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José Ferreira - Ano Letivo 2016/2017

Direito das Coisas - Aulas Práticas

Aula 1 - 13/03/17

Confronto entre os direitos de crédito, direitos pessoais de gozo e direitos reais

Caso Prático 1

Suponham o seguinte:

A deu em comodato um imóvel a B pelo período de 5 anos. Decorridos 2 anos, A transmitiu o seu direito de propriedade
a C, e este C não pretende continuar a permitir que B permaneça no imóvel. Pode fazê-lo?

Resolução:

Antes de mais, cabe sempre qualificar desde logo os vários direitos - o confronto está-se a dar entre o comodatário e o
novo titular do direito de propriedade.

O que é o direito de propriedade? O direito de propriedade é um direito real, de gozo - o direito real mais amplo (o
proprietário é aquele que tem mais poderes). O comodato é um direito real? Quantos direitos reais de gozo
conhecemos? Os direitos reais são apenas e só os previstos na lei, portanto é só uma questão de percorrer os direitos
reais1 . Vimos nas aulas teóricas que os direitos pessoais de gozo eram o direito de propriedade (mais amplo), o
direito de usufruto (o direito de usar e fruir plenamente coisa ou direito alheio - usar e fazer seu os frutos),
direito de superfície, o direito de uso, o direito de habitação, as servidões e o direito real de habitação periódica.
O que é um comodato? O que é que acontece quando se dá algo em comodato? Um contrato de comodato é um
empréstimo que tem por objeto um bem imóvel. Se for um bem móvel, é mútuo. Portanto, o comodato é um
empréstimo, alguém permite que outrem use:

1. O comodatário pode usar, mas não pode fazer seus os frutos logo não é usufruto;

2. Também não é, obviamente, direito de uso e habitação (que está previsto na lei e também é um direito real)
- direito de usar e fazer seus os frutos, mas na medida das suas necessidades e da sua família (senão ter-
se-ia dito que é um direito de habitação, mas diz-se que é um comodato 2; e nem sequer está limitado às
medidas das necessidades);

3. Exclui-se, por outro lado, o direito de superfície - porque é o direito de fazer ou manter obra ou plantação
em prédio alheio;

1 Temos de os conhecer, nem que seja para os excluir.

2 Note-se que a linguagem/terminologia empregada nos casos práticos é muito precisa e técnica - quando se diz comodato é comodato que se quer dizer, e não habitação ou uso
(entre outros).

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4. Não é uma servidão - não é um encargo imposto a um prédio em benefício de um outro prédio (quem
beneficia é o comodatário);

5. E muito menos um direito real de habitação periódica - é o direito de usar uma unidade de alojamento (um
aparthotel, um empreendimento turístico) existente, para a gozar com um fim habitacional, mediante
contraprestação.

Assim o comodato não é um direito real.

Será um direito pessoal de gozo? Quando nós vimos as diferentes teorias - a teoria clássica, a teoria personalista, a
teoria eclética, e depois a teoria realista renovada -, uma das distinções que entrava na nova teoria era o facto de se
conseguir fazer distinção entre um direito real e um direito pessoal de gozo. Trata-se de um terceiro género:

1. Não é nem um direito real. Um direito real traduz um poder direto e imediato sobre uma coisa. É uma
relação pela força da qual uma coisa fica subordinada ao domínio de uma pessoa - o titular de um direito
real satisfaz o interesse que o leva a adquirir esse direito, quando exerce o poder sobre a coisa, quando
atua sobre ela. E portanto não há relação de intersubjetividade - todos os outros estão vinculados pelo
dever geral de abstenção, mas por uma obrigação, porque se um tem o domínio e a soberania só as pode
ter se os outros não as tiverem (os outros estão excluídos de se imiscuir com a coisa). Como impõe o tal
dever a todos, é eficaz erga omnes.

Em síntese, um direito real é um poder imediato no sentido de o titular satisfaz o interesse que o
leva a adquirir o mesmo direito atuando sobre a coisa, e é um poder que é eficaz erga omnes

2. Um direito de crédito supõe uma relação entre pessoas, supõe intersubjtividade - é um poder mediato
(p.ex., eu emprestei dinheiro e quero reavê-lo - eu só terei o dinheiro nas mãos quando o outro cumprir a
obrigação que assumiu), há a mediação de outra pessoa. E eu posso exigir o cumprimento por parte
daquela pessoa em concreto, e não de todos os outros (está uma pessoa vinculada), logo é eficaz inter
partes/relativo.

3. E depois há direitos pessoais de gozo. O titular de um direito pessoal de gozo (como o comodatário, do o
arrendatário, como o do titular de uma servidão pessoal, como o de alguém que tenha num contrato de
locação financeira, etc.) também só consegue satisfazer o interesse que o leva a adquirir esse direito só o
consegue atuando sobre a coisa (p. ex., um comodatário, ou alguém a quem é emprestado um bem imóvel,
só satisfaz o interesse que o levou a celebrar aquele contrato, se de facto usar a coisa - se for viver para a
casa, se a utilizar enquanto não lhe é entregue a casa, ele tem só um direito de crédito; mas depois da
entrega, a verdade é que ele satisfaz o seu interesse atuando sobre ela, sobre a coisa). É um poder que é
imediato como o real (imediato no sentido de que o titular satisfaz o seu interesse atuando diretamente
sobre uma coisa - i) o comodatário satisfaz o seu interesse enquanto vive na casa, e não quando o
comodante cumpre os seus deveres - o comodante entrega-lhe a coisa, o contrato celebra-se e fica
perfeito, o comodato constitui-se, e ele a seguir o que quer é que o comodante saia; ii) a mesma coisa no
arrendamento - se alguém celebra um contrato de arrendamento, o senhorio está obrigado a entregar-lhe a
coisa, mas depois de lhe entregar a coisa o arrendatário satisfaz o seu interesse que o levou a celebrar o

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contrato, i. é. viver na casa, se o senhorio se mantiver à distância, no máximo que o chame quando hora
obras para fazer; também é um poder imediato depois da entrega, que é quando surge o verdadeiro direito
pessoal de gozo), mas só se pode exigir o cumprimento a uma só pessoa - aquele que celebrou o contrato
(o comodante, o senhorio) -, é um poder que é relativo/ eficaz inter partes, aproximando-se dos direitos de
crédito.

Numa perspetiva, o direito pessoal de gozo aproxima-se de um direito real, da outra perspetiva
aproxima-se dos direitos de crédito - por aí se diz que é um terceiro género

No confronto que assinalámos supra, entre um direito imediato e eficaz erga omnes e um direito também imediato mas
apenas eficaz inter partes, prevalece o direito real - o comodatário podia pedir/exigir algo ao anterior, ao comodante,
àquele que tinha sido proprietário e que lhe deu em comodato/que lhe emprestou, pois este direito é apenas eficaz inter
partes. Não pode fazer qualquer exigência ao novo proprietário (porque o seu direito é eficaz erga omnes, perante quem
quer que seja), e assim prevalece um direito real sobre um direito pessoal de gozo (como prevalece sempre um direito
real perante um direito de crédito).

E assim, o novo proprietário pode não cumprir o contrato de comodato com o terceiro, porque não foi ele que o
celebrou/que se obrigou, ele não tem um qualquer vínculo perante B. Adquiriu um direito pleno e eficaz erga omnes, não
se obrigou, e não está vinculado. Do outro lado está apenas um direito pessoal de gozo. Portanto B pode ser expulso da
habitação. Outras contas terão de ser feitas com o antigo proprietário - com quem se vinculou a emprestar-lhe 5 anos, e
que depois vendeu.

Poderá ter direito a uma indemnização? Poderá ter perante A, mas não perante C.

Caso Prático 2

Suponham agora o seguinte:

A, proprietário de um prédio rústico, onde existe uma mata de sobreiros, vendeu a B 50 árvores 🌲 que foram marcados

a tinta vermelha com as iniciais do comprador, porque não se destinavam ao corte. O preço de venda foi pago
imediatamente.

Agora A vendeu o prédio a C que se opõe ao exercício do direito adquirido por B.

Se tivesse de resolver o conflito, a qual dos direitos conferia prevalência?

Resolução:

Estão em confronto aqui um direito de propriedade pleno e um direito de propriedade superficiária.

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C adquiriu o direito de propriedade (adquiriu o prédio) - é o direito real de gozo mais amplo, sendo o direito de gozar,
fruir, dispor juridicamente o domínio da coisa -, e em princípio de acordo com o art. 1344º CC, o dono do solo é dono
daquilo que nele esteja implantado, é dono do que esteja no subsolo, e é dono até do espaço aéreo sobre o solo. Assim,
a regra é que, se num prédio existem as arvores, estas pertencem a quem for dono do solo - era o A, depois o A vendeu
a C que adquiriu o prédio, e este em princípio seria o dono de tudo o que existisse sobre o prédio, no subsolo ou no
espaço aéreo.

Mas há exceções:

1. No 1389º e 1390º CC onde o legislador admite que o dono de um prédio possa vender as águas,
mantendo-se o proprietário do solo (uma nascente, uma fonte). Admite que haja desmembramento do
objeto, permanecendo dono do solo, das árvores, da casa, mas não das águas.

2. Na propriedade horizontal também há outra exceção - os donos do solo são todos os condóminos, todos os
que sejam proprietários/consortes das frações são proprietários dos solo. No entanto, depois cada uma das
frações pertence individualmente a cada qual.

3. A propriedade superficiária também é outra exceção, sendo o que está em causa neste caso prático - as
podem ser vendidas árvores já existentes no solo para se manterem lá presas ao solo, e as árvores
passarem a pertencer a uma pessoa diferente daquela a que pertence o solo. Podem ser vendidas árvores
ou obra que já exista, e se isso acontecer constitui-se um direito de superfície - previsto no art. 1524º e ss.
CC, é um direito real de gozo, e consiste no direito de fazer e/ou manter obra ou plantação em prédio
alheio. Pode assumir varias modalidades, art. 1528º CC:

(1) Pode ser primeiro o direito de fazer a obra ou plantação - nessa medida é um direito real menor de
gozo. Mas logo que a obra ou plantação esteja feita, quem a fez torna-se proprietário dela -
proprietário superficiário.

Pode tratar-se de fazer e depois manter a propriedade superficiária

(2) Ou pode começar logo por ser propriedade superficiária - pode-se transmitir obra ou as árvores
que já existam.

• Não se deve falar de propriedade apenas: porque não é exclusivo, estando acompanhado de outro direito
(e a propriedade é um direito exclusivo). Tem algumas limitações, ao contrário do direito de propriedade (se
as árvores caírem terão de ser replantadas dentro de um determinado prazo).

Aqui as árvores já existiam, portanto constitui-se um direito de superfície se tiver sido seguida a forma proposta pela lei,
já na modalidade de propriedade superficiária. Quando em causa estejam direitos reais, se o bem for um imóvel, o

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negocio só será válido se for reduzido a escritura pública ou a documento particular autenticado3 (exceção ao direito
real de habitação periódica, porque tem aí uma especificidade), e isto desde Janeiro de 2009. Antes de Janeiro de 2009
tudo o que tivesse a ver com direitos reais sobre imóveis implicava, para que fosse válido o negócio, escritura pública,
sob pena de nulidade por vício de forma (IMPORTANTE PARA AS DATAS DOS CASOS PRÁTICOS).

A regra aqui quanto à forma é a regra da compra e venda, que se aplica aos outros negócios jurídicos onerosos através
dos quais se alienem bens, ou se onerem bens (onerar bens é constituir direitos reais menores) nos termos do art. 939º
CC. Quanto à forma, vide art. 875º CC.

No confronto entre estes dois direitos reais, o direito de superfície foi o primeiro que se constituiu, e quando se constitui
é direito real, logo eficaz erga omnes, e não apenas inter partes. Quando o A transmitiu o seu direito de propriedade
transmite o que tem (ninguém pode transmitir mais direitos do que aquilo que tem - princípio do nemo plus iuris), e
assim temos de ter em atenção que A já tinha a propriedade onerada (com um direito de propriedade superfíciária), e é
isso que ele transmite. Portanto o novo proprietário, C, adquiriu propriedade oneradas e vai ter de respeitar o direito de
B (porque é um direito real, logo tem eficácia erga omnes; assim prior in tempore, potior in iure - direito tornou-se
eficaz perante quem quer que fosse primeiro), e nada poderá fazer.

A não ser que B (proprietário superficiário) não tivesse registado o direito, porque os direitos reais adquirem-se e
são eficazes erga omnes, mas têm de ser registados para consolidar essa eficácia/oponibilidade perante quem quer que
seja (para evitar que apareça um terceiro que tenha um direito conflitante que registe primeiro, acabando este por
ganhar4). Assim tudo dependia se B tenha registado (aqui valeria a presunção de primariedade) ou não (se ambos não
tivessem registado valia o princípio do nemo plus iuris; se B não tivesse registado, e o C tivesse registado, este último
ganharia) o seu direito.

Caso Prático 3

Suponham o seguinte:

A atribuiu a B o direito de este (de B) caçar no seu prédio. Agora A vendeu o prédio a C, e o C impede B de entrar no
prédio. Pode B reagir?

Resolução:

O direito de B (de caçar no prédio de A) é uma servidão pessoal (é para ele caçar apenas) - sempre que é um encargo
imposto a um prédio em benefício de uma pessoa (também temos o oposto - servidões de gleba), e não é um direito

3 É um documento que em teoria é feito pelos particulares, e que depois leva um termo de autenticação feito por um advogado ou um solicitador ou pela câmara de comércio e
indústria. MÓNICA JARDIM diz em teoria, porque primeiro era escritura pública - que consiste em um notário num cartório notarial que a redige e fazia tudo, -, e de repente a partir
de Janeiro de 2009 o legislador vem dizer “bem, pode ser um documento particular, desde que leve termo de autenticação”. Crítica de MÓNICA JARDIM: como se os portugueses,
de um momento para o outro, começassem aí a fazer compras e vendas, a constituir propriedade horizontal, etc...

É claro que o documento é feito pelo advogado, pelo solicitador, e depois ele também apõe o termo de autenticação.

4Podia ter acontecido isto: o A constituiu o direito de superfície a favor de B, e este não registou. E a seguir A, em vez de se limitar a transmitir o direito que tinha - que era
propriedade onerada -, vende a propriedade a C, e este convenceu-se de que estava a adquirir propriedade livre e desonerada. Se o C também não registasse, o B ganhava
(mantinham-se as regras do direito substantivo); mas se o C registasse, de acordo com o art. 1º C. Reg. Pred., o C adquiria propriedade plena, e o direito de B, que tinha nascido
com eficácia erga omnes, caia (não tinha consolidada oponibilidade).

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real pois a lei só admite como direito real as servidões prediais - tem de ser um encargo imposto a um prédio em
benefício de um outro prédio. No entanto, este atribui um direito imediato sobre a coisa, sendo também um direito
pessoal de gozo.

A solução é a mesma que no primeiro caso prático. Prevalece assim a propriedade do novo proprietário, e este pode
impedir que o titular da servidão pessoal continue a passar nesse prédio (prevalece o direito eficaz erga omnes perante
aquele que é eficaz inter partes/relativo). O direito que essa pessoa tinha, tinha-o perante A, e não perante quem quer
que fosse.

As coisas já mudariam de figura se se tratasse de um hotel cujos hóspedes têm o direito de caçar nesse prédio - já é um
benefício imposto a um prédio em favor de outro prédio (seria um benefício para o hotel, para que este fosse mais
lucrativo). Quando se pensa num hotel, ele tem de existir num determinado espaço físico, sendo necessário recorrer ao
art. 204º CC para ver o que é um prédio rústico/urbano.

Temos assim nas servidões i) sempre de ver se há uma relação de predialidade ou uma relação entre
pessoas, ii) sendo que se não for uma relação entre pessoas (se houver um “algo”) convém sempre
confirmar se estão em causa 2 prédios - ver art. 204º CC para ver se é um prédio (ex.: A atribuiu a B o direto de
estacionar a sua roulote no seu prédio, e vender bifanas e finos - a roulote não é prédio, apesar de o direito se
constituir em favor da roulote)

Caso Prático 4

Suponham o seguinte:

Zulmira é proprietária de um apartamento situado na Figueira da Foz, e para garantia de um credito no valor de
150.000€ que tem para com Xavier, constituiu em 2000, em benefício deste e sobre aquele imóvel, uma hipoteca que
foi devidamente registada.

Para garantia de um outro crédito, no valor de 75.000€, Zulmira sugeriu a um outro seu credor, Valentim, a constituição
de uma segunda hipoteca sobre o mesmo apartamento.

Valentim consulta-o para saber se deve ou não aceitar esta proposta. O que lhe responderia, atendendo a que o
apartamento não valerá mais do que 250.000€?

Resolução:

O que é uma hipoteca? Uma hipoteca é um direito real de garantia - que atribui ao seu tributal poder de satisfazer o seu
crédito à custa de um bem certo e determinado (neste caso um apartamento) com preferência face aos demais
credores.

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Ou seja, se a Zulmira não pagar o que deve (i. é., cumprir com as suas obrigações), o credor intenta a ação executiva e
promove a venda judicial daquele imóvel. Com o produto obtido em tribunal, o primeiro que vai ser pago é o credor que
tem aquela hipoteca.

A hipoteca tem sempre por objeto só imóveis - art. 688º CC (consultar o art. 204º CC para se saber o que é um imóvel,
ou o que consta dentro dos imóveis, ou o que o legislador entende por imóvel5 ). Atribui preferência na satisfação do
crédito (art. 686º CC), e está sujeito a registo, com a especificidade de ser constitutivo - enquanto não há registo, não há
hipoteca; mesmo quando a hipoteca nasce/pode nascer em virtude de um negócio/contrato, este só por si não chega,
sem registo ainda não há hipoteca apenas há negócio hipotecário (art. 687º CC e art. 4º C. Reg. Pred.).

Depois de ser constituída hipoteca a favor de Xavier, Zulmira é sempre a proprietária do apartamento - a hipoteca não é
um direito real de gozo, é um direito real de garantia (um titular de um direito real de garantia apenas tem o poder de
promover a venda judicial do bem, e com o produto da venda satisfazer o seu crédito com preferência face aos demais
credores). Tanto assim é que nem sequer pode ser introduzida uma cláusula de inalienabilidade - que impeça a
proprietário/a de vender (art. 695º CC). Mas ela quer constituir uma segunda hipoteca sobre o mesmo prédio, e não há
qualquer problema teoricamente - os direitos reais de garantia não se excluem, podem conviver (tal como pode haver
um direito de propriedade mais uma servidão, ou propriedade mais um usufruto, podem existir duas hipotecas sobre o
mesmo prédio. Só há dois direitos reais que não podem existir ao mesmo tempo - dois direitos de propriedade, porque
são direitos tão amplos que só há 1 proprietário (mas já não no caso de compropriedade), e dois direitos de usufruto,
porque também é um direito muito amplo, o direito de usar e fruir plenamente, e assim se é plenamente não pode ter
outro a ter igual poder de uso e fruição como direito autónomo (mas já não no caso de conusufruto - um só direito para 2
pessoas).

Se a Zulmira não pagar o que vai acontecer? Os dois credores têm um direito a satisfazer o seu crédito com preferência
face aos demais credores que não gozem de garantia real anterior. Mas qual deles primeiro? Prevalece aqui o que foi
primeiramente constituído (“...que não gozem de garantia real anterior”). Assim Xavier terá o seu crédito satisfeito
primeiramente, devendo observar-se a data do registo (a hierarquia é dada pelo registo).

Quando se celebra um contrato de mútuo, quando se pede emprestado dinheiro, ou quando se constitui uma hipoteca, a
hipoteca não vai apenas servir apenas para que o credor consiga reaver aquilo que emprestou (ninguém empresta de
graça, a não ser família e nem toda). É claro que o Xavier não emprestou 150.000€ à Zulmira para não receber nada, e
a hipoteca tem que garantir é que vai reaver aquilo que emprestou, mais juros remuneratórios, mais eventuais juros
moratórios, mais todo um outro conjunto de despesas (p.ex. despesas de justiça, com advogados) - art. 693º CC, sendo
o limite dos juros remuneratórios 3 anos.

No nosso caso, nós tínhamos uma primeira hipoteca que garantia um empréstimo de 150.000€, mas não é só para
pagar esse valor - é esse valor mais os juros remuneratórios, mas juros moratórios, mais despesas de justiça, etc. Ela
quer constituir uma segunda hipoteca para garantir um crédito de 75.000€, que também não vai ficar só neste valor.
Mesmo que fossem só 150.000€ + 75.000€ já dava 225.000€, e diz-se que o apartamento não valerá mais do que
250.000€. Ou seja, o problema é que neste caso só sobram 25.000€ - é pouco o valor que há para cobrir os restantes

5O legislador podia não ter definido o que era um bem móvel e um bem imóvel, mas havia situações que podiam ser mais complicadas. P ex., um direito de usufruto sobre uma
casa pode ser dado em hipoteca? É ele próprio considerado um imóvel, um direito? Os direitos também podem ser objeto de outros direitos. Para solucionar situações destas ou
outras mais evidentes ou menos evidentes: p. ex., a água é um bem móvel ou bem imóvel? Assim, o legislador resolve tudo no art. 204º para os bens imóveis, o que não está no
art. 204º CC não é considerado móvel.

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montantes do Xavier, e só depois entraria o seu pagamento, por isso Valentim poderia era não conseguir reaver sequer
os 75.000€. Se calhar é melhor não aceitar está hipoteca.

Poderia era exigir uma outra garantia complementar para além desta hipoteca.

Caso Prático 5

A constituiu a favor de B um direito de usufruto sobre um prédio urbano. B foi para lá viver com a sua família. Agora A
transmitiu o direito de propriedade a C, C mudou as fechaduras da porta, e o usufrutuário e a respetiva família está
impedido de entrar no prédio. Quid Iuris?

Resolução:

Antes de mais, temos em confronto dois direitos reais: o direito de propriedade pleno e o direito de usufruto. Sabemos
que o direito real, mesmo que posteriormente constituído, prevalece sobre um direito de crédito ou um direito pessoal de
gozo. Mas estão em causa dois direitos reais. Prevalece, uma vez mais, o direito real primeiramente constituído (dois
direitos reais em confronto) - o direito de usufruto (direito de usar e fruir plenamente coisa ou direito alheio, desde que
não altere a forma ou a substância) é o direito real mais amplo a seguir ao direito de propriedade. Assim, o direitos de
usufruto, que possui todo um conjunto de regras que o fazem valer por si, é eficaz perante o antigo proprietário e é
eficaz perante um outro. Fica nua propriedade (propriedade despida quase de poderes), ou uma propriedade de raiz
(uma propriedade onerada com um direito de usufruto).

Podia C mudar as fechaduras? Quando se diz que um direito real é um direito forte, eficaz erga omnes, isto tem de ter
consequências, ou seja, impõe-se a quem quer que seja (vs direitos de crédito e direitos pessoais de gozo eficazes inter
partes). Se goza de eficácia erga omnes, se todos os outros têm de se afastar e não se podem imiscuir com a coisa,
tem que haver meios de defesa, formas de reagir, (formas de defender este direito forte, senão era só conversa). Então
o direito real, precisamente porque é um poder direto e imediato sobre uma coisa, e por isso é eficaz erga omnes,
consequentemente é um direito que goza de uma forte tutela. Concretamente, o usufrutuário tem de ter forma de reagir,
nos termos da lei claro (ex.. o usufrutuário podia chegar lá e voltava a mudar as fechaduras).

O que acontece quando este direto real é violado (todos estão vinculados a este dever geral de abstenção, mas isto não
é sinónimo de não poder ser violado como em tudo na vida, e por isso é que existem as regras), é que aquele que viola
o direito real passa a estar obrigado (uma verdadeira obrigação) a repor a situação que existia antes (suponhamos que
A é dono de um terreno, e que B chegou lá e depositou materiais de construção - o entulho - porque andava a concluir
uma obra qualquer; ele não podia porque ninguém lhe tinha atribuído esse direito que legitime a sua atuação; assim
viola o direito de propriedade de A; ao violar o direito de propriedade de A, automaticamente passa a estar obrigado, e é
uma verdadeira relação creditória, a repor a situação que existia antes - passa a estar obrigado a retirar o entulho que lá
colocou). Quando esta obrigação, que nasce da violação de um direito real, impende sobre aquele que violou o direito
real e surge em defesa do direito real, trata-se de uma pretensão real - um verdadeiro direito de crédito para defesa do
seu direito real. Quando falamos de obrigação real, dizemos que esta impende sobre o titular do direito real pelo simples
facto de o ser, e é uma verdadeira obrigação. Já a pretensão real impende sobre aquele que viola um direito real, e

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surge por força dessa violação e para repor aquela situação que existia antes (outro exemplo: suponhamos que A é
dono de um prédio rústico, e que o B chegou lá e instalou-se no prédio e começou lá a habitar, a cultivar o prédio, a
plantar umas árvores, etc; violou o direito de propriedade de A, desde que não lhe tenha sido atribuído nenhum direito
para praticar tais atos - violou o dever geral de abstenção; porque viola o dever geral de abstenção passa a estar
obrigado a repor a situação que existia antes - nasce uma pretensao real; assim, se o A está privado da coisa, B tem de
lhe entregar a coisa, deixando de plantar, cultivar, tem de retirar tudo o que lá colocou, etc.). Assim, o proprietário vai ter
de repor a fechadura - violou o direito de usufruto, violou o direito geral de abstenção que sobre si impendia, fez nascer
uma pretensão real em que ele é obrigado e o titular da pretensão é o titular do direito real, e vai ter de repor a situação
que existia antes.

Como é que se pode “cobrar” esta pretensão real? As pretensões reais atuam processualmente através de ações, e há
2 grandes ações de defesa dos direitos reais: a ação de reivindicação e a ação negatória:

1. Se se vir privado de uma coisa (se deixar de ter a coisa em seu poder), deve intentar uma ação de
reivindicação, e quando a intenta vai buscar/vindicar a coisa (quer que a coisa lhe seja devolvida, rei =
coisa), e exerce não só este direito de crédito que emergiu da tal pretensão real, e ao mesmo tempo exerce
a faculdade, inerente aos direitos reais, que é o poder de seguir/perseguir a coisa - sequela.

2. Se viu o sue direito real violado mas não está privado da coisa, intenta uma ação negatória (veja-se o
exemplo supra dos materiais de construção que foram depositados), e quer que a situação que existia
antes da violações seja reposta na medida do possível. Uma ação negatória tem 3 pedidos:

i) Por um lado pede-se que se declare que o outro não tinha um qualquer direito que legitimasse a
sua ação (daí vem o nome negatória);

ii) Segundo, que se reponha situação que existia anteriormente (que seja condenado - uma ação de
condenação);

iii) Pode ainda haver um 3º pedido, que em regra é feito mas pode não estar, que é pedir uma
indemnização (dos prejuízos causados).

• Exemplo clássico das ações negatórias (MUITO IMPORTANTE): Suponhamos que A é dono de um
terreno, e que como este é pequeno quer construir até à extrema (o limite do seu prédio). Do ponto de vista
dos direitos reais ele pode fazê-lo (não estamos a pensar do ponto de vista do direito do urbanismo, que
depois também depende de câmara para câmara), mas se o quiser fazer não pode abrir janelas/varandas/
portas (na zona que fôr até à extrema) para não devassar o prédio do vizinho. Ora, A abre enormes janelas
a dar sobre o prédio do vizinho. Este vizinho pode reagir, intentando uma ação negatória (ao abrir as
janelas, A está a violar o dever geral de abstenção do direito de propriedade do vizinho, logo faz nascer
uma pretensão real - passa a estar obrigado e o vizinho passa a ter um direito de crédito, atuando essa
pretensão real através de uma ação negatória) - ele não precisa de perseguir a coisa, e vai pedir que se
declare que o A não tem um qualquer direito que legitime a abertura da janela (podia ter uma servidão de

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vistas, mas não tem), depois faria outro pedido de condenação a repor a situação que existia antes, de não
devassa (fechar a janela). 6

Em reais nos casos práticos temos de fazer este jogo: temos de ser muito rigorosos, por um lado, mas também temos
de pensar muito como o homem médio (com os pés no chão): conciliar a parte jurídica com a real (p. ex., qual seria a
reação dos nossos avós perante certo problema).

6Nos exames as respostas são para todos os gostos: há quem diga que deve pedir que a casa seja demolida; houve quem dissesse também que devia pedir que a casa fosse
afastada.

Também há colegas que se convencem que não podem construir até à extrema - pode-se construir até à extrema/limite do prédio, não se pode é abrir janelas (para o fazer tem de
se guardar 1,5m). Nas orais é muito perguntado e as pessoas erram, dizendo que não se pode construir até á extrema. MÓNICA JARDIM depois pergunta se é construir ou se não
será outra coisa, até manda levantar as pessoas para irem à janela (as pessoas vão, mas vão sem ver), “olhe lá para a cidade, mantém a sua resposta?”. Quantas casas estão aqui
coladas na alta da cidade? Quando MÓNICA JARDIM provoca as pessoas nas orais é um pouco um aviso “vá acordem, pensem lá como um homem médio”, bastando depois falar
rigorosamente.

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Aula 2 - 20/03/17

Obrigações reais7

Caso Prático 6

A, proprietário de uma vivenda, constituiu a favor de B um usufruto. Em Janeiro, um vendaval provocou o


desaparecimento de algumas telhas, o que gerou problemas de infiltrações. Em Fevereiro, B doou o usufruto a C. Hoje
A exige que C proceda às reparações necessárias, mas este argumenta não estar obrigado a tal despesa, uma vez que,
ao tempo da deterioração, era B o usufrutuário do imóvel.

Quid Iuris?

Resolução:

O usufrutuário pode transmitir o seu direito? O direito do usufruto é um direito real de gozo, o mais amplo a seguir à
propriedade (pode usar e fruir plenamente coisa ou direito alheio), não podendo transmitir a coisa (a coisa que é objeto
do usufruto não é sua, pertence em propriedade a outro), tão-só o direito (que é seu) - art. 1444º CC (à expressão
utilizada pelo legislador é “trespasse”). O usufrutuário pode dar de arrendamento ou em comodato a coisa, pode onerar
o direito com uma hipoteca e pode transmitir o direito.

O proprietário da casa entende que não tem de ser ele a pagar, que a responsabilidade não é dele, é assim ou não? A
responsabilidade de proceder à reparação é do usufrutuário, porque quem está obrigado a proceder à benfeitoria
necessária (uma despesa feita para evitar a perda ou a deterioração da coisa) - prevista no art. 216º CC -, uma vez que
o art. 1472º CC assim o prevê. É uma obrigação de fazer de conteúdo positivo (reparar), e denomina-se de
obrigação real (e não autónoma ou tout court) - que impede sobre o titular do direito de usufruto pelo simples
facto de o ser, tem origem numa norma de direito privado (neste caso) - art. 1472º CC -, e cujo credor é o
proprietário do imóvel. Esta obrigação nasceu na esfera jurídica de B em Janeiro, quando ocorreu o vendaval e as
telhas desapareceram, só que B entretanto transmitiu a C o direito do usufruto, e o proprietário está a fazer a cobrança
a C, defendendo-se C dizendo que não tem de custear tal despesa porque na altura não era o usufrutuário. Não se vai,
no entanto, pelo critério de saber se os pressupostos que deram origem à obrigação continuam a ser revelados/
manifestar-se na data da transmissão do direito - só assume relevância quando está em causa uma obrigação de dar.
Quando em causa uma obrigação de dar é que pode estar em causa ser uma obrigação ambulatória ou não (consoante
o resultado da aplicação deste critério), sendo uma obrigação de fazer estas são sempre/inevitavelmente ambulatórias
(não sendo B o usufrutuário da casa não tinha um qualquer poder para intervir sobre a coisa/atuar sobre a coisa; aquele
que deixa de ser titular de um direito real depois não tem legitimidade para aturar sobre a coisa, para praticar atos na
coisa). Desta forma, concluímos que o argumento de C não procede, e terá de reparar o telhado.

7 Estes casos nunca saem. Mas se saírem, é um embrulho para dizer tudo o que sabem sobre isto teoricamente.

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E se C não quiser reparar o telhado (p. ex., se o valor do usufruto for baixo), tem alguma alternativa para se libertar
desta obrigação? Não pode ser a renúncia abdicativa porque conduz à renúncia do direito (não lhe interessa deixar de
ser o titular do direito) - consiste num negócio jurídico unilateral, não recetício, e gratuito. Tem de ser uma renúncia
liberatória8 - negócio jurídico unilateral, recetício, e oneroso -, ele renuncia para não cumprir a obrigação.

Caso Prático 7

Suponham o seguinte:

A, B e C, proprietários de pomares em determinada zona do país, vincularam-se, enquanto proprietários dos respetivos
prédios (e não em nome individual), no seguinte sentido: os proprietários dos prédios a', b', e c', mesmo quem quer que
venham a ser no futuro, estão/ficam obrigados a conservar a fruta dos pomares no interposto frigorífico “fruta-fria”.

Agora A vendeu o prédio a x, e este não pretende conservar a fruta no tal interposto frigorífico, porque trabalha há
muitos anos já com outro interposto frigorífico, e portanto vai continuar a trabalhar com quem sempre trabalhou também
com a fruta deste seu novo pomar. Isto é possível?

Resolução:

Estamos perante uma obrigação real (foi isto que A, B, e C quiseram criar), um obrigação de conteúdo positivo que
impende sobre o titular do direito real. As obrigações reais têm como fonte:

1. Normas de direito público;

2. Normas de direito privado;

3. Normas de direito privado que permitam que as partes criem estas obrigações (p. ex., em matéria de direito
de superfície podem estabelecer que o usufrutuário pague um x).

Não há nenhuma norma que imponha/permita aos proprietários de pomares criar uma obrigação deste tipo, o que quer
dizer que eles quiseram criar uma obrigação real não prevista por lei. Podem fazê-lo? Que princípio é que vale em
matéria de obrigações reais (ainda quanto à especificidade do seu regime)? Ora vale aqui o principio da taxatividade -
as obrigações reais são apenas e só as previstas na lei, ou aquelas que a lei admite que as partes criem. Violando este
princípio, vale uma norma que é o art. 1306º CC, e esta obrigação é uma obrigação tout court autónoma (e não como
obrigação real) - só vincula A, B e C.

8 Uma das especificidades das obrigações reais vs obrigações autónomas.

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Imaginenemos uma hipótese semelhante: todos os condóminos de um prédio sujeito ao regime da propriedade
horizontal concordaram que ao sábado de manhã o proprietário do rés-de-chão direito lava os carros a toda a
gente, e este também concordou nisso. Depois vendeu a casa, e o novo proprietário não quer lavar os carros - era
uma obrigação que viola o princípio da taxatividade, logo não pode valer como obrigação real, apenas vale entre
aqueles que se vincularam (e não mais do que isso).

Caso Prático 8

Suponham agora o seguinte:

A construiu uma casa, abrindo janelas para o prédio de B sem deixar um intervalo de 1,5 m.

Pergunta-se:

1 - A, antes de abrir as janelas, tinha alguma obrigação perante B?

2 - E depois da construção e abertura das respetivas janelas?

3 - Decorridos 20 anos B ainda poderá reagir?

