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Universidade José Eduardo dos Santo Instituto de Cooperação Jurídica

Faculdade de Direito

Mestrado em Ciências Jurídico-Forenses

Em Cooperação com:

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Instituto de Cooperação Jurídica

Tema: A Problemática da Responsabilidade Civil por Actos Praticados pelos


Hospitais Públicos e Privados

Nome: Adriano Tomé

Relatório apresentado à disciplina de Direito Civil II (Responsabilidade


Civil), ministrada pelos Professores Doutores: Dário Mora Vicente, Diogo
Pereira Duarte e Armindo Jelembi

Huambo, Março de 2019


Adriano Tomé

Tema: A Problemática da Responsabilidade Civil por Actos Praticados pelos


Hospitais Públicos e Privados

Relatório apresentado à disciplina de Direito Civil II


(Responsabilidade Civil), ministrada pelos Professores
Doutores: Dário Mora Vicente, Diogo Pereira Duarte e
Armindo Jelembi

Huambo, Março de 2019


SIGLAS E ABREVIATURAS

Art.0 – Artigo.

C.C. – Código Civil.

Cfr. – Conferir.

C.P. – Código Penal.

C.R.A. – Constituição da República de Angola.

N.0 – Número.

L.D.C. – Lei de Defesa do Consumidor.

Pág. – Página.

V.g. – (do latim Verbi gratiae: por exemplo).

Vol. – Volume.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 5
CAPÍTULO I...................................................................................................................................... 7
CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE .......................................................................... 7
1- SISTEMAS DE SAÚDE................................................................................................................ 7
1.1- ELEMENTOS CONSTITUINTES DOS SISTEMAS DE SAÚDE ...................................... 7
1.2- SISTEMAS DE SAÚDE E SISTEMAS DE SERVIÇOS DE SAÚDE ................................. 8
1.3- DESENVOLVIMENTO LEGISLATIVO DO SISTEMA DE SAÚDE ANGOLANO ...... 10
CAPÍTULO II .................................................................................................................................. 12
A OBRIGAÇÃO HOSPITALAR .................................................................................................... 12
1- BREVE INTRODUÇÃO À OBRIGAÇÃO ................................................................................ 12
1.1- CONCEITO DE OBRIGAÇÃO HOSPITLAR ........................................................................ 13
1.2- ELEMENTOS DA OBRIGAÇÃO HOSPITALAR ................................................................. 15
1.3- NATUREZA JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO HOSPITALAR................................................. 16
2.4- O ERRO HOSPITALAR .......................................................................................................... 19
2.1- A RESPONSABILIDADE OBJECTIVA E SUBJECTIVA DOS HOSPITAIS PÚBLICOS
E PRIVADOS .................................................................................................................................. 22
CAPÍTULO III ................................................................................................................................. 25
A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL HOSPITALAR ............ 25
1- RESPONSABILIDADE DOS HOSPITAIS PÚBLICOS ........................................................ 25
1.1- RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ............................................................. 25
1.2- RESPONSABILIDADE CONTRATUAL........................................................................... 26
2- RESPONSABILIDADE DOS HOSPITAIS PRIVADOS ........................................................... 27
2.1- CONCEITO DE PREPOSTO ................................................................................................... 27
2.2- RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL .................................................................. 29
2.3- RESPONSABILIDADE CONTRATUAL ............................................................................... 30
3- ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO ................................................................................................. 31
CONCLUSÕES................................................................................................................................ 33
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................. 34
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INTRODUÇÃO

O exercício das actividades hospitar, na medida em que contende com a vida e com
a integridade física das pessoas, revela-se susceptível de, pela sua própria natureza e pelos
meios que emprega, causar danos. É neste momento que asssume particular importância o
instituto da responsabilidade civil, especialmente vocacionado, sobretudo quando encarado
na perspectiva dos administrados face à actividades lesivas praticadas no âmbito da
Administração Pública, para a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos (vide art.0
22.0 da C.R.A.).

No âmbito da responsabilidade civil II, propomos tratar com alguma autonomia a


problemática da responsabilidade médica por actos praticados pelos hospitais públicos e
privados em Angola. A perspectiva pela qual esta matéria será objecto de análise
corresponde a uma tentativa de caracterizar o sitema de saúde dos hospitais públicos e
privados; invocar os mecanismos de base de responsabilização civil médica dos hospitais
públicos e privados, tendo como objectivo geral o diagnóstico da juridicidade do sistema
de saúde dos hospitais públicos e privados em Angola.

Cumpre ainda explicitar a forma de como está caracterizado o sistema de saúde dos
hospitais públicos e privados em Angola; dotada de complexidade equivalente se apresenta
a questão de saber se, em matéria de responsabilidade médica, a mesma há-de ser
compreendida como subjectiva/objectiva ou contratual/extracontratual. No mesmo sentido,
aponta-se, se a responsabilidade decorrente do erro do médico é imputável ao médico ou
ao estabelecimento hospitalar.

A situação de prestação de serviços em Angola (privada ou pública) é lastimável e


chocante para todos os consumidores ou pacientes. Mesmo diante de uma contraprestação
de serviço (público ou privado) onde adstritamente impera um pagamento de valores, há
sempre por parte do fornecedor incumprimento no atendimento (de per se) já péssimo, sem
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falar das condições higiénicas dos estabelecimentos (reprovável e deplorável) e da vaidade


dos médicos. Assim formamos a seguinte configuração hipotética do bloco temático:

Joelma, de 7 (sete) anos de idade, residentes em Luanda com os pais depois de uma
transfusão de sangue numa unidade pediátrica de Luanda, os pais foram surpreendidos com
a triste notícia de que a filha estava infectada com o virus de HIV, provocado por um erro
médico. Desta feita, o casal pretende interpor uma acção judicial, invocando que se não
fosse a transfusão de sangue hospitalar a filha não teria sido infectada. Quid iuris?

Se propõe num primeiro capítulo ‘‘caracterizar o sistema de saúde dos hospitais


públicos e privados’’, e num segundo capítulo ‘‘invocar os mecanismos de base de
responsabilização civil médica dos hospitais públicos e privados ’’, no III e último capítulo
‘‘analisar a responsabilidade contratual e extracontratual dos hospitais’’.

O trabalho se encerra com as conclusões, às quais são apresentados pontos


conclusivos destacados, seguidos das reflexões sobre a problemática da responsabilidade
civil médica em Angola por actos praticados pelos hospitais públicos e privados.
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CAPÍTULO I

CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE

1- SISTEMAS DE SAÚDE
Os sistemas e serviços de saúde são influenciados por um conjunto de factores,
destacando-se o envelhecimento da população, o aumento da carga de doença devido
principalmente às enfermidades crônicas e à oferta de tecnologias, as quais têm exigido
cada vez mais recursos financeiros para adquiri-las, comprometendo a sustentabilidade do
orçamento de saúde. Neste cenário, intervenções para prevenção, diagnóstico, tratamento,
reabilitação e controle de doenças e agravos competem entre si por recursos escassos(1).

Um sistema de saúde é composto pela relação que as instituições prestadoras de


serviços de saúde mantêm entre si. Enquanto sistema, tal como postulado pela teoria geral
dos sistemas, refere-se a uma inter-relação entre seus elementos componentes onde o todo
ou o sistema em si não pode ser reduzido a análise separada de seus componentes( 2). Não
há um consenso sobre o modelo ideal de organização ou mesmo sobre quais os seus
componentes e responsabilidades quanto à saúde da população, essa diversidade de
interpretações vem da própria dificuldade de definir saúde, bem como das distintas
proposições políticas e teóricas sobre a concepção de saúde pública também compreendida
como saúde comunitária medicina preventiva e social.

1.1- ELEMENTOS CONSTITUINTES DOS SISTEMAS DE


SAÚDE

Essencialmente pode-se dizer que um sistema de saúde constitui-se por


estabelecimentos de saúde onde são prestados os serviços de saúde que ao longo da história

1
( ) Everton Nunes da SILVA, Marcus Tolentino da SILVA, Maurício Gomes PEREIRA, Estudos de
Avaliação Económica em Saúde: Definição e Aplicabilidade aos Sistemas e Serviços de Saúde, 2016.
2
( ) Mário M. CHAVES, Saúde e Sistemas, RJ, 1980.
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da medicina possuem várias denominações desde os templos e balneários da antiguidade


aos hospitais, postos médicos, clínicas e consultórios bem como os profissionais que
executam as acções de saúde e naturalmente as instituições que regulamentam sua
formação e controlam suas actividades.

