Você está na página 1de 7

§ 6.

º A IMPUTAÇÃO SUBJETIVA
DOLO DO TIPO
O ERRO PENAL
A TENTATIVA IMPOSSÍVEL
Dolo do Tipo - art. 14.º CP:

a) Dolo direto – 14.º, n.º 1 – agente tem consciência de que com a sua conduta irá
realizar um crime (consciência) e produzir um resultado típico, conformando-se e
dirigindo a sua conduta de forma a, precisamente, praticar o crime (tem intenção
direta); é o dolo intencional ou de 1.º grau; agente dirige a sua vontade diretamente
para a realização do facto típico;
b) Dolo necessário – 14.º, n.º 2 – Realização do facto não surge como pressuposto
ou degrau intermédio para alcançar a finalidade da conduta, mas como a sua
consequência necessária, no preciso sentido de consequência inevitável, se bem
que “lateral” relativamente ao fim da conduta. Ex: o caso do abate de avião
sequestrado por terroristas1 - haverá dolo direto de quem abate em relação aos
terroristas, mas dolo necessário em relação aos restantes passageiros, porque o
agente sabe e representa mentalmente que a conduta que vai fazer (em relação aos
passageiros) preenche um tipo de crime, que será consequência necessária da sua
conduta, e mesmo assim pratica-a à mesma; daí que se fale aqui em lateralidade
do dolo; não tem a realização do facto típico em causa (morte dos passageiros)
como finalidade da sua ação (ele quer é matar os terroristas), mas, é uma
consequência absolutamente necessária da sua ação a realização do facto típico;
c) Dolo eventual – 14.º, n.º 3 – a realização do tipo objetivo do ilícito, ou seja, a
verificação da prática de um crime, é mentalmente representada pelo agente (antes
de praticar a conduta) apenas com uma consequência possível – ou seja, o agente
sabe que da sua conduta pode resultar a verificação de um crime (e, portanto, a
produção de um resultado típico).
d) Dolo alternativo - A alternatividade que caracteriza esta modalidade particular de
dolo poderá ser determinada por uma duplicação do objeto da ação ou de certas
qualidades tipicamente relevantes do mesmo objeto. É exemplo da segunda
hipótese a situação seguinte: A apropria-se de um colar valioso que não lhe

1
Ignorando, para efeitos académicos, a existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
2

pertence, duvidando, porém, se esta joia corresponde àquela que fora entregue à
sua guarda por B (abuso de confiança: art. 205.º, CP) ou simplesmente perdida
por alguém (apropriação ilegítima em caso de coisa achada: art. 209.º, n.º 2, CP).
Ou ainda outro exemplo: O sujeito A, que se evadiu do estabelecimento onde
cumpria uma pena de prisão, é perseguido pelo guarda B, que se faz acompanhar
de um cão. Numa dada altura, vendo mexer uns arbustos que lhe estão próximos,
A dispara um tiro naquela direção, não sabendo, porém, se por detrás deles se
encontra B ou o cão, mas não admitindo a morte simultânea de ambos – Cfr. JOÃO
VARELA, A Alternatividade em Direito Penal,: dolo alternativo e determinação
alternativa do facto, Revista Julgar online, dezembro de 2019.

Nos termos do art. 13.º CP, apenas são punidos os factos típicos (isto é, que estejam
previstos em norma penal), que sejam praticados com dolo. Ou seja, apenas afirmado o
dolo do tipo poderá haver lugar a punição. Salvo os casos em que a lei admita,
especialmente, a punição por negligência (uma vez infirmado o dolo)

Erro:

Falsa representação da realidade. Ao erro equipara-se a ignorância, que consiste


na total ausência de representação (GERMANO MARQUES DA SILVA).

A distinção jurídica-penalmente admissível é a que opõe o erro sobre os elementos


do facto (punível) [também chamado de “erro do tipo”] (16.º, n.º 1, 1.ª parte) ao erro sobre
a ilicitude (art. 16.º, n.º 1, 2ª parte + art. 17.º CP). À distinção entre erro do tipo e erro
sobre a ilicitude corresponde também outra designação: erro sobre o facto típico (que é o
“erro do tipo”) vs. erro sobre a punibilidade (que é o “erro sobre a ilicitude”).

