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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

LOMBARDO FUCHS DOS SANTOS

RESPOSNABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO:


Responsabilidade aquiliana e contratual

Tijucas
2009
LOMBARDO FUCHS DOS SANTOS

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO:


Responsabilidade aquiliana e contratual

Monografia apresentada como requisito parcial para a


obtenção do título de Bacharel em Direito, pela
Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências
Sociais e Jurídicas, campus Tijucas.

Orientador: Profª. MSc. Cláudia Althoff Figueiredo

Tijucas
2009
LOMBARDO FUCHS DOS SANTOS

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO:


Responsabilidade aquiliana e contratual

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e
aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, campus Tijucas.

Área de Concentração/Linha de Pesquisa: Direito Privado/Direito Civil

Tijucas, 2 de dezembro de 2009

Profa. MSc. Cláudia Althoff Figueiredo


Orientadora

Prof. MSc. Marcos Alberto Carvalho de Freitas


Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica
Este é o resultado da compreensão, carinho e respeito de meu pai, Dr.
João Gilberto Medeiros (in memoriam). Ao senhor, dedico este
trabalho.
A Deus, fonte suprema de todo saber.
À minha família, pela confiança que depositam em mim, em especial à minha filha Nayara e
esposa Maiky.
À Professora Orientadora, Cláudia, norte seguro na orientação deste trabalho.
Aos Professores do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, campus Tijucas, que
muito contribuíram para a minha formação jurídica.
Ao amigo Marcelo da Silva Junior, apoio nas pesquisas.
Aos que colaboraram com suas críticas e sugestões para a realização deste trabalho.
Aos colegas de classe, pelos momentos que passamos juntos e pelas experiências trocadas.
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.
“Há aqueles que lutam um dia e por isso são bons; há aqueles que lutam
muitos dias e por isso são muito bons; há aqueles que lutam anos e são
melhores ainda. Porém há aqueles que lutam toda a vida, esses são os
imprescindíveis”.

Bertold Brecht
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca
do mesmo.

Tijucas, 2 de dezembro de 2009

Lombardo Fuchs dos Santos


Graduando
RESUMO

A presente monografia trata do estudo da responsabilidade civil decorrente de erro médico, se


aquiliana ou contratual. Seu objetivo geral é investigar a responsabilidade civil do profissional
da área da saúde, particularmente os médicos, quanto às expectativas prometidas, mas não
cumpridas, após a realização dos procedimentos médicos contratados. Os objetivos
específicos são: analisar a responsabilidade civil dos médicos no âmbito do ordenamento
jurídico brasileiro; determinar os danos que podem ser observados em decorrência do
comportamento prejudicial ao paciente; e por fim, verificar quais as consequências
decorrentes de cada tipo de responsabilidade civil admitida na legislação pátria. O
desenvolvimento da monografia partiu dos seguintes questionamentos: a) é possível
responsabilizar o médico por prometer um tratamento/benefício que, após sua intervenção,
não se verifique?; b) existem diferenças entre as espécies de responsabilidade civil adotadas
no ordenamento jurídico brasileiro quanto à responsabilização do médico na situação
apresentada acima?; E foram estabelecidas as seguintes hipóteses: a) o ordenamento jurídico
brasileiro admite a possibilidade de responsabilizar civilmente o médico que promete ao
paciente um resultado, mas, após sua intervenção, não alcança o objetivo prometido; e b)
existem diferenças jurídicas entre as responsabilidades aquiliana e contratual, dispostas na
legislação brasileira, que refletem na responsabilidade civil do médico. Para o
desenvolvimento da pesquisa utilizou-se a base lógica indutiva, e chega-se aos seguintes
resultados: O relatório final da pesquisa foi estruturado em três capítulos, podendo-se,
inclusive, delineá-los como três molduras distintas, mas conexas: a primeira, atinente a
responsabilidade civil; a segunda, aos danos materiais, morais e à imagem; e, por derradeiro,
os tipos de responsabilidade civil decorrentes da espécie de contrato encetada entre médico e
paciente.
A presente monografia se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados
pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das
reflexões sobre a responsabilidade civil dos profissionais da saúde, especialmente os médicos.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil Dano Moral Erro Médico


ABSTRACT

The present monograph is about the study of civil responsibility resulting from the medical
mistake, occasionally or by agreement. The main goal is to investigate the civil responsibility
of the health area professionals, particularity the doctors, about the promised expectations, but
not attended, after the execution of medical procedures agreed. The main specific goals are: to
analyze the civil responsibility of the doctors in the Brazilian judicial order environment; to
determinate the damage that can be observed resulting from prejudicial behavior to patient; at
the end, to verify which resulting consequences of each civil responsibility allowed in
national law. The monograph development started from the following questions: a) It is
possible to elect the doctor by the promise of a treatment/benefit that, after your intervention,
could not be checked ?; b) there are differences around the civil responsibility types used in
the Brazilian judicial environment about civil responsibility of the doctors in the situation
showed above ?; It was established the following possibilities: a) the Brazilian judicial
environment grants the possibility of civil responsibilization the doctor who promised to the
patient a result, but, after your intervention, don‟t reach the promised goal; and b) there are
judicial differences between occasionally responsibility and agreed responsibility, disposed in
the Brazilian law, which reflects in the doctors´ civil responsibility. To this research
development used logical induction, and resulting in these following results….

Keywords: Liability Moral Danage Medical error.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas


AC Ação Cível
Ag. Agravo
Ap. Cível
Apelação Cível
APC Apelação Cível
art. Artigo
arts. Artigos
C.Cív. Código Civil
Câm Câmara
CC Código Civil
CDC Código de Defesa do Consumidor
CEJ Conselho Estadual de Justiça
CFJ Conselho Federal de Justiça
CJF Conselho de Justiça Federal
CP Código Penal
CRFB Constituição da República Federativa do Brasil
Des. Desembargador
DJ Diário da Justiça
DJSC Diário da Justiça de Santa Catarina
DJU Diário da Justiça da União
ed. Edição
Julg. Julgado
Min. Ministro
n. Número
p. Página
PR Paraná
Proc. Processo
R. Recurso
RE Recurso Especial
Rel. Relator
RESP Recurso Especial
Resp. Recurso Especial
RS Rio Grande do Sul
RT Revista dos Tribunais
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
Tribunal de Alçada de Minas Gerais- Apelação
TAMG-AC Cível
TJBA Tribunal de Justiça da Bahia
TJRS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo
TRT Tribunal Regional do Trabalho
LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS

Lista de categorias1 que o Autor considera estratégicas à compreensão do seu trabalho,


com seus respectivos conceitos operacionais2.

Culpa

[...] é o elemento subjetivo fundamental inserto na teoria subjetiva da responsabilidade civil3.

Dano

[...] a diminuição ou subtração de um „bem jurídico‟, para abranger não só patrimônio, mas a
honra, a saúde, a vida, suscetíveis de proteção4.

Dano Emergente

[...] é o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela vítima. (...). Representa, pois, a
diferença entre o patrimônio que a vítima tinha antes do ato ilícito e ou passou a ter depois.
Lucro cessante é a frustração da expectativa de lucro. É a perda de um ganho esperado5.

Dano Moral

[...] considera-se dano à pessoa toda ofensa dirigida contra sua integridade física ou
incolumidade moral, a acarretar-lhe conseqüências desfavoráveis como entidade somática e
psíquica6.

1
Denomina-se “categoria” a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia. Cf.
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8. ed.
Florianópolis: OAB Editora, 2003, p. 31.
2
Denomina-se “Conceito Operacional” a definição ou sentindo estabelecido para uma palavra ou expressão, com
o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas ao longo do trabalho. Cf. PASOLD,
Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito, p. 43.
3
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 21.
4
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 529.
5
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 629.
6
MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Ressarcimento de danos pessoais e materiais, p. 55.
Dano Material

O dano material ou patrimonial atinge os bens do patrimônio do cidadão. O vocábulo bens ai


tem a compreensão mais ampla possível, envolvendo os objetos corpóreos e incorpóreos,
sempre avaliáveis em pecúnia. O dano patrimonial lesa bens apreciáveis pecuniariamente.7

Lex Aquilia

É na Lei Aquilia que se esboça, afinal, um princípio geral regulador da reparação do dano.
Embora se reconheça que não continha ainda “uma regra de conjunto, nos moldes do direito
moderno”, era, sem nenhuma dúvida, o germe da jurisprudência clássica com relação à injúria
e, “fonte direta da moderna concepção da culpa aquiliana, que tomo da Lei Aquilia o seu
nome característico”.8

Responsabilidade

[...] a responsabilidade é corolário da liberdade e da racionalidade. Impõe-se-lhe, no plano


jurídico, que responda (do latim “spondeo” = “responder a”, “comprometer-se”, corresponder
a compromisso, ou a obrigação anterior) pelos impulsos (ou ausência de impulsos) dados no
mundo exterior, sempre que estes atinjam a esfera jurídica de outrem.

Responsabilidade Civil Contratual

[...] é aquela que deriva de contrato [...] a culpa surge de forma definida, mais clara, porque
existe uma descrição de obrigação pré-existente no negócio jurídico, que foi descumprido9.

Responsabilidade Civil Extracontratual

Quando a responsabilidade não deriva de um contrato, mas de infração ao dever de conduta


(dever legal) imposto genericamente no art. 186 do mesmo diploma, diz-se que ela é
extracontratual ou aquliana10.

7
MARMITT, Arnaldo. Perdas e danos. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p. 14.
8
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: de acordo com o novo código Civil (Lei n. 10.406. de
10-1-2002). São Paulo: Saraiva 2003, p. 5.
9
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p. 25-26.
10
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigações: responsabilidade civil. v.6. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 11.
Responsabilidade Civil Objetiva

[...] responsabilidade sem culpa, não há a necessidade de comprovação ou investigação da


ocorrência de culpa, bastando-se para sua aplicação a configuração do dano e do nexo causal
entre a ação e o resultado obtido. Diferencialmente do que ocorrerá nos casos em que se
configura a responsabilidade civil subjetiva, pois nesta faz-se relevante a verificação da culpa,
para decorrer sua aplicação.11

Responsabilidade Civil Subjetiva

[...] a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a
ser pressuposto do dano indenizável.12

11
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 15.
12
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 21.
SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................................... 5
ABSTRACT .............................................................................................................................. 6
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................. 7
LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS .............................. 8
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
2 RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................................................................... 15
2.1 DESLOCAMENTOS HISTÓRICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ...................... 16
2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................................................................... 20
2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL ........................................................................ 24
2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA ........................................... 26
2.4.1 RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL ............. 29
2.5 RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO, DO NOVO CÓDIGO
CIVIL E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR .................................................... 32
3 DANOS ................................................................................................................................. 42
3.1 CONCEITUAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO DANO ................................................ 42
3.2 DANOS MATERIAIS........................................................................................................ 45
3.3 DANOS PESSOAIS ........................................................................................................... 48
3.4 DANOS MORAIS .............................................................................................................. 50
3.5 DANOS ESTÉTICOS ........................................................................................................ 55
4 RESPONSABILIDADE MÉDICA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 59
4.1 A RELAÇÃO DO CONSUMO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS ............. 59
4.1.1 O SERVIÇO .................................................................................................................... 60
4.1.2 O CONSUMIDOR .......................................................................................................... 61
4.1.3 O FORNECEDOR ........................................................................................................... 61
4.2 A RESPONSABILIDADE MÉDICA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 65
4.2.1 A RESPONSABILIDADE PESSOAL DO MÉDICO .................................................... 66
4.2.2 A RESPONSABILIDADE DOS ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE ....................... 68
4.2.3 EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE .............................................................. 72
4.3 A PROVA NO ERRO MÉDICO ....................................................................................... 73
4.4 A INDENIZAÇÃO E OS DANOS INDENIZÁVEIS NO ERRO MÉDICO .................... 73
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 80
1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto13 o estudo da responsabilidade civil decorrente de


erro médico, especialmente no tocante ao tipo de responsabilidade dela decorrente, aquiliana
ou contratual.

A importância deste tema reside no incremento das relações entre médico e paciente,
com as consequentes responsabilidades decorrentes das contratações de serviços deste
profissional, com suas repercussões no âmbito das expectativas dos pacientes.

Ressalte-se que, além de ser requisito imprescindível à conclusão do curso de Direito


na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, o presente relatório monográfico também vem
colaborar para o conhecimento de um tema que, apesar de não poder ser tratado como
novidade no campo jurídico, na dimensão social-prática ainda pode ser tratado como elemento
novo e repleto de nuances a serem destacadas pelos intérpretes jurídicos.

A escolha do tema é fruto do interesse pessoal do pesquisador em alertar à


comunidade quanto às falsas expectativas criadas por uma elite médica, a qual, muitas vezes,
não encontra correspondente no atual estágio da medicina, assim como para instigar novas
contribuições para estes direitos, especialmente no âmbito de atuação do Direito Civil.

O objetivo institucional da presente Monografia é a obtenção do Título de Bacharel


em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas,
campus de Tijucas.

Em vista do parâmetro delineado, constitui-se como objetivo geral deste trabalho


investigar a responsabilidade civil do profissional da área da saúde, particularmente os
médicos, quanto às expectativas prometidas, mas não cumpridas, após a realização dos
procedimentos médicos contratados.

13
Nesta Introdução cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e
ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 170-181.
13

Como objetivo específico, pretende-se analisar a responsabilidade civil dos médicos


no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, assim como determinar os danos que podem ser
observados em decorrência do comportamento prejudicial ao paciente e, por fim, verificar
quais as consequências decorrentes de cada tipo de responsabilidade civil admitida na
legislação pátria.

A análise do objeto do presente estudo incidirá sobre as diretrizes teóricas propostas


por Rui Stoco, na obra Tratado de Responsabilidade Civil. Este será, pois, o marco teórico
que norteará a reflexão a ser realizada sobre o tema escolhido.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa foram formulados os seguintes


questionamentos:

a) É possível responsabilizar o médico por prometer um tratamento/benefício que,


após sua intervenção, não se verifique?

b) Existem diferenças entre as espécies de responsabilidade civil adotadas no


ordenamento jurídico brasileiro quanto à responsabilização do médico na situação apresentada
acima?

Já as hipóteses consideradas foram às seguintes:

a) O ordenamento jurídico brasileiro admite a possibilidade de responsabilizar


civilmente o médico que promete ao paciente um resultado, mas, após sua intervenção, não
alcança o objetivo prometido;

b) Existem diferenças jurídicas entre as responsabilidades aquiliana e contratual,


dispostas na legislação brasileira, que refletem na responsabilidade civil do médico.

O relatório final da pesquisa foi estruturado em três capítulos, podendo-se, inclusive,


delineá-los como três molduras distintas, mas conexas: a primeira, atinente a responsabilidade
civil; a segunda, aos danos materiais, morais e à imagem; e, por derradeiro, os tipos de
responsabilidade civil decorrentes da espécie de contrato encetada entre médico e paciente.

Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação foi utilizado


o método dedutivo, e, o relatório dos resultados expresso na presente monografia é composto
14

na base lógica dedutiva14, já que se parte de uma formulação geral do problema, buscando-se
posições científicas que os sustentem ou neguem, para que, ao final, seja apontada a
prevalência, ou não, das hipóteses elencadas.

Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas do referente, da categoria,


do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica15.

Os acordos semânticos que procuram resguardar a linha lógica do relatório da pesquisa


e respectivas categorias, por opção metodológica, estão apresentados na Lista de Categorias e
seus Conceitos Operacionais, muito embora algumas delas tenham seus conceitos mais
aprofundados no corpo da pesquisa.

A estrutura metodológica e as técnicas aplicadas nesta monografia estão em


conformidade com o padrão normativo da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
e com as regras apresentadas no Caderno de Ensino: formação continuada, Ano 2, número 4;
assim como nas obras de Cezar Luiz Pasold, Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas
úteis ao pesquisador do Direito e Valdir Francisco Colzani, Guia para Redação do Trabalho
Científico.

A presente monografia se encerra com as Considerações Finais, nas quais são


apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos
estudos e das reflexões sobre a responsabilidade civil dos profissionais da saúde,
especialmente os médicos.

Com este itinerário, espera-se alcançar o intuito que ensejou a preferência por este
estudo: o aprimoramento das relações médico/paciente, com um aporte de conhecimento mais
amplo ao paciente, parte hipossuficiente nas intervenções médicas contemporâneas.

14
Sobre os “Métodos” e “Técnicas” nas diversas fases da pesquisa científica, vide PASOLD, Cesar Luiz.
Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 99-125.
15
Quanto às “Técnicas” mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e
ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 61-71, 31- 41, 45- 58, e 99-125, nesta ordem.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL

Este capítulo inicial da monografia é dedicado à responsabilidade civil, traçando um


breve histórico, abordando seu conceito, classificação e amparo legal no direito brasileiro.

A responsabilidade civil é daqueles temas que mais despertam a argúcia dos


estudiosos, tamanha sua complexidade e influência nos mais diversos ramos do direito. A
idéia central de que a cada dano provocado a alguém decorre um imediato dever reparatório
tem alavancado profícuos estudos sobre o tema.

Da responsabilidade civil respinga-se o dano indenizável, cerne aliás, do instituto, e


daí, todo um leque de situações e peculiaridades. Há, nessa raia, que se falar em danos
materiais, e aí inserindo danos emergentes e lucros cessantes. Ainda polêmica, é a matéria dos
danos morais e, com estes, os danos estéticos e as possibilidades de cumulação.

À frente, fala-se dos danos pessoais, com aporte constitucional conquanto se buscou
conservar o corpo humano de qualquer violência e degradação. Os danos morais são
examinados, constituindo tema de especial relevância e complexa caracterização, eis que
atingem também o patrimônio do ofendido, só tem um patrimônio especial, “imaterial”,
representado pelos bens e valores íntimos mais caros ao ser humano.

Os danos morais violentam a esfera interior da pessoa, causando-lhe sentimento de


dor, frustração, inquietude, angústia e aflição. O acolhimento dos danos morais pela doutrina
e jurisprudência tem no reconhecimento dos direitos de personalidade a pedra de toque.

Não havendo no ordenamento jurídico brasileiro qualquer tarifação para chegar-se a


um quantum para cada espécie de dano moral e valor íntimo atingido, a apuração resta
relegada ao prudente arbítrio do julgador da causa.

É nesse ínterim que critérios como as circunstâncias e peculiaridades do caso concreto,


a situação econômica do ofendido e do ofensor, a repercussão do fato, eventual contribuição
ou participação da vítima para a eclosão do dano e, ainda, as medidas adotadas pelo ofensor
para tentar remediar ou reduzir seus efeitos, ganham importância na formação de um quantum
indenizatório adequado a cada caso.
16

2.1 DESLOCAMENTOS HISTÓRICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

É cediço o conhecimento de que entre os romanos se disseminaram as primeiras linhas


do instituto da responsabilidade civil, ainda que, à época, não existisse diferença entre esta e a
responsabilidade penal, dado que ambas constituíam uma pena imposta ao causador do dano.
Com efeito, o instituto da responsabilidade civil emergiu da atividade cotidiana dos pretores e
jurisconsultos romanos, quando da análise de casos particulares.

Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho

De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas


civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calçada na concepção da
vingança privada, por forma por certo rudimentar, mas compreensível do
ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido16.

