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6. Cláusulas acessórias nas doações (arts.958º e ss.

6.1 Reserva de usufruto (art.958º)

O legislador prevê expressamente que pode ser instituído pelo doador, quer
a favor de si próprio, quer a favor de terceiro (art.958º nº1) esta cláusula.
Havendo esta reserva aplica-se o regime do usufruto (art.1439º).

No caso de doação a nascituros, presume-se mesmo que essa reserva é por


ele instituída até ao nascimento do donatário (art.952º nº2).

A reserva de usufruto a favor do doador não dispensa, porém, o donatário


do ónus de aceitar a doação da nua propriedade, o que tem que fazer em
vida do doador (art.945º nº1). No caso de reserva de usufruto a favor de
terceiro, quer o nu proprietário, quer o usufrutuário, terão que aceitar a
doação em vida do doador, sem o que não adquirirão os respetivos direitos.

- Usufruto simultâneo ou sucessivo (art.958º nº2 + art.1441º + art.1442º).


Se o usufruto for instituído conjuntamente a favor de várias pessoas, só se
consolida com a propriedade por morte da última que sobreviver. Há, assim,
um direito de acrescer entre os usufrutuários.

6.2 Reserva do direito de dispor de coisa determinada (art.959º)

Tem natureza resolutiva. É possível que o doador reserve para si o direito


de dispor - chamar a coisa para si - por ato inter vivos ou post mortem -
uma parte específica do complexo material que constitui o objeto da
doação.

A lei exige, porém, a determinação do objeto da reserva de disposição, seja


através da individualização da coisa, seja através da limitação da quantia,
pelo que será nula a cláusula que a estabeleça em termos indeterminados.

Essa faculdade não se transmite aos herdeiros, pelo que caduca com a
morte do doador (art.959º nº2).

Para além disso, a reserva, quando respeito a coisas imóveis ou móveis


sujeitos a registo, carece de ser registada (art.959º nº2). A consequência
da falta de registo é a ineficácia da reserva perante terceiros, não
impedindo o seu exercício entre as partes.
6.3 Cláusula de reversão (art.960º)

O bem doado regressa à titularidade do doador nos casos de morte do


donatário, salvo estipulação em contrário (art.960º nº2). Em vez de ser
transmitida a coisa para os herdeiros, volta para o doador. Esta cláusula
significa que o doador não deseja estender a sua generosidade a todos os
herdeiros do donatário.

Esta cláusula afeta a doação de uma condição resolutiva (art.270º). Esta


fica resolvida se a morte do donatário, ou dele e seus descendentes, se
verificar antes da morte do doador. Conforme, também é regra na condição
resolutiva (art.276º), a sua verificação tem efeito retroativo (961º).

No caso de se tratar de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, a


cláusula de reversão terá que ser registada (art.960º nº3).

6.4 Substituições fideicomissárias (art.962º)

Figura que se encontra prevista no âmbito da sucessão testamentária,


regulada pelos artigos 2286º e ss., para onde o art.962º nº2 remete.

Trata-se assim de uma situação em que o donatário instituído em primeiro


lugar (fiduciário) fica obrigado a conservar o objeto da liberalidade para que
ele reverta por morte em benefício de um segundo donatário (o
fideicomissário). O fiduciário é considerado um proprietário a termo, tendo o
gozo e administração dos bens (art.2290º nº1).

6.5 Doação sujeita a condição (art.270º)

Por regra, é possível sujeitar uma doação a uma condição e aplicamos


diretamente os arts.270º e ss.

As condições na doação podem ser suspensivas ou resolutivas, a sua


verificação tem eficácia retroativa (art.276º) e o negócio na pendência da
condição é regulado pelos arts.272º e ss.

No entanto, há exceções: art.2232º e 2233º - consideram-se não escritas.

• 2232º: este tipo de condição restringe consideravelmente a liberdade do


donatário que, para receber a doação, se veria forçado a perder a
liberdade de escolher livremente a sua residência, as pessoas das suas
relações, a possibilidade de dispor dos seus bens, a sua liberdade
religiosa e a liberdade de escolha da profissão. É, por isso, compreensível
que a lei venha excluir este tipo de doações, considerando-as não
escritas, ainda que o doador tenha declarado o contrário.

• 2233º: a liberdade matrimonial constitui um princípio fundamental do


nosso Direito da Família pelo que ninguém pode ser constrangido a
celebrar ou não celebrar o casamento, sendo nula qualquer condição
referente a esse facto. O art.2233º nº2, considera todavia válida a
doação do usufruto, uso, habitação, pensão ou outra prestação contínua
ou periódica para produzir efeito enquanto durar o estado de solteiro ou
viúvo do donatário. Apesar de a lei não o referir expressamente, parece
ser também de admitir este tipo de doações enquanto se mantiver a
condição de divorciado do donatário.

Há, no entanto, um caso especial de condição que, se for estabelecida,


provoca a nulidade da própria disposição e não apenas a consideração como
não escrita da condição, que é o caso referido no art.2231º e que consiste
na condição de que o donatário faça igualmente uma disposição, a favor do
doador ou de outrem.

6.6 Doação modal (art.963º nº1)

Possibilidade de as doações serem oneradas com encargos.

O modo ou encargo consiste numa restrição imposta ao beneficiário da


liberalidade que o obriga à realização de determinada prestação no interesse
do autor da liberalidade, de terceiro, ou do próprio beneficiário, podendo por
isso, consoante os casos, revestir tanto a natureza de uma obrigação em
sentido técnico, como a de um mero ónus jurídico.

