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Centro Universitário de Brasília - UniCEUB

Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais - FAJS

TIAGO DOS SANTOS NASCIMENTO

Direitos humanos de mulheres nos cuidados em saúde: análise do


caso Aline Pimentel

Brasília
2019

TIAGO DOS SANTOS NASCIMENTO


Direitos humanos de mulheres nos cuidados em saúde: análise do
caso Aline Pimentel

Artigo científico apresentado como requisito parcial


para obtenção do título de Bacharel em Direito pela
Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais – FAJS do
Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Orientadora: Professora Aline Albuquerque

Brasília
2019
TIAGO DOS SANTOS NASCIMENTO
Direitos humanos de mulheres nos cuidados em saúde: análise do
caso Aline Pimentel

Artigo científico apresentado como requisito parcial


para obtenção do título de Bacharel em Direito pela
Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais – FAJS do
Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Orientadora: Professora Aline Albuquerque

Brasília, Maio, 2019

BANCA AVALIADORA

_________________________________________________________
Professor(a) Orientador(a)

__________________________________________________________
Professor(a) Avaliador(a)
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1. DIREITOS HUMANOS DOS PACIENTES NOS CUIDADOS EM SAÚDE:


ANÁLISE DO REFERENCIAL TEÓRICO INTERNACIONAL
2. DIREITOS HUMANOS DE MULHERES NOS CUIDADOS EM SAÚDE
2.1 A questão do gênero no processo terapêutico
2.2 Direitos humanos dos pacientes aplicados às mulheres

3. CASO ALINE PIMENTEL: A VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS DE


MULHERES NOS CUIDADOS EM SAÚDE.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS
3

INTRODUÇÃO

O referencial internacional dos dos Direitos Humanos dos Pacientes, doravante DHP, direitos
humanos dos pacientes é um temaa temática que
ainda necessita ser exploradora, uma vez que ainda não há tanta literatura jurídica a respeito
do assunto, tampouco existe legislação nacional específica para a proteção dos pacientes.
Assim, a relação paciente/profissional de saúde merece atenção, ainda mais quando é a mulher
submetida aos cuidados em saúde, em razão de suas vulnerabilidades e especificidades. Desse
modo, o presente estudo busca analisar os direitos humanos dos pacientes sob a ótica da
mulher, com a finalidade de compreender os aspectos de tais direitos relacionados diretamente
à paciente na assistência terapêutica. Para tanto, foram levantados e examinados documentos
internacionais sobre os direitos humanos dos pacientesDHP a fim de construir um campo
teórico para analisar tal referencial internacional em relação às mulheres. Para ilustrar a
aplicação desses direitosdo referencial dos DHP à mulher paciente, o caso Alyne Pimentel
será abordado no estudo, em virtude de sua importância em relação aos direitos das mulheres,
uma vez que foi a primeira denúncia contra o Brasil sobre a mortalidade materna recebida
pelo Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, da
Organização das Nações Unidas. .

Palavras-chave:

Direitos humanos; dos pacientes; mulher; Caso Alyne Pimentel; Gênero e saúde.

1. OS DIREITOS HUMANOS APLICADOS AOS CUIDADOS EM SAÚDE

O referencial teórico dos direitos humanos dos pacientes, desenvolvido por Ezer e
Cohen1 e por Albuquerque2, envolve a aplicação de princípios e de direitos ao contexto dos
cuidados em saúde. Desse modo, o referencial reconhece a dupla condição do paciente: a de
ser vulnerável e de sujeito central do processo terapêutico. Assim, por seu estado de

1 COHEN, J.; e EZER, T. Human rights in patient care: a theoretical and practical framework.
Health and Human Rights Journal. Disponível em: https://www.hhrjournal.org/2013/12/human-rights-
inpatient-care-a-theoretical-and-practical-framework/. Acesso em: 25 mar. 2017.
2 ALBUQUERQUE, A. Direitos Humanos dos Pacientes. Curitiba: Juruá, 2016.
4

fragilidade psíquica e física e pelo fato de não deter conhecimento médico especializado, o
paciente se encontra numa condição especial de vulnerabilidade, que deve ser considerada
pelos profissionais de saúde3.

Considerando tal aspecto, tem-se um elenco de direitos humanos que são


aplicados
ao contexto dos cuidados em saúde. Neste estudo, o primeiro a ser analisado é o direito à vida,
como elemento principal para o exercício dos demais direitos.

Dessa forma, o direito à vida é primordial nos cuidados em saúde, tendo dois
aspectos: um relacionado à proteção de todos pacientes durante o processo terapêutico; e outro
referente à punição dos profissionais de saúde que atentem contra a vida do paciente4.

Assim, a garantia do direito à vida é o pré-requisito para o gozo dos demais


direitos,
já que sem sua garantia os outros direitos carecem de sentido na dinâmica da saúde5.
Decorre dele, a segurança do paciente no curso dos cuidados em saúde, já que um
dos elementos essenciais do direito à vida é que sejam aplicados procedimentos seguros na
assistência médica.

Desse modo, a segurança do paciente é definida como a redução de danos, ao


mínimo possível, a fim de evitar riscos desnecessários provenientes de “erros, transgressões,
abuso de pacientes e atos deliberadamente perigosos que podem ocorrer nos cuidados de
saúde”6.

