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CURITIBA
2019
ELIENE IMANO OTTA
CURITIBA
2019
RESUMO
1 INTRODUÇÃO 6
2 AS INTERSECÇÕES ENTRE O DIREITO E A ÁREA DA SAÚDE 7
2.1 Conceito de saúde 7
2.2 Responsabilidade profissional 9
2.3 Responsabilidade civil nas áreas da saúde 13
2.4 Responsabilidade profissional médica na visão de Demogue 19
3 O DIREITO DAS OBRIGAÇÕES NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO 21
3.1 Conceito e classificação das obrigações 21
3.2 As diferenças entre as obrigações de meio e de resultado 21
4 AS OBRIGAÇÕES DE MEIO E DE RESULTADO NA ÁREA MÉDICA 26
4.1 O erro médico e suas consequências jurídicas 33
4.2 O mau resultado 40
4.3 Quando poderá se falar em obrigação de resultado na área da saúde
43
4.4 A Resolução nº 196/2019 do Conselho Federal de Odontologia e
possíveis repercussões no campo obrigacional 44
5 CONCLUSÃO 47
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 49
1 INTRODUÇÃO
1
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Constituição da Organização Mundial da
Saúde (OMS/WHO) - 1946. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-
Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-
omswho.html>. acesso em 10 de setembro de 2018
2
CZERESNIA, Dina; DE FREITAS, Carlos Machado. Promoção da saúde: conceitos,
reflexões, tendências. SciELO-Editora FIOCRUZ, 2009.
SCLIAR, Moacyr. História do conceito de saúde. Physis: Revista de saúde coletiva,
v. 17, p. 29-41, 2007.
SÁ JUNIOR, Luis Salvador de Miranda. Desconstruindo a definição de saúde. Jornal
do Conselho Federal de Medicina,jul/ago/set de 2004, p 15-16.
3
conexão entre a psique, soma e sociedade é claramente simbiótica . Sugere o
resgate do subjetivismo, levando um questionamento da atual definição de
saúde, cuja base se faz em avaliações externas, de ordem objetivas.
Tem-se uma concepção ampliada e complexa sobre a saúde,
entrelaçada e fortemente influenciada por fenômenos sociais e culturais.
Partindo desta premissa, a abordagem do contexto social sobre o corpo e a
construção social baseada sobre ele parece ser um tema promissor na área da
saúde.
Desta maneira, torna-se mais fácil a compreensão da inserção da
cirurgia considerada estética no contexto da Saúde Coletiva, já que – graças
aos avanços da tecnologia médica – houve um aumento considerável na busca
destes procedimentos, sobretudo a partir da crescente preocupação em
relação ao corpo. À medida em que a mídia e as redes sociais foram se
tornando mais acessíveis e atingindo grande parte da população, com a
melhora da qualidade de vida, o homem aumentou a longevidade e,
consequentemente, o corpo físico, bem como a sua aparência, transformando-
se em protagonista dos movimentos sociais na cultura, influenciando
fortemente o caráter audiovisual.
Leal4 faz um estudo demonstrando que o desenvolvimento, a
manutenção e a mudança da imagem do corpo são algumas funções que
conectam o indivíduo a sociedade. Por outro lado, muito do que a pessoa
valoriza pode ser compreendido em termos dos papéis e funções que
desempenha na vida, bem como de suas relações pessoais. A priori, torna-se
importante que o médico apure com detalhes, realizando uma anamnese
relativa a hábitos, atitudes, relacionamentos, trabalho, esportes, passatempos,
a fim de perquirir o que o corpo representa para aquele paciente, descobrindo,
então, se há indicação da cirurgia plástica pretendida. Com efeito, percebe-se
que a cirurgia estética visa criar ou devolver um aspecto normal e harmônico às
pessoas que sofrem por sua desproporção de forma. O paciente é visto como
5
ELY, Jorge Fonseca. Cirurgia plástica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1980.
p.495
6
VIEIRA, Karina Magalhães Fernandes. O corpo da mulher em correção:
subjetividade e cirurgia estética. 2006. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - UNIFOR,
Fortaleza, 2006.
médica, ou seja, da área da saúde; por isso, não deve se desvincular do seu
compromisso com o bem-estar integral do paciente. O médico não pode
mitigar o seu comprometimento ético em desfavor da estética pretendida
pelo paciente.
7
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 12 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2018. p .44-57
8
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 4-Responsabilidade Civil.
Editora Saraiva, 2017. p.66
9
FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. Koogan, 2001. P 1293
O estudo da responsabilidade civil é parte integrante do direito
obrigacional, que atua sobre a reparação dos danos e segundo Venosa 10, “algo
sucessivo à transgressão de uma obrigação, dever jurídico ou direito.” Nesta
linha de raciocínio, Nigre11 preceitua que a responsabilidade civil é o prejuízo
de ordem material, moral ou estética, que o profissional se vê obrigado a
reparar quando, por ação ou omissão, em razão de seu mister, venha a causar
a seu paciente.
Silva Filho12 leciona que a responsabilidade civil implica na obrigação
de uma pessoa indenizar o dano causado a outrem. Restabelecendo o
equilíbrio patrimonial ou mesmo moral que foi causado pelo dano, sendo esta a
principal causa que nasce a responsabilidade civil.
Sergio Cavalieri13, em adendo, define conduta culposa do agente
mais nexo causal e danos. A conduta humana (ação ou omissão) pode ser
definida como um comportamento positivo ou negativo, voluntário ou não do
agente que resulta em um dano ou prejuízo. Um dos elementos é a
voluntariedade, o comportamento está direcionado, conduta comissiva, e para
assim ser caracterizada, é necessário que tenha o dever de atuar e nada
fazer, é o deixar de agir quando deveria ter agido. Deve ser mostrado como
resultado evitável se não tivesse havido a falha, devendo ser responsabilizado
por ato próprio.
O ordenamento jurídico brasileiro trata deste importante tema no
Código Civil14, como regra, no que diz respeito à responsabilidade civil do
10
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil. 14ª ed. São
Paulo: Atlas, 2014. p. 174 -175.
11
NIGRE, André Luis. Responsabilidade civil do médico. 3 ed. Rio de Janeiro: Rubio.
2007. p. 10-19
12
SILVA FILHO, Artur Marques da. A responsabilidade civil e o dano estético. Revista
dos Tribunais, São Paulo, v. 689, p. 38-49, 1993
13
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. Malheiros Editores,
2005. P. 3-5
14
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 10 de dez.
2018.
profissional médico, diante da análise da existência de culpa comprovada,
sendo ônus da vítima provar o dolo ou a culpa do agente, para que faça jus à
indenização. A responsabilidade civil do profissional médico, diante da análise
de existência de culpa comprovada, sendo ônus da vítima provar o dolo ou a
culpa do agente para que faça jus à indenização. A responsabilidade
profissional no âmbito do exercício da medicina, como um elenco de
obrigações a que o médico está sujeito e cujo não cumprimento leva a sofrer
consequências impostas pelos diversos diplomas legais
Nader15 dispõe que a expressão “área da saúde” abrange várias
atividades profissionais, que tem por objetivo tanto a conservação e
recuperação da saúde, quanto a estética da forma, neste rol cita-se a medicina,
odontologia, hospitais, farmacêuticos. É do conhecimento que apesar do
reforço na prevenção, a maior demanda é nas áreas para tratamento de
doenças ou lesões.
Assim, danos à saúde podem ser praticados pela prática deste
serviço. A responsabilidade profissional, no âmbito do exercício da medicina,
como um elenco de obrigações a que o médico está sujeito, e cujo não
cumprimento o leva a sofrer as consequências impostas pelos diversos
diplomas legais16.
Aguiar Junior17 trata assim a responsabilidade profissional médico
como “pressuposto o ato médico, praticado com violação a um dever médico,
imposto pela lei, pelo costume ou pelo contrato, imputável a título de culpa,
causador de um dano injusto, patrimonial ou extrapatrimonial.” Venosa18
discorre que a responsabilidade médica é aceita pelo Direito e pela Medicina.
Sendo necessário que o profissional tenha dado causa sem querer o resultado
e nem assumido o risco de produzi-lo, ou seja, que o tenha feito apenas por
15
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense. Gen, 2010. p.401
16
DIAS, Helio Pereira. A Responsabilidade pela Saúde: aspectos jurídicos. Editora
Fiocruz, 1995. p 40-52
17
AGUIARJÚNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. Revistas dos
Tribunais. ago. 1995. p 513-515
18
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil. 14ª ed. São Paulo:
Atlas, 2014. p 174 -175
culpa em seu sentido strictu (negligência, imprudência ou imperícia). O
profissional age de maneira culposa sem as necessárias diligências que todo
ato deve merecer. O limite da culpa é a previsibilidade do dano, isto é, que não
seja possível escapar o fato à perspicácia comum, usando a referência do
“homem médio”: Quanto maior houver a previsibilidade de um resultado
danoso, maior é o grau de culpa. A previsibilidade é a consciência de se poder
prever um resultado.