Só existe doação com encargos quando, apesar da realização do encargo, o


donatário ainda recebe um benefício que represente um valor superior
àquele que se obrigou a despender em consequência dos encargos, o que
implica não representarem estes uma contraprestação pelo recebimento da
doação, mas antes uma restrição ao benefício dela resultante. O encargo
fica limitado ao valor da própria liberalidade, estabelecendo por isso o
art.963º nº2 que o donatário não é obrigado a cumprir os encargos senão
dentro dos limites da coisa ou do direito doado. Assim, o encargo não pode
superar o valor da doação.
Um exemplo de doação com encargos é a que imponha ao donatário o
pagamento das dívidas do doador (art.964º). Se o doador efetuar uma
doação que abranja grande parte do seu património, pode legitimamente
querer acautelar-se, para a hipótese de não poder futuramente pagar as
suas dívidas, em virtude da doação que fez. Uma forma de assegurar essa
situação, consiste em vincular o donatário ao pagamento das suas
obrigações.

Caso o encargo não venha a ser cumprido, quer o doador, quer os seus
herdeiros poderão resolver a doação, mas apenas se esse direito lhes tiver
sido conferido pelo contrato (art.966º).

7. Proibições (art.953º)
- art.2192º a 2198º
8. Modalidades atípicas

8.1 Doação remuneratória (art.941º + 2113º)

Traduz uma gratificação. Estamos perante uma situação em que o doador


recebeu determinados serviços, os quais não têm, porém, a natureza de
dívida exigível. No entanto, o doador ficou tão grato pela receção do serviço
que o leva a querer remunerar quem lho prestou, ainda que em termos
jurídicos a isso não seja obrigado.

8.2 Doação por morte (art.946º)

O doador efetua por espírito de liberalidade ao donatário uma atribuição


patrimonial à custa do seu património, mas determina que a correspondente
aquisição apenas se verificará com a morte dele, doador. A lei proíbe em
princípio a doação por morte pois pretende-se evitar pressões sobre o autor
da sucessão, manter-lhe a disponibilidade dos seus bens enquanto estiver
vivo, e evitar decisões precipitadas, que não poderiam ser livremente
revogáveis, ao contrário do que sucede com as disposições testamentárias.
Efetivamente, a doação por morte levantaria o problema de, apesar de se
estabelecer que a aquisição só se verificará por morte do doador, no
entanto o respetivo contrato de doação vem a ser celebrado em vida deste,
com a aceitação do donatário.
Apesar de nula, a doação por morte pode ser havida como disposição
testamentária, se tiverem sido observadas as formalidades dos testamentos
(art.946º nº2). Neste caso, está-se perante uma aplicação particular da
regra do art.293º, admitindo-se a conversão do negócio nulo num negócio
de tipo e conteúdo diferente, sem que seja necessário demonstrar que a
vontade hipotética das partes iria nesse sentido.

8.3 Partilha em vida (art.2029º + 2157º)

Trata-se de um caso específico de doação a um presumido herdeiro


legitimário, em que este assume o encargo de pagar aos outros presumidos
herdeiros legitimários, com o acordo destes, o valor em dinheiro
correspondente à parte que lhes caberia. Esse encargo abrange
inclusivamente os herdeiros legitimários futuros ou posteriormente
descobertos (nº2).

9. Extinção

9.1 Revogação por ingratidão (art.970º)

Apenas se admite a revogação por ingratidão se ocorrer, relativamente ao


donatário uma situação que, caso se verificasse em relação a um herdeiro,
pudesse ser qualificada como justificativa de indignidade (art.2034º) ou de
deserdação (art.2166º). Por sua vez, relativamente às situações que
justificam a deserdação, são igualmente fundamentos de revogação da
doação por ingratidão do donatário os presentes no art.974º.

9.2 Colação (2104º)

Consiste na obrigação imposta aos descendentes que pretendam entrar na


sucessão do ascendente de restituir à massa da herança, para efeitos de
igualação da partilha, os bens ou valores que lhes foram doados por este
(nº1).

O fundamento da colação é a presunção de que o autor da sucessão,


quando quis efetuar uma doação a favor de um dos seus descendentes, não
pretendia beneficiá-lo em relação aos outros, mas apenas antecipar o que
posteriormente lhe viria a ser atribuído na herança. Nada impede, no
entanto, o doador de elidir esta presunção e beneficiar efetivamente a
posição de um dos seus descendentes em relação aos outros, desde que
não afete a legítima que lhes cabe como herdeiros legitimários, bastando
para isso que efetue a doação por conta da quota disponível. A lei
estabelece, por esse motivo, a possibilidade de o doador dispensar a
colação, no ato de doação ou posteriormente (art.2113º nº1). A colação
presume-se sempre dispensada nas doações manuais e nas doações
remuneratórias (art.2113º nº3).

9.3 Redução por inoficiosidade (arts.2168º e ss.)

São inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a


legítima dos herdeiros legitimários, podendo estas ser objeto de redução
por forma a que não venham a afetar a legítima. Se à data da morte do
doador se verificar que a doação que ele fez ultrapassa o montante da
quota disponível da herança, vindo a ofender a legítima, esta é considerada
inoficiosa, podendo o herdeiro legitimário ou os seus sucessores requerer
que a liberalidade seja reduzida (ou até mesmo eliminada) em tanto quanto
for necessário para que a legítima seja preenchida (art.2169º), exigindo-se,
no entanto, que tenha aceite a herança (art.2178º).

Contrato de mútuo

1. Noção (arts.1142º e ss.)

Partes: mutuante e mutuário.

Mútuo (art.1142º) ≠ comodato (art.1129º): tanto um como o outro são


empréstimos na linguagem comum.

No entanto, o primeiro incide sobre coisas fungíveis; nem sempre é gratuito


e transfere-se a propriedade sobre a coisa emprestada (art.1144º).

