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Código de defesa do consumidor

na prática médica

Profa. Dra. Cristina Alves 2023.2 -


Medicina
O código foi regulamentado em 11 de setembro de 1990, através da Lei nº 8.078, no
mandato do presidente Fernando Collor. O período que antecedeu a criação do CDC
era regulamentado pelo Código Civil, que cuidava de algumas necessidades dos
consumidores, mas não tinha normas e regras tão específicas para lidar com esse
tema.
Portanto, a criação do CDC marca o início de uma preocupação maior com o direito
do consumidor. Foi a partir desse código que os consumidores passaram a reclamar
seus direitos e as relações de consumo se tornaram mais justas.

O Código de Defesa do Consumidor tem um papel muito importante na sociedade


atual, que é orientar e determinar as práticas em torno das relações de consumo.
Quanto a natureza da relação médico-paciente – médico e paciente se adequam aos conceitos de
fornecedor e consumidor?

• Nos termos do artigo 14 do CDC, o erro


médico é enquadrado como hipótese
de serviço defeituoso, sendo, portanto, face a
todo o arcabouço jurídico montado pela lei
consumerista:
• a responsabilidade, do causador do dano,
objetiva e solidária;
• à vítima bastará a prova do fato, do dano e o
nexo causal entre eles.
O artigo 14 do CDC, deixa claro ser objetiva e solidária a responsabilidade do
fornecedor.

Define, também situações as quais o serviço pode ser considerado defeituoso.

Assim como as eximentes existentes em seu §3º, podemos concluir que a


responsabilidade do hospital em caso de defeito do serviço, ocasionados por seus
prepostos – nos termos do artigo 34 do CDC – é objetiva e solidária,
independendo se houve ou não culpa de seus vinculados.

A responsabilidade do médico diante de um fato danoso é subjetiva, entrementes,


não aproveita tal fato a pessoa jurídica. Ao paciente/consumidor bastará a prova do
evento danoso e do nexo causal.
O erro médico pode ser analisado no ordenamento jurídico brasileiro por meio do CC, C.P. e
CDC. Há, atualmente, correntes que defendem a aplicação de um ou outro, sendo o
CDC mais aceito.

O CDC dispõe em seu artigo 2º que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

O art. 3º, dispõe que “fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem
atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

O § 2º do mesmo artigo conceitua o que é serviço, explicando que “é qualquer atividade


fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista”.
A análise jurisprudencial nos mostra que há juízes que entendem que deve haver
aplicação dos artigos do CDC, ou seja, a responsabilidade para os participantes da
cadeia de fornecedores é objetiva e solidária, nos termos do artigo 14 do CDC,
independentemente da atuação culposa ou não de seus prepostos – médicos.

Não cabe investigar acerca da culpa dos prepostos do hospital, mas se o serviço
prestado pelo nosocômio foi defeituoso ou não.

Nesse passo, a configuração dos elementos nexo causal e dano geram o dever de
indenizar, sendo as eximentes de responsabilidade possíveis para o caso:

a inexistência de defeito no serviço e a culpa exclusiva do consumidor ou de


terceiro, com base no at.14, §3º, I e II.

Quanto ao inciso I há hipótese de quebra do nexo causal, já quanto ao inciso II, há


hipótese de genuína excludente de responsabilidade objetiva.
Princípios do CDC
Princípios são normas fundamentais que norteiam, entre outros ramos do
Direito, as relações de consumo, atendendo as necessidades do
consumidor, respeitando a sua saúde, dignidade e segurança, de modo a
proporcionar a harmonia na interação entre ele e o fornecedor, como aduz
o inciso I do artigo 4º da Política Nacional de Relações de Consumo:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o


atendimento das necessidades dos consumidores:

respeito à sua dignidade


saúde e segurança
proteção de seus interesses econômicos
melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e
harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I -Vulnerabilidade
II- Boa-fé objetiva
III- Transparência
IV-Segurança
V-Equidade e Confiança
VI-Solidariedade
Vulnerabilidade
• Todo consumidor é pessoa vulnerável, não importa quem
seja e seu poderio econômico, na medida em que não
possui:
• técnica
• conhecimento e a tecnologia

