Conforme explicado no segundo capítulo, Cavalieri bem definiu o dever de indenizar
como aquele que extrai-se da leitura e análise conjugada dos artigos 927, 186 e 187 do Código
Civil, qual seja, os artigos 186 e 187 definem o que entende-se por ato ilícito ao passo que o
927 nos dá a consequência lógica. Compilando-os, entende-se que art. 186: “[...] aquele que
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência [...]”, bem como, art. 187: “[...]
aquele que é titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestadamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes [...]”, art.
927: “[...] causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2002).
Ainda importante mencionar que, conforme bem defendeu Wander Pereira, sendo
subjetiva a responsabilidade civil do cirurgião dentista, nos moldes do artigo 14, §4º do
Código de Defesa do Consumidor, faz-se necessário não apenas o a presença do dano, mas
também a correlação entre dano e nexo de causalidade, originado necessariamente no ato
ilícito.
Vale ressaltar que a presente lei, que regulamenta a profissão dos dentistas, por ter
sido publicada no ano de 1966, não prevê em seu corpo de texto nada relacionado a natur eza
obrigacional do cirurgião dentista especificamente nas cirurgias de harmonização orofacial,
uma vez que à época sequer existia essa prática, no entanto, como norma regulamentadora, é
ela que nos dá chão, nos dá contexto, para então nos próximos tópicos abordar o tema de
maneira mais específica.
50

4.1.1 Principais aspectos da Resolução CFO-198/2019

A Resolução publicada em janeiro de 2019, conforme o seu primeiro artigo bem


explica, veio para regulamentar/reconhecer a prática de Harmonização Orofacial como sendo
uma especialidade do campo da odontologia.
O segundo artigo da resolução trás o relevante conceito do que se trata tal cirurgia,
conceito já abordado no segundo capítulo do presente trabalho mas faz-se importante
relembrar, qual seja: o apanhado de procedimentos, cirúrgicos ou não, realizados pelo
profissional cirurgião-dentista em sua área de atuação, responsáveis pelo equilíbrio facial,
tanto estético quanto funcional.
De forma mais específica:
Art. 3º. As áreas de competência do cirurgião-dentista especialista em Harmonização
Orofacial, incluem: a) praticar todos os atos pertinentes à Odontologia, decorrentes
de conhecimentos adquiridos em curso regular ou em cursos de pós-graduação de
acordo com a Lei 5.081, art. 6, inciso I; b) fazer uso da toxina botulínica,
preenchedores faciais e agregados leucoplaquetários autólogos na região orofacial
e em estruturas anexas e afins; c) ter domínio em anatomia aplicada e histofisiologia
das áreas de atuação do cirurgião-dentista, bem como da farmacologia e
farmacocinética dos materiais relacionados aos procedimentos realizados na
Harmonização Orofacial; d) fazer a intradermoterapia e o uso de biomateriais
indutores percutâneos de colágeno com o objetivo de harmonizar os terços
superior, médio e inferior da face , na região orofacial e estruturas relacionadas
anexas e afins; e) realizar procedimentos biofotônicos e/ou laserterapia, na sua área
de atuação e em estruturas anexas e afins; e, f) realizar tratamento de lipoplastia
facial, através de técnicas químicas, físicas ou mecânicas na região orofacial, técnica
cirúrgica de remoção do corpo adiposo de Bichat (técnica de Bichectomia) e
técnicas cirúrgicas para a correção dos lábios (liplifting) na sua área de atuação e
em estruturas relacionadas anexas e afins. (grifo nosso)

Ou seja, em resumo as áreas de competência, traduzidas em procedimentos faciais,


que os cirurgiões dentistas são aptos a realizar são: o uso da toxina botulínica e preenchedores
faciais, intradermoterapia (infiltração de materiais) e o uso de biomateriais indutores
percutâneos de colágeno, bem como procedimentos de laserterapia, realizar tratamento de
lipoplastia facial, técnica de bichectomia e técnicas cirúrgicas para a correção dos lábios
(liplifting).
Ato contínuo, nota-se, quando comparado ao artigo 6º da Lei nº 5.081/66, um
alargamento da área de atuação do cirurgião dentista, no que concerne a aplicação de técnicas
voltadas a estética da face, ou seja, esse profissional passou a não ser mais responsável apenas
pela saúde bucal, mas sim pela harmonia estética da face como um todo.
Cruzando com os conceitos aqui estudados, nota-se que a responsabilidade civil desse
profissional decorre da própria natureza da atividade, ou seja, uma vez o mesmo pratica
qualquer uma das atividades listadas ele incorre em risco de errar ou acertar, esse erro ou
acerto
51

pode prejudicar ou beneficiar o seu paciente/cliente, e determinar como os conceitos


determinantes que compões a responsabilidade civil são extremamente necessários para
entender a extensão e até onde esse profissional terá o dever de indenizar.
Visto isto, já é sabido da necessidade da determinação a respeito da natureza da
obrigação, como sendo de meio o de resultado, para definir e delimitar o dever de indenizar
desses profissionais, bem como rememorando o que bem definiu Wander Pereira, no segundo
capítulo do presente estudo, em regra para problemas oriundos de cirurgias odontológicas
estéticas deve entender-se como uma obrigação de resultado com natureza contratual, uma
vez que, ofertado um resultado estético específico (é fácil notar com a chuva de publicações e
propagandas que recebe-se diariamente acerca desses procedimentos cirúrgicos), e analisado o
campo de atuação previsto no artigo 3º, ora analisado, resta pouco espaço para dúvida do
comprometimento do profissional com o resultado específico.
Ainda bem defendeu, como sendo de resultado, o acadêmico Mauricio Kennedy Sá, no
capítulo terceiro, elucidando que ainda que não se aplique em todo o exercício da
odontologia, em regra tanto jurisprudência, quanto doutrina, vem apontando para o
entendimento de que será de resultado a obrigação do cirurgião dentista neste tipo de
atividade.
Sobre o registro do especialista, resta importante frisar quem terá o direito:
Art. 9º. Também terá direito ao registro como especialista em Harmonização
Orofacial o cirurgião-dentista que: a) apresente, a qualquer tempo, o certificado de
conclusão ou comprove a efetiva coordenação de curso de especialização nesta área
iniciado antes da vigência desta norma e regulamentado pelo MEC; b) possuindo
especialidade registrada em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, comprove,
em até 180 (cento e oitenta) dias, atuação efetiva em harmonização orofacial nos
últimos 5 (cinco) anos; c) possuindo qualquer outra especialidade registrada,
comprove, em até 180 (cento e oitenta) dias, atuação efetiva nos últimos 5 (cinco)
anos e a realização de cursos, que totalizem no mínimo 360 (trezentas e sessenta)
horas, e que contenham conteúdos práticos com pacientes na área de
preenchedores faciais e toxina botulínica, fios faciais, lipoplastia facial,
agregados leuco-plaquetários autólogo, mesoterapia e indutores percutâneos de
colágeno e fototerapia facial. (grifo nosso)