A estruturação dos sistemas de saúde é bastante complexa e compõe-se de distintos


elementos, variáveis segundo as características de cada país, que se inter-relacionam para
dar resposta aos problemas de saúde de determinada população. Entretanto, essas relações
não são harmônicas, mas sim dialécticas, fazendo com que os sistemas de serviços de
saúde funcionem de forma conflitiva e segundo trajetórias bastante próprias, apesar dos
problemas comuns a serem enfrentados por todos os sistemas de saúde. Em geral buscam a
consecução de um conjunto de objectivos compartilhados, o que lhes imprime uma
direcionalidade intencionada.

Embora toda sociedade teoricamente comparta as crenças de que a saúde tem um


valor intrínseco para as pessoas e os serviços de saúde são necessários para manter a vida
e para aliviar o sofrimento, os objectivos dos sistemas de saúde variam de um país para
outro, assim como as concepções dos respectivos sistemas de serviços de saúde, ainda que
se explicitem valores subjacentes bastante semelhantes, tais como o alcance da equidade
(ou superação das desigualdades) e o bem-estar de toda a população.

Na realidade, muitas vezes, apesar da explicitação desses valores, a estruturação e o


funcionamento dos sistemas de serviços de saúde estão longe de cumprirem com os
requisitos mínimos para alcançá-los. Além disso, ainda que os objectivos e valores se
mantenham, as propostas de reforma e de mudanças nem sempre possibilitam
transformações positivas.

1.2- SISTEMAS DE SAÚDE E SISTEMAS DE SERVIÇOS DE


SAÚDE

De uma maneira geral, pode-se dizer que não há concordância entre os autores
sobre uma definição de sistemas de saúde, mas isso não impede que tenham sido propostas
categorizações e classificações que, ou trazem embutida uma perspectiva evolucionista e
unidirecional, além de não permitirem uma análise mais dinâmica dos sistemas de saúde,
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ou são parciais e baseadas em sistemas de saúde particulares e, portanto, não podem ser
generalizadas.

Por outro lado, as definições, conceitos e categorias analíticas usadas para definir
ou analisar os sistemas de saúde variam segundo valores, princípios e concepções sobre o
que é saúde e qual o papel do Estado (responsabilidade) em relação à saúde das populações
que vivem em seu território. Nessa perspectiva, podem mudar no tempo e no espaço,
reflectindo mudanças nas concepções dominantes. A maneira como os problemas de saúde
das populações são estruturados determinará os tipos de evidência que serão consideradas
relevantes e o que será descartado. As implicações políticas surgem dessas evidências e
não do quadro de referência de per se. E os modelos implícitos ou explícitos de análise
definem e incluem (ou excluem) categorias que são relevantes para determinado
referencial e não para outros.

É preciso diferenciar os sistemas de saúde dos sistemas de serviços de saúde, uma


vez que os primeiros são mais abrangentes e se referem à saúde em sentido amplo, isto é, à
manifestação objectiva das condições de vida de uma população determinada, o que é
resultante da acção intersetorial de diferentes sistemas, mais ou menos complexos. Quanto
aos sistemas de serviços de saúde, integram os sistemas de saúde, mas a sua acção se
efectua nas instituições prestadoras de serviços, eminentemente internas ao sector, embora
sejam influenciadas de forma importante por elementos externos a ele, tais como as
instituições geradoras de recursos, conhecimentos e tecnologias; as empresas de
equipamentos biomédicos; e a indústria de insumos e medicamentos.

Conhecimento e tecnologia são facilmente exportados, mas os demais imputs dos


sistemas sanitários são fortemente condicionados pelas tradições históricas nacionais. As
regras legais diferem na forma como ancoram as responsabilidades do Estado com a saúde
da população, seja outorgando benefícios universais ou específicos para determinados
grupos.

Como observa Mario TESTA(3) os serviços de saúde são uma das formas de
resposta da sociedade aos problemas apresentados pelo Estado de saúde e
situação epidemiológica, isto é, às causas e suas manifestações ou efeitos. Observe-se:
numa concepção mais ampla de saúde podemos incluir entre os factores determinantes e

3
( ) Mário TESTA, Pensamento Estratégico e Lógica de Programação-O Caso da Saúde, UCITEC, RJ,
ABRASCO, 1975.
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condicionantes de saúde deve-se incluir a prior das violências, que é a pobreza, os


problemas decorrentes da fome, do abastecimento de água e da falta de saneamento básico
que em última análise reflectem a própria política e organização do Estado e relações
internacionais.

FIELD(4) define os sistemas de saúde como um mecanismo societário, que


transforma recursos generalizados (ou imputs) em resultados especializados, na forma de
serviços de saúde direcionados para resolver os problemas de saúde da sociedade, sendo
provido de um mandato que usualmente concede ao sistema o "quase-monopólio"
na performance dos serviços de saúde, alinhado com a legislação e a regulação do sistema
político. Outros imputs incluem o conhecimento científico e a tecnologia, que
especialmente na medicina do século XX foram extremamente poderosos. Médicos e
outros profissionais de saúde são especialmente treinados e empregados no sistema e
configuram componentes cruciais. Finalmente, recursos econômicos são necessários para
financiar essa estrutura.

A Organização Mundial da Saúde, por sua vez, define os sistemas de serviços de


saúde como o conjunto de actividades cujo principal propósito é promover, restaurar e
manter a saúde de uma população. Nesse sentido, como reitera MENDES(5), são respostas
sociais organizadas deliberadas para responder às necessidades, demandas e representações
das populações, em determinada sociedade e determinado tempo.

1.3- DESENVOLVIMENTO LEGISLATIVO DO SISTEMA DE


SAÚDE ANGOLANO
Quanto ao desenvovimento legislativo, temos de trazer a análise a Lei n.0 21-B/92,
de 28 de Agosto: Lei de Bases do Sistema Nacional de Saúde. Esta Lei, pelo que se
estabelece no seu preâmbulo e pela evolução histórica legislativa do país, de que temos
conhecimento, surge da nessecidade do redimensionamento do sector de intervenção do
Estado fruto da passagem da economia planificada para a economia de mercado.

Enquanto a Lei n.0 9/75, de 13 de Dezembro visou na sua essência a melhoria do


estado sanitário do país, tendo adoptado um sistema nacional de cuidados de saúde de tipo

4
( ) FIELD Apud Francisco VIACAVA, Uma Metodologia de Avaliação do Desempenho do Sistema de
Saúde Angolano, 2004.
5
( ) EV MENDES, Os Sistemas de Serviços de Saúde: O que os Gestores Deveriam Saber sobre essas
Organizações Complexas, Fortaleza, Escola Pública de Saúde Pública do Ceará, 2002, pág. 60.
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serviços nacional de saúde totalmente socializado, o novo sistema implantado com a Lei
n.0 21-B/92 define uma política nacional de saúde onde se tem em consideração um novo
sistema de financiamento, em que a Lei define uma política nacional de saúde devidamente
fiscalizada pelo Estado.

Na visão do Estado, o novo sistema visa o seguinte:

1) A promoção da saúde e prevenção de doenças;


2) A promoção da igualdade entre cidadãos no acesso à saúde.

Não obstante, no nosso entender não se viola o princípio da igualdade, a Lei


privilegia os grupos mais vulneráveis (crianças, idosos, deficientes) especialmente os
mutilados de guerra conforme resulta expressos da alínea c) do n.0 2 da Lei n.0 21-B/92
(...).

