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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

A garantia geral das obrigações

I. Configuração da garantia geral das obrigações


Nos termos do art. 601.º CC, o património do devedor responde por todas as
dívidas do mesmo exceto os bens impenhoráveis (art. 736.º a 738.º CPC), os patrimónios
autónomos (inclui igualmente a separação de património, por ex., art. 1695.º e 1696.º CC;
2070.º CC) e as limitações impostas pelo art. 602.º CC.
Questiona-se se a garantia geral, que se reconduz à responsabilidade patrimonial
contida no art. 601.º CC, se pode inserir no conceito de garantia das obrigações ou essa
expressão diz respeito apenas às garantias especiais. Menezes Leitão entende que sim
pois essa possibilidade de execução do património do devedor é uma forma de assegurar
ao credor a realização do seu direito pelo que constitui uma garantia.
II. Meios conservatórios da garantia patrimonial do devedor
Como o património está sujeito a grandes flutuações, a lei civil veio prever meios
conservatórios do património do devedor – declaração de nulidade; ação de sub-rogação
indireta; impugnação pauliana; arresto.
1. Declaração de nulidade
A declaração de nulidade prevista no art. 605.º CC é um meio de conservação da
garantia patrimonial que consiste na faculdade de os credores, se nela tiverem interesse,
poderem vir invocar em Tribunal a nulidade dos atos praticados pelo devedor.
Esta norma é dispensável pois já resulta do regime geral no art. 286.º CC essa
legitimidade. No entanto esta consagração teve em vista a resolução de duas questões:
• A declaração de nulidade pode abranger atos anteriores ao crédito? O legislador
entendeu que sim pois não se exige uma efetiva intenção fraudulenta do devedor
em relação a determinados credores;
• A legitimidade dos credores depende do facto de aquele ato levar à insolvência?
A legitimidade depende do simples interesse nessa declaração não se exigindo que
esses atos venham a produzir ou agravar a insolvência do devedor, porquanto o
legislador entendeu que a simples qualidade de credor é suficiente para que exista
interesse legítima em que não seja diminuído o património do devedor;
Ainda que haja legitimidade nos termos do art. 605.º CC, pode entender-se que a
invocação da nulidade é, no caso concreto, abusiva e por isso deve ser afastada. O Ac.
STJ de 10/01/2017 (Nuno Cameira), proc. n.º 761/13.1TVPRT.P1.S1 in dgsi.pt,
entendeu que “deve ser considerada abusiva, nos termos e para os efeitos do art. 334.º do

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CC, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, a invocação judicial da
nulidade de uma garantia prestada por uma sociedade, ao abrigo do art. 6.º n.º 3 CSC,
quando quem assim atua é uma sociedade representada pela mesma pessoa física que
propôs a constituição da garantia, interveio na ata da assembleia geral que aprovou a sua
prestação afirmando expressamente a existência de interesse próprio e, além disso, teve
prévio conhecimento do negócio sem opor nenhuma objeção.”
Nos termos do art. 605.º n.º 2 CC, a declaração de nulidade aproveita todos os
credores pois tendo a mesma efeito retroativo, determina a restituição de tudo o que tiver
sido prestado para o património do devedor de acordo com o art. 289.º CC. Essa
restituição ao património do devedor faz com que o credor que requereu a nulidade não
obtenha qualquer preferência no pagamento.
à Sendo o ato nulo, pode o autor/credor optar entre intentar uma ação de nulidade
ou uma ação pauliana ou ainda ambas desde que configure os pedidos como subsidiários;
2. Sub-rogação do credor ao devedor
i. Modalidades da ação sub-rogatória
Vem prevista nos art. 606.º a 609.º CC e, pese embora a ação sub-rogatória possa
ser direta ou indireta, só esta última hipótese vem aqui regulada.
A ação sub-rogatória indireta, nos termos do n.º 1 do art. 606.º CC, consiste num
meio de conservação da garantia geral que permite aos credores exercerem contra
terceiros, os direitos de conteúdo patrimonial que competem ao devedor. Esta não atribui
qualquer preferência no pagamento aos credores que a ela recorrem uma vez que é
exercida no proveito de todos, repercutindo os seus efeitos na esfera jurídica do devedor,
como resulta do art. 609.º CC.
à Embora o art. 2067.º CC remeta para este regime, não se está perante as
mesmas situações pois o credor não pratica um ato omitido pelo devedor mas sim destrói
os efeitos de um ato por este praticado.
A ação sub-rogatória direta consiste na possibilidade de os credores exercerem em
proveito próprio os direitos que competem ao devedor, de modo a obterem a satisfação
imediata dos seus créditos. Assim, não é um meio de conservação e só é conferida em
casos especiais – art. 1063.º e 1181.º n.º 2 CC.

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ii. Pressupostos da ação sub-rogatória


Pressupostos – art. 606.º CC
• Omissão pelo devedor do exercício dos seus direitos subjetivos já adquiridos
contra terceiros – admite-se também nos casos de direitos sujeitos a condição ou
termo de acordo com o art. 607.º CC;
à A omissão de exercício do direito tem de resultar de uma negligência tal que
coloque em perigo sério a realização prática do direito do credor;
à Tem-se entendido maioritariamente a possibilidade de sub-rogação nos casos
de ação de anulação e de responsabilidade civil, mas apenas quanto aos danos
patrimoniais;
à Como decorre do Ac. TRC de 17/01/2006 (Jorge Arcanjo), proc. n.º 2969/05
in dgsi.pt, “como facto constitutivo do seu direito, compete ao autor alegar e
provar não apenas o seu crédito sobre o réu devedor, mas também o crédito deste
perante o outro réu (terceiro) , emergente do incumprimento de contrato celebrado
entre ambos .abe ao credor alegar e provar o seu crédito sobre o devedor e o direito
deste relativamente a terceiro”;
• Conteúdo patrimonial desses direitos e não atribuição do seu exercício exclusivo
ao seu titular;
à Se os direitos em causa forem relativos a bens impenhoráveis não pode haver
sub-rogação porquanto o credor não poderia fazer-se pagar por estes;
• Essencialidade do exercício desses direitos para a satisfação ou garantia do direito
do credor (n.º 2);
à Esta essencialidade corresponde a uma de duas realidades que têm de ser
alegadas e provadas pelo credor:
# Ato omitido pelo devedor resultou a sua insolvência ou agravamento da
insolvência, sendo o exercício do direito indispensável para eliminar tal resultado;
# Da omissão do ato resultou a impossibilidade de cumprimento do direito
do credor (inação implicou a não aquisição de coisa infungível essencial à
realização da prestação devida);
Se o devedor intentar uma ação judicial com vista ao cumprimento por parte de
um terceiro de um direito que tem sobre este, pode o credor intervir na ação como
assistente de acordo com o art. 326.º e ss CPC se, dadas as circunstâncias, temer que não
sejam acautelados os seus interesses.

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iii. Regime da ação sub-rogatória


Resulta do art. 608.º que “sendo exercida judicialmente a sub-rogação, é
necessária a citação do devedor.” Assim, a contrario, a ação sub-rogatória pode ser
exercida judicial ou extrajudicialmente.
Se exercida em juízo, a legitimidade é plural estando em causa um litisconsórcio
necessário legal passivo pelo que o devedor também tem de ser citado sob pena de haver
ilegitimidade nos termos do art. 33.º n.º 1 CPC.
O terceiro (devedor do devedor que não agiu) pode opor ao credor todos os meios
de defesa que possui contra o devedor. Não pode impor meios de defesa que tenha contra
o credor pois este está a agir em substituição do verdadeiro titular.
Uma vez que na sub-rogação o credor invoca um direito do devedor, os valores
obtidos devem ter o destino que teriam se o direito tivesse sido exercido pelo seu titular,
ou seja, pelo devedor. assim, exercida a sub-rogação, determina o art. 609.º CC que a
mesma aproveita a todos os credores, pelo que o credor que a exerceu não obtém nenhuma
vantagem especial.
3. Impugnação pauliana
i. Generalidades
A impugnação pauliana consiste na faculdade que a lei confere a cada credor de
reagir contra os atos do devedor que diminuem a garantia patrimonial do crédito. Esta
reação é admissível quanto à primeira alienação – art. 610.º e ss CC – como quanto às
subsequentes – art. 613.º CC. Assim, está em causa um meio de conservação da garantia
patrimonial destinado a permitir aos credores reagirem contra atuações jurídicas do
devedor que, pelo efeito que produzem no seu passivo ou no seu ativo, envolvam
diminuição da garantia patrimonial do crédito.
ii. Pressupostos da impugnação pauliana em relação à primeira alienação
Os art. 610.º e 612.º CC fixam os requisitos cumulativos para que um ato possa
ser objeto de impugnação pauliana:
• Realização pelo devedor de ato que diminua a garantia patrimonial do crédito e
não seja de natureza pessoal – art. 610.º proémio CC;
• Crédito seja anterior ou, sendo posterior, ter sido dolosamente praticado com o
objetivo de impedir a satisfação do direito do futuro credor – art. 610.º al. a) CC;
• Ato seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má-fé tanto do alienante
como do adquirente – art. 612.º CC;

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• Impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do crédito ou agravamento


dessa impossibilidade – art. 610.º al. b) CC;

a. Realização pelo devedor de um ato que diminua a garantia


patrimonial do crédito e não seja de natureza pessoal
A impugnação pauliana, ao contrário da ação sub-rogatória, é dirigida contra atos
praticados pelo devedor. Esses atos têm de ter como consequência a diminuição do ativo
ou aumento do passivo do mesmo.
à São exemplo, as doações, constituições de garantias, assunção de dívidas,
renúncia à invocação da prescrição, dações em cumprimento, cumprimento de obrigações
naturais ou ainda não vencida (art. 615.º n.º 2 in fine CC) e ainda a partilha de bens em
caso de divórcio ou separação judicial (Ac. STJ de 09/02/2012 (Hélder Roque), proc.
n.º 2233/07.0TBCBR.C1.S1 in dgsi.pt – “a partilha, envolvendo para cada um dos
condividentes a cedência do direito indiviso sobre uma totalidade que tem em relação aos
bens em geral, em troca do direito exclusivo àqueles que lhe são assinados, quando
acompanhada da declaração formal da obrigatoriedade do pagamento de tornas pelo
excesso recebido, por parte de um deles, a favor do outro, é um inequívoco ato oneroso”
para efeitos de impugnação pauliana);
à As compras e vendas, ainda que pelo preço justo, podem ser impugnadas pois
entende-se que o dinheiro é mais dissipável;
à Para Menezes Leitão estão fora deste regime os atos que a curto prazo
aumentem o ativo mas que a longo prazo possam incrementar o seu passivo como é o
caso dos empréstimos. Em sentido contrário, Leite de Campos entende que a injustificada
concessão de crédito possa ser objeto de impugnação pauliana;
à Estão de fora ainda os bens impenhoráveis pois não constituem a garantia
patrimonial do credor.
Resulta do art. 615.º n.º 1 CC que “não obsta à impugnação a nulidade do ato
realizado pelo devedor.” Nesta situação, pode o credor requerer a impugnação pauliana
ou a declaração da nulidade desde que não o faça na mesma ação ou fazendo-o, o faça
através de pedidos subsidiários.
Nos termos do art. 615.º n.º 1 1.ª Parte CC, “o cumprimento de obrigação vencida
não está sujeito a impugnação” pauliana pois não há um ato de diminuição da garantia
patrimonial na medida que o valor que saiu do ativo foi para extinguir um valor igual do
passivo. Se, no entanto, o devedor em vez de cumprir a obrigação recorrer a outras causas

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de extinção da obrigação (dação em cumprimento, dação pro solvendo ou novação) pode


haver impugnação pauliana pois essas causas beneficiam aquele credor a não ser que o
bem dado em cumprimento seja do exato valor da dívida.
b. Anterioridade do crédito em relação ao ato ou, sendo posterior,
prática do ato dolosamente com o fim de impedir o direito do
futuro credor
O que releva é a data de constituição do crédito e não a data em que o credor
obteve título executivo nem a data da sua exigibilidade.
A transmissão do crédito não afeta a sua anterioridade.
c. Natureza gratuita do ato ou, sendo oneroso, ocorrência de má-fé
tanto do alienante como do adquirente
Entre os atos gratuitos incluem-se as doações modais e as onerosas pois embora
constituam encargos para o seu beneficiário, não deixam de ser liberalidades, as garantias
prestadas sem uma remuneração adequada ou ainda as garantias prestadas a obrigações
vencidas.
Nos termos do art. 612.º n.º 2 CC, “entende-se por má fé a consciência do prejuízo
que o ato causa ao credor.” Assim, esta consiste na consciência de que o ato em causa vai
provocar a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou
no agravamento dessa situação. Ainda que se exija, nos atos onerosos, a má-fé de ambas
as partes, como decidiu o Ac. STJ de 14/04/2015 (Hélder Roque), proc. n.º
593/06.9TBCSC.L1.S1 in dgsi.pt, não é “necessário o conluio ou a concertação do
devedor e do terceiro, tendo em vista por em causa a garantia patrimonial do credor”. No
entanto esta consciência, “embora não pressuponha a concertação entre as partes
contratantes, tem de significar algo que consubstancie uma situação de fraude, ou seja, a
representação pelos contraentes, do prejuízo e da vontade de obter tal prejuízo ou a
representação do resultado – o prejuízo – como consequência necessária ou previsível, na
perspetiva da adequação, do ato.”
No conceito de má-fé cabem as condutas dolosas ou negligentes pelo que não se
exige a intenção de prejudicar o credor. Quanto à negligência inconsciente ainda que Vaz
Serra a entenda como abrangida por aquele conceito desde que a não representação do
prejuízo resulte de falta de cuidado exigida pela boa fé nos termos do art. 762.º n.º 2 CC,
é atualmente consensual que não o é porquanto o art. 612.º n.º 2 CC exige a consciência
do prejuízo e não a sua mera cognoscibilidade.

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Sendo a prova dos factos integrantes do conceito de má-fé, cujo ónus cabe ao
credor, bastante difícil porque se desconhece o circunstancialismo específico em que agiu
o terceiro, pode-se entender, como o fez o Ac. STJ de 09/02/2012 já citado que assume
“particular importância a demonstração dos factos instrumentais, através dos quais o
Tribunal pode concluir, dentro de um plano de razoabilidade e de normalidade, pela
existência da má fé. Aliás, as presunções judiciais encontram um dos seus campos de
eleição naquelas situações em que a prova direta se torna difícil, como acontece nas
hipóteses de impugnação pauliana, no sentido de demonstrar o conluio entre duas pessoas
para enganar ou prejudicar terceiros, pois que aquelas, dada a sua qualidade de réus na
ação, concertam-se entre si, acabando o documento do contrato por constituir a única
parte visível do negócio.
E, sendo da competência das instâncias extrair ilações lógicas do andamento
natural das coisas ou da normalidade dos factos, tendo em conta a factualidade disponível,
lançando mão, frequentemente, de presunções naturais ou judiciais, regras de experiência
comum para, de um facto conhecido inferir outro que dele, logicamente, se deduz,
limitando-se a extrair as consequências de um ato importante, tem-se entendido que, no
contexto de um negócio oneroso celebrado entre familiares próximos, maxime, esposa e
filho, não dispondo o devedor-executado de bens penhoráveis, de montante significativo,
existe, por parte dos intervenientes, consciência de que iriam prejudicar o credor do
alienante, o qual, aliás, in casu, optou por um valor de meação, significativamente,
inferior ao do seu ex-consorte, a troco de compensação em tornas, agindo,
consequentemente, de má fé.”
d. Impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do crédito
ou agravamento dessa impossibilidade
Para o preenchimento deste requisito poderá estar em causa os casos em que o ato
implique a colocação do devedor numa situação de insolvência ou que agrave esse prévia
situação e ainda os casos em que o ato produza ou agrave a impossibilidade fáctica de o
credor obter a execução judicial do crédito (ex: aliena todos os bens imóveis ficando só
com dinheiro que é facilmente dissipável ou ocultável)
Provado o montante das dívidas cujo ónus cabe ao credor nos termos do art. 611.º
CC, cabe ao devedor provar que tem bens penhoráveis no seu património de igual ou
superior valor, por força do mesmo preceito.

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iii. Pressupostos da impugnação pauliana em relação às transmissões


posteriores – art. 613.º CC
Nos termos do art. 613.º n.º 1 CC, os requisitos para que as transmissões
posteriores feitas pelo adquirente a terceiros ou as constituições posteriores de direitos
reais que favoreçam terceiros estejam sujeitas à impugnação pauliana são:
• Relativamente à primeira transmissão têm de se verificar os requisitos da
impugnabilidade referidos nos artigos anteriores – al. a);
• Nos atos onerosos, deve ser provada a má fé tanto do alienante como do posterior
adquirente – al. b);
iv. Impugnação pauliana em caso de contitularidade
Se o devedor ou o terceiro adquirente estiver em cotitularidade com outrem os
pressupostos da impugnação pauliana têm de se verificar quanto a ambos para que a
mesma possa incidir sobre todo o bem. Se só se verificar quanto a um o credor só pode
impugnar a quota ideal do devedor pois só essa é que responde pelas dívidas do mesmo.
v. Regime
A impugnação pauliana é um caso de ineficácia relativa ss, uma vez que paralisa
os efeitos do negócio válido apenas em relação a determinadas pessoas.
a. Efeitos em relação ao credor
Nos termos do art. 616.º n.º 1 CC, “julgada procedente a ação de impugnação, o
credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los
no património do obrigado (art. 818.º in fine CC) à restituição e praticar os atos de
conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.” Resulta do n.º 4 do mesmo
artigo que os seus efeitos “aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido.”
à Se a disposição consistir na constituição de uma garantia, a mesma é inoponível
contra o credor que a requereu mas não leva à sua extinção pois de outra forma seria
estender os efeitos da impugnação pauliana aos demais credores, o que é vedado pelo art.
616.º n.º 4 CC;
O legislador distingue, quanto aos efeitos da ação, entre o adquirente de boa-fé e
o de má-fé:
• Boa-fé – responde só na medida do seu enriquecimento – art. 616.º n.º 3 CC;
• Má-fé – responde pelo valor dos bens que tenha alienado, dos que tenha perecido
ou se tenham destruído por caso furtuito – art. 616.º n.º 2 CC – e ainda pelos frutos

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que a coisa produziu ou que poderia ter produzido se detida por um proprietário
diligente – art. 1271.º CC;
b. Efeitos na relação entre o devedor e terceiro
Por efeito da impugnação pauliana, o credor impugnante pode executar o bem
alienado no património do adquirente, na medida da satisfação do seu crédito, o que
significa que um bem do património do adquirente vai responder por uma dívida alheia.
Assim, ainda que o negócio entre o devedor e o adquirente se mantenha válido, por força
daquela possibilidade e como meio de tutela dos direitos deste, decorre do art. 617.º n.º 1
CC a possibilidade do alienante responder perante este nos seguintes termos:
• Ato impugnado é gratuito – devedor é responsável nos termos do art. 957.º CC;
• Ato impugnado é oneroso – o terceiro tem direito a exigir ao devedor aquilo com
que ele se enriqueceu de acordo com o regime do enriquecimento sem causa;
Se o negócio impugnado for nulo como funciona a obrigação de responsabilidade?
A obrigação de restituição ao credor resultante da impugnação pauliana prevalece sobre
a obrigação de restituição dos bens aos devedor pelo que o terceiro tem apenas que
cumprir esta última na medida em que tal afete o direito do credor.
Nos termos do art. 617.º n.º 2 CC, “os direitos que terceiro adquira contra o
devedor não prejudicam a satisfação dos direitos do credor sobre os bens que são objeto
da restituição.” Ou seja, os direitos de crédito do terceiro adquirente sobre o devedor,
resultantes da aplicação do disposto no n.º 1 deste artigo, só poderão constituir-se após a
satisfação total ou parcial do crédito do credor impugnante através dos bens transmitidos
para o património do terceiro.
O que acontece se for proposta uma ação de impugnação pauliana por um dos
credores do devedor e outra nomear o bem à penhora?
• Antunes Varela – cria-se um direito de preferência;
• Menezes Leitão – princípio da igualdade de credores. Parece ser a posição com
apoio na lei nos termos dos art. 616.º e 619.º CC. Há uma preferência mas
subordinada à propositura de um arresto e não à procedência da ação de
impugnação pauliana;
• Paula Costa e Silva – sendo a ação de impugnação procedente cria-se um
património autónomo;

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c. O regime registal
Nos termos do art. 3.º n.º 1 al. a) CRPr, as ações de impugnação pauliana estão
sujeitas a registo que, de acordo com o art. 8.º-A n.º 1 al. b) CRPr, não é obrigatório.
O registo da ação tem como vantagem o facto dos seus efeitos se repercutirem na
esfera jurídica do terceiro adquirente, não sendo necessário preencher os requisitos do art.
613.º CC, nos termos do art. 263.º n.º 3 CPC.
à Em sentido contrário, Catarina Serra defende que o registo não tem nenhum
efeito útil pois não permite a aplicação do referido preceito do CPC tendo que se aplicar
na mesma os requisitos do art. 613.º CC. Entende ainda que o registo não constitui sequer
uma presunção da má-fé do terceiro tendo que ser o autor a prová-la. Assim, retira
qualquer efeito à alteração legislativa (anteriormente não estava sujeito a registo – Ac.
STJ de UJ n.º 6/2004).
d. Extinção do direito à impugnação pauliana
Extinção do direito à impugnação pauliana:
• Com o cumprimento da obrigação;
• Com a aquisição do bem pelo devedor ou de outros bens que aumentem a garantia
patrimonial do crédito do credor;
• Esgotado o prazo de 5 anos desde o ato impugnável – art. 618.º CC;
à Este não se suspende nem interrompe nos termos do art. 328.º CC;
e. Natureza
A natureza da ação pauliana é controvertida. Menezes Leitão entende que a
impugnação pauliana não é uma ação de indemnização pois com esta não se repara os
danos sofridos pelo credor; não é uma ação de declaração de nulidade pois a validade dos
atos não é avaliada nesta ação – art. 615.º n.º 1 CC; não é uma ação de anulação de
transmissão pois a procedência da ação não faz com que o bem retorne ao património do
devedor; e também não é uma ação de declaração de ineficácia dos atos pois o credor
adquire pretensões próprias contra o terceiro adquirente.
Neste sentido, para este autor, a ação pauliana consiste numa ação pessoal que
visa restituir ao credor os bens com que ele contava para garantia do seu crédito.

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4. Arresto
i. Generalidades
O último meio de conservação da garantia geral é o arresto, previsto nos art. 619.º
a 622.º CC e nos art. 391.º a 396.º CPC, que consiste na apreensão judicial de bens que
são entregues a um depositário que os guarda e administra em nome do tribunal, com
obrigação de contas, de modo a obviar preventivamente à diminuição do património do
devedor.
Tal como a penhora, oferece ao credor que o requeira e obtenha o direito de ser
pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior à data
em que é efetuado nos termos do art. 822.º n.º 2 CC. Assim, o arresto é, na opinião de
Lebre de Freitas, uma garantia real, embora de natureza provisória uma vez que, estando
em causa um procedimento cautelar, tem de ser sempre proposta a ação principal nos
termos do art. 364.º CPC. Este é, como aliás qualquer outro, um processo urgente (mesmo
na fase de recurso – Ac. STJ de UJ n.º 9/2009).
Para que produza efeitos em relação a terceiros é necessário que o requerente
proceda ao registo da ação nos termos dos art. 2.º n.º 1 al. n) e o) (e 101.º n.º 1 al. a) CRPr)
e 3.º n.º 1 al. d) e e) CRPr.
Em tudo o que não for especialmente regulado, é aplicável ao arresto as normas
relativas à penhora de acordo com o art. 391.º n.º 2 CPC e 622.º n.º 2 CC.
ii. Pressupostos
O arresto pode ser requerido por qualquer credor comum ou por um credor com
garantia, real ou pessoal, desde que esta se tenha tornado insuficiente nos termos dos art.
633.º, 665.º, 678.º e 701.º CC, tendo que alegar, neste último caso, justificadamente, o
receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito, ainda que este não esteja vencido.
Para que o arresto seja decretado é necessário que o credor alegue, nos termos dos
art. 619.º n.º 1 CC, 391.º n.º 1 e 392.º n.º 1:
• A titularidade do direito;
à Por força do art. 392.º n.º 1 CPC, o requerente deve deduzir os factos que
tornam prováveis a existência do crédito;
à O crédito não precisa de ser certo e exigível nem tem de ser líquido;
• Factos bastantes para justificar o justo receio de perda da garantia patrimonial do
seu crédito;
à Qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio é
concretamente invocável pelo credor. Pode ser, por exemplo, um receio de

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insolvência do devedor, ocultação dos seus bens ou transferência dos mesmos para
o estrangeiro;
à O art. 396.º CPC dispensa a prova deste requisito nos casos nele previstos, ou
seja, quando o arresto seja requerido contra tesoureiros, funcionários ou agentes
do Estado ou de outras Pessoas Coletivas públicas quando forem encontrados em
alcance. Alcance é, nos termos do art. 59.º n.º 2 Lei n.º 98/97, 26 de agosto, a
situação em que “independentemente da ação do agente nesse sentido, haja
desaparecimento de dinheiros ou de outros valores do Estado ou de outras
entidades públicas.” Quem tem legitimidade para este procedimento é o MP, o
que se compreende tenho em conta do que o credor é o Estado ou um a autarquia
local;

• Os bens sobre os quais pretende que o mesmo incida;


à Pode incidir sobre bens do devedor ou, por força do art. 619.º n.º 2 CC, contra
o adquirente de bens deste “se tiver sido judicialmente impugnada a transmissão.”
O art. 392.º n.º 2 CPC, fruto de uma critica apontada no sentido de que tal
exigência atentaria contra o secretismo do procedimento cautelar do arresto
quando não é ouvida a outra parte, alarga esta possibilidade ao admitir que se o
credor “não mostrar ter sido judicialmente impugnada a aquisição, deduz ainda os
factos que tornem provável a procedência da impugnação”. Lebre de Freitas
entende que, nestes casos, a ação de impugnação da aquisição tem de ser proposta
no prazo estabelecido no art. 373.º n.º 1 al. a) CPC sob pena de caducidade do
arresto. A impugnação em causa tanto pode dirigir-se à validade do negócio nos
termos dos art. 286.º ou 287.º CC, como consistir numa ação de impugnação
pauliana nos termos do art. 610.º CC.
iii. Questões processuais
Competência territorial – art. 78.º n.º 1 al. a) e, se nos termos de uma ação
executiva, art. 85.º, 86.º e 89.º CPC;
Valor da causa – 304.º n.º 3 al. e) CPC;
Art. 393.º CPC – processamento da decretação do arresto;
Art. 395.º CPC – caducidade do arresto;

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iv. Objeto
Como se aplicam as regras da penhora, só podem ser arrestados bens suscetíveis
de penhora sendo excluídos os bens impenhoráveis de acordo com os art. 736.º e 739.º
CPC.
Se for requerido em mais bens do que os necessários, o arresto é reduzido como
estabelece o art. 693.º n.º 2 CPC.
v. Efeitos
Os bens ficam apreendidos para garantia do cumprimento da obrigação como se
estivessem penhorados o que implica, de acordo com os art. 622.º n.º 1 e 819.º CC, a
ineficácia dos atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens arrestados em
relação ao requerente e, nos termos do art. 622.º n.º 2 e 822.º n.º 2 CC, a atribuição de
preferência sobre os mesmos. Esta preferência fica sem efeito em caso de insolvência do
devedor, como determina o art. 140.º n.º 3 CIRE.
Assim, o ato de disposição do bem arrestado é válido mas ineficaz em relação ao
requerente do arresto pelo que o seu adquirente recebe o bem onerado com o arresto.
Assim, pode o arrestante, em sede de execução, fazer-se pagar à custa dele nos termos do
art. 819.º CC. O arresto, aquando da execução do crédito, pode vir a ser convertido em
penhora de acordo com o art. 762.º CPC.
Nos termos do art. 620.º CC, e igualmente no art. 374.º n.º 2 CPC, “o requerente
do arresto é obrigado a prestar caução, se esta lhe for exigida pelo tribunal.” Esta norma
tem dois fundamentos:
• Surge como forma a obstar contra recursos abusivos a um meio que restringe os
poderes de livre disposição do proprietário dos bens, numa fase em que a prova
exigida quanto à violação do direito do credor é meramente indiciária;
• E para garantir o preceituado no art. 621.º CC;
A prestação de caução pode ser oficiosamente determinada ou requerida pelo
devedor sendo que, neste caso, tem o mesmo de alegar e provar factos que convençam da
existência de prejuízos advenientes do decretamento do arresto, geradores da obrigação
de indemnizar.
A caução pode, nos termos do art. 624.º n.º 1 CC, ser efetuada “por meio de
qualquer garantia, real ou pessoal”. Se as partes não estiverem de acordo quanto à
idoneidade da caução prestada, cabe ao Tribunal decidir como determinam os art. 623.º
n.º 3 CC, ex vi, art. 624.º n.º 2 CC e 909.º CPC.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

vi. Responsabilidade do requerente


De acordo com o art. 621.º CC, “se o arresto for julgado improcedente ou caducar,
o requerente é responsável pelos danos causados ao arrestado, quando não tenha agido
com a prudência normal.”
Assim, os requisitos para a existência de responsabilidade do requerente do arresto
são:
• Arresto ser julgado injustificado ou caducar;
à O arresto está sujeito às normas gerais de caducidade do art. 373.º CPC e ainda
ao caso especial do art. 395.º CPC;
à O arresto é considerado injustificado, para efeitos de indemnização, se: a
oposição for julgada procedente, a decisão que o decretou for revogada em recurso
ou se o direito acautelado for julgado inexistente na ação principal;
• Estarem verificados todos os requisitos da responsabilidade civil;
à Ónus da prova cabe ao réu (arrestado);
à O requisito da culpa é preenchido com a prova de que houve negligência, é o
que decidiu, por exemplo, o Ac. TRP de 21/11/2016 (Cura Mariano), proc. n.º
2194/13.6TBPNF.P1 in dsgi.pt.
à Os danos indemnizáveis são os lucros cessantes e os danos emergentes,
podendo ainda, como decidiu este acórdão, alguns danos morais como, no caso a
“afetação da credibilidade e imagem da Autora”;
vii. Natureza
Menezes Cordeiro e Menezes Leitão entendem que o arresto é uma garantia real
pois os seus efeitos são iguais aos da penhora mas é uma garantia provisória pois resulta
de uma providência cautelar.
No entanto, a jurisprudência dos Tribunais superiores tem entendido que o arresto
não convertido em penhora não vale como garantia real por força do n.º 2 do art. 822.º
CC, cuja utilidade se perderia se assim não fosse, uma vez que não faz sentido reportar a
anterioridade da penhora à data do arresto se os efeitos de uma e de outro fossem os
mesmos.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Reforço qualitativo da probabilidade de satisfação do crédito