Nos primórdios da humanidade, o fator culpa não era cogitado, sendo que o dano
provocava uma reação imediata do ofendido, sem regras ou limitações, dominando a chamada
vingança privada, onde o direito ainda era inexistente.

Nesta fase o mal era reparado através de outro mal. Mas é na Pena de Talião que a
responsabilidade civil tem firmadas suas mais consistentes raízes, na medida em que ali se
constou a fixação de determinado valor como forma de pena a ser prestada pelo ofensor a
vitima. Este mérito foi alçado pela Lei das XII Tábuas.

Bem a esse modo, é lícito dizer que a responsabilidade civil desenvolveu-se conjunta e
paulatinamente à transferência da vindica pessoal – a justiça pelas próprias mãos – para o
monopólio da justiça pelo Estado. Assim, a possibilidade de promover-se uma ação buscando
ressarcimento, escudada na responsabilidade civil, nasceu no instante em que o Estado avocou
para si a repressão dos ilícitos e a tarefa de promover a justiça.

No período romano, surgiu a distinção entre “pena“ e “reparação“, bem como


distinção entre delitos públicos e privados, onde estes a pena em espécie a qual o ofensor era
condenado se converta em favor da vítima, ao passo em que em relação aqueles o quantum
era recolhido aos cofres públicos, ficando o Estado com a incumbência do jus puniendi,
tomando lugar a responsabilidade civil ao lado da penal.

16
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: responsabilidade
civil. v. 3 São Paulo: Saraiva, 2003, p. 10.
17

Todavia, é no princípio aquiliano que surgem os contornos fundantes da reparação do


dano, conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves17:

É na Lei Aquilia que se esboça, afinal, um princípio geral regulador da


reparação do dano. Embora se reconheça que não continha ainda “uma regra
de conjunto, nos moldes do direito moderno”, era, sem nenhuma dúvida, o
germe da jurisprudência clássica com relação à injúria e, “fonte direta da
moderna concepção da culpa aquiliana, que tomou da Lei Aquilia o seu
nome característico”.

Aos poucos o Direito Francês foi aperfeiçoado as idéias românticas, estabelecendo


com nitidez um princípio geral da responsabilidade civil quando abandonou o critério de se
enumerar os eventos de composição obrigatória18.

Nesse período inseriram-se alguns princípios, os quais influenciaram outros povos,


consubstanciados no direito à reparação do dano sempre que houvesse culpa, ainda que leve,
onde havia separação da responsabilidade civil perante a vítima, da responsabilidade civil
perante o Estado.

A observação da negligência ou imprudência contratual, aflorando o princípio


aquiliano, ou seja, de que se havendo culpa, por mais leve que seja, obriga indenizar.

Abstratamente, no Código de Napoleão, foram inseridas diferenças entre culpa delitual


e culpa contratual, estabelecendo-se que a responsabilidade civil se fundava na culpa. Enfim,
a concepção da pena foi, gradativamente, sendo substituída pela noção de reparabilidade do
dano, vinda a ser incorporada pelo Código Civil de Napoleão.

Sob influência francesa, restou consolidado que a responsabilidade civil se fundava na


culpa, tendo presente que a culpa in abstracto e a distinção entre culpa delitual e culpa
contratual foram enxertadas no Código Napoleônico19.

O desenvolvimento da responsabilidade civil pelo Direito Francês respingou


influência nos demais ordenamentos jurídicos, que aí buscaram elementos para construírem as
suas bases da reparação do dano.

17
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil: de acordo com o Novo Código Civil (Lei n. 10.406.
de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva. 2003, p. 5.
18
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 6.
19
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 37.
18

Assim como informa Wladimir Valler (1993, p.12),

No Código Civil Italiano, o principio dominante é o de que todo fato doloso


ou culposo, que ocasione a outrem um prejuízo injusto, obriga ao que o
perpetrou a ressarcir o dano (art. 2043), abrindo uma única exceção no caso
de legítima defesa (art. 2044). O Código Civil Alemão proclama o principio
da reparabilidade civil por culpa (art. 823), embora admita algumas exceções
como no caso da responsabilidade do possuidor de animais (art. 833), além
de inúmeras leis especiais sobre transportes carris, veículos a motor etc. No
Código Civil Suíço, o princípio fundamental é o da culpa (art. 41), que pode
ser querida (dolos), ou causada por negligência (culpa), cuja gravidade influi
no quantum da indenização (art. 43)20.

O Brasil não ficou alheio às influências napoleônicas, tanto que as premissas francesas
nortearam a criação dos Códigos Civis de 1916 e de 2002, mormente embasadas na culpa
como razão para forçar a reparação do dano. Antes, porém, o Código Criminal de 1830
determinava que o delinquente devesse realizar a satisfação do dano causado à vítima (arts. 21
e 22), e esta satisfação deveria ocorrer da forma mais completa possível.

Dessa sorte é que, no dizer de José de Aguiar Dias,

Aí estavam estabelecidas: a reparação natural, quando possível, a garantia da


indenização (o legislador não hesitou em ir a extremos, na preocupação de
assegurá-la), a solução da dúvida em favor do ofendido, a integridade da
reparação (até onde é possível), a contagem dos juros reparatórios, a
solidariedade, a hipoteca legal, a transmissibilidade do dever de reparar e do
crédito de indenização aos herdeiros, a preferência do direito de reparação
sobre o pagamento das multas etc21.

Enfim, a separação da responsabilidade civil sempre ligada à penal, imposta, pois, pelo
Código Criminal, consolidou a noção de que a satisfação do dano causado pelo ilícito haveria
de estar enquadrada na legislação civil. Aí, portanto, a inescusável influência dos postulados
do Direito Francês para a construção das bases da responsabilidade civil no Direito Brasileiro.

De acordo com Carlos Roberto Gonçalves, “o Código Civil Francês, em que se


inspirou o legislador pátrio na elaboração dos arts. 159 e 1.518 do Código Civil de 1916,

20
VALLER, Wladimir. Responsabilidade Civil e Criminal nos Acidentes Automobilísticos. 4. ed. Tomo I.
Campinas: Julex, 1993, p. 12.
21
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil, p. 23.
19

correspondentes, respectivamente, aos arts. 186 e 942 do novo diploma, alude à faute como
fundamento do dever de reparar o dano”22.

Ao invés de referir-se simplesmente à culpa, o legislador pátrio preferiu a idéia de ato


ilícito como gerador da responsabilidade civil e a decorrente imposição de reparação do dano.
Assim, tanto no art. 15923 do Código Civil de 1916, quanto o art. 18624 do Código Civil de
2002, têm na prática do ato ilícito o fato deflagrador do dever indenizatório.

O ato ilícito, à luz da redação dada pelo art. 186 do novel diploma civil é complexo,
pelo que se faz oportuno trazer a lição de João Casillo, que demonstra com propriedade os
novos contornos da responsabilidade civil firmados no ordenamento jurídico brasileiro,
conforme:

O Código indica como dano reparável, isto é, indenizável, aquele decorrente


do prejuízo causado ou direito violado. Pretendesse o legislador vincular a
noção de dano apenas às hipóteses onde houvesse prejuízo no sentido de
diminuição patrimonial, não teria incluído a expressão violar direito.
Bastaria dizer que aquele que causasse prejuízo ficaria obrigado a repará-lo.
[...] O direito à indenização nasce quando seja causado o prejuízo ou
simplesmente violado o direito. [...] Basta a violação, a ofensa ao direito,
para que a proteção jurídica referente à reparação imediatamente nasça,
independentemente de outra cogitação25.

Com arrimo na idéia de que o ato ilícito gera o dever reparatório, disciplinou também
o Código Civil vigente que, igualmente comete ato ilícito aquele que, exercendo um direito,
comete excesso26, assim considerado quando desdobra dos limites impostos pelo fim
econômico ou social daquele direito, ou mesmo, quanto invade perniciosamente e abala a
seara da boa-fé e dos bons costumes. Segundo o enunciado 37, aprovado na Jornada de
Direito Civil da CEJ da CJF, a “responsabilidade civil decorrente do abuso do direito
independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”.

22
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 9.
23
“Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar
prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade
regulam-se pelo disposto neste Código, artigos 1518 a 1532 e 1537 a 1553”.
24
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
25
CASILLO, João. Dano à pessoa e sua indenização. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 53.
26
“Art. 186. também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestante os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
20

De toda sorte, a responsabilidade civil é um instituto tão dinâmico quanto às próprias


relações sociais e jurídicas que a ela se reportam, razão pela qual sua evolução é constante e
infindável. As inovações decorrentes da própria necessidade humana fizeram com que as
teorias criassem aspectos e afeições variadas, merecendo destaque a chamada teoria do risco,
que veio substituir a teoria da culpa, onde a responsabilidade prescinde da culpa, sendo
analisada de forma objetiva.

Num momento mais atual, a concepção de responsabilidade objetiva se apresenta sob


duas formas, a teoria do risco e a teoria do dano objetivo, neste último em que a obrigação de
reparar o dano prescinde de culpa. Sobremodo no direito brasileiro, a pedra de toque da
responsabilização hodierna funda-se nas nuanças da responsabilidade civil objetiva, aquela
que independe de culpa, fundada na teoria do risco e atribuída, sobremaneira ao Estado e, com
o novel diploma civil, a situações específicas previstas em lei (art. 927, parágrafo único, CC).

2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL

O termo responsabilidade se origina do latim res-pondere, que significa segurança ou


garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado, ou recomposição, de obrigação de
restituir ou ressarcir.

Como já foi abordado anteriormente, na era romana não existia distinção entre
responsabilidade civil e penal, sendo a compensação pecuniária uma pena imposta ao
causador do dano. Somente a partir da Lex Aquilia começou a haver uma leve distinção.
Ainda que a responsabilidade continuasse a ter conotação penal, a indenização pecuniária
tornou-se a forma de punição quando o ato cometido e que causado dano a outrem não era
classificado como crime.

A responsabilidade civil a ser estudada no presente trabalho decorre de uma ação ou


uma omissão, quer seja culposa quer seja dolosa, e que gera como conseqüência um prejuízo a
outrem.

É este o princípio de toda a teoria da responsabilidade, ou seja, aquele que impõe ao


causador do dano (prejuízo) a obrigação de repará-lo, buscando, sempre que possível,
devolver o bem ofendido ao statu quo ante.

Giorgio Giorgi apud Caio Mario da Silva Pereira conceitua a responsabilidade civil
como “a obrigação de reparar mediante indenização quase sempre pecuniária, o dano que o
21

nosso fato ilícito causou a outrem”27. O que traz a idéia mais aproximada de responsabilidade
civil é a obrigação, o que denota que tudo aquilo que se relaciona à responsabilidade ou outros
vocábulos cognatos, exprimem a idéia de equivalência de contraprestação.

Mesmo diante dos inúmeros desdobramentos das espécies de responsabilidade,


conforme o campo em que se apresenta o problema enfrentado, seja na moral, nas relações
jurídicas, seja ela de direito público ou de direito privado, conclui-se que a responsabilidade
se liga a todos os domínios da vida social.

Saliente-se que, o que importa é quando o agente viola uma norma ou obrigação da
qual “se vê exposto às conseqüências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em
medidas que a autoridade encarregada de velar pela observação de preceito lhe imponha,
providências essas que podem ou não estar previstas”28.

A responsabilidade civil envolve, antes de tudo o dano, o prejuízo, o


desfalque, o desequilíbrio ou descompensação do patrimônio de alguém. E,
por isso, sem a ocorrência de um dano, não há que se falar em
responsabilidade civil, pois consiste ela, como explica Vedel, “na obrigação
imposta, em certas condições, ao autor de um prejuízo, de repará-lo quer em
natura, quer em algo equivalente”29.

Para completar a idéia de responsabilidade civil, reporta-se às palavras de Paul Duez


apud Rui Stoco:

A responsabilidade que denominaremos civil, ainda que o termo se presta a


alguma ambigüidade, para distingui-la dos aspectos precedentemente
indicados, é referente aqui à ordem patrimonial. Um caso de
responsabilidade civil supõe, antes de tudo, um equilíbrio econômico a ser
restabelecido entre dois patrimônios30.

Entretanto, mister tratar o fator gerador da responsabilidade civil, qual seja o ilícito, a
fim de estabelecer a origem da obrigação de indenizar o dano praticado pelo agente à sua

27
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 4.
28
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 91.
29
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 2. ed.
São Paulo: Revista dos tribunais, 1995, p. 325.
30
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e
jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 93.
22

vitima. Rui Stoco31, reportando-se aos ensinamentos de Carlos Alberto Bittar, cita em nota
que:

O ser humano, porque dotado de liberdade de escolha e de discernimento,


deve responder por seus atos. A liberdade e a racionalidade, que compõem a
sua essência, trazem-lhe, em contraponto, a responsabilidade por suas ações
ou omissões, no âmbito do direito, ou seja a responsabilidade é corolário da
liberdade e da racionalidade. Impõe-se-lhe, no plano jurídico, que responda
(do latim “spondeo” = “responder a”, “comprometer-se”, corresponder a
compromisso, ou a obrigação anterior”) pelos impulsos (ou ausência de
impulsos) dados no mundo exterior, sempre que estes atinjam a esfera
jurídica de outrem. Isso significa que, em suas interações na sociedade, ao
alcançar direito de terceiro, ou ferir valores básicos da coletividade, o agente
deve arcar com as conseqüências sem o que impossível seria a própria vida
em sociedade. Nasce, assim, então, a teoria da responsabilidade, que se
espraia por dois campos distintos, consoante os bens jurídicos ofendidos e o
respectivo vulto na escala de valores do direito posto: o civil e o penal.
Nestes, certas ações são definidas como “crimes” ou “contravenções”,
sujeitando o agente a sanções, especialmente de caráter pessoal, cercados de
sua liberdade, mescladas ou substituídas, por vezes, por imposições
patrimoniais. Naquele, o agente pode ser compelido, pelo prejudicado, a
reparar o dano causado, restaurando o equilíbrio que sua ação rompeu. A
idéia central, inspiradora dessa construção reside no princípio multissecular
do “neminem laedere” (a ninguém se de vê lesar), uma das expressões
primeiras do denominado “ direito natural”.

A responsabilidade civil constitui, destarte, a obrigação pela qual o agente fica adstrito
a reparar o dano causado a terceiro. Na origem desta figura está a noção de desvio de conduta,
de forma que a teoria da responsabilidade civil foi construída para alcançar as ações
praticadas em contrário ao direito.

Explica o ilustre doutrinador Carlos Alberto Bittar apud Rui Stocco, que “com efeito,
das ações que interessam ao direito, umas são conformes, surgindo, daí, os „atos jurídicos‟, de
um lado, e os „ atos ilícitos‟, de outro, estes produtos apenas de obrigação para os agentes”32.

Quanto aos atos ilícitos, a doutrina tem assente que, são aqueles praticados com desvio
de conduta, em que o agente se afasta do comportamento médio do chamado bonus pater
família (bom pai de família), ou seja, o exemplo de cidadão romano a ser seguido pela
sociedade, devendo por isso submeter-se o lesante à obrigação de satisfazer o dano causado a
outrem.

31
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, p. 48-49.
32
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, p. 49.
23

Além disso, é pacífico na doutrina que somente são considerados atos ilícitos aqueles
resultantes de ação consciente, devendo juntar-se à antijuridicidade, cumprindo perquirir-se a
vontade do agente. A culpa lato sensu é, nesse caso, o fundamento da responsabilidade.

Desta forma, para que haja ato ilícito, mister se faz a conjugação dos seguintes fatores:
a existência de uma ação; a violação da ordem jurídica; a imputabilidade; a penetração da
esfera de outrem.

Seguindo a conclusão de Carlos Alberto Bittar apud Rui Stoco:

Desse modo, deve haver um comportamento do agente, positivo (ação) ou


negativo (omissão), que, desrespeitando a ordem jurídica, cause prejuízo a
outrem, pela ofensa a bem ou a direito deste. Esse comportamento
(comissivo ou omissivo) deve ser imputável à consciência do agente, por
dolo (intenção) ou por culpa (negligência, imprudência, ou imperícia),
contrariando, seja um dever geral do ordenamento jurídico (delito civil), seja
uma obrigação em concreto (inexecução da obrigação ou de contrato)33.

Esse comportamento gera, para o autor, a responsabilidade civil, que traz como
consequência, a imputação do resultado à sua consciência, traduzindo-se, na prática, pela
reparação do dano ocasionado, conseguida, normalmente, pela sujeição do patrimônio do
agente, salvo quando possível a execução específica.

Por outras palavras, é o ilícito configurado como fonte geradora da responsabilidade.


Deve, pois, o agente recompor o patrimônio (moral ou econômico) do lesado, ressarcindo-lhe
os prejuízos acarretados, à custa do seu próprio, desde que presente a subjetividade no ilícito.

A demais, é unânime a doutrina no sentido de que não pode haver responsabilidade


sem prejuízo causado pelo agente é o dano.

Enfim, a caracterização da responsabilidade civil, na linha de construção da moderna e


mais abalizada doutrina, quando versando sobre a modalidade de responsabilidade subjetiva,
requisita a reunião de quatro fatores: a ação ou omissão, o dolo ou culpa do agente, o nexo de
causalidade e o dano experimentado pela vítima. De outra banda, a responsabilidade objetiva
prescinde da culpa ou dolo, mantendo-se necessário, porém, a reunião dos outros três fatores.

33
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, p. 49.
24

2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL

Traçadas as primeiras linhas acerca da história e evolução da responsabilidade civil,


convém estabelecer as diferenças guardadas com a responsabilidade penal, que por vezes em
muito se aproximam, mas em outras tantas se afastam diametralmente.

A confluência, e mesmo confusão entre responsabilidade civil e penal tem sede no


direito humano, consoante já se explanou alhures, conquanto toda forma de compensação não
passava de uma imposição de pena ao ofensor. A Lex Aquilia teve mérito de imprimir a
primeira distinção entre estas modalidades de responsabilidade, ainda que o tenha feito de
forma leve.

Nesse sentido, colhe-se a oportuna lição de José de Aguiar Dias apud Carlos Roberto
Gonçalves:

Para efeito de punição ou de reparação, isto é para aplicar uma ou outra


forma de restauração da ordem social é que se distingue-se: a sociedade
toma à sua conta aquilo que a atinge diretamente, deixando ao particular a
ação para restabelecer-se, à custa do ofensor, no statu que anterior à ofensa.
Deixa, não porque se impressione por ele, mas porque o Estado ainda
mantém um regime político que explica a sua não-intervenção.
Restabelecida a vítima na situação anterior, está desfeito o desequilíbrio
experimentado34.

O limiar dessa distinção reside, pois, no reflexo operado pelo ato ilícito do ofensor. Ou
seja, se o dano tem reflexo em bens jurídicos elegidos pelo direito como de interesse público,
importantes a toda a coletividade, há de incidir repressão estatal, e, logo, está-se diante da
responsabilidade penal.

De outro giro, quando os efeitos daquele dano não ultrapassam a esfera de um núcleo
mínimo de particulares ofendidos, tem-se a responsabilidade civil, com a qual fica ao alvedrio
da vítima buscar a prestação jurisdicional.

Para Rui Stoco “a responsabilidade penal pressupõe uma turbação social, determinada
pela violação da norma penal, sendo necessário que o pensamento exorbite do plano abstrato
para o material, pelo menos em começo de execução”35.

