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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

JOSÉ ANSELMO DE CARVALHO JÚNIOR

O DIREITO E O CUSTO DOS DIREITOS: análise das despesas do Estado brasileiro com
ações e serviços públicos de saúde.

NATAL/RN
2016
JOSÉ ANSELMO DE CARVALHO JÚNIOR

O DIREITO E O CUSTO DOS DIREITOS: análise das despesas do Estado brasileiro com
ações e serviços públicos de saúde.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Direito - PPGD do Centro de
Ciências Sociais Aplicadas da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Direito.
Orientador: Prof. Doutor Vladimir da Rocha
França

NATAL/RN
2016
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Carvalho Júnior, José Anselmo de.


O direito e o custo dos direitos: análise das despesas do estado brasileiro com
ações e serviços públicos de saúde. / José Anselmo de Carvalho Júnior. - Natal, 2016.
150f.

Orientador: Prof. Dr. Vladimir da Rocha França.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do


Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Direito.

1. Direitos fundamentais - Dissertação. 2. Direito à saúde - Dissertação. 3. Custos


dos direitos - Dissertação. I. França, Vladimir da Rocha. II. Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 342.7


JOSÉ ANSELMO DE CARVALHO JÚNIOR

O DIREITO E O CUSTO DOS DIREITOS: análise das despesas do Estado brasileiro com
ações e serviços públicos de saúde.

Dissertação aprovada em......./......../........, pela banca examinadora formada por:


Presidente: ________________________________________________
Prof. Doutor Vladimir da Rocha França
(Orientador – UFRN)
Membro: ________________________________________________
Prof. Doutor Marcelo Labanca Corrêa de Araújo
(Examinador externo à UFRN)
Membro: ________________________________________________
Prof. Doutor Fabiano André de Souza Mendonça
(Examinador da UFRN)
DEDICATÓRIA

À Jailma, Clara e Amanda.


AGRADECIMENTOS

A Deus, que se basta.


A minha esposa, Jailma, incentivadora primeira ao mestrado e outras conquistas. Às minhas
filhas, Clara e Amanda, pela compreensão.
A minha família, que me apoiou e compreendeu.
A minha mãe, pelo estímulo a concluir esta dissertação.
Aos colegas da turma de mestrado, pela amizade e apoio mútuo, pelas discussões de temas
da ciência do direito, da política e do cotidiano, sempre enriquecedores.
A Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, ao amigo e magnífico Reitor, Dr. Pedro
Fernandes Ribeiro Neto, pelo incentivo e apoio; ao amigo e “chefe”, Prof. Tarcísio Silveira
Barra.
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte, aos professores do Programa de Pós-
Graduação em Direito.
Ao meu orientador e amigo, Prof. Dr. Vladimir da Rocha França, guia desde o primeiro
contato, pelas intervenções precisas e orientação segura, pela compreensão e apoio.
RESUMO

Os direitos fundamentais, em linha com os direitos humanos, são compreendidos como direitos
sindicáveis judicialmente, tendo o Estado como o detentor de um dever de satisfazê-los. Para
tanto, necessita o Estado de recursos, uma vez que a realização dos direitos fundamentais
também implica a realização de despesas públicas. É superada a dicotomia entre direitos
positivos e negativos e de gerações de direitos, apresentando-se os mesmos como necessidades
públicas que precisam ser satisfeitas com recursos públicos. Nesta perspectiva, os direitos têm
custos, todos os direitos; cada direito fundamental corresponde um dever do Estado; e o custo
de cada direito não corresponde, necessariamente, ao mesmo custo do dever do Estado, uma
vez que precisa manter uma estrutura administrativa eficiente para satisfazê-los. A Constituição
Federal estabeleceu um critério de eficiência consistente no emprego (despesa) de uma
quantidade mínima da receita de impostos, de cada Ente da Federação, em ações e serviços
públicos de saúde, embora as fontes de financiamento do direito à saúde não se restrinjam aos
impostos, havendo as contribuições para o sistema da seguridade social. O presente trabalho
analisou o direito à saúde sob a perspectiva de seu custo e avaliou o cumprimento do dever dos
Estados e da União inscrito na Constituição sob o critério jurídico da despesa mínima, durante
os exercícios de 2013 a 2015.

Palavras-chave: Direitos fundamentais; Direito à saúde; custos dos direitos.


ABSTRACT

The fundamental rights, in line with human rights, are understood as legally contestable
rights, having the state as the holder of the duty to satisfy them. Therefore, the state needs
resources, since the realization of fundamental rights also implies that public expenditure.
The dichotomy between positive and negative rights and rights generations is overcame,
presenting them as public needs that must be reached with public funds. Into this perspective,
the rights (all of them) have costs; each fundamental right corresponds to a state duty; and
the cost of each right does not necessarily correspond to the same cost of the duty of the state,
since the state must maintain an efficient administrative structure to satisfy them. The federal
constitution established a consistent criterion of efficiency in the usage (expense) of a
minimum amount of tax revenue, each federation being, in actions and public health services,
although the funding sources for rights related to health are not restricted to taxes, existing
contributions to the social welfare system. This study analyzed the right to health from the
perspective of cost and assessed the compliance with the duty of states and the union
inscribed in the constitution under the legal criterion of minimum expenditure during the
period of 2013 to 2015.

Key-words: Fundamental Rights; Health Right; Cost of rights.


SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 1
2 O DIREITO À SAÚDE ......................................................................................................... 7
2.1 DIREITO DA SAÚDE E DIREITO À SAÚDE .............................................................. 13
2.2 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL. ... 21
2.3. DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS DO
DIREITO À SAÚDE. ........................................................................................................... 27
2.4 O DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ............................................... 39
2.5 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. A LEI FEDERAL N. 8.080, DE 1990. .................... 44
3 AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE .............................................................. 55
3.1 REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ..................................................... 58
3.2 REGULAMENTAÇÃO E REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE 62
3.3 COMPETÊNCIAS DOS ENTES FEDERATIVOS NO ÂMBITO DO DIREITO DA
SAÚDE ................................................................................................................................. 69
3.4 A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE .......................................................... 72
4 O CUSTO DOS DIREITOS ............................................................................................... 79
4.1 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E EFICIÊNCIA DO DIREITO. .................... 82
4.2 O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL ...................................... 89
4.3 PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DAS DESPESAS PÚBLICAS COM
AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE E FUNDOS DE SAÚDE. ........................ 98
4.4 INSTRUMENTOS LEGAIS DE CONTROLE E AFERIÇÃO DA EFICIÊNCIA DAS
DESPESAS COM SAÚDE................................................................................................. 100
5 ANÁLISE DA RECEITA PÚBLICA E DA DESPESA PÚBLICA COM SAÚDE..... 106
5.1 RECEITAS PÚBLICAS VINCULADAS À SAÚDE................................................... 121
5.2 AS DESPESAS PÚBLICAS COM SAÚDE ................................................................. 123
5.3 ANÁLISE DAS DESPESAS DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL
COM SAÚDE ..................................................................................................................... 124
6 CONCLUSÃO.................................................................................................................... 130
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 134
ANEXOS ............................................................................................................................... 146
1

1 INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada a 5 de outubro

de 1988, trouxe inúmeras inovações quanto aos direitos e garantias fundamentais individuais e

sociais (Título II), destacando uma ordem social (Título VIII), na qual explicitou tais direitos e

garantias dos cidadãos, dentre os quais o direito à saúde (art. 196 a 200).

De mesmo status constitucional, também positivou regras e princípios sobre a

tributação e o orçamento (Título VI), em que destacou importantes balizas sobre as finanças

públicas (Capítulo II), cuja ênfase coube aos orçamentos (art. 165 a 169). Nesse diapasão,

fundou-se uma verdadeira ordem financeira constitucional, ao estabelecer os fundamentos da

atividade fiscal do Estado. Esse corpo de normas é vital para que se conheça a dinâmica de

funcionamento da máquina pública, com receitas e despesas, que têm de estar ligadas aos

fundamentos (art. 1º) e objetivos (art. 3º) do Estado brasileiro.

De fato, se o Estado brasileiro, ao adotar para si uma ordem jurídica, estabeleceu

seus objetivos, toda sua ação deve ser voltada para a realização destes. Sendo a Constituição

um corpo jurídico harmônico, as normas nela contidas hão de se compor a fim de propiciar o

atingimento desses objetivos, consoante seus fundamentos, dos quais se sobrelevam a

“cidadania” e a “dignidade da pessoa humana”. Estes dois fundamentos orientam, do ponto de

vista teleológico da ação estatal, o atingimento dos objetivos do Estado, como destacado; quer

dizer, os objetivos do Estado são qualificados quando têm em vista esses fundamentos. Assim,

não basta “garantir o desenvolvimento nacional”, por exemplo, se não considerar os

fundamentos da República (cidadania, dignidade etc.).

Para atingir seus objetivos, porém, necessita o Estado de recursos financeiros

para custear as ações e serviços que tenha de prestar ao cidadão diretamente, ou de fomentá-

los; ou seja, de satisfazer as necessidades públicas. Basicamente, o Estado obtém esses recursos
2

via tributação de rendas, patrimônio, produção e circulação de bens e de outras atividades

econômicas privadas, embora possa obtê-los pela gestão de seu próprio patrimônio (receita

patrimonial) ou por meio de financiamento interno ou externo (endividamento público).

Como cediço, é o ordenamento jurídico quem confere essas possibilidades, cujo

exercício é ato de gestão. De igual forma, os fins e os procedimentos (meios) para realização

das despesas públicas são rigidamente estabelecidos ex lege, podendo-se constituir “crime de

responsabilidade” dele desviar-se (CF, art. 85, VI e VII).

Nesse sentido, pode-se afirmar que o Estado realiza seus objetivos por meio das

despesas púbicas, que têm, assim, caráter instrumental, com sói à sua atividade financeira. É

dizer: para concretização de seus objetivos o Estado deve obter e despender recursos, que, por

essa razão, qualificam-se como públicos, conforme a ordem jurídica. Essa condição é comum

a todos os órgãos públicos e em todos os Entes da Federação.

Também pode-se afirmar que, atingindo seus objetivos, o Estado está

concretizando direitos dos cidadãos e respeitando-lhes a dignidade; e por isso e para isso

necessita de recursos. Assim, chega-se à premissa básica do presente trabalho: os direitos têm

custos. A segunda premissa é: a cada direito fundamental corresponde um dever o Estado. E a

terceira: o custo do direito não necessariamente é igual ao custo do dever do Estado.

A abordagem dos direitos fundamentais sob esses prismas, até onde se pôde

pesquisar, não é corrente na doutrina e na jurisprudência nacional. Há alguma preocupação

teórica e prática sob a perspectiva da “teoria da reserva do possível” e da “teoria do mínimo

existencial” para satisfação de direitos quando demandados judicialmente, porém, sem

demonstrar, enfaticamente, em termos de sustentabilidade ou de viabilidade econômica desses

direitos, ou seja, sob a perspectiva dos custos.

O presente trabalho pretende focar-se na perspectiva da Ciência do Direito, ainda

que tangencie minimamente aspectos econômicos, para cotejar o direito à saúde conforme
3

previsto na Constituição Federal. Essa tangente se dará sem a profundidade que possam esperar

os mais exigentes, seja por razões metodológicas seja pelas limitações de conhecimentos do

autor nessa ciência.

Não obstante a assistência à saúde seja livre à iniciativa privada (CF, art. 199),

optou-se, por razões práticas e teoréticas, em analisar os dispêndios públicos com a receita de

impostos para satisfazer o chamado “direito à saúde”, tratado, como dito, pela Constituição

Federal nos art. 5º, 6º e 196 a 200. Com efeito, do ponto de vista da satisfação pelo Estado de

um Direito, apenas a prestação custeada, ainda que indiretamente, pelo Estado, é que será objeto

de análise, ou seja, apenas as despesas públicas com saúde. A propósito, após a edição da

Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000, houve a compilação e divulgação de

dados de execução orçamentária e financeira das despesas com ações e serviços públicos de

saúde, com acesso público a um banco de dados mantido pelo Ministério da Saúde, que veio a

se tornar obrigatório legalmente com a Lei Complementar n. 141, de 13 de janeiro de 2012.

Assim, a disponibilidade de dados e informações facilita a análise para os objetivos do presente

trabalho.

Estando umbilicalmente ligado ao direito à vida e à dignidade humana, constitui-

se a saúde em direito público subjetivo oponível ao Estado, que se apresenta como o garantidor

desse direito “mediante políticas sociais e econômicas”, como estabelece o art. 196 da Carta

Magna. Ainda a Constituição Federal, com a Emenda Constitucional n. 29/2000, definiu uma

aplicação mínima de parcela da receita tributária (de impostos) dos entes federados nessa área.

Sob o ponto de vista da ciência das finanças, ao tratar das necessidades públicas, com enfoque

econômico, sabe-se que as necessidades dos indivíduos são crescentes, enquanto os recursos

são finitos; o modo e a forma de distribuição e aplicação dos recursos públicos revelam a

formulação e execução das chamadas “políticas públicas” a fim de atender a tais necessidades

públicas (não necessariamente coincidentes com as chamadas necessidades coletivas), isto é,


4

aquelas que serão providas pelo Estado, ainda que não exclusivamente (CF, art. 175), e cobertas

pelo orçamento público.

Esse tema, portanto, transborda os limites do “jurídico”, interessando a outras

ciências e saberes, tais como à sociologia, às ciências da administração e das finanças, à

economia, à ética etc. e, por óbvio, ao próprio Direito, tanto do ponto de vista dogmático quanto

zetético. No âmbito da dogmática jurídica, a conformação do regramento dos direitos financeiro

(orçamento e finanças públicas) e administrativo (organização e prestação de serviços públicos)

à disciplina constitucional do direito à saúde, colocam sob discussão parte da doutrina

tradicional sobre as estruturas estanques dos entes federados, que requerem uma nova

abordagem sobre a cooperação de que trata o parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal.

De seu turno, também se tem como ponto de reflexão, a natureza, o alcance e o conteúdo do

instituto “serviços públicos” (de saúde), como expresso no art. 198 da Constituição Federal.

As “políticas públicas” de saúde, que demandam cada vez mais recursos

públicos e sob forte “judicialização”, precisam encontrar suporte na realidade econômica e

financeira dos Entes Federados, cabendo perquirir sobre a adequação da prestação dos serviços

de saúde (CF, art. 198) ou da assistência à saúde (CF, art. 199), regulamentada, fiscalizada ou

controlada (CF, art. 199) pelo Poder Público, ao conceito tradicional de serviço público (CF,

art. 175) – com enfoque na máxima eficiência (CF, art. 37).

No campo da prestação direta por parte do Poder Público, não há como olvidar

a conformação do direito à saúde à teoria dos princípios, perquirindo-se, inclusive, de sua

eventual derrotabilidade ante o princípio da reserva do possível.

Nesse diapasão, os indicadores sanitários do país podem revelar um aspecto do

grau de desenvolvimento nacional, uma vez que se tenha o direito à saúde como garantia

constitucional. Nessa linha, a dinâmica do Estado para satisfazer os direitos públicos subjetivos

de saúde merece ser estudada sob o enfoque da despesa pública, ou seja, sob a perspectiva de
5

que os direitos têm custo e de que esse custo é coberto pelos cidadãos, bem como em que

medida a intervenção do Estado na Economia, seja para obter os recursos de que necessita, seja

para induzir ou estimular a participação de pessoas e empresas, repercute na satisfação desses

direitos e, portanto, no desenvolvimento do país.

Nessa perspectiva, poderá ser discutida, sem pretensão de esgotar o assunto, a

eficiência do gasto público na prestação de serviços públicos de saúde, a partir de indicadores

previsto na Constituição e nas leis, como medida de aferição do desenvolvimento dos estados

e do país, bem como investigar se o aumento da despesa pública no intento de satisfazer esses

direitos é eficiente. Noutras palavras, se apenas cumprir a norma jurídica é medida suficiente

para concretização do direito à saúde – hipótese a ser testada no presente trabalho.

Assim, o objetivo geral do presente trabalho é analisar as normas jurídicas, com

ênfase nas constitucionais, que criam para o Estado o dever de gerar despesas para garantir os

direitos de prestação de ações e serviços públicos de saúde à população brasileira. Tem-se como

objetivos específicos:

(i) analisar as normas constitucionais referentes ao direito à saúde no Brasil;

(ii) analisar o regime jurídico das ações e serviços públicos de saúde, a

organização do Sistema Único de Saúde a distribuição de competências entre os entes

federados;

(iii) discutir o custo dos direitos e as teorias do mínimo existencial e da reserva

do possível;

(iv) avaliar o sistema jurídico de obtenção de receita e de realização das despesas

púbicas com ações e serviços públicos de saúde pela União, pelos Estados e pelo Distrito

Federal.

Para o desenvolvimento dessa dissertação de mestrado, serão analisadas as

disciplinas constitucional (com ênfase na Emenda Constitucional n. 29/2000) e legal


6

(especialmente a Lei Complementar n. 141/2012), da prestação das ações e dos serviços

públicos de saúde sob os enfoques dogmático e, na medida do possível, zetético. Com relação

a realização das receitas e das despesas públicas, serão utilizados os dados divulgados pelos

Estados, Distrito Federal e União, nos anexos próprios dos seus Relatórios Resumidos da

Execução Orçamentária (RREO), estabelecidos na Constituição Federal e na Lei Complementar

n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), contidos no SIOPS – Sistema e Informação sobre

Orçamento Público em Saúde, de que trata a Lei Complementar n. 141/2012, do sexto bimestre

dos exercícios fiscais de 2013, 2014 e 2015.


7

2 O DIREITO À SAÚDE

2.1. Direito da saúde e Direito à saúde. 2.2. Evolução dos Direitos Sociais e do Direito à saúde
no Brasil. 2.3. O Direito à Saúde na Constituição de 1988. 2.4. O Sistema Único de Saúde.

Existe direito “à saúde”? Qual seu conteúdo? Existe um “dever” de saúde?

Essas questões, embora aparentemente respondidas pelo senso comum e pelos

textos legais, merecem ser respondidas analisando-as sob a sistemática da ciência do direito.

A saúde tem um conceito técnico, que pode ser expresso nos seguintes termos,

segundo foi utilizado na Conferência Internacional de Saúde de 1946, que criou a Organização

Mundial da Saúde (OMS): “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e

não apenas ausência de doença ou enfermidade” 1 . Esse conceito, porém, não é aceito

pacificamente, na atualidade, por utilizar uma separação positivista entre o físico, o mental e o

social2. Dadas as dificuldades em apresentar método objetivo para avaliar a “qualidade de vida”,

a fim de se aferir o “estado de saúde”, a própria OMS desenvolveu um método de aferição

(WHOQOL-100) consistente em cem perguntas referentes a seis domínios: físico, psicológico,

nível de independência, relações sociais, meio ambiente e espiritualidade/religiosidade/crenças

pessoais3. Daí, não ser necessariamente fácil se conceituar, com objetividade e precisão, saúde,

seja de uma pessoa, seja de uma população.

1
WORLD HEALTH ORAANIAATION. Basic documents. 48th ed. Including amendments adopted up to 31
December 2014. ISBN 978 92 4 165048 9. Disponível em http://apps.who.int/gb/bd/PDF/bd48/basic-documents-
48th-edition-en.pdf. Acesso em 06/01/2016. “Health is a state of complete physical, mental and social well-being
and not merely the absence of disease or infirmity.” Tradução livre.
2
SEARE, Marco; FERRAA, Flávio Carvalho. O conceito de saúde. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 31, n. 5, p.
538-542, out. 1997.
3
FLECK, Marcelo Pio de Almeida. O instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da
Saúde (WHOQOL-100): características e perspectivas. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 33-
38, Jan. 2000.
8

O conceito de saúde, porém, não foi uniforme nem consensual na história,

refletindo a conjuntura social, econômica, política e cultural e tido, quase sempre, como o

oposto de doença. O conceito utilizado pela OMS, porém, refletia um conteúdo ideológico, uma

aspiração nascida dos movimentos sociais do pós-guerra: o fim do colonialismo, a ascensão do

socialismo. Assim, recebeu críticas técnica e político-ideológicas4.

O conceito de doença, parece, sempre foi mais objetivo e empiricamente aceito

do que o de saúde, para o qual ainda rendem discussões. Nesse contexto, o conceito de saúde

desenvolvido por Cristopher Boorse, que, desde a década de 1970, vem difundindo a teoria bio-

estatística da saúde (TBS), é mais sintético – embora não menos criticado: saúde é a ausência

de doença (patologia); existem graus de saúde. Esse conceito, com fundamentação e ancoragem

na biologia evolutiva, pretende assumir que os conceitos de saúde-doença podem ser

essencialmente descritivos e, como tal, isentos de valor.5 Nada obstante, no âmbito nacional, a

Lei Federal n. 12.842, de 10 de julho de 2013, que dispõe sobre o exercício da medicina, definiu

doença como “interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão,

caracterizada por, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes critérios: I - agente etiológico

reconhecido; II - grupo identificável de sinais ou sintomas; III - alterações anatômicas ou

psicopatológicas”6.

Em 1978, a Conferência Internacional de Assistência Primária à Saúde, da OMS,

realizada na cidade Alma-Ata/URSS (atual Cazaquistão), destacou que “a consecução do mais

alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a

ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor da saúde”7; esta declaração

4
SCLIAR, Moacyr. História do Conceito de Saúde. Physis, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 29-41, abr. 2007.
5
ALMEIDA FILHO, Naomar de; JUCA, Vládia. Saúde como ausência de doença: crítica à teoria funcionalista de
Christopher Boorse. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 4, p. 879-889, jan. 2002.
6
BRASIL. Lei Federal n. 12.842, de 10 de julho de 2013. Art. 4º, §1º. Diário Oficial da União, Ano CL, n. 132,
Brasília/DF, 11.7.2013, pág. 1.
7
WORLD HEALTH ORAANIAATION. Report of the International Conference on Primary Health Care
Alma-Ata, USSR, 6-12 Septeber 1978. WHO, Aeneva, 178. Disponível em http://www.searo.who.int/
entity/primary_health_care/documents/hfa_s_1.pdf. “(…) that the attainment of the highest possible level of health
is a most important world-wide social goal whose realization requires the action of many other social and economic
9

contém, inegavelmente, uma proposta política para além da terapêutica8.

Também destacou a OMS, em seu documento de constituição9, que o gozo do

mais alto nível possível de saúde é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem

distinção de raça, religião, opinião política, condição econômica ou social.

Por seu turno, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais (PIDESC) 10 estatui em seu art. 12 que “os Estados Partes do presente Pacto

reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física

e mental”, cujo reforço como direito humano fundamental foi expresso na Conferência de

Alma-Ata citada. Como se vê, no plano internacional, a saúde é tratada como um direito

humano fundamental e deve ser objeto das chamadas “políticas públicas”11.

Contudo, se falar em “saúde” não é pacífico, falar de “direito à saúde” implica

expressar ou compreender primeiramente o alcance do termo “direito”. Direito é relação

jurídica intersubjetiva, é objeto ou é conteúdo de um objeto?

A palavra direito não tem uma definição ou conceito preciso, ainda hoje, gerando

muita dificuldade, mesmo para seus operadores mais hábeis e respeitados, para expressar, com

objetividade, qual o sentido em que se emprega o termo; a principal dificuldade seja de

linguagem. A palavra direito tem muitas aplicações, tanto no uso científico, quanto técnico ou

mesmo popular – afinal, todas as pessoas têm uma noção ou ideia do que seja “direito” ao

empregá-la no cotidiano. Não é pretensão desta dissertação esgotar nem aprofundar essas

discussões, senão apresentar alguns conceitos de uso correntio na doutrina.

sectors in addition to the health sector.” Tradução livre.


8
SCLIAR, Moacyr. op. cit. pág. 39.
9
WORLD HEALTH ORAANIAATION, Basic documents. “The enjoyment of the highest attainable standard of
health is one of the fundamental rights of every human being without distinction of race, religion, political belief,
economic or social condition.” Tradução livre., pág. 7.
10
Adotado pela XXI Sessão da Assembleia-Aeral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, promulgado
no Brasil pelo Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992, embora tenha entrado em vigor, para o Brasil, em 24 de abril
de 1992, na forma de seu art. 27, parágrafo 2°.
11
DANTAS, Flávia. Tributos, Tribunos, Tribunais e Policies: uma análise sistêmica da participação estratégica
dos tributos nas políticas públicas. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP,
2010. (mimeo)
10

É corrente a aceitação de que o direito é relação jurídica intersubjetiva, como

exposto e defendido por Bobbio12, a partir de Kant. De fato, destaca Bobbio que a relação

jurídica é aquela caracterizada pela forma e não pelo conteúdo, sendo que tal forma é a jurídica,

sendo, portanto, a relação jurídica a regulada por uma norma jurídica; enquanto não for, são

apenas relações de fato (econômicas, sociais, morais etc.). E a intersubjetividade marca essa

relação, uma vez que envolve (pelo menos) dois sujeitos: um que tem um direito e outro, um

dever correlato.13

Para destacar e iluminar, porém, as obscuridades acerca do termo “Direito”,

Hohfeld 14 propôs, com preocupação lógica, um esquema de conceitos fundamentais para

servirem como “o mínimo denominador comum do Direito” 15 , que visava a destacar os

elementos que estariam presentes em todo e qualquer tipo de interesse jurídico 16 , sendo

necessária a separação entre as relações puramente jurídicas das relações oriundas de fatos

físicos e mentais17 (psíquicos). Pode-se, então, identificar as seguintes categorias ou posições:

“(i) ativas – que designam a posição ocupada pelo titular do


direito -, em correlação com as (ii) passivas – que designam a
posição da outra pessoa frente a quem pode-se dizer que o titular
possui um direito -, e por oposição às posições (iii) inativas – a
situação que se encontra alguém que não é titular nem do direito
nem do dever em questão. As posições passivas são os
correlativos e as posições inativas são os opostos”.18

12
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru:
EDIPRO, 2001.
13
Idem. Ibidem.
14
HOHFELD, W. N. Conceptos juridicos fundamentales. 3 ed. México D.F.: Fontamara, 1995.
15
HOHFELD, W. N. op. cit., pág. 86.
16
FERREIRA, Daniel Brantes. Wesley Newcomb Hohfeld e os conceitos fundamentais do Direito. Direito,
Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, n.31, p. 33 a 57, jul/dez 2007, pág. 35.
17
IDEM, ibidem, pág. 36.
18
GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos. Direitos não nascem em árvores. Lumem
Juris: Rio de Janeiro, 2005, pág. 137.
11

São quatro as posições ativas: pretensão (claim), faculdade (privilege),

postestade (power) e imunidade (inmunity), em cuja correlação estão as posições passivas:

dever (duty), não-direito (no-right), sujeição (liability) e impotência (disability)19. Por sua vez,

são posição inativas 20 : não-direito, dever, impotência e sujeição. Para o sentido que se

emprestará à palavra “direito” no presente trabalho, se referirá ao sentido dogmático de “direito

subjetivo”, importa destacar os conceitos de “pretensão” e de “dever”, nos termos postos por

Hohfeld segundo Flávio Aaldino, a saber:

“(a) pretensão (claim): uma pessoa tem pretensão quando pode


exigir de outrem um determinado comportamento, que constitui,
para esta outra pessoa, um dever, logo, pretensão deve ser
entendida como a possibilidade de exigir de outrem um
determinado comportamento”.
(...)

(a) dever (duty): uma pessoa possui um dever quando está adstrita
a um determinado comportamento, logo, dever deve ser
entendido como a adstrição à prática de um determinado
comportamento”.21

Destarte, pode-se estabelecer os seguintes nexos entre as situações ativas,

passivas e inativas:

19
AALDINO, Flávio. op. cit., pág. 137-139. ROBERT ALEXY, segundo a tradução de VIRAÍLIO AFONSO DA
SILVA da sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, assim destaca, empregando termos ligeiramente diferentes:
“Nesse esquema lógico, segundo Hohfeld, existem oito ‘relações jurídicas estritamente fundamentais (...) sui
generis" (strictly fundamental legal relations . . . sui generis). Ele as designa com as expressões ‘direito’ (right),
‘dever’ (duty), ‘não-direito’ (no-right), ‘privilégio’ (privilege), ‘poder’ (power), ‘sujeição’ (liability), ‘incapacidade’
(disability) e ‘imunidade’ (immunity). Os quatro primeiros dizem respeito ao âmbito dos direitos a algo; os quatro
últimos, ao das competências” (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. 4ª tir. São Paulo:
Malheiros Editores, 2015. Tradução de Virgílio Afonso da Silva, pág. 210).
20
Flávio Galdino destaca que a “a expressão ‘inativa’ não consta dos textos consultados, mas parece-nos ser, s.m.j.,
a que melhor designa o oposto de oposição ativa, referindo qem não seja titular do direito em questão” (op. cit.,
nota 45).
21
GALDINO, Flávio. op. cit., pág. 137-138. Negritos no original.
12

“(A’’) sempre que se refere a uma pretensão há um dever


correlato. A ausência de pretensão refere uma situação de não-
direito.
(B’’) sempre que se refere uma faculdade, há um não-direito
correlato. A ausência de faculdade refere uma situação de dever.
(C’’) sempre que se refere uma potestade, há um estado de
sujeição correlato. A ausência de potestade refere uma situação
de impotência.
(D’’) sempre que se refere uma imunidade, há uma impotência
correlata. A ausência de imunidade refere uma situação de
sujeição”.22

Nesse sentido, direito subjetivo corresponde a uma situação jurídica ativa, como

destacado acima, sendo que a “pretensão” refere ao que se considera o núcleo do direito

subjetivo, qual seja o “poder de exigir de outrem um determinado comportamento”23; daí poder-

se aplicar esse conceito aos direitos fundamentais – de que se tratará adiante. Porém, há de se

tomar a polêmica proposição de, tratando-se de direitos prestacionais, considerar os custos dos

direitos como um elemento intrínseco para conhecer de sua factibilidade24.

Assim, para se falar em “direito à saúde”, há de se considerar que “saúde” seja

o objeto exigível, realizável, concreto, que se constitua um objeto de um dever de outrem. Então

se pode indagar: pode alguém dar saúde a outem?

Destarte, não se poderia falar propriamente em “direito à saúde”, considerando

que a saúde seja um conteúdo capaz de ser objeto de uma prestação25. Noutras palavras, a saúde

seria o objeto mediato da relação jurídica.

A relação jurídica (direito/pretensão) a respeito da saúde, envolveria o cidadão e

22
GALDINO, Flávio. op. cit., pág. 139-140. Negritos no original.
23
GALDINO, Flávio. op. cit.. pág. 140.
24
GLADINO, Flávio. op. cit., pág. 235.
25
MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Introdução aos Direitos Plurifuncionais. Os direitos, suas funções,
o desenvolvimento, a eficiência e as políticas públicas. Lisboa, 2015 (mimeo).
13

o Estado nos polos subjetivos, cujo objeto imediato é uma prestação, que tem, por sua vez, a

saúde como objeto mediato. Assim, ainda apoiado em Bobbio26, pode-se falar em “direito que

se tem” e “direito que não se tem e se busca”, sob o ponto de vista do conteúdo da relação

jurídica; embora não se possa demandar “saúde” do Estado, pode-se demandar “ações e serviços

de saúde” como aponta a Constituição Federal. Sendo a saúde um “estado de bem-estar (…) e

não apenas ausência de doença ou enfermidade”, não seria próprio de uma relação jurídica, mas

sim as ações e serviços que levem a esse “estado de coisas” a ser promovido27.

Parece ter sido essa a estrutura normativa adotada pelo art. 196 da Constituição

de 1988, embora não necessariamente seja essa a percepção do Poder Judiciário, quando se

perquire em que consiste o direito à (prestação de serviços de) saúde. Vale dizer: embora para

a Constituição Federal a “saúde” signifique mais do que cuidados, a maior parte das pretensões

demandas no Judiciário visam a obtenção de tratamento (objeto imediato), como se verá adiante.

2.1 DIREITO DA SAÚDE E DIREITO À SAÚDE

Para além de uma questão de “jogo de palavras”, e considerando o que já foi

exposto – seja quanto ao conceito de saúde, seja quanto ao ordenamento jurídico –, talvez não

se possa afirmar que exista um direito à saúde, mas um direito da saúde, isto é, um conjunto de

normas positivas que dispõem sobre a proteção e promoção da saúde por parte do Estado, uma

vez que não seja a saúde um conteúdo de direito. Ratificando, o direito pode ser entendido como

relação jurídica, posto que seja tratado por normas jurídicas, que exprimem um dever

(obrigação) de satisfazer um interesse (objeto) de outrem, que se diz titular do “direito”. De

todo modo, dada a consagração da expressão, dela se utilizará.

26
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 13ª tir. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
27
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15 ed. Malheiros:
São Paulo, 2014.
14

A própria Organização Mundial da Saúde, ao conceituar “saúde” como “estado”

(status) e, ao reforçar e ampliar sua compreensão com a Declaração de Alma-Ata, colocam-na

como o objetivo ou mesmo o resultado de um conjunto de ações, primordialmente do Poder

Público, a fim de promover o seu mais elevado grau de satisfação, entendendo que saúde não

se confunde com ausência de doença. Nesse sentido, não se pode aceitar que o chamado direito

à saúde seja confundido com um impossível “direito a ser saudável”28, posto que não seja algo

que se possa dar29.

Há, no plano internacional, um conjunto de definições, declarações e consensos

a respeito do “direito à saúde”, que não descuidam da necessidade de recursos para sua

implementação, consoante destacado no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais (PIDESC, art. 2º.1)30, que também assentou o direito de todos “ao mais

elevado nível possível de saúde física e mental” (art. 12). A conjugação desses elementos

(“máximo recursos disponíveis” e “mais elevado nível possível de saúde”) orientam toda a

formulação de políticas e recomendações para satisfação do direito à saúde dada sua natureza

complexa com múltiplas dimensões, conforme destacado pela Constituição da OMS. Por um

lado, o direito à saúde contém a liberdade de tomar decisões sobre a própria saúde; por outro

lado, o direito à saúde também abrange o direito a um sistema de proteção de saúde. Assim, a

disponibilidade de serviços de saúde, instalações e produtos de boa qualidade representa uma

dimensão global, enquanto a garantia real aos direitos individuais representa outra dimensão

igualmente importante31.

28
COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIAHTS (CESCR), General Comment No. 14
on the right to the highest attainable standard of health, 11 August 2000, UN Doc. E/C.12/2000/4. Disponível em
http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=E/C.12/2000/4, acesso em 24 de janeiro de 2016.
29
MENDONÇA, Fabiano André de Souza. op. cit., pág. 90.
30
Art. 2º. “1. Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio
como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo
de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno
exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas”.
Arifamos.
31
RIEDEL, Eibe. “The Human Right to Health: Conceptual Foundations”. In: Clapham, Andrew; Robinson, Mary.
Realizing the right to health. Aurich: Swiss Human Rights Books, 2009, p. 21-39. Disponível em
15

Destaque-se, que no âmbito do Conselho Econômico e Social da ONU, o Comitê

dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC) formulou o Comentário Aeral n.

14/2000, a respeito da implementação do art. 12 do PIDESC32, em que destacou firmemente a

relação de dependência do direito à saúde com os demais direitos humanos e que esse direito

compreende tanto uma liberdade quanto um direito propriamente dito, isto é, conjuga aspectos

tanto de liberdades positivas quanto negativas do cidadão em face do Estado e de prestações

deste para com aquele33. Nesse sentido, o direito à saúde em todas as suas formas e em todos

os níveis contém os seguintes elementos inter-relacionados e essenciais: disponibilidade,

acessibilidade, aceitabilidade e qualidade.34 Esses elementos foram incorporados à Constituição

Federal de 1988 e à Lei do SUS – Sistema Único de Saúde35, conforme se referirá adiante.

Basicamente, esses elementos podem ser assim compreendidos, conforme

explicado no Comentário Aeral n. 14/2000:

“a) Disponibilidade. Cada Estado Parte terá direito a um número


suficiente de instalações, bens e serviços públicos, de centros de
saúde e cuidados de saúde, bem como programas. A natureza
exata das instalações, bens e serviços vai depender de vários
fatores, incluindo o nível de desenvolvimento do Estado Parte.
No entanto, estes serviços incluem os determinantes subjacentes
da saúde, tais como água potável e saneamento adequado,
instalações, hospitais, clínicas e outras instalações relacionadas
com a saúde, pessoal médico e profissional treinado e bem pago
dadas as condições do país e medicamentos essenciais definidos
no Programa de Ação sobre Medicamentos Essenciais da OMS.

https://saudeglobaldotorg1.files.wordpress.com/2014/06/01_453_riedel.pdf, acesso em 10/01/2016.


