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RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar a possibilidade de responsabilização penal por erro
médico nos crimes contra a pessoa, mais precisamente nos crimes de lesão corporal e homicídio.
Traz a discussão sobre a possibilidade da implicação de responsabilização por erro doloso, na
modalidade de dolo eventual, e não apenas por culpa, durante o exercício da profissão da medicina.
O erro médico está presente na história desde o início da pratica médica, havendo uma
responsabilização inicial, antes de quaisquer leis ou códigos, onde o médico era visto como uma
divindade e, logo em seguida, a responsabilização é mostrada de forma diferente. A
responsabilização penal médica é algo complexo de ser estudado, visto a grande importância e a
forma honrosa com a qual os profissionais são vistos. Alguns dos doutrinadores entendem que só é
possivel uma forma de responsabilização médica, entretanto, existem entendimentos diversos,
inclusive por parte dos julgadores brasileiros. Apresenta-se nesse trabalho a possibilidade de
responsabilização por erros dolosos do médico, na modalidade de dolo eventual, no exercício
profissional. Ampara-se como metodologia, em pesquisas bibliográficas doutrinárias, legislação,
artigos jurídicos e científicos, trabalhos acadêmicos (monografias) e dissertações de mestrado.
ABSTRACT
This paper aims to analyze the possibility of criminal liability for medical malpractice in crimes against
the person, more precisely in crimes of bodily injury and homicide. Bring the discussion about the
possibility of implying liability for malicious error, in the mode of eventual malice, and not only for fault,
during the exercise of the medical profession. Medical error has been present in history since the
beginning of medical practice, with an initial accountability, before any laws or codes, where the
physician was seen as a divinity, and soon afterwards, the accountability is shown in a different way.
The criminal responsibility of physicians is something complex to be studied, due to the great
importance and the honorable way in which these professionals are seen. Some of the doctors
understand that only one form of medical responsibility is possible; however, there are different
understandings, including on the part of the Brazilian judges. This work presents the possibility of
liability for intentional errors, in the form of eventual malice, of the physician in the exercise of medical
practice. The methodology is based on bibliographic research of doctrine, legislation, legal and
scientific articles, academic papers (monographs), and master's theses.
Keywords: Eventual malice; Criminal responsibility; Medical responsibility; Medical error; Conscious
guilt.
1
Acadêmica de Direito do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).
2
Mestre em Direito e professor do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).
2
1 INTRODUÇÃO
este título.
2 DIREITO MÉDICO
Como explica Miguel Kfouri (1990, p.66), “tratando-se de vida humana, não há
lugar para culpas pequenas”. Diante disso, entende-se que a conduta culposa do
profissional médico deve ser avaliada em todos os seus aspectos, o bem jurídico
lesionado, o dano causado, suas extensões e o momento do ato, a fim de ser
imputada uma sanção adequada e justa diante da análise do caso concreto.
De tal forma, para que se aplique a responsabilidade penal médica por crime
culposo ao agente, é de suma importância que o paciente, ou em caso de
impossibilidade deste ou morte, seus familiares, demonstrem o dano penalmente
relevante e que esse derivou da culpa do médico. Para a aplicação da sanção, não é
importante se a culpa foi consciente ou inconsciente, cabendo apenas a
demonstração de imprudência, negligência ou imperícia.
Por outro lado, existe o crime de omissão pela ausência de conduta esperada,
assim configurada como a omissão de um atendimento médico quando lhe era
exigível atuar, estando diretamente relacionado com o crime de omissão de socorro,
cometido pelo profissional médico, tipificado no artigo 135 do Código Penal.
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco
pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou
ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses
casos, o socorro da autoridade pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta
lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Para Francisco Paulo Cerqueira Mota (1999, p.89-90) a forma mais comum
de negligência médica é a letra ilegível do médico, o que acaba por induzir o erro em
administração de medicamentos, em procedimentos realizados pelos enfermeiros,
que podem acabar causando danos em pacientes. Ou ainda, os casos em que
acontece de um cirurgião esquecer um objeto, uma gaze, dentro do corpo do
paciente, causando infecção generalizada e posteriormente a morte.