I. Garantias reais e figuras próximas


1. A hipoteca
2. O penhor
3. Direito de retenção
4. Privilégios creditórios
5. Consignação de rendimentos
6. Penhora

Hipoteca

I. Introdução
A hipoteca, nos termos do art. 686.º CC, consiste num direito real de garantia que
“confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou
equiparadas, do devedor ou de terceiro, com preferência sobre os demais credores que
não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo.”
à O credor titular de uma hipoteca tem uma preferência na satisfação do seu
crédito perante outros credores do titular do bem onerado em sede de venda executiva.
II. Caracterização
A hipoteca consiste num direito real de garantia que incide sobre imóveis ou
equiparados do devedor ou de terceiro, pese embora o contrato que o cria também tenha
a mesma designação.
É um direito acessório de um crédito, atual ou futuro de acordo com o art. 686.º
n.º 2 CC, pelo que em caso de incumprimento o beneficiário da hipoteca pode recorrer à
ação executiva para obter a satisfação do seu crédito mediante o produto da venda do bem
hipotecado. A acessoriedade implica também a extinção da hipoteca no caso de o crédito
que a hipoteca garante se extinguir.
à Se a hipoteca garantir um crédito futuro esta produz os seus efeitos, inclusive
o direito de preferência, a partir do momento em que é constituída e não apenas com o
nascimento do crédito garantido.
Sendo um direito real, a hipoteca goza da sequela e da preferência pelo que
prevalece sob os demais direitos reais de garantia posteriormente constituídos e, sendo
inerente à coisa, segue-a nas suas transmissões.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

A hipoteca, ao contrário do penhor de coisas, não implica o desapossamento, pelo


que o proprietário da coisa hipotecada mantém o gozo da mesma.
O objeto deste direito real são, nos termos do art. 686-º n.º 1 e 688.º n.º 1 CC
coisas imóveis ou móveis equiparáveis (art. 688.º n.º 1 al. f) CC) ou ainda coisas móveis
e imóveis que formem uma unidade produtiva.
à Pode haver alteração do objeto da hipoteca pois tal é admitido no caso de sub-
rogação real – art. 692.º CC;
O que confere a prioridade é o registo nos termos do art. 687.º CC
III. As espécies de hipoteca
As hipotecas podem ser de três tipos: legais, voluntárias e judiciais.
1. Hipotecas legais
Hipotecas resultantes da lei bastando aos credores proceder ao registo das mesmas
para que estas se constituam – art 704.º e 687.º CC e 4.º n.º 2 CRPr
Hipoteca legal por incapaz – art. 706.º CC
A lei permite que em certos casos o credor ou o devedor substituam a hipoteca por
outra caução – art. 707.º CC
Bens sujeitos à hipoteca legal – podem ser quaisquer uns – art. 708.º CC. Se
insuficientes recorre-se ao art. 701.º CC exceto se aplicável o 709.º CC
à Limite – tem de haver proporcionalidade entre o bem hipotecado e a dívida que
visa garantir por força do Princípio da boa-fé.
à Devedor pode reduzir a hipoteca nos termos do art. 720.º CC
2. Hipotecas judiciais
Decorrem de uma sentença de condenação do devedor à realização de uma
prestação mesmo sem ter transitado em julgado. O credor tem de a registar – art. 710.º
CC.
Hipotecas decorrentes de sentenças estrangeiras – art. 711.º CC.
A hipoteca funciona como uma penhora antecipada pelo que pode incidir sobre
quaisquer bens suscetíveis de penhora.
São mais frágeis que as demais pois não produzem efeitos em caso de insolvência
– art. 140.º n.º 3 CIRE.
3. Hipotecas voluntárias
Resulta da vontade das partes ou do autor da hipoteca uma vez que esta pode ser
constituída por contrato ou por declaração unilateral do proprietário do bem – art. 712.º
CC.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Pode ser constituída pelo devedor ou por terceiro sendo que neste caso tem de se
ter em conta os art. 717.º e 701.º n.º 2 CC.
Forma do contrato – art. 714.º CC – se bem imóvel tem de ser escritura pública,
testamento ou documento particular autenticado, se for móvel a forma é escrita. Exceções:
à Art. 1.º DL 255/93 – contratos de compra e venda com mútuo referente a
edifício para habitação;
à Art. 8.º n.º 3 DL 263.º-A/2007 – transmissão, oneração e registo de imoveis
que preencham o âmbito do DL;
É necessário haver registo da hipoteca para que esta produza efeitos, mesmo que
entre as partes – art. 687.º CC e 4.º n.º 2 CRPr.
à O registo não tem caráter constitutivo da hipoteca, o facto do qual esta emerge
é o próprio contrato (só não é assim nas demais espécies de hipotecas). Este é apenas
condição de produção dos efeitos do negócio;
Legitimidade – art. 715.º CC uma vez que está em causa uma oneração de bens.
à O facto de haver previamente uma hipoteca sobre o bem não impede que seja
constituída outra – art. 713.º CC. Prevalece a hipoteca primeiramente constituída;
A hipoteca tem de especificar os bens sobre a qual incide sob pena de nulidade –
art. 716.º n.º 1 e 2 CC.
IV. Registo da hipoteca
Nos termos dos art. 687.º CC e 4.º n.º 2 CRPr, é obrigatório o registo da hipoteca
sob pena de a mesma não produzir efeitos quer inter partes quer em relação a terceiros.
Há quem entenda que o registo da hipoteca é, neste caso, uma condição da sua eficácia
absoluta e quem entenda, como o faz a jurisprudência maioritária que este tem eficácia
constitutiva.
Quanto às legais e judiciais o registo tem caráter constitutivo da garantia nos
termos do art. 50.º CRPr.
O facto de no registo, por força do art. 96.º n.º 1 al. a) CRPr, ter de contar o teto
máximo da garantia, acaba por permitir que a hipoteca que garanta obrigações futuras
tenha um critério de determinabilidade.
V. As regras gerais
1. Créditos assegurados
Pode ser constituída uma hipoteca global de modo a garantir uma série de
obrigações futuras desde que esteja estabelecido um critério suficiente para a sua
determinação.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

A hipoteca assegura o crédito e os seus acessórios que constem do registo, nos


termos dos art. 693.º CC e 96.º n.º 1 al. a) CRPr – juros, despesas de registo, de
constituição e a cláusula penal.
à Juros – A hipoteca não abrange juros superiores a 3 anos contados a partir,
tendo em conta a jurisprudência maioritária, do momento do incumprimento (norma
imperativa), sendo incluídos neste prazo os juros que se vencem durante a execução.
Ultrapassado esse tempo permite-se a constituição de uma nova hipoteca para garantir os
mesmos – art. 693.º n.º 2 CC;
# Ratio – proteger os outros credores do titular do bem de forma a não
serem surpreendidos com uma quantia que não contavam pela acumulação dos juros
assim como impor aos credores hipotecários alguma celeridade face ao incumprimento
do devedor.
2. Objeto
Os bens que podem ser hipotecados resultam dos art. 688.º a 691.º n.º 1 CC, tendo
que depois ser elencados no título constitutivo da hipoteca (se voluntária) ou no registo
(se judicial ou legal).
à Extensão da hipoteca – art. 691.º CC;
# Ainda que o preceito só faça referência à acessão natural e às
benfeitorias, entende-se que a acessão industrial (construção/edificação em prédio
rústico) também está abrangida pela hipoteca sendo equiparada, para o efeito, às
benfeitorias;
Sendo um direito real de garantia, a hipoteca só pode abranger bens determinados
pertencentes ao devedor ou a terceiro. Daí que o art. 716.º CC estabeleça a regra da
especialidade, impondo a determinação no título constitutivo da hipoteca dos bens
onerados sob pena de nulidade.
Se for constituída uma hipoteca sobre um bem insuscetível da mesma, o negócio
é nulo por impossibilidade do objeto, por força do art. 280.º n.º 1 CC.
i. Art. 688.º n.º 1 CC:
• Al. a) – remissão para o art. 204.º n.º 2 CC;
• Al. b) – tida como não escrita por força da exclusão da enfiteuse do elenco dos
direitos reais;
• Al. c) – o que acontece à hipoteca se o direito de superfície se extinguir?
à Extinção por decurso do tempo – a hipoteca extingue-se nos termos do art.
1539.º CC uma vez que o credor hipotecário, ao constituir a garantia, tem perfeito

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

conhecimento da duração limitada da superfície. Se o superficiário tiver direito a algum


crédito indemnizatório este transfere-se para o credor hipotecário por sub-rogação;
à Extinção por qualquer outra causa – é aplicável o art. 1541.º CC;
• Al. e) – em causa está o usufruto constituído, não podendo o proprietário hipotecar
apenas o usufruto de um bem. A extinção do usufruto pelas causas previstas no
art. 1476.º CC extinguem a hipoteca;
• Al. f – art. 4.º n.º 1 e 2 DL n.º 54/75 (automóveis), art. 584.º CCom (navios) e
Regulamento de navegação aérea (aeronaves);
à Navios – Menezes Leitão entende que, pese embora o preceito aponte apenas
para a permissão da constituição de hipotecas legais e voluntárias apenas por
contrato, não há qualquer fundamento para que se não permite a hipoteca judicial
e voluntária unilateral nos termos gerais;
ii. Art. 689.º CC
Admite-se a constituição de uma hipoteca sobre bens em compropriedade ou em
comunhão de direitos sendo que o critério que preside a este preceito é o da
suscetibilidade de alienação ou oneração da quota ideal do contitular, nos termos do art.
1408.º CC, que não carece de autorização dos demais consortes, sendo um direito que o
contitular pode exercer isoladamente.
No caso de execução da quota ou de alienação a terceiros, os contitulares têm um
direito de preferência por força do art. 1409.º CC.
De acordo com o n.º 2 do art. 689.º CC, havendo divisão da coisa, feita com o
consentimento do credor hipotecário, a hipoteca passa a incidir sobre a parte que passou
a pertencer ao devedor. Se a divisão for efetuada sem o consentimento do credor
hipotecário (o que é possível nos termos do art. 1412.º CC), pode-se adotar um de dois
entendimentos:
• Ou se defende que a hipoteca não fica afetada por esta, mantendo-se sobre a quota
ideal da coisa;
• Ou então sustenta-se que a hipoteca mantém-se mas o seu objeto passa a ser as
coisas que couberam ao devedor aquando da divisão ou uma quantia monetária se
for esta que lhe coube;
A divisão de coisa comum pode ser efetuada extrajudicialmente ou em juízo
através de um processo especial de divisão de coisa comum previsto no art. 925.º e ss
CPC.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

iii. Art. 690.º CC


Nos termos do art. 690.º CC, “não pode ser hipotecada a meação dos bens comuns
do casal, nem tão-pouco a quota de herança indivisa.”
iv. Créditos (alteração do objeto da hipoteca)
Uma vez que a constituição da hipoteca não priva o proprietário da coisa de a fruir,
usar e dispor, impende sobre ele um dever de se abster de praticar atos que prejudiquem
o direito do credor hipotecário. No entanto, se incumprir este dever e “se a coisa ou direito
hipotecado se perder, deteriorar ou diminuir de valor, e o dono tiver direito a ser
indemnizado, os titulares da garantia conservam, sobre o crédito respetivo ou as quantias
pagas a título de indemnização, as preferências que lhes competiam em relação à coisa
onerada.” É o que resulta do n.º 1 do art. 692.º CC que prevê um caso de sub-rogação real
em que o objeto da hipoteca passa a ser os créditos indemnizatórios.
O credor hipotecário tem assim direito a demandar diretamente o devedor dessa
indemnização, conservando as preferências que lhe competiam em relação à coisa
onerada.
Pagamento da indemnização:
à Se o devedor da indemnização pagar ao dono da coisa hipotecada antes da
notificação da existência da hipoteca, esse cumprimento é liberatório;
à Notificado da existência da hipoteca o devedor da indemnização deve tentar o
acordo entre o dono da coisa e o credor hipotecário. Não conseguindo deve recorrer à
consignação em depósitos.
# No entanto, se o devedor pagar ao dono da coisas após essa notificação
das duas uma: o dono da coisa paga ao credor hipotecário e esse pagamento é liberatório;
ou não paga e o credor tem direito a exigir o crédito garantido;
3. A indivisibilidade
Resulta do art. 696.º CC que, “salvo convenção em contrário a hipoteca é
indivisível”. Consequências:
à Mesmo que abranja várias coisas, a hipoteca é una pelo que subsiste sobre todas
elas mesmo que posteriormente venham a ser divididas (limite no n.º 2 do art. 689.º CC);
# Se for hipotecado um terreno para construção, estão abrangidas pela
hipoteca o edifício aí construído;
# Se for hipotecado um edifício que posteriormente for constituído em
propriedade horizontal, cada uma das frações responde pela totalidade da dívida;

20
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

& Podem no entanto expurgar a hipoteca nos termos do art. 830.º


n.º 4 CC;
à Não há qualquer limitação do direito hipotecário pelo facto de o devedor ir
amortizando a dívida. Se o devedor pagar parte do crédito a hipoteca mantém-se
inalterada podendo recorrer-se à redução nas condições previstas nos art. 718.º a 720.º
CC;
3. A proibição do pacto comissório
Decorre do art. 694.º CC que “é nula, mesmo que seja anterior ou posterior à
constituição da hipoteca, a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso
de o devedor não cumprir”, ou seja, proíbe-se de forma absoluta o pacto comissório.
O fundamento da proibição destes contratos prende-se com a proteção do autor da
hipoteca pois por vezes o bem dado em garantia é de valor consideravelmente superior
ao montante da dívida.
Atenção! A proibição do pacto comissório não implica a proibição da convenção
da admissibilidade da dação em cumprimento porquanto esta implica sempre uma
manifestação de vontade do devedor nesse sentido (aquando do cumprimento) uma vez
que não se admite a dação em cumprimento potestativa.
4. A substituição ou reforço da hipoteca
Nos termos do art. 701.º n.º 1 1ª Parte CC, se “por causa não imputável ao credor,
a coisa hipotecada perecer ou se tornar insuficiente para segurança da obrigação, tem o
credor o direito de exigir que o devedor a substitua ou a reforce”. Assim, prevê-se como
meio de reação à deterioração ou perda de valor da coisa hipotecada, a possibilidade de o
credor exigir o reforço ou a substituição da garantia. Requisitos de aplicação deste
preceito:
• Perecimento ou deterioração da coisa;
• Não imputável ao credor;
• Consequente insuficiência da hipoteca para garantir o direito do credor;
Se este não o fizer, pode o credor, por força da última parte do mesmo preceito,
“exigir o imediato cumprimento da obrigação (perda do benefício do prazo) ou, tratando-
se de obrigação futura, registar hipoteca sobre outros bens do devedor.”
Se a diminuição da garantia for imputável ao devedor aplica-se, cumulativamente,
o regime do art. 780.º CC e o do art. 701.º CC, podendo o credor optar.
Limite – as hipotecas legais referidas no art. 755.º al. e) e f) CC só podem ser
reforçadas se as mesmas puderem continuar a incidir sobre os bens aí especificados.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

No caso da hipoteca ter sido prestada por 3.º que não o devedor, determina o art.
701.º n.º 2 CC que:
• Se houve intervenção do devedor na constituição da hipoteca, o credor pode exigir
ao devedor o reforço da garantia e se este não o fizer, exigir o imediato
cumprimento da obrigação ou registar nova hipoteca se a obrigação for futura, nos
mesmos termos que prevê o n.º 1 – 1.ª Parte;
• Se a hipoteca for constituída sem intervenção do devedor, não é aplicável o n.º 1
– 1.ª Parte;
• Se a diminuição da garantia se deveu a culpa do terceiro, seu prestador, o credor
hipotecário “tem o direito de exigir deste a substituição ou o reforço, ficando o
mesmo sujeito à cominação do número anterior em lugar do devedor” – 2.ª Parte;
5. A não celebração do seguro
Nos termos do art. 702.º CC, se o devedor se comprometeu a segurar a coisa e não
o fez, pode o credor optar por uma de duas coisas: promover à realização do seguro sendo
as despesas da responsabilidade do devedor (n.º 1) ou exigir o imediato vencimento da
obrigação (n.º 2).
O seguro funciona como uma garantia adicional, tendo em conta a garantia
estabelecida no art. 692.º CC, uma vez que, em caso de perecimento ou deterioração da
coisa, o credor tem direito, por via da sub-rogação, ao crédito indemnizatório que a
seguradora vier a pagar ao proprietário ou titular do direito hipotecado.
6. A redução
Pode haver interesse na redução da hipoteca seja porque os bens aumentaram de
valor seja porque o devedor efetuou pagamentos parciais da dívida.
Nos termos do art. 718.º CC, “a hipoteca pode ser reduzida voluntária ou
judicialmente.”
i. Redução voluntária
Vem regulada no art. 719.º:
• Sendo equiparada a uma modificação da hipoteca, a redução tem de obedecer aos
requisitos formais e substanciais previstos nos art. 714.º e 715.º CC;
• Nos termos do art. 719.º CC, tem de haver consentimento expresso do titular da
garantia, que tem de ser dado em cumprimento da forma exigida para a sua
constituição;

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

• É aplicável, por remissão do próprio art. 719.º CC, o regime estabelecido no art.
731.º CC;
• A redução só produz efeitos quando registada;
ii. Redução judicial
Esta vem regulada no art. 720.º CC sendo que pode incidir sobre uma hipoteca
voluntária, judicial ou legal, não sendo em qualquer dos casos livre dependendo portanto
da verificação de certos pressupostos.
• Hipoteca judicial ou legal:
à Nos termos do n.º 1, as “hipotecas legais e judiciais são suscetíveis de redução,
mediante requerimento de qualquer interessado, quer quanto aos bens sobre que
incidem quer quanto ao montante indicado no registo como sendo o montante
assegurado. Tal só não poderá acontecer se tiver sido convencionado ou
estabelecido em sentença que a hipoteca incide sobre certos bens ou o montante
assegurado tiver sido especialmente indicado;
à No entanto, resulta do n.º 2 que mesmo nos casos excecionados na parte final
do n.º 1 pode haver redução judicial se:
# Al. a) – “se, em consequência do cumprimento parcial ou outra causa de
extinção, a dívida se encontrar reduzida a menos de dois terços do seu montante
inicial;”
# Al. b) – “se, por virtude de acessões naturais ou benfeitorias, a coisa ou
o direito hipotecado se tiver valorizado em mais de um terço do seu valor à data
da constituição da hipoteca”;
• Hipoteca voluntária – n.º 2 – a redução judicial de hipoteca voluntária só é
admissível se verificada alguma das suas alíneas;
A realização da redução judicial resulta do n.º 3 do art. 720.º CC.
7. A expurgação
As coisas ou os direitos hipotecados são livremente transmissíveis, pelo que a lei
pretende com o art. 721.º CC assegurar os direitos dos adquirentes. O efeito da sequela,
que caracteriza a hipoteca implica que, em caso de alienação, o adquirente da coisa
hipotecada sofra as consequências da ação executiva, podendo ter de abrir mão do bem
adquirido se este vier a ser vendido judicialmente.
Assim, o adquirente não fica totalmente desprotegido pois tem a possibilidade de
expurgar a hipoteca nos termos do art. 721.º CC e pode opor-se à execução enquanto o

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

direito do credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do devedor ou
tiver a possibilidade de se valer da compensação com uma dívida do credor.
A expurgação da hipoteca é admissível nos termos dos art. 721.º e 722.º CC.
Requisitos do art. 721.º proémio CC:
• Aquisição de um bem onerado com hipoteca;
• Registo do título de aquisição;
• Adquirente não pode ser responsável pessoalmente pelo cumprimento da dívida
garantida;
A expurgação da hipoteca pode ser efetuada por uma de duas formas:
• Pagamento das dívidas garantidas (al. a);
à Se for uma hipoteca sobre um bem constituído posteriormente em propriedade
horizontal qual a quantia que tem de ser paga?
# Ac. STJ de 12/02/2004 (Pires de Rosa), proc. n.º 03B2831 in dgsi.pt
– para expurgar a hipoteca da sua fração autónoma basta pagar a proporção face
ao edifício indivisível caso o credor pignoratício admita o distrate face a qualquer
uma das frações autónomas pois entende que tal consubstancia uma renúncia ao
direito de exigir a totalidade do crédito a qualquer uma das frações ou seja, uma
renúncia ao princípio da indivisibilidade;
# Menezes Cordeiro – por força dos princípios da indivisibilidade e da
irredutibilidade do crédito, o pagamento tem de ser da totalidade da dívida pois
não se admite, sem o acordo do credor pignoratício, que haja distrate da hipoteca
com o pagamento parcial da dívida;
• Declarando a vontade de no futuro entregar a coisa se necessário (al. b);
De acordo com o art. 723.º CC, têm de ser citados todos os credores hipotecários
para que se possa expurgar a hipoteca em sentença.
Por força do art. 830.º n.º 4 e 721.º CC, os efeitos da expurgação podem ser
requeridos pelo promitente adquirente na ação de execução específica de contrato-
promessa de transmissão ou constituição de direito real sobre um edifício onerado por
uma hipoteca. Assim a sentença proferida tem caráter constitutivo (quanto à execução
especifica) e de condenação (pagamento da quantia). A expurgação da hipoteca te de ser
realizada nos termos do art. 721.º CC.
Nos termos do art. 724.º CC, se o adquirente da coisa hipotecada tinha, antes da
aquisição, algum direito real sobre essa coisa, o mesmo extingue-se com a sua

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

constituição, podendo renascer no caso de venda em processo de execução ou de


expurgação da hipoteca.
8. A transmissão
i. Transmissão do bem hipotecado
A hipoteca não tem como consequência a subtração dos bens ao comércio jurídico
pelo que estes podem ser livremente transacionados. É aliás vedada por lei a cláusula de
inalienabilidade dos bens hipotecados, nos termos do art. 695.º CC.
Havendo transmissão dos bens hipotecados e consequentemente diminuição da
segurança do crédito, o credor hipotecário pode:
• Exercer o seu direito de imediato contra o adquirente da coisa se tal diminuição
se dever a culpa deste – art. 725.º CC;
à Há assim perda do benefício do prazo em relação ao adquirente, podendo o
credor exigir de imediato o cumprimento da obrigação, apesar de o prazo ter sido
estabelecido a favor do devedor;
Ou,
• Exigir a substituição ou reforço da hipoteca – art. 701.º e 780.º n.º 2 CC;
ii. Transmissão da hipoteca
Há duas realidades quanto à transmissão da hipoteca:
• Cessão da hipoteca – art. 727.º e 728.º CC;
à À partida, tendo em conta a acessoriedade da hipoteca, não pode a mesma ser
transmitida sem a cedência do crédito garantido. No entanto, o art. 727.º CC
estabelece os requisitos para que tal possa ocorrer:
# Não pode a hipoteca ser inseparável do devedor;
& Não está preenchido nos casos do art. 705.º al. c) a f) CC;
# Cessionário tem de ser credor do mesmo devedor;
# A transmissão tem de ser efetuada dentro dos limites do crédito
originário;
à Há uma remissão para as regras da cessão de crédito estabelecidas no art. 577.º
e ss CC, sendo que quanto à forma se exige escritura pública ou documento
particular autenticado nos termos dos art. 578.º n.º 1 CC e 20.º al. e) DL n.º
116/2008;
à A eficácia da transmissão em relação ao devedor dependa da sua notificação e
aceitação – art. 583.º n.º 1 CC;

25
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

à A transmissão da hipoteca está sujeita a registo que se realiza por averbamento


à inscrição – art. 2.º n.º 1 al. h) e 101.º n.º 1 al. c) CRPr (a falta de registo implica
a não produção dos efeitos da cedência perante terceiros);
à Nos termos do art. 728.º n.º 1 CC, 2a hipoteca cedida garante o novo crédito
nos limites do crédito originariamente garantido.”
# Exemplo: 1.º crédito 1000€; 2.º 1200€; só 1000€ é que estão garantidos
– art. 728.º n.º 1 CC;
• Cessão do grau hipotecário – art. 729.º CC;
à Pressupõe a existência de pelo menos dois credores garantidos por pelo menos
duas hipotecas sobre o mesmo bem. O que ocorre aqui é a cedência do grau
daquele que registou a hipoteca em primeiro para o que registou em 2.º
aumentando assim a probabilidade deste ver o seu crédito ressarcido;
à Pode revestir duas modalidades: inversão do grau, que ocorre quando os
titulares de dois créditos hipotecários de grau contíguo (um imediatamente
superior ao outro) acordam em assumir os respetivos direitos no grau um do outro;
ou permuta do grau, que ocorre nos casos em que estão inscritas hipotecas de grau
intermédio entre ambos. Nesta segunda modalidade, o direito hipotecário que vem
assumir uma posição prevalecente não pode ser de valor superior ao que lhe cedeu
preferência;
à Têm de ser respeitadas as normas referentes à cessão de créditos;
à Exige-se, quanto à forma, escritura pública ou documento particular
autenticado, nos termos do art. 20.º al. e) DL n.º 116/2008;
Ambas as formas de transmissão estão sujeitas a registo, por força dos art. 2.º n.º
1 al. h) e 101.º n.º 1 al. c) CRPr.
Quanto à transmissão do próprio crédito hipotecário este é sempre transmissível
sedo a hipoteca, salvo convenção em contrário, também transmitida com essa cessão nos
termos do art. 582.º n.º 1 CC. A forma exigida para o efeito é a que impõe o art. 578.º n.º
2 CC.
9. A extinção
As causas de extinção da hipoteca resultam dos art. 730.º , 717.º n.º 1 e 699.º n.º
2 CC podendo ainda, por exemplo, considerar-se a caducidade se tiver sido aposto algum
prazo.

