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Houve uma época em que a palavra do médico era lei e ninguém ousaria contestar seus
procedimentos no diagnóstico e tratamento de um paciente. Tudo que o médico fazia era tido
como certo, indispensável e necessário – era como se a medicina fosse um sacerdócio. As
pessoas tinham a convicção de que ele estava sempre lançando mão de todos os recursos da
medicina, que eram ainda bastante limitados. E, quando o tratamento não trazia os resultados
esperados, advindo até a morte do paciente, as pessoas compreendiam que aquilo só podia ter
sido obra do destino, apesar do esforço e dedicação do médico.
Mesmo o destaque social que era dado à profissão médica sempre deixou a
responsabilidade do médico numa posição delicada, principalmente porque o contrato de
prestação de serviços médicos tinha como característica fundamental a sua pessoalidade.
Assim, como ensina FRADERA1 “Era o „médico de família‟, o médico de cabeceira, que,
durante décadas, dispensava cuidados, às vezes, a três gerações de um mesmo clã familiar”.
1
FRADERA, Vera Maria Jacob de. Responsabilidade civil dos médicos. In.: Ajuris, p. 116.
1
Hoje, os médicos conhecem cada vez menos seus pacientes, aumentando a
responsabilidade pelos diagnósticos, pois a nova medicina, que aumenta as possibilidades de
cura, também propicia uma nova gama de possibilidade de danos, com “conseqüências muito
mais graves do que aquelas que advinham da utilização dos métodos mais antigos e
tradicionais de tratamento e cirurgia”.2
Mesmo que a medicina tenha alcançado alto grau de desenvolvimento nos dias de
hoje, ela não consegue recuperar funções vitais do corpo humano, órgãos e a própria vida,
bens maiores do homem. A relevância reside também na constante interveção deste
profissional, que é cada vez mais exigido, diante da amplitude e profundidade que assumem
as informações sobre o complexo funcionamento e organização do corpo humano.
2
FRADERA, op. cit., p. 119.
2
em seguida, discutir os problemas decorrentes do erro médico, tratando, principalmente, da
responsabilidade médica e civil.
3
4
CAPÍTULO I
RESPONSABILIDADE MÉDICA
Antes de discorrer sobre o erro médico, é interessante verificar quando se iniciou essa
preocupação tão debatida atualmente. SILVA3 comenta sobre Hammurábi (1728-1686 a.C.),
rei da Suméria considerado o responsável pela implantação do direito e da ordem em seu país
e motivo fundamental da unidade de seu reino.
Esse rei criou o Código de Hammurábi, “uma das mais antigas coleções de leis da
Antigüidade oriental, legando-nos textos referentes às lesões corporais (arts. 196 a 214) e aos
erros médicos (arts. 218 e 219), crimes puníveis com a pena do talião”.4
Alguns séculos mais tarde, o médico pessoal do Papa Inocêncio X – Paolo Zacchia6
(1584-1659) – publicou a obra “Quaestiones médico-legales”, cujo último volume dum total
de seis era dedicado ao estudo de erros médicos e a respectiva punição legal.
Após apresentar esses três personagens que viveram em diferentes épocas, muito
distantes entre si, verifica-se que a preocupação com o tema “erro médico” praticamente
nasceu com a própria medicina, mas parece que hoje, mais do que nunca, ouve-se falar em
erro médico, principalmente porque, segundo GIOSTRI, “a veiculação da imprensa falada
escrita e televisada dá-se de maneira ostensiva, prejudicial à classe, já que os acertos, mesmo
sendo a maioria, não recebem igual divulgação”7 Quer dizer, os médicos são apontados como
3
SILVA, Francisco R. M. Moraes. Erros médicos: doutrina e conseqüências ético-legais. In.: Arquivos do
Conselho Regional de Medicina do Paraná. v. 7. n. 26. Curitiba, abr-jun/1990, p. 74.
4
SILVA, op. cit., p. 74.
5
SILVA, op. cit., p. 74.
6
Considerado, segundo SILVA, o pai da medicina legal.
7
GIOSTRI, Hildegard T. Erro Médico e condições de trabalho. In.: Arquivos do Conselho Regional de
Medicina do Paraná. v. 13, n. 49. Curitiba, jan. – mar/1995, p. 1.
5
culpados mas, entre os acusadores, são poucos os que se precocupam em determinar as causas
que levaram aquele profissional a cometer o erro médico – qual sua real responsabilidade na
ação que desencadeou no erro.
Para isso, este capítulo estuda a responsabilidade e no que ela se baseia para, em
seguida, examinar o erro, seus tipos e características, bem como a diferença entre o erro
médico propriamente dito e a má prática da profissão.
O progresso técnico que a atividade médica vem sofrendo ao longo do tempo, se por
um lado aumentou a expectativa de vida humana e deu mais segurança ao trabalho do médico,
por outro lado acarretou a este um maior grau de responsabilidade civil.
O art. 159 do Código Civil determina: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar
o dano”8. É a fundamentação da responsabilidade civil.
8
Citado por BLOISE, Walter. A responsabilidade civil e o dano médico: legislação, jurisprudência, seguros e o
dano médico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 8.
9
MONTEIRO, Washington de Barros, citado por BLOISE, op. cit., p. 9.
6
Seguindo o pensamento de MONTEIRO, BLOISE10 conclui que surgem duas
situações distintas:
MATIELO13 expõe o tema responsabilidade civil de maneira muito interessante, e que mostra
as dificuldades de se julgar o possível dano:
10
BLOISE, op. cit., p. 9.
11
GIOSTRI, op. cit., p. 2.