O segundo incide sobre coisas infungíveis; é necessariamente gratuito e não


se transfere a propriedade.

1.1 Caraterísticas

• Nominado e típico: previsto e determinado na lei.


• Consensual ou formal em função do valor: art.1143º. No caso do
empréstimo mercantil entre comerciantes é sempre consensual (art.396º
CCom);

• Real quanto à sua constituição (depende da doutrina): a entrega é outro


elemento constitutivo do contrato;

• Real quanto aos efeitos (art.1144º + 408º): por mero efeito do contrato
produzem-se efeitos reais, isto é, implica a transferência da propriedade;

• Oneroso ou gratuito: oneroso quando as partes convencionam o


pagamento de juros como retribuição do mútuo (art.1145º + 559º - taxa
fixa de 4%) - tendencialmente;

• Contrato unilateral/não sinalagmático: se entendermos que o contrato é


real quanto à sua constituição, é unilateral pois só o mutuário tem a
obrigação da restituição.

• Contrato bilateral/sinalagmático: se entendermos que não é real quanto à


constituição, ambas as partes têm obrigação: obrigação de entregar e
obrigação de restituir;

• Comutativo: as partes sabem as vantagens que retiram do contrato.

2. Formação do contrato

2.1. Objeto (art.207º)

Conforme resulta do art.1142º, o mútuo tem por objeto dinheiro ou outra


coisa fungível (art.207º) - entende-se no sentido objetivo.

2.2. Forma (art.1143º)

2.3. Capacidade e legitimidade (art.1889º al.a) e al.g))

Capacidade ativa: al.a)

Capacidade passiva: al.g)

O mútuo é considerado um ato de administração extraordinária, tanto para


o mutuante como para o mutuário, quer seja estipulado a título gratuito ou
oneroso. Tal qualificação explica-se pelos riscos que o contrato acarreta: em
relação ao mutuante, ele perde a propriedade das coisas mutuadas,
recebendo em troca apenas um crédito; em relação ao mutuário, pelo facto
de prejudicar o seu património qualquer cálculo incorreto sobre as suas
possibilidades de restituir.

Assim, em termos de capacidade, poderão celebrar contratos de mútuo


todos os que não estejam abrangidos por alguma incapacidade, como a
resultante de menoridade ou de medida de acompanhamento. Mesmo certos
mútuos poderão ser abrangidos no âmbito das exceções à incapacidade e
praticados pelo próprio incapaz, como nas hipóteses referidas no art.127º
ou em geral no art.145º nº1. A capacidade não basta ser suprida pelos
representantes, tem de haver autorização do MP.

A legitimidade para celebrar contratos de mútuo é limitada ao proprietário


das coisas ou a quem tenha a faculdade de disposição sobre elas. No
entanto, não deve deixar de se considerar aplicável a regra do art.892º, até
por força da remissão do art.939º.

Art.1159º: celebração por intermédio de mandatário ou representante - terá


que envolver a concessão de poderes especiais para esse ato.

2.4. Contrato-promessa

É questionável a admissibilidade da promessa de mútuo.

Como este contrato está pensado para suprir necessidades temporárias de


bens de consumo, em princípio, implica também uma certa espontaneidade
e o contrato promessa restringe-a. É admissível mas não é possível a
execução específica (830º), tal como na doação.

2.5. Invalidades

• Falta de forma (art.1143º) - nulidade (art.220º + 289º) - a nulidade tem


efeito retroativo, cabendo ao mutuário restituir o capital e ao mutuante a
restituição dos juros eventualmente cobrados.

• Mútuo usurário (art.1146º) - invalidade parcial - é havido como usurário o


contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais, que excedam
os juros legais, acrescidos de 3% (existe garantia real) ou 5% (não existe
garantia real). Uma vez que a taxa legal é de 4% (art.559º), não se admite
a estipulação de juros superiores a 7% ou 9% ano ano. A estipulação de
juros usurários não envolve a invalidade total do contrato, nem prejudica a
subsistência do mútuo, uma vez que neste caso, o art.1146º nº3, impõe,
em derrogação ao regime do art.292º, a redução da taxa de juro
remuneratório ou moratório aos montantes máximos acima referidos,
ainda que tenha sido outra a vontade dos contraentes - redução
automática legal.

Fiador: não é garantia real

3. Efeitos

- O contrato de mútuo tem um efeito real, respeitante à transmissão da


propriedade das coisas para o mutuário, pelo facto da entrega (1144º +
408º);

- Tem também um efeito obrigacional, consistente na restituição da coisa


por parte do mutuário (1142º).

A entrega pode ser simbólica (p.e creditar na conta) ou material (entregar


em mão).

A obrigação do mutuário consistirá numa obrigação pecuniária, quando tiver


sido recebida uma quantia em dinheiro ou a uma obrigação genérica no caso
contrário, correspondendo sempre o género àquele da prestação recebida.
Neste último caso, significa que o património do mutuante deve ser
repristinado na sua composição qualitativa originária, independentemente
das alterações de valor que as coisas mutuadas tenham entretanto sofrido.
(homogeneidade).

Não há impossibilidade objetiva. O art.790º aplica-se a qualquer tipo de


obrigação, normalmente, por isso, não aplicamos o mesmo no caso de
dinheiro, nem o art.1149º.

3.1. Prazos

Relativamente ao prazo da obrigação da restituição, nunca pode a obrigação


do mutuário ser considerada pura (art.777º).

Assim, se se tratar de mútuo gratuito, é concedido ao mutuário um prazo


suplementar de 30 dias, após a exigência do seu cumprimento (art.1148º
nº1).
Admitindo-se no mútuo oneroso, que qualquer das partes pode denunciar o
contrato com uma antecedência mínima de 30 dias (art.1148º nº2).