26
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Art. 730.º:
• Al. a) – tendo em conta a acessoriedade da hipoteca, extinguindo-se o crédito
garantido, independentemente do fundamento com que tal ocorreu, aquela
também se extingue;
à Levanta-se a questão de saber se, em caso de incumprimento da obrigação
garantida, pode o devedor dar em dação em cumprimento o imóvel que a garante
de modo a extingui-la.
# Para que possa haver dação em cumprimento tem de ocorrer duas coisas:
acordo do credor e avaliação do imóvel procedida por um terceiro independente, tanto
jurídico como económico, de modo a não se cair na proibição do pacto comissório;
• Al. b) – a prescrição da hipoteca estabelecida nesta alínea não determina a
prescrição da própria obrigação garantida, estando então sujeita ao regime geral;
• Al. d) – a renúncia enquanto causa de extinção da hipoteca vem regulada no art.
731.º CC.
à Esta consiste numa declaração unilateral em que o credor expressa a sua
vontade de abdicar da garantia hipotecária. Tem de ser efetuada de forma expressa
e está sujeita à mesma forma exigida para a constituição da garantia. Esta é livre
pelo que não necessita do consentimento do devedor ou do autor da hipoteca;
à A renúncia à hipoteca não faz presumir, como indica o art. 867.º CC, a remissão
da dívida (esta só opera por contrato celebrado entre o credor e o devedor – art.
863.º n.º 1 CC);
à A renúncia à hipoteca não é admissível se efetuada pelos administradores de
patrimónios alheios nos casos em que as mesmas são constituídas em benefício
das pessoas cujos patrimónios administram – art. 731.º n.º 2 CC;
10. A execução da hipoteca
Havendo incumprimento da obrigação garantida, pode o credor executar a
hipoteca através do recurso à ação executiva.
Se o bem for do devedor a penhora inicia-se pelo mesmo nos termos do art. 752.º
CPC. Neste sentido, o dono da coisa pode opor-se a que outros bens sejam penhorados
sem que se reconheça a insuficiência da garantia por força do art. 697.º CC.
Se o autor da garantia for um terceiro, estabelece o art. 54.º n.º 2 e 3 CPC a
possibilidade de o credor com garantia real demandar esse terceiro proprietário dos bens.
Este pode defender-se através do recurso ao art. 698.º n.º 1 e 2 CC

27
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

À partida o credor hipotecário tem preferência de pagamento do resultado da


venda do bem hipotecado. No entanto há garantias que prevalecem sobre a hipoteca
mesmo que anteriormente constituída – privilégios creditórios especiais – art. 751.º CC –
e direito de retenção sobre coisas imóveis – art. 759.º n.º 2 CC.
Como o bem hipotecado mantém-se na titularidade do seu proprietário, pode ser
executado por outros credores seus. Se tal ocorrer, o credor hipotecário tem de ser citado
para reclamar o pagamento do seu crédito – art. 786.º n.º 1 al. b) CPC – tendo que se
sujeitar ao desconto previsto no art. 791.º n.º 3 CPC
11. Regime insolvencial
A constituição da hipoteca está sujeita à resolução por parte do administrador da
insolvência?
• Art. 121.º n.º 1 al. e) CIRE – hipotecas voluntárias + constituídas em simultâneo
com as dívidas garantidas + 60 dias antes do início do processo de insolvência –
resolução livre;
• Art. 121.º n.º 1 al. c) CIRE – hipotecas voluntárias + dívida garantida preexistente
+ 6 meses antes do início do processo de insolvência – resolução livre;
• Se preenchido o art. 120.º CIRE;
Declarada a insolvência do devedor, as obrigações deste vencem-se – art. 91.º n.º
1 CIRE – passando o credor hipotecário a ser um credor garantido da insolvência – art.
47.º n.º 4 al. a) CIRE – pelo que é pago assim que sejam soldadas as dívidas da massa –
art. 174.º CIRE.
A hipoteca abrange o crédito e os juros abrangidos pela garantia – art. 48.º al. b)
CIRE.
O credor tem de reclamar esse crédito – art. 128.º n.º 1 CIRE – podendo o
administrador reconhecê-lo mesmo que não haja reclamação – art. 129.º n.º 1 CIRE
Em seguida cabe ao administrador elencar os credores reconhecidos podendo essa
lista ser impugnada – art. 129.º n.º 1 e 130.º CIRE. Não o sendo, é imediatamente
proferida sentença de graduação dos créditos – art. 130.º n.º 3 CIRE. A graduação é
especial para os bens a que respeitem garantias reais e geral para os demais – art. 140.º
n.º 2 CIRE.
Transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência, o administrador
procede à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente – art. 158.º n.º 1
CIRE. A opção pela modalidade da venda cabe ao administrador – art. 164.º n.º 1 CIRE

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

– tendo no entanto que ser ouvido o credor hipotecário – art. 164.º n.º 2 CIRE. Este pode
propor a aquisição do bem – art. 164.º n.º 3 CIRE.
Art. 166.º n.º 1 CIRE – compensação do credor hipotecário pelo atraso na venda
do bem objeto da garantia desde que não lhe imputável assim como a desvalorização do
mesmo.
à O administrador pode pagar ao credor hipotecário a dívida à custa da massa
insolvente antes de proceder à venda do bem de modo a evitar a aplicação deste preceito.
Ver n.º 2 do mesmo;
Após a venda dos bens e abatidas as despesas de liquidação, procede-se ao
pagamento dos credores de acordo com a prioridade que lhes caiba – art. 174.º n.º 1 CIRE
– antes dos comuns mas sempre depois de satisfeitas as dívidas da massa (art. 172.º n.º 2
e 174.º n.º 1 CIRE).
à Se pelo produto da venda do bem hipotecado não for possível liquidar na
totalidade a dívida garantida, o restante é tido como crédito comum;
Quanto às hipotecas judiciais cabe referir que se extinguem com a declaração da
insolvência pelo que o crédito é graduado como comum à exceção das custas pagas pelo
autor que constituem dívidas da massa – art. 140.º n.º 3 CIRE.
As hipotecas legais têm a especificidade resultante do art. 97.º n.º 1 al. c) e 2 CIRE.

29
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

O penhor

I. Caracterização
Decorre do art. 666.º n.º 1 CC que o penhor confere ao seu titular uma preferência
na satisfação do seu crédito pelo produto da alienação da coisa móvel, direito ou outro
bem sobre o qual incida. Este prevalece sobre todos os credores quirografários e sobre os
titulares de direitos reais posteriores, de gozo ou garantia, pelo valor de bens móveis
determinados, de créditos ou de outros direitos.
A doutrina dominante entende que o penhor sobre coisas consubstancia um direito
real de garantia mas já não é assim quanto ao penhor de direitos uma vez que não aceita
a existência de direitos sobre direitos, pelo que entende o penhor de direitos como uma
garantia especial (mas não real).
O penhor caracteriza-se, então, pela acessoriedade, indivisibilidade, especialidade
e pela proporcionalidade.
Nos termos do art. 678.º CC, aplica-se subsidiariamente e por remissão as normas
que regulam a hipoteca.
II. Regras gerais
1. A legitimidade
Resulta do art. 667.º n.º 1 CC que “tem legitimidade para dar bens em penhor
quem os puder alienar.” Ou seja, desde que efetuado pelo proprietário, o bem dado em
penhor pode ser do devedor ou de terceiro. Se o autor do penhor não foi o proprietário do
bem, no caso de contrato oneroso, aplicar-se-á o regime da venda de bens alheios previsto
no art. 892.º e ss por força do art. 939.º CC.
Por força do art. 717.º ex vi, art. 678.º CC, o penhor extingue-se se não puder haver
sub-rogação do terceiro nos direitos do credor se o penhor for constituído por terceiro nos
termos do art. 592.º CC.
2. A forma
Em regra o penhor nasce de um contrato não formal nos termos do art. 219.º CC,
ainda que existam algumas exceções sendo as mais relevantes a do penhor de direitos –
art. 681.º CC – e a do penhor mercantil – art. 400.º CCom.
3. As obrigações garantidas
As obrigações garantidas podem ser presentes, condicionais ou futuras, é o que
resulta do n.º 3 do art. 666.º CC

30
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

à Se futuras tem de se determinar no contrato o critério objetivo para a fixação


da obrigação a garantir sob pena de nulidade por indeterminabilidade do objeto (art. 280.º
n.º 1 CC). O contrato só se torna eficaz, nos termos do art. 669.º n.º 1 CC, quando a coisa
se torne presente e na titularidade do autor do penhor e seja efetivamente entregue ao
credor pignoratício. O mesmo extingue-se se o crédito não nascer ou se se verificar que
não pode surgir;
à Se condicional, o penhor extingue-se se não se verificar a condição ou se ficar
apurado que a mesma não se poderá verificar;
A mesma coisa pode garantir vários créditos, seja do mesmo credor ou de diverso,
sendo que relacionam-se entre si hierarquicamente de acordo com a sua constituição. Se
um dos créditos se extinguir por cumprimento, a coisa mantém-se a garantir os demais
créditos.
4. O objeto da garantia
Podem ser objeto de penhor, coisas corpóreas móveis infungíveis, créditos ou
outros direitos não suscetíveis de hipoteca (ex: participações sociais – art. 23.º n.º 3 CSC).
Questiona-se se pode incidir sobre universalidades de facto, tendo sido tradicionalmente
defendido que não porquanto a coisa constituída em penhor tem de ser certa e, por isso, é
necessário identificar-se aas coisas singulares que as constituem (art. 206.º n.º 2 CC). Só
assim não é no caso do estabelecimento comercial, que, ao poder ser vendido, dado em
locação e ser penhorado, pode igualmente ser constituído em penhor.
Salvo convenção em contrário, determina o art. 210.º n.º 2 CC que o penhor sobre
coisa determinada não abrange as suas coisas acessórias. No entanto, abrange as
benfeitorias necessárias ou úteis, efetuadas pelo credor pignoratício, ou pelo autor da
garantia desde que autorizadas por este, que não possam ser levantadas sem prejuízo para
a coisa empenhada.
Não podem ser objeto de penhor coisas fungíveis a não ser que contratualmente
se faça a individualização (ex: notas de banco numeradas e colocadas num envelope) e se
faça a sua entrega. Se esta for feita a:
àTerceiro – estamos perante um penhor de créditos, nos termos dos art. 666.º n.º
2 e 623.º n.º 1 CC;
à Credor – estamos perante um penhor irregular que consubstancia um negócio
fiduciário cujo objeto é dinheiro que passa a integrar o património do devedor sujeito a
uma condição resolutiva cujo facto condicional é o cumprimento pelo devedor.

31
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

III. O penhor de coisas


O penhor de coisas é um direito real de garantia que existe para garantir ao seu
titular especialmente a cobrança de um crédito. É um direito instrumental na medida em
que visa a satisfação de um direito de crédito, de que constitui um direito acessório.
Confere ao credor o direito de se pagar do montante do seu crédito pelo valor de
coisas certas e determinadas do devedor ou de terceiro, de preferência aos outros credores,
comuns ou não preferencialmente garantidos através da mesma coisa, do devedor ou
desse terceiro.
1. A constituição
O penhor de coisas é um contrato real quoad constitutionem uma vez que a par do
acordo de vontades, é necessária, nos termos do art. 669.º n.º 1 CC, a privação do autor
do penhor da possibilidade de dispor materialmente da coisa. Tal privação ocorre pela
entrega da coisa ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade sobre a mesma
ou ainda pela atribuição de composse desde que com a mesma se prive o autor do penhor
da possibilidade de dispor materialmente da coisa (art. 669.º n.º 2 CC). Assim, sem a
entrega da coisa o contrato não produz quaisquer efeitos, seja inter partes ou erga omnes.
Nos termos do n.º 1 do art. 669.º CC, a coisa pode ser entregue ao credor
pignoratício ou a terceiro, sendo que neste caso fica o credor desonerado do cumprimento
dos deveres previstos no art. 671.º CC ficando os mesmos a cargo desse terceiro. Esta
possibilidade permite a constituição de vários penhores com desapossamento.
à O contrato com o terceiro a quem a coisa seja entregue aproxima-se de um
depósito, mais especificamente do depósito com função de garantia e no interesse de
terceiro;
à O terceiro é detentor por conta do autor da garantia, no que respeita ao direito
de propriedade, e detentor por conta do credor pignoratício, no que toca ao direito de
penhor;
Uma vez que se exige a entrega da coisa para a constituição do penhor, questiona-
se se o penhor de coisas futura (ou alheia como futura) é possível. Uma vez que a entrega
da coisa é um requisito essencial do penhor, não se tem admitido o penhor de coisa futura
embora se permita o contrato-promessa de penhor. No entanto, ainda que futura, se a coisa
for determinável, admite-se a celebração de um penhor sendo aplicável o regime previsto
no art. 880.º n.º 1 CC ex vi, art. 939.º CC, ou seja, o direito de garantia não se constitui
imediatamente ficando o seu autor obrigado a exercer as diligencias necessárias para que
o credor o adquira.

32
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

A exigência de desapossamento surge como uma forma de dar publicidade face a


terceiros e de dar segurança ao credor pignoratício pois não permite que o autor do penhor
danifique ou destrua a coisa. Acessoriamente permite a determinação dos frutos mais
facilmente e simplifica a execução em caso de incumprimento.
Pese embora se exija desapossamento, o credor pignoratício não adquire a posse
da coisa relativamente ao direito de propriedade sendo seu mero detentor nos termos do
art. 1253.º al. c) CC, e adquire uma posse pignoratícia pelo que é possuidor relativamente
ao direito de penhor (art. 670.º al. a) e 671.º al. a) e b) CC).
2. Os direitos do credor pignoratício
O principal direito do credor pignoratício é o de obter a satisfação do seu crédito
e eventuais juros com preferência sob os demais credores do devedor pelo valor da coisa
objeto do penhor, como resulta do art. 666.º n.º 1 CC.
Os demais direitos vêm previstos no art. 670.º CC:
• Al. a) – “usar, em relação à coisa empenhada, das ações destinadas à defesa da
posse, ainda que seja contra o próprio dono”
à As ações podem ser de restituição da posse (art. 1278.º CC), restituição provisória da
posse em caso de esbulho violento (art. 1279.º CC), embargos de 3.º em caso de penhora
ou de outra apreensão judicial da coisa (art. 1285.º CC) e ação de reivindicação (art.
1315.º CC);
• Al. b) – “ser indemnizado das benfeitorias necessárias e úteis e de levantar estas
últimas, nos termos do artigo 1273.º”
à Este crédito é garantido por direito der retenção nos termos do art. 754.º CC;
• Al. c) – “exigir a substituição ou o reforço do penhor ou o cumprimento imediato
da obrigação, se a coisa empenhada perecer ou se tornar insuficiente para
segurança da dívida, nos termos fixados para a garantia hipotecária”
à Esta alínea remete para o art. 701.º CC, o que implica que é admissível a exigência da
substituição ou reforço do penhor no caso de o perecimento ou a insuficiência da coisa
empenhada não serem imputáveis ao credor, ou seja, tem de se dever a facto do devedor
ou caso fortuito. Neste caso, e não sendo substituída ou reforçada a garantia, tem o credor
o poder de exigir o cumprimento imediato da obrigação;
à Estes direitos são sempre exercidos contra o devedor ainda que o penhor tenha sido
constituído por terceiro. No entanto, neste último caso (autor do penhor não é o devedor),
se a diminuição da garantia se deveu a culpa do terceiro (autor do penhor), os direitos
terão de ser exercidos contra este nos termos do art. 701.º n.º 2 CC;

33
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Se o bem empenhado se perder, deteriorar ou diminuir de valor havendo lugar a


indemnização, o penhor passa a incidir sobre o crédito indemnizatório havendo sub-
rogação real nos termos do art. 692.º CC, ex vi, art. 678.º CC. Há então uma alteração no
objeto da garantia que se mantém embora passe a ser um penhor de créditos e não já de
coisas.
3. Os deveres do credor pignoratício
Os deveres do credor pignoratício (ou de terceiro a quem a coisa tenha sido
entregue) resultam do art. 671.º CC:
• Al. a) – “guardar e administrar como um proprietário diligente a coisa empenhada,
respondendo pela sua existência e conservação”
à Se a coisa empenhada perecer, deteriorar ou não obtiver os frutos que um proprietário
diligente alcançaria é responsável nos termos do art. 798.º CC sendo seu o ónus da prova
de que tal não aconteceu por sua culpa por força do art. 799.º CC;
à Questiona-se se, violado esse dever e ilidida culpa, há perda do benefício do prazo:
# Menezes Leitão entende que sim por aplicação do art. 670.º al. c) CC;
# Há quem entenda que não, que é o que entendo que faz sentido, pois o art. 678.º
CC remete para o art. 701.º CC pelo que primeiro tem de se exigir um reforço da garantia
e só se tal não ocorrer é que se dá a perda do benefício do prazo;
• Al. b) – “não usar dela sem consentimento do autor do penhor, exceto se o uso for
indispensável à conservação da coisa”
à Se o credor pignoratício usar a coisa sem o consentimento do autor do penhor sem que
tal seja indispensável à conservação da coisa, resulta do art. 673.º CC um direito do autor
do penhor a exigir que preste caução idónea ou que a coisa seja depositada em poder de
terceiro. O mesmo ocorre caso o uso da coisa coloque-a em risco de perda ou
deterioração;
à A prestação de caução obedece ao regime previsto nos art. 623.º e ss CC e 906.º e ss
CPC;
• Al. c) – “restituir a coisa, extinta a obrigação a que serve de garantia”
à É uma consequência da acessoriedade do penhor. No entanto, extinta a obrigação
garantida mas subsistindo a dívida de juros, não há restituição da coisa porquanto os juros
são igualmente assegurados pelo penhor nos termos do art. 666.º CC;

34
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

4. O destino dos frutos


Uma vez que impende sobre o credor pignoratício o dever de administrar a coisa
como um proprietário diligente nos termos do art. 671.º al. a) CC, compete-lhe o direito
e a obrigação de impulsionar a frutificação da coisa e de perceber os respetivos frutos.
Por força do art. 672.º n.º 1 CC, os frutos, naturais ou civis, são utilizados para
pagamento das despesas realizadas com a coisa e de juros vencidos, sendo o excesso,
salvo acordo em contrário, utilizado para abater o capital em dívida. Estabelece-se assim
um pacto anticrético mobiliário pelo que se recorre às normas da consignação de
rendimentos.
à Este pacto é aplicável apenas se a coisa for frutífera ou quando produza frutos
em virtude de uma relação jurídica anterior à constituição do penhor, uma vez que não
pode o credor pignoratício, por não se puder entender ser essa a vontade do autor da
garantia, frutificar a coisa. Se o fizer viola o art. 671.º al. b) CC por se entender que fez
uso da coisa;
à Quando o penhor for constituído por terceiro, entende Vaz Tomé que o mesmo
não é acompanhado por um pacto anticrético a não ser que as partes o estabeleçam uma
vez que, via de regra, o terceiro pretende apenas conceder uma garantia ao credor
pignoratício, não tendo em vista afetar também os frutos à satisfação gradual do crédito
garantido;
Sobrando frutos após o abatimento do capital em dívida, os frutos não são
abrangidos pelo penhor, nos termos do art. 672.º n.º 2 CC, a não ser que outro tenha sido
o acordo entre as partes.
Pode o credor pignoratício lançar mão de uma ação de reivindicação, prevista no
art. 1315.º CC, em relação aos frutos da coisa que lhe pertençam nos termos do art. 672.º
n.º 1 CC.
5. Venda antecipada
Nos termos do art. 674.º n.º 1 CC, “sempre que haja receio fundado de que a coisa
empenhada se perca ou deteriore, tem o credor, bem como o autor do penhor, a faculdade
de proceder à venda antecipada da coisa, mediante prévia autorização judicial.” O risco
de a coisa se perder ou deteriorar tem de ser significativo e superveniente à constituição
do penhor. Ainda que semelhante à situação pressuposta para o preenchimento da al. c)
do art. 670.º CC, a situação prevista no art. 674.º CC é diferente porquanto neste preceito
há apenas um perigo de deterioração ou perda da coisa enquanto naquele esse perigo tem
de se ter concretizado/verificado.

35
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Se o autor do penhor não for o credor e este pretender a venda antecipada da coisa,
pode aquele impedir a mesma mediante oferta de outra garantia real idónea nos termos
do n.º 3 do art. 674.º CC.
Como a venda antecipada não implica o vencimento da obrigação mas apenas
pressupõe um receio fundado de perda ou deterioração da coisa, não pode o credor pagar-
se de imediato pelo respetivo produto da venda. Assim, nos termos do art. 674.º n.º 2 1
CC, “sobre o produto da venda fica o credor com os direitos que lhe cabiam em relação à
coisa vendida, podendo o tribunal, no entanto, ordenar que o preço seja depositado.” Ou
seja, o penhor mantém-se apesar da mudança do seu objeto havendo lugar a sub-rogação
real.
6. Disposições da hipoteca aplicáveis ao penhor
Por força do art. 678.º CC, são aplicáveis as seguintes disposições da hipoteca ao
penhor:
• Art. 696.º CC – o penhor é indivisível o que implica que:
à Se o crédito garantido se fracionar (por exemplo, por força de uma sucessão mortis
causa), qualquer credor goza do poder de executar o seu crédito por inteiro sobre a coisa
empenhada;
à Se o penhor recair sobre mais do que uma coisa, a garantia recai por inteiro sobre cada
uma delas e não apenas parcelarmente em proporção do valor de cada uma delas;
• Art. 694.º CC – não se admite pacto comissório. A ratio desta proibição é a tutela
do garante pois pode ter dado um bem em garantia de valor superior ao da dívida
aproximando-se assim dos negócios usurários; proteção de terceiros pois pese
embora o bem responda preferencialmente pela dívida, o remanescente fica para
os credores comuns o que ficaria prejudicado se este pacto fosse válido; e
limitação da justiça privada pois cabe ao Estado executar as garantias e não o
recurso a figuras de autotutela. O primeiro e segundo argumento poderiam ser
ultrapassados se se admitisse um pacto marciano uma vez que neste embora o
credor fique titular da coisa, fica também obrigado a restituir a diferença entre o
valor real do bem e o da dívida incumprida;
à Neste sentido levanta-se a questão de saber se o pacto marciano é inválido. Há quem
entenda que não porque não estão em causa razões de ordem pública e este é um meio de
agilizar as garantias. Acresce que a execução extrajudicial vem permitida na lei em vários
artigos;

36
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

• Art. 695.º CC – não se admite convenção que proíba o titular do bem de vender
ou onerar, podendo apenas convencionar o vencimento do crédito se tal ocorrer;
• Aplicam-se ainda as disposições quanto à substituição ou reforço da garantia –
art. 701.º CC – e ao seguro da coisa empenhada – art. 702.º CC;
• Art. 697.º CC – se o credor pignoratício propuser uma ação executiva em vista da
execução do penhor, e tiver sido o devedor a prestar a garantia, pode este opor-se
a que outros bens sejam penhorados na execução enquanto não se reconhecer a
insuficiência da garantia e a que, relativamente ao bem onerado, a execução se
estenda além do necessário à satisfação do direito do credor;
• Art. 698.º CC – se o autor do penhor for um terceiro, pode este:
à N.º 1 – opor ao credor, “ainda que o devedor a eles tenha renunciado, os meios de
defesa que o devedor tiver contra o crédito, com exclusão das exceções que são recusadas
ao fiador”;
à N.º 2 – opor-se “à execução enquanto o devedor puder impugnar o negócio donde
provém a sua obrigação, ou o credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito
do devedor, ou este tiver a possibilidade de se valer da compensação com uma dívida do
credor”;
Por força dos art.727.º e ss, aplicáveis por força do art. 676.º n.º 1 CC, admite-se
a cessão da garantia sem o crédito garantido.
7. A execução
Em conformidade com o art. 666.º n.º 1 CC, estabelece o art. 675.º n.º 1 CC que,
“vencida a obrigação, adquire o credor o direito de se pagar pelo produto da venda
executiva da coisa empenhada, podendo a venda ser feita extraprocessualmente, se as
partes assim o tiverem convencionado.”
Em regra a execução do penhor faz-se pela via executiva embora não haja um
processo judicial especial para o efeito pois o mesmo foi revogado pelo DL n.º 329-A/95.
Assim, segue os termos gerais do processo de execução.
Se o bem for do devedor, a penhora inicia-se por este nos termos do art. 752.º CPC
podendo, no entanto, o devedor opor-se com os fundamentos estabelecidos no art. 697.º,
ex vi art. 678.º CC. Para que o credor pignoratício seja o primeiro a ser pago é necessário
que não haja outro credor com um crédito graduado antes do penhor.

37
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Se o bem pertencer a terceiro, pode este opor-se com os fundamentos


estabelecidos no art. 698.º, ex vi art. 678.º CC. Após a execução do penhor, fica o terceiro
sub-rogado nos direitos do credor nos termos do art. 592.º CC.
Por acordo das partes aquando da celebração do penhor, pode-se fazer a venda
extraprocessualmente, ou seja, fora do processo executivo e sem necessidade de o intentar
– art. 675.º n.º 1 in fine CC. Por imposição do princípio da boa-fé, esta venda deve ser
efetuada com as cautelas necessária e da forma comercialmente mais adequada para que
se possa obter o preço mais elevado que as condições de mercado, nas circunstâncias
concretas, permitirem.
Pode ainda, por acordo, entender-se que a coisa possa ser atribuída ao credor pelo
valor que o Tribunal decidir nos termos do art. 675.º n.º 2 CC.
à Não se está perante um pacto comissório pois o valor para que o credor possa
fazer seu o bem é fixado pelo Tribunal pelo que se for superior ao valor em dívida tem
este de o entregar ao devedor;
8. A extinção
Nos termos do art. 677.º CC, o penhor extingue-se:
• Pela restituição da coisa empenhada ou do documento que confira a exclusiva
disponibilidade sobre ela (art. 699.º n.º 1 CC) – esta restituição tem de ser
voluntária ou pode ser involuntária?
à Menezes Leitão entende que qualquer uma das restituições acarreta a extinção do
penhor pois este fica sem a publicidade que a posse do credor lhe daria, pelo que o
proprietário pode servir-se dela para enganar terceiros sendo esta a única solução para a
tutela de terceiros de boa-fé. Assim, a subsistência do desapossamento do autor da
garantia, enquanto não for cumprida a obrigação garantida, é requisito da subsistência da
mesma. Se houver restituição não voluntária da coisa, o credor pignoratício pode lançar
mão de ações possessórias contra o prestador da garantia, nos termos do art. 670.º al. a) e
1281.º CC, mas perde a preferência perante direitos constituídos a favor de terceiros
durante esse período de tempo;
à Outros autores entendem que não sendo a entrega voluntária, o penhor não se extingue
pois a entrega é um ato jurídico simples pelo que não implica o conhecimento das
consequências da sua prática mas implica uma atuação voluntária;
• Pelas razões contidas nos art. 730.º al. a), c) e d) e 871.º n.º 4 CC;

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

• Pela reunião na mesma pessoa das qualidades de credor e proprietário da coisa


empenhada se o credor não tiver interesse na manutenção da garantia de acordo
com o art. 871.º CC;
• Se o crédito garantido for futuro ou condicional, o penhor extingue-se se o crédito
não chegar a surgir ou quando não se verificar a condição;
• Perecimento da coisa empenhada (a não ser nos casos do art. 692.º e 701.º CC);
A renúncia à garantia não acarreta a renúncia ao crédito garantido (este extingue-
se por remissão) – art. 863.º n.º 1 CC;
IV. O penhor irregular
1. Caracterização
O penhor irregular é um contrato de garantido, qualificado pelas partes como
penhor, que tem por objeto coisas fungíveis cuja titularidade passa para o credor que se
obriga a retransmitir o objeto da garantia logo que a obrigação seja cumprida ou então
executando-o.
Caso o devedor tenha depositado a quantia num banco não se está perante um
penhor irregular pois o que está a ser empenhado não é essa quantia mas sim o crédito a
uma prestação.
2. Qualificação
Embora as partes se refiram a este contrato como penhor, não se está
verdadeiramente perante um pois o objeto da garantia passa a integrar o património do
credor. O penhor é sempre sobre um bem alheio, do devedor ou de terceiro, nunca sobre
um bem próprio.
O negócio é funcionalmente semelhante ao penhor mas estruturalmente distinto
pois tem na base uma transmissão em garantia. Aqui estar-se-á perante a função de
garantia da titularidade de um bem.
Distingue-se também do depósito irregular, pese embora o facto de ambas as
figuras implicarem a transferência de propriedade, incidirem sobre bens fungíveis e
existir uma obrigação de restituição de coisas do mesmo género, a função e ambos os
contratos é distinta. Enquanto no depósito irregular o que se pretende é a guarda e
restituição de certos bens, no penhor pretende-se a garantia de um crédito.
Em rigor, o penhor irregular consiste num negócio fiduciário em garantia que tem
a particularidade de ter por objeto bens fungíveis.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

