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DAS SERVIDÕES

A servidão constitui relação jurídica real por meio da qual o proprietário vincula o seu
imóvel, dito serviente, a prestar certa utilidade a outro prédio, dito dominante, pertencente a
dono distinto, obrigando-se, em consequência, a não praticar determinados atos dominais no
prédio serviente ou a não impedir que neste o proprietário do imóvel dominante pratique atos
de extração da utilização que lhe foi concedida.
A Servidão predial é o desmembramento da propriedade imposto a certo imóvel
(prédio serviente) em benefício de outro (prédio dominante), de tal forma que o titular do
primeiro perde, em favor do titular do segundo, o uso, o gozo e a disponibilidade de uma parte
dos seus direitos, o que pode consistir em ficar obrigado aquele a tolerar que este se utilize do
imóvel serviente para determinado fim.
As servidões prediais também podem ser definidas como sendo os direitos reais de
gozo sobre imóveis que, em virtude de lei ou vontade das partes, se impõem sobre o prédio
serviente em benefício do dominante ou ainda, como afirma a doutrina, direito real sobre
coisa imóvel, que impõe restrições em um prédio em proveito do outro, pertencentes a
diferentes proprietários. O prédio que suporta a servidão, é o serviente. O outro, em favor do
qual se proporciona utilidade e funcionalização da propriedade, é o dominante. O proprietário
do prédio serviente desdobrará parcela dos seus poderes dominiais em favor do prédio
dominante. Assim, este terá o seu domínio acrescido, para beneficiar o proprietário atual ou os
seus sucessores.
Quando a norma se refere a prédios, isso não quer significar terrenos necessariamente
edificados ou construídos. A servidão está intimamente relacionada à função social da
propriedade, na medida em que objetiva, ao final, tornar um prédio útil por meio da conduta
solidária do proprietário de um outro prédio. Logo, o terreno poderá ser, ou não, edificado.
Compreendemos que a servidão, assim, é ônus real, voluntariamente imposto a um prédio (o
serviente) em favor de outro (o dominante), em virtude do qual o proprietário do primeiro
perde o exercício de algum de seus direitos dominicais sobre o seu prédio, ou tolera que dele
se utilize o proprietário do segundo, tornando este mais útil, ou pelo menos mais agradável.

Servidão e passagem forçada

A passagem forçada é um instituto de direito de vizinhança, enquanto a servidão diz


respeito a um direito de gozo e fruição. Aqui já se percebe a primeira importante diferença;
enquanto as servidões prediais decorrem de lei ou de convenção, constituindo em encargos
que um prédio sofre em favor de outro, para o melhor aproveitamento ou utilização do prédio
beneficiado. Seguindo nas diferenciações, a passagem forçada aplica-se na hipótese em que
houver um imóvel encravado, entendido como tal aquele que não possuir acesso à rua,
nascente ou porto (CC, art. 1.285). Não há aqui uma faculdade, mas sim uma imposição, ao
passo que o imóvel encravado deverá ter garantido pelo outro o seu direito de acesso à via
pública. A passagem será concedida de forma menos gravosa ao onerado e este receberá, por
conta da concessão, contraprestação pecuniária. Infere-se na servidão instituto de ratio
completamente diversa. Aqui não há encravamento. Há, sim, desejo de aumento da utilidade
do prédio dominante mediante uso da área serviente. Poderá ser onerosa ou gratuita e não
imposta, mas sim fruto de um acordo entre prédios de diversos proprietários.
A servidão não se confundirá com a passagem forçada, pois é facultativa de modo a
não obrigar o pagamento de indenização. Já a passagem forçada é compulsória, assim como é
o pagamento da indenização. A servidão é um direito real de gozo ou fruição. A passagem
forçada é instituto de direito de vizinhança.
Nessa esteira de pensamento, percebe-se a servidão, modalidade específica de direito
real na coisa alheia, quando um prédio serviente, que pertence a dono diverso, proporciona a
um prédio dominante uma "utilidade", mediante declaração expressa dos respectivos
proprietários, usucapião, ou mesmo por meio de testamento (CC, art. 1.378). Em todos os
casos, será imprescindível e necessário o registro no Cartório de Registro de Imóveis, sendo
este ato o constitutivo do direito real e o capaz de ocasionar eficácia erga omnes. O prédio
dominante será o beneficiário da servidão e o prédio serviente o que concederá a servidão. A
servidão somente acontecerá, portanto, entre prédios e na quantidade mínima de dois (o
dominante e o serviente).