32
CESCR, op. cit.
33
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. 4ª tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2015. Tradução
de Virgílio Afonso da Silva.
34
CESCR, op. cit., pág. 4.
35
Lei Federal n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e
recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências,
publicada no Diário Oficial da União de 20 de setembro de 1990, pág. 18055.
16

b) Acessibilidade. Instalações de saúde, bens e serviços devem ser


acessíveis a todos, sem discriminação, dentro da jurisdição do
Estado Parte. A acessibilidade tem quatro dimensões que se
sobrepõem:
i) Não discriminação: unidades de saúde, produtos e serviços
devem ser acessíveis, de fato e de direito, aos setores mais
vulneráveis e marginalizados da população, sem discriminação
por qualquer das razões proibidas.
ii) Acessibilidade física: unidades de saúde, bens e serviços
devem estar dentro do alcance físico seguro para todas as
camadas da população, especialmente os grupos vulneráveis
ou marginalizados, como as minorias étnicas e povos
indígenas, mulheres, crianças, adolescentes, os idosos, as
pessoas com deficiência e pessoas que vivem com HIV/AIDS.
A acessibilidade também implica que os serviços médicos e
determinantes subjacentes da saúde, tais como água potável e
instalações sanitárias adequadas, estão ao alcance físico seguro,
inclusive em relação às áreas rurais. Acessibilidade inclui
ainda um acesso adequado aos edifícios para pessoas com
deficiência.
iii) A acessibilidade econômica (“modicidade”36): unidades de
saúde, bens e serviços deve ser acessível para todos.
Pagamentos de serviços de cuidados de saúde e relacionados
aos determinantes subjacentes dos serviços de saúde devem
basear-se no princípio da equidade, para assegurar que estes
serviços, públicos ou privados, estão disponíveis a todos,
incluindo grupos socialmente desfavorecidos. Equidade exige
que as famílias mais pobres não devem ser
desproporcionalmente sobrecarregadas no que se refere aos
custos de cuidados de saúde, em comparação com as famílias
mais ricas.

36
O texto oficial em inglês usa “affordability”, que significa “reasonably priced”, “preço razoável”; o texto oficial
em espanhol utiliza “asequibilidad”, também no mesmo sentido de algo “que puede comprarse o pagarse”. Então
empregou-se, livremente, a expressão “modicidade” para expressar a mesma ideia.
17

iv) O acesso à informação: acessibilidade inclui o direito de


procurar, receber e transmitir informações e ideias sobre
questões relacionadas com a saúde. No entanto, o acesso à
informação não deve prejudicar o direito de ter os dados
pessoais relativos à saúde sejam tratados de forma confidencial.
c) A aceitabilidade. Todas as unidades de saúde, bens e serviços
devem estar de acordo com a ética médica e ser culturalmente
apropriadas, isto é, que respeite a cultura de indivíduos, minorias,
povos e comunidades, ao mesmo tempo sensível às necessidades
de gênero e o ciclo de vida e deve ser projetado para respeitar a
confidencialidade e melhorar o estado de saúde das pessoas em
causa.
d) Qualidade. Além de aceitável do ponto de vista cultural,
instalações, bens e serviços de saúde também devem ser
adequados do ponto de vista médico e científico e de boa
qualidade. Isso exige, nomeadamente, médicos qualificados,
medicamentos aprovados cientificamente e equipamentos
hospitalares em boas condições, água potável e condições
sanitárias adequadas.

Mais adiante, segue o CDESC, no referido Comentário Aeral n. 14/2000, a

respeito das obrigações dos Estados Partes, destacando, dogmaticamente, sobre um dever

público na relação jurídica em relação aos direitos acertados no Pacto:

34. Em particular, os Estados têm a obrigação de respeitar o


direito à saúde, inter alia, abster-se de negar ou limitar o acesso
igualitário de todas as pessoas, incluindo presos ou detidos,
minorias, requerentes de asilo e imigrantes ilegais, a serviços de
saúde preventivos, curativos ou paliativos; abster-se de impor
práticas discriminatórias como uma política de Estado; e abster-
se de impor práticas discriminatórias relativas à condição e
necessidades de saúde das mulheres. Além disso, as obrigações
18

de respeitar incluem a obrigação de um Estado que se abstenha de


proibir ou dificultar os cuidados preventivos tradicional, práticas
curativas e medicamentos, de comercializar drogas inseguras e da
aplicação de tratamentos médicos coercivos, a não ser a título
excepcional para o tratamento da doença mental ou a prevenção
e controle das doenças transmissíveis. Nestes casos excepcionais
deve ser sujeita a condições específicas e restritivas, respeitando
as melhores práticas e padrões internacionais aplicáveis,
incluindo os Princípios para a Proteção de Pessoas com Doença
Mental e para a Melhoria da Atenção à Saúde Mental. Além disso,
os Estados devem abster-se de limitar o acesso aos meios
contraceptivos e outros meios de manter a saúde sexual e
reprodutiva, de censura, retendo ou deturpando intencionalmente
informações relacionadas à saúde, incluindo a educação e
informações sexuais, bem como de impedir a participação das
pessoas nas questões relativas à saúde. Os Estados também
devem abster-se de ilegalmente poluir o ar, a água e o solo, por
exemplo, através de resíduos industriais provenientes de
instalações estatais, de usar ou testar armas nucleares, biológicas
ou químicas, se tais testes resultarem na liberação de substâncias
nocivas para a saúde humana, e de limitar o acesso aos serviços
de saúde como medida punitiva, por exemplo, durante os
conflitos armados, em violação do direito internacional
humanitário.
35. As obrigações de proteger incluem, inter alia, as obrigações
dos Estados de adotar legislação ou tomar outras medidas que
garantam a igualdade de acesso aos cuidados e serviços de saúde
prestados por terceiros; de garantir que a privatização do sector
da saúde não constitua uma ameaça para a disponibilidade,
acessibilidade, aceitabilidade e qualidade dos estabelecimentos,
bens e serviços de saúde; de controlar a comercialização de
equipamentos médicos e medicamentos por terceiros; e de
garantir que os médicos e outros profissionais de saúde atendam
aos padrões apropriados de educação, habilidades e códigos
19

éticos de conduta. Os Estados também são obrigados a assegurar


que as práticas sociais ou tradicionais nocivas não interfiram no
acesso aos cuidados pré e pós-natais e de planeamento familiar; a
impedir terceiros de coagir as mulheres se submeter a práticas
tradicionais, por exemplo, mutilação genital feminina; e tomar
medidas para proteger todos os grupos vulneráveis ou
marginalizados da sociedade, em particular as mulheres, crianças,
adolescentes e idosos, à luz das expressões de violência de gênero.
Os Estados-Membros devem também garantir que terceiros não
limitem o acesso das pessoas à informação e serviços
relacionados com a saúde.
36. A obrigação de realizar exige dos Estados partes, inter alia,
dar o reconhecimento suficiente para o direito à saúde nos
sistemas políticos e jurídicos nacionais, de preferência por meio
de implementação legislativa, e adotar uma política nacional de
saúde com um plano detalhado para a realização o direito à saúde.
Os Estados devem garantir a prestação de cuidados de saúde,
incluindo os programas de imunização contra as principais
doenças infecciosas, e garantir a igualdade de acesso de todos aos
determinantes básicos da saúde, tais como alimentos seguros e
nutritivos e água potável, saneamento básico e habitação
adequada e condições de vida. As infraestruturas de saúde pública
devem prover serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo a
proteção da maternidade, particularmente nas áreas rurais. Os
Estados têm de garantir a formação adequada de médicos e de
outros profissionais de saúde, a provisão de um número suficiente
de hospitais, clínicas e outras instalações de saúde, e a promoção
e apoio ao estabelecimento de instituições que prestam serviços
de aconselhamento e de saúde mental, com a devida preocupação
com a distribuição equitativa em todo o país. Outras obrigações
incluem o fornecimento de um sistema seguro de saúde pública,
privada ou mista, que seja acessível para todos, a promoção da
pesquisa médica e educação para a saúde, bem como campanhas
de informação, em particular no que diz respeito ao HIV/AIDS,
20

saúde sexual e reprodutiva, práticas tradicionais, violência


doméstica, o abuso do álcool e do uso de cigarros, drogas e outras
substâncias nocivas. Os Estados também são obrigados a adotar
medidas contra os perigos para a saúde ambiental e ocupacional
e contra qualquer outra ameaça como demonstrado pelos dados
epidemiológicos. Para este propósito, devem formular e
implementar políticas nacionais destinadas a reduzir e eliminar a
poluição do ar, da água e do solo, incluindo a poluição por metais
pesados como o chumbo da gasolina. Além disso, os Estados
Partes são obrigados a formular, implementar e rever
periodicamente uma política nacional coerente para minimizar o
risco de acidentes e doenças profissionais, bem como para
fornecer uma política nacional coerente em matéria de serviços
de segurança e saúde no trabalho.
37. A obrigação de realizar (facilitar) exige dos Estados, dentre
outros, tomar medidas positivas que permitem e ajudar as pessoas
e comunidades a gozar do direito à saúde. Os Estados Partes
também são obrigados a cumprir (fornecer) um direito específico
contido no Pacto quando os indivíduos ou um grupo são incapazes,
por razões alheias à sua vontade, de realizar esse direito pelos
meios ao seu dispor. A obrigação de realizar (promover) o direito
à saúde exige dos Estados realizar ações de criar, manter e
restaurar a saúde da população. Estas obrigações incluem: (i)
fomentar o reconhecimento dos fatores que favorecem resultados
positivos para a saúde, por exemplo, pesquisa e prestação de
informações; (ii) assegurar que os serviços de saúde sejam
culturalmente apropriados e que as equipes de cuidados de saúde
sejam treinados para reconhecer e responder às necessidades
específicas dos grupos vulneráveis e marginalizados; (iii)
assegurar que o Estado cumpra as suas obrigações na divulgação
de informações apropriadas relativas aos estilos de vida e nutrição
saudáveis, práticas tradicionais nocivas e a disponibilidade dos
serviços; (iv) apoiar as pessoas a fazer escolhas informadas sobre
sua saúde.
21

Essas obrigações demandam recursos para sua implementação, como destacado

no art. 2.1 do Pacto, e que sejam coerentes com uma política pública eficiente, de âmbito

nacional, regional ou local, segundo a forma de Estado37 corrente.

2.2 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL.

É corrente e comezinho rememorar que as alterações históricas (evolução) do

papel do Estado quanto à definição, reconhecimento, conteúdo e concretização dos direitos dos

cidadãos têm implicações recíprocas: na medida em que um se altera, altera-se o outro. Assim,

após a Revolução Francesa de 1789, se tornou cada vez mais difundido e aceito que Estado

seria o Estado de Direito de cunho liberal (econômico e político), cujo ápice se deu no século

XIX, e que foi gradativamente assumindo outros e novos papéis e obrigações (deveres) e, nessa

toada, passou a ser chamado, já no século XX conforme o grau de resposta aos cidadãos, de

Estado Social38, Estado de Bem-Estar Social, Estado Providência39 etc. até o (atual) Estado

Regulador 40 , quiçá, Pós-Providência 41 . Nessa caminhada histórica, foram surgindo diversos

“direitos”, que forçaram um alargamento dos papéis (funções) do Estado, precipuamente a

partir do Direito Constitucional e do Direito Civil 42. Essa gama de direitos “novos”, quase

sempre se referiram ao que atualmente se convencionou chamar de direitos sociais, em

contraposição semântica aos chamados direitos individuais. Para usar o slogan da Revolução

37
Segundo Paulo Bonavides “Como formas de Estado, temos a unidade ou pluralidade dos ordenamentos estatais,
a saber, a forma plural e a forma singular; a sociedade de Estados (o Estado Federal, a Confederação, etc.) e o
Estado simples ou Estado unitário”. (Ciência Política. 10ª ed. 9ª tir. Malheiros: São Paulo, 2000).
38
BONAVIDES. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8 ed. Malheiros: São Paulo, 2007.
39
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28 ed. Atlas: São Paulo, 2015, pág. 53.
40
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. Malheiros: São Paulo, 2014.
41
BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. O Estado Democrático de Direito Pós-Providência Brasileiro em busca da
eficiência pública e de uma administração pública mais democrática. Revista Brasileira de Estudos Políticos. n.
98, jul-dez/1998, pág. 119-158.
42
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo 4 ed. 3 tir. Saraiva: São Paulo, 2014.
22

Francesa, no plano histórico o alargamento do campo dos direitos passou dos direitos de

“liberdade” para os de “igualdade” e, depois, para os de “fraternidade”. Daí ter-se difundido,

não sem crítica, a tese das “gerações” de direitos, correspectivos às palavras do slogan

revolucionário francês. “Aerações” que a Doutrina peleja atualmente substituir por “dimensões”

- embora permaneça, em certo sentido, fútil essa discussão terminológica para afirmar, de todo

modo, que os direitos foram ampliando seu alcance semântico e material, conforme mais

resposta tenha, se exija do e possa dar o Estado – tanto de conteúdo quanto de forma. Também

se projeta apontar a plurifuncionalidade dos direitos, como tentativa teorética de superação não

somente das terminologias, mas para focalizar no papel do Estado43 sob o ponto de vista da

resposta.

Essa discussão, porém, tem o mérito dogmático de separar os chamados direitos

individuais dos sociais – ainda que exista outras classes, tais como os coletivos, os difusos, os

transindividuais etc. Não olvidando dessas classificações, para os fins deste trabalho interessa

apenas a questão da concretização dos direitos pelo Estado, embora se dedique algumas

considerações conceituais sobre os direitos sociais fundamentais.

Direitos individuais seriam os que têm por titular o indivíduo, o cidadão

considerado per si, como titular de direito material e de correspondente direito de ação para

demandar sua efetivação perante o Estado, seja contra outro cidadão seja contra o próprio

Estado. São, para utilizar a terminologia ainda em voga, os direitos de “primeira geração”, os

“direitos de liberdade”. De outro ângulo, os direitos sociais têm sede na “segunda geração”, isto

é, são os “direitos de igualdade” 44 . Insista-se que a expressão “gerações” não implica em

superação – eis um dos elementos de rejeição da expressão – dos direitos “pré-existentes”, isto

é, daqueles que já eram reconhecidos positivamente pelo Estado e exercidos pelos cidadãos.

43
Vide MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Introdução aos Direitos Plurifuncionais. Os direitos, suas
funções, o desenvolvimento, a eficiência e as políticas públicas. Lisboa, 2015 (mimeo).
44
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros: São Paulo, 2004.
23

O Brasil não se mostrou alheio a essa evolução dos direitos no Ocidente,

integrando-se a essa ordem de ideias, seja pela influência francesa na Corte durante o Segundo

Império seja pela adesão da República ao modelo americano, embora fortemente influenciado

pelos Direitos Francês, Alemão e Italiano45, que informaram as bases do Direito Constitucional

e Administrativo brasileiro.

Nessa toada, conforme essas ideias se foram sedimentando no país, foi-se

alargando o papel do Estado no tratamento dos chamados “direitos sociais”. Talvez uma

primeira demonstração positiva e material na área da saúde tenha sido representada pela Lei

Federal n. 1.261, de 31 de outubro de 190446, apesar de ter concorrido para a chamada “Revolta

da Vacina” 47 , embora desde 1846 tenha se instituído a vacinação contra bexiga (varíola) 48 .

Também a subscrição do Brasil ao Código Pan-Americano de Saúde, em 1924, que marcou sua

entrada na posterior Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS49, a primeira organização

internacional sobre o tema, é significativa.

O que fica evidente, de todo modo, é que a expansão do papel do Estado não se

deu abruptamente ou por revoluções, mas foi um processo paulatino, embora marcos históricos

sejam sempre lembrados, como as Constituições do México (1917) e da Alemanha (1919). De

igual modo, a evolução da ciência do Direito, as técnicas e métodos de interpretação e a

45
Vide DI PIETRO, Maria Sylvia Aanella. Direito Administrativo. 28 ed. Atlas: São Paulo, 2015, pág. 29.
46
“Torna obrigatorias, em toda a Republica, a vaccinação e a revaccinação contra a variola.” Disponível em
http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=61058&tipoDocumento=LEI &tipoTexto=PUB
47
RIO DE JANEIRO (CIDADE). Secretaria Especial de Comunicação Social. 1904 - Revolta da Vacina. A maior
batalha do Rio. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – A Secretaria, 2006. 120 p.: il.– (Cadernos da Comunicação.
Série Memória) ISSN 1676-5508
48
Decreto nº 464, de 17 de agosto de 1846, que “manda executar o regulamento do instituto vaccinico do Império”,
que estabelecera: “Art. 29. Todas as pessoas residentes no Império serão obrigadas a vaccinar-se, qualquer que
seja a sua idade, sexo, estado, e condição. Exceptuão-se somente os que mostrarem ter tido Vaccina regular, ou
bexigas verdadeiras”. Porém, em 4 de abril de 1811, o Príncipe Regente baixara um Decreto (n. 28) com a seguinte
ementa: “marca a gratificação das pessoas empregadas na propagação de vaccina nesta corte”. Esse Decreto
invocou por fundamento que houvera o Príncipe “mandado organisar nesta Corte, debaixo das vistas do Intendente
Aeral da Polícia da Côrte e Estado do Brazil e do Physico-Mór do Reino, um estabelecimento permanente, para
que com mais extensão e regularidade se propague e se conserve, em beneficio dos povos, o reconhecido
preservativo da vaccina”. Insta destacar que a vacina contra a varíola fora descoberta por Jenner em 1796, quinze
anos antes, portanto, de já no Brasil se objetivar vacinar a população. Aliás, o nome vacina decorre do método de
imunização contra a varíola, que utilizava o vírus Vaccinia, que infectava vacas (vacca, em latim).
49
PAN AMERICAN HEALTH ORAANIAATION. Basic Documents of the Pan American Health Organization
Washington, D.C.: PAHO, 2012 (PAHO Official Document Nº. 341). ISBN: 978-92-75-17341-1
24

primazia do Direito Constitucional, certamente, foram decisivos para que se formasse um novo

mainstream nesse campo, com repercussões filosóficas, políticas e sociais.

No campo do Direito Constitucional Brasileiro, a “Constituição Política do

Império do Brazil”, de 25 de março de 1824, trouxe uma única referência à saúde, dispondo:

“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos


Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança
individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do
Imperio, pela maneira seguinte.
XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou

commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos

costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos.

Como se vê, a referência foi lacônica e tímida, no bojo de uma vedação genérica

às atividades econômicas. Era um momento do ápice das ideias liberais, então o Estado não

deveria intervir nas liberdades individuais, senão excepcionalmente – como demonstra o caso;

o uso da expressão “inviolabilidade dos direitos civis” que tem por base “a liberdade, a

segurança individual, e a propriedade”, além de que nenhuma atividade econômica pudesse ser

proibida, corroboram com o pensamento político e econômico da época.

Por sua vez, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de

fevereiro de 1891, não empregou nenhuma vez a palavra “saúde”, que somente voltaria a ser

citada 43 anos depois, com a promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos

do Brasil, de 16 de julho de 1934, dispondo (art. 19) competir concorrentemente à União e aos

Estados (II) cuidar da saúde e assistência públicas.

Convém destacar que pretendeu a Carta de 1934, segundo seu preâmbulo,

“organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o


25

bem-estar social e econômico”. No plano histórico, entre essas duas Constituições, podemos

destacar os seguintes marcos e fatos: Encíclica Rerum Novarum, do papa Leão XIII (1891); a

Primeira Auerra Mundial (1914-1918), a Revolução Soviética (1917), as Constituições do

México (1917) e da Alemanha (1919), a adesão do Brasil ao Código Sanitário Pan-Americano

(1924), o crash da Bolsa de New York (1929) e início do New Deal, do presidente americano

Franklin Roosevelt (1933-1937). Esses eventos foram expressões da superação das ideias

liberais clássicas, que impuseram ao Estado e ao Direito uma repaginação, a fim de promover

intervenção nas searas econômicas e sociais; também representaram, por outro lado, uma

adaptação do capitalismo a esses eventos, que não se mostrou de todo fechado para ideias

“socialistas”, mesmo que fabianas50, dando azo ao surgimento da “terceira via” 51 anos depois,

como Novo Trabalhismo inglês, marcado pela ascensão de Tony Blair ao Aabinete Britânico

(1997). De fato, a “terceira via” visa a superação da dicotomia “esquerda/direita” ou melhor

“socialismo” e “liberalismo”, tendo em vista pretender a “ajudar os cidadãos a abrir seu próprio

caminho através das mais importantes revoluções de nosso tempo: globalização,

transformações na vida pessoal e nosso relacionamento com a natureza”, porém adotando por

“moto primordial para a nova política, não há direito sem responsabilidades”52. Os valore da

“terceira via” são: igualdade, proteção aos vulneráveis, liberdade como autonomia, não há

direitos sem responsabilidades, não há autoridade sem democracia, pluralismo cosmopolita e

conservadorismo filosófico.53

50
A expressão vem de homenagem a “Quintus Fabius Maximus, político, ditador e general da República Romana
(275-203 a.C.) que conseguiu derrotar Aníbal na Segunda Guerra Púnica adotando a estratégia de não fazer
confrontos diretos e em larga escala (nos quais os romanos haviam sido derrotados contra Aníbal), mas sim de
incorrer apenas em pequenas e graduais ações, as quais ele sabia que podia vencer, não importa o tanto que ele
tivesse de esperar”. As ideias fabianas consistiam em chegar ao socialismo de modo gradual, segundo o programa
da Sociedade Fabiana, criada em 1895, em Londres; esse programa teve o epíteto de “social-democracia”, embora,
atualmente, esse termo não signifique, necessariamente, adoção de teses socialisas. Vide “O que é o socialismo
fabiano - e por que ele importa”, disponível em http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2331, acesso em
07/08/2016.
51
Vide GIDDENS, Anthony. A Terceira Via. Col. Pensamento Social-Democrata. Instituto Teotônio Vilela:
Brasília, 1999. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges.
52
GIDDENS, Anthony. op. cit., pág. 74 e 75.
53
GIDDENS, Anthony. op. cit., pág. 76.
26

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937,

outorgada (decretada) pelo ditador Aetúlio Vargas, sob inspiração fascista, veio a tratar da saúde

apontando para uma dupla finalidade: normatização e prestação de serviços, nos seguintes

termos:

Art. 16 - Compete privativamente à União o poder de legislar


sobre as seguintes matérias:
XXVII - normas fundamentais da defesa e proteção da saúde,
especialmente da saúde da criança.

Art. 18 - Independentemente de autorização, os Estados podem


legislar, no caso de haver Lei Federal sobre a matéria, para suprir-
lhes as deficiências ou atender às peculiaridades locais, desde que
não dispensem ou diminuam es exigências da Lei Federal, ou, em
não havendo Lei Federal e até que esta regule, sobre os seguintes
assuntos:
c) assistência pública, obras de higiene popular, casas de saúde,
clínicas, estações de clima e fontes medicinais;

Promulgada em 18 de setembro de 1946, a Constituição dos Estados Unidos do

Brasil também foi lacônica ao dispor sobre a saúde, conferindo competência à União para

“organizar defesa permanente contra os efeitos (...) das endemias rurais” (art. 5º, XIII) e legislar

dispondo sobre “normas gerais (…) de defesa e proteção da saúde” (art. 5º, XV, b), redação

mantida na Constituição da República Federativa do Brasil (art. 8º, XVII, c), promulgada a 24

de fevereiro de 1967, acrescentando, apenas, a competência da União de “estabelecer planos

nacionais de educação e de saúde” (art. 8º, XIV).

A Emenda Constitucional n. 1, “promulgada” em 17 de outubro de 1969,

reescreveu a Constituição de 1967, mas manteve o mesmo tratamento dado pela Carta original.

Porém, com a Emenda Constitucional n. 27, promulgada em 28 de novembro de 1985, logo


27

após o fim formal da “Revolução de 1964”, acrescentou outros dispositivos à Carta,

promovendo uma reforma tributária e determinando que os Municípios deveriam aplicar, em

programas de saúde, 6,0% (seis por cento) do valor que recebessem do Fundo de Participação

dos Municípios (FPM) (art. 25, §4º).

No nível constitucional, as Cartas brasileiras foram tímidas ao tratar do tema

saúde, como de resto dos demais direitos sociais, ou seja, não foi dado status a esse tema, ainda

que houvesse, no plano infraconstitucional, um conjunto de disposições normativas que

lograsse apontar para o cuidado com a saúde pública, embora o nível de assistência não fosse

universalizado. Realidade que seria radicalmente alterada com a Constituição de 1988.

Então, no nível da legislação infraconstitucional, pode-se destacar a existência,

no exercício da competência da União, da Lei Federal n. 2.312, de 3 de setembro de 1954, com

“normas Aerais sôbre Defesa e Proteção da Saúde”, e da Lei Federal n. 6.229, de 17 de julho

de 1975, que dispunha “sobre a organização do Sistema Nacional de Saúde” - ambas revogadas

pela Lei Federal n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, que, na forma da Constituição de 1988,

dispôs sobre o Sistema Único de Saúde.

2.3. DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS DO

DIREITO À SAÚDE.

Os direitos fundamentais se firmaram na Constituição da República Federativa

do Brasil, de 1988, como, provavelmente, sua mais expressiva característica, quando em

comparação com as demais Cartas Políticas brasileiras. Para as finalidades deste trabalho,

importa apenas delinear a teoria dos direitos fundamentais, a fim de posicionar os direitos

sociais, especialmente o direito à saúde, especialmente quanto aos seus limites e restrições.

Os direitos fundamentais são “os direitos ou as posições jurídicas subjectivas das


28

pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição,

seja na Constituição formal, seja na Constituição material — donde, direitos fundamentais em

sentido formal e direitos fundamentais em sentido material” 54 . Cabe também a advertência

metodológica para o presente conceito:

“Mas tal noção de direitos fundamentais implica necessariamente


dois pressupostos, sob pena de se esbater e deixar de ser
operacional: não há direitos fundamentais sem reconhecimento
duma esfera própria das pessoas, mais ou menos ampla, frente ao
poder político; e não há direitos fundamentais sem que as pessoas
estejam em relação imediata com o Estado, dotadas do mesmo
estatuto e não sujeitas a estatutos específicos consoante os grupos
ou as condições em que se integrem”55.

Como anteriormente afirmado, há o entendimento de que, historicamente, os

direitos fundamentais tiveram um alcance cada vez maior, irradiando-se tanto vertical quanto

horizontalmente, isto é, para perpassar todo o ordenamento jurídico, bem como para alcançar

as relações privadas. Nesse sentido, a expressão “gerações” de direitos recebe inúmeras críticas,

embora seu uso didático mais sirva para demonstrar os passos evolutivos na doutrina do que

para expressar um sentido de superação. De fato, o estudo e a compreensão sobre os direitos

fundamentais levam à consideração de que, à medida em que “evoluíam”, não havia superação

nem abandono daquilo que já houvera sido alcançado. Daí preferir-se o termo “dimensão” como

o mais apropriado para expressar essa ideia56.

Importa destacar que os direitos fundamentais são a pedra angular do sistema

54
MIRANDA, Jorge. Os Direitos Fundamentais na Ordem Constitucional Portuguesa. Revista Española de
Derecho Constitucional, Madrid, Año 6, Núm. 18 pág. 107-138. Septiembre-Diciembre 1986.
55
MIRANDA, Jorge. op. cit., pág. 108.
56
Vide MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Introdução aos Direitos Plurifuncionais. Os direitos, suas
funções, o desenvolvimento, a eficiência e as políticas públicas. Lisboa, 2015 (mimeo).
29

constitucional, tal como se entende na atualidade. De fato, não são apenas direitos que se opõem

ao Estado, no sentido de uma abstenção – como marcou a época do “estado liberal” – como

também expressam uma pretensão exigível do Estado, isto é, como um direito (subjetivo)

correlato a um dever do Estado. Desta forma, os direitos fundamentais têm um caráter

prestacional, no sentido de exigir um fazer ou um dar do Estado, e não somente uma abstenção

respeitante à liberdade.

Os direitos de liberdade (“primeira geração”), ou direitos civis e políticos 57 ,

portanto, não são suficientes; necessitam-se de outros direitos (“segunda e terceira geração”),

que se traduzem nas prestações relativas aos direitos econômicos, sociais e culturais 58, que

visam a garantir a igualdade, e aqueles chamados direitos de “fraternidade” ou de “solidariedade”

referidos ao meio ambiente e ao desenvolvimento. Isso implica em que os direitos fundamentais,

tendo um caráter prestacional e não somente de abstenção, demandam recursos públicos para

poderem ser materializados, isto é, fruíveis pelos cidadãos.

O conceito de liberdade comporta duas noções: liberdade negativa, que se refere

à ausência de interferência do Estado na esfera individual, e a liberdade positiva, que se refere

à capacidade de participação política, de influenciar nas decisões políticas e legislativas59. Na

quadra atual, também merece destaque o conceito de “liberdade substantiva”, que permite ao

indivíduo participar do desenvolvimento com suas capacidades, e de “liberdades instrumentais”,

que servem de instrumentos para que o indivíduo aumente a sua liberdade substantiva total; são

liberdades instrumentais: as liberdades políticas, as disponibilidades econômicas, as

oportunidades sociais, as garantias de transparência e a proteção social.60

57
Vide Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992 (DOU 07/07/1992, Seção 1, pág. 8716-8720), que promulgou o
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
58
Vide Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992 (DOU, 7/7/1992, Seção 1, pág. 8713-8716).
59
SILVA, Virgílio Afonso da. A evolução dos direitos fundamentais. Revista Latino-Americana de Estudos
Constitucionais. Belo Horizonte, n. 6, jul-dez./2005, pág. 541-558. Sobre os conceitos de liberdade negativa e
positiva, consultar BERLIN, Isaiah. Quatro conceitos sobre a liberdade. Col. Pensamento Político. Editora UnB:
Brasília, 1981.
60
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia de Bolso, 2010.
30

Os direitos econômicos, sociais e culturais enfeixam grosso modo as prestações

positivas a que o Estado deve garantir aos cidadãos, embora a recíproca não seja

necessariamente verdadeira, isto é, nem toda exigência de prestações por parte do Estado é

decorrência de direitos sociais ou econômicos61.

Cabe destacar, então, o conceito de direitos a prestações formulados por Alexy,

para expressar o papel do Estado na satisfação desse tipo de direito:

“Todo direito a uma ação positiva, ou seja, a uma ação do Estado,


é um direito a uma prestação. Nesse sentido, o conceito de direito
a prestações é exatamente o oposto do conceito de direito de
defesa, no qual se incluem todos os direitos a uma ação negativa,
ou seja, a uma abstenção estatal”.62

O conceito acima expressa o chamado conceito a prestação em sentido amplo,

segundo essa doutrina, sendo que as prestações em sentido estrito substanciarão o direito

subjetivo (pretensão). Na lição de Alexy, podemos colher:

“Direitos a prestação em sentido estrito são direitos do indivíduo,


em face do Estado, a algo que o indivíduo, se dispusesse de meios
financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no
mercado, poderia também obter de particulares. Quando se fala
em direitos fundamentais sociais, como, por exemplo, direitos à
assistência à saúde, ao trabalho, à moradia e à educação, quer-se
primariamente fazer menção a direitos a prestação em sentido
estrito”.63

61
SILVA, Virgílio Afonso. A evolução dos direitos fundamentais (...). cit. pág. 548.
62
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. 4ª tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2015.
Tradução de Virgílio Afonso da Silva, pág. 442.
63
Idem, ibidem, pág. 499.
31

Os direitos sociais, sem dúvida, envolvem os direitos fundamentais sociais. Mas

a satisfação desses direitos demanda recursos financeiros do Estado em maior proporção do que

os chamados direitos de liberdade. Sob essa perspectiva do custo, isto é, da capacidade de

atendimento por parte do Estado, não se pode desconsiderar igualmente a capacidade de o

Estado obter e despender os recursos da sociedade, afinal, direitos têm custos. Nesse diapasão,

convém destacar a proposição segundo a qual o custo do direito há de ser compreendido em sua

própria formulação conceitual, a fim de se conhecer do seu alcance 64 . Também merece

evidenciar a demonstração segundo a qual, sejam prestacionais ou de defesa, todos os direitos

têm custos e são garantidos pelo Estado65.

Também não se pode desconsiderar, por outro lado, que há de haver um “limite

para os limites” ou “limite dos limites”66 , no sentido de que, se a “concessão” de direitos

fundamentais (formais) deve ser limitada à capacidade de resposta do Estado, há um mínimo a

ser garantido, que demandará do próprio Estado capacidades de atendimento adequado e

suficiente; vale dizer: o Estado encontra-se limitado na tarefa de estabelecer limites. Esses

limites são estabelecidos na própria Constituição ou são decorrentes do sistema constitucional,

que define e limita a liberdade de conformação do Poder Legislativo e da Administração

Pública.67

Neste diapasão, as considerações acerca do suporte fático e do âmbito de

proteção dos direitos fundamentais que exigem resposta (intervenção) do Estado ganham relevo.

De fato, o suporte fático de um direito é composto pelo âmbito de proteção e pela intervenção

do Estado, aliada à fundamentação constitucional 68 ; no caso dos direitos fundamentais, a

64
GALDINO, Flávio. op. cit., pág. 235.
65
HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass R. The Cost of Rights. Why liberty depends on taxes. New York: W. W.
Norton, 1999.
66
MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica
constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
67
SAMPAIO, Marcos. O conteúdo essencial dos direitos sociais. São Paulo: Saraiva, 2013.
68
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais. Conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 3ª tir. São
Paulo: Malheiros, 2014, pág. 73.
32

intervenção estatal é positiva, no sentido de realização do direito em questão69. Com isso, as

restrições aos direitos fundamentais têm de encontrar amparo constitucional e exigem um

esforço argumentativo adicional para permanecer válido juridicamente no caso concreto70.

Para o tema em voga, importa destacar que a saúde é direito fundamental social,

conforme inscrito no art. 6º da Constituição Federal, que corresponde a um dever do Estado

expresso na fórmula “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (CF, art. 196). Conforme

acentuado, é um direito prestacional para cuja satisfação hão de concorrer recursos públicos; e,

como tal, no caso concreto, o suporte fático precisa ser conveniente e exaustivamente avaliado

para se saber de sua procedência.

A Constituição Federal, então, como já dito, criou um subsistema da saúde

pública, dentro do sistema da seguridade social, com o estabelecimento de princípios e regras.

Podem ser hauridos do texto constitucional vários princípios e regras, especialmente do art. 196,

198 e 199 da Carta. A primeira menção que faz a Constituição de 1988 à saúde, é no art. 6º;

antes, porém, indica a inviolabilidade do direito à vida no caput do art. 5º, que, por suposto,

engloba a saúde - pela óbvia razão de não se restringir o direito à vida ao direito de não ser

assassinado, por exemplo. Contudo, importa destacar que a saúde das pessoas é determinada

por uma série de fatores sociais, econômicos, ambientais e biológicos inter-relacionados, e não

exclusivamente pelos cuidados médicos a que têm acesso71.

69
A formulação lógica de suporte fático e consequência jurídica é exposta minudentemente por Virgílio Afonso
da Silva na obra Direitos Fundamentais (op. cit.), apoiado na formulação de Alexy e Borowski. Quando afirmamos
acima que “a intervenção estatal é positiva, no sentido de realização do direito em questão”, no plano lógico
exposto por Virgílio Afonso é outra, ou seja, de acordo com a formulação, a intervenção estatal seria o evitável,
uma vez que se adapta daquela fixada para os direitos de defesa; assim, para ser fiel ao autor, teríamos: “Também
o conceito de intervenção estatal precisa ser invertido. No caso da dimensão negativa das liberdades públicas,
intervir significava agir de forma restritiva ou reguladora no âmbito de proteção de uma liberdade. Aqui, na esfera
dos direitos sociais, é justamente o contrário: intervir, nesse sentido, é não agir ou agir de forma insuficiente”
(pág. 77). Assim, ter-se-ia a consequência jurídica, qual seja o dever de realizar o direito (pág. 78). Sugere-se
consultar a obra original para apreender todas as nuances do conceito e da fórmula lógica e da necessidade da
fundamentação constitucional da intervenção estatal.
70
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais (...), pág. 94.
71
FERRAA, Octávio Luiz Motta e VIEIRA, Fabiola Sulpino. Direito à Saúde, Recursos Escassos e Equidade: Os
Riscos da Interpretação Judicial Dominante. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 52, no
1, 2009, pp. 223 a 251.
33

A Constituição Federal trata do direito à saúde, com maior ênfase, nos art. 6º e

196 a 200, dos quais podem ser extraídas normas de ambas as espécies: princípios e regras.

Embora se tenha presente a advertência metodológica de que, justamente porque as normas são

construídas pelo intérprete a partir dos textos normativos, não se possa chegar à conclusão

peremptória de que este ou aquele dispositivo contém unicamente uma regra ou um princípio72,

é possível apontar a existência de princípios e regras no texto constitucional.

Seguindo a tese de Humberto Ávila no seu livro “Teoria dos Princípios”, aceita-

se a formulação de que as regras são normas imediatamente descritivas e que exigem avaliação

de correspondência entre a construção factual e a descrição normativa73, enquanto os princípios

são normas imediatamente finalísticas, que estabelecem um fim a ser atingido 74. Os critérios

relativos à distinção entre princípios e regras, isto é, quanto à natureza da descrição normativa,

da justificação ou da contribuição para solução do problema, não serão abordados no presente

trabalho, em vista dos fins a que se propõe a presente pesquisa, embora se depreendam dos

conceitos sumariados anteriormente, não se descartará que os princípios encerrem direitos (e

deveres) prima facie, carecendo de sopesamento ou ponderação75 – especialmente quando se

tratam de direitos fundamentais, como sói ao direito à saúde – nem se desconhece da crítica que

tal teoria recebeu, inclusive de modo acerbo76.