3. Regime geral
i. O mecanismo de satisfação do credor
Não sendo uma figura típica, podem as partes acordar o mecanismo de satisfação
do credor que melhor satisfizer os seus interesses.
A execução desta figura levanta algumas dúvidas: ocorre mediante compensação
ou alienação em garantia? PESTANA VASCONSELOS entende que é por esta última
pois as partes pretenderam que o bem ficasse à disposição do credor para que este pudesse
obter satisfação do seu crédito em caso de incumprimento. Ou seja, o bem inicialmente
integra o património do credor com a função de garantia passando, com o incumprimento,
a desempenhar uma função solutória. Estamos perante um mecanismo de autotutela.
Havendo excedente o mesmo terá de ser entregue ao garante e faltando dinheiro só haverá
extinção parcial da obrigação.
Este mecanismo assemelha-se ao previsto no art. 840.º CC.
Este bem responde pelas dívidas anteriores ao incumprimento? Não – aplicação
analógica do art. 1184.º CC.
ii. A aplicação de algumas disposições do penhor
PESTANA VASCONSELOS entende que o penhor irregular é uma figura
autónoma diversa da do penhor mas à qual se pode aplicar parte do regime deste.
Aproxima-se do penhor na exclusiva medida que ambas consistem num reforço
qualitativo sobre um determinador bem pese embora aquele consiste no recurso à
titularidade de um direito e não há criação de um direito real de garantia sobre um de
outrem como este.
As partes ao qualificar este contrato como penhor estão a remeter para as normas
aplicáveis a esta figura pois remetem para um modelo regulativo do tipo. No entanto não
sendo aplicável todo o regime, releva apenas aquele que é aproveitável tendo em conta as
diferenças entre as duas figuras.
Excluem-se: normas relacionadas com a estrutura e execução;
Aplicável: art. 671.º (incluindo 701.º pela al. c) quando esteja em causa valores
mobiliários) e 672.º CC;
iii. Regime insolvencial
Declarada a insolvência do devedor, o credor poderá satisfazer o seu crédito
através dos bens integrados no seu património. Havendo excedente o mesmo tem de ser
entregue ao administrador da insolvência para que seja integre na massa. Assim, ao
contrário do penhor regular, na há necessidade de reclamação do crédito garantido.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Se for o credor a ser declarado insolvente, o devedor correrá o risco fiduciário ou


seja, os bens objeto da garantia e o crédito de que é titular inserir-se-ão na massa
insolvente. Assim, o devedor terá de reclamar o seu crédito enquanto credor comum. No
entanto, se os bens dados em garantia estiverem separados do demais património, por ex.
por se ter aberto um depósito bancário para os mesmos, poder-se-á aplicar analogicamente
o art. 1184.º CC sendo impenhoráveis e excluídos da massa insolvente. Assim, caso o
devedor cumprisse os bens teriam de lhe ser entregues e caso não cumprisse entrar-se-ia
na fase da liquidação tendo o administrador de recorrer a esses bens para satisfazer o
crédito devolvendo apenas o remanescente.
V. O penhor de direitos
Menezes Leitão, ao contrário de Paulo Cunha, entende que não se está perante um
direito real pois não se pode ter um direito real cujo objeto seja um direito. Estamos
perante então uma garantia especial sobre direitos. No mesmo sentido vai Menezes
Cordeiro ao referir que o objeto do penhor de direitos é uma prestação pelo que não pode
consistir num direito real, entendendo que o que justifica a denominação como penhor de
direitos é a semelhança económica de ambas as figuras.
1. O objeto
Nos termos do art. 680.º CC, são empenháveis os direitos que “tenham por objeto
coisas móveis e sejam suscetíveis de transmissão”. Assim tanto podem estar em causa
outros direitos reais sobre móveis que não o de propriedade como direitos de crédito.
à O direito de preferência convencional não é, salvo convenção em contrário,
empenhável nos termos do art. 420.º CC.
Pode-se constituir um penhor de direitos futuros, desde que determináveis, ficando
o autor do penhor obrigado a exercer as diligências necessárias para que o credor adquira
esse mesmo direito de garantia.
2. A forma e a publicidade
De acordo com o art. 681.º n.º 1 CC, a forma exigida para o penhor de direitos é
aquela que se exige para a sua transmissão.
à Objeto créditos hipotecários – forma do art. 578.º n.º 2 CC (escritura pública)
e registo nos termos dos art. 2.º n.º 1 al. o) e 101.º n.º 1 al. a) CRP;
Se o penhor tiver por objeto créditos constituídos por documento – art. 682.º CC;
Se o penhor tiver por objeto um direito de crédito, para que produza os seus efeitos
é necessário a notificação ou aceitação do devedor do crédito empenhado por força do
art. 681.º n.º 2 CC.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Pode haver vários penhores sobre o mesmo crédito para garantir vários créditos
desde que haja notificação ao devedor cedido prevalecendo o penhor primeiramente
constituído.
3. Regime do penhor de créditos
Constituído o penhor, o autor é obrigado a entregar ao credor pignoratício os
documentos comprovativos desse direito que estiverem na sua posse caso não tenha um
interesse específico quanto à sua conservação, como resulta do art. 682.º CC. A entrega
destes documentos visa, essencialmente, uma função probatória do negócio celebrado,
assim como evitar eventuais fraudes por parte do devedor, nomeadamente a alienação do
direito empenhado. Sem os respetivos documentos afigura-se, efetivamente, mais difícil
dispor do direito empenhado. Assim, esta entrega não é essencial para a constituição ou
eficácia do penhor, se se constitui validamente mediante o acordo das partes, produzindo
os seus efeitos, no caso do penhor de créditos, com a notificação ou a aceitação do
devedor.
O incumprimento desta obrigação não afeta a validade ou eficácia do penhor,
apenas debilita a sua prova.
Sendo entregues, é o credor obrigado a guardar esses documentos nos termos do
art. 671.º al. a), ex vi, art. 679.º CC.
4. As relações entre o obrigado e o credor pignoratício
Nos termos do art. 684.º CC, “dado em penhor um direito por virtude do qual se
possa exigir uma prestação, as relações entre o obrigado e o credor pignoratício estão
sujeitas às disposições aplicáveis, na cessão de créditos, às relações entre o devedor e o
cessionário.” Ou seja, neste caso são aplicáveis os art. 583.º a 585.º CC:
• O penhor produz efeitos em relação ao devedor do crédito empenhado desde que
lhe seja notificado ou desde que este o aceite – art. 583.º n.º 1 CC;
• Se antes da notificação ou aceitação o devedor do crédito empenhado pagar ao
autor da garantia ou celebrar com ele algum negócio jurídico relativo ao crédito,
nenhum dos dois é oponível ao credor pignoratício se este provar que o devedor
tinha conhecimento do penhor – art. 583.º n.º 2 CC;
• Se o mesmo crédito for dado em garantia a várias pessoas, prevalece o penhor que
primeiro for notificado ao devedor ou que por este tenha sido aceite -art. 584.º
CC;

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

• Pode o devedor opor ao credor pignoratício todos os meios de defesa que lhe seria
lícito invocar contra o autor da garantia, exceto se posteriores ao conhecimento
do penhor – art. 585.º CC;
5. Os deveres do credor pignoratício
Nos termos do art. 683.º CC, “o credor pignoratício é obrigado a praticar os atos
indispensáveis à conservação do direito empenhado e a cobrar os juros e mais prestações
acessórias compreendidas na garantia”. Assim o é porque se se permitisse ao titular do
direito/autor do penhor a realização destes atos era possível que este causasse danos ao
credor pignoratício.
6. Extinção do penhor de crédito
Nos termos dos art. 679.º, o penhor extingue-se pelas mesmas causas que a
hipoteca exceto o caso previsto no art. 730.º al. b) CC.
Ver o que disse sobre o penhor de coisas.
7. A cobrança de crédito empenhado
Retira-se do n.º 1 e 4 do art. 685.º CC que o penhor retira ao seu autor a
legitimidade de, pelo menos por si só, receber a respetiva prestação sem o consentimento
do credor pignoratício. Assim, se o crédito empenhado não tiver por objeto coisa fungível
ou dinheiro, “o credor pignoratício deve cobrar o crédito empenhado logo que este se
torne exigível, passando o penhor a incidir sobre a coisa prestada em satisfação desse
crédito.” Assim, cobrado o crédito, há uma sub-rogação real passando o penhor a incidir
sobre a coisa prestada.
Nos termos do n.º 2, se “o crédito tiver por objeto a prestação de dinheiro ou de
outra coisa fungível, o devedor não pode fazê-la senão aos dois credores conjuntamente;
na falta de acordo entre os interessados, tem o obrigado a faculdade de usar da
consignação em depósito.” Assim, o poder de cobrar o crédito pertence em conjunto ao
seu titular e ao credor pignoratício podendo estes acordar o modo de exercício desse poder
devendo este ser respeitado se comunicado ao devedor do crédito. Se o mesmo não lhe
for comunicado, o devedor tem de fazer o pagamento a ambos. Na falta de acordo pode
o devedor consignar a prestação em depósito.
Por fim, decorre do n.º 3 que “se o mesmo crédito for objeto de vários penhores,
só o credor cujo direito prefira aos demais tem legitimidade para cobrar o crédito
empenhado; mas os outros têm a faculdade de compelir o devedor a satisfazer a prestação
ao credor preferente.”

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Penhor de participações sociais – o direito aos lucros só pode ser exercido pelo
credor pignoratício quando assim for convencionado pelas partes.
i. Crédito pignoratício e crédito empenhado
Penhor de créditos – estão em causa 2 créditos: o empenhado e o garantido. Aqui
é possível a existência de 3 situações:
• Crédito pignoratício vence antes do empenhado:
# Se o devedor do crédito pignoratício realizar a prestação extingue-se a garantia por força
do caráter acessório da garantia;
# Se o devedor incumprir o contrato então o credor pignoratício pode executar a
garantia – art. 675ª CC
• Crédito pignoratício vence ao mesmo tempo do empenhado;
# Se o devedor do crédito pignoratício não cumprir o devedor pode exigir o
cumprimento ao devedor do crédito empenhado extinguindo-se assim ambos os
créditos.
# Se a obrigação do crédito empenhado for exigível a todo o tempo e o devedor
pignoratício incumprir o credor deste pode recorrer ao crédito empenhado para
satisfazer o seu crédito- Ex: se o crédito empenhado for um crédito ao saldo de
uma conta à ordem.
• Crédito pignoratício vence após o vencimento do empenhado;
# O credor deve cobrar o crédito empenhado passando o penhor a incidir sobre a
coisa prestada – art. 685.º n.º 1 CC.
# Se a prestação for pecuniária não pode ser feita ao credor pignoratício mas a
ambos – art. 685.º n.º 2 CC. PESTANA VASCONSELOS defende que, havendo
acordo, pode a mesma ser realizada ao credor pignoratício mas nunca ao autor do
penhor (credor do direito empenhado). Assim, esta norma é supletiva.
ii. Cumprimento face ao credor pignoratício e ao autor do penhor
A consequência deste cumprimento não é a cessação do penhor pelo que as partes
devem atuar de forma a manter a garantia. Para tal devem depositar a quantia numa conta
bancária aberta em nome do devedor passando o penhor a incidir sobre esse crédito. A
instituição bancária deve ser notificada desse crédito – art. 681.º n.º 2 CC

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

iii. Cumprimento face ao titular do crédito empenhado


Neste caso o devedor cumpre a sua prestação liberatoriamente pelo que o penhor
se extingue – art. 685.º n.º 4 CC
No entanto podem as partes acordar que a quantia fica afeta à garantia do crédito
que o autor do penhor é devedor ficando este titular fiduciário da mesma tendo que
depositá-la numa conta aberta para o efeito.
iv. Cumprimento face ao credor pignoratício
Neste caso as partes podem pretender duas coisas: alteração do objeto da garantia;
transformação numa garantia fiduciária (penhor irregular):
• No primeiro caso – recebida a quantia, o credor pignoratício tem de depositar a
mesma numa conta aberta em nome do devedor passando a ser o objeto da
garantia. Esta alteração de objeto decorreria logo do contrato inicial que regularia
a constituição do crédito futuro. A questão que se coloca é saber se há um novo
penhor ou se o primeiro se mantém – Pestana Vasconcelos defende que o contrato
de penhor se mantém o mesmo pois:
# A cláusula de substituição permite determinar os bens que em qualquer momento são
objeto do penhor;
# A lei permite a alteração do objeto da garantia por dinheiro – art. 674.º CC;
# Regime geral do penhor de créditos – art. 685.º n.º 1 CC;
A relevância de saber se é o mesmo penhor ou se é outro prende-se com o facto de no
âmbito da insolvência pode-se resolver contratos celebrados 6 meses antes da sua
declaração, nos termos do art. 121.º n.º 1 al. c) CIRE;
• No segundo caso – o devedor cumpre liberatoriamente face ao credor pignoratício,
passando o penhor a incidir sobre o dinheiro recebido. Neste caso o dinheiro tem
de ser separado do restante através da constituição de um depósito em conta
bancária especialmente aberta para o efeito de que ele seja titular. Se o crédito
empenhador for por sua vez garantido, cessa a garantia por cumprimento do
crédito ao credor pignoratício;
v. O crédito empenhado garantido
Se o crédito empenhado beneficiar de garantias, quem é que pode executá-las se
o devedor do direito empenhado não cumprir?
à Garantias reais – o credor pignoratício pode executar a garantia.
à Garantias fiduciárias – só o titular do direito do crédito (titular em simultâneo
dos direitos fiduciários) é que pode executar a garantia. Este deve alienar os direitos

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

fiduciários e depositar o produto da venda numa conta bancária aberta em nome do


devedor passando o penhor a incidir sobre esse crédito.
VI. Regimes particulares do penhor
1. O penhor mercantil
Estamos perante um penhor mercantil quando a dívida que se garante proceda de
um ato mercantil – art. 397.º CCom
Relevância – art. 398.º CCom. Questão levantada é a de saber se deste preceito
se pode retirar a desnecessidade do desapossamento.
à Há quem entenda que estamos perante um penhor sem desapossamento –
Romano Martinez, Menezes Cordeiro e Menezes Leitão;
à Há quem defenda que o CCom não se afasta quanto à sua constituição do
regime civil desta figura pois a entrega simbólica exigida no preceito em causa acaba por
envolver o desapossamento. Pestana Vasconcelos integra-se neste grupo apresentando os
seguintes argumentos:
# Os casos de entrega simbólica previstos no art. em causa têm em comum
que a coisa fique no controlo material do devedor;
# O elemento histórico do penhor bancário (que é um penhor mercantil)
leva a crer que o legislador não seguia a posição oposta caso contrário não teria criado o
regime do penhor para os bancos;
# Se recorrermos a um elemento sistemático paralelo com o CCom de
Macau;
# Se atendermos há última manifestação legislativa sobre esta questão
entende-se que o legislador impõe o desapossamento (Penhor financeiro);
# Ratio – exige-se o desapossamento por uma questão de tutela do credor
pignoratício;
A entrega simbólica é taxativa?
• Pestana Vasconcelos – sim;
• Romano Martinez, Menezes Cordeiro e Menezes Leitão – não pois há outras
formas de dar publicidade ao penhor como é o caso da escrituração;
Pestana Vasconcelos defende que se pode interpretar esse preceito de modo a
permitir a composse ou seja, o que o art. obriga é a que o credor controle ou possa
controlar os bens empenhados.
Embora não se exija forma escrita para a produção de efeitos entre as partes, para
ter efeitos quanto a terceiros tem de a ter – art. 400.º CCom.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Sempre que se deva proceder à venda do bem objeto do penhor deve recorrer-se a
um corretor notificado o devedor – art. 401.º CCom. Esta norma suscitou algumas dúvidas
quanto a saber se estava a permitir a venda extrajudicial da coisa, como entende Rui Pinto,
ou se estava a consagrar uma modalidade específica de venda judicial como refere
Fazenda Martins. Parece no entanto que é a primeira solução que é adequada seguindo
assim o regime geral.
Pacto marciano – admissibilidade de acordo com o DL 75/2017 – o pacto
marciano já era admissível no CC pelo art. 675.º n.º 2 pelo que o DL em causa não inovou
nesse aspeto tendo apenas criado um processo especial que permita concretizar essa
faculdade como resulta do preâmbulo.
2. O penhor em garantia de créditos de estabelecimentos bancários
DL n.º 29833 – regula o penhor em garantia de créditos de estabelecimento
bancário:
• Art. 1.º – o penhor produz os seus efeitos, entre as partes e perante terceiros, sem
necessidade de entrega do bem empenhado.
• Art. 1.º 1.º Parágrafo – se o bem ficar na posse do dono este será considerado
possuidor em nome alheio sendo-lhe aplicável as penas de furto;
• Art. 2.º – o contrato terá de constar de documento autêntico ou autenticado sendo
o momento em que o mesmo for autenticado (ou celebrado no primeiro caso)
relevante para o início da produção dos seus efeitos;
• Figueiredo Dias entende que o art. 1.º 1.º e 2.º parágrafo foram revogados pelo CP
pelo que a tutela penal desaparece – esse artigo seria inconstitucional por violação
do princípio da proporcionalidade e da igualdade;
3. O penhor financeiro
i. Introdução
O penhor financeiro é uma modalidade de contratos de garantia financeira
regulado pelo DL n.º 105/2004 sendo uma modalidade especial de penhor sobre direitos.
Os contratos de garantia financeira têm duas modalidades: penhor financeiro e
alienação fiduciária em garantia.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

ii. Requisitos
Para se estar perante um penhor financeiro é necessário preencher-se os requisitos
do DL como resulta do art. 2.º n.º 1:
1. Subjetivo – art. 3.º – o garante e o garantido têm de pertencer a uma das
categorias do elenco desta norma. Pode no entanto uma das partes ser uma
Pessoa Coletiva desde que a outra preencha uma das alíneas do artigo;
2. As obrigações garantidas têm de ter por objeto uma liquidação em
numerário, ou seja o cumprimento de uma obrigação financeira, ou a
entrega de instrumentos financeiros – art. 4.º. As obrigações garantidas
podem ser futuras ou condicionais – art. 2.º n.º 1 al. f) Diretiva;
3. A garantia prestada tem de ser um objeto numerário, na aceção de saldo
disponível numa conta bancária, ou instrumentos financeiros – art. 5.º;
4. O objeto dado em garantia tem de ser efetivamente prestado pelo que se
exige o desapossamento – art. 6.º;
5. O contrato de garantia financeira tem de ser suscetível de prova por
documento escrito ou forma juridicamente equivalente. Como refere
MENEZES CORDEIRO exige-se forma escrita para que o contrato seja
válido pelo que a exigência de forma não é uma forma ad probationem
como parece resultar da letra da lei – art. 7.º;
iii. Regime geral
a. O direito de disposição do objeto da garantia
As partes podem acordar que o credor pignoratício (beneficiário da garantia) tenha
direito a dispor do objeto desta podendo aliená-lo ou onerá-lo como se fosse seu
proprietário – art. 9.º DL.
Este direito tem vantagens para ambas as partes pois o autor do penhor receberá
uma quantia pecuniária em troca da atribuição dessa possibilidade e o credor poderá
recorrer a esse bem para o usar tornando-o em liquidez.
Se o credor pignoratício recorrer ao exercício desse direito terá que transferir uma
quantia equivalente, nos termos do art. 13.º DL, que substituía a garantia financeira
original – art. 10.º n.º 1 DL.
Tendo as partes acordado neste direito estamos perante, nas palavras de
MENEZES LEITÃO, um penhor financeiro com direito de disposição.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

b. O close-out netting
As partes podem acordar o vencimento antecipado da obrigação de restituição do
credor pignoratício e o cumprimento da mesmo por compensação com o crédito da outra
parte contratual se ocorrer um facto que desencadeie a execução – art. 12.º n.º 1 e 2 DL
c. A execução da garantia
Art. 11.º n.º 1 DL – o credor deve poder escolher como forma de execução da
garantia entre a sua venda e apropriação, nos termos previstos na lei. No entanto só poderá
recorrer a esta última modalidade de execução se as parte tiverem convencionado essa
possibilidade.
A venda pode ser judicial ou extrajudicial tendo que se realizar de acordo com os
critérios comerciais razoáveis tendo a diferente entre o valor em dívida e o resultado da
venda ser restituído ao prestador da garantia – art. 11.º n.º 3 e 4 DL. O art. 11.º n.º 1 al.
b) DL não se aplica à modalidade da venda tendo que se fazer uma interpretação restritiva
da mesma.
A apropriação é admissível desde que convencionada pelas partes quanto à sua
admissibilidade – art. 11.º n.º 1 al. a) DL – e ainda quanto à avaliação do seu objeto –
art. 11.º n.º 1 al. b) DL. No entanto este último acordo não afasta a necessidade de
avaliação da garantia e cálculo das obrigações financeiras garantias de acordo com
critérios comerciais razoáveis – art. 11.º n.º 3 DL. O credor pignoratício que se aproprie
do objeto da garantia nestes termos fica obrigado a restituir ao autor do penhor a diferença
entre o valor do mesmo e o montante das obrigações financeiras garantidas – art. 11.º n.º
2 DL.
Execução do penhor que tenha por objeto créditos sobre terceiros – art. 11.º n.º 4
DL.
iv. A penhora em ação executiva dos bens empenhados
Uma questão que se levanta prende-se com saber se o bem empenhado pode ser
penhorado numa ação executiva interposta por outro credor do titular do bem onerado
pois a lei não trata a questão. Admitir essa possibilidade seria atentar contra a teleologia
deste regime que pretende assegurar de forma clara a sua execução sem que estejam
sujeitos a interferências de terceiros. Assim, se se protegem estes contratos na insolvência,
então também terão que ser protegidos na execução singular de forma a se assegurar
sempre a execução nos termos acordados. Estamos perante uma lacuna que deve ser
integrada nos termos referidos.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

v. Regime insolvencial particular


Segundo o art. 16.º n.º 2 CIRE, os contratos de garantia financeira estão excluídos
dos efeitos da declaração de insolvência.
Tutela dos contratos celebrados antes da declaração da insolvência:
• Não é possível o administrador resolver o contrato de penhor celebrado no dia ou
antes da abertura do processo de insolvência – art. 17.º n.º 1 DL n..º105/2004.
Visa afastar o art. 121.º do CIRE. Também não pode ser afetada a prestação de
uma nova garantia na eventualidade e variação do montante das obrigações
financeiras garantidas ou a prestação de uma garantia financeira suplementar –
art. 17.º n.º 2 al. a) DL. Também não pode ser posta em causa a substituição da
garantia por objeto equivalente – art. 17.º n.º 2 al. b) DL.
Tutela de contratos celebrados após a abertura do processo de liquidação relativo
ao prestador da garantia:
• São eficazes perante terceiros nos termos do art. 18.º n.º 2 DL n.º 105/2004. Assim
o administrador da insolvência, seja do autor do penhor ou do credor pignoratício,
tem de os cumprir – art. 18.º n.º 1 DL;
• Com a insolvência há o vencimento antecipado do crédito;
• Estamos perante um negócio em curso pelo que se aplica o art. 102.º e ss CIRE
com a particularidade de o administrador estar obrigado a cumpri-lo. Cumprido,
extingue-se a garantia. Não havendo liquidez para tal, o credor pignoratício
poderá fora do concurso insolvencial fazer valer a garantia alienando o crédito
garantido de modo a satisfazer o crédito e os juros;
à Sobra dinheiro – deve ser devolvido ao administrador para o integrar na massa
insolvente;
à É insuficiente – na parte que falta é credor da insolvência passando a ter de
reclamar o seu crédito nessa sede;
6. O penhor de conta bancária
A qualificação deste penhor tem gerando alguma divergência na doutrina havendo
quem considere que se está perante um penhor irregular cujo objeto incide sobre o
dinheiro depositado na conta dada em garantia e quem considere que é uma modalidade
de penhor financeiro pois o objeto garantido é o crédito do depositante sobre o banco e
não o dinheiro. Menezes Leitão e Pestana Vasconcelos entendem que se está perante um
penhor de créditos tendo aliás ficado previsto no art. 5.º al. a) DL 105/2004 como tal.

50
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Quem tenha uma quantia depositada num banco pode constituir um penhor sobre
o crédito à restituição dessa quantia a favor de terceiro ou mesmo do próprio banco. Neste
último caso o banco torna-se beneficiário de um penhor sobre um crédito que ele próprio
é devedor. Em caso de incumprimento o banco satisfaz-se pela própria quantia ai
depositada.
O depósito pode ser à ordem ou a prazo sendo que naquela caso normalmente
bloqueia-se a sua movimentação para que não haja um esvaziamento da garantia.
Se preenchidos os requisitos do DL n.º 105/2004 o penhor é financeiro pelo que
se aplica esse regime com duas ressalvas: não se aplica a proibição do pacto comissório
porque o facto de estar em causa dinheiro leva a que não se preencha os fundamentos da
proibição; o mecanismo de satisfação não é o mesmo podendo haver convenção das partes
no sentido da venda extrajudicial do objeto do penhor – art. 675.º n.º 1 in fine e 2 CC.
7. O penhor de participações sociais
i. Constituição
Art. 23.º n.º 3 CSC – segue as regras quanto à admissibilidade e forma de
transmissão das participações sociais entre vivos.
à Sociedades em nome coletivo – art. 182.º n.º 1 e 2 e 242.º-A CSC + 3.º als. e)
e f) CRCom – redução a escrito e consentimento expresso dos outros sócios;
à Sociedade por quotas – art. 228.º n.º 1 e 2 e 242.º-B CSC + 3.º als. e) e f)
CRCom – escrito particular e consentimento da sociedade a não ser que se realize entre
cônjuges, descendentes, ascendentes ou entre sócios;
à Sociedade anónima
# Ações escriturais – art. 81.º n.º 1 e 2 CVM;
# Ações tituladas – art. 103.º CVM;
a. Exercício dos direitos sociais
Empenhadas as ações ou quotas quem é que pode exercer os direitos sociais? As
obrigações face à sociedade continua a ser o sócio.
O art. 23.º n.º 4 CSC é supletivo pelo que embora seja em regra o autor da garantia
a exercer os direitos, as partes podem acordar outra regulação.
ii. O direito de voto
à Exercício cabe ao credor pignoratício – o exercício do mesmo estará regulado
no contrato de penhor ou, não o tendo sido, será regulado pelo princípio da boa-fé
atendendo ao fim do contrato (manutenção do valor da participação social como bem
transacional). O credor tem o direito à informação – art. 293.º CSC direta ou

51
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

analogicamente. O incumprimento destas regras não é oponível à sociedade mas dá direito


à resolução do contrato e a uma indemnização;
à Exercício cabe ao sócio – o sócio tem de atender sempre ao interesse do credor
pignoratício e, caso pratique atos que diminuam o valor da participação, pode este pedir
o cumprimento imediato da obrigação garantida – art. 780.º ou 701.º n.º 1 e 2 ex vi 678.º
CC se o autor do penhor for um terceiro – e se não for cumprida pode executar a garantia;
iii. O direito ao lucro
As partes podem, no contrato, acordar se o lucro distribuído fica abrangido pelo
penhor assim como os créditos futuros. Se nada acordarem os lucros excluem-se da
garantia pois cabem ao titular da participação social – art. 672.º n.º 2 CC.
à Credor pignoratício tem o direito ao lucro – tem de os cobrar (art. 683.º CC) e
satisfazer os juros vencidos (art. 672.º n.º 1 CC). Havendo excesso, o mesmo é utilizado
para abater o capital salvo acordo em contrário. Nota – o art. 1147.º CC quanto ao mútuo
oneroso afasta o 672.º CC;
iv. A quota de liquidação
Havendo dissolução da sociedade e consequentemente extinção da participação a
garantia extingue-se ou altera o seu objeto passando agora a incidir sobre a quota de
liquidação?
Estando em causa um penhor financeiro (art. 5.º al. b) DL n..º 105/2004) nada
obsta a que se aplique a regra que permite a alteração do objeto do penhor até porque em
causa estão bens sucedâneos.
8. O penhor de conta bancária
Um sujeito titular de uma conta bancária pode constituir um penhor sobre esse
crédito a favor de um terceiro ou mesmo do próprio banco (neste caso, se houver
incumprimento o banco satisfaz-se pela própria quantia depositada).
O depósito pode ser a prazo ou à ordem sendo que neste caso normalmente
bloqueia-se a sua movimentação.
Se preenchidos os requisitos do DL n..º 105/2004 o penhor é financeiro pelo que
se aplica esse regime com duas ressalvas: não se aplica a proibição do pacto comissório
porque o facto de estar em causa dinheiro leva a que não se preencha os fundamentos da
proibição; o mecanismo de satisfação não é o mesmo podendo haver convenção das partes
no sentido da venda extrajudicial do objeto do penhor – art. 675.º n.º 1 in fine e 2 CC.