O nº 2 do art.0 78º da Constituição da República de Angola esclarece que “o


consumidor tem direito a ser protegido no fabrico e fornecimento de bens e serviços
nocivos à saúde e à vida, devendo ser ressarcido pelos danos que lhe sejam causados”.
Sabe-se que os hospitais têm por obrigação moral e profissional (primária) salvar vidas
humanas, vivência esta que na prática angolana esta por lunar. Como conceito, a vida
Humana é um bem inalienável, quer assim dizer que a vida não tem preço, a vida não
compara-se como um bem móvel ou imóvel que pode ser trocado ou retratado ou até
mesmo indemnizado conforme estabelece a Lei nº 15/03 de 22 de Julho-L.D.C. e outras
normas implícitas no Código Civil Angolano sobre o articulado indemnizatório.

Deve-se desde já, respeitar a vida humana que tem Protecção Constitucional no
artigo 30º, e como configuração na Lei dos Serviços Privados de saúde, clarifica que os
Médicos estão perante uma prestação de serviços nos termos do art.0 1154º do C.C. que
remete para a L.D.C., culminando com a Lei nº 4/02 de 18 de Fevereiro-Lei Sobre as
Cláusulas Contratuais Gerais.
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CAPÍTULO II

A OBRIGAÇÃO HOSPITALAR

1- BREVE INTRODUÇÃO À OBRIGAÇÃO


O art.0 397.0 do C.C. define a obrigação como ‘‘o vínculo jurídico por virtude do
qual uma pesoa fica adstrita para com a outra à realização de uma prestação’’. Desta
definição, resulta que as obrigações são situações jurídicas que têm por conteúdo a
vinculação de uma pessoa em relação a outra à adopção de uma determinada conduta em
benefício desta(6).

No ent anto, o conceito de obrigação pode ser igualmente entendido em sentido


amplo, podendo abranger todo e qualquer vínculo jurídico entre duas pessoas, como sejam
os deveres jurídicos genéricos, os ónus e as sujeições. Haverá, portanto, que efectuar uma
contraposição entre a obrigação e estas figuras afins.

A sujeição é, conforme se sabe, o correlativo passivo dos direitos potestativos,


consistindo na necessidade de suportar as consequências jurídicas correspondentes ao
exercício de um direito potestativo. Efectivamente, no estado de sujeição não é possível
obstar a que surjam os efeitos jurídicos correspondentes ao exercício do direito potestativo,
não havendo, portanto, possibilidade de violação da sujeição.

O ónus consiste na necessidade de adoptar uma conduta em proveito próprio, ou


seja, na necessidade de realizar certo comportamento para beneficiar de uma situação
favorável. V.g., é o ónus da prova, referido no art.0 342.0, a obrigação não se confunde com

6
( ) Vide Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO, Direito das Obrigações-Introdução da Constituição
a
das Obrigaçõe, Vol. I, 7. Edição, Edições Almedina, 2008, pág. 13.
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o ónus uma vez que consiste num dever jurídico, imposto em benefício de outra pessoa
(cfr. art.0 398.0 n.0 2). Pelo contrário, aquele que está onerado pelo ónus não tem qualquer
dever, pelo que o seu não acatamento não se pode considerar ilícito, traduzindo-se apenas
na perda ou na não obtenção de uma vantagem.

O dever jurídico genérico consiste na situação em que se encontram os outros


sujeitos relativamente aos titulares de direitos absolutos. Ralativamente a direitos de
personalidade, como a vida (...), todos os outros sujeitos estão obrigados a um dever geral
de respeito, cuja infracção pode acarrretar responsabilidade civil com o correspondente
dever de indemnizar os danos sofridos pelo titular (art.0 483.0 do C.C). Este dever geral de
respeito, por vezes impropriamente designado como obrigação passiva universal não se
confunde, porém, com a obrigação em sentido próprio, referida no art.0 397.0 do C.C.
Efectivamente, nesta, existe um vínculo específico, que se traduz numa relação jurídica
entre credor e devedor. Pelo contrário, os direitos absolutos são direitos sem relação, pelo
que o dever geral de respeito não passa de uma simples expressão do princípio do
menimem laedere, não se podendo considerar como um vínculo específico que autorize
uma pessoa a exigir de outrem uma prestação.

O que caracteriza a obrigação em relação a estas figuras é a circunstância de


determinada pessoa se encontrar adstrita a realizar uma específica conduta, positiva ou
negativa, no interesse de outra, também determinada (ou determinável). Essa conduta é
designada por prestação(7).

1.1- CONCEITO DE OBRIGAÇÃO HOSPITLAR

Tem-se definido a obrigação hospitalar como a obrigação de ordem civil, penal ou


admnistrativa, a que estão sujeitos os hospitais públicos e privados, assim também os
médicos no exercício da actividade de saúde, a quando de um resultado lesivo ao paciente,
por imprudência, imperícia ou negligência.

Tal forma de responsabilidade fundamenta-se no princípio da culpa, em que o


agente dá causa a um dano, sem o devido cuidado a que normalmente está obrigado a ter, e
não o evita por julgar que este resultado não se configure. Procede culposamente quem age
sem a necessária precaução, julgando que o dano não se dará.

7
( ) Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO, Op Cit., pág. 15.
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O erro presumido é uma das cauções mais frequentes. Ora, os doentes culpam a
falta de consentimento de uma intervenção, ora o hospital é citado ante um tribunal por
práticas ilegais, mesmo quando seu acto se apresenta dentro das exigências de sua ciência e
da própria lei.

Parte da população já chega a admitir, por outro lado, que a maior desgraça de um
paciente é cair nas mãos de um profissional hospitalar inapto, compenetrando-se de que
nada lhe serviriam a compaixão, o afecto e a ética sem um lastro científico. O primeiro
dever do profissional para com essas pessoas seria o conhecimento completo e profundo,
que podesse manté-lo constantemente actualizado em face dos estraordinários prodigiosos
avanços no campo da ciência médica.

O profissional de saúde hospitalar vem enfrentando frequentemente situações


novas, diante das quais as fórmulas tradicionais nem sempre lhe asseguram a certeza de
uma correcta tomada de posição. Os aspectos morais da conduta do profissional do
cotidiano e a sua responsabilidade antes, os indivíduos e a sociedade estruturam-se de
acordo com uma necessidade permanente em evolução.

Hoje, competência profissional é sinónima de conhecimento especializado. O


paciente está mais voltado para o aspecto científico e das possibilidades terapêuticas que,
propiamente, para o relacionamento afectivo.
E, assim, começa a surgir, entre o hospital e o paciente, uma série de divergências,
analisadas dentro do prisma responsabilidade hospitalar.

O pensamento do legislador actual não está isento de dúvidas a respeito das


operações cosméticas, da esterilização cirúrgica, das esperiências científicas no homen, da
fecundação artificial heteróloga, do aborto eugênico, do tratamento arbitrário, da omissão
de socorro e das cirurgias de indicação social.

Na prática, vem-se imputando uma variedade impressionante de erros profissionais,


tais como: operações prematuras; exame superficial do paciente e erro no diagnóstico
subsequente; omissão no tratamento ou retardamento na transferência para outro
especialista; descuido nas transfusões de sangue ou nas anestesias; empregos de métodos e
condutas antiquados e incorrectos; prescrições erradas; abandono ao paciente; negligência
pós-operatória; omissão de instruções necessárias aos pacientes; responsabilidade médica
por suicídio em hospitais psiquiátricos e hospedagens.
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O resultado das intervenções actuais são mais especulares que os das gerações
passadas. A publicidade é muito mais ampla devido aos modernos meios de divulgação. Os
transplantes cardíacos tanto fascinaram a imaginação do mundo inteiro que hoje se passou
a esperar muito mais da medicina.

Actualmente, as intervenções são mais ousadas, em virtude de uma maior


segurança. Por outro lado, porém, correspondentemente os riscos também aumentaram, e,
quando se produzem resultados inesperados, os problemas se apresentam mais graves que
antigamente. Um paciente não-satisfeito estará mais disposto a pleitear com um técnico
frio e impessoal do que com um velho e fraternal amigo da família.

Segundo o professor S. A. STRAUSS(8), da África do Sul, existem, em algumas


jurisdições americanas, comités voluntários onde ingressam tanto médicos como
advogados, a fim de efectuarem uma selecção crítica das demandas. Essas instituições
contribuem para desanimar os litigantes sem fundamento e orientam simultaneamente, com
provas periciais, os demandantes com causas justificadas.