Giostri19 doutrina que o profissional pode ser responsabilizado nas
áreas cível, penal e ética e que, quanto à natureza jurídica da responsabilidade
do profissional da área da saúde, de maneira geral, a prestação obrigacional é
uma obrigação de meio, ou seja, cabe a ele “usar de todos os meios,
disponíveis e ao seu alcance, para chegar ao melhor resultado, todavia não se
vincula a este resultado predeterminado e certo. A este respeito Nigre 20 leciona
que na obrigação de meio “o objeto do contrato é o atuar zeloso, com aplicação
da melhor técnica profissional”, para que haja o restabelecimento do bem-estar
físico, psíquico e social do paciente. Entretanto, na obrigação de resultado, o
profissional, por força da relação contratual, está obrigado a alcançar um
determinado fim, devendo responder pelas consequências decorrentes de seu
descumprimento.
Tais autores explicam que o exercício do profissional da área da
saúde está sujeito a resultados adversos, tanto para o profissional quanto para
o paciente e conforme este resultado não for favorável, consequentemente,
acarretará em um dano e o profissional se responsabiliza pelos seus atos
gerando a reparação, em muitas vezes, por meio judicial.
Maria Helena Diniz21 leciona que o princípio da obrigatoriedade
convencionado é um dos princípios do direito contratual, assim, o que foi
19
GIOSTRI, HildegardTaggesel. Algumas reflexões sobre as obrigações de meio e de
resultado na avaliação da responsabilidade médica. Argumenta Journal Law, v. 1, n. 1, p.
35-50, 2001.
20
NIGRE, André Luis. O atuar do Cirurgião-dentista: direitos e obrigações. 2 ed. Rio
de Janeiro: Rubio, 2015. p.45-50
21
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil Brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed.
Editora Saraiva. 2007, p 235 -238
convencionado entre as partes deve ser cumprida, com possibilidade de
responder patrimonialmente. Este negócio jurídico constitui lei entre as partes,
a menos que ambas resolvam por vontade própria, rescindir ou por
interferência de caso fortuito ou força maior. Desta maneira, não pode alterar,
ainda que judicialmente, admitindo que a força que vincula o contrato em
situações excepcionarias que impossibilitem a previsão do cumprimento da
prestação com excesso na onerosidade. A partir dessa definição, pode-se
verificar que os elementos constitutivos das obrigações são as seguintes:
a. Elemento subjetivo que são as partes na relação obrigacional, ou
seja, credor, sujeito ativo e devedor, sujeito passivo;
b. Elemento objetivo que é a obrigação propriamente dita, isto é, a
prestação a ser cumprida consubstanciada em dar, fazer ou não fazer alguma
coisa;
c. Vínculo jurídico, enquanto liame que une os sujeitos ativo e
passivo, participantes da relação, possibilitando ao credor exigir do devedor,
até coercitivamente, através do seu estado juiz, o seu perfeito cumprimento,
como decorrência do estipulado em lei ou no contrato.
--------------
2.3. RESPONSABILIDADE CIVIL NAS ÁREAS DA SAÚDE
22
AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. 8.ed. ver. Rio de Janeiro:
Forense, 1994. p. 252-253
da responsabilidade médica não acarreta a presunção da culpa. O médico vai
utilizar de todos os recursos para alcançar a cura, ou melhorar a condição de
saúde, sem se vincular ao resultado.
A discussão sobre o tema da responsabilidade extracontratual dos
serviços médicos foi muito discutida pelo fato de o Código Civil 23 ter tratado a
responsabilidade médica no capítulo que trata da responsabilidade civil por ato
ilícito, porém, o entendimento que se tem, o que não o torna relevante,
justificando que o resultado deste fator não altera a relação estabelecida entre
o médico e seu paciente, com efeito, em muitas ocasiões, haverá de fato um
contrato tácito, verbal ou mesmo escrito.
Farah24 entende que um terceiro pode solicitar atendimento pela
solidariedade ou cumprimento dever ou em função de contrato. Este terceiro
assume, voluntariamente ou de modo expresso, os ônus deste atendimento.
Alguns doutrinadores25 entendem o contrato de serviços médicos
como um contrato singular, em virtude de ser suficiente haver o encontro de
vontades entre as partes, desenvolvendo a relação contratual, não há nenhuma
obrigatoriedade quanto a ser escrito, que pode se manifestar pelas mais
variadas formas, inclusive de maneira informal. A relação pode ser
estabelecida a partir da consulta marcada com a secretária do médico ou a
partir da chamada do médico por ato do próprio paciente ou de alguém em
nome dele, entre outras formas.
Nesse tipo de contrato, o objetivo a ser alcançado, isto é a cura, não
depende somente do profissional médico, não obstante, depende da
colaboração direta ou indireta do enfermo. Posto de outra forma, não basta o
23
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 10 de dez.
2018.
24
FARAH, Elias. Contrato Profissional Médico-Paciente. Reflexões sobre
obrigações básicas. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 23. P 96-137. Jan.
2009
25
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil Brasileiro. Responsabilidade civil. São
Paulo: Saraiva. 2007. p 296-301
CORREIA-LIMA, Fernando Gomes. Erro médico e responsabilidade civil.Brasília:
Conselho Federal de medicina, Conselho Regional de Medicina do Estado do Piauí, 2012.
médico ser competente e dedicado, com isso, o sucesso da empreitada
dependerá muito do próprio organismo do paciente, as informações por ele
prestadas, da correta aceitação do que foi prescrito, entre outros fatores. A
princípio, o adimplemento do contrato não se limita a cura, surge em conjunto
com a dedicação, zelo e esforço do profissional. Isto prova que deste modo
agiu com diligência, isto é, que aplicou toda a sua técnica e conhecimento para
que o paciente melhorasse a condição de saúde. O médico terá cumprido sua
parte no contrato e não poderá falar em inadimplemento, se o paciente não se
curou, visto que a obrigação terá sido de meio e não de resultado.
A partir da relação pessoal entre médico e paciente que atribui o
caráter intuitupersonae deste tipo de contrato. O que explica a sua
bilateralidade, tendo em vista que o contrato impõe obrigações recíprocas,
além disso, é quase sempre um contrato oneroso, de trato sucessivo e
comutativo.
Desta forma, o contrato médico enquadra-se nas obrigações como
um típico contrato de prestação de serviços, que não é regido pela legislação
do trabalho, uma vez que a atuação profissional é liberal. As prestações
devidas pelas partes seria a de prestar o melhor serviço, por meio de sua
formação técnica, por parte do médico e o pagamento dos honorários
correspondentes ao serviço prestado e ao cumprimento das determinações
médicas, independentemente dos resultados que serão obtidos, por parte do
paciente.
Segundo Farah26, independente da atividade médica ser
desempenhada por meio independente, autônomo, subordinado, com vínculo
empregatício, em grupos, ou convênios, esta prestação se faz de maneira
personalíssima. Este profissional pode ser substituído por outro, se este
atendimento não for de sua competência. Esta substituição pode ser com
consentimento do paciente, tácita ou expressamente. Em casos de
atendimentos emergenciais, esta substituição tem respaldo, pois o profissional
substituto assume a responsabilidade, se agir com culpa.
26
FARAH, Elias. Contrato Profissional Médico-Paciente. Reflexões sobre
obrigações básicas. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 23. P 96-137. Jan.
2009.
Porém, ao tratar de contrato realizado com nosocômio haverá, regra
geral. Um contrato de prestação de serviços de natureza complexa, porquanto
nele estará inserida a prestação dos serviços médicos sem aquele caráter
personalíssimo, de tal modo que o paciente poderá ser atendido por qualquer
dos médicos que estejam de plantão, bem como pelos diversos especialistas
que se façam necessários no curso do tratamento/atendimento.
De acordo com Farah27, o contrato com o hospital é atípico, dada as
características de arrendamento de serviços. Assim, o Código de Defesa do
Consumidor caracteriza como fornecedor de serviços, e não terá
responsabilização se conseguir comprovar a culpa exclusiva ou de terceiros.