O art. 6º, encabeçando o capítulo dos Direitos Sociais (II) do Título “Dos

72
ÁVILA, Humberto. op. cit., pág. 54.
73
Idem, ibidem, pág. 105.
74
Idem, ibidem, pág. 102.
75
Outro conceito que se trata no âmbito da colisão ou de restrição de direitos fundamentais é o de derrotabilidade,
próximo ao de ponderação. Ver a esse respeito: SOUZA, Rodrigo Telles. A distinção entre regras e princípios e a
derrotabilidade das normas de direitos fundamentais. Boletim Científico ESMPU, Brasília, ano 10, n. 34, p. 11-
35, jan./jun. 2011, donde se extrai: “A derrotabilidade de normas de direitos fundamentais relaciona-se
estreitamente com a colisão ou a restrição de tais direitos. Por isso, a superação de normas de direitos fundamentais
deve ser racionalmente informada pelo princípio da proporcionalidade e seus elementos constitutivos: adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito”. Também: FIGUEROA, Alfonso García. La incidencia de la
derrotabilidad de los princípios iusfundamentales sobre el concepto de Derecho. Diritto & Questioni pubbliche,
n. 3, pág. 197-227, 2003. Em sentido contrário, que somente as regras são derrotáveis, ver BÄCKER, Carsten.
Regras, princípios e derrotabilidade. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 102, pág. 55-
82, jan./jun. 2011.
76
SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais (...), pág. 56s.
34

Direitos e Aarantias Fundamentais”, traz em seu programa normativo77 definição e proteção de

mínimos existenciais a serem satisfeitos ou garantidos pelo Estado, convolando-os, desta forma,

em direito subjetivo (prestação), assumindo-se que direitos fundamentais sociais são direitos

públicos subjetivos dirigidos contra o Estado, a determinar a exigibilidade de prestação por

meios de políticas públicas, observados os limites fáticos e jurídicos no caso concreto78.

Ao estatuir, no art. 6º, que é a saúde um direito social “na forma da Constituição”,

urge lembrar que, embora disposta no §2º do art. 5º a fórmula “os direitos e garantias expressos

nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,

ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, trata este

direito social, inequivocamente, de uma garantia fundamental, seja pelo espírito da Carta de

1988, seja pela posição (locus semântico) constitucional do dispositivo, isto é, contido no título

“os direitos e garantias fundamentais”. A questão que fica é se se trata, igualmente, de um

“princípio” adotado pela Constituição.

Utilizando o quadro esquemático proposto por Humberto Ávila 79 e os seus

“passos para investigação dos princípios”, podemos destacar que os dispositivos constitucionais

revelam um princípio, em ordem a fixar um comportamento estatal para realização de um

“estado ideal de coisas”, qual seja a prestação de ações e serviços públicos de saúde, conforme

se extrai da análise conjugada dos arts. 6º, 196 e 198 da Carta Magna, ou seja, de um mandato

de otimização. Não se descura, de todo modo, as críticas80 que essa definição sobre os princípios

recebe de parte da doutrina, especialmente das reflexões mais atualizadas do próprio Alexy, ao

77
MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: RT, 2008.
78
MACHADO, Clara Cardoso. Direitos fundamentais sociais, políticas públicas e controle jurisdicional do
orçamento. Dissertação de Mestrado. UFBA, 2010 (mimeo).
79
Op. cit., pág. 102.
80
POSCHER, Ralf, “Teoria de um Fantasma – A Malsucedida busca da Teoria dos Princípios pelo seu Objeto”,
in CAMPOS, Ricardo (org.), Crítica da Ponderação, Método constitucional entre a dogmática jurídica e a
teoria social – Ensaios traduzidos. São Paulo: Saraiva, 2016, pp. 63-96.
35

pontuar o “dever-ser ideal” para se referir aos comandos normativos81, que remetem à conclusão

de que os “mandados de otimização” são um tipo especial de regra, que incorporam ao mesmo

tempo um princípio82.

De fato, não há a fixação de nenhum dever imediato a ser executado pelo Poder

Público, senão a indicação que o mesmo deverá adotar uma conduta necessária para atingir o

“estado ideal” de assistência sanitária aos indivíduos residentes no país (art. 5º, caput). Por

outro lado, ao estabelecer a existência de um direito à saúde, indica que para efetivar

(concretizar) esse direito (estado ideal de coisas), deve o Estado promover uma série de ações

cujos efeitos concorram para atingir a “meta” constitucional: assistência à vida e promoção da

saúde.

Por sua vez, a promoção do estado ideal de coisas no âmbito da saúde, significa

a realização de prestações materiais, por meio das políticas públicas que garantam o direito à

vida com saúde; como destacado, por imperativo lógico e ético, direito à vida não significa

exclusivamente a garantia estatal de não ser assassinado. Nesse sentido, a construção de

hospitais e demais equipamentos, com recursos materiais e humanos suficientes, que se prestem

a cuidar da saúde das pessoas, indistintamente, é instrumento a ser utilizado para atingimento

desse fim estatal, qual seja, a saúde, que vem a ser o objetivo; nisso se ligam os dispositivos

que expressam a dignidade humana (art. 1º, III), a promoção do bem de todos (art. 3º, IV), o

direito à vida (art. 5º), a eficiência da administração pública (art. 37), dentre outros.

Ainda, como demonstração de sua concretude, se pode apontar as decisões do

Supremo Tribunal Federal, especialmente durante e após a audiência pública havida em 2009 a

respeito do dever do Estado de prestar assistência farmacêutica, ocasião em que se destacou

que as discussões que envolvem o direito à saúde representam um dos “principais desafios à

81
ALEXY, Robert. Teoria discursiva do direito. Organização, tradução e estudo introdutório Alexandre
Travessoni Gomes Trivisonno. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014.
82
POSCHER, op cit. pág. 71.
36

eficácia jurídica dos direitos fundamentais” 83 . Além dos valores “vida” e “saúde”, também

significam, no plano jurídico, a própria eficiência da administração pública. Disso resultou a

sedimentação jurisprudencial, dentre outros, da responsabilidade solidária entre os entes da

federação 84 no dever de assistência à saúde, com as prestações materiais que lhes sejam

correlatas (internação, medicação etc.).

Essas constatações são mais evidentes ao se analisar isoladamente os artigos 6º

e 196, que se enquadram, sob essa perspectiva, em princípio jurídico de proteção à saúde

pública e individual, conformados aos outros parâmetros constitucionais e os limites fáticos e

jurídicos importantes para sua aplicação.

De outro lado, porém, os comandos estatuídos nos art. 197 e 198, em que pesem

sua generalidade e que se possa ver um detalhamento do plano de ação estatal a fim de garantir

o que se afirmou ser um direito social e uma garantia fundamental (a saúde pública e individual),

sua análise aproxima-se aos conceitos de regra e de postulado apontado por Humberto Ávila.

De fato, esses comandos indicam o modo concreto de agir do estado, enunciando valores - que

não se confundem com os princípios -, porém úteis na avaliação e resolução de casos concretos,

como sejam a própria avaliação de conformidade (lícito/ilícito) de posturas do poder público

com relação às diretrizes (normas) constitucionalmente postas.

O conteúdo dos dispositivos constitucionais induzem à compreensão de se tratar

de regras de competência, isto é “aquelas que atribuem a um sujeito o poder de editar

determinados atos”85, tendo em vista que descrevem um dever imediato do Estado de formular

leis para dispor sobre “regulamentação, fiscalização e controle” das “ações e serviços de saúde”,

exercendo o legislador sua liberdade de conformação às premissas (valores) constitucionais –

83
Abertura da Audiência Pública n. 4, proferido em 27/4/2009, promovida pelo STF. Disponível em www.stf.
jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Abertura_da_Audiencia_Publica__MAM.pdf
84
STF, Repercussão Aeral no Recurso Extraordinário 855178/PE, DJe-50 13/03/2015 (Public. 16/03/2015).
Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 792376/RN, DJe-113 12/06/2015 (Public. 15/06/2015).
85
ÁVILA, Humberto. op. cit., pág. 104.
37

que foram positivados na Lei Federal n. 8.080, de 19 de setembro de 1990 – tendo em vista que

o legislador, além de orientar-se por programas finalísticos, inclusive constitucionalmente

previstos, também se subordina a programas condicionais jurídico-constitucionais86.

Nessa linha de raciocínio, convém destacar o escólio de Konrad Hesse 87, que

assim já se manifestara sobre os direitos sociais, embora com foco na realidade jurídico-política

da Alemanha:

“A problemática de tais direitos se explica por terem estrutura


distinta da dos tradicionais direitos de liberdade e igualdade.
Direitos sociais fundamentais, por exemplo, o direito ao trabalho
ou o direito à moradia adequada ou à seguridade social não se
tornam efetivos pelo fato de que se respeitem e amparem, antes
requerem, de antemão e em qualquer caso mais do que em direitos
fundamentais tradicionais, ações do Estado tendentes a realizar o
programa contido neles. Não só exige isso regularmente uma
atuação do legislador, mas também da Administração, o que pode
afetar os direitos de liberdade alheios. Por isso, os direitos sociais
fundamentais não chegam a justificar pretensões dos cidadãos
invocáveis judicialmente de forma direta, como na doutrina dos
direitos fundamentais. Só podem chegar a ter significação prática
e concreta enquanto, de modo vinculante, imponham ao Estado o
dever de realizá-los como se prevê, por exemplo, no art. 26 do
projeto da nova Constituição Federal suíça. Só a partir de normas
do legislador podem nascer pretensões jurídicas bem
determinadas e invocáveis perante os poderes públicos. Só depois
de cumprido legislativamente o programa de direitos sociais
fundamentais podem esses direitos, sobretudo no terreno de
seguridade social, surtir efeitos de garantia constitucional
amparadora de direitos adquiridos. Em princípio, não podem tais

86
NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Malheiros, 2008. pág. 94.
87
HESSE, Konrad. Significado dos direitos fundamentais. In: Temas Fundamentais de Direito Constitucional.
Textos selecionados e traduzidos por Carlos dos Santos Almeida, Ailmar Ferreira Mendes e Inocêncio Mártires
Coelho. São Paulo: Saraiva/IDP, 2009, pág. 40. (E-book).
38

direitos fundamentais sociais assumir o caráter de direitos


subjetivos individuais. Ao limite, apenas se distinguem das
normas constitucionais definidoras de competências do Estado,
hoje no centro do debate. ”

Retomando o quadro esquemático de Humberto Ávila, também se observa, pelo

que foi exposto acima, tratar-se de dar cumprimento ao comando constitucional (superior), de

forma mediata (pela lei), de modo a que haja correspondência entre o “querer” constitucional e

o Sistema de Saúde regulador (construído), a fim de cobrir todas as hipóteses que possam ser

alcançadas pelo programa constitucional de garantia do direito da saúde. No mesmo sentido, se

adotarmos a “proposta conceitual” de regra, veremos que se amolda ao preceito constitucional.

Ora, o Constituinte cometeu ao legislador ordinário a construção do Sistema Único de Saúde

(SUS), no plano normativo, descrevendo os conteúdos estruturais do sistema (diretrizes), que

apontam para o modo de funcionamento deste sistema, a partir dessas premissas. Assim, o

regramento constitucional é a baliza do legislador na organização do SUS.

Do mesmo modo, ao apreciar a contraposição entre princípios e regras, conforme

formulado por Humberto Ávila, temos que, os dispositivos dos art. 197 e 198 descrevem objetos

determináveis, que prescreverão o comportamento da Administração Pública na satisfação do

direito à saúde, isto é, os mecanismos de regulamentação, fiscalização e controle das ações e

serviços públicos de saúde, que serão executados diretamente pelo Poder Público ou por

terceiros (pessoas físicas ou jurídicas), que integram uma rede regionalizada e hierarquizada, a

fim de constituir um sistema único organizado de acordo com as diretrizes postas.

Conquanto se possa, sob o ângulo do intérprete, construir (interpretar) diversas

normas a partir do texto constitucional, é possível concluir que as proposições jurídicas dos

textos dos art. 6º e 196 da Constituição Federal permitem extrair princípios, segundo a

conceituação de Humberto Ávila, ou seja, promovem um estado ideal de coisas, a serem


39

construídas pela formulação da política de assistência à saúde.Por outro lado, as proposições

jurídicas dos textos dos art. 197 e 198 permitem extrair regras, uma vez que revelam comandos

dirigidos, precipuamente, ao legislador, ou seja, normas de estrutura no sentido de

preenchimento dos conteúdos das ações e serviços públicos de saúde, que serão executados

diretamente pelo Poder Público ou por terceiros (pessoas físicas ou jurídicas), que integram

uma rede regionalizada e hierarquizada, a fim de constituir um sistema único organizado de

acordo com as diretrizes postas no texto constitucional.

2.4 O DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Os chamados “direitos sociais”, que na Constituição da República de 1988 estão

encartados, precipuamente, em seu art. 6º, constituem, de igual modo, um conjunto de garantias

constitucionais, especialmente quanto à vedação ao retrocesso social, isto é, que medidas, sejam

administrativa, sejam legislativas, não permitam “voltar atrás no que diz com a implementação

dos direitos fundamentais sociais, assim como dos objetivos estabelecidos pelo Constituinte (...)

ainda que não o faça com efeitos retroativos e que não esteja em causa uma alteração do texto

constitucional” 88 , no sentido de reduzir ou extinguir as situações fáticas ou jurídicas que

garantem ou promovem direitos fundamentais. As garantias constitucionais, inicialmente de

cunho liberal, ganham corpo no constitucionalismo atual, expressando um valor instrumental

de meio defensivo, invariavelmente vinculado a uma prestação do Estado, e se apresentam ora

em defesa da Constituição como um todo, ora em prol da sustentação, integridade e observância

88
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: dignidade da pessoa humana,
direitos fundamentais e proibição do retrocesso social nos direitos constitucional brasileiro. Revista Eletrônica
sobre a Reforma do Estado (RERE), março, abril, maio de 2010. Disponível em: www.direitodoestado.com
/revista/RERE-21-MARCO-2010-INAO-SARLET.pdf. Acesso em: 12 jan. 2016.
40

dos direitos fundamentais89.

De fato, a Constituição estabelece no art. 196 que “a saúde é direito de todos e

dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do

risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para

sua promoção, proteção e recuperação”. Se percebe desse dispositivo, que o dever do Estado se

expressa mediante prestações (positivas) úteis aos cidadãos, e que, de certo modo, acolhe o

conceito de saúde estabelecido pela Organização Mundial da Saúde.

Porém, a Constituição de 1988 não se limita a declarar direitos e a prescrever

garantias, senão que também estabelece, pode-se dizer, um subsistema da saúde, com princípios

e regras sobre direitos, deveres, assistência, financiamento, despesas e garantias institucionais

ao longo das 57 citações da palavra “saúde” ao longo do texto constitucional. As garantias

institucionais90 se revelam, especialmente, na previsão do próprio sistema único de saúde, dos

fundos de saúde e do controle social, como estabelecido no art. 197 e 198 da Constituição

Federal e nos ADCT. De fato, as garantias institucionais podem ser compreendidas como “uma

garantia que disciplina e tutela o exercício dos direitos fundamentais, ao mesmo passo que rege,

com proteção adequada, nos limites da Constituição, o funcionamento de todas as instituições

existentes no Estado” 91.

Por outro lado, a Carta de 1988 fixa a competência comum de todos os Entes da

Federação para determinados temas ou aspectos da vida em sociedade, isto é, matérias. Marca

dos Estados Federais, a distribuição de competência é dada pela Constituição entre os Entes

integrantes do Estado Federal, atribuindo a cada um matérias que lhes serão próprias, no plano

89
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. Malheiros: São Paulo, 2004.
90
SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário ao artigo 197. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.;
SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/Almedina, 2013.
91
BONAVIDES, Paulo. Op. cit., pág. 537. CANOTILHO, J. J. Aomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 7 ed. Almedina: Coimbra, 2003, pág. 338: “os direitos sociais e económicos (ex.: direito dos
trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam
a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo”.
41

horizontal, e atribuindo à União os temas e princípios gerais, cabendo aos Estados e, quiçá, aos

Municípios, as particularidades, no plano vertical (legislação concorrente) 92; essas matérias

próprias configuram as competências de cada qual93, podendo ser entendidas como “as diversas

modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas

funções”94. Essa competência diz-se comum quando a matéria dada pela Constituição Federal

é atribuída igualmente à União, aos Estados e Distrito Federal e aos Municípios; trata-se de

distribuição de competência administrativa, diferentemente do que ocorre quanto à competência

legislativa, que, em caso semelhante, dir-se-á concorrente, cabendo à União a edição de normas

gerais (CF, art. 24)95.

Porém, considera-se ser também chamada de competência administrativa

concorrente96 as competências comuns enumeradas no art. 23 da Constituição Federal, donde

sobreleva cuidar da saúde e assistência pública (inciso II), enquanto é competência legislativa

concorrente da União, do Distrito Federal e dos Estados de legislar sobre proteção e defesa da

saúde (art. 24, XII); competência administrativa dos Municípios de prestar, com a cooperação

técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população (art.

30, VII). Estabelece causas de intervenção da União dos Estados ou no Distrito Federal (art. 34,

VII, “e”), e daqueles em seus Municípios (art. 35, III), no caso de não aplicação de um

percentual mínimo da receita de impostos, incluída as transferências em ações e serviços

públicos de saúde. Admite a Constituição Federal a adoção de requisitos e critérios

diferenciados para a concessão de aposentadoria para os servidores públicos (art. 40, §4º, III) e

92
MENDES, Ailmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires, e BRANCO, Paulo Austavo Aonet. Curso de
Direito Constitucional. 10ª ed. Saraiva: São Paulo, 2015, pág. 816.
93
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 32 ed. Atlas: São Paulo, 2016. (e-book)
94
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37 ed. Malheiros: São Paulo, 2014, pág. 483.
95
MOHN, Paulo. A repartição de competências na Constituição de 1988. Revista de Informação Legislativa.
Ano 47, núm. 187, jul-set. 2010, pág. 215-244: “Tal como procedeu quanto às competências da União, a
Constituição de 1988 tratou em dispositivos separados as competências concorrentes de natureza material, que
qualifica como “comum” aos três níveis da federação (BRASIL, 1988, art. 23) e as competências concorrentes
legislativas para a União e os Estados (BRASIL, 1988, art. 24)” (pág. 231-232).
96
MENDES, Gilmar Ferreira et alli, op cit., pág. 839; MOHN, Paulo. op. cit., pág. 231-232.
42

para os trabalhadores em geral (art. 201, §1º) nos casos de atividades exercidas sob condições

especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Tutela o direito de os parlamentares,

individualmente, emendarem o projeto de lei orçamentária anual, estabelecendo que metade do

montante reservado a essas emendas serão destinadas a ações e serviços públicos de saúde (art.

166, §9º), exceto despesas com pessoal ou encargos sociais (§10). Exclui, da proibição de

vinculação de receitas de impostos a órgãos, fundo ou despesas, recursos destinados a ações e

serviços públicos saúde (art. 167, IV). Dispõe que a saúde integra o sistema da seguridade social

(art. 194), que será financiada por toda a sociedade mediante recursos provenientes dos

orçamentos dos Entes da Federação e de contribuições sociais (art. 195), sendo que a proposta

de orçamento será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, tendo

em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, lhes assegurada

a gestão de seus recursos (§2º), bem como que, nos termos da lei, serão transferidos recursos

da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e dos Estados para os Municípios

para o sistema único de saúde (§10).

Na seção II, do Capítulo II (Da Seguridade Social) do Título VII (Da Ordem

Social), a Constituição Federal inaugurou disposições amplas e específicas sobre a saúde, que

se pode entender como o núcleo de um subsistema: o da saúde. Estatui, então, a Carta que a

saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas

que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário

às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196), e que são de relevância

pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre

sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou

através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (art. 197). Afirma

que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e

constituem um sistema único – o SUS, Sistema Único de Saúde - organizado de acordo com
43

um conjunto de diretrizes, que serão adiante detalhadas (art. 198), dispondo ainda sobre as

fontes de financiamento (§1º) e, pela Emenda Constitucional n. 29, de 2000, vinculando

recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre a receita de impostos

e transferências de impostos que os Entes da Federação deverão despender (§2º), remetendo à

Lei Complementar a regulamentação desta regra constitucional – a Lei Complementar n. 141,

de 2012 (§3º) – embora o art. 77 dos ADCT tivesse regulada a matéria enquanto viesse à lume

a referida Lei Complementar; tece autorização para admissão de “agentes comunitários de

saúde” e “agente de combate às endemias” (§4º), inclusive prevendo adoção de regime jurídico,

piso salarial nacional e planos de carreira e regulamentação das atividades desses profissionais

(§5º) e perda de cargo (§6º), em mais um contributo à prolixidade da Carta. Por outro lado,

dispõe ser a assistência à saúde livre à iniciativa privada (art. 199), e que as instituições privadas

poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, preferindo, porém a

Constituição Federal as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (§1º), vedando, contudo,

a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins

lucrativos (§2º) e a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na

assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei (§3º); e trata sobre remoção de

órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem

como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, vedado-lhes todo tipo

de comercialização (§4º). E, por fim, estabelece as competências e atribuições do SUS (art.

200).

A Constituição também dispõe sobre a assistência à saúde dos educandos da rede

pública de ensino (art. 208), dispondo sobre a fonte de custeio (art. 212, §4º). Prevê lei para

estabelecer os meios legais para defesa da pessoa e da família contra a propaganda de produtos,

práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde (art. 220, §3º, II). E, por fim, quanto à

absoluta prioridade dos direitos da criança e do adolescente (art. 227), que o Estado promoverá
44

programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a

participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo,

dentre outros preceitos, a aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na

assistência materno-infantil (§1º, I).

No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), foi acrescido, por

Emendas Constitucionais97, o Fundo Social de Emergência, que vigorou de 1996 a 1999, cujos

recursos seriam aplicados prioritariamente no custeio das ações dos sistemas de saúde e

educação (art. 71), a CPMF - contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de

valores e de créditos e direitos de natureza financeira, cuja arrecadação seria destinada

integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde

(art. 74), que teve vigência prorrogada várias vezes (art. 75 e 84). Também foi instituído, para

vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Fundo de Combate e

Erradicação da Pobreza, cujos recursos também seriam aplicados em ações de saúde. (Art. 79).

2.5 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. A LEI FEDERAL N. 8.080, DE 1990.

A Constituição, no art. 198, criou o sistema único de saúde – SUS, suas diretrizes,

fonte de financiamento e regras sobre aplicação mínima da receita de impostos (vinculação).

São diretrizes do SUS: (i) descentralização, com direção única em cada esfera de governo; (ii)

atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços

assistenciais; e (iii) participação da comunidade. Essas diretrizes são entendidas por parte da

Doutrina como princípios, embora se possa discordar98.

97
Vide Emenda Constitucional de Revisão n. 1, de 1993; Emenda Constitucional n. 10, de 1996; Emenda
Constitucional n. 17, de 1997.
98
Vide item 2.3 supra, in fine.
45

A Lei Federal n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as

condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento

dos serviços correspondentes e dá outras providências”, foi editada com fundamento nos arts.

197 e 198 da Constituição Federal, a fim de regular “em todo o território nacional, as ações e

serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual,

por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado” (art. 1º). Logo, todas as “ações

e serviços de saúde”, no país, deverão se reportar a esta Lei, e não somente as de iniciativa do

Poder Público. É de se destacar, igualmente, que a Lei foi elaborada no uso das competências

comum (art. 23) e concorrente (art. 24) da União; dessa forma, além de não ilidir a competência

dos Estados e do Distrito Federal, do ponto de vista material (administrativo) e legislativo,

muito nela há que se possa entender como “norma geral”. Como já mencionado, essa técnica

de repartição de poderes e competências ganha relevo no Estado Federal, que não convive

apenas com a clássica separação e divisão de poderes99, mas também com a distribuição desse

Poder em mais de uma pessoa política; no caso brasileiro, entre a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios (CF, art. 1º). Nesse sentido, a competência concorrente legislativa

significa, por um lado, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios100 legislarão

sobre os temas (matérias) elencadas no art. 24 da Constituição Federal; por outro lado, cabe à

União a edição de normas gerais (CF, art. 24, §1ª), cabendo aos Estados e ao Distrito Federal a

competência legislativa suplementar nessas matérias, bem como aos municípios na medida do

interesse local (art. 30), sendo certo, em todo caso, que “inexistindo lei federal sobre normas

gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades”

99
CANOTILHO demonstra distinção entre “divisão” e “separação” como dimensões negativa e positiva,
respectivamente, do princípio da separação de poderes do Estado in: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Almedina: Coimbra, 2003, pág. 250.
100
Os municípios exercerão, na medida evidente do interesse local, a competência legislativa concorrente prevista
no art. 24. Nesse sentido: BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira et alli. O Estado Democrático de Direito
e a necessária reformulação das competências materiais e legislativas dos Estados. Revista de Informação
Legislativa. Brasília a. 47 n. 186, pág. 153-169, abr./jun. 2010. MENDES, Ailmar Ferreira et alli. Curso de
Direito Constitucional (op. cit.), pág. 843.
46

(§3º), enquanto que “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da

lei estadual, no que lhe for contrário” (§4º).

Nesse diapasão, entende-se que a Lei Federal n. 8.080/90, carrega tanto normas

gerais (nacionais) acerca da prestação das ações e serviços públicos de saúde, como também

traz normas federais a respeito da organização do SUS, conforme a atribuição e previsão

constitucional101. Parte dessas normas são consideradas “gerais”, consoante bem destacado no

conceito formulado por Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Nessa formulação – ressaltando,

embora, que todas as leis (normas) são gerais, tendo em vista o caráter de serem “normas gerais

e abstratas” a par da Teoria Aeral do Direito – as normas gerais diferenciam-se dos princípios

e das normas tout court (específicas), constituindo um tertio genus no quadro teorético,

podendo serem assim conceituadas:

“normas gerais são declarações principiológica que cabe à União


editar, no uso de sua competência concorrente limitada, restrita
ao estabelecimento de diretrizes nacionais sobre certos assuntos,
que deverão ser respeitadas pelos Estados-Membros na feitura
das suas respectivas legislações, através de normas específicas e
particularizantes que as detalharão, de modo que possam ser
aplicadas, direta e imediatamente, às relações e situações
concretas a que se destinam, em seus respectivos âmbitos
políticos”.102

A Lei Federal n. 8.080/90 (Lei do SUS), portanto, explicita o sentido do texto

constitucional, ao dispor que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o

101
MENDES, Gilmar Ferreira et alli. Curso de Direito Constitucional (op. cit), pág. 819: “No plano legislativo, [a
União] edita tanto leis nacionais - que alcançam todos os habitantes do território nacional e outras esferas da
Federação - como leis federais - que incidem sobre os jurisdicionados da União, como os servidores federais e o
aparelho administrativo da União”.
102
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Competência concorrente limitada. O problema da conceituação de
normas gerais. Revista de Informação Legislativa. Brasília. Ano 25, n. 100, pág. 127-162, out-dez/1988.
47

Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (art. 2º). Ao dispor sobre em

que consiste o dever do Estado de “garantir a saúde” (§1º), são destacados dois princípios: (a)

acesso universal e (b) igualitário às ações e aos serviços para a promoção, proteção e

recuperação da saúde; por outro lado, afirma que “o dever do Estado não exclui o das pessoas,

da família, das empresas e da sociedade”.

A Lei do SUS não deixa dúvidas que incorporou os fundamentos da Organização

Mundial da Saúde expresso tanto na Conferência Internacional de Assistência Primária à Saúde,

da OMS, realizada em 1978 na cidade de Alma-Ata (art. 3º, caput), quanto ao conceito de saúde

adotado em sua criação (parágrafo único), também coincidente com as teses do “Movimento da

Reforma Sanitária” no Brasil103. Também é importante destacar que, com esse “espírito”, a Lei

do SUS também marcou a separação definitiva, em comunhão com a Carta de 1988, dos

serviços de saúde dos de previdência, que marcou a atuação do Estado brasileiro desde os anos

20 do século XX104, ainda que integrantes do Sistema de Seguridade Social posto no art. 194

da Constituição Federal105.

A própria Lei do SUS também destaca (art. 7º) os princípios sobre os quais se

assentam as ações e serviços públicos de saúde, bem com os serviços privados que sejam

prestados em seu âmbito. Porém, outros princípios podem ser extraídos 106 , dos quais se

destacam: (i) princípio da saúde como direito, (ii) princípio da saúde como um dever

fundamental; (iii) princípio da unicidade do sistema SUS; (iv) princípio da universalidade; (v)

princípio da integralidade do atendimento; (vi) princípio da preservação da autonomia das

103
PAIM, Jairnilson Silva. A Reforma Sanitária e o CEBES. Rio de Janeiro: CEBES, 2012. Disponível em
http://cebes.org.br/site/wp-content/uploads/2014/11/E-Book-1-A-Reforma-Sanit%C3%A1ria-Brasileira-e-o-
CEBES.pdf. Acesso em 16 de janeiro de 2016.
104
CATÃO, Marconi do Ó. Genealogia do direito à saúde: uma reconstrução de saberes e práticas na
modernidade [online]. Campina Arande: EDUEPB, 2011. 290 p. ISBN 978-85-7879-191-9. Disponível em
SciELO Books http://books.scielo.org.
105
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e
da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
106
TESSLER, Marga Inge Barth. A justiça e a efetividade na saúde pública. v. 1, 139 pg. Rio de Janeiro, 2010.
Dissertação de Mestrado Profissional em Poder Judiciário da FAV Direito Rio. (mimeo). A autora lista 17
princípios, dos quais foram extraídos os citados acima.
48

pessoas; (vii) princípio do direito à informação às pessoas assistidas; (viii) princípio da

igualdade ou equidade; (ix) princípio da participação da comunidade; (x) princípio da

solidariedade no financiamento, ou da diversidade da base de financiamento; (xi) princípio da

vinculação de recursos orçamentários; (xii) princípio da ressarcibilidade ao SUS; (xiii)

princípio da prevenção e da precaução; (xiv) princípio da beneficência; (xv) princípio do não-

retrocesso.

Para os objetivos deste trabalho, contudo, três princípios explicitados no art. 7º

da Lei Federal n. 8.080/90 são destacados: (i) universalidade de acesso aos serviços de saúde

em todos os níveis de assistência; (ii) integralidade de assistência, entendida como conjunto

articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,

exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; (iii) igualdade da

assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie. Portanto, os princípios

legais da “universalidade do acesso”, “integralidade” e “igualdade da assistência” à saúde têm

e dão forte impacto nos custos do direito à saúde, tema que desenvolveremos no próximo

capítulo. No plano positivo, tanto a Lei do SUS quanto o Decreto n. 7.508, de 28 de junho de

2011, tratam desses princípios na perspectiva prática.

O “princípio da universalidade” está expresso, primeiramente, na Constituição

Federal sob a fórmula “acesso universal e igualitário às ações e serviços [de saúde] para sua

promoção, proteção e recuperação” inscrito no art. 196, e, simplificadamente, implica em que

a prestação de serviço público de saúde alcance a todos, brasileiros ou estrangeiros residentes

no país (CF, art. 5º), posto que sejam titulares de direitos fundamentais sociais, dentre os quais

o direito à saúde (artigo 6º)107. Esse princípio também tem convergência com as disposições da

OMS ao dispor sobre a cobertura universal, que o reconhece numa situação em que “todas as

RIOS, Roger Raupp. Direito à saúde, universalidade, integralidade e políticas públicas: princípios e requisitos
107

em demandas judiciais por medicamentos. In: LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa e FLEURY, Sonia (org.)
Seguridade Social, Cidadania e Saúde. Rio de Janeiro: Cebes, 2009, p. 84-98.
49

pessoas que recebem serviços de saúde de qualidade que atendam às suas necessidades sem

serem expostos a dificuldade financeira em pagar pelos serviços”108. E o STF já ressaltou que

o art. 196 da Constituição se refere, em princípio, à efetivação de políticas públicas que

alcancem a população como um todo109. A universalidade tem tratamento na Lei do SUS (art.

7º, I) como “o acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência”, isto é, tanto do

ponto de vista da organização federativa do sistema (federal, estadual e municipal), quanto das

possibilidades curativas e preventivas. Ademais, o Decreto n. 7.508/11 estabelece que o acesso

universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde será ordenado pela atenção primária e

deve ser fundado na avaliação da gravidade do risco individual e coletivo e no critério

cronológico, observadas as especificidades previstas para pessoas com proteção especial,

conforme legislação vigente (art. 11).

Já o princípio da integralidade, “requer racionalização do sistema de serviço, de

modo hierarquizado”, evitando confundir, de modo reducionista, “o direito à saúde ao

fenômeno da chamada 'farmaceuticalização' da política de saúde”110. Destarte, integralidade

aproxima-se do conceito de saúde utilizado pela OMS, que visa a cuidar da saúde em todos os

seus sentidos 111 , mesmo “com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos

serviços assistenciais”, segundo o art. 198, II, da Constituição Federal. A Lei do SUS estabelece

e entende a integralidade “como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos

e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade

do sistema” (art. 7º, II).

Por sua vez, o princípio da igualdade da assistência, para além do conceito de

108
WORLD HEALTH ORAANIAATION. Making fair choices on the path to universal health coverage. Final
report of the WHO Consultative Aroup on Equity and Universal Health Coverage. Aeneva, WHO, 2014. ISBN
978 92 4 150715 8. “Universal health coverage (UHC) is defined as all people receiving quality health services
that meet their needs without being exposed to financial hardship in paying for the services”. Tradução livre.
109
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Suspensão de Tutela Antecipada n. 91/AL. Rel. Ministra Ellen Aracie.
DJ 26/02/2007.
110
RIOS, Roger Raupp. Op. cit., pág. 89.
111
WHO, Basic documents. Pág. 7.
50

isonomia e de não-discriminação (negativa), requer que os cuidados de saúde se deem de modo

a observar as diferenças de característica dos usuários, a fim de lhes prestar o melhor

atendimento. Esse princípio se nos apresenta fortemente ligado ao sentido da “acessibilidade”

de que trata o pré-falado Comentário Aeral n. 14, do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais

e Culturais (CESCR) do Conselho Econômico e Social da ONU, a respeito da implementação

do art. 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais112. Nesse sentido,

a Lei do SUS prescreve a “igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de

qualquer espécie”, bem como os direitos à informação e à participação (art. 7º, IV, V e VIII).

Esses princípios, como dito, têm forte impacto na formulação e execução das

políticas de saúde, dentro do Sistema Único de Saúde, não somente no aspecto conceitual senão

também na exigência de recursos para o financiamento de sua implementação. Para ilustrar, no

plano da assistência farmacêutica – responsável por ampla demanda judicial, assunto de que se

tratará no item 3.4 – a Lei do SUS estabelece (art. 28) critérios para atendimento sob o prisma

do acesso universal e igualitário, que pressupõe, além do atendimento médico ser prestado no

âmbito do SUS (médico e paciente/usuário), “estar a prescrição em conformidade com a

RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou com a relação específica

complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos”; RENAME é a Relação

Nacional de Medicamentos Essenciais, que compreende a seleção e a padronização de

medicamentos indicados para atendimento de doenças ou de agravos no âmbito do SUS (art.

25). Não obstante, os Estados, Distrito Federal e Municípios poderão ampliar o acesso do

usuário à assistência farmacêutica, desde que questões de saúde pública o justifiquem (art. 25,

§1º), e cujos medicamentos tenham registro na ANVISA – Agência Nacional de Vigilância

Sanitária (art. 29).

O SUS, previsto na Constituição Federal (art. 198) e tido como sistema

112
CESCR, op. cit., pág. 4s.
51

organizado nos termos da Lei Federal n. 8.080/90, embora se diga ter “direção única” (art. 9º)

tem forte presença da União (art. 16), apesar das atribuições “comuns” (art. 15) dos Entes

Federados, ou seja, partem do nível federal as políticas que terminam por “vincular” Estados,

Distrito Federal e Municípios, que, por um lado, fortalecem o sistema, mas, por outro, afetam

a autonomia dos Entes subnacionais (CF, art. 18), em certo sentido violando o poder-dever de

expedir normas gerais. De um modo geral, cabe aos Municípios as ações e serviços de “atenção

básica”, enquanto aos Estados, os de média e alta complexidades.

Sendo o SUS organizado nacionalmente e considerando a competência

(administrativa) comum dos Entes Federados e a competência legislativa concorrente, segundo

os artigos 23 e 24, respectivamente, da Constituição Federal, a opção da direção única em cada

esfera de governo” há de considerar a organização federativa do Estado Brasileiro, isto é, a

coordenação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Nesse sentido, a expressão

“direção única em cada esfera de governo” contida tanto no inciso I do art. 198 da CF, quanto

no art. 9º da Lei do SUS, há de ser compreendida e exercida no sentido de que, em cada

Município e Estado, bem como no Distrito Federal e na União, tenham um, e somente um,

órgão que dirija a atuação estatal no provimento de ações e serviços de saúde, superando a

dificuldade operacional encontrada com vários órgãos e instituições que geriam a saúde no nível

local ou estadual113. Em linha com essa diretriz, encontra-se a descentralização, no sentido de

envolver não apenas a transferência de serviços, mas também de poder e recursos, em direção

às esferas locais, com o objetivo de possibilitar maior integração e cooperação entre os governos

das três esferas de governos; esse, aliás, é uma das fronteiras fundamentais para a eficiência, a

efetividade e, até mesmo, a sustentabilidade do SUS, e por isto, constitui uma das preocupações

explícitas das Normas Operacionais de Assistência à Saúde (NOAS 01/2001 e 01/2002)

113
PIOLA, Sérgio Francisco & VIANNA, Solon Magalhães (Org.). op. cit., pág. 41.
52

editadas pelo Ministério da Saúde114.