A dona de casa Cláudia Vicinança viveu quatro anos com uma gaze esquecida
na barriga após uma cesárea em um hospital particular de Campinas. Ela sentia
muitas dores, mas conta que só descobriu o problema quando resolveu ter um
segundo filho. "Eu sentia que eu tinha algum problema. Eu sentia muitas dores,
eu me sentia mal. Eu não tinha uma vida normal. O médico que procurei era
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especialista em reprodução e disse 'não vou te enganar', você não tem mais
condições de poder ter outro filho", relembra.
Cláudia conta que o estrago que o erro médico trouxe em sua vida nunca será
esquecido. "A gente nunca esquece. A gente não consegue superar porque a
gente fica com sequelas. Errar acontece, mas são muitos erros", desabafa.
O médico que atendeu a Cláudia perdeu uma ação na Justiça, teve que
indenizar a paciente, mas continua trabalhando. (G1, 2017)
e até mesmo a morte. Esta é uma análise muito difícil de ser feita, sobre a
responsabilização, visto que não envolve apenas o médico, envolve também o
paciente e seus familiares. Além da dificuldade na realização de provas, pela
chamada “máfia de branco”, em razão do corporativismo entre os profissionais da
área médica.
Não se tratando dos acidentes imprevisíveis e resultados incontroláveis, os
crimes decorrentes de erro médico podem ser na modalidade culposa ou dolosa,
ensejando uma responsabilidade penal. Ainda, existem alguns crimes próprios do
profissional médico tipificados no Código Penal, entretanto, não são objeto do
presente estudo. São denominados desta forma por conta da definição que a própria
lei trouxe para esta categoria profissional, como é o caso da violação do segredo
profissional, crime de falsidade de atestado médico e o exercício ilegal da medicina.
Conforme já foi exposto, a atividade médica que provoca um mau resultado
ao paciente, no exercício legal da medicina, e que atinja um bem jurídico-
penalmente tutelado, torna-se um ilícito penal, determinante de uma coação pessoal.
O grau de coação deverá ser determinado de acordo com o tipo penal que ensejou a
responsabilidade criminal pelo exercício da profissão de forma diversa da esperada
pelo paciente, e até mesmo pelo médico, visto que os crimes dolosos possuem
penas muito mais ofensivas e rigorosas do que os crimes culposos.
O certo é que quando o médico escolheu a profissão da medicina, cursou
anos de estudos para a preparação efetiva da prática da medicina e fez o registro no
respectivo Conselho de Medicina. Ele possui a consciência de que os resultados
indesejáveis podem acontecer se não agir com a devida cautela, diligência e
prudência que a profissão exige. Assim, se o profissional não se comportar de tal
maneira, é claro que resultados diversos do pretendido poderão ocasionar lesões e
a morte do paciente. O médico estará assumindo o risco de errar ao tratar das vidas
humanas, ensejando uma responsabilidade penal a título de culpa, mas podendo ser
perfeitamente configurável tal prática na modalidade dolo eventual (PARENTONI,
2012).
Ainda, Roberto Parentoni:
Podemos dizer até que o dolo é inerente à esta profissão, pois ao realizar
uma cirurgia, por exemplo, um corte em local errado, uma veia ou uma
artéria lesada, um procedimento inadequado pode levar o médico ao
resultado negativo. Ele paga o preço por desempenhar sua tarefa,
assumindo o risco de produzir um resultado negativo que ele não deseja,
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Pode-se notar que, se um médico for condenado por homicídio culposo, sua
pena será de detenção de um a três anos que, ainda, poderá ser aumentada em 1/3,
conforme prevê o § 4° do artigo 121 do Código Penal, “no homicídio culposo, a pena
é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica
de profissão”. Por outro lado, se o médico for condenado por homicídio doloso, na
modalidade de dolo eventual, sua pena seria de reclusão de seis a vinte anos.
Verifica-se que a pena é muito maior para os crimes dolosos. Porém, verificamos
que na maioria das decisões judiciais, após a efetiva condenação do médico em
processos movidos pelo Ministério Público, pacientes ou seus familiares, as penas
são mais moderadas, decorrentes de crimes culposos.
Ao analisar algumas das decisões dos tribunais, nota-se que o entendido no
sentido de que o erro médico está relacionado, em sua grande maioria das vezes, à
condutas culposas. Muitas das decisões inadmitem que um profissional que tenha
se empenhado tão arduamente e durante tantos anos para o aperfeiçoamento e
exercício de sua profissão, venha a desempenhar condutas tão desumanas e
repugnantes no intuito de não se preocupar com o resultado danoso da vida do
paciente.
