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1.

As concepções utilitarista e pluralista do DIPR sobre direitos sucessórios


A ‘lei pessoal do defunto’ aparece, historicamente, como solução mais adequada para reger
a totalidade dos direitos que se transmitem aos herdeiros. Para tal concepção, considera-se
que os bens pertencentes ao de cujus estão situados no seu domicílio. A doutrina em geral
aponta a existência de duas teorias ou sistemas sobre regras de conexão para determinar o
direito aplicável em matéria de direitos sucessórios.
1. Teoria unitarista
Seguida, em geral, por países de tradição jurídica romano-germânica, pois
consideram que os bens integrantes do patrimônio do de cujus compõem um todo que
não pode se dissociar, devendo ser submetido a um único direito aplicável,
independentemente da natureza ou situação dos bens. Relações do de cujus estariam
sujeitas, assim, à sua lei pessoal. É adotada pelo ordenamento brasileiro.
2. Teoria da pluralidade
Característica de países que adotam a tradição do common law, se fundamenta na
impossibilidade de se aplicar unicamente a lei da nacionalidade ou domicílio do
defunto a bens imóveis no estrangeiro, uma vez que estes deveriam ser submetidos
ao direito do local em que se situam (lex rei sitae). Assim, a cada bem considerado
individualmente deve ser aplicada a lei do território em que se situe.
O código bustamante adota a regra geral que determina que a lei pessoal será o critério para
aferir o direito aplicável às relações jurídicas sucessórias. Fica a critério dos estados membros
a prerrogativa de determinar qual seria essa lei pessoal.
- Brasil (art. 10 da LINDB) -> adota a regra de conexão lex domicilii, ou seja, a lei do
domicílio da pessoa determinará o direito a ser aplicado às relações jurídicas
sucessórias, qualquer que seja a natureza ou situação dos bens.
“Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que
domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação
dos bens.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei
brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os
represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
§ 2º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

- Exceção à regra geral: capacidade para suceder -> disciplinada pela lei do
domicílio do herdeiro ou legatário
- O art 10 da LINDB alcança duas situações: sucessão causa mortis e sucessão por
ausência. Trata-se da lei vigente no momento da morte. Aspectos regulados pelo
direito material do domicílio do de cujus, de acordo com o art 10:
1. instituição e substituição da pessoa sucessível
2. ordem de vocação hereditária
3. alcance dos direitos atribuídos aos herdeiros e legatários, nacionais ou
estrangeiros
4. limites à liberdade de testar
5. quotas reservadas aos herdeiros necessários na constituição da legítima
6. causa determinante de deserdação
7. colação dos bens
8. redução das disposições testamentárias
9. partilha e pagamento das dívidas contraídas pelo espólio
- Deve-se buscar uma interpretação sistemática dos arts. 8º e 10 da LINDB: o direito
aplicável à abertura da sucessão causa mortis ou por ausência não se confunde com
o direito aplicável para qualificar os bens e disciplinar as relações a eles concernentes,
que são individualmente considerados e se submetem à lei do local em que se situam.
- Exceção: quando o autor da herança possua domicílio no mesmo local em que
se situem todos os seus bens, móveis e imóveis.
- Críticas doutrinárias à concepção unitarista: ela apenas se justificaria quando
houvesse reciprocidade entre os Estados, de modo que eles adotassem o mesmo
princípio. Isso justificou a exceção ao unitarismo, com adoção do pluralismo
sucessório nos casos disciplinados pelo art. 10, §1°.
“Recurso Especial nº 61.434 – SP (95/0008701-4)
Relator: Min. Cesar Asfor Rocha
Ementa
Direito Internacional Privado. Art. 10, § 2º da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro. Condição de herdeiro. Capacidade de suceder. Lei
aplicável.
Capacidade para suceder não se confunde com qualidade de herdeiro. Esta tem a
ver com a ordem da vocação hereditária que consiste no fato de pertencer a pessoa
que se apresenta como herdeiro a uma das categorias que, de um modo geral, são
chamadas pela lei à sucessão, por isso haverá de ser aferida pela mesma lei
competente para reger a sucessão do morto que, no Brasil, “obedece à lei do país
em que era domiciliado o defunto” (art. 10, caput, da Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro).
Resolvida a questão prejudicial de que determinada pessoa, segundo o domicílio
que tinha o de cujus, é herdeira, cabe examinar se a pessoa indicada é capaz ou
incapaz para receber a herança, solução que é fornecida pela lei do domicílio do
herdeiro (art. 10, § 2º, da Lei de Introdução).”