Benefício do prazo: art.1147º - mútuo oneroso

art.1148º - mútuo gratuito

4. Extinção

Causas:

1) Decurso do prazo concedido ao mutuário para utilização do capital, uma


vez que este determina que o mutuário deva restituir nesse momento as
quantias recebidas. Não cumpriu, recorre-se ao Tribunal (ação
declarativa ou executiva se tiver título executivo).

2) Antecipação: obrigação de restituição pode ser exigida pelo mutuante


antes do fim do prazo, como sucede se o mutuário se tornar insolvente,
ou deixa de prestar as garantias prometidas (art.780º), deixar de realizar
uma prestação, caso se tenha convencionado a restituição em
prestações (art.781º), e ainda em caso de incumprimento pelo mutuário
da obrigação de pagamento dos juros no mútuo oneroso (art.1150º).
Não cumpriu, recorre-se ao Tribunal.

Contrato de mandato

1. Noção

• Distinção de contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço

Contrato de trabalho (art.1152º) - quem celebra o contrato obriga-se a uma


determinada atividade.

Contrato da prestação de serviço (art.1154º) - quem presta o serviço


obriga-se a um determinado resultado.

- O contrato da prestação de serviços é atípico, não estando regulado


na lei, podendo ser oneroso ou gratuito.

• Modalidades do contrato da prestação de serviços (art.1155º):

- Mandato (art.1157º) - relação de confiança


- Empreitada (art.1207º)

- Depósito (art.1185º)

1.1 Elementos essenciais

1) Obrigação de praticar um ou mais atos jurídicos

Um dos elementos essenciais do contrato de mandato é que o mandatário


assuma a obrigação de praticar atos jurídicos. Não é, portanto, mandato, o
contrato no qual a obrigação assumida tenha por conteúdo atos materiais
ou intelectuais (caso da empreitada - art.1207º). Também não constitui um
mandato a figura do núncio, em qual alguém se obriga a transmitir a terceiro
uma declaração negocial elaborada por outrem, já que nessa situação não
há celebração de atos jurídicos pelo núncio, mas a mera atividade material
de transmissão da declaração, o que faz recair também a figura na
prestação de serviços atípica (art.1154º).

2) Atuação do mandatário por conta do mandante

É necessários que os referidos atos jurídicos sejam realizados por conta do


mandante, isto é, os efeitos do ato celebrado pelo mandatário vão projetar-
se na esfera do mandante.

A repercussão dos efeitos jurídicos na esfera do mandante pode, porém,


ocorrer de duas formas, consoante se trate de mandato com ou sem
representação.

• Mandato com representação: os atos jurídicos praticados pelo mandatário


em nome do mandante produzem os seus efeitos diretamente na esfera
jurídica deste último (art.1178º e 258º).

• Mandato sem representação: os atos jurídicos praticados pelo mandatário


produzem os seus efeitos na esfera jurídica deste (art.1180º), sendo
necessário um posterior ato de transmissão para que os direitos
correspondentes possam ser adquiridos pelo mandante (art.1181º nº1).

Em ambos os casos existe, no entanto, uma atuação por conta do


mandante, já que, quer por via direta, quer por via indireta, vem a ser o
mandante o destinatário final dos efeitos dos atos celebrados pelo
mandatário.
1.2 Caraterísticas

• Contrato nominado e típico: a lei reconhece a sua categoria e estabelece


o seu regime nos arts.1157º e seguintes do CCiv.

• Contrato consensual, normalmente: a lei não exige forma especial. Apenas


o mandato judicial é sujeito a forma especial (art.43º CPC). A procuração
é sujeita a forma especial (art.262º nº2 + 116º CN), o que implica que
quando o mandato seja associado à procuração (arts.1178º e ss.), pelo
menos esta terá que revestir forma especial. Já o mandato sem
representação (arts.1180º e ss.) não é sujeito a forma especial.

• Tanto pode ser gratuito como oneroso: Presume-se oneroso o mandato


que envolva atos que o mandatário pratique por profissão e presume-se
gratuito o mandato estranho à atividade profissional do mandatário
(art.1158º nº1). Ambas as presunções são ilidíveis por prova em contrário
(art.350º nº2).

• Contrato sinalagmático ou sinalagmático imperfeito: consoante constitua


um mandato oneroso ou gratuito. O mandato oneroso é um contrato
sinalagmático, na medida em que gera obrigações recíprocas para ambas
as partes. A obrigação do mandante em pagar a retribuição devida
(art.1167º b) encontra-se em correspetividade com a obrigação do
mandatário em executar o mandato (art.1161º a). Já o mandato gratuito
é um contrato sinalagmático imperfeito pois apesar de gerar obrigações
tanto para o mandante (art.1167º a) c) d), como para o mandatário
(art.1161º), a verdade é que as obrigações do mandante não se
encontram num nexo de correspetividade com as obrigações do
mandatário, tendo por fundamento factos acidentais, distintos da
obrigação de executar o mandato.

2. Formação do contrato

2.1 Objeto e forma

O objeto do contrato consiste na prática de atos jurídicos.

A forma, como disse anteriormente, é, por regra, consensual.


2.2 Capacidade e legitimidade

• Capacidade do mandante: varia consoante o objeto do contrato, já que


quem não tem capacidade para praticar os atos pessoalmente também
não o pode fazer por intermédio de mandatário. Por exemplo, se tenho
capacidade para praticar um ato jurídico de compra e venda, então
também vou ter capacidade para o mandato.

• Capacidade do mandatário: o mandatário pode ser um incapaz, pois o


mandante que contrata com um mandatário incapaz assume os riscos
correspondentes e o regime da incapacidade visa apenas proteger o
património dos próprios e não os dos eventuais mandantes dos incapazes,
sendo que aos terceiros só interessa saber se o mandatário tem os
poderes necessários. Não há nada na lei que o impeça.