Resolução:

1 - Antes da construção, A tinha alguma obrigação perante B? As obrigações reais são apenas e sempre de conteúdo
positivo - de dar ou fazer -, e não de conteúdo negativo. Quando alguém está vinculado a não fazer, impende sobre si
uma restrição, que não são verdadeiras obrigações reais - o legislador quando impõe restrições, não o faz para que os
proprietários de prédios vizinhos assumam relações intersubjetivas, mas sim para delimitar o campo de atuação de cada
direito de propriedade, não mais do que isso (para evitar conflitos).

Por outro lado, como nós não defendemos, ao contrário dos defensores da teoria eclética, que os não titulares do direito
real estão vinculados por uma obrigação passiva universal, mas antes por um dever geral de abstenção, também tinha
que se dizer que não, também não há aqui qualquer obrigação.

2 - Depois da construção passou a estar obrigado ou não? As obrigações reais podem nascer de uma norma de direito
privado, de normas de direito privado que permitem às partes criar obrigações reais, e ainda da violação de restrições
no âmbito das relações de vizinhança. Ele não estava de facto obrigado, não tinha qualquer obrigação real antes, mas
ao abrir a janela, violou o dever geral de abstenção, porque passou a poder devassar o prédio do vizinho - a janela foca
aberta e pode-se ver/devassa o prédio do vizinho, que é o que a lei não pretende. Quando há esta violação, porque o
direito real é um direito eficaz erga omnes, surge uma pretensão real - que se traduz numa verdadeira relação
obrigacional, e o obrigado (quem violou o dever geral de abstenção) fica obrigado a repor a situação em conformidade

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com o estatuto do direito real que violou (no caso, fechar a janela). Não se trata de repor a situação que materialmente
existia, é deixar de violar o direito real do vizinho. Ele passa a ser o obrigado, o credor é o titular de o direito real violado
- são verdadeiras obrigações também.

Podemos acrescentar a especificidade que, a par da violação do dever geral de abstenção (o direito de propriedade
alheio) fazendo nascer uma pretensão real, A violou uma restrição que se impõe ao seu direito de propriedade, e
também terá de repor a situação em conformidade com o estatuto do seu direito real (quando ele fechar a janela, não só
está a repor situação em conformidade com o direito de propriedade do vizinho, mas com o estatuto do seu próprio
direito real.

E porque assim é, esta obrigação que nasce na esfera jurídica do A por ter aberto as janelas, não é uma obrigação que
se integra na pretensão real, é também uma obrigação real - que é para repor a situação que existia antes também do
seu direito, em conformidade com o seu direito.

(o art. segundo o qual ele pode abrir janelas junto às extremas é o art. 1360º CC)

3 - Outra especificidade do regime das obrigações reais (para além da taxatividade, e da questão da ambulatoriedade
ou não) é o facto de não prescreverem, portanto o vizinho não poderia vir invocar o art. 305º CC, mas de facto poderia
vir a acabar com esta obrigação real (só que não era pela descrição). No entanto, apesar de não prescreverem, a
obrigação real surgiu, dando origem a uma situação que pode conduzir à aquisição de um direito real por usucapião.
Neste caso abriu-se uma janela, a obrigação real nasce porque se abriu uma janela e estava obrigado a fechá-la. Esta
abertura da janela pode conduzir à aquisição de uma servidão de vistas por usucapião - art. 1362º CC. Não é uma
servidão legal, está apenas prevista a sua possibilidade de aquisição pela usucapião (ao contrário das servidões legais,
que podem ser constituídas coercivamente - não se pode ir a tribunal e pedir que se constitua mesmo contra a vontade
do outro), aqui o que se passa é que se a janela lá permanecer 20 anos, A vai exercer posse pacífica e pública, em
termos de servidão de vistas durante 20 anos, e depois pode invocar a usucapião e adquirir originariamente a servidão.

Há prazos para se poder adquirir originariamente um direito por usucapião. Mas não basta isto (não basta 15 anos se a
posse tiver determinadas caraterísticas, ou 20 anos), porque ele não adquiria automaticamente a servidão de vistas,
tinha que invocar a usucapião, judicial ou extrajudicialmente (art. 1292º CC, que remete para as normas da prescrição,
nomeadamente o art. 303º CC).

RESUMINDO: a obrigação real não prescreve (não se aplica o art. 1305º CC), mas a verdade é que essa obrigação
pode-se extinguir caso a situação existente em concreto permita a aquisição originária de um direito real (aqui permitiria
a aquisição originária de uma servidão de vistas), ponto era que A invocasse a aquisição originária por usucapião

Caso Prático 9

Em 29 de Janeiro de 2017, um administrador da urbanização Flores do Mondego, constituída em propriedade


horizontal, celebrou, no âmbito dos poderes que lhe foram atribuídos pela assembleia de condóminos, um contrato com
B através do qual este se obrigou a reparar o telhado pelo valor de 2.500€.

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Entretanto o proprietário da fração A vendeu-a, e o novo proprietário não quer participar da despesa.

Por sua vez, o proprietário da fração B recusa-se a pagar a sua parte, dizendo que o responsável é o seu inclino, de
acordo com o acordado no contrato de arrendamento.

Quid Iuris?

Resolução:

Que tipo de obrigação é aquela? É uma obrigação real - art. 1424º CC (encargos de conservação e fruição).

O proprietário da fração B não tem razão, porque o sujeito passivo de uma obrigação real é sempre o titular do direito
real pelo simples facto de o ser, e essa obrigação emerge do estatuto do direito real. Mas ele não tem um contrato nos
termos do qual o inclino é que deve pagar? Isso é entre eles - primeiro paga ao administrador, e depois vai resolver a
questão com o seu arrendatário e vai obrigá-lo a cumprir aquele compromisso que assumiu; ou então vai ter com o
inclino e vai dizer “dê-me cá o dinheiro correspondente a está reparação, porque vinculou-se perante mim a fazê-lo, que
é para eu cumprir a minha obrigação real”. Perante os condóminos, o obrigado é ele, e não o seu inclino.

Quanto ao proprietário da fração A, já sabemos que é uma obrigação real. É uma obrigação de dar, e estas são
ambulatórias se os pressupostos que lhe deram origem ainda se mantiverem objetivados na coisa/revelarem à data em
que o direito é transmitido - o telhado ainda estava estragado no momento em que foi transmitido o direito, logo o outro
condómino terá que cumprir a obrigação, contribuindo para a reparação do telhado. Se o telhado já estivesse todo
reparadinho, se à data da transmissão do direito, os pressupostos que deram origem à obrigação já não estivessem
objetivados/manifestassem, aqui a obrigação não se transmitia, mantinha-se na esfera jurídica do antigo proprietário, e
deixava de estar ligada ao titular do direito real (tornava-se numa obrigação autónoma - uma obrigação real que não se
transmite autonomiza-se, e existe uma obrigação tout court). Neste caso transmitia-se.

Caso Prático 10

Imaginemos exatamente o mesmo caso prático anterior, mas em que todos os condóminos pagaram antes de ser feita a
obra (todos contribuíram para que se juntassem os 2.500€, na proporção devida), mas o administrador não entregou o
dinheiro à pessoa que devia de reparar o telhado, e este tinha exigido o dinheiro antecipadamente (primeiro recebia o
dinheiro, depois fazia a obra).

Os condóminos permanecem obrigados ou não?

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Resolução:

Sim, é uma outra especificidade do regime das obrigações reais. Nem sempre as obrigações reais se extinguem pelo
cumprimento - apesar de todos os condóminos a terem cumprido, a obrigação não se extinguiu porque os pressupostos
que lhe deram origem continuam a existir, e quando assim é é como se a todo o momento a obrigação se renovasse.
Eles são obrigados, enquanto titulares de um direito real, a contribuir; o administrador prestará (ou não) contas perante
eles, poderá ser exonerado, poderá ter de indemnizar, mas isso é outro assunto (isso é matéria obrigacional, não é
matéria de obrigações reais, nem de direitos reais).

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Preferência

Caso Prático 119

Suponham o seguinte:

A deu de arrendamento a B uma casa de praia durante o mês de Agosto passado. B pagou a renda antecipadamente, e
recebeu logo a chave da casa. De seguida, A deu de arrendamento a mesma casa, pelo mesmo período de tempo, a C,
tendo-lhe entregue também uma chave. No dia 01 de Agosto de 2016, o B chegou à dita casa para gozar as férias, e C
já lá estava instalado.

Quem é que tinha direito a lá passar as férias, o B ou o C?

Resolução:

Estão em causa direitos pessoais de gozo.

1. Se fossem direitos reais, direito primeiramente constituído prevalecia sobre direito posteriormente
constituído, porque é eficaz erga omnes;

2. Se fossem direitos de crédito, o devedor escolhe a quem paga/cumpre primeiro, e sofre as consequências
do não cumprimento em relação ao outro credor;

3. Nos direitos pessoais de gozo, de acordo com o art. 407º CC10, havendo conflito entre dois direitos
pessoais de gozo, prevalece o primeiramente constituído, ou seja, entre direitos pessoais de gozo vale
regra idêntica à que existe em matéria de direitos reais, não sendo eficazes erga omnes. A única
especificidade que temos de ter eme atenção é que um direito pessoal de gozo só existe quando o titular já
pode atuar diretamente sobre a coisa - antes, só com o contrato, só tem um direito de crédito; só depois de
lhe ser entregue a coisa, material ou simbolicamente, é que passa a ter direito pessoal de gozo, e pode
atuar sobre a coisa.

Neste caso foram entregues simbolicamente duas chaves a ambos (construiriam-se dois direitos pessoais de gozo
conflitantes entre si com esta entrega), e aplicando o art. 407º - devido ao tal conflito - é o primeiramente constituído, ou
seja, quem é que recebeu primeiro a chave. Ora, foi B quem recebeu primeiro a chave e prevalece o seu direito, apesar
de C ter ocupado primeiro a casa (o que interessa é quando foi constituído o direito pessoal de gozo).

A situação já seria diferente, se B não tivesse recebido a chave - seria só titular de um direto de crédito, ainda não podia
passar a titular de um direito pessoal de gozo. Aqui C seria titular de um direito pessoal de gozo (envolve um poder
direito e imediato sobre a coisa), e este prevalece sobre outro direito pessoal de gozo posteriormente constituído, e
assim por maioria de razão também prevalecerá sobre um simples direito de crédito, mesmo anteriormente constituído.

9 Às vezes este caso sai, e vale 5/6 valores, e só temos de saber uma norma e interpretá-la.

10 Art. muito importante. O nascimento do direito não é pelo contrato, supõe antes que já haja a coisa nas mãos, material ou simbolicamente, do respetivo titular.

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Caso Prático 12

A, proprietário e possuidor do prédio x, vendeu-o a B por escritura pública em 2015, tendo este começado
imediatamente a transformar o imóvel numa quinta dedicada à agricultura biológica.

Há dois dias, B foi surpreendido pela manha quando o seu vizinho decidiu despejar 2 toneladas de composto orgânico
no seu terreno, tendo assim destruído a plantação de abóboras.

Poderá B reagir?

Resolução:

Era necessário escritura pública? Até Janeiro de 2009 todos os atos que envolvessem constituição, modificação,
extinção ou transmissão de direitos reais sobre bens imóveis tinham de ser reduzidos a escritura pública (as pessoas
tinham de ir ao notário para que este lavrasse a escritura pública), se tal não ocorresse havia um vício de forma, e o
negócio era nulo (art. 220º CC). Valia a regra da compra e venda para os negócios onerosos (art. 875º CC, por força do
art. 939º CC - que é a norma remissiva), e quando os negócios fossem gratuitos valia a regra da doação (art. 947º CC ).
A partir de Janeiro de 2009, em todas as disposições onde se lia “escritura pública”, passou-se a ler escritura pública ou
documento particular autenticado (documento das partes com termo de autenticação).

B pode reagir porque é titular de um direto real, que é eficaz erga omnes (todos têm o dever de não se imiscuir - têm o
dever geral de abstenção). O vizinho, ao colocar as duas toneladas de estrume no prédio, violou o dever geral de
abstenção.e viola o dever geral de abstenção fez nascer uma pretensão real - fez com que na sua esfera jurídica
nascesse uma obrigação de repor a situação em conformidade com o estatuto do direito real. Se os direitos reais
fossem apenas eficazes erga omnes, mas depois não tivessem uma tutela forte, na prática não eram direitos fortes
(dizer que são direitos eficazes erga omnes, e depois não poder reagir perante uma atuação de um terceiro, faria com
que o direito fosse fraco), e essa forte tutela é assegurada através das pretensões reais - cada vez que alguém viola o
dever geral de abstenção, faz nascer na sua esfera jurídica uma obrigação , e na esfera jurídica do titular violado um
direito de crédito. Portanto o titular do direito de crédito pode ir exercer esse seu direito de crédito, para tentar repor a
situação em conformidade com o estatuto do seu direito real. Como é que o faz processualmente? Através de uma
ação, neste caso negatória - ele não tem de pedir a reivindicação da coisa, não foi privado dela (ele continua a ter o
terreno lá, até tem mais coisas lá). Esta ação é uma ação real, e não está prevista na lei (ao contrário da ação de
reivindicação que está prevista no art. 1311º a 1315º CC), mas ninguém nega que possa ser intentada (senão o direito
real não gozaria de uma forte tutela, e portanto estava-se a negar a eficácia erga omnes).

Que pedidos é que se formulam na ação negatória? Sempre 2 e pode haver um 3º:

1. Pede-se que se declare que aquele que violou o direito real (ou que assumiu tal comportamento) não tinha
um qualquer direito que legitimasse a sua atuação, e na ausência desse direito houve violação (podia ter

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havido autorização, ou um negócio mesmo). Que se negue, no fundo, a existência de um direito para atuar
daquele modo. Este 1º pedido corresponde a uma função declarativa da ação negatória (que se declare).

2. Depois há um segundo pedido, que é que se reponha situação material em conformidade com o estatuto
do direito real (que se reponha a situação que existia antes da violação, no entanto é preferível usar a
anterior formulação para não se pensar que tem de ser tudo exatamente igual - neste caso basta chegar lá
e retirar o entulho, mas basta pensar no caso de à pouco das janelas para chegar à conclusão de que não
é preciso repor a situação que existia antes (não é preciso deitar abaixo a casa, basta fechar a janela). Este
2º pedido é claramente um pedido de condenação (uma ação de condenação), e este pedido já não tem
uma função declarativa mas antes reparadora.

3. Para além disso pode ou não ser feito um 3º pedido, que a pessoa que violou o direito real seja condenado
a não mais volte a praticá-lo (a não praticar atoa daquele tipo). Nesta modalidade é um função preventiva.

4. Finamente, a par destes pedidos que são típicos da ação negatória, pode ainda somar-se um pedido de
indemnização se houver atuação culposa por parte de quem violou o direito real, e se tiverem sido
causados danos

As ações de reivindicação, negatória e de simples apreciação negativa são ações reais - servem para defesa de direitos
reais. Se assim é, vale o art. 581º/4 CPC - as ações reais têm como causa de pedir o facto jurídico de onde emerge o
direito real. Porque é assim, quem intente uma ação de defesa de um direito real (seja negatória, seja ação de
reivindicação, seja a ação de simples apreciação positiva ou negativa) tem de provar que é titular do direito - neste caso
em concreto tinha de provar que era o proprietário do terreno onde tinha sido depositado o composto orgânico. A prova
do direito não é ou pode não ser simples (MUITO IMPORTANTE):

1. Quando uma pessoa é tutelar de um direito porque o adquiriu originariamente, p. ex. por usucapião, é fácil
porque ele não adquiriu de ninguém. A aquisição originária é mesmo isso - é adquirir independentemente
dos seus antecessores ou até contra eventuais antecessores. É fácil normalmente fazer essa prova - no
caso da usucapião não há invocação; se for invocação judicial tem a sentença que reconheceu a aquisição
originária; se for extrajudicial também há p. ex. a escritura que reconhece o que a pessoa invocou.

2. Nas aquisições derivadas é que surge o problema. Porque quem adquire derivadamente, adquire em
virtude de um negócio jurídico unilateral ou um contrato, adquire de outrem e funda o seu direito num direito
do antecessor. E não lhe basta provar que negociou com aquela pessoa (que celebrou o contrato de
compra e venda, que celebrou o contrato de doação), pois tem de provar que é titular do direito. E para tal,
tem de provar que A era o proprietário, não lhe basta dizer que, p. ex., comprou a A - pensemos no
princípio segundo o qual ninguém pode transmitir mais direitos do que aqueles que tem, A podia não ser o
proprietário (não lhe basta juntar a escritura pública ao documento particular autenticado - assim faz prova
apenas e só de que celebrou aquele contrato, e não faz prova de que tenha celebrado contrato com o
verdadeiro proprietário e que por isso se tenha também tornado proprietário). O que é que acontece?
Acontece que o A, muitas vezes, também adquiriu derivadamente, e então temos de ir ver de quem é que o
A adquiriu, de x. E se o x também tiver adquirido derivadamente o problema volta a colocar-se. É que nós
temos de ir em busca do verdadeiro proprietário, e só quando o encontrarmos e dissermos este é

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verdadeiro proprietário, então A adquiriu e quando este transmitiu o B também adquiriu. Acontece que
neste retrocesso/ida para trás em busca daquele que tenhamos a certeza que é verdadeiro
proprietário, vamos até alguém que tenha adquirido originariamente - só quando encontramos
alguém que tenha adquirido originariamente é que conseguimos dizer “lá atrás x adquiriu
originariamente, depois transmitiu a A portanto adquiriu, transmite posteriormente a B e este
adquire, o B a C e portanto o atual que efetivamente celebrou o negócio com B. É a denominada
prova diabólica das ações reais.

• No entanto, há formas de ultrapassar isto, de algum modo. Como a prova, nos termos de DPC, por
vezes o legislador, quando nós provamos algo, dá por assente que provamos outra coisa. São as
denominadas presunções. Portanto o legislador também fixa aqui presunções, p. ex. a posse -
exercer poderes de facto sobre a coisa como titular do direito, gera a presunção da titularidade do direito,
art. 1268º CC; o registo gera a presunção da titularidade do direito também, art. 7º C. Reg. Pred.

No nosso caso prático, para pedir para que fosse removido o composto orgânico do terreno, e que fosse indemnizado
do prejuízo que teve com as abóboras, teria de provar que tinha adquirido, mas como ele tinha adquirido de A
derivadamente não bastava juntar a escritura de compra e venda - isso era pouco -, ia ter de provar que A adquiriu
originariamente se isso tivesse acontecido; se não, tinha de ir para trás em busca de um antecessor que tenha adquirido
originariamente. Em alternativa, poderia usar de alguma presunção (p.ex., eu sou possuidor, exerço poderes de facto
sobre o terreno como proprietário que levou com o composto orgânico, logo sou o proprietário). No caso em concreto
como nada se diz temos de colocar várias hipóteses:

1. Se ele tiver o registo, pode usar a certidão do registo para beneficiar da presunção.

2. Se ele não tiver nenhum registo, como ele não foi privado da coisa e se mantém na posse, aind abeneficia
da presunção da posse (art. 1268º CC).

3. Mas se ele não invocar nenhuma destas presunções, então vai mesmo ter de ir em busca da aquisição
originária do seu antecessor.

Na prática, é muito comum as pessoas usar a presunção gerada pelo registo, mas invocando também a usucapião,
exatamente para não haver problemas com a prova diabólica - se só apresentar a escritura pública e não disser mais
nada, se não fizer prova do seu direito, mesmo que a outra parte não conteste já ganhou, porque o ónus da prova da
titularidade do direito impende sobre o autor

Caso Prático 13

Suponham que o Sr. A foi passar férias, e voltou ontem. Chegou a sua casa e tinham-lhe mudado as fechaduras e está
lá outra pessoa a viver.

O que pode fazer?

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Resolução:

Pode intentar uma ação de reivindicação. Esta ação está prevista nos arts. 1311º e ss. CC, e de acordo com o art. 1315º
CC aplica-se a outros direitos reais (p.ex., um usufrutuário que é privado da coisa pode também intentar a ação de
reivindicação).

Pedidos:

1. Pede-se o reconhecimento do direito;

2. E a restituição da coisa de que se foi privado, por outro que está a exercer posse indevidamente, ou que a
está a deter indevidamente (mas não a restituição do direito - erro muito vulgar nos exames/orais, porque o
direito a pessoa mantém, caso contrário não podia intentar a ação).

Não se intenta uma ação de reivindicação se não se foi privado da coisa, e deve-se formular os dois pedidos, muito
embora o primeiro do reconhecimento do direito já várias vezes os tribunais deram por assente que estava implícito no
pedido de restituição da coisa (apesar de ele não ter sido expressamente formulado).

A causa de pedir, nos termos do art. 581º/4 CPC, é o facto jurídico de onde deriva o direito real (o Sr. que viu a
fechadura da sua casa mudada, ia ter que provar que era o proprietário da casa).

Como fazia prova? Pois ou utilizava o meio fácil - a certidão do registo gera a presunção da titularidade do direito -, o
facto de ser possuidor até ali - a posse gera a presunção da titularidade do direito -, ou então se tivesse adquirido
originariamente não tinha problemas; se tivesse adquirido derivadamente, e não fizesse uso destes meios facilitadores
que são as presunções, teria de fazer a prova diabólica - tinha de ir em busca de um seu antecessor que tivesse
adquirido originariamente.

Como é evidente neste caso, como era no caso das abóboras, a estes pedidos pode-se juntar um pedido de
indemnização pelos danos sofridos, só que há que fazer uma ressalva - enquanto que os 3 pedidos da ação negatória,
e os dois pedidos da ação de reivindicação, os típicos, não supõem e não pressupõem culpa de quem viola o direito real
nem danos, o pedido indemnizatório já supõe culpa, e depois para conseguir que esse pedido indemnizatório seja
julgado procedente terá de fazer prova da culpa de quem o lesou.

Aula 3 - 03/04/17

Caso Prático 14

Entre determinada sociedade, proprietária de um colégio, e o dono de um terreno com este confinante, foi celebrado por
escritura pública, em 2008, um contrato onde se convencionou que os alunos do colégio, durante os períodos de

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recreio, poderiam utilizar o dito terreno. A sociedade dona do colégio pagou, como contrapartida, 15.000€, mas agora o
tal terreno foi vendido e o novo proprietário opõe-se a que as crianças continuem a ir para lá durante o tempo do recreio.

Quid Iuris? Que direitos estão aqui em causa?

Resolução:

É um direito real o direito adquirido pelo colégio (o direito de os alunos irem brincar/estar durante o tempo do recreio no
prédio do vizinho)? Nestes casos temos de fazer o percurso por todos os direitos reais (nem que seja
mentalmente). Poderá estar em causa um direito real de gozo (não pode ser de garantia nem de aquisição). Não é um
usufruto - o direito mais pleno a seguir ao direito de propriedade (que consiste no direito de usar = utilizar e fruir = fazer
seus os frutos plenamente coisa ou direito alheio sem alterar a forma ou a substância) -, porque aqui falta o direito de
fruição. O uso também implica fruição, portanto não pode ser. E habitação implica habitar. Direito de superfície - o direito
de fazer ou manter obra ou plantação em terreno alheio- também não era. E muito menos era o direito real de habitação
periódica/time sharing (o direito de usar uma unidade de alojamento durante determinado período de tempo todos os
anos).

Chegamos à servidão, e temos de ver se é uma servidão efetiva (uma servidão enquanto direito real, uma servidão
predial - se é um encargo imposto a um prédio em benefício de outro prédio), ou se ao invés é uma servidão pessoal: ou
encargo imposto a uma pessoa em benefício de um prédio (p.ex., impor a alguém que vá retirar areia/mato a outro
prédio) - as tradicionais servidões de gleba -, ou um encargo imposto a um prédio em benéfico de uma pessoa (p.ex. A
deu o direito a B de pescar no seu prédio; o direito de passear no prédio; o direito de ir caçar no seu prédio). Para
estarmos perante uma servidão predial, tem de estar em causa um encargo imposto a um prédio em benefício de outro
prédio, e aqui claramente temos claramente um encargo imposto a um prédio (todos os dias, à hora do recreio, as
criancinhas podem invadir o terreno e irem para lá brincar). Em benefício de quem? Do dono do colégio ou do colégio
(da pessoa por ser dono do colégio)? É em benefício de uma pessoa isoladamente, ou é em benefício de uma pessoa
por ser titular de um prédio, e porque esse prédio daí tira vantagens? Neste caso, o colégio tem mais valor se tiver um
espaço exterior, e a propina paga pode desta forma ser superior, portanto é um encargo imposto a um prédio em
benefício do colégio (não é em benefício das crianças que nem sequer pagaram, é do colégio/dono daquele colégio).
Portanto temos uma servidão predial.

O novo proprietário não se pode opor-se porque é um direito real, logo é eficaz erga omnes (e não inter partes, que
seria o que aconteceria se fosse um direito de crédito ou um direito pessoal de gozo), impondo-se quer ao antigo
proprietário, quer ao novo.

Para além disso, a servidão foi constituída na forma legalmente exigida (em 2008, por escritura pública). É um negócio
válido.

No entanto há aqui uma especificidade - que é a de saber se esta servidão é aparente ou não aparente (a classificação
de servidões prediais que assume relevância na resolução de casos práticos):

1. As servidões são aparentes quando se revelam por sinais visíveis e permanentes (art. 1548º/2 CC).

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2. São não aparentes quando não se revelam por sinais visíveis e permanentes (ex.: uma servidão de
aqueduto - um cano por onde passa a água tanto pode ser visível e permanente, como pode estar por
baixo de terra e não haver qualquer sinal visível e permanente).

Neste caso, em princípio, a servidão seria aparente (se as crianças iam para lá todos os dias à hora do recreio, havia
sinais visíveis e permanentes - pegadas, a erva não cresceria, se calhar até haveria uma zona delimitada de entrada
própria para as crianças irem para lá). Havendo sinais visíveis e permanentes, uma servidão é eficaz erga omnes e
opõe-se a qualquer terceiro, independentemente de registo. Isto decorre do art. 5º/2 Cód. Reg. Préd. Ao invés,
se a servidão for não aparente (se não se revelar pelos tais sinais visíveis e permanentes), tem que ser
registada para que a oponibildidade se consolide perante terceiros. Assim:

1. Na primeira hipótese, a servidão não necessita do registo para consolidar a sua eficácia erga omnes, e o
novo proprietário vai ter de a respeitar, prevalecendo.

2. Na segunda hipótese (imaginemos que o tal terreno do vizinho era um terreno arenoso: as crianças iam
para lá brincar, ficavam as marcas das pegadas e das brincadeiras, mas a seguir vinha o vento e
desapareciam as marcas todas; era areia e não havia sinais visíveis e aparentes da servidão), menos
provável, era preciso ser registada a servidão, como qualquer outro direito real que tenha por objeto
imóveis, para consolidar a oponibilidade perante terceiros. Neste caso, o que poderia estar em causa eram
as situações em que A constitui a favor de B uma servidão predial não aparente, e depois segundo quis
transmitir a propriedade a C (uma propriedade onerada):

(1) Se o primeiro registar, o seu direito permanece oponível perante terceiros;

(2) Se o primeiro registar, e o segundo também não registar, valem as regras puras de direito
substantivo - a servidão também prevalece;

(3) Se o primeiro não registar, e o segundo registar, o registo sobre esse negócio faz com que o
direito de B caia (≈).

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Coisas

Caso Prático 15

A, proprietário de uma moradia, com lado direito e lado esquerdo, perfeitamente autonomizados e com saída própria
para a via pública, pretende doar o lado direito ao seu filho.

Pode fazê-lo?

Resolução:

Pode fazer doação ou não? Pode estar aqui em causa/está aqui subjacente não o problema de se saber se pode ou não
fazer a doação (qualquer pessoa pode doar aos seus filhos), mas antes o de saber se um dos lados isolados pode ou
não ser considerado uma coisa. Neste caso, cada um dos lados não podem ser considerados uma coisa, pois não
estão autonomizados (uma coisa tem de ser certa, autónoma, determinada, especificada e individualizada) - o
Sr. não pode doar um lado direito, como também não pode doar um dos quartos, como também não pode doar o 1º
andar, e passar a haver propriedade de um lado e propriedade por outro assim sem mais.

A única coisa que pode fazer é transformar esta coisa única, que é objeto de um direito de propriedade,
juridicamente em duas coisas - que é para passar a incidir sobre essas duas coisas direitos de propriedade distintos.
E isso consegue-se fazer todos os dias (transformar uma coisa una em várias coisas do ponto de vista jurídico),
através da propriedade horizontal, mas para isso é preciso construir a propriedade horizontal (o legislador aceita que
aquelas partes com determinadas caraterísticas fossem erguidas como coisas, e que depois possam ser objeto de
propriedade).

Agora assim sem mais, só fazendo uma doação do lado direito não pode, porque não temos coisa (não estão aqui
presentes as caraterísticas necessárias para haver coisa).

Está inclusive na lei, no Cód. Not., que não se pode alienar onerar nenhuma fração sem previamente estar constituída a
propriedade horizontal e registada. Mas esta não é a razão de fundo (o legislador admite que determinadas frações,
com determinadas caraterísticas, possam ser havidas como coisas juridicamente, apesar de não o serem; mas para
isso, primeiro, constitui-se a propriedade horizontal). E note-se que a propriedade horizontal supõe sempre partes
comuns (supõe sempre que haja um direito próprio e exclusivo sobre uma fração, e depois uma comunhão - no telhado,
nas paredes mestras, nos elevadores).

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Frutos

Caso Prático 16

Nos finais de Setembro de 2015, A vendeu a B um prédio rústico composto por um pomar de laranjeiras, que o A
explorava diretamente, e ainda por um terreno produtivo que o vendedor tinha dado de arrendamento a C, pela renda
anual de 2.400€.

Quem é que tem direito a apanhar as laranjas que estavam no terreno à data da venda, e quem é que tem direito a
receber a renda que o C tem de pagar (sendo o arrendamento rural, a renda é paga anualmente no final do ano, em
Dezembro)?

Resolução:

Podia A dar de arrendamento a C uma parte do terreno? O direito que decorre do contrato de arrendamento não real,
por isso pode incidir só em uma parte (pode-se dar de arrendamento um quarto, mas não se pode dar de usufruto um
quarto), portanto não tem de incidir sobre coisa certa, determinada, autonomizada.

Não se trata de saber se o direito real prevalece sobre um direito pessoal de gozo (um confronto entre o direito do
arrendatário e o direito do novo proprietário) - já sabemos que prevalece, no entanto o caso do arrendamento é a
exceção, pois em vários países, incluindo o nosso, há normas que tutelam fortemente o arrendamento, e em Portugal a
regra é o emptio non tollit locatum (“a venda não suprime a renda”), ou seja mantém-se (uma pessoa torna-se
proprietária e senhorio).

Vale para os frutos11 e sua partilha o art. 213º CC (ver ainda o art. 212º CC para a definição de frutos). Podem ser
frutos civis e frutos naturais:

1. Frutos naturais são aqueles que a coisa produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância.

2. Frutos civis consistem em tudo aquilo que a coisa produz periodicamente, mas não sozinha, dentro
de uma relação jurídica.

Como é que se partilham esses frutos? O que a lei diz é que os frutos naturais pertencem àquele que for titular do
direito de fruição à data da colheita. Quando o A vendeu, as laranjas ainda estavam pendentes, não tinham sido
colhidas/ainda não eram para ser colhidas, e o titular do direito de fruição à data da colheita era B. B fica com todas as
laranjas - os frutos que estavam pendentes vão pertencer a B porque a partilha dos frutos naturais faz-se desta forma
(neste caso o titular do direito de fruição era o proprietário).

Quanto aos frutos civis, aí a lei já diz que a partilha se faz proporcionalmente à duração do direito. É uma renda
anual de 2.400€, e o B foi senhorio de 3 meses só e tem direito ao correspondente a 3 meses de renda (3/12 = 600€),
A tem direito aos meses em que foi senhorio, a 9/12 = 1.800€.

11 Não esquecer no exame destas normas iniciais dos frutos, das coisas, dos prédios rústicos - são necessárias às vezes.

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Benfeitorias

Caso Prático 17

A é arrendatário de um prédio rústico de baixo valor, e na vigência do contrato de arrendamento solicitou a B


autorização para construir um barracão de apoio à agricultura, um galinheiro e um canil.

O contrato de arrendamento está prestes a terminar, e o A quer saber se tem direito a ser ressarcido das despesas
feitas, ou até a tornar-se proprietário do solo.

Resolução:

Está aqui em causa estão benfeitorias ou se há uma hipótese de acessão. As benfeitorias estão previstas no art.
216º CC, e podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias:

1. Necessárias são aquelas que são imprescindíveis para evitar a perda ou a deterioração da coisa;

2. Úteis quando não são imprescindíveis para evitar a perda ou a deterioração da coisa, mas
aumentam-lhe o valor;

3. Voluptuárias servem apenas para recreio do benfeitorizante (nem são imprescindíveis para evitar a
perda ou a deterioração da coisa, nem lhe aumentam o valor).

Uma benfeitoria é uma despesa feita numa coisa já existente (um melhoramento) de quem tem uma relação
jurídica com ela.

A acessão é uma forma de aquisição originária da propriedade, e traduz-se sempre num ato de inovação em
construir ou plantar algo que antes não existia (fazer algo novo), praticado por quem não tem uma relação
jurídica com a coisa.

Isto é o que defendemos, embora tradicionalmente dizia-se que benfeitorias são despesas feitas na coisa, acessão é
um ato de inovação. Depois é que se começou a dizer que não pode ser só uma despesa feita ou um ato de inovação
numa coisa, senão haveria discrepâncias. No nosso caso, p. ex., não é uma mera despesa porque o galinheiro não
existia lá, o canil não estava lá, o barracão não estava lá - é um ato de inovação. Mas é um ato de inovação praticado
por quem tem uma relação jurídica com a coisa, que é o arrendatário. E portanto ficamos a meio caminho -
aparentemente é uma acessão, a questão está agora em saber se se admite ou não que a pessoa adquira o solo (é um
ato de inovação, admite-se ou não). E o que se tem dito é não, sempre que haja uma relação jurídica não. E nestas
hipóteses em que há um ato de inovação por quem tem uma relação jurídica com a coisa, não se aplica o
regime da acessão, ou seja não se permite que a pessoa que fez a obra adquira o solo (não se aplica o art. 1340º
CC), aplica-se, e apenas se a lei o previr, o regime das benfeitorias (apesar de não o ser).

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Neste caso como é um arredamento, no fundo tínhamos de dizer que é um ato de inovação praticado por quem tem
uma relação jurídica com a coisa, logo aplicar-se-à o regime das benfeitorias se a lei o previr. O que acontece se a lei
não o prevê? A lei até prevê o contrário, veja-se o art. 1036º e 1046º CC - só há direito a benfeitorias em matéria
de reparações ou despesas urgentes, e fora dos casos previstos no art. 1036º CC, e salvo estipulação em
contrário, o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto às benfeitorias que haja feito na coisa locada.

E daqui temos de dar um salto para a posse - à partida, exceção feita às despesas urgentes e necessárias, é
equiparado ao possuidor de má fé para efeitos de benfeitorias. Para a posse e para o possuidor de boa fé, veja-se o
art. 1273º CC, em que se diz que estas benfeitorias seriam úteis (em princípio aumentavam o valor do prédio),
ou voluptuárias. Se fossem úteis, a 2ª parte do art. 1273º CC estabelece que o possuidor de má fé tem direito a
levantar o que tiver posto na coisa, se isso for possível, senão tem direito a ser “ressarcido” em termos de
enriquecimento sem causa (ou seja pode ser 0, não é ser indemnizado é ser compensado nos termos do
enriquecimento sem causa). Se as benfeitorias fossem voluptuárias, não teria direito a qualquer “indemnização”,
de acordo com o art. 1275º/2 CC.

