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Fotomontagem: Lucas Gomes/JOTA

RELATÓRIO ESPECIAL | JULHO.2023

Modulação: STF definiu


90,9% dos processos
favoravelmente ao fisco
desde 2021
Esse número corresponde a 19 teses tributárias, uma vez
que algumas são aplicadas a várias ações. Neste recorte,
73,7% foram favoráveis ao fisco

Por Cristiane Bonfanti


Design original de Lucas Gomes
Edição de Bárbara Mengardo
©2023 JOTA Jornalismo
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Levantamento do JOTA mostra que o Supremo Tribunal Federal


(STF) modulou pelo menos 66 processos tributários desde 2021.
Desse total, 60 – ou 90,9% – foram favoráveis ao fisco, ao impedir
que os contribuintes tenham direito à devolução de tributos pagos
indevidamente no passado. Dos outros seis – ou 9,1% –, dois foram
favoráveis e outros quatro parcialmente favoráveis aos
contribuintes.

O cenário, entretanto, muda quando levamos em consideração o


número de teses analisadas pelo tribunal, e não o número de casos.
Isso porque, em algumas situações, a mesma tese fixada pelo STF é
aplicada em vários processos que tratam do mesmo tema. Esse é o
caso, por exemplo, do julgamento por meio do qual o Supremo
proibiu a instituição de uma alíquota de ICMS sobre energia e
telecomunicações acima da alíquota média aplicada sobre as
operações em geral. A Corte tomou essa decisão em 2021, por meio
do RE 714139 (Tema 745), e em 2022 replicou o entendimento no
julgamento de outras 24 ações diretas de inconstitucionalidade
(ADIs) envolvendo as legislações estaduais.

Os dados mostram que os 66 processos modulados desde 2021


correspondem a 19 teses tributárias. Das 19 teses, 14 – ou 73,7% –
foram favoráveis ao fisco, impedindo a devolução retroativa de
tributos às pessoas físicas e jurídicas. Das outras cinco – ou 26,3%
–, duas foram favoráveis e outras três parcialmente favoráveis aos
contribuintes.

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destinatário, não devendo ser disponibilizado a qualquer outra pessoa sem o prévio e expresso consentimento do JOTA.
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O levantamento considerou 2021 como marco inicial porque foi o


ano em que o STF modulou os efeitos da "tese do século". Neste
caso, o Supremo excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da
Cofins. Desde então, tributaristas apontaram uma multiplicação
dos casos com modulação de efeitos na Corte.

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Efeitos retroativos
Em regra, a decisão que declara um tributo inconstitucional
produz efeitos retroativamente, autorizando os contribuintes a
pedir a restituição de valores pagos indevidamente no passado,
respeitado o prazo prescricional de cinco anos. Por meio da
modulação de efeitos, o STF projeta esses efeitos para frente,
determinando, por exemplo, que a cobrança seja afastada apenas a
partir da publicação da ata de julgamento de mérito. Na prática, os
contribuintes não têm direito à devolução de valores pagos
indevidamente no passado.

Para tributaristas, embora importante em algumas hipóteses para


garantir a segurança jurídica, o instrumento da modulação de
efeitos tem sido utilizado de modo exagerado pelo STF, com base
em critérios que não são uniformes para todos os julgamentos.
Além disso, na maioria das vezes, a modulação é favorável ao fisco,
tendo em vista os impactos negativos de uma decisão sobre as
contas públicas.

“O instituto da modulação de efeitos é bom e existe há muito


tempo no STF. No passado, ele era utilizado com cautela e
parcimônia, e o que tem havido hoje é uma vulgarização do
instituto. É quase como se fosse uma fase obrigatória de qualquer
julgamento, sobretudo em matéria tributária, quando não deveria
ser”, afirma o tributarista Igor Mauler Santiago, do escritório
Mauler Advogados.

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Casos modulados em 2021


De acordo com levantamento do JOTA, o STF modulou 13
processos tributários em 2021. Eles corresponderam a 10 teses
tributárias. Do total, nove foram favoráveis ao fisco, um
completamente favorável e dois parcialmente favoráveis ao
contribuinte.

O principal caso modulado em 2021 foi o que ficou conhecido como


“tese do século”. No julgamento de mérito do RE 574706 (Tema 69
da repercussão geral), realizado em 2017, o STF excluiu o ICMS da
base de cálculo do PIS e da Cofins. Quatro anos depois, ou seja, em
2021, o Supremo modulou os efeitos da decisão e definiu que a
exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins vale a
partir de 15 de março de 2017, data do julgamento do mérito. O
entendimento é desfavorável aos contribuintes, que não puderam
reaver valores pagos no passado.