Também se distingue o erro-ignorância e o erro-suposição (desconhecimento do


que existe vs. suposição do que não existe) [melhor explicado infra].

Também se distingue entre erro de representação, erro de perceção (ou erro


intelectual) – que é a falsa representação da realidade em sentido estrito, o agente não
perspetiva (mentalmente) na forma adequada e real a factualidade; vs. erro de execução
– em que, uma vez iniciado o processo causal de execução, o resultado típico pode ser
alterado em virtude de perturbação do processo causal (por exemplo, no caso de aberratio
ictus)

Tutoria de Direito Penal II, João Abreu Campos.


3

O erro relevante é o que terá efeitos jurídicos, nomeadamente na afirmação ou


infirmação do dolo do tipo. O irrelevante é o seu contrário. Que são diferentes do erro
essencial – que incide sobre elementos essenciais do facto típico e o acidental, que podem
não ser ou constituir os elementos “nucleares” de dado tipo objetivo de ilícito mas que
ainda assim relevem para a incriminação e consequente fixação da responsabilidade
penal.

Esquema de casos sobre erro2 sobre o facto típico/ erro sobre o tipo:
i) Quais os tipos (objetivos de ilícito) que poderão estar em causa no caso – ou
seja, qual o(s) crime(s) potencialmente causa?
ii) Qual o objeto do erro? Isto é, sobre que versa o erro, o que afeta? – Qual o
“tipo”/nome do erro em causa?
iii) O objeto do erro existe e foi desconhecido? – isto é, o agente estava em erro e
não sabia? Ou o erro de facto não existe mas o agente atuou, achando que
estava a beneficiar de um erro (foi erroneamente suposto)?

1. O Erro sobre o facto típico – erro sobre o tipo;

1.1. A distinção entre o erro-ignorância e o erro-suposição


Erro ignorância: A errada representação sobre um elemento do tipo, quer se trate
de elemento descritivo (previsão da norma, previsão das condutas/factos, etc que a
possam integrar), quer se trate de um elemento normativo, tem como consequência não
haver dolo: o dolo é excluído. Se o erro for culposo, haverá crime negligente, se o tipo do
crime, previr a punição por negligência – é o que decorre do art. 16.º, n.º 1, 1.ª parte e do
art. 16.º, n.º 3. Assim, como refere como exemplo o Prof. GERMANO MARQUES DA SILVA,
pegando no crime de homicídio simples (art. 131.º) – o objeto da ação é o “destinatário”
da conduta do agente, logo é o Homem que será a vítima do crime. Se A dispara sobre B,
pensado que B é um animal (e não que é uma pessoa), não há dolo, porque há um erro
sobre um elemento do tipo – art. 16.º/1/1ª parte. Mas, se for censurável o agente não ter
representado ou percebido ou tido o cuidado de indagar se se tratava de um homem ou de

2
Seguindo o esquema de JOSÉ ANTÓNIO VELOSO, O erro em Direito Penal, pp. 11-12. Também
adotado por GERMANO MARQUES DA SILVA.

Tutoria de Direito Penal II, João Abreu Campos.


4

um animal, por força do art. 16.º, n.º 3, seria punido por Homicídio negligente – art. 137.º.
Note-se que, para a afirmação do dolo, não importa que o erro incida sobre a
individualidade do objeto material da ação, isto é, não importa que o erro incida sobre
quem é o destinatário da ação, se é a pessoa B, C, ou D. Assim, se o agente representa
(pensa) outrem como sendo B mas afinal é o Sr. C, o erro incide sobre um elemento
atípico, pois o elemento essencial do tipo (o pressuposto base essencial da norma do 131.º)
é que o destinatário/visado/vítima da ação seja uma pessoa, sendo indiferente quem ela é.
Posto que apesar desse erro-ignorância, A teria sempre, de ser imputado por um crime de
homicídio de B, o erro é irrelevante uma vez que a lei proíbe a lesão de um bem jurídico
e não de um bem jurídico específico de alguém, não se excluindo o dolo. Mas em virtude
de se ter verificado em erro-ignorância (concretamente um erro sobre a identidade/ erro
sobre a pessoa), será punido pela forma negligente do tipo – art. 137.º, uma vez afirmada
a não exclusão do dolo do tipo, dada a irrelevância desse erro.