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Princípios

Caso Prático 18

A vendeu a B, por 10.000€, um determinado quadro, tendo convencionado que o preço só seria pago passado 1 mês,
altura em que também ocorreria a entrega do quadro.

Antes da data fixada para o pagamento e para a entrega, o A vendeu o mesmo quadro, por 1.500€, a C, que pagou
imediatamente o preço, e recebeu logo o quadro.

1 - Que direitos assistem a B?

2 - E se tivesse doado a B?

Resolução:

1 - Vende a coisa alheia (vende coisa que não é sua) quando vende a C, pois B é que é proprietário (A vendera antes a
B). Por força do art. 408º CC que consagra o princípio da consensualidade, a constituição, modificação,
extinção e transmissão de direitos reais basta-se ou ocorre com base num título, numa justa causa. Não é
preciso um modo - um ato de execução de vontade, não é preciso entrega da coisa, não é preciso o pagamento, não
é preciso registo (a não ser no caso da hipoteca) -, basta o acordo de vontades, dá-se por mero efeito do contrato (o
legislador é restritivo quando diz que se dá por efeito de um contrato - pode ser contrato, pode ser negócio jurídico
unilateral, pode ser sentença), bastando uma justa causa. O nosso sistema é um sistema de título, por força deste
art. 408º CC, e não é preciso o modo para o efetivar (ao contrário de outros sistemas que impõem um modo):

1. Ao contrário do que acontece em Espanha - é preciso a entrega da coisa

2. Ao contrário do que acontece no Brasil - é preciso a entrega da coisa se for móvel, ou o registo se for
imóvel.

Ou seja, o facto de B não ter pago imediatamente, e de A não lhe ter entregue imediatamente o quadro não assume
relevância - entre nós um só negócio, no caso é a compra e venda, pode produzir imediatamente efeitos reais e
obrigacionais. Neste caso produziria imediatamente efeitos reais, estes não foram diferidos no tempo. Os efeitos
obrigacionais (a obrigação de entrega da coisa e a obrigação do pagamento do preço) esses é que foram diferidos para
passado 1 mês. Quando o A vende a C já está a vender coisa que não é sua, logo vende coisa alheia e é nula - o bem
pertence a B. Mas está no poder de C? Se ele é que é o proprietário, os direitos reais gozam das caraterísticas
que já vimos, nomeadamente a sequela - ele pode vir usar a coisa intentando uma ação de reivindicação,
pedindo o reconhecimento do seu direito e a restituição da coisa.

Ao falar da ação de reivindicação há que sempre mencionar a causa de pedir (facto jurídico de que deriva o direito real),
e das dificuldades de prova - a prova diabólica, que aumenta exponencialmente quando quem intenta a ação de
reivindicação não tem posse nem tem registo (porque a posse gera a presunção da titularidade do direito - art. 1268º

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CC -, e o registo também gera a presunção da titularidade do direito - art. 7º Cód. Reg. Pred.), e quem beneficia de uma
destas presunções não tem de fazer prova direta. Aqui esta prova não seria simples porque está em causa um quadro
(um bem não sujeito a registo), e o B nunca esteve na posse do quadro (nunca lhe foi entregue o quadro).

2 - Doar é também um contrato que transmite direitos reais. Está aqui em causa um confronto entre um direito e um não
direito - se não houver uma exceção ao princípio da consensualidade. Basta o título não é preciso um modo, basta uma
justa causa não é preciso outro ato qualquer, ponto é que o título seja bom - há que relacionar sempre o princípio da
consensualidade com o da causalidade. Mas há exceções:

1. Art. 947º/2 CC é uma exceção ao princípio da consensualidade, pois se em causa estiver uma
doação de uma coisa móvel, a propriedade só se transmite se a doação for reduzida a escrito, ou se
houver entrega da coisa. Portanto não tendo sido reduzida escrito (nada é dito), era preciso a entrega da
coisa - ou seja, era preciso um modo. Note-se que este art. 947º/2 CC impõe um modo é com a entrega, a
redução a escrito não é um modo (é a forma que o contrato tem de revestir - que está associada ao
princípio da causalidade -, e não um ato de execução de vontade, não é algo mais para além do contrato).
Se o contrato não obedecer à forma, há a violação do princípio da causalidade, e o princípio da
consensualidade não funciona/pode funcionar - basta um título, mas é um bom título.

2. Outra exceção que existe vem em matéria de hipoteca - é preciso um registo (só se constitui com o
registo - art. 4º Cód. Reg. Pred.). Aqui o modo é o registo (não basta o negócio hipotecário).

3. Ainda temos outra exceção no caso de penhor de coisa móvel - é preciso a entrega da coisa
também. Art. 669º CC.

4. Outra exceção ainda nos títulos ao portador - também é preciso a entrega da coisa.

5. E no penhor de direitos de crédito - a notificação do devedor daquele que se pretende tornar


devedor pignoratício (se o Sr. A deve dinheiro a B, e o B exige uma garantia de que A vai restituir o
dinheiro, e portanto tem de ser constituída uma garantia real, um penhor - entrega um anel, um relógio, etc.
um penhor de coisa -, B só se tornará credor pignoratício quando houver entrega da tal coisa; mas pode ser
que o devedor pignoratício não tenha uma coisa de valor ara entregar, mas que seja ele próprio que se
quer tornar devedor pignoratício, seja credor de x; nessa hipótese o que é dado em penhor é o crédito que
o A tem sobre o x, e aqui a lei diz que tem de haver notificação do devedor x). Art. 681º/2 CC.

Estás são as exceções mais importantes previstas no CC. Há outras previstas fora do código.

Caso Prático 19

A, dono de uma quinta, vendeu um painel de azulejos que estava colocado de forma fixa ao muro da dita quinta, e
vendeu algumas máquinas agrícolas. O painel de azulejos foi vendido a B, e as máquinas agrícolas a C, e quer com B
quer com C foi convencionado que estes apenas poderiam levantar o objeto deste negócio em finais deste mês de Abril.

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Entretanto, o A vendeu a quinta a D, e B e C estão preocupados porque não sabem se efetivamente poderão lá ir buscar
as coisas.

Quid Iuris?

Resolução:

a) Quanto ao painel de azulejos:

B e C adquiriam “objetos” diferentes, porque o que B pretendeu adquirir foi um painel de azulejos, mas no momento do
negócio este estava ligado materialmente com caráter de permanência no muro da quinta - estava incrustado no muro
da quinta. O que quer dizer que era uma parte integrante e não uma coisa (era algo ligado materialmente com caráter
de permanência a uma coisa imóvel).

A diferença entre parte integrante e parte constituinte é apenas que a parte constituinte faz parte da própria
estrutura da coisa, e se for retirada dela a coisa deixa de estar completa para o seu fim/função, enquanto que as
partes integrantes podem ser separadas da coisa que esta não deixa de cumprir a sua função (o muro da quinta
não deixa de ser muro por não ter painel).

De qualquer das formas, quer para as partes integrantes, quer para as partes constituintes o regime é um - não
são coisas, o que quer dizer que B não adquiriu o painel (art. 408º/2 CC). É não é nenhuma exceção ao princípio da
consensualidade - o art. 408º/1 CC estabelece que os direitos reais constituem-se e transmitem-se por mero
efeito do contrato, mas é suposto obviamente, para que o direito real se constitua ou se transmita, que haja
coisa (só há direito real havendo coisa); se ainda não temos coisa claro que ainda não se pode transmitir ou constituir
direito real. Este art. não é mais do que o corolário da definição de direito real ou da definição da coisa:

1. Portanto o B, no momento do negócio, não adquiriu o painel do azulejo. Está em causa uma parte
integrante, que só pode ser adquirida quando se autonomizar - quando se tornar numa coisa (certa,
autónoma, determinada), e é o que decorre do tal art. 408º/2 CC. Enquanto continuar ligado
materialmente, com caráter de permanência ao muro da quinta, tem o destino que a quinta tiver o
painel de azulejos - o direito que recair sobre a quinta recairá sobre o painel. Neste caso (ou
imaginemos que eram os esteios de uma videira, ou os frisos existentes de uma sala, um quadro, etc.)
depende se está ou não ligado com caráter de permanência à coisa para ser considerado parte integrante -
se for parte integrante, tal como a parte constituinte (o telhado, a janela, a porta), só há diretos reais
quando deixarem de ser partes, quando se tornarem cosias (certas, determinadas e autónomas); enquanto
não o forem seguem o destino da coisa porque são parte (os direitos que recaírem sobre a coisa também
recaem sobre essas partes). Assim, o negócio entre A e B, apesar de ser uma compra e venda, é um
negócio que só fez nascer/deu origem a efeitos obrigacionais por enquanto - um ficou obrigado a pagar, e o
outro ficou a obrigado a entregar, mas não houve transmissão do direito real (um só negócio produz efeitos
obrigacionais e reais, desde que já haja coisa). Por isso é que o art. 408º CC se diz que se a
transmissão respeitar a coisa futura ou indeterminada, ou respeitar a frutos naturais, partes

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componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento da separação. Só quando o


painel fosse retirado é que B adquiriria.

2. Numa outra perspetiva, quando o B comprou o painel, não comprou o painel para que ele permanecesse
no muro quinta (comprou-o para que ele fosse retirado e o levasse para/colocasse sabe-se lá onde). O B
quando comprou o painel, para além de estar a adquirir uma coisa que no momento ainda era parte
integrante (só seria autonomizada depois), também não está a querer adquirir aquela coisa imóvel que
está ligada materialmente a um imóvel - quer um móvel futuro quer um painel já se separaram.

Portanto aplicar-se-ia este art. 408º/2 CC quer pela primeira parte (é um painel - o art. 204º CC define o que são
coisas imóveis, e diz que o painel enquanto está ligado à parede é um imóvel, mas depois de separado passa a imóvel),
pois o que foi negociado foi o painel enquanto móvel futuro (que ainda não existe); e ainda não há coisa que é o tal
móvel porque para já ainda é parte integrante, logo aplicar-se-ia também a parte final do art. 408º/2 CC. As duas
partes deste preceito legal indicam que B não adquiriu o direito de propriedade. Não se aplica o princípio da
consensualidade, mas não é uma sua exceção (porque para que um direito real se transmita por mero acordo de
vontades é suposto que esse direito já exista). Este art. é mais do que uma exceção - é corolário da noção de
direito real e da noção de coisa.

Agora o painel pertence a D - D comprou a quinta na sua totalidade, e com todas as suas partes (componentes e
integrantes). Enquanto que o negócio celebrado entre A e B não conseguiu produzir efeitos (porque faltava ainda a
coisa, só no momento da separação é que produziria efeitos reais), o negócio entre A e D produziu imediatamente
efeitos reais (o D tornou-se imediatamente proprietário, e proprietário da quinta na sua totalidade com todas as suas
partes). Prevalece a posição de D.

b) Quanto às máquinas agrícolas:

O que são as máquinas agrícolas numa quinta? Coisas acessórias. A grande diferença entre uma parte integrante e
uma coisa acessória passa por isto - a parte integrante supõe esta ligação material com caráter de permanência
(a parte integrante também pode tornar mais produtiva a coisa, pode ainda usar a coisa, pode torná-a mais confortável,
etc.), pode ter a mesma exata função que uma coisa acessória - se não houver esta ligação é uma coisa acessória, é
uma coisa que está ao serviço de outra coisa pelo destino económico, art. 210º CC. Qual é a especificidade aqui? Aqui
já temos coisa, e portanto as máquinas agrícolas já podem ser objeto de negócio que produza efeitos reais (ou
melhor, o negócio que tenha por objeto aquelas máquinas pode produzir imediatamente os seus efeitos, quer reais, quer
obrigacionais, de acordo com o princípio da consensualidade porque já temos uma coisa). Vale aqui o art. 408º/1 CC.

O que quer dizer que o Sr. C, apesar de ainda não ter ido buscar as máquinas por se ter convencionado que lhe só
seriam entregues no final de Abril, já é proprietário delas. Quando o A vende a quinta a D, por mero efeito do contrato, D
adquire o objeto do negócio (a quinta apenas, e não a quinta mais as máquinas agrícolas), e portanto o D não adquire a
propriedade sobre as máquinas agrícolas. Se por acaso tivessem convencionado que o D adquiriria a quinta e as
máquinas, porque pode-se convencionar que as coisas acessórias acompanhem a coisa principal, de acordo com o art.
210º/2 CC, haveria uma venda de coisa alheia e prevaleceria a posição de C.

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Note-se que este caso difere dos casos das coisas autónomas (p. ex., um quadro) - as coisas acessórias estão
ao serviço de uma coisa principal.

Caso Prático 20

A, na semana passada, vendeu a sua moradia a B. Agora lembrou-se que, aquando das mudanças, se esqueceu de um
plasma que estava no quarto do filho, e de alguns aparelhos médicos que tinha herdado do seu avô, e que se
encontravam guardados em caixas no sótão, e pretende ir buscar quer o plasma, quer os aparelhos médicos.

Pode fazê-lo?

Resolução:

Os objetos têm todos a mesma natureza? Serão todos coisas ou partes, ou haverá alguma diferença entre eles?

a) Quanto ao plasma:

Será coisa ou parte integrante? Depende - não é claramente uma parte componente (não faz parte da estrutura da
casa), mas tanto pode ser uma parte integrante (podia estar ligada materialmente com caráter de permanência na pede
do quarto do filho), como poderia ser um plasma móvel, e portanto ser uma coisa acessória (não estar ligado com
caráter de permanência). Se fosse uma parte integrante, quando vendeu a casa vendeu-a com todas as suas partes,e B
tornou-se proprietário da casa com o telhado, as janelas, as portas, a louça sanitária, as bancadas de cozinha que
estejam ligadas materialmente, e com o plasma também, e portanto o B adquiriu.

b) Quanto aos aparelhos médicos:

São uma coisa. Nem sequer se coloca em causa a sua acessoriedade - eram aparelhos médicos que ele tinha herdado
do avô e que estavam guardados em caixas no sótão, não estando ao serviço de uma coisa principal pelo fim. Eram
coisas completamente distintas (não eram nem partes integrantes, nem componentes nem coisas acessórias da sua
casa, estavam lá só guardadas; não era, p. ex., um consultório médico). E portanto quando ele vende a casa não
transmite a propriedade sobre os objetos ou aparelhos médicos.

Aula 4 - 24/04/17

Caso Prático 21

Suponham agora o seguinte:

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Em Janeiro passado, A celebrou com B um contrato nos termos do qual este poderá colher todas as uvas que venham a
nascer e crescer num determinado terreno daquele. Agora A vendeu esse mesmo prédio a C, através de documento
particular autenticado, e A deu informação a C de que contratou com B, e que portanto B poderá ir lá apanhar as ditas
uvas.

Quando chegar à altura da colheita, será que C, na data da vindima, se poderá opor a que B apanhe as ditas uvas?

Resolução:

O que temos aqui? A celebrou com B um contrato que relativo à colheita de uvas, e dentro destas algumas já lá estão e
outras ainda não nasceram e ainda não estão maduras - hão de estar lá para Setembro/Outubro. O B adquiriu algum
direito real? B não adquiriu nenhum direito real através deste contrato, porque só se adquirem direitos reais sobre
coisas certas, determinadas, presentes e autónomas, e as uvas ainda não são coisas (parte delas são coisas
completamente futuras porque ainda nem sequer nasceram; outras até podem já lá estar mas o que se quis vender não
foi a uva presa à vinha/videira, e assim ainda não temos coisa).

A regra em matéria de diretos reais é que estes se transferem por mero efeito do contrato, e isto que acabamos de ver
não é uma exceção porque ainda não há coisa. Mas esta “não exceção” está consagrada conjuntamente com o
princípio da consensualidade (art. 408º/2 CC) - se respeitar a frutos naturais ou a partes componentes ou integrantes a
aquisição do direito real só ocorre no momento da colheita ou da separação. De qualquer das formas se não estivesse
aí consagrada, chegaríamos à mesma conclusão através da noção de coisa e pela noção de direito real.

Neste momento as uvas não são coisas, são móveis futuros - eles querem vender as uvas mas não ligadas à videira, e
portanto já separadas como móveis futuros (algumas nem sequer nasceram).

O contrato que A e B celebraram foi um contrato de compra e venda. Só que este contrato de compra e venda, que é
apto para produzir em simultâneo efeitos obrigacionais e efeitos reais, na ausência de objeto material (quid) apenas
produziu efeitos obrigacionais (só no momento da colheita/separação é que o B iria adquirir direito real).

Entretanto o A vendeu o terreno onde existe a vinha a C, e este tornou-se proprietário pleno, não onerado. C pode opor-
se a que B apanhe as uvas? Pode, pois o contrato só produziu efeitos obrigacionais (B apenas tem perante A o direito a
que lhe sejam entregues as uvas ou o direito a fazer a colheita - direitos meramente obrigacionais), e assim um direito
real prevalece sempre sobre um direito de crédito, mesmo que anteriormente constituído.

No entanto, diz-se que A avisou C. Pode C ainda assim opor-se? Ainda assim poderia-se opor, porque o direito real
continua a ser dotado de eficácia erga omnes vs a eficácia meramente inter partes do contrato celebrado por B. No
entanto, para quem defende a teoria do efeito externo das obrigações, que não é o que acontece na Escola de
Coimbra, C já não poderia opor-se:

1. Temos um confronto entre um direito real (eficácia erga omnes) e um direito de crédito (eficaz apenas inter
partes), e de acordo com esta teoria os direitos de crédito produzem efeitos contra aqueles que deveriam
ter tido conhecimento deste direito.

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2. Para quem entende que os direitos de crédito também produzem efeitos perante aqueles que conheciam
ou deviam conhecer a existência de um direito de crédito que possa obstaculizar a sua satisfação, já teria C
de respeitar a eficácia do direito de B (porque teve conhecimento).

Não se poderia considerar que A e B tentaram constituir uma servidão pessoal? Uma servidão pessoal é um encargo
imposto a um prédio em benefício de uma pessoa. Teríamos de chegar à conclusão de que, apesar de ser um encargo
imposto a um prédio, era constituída em benefício de uma pessoa, e assim não era um direito real mas antes um mero
direito de crédito (ou também pode ser um direito pessoal de gozo, dependendo da situação) - a solução seria sempre a
mesma. Esta pergunta só se suscita porque no enunciado se diz que “A celebrou com B um contrato nos termos do qual
este poderá colher todas as uvas” - se se colocasse “A celebrou um contrato pelo qual vendeu as uvas”, aí já não
poderia haver dúvidas.

Caso Prático 22

Agora suponham o seguinte:

Determinada sociedade vendeu a um empreiteiro 2 elevadores destinados a um edifício que o comprador tinha em
construção. A venda foi feita com reserva de propriedade a favor do vendedor, até lhe ser paga a totalidade do preço.
Depois de instalados os elevadores no tal edifício, A, empreiteiro, vendeu o prédio a B.

Não tendo A pago o preço dos elevadores à sociedade vendedora, esta intentou a ação de reivindicação dos elevadores
contra B. Será esta ação julgada procedente?

Resolução:

Nós até agora estamos a ver casos relativos a partes integrantes e componentes ou frutos futuros em que não temos
coisa (espera-se no futuro que venha a existir). Neste caso dos elevadores, no momento em que há negociação temos
coisa (temos 2 elevadores) autónoma, separada. Uma sociedade vende a A 2 elevadores (vende os elevadores como
coisas autónomas - existem presentes separadas, etc...), mas sabe que o A os vai “incorporar/ligar” a um edifício que
está a construir, passando a ser partes integrantes (escadas têm de haver sempre porque senão o prédio não é
licenciado - há imposição legal; um elevador em princípio é considerado parte integrante, mas num prédio com mais de
3 andares, como é imposto por qualquer câmara do país que o tenha, será parte componente - têm de existir). Assim,
uma coisa autónoma é vendida para se tornar parte integrante.

No entanto, quando se vende a coisa autónoma, o vendedor reserva para si a propriedade enquanto não for pago. Isto é
possível (dizer “vendo, mas reservo a propriedade até que ocorra o facto x”)? Há várias perspetivas sobre a reserva de
propriedade, mas na ótica de MÓNICA JARDIM, havendo reserva de propriedade esta permanece na esfera jurídica de
quem celebrou o contrato (do vendedor), porque se diferiu a produção dos efeitos reais, ou seja, o que o art. 408º CC,
princípio da consensualidade, impõe é que a transmissão dos direitos reais ocorra por mero efeito do contrato
(constituição, transmissão, modificação, extinção operam por efeito do contrato, não sendo preciso um modo - p. ex. a

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entrega da coisa, o registo, etc... ). Não impõe que esse efeito que deriva do contrato seja imediato, automático, e
portanto pode ser diferido. A reserva de propriedade é muito vulgar em compras e vendas a prestações, e no entanto o
legislador não a consagrou na secção atinente à compra e venda às prestações; consagrou-a imediatamente a seguir
ao art. 408º CC (art. 409º CC). Portanto pode haver reserva, esta reserva também não é uma exceção ao princípio da
consensualidade - o que o princípio da consensualidade nos diz não é que os direitos reais produzam
imediatamente os seus efeitos com o contrato, o que nos diz é que para se produzirem basta o contrato,
decisão judicial, sentença, negócio jurídico unilateral (não é preciso um modo para atribuir execução, basta um
título - por isso é que estudamos os sistemas de título, título e modo, e modo complexo). O art. 409º CC, tal e
qual como o art. 408º/2 CC não são exceções ao princípio da consensualidade.

A questão é esta: do mesmo modo que não podem existir direitos reais sobre partes integrantes enquanto forem
partes integrantes (só pode existir direito real quando essa parte deixe de ser parte e se torne coisa), a inversa
também é verdade - ou seja, se existir um direito real sobre uma coisa, se essa coisa deixar de existir ou se
tornar parte, o direito deixa de existir. Isto quer dizer que, no caso concreto, a sociedade vendeu ao A os elevadores
como coisa autónoma, e reservou-se a propriedade deles (o direito de propriedade só se transmitiria após o pagamento
no caso), mas a verdade é que logo que os elevadores são integrados no prédio que estava em construção e a
sociedade sabia que era para ali que os elevadores iam (era para isso que os tinha vendido), aquela reserva cai e o
direito de propriedade deixa de existir sobre os elevadores - os elevadores deixam de ser coisa e passam a ser
partes do prédio, e se não temos objeto não há direito real. Passando a ser partes do prédio, sobre eles passa a incidir
o direito de propriedade que se transfere, ou seja, o direito de propriedade de A (a sociedade quis garantir o pagamento
do preço, mas não podia fazer sobre uma coisa que passou a ser parte - ninguém pode ser titular de um direito real
sobre uma parte que é objeto do mesmo direito que o direito que incide sobre toda a coisa). O proprietário dos
elevadores passou a ser A, e quando vende a B vende o prédio com todas as portas, janelas, os elevadores -
com todas as partes.

Assim, a sociedade vai perder a ação de reivindicação - porque os pedidos desta ação são i) o reconhecimento do
direito, ii) e restituição da coisa - mas só pode ser restituído àquele a quem for reconhecido o direito de
propriedade, e não vai ser reconhecido o direito de propriedade à sociedade que vendeu os elevadores.

De que forma é que a sociedade podia ter garantido o pagamento dos elevadores? A forma que se tem revelado melhor
na prática é celebrar contratos (de compra e venda, permuta, etc...) sob condição resolutiva - se não ocorrer o
evento x, ou se ocorrer o evento x, tudo volta para trás. É muito vulgar quando se vende um terreno na totalidade que
não está loteado, e o acordo muitas vezes é que se permuta o terreno que não está loteado por uma futura casa que
venha a ser construída ali - tem um terreno muito grande mas não tem capacidade financeira para o lotear e construir
nele, mas há alguém que aparece e diz que vai fazer o loteamento e que garante que vai construir várias casas, e
depois o senhor fica com uma ou duas casas no futuro. A garantia de que a casa vai ser construída e vai passar para a
sua propriedade é um contrato de permuta de coisa presente (o terreno) por coisa futura (a casa), sujeita a uma
condição resolutiva - se a casa nunca for construída ou não for construída nas condições acordadas até à data x, o
contrato resolve-se (eficácia retroativa, eficácia perante terceiros - com o registo se for um imóvel ou móvel sujeito a
registo, etc...).

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1 - Este caso é um caso real - neste caso houve só uma alteração: o construtor comprou os elevadores à sociedade
e não os pagou; depois vendeu as diversas frações a várias pessoas, tendo sido a ação de reivindicação proposta
contra os condóminos (por aqueles que tinham adquirido as frações), dizendo que “ou pagam os elevadores (que já
haviam pago quando compraram as frações) ou eu vou buscar os elevadores”, podendo ficar os condóminos sem os
elevadores. A decisão do tribunal foi bem tomada, e foi tomada no sentido que acabámos de referir supra - a cláusula
deixou de ser eficaz porque deixou de haver coisa, logo deixou de haver direito de propriedade sobre aqueles
elevadores.

2 - Na jurisprudência há vários casos semelhantes. Há uns anos houve outro caso em que um construtor civil entrou
em processo de falência, e foi apreendido material de construção (material que o senhor utilizava para concretizar as
suas obras - telhas, tijolos, etc...), e a apreensão maior foi a de telhas. Quando decorre uma ação executiva
(nomeiam-se os bens à penhora para serem vendidos, e com o produto da venda satisfazer o credor) há alguém que
fica encarregue de tomar conta destes bens (estão apreendidos). Ora, o nomeado para tomar conta dos bens não
tomou conta das telhas naquele caso, e quando chegou o dia de se venderem as telhas na ação executiva não
existiam telhas - as telhas continuaram no sítio onde estavam, ninguém tomou conta delas, o construtor continuou a
trabalhar e a aplicar as telhas nos telhados das casas e prédios que construiu. Também neste caso, aquela penhora
sobre as telhas caiu - as telhas deixaram de ser coisas, deixaram de ser objeto de um direito de propriedade
autónomo, passaram a ser partes, e deixaram de ser objeto da propriedade do construtor, e passaram a ser objeto do
direito de propriedade sobre os prédios onde foram aplicadas.

Caso Prático 2312

Suponham que A atribuiu, mediante contrato, a B, construtor civil, o direito de este tirar x metros cúbicos de areia por
ano de um seu prédio (de A) para utilizar nas obras que viesse a realizar. Agora A vendeu o prédio a C, e C opõe-se a
que B continue a tirar areia do seu prédio.

1 - Pode fazê-lo?

2 - Se eles tivessem querido constituir uma servidão pessoal como se fosse um direito real - com efeitos reais (queriam
atribuir a este negócio eficácia erga omnes) -, poderiam fazê-lo?

Resolução:

1 - Há casos práticos em que a coisa está perfeitamente identificada (o caso do painel de azulejos - é aquele, embora

seja parte integrante -, ou o caso das uvas 🍇 - apesar de tudo são as uvas daquela vinha). Depois há casos em que

podemos pensar qual é o objeto do negócio? É os x metros cúbicos de areia ou o prédio onde existe a areia? O que é
que está a ser negociado? Se aparecer uma hipótese destas no exame deve-se resolver das 2 formas, e escolher um
dos meios:

12 ATENÇÃO A ESTE CASO PRÁTICO - costuma sair nos exames!

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a) Se for a areia

A areia é coisa? Qual é a diferença entre a areia e as uvas? Quem diz areia diz granito, mármore, etc... Veja-se o art.
408º/2 CC novamente. Em causa está uma coisa fungível (aquelas que só ficam determinadas depois da escolha/
seleção - um dos casos em que o legislador utiliza a expressão “coisas” indevidamente na opinião de MÓNICA JARDIM),
pois x metros cúbicos de areia podem ser os metros cúbicos daquele canto, como daquele outro canto norte ou sul -
não se sabe qual é a areia em concreto, só depois da escolha/seleção é que há coisa antes não há. E enquanto não
houver coisa não há direito real. Assim, o direito de propriedade de C vai prevalecer sobre os efeitos meramente
obrigacionais do contrato que foi celebrado entre o antigo dono do terreno arenoso e o construtor civil.

b) Se for o terreno

Se pensarmos que o objeto do contrato não foi a areia enquanto algo ainda não escolhido/determinado, mas antes o
prédio onde a areia está - o que se pretendeu foi atribuir a determinada pessoa o poder de ir sobre o terreno alheio
retirar areia para utilizar em seu benefício. Neste caso temos direito real? Se for o prédio onde a areia está, ainda assim
não temos um direito real - pois não há indicação no caso de que ele é proprietário de um prédio (o construtor civil pode
não ter prédio nenhum, ele faz obras e pode-as fazer em prédio alheio), ele só utiliza a areia para as obras (pode ser
utilizada em diversos prédios e em diversos prédios de outros) e portanto não há qualquer relação de predialidade
(entre um prédio e outro) - pode ser a favor de vários prédios, mas têm de estar identificados -, e aqui não há qualquer
identificação nem de um prédio nem de vários prédios do construtor civil, logo não há qualquer servidão predial (é uma
servidão pessoal - em princípio é um encargo imposto a um prédio em benefício de uma pessoa, e isso não é um direito
real). Não havia aqui um encargo imposto sobre o prédio arenoso a favor de outro prédio ou outros prédios certos e
determinados. Se se tivesse dito que “A atribuiu, mediante contrato, a B, construtor civil, o direito de este tirar x
metros cúbicos de areia por ano de um seu prédio (de A) para utilizar na sua empresa de vidro” já seria uma
servidão predial - a empresa de B tem de existir num sítio concreto, ao contrário da construção civil (que é uma
atividade).

Que outro direito real poderiam ter constituído?

1. Direito de superfície não, porque este consiste no direito de fazer ou manter obra em prédio alheio (o
construtor não foi autorizado a fazer ou manter uma obra no terreno arenoso).

2. Também não é direito de usufruto - porque é o direito mais amplo a seguir à propriedade, sendo o direito de
usar, fruir e dispor, sendo que o construtor só podia lá ir tirar areia. Além disso, o usufruto é um direito
temporário, o que significa que no fim do usufruto, a coisa que foi objeto desse usufruto tem de ser
restituída ao proprietário - ora aqui a a questão nem sequer se colocava, pois a pessoa não podia restituir a
areia.

3. Não é uso e habitação.

4. O direito de uso também não estaria em causa, pois este é um direito de usufruto mais pequeno e que se
traduz num direito de usar e fruir na medida das suas necessidades e da sua família. É um direito intuitu
personae.

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5. A ser seria a servidão, mas em concreto não é um encargo a favor de um prédio.

213 - Imaginemos até que se celebrou o contrato por escritura pública, e que fizeram constar uma cláusula nos termos
da qual atribuem a esse direito eficácia real (eficácia erga omnes); ou então até introduziram uma cláusula a dizer “e
atribuem a este direito a natureza de uma servidão”. Não poderiam fazer isso de forma eficaz - ao tentarem constituir
uma servidão não prevista na lei, violam o princípio da taxatividade/numerus clausus. E isto porque violar o princípio da
taxatividade não e só tentar criar direitos reais, é também dizer “bem, apesar do direito ser um direito de crédito ou um
direito pessoal de gozo, produzirá os mesmos efeitos que um direito real”. Repare-se que se não fosse assim, seria
muito fácil violar o princípio da taxatividade - seria dizer “tá bem não é um direito real, mas produz os mesmos efeitos
que um direito real”. Pretender constituir um direito real novo ou pretender atribuir a um direito de crédito ou direito
pessoal de gozo efeitos reais é exatamente a mesma coisa - traduz uma violação ao princípio da taxatividade/numerus
clausus.

Este caso é meramente teórico - nunca nenhum notário iria reduzir a escritura pública um contrato que pretendesse
constituir um direito real que não estivesse previsto na lei, ou um direito de crédito com eficácia erga omnes. Da mesma
maneira, mesmo que tivessem conseguido registar, o registo não dá nem cria direitos - em primeiro lugar nem sequer
está este negócio sujeito a registo, e de qualquer das formas o facto de se registar algo não faz com que esse direito
nasça, salvo os casos do art. 291º CC e o art. 5º C. Reg. Pred. Mesmo no caso da hipoteca, em que o registo é
constitutivo, deve-se entender que é preciso o registo juntamente com um negócio válido para que o direito nasça - o
negocio válido só não chega, é preciso um título e modo (e o registo é constitutivo no sentido em que é modo). Agora i)
o registo sozinho, ou ii) o registo a apoiar/suportar um negócio inválido não dá direito a não ser nas hipóteses do art.
291º CC e do art. 5º C. Reg. Pred. que são casos muito específicos.

A consequência normal da violação de uma norma imperativa seria a nulidade, nos termos do art. 294º CC. No entanto,
o art. 1306º CC, que consagra o princípio da taxatividade, o que diz é o seguinte: que as partes não podem constituir
restrições (entendidas no sentido de direitos reais menores) ao direito de propriedade para além dos previstos na lei,
nem figuras parcelares14 - ou seja, não se podem nem constituir direitos mais pequenos, nem se pode dividir os poderes
do proprietário. Mas o que se diz logo a seguir é o seguinte: mas se forem constituídas restrições fora das hipóteses
previstas na lei, esse negócio produzirá efeitos meramente obrigacionais:

I. Se o que as partes criaram em violação do princípio da taxatividade for uma figura parcelar, vale a regra geral do art.
294º CC - o negócio é nulo. E isto porque o legislador no art. 1306º CC só diz que vale com meros efeitos
obrigacionais as restrições. Se A atribuir a B o direito de enfiteuse hoje, este negócio viola o princípio da taxatividade
e a sanção é a nulidade por força do art. 294º CC.

II. Se se quiser constituir um direito real menor não previsto na lei (um direito de crédito com eficácia idêntica a um
direito real) viola-se o princípio da taxatividade mas já não se aplica o art. 294º CC - aplica-se a 2ª parte do art.
1306º/1 CC e o negócio produz efeitos meramente obrigacionais em princípio. Como é que se explica isto?

13 Uma pergunta muito feita nas orais.

14Neste momento não temos nenhuma figura parcelar, mas já tivemos - o caso da enfiteuse onde havia o domínio direto e o domínio útil -, e traduzem hipóteses em que em vez de
se onerar/restringir o direito de propriedade (como acontece no usufruto, na servidão, nos direitos reais menores), reparte-se o direito de propriedade por 2 pessoas, isto é, existia
repartição do domínio (parte das faculdades do direito de propriedade ficassem numa pessoa, e a outra parte das faculdades ficasse noutra pessoa).

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1. OLIVEIRA ASCENÇÃO acha que produz efeitos meramente obrigacionais ponto. Ou seja, que o legislador se
afastou do art. 294º CC, e que impõe uma conversão por força da lei - uma conversão automática, ope
legis -, e que o negócio produz sempre efeitos obrigacionais no caso das restrições.

2. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, autores do projeto do código, e ORLANDO DE CARVALHO mais toda a
Escola de Coimbra consideram que isto é manifestamente excessivo. Não foi isso que o legislador
pretendeu - o que este pretendeu, no fundo, foi que o negócio se pudesse manter com efeitos
obrigacionais, mas não o impõe esses efeitos obrigacionais. Como é que esta 2ª parte do art. 1306º CC é
lida? O que se diz é que o negócio é inválido pode ser convertido num válido (art. 293º CC), desde que se
verifiquem os requisitos de forma e de substância previstos no art. 293º CC:

(1) Desde que o negócio inválido (que era a constituição da servidão pessoal) tenha os requisitos de
forma que se exigem para o negócio no qual ele se vai converter (o negócio meramente
obrigacional). Como em regra as exigências de forma do negócio real são mais vastas do que a
do negócio obrigacional, este primeiro requisito está cumprido, e portanto por aí poderia haver
conversão.

(2) Em segundo, também se exige que as partes, caso tivessem previsto a invalidade do negócio que
celebraram, tivessem celebrado este outro em que ele agora se vai converter. Se as partes
tivessem previsto que o negócio A seria equiparado a nulo, então celebrariam o negócio A'.

• Estes são as regras gerais da conversão. Os dois requisitos, o que a doutrina entende, é que neste caso
do art. 1306º CC para as restrições, este 2º requisito é presumido pelo legislador - presume-se que, se as
partes tivessem previsto que o negócio A seria nulo, teriam celebrado naquela data o negócio A'. O 1º
requisito está preenchido e o 2º presume-se. À partida há conversão, e portanto o negócio produz
efeitos meramente obrigacionais.

• Mas se o Sr. que lá vai tirar a areia considerar que se tivesse previsto, na altura em que pagou para
adquirir a areia, que o seu direito não teria eficácia erga omnes, não celebraria o negócio A' ilide a
presunção e o negócio é nulo nos termos gerais do art. 294º CC, e reavê o seu dinheiro.

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Assim:

Imaginemos que hoje A constitui a favor de B um direito de enfiteuse (um desmembramento do domínio).

1. Há a violação do princípio da taxatividade (art. 1306º CC).

2. Consequências: nulidade (art. 294º CC).

3. Mais: nos termos gerais pode haver conversão nos termos do art. 293º CC. Para que haja conversão deste negócio
tendente à constituição da enfiteuse é preciso mostrar que:

1. O negócio tendente à constituição da enfiteuse tem requisitos de forma bastantes para que o negócio produza
efeitos meramente obrigacionais.

2. Que os senhores que celebram o negócio tendente à constituição de uma enfiteuse, caso tivessem previsto
que não o podiam, teriam celebrado um negócio com eficácia meramente obrigacional.

E dá-se a conversão: 1306º - 294º - 293º CC.

Isto quer dizer que o negócio é nulo, e que a constituição não é automática/ope legis. O que quer dizer é que para haver
conversão não se tem de provar os 2 requisitos - basta provar o 1º, presume-se o 2º. Esta presunção é ilidível. Assim,
enquanto que nas figuras parcelares, para haver conversão, as partes têm de provar os requisitos, nas restrições
presume-se um dos requisitos e as partes têm é de provar o contrário para que não haja a conversão.

Caso Prático 24

Suponham que A constituiu a favor de B uma servidão de aqueduto há 5 anos. A era proprietário do prédio x por onde
passará o aqueduto, B é proprietário do prédio y que receberá as águas que vêm do referido cano/aqueduto (B é dono
de outro prédio z, acima, onde existe a água).

Agora o A vendeu o prédio x a C. C opõe-se a que o cano continue a passar pelo seu prédio. B pode ou não reagir?

Resolução:

É um caso do princípio da publicidade (art. 5º C. Reg. Pred.).

A celebrou um negócio com B, tendente à constituição de uma servidão de aqueduto. Reduziram o negócio a escritura
pública ou a documento particular autenticado (já foi há 5 anos), e o B pagou x. B adquiriu ou não uma servidão de
aqueduto? Adquiriu por força do princípio da consensualidade (art. 408º/1 CC) - os direitos reais constituem-se por mero
efeito do contrato, e aqui temos um direito real (trata-se de um encargo imposto a um prédio em benefício de um outro
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prédio, e as servidões podem ter por objeto quaisquer utilidades - o encargo imposto ao prédio de A é a passagem de
um cano por lá, a favor do prédio de B, para que a água chegue ao seu prédio).

Agora o A vende o prédio a C, e este não quer lá o tubo/cano por onde passa a água. C pode reagir? Respostas
possíveis que nos vêm à cabeça:

• Não pode porque o C já não adquiriu propriedade plena, mas antes propriedade onerada por uma servidão -
torna-se proprietário mas onerado por uma servidão de aqueduto.

• Depende se a servidão for ou não aparente.

• Pode opor-se porque o direito de propriedade é mais amplo do que a servidão.

Quando temos direitos reais sobre imóveis, não nos podemos esquecer, no confronto entre 2 direitos reais (uma
servidão de aqueduto e o direito de propriedade), do princípio da publicidade - os direitos reais constituem-se por mero
efeito do contrato, são eficazes erga omnes por mero efeito do contrato, mas só consolidam a sua oponibilidade perante
certos e determinados terceiros (já veremos quem são estes certos e determinados terceiros infra) se o direito for
registado. Um direito nasce e é eficaz erga omnes, mas perante alguns terceiros pode deixar de existir se não for
registado (pode cair).

Portanto a resposta imediata seria que o direito de B - servidão - só prevalece sobre a propriedade (só onera/vai
continuar a onerar a propriedade) se o B tiver registado, de acordo com o art. 5º C. Reg. Pred. No caso das servidões
depois há uma especificidade. Por isso temos de ver se B registou ou não - se tivesse registado B poderia opor, caso
contrário aí é que variava.

Quando exista um conflito, teoricamente, entre 2 direitos reais sobre um mesmo imóvel, surge aquele conflito tradicional
de “A vende a B, e depois a C”. Colocam-se aqui 3 situações/hipóteses:

1. Se o primeiro direito constituído/transmitido for tão amplo ampliado como o segundo, o primeiro não
registado cai com o registo do segundo.

• A vendeu a B e depois A vende a C - o direito de propriedade de B tem a mesma amplitude do que o direito de
propriedade de C. Se o primeiro adquirir e não registar, este cai. Quando A vende a B este torna-se proprietário (titula
de um direito real oponível erga omnes) por força do art. 408º CC - princípio da consensualidade. Mas tem de
consolidar essa oponibilidade com o registo, e se não registar e a seguir A, vendo que o bem já não é seu, faz uma
venda à non domino a C, e o C regista, C torna-se titular do direito. O registo que o C faz, juntamente com este
negócio que só pode padecer de uma invalidade (a ilegitimidade do A decorrente do facto de já anteriormente
ter transmitido) dão o direito a C. E como não podem continuar a existir 2 direitos de igual amplitude, o direito
de B cai.

• É o art. 5º C. Reg. Pred. que explica esta situação - é preciso registar para poder opor o seu direito a terceiros,
quando em causa estejam bens imóveis. E porquê? Porque existe um sistema registal em Portugal, este é o efeito
mínimo.

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2. A constitui a favor de B um direito de usufruto, e o B não regista. E a seguir o A vende (transmite propriedade plena)
a C, e C regista. Nesta hipótese, o primeiro direito constituído é menos amplo do que o segundo (tem
conteúdo menor). Também decai, porque o registo de C, juntamente com este negócio com A que não pode
padecer de nenhuma causa de invalidade para além pelo facto de joga ter sido celebrado um negócio
anterior (o A já não poderia transmitir propriedade plena, só podia transmitir propriedade onerada) dão o direito a C
(a propriedade plena). A propriedade plena não pode coexistir com o usufruto (o primeiro direito constituído era
menor).

3. A vende a B e B não regista, e a seguir A constitui a favor de C um usufruto/servidão/hipoteca (um direito menor), e
C regista. Por força deste registo, juntamente com este negócio que não pode padecer de outra causa de
invalidade para além da ilegitimidade de A (decorrente do negócio que fez antes), C adquire o direito. Mas o
direito de B não precisa de cair, porque é mais amplo - basta que fique onerado (continua a existir só que
onerado, limitado).

No nosso caso, o B, à partida, podia opor a sua servidão de aqueduto a C se tivesse registado a sua servidão. E se não
tivesse registado? Se fosse outro direito real, a solução seria aquela que já vimos - B perdia a sua servidão (direito
menor vs a propriedade plena), era um direito de menor âmbito e caia.

Acontece que em matéria de servidões temos de ter alguma cautela: de acordo com o art. 5º/2 C. Reg. Pred., as
servidões se forem aparentes (se se revelarem por sinais visíveis e permanentes) não têm de ser registadas
para serem oponíveis a terceiros. Portanto, se esta servidão de aqueduto fosse aparente o B opunha sempre o seu
direito a C. O problema do registo só se colocava se a servidão fosse não aparente - se a servidão de aqueduto não se
revelasse por sinais visíveis e permanentes (designadamente se o dito cano estivesse no subsolo), ou sejam quando C
tivesse comprado o prédio não se tivesse dado conta da existência daquela servidão/aqueduto. Neste caso é que seria
necessário o registo para que a servidão lhe pudesse ser oponível.

Portanto esta é uma hipótese de exceção porque são as servidões - só precisam de ser registadas para serem
oponíveis se forem não aparentes. Quanto aos outros direitos, se tiverem em causa imóveis, é preciso o registo para
que consolidem a sua oponibilidade perante terceiros.

Disse-se certos e determinados terceiros. Quem são estes terceiros? Aqueles que i) do mesmo autor ou causa
adquirem direitos total ou parcialmente incompatíveis/conflituantes, ii) ambos sujeitos a registo. Porque é que
quer o primeiro quer o segundo têm de estar sujeitos a registo? Suponhamos que A transmitiu a B um direito de
propriedade, e B não registou. A seguir A deu em comodato o imóvel a C. O direito de B é um direito sujeito a registo
para ser oponível a terceiros - está no elenco dos direitos previstos no art. 2º C. Reg. Pred. O direito de C não é direito
real, logo não está sujeito a registo (os direitos não reais só estão sujeitos a registo nas hipóteses contadas do art. 2º C.
Reg. Pred. - p. ex., um arrendamento por mais de 6 anos, um leasing). Imaginemos que A entrega a chave a C, e este
está a viver na casa - o direito de B só tem de ser registado para consolidar a sua oponibilidade perante certos e
determinados terceiros - perante aqueles que adquiram do mesmo autor ou causa (é o caso) direitos incompatíveis e
ambos sujeitos a registo (este comodato não está sujeito a registo), o que quer dizer que C não é terceiro. E se o C não
é terceiro então o direito é-lhe oponível. Valem as regras gerais do CC - B adquiriu um direito de propriedade - direito

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real eficaz erga omnes -, e o C adquiriu um direito pessoal de gozo - eficaz inter partes -, e assim prevalece o direito de
B.

Portanto, perante um direito real não registado é irrelevante, excepto os casos contados do art. 2º C. Reg. Pred., a
existência de um direito de crédito. Isto é um dos efeitos do art. 5º C. Reg. Pred., mas depois há muitos mais que não
relevam no âmbito dos direitos reais. Nos casos práticos quando estamos perante um direito não real devemos
dar como assente que é um direito não sujeito a registo - se o for, estará explicitado (não temos de saber quais
são os direitos não reais sujeitos a registo).

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Aula 5 (extra) - 04/05/17

Posse

Caso Prático 25

A, proprietário e possuidor de um prédio rústico, em 1998 emigrou para o Brasil. Como o A nunca mais deu notícias, B,
em 2002, começou a agricultar o terreno e a exercer poderes de facto sobre ele à vista de toda a gente.

Em 2005, por documento particular, B vendeu o prédio a C. Em Janeiro deste ano, A regressou do Brasil, apercebeu-se
da situação e vendeu o prédio a D.

D, apercebendo-se de tudo o que se passava, vedou o prédio e colocou-lhe um portão, impedindo assim C de lá entrar.

Poderá C reagir?

Resolução:

Temos de começar por verificar se é um caso de posse ou não. No caso em concreto diz-se que “A, proprietário e
possuidor (...)”, e a seguir é revelada uma situação fáctica para a ideia de que não há direito real (alguém ocupou/
invadiu um prédio alheio, começou a agricultar e depois vendeu) - tudo indica que se trata de um caso de posse15 .

I. “A, proprietário e possuidor (...)”. O facto de se dizer claramente que A é proprietário também implica que se tenha
de dizer que tipo de posse é que ele tem, se A é proprietário e possuidor de uma posse causal. A posse pode ser
formal/autónoma (existe independentemente da titularidade do direito, sem a existência desse direito) ou
causal (aquela que é um mero reflexo do direito, que acompanha o direito).

II. Depois é que vai começar verdadeiramente o caso da posse.

1. Há ou não posse? Quando se constata que existe um caso de posse, a primeira coisa que se deve
verificar efetivamente é se há posse. Para saber se há posse, o raciocínio é relativamente simples. De
acordo com a conceção subjetivista da posse, temos de ver se há corpus e animus.

2. Exerce posse em termos de que direito?

3. Como se adquiriu essa posse? Aquisição derivada ou originária, e dentro de uma dessas modalidades,
aquela que foi a forma em concreto de aquisição da posse.

4. Quais as caraterísticas desta posse? Titulada ou não titulada, de boa ou má fé, pacífica ou violenta, pública
ou oculta.

15 No exame não se deve dizer que se trata de um caso de posse.

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5. Quais os efeitos da posse?

III. Temos de colocar estas 5 questões em relação a todos os sujeitos.

A. Quanto ao A:

Não precisamos de perder muito tempo com este senhor. A sua posse é causal. Não temos elementos para saber se ele
adquiriu derivada ou originariamente a posse, e não temos elementos para caraterizar esta posse.

B. Quanto ao B:

O Sr. A emigrou e o vizinho, na ausência de notícias, ocupou o prédio e começou a agricultar e a cultivar (em 2002).
Depois em 2005 faz mais - vende o prédio.

• B tem posse ou não?

Tem de haver corpus e animus - exercício de poderes de facto sobre a coisa como titular de um direito real, e
intenção de atuar como titular desse direito real. Mesmo que tivéssemos alguma dúvida que ele tivesse posse ou
não entre 2002 e 2005 (durante aquele período em que esteve a agricultar e a cultivar), as dúvidas dissipam-se todas
no momento em que ele vende. Quem vende é porque acha que é proprietário, ou melhor comporta-se como um
proprietário - exerce poderes de facto sobre a coisa como se fosse titular de um direito de propriedade.

Mas provavelmente já tinha posse antes quando estava a cultivar (já exercia os poderes de facto sobre a coisa), e
exercia-os efetivamente (não era uma mera possibilidade empírica) e tinha intenção de aturar como titular de um
direito.

• Em termos de que direito?

Em termos de direito de propriedade.

• Como adquiriu a posse?

A posse de B não se funda na posse de A, ele adquiriu independentemente da vontade e da posse do A, logo a
posse foi adquirida originariamente.

Dentro das formas de aquisição originária, temos a ocupação e a acessão que raramente vão ser tratadas aqui
(provavelmente nem sequer trataremos), depois a aquisição paulatina e a inversão do título de posse. Só há
inversão do título de posse se tivermos um detentor que muda de animus e passa a possuidor. Ora, o B não era
detentor (até 2002 nunca foi detentor), portanto não pode ser a inversão do título de posse. Sendo certo que a aquisição
paulatina está prevista na lei, não vamos também para a hipótese de esbulho - aplicamos a aquisição paulatina.

Quais são os requisitos para estar verificada a aquisição paulatina? As formas de aquisição da posse que estão
previstas na lei, estão reguladas nos arts. 1263º e ss. CC - neste caso no art. 1263º/a) CC. Para haver aquisição

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paulatina tem de praticar, de forma continuada/reiteradamente, atos materiais sobre a coisa - uma atuação
continua, o que não quer dizer que não tenham interrupções, de atos que têm de ser materiais (não jurídicos)
sobre uma coisa. Prática essa que tem de ser reiterada e com publicidade - à vista de toda a gente do meio
social (não na perspetiva do anterior possuidor). E pratica esses atos materiais com publicidade com a intenção
de atuar como titular do direito. Estão verificados os requisitos da aquisição paulatina? Na aquisição paulatina
como que há um pré-corpus e um pré-animus - um pré-exercício de poderes de facto sobre a coisa, e uma pré-
intenção de atuar como titular do direito real -, e depois adquire-se, e depois nunca se sabe a data em concreto em
que é adquirida (não terá sido em 2002 logo, pois poderes de facto começou a exercer nessa altura, mas a intenção de
atuar como titular de um direito terá sido posteriormente, em princípio ele não invadiu o terreno e começou a atuar como
se fosse o titular do direito de propriedade), se bem que isso varia de caso para caso.

Esta posse que ele adquiriu por aquisição paulatina terá durado mais de um ano, em 2005 até vende o imóvel. Se
durou mais de um ano, a posse de A deixa de existir pois aparece uma posse contrária - depois de ter sido
esbulhado por B (depois de ter perdido a posse para B), o A tinha 1 ano para intentar uma ação de restituição da posse,
não sendo intentada deixou de a ter (art. 1267º/1/b) CC). A partir de uma determinada altura passamos a ter o A
proprietário não possuidor, e o B possuidor não proprietário.

• Quais as características da sua posse?16

1. Titulada ou não titulada? - A posse só é titulada, nos termos do art. 1259º CC, e tem de se ter cuidado com
este art. no sentido em que se tem de lhe fazer uma interpretação corretiva: a posse para ser titulada tem de
se fundar num título (não num modo) em abstrato idónea (e não em concreto, porque na realidade pode não
ser idóneo) à aquisição do direito em cujos termos se possui (do direito em cujos termos se exercem os
poderes de facto). Qual foi o título aqui desta posse? Qual é o fundamento? O que é que esteve na base? Aquisição
paulatina. A aquisição paulatina é um título em abstrato idóneo à aquisição do direto em cujos termos se possuía?
Possuía B em termos do direito de propriedade, e a aquisição paulatina não é um título em abstrato idóneo à
aquisição do direito de propriedade - ninguém adquire propriedade por aquisição paulatina -, logo a posse é
não titulada.

2. De boa ou má fé? - Se a posse não é titulada, presume-se de má fé (art. 1260º CC). A presunção é ilidível,
mas presume-se de má fé.

3. Pacífica ou violenta? - O B não exerceu nem coação física nem coação moral, e para a posse ser violenta
tem de ser uma das duas (art. 1261º/2 CC).

4. Pública ou oculta? - A publicidade que é pressuposta na aquisição paulatina (a pratica de atos à vista de toda a
gente) não faz com que depois a posse seja pública. Como é que se apura se a posse é pública? Uma posse é
pública se for suscetível de ser conhecida pelos interessados. Ou seja:

1. A lei não exige o conhecimento efetivo - basta a cognoscibilidade;

16 ⚠ ⚠ ⚠ Colocar sempre os arts!!! Aqui não são colocados todos, mas no exame é essencialíssimo.

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2. A lei, quando fala da cognoscibilidade, não se refere ao público em geral, é dos interessados. São pessoas
determinadas. Quem são os interessados? É/são o/os anteror(es) possuidor(es). Ou seja, tem de se
questionar se a posse é suscetível de ser conhecida pelo anterior possuidor.

3. Deve-se aplicar aqui a teoria da impressão do declaratário/destinatário, e portanto não interessa saber se
aquele senhor/possuidor/interessado em concreto teve a possibilidade de conhecer. O que nos interessa
pensar é se um homem médio, normalmente diligente, prudente, colocado na posição do real interessado,
teria ou não tomado conhecimento. Não nos interessa se o senhor está no Brasil, ou se está na China, o
que nos interessa é um homem médio colocado na posição dele no Brasil teria ou não tomado
conhecimento deste facto. Teria? Um homem medianamente diligente deixa no país um procurador,
telefona para saber o que se passa com os seus bens - não desaparece durante 4 anos sem saber de
nada. Um homem medianamente diligente saberia. Neste caso, os atos que conduziram à aquisição da
posse foram praticados à vista de toda a gente, e quando a posse é adquirida é adquirida publicamente.
Mas nem sempre é assim - imaginemos que o senhor, em vez de estar no Brasil, estava em estado de
coma - o B adquiria na mesma a posse por aquisição paulatina, mas essa posse seria oculta porque o
homem médio, normalmente diligente, colocado na posição do real interessado em estado de coma
também não conheceria -, portanto o facto de ser uma aquisição paulatina não nos pode conduzir a afirmar
imediatamente que então a caraterística da posse é pública, e não oculta.

Temos então uma posse não titulada, que se presume de má fé, pacífica e culpa.

C. Quanto ao C:

O Sr. B em 2005 vende o prédio a C, e o C passa a comportar-se em relação ao prédio como se fosse proprietário do
mesmo. O C adquiriu propriedade?

• C tem posse ou não

Através deste contrato de compra e venda, o C adquire propriedade? Não, porque B não é proprietário - ninguém pode
transferir os direitos que não tem. O princípio da consensualidade diz-nos que os direitos reais se constituem e
se transmitem por mero efeito do contrato, mas ponto é que o título seja um título bom (que não padeça de
causas de inexistências de nulidade e de anulabilidade) - e aqui claramente há uma causa de nulidade porque há a
venda de um bem alheio, o B era possuidor e não proprietário, logo C não adquire a propriedade.

E posse adquire? Se tiver corpus e animus tem posse - ele exerce poderes de facto sobre uma coisa como titular de um
direito real (do direito de propriedade neste caso).

• Como adquiriu a posse?

Ele funda a posse na do anterior possuidor (e não adquiriu a sua posse independentemente e até contra a posse do
anterior possuidor), portanto adquire derivadamente. Adquiriu derivadamente e inter vivos, portanto afastamos
logo a tradição ficta (não por mortis causa), e ficamos com a tradição real.

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Dentro da tradição real temos a tradição explícita e implícita - na implícita pode ser por traditio brevi manu ou
por constituto possessório. Quer num caso, quer noutro a pessoa que se torna possuidora, no caso da traditio
ela era detentora e passa a possuidora - não é o caso aqui e a traditio está eliminada. No caso do constituto
possessório, quem passa a ser possuidor, passa a sê-lo mas há outrem que exerce detenção - aqui não há
ninguém que permanece detentor, logo eliminamos o constituto possessório.

Só nos sobra a tradição real explícita, de forma mais vulgar que é aquele senhor nunca tinha estado a exercer
poderes de facto sobre a coisa (nem como possuidor, nem como detentor), e portanto se adquiriu posse teve de
haver tradição da posse - teve de ser empossado, ele começou a exercer poderes de facto sobre a coisa como
titular do direito real.

• Quais as características da sua posse?

1. Titulada ou não titulada? - Para se saber se a posse é titulada ou não, a posse só é titulada se se fundar num título
em abstrato idóneo à aquisição do direito real em cujos termos se possui. Esta posse funda-se no contrato de
compra e venda, e este é idóneo à aquisição do direto em cujos termos se possui (neste caso o direito de
propriedade). O primeiro elemento está verificado - há um título em abstrato idóneo à aquisição do direito de
propriedade. Mas, quando se chega a esta conclusão depois temos de ir mais além, porque o preceito que
regula se a posse é ou não titulada depois tem uma segunda parte, que só se aplica para as hipóteses em
que o título é negócio jurídico, que nos vem dizer que a posse para ser titulada, será titulada
independentemente da pessoa que o transmitiu ser ou não titular do direito, mas não pode padecer de vícios
de forma, ou melhor e independentemente de vícios substanciais que é o que diz o art. 1259º CC. Portanto, a
contrario, se é titulada independentemente de vícios substanciais é o mesmo que o legislador dizer é não titulada se
padecer de vícios formais (é como se disse mas não independentemente de vícios formais). A regra é assim que
vícios substanciais não interessam, vícios formais afastam esta caraterística. O facto de B não ser o proprietário é
absolutamente irrelevante para saber se esta posse é titulada ou não, a própria lei o diz. Claro que depois
existem alguns vícios substanciais que assumem relevância, e que conduzem a que a posse seja não
titulada - no caso da simulação absoluta, da reserva mental absoluta, ou da simulação relativa e da reserva
mental relativa (em que o negócio dissimulado/escondido não seja apto a produzir efeitos reais). Neste caso,
o Sr.B não era proprietário e acontece que há uma norma no Cód. Reg. Pred. e no Cód. Not., desde 1984, nos
termos da qual ninguém pode transmitir, constituir ou onerar direitos reais se não for o titular do direito do
ponto de vista registal (se não está como titular do direito no registo - só pode vender aquele que conste no registo
como proprietário, só pode constituir um direito de usufruto aquele que consta no registo como proprietário, só pode
transmitir um direito de usufruto quem conste no registo como usufrutuário), e a isto se chama o princípio da
legitimação registal. Há algumas exceções, mas a verdade é que a regra é esta (podemos adquirir um direito
independentemente do registo, de acordo com o princípio da consensualidade, mas quando o quisermos alienar ou
onerar, quando o quisermos transmitir ou constituir direitos reais menores sobre ele, vamos ter de o registar -
primeiro registamos a nosso favor, depois é que podemos alienar ou onerar). Portanto o que acontece é que quando
alguém quer alienar ou onerar um direito real sobre um bem imóvel, e para tal é preciso uma forma, o titulador (o
notário que reduz o negócio a escritura pública, ou o advogado ou solicitador que apõe o termo de autenticação) vai
dizer “eu só dou forma ao negócio se o senhor me comprovar que é o titular registal, senão não dou por que
estamos vinculados ao cumprimento do princípio da legitimação”. Neste caso concreto, temos um imóvel, e já vimos
que era irrelevante B não ser proprietário para a posse de C ser titulada ou não, mas para a posse de C ser titulada

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o negócio não pode padecer de vícios de forma. A que forma é que este negócio tinha de obedecer? Escritura
pública ou documento particular autenticado, mas esta última forma apenas desde 2009 - na altura tinha de
obedecer a escritura pública, tinha de haver intervenção do notário. O notário daria forma a este negócio? Reduziria
o negócio a escritura pública? Não, porque o B não constava como titular registal por força do princípio da
legitimação, logo está compra e venda não foi reduzida a escritura pública e houve um vício de forma, e se
houve um vício de forma a posse do C é não titulada.

2. De boa ou má fé? - Presume-se de má fé porque não é titulada. Enquanto que a posse do B se presumia de
má fé, e por certo o B estaria de má fé (sabia que estava a lesar um direito de outrem, porque o terreno não era
seu), no caso de C presume-se de má fé mas pode ser que o C estivesse de boa fé (que não soubesse que
estava a lesar um direito de outrem), e portanto temos de colocar a hipótese de ser suscetível de ser ilidida.

3. Pacífica ou violenta? - Pacífica porque não houve coação física nem moral.

4. Pública ou oculta? - era suscetível de ser conhecida pelos interessados (os interessados são os anteriores
possuidores) - não só foi suscetível de ser conhecida, como foi efetivamente conhecida porque foi ele que lhe
transmitiu a posse. Em relação ao A era suscetível de ser conhecida tanto quanto a de B era.

Se houvesse mais alguma transmissão subsequente seria exatamente o mesmo esquema.

D. Quanto a D:

A (proprietário) regressa do Brasil, depara-se com o C no seu terreno, e não reage, vendendo o bem a D. Ou seja, “atira
a bola para a frente”. Podia reagir o proprietário perante C? Já tinha perdido a posse, mas ainda é titular do direito de
propriedade - ele não perdeu a propriedade porque, apesar de ter ido embora e ter deixado lá o terreno, quando
fizemos a distinção entre direitos reais e direitos de crédito, dissemos que uma das caraterísticas dos direitos
reais é que não se extinguem pelo não uso (o facto de ele ter deixado de usar, de ter ido embora e de não ter
praticado atos não conduz à extinção do direito). No caso da propriedade existe ainda mais uma particularidade, é
que é um direito tendencialmente perpétuo (em regra é perpetuo, fica para a vida ≠ no usufruto pode ser temporário -
ou é temporário por prazo, ou é temporário necessariamente porque é durante vida do usufrutuário), e o abandono só
extingue o direito de propriedade de coisas móveis.

Ora, já tinha passado mais de um ano perdera a posse, e entretanto já havia posse contrária (art, 1267º/d) CC).
Portanto temos um proprietário não possuidor, e ele a reagir em defesa do que tem - poderia reagir defendendo o direito
de que tem. Que ação? Intentaria a ação de reivindicação (a ação de restituição da posse não podia porque já tinha
perdido a posse há mais de um ano, mas ele permanecia proprietário, portanto poderia intentar a ação de
reivindicação). Não o fez, e vendeu a D.

O D, deparando-se com a situação também não intenta a ação de reivindicação (e também a poderia intentar), e o que
faz é vedar o prédio, colocou um portão e impediu o C de lá entrar. C pode reagir? C é o possuidor não proprietário, e
ele foi privado da posse, ou seja, foi esbulhado. As ações de defesa da posse são as ações de prevenção,
manutenção e de restituição, e perante um esbulho intentamos a ação de restituição da posse. Em abstrato
seria este o meio idóneo. Intenta contra quem? Contra o esbulhador, os seus herdeiros ou terceiros, neste caso

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contra o D. Mas, o possuidor nunca ganha as ações de defesa da posse perante o verdadeiro titular do direito.
Temos de explicar depois o que é uma ação de restituição.

É claro que aqui temos de assumir a posição de advogado de um e depois do advogado do outro. E o advogado do D o
que vai fazer? Ele é proprietário, podia ter feito ad inicio e pode fazer agora, ou seja, pode deduzir pedido
reconvencional contra C (no fundo é uma ação - enxerta-se uma ação noutra ação, pois já está a correr uma ação e
não se vão multiplicar ações) - ele não deduz apenas contestação, ele reconvém (“ah tudo bem ele é possuidor, e
presume-se que é titular do direito de propriedade, mas o verdadeiro proprietário sou eu”) e intenta a ação de
reivindicação (ele quer o reconhecimento do direito e a restituição da coisa). No fundo, as ações de defesa da posse
e da defesa da propriedade cruzam-se, misturam-se - não podemos pensar que o possuidor intenta a ação e que o
proprietário fica quieto, vai reagir se não reagiu até ali. Cada vez que escrevermos reivindicação, ação negatória ou
ação de defesa do direito real definitivo temos de dizer causa de pedir, pedidos e prova. Ora na ação de
reivindicação depara-se com um problema de prova: é gerado porque, de acordo com o CPC, a causa de pedir é
o facto jurídico de que deriva o direito real, e D tinha adquirido derivadamente e assim não lhe bastava juntar o
documento comprovativo em como tinha adquirido de A (pela escritura pública prova-se que celebrou o
negócio com A, quanto à prova de ter adquirido o direito ou não dependia se A tivesse ou não legitimidade para
lhe transmitir) - era preciso comprovar que A era efetivamente titular daquele direito; se o A também tivesse
adquirido derivadamente tinha de ir provar que o transmitente de quem o A adquiriu também era titular do
direito. É a história da prova diabólica - temos de ir em busca de uma aquisição originária. No caso, para se
fugir à prova diabólica pode-se recorrer às presunções, que derivam da posse (o D tinha posse há pouco
tempo) e do registo (art. 7º Cód. Reg. Pred.) - podia acontecer que ele tivesse o registo do direito de
propriedade, e se não o tivesse podia fazê-lo (se o A lhe vendeu, que era o verdadeiro proprietário que lhe transmitiu,
tinha por força do princípio da legitimação, e ele próprio podia obter com facilidade, logo ele beneficiava da presunção
da titularidade do direito, desde que obtivesse o registo). Se registasse beneficiava desta presunção, e livrava-se da
prova diabólica (presumia-se de que ele era o titular do direito, no fundo fazia-se prova por um meio diverso (em vez de
ser prova direta da propriedade, apresentava a prova do registo e presumia-se que era titular do direito, e se o
possuidor nada fizesse ganhava a ação - efetivamente era o proprietário).

O possuidor poderia neste momento fazer alguma coisa? Há quanto tempo é que o possuidor era possuidor? Desde
2005. Tem tempo de posse suficiente para reagir contra o proprietário? A única forma de se reagir contra o
proprietário é dizer que ele deixou de o ser, e agora sou eu - é adquirindo originariamente por usucapião. Neste
caso, temos de consultar um art. na hipótese de a posse ser titulada e de haver registo do negócio jurídico de
transmissão do direito real, o outro quando a posse é não titulada e quando não há registo do negócio de transmissão
do direito real. Neste caso não podia haver registo do negócio jurídico, pois o negócio jurídico de C nem sequer
obedeceu à forma legal (à forma de escritura pública - se ele apresentasse o documento particular ao
conservador, ele diria vício de forma de acordo com o princípio da legalidade (art. 68º Cód. Reg. Pred.) e
recusava nos termos do art. 69º Cód. Reg. Pred., e não seria feito o registo. Portanto, não há de certeza registo do
direito e o C nunca foi titular de um direito nem vai ter registo desse direito, porque o que pode ter mostrado ao
conservador é um documento particular de compra e venda. Portanto já não podemos aplicar aquele art., e só nos sobra
os prazos piores que estão previstos no art. 1297º CC - 15 anos de boa fé, 20 anos de má fé. Ora, C tem 12 anos de
posse e é pouco. Ele tinha uma posse não titulada que se presumia de má fé, mas podia ilidir a presunção (e em
princípio até conseguiria ilidir, porque ele não saberia que estava a lesar um direito de outrem) e bastariam os
15 anos. Mas ainda assim não tem tempo suficiente - quando nos data tempo a pergunta seguinte seria e não pode

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juntar ao seu tempo de posse, a posse do seu antecessor? Não pode recorrer à junção de tipos de posse? Há acessão
na posse como forma de aquisição originária, está prevista no art. 1257º CC - juntar ao seu tempo de posse a
posse do seu antecessor. Pode recorrer a este mecanismo aquele que tenha adquirido posse derivadamente e
inter vivos. Não temos exata noção qual é o tempo de posse de B - ele não terá começado a aturar como possuidor
no primeiro dia em que entrou para o terreno, mas mesmo dando de barato que sim são 3 anos, C passa a ter 15 anos.
Isso chega-lhe? Não lhe chega porque se juntar ao seu tempo de posse a posse do seu antecessor, a posse com
as piores caraterísticas é que prevalece e a posse de B era claramente de má fé. Ou seja, neste caso precisaria de
20 anos e não de 15 anos. Não dá assim para poder reagir contra o pedido reconvencional.

Não podendo reagir contra o pedido reconvencional vai ter de restituir a coisa. O que lhe sobra? O que é que o
advogado do possuidor poderá eventualmente fazer para defender o seu cliente perante estes pedidos típicos da ação
de reivindicação que foi enxertada na ação de restituição? Os outros efeitos da posse:

1. Frutos - o senhor estava lá desde 2005 e estamos em 2017, é preciso acautelar os interesses do possuidor porque
tem de restituir a coisa. A situação muda muito consoante se esteja de boa ou má fé - em princípio neste caso o B
estaria de boa fé, apesar de se presumir de má fé:

1. Os frutos que ele recebeu ao longo dos anos fica com eles (art. 1260º/1 CC);

2. Os pendentes que lá estão perde-os mas com direito a ser indemnizados (art. 215º/1 CC);

3. E não responde pelos frutos percepiendos (art. 1271º CC a contrario) (se não conseguisse ilidir a
presunção, seria outra a solução).