Em termos de legitimidade, o mandato só pode ser conferido por quem


tenha o poder de disposição desses bens. O mandato judicial, mandato para
reclamação e impugnação de atos administrativos e tributários, pelos
conhecimentos técnicos que exigem, só podem ser exercidos por advogados
e solicitadores (art.43º CPC e arts.1º, nº5 a), nº6 c) e 2º da Lei 49/2004,
de 24 de agosto).

2.3 Extensão do mandato (art.1159º)

Mandato geral: não necessita de abranger todos e quaisquer atos do


mandante, bastando que recaia sobre uma categoria indeterminada de atos.
É, por isso, considerado como mandato geral aquele que seja conferido para
gestão dos interesses do mandante em determinada região do país ou para
uma das atividades económicas a que ele se dedica. Só compreende atos de
administração ordinária.

Mandato especial: aquele que abranja certos e determinados negócios.

2.4 Substitutos e auxiliares (art.1165º - 264º)


Fala-se em substituição do mandatário quando ele encarrega outro
mandatário de praticar os mesmos atos jurídicos de que foi encarregado
pelo mandante, havendo assim um subcontrato de mandato, ou seja,
submandato.

A utilização de auxiliares (p.e secretária - nº4) não implica que estes


pratiquem os atos jurídicos de que o mandatário foi encarregado, limitando-
se a dar-lhe colaboração nas suas tarefas.

Em termos simples, ocorrendo um submandato, estabelece-se uma relação


de mandato entre o mandatário e o submandatário, enquanto que o vínculo
que o mandatário estabelece com um auxiliar constitui antes uma relação de
trabalho subordinado ou um contrato de prestação de serviços.

O mandato, sendo um contrato intuitu personae, assenta numa relação de


confiança e, por isso, não será admitida a prática de atos por substitutos.

O substituto tem de ter uma autorização do mandante para praticar tais


atos. Caso não a tenha e mesmo assim praticar os atos, estamos perante
uma representação sem poderes (art.264º), que não produzirão efeitos até
que o mandante ratifique (art.268º), ou seja, o ato será ineficaz para
proteção do mandante (art.268º).

Não é necessária autorização do mandante no caso dos auxiliares visto que


o mandatário não foi substituído.

3. Obrigações das partes

• Do mandante (art.1167º)

São obrigações eventuais.

1) Obrigação de fornecer os meios necessários à execução do mandato, se


outra coisa não foi convencionada

2) Obrigação de pagar a retribuição devida e fazer provisão por conta dela,


consoante os usos

3) Obrigação de indemnizar o mandatário do prejuízo sofrido em


consequência do mandato - responsabilidade objetiva, mesmo que o
mandante não tenha culpa

• Do mandatário (art.1161º)

1) Obrigação de executar o mandato com respeito pelas instruções


recebidas
2) Obrigações de informação e de comunicação

3) Obrigação de prestar contas

4) Obrigação de entregar ao mandante tudo o que recebeu em execução ou


no exercício do mandato

Direito do mandatário: direito de retenção (755º nº1 c) sobre as coisas que


lhe tiverem sido entregues para execução do mandato, pelo crédito
resultante da sua atividade.

4. Relações com terceiros

• Mandato com representação (art.1178º) - regra


O mandatário atua por conta do mandante e em nome deste, isto significa
que os efeitos jurídicos se vão produzir diretamente na esfera jurídica do
mandante.

• Mandato sem representação (art.1180º)


O mandatário age em nome próprio e fica obrigado à dupla transferência
(art.1181º, nº1 Cciv), isto é o mandatário adquire a coisa em seu nome e
depois transmite ao mandante.

Contudo, esta dupla transferência suscita problema no caso de


incumprimento, isto é, quando o mandatário recusa transferir o bem ao
mandante. Perante esta situação, a doutrina divide-se em duas posições:

- Segundo o Prof. Menezes Leitão (posição maioritária): é possível


recorrer à execução específica (art.830º), por isso, realiza-se aquela
transferência que o mandatário se recusa a fazer.
No entanto, para existir execução específica tem que haver um mandato
celebrado por escrito que será considerado como prova da existência do
mandato (art.410º nº2).

- Segundo o Prof. Antunes Varela: a execução específica está destinada


ao contrato-promessa de compra e venda e então não pode ser alargada
para outros contratos. Logo, o máximo que poderá acontecer é o
pagamento de uma indemnização decorrente do incumprimento do
contrato, ou seja, pela responsabilidade civil - Os tribunais seguem.

Enquanto não houver dupla transferência, o mandante está desprotegido,


pois o mandatário poderá vender o bem. O mandante não tem qualquer
garantia a não ser uma indemnização pelos danos causados.
Mas pode ter, também, uma outra garantia para além da indemnização, a
garantia prevista no artigo 1184º - garantia de impenhorabilidade dos bens,
protegendo assim os bens do mandante caso ele acrescente esta cláusula
no mandato. A cláusula faz com que o mandatário não possa vender os
bens.

Em relação aos créditos (art.1181º, nº2) e débitos (art.1182º):


- nos créditos, não existe a dupla transferência porque o mandante vai
poder substituir-se diretamente ao mandatário, não tendo de lhe
transmitir os créditos.
- No que diz respeito aos débitos, há dupla transferência em que o
mandante tem de assumir as dívidas do mandatário (art.595º).

5. Extinção

• Caducidade (art.1174º): tem haver com o facto de este contrato ser


celebrado com base numa relação de confiança. Caduca por morte de uma
das partes, não sendo possível a transmissão da posição de mandatário ou
mandante no contrato.

