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CIDADE – UF
2023
ANDRÉA GOMES RIBEIRO
Orientador:
BANCA EXAMINADORA
_______________________________
Professor orientador
_______________________________
Professor convidado I
_______________________________
Professor convidado II
CIDADE – UF
2023
AGRADECIMENTOS
Dedico a...
LISTA DE SIGLAS
CC - Código Civil
CD - Cirurgião Dentista
CDC - Código de Defesa do Consumidor
CF - Constituição Federal
CFO - Conselho Federal de Odontologia
CPC - Código de Processo Civil
DJSC - Diário de Justiça de Santa Catarina
DJESP - Diário de Justiça Especial
DTM - Disfunção Temporomndibular
MEC - Ministério da Educação
MS - Mandado de
Segurança NCC - Novo
Código Civil REsp -
Recurso Especial
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal
TJSC - Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
UNESP - Universidade Estadual Paulista
UniFOA - Centro Universitário de Volta Redonda
Epígrafe
RESUMO
Este trabalho de conclusão de curso possui como objetivo debater as questões relacionadas à
possibilidade de insegurança jurídica gerada pela incerteza da caracterização da natureza
obrigacional da responsabilidade civil do cirurgião-dentista nas Cirurgias de Harmonização
Orofacial realizadas no Brasil, no período de 2019 até 2020. Desde o recente reconhecimento
da Harmonização Orofacial como sendo uma especialidade da Odontologia, é flagrante a
fragilidade da norma regulamentadora de tal atividade no Brasil, por possuir um vácuo no que
concerne a caracterização de sua natureza obrigacional para responsabilização civil do
profissional, gerando uma certa insegurança jurídica para o atendido, seja ele paciente ou
cliente que busca pelo trabalho estético, com base na confiança de um trabalho médico-
odontológico. Com abordagem monodisciplinar e dedutiva, o objetivo central do trabalho é
verificar se há um certo grau de insegurança jurídica na entrega serviço fornecido pelo
cirurgião dentista, qual seja, a cirurgia de harmonização orofacial, para o seu cliente/paciente,
que se depreende da forma como é regulamentada a atividade como uma especialidade
odontológica pelas Resoluções nº 198/2019 e nº 230/2020 combinadas e interpretadas em
conjunto com a Constituição Federal, Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, bem
como da análise jurisprudencial e da produção acadêmica antecedente. A partir de Carlos
Roberto Gonçalves, Silvio Venosa, Maria Helena Diniz e Wander Pereira, da análise de uma
certa parte da produção acadêmica antecedente sobre o tema, e dos documentos que regulam o
tema, surge a hipótese de que a insegurança jurídica que pode existir na realização de tais
espécies de cirurgia, pode ser decorrente do fato de o tema ser recente, uma vez que a prática
foi reconhecida como especialidade odontológica apenas em 2019, caracterizando pouco
tempo para sua consolidação. Outra hipótese é a de que as legislações regulamentadoras do
assunto não são tão claras no sentido de definir se a obrigação é de meio ou de resultado, ou
quando é de meio e quando é de resultado, sendo possível realizar tal determinação apenas a
partir de uma análise combinada das Resoluções nº 198/2019 e nº 230/2020, com a
Constituição, normas infraconstitucionais presentes no Código Civil e no Código de Defesa
do Consumidor. Como conclusões percebe-se uma certa insegurança, gerada com origem na
legislação vácua acerca da atividade, sendo apenas possível chegar a uma caracterização da
natureza obrigacional a partir de uma análise combinada entre diversos dispositivos, bem
como, com o apoio da jurisprudência e do debate acadêmico.
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................9
2 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL......................................13
2.1 ETIMOLOGIA E CONCEITO........................................................................................13
2.2 PREVISÃO LEGAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E NO CÓDIGO CIVIL..........................................................................................14
2.3 FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR.................................................................................................17
2.4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL..............................................................18
2.4.1 Paralelo entre responsabilidade civil e responsabilidade penal..............................18
2.4.2 Da responsabilidade civil objetiva, subjetiva, contratual e extracontratual..........19
2.5 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL..................................................23
2.5.1 Da ação ou omissão qualificada juridicamente, culpa e dolo do agente.................23
2.5.2 Da necessidade de caracterização de nexo de causalidade e dano..........................25
2.6 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO DENTISTA
ESPECIFICAMENTE NO QUE CONCERNE ÀS CIRURGIAS DE HARMONIZAÇÃO
OROFACIAL............................................................................................................................26
2.6.1 Princípios constitucionais e éticos da responsabilidade civil do cirurgião
dentista.....................................................................................................................................26
2.6.2 Previsão legal da responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor
especificamente no que concerne ao cirurgião dentista......................................................28
2.6.3 A responsabilidade civil objetiva e subjetiva, contratual e extracontratual
especificamente no que concerne ao cirurgião dentista.......................................................29
2.6.4 A natureza obrigacional da responsabilidade civil do cirurgião dentista como
sendo obrigação de meio ou obrigação de resultado............................................................30
3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO-DENTISTA NO BRASIL A
PARTIR DO DEBATE ACADÊMICO................................................................................32
3.1 O DEBATE SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO DENTISTA:
OBRIGAÇÃO DE MEIO.........................................................................................................32
3.2 A DISCUSSÃO ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO
DENTISTA: OBRIGAÇÃO DE RESULTADO......................................................................34
3.3 ARGUMENTOS ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO
DENTISTA: OUTRAS ABORDAGENS.................................................................................44
1 INTRODUÇÃO
1
Fonte: encontrado no endereço eletrônico https://atanews.com.br/noticia/35409/buscas-por-harmonizacao-
facial-crescem-540-nos-primeiros-meses-do-ano, acesso em: 18 de novembro de 2020.
11
através desse instituto, ela poderá discutir judicialmente, a recomposição dos prejuízos
sofridos durante ou após a intervenção cirúrgica.
