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O DIREITO E O CUSTO DOS DIREITOS: análise das despesas do Estado brasileiro com
ações e serviços públicos de saúde.
NATAL/RN
2016
JOSÉ ANSELMO DE CARVALHO JÚNIOR
O DIREITO E O CUSTO DOS DIREITOS: análise das despesas do Estado brasileiro com
ações e serviços públicos de saúde.
NATAL/RN
2016
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
O DIREITO E O CUSTO DOS DIREITOS: análise das despesas do Estado brasileiro com
ações e serviços públicos de saúde.
Os direitos fundamentais, em linha com os direitos humanos, são compreendidos como direitos
sindicáveis judicialmente, tendo o Estado como o detentor de um dever de satisfazê-los. Para
tanto, necessita o Estado de recursos, uma vez que a realização dos direitos fundamentais
também implica a realização de despesas públicas. É superada a dicotomia entre direitos
positivos e negativos e de gerações de direitos, apresentando-se os mesmos como necessidades
públicas que precisam ser satisfeitas com recursos públicos. Nesta perspectiva, os direitos têm
custos, todos os direitos; cada direito fundamental corresponde um dever do Estado; e o custo
de cada direito não corresponde, necessariamente, ao mesmo custo do dever do Estado, uma
vez que precisa manter uma estrutura administrativa eficiente para satisfazê-los. A Constituição
Federal estabeleceu um critério de eficiência consistente no emprego (despesa) de uma
quantidade mínima da receita de impostos, de cada Ente da Federação, em ações e serviços
públicos de saúde, embora as fontes de financiamento do direito à saúde não se restrinjam aos
impostos, havendo as contribuições para o sistema da seguridade social. O presente trabalho
analisou o direito à saúde sob a perspectiva de seu custo e avaliou o cumprimento do dever dos
Estados e da União inscrito na Constituição sob o critério jurídico da despesa mínima, durante
os exercícios de 2013 a 2015.
The fundamental rights, in line with human rights, are understood as legally contestable
rights, having the state as the holder of the duty to satisfy them. Therefore, the state needs
resources, since the realization of fundamental rights also implies that public expenditure.
The dichotomy between positive and negative rights and rights generations is overcame,
presenting them as public needs that must be reached with public funds. Into this perspective,
the rights (all of them) have costs; each fundamental right corresponds to a state duty; and
the cost of each right does not necessarily correspond to the same cost of the duty of the state,
since the state must maintain an efficient administrative structure to satisfy them. The federal
constitution established a consistent criterion of efficiency in the usage (expense) of a
minimum amount of tax revenue, each federation being, in actions and public health services,
although the funding sources for rights related to health are not restricted to taxes, existing
contributions to the social welfare system. This study analyzed the right to health from the
perspective of cost and assessed the compliance with the duty of states and the union
inscribed in the constitution under the legal criterion of minimum expenditure during the
period of 2013 to 2015.
1 INTRODUÇÃO
de 1988, trouxe inúmeras inovações quanto aos direitos e garantias fundamentais individuais e
sociais (Título II), destacando uma ordem social (Título VIII), na qual explicitou tais direitos e
garantias dos cidadãos, dentre os quais o direito à saúde (art. 196 a 200).
tributação e o orçamento (Título VI), em que destacou importantes balizas sobre as finanças
públicas (Capítulo II), cuja ênfase coube aos orçamentos (art. 165 a 169). Nesse diapasão,
atividade fiscal do Estado. Esse corpo de normas é vital para que se conheça a dinâmica de
funcionamento da máquina pública, com receitas e despesas, que têm de estar ligadas aos
seus objetivos, toda sua ação deve ser voltada para a realização destes. Sendo a Constituição
um corpo jurídico harmônico, as normas nela contidas hão de se compor a fim de propiciar o
vista teleológico da ação estatal, o atingimento dos objetivos do Estado, como destacado; quer
dizer, os objetivos do Estado são qualificados quando têm em vista esses fundamentos. Assim,
para custear as ações e serviços que tenha de prestar ao cidadão diretamente, ou de fomentá-
los; ou seja, de satisfazer as necessidades públicas. Basicamente, o Estado obtém esses recursos
2
econômicas privadas, embora possa obtê-los pela gestão de seu próprio patrimônio (receita
exercício é ato de gestão. De igual forma, os fins e os procedimentos (meios) para realização
das despesas públicas são rigidamente estabelecidos ex lege, podendo-se constituir “crime de
Nesse sentido, pode-se afirmar que o Estado realiza seus objetivos por meio das
despesas púbicas, que têm, assim, caráter instrumental, com sói à sua atividade financeira. É
dizer: para concretização de seus objetivos o Estado deve obter e despender recursos, que, por
essa razão, qualificam-se como públicos, conforme a ordem jurídica. Essa condição é comum
concretizando direitos dos cidadãos e respeitando-lhes a dignidade; e por isso e para isso
necessita de recursos. Assim, chega-se à premissa básica do presente trabalho: os direitos têm
A abordagem dos direitos fundamentais sob esses prismas, até onde se pôde
que tangencie minimamente aspectos econômicos, para cotejar o direito à saúde conforme
3
previsto na Constituição Federal. Essa tangente se dará sem a profundidade que possam esperar
os mais exigentes, seja por razões metodológicas seja pelas limitações de conhecimentos do
Não obstante a assistência à saúde seja livre à iniciativa privada (CF, art. 199),
optou-se, por razões práticas e teoréticas, em analisar os dispêndios públicos com a receita de
impostos para satisfazer o chamado “direito à saúde”, tratado, como dito, pela Constituição
Federal nos art. 5º, 6º e 196 a 200. Com efeito, do ponto de vista da satisfação pelo Estado de
um Direito, apenas a prestação custeada, ainda que indiretamente, pelo Estado, é que será objeto
de análise, ou seja, apenas as despesas públicas com saúde. A propósito, após a edição da
dados de execução orçamentária e financeira das despesas com ações e serviços públicos de
saúde, com acesso público a um banco de dados mantido pelo Ministério da Saúde, que veio a
trabalho.
se a saúde em direito público subjetivo oponível ao Estado, que se apresenta como o garantidor
desse direito “mediante políticas sociais e econômicas”, como estabelece o art. 196 da Carta
Magna. Ainda a Constituição Federal, com a Emenda Constitucional n. 29/2000, definiu uma
aplicação mínima de parcela da receita tributária (de impostos) dos entes federados nessa área.
Sob o ponto de vista da ciência das finanças, ao tratar das necessidades públicas, com enfoque
econômico, sabe-se que as necessidades dos indivíduos são crescentes, enquanto os recursos
são finitos; o modo e a forma de distribuição e aplicação dos recursos públicos revelam a
formulação e execução das chamadas “políticas públicas” a fim de atender a tais necessidades
aquelas que serão providas pelo Estado, ainda que não exclusivamente (CF, art. 175), e cobertas
economia, à ética etc. e, por óbvio, ao próprio Direito, tanto do ponto de vista dogmático quanto
tradicional sobre as estruturas estanques dos entes federados, que requerem uma nova
abordagem sobre a cooperação de que trata o parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal.
De seu turno, também se tem como ponto de reflexão, a natureza, o alcance e o conteúdo do
instituto “serviços públicos” (de saúde), como expresso no art. 198 da Constituição Federal.
financeira dos Entes Federados, cabendo perquirir sobre a adequação da prestação dos serviços
de saúde (CF, art. 198) ou da assistência à saúde (CF, art. 199), regulamentada, fiscalizada ou
controlada (CF, art. 199) pelo Poder Público, ao conceito tradicional de serviço público (CF,
No campo da prestação direta por parte do Poder Público, não há como olvidar
grau de desenvolvimento nacional, uma vez que se tenha o direito à saúde como garantia
constitucional. Nessa linha, a dinâmica do Estado para satisfazer os direitos públicos subjetivos
de saúde merece ser estudada sob o enfoque da despesa pública, ou seja, sob a perspectiva de
5
que os direitos têm custo e de que esse custo é coberto pelos cidadãos, bem como em que
medida a intervenção do Estado na Economia, seja para obter os recursos de que necessita, seja
previsto na Constituição e nas leis, como medida de aferição do desenvolvimento dos estados
e do país, bem como investigar se o aumento da despesa pública no intento de satisfazer esses
direitos é eficiente. Noutras palavras, se apenas cumprir a norma jurídica é medida suficiente
ênfase nas constitucionais, que criam para o Estado o dever de gerar despesas para garantir os
direitos de prestação de ações e serviços públicos de saúde à população brasileira. Tem-se como
objetivos específicos:
federados;
do possível;
púbicas com ações e serviços públicos de saúde pela União, pelos Estados e pelo Distrito
Federal.
públicos de saúde sob os enfoques dogmático e, na medida do possível, zetético. Com relação
a realização das receitas e das despesas públicas, serão utilizados os dados divulgados pelos
Estados, Distrito Federal e União, nos anexos próprios dos seus Relatórios Resumidos da
Orçamento Público em Saúde, de que trata a Lei Complementar n. 141/2012, do sexto bimestre
2 O DIREITO À SAÚDE
2.1. Direito da saúde e Direito à saúde. 2.2. Evolução dos Direitos Sociais e do Direito à saúde
no Brasil. 2.3. O Direito à Saúde na Constituição de 1988. 2.4. O Sistema Único de Saúde.
textos legais, merecem ser respondidas analisando-as sob a sistemática da ciência do direito.
A saúde tem um conceito técnico, que pode ser expresso nos seguintes termos,
segundo foi utilizado na Conferência Internacional de Saúde de 1946, que criou a Organização
Mundial da Saúde (OMS): “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e
não apenas ausência de doença ou enfermidade” 1 . Esse conceito, porém, não é aceito
pacificamente, na atualidade, por utilizar uma separação positivista entre o físico, o mental e o
social2. Dadas as dificuldades em apresentar método objetivo para avaliar a “qualidade de vida”,
pessoais3. Daí, não ser necessariamente fácil se conceituar, com objetividade e precisão, saúde,
1
WORLD HEALTH ORAANIAATION. Basic documents. 48th ed. Including amendments adopted up to 31
December 2014. ISBN 978 92 4 165048 9. Disponível em http://apps.who.int/gb/bd/PDF/bd48/basic-documents-
48th-edition-en.pdf. Acesso em 06/01/2016. “Health is a state of complete physical, mental and social well-being
and not merely the absence of disease or infirmity.” Tradução livre.
2
SEARE, Marco; FERRAA, Flávio Carvalho. O conceito de saúde. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 31, n. 5, p.
538-542, out. 1997.
3
FLECK, Marcelo Pio de Almeida. O instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da
Saúde (WHOQOL-100): características e perspectivas. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 33-
38, Jan. 2000.
8
refletindo a conjuntura social, econômica, política e cultural e tido, quase sempre, como o
oposto de doença. O conceito utilizado pela OMS, porém, refletia um conteúdo ideológico, uma
do que o de saúde, para o qual ainda rendem discussões. Nesse contexto, o conceito de saúde
desenvolvido por Cristopher Boorse, que, desde a década de 1970, vem difundindo a teoria bio-
estatística da saúde (TBS), é mais sintético – embora não menos criticado: saúde é a ausência
de doença (patologia); existem graus de saúde. Esse conceito, com fundamentação e ancoragem
essencialmente descritivos e, como tal, isentos de valor.5 Nada obstante, no âmbito nacional, a
Lei Federal n. 12.842, de 10 de julho de 2013, que dispõe sobre o exercício da medicina, definiu
psicopatológicas”6.
alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a
ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor da saúde”7; esta declaração
4
SCLIAR, Moacyr. História do Conceito de Saúde. Physis, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 29-41, abr. 2007.
5
ALMEIDA FILHO, Naomar de; JUCA, Vládia. Saúde como ausência de doença: crítica à teoria funcionalista de
Christopher Boorse. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 4, p. 879-889, jan. 2002.
6
BRASIL. Lei Federal n. 12.842, de 10 de julho de 2013. Art. 4º, §1º. Diário Oficial da União, Ano CL, n. 132,
Brasília/DF, 11.7.2013, pág. 1.
7
WORLD HEALTH ORAANIAATION. Report of the International Conference on Primary Health Care
Alma-Ata, USSR, 6-12 Septeber 1978. WHO, Aeneva, 178. Disponível em http://www.searo.who.int/
entity/primary_health_care/documents/hfa_s_1.pdf. “(…) that the attainment of the highest possible level of health
is a most important world-wide social goal whose realization requires the action of many other social and economic
9
mais alto nível possível de saúde é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem
Culturais (PIDESC) 10 estatui em seu art. 12 que “os Estados Partes do presente Pacto
reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física
e mental”, cujo reforço como direito humano fundamental foi expresso na Conferência de
Alma-Ata citada. Como se vê, no plano internacional, a saúde é tratada como um direito
A palavra direito não tem uma definição ou conceito preciso, ainda hoje, gerando
muita dificuldade, mesmo para seus operadores mais hábeis e respeitados, para expressar, com
linguagem. A palavra direito tem muitas aplicações, tanto no uso científico, quanto técnico ou
mesmo popular – afinal, todas as pessoas têm uma noção ou ideia do que seja “direito” ao
empregá-la no cotidiano. Não é pretensão desta dissertação esgotar nem aprofundar essas
exposto e defendido por Bobbio12, a partir de Kant. De fato, destaca Bobbio que a relação
jurídica é aquela caracterizada pela forma e não pelo conteúdo, sendo que tal forma é a jurídica,
sendo, portanto, a relação jurídica a regulada por uma norma jurídica; enquanto não for, são
apenas relações de fato (econômicas, sociais, morais etc.). E a intersubjetividade marca essa
relação, uma vez que envolve (pelo menos) dois sujeitos: um que tem um direito e outro, um
dever correlato.13
elementos que estariam presentes em todo e qualquer tipo de interesse jurídico 16 , sendo
necessária a separação entre as relações puramente jurídicas das relações oriundas de fatos
12
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru:
EDIPRO, 2001.
13
Idem. Ibidem.
14
HOHFELD, W. N. Conceptos juridicos fundamentales. 3 ed. México D.F.: Fontamara, 1995.
15
HOHFELD, W. N. op. cit., pág. 86.
16
FERREIRA, Daniel Brantes. Wesley Newcomb Hohfeld e os conceitos fundamentais do Direito. Direito,
Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, n.31, p. 33 a 57, jul/dez 2007, pág. 35.
17
IDEM, ibidem, pág. 36.
18
GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos. Direitos não nascem em árvores. Lumem
Juris: Rio de Janeiro, 2005, pág. 137.
11
dever (duty), não-direito (no-right), sujeição (liability) e impotência (disability)19. Por sua vez,
são posição inativas 20 : não-direito, dever, impotência e sujeição. Para o sentido que se
subjetivo”, importa destacar os conceitos de “pretensão” e de “dever”, nos termos postos por
(a) dever (duty): uma pessoa possui um dever quando está adstrita
a um determinado comportamento, logo, dever deve ser
entendido como a adstrição à prática de um determinado
comportamento”.21
passivas e inativas:
19
AALDINO, Flávio. op. cit., pág. 137-139. ROBERT ALEXY, segundo a tradução de VIRAÍLIO AFONSO DA
SILVA da sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, assim destaca, empregando termos ligeiramente diferentes:
“Nesse esquema lógico, segundo Hohfeld, existem oito ‘relações jurídicas estritamente fundamentais (...) sui
generis" (strictly fundamental legal relations . . . sui generis). Ele as designa com as expressões ‘direito’ (right),
‘dever’ (duty), ‘não-direito’ (no-right), ‘privilégio’ (privilege), ‘poder’ (power), ‘sujeição’ (liability), ‘incapacidade’
(disability) e ‘imunidade’ (immunity). Os quatro primeiros dizem respeito ao âmbito dos direitos a algo; os quatro
últimos, ao das competências” (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. 4ª tir. São Paulo:
Malheiros Editores, 2015. Tradução de Virgílio Afonso da Silva, pág. 210).
20
Flávio Galdino destaca que a “a expressão ‘inativa’ não consta dos textos consultados, mas parece-nos ser, s.m.j.,
a que melhor designa o oposto de oposição ativa, referindo qem não seja titular do direito em questão” (op. cit.,
nota 45).
21
GALDINO, Flávio. op. cit., pág. 137-138. Negritos no original.
12
Nesse sentido, direito subjetivo corresponde a uma situação jurídica ativa, como
destacado acima, sendo que a “pretensão” refere ao que se considera o núcleo do direito
subjetivo, qual seja o “poder de exigir de outrem um determinado comportamento”23; daí poder-
se aplicar esse conceito aos direitos fundamentais – de que se tratará adiante. Porém, há de se
tomar a polêmica proposição de, tratando-se de direitos prestacionais, considerar os custos dos
o objeto exigível, realizável, concreto, que se constitua um objeto de um dever de outrem. Então
que a saúde seja um conteúdo capaz de ser objeto de uma prestação25. Noutras palavras, a saúde
22
GALDINO, Flávio. op. cit., pág. 139-140. Negritos no original.
23
GALDINO, Flávio. op. cit.. pág. 140.
24
GLADINO, Flávio. op. cit., pág. 235.
25
MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Introdução aos Direitos Plurifuncionais. Os direitos, suas funções,
o desenvolvimento, a eficiência e as políticas públicas. Lisboa, 2015 (mimeo).
13
o Estado nos polos subjetivos, cujo objeto imediato é uma prestação, que tem, por sua vez, a
saúde como objeto mediato. Assim, ainda apoiado em Bobbio26, pode-se falar em “direito que
se tem” e “direito que não se tem e se busca”, sob o ponto de vista do conteúdo da relação
jurídica; embora não se possa demandar “saúde” do Estado, pode-se demandar “ações e serviços
de saúde” como aponta a Constituição Federal. Sendo a saúde um “estado de bem-estar (…) e
não apenas ausência de doença ou enfermidade”, não seria próprio de uma relação jurídica, mas
sim as ações e serviços que levem a esse “estado de coisas” a ser promovido27.
Parece ter sido essa a estrutura normativa adotada pelo art. 196 da Constituição
de 1988, embora não necessariamente seja essa a percepção do Poder Judiciário, quando se
perquire em que consiste o direito à (prestação de serviços de) saúde. Vale dizer: embora para
a Constituição Federal a “saúde” signifique mais do que cuidados, a maior parte das pretensões
demandas no Judiciário visam a obtenção de tratamento (objeto imediato), como se verá adiante.
exposto – seja quanto ao conceito de saúde, seja quanto ao ordenamento jurídico –, talvez não
se possa afirmar que exista um direito à saúde, mas um direito da saúde, isto é, um conjunto de
normas positivas que dispõem sobre a proteção e promoção da saúde por parte do Estado, uma
vez que não seja a saúde um conteúdo de direito. Ratificando, o direito pode ser entendido como
relação jurídica, posto que seja tratado por normas jurídicas, que exprimem um dever
26
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 13ª tir. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
27
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15 ed. Malheiros:
São Paulo, 2014.
14
Público, a fim de promover o seu mais elevado grau de satisfação, entendendo que saúde não
se confunde com ausência de doença. Nesse sentido, não se pode aceitar que o chamado direito
à saúde seja confundido com um impossível “direito a ser saudável”28, posto que não seja algo
a respeito do “direito à saúde”, que não descuidam da necessidade de recursos para sua
Sociais e Culturais (PIDESC, art. 2º.1)30, que também assentou o direito de todos “ao mais
elevado nível possível de saúde física e mental” (art. 12). A conjugação desses elementos
(“máximo recursos disponíveis” e “mais elevado nível possível de saúde”) orientam toda a
formulação de políticas e recomendações para satisfação do direito à saúde dada sua natureza
complexa com múltiplas dimensões, conforme destacado pela Constituição da OMS. Por um
lado, o direito à saúde contém a liberdade de tomar decisões sobre a própria saúde; por outro
lado, o direito à saúde também abrange o direito a um sistema de proteção de saúde. Assim, a
dimensão global, enquanto a garantia real aos direitos individuais representa outra dimensão
igualmente importante31.
28
COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIAHTS (CESCR), General Comment No. 14
on the right to the highest attainable standard of health, 11 August 2000, UN Doc. E/C.12/2000/4. Disponível em
http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=E/C.12/2000/4, acesso em 24 de janeiro de 2016.
29
MENDONÇA, Fabiano André de Souza. op. cit., pág. 90.
30
Art. 2º. “1. Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio
como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo
de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno
exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas”.
Arifamos.
31
RIEDEL, Eibe. “The Human Right to Health: Conceptual Foundations”. In: Clapham, Andrew; Robinson, Mary.
Realizing the right to health. Aurich: Swiss Human Rights Books, 2009, p. 21-39. Disponível em
15
relação de dependência do direito à saúde com os demais direitos humanos e que esse direito
compreende tanto uma liberdade quanto um direito propriamente dito, isto é, conjuga aspectos
deste para com aquele33. Nesse sentido, o direito à saúde em todas as suas formas e em todos
Federal de 1988 e à Lei do SUS – Sistema Único de Saúde35, conforme se referirá adiante.
36
O texto oficial em inglês usa “affordability”, que significa “reasonably priced”, “preço razoável”; o texto oficial
em espanhol utiliza “asequibilidad”, também no mesmo sentido de algo “que puede comprarse o pagarse”. Então
empregou-se, livremente, a expressão “modicidade” para expressar a mesma ideia.
17
respeito das obrigações dos Estados Partes, destacando, dogmaticamente, sobre um dever
no art. 2.1 do Pacto, e que sejam coerentes com uma política pública eficiente, de âmbito
papel do Estado quanto à definição, reconhecimento, conteúdo e concretização dos direitos dos
cidadãos têm implicações recíprocas: na medida em que um se altera, altera-se o outro. Assim,
após a Revolução Francesa de 1789, se tornou cada vez mais difundido e aceito que Estado
seria o Estado de Direito de cunho liberal (econômico e político), cujo ápice se deu no século
XIX, e que foi gradativamente assumindo outros e novos papéis e obrigações (deveres) e, nessa
toada, passou a ser chamado, já no século XX conforme o grau de resposta aos cidadãos, de
Estado Social38, Estado de Bem-Estar Social, Estado Providência39 etc. até o (atual) Estado
partir do Direito Constitucional e do Direito Civil 42. Essa gama de direitos “novos”, quase
contraposição semântica aos chamados direitos individuais. Para usar o slogan da Revolução
37
Segundo Paulo Bonavides “Como formas de Estado, temos a unidade ou pluralidade dos ordenamentos estatais,
a saber, a forma plural e a forma singular; a sociedade de Estados (o Estado Federal, a Confederação, etc.) e o
Estado simples ou Estado unitário”. (Ciência Política. 10ª ed. 9ª tir. Malheiros: São Paulo, 2000).
38
BONAVIDES. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8 ed. Malheiros: São Paulo, 2007.
39
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28 ed. Atlas: São Paulo, 2015, pág. 53.
40
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. Malheiros: São Paulo, 2014.
41
BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. O Estado Democrático de Direito Pós-Providência Brasileiro em busca da
eficiência pública e de uma administração pública mais democrática. Revista Brasileira de Estudos Políticos. n.
98, jul-dez/1998, pág. 119-158.
42
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo 4 ed. 3 tir. Saraiva: São Paulo, 2014.