52
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

9. Penhor geral ou omnibus


As partes podem acordar que o penhor destina-se a garantir uma pluralidade de
obrigações seja elas presentes e/ou futuras que não se encontram fixadas desde início. À
partida não há qualquer problema pois o penhor pode garantir dívidas condicionais e
futuras – art. 666.º n.º 3 CC.
A questão que se coloca prende-se com a determinabilidade dos créditos
garantidos, exigência do art. 280.º CC, não quanto às obrigações presentes mas quanto às
futuras. É necessário então que tenha ficado definido um ou mais critérios que permitam
ao autor do penhor estimar aquando da prestação da garantia, os créditos que o bem
poderá assegurar ou então que permitam o controlo da constituição de créditos garantidos
por esse penhor pelo seu garante. Podem ser eles: existência de limites temporais,
quantitativos e indicação das fontes das obrigações asseguradas.
10. Penhor rotativo
Estamos perante um penhor rotativo se, por acordo entre o credor pignoratício e o
autor do penhor, este último pode substituir os bens objeto da garantia sem que ela cesse.
Ou seja, mantem-se a garantia mas o objeto sobre o qual incide o penhor altera-se. Esta
figura tem vantagens para o devedor que pode utilizar o bem objeto do penhor. A questão
que se coloca é saber se a figura é admissível ou se e estará perante um novo penhor
sempre que o objeto se substitui o que tem relevo quanto à resolução incondicional em
sede de insolvência – art. 121.º n.º 1 al. c) CIRE.
Este penhor está previsto quanto ao penhor financeiro pelo que se pode
argumentar que a norma é excecional pelo que o penhor rotativo implica a constituição
de um novo penhor. Tal não pode ser entendido assim pois vários são os casos em que o
objeto do penhor se altera por sub-rogação real e o mesmo mantém-se o mesmo como é
o caso do art. 685.º n.º 1 CC por exemplo. Neste sentido não se pode considerar aquela
normal excecional. A questão prende-se então em saber se ao lado da sub-rogação real
legal há espaço para uma convencional. Pestana Vasconcelos entende que sim:
• A lei não impõe como requisito para a manutenção do penhor a não alteração do
seu objeto;
• O interesse do credor não se prende com o objeto concreto do penhor mas sim
com o seu valor pelo que desde que este seja o mesmo é indiferente;
• O mecanismo rotativo não afasta a publicidade recorrente do desapossamento pois
há sempre desapossamento quando se troca uma coisa pela outra;

53
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

à Embora este requisito não se verifique no penhor de créditos de bancos, o art. 1.º 1.º
Parágrafo admite ao devedor a alienação ou modificação do objeto do penhor pelo que
também lhe será permitido a substituição;
• Seria incoerente admitir um penhor rotativo quanto ao penhor financeiro e não
admiti-lo nos demais casos;
• Esta figura é admissível em Itália que tem normas semelhantes às nossas sendo
algumas até mais limitativas;
Requisitos:
• Convenção inicial da rotatividade do penhor;
• Determinação dos bens que irão ser substituídos que terão de ter o mesmo valor;
• Qual o critério para determinar o momento da alteração do objeto;

54
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

O direito de retenção

I. Introdução
O direito de retenção é um direito de garantia e um modo de compelir o devedor
a cumprir a obrigação consagrado em geral no art. 754.º CC e com um elenco amplo de
casos no art. 755.º CC. Pode ser definido como o direito que assiste ao devedor de recusar
a restituição de uma coisa até que o credor efetue uma prestação conexa com a sua
obrigação.
à Outro direito de retenção é o concedido ao achador da coisa – art. 1323.º n.º 4
CC;
O direito de retenção atribui também ao seu titular o direito a ser pago com
preferência pelo valor da coisa retida nos termos do art. 604.º n.º 1 CC.
II. Caracterização
O direito de retenção representa duas funções:
à Garantia – de origem legal;
à Coerciva – é um meio de compelir o devedor ao cumprimento através de uma
recusa lícita de cumprimento da obrigação de entrega de uma coisa que lhe pertence por
parte do credor que a tem em seu poder;
O objeto da garantia é a coisa retida e tem publicidade reduzida pois não está
sujeita a registo pelo que a mesma se limita à posse da coisa.
O titular do direito de retenção tem duas faculdades:
à Recusa lícita da entrega da coisa ao credor da entrega enquanto este não
cumprir a obrigação garantida – tem um caráter compulsório;
# O direito de retenção, neste contexto, constitui uma exceção dilatória de
direito material que permite ao retentor recusar-se licitamente a cumprir.
à Execução da coisa nos mesmos termos que um credor pignoratício ou
hipotecário consoante a coisa seja móvel ou imóvel – art. 758.º e 759.º CC – tendo assim
o direito a ser pago preferencialmente pelo produto da venda da coisa.
III. Requisitos constitutivos
A constituição do direito de retenção resulta do preenchimento da previsão legal
do art. 754.º CC ou da subsunção aos demais casos previstos na lei, como é exemplo o
art. 755.º CC que consagra uma conexão jurídica.

55
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Requisitos do art. 754.º CC


• Detenção lícita de uma coisa que deva ser entregue a outrem (suscetível de
penhora por força do art. 756.º al. c) CC);
à Levanta-se a questão de saber se pode haver direito de retenção nos casos em
que a coisa é do próprio titular do direito (retentor):
# A maioria da doutrina, da qual Antunes Varela é exemplo, entende que
o direito de retenção só pode recair sobre uma coisa alheia;
# Taveira da Fonseca entende que, uma vez que não há qualquer restrição
legal da qual se possa retirar que o retentor não pode ser o proprietário da coisa,
pode-se entender que este pode ser titular de um direito de retenção;
• O detentor tem de ser credor da pessoa com direito à entrega;
• O crédito do detentor tem de resultar de despesas feitas por causa da coisa ou por
danos causados pela mesma – conexão material;
à Não corresponde ao conceito de benfeitorias porquanto não se exige a
verificação de um beneficio objetivo para a coisa retida;
• Não subsunção a algum dos fatores do art. 756.º CC;
IV. Casos particulares
1. Direito de retenção do empreiteiro nas empreitadas de construção (ver
sebenta de contratos)
Não há de forma direta um direito de retenção do empreiteiro como existia no
Código de Seabra para a empreitada de móveis. Assim, só há direito de retenção nos
termos da cláusula geral do art. 754.º CC.
Levantou-se dúvidas quanto às empreitadas de construção em que a coisa vem a
ser construída pelo empreiteiro. Há direito de retenção sobre a mesma? A doutrina e
jurisprudência dividiu-se:
à Contra – Pires de Lima e Antunes Varela – o empreiteiro não goza de direito
de retenção da obra em construção ou construída pois as despesas efetuadas por ele não
são por causa da coisa uma vez que esta ainda não existe. As despesas não são
determinadas pela coisa que se pretende reter embora sejam efetuadas para que a mesma
venha a existir. A acrescer a estes dois argumentos, Júlio Gomes – embora adira a outra
tese –, entende que há ainda a favor da negação deste direito um argumento de política
legislativa na medida em que se pode entender que o legislador pretendeu negar este

56
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

direito pois o empreiteiro poderia sempre munir-se de outras garantias fazendo constá-
las, se assim desejasse, do contrato de empreitada;
à A favor – maioria da doutrina, nomeadamente Calvão da Silva e, na
jurisprudência, Ac. STJ de 10/05/2011 (Gabriel Catarino), proc. n.º 661/07.0TBVCT-
A.G1.S1 in dgsi.pt– para que o empreiteiro realize a obra é necessário que incorra em
despesas seja em materiais como em salários. Neste sentido, as mesmas são despesas
feitas com a obra e por causa da obra pelo que preenche o pressuposto do art. 754.º CC.
Quanto ao argumento cronológico apontado por Antunes Varela este também não
prossegue na medida que o que se exige neste preceito é uma imputação objetiva dessa
despesa à coisa não relevando se a mesma resulta de melhoramentos, arranjos ou
demolições. Se tal fosse um requisito iria levar a uma discriminação entre as modalidades
da empreitada. Acresce por fim o facto de em lei especial – art. 25.º DL 201/98 – conferir
direito de retenção ao construtor do navio sendo este um claro caso de empreitada:
Para quem sufrague este último entendimento há ainda outro problema a resolver
– o direito de retenção limita-se às despesas realizadas ou cobre por inteiro o preço
incluindo assim o lucro?
à Ferrer Correia e Sousa Ribeiro – numa interpretação mais ligada à letra da lei
entendem que o direito de retenção apenas cobre as despesas efetivamente feitas para
custear a execução da obra ficando o restante do crédito sujeito ao regime comum.
à Pestana Vasconcelos e Calvão da Silva (na jurisprudência, Ac. STJ de
29/01/2014 (João Bernardo), proc. n.º 1407/09.3TBAMT.E1.S1 in dgsi.pt) –
entendem que o direito de retenção cobre todo o valor do crédito pois é esse o
entendimento nos demais contratos de prestação de serviços, veja-se os art. 1156.º e 755.º
n.º 1 al. c) e e) CC, não existindo qualquer motivo para entender noutro sentido. Acresce
que, como refere o acórdão, “importa sempre ter em conta a razão de ser garantística da
figura do direito de retenção. Visando tutelar o interesse do credor, em ordem a compelir
o devedor ao cumprimento e, concomitantemente, a considerar o crédito como
privilegiado, ficaria sem se compreender que deste se excluísse o motor que, não obstante
as ressalvas supra referidas, está na base da celebração dos contratos de empreitada.”

57
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

2. Direito de retenção do promitente-comprador que obteve a tradição da


coisa no contrato-promessa sinalizado
i. Os interesses em jogo
Nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 755.º CC, gozam de direito de retenção “o
beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a
tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito
resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442.º.”
Num concurso de garantias de um crédito em que estão em causa um direito de
retenção sobre um bem imóvel e uma hipoteca sobre o mesmo o crédito do primeiro é
graduado primeiro seja em insolvência ou em execução singular nos termos do art. 759.º
n.º 2 CC.
à Ex: A pede crédito ao Banco X para contruir um terreno, hipotecando-o. Esse
mesmo A celebra um contrato-promessa de c/v com tradição da coisa com B. Se A violar
o contrato de promessa, B tem direito de retenção da coisa sendo o seu crédito pago em
1.º e só depois é que é pago o do Banco X mesmo que a hipoteca seja anterior.
Por essa desproteção do credor hipotecário tem-se tecido críticas ao regime do
direito de retenção do promitente-comprador. Argumentos:
à Esta desproteção pode dificultar o crédito à habitação ou encarecê-lo o que
levaria a um aumento do custo dos imóveis;
à Este regime pode levar a que os promitentes-vendedores deixem de entregar a
coisa aquando a celebração da promessa em prejuízo da contraparte por imposição
contratual do mutuante.
A favor deste regime – Ribeiro de Faria e Pestana Vasconcelos:
à Muitos destes contratos são celebrados por particulares com conhecimentos
jurídicos limitados que muitas vezes obtém a tradição da coisa começando a habitar na
mesma com esperança da execução do contrato. O sinal dado é muitas vezes de elevado
valor pelo que se justifica, por tudo isto, esta proteção acrescida pois de outra forma estes
sujeitos ficariam desprotegidos perante um incumprimento da contraparte. A acrescer tem
de se ter em conta que os bancos são especializados na concessão de crédito pelo que
sabem os riscos que correm ao ceder empréstimos aquele devedor podendo ponderar as
demais garantias que poderão estar em causa.
à O argumento de que tal pode levar à retração dos vendedores quanto à entrega
da coisa não prossegue pois estes têm interesse em celebrar um contrato-promessa (forma
de custear um empreendimento) e poderão não consegui-lo se recusarem a entrega,

58
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

principalmente se a celebração do contrato definitivo estiver marcada para muito depois.


Consequentemente os mutuantes também não terão interesse em impor essa recusa pois
pretendem que o empreiteiro pague a dívida e tal não será possível se tiver dificuldade de
celebrar contratos-promessa sinalizados.
à Entender que o promitente-comprador não deveria gozar desta garantia seria
transpor para este todo o risco de incumprimento contratual, a parte menos capaz de
conhecer esse risco e de tomar medidas para se proteger.
ii. Interpretação restritiva do art. 755.º n.º 1 al. f) CC
Menezes Leitão e Menezes Cordeiro sustentam uma interpretação restritiva deste
preceito defendendo que o direito de retenção só existe se o promitente-comprador optar
por uma indemnização pelo aumento do valor da coisa não abrangendo a opção do sinal
em dobro. Assim o é pois o direito de retenção neste caso só tem conexão com o direito
ao aumento do valor da coisa que é o único crédito resultante do não cumprimento que
tem uma relação direta com a coisa a reter
# Este argumento não prossegue pois o que o art. 755.º CC exige é uma conexão
jurídica e não uma conexão material, necessária para aplicação do art. 754.º CC.
Pestana Vasconcelos não concorda com tal interpretação corretiva porque entende
que o legislador pretendeu tutelar o promitente-comprador nestes casos por entender que
a expectativa de cumprimento do contrato é maior que o normal. Então cria um caso
particular não enquadrável nos elementos de conexão do art. 754.º CC. O que se pretendeu
com esta disposição foi a tutela do adquirente face aos vários riscos da celebração do
contrato atribuindo um direito de retenção por qualquer dos créditos do art. 442.º n.º 2
CC. Se entendesse-mos de outra forma estar-se-ia a reduzir este direito quase à
inaplicabilidade pois tal pressuporia que o mercado imobiliário esteja em alta (casas com
valor mais elevado). O crédito quanto ao sinal em dobro seria um crédito comum em caso
de insolvência pelo que sujeito a rateio.
No entanto também defende uma interpretação restritiva deste preceito, embora
com outro fundamento e alcance. Para este autor o legislador atribuiu esta garantia ao
promitente-comprador de modo a evitar o prejuízo que poderia resultar da prevalência do
crédito hipotecário sobre o crédito daquele levando a que perdesse o sinal prestado. A
verdade é que esta norma foi sempre pensada no sentido de o adquirente ser um
consumidor sendo portanto uma norma de defesa do mesmo pelo que se o adquirente não
for um consumidor, não tem direito de retenção sobre a coisa. Esta posição foi seguida
no Ac. STJ de UJ n.º 4/2014 ainda que relativamente à recusa de cumprimento por parte

59
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

do administrador da insolvência sendo entendido como consumidor, para estes efeitos,


por força do Ac. STJ de UJ n.º 4/2019, “o promitente-comprador que destina o imóvel,
objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma
atividade profissional ou lucrativa.”
Ainda assim, o facto de o STJ ter restringido este preceito ao consumidor no
âmbito da insolvência não é determinante para se defender uma interpretação restritiva
deste preceito nos demais casos, havendo jurisprudência do STJ nos dois sentidos.
Entendeu-se no Ac. STJ de 30/04/2015 (Tomé Gomes), proc. n.º
1187/08.0TBTMR-A.C1.S1 in dgsi.pt, “é certo que o indicado acórdão uniformizador
se inscreve no domínio específico da graduação de créditos em processo de insolvência e
que o segmento de uniformização não versa expressamente sobre a generalidade das
situações a que o preceito em causa possa ser aplicado, mas não é menos certo que da
fundamentação daquele acórdão e do teor dos votos de vencido que lhe foram apostos
resulta, como premissa lógica, que essa doutrina será aplicável no sentido de o disposto
na alínea f) do n.º 1 do art.º 755.º CC compreender, exclusivamente, qualquer promitente-
comprador que detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor.”
No entanto, também se entendeu, no Ac. STJ de 29/07/2016 (Júlio Gomes), proc.
n.º 6193/13.0TBBRG-H.G1.S1 in dgsi.pt, que a “aplicação do art. 755.º n.º 1 al. f) não
depende de o promitente-comprador ser ou não um consumidor e a circunstância de o
legislador se referir à tutela dos consumidores no preâmbulo do diploma que consagrou
o direito de retenção não é decisiva e não justifica a interpretação restritiva proposta por
um sector da doutrina: o legislador pode ter tomado a parte pelo todo e ter-se limitado a
referir uma das situações socialmente mais relevantes. No entanto qualquer situação de
detenção pelo promitente-comprador, mesmo que este não seja consumidor, pode, pela
sua frequência e importância ao nível da consciência social, servir de fundamento para o
direito de retenção.”
iii. Direito de retenção de fração autónoma
Resulta do Ac. STJ de 18/01/2018 (José Rainho), proc. n.º 620/08.5TYVNG-
A.P1.S1 in dgsi.pt que “o direito de retenção conferido pelo art. 755.º n.º 1 al. f) CC ao
beneficiário da promessa de transmissão de uma fração materialmente autonomizada de
um prédio ainda não constituído em propriedade horizontal tem por objeto essa fração, e
não a totalidade do prédio. Tendo tal prédio sido adjudicado como um todo no âmbito da
liquidação em processo de insolvência, é com referência à quota-parte do valor (que
poderá ser determinado com recurso à permilagem respetiva ou a qualquer outro meio

60
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

legal de avaliação) da fração prometida no contexto do valor global da venda do prédio


que se objetiva a garantia conferida pelo direito de retenção.”
V. Regime geral
Nos termos do art. 757.º n.º 1 CC, para que haja direito de retenção é necessário
que o contra crédito seja judicialmente exigível ou se verifique alguma das circunstâncias
que impliquem a perda do benefício do prazo.
Decorre do n.º 2 do referido artigo que a constituição do direito de retenção não
depende da liquidez do contra crédito, sendo por isso irrelevante o facto de o mesmo se
encontrar ou não quantitativamente determinado. Assim, é suficiente a existência do
crédito e a sua exigibilidade.
Ao retentor é conferido um direito de usar a coisa assim como de intentar as ações
de defesa da posse ainda que contra o próprio dono, nos termos do art. 670.º al. a), 758.º
e 759.º n.º 3 CC.
É duvidoso se o direito de retenção pode ser oponível ao proprietário do bem que
não seja o devedor do contra crédito conexo.
à Se o direito de retenção tiver sido constituído anteriormente à transmissão do
direito de propriedade é oponível ao novo proprietário ainda que o devedor do contra
crédito seja o anterior proprietário (problema de oponibilidade);
à Quando a propriedade do bem não pertença desde início ao devedor do contra
crédito, o problema não é de oponibilidade do direito de retenção mas sim de legitimidade
para a sua constituição. Ora, nem o devedor do contra crédito não tem legitimidade para
onerar o direito de propriedade porquanto não é seu titular nem tal oneração resulta da
lei. Assim, não há direito de retenção nestes casos;
Nos termos do art. 758.º CC, “recaindo o direito de retenção sobre coisa móvel, o
respetivo titular goza dos direitos e está sujeito às obrigações do credor pignoratício, salvo
pelo que respeita à substituição ou reforço da garantia.” Há, assim, uma equiparação,
quanto aos direitos e obrigações, ao credor pignoratício.
à Equipara quanto à execução (judicial) e quanto ao concurso com demais
garantias;
Por seu turno, decorre do art. 759.º n.º 1 CC que “recaindo o direito de retenção
sobre coisa imóvel, o respetivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a
faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e
de ser pago com preferência aos demais credores do devedor.” O direito de retenção é,
por conseguinte, oponível a todos os credores comuns do mesmo devedor nos termos do

61
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

art. 604.º n.º 2 CC e também a todos aqueles que, após a sua constituição, venham a
adquirir outro direito real sobre a coisa retida, mas não já ao proprietário da coisa retida
que não seja o devedor do contra crédito conexo.
Nos termos do n.º 2 do art. 759.º CC, “o direito de retenção prevalece neste caso
sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente”, consagrando-se
assim uma oponibilidade reforçada (derroga a regra da prioridade registal).
à Só não é assim nos casos de obrigações hipotecárias uma vez que resulta do
art. 3.º n.º 2 DL n.º 59/2006 que quanto a estes créditos as hipotecas prevalecem sobre os
privilégios creditórios imobiliários. Assim, tendo em conta que por força do art. 751.º CC
estes prevalecem sobre o direito de retenção, não faz sentido que estas hipotecas também
não prevaleçam sobre este.
O retentor de coisa imóvel é equiparado ao credor hipotecário, nos termos do art.
759.º n.º 3 CC, quanto à faculdade de executar a coisa retida e de ser pago com preferência
relativamente aos demais credores do devedor. como até ao momento da entrega da coisa
retida o retentor tem a detenção da coisa, são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações,
as regras do penhor com as necessárias alterações.
1. Transmissibilidade do direito de retenção
Nos termos do art. 760.º CC, “o direito de retenção não é transmissível sem que
seja transmitido o crédito que ela garante.” Assim, ao contrário do penhor (art. 676.º CC)
e da hipoteca (art. 727.º e ss CC), o direito de retenção não pode ser por si só transmitido,
sendo necessário para o efeito a cessão do crédito garantido.
Tendo em conta que o art. 582.º n.º 1 CC estabelece que “a cessão do crédito
importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito
transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente”, e o direito de retenção
pressupõe uma especial ligação entre o seu objeto e o crédito garantido, a maioria da
doutrina, sendo Menezes Leitão exemplo, tem entendido que a sua transmissão não é
automática tendo de haver também um acordo neste sentido. Para que haja transmissão
do direito de retenção é necessário que haja acordo nesse sentido e, nos termos do n.º 2
do mesmo artigo, que a coisa seja entregue.
2. Extinção do direito de retenção
Nos termos do art. 761.º CC, o direito de retenção extingue-se pelas mesmas
causas por que cessa o direito de hipoteca (art. 730.º a 732.º CC) e ainda pela entrega
voluntária da coisa.

62
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

à Extinção por confusão – embora não resulte da lei, tem-se entendido que só
pode extinguir-se por confusão quando a propriedade da coisa a reter é adquirida pelo
retentor. Se a aquisição for feita em ação executiva, Menezes Leitão entende que se deve
aplicar analogicamente o art. 724.º n.º 1 CC renascendo o direito de garantia e o seu
atendimento nos termos do art. 824.º n.º 2 CC;
Se a coisa for penhorada em ação executiva movida por outro credor do seu dono,
o retentor não pode recorrer aos embargos de terceiro podendo apenas intervir como
credor beneficiário da garantia real. Se o retentor não intervir na ação executiva o seu
direito extingue-se?
à Sim – Romano Martinez e Pires de Lima/Antunes Varela – todos os direitos de
garantia caducam com a venda executiva uma vez que a exceção do art. 824.º n.º 2 in fine
não se aplica a estes direitos;
à Não – Menezes Cordeiro – a exceção da parte final do art. 824.º n.º 2 CC
abrange os direitos reais de garantia que produzam efeitos perante terceiros
independentemente do registo;
VI. Regime insolvencial
Declarada a insolvência do dono da coisa, o retentor tem de entregar a coisa ao
administrador da insolvência pois esta entrega a massa insolvente – art. 46.º n.º 1 CIRE –
pelo que o administrador terá de a apreender – art. 149.º e 150.º CIRE. No entanto o seu
direito de garantia não se extingue pelo que terá de o exercer, reclamando-o, no processo
insolvencial – art. 47.º n.º 4 al. a) CIRE.
No concurso com outros credores garantidos aplicam-se as regras do penhor ou
da hipoteca, consoante seja um bem móvel ou imóvel – art. 758.º e 759.º CC – exceto
quanto às hipotecas anteriormente constituídas – art. 759.º n.º 2 CC
Liquidada a coisa garantida serão pagos os credores garantidos de acordo com a
sua prioridade sendo que se o retentor não vir o seu crédito totalmente pago verá o que
sobra incluído entre os créditos comuns – art. 174.º n.º 1 CIRE.

63
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Os privilégios creditórios

I. Introdução
Os privilégios creditórios são uma garantia especial, legal e oculta, que
consubstanciam uma causa de preferência no pagamento de determinados créditos dada
pela lei a certos credores nos termos do art. 733..º CC.
Nem todos os privilégios creditórios constituem garantias reais. Os privilégios
especiais são verdadeiros direitos reais gozando do direito de sequela enquanto os
privilégios gerais não o são sendo apenas garantias especiais das obrigações pois não
incidem sobre bens determinados nem gozam de sequela.
Os privilégios mais importantes são os atribuídos ao Estado e às autarquias
locais pelo pagamento dos impostos e à segurança social relativamente às contribuições.
II. Caracterização
Resultam obrigatoriamente da lei não podendo ser acordados pelas partes – art.
733.º CC.
Os privilégios creditórios tutelam o crédito e ainda os juros devidos dos últimos
2 anos – art. 734.º CC .
Podem ser mobiliários ou imobiliários dependendo se incidem sobre bens
móveis ou imóveis; e gerais ou especiais dependendo se incidem sobre um conjunto de
bens ou sobre um bem certo e determinado.
Têm algumas semelhanças com as hipotecas legais embora sejam diferentes:
à As hipotecas legais são sempre publicitadas e só se constituem com o registo;
os privilégios não têm publicidade e não estão sujeitos a registo.
à O objeto também difere pois enquanto as hipotecas legais incidem apenas
sobre bens imóveis ou móveis equiparados, os privilégios não têm qualquer limitação
quanto a este ponto.
à A hipoteca legal abrange os acessórios constantes do registo podendo incluir
os juros até 3 anos; os privilégios apenas abrangem os juros relativos aos 2 anos anteriores
se devidos,
à As hipotecas incidem sobre bens certos e determinados sendo sempre direito
reais enquanto que os privilégios gerais não incidem sobre bens determinados e ao são
garantias reais.
à A hipoteca é mais sólida que os privilégios imobiliários gerais mas cede
perante os especiais mesmo se for constituída anteriormente.

64
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

III. Espécies

Mobiliários – incidem sobre bens


móveis

Objeto
Imobiliários – incidem sobre bens
imóveis
→ No CC são sempre especiais – art.
735.º n.º 3 CC

Previlégios creditórios
Especiais – abrajem o valor
de determinados bens – art.
735.º n.º 2 in fine

Valor

Gerais – abranjem o valor de todos os


bens (móveis ou imóveis, dependendo do
obejeto) existentes no ptarimónio do
devedor – art. 735.º n.º 2 CC

IV. Elenco
1. Os privilégios mobiliários gerais
Estado e Autarquias Locais – art. 111.º CIRS e 116.º CIRC;
Segurança Social – art. 204.º n.º 1 CRCSPSS;
Trabalhadores – art. 333.º n.º 1 al. a) CT;
Devedor – art. 737.º n.º 1 CC + 98.º n.º 1 e 17.º-H CIRE;
2. Os privilégios imobiliários gerais
Art. 205.º CRCSPSS + 111.º IRS + 116.º IRC;
3. Os privilégios mobiliários especiais
Art. 738.º, 739.º, 741.º e 742.º CC + 47.º n.º 1 CIS;
4. Os privilégios imobiliários especiais
Art. 743.º e 744.º CC + 47.º n.º 1 CIS + 39.º CIM + 122.º n.º 1 CIMI + 333.º n.º
1 al. b) CT;

65
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

V. Concurso de créditos privilegiados


Em caso de concurso entre privilégios creditórios a lei estabelece a ordem de
pagamento dos mesmos – art. 745.º n.º 1 CC;
à Art. 747.º CC para os mobiliários:
1.º art. 3.º n.º 1 DL n..º 59/2006;
2.º Créditos relativos às despesas de justiça – art. 746.º CC;
3.º Credores que tenham contribuído para a revitalização do devedor no
decurso do processo especial de revitalização – art. 17.º-H CIRE;
4.º Créditos dos trabalhadores emergentes do contrato de trabalho ou da
sua violação ou cessação – art. 333.º n.º 2 al. a) CT;
5.º Créditos da Segurança Social por contribuições ou do Estado (e
Autarquias locais, ainda que depois – art. 747.º n.º 1 al. a) CC) pelos impostos – art. 204.º
n.º 1 CRCSPSS. 99.º e 116.º CIRE;
6.º Sucessivamente, os créditos constantes nas als. b), d) e e) do art. 747.º
n.º 1 CC;
7.º Créditos na ordem do art. 737.º CC;
8.º Créditos do credor que tenha requerido a insolvência – art. 98.º n.º 1
CIRE;
à Art. 748.º CC para os imobiliários:
1.º Créditos relativos à justiça – art. 743.º por força do art. 746.º CC;
2.º Créditos do trabalhador que beneficiem de privilégio imobiliário
especial sobre o imóvel do empregador onde aquele presta a sua atividade – art. 333.º n.º
2 al. b) CT;
3.º Créditos ao Estado – art. 748.º n.º 1 al. a) CC;
4.º Créditos das Autarquias Locais pelo IMI e IMT – art. 748.º n.º 1 al. b)
CC;
5.º Créditos da Segurança Social – art. 205.º CRCSPSS;
6.º Outros créditos fiscais – art. 111.º CIRS e 116.º CIRC;
à Art. 746.º CC para as despesas de justiça;
Havendo créditos igualmente privilegiados recorre-se ao rateio dos mesmos –
art. 745.º n.º 2 CC.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

VI. Concurso entre privilégios e garantias reais de terceiros


1. Privilégios especiais:
à Gozam de sequela pelo que vale sempre contra terceiros. Assim, concorrendo
com garantias de terceiros releva o tempo da sua constituição. Prevalece o privilégio se
constituído anteriormente à garantia real em confronto mas cede perante a garantia
anteriormente existente – art. 749.º CC.
à Exceção – o privilégio mobiliário especial relativo às despesas de justiça do
art. 738.º CC prevalece sobre ambas – art. 746.º CC;
à Os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros que adquiram a
propriedade ou constituam qualquer direito real sobre o mesmo após a constituição do
privilégio. No entanto se estiver em causa uma hipoteca, consignação de rendimentos ou
de direito de retenção, os privilégios são oponíveis a terceiros ainda que tenham sido
constituídos posteriormente aqueles – art. 751.º CC;
2. Privilégios gerais:
à Não valem contra terceiros se estes forem titulares de direitos que recaiam
sobre a coisa e sejam oponíveis contra terceiros – art. 749.º n.º 1 CC;
à De forma excecional o privilégio creditório mobiliário geral da segurança
social face aos créditos por contribuições vale contra terceiros – art. 204.º n.º 2 CRSPSS.
Este regime é inconstitucional?
• A inconstitucionalidade deste regime já foi alvo de análise pelo TC que concluiu
pela sua conformidade à CRP tendo ponderado o princípio da igualdade e o direito
ao acesso do credor aos Tribunais. PESTANA DE VASCONCELOS concorda
que a contrariedade à CRP não se coloca nesse prisma mas sim no que ao princípio
da confiança diz respeito tendo como apoio Pizarro Beleza. Esta norma viola o
princípio da confiança na medida em que:
# A preferência é oculta não havendo muitas vezes possibilidade de um terceiro
credor o conhecer antes de intentar uma ação executiva que se virá inútil para si;
# Não tem em conta a prioridade das garantias reais anteriores;
# Não tem quaisquer limites temporais de preferência;
• Como refere PESTANA DE VASCONCELOS, embora isoladamente estes
argumentos não sejam suficientes para concluir pela inconstitucionalidade do
regime pois todos os privilégios creditórios são ocultos, a prevalência sobre outras
garantias anteriores também vem previsto no art. 751.º CC e a inexistência de
limites temporais era irrelevante se estivesse em causa um simples privilégio

67
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

creditório mobiliário geral. No entanto, ponderados conjuntamente tem de se


concluir pela sua inconstitucionalidade até porque a segurança social ficaria
igualmente protegida sem este pois beneficia de uma hipoteca legal sobre os
créditos das contribuições;
à Pode-se aplicar o art. 751.º CC aos privilégios imobiliários gerais?
# Anteriormente, uma forte corrente jurisprudencial entendia que sim
enquanto na doutrina não se chegava a um consenso;
# TC declarou inconstitucional com força obrigatória geral esse
entendimento por violação do Princípio da confiança resultante do art. 2.º CRP pelos
seguintes motivos: os privilégios são uma garantia oculta não sendo possível aos terceiros
ter conhecimento da sua constituição pelo que estar-se-ia a permitir que um terceiro que
constituísse uma hipoteca confiando que não havia qualquer oneração anterior viesse a
ser surpreendido; sendo um privilégio geral abrange todos os bens do devedor pelo que
levaria a uma oneração desproporcionada do comércio jurídico;
# Atualmente consta da letra da lei que o mesmo se aplica exclusivamente
aos privilégios especiais pelo que esta questão está resolvida;
VII. Outros aspetos do regime
Art. 753.º CC remete para as seguintes disposições reguladoras da hipoteca –
art. 692.º e 694.º a 699.º CC.
Quanto às causas de extinção dos privilégios remete o art. 752.º CC para as
causas da hipoteca – art. 730.º CC.
VIII. Regime executivo
Art. 865.º n.º 4 e 873.º n.º 3 CPC – a reforma do CPC introduziu nestes preceitos
alterações ao regime executivo dos privilégios creditórios tomando as seguintes medidas:
à O credor que seja titular de um privilégio geral não pode reclamar o seu
crédito;
# art. 865.º n.º 4 al. a), b) e c) CPC (penhora nos termos do art. 824.º CPC).
Excluem-se os créditos dos trabalhadores – art. 865.º n.º 6 CPC;
à Mesmo quando o possa fazer, uma parte do produto da venda está reservado
para o credor exequente – art. 873.º n.º 3 CPC com a reserva dos créditos dos
trabalhadores nos termos do n.º 4 do mesmo preceito;
Aos privilégios gerais não é possível aplicar o disposto no art. 752.º CPC.