12
BLOISE, op. cit., p. 9.
13
MATIELO, Fabrício Z. Responsabilidade civil do médico. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1998, pp. 11-12.
7
CONDUTA ILEGÍTIMA + RESULTADO LESIVO + NEXO CAUSAL = RESPONSABILIDADE
CIVIL
O que se entende, após essa breve exposição, é que toda e qualquer manisfestação de
atividade humana traz em si a conotação de responsabilidade . Mesmo se fundamentando
distintamente de acordo com os costumes de época e tendo suas variáveis determinadas pela
ideologia social dominante, o fim se mostra idêntico, ou seja, busca-se a manutenção do
equilíbrio social ou a restauração do equilíbrio rompido.
14
MATIELO, op. cit., p. 17.
15
De acordo com GIOSTRI, op. cit., p. 2.
16
Segundo KELSEN, Da teoria geral do direito do estado. p. 84.
17
PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p.
193.
8
Embora em algumas situações de emergência a prestação dos serviços médicos não se
realize por meio de um contrato, a regra é que a responsabilidade dos profissionais da
medicina seja contratual.
18
A jurisprudência é clara em não admitir presunção de culpa na responsabilidade do profissional médico: “cabe
ao médico tratar o doente com zelo e diligência, com todos os recursos de sua profissão para curar o mal, mas
sem se obrigar a fazê-lo, de tal modo que o resultado final não pode ser cobrado ou exigido”. 7ª Câmara Cível do
TSJP, Ap. Civ. 177-280-1/8, In.: Revista dos Tribunais n. 694, 1993.
19
DIAS, José de A. Da responsabilidade civil. v. 1. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 283
9
Apesar de certa irrelevância da discussão, o critério utilizado pela doutrina para
responsabilidade é considerar a responsabilidade médica contratual, mesmo quando há
gratuidade no atendimento, e extracontratual quando o dano resulte da negativa de
atendimento ou perante terceiros20, apesar do Código Civil brasileiro conter disposição
referente a responsabilidade extracontratual21.
AGUIAR DIAS22 entende que, a despeito de o Código Civil ter tratado o assunto entre
os dispositivos que dizem respeito à responsabilidade aquiliana, considera aquela como
contratual, no que é acompanhamento por inúmeros outros autores.
Como já citado, sendo contratual, ela baseia-se sobre o contrato do tipo “de meio”,
onde o médico tem a obrigação de oferecer a seu paciente todos os meios disponíveis para
atingir a sua cura e que está baseado no cumprimento de atos resultantes das próprias forças
físicas ou intelectuais do médico, ou seja, “o limite de sua prestação obrigacional encontra-se
naquilo que ele, devedor, pode fazer em conformidade com seu estado físico e mental”23.
O médico é responsável não só pelo que fez, mas também pelo que deixou de fazer;
pelo que disse e pelo que deixou de dizer; pela oportunidade que escolheu para não fazer
quando deveria – ou poderia – ter feito – por isso, a responsabilidade subjetiva. Mas, isso
significa que ele será sempre culpado quando um objetivo não for atingido ou o resultado não
for o esperado? É o que pensa a maioria das pessoas; basta verificar o aumento do número de
ações de indenizações responsabilizando médicos por insucessos, nem sempre frutos de erros.
20
DIAS, FRADERO, entre outros.
21
Art. 1545. Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dono,
sempre que da imprudência, negligência ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir
ou ferimento.
22
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10 ed. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 253.
23
GIOSTRI, op. cit., p. 3.
24
BLOISE, op. cit., p. 83.
10
b) a relação de causalidade entre o dano e o fato imputável ao
agente; e
c) a culpa do agente, agindo com dolo ou culpa, que é a culpa por
negligência, imprudência ou imperícia25.
O ato médico pode se consistir numa ação ou numa inação culposa. A ação se
constituirá em conduta positiva imperita ou imprudente no desenvolvimento de sua atividade
profissional, enquadrável dentro dos parâmetros comuns da responsabilidade. O aspecto
negativo, a inação, poderá se constituir tanto em negligência do diagnosticar ou numa
25
BLOISE, op. cit., p. 83
26
MONTEIRO, Washington de Barros, citado por BLOISE, op. cit., p. 83.
11
intervenção sobre a saúde de um paciente, causando-lhe um dano27, como numa violação de
deveres éticos mais fortes, quando estiver caracterizada a omissão de socorro, penalizada no
art. 135 do Código Penal brasileiro28.
Assim como o advogado, o médico não se comprete com um resultado, mas a prestar
sua assistência, de forma diligente, prudente e atenciosa.
Não compete ao médico restituir a saúde de seu paciente, objetivo que não íntegra sua
prestação, mas utilizar sua técnica e seus conhecimentos da melhor forma possível, para
atingie este objetivo. Em virtude disso, a obrigação do médico é uma obrigação de meio e não
de resultado.
27
“Comete homicídio culposo e não omissão de socorro o médico plantonista que, negligenciando no
atendimento do paciente, com o qual manteve contato, limitando-se a receitar-lhe medicamento por intermédio
da enfermaria, contribui eficazmente para sua morte”. DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 2 ed. São
Paulo: Renovar, 1988, p. 259.
28
“Configura o crime deste art. 135 a conduta do médico que recusa assistência a doente grave, a pretexto da
falta de pagamento de honorário ou da inexistência de convênio [...] Comete omissão de socorro o médico que
alega estar de folga quando quando não há outro médico na cidade [...], ou que exige depósito prévio para tratar
de ferido sem recursos [...]”. DELMANTO, Celso, p. 259.