• Revogação por acordo ou unilateral (art.406º + 1170º): a revogação por


acordo é admitida e a revogação unilateral é uma exceção. O art.1170º
Cciv confere a possibilidade de uma das partes revogar o contrato, mas a
contraparte tem direito a uma indemnização (art.1172º al.c - se for
iniciativa do mandante; art.1172º al.d - se for iniciativa do mandatário).

• Incumprimento (art.801º nº2): a consequência deste incumprimento


reflete-se numa indemnização.

• Denúncia: repercute-se no final dos prazos (caso este exista), sendo mais
cómodo denunciar o contrato do que revogar. Quando não tem prazo:
denúncia e revogação unilateral vão dar ao mesmo (art.1172º al.c) e d)).
Contrato de empreitada
1. Noção (1207º)
É uma espécie do contrato de prestação de serviços (1154º e ss.), tendo,
no entanto, por objeto especificamente uma obra, e não um serviço.
- 2 elementos do contrato: obrigação de realizar uma obra e o pagamento
do preço.

• Conceito de obra

Para muitos autores: a obra é material, isto é, abrange coisas corpóreas,


tem existência física (Prof.Menezes Leitão) - Conceito tradicional

Para outros autores: a obra pode ser também intelectual (p.e fazer uma
tradução) - alargamento do conceito - mais moderno

1.1. Empreitada de direito privado

1.2 Características
• Nominado e Típico: a lei reconhece a sua categoria e estabelece-lhe um
regime;

• Tendencialmente consensual: a lei não estabelece forma especial. Há, no


entanto, certos casos especiais de empreitada, em que a lei sujeita o
contrato à forma escrita como é o caso das empreitadas de obras
particulares acima de 16.600€ (art.26º da Lei 41/2015);

• Real quanto aos efeitos: permite, em alguns casos, transferir o direito de


propriedade - 1212º - a propriedade da obra é atribuída ao empreiteiro e
vem a transmitir-se para o dono da obra;

Distinções a fazer (1212º):


- Obra que incide sobre coisa móvel vs obra que incide sobre coisa imóvel
- Empreitadas de reparação vs empreitada de construção
Reparação: Não se coloca a questão de propriedade, pois apenas se pediu
uma reparação.
Construção: Neste caso, transfere-se a propriedade, pois está-se a construir
uma de raiz, isto é haverá efeitos reais.

• Oneroso (1207º): gera sacrifícios económicos para ambas as partes;


• Sinalagmático: faz surgir obrigações recíprocas para ambas as partes,
sendo a do empreiteiro a de realizar a obra e a do dono da obra a de
pagar o preço;

• De execução instantânea ainda que prolongada: a obra prolonga-se no


tempo mas este não tem influencia no conteúdo das obrigações, ou seja,
no tipo de obra que será realizada e o preço acordado.

2. Formação do contrato
As negociações são mais demoradas, e durante as mesmas é comum ser
solicitado ao empreiteiro a realização de um projeto da obra, o que constitui
uma prestação de serviços autónoma, que por vezes é objeto de
remuneração específica. Por vezes, o projeto é encomendado pelo dono da
obra a terceiro, ficando em qualquer caso o empreiteiro encarregado de
elaborar o orçamento da obra. Antes da celebração do contrato, é ainda
comum a realização dos estudos de materiais e solo, bem como a
solicitação às autoridades da competente licença ou autorização
administrativa, quando exigíveis, obrigação que recai sobre o dono da obra,
se nada for estipulado em contrário.

O projeto, com os desenhos, e a definição dos trabalhos a realizar e


materiais empregues vêm a ser posteriormente objeto de um caderno de
encargos, que deverá ser respeitado pelo empreiteiro. Apenas após a
definição do caderno de encargos, é que o empreiteiro apresenta
normalmente a respetiva proposta de empreitada, que inclui o mencionado
caderno de encargos, só ficando o contrato concluído com a aceitação do
dono da obra, sendo que, apesar de a lei não o exigir, normalmente esse
mesmo contrato é reduzido a escrito.

Para além disso, em várias ocasiões, a contratação do empreiteiro de direito


privado também decorre de concurso. Neste caso, o dono da obra deve
definir previamente as regras do concurso e adjudicar a empreitada ao
concorrente que apresentar a melhor proposta. Neste caso, o projeto da
obra e o respetivo caderno de encargos estão normalmente definidos pelo
dono da obra antes do concurso, só tendo o empreiteiro que apresentar a
proposta que, se escolhida pelo dono da obra, leva à formação do contrato,
o qual é habitualmente depois reduzido a escrito.

2.1. Forma: É consensual com algumas exceções: art.26º Lei 41/2015).


2.2. Capacidade e legitimidade
Haverá que distinguir entre as empreitadas de reparação e as empreitadas
de nova construção.

Empreitadas de reparação: correspondem a atos de administração ordinária,


não tendo limites de capacidade, incluindo incapazes (art.153º).

Empreitadas de nova construção: correspondem a atos de administração


extraordinária ou de disposição, implica risco e, por isso, a capacidade será
acautelada, na medida em que o tribunal definirá se determinada pessoa
tem ou não capacidade. Em suma, só podem ser celebrados por quem tenha
a capacidade para a sua prática.

Podem colocar-se problemas de legitimidade na empreitada, quer em


relação ao empreiteiro, quer em relação ao dono da obra.

A parte que, de acordo com o contrato deva fornecer os materiais, apenas


poderá fornecer materiais próprios e não materiais alheios (939º), assim
como a construção do imóvel dependerá da autorização do respetivo dono
do solo (seja ele o dono da obra ou terceiro).