Resta claro no dispositivo acima citado que, além daqueles que possuem curso de pós -
graduação específico na área de harmonização orofacial, aqueles cirurgiões dentistas que
comprovadamente possuírem prática anterior a publicação da norma específica, ou certifica
ções de cursos regulamentados pelo MEC pertinentes a área, também poderão ter seu registro
como especialista em Harmonização Orofacial.
Ainda nessa parte do texto da resolução, é possível traçar um paralelo com a
característica notória da cirurgia de harmonização orofacial como sendo de embelezamento.
Nota-se do dispositivo supracitado que poderá ter sua especialização reconhecida aquele que
52

possuir prática em preenchedores faciais, uso de botox, lipoplastia facial, dentro outros
elencados, procedimentos cirúrgicos sabidamente procurados e adquiridos por motivos
estéticos, vendidos como serviços com um fim específico.
Nesse momento faz-se importante recapitular novamente o já explicado no capítulo
segundo do presente trabalho, quando Wander Pereira bem define que, entre o profissional
cirurgião dentista e seu cliente/paciente há uma relação baseada na prestação de serviços pelo
dentista e, por outro lado, a satisfação e pagamento pelo serviço por parte do cliente/paciente,
articulando-se uma relação evidentemente contratual, que visa um resultado específico, na
presente análise do artigo 9º, depreende-se que o mesmo em grande parte das vezes é, como o
é nas cirurgias plásticas, um resultado puramente estético.

4.1.2 Elementos essenciais da Resolução CFO-230/2020

A recente Resolução publicada em agosto de 2020 veio para regulamentar o artigo 3º


da Resolução CFO-198/2019, citada no item anterior, e traz esclarecimentos sobre o que é
vedado ao Cirurgião Dentista, conforme segue:
Art. 1º. Fica vedado ao cirurgião-dentista a realização dos seguintes procedimentos
cirúrgicos na face: a) Alectomia; b) Blefaroplastia; c) Cirurgia de castanhares ou
lifting de sobrancelhas; d) Otoplastia; e) Rinoplastia; e, f) Ritidoplastia ou Face
Lifting. Art. 2º. Fica vedado também ao cirurgião-dentista a realização de
publicidade e propaganda de procedimentos não odontológicos e alheios à formação
superior em Odontologia, a exemplo de: a) Micro pigmentação de sobrancelhas e
lábios; b) Maquiagem definitiva; c) Design de sobrancelhas; d) Remoção de
tatuagens faciais e de pescoço; e) Rejuvenescimento de colo e mãos; e, f)
Tratamento de calvície e outras aplicações capilares. Art. 3º. Fica vedado ao
cirurgião-dentista a realização de procedimentos em áreas anatômicas diversas de
cabeça e pescoço .

Analisando a Resolução, dos artigos 1º ao 3º, há uma lista de proibições com relação a
procedimentos e posturas do profissional dentista, tais como procedimentos cirúrgicos de
lifting, rinoplastia, otoplastia, atribuições específicas dos cirurgiões plásticos, bem como
quaisquer procedimentos em outras áreas diversas da cabeça e pescoço.
Bem como é vedado também a publicidade e propaganda de procedimentos alheios a
odontologia, tais como micropigmentação, design de sobrancelhas, entre outros.
Frisa-se, os dispositivos presentes na Resolução vedam determinados procedimentos
cirúrgicos mais invasivos, ou seja, o cirurgião dentista poderá fazer lifting facial não invasivo
(com inserção de linhas condutoras) ou enzimático (inserção de enzimas que agem de form a
local), restando sob responsabilidade médica (cirurgião plástico) as cirurgias abertas nesse
sentido. No entanto, ainda que de formas diferentes, técnicas diferentes e custos diferentes, o
53

objetivo de ambas é o mesmo: o lifting facial. Não descaracterizando em momento algum o


objetivo estético da mesma, altera apenas o “modo”, não o “motivo”.
Novamente recapitulando o capítulo segundo do trabalho, bem definiu Bittar como
sendo obrigação de resultado aquelas com caráter estético, aquelas que fogem da área da
saúde bucal e entram a área das cirurgias estéticas, sendo aquelas que o cirurgião dentista
mediano tem a possibilidade e controle em atingir um resultado, um fim desejado, devendo
entregar satisfação ao seu cliente/paciente que adquiriu esse serviço contratado.
Resta importante ressaltar, antes de seguirmos para o seguinte tópico, acerca da
inexistência, conforme visto nos artigos das normas regulamentadoras citados no presente
item, de dispositivo prevendo a responsabilidade civil do dentista e a caracterização da
natureza obrigacional, como sendo de meio ou de resultado.
As Resoluções limitam-se a determinar o que é Harmonização Orofacial, a área de
atuação do cirurgião dentista, o que é permitido e o que não é, restando uma imensa lacuna de
incerteza, quanto a responsabilidade civil dos profissionais no exercício dessa atividade. E,
ainda que a Resolução 230/2020 tenha surgido na clara intenção de preencher vácuos, tornar
menos obscuro, delimitar a área de atuação, ainda assim ela não preenche ess a lacuna.
No entanto, resta evidente após a análise dos dispositivos, com a ótica do que foi
apreendido da pesquisa do trabalho como um todo que: ultrapassados os limites da área de
competência, ou, ainda que na área, houver um dano causado, com nexo de causalidade
presente, o que significa dizer que sem a intervenção não haveria dano, e presente a
caracterização de obrigação de resultado, uma vez a relação ser contratual e haver um
comprometimento por parte do profissional e expectativa gerada, por parte do
paciente/cliente, não resta dúvida a presença de todos os elementos necessários para o dever
de indenizar.

4.2 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO


CIRURGIÃO DENTISTA NA CIRURGIA DE HARMONIZAÇÃO OROFACIAL

Como já demonstrado, há uma dissonância grande entre doutrinadores, quando da


caracterização da natureza da obrigação a ser imputada ao cirurgião dentista que causar dano
a outrem em procedimento cirúrgico, em especial na harmonização orofacial, que como
levantado no item anterior é uma especialidade ainda que muito recente, muito procurada pela
população.
A análise jurisprudencial aqui feita, nos trás conceitos e diretrizes do que entendem
hoje os tribunais acerca do tema, para nos guiarem a uma conclusão factível, no presente
trabalho.
54