Em relação a odontologia, Maria Helena Diniz 28 leciona que o
dentista assume em regra uma obrigação de resultado, o que se refere a
problemas de ordens estética, ortodontia ou prótese. E, todavia, na cirurgia
periodontal, tratamento de canal, terá obrigação de meio, a aplicar todo seu
empenho, zelo no trato do cliente.
Segundo o Sílvio de Salvo Venosa 29, muito embora no Brasil ela
seja uma profissão autônoma e desvinculada da medicina, a responsabilidade
civil dos dentistas, na qualidade de profissional liberal, situa-se no mesmo
campo da responsabilidade civil dos médicos, que nos termos do artigo 14§ 4º
do Código de Defesa do Consumidor 30 é subjetiva e dependerá da
comprovação de culpa.
O doutrinador ressalta ainda que a responsabilidade civil do
cirurgião-dentista, em regra, é de resultado, ou seja, é uma atividade
tipicamente contratual, principalmente se considerarmos os inúmeros
27
FARAH, Elias. Contrato Profissional Médico-Paciente. Reflexões sobre
obrigações básicas. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 23. P 96-137. Jan.
2009.
28
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil Brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed
São Paulo: Saraiva. 2007. p 312
29
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil. 14ª ed. São Paulo:
Atlas, 2014. p.174
30
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre o Código do
Consumidor e dá outras providências. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 de dez. 2018
tratamentos de rotina, como obturações e outras atividades que buscam
prevenir doenças dentárias, conhecidas pelos profissionais da área como
atuações de profilaxia.
Giostri31doutrina que a caracterização da responsabilidade civil em
relação a odontologia, também é baseada na teoria subjetiva, ou seja, tem
como fundamento a noção de culpa, no seu sentido strictu, nas modalidades de
imperícia, imprudência e negligência. As duas primeiras são consideradas atos
comissivos, há um agir, e a último, um ato omissivo, ou seja, um não fazer que
deveria ter sido feito. A imperícia é a atuação do profissional sem
conhecimento técnico ou científico pertinente ao ato, e a imprudência é o agir
de maneira indevida, sem que haja a diligência durante o procedimento, sem a
cautela que dele exige, sem sobrepesar ou prever as consequências, ainda
que eventuais.
Sendo a responsabilidade civil considerada subjetiva, ou culposa,
França32 entende que neste caso, nasce a obrigação de reparar danos em
decorrência de um ato próprio voluntário – ação ou omissão, sendo o requisito
culpa exigido como fundamento importante da responsabilidade e pressuposto
necessário à indenização, quer no âmbito contratual, ou no âmbito
extracontratual.
Por outro lado, a responsabilidade civil objetiva, ou pelo risco é a
obrigação de reparar danos que independem de presença de dolo (intenção)
ou culpa, o entendimento é que todo dano resultante de uma atividade por
ocasionar riscos deve ser indenizável, impondo-se a sua reparação por quem a
praticou. Quando em certa atividade é gerado um risco especial, quem praticou
o ato se responsabiliza por todos os fatos danosos que dela decorrem. Orienta
ainda o mesmo doutrinador que, o Brasil adotou a teoria do risco criado, a
despeito da existência da teoria do risco proveito. A diferença reside no
aspecto mais amplo da teoria do risco criado, dispensado a vítima de
demonstrar em juízo o proveito econômico da atividade por parte do ofensor. A
31
GIOSTRI, HildegardTaggesel. Algumas reflexões sobre as obrigações de meio e de
resultado na avaliação da responsabilidade médica. Argumenta Journal Law, v. 1, n. 1, p.
35-50, 2001.
32
FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. Koogan, 2001. p.1304
objetivação da responsabilidade alcança mesmo aqueles que exercitem
atividades que não tenham finalidade lucrativa, sendo bastante a apuração dos
riscos sociais de sua realização.
Tendo em vista as considerações tecidas, elencam-se os
pressupostos da responsabilidade civil subjetiva segundo Cavalieri Filho 33, a
saber:
a) Conduta culposa: decorre de ato voluntário, sob as vestes da
ação ou omissão, e ilícito, que fere um dever. Já analisada a questão da culpa,
que se diferencia do dolo (quando há intenção volitiva na produção do dano), é,
por definição clássica e atual, a falta de zelo e cuidado que se deveria ter se
servido nesta relação, e que, se tivesse sido empregada, poderia teria evitado
a concretização deste. A culpa stricto sensu subdivide-se em:
-Imprudência – é a ação precipitada, impensada, na qual não
procura o agente evitar um resultado previsível;
-Negligência – é a desatenção, desídia, falta de cuidado capaz de
gerar responsabilidade com culpa;
-Imperícia – é a inabilidade, ignorância, falta de conhecimento ou
técnica profissional, demonstrado na execução de encargo ou serviço que
venha a causar dano por falta de conhecimento.
b) Dano: é o prejuízo sofrido por alguém, em consequência da
violação de um direito seu, ou seja, representa a lesão a um bem jurídico
podendo consistir em dano patrimonial, ou moral; material ou pessoal; direto ou
indireto;
c) Nexo de causalidade: só se considerará obrigação de reparação
de danos que podem ser considerados como consequência do fato gerador. As
hipóteses de exclusão do nexo causal refletem situação em que o evento
danoso resultar de um elemento externo:
1. Caso fortuito e força maior - um fato da natureza (acaso,
imprevisão, acidente que não se poderia prever e se mostra superior às forças
ou a vontade ou ação do homem) e força maior derivar de um fato humano
33
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo:
Malheiros, 2003. p.138
(fato que é previsível, conquanto igualmente ao caso fortuito, não se pode
evitar, visto que é mais forte que a vontade ou a ação do homem.
2. Fato exclusivo da vítima - caso único fato gerador do evento lesivo
seja a atuação da própria vítima culposamente, não há o que se falar em nexo
causal, este restará rompido, já que o dano não é consequência da conduta do
agente.
3. Fato de terceiro - em alguns casos, o aparente causador do dano
não exerceu qualquer conduta lesiva, de tal modo que o evento lesivo resultado
da atuação culposa de um terceiro. Este terceiro seria um estranho à vítima e
ao agente, que consequentemente praticou uma conduta ativa que repercute
sobre outras pessoas.
4. Fato das coisas: uso de bisturis, tesouras, pinças, aparelhos de
raios laser, raios x, aparelhos eletroeletrônicos, bombas de cobalto, em
resumo, tudo que possa ser classificado como aparelho médico-hospitalar,
pode gerar a responsabilidade para o médico ou para o hospital. Devendo-se
fazer a análise de duas possibilidades distintas de ocorrência da
responsabilidade:
a) O dano é causado pelo médico, por intermédio do aparelho;
b) O dano é causado pelo próprio aparelho, independente do
cuidado do profissional.
Na primeira situação, o médico é responsável pelo dano que
ocasiona ao seu paciente, por meio dos instrumentos hospitalares. No segundo
caso, tem direito a regresso ao responsável pelo aparelho.
É necessário que o profissional tenha dado causa sem ter agido com
dolo, visar o resultado, e nem por ter assumido o risco de produzi-lo, ou seja,
que tenha agido somente por culpa em sentido strictu (negligência,
imprudência ou imperícia). O profissional age de maneira culposa sem tomar
as necessárias diligências que todo ato deve merecer. O limite da culpa é a
previsibilidade do dano, isto é, que não seja possível escapar o fato à
perspicácia comum, usando a referência do “homem médio”: quanto maior a
previsibilidade de um resultado danoso, maior é o grau de culpa. A
previsibilidade é a consciência de se prever um resultado.
2.4. RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL NA ÉPOCA DE DEMOGUE
34
GIOSTRI, HildegardTaggesel. Algumas reflexões sobre as obrigações de meio e de
resultado na avaliação da responsabilidade médica. Argumenta Journal Law, v. 1, n. 1, p. 35-
50, 2001.
a obrigação de resultado deve caracterizar uma prestação obrigacional na área
da saúde.
3. O DIREITO DAS OBRIGAÇÕES NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
35
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Saraiva, 1984. p 233
36
GIOSTRI, HildegardTaggesel. Algumas reflexões sobre as obrigações de meio e de
resultado na avaliação da responsabilidade médica. Argumenta Journal Law, v. 1, n. 1, p. 35-
50, 2001.