A responsabilidade profissional do cirurgião-dentista pode repercutir, portanto,
concomitantemente em sanções penais, cíveis e administrativas, como sanções disciplinares
éticas no Conselho Federal ou Regional de Odontologia.
Ultrapassado isto, justifica-se a relevância do presente estudo de caso abordado neste
trabalho de conclusão de curso, uma vez que será analisada, especificamente, a atuação do
cirurgião dentista nas cirurgias de harmonização orofacial e sua responsabilização perante o
seu paciente, na hipótese de identificação de erro, durante o procedimento.
A fim de alcançar o objetivo geral do presente trabalho, os objetivos específicos são:
a) apresentar os princípios constitucionais que permeiam a responsabilidade civil; b)
apresentar as legislações pertinentes ao tema, quais sejam Código Civil, Código de Defesa do
Consumidor, Lei nº 5.081/66 e Resoluções nº 198/2019 e n º 230/2020; c) apresentar o modo
como uma parte da comunidade acadêmica e dos magistrados vem abordando o assunto.
O raciocínio empregado para o tratamento do tema, qual seja a responsabilidade civil
do cirurgião dentista nas cirurgias de harmonização orofacial, é o método dedutivo, de modo
que se parte do geral (teoria geral da responsabilidade civil) para analisar o singular
(realização de cirurgia de harmonização orofacial por cirurgiões dentistas). Quando ao campo
da ciência, trata-se de uma pesquisa monodisciplinar, uma vez que transita apenas do campo
do direito civil privado. Quanto aos seus objetivos, será uma pesquisa exploratória, no que
consiste na coleta de fontes primárias, como a Constituição Federal, Código Civil, Lei de
regulamentação da profissão do Odontólogo (Lei nº 5.081/66) bem como as resoluções de
regulamentação da especialidade de Harmonização Orofacial (Resoluções nº 198/2019 e nº
230/2020) e doutrina; e secundárias, como artigos acadêmicos, monografia, dissertação;
descritiva na medida em que os dados coletados têm de ser tratados para que por fim possa se
tornar explicativa, informando as considerações acerca do tema. Quanto ao tipo de
abordagem, trata-se de uma pesquisa qualitativa, uma vez que após analisar os dados
apresentados, confere ao trabalho um parecer positivo ou negativo sobre o problema da
pesquisa. Quanto aos procedimentos propriamente técnicos foram empregados os métodos
bibliográfico e documental, com consulta a doutrina, manuais, artigos e publicações
acadêmicas; e documental, por trazer elementos da Constituição Federal de 1988, Código
Civil, Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 5.081/66 e Resoluções nº 198/2019 e nº
230/2020.
O trabalho está dividido em cinco partes, quais sejam: três capítulos, uma conclusão e
as presentes considerações iniciais. No segundo capítulo, apresenta-se uma fundamentação
12
Para Silva (2008), o instituto faz referência a uma forma obrigacional que possui
natureza contratual, ainda que esse contrato seja verbal, e que constitui uma relação entre
partes onde um se caracteriza como devedor, ao passo que o outro o credor.
Na mesma linha de pensamento, Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 15):
Responsabilidade exprime ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de
reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as
14
Ainda Carlos Roberto Gonçalves (2014) bem define que esse instituto trás uma ideia
de restauração do equilíbrio, uma vez existir uma contraprestação para a reparação de um
dano causado a outrem. Ou seja, ao responsável por ter infringido determinado dano, impõe-
se as devidas consequências não desejadas (resultantes de sua conduta danosa).
Para Fábio Ulhoa Coelho (2012), a responsabilidade civil classifica-se como obrigação
não negocial, mesmo quando exista relação contratual entre credor e devedor, para ele (2012,
p. 514):
Responsabilidade civil é a obrigação em que o sujeito ativo pode exigir o pagamento
de indenização do passivo por ter sofrido prejuízo imputado a este último. Constitui -
se o vínculo obrigacional em decorrência de ato ilícito do devedor ou de fato
jurídico que o envolva. Classifica-se como obrigação não negocial.
sim uma interação simbiótica entre eles, funcionando ambos para melhor servir o
todo Estado/Sociedade, dando as garantias para o desenvolvimento econômico,
social e político, mas respeitadas determinadas premissas que nos identificam como
seres coletivos (…) O Direito Civil Constitucional nada mais é do que a
harmonização entre os pontos de interseção do Direito Público e do Direito
Privado (…) Todavia, destaque-se que, por tal caminho metodológico, o Direito
Civil não perde a sua identidade.
Na mesma linha de raciocínio segue Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 60), a dignidade
da pessoa humana é:
(…) a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do
mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,
neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a
pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos
da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
Importante frisar que o rol presente na Constituição Federal alberga nos dispositivos
referentes aos direitos fundamentais todos aqueles que prezam pela boa convivência e
dignidade da pessoa, estando ou não no texto constitucional.
Para reconhecer o caráter exemplificativo de tais direitos, o ordenamento jurídico
brasileiro estabelece uma cláusula geral de proteção da personalidade, qual seja a digni dade
da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º,
inciso III, da Constituição Federal de 1988.
16
O segundo princípio elencado por Flávio Tatuce (2013) é o da solidariedade, que está
previsto no inciso I do art. 3º da Constituição Federal, entre os objetivos fundamentais da
República.
Conforme entendimento de Maria Berenice Dias (2009), é por meio deste princípio
que é estabelecido o compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas pelas outras, em
comunhão de atitudes e sentimentos. Dispõe de conteúdo ético e compreende a fraternidade e
a reciprocidade.
Na mesma obra, o terceiro princípio abordado por Flávio Tartuce (2013) ao falar sobre
responsabilidade civil, é o princípio da isonomia ou da igualdade previsto no art. 5º, caput,
da Constituição Federal, em que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988).