Segundo a definição da Política Nacional da Atenção Básica115, aprovada pela

Portaria n. 2.488, de 21 de outubro de 2011, define esse nível de assistência da seguinte forma:

A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de


saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção
e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o
tratamento, a reabilitação, redução de danos e a manutenção da
saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que
impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos
determinantes e condicionantes de saúde das coletividades. É
desenvolvida por meio do exercício de práticas de cuidado e
gestão, democráticas e participativas, sob forma de trabalho em
equipe, dirigidas a populações de territórios definidos, pelas quais
assume a responsabilidade sanitária, considerando a
dinamicidade existente no território em que vivem essas
populações. Utiliza tecnologias de cuidado complexas e variadas
que devem auxiliar no manejo das demandas e necessidades de
saúde de maior freqüência e relevância em seu território,
observando critérios de risco, vulnerabilidade, resiliência e o
imperativo ético de que toda demanda, necessidade de saúde ou
sofrimento devem ser acolhidos.

Já o nível de média complexidade é definido na NOAS n. 1/2001, do seguinte

modo:

A Atenção de Média Complexidade – MC – compreende um

114
Idem, ibidem. As Normas Operacionais Básicas da Assistência à Saúde n. 01/2001 e 01/2002 foram aprovadas
pela Portaria n. 95, de 26 de janeiro de 2001, e Portaria n. 373, de 27 de fevereiro de 2002, ambas do Ministro da
Saúde, respectivamente.
115
A Política Nacional da Atenção Básica fora estabelecida, inicialmente, pela Portaria nº 648/GM de 28 de março
de 2006, revogada pela Portaria n. 2.488/2011, mas definia a Atenção Básica de forma semelhante.
53

conjunto de ações e serviços ambulatoriais e hospitalares que


visam atender os principais problemas de saúde da população,
cuja prática clínica demande a disponibilidade de profissionais
especializados e a utilização de recursos tecnológicos de apoio
diagnóstico e terapêutico, que não justifique a sua oferta em todos
os municípios do país.

Quanto à alta complexidade, não há, nos normativos indicados, nenhuma

conceituação estabelecida, porém pode-se entender esse nível de assistência como “composta

por procedimentos que exigem incorporação de altas tecnologias e alto custo e que não são

ofertadas por todas unidades de federação”116. A Portaria n. 968, de 11 de dezembro de 2002,

do Secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, definiu o elenco de procedimentos

considerados de alta complexidade ambulatorial e hospitalar117, sem apresentar, porém, uma

relação exaustiva, mas explicitando que esse nível de atenção engloba “os procedimentos que

‘não cabem’ nas unidades básicas de saúde e na atenção primária em saúde, pelos custos ou

densidade tecnológica envolvida118.

É de se destacar, por fim, que a definição dos componentes de média e de alta

complexidades em atenção à saúde, é composta por uma série de “políticas nacionais” definidas

pelo Ministério da Saúde, utilizando-se de “recortes” variados baseados em critérios temáticos

focados no tipo de problema de saúde (doença renal, doença neurológica, câncer, doenças

cardiovasculares etc.); no tipo específico de serviço de atenção (urgência/emergência,

procedimentos cirúrgicos eletivos de média complexidade, traumato-ortopedia, pequenos

hospitais); em áreas de atenção (Saúde Bucal, Saúde do Portador de Deficiência etc.); em

determinados segmentos populacionais (idosos, mulheres etc.) etc., sendo que a coletânea

116
BRASIL. Ministério da Saúde. Glossário do Ministério da Saúde: projeto de terminologia em saúde. Brasília:
Ministério da Saúde, 2004, pág. 18.
117
Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2002/prt0968_11_12_2002.html
118
BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Assistência de Média e Alta Complexidade no SUS.
Brasília: CONASS, 2011. (Coleção Para Entender a Gestão do SUS 2011, 4), pág. 13.
54

normativa permanece ainda complexa, exigindo, muitas vezes, a leitura de diversas normas para

compreensão de uma área mais específica119.

119
Idem, ibidem, pág. 48.
55

3 AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE

3.1. Regime jurídico dos serviços públicos. 3.2. Regulamentação e regulação dos serviços

públicos de saúde. 3.3. Competência dos Entes Federados no âmbito do Direito da Saúde. 3.4.

A judicialização do direito à saúde.

O cuidado da saúde, no Brasil, está cometido aos três entes federados: União,

Estados (incluindo o Distrito Federal) e Municípios, na forma do art. 23 da Constituição Federal,

ou seja, é uma competência comum. Esse cuidado é referido no art. 197 da Carta Magna, ao

dispor serem de “relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público

dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua

execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica

de direito privado”, segundo as diretrizes apontadas no art. 198. A lei referida veio a ser,

precipuamente, a Lei Federal n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, como destacado no Capítulo

2.

Essas ações e serviços de saúde não são discriminadas em nenhum texto

normativo primário, isto é, na Constituição ou em qualquer Lei, cabendo aos regulamentos

expedidos pelo Ministério da Saúde, no Brasil, e à inteligência doutrinária (ciências do Direito

e da Saúde) darem preenchimento e conteúdo a esse conceito. Por outro lado, há inúmeras

referências a seu conteúdo dispostas em manifestações formais e em estudos editados pela

Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Comitê Econômico e Social da ONU quando se

referem ao direito à saúde, dando ênfase a seu caráter de direito humano fundamental. Quanto
56

ao conteúdo do direito à saúde, de fato, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais (PIDESC)120, em seu art. 12, delineia-o, sem ser exaustivo, afirmando:

ARTIAO 12
1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de
toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde
física e mental.
2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão
adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito
incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:
a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem
como o desenvolvimento são das crianças;
b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do
meio ambiente;
c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas,
profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças;
d) A criação de condições que assegurem a todos assistência
médica e serviços médicos em caso de enfermidade.

Antes, porém, desde a constituição da OMS já se poderia vislumbrar o alcance

da expressão quando adota como princípio que “a extensão a todos os povos os benefícios do

conhecimento médico, psicológico e afins é essencial para a realização mais plena da saúde”121.

Isso, obviamente, guarda pertinência com o próprio conceito aberto de saúde, empregado no

mesmo documento: “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não

apenas ausência de doença ou enfermidade”.

Daí, fica o questionamento: qual o conteúdo do direito à saúde? Se pode afirmar,

em tentativa de resposta, em linha com o CESCR, que o direito à saúde está estreitamente

120
Promulgado, no Brasil, pelo Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992 (DOU, Seção 1, 7/7/1992, pág. 8713-8716).
121
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Basic documents. 48th ed. Including amendments adopted up to 31
December 2014. ISBN 978 92 4 165048 9. Disponível em http://apps.who.int/gb/bd/PDF/bd48/basic-documents-
48th-edition-en.pdf. Acesso em 06/01/2016.
57

relacionado e depende da realização de outros direitos humanos, incluindo o direito à

alimentação, habitação, trabalho, educação, participação, o gozo dos benefícios do progresso

científico e suas aplicações, a vida, a não discriminação, a igualdade, a proibição da tortura,

privacidade, acesso à informação, e as liberdades de associação, reunião e locomoção, e que o

direito à saúde, como um direito inclusivo se estende não só aos cuidados de saúde oportuna e

apropriadamente, mas também aos determinantes subjacentes da saúde, como o acesso à água

limpa e potável e saneamento adequado, um fornecimento adequado de alimentos seguros,

nutrição e habitação, condições ocupacionais e ambientais saudáveis e acesso à educação e à

informação relacionada com a saúde, incluindo a saúde sexual e reprodutiva. 122 Porém, do

ponto de vista da relação jurídica propriamente dita, da relação direito/dever, é necessário que

o estabelecimento de conteúdo do direito à saúde seja normativo, ou seja, esse conteúdo deve

se dar de acordo com a legislação conforme a realidade de cada país. Desta maneira, falar do

conteúdo do direito à saúde é indicar quais serão, da perspectiva do Estado (dever), as ações e

serviços públicos de saúde que são dedicados aos cidadãos (direito).

Nessa linha, e reconhecendo o princípio da proibição do retrocesso, é destacado

pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Conselho Econômico e Social da

ONU, que, assim como todos os direitos humanos, o direito à saúde impõe três tipos ou níveis

de obrigações aos Estados Partes: obrigações de respeitar, proteger e cumprir.

A obrigação de cumprir contém obrigações de facilitar, promover e fornecer. A

obrigação de respeitar exige que os Estados se abstenham de interferir direta ou indiretamente

com o gozo do direito à saúde. A obrigação de proteger exige que os Estados tomem medidas

para impedir terceiros de interferir na aplicação das salvaguardas previstas no artigo 12 do

PIDESC. Por último, a obrigação de cumprir exige dos Estados-Membros adoção de medidas

122
COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIAHTS (CESCR), General Comment No. 14
on the right to the highest attainable standard of health, 11 August 2000, UN Doc. E/C.12/2000/4. Disponível em
http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=E/C.12/2000/4, acesso em 24 de janeiro de 2016.
58

adequadas orçamentais, judiciais, administrativas, legislativas, ou de outras medidas no sentido

da plena realização do direito à saúde.123 Essa ideia é abrangida pela Constituição Federal, no

art. 196, ao dispor que (o direito) a saúde será garantida mediante políticas sociais e econômicas.

A esse respeito, o STF já pontuou que o direito à saúde, em que pese ser “direito subjetivo

público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito

absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação

da saúde, independentemente da existência de uma política que o concretize. Há o direito

público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde” 124 .

Políticas públicas essas, porém, cuja liberdade de conformação do legislador é mitigada, dado

o programa constitucional estabelecido 125 . Noutra ocasião, ressaltou-se que o art. 196 da

Constituição se refere à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um

todo.126

Assim, se pode afirmar que as ações e serviços públicos de saúde sejam o

conteúdo do direito à saúde. Sendo, porém, públicos tais ações e serviços, que se demandam do

Estado, implica, igualmente, que estejam submetidos a regime jurídico próprio, isto é, o regime

jurídico-administrativo, de um modo geral, e à disciplina particular desse direito, contidos nas

leis e nos regulamentos.

3.1 REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

O serviço público no Brasil, seguindo a tradição recebida do direito

administrativo francês e italiano, caracteriza-se e se conceitua pela concatenação dos elementos

123
CESCR, op cit., n. 33.
124
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo Regimental na Suspensão de Liminar n. 47/PE. Relator Ministro
Ailmar Mendes. DJe n. 76, div. 29/04/2010, pub. 30/04/2010.
125
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo Regimental na Suspensão de Liminar n. 47/PE. Voto do Ministro
Celso de Mello. DJe n. 76, div. 29/04/2010, pub. 30/04/2010.
126
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Suspensão de Tutela Antecipada n. 91/AL. Relatora Ministra Ellen Aracie.
DJ 26/02/2007.
59

subjetivo, formais e materiais, ou seja, a presença de uma pessoa jurídica de direito público

exercendo atividade que objetive a satisfação de necessidade coletiva sob o regime jurídico de

direito público exorbitante do direito comum.127

Como cediço, o regime jurídico-administrativo caracteriza-se pelo

estabelecimento de princípios e regras (normas), que, a priori, diferenciam a Administração

Pública em comparação aos particulares. Nesse sentido, fundamentos jusfilosóficos como

liberdade e igualdade têm outros sentidos quando aplicados à Administração Pública quando

comparada aos particulares: a liberdade é mitigada, posto que só possa fazer o que a lei permitir

ou obrigar, sendo o mais proibido; há relativa desigualdade jurídica entre o Estado e o particular,

e mesmo entre diversas pessoas políticas, que se diferenciam no âmbito da competência

conferida pela Constituição.

Nesse sentido, as competências fixadas no texto constitucional e no conjunto dos

diplomas normativos expressam obrigações do Poder Público, de acordo com as funções do

Estado: legislativas, executivas ou judiciais. Essas obrigações tanto podem ser um agir como

um não-agir, isto é, conforme se exijam comportamentos positivos ou negativos do Estado, em

face do cidadão. Assim, serão oferecidas prestações positivas ou negativas, segundo a

necessidade de garantia da liberdade128. Dentre as competências comuns do Entes da Federação,

conforme posto no art. 23 do Texto Constitucional, avulta “cuidar da saúde”, segundo as

disposições dos artigos 196 a 200, considerando ser “a saúde” um direito fundamental social

(art. 6º).

A forma de prestação das ações e serviços públicos de saúde, é certo, devem

seguir a trilha do direito administrativo, posto ser uma atividade inscrita na função

administrativa 129 do Estado – sem olvidar o dever de legislar a esse respeito, segundo

127
DI PIETRO, Maria Sylvia Aanella. Direito Administrativo. 28 ed. Atlas: São Paulo, 2015.
128
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Companhia de Bolso: São Paulo, 2010.
129
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 27 ed. Malheiros, São Paulo,
2010.
60

determinação do art. 24, XI, e 198 da Constituição Federal e do disposto no Direito

Internacional, especialmente do PIDESC. Noutras palavras, embora seja o direito (função

legislativa) quem delineie a norma jurídica a respeito do direito à saúde (estado de coisas a ser

promovido), as ações e serviços públicos de saúde (concretização da norma) são atividades

administrativas que reclamam a aplicação da doutrina dos serviços públicos130. Não obstante,

parte da doutrina entende que as atividades estatais prestadas diretamente pelo Estado, fora das

hipóteses do art. 175 da Constituição Federal, não são “serviços públicos” propriamente ditos,

mas funções estatais131 ou serviços governamentais132.

Os serviços públicos são as atividades materiais que o Estado assume como suas

próprias, reconhecendo seu dever de prestá-las ou de patrociná-las, a fim de satisfazer

necessidades ou comodidades dos cidadãos e da sociedade, consideradas fundamentais em dado

tempo e lugar, segundo disciplina jurídica específica133. Também é de se ressaltar que o Estado

pode intervir no domínio econômico e social seja por via dos serviços públicos sociais, seja

fomentando a atividade de particulares em tal setor134. Nesse diapasão pode-se também se ter a

noção de serviço público composta necessariamente de dois elementos: (a) um substrato

material, consistente na prestação de utilidade ou comodidade fruível singularmente pelos

administrados; (b) um traço formal indispensável, que lhe dá justamente caráter de noção

jurídica, consistente em um específico regime de Direito Público, isto e, numa “unidade

normativa”.135 Importa destacar, porém, que há serviços que são púbicos quando o Estado os

130
Com efeito, neste trabalho cuidam-se das ações e serviços de saúde prestados pelo Estado, não obstante a
Constituição seja clara: “Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada”. Disso, se infere que as ações
e serviços de saúde serão “serviço público” segundo o ponto de vista subjetivo, isto é, quando prestados pelo Poder
Público. Vide FRANÇA, Vladimir da Rocha. Reflexões Sobre a Prestação de Serviços Públicos por Entidades do
Terceiro Setor. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, nº. 6, junho/julho/agosto, 2006.
Disponível em <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 25 de maio de 2016.
131
AAUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico. Do direito nacional ao direito supranacional. 4 ed. Atlas:
São Paulo, 2014. pág. 345.
132
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Op cit. pág. 693.
133
Idem, ibidem, pág. 667.
134
Idem, ibidem, pág. 668.
135
Idem, ibidem, pág. 674.
61

presta, porém não são privativos deste, uma vez que a Constituição Federal os faculta aos

particulares (CF, art. 173 e 199), não os excluindo, de todo, do campo da atividade econômica

– dentre estes, estão os serviços de saúde.

Dentre os princípios jurídicos que regem os serviços públicos, merecem ser

realçados, para os fins propostos, os seguintes: legalidade, continuidade e universalidade. O

princípio da legalidade, inscrito no art. 37 da Constituição Federal, informa que a

Administração pública se vincula estritamente àquilo que estipula a norma jurídica; a lei,

precipuamente, define todo o agir administrativo, não sendo dado ao agente público desviar-se

do comando normativo. Essa é a visão “clássica”136. Porém, o princípio da legalidade há de ser

compreendido como vinculação à juridicidade 137 , mormente à Constituição, sendo que seu

comando se orienta a cumprir “o Direito” e não somente “a lei”138. Por outro lado, o comando

de cumprir e de estar vinculado ao cumprimento da Constituição é dirigido ao Estado, qualquer

que seja o Poder; assim, tanto o Poder Legislativo quanto o Poder Executivo devem, quando da

elaboração e execução das políticas públicas derivadas da Constituição, atuar nos limites dados

pelo Constituinte, não lhes sendo facultada “liberdade de conformação” além daquilo que o

Texto Fundamental confere; noutras palavras, não há discricionariedade política nem

administrativa para ir nem mais nem menos do que a Constituição prefixou.139 Nesse sentido,

cumpre destacar que as políticas públicas delineadas pelo Poder Público somente serão

adequadas e eficazes se pautadas no diagnóstico da situação de cada direito, o que reforça,

136
BINENBOJM, Austavo. Uma teoria do Direito Administrativo. Direitos Fundamentais, Democracia e
Constitucionalização. 2 ed. Renovar: Rio de Janeiro, 2008. DI PIETRO, Maria Sylvia Aanella. op. cit., pág. 98.
137
VERDÚ, Pablo Lucas. Teoria do Estado, Teoria da Constituição e Sentimento Constitucional. In: VERDÚ,
Pablo Lucas. O sentimento constitucional: Aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de
integração política. Rio de Janeiro: Forense, 2006. Cap. 4. p. 127-152. Tradução de Agassiz Almeida Filho.
BINENBOJM, Austavo. op. cit. 34.
138
Di PIETRO. op. cit. pág. 61.
139
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Suspensão de Tutela Antecipada n 91. Relator Min. Celso de Mello. DJ
05/03/2007, pág. 23.SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n.
45. Relator Min. Celso de Mello. DJ 04/05/2004, pág. 12.
62

também sobre o prisma da obediência ao princípio da eficiência (art. 37, caput, da CF)140, a

necessidade de planejamento141. Quanto à continuidade, esse princípio estabelece que o serviço

não pode sofrer interrupções em sua prestação, dado seu caráter de necessidade142. Por sua vez,

o princípio da universalidade, de que já tratamos no Capítulo 2, tem o sentido de serem os

serviços públicos destinados, indistintamente, a todos os administrados.

Então, o regime jurídico dos serviços públicos aplica-se, em amplitude e em

minúcias, à prestação das ações e serviços públicos de saúde, quando prestados pelo Estado143,

cujo conteúdo será preenchido de acordo com o direito objetivo (legislação) específico da saúde.

3.2 REGULAMENTAÇÃO E REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE

Os regulamentos, no Direito brasileiro, são realizados, precipuamente, mediante

ato normativo infraconstitucional promanado por órgão do Poder Executivo144; geralmente, o

Decreto. Quanto a regulamentação de norma constitucional, a lei é o instrumento primordial,

uma vez que disporá sobre direitos primariamente, com capacidade de inovar no ordenamento

jurídico e estabelecer o direito positivo que integrará a compreensão do preceito constitucional.

O art. 84 da Constituição Federal estabelece que cabe ao Presidente da República

– estendido aos Aovernadores e aos Prefeitos, dado o princípio da simetria - “expedir decretos

e regulamentos para sua fiel execução” (inciso IV). Esse comando indica que os regulamentos

140
GOTTI, Alessandra. Direitos sociais: fundamentos, regime jurídico, implementação e aferição de resultados.
São Paulo: Saraiva, 2012. (ebook), pág. 183.
141
Idem, ibidem, pág. 185. Destaca a Autora a necessidade de compatibilizar o planejamento econômico e social,
a fim de realizar os direitos sociais.
142
Di PIETRO, Maria Sylvia Aanella. op. cit., pág. 104.
143
Há formas de prestação de serviços públicos de saúde mediante entidades do “terceiro setor”, regulados e
fiscalizados pelo Poder Público, mediante específico regime jurídico. Segundo FRANÇA, Vladimir da Rocha,
Reflexões ..., o Terceiro Setor é composto por “entes privados prestam serviços públicos sociais, em colaboração
com o Poder Público, sujeitando-se ao controle da Administração e do Tribunal de Contas, especialmente quando
empregam recursos públicos. Não integram a administração pública indireta, tendo os seus negócios e relações
jurídicas regidos pelo direito privado, parcialmente derrogado por normas de direito público”.
144
De acordo com a lei, a função de regulamentar pode ser conferida a qualquer órgão, não necessariamente do
Poder Executivo, conforme a competência decorrente da Constituição ou da própria lei, como sucede, v. g., com
os Regimentos Internos ou específica organização de órgãos do Poder Judiciário ou do Legislativo.
63

têm de se conter àquilo que a lei especificou, a fim de lhe dar “fiel execução”, vale dizer, não

pode extrapolar os limites estabelecidos na mesma lei, sob pena de nulidade ou de

inconstitucionalidade145. Ao se observar o comando do art. 197 da Constituição Federal, quando

afirma que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público

dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle”, vemos que esta

matéria se subordina ao regramento relativo aos regulamentos no Direito brasileiro, cuja

competência é do “Poder Público”. É curiosa esta asserção, uma vez que não indica de plano

qual Órgão deverá lhe dar cumprimento; apenas quando se volta para o art. 84, IV, se conclui

que “nos termos da lei” se conhecerá o legitimado a tanto. Comentando o art. 197 da

Constituição Federal, Ingo W. Sarlet pontua:

“No que se refere à regulamentação, à fiscalização e ao controle


das ações e dos serviços de saúde, o dispositivo constitucional
explicita que se trata de atividade a ser exercida pelo Estado,
como medida de polícia sanitária e, por isso, função estatal típica.
Trata-se, aqui, da ampla gama de atividades abrangidas pelo
Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), que envolve,
entre outros, a fiscalização de fronteiras, o controle e registro de
substâncias diversas (medicamentos, drogas, insumos
farmacêuticos e correlatos, cosméticos, corantes, saneantes, etc.)
e até medidas de cunho protetivo mais direto, como a intervenção
sobre a regulação de preços no mercado de medicamentos. Numa
síntese apertada, pode-se dizer que tais atividades concretizam
diferentes dimensões do dever fundamental de proteção à saúde,
imposto ao Estado na condição de imperativo de tutela e, também
por isso, sujeito aos controles de suficiência (princípio da
proporcionalidade como proibição de insuficiência) e eficiência

145
DI PIETRO, Maria Sylvia Aanella. op. cit. pág. 128.
64

(CF, art. 37, caput) por parte do Judiciário”146.

Outrossim, a disciplina da regulação dos serviços, têm amparo constitucional no

art. 174, que preceitua: “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado

exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este

determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. A regulação, então, aponta

para o disciplinamento de atividade econômica, sem afetar a liberdade do mercado, senão que

tentando corrigir suas falhas147; também se pode apontar a função estabilizadora da intervenção

do Estado148, isto é, no sentido agir para estabilizar as relações econômicas num ambiente de

mercado livre, dando função social à propriedade e reduzindo as desigualdades regionais e

principalmente as sociais com o cuidado, ainda por cima, de não deixar de lado as conquistas

oriundas do liberalismo econômico149.

A atividade ou função reguladora do Estado, abrange um conjunto de atividades

de naturezas variadas, tais como: informativas, planejadoras, fiscalizadora e negociais, além de

normativas, ordinatórias, gerenciais, arbitradoras e sancionadoras; enfim, um complexo de

funções administrativas, normativas e judicantes, variando o método decisório150. A regulação

se dá, geralmente, por meio de Agência Reguladoras151.

No âmbito do Sistema Único de Saúde, “o alcance da ação regulatória na área

da saúde pública traduz-se no grupo de ações mediatas que se põem de permeio entre as

146
SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário ao artigo 197. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.;
SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/Almedina, 2013.
147
CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e análise econômica do Direito. Uma visão crítica. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2009.
148
SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos. A livre concorrência e a livre-iniciativa como instrumentos de
promoção do desenvolvimento. A função estabilizadora da intervenção do Estado no domínio econômico. Revista
de Direito Público da Economia - RDPE. Belo Horizonte, ano 11, n. 42. p. 123· l 40, abr/jun. 2013.
149
Idem, ibidem, pág. 134.
150
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. A alternativa participativa e flexível para a
administração pública de relações setoriais complexas no estado democrático. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
151
No âmbito da saúde, tem-se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, criada pela Lei Federal n.
9.782, de 26/01/1999, e a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, criada pela Lei Federal n. 9.961, de
28/01/ 2000.
65

demandas dos usuários e seu acesso aos serviços de saúde” 152 , isto é, como atividade

administrativa que visa a organização do sistema em busca da eficiência do sistema, de modo a

otimizar os usos dos recursos disponíveis. Nesse sentido:

“(...) Esse significado da regulação incorpora competências de


condução política, análise da situação, planejamento e
comunicação, entre outras, na organização e controle dos fluxos
de acesso, do desempenho dos sistemas e da qualidade da
assistência.
Importante instrumento de ordenação dos serviços e ações de
saúde, a regulação coaduna com os princípios regentes do SUS,
pois pretende a universalidade e equidade na sua prestação; a
descentralização com distribuição compartilhada de objetivos e
compromissos entre as unidades federadas; e a regionalização e
hierarquização da rede para a garantia da integralidade e
continuidade do cuidado aos cidadãos em seu contexto geográfico,
sociocultural e sanitário.
A regulação é incluída pelos gestores na elaboração quadrianual
dos Planos de Saúde e definida pela Organização Pan-Americana
de Saúde como uma das Funções Essenciais de Saúde Pública
(FESP) que expressam o papel gestor do Estado na saúde.
Os processos regulatórios propiciam à gestão pública o
estabelecimento de um melhor controle do acesso aos serviços
ofertados e da aplicação dos recursos (eficiência), os quais
favorecem a organização do sistema de saúde para a atenção às
urgências (eficácia) e qualificam essa atenção de forma a
proporcionar o alcance em maior dimensão dos objetivos
sanitários coletivos propostos na política de saúde (efetividade)153.

152
BARBOSA, Dayse Vieira Santos; BARBOSA, Nelson Bezerra; NAJBERG, Estela. Regulação em Saúde:
desafios à governança do SUS. Cadernos de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 49-54, mar. 2016.
Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201600010106. Acesso em 18/08/2016.
153
Idem, ibidem.
66

Porém, na Lei Federal n. 8.080/90 se observa que há confusão entre os dois

institutos, usando um e outro sem os contornos materiais de cada qual. Inicia a lei (art. 1º)

afirmando que “regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados

isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas

de direito Público ou privado”; deveria dispor sobre “regulamentação” do dispositivo

constitucional que lhe ampara: o art. 197. A lei (art. 9º), contudo, com amparo no art. 198,

definiu os órgãos que compõem, em cada “esfera de governo”, a direção do Sistema Único de

Saúde (SUS), que, embora sendo também única (diretriz definida no inciso I), a saber: no

âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela

respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; no âmbito dos Municípios, pela respectiva

Secretaria de Saúde ou órgão equivalente. Destarte, se infere que tais órgãos possam exercer –

conforme a Lei Federal n. 8.080/90, no âmbito de suas competências (art. 15 a 18) e campos de

atuação do SUS (art. 6º) – as funções regulamentadoras das ações e serviços de saúde. Tirante

os dispositivos supratranscritos de maior vulto, não há na Lei Federal n. 8.080/90 referências

explícitas à regulamentação de dispositivos legais.154.

Atribui, também, a Lei Federal n. 8.080/90 a função de “elaboração de normas

para regular as atividades de serviços privados de saúde” (art. 15, XI, c/c art. 8º) aos Entes da

Federação “em seu âmbito administrativo”, isto é, a regulação dessa atividade econômica se dá

concorrentemente, na linha do art. 24, XII e §§1º a 4º, e art. 199, da Constituição Federal. Por

outro lado, atribui (art. 16) à Direção Nacional do Sistema Único da Saúde (SUS) a competência

de “elaborar normas para regular as relações entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e os

serviços privados contratados de assistência à saúde” e a “expedição de normas” quanto ao

154
O art. 19-Q da Lei Federal n. 8.080/90, é bastante explícito que compete ao Ministério da Saúde – e não à
“Direção Nacional” do SUS – a “incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos,
produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica”,
que será assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, “cuja composição e
regimento são definidos em regulamento”. Além desse dispositivo, também se remete ao regulamento “as
especializações na forma de treinamento em serviço sob supervisão” (art. 30). Estas são as poucas referências
explícitas à necessidade de regulamento ao longo do texto da lei.
67

funcionamento dos serviços privados de saúde (art. 22). Assim, a regulação da assistência

privada à saúde é da competência do Ministério da Saúde, não obstante a Lei Federal n.

9.961/2000, que dispõe sobre a Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Por fim, a Lei do SUS dispôs sobre a participação, na atividade de

regulamentação das ações e serviços de saúde, das Comissões Intergestores Bipartite (Estados

e Municípios) e Tripartite (União, Estados e Municípios), “quanto aos aspectos operacionais do

Sistema Único de Saúde” (art. 14-A).

O Presidente da República, de todo modo, em linha com os comandos legais

acerca da regulamentação contidos no art. 84, V, da Constituição Federal, expediu, dentre outros,

os seguintes Decretos:

Decreto nº 1.651, de 28 de setembro de 1995, que “regulamenta


o Sistema Nacional de Auditoria no âmbito do Sistema Único de
Saúde”.

Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que “regulamenta a Lei


nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a
organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento
da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá
outras providências”.

Além dos regulamentos propriamente ditos, em diversos comandos, os

regulamentos “delegam” ao Ministro da Saúde, na qualidade de órgão Diretor Nacional do SUS,

regulamentações específicas, que detalham ou mesmo criam “políticas” ou “planos

nacionais”155. A priori, ainda que se possa relevar a nomenclaturas, a definição de “planos

155
Vide as seguintes Portarias do Ministro da Saúde: PRT/MS/AM Nº 3916 - D.O. DE 10/11/1998, P. 18: Aprova
a Política Nacional de Medicamentos; PRT/MS 1.163 - D.O. DE 15/09/1999, P. 33: Dispõe sobre as
responsabilidades na prestação de assistência à saúde dos povos indígenas no MS. PRT/MS 1.863, DE 29/09/2003
- D.O.U. DE 06/10/2003, P. 56: Institui a Política Nacional de Atenção às Urgências; PRT/MS 1.864, DE
29/09/2003 - D.O.U. DE 06/10/2003, P. 57: Institui o componente pré-hospitalar móvel da Política Nacional de
68

nacionais” é da competência do Congresso Nacional, conforme se depreende da análise

combinada do art. 21, IX, com o art. 48, IV, da Constituição Federal. O primeiro dispositivo

estabelece que compete à União “elaborar e executar planos nacionais e regionais de (…)

desenvolvimento econômico e social”, enquanto o segundo atribui ao Congresso Nacional, com

a sanção do Presidente da República, “dispor sobre todas as matérias de competência da União,

especialmente sobre (…) planos e programas nacionais, regionais e setoriais de

desenvolvimento” - sem adjetivar “desenvolvimento”, logo, englobando qualquer

“desenvolvimento”. Daí se pode inferir não ser possível que o regulamento – especialmente

“delegado” - disponha sobre planos nacionais sem lei específica para os tais planos. Esse ponto

é importante pois, como se discutirá adiante, são os regulamentos que preenchem o conteúdo

das ações e serviços públicos de saúde, logo, do direito à saúde, que repercutem no custo de sua

satisfação e na observância do princípio da legalidade, vinculante à Administração Pública.

Por outro lado, não se pode descurar do fenômeno da “delegificação” 156 ou

“deslegalização”, que reclama lugar no Direito Administrativo, quando se perquire eficiência

na Administração Pública, a fim de que atos administrativos (normativos) possam ser expedidos

a fim de melhorar a aplicação do direito ao caso concreto. Essas ideias e técnicas têm lugar

quando se trata de regulação157 mais do que, de regulamentação; visa, pois, a deslegalização a

superar o conceito estrito de legalidade, permitindo que, no âmbito da regulação, as normas

possam ser emanadas não somente do Poder Legislativo. Contudo, tal não pode implicar em

um abandono da lei e deixar à Administração Pública a definição dos conteúdos que a própria

Atenção às Urgências - SAMU- 192; PRT/MS 2.607, DE 10/12/2004 - D.O.U. DE 13/12/2004, P. 69: Aprova o
Plano Nacional de Saúde - PNS - Um Pacto Pela Saúde; PRT/MS 971, DE 03/05/2006 - D.O.U. DE 04/05/2006,
P. 20: Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde
– SUS.
156
VALLE, Vanice Regina Lírio do. Delegificação, Legitimidade e Segurança Jurídica: a Hermenêutica
Constitucional como Alternativa de Harmonização. Revista de Direito Administrativo e Constitucional – A&C,
Belo Horizonte, ano 4, n. 18, p. 147-168, out./dez. 2004.
157
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op cit, pág. 167-188. VALLE, Vanice Regina Lírio do. Direito
fundamental à boa administração e governança: democratizando a função administrativa. 2010. 254 p. Tese
(Pós-doutorado em Administração) FAV/EBAPE, Rio de Janeiro, 2010. (mimeo). pág. 180. Disponível em
http://bibliotecadigital.fgv.br/ dspace/handle/10438/6977, acesso em 07.02.2016.
69

Constituição exige o concurso de lei, mesmo porque para que o direito fundamental social seja

exigível perante a Administração Pública, faz-se necessário que a lei assim o determine158. Não

obstante, por força do art. 5º, da Lei Federal n. 8.142 159 , de 28 de dezembro de 1990, foi

delegado ao Ministro da Saúde competência para, “mediante portaria (…) estabelecer condições

para aplicação desta lei”, que “dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema

Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na

área da saúde”.

3.3 COMPETÊNCIAS DOS ENTES FEDERATIVOS NO ÂMBITO DO DIREITO DA

SAÚDE

A Lei Federal n. 8.080/90 distribui as competências entre os Entes da Federação

tanto para gerir/dirigir o SUS quanto para prover as ações e serviços públicos de saúde (art. 15

a 19). A repartição das competências (ou atribuições) no âmbito do SUS devem seguir as

orientações postas nos princípios (art. 7º), especialmente para atender a “descentralização

político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo, [com] ênfase na

descentralização dos serviços para os municípios [e na] regionalização e hierarquização da rede

de serviços de saúde” (inciso IX), além da integração das ações de saúde, meio ambiente e

saneamento básico, conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos

dos Entes da Federação, capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência,

e da organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins

idênticos, segundo os incisos IX a XIII.

158
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Em Defesa da Legalidade Administrativa. 2016. Revista Colunistas de
Direito do Estado, n. 220. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/vladimir-da-rocha-
franca/em-defesa-da-legalidade-administrativa>. Acesso em: 20 ago. 2016.
159
“Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências”.
70

A regionalização e a hierarquização da rede de serviços de saúde são princípios

organizacionais do SUS, que apontam para a diretriz da “descentralização”. Porém, conforme

posto no texto constitucional, “descentralização” possibilita um entendimento restrito dessa

diretriz, como se fosse sinônimo de “municipalização”160, desconsiderando a participação do

setor privado e do terceiro setor (CF, art. 199).

O Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011, regulamenta a Lei nº 8.080, de 19

de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o

planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa Nesse Regulamento,

está detalhada a organização e articulação entre os Entes da Federação, de modo que explicita

as atribuições de cada qual. De fato, esclarece-se que o SUS é constituído pela conjugação das

ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde executados pelos entes

federativos, de forma direta ou indireta, mediante a participação complementar da iniciativa

privada, sendo organizado de forma regionalizada e hierarquizada (art. 3º). É estabelecido que

o acesso universal, igualitário e ordenado às ações e serviços de saúde se inicia pelas Portas de

Entrada do SUS e se completa na rede regionalizada e hierarquizada, de acordo com a

complexidade do serviço (art. 8º), sendo “Portas de Entrada” os serviços de atendimento inicial

à saúde do usuário no SUS (art. 2º, III), compreendendo os seguintes serviços nas Redes de

Atenção à Saúde (art. 9º): de atenção primária; de atenção de urgência e emergência; de atenção

psicossocial; e especiais de acesso aberto. Mediante justificativa técnica e de acordo com o

pactuado nas Comissões Intergestores, os entes federativos poderão criar novas Portas de

Entrada às ações e serviços de saúde, considerando as características da Região de Saúde,

segundo preceitua o parágrafo único do art. 9º desse Decreto.

Segue, ainda, destacando o Decreto n. 7.508/2011, por outro lado, que o acesso

160
PIOLA, Sérgio Francisco & VIANNA, Solon Magalhães (Org.). Saúde no Brasil: algumas questões sobre o
Sistema Único de Saúde (SUS). LC/BRS/R.200. CEPAL Brasil, 2009. Disponível em http://repositorio.
cepal.org/handle/11362/1349. Acesso em 08/01/2016.
71

universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde será ordenado pela atenção primária e

deve ser fundado na avaliação da gravidade do risco individual e coletivo e no critério

cronológico, observadas as especificidades previstas para pessoas com proteção especial,

conforme legislação vigente (art. 11), enquanto a integralidade da assistência à saúde se inicia

e se completa na Rede de Atenção à Saúde, mediante referenciamento do usuário na rede

regional e interestadual, conforme pactuado nas Comissões Intergestores (art. 20). Dois

instrumentos básicos se destacam na integralidade da assistência à saúde: a Relação Nacional

de Ações e Serviços de Saúde – RENASES, que compreende todas as ações e serviços que o

SUS oferece ao usuário para atendimento da integralidade da assistência à saúde (art. 21), e a

Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME, que compreende a seleção e a

padronização de medicamentos indicados para atendimento de doenças ou de agravos no âmbito

do SUS (art. 25).