No caso do usufruto, o artigo 1471º determina que o usufrutuário é


obrigado a consentir ao proprietário quaisquer obras ou melhoramentos de
que seja suscetível a coisa usufruída, cabendo as reparações ordinárias ao
usufrutuário (1472º) e as reparações extraordinárias ao proprietário, salvo
se resultarem de má administração do usufrutuário (art.1473º).

2.3. Subempreitada (1213º)


A subempreitada é o contrato pelo qual alguém se obriga perante o
empreiteiro a executar a obra de que este está encarregado ou uma parte
dela.

O art.1213º nº2 remete a possibilidade de celebração de subempreitada


para o disposto no art.264º, aplicando-se assim as mesmas regras do
mandato, pelo que a subempreitada só será admissível se for autorizada
pelo dono da obra ou a autorização resultar do conteúdo do contrato de
empreitada ou da relação que o determina. A autorização para a celebração
de subempreitada pode resultar dos usos, considerando que, sempre que a
empreitada envolva atividade de especial tecnicidade, fora do alcance do
empreiteiro, existe uma autorização implícita para a subempreitada.
3. Direitos e obrigações das partes
Dono da obra:
• Fiscalização da obra (1209º): As partes não podem afastar o direito de
fiscalização, pois é uma norma imperativa.
• Verificação e aceitação (1218º): o dono da obra deve certificar-se que a
obra se encontra nas condições convencionadas e sem vícios, podendo
qualquer das partes exigir que seja efetuada por peritos (1218º nº3). A
verificação visa a aceitação. Esta verificação está sujeita a prazo (1218º
nº2). Na ausência de verificação, a lei considera ter ocorrido a aceitação
da obra (1218º nº5). A aceitação da obra determina a transferência da
propriedade sobre a mesma, no caso de empreitada construída com
materiais pertencentes ao empreiteiro (1212º nº1), pelo que passa a fazer
correr por conta do dono da obra o risco que anteriormente competia ao
empreiteiro (1228º nº1).
• Pagamento do preço: O preço será pago no momento da aceitação da
obra e pode ser fixado de acordo com várias modalidades:
- preço global: fixado no momento da celebração do contrato,
globalmente para toda a obra (1214º nº3)
- preço por artigo: fixado por artigo, pelo que o preço final variará em
função do tipo e da quantidade dos artigos produzidos.
- preço por medida: estabelecida uma tarifa para determinada unidade
de medição (ex: número de metros), resultando o preço final na medição
que vier a ser realizada após a conclusão da obra.
- preço por tempo de trabalho: fixado em função do tempo de trabalho
- preço por percentagem: o dono da obra fornece os materiais e paga a
mão-de-obra, atribuindo simultaneamente ao empreiteiro uma percentagem
sobre o valor dos materiais e do trabalho contratados.
Uma vez fixado o preço, este pode vir a ser objeto de revisão. Em certos
casos, é a própria lei que impõe essa revisão, como no caso de alterações
necessárias (1215º nº1) e de alterações exigidas pelo dono da obra (1216º
nº2).
Empreiteiro:

• Realização da obra (1208º): deve ser executada em conformidade com o


que foi convencionado (1214º), e sem vícios que excluam ou reduzam o
valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato
(1218º). Daqui resulta que a execução da obra deve respeitar o plano
convencionado, incluindo as plantas, desenhos ou caderno de encargos,
bem como as regras de construção em ordem à obtenção da obra em
condições de servir para os fins comuns ou para os expressamente
convencionados.

• Fornecimento dos materiais e utensílios (1210º): normalmente, o


contrato ou os seus anexos especificam o tipo de materiais a utilizar na
obra e quem os fornece é o empreiteiro. Na ausência de estipulação, a lei
estabelece que os materiais devem corresponder às caraterísticas da obra
e não podem ser de qualidade inferior à média (1210º nº2). Assim, se o
empreiteiro utilizar materiais de qualidade inferior, a obra considerar-se-á
defeituosa, independentemente de as partes invocarem qualquer outro
vício. Se utilizar materiais de qualidade superior, não pode reclamar
aumento do preço.

• Guarda e conservação (1212º):

- empreitada de reparação: o empreiteiro tem um dever muito parecido


ao contrato de depósito (1185º). Se ao empreiteiro tiver sido confiada uma
coisa por parte do dono da obra.

- empreitada de construção (1212º + 1228º): a propriedade da coisa já


se tiver transferido para o dono da obra, sem que a coisa lhe tenha sido
entregue.

Em ambos os casos, o empreiteiro fica vinculado à guarda e conservação da


coisa perante o dono da obra. Assim, o empreiteiro não pode usar e fruir a
coisa, tendo que a aplicar aos fins da empreitada. Se a coisa perecer ou se
deteriorar quando estava à sua guarda, o empreiteiro responde perante o
dono da obra, exatamente como um depositário, segundo as regras da
responsabilidade civil.

• Iniciativa para a realização de alterações (1214º a 1217º)

- alterações da iniciativa do empreiteiro (1214º)

- alterações necessárias (1215º)

- alterações exigidas pelo dono da obra (1216º)


- alterações posteriores à entrega e obras novas (1217º)

Um dos grande problemas são as alterações, podendo estas serem


alterações autorizadas ou não autorizadas (1214º Cciv).
Se for uma alteração autorizada pelo próprio dono da obra, não suscitará
problemas. Caso exista alterações que o dono da obra não tenho
autorizado/permitido, assume-se que é uma obra defeituosa.
Tratando-se de alterações necessárias (1215º Cciv), estas dependem da lei.
Contudo, se as partes não chegarem a acordo, caberá ao tribunal
determinar essas alterações e fixar as correspondentes modificações quanto
ao preço e prazo de execução.