Sobre o tema ensina Gustavo Tepedino (2004, p. 37-38):
A rigor, as previsões constitucionais e legislativas, dispersas e casuísticas, não
logram assegurar à pessoa proteção exaustiva, capaz de tutelar as irradiações da
personalidade em todas as suas possíveis manifestações. Com a evolução cada vez
mais dinâmica dos fatos sociais, torna-se assaz difícil estabelecer disciplina
legislativa para todas as possíveis situações jurídicas de que seja a pessoa humana
titular
Visto isto, o Código prevê uma cláusula geral de responsabilidade subjetiva, e esta é
encontrada conjugando o art. 927 com o art. 186. Dispõe o art. 927: “Aquele que, por ato
ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, conforme Cavalieri
(2003, p. 35):
Em outras palavras, aquele aquele que praticar ato ilícito, fica obrigado e indenizar.
O código colocou aqui muito bem que o fato gerador da respo nsabilidade civil, da
obrigação de indenizar é o ato ilícito, quer na responsabilidade subjetiva, quer na
responsabilidade objetiva. Quem praticar ato ilícito, causando dano a alguém, vai ter
que reparar, vai ter que indenizar.
Seguindo a linha de raciocínio, Cavalieri bem define “ato ilícito” para então clarear a
responsabilidade civil como um todo (2003, p. 36):
E aí vem a questão: mas quando é que alguém pratica ato ilícito? Nesse mesmo
dispositivo, o Código faz remissão aos arts. 186 e 187. Temos, então, que conjugar
esses dois artigos. O art. 927 contém uma norma incompleta, que vai ter que ser
completada através da conjugação com o art. 186. Vamos ter que ler os dois artigos
juntos - um completando o outro.
O Direito é uma ciência una e indivisível, pelo que a responsabilidade jurídica abrange
a civil e a penal. Assim, se faz necessário diferenciar as duas espécies.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 52):
[...] no caso de responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito
público. O interesse lesado é o da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse
diretamente lesado é o privado. O prejudicado poderá pleitear ou não a reparação.
É possível a coexistência dos dois institutos quando da realização do mesmo ato ilícito
gerar efeitos na esfera penal e cível. Se o agente causador do dano transgredir tam bém uma lei
penal, responderá perante o lesado (patrimonialmente) e perante a sociedade (criminalmente),
assim nos ensina Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 53):
o fato danoso se revestiu de características que justificam o acionamento do
mecanismo recuperatório da responsabilidade civil e impõem a movimentação do
19
Observa-se que esses dois institutos foram diferenciados pelo Código Civil ao
prescrevê-los em artigos distintos. No entanto, o referido diploma legal omitiu qualquer
parâmetro diferenciador entre as duas espécies de responsabilidade. Verifica-se que a
responsabilidade extracontratual encontra-se disciplinada nos artigos 186 a 188 e 927 a 954, e
a responsabilidade contratual nos artigos 389 e seguintes, e 395 e seguintes.
Para José de Aguiar Dias (1987) ainda que o Brasil e muitos outros países tenham
acolhido a tese dualista ou clássica em seus ordenamentos jurídicos, muitos são os adeptos da
teoria unitária ou monista que criticam essa dualidade de tratamento entre a responsabilidade
contratual e extracontratual sob o fundamento de que os seus efeitos são iguais já que t rês são
22
Carlos Roberto Gonçalves (2019) afirma que a tendência das codificações modernas é
aproximar os dois institutos de modo que os aspectos comuns a ambas sejam regulados por
um regime uniforme. Exemplifica o referido doutrinador que o código alemão e português já
adotaram essa postura por uma vez que incluem diversas disposições com caráter geral sobre
o dever de indenização, ficando de fora da regulamentação apenas aspectos mais específicos
das variantes de responsabilidade.
De qualquer forma é inegável a existência de características específicas dessas duas
espécies de responsabilidade e, para o supracitado doutrinador, a distinção mais significativa
refere-se ao ônus da prova.
Na responsabilidade contratual, é o devedor que deverá provar, ante o
inadimplemento, a existência de alguma das excludentes do dever de indenizar: culpa
exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, pois, caso contrário, será condenado a
ressarcir os prejuízos causados à vítima.
No entanto, se a responsabilidade resultar da prática de um ato ilícito
(responsabilidade aquiliana, artigo 186 do Código Civil), o ônus da prova recairá sobre a
vítima do ato, cabendo a ela provar que o dano ocorreu por culpa do agente.
A par dessas distinções, há outra diferença no que diz respeito aos pressupostos. A
responsabilidade extracontratual exige-se para sua configuração a existência de uma ação ou
omissão do causador do dano, a ocorrência de um dano moral ou patrimonial à vítima, o nexo
de causalidade entre o dano e a ação do agente e por fim, a culpa. Na responsabilidade
contratual requer-se como pressupostos a existência de um contrato válido e seu posterior
descumprimento por alguma das partes.
23
O caput do artigo 944 do Código Civil fixa o valor da indenização pela extensão do
dano, estabelecendo assim, a regra segundo a qual, nos dizeres de Nelson Nery Junior (2003)
seria dizer que “[...] quem estiver obrigado a reparar um dano deve recompor a situação
pessoal e patrimonial do lesado ao estado anterior, para torná-la como era se o evento
maléfico não tivesse se verificado” (BRASIL, 20020), ou seja, o evento impõe ao responsável
do dano (com ou sem culpa) a obrigação de repará-lo.
O Código Civil, embora não tenha feito nenhuma distinção entre os graus de culpa
(levíssima, leve e grave), estabeleceu no parágrafo único do supracitado artigo , um juízo de
equidade segundo o qual: “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o
dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização” (BRASIL, 2002). Assim, o
referido artigo confere ao juiz o poder de agir equitativamente.
25
O dano, sendo o prejuízo sofrido pela vítima, pode ser patrimonial (também chamado
de dano material), ou extrapatrimonial (denominado dano moral).
O primeiro refere-se ao dano que afeta somente o patrimônio da vítima e engloba tanto
os danos emergentes, como os lucros cessantes, conforme se extrai do artigo 402 do Código
Civil: “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor
abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”
(brasil, 2002).