Classificação das Servidões

Consoante o entendimento da doutrina majoritária - a classificação das servidões se


dará pelos seguintes critérios: natureza dos prédios envolvidos, condutas das partes, modo de
exercício e forma de exteriorização. Pois bem. São os meandros destas classificações que se
passará a enfrentar.
a) Quanto à natureza dos prédios
Servidão rústica - é modalidade de direito real de gozo e fruição envolvendo edifícios
localizados no campo, a exemplo de "servidão para tirar água, para condução de gado, de
pastagem, para tirar areia ou pedras.
Servidão urbana - É modalidade de direito real de gozo e fruição envolvendo prédios situados
nas cidades, a exemplo da servidão para escoar água da chuva, para não impedir a entrada de
luz, para passagem de som, para usufruir de vista ou de janela.
b) Quanto ao comportamento das partes
Servidões positivas - Permitem a realização pelo prédio dominante de ações comissivas
(concretas, efetivas), como se vê nos casos das servidões de aqueduto e de passagem.
Servidões negativas - Caracterizadas pela presença de uma obrigação de não fazer do prédio
serviente em relação ao dominante. Hipóteses como o dever de não construir ou não abrir
janelas; de não levantar obra a partir de determinado andar etc. Há, pois, restrição aos poderes
de propriedade no que concerne ao uso e à fruição do bem.
c) Quanto à continuidade
Servidões contínuas - Existem sem a necessidade de ação humana. Acontecem e em geral,
ininterruptamente, de forma que mesmo em não havendo ato humano concreto, haverá a
servidão. Um belo exemplo é a servidão de passagem de som, de imagem, de energia, de luz.
Servidões descontínuas - Exigem a conduta humana para, somente assim, existirem. Todas as
servidões que dependem do fato do homem são, necessariamente, descontínuas. Podem ser
ilustradas pela servidão de passagem ou trânsito de pessoas, servidão para tirar água de
terreno alheio, servidão de pastagem.
d) Quanto à aparência
Servidão aparente - São as ostensivas, visíveis. Se revelam por obras ou sinais exteriores
inequívocos e duradouros, identificados por qualquer pessoa. Exemplifica-se com o caso de
uma servidão de passagem e de uma servidão de aqueduto.
Servidão não aparente - Em sentido contrário são as não ostensivas, invisíveis, que não se
revelam por tais obras, por tais sinais exteriores, de forma que não se percebe a servidão a
prima face. Exemplifica-se com as servidões que veiculam obrigações negativas de não
construir. Seria possível a constituição de uma servidão com um único prédio serviente e dois
ou mais dominantes? A resposta é positiva. A isso a doutrina denomina servidão conjunta. Tal
poderá se dar de forma originária - desde o momento da confecção da servidão - ou de forma
sucessiva, com uma espécie de servidão de segundo grau.
Forma de Constituição das Servidões