12
Enquanto na obrigação de resultado a imputação da responsabilidade depende do
resultado econômico-social determinado contratualmente, na obrigação de meio, depende da
honestidade e diligência do devedor na realização da prestação.
Assim, da mesma forma que a obrigação de prestar uma coisa, por exemplo a entrega
de um pão, tem como objeto da prestação a efetiva entrega do pão e não que aquele pão tem
mate a fome de alguém, na obrigação de meio o objeto da prestação consiste somente no
fazer, independente de satisfazer uma necessidade da vida. De qualquer forma, esta divisão
não é rígida, pois mesmo as obrigações consideradas de resultado deixam fora do conteúdo
da prestação a sastisfação de alguma necessidade da vida.
Assim, o advogado e o médico se obrigam a prestar serviços, devendo eles agir com
diligência e cuidado no sentido de atingir a finalidade pretendida pelo cliente. Não se obrigam
ao resultado.
Isso significa dizer que não é ínsita ao exercício da atividade médica e advocatícia a
assunção de riscos. Neste sentido foi feliz o Código de Defesa do Consumidor, em seu
parágrafo 4º, art. 14, ao excluir de seu regime de responsabilidade objetiva os profissionais
liberais.
Isto fica claro quando o resultado pretendido – a cura – é inatingível, por exemplo, no
diagnóstico e tratamento da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), de grande
parte das doenças do coração, câncer e, inclusive, gripe.
13
Por isso, faz-se necessária a exposição do que seja a culpabilidade do médico, porque
o fato dele ser responsável por seus atos não significa, necessariamente, que ele é culpado.
Para que ele seja responsabilizado, se faz necessário que de sua parte tenha havido a culpa.
CAPÍTULO II
A CULPA
É dever ético não só do médico como de todo e qualquer profissional que recomende
um especialista ou alguém que entenda melhor de certa matéria, quando seu conhecimento
não alcançar a complexidade do problema.
29
DIAS, J. A Op. cit., p. 284.
30
FRADERO, em seu art. 127-128, faz ressalva quanto ao médico do interior, que não pode ser responsabilizado
por não acompanhar os avanços da medicina. Porém, a idéia de interior nos dias de hoje está relativizada. Muitas
vezes os centros de especialização localizam-se no interior, bem como o desenvolvimento dos meios de
comunicação e transporte não permitem essa desculpa.
14
para delimitação do que pode se constituir em conduta culposa do médico, é necessário que se
verifique objetivamente quais são seus deveres perante o cliente.
Isto não significa que deva o médico ficar de plantão ao lado do leito de todos os seus
clientes, mas trabalhar de forma que sempre possa, em tempo hábil, colher as informações
necessárias para suas intervenções técnicas. Em outras palavras, pode-se dizer que o
atendimento a uma clientela extremamente grande, sem que haja elementos humanos e
técnicos para tal, pode, em algumas situações, configurar o abandono, levando à
responsabilização.
31
DIAS, J. A. Op. cit., p. 286.
16
Poderá o médico deixar de atender, mas não abandonar. Para tanto, deverá comunicar
o paciente e seus familiares, preferencialmente com a motivação do ato, restituindo-lhes os
honorários recebidos pelos serviços não prestados. O abandono caracteriza-se pela situação de
desinformação e não-assistência, enquanto que para o paciente há a expectativa constante de
que está por vir a “visita” médica.
O dever de assistência inclui o dever de vigilância sobre aqueles pacientes que possam
causar a si mesmos danos, principalmente naqueles afetados por doenças mentais, ou em
doentes que utilizem medicamentos capazes de provocar alucinações ou até mesmo
depressões, necessárias muitas vezes para combater a própria dor. Também integra a
vigilância nos períodos pré e pós-operatório, fases em que o atendimento deve ser constante,
evitando-se assim danos por motivos facilmente afastáveis.
c) Dever de prudência: consiste na ação do médico de acordo com a pauta da boa-fé. Não
obstante o atendimento médico não surja de um contrato, não pode ele realizar tratamento
arriscado ou operação que oferece grandes riscos sem a autorização do cliente ou de seus
familiares, após a exposição de todos os riscos que envolvem a situação.
Não pode o profissional abusar de sua situação de superioridade técnica para decidir
sobre a conduta da vida de seus clientes.
É claro que em situações de extrema emergência este dever assume outra conotação, a
de atender sem a fixação de condições. Assim, naqueles casos em que a gravidade de uma
situação exige uma intervenção imediata, sob risco de vida, função ou órgão de paciente sem
condições de consentir. Em geral, estando presente o consentimento do paciente, mesmo que
tácito, o médico não pode ser responsabilizado pelos riscos naturais a determinada
intervenção cirúrgica ou da utilização de certa meditação, exceto quando verificar-se a
ocorrência de erro grave ou desrespeito a outro dever. Porém, assumirá riscos se através de
sua superioridade escolher arbitrariamente a condução do tratamento, expondo o paciente a
riscos muitas vezes injustificados, ou, se justificados, que não seriam assumidos.
17
acompanhe as técnicas médicas32 que se desenvolvam sem cessar, contemporâneas a cada um
de seus atos, condição para a intervenção sobre o corpo humano.
32
Segundo FRADERA, V. M. J.: “um conjunto de procedimentos bem definidos e transmissíveis, destinados a
produzir certos resultados que se considerem úteis”. Op. cit., p. 121-122.
33
GIOSTRI, op. cit., p. 4.
34
DIAS, op.cit., p. 120.
18
razoavelmente se faz; é a inobservância das normas que ordenam agir com atenção,
capacidade, solicitude e discernimento; é algo que se deixou de fazer.