2. Benfeitorias - não se disse nada que tivesse sido feito, e podemos não responder a essa questão. Mas quanto aos
frutos disse-se alguma coisa? Não mas era um prédio rústico, e quem exerce poderes de facto sobre um
prédio rústico necessariamente ou quase de certeza que está a fazer algo para, e disse-se que o B cultivava
e produzia portanto algum fruto deve ter retirado. De qualquer das formas, relativamente às benfeitorias é o art.
1273º CC - partindo do pressuposto de que ilidiu a presunção, e que portanto fez prova da sua boa fé:

1. Quanto às benfeitorias necessárias tinha direito a ser indemnizado, e enquanto não o fosse tinha
direito de retenção (art. 756º/b) CC)

2. Quanto às benfeitorias úteis, primeiro tinha direito a levantá-las, depois, caso não as pudesse
levantar sem perda ou deterioração da coisa tinha direito a ser ressarcido em termos de
enriquecimento sem causa (que é diferente da indemnização), e também tem direito de retenção;

3. Quanto às benfeitorias voluptuárias, se suscetíveis de serem levantadas tinha direito a levantá-las.

Quanto à questão do direito de retenção nas benfeitorias, isto quer dizer que o possuidor fez benfeitorias
necessárias, p. ex., e ele apesar de ter de restituir a coisa ele é credor, e enquanto não lhe pagar retém a coisa.
E se ele não lhe pagar pode promover a venda judicial do bem para satisfazer o seu crédito (não fica com a coisa,
mas promove a venda e satisfaz o seu crédito).

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No fundo temos de ver o que cada um deles tem - o A era proprietário não possuidor, a reagir era através de
uma ação de reivindicação. O C é possuidor não proprietário só pode usar um único meio - a ação de
restituição da posse.

Caso Prático 26

Imaginem agora o seguinte:

A, proprietário e possuidor, emigrou, e deu de arrendamento um seu prédio a B em 1991. Em 1997, C, não proprietário,
convenceu B de que era proprietário, e celebrou com este um contrato de compra e venda, passando B a partir dessa
data a comportar-se como proprietário.

A pretende reagir. Pode fazê-lo? Como?

Resolução:

Temos o Sr. A que é proprietário e possuidor, logo tem posse causal (funda-se num direito), que dá de arrendamento um
prédio seu a B em 1991.

A. Quanto ao B enquanto arrendatário:

• B tem posse ou não

Ele exerce poderes de facto sobre uma coisa (vive num imóvel porque é arrendatário), mas como titular de um direito
pessoal de gozo, e não como titular de um direito real. Ora, de acordo com a conceção subjetivista da posse, não é
possuidor, é um mero detentor - art. 1251º e art. 1253º/c) CC. Ele exerce poderes de facto sobre a coisa com a intenção
de atuar como titular do direito pessoal de gozo em virtude de um negócio jurídico (no fundo, está a exercer por outro,
está lá mas a posse permanece em A, é mero detentor. Quando há uma detenção, o possuidor continua possuidor
- a posse traduz-se no exercício de poderes de facto ou na possibilidade empírica de os exercer diretamente ou
através de uma outra pessoa (e pode ser através de um detentor). Portanto, o A continua a ser o detentor e o
possuidor com o arrendamento. O arrendatário é mero detentor, embora seja um detentor privilegiado - é um
daqueles detentores que beneficia de tutela possessória (uma das exceções), embora aqui não assuma
relevância porque não tem de se defender.

De 1991 a 1997, temos um possuidor e temos um detentor.

B. Quanto ao B enquanto “proprietário”:

Em 1997, aparece um terceiro, o C, que diz que é o proprietário mas não o é - o proprietário e possuidor era A.
Convence o B desse facto, arroga-se titular do direito, e celebra com ele um contrato de compra e venda. Ele não é o

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possuidor até ali, e não é proprietário. Com esta venda adquire posse? (o C) Ele não adquire posse por vender assim
coisa alheia (aqui o truque é ir pensando por sujeitos - o C não era proprietário, e não se tornou proprietário por
vender coisa que não era sua pois a venda é nula; tornou-se possuidor? As formas de aquisição da posse são a
aquisição originária e a derivada, e dentro da originária não conseguimos integrar dentro de nenhuma delas - não é
aquisição paulatina, não é um detentor que muda de animus e se torna possuidor, e também não é um ato de esbulho
(porque o esbulho supõe que, para além de se privar outro da posse, se passe a exercer poderes de facto sobre a
coisa). Há alguma estabilidade, alguma continuidade para adquirir posse originariamente, e o C pura e simplesmente
praticou um facto ilícito (nem adquiriu propriedade, nem adquiriu posse).

• B tem posse ou não

Depois diz-se que, a partir do dia em que se celebra o negócio com o C, passa a comportar-se como sendo o
proprietário.
Aqui tem corpus e tem animus, logo tem posse.

• Como adquiriu a posse?

Ele adquiriu fundando a sua posse na posse do seu antecessor? Aqui o anterior possuidor era A, então só pode ter
adquirido originariamente. Ele não adquire a posse do C, porque este não era possuidor, tal como não era proprietário
(se não era possuidor não lhe podia transmitir aquilo que não tinha). Adquire originariamente.

Como é que adquire originariamente? Inversão do título de posse - ele não esbulhou, não há acessão nem ocupação,
não é aquisição paulatina (não foi aos poucos e poucos que ele foi passando a exercer poderes de facto sobre a cosia
com a intenção de autuar como o titular do direito), ele celebrou um negócio e a partir dali começou a comportar-se
como o titular do direito. Alguém que era mero detentor passa a possuidor, muda de animus. Dentro da
inversão do título de posse, temos a inversão do título de posse por oposição do detentor ao até ali possuidor
(pode ser explícita ou implícita), e temos a inversão do título de posse por ato de terceiro - que é quando um
terceiro, alguém que não é proprietário nem possuidor, se arroga da titularidade do direito, convence o detentor
que é o verdadeiro proprietário e celebra com ele um negócio jurídico em abstrato (e não em concreto) idóneo à
transmissão do direito. Aqui de facto C arroga-se à titularidade do direito e celebrou com B um negócio de
compra e venda que, em abstrato, é idóneo à transmissão daquele direito de propriedade - em concreto não era
porque ele não era o proprietário, mas em abstrato era um contrato de compra e venda. Está prevista no art. 1265º CC
- a parte final, “(...)por ato de terceiro capaz de transferir a posse.” está mal redigida porque o ato de terceiro não é
capaz de transferir a posse, e se fosse a aquisição seria derivada e não o é, é uma aquisição originária; o ato de terceiro
é um ato de terceiro capaz em abstrato de transmiti do direito em cujos termos passa a ser exercida a posse (no caso
concreto pode nem ser idóneo, o que se passa aqui neste caso).

• Posse em termos de que direito real?

Propriedade.

• Quais as características da sua posse?

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1. Titulada ou não titulada? - 1. Funda-se num título em abstrato idóneo à aquisição do direito? 1º Qual é o título em
que se funda esta posse? Por inversão do título da posse (e não pelo contrato de compra e venda, ele não adquiriu
derivadamente por negócio) 2º A inversão do título da posse é, em abstrato idóneo à aquisição do direito, o de
propriedade, em cujos termos se possui? Seria aquele título da posse um bom título para adquirir o direito? Alguém
adquire propriedade porque muda de animus? Não, então a posse não é titulada. Esta é das hipóteses mais
complicadas para nós (estudantes) porque há um negócio de permeio, mas este não é título neste caso porque a
aquisição da posse do B dá-se porque ele muda de animus, e se ele tivesse celebrado o negócio e não tivesse
mudado de animus, se tivesse continuado a comportar-se como arrendatário, não adquiria a posse. É certo que o
negócio é a causa remota ou é a causa da mudança de animus, mas é a mudança de animus que conduz à
aquisição da posse.

2. De boa ou má fé? - Presume-se de má fé porque não é titulada.

3. Pacífica ou violenta? - Pacífica porque não houve coação física nem moral.

4. Pública ou oculta? - Quando se tenta ver se a posse é pública ou oculta, devemos ter em atenção o momento da
aquisição primeiro, e depois posteriormente. No momento em que ele adquire é, em princípio, oculta - é
insuscetível de ser conhecida pelo interessado (o interessado não teria conhecimento, em princípio, do tal
negócio) entendido como uma pessoa normalmente sagaz, diligente, prudente colocada na posição do
interessado. Mas depois a posse ter-se-à tornado pública. O que é que o arrendatário que se convenceu de que
era proprietário terá começado, desde logo, a fazer? Deixou de pagar a renda. Portanto poderá ter adquirido
ocultamente, mas depois passou a exercer posse pública.

O Sr. B que, desde 1997 está lá a exercer poderes de facto como proprietário, sossegadamente, agora o Sr. A volta a
Portugal, não se preocupou em saber por que é que as rendas não eram pagas, ou pelo menos não reagiu, e diz “bem,
eu sou o proprietário e quero a minha casa”. O que é que o titular pode fazer? O A é proprietário e não perdeu a
propriedade pela posse do outro, mas a posse perdeu ao fim de um ano (art. 1267º/1/d) CC). Assim, só pode
reagir como proprietário. Que ação intenta? Intenta uma ação negatória ou uma ação de simples apreciação? Ele
está privado da coisa, logo intentará a ação de reivindicação (temos de depois dizer logo a seguir os pedidos, a
causa de pedir e a questão da prova diabólica17 , que aqui não seria difícil de resolver para o A, porque, tendo
sido afirmado que ele era o proprietário, obteria o registo e depois beneficiava da presunção e já não tinha uma
prova diabólica, e o ónus da prova passava para o outro lado). Se fossemos advogados de A diríamos para
prosseguir com a ação ou diríamos que não vale a pena? O B podia ter adquirido por usucapião mas ainda não
adquiriu, por isso ainda vale a pena intentar está ação. Já passaram 20 anos e o B pode adquirir por usucapião, mas
ainda não adquiriu porque a usucapião tem de ser invocada (art. 1292º CC, que remete para o art. 303º CC da
prescrição) - não é de conhecimento oficioso, não opera ope legis.

Intentou agora a ação de reivindicação, e portanto em princípio pode ganhar. E o B o que faz? Usucapião, mas não é
preciso fazer a invocação fora da ação (recorrendo a uma escritura notarial ou um processo numa conservatória),
fazemo-lo ali - foi intentada a ação de reivindicação e o possuidor diz “Ah pois sim, eu primeiro era só possuidor não
proprietário, mas agora invoco a usucapião porque já tenho posse há 20 anos, e portanto independentemente de ser de
boa ou má fé, titulada ou não titulada, posso usucapir”. Invoca a usucapião em pedido reconvencional, pede para

17 Há cotação para isso!

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ser reconhecido o seu direito, e para ser negado o direito da outra pessoa. No fundo invoca a usucapião e
formula pedidos típicos de uma ação de simples apreciação que se reconheça o seu direito e que seja negado o
direito do outro. É uma ação também de defesa do direito real, e portanto os pedidos neste caso, como ele não foi
privado da coisa não tem de intentar a ação de reivindicação, também não precisa que o outro seja condenado a repor a
situação que existia anteriormente e assim não precisa de uma ação negatória, e portanto fica com uma ação de
simples apreciação. A causa de pedir é o facto jurídico de que derivou o direito real - neste caso, o facto jurídico de que
derivou o direito de propriedade de B foi a usucapião, e não há dificuldades probatórias (a prova não é diabólica).
Ganhava ou não ganhava? Ganhava.

Se o senhor intenta a ação hoje, e hoje é proprietário (hoje tem legitimidade, e aparentemente, na perspetiva do seu
advogado, vai ganhar), como é que o possuidor daqui a 15 dias invoca a usucapião em pedido reconvencional, e
adquire originariamente (é uma forma de aquisição originária) e vai dizer “então ganho eu”? Quando foi proposta a ação
o proprietário era, efetivamente, o A, e o B só passado 15 dias é que adquire originariamente. Mas o B, apesar de só
invocar a usucapião daqui a 15 dias, e daí adquirir originariamente, de acordo com a lei, invocada a usucapião, os
efeitos retrotraem-se à data do início da posse (art. 1288º CC) - ele vai ser havido como proprietário desde 1997.
Quando o tribunal reconhecer que ele adquiriu, na ação, sendo invocada a usucapião, a sentença não tem qualquer
cariz constitutivo (é meramente de reconhecimento), por isso é que é uma aquisição originária, quando ele reconhecer
que ele adquiriu é com efeitos retroativos de acordo com a lei. Se ele invocar a usucapião vai ganhar, adquire não
quando invoca mas com efeitos retroativos, vai ser julgado procedente o seu pedido reconvencional e vai decair o
pedido de reivindicação que foi formulado pelo A.

E se ele nada fizer? E se o advogado do B for mau e não invocar a usucapião? Foi intentada a ação de reivindicação e
o advogado do possuidor não se deu conta de tal facto e não invocou o usucapião. Perdeu a ação, ainda pode invocar
ele, porque até continua lá e ainda não restituiu a coisa - se julgado procedente a ação de reivindicação, reconhece-se o
direito e condena-se à restituição da coisa. Continua a exercer poderes de facto sobre a coisa. E o seu advogado vem a
dizer que, como não cumpriu, invoca-se agora a usucapião. Pode ser? Imagine-se que ele pensa nisto daqui a 1 ano.
Quanto tempo de posse terá B nessa altura? A ação de reivindicação procede daqui a pouco tempo porque o advogado
do possuidor não contesta, não invoca a usucapião, imagine-se que procede daqui a 2 meses, ele é condenado a
restituir mas não restitui e continua a coisa e daqui a um ano pensa-se “eh, por que não invocar a usucapião?”. B vai ter
21 anos de posse. Então para que serviu a ação de reivindicação e a decisão do tribunal? Terá transitado em julgado,
mas a ação interrompe a contagem do prazo para a usucapião, art. 1292º CC (que remete para as normas da
prescrição, e depois para as causas de suspensão e de interrupção) - não nos podemos esquecer das causas
suspensivas e interruptivas da contagem dos prazos. Neste caso é uma causa de interrupção, diz a lei no art. 323º
CC (em vez de lermos prescrição devemos ler usucapião), que o tempo de posse que pode conduzir à usucapião
interrompe-se pela citação ou notificação judicial por qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de
exercer o direito. Hoje logo que fosse intentada a ação de reivindicação, logo que o B fosse citado o prazo parava. A
ação era julgada procedente, ele não restituia a coisa e continuava com ela em seu poder, e para fazer a contagem do
prazo temos de nos recordar que a interrupção é diferente da suspensão - na interrupção perde-se o tempo que está
para trás, ≠ na suspensão, p. ex., duas pessoas que se casam aquele período de tempo não conta, mas depois do
divórcio junta-se esse tempo com o anterior ao casamento, porque é uma causa suspensiva. Neste caso, como é uma
causa interruptiva, o art. 326º CC prescreve que inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente - a partir da citação, se a
ação for julgada procedente, foram 20 anos que ficaram perdidos. Se não fosse isso, com a demora que alguns
processos têm em tribunal, intentava-se a ação de reivindicação e o prazo para usucapião podia preencher-se na

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pendência da ação - um proprietário intentava uma ação ao fim de 12 anos porque sabia que o outro estava de boa fé, a
ação demorava e ele atingia os 15 (embora com a citação pelo menos passaria-se a dizer que ele estava de má fé). Os
tais pedidos reconvencionais para julgar a usucapião só podem ser julgados procedentes se à data em que a pessoa é
citada já tiver completado o prazo para usucapir - só na altura em que alguém intenta uma ação de reivindicação em
que aparentemente vai ganhar porque é o proprietário, se a sentença fosse proferida naquele dia o outro poderia
invocar ou não a usucapião?

Aula 6 - 15/05/17

Caso Prático 27

Em 1990, A vendeu a B, por documento particular, um prédio rústico que o comprador cultiva desde então. Agora, C
ocupou o prédio, alegando que o mesmo lhe pertence por herança do pai. Diz ainda que o prédio sempre pertenceu ao
seu pai, e que A apenas foi um comodatário.

Dando por assente que o afirmado por C é verdade, B pode ou não reagir à ocupação de C?

*uma vez mais, aqui não vamos pôr os arts. todos, mas no exame é fundamental pôr todos*

Resolução:

Quem é que era proprietário? Temos de começar a resolver este caso do fim para o princípio - o habitual é dizer-se “A
vendeu a B por documento particular”, e começar a caraterizar a posição do A, do B e do C. Neste caso, no final, depois
diz-se que o C vem a dizer que o prédio é seu porque o herdou do seu pai, e o seu pai é que sempre foi o seu
verdadeiro proprietário e o A nunca o foi - foi um mero comodatário. E depois diz-se “dando por assente que isto é
verdade”, portanto, dando por assente que quem era o proprietário era o pai de C, vamos começar a resolver.

A. Quanto ao pai de C:

Este era o proprietário em 1990. Desde 1990 até agora ocorreu verificou-se algum título aquisitivo da propriedade por
parte de outrem que não o C? Se era o pai que era o proprietário, de acordo com os dados que temos, o proprietário
atual é C. Mas há uma posse desde 1990, só que esta posse só por si não conduz à aquisição do direito - para tal é
preciso invocação da usucapião, e não se diz nada no caso e isso ainda não aconteceu. Temos o proprietário que é o
pai de C, não houve qualquer forma de aquisição originária (não resulta nada do caso) - não houve acessão, não houve
usucapião -, a favor de outrem, quem é o atual proprietário agora é C como herdeiro do pai.

B. Quanto ao A:

• A tem posse ou não

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De acordo com o enunciado também, e dando por assente que o que C diz é verdade, o A é um mero comodatário
(alguém a quem o pai tinha emprestado o prédio), ou seja era um detentor do prédio, comodatário e faltava-lhe a
intenção de atuar como titular de um direito real (atuava como titular de um direito pessoal de gozo), mas o
certo é que em 1990 este senhor vendeu o prédio a B. E o B daí por diante passou a comportar-se como se
fosse titular do direito de propriedade. O que aconteceu aqui? Não há dúvidas que B é possuidor - tem corpus e
tem animus.

• Como adquiriu a posse?

Ele celebrou um negócio com A, e que lhe vendeu um prédio que até ali ele se comportava apenas como comodatário.
Um comodatário vende que não é seu. Nessa altura ainda se está a comportar como detentor? Está-se a comportar
como titular de um direito de propriedade. Então se ele se está a comportar como titular do direito de propriedade, não
terá A adquirido a posse? Ele para ter adquirido terá adquirido originariamente (não baseia a sua posse na posse do
pai de C) - acessão, ocupação, aquisição paulatina, inversão do título de posse e o esbulho. Não parece estar em causa
nem o esbulho, nem a acessão, nem a ocupação. Quanto à aquisição paulatina, o A aos poucos e poucos não foi
praticando atos materiais que revelassem a sua intenção de atuar como titular de um direito real - ele praticou um só
ato, vendeu. Só sobra a inversão do título de posse - há inversão do título de posse quando o detentor passa a
possuidor contra ou independentemente da vontade do até ali possuidor.

Dentro da inversão do título de posse temos 2 hipóteses - por oposição ao até ali possuidor, ou por ato de terceiro. Aqui
não há nenhum terceiro que aparece e influencia o A, então é por oposição. Dá-se a inversão quando um
detentor, que exerce poderes de facto sobre a coisa com intenção de atuar como titular de um direito de crédito
ou como um titular de um direito pessoal de gozo, muda de animus e passa a atuar sobre a coisa como um
titular de um direito real.

Sendo por oposição pode ser explícita - passar por um ato notificativo de comunicação ao até ali possuidor. O A
comunicou ao anterior possuidor “olhe eu agora considero-me proprietário”? Não disse, só vendeu por isso não pode
ser uma inversão do título de posse por oposição ao até ali possuidor explícita. Mas é por oposição implícita, porque
ele praticou um ato manifesto, concludente de que deixou de se comportar como um mero comodatário - aquele
ato revela claramente que ele se está a comportar como um possuidor em termos do direito real.

Esta é a causa de aquisição de posse (por oposição ao até então detentor) mais difícil de identificar, porque a pessoa
adquire através de um único ato praticamente com o qual também transmite a posse. Ele adquiriu a posse quando
celebrou o negócio, e através desse negócio também transmitiu, e por isso também é mais difícil de identificar. É
claro que, isto teoricamente diz-se que a inversão do título de posse por oposição ao até ali possuidor ocorre por um
não ato, por um só ato. Na prática, não é com um único ato - o Sr.A, para ter vendido a B, há-de ter entrado em
negociações com o B, terem preparado o contrato, e depois terem celebrado o negócio, portanto é um espaço maior
temporal. Mas a verdade é que aquilo que salta à vista (ou que não salta, que aparece escondido e que temos de
descobrir) é que é um ato só - alguém adquire e transmite a posse.

• Posse em termos de que direito real?

Propriedade (vendeu, atuou como proprietário).

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• Quais as características da sua posse?

1. Titulada ou não titulada? - 1. Funda-se num título em abstrato idóneo à aquisição do direito? 1º Qual é o título em
que se funda esta posse? Por inversão do título da posse (e não pelo contrato de compra e venda, ele não adquiriu
derivadamente por negócio), foi a mudança de animus. 2º A inversão do título da posse é, em abstrato idóneo à
aquisição do direito, o de propriedade, em cujos termos se possui? Seria aquele título da posse um bom título para
adquirir o direito? Alguém adquire propriedade porque muda de animus? Não, então a posse não é titulada. Esta é
das hipóteses mais complicadas para nós (estudantes) porque há um negócio de permeio, mas este não é título
neste caso porque a aquisição da posse do B dá-se porque ele muda de animus, e se ele tivesse celebrado o
negócio e não tivesse mudado de animus, se tivesse continuado a comportar-se como arrendatário, não adquiria a
posse. É certo que o negócio é a causa remota ou é a causa da mudança de animus, mas é a mudança de animus
que conduz à aquisição da posse. Ninguém adquire a propriedade por mudar de animus, portanto a posse não é
titulada.

2. De boa ou má fé? - Presume-se de má fé porque não é titulada.

3. Pacífica ou violenta? - Pacífica porque não houve coação física nem moral.

4. Pública ou oculta? - A posse é pública quando é suscetível de ser conhecida pelo interessado. Em primeiro lugar
não é necessário o conhecimento efetivo - basta a possibilidade de conhecimento. E depois não é preciso a
possibilidade de conhecimento do interessado em concreto, mas do homem médio normalmente diligente, colocado
na posição do real interessado. O homem médio, normalmente diligente, colocado na posição do pai de C teria tido
conhecimento da venda? Mesmo imaginado que a forma deste negócio entre A e B tenha sido por escritura
pública (no cartório notarial), quando se celebra um contrato de compra e venda ou uma doação ou o que
quer que seja pode ser em qualquer cartório notarial, e não tem de levar testemunhas, e não tem de levar a
conhecer - não é publicitado. Apesar de haver uma tendência no direito romano de dizer que a escritura pública
também é uma forma de dar publicidade, realisticamente não é nesta perspetiva. Quantas escrituras sabem hoje
que foram celebradas? De certeza que foram imensas por todo o país, pelos vários cartórios notariais, e não nos
chegou cá nada. O homem médio colocado na posição do real interessado não tem conhecimento de uma
compra e venda. O Sr. A adquiriu posse ocultamente, a sua posse é oculta perante o pai de C.

O A, através do ato em que adquire a posse, também a transmite - transmite a B.

C. Quanto ao B:

• B tem posse ou não?

• Como adquiriu a posse?

O B adquire a posse de A - não a adquire de ninguém, adquire-a de uma pessoa em concreto, portanto trata-se de uma
aquisição derivada. Repare-se como tudo mudou: no início a nossa tendência era a de dizer que o B adquiriu

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originariamente por aquisição paulatina; e não porque quem adquiriu originariamente foi o A por inversão do título de
posse, e o B adquiriu derivadamente.

Tradição real ou ficta? Real, porque o B não herdou nada. Explícita ou implícita? A tradição implícita no âmbito da
aquisição derivada só ocorre se o possuidor se tornar possuidor sem ter a coisa em seu poder - porque se mantém
numa relação de detenção ou porque se constitui uma relação de detenção. É alguém que se torna possuidor mas que
não é ele a exercer poderes de facto diretos sobre a coisa porque há uma relação de detenção que já existia e que se
mantém, ou uma relação de detenção que surge agora. Chegando à conclusão de que ocorre uma destas duas
situações, depois vamos ver se é implícita. Neste caso concreto, existia uma relação de detenção que se manteve
quando B adquiriu posse ou uma relação de detenção que surgiu quando B adquire posse? Não, o B é um possuidor,
não há qualquer relação de detenção, que se mantenha ou que tenha sido constituída - ele exerce diretamente
os poderes de facto sobre a coisa sem qualquer relação de detenção. Isto quer dizer que a aquisição foi
derivada por tradução real explícita, ou seja, houve entrega da coisa ao B, houve transmissão da posse, B
começou a exercer efetivamente poderes de facto sobre a coisa como titular de um direito de propriedade sem que
houvesse mais alguém a exercer poderes a título de detenção - é a hipótese mais vulgar (o A celebrou um contrato de
compra e venda com B, e abandonou o prédio e começou B a exercer os poderes sobre a coisa).

• Posse em termos de que direito real?

Propriedade (vendeu, atuou como proprietário).

• Quais as características da sua posse?

1. Titulada ou não titulada? - 1. Funda-se num título em abstrato idóneo à aquisição do direito de propriedade? 1º
Qual é o título em que se funda esta posse? Através de um contrato de compra e venda. 2º O contrato de compra e
venda é, em abstrato idóneo à aquisição do direito, o de propriedade, em cujos termos se possui? É, e o primeiro
requisito da posse titulada está verificado. Mas é o primeiro, porque sempre que o título é negócio jurídico é
preciso ver mais - 2. a posse só é titulada se não padecer de vícios de forma, ou daqueles vícios
substanciais excecionais. Ora este contrato de compra e venda foi reduzido a documento particular, quando
deveria ter sido escritura pública. Assim a posse não é titulada 18.

2. De boa ou má fé? - Presume-se de má fé porque não é titulada.

3. Pacífica ou violenta? - Pacífica porque não houve coação física nem moral.

4. Pública ou oculta? - A posse é pública quando é suscetível de ser conhecida pelo interessado. Na verdade, foi
efetivamente conhecida por parte de A (o A é que lhe transmitiu a posse), e perante o pai de C se não foi
imediatamente pouco depois deve ter tido conhecimento (ele passou a exercer poderes de facto sobre a coisa como

18Se nada nos fosse dito, que tinha sido ou não por documento particular - não precisávamos de colocar as duas hipóteses, bastava aquela que fosse de acordo com a lei. Quer no
Cód. Reg. Pred., quer no Cód. Not., existem arts. que consagram o princípio da legitimação registal - um princípio tipicamente português do ponto de vista do registo. Por força
desse princípio da legitimação, ninguém pode alienar ou onerar (constituir uma hipoteca, um usufruto, etc...) um imóvel sem que seja o titular registal (sem que esteja inscrito no
registo), desde 1984. O que quer dizer que se nada fosse dito iríamos perguntar o A era o titular registal? O A era o comodatário, inverteu o título de posse e tornou-se possuidor,
mas nunca adquiriu de facto o direito, e se nunca adquiriu o direito nunca conseguiria ter o registo a seu favor - não tinha documentos, desde logo. Se não tinha o registo a seu
favor, nunca ia poder alienar ou onerar na forma legalmente admitida.

Não pode porquê? Porque o titulador (aquele que dá forma ao negócio - o notário, e desde 2009 os advogados, os solicitadores, etc...) têm de recusar, devem recusar dar forma ao
negócio, e portanto haveria sempre aqui um vício de forma.

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sendo titular do direito de propriedade), à vista de toda a gente e sendo suscetível de ser conhecido pelo
interessado (que era o B e que era o C).

Neste momento, temos como proprietário C, e como possuidor B. Quando é que o pai de C perdeu a posse? 1 ano
depois do exercício de posse contrária (art. 1267º/1/d) CC).

Mas depois a verdade é que C, em vez de intentar uma ação em tribunal, ocupou o terreno, e agora não deixa que o C
lá entre, dizendo agora que é o proprietário (não sabemos se o é efetivamente). Como é que B pode reagir? Intentaria
uma ação de restituição da posse - o B foi esbulhado pelo C. Mas as ações de defesa da posse só procedem se
não tiverem, do lado oposto, o verdadeiro titular do direito, porque senão o B iria intentar a ação de restituição
da posse, e o C iria dizer “tá certo, tá muito bem isso, ele é possuidor e presume-se que é titular do direito mas
não é, o titular sou eu, e portanto tenho o direito a permanecer aqui”. Teria B assim que invocar a usucapião -
não precisava de começar por intentar uma ação de defesa da posse, e podia logo no início intentar uma ação em que
invocasse a usucapião (pedia o reconhecimento do direito adquirido originariamente) e em que pedisse a restituição da
coisa. Ou seja, ele através de uma única ação conseguia duas coisas: conseguia, por um lado, adquirir originariamente
(invocava judicialmente a usucapião); por outro lado, pedir a restituição da coisa. O mesmo é dizer que o B pode
intentar uma ação de reivindicação - pedindo o reconhecimento do seu direito (para isso é preciso ser titular -
invoca a usucapião, e o tribunal reconhece, sendo esta uma forma de aquisição originária19) e a restituição da
coisa (o tribunal condena o outro a restituir a coisa). Seria uma ação de reivindicação que não teria problemas de
prova - o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade de B é uma aquisição originária, que ocorre naquele
momento quando ele invoca a usucapião. Os efeitos retrotraem-se até à data do início da posse - desde 1990 (art.
1288º CC).

• E se C, em vez de ter ocupado o terreno, quisesse reagir judicialmente? O que tinha de fazer? Que ação teria de
intentar? Temos de pensar como advogados de C e depois como advogados de B.

1. B estava no terreno desde 1990, e o C, herdeiro e verdadeiro proprietário, quer reagir judicialmente. Que ação
intenta? A ação de reivindicação - pede o reconhecimento do direito e a restituição da coisa. O C teria um problema
de provas - o C adquiriu derivadamente (adquiriu do pai - ele só terá adquirido se o pai fosse o titular do direito de
propriedade, e nós não sabemos como é que o pai adquiriu). Para superar este problema de prova, devia recorrer a
uma presunção se pudesse - neste caso, como não tinha posse, não a tinha há muito tempo, podia eventualmente
fazer uso da presunção derivada do registo (o registo gera a presunção de que se é titular do direito, e ele assim
superava a prova diabólica inerente a uma aquisição derivada).

2. Ele intentava a ação de reivindicação. Ganhava? O que faríamos como advogados de B? Deduzíamos um pedido
reconvencional invocando a usucapião, e, no fundo, juntamente com essa invocação da usucapião, fazíamos os
pedidos típicos de uma ação de simples apreciação - o tribunal que reconheça que eu é que sou o titular do direito,
e que declare que ele não é titular de qualquer direito já.

3. Ou seja, na posição de cada uma das partes, o advogado fazia uma coisa, o outro fazia outra. Se o B não deduzisse
pedido reconvencional onde invocasse a usucapião (onde o pedido fosse de simples apreciação e ele invocasse a
usucapião), o C ganhava porque o B tem de invocar a usucapião (não decorre automaticamente/ope legis/por força

19 A usucapião tem de ser invocada, mas depois de invocada o tribunal limita-se a reconhecer.

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da lei e não é de conhecimento oficioso por parte do tribunal, porque a lei no art. 1297º CC manda aplicar algumas
regras da prescrição, nomeadamente o art. 303º CC que fala da invocação20). Não basta o decurso dos anos para
se adquirir originariamente (propriedade, usufruto, etc...), quando chega aos 15 anos ou aos 20 anos não se

“pode ir abrir a garrafa de champanhe 🥂 ”, ainda é preciso invocar porque art. 1297º CC ≠ e não por força do

art. 1288º CC que diz “invocada a usucapião...” 21. Isto quer dizer que o juiz até pode reparar que há a
possibilidade de adquirir originariamente, haver os factos todos, mas não pode tomar conhecimento se não for
invocada.

Caso Prático 28

Suponham o seguinte:

António, dono de um prédio rústico relativamente encravado22 , passa, desde há 20 anos, através de um prédio de
Bernardo confinante com o seu, com a intenção de atuar como titular de uma servidão de passagem.

Bernardo, porém, acaba de vedar o seu prédio com um muro, e opõe-se a que António continue a passar através dele.

Poderá António reagir contra esta oposição? Na hipótese afirmativa, que ação ou ações poderá intentar?

Resolução:

Pode ou não pode reagir? Pode, pois o António, durante estes 20 anos, passou pelo prédio de B com a intenção de
atuar como titular de uma servidão de passagem, logo atuou como possuidor em termos de uma servidão de passagem
- exerceu poderes de facto sobre a coisa como titular de um direito real, há corpus e há animus. Sendo impedido de
exercer a sua posse como titular de uma servidão de passagem23

Assim, pode intentar uma ação de restituição - foi privado da sua posse. Mas se ele intentar uma ação de restituição, só
ganhará a ação se não estiver a lutar contra o verdadeiro titular do direito. Para isso temos de pensar se o B é
proprietário pleno ou é proprietário onerado com uma servidão - se for proprietário pleno ele vai dizer “não não,
presume-se que o meu amigo é titular de uma servidão porque exerce posse como fosse titular da servidão mas não é”.
Ora, e acontece que é mesmo proprietário pleno - nunca se constituiu a servidão de passagem, pois até então o A
passava por lá como se fosse o titular de uma servidão de passagem mas não a constituiu. Então, se A intentar contra B
a ação de restituição, o que o B vai fazer é, em pedido reconvencional, pedir que seja declarado que o A não é titular de
um qualquer direito de servidão de passagem, e que por isso seja condenado a reconhecer que ele é proprietário pleno
ou então, pura e simplesmente, que se declare que o A não é titular de uma qualquer servidão de passagem. Ou seja,
trata-se de um pedido reconvencional onde não faz os pedidos típicos de uma ação de reivindicação porque já

20 Primeiro temos de dizer isto na escrita. Depois o “tem de ser invocada e porquê ” é pergunta típica de oral (sempre, sempre, sempre).

21 ERRO TÍPICO DAS ORAIS, sendo que depois MÓNICA JARDIM responde com “não, para isso eu posso dizer 'não sendo invocada não se retrotrai' ”.

22 Um prédio pode ser relativamente ou absolutamente encravado - totalmente sem acesso à via pública, ou no segundo caso ficam incomodados no acesso.

⚠ A posse não é só em termos de direito de propriedade - em termos de qualquer direito real de gozo, e até de alguns direitos reais de garantia na perspectiva de
23

MÓNICA JARDIM (nomeadamente o penhor e o direito de retenção).

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vedou o prédio e B já não passa por lá, e também não precisa de formular os pedidos típicos de uma ação
negatória, basta uma ação de simples apreciação (positiva para ele, negativa para o outro). Mas deduz este
pedido reconvencional, e fazendo-o se o A nada fizer vai perder a ação.