Para tanto, trouxemos dois grupos de decisões: reconhecimento da obrigação de meio


e reconhecimento da obrigação de resultado

4.2.1 O Reconhecimento da obrigação de resultado na jurisprudência brasileira

Conforme exaustivamente demonstrado no trabalho, as obrigações de resultado são


aquelas em que o profissional (cirurgião dentista) compromete-se com o seu paciente a chegar
em um resultado específico após o procedimento cirúrgico, ou seja, existe uma expectativa
com relação a um resultado específico por ambas as partes, em especial o paciente, que está
contratando o serviço.
No sentido de determinar a natureza obrigacional como sendo obrigação de resultado,
entendeu em decisão o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo - TJSP:
78081593 - APELAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAS.
Prestação de serviços odontológicos. Sentença de procedência. Insurgência do réu.
Implante dentário. Relação inserta no âmbito do direito do consumidor. Obrigação
de resultado. Aquele que se submete a procedimento de próteses ou implantes
dentários está interessado diretamente no resultado. Laudo pericial elaborado
pelo IMESC, por cirurgião dentista. Conclusão pela falha na prestação de serviços,
bem como existência de nexo causal entre os fatos narrados na inicial e os danos
relatados pela autora. Devolução integral dos valores pagos ao réu. Valores
desembolsados a título de reparação dos serviços prestados. A quantia. Indenizatória
deve ser parcial, se limitar à diferença entre o preço dos serviços. Pagos ao requerido
com os gastos pelo novo procedimento realizado. Responsabilidade civil pelos danos
mor ais configurada. Indenização bem fixada, que não comporta reparos. Sentença
parcialmente reformada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP; AC
1030678-30.2014.8.26.0506; Ac. 14076815; Ribeirão Preto; Terceira Câmara de
Direito Privado; Relª Desª Maria Salete Corrêa Dias; Julg. 21/10/2020; rep. DJESP
26/10/2020; Pág. 2019) (grifo nosso)

Nesta primeira decisão analisada, o desembargador reconheceu a natureza


obrigacional do cirurgião dentista como sendo obrigação de resultado, uma vez ser evidente
que alguém, q ue contrata um serviço, submetendo-se a um procedimento/cirurgia de próteses
ou implantes dentários, sem sombra de dúvidas está na expectativa de um resultado
específico, este acordado entre partes quando da contratação do serviço. Assim, e cumprindo
os requisitos previstos em lei (responsabilidade civil subjetiva), evidencia-se a obrigação de
resultado e o dever de indenizar do profissional.
Neste mesmo sentido decidiu em outro processo o mesmo tribunal:
55

48801579 - CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO


INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. TRATAMENTO
ODONTOLÓGICO. PRELIMINAR. IRREGULARIDADE FORMAL DO APELO
ADESIVO. REJEIÇÃO. MÉRITO. IMPLANTE DENTÁRIO. OBRIGAÇÃO DE
RESULTADO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA COM CULPA
PRESUMIDA DO DENTISTA. CLÍNICA ODONTOLÓGICA. HOSPITAL.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ÓBITO DA PACIENTE. CAUSA MORTE
AFETA ÀS PATOLOGIAS SISTÊMICAS. CONDUTA ILÍCITA E NEXO
CAUSAL NÃO DEMONSTRADOS. DANOS MORAIS E MATERIAIS
AFASTADOS. RECURSO ADESIVO DO RÉU PROVIDO. SENTENÇA
REFORMADA. MÉRITO DO APELO PRINCIPAL DO AUTOR PREJUDICADO.
SUCUMBÊNCIA REDISTRIBUÍDA. HONORÁRIOS RECURSAIS FIXADOS. 1.
Segundo o Enunciado Administrativo n. 3 do STJ, aos recursos interpostos com
fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de
2016), como é o caso dos autos, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade
recursal na forma do novo CPC. Nessa situação, por inteligência do Enunciado
Administrativo n. 7 do STJ, é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais
recursais, com base no art. 85, § 11, do CPC/15. 2. Ostentando o recurso adesivo do
réu fundamentos de fato e de direito hábeis, em tese, a rechaçar a conclusão da
sentença (CPC/15, art. 1.010, II; CPC/73, art. 514, II), rejeita-se a preliminar de
irregularidade formal do apelo. 3. Se, em relação aos médicos, a regra é a
obrigação de meio, no que respeita aos dentistas a regra é a obrigação de
resultado. E assim é porque os processos de tratamento dentário são mais
regulares, específicos, e os problemas menos complexos. Dessa forma, quando um
cliente manifesta interesse para a colocação de aparelho corretivo dos dentes, de
jaquetas de porcela na e, modernamente, pelo implante de dentes, está um busca de
um resultado, não lhe bastando mera obrigação de meio (CAVALIERI FILHO,
Sergio. Programa de responsabilidade civil, 2012, pp. 429-430). 3.1. Embora se
cuide de obrigação de resultado, por força do art. 14, § 4º, do CDC, cumpre destacar
que a responsabilidade do dentista é de cunho subjetivo com culpa presumida,
incumbindo ao profissional autônomo o ônus da prova quanto à inexistência de
culpa nas modalidades imprudência, negligência e imperícia. 4. No que tange à
clínica odontológica, sua responsabilidade, em regra, é de cunho objetivo quanto à
falha de serviço cuja atribuição lhe é afeta (hospedagem, internação, serviços
auxiliares etc.), conforme art. 14 do CDC e 186, 927, 932, III, e 933 do CC.
Todavia, se o hipotético equívoco atribuído deriva da
imperícia/imprudência/negligência imputada ao profissional nela atuante, como é o
caso dos autos, e não de falha havida no seu serviço específico, a responsabilidade
da clínica, embora solidária devido à cadeia de fornecimento do serviço, somente se
configura quando comprovada a conduta culposa daquele. 5. A responsabilidade
civil do hospital também é de natureza objetiva, conforme art. 14 do CDC e 186,
927, 932, III, e 933 do CC, em razão do risco da atividade desenvolvida, sendo
necessária a análise da conduta do profissional dentista atuante no caso concreto e a
sua relação com o nosocômio. [...] (TJDF; APC 2015.03.1.021063-2; Ac. 101.9693;
Primeira Turma Cível; Rel. Des. Alfeu Machado; Julg. 24/05/2017; DJDFTE
12/06/2017) (grifo nosso)