34
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 18.
35
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, p. 47.
25

Todavia tais situações são rigorosamente previstas em lei, tendo-se em voga o


princípio nulla poena sine lege. Dito isso, não é difícil perceber que a ação repressora do
Estado, em sede de responsabilidade penal, não se preocupa com os danos particulares,
mantendo-se atuante somente com relação aqueles danos de efeitos nefastos aos bens
jurídicos abstratamente eleitos como de interesse da coletividade.

Com efeito, a responsabilidade penal está para uma infração de norma de direito
público, onde o direito lesado é da sociedade, ao passo que a responsabilidade civil está para a
lesão do direito de particulares, dando azo a que o ofendido pleiteie ou não a reparação.

Ensina Carlos Roberto Gonçalves que se o ofensor, ao causar um dano,

Transgride também, a lei penal, ele se torna, ao mesmo tempo, obrigado civil
e penalmente. E, assim, terá de responder perante o lesado e a sociedade,
visto que o fato danoso se revestiu de características que justificam o
acionamento do mecanismo recuperatório da responsabilidade penal36.

Há que se consignar, ainda que, a responsabilidade civil distingue-se da penal, porque


esta última é intransferível (art. 5°, XLV, Constituição Federal) 37. Já na malha da
responsabilidade civil, atualmente ocorre de maneira um pouco diferente.

Segundo Carlos Alberto Gonçalves,

A regra actori incumbit probatio aplicada à generalidade dos casos, sofre


hoje muitas exceções, não sendo rigorosa como no processo penal. Na
responsabilidade civil não é o réu mas a vítima que, em muitos casos, tem de
enfrentar entidades poderosas como as empresas multinacionais e o próprio
estado. Por isso, mecanismos de ordem legal e jurisprudencial têm sido
desenvolvidos para cercá-la de todas as garantias e possibilitar-lhe a
obtenção do ressarcimento do dano38.

Não se pode olvidar, contudo, que por vezes a responsabilidade civil e penal
coincidem, proporcionando as respectivas ações, isto é, a ação penal pela sociedade
promovida pelo Estado; e a ação de reparação, promovida pela vítima.

36
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 20.
37
“XLV – Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação o dano e a decretação do
perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do
valor do patrimônio transferido”.
38
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 18.
26

Enfim, das diferenciações entre responsabilidade civil e penal resulta que a primeira
visa reprimir o dano ao particular objetivando restabelecer o equilíbrio privado que fora
abalado pelo ato ilícito do ofensor; enquanto, por seu turno, a responsabilidade penal tem o
escopo de restabelecer a harmonia social, realizando repressão aqueles ilícitos nocivos aos
valores coletivamente relevantes.

2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA

A legislação brasileira vigente adotou a teoria subjetiva da responsabilidade civil


como regra geral, como assim dispõe Código Civil Brasileiro: “Art 186. Aquele que, por ação
ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. A teoria subjetiva é também conhecida
por teoria da culpa, pois a culpa é o fundamento do dever de indenizar, Conforme Carlos
Roberto Gonçalves,

Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na idéia de


culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto do dano
indenizável. Dentro dessa concepção, a responsabilidade do causador do
dano somente se configura se agiu com dolo de culpa39.

A culpa, também para a jurisprudência, é o elemento subjetivo fundamental inserto na


teoria subjetiva da responsabilidade civil, como assim se vê:

INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS E MATERIAIS


RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA – ÔNUS DA PROVA
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE CULPA. Para a configuração da
responsabilidade civil subjetiva, faz-se mister a comprovação da culpa do
réu pelo autor, eis que restando ausente o elemento subjetivo e ao revés,
comprovada a sua não contribuição para o evento, isento está o dever de
indenizar (TAMG –AC 0327328-3/2000- 4ª C.Cív. – Rel. Juiz Alvimar de
Ávila – J. 18.04.2001).

Diante disso, a responsabilidade civil subjetiva é a regra geral. Contudo, em algumas


hipóteses, o Código Civil Brasileiro adota a teoria objetiva, ou seja, aquela que independe da
comprovação de culpa.

39
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 21.
27

Afirma Sílvio de Salvo Venosa

A responsabilidade civil objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente


pode ser aplicada quando existe lei expressa que a autoriza. Portanto, na
ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva,
pois esta é a regra geral no direito brasileiro40.

Sob tal prisma, cumpre então considerar que na responsabilidade civil objetiva não há
a necessidade de comprovação ou investigação da ocorrência de culpa, bastando para sua
aplicação a configuração do dano e do nexo causal entre a ação e o resultado obtido.
Diferencialmente do que ocorrerá nos casos em que se configura a responsabilidade civil
subjetiva, pois nesta faz-se relevante a verificação da culpa, para decorrer sua aplicação.

Ainda que em regra geral adota-se a teoria da responsabilidade subjetiva, o direito


brasileiro, em alguns casos, recepciona a teoria objetiva, isto é, aquela que independe de
culpa. A mesma é inerente a situações especiais impostas pela lei, como é o caso do parágrafo
único do artigo 927 do Código Civil Brasileiro, que assim prevê:

Art.927. [...]
Parágrafo único, Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de
culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem.

Exatamente por prescindir da culpabilidade, é a responsabilidade objetiva também


conhecida por responsabilidade sem culpa. Nos casos de responsabilidade objetiva não se
exige prova da culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é
presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível, por que a responsabilidade se funda no
risco (objetiva propriamente dita ou pura)41.

Tem-se a responsabilidade objetiva, além das hipóteses expressamente previstas em


lei, naquelas situações em que da atividade desenvolvida pelo autor do dano normalmente
implicar em risco a outrem, em razão de sua natureza. A adoção da tese de responsabilidade
objetiva pelo novo Código Civil, ainda que em situações mais restritas, constitui um
alargamento dos próprios contornos de responsabilidade civil no ordenamento jurídico
brasileiro.

40
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 15.
41
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 21.
28

Assim, na seara da responsabilidade civil objetiva a matéria é vista pelo viés do dano
causado, e não pela ação do agente causador. De acordo com Guilherme de Castro:

Em vários casos, a opção legislativa, será não a de pôr em relevo a falha de


comportamento, mas sim o dano, atento primordialmente à necessidade
reparatória. Em tais casos, pode o ato ser ilícito, pode ou não haver conduta
culposa, porém, aferido o necessário liame jurídico entre conduta e dano,
existe obrigação de indenizar42.

Vale dizer que, por adotar a responsabilidade civil a teoria do risco, na sua maior
expressão, é substituída a ação ou omissão do agente pela presunção de um constante agir sob
risco, representado pela natureza da atividade desempenhada.

Emerge, nesse liame, a derivação da teoria do risco-proveito, em que, segundo Alvino


Lima, “a teoria do risco não se justifica desde que não haja proveito para o agente causador do
dano, porquanto, se o proveito é a razão de ser justificativa de arcar o agente com os riscos, na
sua ausência deixa de ter fundamento a teoria”43.

A vertente da teoria do risco que não exige um proveito por parte do causador, por
outro lado, assenta-se na esteira de que quem desenvolve determinada atividade e, em razão
desta, terceiros são expostos a riscos, deve indenizá-los na eventualidade de um dano,
independentemente de ter com culpa ou não neste caso especial.

Com relação à responsabilidade civil objetiva, a jurisprudência já entendeu que:

RESPONSABILIDADE CIVIL NO ESTADO – PROVA- INDENIZAÇÃO


– DENUNCIAÇÃO – a Responsabilidade civil do Estado é objetiva, não
necessitando de culpa – Provado o fato, o dano e o nexo causal, surge o
dever de indenizar – A responsabilidade do servidor, todavia, necessita que
seja demonstrado a culpa ou o dolo [...] (TJSP –Ap. Cível 78.962-5. Rel.
Peinado. 01 dez.1998).

Notoriamente, a melhor expressão da responsabilidade civil objetiva é a estatal


Portanto, nos dizeres de Kiyoshi Haranda:

A responsabilidade civil do Estado, por atos comissivos ou omissivos de


agentes, é de natureza objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa,
Neste particular, houve uma evolução da responsabilidade pública, isto é,

42
CASTRO, Guilherme de. A Responsabilidade Objetiva no Direito Brasileiro. 2ª. ed. Rio de janeiro.
Forense, 1997, p. 29.
43
LIMA, Alvino. Culpa e Risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 198.
29

responsabilidade objetiva. Esta teoria, é a única compatível com a posição do


Poder Público ante seus súditos, pois, o Estado dispõe de uma força
infinitamente maior que o particular44.

Fica evidenciado, assim, que as pessoas de direito privado, em alguns casos, igualam-
se, em termos de responsabilidade civil, com os entes públicos, o Estado. São esses casos de
responsabilidade civil objetiva aqueles definidos pelo novo Código Civil, nos arts. 927,
parágrafo único, 932, 936, 937 e 938.

Nota-se que a responsabilidade civil objetiva tem origem num fato lesivo a terceiros,
independentemente de culpa, Nesse sentido, para Caio Mário da Silva Pereira:

A jurisprudência e com ela a doutrina, convenceu-se de que responsabilidade


civil, fundada na culpa tradicional não satisfaz para a solução de numerosos
casos. A exigência de provar a vítima o erro de conduta do agente deixa o
lesado sem reparação, em grande numero de casos, com esta conotação, a
responsabilidade, segundo a corrente objetivista, deve surgir exclusivamente
do fato45.

Portanto, a diferença da responsabilidade subjetiva, com a objetiva, é que nessa basta


configurar-se o dano e o nexo causal, ou seja, o prejuízo e a relação de causa e efeito. A
recente jurisprudência do STF andou nesse sentido:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 2. Morte de detento por colegas de


carceragem. Indenização por danos morais e materiais. 3. Detento sob a
custódia do Estado. Responsabilidade objetiva. 4.Teoria do Risco
Administrativo. Configuração do nexo de causalidade em função do dever
constitucional de guarda (art. 5°, XLX). Responsabilidade de reparar o dano
que prevalece ainda que demonstrada a ausência de culpa dos agentes
públicos. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (STF-RO
272.839-0(510) – 2ª T. – Rel. Min. Gilmar Mendes – DJU 08 abr. 2005).

Por isso mesmo, a responsabilidade civil objetiva é atrelada, especialmente, à teoria do


risco.

2.4.1 RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

O dano, decorrente do ato ilícito, pode ser provocado por uma pessoa a outra em
decorrência de descumprimento de um contrato havido entre as partes, ou, por outro lado,

44
HARADA, Kiyoshi. Responsabilidade Civil do Estado. In: BUCCI, Mário César (Org.). Estudos de
Responsabilidade Civil: doutrina, jurisprudência e prática. São Paulo: Ícone, 2003, p. 543.
45
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, p. 267.
30

independentemente de existir um contrato. Cinge-se aí a dicotomia entre a responsabilidade


civil contratual e extracontratual.

A responsabilidade civil contratual é aquela que deriva de um contrato. É disciplinada


pelo Código Civil Brasileiro, em seus artigos 166 e 184. Sobre ela, declara Silvio de Salvo
Venosa: “sucede que, na responsabilidade contratual, a culpa surge de forma definida, mais
clara, porque existe uma descrição de obrigação pré-existente no negócio jurídico, que foi
descumprido”46.

A jurisprudência é farta sobre o ato ilícito decorrente do descumprimento contratual,


tendo-se a exemplo:

DIREITO CIVIL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS EM VIRTUDE


DE ACIDENTE OCORRIDO COM PASSAGEIRA DE ÔNIBUS-
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL – PRESCRIÇÃO – APLICAÇÃO
DO ART. 177 DO CÓDIGO CIVIL E NÃO DO ART. 27 DO CDC.I – A
Hipótese retratada nos autos, acidente com passageira de transporte coletivo,
não diz com vício ou defeito de segurança do serviço. Não há como se possa
enquadrar a imperícia, imprudência ou negligência do preposto da recorrida,
fundamento da ação reparatória, nesse contexto. II –A responsabilidade do
transportador é contratual e o direito que se persegue é de natureza pessoal,
regido, portanto, pela norma do art. 177 do Código Civil, não se aplicando o
artigo 27 do CDC [...] (STJ – RESP 234725 – Proc.1999.00.93719-8 – RJ –
3 T. Rel. Waldemar Zveiter –DJ DATA 20.08.2001).

ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CONTRATUAL – CASO


FORTUITO – EMPREITADA – CULPA CONTRATUAL – Responde o
empreiteiro pela solidez da obra, máxime quando comprovada a má
execução. Hipótese em que não aperfeiçoado o caso fortuito, em razão da
previsibilidade e da evitabilidade do sinistro. A fiscalização da execução e o
recebimento do objeto do contrato, qualquer que seja a sua espécie, não
excluem a responsabilidade do contrato pela solidez da obra (CC, art. 1.245).
(TRF 4ª R. – AC 95.04.51278-0 e 95.04.59257-0 –RS – 3ª T. – Rel. Juiz
Paulo Afonso Brum Vaz – Unânime – DJU 22.09.1999, p.560).

MANDATO – PRESTAÇÃO DE CONTAS – DEVER LEGAL


OBRIGAÇÃO NÃO CUMPRIDA – JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA
– TERMO INICIAL – INCIDÊNCIA A PARTIR DO
DESCUMPRIMENTO – RECONHECIMENTO – APLICAÇÃO DA
SÚMULA 43, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – Não tendo o
mandatário cuidado de repassar à mandante, prontamente, como lhe cabia, os
valores recebidos em seu nome, tal comportamento constitui ilícito
contratual, de onde decorre a sua responsabilidade pela reparação das perdas
e danos, consistentes na correção monetária e nos juros de mora. (2TACSP –

46
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, p. 25-26.
31

Ap.c/Ver.624.510-00Q1-7ª Câm – Rel. Juiz Antonio Rigolin – (DOESP


03.05.2002).

Percebe-se que a responsabilidade civil contratual pressupõe a existência de vínculo


jurídico entre as partes. Para Savatier apud Rui Stoco, “é certo que a responsabilidade
contratual se funda na autonomia da vontade, ao passo que a responsabilidade extracontratual
independe dela”, e “na culpa contratual há um dever positivo de adimplir o que é o objeto da
avença”47.

Se a responsabilidade não tem origem num contrato, ela é extracontratual, também


conhecida por aquiliana ou delitual. Essa teoria é abraçada pelo art. 186 do Código Civil
Brasileiro. “Quando a responsabilidade não deriva de um contrato, mas de infração ao dever
de conduta (dever legal) imposto genericamente no art. 186 do mesmo diploma, diz-se que ela
é extracontratual ou aquiliana”48.

Sobre as diferenças marcantes entre responsabilidade contratual e extracontratual


destaca-se que:

A primeira, e talvez mais significativa, diz respeito ao ônus da prova. Se a


responsabilidade é contratual, o credor só está obrigado a demonstrar que a
prestação foi descumprida. O devedor só não será condenado a reparar o
dano se provar a ocorrência de algumas das excludentes admitidas na lei [...]
No entanto se a responsabilidade for extracontratual, a do art. 186 [...], o
autor da ação é que fica com ônus de provar que o fato se deu por culpa do
agente [...] Outra diferenciação que se estabelece entre a responsabilidade
contratual e extracontratual diz respeito às fontes de que promanam.
Enquanto a contratual tem sua origem na convenção, a extracontratual tem
na inobservância do dever genérico de não lesar, de não causar dano a
ninguém [...]49.

A responsabilidade extracontratual pressupõe a coexistência do agir culposo do


agente, o nexo de causalidade e o dano. Bem a esse modo têm se posicionado os tribunais,
como se vê no seguinte julgado:

APELAÇÃO CÍVEL, ARRENDAMENTO MERCANTIL AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CADASTRAMENTO EM
ÓRGÃOS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO, São pressupostos da
responsabilidade civil extracontratual culposa, o nexo causal e o dano.

47
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 137.
48
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: responsabilidade civil. v.6. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 11.
49
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 27-28.
32

Pressupostos verificados, no caso concreto; Para a fixação do dano devem


ser consideradas a extensão do dano causado, a situação patrimonial e a
imagem do causador do dano, a situação patrimonial do lesado e a intenção
do autor do dano. Apelo e recurso adesivo desprovidos (TJRS-APC
700059762 – 14ª C.Civ. Rel. Des. Sejalmo Sebastião de Paula Nery. Julg.
25.11.2004).

2.5 RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO, DO NOVO CÓDIGO


CIVIL E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Hodiernamente, no Direito Brasileiro, a responsabilidade civil se socorre das


influências constitucionais e infraconstitucionais. Nesta última parcela, situam-se o novo
Código Civil (Lei n. 10.406/2002) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90).

A Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso X estatui que “são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Com essa postura, o
legislador constituinte originário impôs a reparabilidade de um dano como direito
fundamental inescusável ao indivíduo. O feito, não se pode negar, traz ínsito o
reconhecimento da responsabilidade civil pela própria Constituição. Não é difícil reconhecer
que o texto constitucional traz aí, em grande parcela, a idéia de responsabilidade civil
subjetiva, carecendo, pois, que se identifique a culpa do ofensor na violação daqueles direitos
fundamentais tutelados no inciso X, do art. 5°, sem exclusão, por óbvio, de tantos outros
similares e de mesma natureza.

Não se conteve aí, entretanto, a Norma Ápice. Foi mais profícua, é verdade, ao cuidar
da responsabilidade civil com relação à Administração Pública. Não por acaso, o art. 37, § 6°,
dispõe que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. É
a confirmação da teoria da responsabilidade civil do Estado.

Nessa ótica, o Estado responde objetivamente, vale dizer, independentemente de


culpa, perante terceiros e, após, buscará o ressarcimento do agente provocador do dano, mister
alcançável somente se, aí sim, demonstrada a culpa do dolo.
33

Segundo ensinamento de Hely Lopes Meirelles50, são basicamente três correntes


doutrinárias que explicam e sustentam a responsabilidade objetiva do Estado:

a) a teoria da culpa administrativa;

b) a teoria do risco administrativo;

c) a teoria do risco integral.

Com efeito, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1998 adotou a teoria


do risco administrativo, pois o dano causado ao administrado decorre da atividade
desenvolvida pelo Estado, não sendo concebível pugnar por culpa administrativa. Irrelevante
a culpa, a resolução volta-se à apuração da ação ou omissão estatal, o nexo de causalidade e a
existência de um dano.

De acordo com Caio Mário da Silva Pereira, “se o funcionamento do serviço público,
bom ou mau não importa, causou um dano, este deve ser reparado. Desta sorte, distribuem-se
por toda a coletividade as conseqüências danosas do funcionamento do serviço público. É a
forma única democrática de repartir o ônus e encargos sociais”51.

A responsabilidade civil estatal prevista constitucionalmente, entretanto, não se filia à


corrente do risco integral, pois admite o Estado eximir-se do dever de indenizar se demonstrar
que o dano tenha sido causado por culpa ou dolo da vítima.

Aliás, a não ser assim, e admitir a teoria do risco integral para balizar a
responsabilidade civil do Estado, “por essa fórmula radical, a Administração ficaria obrigada
a indenizar qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da
vítima”52.