O que é que o advogado do A tem de fazer perante este pedido reconvencional? Pode invocar a usucapião, porque a
usucapião não serve apenas para adquirir originariamente a propriedade, serve para adquirir qualquer direito
real de gozo dos previstos na lei, com exceção das servidões não aparentes e do direito de uso e habitação (art.
1287º CC, devendo fazer-se remissão para o art. 1293º CC). Portanto, o advogado de A pode invocar a usucapião se
tiver exercido posse em termos de servidão aparente. Como podemos saber se exerceu posse em termos de servidão
aparente ou não? Se tiver exercido posse em termos de servidão aparente, é suposto que existam sinais visíveis e
permanentes (no sentido de lá estarem sempre, constantemente) que revelem a servidão, e isso resulta do art. 1548º/2
CC. A passava lá há 20 anos, há marcas de rodadas de carros ou de tratores ou do que quer que seja para chegar à via
pública, não cresceu vegetação, havia uma estrada ou um caminho, haveria marcos, portanto parece que há sinais
visíveis e permanentes da servidão e ele pode invocar a usucapião. Se ele pode invocar a usucapião a finale, depois
de todo este jogo, então também pode invocar ab initio - quando chegarmos à conclusão de que “pode intentar a
ação de restituição mas que B vai deduzir pedido reconvencional dizendo que é proprietário pleno, só que depois A
pode invocar a usucapião”, não nos podemos esquecer que pode invocar desde o princípio, e assim em vez de começar
pela ação de restituição intenta logo uma ação onde invocar usucapião e onde solicita possibilidade de voltar a passar
pelo prédio do B. Assim, se o A exerceu posse em termos de uma servidão não aparente, invoca a usucapião no âmbito
de uma ação de reivindicação, e pede que lhe seja restituído a coisa. Sobre a ação de reivindicação é dito, no art.
1315º CC, que pode ser uma ação de defesa de outros direitos sem ser apenas o direito de propriedade.

A outra possibilidade que o A tinha era a de que não era proprietário de um prédio qualquer - ele era proprietário
de um prédio relativamente encravado. E os proprietários de prédios absolutamente ou relativamente
encravados pode solicitar ao tribunal que se constitua uma servidão, e nesse caso constitui-se a servidão que
está prevista na lei, legal, por decisão judicial. Quando estudamos as servidões, e estudamos algumas das
classificações de servidões, nomeadamente aparente ou não aparente, voluntária ou legal, dissemos que uma servidão
legal não é apenas uma servidão que está prevista na lei - é uma servidão que está prevista na lei e que pode ser
constituída por decisão judicial ou administrativa se não for por acordo; não sendo por acordo, não sendo
negócio, pode-se ir a tribunal e é constituída compulsivamente. No caso, estamos perante uma servidão legal (art.
1550º CC) porque é um prédio relativamente encravado, e portanto podia dizer ao B “vamos constituir uma servidão
porque eu tenho direito, sou titular de um prédio relativamente encravado e portanto constitua-se a servidão”, e o B, se
dissesse que não, ia para tribunal.

• Diferença prática entre estes dois caminhos: invocada a usucapião, o A adquire o direito de servidão, em cujos
termos se comporta há mais de 20 anos, de graça/sem pagar nada. Se quiser constituir uma servidão legal, ao invés
de decisão judicial, há sempre uma compensação (art. 1551º e 1554º CC). Constituição de servidão implica pagar,
e invocação da usucapião não - este é o melhor caminho, só devendo ir em último caso para a constituição da
servidão legal (se não pudéssemos ir para a usucapião - era o que aconteceria se a servidão não fosse
aparente 24).

24 Se apesar de o senhor passar por lá há mais de 20 anos, não existir sinais visíveis e aparentes.

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Ponto é que ainda não há servidão - até agora não há servidão. Não haveria servidão se se seguisse o caminho da
usucapião (porque enquanto não é invocada a usucapião não há o direito, não adquire originariamente só por se ter
possuído), e se se quisesse fazer uso da servidão legal também não é pelo facto de estar prevista no art. 1550º CC que
já há servidão de passagem (é preciso ser constituída - ou por acordo, ou por decisão judicial ou administrativa). Ao fim
de 20 anos a passar pelo prédio do outro, apesar de ter um prédio encravado, não tem nenhuma servidão - tem de
ainda adquirir (um dos dois que referimos)25.

Cabe ainda referir que, se fossemos pela invocação da usucapião, como é evidente, tínhamos de dizer que A exercia
posse, e como é que ele adquiriu posse. Neste caso, terá adquirido posse originariamente através de aquisição
paulatina (ele há mais de 20 anos que lá passa, foi passando).

Para além disso falta uma breve referência às características desta posse:

1. Titulada ou não titulada? Alguém adquiriu uma servidão de passagem por aquisição paulatina? Não, logo não é
titulada.

2. De boa ou má fé? Presume-se de má fé, o que nos conduz para os 20 anos para a aquisição da servidão de
passagem originariamente por usucapião.

3. Pacífica ou violenta? Pacífica, pois não houve coação física ou moral.

4. Pública ou oculta? Pública, porque era suscetível de ser conhecida pelo anterior possuidor. Não interessa nada se
era à vista de toda a gente ou não.

Caso Prático 29

Em 1988, A, proprietário do imóvel x, celebrou um contrato de comodato com B, seu vizinho, para que este pudesse
alargar o espaço de um restaurante.

Em 1996, correndo bem o negócio a B, o B tomou a decisão de comprar o imóvel x, tendo o negócio sido celerado por
documento particular.

Agora, há 2 meses atrás, o B vendeu o imóvel x a C. A, porém, pretende que C o desocupe, invocando a invalidade do
negócio de compra e venda que havia celebrado com B.

1 - Tem razão o A? Como é que o poderá fazer (que C desocupe o imóvel)?

2 - Agora C consulta-o para saber como deve reagir contra esta intenção de A. O que lhe diria?

25 Observação para a vida prática: esta é uma situação que acontece com frequência, todos os dias até, em Portugal. A primeira coisa que uma pessoa que exercia posse em
termos de servidão de passagem deve fazer, se for aparente, é ir criar prova sobre o facto de a servidão ser aparente: tirar fotografias, filmar, etc... os tais sinais visíveis e
permanentes (os marcos que estão lá, o facto de não crescer vegetação, o facto de não haver cultura naquela zona).

Depois quando intentar a ação, provavelmente os sinais já não estão lá - o outro tirou os marcos, plantou lá batatas no sítio da estrada 🥔 , etc... ou seja fez desaparecer os
sinais. E isto porque a pessoa que o privou da posse pode vir a dizer “e mesmo que existisse servidão, a servidão seria não aparente de acordo com estas fotografias”, e mostra
fotografias atuais passado algum tempo onde já aparece alguma coisa.

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Resolução:

1-

A. Quanto ao Sr. A:

Era proprietário e possuidor do prédio x. Nada é dito, mas se mais ninguém os exerce, exercia poderes de facto ou tinha
a possibilidade empírica de os exercer como titular do direito de propriedade. Neste caso, era uma posse causal -
fundava-se no direito.

Em 1988, este proprietário-possuidor dá em comodato (empresta coisa não fungível) a B. Que posição passa B a
ocupar? Devemos sempre ter em mente o que é a posse: corpus e animus. O corpus é o exercício de poderes de facto,
e o animus é a intenção de atuar como titular do direito real. É o que nos permite distinguir a concessão objetivista da
posse da subjetivista. O comodato é um direito real? É um direito pessoal de gozo, então não há posse - ele exerce
poderes de facto sobre a coisa como sendo titular de um direito pessoal de gozo. É um mero detentor. E se fosse um
direito de crédito também não haveria posse.

B. Quanto ao Sr. B:

• Como adquiriu a posse?

Ora ele é detentor, e isso resulta da noção de posse (art. 1251º e 1253º CC), por negócio jurídico. Ele é detentor desde
1988 por diante. Mas permaneceu como possuidor? Continuou sempre a atuar sobre aquele prédio, que pertence em
propriedade a A, como comodatário? Ou alterou-se a situação? Altera-se em 1996, quando ele pensa “bem, está-me a
correr bem o negócio, vou adquirir o prédio”, e celebra com A o contrato de compra e venda por documento particular.
Terá transmitido a propriedade a B desta forma? Não, pois há um vício de forma (nulidade, art. 220º CC) e B não
adquire a propriedade. E a posse? Sim, basta que o B por ali em diante tenha mudado de animus (tenha deixado de se
comportar como um comodatário - como alguém a quem estava a ser feito o favor de estar lá a explorar o restaurante -,
e tenha passado a atuar como proprietário (que em princípio foi o que aconteceu - celebrou um contrato de compra e
venda porque o negócio estava a correr bem, queria adquirir o prédio, e portanto dali por diante passou a exercer
poderes de facto sobre a coisa como titular do direito de propriedade). Assim B adquire posse após a celebração do
negócio, inválido formalmente, com A.

Desta foram, podemos afirmar que adquire posse derivadamente - fundou a posse na posse do anterior possuidor
(a posse de B baseia-se na posse do A. Por tradição real (não é sucessão mortis causa). Dentro da tradição real,
esta é explícita ou implícita? A tradição implícita supõe que se mantenha ou que passe a existir uma relação de
detenção, não houve sempre só posse ou não há daqui por diante só posse. Já existia uma relação de detenção?
Desde que já existisse uma relação de detenção ou que passe a existir, podemos logo excluir a explícita.

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As formas de aquisição implícita que conhecemos são:

1. O constituto possessório, previsto no art. 1264º CC que pode ser:

a) Bilateral - nesta hipótese a ser, seria bilateral (só tínhamos 2 pessoas). Ocorre quando um possuidor,
através de um negócio jurídico, transmite a posse, e através de outro obtém a detenção (ex.: A,
proprietário e possuidor, transmite o imóvel a B, mas celebra com B outro negócio por força do qual
passa a ser arrendatário). Foi isto que acotrnceu aqui? Não, logo o constituto possessório está
excluído.

b) Trilateral

2. A traditio brevi manu - é o contrário do constituto possesório, havendo um detentor que passa a
possuidor, com o acordo do até ali possuidor. A traditio brevi manu, do ponto de vista da memorização,
é idêntica à inversão do título de posse, só que na inversão é contra o até ali possuidor (por isso é
que é aquisição originária) e na traditio é com o acordo do até ali possuidor.

Por que é que neste caso não houve tradição real explícita? A tradição real explícita supõe que haja ato de
empossamento/transmissão da posse/entrega da coisa ao novo possuidor. O novo possuidor não tinha nenhuma
relação com a coisa, e passa a ter. Neste caso, o novo possuidor, B, antes já era detentor, e não é preciso que lhe seja
entregue a coisa, não é preciso um ato de empossamento (ele já exerceu poderes de facto, só não havia animus).
Imaginemos que ele tinha lá uma esplanada montada, e que queria comprar - ele não teria de tirar a esplanada de lá,
levar para o outro lado, para acabar com o contrato de comodato, para, de seguida, após a celebração do contrato de
compra e venda, voltar a lá colocar a esplanada e voltar a exercer poderes de facto (ele já exercia, ele continua a
exercer atos, passa é a fazê-lo com outro animus).

• Posse em termos de que direito real?

Propriedade.

• Quais as características da sua posse?

1. Titulada ou não titulada? - 1. Funda-se num título em abstrato idóneo à aquisição do direito? 1º Qual é o título em
que se funda esta posse? Por traditio brevi manu, mas tem ali um contrato de compra e venda. 2. No entanto, houve
vício de forma, portanto apesar de ser uma aquisição derivada, e apesar de haver um negócio jurídico, há vício de
forma logo a posse não é titulada.

2. De boa ou má fé? - Presume-se de má fé porque não é titulada. Mas, em princípio, o B estaria de boa fé, porque
desconhecia que estava a lesar o direito de A (celebrou um negócio, terá pago). De qualquer fora, presume-se que é
de má fé.

3. Pacífica ou violenta? - Pacífica porque não houve coação física nem moral.

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4. Pública ou oculta? - A posse é pública quando é suscetível de ser conhecida pelo interessado. Em primeiro lugar
não é necessário o conhecimento efetivo - basta a possibilidade de conhecimento. E depois não é preciso a
possibilidade de conhecimento do interessado em concreto, mas do homem médio normalmente diligente, colocado
na posição do real interessado. Na verdade foi efetivamente conhecida pelo interessado.

C. Quanto ao Sr. C:

Estando nesta situação, o B vende a C. E o C passa a comportar-se como titular do direito de propriedade sobre o
prédio x. Assim, é possuidor em termos de direito de propriedade.

• Como adquiriu a posse?

Adquire a posse derivadamente. Tradição real ou ficta? Real, porque não foi sucessão mortis causa. Implícita ou
explícita? Explícita - não havia uma relação de detenção nem passa a haver - o que havia era já posse a favor de B. É
preciso aqui um ato de empossamento - C nunca teve nada a ver com aquele prédio, agora celebrou um negócio e
passa a exercer efetivamente poderes de facto. Agora, A é proprietário não possuidor, C é possuidor não proprietário
(adquiriu por tradição real explícita).

• Quais as características da sua posse?

1. Titulada ou não titulada? - 1. Funda-se num título em abstrato idóneo à aquisição do direito? 1º Qual é o título em
que se funda esta posse? Por tradição real explícita, fruto de um contrato de compra e venda. Em princípio seria
uma posse titulada mas houve vício de forma, portanto apesar de ser uma aquisição derivada, e apesar de haver um
negócio jurídico, há vício de forma logo a posse não é titulada. E isto pelo seguinte: o A vendeu a B por documento
particular, logo se assim o foi B nunca ficou proprietário; se nunca se tornou proprietário, nunca conseguiu o registo;
quando B “vende” a C só pode ter vendido também por documento particular, porque, de acordo com o princípio da
legitimação, o notário só intervém se o alienante/onerante for o titular registal, e o B não era o titular registal (só se
consegue o registo a nosso favor com o documento que de alguma forma confirma que somos titulares do direito),
logo também celebra um negócio com vício de forma.

2. De boa ou má fé? - Presume-se de má fé porque não é titulada. Mas, em princípio, o C estaria de boa fé, portanto
conseguiria ilidir a presunção.

3. Pacífica ou violenta? - Pacífica porque não houve coação física nem moral.

4. Pública ou oculta? - A posse é pública quando é suscetível de ser conhecida pelo interessado. Em primeiro lugar
não é necessário o conhecimento efetivo - basta a possibilidade de conhecimento. E depois não é preciso a
possibilidade de conhecimento do interessado em concreto, mas do homem médio normalmente diligente, colocado
na posição do real interessado. Na verdade foi efetivamente conhecida pelo interessado.

Agora o A que é o verdadeiro proprietário quer reagir contra o C. Pode fazê-lo? O C está lá no imóvel a exercer posse
como titular do direito de propriedade há 2 meses. Assim, A pode intentar uma ação de reivindicação - ele está privado
da coisa (ele vendeu mas há um vício de forma, sendo a sanção para o vício de forma a nulidade, logo para todos os

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efeitos é como se nunca tivesse vendido), pedindo-se o reconhecimento do seu direito (que seja declarado que o outro
não tem qualquer direito que legitime a sua atuação) e a restituição da coisa (que seja condenado a praticar um ato que
reponha a situação em conformidade com o direito real). Deve-se sempre dizer os pedidos típicos desta ação, bem
como a causa de pedir (facto jurídico de que deriva o direito real), e dificuldade da prova - no caso, o A poderia suprir
essa dificuldade de prova se fosse o titular registal.

E C pode ou não reagir contra esta intenção de A? Ele só está lá há 2 meses, portanto tem posse há 2 meses. Mas há
aquela figura que é a acessão, não como forma de aquisição originária, a figura da junção de tempos de posse - pode
juntar o seu tempo de posse à posse do antecessor (art. 1256º CC) quem adquire derivadamente, o que é o caso. Não
pode deixar nenhum de permeio. Assim, ao juntar o seu tempo de posse ao tempo de posse de B ficava com mais de 21
anos, logo podia invocar a usucapião.

Se não chegasse aos 20 anos e fossem só 15 anos, aconselharíamos ao C ilidir a presunção de má fé que sobre
ele impendia, no entanto se juntasse a uma posse de boa fé sua (partindo do pressuposto que conseguiria ilidir
a presunção) a posse de má for de B, o tempo é o da posse com piores caraterísticas (art. 1256º CC). Mas o B
tinha posse de má fé efetivamente? Também não, em princípio não porque ele era um comodatário e depois quis
adquirir - se o C conseguisse ilidir a presunção de má fé sobre a sua pessoa, e a presunção de má fé sobre a
pessoa do B, bastavam-lhe os 15 anos e podia invocar a usucapião.

Aula 7 (extra) - 18/05/17

Caso Prático 30

A, proprietário e possuidor de um imóvel, transmitiu a propriedade a B, através de contrato de compra e venda, e


mediante contrato imediatamente posterior, tomou de arrendamento a B o mesmo imóvel.

A é ou não atualmente possuidor?

Resolução:

A é possuidor? É detentor, porque falta-lhe o animus - a partir do momento em que aliena o imóvel terá transmitido a
propriedade e a posse. Ele, por sua vez, a partir do momento em que vive no imóvel como arrendatário, exerce poderes
de facto sobre a coisa, mas sem intenção de atuar como titular de um direito real, mas sim com intenção de atuar como
titular de um direito pessoal de gozo (arrendatário), logo é mero detentor.

E o B adquiriu posse? Adquiriu derivadamente de A através de contrato, tradição real - aquisição inter vivos.
Dentro da tradição real, a modalidade do constituto possessório - porque B não foi efetivamente empossado na
coisa, no sentido de passar a exercer poderes de facto (ele tem a possibilidade de os exercer, mas a verdade é que se
constituiu uma situação de detenção - o possuidor transmite a posse, e por contrato sucessivo torna-se detentor). O
possuidor converte-se em detentor - é uma das hipóteses que ainda não tínhamos visto nas aulas práticas, de

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tradição real implícita (não explícita) por constituto possessório bilateral (onde o possuidor transmite a posse
através de um determinado negócio jurídico, e através de outro seguinte torna-se detentor). Por isso mesmo, o
novo possuidor (que é efetivamente possuidor, que tem corpus e animus) não recebe a coisa, não é empossado da
coisa, ou seja, o A não precisou de tirar tudo dentro do apartamento, para celebrar um compra e venda para transmitir a
posse a B, para de seguida, e depois de celebrado o contrato de arrendamento, voltar a meter tudo dentro de casa (é
uma questão de economia processual, e não se nega que por isso B tenha posse). O A, a partir do contrato de
arrendamento, passa a exercer posse em nome de B.

A hipótese do constituto possessório trilateral está previsto no art. 1264º CC, e o que se diz é que temos A que é
proprietário e possuidor, e dá de arrendamento o imóvel a B - temos o A possuidor e o B detentor. Passado algum

tempo, o A resolveu vender o seu imóvel 🏡 . Dá preferência ao seu arrendatário, mas este não a exerce, e o A vende a

C - ora, a venda que o A faz ao terceiro não põe fim ao contrato de arrendamento, por força do art. 1057º CC (a venda
não suprime a renda). O arrendatário vai-se manter no prédio, o C torna-se proprietário e possuidor mas a relação de
arrendamento (a detenção) permanece.

Caso Prático 31

Em 01 de Outubro de 2007, A constituiu em benefício de B, por documento particular, um direito de usufruto vitalício
sobre um prédio rústico. B começou imediatamente a explorar o prédio na qualidade de usufrutuário, e efetuou nele
benfeitorias necessárias no valor de 10.000€.

Agora A ficou a saber que o negócio tendente à constituição do usufruto devia ter sido celebrado por/reduzido a
escritura pública, e pensa em intentar uma ação.

Terá êxito? Que direitos assistirão a B?

Resolução:

Quando alguém exerce poderes de facto sobre uma coisa como se fosse proprietário, e outro como titular de um direito
real menor, ambos têm posse (um tem posse em termos de direito de propriedade, o outro tem posse em termos de
direito de usufruto). No caso, o usufruto é um direito tão amplo que se diz que a pessoa que exerce posse em termos de
direito usufruto, é como se fosse detentor da propriedade na parte onde não exerce esses poderes. Tal como pode,
sobre uma mesma coisa, vários direitos (propriedade, usufruto, superfície, etc...), tal como pode haver compropriedade
ou co-usufruto, também pode na posse podem existir várias sobre o mesmo objeto desde que natureza diferente,
porque exercem os dois poderes de facto com intencionalidades diferentes - não pode é haver duas pessoas a exercer
posse em termos do mesmo direito real (propriedade p. ex.). O A não deixou de ter posse em termos de direito de
propriedade, mas deixou de ter posse em termos de propriedade plena - ele era possuidor em termos de propriedade
plena, e quando o B passa a exercer posse em termos de usufruto, o A fica apenas a exercer posse em termos de nua
propriedade (propriedade de raiz). Podia assim, A internar uma ação de restituição da posse em termos de
propriedade plena - estava privado da posse em termos de propriedade plena, estava a exercer posse em termos de
nua propriedade.

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Mas a ideia aqui era ir buscar a defesa do direito real definitivo. Ele é proprietário, pode ou não defender-se? Em casos
destes é comum a resposta ser “intenta a ação de declaração de nulidade” - porque seria dito que o negócio é nulo por
vício de forma. Isso chega a A que seja declarada a nulidade? É declarada, e o B continua lá. Ele precisa sim de intentar
a ação de reivindicação - o que ele quer é o prédio de volta, o que ele quer é que o B saia de lá e lhe entregue o prédio.
Terá então de internar uma ação de reivindicação, com os seus pedidos típicos: que se reconheça o seu direito de
propriedade, e que ocorra a restituição da coisa. Nesta ação, e basta esta ação, para que, quando ele for pedir o
reconhecimento do direito de propriedade, obviamente que o pede justificando que o negócio foi nulo por vício de forma
(que o tribunal declare a nulidade e reconheça a sua propriedade). Quanto ao problema da prova diabólica, poderá
argumentar que o negócio é nulo e ele é que é o proprietário (o facto jurídico de que deriva o direito real de A nós nem
sequer sabemos, se adquiriu originariamente tudo bem, se não foi assim tem a questão da prova diabólica). Se
intentasse só a ação de nulidade, depois teria de intentar a ação de condenação para ser obrigado a restituir a coisa.

O B pode reagir ou não neste caso?

• B tem posse?

Vamos dar como assente que sim - ele exercia poderes de facto em termos de titular do direito real, logo tem corpus e
animus.

• Como adquiriu a posse?

Adquiriu posse derivadamente, por transmissão/constituição inter vivos, logo eliminamos a tradição ficta. A tradição é
real, e dentro desta, tendo em conta que o B antes não exercia poderes de facto sobre a coisa e que os passa a exercer
efetivamente, porque não há qualquer relação de detenção antes ou depois, tradição real explícita - houve um ato de
empossamento a B.

• Posse em termos de que direito real?

Usufruto.

• Quais as características da sua posse?

1. Titulada ou não titulada? - Apesar de se fundar num título em abstrato idóneo à aquisição do direito de usufruto (o
contrato), é não titulada porque padece de vício de forma.

2. De boa ou má fé? - Presume-se de má fé porque não é titulada. Mas, em princípio, o B estaria de boa fé, portanto
há sempre a possibilidade de ilidir a presunção.

3. Pacífica ou violenta? - Pacífica porque não houve coação física nem moral.

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4. Pública ou oculta? - A posse é pública quando é suscetível de ser conhecida pelo interessado. Em primeiro lugar
não é necessário o conhecimento efetivo - basta a possibilidade de conhecimento. E depois não é preciso a
possibilidade de conhecimento do interessado em concreto, mas do homem médio normalmente diligente, colocado
na posição do real interessado. Na verdade foi efetivamente conhecida pelo interessado.

Poderia invocar a usucapião? A partir do momento em que há posse, pode haver usucapião. A não ser que a
posse seja violenta ou oculta - excluem a possibilidade de usucapir (art. 1287º CC). No entanto, no caso concreto
não tem tempo suficiente - tem 10 anos de posse. Com 10 anos apenas poderia invocar a usucapião se estivesse de
boa fé, e se tivesse obtido o registo do título aquisitivo do pretenso direito real em cujos termos ele exercia a posse (art.
1294º CC). Neste caso, ele nunca poderia ter obtido o registo porque o negócio padecia de vício de forma, e os
conservadores estão obrigados a efetuar o controlo da legalidade, e se podem não se aperceber que haja uma
anulabilidade por erro ou por dolo, é evidente que constatam logo que há um vício de forma (não é entregue o
documento reduzido a escritura pública). Não tendo registo, sai do art. 1294º CC e vamos para os prazos do art. 1296º
CC, e aqui ele precisaria de 20 anos, ou na melhor das hipóteses, se conseguisse ilidir a presunção de má fé, de 15
anos. Como advogados de B o que faríamos? Já vimos que, quando o tempo de posse é insuficiente/escasso, um
possuidor que tenha adquirido derivadamente a posse pode juntar ao seu tempo de posse o tempo de posse do seu
antecessor, para depois usucapir (art. 1256º CC). Mas neste caso, ele ia juntar o seu tempo de posse à posse do
seu opositor (daquele que está a intentar a ação de reivindicação), e isso não pode ser porque senão estaria a
tolher de proteção o seu anterior possuidor e o proprietário - em abstrato é possível a acessão do tempo de posse,
mas em concreto não.

E então? Diríamos “entregue o prédio e mais nada”? O efeito maior da posse é a possibilidade de acabar por adquirir o
direito, mas isso só ocorre no final de 20 anos na generalidade das hipóteses. Mas existem outros efeitos que nós
vimos: em matéria de deterioração da coisa, em matéria de presunções, em matéria de frutos, em matéria de
benfeitorias. Quando o proprietário reage após 10 anos, ainda assim há que acautelar de alguma forma o possuidor.
Neste caso, era claramente dito que o B tinha feito benfeitorias no valor de 10.000€, e sabemos que ele se presume de
má fé, mas que esta presunção é ilidível, e portanto vamos tratar da questão do ressarcimento das benfeitorias26 , art.
1273º CC:

1. Sendo benfeitorias necessárias (não as podendo levantar obviamente - benfeitorias que foram feitas para
evitar a perda ou a deterioração da coisa, art. 216º CC), quer esteja de boa ou má fé, tem sempre direito a
ser indemnizado. Aconselharíamos o possuidor a ilidir a presunção de má fé, pois temos de juntar o art.
754º e o art. 756º/b) CC: se estiver de boa fé, pode exercer direito de retenção (pode, neste caso concreto,
em que o A intentou contra ele uma ação de reivindicação, pode dizer “não entrego a coisa, o prédio,
enquanto não for indemnizado das benfeitorias no valor de 10.000€ que eu fiz”; e se não lhe for pago esse
valor da indemnização pelas benfeitorias, precisamente se tiver o direito de retenção, pode ainda excutir a
coisa (promover a venda judicial do bem) e satisfazer o seu crédito (não é proprietário mas torna-se titular
de um direito real de garantia).

26A acessão é que só pode funcionar não havendo relação jurídica. Havendo relação jurídica ou não pode haver benfeitorias - a benfeitoria é uma despesa feita na coisa, numa
coisa previamente existente por quem tenha uma relação jurídica com a coisa, ou por quem não tenha mas a lei estipule o regime das benfeitorias.

Neste caso concreto, a lei estipula de forma expressa o regime das benfeitorias em matéria de posse, e também assim no arrendamento para benfeitorias urgentes, etc...

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2. Ele era usufrutuário de um prédio rústico, e portanto temos de abrir a hipótese de ver se o prédio era
frutífero. E mesmo que fosse urbano - ele como usufrutuário podia ter dado de arrendamento Será que
produzia frutos? Art. 1271º e ss. CC - também aqui é muito diferente estar de boa ou má fé, e era muito
importante ilidir a presunção. De boa fé, ele ficaria com os frutos percebidos ao longo dos anos (art. 1271º
CC), perderia os frutos que estivessem pendentes mas tinha o direito a ser indemnizado (nos termos gerais
do art. 215º/1 CC), e não teria de responder pelos percepiendos. Se não ilidisse a má fé, teria de restituir os
percebidos, embora tivesse direito a indemnização pelas despesas nos termos do art. 215º/2 CC, perderia
os frutos pendentes sem direito a indemnização (art. 1271º CC), e respondia pelos frutos percepiendos -
aqueles que a coisa ainda não produziu mas poderia ter produzido se estivesse na mão do A (art. 1272º
CC).

⚠ Ainda em relação a este caso, há algum problema de neste contrato o A ter pretendido constituir um usufruto

vitalício? O usufruto, de facto, não pode ser perpétuo (viola o numerus clausus, art. 1306º CC). Mas aqui não era
perpétuo, vitalício significa durante a vida (perpétuo é para o próprio e para os vindouros, é transmissível) - a regra é
que tem de ter uma determinada duração fixada pelas partes, e quando tal não aconteça será vitalício.

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Restrições ao direito de propriedade

Caso Prático 32

A e B são vizinhas. A, no seu quintal, tem um limoeiro cujas raizes e ramos se introduzem para o prédio de B. Davam-se
bem, e por isso B apanhava os limões que nasciam sobre o seu prédio.

1 - Há uns tempos atrás desentenderam-se, e A, a dona do limoeiro, durante a noite, passou a apanhar todos os limões
que consegue que propendem sobre o prédio de B (não vai ao prédio de B, mas sobre o seu prédio vai apanhando tudo
o que consegue). B entende que tem direito aos limões, uma vez que nascem sobre o seu prédio. Quid Iuris?

2 - Imaginemos agora que a Sra. A agora vinha dizer que tinha o limoeiro há mais de 20 anos, e desde há mais de 20
anos que os ramos do limoeiro e as raizes vão sobre o prédio do vizinho. Por esse motivo invoca uma servidão.

Resolução:

1 - Pode ou não ter a árvore junto à estrema, e a deixar que a dita árvore invada com os ramos e as raízes o prédio do
vizinho? Art. 1366º CC - o legislador português admite a plantação de árvores na estrema de um prédio, e
consequentemente admite uma emissão no prédio alheio (a árvore vai crescendo, vai lançando ramos e raízes). Por
isso se diz aqui é uma restrição ao direito de propriedade de B. Em princípio o proprietário pode reagir sempre que
alguém pratique algum facto no seu objeto (pode afastar e excluir ingerências de terceiros), mas a lei impõe
determinadas restrições ao direito de propriedade como forma de permitir o convívio de direitos de propriedade
sobre prédios vizinhos. Portanto o B, de facto, tem o seu direito de propriedade restringido, não por um direito real
menor, mas pelo direito de propriedade do vizinho que pode ir para além dos limites físicos do seu objeto (na medida em
que vai receber essas emissões).

Mas o B a qualquer momento pode pedir para que A proceda ao corte dos ramos e das raízes. Se o A não
proceder ao corte dos ramos e das raízes, no prazo de 3 dias, o B pode ele próprio cortar os ramos e as raízes,
alinhando-os juntos com a linha divisória do prédio ou da estrema do prédio.

E quanto aos limões? São do A, porque ele é o dono da árvore, é um fruto. Quem tem o direito de fruição é o
proprietário ou o usufrutuário do prédio onde se encontra a árvore. E quando estão ligados à árvore, em rigor,
como já vimos quando estudamos os móveis e os imóveis, até são considerados imóveis, juntamente com a
árvore e com o prédio (o dono do solo é dono de tudo aquilo que nele esteja implantado, que sobre ele cresça).
Ou seja, a Sra. A não tinha necessidade nenhuma de andar a apanhar limões à noite e às escondidas - até podia ir
apanhá-los durante o dia, e podia ir mesmo sobre o prédio da vizinha para os apanhar (art. 1367º CC). Aqui na prática
impera o bom senso: a vizinha pode dizer que não quer que ela entre pelo terreno porque “não vai apanhar bem, vai
pisar as culturas, vai partir objetos no terreno, vai estragar os ramos do limoeiro, porque é uma desajeitada; apanho-os
eu”, mas agora claro que o que resulta da lei é que a pessoa pode exigir entrar no prédio do vizinho e proceder à
apanha.

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Mais um aspeto que não resulta da lei: quando se procede ao corte da árvore, pode ser o próprio a cortar a árvore
alheia, ou pode contratar alguém para cortar a árvore alheia (pode não saber proceder ao corte). Se contratar alguém
para fazer o corte, apesar de a lei nada dizer, tem o direito a ser ressarcido. Ou seja, quem tem de proceder ao corte
em primeira linha é o proprietário - a lei diz que o vizinho que tem que suportar, até certo ponto, raízes e ramos,
logo que peça deixa de estar obrigado a tal, e o outro deve proceder ao corte. Não procede, o vizinho pode ir lá
e cortar. Ele pode cortar ou contratar alguém para cortar, e se o fizer tem direito a ser ressarcido do valor que
gaste mas sempre com bom-senso27.

2 - Por que é que a senhora podia deixar crescer a árvore? Quando deixou crescer a árvore, e a árvore invadiu o prédio
do vizinho, comportou-se como titular de uma servidão? Tinha posse em termos de servidão? Limitou-se a exercer
posse em termos de propriedade - é o legislador que lhe dá a faculdade, como proprietária, de plantar junto à estrema
e de deixar crescer a sua árvore invadindo o prédio do vizinho, até ao vizinho reagir - é ainda uma faculdade inerente ao
direito de propriedade, e a pessoa apenas e só exerce posse em termos de propriedade, e não em termos de servidão,
e assim não a pode invocar - é o registo que lhe permite plantar junto à estrema.

Enquanto estivermos no exercício do direito de propriedade, tal e qual ele está previsto na lei, não poderemos
falar nem de servidões, nem de extinção por não uso. Se ultrapassarmos o que está previsto na lei, aí é que
podemos começar a pensar se será um direito de crédito, pode ser um direito real, pode-se constituir ou não

Caso Prático 33

A está doente. O filho do vizinho faz anos, e está a decorrer a respetiva festa de aniversário, e as crianças estão a fazer
barulho (normal).

A não sabe se se poderá opor à emissão de ruídos provenientes do prédio vizinho.

Resolução:

Podemos pensar neste caso como se tratando de uma pessoa sã, de um lado, e de outro uma noitada em casa de
estudantes. Não pode reagir, porque ele só está a sentir-se incomodado ou a sofrer prejuízo pelo barulho por estar
doente (tem a ver com a qualidade da pessoa e não com a situação do prédio).

Quando é que se pode reagir perante emissões de fumo, ruídos, vapores, fuligem etc? Quando se esteja a sofrer um
prejuízo substancial ao prédio que a recebe, ou quando não corresponderem a uma utilização normal do prédio
de onde provêm. No caso concreto é emissão de ruídos, em virtude de uma festa de aniversário, portanto estamos a
pensar em duas casas de habitação. Corresponde ou não ao uso normal de uma casa de habitação, no dia de

27Tenhamos em consideração o exemplo dado pela professora, um caso que passou na TV num programa chamado “o juiz decide”: o caso do médico que tinha uma quinta no
campo que estava a ser invadida pelos ramos e raízes de uma árvore vizinha. Solicitou o corte dos ramos e das raízes, o dono da árvore não procedeu ao corte, e ele deslocou-se
de Lisboa para o seu prédio, e foi lá proceder ao corte. Apresentava a conta na TV cobrando-se o valor à obra como médico especialista (“eu ganho x à hora, perdi este número de
horas para ir até lá e para proceder ao corte, o valor é este que me deve ser pago”). Como é evidente não é assim - uma pessoa tem o direito a ser ressarcida das despesas
mas com bom senso (se tivesse contratado uma pessoa capacitada para cortar a árvore 🌲 , quanto é que pagaria à hora, a uma pessoa da terra, local, que se
deslocasse pouco e que fosse capaz para proceder ao corte - é esse o valor que deve ser pago).