37
Gonçalves, Carlos Roberto. Comentários ao Civil, São Paulo: Saraiva, 2003. p 239
O objeto da obrigação por sua vez é uma prestação que decorrerá
de um ilícito (teoria da culpa - responsabilidade subjetiva), ou de um resultado
(teoria do risco - responsabilidade objetiva) ou por vezes de norma jurídica ou
de negócio jurídico. Acresce que se define a obrigação como o vínculo jurídico
transitório (extingue-se normalmente com o cumprimento da obrigação),
mediante o qual o devedor se obriga a dar, fazer ou não fazer, determinada
prestação em favor de um credor sob pena de responder com o seu patrimônio
pelo adimplemento inclusive as eventuais perdas e danos.
A partir dessa definição, pode se verificar que se elenca os
elementos constitutivos das obrigações:
a. Elemento subjetivo que são as partes na relação obrigacional, ou
seja, credor, sujeito ativo e devedor, sujeito passivo;
b. Elemento objetivo que é a obrigação propriamente dita, isto é, a
prestação a ser cumprida consubstanciada em dar, fazer ou não fazer alguma
coisa;
c. Vínculo jurídico, que une os sujeitos, ativo e passivo,
participantes da relação, possibilitando ao credor exigir do devedor, pela
imposição da decisão do Estado juiz, o seu perfeito cumprimento, como
decorrência do estipulado em lei ou no contrato.
38
NIGRE, André Luis. O atuar do Cirurgião-dentista: direitos e obrigações. 2 ed. Rio
de Janeiro: Rubio, 2015. p .61-74
Paulo Nader39 define a classificação quanto à finalidade da
prestação - de meio ou de resultado - possui um alcance prático. Se obrigação
de meio, o profissional se exonera da obrigação quando efetua a prestação
devida, com todas as diligências possíveis, independentemente dos benefícios
que possam advir ao credor. Após a realização de diagnóstico minucioso e
prescrita a orientação ao paciente, o profissional cumpre a obrigação.
Profissional da saúde não fica na dependência da cura pretendida pelo
paciente. Entretanto, se houver falha do médico no transcorrer do tratamento,
ele responderá civil e criminalmente por seus atos ou omissões. De tal modo se
firma o vínculo contratual, o profissional se compromete a usar de todos os
meios e esforços para alcançar o seu êxito, não obstante o cumprimento da
obrigação independente da realização do fim a que se propõe. Normalmente, a
observação do adimplemento é simples, bastando uma constatação objetiva, e
outras vezes, complexa, exigindo carga probatória técnica.
Há vínculos obrigacionais em que o adimplemento se dá apenas
quando o prestador produz o resultado definido contratualmente. Nader 40
entende que a obrigação assumida por um cirurgião plástico, com fins estéticos
é desta espécie. A prestação se efetiva apenas quando o resultado é
alcançado. No caso de eventual insucesso, que pode ser atribuído a fatores
adversos a técnica e a ciência do profissional. O paciente pode não obedecer
às recomendações e venha a ser o causador do insucesso. Neste caso, a
obrigação independe do resultado inalcançado.
Maria Helena Diniz41, cita que é muito controvertida a questão de
natureza jurídica da responsabilidade profissional e considera a obrigação de
meio aquela em que o devedor se obriga a usar de prudência e diligência
formal na prestação de serviço para atingir um resultado, sem se vincular.
Infere-se daí que sua prestação não consiste num resultado certo e
determinado a ser conseguido pelo obrigado, mas tão somente em atividade
39
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense Gen, 2010. p.76
40
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense. Gen, 2010. p. 411
41
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade civil. São
Paulo: Saraiva. 2007 p. 276
prudente e diligente para o benefício do credor. O conteúdo é a própria
atividade do devedor, ou seja, os meios tendentes a produzir o escopo
almejado, de maneira que a inexecução da obrigação se caracteriza pela
omissão do devedor em tomar certas precauções, sem se cogitar o resultado
final.
O tema que suscita acalorados debates entre os doutrinadores é o
que diz a respeito à inversão do ônus da prova nas ações que visam
ressarcimento em fase de danos decorrentes da atividade dos profissionais
liberais42.Nesta seara, tópico que assume grande importância quanto a ser de
meio ou de resultado a obrigação assumida pelo profissional liberal.
A obrigação de meio é aquela em que o profissional emprega seus
conhecimentos e técnicas disponíveis, visando um determinado resultado em
favor de seu contratante, consumidor, sem, contudo, responsabilizar-se pelo
êxito. Nestes casos, não sendo atingido o objetivo final do contrato, o lesado
somente conseguirá obter indenização se provar, e se é seu ônus, que os
resultados somente não foram atingidos porque o profissional não agiu com a
diligência e os cuidados exigidos para a realização do contratado.
Em contrapartida, a obrigação de resultado será aquela em que o
profissional venha a assumir, contratualmente que determinada finalidade será
alcançada, comprometendo-se desta maneira, com os resultados finais da
empreitada. Neste caso, não sendo alcançado o resultado, bastará ao credor
demonstrar que o objetivo colimado não foi atingido para fazer surgir a
obrigação de indenização por parte do prestador de serviços. Trata-se de
presunção de culpa, o que significa dizer que o consumidor se libera do ônus
probatório transferindo esse ônus para o profissional que deverá demonstrar de
maneira cabal, que agiu com prudência, diligência ou perícia desejado ou
ainda, provar que a ocorrência de força maior ou caso fortuito.
42
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 407
KFOURY NETO, Miguel, Responsabilidade civil do médico, 6. ed, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006. p. 89
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo
:Malheiros, 2005. p 71
Esta distinção se faz importante porque se a obrigação assumida
pelo profissional for de meio, competirá ao consumidor prejudicado o ônus de
demonstrar a culpa. Se a obrigação assumida foi de resultado, o ônus da prova
quanto ao não atingimento da meta pactuada, caberá ao profissional, até
porque regra geral da responsabilidade contratual.
Embora não seja na área médica, contudo serve de bem
exemplificar que uma típica obrigação de resultado é aquela assumida pelo
transportador cujo contrato prevê a obrigação de fazer o transporte de coisas,
ou mesmo pessoas, de um lugar para outro, de forma segura e nas condições
estabelecidas. Só o simples fato de não fazer as coisas chegarem ao seu
destino na data aprazada, já faz considerar que houve o inadimplemento
contratual, que autoriza indenizar. A princípio, o extravio ou o perecimento da
coisa obrigará o transportador a indenizar.
Já no tocante a obrigação de meio, o mesmo não ocorre, porque
nessa, o profissional contratado se obriga a envidar todos os esforços e aplicar
todos os seus conhecimentos técnicos para atingir o resultado desejado pela
parte, ou seja, seu compromisso é o de aplicar toda sua experiência e
diligência para atingir o fim colimado, não podendo ser responsabilizado pelo
eventual não atingimento daquele objetivo.
4. AS OBRIGAÇÕES DE MEIO E DE RESULTADO NA ÁREA MÉDICA
43
GIOSTRI, HildegardTaggesel. Algumas reflexões sobre as obrigações de meio e de
resultado na avaliação da responsabilidade médica. Argumenta Journal Law, v. 1, n. 1, p.
35-50, 2001
44
Gonçalves, Carlos Roberto. Comentários ao Código Civil, Volume XI, São Paulo:
Saraiva, 2003 p.296
45
Farah46 entende que na relação contratual, tanto médico quanto
paciente diante da autonomia das vontades, os serviços são de obrigação de
meio ou de resultado. Muitas vezes, as obrigações de meio são também
obrigações de resultado. Sendo muito difícil definir qual delas deverá ser
aplicada. No documento escrito há de se definir qual das definições será
aplicada. Assim, conforme a vontade do paciente e as relações jurídicas,
conjuntamente, determinam se esta obrigação será de meio ou resultado. Se
houver divergência, o magistrado analisará cada caso e suas particularidades.
Os médicos se comprometem a cuidar do paciente com zelo,
utilizando-se dos recursos adequados, não se exigindo a cura do doente. Caso
contrário, incorrerá em responsabilidade civil somente quando comprovada
culpa em strictu sensu, em qualquer uma de suas modalidades: imprudência,
negligência ou imperícia47.
Faz sentido que a apresentação da comprovação seja tão
importante, cabendo à parte que foi prejudicada demonstrar cabalmente que o
profissional agiu com culpa, é o que dispõe o artigo 951 do Código Civil 48:
49
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre o Código do
Consumidor e dá outras providências. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 de dez. 2018
50
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil. 14ª ed. São Paulo:
Atlas, 2014. p.174
garantir o resultado perfazendo então, uma obrigação de meio, como na
cirurgia e traumatologia buco maxilo facial, a endodontia (canal), e periodontia (
gengiva), a odontopediatria, e ortodontia (aparelho), entre outras.