Há ainda uma corrente que defende um tribunal especializado consituído por


representantes de diversas profissões, o que, todavia, não tem encontrado eco entre os
advogados, os quais defendem ser o tribunal comum competente para tais litígios.

O certo é que noutro qualquer serviço médico em que entram dezenas de doentes
por dia, haverá sempre um risco, apesar de todos os cuidados empregados em qualquer
intervenção médica, por mais simples e trivial que ela seja. Seria injusto, pois, culpar o
hospital ou o médico num acidente inevitável.

1.2- ELEMENTOS DA OBRIGAÇÃO HOSPITALAR


Na caracterização da obrigação hospitalar, são requisitos indispensáveis:

1- O agente. Profissionalmente deve estar habilitado legalmente para exercer a


medicina, se não, além da responsabilidade culposa, será punido por exercício
ilegal da medicina, curandeirismo ou charlatanismo. A tendência actual é atrair
para o âmbito da culpa hospitalar todos os profissionais de nível superior que
actuem na área da saúde.
2- O acto. Deverá ser o resultado danoso de um acto lícito, pois, do contrário,
tratar-se-à de uma infracção delituosa mais grave, como, por exemplo, o aborto
8 a
( ) Vide Genival Veloso de FRANÇA, Medicina Legal, 8. Edição, Guanabara Koogan, 2008, pág. 486.
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criminoso ou a eutanásia para os quais o hospital não está autorizado a realizá-


los.
3- A culpa. Trata-se verdadeiramente de culpa profissioanal hospitalar, praticada
sem a intenção de prejudicar, nas situações que a doutrina vigente consagra:
imprudência, negligência e imperícia. A hospitalar resulta da violação de
conduta. Os deveres de conduta são: de informação (sobre o acto, sobre o risco,
sobre o que falta aos superiores ou terceiros e sobre o que ocorreu, em
anotações na papelada), de vigilância, de actualização e de abstenção de abuso.
4- O dano. Sem a existência de dano real, efectivo e concreto, não existe
responsabilidade hospitalar, pois, tal delito configura-se como um crime de
resultado, e não de perigo. Este elemento objectivo, relativamente fácil de
estabelecer, é condição indispensável, tanto para estabelecer o grau da pena,
como para estabelecer o grau da indemnização.
5- O nexo causal. É a relação entre a causa e o efeito. Um elo entre o acto e o
dano.

Destes cinco elementos, os dois últimos são essencialmente da incumbência pericial


hospitalar.

1.3- NATUREZA JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO HOSPITALAR


A doutrina costuma estabelecer uma diferença entre responsabilidade contratual
(decorrente do incumprimento da obrigação contratual) e responsabilidade
extracontratual (decorrente da prática de acto ilícito causador de prejuízo).

No primeiro caso (responsabilidade contratual), é imprescindível que haja, um


contrato entre as partes, e que qualquer delas não tenha cumprido as obrigações
estipuladas no contrato. Além disso, é necessário que haja dano sofrido pela outra parte
em decorrência do inadimplemento contratual.

Quando um paciente dá entrada em um hospital espera-se que este preste os


serviços necessários ao internamento, cabendo ao nosocômio, assim, fornecer os
equipamentos, os medicamentos e os materiais utilizados durante o internamento, bem
como as instalações para a realização de uma eventual cirurgia.

A obrigação hospitalar é classificada como sendo “de meio”, cabendo a ao


hospital fornecer os meios necessários ao bom atendimento do paciente.
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É que se entendermos que as obrigações dos médicos são de meio, é inafastável a


conclusão de que quando o hospital e seus agentes fornecem ao paciente o tratamento
previsto na Ciência Médica, não há que se cogitar da prática de acto ilícito hábil a ensejar
sua responsabilidade civil.

Ou seja, se o hospital forneceu todos os meios adequados para a realização do


acto de transfusão de sangue e para o tratamento do paciente, não pode ser apenado por
eventuais infortúnios ocorridos depois da transfusão e que não decorram logicamente de
erro médico ou deficiência na prestação dos serviços, não podendo se falar em
responsabilidade por eventual dano verificado.

No caso de responsabilidade extracontratual (aquiliana) não existe contrato entre


as partes. Uma delas pratica um acto, necessariamente ilícito (contrário à disposição
legal), aplicando-se, então, o princípio de que ninguém deve infringir a lei e os princípios
dela decorrente. A lei estabelece que verificado o dano, haverá a obrigação de
indemnizar desde que estejam preenchidos os requisitos da responsabilidade civil.

De qualquer forma, os requisitos para a configuração da responsabilidadhkpe civil


aquiliana são: a existência de uma ação ou omissão, a culpa, o dano e o respectivo nexo
de causalidade.

Cumpre destacar, ainda, que a pretensão de responsabilizar o Hospital de forma


objectiva, independente de culpa, com base nos dispositivos da L.D.C., merece ser
analisada correctamente.

O Hospital, muito embora seja prestador de serviços, não responde por todo e
qualquer evento ocorrido em suas dependências. Se assim o fosse, jamais receberia um
paciente para o tratamento, na medida em que todo tratamento implica, necessariamente,
lesões corporais, de sorte que o Hospital teria de responder por danos estéticos causados
aos pacientes, o que seria uma interpretação teratológica da Lei.

Como a L.D.C. dispõe no art. 0 12.0 n.0 1 ‘‘o prestador de serviços responde pelos
vícios de quaidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor (...)’’
e ainda no art.0 11.0 n.0 1 ‘‘os fornecedores de bens de consumo duradouros e não
duradouros respondem solidariamente pelos vícios de qualidade que os tornem
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impróprios ou inadequados ao consumo a que se destina ou lhes diminua o valor (...)’’( 9).
Evidentemente que a imputação de responsabilidade feita a Hospitais por atos ilícitos que
teriam sido praticados pelos médicos também segue a mesma regra.
A interpretação correcta da legislação é no sentido de que o Hospital responderá
objectivamente, sem que haja necessidade de o paciente demonstrar a culpa do hospital,
quando for comprovada a culpa do hospital.

Assim, para que o hospital possa vir a ser responsabilizado, é imprescindível a


prévia comprovação da prática de acto ilícito por parte dos profissionais hospitalares, ou
seja, é necessária a comprovação da culpa do técnico de saúde para que se possa cogitar
em responsabilidade civil por erro do técnico hospitalar, e somente depois de
comprovada essa culpa é que se pode pretender responsabilizar o hospital.

Além disso, mesmo que se entenda que o hospital, na qualidade de prestador de


serviços, responde objectivamente por danos causados aos pacientes, é evidente que não
se trata de responsabilidade solidária e sim subsidiária: somente se comprovada a culpa
do médico é que se poderá responsabilizar o hospital, e somente poderá ser exigida
qualquer indemnização ao hospital se o paciente demonstrar que o técnico hospitalar não
possui patrimônio suficiente para arcar com a condenação.

O hospital, têm o dever de fornecer o serviço da melhor forma possível,


exactamente como a ciência médica determina. Caso sejam observados estes
procedimentos e, ainda assim, haja dano, este só pode ser imputado ao caso fortuito, mas
não ao hospital.

Já no que se refere à responsabilização da enfermaria em decorrência do paciente


ser acometido de infecção hospitalar, deve-se ter em mente que todo processo de
infecção ocorrido dentro do Hospital será chamado de “infecção hospitalar”, mas nem
sempre essa infecção ocorre por factos imputáveis ao Hospital. V.g.: um paciente pode

9 0 0
( ) Segundo a L.D.C. no seu art. 3. , Consumidor é toda pessoa física ou jurídica a quem sejam
fornecidos bens e serviços ou transmitidos quaisquer direitos e que os utiliza como destinatário final, por
quem exerce uma actividade económica que vise a obtenção de lucros. Fornecedor é toda a pessoa física
ou jurídica pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que
desenvolvem actividades de produção, montagem, criação, construção, transportação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de bens ou prestação de serviços. Bem é qualquer objecto de
consumo ou um meio de produção, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Serviço é qualquer actividade
fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive às de natureza bancária, financeira,
crédito e securitária, excepto as decorrentes das relações de carácter laboral. Uso normal ou
razoavelmente previsível é toda a utilização que se mostra adequada à natureza ou características do bem
ou que respeita às indicações ou modos de uso aconselhados, de forma clara e evidente pelo produtor.
P á g i n a | 19

estar com plena saúde e ser internado para uma cirurgia estética. Como todo ser humano
carrega em seu corpo germes, bactérias e vírus, é bastante possível que esse paciente
sofra uma infecção depois da cirurgia, que sempre debilita o corpo. Entretanto, não se
pode imputar a responsabilidade por esse facto ao hospital se esse forneceu todos os
equipamentos devidamente esterilizados, mantendo perfeita assepsia em seu
estabelecimento.