O dono da obra pode exigir que sejam feitas alterações ao plano


convencionado, desde que o seu valor não exceda a quinta parte do preço
estipulado e não haja modificação da natureza da obra (1216º Cciv). No
entanto, isto não se aplica às alterações feitas depois da entrega da obra,
nem às obras que tenham autonomia em relação às previstas no contrato
(1217º Cciv), isto significa ser alteradas posteriormente.
Caso se proceda às alterações exigidas pelo dono da obra, o empreiteiro
tem direito a um aumento do preço estipulado, correspondente ao
acréscimo de despesa e trabalho, e a um prolongamento do prazo para a
execução da obra (1216º, nº2 Cciv).
No entanto, se as alterações forem feitas pelo empreiteiro sem questionar o
dono da obra, este pode recusá-las, pedindo a sua eliminação. Neste caso,
terá que haver um novo contrato.

• Eliminação de defeitos (1221º): O empreiteiro tem a obrigação de


eliminar os defeitos que, eventualmente, apareçam. Caso não elimine, o
dono pode exigir uma nova construção.

• Direito de retenção (754º + 755º): Não é linear que se aplique a este


contrato. No entanto, tem-se entendido que é possível, pois este crédito
do empreiteiro resulta de despesas feitas por causa da coisa que este
reteve e, por isso tem lógica existir este direito.

Segundo o Professor Antunes Varela, o direito de retenção não se aplica ao


contrato de empreitada, visto que não está previsto na lei.

Transferência da propriedade da obra: este regime encontra-se no artigo


1212º que distingue consoante a empreitada abranja coisas móveis ou
coisas imóveis. Apenas se aplica às empreitadas de construção, uma vez
que, ocorrendo uma empreitada de modificação ou reparação de coisa
pertencente ao dono da obra, não se colocam questões de transferência da
propriedade, a qual permanece ao dono da obra.

- Empreitada de construção de coisa móvel (1212º nº1): se os materiais


forem fornecidos no todo ou na sua maior parte pelo empreiteiro, é a este
que é atribuída a propriedade da obra, a qual só se transmite para o dono da
obra com a sua aceitação. Se o dono da obra fornecer alguma menor parte
dos materiais, perde a propriedade dos mesmos, a qual se transfere para o
empreiteiro com a sua incorporação na obra, continuando o dono da obra a
adquirir a sua propriedade apenas com a aceitação.

Se os materiais forem fornecidos pelo dono da obra, são propriedade dele,


tornando-se também sua propriedade a obra, logo que esteja concluída.
Neste último caso não é relevante a aceitação, uma vez que a coisa nunca
deixa de ser propriedade do dono da obra. Se o empreiteiro fornecer uma
parte reduzida dos materiais, o dono da obra adquire a propriedade dos
mesmos com a sua incorporação na obra, continuando esta a ser da sua
propriedade, sem necessidade de aceitação.

- Empreitada de construção de coisa imóvel (1212º nº2): mesmo que a


parte fornecida pelo empreiteiro em termos de trabalho e materiais supere
o valor do solo, a coisa considera-se sempre propriedade do dono da obra.
Essa propriedade vai sendo sucessivamente incrementada à medida que se
realiza a incorporação da construção no solo. Neste caso, a aceitação pelo
dono da obra é irrelevante para efeitos da transferência da propriedade,
uma vez que, seja a obra aceite ou recusada, ela é sempre da propriedade
do dono da obra, em virtude de a construção ter sido realizada em solo seu.

4. Perturbações (1218º ao 1226º)


O empreiteiro tem o dever de “executar a obra em conformidade com o que
foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a
sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato” (art.1208º).

Existem 2 tipos de conformidade:

1. Desconformidade com o contrato


O empreiteiro deve realizar a obra conforme o que foi convencionado.
Haverá desconformidade se o empreiteiro não respeitar o convencionado
pelas partes.
2. Desconformidade em relação a vícios
Estes vícios são os defeitos (equivale ao regime de coisas defeituosas).

4.1. Modalidades
Desta norma é possível retirar essencialmente quatro situações de
perturbações da prestação:

• Desconformidade da obra em relação ao que foi convencionado;

• Vícios que excluam ou reduzam o valor da obra;

• Vícios que excluam ou reduzam a aptidão da obra para o seu uso


ordinário;

• Vícios que excluam ou reduzam o valor da obra para o uso previsto no


contrato;

Nos termos do art.1219º, há uma exclusão da responsabilidade pelos


defeitos conhecidos pelo dono da obra, sendo que em relação aos defeitos
aparentes existe ainda uma presunção do conhecimento pelo dono da obra,
que permite igualmente excluir a responsabilidade.

4.2. Consequências
1) Direito de eliminação dos defeitos (1218º): pretende-se a colocação da
obra em conformidade com o respetivo contrato, através da reparação dos
vícios nela detetados.

2) Direito de redução do preço (1222º)

3) Direito de resolver o contrato (1222º)

4) Indemnização (1123º)

A indemnização pode ser pedida cumulativamente com qualquer das


consequências.

5. Extinção (art.1227º e ss.)


- Impossibilidade de cumprimento (1227º + 790º): Sendo uma
impossibilidade definitiva, não é possível cumprir a obrigação do contrato.
Trata-se de uma causa não imputável às partes, estando as consequência
previstas no art. 790º.
- Risco pela perda ou deterioração (1228º): O contrato extingue-se pois o
objeto também se extingue.
- Desistência (1129º): O dono da obra pode desistir da realização da obra
em qualquer momento, desde que indemnize o empreiteiro pelos gastos
que teve e o proveito que este retiraria da obra (o preço).
- Morte ou incapacidade (1230º): Poderá haver lugar à extinção do
contrato, se este tiver sido celebrado com base nas qualidades pessoais
do empreiteiro.

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