68
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

IX. Regime insolvencial


Os créditos beneficiados de privilégios são considerados, nos termos do art. 47.º
n.º 4 al. a) CIRE:
à Garantidos – privilégios especiais;
à Privilegiados – privilégios gerais;
Assim, os créditos vencem-se com a insolvência – art. 91.º CIRE – tendo os seus
credores que os reclamar para serem posteriormente pagos nos termos da graduação
contida nos art. 172.º, 174.º e 175.º CIRE.
No entanto se estiver em causa um privilégio do Estado, das Autarquias Locais
ou da Segurança Social:
à A declaração da insolvência implica a extinção dos privilégios creditórios
gerais ou especiais que sejam acessórios de créditos sobre a insolvência constituídos há
mais de 1 ano antes do início do processo de insolvência – art. 97.º n.º 1 al. a) CIRE;
à Os demais mantêm-se;
Os créditos do credor que tenha requerido a insolvência beneficiam de um
privilégio creditório geral graduado em último e nos termos do art. 98.º n.º 1 CIRE.
à Serve para incentivar os credores comuns a requerer a declaração de
insolvência dos seus devedores que se encontrem nesse estado de forma a retirá-los
celeremente do mercado de modo a impedir novas contratações danosas;

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

A penhora

A penhora consiste numa apreensão judicial de bens do executado, seja ele o


devedor ou terceiro, afetos à garantia da obrigação exequenda de modo a que os mesmos
possam ser afetos aos fins da ação executiva.
Questiona-se se a penhora, de origem processual, constitui uma garantia real ou
apenas uma figura com efeitos semelhantes.
Em caso de incumprimento de uma obrigação o credor, munido de um título
executivo, terá de recorrer ao Tribunal para que, através de uma ação executiva, consiga
executar o património do devedor de modo a satisfazer o seu crédito. É o que resulta do
art. 817.º CC.
A penhora tem essencialmente três efeitos:
• Transferência dos poderes de gozo do direito do executado para o Tribunal;
• Inoponibilidade dos atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens
penhorados à execução – art. 819.º e 820.º CC;
• Preferência relativamente à sua satisfação pelo valor do bem penhorado perante
qualquer outro credor sem garantia real anterior – art. 822.º n.º 1 CC (preferência
essa que cessa se declarada a insolvência do devedor nos termos do art. 140.º n.º
3 CIRE);
Por tudo o que for dito, a posição maioritária na doutrina quanto a este assunto,
de que é exemplo Lebre de Freitas, é a de entender a penhora como um direito real de
garantia uma vez que goza de sequela (o executado pode onerar ou dispor do bem mas a
mesma não é oponível à penhora) e preferência. É o que entende, por exemplo, o Ac.
TRG de 18/02/2016 (Isabel Rocha), proc. n.º 581/09.TBVRL-A.G1 in dgsi.pt, que a
identifica como “uma garantia real das obrigações embora não plena, pois que a dita
preferência não será atendida em caso de insolvência do executado.”
Em sentido contrário, vão Teixeira de Sousa e Almeida Costa:
à Teixeira de Sousa – o mecanismo da penhora é diverso da dos direitos reais.
Esta ficciona a estática ignorando a transmissão do bem – art. 819.º CC – rejeitando
qualquer substituição do executado. O direito real acompanha a coisa nas suas sucessivas
transmissões independentemente do titular do direito no momento a que se atende.
à Almeida Costa – a penhora é um ato processual que visa criar a
indisponibilidade dos bens adstritos à execução mediante a produção dos efeitos
substantivos dos direitos reais.

70
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

No mesmo sentido, na jurisprudência, veja-se o Ac. TRG de 10/07/2018 (Eva


Almeida), proc. n.º 3128/17.4T8VNF-G.G1 in dgsi.pt, que defende que “a penhora não
é, em sentido rigoroso, uma garantia do crédito. É apenas o meio de o efetivar através da
intervenção do Tribunal, o meio de obter o cumprimento coercivo da obrigação,
consistindo na apreensão do bem – conservação da garantia geral relativamente a um ou
mais bens, na medida do necessário à satisfação daquele crédito – para, através dele
(venda ou adjudicação), os Tribunais se substituírem ao executado no cumprimento da
respetiva obrigação pecuniária.
Por isso mesmo a penhora não está prevista no Código Civil entre as garantias
especiais das obrigações (CAPÍTULO VI do Código Civil), mas sim no CAPÍTULO VII
(Cumprimento e não cumprimento das obrigações) SECÇÃO III (Realização coativa da
prestação). E o elemento sistemático não pode ser desconsiderado.
Assim, a penhora, salvo nos casos especialmente previstos na lei, apenas confere
ao exequente o direito de ser pago (pelo produto da venda do bem penhorado), com
preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior – art.º 822.º CC.
Não sendo, tal como a configuramos, uma garantia real do crédito, consistindo a
penhora numa apreensão do bem por ato de autoridade pública e sua consequente relativa
indisponibilidade, os atos do devedor, de disposição ou oneração do bem penhorado, são
ineficazes nos termos do art.º 819.º do CC.
A preferência resultante da penhora vale apenas no âmbito da execução (limitada
ao processo) em relação a outros créditos igualmente comuns, para efeitos dos
pagamentos a efetuar, quando, havendo mais do que uma execução onde o mesmo bem
tenha sido penhorado, os credores com penhoras posteriores ali reclamem os seus créditos
(art.º 788.º n.º 5 do CPC).”

71
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Consignação de rendimentos

I. Introdução
Na consignação de rendimentos, prevista nos art. 656.º a 665.º CC, o credor não
se satisfaz pelo valor de certos bens mas sim pelo rendimento de certos bens imóveis ou
móveis sujeitos a registo. Tal direito pode ser adquirido por acordo ou por decisão
judicial, sendo que os bens podem manter-se na posse do devedor ou passar para o poder
do credor ou de um terceiro. Não é necessário o incumprimento do contrato para o credor
garantido ir, através dos rendimentos, extinguindo parcialmente o seu crédito.
Nos termos do n.º 1 do art. 656.º CC, esta pode tutelar uma obrigação condicional
ou futura e, por força do seu n.º 2, pode limitar-se a garantir o crédito principal, abarcar
igualmente os juros ou só garantir a obrigação de pagamento deste últimos.
II. Legitimidade
Decorre do art. 657.º n.º 1 CC que “só tem legitimidade para constituir a
consignação quem puder dispor dos rendimentos consignados”, ou seja, não se exige que
o garante tenha poderes de disposição sobre os bens mas apenas sobre os rendimentos.
à Usufrutuário pode constituir esta garantia;
A consignação em depósito pode ser constituída pelo devedor ou por terceiro, daí
que o n.º 2 deste artigo determine que neste caso é aplicável o disposto no art. 717.º CC.
III. O objeto, a forma e a publicidade
O objeto da consignação, como estabelece o art. 656.º n.º 1 CC, é constituído por
rendimentos provenientes de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.
A forma do contrato vem estabelecida no n.º 1 do art. 660.º CC:
• Bens imóveis – escritura pública, documento particular autenticado ou
testamento;
• Bens móveis – escrito particular;
Em ambos os casos, impõe o n.º 2 a sujeição a registo “salvo se tiver por objeto
os rendimentos de títulos de crédito nominativos, devendo neste caso ser mencionada nos
títulos e averbada, nos termos da respetiva legislação.”
à A consignação voluntária é registada por inscrição cujo extrato deve referir o
prazo de duração ou, se for por tempo indeterminado, a quantia por cujo pagamento se
estabeleceu a garantia e a importância a descontar em cada ano, se tiver sido extipulada
uma quantia fixa (art. 2.º n.º 1 al. h) e 95.º n.º 1 al. p) CRPr);

72
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

à A consignação judicial de rendimentos de imóveis objeto de inscrição de


penhora é registada por averbamento à respetiva inscrição (art. 101.º n.º 1 al. i) CRPr);
IV. As espécies
Nos termos do art. 658.º CC, a consignação de rendimentos pode ser voluntária
ou judicial (n.º 1), sendo que a primeira resulta de um negócio jurídico inter vivos ou
mortis causa (testamento) e é constituída pelo devedor ou por terceiro e a segunda decorre
de uma decisão do Tribunal (n.º 2) estando regulada nos art. 879.º a 881.º CPC.
1. Consignação de rendimentos judicial
A consignação de rendimentos judicial só pode recair sobre bens penhorados.
Enquanto não forem vendidos ou adjudicados, o exequente pode requerer ao agente de
execução que lhe sejam consignados os rendimentos de imóveis, bens móveis sujeitos a
registo ou títulos de credito nominativos (art. 803.º n.º 1 CPC) em pagamento do seu
crédito.
O executado é ouvido sobre o pedido e a consignação de rendimentos é efetuada
se ele não requerer que se proceda à venda dos bens (art. 803.º n.º 2 CPC). Assim, que
para que proceda será sempre necessário o consentimento do executado que a não ser
prestado terá de aceitar a venda dos bens. É certo, no entanto, que poucas vezes terá
interesse em requerer a venda dos bens para não os perder.
Não há lugar à citação de credores quando a consignação seja requerida antes dela
e o executado não requeira a venda dos bens nos termos do art. 803.º n.º 3 CPC.
A consignação efetua-se por comunicação ao serviço competente, aplicando-se,
com necessárias adaptações, o disposto no art. 755.º n.º 1 e 2 CPC (art. 803.º n.º 4 CPC)
sendo o seu registo feito por averbamento ao registo da penhora (art. 803.º n.º 5 CPC e
art. 101.º n.º 1 al. i) CRPr).
A execução extingue-se logo que esteja efetuada a consignação e pagas as custas
da execução, levantando-se as penhoras que incidam em outros bens de acordo com o art.
805.º n.º 1 CPC.
V. O prazo
Determina o art. 659.º n.º 1 CC que “a consignação de rendimentos pode fazer-se
por determinado número de anos ou até ao pagamento da dívida garantida.” Sendo certo
que, nos termos do n.º 2, “quando incida sobre os rendimentos de bens imóveis, a
consignação nunca excederá o prazo de quinze anos.”

73
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Se tiver sido estabelecido um prazo fixo releva interpretar a declaração das partes
de modo a se depreender que pretenderam ou não ver extinta a obrigação findo esse prazo
ainda que não tenha sido totalmente satisfeita.
VI. As modalidades
A lei distingue no art. 661.º n.º 1 CC três modalidades de consignação de
rendimentos consoante os bens cujos rendimentos são consignados permaneçam em
poder do concedente (al. a) , passem para o poder do credor (al. b) ou para o poder de
terceiro (al. c).
à Al. a) – “que continuem em poder do concedente os bens cujos rendimentos
são consignados;”
# Os rendimentos têm de ser entregues ao credor sendo que se não estiver
convencionado que este terá o direito a receber ao fim de cada período uma
importância fixa, pode exigir a prestação anual de contas por força do n.º 1 do art.
662.º CC (art. 941.º CPC);
à Al. b) – “que os bens passem para o poder do credor, o qual fica, na parte
aplicável, equiparado ao locatário, sem prejuízo da faculdade de por seu turno os locar;”
# Este contrato é de locação e não de sublocação, cessando nos termos do
art. 1051.º al. c) CC;
# Se o credor não locar os bens, dever-se-á estabelecer qual o montante
dos rendimentos periódicos a produzir por esses bens para se poder determinar o
montante da dívida que vai sendo abatido;
# Decorre do art. 663.º CC que o credor deverá administrar os bens como
um proprietário diligente e pagar as contribuições e demais encargos da coisa, só
se podendo liberar dessas obrigações através da renúncia à garantia, à qual se
aplica o art. 731.º CC;
# Incumprida a obrigação de entregar o bem ao credor, pode o credor
lançar mão da ação executiva para entrega de coisa certa;
# O autor da garantia tem o poder de exigir ao credor a prestação anual de
contas nos termos do n.º 2 do art. 662.º CC;
à Al. c) – “que os bens passem para o poder de terceiro, por título de locação ou
por outro, ficando o credor com o direito de receber os respetivos frutos”;
# O autor da garantia tem o poder de exigir ao credor a prestação anual de
contas nos termos do n.º 2 do art. 662.º CC;

74
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Em qualquer caso, decorre do n.º 2 do art. 661.º CC, “os frutos da coisa são
imputados primeiro nos juros, e só depois no capital, se a consignação garantir tanto o
capital como os juros.”

VII. Consignação, demais regime e venda executiva


Nos termos do art. 665.º CC, “são aplicáveis à consignação, com as necessárias
adaptações, os artigos 692.º, 694.º a 696.º, 701.º e 702.º” CC.
Interposta a ação executiva por um outro credor do concedente em que seja
penhorada a coisa donde provém os rendimentos consignados, coisa essa que venha
depois a ser objeto de venda judicial, extingue-se a consignação nos termos do art. 824.º
n.º 2 CC.
VIII. A extinção
A extinção da consignação de rendimentos verifica-se pelo:
• Decurso do prazo estipulado;
• Pelas causas por que cessa a hipoteca, elencadas no art. 730.º CC, com exceção
da al. b);

75
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Reforço quantitativo da probabilidade de satisfação do crédito

I. Fiança
II. Mandato de crédito
III. Aval
IV. Garantia autónoma
V. Cartas de conforto
VI. Seguro de crédito
VII. Seguro-caução
VIII. Solidariedade passiva
IX. Assunção cumulativa de dívida

A fiança

I. Introdução
A fiança é uma garantia pessoal típica regulada nos art. 627.º a 655.º CC que
consiste na situação pela qual uma pessoa se obriga, perante o credor, a cumprir uma
prestação devida por outra pessoa caso se verifiquem determinadas circunstâncias. Neste
sentido, ao património do devedor principal soma-se o património do fiador pelo que esta
consiste num incremento quantitativo da probabilidade de satisfação do crédito garantido.
Assim, há um alargamento quantitativo da massa de bens responsáveis pois, a par do
património do devedor, temos o património de um terceiro a responder pela dívida.
Nos termos do art. 627.º CC, o terceiro garante a satisfação do crédito, ficando
pessoalmente obrigado perante o credor.
à Discute-se na doutrina se esta situação implica a constituição de uma obrigação
própria do fiador ou se existe uma prestação única.
# Gomes da Silva entende que não pois defende que não é possível
configurar o fiador como verdadeiro devedor.
# No sentido oposto temos Menezes Leitão, Menezes Cordeiro e Pestana
Vasconcelos que entendem que o fiador constitui um verdadeiro devedor pois tem um
dever de prestar perante o credor ainda que a sua função seja apenas a de assegurar a
realização do pagamento pelo devedor.

76
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

A obrigação deste terceiro tem o mesmo conteúdo que a do devedor principal e


cobre as consequências do não cumprimento culposo por parte do devedor, como resulta
do art. 634.º CC.
Assim, há duas obrigações – a do devedor e a do fiador. A primeira é a principal
e a última é a acessória.
O credor que tem o seu crédito garantido por fiança é um credor comum pelo que
o valor da fiança depende da extensão e solidez do património do fiador.
Como resulta do Ac. STJ de 10/11/2011 (Nuno Cameira), proc. n.º
245/08.7TBOHP.C1.S1 in dgsi.pt, “a fiança reveste natureza contratual, tendo sempre
de resultar de um negócio jurídico celebrado entre o fiador e o credor, ou entre o fiador e
o devedor, assumindo, neste último caso, a natureza de um contrato a favor de terceiro;
pode, ainda, o contrato de fiança ser concluído com a intervenção dos três interessados.”
à Nos termos do art. 628.º n.º 2 1.ª Parte CC, quando a fiança resultar de contrato
celebrado entre o fiador e o credor não é necessário o conhecimento do devedor, podendo
ser prestada ainda que este se oponha;
A fiança pode ser onerosa ou gratuita dependendo da existência ou não de uma
contraprestação para o fiador pela prestação da garantia.
As obrigações asseguradas pela fiança e que, consequentemente, correspondem
ao seu objeto, podem ser presentes, futuras (aplica-se o art. 654.º CC) ou condicionais
como determina o art. 628.º n.º 2 in fine CC.
Tanto as Pessoas Singulares como as Coletivas podem prestar garantias sendo que
estas estão limitadas pelo art. 6.º n.º 3 CSC que determina que “considera-se contrária ao
fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoas a dívidas de outras entidades,
salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se tratar de sociedade
em relação de domínio ou de grupo.”
• Densificação jurisprudencial do conceito de justificado interesse próprio da
sociedade prestadora da garantia:
à Maioritariamente, entende-se que só estão abrangidas por este preceito as
garantias prestadas a título gratuito que se mostram, por esse facto, contrárias ao
fim lucrativo da sociedade e, portanto, fora da sua capacidade de gozo;
à Há jurisprudência minoritária que defende que a 1.ª Parte do n.º 3 do art. 6.º
CSC consagra uma regra autónoma proibitiva das garantias por dívidas alheias,
sendo indiferente se prestadas a título oneroso ou gratuito;

77
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

• Ónus da prova de que a prestação da garantia corresponde a um justificado


interessa da sociedade que a presta:
à A jurisprudência maioritária entende que o ónus da prova corre pela sociedade
garante (prestador da garantia) que, para invalidar a garantia, terá de provar que a
mesma foi prestada sem esse interesse. É o que resulta, por exemplo, do Ac. STJ
de 28/05/2013 (Fernandes do Vale), proc. n.º 300/04.0TVPRT-A.P1.S1 in
dgsi.pt, que decidiu que “quanto à prova da existência de justificado interesse
próprio da sociedade garante na prestação de qualquer das mencionadas garantias,
não deve a entidade garantida ser penalizada com a nulidade do ato de prestação
de garantia (...), devendo aquele ato subsistir incólume se a sociedade garante não
lograr provar a inexistência, in casu, do mesmo interesse”;
à A doutrina maioritária sustenta que cabe ao credor que pretende fazer valer a
garantia provar que a mesma foi prestada no interesse da sociedade pois, sendo a
garantia em regra inválida, cabe a quem a pretende acionar (o credor) provar que
se verifica alguma das exceções legais capazes de a validar sendo aplicável o n.º
1 do art. 342.º CC. Neste sentido na jurisprudência, Ac. STJ de 16/11/2017
(Graça Amaral), proc. n.º 1721/14.6T8VNG-E.P1.S1 in dgsi.pt, defendendo-o
“por tal situação se configurar numa exceção à referida regra da nulidade e, como
tal, constituir um elemento constitutivo do seu direito (artigo 342.º n.º1, do CC)”;
No âmbito de uma fiança de consumo, é aplicável o art. 12.º n.º 2 DL n.º 133/2009
quanto ao dever de entrega do contrato de crédito.
II. Modalidades e forma da declaração
Nos termos do art. 628.º n.º 1 CC, “a vontade de prestar fiança deve ser
expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal.” Assim, decorre
deste preceito o negócio constitutivo da obrigação fidejussória pressupõe:
• Que a vontade de prestar fiança seja manifestada expressamente, ou seja, tem de
decorrer de forma direta da declaração;
à Esta exigência é apenas para a declaração do fiador, para a contraparte segue-
se os art. 219.º e 217.º CC. No entanto, embora a lei exija apenas a forma quanto
à “vontade de prestar fiança”, podendo levar a que se conclua que quanto ao tipo
de fiança, dívida garantida e demais condições não estava abrangida por esta
exigência, Menezes Cordeiro entende que esta necessidade de forma escrita
abrange toda a vontade em causa.
• E que seja adotada a forma exigida para a obrigação principal;

78
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

à Se incumprida, o negócio é nulo nos termos do art. 220.º CC;


Mesmo que haja remuneração do fiador, a jurisprudência e a doutrina têm
entendido que a fiança se mantém como gratuita pelo que deve ser interpretada de acordo
com o art. 237.º CC pelo que na dúvida deve prevalecer a situação mais favorável ao
fiador.
à Menor âmbito; mais prevalecente quanto à subsidiariedade e acessoriedade;
facilite o seu não uso pelo credor;
III. Características da fiança
1. Acessoriedade
Resulta do art. 627.º n.º 2 CC que a obrigação do fiador se molda atendendo à
obrigação do devedor e a sua subsistência depende da manutenção desta. Ou seja, a
obrigação do fiador determina-se em termos genéticos, funcionais e extintivos com base
na obrigação do devedor. Consagra-se assim uma acessoriedade forte como refere
Menezes Cordeiro.
Manifestações da acessoriedade:
à A obrigação principal é pressuposto da obrigação do fiador, que lhe serve de
referência, determinando o seu conteúdo nos termos do art. 634.º CC;
à A obrigação do fiador não pode exceder a obrigação principal nem ser
contraída em termos mais onerosos. Se o for, a mesma não é nula mas redutível na parte
excedente – art. 631.º n.º 1 e 2 CC;
à A invalidade ou inexistência da obrigação principal afetam a fiança – art. 632.º
n.º 1 CC. Só não é assim se o fundamento da anulabilidade for conhecido pelo fiador
aquando a prestação da fiança – art. 632.º n.º 2 CC;
à O fiador pode opor ao credor os meios de defesa que o devedor poderia recorrer
– art. 637.º n.º 1 CC;
à A extinção da obrigação principal extingue a fiança – art. 651.º CC;
à A natureza civil ou comercial da fiança depende da natureza da obrigação
principal – Artigo101.º CCom;
à A obrigação principal regula a forma exigida para a fiança – art. 628.º n.º 1 CC;
É esta característica que permite distinguir a fiança das garantias autónomas.
2. Subsidiariedade (forte direta – Menezes Cordeiro)
A subsidiariedade constitui uma característica tendencial da fiança civil que
consiste na possibilidade conferida ao fiador de recusar a execução dos seus bens
enquanto houver no património do devedor bens suscetíveis de penhora.

79
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Menezes Cordeiro entende que a subsidiariedade é forte e direta pois a fiança só


pode atuar depois de esgotadas as hipóteses de obter satisfação do crédito pelo devedor
principal.
Esta característica concretiza-se essencialmente no benefício da excussão pessoal
– art. 638.º CC, art. 745.º (oposição à execução) e 784.º n.º 1 al. b) (oposição à penhora)
CPC – e real – art. 739.º CC.
No entanto, a subsidiariedade não se esgota no benefício de excussão:
à Art. 637.º n.º 1 CC – opor ao credor, meios de defesa do devedor;
à Art. 642.º n.º 1 CC – recusa do cumprimento pelo fiador se for possível o
crédito extinguir-se por compensação com crédito do devedor ou dívida do credor;
à Art. 642.º n.º 1 CC – recusa do cumprimento pelo fiador quando puder
impugnar o negócio;
à Art. 647.º CC;
à Art. 652.º n.º 1 1ª Parte CC;
IV. Função da fiança, valores subjacentes e injuntividade
Funções:
à Compulsória – o devedor principal sabe que a sua falha vai recair sobre o fiador
pelo que procurará evitar pois é sempre alguém próximo e da sua confiança;
à Confiança – o credor não precisa de conhecer o devedor pois estando a
obrigação garantida torna-o mais viável para a conclusão do negócio;
à Limitação do risco – o credor confere a um devedor garantido uma notação
mais baixa, permitindo patamares mais elevados e juros mais baixos;
à Racionalização da gestão – apesar do risco incorrido pelo fiador, o devedor
principal é o único que controla os negócios em jogo;
As regras da fiança são injuntivas a não ser que outra coisa resulte da lei.
V. Fiança de obrigações naturais ou prescritas
Questão que se levanta é a de saber se pode ser prestada uma fiança para
cumprimento de uma obrigação natural. Parece que está fora do âmbito do art. 631.º CC
pelo que não seria admissível a não ser que a mesma também fosse ela própria “natural”.
No entanto não parece que, atendendo aos valores básicos em presença, tal seja admissível
pois estar-se-ia a retirar o direito de ação à obrigação natural pelo que a fiança seria nula
nos termos do art. 280.º n.º 1 CC.
Antes de invocada a prescrição, a obrigação é civil pelo que suscetível de ser
afiançada. Expirado o prazo, é possível a renúncia à prescrição – art. 302.º CC – que pode

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

ser tácita o que ocorre se por exemplo for prestada uma fiança com o
consentimento/conhecimento e sem oposição do devedor.
VI. Relações entre credor e fiador
Na situação jurídica de fiança temos uma obrigação entre o credor e o fiador que
está funcionalizada ao cumprimento da obrigação principal. Assim, quase todo o
conteúdo da fiança se traduz em relações entre o credor e o fiador, reguladas nos art. 634.º
a 643.º CC.
1. Meios de defesa do fiador
Decorre do art. 637.º n.º 1 CC que “além dos meios de defesa que lhe são próprios,
o fiador tem o direito de opor ao credor aqueles que competem ao devedor, salvo se forem
incompatíveis com a obrigação do fiador.”
São pelo menos dois os casos em que o fim da garantia da fiança justifica a
ressalva da incompatibilidade da obrigação do fiador com o meio de defesa próprio do
devedor, sendo eles:
• Falecendo o devedor principal, os herdeiros podem invocar a eventual exceção
material de insuficiência do património hereditário para pagar a dívida, mas o
fiador não o poderá fazer porque isso seria contrário ao fim da garantia da fiança;
• Ocorrendo insolvência do devedor, podem verificar-se situações como a
concordata entre o devedor e os credores que não pode ser invocada pelo fiador;
Meios de defesa do devedor invocáveis pelo fiador:
• Prescrição da obrigação principal – fiador é tido como terceiro para efeitos do art.
305.º n.º 1 CC;
• Exceção do não cumprimento;
• Nulidade e anulabilidade do negócio de que provém a obrigação garantida;
• Direito de retenção;
• Inexigibilidade do crédito principal;
• Moratória concedida pelo credor;
• Não verificação do termo ou condição da obrigação principal;
• Impossibilidade do cumprimento ou mora não imputável ao devedor;
• Extinção da obrigação principal por cumprimento, remissão, confusão...;
• Caso julgado entre credor e devedor favorável a este – art. 635.º n.º 1 CC;
• Abuso do direito;
• Caráter manifestamente excessivo da cláusula penal;