Se o médico agiu com culpa e houve a ocorrência do dano, resta provar que entre o seu
agir e o resultado danoso houve realmente um nexo causal.
Para FRANÇA36, “o nexo é a relação entre a causa e o efeito, um elo entre o dano e o
ato. Se o dano apontado é a própria continuação incontrolada do estado mórbido, por seu
curso irremediável e progressivo, não há o que falar de culpa médica”.
35
GIOSTRI, op. cit., p. 5.
36
FRANÇA, Genival V. de. Erro médico – um enfoque político. In.: Arquivos do Conselho Regional de
Medicina do Paraná. v. 7, n. 27. Curitiba, jul. – set/1990.
19
Por exemplo: quando um médico deixa de inspecionar a cavidade abdominal do
paciente após a cirurgia, nela esquecendo uma agulha que vem a provocar infecção e óbito, a
conduta negligente foi, sem dúvida, a causa do desencadeamento do evento lesivo. Assim, se
a infecção funcionou como patologia determinante da morte, o fator decisivo na produção da
moléstia foi o objeto (a agulha) negligentemente deixado no organismo. No caso apresentado,
a influência da conduta negligente do médico foi a causa do dano final (o óbito), mas há
hipóteses em que a averiguação nem sempre é tão simples.
2.3. A Perícia
SANTOS37 define perícia como sendo “o meio pelo qual, no processo, pessoas
entendidas, e sob compromisso, verificam fatos interessantes à causa, transmitindo ao juiz o
respectivo parecer”.
37
SANTOS, Moacyr A Primeiras linhas de direito processual civil. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 474.
38
MATIELO, op. cit., p. 172.
20
estabelecendo, destarte, a indispensável conexão que faz emergir a responsabilidade civil do
autor dos danos”.
MADIA, citado por SILVA40, faz recomendações referentes aos limites da perícia,
quando se trata de erro profissional, e são as seguintes:
39
GIOSTRI, op. cit., p. 5.
40
SILVA, op. cit., p. 81.
21
CAPÍTULO III
O ERRO
A expressão “erro” pode encerrar uma variada gama de sentidos que são diferentes
entre si, mas que o cidadão comum costuma englobar a todos, indistintamente, dentro do
universo do erro, o que não só dificulta situações como pode trazer conseqüências desastrosas.
Exemplificando, pode-se tornar expressões tais como falha, lapso, omissão, equívoco,
negligência, desatenção, descuido, imperícia, esquecimento, inexatidão, imprudência e todas
elas estarão, dentro do entendimento da maioria, englobadas pelo termo “erro” ainda que
diferentes entre si em valor, sentido e gravidade.
22
Na opinião de GIOSTRI41, erro médico pode ser entendido como “o mau resultado ou
o resultado adverso decorrente de uma ação ou da omissão do médico. Conforme já frisado,
ele pode ocorrer por imperícia, imprudência ou negligência, e a participação do médico será
sempre culposa e não dolosa”.
FRANÇA42 diz que o erro médico, “quase sempre por culpa, é decorrente de uma
forma atípica e inadequada de conduta profissional. Supõe uma inobservância de regras
técnicas, capaz de produzir um dano à vida ou à saúde do paciente, e de ser caracterizada
como imperícia, imprudência ou negligência, no exercício da atividade médica”. Coloca o
autor que, mesmo diante do erro consumado, deve-se levar em conta as condições do
atendimento, a necessidade da ação e a moderação dos meios empregados.
BLOISE43 cita exemplos de erro médico, sob o ponto de vista de vários autores:
41
GIOSTRI, op. cit., p. 6.
42
FRANÇA, op. cit., p. 148
43
BLOISE, op. cit., p. 93.
23
radiológico, quando o estado da ciência não mais permitira
ignorar as emissões parasitárias decorrentes dele; o esquecimento
de corpo estranho no organismo do paciente, salvo quando se deva
à rapidez requerida pela intervenção; a conservação de aparelho
destinado a reduzir fratura ou luxação, não obstante protesto do
doente, quando possa ser aquele removido sem inconveniente.
Então, no plano geral, observa-se que tanto para o leigo como para a sociedade mal-
informada o médico tem um poder sem limites, ou ao menos deveria tê-lo. Essa, talvez, seja
uma razão para que o erro médico suscite tanta discussão, principalmente no que diz respeito
às motivações e circuntâncias de sua efetivação.
Assim, FRANÇA44, diz que o erro médico é de ordem pessoal ou de ordem estrutural.
44
FRANÇA, op. cit., p. 151.
24
Há ainda aqueles médicos que, mesmo qualificados e com certa experiência, são
irresponsáveis, descomprometidos com sua profissão, que manipulam os pacientes em busca
de interesses particulares.
Com relação ao erro estrutural, há que se falar sobre o sistema de saúde brasileiro.
Para que se possa entender como a assistência médica no Brasil chegou até a situação
dos dias de hoje, é preciso retroceder até 1930, quando ocorreram mudanças de caráter
relevante.
Até 1930 se contava com uma assistência médica com características liberais; “crescia
o papel desempenhado pelo profissional liberal em seus consultórios”45.
25
Em novembro de 1966, os Institutos de Aposentadorias e Pensões foram absorvidos
pelo então criado INPS. Esta medida, se por um aspecto foi avançada para a época,
permitindo que milhões de brasileiros tivessem acesso à assistência médica e também
ampliando o mercado de trabalho para os prestadores de serviços médicos-assistenciais, por
outro lado, foi de cunho centralizador e serviu ainda mais para reduzir o liberalismo técnico
do médico, tornando-se assim um gigante de difícil administração vindo com o tempo
mostrar-se ineficiente sobre vários aspectos, tanto do lado dos assistidos, como também para
as organizações hospitalares, e para os médicos. Sem contar na ineficiência e corrupção
dentro das mais variadas instâncias do governo.