O entendimento dos doutrinadores é que o dentista assume perante
seu cliente uma obrigação de resultado e em alguns casos poderá
excepcionalmente ser considerada como meio, é deste modo, porque entende-
se que os procedimentos odontológicos são menos complexos e previsíveis,
exemplo disso seria o tratamento de um canal ou mesmo a extração de um
dente, que embora exijam técnica específica, permite ao profissional garantir a
obtenção do resultado esperado pelo cliente.
Uma das atividades que eventualmente podem ser classificadas
como de resultado são as intervenções cirúrgicas odontológicas com a
finalidade de colocação de implantes dentários, especialidade com alta
demanda judicial. Já que nestas exige-se do profissional que além de agir com
zelo e técnicas regulares, atinja o resultado prometido e pretendido. E não
poderia ser diferente tendo em vista que ninguém iria se submeter a este tipo
de tratamento demorado doloroso e dispendioso se não mantivesse que os
resultados de cunho estético e funcional seriam atingidos pelo profissional.
Miguel Kfouri51 Neto faz a seguinte orientação, a obrigação
contraída pelo dentista, ademais como pelo médico é espécie de gênero
obrigação de fazer, em regra, infungível, que pressupõe a atividade do
devedor, energia de trabalho, material ou intelectual, em favor do paciente. O
que implica diagnóstico, prognóstico e tratamento: examinar, prescrever,
intervir, aconselhar. A prestação devida pelo profissional da saúde, em
princípio, é sua própria atividade, consciente, cuidadosa, valendo-se dos
conhecimentos científicos consagrados, em busca da cura. Por isso, o dever de
meios, há culpa a ser provada pelo autor (paciente ou familiares) sobre o qual
incidem as regras da responsabilidade civil subjetiva. O cirurgião-dentista,
nestes casos, defende-se sob a alegação de cumprimento rigoroso das regras
da sua ciência e da comprovação da inexistência de nexo causal entre sua
conduta e o dano por se tratar de uma obrigação de meios, quase sempre
51
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. Revista dos Tribunais,
2007.
milita em favor do ocorrido de qualquer modo, desencadeado por uma causa
inteiramente alheia a vontade do profissional, que pode ter motivo quase
sempre endógena, o chamado e conhecido fator álea.
Em relação aos procedimentos cirúrgicos com finalidade estética,
Pereira52 ressalva que o paciente busca a correção de algo que considera estar
imperfeito ou quer modificar a aparência por não estar satisfeito. O doutrinador
considera que este paciente não é um doente, em busca de tratamento,
consequentemente, o profissional médico não objetivará a cura. Devendo o
profissional proporcionar o resultado pretendido, e, se não tem condições de
consegui-lo, não deve efetuar a intervenção.
Para Destarte é necessário um cuidado maior em relação ao “dever
de informação”, bem como a obrigação de vigilância, no caso de o médico
recusar seu serviço, se os riscos da cirurgia são desproporcionais às
vantagens previsíveis. Se houver conflito, faz- se a análise das circunstâncias
do caso concreto para verificar a natureza da obrigação a que se vinculou o
médico. Faz-se necessária a distinção da cirurgia corretiva, ou conhecida como
reparadora. Neste caso, a pessoa que é portadora de uma deformação (que
independe se tem origem congênita, cirúrgica ou traumática), o médico não
pode se comprometer em eliminá-la, porém, realizar o que seja melhor:
obrigação de meios e não de resultado. Se da operação plástica resulta dano
estético, cabe reparação inclusive por dano moral 53 .
Tendo as considerações tecidas sobre as obrigações de meio e
resultado, em 17 de dezembro de 2018, a Comissão de Responsabilidade Civil
em parceria com a Comissão dos Advogados Iniciantes do Paraná, da Ordem
dos Advogados do Brasil - seção Paraná, realizou uma pesquisa inédita e
minuciosa para analisar melhor o entendimento dos magistrados em relação a
obrigação de meio e resultado e sua aplicação prática, englobando os
acórdãos proferidos pelo TJPR no período de 2013 a 2017. O livro
“Responsabilidade civil na área médica e odontológica: Uma análise estatística
52
PEREIRA, Caio Mário da. Responsabilidade Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1995, p. 169.
53
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Responsabilidade civil do médico. Direito e medicina:
aspectos jurídicos da Medicina, 2000.
da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná” 54 é um estudo
que analisa a jurimetria das decisões do Tribunal de Justiça do Paraná. Este
estudo enriqueceu o presente trabalho com dados estatísticos sobre a
apreciação dos magistrados na aplicação do conceito de obrigação de meio e
resultado em casos de responsabilidade civil médica e odontológica. É de
conhecimento comum, a enorme relevância que a jurimetria adquire no cenário
jurídico brasileiro. Esta análise teve como objetivo o levantamento de dados e a
análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Paraná, por meio de uma
abordagem estatística, a fim de compreender o perfil das decisões relativas à
responsabilidade civil médica e odontológica.
O TJPR (1ª, 2ª, 3ª, 8ª, 9ª e 10ª Câmaras Cíveis), entre os anos de
2013 e 2017, julgou 211.725 ações, das quais 1.140 versam sobre a
responsabilidade civil médica e odontológica, o que representa 0,53% daquele
total.
Esta pesquisa analisou que se constatam 76 casos (6,7%) de
obrigações médicas “de resultado” e 308 (27%) “de meio”. Já nos casos sobre
responsabilidade odontológica, tem 22 acórdãos (1,9%) de obrigação “de
resultado” e 21 (1,8%) “de meio”. Infelizmente, encontrou uma quantidade
considerável de acórdãos que não apontam qual o tipo de obrigação envolvida:
605 (53,1%) e 108 (9,5%) sobre responsabilidade médica e responsabilidade
odontológica, respectivamente, número expressivo que podem alterar o
resultado da pesquisa. Os dados coletados podem ser observados no gráfico:
Imagem 1: gráfico
54
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Responsabilidade civil na área médica e
odontológica: uma análise estatística da jurisprudência do Tribunal de Justiça do
Paraná, Curitiba, 2018
Fonte: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Responsabilidade civil na área médica e
odontológica: uma análise estatística da jurisprudência do Tribunal de Justiça do
Paraná.Curitiba, 2018. No prelo
Estendeu-se a análise às ações em que pessoas jurídicas (o
nosocômio ou clínica) eram a parte passiva e os números obtidos são que em
43 ações (44,8%) a obrigação do médico ou dentista é “de resultado” e 219
(67%) é “de meio”. Sempre que entidade de saúde não participava do polo
passivo, a obrigação do médico ou dentista é configurada como “de resultado”
em 53 ações (52,2%) e “de meio” em 108 (33%). O que pode ser observado
pelo gráfico (Figura 106-b) a seguir:
Imagem 2 – Gráfico
I
Imagem 3 - gráfico
França56 afirma que jamais pode se confundir erro médico com erro
profissional. O erro profissional é definido como um acidente escusável
justificável e de regra imprevisível que não depende do uso correto e oportuno
dos conhecimentos e regras da ciência. Ou seja, quando havido ele não
decorre da má aplicação de técnicas/ tratamentos recomendados pela ciência.
O resultado desse erro decorre ou do acaso, ou da imperfeição humana, ou do
próprio estágio de conhecimento em que se encontra a humanidade. Isto é,
extrapola os limites da prudência e da atenção dos conhecimentos humanos.
Se for verificada uma situação de erro profissional, é evidente que não há falar
em responsabilidade civil do agente. Gomes57 conceitua-se o “erro médico é o
dano, ou agravo à saúde do paciente provocado pela ação ou inação do
médico no exercício da profissão e sem a intenção de cometê-lo.”
56
FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 10ª ed. Koogan, v. 2,2001. p. 1304.
57
GOMES, Júlio César Meirelles; DRUMOND, José Geraldo de Freitas; FRANÇA,
Genival Veloso. Erro médico. 3ª ed. rev. Montes Claros: Unimontes, 2001, p. 91.
Correia de Lima58 cita que, em primeiro lugar, é necessário distinguir
o erro médico do acidente imprevisível e do mal incontrolável. O erro médico,
quase sempre por culpa, é uma forma atípica e inadequada de conduta
profissional que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir um dano
à vida ou à saúde do paciente. É o dano sofrido pelo paciente que possa ser
caracterizado como imperícia, imprudência ou negligência do médico, no
exercício regular de suas atividades profissionais. Devem ser levadas em conta
as condições do atendimento, a necessidade da ação e os meios empregados.