Esta jurisprudência é interessante. Ainda que o desembargador tenha julgado


procedente o recurso adesivo do réu, no sentido de afastar o dever de indenizar, houve o
reconhecime nto da obrigação de resultado do cirurgião dentista com responsabilidade
subjetiva, lastreada na culpa presumida.
Neste sentido, com a inversão do ônus da prova, o réu demonstrou no processo que
não há provas da existência de nexo de causalidade ou prova de negligência, imprudência ou
imperícia do profissional para que o dano causado a paciente (óbito) seja devido a cirurgia. O
56

que significa dizer que não existia nada de diferente que o cirurgião dentista, dentro de suas
atribuições, poderia ter feito para que o dano não tivesse ocorrido.
No entanto, todo o raciocínio que levou a isenção de responsabilidade, foi realizado
com lastro na responsabilidade subjetiva com caracterização da natureza obrigacional como
sendo de resultado.
Também no sentido de reconhecer a obrigação a natureza obrigacional como sendo de
resultado, decidiu em outro processo o mesmo tribunal:
77046805 - DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL.
CLÍNICA ODONTOLÓGICA. CIRURGIÃO DENTISTA. IMPLANTE
DENTÁRIO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. OBRIGAÇÃO DE
RESULTADO. DEVER DE INDENIZAR. DANOS MATERIAL E MORAL
COMPROVADOS. SENTENÇA MANTIDA. I. Em se tratando de implante
dentário, a obrigação em regra é de resultado e assim cabe à clínica odontológica
demonstrar a inexistência de falha na prestação dos serviços, sobretudo quando o
ônus da prova é invertido com base no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa
do Consumidor. II. Se as provas dos autos, com destaque para a perícia, são
conclusivas quanto à falha na prestação dos serviços, deve ser mantida a indenização
dos danos morais e materiais causados ao consumidor. III. Traduz dano moral a
afetação da integridade física e psíquica oriunda de falha na prestação do serviço
odontológico que resultou em dores, agravamento de disfunção mandibular e
submissão do consumidor a tratamento corretivo. lV. Dadas as particularidades do
caso concreto, não pode ser considerada exorbitante compensação do dano moral
arbitrada em R$ 3.000,00. V. Recurso desprovido. (TJDF; APC 00341.53-
31.2016.8.07.0001; Ac. 122.3264;
Quarta Turma Cível; Rel. Des. James Eduardo Oliveira; Julg. 11/12/2019; Publ. PJe
30/01/2020) (grifo nosso)

Na decisão de Recurso ora analisada, houve entendimento de que a sentença deveria


ser mantida no que diz respeito ao dever de indenizar do cirurgião dentista, uma vez que
houve falha na prestação do serviço e que a obrigação do cirurgião dentista, em regra, tratando
-se de cirurgia de implante, deve ser vista como uma obrigação de resultado, não de meio.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC entendeu no mesmo sentido:

67164142 - AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E


ESTÉTICOS. ERRO ODONTOLÓGICO. Extração de dente "siso". Paciente que, já
meses após a cirurgia, continuou a sentir fortes dores na região lateral da face e
perda da amplitude do grau de abertura da boca. Procedimento cirúrgico que, no
caso, implica a assunção de obrigação de resultado pelo cirurgião-dentista.
Responsabilidade subjetiva com culpa presumida do profissional. Réu que não se
desincumbiu do ônus de demonstrar a ausência de culpa ou a oco rrência de alguma
circunstância excludente de causalidade. Obrigação de indenizar evidenciada.
Danos materiais. Dever de ressarcimento das despesas do paciente com exames,
deslocamento e sessões de fisioterapia. Condenação que deve abranger ainda as
despesas futuras, a serem aferidas em fase de liquidação de sentença. Dano estético.
Inocorrência. Ausência de demonstração do caráter permanente ou duradouro das
lesões suportadas. Ônus que incumbia ao autor. Dano moral. Abalo anímico
presumido em razão das circunstâncias do caso. Quantum fixado em R$ 5.000,00
(cinco mil reais). Observância aos parâmetros da razoabilidade e da
proporcionalidade. Sentença reformada em parte. Redistribuição dos ônus
sucumbenciais. Recurso parcialmente provido. (TJSC; AC 0004359-
53.2010.8.24.0113; Camboriú; Terceira Câmara de Direito Civil; Relª Desª Maria do
Rocio Luz Santa Ritta; DJSC 01/11/2019; Pag. 211) (grifo nosso)
57

Novamente entendeu o tribunal que o procedimento cirúrgico realizado pelo


profissional cirurgião dentista “implica a assunção de obrigação de resultado” e
responsabilidade subjetiva, sendo necessário ao réu demonstrar a inexistência de nexo de
causalidade ou culpa. Presente o dever de indenizar.
Na mesma linha, decidiu o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo:
81196003 - RESPONSABILIDADE CIVIL. TRATAMENTO ODONTOLÓGICO
ESTÉTICO. Inserção de implantes, colocação de prótese de cerâmica, coroas de
porcelana e fisioterapia. Responsabilidade subjetiva do cirurgião dentista e
objetiva da clínica, mas submetida à configuração da culpa do odontólogo.
Obrigação de resultado, por se tratar de procedimentos estéticos relativamente
simples, a impor responsabilidade presumida do profissional liberal. Serviço mal
executado, impedindo a adequada limpeza da prótese, causando ferimento do freio
labial e agravando doença mandibular da paciente (DTM). Restituição dos valores
pagos pelo protocolo de cerâmica e fisioterapia. Impossibilidade de restituição dos
valores relativos aos implantes e coroas de porcelana, realizados corretamente e com
proveito à paciente. Dano moral configurado. Ofensa a direito de personalidade,
decorrente do sofrimento e angústia resultantes do longo e ineficaz procedimento
odontológico. Manutenção do quantum fixado na r. Sentença. Dano estético não
verificado. Prótese sem defeitos visíveis e passíveis de fácil correção. Multa por
litigância de má-fé rejeitada. Sucumbência recíproca mantida. Sentença mantida.
Recursos improvidos. (TJSP; AC 1006785-22.2017.8.26.0565; Ac. 13006048; São
Caetano do Sul; Primeira
Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Francisco Loureiro; Julg. 23/10/2019; DJESP
30/10/2019; Pág. 1917) (grifo nosso)

Este julgado, ainda mais explicitamente, expõe a obrigação de resultado vinculada aos
procedimentos estéticos (como nos casos de responsabilização civil do médico cirurgião
plástico).
Outro exemplo de entendimento similar no Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
67147566 - APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. Erro em tratamento odontológico. Cirurgia
prévia implante dentário unitário. Surgimento de cavidade buco-nasal após o
procedimento cirúrgico. Sentença de parcial procedência. Agravo retido. Pleito de
juntada de prontuário da autora referente a procedimento posterior realizado com
outro profissional dentista. Desnecessidade. Laudo pericial produzido no bojo da
instrução. Prova oral e documental que se mostram suficientes ao deslinde da
controvérsia. Agravo conhecido e desprovido. Apelação do réu. Dentista.
Profissional liberal. Responsabilidade civil subjetiva. Art. 14, § 4º, do Código de
Defesa do Consumidor. Obrigação, via de regra, de resultado. Dever do
prestador de serviço de comprovar a adoção da melhor técnica ao caso concreto,
além de prestar todas as informações necessárias ao pós operatório. Obrigação de am
paro em caso de intercorrências relacionadas ao evento. Negligência do cirurgião-
dentista que contribuiu para o dano, devendo responder na medida de sua
culpabilidade. Ato ilícito configurado. Danos morais e materiais. Reparação devida
com fundamento no art. 5º, V e X, da Constituição Federal e arts. 186, 927 e 944, todos
do Código Civil brasileiro. Danos morais. Manutenção do quantum indenizatório, à
luz dos critérios da razoabilidade, da proporcionalidade e da adequação. Importe que
não se revela exorbitante ou desproporcional à ofensa imposta à autora, que se viu
com uma Cavidade entre a boca e o nariz logo após a cirurgia e não teve o suporte
necessário para o desfecho da intercorrência. Danos materiais. Cálculo correto
efetuado pela sentença. Pleiteada adequação do dies a quo dos consectários legais.
Correção monetária fixada com acerto. Juros de mora. Relação contratual.
Incidência a partir
58

da citação, nos termos do art. 405 do Código Civil. Sentença reformada apenas no
ponto. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJSC; AC 0023501-
72.2007.8.24.0008; Blumenau; Quarta Câmara de Direito Civil; Rel. Des. Luiz
Felipe Schuch; DJSC 19/09/2019; Pag. 184) (grifo nosso)

Corroborando com a tese dos demais, o desembargador enquadrou o cirurgião dentista


como profissional liberal, enquadrando-o no artigo 14, §4º do CDC, aplicando a
caracterização de natureza obrigacional de resultado, o que resulta no dever de indenizar.