26
O dano moral (extrapatrimonial) é a lesão que não produz qualquer efeito patrimonial,
provocando prejuízos ao ofendido no âmbito de sua dignidade. Trata-se de uma verdadeira
ofensa aos direitos da personalidade.
Sendo assim, somente será permitido o exercício do cirurgião dentista àquele que
estiver habilitado por meio de uma faculdade oficial, ou reconhecimento de diploma
(CAIXETA, 2008).
Conforme o artigo 2º, da Resolução CFO 198/2019, entende-se por Harmonização
Orofacial como um apanhado de procedimentos realizados pelo profissional aqui estudado, o
cirurgião-dentista, em sua área de atuação, que são responsáveis pelo equilíbrio estético e
funcional facial.
No que concerne a regulamentação da prática de Cirurgia de Harmonização Orofacial
como especialização da odontologia, foram editadas as Resoluções CFO 198/2019 e
230/2020, ambas serão melhor abordadas no Capítulo 04 do presente trabalho.
Para analisar o presente tópico, é necessário antes realizar brevemente o apanhado de
conceitos já abordados nos itens anteriores, mas de forma pontual no tocante a
Responsabilidade dos Cirurgiões Dentistas especificamente.
Para Wander Pereira (2014) realizar a análise que o presente trabalho demanda, faz-se
necessário entender quais os princípios constitucionais aplicáveis à prática da odontologia,
uma vez que é a Constituição Federal que rege as diretrizes e princípios do ordenamento
jurídico brasileiro. Para ele (Pereira, 2014):
27
Definição em que, conforme entende Pereira (Pereira, 2014), tem-se o arcabouço para
a responsabilidade apresentada o Código de Defesa do Consumidor, onde, em “[...] outras
palavras, significa que o fornecedor deverá responder pelos danos causados, independente da
comprovação de culpa.
28
Para Paranhos (2007), visto isto e tendo como base que o Código de Defesa do
Consumidor considera o paciente como um consumidor e o profissional dentista como como
um fornecedor de serviços, e dessa forma quando este causar qualquer tipo de dano e
descumprir o contrato que outra foi estabelecido este terá o dever de reparar os danos se
comprovado a sua responsabilidade.
No entendimento de Silvio de Salvo Venosa (2015), ainda que no Brasil a odontologia
seja uma profissão autônoma, sem qualquer vínculo “formal” com a medicina, a
responsabilidade civil dos dentistas, quando no exercício da profissão, está disposta no mesmo
artigo que fala da responsabilidade civil dos médicos, qual seja o artigo 14 §4º do Código de
Defesa do Consumidor:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos. § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais
será apurada mediante a verificação de culpa.
Destaca também o autor Nery Junior (1992), no que diz respeito à responsabilidade
civil dos profissionais liberais, que a mesma trata-se de responsabilidade “[...] subjetiva,
fundada na culpa (art. 14, §4º), para cuja verificação incide o princípio do maior favor ao
consumidor, que é o da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII)”.
Lembra Pereira (Pereira, 2014) que:
Deve-se ressaltar que a exceção excepcionada pelo Código de Defesa do
Consumidor foi baseada na especificidade com que o serviço desses profissionais
liberais é prestado, peculiaridade que pode ser observada principalmente no que
concerne à
29
atividade laboral do dentista, pois, repetidas vezes, as relações dos pacientes com
esse profissional são pautadas na pessoalidade e na confiança.
Para Bittar (1991) quando há no contexto o uso de máquinas, aparatos perigosos etc,
inserindo risco, se deve deslocar para o âmbito da teoria objetiva. No entanto, para Pereira
(Pereira, 2014):
Apesar do entendimento de Bittar (1991), deve-se ressaltar que o juiz deverá
analisar o caso concreto, para estabelecer de forma segura qual o tipo da
responsabilidade adequada a ser invocada, se deverá ser a subjetiva ou a
responsabilidade objetiva para melhor fornecer uma prestação jurisdicional às
partes.
Venosa (2015) esclarece que, ainda que seja a regra, o profissional poderá não
responder por uma obrigação contratual, no entanto apenas em casos de atendimento de
emergência, por exemplo, quando não há um acordo anterior, em razão do estado de saúde do
paciente. Mas nos demais casos, permanece o entendimento de que a obrigação se dá por
contrato, ainda que verbal.
Pereira (2014) sabiamente lembra que, mesmo com os avanços tecnológico no que
concerne as práticas e técnicas na área da saúde, aqui especificamente na área da odont ologia,
os resultados nem sempre dependem único e exclusivamente do profissional dentista (Pereira,
2014):
[...] às vezes, o cirurgião-dentista não tem condições de afirmar com certeza que irá
realizar um tratamento alcançando o resultado almejado e estabe lecido no plano de
tratamento, deve-se enfatizar que, assim como os médicos, os dentistas estão lidando
com seres humanos que respondem de formas singulares e especiais de acordo com
as condições de cada organismo, por vezes observa-se que para o mesmo tipo de
tratamento tem-se inúmeras modalidades de respostas, diferenciando-se de um
paciente para o outro.
Por outro lado, pode-se afirmar que as obrigações de resultado serão todas aquelas que
o cirurgião-dentista mediano tem a capacidade e o controle de atingir o fim desejado, essa
obrigação fica facilmente identificável naqueles tratamentos estritamente estéticos, em que o
resultado prometido ao paciente deverá ser satisfeito, cumprindo-se com a obrigação do
resultado contratado.
Assim sendo, a prestação que não consiste em um resultado certo e determinado a ser
atingido pelo odontólogo, mas tão somente exige uma prática prudente e diligente do
profissional em benefício do paciente/cliente, em outras palavras, os meios necessários e
tendentes a produzir o objetivo desejado, de forma que a inexecução da obrigação pode ser
caracterizada pela omissão do dentista em tomar certas prevenções, sem se preocupar com o
resultado final, será caracterizado como de meio.