22
Francesa, no plano histórico o alargamento do campo dos direitos passou dos direitos de
não sem crítica, a tese das “gerações” de direitos, correspectivos às palavras do slogan
revolucionário francês. “Aerações” que a Doutrina peleja atualmente substituir por “dimensões”
- embora permaneça, em certo sentido, fútil essa discussão terminológica para afirmar, de todo
modo, que os direitos foram ampliando seu alcance semântico e material, conforme mais
resposta tenha, se exija do e possa dar o Estado – tanto de conteúdo quanto de forma. Também
se projeta apontar a plurifuncionalidade dos direitos, como tentativa teorética de superação não
somente das terminologias, mas para focalizar no papel do Estado43 sob o ponto de vista da
resposta.
individuais dos sociais – ainda que exista outras classes, tais como os coletivos, os difusos, os
transindividuais etc. Não olvidando dessas classificações, para os fins deste trabalho interessa
apenas a questão da concretização dos direitos pelo Estado, embora se dedique algumas
considerado per si, como titular de direito material e de correspondente direito de ação para
demandar sua efetivação perante o Estado, seja contra outro cidadão seja contra o próprio
Estado. São, para utilizar a terminologia ainda em voga, os direitos de “primeira geração”, os
“direitos de liberdade”. De outro ângulo, os direitos sociais têm sede na “segunda geração”, isto
superação – eis um dos elementos de rejeição da expressão – dos direitos “pré-existentes”, isto
é, daqueles que já eram reconhecidos positivamente pelo Estado e exercidos pelos cidadãos.
43
Vide MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Introdução aos Direitos Plurifuncionais. Os direitos, suas
funções, o desenvolvimento, a eficiência e as políticas públicas. Lisboa, 2015 (mimeo).
44
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros: São Paulo, 2004.
23
integrando-se a essa ordem de ideias, seja pela influência francesa na Corte durante o Segundo
Império seja pela adesão da República ao modelo americano, embora fortemente influenciado
pelos Direitos Francês, Alemão e Italiano45, que informaram as bases do Direito Constitucional
e Administrativo brasileiro.
alargando o papel do Estado no tratamento dos chamados “direitos sociais”. Talvez uma
primeira demonstração positiva e material na área da saúde tenha sido representada pela Lei
Federal n. 1.261, de 31 de outubro de 190446, apesar de ter concorrido para a chamada “Revolta
da Vacina” 47 , embora desde 1846 tenha se instituído a vacinação contra bexiga (varíola) 48 .
Também a subscrição do Brasil ao Código Pan-Americano de Saúde, em 1924, que marcou sua
O que fica evidente, de todo modo, é que a expansão do papel do Estado não se
deu abruptamente ou por revoluções, mas foi um processo paulatino, embora marcos históricos
45
Vide DI PIETRO, Maria Sylvia Aanella. Direito Administrativo. 28 ed. Atlas: São Paulo, 2015, pág. 29.
46
“Torna obrigatorias, em toda a Republica, a vaccinação e a revaccinação contra a variola.” Disponível em
http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=61058&tipoDocumento=LEI &tipoTexto=PUB
47
RIO DE JANEIRO (CIDADE). Secretaria Especial de Comunicação Social. 1904 - Revolta da Vacina. A maior
batalha do Rio. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – A Secretaria, 2006. 120 p.: il.– (Cadernos da Comunicação.
Série Memória) ISSN 1676-5508
48
Decreto nº 464, de 17 de agosto de 1846, que “manda executar o regulamento do instituto vaccinico do Império”,
que estabelecera: “Art. 29. Todas as pessoas residentes no Império serão obrigadas a vaccinar-se, qualquer que
seja a sua idade, sexo, estado, e condição. Exceptuão-se somente os que mostrarem ter tido Vaccina regular, ou
bexigas verdadeiras”. Porém, em 4 de abril de 1811, o Príncipe Regente baixara um Decreto (n. 28) com a seguinte
ementa: “marca a gratificação das pessoas empregadas na propagação de vaccina nesta corte”. Esse Decreto
invocou por fundamento que houvera o Príncipe “mandado organisar nesta Corte, debaixo das vistas do Intendente
Aeral da Polícia da Côrte e Estado do Brazil e do Physico-Mór do Reino, um estabelecimento permanente, para
que com mais extensão e regularidade se propague e se conserve, em beneficio dos povos, o reconhecido
preservativo da vaccina”. Insta destacar que a vacina contra a varíola fora descoberta por Jenner em 1796, quinze
anos antes, portanto, de já no Brasil se objetivar vacinar a população. Aliás, o nome vacina decorre do método de
imunização contra a varíola, que utilizava o vírus Vaccinia, que infectava vacas (vacca, em latim).
49
PAN AMERICAN HEALTH ORAANIAATION. Basic Documents of the Pan American Health Organization
Washington, D.C.: PAHO, 2012 (PAHO Official Document Nº. 341). ISBN: 978-92-75-17341-1
24
primazia do Direito Constitucional, certamente, foram decisivos para que se formasse um novo
Império do Brazil”, de 25 de março de 1824, trouxe uma única referência à saúde, dispondo:
commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos
Como se vê, a referência foi lacônica e tímida, no bojo de uma vedação genérica
às atividades econômicas. Era um momento do ápice das ideias liberais, então o Estado não
deveria intervir nas liberdades individuais, senão excepcionalmente – como demonstra o caso;
o uso da expressão “inviolabilidade dos direitos civis” que tem por base “a liberdade, a
segurança individual, e a propriedade”, além de que nenhuma atividade econômica pudesse ser
fevereiro de 1891, não empregou nenhuma vez a palavra “saúde”, que somente voltaria a ser
citada 43 anos depois, com a promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos
do Brasil, de 16 de julho de 1934, dispondo (art. 19) competir concorrentemente à União e aos
bem-estar social e econômico”. No plano histórico, entre essas duas Constituições, podemos
destacar os seguintes marcos e fatos: Encíclica Rerum Novarum, do papa Leão XIII (1891); a
(1924), o crash da Bolsa de New York (1929) e início do New Deal, do presidente americano
Franklin Roosevelt (1933-1937). Esses eventos foram expressões da superação das ideias
liberais clássicas, que impuseram ao Estado e ao Direito uma repaginação, a fim de promover
intervenção nas searas econômicas e sociais; também representaram, por outro lado, uma
adaptação do capitalismo a esses eventos, que não se mostrou de todo fechado para ideias
“socialistas”, mesmo que fabianas50, dando azo ao surgimento da “terceira via” 51 anos depois,
como Novo Trabalhismo inglês, marcado pela ascensão de Tony Blair ao Aabinete Britânico
“socialismo” e “liberalismo”, tendo em vista pretender a “ajudar os cidadãos a abrir seu próprio
transformações na vida pessoal e nosso relacionamento com a natureza”, porém adotando por
“moto primordial para a nova política, não há direito sem responsabilidades”52. Os valore da
“terceira via” são: igualdade, proteção aos vulneráveis, liberdade como autonomia, não há
conservadorismo filosófico.53
50
A expressão vem de homenagem a “Quintus Fabius Maximus, político, ditador e general da República Romana
(275-203 a.C.) que conseguiu derrotar Aníbal na Segunda Guerra Púnica adotando a estratégia de não fazer
confrontos diretos e em larga escala (nos quais os romanos haviam sido derrotados contra Aníbal), mas sim de
incorrer apenas em pequenas e graduais ações, as quais ele sabia que podia vencer, não importa o tanto que ele
tivesse de esperar”. As ideias fabianas consistiam em chegar ao socialismo de modo gradual, segundo o programa
da Sociedade Fabiana, criada em 1895, em Londres; esse programa teve o epíteto de “social-democracia”, embora,
atualmente, esse termo não signifique, necessariamente, adoção de teses socialisas. Vide “O que é o socialismo
fabiano - e por que ele importa”, disponível em http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2331, acesso em
07/08/2016.
51
Vide GIDDENS, Anthony. A Terceira Via. Col. Pensamento Social-Democrata. Instituto Teotônio Vilela:
Brasília, 1999. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges.
52
GIDDENS, Anthony. op. cit., pág. 74 e 75.
53
GIDDENS, Anthony. op. cit., pág. 76.
26
outorgada (decretada) pelo ditador Aetúlio Vargas, sob inspiração fascista, veio a tratar da saúde
apontando para uma dupla finalidade: normatização e prestação de serviços, nos seguintes
termos:
Brasil também foi lacônica ao dispor sobre a saúde, conferindo competência à União para
“organizar defesa permanente contra os efeitos (...) das endemias rurais” (art. 5º, XIII) e legislar
dispondo sobre “normas gerais (…) de defesa e proteção da saúde” (art. 5º, XV, b), redação
mantida na Constituição da República Federativa do Brasil (art. 8º, XVII, c), promulgada a 24
reescreveu a Constituição de 1967, mas manteve o mesmo tratamento dado pela Carta original.
programas de saúde, 6,0% (seis por cento) do valor que recebessem do Fundo de Participação
saúde, como de resto dos demais direitos sociais, ou seja, não foi dado status a esse tema, ainda
lograsse apontar para o cuidado com a saúde pública, embora o nível de assistência não fosse
“normas Aerais sôbre Defesa e Proteção da Saúde”, e da Lei Federal n. 6.229, de 17 de julho
de 1975, que dispunha “sobre a organização do Sistema Nacional de Saúde” - ambas revogadas
pela Lei Federal n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, que, na forma da Constituição de 1988,
DIREITO À SAÚDE.
comparação com as demais Cartas Políticas brasileiras. Para as finalidades deste trabalho,
importa apenas delinear a teoria dos direitos fundamentais, a fim de posicionar os direitos
sociais, especialmente o direito à saúde, especialmente quanto aos seus limites e restrições.
direitos fundamentais tiveram um alcance cada vez maior, irradiando-se tanto vertical quanto
horizontalmente, isto é, para perpassar todo o ordenamento jurídico, bem como para alcançar
as relações privadas. Nesse sentido, a expressão “gerações” de direitos recebe inúmeras críticas,
embora seu uso didático mais sirva para demonstrar os passos evolutivos na doutrina do que
fundamentais levam à consideração de que, à medida em que “evoluíam”, não havia superação
nem abandono daquilo que já houvera sido alcançado. Daí preferir-se o termo “dimensão” como
54
MIRANDA, Jorge. Os Direitos Fundamentais na Ordem Constitucional Portuguesa. Revista Española de
Derecho Constitucional, Madrid, Año 6, Núm. 18 pág. 107-138. Septiembre-Diciembre 1986.
55
MIRANDA, Jorge. op. cit., pág. 108.
56
Vide MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Introdução aos Direitos Plurifuncionais. Os direitos, suas
funções, o desenvolvimento, a eficiência e as políticas públicas. Lisboa, 2015 (mimeo).
29
constitucional, tal como se entende na atualidade. De fato, não são apenas direitos que se opõem
ao Estado, no sentido de uma abstenção – como marcou a época do “estado liberal” – como
também expressam uma pretensão exigível do Estado, isto é, como um direito (subjetivo)
prestacional, no sentido de exigir um fazer ou um dar do Estado, e não somente uma abstenção
respeitante à liberdade.
portanto, não são suficientes; necessitam-se de outros direitos (“segunda e terceira geração”),
que se traduzem nas prestações relativas aos direitos econômicos, sociais e culturais 58, que
tendo um caráter prestacional e não somente de abstenção, demandam recursos públicos para
quadra atual, também merece destaque o conceito de “liberdade substantiva”, que permite ao
que servem de instrumentos para que o indivíduo aumente a sua liberdade substantiva total; são
57
Vide Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992 (DOU 07/07/1992, Seção 1, pág. 8716-8720), que promulgou o
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
58
Vide Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992 (DOU, 7/7/1992, Seção 1, pág. 8713-8716).
59
SILVA, Virgílio Afonso da. A evolução dos direitos fundamentais. Revista Latino-Americana de Estudos
Constitucionais. Belo Horizonte, n. 6, jul-dez./2005, pág. 541-558. Sobre os conceitos de liberdade negativa e
positiva, consultar BERLIN, Isaiah. Quatro conceitos sobre a liberdade. Col. Pensamento Político. Editora UnB:
Brasília, 1981.
60
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia de Bolso, 2010.
30
positivas a que o Estado deve garantir aos cidadãos, embora a recíproca não seja
necessariamente verdadeira, isto é, nem toda exigência de prestações por parte do Estado é
segundo essa doutrina, sendo que as prestações em sentido estrito substanciarão o direito
61
SILVA, Virgílio Afonso. A evolução dos direitos fundamentais (...). cit. pág. 548.
62
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. 4ª tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2015.
Tradução de Virgílio Afonso da Silva, pág. 442.
63
Idem, ibidem, pág. 499.
31
a satisfação desses direitos demanda recursos financeiros do Estado em maior proporção do que
Estado obter e despender os recursos da sociedade, afinal, direitos têm custos. Nesse diapasão,
convém destacar a proposição segundo a qual o custo do direito há de ser compreendido em sua
Também não se pode desconsiderar, por outro lado, que há de haver um “limite
suficiente; vale dizer: o Estado encontra-se limitado na tarefa de estabelecer limites. Esses
Pública.67
proteção dos direitos fundamentais que exigem resposta (intervenção) do Estado ganham relevo.
De fato, o suporte fático de um direito é composto pelo âmbito de proteção e pela intervenção
64
GALDINO, Flávio. op. cit., pág. 235.
65
HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass R. The Cost of Rights. Why liberty depends on taxes. New York: W. W.
Norton, 1999.
66
MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica
constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
67
SAMPAIO, Marcos. O conteúdo essencial dos direitos sociais. São Paulo: Saraiva, 2013.
68
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais. Conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 3ª tir. São
Paulo: Malheiros, 2014, pág. 73.
32
Para o tema em voga, importa destacar que a saúde é direito fundamental social,
expresso na fórmula “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (CF, art. 196). Conforme
acentuado, é um direito prestacional para cuja satisfação hão de concorrer recursos públicos; e,
como tal, no caso concreto, o suporte fático precisa ser conveniente e exaustivamente avaliado
Podem ser hauridos do texto constitucional vários princípios e regras, especialmente do art. 196,
198 e 199 da Carta. A primeira menção que faz a Constituição de 1988 à saúde, é no art. 6º;
antes, porém, indica a inviolabilidade do direito à vida no caput do art. 5º, que, por suposto,
engloba a saúde - pela óbvia razão de não se restringir o direito à vida ao direito de não ser
assassinado, por exemplo. Contudo, importa destacar que a saúde das pessoas é determinada
por uma série de fatores sociais, econômicos, ambientais e biológicos inter-relacionados, e não
69
A formulação lógica de suporte fático e consequência jurídica é exposta minudentemente por Virgílio Afonso
da Silva na obra Direitos Fundamentais (op. cit.), apoiado na formulação de Alexy e Borowski. Quando afirmamos
acima que “a intervenção estatal é positiva, no sentido de realização do direito em questão”, no plano lógico
exposto por Virgílio Afonso é outra, ou seja, de acordo com a formulação, a intervenção estatal seria o evitável,
uma vez que se adapta daquela fixada para os direitos de defesa; assim, para ser fiel ao autor, teríamos: “Também
o conceito de intervenção estatal precisa ser invertido. No caso da dimensão negativa das liberdades públicas,
intervir significava agir de forma restritiva ou reguladora no âmbito de proteção de uma liberdade. Aqui, na esfera
dos direitos sociais, é justamente o contrário: intervir, nesse sentido, é não agir ou agir de forma insuficiente”
(pág. 77). Assim, ter-se-ia a consequência jurídica, qual seja o dever de realizar o direito (pág. 78). Sugere-se
consultar a obra original para apreender todas as nuances do conceito e da fórmula lógica e da necessidade da
fundamentação constitucional da intervenção estatal.
70
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais (...), pág. 94.
71
FERRAA, Octávio Luiz Motta e VIEIRA, Fabiola Sulpino. Direito à Saúde, Recursos Escassos e Equidade: Os
Riscos da Interpretação Judicial Dominante. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 52, no
1, 2009, pp. 223 a 251.
33
A Constituição Federal trata do direito à saúde, com maior ênfase, nos art. 6º e
196 a 200, dos quais podem ser extraídas normas de ambas as espécies: princípios e regras.
Embora se tenha presente a advertência metodológica de que, justamente porque as normas são
construídas pelo intérprete a partir dos textos normativos, não se possa chegar à conclusão
peremptória de que este ou aquele dispositivo contém unicamente uma regra ou um princípio72,
Seguindo a tese de Humberto Ávila no seu livro “Teoria dos Princípios”, aceita-
se a formulação de que as regras são normas imediatamente descritivas e que exigem avaliação
são normas imediatamente finalísticas, que estabelecem um fim a ser atingido 74. Os critérios
relativos à distinção entre princípios e regras, isto é, quanto à natureza da descrição normativa,
trabalho, em vista dos fins a que se propõe a presente pesquisa, embora se depreendam dos
tratam de direitos fundamentais, como sói ao direito à saúde – nem se desconhece da crítica que
O art. 6º, encabeçando o capítulo dos Direitos Sociais (II) do Título “Dos
72
ÁVILA, Humberto. op. cit., pág. 54.
73
Idem, ibidem, pág. 105.
74
Idem, ibidem, pág. 102.
75
Outro conceito que se trata no âmbito da colisão ou de restrição de direitos fundamentais é o de derrotabilidade,
próximo ao de ponderação. Ver a esse respeito: SOUZA, Rodrigo Telles. A distinção entre regras e princípios e a
derrotabilidade das normas de direitos fundamentais. Boletim Científico ESMPU, Brasília, ano 10, n. 34, p. 11-
35, jan./jun. 2011, donde se extrai: “A derrotabilidade de normas de direitos fundamentais relaciona-se
estreitamente com a colisão ou a restrição de tais direitos. Por isso, a superação de normas de direitos fundamentais
deve ser racionalmente informada pelo princípio da proporcionalidade e seus elementos constitutivos: adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito”. Também: FIGUEROA, Alfonso García. La incidencia de la
derrotabilidad de los princípios iusfundamentales sobre el concepto de Derecho. Diritto & Questioni pubbliche,
n. 3, pág. 197-227, 2003. Em sentido contrário, que somente as regras são derrotáveis, ver BÄCKER, Carsten.
Regras, princípios e derrotabilidade. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 102, pág. 55-
82, jan./jun. 2011.
76
SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais (...), pág. 56s.
34
mínimos existenciais a serem satisfeitos ou garantidos pelo Estado, convolando-os, desta forma,
em direito subjetivo (prestação), assumindo-se que direitos fundamentais sociais são direitos
Ao estatuir, no art. 6º, que é a saúde um direito social “na forma da Constituição”,
urge lembrar que, embora disposta no §2º do art. 5º a fórmula “os direitos e garantias expressos
nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, trata este
direito social, inequivocamente, de uma garantia fundamental, seja pelo espírito da Carta de
1988, seja pela posição (locus semântico) constitucional do dispositivo, isto é, contido no título
“passos para investigação dos princípios”, podemos destacar que os dispositivos constitucionais
“estado ideal de coisas”, qual seja a prestação de ações e serviços públicos de saúde, conforme
se extrai da análise conjugada dos arts. 6º, 196 e 198 da Carta Magna, ou seja, de um mandato
de otimização. Não se descura, de todo modo, as críticas80 que essa definição sobre os princípios
recebe de parte da doutrina, especialmente das reflexões mais atualizadas do próprio Alexy, ao
77
MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: RT, 2008.
78
MACHADO, Clara Cardoso. Direitos fundamentais sociais, políticas públicas e controle jurisdicional do
orçamento. Dissertação de Mestrado. UFBA, 2010 (mimeo).
79
Op. cit., pág. 102.
80
POSCHER, Ralf, “Teoria de um Fantasma – A Malsucedida busca da Teoria dos Princípios pelo seu Objeto”,
in CAMPOS, Ricardo (org.), Crítica da Ponderação, Método constitucional entre a dogmática jurídica e a
teoria social – Ensaios traduzidos. São Paulo: Saraiva, 2016, pp. 63-96.
35
pontuar o “dever-ser ideal” para se referir aos comandos normativos81, que remetem à conclusão
de que os “mandados de otimização” são um tipo especial de regra, que incorporam ao mesmo
tempo um princípio82.
De fato, não há a fixação de nenhum dever imediato a ser executado pelo Poder
Público, senão a indicação que o mesmo deverá adotar uma conduta necessária para atingir o
“estado ideal” de assistência sanitária aos indivíduos residentes no país (art. 5º, caput). Por
outro lado, ao estabelecer a existência de um direito à saúde, indica que para efetivar
(concretizar) esse direito (estado ideal de coisas), deve o Estado promover uma série de ações
cujos efeitos concorram para atingir a “meta” constitucional: assistência à vida e promoção da
saúde.
Por sua vez, a promoção do estado ideal de coisas no âmbito da saúde, significa
a realização de prestações materiais, por meio das políticas públicas que garantam o direito à
vida com saúde; como destacado, por imperativo lógico e ético, direito à vida não significa
hospitais e demais equipamentos, com recursos materiais e humanos suficientes, que se prestem
a cuidar da saúde das pessoas, indistintamente, é instrumento a ser utilizado para atingimento
desse fim estatal, qual seja, a saúde, que vem a ser o objetivo; nisso se ligam os dispositivos
que expressam a dignidade humana (art. 1º, III), a promoção do bem de todos (art. 3º, IV), o
direito à vida (art. 5º), a eficiência da administração pública (art. 37), dentre outros.
Supremo Tribunal Federal, especialmente durante e após a audiência pública havida em 2009 a
que as discussões que envolvem o direito à saúde representam um dos “principais desafios à
81
ALEXY, Robert. Teoria discursiva do direito. Organização, tradução e estudo introdutório Alexandre
Travessoni Gomes Trivisonno. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014.
82
POSCHER, op cit. pág. 71.
36
eficácia jurídica dos direitos fundamentais” 83 . Além dos valores “vida” e “saúde”, também
federação 84 no dever de assistência à saúde, com as prestações materiais que lhes sejam
e 196, que se enquadram, sob essa perspectiva, em princípio jurídico de proteção à saúde
De outro lado, porém, os comandos estatuídos nos art. 197 e 198, em que pesem
sua generalidade e que se possa ver um detalhamento do plano de ação estatal a fim de garantir
o que se afirmou ser um direito social e uma garantia fundamental (a saúde pública e individual),
sua análise aproxima-se aos conceitos de regra e de postulado apontado por Humberto Ávila.
De fato, esses comandos indicam o modo concreto de agir do estado, enunciando valores - que
não se confundem com os princípios -, porém úteis na avaliação e resolução de casos concretos,
determinados atos”85, tendo em vista que descrevem um dever imediato do Estado de formular
leis para dispor sobre “regulamentação, fiscalização e controle” das “ações e serviços de saúde”,
83
Abertura da Audiência Pública n. 4, proferido em 27/4/2009, promovida pelo STF. Disponível em www.stf.
jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Abertura_da_Audiencia_Publica__MAM.pdf
84
STF, Repercussão Aeral no Recurso Extraordinário 855178/PE, DJe-50 13/03/2015 (Public. 16/03/2015).
Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 792376/RN, DJe-113 12/06/2015 (Public. 15/06/2015).
85
ÁVILA, Humberto. op. cit., pág. 104.
37
que foram positivados na Lei Federal n. 8.080, de 19 de setembro de 1990 – tendo em vista que
Nessa linha de raciocínio, convém destacar o escólio de Konrad Hesse 87, que
assim já se manifestara sobre os direitos sociais, embora com foco na realidade jurídico-política
da Alemanha:
86
NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Malheiros, 2008. pág. 94.
87
HESSE, Konrad. Significado dos direitos fundamentais. In: Temas Fundamentais de Direito Constitucional.
Textos selecionados e traduzidos por Carlos dos Santos Almeida, Ailmar Ferreira Mendes e Inocêncio Mártires
Coelho. São Paulo: Saraiva/IDP, 2009, pág. 40. (E-book).