64734760 - APELAÇÕES CÍVEIS. Ação de indenização por danos materiais,


morais e estéticos. Tratamento odontológico (implantes e próteses) inexitoso.
Sentença de parcial procedência. Preliminares. Decadência. Inaplicabilidade do
prazo do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor. Reparação pelos danos
causados por defeito ou falha na prestação do serviço. Exegese dos artigos 14, § 4º
e 27, ambos do mesmo código. Prescrição interrompida. Consumidora que, desde o
término dos procedimentos, passou a frequentar seguidas vezes os consultórios dos
réus buscando solucionar os problemas. Lapso quinquenal não exaurido. Prefaciais
afastadas. Mérito. Obrigação de resultado. Intervenção com objetivo de
reparação funcional e estética. Inadimplemento que gera obrigação de reparar os
danos advindos da prestação de serviço falha. Responsabilidade civil e solidária do
cirurgião-dentista e do protético. Laudo pericial que indica resultado insatisfatório,
com próteses quebradas e soltas, além de problemas estéticos e funcionais.
Responsabilidade pelos danos evidenciada. Dever de indenizar mantido. Insurgência
do espólio contra os danos materiais. Alegação de que teriam sido ocasionados em
razão das próteses. Ausência de condenação. Não conhecimento. Ausência de
interesse recursal. Dano estético comprovado. Indivíduo marcado por alteração
física que provoca reação. Danos morais evidenciados. Pleito de redução.
Cabimento. Valor além dos parâmetros da câmara. Elementos que indicam correção
à redução. Binômio proporcionalidade/razoabilidade. Sentença reformada. Ônus
sucumbencial. Redistribuição. Parte autora que decaiu do pedido de dano material.
Proporcionalidade já verificada. Pronunciamento judicial favorável. Recurso do
espólio não conhecido também neste ponto. Prequestionamento. Desnecessidade de
discorrer sobre todos os dispositivos mencionados pela parte durante o trâmite
processual. Recurso do espólio conhecido em parte e parcialmente provido. Recurso
do outro réu conhecido e parcialmente provido. (TJSC; AC 2011.000738-3; Capital;
Quinta Câmara de Direito Civil; Rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves; Julg.
19/06/2015; DJSC 16/07/2015; Pág.
260) (grifo nosso)

Mais uma vez, a decisão é no sentido de reconhecer a responsabilidade civil lastreada


na obrigação de resultado do cirurgião dentista, uma vez que o tipo de cirurgia / procedimento
é realizada com a expectativa de um resultado específico, não podendo ser enquadrada como
mera obrigação de meio, retirando toda e qualquer responsabilidade para com o resultado do
profissional em comento.
Fica claro nas decisões neste item demonstradas a tendência atual dos tribunais de
justiça do Brasil a entenderem no sentido da responsabilidade subjetiva (teoria da culpa )
lastreadas no art.14, §4º do CDC, que aborda sobre a responsabilidade civil dos profissionais
liberais, com a caracterização da natureza obrigacional como sendo de resultado, uma vez
que, em especial nos tratamentos estéticos de harmonização orofacial, os pacient es de
cirurgiões
59

dentistas procuram por um resultado específico, sendo este o compromisso do profissional


para a realização da cirurgia/procedimento.

4.2.2 O Reconhecimento da Obrigação de Meio na Jurisprudência Brasileira

Como abordado, as obrigações de meio são aquelas em que o profissional cirurgião-


dentista não compromete-se com um resultado específico, sem compromisso é com o meio,
com o procedimento em si, sem avançar com o seu paciente o resultado que terá após a
cirurgia.
Dessa forma, entendeu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal - TJDF:
48976922 - CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS E MORAIS. CIRURGIÃO DENTISTA. RESPONSABILIDADE
SUBJETIVA. CLÍNICA ODONTOLÓGICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA
QUE EXIGE A DEMONSTRAÇÃO DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. NÃO
COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA
MANTIDA. 1. De acordo
com o artigo 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade dos
profissionais liberais, entre eles o cirurgião dentista, é subjetiva, ou seja, para sua
caracterização, imperiosa é a comprovação de conduta culposa. 2. No que tange à
clínica odontológica, há de se destacar que a responsabilidade da pessoa jurídica
fornecedora de serviços odontológicos ostenta natureza objetiva sob a modalidade
do risco da atividade, não sendo pautada pela teoria do risco integral, emergindo
dessa modulação que, aferido que não houvera defeito na prestação dos serviços que
fomentara de forma especificada nem falha imputável aos profissionais que
conduziram o tratamento fomentado à paciente, não se aperfeiçoa o nexo de
causalidade passível de enlaçar os atos praticados por seus prepostos ao resultado
danoso experimentado pela consumidora, rompendo o liame indispensável à
germinação da obrigação indenizatória (CDC, art. 14) (Acórdão n.763647). 3. A
obrigação decorrente de contrato de prestação de serviços odontológicos,
mormente em hipóteses como a dos autos, em que acertados os procedimentos
para a correção de diversos problemas dentários e gengivais da Autora, é, em
regra, de meio e não de resultado. 4. Não se comprovando a má prestação dos
serviços odontológicos, notadamente em face da conclusão do expert de que não
houve imprudência, negligência ou imperícia das Apeladas, não há que se falar em
dever de indenizar, haja vista a ausência dos respectivos pressupostos. Apelação
Cível desprovida. (TJDF; Proc 07392.22-66.2017.8.07.0001; Ac. 119.4071; Quinta
Turma Cível; Rel. Des. Ângelo Passareli; Julg. 14/08/2019; DJDFTE 23/08/2019)
(grifo nosso)

No presente caso, ainda que reconhecida pelo desembargador a responsabilidade


subjetiva, calcada no artigo 14, §4º do CDC, o mesmo reconheceu como sendo de meio a
natureza obrigacional do cirurgião dentista. Assim sendo, e não restando caracterizada os
pressupostos para responsabilizar o profissional (imprudência, imperícia ou negligência), o
exime do dever de indenizar o paciente.
Na mesma linha segue a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal-TJDF:

48600343 - CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE


FAZER. MAGISTRADO. REMOÇÃO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. PERÍCIA. QUESITOS. APRESENTAÇÃO.
PRAZO. CIRURGIA ORTOGNÁTICA. IMPRUDÊNCIA NÃO CONSTATADA.
60

DANOS MATERIAIS E MORAL. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. 1.