Nesse sentido, feitas as considerações acerca dos principais conceitos das principais
categorias de análise essenciais ao tratamento do tema dessa pesquisa: a realização da cirurgia
de harmonização orofacial pelos cirurgiões dentistas, resta-nos, adiante, fazer um balanço da
produção acadêmica antecedente na perspectiva de verificar como a academia esta tratando do
tema, para a partir deste ponto podermos adquirir ferramentas para debate-lo.
32
Os autores (2012) trazem a baila a definição de Souza (2011), sobre a classificação das
especialidades odontológicas a serem classificadas como especialidades com obrigação de
natureza de resultado, onde tomou como base de sua análise a Resolução CFO nº 63/2005 que
define em seu artigo 39 as especialidades odontológicas oficiais. Esclarecem que (2012, p.
27):
Esse autor classificou as seguintes especialidades como de obrigação de resultado,
de um total de 18 estabelecidas naquela norma: dentística restauradora, odontologia
em saúde coletiva, odontologia legal, patologia bucal e radiologia.
Os autores (2008) concluem no mesmo sentido, alegando não ser possível enquadrar a
ortodontia como atividade de resultado, mas sim de meio, mais uma vez levantado o
argumento de que não é possível garantir ao paciente um resultado específico uma vez
depender de muitos fatores exteriores a atuação do profissional (2008, p. 41):
O resultado do tratamento ortodôntico não depende somente do profissional, sendo
dependente da cooperação do paciente e também de fatores biológicos e
psicológicos individuais, que podem limitar a ação da terapêutica ortodôntica. O
ortodontista pode ser responsabilizado civilmente somente quando incorrer em
imprudência, negligência, imperícia ou propaganda enganosa.
34
No artigo, Sá pondera que, ainda que seja a regra, nem toda a atividade do odontólogo
será de resultado, a exemplo da traumatologia bucomaxilofacial que merece exame
individualizado, no entanto afirma que (2017, p. 04):
[...] é importante ressaltar que, nos casos em que a atividade do odontólogo for de
resultado e tal resultado não for alcançado no procedimento, o profission al deverá
indenizar o paciente por eventuais danos causados, vez que os objetivos relativos ao
tratamento são previsíveis, podendo a indenização abarcar danos materiais, morais e
até mesmo estéticos.
Por fim, conclui que ainda que não se aplique em todo o exercício da atividade
profissional do dentista, de acordo com o atual entendimento de jurisprudência e doutrina , em
regra a obrigação do dentista será de resultado, devendo o profissional ser responsabilizado
civilmente caso o procedimento/cirurgia não apresente o resultado esperado, ficando nesses
casos caracterizado o descumprimento contratual.
35
Assumem também os autores, a respeito do tema, ser de suma importância lembrar que
um ato ilícito odontológico ocorre ainda que a conduta do cirurgião-dentista seja involuntária,
uma vez que tal ato resulta de (2013, p. 88):
[...] imperícia (quando o cirurgião dentista, sem a devida qualificação técnica, ou
seja, sem os conhecimentos necessários para desenvolver tal intervenção faz o
atendimento fora do ramo de sua competência causando dano), imprudência
(caracterizada pela atuação precipitada, de maneira intempestiva e sem se preocupar
com os resultados adversos e nocivos que aquela conduta sem os devidos cuidados
poderá causar) ou negligência (entendida como descuido, falta de atenção, omissão
displicente, podendo ser entendida como a falta de cuidados e precauções que a
profissão exige).
Carvalhosa (2018) ressalta ainda que, em linhas gerais, pode-se definir como
obrigações de meio aquelas odontológicas necessárias, ou seja, que tendem a restaurar
estruturas e funções (comprometidas ou perdidas), mas sem a existência de uma promessa de
resultado, seja a remissão dos sinais, sintomas, anatomias, funcionalidades comprometidas,
entre outros, com a intervenção do processo odontológico. Para ele (2018, p. 58):
Assim sendo, nas obrigações de meios, a responsabilidade civil (e por vezes, penal e
administrativa), não surge em virtude do resultado não alcançado, mas sim de
conduta odontológica eivada de negligência, imprudência ou imperícia no proceder.
39
No mesmo tom dos autores anteriormente citados, Santos (2018) ressalta que os
cirurgiões-dentistas são passíveis de responsabilização civil, segmentada em obrigações de
meio e obrigações de resultado. Para ele as obrigações de meio são aquelas em que não há
previsibilidade de resultado, uma vez que existem diversos fatores, externos a execução do
profissional, que influenciam no resultado da cirurgia e/ou procedimento. Entende, portanto,
que (2018, p. 24):
Desta forma, na obrigação de meio, os profissionais não se responsabilizam pelo
resultado final obtido pelo paciente. Já as obrigações de resultados são representadas
pelas situações em que o resultado final é previsível ou situações em que os dentistas
prometem aos pacientes uma possibilidade de resultado. Sendo assim, os mesmos
deverão cumprir as promessas sob pena de indenização de dano e/ou insatisfação
dos pacientes.
ou omissão, é a segunda condição para que ocorra a materialização; tais atos obedecem às
normas e dispositivos específicos da Legislação” (2010, p. 65); 3. A ausência de dolo, o que
caracteriza que o profissional não agiu de forma proposital, tratando-se de “[...] culpa
profissional praticada sem a intenção de prejudicar, nas condições consagradas juridicamente
nas suas três espécies da imprudência, negligência ou imperícia” (2010, p. 65) ; 4. A
existência de dano, uma vez que para responsabilizar civilmente o profissional no exercício de
su a profissão “[...] será necessário, então, que haja a ocorrência de uma consequência danosa
ou um prejuízo para seu paciente”(2010, p. 65); 5. O nexo causal, ou seja, demonstração de
causa e efeito, sendo necessário para a responsabilização a demonstração de (2010, p. 65)
“[...] uma relação direta ou indireta entre o ato profissional e o dano produzido. O nexo causal
é, portanto, a configuração de que, sem a ação ou a omissão do profissional, não haveria
ocorrido o prejuízo ou o dano ao paciente.”