Erro suposição: o agente supõe que existe um elemento do tipo, que na verdade
não existe. Ex: A quer matar B e acha que B está escondido atrás de um arbusto, disparado
contra o mesmo. B não estava lá. Então, se se provar que A queria matar B, operam as
regras da punição pela tentativa (não se trata de casos previstos nem no art. 16.º nem no
art. 17.º). O erro suposição também pode incidir sobre um elemento negativo do tipo que
o agente julga que existe (supõe que existe), mas que na realidade não existe – é o caso
do art. 190.º CP (crime de introdução na habitação de outrem pessoa sem o consentimento
dela) – neste caso o agente não quer cometer o crime mas, erradamente, supõe que tem o
consentimento do dono da habitação – este erro é relevante, porque nos afasta o dolo.
Ora, aqui, num caso, o agente supõe a existência de todos os elementos do tipo de crime
que quer cometer mas eles não existem (quem ele queria matar não estava lá, mas ele
achava que estava, logo os elementos do tipo não existem, mas ele achava que sim e
demonstrou que queria agir). No outro caso, no que diz respeito à “suposição de
elementos negativos”, o agente não quer cometer o crime e pratica-o na convicção de que
está a praticar um facto lícito – o erro é relevante e afasta o dolo.

Na jurisprudência – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-11-2017,


Desembargador VASQUES OSÓRIO:

«No C. Penal, a matéria do erro intelectual encontra-se tratada nos seus arts. 16º e 17º.
O erro-ignorância sobre o facto típico é regulado na primeira parte do nº 1 do art. 16º
segundo a qual, o erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime (…),

Tutoria de Direito Penal II, João Abreu Campos.


5

exclui o dolo. O erro-ignorância sobre a ilicitude ou punibilidade é regulado na segunda


parte do nº 1 do art. 16º segundo a qual, o erro (…) sobre proibições cujo conhecimento
for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude
do facto, exclui o dolo. E é também regulado no art. 17º, com a epígrafe «Erro sobre a
ilicitude» (…) O que distingue o erro sobre o facto típico, previsto na primeira parte do
nº 1 do art. 16º do erro sobre a ilicitude, previsto no art. 17º, é o respectivo objecto. O
primeiro tem por objecto os mala prohibita, os crimes cuja ilicitude não se presume
conhecida de todos os cidadãos, nem lhes é de exigir tal conhecimento. O segundo tem
por objecto os mala in se, os crimes cuja ilicitude se presume conhecida de todos os
cidadãos, sendo-lhes exigível tal conhecimento. No que às respectivas consequências
respeita, o primeiro exclui o dolo, o segundo exclui a culpa, se não for censurável. Em
qualquer caso, o dolo é sempre um facto da vida interior do agente, um facto subjectivo,
não directamente apreensível por terceiro.»

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-07-2008, Desembargador


CUSTÓDIO SILVA

« (…) trata-se sempre de erro-suposição: o agente supõe a existência de «um


estado de coisas» que, a existir, excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente. A
explicação é simples. O agente não quer cometer um crime, nem representa cometê-lo,
porque supõe a existência de uma situação de facto que justifica o seu acto ou o
desculpa»

2. Breves notas sobre A Tentativa e a Tentativa impossível;

Nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do CP, a tentativa (que se verifica quando houve
produção da conduta, v.g. execução do facto punível/ilícito típico sem, contudo, se
produzir o resultado), só é punível se ao crime em causa (que houvesse sido consumado)
a pena fosse superior a 3 anos de prisão, sendo então, nos termos do art. 23.º, n.º 2,
punível a tentativa com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada,
através dos arts. 72.º e 73.º.