O artigo 132 do Código Civil prevê. "o juiz, titular ou substituto, que concluir a
audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por
qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu
sucessor. 2. O princípio do juiz natural não é absoluto, razão pela qual a sentença
somente será declarada nula nas hipóteses em que seja demonstrado efetivo prejuízo
às partes. 3. A teor do artigo 421, §1º do Código de Processo Civil, o juiz nomeia o
expert e fixa prazo para a entrega do laudo, incumbindo às partes, dentro de cinco
dias, indicar assistente técnico e apresentar os quesitos. Referido prazo não é
peremptório, podendo ser ampliado, desde que o perito não tenha iniciado a perícia.
4. Para que tenha ensejo a responsabilização da parte, é imprescindível perquirir se
estão presentes os três elementos configuradores do cabimento da reparação civil, a
saber, conduta, dano e nexo causal, atraindo a incidência do artigo 186 do Código
Civil. 5. Incontroversa a ausência de nexo de causalidade entre a conduta e o
evento danoso, eis que o contrato de prestação de serviços odontológicos
constitui obrigação de meio e não de resultado. 6. Não há de se imputar
responsabilidade ao cirurgião-dentista se ele se resguardou orientando o paciente a
seguir uma dieta restrita após a realização do procedimento. 7. Recurso desprovido.
(TJDF; Rec 2010.03.1.027039-9; Ac. 817.342; Segunda Turma Cível; Rel. Des.
Mario-Zam Belmiro; DJDFTE 10/09/2014; Pág.
82) (grifo nosso)

Na decisão ora apresentada ainda há um ponto diferente, uma vez que o


desembargador afasta o dever de indenizar do profissional, vez que no seu entender
inexistente o nexo de causalidade no contexto, uma vez que o contrato de prestação de
serviços odontológico por regra irá constituir obrigação de meio, não de resultado.
Também neste sentido seguiu o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo -
TJSP:

96282573 - RESPONSABILIDADE CIVIL DE CIRURGIÃO DENTISTA. AÇÃO


DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. I-. Nulidade do
processo por violação ao direito de defesa do réu. Não reconhecimento. Oferta de
várias impugnações aos laudos apresentados nos autos. Alegação afastada. II-
Tratamento odontológico que envolvia extrações, remoção de massa óssea,
implantação de pino para fixação de prótese, que deve ser reputado como
obrigação de meio e não de resultado. Insucesso, reconhecido pelo laudo, que não
pode ser atribuído à conduta profissional do réu. Trabalho técnico que não
contrastou a adequação do procedimento adotado pelo requerido. Necessidade, à luz
do disposto no art. 14, par. 4º, do CDC, da comprovação da culpa do profissional
liberal, ônus a cargo da autora. Falta de prova da culpa do réu reconhecida, com a
improcedência da indenizatória. SENTENÇA REFORMADA. APELO DO RÉU
PROVIDO, PREJUDICADO O ADESIVO DA AUTORA. (TJSP; APL
0055272-
58.2008.8.26.0564; Ac. 7639968; São Bernardo do Campo; Terceira Câmara de
Direito Privado; Rel. Des. Donegá Morandini; Julg. 10/06/2014; DJESP
01/07/2014) (grifo nosso)

Novamente afastada a obrigação de indenizar do profissional, uma vez que o


desembargador entende que a natureza obrigacional do profissional dentista como sendo de
meio. Não restando claro a culpa subjetiva do réu, afasta-se o dever de indenizar.
Por fim, também entendeu nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça-STJ:
11770501 - ADMINISTRATIVO. OMISSÃO INEXISTENTE.
RESPONSABILIDADE CIVIL. OBRIGAÇÃO DE MEIO, E NÃO DE
61

RESULTADO. ERRO MÉDICO. NEXO DE CAUSALIDADE. REEXAME DE


PROVAS. SUMULA 07/STJ. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA
DO STF. 1. O acórdão recorrido não está eivado de omissão, pois resolveu a matéria
de direito valendo-se dos elementos que julgou aplicáveis e suficientes para a
solução da lide. 2. O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que a relação
entre médico e paciente é de meio, e não de fim (exceto nas cirurgias plásticas
embelezadoras), o que torna imprescindível para a responsabilização do
profissional a demonstração de ele ter agido com culpa e existir o nexo de
causalidade entre a sua conduta e o dano causado responsabilidade subjetiva,
portanto. 3. O Tribunal a quo, amparado no acervo fático-probatório do
processo, afastou a culpa do cirurgião- dentista, e, consequentemente, erro
médico a ensejar a obrigação de indenizar, ao assentar que não houve equívocos
por parte da equipe médica na primeira fase do tratamento e que as complicações
sofridas pela requerente não decorreram da placa de sustentação escolhida pelo
profissional de saúde. Assim, concluiu que a conduta se mostrara coerente com o
dever profissional de agir, inexistindo nexo de causalidade entre os atos do preposto
da União e os danos experimentados pela autora. 4. Fica nítido que a convicção
formada pelo Tribunal de origem decorreu dos elementos existentes nos autos.
Rever a decisão recorrida importaria necessariamente no reexame de provas, o que é
defeso nesta fase recursal, nos termos da Súmula 07/STJ.
5. Alegações de violação de dispositivos e princípios constitucionais não podem ser
analisadas em Recurso Especial, por serem de competência exclusiva do Supremo
Tribunal Federal, nos termos do art. 102 da Carta Magna. 6. Recurso Especial
conhecido em parte e não provido. (STJ; REsp 1.184.932; Proc. 2010/0043325-8;
PR; Segunda Turma; Rel. Min. Castro Meira; Julg. 13/12/2011; DJE 16/02/2012)
(grifo nosso)