Quando do tocante a relação cirurgião dentista - paciente, os autores trazem à baila o
Código do Consumidor (2010, p. 67):
Dentre os profissionais englobados pelo dever de indenizar pelo Código de Defesa
do Consumidor, está o cirurgião-dentista, ou seja, fornecedor, definido em seu art 3o
a este cunho, sendo este um profissional liberal, que exerce uma atividade
remunerada, incluído neste conceito devido a seu serviço caracterizar-e como
relação de consumo, escolhido pelo consumidor “intuitu personae”, ou seja, a
escolha se baseou em relação de confiança e competência acreditados pelo paciente,
este último, destinatário final do serviço prestado, interpretado no artigo 2o do CDC,
para que se caracterize como consumidor.
Ainda ponderam que com o advento do supracitado Código, surgiram orientações mais
concretas e direcionadas quando do tocante aos erros médicos e odontológi cos, orientando a
que direito o consumidor deve recorrer. Pois, conforme entendem (2010. p. 69):
[...] por esse Código, é dado ao consumidor uma proteção essencial, uma garantia de
efetivação da relação de consumo, a facilidade de sua defesa pela inversão do ônus
da prova a seu favor, cabendo ao cirurgião dentista provar que as alegações deste
não são verdadeiras.
serviço prestado são considerados pelos autores (2017, p. 53) “[...] um dos temas que mais
afligem a classe odontológica, uma vez que envolvem pedidos de indenização, por seus
pacientes, devido à insatisfação com o tratamentos executado”. Segundo as autoras (2017, p.
53):
Por tal motivo, este estudo buscou analisar as jurisprudências nos Tribunais de
Justiça dos estados brasileiros, nos processos de responsabilidade civil envolvendo o
CD, considerando o número de ações judiciais, a distribuição por Estado e o
entendimento dos Magistrados de 1º e 2º Graus sobre a condenação ou não do CD,
sobre a obrigação contratual de meio ou de resultado e sobre as especialidades
odontológicas.
Desta forma, concluem as autoras (2020) que com esta definição, baseada neste
princípio, ou seja, um cenário de vinculação de relação de consumo, o profissional dentista
passa a figurar como prestador de serviço e o paciente, como consumidor.
Ainda, seguindo no mesmo sentido dos demais autores aqui citados, e elucidando
ainda mais detalhadamente o caso (2020, p. 31):
Segundo o CFO (2012), são consideradas especialidades odontológicas de meio:
cirurgia e traumatologia buco-maxilo-facial, endodontia, odontopediatria,
periodontia, ortodontia, prótese buco-maxilo-facial, odontologia do trabalho,
odontologia para PNE, odontogeriatria e ortopedia funcional dos maxilares.
Ao passo que para Netto (2019) será caracterizada como obrigação de resultado
quando o profissional, que novamente figura como devedor da obrigação, se vincula a um
resultado específico. Nesses casos, portanto, o profissional apenas não será responsabilizado
quando (2019, p.196):
Não logrando êxito em atingir o resultado a que se comprometeu, o profissional é
considerado inadimplente e obrigado a responder pelos prejuízos decorrentes do
insucesso. Exemplo clássico de obrigação dessa natureza é a assumida pelo
transportador, que promete tacitamente, ao vender o bilhete de passagem, levar o
passageiro são e salvo a seu destino. Outro exemplo clássico é a obrigação do
médico no caso da cirurgia plástica estética, há o compromisso com um resultado
específico previsto ou esperado, ensejando obrigação de resultado.
de demonstrar que o dano se verificou por força maior, caso fortuito externo, culpa
exclusiva da vítima ou, ainda, fato exclusivo de terceiro [...]
[...] decorreria de uma obrigação de resultado, e justifica sua posição no fato de que
os procedimentos de tratamento dentário são mais regulares, específicos,
localizados. A obturação de uma cárie, o tratamento de um canal, a extração de um
dente, são procedimentos que exigem uma técnica específica, mas que permitem se
assegurar a obtenção de um resultado específico. Assim, segundo o jurista, ao
desempenhar estas atividades o profissional odontólogo compromete-se com um
resultado a entregar, e não apenas com a aplicação da melhor técnica e meios
científicos.
Por fim conclui que verificar-se que resta caracterizada a responsabilidade do cirurgião
dentista como sendo subjetiva, com classificação da obrigação como sendo de natureza de
resultado e não de meio.
No entanto, após bem definir as características das obrigações, concluem que pela
análise da jurisprudencial, conclui-se que (2004, p. 95):
[...] ambas as obrigações de meio e fim, têm fundamentação jurídica. Com isso, não
se define em um contrato a modalidade obrigacional, apesar de existir uma tendência
a considerar os procedimentos odontológicos como de fim. Contu do, essa corrente
jurídica não deve prosperar sem que haja discussão significativa sobre o tema.
Resta evidente, portanto, que ainda que em maior número sejam aqueles acadêmicos
que já se posicionam com relação ao tema, acreditam já ser possível uma determinação da
natureza obrigacional da Responsabilidade Civil do Cirurgião Dentista, ainda existe uma
parcela que acredita que o tema é recente e demanda ainda mais tempo, estudo, para tal
determinação, sob pena de incorrer em injustiça perante os profissionais. Para melhor
esclarecer, portanto, trataremos no próximo tópico evidências empíricas (leis, resoluções e
jurisprudências) para nortear o presente estudo.