No acidente imprevisível há um resultado lesivo, supostamente oriundo de caso
fortuito ou força maior, à integridade física ou psíquica do paciente durante o
ato médico ou em face dele, porém incapaz de ser previsto e evitado, não só
pelo profissional, como por outro qualquer em seu lugar. O mal incontrolável
seria aquele decorrente de uma situação grave e de curso inexorável. Ou seja,
aquele resultado danoso proveniente de sua própria evolução, em que as
condições atuais de ciência e a capacidade profissional ainda não oferecem
solução. Por isso, o médico tem com o paciente uma “obrigação de meios” e
não uma “obrigação de resultados”. Ele assume um compromisso de prestar
meios adequados, de agir com diligência e de usar seus conhecimentos na
busca de um êxito favorável, o qual nem sempre é certo. Desta maneira nem
todo mau resultado é um erro médico. O erro médico, no campo da
responsabilidade, pode ser de ordem pessoal ou de ordem estrutural. É
estritamente pessoal quando o ato lesivo se deu, na ação ou na omissão, por
despreparo técnico e intelectual, por grosseiro descaso ou por motivos
ocasionais referentes às suas condições físicas e emocionais. Pode o erro
médico ser procedente de falhas estruturais, quando os meios e as condições
de trabalho são insuficientes ou ineficazes para uma resposta satisfatória. O
erro médico pode ser arguido sob duas formas de responsabilidade: a legal e a
moral. A responsabilidade legal é atribuída pelos tribunais, podendo comportar,
entre outras, as ações civis, penais e administrativas.
58
CORREIA-LIMA, Fernando Gomes. Erro médico e responsabilidade civil. Brasília:
conselho Federal de medicina, Conselho Regional de Medicina do Estado do Piauí, 2012.
Oliveira59 na mesma linha, entende que o erro médico é o resultado
de uma conduta profissional inadequada, que não se operou de maneira
técnica correta, e que produz dano à vida ou agrava a saúde do paciente,
mediante culpa, impondo ao profissional a responsabilização civil.
Consequentemente uma profissão, para ser exercida, deve ter alicerces em
três pilares simétricos: a técnica, a atualização ou aprimoramento profissional e
a ética. A técnica é resultado da formação científica e cultural, originada de um
conhecimento específico ou particular. O aprimoramento ou atualização
profissional deriva do dever de manter-se permanentemente conhecedor da
evolução da técnica, em razão dos avanços do conhecimento científico e da
própria técnica. O médico se submete ao princípio básico do direito que
estabelece a obrigação de responder pelos eventuais prejuízos causados a
terceiros, no exercício da sua profissão, em decorrência de falhas.
Como adverte Irany Novah Moraes60, o exercício profissional exige
do médico mais do que conhecimentos científicos específicos. Deve ser
registrado tanto o que o médico faz pelo doente quanto o que ele deixa de
fazer e, tão importante quanto, o modo pela qual pode fazer. Deve se cuidar
quando se referir a resposta biológica do organismo perante o desequilíbrio
causado pela enfermidade, a isto se soma o comportamento e o emocional do
paciente, e seus familiares que podem vir a colaborar, voluntária ou
involuntariamente, na evolução do processo patológico ou de cura. Portanto, o
exercício de uma profissão resulta no enfrentamento de situações resultantes
da inconformidade de atos praticados e que surgem em decorrência de
situações inesperadas.
Na opinião de Oliveira61, outro fator contributivo no processo do erro
médico, pelo fato de colaborar para o aumento dos riscos em saúde, são os
avanços tecnológicos na medicina. O grande arsenal tecnológico de que dispõe
59
OLIVEIRA, Mariana Massara Rodrigues de. Responsabilidade civil dos médicos:
repensando a natureza jurídica da relação médico-paciente em cirurgia plástica estética
e seus reflexos em relação ao ônus da prova. Curitiba: Juruá, 2007.p 23
60
MORAES, Irany Novah. Erro médico e a justiça. Editora Revista dos Tribunais, 2003.
61
OLIVEIRA, Mariana Massara Rodrigues de. Responsabilidade civil dos médicos.
Curitiba: Juruá, 2008. P 21
a ciência médica trouxe para o homem grandes proveitos. Todavia, não
conseguiu evitar que surgissem mais acidentes no exercício da profissão.
Ademais, a tecnologia passou a ser um fator de identificação dos eventuais
danos exatamente por sua precisão, cada vez mais perfeita. O Conselho
Executivo da Organização Mundial da Saúde, em 5 de dezembro de 2001, com
respeito aos riscos da medicina moderna, desta maneira, se pronunciou: “As
intervenções na atenção à saúde se realizam com o propósito de beneficiar os
pacientes; no entanto podem lhes causar dano. A combinação complexa de
procedimentos, tecnologias e interações humanas que constituem o sistema
moderno de prestação de atenção à saúde pode trazer benefícios importantes.
Todavia, também leva a um risco inevitável de que ocorram eventos adversos,
e, efetivamente, estes ocorrem com demasiada frequência”. Atualmente, as
pessoas não aceitam justificativas como as denominadas de “fatalidade” para
uma indesejada consequência de uma intervenção sobre sua saúde; ao revés,
vão ao judiciário exigir a reparação por dinheiro pelos danos recebidos como
resposta ao prejuízo ou à morte causados a uma pessoa. Parte da sociedade
tem uma impressão equivocada sobre a ocorrência e a natureza do evento
adverso ou mau resultado, que deve ser distinguido do erro médico, que traz
consequências danosas ao paciente.
De acordo com Giostri62, a causa de um erro médico hipotético, é
simplesmente a resposta do organismo do paciente. A causa do resultado não
satisfatório, e considerada como erro, tem respaldo em literatura sedimentada
e é devidamente fundamentada, e prevista como uma possível intercorrência
em consequência do que foi realizado. E que pela falta de conhecimento
científico, esta percepção de erro poderia ser sanada por uma consulta a outro
profissional de confiança. Conclui que muitas ações judiciais contra
profissionais da área da saúde seriam evitadas.
Oliveira63 utiliza da seguinte argumentação, na qual se o erro só
pode ser estimado pelo resultado, o médico só deve responder pelo que
62
GIOSTRI, HildegardTaggesell. Responsabilidade médica: as obrigações de meio e
de resultado: avaliação, uso e adequação. 2011. Tese de Doutorado. Curitiba: Juruá 128
63
OLIVEIRA, Mariana Massara Rodrigues de. Responsabilidade civil dos médicos.
Curitiba: Juruá. 2008.p 26
depende exclusivamente dele e não da resposta do organismo do paciente.
Deste modo, protege o médico de se responsabilizar pelo que não deu certo
por causa do paciente, seja pelo que ele não fez como lhe foi prescrito, seja
pelo fato de o seu organismo não ter reagido como se poderia esperar. Parece
estranho e incoerente distinguir erro médico de erro profissional, entretanto tal
distinção tem sido feita principalmente por parte da doutrina jurídica e da
jurisprudência. Costuma-se caracterizar o erro profissional como aquele que
decorre de falha não imputável ao médico e que depende das naturais
limitações da medicina, que não possibilitam sempre o diagnóstico de absoluta
certeza, por exemplo, podendo confundir a conduta profissional e levar o
médico a se conduzir erroneamente. Cabem nessa classe, também, os casos
em que tudo foi feito corretamente, entretanto o doente omitiu informações ou
até mesmo sonegou-as e, ainda, quando não colaborou com a sua parte no
processo de diagnóstico ou de tratamento. Diante das situações relacionadas,
o erro existe, é intrínseco às deficiências da profissão e da natureza humana
do paciente e, ocorre no exercício da profissão, embora a culpa não possa ser
atribuída ao médico. Tais erros são denominados de escusáveis ou
desculpáveis. A oportunidade de ocorrer erro médico está em todo o decurso
do relacionamento médico/paciente, do primeiro contato ao último, pela alta,
abandono do tratamento ou óbito. Todo procedimento técnico traz em si, ainda
que executado de maneira correta e perfeitamente, uma possibilidade de
resposta adversa. Todavia, só haverá configuração do erro em uma
intervenção médica, seja clínica ou cirúrgica, representada por uma conduta
negligente, imprudente ou imperita.
Segundo Farah64, o erro médico representa um fator que gera sérias
consequências no tratamento como um todo. Os pacientes devem ser
informados sobre os serviços, resultados e os possíveis riscos, senão pode
ocasionar a responsabilização civil do médico. Esta informação deve ser clara,
de maneira leiga, que o paciente possa entender. Se este negar o
consentimento, o médico pode se recusar a dar continuidade no tratamento.