A Articulação Interfederativa se dará por meio das Comissões Intergestores

(Tripartite - CIT, integrada pela União, Estados e Municípios; Bipartite - CIB, composta pelo

Estado e seus Municípios; ou Regional - CIR, formada por municípios limítrofes intraestaduais),

que pactuarão a organização e o funcionamento das ações e serviços de saúde integrados em

redes de atenção à saúde (art. 30). O acordo de colaboração entre os entes federativos para a

organização da rede interfederativa de atenção à saúde será firmado por meio de Contrato

Organizativo da Ação Pública da Saúde (art. 33). Esse contrato é um acordo de colaboração

firmado entre entes federativos com a finalidade de organizar e integrar as ações e serviços de

saúde na rede regionalizada e hierarquizada, com definição de responsabilidades, indicadores e

metas de saúde, critérios de avaliação de desempenho, recursos financeiros que serão

disponibilizados, forma de controle e fiscalização de sua execução e demais elementos

necessários à implementação integrada das ações e serviços de saúde (art. 2º, II; art. 35), cujo

objeto é a organização e a integração das ações e dos serviços de saúde, sob a responsabilidade
72

dos entes federativos em uma Região de Saúde, com a finalidade de garantir a integralidade da

assistência aos usuários, e resulta da integração dos planos de saúde dos entes federativos na

Rede de Atenção à Saúde, tendo como fundamento as pactuações estabelecidas pela CIT (art.

34).

Desta forma, caberão aos Entes da Federação realizar as ações e prestar os

serviços de saúde estabelecidos na RENASES, conforme for definido na Lei do SUS e

contratado no âmbito da CIR, CIB ou CIT.

Pode-se inferir, porém que essas competências e atribuições nem sempre são

observadas, posto a crescente demanda judicial visando provimento das ações e serviços

públicos de saúde, mormente fornecimento de medicamentos e internações hospitalares,

conforme se salientou ao longo dos debates da Audiência Públicas promovida pelo Supremo

Tribunal Federal entre os dias 27 de abril e 7 de maio de 2009 – constituindo-se importante

desafio para a regulação das ações e serviços públicos de saúde, tanto do ponto de vista de

organização do serviço quanto do custeio.161.

3.4 A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

Fenômeno que avultou após a constitucionalização do direito à saúde e da lei do

SUS, a procura por soluções judiciais para garantir a prestação de ações e serviços de saúde

provocou inúmeros debates no país, tendo levado o Supremo Tribunal Federal a realizar, entre

29 de abril e 4 de maio de 2009, uma Audiência Pública para discutir a chamada “judicialização

do direito à saúde”, como referido, da qual participaram autoridades públicas e científicas sobre

o tema – consectário da “judicialização da política”, fenômeno mundial, que, mais do que

ativismo judicial, expressa a reorientação da sociedade para o Judiciário como garante das

161
Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude
73

soluções dos problemas, cujo acesso foi convertido em política pública de primeira grandeza162.

Os debates da audiência permitiram ao STF – e ao Judiciário do país 163 –

compreender o fenômeno e orientar-se, bem como proceder da forma a compatibilizar o direito

fundamental social prestacional com o dever do Estado e a “separação dos poderes” (CF, art. 1º

e 18), tendo em vista as disposições do art. 196 a 200 da Constituição Federal, cujas demandas

concentram-se em dois principais tipos de pedidos: fornecimento de medicamentos e

tratamentos de saúde. Por outro lado, como exposto pelo STF (AgSL n. 47)164, mais do que uma

interferência do Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em matéria de

saúde, na quase totalidade dos casos ocorre a determinação judicial do efetivo cumprimento de

políticas públicas já existentes; por outro lado, se a prestação de saúde pleiteada não estiver

entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a falta ou falha na prestação decorre

de (1) uma omissão legislativa ou administrativa, (2) de uma decisão administrativa de não

fornecê-la ou (3) de uma vedação legal a sua implementação. Salientou, ademais, o STF,

interpretando o art. 196 da Constituição, que, a priori, a obrigação do Estado restringe-se ao

cumprimento das políticas sociais e econômicas formuladas para promoção, proteção e

recuperação da saúde, tendo em vista que o SUS filia-se à corrente da “Medicina com base em

162
VIANNA, Luiz Werneck; BURAOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins. Dezessete anos de
judicialização da política. Tempo Social, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 39-85, nov. 2007. Disponível em
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702007000200002. Acessos em 18 de novembro de 2014.
163
O Conselho Nacional de Justiça, na esteira dessa Audiência Pública, adotou medidas de sua competência para
orientar o Judiciário e juízes do país no tema do direito da saúde, com destaque para a Resolução n. 107, que
instituiu o “Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde”,
e para as Recomendações n. 31, 36 e 45. O Fórum Nacional de Saúde promoveu a I Jornada de Direito da Saúde,
ente 14 e 16 de maio de 2014, que produziu 45 Enunciados, e a II Jornada de Direito da Saúde, entre os 18 e 19 de
maio de 2015, que aprovou mais 23 Enunciados. Vide: www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude.
164
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo Regimental na Suspensão de Liminar n. 47/PE. Relator Ministro
Ailmar Mendes. DJe n. 76, div. 29/04/2010, pub. 30/04/2010.
74

evidências”165 166.

Na aplicação dos princípios do SUS, não necessariamente os sentidos se

equivalem no Judiciário e na Aestão do SUS, inclusive com riscos de prejuízos para a equidade;

enquanto no SUS a integralidade significa empregar os meios necessários para a efetivação do

cuidado, como atendimento médico, exames, internação, tratamento, entre outros, para os

tribunais este princípio está mais associado à noção de consumo.167

De todo modo, o conceito de “política pública” precisa ser delimitado, a fim de

igualmente precisar e legitimar a intervenção positiva do Judiciário na concretização do direito

à saúde. Sabendo-se que o Estado possui competências de sede constitucional, que se

constituem em deveres, todo o agir administrativo deve ser voltado para cumprimento desses

deveres. Contudo, há decisões voltadas para materialização do “estado de coisas” querido pela

Constituição, que ficam no âmbito da liberdade do Aestor Público; nesse sentido é que são

formuladas as chamadas “políticas públicas”, assim entendidas como decisões políticas

165
A Medicina Baseada em Evidências – MBE “utiliza provas científicas existentes e disponíveis no momento,
com boa validade interna e externa, para a aplicação de seus resultados na prática clínica. Quando abordamos o
tratamento e falamos em evidências, referimo-nos a efetividade, eficiência, eficácia e segurança”. (EL DIB, Regina
Paolucci. Como praticar a medicina baseada em evidências. Jornal Vascular Brasileiro, Porto Alegre, v. 6, n. 1,
p. 1-4, Mar. 2007. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492007000100001. Acesso em 24 de
fevereiro de 2016.). “a política pública de saúde – portanto, a atuação do sistema sanitário – está fundada na melhor
prática científica, ou seja, na Medicina Baseada em Evidências (MBE) e na consequente formulação de
instrumentos técnicos com critérios para diagnóstico e tratamento – Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas
(PCDT), a partir da incorporação tecnológica ao SUS. Isso se dá, especialmente, porque as tecnologias para a
saúde avançam ininterruptamente e lidar com a alteração continuada dessas tecnologias (insumos, medicamentos,
ações e serviços ligados à promoção, à proteção, à prevenção e à recuperação da saúde) exige método garantidor
de eficácia, eficiência e efetividade”. (BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Direito à Saúde.
Brasília: CONASS, 2015. 113 p. ISBN 978-85-8071-023-6).
166
Não obstante, em 14/4/2016, foi publicada a Lei Federal n. 13.269, de 13/4/2016, que “autoriza o uso da
fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna”, a “pílula [de combate] do
câncer”. Essa lei foi imediatamente impugnada pela Associação Médica Brasileira perante o Supremo Tribunal
Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5501. Segundo o serviço de informações do STF,
“[a] AMB explica que a ‘pílula do câncer’ não passou pelos testes clínicos em seres humanos, que, de acordo com
a Lei 6.360/76, são feitos em três fases antes da concessão de registro pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). E, segundo a associação, a fosfoetanolamina passou apenas pela fase de testes pré-clínicos de
pesquisa necessária para uma substância ser considerada medicamento, e ‘a permissão de uso de um medicamento
cuja toxidade ao organismo humano é desconhecida indubitavelmente caracteriza risco grave à vida e integridade
física dos pacientes, direitos tutelados pelo caput do artigo 5° da Constituição Federal’”. Em 19/5/2016, o STF,
por maioria, deferiu medida cautelar para suspender a eficácia da Lei.
167
VIEIRA, Fabiola Sulpino. Ações judiciais e direito à saúde: reflexão sobre a observância aos princípios do SUS.
Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 42, n. 2, p. 365-369, abr. 2008. Disponível em
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102008005000010. Acesso em 26 de dezembro de 2015. Epub 29-Fev-2008.
75

definidoras de um específico agir estatal manifestado nas medidas adotadas para sua

implementação 168 . Daí que, havendo uma política pública decorrente inequivocamente da

Constituição ou de uma lei válida, a ação administrativa correspondente poderá ser objeto de

controle, de modo legítimo, pelo Judiciário, inclusive utilizando fundamentos morais ou

técnicos, quando cabível um juízo de certo/errado; por outro lado, caso não haja lei ou ação

administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir 169 . Neste sentido, a

mudança organizacional do modelo estatal em direção ao Estado regulatório (government by

policy) alçou o Poder Judiciário à condição de ente ativo na formulação da política pública170,

especialmente em razão do caráter finalístico das políticas públicas e da prevalência dos

princípios na aplicação do Direito.

O que se destaca nos debates judiciais são as teses do “mínimo existencial”, da

“reserva do possível” e da “proibição do retrocesso social” 171 . Embora esses temas sejam

abordados no próximo capítulo, importa destacar, resumidamente, que “mínimo existencial”

consiste em um núcleo básico de prestações e serviços, que o Estado deve oferecer aos cidadãos

como elementos materiais da dignidade, ou um precedente do princípio da dignidade da pessoa

humana que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas, sem as quais o

168
DANTAS, Flávia. Tributos, Tribunos, Tribunais E Policies: uma análise sistêmica da participação estratégica
dos tributos nas políticas públicas. 2010. 512 p. Tese (Doutorado em Direito do Estado). PUC/SP, São Paulo, 2010.
(mimeo). A autora destaca, com o conceito de política pública, a possibilidade de controle da Política pelo Direito;
e que as políticas públicas são “prescrições normativas que entronizam uma finalidade específica a ser buscada
por um conjunto de normas outras a ela vinculadas. Normalmente, as políticas públicas subjazem no manancial
legislativo que delas decorre, concebido com o escopo de especificar os meios necessários à sua implementação,
sendo tarefa do cientista revelá-las. Com efeito, aquilo que geralmente se designa por políticas públicas são, na
verdade, os instrumentos, medidas ou meios estabelecidos para atendê-las, sendo esses sim necessariamente
explicitados em normas jurídicas. Logo, as políticas públicas ganham substância formal por intermédio do Direito,
seja por meio da indicação precisa e explícita da policy levada a cabo (como no caso dos incisos I e II do artigo 1º
da Lei Federal n. 10.845/2004), seja implicitamente por intermédio da previsão normativa dos meios eleitos para
atingi-la. Para fins meramente retóricos, por vezes se denominará esses meios 'medidas', para diferenciá-los das
políticas públicas aqui tomadas como finalidades juridicamente determinadas, balizadoras da aplicação do código
Lícito/Ilícito a esses meios”. (pág. 241-242)
169
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento
gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista da PGE/RS, Porto Alegre, v. 31, n. 66, p.
89-114, jul./dez. 2007. Disponível em: www.pge.rs.gov.br/upload/rpge66livro.pdf. Acesso em: 11 dez. 2014.
170
SALAMA, Bruno Meyerhof; PARGENDLER, Mariana. Análise Econômica do Direito: Teoria, Empiria e
Método Científico. Fundação Getúlio Vargas, Escola de Direito do Rio de Janeiro, FGV (2012). Disponível em
http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/74/ Acesso em 20/11/2014.
171
BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Direito à Saúde. Brasília: CONASS, 2015.
76

indivíduo estará em situação de vulnerabilidade e/ou risco; e “reserva do possível” tanto indica

ausência de autorização para determinado gasto ou quando aproxima-se da exaustão

orçamentária.172 Por outro lado, o tema evoluiu para determinar que a reserva do possível fosse

entendida como a reserva do financeiramente possível, no sentido de que, mesmo quando a

pretensão de prestação é razoável, o Estado só está obrigado a realizá-la se dispuser dos recursos

necessários 173 . Por sua vez, “proibição do retrocesso social” pode ser entendido como a

proibição de adoção de medidas que tenham por escopo a redução e/ou supressão de posições

jurídicas, tomadas em sentido amplo, já implementadas 174 , ou seja, o núcleo essencial dos

direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas é constitucionalmente

garantido e restringe a liberdade de conformação 175 do legislador, cujo limite é o núcleo

essencial já realizado176.

Desta maneira, a decisão estatal de promover ações para atingimento de uma

finalidade constitucional (política pública) é não só sindicável pelo Poder Judiciário, sob o

código lícito/ilícito, como implica numa decisão (ordem) para implementação do dever contido

na norma. Essa política pública, porém, há de ser realizada de modo compatível com todo o

172
BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da
pessoa humana. 3ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
173
FISCHER, Octavio Campos; OLIVEIRA, Heletícia Leão de. Algumas aproximações entre políticas públicas
de saúde, orçamento e decisões judiciais. Revista da AJURIS. v. 42, n. 137, pág. 387-430, Março 2015.
174
SARLET, Ingo Wolfang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana,
direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no Direito Constitucional Brasileiro. Revista Eletrônica
sobre a Reforma do Estado (RERE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 21, mar, abr, mai, 2010.
Disponível em www.direitodoestado.com/revista/RERE-21-MARCO-2010-INAO-SARLET.pdf. Acesso em 29
de setembro de 2011.
175
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Almedina: Coimbra,
2003, pág. 272: “O princípio da proibição do excesso aplica-se a rodas as espécies de actos dos poderes públicos.
Vincula o legislador, a administração e a jurisdição. Observar-se-á apenas que o controlo judicial baseado no
princípio da proporcionalidade não tem extensão e intensidade semelhantes consoante se trate de actos legislativos,
de actos da administração ou de actos de jurisdição. Ao legislador (e, eventualmente, a certas entidades com
competência regulamentar) é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na
ponderação dos bens quando edita uma nova regulação (cf. Acs. TC 484/2000 e 187/2001, DR, II, de 26-06-2001).
Esta liberdade de conformação cem especial relevância ao discutir-se os requisitos da adequação dos meios e da
proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que, perante o espaço de conformação do legislador, os
tribunais se limitem a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada ou se existe um erro
manifesto de apreciação por parte do legislador (cf. Ac. TC 108/99, DR, II, 104/99)” (grifos no original).
176
CANOTILHO, J. J. Aomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Almedina: Coimbra, 2003,
pág. 340.
77

ordenamento jurídico e conforme as possibilidades econômicas (fáticas) do Estado, ou seja,

depende das condições jurídicas e fáticas (suporte fático 177 ) do caso concreto. As decisões

judiciais, de certo modo, portanto, intervêm no planejamento público, com repercussões no

Orçamento (CF, art. 165, III), que recebem duas principais críticas 178 : (a) ausência de

legitimidade dessa intervenção, quando pretende determinar um agir administrativo não

contemplado em norma jurídica (política pública ou medida), uma vez que os órgãos legítimos

para escolher os meios de atingir a finalidade constitucional, por meio legislativo idôneo, são,

via de regra o Poder Executivo e o Poder Legislativo; e (b) ausência de preparo técnico para

tomada de decisões complexas, em especial, de alocação de recursos públicos. Por isso,

defende-se a autocontenção judicial na proteção dos direitos sociais, com limitação do ativismo

judicial179.

A questão da “judicialização” é particularmente instigante, uma vez que a quadra

vivida é de sedimentação do conceito dos direitos fundamentais, de cunho eminentemente

constitucional, e sua concretização por meio de políticas públicas. Uma vez que a promoção e

a proteção dos direitos fundamentais exigem omissões e ações estatais, a judicialização ganha

mais acento porque as ações estatais capazes de realizar os direitos fundamentais envolvem, em

última análise, decisões acerca do dispêndio de recursos públicos180. Essa intervenção, portanto,

do Judiciário deveria considerar os efeitos econômicos, sociais e jurídicos, uma vez que, para

além de solução do caso concreto em análise, o potencial de repercussão social, as vezes

extrapolando os limites da norma ou mesmo alterando o sentido da política pública definida

pelo Poder Legislativo ou Poder Executivo.

177
SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas
constitucionais. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro, Ano 1, n. 4, out./dez. 2006: 23-51.
178
TIMPONI NAHID, Maria Laura. Efetivação judicial dos direitos sociais. Revista da AGU, [S.l.], mar. 2013.
ISSN 1981-2035. Disponível em: http://seer.agu.gov.br/index.php/AAU/article/view/62/53. Acesso em:
13/12/2014.
179
Idem, ibidem. Cf. BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva. pág. 104.
180
BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas.
Rev. Dir. Adm., Rio de Janeiro, 240: 83-103, Abr./Jun. 2005.
78

Todos os Estados e muitos municípios – além da União – veem aumentar seus

dispêndios com o cumprimento de decisões judiciais, provocando alterações “forçadas” nas

Leis Orçamentárias – vale dizer, na programação da despesa pública (CF, art. 167), sem

significar mudança no texto das normas. Esse resultado, ainda que indireto do ponto de vista

do cumprimento da decisão judicial, provoca o debate sobre a legitimidade das decisões

judiciais que lhe embasam, uma vez que o conteúdo das políticas públicas são também decisões

políticas181 e deveria o Judiciário avaliar o efeito econômico dessas decisões182. Portanto, o

ativismo judicial há de ser autocontido e comprometido com a guarda da Constituição, cujas

decisões devem ocorrer preferencialmente no campo do controle das escolhas políticas, na

atividade orçamentária183.

181
NUNES, António José Avelãs. Os tribunais e o direito à saúde. Juris Poiesis, ano 14, n. 14, pág. 473-490, jan-
dez. 2011.
182
COASE, Ronald. O problema do custo social. The Latin American and Caribbean Journal of Legal Studies
Vol. 3 [2008], No. 1, Article 9. Trad. Francisco Kümmel F. Alves e Renato Vieira Caovilla. Disponível em
http://services.bepress.com/lacjls/vol3/iss1/art9. Acesso em 28/08/2014.
183
FISCHER, Octavio Campos Fischer; OLIVEIRA, Heletícia Leão de. op. cit. pág. 420.
79

4 O CUSTO DOS DIREITOS

4.1. Análise Econômica do Direito. 4.2. O mínimo existencial e a reserva do possível. 4.3.

Parâmetros constitucionais e legais das despesas públicas com ações e serviços públicos de

saúde. 4.4. Instrumentos legais de controle e aferição da eficiência das despesas com saúde.

Como destacado no capítulo introdutório, a premissa básica do presente trabalho

é que os direitos têm custos; a segunda, que a cada direito fundamental corresponde (a pelo

menos) um dever o Estado; e a terceira, o custo do direito não necessariamente é igual ao custo

do dever do Estado.

O estabelecimento ou reconhecimento de direitos positivos pelo Estado, de fato

implica em que as prestações estatais são sempre positivas 184 . Assim, tende-se a superar a

divisão entre direitos positivos e negativos, mesmo quando se refiram aos direitos fundamentais,

uma vez que o Estado sempre agirá para proteger, afirmar ou promover os direitos dos

cidadãos185. Essa compreensão é compatível com a ideia de superação da tese das “gerações”

de direitos – ou mesmo de “dimensões”, como discutido no Capítulo 2.2. Por outro lado, cumpre

destacar que trataremos de direitos prestacionais em sentido estrito, em linha com Alexy, isto é,

direitos a algo que se demanda do Estado, porém capazes de obter-se no mercado, desde que

disponível.186. Importa mencionar, no plano dogmático, os “direitos a prestações previstos de

184
HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass R. The Cost of Rights. Why liberty depends on taxes. New York: W. W.
Norton, 1999.
185
Cf. HOLMES; SUSTEIN. op. cit. Cap. 1.
186
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2015, pág. 499: “Direitos a
prestação em sentido estrito são direitos do indivíduo, em face do Estado, a algo que o indivíduo, se dispusesse de
meios financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no mercado, poderia também obter de
particulares.”.
80

forma expressa (...) e direitos a prestação atribuídos por meio de interpretação” de modo a traçar

um panorama de normas de estrutura segundo os seguintes critérios: se se tratam de direitos

subjetivos ou deveres objetivos do Estado, se estes são vinculantes ou não-vinculantes e se se

tratam de norma que fundamentem direitos e deveres definitivos ou prima facie, isto é, regras

ou princípios187.

Com a Constituição de 1988, o Estado brasileiro assumiu, mais do que em

qualquer outro período histórico, uma gama de obrigações (deveres), mormente os de cunho

social, na tentativa de implementar positivamente o “Estado de Bem-Estar Social”188, mesmo

quando já estava esse conceito em crise189, e que, por outro lado, impuseram o debate sobre as

escolhas alocativas e a escassez190. De todo modo, sob a perspectiva da atividade financeira do

Estado (Direito Financeiro), são necessários recursos públicos para executar as necessidades

públicas, isto é, o Estado precisa de recursos financeiros para que possa cumprir seus objetivos

e deveres191, especialmente os prestacionais; sem recursos, o Estado não viabiliza o gozo de

nenhum direito dos cidadãos192. Para tanto, o balanceamento entre receitas e despesas se faz

imprescindível, cuja gestão revela, entre outras, informações sobre a capacidade gerencial do

187
Idem, ibidem, pág. 500-502. A discussão sobre estes critérios foge ao escopo do presente trabalho, logo não se
expandirá o tema.
188
JESSOP, BOB. Política Social, Estado e “Sociedade”. SER social, Brasília, v.15, n. 33, p261-384, jul-dez.
2013. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Da Administração Pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço
Público. Ano 47, v. 120, n. 1, pág. 7-40, jan-abr. 1996.
189
“A dificuldade analítica para distinguir corretamente os casos de retrocesso dos casos de acomodação ou
calibração inicia-se pela própria caracterização do que seria um Estado de Bem-Estar e dos seus tipos ideais ou
“regimes”, passando pela escolha das variáveis apropriadas para medir a evolução das características previamente
definidas. As primeiras especulações a respeito de uma crise terminal do Estado de Bem-Estar, da parte tanto de
neomarxistas quanto de neo-liberais conservadores, aparentemente, não exerceram papel estruturante sobre o
debate subsequente, que estaria oscilando entre hipóteses mais contidas diante dos desafios e pressões colocados
pelas crescentes internacionalização do sistema econômico e redução dos espaços de ação política dos Estados
nacionais, a saber: a hipótese do retrenchment versus a hipótese da mera reestruturação dos welfare states”.
SCHUARTZ, Luis Fernando. Universalização dos fins e particularização dos meios: política social e significado
normativo dos direitos fundamentais. Revista Direito GV. v. 5, n. 2, p. 359–376, dez. 2009. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/ S1808-24322009000200005. Acesso em: 16 abr. 2016.
190
VALLE, Vanice Regina Lírio do. Direito fundamental à boa administração e governança: democratizando
a função administrativa. 2010. 254 p. Tese (Pós-doutorado em Administração) FAV/EBAPE, Rio de Janeiro, 2010.
(mimeo). pág. 60. Disponível em http://bibliotecadigital.fgv.br/ dspace/handle/10438/6977, acesso em 07.02.2016.
191
GOMES, Carlos Roberto de Miranda. Manual de Direito Financeiro e Finanças Públicas. 3 ed. Editora F3D:
Natal, 2006.
192
Cf. HOLMES; SUSTEIN. op. cit.
81

Estado, especialmente quando fica evidenciado, no Orçamento Público, quais escolhas

públicas193 foram feitas e o modo planejado de prover os recursos.

No momento atual, porém, pós-crise mundial de 2008, o Brasil vê agudizar sua

crise fiscal, tendo o Estado brasileiro adentrado pelo segundo exercício fiscal consecutivo em

déficit orçamentário 194 , inflação recrudescente 195 e recessão econômica 196 . Esse quadro se

mostra desafiador para o Estado brasileiro, uma vez que, para além das discussões teoréticas

acerca dos princípios da vedação ao retrocesso, mínimo existencial e escolhas alocativas, se

depara com o ambiente econômico marcado por retração das receitas públicas e alta inflação

para cumprir seus deveres constitucionais, especialmente garantir os direitos fundamentais

sociais (prestacionais).

Nesse ambiente e clima, a ação governamental será testada, com muito mais

vigor, no quesito das escolhas alocativas, de cunho político e legal, como sói a definição das

despesas públicas197. Também nesse quadro, pode-se discutir o próprio alcance dos direitos

fundamentais, como destacado por Canotilho:

193
“Por escolhas públicas deve-se entender aquelas atividades de decisão dos agentes políticos, mediante atos
legais ou administrativos, segundo critérios democráticos ou funcionais controlados pelo Direito, exercidas ao
longo de toda a atividade financeira do Estado. (...) Esclareça-se, desde logo, que a expressão "escolha pública"
não equivale a alguma tradução da usualmente referida à escola americana da public choice”. Cf. TORRES, Heleno
Taveira. Direito Constitucional Financeiro. Teoria da Constituição Financeira. São Paulo: RT, 2014, pág. 118.
194
“Encerrado o ano de 2015, verificou-se que o Aoverno Federal atingiu déficit primário de R$ 118,4 bilhões,
composto de déficits do Aoverno Central de R$ 116,7 bilhões e das Empresas Estatais Federais de R$ 1,7 bilhão,
resultado superior ao mínimo exigido na LDO (déficit de R$ 118,7 bilhões).” BRASIL. Secretaria do Tesouro
Nacional/MF. Secretaria de Orçamento Federal/MPOA. Relatório de Avaliação de Cumprimento das Metas
Fiscais Exercício de 2015. Brasília, fev./2016. Disponível em https://www.tesouro.fazenda.gov.br/relatorio-de-
cumprimento-de-metas. Acesso em 01/06/2016.
195
“Em 2015, a taxa de inflação medida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
alcançou 10,67%, ultrapassando, assim, o limite superior do intervalo de tolerância de 2,0 pontos percentuais (p.p.)
acima da meta de 4,5% ao ano (a.a.), estabelecida pelo CMN por meio da Resolução nº 4.237, de 28 de junho de
2013”. Aviso 1/2016−BCB, de 8 de janeiro de 2016. Carta Aberta de que trata o parágrafo único do art. 4º do
Decreto nº 3.088, de 21 de junho de 1999, do Presidente do Banco Central do Brasil ao Ministro de Estado da
Fazenda. Disponível em http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/carta2016.pdf. Acesso em 12/03/2016.
196
“O PIB em 2015 sofreu contração de 3,8% em relação ao ano anterior, a maior da série histórica iniciada em
1996. Em 2014, o PIB havia ficado praticamente estável (+0,1%). Em decorrência desta queda, o PIB per capita
alcançou R$ 28.876 (em valores correntes) em 2015, após ter recuado (em termos reais) 4,6% em relação ao ano
anterior”. IBAE, A Economia Brasileira no 4º Trimestre de 2015: Visão Geral. Disponível em
ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Comentarios/pib-vol-val_201504
comentarios.pdf. Acesso em 12/03/2016.
197
Cf. TORRES, Heleno Taveira. op. cit., pág. 152.
82

“É óbvio que os tribunais não podem ficar alheios à concretização


judicial das normas directoras da constituição social. Não pode é
impor-se à metódica constitucional a criação de pressupostos de
facto e de direitos claramente fora da sua competência ou
extravasando os seus limites jurídico-funcionais. Os tribunais não
podem neutralizar a liberdade de conformação do legislador,
mesmo num sentido regressivo em épocas de escassez e de
austeridade financeira. Isso significa que a chamada tese da
“irreversibilidade de direitos sociais adquiridos” deve entender-
se com razoabilidade e com racionalidade, pois poderá ser
necessário, adequado e proporcional baixar os níveis de
prestações essenciais para manter o núcleo essencial do próprio
direito social”198.

Estas observações se agudizam porque será pela ação do legislador ordinário que

se farão os ajustes nas políticas públicas, que visam a garantir a concretização do programa

constitucional especialmente quanto aos direitos fundamentais.

4.1 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E EFICIÊNCIA DO DIREITO.

A chamada escola da “Análise Econômica do Direito - AED” (Law and

Economics) surgiu nos Estados Unidos da América, e ganhou corpo na década de 1960 com a

publicação The Problem of Social Cost, de Ronald Coase, em 1961, pelo Journal of Law and

Economics.199

198
CANOTILHO, José Joaquim Aomes. O Direito Constitucional como Ciência de Direcção: o núcleo essencial
de prestações sociais ou a localização incerta da socialidade (Contributo para a reabilitação da força normativa da
“constituição social”). Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 22, fev. 2008. Disponível em:
http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao022/Jose_Canotilho.htm Acesso em: 22 jul. 2016.
199
“Identificar qual a teoria econômica que melhor reflete o núcleo central do Law and Economics não é tarefa
fácil. A maioria dos pesquisadores que se debruçam atualmente sobre o tema prefere não entrar nesse debate,
contentando-se em apresentar a Análise Econômica do Direito como uma escola eclética, que comportaria diversas
83

A Análise Econômica do Direito se apresenta, com fundamentos na teoria

econômica, como instrumento técnico para operação jurídica da decisão em busca da

eficiência200.

As premissas básicas da AED são o individualismo metodológico e as escolhas

racionais, uma vez que os indivíduos agem sempre de forma a maximizar sua satisfação

respondendo racionalmente, portanto, a incentivos e desincentivos externos201. Essas premissas

conduzem a maior eficiência do sistema, que vem a ser o objetivo desta metodologia202.

Importa destacar a ênfase que se dá no quesito “eficiência” para a AED, com

forte sede na Ciência Econômica trasladando-o para o Direito. No nosso ordenamento jurídico,

a eficiência foi introduzida pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998, como um dos princípios

basilares da Administração Pública (CF, art. 37, caput). Nesse sentido, mais do que ligar-se à

noção de “eficiência” no plano da dogmática jurídica ou da teoria geral do direito (às normas),

a eficiência de que trata o princípio se dirige à atividade da Administração Pública203, inclusive

no plano da gestão orçamentária, tangenciando o princípio da economicidade204. Desta maneira,

a eficiência diz respeito a ação administrativa voltada para atingimento dos fins lícitos, por vias

lícitas, para resolver problemas que a Ordem Jurídica impõe ao Estado; noutras palavras, “toda

a ação administrativa deve ser orientada para a concretização material e efetiva da finalidade

tradições. Os professores Mercuro e Medema, por exemplo, listam como subdivisões teóricas do Law and
Economics, a Escola de Chicago, a teoria da Public Choice, a Escola Institucionalista e Neo-institucionalista, a
Escola de New Haven, o Moderno Republicanismo e, até mesmo, a Escola do Critical Legal Studies” COELHO,
Cristiane de Oliveira. A Análise Econômica do Direito enquanto Ciência: uma explicação de seu êxito sob a
perspectiva da História do Pensamento Econômico. In: XI Annual Alacde Conference, 2007, Brasília. Latin
American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual Papers. Berkeley: University of
California, 2007. p. 1-26. Disponível em http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/050107-10. Acesso em
30/01/2016.
200
LARA, Fabiano Teodoro de Rezende. A análise econômica do Direito como método e disciplina. E-civitas
Revista Científica do Departamento de Ciências Jurídicas, Políticas e Gerenciais do UNI-BH Belo Horizonte, vol.
I, n. 1, nov-2008. ISSN: 1984-2716. Disponível em: www.unibh.br/revistas/ecivitas. Acesso em 20/01/2016.
201
COELHO, Cristiane de Oliveira. op. cit., pág. 8.
202
LARA, Fabiano Teodoro de Rezende. op. cit., pág. 9.
203
MENDONÇA, Fabiano André de Souza. op. cit., pág. 126.
204
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário. Vol. V: o orçamento na
Constituição. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pág. 307.
84

posta pela lei, segundo os cânones do regime jurídico-administrativo”205. Contudo, do ponto de

vista econômico e econométrico, há indicadores para aferir a eficiência do gasto público quanto

a geração de bem-estar a população, o que é indicativo da realização ou satisfação de direitos206.

Como princípio, há de se realçar que se constitui em um mandato de

otimização207, ou seja, deve o Estado-Administração – para quem se dirige este princípio –

envidar a melhor gestão para alcançar, no grau máximo, o resultado finalístico da ação estatal,

o sentido teleológico da norma, bem como qualificar as tarefas do Estado. Nesse quesito, aliás,

as normas constitucionais definidoras de tarefas do Estado 208 ganham relevo, tais como na

formulação das políticas de saúde pública, cuja aplicação eficiente será aferida no exercício da

discricionariedade administrativa209.

A eficiência, por sua vez, do ponto de vista jurídico e das políticas públicas, pode

ser aferida em graus: forte/máximo, moderado/médio e fraco/mínimo, segundo os critérios de

disponibilidade de recursos, tecnologia e planejamento (formulação política)210. Em termos de

eficiência na concretização dos direitos sociais, mormente o da saúde, comentando sobre a

doutrina dos níveis essenciais das prestações (Livelli essenziali delle prestazioni - LEP),

consagrada na Constituição italiana, Canotilho211 destaca:

“(i) o nível essencial de uma prestação referente a um direito


social consubstancia um autêntico direito individual irrestringível

205
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência Administrativa na Constituição Federal. Revista de Direito
Administrativo, v. 220, pág. 167-177, abr./jun. 2000. DOI: http://dx.doi.org/10.12660/rda.v220.2000.47532
206
MATTOS, Enlinson; TERRA, Rafael. Conceitos sobre eficiência. In: BOUERI, Rogério; ROCHA, Fabiana;
RODOPOULOS, Fabiana. Avaliação da Qualidade do Gasto Público e Mensuração da Eficiência (Org.).
Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2015. Pág. 211-233. Esse estudo aponta conceitos da Economia para
eficiência, eficácia e efetividade bastante próximos dos utilizados pelo Direito.
207
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2015.
208
HESSE, Konrad. Op. cit., pág. 40.
209
Cf. FRANÇA, Vladimir da Rocha. op. cit., pág. 174.
210
MENDONÇA, Fabiano André de Souza, op. cit., pág. 146.
211
CANOTILHO, José Joaquim Aomes. O Direito Constitucional como Ciência de Direcção: o núcleo essencial
de prestações sociais ou a localização incerta da socialidade (Contributo para a reabilitação da força normativa da
“constituição social”). Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 22, fev. 2008. Disponível em:
http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao022/Jose_Canotilho.htm Acesso em: 22 jul. 2016.
85

fundado nas normas constitucionais; (ii) a constitucionalização de


um direito essencial de prestação constitui uma
heterodeterminação constitucional à autonomia normativa e
administrativa de todos os níveis de governo começando no
governo central e acabando nos governos regionais e locais; (iii)
o nível essencial de prestação condiciona as políticas económicas
e financeiras”.

Ademais, a doutrina LEP ultrapassa o modelo unidimensional da definição das

prestações e propõe uma aproximação multidimensional na determinação dos níveis essenciais,

onde pontua212:

“Se bem interpretamos as propostas multidimensionais, elas


pretendem conseguir aquilo que as interpretações –
concretizações doutrinárias e jurisprudenciais clássicas – não
conseguiram até agora: assegurar a efectividade da disciplina
constitucional ao nível das prestações sociais. A efectivação passa
pelo recurso aos esquemas tradicionais de legislação e regulação
porque se considera indispensável uma lei e um regulamento de
execução. Aquela disciplinaria as prestações, os destinatários, os
indicadores, o sistema informativo, os recursos financeiros, as
acções estaduais de suporte, programas de intervenção
extraordinária e o remédio para a inobservância de standards. O
regulamento devia especificar a lista dos indicadores,
individualizando, para cada um deles, o valor objectivo que as
administrações devem respeitar.
O que há de novo é a tentativa de introduzir guidelines de boas
práticas ou de standards possibilitadores de controlo e que
primariamente dirão respeito aos mecanismos de governance e de
accountability, mas que poderão constituir também elementos de
facto para a eventual jurisdicionalização dos conflitos

212
Idem, ibidem.
86

prestacionais. Mas não só isso: perante a incontornável pressão


dos custos dos serviços de saúde e consequentes políticas de
racionalização, a metodologia mais segura para a garantia dos
direitos não é a da subsunção positivistaconstitucional, mas a de
recortar o núcleo duro da subjectivização dos direitos sociais”.