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aniversário dos respetivos habitantes, haver alguma festa/festividade que gere mais barulho? Sim, ainda por cima uma
casa de habitação com crianças. Causa ou não causa ao vizinho um prejuízo substancial, não tendo em conta a pessoa
em concreto mas pensando que qualquer pessoa que passe naquele imóvel (cujo fim é a habitação)? Não teria. Assim o
vizinho não pode reagir.

Agora imaginemos que era uma casa de habitação em que todas as terças à noite havia grandes festas, com absoluta
regularidade e com entrada de pessoas estranhas ao edifício, pessoas amigas ou não amigas, etc... - isso já não
corresponderia ao uso normal de uma casa de habitação. Temos de pensar o que cabe ou não cabe dentro dos
padrões da normalidade.

Caso Prático 34

Suponham agora outro caso:

Suponham que A é proprietário de uma moradia, geminada com a de B, que é um adepto de comida grelhada, e que faz
com grande frequência grelhados no quintal, e colocou um grelhador cuja chaminé direciona todo o fumo para o prédio
de B.

B pode ou não reagir?

Resolução:

Pode ou não? Até pode não lhe causar prejuízo nenhum (ex.: imaginemos que o prédio de B até está fechado, ninguém
o está a habitar e não lhe causa nenhum prejuízo, objetivamente tendo aquela pessoa em concreto; ou então podia ator
nem sequer causar prejuízo nenhum tendo em conta qualquer pessoa que ali habitasse - seria difícil que aqueles fumos
todos direcionados da chaminé não causassem um prejuízo substancial à pessoa que ali habitasse), esta regra das
restrições é para as hipóteses de emissões que invadam o prédio do vizinho de forma natural (de fumos, ruído,
fuligem que são produzidos num prédio e que depois se propagam, vão naturalmente - os fumos ou os cheiros foram
levados para o lado direito porque o vento estava a dar para ali, pois o vizinho não pode reagir, podiam ter sido levados
para o lado esquerdo). Estamos a pensar em emissões naturais sem direcionamento. A partir do momento em
que há a intromissão do Homem no direcionamento passa a ser uma emissão ilícita - cause ou não cause
prejuízo, corresponda ou não ao uso normal ou anormal -, e saímos fora do domínio do art. 1346º CC. Senão
valia tudo - havia intervenção do homem como bem entendesse.

Caso Prático 35 (caso típico de orais)

Suponham que o Sr. A tem um escritório, em casa, onde trabalha, e que ao fim-de-semana queima a papelada do
escritório no seu quintal (tem algo a esconder, e não gosta de usar as máquinas de cortar papel), e o vizinho reclama.

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1 - Pode impedir ou não que sejam feitas essas queimadas/fogueiras de papel aos fins-de-semana no quintal do
escritório, para satisfazer um interesse do dono do escritório/da casa de habitação, por entender que lhe causa
prejuízo?

2 - Imaginem agora que o Sr. A, que tem interesse em queimar os papéis do escritório, fala com o vizinho e diz-lhe
“olha, mas eu pago-lhe e o senhor deixa-me fazer isto”, e o vizinho diz “ah, pagando esteja à vontade já não me
incomoda nada, fecho tudo e já não deixo entrar fumos nem cheiros para minha casa”. Isto pode ter natureza real este
negócio?

Resolução:

1 - Temos de pensar como se fosse na vida real e colocarmo-nos na posição do vizinho: como nos sentiríamos se todos
os fins-de-semana tivéssemos a casa invadida por fumos de papel queimado (um cheiro muito peculiar), por fuligem?
Isso não corresponde a um uso normal, não é suposto as pessoas fazerem fogueiras no quintal da casa onde têm um
escritório.

2 - As restrições ainda são elementos do direito real - o direito de propriedade -, e portanto ainda estão
vinculados ao princípio da taxatividade. De facto em causa estão direitos de propriedade, diretos reais, logo
vale o princípio da taxatividade não apenas para o título do direito, mas também para o regime do direito.

Neste caso específico, o que se pretendia era limitar de outra forma o prédio - podia ficar ele mais onerado? Com mais
do que uma mera restrição? A restrição que o vizinho tem é de apenas receber os fumos, os vapores, as fuligens que
correspondam à utilização normal do prédio de onde provêm, e que não lhe causem prejuízo substancial. Neste caso,
resulta de um negócio que oneraria, de facto, mais aquele senhor, mas que beneficiaria o prédio do vizinho. Há
restrições que podem ser eliminadas ou até ampliadas através da constituição de uma servidão - encargo
imposto a um prédio em benefício de um outro prédio. E também era possível, por acordo, constituirem um
direito de crédito - o direito de crédito que permita que o fumo invada o prédio do vizinho, que só vincularia A e B. Mas
imaginemos que ele não tinha um escritório em casa e que levava todos os fins-de-semana os papéis para lá queimar -
aqui já não seria um encargo imposto a um prédio em proveito do prédio onde estava a ser feita a fogueira - seria um
simples direito de crédito e não uma servidão. Se o B vendesse a C, este não estaria vinculado mas podiam na mesma
constituir uma servidão se o escritório estivesse ali situado (quaisquer utilidades podem ser objeto de uma servidão, e
portanto desde que haja uma utilidade pode ser objeto da servidão).

Aqui, o A podia negociais com B, podiam dar a forma legal e constituir uma servidão, e se B vendesse a C este estaria
vinculado a tal servidão e tinha de suportá-la, desde que obviamente fosse uma servidão aparente, mas também
principalmente que estivesse registada para que fosse oponíveis a terceiros.

Portanto as restrições, apesar de fazerem parte do direito de propriedade, apesar de comprimirem o regime do direito
de propriedade, podem ser afastadas ou ampliadas dando aso a uma servidão. A este propósito, em que se eliminava
uma restrição, até se falava de servidões desvinculativas (para desvincular um limite) - só poderia emitir fumos
desde que correspondesse a um uso normal do seu prédio, eliminava-se esse limite.

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Caso Prático 36

Suponham agora o seguinte:

A e B são vizinhos. O prédio de A situa-se num plano mais elevado, mas junta as águas da chuva se escoar do prédio
de A para o de B, se B as represar.

Este ano choveu além do normal, e A escoou parte das águas para o prédio do vizinho inferior. A água infiltrou-se numa
das estufas de B, e estragou todas as culturas que lá existiam.

1 - Agora o B exige a reparação dos danos que lhe foram causados, alegando além do mais ter sido apanhado
desprevenido uma vez que, até aquela data, nunca A tinha escoado águas sobre o seu prédio. Tem razão ou não o B?

2 - Imaginemos que a água que saiu do prédio de A, e invadiu o prédio de B, tinha uma quantidade fora do normal de
produto químico, e que foi por isso que a plantação que existia nas estufas de B se estragou. Quid iuris?

Resolução:

1 - Temos de pensar em duas hipóteses: deixou sair a água da chuva que caiu este ano, ultrapassando os limites físicos
do seu prédio; ou ele abriu a represa. Se ele abriu a represa deixando sair a água, é porque tinha ali um sítio para a
conter/limitar, onde continha a água estes anos todos, isto seria possível? Era emissão ilícita, desde logo porque
havia intervenção do Homem, porque ia de uma vez só toda a água. Se fosse a água da chuva deste ano, ou a
água que tenha nascido no seu prédio, o art. 1351º CC diz-nos que “1. Os prédios inferiores estão sujeitos a receber
as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas

arrastam na sua corrente.”.

Mas o B diz que não é justo - durante anos e anos o A nunca exerceu esta faculdade que a lei lhe dá. Do ponto de vista
dos direitos reais pode ou não? Ele no fundo diz “ele nunca exerceu essa faculdade, logo deve-a ter perdido”, mas
os direitos reais não se extinguem pelo não uso - são faculdades do direito de propriedade. Tal como a
propriedade é tendencialmente perpétua, também as suas faculdades - a faculdade de lançar água sobre o prédio
do vizinho, de plantar uma árvore e das raizes e ramos irem sobre o prédio do vizinho -, logo o direito de propriedade é
perpétuo, logo não se extingue pelo não uso e também as suas faculdades não se extinguem. Assim, nunca poderá B
reagir dizendo que nunca utilizou.

2 - Agora já pode reagir - quando se diz que o proprietário do prédio inferior está obrigado a receber as águas que
naturalmente, e sem obra do homem, procedam do prédio superior, estamos a pensar nas águas e naquilo que a água
traz consigo (areias, pedras) naturalmente, e estamos a pensar também em produto químico que tenha sido posto na
plantação do prédio de cima normalmente e que possa vir arrastado. Não estamos a pensar em quantidades de produto

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químico anormais, pois aí não podia ser arrastada e invadir o prédio do vizinho - aqui já funciona aquele pensamento
das águas das máquinas da louça ou da roupa cujo esgoto foi direcionado especificamente para o prédio do vizinho - já
não é normal. As emissões só são lícitas se corresponderem a uma invasão quase que natural do prédio do
vizinho, naturalmente vão nessa direção.

Aula 8 - 23/05/17

Caso Prático 37 (exame de Direito Privado no CEJ)

Suponham agora o seguinte:

A, proprietário do prédio x, decidiu constituir uma vivenda sobre o respetivo terreno, e do lado norte construiu a cerca de
75 cm do prédio de B, e na parede da vivenda fez várias frestas, situadas a menos de 1,60 m de altura. Do lado sul, a
parede da vivenda dista 1 m do prédio de C, e tem várias janelas.

1 - B e C pretendem saber se podem reagir.

2 - Imaginemos que o A construiu a casa há 21 anos. B vendeu agora a sua casa a um terceiro, e este quer reagir (mas
a verdade é que a casa já lá está, com as frestas a 1,60 m de altura há 21 anos). Quid iuris?

3 - B intenta a ação negatória, pretende reagir através de uma ação de defesa do direito real. Mas o C pretende reagir
através de uma ação de defesa da posse. Pode ou não?

Resolução:

1-

• Quanto ao B

O A construiu a parede da vivenda a 75 cm de distância do prédio de B e abriu frestas. Podia ou não fazê-lo? Quanto à
distância, a lei não exige qualquer separação entre frestas, óculos ou seteiras e o prédio do vizinho, ou seja,
para abrir frestas o Sr. A podia até construir até à estrema - não tinha de perder aqueles 75 cm.

Mas a altura das frestas, de acordo com a lei, tem de ser acima de 1,80 m. Já sabemos ainda que entre frestas,
seteiras e óculos a ideia da construção é deixar entrar luz, ar, sem implicar devassa - e portanto o legislador
entendeu que, se a fresta for aberta acima de 1,80 m já não haverá devassa do vizinho.

Como é que o B pode reagir? O B não foi privado da coisa - ele tem lá o seu prédio, logo não deve formular um
pedido de restituição da coisa, e não há perigo que sofra danos. Então vai ter de intentar uma ação negatória -
ele quer que A seja condenado a algo (que o A feche as frestas que abriu a 1,60 m de altura), logo exclui-se a ação de

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simples apreciação. Tem de ser a ação negatória, pois só ela envolve um pedido de condenação que não seja a
restituição da coisa, ela envolve sim um pedido de condenação para eliminar a situação fática contrária ao estatuto do
direito real. Formula os tais pedidos que já falámos: que se declare que o A não tem qualquer direito que legitime aquela
atuação (que lhe permita abrir frestas a 1,60 m de altura, porque o B nunca lhe concedeu), que o A elimine a situação
que criou e que é contrária ao estatuto do direito real (que reponha/repare a situação, no sentido de criar uma situação
conforme à lei - no caso concreto, que feche as frestas), terceiro pode ainda pedir que o A não volte mais a praticar
aquele tipo de atos - são os pedidos típicos da ação negatória, depois a estes poder-se-ia somar um pedido de
indemnização (já regulada pelas obrigações, era preciso que todos os requisitos para que ocorresse
responsabilidade estivessem verificados). A causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real, e portanto
que tal envolve dificuldades de prova - a denominada prova diabólica para quem intenta a ação, se não beneficiar de
uma presunção da titularidade do direito. Apesar de na ação negatória o pedido feito ser que se declare, neste
caso, que A não tem um qualquer direito que legitime a sua atuação, no fundo subjacente a este pedido, que dá
o nome à ação, está outro que é “não tem porque eu é que sou o proprietário do terreno”, e por isso as
dificuldades probatórias são as mesmas que as da ação de reivindicação.

• Quanto ao C

Pode ou não reagir? A lei impõe 1,5 m para abrir janelas. O A tinha de ter guardado 1,5 m e não apenas 1 m. Portanto o
C vai poder reagir.

Que ação intenta? A lógica é exatamente a mesma - a ação negatória. Ele não precisa que lhe seja restituído o seu
prédio - está com ele -, e não lhe chega apenas uma ação de simples apreciação. Ele necessita que o A seja
condenado, no caso em concreto, a fechar as janelas ou a reduzir as janelas ao tamanho de frestas, ou a transformar as
janelas em janelas gradadas nos termos previstos na lei (mas também só a partir de uma determinada altura), etc...
converter em algo. É uma ação negatória, como no caso de B pelas mesmas razões.

Notas:

• Se tivessem passado mais de 20 anos sobre a data da construção de A, este podia, não automaticamente, invocar a
usucapião, sendo a posse pacífica e pública, e assim adquirir uma servidão de vistas. E sendo adquirida a servidão de
vistas, que consequência daí decorreria? Desde logo o C já não poderia mandar fechar. E entre as janelas e o
prédio do vizinho tem de haver 1,5 m, e ele só guardou 1 m - se se constituir a servidão de vistas por
usucapião (em princípio ao fim de 20 anos, porque é posse não titulada, logo de má fé), se o C algum dia
decidir construir, mesmo não abrindo janelas, não vai poder construir até à estrema porque as janelas têm de
estar a 1,5 m da construção, ou seja, o C perde 50 cm (vai ter de ficar entre as janelas e a edificação de C 1,5
m).

• Noutra hipótese, se o A tivesse construído mesmo mesmo junto à estrema e tivesse aberto janela (não tinha perdido
espaço nenhum), constituída a servidão de vistas o C perde 1,5 m, mesmo que não queira abrir janelas. O que é que
isto quer dizer? Que depois de constituída uma servidão de vistas ao prédio vizinho, o outro não tem já nenhum
interesse em construir sem janelas (tem sempre de dar 1,5 m, portanto podem ficar janelas só com 1,5m entre
janelas).

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• E se ele já tivesse construído o prédio naquela altura até à estrema, e o outro só deixasse 1 m? Aí já estava
construído, nunca o outro poderia adquirir uma servidão de vistas nos termos previstos na lei com 1,5 m de distância.
Além de que, quando se fala na impossibilidade de abrir janelas, portas, varandas, etc... é sempre pensando
que o prédio do vizinho não tem muro ou não tem parede fechada - tendo muro pode-se abrir à vontade, corre-
se é sempre o risco de a qualquer momento o muro ser deitado abaixo e que lhe peçam para fechar a janela
(porque ele não podia construir a 1 m). Mas se tiver durado mais de 20 anos, pois também não pode pretender
que seja o vizinho a deitar abaixo a sua casa, o que adquire nesse caso é uma servidão de vistas irregular por
usucapião, com a distância só de 1 m. Havendo muro ou parede, o tempo para adquirir uma servidão de vistas
só começa a contar a partir do momento em que o muro ou a parede é derrubada - porque antes não havia
vistas.

2 - Qualquer pessoa pode construir até à estrema, e abrir frestas, seteiras ou óculos na altura prevista na lei, e com a
dimensão prevista na lei (não ter mais do que 15 cm numa das dimensões, e serem colocadas a mais de 1,60 m de
altura). Se o fizer, no entanto, isso não limita de qualquer forma o problema de edificação do vizinho. Ou seja, se o Sr. A
tivesse construído até à estrema do seu terreno, e se tivesse aqui colocado frestas a mais de 1,80 cm com as
dimensões previstas na lei podia fazê-lo, só que tal não obstava, no entanto, a que B construísse também até à
estrema, e que dessa forma acabasse por tapar as frestas ou as seteiras que o A tinha lá colocado. Isto é assim de
acordo com a lei - permite-se a qualquer proprietário que edifique até à estrema abrindo frestas, seteiras, óculos
numa determinada dimensão e a partir de uma determinada altura, para dessa forma beneficiar de luz, sol, ar,
mas não se impede o outro proprietário vizinho de continuar a construir até à estrema, e com isso acaba-se por
fechar as ditas frestas, seteiras ou óculos.

Quando as frestas ou seteiras não estão no limite do prédio (quando estão mais afastadas), ou quando estão mas em
dimensão irregular ou estão numa altura abaixo da prevista na lei surge o problema de se saber se se pode invocar a
usucapião em termos de uma servidão inominada perante a lei (uma servidão de óculos, frestas, seteiras) - uma vez
que servidão é um encargo imposto a um prédio em benefício de um outro prédio. Por que não se uma pessoa está lá

há mais de 20 anos? ⚠ HENRIQUE MESQUITA, e que fez escola há mais de 30 anos junto dos tribunais, defende que

sim pode-se invocar a tal servidão de frestas/óculos/seteiras ao fim de 20 anos, e adquire-se a servidão por
usucapião (posse pacífica, pública durante o lapso de tempo da invocação da usucapião), mas aquele que
praticou o facto ilícito e que exerceu posse em termos de uma servidão não prevista na lei e contrária ao
estatuto do direito real do outro, com a invocação da usucapião, e com a aquisição da servidão de frestas, não
pode ficar em situação melhor do que aquele que abre frestas de tamanho previsto na lei e a partir da altura
prevista na lei (quem abre frestas a 1,60 m e as tem abertas durante 20 anos, não pode ficar em situação melhor de
quem à 20 anos atrás abriu frestas/seteiras/óculos a 1,80 m para cima e com as dimensões previstas na lei). Se quem
abriu de acordo com a lei sabe que, a qualquer momento, o outro pode vir e construir tapando, quem obteve uma
servidão destas de frestas/seteiras de tamanho irregular também corre o risco de a qualquer momento o vizinho vir e
tapar.

3 - Dando de barato que ainda não passaram os 20 anos, que foi feita a construção e que quer reagir. Que ação de
defesa da posse pode ser intentada? A ação de prevenção? Não, porque há mais do que uma ameaça (as janelas já lá
estão). Então sobra-nos a manutenção e a restituição. Manutenção supõe que, de alguma forma, ele tenha sido

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perturbado no exercício da sua posse, e o C tinha posse em termos de direito de propriedade28. Temos de saber se ele
foi apenas turbado ou se foi esbulhado - se foi apenas turbado é a ação de manutenção (mais do que uma
ameaça, mas menos do que um esbulho ainda que parcial), se foi esbulhado e a ação de restituição. Só que
temos de introduzir este segundo elemento - a posse, ao contrário da ação de reivindicação, a pessoa é
esbulhada da posse (não é da coisa), e o esbulho na posse é esbulhar no sentido de ser retirada a possibilidade
de exercer os poderes de facto (o corpus traduz-se no exercício ou na possibilidade empírica de exercer poderes de
facto). Ele até aqui foi possuidor e proprietário em termos de propriedade plena - ele de alguma forma foi esbulhado da
sua posse em termos de propriedade plena? Se foi a ação é de restituição. Para saber se uma pessoa foi parcialmente
esbulhada, temos de perguntar se o outro passou a exercer uma posse contrária que possa um dia conduzir à
invocação da usucapião.

Como nós já vimos, o A quando abre as janelas junto à estrema, se lá deixar ficar as janelas ao fim de 20 anos pode
invocar a usucapião. Então quer dizer que passou a exercer posse contrária - passou a exercer posse em termos de
servidão de vistas. Se o A passa a exercer posse em termos de servidão de vistas, o legislador diz que ele ao fim de 20
anos pode invocar a usucapião e invocar a servidão de vistas, o que não quer dizer que o C deixou de ter posse em
termos de propriedade plena - passou a ter posse em termos de propriedade onerada com uma servidão de vistas. O
que quer dizer que foi esbulhado parcialmente na sua posse (o esbulho pode ser total ou parcial). Se o outro ao fim de
20 anos pode adquirir uma servidão de vistas porque o legislador reconhece que ele pode ter posse em termos de
servidão de vistas, então é porque há uma posse contrária e então houve um esbulho parcial - assim a ação a ser
intentada é a de restrição da posse.

O C, em termos de ação de defesa do direito real, não podia intentar a ação de reivindicação (porque ele não
foi privado da coisa, do seu prédio) logo só podia intentar uma ação negatória (PRAZO: enquanto não houver
invocação de usucapião), mas em termos de ação de defesa da posse ele foi privado parcialmente da posse, e
portanto tinha de intentar uma ação de restituição da posse (PRAZO: 1 ano, depois perde a posse). Ou seja,
são ações diferentes, defendem aspetos diferentes (uma o direito, a outra a posse), e não são homólogas/não se
intercruzam (não se pode dizer que a ação de reivindicação corresponde à ação de restituição de posse - a ação de
restituição pode ter um campo mais amplo).

Note-se que ele pode intentar uma ação de reivindicação e uma ação de restituição da posse, são é em
processos separados.

Para além disso é preferível recorrer logo para a tutela da propriedade, mas a ação da defesa da posse é mais
célere e às vezes quer-se ganhar algum tempo e se for caso depois vai-se para a ação de tutela do direito real
definitivo.

Caso Prático 38

Suponham o seguinte:

28 O proprietário pode reagir como possuidor ou como proprietário (tem posse causal - funda-se num direito). Tem todos os meios de defesa à sua disposição.

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José Ferreira - Ano Letivo 2016/2017

A é proprietário de uma vivenda 🏡 construída há 25 anos que não tem caleiras. Agora o proprietário de um prédio

vizinho levantou/edificou mais alto do que a vivenda, e, em virtude desse facto, ocorreram múltiplas infiltrações na
vivenda de A, causadas pela água da chuva caída sobre o telhado da vivenda.

Pode o A reagir?

Resolução:

Temos aqui uma situação de um senhor que constrói até à estrema e sem colocar caleiras. Esta situação manteve-se
por mais de 20 anos, e agora o proprietário do prédio vizinho constituiu/edificou um prédio mais alto do que a vivenda, e
com isso a água que caia sobre o telhado da vivenda do A, e que escorria para o prédio de B, passou a infiltrar-se na
vivenda.

Ele podia ter construído até à estrema e não ter colocado caleiras? Ele tinha de colocar caleiras ab initio, caso
contrário tinha de deixar 50 cm (art. 1355º CC)29. Não deixando esse espaço, o vizinho pode reagir intentando
uma ação negatória (não foi privado do seu prédio). Se o vizinho não reagir durante 20 anos, aquele que
construiu junto à estrema sem colocar caleiras e que deixou o seu prédio à gotejar sobre o prédio do vizinho,
pode adquirir uma servidão de estilicídio (uma servidão que lhe permite escoar as suas águas do telhado do
seu prédio sobre o prédio do seu vizinho). Adquirida a servidão de estilicídio, através da invocação da usucapião, o
proprietário vizinho que podia ter reagido através da tal ação negatória, ou através de uma ação de defesa da posse na
forma de uma ação de restituição (tal como o caso das janelas), e não reagiu, depois, se edificar, não se liberta do
encargo de receber as águas (ele deixou passar mais de 20 anos, se o outro invocar a usucapião e se adquirir uma
servidão de estilicídio, o vizinho depois tem de receber essas águas. E isso quer dizer que o B, quando edifica mais alto
do que a vivenda, é responsável por criar/contratar alguém que crie aqui uma qualquer forma de as águas não
invadirem as paredes da vivenda - é o B que se vai ter de preocupar em arranjar um qualquer sistema para afastar a
água que cai do telhado do A, e fazer com que vá sobre o seu solo (que coloque o que quer que seja na parede do seu
prédio para receber a água que há mais de 20 anos recebia do telhado de A)30 .

29Isto tem cada vez menos relevância, mas há construções antigas e dantes não era assim - era até relativamente vulgar as pessoas não se darem ao trabalho (€) de pagar
caleiras, eram caras.

30Isto para chamar a atenção do seguinte: isto está na lei que se pode constituir uma servidão de estilicídio, como está na lei que se pode constituir uma servidão de vistas. Mas
não se deve permitir a construção sem caleiras de vizinhos, bem como não se deve permitir a abertura de janelas ou de frestas de tamanho irregular em qualquer caso, mesmo que
o prédio em causa seja um prédio ao abandono/não cultivado, mesmo que a varanda não cause prejuízo, mesmo que o telhado da casa que está a gotejar sobre o prédio não
cause qualquer prejuízo. Não causa agora, mas daqui a 20 anos depois podemos ter de abdicar de terreno por causa da servidão de vistas, ou daqui a 20 anos vamos ter
de ser nós a receber e a tratar da água que está a cair. E daqui a 20 anos, o prédio devoluto que está a cair aos bocados e que não está a servir para nada pode-se ter
valorizado, e pode estar onerado com uma servidão e perder valor por causa disso.

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Compropriedade

Caso Prático 39

A, B e C são comproprietários de um prédio rústico. A pretende alienar a sua quota a B. Não sabe se o poderá fazer
sem dar preferência a C.

Pode ou não?

Resolução:

Pode, pois só é obrigado a dar preferência se quiser alienar (vender) ou dar em cumprimento a estranhos. O
objetivo visado pelo legislador com a obrigação de dar preferência é reduzir o número de consortes/
comproprietários para reduzir o potencial número de conflitos, e por outro lado evitar a entrada de estranhos
para a comunhão. Sendo já um comproprietário, haverá redução do número de comproprietários e não entrará um
estranho e não tem de dar preferência.

Frise-se que A pode vender a sua quota sem o consentimento de ninguém, para vender aquilo que é seu. Mas se
depois resolver vender, e depois ter convencionado todos os termos, todas as cláusulas, terá de dar preferência se
quiser vender a um terceiro para que um dos consortes, caso queira, tanto por tanto, em igualdade de circunstâncias,
compre ele e não um terceiro.

Notas:

• Se o A pretendesse alienar a um terceiro tinha de dar preferência? Não, a não ser que o quisesse fazer a título
oneroso - a obrigação de dar preferência só existe no caso de venda e dação em cumprimento, não existe em caso
de doação (porque a lei não o prevê, e com toda a lógica - porque isso poria em causa o animus donandi, se o A
quisesse doar a um dos filhos não seria igual doar a ele ou a um dos consortes) nem de troca/permuta (porque a lei
não o prevê - só prevê em caso de venda e dação em cumprimento). É uma preferência legal que apenas existe no
caso de venda ou dação em cumprimento.

• E se o A quisesse vender a um estranho, cumprisse a obrigação de notificar os consortes, B e C, e ambos


pretendessem preferir? Se dois ou mais consortes exercerem preferência, ambos adquirem na proporção das
respetivas quota (art. 1409º/3 CC).

Caso Prático 40

Suponham agora o seguinte:

A e B são comproprietários de um restaurante cujo horário de encerramento é à meia-noite. A, desde há 15 dias para
cá, tem dormido no restaurante. O B pretende opor-se a esta atuação de A.

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Pode ou não?

Resolução:

O problema aqui é de uso ou de utilização (≠ fruir é frutos, e frutos é na proporção das respetivas quotas), art. 1406º
CC, e o que resulta deste art. é que salvo convenção em contrário cada um dos consortes pode utilizar a totalidade da
coisa, desde que não a utilize para um fim diverso daquele a que ela se destina, e desde que não prove os restantes
comproprietários de igual possibilidade de uso.

No caso concreto, a coisa era um restaurante e ele quer utilizá-lo para dormir lá. De acordo com a letra da lei, é claro
que ele está a utilizar para um fim diverso daquele para que ela se destina. Será que é preciso ser tão rígido? Será que
é preciso ir tão longe? O legislador quis mesmo dizer que não se pode utilizar a coisa para um fim diferente? Ou apenas
que não se pode utilizar a coisa para um fim que impeça aquele que foi o convencionado? No fundo é “o B está lá a
dormir, mas a que horas? Às horas em que é suposto estar aberto? Perturba o funcionamento? Perturba o fim que foi
convencionado por ambos? Ou decide deitar-se às 9 da noite e em zonas de acesso ao público?”31 . Depende se põe
ou não em causa o fim a que se destina a coisa, o fim que foi convencionado por aqueles consortes como o
destino da coisa - em princípio não poria em causa o fim, e não se pode fazer uma interpretação tão restritiva ou
literal do art. 1406º CC.

Caso Prático 41

Suponham o seguinte:

A e B são comproprietários de um imóvel.

B encontra-se no estrangeiro, e o imóvel precisa de restauro no telhado, o que se traduz numa benfeitoria necessária. A
pode ou não mandar reparar o telhado sem informar o B, e sem o assentimento do B?

2 - Imaginemos agora que o tal telhado não precisava de obras, mas que se fosse mudar para a telha que o senhor
pretendia introduzir, de facto o bem se valorizaria muito, e portanto era uma benfeitoria útil. E aqui?

3 - O tal telhado teve de ser arranjado por ser uma benfeitoria necessária, o B ainda não pagou o valor correspondente
e previsto no art. 1411º CC, e depois de ter dado preferência a A, e de A não ter preferido, alienou a sua quota a C. A
pretende agora que o C custeie as benfeitorias necessárias, cujas despesas estavam a cargo de B.

31É um exemplo semelhante ao que PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA apresentam, embora este menos óbvio, do lago: 3 comproprietários de um lago que decidiram que a água do
lago vai ser utilizada para irrigar os seus terrenos, e agora um deles está lá a pescar. Isso perturba a irrigação dos terrenos? Não, então não está a pôr em causa o fim
convencionado.

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Resolução:

1 - Pode, porque em causa está um ato de administração ordinária, logo aplica-se o art. 1407º e o art. 985º CC -
qualquer consorte pode praticar sozinho, isolado, sem informar e sem necessitar do consentimento ou do
acordo dos demais, atos de administração ordinária. Se for uma benfeitoria necessária ele pode praticar o ato, é
um ato de administração ordinária. Realiza as obras, ou contrata alguém para as realizar, e depois apresenta a
conta e o outro está obrigado a custear as despesas.

E se o outro não quiser custear? Pode não pagar? Apenas e só através da renúncia liberatória, o que em princípio
não compensará ao outro comproprietário - não lhe compensará abrir mão da sua quota-parte do direito para
não pagar uma benfeitoria (art. 1411º CC quanto às benfeitorias e quanto à possibilidade de um dos consortes se
libertar desta obrigação real através da renúncia liberatória).

Um ato de administração ordinária são apenas e só (tendo em conta o que aprendemos em familia por causa
dos bens e os atos que podem ser praticados apenas por um dos cônjuges sem o consentimento dos outros,
etc...) os atos que se traduzem em benfeitorias necessárias para evitar a perda ou a deterioração da coisa, ou
atos tendentes à frutificação normal, e depois acrescenta-se aí também alienação de frutos perecíveis. Fora
destas hipóteses é administração extraordinária (já é outro patamar, e já implica alguma modificação que não é
imprescindível para evitar a perda ou a deterioração da coisa - benfeitorias úteis, apesar de haver divergência
na doutrina porque há quem entenda que não é um ato de administração, a ser são extraordinárias) ou atos de
disposição/oneração. Esta é uma posição doutrinal, consagrada há vários anos, e que é seguida nos tribunais
também.

2 - É um ato de administração extraordinário. Aqui já era preciso o acordo do outro, por maioria de razão (e não
por analogia - que supõe que sejam situações idênticas, e aqui não o é): se até para um arrendamento de
menos de 6 anos, que é ato de administração ordinária, o legislador no art. 1024º/2 CC exigiu acordo de todos,
por maioria de razão, para um ato de administração extraordinária é preciso o acordo de todos.

Se não houvesse acordo, tendo em conta que aqui eram só 2?32 Não nos devemos deixar enganar, o tribunal só decide
quando não se atinge maioria, e a maioria sé precisa para apurar o mérito da oposição deduzida quanto a um ato de
administração ordinária (se for um ato de administração ordinária, um consorte só pode praticá-lo, não precisa do
acordo dos demais, e nem sequer tem de informar os demais - art. 1407º + 985º CC; mas se informar os restantes, e se
um deles se opuser, depois tem de se apurar o mérito da oposição, e a posição do opositor ganha, ou seja o ato de
administração ordinária não é praticado, se houver maioria por cabeça que corresponda a 50% das quotas em relação à
oposição; quando não se consegue atingir essa maioria, porque é inviável tendo em conta que só há 2 pessoas, uma
vez que as quotas são 50/50, nesse caso o tribunal pode decidir de acordo com juízos de equidade, mas é atos de
administração ordinária e a maioria é precisa para se conseguir opor à prática do ato de administração ordinária. Neste
caso estamos a falar de um ato de administração extraordinária, se não há acordo de todos não se pratica o ato.

Nota: se o administrador tinha intenção de realizar essa benfeitoria, mas esperou que o outro consorte a
realizasse “por não lhe apetecer mexer uma palha”, é possível ressarci-lo através ou do abuso do direito ou do

32 ATENÇÃO NAS ORAIS, ESPECIALMENTE DE MELHORIA (“é o papel do diabo para ver se a pessoa efetivamente sabe a matéria”)

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enriquecimento sem causa (neste caso mais o enriquecimento sem causa - ele bem sabia que era preciso fazer esse
ato, e aproveitou-se do facto de não ter dado o acendimento para se recusar a pagar, ora isso implica um
enriquecimento sem causa por parte daquele que queria praticar o ato, e que agora se aproveita da falta de pedido).

3 - Custear as despesas respetivas a benfeitorias necessárias traduz-se em obrigação real, de dar - ele não vai praticar
um ato sobre a coisa, ele vai entregar dinheiro (dar a sua contribuição).

As obrigações reais são todas ambulatórias? Há quem afirme que sim, mas nós dizemos que não: as de fazer são,
porque para fazer algo sobre a coisa tem de se ter poder sobre a coisa (direito sobre a coisa), portanto se se
transmite direito depois já não se tem possibilidade de regular sobre a coisa (p. ex., a obrigação de realizar
benfeitorias necessárias está a cargo do usufrutuário - é diferente porque aqui na compropriedade eles não estão
obrigados a fazer benfeitorias, eles estão obrigados é a custear as benfeitorias que decidam fazer; é uma obrigação de
custear, de dar ≠ no caso do usufruto é o usufrutuário que está obrigado a fazer as benfeitorias, sendo claro que pode
contratar alguém, mas é ele que as tem de fazer/de tomar a iniciativa; é uma obrigação de fazer).

Se fosse uma obrigação de fazer, de atuar sobre a coisa, essa é necessariamente ambulatória porque só pode
imiscuir-se/praticar atos na coisa quem foi titular do direito sobre ela, e portanto se a pessoa transmite o direito,
também transmite a obrigação de fazer. As obrigações reais que se traduzem em obrigações de dar (pagar o
condomínio, pagar as benfeitorias necessárias), entregar algo, nem sempre são ambulatórias - só são
ambulatórias aquelas cujos elementos objetivos/pressupostos fáticos que lhe dão origem ainda permaneçam
no momento da transmissão do direito. O telhado continuava estragado quando foi transmita a quota? O C
conseguia apurar que era precisa aquela obra? Se sim, essa obrigação seria ambulatória; mas se tudo já tivesse
reparado, e não houvesse forma de C tomar conhecimento, já não é ambulatória.

• Por que é que se defende esta posição?