Durante anos de desafio de construir um sistema de atenção à saúde que fosse público,
de qualidade e organizado em nível nacional, uniu trabalhadores de saúde, organizações
populares, partidos políticos e sindicatos, na elaboração de uma proposta que garantisse o
acesso a serviços de saúde, proporcionando proteção, promoção e recuperação da saúde da
população. Em 1986 realizou-se a 8ª Conferência Nacional de Saúde, onde foi apresentada e
aprovada a proposta do Sistema Único de Saúde (SUS).
A efetivação do Sistema Único de Saúde ocorreu em 1988, com base no artigo 198 da
Constituição Federal, com o obetivo de garantir o atendimento a qualquer pessoa, nos
hospitais conveniados ou cadastrados, sem necessidade de qualquer desembolso por parte do
45
MORAES, Irany Novah. O mal da saúde no Brasil. p. 82.
26
cliente. Nesse sistema de saúde todos devem ser tratados igualmente, cada um de acordo com
suas necessidades, tendo a sáude atenção integral.
46
CARVALHO, Guido Ivan de, & SANTOS, Lenir, Sistema único de saúde – comentários à lei orgânica da
saúde (lei 8.080/90 e lei 8.142/90). p. 62.
47
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA. P. 102.
27
3.1.2. Os médicos no Brasil
De acordo com MACHADO48, a medicina é uma das profissões mais complexas dos
últimos tempos, não só porque possui um corpo de conhecimento técnico científico sólido e
complexo, mas porque conquistou um exclusivo e inviolável mercado de trabalho e
normalmente detém uma clientela fiel que busca freqüentemente seus serviços.
48
Resumo elaborado a partir da pesquisa Perfil dos Médicos no Brasil, elaborado pela equipe de pesquisadores
da Fiocruz, sob a coordenação de Maria Helena Machado, Doutora em Sociologia e pesquisadora da Escola
Nacional de Saúde Pública – Fio Cruz. Apresentado no livro Os médicos no Brasil – um retrato da realidade,
organido por MACHADO, Maria H. 1997, pp. 220-221.
49
Disponível na Internet. http//www.fiocruz.org.br. 24/05/2000.
28
Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia refletem na estrutura do sistema de saúde
como um todo e, conseqüentemente, na composição do Perfil dos Médicos no Brasil50.
Os dados a seguir fazem parte desta pesquisa, onde os médicos totalizam 183.052
profissionais, equivalendo à relação de 3,28 médicos para um contingente de 1.000 habitantes
nas capitais e 0,53 médicos por 1.000 habitantes do interios dos estados. A profissão é
predominantemente masculina (67,3%).
A franca deterioração dos rendimentos médicos ocorrida nestes anos devido aos vários
planos econômicos nacionais tem contribuído para uma certa inibição não só da participação
em encontros científicos, como também no acesso direto às inovações técnico-científicas
ocorridas na medicina através de publicações científicas internacionais. No Brasil, por
exemplo, 13,7% têm assinatura nestas modalidades de divulgação médica. Buscando
equacionar as necessidades pessoais por aprimoramento constante que o ofício da medicina
exige e às reais condições – pouco favoráveis – para iniciativas individuais (por exemplo,
autofinanciamento), os médicos aderem fortemente às sociedades científicas médicas, o que
representa no Brasil 98,3%.
50
Pesquisa realizada pela FIOCRUZ em 1998, nos estados brasileiros citados, e divulgada através da Internet em
1999.
29
equacionar as necessidades pessoais por aprimoramento constante que o ofício da medicina
exige e às reais condições – pouco favoráveis – para iniciativas individuais (por exemplo,
autofinanciamento), os médicos aderem fortemente às sociedades científicas médicas, o que
representa no Brasil 98,3%.
51
Constituição Federativa do Brasil, 1988. Título VIII – Da Ordem Social, cap. II, seção II, arts. 196 a 200. Pp.
102-103.
31
Tais medidas representam uma resposta à crise em que a profissão se encontra,
colocando em risco não só esses profissionais, como o que eles representam no contexto do
sistema de saúde brasileiro.
Ao manter contato inicial com o paciente, cabe ao médico, tanto quanto possível,
realizar a anamnese que, segundo MATIELO52, “é o estudo preliminar da sintomatologia e
evolução de uma doença até o instante da primeira observação efetiva feita pelo médico”. A
anamnese é o procedimento através do qual o paciente – ou alguém responsável por ele –
informa ao médico sobre seus sintomas, tempo em que isso ocorreu, bem como a incidência
de casos daquela doença na família, modo de vida, possíveis alergias e tudo mais que possa
auxiliar na pesquisa médica para solucionar o problema apresentado pelo paciente.
52
MATIELO, op. cit., p. 96.
32
conhecimentos teóricos e práticos do médico, associada aos indicadores científicos ditados
pelo avanço da modernidade na medicina. O diagnóstico de uma enfermidade talvez seja o
momento mais importante da intervenção médica, pois um erro neste momento poderá
comprometer não só a possibilidade da cura, como também poderá trazer danos não
previsíveis para aquela situação.
33
infecção hospitalar, provocada pela falta de higiene e descuido na utilização dos
equipamentos.