A jurisprudência tem estado atenta a essa dicotomia entre risco administrativo e risco
integral e demonstra que prevalece a primeira, tanto que:

RESPONSABILIDADE CIVIL DE MUNICIPIO – RESPONSABILIDADE


OBJETIVA, Inexistência de ofensa ao artigo 37, § 6°, da Constituição, uma
vez que o acórdão recorrido, embora aludindo à responsabilidade objetiva do
Estado nos moldes da teoria do risco integral, em verdade se orientou pela

50
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros 1993, p. 556.
51
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, p. 7.
52
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 556.
34

teoria do risco administrativo, sustentando a inexistência de culpa exclusiva


da vítima, e sendo certo que, no caso, não havia caso fortuito ou de força
maior. E até foi além, afirmando, em face da prova, a culpabilidade
concorrente do Município. Recurso extraordinário não conhecido. (STF –RE
238453-SC- 1ª Turma - Rel. Min. Moreira Alves - DJU 19.12.2002).

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL.


1.Contaminação de pacientes hemofílicos com o vírus da AIDS em hospital
da rede pública. 2. Responsabilidade civil do Estado. Teoria do Risco
Administrativo. Condenação com base em laudo pericial. 3. Reexame de
fatos e provas. Inviabilidade. Sumula 279. 4. Agravo regimental a que se
nega provimento. (STF – Ag. Reg. no RE 363.999-4 – Rel. Min. Gilmar
Mendes – DJU 25.04.2003).

Entretanto, não somente ao dispor sobre a Administração Pública a Constituição


cuidou da responsabilidade civil. O fez também quando institui a competência da união para a
exploração de serviços e instalações nucleares (art. 21, XXIII, impondo que “a
responsabilidade civil por danos nucleares independente da existência de culpa “(art.21.
XXIII, d). Este aspecto peculiar é, em verdade, uma recente inovação no texto constitucional
promovida pela Emenda Constitucional n. 49, de 08 de fevereiro de 2006.

Convém dizer, ao cabo, que a Constituição não se esmerou no trato da


responsabilidade civil, até porque o instituto não é matéria que deva receber tratamento
exaustivo da Carta Política. Mas é inegável que, conquanto tenha o legislador constituinte
primado pela defesa dos direitos fundamentais, lançou mão de pertinentes expedientes de
responsabilidade civil, seja em seu matiz subjetivo (art. 5°, X) ou objetivo (art. 21, XIII, d;
art. 37, § 6°).

A par das sutis disposições constitucionais sobre o instituto em comento, coube, então,
à legislação infraconstitucional conferir o tratamento adequado à responsabilidade civil,
impingindo-lhe os contornos e condições necessárias à sua perfectibilização no mundo dos
fatos.

E como não poderia ser de forma diversa, é o Direito Civil que regula a matéria adrede
à exaustão, cuidando da responsabilidade subjetiva e objetiva e contratual e extracontratual.
Para Rodrigo Xavier Leonardo, “a responsabilidade contratual é fundamentada nos art. 389 a
35

405, enquanto a responsabilidade civil extracontratual é prevista nos arts. 186 a 188, bem
como nos arts. 927 a 954, todos do novo C.C.”53.

Os evidentes relevos da responsabilidade civil contratual fixados pelo Código Civil


podem ser visualizados, a exemplo, nos seguintes artigos:

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos,
mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente
estabelecidos, e honorários de advogado.
Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do
devedor.
Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa do contratante
a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos
contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as
exceções previstas em lei.

O Código Civil ao cuidar da responsabilidade extracontratual firma-se na base dúplice


do ato ilícito ou violação de direito. É que a conjugação dos arts. 186 e 187, não simplesmente
o ilícito deflagra um dever indenizatório, mas também o abuso de direito.

Senão, veja-se:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou


imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Não há, entretanto, pela ótica do Código Civil vigente, ato ilícito capaz de impor um
dever indenizatório, quando forem os atos “praticados em legítima defesa ou no exercício
regular de um direito reconhecido” (art. 188, I) ou quando “a deterioração ou destruição da
coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente” (art. 188, II).

Mas a regulação civilista traçada nos arts. 186 a 187 é insuficiente para modelar a
responsabilidade civil no ordenamento jurídico contemporâneo. Por isso, o codex
complementos substanciais no art. 927 e ss., conquanto introduz também os Postulados da
responsabilidade objetiva.

53
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Responsabilidade Civil contratual e extracontratual: reflexões metodológicas
em face do novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Privado, n. 19. São Paulo, Revista dos Tribunais.
Jul/set. 2004, p. 261.
36

O art. 927, caput, é o complemento automático e indispensável da responsabilidade


civil objetiva, pois é este dispositivo que impõe o dever de reparar o dano causado pelo
ofensor. O art. 944 dispõe que a indenização é apurada pela extensão do dano, e, seu
parágrafo único denota a importância da culpa para a teoria subjetiva a que se filiou como
regra geral o Código Civil, ao estabelecer que “se houver excessiva desproporção entre a
gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”.

Não há dúvida de que a culpa é o “imã centralizador de uma noção geral de


responsabilidade”54, de tal sorte que “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento
danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em
confronto com a do autor do dano”(art. 945, CC).

Nas raias da responsabilidade objetiva, por sua vez, o tom é capitaneado pelo
parágrafo único do art. 327 do Código Civil, assim: “haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem”.

Eis a responsabilidade objetiva, antes afeta aos atos estatais, agora incrustada no
Direito Civil, passando a reger determinadas situações entre particulares. A razão dessa nova
postura do legislador reside na adoção da teoria do risco criado, diante da complexidade das
relações sociais e jurídicas hodiernamente experimentadas pelas pessoas e, também, no
reconhecimento de que somente a teoria da culpa, por inúmeras vezes, cria situações em que
se tem presente e visível o dano, demonstrado o nexo de causalidade com a ação ou omissão
do agente, mas o insucesso na prova da culpa, faz parecer o direito à reparação.

Segundo Leonardo de Faria Beraldo, “Georges Ripert, ao se referir à Teoria do Risco


criado, explica muito bem que „não é por ter causado o risco que o autor é obrigado à
reparação, mas sim por que o causou injustamente, o que não quer dizer contra o Direito, mas
contra a Justiça”55.

54
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Responsabilidade Civil contratual e extracontratual, p. 265.
55
BERALDO, Leonardo de Faria. A responsabilidade civil no parágrafo único do art.927 do Código Civil e
alguns apontamentos do Direito comparado. Revista de Direito Privado, n.20. São Paulo, Revista dos
Tribunais, out./dez.2004, p. 218.
37

A sistemática do Código Civil, firmando o caráter de exceção da responsabilidade


objetiva, fixa que a reparação independerá de culpa nos casos especificados em lei ou quando
a atividade desenvolvida, por sua própria natureza, implicar em risco a terceiros.

Disso, em artigos mais adiante do próprio Código Civil, já cuidou o legislador de


estabelecer alguns “casos especificados em lei” em que incide a responsabilidade civil
objetiva. Assim o é, segundo dispõe o art. 932, para:

a) os pais com relação aos filhos menores sob sua guarda ou companhia (inciso I);

b) tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas


condições (inciso II);

c) o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no


exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele (inciso III);

d) os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por


dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hospedes, moradores e educandos (inciso
IV);

e) os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a


concorrente quantia.

Também responde de forma objetiva o dono do animal que causar danos a terceiros,
desde que inocorrente a culpa da vítima (art. 963). Igualmente está abarcado pela
responsabilidade objetiva “o dono de edifício em construção responde pelos danos que
resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta”
(art. 937) e “Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das
coisas que delem caírem ou forem lançadas em lugar indevido”.

São apenas algumas das situações previstas no próprio Código Civil vigente que
reclamam a responsabilidade civil objetiva, mas que não excluem as demais outras previsões,
no mesmo sentido, existentes na legislação extravagante.

Por fim, cumpre aduzir que a responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro
recebe um acréscimo especial da legislação consumerista, diploma legal do micro sistema
jurídico das relações de consumo que impôs como regra geral, ao contrário do Código Civil
tenha revogado o Código de Defesa do Consumidor, pois, como explica Leonardo de Faria
Beraldo, “quando o dispositivo [do Código Civil] menciona que haverá obrigação de reparar o
38

dano, nos casos especificados em lei, nos parece evidente que o legislador quis deixar claro
que as leis especiais continuam em vigor, tais como o Código de Defesa do Consumidor”.

Veja-se que, sem adentrar no texto da legislação consumerista no CDC, o art. 931 do
Código Civil já prevê que “ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários
individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos
produtos postos em circulação”. Nesse sentido, de acordo com o entendimento cristalizado, o
enunciado n°. 42 da Jornada de Direito Civil - CEJ da CJF (11 a 15/02/2002) “o art. 931
amplia o conceito de fato do produto existente no art. 12 do Código de Defesa do
Consumidor, imputando responsabilidade civil à empresa e aos empresários individuais
vinculando á circulação dos produtos”. Supletivamente Enunciado n°. 190 da mesma jornada
de Direito Civil informa que “a regra do art. 931 do novo CC não afasta as normas acerca da
responsabilidade pelo fato do produto prevista no art. 12 do CDC, continuam mais favoráveis
ao consumidor lesado”.

A responsabilidade pelo fato ou produto prevista no Código de Defesa do Consumidor


é, inarredavelmente, objetiva. O diploma consumerista assim dispõe:

Art. 12. O fabricante, o produto, o construtor, nacional ou estrangeiro, e


importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela
reparação causada aos consumidores por defeito decorrentes de projeto,
fabricação construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou
acondicionamento de seus produtos, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo
anterior, quando:
I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser
identificados.
II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante,
produtor, construtor ou importador.
III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá
exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua
participação na causação do evento danoso.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, indiretamente da existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes
ou inadequados sobre sua fruição e riscos [grifou-se]

Explica Fabrício Castagna Lunardi que:


39

A responsabilidade civil, na sistemática do direito do consumidor, ultrapassa


as fronteiras da culpa, encontrando supedâneo na solidariedade social, base
de uma responsabilidade sem culpa. O verdadeiro escopo dessa evolução é a
preocupação de assegurar melhor justiça distributiva, de modo que o
prejuízo causado a um consumidor seja suportado por toda a sociedade56.

Tem-se por adequada a adoção pelo Código de Defesa do Consumidor da


responsabilidade civil objetiva a reger as relações de consumo, isso porque o código faz
emergir a hipossuficiência econômica do consumidor, do que faz decorrer que as medidas
previstas na legislação para regular as relações com fornecedores de produtos e prestadores de
serviços tenham em conta a disparidade entre as partes. Razão maior pela qual instituiu o
mecanismo da “inversão do ônus da prova” (art. 6°, VIII).

No CDC, a responsabilidade objetiva perfilha a Teoria do Risco, na medida em que


atribui à empresa (fornecedor, prestador de serviços, ou entre entes a estes assemelhados) o
dever automático de reparar, pois decorrente da assunção dos riscos e resultados advindos do
exercício da atividade econômica. Conclui Fabrício Castagna Lunardi, que o legislador
consumerista brasileiro de responsabilidade, à qual o referido autor denomina de
responsabilidade legal. E diz: “Essa responsabilidade legal dos fornecedores tem como
fundamento a Teoria da Qualidade, segundo a qual a lei imporia a toda a cadeia de
fornecedores um dever de qualidade dos produtos que são colocados no mercado e dos
serviços que são prestados”57.

A responsabilidade objetiva abrigada no CDC é tema recorrente na jurisprudência


atual, conforme os seguintes resultados:

AÇÃO ORDINÁRIA INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL.. Aquisição


de veículo por sistema de financiamento direto ao consumidor, Pagamento
de prestação direta na conta-corrente do banco apelante, ao invés de
utilização do carnê. Obrigação do banco em perquirir a natureza do depósito
e não, apressada a descuidadamente, promovera negativação dos
contratantes com a inserção dos seus nomes Serasa, mesmo após
comprovado o pagamento da parcela do financiamento. Tipificação do dano
moral. Ato ilícito, vício do serviço (art. 18 do CDC), nexo de causalidade
entre o fato e o dano. A responsabilidade que emerge das reinações de
consumo é objetiva (art.12, cdc), cristalizada a jurisprudência na diretiva de

56
LUNARDI, Fabrício Castagna. A Responsabilidade Civil do Fornecedor por Vícios dos Produtos no
Código de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1045,12 maio 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8267>. Acesso em: 15 mai. 2009.
57
LUNARDI, Fabrício Castagna. A responsabilidade civil do fornecedor por vícios dos produtos no Código
de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1045,12 maio 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8267>. Acesso em: 15 mai. 2009
40

aplicação do codex consumerista às atividades bancárias. [...] TJBA – AI


3042102004 -4° C.Civ. –Rel. Dês. João Augusto A. De Oliveira Pinto – (J
27.04.2005).
CONSUMDOR – SAQUE INDEVIDO EM CONTA CORRENTE –
CARTÃO BANCÁRIO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO
FORNECEDOR DE SERVIÇOS – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA –
Debate referente ao ônus de provar a autoria de saque em conta corrente,
efetuado mediante cartão bancário, quando o correntista, apesar de deter a
guarda do cartão, nega a autoria dos saques. Reconhecida a possibilidade de
violação do sistema eletrônico e, tratando-se de sistema próprio das
instituições financeiras, ocorrendo retirada de numerário da conta corrente
do cliente, não reconhecida por este, impõe-se o reconhecimento da
responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço, somente passível de ser
ilidida nas hipóteses do § 3° do art. 14 – do CDC. Inversão do ônus da prova
igualmente facultada, tanto pela hipossuficiência do consumidor, quanto pela
verossimilhança das alegações de que não efetuara o saque em sua conta
corrente. Recurso não conhecido. (STJ – Resp. 557030- RJ – 3° T. – Relª
Min. Nancy Andrighi – DJU 01.02.2005).
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA.
RESPONSABILIDADE DO CONSUMIDOR. – E de consumo a relação
entre o vendedor da máquina agrícola e a compradora que a destina a sua
atividade no campo. – Pelo vício de qualidade do produto respondem
solidariamente o fabricante e o revendedor (art. 18 do CDC). (STJ – Resp
142042 – 1997/0052889-8 – 4ª T. – Min. Ruy Rosado De Aguiar – DJU
19.12.1997, p.67510).

De toda sorte, se por um lado a regra geral eleita pelo Código de Defesa do
Consumidor é ser a responsabilidade civil objetiva, por outro carrega a exceção da
responsabilidade civil subjetiva abrigando os profissionais liberais.

Nesse esteio, “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada


mediante a verificação de culpa” (art. 14, § 4°). Para a jurisprudência:

Ação ordinária de indenização por danos materiais e morais. Inversão do


ônus da prova indeferida. Decisão correta – CDC (art.14, 4, CDC).
Profissional liberal – Exceção a responsabilidade objetiva do prestador de
serviços. Recurso improvido. 1- O ônus da prova e da parte autora em ação
que busca indenização por danos materiais e morais na qual se alega culpa
por médico na prestação de serviços, exceção prevista no4 do artigo 14 do
Código de Defesa do Consumidor, afastada a responsabilidade objetiva. 2-
“... O encargo assumido pelo médico configura obrigação de meio – E só por
exceção constituíra obrigação de resultado. O desdobramento, quanto ao
ônus da prova, e que, nesta última, ao paciente/vítima incumbira apenas
demonstrar que o resultado não foi alcançado – E ao médico competira a
prova de um fato que o exima da responsabilidade. Quanto a primeira, a
vítima devera fazer prova de que o médico não agiu com o grau de diligência
razoável e houve descumprimento culposo” (Kfouri Neto, Miguel, in “
responsabilidade civil do médico”, 3 edição, p.65 1998, RT) (TAPR – AI
0248237-5 – Ac. 18091 – 7ª C. Civ. – Rel. Juiz Miguel Pessoa – J.
18.02.2004 – DJPR 05.03.2004).
41

A razão para esta exceção é que, via de regra, o profissional liberal não presta um
serviço de resultado, mas tão-só de meio, por isso não abarcado pelas disposições do art. 3°, §
2°, tampouco na regra do art. 20, ambos do CDC. A contratação do profissional liberal, diga-
se uma vez mais, envolve a atividade de meio, e não um resultado certo e determinado. Para
os profissionais liberais, portanto, vige a forma de responsabilidade civil subjetiva, do que
decorre a necessidade de demonstrar a culpa no desenvolvimento da atividade profissional
para haver uma reparação.
3 DANOS

3.1 CONCEITUAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO DANO

A existência do dano é pressuposto inescusável da configuração da responsabilidade


civil. O dano, pois, sempre careceu de unívoca definição, sendo alvo das mais acirradas
discussões doutrinárias. Nas próprias origens do Direito Romano o dano variava de
significações.

Antônio Lindbergh C. Montenegro mostra que:

No Direito moderno o conceito de dano continua vário. Para uns, o dano não
reside na lesão material do bem, como na destruição de um objeto ou a morte
de um homem, mas na diminuição patrimonial que dela deriva alguém
(Differenztheorie). Outros assinalam que o dano significa a lesão de qualquer
interesse jurídico, donde proclama autorizada doutrina alemã que dano e
interesse são a mesma coisa (Schden und Interesse sind idenish)58.

De toda forma, o dano apresenta-se como um prejuízo ao universo de circunstâncias


favoráveis a pessoas, sejam aqueles de cunho material ou imaterial, corpóreo ou incorpóreo.
De acordo com Rui Stoco, “em sentido estrito, o dano será a lesão do patrimônio, entendido
este como o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro”59.

Com propriedade, Carlos Roberto Gonçalves, ensina que “enquanto o conceito


clássico de dano é o de que constitui ele „uma diminuição do patrimônio‟, alguns autores o
definem como a diminuição ou subtração de um „bem jurídico‟, para abranger não só
patrimônio, mas a honra, a saúde, a vida, suscetíveis de proteção”60.

Portanto, irrompe o sistema jurídico com um ilícito que dá azo ao reclame de uma
compatível indenização.

58
MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Ressarcimento de Danos Pessoais e Materiais. 6. ed. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 1999, p. 6.
59
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, p. 934.
60
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 529.
43

Da palavra de Sebastião Geraldo de Oliveira, colhe-se que:

O comportamento ilícito não produz efeitos no âmbito da responsabilidade


civil, haja vista que para se obter a indenização será imprescindível
comprovar que houve também a lesão de algum direito da vítima. A relação
do art. 186 do Código Civil exige a concomitância dos dois requisitos :
violar direito e causar dano a outrem61.

Forçoso reconhecer, ademais, que pela própria dicção do Código Civil, não mais se
cogita que um dano atina unicamente a desfalque patrimonial material, pois nítido que o dano,
ainda que unicamente moral, será igualmente considerado um ilícito passível de reparação.

A expressão indenizar que se move atrelada aos danos, revela na verdade a intenção de
deixar-se livre do dano, tornar ao statu quo ante. Vale dizer: devolver a situação indene, sem
dano, sem prejuízo.

Nessa seara é que floresce a noção da extensão do dano, na medida em que o escopo
último é recompor os fatos da vida a uma situação como se não houvera o dano. Todavia, em
muitas oportunidades esse feito não mais se galga, pelas próprias limitações materiais da
recomposição dos prejuízos ou pela natureza do bem jurídico, do interesse ou do direito
ferido.