Então, o direito à vida desdobra-se na segurança que todo o paciente deve ter
enquanto submetido aos tratamentos na esfera da saúde, pois a aplicação de procedimentos
inseguros pode levar o paciente a morte7.

3 ALBUQUERQUE, A. Direitos Humanos dos Pacientes. Curitiba: Juruá, 2016.


4 ALBUQUERQUE, A. A segurança do paciente à luz do referencial dos direitos humanos.
Patient safety in light of the human rights framework. R. Dir. sanit., São Paulo v.17 n.2, p. 117-137,
jul./out. 2016.
5 CIDH apud ALBUQUERQUE, Aline.. A segurança do paciente à luz do referencial dos direitos
humanos. Patient safety in light of the human rights framework. R. Dir. sanit., São Paulo v.17 n.2, p.
117-137, jul./out. 2016
6 OMS apud MENDES, W.. Taxonomia em segurança do paciente. In: SOUSA, Paulo; MENDES,
Walter (Orgs.). Segurança do paciente: Conhecendo os riscos nas organizações de saúde. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2013 p. 60-61.
7 ALBUQUERQUE, A. A segurança do paciente à luz do referencial dos direitos humanos.
Patient safety in light of the human rights framework. R. Dir. sanit., São Paulo v.17 n.2, p. 117-137,
jul./out. 2016.
5

Do mesmo modo, vincula-se ao direito à vida à qualidade dos procedimentos


terapêuticos nos cuidados em saúde. Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), a
definição da qualidade de tais processos está assentada sob a perspectiva de seis aspectos,
conforme a seguir:

Efetividade, segundo a qual os cuidados em saúde são baseados em evidências


científicas de modo a proporcionar os melhores resultados para o indivíduo e a comunidade;
Eficiência, de forma a maximizar o uso dos recursos e evitar o desperdício na esfera da saúde;
Acessibilidade, ofertando os procedimentos médicos em locais razoavelmente próximos das
comunidades, localizados de maneira estratégica, fornecendo recursos adequados aos
pacientes; Centralidade no paciente, prestando serviços em saúde que tenham como norte a
preferências e desejos dos pacientes; Equidade, não devendo os cuidados em saúde variar em
razão do sexo, cor, orientação sexual, gênero, etnia e outras características pessoais ou pelo
critério socioeconômico; segurança, ofertando tratamentos terapêuticos em saúde que
minimizem os riscos de dano ao paciente8.

Seguindo a linha dos direitos do paciente, o segundo a ser abordado no estudo é o


direito a não ser submetido a tratamentos desumanos ou degradantes. Sob essa visão, a
finalidade do direito é a de proteger as pessoas de atos atentatórios contra a sua dignidade
humana, integridade física ou mental9.

Em relação à esfera da saúde, a definição de tratamento desumano ou degradante


possui certas peculiares, pois consiste na “mais grave violação do direito humano do paciente
à integridade e dignidade, pressupõe uma situação de impotência, em que a vítima está sob o
controle total de outra pessoa”10.

Assim, segundo Juan E. Mendez, relator especial da ONU, há maus-tratos ou


tortura

8 WORLD HEALTH ORGANIZATION - WHO. Quality of care: A process for making strategic choices
in health systems. WHO: Geneva, 2006, p. 9-10.
9 CIDH. Observación general n. 20. Artículo 7 – Prohibición de la tortura u otros tratos o penas
crueles, inhumanos o degradantes. Disponível em:
<http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/BDL/2001/1399.pdf?view=1> Acesso: 10 mar. 2017.
10
A/63/175, para. 50 apud UNITED NATIONS. General Assembly. Report of the Special Rapporteur
on torture and other cruel, inhuman or degradign treatment or punishment, Juan E. Méndez.
Disponível em:
http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/RegularSession/Session22/A.HRC.22.53_Engl
ish.pdf. Acesso: 10 mar. 2017.
6

nos cuidados em saúde transvestidos de “tratamento de saúde”, sendo defendidos


veementemente por profissionais da área10.

Cabe ao Estado, desse modo, tomar as medidas legislativas e administrativas, a


fim
de proteger seus indivíduos contra atos abusivos de agentes estatais, no curso de suas funções,
fora dela ou até no âmbito privado11. Assim, o ente estatal deve impedir atos de tortura ou
maustratosmaus-tratos em instituições à sua jurisdição que limitem a liberdade individual,
sendo uma delas: o ambiente hospitalar13.

A próxima análise a ser feita é do direito ao respeito à vida privada, buscado


exame
teórico a partir do referencial dos direitos humanos dos pacientes. Dessa maneira, o direito ao
respeito à vida privada se refere à esfera individual do sujeito e a não interferência nesta
órbita, com o objetivo de proteger a intimidade das pessoas de arbitrariedades ou ilegalidades,
como também contempla a proteção da honra e da reputação do indivíduo12.

Na saúde, o respeito pela vida privada detém aspectos de suma importância no


cotidiano dos tratamentos terapêuticos, já que perpassa pelo entendimento de que as
informações decorrentes do quadro clínico do paciente devem ser respeitadas e protegidas,
não devendo ser utilizadas para outro fim, se não aquele para que foram coletadas e
consentidas15.

Nesse sentido, a privacidade do paciente está na esfera da não submissão a


tratamentos de saúde, sem seu consentimento, bem como de ter sua decisão respeitada e seus
dados pessoais não divulgados13.