Este julgado também é bastante interessante, uma vez que o Ministro faz o paralelo
da obrigação de meio e resultado, comparando médicos e dentistas (como profissionais da
saúde e liberais). Ele enfatiza que, em regra, a natureza da obrigação do médico é de meio,
com exceção das cirurgias plásticas embelezadoras, que são com natureza de resultado, e
acaba por afastar a responsabilidade de indenizar do cirurgião dentista, uma vez a obrigação
também ser de meio.
Importante frisar que este julgado muito contribui com o entendimento do presente
tema, uma vez que note-se, ele é de 2012, onde o presente debate acerca das cirurgias em
suma embelezadores de harmonização orofacial, como já visto no item anterior, ainda não
estavam regulamentadas. Mas já abre espaço para que façamos esse paralelo, entre as
cirurgias de harmonização orofaciais, como sendo estéticas e as cirurgias plásticas, que
possuem fim estético, portanto, obrigação de resultado, um dos raciocínios a ser empregado
para chegar na resposta problema do presente Trabalho de Conclusão de Curso.
Interessante também evidenciar que após a análise das jurisprudências, realizando o
comparativo entre esses dois grandes grupos de decisões, nota-se que a problemática vem sido
resolvida pelo poder judiciário, não pelo poder legislativo. Ou seja, resta evidente o modo
como o poder judiciário está precisando agir precipuamente no sentido de corrigir o erro
praticado não só pelo cirurgião dentista, mas preencher o vácuo, a fragilidade, da lei no que
diz respeito a determinação da responsabilidade civil do cirurgião dentista na cirurgia de
harmonização orofacial ser obrigação de meio ou resultado. Tal determinação deveria ter sido
62
efetuada pelo
63

poder legislativo, mas, uma vez não feita, o que resta é pedir socorro ao judiciário para que
determine, defina, a fim de que se possa buscar a reparação dos danos decorrentes dessa
prática.
64

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Respeitando a metodologia a que esse trabalho se propõe, ou seja, trabalhar do aspecto


geral do tema, para o singular, onde pretende responder a pergunta problema que originou a
presente pesquisa, o capítulo primeiro aborda os conceitos gerais da responsabilidade civil,
sua fundamentação legal, até restringir um pouco mais, aplicando-a para a realidade
específica do objeto aqui estudado, qual seja: a responsabilidade civil do profissional
cirurgião dentista nas cirurgias de harmonização orofaciais.
No primeiro capítulo esclareceu-se que tal instituto possui previsão constitucional bem
como infraconstitucional, aqui focados no Código Civil e Código de Defesa do Consumidor.
Conforme bem definido pelos autores abordados, tais como Maria Helena Diniz e Carlos
Roberto Gonçalves, o instituto nada mais é do que a previsão legal para que um sujeito (n o
presente estudo o cirurgião dentista) possa vir a ser responsabilizado, quando um ato seu gerar
dano a terceiro, objetivando restaurar o status quo anterior a sua intervenção, restaurar o
equilíbrio e remediar o dano decorrente do ato ilícito.
Também foi no primeiro capítulo, com base no que bem defendeu Tartuce, que
procurou-se esclarecer que a relação do cirurgião dentista com seus pacientes/clientes é
decorrente de contrato, ainda que verbal, e que nesta relação os profissionais figuram como
prestadores de serviço, enquanto o paciente/cliente figura como consumidor na relação
contratual. Sendo prestador de serviço e também enquadrado como profissional liberal, restou
evidente a partir do primeiro capítulo que o cirurgião dentista responde subjetivamente, por
via da teoria da culpa.
Ainda que de forma geral, buscou-se também introduzir as Resoluções regulamentares
a respeito da prática da cirurgia de harmonização orofacial, enquanto especialização
odontológico, apenas para bem definir, no início do trabalho, o que se entende por
harmonização orofacial como o conjunto de procedimentos e/ou cirurgias a serem praticados
pelo cirurgião dentista, com o objetivo de buscar o equilíbrio estético e também funcional da
face.
Após a análise dos aspectos gerais da responsabilidade civil, ao final do capítulo
primeiro ainda restou a dúvida quanto a natureza da obrigação, como sendo de meio ou de
resultado, uma vez que foi observado que em nenhum dispositivo estudado até o final do
capítulo havia qualquer disposição determinando e assentando qualquer tipo de entendimento.
Mas um ponto evidenciou-se valioso para a presente análise do tema, que é aquilo que
depreende-se com a leitura analítica do conceito de harmonização orofacial retirado da
65

resolução regulamentadora da prática: busca de equilíbrio estético e funcional. Entende-se,


desde já, a definição por si só apontar para uma possível resposta. Há, na definição, a busca
por um resultado específico, o equilíbrio estético e funcional da face.
No segundo capítulo foram coletados trabalhos acadêmicos, artigos, com as mais
diversas formas de entender o tema, para compreender a partir da análise dos mesmos, qual o
norte que a produção acadêmica antecedente pode proporcionar para responder a pergunta
problema da presente pesquisa. Em suma, a produção acadêmica dividiu-se em dois principais
tópicos: os acadêmicos que entendem a caracterização da natureza obrigacional como sendo
de meio, e os que entendem ser de resultado.
Depreende-se da leitura dos mesmos que, a diferença central entre os dois tipos de
obrigação é que enquanto na obrigação de meio não há comprometimento, por parte do
profissional, com relação ao resultado objetivo após a cirurgia, na obrigação de resultado é o
oposto, há esse acordo, há essa expectativa criada naquele que procurou pelo serviço prestado
pelo cirurgião dentista.
Ainda há, aqueles acadêmicos que, como mencionado no segundo capítulo, preferem
ainda não se posicionar, o que é compreensível uma vez a prática ser bastante recente, e por
vezes é necessário entender melhor como será o decorrer. Em contrapartida, devido ao grande
volume de ações judiciais decorrentes deste tipo de situação, é flagrante a necessidade de
definição, para enfim procurar preencher as lacunas deixadas pelas normas regulamentadoras
da prática e trazer pouco mais de segurança jurídica para aqueles que necessitam do socorro
jurídico para terem seus danos reparados.
Importante frisar também do mesmo capítulo, ainda que exista em suma esses dois
grandes grupos, divididos entre caracterizar a obrigação como sendo de meio ou de resultado,
resta evidente o volume maior de acadêmicos que tendem a encarar a natureza da obrigação
dos cirurgiões dentistas nas cirurgias de harmonização orofacial como sendo obrigação de
resultado, uma vez estar presente a expectativa de um resultado específico por esse ser
possível de se prever.
No último capítulo, isto é, no quarto capítulo, buscou-se coletar e analisar evidências
empíricas acerca do tema, quais sejam: as regulamentações específicas da especialidade
odontológica de harmonização orofacial (Lei nº 5.081/66 e Resoluções nº 198/2019 e nº
230/2020), bem como a análise de um apanhado de jurisprudências acerca do tema.
Na análise, tanto da Lei nº 5.081/66, que efetua a Regulamentação Geral da
Odontologia, quanto das Resoluções nº 198/2019 e nº 230/2020, que regulamentam a
especialidade de Harmonização Orofacial, nota-se uma vasta lista, com imenso detalhamento
66