Para haver responsabilização por infecção hospitalar, é, pois, necessária a prova


de que a equipe médica não tomou os cuidados necessários para sua prevenção ou então
que os médicos não agiram de maneira adequada para o tratamento dessa infecção.

A doutrina ensina que o hospital pode ser responsabilizado pela infecção


hospitalar quando esta decorre de condições de assepsia deficiente ou da ausência de
cautelas idôneas para evitá-la. Somente nessas situações é que o hospital pode se cogitar
da responsabilização, de modo que se faz necessária a prova desses factos para a
procedência do pedido de indemnização.

Assim, entende-se, apesar de grande parte da doutrina perfilhar ser a


responsabilidade do hospital objectiva em casos de infecção hospitalar, se restar
comprovado que o mesmo tomou todas as providências de precaução e tratamento de
qualquer processo infeccioso ocorrido em suas dependências, não há como ser ele
responsabilizado.

2.4- O ERRO HOSPITALAR

É entendimento comum no domínio da Responsabilidade Civil que «aquele que,


com dolo ou mera culpa, viola ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição
legal destinada a proteger interesses alheios é obrigado a indemnizar o lesado pelos danos
resultantes da violação» (art.º 483.º do C.C.). A amplitude do conteúdo da norma é
suficiente para tornar o hospital vulnerável a sua previsão. Contudo, virá a questão de saber
que direitos pode o hospital violar no exercício da actividade para à qual é vocacionado.
Ora, na relação hospital-paciente patenteia-se desde logo a ameaça de lesão ou lesão
efectiva de direitos inerentes a personalidade do paciente. Sendo que, o dano ou a simples
ameaça de dano poderá emergir da integridade moral (moléstias psicológicas, transtornos
psíquicos, etc.) e da integridade física (ofensas corporais com ou sem risco de vida,
homicídio involuntário, etc.) projectados em faces diversas da assistência hospitalar como
P á g i n a | 20

na consulta (o médico não diagnostica convenientemente o paciente receitando inoportuna


profilaxia), nos serviços de urgência (discrepância notória entre a necessidade médica do
paciente e o dinamismo do médico apontando ao insucesso da assistência), ou nos cuidados
intensivos e operações clínicas de risco (a gestante forçada a abortar por erro de
diagnóstico do estado do feto, incisão em local incerto afectando órgão saudável durante a
cirurgia, diagnóstico precário resultando na amputação de membro, etc.). Situações que a
moderna medicina denomina genericamente como erros iatrogénicos. Erros hospitalares
que, devido à imprudência, imperícia ou omissão do acto médico, possam provocar ou
causar uma lesão ou doença ao paciente, de modo irreversível, com prejuízo ligeiro ou
grave das funções vitais do ser humano. Resultando que em qualquer das fases do contacto
com o paciente o hospital pode ser responsabilizado pelos danos que eventualmente venha
a causar àquele por qualquer um destes erros.

Em caso de morte ou lesão corporal a responsabilidade do hospital pode ser


abstraída da Lei (art.º 495.º do C.C.), determinando que a morte do paciente causado pelo
hospital desencadeia o dever de indemnizar deste cobrindo as despesas feitas para salvar o
lesado entre outras. Mesmo quando haja lugar a simples lesão corporal o dever de
indemnizar cobrirá as despesas feitas por todos aqueles que socorreram o lesado, bem
como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que
tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima; valerá ainda para aqueles
que podiam exigir alimentos ou aqueles que o lesado os prestava em cumprimento de uma
obrigação natural.

Está claro que os requisitos de responsabilização maxime em situações


extracontratuais obedecem a um ritual nominativo que atravessando o facto jurídico, a
ilicitude, a imputação do acto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade (o elemento que
liga o acto praticado e o dano causado) e coroada pela culpabilidade (susceptibilidade de
ser censurável, visto existirem pessoas como menores de idade e dementes que não podem
sê-lo em tese geral) corresponde a um todo cumulativo sem o qual não é possível a
responsabilidade civil hospitalar.

Vale sublinhar que embora a obrigação hospitalar se inscreva na classificação das


obrigações de meios ou de diligência, onde o próprio empenho do profissional é o objecto
do contrato não importando, em consequência, que garanta o sucesso ou resultado da
actividade em concreto decorrente do eventual contrato entre ele e o paciente, haverá lugar
P á g i n a | 21

a culpabilidade pelo acto hospitalar que decorrerá da negligência, imperícia e imprudência


normalmente determinável pelo grau de previsibilidade do dano pelo autor.

No domínio da responsabilidade penal o processo embora potencialmente símil, no


que toca aos requisitos da responsabilização, apresenta características diversas. Assim,
enquanto a responsabilidade civil se reporta teleologicamente a indemnização ou a
reposição do status quo ante quando possível, a responsabilidade penal visa a pena,
normalmente de privação da liberdade.

A responsabilidade civil é accionada pelo interessado (lesado ou seu representante)


e a responsabilidade penal quando casos graves como a morte do paciente e todos aqueles
genericamente enquadrados nos crimes públicos é accionado por qualquer interessado
cabendo ao Ministério Público assumir a causa sem interesse em transigir, visto estar em
causa interesses públicos de preservação de valores.

Os factos criminais resultantes de erros de tratamento hospitalar são em geral


tipificados como crimes involuntários. V.g.: o homicídio involuntário – art.º 349º do C.P.
(a cirurgia ou a receita negligente com a consequente administração de medicamentos que
resulta na morte do paciente) e ofensas corporais involuntárias – art.º 361º do C.P.
(agressões físicas e lesões resultantes da actividade do médico sobre o paciente quer em
caso de cirurgia quer em caso de mera consulta – vide o caso da ruptura do útero e
consequente sofrimento fetal agudo provocado pelo uso de ocitócicos em gestantes que já
fizeram cesarianas em parto anterior ou o aborto provocado por razões médicas que leva
involuntariamente ao corte da trompa inutilizando de modo irreversível os órgãos
reprodutores femininos).

Haverão crimes como o de envenenamento (art.º 353º do C.P.) em que a


involuntariedade do acto hospitalar é questionável e em geral resultantes da receita e
consequente administração de medicamentos impróprios ou em doses excessivas causando
intoxicação grave e/ou morte por este facto.

E nos casos em que o hospital lhe falte meios adequados para socorrer o doente em
estado grave, sobretudo em eminência de morte, se vê confrontado com o dever
deontológico-legal de assistência e com a omissão por incapacidade objectiva? Há
situações em que o acto hospitalar poderá configurar-se em estado de necessidade ou
conflito de interesses como causa de justificação civil ou penal. É o que se passa nos casos
de serviço de socorro em situação de urgência; na assistência hospitalar em conflito
P á g i n a | 22

armado ou operações militares intensivas, crises humanitárias ou situações de êxodo


humano forçado e noutras situações em que por imperativo legal ao hospita sê-lhe subtrai o
poder de decisão ou de exercício livre da vontade em favor do dever legal.

Em homenagem ao princípio da suficiência do processo penal o profissional


hospitalar que cometer um crime por erro iatrogénico poderá ser civil e criminalmente
responsabilizado em processo judicial a correr em tribunal com competência penal, donde,
a pena eventual de prisão e o consequente dever de indemnizar por danos de natureza civil,
sem prejuízo das questões prejudiciais que limitem o poder de cognição do juiz penal. Daí
o dever do Ministério Público em averiguar os pressupostos para ambas as
responsabilidades.