1. Seria injusto porque o terceiro não teria maneira de saber que existia esta obrigação;

2. Porque muitas vezes o terceiro que adquirir o direito já pagou mais pelo facto de terem sido
praticados os atos que deram origem à obrigação real - um terceiro que adquira um prédio com um
telhado por arranjar paga menos do que um terceiro que adquira um prédio cujo telhado está todo
arranjadinho. Seria duplamente prejudicado: pagaria mais, e depois ainda teria que custear. E aquele que
tinha o dever ou a obrigação de pagar era duplamente beneficiado: não pagava, e ainda tinha recebido
mais na venda.

Aula 9 - 30/05/17

Caso Prático 42

Suponham o seguinte:

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António e Bernardo, delegatários de um prédio rústico que lhes foi deixado por um tio em testamento, em 2007
dividiram-no amigavelmente por documento particular.

Há 5 anos atrás (2012), como cada um deles cultivava a respetiva parcela do terreno que lhes coube na tal partilha, o
Bernardo vendeu a Carlos a sua parcela.

António podia ter reagido? Como?

Resolução:

1ª PARTE Os dois delegatários podiam ou não dividir o prédio rústico? Em princípio poderiam dividir o prédio se
este fosse suscetível de divisão material. De toda a maneira, uma coisa é certa - independentemente de ser
suscetível ou não de divisão material o prédio, os comproprietários não são obrigados a permanecer em divisão
(art. 1412º CC), e portanto mesmo que o prédio não pudesse ser dividido materialmente (nomeadamente por não
ter área suficiente para tal), podia sempre ficar um com o prédio e o outro recebia o dinheiro nos termos gerais do
fim da compropriedade.

Não foi isso que eles fizeram, e vamos imaginar até que o terreno era suscetível de divisão material, ou seja, podia ser
dividido em 2, e ainda assim cada um dos novos prédios tinha área superior à unidade de cultura. Se eles o quisessem
fazer, como é que o teriam que ter feito validamente? Escritura pública, ou documento particular autenticado desde
2009 - sendo antes de 2009 só por escritura pública (porque em causa está um bem imóvel). Não fizeram por
escritura pública, logo esta “partilha” amigável foi nula (art. 220º CC), o que quer dizer que, depois de eles
celebrarem este negócio nulo, não deixaram de ser comproprietários.

É claro que se diz que cada um deles passou a habitar ou a cultivar uma só parcela - isto é sinónimo de dizer
que cada um deles passou a exercer posse em termos de propriedade exclusiva sobre uma parcela, embora em
termos de direito continuassem comproprietários (cada um deles tinha posse como comproprietário de uma parcela,
mas permaneceram comproprietários de todo o terreno).

E depois o B em 2012 vendeu a sua parcela a um terceiro. Podia tê-lo feito? O que ele podia vender era a sua quota
(o que ele tinha, ele não tinha um qualquer direito sobre uma parte certa e determinada da coisa comum), e portanto
em princípio nunca terá conseguido que um notário ou um advogado ou um solicitador tenha, dado forma legal
ao negócio. Mas independentemente disso, de acordo com o que está escrito no caso vendeu sua parcela - é sinónimo
de vendeu parte certa e determinada de uma coisa que é comum.

O que é que foi objeto de disposição? A quota no direito ou a coisa ou parte da coisa? Porque o regime muda
completamente. Neste caso concreto, diz-se que ele alienou a coisa (parte do terreno). Em relação à alienação da
coisa comum não há que falar de preferências nem de possibilidades de venda - a coisa comum é comum, cada
um deles tem uma quota-parte ideal do direito de propriedade sobre toda a coisa, considerado venda de coisa
alheia (art. 1408º/1 CC, 2ª parte, e nº2). Se for disposição da quota, esta é de cada qual - isso pode alienar
livremente (art. 1408º/1 CC, 1ª parte), e o art. 1408º/3 CC diz qual é a forma a que deve obedecer a alienação da

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quota. O art. 1408º/2 CC fixa o regime para a alienação da coisa ou de parte certa e determinada da coisa, e o
regime é completamente diferente - se alienar toda a coisa ou parte certa e determinada da coisa a sanção é a
nulidade, se se alienar a quota o negócio é válido mesmo que não se cumpra a obrigação de se dar preferência
(não se pode alienar ou onerar a quota livremente sem ter autorização de quem quer que seja, tem de ser todos
unanimemente, e de acordo com a lei está-se obrigado a dar preferência; não se dá preferência, o outro que tinha
direito a preferir reage e substituiu-se ao terceiro no negócio que é válido).

• O que o legislador faz, no fundo, é o seguinte:

1. A compropriedade pode gerar conflitos, ao contrário da propriedade exclusiva, e portanto as hipóteses de


compropriedade devem ser restringidas ao máximo;

2. Se um deles quiser vender a sua quota, preferencialmente que seja para um dos consortes porque assim
reduz-se o número de consortes, ou então elimina-se mesmo a compropriedade;

3. Mas ao mesmo tempo, pode acontecer que o outro não queira preferir, ou que não possa preferir - não se
pode limitar o comproprietário a alienar a sua quota;

4. Por outro lado, também não se pode impor a um comproprietário que comece a negociar apenas com o seu
consorte, porque se deixássemos o comproprietário na mão dos demais os outros iriam sempre oferecer
um valor baixo (se se dissesse “ele só pode vender a quota aos seus comproprietários”, como é evidente os seus
consortes ofereceriam sempre um valor para baixo, em condições piores). Assim diz-se que pode vender
livremente, e quando tiver negociado tudo (quando tiver o preço, quando tiver as condições de pagamento,
etc...) pode dizer “eu tenho este negócio, o valor é este, nestas condições. Nas mesmas condições,
pretendes celebrar comigo o negócio?”. Desta forma também se valoriza a posição daquele que quer alienar,
não o deixando nas mãos dos outros comproprietários.

5. Do ponto de vista do terceiro, ele tem interesse em ser comproprietário porque, desde logo pode ser meio
caminho andado para ter propriedade exclusiva. E depois é o interesse em ser-se sócio - às vezes não se
consegue estar sozinho, tem de se ir com outra pessoa para o negócio

Neste caso em concreto, ele alienou a parcela do terreno que ele vinha a cultivar desde a “partilha” e que não obedeceu
à forma legal. Sanção para a alienação de parte certa e determinada da coisa, art. 1408º/1, 2ª Parte CC: nulidade, um
seja, é nulo e não podem (art. 1408º/2 CC). O que quer dizer que o tal terceiro não adquiriu nada.

Podia ou não A ter reagido? Podia, intentando uma ação de declaração de nulidade. Ou então, se tivesse essa parcela a
ser possuída pelo terceiro, intentava ação de reivindicação fundada na nulidade do negócio celebrado pelo seu consorte
com o terceiro.

2ª PARTE EXAMES/ORAIS: Quando o Sr. B pretendeu alienar uma parte do terreno que achava que era a sua parte,
pretendeu deixar de ser titular do direito de propriedade. Este negócio é nulo. Ora os negócios nulos, em geral, podem
ser convertidos (art. 293º CC), e a ser convertido tinha de o ser num negócio válido, num negócio que o B poderia ter
praticado ab initio validamente. Que negócio é esse? A venda da quota. E se ele tivesse vendido a quota tinha atingido o

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mesmo resultado que era deixar de ser titular de um direito de propriedade (quer deixar de ser proprietário, se ele
tivesse alienado a quota deixava de ser contitular do direito de propriedade). Então o que já aconteceu no tribunal, na
prática foi isto: perante uma hipótese deste tipo, em que um dos comproprietários vendeu parte certa e determinada da
coisa, celebrando um negócio nulo, o outro vem intentar a ação tendente à declaração de nulidade desse negócio, mas
a seguir vem dizer que sendo o negócio nulo pretende que se converta num válido, naquele que poderia ter sido
celebrado pelo seu consorte validamente (ou seja, que este negócio de venda de parte certa e determinada da coisa se
converta em venda da quota do consorte). Verificando-se os requisitos de forma é possível dar-se a conversão. Para
que é que o consorte, que foi dado nem achado na alienação de parte certa e determinada da coisa, há-de pretender
não só a declaração de nulidade seguida da conversão em negócio válido? Porque o que se passou foi que primeiro
pediu declaração de nulidade, depois pediu que o negócio nulo se convertesse no válido que o consorte podia
praticar, e a seguir exerceu preferência e ficou com a quota - depois de ser convalidado em venda da quota, já
há obrigação de dar preferência, e se não é dada a preferência pode-a exercer (é um negócio válido, sem vícios
mas não deveria ter sido celebrado com o terceiro e sim consigo, e sub-roga-se a posição do terceiro). Para que esta
conversão de negócio nulo em válido ocorra é preciso que se verifiquem os requisitos de forma, e é preciso que caso as
partes tivessem previsto a invalidade do negócio, tivessem celebrado este outro no qual ele se vai converter, e em
princípio desde que se prove isto consegue-se a conversão33 .

Numa última nota, e aparte, o B poderia, através da usucapião, adquirir a propriedade exclusiva. Neste caso
concreto, como no momento em que fazem a partilha ela padece de um vício de forma, eles não deixam de ser
comproprietários mas passa em rigor cada um deles a ter a posse exclusiva de uma fração. Ora, a partir desse
momento começa-se a contar o tempo de posse exclusiva da fração - ao fim de 20 anos (porque era uma posse
não titulada porque havia vício de forma) podiam invocar a usucapião e adquirir a propriedade sobre cada uma das suas
frações. Podia também considerar-se que a posse de B era não titulada mas de boa fé (uma vez que o acordo foi
amigável), e aí bastariam só os 15 anos34 .

Caso Prático 43

Suponham o seguinte:

A e B, estudantes da Universidade de Coimbra, compraram em 2008 uma fração de um edifício subordinado ao regime
da propriedade horizontal.

33 Se não se entender esta segunda parte da resposta, a professora recomenda esquecê-la para a prova escrita/oral.

34É muito vulgar, e até de forma falsa, acontecer o seguinte: duas pessoas herdam um terreno, e dividem-no materialmente (não juridicamente, portanto são comproprietários) -
colocam um muro, etc... E depois é muito vulgar também que um deles queira construir naquele que considera ser a sua parte, mas sabe que se construir, se fosse informado
corretamente, numa parte, de acordo com o art. 1344º CC, os donos do solo são donos de tudo o que lá está edificado portanto ele não vai ser dono da casa sozinho, e fica tudo em
compropriedade. E na prática, pensa-se que a forma mais fácil de resolver o problema é invocar a usucapião logo, mesma quando não se tem tempo de posse, prestando
falsas declarações (utilizam sempre os 20 anos, porque se tem de fazer prova da boa fé e no notário não se faz prova, declara-se apenas). Esta parte certa e
determinada é desanexada do prédio-mãe, que era onde estava. Esquece-se é que, se não forem os dois a fazerem a invocação da usucapião, que na outra se continua
comproprietário, prejudicando o outro - ou seja, o resto do prédio permanece onde estava, em compropriedade. E isto sob pena de um ficar o proprietário exclusivo e o
outro terreno ficar em compropriedade na mesma.

MÓNICA JARDIM deu o exemplo do seu sogro: há uma série de anos atrás, há mais de 30, comprou 1/7 de um terreno no alto do monte, do qual se arrependeu imediatamente de tal
maneira que passou a denominar o dito terreno como a “quinta dos arrependidos”. Para ele tinha adquirido parte certa e determinada, até porque estava murada, mas não
porque aquilo era um pedaço de um prédio grande, e então ele tinha 1/7 de todo o terreno. Entretanto quando houve a reavaliação dos prédios rústicos, há mais de 20 anos atrás
(aquilo a que se denominou nas zonas rurais por “passar os louvados”), todos os outros que tinham também 1/7 do terreno grande, mas que estavam as parcelas divididas
materialmente, declararam ter prédio único (só seu, da parte demarcada). Como aquilo era a “quinta dos arrependidos” e ficava longe da casa do seu sogro, ele nem sequer pensou
que estava a passar quem quer que seja, e não fez nada. Então, de há mais de 20 anos para cá, que todos os outros têm o seu prédio (só deles, que ficou individualizado), e o seu
sogro tem 1/7 de 1/7 (porque os outros têm o seu mais 1/7 do do seu sogro). E não consegue regularizar a situação, a não ser que invoque a usucapião naquela parte certa e
determinada - “mas como é teimoso e diz que já pagou, diz que não volta a pagar uma escritura”. Há-de ser resolvido “à hora da morte”, entrando na habilitação de herdeiros
como um bem autónomo sem ser 1/7 ideal. E ninguém teve culpa, porque toda a gente fez aquilo que achava que era o mais correto, e entretanto já morreram outros consortes
do 1/7 que o deixaram de ser por mera declaração, os herdeiros receberam-no e o que consta da partilha é um prédio certo e determinado só deles, não têm de saber da história.

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1 - Agora desentenderam-se, e A pretende pôr fim à situação jurídica resultante da compra. Poderá fazê-lo? Como?

2 - Neste mesmo edifício, C comprou uma fração anteriormente destinada a habitação, e instalou aí o seu consultório
médico. Alguns dos vizinhos estão descontentes com a situação, e pretendem saber se podem reagir, e de que modo.
Quid iuris?

Resolução:

1 - Qual foi a situação jurídica criada pela compra? A compropriedade. No fundo, quer-se saber se pode ou não pôr
fim à compropriedade. Pode, porque nenhum dos consortes está obrigado a permanecer na divisão (art. 1412º
CC). Como é que vai pôr fim a esta situação? Se houver acordo não há problema, se não houver acordo (o outro
não concorda em pôr fim à compropriedade) vai ter de intentar a ação de divisão de coisa comum (art. 915º e ss.
CPC). Intenta a ação, e deve fazer o seguinte:

1. A primeira coisa que deve fazer na ação é alegar e provar se a coisa é ou não suscetível de divisão
material.

2. Se a coisa for suscetível de divisão material alega e prova, e o tribunal nesse caso vai atribuir cada
uma das partes a cada um (no fundo ficamos com 2 coisas). Coloca-se a questão de saber quem é
que fica com cada uma das partes, sendo que se não houver acordo resolve-se tudo por sorteio.

3. Quando a coisa é insuscetível de divisão material, diz-se isso mesmo e o tribunal vai tentar que eles
cheguem a acordo sobre quem é que fica com o bem e quem é que fica com o dinheiro. Se não
chegarem a este acordo, o bem é posto à venda (art. 925º e ss. CPC). Podem também concorrer
terceiros, e quem der mais fica com ela.

Neste caso concreto, a coisa é suscetível de divisão material? No caso é um prédio sujeito ao regime da propriedade
horizontal. Dizendo apenas que é uma fração não conseguimos saber (pode ser um T1 de certeza que não é suscetível
de divisão material, porque cada nova fração teria de ter casa de banho e cozinha ou virar dois estúdios e
provavelmente não conseguiriam). De toda a maneira, mesmo que fosse possível a divisão material, esta só
poderia ocorrer se eles previamente pedissem autorização à assembleia geral de condóminos, e se não
houvesse oposição dos presentes (aprovassem essa divisão sem oposição), art. 1422º-A/3 CC. Se não fosse
suscetível de divisão, então intentava a ação de divisão de coisa comum para que, em tribunal, chegassem a acordo
sobre quem é que ficava com a fração e quem é que ficava com o dinheiro, ou se não chegasse a esse acordo o
tribunal poria essa fração à venda.

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Propriedade Horizontal

2 - Temos de abrir aqui duas hipóteses. Nós só sabemos que a fração até ali tinha sido utilizada para habitação:

1. No título constitutivo consta o fim da fração. Esse não é um elemento imprescindível do título
constitutivo, ou no negócio que dá aso à propriedade horizontal, mas pode constar. Se no título
constitutivo constasse que o fim da fração é a habitação (art. 1418º/2/a) CC), C não podia usar para
escritório e os outros podiam reagir, porque havia a violação do art. 1422º/2/c) CC. A não ser que
haja a alteração do título, que só pode ocorrer por unanimidade de todos os condóminos (art. 1419º
CC) ≠ oposição dos presentes.

2. Se no título constitutivo nada constar, mas a verdade é que o primeiro proprietário daquela fração a
utilizou para habitação. Nesta hipótese, de acordo com o art. 1422º/4 CC, para que se altere o fim
fixado pelo primeiro titular da fração é preciso pedir autorização à Assembleia, e esta tem de
aprovar a alteração através de deliberação tomada por 2/3 do valor total do prédio - aqui já é mais
fácil, mas mesmo assim é altamente delimitador porque o primeiro proprietário é que definiu o fim.

Ou não pode utilizar a fração para um fim diferente daquele que consta do título, ou para um fim
diferente daquele que foi definido pelo primeiro proprietário

No nosso caso, parece estarmos perante a segunda situação. E não aconteceu nada disto - ninguém que se
pronunciou, e agora querem saber como os outros podem reagir. O que é que está previsto neste art. 1422º CC? Os
condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente
lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de
coisas imóveis - estabelece restrições. Restrições que são idênticas juridicamente às previstas na lei em
matéria de propriedade e que nós estudamos: da mesma maneira que vimos que não se pode abrir uma janela junto
à estrema, aqui o proprietário da fração não pode alterar a linha arquitetónica/estética do edifício. Se são restrições, a
forma que há para reagir é exatamente a mesma que existe quando se pretende reagir perante uma violação das
outras restrições - através de uma ação negatória para defender o seu direito de propriedade - são ações de
defesa dos seus direitos sobre as frações e sobre as partes comuns. Eles no fundo vão reagir porque estão a ver ser
posto em causa o seu direito de propriedade horizontal - que é sobre a fração e sobre as partes comuns -, através das
ações de defesa da propriedade que também se aplicam aos outros direitos reais. Neste caso basta-nos uma ação
negatória porque não se viram privados da coisa, não precisam de pedir a restituição da coisa - basta que intentem a
ação em litisconsórcio, pedido que se declare que o C não tem um qualquer direito que legitime a sua atuação, que não

pode utilizar a fração para consultório médico ' , ou porque o título não lhe permite, ou porque o título, apesar de nada

dizer, o proprietário atribuiu-lhe fim habitacional e a assembleia não autorizou a mudança de fim através de deliberação
por 2/3; segundo que reponha a situação material em conformidade com o estatuto do direito real, ou seja, que feche o
consultório médico e que passe a habitar ou deixe a fração devoluta, mas que elimine dali o consultório médico; terceiro
pedido que não mais volte a praticar atos deste tipo (os 3 pedidos típicos da ação negatória).

Podia era pairar a seguinte dúvida: quem é que vai reagir? São os condóminos individualmente (embora em
litisconsórcio), ou é o administrador, ou é a assembleia geral? São os condóminos individualmente. O administrador
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pode internar ações de defesa da propriedade ou da posse, desde que a assembleia geral lhe conceda poderes
especiais para tal e quando em causa estejam as partes comuns, e aqui não é isto que está em causa - estas
mais restrições do que o habitual é para defender a propriedade sobre cada uma das frações também, e não apenas a
questão das partes comuns.

Caso Prático 44

Suponham o seguinte:

Num prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal, em cujo título constitutivo consta que as frações se destinam/
têm por fim a habitação, o construtor do edifício e autor o título constitutivo acaba agora de vender uma fração,
declarando no contrato de compra e venda que a compradora a pode afetar ao comércio (pode instalar na fração
autónoma uma fração comercial).

Os proprietários das outras frações podem ou não reagir?

Resolução:

A única coisa que muda neste caso em relação ao anterior é que aqui é o construtor do edifício e o autor do título
constitutivo, aquele que sujeitou o prédio ao regime da propriedade horizontal que vai declarar, no contrato de compra e
venda, posterior ao título constitutivo, que a compradora pode afetar a fração a um fim comercial. A outra diferença
ainda é que nesta hipótese temos a certeza que no título constitutivo as frações estavam afetas a um fim específico:
habitacional.

O que vale é o que está no título constitutivo, o que quer dizer que os condóminos podem reagir exatamente como na
hipótese anterior.

1. O tal construtor civil, que era dono de todo o prédio, enquanto foi dono de todo o prédio teve toda a liberdade do
mundo - pôde sujeitar o prédio ao regime da propriedade horizontal, e no título constitutivo pode determinar o fim a
que ficavam afetas as frações -, e pôde fazer isto porque aquando da feitura do título (no negócio jurídico
constitutivo da propriedade horizontal) tudo era dele, ele era o dono do edifício (havia uma coisa, havia um direito de
propriedade).

2. O que ele vai fazer é celebrar o negócio jurídico bilateral dizendo “pretendo que esta coisa deixe de existir
juridicamente, e consequentemente o meu direito de propriedade sobre ela, e que passem a existir várias, e eu
passe a ter vários direitos de propriedade sobre cada propriedade horizontal”. Num primeiro momento, ele cria a
propriedade horizontal e é titular de todos os direitos sobre todas as frações (desaparece uma coisa e surgem
várias, mas ele o único titular dos vários direitos sobre as várias frações).

3. A partir do momento em que há título, e que ele é registado, tem que haver acordo de todos. Enquanto for ele o
dono de todas as frações altera ele o título sozinho (são vários direitos mas estão todos na sua titularidade). A partir

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do momento em que ele vender a primeira fração o título já só pode ser alterado com o acordo de todos os
condóminos, deixa de ser o único dono e passa a efetivamente a haver condomínio - a propriedade horizontal
constitui-se imediatamente com o negócio jurídico unilateral, embora, em rigor, ainda não haja condomínio
porque um é dono de tudo, só com a primeira venda é que a propriedade horizontal vai produzir todos os
seus efeitos. Mas com a primeira venda produz, e consequentemente o título depois só pode ser alterado com o
acordo dos demais.

Neste caso, ele já tinha vendido várias frações, e assim ele não pode ir contra aquilo que ele próprio definiu no título -
ele agora já não é dono de todas as frações, agora o prédio já está sujeito ao regime da propriedade horizontal e valem
as suas regras. Para alterar o título só com o acordo de todos.

Se a senhora a afetar para o comércio, os outros condóminos podem intentar a ação negatória. O que é que ela pode
fazer? Reagir contratualmente contra a pessoa que lhe vendeu, e que até declarou no contrato de compra e venda que
ela podia utilizar para um fim diverso da habitação.

Caso Prático 45

Suponham agora o seguinte:

Num prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal, os elevadores ou qualquer outra parte comum, foram
vandalizados por visitas de um dos condóminos. Em virtude de tal facto, tornou-se necessária a reparação da pintura
dos elevadores.

Um dos condóminos, da fração A, recusa-se a contribuir para fazer face a tais despesas, alegando que quem deve
pagar é o condómino que recebeu as tais visitas que deterioraram/vandalizaram o elevador.

Quid iuris?

Resolução:

No fundo, o que este condómino vem a fazer é dizer que se recusa a custear as despesas tendentes à conservação
ou de restauração destas partes comuns porque não tem qualquer responsabilidade quanto ao facto de elas se
terem estragado - o responsável é o seu vizinho que lá recebeu pessoas que não se sabem comportar, e que
estragaram os elevadores.

Está em causa a obrigação de contribuir para as despesas comuns. Ora ele está obrigado a contribuir para estas tais
despesas. Que tipo de obrigação é esta? Uma obrigação real - pelo simples facto de ser titular de um direito real
(propriedade horizontal) está obrigado a contribuir para as despesas necessárias a restaurar/reparar as partes
comuns, e efetivamente não está obrigado por ter praticado um facto culposo. E não deixa de estar obrigado a
tal pelo simples facto de terem sido as visitas do vizinho - todos estão obrigados a contribuir para as despesas
comuns.

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As pessoas só se libertam das despesas com os elevadores se não os poderem utilizar, se a sua fração não se
servir delas, e nos termos restritíssimos do art. 1424º CC - ou seja, mesmo que as pessoas não usem os
elevadores, basta que as frações possam ser servidas que têm de pagar.

Ora neste caso, o condómino não se podia libertar da obrigação desta forma - cumpre, pagar e depois vai-se voltar,
obviamente, contra os responsáveis. Ele e todos os condóminos terão direito a serem ressarcidos do valor
despendidos pelos responsáveis que são as visitas do tal senhor, e não o tal senhor.

Este senhor que não quer pagar pode fazer uso da renúncia liberatória? Não pode, porque a lei não o permite, art.
1420º/2 CC. Não se pode desonerar das despesas necessárias à conservação das partes comuns através da renúncia
liberatória.

Está obrigado por força do art. 1424º CC, e não se pode libertar através da renúncia liberatória por força do art.
1420º/2 CC.

Caso Prático 46

Suponham agora o seguinte:

Num prédio sujeito ao regime de propriedade horizontal, desde a sua construção que existe um pátio ao qual apenas se
acede passando pelo interior da fração A, e o dito pátio está murado.

No título constitutivo não consta a existência do tal pátio (não há referência), por isso os condóminos consideram que o
pátio é comum, e pretendem passar a usá-lo todos. O dono da fração A naturalmente que se opõe e pretende o
contrário: quer continuar a usar sozinho o tal pátio.

Quid iuris?

Resolução:

O pátio é bem comum ou não? De acordo com a lei, as frações autónomas têm de ser distintas e isoladas entre si,
com saída para a via pública ou para uma parte comum, e têm de estar descritas no título constitutivo (art.
1418º/1 CC). No título constitutivo não se faz referência ao pátio, e este não tem acesso direto para a via pública.
Os outros condóminos dizem que não, uma vez que como não consta do título como sendo uma fração autónoma,
distinta e isolada das demais, é uma parte comum nos termos das normas gerais sobre as partes comuns.

Para saber se uma parte do edifício é ou não comum, devemos, se não constar no título constitutivo como
fração, recorrer ao art. 1421º CC. No nº1 deste art. estão as partes imperativamente comuns, ou seja, o solo, os
alicerces, as colunas, os pilares, o telhado, os terraços de cobertura (que sirvam de revestimento para mais do que uma
fração - a lei não o diz), as entradas, os vestíbulos, as instalações de água, de eletricidade, etc... Depois no nº2 diz-se

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que “Presumem-se ainda comuns: a) Os pátios e jardins anexos ao edifício; b) Os ascensores; c) As dependências
destinadas ao uso e habitação do porteiro; d) As garagens e outros lugares de estacionamento; e) Em geral, as coisas que

não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.”, ou seja, numa primeira impressão seriamos levados a

pensar que o pátio seria parte comum, no entanto há aqui uma informação suplementar que é esta: desde a
data da construção (antes do título constitutivo da propriedade horizontal e antes da venda), sempre se acedeu
àquele pátio (é o único acesso material àquele pátio) por dentro da fração A. Não é razoável supor que se presuma
comum nesta hipótese, ou seja, a presunção está ilidida pela factualidade material existente - não se espera num
prédio sujeito à propriedade horizontal que, para aceder a uma parte comum, se passe por dentro de uma fração de um
deles, e portanto apesar de numa primeira impressão se poder pensar que, de facto, funciona a presunção, neste caso
nem sequer funciona a presunção deste nº2 porque a situação fática e material é contrária ao funcionamento desta
presunção porque é contrária ao espírito do legislador em matéria de propriedade horizontal - que é as próprias funções
serem distintas e isoladas para evitar promiscuidade (não faria sentido que depois toda a gente passasse por dentro da
casa só para aceder a um pátio comum).

Nestes casos em que a situação material revela, mesmo antes da constituição da propriedade horizontal, que
uma determinada parte está afeta física e materialmente a uma fração, pertence a essa fração e não funciona a
presunção.

Coisa diferente seria se o pátio fosse de livre acesso, ou melhor, que se pudesse aceder ao pátio pelo exterior do
edifício por qualquer pessoa - nessa hipótese funcionaria a presunção do legislador.

Pode existir uma servidão de passagem em propriedade horizontal? Servidões de passagem em zonas comuns terão
de ser constituídas pelos condóminos a favor do terceiro. Mas nada obsta a que exista algum tipo de servidão de uma
fração para outra:

• Ex.1: existe uma única fração muito grande, e que o condómino pretende dividir em 2. Pede autorização à assembleia
e esta aprova por maioria de 2/3, e depois ele passa a ser dono das duas (enquanto não vender uma delas). Apesar
de ter divido as duas, não colocou o contador da água ou da luz numa delas, e quando vende a fração diz ao cliente
“olhe continue a servir-se da água deste contador e fazemos contas entre nós” - constitui-se uma servidão.

• Ex.2: suponhamos que temos um prédio que está sujeito ao regime da propriedade horizontal, e diz que o seu
logradouro pertence à fração A, e que a outra parte pertence à fração B. Diz-se ainda que o senhor da fração A, para
aceder ao seu logradouro, tem de passar pela parte de B - está-se a constituir uma servidão de passagem.

Nota: para se constituir uma servidão não se exige contiguidade entre os prédios (eles podem estar relativamente
distantes um do outro). Uma servidão é um encargo imposto a um prédio em benefício de um outro, seja ao lado, seja 3
km de distância. Conteúdo da servidão: qualquer unidade que um prédio possa prestar a um outro. É um direito
real de tipo aberto, muito maleável e flexível, dentro dos limites por nós conhecidos, e por isso é uma matéria que surge
a toda a hora (quer no domínio urbano, quer em novas realidades).

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Caso Prático 47

Um condómino pretende juntar 2 frações.

1 - Pode fazê-lo? Podendo, a que é que fica obrigado depois?

Resolução:

Pode, desde que as frações sejam contíguas, sendo que esta exigência de contiguidade já não se exige se
forem garagens, armazéns, arrecadações (art. 1422º-A/2 CC).

Precisa de autorização da assembleia? Não. E depois de juntar o que deve fazer? Alterar o título constitutivo (art.
1422º-A CC: “4 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, nos casos previstos nos números anteriores, cabe aos condóminos que
juntaram ou cindiram as fracções o poder de, por acto unilateral constante de escritura pública ou de documento particular autenticado,
introduzir a correspondente alteração no título constitutivo.”). Porque é que a lei nesta hipótese diz que eles podem alterar

sozinhos o título, quando o art. 1419º CC já havia dito que um título só pode ser alterado por acordo de todos
(unanimidade)? Não faria sentido dizer que pode juntar livremente, nem sequer precisa da autorização da
assembleia, mas depois de juntar tinha de alterar o título, e quando fosse para alterar precisava do acordo de
todos. Se se diz que pode juntar e não precisa de autorização, depois tem de confirmar a realidade jurídica com a
mesma liberdade de alterar sozinho, não via ter que à posteriori ir pedir autorização ou o acordo de todos para
conseguir a alteração do título.

Caso Prático 48

Suponham agora o seguinte caso:

Num prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal, a assembleia deliberou que ninguém pode fazer festas ou
comemorações nas respetivas frações depois das duas horas da manhã, mesmo durante o final de semana.

A assembleia deliberou ainda que todos os condóminos estão obrigados a estender a roupa das respetivas casas no
terraço de cobertura do prédio, e não em qualquer outro sítio.

Quid iuris?

Resolução:

A deliberação incide sobre as frações, e a assembleia não tem competência, logo não pode deliberar nestas
matérias. Em regra sim, mas veja-se o art. 1422º/2/d) CC. A lei no fundo permite restrições - a assembleia não
pode deliberar sobre o uso, fruição, conservação, mas pode impor restrições desde que estejam todos de
acordo (sem oposição). Será a primeira restrição válida, desde que não haja oposição (apesar de ser uma

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matéria que não é verdadeiramente da competência da assembleia). O que quer dizer que, se um dos condóminos
vender a sua fração, o adquirente está sujeito a esta restrição, mesmo que não tenha sido dado nem achado, mesmo
que não tenha tido conhecimento - as deliberações vinculam não só aqueles que nelas votam, mas também aqueles
que tenham adquirido as frações, apesar de não lhes ser dada publicidade, nomeadamente através do registo. Note-se
que este caso dos barulhos não afeta só as frações autónomas - as pessoas têm de sair, têm de passar pelas zonas
comuns.

Quanto à segunda deliberação não é válida, pois é uma obrigação de conteúdo positivo, logo para vincular quer
aqueles que deliberaram, quer terceiros que venham a adquirir a fração, estar-se-á a criar uma obrigação real, e
estas são apenas as previstas na lei, e o 1422º CC não permite que a assembleia crie obrigações reais (o nº2 só
permite que sejam criadas restrições). Como as obrigações permanecem-se sujeitas ao princípio da
taxatividade, pode ser estipulado na assembleia mas esta obrigação só tem efeito meramente obrigacional -
todos os condóminos vão estender a roupa no terraço com cobertura se deliberarem sem oposição, mas se um deles
vender o outro não estará vinculado a esta obrigação (porque é uma simples obrigação eficaz inter partes).

Caso Prático 49

Suponham agora o seguinte:

No título constitutivo da propriedade horizontal consta que o terraço A pertence em propriedade, ou faz parte, da fração
A. O proprietário da respetiva fração desde sempre utilizou o tal terraço exclusivamente.

1 - Agora ocorreu a assembleia geral, e foi tomada a seguinte deliberação: “o tal terraço/pátio passa a estar afeto ao uso
de todos”. Esta deliberação foi tomada por maioria, de mais de 2/3 em rigor, e só o proprietário da fração A é que se
opôs. E então?

2 - Suponhamos agora que no título não se dizia que o pátio pertencia ao dono da fração A. O que se dizia era que o
pátio ficava afeto ao uso exclusivo do proprietário da fração A. E agora a assembleia diz que o pátio é de todos, e no
título ficou afeto ao uso exclusivo de A, mas vamos mudar. Isto é possível por deliberação?

3 - E se este uso constasse tão-só do regulamento do condomínio (feito à posteriori, depois do título)?

Resolução:

1 - A assembleia tem ou não legitimidade para deliberar esta matéria? Vem deliberar sobre o uso de uma parte que é
apenas de um dos condóminos. Não pode, não tem competência para tal, não tem legitimidade - a assembleia
tem competência para deliberar sobre atos de administração ordinária ou extraordinária, pode introduzir
restrições nos termos do art. 1422º/2/d) CC; mas não pode chegar a este ponto de dizer que, apesar de o senhor
ser proprietário, todos os nós vamos passar a usar o seu terraço.

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É uma deliberação ineficaz. Ou seja, ao contrário do que está apenas previsto na lei, que é a anulabilidade, o
que faria com que o senhor tivesse que reagir, pedir a marcação de uma assembleia extraordinária, para depois
intentar a ação de anulação, aqui o senhor não tem de fazer nada - para si é ineficaz. Só se efetivamente intentarem
uma ação dizendo que se está a comportar de uma forma não conforme à deliberação que foi tomada, o senhor reagirá
dizendo “pois porque a deliberação é ineficaz”. Ele não tem de ter a iniciativa de intentar a ação porque é ineficaz
perante si.

2 - A partir do momento em que está no título, só havendo alteração do título por unanimidade (art. 1419º CC).

3 - Também não poderia a assembleia deliberar - estando no regulamento, não pode ir contra o regulamento. Mesmo
num regulamento que não conte do título, o que a assembleia pode fazer é primeiro decidir mudar o regulamento;
depois de mudado o regulamento, deliberará em consonância com esse novo regulamento.

O código quando diz que o regulamento pode constar do título, e se não constar então os condóminos devem fazê-lo à
posteriori (art. 1429º-A CC), é para que de facto exista o regulamento. Se depois quiserem mudar as regras do jogo,
alteram o regulamento e depois deliberam em consonância - não deliberam contra o regulamento. Daí que
quando se fala da impugnação das deliberações diz-se “deliberações contrárias à lei ou a regulamentos (contidos no
título ou posteriores)”.

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