38
que foi exposto acima, tratar-se de dar cumprimento ao comando constitucional (superior), de
forma mediata (pela lei), de modo a que haja correspondência entre o “querer” constitucional e
o Sistema de Saúde regulador (construído), a fim de cobrir todas as hipóteses que possam ser
apontam para o modo de funcionamento deste sistema, a partir dessas premissas. Assim, o
formulado por Humberto Ávila, temos que, os dispositivos dos art. 197 e 198 descrevem objetos
serviços públicos de saúde, que serão executados diretamente pelo Poder Público ou por
terceiros (pessoas físicas ou jurídicas), que integram uma rede regionalizada e hierarquizada, a
normas a partir do texto constitucional, é possível concluir que as proposições jurídicas dos
textos dos art. 6º e 196 da Constituição Federal permitem extrair princípios, segundo a
jurídicas dos textos dos art. 197 e 198 permitem extrair regras, uma vez que revelam comandos
preenchimento dos conteúdos das ações e serviços públicos de saúde, que serão executados
diretamente pelo Poder Público ou por terceiros (pessoas físicas ou jurídicas), que integram
encartados, precipuamente, em seu art. 6º, constituem, de igual modo, um conjunto de garantias
constitucionais, especialmente quanto à vedação ao retrocesso social, isto é, que medidas, sejam
administrativa, sejam legislativas, não permitam “voltar atrás no que diz com a implementação
dos direitos fundamentais sociais, assim como dos objetivos estabelecidos pelo Constituinte (...)
ainda que não o faça com efeitos retroativos e que não esteja em causa uma alteração do texto
88
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: dignidade da pessoa humana,
direitos fundamentais e proibição do retrocesso social nos direitos constitucional brasileiro. Revista Eletrônica
sobre a Reforma do Estado (RERE), março, abril, maio de 2010. Disponível em: www.direitodoestado.com
/revista/RERE-21-MARCO-2010-INAO-SARLET.pdf. Acesso em: 12 jan. 2016.
40
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação”. Se percebe desse dispositivo, que o dever do Estado se
expressa mediante prestações (positivas) úteis aos cidadãos, e que, de certo modo, acolhe o
garantias, senão que também estabelece, pode-se dizer, um subsistema da saúde, com princípios
fundos de saúde e do controle social, como estabelecido no art. 197 e 198 da Constituição
Federal e nos ADCT. De fato, as garantias institucionais podem ser compreendidas como “uma
garantia que disciplina e tutela o exercício dos direitos fundamentais, ao mesmo passo que rege,
Por outro lado, a Carta de 1988 fixa a competência comum de todos os Entes da
Federação para determinados temas ou aspectos da vida em sociedade, isto é, matérias. Marca
dos Estados Federais, a distribuição de competência é dada pela Constituição entre os Entes
integrantes do Estado Federal, atribuindo a cada um matérias que lhes serão próprias, no plano
89
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. Malheiros: São Paulo, 2004.
90
SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário ao artigo 197. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.;
SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/Almedina, 2013.
91
BONAVIDES, Paulo. Op. cit., pág. 537. CANOTILHO, J. J. Aomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 7 ed. Almedina: Coimbra, 2003, pág. 338: “os direitos sociais e económicos (ex.: direito dos
trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam
a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo”.
41
horizontal, e atribuindo à União os temas e princípios gerais, cabendo aos Estados e, quiçá, aos
próprias configuram as competências de cada qual93, podendo ser entendidas como “as diversas
modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas
funções”94. Essa competência diz-se comum quando a matéria dada pela Constituição Federal
é atribuída igualmente à União, aos Estados e Distrito Federal e aos Municípios; trata-se de
legislativa, que, em caso semelhante, dir-se-á concorrente, cabendo à União a edição de normas
sobreleva cuidar da saúde e assistência pública (inciso II), enquanto é competência legislativa
concorrente da União, do Distrito Federal e dos Estados de legislar sobre proteção e defesa da
saúde (art. 24, XII); competência administrativa dos Municípios de prestar, com a cooperação
30, VII). Estabelece causas de intervenção da União dos Estados ou no Distrito Federal (art. 34,
VII, “e”), e daqueles em seus Municípios (art. 35, III), no caso de não aplicação de um
diferenciados para a concessão de aposentadoria para os servidores públicos (art. 40, §4º, III) e
92
MENDES, Ailmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires, e BRANCO, Paulo Austavo Aonet. Curso de
Direito Constitucional. 10ª ed. Saraiva: São Paulo, 2015, pág. 816.
93
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 32 ed. Atlas: São Paulo, 2016. (e-book)
94
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37 ed. Malheiros: São Paulo, 2014, pág. 483.
95
MOHN, Paulo. A repartição de competências na Constituição de 1988. Revista de Informação Legislativa.
Ano 47, núm. 187, jul-set. 2010, pág. 215-244: “Tal como procedeu quanto às competências da União, a
Constituição de 1988 tratou em dispositivos separados as competências concorrentes de natureza material, que
qualifica como “comum” aos três níveis da federação (BRASIL, 1988, art. 23) e as competências concorrentes
legislativas para a União e os Estados (BRASIL, 1988, art. 24)” (pág. 231-232).
96
MENDES, Gilmar Ferreira et alli, op cit., pág. 839; MOHN, Paulo. op. cit., pág. 231-232.
42
para os trabalhadores em geral (art. 201, §1º) nos casos de atividades exercidas sob condições
montante reservado a essas emendas serão destinadas a ações e serviços públicos de saúde (art.
166, §9º), exceto despesas com pessoal ou encargos sociais (§10). Exclui, da proibição de
serviços públicos saúde (art. 167, IV). Dispõe que a saúde integra o sistema da seguridade social
(art. 194), que será financiada por toda a sociedade mediante recursos provenientes dos
orçamentos dos Entes da Federação e de contribuições sociais (art. 195), sendo que a proposta
de orçamento será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, tendo
a gestão de seus recursos (§2º), bem como que, nos termos da lei, serão transferidos recursos
da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e dos Estados para os Municípios
Na seção II, do Capítulo II (Da Seguridade Social) do Título VII (Da Ordem
Social), a Constituição Federal inaugurou disposições amplas e específicas sobre a saúde, que
se pode entender como o núcleo de um subsistema: o da saúde. Estatui, então, a Carta que a
saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário
às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196), e que são de relevância
pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre
sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou
através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (art. 197). Afirma
que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único – o SUS, Sistema Único de Saúde - organizado de acordo com
43
um conjunto de diretrizes, que serão adiante detalhadas (art. 198), dispondo ainda sobre as
de 2012 (§3º) – embora o art. 77 dos ADCT tivesse regulada a matéria enquanto viesse à lume
saúde” e “agente de combate às endemias” (§4º), inclusive prevendo adoção de regime jurídico,
piso salarial nacional e planos de carreira e regulamentação das atividades desses profissionais
(§5º) e perda de cargo (§6º), em mais um contributo à prolixidade da Carta. Por outro lado,
dispõe ser a assistência à saúde livre à iniciativa privada (art. 199), e que as instituições privadas
Constituição Federal as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (§1º), vedando, contudo,
a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins
assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei (§3º); e trata sobre remoção de
órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem
como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, vedado-lhes todo tipo
200).
pública de ensino (art. 208), dispondo sobre a fonte de custeio (art. 212, §4º). Prevê lei para
estabelecer os meios legais para defesa da pessoa e da família contra a propaganda de produtos,
práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde (art. 220, §3º, II). E, por fim, quanto à
absoluta prioridade dos direitos da criança e do adolescente (art. 227), que o Estado promoverá
44
dentre outros preceitos, a aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na
Emendas Constitucionais97, o Fundo Social de Emergência, que vigorou de 1996 a 1999, cujos
recursos seriam aplicados prioritariamente no custeio das ações dos sistemas de saúde e
integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde
(art. 74), que teve vigência prorrogada várias vezes (art. 75 e 84). Também foi instituído, para
vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Fundo de Combate e
Erradicação da Pobreza, cujos recursos também seriam aplicados em ações de saúde. (Art. 79).
A Constituição, no art. 198, criou o sistema único de saúde – SUS, suas diretrizes,
São diretrizes do SUS: (i) descentralização, com direção única em cada esfera de governo; (ii)
atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais; e (iii) participação da comunidade. Essas diretrizes são entendidas por parte da
97
Vide Emenda Constitucional de Revisão n. 1, de 1993; Emenda Constitucional n. 10, de 1996; Emenda
Constitucional n. 17, de 1997.
98
Vide item 2.3 supra, in fine.
45
dos serviços correspondentes e dá outras providências”, foi editada com fundamento nos arts.
197 e 198 da Constituição Federal, a fim de regular “em todo o território nacional, as ações e
por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado” (art. 1º). Logo, todas as “ações
e serviços de saúde”, no país, deverão se reportar a esta Lei, e não somente as de iniciativa do
Poder Público. É de se destacar, igualmente, que a Lei foi elaborada no uso das competências
comum (art. 23) e concorrente (art. 24) da União; dessa forma, além de não ilidir a competência
muito nela há que se possa entender como “norma geral”. Como já mencionado, essa técnica
de repartição de poderes e competências ganha relevo no Estado Federal, que não convive
apenas com a clássica separação e divisão de poderes99, mas também com a distribuição desse
Poder em mais de uma pessoa política; no caso brasileiro, entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios (CF, art. 1º). Nesse sentido, a competência concorrente legislativa
significa, por um lado, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios100 legislarão
sobre os temas (matérias) elencadas no art. 24 da Constituição Federal; por outro lado, cabe à
União a edição de normas gerais (CF, art. 24, §1ª), cabendo aos Estados e ao Distrito Federal a
competência legislativa suplementar nessas matérias, bem como aos municípios na medida do
interesse local (art. 30), sendo certo, em todo caso, que “inexistindo lei federal sobre normas
gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades”
99
CANOTILHO demonstra distinção entre “divisão” e “separação” como dimensões negativa e positiva,
respectivamente, do princípio da separação de poderes do Estado in: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Almedina: Coimbra, 2003, pág. 250.
100
Os municípios exercerão, na medida evidente do interesse local, a competência legislativa concorrente prevista
no art. 24. Nesse sentido: BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira et alli. O Estado Democrático de Direito
e a necessária reformulação das competências materiais e legislativas dos Estados. Revista de Informação
Legislativa. Brasília a. 47 n. 186, pág. 153-169, abr./jun. 2010. MENDES, Ailmar Ferreira et alli. Curso de
Direito Constitucional (op. cit.), pág. 843.
46
(§3º), enquanto que “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da
Nesse diapasão, entende-se que a Lei Federal n. 8.080/90, carrega tanto normas
gerais (nacionais) acerca da prestação das ações e serviços públicos de saúde, como também
constitucional101. Parte dessas normas são consideradas “gerais”, consoante bem destacado no
conceito formulado por Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Nessa formulação – ressaltando,
embora, que todas as leis (normas) são gerais, tendo em vista o caráter de serem “normas gerais
e abstratas” a par da Teoria Aeral do Direito – as normas gerais diferenciam-se dos princípios
e das normas tout court (específicas), constituindo um tertio genus no quadro teorético,
101
MENDES, Gilmar Ferreira et alli. Curso de Direito Constitucional (op. cit), pág. 819: “No plano legislativo, [a
União] edita tanto leis nacionais - que alcançam todos os habitantes do território nacional e outras esferas da
Federação - como leis federais - que incidem sobre os jurisdicionados da União, como os servidores federais e o
aparelho administrativo da União”.
102
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Competência concorrente limitada. O problema da conceituação de
normas gerais. Revista de Informação Legislativa. Brasília. Ano 25, n. 100, pág. 127-162, out-dez/1988.
47
Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (art. 2º). Ao dispor sobre em
que consiste o dever do Estado de “garantir a saúde” (§1º), são destacados dois princípios: (a)
acesso universal e (b) igualitário às ações e aos serviços para a promoção, proteção e
recuperação da saúde; por outro lado, afirma que “o dever do Estado não exclui o das pessoas,
da OMS, realizada em 1978 na cidade de Alma-Ata (art. 3º, caput), quanto ao conceito de saúde
adotado em sua criação (parágrafo único), também coincidente com as teses do “Movimento da
Reforma Sanitária” no Brasil103. Também é importante destacar que, com esse “espírito”, a Lei
do SUS também marcou a separação definitiva, em comunhão com a Carta de 1988, dos
serviços de saúde dos de previdência, que marcou a atuação do Estado brasileiro desde os anos
20 do século XX104, ainda que integrantes do Sistema de Seguridade Social posto no art. 194
da Constituição Federal105.
A própria Lei do SUS também destaca (art. 7º) os princípios sobre os quais se
assentam as ações e serviços públicos de saúde, bem com os serviços privados que sejam
prestados em seu âmbito. Porém, outros princípios podem ser extraídos 106 , dos quais se
destacam: (i) princípio da saúde como direito, (ii) princípio da saúde como um dever
fundamental; (iii) princípio da unicidade do sistema SUS; (iv) princípio da universalidade; (v)
103
PAIM, Jairnilson Silva. A Reforma Sanitária e o CEBES. Rio de Janeiro: CEBES, 2012. Disponível em
http://cebes.org.br/site/wp-content/uploads/2014/11/E-Book-1-A-Reforma-Sanit%C3%A1ria-Brasileira-e-o-
CEBES.pdf. Acesso em 16 de janeiro de 2016.
104
CATÃO, Marconi do Ó. Genealogia do direito à saúde: uma reconstrução de saberes e práticas na
modernidade [online]. Campina Arande: EDUEPB, 2011. 290 p. ISBN 978-85-7879-191-9. Disponível em
SciELO Books http://books.scielo.org.
105
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e
da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
106
TESSLER, Marga Inge Barth. A justiça e a efetividade na saúde pública. v. 1, 139 pg. Rio de Janeiro, 2010.
Dissertação de Mestrado Profissional em Poder Judiciário da FAV Direito Rio. (mimeo). A autora lista 17
princípios, dos quais foram extraídos os citados acima.
48
retrocesso.
da Lei Federal n. 8.080/90 são destacados: (i) universalidade de acesso aos serviços de saúde
exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; (iii) igualdade da
e dão forte impacto nos custos do direito à saúde, tema que desenvolveremos no próximo
capítulo. No plano positivo, tanto a Lei do SUS quanto o Decreto n. 7.508, de 28 de junho de
Federal sob a fórmula “acesso universal e igualitário às ações e serviços [de saúde] para sua
no país (CF, art. 5º), posto que sejam titulares de direitos fundamentais sociais, dentre os quais
o direito à saúde (artigo 6º)107. Esse princípio também tem convergência com as disposições da
OMS ao dispor sobre a cobertura universal, que o reconhece numa situação em que “todas as
RIOS, Roger Raupp. Direito à saúde, universalidade, integralidade e políticas públicas: princípios e requisitos
107
em demandas judiciais por medicamentos. In: LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa e FLEURY, Sonia (org.)
Seguridade Social, Cidadania e Saúde. Rio de Janeiro: Cebes, 2009, p. 84-98.
49
pessoas que recebem serviços de saúde de qualidade que atendam às suas necessidades sem
serem expostos a dificuldade financeira em pagar pelos serviços”108. E o STF já ressaltou que
alcancem a população como um todo109. A universalidade tem tratamento na Lei do SUS (art.
7º, I) como “o acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência”, isto é, tanto do
ponto de vista da organização federativa do sistema (federal, estadual e municipal), quanto das
universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde será ordenado pela atenção primária e
aproxima-se do conceito de saúde utilizado pela OMS, que visa a cuidar da saúde em todos os
seus sentidos 111 , mesmo “com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos
serviços assistenciais”, segundo o art. 198, II, da Constituição Federal. A Lei do SUS estabelece
e entende a integralidade “como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos
e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade
108
WORLD HEALTH ORAANIAATION. Making fair choices on the path to universal health coverage. Final
report of the WHO Consultative Aroup on Equity and Universal Health Coverage. Aeneva, WHO, 2014. ISBN
978 92 4 150715 8. “Universal health coverage (UHC) is defined as all people receiving quality health services
that meet their needs without being exposed to financial hardship in paying for the services”. Tradução livre.
109
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Suspensão de Tutela Antecipada n. 91/AL. Rel. Ministra Ellen Aracie.
DJ 26/02/2007.
110
RIOS, Roger Raupp. Op. cit., pág. 89.
111
WHO, Basic documents. Pág. 7.
50
de que trata o pré-falado Comentário Aeral n. 14, do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais
do art. 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais112. Nesse sentido,
qualquer espécie”, bem como os direitos à informação e à participação (art. 7º, IV, V e VIII).
Esses princípios, como dito, têm forte impacto na formulação e execução das
políticas de saúde, dentro do Sistema Único de Saúde, não somente no aspecto conceitual senão
plano da assistência farmacêutica – responsável por ampla demanda judicial, assunto de que se
tratará no item 3.4 – a Lei do SUS estabelece (art. 28) critérios para atendimento sob o prisma
do acesso universal e igualitário, que pressupõe, além do atendimento médico ser prestado no
25). Não obstante, os Estados, Distrito Federal e Municípios poderão ampliar o acesso do
usuário à assistência farmacêutica, desde que questões de saúde pública o justifiquem (art. 25,
112
CESCR, op. cit., pág. 4s.
51
organizado nos termos da Lei Federal n. 8.080/90, embora se diga ter “direção única” (art. 9º)
tem forte presença da União (art. 16), apesar das atribuições “comuns” (art. 15) dos Entes
Federados, ou seja, partem do nível federal as políticas que terminam por “vincular” Estados,
Distrito Federal e Municípios, que, por um lado, fortalecem o sistema, mas, por outro, afetam
a autonomia dos Entes subnacionais (CF, art. 18), em certo sentido violando o poder-dever de
expedir normas gerais. De um modo geral, cabe aos Municípios as ações e serviços de “atenção
coordenação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Nesse sentido, a expressão
“direção única em cada esfera de governo” contida tanto no inciso I do art. 198 da CF, quanto
Município e Estado, bem como no Distrito Federal e na União, tenham um, e somente um,
órgão que dirija a atuação estatal no provimento de ações e serviços de saúde, superando a
dificuldade operacional encontrada com vários órgãos e instituições que geriam a saúde no nível
envolver não apenas a transferência de serviços, mas também de poder e recursos, em direção
às esferas locais, com o objetivo de possibilitar maior integração e cooperação entre os governos
das três esferas de governos; esse, aliás, é uma das fronteiras fundamentais para a eficiência, a
efetividade e, até mesmo, a sustentabilidade do SUS, e por isto, constitui uma das preocupações
113
PIOLA, Sérgio Francisco & VIANNA, Solon Magalhães (Org.). op. cit., pág. 41.
52
Portaria n. 2.488, de 21 de outubro de 2011, define esse nível de assistência da seguinte forma:
modo:
114
Idem, ibidem. As Normas Operacionais Básicas da Assistência à Saúde n. 01/2001 e 01/2002 foram aprovadas
pela Portaria n. 95, de 26 de janeiro de 2001, e Portaria n. 373, de 27 de fevereiro de 2002, ambas do Ministro da
Saúde, respectivamente.
115
A Política Nacional da Atenção Básica fora estabelecida, inicialmente, pela Portaria nº 648/GM de 28 de março
de 2006, revogada pela Portaria n. 2.488/2011, mas definia a Atenção Básica de forma semelhante.
53
conceituação estabelecida, porém pode-se entender esse nível de assistência como “composta
por procedimentos que exigem incorporação de altas tecnologias e alto custo e que não são
relação exaustiva, mas explicitando que esse nível de atenção engloba “os procedimentos que
‘não cabem’ nas unidades básicas de saúde e na atenção primária em saúde, pelos custos ou
complexidades em atenção à saúde, é composta por uma série de “políticas nacionais” definidas
focados no tipo de problema de saúde (doença renal, doença neurológica, câncer, doenças
determinados segmentos populacionais (idosos, mulheres etc.) etc., sendo que a coletânea
116
BRASIL. Ministério da Saúde. Glossário do Ministério da Saúde: projeto de terminologia em saúde. Brasília:
Ministério da Saúde, 2004, pág. 18.
117
Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2002/prt0968_11_12_2002.html
118
BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Assistência de Média e Alta Complexidade no SUS.
Brasília: CONASS, 2011. (Coleção Para Entender a Gestão do SUS 2011, 4), pág. 13.
54
normativa permanece ainda complexa, exigindo, muitas vezes, a leitura de diversas normas para
119
Idem, ibidem, pág. 48.
55
3.1. Regime jurídico dos serviços públicos. 3.2. Regulamentação e regulação dos serviços
públicos de saúde. 3.3. Competência dos Entes Federados no âmbito do Direito da Saúde. 3.4.
O cuidado da saúde, no Brasil, está cometido aos três entes federados: União,
ou seja, é uma competência comum. Esse cuidado é referido no art. 197 da Carta Magna, ao
dispor serem de “relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público
dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua
execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica
de direito privado”, segundo as diretrizes apontadas no art. 198. A lei referida veio a ser,
2.
e da Saúde) darem preenchimento e conteúdo a esse conceito. Por outro lado, há inúmeras
Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Comitê Econômico e Social da ONU quando se
referem ao direito à saúde, dando ênfase a seu caráter de direito humano fundamental. Quanto
56
Sociais e Culturais (PIDESC)120, em seu art. 12, delineia-o, sem ser exaustivo, afirmando:
ARTIAO 12
1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de
toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde
física e mental.
2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão
adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito
incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:
a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem
como o desenvolvimento são das crianças;
b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do
meio ambiente;
c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas,
profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças;
d) A criação de condições que assegurem a todos assistência
médica e serviços médicos em caso de enfermidade.
da expressão quando adota como princípio que “a extensão a todos os povos os benefícios do
conhecimento médico, psicológico e afins é essencial para a realização mais plena da saúde”121.
Isso, obviamente, guarda pertinência com o próprio conceito aberto de saúde, empregado no
mesmo documento: “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não
em tentativa de resposta, em linha com o CESCR, que o direito à saúde está estreitamente
120
Promulgado, no Brasil, pelo Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992 (DOU, Seção 1, 7/7/1992, pág. 8713-8716).
121
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Basic documents. 48th ed. Including amendments adopted up to 31
December 2014. ISBN 978 92 4 165048 9. Disponível em http://apps.who.int/gb/bd/PDF/bd48/basic-documents-
48th-edition-en.pdf. Acesso em 06/01/2016.
57
direito à saúde, como um direito inclusivo se estende não só aos cuidados de saúde oportuna e
apropriadamente, mas também aos determinantes subjacentes da saúde, como o acesso à água
informação relacionada com a saúde, incluindo a saúde sexual e reprodutiva. 122 Porém, do
ponto de vista da relação jurídica propriamente dita, da relação direito/dever, é necessário que
o estabelecimento de conteúdo do direito à saúde seja normativo, ou seja, esse conteúdo deve
se dar de acordo com a legislação conforme a realidade de cada país. Desta maneira, falar do
conteúdo do direito à saúde é indicar quais serão, da perspectiva do Estado (dever), as ações e
pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Conselho Econômico e Social da
ONU, que, assim como todos os direitos humanos, o direito à saúde impõe três tipos ou níveis
com o gozo do direito à saúde. A obrigação de proteger exige que os Estados tomem medidas
PIDESC. Por último, a obrigação de cumprir exige dos Estados-Membros adoção de medidas
122
COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIAHTS (CESCR), General Comment No. 14
on the right to the highest attainable standard of health, 11 August 2000, UN Doc. E/C.12/2000/4. Disponível em
http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=E/C.12/2000/4, acesso em 24 de janeiro de 2016.
58
da plena realização do direito à saúde.123 Essa ideia é abrangida pela Constituição Federal, no
art. 196, ao dispor que (o direito) a saúde será garantida mediante políticas sociais e econômicas.