Do outro lado da relação, os profissionais de saúde estão obrigados a manter a

10 MENDEZ, J. United Nations. General Assembly. Report of the Special Rapporteur on torture
and other cruel, inhuman or degradign treatment or punishment. Disponível em:
http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/RegularSession/Session22/A.HRC.22.53_Engl
ish.pdf. Acesso: 10 mar. 2017, p. 4.
11 CIDH. Observación general n. 20. Artículo 7 – Prohibición de la tortura u otros tratos o
penas crueles, inhumanos o degradantes. Disponível em:
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/BDL/2001/1399.pdf?view=1 Acesso: 10 mar. 2017 13
CCLT. Convención contra la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes.
Observación General nº 2. http://www.refworld.org/cgibin/texis/vtx/rwmain/opendocpdf.pdf?
reldoc=y&docid=47bee7f62 Acesso: 10 mar. 2017.
12 CDH. Observación General n. 16. Artículo 17 – Derecho a la Intimidad. Disponível em:
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/BDL/2005/3584.pdf?view=1. Acesso: 10 mar. 2017. 15
OBSERVATÓRIO DE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS DOS PACIENTES. A DUBDH e os
Direitos Humanos dos Pacientes. Disponível em: http://www.observatoriopaciente.com.br/dubdh/
Acesso: 10 mar. 2017.
13 OBSERVATÓRIO DE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS DOS PACIENTES. A DUBDH e os
Direitos Humanos dos Pacientes. Disponível em: http://www.observatoriopaciente.com.br/dubdh/.
Acesso: 10 mar. 2017.
7

confidencialidade das informações de seus pacientes, de modo seguro e restrito14. Este, em

geral, espera que a comunicação feita acerca de seu estado seja confidencial no âmbito dos
cuidados em saúde15.

O próximo a ser abordado no estudo é o direito de liberdade e segurança pessoais,


com base no referencial teórico dos direitos humanos dos pacientes. Assim, a liberdade está
relacionada à ausência de confinamento físico; não a liberdade geral de ação, já a segurança
da pessoa se assenta na proteção contra lesões físicas ou psicológicas para garantir a
integridade do sujeito16.

Nos cuidados em saúde, a discussão em relação à liberdade e segurança pessoal é


mais voltada ao paciente portador de doença mental, submetido retenção involuntária, por isso
a abordagem será acerca dos aspectos inerentes a tal sujeito.

Desse modo, a detenção do paciente com deficiência mental, por ordem judicial
ou
decisão de tutor, deve ser guiado pelos seguintes parâmetros: a) o transtorno mental deve estar
baseado em perícia médica objetiva; b) o grau de desordem mental deve ser de tal forma a
justificar a medida; c) a retenção deve se pendurar enquanto durar a gravidade do transtorno;

d) o paciente portador de doença mental deve ser encaminhado ao estabelecimento


apropriado, autorizado a tal finalidade17.

O próximo passo no estudo é discutir aspectos do direito à informação dos


pacientes. Nesse sentido, tal direito é fundamental para preservação do regime democrático,
em que todas as pessoas têm o direito de receber informações relativas à sua pessoa e seus
bens de forma clara e sem custos21.

Trazendo tal entendimento para os cuidados em saúde, é possível afirmar que o


acesso à informação é indispensável, uma vez que o consentimento do paciente é fundamental
no momento de escolha do procedimento terapêutico adequado, razão pela qual é a
14 VALERIE, P. Confidentiality, privacy and security of health information: Balancing interests.
Biomedical and Health Information Sciences. University of Illinois at Chicago. 2014.
15 VALERIE, P. Confidentiality, privacy and security of health information: Balancing interests.
Biomedical and Health Information Sciences. University of Illinois at Chicago. 2014.
16 HRC. General comment n. 35. Article 9: Liberty and security of person. Disponível em:
http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CCPR%2fC%2fGC
%2f35&Lang=en. Acesso em: 11 mar. 2017, p. 1.
17 MACOVEI, M. The right to liberty and security of the person. A guide to the implementation of
Article 5 of the European Convention on Human Rights. Human rights handbooks, No. 5, 2002. 21
CIDH. El Derecho de Acesso a la Información en la Marco Jurídico Interamericano. Disponível
em: http://www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/publicaciones/acceso%20a%20la%20informacion
%20final
%20con%20portada.pdf. Acesso em: 11 mar. 2017
8

compreensão pelo paciente das diversas opções de tratamento disponibilizados durante a fase
hospitalar18.

Dessa maneira, a informação repassada deve ser compreendida pelo paciente, a


linguagem do profissional de saúde deve ser o mais próximo possível do cotidiano do sujeito
submetido aos cuidados em saúde, considerando o nível de instrução e cultura dele19.

Depreende-se do direito à informação, o acesso do paciente ao prontuário médico,


que ao ser solicitado não pode ser negado. Contudo, o conteúdo do documento deve ser
mantido em sigilo, tendo apenas acesso o profissional habilitado e o paciente, tendo esse
direito relação direta com o respeito à vida privada do paciente20.

O último direito a ser exposto aqui é o de a não ser discriminado nos cuidados em
saúde, que diz respeito a tratamentos igualitários, sem distinções por fatores pessoais ou
socioeconômicos. Nesse sentido, não pode existir diferença entre os indivíduos em razão de
raça, cor, religião, opinião pública, gênero, ou quaisquer condições sociais, econômicas e
pessoais21.