Será na fase do tratamento que a perícia médica será avaliada de foram objetiva, pois
se muitas vezes o grau de desenvolvimento da medicina não permite diagnóstico adequado,
no tratamento o médico deve estar constantemente verificando as reações às suas
intervenções, tirando a prova da correção de seu diagnóstico.
Esta característica da cirurgia estética se deve ao fato de que a motivação moral para
sua realização, embora seja socialmente aceita, não tenha a mesma relevância da intervenção
para o salvamento de vidas ou para a eliminação da dor.
53
DIAS, J. A Op. cit., p. 297.
34
Para ilustrar a questão, interessante é o caso narrado por DIAS 54, no qual uma jovem
senhora procura um médico para eliminar gorduras excessivas existentes em suas pernas. Na
cirurgia o médico, além da gordura, retirou extensa massa muscular em apenas uma das
pernas, numa operação cujos contornos foram extremamente complicados. Ainda pela
dificuldade de sutura do tecido, pela extrema contração dos músculos, a perna da paciente foi
enfaixada com bandagens, somente retiradas após três dias da cirurgia, quando um cheiro
característico de gangrena surgiu. Ao final de três semanas não restou outra alternativa que a
amputação da perna.
Mas a cirurgia estética não pode ser tratada num só plano, pois pode, além de ter a
finalidade de alterar a aparência humana, ter a de restauração, de reparação, situação na qual
altera-se o conteúdo da obrigação médica.
Apesar de nos dois casos a conduta médica ter como pauta um padrão comum, a
situação que se apresenta impõe à cirurgia meramente estética o alargamento do conteúdo de
sua prestação.
Diz FRADERA55: “Se o médico não tiver condições de assegurar ao paciente de uma
cirurgia puramente estética o resultado almejado, deverá abster-se de realizar o ato cirúrgico.
Em se tratando dessa especialidade, portanto, os deveres de informação e de vigilância têm
sua observância exigida de forma rigorosa”.
54
DIAS, J. A Da responsabilidade civil. v. 12, p. 305-307.
55
FRADERA, Vera M. J., Op. cit., p. 121.
35
Isso não significa que moralmente seja condenável a cirurgia estética. Pelo contrário,
é a valorização da beleza e da vaidade como bens inerentes à experiência humana que busca-
se preservar nesses casos, com regras mais rígidas de responsabilidade.
Porém, se por um lado a beleza é importante, muito mais é a saúde do corpo, motivo
pelo qual, ao pesar os bens em questão, deve o médico esteticista aumentar sua vigilância e
seus cuidados para não provocar danos ou criar demasiados riscos onde não existem. Se os
riscos forem maiores do que o bem em questão, deverá o médico recusar-se a operar. Se
numa cirurgia para prolongamento da vida ou melhoramento da saúde vale a pena suportar
certos riscos, no caso da cirurgia estética estes riscos devem ser menores, pois o bem
almejado não é a cura ou a vida, mas sim a aparência.
36
qual são prescritos determinados medicamentos”56. Da mesma forma, é impossível obter
colaboração daqueles que desenvolvem seus trabalhos junto ao médico. De outros médicos
há solidariedade, pois também poderão estar em situação idêntica, bem como de outros
profissionais, que agem sob o comando dos médicos, dos quais depende o emprego e
sobrevivência.
Este silêncio leva, inclusive, a que se atribua aos médicos a pecha de “máfia de
branco”57.
Por isso, na avaliação da prova não pode o julgador esperar provas diretas e absolutas
para sua responsabilização, pois será sobre indícios e evidências lógicas que deverá formar
seu convencimento. Sobre este aspecto é ainda importante referir que embora seja um
fornecedor, as regras referentes à responsabilização civil do médico são as do Código Civil e
não do Código de Defesa do Consumidor, para disposição expressa sua. O art. 14, § 4º,
menciona que a responsabilidade dos profissionais liberais é subjetiva, fundada na culpa.
Não obstante a isto vigem as demais disposições do CDC, entre elas o art. 6º, VIII, que
determina como direito do consumidor “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com
inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for
verossímil a alegação, ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiência”. Isso significa que mesmo havendo a necessidade da verificação da culpa do
profissional, em circunstâncias nas quais o paciente não tem as mesmas condições do
profissional para produzir a prova, tal ônus deve ser invertido, aliado a situações onde é
verossímil sua alegação, bastando uma cognição superficial.
56
FRADERA, V. M. J. Op. cit., p. 124.
57
DIAS, J. A Op. cit., p. 312.
58
FRADERA, V. M. J. Op. cit., p. 124.
37
Mais do que isto, NERY JUNIOR59 entende que quando tratar-se de obrigação de
resultado, o critério para verificação da responsabilidade não está limitado pelo art. 14, § 4º,
submetendo o profissional às regras da responsabilidade objetiva.
Porém, se intervir outro fato na cadeia causal, como a ocorrência de nova enfermidade
ou a manifestação de sintomas antes não aparentes, surge um problema para a
responsabilização. A solução oferada pela jurisprudência francesa60 é a de que, mesmo
quando haja interferência de “predisposições mórbidas da vítima”, não há motivo para
diminuição de responsabilidade, devendo a indenização ser integral por ser a obrigação de
meio e não de resultado.
Cumprindo o dever de informar, mesmo que o risco seja grande, inclusive igual à
possibilidade de recuperação, não será o médico responsabilizado se o resultado que busca
atingir seja o de afastar um mal maior, como, por exemplo, a morte. Nestes casos, deverá o
profissional pesar os vens que estão em jogo e avaliar com grande cuidado os rumos a serem
seguidos. Se for necessário, deverá precaver-se com o auxílio de colegas que endossem sua
opção.