Desta forma, o termo de consentimento abarca o plano de tratamento e
64
FARAH, Elias. Contrato Profissional Médico-Paciente. Reflexões sobre obrigações
básicas. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. Vol. 23. P 96-137. Jan. 2009.
prognóstico, e o assentimento do paciente para possíveis complicações
durante o procedimento.
Cabe ainda ressaltar que o mau resultado poderá originar-se de
causas outras, como a evolução inexorável da moléstia, as péssimas
condições de trabalho e a exiguidade dos meios indispensáveis para o
tratamento65.
A iatrogenia é uma denominação dada quando o dano é causado
pelo médico, ou o detrimento que tem causa a conduta médica em pessoas
sadias ou doentes, e que os transtornos não podem ser previstos e
inesperados e não gera a responsabilização civil do profissional 66. Esta se
aproxima da simples imperfeição de conhecimentos científicos, abarcada pela
chamada falibilidade médico, sendo por isso escusável. O mesmo
entendimento tem-se em relação ao erro de diagnóstico, aquele que aponta
para alguma doença do paciente, não cria responsabilidade se esta for
dispensável diante da ciência médica sem prejuízos, a menos que se trate de
erro grosseiro67.
Kfouri Neto68 afirma que “não é propriamente o erro de diagnóstico
que incumbe ao juiz examinar, ainda que o médico tenha agido com culpa no
modo geral pelo qual procedeu ao diagnóstico, se recorreu ou não a todos os
meios a seu alcance para a investigação do mal, desde as preliminares
auscultação até os exames radiológicos e laboratoriais - tão desenvolvidos na
atualidade, no entanto, sempre ao alcance de todos os profissionais -, bem
como se a doença diagnosticada foram aplicados os remédios e tratamentos
indicados pela ciência e pela prática.”
65
CORREIA-LIMA, Fernando Gomes. Erro médico e responsabilidade civil. Brasília:
Conselho Federal de medicina, Conselho Regional de Medicina do Estado do Piauí, 2012.
66
STOCO, Rui. Iatrogenia e responsabilidade civil do médico. Revista dos Tribunais.
São Paulo. v. 90, no 784, fev. 2001, p.105
67
DIAS, Helio Pereira. A Responsabilidade pela Saúde: aspectos jurídicos. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 1995.p 302
68
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. Revista dos tribunais, 3d,
1998.
Porém, com o avanço médico tecnológico, que hoje permite ao
médico ter ao seu alcance exames de laboratório, ultrassom, tomografia
computadorizado e outras imagens, um maior rigor deve existir na análise de
responsabilidade dos destes profissionais diante de um diagnóstico errado,
especialmente quando constatado que o seu paciente precisaria desses
exames e não o fizeram, e agira com precipitação. Embora, os Códigos de
Ética da Medicina e da Odontologia façam restrições à indicação de tais
exames, que hoje servem de elementos probatórios para o profissional
reafirmar que todos os esforços foram realizados, ao mesmo tempo, expondo o
paciente a testes excessivos e onerosos, tornando o tratamento mais custoso e
que podem expor a malefícios pelo seu excesso.
Não há juridicamente erro médico sem dano ou agravo à saúde de
terceiro. A falta de dano, é um dos pressupostos básicos do erro médico,
descaracteriza sua obrigação e inviabiliza o seu ressarcimento. “Dano à saúde
consiste na produção de qualquer doença, agravamento desta ou lesão
corporal”, definição de Nader69.
Como descrito por Maria Helena Diniz 70 que salienta o aspecto do
consentimento do paciente, ressalta “o dano pode ser definido como a lesão
(diminuição ou destruição) que, devido a um determinado evento, sofre uma
pessoa, contra a sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico,
patrimonial ou moral”. Se não há erro médico sem dano, o inverso pode não
ser verdadeiro. Pode haver dano na relação médico-paciente sem caracterizar
erro médico.
No estudo da iatrogenia, Stoco 71 alega que será caracterizado como
erro profissional, ou erro técnico, aquele decorrente de um acidente
imprevisível, ou de resultado incontrolável, na qual não existe a
responsabilidade do profissional e que seria diferenciado, do erro culposo,
69
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense. Gen, 2010. p 402
70
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. Saraiva, 2007 v7. 21 ed. p.298
71
STOCO, Rui. Iatrogenia e responsabilidade civil do médico. NERY JUNIOR, Nelson;
NERY, Rosa Maria de Andrade (coord.). Doutrinas Essenciais: Responsabilidade Civil, v.
5, p. 645-654, 2010.
aquele erro médico que envolve a culpa do profissional, ensejando a
responsabilidade civil e a reparação.
O erro, a falta médica, a má prática é o dano ou agravamento da
saúde do paciente provocado pela atenção ou inação médica sem que tenha
havido a intenção de cometê-lo. É a conduta profissional inadequada que,
derivada da não observação técnica, resulta na produção de dano à saúde de
outros, mediante imperícia ou negligência. Estas são as três causas jurídicas
possíveis de suscitar o dano e definir a falta ou erro: negligência, imprudência e
imperícia. A primeira consiste em não fazer o que deveria ser feito; a
imprudência se refere a fazer quando não deveria ter feito e a imperícia, fazer
mal aquilo que deveria ser bem feito.
Carvalho72 ao discorrer sobre o tema esclarece que a expressão
doença iatrogênica deriva da expressão iatron que vem a ser o local onde os
médicos davam consultas e guardavam seus instrumentos. Estão abrangidas
nessa expressão as doenças decorrentes do emprego de medicamentos, atos
cirúrgicos e outros tratamentos feitos pelo médico ou seus auxiliares.
A grande polêmica envolve a definição da natureza jurídica da
cirurgia considerada plástica ou que tenha fins embelezadores, considera-se
que o paciente não é portador de enfermidade física e tem o intuito de
aperfeiçoar sua forma física; a doutrina entende que se difere da cirurgia
denominada reparadora, na qual a intervenção visa alterações congênitas ou
adquiridas73.
Aguiar Junior74 faz a ressalva, considerando que a obrigação do
cirurgião plástico se diferencia dos cirurgiões de outras áreas, o que não é
possível, pois a cirurgia realizada é passível do fator áleo e podem decorrer
intercorrências, pelo procedimento em si.Entende que este profissional estaria
submetido a uma obrigação de meios, que é a obrigação atribuída aos médicos
72
CARVALHO, José Carlos Maldonado de. Iatrogenia e erro médico sob o enfoque da
responsabilidade civil. Lumen Juris, 2007.
73
CHAVES, Antonio. Responsabilidade civil das clínicas, hospitais e médicos. Revista
jurídica. Uberaba. V 9. n.11, p. 118-199. 1991.
74
JÚNIOR, AGUIAR. Responsabilidade civil do médico. Direito e medicina: aspectos
jurídicos da Medicina, 2000.
em geral, deve ser observado um minucioso e detalhado cuidado do
profissional no que tange ao dever de informar, o termo de consentimento livre
e esclarecido.
O doutrinador concorda com os julgadores que concedem ao
cirurgião plástico a submissão, a obrigação de meios, pois em qualquer cirurgia
o fator álea é intrínseco, pois a resposta orgânica do paciente não se pode
prever, e as reações de cada paciente são diferentes. No caso peculiar da
cirurgia plástico, se o paciente não ficar satisfeito, ou se entender que não
houve o êxito com o que ele esperava, ou se por consequência de o ato
resultarem em lesões, causando sequelas. O objeto dos dois problemas deve
ser analisado sob a luz das obrigações de meio, observada se o profissional
agiu com culpa, para ele caberá o ônus da carga probatória.
75
FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 9ª edição. Koogan, p 1297
dizer é que além do erro profissional há outros fatores que favorecem o mau
resultado, por exemplo, as péssimas condições de trabalho, a falta de
medicamentos e equipamentos adequados, e de outros meios indispensáveis
no tratamento das pessoas.
Não deixa também de ser mau resultado o fato de os pacientes não
terem leito nos hospitais, não serem atendidos nos ambulatórios por falta de
profissionais ou não poderem comprar os remédios recomendados para sua
assistência. Afinal de contas, os pacientes não estão morrendo nas mãos dos
médicos, senão nas filas dos hospitais, a caminho dos ambulatórios, nos
ambientes insalubres do trabalho e na iniquidade da vida que levam.
Miguel Kfoury76 leciona que dos profissionais que trabalham, o
médico é um dos poucos que o seu erro pode levar a morte de outra pessoa,
por isso o rigor desde a sua formação, erro não faz parte do seu estudo, e o
nível de exigência é máximo, como resultado o custo do seu erro é a vida de
outra pessoa.