para a área de atuação do dentista, o que ele está apto, ou não, as vedações para a prática,
cursos, graduações, especializações, no entanto resta flagrante a ausência de qualquer
determinação, regulamentação expressa no que concerne a Responsabilidade Civil desses
profissionais na pratica dessa especialização. A dúvida que ficou nos demais capítulos, restou
configurada com o estudo de tais documentos: não há previsão expressa, restando aquele já
citado vácuo de incertezas.
Ato contínuo, na análise das jurisprudências, depreende-se dois pontos importantes. O
primeiro ponto é novamente a fragmentação em dois grandes grupos, o primeiro onde
entende- se a caracterização da obrigação como sendo de natureza de resultado e a outra como
sendo de meio. No entanto, mais uma vez a situação se repete, e o número de julgados
encontrados qu e tendem a defender a ideia de que a obrigação do cirurgião dentista deve ser
encarada como obrigação de resultado.
Interessante ressaltar, também, que uma análise rápida das datas dos julgados nota-se
uma espécie de linha do tempo, onde as decisões mais antigas tendem a interpretar a natureza
obrigacional como sendo de meio, enquanto as decisões mais recentes, tendem a caracterizar
tal obrigação como sendo de resultado. Tal análise, em conjunto com o depreendido do estudo
da produção acadêmica antecedente, leva a crer há uma tendência de que que os tribunais
possam estar caminhando para uma espécie de entendimento uno.
Por fim, este estudo evidenciou que para responder a pergunta que norteia o presente
trabalho, qual seja: o dano causado nas cirurgias de harmonização orofacial realizadas por
cirurgiões dentistas caracteriza uma obrigação de meio ou de resultado? Como isso reflete na
entrega da prestação/serviço para o paciente? É necessário partir de uma análise combinada,
que passa pelos princípios Constitucionais e pela fundamentação legal presente no Código
Civil, e no Código de Defesa do Consumidor, aplicando-os as Resoluções nº 198/2019 e nº
230/2020, que regulamentam a especialidade de Harmonização Orofacial, conjuntamente com
o que foi depreendido da análise da produção acadêmica antecedente e de como a
jurisprudência tem abordado o tema.
Nesse sentido, discutiu-se e delimitou-se se a cirurgia é uma intervenção geradora de
uma obrigação de meio ou de resultado, bem como debateu-se sobre a necessidade de
67

determinação de culpa dos dentistas, e sobre se possui natureza objetiva ou subjetiva, e


finalmente, argumentou-se sobre a possibilidade de responsabilização civil de tais
profissionais. Partindo de uma análise constitucional, nota-se que sobrelevar no presente
tema o princípio da dignidade humana, o direito à vida e a saúde, com os quais o profissional
cirurgião
dentista compromete-se em defender com a prática da sua profissão.
Quando o dentista fornece o serviço de uma cirurgia de harmonização orofacial, e a
mesma não cumpre com o seu objetivo, causando um dano a alguém, conforme o que foi
depreendido ao longo do estudo, o mesmo comete ato ilícito passível de indenização, ou seja,
o profissional incorre nos artigos nº 186, 187 e 927 do Código Civil, desta forma, resta
caracterizada a responsabilidade civil do mesmo. Ato contínuo, resta claro que, conforme o
artigo nº 14, §4º do Código de Defesa do Consumidor, por ser profissional liberal, ele
responde subjetivamente pelo seu ato, independente de culpa, pela teoria da culpa presumida.
Demonstrado o dano e o nexo de causalidade entre cirurgia e dano, é necessário ainda
delimitar o tipo relação que existe entre cirurgião dentista e seu cliente/paciente, se contra tual
ou extracontratual. Com a análise do que dizem os doutrinadores bem como da análise da
produção academia antecedente nota-se que o entendimento é quase uníssono, quando a
característica contratual da relação. Diz-se quase, uma vez que sempre existiram as
divergências, os contrapontos, mas grande parte dos intelectuais e acadêmicos do direito
entendem por haver uma relação contratual. O que faz sentido, uma vez que existe uma
contratação de um serviço específico (objeto do contrato), possuindo um tempo específico
para sua finalização (prazo), que recebe um pagamento em contrapartida.
Visto isto, partindo da teoria do direito no segundo capítulo, verticalizando para a
academia, no que se relaciona com a produção acadêmica antecedente, para enfim chegar no
singular, tema do trabalho proposto, conclui-se que, de fato, na Lei Regulamentadora nº
5.081/66 da profissão do odontologista, bem como nas Resoluções nº 198/2019 e nº 230/2020,
que regulamentam a especialização de harmonização orofacial, não há previsão expressa e
clara a respeito da natureza obrigacional do cirurgião dentista nas cirurgias de harmonização
orofacial, deixando um vácuo a respeito do tema. Fazendo com que seja necessário socorrer-
se aos demais livros regulamentadores (Constituição Federal, Código Civil e Código de
Defesa do Consumidor) para a sua análise e posterior determinação.
Vejamos, é perfeitamente visível a dualidade de personas daquele que figura como
atendido (consumidor, que busca o serviço) na dicotomia entre ser paciente e ser cliente. É
perfeitamente compreensível a insegurança gerada, afinal, não há previsão expressa da
68

característica / natureza obrigacional, seja de meio ou de resultado, e, sendo ambas, em que


situações uma ou outra.
Com o auxílio não apenas dos institutos presentes nos livros jurídicos supracitados,
quais seja Constituição Federal, Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, mas
também dos acadêmicos e magistrados que abordaram o tema, é possível observar que
cirurgia médico odontológica estética vem sido considerada tanto pela doutrina quanto pela
jurisprudência majoritária, como obrigação de resultado, uma exceção, vez que a regra para os
profissionais da saúde é a de meio.
Enquanto cliente, o mesmo busca, contrata um serviço estético, objetivando um
resultado específico. Ora, nós somos bombardeados diariamente com propagandas e
publicações de cirurgias embelezadoras realizadas em consultórios odontológicos, é de se
estranhar que alguém procure um tratamento médico-odontológico-estético como esses,
objetivando uma deformidade, quiçá um resultado que não aquele ofertado pelos próprios
profissionais. Seria no mínimo incoerente, um profissional ter apenas o bônus da maravilha de
uma cirurgia estética bem sucedida (case de sucesso), mas não se responsabilizar quando o
resultado ofertado não for atingido.
Conclui-se, portanto, por toda a análise feita, que é possível caracterizar natureza
obrigacional da responsabilidade civil do cirurgião dentista nas cirurgias de harmonização
orofacial como sendo de resultado, com base em todo o estudo realizado, mas trazendo uma
ressalva, no que concerne a necessidade de uma legislação mais clara e específica sobre o
tema, uma vez ser necessário trazer mais segurança àqueles que precisam socorrer-se ao poder
judiciário para terem seus direitos preservados.
É importante frisar que, nesse sentido, a segurança se dá tanto para o cliente/paciente,
como também aos próprios cirurgiões dentistas, que precisam ter clareza de “a que” e “como”
respondem, perante seus atos na prática dessa atividade. Uma vez que é uma situação muito
complexa e instável ficar na dependência única e exclusivamente da interpretação do
magistrado, sem que se tenha uma legislação expressa sobre o tema.
69

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