Desse modo, levantar o debate acerca da não discriminação em saúde é


importante,
já que as desigualdades sociais, fortalecidas pelos estigmas e preconceitos de grupos
específicos, são vetores potenciais determinantes no processo de adoecimento22.

Sob a ótica da não discriminação no âmbito da saúde, grupos específicos merecem

18 B.M., Dickens; R.J, Cook apud CIDH. Acesso a la Información em Materia Reproductiva desde
uma Perspectiva de Derechos Humanos. Disponível em:
mujeresaccesoinformacionmateriareproductiva.pdf. Acesso: 11 mar. 2017, p. 14.
19 CIDH. Acesso a la Información em Materia Reproductiva desde uma Perspectiva de
Derechos Humanos. Disponível em: mujeresaccesoinformacionmateriareproductiva.pdf. Acesso: 11
mar. 2017.
20 CIDH. Humanos. Acesso a la Información em Materia Reproductiva desde uma Perspectiva
de Derechos Humanos. Disponível em: mujeresaccesoinformacionmateriareproductiva.pdf. Acesso:
11 mar. 2017.
21 CIDH. Observación General n. 18. No discriminación. Disponível
em: http://www.villaverde.com.ar/es/assets/investigacion/Discriminacin/og-18-cdh-
discriminacion.pdf.
Acesso em: 11 mar. 2017.
22 HUNT, P. Report to the Comissiono on Human Rights. (Main focus: Definitión of the human
right
to health). Disponível em:
https://documents-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G03/109/79/PDF/G0310979.pdf?OpenElement.
Acesso em: 11 mar.
2017, p. 15.
9

atenção especial, como “as mulheres, as crianças e os grupos marginalizados, tais como as
minorias raciais e étnicas, os povos indígenas, as pessoas com deficiência e os indivíduos com
o VIH/SIDA23”.

Dessa forma, as mulheres são pacientes com especificidades ou condições


particulares, tais como a gravidez e o parto, que não são doenças, mas processos biológicos
que podem acarretar risco à saúde da mulher e exigem cuidados específicos na assistência em
saúde24.

Além disso, as desigualdades baseadas no gênero, em relação à educação, renda e

emprego, limitam a capacidade das mulheres na proteção da própria saúde, impedindo seu
estado pleno de saúde25, sendo, portanto, fatores determinantes nos cuidados em saúde.

Assim, pela atenção especial dada à figura femininaespecificidades da condição


da mulher enquanto paciente, é necessáriapassa-se à a análise dos
direitos humanos dos pacientesda a partir da leitura da mulher submetida aos cuidados em
saúde.

2. OS DIREITOS HUMANOS DE MULHERES NOS CUIDADOS EM SAÚDE

Diante dos direitos dos pacientes expostos, importa ressaltar aqueles que dizem
respeito à paciente mulher, pois ela é mais vulnerável no curso dos cuidados em saúde,
sofrendo, inclusive, mais violações de direitos humanos quando submetida a tratamentos
terapêuticos, em especial, aos relacionados à saúde sexual e reprodutiva26.

2.1 A questão do gênero no processo terapêutico

23 HUNT, P. Report to the Comissiono on Human Rights. (Main focus: Definitión of the human
right
to health). Disponível em:
https://documents-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G03/109/79/PDF/G0310979.pdf?OpenElement.
Acesso em: 11 mar.
2017, p. 16.
24 OMS. Mulheres e saúde: evidências de hoje, agenda de amanhã. Disponível em:
https://www.who.int/eportuguese/publications/Mulheres_Saude.pdf. Acesso em: 21 ago. 2019, p. 3
25 OMS. Mulheres e saúde: evidências de hoje, agenda de
amanhã. Disponível em:
https://www.who.int/eportuguese/publications/Mulheres_Saude.pdf. Acesso em: 21 ago. 2019, p. 3

26 FULLER, A.; CABRERA, O.; DUGER, A. Health and Human Rights Resource Guide. Disponível
em: https://www.hhrguide.org/2014/02/20/testing-page-1/. Acesso: 04 mar. 2017.
10

A discriminação sistemática nos cuidados em saúde baseadas na questão de


gênero
impede muitas mulheres de acessar a assistência em saúde, bem como diminuem a capacidade
dela de responder às questões relativas à sua doença ou a de seus familiares 27. Dessa forma, a
questão do gênero deve ser considerada para a proteção da mulher nos cuidados de saúde.

Com objetivo de proteção da paciente, a Convenção para a Eliminação de


Qualquer Forma de Discriminação Contra a Mulher prescreve no artigo 12 que os Estados
partes devem adotar medidas que assegurem a proteção da mulher na esfera da saúde, a fim de
proporcionar a igualdade de gênero entre homens e mulheres, buscando eliminar todas as
formas de discriminação contra a condição feminina32.

Para amparo efetivo no âmbito da saúde, recomenda-se que a mulher seja vista em
sua completude, tendo por norte as particularidades dela, de modo a prevenir, detectar e tratar

suas enfermidades, respeitando os fatores biológicos, socioeconômicos e psicossociais que são


distintos para os gêneros masculino e feminino28.