59
NERY JUNIOR, Nelson. Os princípios gerais do código de defesa do consumidor. In.: Revista do Direito do
Consumidor. n. 3, p. 56.
60
FRADERA, V. M. J. Op. cit., p. 129.
38
CAPÍTULO IV
61
FRADERA, V. M. J. Op. cit., p. 130.
62
CHABAS, F., p. 2. Texto datilografado, pertencente a FRADERA.
39
O Acórdão Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é inédito ao reconhecer a perda
de uma chance como fator de responsabilidade civil do médico63. Tratou-se de caso em que o
paciente possuía número baixo de espermatozóides, motivo pelo qual foi realizada cirurgia, de
caráter eletivo e não urgente, que teve como resultado final a morte. A responsabilização do
médico se deveu a que a cirurgia foi realizada prematuramente, pois embora o número de
espermatozóides do paciente fosse baixo, através da inseminação artificial a fecundação era
uma possibilidade. Além disso, o paciente estava casado há apenas uma semana. Também
errou o médico ao dar alta ao paciente que se encontrava febril. Com o agravamento da febre
e outros sintomas surgidos após a cirurgia, o médico se restringiu a atender o paciente por
telefone recomendando o uso de antipirético e termõmetro. Voltando para o hospital, o
paciente foi para a Unidade de Tratamento Intensivo, vindo a falecer devido a um quadro
septicemia. Ainda como elemento importante, considerou-se que a vítima concorreu para que
o evento acontecesse, por Ter insistido em voltar para casa, motivo pelo qual houve redução
no valor da indenização. “Liberando o paciente e retardando seu reingresso na instituição
hospitalar, o apelante fê-lo perder chance razoável de sobreviver, embora a virulência
estatística da doença64.
63
Ap. Civ. 592.020.846, 1ª Câm. Cív. In.: RJTJRS n. 158, p. 214.
64
Idem.
65
Ap. Civ. 153.433-8, 3ª Cãm. Cív. In.: Revista do Direito do Consumidor. n. 9, pp. 152-153.
40
4.2. O dano moral e estético
Entende parte da jurisprudência que o dano moral, provocado por erro médico, é
indenizável quando estiver presente o dolo.
O Tribunal de Justiça de São Paulo entende que só é indenizável o dano moral quando
“o ilícito resulte de ato doloso, em que a carga de repercussão ou de perturbação nas relações
psíquicas, na tranqüilidade , nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa, se reflita como
decorrência da repulsa ao ato intencional do autor do crime66.
Apesar disso, entende-se que não existe motivo jurídico para não indenizar o dano
moral decorrente de mera conduta culposa. No caso da responsabilidade civil do médico, a
possibilidade destes danos é maior, principalmente considerando que o dano moral tem por
objeto a dor física e emocional, sempre quando há ação culposa do médico. Havendo dano
provocado por conduta culpável, deve ser indenizado, mesmo que de ordem moral.
Já o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e grande parte dos tribunais do país têm
entendimento diverso, admitindo a indenização por dano moral.
A preocupação com a estética também não está condicinada com a cirurgia estética.
Mesmo a intervenção médica recuperadora deve se preocupar com o resultado estético. Por
isso, é também indenizável o dano estético provocado pela perícia médica, comum naqueles
casos em que há amputação de um membro ou deformação facial. As situações que ensejam a
indenização por danos estéticos são muitas. Mesmo quando há a possibilidade de utilização de
prótese ou de recurso que diminua a extensão do dano moral ou estético, deve ser
indenizado67
66
Ap. 181.514-1/1, 4ª Câm. Cív. In.: Revista dos Tribunais. N. 704, 1994.
67
Ap. Civ. 593.044.209, 6ª Câm. Cív. Porto Alegre. In.: RJTJRS, n. 160, p. 403.
68
TJST. Ap. Civ. 129.946-1, 2ª Câm. Cív. In.: Revista do Direito do Consumidor. n. 11, p. 176.
41
obrigação de resultado quando, embora essencialmente de meio, determinado resultado seja
previsível.
É pacífico que o corpo humano é indisponível juricamente, assim como o são todos os
direitos da personalidade. Não excluirá sua responsabilização a alegação de sua atuação
“desinteressada”69.
Primeiro, que é permitido ao médico inovar quando a situação lhe impuser, seja pela
emergência, pela carência dos materiais e medicamentos utilizáveis tradicionalmente ou
quando a sua intervenção não seja potencialmente mais prejudicial que a inação. Neste
sentido, também deve-se ressaltar que o avanço da ciência está na possibilidade de inovação.
Mas esta inovação deve estar dentro de condições de segurança mínima e inserida dentro de
uma perspectiva de estudos e não na aleatoriedade e empirismo individual.
69
DIAS, J. A Op. cit., p. 290.
42
Sem dúvida, também o médico será responsabilizado por violação de deveres legais,
como o de divulgação de segredo profissional, ou a violação à Lei 3.268/57, que é seu código
de ética, ou então de violação de normas como a que proíbe o aborto e outras.
A regra é que o médico, sempre que o tratamento apresentar algum risco, deve
consultar o paciente é necessário, mas o paciente se nega a recebê-lo, pondo em risco sua
integridade física e em muitos casos sua própria vida. Qual deve ser a postura do médico?
A doutrina ensina que, estando o paciente consciente dos riscos e de sua decisão, o
médico deverá se abster. DIAS diz: “a operação sem consentimento equivale a agressão [...] o
caso de um paciente que teve a perna esmagada e recusou, terminantemente, consentir na
amputação necessária, sobrevindo-lhe a morte, em conseqüência de gangrena gasosa. Os
médicos que propuseram a operação não podiam proceder de outro modo, em face da
comprovada lucidez que manifestara o paciente, ao rejeitar a intervenção cirúrgica70.