A esse respeito, o STF já pontuou que o direito à saúde, em que pese ser “direito subjetivo
público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde” 124 .
Políticas públicas essas, porém, cuja liberdade de conformação do legislador é mitigada, dado
o programa constitucional estabelecido 125 . Noutra ocasião, ressaltou-se que o art. 196 da
todo.126
conteúdo do direito à saúde. Sendo, porém, públicos tais ações e serviços, que se demandam do
Estado, implica, igualmente, que estejam submetidos a regime jurídico próprio, isto é, o regime
123
CESCR, op cit., n. 33.
124
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo Regimental na Suspensão de Liminar n. 47/PE. Relator Ministro
Ailmar Mendes. DJe n. 76, div. 29/04/2010, pub. 30/04/2010.
125
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo Regimental na Suspensão de Liminar n. 47/PE. Voto do Ministro
Celso de Mello. DJe n. 76, div. 29/04/2010, pub. 30/04/2010.
126
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Suspensão de Tutela Antecipada n. 91/AL. Relatora Ministra Ellen Aracie.
DJ 26/02/2007.
59
subjetivo, formais e materiais, ou seja, a presença de uma pessoa jurídica de direito público
exercendo atividade que objetive a satisfação de necessidade coletiva sob o regime jurídico de
liberdade e igualdade têm outros sentidos quando aplicados à Administração Pública quando
comparada aos particulares: a liberdade é mitigada, posto que só possa fazer o que a lei permitir
ou obrigar, sendo o mais proibido; há relativa desigualdade jurídica entre o Estado e o particular,
Estado: legislativas, executivas ou judiciais. Essas obrigações tanto podem ser um agir como
disposições dos artigos 196 a 200, considerando ser “a saúde” um direito fundamental social
(art. 6º).
seguir a trilha do direito administrativo, posto ser uma atividade inscrita na função
administrativa 129 do Estado – sem olvidar o dever de legislar a esse respeito, segundo
127
DI PIETRO, Maria Sylvia Aanella. Direito Administrativo. 28 ed. Atlas: São Paulo, 2015.
128
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Companhia de Bolso: São Paulo, 2010.
129
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 27 ed. Malheiros, São Paulo,
2010.
60
legislativa) quem delineie a norma jurídica a respeito do direito à saúde (estado de coisas a ser
administrativas que reclamam a aplicação da doutrina dos serviços públicos130. Não obstante,
parte da doutrina entende que as atividades estatais prestadas diretamente pelo Estado, fora das
hipóteses do art. 175 da Constituição Federal, não são “serviços públicos” propriamente ditos,
Os serviços públicos são as atividades materiais que o Estado assume como suas
tempo e lugar, segundo disciplina jurídica específica133. Também é de se ressaltar que o Estado
pode intervir no domínio econômico e social seja por via dos serviços públicos sociais, seja
fomentando a atividade de particulares em tal setor134. Nesse diapasão pode-se também se ter a
administrados; (b) um traço formal indispensável, que lhe dá justamente caráter de noção
normativa”.135 Importa destacar, porém, que há serviços que são púbicos quando o Estado os
130
Com efeito, neste trabalho cuidam-se das ações e serviços de saúde prestados pelo Estado, não obstante a
Constituição seja clara: “Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada”. Disso, se infere que as ações
e serviços de saúde serão “serviço público” segundo o ponto de vista subjetivo, isto é, quando prestados pelo Poder
Público. Vide FRANÇA, Vladimir da Rocha. Reflexões Sobre a Prestação de Serviços Públicos por Entidades do
Terceiro Setor. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, nº. 6, junho/julho/agosto, 2006.
Disponível em <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 25 de maio de 2016.
131
AAUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico. Do direito nacional ao direito supranacional. 4 ed. Atlas:
São Paulo, 2014. pág. 345.
132
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Op cit. pág. 693.
133
Idem, ibidem, pág. 667.
134
Idem, ibidem, pág. 668.
135
Idem, ibidem, pág. 674.
61
presta, porém não são privativos deste, uma vez que a Constituição Federal os faculta aos
particulares (CF, art. 173 e 199), não os excluindo, de todo, do campo da atividade econômica
Administração pública se vincula estritamente àquilo que estipula a norma jurídica; a lei,
precipuamente, define todo o agir administrativo, não sendo dado ao agente público desviar-se
compreendido como vinculação à juridicidade 137 , mormente à Constituição, sendo que seu
comando se orienta a cumprir “o Direito” e não somente “a lei”138. Por outro lado, o comando
que seja o Poder; assim, tanto o Poder Legislativo quanto o Poder Executivo devem, quando da
elaboração e execução das políticas públicas derivadas da Constituição, atuar nos limites dados
pelo Constituinte, não lhes sendo facultada “liberdade de conformação” além daquilo que o
administrativa para ir nem mais nem menos do que a Constituição prefixou.139 Nesse sentido,
cumpre destacar que as políticas públicas delineadas pelo Poder Público somente serão
136
BINENBOJM, Austavo. Uma teoria do Direito Administrativo. Direitos Fundamentais, Democracia e
Constitucionalização. 2 ed. Renovar: Rio de Janeiro, 2008. DI PIETRO, Maria Sylvia Aanella. op. cit., pág. 98.
137
VERDÚ, Pablo Lucas. Teoria do Estado, Teoria da Constituição e Sentimento Constitucional. In: VERDÚ,
Pablo Lucas. O sentimento constitucional: Aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de
integração política. Rio de Janeiro: Forense, 2006. Cap. 4. p. 127-152. Tradução de Agassiz Almeida Filho.
BINENBOJM, Austavo. op. cit. 34.
138
Di PIETRO. op. cit. pág. 61.
139
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Suspensão de Tutela Antecipada n 91. Relator Min. Celso de Mello. DJ
05/03/2007, pág. 23.SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n.
45. Relator Min. Celso de Mello. DJ 04/05/2004, pág. 12.
62
também sobre o prisma da obediência ao princípio da eficiência (art. 37, caput, da CF)140, a
não pode sofrer interrupções em sua prestação, dado seu caráter de necessidade142. Por sua vez,
minúcias, à prestação das ações e serviços públicos de saúde, quando prestados pelo Estado143,
cujo conteúdo será preenchido de acordo com o direito objetivo (legislação) específico da saúde.
uma vez que disporá sobre direitos primariamente, com capacidade de inovar no ordenamento
– estendido aos Aovernadores e aos Prefeitos, dado o princípio da simetria - “expedir decretos
e regulamentos para sua fiel execução” (inciso IV). Esse comando indica que os regulamentos
140
GOTTI, Alessandra. Direitos sociais: fundamentos, regime jurídico, implementação e aferição de resultados.
São Paulo: Saraiva, 2012. (ebook), pág. 183.
141
Idem, ibidem, pág. 185. Destaca a Autora a necessidade de compatibilizar o planejamento econômico e social,
a fim de realizar os direitos sociais.
142
Di PIETRO, Maria Sylvia Aanella. op. cit., pág. 104.
143
Há formas de prestação de serviços públicos de saúde mediante entidades do “terceiro setor”, regulados e
fiscalizados pelo Poder Público, mediante específico regime jurídico. Segundo FRANÇA, Vladimir da Rocha,
Reflexões ..., o Terceiro Setor é composto por “entes privados prestam serviços públicos sociais, em colaboração
com o Poder Público, sujeitando-se ao controle da Administração e do Tribunal de Contas, especialmente quando
empregam recursos públicos. Não integram a administração pública indireta, tendo os seus negócios e relações
jurídicas regidos pelo direito privado, parcialmente derrogado por normas de direito público”.
144
De acordo com a lei, a função de regulamentar pode ser conferida a qualquer órgão, não necessariamente do
Poder Executivo, conforme a competência decorrente da Constituição ou da própria lei, como sucede, v. g., com
os Regimentos Internos ou específica organização de órgãos do Poder Judiciário ou do Legislativo.
63
têm de se conter àquilo que a lei especificou, a fim de lhe dar “fiel execução”, vale dizer, não
afirma que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público
dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle”, vemos que esta
competência é do “Poder Público”. É curiosa esta asserção, uma vez que não indica de plano
qual Órgão deverá lhe dar cumprimento; apenas quando se volta para o art. 84, IV, se conclui
que “nos termos da lei” se conhecerá o legitimado a tanto. Comentando o art. 197 da
145
DI PIETRO, Maria Sylvia Aanella. op. cit. pág. 128.
64
art. 174, que preceitua: “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. A regulação, então, aponta
para o disciplinamento de atividade econômica, sem afetar a liberdade do mercado, senão que
tentando corrigir suas falhas147; também se pode apontar a função estabilizadora da intervenção
do Estado148, isto é, no sentido agir para estabilizar as relações econômicas num ambiente de
principalmente as sociais com o cuidado, ainda por cima, de não deixar de lado as conquistas
da saúde pública traduz-se no grupo de ações mediatas que se põem de permeio entre as
146
SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário ao artigo 197. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.;
SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/Almedina, 2013.
147
CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e análise econômica do Direito. Uma visão crítica. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2009.
148
SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos. A livre concorrência e a livre-iniciativa como instrumentos de
promoção do desenvolvimento. A função estabilizadora da intervenção do Estado no domínio econômico. Revista
de Direito Público da Economia - RDPE. Belo Horizonte, ano 11, n. 42. p. 123· l 40, abr/jun. 2013.
149
Idem, ibidem, pág. 134.
150
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. A alternativa participativa e flexível para a
administração pública de relações setoriais complexas no estado democrático. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
151
No âmbito da saúde, tem-se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, criada pela Lei Federal n.
9.782, de 26/01/1999, e a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, criada pela Lei Federal n. 9.961, de
28/01/ 2000.
65
demandas dos usuários e seu acesso aos serviços de saúde” 152 , isto é, como atividade
152
BARBOSA, Dayse Vieira Santos; BARBOSA, Nelson Bezerra; NAJBERG, Estela. Regulação em Saúde:
desafios à governança do SUS. Cadernos de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 49-54, mar. 2016.
Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201600010106. Acesso em 18/08/2016.
153
Idem, ibidem.
66
institutos, usando um e outro sem os contornos materiais de cada qual. Inicia a lei (art. 1º)
afirmando que “regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados
constitucional que lhe ampara: o art. 197. A lei (art. 9º), contudo, com amparo no art. 198,
definiu os órgãos que compõem, em cada “esfera de governo”, a direção do Sistema Único de
Saúde (SUS), que, embora sendo também única (diretriz definida no inciso I), a saber: no
âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela
respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; no âmbito dos Municípios, pela respectiva
Secretaria de Saúde ou órgão equivalente. Destarte, se infere que tais órgãos possam exercer –
conforme a Lei Federal n. 8.080/90, no âmbito de suas competências (art. 15 a 18) e campos de
atuação do SUS (art. 6º) – as funções regulamentadoras das ações e serviços de saúde. Tirante
para regular as atividades de serviços privados de saúde” (art. 15, XI, c/c art. 8º) aos Entes da
Federação “em seu âmbito administrativo”, isto é, a regulação dessa atividade econômica se dá
concorrentemente, na linha do art. 24, XII e §§1º a 4º, e art. 199, da Constituição Federal. Por
outro lado, atribui (art. 16) à Direção Nacional do Sistema Único da Saúde (SUS) a competência
de “elaborar normas para regular as relações entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e os
154
O art. 19-Q da Lei Federal n. 8.080/90, é bastante explícito que compete ao Ministério da Saúde – e não à
“Direção Nacional” do SUS – a “incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos,
produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica”,
que será assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, “cuja composição e
regimento são definidos em regulamento”. Além desse dispositivo, também se remete ao regulamento “as
especializações na forma de treinamento em serviço sob supervisão” (art. 30). Estas são as poucas referências
explícitas à necessidade de regulamento ao longo do texto da lei.
67
funcionamento dos serviços privados de saúde (art. 22). Assim, a regulação da assistência
regulamentação das ações e serviços de saúde, das Comissões Intergestores Bipartite (Estados
acerca da regulamentação contidos no art. 84, V, da Constituição Federal, expediu, dentre outros,
os seguintes Decretos:
155
Vide as seguintes Portarias do Ministro da Saúde: PRT/MS/AM Nº 3916 - D.O. DE 10/11/1998, P. 18: Aprova
a Política Nacional de Medicamentos; PRT/MS 1.163 - D.O. DE 15/09/1999, P. 33: Dispõe sobre as
responsabilidades na prestação de assistência à saúde dos povos indígenas no MS. PRT/MS 1.863, DE 29/09/2003
- D.O.U. DE 06/10/2003, P. 56: Institui a Política Nacional de Atenção às Urgências; PRT/MS 1.864, DE
29/09/2003 - D.O.U. DE 06/10/2003, P. 57: Institui o componente pré-hospitalar móvel da Política Nacional de
68
combinada do art. 21, IX, com o art. 48, IV, da Constituição Federal. O primeiro dispositivo
estabelece que compete à União “elaborar e executar planos nacionais e regionais de (…)
“desenvolvimento”. Daí se pode inferir não ser possível que o regulamento – especialmente
“delegado” - disponha sobre planos nacionais sem lei específica para os tais planos. Esse ponto
é importante pois, como se discutirá adiante, são os regulamentos que preenchem o conteúdo
das ações e serviços públicos de saúde, logo, do direito à saúde, que repercutem no custo de sua
na Administração Pública, a fim de que atos administrativos (normativos) possam ser expedidos
a fim de melhorar a aplicação do direito ao caso concreto. Essas ideias e técnicas têm lugar
possam ser emanadas não somente do Poder Legislativo. Contudo, tal não pode implicar em
um abandono da lei e deixar à Administração Pública a definição dos conteúdos que a própria
Atenção às Urgências - SAMU- 192; PRT/MS 2.607, DE 10/12/2004 - D.O.U. DE 13/12/2004, P. 69: Aprova o
Plano Nacional de Saúde - PNS - Um Pacto Pela Saúde; PRT/MS 971, DE 03/05/2006 - D.O.U. DE 04/05/2006,
P. 20: Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde
– SUS.
156
VALLE, Vanice Regina Lírio do. Delegificação, Legitimidade e Segurança Jurídica: a Hermenêutica
Constitucional como Alternativa de Harmonização. Revista de Direito Administrativo e Constitucional – A&C,
Belo Horizonte, ano 4, n. 18, p. 147-168, out./dez. 2004.
157
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op cit, pág. 167-188. VALLE, Vanice Regina Lírio do. Direito
fundamental à boa administração e governança: democratizando a função administrativa. 2010. 254 p. Tese
(Pós-doutorado em Administração) FAV/EBAPE, Rio de Janeiro, 2010. (mimeo). pág. 180. Disponível em
http://bibliotecadigital.fgv.br/ dspace/handle/10438/6977, acesso em 07.02.2016.
69
Constituição exige o concurso de lei, mesmo porque para que o direito fundamental social seja
exigível perante a Administração Pública, faz-se necessário que a lei assim o determine158. Não
obstante, por força do art. 5º, da Lei Federal n. 8.142 159 , de 28 de dezembro de 1990, foi
delegado ao Ministro da Saúde competência para, “mediante portaria (…) estabelecer condições
para aplicação desta lei”, que “dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema
área da saúde”.
SAÚDE
tanto para gerir/dirigir o SUS quanto para prover as ações e serviços públicos de saúde (art. 15
a 19). A repartição das competências (ou atribuições) no âmbito do SUS devem seguir as
orientações postas nos princípios (art. 7º), especialmente para atender a “descentralização
de serviços de saúde” (inciso IX), além da integração das ações de saúde, meio ambiente e
dos Entes da Federação, capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência,
e da organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins
158
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Em Defesa da Legalidade Administrativa. 2016. Revista Colunistas de
Direito do Estado, n. 220. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/vladimir-da-rocha-
franca/em-defesa-da-legalidade-administrativa>. Acesso em: 20 ago. 2016.
159
“Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências”.
70
de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o
está detalhada a organização e articulação entre os Entes da Federação, de modo que explicita
as atribuições de cada qual. De fato, esclarece-se que o SUS é constituído pela conjugação das
privada, sendo organizado de forma regionalizada e hierarquizada (art. 3º). É estabelecido que
o acesso universal, igualitário e ordenado às ações e serviços de saúde se inicia pelas Portas de
complexidade do serviço (art. 8º), sendo “Portas de Entrada” os serviços de atendimento inicial
à saúde do usuário no SUS (art. 2º, III), compreendendo os seguintes serviços nas Redes de
Atenção à Saúde (art. 9º): de atenção primária; de atenção de urgência e emergência; de atenção
pactuado nas Comissões Intergestores, os entes federativos poderão criar novas Portas de
Segue, ainda, destacando o Decreto n. 7.508/2011, por outro lado, que o acesso
160
PIOLA, Sérgio Francisco & VIANNA, Solon Magalhães (Org.). Saúde no Brasil: algumas questões sobre o
Sistema Único de Saúde (SUS). LC/BRS/R.200. CEPAL Brasil, 2009. Disponível em http://repositorio.
cepal.org/handle/11362/1349. Acesso em 08/01/2016.
71
universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde será ordenado pela atenção primária e
conforme legislação vigente (art. 11), enquanto a integralidade da assistência à saúde se inicia
regional e interestadual, conforme pactuado nas Comissões Intergestores (art. 20). Dois
de Ações e Serviços de Saúde – RENASES, que compreende todas as ações e serviços que o
SUS oferece ao usuário para atendimento da integralidade da assistência à saúde (art. 21), e a
(Tripartite - CIT, integrada pela União, Estados e Municípios; Bipartite - CIB, composta pelo
Estado e seus Municípios; ou Regional - CIR, formada por municípios limítrofes intraestaduais),
redes de atenção à saúde (art. 30). O acordo de colaboração entre os entes federativos para a
organização da rede interfederativa de atenção à saúde será firmado por meio de Contrato
Organizativo da Ação Pública da Saúde (art. 33). Esse contrato é um acordo de colaboração
firmado entre entes federativos com a finalidade de organizar e integrar as ações e serviços de
necessários à implementação integrada das ações e serviços de saúde (art. 2º, II; art. 35), cujo
objeto é a organização e a integração das ações e dos serviços de saúde, sob a responsabilidade
72
dos entes federativos em uma Região de Saúde, com a finalidade de garantir a integralidade da
assistência aos usuários, e resulta da integração dos planos de saúde dos entes federativos na
Rede de Atenção à Saúde, tendo como fundamento as pactuações estabelecidas pela CIT (art.
34).
Pode-se inferir, porém que essas competências e atribuições nem sempre são
observadas, posto a crescente demanda judicial visando provimento das ações e serviços
conforme se salientou ao longo dos debates da Audiência Públicas promovida pelo Supremo
desafio para a regulação das ações e serviços públicos de saúde, tanto do ponto de vista de
SUS, a procura por soluções judiciais para garantir a prestação de ações e serviços de saúde
provocou inúmeros debates no país, tendo levado o Supremo Tribunal Federal a realizar, entre
29 de abril e 4 de maio de 2009, uma Audiência Pública para discutir a chamada “judicialização
do direito à saúde”, como referido, da qual participaram autoridades públicas e científicas sobre
ativismo judicial, expressa a reorientação da sociedade para o Judiciário como garante das
161
Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude
73
soluções dos problemas, cujo acesso foi convertido em política pública de primeira grandeza162.
fundamental social prestacional com o dever do Estado e a “separação dos poderes” (CF, art. 1º
e 18), tendo em vista as disposições do art. 196 a 200 da Constituição Federal, cujas demandas
tratamentos de saúde. Por outro lado, como exposto pelo STF (AgSL n. 47)164, mais do que uma
saúde, na quase totalidade dos casos ocorre a determinação judicial do efetivo cumprimento de
políticas públicas já existentes; por outro lado, se a prestação de saúde pleiteada não estiver
de (1) uma omissão legislativa ou administrativa, (2) de uma decisão administrativa de não
fornecê-la ou (3) de uma vedação legal a sua implementação. Salientou, ademais, o STF,
recuperação da saúde, tendo em vista que o SUS filia-se à corrente da “Medicina com base em
162
VIANNA, Luiz Werneck; BURAOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins. Dezessete anos de
judicialização da política. Tempo Social, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 39-85, nov. 2007. Disponível em
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702007000200002. Acessos em 18 de novembro de 2014.
163
O Conselho Nacional de Justiça, na esteira dessa Audiência Pública, adotou medidas de sua competência para
orientar o Judiciário e juízes do país no tema do direito da saúde, com destaque para a Resolução n. 107, que
instituiu o “Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde”,
e para as Recomendações n. 31, 36 e 45. O Fórum Nacional de Saúde promoveu a I Jornada de Direito da Saúde,
ente 14 e 16 de maio de 2014, que produziu 45 Enunciados, e a II Jornada de Direito da Saúde, entre os 18 e 19 de
maio de 2015, que aprovou mais 23 Enunciados. Vide: www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude.
164
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo Regimental na Suspensão de Liminar n. 47/PE. Relator Ministro
Ailmar Mendes. DJe n. 76, div. 29/04/2010, pub. 30/04/2010.
74
evidências”165 166.
equivalem no Judiciário e na Aestão do SUS, inclusive com riscos de prejuízos para a equidade;
cuidado, como atendimento médico, exames, internação, tratamento, entre outros, para os
constituem em deveres, todo o agir administrativo deve ser voltado para cumprimento desses
deveres. Contudo, há decisões voltadas para materialização do “estado de coisas” querido pela
Constituição, que ficam no âmbito da liberdade do Aestor Público; nesse sentido é que são
165
A Medicina Baseada em Evidências – MBE “utiliza provas científicas existentes e disponíveis no momento,
com boa validade interna e externa, para a aplicação de seus resultados na prática clínica. Quando abordamos o
tratamento e falamos em evidências, referimo-nos a efetividade, eficiência, eficácia e segurança”. (EL DIB, Regina
Paolucci. Como praticar a medicina baseada em evidências. Jornal Vascular Brasileiro, Porto Alegre, v. 6, n. 1,
p. 1-4, Mar. 2007. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492007000100001. Acesso em 24 de
fevereiro de 2016.). “a política pública de saúde – portanto, a atuação do sistema sanitário – está fundada na melhor
prática científica, ou seja, na Medicina Baseada em Evidências (MBE) e na consequente formulação de
instrumentos técnicos com critérios para diagnóstico e tratamento – Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas
(PCDT), a partir da incorporação tecnológica ao SUS. Isso se dá, especialmente, porque as tecnologias para a
saúde avançam ininterruptamente e lidar com a alteração continuada dessas tecnologias (insumos, medicamentos,
ações e serviços ligados à promoção, à proteção, à prevenção e à recuperação da saúde) exige método garantidor
de eficácia, eficiência e efetividade”. (BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Direito à Saúde.
Brasília: CONASS, 2015. 113 p. ISBN 978-85-8071-023-6).
166
Não obstante, em 14/4/2016, foi publicada a Lei Federal n. 13.269, de 13/4/2016, que “autoriza o uso da
fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna”, a “pílula [de combate] do
câncer”. Essa lei foi imediatamente impugnada pela Associação Médica Brasileira perante o Supremo Tribunal
Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5501. Segundo o serviço de informações do STF,
“[a] AMB explica que a ‘pílula do câncer’ não passou pelos testes clínicos em seres humanos, que, de acordo com
a Lei 6.360/76, são feitos em três fases antes da concessão de registro pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). E, segundo a associação, a fosfoetanolamina passou apenas pela fase de testes pré-clínicos de
pesquisa necessária para uma substância ser considerada medicamento, e ‘a permissão de uso de um medicamento
cuja toxidade ao organismo humano é desconhecida indubitavelmente caracteriza risco grave à vida e integridade
física dos pacientes, direitos tutelados pelo caput do artigo 5° da Constituição Federal’”. Em 19/5/2016, o STF,
por maioria, deferiu medida cautelar para suspender a eficácia da Lei.