Assim, abordar as distinções de gênero no contexto da saúde é imprescindível,


uma
vez que homens e mulheres, em razão da organização social, estão expostos a processos
diferentes de sofrimento, adoecimento e morte29.

2.2 Direitos humanos dos pacientes aplicados às mulheres

Para garantir a proteção da mulher na esfera da saúde, cabe discutir a aplicação do

27 CIDH. Acesso a la Información em Materia Reproductiva desde uma Perspectiva de


Derechos Humanos. Disponível em: mujeresaccesoinformacionmateriareproductiva.pdf. Acesso: 11
mar. 2017. 32 UNITED NATIONS. Convention on the Elimination of All Forms of Descrimination
against Women. New York, 1979.
28 UNITED NATIONS. Committee for the Elimination of Discrimination against Women. Convention
on the Elimination of All Forms of Descrimination against Women. General Recommendation n. 24
http://www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/recommendations/recomm-sp.htm#recom24. Acesso em:
04 mar. 2017
29 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e
diretrizes / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas. – Brasília: Ministério da Saúde, 2004, p. 13.
11

referencial dos Direitos Humanos dos pacientesDHP em relação a elasa pacientes, uma vez
que o gênero influencia na dinâmica dos cuidados em saúde30, devendo ser analisados,
portanto, os direitos humanos relacionados às especificidades das mulheres.

Assim, o direito à vida está vinculado à segurança do paciente, enquanto elemento

de qualidade dos procedimentos terapêuticos. Nesse sentido, há uma grande preocupação com
segurança do paciente nos procedimentos maternos e neonatais em virtude de seus resultados
desastrosos, em caso de aplicação de procedimentos médicos inseguros31.

Como exemplo, pode-se destacar que em casos de realização procedimentos

obstétricos imprudentes pode ocorrer infecções no período perinatal que poderá resultar em
novas internações e até a morte32. Dessa forma, a segurança do paciente é um elemento a ser
observado nos cuidados em saúde, a fim de evitar riscos às mulheres submetida à assistência
hospitalar.

Em relação a tratamentos desumanos ou degradantes, o direito a não ser


submetidao
a tais procedimentos influencia bastante sobremaneira a vida de mulheres enquanto paciente
nos cuidados em

saúde. Dessa forma, um dos exemplos de tratamento desumano ou degradante pode ser
encontrado em algumas práticas que caracterizam a violência obstétrica, tal como é a
violência obstétrica33.

Assim, a violência obstétrica caracteriza-se pela apropriação do corpo e do


processo
reprodutivo das mulheres por profissionais de saúde, por meio de tratamentos desumanos ou
degradantes, que causam perda da autonomia e a capacidade de decidir, tendo impacto
negativo à qualidade de vida das mulheres34.
30 OMS. Mulheres e saúde: evidências de hoje, agenda de amanhã. Disponível em:
https://www.who.int/eportuguese/publications/Mulheres_Saude.pdf. Acesso em: 21 ago. 2019, p. 9
31 Fernanda de Jesus Santos1, Hertaline Menezes do Nascimento1, José Marcos de Jesus Santos1, Jéssica
Oliveira da Cunha1, Jamille Carolina Silva Santos1, Juliana de Araújo Pena1. Cultura de segurança do paciente
em uma maternidade de risco habitual. Dispoível em:
https://www.portalnepas.org.br/abcshs/article/view/1066/834. Acesso em 05 ago. 2019
32 Fernanda de Jesus Santos1, Hertaline Menezes do Nascimento1, José Marcos de Jesus Santos1, Jéssica
Oliveira da Cunha1, Jamille Carolina Silva Santos1, Juliana de Araújo Pena1. Cultura de segurança do paciente
em uma maternidade de risco habitual. Dispoível em:
https://www.portalnepas.org.br/abcshs/article/view/1066/834. Acesso em 05 ago. 2019
33 INCOTT, A. A. F. Tratamento Desumano e Degradante e Violência Obstétrica no Brasil. Dissertação de
Monografia, Centro Universitário de Curitiba, Curitiba, 2018.
34 DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Violência obstétrica: você sabe o que é?.
Disponível em: https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/repositorio/41/Violencia%20Obstetrica.pdf. Acesso em:
12

Desse modo, tal procedimentoAdemais, a violência obstétrica pode envolver a


nãoviolação não apenas viola odo direito de mulheres ao tratamento
adequado, como também ao direito à vida, saúde, integridade física e a não
discriminação35.
A respeito ao ddo direito à privacidade, no que tange ao consentimento informado,
as
mulheres são submetidas, com maior frequência, a intervenções médicas forçadas ou práticas
terapêuticas sem consentimento, que acarreta prejuízos à saúde dela 36. Desse modo, as
pacientes correm mais riscos de sofrer múltiplas formas de maus tratos ou discriminações nos
cuidados em saúde37.

Além do maisAinda, ,quanto ao direito à privacidade das pacientes, os


profissionais de saúde não devem dpodem disponibilizar informações de
pacientes sem seu consentimento, devendo, portanto, manter em sigilo as
informações das pacientes que estão sob seus cuidados, principalmente em relação
à saúde sexual e reprodutiva delas38.
Nos cuidados em saúde, o direito à segurança e liberdade pessoal sepessoal se
relaciona à
ausênciaAusência de confinamento físico, discussão que se volta à internação compulsória ou
involuntária de mulheres com transtornos mentais.