E segue:

“Outra forma de dar efectividade à direcção normativo


constitucional do direito fundamental à saúde é a de a metódica
constitucional estar atenta aos outros instrumentos de direcção,
designadamente os instrumentos reguladores e a carta de direitos
dos utentes. Mesmo que se aceite a lógica sistémica da
diferenciação e autonomização de sistemas – sistemas de saúde,
sistemas de segurança social –, a direcção através do direito
constitucional pode concretizar-se através de boas práticas
emergentes da clinical governance. A qualidade dos serviços de
saúde – quer sob o ponto de vista clínico, quer do ponto de vista
assistencial – com a consequente garantia dos direitos dos utentes,
sobretudo dos doentes, pode resultar mais da observância dos
padrões técnicos e humanos definidos em códigos de boas
práticas do que da execução hierárquica de regulamentos e
procedimentos administrativos. Não foi a exegese da constituição
e o platonismo subsuntivo que permitiram individualizar os
direitos dos utentes (autonomia, informação, vontade
previamente manifestada, liberdade de escolha, privacidade,
acesso à informação da saúde, não discriminação e não
estigmatização, acompanhamento espiritual, primado da pessoa
sobre a ciência e a sociedade, direito de queixa e reclamação,
equidade no acesso, acessibilidade em tempo útil). Se o direito
constitucional quiser continuar a ser um instrumento de direcção
e, ao mesmo tempo, reclamar a indeclinável função de ordenação
material, só tem a ganhar se introduzir nos seus procedimentos
87

metódicos de concretização os esquemas reguladores e de


direcção oriundos de outros campos do saber (economia, teoria
da regulação). E a conclusão parece-nos clara: a governação
clínica (clinical governance) é um esquema de boas práticas
concretizador do direito à saúde

Uma vez que os direitos fundamentais são introduzidos nos ordenamentos

jurídicos quase sempre via Constituição como princípios (mas também como regras), esses

aexigem uma atuação estatal (legislativa) para sua positivação; quanto aos direitos

fundamentais sociais, mais do que positivação, sua concretização depende da atuação estatal na

formulação e implementação de políticas públicas213. Nessa toada, a Análise Econômica do

Direito se presta, em sua dimensão normativa214, a avaliar a adequação de dada política aos

postulados constitucionais215; noutras palavras, se se pode indicar a eficiência desta política.

Assim, se verifica que não é suficiente para o Direito analisar se a norma possui

eficácia sintática e semântica, ou seja, se é válida no sistema e alcança (juridiciza) os fatos

desejados; ou se é efetiva, no sentido de produzir resultados jurídicos esperados; interessa se é

eficiente, no sentido de alterar de modo positivo a realidade social e alcançar os padrões

técnicos que se pretende atingir – como, por exemplo, apontados acima nos níveis essenciais

das prestações (LEP). A AED é importante nesse processo pois avalia a aderência dos

comportamentos individuais aos preceitos normativos e se esses comportamentos estão

conforme o esperado pela norma.

213
RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; CAMPOS, Diego Caetano da Silva. Análise Econômica do Direito e a
concretização dos direitos fundamentais. Rev. Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 11, n. 11, p.
304-329, jan/jun. 2012.
214
“Em resumo, a AED positiva nos auxiliará a compreender o que é a norma jurídica, qual a sua racionalidade e
as diferentes conseqüências prováveis decorrentes da adoção dessa ou daquela regra, ou seja, a abordagem é
eminentemente descritiva/explicativa com resultados preditivos. Já a AED normativa nos auxiliará a escolher entre
as alternativas possíveis a mais eficiente, isto é, escolher o melhor arranjo institucional dado um valor (vetor
normativo) previamente definido”. GICO JÚNIOR, Ivo T. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica
do Direito. Economic Analysis of Law Review, v. 1, n. 1, p. 7-33, Jan-Jun, 2010. http://dx.doi.org/
10.18836/2178-0587/ealr.v1n1p7-33
215
RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; CAMPOS, Diego Caetano da Silva. op. cit., pág. 315.
88

Exemplificando: imaginemos determinada Lei Federal que criminalize a

automedicação, cominando pena de um mês de detenção, a fim de evitar intoxicação

medicamentosa e aumento de demandas por tratamentos evitáveis: somente Lei Federal pode

tratar de direito penal (eficácia sintática), logo proibir uma conduta (eficácia semântica); sua

efetividade se dará no caso de punir a conduta proibida; porém, a eficiência se mostrará se, de

fato, reduzir ou eliminar a automedicação. Nesse caso, a AED pode contribuir (se aplicada) para

criticar a opção legislativa (dimensão normativa) entre a norma e seu resultado, considerando

os valores e comportamentos socialmente aceitos e a pena imposta em abstrato, a eficiência do

sistema judicial, aumento de demandas judiciais etc. Outros casos poderiam ser imaginados,

agora sob a perspectiva do custo econômico, quanto a moléstias que não causem morte a curto

prazo, tais como programas de vacinação, dispensação de medicamentos contra doenças

infectocontagiosas, tratamentos contra obesidade etc., que considerariam o custo em si para o

erário e o dano social da ausência ao trabalho e do bem-estar dos doentes (benefícios além da

restauração da saúde). Também programas de educação para o trânsito216, recolhimento de lixo

doméstico, controle do comércio de produtos tóxicos etc. poderiam servir como exemplos a

serem avaliados.217

Interessante observar que o art. 35 da Lei do SUS218 (Lei Federal n. 8.080/90)

216
A justificativa do Projeto de Lei n. 5.070/13 (na Câmara dos Deputados), – convertido da Lei Federal n. 13.290,
de 23/05/2016, que tornou obrigatório o uso, nas rodovias, de farol baixo aceso durante o dia – destaca: “São
constantes os abalroamentos de veículos em rodovias. Um dos fatores que contribui para estes acidentes é a pouca
visibilidade. Os designs modernos dos veículos e as novas cores utilizadas veem contribuindo para ofuscá-los no
meio ambiente mesmo durante o dia. (...) Tendo em vista que o sistema de iluminação é parte fundamental da
segurança dos veículos, e que a Resolução do CONTRAN não conseguiu sensibilizar os condutores, faz-se
necessário estabelecer a obrigatoriedade, por meio de Lei, do uso dos faróis acesos durante o dia nas rodovias,
instituindo, inclusive, sanção no caso de descumprimento. Afinal estamos tratando de vidas!”.
217
Carlos Alberto Sardenberg, em artigo intitulado “Cadê a Constituição”, no Jornal O Alobo (31/12/2015) faz
aguda reflexão sobre a viabilidade do SUS sob a Constituição Federal, na perspectiva da relação custo/benefício,
onde destaca: “Seleção e listas elaboradas com critérios médicos, sociais e econômicos seriam infinitamente mais
justas e eficientes”. http://oglobo.globo.com/opiniao/cade-constituicao-18387134. Já o jornal O Estado de São
Paulo discutiu em editorial (“Aposta errada na saúde”) do dia 31/07/2015, a realidade e desafio dos planos privados
de saúde. http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,aposta-errada-na-saude,1735547.
218
Lei Federal n. 8.080/90: “Art. 35. Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito
Federal e Municípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios, segundo análise técnica de programas e
projetos”.
89

estabelece critérios de distribuição dos recursos para Estados e Municípios, no âmbito do

Sistema Único de Saúde. Assim, é de se questionar o nível de eficiência desses critérios. Sob

esse prisma, pelo menos quanto aos critérios estabelecidos nos incisos I (perfil demográfico da

região), II (perfil epidemiológico da população a ser coberta) e IV (desempenho técnico,

econômico e financeiro no período anterior), foi constatado que “o aumento da eficiência da

prestação de serviços de saúde está associado à cobertura dos serviços de saneamento, às

características demográficas da população, ao nível de renda e à incidência de epidemias”219,

ou seja, “os critérios elencados nos incisos I, II e IV do artigo 35 da Lei Federal n. 8.080/1990

se confirmam como adequados para avaliar a importância dos fatores de distribuição na

explicação da ineficiência”220 o que se demostra, ainda que por outros critérios metodológicos,

a utilidade da análise econômica do Direito.

Destarte, a Análise Econômica do Direito pode contribuir para a concretização

dos direitos fundamentais na medida em que forneça instrumental útil para examinar se as

políticas públicas (leis, atos normativos e demais ações estatais) escolhidas pelo Estado são

eficientes para a máxima concretização dos direitos fundamentais, conforme os incentivos que

estimulem o comportamento dos indivíduos e alinhe-se com o máximo aproveitamento dos

recursos.221

4.2 O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL

219
DUARTE, Janete et alii. Os Determinantes da Eficiência dos Estados no Gasto Público em Saúde.
Secretaria do Tesouro Nacional. Textos para Discussão - TD n. 009/20012. Brasília, 2012. Disponível em
www3.tesouro.gov.br/ textos_discussao/ downloads/td9.pdf. Acesso em 12/12/2015.
220
Idem, ibidem.
221
Cf. RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; CAMPOS, Diego Caetano da Silva. op. cit., pág. 326.
90

Partindo da premissa de que os direitos têm custos e que dependem de prestações

estatais positivas para sua efetivação 222 , há de se considerar, igualmente, que as realidades

orçamentárias do Estado precisam ser compreendidas. De fato, não é possível se falar em

despesas estatais sem considerar a necessária autorização para realização dos gastos, o que se

dá conforme a Lei Orçamentária Anual (CF, art. 167, I e II). Neste sentido, em matéria de

realização (efetivação) dos direitos fundamentais, é necessário que se dê a “redescoberta do

orçamento”223.

Nesse campo, dois conceitos, antes referidos, são fundamentais para avançar nas

discussões e análises sobre a temática da realização dos direitos fundamentais, ou seja, daqueles

que demandam prestações positivas do Estado: “mínimo existencial” e “reserva do possível”.

O mínimo existencial se refere ao respeito aos direitos humanos, na perspectiva

de garantir um padrão socioeconômico mínimo, abaixo do qual não se pode afirmar haver

respeitos à condição humana. Como já referido, “mínimo existencial”224 consiste em um núcleo

básico de prestações e serviços, que o Estado deve oferecer aos cidadãos como elementos

materiais da dignidade, ou um precedente do princípio da dignidade da pessoa humana que

consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas, sem as quais o indivíduo estará em

situação de vulnerabilidade e/ou risco.

222
GALDINO, Flávio. op. cit., pág. 226. Cf. SUSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. op. cit. AMARAL, Gustavo.
Direito, escassez & escolha. Critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. 2 ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
223
MACHADO, Clara Cardoso. Direitos Fundamentais Sociais, Políticas Públicas e Controle Jurisdicional
do Orçamento. 2010. Dissertação de mestrado (Direito Público). Universidade Federal da Bahia. Faculdade de
Direito, 2010. (mimeo). “Indiscutivelmente, o orçamento é o caminho por meio do qual se permite realizar políticas
públicas, [sic] essenciais à concretização dos direitos fundamentais sociais. Vislumbra-se, por conseguinte, nítida
conexão entre direitos sociais e orçamento” (pág. 67).
224
“Cumpre ressaltar que em torno da expressão – mínimo existencial há uma plurivocidade de sentidos que
remete, por exemplo, ao plano filosófico (direito à felicidade, à igualdade, à liberdade, à dignidade da pessoa
humana) e ao plano econômico-social (direito ao desenvolvimento humano, a questão da pobreza e miséria, a
redistribuição de rendas). Na perspectiva jurídica, aqui perseguida, esses fatores filosóficos, econômicos e sociais
serão considerados de maneira mediata e ínsita para exigibilidade do direito fundamental mínimo no caso concreto,
que será conseqüência do modelo de ponderação”. MACHADO, Clara Cardoso. op cit., pág. 55.
91

A “reserva do possível”, como se destacará adiante, tanto indica ausência de

autorização para determinado gasto ou quando aproxima-se da exaustão orçamentária.225 Por

outro lado, o tema evolui, para determinar que a reserva do possível fosse entendida como a

reserva do financeiramente possível, no sentido de que, mesmo quando a pretensão de prestação

é razoável, o Estado só está obrigado a realizá-la se dispuser dos recursos necessários226.

De todo modo, está-se falando de restrição ou limite (normativo)227 aos direitos

fundamentais, uma vez que os direitos fundamentais não são absolutos228. Assim, se há um

“mínimo” a ser considerado e protegido, abaixo do qual não se admite transigir pelo consenso

social, por outro lado há que se considerar as possibilidades e limites (fáticos) do Estado em

prover o atendimento dos direitos fundamentais sociais, ou seja, dos direitos/deveres

prestacionais. A definição deste conteúdo tanto é polêmica quanto histórica, isto é, varia no

tempo e no espaço. Bem de ver que a expressão surgiu na jurisprudência do Supremo Tribunal

Alemão no acórdão denominado “numerus clausus”, de 1972, pontificando que a Reserva do

Possível deve limitar pretensões dos cidadãos a prestações positivas estatais àquilo que o

indivíduo possa racionalmente exigir da sociedade, ao consignar, com a remissão aos princípios

do Estado Social e a necessidade de equilíbrio econômico, que uma pretensão subjetiva

ilimitada às custas da comunidade é com ele incompatível229.

A nosso sentir, porém, antes de se falar em “direito ao mínimo existencial” talvez

se pudesse falar em “mínimo prestacional”, cujo “máximo” seria dado pelas possibilidades

225
BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da
pessoa humana. 3ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
226
FISCHER, Octavio Campos; OLIVEIRA, Heletícia Leão de. Algumas aproximações entre políticas públicas
de saúde, orçamento e decisões judiciais. Revista da AJURIS. v. 42, n. 137, pág. 387-430, Março 2015.
227
SAMPAIO, Marcos. O conteúdo essencial dos direitos sociais. São Paulo: Saraiva, 2013. SILVA, Virgílio
Afonso da. Direitos Fundamentais. Conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 3ª tir. São Paulo: Malheiros,
2014.
228
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo 4 ed. 3 tir. Saraiva: São Paulo, 2014.
229
GAIER, Reinhard. Pretensões positivas contra o Estado e a Reserva do Possível na jurisprudência do Tribunal
Constitucional Federal. SEMINÁRIO INTERNACIONAL BRASIL – ALEMANHA: THOMPSON FLORES,
2., 2011, Florianópolis. Cadernos do CEJ n. 27. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2011, pág. 14-21 (tradução
de Márcio Flávio Mafra Leal).
92

materiais (financeiras) do caso concreto sob atenção (dever) estatal. De fato, parece-nos

impróprio falar em “direito a um mínimo”, quando se trata de direito fundamental; o direito

subjetivo visto como pretensão230 é correlato a um dever do Estado para sua satisfação. Então

o direito e o dever se correlacionam numa relação (jurídica) integral; não é que exista um direito

mínimo, mas um conteúdo mínimo a ser exigido, logo “mínimo” deve se referir ao objeto da

prestação e não ao objeto do direito subjetivo público (prestação). Direito, nesse caso, é relação

jurídica prestacional, em cujos polos se encontram, de um lado, um detentor de um direito

(credor) e, do outro, um devedor, em torno de uma prestação, isto é, do conteúdo da relação

jurídica; outra coisa é o objeto da prestação 231 . Mutatis mutandis, mesmo que o direito

(interesse) do vendedor de exigir o cumprimento da obrigação (dever/prestação) redunde no

pagamento (conteúdo da prestação), não se pode falar em “mínimo” ou “máximo”, pois é

integral o direito; se o pagamento será feito integralmente ou não, à vista ou parcelado, com ou

sem desconto, já não se trata do direito em si, mas ao conteúdo da prestação e a forma de

adimplemento. Neste sentido, podendo apontar um núcleo material do princípio da dignidade

humana que se confunde com o mínimo existencial, posto que descrevam um mesmo

fenômeno232, não se poderia, portanto, tratar de “direito mínimo”, mas de um conteúdo mínimo

desse direito.

Quanto à chamada “reserva do possível”, trata-se de considerar as limitações

fáticas do ponto de vista orçamentário, isto é, do direito financeiro, numa relação entre direito

subjetivo e dever do Estado233. Essa reserva pode ser entendida tanto sob o aspecto fático quanto

230
Cf. GALDINO, Flávio, op. cit., pág. 137.
231
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18 ed. Saraiva: São Paulo, 2007, pág. 377:
“É oportuno expressar, com o propósito de amarrar melhor os conceitos, que uma coisa é o objeto da obrigação:
no caso, a conduta prestacional de entregar uma porção de moeda; outra, o objeto da prestação, representado aqui
pelo valor pecuniário pago ao credor ou por ele exigido”.
232
BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da
pessoa humana. 3ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. pág. 247.
233
“La cuestión de la «reserva de lo posible» (Vorbehal des Móglichen), de la necesaria ponderación que han de
efectuar los poderes públicos (Abwagung) en lo que respecta al modo de garantizar, con efectividad, ese derecho
(«mejora de la capacidad existente », «ampliación de la capacidad», «subvenciones a establecimientos
alternativos») nos lleva a un tipo de derecho prima facie al que corresponde, por parte de los poderes públicos, un
93

jurídico, isto é, tanto a “inexistência absoluta de recursos” quanto a “ausência de autorização

orçamentária para determinado gasto em particular” 234 respectivamente. No aspecto fático,

convém destacar a chamada “exaustão orçamentária”, que, além de se referir ao esgotamento

do orçamento público, isto é, completa falta de recursos financeiros, vincula-se igualmente às

opções políticas que privilegiem ou não determinada prestação estatal (dever jurídico)235. Mas

essa consideração doutrinária merece um aclaramento: sabe-se que o direito financeiro trata da

atividade financeira do Estado, que compõe as receitas e despesas públicas236 no duplo aspecto

orçamentário e financeiro, isto é, previsão/autorização e execução desta atividade; vale dizer, o

plano orçamentário propriamente dito alcança a “previsão da receita e fixação da despesa” e

créditos adicionais (dimensão normativa), segundo expressa o art. 165, §8º, da Constituição

Federal, enquanto o plano financeiro cuida da entrada e saída dos recursos públicos na fase da

execução orçamentária (dimensão fática). Assim, a exaustão do orçamento público pode ser

considerada como a falta ou insuficiência de créditos orçamentários (autorização normativa)

para executar a despesa pública, enquanto a exaustão financeira deva ser considerada como a

insuficiência da arrecadação da receita prevista seja pela frustração, seja pelo esgotamento

propriamente dito da receita arrecadas, que fora despendida com despesas autorizadas pela Lei

Orçamentária. Maior aprofundamento sobre esta temática está fora do âmbito de interesse deste

trabalho.

A “reserva do possível”, mercê de implicar em inviabilidade de cumprir o dever

estatal, não pode ser oposto como impedimento sem fundamentação e demonstração da situação

fática, como ressaltou o STF237, a esse respeito, por ocasião do julgamento da ADPF 45, em

deber prima facie”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Tomemos en serio los derechos económicos, sociales y
culturales. Revista del Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, n. 1, p.239-260, set/dic. 1988.
234
Idem, ibidem. pág. 278.
235
Cf. GALDINO, Flávio. Op. cit., pág. 235.
236
OLIVEIRA, Régis Fernandes; HORVATH, Estevão; TAMBASCO, Teresa Cristina Castrucci. Manual de
Direito Financeiro. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1993.
237
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Medida Cautelar em Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental. ADPF 45. Relator Min. Celso de Mello. Julgamento: 29/04/2004. Publicação DJ 04/05/2004, pág.
12. RTJ, vol. 200, n. 1, pág. 191.
94

que teceu doutrinária lição que identificamos apoio no precedente numerus clausus alemão238,

donde se pode destacar:

“É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais –


além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de
concretização – depende, em grande medida, de um inescapável
vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias
do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a
incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não
se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material
referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da
Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder
Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua
atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo
artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito
de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a
preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições
materiais mínimas de existência.
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do
possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo
objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com
a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações
constitucionais, notadamente quando, dessa conduta
governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até
mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de
um sentido de essencial fundamentalidade.
(...)
Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da
“reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos
de segunda geração de implantação sempre onerosa, traduzem-se
em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade

238
GAIER, Reinhard.op. cit.
95

da pretensão individual/social deduzida em face do Poder


Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira
do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele
reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo
governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos
econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes
do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão +
disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de
modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois,
ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a
possibilidade estatal de realização prática de tais direitos.
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas
dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por
delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo,
cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a
liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do
Poder Executivo”.

Essas restrições orçamentárias destacam a necessidade de ser incluído no

conceito mesmo de direito subjetivo público, de cunho prestacional, a noção de custos. Os

custos tanto podem ser óbices como pressupostos dos direitos 239 . Assim, os recursos

econômicos, vistos como pressupostos, dão possibilidade de concretização dos direitos; por

outro lado, vistos como óbices, apontam os desafios a serem superados240 – inclusive a exaustão

orçamentária (reserva do possível fático) – especialmente ao impor um esforço adicional para

o planejamento e execução das políticas públicas.

Ainda a reserva do possível, agora sob o ponto de vista jurídico, isto é, ausência

de previsão ou autorização orçamentária, convém destacar o mecanismo de formulação da lei

orçamentária, que expressa as opções políticas – conforme a discricionariedade política de

239
GALDINO, Flávio. Op. cit., pág. 234.
240
Idem, ibidem.
96

abarcar as necessidades públicas num dado exercício financeiro. Noutras palavras, o processo

decisório de formulação do orçamento241 revela a prioridade (juízo de valor) de atendimento

das demandas hauridas da sociedade, conforme o planejamento estatal (CF, art. 174). Isso

também se refere às próprias concepções que se tem sobre o Estado e seu papel na sociedade e

na Economia. Essas opções são expressas na Constituição; assim, tendo o Estado múltiplas

tarefas242 a realizar, e dado o princípio da universalidade orçamentária243, há de se discutir a

melhor forma de distribuição dos recursos estatais, que se destinam a realização dessas suas

tarefas. Sendo o Estado voltado a objetivos constitucionais (CF, art. 3º), não pode, por outro

lado, assumir tarefas sem lei que as estabeleçam (princípio de legalidade estrita), ou seja, que

contemplem necessidades públicas244.

Não custa lembrar que a formação das leis (e das escolhas públicas) é processo

complexo, onde múltiplos interesses legítimos lutam por prevalecer. Esse processo revela o tipo

de escolha trade-off 245 , num balanceamento de “perdas e ganhos” entre os membros da

sociedade, especialmente quando atender uma necessidade implica no desatendimento de outra

241
Vide Lei Federal n. 4.320, de 17 de maro de 1964: “Art. 22. A proposta orçamentária que o Poder Executivo
encaminhará ao Poder Legislativo (...) compor-se-á: I - Mensagem, que conterá: exposição circunstanciada da
situação econômico-financeira (...); exposição e justificação da política econômica-financeira do Govêrno;
justificação da receita e despesa, particularmente no tocante ao orçamento de capital; (...) IV - Especificação dos
programas especiais de trabalho custeados por dotações globais, em têrmos de metas visadas, decompostas em
estimativa do custo das obras a realizar e dos serviços a prestar, acompanhadas de justificação econômica,
financeira, social e administrativa. Parágrafo único. Constará da proposta orçamentária, para cada unidade
administrativa, descrição sucinta de suas principais finalidades, com indicação da respectiva legislação. (...) Art.
27. As propostas parciais de orçamento guardarão estrita conformidade com a política econômica-financeira, o
programa anual de trabalho do Govêrno e, quando fixado, o limite global máximo para o orçamento de cada
unidade administrativa”.
242
Cf. HESSE, Konrad. Op. cit., pág. 40s.
243
Este princípio estabelece que a lei orçamentária deve abarcar e quantificar todas as receitas e todas as despesas
de cada Ente da Federação, incluindo seus Poderes, Órgãos Autônomos, Fundos, Órgãos e Entidades da
Administração Pública, com previsão no art. 165, §5º, da Constituição Federal e no art. 2º da Lei Federal n. 4.320,
de 17 de março de 1964.
244
OLIVEIRA, Régis Fernandes; HORVATH, Estevão; TAMBASCO, Teresa Cristina Castrucci. Manual de
Direito Financeiro. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1993, pág. 9: “Cuida-se, ante de mais nada, para
preenchimento do conceito, de uma decisão política. O Estado é quem vai dizer, para usar verbo vicário, no texto
constitucional e nas leis posteriores, quais as necessidades que vai encampar como públicas. (...) Todavia, pondere-
se que, entre o ser e o dever ser há bastante distância. O que deve o Estado atender, seja por definição jusnaturalista,
seja por posição positivista, e aquilo que, dentro da realidade pode ele resolver, fica o imponderável econômico”.
245
THEODORO, Marcelo Antônio Theodoro; SILVA, Laís Batistuta Silva. Custo do direito: apontamentos sobre
o conflito entre reserva do possível e mínimo existencial. In: DOMINGOS, Terezinha de Oliveira, RIBAS, Lídia
Maria, PINTO, Helena Elias (Org.). Direitos sociais e políticas públicas I. CONPEDI/UNINOVE. Florianópolis:
FUNJAB, 2013.
97

– não há recursos para tudo e todos ao mesmo tempo. Tendo, repita-se, o Estado múltiplas

tarefas – inclusive em nível constitucional – a dificuldade acentua-se, sendo a deliberação na

formação da Lei do Orçamento Anual momento crucial; porém, é durante a execução

orçamentária, que os casos concretos se mostram a reclamar uma prestação do Estado, para cuja

satisfação deve realizar despesas.

Esse mecanismo de deliberação política (escolhas246) não prescinde do Jurídico

(Constituição) nem do Econômico (fático), ou seja, das condições de realização jurídica e fática,

não se podendo constituir uma “promessa inconsequente” (STF, ADPF 45). De toda sorte, no

campo de estudo em análise, isto é, dos direitos econômicos, sociais e culturais, o multirreferido

PIDESC (Capítulo 2) é elucidativo ao dispor:

“2.1. Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a


adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência
e cooperação internacionais, principalmente nos planos
econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis,
que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios
apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no
presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas
legislativas. ”

Para concretização da norma, especialmente a constitucional, que assegure

direitos sociais, também não se pode prescindir da “leitura” do âmbito normativo 247 , que

alcança as condições materiais para sua realização. E a norma orçamentária, ainda que vista

como meio de realização, não deixa de integrar esse âmbito.

246
TORRES, Heleno Taveira. op. cit., pág. 152.
247
MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: RT, 2008, pág. 199: “O âmbito normativo
como componente estrutural da norma jurídica é um projeto tipificador no campo das possibilidades reais daquilo
que aparece regulado realmente corno caso particular no âmbito de validade da norma concretizada”.
98

4.3 PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DAS DESPESAS PÚBLICAS COM

AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE E FUNDOS DE SAÚDE.

A Constituição Federal aponta, no art. 198, que deverão ser empregadas em

ações e serviços públicos de saúde parcela de receita de impostos, não descrevendo nem

indicando, porém, a que elas se referem ou constituem; deixou esta disposição à lei.

Nesse sentido, a própria Lei do SUS (Lei Federal n. 8.080/90), antes referida,

destacou em seu art. 6º o que possa ser compreendido como o âmbito material de atuação do

Sistema Único de Saúde, isto é, que pode ser compreendido, sob o olhar jurídico, como ações

e serviços públicos de saúde. Num primeiro momento, pode-se cogitar que há alinhamento da

Lei com a compreensão de “saúde” preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS),

bem como com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)

referidos no Capítulo 2. De fato, o dispositivo legal referido considera estarem “ incluídas ainda

no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS)” a vigilância nutricional e a orientação

alimentar (inciso IV) e a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do

trabalho (inciso V). Essa compreensão é reforçada com a Lei Complementar n. 141, de 2012,

que veio regulamentar o art. 198 da Constituição Federal e suplantar o art. 77 dos ADCT, trazido

pela Emenda Constitucional n. 29, de 2000, que, no seu art. 3º aponta quais despesas podem ser

consideradas como com ações e serviços públicos de saúde.

Porém, essa compreensão se esvai ao perceber que a saúde, considerados

regulamentos da Lei e a prática do SUS, parece se restringir aos “cuidados médicos e

hospitalares”, não considerando fatores outros que possam afetar, ainda que indiretamente, a

saúde das pessoas, como o saneamento básico, incluída a coleta de resíduos sólidos (lixo).

Por outro lado, o critério de eficiência para aferir a realização de ações e serviços

públicos de saúde é a realização de um mínimo de despesas calculadas, medidas em percentual,


99

sobre receitas de impostos estabelecidos na Constituição Federal e na Lei Complementar n.

141/12. Desta maneira, do ponto de vista legal, será eficiente a União, um Estado ou um

Município que aplicar, em ações e serviços públicos de saúde, não menos do que o percentual

da receita de impostos referidos na Constituição Federal – não obstante os indicadores sociais

e epidemiológicos, ou outros capazes de medir o “bem-estar” e o desenvolvimento, possam

reclamar outra avaliação.

Também merece destacar que a própria Constituição Federal (ADCT, art. 77),

com a Emenda Constitucional n. 29, de 2000, estabeleceu que “os recursos dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os

transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde”

e que esses Fundos serão acompanhados e fiscalizados “por Conselho de Saúde, sem prejuízo

do disposto no art. 74 da Constituição Federal”, isto é, sem prejuízo da fiscalização do Tribunal

de Contas competente. Segundo estabelece o art. 71 da Lei Federal n. 4.320/64, “constitui fundo

especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de

determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação”,

tendo a Lei de Responsabilidade Fiscal estatuído no parágrafo único do art. 8º que “os recursos

legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao

objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso”;

assim, a Constituição estabeleceu esse mecanismo jurídico-contábil para que as ações e serviços

públicos de saúde possam ser melhor empregados, bem como tenham a destacada

evidenciação248 orçamentária e contábil. Portanto, são os Fundos de Saúde uma estratégia para

gestão, contabilização e controle dos recursos destinados ao financiamento das ações e serviços

248
“A evidenciação se faz através dos registros, e consequentemente das demonstrações contábeis, das quais se
toma conhecimento dos bens, direitos e obrigações que estão sob a responsabilidade de todos quantos, de qualquer
modo, arrecadem receitas, efetuem despesas, administrem ou guardem esses bens pertencentes ou confiados as
instituições públicas”. REIS, Heraldo da Costa, e MACHADO JÚNIOR, José Teixeira. A lei 4.320 comentada e
a lei de responsabilidade fiscal. 33.ed. - Rio de Janeiro: Lumen Juris, IBAM, 2010, pág. 178. Vide art. 2º e 89 da
Lei Federal n. 4.320, de 17 de março de 1964.
100

públicos de saúde, cuja disciplina normativa está contida na Lei Complementar n. 141/2012.

4.4 INSTRUMENTOS LEGAIS DE CONTROLE E AFERIÇÃO DA EFICIÊNCIA DAS

DESPESAS COM SAÚDE

Sendo a República a forma de governo vigente no Brasil, conforme art. 1º da

Constituição Federal, o trato da coisa pública (res publica) deve ser transparente e prestadas

contas dos recursos públicos geridos por quem ocupa os cargos públicos, consoante comezinha

lição de Ciência Política249.

A Constituição Federal, para tanto, na linha dos princípios da índole republicana

(impessoalidade, publicidade e eficiência, art. 37), instituiu a publicação do Relatório Resumido

da Execução Orçamentária (RREO) no art. 165, §3º, para ser divulgado em até 30 dias após o

encerramento de cada bimestre, além da sistemática dos controles interno (art. 31 e 74) e

externo, que é feito pelo Poder Legislativo com auxílio dos Tribunais de Contas (art. 71 e 75).

Em nível municipal, a Carta Magna também estabeleceu, no art. 31, §3º, que “as contas dos

Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte,

para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei”.

Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar n.

101, de 4 de maio de 2000), regulamentaram-se os instrumentos de transparência e deu-se novo

viés às prestações de contas (art. 56 a 58), já tratadas pela Lei Federal n. 4.320, de 17 de março

de 1964, em seus art. 75 a 82. A inovação trazida pela LRF foi a institucionalização, com cabal

definição de conteúdo, tanto do RREO (art. 52 e 53) como do RAF – Relatório de Aestão Fiscal

(art. 54 e 55). Esses relatórios conterão dados e informações sobre a execução orçamentária e

249
Vide BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. 9ª tir. Malheiros: São Paulo, 2000, capítulos 14 e 21.
101

fiscal, servindo de instrumento poderoso de acompanhamento e controle social.

O cumprimento dos limites mínimos de despesas com ações e serviços públicos

de saúde integra um anexo específico do RREO, segundo foi regulamentado inicialmente pela

Secretaria do Tesouro Nacional (STN) do Ministério da Fazenda, na qualidade de órgão central

de contabilidade da União250, no uso da atribuição conferida pelo art. 50, §2º, da LRF, para

editar “normas gerais para consolidação das contas públicas” 251.

Regulamentando a Emenda Constitucional n. 29, de 2000, a Lei Complementar

n. 141, em seu art. 34, ao dispor sobre o dever de prestar contas, determinou a elaboração

“demonstrativo das despesas com saúde integrante do Relatório Resumido da Execução

Orçamentária”, bem como legalizou o Sistema de Informação sobre Orçamento Público em

Saúde (SIOPS), antes previsto apenas em singela e insólita Portaria Conjunta do Ministro da

Saúde e do Procurador Aeral da República252. Os dados constantes dos relatórios extraídos

desse sistema serão utilizados para a análise demonstrada no Capítulo seguinte.

O anexo do RREO relativo ao cumprimento do dever de realização de despesas

em ações e serviços públicos de saúde, considerando as premissas constitucionais, compila os

dados de arrecadação de impostos, incluídas as transferências, bem como as despesas

executadas à essa conta, conforme estatuído na Lei Complementar n 141/2012, que dispõe:

Art. 24. Para efeito de cálculo dos recursos mínimos a que se


refere esta Lei Complementar, serão consideradas:

250
Vide Lei Federal n. 10.180, de 6 de fevereiro de 2001.
251
No âmbito do Estado do Rio Grande do Norte, alinhado com as normas gerais fixadas pela STN/MF, o Tribunal
de Contas do Estado editou a Resolução n. 11, de 9/6/2016, que “Regulamenta os modos de organização,
composição e elaboração de documentos, procedimentos e demonstrativos previstos na Lei de Responsabilidade
Fiscal, bem como de processos de execução da despesa pública, no âmbito do Estado do Rio Grande do Norte e
dos seus respectivos Municípios, estabelece formas e prazos para sua apresentação ao Tribunal de Contas e dá
outras providências”, trazendo disposições sobre o cumprimento e a demonstração da aplicação de recursos com
ações e serviços públicos de saúde.
252
Portaria Conjunta nº 1.163, de 11 de outubro de 2000 (DOU 20/10/2000). Como salienta Maria Sylvia Zanella
di Pietro (op. cit, pág. 127), Portaria tem “alcance limitado ao âmbito de atuação do órgão expedidor. Não tem o
mesmo alcance nem a mesma natureza que os regulamentos baixados pelo Chefe do Executivo”, logo não pode
exorbitar à lei, conforme consolidada jurisprudência do STF (ADI 1075; AC 1033 AgR-QO).
102

I - as despesas liquidadas e pagas no exercício; e


II - as despesas empenhadas e não liquidadas, inscritas em Restos
a Pagar até o limite das disponibilidades de caixa ao final do
exercício, consolidadas no Fundo de Saúde.

Assim, pelo critério “despesa liquidada e paga”, foi-se além do anteriormente

considerado, que se limitava à despesa liquidada, ou seja, àquela cujo processamento e

confirmação de sua efetivação tivesse se dado; agora se exige o pagamento da despesa, ou seja,

a entrega do numerário ao credor, na forma do art. 65 da Lei Federal n. 4.320/64. Por outro lado,

o inciso II trata dos chamados “restos a pagar não processados”253 na forma do art. 36 dessa

Lei254, ou seja, das despesas para as quais se iniciou o processo de sua realização, mas sequer

chegou à fase de liquidação, isto é, ao momento em que a Administração Pública reconhece e

quantifica o “direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos

comprobatórios do respectivo crédito” (Lei Federal n. 4.320/64, art. 63)255.

Desta forma, se confere maior transparência à execução da despesa,

considerando os registros dos atos e fatos contábeis e financeiros de cada Ente da Federação,

253
MINISTÉRIO DA FAZENDA. SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Manual de Contabilidade
Aplicada ao Setor Público. Aplicado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. 6ª Edição.
Brasília: STN/MF, 2015, pág. 113: “No fim do exercício, as despesas orçamentárias empenhadas e não pagas serão
inscritas em restos a pagar e constituirão a dívida flutuante. Podem-se distinguir dois tipos de restos a pagar: os
processados e os não processados. Os restos a pagar processados são aqueles em que a despesa orçamentária
percorreu os estágios de empenho e liquidação, restando pendente apenas o estágio do pagamento. Em geral, não
podem ser cancelados, tendo em vista que o fornecedor de bens/serviços cumpriu com a obrigação de fazer e a
Administração não poderá deixar de cumprir com a obrigação de pagar. Serão inscritas em restos a pagar as
despesas liquidadas e não pagas no exercício financeiro, ou seja, aquelas em que o serviço, obra ou material
contratado tenha sido prestado ou entregue e aceito pelo contratante. Também serão inscritas as despesas não
liquidadas quando o serviço ou material contratado tenha sido prestado ou entregue e que se encontre, em 31 de
dezembro de cada exercício financeiro, em fase de verificação do direito adquirido pelo credor ou quando o prazo
para cumprimento da obrigação assumida pelo credor estiver vigente”.
254
Lei Federal n. 4.320/64: Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas, mas não pagas até o
dia 31 de dezembro distinguindo-se as processadas das não processadas.
255
A Emenda Constitucional n. 94, de 2016, promulgada em 15/12/2016, estabeleceu novo critério para definição
da base de cálculo das despesas com ações e serviços públicos de saúde ao acrescentar o art. 105 aos ADCT, que
confirmam o critério ora estabelecido: a despesa efetivamente realizada no exercício anterior. Esse assunto será
abordado com mais vagar no Capítulo 5.
103

obedecidos os “princípios de contabilidade”256 sob a perspectiva do setor público257. Nesse

diapasão, destaca a STN 258 a necessidade de compreender os aspectos orçamentário,

patrimonial e fiscal da contabilidade aplicada ao setor público:

“3.1. Aspecto Orçamentário


Compreende o registro e a evidenciação do orçamento público,
tanto quanto à sua aprovação quanto à sua execução. Os registros
de natureza orçamentária são base para a elaboração do Relatório
Resumido da Execução Orçamentária (RREO) e dos Balanços
Orçamentário e Financeiro, que representam os principais
instrumentos para refletir esse aspecto.
3.2. Aspecto Patrimonial
Compreende o registro e a evidenciação da composição
patrimonial do ente público. Nesse aspecto, devem ser atendidos
os princípios e as normas contábeis voltadas para o
reconhecimento, mensuração e evidenciação dos ativos e
passivos e de suas variações patrimoniais. O Balanço Patrimonial
(BP) e a Demonstração das Variações Patrimoniais (DVP)
representam os principais instrumentos para refletir esse aspecto.
O processo de convergência às normas internacionais de
contabilidade aplicada ao setor público (CASP) visa a contribuir,
primordialmente, para o desenvolvimento deste aspecto.
3.3. Aspecto Fiscal

256
Conforme Resolução do Conselho Federal de Contabilidade CFC Nº 750/93, de 29/12/1993 (DOU 31.12.1993)
“Art. 2º. Os Princípios de Contabilidade representam a essência das doutrinas e teorias relativas à Ciência da
Contabilidade, consoante o entendimento predominante nos universos científico e profissional de nosso País.
Concernem, pois, à Contabilidade no seu sentido mais amplo de ciência social, cujo objeto é o patrimônio das
entidades. Art. 3º São Princípios de Contabilidade: i) o da entidade; ii) o da continuidade; iii) o da oportunidade;
iv) o do registro pelo valor original; v) revogado; vi) o da competência; e vii) o da prudência”.
257
Resolução CFC nº 1.111/2007, que dá “interpretação dos princípios fundamentais de contabilidade sob a
perspectiva do setor público” (Apêndice II da Resolução CFC nº. 750/93). Vide MINISTÉRIO DA FAAENDA.
SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Aplicado à
União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. 6ª Edição. Brasília: STN/MF, 2015, pág. 24 a 32.
258
MINISTÉRIO DA FAZENDA. SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Manual de Contabilidade
Aplicada ao Setor Público. Aplicado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. 6ª Edição.
Brasília: STN/MF, 2015, pág. 24.
104

Compreende a apuração e evidenciação, por meio da


contabilidade, dos indicadores estabelecidos pela LRF, dentre os
quais se destacam os da despesa com pessoal, das operações de
crédito e da dívida consolidada, além da apuração da
disponibilidade de caixa, do resultado primário e do resultado
nominal, a fim de verificar-se o equilíbrio das contas públicas. O
Relatório de Gestão Fiscal (RGF) e o Relatório Resumido da
Execução Orçamentária (RREO) representam os principais
instrumentos para evidenciar esse aspecto”.