167
VIEIRA, Fabiola Sulpino. Ações judiciais e direito à saúde: reflexão sobre a observância aos princípios do SUS.
Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 42, n. 2, p. 365-369, abr. 2008. Disponível em
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102008005000010. Acesso em 26 de dezembro de 2015. Epub 29-Fev-2008.
75
definidoras de um específico agir estatal manifestado nas medidas adotadas para sua
implementação 168 . Daí que, havendo uma política pública decorrente inequivocamente da
Constituição ou de uma lei válida, a ação administrativa correspondente poderá ser objeto de
técnicos, quando cabível um juízo de certo/errado; por outro lado, caso não haja lei ou ação
policy) alçou o Poder Judiciário à condição de ente ativo na formulação da política pública170,
“reserva do possível” e da “proibição do retrocesso social” 171 . Embora esses temas sejam
consiste em um núcleo básico de prestações e serviços, que o Estado deve oferecer aos cidadãos
168
DANTAS, Flávia. Tributos, Tribunos, Tribunais E Policies: uma análise sistêmica da participação estratégica
dos tributos nas políticas públicas. 2010. 512 p. Tese (Doutorado em Direito do Estado). PUC/SP, São Paulo, 2010.
(mimeo). A autora destaca, com o conceito de política pública, a possibilidade de controle da Política pelo Direito;
e que as políticas públicas são “prescrições normativas que entronizam uma finalidade específica a ser buscada
por um conjunto de normas outras a ela vinculadas. Normalmente, as políticas públicas subjazem no manancial
legislativo que delas decorre, concebido com o escopo de especificar os meios necessários à sua implementação,
sendo tarefa do cientista revelá-las. Com efeito, aquilo que geralmente se designa por políticas públicas são, na
verdade, os instrumentos, medidas ou meios estabelecidos para atendê-las, sendo esses sim necessariamente
explicitados em normas jurídicas. Logo, as políticas públicas ganham substância formal por intermédio do Direito,
seja por meio da indicação precisa e explícita da policy levada a cabo (como no caso dos incisos I e II do artigo 1º
da Lei Federal n. 10.845/2004), seja implicitamente por intermédio da previsão normativa dos meios eleitos para
atingi-la. Para fins meramente retóricos, por vezes se denominará esses meios 'medidas', para diferenciá-los das
políticas públicas aqui tomadas como finalidades juridicamente determinadas, balizadoras da aplicação do código
Lícito/Ilícito a esses meios”. (pág. 241-242)
169
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento
gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista da PGE/RS, Porto Alegre, v. 31, n. 66, p.
89-114, jul./dez. 2007. Disponível em: www.pge.rs.gov.br/upload/rpge66livro.pdf. Acesso em: 11 dez. 2014.
170
SALAMA, Bruno Meyerhof; PARGENDLER, Mariana. Análise Econômica do Direito: Teoria, Empiria e
Método Científico. Fundação Getúlio Vargas, Escola de Direito do Rio de Janeiro, FGV (2012). Disponível em
http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/74/ Acesso em 20/11/2014.
171
BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Direito à Saúde. Brasília: CONASS, 2015.
76
indivíduo estará em situação de vulnerabilidade e/ou risco; e “reserva do possível” tanto indica
orçamentária.172 Por outro lado, o tema evoluiu para determinar que a reserva do possível fosse
pretensão de prestação é razoável, o Estado só está obrigado a realizá-la se dispuser dos recursos
necessários 173 . Por sua vez, “proibição do retrocesso social” pode ser entendido como a
proibição de adoção de medidas que tenham por escopo a redução e/ou supressão de posições
jurídicas, tomadas em sentido amplo, já implementadas 174 , ou seja, o núcleo essencial dos
essencial já realizado176.
finalidade constitucional (política pública) é não só sindicável pelo Poder Judiciário, sob o
código lícito/ilícito, como implica numa decisão (ordem) para implementação do dever contido
na norma. Essa política pública, porém, há de ser realizada de modo compatível com todo o
172
BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da
pessoa humana. 3ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
173
FISCHER, Octavio Campos; OLIVEIRA, Heletícia Leão de. Algumas aproximações entre políticas públicas
de saúde, orçamento e decisões judiciais. Revista da AJURIS. v. 42, n. 137, pág. 387-430, Março 2015.
174
SARLET, Ingo Wolfang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana,
direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no Direito Constitucional Brasileiro. Revista Eletrônica
sobre a Reforma do Estado (RERE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 21, mar, abr, mai, 2010.
Disponível em www.direitodoestado.com/revista/RERE-21-MARCO-2010-INAO-SARLET.pdf. Acesso em 29
de setembro de 2011.
175
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Almedina: Coimbra,
2003, pág. 272: “O princípio da proibição do excesso aplica-se a rodas as espécies de actos dos poderes públicos.
Vincula o legislador, a administração e a jurisdição. Observar-se-á apenas que o controlo judicial baseado no
princípio da proporcionalidade não tem extensão e intensidade semelhantes consoante se trate de actos legislativos,
de actos da administração ou de actos de jurisdição. Ao legislador (e, eventualmente, a certas entidades com
competência regulamentar) é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na
ponderação dos bens quando edita uma nova regulação (cf. Acs. TC 484/2000 e 187/2001, DR, II, de 26-06-2001).
Esta liberdade de conformação cem especial relevância ao discutir-se os requisitos da adequação dos meios e da
proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que, perante o espaço de conformação do legislador, os
tribunais se limitem a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada ou se existe um erro
manifesto de apreciação por parte do legislador (cf. Ac. TC 108/99, DR, II, 104/99)” (grifos no original).
176
CANOTILHO, J. J. Aomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Almedina: Coimbra, 2003,
pág. 340.
77
depende das condições jurídicas e fáticas (suporte fático 177 ) do caso concreto. As decisões
Orçamento (CF, art. 165, III), que recebem duas principais críticas 178 : (a) ausência de
contemplado em norma jurídica (política pública ou medida), uma vez que os órgãos legítimos
para escolher os meios de atingir a finalidade constitucional, por meio legislativo idôneo, são,
via de regra o Poder Executivo e o Poder Legislativo; e (b) ausência de preparo técnico para
defende-se a autocontenção judicial na proteção dos direitos sociais, com limitação do ativismo
judicial179.
constitucional, e sua concretização por meio de políticas públicas. Uma vez que a promoção e
a proteção dos direitos fundamentais exigem omissões e ações estatais, a judicialização ganha
mais acento porque as ações estatais capazes de realizar os direitos fundamentais envolvem, em
última análise, decisões acerca do dispêndio de recursos públicos180. Essa intervenção, portanto,
do Judiciário deveria considerar os efeitos econômicos, sociais e jurídicos, uma vez que, para
177
SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas
constitucionais. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro, Ano 1, n. 4, out./dez. 2006: 23-51.
178
TIMPONI NAHID, Maria Laura. Efetivação judicial dos direitos sociais. Revista da AGU, [S.l.], mar. 2013.
ISSN 1981-2035. Disponível em: http://seer.agu.gov.br/index.php/AAU/article/view/62/53. Acesso em:
13/12/2014.
179
Idem, ibidem. Cf. BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva. pág. 104.
180
BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas.
Rev. Dir. Adm., Rio de Janeiro, 240: 83-103, Abr./Jun. 2005.
78
Leis Orçamentárias – vale dizer, na programação da despesa pública (CF, art. 167), sem
significar mudança no texto das normas. Esse resultado, ainda que indireto do ponto de vista
judiciais que lhe embasam, uma vez que o conteúdo das políticas públicas são também decisões
atividade orçamentária183.
181
NUNES, António José Avelãs. Os tribunais e o direito à saúde. Juris Poiesis, ano 14, n. 14, pág. 473-490, jan-
dez. 2011.
182
COASE, Ronald. O problema do custo social. The Latin American and Caribbean Journal of Legal Studies
Vol. 3 [2008], No. 1, Article 9. Trad. Francisco Kümmel F. Alves e Renato Vieira Caovilla. Disponível em
http://services.bepress.com/lacjls/vol3/iss1/art9. Acesso em 28/08/2014.
183
FISCHER, Octavio Campos Fischer; OLIVEIRA, Heletícia Leão de. op. cit. pág. 420.
79
4.1. Análise Econômica do Direito. 4.2. O mínimo existencial e a reserva do possível. 4.3.
Parâmetros constitucionais e legais das despesas públicas com ações e serviços públicos de
saúde. 4.4. Instrumentos legais de controle e aferição da eficiência das despesas com saúde.
é que os direitos têm custos; a segunda, que a cada direito fundamental corresponde (a pelo
menos) um dever o Estado; e a terceira, o custo do direito não necessariamente é igual ao custo
do dever do Estado.
implica em que as prestações estatais são sempre positivas 184 . Assim, tende-se a superar a
divisão entre direitos positivos e negativos, mesmo quando se refiram aos direitos fundamentais,
uma vez que o Estado sempre agirá para proteger, afirmar ou promover os direitos dos
cidadãos185. Essa compreensão é compatível com a ideia de superação da tese das “gerações”
de direitos – ou mesmo de “dimensões”, como discutido no Capítulo 2.2. Por outro lado, cumpre
destacar que trataremos de direitos prestacionais em sentido estrito, em linha com Alexy, isto é,
direitos a algo que se demanda do Estado, porém capazes de obter-se no mercado, desde que
184
HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass R. The Cost of Rights. Why liberty depends on taxes. New York: W. W.
Norton, 1999.
185
Cf. HOLMES; SUSTEIN. op. cit. Cap. 1.
186
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2015, pág. 499: “Direitos a
prestação em sentido estrito são direitos do indivíduo, em face do Estado, a algo que o indivíduo, se dispusesse de
meios financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no mercado, poderia também obter de
particulares.”.
80
forma expressa (...) e direitos a prestação atribuídos por meio de interpretação” de modo a traçar
tratam de norma que fundamentem direitos e deveres definitivos ou prima facie, isto é, regras
ou princípios187.
qualquer outro período histórico, uma gama de obrigações (deveres), mormente os de cunho
quando já estava esse conceito em crise189, e que, por outro lado, impuseram o debate sobre as
Estado (Direito Financeiro), são necessários recursos públicos para executar as necessidades
públicas, isto é, o Estado precisa de recursos financeiros para que possa cumprir seus objetivos
nenhum direito dos cidadãos192. Para tanto, o balanceamento entre receitas e despesas se faz
imprescindível, cuja gestão revela, entre outras, informações sobre a capacidade gerencial do
187
Idem, ibidem, pág. 500-502. A discussão sobre estes critérios foge ao escopo do presente trabalho, logo não se
expandirá o tema.
188
JESSOP, BOB. Política Social, Estado e “Sociedade”. SER social, Brasília, v.15, n. 33, p261-384, jul-dez.
2013. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Da Administração Pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço
Público. Ano 47, v. 120, n. 1, pág. 7-40, jan-abr. 1996.
189
“A dificuldade analítica para distinguir corretamente os casos de retrocesso dos casos de acomodação ou
calibração inicia-se pela própria caracterização do que seria um Estado de Bem-Estar e dos seus tipos ideais ou
“regimes”, passando pela escolha das variáveis apropriadas para medir a evolução das características previamente
definidas. As primeiras especulações a respeito de uma crise terminal do Estado de Bem-Estar, da parte tanto de
neomarxistas quanto de neo-liberais conservadores, aparentemente, não exerceram papel estruturante sobre o
debate subsequente, que estaria oscilando entre hipóteses mais contidas diante dos desafios e pressões colocados
pelas crescentes internacionalização do sistema econômico e redução dos espaços de ação política dos Estados
nacionais, a saber: a hipótese do retrenchment versus a hipótese da mera reestruturação dos welfare states”.
SCHUARTZ, Luis Fernando. Universalização dos fins e particularização dos meios: política social e significado
normativo dos direitos fundamentais. Revista Direito GV. v. 5, n. 2, p. 359–376, dez. 2009. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/ S1808-24322009000200005. Acesso em: 16 abr. 2016.
190
VALLE, Vanice Regina Lírio do. Direito fundamental à boa administração e governança: democratizando
a função administrativa. 2010. 254 p. Tese (Pós-doutorado em Administração) FAV/EBAPE, Rio de Janeiro, 2010.
(mimeo). pág. 60. Disponível em http://bibliotecadigital.fgv.br/ dspace/handle/10438/6977, acesso em 07.02.2016.
191
GOMES, Carlos Roberto de Miranda. Manual de Direito Financeiro e Finanças Públicas. 3 ed. Editora F3D:
Natal, 2006.
192
Cf. HOLMES; SUSTEIN. op. cit.
81
crise fiscal, tendo o Estado brasileiro adentrado pelo segundo exercício fiscal consecutivo em
déficit orçamentário 194 , inflação recrudescente 195 e recessão econômica 196 . Esse quadro se
mostra desafiador para o Estado brasileiro, uma vez que, para além das discussões teoréticas
depara com o ambiente econômico marcado por retração das receitas públicas e alta inflação
sociais (prestacionais).
Nesse ambiente e clima, a ação governamental será testada, com muito mais
vigor, no quesito das escolhas alocativas, de cunho político e legal, como sói a definição das
despesas públicas197. Também nesse quadro, pode-se discutir o próprio alcance dos direitos
193
“Por escolhas públicas deve-se entender aquelas atividades de decisão dos agentes políticos, mediante atos
legais ou administrativos, segundo critérios democráticos ou funcionais controlados pelo Direito, exercidas ao
longo de toda a atividade financeira do Estado. (...) Esclareça-se, desde logo, que a expressão "escolha pública"
não equivale a alguma tradução da usualmente referida à escola americana da public choice”. Cf. TORRES, Heleno
Taveira. Direito Constitucional Financeiro. Teoria da Constituição Financeira. São Paulo: RT, 2014, pág. 118.
194
“Encerrado o ano de 2015, verificou-se que o Aoverno Federal atingiu déficit primário de R$ 118,4 bilhões,
composto de déficits do Aoverno Central de R$ 116,7 bilhões e das Empresas Estatais Federais de R$ 1,7 bilhão,
resultado superior ao mínimo exigido na LDO (déficit de R$ 118,7 bilhões).” BRASIL. Secretaria do Tesouro
Nacional/MF. Secretaria de Orçamento Federal/MPOA. Relatório de Avaliação de Cumprimento das Metas
Fiscais Exercício de 2015. Brasília, fev./2016. Disponível em https://www.tesouro.fazenda.gov.br/relatorio-de-
cumprimento-de-metas. Acesso em 01/06/2016.
195
“Em 2015, a taxa de inflação medida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
alcançou 10,67%, ultrapassando, assim, o limite superior do intervalo de tolerância de 2,0 pontos percentuais (p.p.)
acima da meta de 4,5% ao ano (a.a.), estabelecida pelo CMN por meio da Resolução nº 4.237, de 28 de junho de
2013”. Aviso 1/2016−BCB, de 8 de janeiro de 2016. Carta Aberta de que trata o parágrafo único do art. 4º do
Decreto nº 3.088, de 21 de junho de 1999, do Presidente do Banco Central do Brasil ao Ministro de Estado da
Fazenda. Disponível em http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/carta2016.pdf. Acesso em 12/03/2016.
196
“O PIB em 2015 sofreu contração de 3,8% em relação ao ano anterior, a maior da série histórica iniciada em
1996. Em 2014, o PIB havia ficado praticamente estável (+0,1%). Em decorrência desta queda, o PIB per capita
alcançou R$ 28.876 (em valores correntes) em 2015, após ter recuado (em termos reais) 4,6% em relação ao ano
anterior”. IBAE, A Economia Brasileira no 4º Trimestre de 2015: Visão Geral. Disponível em
ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Comentarios/pib-vol-val_201504
comentarios.pdf. Acesso em 12/03/2016.
197
Cf. TORRES, Heleno Taveira. op. cit., pág. 152.
82
Estas observações se agudizam porque será pela ação do legislador ordinário que
se farão os ajustes nas políticas públicas, que visam a garantir a concretização do programa
Economics) surgiu nos Estados Unidos da América, e ganhou corpo na década de 1960 com a
publicação The Problem of Social Cost, de Ronald Coase, em 1961, pelo Journal of Law and
Economics.199
198
CANOTILHO, José Joaquim Aomes. O Direito Constitucional como Ciência de Direcção: o núcleo essencial
de prestações sociais ou a localização incerta da socialidade (Contributo para a reabilitação da força normativa da
“constituição social”). Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 22, fev. 2008. Disponível em:
http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao022/Jose_Canotilho.htm Acesso em: 22 jul. 2016.
199
“Identificar qual a teoria econômica que melhor reflete o núcleo central do Law and Economics não é tarefa
fácil. A maioria dos pesquisadores que se debruçam atualmente sobre o tema prefere não entrar nesse debate,
contentando-se em apresentar a Análise Econômica do Direito como uma escola eclética, que comportaria diversas
83
eficiência200.
racionais, uma vez que os indivíduos agem sempre de forma a maximizar sua satisfação
conduzem a maior eficiência do sistema, que vem a ser o objetivo desta metodologia202.
forte sede na Ciência Econômica trasladando-o para o Direito. No nosso ordenamento jurídico,
a eficiência foi introduzida pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998, como um dos princípios
basilares da Administração Pública (CF, art. 37, caput). Nesse sentido, mais do que ligar-se à
noção de “eficiência” no plano da dogmática jurídica ou da teoria geral do direito (às normas),
a eficiência diz respeito a ação administrativa voltada para atingimento dos fins lícitos, por vias
lícitas, para resolver problemas que a Ordem Jurídica impõe ao Estado; noutras palavras, “toda
a ação administrativa deve ser orientada para a concretização material e efetiva da finalidade
tradições. Os professores Mercuro e Medema, por exemplo, listam como subdivisões teóricas do Law and
Economics, a Escola de Chicago, a teoria da Public Choice, a Escola Institucionalista e Neo-institucionalista, a
Escola de New Haven, o Moderno Republicanismo e, até mesmo, a Escola do Critical Legal Studies” COELHO,
Cristiane de Oliveira. A Análise Econômica do Direito enquanto Ciência: uma explicação de seu êxito sob a
perspectiva da História do Pensamento Econômico. In: XI Annual Alacde Conference, 2007, Brasília. Latin
American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual Papers. Berkeley: University of
California, 2007. p. 1-26. Disponível em http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/050107-10. Acesso em
30/01/2016.
200
LARA, Fabiano Teodoro de Rezende. A análise econômica do Direito como método e disciplina. E-civitas
Revista Científica do Departamento de Ciências Jurídicas, Políticas e Gerenciais do UNI-BH Belo Horizonte, vol.
I, n. 1, nov-2008. ISSN: 1984-2716. Disponível em: www.unibh.br/revistas/ecivitas. Acesso em 20/01/2016.
201
COELHO, Cristiane de Oliveira. op. cit., pág. 8.
202
LARA, Fabiano Teodoro de Rezende. op. cit., pág. 9.
203
MENDONÇA, Fabiano André de Souza. op. cit., pág. 126.
204
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário. Vol. V: o orçamento na
Constituição. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pág. 307.
84
vista econômico e econométrico, há indicadores para aferir a eficiência do gasto público quanto
envidar a melhor gestão para alcançar, no grau máximo, o resultado finalístico da ação estatal,
o sentido teleológico da norma, bem como qualificar as tarefas do Estado. Nesse quesito, aliás,
as normas constitucionais definidoras de tarefas do Estado 208 ganham relevo, tais como na
formulação das políticas de saúde pública, cuja aplicação eficiente será aferida no exercício da
discricionariedade administrativa209.
A eficiência, por sua vez, do ponto de vista jurídico e das políticas públicas, pode
doutrina dos níveis essenciais das prestações (Livelli essenziali delle prestazioni - LEP),
205
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência Administrativa na Constituição Federal. Revista de Direito
Administrativo, v. 220, pág. 167-177, abr./jun. 2000. DOI: http://dx.doi.org/10.12660/rda.v220.2000.47532
206
MATTOS, Enlinson; TERRA, Rafael. Conceitos sobre eficiência. In: BOUERI, Rogério; ROCHA, Fabiana;
RODOPOULOS, Fabiana. Avaliação da Qualidade do Gasto Público e Mensuração da Eficiência (Org.).
Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2015. Pág. 211-233. Esse estudo aponta conceitos da Economia para
eficiência, eficácia e efetividade bastante próximos dos utilizados pelo Direito.
207
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2015.
208
HESSE, Konrad. Op. cit., pág. 40.
209
Cf. FRANÇA, Vladimir da Rocha. op. cit., pág. 174.
210
MENDONÇA, Fabiano André de Souza, op. cit., pág. 146.
211
CANOTILHO, José Joaquim Aomes. O Direito Constitucional como Ciência de Direcção: o núcleo essencial
de prestações sociais ou a localização incerta da socialidade (Contributo para a reabilitação da força normativa da
“constituição social”). Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 22, fev. 2008. Disponível em:
http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao022/Jose_Canotilho.htm Acesso em: 22 jul. 2016.
85
onde pontua212:
212
Idem, ibidem.
86
E segue:
jurídicos quase sempre via Constituição como princípios (mas também como regras), esses
aexigem uma atuação estatal (legislativa) para sua positivação; quanto aos direitos
fundamentais sociais, mais do que positivação, sua concretização depende da atuação estatal na
Direito se presta, em sua dimensão normativa214, a avaliar a adequação de dada política aos
Assim, se verifica que não é suficiente para o Direito analisar se a norma possui
técnicos que se pretende atingir – como, por exemplo, apontados acima nos níveis essenciais
das prestações (LEP). A AED é importante nesse processo pois avalia a aderência dos
213
RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; CAMPOS, Diego Caetano da Silva. Análise Econômica do Direito e a
concretização dos direitos fundamentais. Rev. Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 11, n. 11, p.
304-329, jan/jun. 2012.
214
“Em resumo, a AED positiva nos auxiliará a compreender o que é a norma jurídica, qual a sua racionalidade e
as diferentes conseqüências prováveis decorrentes da adoção dessa ou daquela regra, ou seja, a abordagem é
eminentemente descritiva/explicativa com resultados preditivos. Já a AED normativa nos auxiliará a escolher entre
as alternativas possíveis a mais eficiente, isto é, escolher o melhor arranjo institucional dado um valor (vetor
normativo) previamente definido”. GICO JÚNIOR, Ivo T. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica
do Direito. Economic Analysis of Law Review, v. 1, n. 1, p. 7-33, Jan-Jun, 2010. http://dx.doi.org/
10.18836/2178-0587/ealr.v1n1p7-33
215
RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; CAMPOS, Diego Caetano da Silva. op. cit., pág. 315.