O artigo 23.º, n.º 3 determina que a tentativa não será punível quando «for manifesta
a inaptidão do meio empregado pelo agente» - ou seja, quando nunca o meio mobilizado
pelo agente pudesse dar lugar à produção do resultado, ou quando for manifesta a
«inexistência do objeto essencial à consumação do crime». Como nos ensina FIGUEIREDO
DIAS, à tentativa levada a cabo com meios inaptos ou sobre objeto essencial inexistente,

Tutoria de Direito Penal II, João Abreu Campos.


6

dá a doutrina o nome de tentativa impossível ou tentativa inidónea (na doutrina


germânica untaugliche Versuch). O CP equipara em geral e em princípio, a tentativa
impossível à tentativa possível – exceto, quando a inaptidão dos meios ou a carência do
objeto (destinatário do crime) sejam manifestos (não são requisitos cumulativos, mas sim
disjuntivos), posto que a tentativa continua a ser punível apesar de a realização do
facto estar irremediavelmente destinada a não se consumar.

O exemplo típico de tentativa impossível é B está deitado. A dispara contra B,


supondo que este estava a dormir, mas B estava era morto. Ou então, outro exemplo, A
quer matar B, mete cianeto num frasco, mas sem se dar conta dá de beber a B bebida
doutro frasco igual que apenas tinha água lá dentro. Ou ainda E mata um animal que
erroneamente tomou como seu inimigo (inexistência do objeto) ou ainda o caso de G
tentar abortar por ingestão de comprimidos paracetamol (bem-u-ron 1 g) quando na
verdade (guess what) nem sequer estava grávida (plot twist!) – trata-se de meios inidóneos
e objeto inexistente.

A opção pela punibilidade de princípio destas situações (a não ser que sejam
manifestas, nos exemplos acima é manifesto, logo não punível) faz as felicidades da
doutrina, que muito se entretém com a problemática do fundamento da punibilidade da
tentativa como um todo, baseando-se nas conceções político-criminais (Fins das Penas, a
intervir aqui!) nem sempre isentas de dúvida.

Então vejamos o que é a manifesta inaptidão do meio ou carência/inexistência


do objeto exigidos pelo art. 23.º, n.º 3 para excluir a punibilidade da tentativa. Como
refere FIGUEIREDO DIAS, pode acontecer que, segundo o mundo das representações do
agente, ou seja, segundo a forma como o agente pensa ou pensou, para ele, o meio fosse
idóneo o objeto existente, mas essas representações fossem claramente erróneas, erradas
para a generalidade das pessoas, para qualquer pessoa sã. Mas o nosso agente não o é e
não representou bem as coisas – tomou como idóneo, meio que não o é, como existente
objeto que não existe. Exemplo: A quer matar B e usa uma pistola de plástico que julga
que é verdadeira – pode estar a cometer uma tentativa impossível punível se a arma
surge à generalidade das pessoas como uma imitação tão perfeita que pode razoavelmente
passar por uma arma verdadeira. O mesmo se A quer matar B, que foi atropelado por
outrem, mas A acha que B ainda está vivo e passa-lhe o carro por cima. Se a generalidade
das pessoas, olhando para o corpo de B, deitado no chão pudesse achar que ele ainda
estava vivo (que foi o que o agente pensou) mas afinal B já está morto, então o agente A

Tutoria de Direito Penal II, João Abreu Campos.


7

não vai ter sorte – porque comete uma tentativa impossível (porque B já estava morto),
mas punível! O mesmo não se verifica quando qualquer pessoa identificasse que B já
estava morto e A passa-lhe o carro por cima à mesma – A cometeria uma tentativa
impossível não punível, por ser manifesta a inexistência do objeto – já que o destinatário
da lesão do bem jurídico já não existia, o bem jurídico vida já não existia.

Tutoria de Direito Penal II, João Abreu Campos.

Você também pode gostar