81
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

• Culpa do credor na produção ou agravamento do dano, na obrigação de


indemnização;
Meios de defesa do próprio fiador:
• Invalidade e ineficácia do contrato de fiança;
• Prescrição da fiança uma vez decorrido o respetivo prazo;
• Compensação se o fiador for titular de um contra crédito que possa opor ao credor;
• Benefício da excussão – art. 638.º n.º 1 CC;
• Benefício da liberação – art. 638.º n.º 2 CC;
• Extinção da fiança por extinção da obrigação afiançada – art. 651.º CC;
• Meios de defesa dilatórios – art. 642.º CC;
à O fiador pode recorrer à exceção da compensabilidade – art. 642.º n.º 1 CC –
se o devedor puder recorrer à compensação e pode recusar o cumprimento
enquanto o devedor puder impugnar o negócio do qual provenha a obrigação
garantida – art. 642.º n.º 2 CC;
• Intimação cominatória – art. 652.º CC;
à Meios de defesa do devedor – nulidade, anulabilidade ou extinção da obrigação
principal; art. 428.º, 437.º n.º 1 e 637.º n.º 1 CC; excluem-se os meios de defesa pessoais.
Como o devedor não pode, com as suas ações, prejudicar a posição do fiador, mesmo que
renuncie a qualquer meio de defesa, esta renúncia não o afeta – art. 637.º n.º 2 CC.
Nos termos do art. 637.º n.º 2 CC, “a renúncia do devedor a qualquer meio de
defesa não produz efeito em relação ao fiador.”
i. Benefício da excussão
Decorre do art. 638.º CC o benefício da excussão pessoal, sendo um dos principais
aspetos da relação entre o fiador e o credor. Este permite ao fiador recusar o cumprimento
enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do
seu crédito.
Invocado este benefício, o credor tem o ónus de demonstrar que recorreu a todo
o património do devedor principal de forma diligente (n.º 2) e que ainda assim não obteve
a satisfação integral do seu crédito.
Se o crédito principal estiver assegurado tanto por fiança como por garantia real
constituída por terceiro é necessário atender ao momento da constituição de cada uma das
garantias. Se a fiança tiver sido constituída posterior ou contemporaneamente à garantia
real, determina o art. 639.º n.º 1 CC que o fiador tem direito a exigir a execução prévia

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

das coisas sobre as quais recaia uma garantia real. Consagra-se assim o beneficio da
excussão real prévia.
à Ratio – se a fiança foi prestada após a existência de garantias reais entende-se
que o mesmo sabia dessa condição e portanto só se pretendeu responsabilizar para os
montantes não cobertos pela execução do bem garantido;
Perda do benefício da excussão pessoal e real:
à Renúncia expressa ou tácita – o fiador pode ser demandado à ação executiva
em litisconsórcio com o devedor ou sozinho. Neste caso pode chamar o devedor à
demando através da intervenção provocada – art. 316.º CPC. Se não o fizer entende-se
que renunciou ao benefício da excussão a não ser que declare expressamente o contrário
– art. 641.º n.º 1 e 2 CC;
à Exclusão pela vontade das partes – art. 640.º CC;
à Se for uma obrigação comercial – art. 101.º CCom;
2. Caso julgado
Decorre do art. 635.º n.º 1 CC que “o caso julgado entre credor e devedor não é
oponível ao fiador” pois este não interveio no processo e, portanto, não teve a
possibilidade de aí se defender. Contudo pode fazer valer-se dele, a não ser que respeite
a circunstâncias pessoais do devedor que não excluam a responsabilidade do fiador.
à Casos de anulação do negócio principal pelos motivos contidos no art. 632.º
n.º 2 CC;
Por seu turno, nos termos do n.º 2 do art. 635.º CC “o caso julgado entre credor e
fiador aproveita ao devedor, desde que respeite à obrigação principal, mas não o prejudica
o caso julgado desfavorável.”
3. Prescrição
Ocorrendo a prescrição da obrigação principal, a mesma deixa de ser exigível em
Tribunal (art. 304.º n.º 1 CC) sendo tal facto um meio de defesa do fiador nos termos do
art. 637.º n.º 1 CC. No entanto, sendo a fiança uma obrigação paralela à obrigação
afiançada, é igualmente suscetível de prescrição.
Resulta do art. 636.º CC uma regra de autonomia das duas obrigações pois
consagrou-se a independência das prescrições relativamente às duas obrigações em causa,
atenuada quanto à interrupção face ao fiador. Ora, decorre da 2.ª Parte do seu n.º 1 que se
o credor interromper a prescrição em relação ao devedor e der conhecimento do facto ao
fiador, interrompe-se igualmente a prescrição contra este, a contar da comunicação.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Quanto à suspensão (n.º 2) e renúncia (n.º 3) a regra é igualmente a da


independência.
Problema: o que ocorre se, por força das prescrições, o fiador ficar numa situação
mais onerosa que a do devedor principal? Cumprindo o fiador fica sub-rogado nos direitos
do credor contra o devedor? Quais? Os atuais ou os iniciais?
à Houve um lapso do legislador pelo que Menezes Cordeiro defende que o art.
631.º n.º 1 CC tem sempre primazia pelo que a fiança nunca poderá exceder a divida
principal. Neste sentido, independentemente do que resultar do jogo das prescrições, o
fiador pode sempre prevalecer-se da situação menos gravosa da divida principal se tal
ocorrer. Vale ainda o art. 637.º n.º 1 1ª Parte CC.
VII. Relações entre devedor e fiador
Decorre dos art. 644.º a 648.º CC as normas que regulam as relações entre o
devedor e o fiador.
Nos termos do art. 644.º CC, “o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado
nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos.” Ou seja, a
posição jurídica do credor passa, na medida do cumprimento (total ou parcial), para o
fiador nos termos do art. 593.º n.º 1 CC, com as eventuais garantias e demais acessórios
(por exemplo, juros) que não sejam inseparáveis da pessoa do credor, como estabelece o
art. 582.º, ex vi art. 594.º CC. Verifica-se assim uma modificação subjetiva na relação
obrigacional a que se refere a fiança: o credor é substituído na sua posição pelo fiador.
à Se a obrigação do fiador estiver prescrita (mas a obrigação afiançada não) e
este a cumprir, não tem direito a repetição do indevido nos termos do art. 403.º CC mas
a sub-rogação verifica-se, pelo menos é este o entendimento de Evaristo Mendes. No
entanto, se for a obrigação garantida a que se encontra prescrita, a sub-rogação verifica-
se mas pode o devedor opor-lhe essa exceção e não cumprir;
Em virtude da sub-rogação, o devedor pode opor ao fiador os meios de defesa que
este poderia ter oposto ao credor originário nos termos do art. 585.º CC, aplicável por
força do art. 588.º CC, exceto se consentir no cumprimento do fiador ou se deste tiver
conhecimento e injustificadamente não comunicar a existência desses meios de defesa,
como dispõe o art. 647.º CC.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

O Código Civil prevê deveres de aviso entre o fiador e o devedor que são um
afloramento dos deveres de proteção e lealdade impostos pela boa-fé.
• Dever de aviso do fiador:
à Resulta do art. 645.º n.º 1 CC que o fiador que cumpra a obrigação deve avisar
o devedor desse cumprimento sob pena de, caso o devedor por erro também efetue
a prestação, perder o seu direito contra este. Se o fiador avisar o devedor do
cumprimento e este ainda assim efetuar a prestação, esta foi entregue a quem já
não é credor pelo que pode ser repetida, ou seja, pode o devedor exigir a sua
devolução nos termos do enriquecimento sem causa, por força do art. 476.º n.º 1
CC;
à Perdendo o direito de crédito adquirido por sub-rogação, tem o fiador direito a
exigir do credor a repetição da prestação por si realizada como se a mesma fosse
indevida nos termos do n.º 2 do art. 645.º CC;
• Dever de aviso do devedor:
à Decorre do art. 646.º CC que “o devedor que cumprir a obrigação deve avisar
o fiador, sob pena de responder pelo prejuízo que causar se culposamente não o
fizer”;
• Dever de aviso do credor:
à Também o credor tem deveres de aviso no caso de um dos devedores ter
cumprido e o outro se apresentar a cumprimento. Se não o fizer, haverá direito a
indemnização pelos prejuízos sofridos, incluindo-se os danos morais, por violação
direta da boa-fé nos termos do art. 762.º n.º 2 CC;
O fiador pode, nos casos estabelecidos nas várias alíneas do art. 648.º CC, exigir
a sua liberação (através do cumprimento pelo devedor da sua obrigação ou através de
qualquer meio alternativo de satisfação do crédito) ou a prestação de caução, de modo a
garantir o seu direito à eventual sub-rogação. A prestação de caução pode ocorrer por
qualquer dar formas do art. 623.º CC.
à Alguns autores, como Menezes Cordeiro, defendem a necessidade de um ajuste
interpretativo de modo a só se aplicar este preceito se entre o devedor e o fiador existir
uma relação que o justifique (por exemplo, um contrato ou pelo menos uma forte relação
de confiança, estando excluída nos casos em que o devedor não consentiu ou não soube
da prestação da fiança);

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

VIII. Relações entre devedor e credor


Decorre do n.º 1 do art. 633.º CC que “se algum devedor estiver obrigado a dar
fiador, não é o credor forçada a aceitar quem não tiver capacidade para se obrigar ou não
tiver bens suficientes para garantir a obrigação.” Se o devedor apresentar um fiador nestes
termos, a sua obrigação de conseguir fiador não é cumprida pelo que, se tal ocorrer por
sua culpa, a obrigação principal torna-se imediatamente exigível, nos termos do art. 780.º
n.º 1 in fine CC.
Prestada a fiança, se o fiador alterar a sua situação patrimonial de modo que haja
risco de insolvência pode o credor, ao abrigo do n.º 2 do art. 633.º CC, exigir um reforço
da fiança, que pode consistir:
• Substituição do fiador por outro que reúna os requisitos da solvabilidade e
capacidade;
• Contratação de uma segunda fiança;
• Ingresso na fiança original de um confiador – art. 595.º n.º 2 CC por ex;
• Celebração de uma subfiança – art. 630.º CC;
Se tal não for cumprido, o devedor pode oferecer outra garantia idónea dentro do
prazo fixado pelo Tribunal – art. 633.º n.º 3 1ª Parte CC – e, caso não o faça, o credor
pode exigir o cumprimento da obrigação de imediato – art. 633.º n.º 3 2ª Parte CC
Se a diminuição da garantia for imputável ao devedor pode o credor, nos termos
do art. 780.º n.º 1 CC, optar desde logo entre a substituição ou reforço da garantia e o
cumprimento imediato da obrigação.
IX. Pluralidade de fiadores
A questão que se coloca quanto à pluralidade de fiadores é saber se a
responsabilidade de cada fiador abrange a totalidade do crédito garantido ou apenas a sua
quota-parte da mesma. A regra é a de que, havendo dois ou mais fiadores, cada um deles
responde, perante o credor, pela totalidade da dívida afiançada nos termos dos art. 631.º
n.º 1 e 634.º CC. No entanto, o legislador estabeleceu a possibilidade de, em certos termos,
ser invocado um benefício da divisão da obrigação por cabeça.
O credor se assim o quiser poderá liberar um dos confiadores nos termos do art.
866.º n.º 2 CC.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

1. Vários fiadores prestam a garantia isolados


Decorre do n.º 1 do art. 649.º CC que “se várias pessoas tiverem, isoladamente,
afiançado o devedor pela mesma dívida, responde cada uma delas pela satisfação integral
do crédito”, sendo então aplicável o regime das obrigações solidárias. Só assim não é se
tiver sido convencionado o benefício da divisão. Ou seja, a regra é a de que não há
benefício da divisão, respondendo os vários fiadores pela totalidade da dívida, sendo
aquela possibilidade supletiva, pelo que dependente da manifestação da vontade das
partes.
A fiança é prestada isoladamente se os vários fiadores a prestam de forma
independente, cada um por si, através de declarações verbais ou escritas separadas, sem
o acordo ou a comparticipação dos demais e/ou sem haver um conhecido interesse ou
motivo comum para a prestação das garantias.
Sendo as fianças independentes, pode o credor exigir a totalidade da obrigação a
cada um dos fiadores, podendo demandá-los a todos conjuntamente ou escolher quem
demanda, e o cumprimento por um deles libera os demais perante o credor, como resulta
dos art. 512.º n.º 1 1.ª Parte, 517.º n.º 1 e 523.º CC. Se demandado apenas um dos fiadores
e querendo o mesmo chamar os demais à demanda para com ele se defenderem ou serem
conjuntamente condenados, pode fazê-lo através do incidente de intervenção provocada
de terceiros previsto no art. 316.º e ss CPC.
Nos termos do art. 650.º n.º 1 CC, o fiador que pagar a totalidade da divida fica
sub-rogado nos direitos do credor face ao devedor e tem direito de regresso face aos
demais fiadores (é aplicável a regra da igualdade de responsabilidades dos coobrigados
prevista no art. 516.º CC). Se o benefício da divisão tiver sido acordado entre as partes e
ainda assim um dos fiadores tiver cumprido a totalidade da dívida ou uma quota superior
à que lhe era devida:
à Tem direito a “reclamar dos outros as quotas deles, no que haja pago a mais,
ainda que o devedor não esteja insolvente”, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, se tiver
sido demandado judicialmente para o efeito;
à Só tem direito de regresso contra os outros fiadores depois de excutidos todos
os bens do devedor, nos termos do art. 650.º n.º 3 CC, se cumprir voluntariamente;

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

2. Vários fiadores prestam a fiança conjuntamente


Por força do n.º 2 do art. 649.º CC, “se os fiadores se houverem obrigado
conjuntamente, ainda que em momentos diferentes, é lícito a qualquer deles invocar o
benefício da divisão, respondendo, porém, cada um deles, proporcionalmente, pela quota
do confiador que se encontre insolvente.” Ou seja, se os vários fiadores se tiverem
obrigado conjuntamente, qualquer um deles poderá invocar o benefício da divisão pois
presume-se que cada um só se quis responsabilizar pela sua parte que seria o total a dividir
pelos intervenientes fiadores.
Ora, entende-se que atuam conjuntamente, os fiadores que o fazem de forma
concertada, movidos por um interesse ou causa comuns e tendo em conta as declarações
negociais uns dos outros. Presume-se que o são quando as várias declarações são emitidas
num só ato, nomeadamente, quando todos assinam o mesmo documento,
contemporaneamente ou em momento sucessivos.
Nestes termos, cada um dos fiadores responde por uma quota-parte da dívida
garantida e ainda proporcionalmente pela quota do fiador que se encontre insolvente –
art. 649.º n.º 2 CC – ou daquele que não puder ser demandado nos termos do art. 640.º al.
b) – art. 649.º n.º 3 CC.
Nas relações internas, ou seja, entre os vários fiadores, são aplicáveis os n.º 2 e 3
do art. 650.º CC.
X. Extinção
Causas de extinção da fiança:
à Extinção da obrigação principal – art. 651.º CC – é uma solução óbvia pois, se
o objetivo da fiança é assegurar o cumprimento da obrigação principal pelo devedor,
cumprida a mesma, a fiança fica sem objeto pelo que consequentemente extingue-se;
à Prescrição – art. 636.º CC;
à Caducidade por inação do credor contra o devedor – art. 652.º CC – legislador
pretende evitar que o credor, sabendo que tem um fiador, cruze os braços e não exija o
cumprimento. O fiador tem interesse que o credor venha exigir o cumprimento porque
responde pela mora pelo que à partida não quer que chegue a esse ponto e é do seu
interesse saber logo se há património suficiente ou se tem de responder pela dívida;
à Liberalização por impossibilidade de sub-rogação – art. 653.º CC – esta
impossibilidade pode advir de razões jurídicas (ex: inviabilidade do devedor principal se
constituir devedor do fiador) ou materiais (ex: normalmente são negativas – não
intervenção na insolvência não reclamando o crédito);

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

à Art. 654.º CC – se a obrigação afiançada for futura (art. 628.º n.º 2 CC) e
enquanto a mesma não se constituir, o fiador pode liberar-se da garantia se:
# 1.ª Parte – a situação patrimonial do devedor se agravar em termos de
pôr em risco os direitos eventuais do fiador contra este (direito previsto no art. 644.º CC)
– poder de liberação por justo motivo;
# 2.ª Parte – tiverem decorridos 5 anos sobre a prestação da fiança ou outro
prazo de convencionado – poder de liberação ad nutum;
à Art. 2.º Lei 6/2006 ou 655.º CC (se vigor aquando da celebração do contrato);
XI. Modalidades particulares da fiança
1. A subfiança
Decorre do art. 630.º CC que “subfiador é aquele que afiança o fiador perante o
credor”, ou seja, é aquele que garante ao credor o cumprimento do fiador. Embora o que
esteja em causa é uma garantia de cumprimento de outra garantia, substancialmente o
subfiador está a garantir o cumprimento pelo devedor principal. Assim, estabelece este
preceito a admissibilidade da subfiança.
À subfiança são aplicáveis com as devidas alterações o regime legal da fiança e o
seu regime especifico:
• O subfiador goza de um duplo benefício da excussão – art. 643.º CC – em relação
ao devedor principal e em relação ao fiador. Este não existe caso a obrigação seja
comercial ou se as partes acordarem o contrário;
• Havendo vários fiadores e um deles tiver um subfiador, em princípio a
responsabilidade deste é apenas perante o credor e não perante os demais fiadores
nos termos do art. 650.º n.º 4 CC;
• Se o subfiador for demandado e cumprir, adquire o crédito principal por sub-
rogação mantendo-se o mesmo garantido por fiança – art. 582.º ex vi 594.º CC;
• Se o devedor cumprir, a fiança e subfiança extinguem-se. Se for o fiador a
cumprir, adquire o crédito por sub-rogação face ao devedor – art. 644.º CC – e a
subfiança extingue-se;
2. A retrofiança
Não está prevista diretamente na lei, sendo admissível por força da autonomia
privada nos termos do art. 405.º CC, e consiste na fiança do crédito que o fiador que
cumpre a obrigação garantida adquire por sub-rogação face ao devedor. Ou seja, esta é

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

prestada por terceiro a favor do fiador, na qualidade de potencial sub-rogado nos direitos
do credor a quem tenha satisfeito o crédito.
Em suma, na retrofiança o fiador assegura o crédito adquirido por sub-rogação
nos termos do art. 644.º CC, pelo que se destina a tutelar a posição do fiador no caso de
ter de cumprir a obrigação garantida através da transmissão do risco de incumprimento
ou de insolvência do devedor principal para terceiro.
A esta aplica-se também o regime da fiança.
3. A fiança geral ou omnibus
Estamos perante uma fiança geral quando o fiador garante um conjunto de dívidas
do devedor, presentes e/ou futuras, que não se encontrem logo fixadas. Esta figura emerge
da prática bancária sendo o credor e beneficiário desta um banco e é também
frequentemente utilizada pelos sócios, gerentes ou administradores como forma de
financiamento da sociedade.
A questão que se tem levantado quanto a este assunto é se a garantia prestada
nestes moldes não é nula por indeterminabilidade do seu objeto (obrigações garantidas)
nos termos do art. 280.º CC, especialmente quanto às obrigações futuras. Isto releva uma
vez que nestes casos não é possível aplicar o art. 400.º CC quando não seja fornecido um
critério para a determinação do objeto.
Embora seja certo que a lei permite a fiança de obrigação futura, podendo aliás
garantir mais do que um através de uma interpretação extensiva do art. 628.º n.º 2 CC, é
necessário que estas obrigações sejam determináveis, ou seja, exige-se a fixação de um
critério que permita ao fiador estimar nesse momento a responsabilidade futura em que
corre o risco de incorrer ou que lhe permita delimitar a extensão da própria
responsabilidade (permitir que seja o fiador a controlar a constituição das obrigações
garantidas do devedor face aquele credor. Ex: sócio gerente da sociedade ou sócio único).
Foi o decidido no Ac. STJ de UJ n.º 4/2001 que fixou jurisprudência no sentido
de ser “nula por indeterminabilidade do seu objeto, a fiança da obrigações futuras, quando
o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer
operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e
independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha.”
Os critérios que podem ser utilizados são: existência de limites temporais,
quantitativos (teto máximo), indicação das fontes das obrigações afiançadas. Às vezes é
necessário a articulação de mais do que um dos critérios para que se possa concluir que,

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

na altura da celebração da fiança, o fiador tinha consciência da medida da sua


responsabilidade.
Duração da responsabilidade:
à Não se tenha estabelecido um prazo de duração da fiança – fiador pode
extinguir a mesma com base na denúncia. Evaristo Mendes entende que se o fiador for
um sócio numa sociedade por quotas e a garantia tiver sido prestada devido a essa
qualidade e no pressuposto da sua manutenção, se o mesmo deixar de o ser, a
comunicação efetuada ao credor da perda dessa qualidade serve de denúncia à fiança.
Pestana Vasconcelos entende que deve haver um pré-aviso para a denúncia de
forma a tutelar a outra parte sendo que no período entre esse pré-aviso e a cessação da
fiança a atuação do devedor tem de estar pautada pela boa-fé limitando a sua contratação
ao estritamente necessário para o regular decurso da sua atividade.
à Fiança celebrada por um termo certo – findo o mesmo a fiança extingue-se
mantendo-se a responsabilidade do fiador apenas perante as obrigações constituídas até
aí pelo devedor. Pestana Vasconcelos aplica o art. 654.º CC aos casos de fiança omnibus
por tempo determinado podendo o fiador eximir-se da responsabilidade antes do mesmo
se a situação patrimonial do devedor se agravar em termos de por em risco os seus direitos
eventuais contra ele.
Esta cláusula é bastante perigosa pelo que os deveres de informação são
particularmente intensos para quem a ela queira recorrer especialmente para os casos em
que a contraparte não esteja em condição de perceber o seu alcance. Assim, tem de ser
explicado o conteúdo e alcance da responsabilidade e os riscos a ela associados para que
a contraparte que pretenda prestar a fiança compreenda. Uma vez que estamos perante
uma CCG, estes deveres resultam do art. 6.º DL n.º 446/85.
4. A fiança ao primeiro pedido
Esta figura caracteriza-se pelo facto do fiador ter de cumprira obrigação garantida
caso o credor o interpelo nesse sentido sem que lhe possa opor, num primeiro momento,
os meios de defesa que cabem ao devedor. A existirem esses meios, o fiador pode exigir
ao credor a repetição do que pagou pelo que a acessoriedade que num primeiro momento
é afastada renasce.
O ónus da prova desses meios de defesa que à partida poderiam ter sido opostos
ao credor cabe ao fiador em sede de ação de repetição.
Esta figura afasta-se da garantia autónoma à primeira solicitação pois embora a
acessoriedade seja afastada num primeiro momento, renasce num segundo momento.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Uma vez que esta cláusula é um perigo para o fiador, são poucos os casos reais
em que a mesma é estipulada e quando o seja exige-se um especial dever de informação
nos termos do art. 6.º CCG.
Embora seja clara a sua admissibilidade, questiona-se se a ser acordada pelas
partes, se ainda se está perante uma fiança ou uma figura atípica.
• A cláusula é compatível com a fiança pelo que ainda se configura como uma –
Mónica Jardim – o fiador não responde de forma mais gravosa pois tem sempre a
possibilidade de posteriormente opor ao credor os meios de defesa que num
primeiro momento lhe foram vedados.
• Contra – Januário da Costa Gomes – uma vez que se afasta a acessoriedade num
momento em que o fiador é chamado a responder, este responde autonomamente
sob pena de sofrer as consequências do incumprimento contratual mesmo que
decida não o fazer por ter ao seu dispor meios de defesa que à partida o
permitissem negar o cumprimento. Assim, tem de se concluir que responde de
forma mais gravosa que o devedor principal pelo que se afasta do art. 631.º n.º 1
CC. Assim, a fiança à primeira solicitação é uma figura intermédia entre a fiança
e a garantia autónoma automática à qual se aplica o regime desta na primeira fase
e daquela na segunda dentro do possível.
5. O regime insolvencial
i. Insolvência do devedor
O fiador cumpriu a obrigação anteriormente?
à Sim – fica sub-rogado no direito do credor – art. 644.º CC – pelo que o tem de
reclamar o crédito;
à Não – o fiador pode reclamar em processo de insolvência o seu direito contra
o devedor decorrente de um pagamento futuro da dívida, como crédito sob condição
suspensiva – art. 95.º n.º 2 CIRE. No entanto só o poderá fazer se o próprio credor não o
reclamar;
ii. Insolvência do fiador e do devedor
O credor poderá concorrer pela totalidade do seu crédito a cada uma das massas
insolventes, mas o somatório das quantias que receber de ambas não pode exceder o
montante do seu crédito – art. 95.º n.º 1 CIRE.
iii. Insolvência do fiador
A fiança pode estar sujeita à resolução condicional do art. 121.º CIRE tendo que
estar preenchida a al. d) do mesmo. Este regime vale para a subfiança.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Mandato de crédito

O art. 629.º CC prevê a figura do chamado mandato de crédito que mais não é que
o contrato no qual um sujeito encarrega outrem de conceder crédito a um terceiro, em
nome e por conta própria. Se este encargo for aceite conclui-se o contrato, fincando o
mandante responsável como fiador perante a contraparte que assume o encargo de
conceder o crédito relativamente à futura obrigação derivada dessa concessão (n.º 1) e
regulando alguns aspetos do contrato (n.º 2 e 3). O mandatário fica vinculado a conceder
o crédito e, para contrabalançar essa obrigação, a lei, se as partes não estipularem o
contrário, constitui-o beneficiário de uma garantia fidejussória contra o mandante,
supostamente interessado na concessão do crédito.
Discute-se se a fiança surge assim que haja contrato de mandato, ou seja, assim
que o mandatário assuma a obrigação de conceder o crédito, ou se só quando o mesmo é
concedido. Parece que a solução mais adequada é a de entender que a fiança se constitui
com a celebração do contrato de mandato de crédito sendo inicialmente uma fiança de
obrigação futura até que o crédito seja efetivamente concedido, caso em que se transforma
em fiança de obrigação presente.
Decorre do n.º 2 do mesmo preceito que “o autor do encargo tem a faculdade de
revogar o mandato enquanto o crédito não for concedido, assim como a todo o tempo o
pode denunciar, sem prejuízo da responsabilidade pelos danos que haja causado.” Ou
seja, dispõe-se que:
• O encargo é revogável pelo seu autor enquanto o crédito não for concedido;
• Que é denunciável a todo o tempo;
• E que, ocorrendo a denúncia, o seu autor responde pelos danos que desse modo
tenha causado;
O n.º 3 respeita à posição do mandatário ou encarregado de conceder o crédito,
estabelecendo que é-lhe licito “recusar o cumprimento do encargo, sempre que a situação
patrimonial dos outros contraentes ponha em risco o seu futuro direito.” Há quem entenda
que a insuficiência patrimonial tem de ser objetivamente superveniente porquanto tem o
mandatário o dever de se informar não podendo valer-se da sua falta de diligencia para
recusar o cumprimento do encargo assumido, e quem considere que está igualmente
abrangida por esta previsão legal a superveniência subjetiva.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Aval

O aval é uma garantia que aparece ligada às obrigações cartulares. Aquele que
presta o aval garante dessa forma, no todo ou em parte, o cumprimento da obrigação de
um determinado obrigado. A sua fonte é um negócio jurídico unilateral.
Trata-se de uma garantia que surge no âmbito dos títulos de crédito sendo regulada
nos art. 30.º a 32.º e 77.º LULL e 25.º a 27.º LUCh.
O aval pode ser dado por terceiro ou por um signatário da letra (art. 30.º LULL).
Forma – é escrito na própria letra ou numa folha anexa e exprime-se pela fórmula
“bom para aval” ou outra equivalente, sendo assinado pelo seu dador (art. 31.º I e II
LULL).
O aval considera-se como resultando da simples assinatura do dador aposta na
face anterior da letra, a não ser que se trate das assinaturas do sacado ou do sacador (art.
31.º III LULL).
Deve ser indicada a pessoa por quem se dá o aval sendo que, na sua falta entende-
se que é dado pelo sacador (art. 31.º IV LULL) ou pelo subscritor da livrança (art. 77.º
LULL).
O avalista responde da mesma maneira da pessoa por ele afiançada (art. 32.º
LULL), tendo a sua obrigação o conteúdo e extensão da obrigação do avalizado. No
entanto ele sobrevive independentemente da obrigação garantida, se esta for nula, exceto
nos casos em que a nulidade seja determinada por vício de forma (art. 32.º II LULL).
O avalista que cumpre fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra, não só
contra o avalizado mas igualmente contra os obrigados para com este em virtude da letra
(art. 32.º III LULL). Além disso, o avalista não pode opor ao demandante o benefício da
excussão, respondendo solidariamente com o avalizado (art. 47.º I LULL).
I. O aval geral
Diz-se que estamos perante um aval geral quando a obrigação cartular garantida
não foi ainda determinada. Com efeito, emite-se um título de crédito sem que seja
determinado o montante da obrigação, a data da emissão, a época e o lugar do pagamento.
Esta figura, além de constituir uma garantia pessoal das obrigações especialmente
útil para os bancos, porque dotada de um flexibilidade que lhe permite cobrir diversos
negócios de crédito concluídos entre as partes, constitui igualmente um forte instrumento
de pressão sobre os gerentes/administradores da sociedade no que toca à gestão a realizar.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Esta modalidade é admissível quando ligada a um pacto de preenchimento do


título acordado entre as partes previsto no art. 10.º LULL aplicável também às livranças
por força do art. 77.º LULL, devendo por uma questão de facilidade probatória ser
efetuado por escrito.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Garantia autónoma