88
medicamentosa e aumento de demandas por tratamentos evitáveis: somente Lei Federal pode
tratar de direito penal (eficácia sintática), logo proibir uma conduta (eficácia semântica); sua
efetividade se dará no caso de punir a conduta proibida; porém, a eficiência se mostrará se, de
fato, reduzir ou eliminar a automedicação. Nesse caso, a AED pode contribuir (se aplicada) para
criticar a opção legislativa (dimensão normativa) entre a norma e seu resultado, considerando
sistema judicial, aumento de demandas judiciais etc. Outros casos poderiam ser imaginados,
agora sob a perspectiva do custo econômico, quanto a moléstias que não causem morte a curto
erário e o dano social da ausência ao trabalho e do bem-estar dos doentes (benefícios além da
doméstico, controle do comércio de produtos tóxicos etc. poderiam servir como exemplos a
serem avaliados.217
216
A justificativa do Projeto de Lei n. 5.070/13 (na Câmara dos Deputados), – convertido da Lei Federal n. 13.290,
de 23/05/2016, que tornou obrigatório o uso, nas rodovias, de farol baixo aceso durante o dia – destaca: “São
constantes os abalroamentos de veículos em rodovias. Um dos fatores que contribui para estes acidentes é a pouca
visibilidade. Os designs modernos dos veículos e as novas cores utilizadas veem contribuindo para ofuscá-los no
meio ambiente mesmo durante o dia. (...) Tendo em vista que o sistema de iluminação é parte fundamental da
segurança dos veículos, e que a Resolução do CONTRAN não conseguiu sensibilizar os condutores, faz-se
necessário estabelecer a obrigatoriedade, por meio de Lei, do uso dos faróis acesos durante o dia nas rodovias,
instituindo, inclusive, sanção no caso de descumprimento. Afinal estamos tratando de vidas!”.
217
Carlos Alberto Sardenberg, em artigo intitulado “Cadê a Constituição”, no Jornal O Alobo (31/12/2015) faz
aguda reflexão sobre a viabilidade do SUS sob a Constituição Federal, na perspectiva da relação custo/benefício,
onde destaca: “Seleção e listas elaboradas com critérios médicos, sociais e econômicos seriam infinitamente mais
justas e eficientes”. http://oglobo.globo.com/opiniao/cade-constituicao-18387134. Já o jornal O Estado de São
Paulo discutiu em editorial (“Aposta errada na saúde”) do dia 31/07/2015, a realidade e desafio dos planos privados
de saúde. http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,aposta-errada-na-saude,1735547.
218
Lei Federal n. 8.080/90: “Art. 35. Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito
Federal e Municípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios, segundo análise técnica de programas e
projetos”.
89
Sistema Único de Saúde. Assim, é de se questionar o nível de eficiência desses critérios. Sob
esse prisma, pelo menos quanto aos critérios estabelecidos nos incisos I (perfil demográfico da
ou seja, “os critérios elencados nos incisos I, II e IV do artigo 35 da Lei Federal n. 8.080/1990
explicação da ineficiência”220 o que se demostra, ainda que por outros critérios metodológicos,
dos direitos fundamentais na medida em que forneça instrumental útil para examinar se as
políticas públicas (leis, atos normativos e demais ações estatais) escolhidas pelo Estado são
eficientes para a máxima concretização dos direitos fundamentais, conforme os incentivos que
recursos.221
219
DUARTE, Janete et alii. Os Determinantes da Eficiência dos Estados no Gasto Público em Saúde.
Secretaria do Tesouro Nacional. Textos para Discussão - TD n. 009/20012. Brasília, 2012. Disponível em
www3.tesouro.gov.br/ textos_discussao/ downloads/td9.pdf. Acesso em 12/12/2015.
220
Idem, ibidem.
221
Cf. RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; CAMPOS, Diego Caetano da Silva. op. cit., pág. 326.
90
estatais positivas para sua efetivação 222 , há de se considerar, igualmente, que as realidades
despesas estatais sem considerar a necessária autorização para realização dos gastos, o que se
dá conforme a Lei Orçamentária Anual (CF, art. 167, I e II). Neste sentido, em matéria de
orçamento”223.
Nesse campo, dois conceitos, antes referidos, são fundamentais para avançar nas
discussões e análises sobre a temática da realização dos direitos fundamentais, ou seja, daqueles
de garantir um padrão socioeconômico mínimo, abaixo do qual não se pode afirmar haver
básico de prestações e serviços, que o Estado deve oferecer aos cidadãos como elementos
222
GALDINO, Flávio. op. cit., pág. 226. Cf. SUSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. op. cit. AMARAL, Gustavo.
Direito, escassez & escolha. Critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. 2 ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
223
MACHADO, Clara Cardoso. Direitos Fundamentais Sociais, Políticas Públicas e Controle Jurisdicional
do Orçamento. 2010. Dissertação de mestrado (Direito Público). Universidade Federal da Bahia. Faculdade de
Direito, 2010. (mimeo). “Indiscutivelmente, o orçamento é o caminho por meio do qual se permite realizar políticas
públicas, [sic] essenciais à concretização dos direitos fundamentais sociais. Vislumbra-se, por conseguinte, nítida
conexão entre direitos sociais e orçamento” (pág. 67).
224
“Cumpre ressaltar que em torno da expressão – mínimo existencial há uma plurivocidade de sentidos que
remete, por exemplo, ao plano filosófico (direito à felicidade, à igualdade, à liberdade, à dignidade da pessoa
humana) e ao plano econômico-social (direito ao desenvolvimento humano, a questão da pobreza e miséria, a
redistribuição de rendas). Na perspectiva jurídica, aqui perseguida, esses fatores filosóficos, econômicos e sociais
serão considerados de maneira mediata e ínsita para exigibilidade do direito fundamental mínimo no caso concreto,
que será conseqüência do modelo de ponderação”. MACHADO, Clara Cardoso. op cit., pág. 55.
91
outro lado, o tema evolui, para determinar que a reserva do possível fosse entendida como a
fundamentais, uma vez que os direitos fundamentais não são absolutos228. Assim, se há um
“mínimo” a ser considerado e protegido, abaixo do qual não se admite transigir pelo consenso
social, por outro lado há que se considerar as possibilidades e limites (fáticos) do Estado em
prestacionais. A definição deste conteúdo tanto é polêmica quanto histórica, isto é, varia no
tempo e no espaço. Bem de ver que a expressão surgiu na jurisprudência do Supremo Tribunal
Possível deve limitar pretensões dos cidadãos a prestações positivas estatais àquilo que o
indivíduo possa racionalmente exigir da sociedade, ao consignar, com a remissão aos princípios
se pudesse falar em “mínimo prestacional”, cujo “máximo” seria dado pelas possibilidades
225
BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da
pessoa humana. 3ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
226
FISCHER, Octavio Campos; OLIVEIRA, Heletícia Leão de. Algumas aproximações entre políticas públicas
de saúde, orçamento e decisões judiciais. Revista da AJURIS. v. 42, n. 137, pág. 387-430, Março 2015.
227
SAMPAIO, Marcos. O conteúdo essencial dos direitos sociais. São Paulo: Saraiva, 2013. SILVA, Virgílio
Afonso da. Direitos Fundamentais. Conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 3ª tir. São Paulo: Malheiros,
2014.
228
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo 4 ed. 3 tir. Saraiva: São Paulo, 2014.
229
GAIER, Reinhard. Pretensões positivas contra o Estado e a Reserva do Possível na jurisprudência do Tribunal
Constitucional Federal. SEMINÁRIO INTERNACIONAL BRASIL – ALEMANHA: THOMPSON FLORES,
2., 2011, Florianópolis. Cadernos do CEJ n. 27. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2011, pág. 14-21 (tradução
de Márcio Flávio Mafra Leal).
92
materiais (financeiras) do caso concreto sob atenção (dever) estatal. De fato, parece-nos
subjetivo visto como pretensão230 é correlato a um dever do Estado para sua satisfação. Então
o direito e o dever se correlacionam numa relação (jurídica) integral; não é que exista um direito
mínimo, mas um conteúdo mínimo a ser exigido, logo “mínimo” deve se referir ao objeto da
prestação e não ao objeto do direito subjetivo público (prestação). Direito, nesse caso, é relação
jurídica; outra coisa é o objeto da prestação 231 . Mutatis mutandis, mesmo que o direito
integral o direito; se o pagamento será feito integralmente ou não, à vista ou parcelado, com ou
sem desconto, já não se trata do direito em si, mas ao conteúdo da prestação e a forma de
humana que se confunde com o mínimo existencial, posto que descrevam um mesmo
fenômeno232, não se poderia, portanto, tratar de “direito mínimo”, mas de um conteúdo mínimo
desse direito.
fáticas do ponto de vista orçamentário, isto é, do direito financeiro, numa relação entre direito
subjetivo e dever do Estado233. Essa reserva pode ser entendida tanto sob o aspecto fático quanto
230
Cf. GALDINO, Flávio, op. cit., pág. 137.
231
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18 ed. Saraiva: São Paulo, 2007, pág. 377:
“É oportuno expressar, com o propósito de amarrar melhor os conceitos, que uma coisa é o objeto da obrigação:
no caso, a conduta prestacional de entregar uma porção de moeda; outra, o objeto da prestação, representado aqui
pelo valor pecuniário pago ao credor ou por ele exigido”.
232
BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da
pessoa humana. 3ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. pág. 247.
233
“La cuestión de la «reserva de lo posible» (Vorbehal des Móglichen), de la necesaria ponderación que han de
efectuar los poderes públicos (Abwagung) en lo que respecta al modo de garantizar, con efectividad, ese derecho
(«mejora de la capacidad existente », «ampliación de la capacidad», «subvenciones a establecimientos
alternativos») nos lleva a un tipo de derecho prima facie al que corresponde, por parte de los poderes públicos, un
93
opções políticas que privilegiem ou não determinada prestação estatal (dever jurídico)235. Mas
essa consideração doutrinária merece um aclaramento: sabe-se que o direito financeiro trata da
atividade financeira do Estado, que compõe as receitas e despesas públicas236 no duplo aspecto
créditos adicionais (dimensão normativa), segundo expressa o art. 165, §8º, da Constituição
Federal, enquanto o plano financeiro cuida da entrada e saída dos recursos públicos na fase da
execução orçamentária (dimensão fática). Assim, a exaustão do orçamento público pode ser
para executar a despesa pública, enquanto a exaustão financeira deva ser considerada como a
insuficiência da arrecadação da receita prevista seja pela frustração, seja pelo esgotamento
propriamente dito da receita arrecadas, que fora despendida com despesas autorizadas pela Lei
Orçamentária. Maior aprofundamento sobre esta temática está fora do âmbito de interesse deste
trabalho.
estatal, não pode ser oposto como impedimento sem fundamentação e demonstração da situação
fática, como ressaltou o STF237, a esse respeito, por ocasião do julgamento da ADPF 45, em
deber prima facie”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Tomemos en serio los derechos económicos, sociales y
culturales. Revista del Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, n. 1, p.239-260, set/dic. 1988.
234
Idem, ibidem. pág. 278.
235
Cf. GALDINO, Flávio. Op. cit., pág. 235.
236
OLIVEIRA, Régis Fernandes; HORVATH, Estevão; TAMBASCO, Teresa Cristina Castrucci. Manual de
Direito Financeiro. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1993.
237
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Medida Cautelar em Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental. ADPF 45. Relator Min. Celso de Mello. Julgamento: 29/04/2004. Publicação DJ 04/05/2004, pág.
12. RTJ, vol. 200, n. 1, pág. 191.
94
que teceu doutrinária lição que identificamos apoio no precedente numerus clausus alemão238,
238
GAIER, Reinhard.op. cit.
95
custos tanto podem ser óbices como pressupostos dos direitos 239 . Assim, os recursos
econômicos, vistos como pressupostos, dão possibilidade de concretização dos direitos; por
outro lado, vistos como óbices, apontam os desafios a serem superados240 – inclusive a exaustão
Ainda a reserva do possível, agora sob o ponto de vista jurídico, isto é, ausência
239
GALDINO, Flávio. Op. cit., pág. 234.
240
Idem, ibidem.
96
abarcar as necessidades públicas num dado exercício financeiro. Noutras palavras, o processo
das demandas hauridas da sociedade, conforme o planejamento estatal (CF, art. 174). Isso
também se refere às próprias concepções que se tem sobre o Estado e seu papel na sociedade e
na Economia. Essas opções são expressas na Constituição; assim, tendo o Estado múltiplas
melhor forma de distribuição dos recursos estatais, que se destinam a realização dessas suas
tarefas. Sendo o Estado voltado a objetivos constitucionais (CF, art. 3º), não pode, por outro
lado, assumir tarefas sem lei que as estabeleçam (princípio de legalidade estrita), ou seja, que
Não custa lembrar que a formação das leis (e das escolhas públicas) é processo
complexo, onde múltiplos interesses legítimos lutam por prevalecer. Esse processo revela o tipo
241
Vide Lei Federal n. 4.320, de 17 de maro de 1964: “Art. 22. A proposta orçamentária que o Poder Executivo
encaminhará ao Poder Legislativo (...) compor-se-á: I - Mensagem, que conterá: exposição circunstanciada da
situação econômico-financeira (...); exposição e justificação da política econômica-financeira do Govêrno;
justificação da receita e despesa, particularmente no tocante ao orçamento de capital; (...) IV - Especificação dos
programas especiais de trabalho custeados por dotações globais, em têrmos de metas visadas, decompostas em
estimativa do custo das obras a realizar e dos serviços a prestar, acompanhadas de justificação econômica,
financeira, social e administrativa. Parágrafo único. Constará da proposta orçamentária, para cada unidade
administrativa, descrição sucinta de suas principais finalidades, com indicação da respectiva legislação. (...) Art.
27. As propostas parciais de orçamento guardarão estrita conformidade com a política econômica-financeira, o
programa anual de trabalho do Govêrno e, quando fixado, o limite global máximo para o orçamento de cada
unidade administrativa”.
242
Cf. HESSE, Konrad. Op. cit., pág. 40s.
243
Este princípio estabelece que a lei orçamentária deve abarcar e quantificar todas as receitas e todas as despesas
de cada Ente da Federação, incluindo seus Poderes, Órgãos Autônomos, Fundos, Órgãos e Entidades da
Administração Pública, com previsão no art. 165, §5º, da Constituição Federal e no art. 2º da Lei Federal n. 4.320,
de 17 de março de 1964.
244
OLIVEIRA, Régis Fernandes; HORVATH, Estevão; TAMBASCO, Teresa Cristina Castrucci. Manual de
Direito Financeiro. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1993, pág. 9: “Cuida-se, ante de mais nada, para
preenchimento do conceito, de uma decisão política. O Estado é quem vai dizer, para usar verbo vicário, no texto
constitucional e nas leis posteriores, quais as necessidades que vai encampar como públicas. (...) Todavia, pondere-
se que, entre o ser e o dever ser há bastante distância. O que deve o Estado atender, seja por definição jusnaturalista,
seja por posição positivista, e aquilo que, dentro da realidade pode ele resolver, fica o imponderável econômico”.
245
THEODORO, Marcelo Antônio Theodoro; SILVA, Laís Batistuta Silva. Custo do direito: apontamentos sobre
o conflito entre reserva do possível e mínimo existencial. In: DOMINGOS, Terezinha de Oliveira, RIBAS, Lídia
Maria, PINTO, Helena Elias (Org.). Direitos sociais e políticas públicas I. CONPEDI/UNINOVE. Florianópolis:
FUNJAB, 2013.
97
– não há recursos para tudo e todos ao mesmo tempo. Tendo, repita-se, o Estado múltiplas
orçamentária, que os casos concretos se mostram a reclamar uma prestação do Estado, para cuja
(Constituição) nem do Econômico (fático), ou seja, das condições de realização jurídica e fática,
não se podendo constituir uma “promessa inconsequente” (STF, ADPF 45). De toda sorte, no
campo de estudo em análise, isto é, dos direitos econômicos, sociais e culturais, o multirreferido
direitos sociais, também não se pode prescindir da “leitura” do âmbito normativo 247 , que
alcança as condições materiais para sua realização. E a norma orçamentária, ainda que vista
246
TORRES, Heleno Taveira. op. cit., pág. 152.
247
MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: RT, 2008, pág. 199: “O âmbito normativo
como componente estrutural da norma jurídica é um projeto tipificador no campo das possibilidades reais daquilo
que aparece regulado realmente corno caso particular no âmbito de validade da norma concretizada”.
98
ações e serviços públicos de saúde parcela de receita de impostos, não descrevendo nem
indicando, porém, a que elas se referem ou constituem; deixou esta disposição à lei.
Nesse sentido, a própria Lei do SUS (Lei Federal n. 8.080/90), antes referida,
destacou em seu art. 6º o que possa ser compreendido como o âmbito material de atuação do
Sistema Único de Saúde, isto é, que pode ser compreendido, sob o olhar jurídico, como ações
e serviços públicos de saúde. Num primeiro momento, pode-se cogitar que há alinhamento da
Lei com a compreensão de “saúde” preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS),
bem como com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)
referidos no Capítulo 2. De fato, o dispositivo legal referido considera estarem “ incluídas ainda
trabalho (inciso V). Essa compreensão é reforçada com a Lei Complementar n. 141, de 2012,
que veio regulamentar o art. 198 da Constituição Federal e suplantar o art. 77 dos ADCT, trazido
pela Emenda Constitucional n. 29, de 2000, que, no seu art. 3º aponta quais despesas podem ser
hospitalares”, não considerando fatores outros que possam afetar, ainda que indiretamente, a
saúde das pessoas, como o saneamento básico, incluída a coleta de resíduos sólidos (lixo).
Por outro lado, o critério de eficiência para aferir a realização de ações e serviços
141/12. Desta maneira, do ponto de vista legal, será eficiente a União, um Estado ou um
Município que aplicar, em ações e serviços públicos de saúde, não menos do que o percentual
Também merece destacar que a própria Constituição Federal (ADCT, art. 77),
com a Emenda Constitucional n. 29, de 2000, estabeleceu que “os recursos dos Estados, do
transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde”
e que esses Fundos serão acompanhados e fiscalizados “por Conselho de Saúde, sem prejuízo
de Contas competente. Segundo estabelece o art. 71 da Lei Federal n. 4.320/64, “constitui fundo
tendo a Lei de Responsabilidade Fiscal estatuído no parágrafo único do art. 8º que “os recursos
objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso”;
assim, a Constituição estabeleceu esse mecanismo jurídico-contábil para que as ações e serviços
públicos de saúde possam ser melhor empregados, bem como tenham a destacada
evidenciação248 orçamentária e contábil. Portanto, são os Fundos de Saúde uma estratégia para
gestão, contabilização e controle dos recursos destinados ao financiamento das ações e serviços
248
“A evidenciação se faz através dos registros, e consequentemente das demonstrações contábeis, das quais se
toma conhecimento dos bens, direitos e obrigações que estão sob a responsabilidade de todos quantos, de qualquer
modo, arrecadem receitas, efetuem despesas, administrem ou guardem esses bens pertencentes ou confiados as
instituições públicas”. REIS, Heraldo da Costa, e MACHADO JÚNIOR, José Teixeira. A lei 4.320 comentada e
a lei de responsabilidade fiscal. 33.ed. - Rio de Janeiro: Lumen Juris, IBAM, 2010, pág. 178. Vide art. 2º e 89 da
Lei Federal n. 4.320, de 17 de março de 1964.
100
públicos de saúde, cuja disciplina normativa está contida na Lei Complementar n. 141/2012.
Constituição Federal, o trato da coisa pública (res publica) deve ser transparente e prestadas
contas dos recursos públicos geridos por quem ocupa os cargos públicos, consoante comezinha
da Execução Orçamentária (RREO) no art. 165, §3º, para ser divulgado em até 30 dias após o
encerramento de cada bimestre, além da sistemática dos controles interno (art. 31 e 74) e
externo, que é feito pelo Poder Legislativo com auxílio dos Tribunais de Contas (art. 71 e 75).
Em nível municipal, a Carta Magna também estabeleceu, no art. 31, §3º, que “as contas dos
para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei”.
viés às prestações de contas (art. 56 a 58), já tratadas pela Lei Federal n. 4.320, de 17 de março
de 1964, em seus art. 75 a 82. A inovação trazida pela LRF foi a institucionalização, com cabal
definição de conteúdo, tanto do RREO (art. 52 e 53) como do RAF – Relatório de Aestão Fiscal
(art. 54 e 55). Esses relatórios conterão dados e informações sobre a execução orçamentária e
249
Vide BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. 9ª tir. Malheiros: São Paulo, 2000, capítulos 14 e 21.
101
de saúde integra um anexo específico do RREO, segundo foi regulamentado inicialmente pela
de contabilidade da União250, no uso da atribuição conferida pelo art. 50, §2º, da LRF, para
n. 141, em seu art. 34, ao dispor sobre o dever de prestar contas, determinou a elaboração
Saúde (SIOPS), antes previsto apenas em singela e insólita Portaria Conjunta do Ministro da
executadas à essa conta, conforme estatuído na Lei Complementar n 141/2012, que dispõe:
250
Vide Lei Federal n. 10.180, de 6 de fevereiro de 2001.
251
No âmbito do Estado do Rio Grande do Norte, alinhado com as normas gerais fixadas pela STN/MF, o Tribunal
de Contas do Estado editou a Resolução n. 11, de 9/6/2016, que “Regulamenta os modos de organização,
composição e elaboração de documentos, procedimentos e demonstrativos previstos na Lei de Responsabilidade
Fiscal, bem como de processos de execução da despesa pública, no âmbito do Estado do Rio Grande do Norte e
dos seus respectivos Municípios, estabelece formas e prazos para sua apresentação ao Tribunal de Contas e dá
outras providências”, trazendo disposições sobre o cumprimento e a demonstração da aplicação de recursos com
ações e serviços públicos de saúde.
252
Portaria Conjunta nº 1.163, de 11 de outubro de 2000 (DOU 20/10/2000). Como salienta Maria Sylvia Zanella
di Pietro (op. cit, pág. 127), Portaria tem “alcance limitado ao âmbito de atuação do órgão expedidor. Não tem o
mesmo alcance nem a mesma natureza que os regulamentos baixados pelo Chefe do Executivo”, logo não pode
exorbitar à lei, conforme consolidada jurisprudência do STF (ADI 1075; AC 1033 AgR-QO).
102
confirmação de sua efetivação tivesse se dado; agora se exige o pagamento da despesa, ou seja,
a entrega do numerário ao credor, na forma do art. 65 da Lei Federal n. 4.320/64. Por outro lado,
o inciso II trata dos chamados “restos a pagar não processados”253 na forma do art. 36 dessa
Lei254, ou seja, das despesas para as quais se iniciou o processo de sua realização, mas sequer
quantifica o “direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos
considerando os registros dos atos e fatos contábeis e financeiros de cada Ente da Federação,
253
MINISTÉRIO DA FAZENDA. SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Manual de Contabilidade
Aplicada ao Setor Público. Aplicado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. 6ª Edição.
Brasília: STN/MF, 2015, pág. 113: “No fim do exercício, as despesas orçamentárias empenhadas e não pagas serão
inscritas em restos a pagar e constituirão a dívida flutuante. Podem-se distinguir dois tipos de restos a pagar: os
processados e os não processados. Os restos a pagar processados são aqueles em que a despesa orçamentária
percorreu os estágios de empenho e liquidação, restando pendente apenas o estágio do pagamento. Em geral, não
podem ser cancelados, tendo em vista que o fornecedor de bens/serviços cumpriu com a obrigação de fazer e a
Administração não poderá deixar de cumprir com a obrigação de pagar. Serão inscritas em restos a pagar as
despesas liquidadas e não pagas no exercício financeiro, ou seja, aquelas em que o serviço, obra ou material
contratado tenha sido prestado ou entregue e aceito pelo contratante. Também serão inscritas as despesas não
liquidadas quando o serviço ou material contratado tenha sido prestado ou entregue e que se encontre, em 31 de
dezembro de cada exercício financeiro, em fase de verificação do direito adquirido pelo credor ou quando o prazo
para cumprimento da obrigação assumida pelo credor estiver vigente”.
254
Lei Federal n. 4.320/64: Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas, mas não pagas até o
dia 31 de dezembro distinguindo-se as processadas das não processadas.