Impossibilitada a recuperação e devolução ao statu quo ante, procura-se, pela


indenização, compensar aquele prejuízo. Reside aí, pois, a já assentada concepção de que o
dano, sob a ótica de sua extensão há de abarcar tudo aquilo que fez o ofendido perder, como
também tudo aquilo que impediu, ao mesmo tempo, que o ofendido pudesse auferir. Eis,
assim, as figuras dos danos emergentes e lucros cessantes, regra adotada e referendada pelo
Código Civil atual em seu art. 402.

Não toda espécie de menoscabo ganha relevância jurídica. Importa ao direito, e


notadamente à responsabilidade civil, o dano indenizável, isto é, um dano efetivo que faça
decorrer uma obrigação indenizatória por parte do ofensor, constituindo, pois, requisito
indissociável da obrigação de indenizar. É bem verdade que o conceito de dano é largo e
abrangente, todavia alguns requisitos são essenciais para que se torne pertinente para
descobrir e atribuir a responsabilização indenizatória a quem lhe deu causa.

61
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. São
Paulo: LTr, 2005, p. 109.
44

É exigível, portanto, que seja o dano certo, atual e subsistente. De acordo com Carlos
Roberto Gonçalves, “nem todo dano é ressarcível, mas somente o que preencher os requisitos
de certeza e atualidade”62.

A regra básica da reparação dos danos é a evidência de um prejuízo real e certo. O


requisito da certeza afasta a possibilidade de reparação de um dano duvidoso, hipotético,
imaginado ou eventual.

Não escapam à regra da atualidade os lucros cessantes, ainda que os efeitos sejam
sentidos no futuro, é forçoso ver que o dano que importe em interrupção de lucros irá refletir
de forma a impedir ou reduzir o rotineiro e razoável incremento patrimonial da vítima.

Também se observa a valência do requisito da certeza nos lucros cessantes, pois,

[...] não basta a simples possibilidade de realização do lucro, embora não


seja indispensável a absoluta certeza e que este se teria verificado sem a
interferência do evento danoso. O que deve existir é uma probabilidade
objetiva que resulte do curso normal das coisas, como se infere do advérbio
não significa que se pagará aquilo que for razoável (idéia quantitativa) e sim
que se pagará se puder, razoavelmente, admitir que houve lucro cessante
(idéia que se prende à existência mesma do prejuízo)63.

Nessa raia, não basta que, para a caracterização dos lucros cessantes, exista uma mera
possibilidade; é imperioso que, também nestes casos, exista uma consistência de certeza.
Assim ensina Rui Stoco: “o critério acertado está em condicionar o lucro cessante a uma
probabilidade objetiva resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos às
circunstâncias peculiares ao caso concreto”64.

O dano, para ser indenizável, carece ainda de ser subsistente, isto é, somente
permanece o dever indenizatório, e assim se coaduna e se justifica, enquanto o dano não tenha
sido ressarcido, reparado, compensado ou indenizado.

Enfim, o dano indenizável há de ser atual, certo e subsistente. Não dá azo a


indenizações o simples perigo ou ameaça de dano.

62
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 530.
63
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 530.
64
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, p. 935.
45

3.2 DANOS MATERIAIS

O dano material, que também comumente é denominado de dano patrimonial, é aquele


que atinge bens patrimoniais do ofendido do quais se possam apurar uma precisa expressão
em dinheiro. Afetam, por tudo, tanto bens corpóreos quanto incorpóreos que integram a
expressão econômica de determinado patrimônio.

Reproduz-se, no mais das vezes, pelas perdas e danos que a vítima experimentou, e,
também, por aquela expectativa de ganhos e acertos que foi frustrada.

Por isso, o dano material, de acordo com Antonio Lindbergh C. Montenegro, “implica
a obrigação de responder o ofensor pelo dano emergente e pelo lucro cessante”65.

Colhe-se a seguinte lição com Arnaldo Marmitt:

O dano material ou patrimonial atinge os bens do patrimônio do cidadão. O


vocábulo bens ai tem a compreensão mais ampla possível, envolvendo os
objetos corpóreos e incorpóreos, sempre avaliáveis em pecúnia. O dano
patrimonial lesa bens apreciáveis pecuniariamente. Sua definição é dada em
contraposição ao dano moral, que prejudica valores sem específico teor
econômico. No dano patrimonial a pessoa é lesada no que tem, e no dano
moral a pessoa é lesada no que é. Mas em termos clássicos o dano material
equivale a uma diminuição no patrimônio, entendido esse como um conjunto
de relações jurídicas apreciáveis pecuniariamente66.

O cerne jurídico-legal da reparabilidade dos danos materiais é firmado pelo art. 402 do
Código Civil vigente: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos
devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente
deixou de lucrar”. Com efeito, inútil é falar-se em danos materiais se não se considerar ai os
danos emergentes e os lucros cessantes, espécies do gênero maior “perdas e danos”.

Tratando-se de bens corpóreos, aí considerados os bens móveis (art. 82 usque 84, CC)
e bens imóveis (art. 80 e 81, CC), a diretriz primeira dos danos materiais encontra abrigo no
art. 952 do Código Civil vigente, que possui a seguinte redação: “Havendo usurpação ou
esbulho do alheio, alem da restituição da coisa, a indenização consistirá em pagar o valor das
suas deteriorações e o devido a título de lucros cessantes; faltando a coisa, dever-se-á
reembolsar o seu equivalente ao prejudicado”.

65
MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Ressarcimento de Danos Pessoais e Materiais, p. 153.
66
MARMITT, Arnaldo. Perdas e Danos. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p. 14.
46

Para Antonio Lindbergh C. Montenegro, ainda que o dispositivo legal em comento


fale da usurpação e esbulho, “é bem de ver que o conteúdo encerra uma grande latitude, de
molde a ampliar-se a todos os casos onde haja a presença de um prejuízo resultante do ato
ilícito, seja pela privação do uso da coisa, seja pela sua destruição”67.

O dano material que atine a bens corpóreos se expressa tanto pelo uso que faz
depreciar o conteúdo econômico da coisa, como também pela distribuição ou inutilização,
conferindo ao legítimo proprietário a pretensão de haver do lesante o valor comercial da coisa
além dos danos suportados pela privação do bem ou pela falta do gozo da coisa durante todo o
lapso que dela ficou afastado.

Para os casos de perda ou destruição do bem, o Código Civil possui regra específica
no parágrafo único do art. 952, sendo válido transcrevê-la: “Para se restituir o equivalente,
quando não exista a própria coisa, estimar-se –á ela pelo seu preço ordinário e pelo de afeição,
contanto que este não se avantaje aquele”.

A repercussão do dano material no patrimônio da vítima apresenta-se na forma de uma


diminuição da expressão econômica do conjunto de bens reunidos e afetos à pessoa.
Abarcados nesse contexto, estão os danos emergentes e os lucros cessantes.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves:

Dano emergente é o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela


vítima. [...]. Representa, pois, a diferença entre o patrimônio que a vítima
tinha antes do ato ilícito e ou passou a ter depois. Lucro cessante é a
frustração da expectativa de lucro. É a perda de um ganho esperado68.

Explica-se, a partir dessa concepção de dano emergente, porque a privação do uso da


coisa guarnece seu legítimo proprietário de uma pretensão indenizatória. É nítida e inegável,
nesse aspecto, a provocação de um dano emergente, pois tirada a coisa ou obstada de seu
aproveitamento, o conjunto patrimonial do lesado é arrefecido, pois passa a ser menor do que
quando no pleno uso da coisa.

De outro modo, em sede de danos materiais, mormente em se tratando de danos


emergentes, o principio regente é do statu quo ante, pois a toda forma de danificação,
obstrução , degradação ou depreciação do evento danoso.

67
MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Ressarcimento de Danos Pessoais e Materiais, p. 154.
68
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 629.
47

É certo, também, que quanto mais demore a se recompor o patrimônio do ofendido,


mas se faz necessário que, quando impossível devolver a coisa, ou uma idêntica a ela quando
se tratar de bens fungíveis, há de se incluir no valor de recomposição, a atualização monetária.

Alerta Antonio Lindbergh C. Montenegro que “a atualização de valores é um dos


aspectos mais interessantes que sobressai nesta questão. A não-observância desse principio
importa gritante injustiça”69.

O Supremo Tribunal Federal, aliás, por meio da súmula 562, consolidou o seguinte
entendimento: [...] “na indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe a
atualização de seu valor, utilizando-se, para esse fim, dentre outros critérios, dos índices de
correção monetária”.

Para Arnaldo Marmit:

Em se tratando de perdas e danos produzidos em bens móveis, ao ofensor


competirá recompor os prejuízos sofridos pelo lesado, com o pagamento do
valor atual das coisas. O vencedor na causa não pode ser compelido a
suportar o ônus da desvalorização, mas sim o vencido, o causador do dano70.

Tratando-se da coisa que danificada, possa ser reparada e entregue à vítima, não só seu
conserto é suficiente para ressarcir por completo o dano experimentado. É preciso levar em
conta a depreciação (desvalorização) sofrida. A depreciação da coisa, e que deve ser levada
em conta no cômputo do dano indenizável, é todo atributo negativo que torna desmerecido o
bem para fins de uso próprio ou para disposição mediante contraprestação econômica da
coisa, seja para locação ou alienação.

Convém acrescer, ainda, que no bojo da depreciação para efeitos de danos,


patrimoniais, há de se levar em conta aqueles ilícitos que provoquem um menoscabo
econômico ao atingirem bens incorpóreos de igual ou ainda maior importância econômica que
os bens físicos componentes de um conjunto patrimonial.

Essa afirmação ganha vulto quando se cuida de relações comerciais, onde a marca de
produtos e o renome de que goza determinada empresa denotam o pernicioso contra-valor que
a depreciação da imagem lhe acarreta. A jurisprudência tem estado atenta a essas questões
peculiares, como se vê nos seguintes julgados:

69
MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Ressarcimento de Danos Pessoais e Materiais, p. 159.
70
MARMITT, Arnaldo. Perdas e Danos, p. 78.
48

DIREITO COMERCIAL E PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL-


AÇÃO DE CONHECIMENTO SOB O RITO ORDINÁRIO –
PROPRIEDADE INDUSTRIAL – MARCA – CONTRAFAÇÃO – DANOS
MATERIAIS DEVIDOS AO TITULAR DA MARCA- COMPROVAÇÃO
– PESSOA JURÍDICA – DANO MORAL – Na hipótese de contrafação de
marca, a procedência do pedido de condenação do falsificador em danos
materiais deriva diretamente da prova que revele a existência de contrafação,
independentemente de ter sido, o produto falsificado, efetivamente
comercializado ou não. Nesses termos considerados, a indenização por danos
materiais não possui como fundamento tão-somente a comercialização do
produto falsificado, mas também a vulgarização do produto, a exposição
comercial (ao consumidor) do produto falsificado e a depreciação da
reputação comercial do titular da marca, levadas a cabo pela prática de
falsificação. A prática de falsificação, em razão dos efeitos que irradia, fere o
direito à imagem do titular da marca, o que autoriza, em conseqüência, a
reparação por danos morais. Recurso especial a que se dá provimento (STJ-
REsp.466761 –RJ – 3° T. – Relª Minª Nancy Andrighi DJU 04.08.2003).

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. USO DE MARCA REGISTRADA NO


INPI EM NOME DE OUTRA EMPRESA. Prazo prescricional de cinco anos
que se conta a partir do conhecimento do ilícito. Artigo 178, Pag.10 IX, do
antigo Código Civil. Marcas idênticas que causam confusão ao consumidor,
em especial, por atingir o mesmo grupo de pessoas. Aplicação do artigo 5,
XXIV, da CRFB/88 e 129, da Lei n. 9.279/96. Indenização dos danos
materiais. Dano moral não comprovado. Recurso conhecido e, em parte,
provido. (TJRJ –AC 56212004 – 8° C.Civ. – Rel. Dês. João Carlos
Guimarães – J. 28.09.2004).

Demonstrado, portanto, que danos materiais mostram-se devidos igualmente quando


os bens atingidos são incorpóreos, porém precisamente apreciáveis em pecúnia, o que os
difere ao suficiente dos danos morais que, apesar de igualmente incorpóreos, carecem desse
norte de apreciação.

A razão para a composição dos danos materiais em face de bens incorpóreos da


natureza como aqueles expostos nos arestos acima reside, necessariamente, no fato de que o
produto e a marca constituem parte do patrimônio que possui a vitima, estando alheios à
esfera de valores que dizem o que ela é, mas sim compõem o que ela tem.

3.3 DANOS PESSOAIS

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao eleger a pessoa como


seu elemento orientativo, de onde e para onde irradiam todas as proteções e a quem foram
conferidos os mais variados e amplos direitos fundamentais, estatuiu a proteção e salvaguarda
da integridade física. O art. 5°, em seu inciso III já impõe que “ninguém será submetido à
tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, numa nítida e inescusável intenção de
49

afastar toda e qualquer violência à expressão física da pessoa humana protegida pela
Constituição, expressada, então, pelo corpo.

Tamanha a proteção que a integridade física recebeu do legislador constituinte que,


mesmo os apenados, que tiveram sua liberdade tolhida pela imposição de uma pena, não serão
molestados em sua feição física e moral, pois “é assegurado aos presos o respeito à
integridade física e moral” (art. 5°, XLIX).

O corpo, aliás, enquanto representação do gênero humano, é inapreciável


pecuniariamente, não podendo ser objeto de relações mercantis de qualquer gênero.

Alcandorada à categoria de direito de personalidade, a integridade física, que importa


na inviolabilidade do corpo humano, ganha ares de indisponibilidade quase absoluta.

A exceção é tão-somente a legal, trazida pelo art. 13 do Código Civil: “Salvo por
exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição
permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes” excetua, ainda o Código
Civil, que o corpo humano pode ser disposto para fins de transplantes de órgãos, todavia
jamais a título oneroso, obedecidos os regramentos da Lei n. 9.434/97.

Outra exceção é consignada pelo art. 14 do mesmo diploma: “É válida, com objetivo
cientifico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte para
depois da morte”.

A integridade física é, ademais, um bem jurídico relevante para o Direito Penal,


bastando ver as disposições do Código Penal acerca dos crimes contra a pessoa, notadamente
àqueles afetos à lesões corporais (art. 129, CP), os atinentes aos perigos criados para a vida e
à saúde (Art. 130 usque 136, CP).

Por tudo então que se disse, é inelutável concluir que a pessoa humana, por sua
representação corpórea, é abrangida por uma tutela ressarci tória que, segundo Antonio
Lindbergh C. Montenegro, “compreende a vida, a integridade corporal (bens físicos), a honra
e a liberdade (bens morais)”71.

71
MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Ressarcimento de Danos Pessoais e Materiais, p. 55.
50

Trata-se pois, dos danos pessoais, uma espécie sui generis que congrega danos
materiais, aqueles que violam o corpo e mutilam a integridade física, e danos morais, aqueles
que atentam aos valores que fazem o que a pessoa é.

Novamente com Antônio Lindbergh C. Montenegro, tem-se que “considera-se dano à


pessoa toda ofensa dirigida contra sua integridade física ou incolumidade moral, a acarretar-
lhe conseqüências desfavoráveis como entidade somática e psíquica”72.

A integridade física é parte do patrimônio de direitos personalísticos da pessoa, daí


porque permitido se indenize ofensas contra o corpo, no seu todo ou em partes suas. Assim é
que se pode falar de danos patrimoniais relativos à pessoa.

As ofensas à integridade física da pessoa desdobram-se, pois, nos danos estéticos e


danos morais, sendo válido dizer que danos pessoais constituem gênero de que lhe são
espécies muito particulares os danos morais e estéticos decorrentes do comprometimento
corporal do ofendido. Sobre estes (danos morais e estéticos), será dedicado acautelado estudo
ainda neste capítulo.

3.4 DANOS MORAIS

Atualmente não há mais espaço para a negação da existência de danos morais e, daí, o
conseqüente nascimento de uma legítima pretensão de indenização. É válido dizer que a
pessoa pode ser lesada tanto naquilo que possui quanto naquilo que é. Assim, a lesão naquilo
que a pessoa tem, afeta o seu patrimônio material, enquanto que o dano ao que a pessoa é, diz
respeito ao seu patrimônio imaterial – ou extra patrimonial como preferem alguns – intimo,
moral, personalístico.

Com efeito, apesar de o dano moral puramente considerado não afetar os bens físicos
(materiais) da vítima, não deixa de ser um dano igualmente ao patrimônio da pessoa. Assim
explica Rosa Maria Borriello de Andrade Nery:

Prefere-se o uso da expressão “patrimônio” com o sentido que abarca tudo


aquilo que é susceptível de se tornar objeto de direito, considerado como
“bens” tudo quanto possa ser desejado e cobiçado por homens e protegido e
tutelado pelo direito, quer se tratem de coisas materiais, que se tratem de

72
MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Ressarcimento de Danos Pessoais e Materiais, p. 55.
51

coisas imateriais, quer componham aquilo que, em linguagem coloquial se


usa para explicar como patrimônio moral de alguém73.

Entretanto, a definição, assim como a compreensão do conceito e abrangência dos


danos morais é das tarefas mais movediças a que têm se debruçado com afinco os mais
renomados juristas.

Nessa esteira, Carlos Roberto Gonçalves faz uma importante distinção:

O dano moral não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a


humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses
estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a conseqüência do
dano. [...]. O direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas
aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual
a vítima teria interesse reconhecido juridicamente74.

Não estando diretamente vinculado ao patrimônio pecuniário do ofendido, o dano


moral lesa a esfera íntima da pessoa, isto é, o seu patrimônio de bens e valores subjetivos. O
dano moral, nesse sentir, é um desvalor, um prejuízo provocado na vítima que a faz perder
dolorosamente algo de que aproveitava e completava sua integridade e serenidade psíquica.

De acordo com Rui Stoco, “significa, portanto, que o dano que se deve vislumbrar é
aquele que atinge a pessoa, nos seus bens mais importantes, integrantes do seu patrimônio
subjetivo”75.

Uma certeza, porém, que se pode ter em relação a danos morais é que seu conceito é
dúctil, flexível, influenciável e suscetível, estando em constante mutação conjuntamente às
mais sensíveis mudanças da sociedade.

Nesse aspecto, Sebastião Geraldo de Oliveira, citando André Gustavo Andrade, faz
ver que “o dano moral é um conceito em construção e com o desenvolvimento social e a
conseqüente evolução dos direitos da personalidade tende a ser ampliado para alcançar
situações hoje ainda não consideradas”76.

73
NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery. Dano moral e patrimonial: fixação do valor
indenizatório. Revista de Direito Privado, n. 21. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan/mar.2005, p. 15.
74
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 548.
75
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, p. 1666.
76
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. São
Paulo: LTr, 2005, p. 116.
52

A caracterização do dano moral, entretanto, pressupõe um abalo relevante e


significativo na vida da vítima, distanciando-se, pois, daqueles aborrecimentos passageiros do
cotidiano.

Por essa razão, Sergio Cavalieri Filho, aduz que só enseja a configuração de danos
morais “a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira
intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e
desequilíbrio em seu bem-estar”77.

Simples dissabores, irritações ou inquietações exageradas não dão azo a dano moral,
mesmo porque cada pessoa sente as punções do dia-a-dia de uma forma distinta, com maior
ou menor intensidade e importância.