Dessa forma, há um incentivo à medida de internação compulsória ou involuntária

feminina, em razão de dependência química ou transtornos mentais, fortalecida pelos


mecanismos midiáticos44, o que fortalece estereótipos sobre a mulher com transtornos
mentais.

O direito ao acesso à informação no contexto da saúde é imprescindível para a

02 ago. 2019.
35 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos
durante o parto em instituições de saúde. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/134588/WHO_RHR_14.23_por.pdf?sequence=3. Acesso em: 02
ago. 2019.
36 NACIONES UNIDAS. Asamblea General. Consejo de Derechos Humanos. Informe del Relator Especial
sobre la tortura y otros tratos o penas crueles, inhumanos o degradantes, Juan E. Méndez, A/HRC/22/53.
Tradução: Español, Genebra. p. 21
37 _________. Asamblea General. Consejo de Derechos Humanos. Informe del Relator Especial sobre la
tortura y otros tratos o penas crueles, inhumanos o degradantes, Juan E. Méndez, A/HRC/22/53. Tradução:
Español, Genebra. p. 21
38 CIDH. Acesso a la Información em Materia Reproductiva desde uma Perspectiva de
Derechos Humanos. Disponível em: mujeresaccesoinformacionmateriareproductiva.pdf. Acesso: 11
mar. 2017. 44 Macedo, F. S., ROSO A., LARA, M. P. Mulheres, saúde e uso de crack: a reprodução do novo
racismo na/pela mídia televisiva. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/sausoc/2015.v24n4/1285-
1298/pt/#. Acesso em: 02 ago. 2019.
13

mulher, uma vez que a não disponibilidade de orientações em saúde e serviços necessários
para a adequada saúde sexual e reprodutiva agravam a vulnerabilidade feminina45.

Assim, há diversas barreiras enfrentadas pelas mulheres para acessar a informação


quanto à saúde sexual e reprodutiva, recebendo um acesso limitado a tais serviços, ainda mais
quando se trata de mulheres pobres, indígenas, afrodescendentes, imigrantes em razão da
discriminação sofridas por elas46.

Em relação à discriminação, grupos específicos estão mais propensos a serem


discriminados em virtude de suas condições particulares47, dentre eles estão as mulheres.
Dessa forma, atos discriminatórios influenciam diretamente a saúde de pessoas inseridas em
tais arranjos sociais48.

O direito a não discriminação assume especial relevância nos cuidados em saúde


de
mulheres, uma vez que sua condição feminina influencia em sua saúde física e psíquica. Dessa
forma, o acesso de mulheres à assistência em saúde é impedido pela discriminação nos
cuidados em saúde, prejudicando seu bem estar e de seus familiares49.

Desse modo, tal direito deve ser garantido a mulheres nos tratamentos de saúde,
de
modo a garantir e proteger que não seja discriminada em razão do gênero39.
Como forma de ilustrar os direitos humanos dos pacientes aplicados a mulheres,
será analisado o caso Alyne Pimentel no estudo, em virtude de sua importância em relação aos
direitos das mulheres, uma vez que foi a primeira denúncia contra o Brasil sobre a
mortalidade materna recebida pelo Comitê para a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher.

45
HUNT, P. Report to the Comissiono on Human Rights. (Main focus: Definitión of the human
right to health). Disponível em:
https://documents-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G03/109/79/PDF/G0310979.pdf?OpenElement.
Acesso em: 11 mar.
2017, p. 16.
46
CIDH. Acesso a la Información em Materia Reproductiva desde uma Perspectiva de Derechos
Humanos. Disponível em: mujeresaccesoinformacionmateriareproductiva.pdf. Acesso: 11 mar.
2017. 47 HUNT, P. Report to the Comissiono on Human Rights. (Main focus: Definitión
of the human right to health). Disponível em:
https://documents-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G03/109/79/PDF/G0310979.pdf?
OpenElement. Acesso em: 11 mar. 2017, p. 15.
48
FULLER, A.; CABRERA, O.; DUGER, A. Health and Human Rights Resource Guide.

39 CIDH. Observación General n. 18. No discriminación. Disponível em:


http://www.villaverde.com.ar/es/assets/investigacion/Discriminacin/og-18-cdh-discriminacion.pdf.
Acesso em: 11 mar. 2017.
14

Disponível em: https://www.hhrguide.org/2014/02/20/testing-page-1/. Acesso: 04 mar. 2017.


49
CIDH. Acesso a la Información em Materia Reproductiva desde uma Perspectiva de
Derechos Humanos. Disponível em: mujeresaccesoinformacionmateriareproductiva.pdf.
Acesso: 11 mar. 2017.

3. CASO ALINE PIMENTEL: A VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS DE


MULHERES NOS CUIDADOS EM SAÚDE.

Como dito, o caso Alyne Pimentel é a primeira denúncia apresentada e acolhida a


respeito de mortalidade materna pelo Comitê para Eliminação de todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, comumente chamado de Comitêdoravante Comitê CEDAW,
cuja função é monitorar a implementação pelos Estados-parte dos direitos das mulheres
previstos na Convenção de 1979 das Nações Unidas40.