255
A Emenda Constitucional n. 94, de 2016, promulgada em 15/12/2016, estabeleceu novo critério para definição
da base de cálculo das despesas com ações e serviços públicos de saúde ao acrescentar o art. 105 aos ADCT, que
confirmam o critério ora estabelecido: a despesa efetivamente realizada no exercício anterior. Esse assunto será
abordado com mais vagar no Capítulo 5.
103
256
Conforme Resolução do Conselho Federal de Contabilidade CFC Nº 750/93, de 29/12/1993 (DOU 31.12.1993)
“Art. 2º. Os Princípios de Contabilidade representam a essência das doutrinas e teorias relativas à Ciência da
Contabilidade, consoante o entendimento predominante nos universos científico e profissional de nosso País.
Concernem, pois, à Contabilidade no seu sentido mais amplo de ciência social, cujo objeto é o patrimônio das
entidades. Art. 3º São Princípios de Contabilidade: i) o da entidade; ii) o da continuidade; iii) o da oportunidade;
iv) o do registro pelo valor original; v) revogado; vi) o da competência; e vii) o da prudência”.
257
Resolução CFC nº 1.111/2007, que dá “interpretação dos princípios fundamentais de contabilidade sob a
perspectiva do setor público” (Apêndice II da Resolução CFC nº. 750/93). Vide MINISTÉRIO DA FAAENDA.
SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Aplicado à
União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. 6ª Edição. Brasília: STN/MF, 2015, pág. 24 a 32.
258
MINISTÉRIO DA FAZENDA. SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Manual de Contabilidade
Aplicada ao Setor Público. Aplicado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. 6ª Edição.
Brasília: STN/MF, 2015, pág. 24.
104
item 4.3, são os instrumentos de movimentação dos recursos destinados à Saúde, incluídas as
transferências legais no âmbito do SUS (art. 18 e 20), conforme ressaltado pelo parágrafo único
do art. 2º da Lei Complementar n. 141, de 2012, repetindo o disposto no art. 77, §3º dos ADCT,
198 da Constituição Federal e dela própria, ficando evidenciado que “compete ao Tribunal de
Contas, no âmbito de suas atribuições, verificar a aplicação dos recursos mínimos em ações e
serviços públicos de saúde de cada ente da Federação sob sua jurisdição” (art. 25, §ún.).
Uma vez que a Constituição Federal, no art. 160, §ún., II, permitiu condicionar
públicos de saúde, a Lei Complementar n. 141/2012, tratando259 dessa matéria no art. 26, adotou
execução adicional, no montante que faltar, durante a execução do orçamento em que for
259
Entendemos que, nesse particular, a Lei Complementar n. 141/2012 arrimou-se no art. 161, II, da Constituição
Federal, ainda que para regulamentação parcial desse dispositivo. Diz a CF: “Art. 161. Cabe à lei complementar:
II - estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de
rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e
entre Municípios”.
105
constatada essa insuficiência. Também disciplinou, no mesmo dispositivo (§1º), que a União –
relativamente aos Estados e Municípios – e cada Estados – relativamente aos seus Municípios
equivalente ao quanto restasse para cumprir o “piso”. Por sua vez, a Lei Complementar n.
“cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à saúde” (art. 25, §1º, IV, b), a
transferências deverão ser suspensas (art. 39, §6º), podendo, porém, ser restabelecidas (art. 26,
§5º) caso demonstrado o cumprimento. Essas são sanções administrativas e políticas para o
260
Lei Complementar n. 101/2000: “Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência
voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio
ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único
de Saúde”. Segundo o Decreto n. 6.170, de 25/07/2007, art. 1º, §1º, I, convênio é acordo, ajuste ou qualquer outro
instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros entre órgãos públicos ou entre estes e entidades
privadas sem fins lucrativos, “visando a execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto,
atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação”.
106
5.1. Receitas públicas vinculadas à Saúde. 5.2. As despesas públicas com saúde. 5.3. Análise
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”, segundo o art. 194 da Carta; será
financiada, nos termos do art. 195, “por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos
da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios” e pelas contribuições sociais que elenca juntamente com os
social”, de acordo com o art. 165, §5º, III, “abrangendo todas as entidades e órgãos a ela
As fontes de custeio para a seguridade social, de acordo com o art. 195 da Constituição, foram
instituídas, em larga monta, pela Lei Federal n. 8.212, de 24 de julho de 1991, em cujo art. 27
261
Paulo de Barro Carvalho destaca que a base de cálculo “tem a virtude de confirmar, infirmar ou afirmar o
critério material expresso na composição do suposto normativo”, isto é, dá a conhecer o que se está tributando.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18 ed. Saraiva: São Paulo, 2007, pág. 342.
107
são especificadas as contribuições sociais262 que lhes são afetadas, além de outras que a própria
conterá, além das receitas próprias da seguridade (geralmente contribuições), recursos oriundos
do “Orçamento Fiscal” (CF, art. 165, §5º, I), ou seja, as despesas da seguridade, como sucede
com a “saúde” – o que foi explicitado com a própria Emenda Constitucional n. 29, de 2000 –
poderão ser custeadas com recursos de impostos e de outras fontes fiscais (as que integram o
Orçamento Fiscal), embora a recíproca não seja permitida, em razão da vinculação das receitas
da seguridade à atuação estatal que lhe dá causa. Assim, o produto da arrecadação das
contribuições vincula-se (liame jurídico) à despesa, que lhe deu razão sócio-política para ser
original, prescreve:
262
As contribuições sociais são tributos vinculados a uma atuação estatal não a um contribuinte, mas à sociedade,
ajustando-se à clássica divisão entre tributos vinculados ou não a uma atividade em prol do cidadão-contribuinte,
consagrada pelo art. 16 do Código Tributário Nacional (Lei Federal n. 5.172, de 25/10/1966).
263
CF, art. 212, §5º - contribuição do salário-educação; art. 239 – contribuições para os Programa de Integração
Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP); art. 240 – contribuições sobre
a folha de salários para o Sistema “S” e sindicais; art. 8º - sindicatos etc.
264
O art. 4º do Código Tributário Nacional esclarece que “ natureza jurídica específica do tributo é determinada
pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: II - a destinação legal do produto
da sua arrecadação”. Esse dispositivo remete ao fato gerador (CTN, art. 114-118). Porém, as contribuições, como
tributos vinculados a uma atuação estatal, têm sua razão de ser numa prestação útil à sociedade ou coletividade,
cujo fato gerador será definido por uma lei; ou seja, cobra-se o tributo em razão de uma causa (fato gerador).
Importa destacar que, para o Direito Tributário, a vinculação posta na definição do tributo se refere ao fato gerador
e não ao produto da arrecadação. O fato de a mesma lei que institui a contribuição destinar o produto da arrecadação
a uma ou outra despesa (parcela de impostos para a saúde) não desnatura o tributo (continuará sendo imposto); se
o produto for aplicado em outra finalidade, ainda que ilegalmente, também não desnatura o tributo (será imposto).
265
SCAFF, Fernando Facury. Liberdade do legislador orçamentário e não afetação: captura versus garantia dos
direitos sociais. Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico – RFDFE, Belo Horizonte, ano 5, n. 8, p.
165-181, set./fev. 2016, pág.167: “Outro conceito é o de afetação, que possui correlação com finalidades. Enquanto
a vinculação cria um liame normativo entre receita e despesa, a afetação diz respeito a uma finalidade a ser
realizada com aquela despesa.6 A vinculação é um instrumento financeiro formal, enquanto a afetação é uma
técnica financeira de conteúdo, pois cria um objetivo a ser alcançado com aquele recurso, usualmente de conteúdo
social, de investimento ou de garantia”.
108
passou a Carta a dar tratamento mais robusto ao dever do Estado para com a saúde, tendo sido
alterados vários dispositivos constitucionais (arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198) e acrescido o
mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde”, conforme destaca sua
ementa.
Art.198..................................................................................
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde
recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais
calculados sobre:
I – no caso da União, na forma definida nos termos da lei
complementar prevista no § 3º;
II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos
de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II,
deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos
Municípios;
266
Vide CF, art. 157 a 161.
267
Esse artigo foi modificado pela Emenda Constitucional n. 86, de 2015.
109
intervenção da União nos Estados ou no Distrito Federal (CF, art. 34, VII, “e”) e do Estado em
seus Municípios (art. 35, III). De igual índole, foi incluída exceção para o condicionamento das
serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente
fonte de custeio total” (art. 195, §5º), preceito detalhado na LRF, ao estatuir o regime das
268
O art. 34, VII, determina ser causa de intervenção federal nos Estados ou no DF a inobservância dos “princípios
constitucionais” que elenca. Contudo, o conteúdo da alínea “e” (“aplicação do mínimo exigido da receita resultante
de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino
e nas ações e serviços públicos de saúde”) é nitidamente de uma regra, e não de um princípio – revelada
especialmente quando submetida ao teste “tudo ou nada” (Dworkin) e ao Quadro Esquemático de Humberto Ávila,
op. cit. 102.
110
“despesas obrigatórias de caráter continuado” (art. 16, 17 e 24)269. Também foi excepcionada,
“a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde” (art. 167, IV).
como sói com saúde (art. 198, §2º) e educação (art. 212).
a despesas, especialmente no âmbito federal, que, desde 1994, com a adoção do Programa de
269
Essa disciplina espelha o “princípio” pas-as-you-go, isto é, mecanismo de compensação de despesas pela
demonstração da existência dos recursos, seja pela criação de nova fonte de financiamento, seja pela
extinção/redução de despesa, de inspiração no Budget Enforcement Act, de 1990, norte-americano. Vide
OLIVEIRA, Wéder de. Lei de Responsabilidade Fiscal, Margem de Expansão e o Processo Legislativo
Federal. Monografia. Secretaria do Tesouro Nacional. IX Prêmio Tesouro Nacional. 2004, 80 pág. (mimeo), pág.
22. Disponível em http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/cosis_monografias.obtem_monografia?p_id=140. Acesso
em 29/05/2016.
270
Ver o sumário das teorias e teses a favor e contra em CÂMARA, Maurício Paz Saraiva. Uma análise sobre
algumas causas da rigidez orçamentária após a Constituição de 1988. Instituto Serzedello Correa/Tribunal de
Contas da União, 2008. Monografia (Especialização em Orçamento Público). ISC/TCU, 2008. Disponível em
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/178058/MonografiaMauricioCamara.pdf, e DANTAS, Karlo
Eric Galvão. A Vinculação de Receitas Pós-Constituição Federal de 1988: rigidez ou flexibilidade da política
fiscal? O caso da Cide-Combustíveis. Monografia. Prêmio Tesouro Nacional. Tema IV Qualidade do Gasto
Público. 2009. Disponível em http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/Premio_TN/XIVPremio/qualidade/
3qualidadeXIVPTN/Monografia_Tema4_Karlo_Eric.pdf.
271
SCAFF, Fernando Facury. op. cit., pág. 169: “Conceito distinto dos anteriores é o de despesa obrigatória, ou
gasto obrigatório, também conhecido como despesas de execução obrigatória. ‘Diferentemente da vinculação da
receita, a despesa obrigatória resulta da legislação que cria benefícios independentemente da existência de fonte
de recursos para atendê-la’, segundo Giacomoni. São essas despesas obrigatórias as principais responsáveis pela
rigidez do orçamento, pois, quanto maiores, menos espaço haverá para a discricionariedade do legislador. As
vinculações atrelam recursos a finalidades estabelecidas normativamente – existe uma fonte de recursos para
satisfazer aquela fonte de despesa. Nas despesas obrigatórias não existe a direta fonte de recursos. São despesas
dessa natureza os gastos com pessoal, os encargos da dívida pública e os gastos previdenciários, dentre outras”.
272
Vide Emenda Constitucional de Revisão n. 1, de 1994, e Emenda Constitucional n. 17, de 1997. Quando
proposta, a rigidez orçamentária da União ultrapassava inacreditáveis 90%, segundo destacado por BASTOS,
Estêvão Kopschitz Xavier. Plano Real, consolidação da estabilidade, crise internacional e desequilíbrios (1994-
1998). In: RIBEIRO, Fernando José da S. P. (Org.). Economia brasileira no período 1987-2013. Relatos e
interpretações da análise de conjuntura no Ipea. IPEA: Brasília, 2015. Disponível em www.ipea.gov.br.
111
receitas da União – DRU273. Nesse diapasão, como dito, o Ato das Disposições Constitucionais
273
Vide Emendas Constitucionais n. 27, de 2000, n. 42, de 2003, n. 56, de 2007, e n. 68, de 2011, cujos efeitos
expiraram em 31/12/2015. A Emenda Constitucional n. 93, de 2016, de iniciativa da Presidente da República,
prorrogou a DRU até 31/12/2023; segundo a Exposição de Motivos Interministerial n. 88/2015 MP MF, “A
prorrogação na vigência da DRU justifica-se porque a estrutura orçamentária e fiscal brasileira possui elevado
volume de despesas obrigatórias, tais como as relativas a pessoal e a benefícios previdenciários, e também
vinculação expressiva das receitas orçamentárias a finalidades específicas. Esse delineamento tende a extinguir a
discricionariedade alocativa, pois reduz o volume de recursos orçamentários livres que seriam essenciais
para implementar projetos governamentais prioritários”.
112
Complementar estabelecida no §3º do art. 198, a Constituição (ADCT, art. 77, I) estipulou que
empenhada no exercício financeiro de 1999 acrescida de 5% (alínea “a”) e entre 2001 a 2004,
o valor do ano anterior corrigido pela variação do Produto Interno Bruto - PIB (alínea “b”);
enquanto não viesse à lume a Lei Complementar referida, seria mantida esta regra, isto é, o
Os Estado e o Distrito Federal (ADCT, art. 77, II), porém, deveriam empregar
em ações e serviços públicos de saúde não menos do que 12% (doze por cento) da receita de
seus impostos274, da retenção do imposto sobre a renda incidentes na fonte dos pagamentos que
fizer e da sua participação (20%) dos impostos que a União instituir no uso de sua competência
274
CF, Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis
e doação, de quaisquer bens ou direitos; II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se
iniciem no exterior; III - propriedade de veículos automotores.
113
residual (art. 157), bem como das transferências de impostos da União que receber via Fundo
de Participação dos Estados – FPE (art. 159, I, a) e de sua cota de participação no Imposto sobre
Produtos Industrializados - IPI (art. 159, II), deduzidos os montantes que transferir, dessas
Quanto aos Municípios e o Distrito Federal (ADCT, art. 77, III), deverão ser
empregados em ações e serviços públicos de saúde não menos de 15% (quinze por cento) do
produto da arrecadação dos seus impostos 275 e dos recursos relativos a sua participação na
receita de impostos da União e do respectivo Estado (CF, art. 158), bem como do Fundo de
Participação dos Municípios -FPM (CF, art. 159, I, b) e do que lhe couber oriundo da cota de
Importa destacar que o art. 77, I, “a”, dos ADCT utilizou o critério “despesa
empenhada” para servir de base para calcular o montante a ser empregado pela União, mas
nenhum critério constitucional foi estabelecido quanto as despesas dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios para a fase de realização da despesa pública, isto é, empenho,
disposição legal gerou muitas indefinições, tendo se fixado o critério de despesa liquidada para
aferir o efetivo emprego por todos os Entes da Federação, segundo orientações do Ministério
2012 – prevista no art. 198 da Carta Magna – com cujo advento restou superado o art. 77 dos
aplicar recursos em ações e serviços públicos de saúde resta à Lei Complementar n. 141/2012.
275
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana; II -
transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de
direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III - serviços de
qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
276
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Fundo Nacional de Saúde. Gestão Financeira do Sistema Único de
Saúde: manual básico. 3ª ed. rev. e ampl. - Brasília: Ministério da Saúde, 2003.
114
Esta lei, no art. 8º, estabeleceu que “o Distrito Federal aplicará, anualmente, em ações e serviços
públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) do produto da arrecadação direta dos
impostos que não possam ser segregados em base estadual e em base municipal”, como sejam
os recursos previstos no art. 159, II, e §3º, da Constituição Federal, suprindo o comando
constitucional e superando a norma transitória dos ADCT. Quanto aos demais Entes, manteve
a regra do art. 77 dos ADCT, porém – mesmo por ausência de previsão do art. 198 da CF – não
incluiu na base de cálculo os valores relativos aos adicionais de 2% que receberão os municípios
à guisa de FPM (CF, art. 159, I, “d” e “e”) introduzidos pela Emendas Constitucionais nº 55,
o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento
pendente ou não de implemento de condição”, ou seja, não significa que haja a efetiva
realização final da despesa pública, senão que seja a primeira etapa de realização do gasto; o
empenho é limitado às dotações orçamentárias (art. 59). Por outro lado, “a liquidação da
despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e
credor estatal.
15% (quinze por cento) da Receita Corrente Líquida277 da União seu piso de aplicação em ações
277
Lei Complementar n. 101, de 4/5/2000, art. 2º, IV - receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias,
de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas
também correntes”, deduzidos os montantes especificados em seus incisos, e “ será apurada somando-se as receitas
arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores, excluídas as duplicidades” (§3º).
115
2020. Nesse sentido, do ponto de vista hermenêutico, pode-se falar que a EC 86 revogou278 o
art. 5º da Lei Complementar n. 141/2012, que estipulava a regra segundo a qual a União deveria
aplicar em ações e serviços públicos de saúde o valor empenhado no ano anterior corrigido
2016280, que implementa o “Novo Regime Fiscal”, basicamente determinando que a União –
Defensoria Pública – contenha suas despesas, sendo consignado, a partir do ano fiscal de 2017,
na Lei do Orçamento Anual, como limite (“teto”) a despesa executada no ano anterior corrigida
pela inflação do ano anterior medida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor
estabelecimento do “piso” da União para despesas com ações e serviços públicos de saúde:
278
Segundo a jurisprudência do STF (ADI n. 2; Rel. Min. Paulo Brossard; DJ 21-11-1997 PP-60585), “Pelo fato
de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por
ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias”. Vide MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO,
Inocêncio Mártires, e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed.. Saraiva: São
Paulo, 2015, pp. 1060-64.
279
Lei Complementar n. 141, art. 5º: “Art. 5º. A União aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de
saúde, o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, apurado nos termos desta
Lei Complementar, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno
Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual”.
280
O Congresso Nacional promulgou a emenda em 15/12/2016 e publicou no DOU em 16/12/2016.
116
2015, que estabelecia, como dito, uma progressão anual até atingir, em 2020, o mínimo (“piso”)
de 15% da Receita Corrente Líquida da União para as despesas com ações e serviços públicos
fixar, como piso, o valor das aplicações mínimas referentes ao exercício anterior corrigidas pela
variação do IPC-A. Porém a EC 95/2016 (ADCT, art. 110) alterou esse critério para antecipar
para 2017 o que ditava o art. 198, §2º, I, da Constituição Federal (15% da Receita Corrente
Líquida - RCL da União), sem a regra de transição estabelecida no antigo art. 2º da EC 86, ou
seja, em 2017 deveria ser aplicado 15% e não 13,7% da RCL, implicando em uma elevação
sobre a base de cálculo em 8,67%; a partir do exercício de 2018, essa base seria corrigida pela
mínimos”) implica em que prevalecerá o maior “piso” de ambos, ou seja, comparando-se 15%
da RCL com o valor executado no ano anterior corrigido pelo IPC-A, há de prevalecer o maior,
devendo provocar aumentos nominais permanentes dessas despesas, uma vez que não se propõe
Nesse sentido, além da observação ora exposta, impera destacar que trata-se de
“piso” das despesas, nada proibindo na EC 95 que, na LOA de cada exercício financeiro, sejam
fixadas despesas que superem esse valor mínimo, conforme sejam as decisões políticas que
definição das despesas a cargo da União (necessidades públicas) que sofrerão redução (trade-
off) a fim de dar cumprimento à regra de contenção da despesa geral da União. Portanto, não se
118
vê plausível, neste momento, objeções à EC 95 que invoquem risco de retrocesso social nas
De seu turno, porém, a Lei Complementar n. 141, de 2012, em seu art. 2º estatuiu
que “para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos nesta Lei
1990” e às diretrizes especificadas, sendo que no art. 3º fixou um rol de ações que também serão
281
De fato, não se fará nenhuma alteração na definição da base de cálculo do piso para as despesas com ações e
serviços públicos de saúde da União (CF, art. 198, §2º,I); pode-se cogitar, por outro lado, caso a inflação (IPCA)
seja superior ao aumento nominal da receita corrente líquida da União, de haver aumento, quiçá real, de recursos.
119
Por sua vez, a Lei Complementar n. 141, de 2012, no art. 4º explicitou o que não
as considera como despesas com ações e serviços públicos de saúde, para fins de apuração dos
legais no âmbito do SUS, oriundas das receitas de contribuições sociais, que integram o
art. 27 da Lei Federal n. 8.212/91282. Assim, não são somente os recursos de impostos que
financiam a saúde pública, mas várias fontes tributárias, que são instituídas e cobradas pela
União, cujo produto da arrecadação também pode ser destinado ao SUS – ao lado da
Alma-Ata, como explicitado no Capítulo 2, ou seja, “estado de bem-estar (…) e não apenas
ausência de doença ou enfermidade” –, não foi essa a concepção expressa na Lei Complementar
282
Art. 27. Constituem outras receitas da Seguridade Social: I - as multas, a atualização monetária e os juros
moratórios; II - a remuneração recebida por serviços de arrecadação, fiscalização e cobrança prestados a terceiros;
III - as receitas provenientes de prestação de outros serviços e de fornecimento ou arrendamento de bens; IV - as
demais receitas patrimoniais, industriais e financeiras;V - as doações, legados, subvenções e outras receitas
eventuais; VI - 50% (cinqüenta por cento) dos valores obtidos e aplicados na forma do parágrafo único do art. 243
da Constituição Federal; VII - 40% (quarenta por cento) do resultado dos leilões dos bens apreendidos pelo
Departamento da Receita Federal; VIII - outras receitas previstas em legislação específica. Parágrafo único. As
companhias seguradoras que mantêm o seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores
de vias terrestres, de que trata a Lei nº 6.194, de dezembro de 1974, deverão repassar à Seguridade Social 50%
(cinqüenta por cento) do valor total do prêmio recolhido e destinado ao Sistema Único de Saúde-SUS, para custeio
da assistência médico-hospitalar dos segurados vitimados em acidentes de trânsito.
121
n. 141, restringindo o reconhecimento das ações e serviços públicos mais próximo do nível
saúde, não se aplicando a despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre
população”, não obstante o estatuído nos incisos VI a VIII do art. 3º da mesma lei, acima
indicadores 283 para mensurar a real efetividade das políticas públicas. Os indicadores de
aferição dos gastos com ações e serviços públicos de saúde estão reunidos no SIOPS, de que se
falará adiante.
referente aos exercícios financeiros de 2013, 2014 e 2015, foram reunidos no Quadro 1, em
anexo, os dados referentes à receita de impostos previstos no art. 198 da Constituição Federal.
283
Vide GOTTI, Alessandra. Op. cit., pág. 237: “O papel dos indicadores será justamente o de demonstrar, em
termos quantitativos e qualitativos, o impacto da medida adotada no grau de fruição de um direito por seu público-
alvo, com relação a um específico ponto de referência temporal. Os indicadores são, ainda, importantes aliados
para tornar mais transparente a ação estatal e tornar mais objetiva a prestação de contas à sociedade, na medida
em que permitem aferir a eficiência e economicidade na alocação dos recursos públicos, a eficácia no cumprimento
das metas e a efetividade nos resultados alcançados pelas políticas públicas. (...) Os indicadores desempenham um
papel instrumental tanto no planejamento da ação estatal (a partir dos objetivos prioritários definidos na
Constituição e nos tratados internacionais), bem como nas fases de formação, avaliação e monitoramento das
políticas públicas, conferindo visibilidade ao grau de concretização dos direitos em dado local e marco temporal”.