48
De acordo com a Lei 5.081/66, compete aos cirurgiões dentistas, nos termos do art. 6º,
o seguinte:
Art. 6º Compete ao cirurgião-dentista: I - praticar todos os atos pertinentes a
Odontologia, decorrentes de conhecimentos adquiridos em curso regular ou em
cursos de pós-graduação; II - prescrever e aplicar especialidades farmacêuticas de
uso interno e externo, indicadas em Odontologia; III - atestar, no setor de sua
atividade profissional, estados mórbidos e outros, inclusive, para justificação de
faltas ao emprego.IV - proceder à perícia odontolegal em fôro civil, criminal,
trabalhista e em sede administrativa; V - aplicar anestesia local e truncular; VI -
empregar a analgesia e a hipnose, desde que comprovadamente habilitado, quando
constituírem meios eficazes para o tratamento; VII - manter, anexo ao consultório,
laboratório de prótese, aparelhagem e instalação adequadas para pesquisas e análises
clínicas, relacionadas com os casos específicos de sua especialidade, bem como
aparelhos de Raios X, para diagnóstico, e aparelhagem de fisioterapia; VIII -
prescrever e aplicar medicação de urgência no caso de acidentes graves que
comprometam a vida e a saúde do paciente; IX - utilizar, no exercício da função de
perito-odontólogo, em casos de necropsia, as vias de acesso do pescoço e da cabeça.
(grifo nosso)
Resta claro no dispositivo acima citado que, além daqueles que possuem curso de pós -
graduação específico na área de harmonização orofacial, aqueles cirurgiões dentistas que
comprovadamente possuírem prática anterior a publicação da norma específica, ou certifica
ções de cursos regulamentados pelo MEC pertinentes a área, também poderão ter seu registro
como especialista em Harmonização Orofacial.
Ainda nessa parte do texto da resolução, é possível traçar um paralelo com a
característica notória da cirurgia de harmonização orofacial como sendo de embelezamento.
Nota-se do dispositivo supracitado que poderá ter sua especialização reconhecida aquele que
52
possuir prática em preenchedores faciais, uso de botox, lipoplastia facial, dentro outros
elencados, procedimentos cirúrgicos sabidamente procurados e adquiridos por motivos
estéticos, vendidos como serviços com um fim específico.
Nesse momento faz-se importante recapitular novamente o já explicado no capítulo
segundo do presente trabalho, quando Wander Pereira bem define que, entre o profissional
cirurgião dentista e seu cliente/paciente há uma relação baseada na prestação de serviços pelo
dentista e, por outro lado, a satisfação e pagamento pelo serviço por parte do cliente/paciente,
articulando-se uma relação evidentemente contratual, que visa um resultado específico, na
presente análise do artigo 9º, depreende-se que o mesmo em grande parte das vezes é, como o
é nas cirurgias plásticas, um resultado puramente estético.
Analisando a Resolução, dos artigos 1º ao 3º, há uma lista de proibições com relação a
procedimentos e posturas do profissional dentista, tais como procedimentos cirúrgicos de
lifting, rinoplastia, otoplastia, atribuições específicas dos cirurgiões plásticos, bem como
quaisquer procedimentos em outras áreas diversas da cabeça e pescoço.
Bem como é vedado também a publicidade e propaganda de procedimentos alheios a
odontologia, tais como micropigmentação, design de sobrancelhas, entre outros.
Frisa-se, os dispositivos presentes na Resolução vedam determinados procedimentos
cirúrgicos mais invasivos, ou seja, o cirurgião dentista poderá fazer lifting facial não invasivo
(com inserção de linhas condutoras) ou enzimático (inserção de enzimas que agem de form a
local), restando sob responsabilidade médica (cirurgião plástico) as cirurgias abertas nesse
sentido. No entanto, ainda que de formas diferentes, técnicas diferentes e custos diferentes, o
53
que significa dizer que não existia nada de diferente que o cirurgião dentista, dentro de suas
atribuições, poderia ter feito para que o dano não tivesse ocorrido.
No entanto, todo o raciocínio que levou a isenção de responsabilidade, foi realizado
com lastro na responsabilidade subjetiva com caracterização da natureza obrigacional como
sendo de resultado.
Também no sentido de reconhecer a obrigação a natureza obrigacional como sendo de
resultado, decidiu em outro processo o mesmo tribunal:
77046805 - DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL.
CLÍNICA ODONTOLÓGICA. CIRURGIÃO DENTISTA. IMPLANTE
DENTÁRIO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. OBRIGAÇÃO DE
RESULTADO. DEVER DE INDENIZAR. DANOS MATERIAL E MORAL
COMPROVADOS. SENTENÇA MANTIDA. I. Em se tratando de implante
dentário, a obrigação em regra é de resultado e assim cabe à clínica odontológica
demonstrar a inexistência de falha na prestação dos serviços, sobretudo quando o
ônus da prova é invertido com base no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa
do Consumidor. II. Se as provas dos autos, com destaque para a perícia, são
conclusivas quanto à falha na prestação dos serviços, deve ser mantida a indenização
dos danos morais e materiais causados ao consumidor. III. Traduz dano moral a
afetação da integridade física e psíquica oriunda de falha na prestação do serviço
odontológico que resultou em dores, agravamento de disfunção mandibular e
submissão do consumidor a tratamento corretivo. lV. Dadas as particularidades do
caso concreto, não pode ser considerada exorbitante compensação do dano moral
arbitrada em R$ 3.000,00. V. Recurso desprovido. (TJDF; APC 00341.53-
31.2016.8.07.0001; Ac. 122.3264;
Quarta Turma Cível; Rel. Des. James Eduardo Oliveira; Julg. 11/12/2019; Publ. PJe
30/01/2020) (grifo nosso)
Este julgado, ainda mais explicitamente, expõe a obrigação de resultado vinculada aos
procedimentos estéticos (como nos casos de responsabilização civil do médico cirurgião
plástico).
Outro exemplo de entendimento similar no Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
67147566 - APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. Erro em tratamento odontológico. Cirurgia
prévia implante dentário unitário. Surgimento de cavidade buco-nasal após o
procedimento cirúrgico. Sentença de parcial procedência. Agravo retido. Pleito de
juntada de prontuário da autora referente a procedimento posterior realizado com
outro profissional dentista. Desnecessidade. Laudo pericial produzido no bojo da
instrução. Prova oral e documental que se mostram suficientes ao deslinde da
controvérsia. Agravo conhecido e desprovido. Apelação do réu. Dentista.