A jurisprudência tem acompanhado esse entendimento, conforme dá conta os


seguintes julgados:

INDENIZAÇÃO POR DANOS – AGÊNCIA BANCÁRIA –


IMPEDIMENTO DA ENTRADA DE CARRINHO DE BEBÊ – DANO
MORAL – CARACTERIZAÇÃO – Inocorrência de ofensa à liberdade
individual da cliente na agência bancária, ou de quebra do princípio da
isonomia, pois todos os cidadãos estão sujeitos aos sistemas de segurança de
locais de acesso público, medida esta necessária até o resguardo da
segurança da própria autora. Na caracterização do dano moral se exige a
excepcionalidade, uma intensidade de sofrimento que não seja aquela
própria dos aborrecimentos corriqueiros de uma vida normal. (TRF4° R. –
AC 200070000314926 – PR – 4ª T. Rel. Dês. Fed. Edgard A. Lippmann
Junior – DJU 22.12.2004).

RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR


DANO MORAL. VENDA DE PRODUTO A VAREJO. RESTRIÇÃO
QUANTITATIVA. FALTA DE INDICAÇÃO NA OFERTA. DANO
MORAL. INOCORRÊNCIA. QUANTIDADE EXIGIDA
INCOMPATÍVEL COM O CONSUMO PESSOAL E FAMILIAR.
ABORRECIMENTOS QUE NÃO CONFIGURAM OFENSA A
DIGNIDADE OU AO FORO INTIMO DO CONSUMIDOR. 1. A falta de
indicação de restrição quantitativa relativa a oferta de determinado produto,
pelo fornecedor, não autoriza o consumidor exigir quantidade incompatível
com o consumo individual ou familiar, nem, tampouco, configura dano ao
seu patrimônio extra-material. 2. Os aborrecimentos vivenciados pelo
consumidor, na hipótese, devem ser interpretados como “fatos do cotidiano”,
que não extrapolam as raias das relações comerciais, e, portanto, não podem
ser entendidos como ofensivos ao foro intimo ou a dignidade do cidadão.

77
CAVALHIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.
78.
53

Recurso especial, ressalvada a terminologia, não conhecido, (STF – Resp


595734 –RS – 3ª T. – Rel. Min. Castro Filho – DJU 28.11.2005, p.275).

Uma vez mais, fica ao critério ponderado do juiz da causa interpretar se os calçados e
agruras suportadas pelo ofendido invadiram sua esfera íntima e lhe causaram danos morais
ou, se, de outro modo, ficaram apenas na órbita dos singelos aborrecimentos do cotidiano.

Também os danos morais possuem requisitos, que têm sido chancelados pela mais
atenta jurisprudência, não fugindo das regras gerais inerentes a todos os danos, fixadas pelos
arts. 186 e 927 do Código Civil. Convém, ver, a esse respeito, o seguinte aresto:

DANO MORAL – REQUISITOS – Para que o responsável pelo ato danoso


possa ser responsabilizado pelo evento, é imprescindível a comprovação de
alguns requisitos, a saber: a) que seja antijurídico o ato praticado ou o fato
acontecido; b) que este possa ser imputado a alguém; c) que dele tenham
resultado danos; d) que tais danos possam ser juridicamente considerados
como causadores pelo ato ou fato praticado. Se alguns desses requisitos não
ficar comprovado, impossível o deferimento da indenização (TRT 12ª R. –
RO-VA 003269/99 – AC 000105/00 – Rel. Juiz Edson Mendes de Oliveira
DJSC 17.01.2000).

Faz-se imperioso dizer, porém, que os danos morais são os que atingem direitos
relacionados à personalidade da vítima. São esses direitos, dos mais importantes e que
formam o espectro da dignidade da pessoa humana, que Carlos Roberto Gonçalves afirma
serem “inalienáveis, que se encontram fora do comércio, e que merecem a proteção legal”78.

O reconhecimento da categoria dos direitos de personalidade é, aliás, o grande


propulsor do acolhimento dos danos morais. Com a Constituição da Reública Federativa do
Brasil de 1988 e o Código Civil de 2002, os direitos de personalidade se consolidaram no
ordenamento jurídico brasileiro.

A Carta Magna os abriga mais expressamente em seu art. 5°, X, em que: “são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. O Código Civil
vigente, por sua vez, no art. 11: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos de
personalidade são intransmissíveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.

78
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 550.
54

O rol de direitos de personalidade que podem ser irrompidos por danos morais não é
exaustivo nas expressões utilizadas pela Constituição Federal e pelo Código Civil atual (art.
11) Nesse passo, Gustavo Tepedino preleciona:

Os preceitos ganham contudo significado se interpretados como


especificação analítica da cláusula geral de tutela da personalidade prevista
no Texto Constitucional nos arts. 1° III (a dignidade humana como valor
fundamental da República), 3° III (igualdade substancial), 5°, § 2°
(mecanismo de expansão do rol dos direitos fundamentais). A partir daí,
deverá o interprete romper com a óptica tipificadora seguida pelo Código
Civil, ampliando a tutela da pessoa humana não apenas no sentido de admitir
uma ampliação de hipóteses de ressarcimento, mas, de maneira muito mais
ampla, no intuito de promover a tutela da personalidade mesmo fora do rol
de direitos subjetivos previstos pelo legislador codificado79.

Os direitos de personalidade, e que disso não se descuide, formam a compleição aura


da dignidade humana conferida a cada indivíduo, não sendo dado a quem quer que seja
escarnecê-la.

A violação dos direitos de personalidade pelo dano moral opera como uma invasão
inopinada, irrefreável e irresistível, que faz fenecer as forças internas da vítima, lhe pondo a
sucumbir e subordinar-se a todo o mal que aquela agressão traga consigo. Por isso o caráter
odioso, repulsivo e repreensível de todo dano moral, porque ao ocorrer reduz a própria
condição humana da vítima ao lhe privar da compleição de seus mais caros direitos de
personalidade.

Há ainda, no dano moral, o aspecto da subtaneidade, visto que o evento danoso é


repentino e o que pode se prolongar no tempo são seus efeitos: a dor, a angustia, a inquietude,
sentimento de impotência, a baixa auto-estima etc.

O dano moral decorre, no mais das vezes, de um evento repentino, muitas vezes
constituindo-se e extinguindo-se a um só tempo, todavia impregnando seus efeitos na esfera
psíquica da vítima e postergando-os ao incerto.

79
TEPEDINO, Gustavo. Cidadania e direitos de personalidade. Revista Jurídica, n. 305, a. 51. Porto Alegre:
Síntese, 2003, p. 27.
55

Também é preciso fazer a diferenciação providencial entre o dano moral puro e dano
moral reflexo. Nesse sentido, ensina Araken de Assis:

[...] dano moral puro é aquele que se esgota na lesão à personalidade. È o


caso, por exemplo, do uso da imagem de alguém, expondo-a ao ridículo.
Mas há, em alguns casos, danos reflexo, resultante da interpolação do ilícito
no patrimônio, como é o caso, [...], a perda de clientela, em razão do
atentado à imagem. Neste último caso, se cuidará de dano patrimonial, não
de dano extra patrimonial80.

A noção, aqui, equivale muito àquela do dano direto e indireto nos prejuízos materiais.
De acordo com Pontes de Miranda apud Carlos Roberto Gonçalves, “se há repercussão de
ordem patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extra patrimonial”81.

3.5 DANOS ESTÉTICOS

O corpo humano recebe tratamento especial do direito. Reconhecido como integrante


dos direitos de personalidade, o direito ao corpo recebeu a tutela dos mais variados ramos do
direito. De início, a Constituição Federal, ao prever indenização por dano à imagem (art.5°,
X), elevou ao patamar de direitos fundamentais a preservação da integridade aparente do
corpo humano.

O Código Civil vigente, ao cuidar dos direitos de personalidade, fixa a


indisponibilidade corporal, adotando o corpo humano como bem jurídico de tal relevância que
nem mesmo a pessoa pode dele dispor a seu modo. A mesma idéia paira no Direito Penal, nos
crimes contra a vida.

O reconhecimento dos danos estéticos como uma nova categoria de danos é feito
recente e ainda provoca acirradas discussões quanto a sua natureza jurídica, mormente se é
tão-somente um desdobramento de danos materiais ou de danos morais.

Com efeito, ao que parece, o dano estético congrega características presentes nos
danos materiais e morais, sem, entretanto, pertencer a qualquer deles. Danos estéticos são
danos diferenciados e, como tal, merecem tratamento igualmente particular pelo direito.

80
ASSIS, Araken de. Indenização do Dano Moral. Revista Jurídica, n. 236. Porto Alegre Síntese, jun. 1997, p.
5.
81
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 548.
56

Sebastião Geraldo de Oliveira traz a seguinte contribuição:

Enquadra-se no conceito de dano estético qualquer alteração, como, por


exemplo, a perda de algum membro ou mesmo um dedo, uma cicatriz ou
qualquer mudança corporal que cause repulsa, afeiamento ou apenas
desperte a atenção por ser diferente82.

O aspecto relevante da lesão que converge ao dano estético é, particularmente, o


comprometimento desfavorável da harmonia física do ofendido.

Wilson Melo da Silva afirma que o dando estético é “qualquer modificação duradoura
ou permanente na aparência externa de uma pessoa, modificação esta que acarreta um
„enfeamento‟ e lhe causa humilhações e desgostos, dano origem, portanto a uma dor moral”83.

Afiliado, de certo modo, a esse entendimento, é que Sebastião Geraldo de Oliveira


acaba mencionando que o dano estético não seria uma nova espécie de dano, “mas de uma
especificidade destacada do dano moral, especialmente quando não produz repercussão de
natureza patrimonial, como ocorre no caso de um artista ou modelo”84.

Igualmente Rui Stoco, para quem: “o dano à estética pessoal é espécie do gênero dano
85
moral” .

Porém, para Maria Helena Diniz:

O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do


aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda
que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da
vitima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente
motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo
ou não influência sobre a capacidade laborativa86.

Ainda que o conceito de beleza seja bastante relativo, diferente de época para época,
de cultura para cultura, ao falar-se em dano estético fica evidente que se trata de dano à beleza
física da pessoa.

82
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, p.
173.
83
SILVA, Wilson de Melo. O dano estético. Revista Forense. n. 19. São Paulo: Forense, abr/jun, 1961, p. 25.
84
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, p.
127.
85
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, p. 1356.
86
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 16. ed. v. 7. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 73.
57

O dano estético, pois, decorre do comprometimento, diga-se mais, de alterações


indesejadas na fisionomia da vítima. O dano estético, enfim, representa a depreciação operada
na forma física da pessoa em comparação ao que era antes do evento danoso.

Amparado da doutrina de Teresa Ancona, Rui Stoco traz preciosos elementos para a
identificação do dano estético, sendo oportuno colacionar:

Aqui não se trata apenas das horripilantes feridas, dos impressionantes olhos
vazados, da falta de uma orelha, da amputação de um membro, das cicatrizes
monstruosas ou mesmo do aleijão propriamente dito. Para a responsabilidade
civil basta a pessoa ter sofrido uma “transformação”, não tendo mais aquela
aparência que tinha, ou seja, um desequilíbrio entre o passado e o presente,
uma modificação para pior.
O Segundo elemento, acrescenta, é a permanência ou, no mínimo, o efeito
danoso prolongado, alertando: “Pensamos que o dano estético passageiro
não é dano moral e sim dano material, facilmente indenizável e facilmente
superável”.
E conclui: “Para que exista dano estético é necessário que a lesão que
enfeiou determinada pessoa seja duradoura, caso contrário não se poderá
falar em dano estético propriamente dito (dano moral), mas em atentado
reparável à integridade física ou lesão física ou lesão estética passageira que
se resolve em perdas e danos habituais”87.

É importante reconhecer que de um mesmo evento danoso poderão decorrer


indenizações por danos materiais, morais e estéticos. Ainda que esses dois últimos em muito
se assemelhem, e grande parte da doutrina vê os danos estéticos como um desdobramento dos
danos morais, há entre eles diferenças, porque a indenização a cada título objetiva compensar
violações diferentes.

Uma diferença crucial que se ousa dizer entre danos morais e estéticos reside na
subtaneidade e prolongamento do evento danoso, daquele acontecimento que gera os efeitos
de dor moral, agonia, supressão da paz de espírito, angústia e um cem-número de tormentos.

O dano moral decorre de um evento único, súbito e concentrado num exíguo instante;
o que dali advém são suas conseqüências perturbadoras da mente e do estado psicológico da
pessoa, que vão, sabidamente, ao longo do tempo, esmaecendo.

O dano estético, por seu turno, ainda que provoque as mesmas sensações e inquietudes
que o dano moral puro, contém a particularidade de impedir o desaparecimento destes efeitos,
pois enquanto persistirem as lesões, estará avivando no íntimo da pessoa aquelas

87
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, p. 1356.
58

perturbações, agindo como se reativasse e provocasse a cada instante o dano físico sofrido
pela vítima.

Dizendo de outro modo, o dano estético, consubstanciado pela extensão e longevidade


das lesões, escoriações, aleijão e deformidades, impede a pessoa de esquecer o acidente que
lhe vitimou; bem como expõe aos demais o ocorrido, fazendo com que percebam a presença
da vítima muito mais por suas deformidades do que por quaisquer outros motivos.

O dano estético torna a vítima uma diferença. A faz exótica e digna de olhares
desconfiados e da curiosidade alheia. Nada mais violador do íntimo do ser humano do que
ver-se a si próprio com demérito e menoscabo como, ao mesmo tempo, ser expiada
constantemente face à coletividade, servindo ao deleite e ao sentimento de pena dos olhos
alheios.

Por essas razões todas, os danos estéticos encetam nova modalidade de danos.
Congregam, é verdade, nuanças dos danos materiais quando se está diante de lesão que
provoque redução da capacidade laborativa ou total incapacidade. Ou, ainda, quando em
decorrência da lesão, ainda que não comprometa o funcionamento de qualquer órgão, membro
ou movimento, impeça a continuidade do trabalho desenvolvido em razão da esbelteza do
corpo, a exemplo de artistas e modelos.

Em outro passo, possuem as nítidas repercussões dos danos morais puros (dor moral,
aflição, angústia) com a agravante de impedir o esquecimento do evento danoso enquanto
persistir a aparência prejudicada pelo aleijão ou deformidade.
59

4 RESPONSABILIDADE MÉDICA NO CÓDIGO DE DEFESA DO


CONSUMIDOR

4.1 A RELAÇÃO DO CONSUMO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº.8.078/90), sistema autônomo de normas e


princípios, por certo se revela um importante instrumento jurídico a serviço da pacificação e
harmonização das relações sociais quando evidenciais como relações de consumo. Promovem
uma sensível mudança nas relações contratuais e extracontratuais, a Lei consumeirista
estabeleceu normas de ordem pública e interesse social para efetivar proteção e defesa do
consumidor, cumprindo dessa forma um mandamento constitucional, qual seja, tutelar e
proteger os interesses do consumidor.

Relação de consumo pode ser entendida como uma relação jurídica marcada pela
qualidade das partes, tendo dos pólos com interesses diametralmente opostos, de um lado o
consumidor e de outro o fornecedor, definições adiante trabalhadas e, objeto desse interesse. 79
Não se pode olvidar que a relação de consumo abrange todos os atos concernentes à
consecução do vínculo a ser estabelecido entre consumidor e fornecedor, envolvendo também
a oferta e a publicidade.

O desembargador Cavalieri Filho assim se pronuncia acerca da importância do


diploma legal protetivo:

O Código do Consumidor veio a lume para cumprir uma missão


constitucional – promover a defesa do consumidor -, conforme expressamente
estabelecido no art. 5º, inciso XXXII da Lei Maior. Aliás, pela primeira vez
em nossa história constitucional a defesa do consumidor foi incluída entre os
direitos e garantias individuais e os princípios da ordem econômica – art. 170,
V, da CF -, no mesmo status dos princípios da soberania nacional, da
propriedade privada e da livre concorrência, para cumprir essa vocação
constitucional, o Código do Consumidor implantou uma política nacional de
consumo e uma disciplina jurídica única e uniforme para tutelar todos os
direitos materiais e morais dos consumidores em geral. [...] Tendo sustentado
que o Código do Consumidor realmente fez foi criar uma sobrestrutura

79
GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores
do anteprojeto. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 42.
60

jurídica multidisciplinar, normas de sobredireito aplicáveis em todos os ramos


do direito – público ou privado, contratual ou extracontratual, material ou
processual – onde ocorrem relações de consumo. Em outra palavra sem retirar
as relações de consumo das áreas do direito onde, normalmente ocorrem, sem
afastá-las do seu natural habitat, o CDC estendeu sobre todos a sua
disciplina.73

Com direitos básicos do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu:


a proteção da vida; saúde e segurança; educação e divulgação sobre o adequado consumo de
produtos e serviços; liberdade e igualdade nas contratações; a informação adequada e clara
sobre produtos e serviços; proteção contra publicidade enganosa e abusiva; proteção contra
práticas abusivas; direito à prevenção e reparação dos dados sofridos; direito ao acesso aos
órgãos judiciários administrativos na busca de prevenção e reparação dos dados ocasionados
na relação de consumo e, finalmente, a facilitação dos meios de defesa abrangendo a inversão
do ônus da prova.

A Lei protetiva abraçou a teoria da responsabilidade objetiva baseada no risco, isto é,


desprendida do elemento culpa, ressalvada a hipótese do artigo 14, parágrafo 4º: “A
responsabilidade dos profissionais liberais será apurada mediante verificação de culpa.”74.

Para que se possa analisar a relação médico-paciente sob a ótica consumeirista é


essencial esmiuçarem-se os conceitos dos principais atores da relação de consumo,
consumidor e fornecedor, e do objeto dessa relação, o serviço.

4.1.1 O SERVIÇO

Serviço consiste na atividade desempenhada pelo ser humano, o trabalho em favor de


outrem, obrigatoriamente remunerado. Conforme o texto legal: “Serviço é qualquer atividade
fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,
75
financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
(artigo 3º, § 2º, CDC).

80
CAVALIERI FILHO, Sérgio. A responsabilidade médico-hospitalar à luz do código do consumidor.
Disponível em: http://www.forense.com.br/Atualidade/Artigos_DCOM/346dou11.htm. Acesso em: 22 jun.
2009.
81
GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores
do anteprojeto, p. 173.
82
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva,
2000. p. 90.
61

4.1.2 O CONSUMIDOR

De acordo com a definição estabelecida pelo Código do Consumidor, em seu artigo 2º:
“Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final.” 76 O conceito do artigo 2º é estendido à coletividade de pessoas que mesmo
não sendo determináveis, tenham participado da relação de consumo (artigo 2º, parágrafo
único, CDC); às vítimas do evento danoso oriundo da relação de consumo, ainda que não
identificáveis, a despeito de terem ou não sido consumidoras diretas, (artigo 17, CDC); e à
todas as pessoas expostas às práticas comerciais (artigo 29, CDC), equiparando-as ao
consumidor.

[...] o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de


caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão-somente o
personagem que no mercado de consumo, adquire bens ou então contrata a
prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age
com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o
desenvolvimento de uma outra atividade negocial. (grifo do autor).77

Consumidor, portanto, seria todo aquele que adquire diretamente produtos e serviços,
que sofre as conseqüências nefastas advindas da relação de consumo ou que esteja exposto à
práxis comercial envolvendo produtos ou serviços, na condição de usuário final.