Os Fundos de Saúde (Nacional, Estaduais e Municipais), como destacado no

item 4.3, são os instrumentos de movimentação dos recursos destinados à Saúde, incluídas as

transferências legais no âmbito do SUS (art. 18 e 20), conforme ressaltado pelo parágrafo único

do art. 2º da Lei Complementar n. 141, de 2012, repetindo o disposto no art. 77, §3º dos ADCT,

em reforço à Lei Federal n. 8.142/90.

Tratou a Lei Complementar n. 141/2012 da hipótese de descumprimento do art.

198 da Constituição Federal e dela própria, ficando evidenciado que “compete ao Tribunal de

Contas, no âmbito de suas atribuições, verificar a aplicação dos recursos mínimos em ações e

serviços públicos de saúde de cada ente da Federação sob sua jurisdição” (art. 25, §ún.).

Uma vez que a Constituição Federal, no art. 160, §ún., II, permitiu condicionar

as transferências constitucionais de recursos que pertencem a Estados, Distrito Federal e

Municípios, ao cumprimento do limite mínimo (“piso”) de despesa com ações e serviços

públicos de saúde, a Lei Complementar n. 141/2012, tratando259 dessa matéria no art. 26, adotou

procedimento de “compensação”, caso se constatasse descumprimento do “piso”, com

execução adicional, no montante que faltar, durante a execução do orçamento em que for

259
Entendemos que, nesse particular, a Lei Complementar n. 141/2012 arrimou-se no art. 161, II, da Constituição
Federal, ainda que para regulamentação parcial desse dispositivo. Diz a CF: “Art. 161. Cabe à lei complementar:
II - estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de
rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e
entre Municípios”.
105

constatada essa insuficiência. Também disciplinou, no mesmo dispositivo (§1º), que a União –

relativamente aos Estados e Municípios – e cada Estados – relativamente aos seus Municípios

– pudessem creditar diretamente nos Fundos Estaduais e Municipais de Saúde o montante

equivalente ao quanto restasse para cumprir o “piso”. Por sua vez, a Lei Complementar n.

101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) condicionou a possibilidade de realizar

transferências voluntárias 260 (“convênios”) a Estados, Distrito Federal e Municípios, ao

“cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à saúde” (art. 25, §1º, IV, b), a

Lei Complementar n. 141/2012 esclareceu que, supondo ter-se celebrado o convênio, as

transferências deverão ser suspensas (art. 39, §6º), podendo, porém, ser restabelecidas (art. 26,

§5º) caso demonstrado o cumprimento. Essas são sanções administrativas e políticas para o

Ente da Federação que descumprir o mandamento constitucional, sem prejuízo de sanções ao

Aestor (art. 27, II).

260
Lei Complementar n. 101/2000: “Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência
voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio
ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único
de Saúde”. Segundo o Decreto n. 6.170, de 25/07/2007, art. 1º, §1º, I, convênio é acordo, ajuste ou qualquer outro
instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros entre órgãos públicos ou entre estes e entidades
privadas sem fins lucrativos, “visando a execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto,
atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação”.
106

5 ANÁLISE DA RECEITA PÚBLICA E DA DESPESA PÚBLICA COM SAÚDE

5.1. Receitas públicas vinculadas à Saúde. 5.2. As despesas públicas com saúde. 5.3. Análise

das despesas da União, dos Estados e do Distrito Federal com Saúde.

A “Ordem Social”, conforme estabelecido no art. 193 da Constituição, tem por

objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Já a Seguridade Social “compreende um conjunto

integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os

direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”, segundo o art. 194 da Carta; será

financiada, nos termos do art. 195, “por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos

da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios” e pelas contribuições sociais que elenca juntamente com os

contribuintes e alguns fatos geradores ou bases de cálculo261.

O sistema da seguridade social, ademais, integra o “orçamento da seguridade

social”, de acordo com o art. 165, §5º, III, “abrangendo todas as entidades e órgãos a ela

vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e

mantidos pelo Poder Público”, em consonância com o princípio da universalidade orçamentária.

As fontes de custeio para a seguridade social, de acordo com o art. 195 da Constituição, foram

instituídas, em larga monta, pela Lei Federal n. 8.212, de 24 de julho de 1991, em cujo art. 27

261
Paulo de Barro Carvalho destaca que a base de cálculo “tem a virtude de confirmar, infirmar ou afirmar o
critério material expresso na composição do suposto normativo”, isto é, dá a conhecer o que se está tributando.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18 ed. Saraiva: São Paulo, 2007, pág. 342.
107

são especificadas as contribuições sociais262 que lhes são afetadas, além de outras que a própria

Carta Magna previu ou consagrou263.

É de se destacar que o “Orçamento da Seguridade” (CF, art. 165, §5º, III)

conterá, além das receitas próprias da seguridade (geralmente contribuições), recursos oriundos

do “Orçamento Fiscal” (CF, art. 165, §5º, I), ou seja, as despesas da seguridade, como sucede

com a “saúde” – o que foi explicitado com a própria Emenda Constitucional n. 29, de 2000 –

poderão ser custeadas com recursos de impostos e de outras fontes fiscais (as que integram o

Orçamento Fiscal), embora a recíproca não seja permitida, em razão da vinculação das receitas

da seguridade à atuação estatal que lhe dá causa. Assim, o produto da arrecadação das

contribuições vincula-se (liame jurídico) à despesa, que lhe deu razão sócio-política para ser

instituída264, segundo as normas de Direito Tributário e Financeiro265.

Especificamente quanto à saúde, a Constituição Federal, desde sua redação

original, prescreve:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do

262
As contribuições sociais são tributos vinculados a uma atuação estatal não a um contribuinte, mas à sociedade,
ajustando-se à clássica divisão entre tributos vinculados ou não a uma atividade em prol do cidadão-contribuinte,
consagrada pelo art. 16 do Código Tributário Nacional (Lei Federal n. 5.172, de 25/10/1966).
263
CF, art. 212, §5º - contribuição do salário-educação; art. 239 – contribuições para os Programa de Integração
Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP); art. 240 – contribuições sobre
a folha de salários para o Sistema “S” e sindicais; art. 8º - sindicatos etc.
264
O art. 4º do Código Tributário Nacional esclarece que “ natureza jurídica específica do tributo é determinada
pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: II - a destinação legal do produto
da sua arrecadação”. Esse dispositivo remete ao fato gerador (CTN, art. 114-118). Porém, as contribuições, como
tributos vinculados a uma atuação estatal, têm sua razão de ser numa prestação útil à sociedade ou coletividade,
cujo fato gerador será definido por uma lei; ou seja, cobra-se o tributo em razão de uma causa (fato gerador).
Importa destacar que, para o Direito Tributário, a vinculação posta na definição do tributo se refere ao fato gerador
e não ao produto da arrecadação. O fato de a mesma lei que institui a contribuição destinar o produto da arrecadação
a uma ou outra despesa (parcela de impostos para a saúde) não desnatura o tributo (continuará sendo imposto); se
o produto for aplicado em outra finalidade, ainda que ilegalmente, também não desnatura o tributo (será imposto).
265
SCAFF, Fernando Facury. Liberdade do legislador orçamentário e não afetação: captura versus garantia dos
direitos sociais. Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico – RFDFE, Belo Horizonte, ano 5, n. 8, p.
165-181, set./fev. 2016, pág.167: “Outro conceito é o de afetação, que possui correlação com finalidades. Enquanto
a vinculação cria um liame normativo entre receita e despesa, a afetação diz respeito a uma finalidade a ser
realizada com aquela despesa.6 A vinculação é um instrumento financeiro formal, enquanto a afetação é uma
técnica financeira de conteúdo, pois cria um objetivo a ser alcançado com aquele recurso, usualmente de conteúdo
social, de investimento ou de garantia”.
108

risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e


igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.

Com o advento da Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000,

passou a Carta a dar tratamento mais robusto ao dever do Estado para com a saúde, tendo sido

alterados vários dispositivos constitucionais (arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198) e acrescido o

art. 77 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, “para assegurar os recursos

mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde”, conforme destaca sua

ementa.

Esse regime jurídico das receitas e despesas é caracterizado pela fixação de

recursos mínimos oriundos da receita de impostos, incluídas as transferências

constitucionais266, a ser aplicados anualmente por todos os Entes da Federação em ações e

serviços públicos de saúde. Dizia267 a Constituição com a redação da Emenda n. 29/2000:

Art.198..................................................................................
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde
recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais
calculados sobre:
I – no caso da União, na forma definida nos termos da lei
complementar prevista no § 3º;
II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos
de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II,
deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos
Municípios;

266
Vide CF, art. 157 a 161.
267
Esse artigo foi modificado pela Emenda Constitucional n. 86, de 2015.
109

III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da


arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos
de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada
cinco anos, estabelecerá:
I – os percentuais de que trata o § 2º;
II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à
saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos
Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades
regionais;
III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas
com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;
IV – as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.

A EC 29/2000, em inequívoco prestígio a essa atuação estatal (dever), incluiu o

descumprimento da regra268 constitucional de aplicação de recursos mínimos como causa para

intervenção da União nos Estados ou no Distrito Federal (CF, art. 34, VII, “e”) e do Estado em

seus Municípios (art. 35, III). De igual índole, foi incluída exceção para o condicionamento das

transferências constitucionais da receita de impostos e dos fundos constitucionais a Estados e

Municípios, caso desatendido o dever de aplicação mínima de recurso em ações e serviços

públicos de saúde (art. 160, §ún., II).

Por outro lado, a Constituição Federal estabeleceu que “nenhum benefício ou

serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente

fonte de custeio total” (art. 195, §5º), preceito detalhado na LRF, ao estatuir o regime das

268
O art. 34, VII, determina ser causa de intervenção federal nos Estados ou no DF a inobservância dos “princípios
constitucionais” que elenca. Contudo, o conteúdo da alínea “e” (“aplicação do mínimo exigido da receita resultante
de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino
e nas ações e serviços públicos de saúde”) é nitidamente de uma regra, e não de um princípio – revelada
especialmente quando submetida ao teste “tudo ou nada” (Dworkin) e ao Quadro Esquemático de Humberto Ávila,
op. cit. 102.
110

“despesas obrigatórias de caráter continuado” (art. 16, 17 e 24)269. Também foi excepcionada,

com a EC 29/2000, da vedação à vinculação de receita de impostos a órgãos, fundo ou despesa,

“a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde” (art. 167, IV).

De um modo geral, sob o ponto de vista econômico e financeiro, as vinculações

de receita a despesa provocam a chamada “rigidez orçamentária”270, fenômeno que limita a

discricionariedade alocativa dos recursos públicos, considerando a quantidade de despesas

obrigatórias 271 existentes no ordenamento jurídico, principalmente de ordem constitucional,

como sói com saúde (art. 198, §2º) e educação (art. 212).

De fato, a Constituição de 1988 promoveu uma série de vinculações de receitas

a despesas, especialmente no âmbito federal, que, desde 1994, com a adoção do Programa de

Estabilização Fiscal (PEF) veio promovendo alterações constitucionais, inicialmente com a

adoção do Fundo Social de Emergência272 e, depois, com mecanismos de desvinculação de

269
Essa disciplina espelha o “princípio” pas-as-you-go, isto é, mecanismo de compensação de despesas pela
demonstração da existência dos recursos, seja pela criação de nova fonte de financiamento, seja pela
extinção/redução de despesa, de inspiração no Budget Enforcement Act, de 1990, norte-americano. Vide
OLIVEIRA, Wéder de. Lei de Responsabilidade Fiscal, Margem de Expansão e o Processo Legislativo
Federal. Monografia. Secretaria do Tesouro Nacional. IX Prêmio Tesouro Nacional. 2004, 80 pág. (mimeo), pág.
22. Disponível em http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/cosis_monografias.obtem_monografia?p_id=140. Acesso
em 29/05/2016.
270
Ver o sumário das teorias e teses a favor e contra em CÂMARA, Maurício Paz Saraiva. Uma análise sobre
algumas causas da rigidez orçamentária após a Constituição de 1988. Instituto Serzedello Correa/Tribunal de
Contas da União, 2008. Monografia (Especialização em Orçamento Público). ISC/TCU, 2008. Disponível em
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/178058/MonografiaMauricioCamara.pdf, e DANTAS, Karlo
Eric Galvão. A Vinculação de Receitas Pós-Constituição Federal de 1988: rigidez ou flexibilidade da política
fiscal? O caso da Cide-Combustíveis. Monografia. Prêmio Tesouro Nacional. Tema IV Qualidade do Gasto
Público. 2009. Disponível em http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/Premio_TN/XIVPremio/qualidade/
3qualidadeXIVPTN/Monografia_Tema4_Karlo_Eric.pdf.
271
SCAFF, Fernando Facury. op. cit., pág. 169: “Conceito distinto dos anteriores é o de despesa obrigatória, ou
gasto obrigatório, também conhecido como despesas de execução obrigatória. ‘Diferentemente da vinculação da
receita, a despesa obrigatória resulta da legislação que cria benefícios independentemente da existência de fonte
de recursos para atendê-la’, segundo Giacomoni. São essas despesas obrigatórias as principais responsáveis pela
rigidez do orçamento, pois, quanto maiores, menos espaço haverá para a discricionariedade do legislador. As
vinculações atrelam recursos a finalidades estabelecidas normativamente – existe uma fonte de recursos para
satisfazer aquela fonte de despesa. Nas despesas obrigatórias não existe a direta fonte de recursos. São despesas
dessa natureza os gastos com pessoal, os encargos da dívida pública e os gastos previdenciários, dentre outras”.
272
Vide Emenda Constitucional de Revisão n. 1, de 1994, e Emenda Constitucional n. 17, de 1997. Quando
proposta, a rigidez orçamentária da União ultrapassava inacreditáveis 90%, segundo destacado por BASTOS,
Estêvão Kopschitz Xavier. Plano Real, consolidação da estabilidade, crise internacional e desequilíbrios (1994-
1998). In: RIBEIRO, Fernando José da S. P. (Org.). Economia brasileira no período 1987-2013. Relatos e
interpretações da análise de conjuntura no Ipea. IPEA: Brasília, 2015. Disponível em www.ipea.gov.br.
111

receitas da União – DRU273. Nesse diapasão, como dito, o Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias foi acrescido do seguinte dispositivo:

Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos


aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão
equivalentes:
I - no caso da União:
a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços
públicos de saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de,
no mínimo, cinco por cento;
b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior,
corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto - PIB;
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do
produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e
dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e
inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos
respectivos Municípios; e
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por
cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o
art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I,
alínea b e § 3º.
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem
percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão
elevá-los gradualmente, até o exercício financeiro de 2004,
reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano,
sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete
por cento.

273
Vide Emendas Constitucionais n. 27, de 2000, n. 42, de 2003, n. 56, de 2007, e n. 68, de 2011, cujos efeitos
expiraram em 31/12/2015. A Emenda Constitucional n. 93, de 2016, de iniciativa da Presidente da República,
prorrogou a DRU até 31/12/2023; segundo a Exposição de Motivos Interministerial n. 88/2015 MP MF, “A
prorrogação na vigência da DRU justifica-se porque a estrutura orçamentária e fiscal brasileira possui elevado
volume de despesas obrigatórias, tais como as relativas a pessoal e a benefícios previdenciários, e também
vinculação expressiva das receitas orçamentárias a finalidades específicas. Esse delineamento tende a extinguir a
discricionariedade alocativa, pois reduz o volume de recursos orçamentários livres que seriam essenciais
para implementar projetos governamentais prioritários”.
112

§ 2º Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo,


quinze por cento, no mínimo, serão aplicados nos Municípios,
segundo o critério populacional, em ações e serviços básicos de
saúde, na forma da lei.
§ 3º Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os
transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados
por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado
por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da
Constituição Federal.
§ 4º Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198,
§ 3º, a partir do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o
disposto neste artigo.

Por este dispositivo constitucional, em que pese a necessidade de Lei

Complementar estabelecida no §3º do art. 198, a Constituição (ADCT, art. 77, I) estipulou que

a União aplicaria no ano de promulgação da EC 29 (2000) não menos do que a despesa

empenhada no exercício financeiro de 1999 acrescida de 5% (alínea “a”) e entre 2001 a 2004,

o valor do ano anterior corrigido pela variação do Produto Interno Bruto - PIB (alínea “b”);

enquanto não viesse à lume a Lei Complementar referida, seria mantida esta regra, isto é, o

valor executado no ano anterior corrigido pela variação do PIB.

Os Estado e o Distrito Federal (ADCT, art. 77, II), porém, deveriam empregar

em ações e serviços públicos de saúde não menos do que 12% (doze por cento) da receita de

seus impostos274, da retenção do imposto sobre a renda incidentes na fonte dos pagamentos que

fizer e da sua participação (20%) dos impostos que a União instituir no uso de sua competência

274
CF, Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis
e doação, de quaisquer bens ou direitos; II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se
iniciem no exterior; III - propriedade de veículos automotores.
113

residual (art. 157), bem como das transferências de impostos da União que receber via Fundo

de Participação dos Estados – FPE (art. 159, I, a) e de sua cota de participação no Imposto sobre

Produtos Industrializados - IPI (art. 159, II), deduzidos os montantes que transferir, dessas

fontes, aos respectivos municípios.

Quanto aos Municípios e o Distrito Federal (ADCT, art. 77, III), deverão ser

empregados em ações e serviços públicos de saúde não menos de 15% (quinze por cento) do

produto da arrecadação dos seus impostos 275 e dos recursos relativos a sua participação na

receita de impostos da União e do respectivo Estado (CF, art. 158), bem como do Fundo de

Participação dos Municípios -FPM (CF, art. 159, I, b) e do que lhe couber oriundo da cota de

participação do seu Estado na receita do IPI (CF, art. 159, § 3º).

Importa destacar que o art. 77, I, “a”, dos ADCT utilizou o critério “despesa

empenhada” para servir de base para calcular o montante a ser empregado pela União, mas

nenhum critério constitucional foi estabelecido quanto as despesas dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios para a fase de realização da despesa pública, isto é, empenho,

liquidação e pagamento, conforme disposto na Lei Federal n. 4.320/64. Essa ausência de

disposição legal gerou muitas indefinições, tendo se fixado o critério de despesa liquidada para

aferir o efetivo emprego por todos os Entes da Federação, segundo orientações do Ministério

da Saúde276 e, afinal, consagrado no art. 24 da Lei Complementar n. 141, de 13 de janeiro de

2012 – prevista no art. 198 da Carta Magna – com cujo advento restou superado o art. 77 dos

ADCT, posto que fosse transitório.

Portanto, toda a matéria relativa ao cumprimento do dever constitucional de

aplicar recursos em ações e serviços públicos de saúde resta à Lei Complementar n. 141/2012.

275
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana; II -
transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de
direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III - serviços de
qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
276
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Fundo Nacional de Saúde. Gestão Financeira do Sistema Único de
Saúde: manual básico. 3ª ed. rev. e ampl. - Brasília: Ministério da Saúde, 2003.
114

Esta lei, no art. 8º, estabeleceu que “o Distrito Federal aplicará, anualmente, em ações e serviços

públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) do produto da arrecadação direta dos

impostos que não possam ser segregados em base estadual e em base municipal”, como sejam

os recursos previstos no art. 159, II, e §3º, da Constituição Federal, suprindo o comando

constitucional e superando a norma transitória dos ADCT. Quanto aos demais Entes, manteve

a regra do art. 77 dos ADCT, porém – mesmo por ausência de previsão do art. 198 da CF – não

incluiu na base de cálculo os valores relativos aos adicionais de 2% que receberão os municípios

à guisa de FPM (CF, art. 159, I, “d” e “e”) introduzidos pela Emendas Constitucionais nº 55,

de 2007, e 84, de 2014.

O empenho da despesa, na forma do art. 58 da Lei Federal n. 4.320, de 1964, “é

o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento

pendente ou não de implemento de condição”, ou seja, não significa que haja a efetiva

realização final da despesa pública, senão que seja a primeira etapa de realização do gasto; o

empenho é limitado às dotações orçamentárias (art. 59). Por outro lado, “a liquidação da

despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e

documentos comprobatórios do respectivo crédito” (art. 63), ou seja, refere-se ao momento

mesmo em que a despesa se tornou efetiva e exigível, após o adimplemento da obrigação do

credor estatal.

No ano de 2015 foi promulgada a Emenda Constitucional n. 86, que fixou em

15% (quinze por cento) da Receita Corrente Líquida277 da União seu piso de aplicação em ações

e serviços públicos de saúde (CF, art. 198, §2º, I). Vejamos:

Art. 198. .............

277
Lei Complementar n. 101, de 4/5/2000, art. 2º, IV - receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias,
de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas
também correntes”, deduzidos os montantes especificados em seus incisos, e “ será apurada somando-se as receitas
arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores, excluídas as duplicidades” (§3º).
115

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios


aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde
recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais
calculados sobre:
I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo
exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por
cento);

O art. 2º desta EC 86 estabeleceu índices progressivos até se chegar aos 15% em

2020. Nesse sentido, do ponto de vista hermenêutico, pode-se falar que a EC 86 revogou278 o

art. 5º da Lei Complementar n. 141/2012, que estipulava a regra segundo a qual a União deveria

aplicar em ações e serviços públicos de saúde o valor empenhado no ano anterior corrigido

(“acrescido”) pela variação positiva do PIB do ano anterior279.

Contudo, importa destacar que foi aprovada a Emenda Constitucional n. 95, de

2016280, que implementa o “Novo Regime Fiscal”, basicamente determinando que a União –

abrangendo todos os Poderes (inclusive o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Contas

da União), o Ministério Público (inclusive o Conselho Nacional do Ministério Público) e a

Defensoria Pública – contenha suas despesas, sendo consignado, a partir do ano fiscal de 2017,

na Lei do Orçamento Anual, como limite (“teto”) a despesa executada no ano anterior corrigida

pela inflação do ano anterior medida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor

Amplo (IPC-A) calculado pelo IBGE. A EC 95 estabeleceu os seguintes parâmetros para

estabelecimento do “piso” da União para despesas com ações e serviços públicos de saúde:

278
Segundo a jurisprudência do STF (ADI n. 2; Rel. Min. Paulo Brossard; DJ 21-11-1997 PP-60585), “Pelo fato
de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por
ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias”. Vide MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO,
Inocêncio Mártires, e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed.. Saraiva: São
Paulo, 2015, pp. 1060-64.
279
Lei Complementar n. 141, art. 5º: “Art. 5º. A União aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de
saúde, o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, apurado nos termos desta
Lei Complementar, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno
Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual”.
280
O Congresso Nacional promulgou a emenda em 15/12/2016 e publicou no DOU em 16/12/2016.
116

“Art. 105. Na vigência do Novo Regime Fiscal, as aplicações


mínimas em ações e serviços públicos de saúde e em manutenção
e desenvolvimento do ensino equivalerão:
I - no exercício de 2017, às aplicações mínimas calculadas nos
termos do inciso I do § 2º do art. 198 e do caput do art. 212, da
Constituição; e
II - nos exercícios posteriores, aos valores calculados para as
aplicações mínimas do exercício imediatamente anterior,
corrigidos na forma estabelecida pelo inciso II do § 1º do art. 102
deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”

Também esta EC 95/2016 revogou o art. 2º da Emenda Constitucional n. 86, de

2015, que estabelecia, como dito, uma progressão anual até atingir, em 2020, o mínimo (“piso”)

de 15% da Receita Corrente Líquida da União para as despesas com ações e serviços públicos

de saúde. Vejamos a regra revogada:

Art. 2º O disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição


Federal será cumprido progressivamente, garantidos, no mínimo:
I - 13,2% (treze inteiros e dois décimos por cento) da receita
corrente líquida no primeiro exercício financeiro subsequente ao
da promulgação desta Emenda Constitucional;
II - 13,7% (treze inteiros e sete décimos por cento) da receita
corrente líquida no segundo exercício financeiro subsequente ao
da promulgação desta Emenda Constitucional;
III - 14,1% (quatorze inteiros e um décimo por cento) da receita
corrente líquida no terceiro exercício financeiro subsequente ao
da promulgação desta Emenda Constitucional;
IV - 14,5% (quatorze inteiros e cinco décimos por cento) da
receita corrente líquida no quarto exercício financeiro
subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
117

V - 15% (quinze por cento) da receita corrente líquida no quinto


exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta
Emenda Constitucional.

A proposta original da PEC 241 – que redundou na EC 95/2016 – propunha

fixar, como piso, o valor das aplicações mínimas referentes ao exercício anterior corrigidas pela

variação do IPC-A. Porém a EC 95/2016 (ADCT, art. 110) alterou esse critério para antecipar

para 2017 o que ditava o art. 198, §2º, I, da Constituição Federal (15% da Receita Corrente

Líquida - RCL da União), sem a regra de transição estabelecida no antigo art. 2º da EC 86, ou

seja, em 2017 deveria ser aplicado 15% e não 13,7% da RCL, implicando em uma elevação

sobre a base de cálculo em 8,67%; a partir do exercício de 2018, essa base seria corrigida pela

variação do IPC-A ocorrida no ano anterior.

A integração das regras da EC 95 (“aplicação mínima”) e da EC 86 (“recursos

mínimos”) implica em que prevalecerá o maior “piso” de ambos, ou seja, comparando-se 15%

da RCL com o valor executado no ano anterior corrigido pelo IPC-A, há de prevalecer o maior,

devendo provocar aumentos nominais permanentes dessas despesas, uma vez que não se propõe

alteração do art. 198, §2º, I, da Constituição Federal.

Nesse sentido, além da observação ora exposta, impera destacar que trata-se de

“piso” das despesas, nada proibindo na EC 95 que, na LOA de cada exercício financeiro, sejam

fixadas despesas que superem esse valor mínimo, conforme sejam as decisões políticas que

caracterizam a formação do orçamento, como exposto no Capítulo 4, especialmente para

definição das despesas a cargo da União (necessidades públicas) que sofrerão redução (trade-

off) a fim de dar cumprimento à regra de contenção da despesa geral da União. Portanto, não se
118

vê plausível, neste momento, objeções à EC 95 que invoquem risco de retrocesso social nas

políticas públicas de saúde sob o enfoque orçamentário.281

De seu turno, porém, a Lei Complementar n. 141, de 2012, em seu art. 2º estatuiu

que “para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos nesta Lei

Complementar, considerar-se-ão como despesas com ações e serviços públicos de saúde

aquelas voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam,

simultaneamente, aos princípios estatuídos no art. 7º da Lei n. 8.080, de 19 de setembro de

1990” e às diretrizes especificadas, sendo que no art. 3º fixou um rol de ações que também serão

consideradas como tais, quais sejam:

I - vigilância em saúde, incluindo a epidemiológica e a sanitária;


II - atenção integral e universal à saúde em todos os níveis de
complexidade, incluindo assistência terapêutica e recuperação de
deficiências nutricionais;
III - capacitação do pessoal de saúde do Sistema Único de Saúde
(SUS);
IV - desenvolvimento científico e tecnológico e controle de
qualidade promovidos por instituições do SUS;
V - produção, aquisição e distribuição de insumos específicos dos
serviços de saúde do SUS, tais como: imunobiológicos, sangue e
hemoderivados, medicamentos e equipamentos médico-
odontológicos;
VI - saneamento básico de domicílios ou de pequenas
comunidades, desde que seja aprovado pelo Conselho de Saúde
do ente da Federação financiador da ação e esteja de acordo com
as diretrizes das demais determinações previstas nesta Lei
Complementar;

281
De fato, não se fará nenhuma alteração na definição da base de cálculo do piso para as despesas com ações e
serviços públicos de saúde da União (CF, art. 198, §2º,I); pode-se cogitar, por outro lado, caso a inflação (IPCA)
seja superior ao aumento nominal da receita corrente líquida da União, de haver aumento, quiçá real, de recursos.
119

VII - saneamento básico dos distritos sanitários especiais


indígenas e de comunidades remanescentes de quilombos;
VIII - manejo ambiental vinculado diretamente ao controle de
vetores de doenças;
IX - investimento na rede física do SUS, incluindo a execução de
obras de recuperação, reforma, ampliação e construção de
estabelecimentos públicos de saúde;
X - remuneração do pessoal ativo da área de saúde em atividade
nas ações de que trata este artigo, incluindo os encargos sociais;
XI - ações de apoio administrativo realizadas pelas instituições
públicas do SUS e imprescindíveis à execução das ações e
serviços públicos de saúde; e
XII - gestão do sistema público de saúde e operação de unidades
prestadoras de serviços públicos de saúde.

Por sua vez, a Lei Complementar n. 141, de 2012, no art. 4º explicitou o que não

as considera como despesas com ações e serviços públicos de saúde, para fins de apuração dos

percentuais mínimos, a saber:

I - pagamento de aposentadorias e pensões, inclusive dos


servidores da saúde;
II - pessoal ativo da área de saúde quando em atividade alheia à
referida área;
III - assistência à saúde que não atenda ao princípio de acesso
universal;
IV - merenda escolar e outros programas de alimentação, ainda
que executados em unidades do SUS, ressalvando-se o disposto
no inciso II do art. 3º;
V - saneamento básico, inclusive quanto às ações financiadas e
mantidas com recursos provenientes de taxas, tarifas ou preços
públicos instituídos para essa finalidade;
VI - limpeza urbana e remoção de resíduos;
120

VII - preservação e correção do meio ambiente, realizadas pelos


órgãos de meio ambiente dos entes da Federação ou por entidades
não governamentais;
VIII - ações de assistência social;
IX - obras de infraestrutura, ainda que realizadas para beneficiar
direta ou indiretamente a rede de saúde; e
X - ações e serviços públicos de saúde custeados com recursos
distintos dos especificados na base de cálculo definida nesta Lei
Complementar ou vinculados a fundos específicos distintos
daqueles da saúde.

Merece relembrar que, além da receita de impostos, existem as transferências

legais no âmbito do SUS, oriundas das receitas de contribuições sociais, que integram o

Orçamento da Seguridade Social, conforme destacado no art. 195 da Constituição Federal, e no

art. 27 da Lei Federal n. 8.212/91282. Assim, não são somente os recursos de impostos que

financiam a saúde pública, mas várias fontes tributárias, que são instituídas e cobradas pela

União, cujo produto da arrecadação também pode ser destinado ao SUS – ao lado da

Previdência e da Assistência Social.

Interessante observar que, não obstante o conceito de saúde adotado pela

Constituição Federal – em linha com a Organização Mundial de Saúde e a Conferência de

Alma-Ata, como explicitado no Capítulo 2, ou seja, “estado de bem-estar (…) e não apenas

ausência de doença ou enfermidade” –, não foi essa a concepção expressa na Lei Complementar

282
Art. 27. Constituem outras receitas da Seguridade Social: I - as multas, a atualização monetária e os juros
moratórios; II - a remuneração recebida por serviços de arrecadação, fiscalização e cobrança prestados a terceiros;
III - as receitas provenientes de prestação de outros serviços e de fornecimento ou arrendamento de bens; IV - as
demais receitas patrimoniais, industriais e financeiras;V - as doações, legados, subvenções e outras receitas
eventuais; VI - 50% (cinqüenta por cento) dos valores obtidos e aplicados na forma do parágrafo único do art. 243
da Constituição Federal; VII - 40% (quarenta por cento) do resultado dos leilões dos bens apreendidos pelo
Departamento da Receita Federal; VIII - outras receitas previstas em legislação específica. Parágrafo único. As
companhias seguradoras que mantêm o seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores
de vias terrestres, de que trata a Lei nº 6.194, de dezembro de 1974, deverão repassar à Seguridade Social 50%
(cinqüenta por cento) do valor total do prêmio recolhido e destinado ao Sistema Único de Saúde-SUS, para custeio
da assistência médico-hospitalar dos segurados vitimados em acidentes de trânsito.
121

n. 141, restringindo o reconhecimento das ações e serviços públicos mais próximo do nível

terapêutico, do tratamento, da medicalização. Comprova isso a redação do inciso IV do art. 2º,

ao delimitar o campo da despesa com saúde: “sejam de responsabilidade específica do setor da

saúde, não se aplicando a despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre

determinantes sociais e econômicos, ainda que incidentes sobre as condições de saúde da

população”, não obstante o estatuído nos incisos VI a VIII do art. 3º da mesma lei, acima

transcrito (saneamento e manejo ambiental).

De toda sorte, a aplicação de recursos públicos, vinculados ou não a uma

atividade estatal, não se demonstra suficiente para evidenciar o cumprimento do comando

constitucional ou legal, haja vista ser necessário o estabelecimento de transparentes e cabais

indicadores 283 para mensurar a real efetividade das políticas públicas. Os indicadores de

aferição dos gastos com ações e serviços públicos de saúde estão reunidos no SIOPS, de que se

falará adiante.

5.1 RECEITAS PÚBLICAS VINCULADAS À SAÚDE

Considerando os instrumentos de aferição da realização das receitas públicas

vinculadas à saúde, quais sejam o Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO) e as

compilações de dados do Sistema de Informação sobre Orçamento Público em Saúde (SIOPS),

referente aos exercícios financeiros de 2013, 2014 e 2015, foram reunidos no Quadro 1, em

anexo, os dados referentes à receita de impostos previstos no art. 198 da Constituição Federal.

283
Vide GOTTI, Alessandra. Op. cit., pág. 237: “O papel dos indicadores será justamente o de demonstrar, em
termos quantitativos e qualitativos, o impacto da medida adotada no grau de fruição de um direito por seu público-
alvo, com relação a um específico ponto de referência temporal. Os indicadores são, ainda, importantes aliados
para tornar mais transparente a ação estatal e tornar mais objetiva a prestação de contas à sociedade, na medida
em que permitem aferir a eficiência e economicidade na alocação dos recursos públicos, a eficácia no cumprimento
das metas e a efetividade nos resultados alcançados pelas políticas públicas. (...) Os indicadores desempenham um
papel instrumental tanto no planejamento da ação estatal (a partir dos objetivos prioritários definidos na
Constituição e nos tratados internacionais), bem como nas fases de formação, avaliação e monitoramento das
políticas públicas, conferindo visibilidade ao grau de concretização dos direitos em dado local e marco temporal”.
122

Constam do Quadro 1 os valores nominais, isto é, sem correção por qualquer

índice, uma vez que também serão comparados os dados da execução das despesas dos mesmos

exercícios e, para o critério legal, importa apenas a relação entre uma e outra na forma de

percentual. Desta maneira, não seriam alterados os percentuais, posto que tanto a receita quanto

a despesa deveriam ser corrigidos pelo mesmo índice. Seria útil a correção para realizar

comparação entre os exercícios, numa perspectiva econômica ou contábil, porém fora do

alcance metodológico deste trabalho, que se interessa por aferir o cumprimento do critério legal

em cada exercício financeiro.

Como ressaltado, tratam-se dos valores relativos a receitas de impostos, e não ao

total da receita dos Estados e do DF. Como se vem ressaltando, além dos impostos, ainda têm

os recursos oriundos das contribuições sociais para financiar a Seguridade Social (CF, art. 195;

Lei 8.212/91, art. 27); elas alimentam o SUS e os sistemas de previdência (regime geral) e de

assistência social (LOAS284). O corte metodológico deste trabalho focará na aplicação da receita

de impostos, uma vez que este foi tratado pela Constituição tornando-o parâmetro para aferição

de eficiência na alocação de recursos para realização de ações e serviços públicos de saúde,

segundo se defende nesta obra.