122
índice, uma vez que também serão comparados os dados da execução das despesas dos mesmos
exercícios e, para o critério legal, importa apenas a relação entre uma e outra na forma de
percentual. Desta maneira, não seriam alterados os percentuais, posto que tanto a receita quanto
a despesa deveriam ser corrigidos pelo mesmo índice. Seria útil a correção para realizar
alcance metodológico deste trabalho, que se interessa por aferir o cumprimento do critério legal
total da receita dos Estados e do DF. Como se vem ressaltando, além dos impostos, ainda têm
os recursos oriundos das contribuições sociais para financiar a Seguridade Social (CF, art. 195;
Lei 8.212/91, art. 27); elas alimentam o SUS e os sistemas de previdência (regime geral) e de
assistência social (LOAS284). O corte metodológico deste trabalho focará na aplicação da receita
de impostos, uma vez que este foi tratado pela Constituição tornando-o parâmetro para aferição
Federal, em valores correntes, dispuseram uma média de R$ 423 bilhões em cada ano analisado,
cujo limite mínimo indicava aplicar cerca de R$ 50,8 bilhões por ano. Em números
A receita da União foi considerada igual a despesa (tabela abaixo), uma vez que
não havia, para o período analisado, um valor de referência para a receita, o que só foi
estabelecido com a Emenda Constitucional n. 86, de 2015, isto é, a receita corrente líquida.
284
Lei Orgânica da Assistência Social – Lei Federal n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993.
123
comparação, considerando que a média nominal do salário mínimo no período foi de R$ 730,00,
seria defensável afirmar que cada habitante cidadão contribuiu com aproximadamente 41% de
às despesas com ações e serviços públicos de saúde dos Entes da Federação custeadas com a
receita de impostos.
recursos oriundo dos impostos, foram superiores, em média, aos limites mínimos expostos na
tabela anterior. Considerando outra metodologia, o IBGE calculou que o gasto per capita do
Governo, incluindo todas as fontes e Entes da Federação (inclusive Municípios), em 2013, foi
de R$ 946,21, o que significa que outros recursos são aplicados nesse item de despesa 285. De
toda forma, no ano 2015, somente com a receita de impostos, o direito à saúde (pública) custou
Lei Complementar n. 141/2012, não englobam apenas cuidados terapêuticos, mas a própria
285
IBGE. Conta-satélite de saúde: Brasil 2010-2013. IBGE, Coordenação de Contas Nacionais. IBGE: Rio de
Janeiro, 2015. Disponível em http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv95012.pdf. Repita-se que os
dados compilados nas tabelas supra não sofreram nenhuma correção, diferentemente do método empregado pelo
IBGE. Também se advirta que os dados não se prestam a comparação científica, não somente em razão das
diferenças metodológicas, uma vez que os primeiros se referem a despesas com ASPS, enquanto o IBGE considera
a realização da despesa dos entes governamentais enquanto “consumidor” (no conceito econômico e não jurídico),
isto é, quem paga por determinado bem, considerando os dados da execução orçamentária e outras bases de dados
além do SIOPS.
124
(programas governamentais tais como Saúde da Família, Mais Médicos, Farmácia Popular,
saúde não pode ser redutível ao custo unitário de um serviço ou de uma ação isolada (diária de
UTI, cirurgia, consulta, prótese etc.), seja prestada na rede pública ou contratada da rede privada
tende a ser mais alto. De fato, ao prestar serviços aos cidadãos, o Estado necessita de uma
COM SAÚDE
Considerando que as políticas públicas devem ser avaliadas286 para aferir o grau
despesas com saúde pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal, durante os exercícios
divulgados no SIOPS.
Quanto à União, tendo em vista que no período analisado não havia um indicador
para se medir sua eficiência, não consta da Tabela. De fato, o art. 5º da Lei Complementar n.
286
MASSA-ARZABE, Patrícia Helena. Dimensão jurídica das políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari
(Org.). Política pública: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006., pág. 70-71.
125
141/2012, repetindo o art. 77 dos ADCT, apenas estabelecia o valor da despesa empenhada
(11,22%), durante o exercício fiscal de 2013, não cumpriram com o dever constitucional. Os
demais Estados e o Distrito Federal, durante o período analisado, cumpriram o dever, isto é,
aplicaram, pelo menos, 12% da receita de impostos, sendo que, na média dos anos analisados,
que, proporcionalmente (%) mais aplicaram recursos oriundos de seus impostos, enquanto os
Estados de Goiás (12,16%), Rio de Janeiro (12,16%) e Paraná (11,85%), foram os que menos
É verdade que os dados acima não são suficientes para informar, em termos de
eficiência social (efetividade), se as despesas realizadas foram/são, por sua vez, suficientes para
saúde foi cumprida e, por essa medida, se a Administração Pública foi eficiente; se cumpriu por
meio lícito (receita de impostos) o objeto lícito (gastos com saúde) 287. Nada dizem, contudo, a
política), que demandaria outras abordagens metodológicas não contempladas no escopo deste
trabalho.
De todo modo, se pode inferir que, embora para satisfazer os direitos dos
cidadãos à saúde, o Poder Público realiza despesas com a própria máquina, em que avulta a
despesa com pessoal, como apresentado no Quadro 4, em anexo. Isto evidencia, por um lado, a
287
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência ..., pág. 168.
126
captura288 dos recursos públicos e que poderiam estar mais bem empregados em outros usos289;
por outro lado, concorre para evidenciar que o custo de uma prestação de saúde (direito), sob o
ponto de vista individual, não é coincidente com o custo que tem o Poder Público para realizá-
lo. Por exemplo, pode-se cogitar que para aplicar uma vacina contra dada doença a um
publicidade, que supera, em muito, seu custo unitário290; igual raciocínio pode ser aplicado para
Brasil ante os países da OCDE não é ruim em termos de custo-efetividade” 291, sem significar
que haja “excelência dos serviços de saúde no Brasil” 292 e que, para melhorar a eficiência,
“pode ser preciso gastar mais, pelo menos na etapa inicial (por exemplo, investindo na
logicamente, a efetividade da decisão clínica com relação ao seu custo294; obviamente, pode ser
288
Cf. SCAFF, Fernando Facury. op.cit.
289
Cf. MATTOS, Enlinson; TERRA, Rafael, op. cit, pág. 225.
290
O Ministério da Saúde, em junho de 2015, adquiriu do Instituto Butantan, 11.000.000 frasco-ampola de Vacina
Humana anti-HPV (Papola Vírus), tetravalente, monodose, suspensão injetável, seringa preenchida, ao custo total
de R$ 465.355.000,00, o que corresponde a R$ 42,305 cada frasco-ampola. (DOU 22/6/2015).
291
MARINHO, Alexandre Marinho; CARDOSO, Simone de Souza; ALMEIDA, Vivian Vicente de. Brasil e
OCDE: avaliação da eficiência em sistemas de saúde. Texto para Discussão n. 1370. IPEA: Rio de Janeiro, 2009.
Disponível em http:/www.ipea.gov.br.
292
Idem, ibidem.
293
Idem, ibidem.
294
SECOLI, Silvia Regina et al. Avaliação de tecnologia em saúde: II. A análise de custo-efetividade. Arq.
Gastroenterol., São Paulo, v. 47, n. 4, p. 329-333, dez. 2010. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0004-28032010000400002&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 03/09/2016. “O conceito
custo-efetividade na saúde surgiu em países desenvolvidos, no final dos anos de 1970. A ACE [análise de custo-
efetividade] é uma metodologia de síntese em que os custos são confrontados com desfechos clínicos. O objetivo
da ACE é avaliar o impacto de distintas alternativas, que visem identificá-las com melhores efeitos do tratamento,
geralmente, em troca de menor custo. Portanto, uma característica importante é que os estudos de ACE são sempre
comparativos e explícitos e se destinam a selecionar a melhor opção para atingir a eficiência. Nesse tipo de análise,
os custos são medidos em unidades monetárias e os desfechos em unidades clínicas, tais como mortalidade ou
hospitalizações evitadas – uma vantagem importante, tendo em vista que esses desfechos, frequentemente, são de
uso corrente pelos clínicos. Os resultados da ACE são expressos por um quociente, em que o numerador é o custo
127
SUS e, após constatar que “é através da análise da execução do orçamento que as verdadeiras
autonomia gerencial ao nível local, (iv) informação inadequada para a gestão, (v) baixa
capacidade gerencial ao nível local, e (vi) estrutura de incentivos inadequada. A gestão do SUS
está mais preocupada em “cumprir a norma” do que “resolver problema”, isto é, não se faz
avaliação crítica da efetividade das normas, tendo em vista a alcançar os objetivos e metas da
política pública de saúde – avaliação esta que poderia ser apoiada em preceitos da análise
e o denominador a efetividade (custo/efetividade). Desse modo, a ACE é expressa em termos do custo por unidade
clínicas [sic] de sucesso. Por exemplo, custo por anos de vida ganhos, ou por mortes evitadas, ou por dias sem dor,
ou por ausência de complicação, ou ainda por hospitalizações evitadas”.
295
BANCO MUNDIAL. Brasil Governança no Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil. Melhorando a
Qualidade do Gasto Público e Gestão de Recursos. Relatório N°. 36601-BR. Banco Mundial, Unidade de
Gerenciamento do Brasil, 2007.
128
SIOPS, inclusive para aferição de outros critérios legais (despesas não permitidas, deduções
regulamentares etc.) ou pesquisa sobre critérios de distribuição dos recursos do SUS oriundos
empenhada e obra concluída etc.) e muitas outras análises, inclusive, obviamente, em outras
áreas do conhecimento, tais como economia ou sociologia da saúde etc., que estão fora do
alcance deste trabalho – e que podem servir de outras pesquisas, quiçá a nível de doutorado.
apresentados e da base teórica e legal utilizada, compôs um robusto subsistema jurídico para
tratar da efetivação (concretização) do direito material à saúde, com normas positiva (princípios
óbices para coordenar os recursos disponíveis e articular uma cooperação efetiva entre os Entes
emprego dos recursos públicos e melhorar o nível de atendimento aos cidadãos, sem olvidar do
296
Idem, ibidem.
129
social.
Estado para garanti-los e provê-los, só podem ser materializados se o Poder Público dispuser
de recursos financeiros suficientes, bem como de modelo de gestão capaz de utilizar tais
Estado se depara com escassez de recursos ou necessidade de implementar algum ajuste fiscal,
o próprio papel do Estado requer discussão297 da mesma forma como o custo dos direitos são
ressaltados.
Os direitos têm custo; custam caro. Daí ser necessário, com fulcro no princípio
como da origem, da fonte dos recursos que são empregados pelo Estado para provê-los: a
297
ROTA, Giovanna Montellato Storace. Qual o custo das gerações de direitos? – Considerações sobre o impacto
orçamentário dos direitos de primeira e segunda geração. Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico –
RFDFE, Belo Horizonte, ano 5, n. 8, p. 135-145, set./fev. 2016.
298
CF, art. 150, §5º A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos
que incidam sobre mercadorias e serviços. Lei Federal n. 12.741, de 08/12/2012, que “Dispõe sobre as medidas de
esclarecimento ao consumidor, de que trata o §5º do artigo 150 da Constituição Federal; altera o inciso III do art.
6º e o inciso IV do art. 106 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor”.
130
6 CONCLUSÃO
(art. 6º), decorrente de direito individual à vida (art. 5º), sendo que, de acordo com a dicção do
art. 196 (“a saúde é direito de todos e dever do Estado”), constitui-se direito fundamental social,
que reclama ação estatal para sua máxima efetividade, nas linhas principiológica e prestacional.
Contudo, em que pese a dificuldade de se conceituar “saúde”, não pode esta ser entendida nem
exigível como um “direito (subjetivo) a ser saudável”. De fato, a saúde não é um objeto que
possa ser entregado pelo Estado, senão que deva ser promovido, posto que seja um “estado
ideal de coisas” a ser buscado, logo, dirigido ao mundo empírico. Ademais, o conceito de saúde
objeto de uma relação prestacional, em que figuram o cidadão e o Estado nos polos desta
relação; mas o objeto da prestação são “ações e serviços públicos de saúde” e não “a” saúde.
tem-se que a saúde integra um mínimo prestacional, que corresponde a um dever do Estado em
promovê-lo.
de realizar despesas e, para tanto, de obter recursos, segundo o direito vigente, que se assenta,
satisfazer as necessidades públicas, o Estado obtém da sociedade os recursos que ela mesma
gera. Pode-se, pois, afirmar que (i) os direitos têm custos, (ii) cada direito fundamental
corresponde a pelo menos um dever o Estado e (iii) o custo do direito não necessariamente é
uma vez que a concretização dos direitos, sejam ditos prestacionais ou de defesa, de primeira,
considerá-lo, corre-se o risco de formular vã “promessa inconsequente”, uma vez que não se
atingirá, pelo menos como formulado, os resultados e objetivos esperado de tal política pública.
constitucional e legal, em que são definidos papeis de cada Ente da Federação, bem como são
recursos financeiros para suportar as políticas públicas capazes de concretizar o dever do Estado
Essa medida, em que pese insuficiente para aferir a qualidade do serviço, foi
escolhida pelo Direito como critério de verificação da eficiência – em sintonia com o art. 37 da
A eficiência, entretanto, das ações e serviços públicos de saúde, não pode ser
medido simplesmente por um dado escolhido pelo Direito (Norma), mas há de considerar outras
variáveis técnicas, para as quais o Direito (Ciência) tem de se mostrar aberto, se quer contribuir
para garantir os direitos subjetivos (nível pragmático) dos cidadãos a um sistema de saúde
pública eficiente, sendo que a eficiência inscrita no artigo 37 da Constituição Federal não está
voltada para o Direito (norma), mas para a Administração Pública. Considerando apenas o
critério legal, como demonstrado, o sistema mostrou-se eficiente, pois todos os Estados, o
acima de determinada quantidade (percentual) de recursos de impostos – o que nada diz sobre
a qualidade deste gasto nem sobre os resultados na saúde da população, temas que merecem ser
melhorar o nível de aplicação do imenso volume dos recursos públicos vinculados às ações e
serviços públicos de saúde. De igual modo, a coordenação das ações nessa área entre os Entes
da Federação deve ser aprimorada, a fim de tornar mais claro e objetivo o papel de cada um dos
níveis de Direção do SUS, tanto para evitar sobreposição de ações e desperdício de recursos,
bem como de modo a diminuir que a inevitável “judicialização da saúde” não contribua para
criticável a gestão do SUS, que se situam no Poder Executivo e que possui aparato técnico para
tal, não é de esperar do Judiciário, que não é preparado para gestão, donde virão as soluções.
em busca de concretizar um “estado ideal de coisas”, e que tais estados se referem aos fatos
direitos com transparência dos mecanismos trade-off, enfim na definição e realização da(s)
política(s) pública(s) afeto ao Direito à Saúde. A análise econômica das medidas, dos projetos
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ANEXOS
Despesas com ações e serviços públicos de saúde (CF, art. 198; EC 86) R$ (correntes)
EXERCÍCIO
Unidade da Federação
2013 2014 2015
Acre (AC) 511.354.599,12 587.016.255,80 552.112.563,88
Alagoas (AL) 632.820.574,92 685.621.281,43 785.715.180,40
Amapá (AP) 459.516.176,10 436.160.517,48 452.919.739,82
Amazonas (AM) 1.846.304.778,66 1.905.350.722,99 1.759.972.285,13
Bahia (BA) 2.429.190.951,45 2.851.574.015,80 3.010.412.373,62
Ceará (CE) 1.732.505.054,14 2.150.093.851,34 2.053.017.589,04
Distrito Federal (DF) 2.121.065.308,86 2.476.346.409,28 2.904.535.858,28
Espírito Santo (ES) 1.366.494.858,03 1.681.340.572,97 1.790.531.158,75
Goiás (GO) 1.434.348.930,76 1.702.538.121,67 1.757.039.810,30
Maranhão (MA) 1.083.677.318,09 1.293.114.301,19 1.394.356.030,89
Mato Grosso (MT) 910.900.443,12 1.015.570.874,85 1.166.192.594,88
Mato Grosso do Sul (MS) 797.804.631,45 849.077.097,32 1.214.703.756,74
Minas Gerais (MG) 4.294.403.427,03 4.623.891.695,98 4.807.712.213,89
Pará (PA) 1.525.771.000,00 1.640.257.264,25 1.844.096.692,73
Paraíba (PB) 882.060.657,35 1.000.343.453,56 988.913.933,52
Paraná (PR) 2.352.490.418,37 2.848.455.409,33 3.089.977.233,93
Pernambuco (PE) 2.180.865.068,55 2.629.088.532,97 2.671.392.869,43
Piauí (PI) 662.675.797,90 769.052.151,03 830.753.083,73
Rio de Janeiro (RJ) 3.913.339.081,02 4.086.378.780,13 4.280.290.815,85
Rio Grande do Norte (RN) 898.532.001,22 962.687.084,58 1.076.158.887,96
Rio Grande do Sul (RS) 2.844.633.643,98 3.153.090.899,01 3.202.622.341,33
Rondônia (RO) 598.015.314,08 630.131.760,95 716.370.066,45
Roraima (RR) 370.333.379,85 291.184.213,98 401.791.023,53
Santa Catarina (SC) 1.626.685.512,82 1.882.180.241,15 2.041.716.501,36
São Paulo (SP) 13.083.233.064,56 13.417.444.831,95 14.031.276.980,67
Sergipe (SE) 649.346.284,80 692.839.986,48 712.964.124,39
Tocantins (TO) 939.355.685,45 1.072.235.200,68 1.031.085.201,93
TOTAL ESTADOS/DF 52.147.723.961,68 57.333.065.528,15 60.568.630.912,43
União (U) 83.053.255.548,53 91.898.530.758,70 100.054.862.322,43
TOTAL 135.200.979.510,21 149.231.596.286,85 160.623.493.234,86
População (IBGE) 201.032.714 202.768.562 204.450.649
Per capita sem União 259,40 282,75 296,25
Per capita com União 672,53 735,97 785,63
FONTE: SIOPS (adaptado), IBGE.
148
Despesas com ações e serviços públicos de saúde (CF, art. 198; EC 86) R$ (correntes)
EXERCÍCIO
Unidade da Federação Média
2013 2014 2015
Acre (AC) 16,64% 17,32% 15,37% 16,44%
Alagoas (AL) 12,11% 12,06% 12,95% 12,37%
Amapá (AP) 15,57% 13,39% 14,08% 14,35%
Amazonas (AM) 22,87% 22,21% 20,78% 21,95%
Bahia (BA) 12,02% 12,94% 12,45% 12,47%
Ceará (CE) 13,83% 15,76% 14,25% 14,61%
Distrito Federal (DF) 17,70% 18,36% 20,62% 18,89%
Espírito Santo (ES) 15,95% 18,84% 18,98% 17,92%
Goiás (GO) 11,72% 12,70% 12,07% 12,16%
Maranhão (MA) 12,43% 13,62% 13,68% 13,24%
Mato Grosso (MT) 12,58% 12,60% 12,87% 12,68%
Mato Grosso do Sul (MS) 12,50% 12,11% 16,67% 13,76%
Minas Gerais (MG) 12,29% 12,15% 12,30% 12,25%
Pará (PA) 13,54% 12,97% 13,66% 13,39%
Paraíba (PB) 13,44% 13,69% 13,00% 13,38%
Paraná (PR) 11,22% 12,29% 12,03% 11,85%
Pernambuco (PE) 14,96% 16,58% 16,23% 15,92%
Piauí (PI) 12,74% 13,39% 13,52% 13,22%
Rio de Janeiro (RJ) 12,04% 12,06% 12,37% 12,16%
Rio Grande do Norte (RN) 13,89% 13,88% 15,20% 14,32%
Rio Grande do Sul (RS) 12,47% 12,72% 12,20% 12,46%
Rondônia (RO) 14,27% 13,52% 14,53% 14,11%
Roraima (RR) 17,31% 12,23% 16,03% 15,19%
Santa Catarina (SC) 12,02% 12,37% 12,86% 12,42%
São Paulo (SP) 12,43% 12,46% 12,50% 12,46%
Sergipe (SE) 12,93% 12,72% 12,40% 12,68%
Tocantins (TO) 20,68% 21,47% 19,17% 20,44%
FONTE: SIOPS (adaptado)
149
Despesas com pessoal realizada com receita de impostos vinculados à saúde e percentual sobre
R$ (correntes)
a despesa total com saúde (receita de impostos)
2013 2014 2015
UF
R$ % R$ % R$ %
Acre 335.260.130,68 65,56 372.970.688,54 63,54 405.506.643,00 73,45
Alagoas 338.190.455,02 53,44 322.494.610,80 47,04 362.958.835,21 46,19
Amapá 286.458.409,35 62,34 304.635.516,89 69,84 306.734.060,04 67,72
Amazonas 817.288.019,15 44,27 846.750.923,62 44,44 853.791.756,11 48,51
Bahia 1.417.621.803,96 58,36 1.471.271.309,33 51,60 1.470.190.225,96 48,84
Ceará 743.306.586,59 42,90 751.712.245,26 34,96 782.334.280,06 38,11
Distrito Federal 1.507.525.637,27 71,07 1.606.359.247,23 64,87 4.427.806.426,55 152,44
Espírito Santo 609.079.511,38 44,57 692.232.674,27 41,17 687.484.026,12 38,40
Goiás 614.418.080,47 42,84 605.018.352,51 35,54 683.298.703,18 38,89
Maranhão 239.740.813,72 22,12 257.272.700,61 19,90 283.233.233,05 20,31
Mato Grosso 466.821.080,18 51,25 508.743.619,86 50,09 575.777.552,89 49,37
Mato Grosso do Sul 277.789.575,87 34,82 289.844.146,81 34,14 345.801.201,39 28,47
Minas Gerais 1.183.945.933,01 27,57 1.308.680.185,92 28,30 1.430.484.918,76 29,75
Pará 777.909.730,04 50,98 830.332.248,01 50,62 863.630.069,93 46,83
Paraíba 470.845.755,24 53,38 514.177.225,25 51,40 562.658.712,34 56,90
Paraná 1.061.695.136,17 45,13 1.201.056.306,35 42,17 1.318.689.499,67 42,68
Pernambuco 1.274.683.798,61 58,45 1.438.051.849,93 54,70 1.436.037.219,41 53,76
Piauí 365.190.801,55 55,11 436.822.384,45 56,80 494.717.456,91 59,55
Rio de Janeiro 1.105.347.599,02 28,25 971.504.286,68 23,77 997.244.957,06 23,30
Rio Grande do Norte 731.232.060,82 81,38 808.132.125,43 83,95 848.140.000,00 78,81
Rio Grande do Sul 1.043.387.261,94 36,68 1.190.531.953,04 37,76 1.354.766.183,76 42,30
Rondônia 396.621.161,15 66,32 458.948.170,18 72,83 486.384.153,95 67,90
Roraima 258.786.055,69 69,88 170.715.180,47 58,63 245.334.619,80 61,06
Santa Catarina 761.555.923,67 46,82 893.516.836,22 47,47 992.060.158,35 48,59
São Paulo 5.022.597.847,27 38,39 7.247.144.852,15 54,01 6.072.488.234,62 43,28
Sergipe 77.979.316,36 12,01 77.026.269,33 11,12 75.402.879,63 10,58
Tocantins 698.918.882,63 74,40 724.308.734,64 67,55 738.291.599,12 71,60
Total 22.884.197.366,81 43,88 26.300.254.643,78 45,87 29.101.247.606,87 48,05
FONTE: SIOPS (adaptado)