Nesse sentido, escolheu-se o caso em virtude de ser a única


“condenação”responsabilização internacional do Estado
brasileiro por violação de direitos humanos das mulheres perante um organismo internacional
de monitoramento dso controle de direitos humanos, além da relevância temática na medida
em que é o primeiro caso de mortalidade materna no Sistema ONU de Direitos Humanos. e
importância para os defensores de direitos humanos.

Sendo assim, o referido caso apresenta particularidades específicas na para a


análise de
direitos humanos dos pacientes, uma vez que se trata da morte materna em razão da falta de
assistência médica adequada de uma mulher gestante, jovem, afrodescendente e de baixa
renda, cujo processo judicial ainda estava em trâmite à época do julgamento41.

Dessa forma, os aspectos inerentes ao caso lhe conferem qualidade para ser um
episódio paradigma no monitoramento dos a dinâmica de direitos humanos das pacientes no
Brasil, motivo pelo qual será analisado conforme as disposições do documento do COMITÊ53.

Em 2007, Maria de Lourdes da Silva Pimentel, mãe de Alyne Pimentel, foi

40 ALBUQUERQUE, A. S. O.; SCHIRMER, J. B. Caso Alyne Pimentel: uma análise à luz da abordagem
baseada em direitos humanos. Disponível em: http://revista.ibdh.org.br/index.php/ibdh/article/view/202.
Acesso em: 03 ago. 2019.
41 ____________. Caso Alyne Pimentel: uma análise à luz da abordagem baseada em direitos
humanos. Disponível em: http://revista.ibdh.org.br/index.php/ibdh/article/view/202. Acesso em: 03 ago.
2019. 53 Committee on the Elimination of Discrimination against Women. Communication n. 17/2008.
Disponível em: https://www2.ohchr.org/english/law/docs/CEDAW-C-49-D-17-2008.pdf. Acesso em: 03 ago.
2019.
15

representada pelo Centro de Direitos Reprodutivos e Advocacia Cidadã pelos Direitos


Humanos na comunicação do caso perante o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação
contra a Mulher. CEDAW.

Os peticionários do caso alegam violação ao direito à vida e à saúde da vítima,

Alyne Pimentel. Segundo eles, em 11 de novembro de 2002, Alyne Pimentel, grávida de seis

meses, foi à Casa de Saúde Nossa Senhora da Glória, apresentando os sintomas de náusea e
dores abdominais.

Neste dia, o médico responsável prescreveu medicamentos para Alyne Pimentel e

a mandou para casa. Porém, o estado de saúde dela piorou e, em 13 novembro de 2002, ela
retornou ao mesmo hospital acompanhada de sua mãe.

Na ocasião, outro médico examinou Alyne Pimentel e não detectou os batimentos

cardíacos do feto, o que foi confirmado posteriormente pelo ultrassom. Em seguida, os


médicos da instituição aplicaram medicação nela para acelerar o parto, tendo Alyne Pimentel
dado à luz ao natimorto.

Em 14 de novembro de 2002, Alyne Pimentel passou por cirurgia para a retirada da

placenta, sendo que, após o procedimento, o estado de saúde dela piorou bastante,
apresentando sintomas, como hemorragia extrema, vômito, pressão baixa, incapacidade de
ingestão de alimentos e desorientação prolongada.

Em 15 de novembro de 2002, Alyne Pimentel apresentava ainda os mesmos

sintomas, não tendo alterado seu quadro de saúde. Em seguida, os médicos da Casa de Saúde
solicitaram a transferência de Alyne Pimentel para outra unidade. Assim, foi verificado que
somente o Hospital Geral Municipal Nova Iguaçu possuía leito disponível. Contudo, tal
instituição se recusou a usar sua única ambulância para buscar Alyne Pimentel.
16

Alyne Pimentel aguardou por oito horas para ser transferida ao referido Hospital. Após ser
transferida, o estado de saúde dela se agravou, a pressão caiu para zero e ela teve que ser
ressuscitada pelos médicos. A instituição de saúde instalou Alyne Pimentel em um local
improvisado no meio do corredor, porque não havia leito disponível.

Os peticionários alegam que os médicos do hospital anterior não encaminharam os


prontuários médicos de Alyne Pimentel para o novo hospital.

Em 16 de novembro de 2002, Alyne Pimentel faleceu em razão de hemorragia

digestiva. Conforme as informações dos médicos, a hemorragia se deu como resultado do


parto do feto natimorto.

Em 11 de fevereiro de 2003, o marido de Alyne Pimentel ajuizou a ação de

indenização por danos morais e materiais contra a instituição Casa de Saúde42.

No caso Alyne Pimentel, os peticionários alegam que não foi prestado tratamento
médico adequado durante o parto, causando o falecimento de Alyne Pimentel, uma vez que a
principal razão da mortalidade materna é atraso na obtenção de cuidados obstétricos
emergenciais de qualidade.

Sustentam, ainda, que a morte seria evitada se Alyne Pimentel fosse submetida a

exames médicos adequados durante seu primeiro atendimento, pois, já na segunda consulta,
teria sido detectado a morte do feto e o parto seria induzido de imediato, evitando
complicações em seu estado de saúde e, em última instância, sua morte.

Argumentam, também, que Alyne Pimentel deveria ser transferida para uma

instituição de saúde com melhores equipamentos para a realização de sua cirurgia, o que
evitaria o óbito dela.