Pelos dados do referido Quadro 1, portanto, vê-se que os Estados e o Distrito

Federal, em valores correntes, dispuseram uma média de R$ 423 bilhões em cada ano analisado,

cujo limite mínimo indicava aplicar cerca de R$ 50,8 bilhões por ano. Em números

aproximados, isso representava uma média de R$ 250,00/habitante/ano no período analisado.

A receita da União foi considerada igual a despesa (tabela abaixo), uma vez que

não havia, para o período analisado, um valor de referência para a receita, o que só foi

estabelecido com a Emenda Constitucional n. 86, de 2015, isto é, a receita corrente líquida.

Assim, considerando os dados da União, as médias de disponibilidade de todo o setor público

284
Lei Orgânica da Assistência Social – Lei Federal n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993.
123

sobem para R$ 515 bilhões, R$ 142,5 bilhões e R$ 304,00/habitante/ano. Para efeito de

comparação, considerando que a média nominal do salário mínimo no período foi de R$ 730,00,

seria defensável afirmar que cada habitante cidadão contribuiu com aproximadamente 41% de

um salário mínimo por ano para gasto com saúde.

5.2 AS DESPESAS PÚBLICAS COM SAÚDE

Consultando a mesma base de dados (SIOPS), e aplicadas as mesmas

observações quanto ausência de correção, o Quadro 2, em anexo, apresenta os dados relativos

às despesas com ações e serviços públicos de saúde dos Entes da Federação custeadas com a

receita de impostos.

Como se vê, a despesa dos Entes da Federação (exceto os Municípios), com os

recursos oriundo dos impostos, foram superiores, em média, aos limites mínimos expostos na

tabela anterior. Considerando outra metodologia, o IBGE calculou que o gasto per capita do

Governo, incluindo todas as fontes e Entes da Federação (inclusive Municípios), em 2013, foi

de R$ 946,21, o que significa que outros recursos são aplicados nesse item de despesa 285. De

toda forma, no ano 2015, somente com a receita de impostos, o direito à saúde (pública) custou

mais de R$ 160,6 bilhões.

Importa frisar que as ações e serviços públicos de saúde, conforme estatuído na

Lei Complementar n. 141/2012, não englobam apenas cuidados terapêuticos, mas a própria

gestão administrativa do Sistema Único de Saúde e outras ações e estratégias de saúde

285
IBGE. Conta-satélite de saúde: Brasil 2010-2013. IBGE, Coordenação de Contas Nacionais. IBGE: Rio de
Janeiro, 2015. Disponível em http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv95012.pdf. Repita-se que os
dados compilados nas tabelas supra não sofreram nenhuma correção, diferentemente do método empregado pelo
IBGE. Também se advirta que os dados não se prestam a comparação científica, não somente em razão das
diferenças metodológicas, uma vez que os primeiros se referem a despesas com ASPS, enquanto o IBGE considera
a realização da despesa dos entes governamentais enquanto “consumidor” (no conceito econômico e não jurídico),
isto é, quem paga por determinado bem, considerando os dados da execução orçamentária e outras bases de dados
além do SIOPS.
124

(programas governamentais tais como Saúde da Família, Mais Médicos, Farmácia Popular,

campanhas de vacinação etc.). Desta maneira, o dever do Estado em prestar atendimento de

saúde não pode ser redutível ao custo unitário de um serviço ou de uma ação isolada (diária de

UTI, cirurgia, consulta, prótese etc.), seja prestada na rede pública ou contratada da rede privada

(Lei do SUS, art. 24 a 26).

Disto se conclui que o custo do direito à saúde, individualmente ou

coletivamente considerado, não é, necessariamente, igual ao custo do dever do Estado – este

tende a ser mais alto. De fato, ao prestar serviços aos cidadãos, o Estado necessita de uma

estrutura de servidores, instalações, equipamentos e insumos, dentre outros recursos.

5.3 ANÁLISE DAS DESPESAS DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL

COM SAÚDE

Considerando que as políticas públicas devem ser avaliadas286 para aferir o grau

de eficiência e efetividade da atividade estatal - isto é, resultados produzidos e alteração social

positiva – serão apresentados os indicadores do cumprimento da norma constitucional sobre as

despesas com saúde pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal, durante os exercícios

fiscais de 2013, 2014 e 2015 compilados no Relatório Resumido de Execução Orçamentária e

divulgados no SIOPS.

No Quadro 3, em anexo, estão apresentados os dados referentes ao cumprimento

do dever constitucional de aplicação mínima da receita de impostos com ações e serviços

públicos de saúde, extraídos do SIOPS dos Estados e do Distrito Federal.

Quanto à União, tendo em vista que no período analisado não havia um indicador

para se medir sua eficiência, não consta da Tabela. De fato, o art. 5º da Lei Complementar n.

286
MASSA-ARZABE, Patrícia Helena. Dimensão jurídica das políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari
(Org.). Política pública: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006., pág. 70-71.
125

141/2012, repetindo o art. 77 dos ADCT, apenas estabelecia o valor da despesa empenhada

corrigida pela variação do PIB.

Como se nota do Quadro 3, apenas os Estados de Goiás (11,72%) e do Paraná

(11,22%), durante o exercício fiscal de 2013, não cumpriram com o dever constitucional. Os

demais Estados e o Distrito Federal, durante o período analisado, cumpriram o dever, isto é,

aplicaram, pelo menos, 12% da receita de impostos, sendo que, na média dos anos analisados,

os Estados do Amazonas (21,95%), Tocantins (20,44%) e Distrito Federal (18,89%) foram os

que, proporcionalmente (%) mais aplicaram recursos oriundos de seus impostos, enquanto os

Estados de Goiás (12,16%), Rio de Janeiro (12,16%) e Paraná (11,85%), foram os que menos

impostos empregaram em ações e serviços públicos de saúde, segundo os dados do SIOPS.

É verdade que os dados acima não são suficientes para informar, em termos de

eficiência social (efetividade), se as despesas realizadas foram/são, por sua vez, suficientes para

resolver os problemas e aplacar as necessidades da população relativamente ao direito à saúde.

Apenas informa se os critérios constitucional e legal foram cumpridos, ou seja, se a regra

constitucional de alocação e gasto da receita de impostos com ações e serviços públicos de

saúde foi cumprida e, por essa medida, se a Administração Pública foi eficiente; se cumpriu por

meio lícito (receita de impostos) o objeto lícito (gastos com saúde) 287. Nada dizem, contudo, a

respeito da melhor alocação dentre as diversas possibilidades de emprego (discricionariedade

política), que demandaria outras abordagens metodológicas não contempladas no escopo deste

trabalho.

De todo modo, se pode inferir que, embora para satisfazer os direitos dos

cidadãos à saúde, o Poder Público realiza despesas com a própria máquina, em que avulta a

despesa com pessoal, como apresentado no Quadro 4, em anexo. Isto evidencia, por um lado, a

287
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência ..., pág. 168.
126

captura288 dos recursos públicos e que poderiam estar mais bem empregados em outros usos289;

por outro lado, concorre para evidenciar que o custo de uma prestação de saúde (direito), sob o

ponto de vista individual, não é coincidente com o custo que tem o Poder Público para realizá-

lo. Por exemplo, pode-se cogitar que para aplicar uma vacina contra dada doença a um

indivíduo é necessário um aparato de instalações físicas, de pessoal (servidores) e de

publicidade, que supera, em muito, seu custo unitário290; igual raciocínio pode ser aplicado para

outras utilidades ou benefícios de ações e serviços públicos de saúde.

Contudo, considerando os níveis de despesa com saúde pública, numa

perspectiva econométrica, já se avaliou que “o desempenho relativo do sistema de saúde do

Brasil ante os países da OCDE não é ruim em termos de custo-efetividade” 291, sem significar

que haja “excelência dos serviços de saúde no Brasil” 292 e que, para melhorar a eficiência,

“pode ser preciso gastar mais, pelo menos na etapa inicial (por exemplo, investindo na

qualificação de gestores e aprimorando o sistema de informações em saúde), para poder gastar

bem”293. A análise de custo-efetividade, ressalte-se, é importante para analisar a eficiência e,

logicamente, a efetividade da decisão clínica com relação ao seu custo294; obviamente, pode ser

um poderoso instrumento de orientação das políticas públicas em saúde.

288
Cf. SCAFF, Fernando Facury. op.cit.
289
Cf. MATTOS, Enlinson; TERRA, Rafael, op. cit, pág. 225.
290
O Ministério da Saúde, em junho de 2015, adquiriu do Instituto Butantan, 11.000.000 frasco-ampola de Vacina
Humana anti-HPV (Papola Vírus), tetravalente, monodose, suspensão injetável, seringa preenchida, ao custo total
de R$ 465.355.000,00, o que corresponde a R$ 42,305 cada frasco-ampola. (DOU 22/6/2015).
291
MARINHO, Alexandre Marinho; CARDOSO, Simone de Souza; ALMEIDA, Vivian Vicente de. Brasil e
OCDE: avaliação da eficiência em sistemas de saúde. Texto para Discussão n. 1370. IPEA: Rio de Janeiro, 2009.
Disponível em http:/www.ipea.gov.br.
292
Idem, ibidem.
293
Idem, ibidem.
294
SECOLI, Silvia Regina et al. Avaliação de tecnologia em saúde: II. A análise de custo-efetividade. Arq.
Gastroenterol., São Paulo, v. 47, n. 4, p. 329-333, dez. 2010. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0004-28032010000400002&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 03/09/2016. “O conceito
custo-efetividade na saúde surgiu em países desenvolvidos, no final dos anos de 1970. A ACE [análise de custo-
efetividade] é uma metodologia de síntese em que os custos são confrontados com desfechos clínicos. O objetivo
da ACE é avaliar o impacto de distintas alternativas, que visem identificá-las com melhores efeitos do tratamento,
geralmente, em troca de menor custo. Portanto, uma característica importante é que os estudos de ACE são sempre
comparativos e explícitos e se destinam a selecionar a melhor opção para atingir a eficiência. Nesse tipo de análise,
os custos são medidos em unidades monetárias e os desfechos em unidades clínicas, tais como mortalidade ou
hospitalizações evitadas – uma vantagem importante, tendo em vista que esses desfechos, frequentemente, são de
uso corrente pelos clínicos. Os resultados da ACE são expressos por um quociente, em que o numerador é o custo
127

De um modo analítico, o Banco Mundial295 avaliou a gestão (“governança”) do

SUS e, após constatar que “é através da análise da execução do orçamento que as verdadeiras

prioridades de alocação se tomam evidentes” e que “a execução do orçamento também afeta a

eficiência e qualidade da prestação de serviços porque ela determina como as secretarias e as

unidades prestadoras vão desempenhar as principais funções de gestão”, apontou os seguintes

grupos de problemas a serem enfrentados: (i) a fragmentação do processo de planejamento e

orçamentação, (ii) a rigidez e complexidade na execução do orçamento, (iii) a ausência de

autonomia gerencial ao nível local, (iv) informação inadequada para a gestão, (v) baixa

capacidade gerencial ao nível local, e (vi) estrutura de incentivos inadequada. A gestão do SUS

está mais preocupada em “cumprir a norma” do que “resolver problema”, isto é, não se faz

avaliação crítica da efetividade das normas, tendo em vista a alcançar os objetivos e metas da

política pública de saúde – avaliação esta que poderia ser apoiada em preceitos da análise

econômica do Direito (AED).

Quanto ao primeiro problema, pode-se sumariar:

“[A]s diferentes etapas do processo de planejamento-


orçamentação são orientadas por lógicas técnicas e profissionais
distintas, com baixo nível de conciliação e articulação. Na etapa
de planejamento, as preocupações técnicas definidas pelas
diretrizes programáticas predominam bem como as prioridades de
saúde, e pouca atenção é dada às realidades econômicas e critérios
financeiros. Quando o orçamento está sendo elaborado,
predominam os elementos econômicos e financeiros
(especialmente o nível e padrão históricos de alocação e a

e o denominador a efetividade (custo/efetividade). Desse modo, a ACE é expressa em termos do custo por unidade
clínicas [sic] de sucesso. Por exemplo, custo por anos de vida ganhos, ou por mortes evitadas, ou por dias sem dor,
ou por ausência de complicação, ou ainda por hospitalizações evitadas”.
295
BANCO MUNDIAL. Brasil Governança no Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil. Melhorando a
Qualidade do Gasto Público e Gestão de Recursos. Relatório N°. 36601-BR. Banco Mundial, Unidade de
Gerenciamento do Brasil, 2007.
128

previsão de receita). Durante a execução, o fluxo de caixa é que


determina o ritmo e direção das ações, implicando muitas vezes
em mudanças nas atividades previstas, mas sem tempo ou
oportunidade para revisar os planos de ação. A disponibilidade de
recursos acaba substituindo o plano em si”296.

Outras informações e inferências podem ser extraídas dos dados disponíveis no

SIOPS, inclusive para aferição de outros critérios legais (despesas não permitidas, deduções

regulamentares etc.) ou pesquisa sobre critérios de distribuição dos recursos do SUS oriundos

de contribuições sociais e sua adequação aos objetivos da República listados no art. 3º da CF

(“redução das desigualdades sociais e regionais”, v. g.), grau de eficiência da execução

orçamentária (comparação entre a receita realizada e a despesa empenhada/liquidada, despesa

empenhada e obra concluída etc.) e muitas outras análises, inclusive, obviamente, em outras

áreas do conhecimento, tais como economia ou sociologia da saúde etc., que estão fora do

alcance deste trabalho – e que podem servir de outras pesquisas, quiçá a nível de doutorado.

Depreende-se, então, que o Estado brasileiro, a partir da análise dos dados

apresentados e da base teórica e legal utilizada, compôs um robusto subsistema jurídico para

tratar da efetivação (concretização) do direito material à saúde, com normas positiva (princípios

e regras) constitucionais e infraconstitucionais, porém a gestão administrativa enfrenta sérios

óbices para coordenar os recursos disponíveis e articular uma cooperação efetiva entre os Entes

da Federação, a fim de otimizar o volume de recursos financeiros despendido anualmente nas

ações e serviços públicos de saúde. Normas financeira e administrativas, mormente quanto à

gestão de pessoal e a licitações/contratos, merecem ser revisadas de modo a aprimorar o

emprego dos recursos públicos e melhorar o nível de atendimento aos cidadãos, sem olvidar do

296
Idem, ibidem.
129

constante e irrefreável avanço tecnológico e do imprescindível controle técnico-jurídico e

social.

Os direitos fundamentais, mormente os sociais, que necessitam de atuação do

Estado para garanti-los e provê-los, só podem ser materializados se o Poder Público dispuser

de recursos financeiros suficientes, bem como de modelo de gestão capaz de utilizar tais

recursos de modo eficiente e efetivo, voltados a resolutividade dos problemas sociais em

consonância com os objetivos da República. De fato, em ambiente ou momento em que o

Estado se depara com escassez de recursos ou necessidade de implementar algum ajuste fiscal,

o próprio papel do Estado requer discussão297 da mesma forma como o custo dos direitos são

ressaltados.

Os direitos têm custo; custam caro. Daí ser necessário, com fulcro no princípio

da publicidade (dever estatal de transparência) o esclarecimento à população desse custo, bem

como da origem, da fonte dos recursos que são empregados pelo Estado para provê-los: a

atividade econômica, o bolso do cidadão, via tributos298.

297
ROTA, Giovanna Montellato Storace. Qual o custo das gerações de direitos? – Considerações sobre o impacto
orçamentário dos direitos de primeira e segunda geração. Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico –
RFDFE, Belo Horizonte, ano 5, n. 8, p. 135-145, set./fev. 2016.
298
CF, art. 150, §5º A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos
que incidam sobre mercadorias e serviços. Lei Federal n. 12.741, de 08/12/2012, que “Dispõe sobre as medidas de
esclarecimento ao consumidor, de que trata o §5º do artigo 150 da Constituição Federal; altera o inciso III do art.
6º e o inciso IV do art. 106 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor”.
130

6 CONCLUSÃO

O direito à saúde está positivado na Constituição Federal como direito social

(art. 6º), decorrente de direito individual à vida (art. 5º), sendo que, de acordo com a dicção do

art. 196 (“a saúde é direito de todos e dever do Estado”), constitui-se direito fundamental social,

que reclama ação estatal para sua máxima efetividade, nas linhas principiológica e prestacional.

Contudo, em que pese a dificuldade de se conceituar “saúde”, não pode esta ser entendida nem

exigível como um “direito (subjetivo) a ser saudável”. De fato, a saúde não é um objeto que

possa ser entregado pelo Estado, senão que deva ser promovido, posto que seja um “estado

ideal de coisas” a ser buscado, logo, dirigido ao mundo empírico. Ademais, o conceito de saúde

é variável no tempo e no espaço, e não pode ser reduzido a “ausência de doença”.

Esse dever do Estado é sindicável judicialmente, tendo em vista que se trate

objeto de uma relação prestacional, em que figuram o cidadão e o Estado nos polos desta

relação; mas o objeto da prestação são “ações e serviços públicos de saúde” e não “a” saúde.

Na perspectiva dos direitos fundamentais, mais do que um conteúdo do “mínimo existencial”,

tem-se que a saúde integra um mínimo prestacional, que corresponde a um dever do Estado em

promovê-lo.

Para se cumprir o dever prestacional de implementar direitos, o Estado necessita

de realizar despesas e, para tanto, de obter recursos, segundo o direito vigente, que se assenta,

primordialmente, sobre os tributos (impostos, taxas e contribuições). Desta maneira, para

satisfazer as necessidades públicas, o Estado obtém da sociedade os recursos que ela mesma

gera. Pode-se, pois, afirmar que (i) os direitos têm custos, (ii) cada direito fundamental

corresponde a pelo menos um dever o Estado e (iii) o custo do direito não necessariamente é

igual ao custo do dever do Estado.


131

A dimensão custo deve ser considerado na formulação das políticas públicas,

uma vez que a concretização dos direitos, sejam ditos prestacionais ou de defesa, de primeira,

segunda ou terceira geração ou dimensão, requer o emprego de recursos públicos. Sem

considerá-lo, corre-se o risco de formular vã “promessa inconsequente”, uma vez que não se

atingirá, pelo menos como formulado, os resultados e objetivos esperado de tal política pública.

O Direito à Saúde ou Direito da Saúde constitui-se em um subsistema

constitucional e legal, em que são definidos papeis de cada Ente da Federação, bem como são

vinculados recursos oriundo de impostos e previstas outras fontes, especialmente contribuições

sociais, a fim de financiar as ações e serviços públicos de saúde, na perspectiva de garantir os

recursos financeiros para suportar as políticas públicas capazes de concretizar o dever do Estado

e o direito dos cidadãos nessa área.

A Constituição Federal, com a Emenda Constitucional n. 29, de 2000,

estabeleceu, do ponto de vista eminentemente normativo, um critério de eficiência estatal

mensurável a partir da aplicação de receita de impostos em ações e serviços públicos de saúde

(ASPS). Determinou-se regra de transição – contida no art. 77 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitória – até que Lei Complementar regulamentasse a matéria, o que

somente se concretizou em 2012, com a Lei Complementar n. 141.

Em observância ao preceito do art. 198 da Constituição Federal, a União, os

Estados e o DF cumpriram, no período analisado, a norma constitucional a respeito da aplicação

mínima da receita de impostos em ações e serviços públicos de saúde.

Essa medida, em que pese insuficiente para aferir a qualidade do serviço, foi

escolhida pelo Direito como critério de verificação da eficiência – em sintonia com o art. 37 da

Constituição Federal – pautado na perspectiva positiva de vinculação de recursos de impostos

a despesa pública (CF, art. 167, IV).


132

A eficiência, entretanto, das ações e serviços públicos de saúde, não pode ser

medido simplesmente por um dado escolhido pelo Direito (Norma), mas há de considerar outras

variáveis técnicas, para as quais o Direito (Ciência) tem de se mostrar aberto, se quer contribuir

para garantir os direitos subjetivos (nível pragmático) dos cidadãos a um sistema de saúde

pública eficiente, sendo que a eficiência inscrita no artigo 37 da Constituição Federal não está

voltada para o Direito (norma), mas para a Administração Pública. Considerando apenas o

critério legal, como demonstrado, o sistema mostrou-se eficiente, pois todos os Estados, o

Distrito Federal e a União cumpriram o dispositivo constitucional (direito positivo) de gastar

acima de determinada quantidade (percentual) de recursos de impostos – o que nada diz sobre

a qualidade deste gasto nem sobre os resultados na saúde da população, temas que merecem ser

avaliados e aprofundados sob a ótica jurídica e de outras ciências.

A reavaliação dos instrumentos legais, mormente quanto à gestão administrativa

(pessoal, licitação/contratos, avanço tecnológico etc.), mostram-se imprescindíveis para

melhorar o nível de aplicação do imenso volume dos recursos públicos vinculados às ações e

serviços públicos de saúde. De igual modo, a coordenação das ações nessa área entre os Entes

da Federação deve ser aprimorada, a fim de tornar mais claro e objetivo o papel de cada um dos

níveis de Direção do SUS, tanto para evitar sobreposição de ações e desperdício de recursos,

bem como de modo a diminuir que a inevitável “judicialização da saúde” não contribua para

agravar os problemas de gestão e de emprego dos recursos financeiros do Poder Público; se é

criticável a gestão do SUS, que se situam no Poder Executivo e que possui aparato técnico para

tal, não é de esperar do Judiciário, que não é preparado para gestão, donde virão as soluções.

Nesse ponto, merece, por igual preocupação, serem aprimorados os mecanismos

de controle técnico-jurídico, a cargo dos sistemas de Controle Interno da Administração

Pública, do Controle Externo (Tribunais de Contas) e do controle social, segundo os parâmetros

constitucionais e legais existentes.


133

Se o entendimento (ainda) mais aceito acerca dos princípios constitucionais, pelo

menos referido aos Direitos Fundamentais, é que se refiram a um mandado de “otimização”,

em busca de concretizar um “estado ideal de coisas”, e que tais estados se referem aos fatos

(empírico), muitas melhorias administrativas, de gestão dos recursos, precisam ser

implementadas ou revistas, incluindo o papel do Estado para dicção e implementação dos

direitos com transparência dos mecanismos trade-off, enfim na definição e realização da(s)

política(s) pública(s) afeto ao Direito à Saúde. A análise econômica das medidas, dos projetos

e do próprio Direito da Saúde, inclusive na perspectiva de custo-benefício, e o provável impacto

no comportamento dos gestores, dos profissionais da saúde e da população são instrumentos

que a abertura cognitiva do Direito há de se permitir.

Os direitos custam muito caro, mas a ineficiência custa mais.


134

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VALLE, Vanice Regina Lírio do. Direito fundamental à boa administração e governança:
democratizando a função administrativa. 2010. 254 p. Tese (Pós-doutorado em Administração)
FAV/EBAPE, Rio de Janeiro, 2010. (mimeo). pág. 180. Disponível em
145

http://bibliotecadigital.fgv.br/ dspace/handle/10438/6977, acesso em 07.02.2016.

VALLE, Vanice Regina Lírio do. Direito fundamental à boa administração e governança:
democratizando a função administrativa. 2010. 254 p. Tese (Pós-doutorado em Administração)
FAV/EBAPE, Rio de Janeiro, 2010. (mimeo). pág. 60. Disponível em
http://bibliotecadigital.fgv.br/ dspace/handle/10438/6977, acesso em 07.02.2016.

VERDÚ, Pablo Lucas. Teoria do Estado, Teoria da Constituição e Sentimento Constitucional.


In: VERDÚ, Pablo Lucas. O sentimento constitucional: Aproximação ao estudo do sentir
constitucional como modo de integração política. Rio de Janeiro: Forense, 2006. Cap. 4. p. 127-
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VIANNA, Luiz Werneck; BURAOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins. Dezessete
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Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702007000200002. Acessos em 18 de
novembro de 2014.

VIEIRA, Fabiola Sulpino. Ações judiciais e direito à saúde: reflexão sobre a observância aos
princípios do SUS. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 42, n. 2, p. 365-369, abr. 2008.
Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102008005000010. Acesso em 26 de
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WORLD HEALTH ORAANIAATION. Basic documents. 48th ed. Including amendments


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http://apps.who.int/gb/bd/PDF/bd48/basic-documents-48th-edition-en.pdf. Acesso em
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WORLD HEALTH ORAANIAATION. Making fair choices on the path to universal health
coverage. Final report of the WHO Consultative Aroup on Equity and Universal Health
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Health Care Alma-Ata, USSR, 6-12 Septeber 1978. WHO, Aeneva, 178. Disponível em
http://www.searo.who.int/entity/primaryhealth_care/documents/ hfa_s_1.pdf.
146

ANEXOS

QUADRO 1 – RECEITA DE IMPOSTOS DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DA


UNIÃO, NOS EXERCÍCIOS DE 2013, 2014 E 2015.

Receita de Impostos (CF, art. 198; EC 86) R$ (correntes)


EXERCÍCIO
Unidade da Federação
2013 2014 2015
Acre (AC) 3.072.946.421,07 3.389.865.944,67 3.591.172.105,42
Alagoas (AL) 5.226.180.085,69 5.683.116.922,74 6.069.571.003,94
Amapá (AP) 2.952.180.960,14 3.256.660.826,55 3.216.910.297,23
Amazonas (AM) 8.071.809.270,12 8.579.046.133,37 8.469.460.678,71
Bahia (BA) 20.207.795.455,01 22.035.331.206,64 24.171.361.725,34
Ceará (CE) 12.527.320.097,24 13.638.612.300,89 14.403.056.844,68
Distrito Federal (DF) 11.984.907.840,42 13.490.250.321,73 14.084.364.839,88
Espírito Santo (ES) 8.565.957.951,36 8.925.847.237,39 9.432.409.528,09
Goiás (GO) 12.242.647.475,40 13.404.392.160,74 14.551.850.639,88
Maranhão (MA) 8.719.385.142,15 9.494.328.187,96 10.189.637.616,05
Mato Grosso (MT) 7.239.720.878,80 8.058.429.861,87 9.061.861.779,57
Mato Grosso do Sul (MS) 6.383.752.482,82 7.010.892.635,19 7.288.925.440,34
Minas Gerais (MG) 34.953.500.171,23 38.055.929.988,32 39.098.329.481,41
Pará (PA) 11.270.045.060,00 12.647.318.167,06 13.497.084.821,54
Paraíba (PB) 6.562.191.029,55 7.305.185.814,29 7.606.671.979,72
Paraná (PR) 20.966.937.775,15 23.175.339.121,21 25.688.048.690,22
Pernambuco (PE) 14.580.277.758,17 15.861.209.948,18 16.461.011.185,68
Piauí (PI) 5.203.198.710,82 5.742.896.635,04 6.146.894.496,59
Rio de Janeiro (RJ) 32.496.751.889,20 33.876.944.355,17 34.588.717.365,53
Rio Grande do Norte (RN) 6.470.088.919,85 6.936.045.819,14 7.081.839.461,89
Rio Grande do Sul (RS) 22.819.641.076,35 24.788.491.948,22 26.256.701.336,81
Rondônia (RO) 4.190.609.024,60 4.659.885.397,42 4.931.311.087,61
Roraima (RR) 2.139.797.894,14 2.380.075.154,85 2.506.615.528,14
Santa Catarina (SC) 13.530.605.150,84 15.217.109.166,58 15.880.950.302,62
São Paulo (SP) 105.278.919.945,70 107.690.696.860,90 112.245.624.243,44
Sergipe (SE) 5.022.383.159,43 5.445.158.103,82 5.748.392.100,95
Tocantins (TO) 4.541.926.041,23 4.993.840.167,83 5.379.792.132,55
TOTAL ESTADOS/DF 397.221.477.666,48 425.742.900.387,77 447.648.566.713,83
Mínimo (12%) 47.666.577.319,98 51.089.148.046,53 53.717.828.005,66
União (U) 83.053.255.548,53 91.898.530.758,70 100.054.862.322,43
TOTAL E/DF/U 480.274.733.215,01 517.641.431.146,47 547.703.429.036,26
FONTE: SIOPS (adaptado)
147

QUADRO 2 – DESPESAS COM AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE DOS


ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DA UNIÃO, NOS EXERCÍCIOS DE 2013, 2014 E
2015.

Despesas com ações e serviços públicos de saúde (CF, art. 198; EC 86) R$ (correntes)
EXERCÍCIO
Unidade da Federação
2013 2014 2015
Acre (AC) 511.354.599,12 587.016.255,80 552.112.563,88
Alagoas (AL) 632.820.574,92 685.621.281,43 785.715.180,40
Amapá (AP) 459.516.176,10 436.160.517,48 452.919.739,82
Amazonas (AM) 1.846.304.778,66 1.905.350.722,99 1.759.972.285,13
Bahia (BA) 2.429.190.951,45 2.851.574.015,80 3.010.412.373,62
Ceará (CE) 1.732.505.054,14 2.150.093.851,34 2.053.017.589,04
Distrito Federal (DF) 2.121.065.308,86 2.476.346.409,28 2.904.535.858,28
Espírito Santo (ES) 1.366.494.858,03 1.681.340.572,97 1.790.531.158,75
Goiás (GO) 1.434.348.930,76 1.702.538.121,67 1.757.039.810,30
Maranhão (MA) 1.083.677.318,09 1.293.114.301,19 1.394.356.030,89
Mato Grosso (MT) 910.900.443,12 1.015.570.874,85 1.166.192.594,88
Mato Grosso do Sul (MS) 797.804.631,45 849.077.097,32 1.214.703.756,74
Minas Gerais (MG) 4.294.403.427,03 4.623.891.695,98 4.807.712.213,89
Pará (PA) 1.525.771.000,00 1.640.257.264,25 1.844.096.692,73
Paraíba (PB) 882.060.657,35 1.000.343.453,56 988.913.933,52
Paraná (PR) 2.352.490.418,37 2.848.455.409,33 3.089.977.233,93
Pernambuco (PE) 2.180.865.068,55 2.629.088.532,97 2.671.392.869,43
Piauí (PI) 662.675.797,90 769.052.151,03 830.753.083,73
Rio de Janeiro (RJ) 3.913.339.081,02 4.086.378.780,13 4.280.290.815,85
Rio Grande do Norte (RN) 898.532.001,22 962.687.084,58 1.076.158.887,96
Rio Grande do Sul (RS) 2.844.633.643,98 3.153.090.899,01 3.202.622.341,33
Rondônia (RO) 598.015.314,08 630.131.760,95 716.370.066,45
Roraima (RR) 370.333.379,85 291.184.213,98 401.791.023,53
Santa Catarina (SC) 1.626.685.512,82 1.882.180.241,15 2.041.716.501,36
São Paulo (SP) 13.083.233.064,56 13.417.444.831,95 14.031.276.980,67
Sergipe (SE) 649.346.284,80 692.839.986,48 712.964.124,39
Tocantins (TO) 939.355.685,45 1.072.235.200,68 1.031.085.201,93
TOTAL ESTADOS/DF 52.147.723.961,68 57.333.065.528,15 60.568.630.912,43
União (U) 83.053.255.548,53 91.898.530.758,70 100.054.862.322,43
TOTAL 135.200.979.510,21 149.231.596.286,85 160.623.493.234,86
População (IBGE) 201.032.714 202.768.562 204.450.649
Per capita sem União 259,40 282,75 296,25
Per capita com União 672,53 735,97 785,63
FONTE: SIOPS (adaptado), IBGE.
148

QUADRO 3 – PERCENTUAIS DE APLICAÇÃO DA RECEITA DE IMPOSTOS DOS


ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL COM AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE
SAÚDE, NOS EXERCÍCIOS DE 2013, 2014 E 2015.

Despesas com ações e serviços públicos de saúde (CF, art. 198; EC 86) R$ (correntes)
EXERCÍCIO
Unidade da Federação Média
2013 2014 2015
Acre (AC) 16,64% 17,32% 15,37% 16,44%
Alagoas (AL) 12,11% 12,06% 12,95% 12,37%
Amapá (AP) 15,57% 13,39% 14,08% 14,35%
Amazonas (AM) 22,87% 22,21% 20,78% 21,95%
Bahia (BA) 12,02% 12,94% 12,45% 12,47%
Ceará (CE) 13,83% 15,76% 14,25% 14,61%
Distrito Federal (DF) 17,70% 18,36% 20,62% 18,89%
Espírito Santo (ES) 15,95% 18,84% 18,98% 17,92%
Goiás (GO) 11,72% 12,70% 12,07% 12,16%
Maranhão (MA) 12,43% 13,62% 13,68% 13,24%
Mato Grosso (MT) 12,58% 12,60% 12,87% 12,68%
Mato Grosso do Sul (MS) 12,50% 12,11% 16,67% 13,76%
Minas Gerais (MG) 12,29% 12,15% 12,30% 12,25%
Pará (PA) 13,54% 12,97% 13,66% 13,39%
Paraíba (PB) 13,44% 13,69% 13,00% 13,38%
Paraná (PR) 11,22% 12,29% 12,03% 11,85%
Pernambuco (PE) 14,96% 16,58% 16,23% 15,92%
Piauí (PI) 12,74% 13,39% 13,52% 13,22%
Rio de Janeiro (RJ) 12,04% 12,06% 12,37% 12,16%
Rio Grande do Norte (RN) 13,89% 13,88% 15,20% 14,32%
Rio Grande do Sul (RS) 12,47% 12,72% 12,20% 12,46%
Rondônia (RO) 14,27% 13,52% 14,53% 14,11%
Roraima (RR) 17,31% 12,23% 16,03% 15,19%
Santa Catarina (SC) 12,02% 12,37% 12,86% 12,42%
São Paulo (SP) 12,43% 12,46% 12,50% 12,46%
Sergipe (SE) 12,93% 12,72% 12,40% 12,68%
Tocantins (TO) 20,68% 21,47% 19,17% 20,44%
FONTE: SIOPS (adaptado)
149

QUADRO 4 – DESPESA COM PESSOAL REALIAADA COM RECEITA DE IMPOSTOS


VINCULADOS À SAÚDE, DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL, NOS
EXERCÍCIOS DE 2013, 2014 E 2015.

Despesas com pessoal realizada com receita de impostos vinculados à saúde e percentual sobre
R$ (correntes)
a despesa total com saúde (receita de impostos)
2013 2014 2015
UF
R$ % R$ % R$ %
Acre 335.260.130,68 65,56 372.970.688,54 63,54 405.506.643,00 73,45
Alagoas 338.190.455,02 53,44 322.494.610,80 47,04 362.958.835,21 46,19
Amapá 286.458.409,35 62,34 304.635.516,89 69,84 306.734.060,04 67,72
Amazonas 817.288.019,15 44,27 846.750.923,62 44,44 853.791.756,11 48,51
Bahia 1.417.621.803,96 58,36 1.471.271.309,33 51,60 1.470.190.225,96 48,84
Ceará 743.306.586,59 42,90 751.712.245,26 34,96 782.334.280,06 38,11
Distrito Federal 1.507.525.637,27 71,07 1.606.359.247,23 64,87 4.427.806.426,55 152,44
Espírito Santo 609.079.511,38 44,57 692.232.674,27 41,17 687.484.026,12 38,40
Goiás 614.418.080,47 42,84 605.018.352,51 35,54 683.298.703,18 38,89
Maranhão 239.740.813,72 22,12 257.272.700,61 19,90 283.233.233,05 20,31
Mato Grosso 466.821.080,18 51,25 508.743.619,86 50,09 575.777.552,89 49,37
Mato Grosso do Sul 277.789.575,87 34,82 289.844.146,81 34,14 345.801.201,39 28,47
Minas Gerais 1.183.945.933,01 27,57 1.308.680.185,92 28,30 1.430.484.918,76 29,75
Pará 777.909.730,04 50,98 830.332.248,01 50,62 863.630.069,93 46,83
Paraíba 470.845.755,24 53,38 514.177.225,25 51,40 562.658.712,34 56,90
Paraná 1.061.695.136,17 45,13 1.201.056.306,35 42,17 1.318.689.499,67 42,68
Pernambuco 1.274.683.798,61 58,45 1.438.051.849,93 54,70 1.436.037.219,41 53,76
Piauí 365.190.801,55 55,11 436.822.384,45 56,80 494.717.456,91 59,55
Rio de Janeiro 1.105.347.599,02 28,25 971.504.286,68 23,77 997.244.957,06 23,30
Rio Grande do Norte 731.232.060,82 81,38 808.132.125,43 83,95 848.140.000,00 78,81
Rio Grande do Sul 1.043.387.261,94 36,68 1.190.531.953,04 37,76 1.354.766.183,76 42,30
Rondônia 396.621.161,15 66,32 458.948.170,18 72,83 486.384.153,95 67,90
Roraima 258.786.055,69 69,88 170.715.180,47 58,63 245.334.619,80 61,06
Santa Catarina 761.555.923,67 46,82 893.516.836,22 47,47 992.060.158,35 48,59
São Paulo 5.022.597.847,27 38,39 7.247.144.852,15 54,01 6.072.488.234,62 43,28
Sergipe 77.979.316,36 12,01 77.026.269,33 11,12 75.402.879,63 10,58
Tocantins 698.918.882,63 74,40 724.308.734,64 67,55 738.291.599,12 71,60
Total 22.884.197.366,81 43,88 26.300.254.643,78 45,87 29.101.247.606,87 48,05
FONTE: SIOPS (adaptado)

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