É o que estabelece o parágrafo único do artigo 158.º do C.P.P. nos termos do qual
«Na instrução deverão, tanto quanto possível, investigar-se as causas e circunstâncias da
infracção, os antecedentes e o estado psíquico dos seus agentes, no que interessa à causa, e
ainda o dano causado ao ofendido, a situação económica e a condição social deste e do
infractor para se poder determinar a indemnização por perdas e danos».

Ainda no que diz respeito à responsabilidade civil dos hospitais públicos, ao


paciente assiste-lhe o direito de accionar a justiça administrativa sempre que a prestação de
cuidados de saúde em estabelecimentos públicos resulte uma lesão dos seus direitos e daí
despontem danos conduz à percepção da relevância que o acesso à justiça, em geral, e à
tutela jurisdicional administrativa, em especial, assumem em termos de protecção dos
direitos fundamentais dos administrados contra actos ilícitos praticados no exercício de
funções públicas. O administrado-lesado pode recorrer aos meios que vizam satisfazer o
ressarcimento de danos ocorridos, meios esses que não se reduzem apenas em processos
principais, tendo também nesta vertente, importância as providências cautelares(10).

2.1- A RESPONSABILIDADE OBJECTIVA E SUBJECTIVA


DOS HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS

Quando o profissional do direito se depara com questões de erro médico,


comumente surgem dúvidas acerca da necessidade de demandar contra médico e hospital
ou apenas contra este, se existe responsabilidade solidária, ou mesmo se é necessária a

10
( ) Ana Raquel Gonçalves MONIZ, Responsabilidade Civil Extracontratual por Danos Resultantes da
Prestação de Cuidados de Saúde em Estabelecimentos Públicos: O Acesso à Justiça Administrativa, Coimbra
Editora, 2003, pág. 96.
P á g i n a | 23

realização de prova pericial. Não raro ocorrem situações em que os danos são bem
graves, v.g., a infecção de viros do VIH, provocada por erro hospitalar resultante de uma
transfusão de sangue, mas que o tribunal entende não ser devida a reparação civil.

Para que tais questões sejam devidamente elucidadas, é necessário delinear os


contornos das responsabilidades de médico e hospital dentro do sistema de
responsabilidade civil.

Está pacificado na doutrina e na jurisprudência, que a relação oriunda entre


paciente e hospital público ou privado é de consumo e, portanto, devem ser aplicadas as
regras oriundas da L.D.C.

Sabe-se que a responsabilidade do fornecedor de serviços (hospital) é objectiva.


Por outro lado, a responsabilidade civil do profissional liberal (médico) é subjectiva.

Quando se trata de responsabilidade objectiva, deve-se demonstrar que o agente


não cumpriu uma obrigação decorrente da lei ou de um contrato, que tal conduta causou
danos a outrem (ocorrência do dano) e que há uma relação de causa e efeito entre a
conduta e o dano (nexo causal).

A responsabilidade subjectiva, por sua vez, desafia a prova da existência da


“culpa”, a qual, em sentido amplo, consiste, basicamente, na violação de um dever
jurídico, e engloba tanto o dolo como a culpa em sentido restrito. O dolo “é a violação
deliberada, consciente, intencional do dever jurídico”( 11). A culpa em sentido restrito se
caracteriza pela imperícia, imprudência ou negligência do agente hospitalar.

Assim, quando se trata de responsabilidade hospitalar, além da ocorrência do


dano e existência do nexo de causalidade, deve ser demonstrado que o profissional
actuou com culpa (strictu sensu). Daí justifica-se quando se diz que a obrigação do
hospital é uma obrigação de meio e não de resultado. A grosso modo, ele não tem a
obrigação de “curar” a enfermidade do paciente/consumidor, mas sim de empregar todos
os esforços para a cura.

Há de se fazer a ressalva de que para a maioria da doutrina e da jurisprudência,


quando o contrato firmado entre médico e paciente é para a realização de uma cirurgia

11 a
( ) Vide Carlos Roberto GONÇALVES, Direito Civil Brasileiro-Responsabilidade Civil, 5. Edição, Vol.
4, São Paulo: Saraiva, 2010, Apud Ricardo Lucas ADVOCACIA, A Responsabilidade Civil dos Hospitais Privados
por Erro Médico, 2016.
P á g i n a | 24

plástica estética ou para serviços de anestesiologia, a obrigação assumida é de resultado e


não de meio.

A grande incógnita do tema é saber, então, se o hospital privado deve responder


objectivamente por danos que sejam causados aos pacientes sem que seja comprovada a
falha na actuação hospitalar, ou seja, sem que antes seja verificada a ocorrência de culpa
através de uma actuação negligente, ou imprudente do profissional liberal empregado da
instituição hospitalar.

"Pela responsabilidade directa da empresa ou do fornecedor, a actuação do


empregado fica desconsiderada; é absorvida pela actividade da própria empresa ou
empregador, de modo a não mais ser possível falar em facto de outrem. Responde o
fornecedor ou empregador directa e objectivamente perante terceiro, tendo apenas direito
de regresso contra o empregado ou preposto( 12) se tiver culpa.

12
( ) Prepostos são as pessoas que agem em nome de uma empresa ou organização. V.g.:
vendedores, gerentes, contabilistas, o representante comercial. Chama-se preponente aquele que constitui
o preposto, para ocupar-se dos negócios. Regra geral o preposto não pode, sem autorização escrita, fazer-
se substituir no desempenho da preposição, sob pena de responder pessoalmente pelos actos do substituto
e pelas obrigações por ele contraídas.
P á g i n a | 25

CAPÍTULO III

A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL


HOSPITALAR

1- RESPONSABILIDADE DOS HOSPITAIS PÚBLICOS

1.1- RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL

Segundo MONTEIRO(13), ‘‘os critérios para determinar se existe ou não


responsabilidade pelos actos médicos praticados em hospitais públicos são os mesmos para
as clínicas privadas’’. A questão que se debate na doutrina é de saber se a acção deve ser
intentada nos tirbunais administrativos ou judiciais, dependendo da qualificação do acto
como de gestão pública ou de gestão privada.

Não havendo ainda um tribunal administrativo, pensamos que esta questão não se
há de colocar entre nós, pois, em princípio, quer se trate de um acto de gestão pública ou
privada, a sua impugnação contenciosa será feita na Sala do Civel e Administrativo do
respectivo Tribunal Provincial.

De qualquer modo, onde esta distinção releva, entendemos que a acção deve ser
proposta nos tribunais administrativos, intentando-se contra a administração pública. A
responsabilidade do médico havendo-á, será atribuída por via do exercício de um direito de
regresso da instituição hospitalar e esta pressupõe que o médico tenha actuado com a
diligência e zelo manifestamente inferiores aos que eram devidos em razão do cargo.

Só ‘‘existe responsabilidade pessoal e directa do médico quando ele tiver actuado


com dolo’’ (aqui a administração hospitalar responde solidariamente) ou quando ‘‘tiver

13
( ) Jorge Sinde MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos Recomendações ou Informações (tese
de doutoramento em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra), Coimbra,
1997, p. 32.
P á g i n a | 26

excedido os limites das suas funções’’. Nesses casos a acção deve ser intentada perante os
tribunais comuns(14).

1.2- RESPONSABILIDADE CONTRATUAL


A questão de aceitar a responsabilidade contratual dos hospitais públicos ainda não
é consensual. MONTEIRO(15), ao defender a teoria do contrato para a responsabilidade
dos hospitais públicos, afirma que ‘‘o quadro do contrato apresenta mais vantagens para
vazar a relação caracterizada por confiança entre o doente e a entidade prestadora do
serviço de saúde.

Em abono da sua tese, afirma ‘‘que o tratamento em hospitais públicos


transformou-se num fenómeno de massa. A nota do contrato, relação especial entre duas
partes, fará sobressair que para efeitos judiciais, a relação social estabelecida tenha um
carácter pessoal’’. Tal facto implicaria personalisar uma espécie de relações sociais que, no
plano sociológico, se apresenta como um fenómeno de massas.