• Logo o consumidor, por não possuir tais informações, se


coloca numa posição de inferioridade frente ao
fornecedor; certo que justamente essa ausência de
informação, essa vulnerabilidade, justifica o regramento
próprio destinado a proteger tal sujeito.
Boa-fé objetiva
• regra de conduta que cria no contratante a
expectativa de que seu parceiro contratual se paute
por padrões éticos de comportamento, padrão
ético comportamental que deve ser verificado no
caso concreto em razão do tempo e do espaço em
que a norma está sendo aplicada.
• Trata-se de cláusula geral que será implementada
no caso concreto pelo julgador, de acordo com a
natureza e peculiaridades do negócio celebrado e
das partes envolvidas.
Transparência
• Decorrência lógica do princípio da boa-fé
objetiva - regra de conduta pautada por
padrões éticos de comportamento - o dever
de informação é uma obrigação imposta ao
Estado e aos fornecedores, no sentido de
educarem o consumidor, de maneira clara e
adequada, quanto às características do
produto ou serviço contratado, seu modo de
utilização, seus riscos e o respectivo preço
Segurança
• O consumidor tem o direito básico à proteção
de sua vida e de sua saúde.
• Assim, o fornecedor não pode colocar no
mercado produtos ou serviços que possam
oferecer riscos ao consumidor.
• Os riscos devem ser claramente advertidos,
inclusive, com orientações seguras de como
minimizá-los.
Equidade e Confiança
• A justiça contratual só é possível de ser
alcançada se for mantido, desde o início até o
fim, o equilíbrio de deveres e obrigações,
posto que um contrato desequilibrado está
fadado ao inadimplemento, o que atenta
contra a sua finalidade social, que é a
circulação de rique­zas.
Solidariedade
• A regra geral, na lei de proteção ao consumidor, é a
responsabilidade solidária de todos os agentes envolvidos
na atividade de colocação de produto ou serviço no
mercado de consumo.
• Portanto, a responsabilização abrange não apenas o
vendedor ou comerciante, que manteve contato direto
com o consumidor, mas também os demais fornecedores
intermediários que tenham participado da cadeia de
produção e circulação do bem, como por exemplo, o
fabricante, o produtor, o construtor, o importador e o
incorporador.
CASO REAL -erro médico e Código de Defesa do Consumidor
CASO REAL 1 -Terceira Turma admite denunciação da lide em ação de
consumidor contra hospital por suposto erro médico
• Nos processos em que a responsabilização solidária do hospital depender
da apuração de culpa do médico em procedimento que causou danos ao
paciente, é possível, excepcionalmente, a denunciação da lide pelo
estabelecimento, para que o profissional passe a integrar o polo passivo da
ação.
• A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou esse
entendimento ao julgar recurso de um hospital em ação indenizatória
movida por uma menor – representada por sua mãe – que teria sido vítima
de erro médico em cirurgias cardíacas.
• O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com base na teoria da aparência,
rejeitou a alegação de ilegitimidade passiva do hospital, por entender que,
para a consumidora, o vínculo entre os médicos que fizeram as cirurgias e o
hospital não é relevante, importando tão somente a satisfação do seu direito
de reparação.
• No recurso ao STJ, o hospital afirmou que não foram apontadas falhas em
seus serviços, como enfermagem e hotelaria; por isso, a responsabilidade
pelos danos à paciente só poderia ser imputada aos médicos, que utilizam
suas instalações para operar, mas não têm vínculo com o estabelecimento.
Responsabilidade do hospital diante do erro médico

De acordo com a relatora, ministra Nancy Andrighi, os fatos narrados na ação, a princípio,
não permitem afastar a legitimidade passiva do hospital, pois os procedimentos foram
realizados em suas dependências, "sendo possível inferir, especialmente sob a ótica da
consumidora, o vínculo havido com os médicos e a responsabilidade solidária de ambos –
hospital e respectivos médicos – pelo evento danoso".
A ministra esclareceu que, segundo a jurisprudência do STJ, o hospital responde
objetivamente pelas falhas nos seus próprios serviços auxiliares, mas não tem
responsabilidade por danos decorrentes do trabalho do médico que com ele não tenha
nenhum vínculo – hipótese em que a responsabilidade é subjetiva e exclusiva do
profissional.
Por outro lado, havendo vínculo de qualquer natureza entre ambos, o hospital responde
solidariamente com o médico pelos danos decorrentes do exercício da medicina, desde
que fique caracterizada a culpa do profissional, nos termos do Art. 4 & 4º do CDC.

"Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro,


cuja culpa deve ser comprovada pela vítima, de modo a fazer emergir o dever de
indenizar da instituição", comentou a relatora.
Investigação indispensável sobre a culpa do médico

Como a ação imputou ao hospital a responsabilidade por atos dos médicos que atuaram
em suas dependências – eles próprios não foram incluídos no processo –, Nancy Andrighi
destacou a necessidade de se apurar a existência de vínculo entre a instituição e os
profissionais, bem como se houve negligência, imperícia ou imprudência na conduta
médica.