Outro destaque foi o RE 714139 (Tema 745). O STF modulou os


efeitos da decisão que definiu que os estados não podem cobrar
sobre energia e telecomunicações uma alíquota majorada de
ICMS, isto é, acima da alíquota aplicada sobre as operações em
geral. O Supremo decidiu que o entendimento deve produzir
efeitos a partir de 2024, ressalvadas as ações ajuizadas até a data do
início do julgamento de mérito, isto é, 5 de fevereiro de 2021.

Ainda em 2021, no julgamento do RE 851108, o Supremo definiu


que os estados não podem instituir o Imposto sobre Doações e
Heranças Provenientes do Exterior (ITCMD) na ausência de lei

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complementar regulamentando o tema. Os ministros modularam


os efeitos da decisão, para que a cobrança do ITCMD sem lei
complementar prévia fosse afastada a partir de 20 de abril de 2021,
quando foi publicada a ata de julgamento de mérito. Na prática, o
entendimento também impediu a devolução retroativa de valores
pagos a título de ITCMD.

No julgamento das ADIs 1945 e 5659, o STF definiu que a decisão


que afastou o ICMS sobre licença de uso de softwares deve
produzir efeitos a partir da publicação da ata de julgamento de
mérito (3/3/21), o que impossibilitou a restituição aos
contribuintes de valores pagos indevidamente no passado. No
entanto, a modulação foi parcialmente favorável ao contribuinte,
ao impedir os estados de cobrar ICMS retroativamente de quem
não pagou o tributo.

Também em 2021, no julgamento de embargos de declaração no RE


605552, a Corte definiu que a decisão que obrigou farmácias de
manipulação a pagar ICMS sobre a venda de medicamentos de
prateleira e ISS sobre a comercialização de remédios preparados
sob encomenda deveria produzir efeitos a partir do dia da
publicação da ata de julgamento do mérito (19/8/20). Ou seja,
cobranças realizadas pelos entes federativos antes dessa data de
forma diferente à tese fixada pelo STF permaneceram válidas. Um
ponto positivo para os contribuintes foi que, no caso de
bitributação, isto é, de cobrança do ICMS e do ISS sobre a mesma
operação, eles tiveram direito à restituição.

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Modulação de efeitos em 2022


O levantamento mostra que o número de processos tributários
com modulação de efeitos pelo STF subiu para 49 em 2022. No que
diz respeito às teses, no entanto, o volume caiu para cinco. Isso
porque as teses definidas em alguns julgamentos foram replicadas
em diversos processos.

Por exemplo, o STF reproduziu em 24 ADIs a modulação aprovada


no ano anterior na decisão que proibiu uma alíquota majorada de
ICMS sobre energia e telecomunicações, em função da
essencialidade desses serviços (RE 714139, Tema 745). De modo
semelhante, a Corte aplicou em 20 ADIs a modulação também
aprovada no ano anterior referente à necessidade de lei
complementar para a instituição do ITCMD (RE 851108, Tema 825).

Além desses casos, o STF modulou em 2022 processos relacionados


aos seguintes temas: inconstitucionalidade da contribuição
compulsória para o fundo de assistência de militares do Tocantins
(ADI 5368); isenção ou remissão do IPTU sobre imóveis edificados
atingidos por enchentes e alagamentos no município de Valinhos,
em São Paulo (RE 1331245); cobrança do IRPJ e da CSLL sobre
valores referentes à taxa Selic em razão da devolução de tributos
pagos indevidamente (RE 1063187); taxa de fiscalização de torres de
celular (RE 776594); e alteração, pela União, das contribuições
previdenciárias dos militares estaduais em Santa Catarina (RE
1338750).

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Dessas, apenas a modulação no caso relacionado à isenção de IPTU


(RE 1331245) foi completamente favorável aos contribuintes. O STF
manteve, para o ano de 2021 e anteriores, as isenções concedidas a
título de IPTU, bem como as remissões (perdões de dívida) de
IPTU do ano de 2020 e anteriores.

O caso relacionado à tributação da Selic na devolução de valores


pagos indevidamente (RE 1063187) teve modulação parcialmente
favorável aos contribuintes. Ela produziu efeitos a partir de 30 de
setembro de 2021 (data da publicação da ata de julgamento do
mérito), mas ressalvou fatos geradores anteriores a essa data em
relação aos quais não tenha havido o pagamento do IRPJ ou da
CSLL. Ou seja, o contribuinte que não ingressou com ação judicial
não pode pedir a repetição do indébito, mas quem não pagou
também não foi obrigado a recolher.