Na situação descrita, assistirá ao doente um quadro de direitos e deveres fixados


genericamente mais individualisáveis e individualisados na relação de cada doente. Outra
vantagem para a adopção da responsabilidade contratual tem a ver com o acesso aos
registos médicos devido a inversão de ónus da prova. Do outro lado, estão os que
privilegiam a responsabilidade extracontratual como é o caso do modelo francês.

Se o médico presta a sua actividade num hospital público, intervem claramente o


regime da responsabilidade extracontratual do Estado e outras entidades públicas
consagrado no art.0 75.0 da C.R.A., uma vez que se trata de actos de gestão pública.

Aqui, o médico actua nas vestes de funcionário público e pratica actos de gestão
pública. Deste modo, se as acções ou omissões do médico violarem disposições ou
princípios constitucionais legais ou regulamentares infrigirem deveres objectivos de
cuidado, afectarem as legis artis, ou ofenderem direitos ou interesses legalmente
protegidos colocando em perigo a vida ou a saúde do doente, ambos (médico e hospital)
responderão extracontratualmente, caso se verifique a ilicitude do acto e a culpa do
profissional de saúde.

14
( ) Responsabilidade Médica em Portugal, separata de: Ministério da Justiça, Lisboa, 1984, p. 33.
15
( ) Idem, ibidem,.
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Ao que nos parece, o legisador adoptou a teoria do risco administrativo, como


fundamento da responsabilidade civil da Administração Pública. Nessa ordem de ideias, a
responsabilidade do Estado é extracontratual e não contratual e se rege por princípios
concernentes ao Direito Administrativo. A teoria objectiva dispensa a culpa do agente da
administração, no caso em referência dos hospitais públicos. Entretanto, é necessário que
exista uma falha ou mau funcionamento do serviço público para que haja responsabilidade
civil. Por esta razão a sua afectação requere que se preencha os pressupostos do dano, da
acção do Estado e do nexo de causalidade e a acção da Administração.

2- RESPONSABILIDADE DOS HOSPITAIS PRIVADOS

2.1- CONCEITO DE PREPOSTO

Com base na diferença doutrinária e legal os hospitais podem ser pessoas colectivas
de direito público ou de direito privado.

A compreensão da responsabilidade civil dos hospitais passa pelo entendimento do


conceito de pessoa jurídica, descrita como uma colectividade de pessoas ou uma massa de
bens destinadas a prossecução de um fim à que a lei atribui personalidade jurídica.
Caractrizam o conceito de pessoa jurídica a existência própria, separada dos seus membros.

Como sustenta alguma doutrina, se a existência das pessoas jurídicas resulta de uma
ficção legal a sua actuação no mundo das relações jurídicas tem de ser feita através dos
seus órgãos e prepostos.

Para melhor entendimento do que abaixo vem exposto, importa analisar primeiro o
conceito de preposto. Este será entendido como um longa manus da instituição hospitalar
ou do patrão, cujo plano central se funda no vínculo jurídico de subordinação que deve
haver entre os prepostos e a pessoa jurídica.

Como afirma RAMOS(16), os estabelecimentos de saúde prestam, em regra, dois


tipos de serviços: médico e de hospedagem. A responsabilidade civil resultante de danos
causados pelos serviços de hospedagem como é o caso das infecções hospitalares, é fácil
de ser determinada. Estes, quando causados por empregados com um vínculo de

16
( ) Ramos Ávilla de ITALAMAR, A responsabilidade Civil dos Estabelecimentos de Saúde, Lamprina
Editora, Rio de Janeiro, 2008, pág. 35.
P á g i n a | 28

subordinação, serão facilmente imputados à pessoa jurídica pela actuação dos seus
prepostos.

No entanto, não são visíveis as linhas divisórias da responsabilidade por danos


provocados por médicos que não têm vínculo de prestação de serviços bem definido com a
pesoa jurídica, sendo muito difícil de apurar o culpado pelo dano. Para o efeito, as posições
são divergentes com fundamento no vínculo de subordinação. Rui STOCO(17), defende
que deve se examinar primeiro se o médico é contratado pelo hospital de modo a ser
considerado como seu preposto ou não. Esta compreensão tem o seu acolhimento na
relação comitente-comissário consagrado no art.0 500.0 do C.C., ao estabelecer que
‘‘aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de
culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este racaia a obrigação de
indemnizar’’.

Delimitando a esfera de responsabilidade do comitente, o n.0 2 do art.0 acima citado


estabelece que a ‘‘a responsabilidade do comitente só existe se o facto for praticado pelo
comissário (…) no exercício da função que lhe foi confiada.

Na linha do que foi exposto, ‘‘o hospital responderia pelos actos médicos dos
profissionais que o administram (directores, supervisores, etc.) e dos médicos que sejam
empregados. Entretanto, se os médicos não forem prepostos mais profissionais
independentes sem vínculo de subordinação usando as dependências do nosocómio por
conveniência do próprio paciente, em razão da qualidade das acomodações, ter-se-á de
apurar a culpa de cada um.

Entre as várias teses avançadas a volta do tema importa-nos apresentar mais uma a
que nos parece satisfazer com maior rigor os interesses do lesado. Esta tese perfilha a
concepção mais ampla do conceito de preposto, para a qual a entidade hospitalar, inclusive
no caso de não manter com o médico um vínculo de emprego deve responder pelos danos
provocados ao paciente ocorrido no estabelecimento de saúde.

O argumento invocado em defesa dessa tese é de que o médico, mesmo sem o


vínculo referido, para trabalhar num estabelecimento qualquer precisa de ser aceite pelos
respectivos órgãos deste estabelecimento, normalmente composto por um corpo clínico.
Do mesmo modo será este corpo clínico dentro das responsabilidades específicas

17
( ) Idem, ibidem.
P á g i n a | 29

atribuídas que irá controlar, orientar e supervisionar a actuação daquele técnico de saúde.
Enfim, ao ser aceite o técnico de saúde é analisado, sendo avaliado nas suas qualidades
profissionais e, enquanto trabalha, está em constante vigilância devendo observar as
normas ditadas pelo regulamento interno.

Vimos que, o médico não é uma pessoa estranha, um terceiro em relação ao


estabelecimento, sobretudo, quando o hospital tem no seu quadro pessoas especialmente
encarregue de zelar pelo fiel cumprimento dos regulamentos para o bem do paciente.
Estamos em face daquilo que a doutrina chama de culpa in eligendo. Desta feita,
entendemos que o estabelecimento de saúde pode ser responsabilizado civilmente pelos
actos praticados por médicos que nela trabalham, ou sem vínculo de emprego, embora
assista sempre à instituição o exercício do direito de regresso havendo culpa dos
profissionais.

2.2- RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL


A Lei de Bases do Sistema Nacional de Saúde permite a livre iniciativa dos
serviços de assistência à saúde, ao estabelecer que ‘‘os cuidados de saúde são prestados por
serviços ou estabelecimentos do Estado ou, sob a fiscalização deste, por outros agentes
públicos ou entidades privadas, com ou sem fins lucrativos’’(18).

A responsabilidade do estabelecimento de saúde no âmbito da medicina privada


pode ocorrer mesmo não havendo contrato entre o hospital, médico e paciente, bastando
apenas que se violem direitos absolutos ou normas de protecção legalmente estabelecidas.
V.g., é o que acontece nas situações infra apresentadas:

A) Se o contrato, apesar de celebrado, enferma de uma nulidade, como


experimentação arriscada, ou mutilação desnecessária;
B) Caso em que não houve contrato porque a assitência médica foi prestada a um
incapaz (sem o consentimento do seu representante legal ou à pessoa incapaz
inanimada);
C) Nas situações em que existindo um contrato válido, os danos causados caem
fora do âmbito contratual de protecção: é o caso dos prejuízos que se causem a

18 0 0 0
( ) Este regime foi assumido na C.R.A., ao estabelecer no n. 3 do art. 75. que ‘‘a iniciativa
particular e cooperativa nos domínios da saúde, previdência e segurança social é fiscalizada pelo Estado e
exerce-se nas condições previstas por lei’’.
P á g i n a | 30

terceiros pelo facto de o médico causar lesões a outrem por falta de cuidado
suficiente do profissional,
D) Nos casos de contrato total ou entre a clínica e o doente, em que o médico, não
sendo parte no contrato, responderá a título de responsabilidade extracontratual
(com os fundamentos ali expendidos).