Sendo assim, os peticionários alegam que houve falha na assistência em saúde

42 Committee on the Elimination of Discrimination against Women. Communication n. 17/2008. Disponível


em: https://www2.ohchr.org/english/law/docs/CEDAW-C-49-D-17-2008.pdf. Acesso em: 03 ago. 2019.
17

adequada; falta de coordenação entre o pré-natal e o parto; ausência de ambulância suficientes


para o transporte; não havia leitos disponíveis e os prontuários não foram encaminhados para
o outro hospital.

Além disso, os peticionários argumentam que não foram garantidos mecanismos

judiciais eficazes para proteção da saúde reprodutiva, demonstrando a falha do Estado


brasileiro em adotar medidas jurisdicionais de reparação à violação de direitos das mulheres,
tratadas de forma discriminatória no país.

Assim, essa falha do sistema judicial ocasionou efeitos devastadores para a família

de Alyne Pimentel, em especial, a sua filha, que foi abandonada pelo pai, vivendo, desde
então, em condições precatórias com a avó materna.

Em relação ao caso Alyne Pimentel, o Comitê CEDAW decidiu que o Estado


brasileiro violou o direito à
assistência médica adequada, o direito a ter serviços privados de saúde
monitorados e regulados pelo Estado, o direito da não discriminação contra as
mulheres e o direito de acesso aos mecanismos judiciais.

De acordo com o Comitê CEDAW, a morte de Alyne Pimentel se deu em razão de


complicações obstétricas em relação à gravidez, cujos sintomas foram ignorados pelo médico
da instituição de saúde.

Além disso, os exames de urina e sangue foram realizados dois depois do primeiro

atendimento, como também a curetagem foi realizada após 14h da cirurgia, o que ocasionou
diretamente o falecimento do feto e de Alyne Pimentel.

A respeito da alegação de Casa de Saúde Nossa Senhora da Glória ser instituição

privada, o Comitê considerou que o Estado brasileiro é responsável pela atuação de tais
estabelecimentos, devendo regulamentar e monitorar essas instituições.

Ainda, conforme o Comitê CEDAW, a ausência de serviços de saúde maternos específicos,


18

que não satisfazem os interesses das mulheres, não apenas constitui violação ao direito à
saúde, como também é uma forma de discriminação contra elas.

Ademais, o Comitê CEDAW entendeu que Alyne Pimentel sofreu múltiplas discriminações

por ser mulher afrodescente e de baixo nível socioeconômico.

Por fim, o Comitê CEDAW considerou que a ação judicial, ajuizada em 2003, que não teve

resultado até a época do julgamento viola a garantia de medidas judiciais eficazes por parte do
Estado brasileiro.

Diante disso, o Comitê CEDAW fez sete recomendações ao Estado brasileiro, a


primeira de
natureza reparatória a fim indenizar os familiares de Alyne Pimentel na proporção
da gravidade das violações.
Três relacionadas a políticas públicas de saúde: i) garantir o direito das mulheres
à
maternidade e assistência médica emergencial adequada; ii) realizar a formação de
profissionais de saúde com base em diretrizes sobre direitos reprodutivos das mulheres; iii)
diminuir as mortes maternas evitáveis por meio da implementação do Acordo Nacional pela
Redução da Mortalidade Materna.

E três recomendações referentes à gestão: i) assegurar o acesso a mecanismos

jurisdicionais eficazes nos casos de violação de direitos reprodutivos e fornecer o treinamento


do pessoal do poder judiciário para aplicação da lei; ii) garantir instalações de assistência
médica privada conforme as normas nacionais e internacionais; iii) assegurar sanções
adequadas impostas aos profissionais de saúde em caso de violação de direitos reprodutivos
das mulheres.

Neste tópico, identifica-se o caso Alyne Pimentel como paradigma para ilustrar a
violação de direitos humanos dos pacientes, uma vez que não foi assegurado a ela qualquer
direito quando estava submetida aos cuidados em saúde. Dessa forma, buscou-se, a partir da
descrição do caso, exemplificar como a falta de direitos pode ter resultados desastrosos na
dinâmica da assistência em saúde da mulher.
19

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos humanos dos pacientes devem ser incorporados, paulatinamente, ao


cotidiano dos cuidados em saúde a fim de reduzir os riscos de prejuízos na relação
pacienteprofissional de saúde. Nesse sentido, os princípios e direitos aplicados ao contexto de
saúde devem ser observados por todos os profissionais, principalmente quando for a mulher
submetida ao processo terapêutico em razão de suas particularidades e vulnerabilidades.

Como visto, o caso Alyne Pimentel serve para ilustrar como ocorre a violação
de direitos humanos dos pacientes em relação às mulheres no contexto de saúde reprodutiva.
Dessa forma, é necessário assegurar direitos aos pacientes quando submetidos aos cuidados
em saúde, em especial, às mulheres nessa condição.

No Brasil, ainda não há legislação nacional específica para tratar do assunto,


tendo apenas o Projeto de Lei n. 5559/2016 43 em trâmite no Congresso Nacional para
regulamentar a situação dos pacientes no país.

Portanto, constata-se, por meio deste estudo, a importância e relevância dos


direitos humanos dos pacientes na dinâmica dos cuidados em saúde no Brasil.

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43 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei 5559/2016: dispõe sobre os direitos dos pacientes e dá outras
providências. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?
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