Modulação em 2023
Em 2023, a pesquisa do JOTA revela que o STF já modulou os
efeitos em quatro processos tributários, que correspondem
igualmente a quatro teses tributárias. Os dois primeiros (ADI 6145
e ADI 4411) tratam da cobrança de taxas em processos
administrativos fiscais no Ceará e de uma taxa de segurança
pública em MG pela “utilização potencial” do serviço de extinção
de incêndio, respectivamente. Em ambos os casos, as decisões
produziram efeitos a partir da publicação da ata de julgamento de
mérito (28/9/2022 e 1/9/2020).

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No terceiro, bastante aguardado pelos contribuintes, o STF definiu


que a decisão que afastou o ICMS na transferência de mercadorias
entre estabelecimentos do mesmo titular localizados em estados
distintos (ADC 49) deve produzir efeitos a partir de 2024. Por fim,
na ADPF 512, a Corte afastou a taxa de fiscalização em postes em
vias públicas, mas definiu que a decisão vale também a partir da
ata de julgamento de mérito (5/6/2023).

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Critérios para a aplicação do instituto


Tributaristas ouvidos pelo JOTA questionaram os critérios
utilizados pelo STF para aplicação do instituto da modulação de
efeitos nos casos tributários. Na maioria dos casos, afirmam, os
ministros consideram o impacto que as decisões causam nos cofres
públicos e impedem que os contribuintes recebam valores pagos
no passado.

A advogada Gláucia Lauletta, do escritório Mattos Filho, afirma


que o instituto deveria ser aplicado com o objetivo de garantir
segurança jurídica e não frustrar expectativas, seja dos
contribuintes, seja do fisco, independentemente do impacto
orçamentário das decisões. Ela lembra que o artigo 927, parágrafo
terceiro, do Código de Processo Civil (CPC), por exemplo, autoriza
a modulação na hipótese de alteração de jurisprudência
dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais
superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos
repetitivos”.

Lauletta questiona o julgamento recente em que o STF negou, por


6X5, o pedido de modulação de efeitos da decisão relacionada à
coisa julgada em matéria tributária. Em 8 de fevereiro, na análise
do RE 949297 e do RE 955227 (Temas 881 e 885), o Supremo
determinou que os contribuintes com decisão favorável transitada
em julgado permitindo o não pagamento da CSLL serão obrigados
a voltar a pagar o tributo desde 2007, data em que a Corte
reconheceu a constitucionalidade da contribuição no julgamento

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da ADI 15. Os contribuintes reiteraram o pedido de modulação por


meio de embargos de declaração, cujo julgamento ainda não foi
realizado.

Lauletta diz que a decisão representa uma mudança em relação à


jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em
2011, sob a sistemática de recurso repetitivo, no Tema 340. Neste
caso, que envolveu também a cobrança da CSLL, o STJ definiu que
“o fato de o Supremo Tribunal Federal posteriormente
manifestar-se em sentido oposto à decisão judicial transitada em
julgado em nada pode alterar a relação jurídica estabilizada pela
coisa julgada, sob pena de negar validade ao próprio controle
difuso de constitucionalidade”. Essa mudança jurisprudencial,
afirma a tributarista, é justamente uma das hipóteses que enseja a
modulação de efeitos.

“Depois desse julgamento [sobre a coisa julgada em matéria


tributária], o STF coloca em dúvida o próprio sentido do instituto
da modulação”, diz Lauletta.

Igor Mauler Santiago ressalta que as hipóteses de modulação são


restritas e que o simples impacto de uma decisão nas contas
públicas não está entre elas. Primeiro, afirma, algumas vezes esses
números são “inflados”. Segundo, mesmo que as estimativas sejam
reais, os entes públicos precisam saber gerir o seu passivo e,
cientes de que um tributo pode ser declarado inconstitucional,
realizar uma reserva para devolver os valores aos contribuintes.

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“Isso [a aplicação da modulação com base meramente em impacto


orçamentário] só incentiva a irresponsabilidade por parte do
Estado e, pior, a inconstitucionalidade útil. Eu edito uma lei, ela
parece inconstitucional, vou cobrando e, se eu perder, alguém vai
me proteger para eu não ter de devolver. Isso é um incentivo para
edição de leis inconstitucionais. Eu premio a
inconstitucionalidade”, critica Mauler.

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