Não se pode concordar que esta seja a melhor solução. Se é certo que o consentimento
do paciente é fundamental, pois o destino da vida das pessoas cabe a si, também é certo que a
sociedade moderna não tolera o auto-flagelo e o suicídio, consistindo numa figura anti-
jurídica, porque também anti-social. Se não há penalização para o suicídio é muito mais pela
impossibilidade do que por condescendência moral.
70
DIAS, J. A Op. cit., p. 290.
71
Código Penal Brasileiro, art. 146, § 3º, I: “Não se compreendem na disposição deste artigo: I – a intervenção
médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente
perigo de vida”.
43
Neste sentido, LUDWIG decidiu sobre caso em que familiares de paciente opunham-
se à transfusão de sangue em situação de iminente perigo de vida, por motivos religiosos:
72
LUDWIG, A A Opor-se a transfusão de sangue, ante iminente perigo de vida, por motivos religiosos. In.:
Direito em Debate. n. 3. Ijuí: Universidade de Ijuí, 1993. p. 116.
73
LUDWIG, A A Op. cit., p. 117.
44
[...] O Judiciário não serve para diminuir os riscos da profissão
médica ou da atividade hospitalar. Se a transfusão de sangue for
tida como imprescindível, conforme sólida literatura médico-
científica, deve ser concretizada, se para salvar a vida do paciente,
mesmo contra a vontade das Testemunhas de Jeová, mas desde que
haja urgência e perigo iminente da vida [...] Religiões devem
preservar a vida, e não exterminá-las74.
74
Ap. Cív. 595.000.373, 6ª Câm. Cív. RJTJRS 171, p. 384.
75
DIAS, J. A Op. cit., p. 293.
45
4.4.2. A substituição entre profissionais: danos causados pelo anestesista
A anestesia tem sido um dos maiores motivos de causa de óbito por erro médico. O
cuidado, neste sentido, deve ser redobrado, imputando-se ao anestesista o mesmo conjunto de
deveres que ao cirurgião. “Jamais deve o risco da anestesia ser maior que o risco da operação,
isto é, em operações de menor importância é desaconselhável aplicar anestesias gerais,
convindo, sempre que possível, guardar a proporção ou relação direta entre a anestesia e a
importância da operação”76.
Não pode recair sobre o médico a responsabilidade dos atos do anestesista, embora
haja forte tendência dos juristas em entenderem este sentido. Neste âmbito, é importante a
noção de que, nos dias atuais, a atuação conjunta, a formação de equipes para realização de
cirurgias é algo indispensável, motivo pelo qual atribuir responsabilidade ao cirurgião dos
atos autônomos dos demais é extremamente difícil. A responsabilidade de um profissional
pela intervenção de outro, pela característica da liberalidade, só existirá se houver a
preposição de um profissional sobre outro, quando um age sob direção de outro. Nos demais
casos, a responsabilidade de cada um é autônoma na sua esfera de atuação.
76
Idem, p. 295.
46
4.4.3. A responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares
O STJ tem reconhecido responsabilidade objetiva do Estado por danos causados pelos
profissionais liberais que desenvolvem atividades em seus estabelecimentos, em
conformidade com o art. 37, § 6º, da Constituição: “Responde o Estado por dano causado pelo
anestesista, mesmo que o médico não tenha sido imprudente, negligente ou imperito, desde
que tenha ocorrido nexo entre o ato lesivo e o dano”.
77
RJTJRS 138, p. 201.
47
ele ser indenizado. Se determinado equipamento oferece risco na sua utilização, deve sempre
o profissional atender destes riscos e redobrar seus cuidados na utilização.
Já se o dano provocado pela coisa não ocorreu no efetivo tratamento, mas durante o
tratamento em estabelecimento hospitalar, as regras incidentes são outras, relativas à
responsabilidade pelo da coisa, regida pelas regras do Direiot Civil e do Direito do
Consumidor.
CONCLUSÃO
48
desta tenha havido um dano ao paciente. Existindo entre o dano e o ato um nexo de
causalidade.
A expressão erro engloba, para o cidadão comum, uma gama muito variada de
situações que diferem entre si em valor, sentido e gravidade. Especificamente o erro médico é
o mau resultado advindo de uma ação ou omissão daquele profissional.
O dever de informar não se esgota por aí, mas seguindo este caminho, da
transparência, fazendo valer a confiança que sempre é depositada pelo paciente quando
procura um profissional, danos e conflitos serão evitados.
49
Para o direito em si, o desenvolvimento desta matéria é necessidade que deriva do
aumento da complexidade das relações sociais e da própria transformação que o mundo está
vivendo.
Se, no começo do século XIX, a malha contratual que formava grande parte das
relações, estava ligada à troca de mercadorias – via compra e venda – no final do século XX
os homens estão organizados sobre uma malha contratual cuja maior parte dos contratos são
prestações de serviços.
Tais serviços são essenciais não só para o funcionamento do mecanismo social, como
também representam uma nova forma de organização econômica e social, com distribuição de
papéis aos sujeitos sociais absolutamente distinta daquela de cem ou duzentos anos atrás. À
esta realidade deverá o jurista estar atento
50
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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lei orgânica da saúde (lei 8.080/90 e lei 8.142/90). 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1995.
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SANTOS, Moacyr A Primeiras linhas de direito processual civil. v. 2. São Paulo: Saraiva,
1989.
52