Profissional liberal. Responsabilidade civil subjetiva. Art. 14, § 4º, do Código de
Defesa do Consumidor. Obrigação, via de regra, de resultado. Dever do
prestador de serviço de comprovar a adoção da melhor técnica ao caso concreto,
além de prestar todas as informações necessárias ao pós operatório. Obrigação de am
paro em caso de intercorrências relacionadas ao evento. Negligência do cirurgião-
dentista que contribuiu para o dano, devendo responder na medida de sua
culpabilidade. Ato ilícito configurado. Danos morais e materiais. Reparação devida
com fundamento no art. 5º, V e X, da Constituição Federal e arts. 186, 927 e 944, todos
do Código Civil brasileiro. Danos morais. Manutenção do quantum indenizatório, à
luz dos critérios da razoabilidade, da proporcionalidade e da adequação. Importe que
não se revela exorbitante ou desproporcional à ofensa imposta à autora, que se viu
com uma Cavidade entre a boca e o nariz logo após a cirurgia e não teve o suporte
necessário para o desfecho da intercorrência. Danos materiais. Cálculo correto
efetuado pela sentença. Pleiteada adequação do dies a quo dos consectários legais.
Correção monetária fixada com acerto. Juros de mora. Relação contratual.
Incidência a partir
58
da citação, nos termos do art. 405 do Código Civil. Sentença reformada apenas no
ponto. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJSC; AC 0023501-
72.2007.8.24.0008; Blumenau; Quarta Câmara de Direito Civil; Rel. Des. Luiz
Felipe Schuch; DJSC 19/09/2019; Pag. 184) (grifo nosso)
Este julgado também é bastante interessante, uma vez que o Ministro faz o paralelo
da obrigação de meio e resultado, comparando médicos e dentistas (como profissionais da
saúde e liberais). Ele enfatiza que, em regra, a natureza da obrigação do médico é de meio,
com exceção das cirurgias plásticas embelezadoras, que são com natureza de resultado, e
acaba por afastar a responsabilidade de indenizar do cirurgião dentista, uma vez a obrigação
também ser de meio.
Importante frisar que este julgado muito contribui com o entendimento do presente
tema, uma vez que note-se, ele é de 2012, onde o presente debate acerca das cirurgias em
suma embelezadores de harmonização orofacial, como já visto no item anterior, ainda não
estavam regulamentadas. Mas já abre espaço para que façamos esse paralelo, entre as
cirurgias de harmonização orofaciais, como sendo estéticas e as cirurgias plásticas, que
possuem fim estético, portanto, obrigação de resultado, um dos raciocínios a ser empregado
para chegar na resposta problema do presente Trabalho de Conclusão de Curso.
Interessante também evidenciar que após a análise das jurisprudências, realizando o
comparativo entre esses dois grandes grupos de decisões, nota-se que a problemática vem sido
resolvida pelo poder judiciário, não pelo poder legislativo. Ou seja, resta evidente o modo
como o poder judiciário está precisando agir precipuamente no sentido de corrigir o erro
praticado não só pelo cirurgião dentista, mas preencher o vácuo, a fragilidade, da lei no que
diz respeito a determinação da responsabilidade civil do cirurgião dentista na cirurgia de
harmonização orofacial ser obrigação de meio ou resultado. Tal determinação deveria ter sido
62
efetuada pelo
63
poder legislativo, mas, uma vez não feita, o que resta é pedir socorro ao judiciário para que
determine, defina, a fim de que se possa buscar a reparação dos danos decorrentes dessa
prática.
64
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
para a área de atuação do dentista, o que ele está apto, ou não, as vedações para a prática,
cursos, graduações, especializações, no entanto resta flagrante a ausência de qualquer
determinação, regulamentação expressa no que concerne a Responsabilidade Civil desses
profissionais na pratica dessa especialização. A dúvida que ficou nos demais capítulos, restou
configurada com o estudo de tais documentos: não há previsão expressa, restando aquele já
citado vácuo de incertezas.
Ato contínuo, na análise das jurisprudências, depreende-se dois pontos importantes. O
primeiro ponto é novamente a fragmentação em dois grandes grupos, o primeiro onde
entende- se a caracterização da obrigação como sendo de natureza de resultado e a outra como
sendo de meio. No entanto, mais uma vez a situação se repete, e o número de julgados
encontrados qu e tendem a defender a ideia de que a obrigação do cirurgião dentista deve ser
encarada como obrigação de resultado.
Interessante ressaltar, também, que uma análise rápida das datas dos julgados nota-se
uma espécie de linha do tempo, onde as decisões mais antigas tendem a interpretar a natureza
obrigacional como sendo de meio, enquanto as decisões mais recentes, tendem a caracterizar
tal obrigação como sendo de resultado. Tal análise, em conjunto com o depreendido do estudo
da produção acadêmica antecedente, leva a crer há uma tendência de que que os tribunais
possam estar caminhando para uma espécie de entendimento uno.
Por fim, este estudo evidenciou que para responder a pergunta que norteia o presente
trabalho, qual seja: o dano causado nas cirurgias de harmonização orofacial realizadas por
cirurgiões dentistas caracteriza uma obrigação de meio ou de resultado? Como isso reflete na
entrega da prestação/serviço para o paciente? É necessário partir de uma análise combinada,
que passa pelos princípios Constitucionais e pela fundamentação legal presente no Código
Civil, e no Código de Defesa do Consumidor, aplicando-os as Resoluções nº 198/2019 e nº
230/2020, que regulamentam a especialidade de Harmonização Orofacial, conjuntamente com
o que foi depreendido da análise da produção acadêmica antecedente e de como a
jurisprudência tem abordado o tema.
Nesse sentido, discutiu-se e delimitou-se se a cirurgia é uma intervenção geradora de
uma obrigação de meio ou de resultado, bem como debateu-se sobre a necessidade de
67
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