4.1.3 O FORNECEDOR

A definição legal de fornecedor é encontrada na redação do artigo 3º do Código de


Defesa do Consumidor:

Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,


nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços.78

83
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 77.
84
GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores
do anteprojeto, p. 26-27.
78
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 90.
62

Na dicção do Código, fornecedor é qualquer pessoa (física, jurídica ou o ente


despersonalizado) que pratica atividade civil ou comercial com habitualidade, responsável
pela colocação de produtos e serviços a disposição do consumidor.

Trata-se por conseguinte, que fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja


qualquer um que, a título singular, mediante desempenho mercantil ou civil e
de forma habitual, oferece no mercado produtos ou serviços, e a jurídica, da
mesma forma, mais em associação mercantil ou civil e de forma habitual.
(grifo do autor).79

A responsabilidade do fornecedor de serviços se encontra disciplinada no artigo 14 do


Código de Defesa do Consumidor nos seguintes termos:

Art. 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência


de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1º - O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o
consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias
relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º - O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3º - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
§ 4º - A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada
mediante a verificação de culpa.

Excepcionado a teoria da responsabilidade objetiva, abstraída da culpa, o artigo 14,


parágrafo 4º da Lei protecionista proclamou a responsabilização dos fornecedores
profissionais liberais mediante verificação de culpa.

Justificando o tratamento extraordinário dado aos profissionais liberais os autores do


Código Consumeirista assim se manifestam:

Explica-se a diversidade de tratamento em razão da natureza intuito personae


dos serviços prestados por profissionais liberais. De fato, os médicos e
advogados – para citarmos alguns dos mais conhecidos profissionais – são
contratados ou constituídos com base na confiança que inspiram aos

79
GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores
do anteprojeto, p. 39.
63

respectivos clientes. Assim sendo, somente serão responsabilizados por dano


quando ficar demonstrada a ocorrência de culpa subjetiva, em quaisquer de
suas modalidades: negligência, imprudência ou imperícia. (grifo do autor).80

O Código de Defesa do Consumidor, no que permite aos profissionais liberais, não


inovou. Para a apuração da responsabilidade, limitou-se manter o sistema tradicional arrimado
na culpa. Merece especial atenção a expressão “profissional liberal”, inserta no parágrafo 4º
do artigo acima transcrito. Profissional liberal, é aquele que, habilitado pela lei ou pelas regras
reguladoras do mercado de trabalho, desempenha suas atividades com autonomia técnica, de
maneira livre e independente, sem vínculo de subordinação, colocando seus conhecimentos e
aptidões a disposição de outra pessoa.

As atividades desenvolvidas pelos profissionais liberais possuem características


próprias e importantes para sua diferenciação:

[...] a) habitualidade – aquele modo de vida adotado pelo profissional, que faz
de sua profissão algo inerente à sua maneira de viver; b) regulamentação –
mais do que um simples regulamento, exige-se a normatização da atividade;
c) habilitação – deve-se entender que o exercício profissional pressupõe uma
habilitação prévia; d) presunção de onerosidade – a presença da remuneração
na relação contratual ou de consumo é de fundamental importância para
definir o caráter oneroso do exercício profissional; e) autonomia técnica –
mesmo assumindo obrigação de prestação de serviços, ou até de natureza
laboral, o profissional só deve ter subordinação de ordem jurídica, nunca de
emprego ou trabalho; f) vinculação a alguma corporação ou sindicato –
determinadas profissões exigem filiação obrigatória à entidade de classe ou
sindicato, outras deixam ao livre arbítrio do profissional. Mas todos devem
estar sujeitos a normas éticas, codificadas, também de caráter disciplinar,
através das quais possam ser responsabilizados, por violação dos princípios
que norteiam sua atividade.81

O Código de Defesa do Consumidor configurou três situações que podem gerar


responsabilidade civil do fornecedor: o fato do produto ou do serviço, o vício do produto ou
do serviço e as condutas e práticas abusivas.

Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço é a que se origina de um evento


danoso, de um defeito que atinge a incolumidade física do consumidor, que apresenta riscos à

80
GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores
do anteprojeto, p. 176.
81
VASCONCELOS, Fernando Antônio. Responsabilidade Profissional Liberal nas Relações de Consumo.
Curitiba: Juruá, 2002. p. 30.
64

sua saúde. É o acidente de consumo. Assim, o fornecedor é responsável pelo simples fato de
colocar o produto no mercado, assumindo os riscos dessa conduta.

A responsabilidade pelo vício do produto ou serviço resulta de defeitos, anomalias que


afetam a funcionalidade do produto ou serviço, podendo ser de três ordens: vício de
qualidade, de quantidade ou de disparidade.

Prática abusiva, “[...] é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa


conduta em relação ao consumidor.” 82

A primeira visa tutelar a integridade física e psicológica do consumidor, a segunda


busca resguardar a esfera econômica, e a terceira deseja salvaguardar a boa-fé do
consumidor.83

A Lei consumeirista elencou explicativamente um rol de situações caracterizadas


como práticas abusivas; estabeleceu, dentre outras, regras que tutelam as relações contratuais,
que regulam a oferta, a publicidade. Ressalte-se que na publicidade enganosa ou abusiva o
ônus da prova se inverte obrigatoriamente (artigo 38, CDC).

O legislador, entretanto, excepcionou a responsabilidade dos profissionais liberais


apenas na seção que dispõe sobre a responsabilidade pelo fato do produto, não a estendeu às
outras seções do Código. Diante disso, Oscar Ivan Prux, acredita que o profissional liberal só
responde mediante comprovação de culpa quando ocorrer acidente de consumo
(responsabilidade pelo fato do produto ou serviço), aplicando-se às demais situações, a
responsabilidade objetiva.

Visualizando dessa maneira, resta um imenso campo de aplicação, fora da


responsabilidade subjetiva, para as milhares de hipóteses possíveis de
ocorrência de vício de serviço, e ainda, nas infrações às práticas abusiva, às
cláusulas abusivas, às práticas comerciais (oferta, propaganda enganosa etc.) e
na proteção contratual. Se o legislador desejasse deixar inconfundível sua
intenção, poderia ter colocado a referida exceção dentro dos princípios
fundamentais do Código, mas não o fez. Com isso dentro da técnica
legislativa, abriu possibilidade para a conclusão lógica de que, nas situações
referidas, vale a regra geral do Código, visto que toda exceção é restritiva e
não pode ter sua aplicação estendida a situações que o texto legal não tenha
configurado como expressamente abrangidas. Dentro dessa lógica, sempre
que o serviço prestado for defeituoso por afetar a segurança do consumidor ou

82
GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores
do anteprojeto, p. 176.
83
ALMEIDA, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 80-93.
65

colocá-la em risco, o texto legal indica valer a exceção, ou seja, sem a prévia
demonstração de culpa, não cabe responsabilização. Nas demais situações está
aberta a possibilidade de utilização de outros critérios para a apuração da
responsabilidade dos profissionais liberais, pois diante da inexistência do
comando legal, a responsabilidade não encontra empecilhos (sob esse aspecto
técnico) para que seja informada por critério diverso, fugindo do sistema
tradicional proporcionado pelo § 4º do art. do CDC.84

Transpondo-se as definições de consumidor, fornecedor e serviço para a relação


médico-paciente, pode-se com clareza concluir que na linguagem do Código de Defesa do
Consumidor o paciente é o consumidor para quem o serviço é prestado como destinatário
final. O médico, profissional liberal, é o fornecedor na medida em que é pessoa física
prestando serviço mediante remuneração e a atividade por ele desenvolvida acomoda-se na
definição de serviço. O questionamento que se levanta é: como responderá civilmente o
médico que atuando na relação de consumo como fornecedor de serviço causa dano ao
paciente? Ao exame dessa proposição passa-se a discorrer a seguir.

4.2 A RESPONSABILIDADE MÉDICA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor no tocante à responsabilidade civil, regra geral,


esposou a linha da responsabilidade objetiva, divorciando-se, nesse ponto, da orientação
predominante no Código Civil de 1916. O diploma civilista atual ampliou a aplicabilidade da
teoria objetiva, mitigando dessa forma, a responsabilização subjetiva, conservando,
entretanto, como essencial para indenização do dano a presença do elemento culpa lato sensu,
ou seja, o dolo e a culpa stricto sensu em suas três modalidades: negligência, imprudência e
imperícia (artigo nº. 186 do Código Civil).

Para o consagrado jurista Rui Stoco85, além da culpa, o dano causado pelo abuso de
direito, preconizado no artigo 187 do mesmo diploma legal, também se submete ao
regramento da responsabilidade subjetiva.

84
PRUX, Oscar Ivan. Um novo enfoque quanto à responsabilidade civil do profissional liberal. Revista de
Direito do Consumidor, São Paulo, n. 19, jul/set. 1996. p. 212-215.
85
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, p. 128.
66

4.2.1 A RESPONSABILIDADE PESSOAL DO MÉDICO

O exercício da medicina como se pode perceber, encontra-se no rol das atividades que
se prestam à incidência do Código de Defesa do Consumidor, no entanto, face ao parágrafo 4º
do artigo 14, se infere que, se o médico no desempenho de seu mister vier a causar dano a
outrem por erro, que seja caracterizado como erro médico, terá sua responsabilidade apurada
mediante verificação de culpa, e será obrigado a reparar o dano causado se presentes os
pressupostos da responsabilidade subjetiva (ação ou omissão, dano, nexo casual e culpa),
disciplinada no Código Civil.

Faz-se necessário reprisar que, via de regra, a relação jurídica médico-paciente é tida
como contratual. Contudo, o médico, na maioria das vezes, não assume uma obrigação de
resultados e sim de meios, comprometendo-se apenas a empregar todos os conhecimentos e
técnicas disponíveis, na tentativa de minorar o sofrimento do paciente objetivando, se
possível, alcançar a cura, porém, sem jamais assegurar o resultado, a própria cura. Nesse caso,
apesar da obrigação assumida ser contratual, ao paciente/consumidor cabe o encargo de
provar a culpa do facultativo. Nas situações em que a doutrina tende a classificar a atividade
médica como sendo obrigação de resultados, com culpa presumida, cabe ao médico o ônus
probatório da ausência de sua responsabilidade.

Tanto na obrigação de meio quanto na de resultado, incide sobre a atuação pessoal do


médico, a responsabilidade subjetiva, sendo que na de resultado, apenas ocorre inversão do
ônus da prova quanto à culpa.

No sentido de minimizar as dificuldades na coleta de alimentos probatórios, obstando


dessa forma que consumidor se desonere do ônus de provar, vale lembrar que o Código de
Defesa do Consumidor, dentre os direitos básicos do consumidor relacionou a facilitação da
defesa e seus direitos pela inversão do ônus da prova, a critério do juiz, quando evidenciada a
verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor (artigo 6º, VIII, do CDC).

Verossimilhança da alegação significa a necessidade de que a alegação tenha


aparência de ser verdadeira e provável, que “[...] desde logo, possa se aferir forte conteúdo
persuasivo.”86 Já hipossuficiência está relacionada à condição de carência de conhecimentos
técnicos do consumidor frente ao produto ou ao serviço, destarte, invertido o ônus da prova,
cabe ao médico fornecer de serviços provar que a alegação não é verdadeira. Na

86
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 123.
67

responsabilização mediante culpa, seja a obrigação de meio ou de resultado, existe a


possibilidade de inversão do ônus da prova.

Em que pese a excludente do § 4º do artigo 14, o médico como prestador de serviços


que é, submetido ao disciplinamento do Código do Consumidor, deverá observar os direitos
básicos do consumidor. Em seu favor, além de obedecer aos mandamentos éticos atinentes de
sua profissão, deverá pautar sua conduta nos dispositivos do Código Civil (artigos 186, 952,
entre outros) e na Lei protetiva, sob pena de responder civilmente não só por negligência,
imprudência ou imperícia, mas, também, nas hipóteses em que seu atuar venha a ferir os
direitos do consumidor, quando, por exemplo: não prestar as informações adequadamente;
promover publicidade enganosa, inserir no contrato médico cláusulas abusivas (cláusula que o
exonere de responsabilidade, que inverta o ônus da prova em prejuízo do consumidor,
cláusula de não indenizar, somente para exemplificar); exorbitar de sua posição na relação
contratual; deixar de fornecer orçamento prévio. Logicamente, nas situações em que isto é
provável.

Duas visões, nem tão novas sobre o erro médico, mas pouco difundidas no Brasil, são
noticiadas pela doutrina pátria. A primeira, de raízes francesas, é conhecida como perte d’une
chance (a perda de uma chance), presumindo que a intervenção do médico retirou do paciente
a possibilidade de cura:

Portanto, estando configurada em enfermidade e o profissional atua de


maneira a pôr por terra todas as possibilidades de recuperação, sua intervenção
culposa não será sobre a chance de sobrevivência, mas sobre a oportunidade
de recuperação, devendo por isso indenizar dano. Esta teoria afirma não ser
necessário demonstrar o nexo da casualidade entre a culpa e o dano, pois a
culpa estaria configurada no simples fato de não ter dado a chance ao
paciente.87

A segunda, é empregada em alguns estados norte-americanos, denominada teoria da


res ipsa loquitur (a coisa fala por si mesma). Diante da ocorrência do dano, milita contra o
médico a presunção de negligência, se não houvesse culpa do médico, o dano não teria
ocorrido.

87
SHAEFER, Fernanda. Responsabilidade Civil do Médico e Erro de Diagnóstico, p. 76.
68

Tal formulação teórica faz parte do „direito de evidência circunstancial‟ e se


aplica: a) quando não há evidência acerca de como e por que ocorreu o dano;
b) acredita-se que não teria ocorrido se não houvesse culpa; c) recai sobre o
médico que estava atendendo pessoalmente ao paciente. [...] os elementos da
res ipsa loquitur são os seguintes: a) (o dano) deve ter resultado de um fato
que não ocorre ordinariamente se não houver negligência (ou de outra forma
de culpa); b) deverá ter sido causado diretamente pelo médico ou por alguém
atuando sob sua direção ou controle; c) deverá ter ocorrido em circunstâncias
que indiquem que o paciente não produziu voluntariamente ou por negligência
de sua parte. (grifo do autor).88

4.2.2 A RESPONSABILIDADE DOS ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE

Na doutrina, há praticamente um consenso de que os estabelecimentos de saúde, assim


entendidos os hospitais, clínicas, casas de saúde, sanatórios e similares, estabelecem com o
paciente uma relação contratual de consumo, compreendendo deveres de assistência médica e
de hospedagem.

Dessa forma, respondem objetivamente nos termos do caput do artigo 14 do Código


de Defesa do Consumidor, ou seja, ocorrendo prejuízo ao paciente, surge a obrigação de
reparar o dano, se comprovado o liame causal entre o fato gerador do dano e o prejuízo.

Quando se tratar de assistência médica prestada pelo hospital, como


fornecedor de serviços, a apuração da responsabilidade independe da
existência de culpa (princípio da responsabilidade sem culpa). Bastam o nexo
causal e o dano sofrido. O fornecedor de serviços responde,
independentemente da existência de culpa, pela reparação do dano causado
aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como
por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos (art.
14, caput, do CDC).89

Tais estabelecimentos apenas se exoneram de responsabilidade se comprovarem que


milita a seu favor uma das excludentes de responsabilidade previstas no § 3º do artigo 14 do
Código de Defesa do Consumidor; se demonstrarem que o serviço prestado não era
defeituoso; que a culpa se deve exclusivamente ao consumidor/paciente ou a terceiro; que não
executou o serviço; ou que ocorreu caso fortuito ou força maior. As três últimas hipóteses

88
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 61.
89
FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico, p. 109-110.
69

apesar de não contarem com previsão expressa no diploma legal protetivo, são acolhidas pela
doutrina como condições liberatórias da responsabilidade do fornecedor.

Algumas considerações, entretanto, devem ser feitas pois, três situações podem se
configurar na relação entre os estabelecimentos de saúde e o paciente que utiliza seus
serviços: a prestação de serviços envolve serviços tipicamente hospitalares; o médico que
presta serviços não apresenta vínculo com o hospital; e, por último, o médico é empregado ou
membro do corpo clínico.

Primeiramente, cabe esclarecer que, a responsabilidade dos hospitais e similares nem


sempre está vinculada à atuação do médico. São situações em que aqueles atuam como
prestadores de serviços tipicamente, assim considerados os de hospedagem, os serviços de
enfermagem, que incluem a aplicação de medicamentos, os serviços de nutrição com a
elaboração de dietas alimentares, ou ainda, os serviços de coleta e realização de exames
clínicos. Especificamente, nessas circunstâncias a responsabilidade, segundo corrente
majoritária na doutrina, será objetiva. Basta que o serviço defeituoso implique em danos ao
paciente, prescindindo do elemento culpa. Serviço defeituoso é aquele que:

[...] não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se
em conta as circunstâncias relevantes, como o modo de seu fornecimento e de
sua prestação, o resultado e o risco que razoavelmente dele se esperam e a
época em que foi fornecido, não se considerando defeituoso pelo simples fato
de adoção de novas técnicas (art. 14, § § 1º e 2º).90

A segunda situação diz respeito aos casos em que o médico atua como profissional
independente, sem vínculo com o estabelecimento de saúde, faculdade exercida com
supedâneo no artigo 25 do Código de Ética Médica que concede ao médico direito de:
“Internar e assistir seus pacientes em hospitais privados com ou sem caráter filantrópico,
ainda que não faça parte do seu corpo clínico, respeitadas as normas técnicas da instituição.”91
Novamente aqui, majoritariamente, entende-se que o hospital, se judicialmente acionado,
responderá objetivamente de acordo com o Código do Consumidor e que a responsabilidade
do médico será apurada mediante verificação de culpa.

90
ALMEIDA, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor, p. 91.
91
CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA. Conselho Federal de Medicina. Disponível em:
http://www.cfm.org.br/codetic.htm. Acesso em: 28 abr. 2009.
70

Quando o médico causador do dano é integrante do corpo clínico do hospital ou


contratado por esse, aventam-se duas possibilidades: a responsabilidade da pessoa jurídica e a
responsabilidade pessoal do médico. De conformidade ao entendimento dominante, o hospital
responderá objetivamente, aplicando-se a regra do artigo 14, caput, do Código de Defesa do
Consumidor. Em relação a responsabilidade do médico a tendência é de abraçá-la com o
manto da responsabilidade subjetiva, alicerçada na culpa.

Para os doutrinadores consumeiristas, o hospital responde objetivamente e o médico


subjetivamente, mediante verificação de culpa.

Uma corrente doutrinária, minoritária, assim se manifesta: mesmo que o médico seja
empregado do nosocômio, há que se verificar se este agiu ou não com culpa, para só então, se
determinar a responsabilidade do hospital. Seja o médico empregado ou não, a
responsabilidade médica será sempre regida pelo § 4º do artigo 14 do código consumeirista. O
atuar do médico estabelecerá a responsabilidade do hospital.