Segundo a magistrada, a discussão sobre a culpa dos médicos não serve apenas para que
o hospital possa ajuizar ação de regresso contra eles (para se ressarcir de uma
condenação na ação indenizatória), mas, principalmente, para fundamentar a
responsabilidade do próprio hospital perante o consumidor, pois é uma condição
indispensável para que o estabelecimento responda solidariamente pelos danos
apontados.
A ministra ressaltou que, para a jurisprudência, "a vedação à denunciação da
lide estabelecida no art. 88 CDC não se limita à responsabilidade por fato do produto
(art. 13), sendo aplicável também nas demais hipóteses de responsabilidade por
acidentes de consumo (artigos 12 e 14)". O que se pretende com esse entendimento,
segundo a magistrada, é evitar que o consumidor seja prejudicado com a demora e a
ampliação desnecessária do objeto do processo.
No entanto, ela mencionou precedente no qual a Terceira Turma já admitiu
a denunciação da lide, em caso semelhante ao do recurso em julgamento (Res 1.16.424).
"Em circunstâncias específicas como a destes autos, na qual se imputa ao hospital a
responsabilidade objetiva por suposto ato culposo dos médicos a ele vinculados, deve
ser admitida, excepcionalmente, a denunciação da lide, sobretudo com o intuito de
assegurar o resultado prático da demanda, a partir do debate acerca da culpa daqueles
profissionais, cuja comprovação é exigida para a satisfação da pretensão deduzida pela
consumidora", concluiu a ministra.

Leia o acórdão no REsp 1.832.371.

* é uma decisão proferida por um tribunal após o julgamento de um caso. Ele é


emitido por um painel de juízes e contém a análise detalhada do caso, juntamente com a
fundamentação legal aplicada à situação em questão.
Art. 12 –CDC – Responsabilidade objetiva

O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador


respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos
danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto,
fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou
acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes
ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 1º - O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele


legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias
relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi colocado em circulação.
§ 2º - O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor
qualidade ter sido colocado no mercado.
§ 3º - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será
responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.

Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior,


quando:
I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser
identificados;
II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor,
construtor ou importador;
III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o
direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na
causação do evento danoso.
CDC - Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa,


pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação
dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição e riscos.
§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele
pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa.
AÇÃO DE REGRESSO NO DIREITO CIVIL

A ação regressiva é prevista no artigo 934 do nosso Código Civil, o qual estabelece
que aqueles que realizarem o ressarcimento de danos causados por terceiros
podem recuperar tais valores do efetivo responsável.

CDC – Lei 8.078/90 Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras


providências.
Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso
poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de
prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.
Doutrina sobre este ato normativo
I – DOUTRINA Solidariedade e responsabilidade civil pelo fato do produto: A
hipótese prevista no art. 13 do CDC inclui dentre os responsáveis em decorrência
dos acidentes de consumo o comerciante nas hipóteses do fabricante, do
construtor, do produtor ou do importador quando não puderem ser
identificados...
Considerações:

Ao considerar a aplicação do CDC em demandas de erro médico, o paciente é


beneficiado. Farias, Braga Netto e Rosenvald, pontuam que pode ser aplicado:

a) Possibilidade de inversão do ônus da prova a favor do paciente (CDC art,


art.6º ,VIII);
b) Possibilidade de propositura da ação no domicílio do consumidor ( CDC,
art.101,I);
c) O prazo prescricional mais dilatado (CDC, art. 27);
d) Deveres de informação, por parte do médico e instituições de saúde,
particularmente severos (CDC, arts. 6º ,III,8º e 9º)
e) Invalidade de cláusulas contratuais que excluam ou mesmo atenuem o dever
de indenizar em caso de dano (CDC, art.51, I).

Aplicação do CDC em demandas de erro médico ainda não é unânime na


doutrina e na jurisprudência, mas atualmente há entendimento
majoritário de que o médico é o fornecedor e, o paciente, o consumidor.
A interpretação de que se enquadram como fornecedor e consumidor conforme
disciplina o CDC, torna-se possível a aplicação desse Código à relação médico-
médico, o que beneficia o paciente.
Bibliografia

• MORAES, Maria Celina Bodin de; GUEDES,


Gisela Sampaio da Cruz (coord.).
Responsabilidade civil de profissionais liberais.
Rio de Janeiro: Forense, 2016. (Minha
Biblioteca)

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