As servidões podem ser constituídas de diversos modos, sendo alguns destes previstos
na lei (CC, arts. 1.378 e 1.379), enquanto outros resultaram da doutrina e da jurisprudência. É
sabido que o atual Código Civil elegeu os negócios jurídicos como forma de realização da
maior parte das relações privadas patrimoniais. Não seria diferente com a servidão, a qual
poderá ser instituída por este instrumento. Além disso, a legislação cível permite a
constituição das servidões pela usucapião, forma originária de aquisição da propriedade. Nada
obstante, como direito real que o é, a servidão exigirá inexoravelmente o registro de seu título,
para constituir-se na melhor forma do art. 1.378 do CC. Quanto aos negócios jurídicos
unilaterais, a servidão poderá ser constituída pela via do testamento (CC, art. 1.378), a ser
levada a registro quando da expedição do formal de partilha.
Também poderá ser feita por meio de contrato, elaborado por escritura pública para os
casos do art. 108 do CC, devidamente registrado (CC, art. 1.378). Surgiria assim de um
negócio jurídico bilateral: "esse ato jurídico Inter vivos deve ser oneroso porque o proprietário
do prédio serviente é indenizado pela restrição que é imposta ao seu domínio. A sentença
também é forma de instituição deste direito real (CPC, art. 596, II). Exemplifica-se com a
ação de divisão (actio communi dividundo): instituir-se-ão as servidões, que forem
indispensáveis, em favor de uns quinhões sobre os outros, incluindo o respectivo valor no
orçamento para que, não se tratando de servidões naturais, seja compensado o condômino
aquinhoado com o prédio serviente. Houve importante mudança no caput do referido artigo,
haja vista que o prazo para oitiva das partes passará a ser de 15 (quinze) dias (CPC/15).
E seria possível a usucapião de uma servidão? A resposta é positiva para servidões
aparentes e contínuas; pois apenas estas serão capazes de ocasionarem posse e,
consequentemente, usucapião. O art. 1.379 do CC permite a usucapião de servidões, seja na
modalidade ordinária ou extraordinária. Será ordinária se houver justo título e boa-fé e o
exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente se dê por ao menos dez anos.
Ademais disto, se o possuidor não tiver nem o justo título e nem a boa-fé, o prazo da
usucapião será de vinte anos, incidente aqui a modalidade extraordinária. Percebe-se aqui
regra assistemática com o tratamento geral da usucapião no Código Civil, o qual exige o
prazo de quinze anos para a modalidade extraordinária (CC, art. 1.238). Tal fato gera
desconforto doutrinário.
A doutrina sustenta que o prazo máximo para a usucapião extraordinária de servidões
deve ser de 15 anos, pois assim se estaria conformando os prazos em face do sistema geral de
usucapião previsto no Código Civil. Não concordamos, haja vista que a letra da lei é
induvidosa ao fixar o prazo em vinte anos e a doutrina não pode, a par das críticas formuladas,
alterar a coercibilidade de uma norma, fonte primária do direito brasileiro. Não concordamos
ainda por ser plenamente possível que uma norma especial (usucapião de servidões) traga um
prazo diferenciado em relação a uma norma geral (usucapião extraordinária). Ora, em sendo
passível de usucapião, esta servidão admite posse; afinal, para que haja usucapião é necessária
posse mansa e pacífica com animus domini. Em admitindo posse, crava STF, na Súmula 415,
que a Servidão de trânsito não titulada, mas tomada permanente, sobretudo pela natureza das
obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito a proteção possessória. No mesmo
sentido o atual art. 1.213 do CC. Concordamos com a orientação sumular consagrada na
Suprema Corte, afinal de contas, somente as servidões aparentes poderão ser identificadas,
vistas, percebidas, de modo a viabilizar posse e consequente usucapião.

Do Exercício das Servidões


O tema do exercício das servidões está disciplinado entre os arts. 1.380 a 1.386
do CC. Com efeito, o exercício da servidão acarreta aos proprietários dos prédios dominante e
serviente uma série de direitos e obrigações que, concomitantemente, limitam a utilização do
direito de propriedade do dono do serviente e ampliam o uso e gozo do titular do domínio do
prédio dominante.
O dono de uma servidão poderá fazer todas as obras necessárias à conservação e uso
dela. Se esta servidão pertencer a mais de um prédio (servidão conjunta) serão tais despesas
rateadas entre os respectivos donos (CC, art. 1.380). Evidentemente que a autonomia privada
admite que os interessados disciplinem a vedação a tais obras, ou mesmo imponha o dever de
realizá-las a terceiros, afinal de contas, no direito privado o que não está proibido será
permitido (CF, art. 5°, inciso II).
Em síntese. o proprietário do imóvel dominante está autorizado a se imitir no prédio serviente
quando houver necessidade de realização de obras. Na forma do art. 1.381 do CC, tais obras
deverão ser realizadas pelo proprietário do prédio dominante, se o contrário não dispuser o
título.
Acaso a obrigação das obras seja imposta ao proprietário do prédio serviente,
este poderá exonerar-se, abandonando total ou parcialmente a propriedade do dono do
dominante. A isto se denomina abandono liberatório. É o que prescreve o art. 1.382 do CC,
cujo parágrafo único arremata: "Se o proprietário do prédio dominante se recusar a receber a
propriedade do serviente, ou parte dela, caber-lhe-á custear as obras". O art. 1.383 do CC diz
o óbvio: o dono do prédio serviente não poderá embaraçar de modo algum o exercício
legítimo da servidão. O desrespeito a este direito acarreta responsabilidade civil, seja no
âmbito de obrigações de fazer, seja mesmo no tocante a indenizações pelo embaraço.
Seria possível a remoção da servidão (locomoção da servidão) de um local a outro? Sim (CC,
art. 1.384). Tal, todavia, haverá de ocorrer nos limites da função social e à custa do prédio
serviente, sem diminuir as vantagens do prédio dominante. Caso, porém, a remoção
desemboque em incremento da utilidade do prédio dominante, este deverá arcar com os seus
custos, sendo possível tal remoção desde que não gere prejuízos ao prédio serviente.
Na linha da boa-fé objetiva, evitando-se o abuso do direito, haverá restrições ao
exercício da servidão. De acordo com a norma, não será possível ao proprietário do prédio
dominante agravar a situação do prédio serviente, isso porque a servidão deve ocorrer nos
limites das suas necessidades (CC, art. 1.383). Justamente por isto não será possível alterar 0
destino da servidão, a não ser que as partes anuam a este respeito. De fato, a autonomia
privada e a intervenção mínima do Estado nas relações particulares evidenciam a
possibilidade de os interessados disciplinarem o destino patrimonial de seus bens da forma
que melhor os aprouver. No que tange às servidões de trânsito, a de maior ônus inclui a de
menor e está exclui a mais onerosa. Importa recordar que as servidões prediais são
indivisíveis de forma que subsistem na íntegra, mesmo para o caso de divisão dos imóveis,
sendo multiplicadas sobre cada parte oriunda da divisão (CC, art. 1.386). Se o prédio
serviente, portanto, houver sido fracionado em dois, sobre estes dois haverá servidões, salvo
se a servidão disser respeito apenas a uma das frações de um dos prédios, quando só sobre
este persistirá o gravame.