Nessa vereda, o insigne magistrado Rui Stoco, assim se manifesta:

Se o médico atuar no respectivo hospital mediante contrato de prestação de


serviços, deve ser considerado seu preposto e este responderá pelos atos
culposos daquele. O hospital, contudo terá o direito de reaver o que pagar
através de ação regressiva contra o causador direto do dano. Mas se o médico
não for preposto, mas profissional independente de que tenha atuado nas
dependências do nosocômio por interesse ou convivência do paciente ou
daquele próprio, em razão de aparelhagem ou qualidade das acomodações,
ter-se-á de apurar a culpa de cada qual. Desse modo, se o paciente sofreu
danos em razão do atuar culposo exclusivo do profissional que o pensou,
apenas esse poderá ser responsabilizado. Se, contudo, apurar-se manifestação
incorreta do estabelecimento através da ação ou omissão de seus dirigentes ou
prepostos, podendo ser estes médicos, enfermeiros e funcionários em geral,
então responderá este, se a ação ou omissão culposa dele dimana ou o hospital
e o médico, solidariamente, se ambos obraram com culpa. [...] Ainda que o
evento lesivo decorra da atuação exclusiva do hospital, por si ou através de
seus diretores, atendentes, recepcionistas ou funcionários de qualquer
graduação, na área em que atua como mero fornecedor de acomodações e
refeições, ou seja, atividade comercial por excelência, não responderá a
sociedade objetivamente, se dessa atividade decorrer danos aos pacientes
consumidores, nos termos do caput do art. 14 do CDC. Desse modo, não basta
a constatação de defeitos relativos à prestação desses serviços e o nexo casual.
Pelas mesmas razões acima expostas, exigir-se-á a comprovação de que o
preposto obrou com culpa.92

92
STOCO, Rui. Responsabilidade civil dos hospitais, sanatórios, clínicas, casas de saúde e similares em face do
código de defesa do consumidor. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 84, n.712, fev. 1995, p. 72.
71

O jurista opina pela consagração da teoria da responsabilidade subjetiva, nas três


situações: quando o médico atua como preposto do hospital, quando não mantém vínculo com
aquele, bem como na atuação do hospital como mero hospedeiro. Sustenta, que o Código de
Defesa do Consumidor não se distanciou do vetusto e clássico conceito da responsabilidade
por fato de terceiro do Código Civil, previsto em seu artigo 931. Além disso, lhe parece
injusto, atribuir-se a responsabilização objetiva ao hospital pelos defeitos dos serviços
prestados pelo médico, uma vez que a causa do dano reside no próprio exercício do ato
médico e, que em face da autonomia que gozam esses profissionais, o hospital não tem
ingerência alguma sobre os atos daqueles.

O Código de Ética Médica estatui na mesma direção do entendimento do insigne juiz


Stoco, incluindo entre os princípios fundamentais do exercício da medicina que: “O médico
não pode, em qualquer circunstância, ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade
profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a
eficácia e correção de seu trabalho.”93 (artigo 8º, Código de Ética Médica).

Atuando o médico culposo, como preposto ou empregado do estabelecimento de


saúde, o hospital responderá por culpa presumida (in vigilando ou in eligendo), aplicando-se a
regra de que o empregador é responsável pelos atos de seus empregados, serviçais ou
prepostos, nos termos do Código Civil, artigo 932, III, e da Súmula 341 do Supremo Tribunal
Federal, tendo o hospital direito de regresso contra o médico se comprovada a culpa deste.

O doutrinador Kfouri Neto comunga com o posicionamento supra destacado:

O dano médico deve ser apreciado a partir da análise do elemento subjetivo,


de culpa, que seja o profissional vinculado ao estabelecimento hospitalar ou
não. Objetarão os estudiosos das relações de consumo que a conclusão
contraria o entendimento do Código, inteiramente voltado à responsabilidade
objetiva. Dirão, mais, que em havendo culpa do médico, o hospital poderá
voltar-se, por direito de regresso, contra seu empregado. Acrescentarão, por
fim, que ao consumidor/vítima interessa pleitear o ressarcimento da pessoa
jurídica, economicamente mais poderosa. Contrapõe-se a tais objeções os
seguinte argumentos: a responsabilidade objetiva não se coaduna com a
atividade médica, dada a singularidade do serviço prestado; curar os
enfermos, salvar vidas; se houver culpa do médico, nada impede que o lesado

93
CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA. Conselho Federal de Medicina. Disponível em:
http://www.cfm.org.br/codetic.htm. Acesso em: 28 abr. 2009.
72

proponha a demanda em face de ambos, pessoa física e jurídica, ou de apenas


uma delas.94

Em síntese, diante do dano supostamente causado por erro médico, em primeiro lugar
há que se verificar a conduta do médico, se isenta de culpa, nem ele nem o hospital
respondem. Se culposa, o hospital, sendo ele o demandado, terá o dever de indenizar com
base na culpa presumida do patrão, tendo direito de, regressivamente, reaver do médico o
montante que houver despendido da indenização. Se a ação for proposta somente em face do
médico este responde pela indenização se comprovada culpa.

4.2.3 EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE

Em se tratando de responsabilidade pessoal do médico apurada mediante a


comprovação de culpa do profissional, estará este isento de responsabilidade se não estiverem
presentes os pressupostos da responsabilidade subjetiva, ou caso haja a constatação da
ocorrência caso fortuito ou força maior, podendo haver a inversão do ônus da prova na
dependência da obrigação assumida ser de meio ou de resultado ou ainda, a critério do juiz,
quando presentes a verossimilhança ou a hipossuficiência, independentemente da natureza da
obrigação.

Ao estabelecimento de saúde, para os que acolhem a responsabilidade objetiva,


independente de ser o serviço prestado de hotelaria ou serviço médico, de ser o médico
preposto seu ou profissional sem vínculo com o hospital, cumpre eximir-se de
responsabilidade provando a presença das excludentes previstas no artigo 14, § 3º, do Código
de Defesa do Consumidor. Além das causas liberatórias de responsabilidade arroladas pelos
doutrinadores: o hospital não prestou o serviço; o serviço prestado não era defeituoso; existe
culpa exclusiva do paciente ou de terceiro; podem isentar-se comprovando a ocorrência de
caso fortuito ou, força maior.

Para os poucos que admitem a aplicação da teoria subjetiva aos estabelecimentos de


saúde em todas as situações, a responsabilidade não emergirá sem presença do elemento
culpa, se for de meio a obrigação, o ônus da prova cabe ao paciente, se de resultado, há

94
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 193.
73

inversão da carga probatória favorecendo o consumidor/paciente. Não se pode olvidar, como


já referido, que em razão da facilitação dos meios de defesa, direito básico do consumidor,
poderá o juiz inverter o ônus da prova mesmo nas contratações que envolvam obrigações de
meio.

4.3 A PROVA NO ERRO MÉDICO

O direito processual brasileiro impõe ao autor da demanda o encargo de comprovar as


alegações que consubstanciam seu direito e, ao réu, apresentar fato impeditivo, modificativo
ou extintivo do direito do autor (artigo 333, incisos I e II, do CPC). Vale dizer que os
legítimos em que o paciente busca indenização por erro médico, a ele cabe o ônus da prova.
Contudo, diante da possibilidade de inverter-se o ônus da prova a teor do disposto no Código
de Defesa do Consumidor, o consumidor poderá vir a desonerar-se do encargo probatório,
passando para o médico a incumbência de provar a inexistência de sua responsabilidade.

A prova que o consumidor terá que produzir quando a ele competir o ônus probandi,
será no sentido de demonstrar a conduta (omissiva ou comissiva) culposa do médico em uma
de suas modalidades, dolo, negligência, imprudência ou imperícia; o dano perpetrado; o nexo
causal entre a conduta e o dano; incluindo-se também, as hipóteses em que o médico violar as
disposições contidas do Código de Defesa do Consumidor relacionadas à proteção contratual,
às práticas abusivas, à publicidade e oferta, conforme já evidenciado.

Os meios de prova em que poderão ser úteis na elucidação dos fatos envolvidos em
uma demanda por erro médico incluem: o prontuário médico, os atestados médicos, os termos
de consentimento, o contrato devidamente formalizado, os termos de responsabilidade, a
prova pericial, a prova testemunhal, além de outras. Ressalte-se que os meios de prova
mencionados podem ser utilizados por qualquer um dos envolvidos no litígio, seja autor ou
réu.

4.4 A INDENIZAÇÃO E OS DANOS INDENIZÁVEIS NO ERRO MÉDICO

Erro médico indenizável é o que resulta de uma ação ou omissão culposa do médico
no exercício de sua profissão, refletindo-se um dano para o paciente. O dano pode ser
74

patrimonial ou extrapatrimonial e consiste em “[...] toda a ofensa a bens ou interesses


protegidos pela ordem jurídica.”95

A obrigação de indenizar traz em sua essência o sentido de reposição, de compensação


pecuniária quando se torna impossível a recomposição do statu quo ante e compreende a
restituição de tudo aquilo que a vítima perdeu e o que razoavelmente deixou de ganhar. Além
dos danos materiais (perdas e danos e lucros cessantes) existe a possibilidade de
ressarcimento a título de danos morais e de danos estéticos. Os danos morais configuram-se
danos de natureza não-econômica, que no conceituado magistério de Bittar “[...] se traduzem
em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis, ou constrangedoras, ou
outras desse nível, na esfera do lesado.”96 São portanto, danos sofridos na esfera da
subjetividade, dizem respeito ao sofrimento íntimo.

Os danos estéticos e morais na lição do notável Aguiar Dias representam:

[...] alteração do aspecto estético, se acarreta maior dificuldade no granjeio da


subsistência, se tornam mais difíceis para a vítima as condições de trabalho,
se diminui as suas probabilidades de colocação ou de exercício da atividade a
que se dedica, constitui sem nenhuma dúvida um dano patrimonial. Não se
pode objetar contra a sua reparação, nem quando, erradamente, se considere
dano moral, porque nem apresenta dificuldade para avaliação. De ser
indenizado, pois, como dano patrimonial, o resultado prejudicial da ofensa ao
aspecto estético, sempre que se traduza em repercussão de ordem material,
porque a lesão a sentimento ou a dor psíquica, com repercussões patrimoniais,
traduzem dano patrimonial. É dessa natureza o dano estético que deforme
desagradavelmente as feições, de modo que cause repugnância ou ridículo e,
portanto, dificuldade à atividade da vítima. Ao lado desse há, porém, o dano
moral: esse consiste na penosa sensação de ofensa, na humilhação perante
terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos puramente psíquicos e sensoriais
experimentados pela vítima do dano, em conseqüência deste, seja provocada
pela recordação do defeito ou lesão, quando não tenha deixado resíduos mais
concretos, seja pela atitude de repugnância ou de reação a ridículo tomada
pelas pessoas que o defrontam.97

O regramento da indenização está estabelecido nos artigos 944 e 954 do Código Civil,
lembrando que a reparação do dano encontra parâmetros na sua extensão e, com a inovação
trazida pela Lei Civil vigente, na gravidade da culpa, levada em consideração quando o juiz

95
AGUIAR JR., Rui Rosado de. Responsabilidade Civil do Médico, p. 49.
96
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. 2. Ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais,
1998.
97
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 6 ed. Rio de janeiro: Forense, 1979. v. 2. p. 431-432.
75

entender que há demasiada desproporção entre a gravidade da culpa e o dano (parágrafo


único, artigo 944, CC).

O erro médico pode ocasionar uma série de danos ao paciente, tais como: a morte, o
comprometimento de sua integridade física, a produção de lesões, o agravamento da
enfermidade que o acomete, a inabilitação para o trabalho, dentre outros. Na avaliação do
dano e sua conseqüente quantificação, alguns parâmetros devem ser observados98:

a) Se o dano resultou a morte do paciente: a indenização compreenderá os gastos


despendidos com o tratamento do falecido, as despesas com funeral, o luto da
família (danos que decorrem da ausência do falecido no convívio familiar), bem
como o pagamento de alimentos a quem o morto os devia. (artigo 948, CC).

b) Se o caso resultou incapacidade temporária, que “[...] corresponde a um tempo


limitado de inaptidão que vai desde a produção do dano até a sua recuperação ou a
estabilização clínica e funcional das lesões verificadas.”99 O quantum
indenizatório corresponderá à todas as despesas resultantes do tratamento, mais os
lucros cessantes até a convalescença. (artigo 949, CC).

c) Se o dano resultou incapacidade permanente total ou parcial: será parcial quando o


dano, embora definitivo, diminui a capacidade laboral da vítima. Será total,
quando o ofendido se torna impossibilitado de exercer seu ofício ou profissão. O
valor indenizatório equivalerá às despesas havidas com o tratamento, os lucros
cessantes e ainda, abrangerá um pensionamento que corresponda, total ou
parcialmente, ao que o lesado percebia como fruto de seu trabalho. (artigo 950
CC).

d) Se a lesão resultou dano moral ou dano estético, a quantificação será definida pelo
prudente arbítrio do juiz.

Já é entendimento consolidado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, súmula 37,


a possibilidade de cumulação de indenização por danos materiais e morais provenientes do
mesmo fato. Quanto à cumulação de dano estético e dano moral, duas vertentes se
contrapõem: a primeira entende ser perfeitamente cumulável dano moral e dano estético, a

98
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 112-133..
99
GOMES, Júlio Cézar Meireles; FRANÇA, Genival Veloso de. Erro Médico: um enfoque suas origens e
conseqüências, p. 165-166.
76

segunda, esboçada por Rui Stoco100 entende que o dano estético é absorvido pelo dano moral
e como tal, deverá ser indenizado.

Deve-se ter em mente que além da indenização prevista nos dispositivos da Lei Civil,
o médico responsabilizado pelo cometimento do dano resultante de um erro seu, responderá
aos seus órgãos de classe, nos termos de seu diploma ético, poderá sofrer as sanções previstas
pelo Código de Defesa do Consumidor além de responder, conforme o caso, na esfera penal.

100
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, p. 128.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O inconformismo faz parte da natureza humana. Não há aquele que ao se sentir lesado
não busque, de alguma forma, a reparação ou a compensação do prejuízo sofrido. Longe vão
os tempos em que a vingança privada era a forma de se fazer justiça. Sob a tutela do Estado,
os indivíduos passaram a contar com instrumentos jurídicos que lhes possibilitam buscar a
satisfação do interesse violado. Nessa esteira, o Código de Defesa do Consumidor, operou
verdadeira revolução no campo jurídico, reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor, ao
mesmo tempo em que lhe propiciou meios que facilitem a defesa de seus interesses.

A responsabilidade civil, tradicionalmente, calcada na culpa e regulada pelos


dispositivos do Código Civil, assumiu novos contornos com o advento da Lei consumeirista,
na medida em que esta trouxe a responsabilização objetiva dos produtores e fornecedores de
produtos e serviços, e a possibilidade de inversão do ônus da prova.

No sistema jurídico brasileiro, regulamentando a responsabilidade civil, convivem


duas teorias: a subjetiva, pautada na culpa, e a objetiva que abstraiu o elemento culpa.

O médico, no contexto consumeirista, é caracterizado como fornecedor de serviços. O


paciente usuário do serviço prestado, amolha-se no conceito de consumidor. Estabelecendo-
se, portanto, entre o médico e paciente, uma relação de consumo sujeita à incidência do
Código de Defesa do Consumidor. Quis o legislador, entretanto, excepcionar os serviços
médicos, mantendo sua responsabilização mediante a comprovação de culpa, consoante o que
dispõe o Código em seu artigo 14, § 4º, remetendo, por via de conseqüência, à legislação
civilista.

A atuação pessoal do médico, na qualidade de profissional liberal está sujeito à


responsabilidade subjetiva. Sua responsabilização será apurada mediante verificação de culpa.
A doutrina, majoritariamente, entende que o médico, nas relações de consumo com seus
pacientes, não está obrigado a um resultado, uma vez que o contrato firmado entre eles é de
meio. O compromisso assumido na prestação de serviço não é a cura, mas o de fazer o que
estiver ao seu alcance, com desvelo, dedicação, cautela e presteza, comprometendo-se a
desempenhar seu ofício valendo-se dos conhecimentos e dos meios técnicos disponíveis. O
78

dever de indenizar emergirá quando no serviço prestado puder ser comprovada a negligência,
a imprudência ou a imperícia. Por ser obrigação de meio e não de fim, cabe ao paciente o
ônus da prova, todavia, com a possibilidade de inversão do encargo probatório, sempre que
presentes a hipossuficiência do consumidor ou a verossimilhança da alegação, analisadas pelo
juiz, no caso concreto.

Em alguns casos específicos, a obrigação dos médicos é considerada de resultado, a


exemplo da anestesiologia e da cirurgia plástica estética. Com o devido respeito, ousamos
discordar deste posicionamento. O médico, a nosso sentir, assume o compromisso de prestar o
serviço da melhor maneira possível, atuando com zelo e prudência, esgotando os recursos
disponíveis, não podendo, diante das particularidades que envolvam a relação médico-
paciente, garantir um resultado.

O disposto no § 4º do artigo 14 do Código do Consumidor afastou da atividade pessoal


do médico a responsabilidade objetiva, mas manteve a possibilidade da inversão do ônus da
prova.

Especial atenção merece a questão relacionada à hipossuficiência do consumidor, já


que a doutrina consumeirista leva em conta a hipossuficiência técnica. Numa prestação de
serviços médicos, conseguimos vislumbrar poucas situações em que o consumidor não será
considerado hipossuficiente. Sendo assim, a inversão do ônus da prova faria com que se
operasse uma espécie de responsabilização objetiva? O médico estaria adstrito às excludentes
de responsabilidades previstas no Código de Defesa do Consumidor? A doutrina,
praticamente, não analisa estas questões.

Invertido o ônus da prova, nos parece que o mais correto é considerar a existência de
culpa presumida. Ao produzir a prova liberatória de sua responsabilidade, quando esta lhe
couber, o médico deverá comprovar a inexistência de culpa dos atos por ele praticados, não
ficando vinculado apenas às hipóteses liberatórias previstas pela legislação consumeirista,
caso contrário, se torna difícil compreender a intenção do legislador ao excepcionar a
responsabilidade dos profissionais liberais.

Quando se tratar de serviços prestados pelos estabelecimentos de saúde, para a grande


maioria dos doutrinadores, a apuração da responsabilidade desvincula-se da existência de
culpa, e se dá nos termos do artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor. Basta a
existência do dano e do nexo causal para gerar o dever de indenizar.
79

Não se pode esquecer que em medicina o insucesso do tratamento, em muitos casos, é


absolutamente normal, e nem todo mau resultado consiste em erro médico. Antes de
movimentar a máquina judiciária em busca da reparação por um pretenso erro médico, cabe
aos pacientes e aos profissionais do direito, tentar identificar se realmente ocorreu um erro
médico, ou se diante de um resultado adverso, é o sentimento de inconformismo que motiva o
manejo de uma ação judicial, pois, nem toda complicação sugerida no tratamento médico está
associada a um defeito na prestação de serviços.

Com isso, não se quer negar a existência de erros médicos, nem retirar daquele que se
sentir lesado o direito de buscar a tutela jurisprudencial, mas, sobretudo, se quer alertar para a
necessidade de prudência ao imputar ao médico uma conduta culposa, sob pena de se
inviabilizar o exercício da medicina.

Nos parece que uma série de dissabores poderia ser evitada se o relacionamento
médico-paciente fosse, primordialmente, pautado no respeito mútuo, se houvesse o resgate da
pessoalidade na prestação do serviço, sobretudo, se o médico além de desempenhar seu ofício
com profissionalismo e diligência, cumprisse o dever de informar ao paciente todas as
vicissitudes que envolvem o serviço prestado.
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