Importa no entanto, salientar que, em caso de concurso de responsabilidade


subjectiva e objectiva, as regras aplicáveis à violação contratual se sobrepõem às da
responsabilidade extracontratual.

2.3- RESPONSABILIDADE CONTRATUAL

Em sede de responsabilidade contratual, os estabelecimentos de saúde privados


respondem pelos actos de todo pessoal que utilizar no cuprimento das suas obrigações.
Deste modo, se a clínica tem ao seu serviço médicos para o tramento dos clientes que a ela
se diregem, responderá contratualmente pelos actos destes. Aplica-se, para o efeito, o
regime do devedor pelos actos dos seus auxiliares, o qual abre um largo campo de
responsabilidade objectiva dos hospitais e clínicas privadas. ‘‘Ademais, em matéria de
responsabilidade do grupo cada vez mais, o eixo da discussão se tem centrado na relação
do hospital-paciente e cada vez menos na relação médico-paciente(19), cujo fundamento
reside na complexidade de identificação dos responsáveis na base de um evento lesivo.
Esta dificuldade pode mesmo colocar-se nos casos em que o facto danoso resulte
nitidamente do comportamento culposo, porquanto não se sabe até que ponto tal evento é o
resultado de pequenas falhas atribuídas com maior ou menor relevância a outros factores. É
neste sentido ‘‘que se vem recorendo à ideia de que os estabeleciemtos hospitalares estão
adstritos ao cumprimento de certas obrigações sob pena de vier a responder pelo mal
funcionamento dos serviços prestados’’

A responsabilidade objectiva decorrente da actuação culposa dos seus auxiliares


(médicos, enfermeiros, paramédicos, técnicos de laborários, etc.) à primeira vista parece
seguir o regime da responsabilidade do devedor pelos actos dos seus auxiliares levando-
nos a crer que em determinadas circunstâncias, a responsabilidade do hospital pode ser
limitada ou excluída.

19
( ) Carla GONÇALVES, A Responsabilidade Civil Médica: Um problema para além da culpa, Coimbra
Editora, 2008, pág. 130.
P á g i n a | 31

No mesmo sentido VARELA(20), salienta que seria nulo um acordo com que o
hospital psiquiátrico pretendesse excluir a sua responsabilidade pelos actos médicos ou dos
enfermeiros que violam os deveres de diligência exigíveis em face do caso concreto.

3- ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO

A responsabilidade civil consubstancia-se fundamentalmente, na obrigação de


indemnizar um dano. Aquele que se encontra sujeito a essa obrigação deve consoante
estabelece o (...) C.C. angolano art. 0 562.0 reconstituir a situação que existiria se não se
tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Idêntica solução vigora nos Direitos
Alemão, Português, Françês e Italiano. Distingue-se porém, os sistemas jurídicos
nacionais quanto à forma de dar satisfação a este desiderato( 21).

A doutrina tem afirmado que a responsabilidade médica empresarial, no caso de


hospitais, é objectiva. Contudo, a responsabilidade do hospital somente tem espaço
quando o dano decorrer de falha de serviços cuja atribuição é afecta única e
exclusivamente ao hospital. Nas hipóteses de dano decorrente de falha técnica restrita ao
profissional médico, mormente quando este não tem nenhum vínculo com o hospital –
seja de emprego ou de mera preposição–, não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de
indemnizar.

Na hipótese de prestação de serviços médicos, o ajuste contratual –vínculo


estabelecido entre médico e paciente– refere-se ao emprego da melhor técnica e
diligência entre as possibilidades de que dispõe o profissional, no seu meio de actuação,
para auxiliar o paciente. Portanto, não pode o médico assumir compromisso com um
resultado específico, facto que leva ao entendimento de que, se ocorrer dano ao paciente,
deve-se averiguar se houve culpa do profissional –teoria da responsabilidade subjetiva–.

No entanto, se, na ocorrência de dano impõe-se ao hospital que responda


objectivamente pelos erros cometidos pelo médico, estar-se-á aceitando que o contrato
firmado seja de resultado, pois se o médico não garante o resultado, o hospital garantirá.
Isso leva ao seguinte absurdo: na hipótese de intervenção cirúrgica, ou o paciente sair
curado ou será indemnizado –daí um contrato de resultado firmado às avessas da
legislação–.
20 a
( ) Antunes VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10. Ed., Almedina Coimbra, 2000.
21
( ) Vide Dário Mora VICENTE, Direito Comparado-Obrigações, Vol. II, Edições Almedina, 2017, pág.
467.
P á g i n a | 32

O cadastro que os hospitais normalmente mantêm de médicos que utilizam suas


instalações para a realização de cirurgias não é suficiente para caracterizar relação d e
subordinação entre médico e hospital.

Na verdade, tal procedimento representa um mínimo de organização empresarial.

Em termos práticos, para que haja a condenação do hospital por erro médico (ou
mesmo de outro profissional liberal que nele actue), é necessária a demonstração do agir
culposo do profissional que dele é empregado, prova que em prática 90% dos casos é
realizada através de perícia. Vale ressaltar que médico e hospital respondem
solidariamente. Como se trata de relação consumerista, a demanda pode ser ajuizada
directamente contra o hospital, ao qual restará acção de regresso caso haja a
comprovação do erro hospitalar.

Vários tribunais entendem pelo cabimento da denunciação da lide dos


profissionais médicos. Assim, por questão de celeridade, é interessante observar qual o
entendimento dominante no estado em que será interposta a acção e já demandar, caso
possível e necessário, contra todos os eventuais responsáveis, os quais, repete-se,
respondem solidariamente. Existem casos em que o médico não é empregado ou preposto
do hospital, mas apenas se utiliza das dependências para a realização de seus
procedimentos. Nesta situação, deve ser demonstrado que o consumidor procurou
directamente o profissional liberal e com este firmou sua relação, sendo afastada a
responsabilidade do estabelecimento hospitalar.

Por fim, quanto aos actos extra hospitalares, que são os decorrentes do serviço de
hospedagem do paciente, manutenção de aparelhos, alimentação dos pacientes,
deslocamento dos mesmos, entre outros, a responsabilidade do hospital é objectiva, nos
termos da L.D.C., não havendo, neste caso, necessidade de discussão se houve ou não
culpa do funcionário do nosocómio, na medida em que decorrem directamente da
actuação empresarial do hospital como prestador de serviços. Comprovando-se a falha na
prestação destes serviços, bem como o nexo de causalidade e o dano, configura-se o
dever de indemnizar do hospital.
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CONCLUSÕES

Depois de enaltecer-mos a importância do tema desenvolvido, cumpri-nos


concluir que a responsabilidade hospitalar em Angola, como de resto sucede em muitos
países, tem à sua frente um longo caminho a percorrer, para que, com justeza, possam ser
ressarcidas das suas lesões as vítimas de um acto hospitalar.

A consagração da responsabilidade objectiva, que parecia dar solução ao


problema dos danos sem culpa, ainda que fundado no risco, parece hoje não ser solução
para todos os casos na medida em que há riscos beneficiam toda comunidade, aliás, a
ampliação da responsabilidade objectiva a toda actividade hospitalar, ideia em que não
corroboramos pode servir de desicentivo para evolução desta área tão vital para o ser
humano.

Diante dos limites impostos pelo instituto defendemos, que a longo prazo depois
de um estudo aprofundado possam ser adaptadas para a realidade jurídica angolana os
novos sistemas que em outras realidades jurídicas vão surgindo.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sistema de Saúde Angolano, 2004.

 VICENTE, Dário Moura, Direito Comparado-Obrigações, Vol. II, Edições


Almedina, 2017.

LEGISLAÇÃO CONSULTADA

 Constituição da República de Angola.


 Código Civil.
 Lei de Bases do Sistema Nacional de Saúde.
 Lei da Defesa do Consumidor.
 Lei dos Serviços Privados de Saúde.
 Lei sobre as Cláusulas Contratuais Gerais.

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