Da Extinção das Servidões

Sem embargo da perpetuidade, a servidão tem seus modos de extinção, que só


produzirão efeitos, valendo contra terceiros, com o cancelamento do registro de seu título
constitutivo, exceto se houver desapropriação, porque neste caso a extinção se dá pleno iure,
mediante o próprio ato expropriatório (CC, art. 1.387). As servidões, assim como a
propriedade, são perpétuas no sentido de que não fenecem pelo mero decurso do tempo, pois
acompanham a sorte da propriedade.
A par disso, os arts. 1.387 a 1.389 do CC disciplinam causas extintivas da servidão. A
servidão pode ser extinta pela renúncia do proprietário do imóvel dominante, a ser exercida
por escrito (CC, art. 114) e em regra por escritura pública (CC, art. 108), quando esse exerce o
direito potestativo de cancelamento desta. A frustração do objeto, decorrente da extinção da
utilidade, também justifica o término da servidão. Igualmente o resgate (distrato mediante
pagamento de preço) é causa liberatória da servidão; assim como a reunião dos dois prédios
sob a propriedade de uma só pessoa; ou ainda o desuso por mais de dez anos contínuos. O art.
1.387 do CC reza que salvo nos casos de desapropriação, as servidões, uma vez registradas,
apenas poderão ser extintas por meio do cancelamento perante o registro público, com
respeito a terceiros. Este dispositivo encontra-se em sintonia com o sistema de constituição
das servidões, que só podem ser estabelecidas por meio de registro (CC, art. 1.378).
Conclui o insigne doutrinador que com o cancelamento do registro deixa tal direito de
ser oponível a terceiros. Exceção a isso ocorre na desapropriação, quando a servidão será
extinta em face de terceiros independentes do respectivo cancelamento do registro público.
Ante a inafastabilidade da jurisdição é correto afirma ar que o dono do prédio
serviente terá direito, pelos meios judiciais, de obter o cancelamento do registro da servidão,
caso comprove: I. a renúncia de seu titular; II. a cessão, para o prédio dominante, da utilidade
ou da comodidade que determinou a constituição da servidão ou, finalmente, III. quando o
dono do prédio serviente resgatar (indenizar) a servidão. É o que afirma o art. 1.388 do CC.
Quanto à renúncia, digno de nota que o proprietário do prédio dominante deverá manifestar
este ato de forma expressa (CC, art. 114) e realizar o registro da abdicação no cartório de
imóveis respectivo. Evidentemente que se a propriedade for em condomínio, a renúncia
deverá ser feita por todos, ante a qualidade indivisível da servidão. Admite-se, contudo, a
renúncia tácita condicionada ao ajuizamento de medida judicial para seu reconhecimento. A
reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa, a supressão das respectivas obras por
efeito de contrato ou de outro título expresso e o desuso, durante dez anos contínuos também
são causas legais de término da servidão.

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