2. Sucessão testamentária e aspectos de direito internacional privado


Também disciplinada pelo direito civil material do local em que o de cujus teve o seu último
domicílio, mas há algumas particularidades.
- Capacidade de testar -> disciplinada pela lei do domicílio do testador do momento da
conclusão do ato testamentário
1. Validade extrínseca e intrínseca do testamento celebrado no exterior
- Requisitos de validade extrínseca -> analisados de acordo com a lei do local
em que o negócio jurídico foi celebrado (locus regit actum rege a forma das
disposições de última vontade do testador). Assim, realizado no estrangeiro, o
testamento deve obedecer o direito do local de sua realização para definir sua
forma e autoridade competente
- Esta regra está consagrada no direito internacional convencional
(CONVENÇÃO DE HAIA de 1964 SOBRE CONFLITO DE LEIS
ENVOLVENDO A FORMA DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS -
brasil ainda não aderiu)
- As diferenças entre os requisitos de validade extrínseca do negócio
jurídico nos diversos ordenamentos não impedem que um testamento
celebrado no estrangeiro com diferentes solenidades seja reconhecido
no Brasil -> se o direito argentino estabelece que são necessárias 3
(três) testemunhas, residentes no lugar, e tendo sido na Argentina
realizado o testamento, então o juiz brasileiro deve observar os
requisitos concernentes à forma do ato, tal como previstos no art. 3.656
do Código Civil argentino. Disso decorre a aplicação da regra locus
regit actum.
- Requisitos de validade intrínseca do testamento -> o conteúdo das disposições
de última vontade, as cláusulas e sua admissibilidade, bem como os efeitos
delas decorrentes, devem ser analisados de acordo com a lei do local do último
domicílio do testador (ao tempo do seu falecimento)
Resumindo: a abertura e execução de testamento celebrado no exterior seguem 3 regras
fundamentais:
1. Lei do local em que o testamento foi realizado -> para determinar a validade extrínseca
do ato (locus regit actum)
2. Lei do local do último domicílio do testador, vigente ao tempo do seu falecimento ->
para determinar a validade intrínseca do ato (lex domicilii)
3. Aspectos processuais envolvendo a abertura, no brasil, de testamento celebrado no
exterior -> LEI BRASILEIRA

3. Efeitos econômicos da concepção unitarista e a “lei do último domicílio do falecido”


A lei do local do último domicílio do de cujus parece estar mais próxima da realidade
econômica que a pessoa desejava manter para seus herdeiros -> em razão disso, enquanto
a partilha não se concretiza, os bens permanecem dentro da categoria de universalidade.
- Desse modo, a abertura da sucessão se processa no último domicílio do de cujus
porque é o local em que o finado ou ausente vivia e atuava no trânsito econômico.
- Referente aos aspectos processuais, a norma do art. 10, caput, atrai a competência
absoluta do juiz do último domicílio do de cujus, pois este estava sob a jurisdição
daquele no momento em que houve a transmissão da herança aos herdeiros

4. Proteção da condição da mulher e dos filhos brasileiros no DIPR: o alcance


normativo do art. 10 da LINDB às normas do direito br e da constituição de 88
A regra do art. 10, §1°, consagra tratamento PREFERENCIAL ao cônjuge ou filhos brasileiros
no caso de sucessão de estrangeiros com bens situados no Brasil, se afastando da
concepção unitarista adotada como regra geral (esta regra também está estabelecida no art.
5º, XXXI, da CF88.
- O dispositivo constitucional assegura ordem de vocação hereditária territorial em
contraposição à lei pessoal do de cujus.

5. Domicílio do herdeiro ou legatário e capacidade para a sucessão


Essa regra especial se fundamenta na proteção dos herdeiros, na medida em que seu
estatuto pessoal determinará a capacidade e incapacidade, deixando eles de depender da
vontade do testador nesses aspectos.
- Capacidade para suceder -> tanto a capacidade geral do herdeiro quanto a sua
legitimidade à sub-rogação nos direitos do de cujus
- Condição de herdeiro -> diz respeito à ordem da vocação hereditária, de modo que é
regida pela lei do domicílio do de cujus. Considerada a pessoa como herdeira, o juiz
deve averiguar a capacidade de suceder, que se submete à lei do domicílio do
herdeiro ou legatário

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