A presunção de culpa incide em imperícia na execução das
receptividades atividades. Inicialmente, não há como se escusar de a alegação
do dano ser causado de modo acidental, na medida em que no exercício de
sua profissão presume-se zelo e vigilância. Desta maneira, a presunção de
culpa por falta de cuidado do paciente ainda que sem consequências muito
graves. O paciente que sesubmeta a seus cuidados e tenham como
consequência a morte ou a prejuízos que as inabilitaram ou diminuam a sua
capacidade de trabalho.
A legislação especial estabelece os requisitos para o exercício da
profissão, desde a diplomação em curso universitário até a inscrição em órgãos
especializados (conselho regional). A inobservância destas regras sujeita o
infrator a penalidades administrativas e a punição criminal, além do dever de
ressarcir o lesado pelos danos consequentes desta ação.
. Com a cirurgia estética, o cliente tem em vista corrigir uma
imperfeição ou melhorar a aparência. Ele não é um doente, que procura
tratamento, e o médico não se engaja na sua cura. O profissional está
76
KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. Revista dos Tribunais, 2002
empenhado em proporcionar-lhe o resultado pretendido, e, se não tem
condições de consegui-lo, não deve efetuar a intervenção 77.
As constantes cobranças e os efeitos que o meio social fazem sobre
o paciente, reafirmam que a saúde mental, social são atingidos 78.Em
consequência há uma vigilância maior em relação ao dever de informação bem
como a obrigação de vigilância, cumprindo, mesmo, no caso do médico recusar
seu serviço, se os riscos da cirurgia são desproporcionais às vantagens
previsíveis O terceiro deverá, no momento em que qualificar ao conflito,
analisar as circunstâncias do caso concreto para verificar a natureza da
obrigação a que se vinculou o médico. É mister fazer a distinção da cirurgia
corretiva. No caso em que uma pessoaseja portadora de uma deformação
(independente da origem se congênita, cirúrgica ou traumática), o médico nem
sempre pode prometer eliminá-la, porém, realizar o que seja melhor: obrigação
de meios e não de resultado. Se da operação plástica resulta dano estético,
cabe reparação inclusive por dano moral 79 .
Raquel Vellasco Silva80 argumenta que a responsabilização médica
analisada de forma subjetiva e sob a égide da obrigação de meio, de tal
maneira se dispensasse ao paciente a prova da culpa do profissional, tornaria
muito difícil para os médicos exercerem a profissão pelo grande
comprometimento de responderem civilmente não pelo erro, pelo contrário por
não conseguir satisfazer a expectativa ou caprichos do paciente. A atividade
médica, como toda a atividade humana não é uma atividade matemática e
isenta de erros, devendo ser analisada a conduta de cada médico em cada
77
JÚNIOR, AGUIAR. Responsabilidade civil do médico. Direito e medicina: aspectos
jurídicos da Medicina, 2000.
78
LEAL, Virginia Costa Lima Verde et al. O corpo, a cirurgia estética e a Saúde
Coletiva: um estudo de caso. Ciênc. Saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 77-86, Jan.
2010
79
JÚNIOR, AGUIAR. Responsabilidade civil do médico. Direito e medicina: aspectos
jurídicos da Medicina, 2000.
80
SILVA, Rachel Vellasco Gonçalves; INFORMADO, Consentimento. A responsabilidade
civil médica. Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, Brasília, v. 15, n. 5, p. 1-54,
2003.
procedimento para, só então, se impor a responsabilidade, não podendo o
profissional, em qualquer caso, ficar vinculado ao sucesso do tratamento.
81
GIOSTRI, HildegardTaggesell. Responsabilidade médica: as obrigações de meio e
de resultado: avaliação, uso e adequação. Curitiba: Juruá.2011.
82
GIOSTRI, HildegardTaggesel. Algumas reflexões sobre as obrigações de meio e de
resultado na avaliação da responsabilidade médica. Argumenta Journal Law, v. 1, n. 1, p.
35-50, 2001.
diagnóstico e a escolha do tratamento dos doentes, por ex. laboratórios de
anatomia patológica, patologia clínica, radioisótopos, citologia, imunologia,
hematologia e serviços de radiodiagnóstico. Os responsáveis pelos resultados
destes exames executados por centros complementares de diagnóstico são
médicos, que baseado em seu conhecimento, trabalham na elaboração dos
laudos, mesmo que tecnicamente o exame possa ser feito por outro
profissional, embora sempre sob sua supervisão.
O radiologista que avalia erradamente uma fratura, o patologista que
se equivoca no diagnóstico de um tumor e o hematologista que troca o
resultado de um exame, vindo tais atitudes causarem dano, faltaram seus
autores com o dever de cuidado, dentro dos padrões exigidos na prática
profissional. Dessa maneia, qualquer resultado incorreto por erros ou falhas
humanas, tanto na elaboração técnica do exame como no controle, na coleta
do material ou na atividade burocrática, que podem comprometer o diagnóstico
ou a terapêutica, é uma negligência, implícito na relação contratual do médico
com o paciente e, por isso, motivo para as ações de arguição de
responsabilidade. Então, nesta relação, o responsável pelo centro de
complementação de diagnóstico tem com o cliente uma obrigação de resultado
e não de meios.
84
CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA.Código de Ética Odontológica. Brasília,
2003.
85
MARTORELL, Leandro Brambilla; DO PRADO, Mauro Machado; FINKLER, Mirelle.
PARADOXOS DA RESOLUÇÃO CFO N. 196/2019: “EU TÔ TE EXPLICANDO, PRÁ TE
CONFUNDIR”. RBOL-Revista Brasileira de Odontologia Legal, v. 6, n. 1, 2019
resultado diferente do que foi apreciado e conforme o presente trabalho é
apresentado em uma foto caracterizando a obrigação de “resultado” ensejando
o seu cumprimento por parte do profissional.
À luz do presente estudo, a liberação do Conselho Federal de
Odontologia de “selfies” e de imagens relativas ao diagnóstico e ao resultado
final de tratamentos odontológico caracterizando o procedimento como
obrigação de resultado, é motivo de grande preocupação, com efeito, algo que
tem sido combatido veemente por muitos profissionais da área de saúde e
continuamente reiterado nas orientações dadas aos pacientes, que o resultado
do tratamento está intimamente ligada a fatores imprevisíveis do corpo
humano, o fator álea.
Como a resolução é recente, várias entidades e associações da
seara odontológica e médica reiteraram o seu protesto quanto às normativas
estabelecidas alegando tratar-se de captação de clientela.
Alguns dos argumentos pairam sobre a legalidade da resolução que
não tem fundamentação normativa contraria diretamente a Lei nº.5.081/66 86, a
legislação que regulamente a profissão do cirurgião dentista. Martorell87
ressalta que com esta resolução decorre uma exposição do paciente; não
houve uma participação dos profissionais e o posicionamento deliberativo por
parte do Conselho Federal de Odontologia; expondo os profissionais da
categoria; e entrando em conflito com intervenção de outras categorias
profissionais.
São notoriamente sabidos os malefícios e dissabores causados com
a divulgação de imagens de pessoas pelas redes sociais, além de configurar
captação de clientela. Pouco importa que o eventual abuso seja reprimido pela
86
BRASIL. Lei nº 5.081 de 24 de agosto de 1966. Regula o exercício da Odontologia.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5081.htm>.Acesso em: 10 de dez.
2018.
87
MARTORELL, Leandro Brambilla; DO PRADO, Mauro Machado; FINKLER, Mirelle.
PARADOXOS DA RESOLUÇÃO CFO N. 196/2019: “EU TÔ TE EXPLICANDO, PRÁ TE
CONFUNDIR”. RBOL-Revista Brasileira de Odontologia Legal, v. 6, n. 1, 2019
lei civil ou pelo Código de Defesa do Consumidor 88 decorrente de relações
contratuais do médico com o seu paciente.
88
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre o Código do
Consumidor e dá outras providências. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 de dez. 2018
5. CONCLUSÃO
FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. Rio de Janeiro: Koogan, 2001.
LEAL, Virginia Costa Lima Verde et al. O corpo, a cirurgia estética e a saúde
coletiva: um estudo de caso. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, p. 77-86, 2010.
MORAES, Irany Novah. Erro médico e a justiça. Revista dos Tribunais, São
Paulo,2003.
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense Gen.,
2010.
VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: Responsabilidade Civil. 14. ed. São
Paulo: Atlas, 2014.