Analisando as vastas ações a respeito de erros médicos, verifica-se que, em
grande maioria, a responsabilização imputada ao profissional médico se dá em
caráter culposo, afirmando os julgadores que, na maior parte das vezes, as condutas
dos profissionais são negligentes frente aos seus pacientes. Não se poderia falar em
dolo eventual em tais situações, pois os profissionais médicos, apesar de assumirem
o risco de tais resultados, não consentiam com eles.
Ainda, a maioria dos doutrinadores entende que o erro médico decorre da
culpa do próprio profissional. Por isso, é importante apontar algumas das decisões já
realizadas pelos tribunais acerca do erro médico e sua responsabilização por culpa.
Diante de todo o exposto, não se pode deixar de pontuar que muitos erros
médicos, atualmente, decorrem da inversão da relação médico-paciente, a falta de
proximidade do médico para o seu paciente, tendo em vista o grande número de
atendimento que esses profissionais realizam por dia, a sobrecarga dos médicos em
alguns hospitais pelas faltas de funcionários, os inúmeros plantões para buscar as
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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
sua profissão, não apenas de forma culposa, mas também de forma dolosa, na
modalidade de dolo eventual. Porém, visto a grande dificuldade em torno da
diferenciação do dolo eventual e da culpa consciente, a distinção pode ser
encontrada justamente na vontade relativa ao resultado do ilícito, visto que no dolo
eventual, o agente (médico), aceita a consequência do resultado de sua conduta e
continua a praticá-la.
A mais difícil questão para a imputação do dolo eventual é a produção de
provas, visto que as provas são periciais, documentais e testemunhais e talvez
ainda, a confissão, porém essa última é a que possui a maior dificuldade, visto que
muito dificilmente uma pessoa irá produzir provas contra si mesmo. O médico não irá
admitir que soubesse da possibilidade de causar a morte de um paciente e, mesmo
assim, agiu de maneira a concordar com essa possibilidade. As testemunhas, na
maioria das vezes, são os profissionais de categoria do médico, podendo deduzir
que eles não prestariam um depoimento a fim de prejudicar um colega de profissão.
O que mais se averiguou é a falta de uniformidade entre as decisões judiciais
e doutrinárias a respeito da responsabilização do erro médico doloso, na modalidade
de dolo eventual, na situação que o julgador ao se deparar com um caso desses,
deverá analisar de forma distinta e buscar a fundamentação de sua possível
responsabilização dolosa, de acordo com a ocorrência do efetivo dano causado no
paciente.
Assim, pode-se demonstrar a existência da possibilidade da conduta dolosa -
dolo eventual - realizada pelo profissional médico, conforme entendimento de
doutrinadores e julgadores. Concordando que o médico, um ser humano, dispõe da
possibilidade e da vontade de conduzir-se de forma dolosa no exercício de sua
profissão. E é justamente por isso que se deve entender que o juízo para a
responsabilização penal do médico não se pode limitar apenas a culpa, devendo
levar em consideração a possibilidade da existência do dolo eventual, para fins de
atribuições de penas mais duras e incisivas, pelo elemento da vontade.
De nada adiantaria este artigo, se não fosse para a efetiva demonstração de
que o dolo eventual pode sim estar presente nos erros médicos, o que possibilita a
implicação e condenações nos crimes dolosos contra a vida, sendo aplicadas pelos
legisladores penas mais quantitativas e mais rigorosas.
REFERÊNCIAS
22
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São Paulo: Saraiva, 2009.
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______, Maria Helena. O Estado atual do Biodireito. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2011.
23
Família acusa hospital de esquecer objeto cirúrgico na paciente após o parto. SBT
NEWS, 2019. Disponível em <https://www.sbtnews.com.br/noticia/primeiro-
impacto/134048-familia-acusa-hospital-de-esquecer-objeto-cirurgico-em-paciente-
apos-parto>.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Especial. 11. Ed, v. 1.
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Disponível em <http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2017/02/paciente-de-
campinas-vive-4-anos-com-gaze-esquecida-na-barriga.html>.