I. Introdução
Estamos perante uma garantia autónoma em regra prestada por um banco quando
o garante assume pessoalmente o cumprimento de uma obrigação assumida por um
terceiro decorrente de um outro contrato independentemente da validade ou eficácia dessa
obrigação garantida e dos meios de defesa que lhe possam ser opostos. Assim, verificados
os factos acordados pelas partes no contrato base, o garante terá de cumprir a obrigação
garantida podendo opor apenas os meios de defesa próprios da relação do credor e do
garante (contrato de garantia).
Esta figura não se encontra prevista na lei pelo que a sua admissibilidade resulta
do art. 405.º CC.
II. A estrutura da operação
Na garantia autónoma podemos distinguir três relações contratuais entre sujeitos
distintos:
• Contrato-base – pode ser de compra e venda, de empreitada, de fornecimento,
entre outros – é aquele que constitui a obrigação garantida sendo celebrado entre
o credor e o devedor e estabelece a relação de atribuição;
• Contrato de cobertura – contrato entre o devedor e o garante (geralmente um
banco) mediante o qual este se vincula, mediante uma remuneração, a celebrar
com o credor do primeiro contrato um contrato de garantia autónoma. Este
contrato é um mandato pois o mandante (banco) se obriga a praticar um ato em
nome próprio por conta do ordenante (devedor);
• Contrato de garantia autónoma – celebrado entre o garante e o credor do qual o
primeiro, emitindo o competente título, se obriga a pagar o montante
convencionado estabelecendo a relação de execução.
III. O contrato da garantia autónoma em si
É neste contrato que se define o valor da garantia prestada, as condições em que a
mesma é prestada, a sua extensão e o condicionalismo que o credor tem de adotar para a
exercer. É um contrato unilateral do qual só nasce obrigações para o garante.
Qual a forma exigida?
• Menezes Leitão – forma escrita devido ao risco corrido pelo garante;
• Romano Martinez– como é um negócio atípico aplica-se a liberdade de forma
prevista no art. 219.º CC

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Não se trata de um negócio abstrato mas sim causal na medida em que tem como
finalidade assegurar uma obrigação emergente de um outro contrato que lhe serve de base
pelo que essa é a sua causa.
IV. Modalidades
1. Quanto à garantia em si
Distingue-se entre garantia autónoma simples e à primeira solicitação:
• Simples – aquela em que o beneficiário só pode exigir o pagamento da quantia
garantida desde que prove o facto constitutivo do seu direito.
• On first demand – o garante deve pagar desde logo, face ao mero pedido do
beneficiário não tendo sequer tal pedido de ser justificado ou fundamentado.
Assim, mal o pedido seja feito nos termos acordados no contrato, o garante tem
de cumprir imediatamente.
2. Quanto à obrigação garantida
A doutrina tem dividido entre:
• Garantia relativa a uma oferta – feita uma oferta de contrato, o proponente oferece
uma garantia de manutenção da mesma, mesmo em caso de ela ser retirada pelo
proponente;
• Garantia de boa execução – destinam-se a garantir o adequado cumprimento de
uma obrigação;
• Garantia de reembolso – destinam-se a assegurar o reembolso de determinadas
quantias que vierem a ser dispensadas pelo beneficiário;
• Garantia de retenção – destinam-se a assegurar ao exportador o pagamento
integral do preço acordado mesmo perante uma situação de retenção parcial
efetuada pelo adquirente;
V. A autonomia
A autonomia, em contrapartida à acessoriedade, significa que a obrigação do
garante não se molda na obrigação garantida e é independente desta não sendo afetada
pelas suas vicissitudes. Neste sentido, o garante não pode opor ao credor quaisquer meios
de defesa que advenham da relação base de onde emerge a obrigação garantida.
Acresce que a obrigação do garante não tem o mesmo conteúdo que a obrigação
do devedor pois aquela é necessariamente uma prestação pecuniária e esta pode não o ser.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

VI. O levantamento da autonomia


Embora em regra o garante não pode recusar o cumprimento da obrigação quando
este lhe é solicitado, há casos em que se admite sendo à partida aqueles em que se verifica
um abuso de direito por parte do credor, fraude ou se o contrato base atingir a ordem
pública ou os bons costumes. Mas estes casos excecionais, como refere Almeida Costa e
Pinto Monteiro, têm de ser evidentes tendo o garante prova líquida e inequívoca dos
mesmos.
VII. O regime insolvencial
Um dos principais riscos que o credor pretende precaver com esta garantia é o da
declaração de insolvência do devedor.
Insolvência do devedor – tendo a insolvência sido declarada após a prestação da
garantia, verificando-se o facto justificativo da execução da garantia o credor pode
executá-la.
• Credor já executou a sua prestação – crédito sobre a insolvência pelo que o credor
pode executar a garantia. Se o fizer o garante adquire um crédito ao reembolso.
• Credor não executou a sua prestação – negócio em curso pelo que cabe ao
administrador da insolvência cumprir o contrato ou não cumprir – art. 102.º CIRE
Insolvência do credor – verificando-se os pressupostos para executar a garantia
pode fazê-lo a não ser que o devedor cumpra a sua obrigação.
Insolvência do garante – pode o administrador resolver a garantia nos termos do
art. 121.º n.º 1 al. d) CIRE?
• Deve-se fazer uma interpretação extensiva dessa normal pois não se está perante
uma tipicidade taxativa e a razão de ser desta inclusão destas figuras na
possibilidade da resolução incondicional prende-se com o prejuízo que causam
aos credores do insolvente o que também ocorre no caso da garantia autónoma.
Aliás, nesta especialmente se for à primeira solicitação, esse risco é bastante mais
amplo.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

As cartas de conforto

I. Introdução
As cartas de conforto são uma modalidade de garantias recente. Numa formulação
bastante geral, sempre se poderá dizer que consistem em declarações de um ente que, de
uma forma mais ou menos intensa, procura que seja concedido crédito a um terceiro,
manifestando determinadas intenções face ao creditado, ou mesmo assumindo
determinadas obrigações perante o creditante, de maneira a “confortá- lo”, ou seja, a, de
alguma forma, incrementar a sua expetativa de que as obrigações do creditado serão
cumpridas.
Como esclarece o Ac. TRL de 09/06/2017 (Maria Teresa Pardal), proc. n.º 916-
14.7TVLSB.L1-6 in dgsi.pt estas “são documentos atípicos, não previstos na lei, que,
como o nome indica, se destinam a tranquilizar uma instituição de crédito no sentido do
cumprimento das obrigações de uma entidade que beneficie do crédito dessa instituição
e são subscritos por outra entidade que tem interesses junto da beneficiária. A carta de
conforto apenas constituirá uma garantia pessoal se contiver uma obrigação de resultado
por parte da entidade subscritora, em que esta se responsabiliza expressamente pelo
pagamento da obrigação.”
Em regra surgem nas relações societárias em que a sociedade mãe procura que
seja concedido crédito à sociedade filha, enviando ao creditante, normalmente um banco,
uma declaração que pode ir de uma simples declaração de que toma conhecimento do
crédito, passando por um compromisso de manter a sua participação social na creditada
e vigiar os negócios desta, a responsabilizar-se mesmo pelo incumprimento da outra
sociedade.
Ainda que anteriormente se levantasse a questão da juridicidade das cartas de
conforto, havendo quem entendesse que em causa estariam meros acordos de cavalheiros,
atualmente é consensual que estão em causa verdadeiros negócios jurídicos uma vez que
deles resultam compromissos assumidos por uma parte, validamente aceites pela outra.
Uma questão que se levante é a de saber se as cartas de conforto têm natureza
unilateral ou contratual uma vez que a ser afirmada a sua unilateralidade, levantam-se
sérias dificuldades no nosso ordenamento, uma vez que o art. 457.º CC só admite os
negócios jurídicos unilaterais constitutivos de obrigações nos casos previstos na lei. O
que aqui não sucederia.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Contudo, entende-se que estas, ainda que resultem de um papel assinado apenas
pelo seu remetente, são verdadeiros contratos estando dependentes da aceitação do seu
beneficiário, podendo a mesma ser tácita nos termos do art. 234.º CC.
II. Modalidades
O valor e a eficácia jurídica das cartas de conforto depende do sentido das
declarações concretamente feitas por quem as subscreve, ou seja, trata-se,
fundamentalmente, de um problema de interpretação e até de integração negocial.
Como explica o Ac. STJ de 08/02/2018 (Rosa Tching), proc. n.º
1194/14.3TVLSB.L1.S2 in dgsi.pt, as cartas de conforto distinguem-se, no que concerne
ao seu conteúdo, entre fracas, médias ou fortes.
1. Fracas
“As cartas de conforto fracas apresentam um conteúdo meramente informativo:
comportam, nomeadamente declarações da patrocinante relativas ao conhecimento que
tem do crédito a conceder à patrocinada, à sua participação social na patrocinada, à
situação empresarial desta e à política do grupo em que ambas se inserem. (...)
Segundo o Acórdão do STJ, de 05.05.2016 (revista nº 3798/13. 2TBBRG.G2.S1),
nelas há uma concessão de informações e um dever genérico de diligência. E porque
assim é, a sua subscrição pode gerar responsabilidade para o emitente – nos termos do
art. 485.º CC, no caso de não serem fidedignas as informações delas constantes; nos casos
de culpa in contrahendo (art. 227.º CC); ou de ser identificado um venire contra factum
proprium (art. 334º CC).”
Estas não são garantias pessoais.
2. Médias
“Nas cartas de conforto médias, para além do conteúdo informativo, que nalguns
casos pode até nem existir, o elemento característico é a vinculação da patrocinante a
atuações instrumentais dotadas de incidência na patrocinada, como por exemplo medidas
de acompanhamento ou vigilância, de refinanciamento, de angariação de clientes, de
influência ou empenho, de manutenção da participação social, respondendo o
patrocinante pelo não cumprimento dos seus deveres instrumentais, assumidos no
propósito de acautelar a posição do credor.”
Pestana Vasconcelos entende que assume neste grupo de casos uma obrigação de
meios, traduzida na realização dos melhores esforços, tanto na vigilância da sociedade
filha, como numa sã gestão dos negócios desta, para que a patrocinada esteja em
condições de cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito. Essa obrigação

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

será tanto mais extensa, quanto o patrocinante controle efetivamente a sociedade


devedora. Caso contrário, terá, em regra, um significado diminuto .
Consequentemente, sendo que a subscritora da carta de conforto apenas se
compromete, nesta modalidade, a uma obrigação de meios, só poderá ser responsabilizada
perante a instituição de crédito destinatária da missiva pelo incumprimento da mutuária
se a instituição de crédito provar, não só o incumprimento dessa obrigação de meios, mas
também o nexo causal entre este e o não pagamento por parte da mutuária.
Como refere o acórdão, nesta modalidade estão em causa “garantias em sentido
amplo, na medida em que a expectativa do credor de cumprimento por parte da creditada
é certamente maior do que se existisse somente uma carta de conforto fraca, dadas as
obrigações assumidas pela patrocinante.”
3. Fortes
“Nas cartas de conforto fortes o patrocinante assegura à outra parte que a
obrigação da patrocinada será cumprida, comprometendo-se a cumprir ele próprio, caso
o devedor não o faça, ou a indemnizar o banco pelos prejuízos sofridos, caso em que
estamos perante uma verdadeira garantia pessoal no sentido estrito do termo, embora
atípica.
Daí afirmar-se que o subscritor de uma carta de conforto forte garante um
resultado, ou seja, o pagamento por parte do patrocinado, defendendo André Navarro de
Noronha que a emitente, em caso de necessidade, deve providenciar, direta ou
indiretamente, quanto ao cumprimento junto do credor.
Tal como escreve Pinto Monteiro, estaremos aqui perante declarações com um
conteúdo funcionalmente correspondente ao de uma promessa de facto de terceiro, o que
torna o emitente responsável perante o beneficiário pela não verificação do facto
garantido.”
Como refere Pestana de Vasconcelos, nesta modalidade estão em causa garantias
atípicas sendo que, em alguns casos, podem ser reconduzidas a garantias típicas como a
fiança e a garantia autónoma.
As dificuldades relativamente à fiança estão relacionadas com a necessidade de
esta ser prestada expressamente nos termos do art. 628.º n.º 1 CC. Contudo, não se exigem
para o efeito, como refere Antunes Varela, fórmulas sacramentais, bastando que a
vontade de garantir a obrigação do devedor, obrigando-se face ao credor a realizar a
mesma prestação, resulte diretamente da declaração do garante . O que se poderá retirar,
por vezes, das cartas de conforto .

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Não há, por isso, dúvidas que nas cartas de conforto forte estamos mesmo perante
verdadeiras garantias pessoais em sentido estrito, quer atípicas, quer, por vezes, típicas.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

O seguro de crédito

I. Introdução
Esta figura consiste num contrato celebrado entre um segurador e um credor
destinado a cobrir os riscos previstos no contrato, essencialmente de falta ou atraso no
cumprimento da obrigação. Assim, o risco é parcialmente transferido para a seguradora
que recebe como contrapartida prémios pagos pelo segurado.
No conteúdo deste contrato resultam ainda deveres de informação da parte da
seguradora quanto aos terceiros que o segurado se propõe a contratar.
II. Caracterização
O contrato de seguro de crédito é um contrato nominado e típico regulado pelo
DL n.º 183/88 e pelo RJCS. É celebrado entre o credor e o segurador – art. 9.º n.º 1 DL
– que visa cobrir determinados riscos previstos no art. 3.º DL fixados pelas partes.
O segurador obriga-se a indemnizar o credor caso se verifique o evento previsto
pelos contraentes – art. 99.º RJCS. Fazendo-o, fica sub-rogado nos direitos do credor na
medida do montante que pagou – art. 136.º n.º 1 e 165.º n.º 1 RJCS
Nunca é assegurado a totalidade do crédito mas sempre apenas uma percentagem
a estabelecer pelo segurador, exigindo-se um descoberto obrigatório – art. 5.º n.º 1 DL.
Assim o é para que o assegurado corra parte do risco de modo a manter o interesse pelo
destino do crédito.
O segurador por fixar na apólice limites máximos para os montantes
indemnizáveis – art. 5.º n.º n.º 3 DL.
Não são indemnizáveis os lucros cessantes nem os danos não patrimoniais – art.
12.º DL.
Em contrapartida do risco que o segurador corre, tem direito a uma
contraprestação pelo segurado que são os prémios – art. 11.º DL.
III. Modalidades
A lei distingue três modalidades de seguro de crédito:
• Seguro de crédito de exportação de bens e serviços – art. 1.º n.º 2 DL;
• Seguro de crédito no mercado interno – art. 1.º n.º 3 DL;
• Seguro de créditos financeiros – art. 1.º n.º 4 DL;

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

IV. Riscos
A lei elenca, no art. 3.º n.º 1 DL, os riscos que podem ser cobertos por este contrato
dividindo-os em quatro grupos:
• Art. 3.º n.º 1 al. c) DL – falta ou atraso no pagamento dos montantes devidos ao
credor. Pode tratar-se de mora ou já de incumprimento definitivo, total ou parcial;
• Art. 3.º n.º 1 al. b) DL – suspensão ou revogação da encomenda ou resolução
arbitrária do contrato pelo devedor na fase anterior à da constituição do crédito;
• Art. 3.º n.º 1 al. a) DL – despesas realizadas com iniciativas de expansão
internacional de uma empresa que não venham a ser amortizadas;
• Art. 3.º n.º 1 al. d) e e) DL – risco cambiário e de alteração dos custos de produção;
Por fim os riscos cobertos podem ser comerciais, se resultarem de dificuldades de
ordem financeira ou qualquer outra ordem ligada ao devedor, ou políticas, se resultarem
de atos ou decisões do governo ou de causas naturais, guerras ou revoluções. Estes
últimos trazem uma vantagem para os seguradores pois beneficiam de uma garantia do
Estado – art. 15.º n.º 1 DL.
V. O sinistro
O sinistro consiste no facto baseado no risco e suscetível de acionar o seguro. O
art. 4.º DL elenca um conjunto de factos geradores do sinistro cabendo às partes
determinar no contrato qual o que desencadeará o dever de pagar a indemnização.
VI. Distinção da fiança
No seguro de crédito visa-se indemnizar o dano sofrido pelo credor em resultado
de um sinistro ainda que apenas parcialmente. Na fiança o que se pretende é que o fiador
cumpra a obrigação do afiançado constituindo-se para si uma obrigação de conteúdo
idêntico.
VII. Acessoriedade ou autonomia
Questiona-se se o seguro de crédito é acessório da obrigação assegurada ou
autónomo desta.
À partida ambos os modelos são admissíveis dependendo daquilo que for
acordado pelas partes. Se não se conseguir perceber do contrato entende-se que é uma
obrigação acessória pois trata-se de uma garantia pessoal pelo que deve seguir o regime
daquela que é tipificada na lei que é a fiança.

104
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

VIII. O regime insolvencial


Caso o devedor esteja insolvente ou venha a estar o credor e segurador, por força
do descoberto obrigatório, terão de reclamar os seus créditos no seio do processo
insolvencial – art. 128.º CIRE – e vir a ser satisfeito de forma rateada de acordo com o
princípio da proporcionalidade – art. 176.º CIRE.
Se for o beneficiário do seguro (o credor) a ser declarado insolvente o contrato
mantém-se – art. 98.º n.º 1 CIRE – passando o crédito assegurado a integrar a massa
insolvente. Integra também a massa insolvente o crédito indemnizatório que terá perante
o segurador no caso de verificação do sinistro.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Seguro-caução

I. Caracterização
Seguro-caução consiste num contrato concluído entre um devedor e um segurador
a favor de um credor pelo qual o segurador se obriga a indemnizar o segurado pelos danos
patrimoniais sofridos em caso de incumprimento ou mora do tomador do seguro – art.
162.º RJCS. A obrigação pode ser futura.
É um contrato nominado, típico pois regulado pelo DL n.º 183/88 e bilateral cujas
partes são o segurador e o tomador do seguro – art. 9.º n.º 2 DL.
Estamos perante um contrato a favor de terceiro pois do contrato estabelecido
entre o tomador do seguro e o segurador, nasce de imediato um direito para terceiro.
A lei admite duas modalidades – seguro de caução direta e indireta – art. 1.º n.º 5
DL. No entanto não as define. Seguindo a doutrina, é direta se é o próprio segurador que
presta a caução e indireta se o segurador assegura um terceiro.
II. Estrutura e regime
Embora seja um contrato bilateral, este estabelece uma relação entre três sujeitos:
as partes e o beneficiário e pressupõe a celebração de um outro contrato entre o tomador
de seguro e o beneficiário do mesmo do qual emerge o crédito objeto do contrato de
seguro.
Do contrato de seguro resulta a atribuição a um terceiro o direito a ser
indemnizado pelo segurador se o risco que pode ter por objeto se verificar – art. 6.º n.º 1
DL e 162.º RJCS. Em contrapartida o tomador do seguro obriga-se a realizar uma
prestação à seguradora que consiste nos prémios.

Assim, deste contrato emergem duas relações:


• Entre o segurador e o beneficiário;
• Entre o segurador e o tomador de seguro;
Neste caso a cobertura é total, ao contrário do seguro de crédito, salvo exceções –
art. 7.º n.º 1 DL.
Se o sinistro se verificar, o segurador terá de indemnizar o beneficiário do seguro
ficando sub-rogado no lugar deste face ao tomador do seguro – art. 165.º n.º 2 RJCS. Se
acordado entre as partes o direito de regresso daquele face a este é permitido ao segurador
recorrer a ambos os mecanismos de ressarcimento desde que não receba valor superior ao
total despendido por si.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Pode ser oposta uma cláusula de inoponibilidade – art. 11.º DL. Se não for
convencionada – art. 164.º n.º 1 RJCS.
III. Regime insolvencial
Insolvência do tomador de seguro – o beneficiário pode exigir que o segurador o
indemnize que, fazendo-o, adquire um direito de crédito perante o tomador do seguro que
terá de fazer valer em sede insolvencial. O crédito será comum ou garantido consoante o
segurador tenha ou não exigido a prestação de uma garantia cujo objeto fosse esse crédito
eventual.
Insolvência do beneficiário – o seguro mantém-se – art. 98.º n.º 1 CIRE – pelo que
verificando-se o sinistro o crédito indemnizatório face ao segurador integrará a massa
insolvente e poderá ser feito valer pelo administrador da insolvência.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Solidariedade passiva

I. Introdução
Na prática contratual, o recurso à solidariedade passiva consiste num instrumento
bastante utilizado para responsabilizar duas pessoas pela mesma dívida. Tal acontece
muitas vezes com os cônjuges, em que que se condiciona a celebração do contrato à
intervenção de ambos. Assim, a solidariedade é imperfeita pois ainda que haja dois
devedores, na relação entre estes há apenas um.
II. Regime geral da solidariedade passiva
A obrigação pode ser:
• Parciária – devedores só respondem perante o credor por uma parte da dívida;
• Solidária – cada um dos devedores responde pela totalidade da dívida;
à Nas relações internas, entre os devedores, cada um só responde pela sua
quota da prestação que se presumem iguais nos termos do art. 516.º CC, pelo que tendo
o credor exigido o pagamento total da dívida deve estar ser paga tendo depois o direito
de regresso sobre os demais devedores de acordo com o art. 524.º CC;
III. Adaptação do regime para efeito de constituição de uma garantia pessoal
O credor tem interesse em que a dívida tenha mais do que um codevedor
solidariamente obrigado pois aumenta assim a sua possibilidade de ver o seu crédito
ressarcido.
Assim, ao exigir que um terceiro também se obrigue solidariamente com o
pretenso devedor, estará a utilizar a solidariedade passiva como uma garantia pessoal na
medida em que o devedor que será adicionado desempenhará uma função de garante
porquanto nas relações internas dos devedores só um se encontra verdadeiramente
obrigado.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Assunção cumulativa de dívida

I. Introdução
Na assunção cumulativa de dívida um sujeito celebra um contrato com o credor
ou com o antigo devedor ratificado pelo credor, através do qual se coloca ao lado do
primitivo devedor, sem o exonerar, ficando obrigado solidariamente com este no
cumprimento da obrigação.
Esta figura, regulada no âmbito da transmissão singular de dívidas, pode
desempenhar uma função de garantia pois a par do património do primitivo devedor, há
outro que também responde pela dívida.
II. Regime geral da transmissão singular de dívidas
1. Fonte contratual
Nos termos do art. 595.º n.º 1 CC, a transmissão singular de dívidas pode ocorrer
de duas formas:
• Al. a) – “por contrato entre o antigo e novo devedor, ratificado pelo credor;”
• Al. b) – “por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento
do antigo devedor”;
Ainda que a lei não o preveja, a transmissão de dívida pode ainda resultar, ao
abrigo da liberdade contratual estabelecida no art. 405.º CC, de contrato em que
intervenham em simultâneo o antigo devedor, o credor e um terceiro que assume a dívida.
No caso de a transmissão da dívida resultar de contrato entre o antigo e o novo
devedor (al. a), ainda que esteja em causa uma assunção cumulativa, determina o art.
596.º n.º 1 CC que “enquanto não for ratificado pelo credor, podem as partes distratar o
contrato.” Esta ratificação pode ser expressa ou tácita, valendo como tal a interpelação do
novo devedor para cumprimento.
Determina o seu n.º 2 que quer o antigo quer o novo devedor têm “o direito de
fixar ao credor um prazo para a ratificação, findo o qual esta se considera recusada.” Este
prazo pode ser fixado extrajudicialmente ou em juízo através do recurso ao processo
especial regulado nos art. 1026.º e 1027.º CPC.
A ratificação tem efeitos retroativos, no entanto não é consensual o alcance desta
retroatividade.
• Há quem entenda que é plena pelo que ficam afetados também os atos
conservatórios do crédito praticados perante o devedor primitivo durante o
período de tempo entre a celebração do contrato de transmissão de dívida e a

109
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

ratificação, como por exemplo a interpelação para o cumprimento. É o caso de


Menezes Leitão, por exemplo;
• E quem entenda que a retroatividade não afeta os atos conservatórios do direito
do credor entretanto realizados por este junto do devedor durante aquele período
de tempo. Sendo Pires de Lima e Antunes Varela exemplos;
2. Efeitos
Estabelece o n.º 2 do art. 595.º CC como efeitos deste contrato, a assunção do
terceiro do papel do antigo ficando ele responsável pelo cumprimento da obrigação que
se mantém, liberando o antigo devedor caso o credor o referir expressamente. Não o
fazendo, os dois devedores respondem solidariamente pelo cumprimento da dívida. Na
primeira há uma transmissão do lado passivo da obrigação e na segunda há uma
modificação que se denomina assunção cumulativa de dívida. Só esta segunda
modalidade é que funciona como garantia porquanto só nesta é que há um reforço
quantitativo da possibilidade de cumprimento da obrigação.
O art. 18.º al. l) RGCG considera absolutamente proibidas as CCG que consagrem,
a favor de quem as predisponha, a possibilidade de transmissão de dívidas sem o acordo
da contraparte, salvo se a identidade do terceiro constar do contrato inicial.
Como estabelece o art. 597.º CC, “se o contrato de transmissão da dívida for
declarado nulo ou anulado e o credor tiver exonerado o anterior obrigado, renasce a
obrigação deste, mas consideram-se extintas as garantias prestadas por terceiro, exceto se
este conhecia o vício na altura em que teve notícia da transmissão.”
3. Meios de defesa do terceiro
Nos termos do art. 598.º CC, o novo devedor pode opor ao credor aqueles meios
de defesa que:
• Decorrem da relação entre o antigo devedor e o credor desde que o fundamento
seja anterior à assunção da dívida enão seja pessoal; e,
• Caso o contrato tenha sido celebrado com este, os meios de defesa próprios desse
contrato;
Não pode opor ao credor os meios de defesa resultantes da sua relação com o
antigo devedor exceto se houver convenção em contrário.
à Os meios de defesa invocados pelo antigo devedor aproveitam ao novo;

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

III. Adaptação do regime da assunção cumulativa de dívida para efeito de


constituição de uma garantia pessoal
Estamos perante uma garantia pessoal na medida em que o credor passa a ter dois
patrimónios a responder pela dívida.
Esta figura, embora semelhante à fiança e à solidariedade passiva como
instrumento de garantia, distingue-se de ambas:
• Fiança – enquanto na fiança temos duas obrigações sendo que a do fiador é
acessória, na assunção de dívidas só existe uma obrigação que tem mais do que
um devedor. É por o novo devedor adquirir uma obrigação com conteúdo igual ao
da obrigação primitiva que adquire também as obrigações acessórias do antigo
devedor – art. 599.º n.º 1 CC. Outra diferença prende-se com a sub-rogação do
fiador nos direitos do credor aquando o cumprimento da obrigação que não se
verifica nesta figura pois se o novo devedor cumprir, o direito que este adquire
desse cumprimento é aquele que foi estipulado pelas partes no contrato que tem
como efeito a assunção cumulativa da dívida.
• Solidariedade passiva – uma diferença prende-se desde a sua constituição.
Enquanto na solidariedade a obrigação é plural desde início, na assunção
cumulativa de dívidas a obrigação nasce como singular mas passa a solidária
mediante um acordo entre as partes. Acresce que o regime é distinto pois nesta só
se aplica a regulação das obrigações solidárias naquilo que não for incompatível
com o regime da assunção cumulativa de dívidas;
IV. O regime insolvencial
Como os devedores respondem solidariamente pelo cumprimento da dívida, caso
um seja declarado insolvente, o credor pode exigir o cumprimento na sua totalidade ao
codevedor. Se a insolvência for do antigo devedor, o novo devedor pode exigir em sede
de insolvência o seu crédito que resulta do contrato base da assunção.
Se ambos os devedores estiverem insolventes aplicam-se as regras dos art. 95.º e
179.º CIRE.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Recurso à titularidade de um direito com função de garantia

I. Venda com reserva de propriedade


II. Venda a retro – Esta figura está desenvolvida na sebenta de contratos em
especial.
III. Locação-venda
IV. Locação financeira
V. Depósito em garantia
VI. Alienação fiduciária em garantia
VII. Património autónomo

Venda com reserva de propriedade

No centro desta figura está o recurso ao direito da propriedade com função de


garantia. O benefício que o vendedor retira do recurso a esta figura é a possibilidade de
recuperar o bem tanto quando há incumprimento contratual da contraparte como em caso
de insolvência.
Esta figura está desenvolvida na sebenta de contratos em especial.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Locação-venda

I. Introdução
A locação-venda insere-se num conjunto de contratos típicos em que uma das
partes conserva na sua esfera a propriedade do bem que a outra passa a gozar e, neste
caso, adquire com o pagamento da última prestação.
Esta vem definida no art. 936.º n.º 2 CC como o contrato pelo qual se dá em
locação uma coisa com a cláusula de que ela se tornará propriedade do locatário depois
de satisfeitas todas as rendas ou alugueres pactuados.
Podem ser objeto deste contrato todos os bens que possam ser objeto da locação,
sejam estes móveis como imóveis. Na prática, porém, o contrato incidirá principalmente
sobre móveis.
Este contrato desempenha uma função semelhante à venda a prestações com
reserva de propriedade, ou seja, uma função de conceção de crédito e de garantia, uma
vez que visa permitir a aquisição do bem pelo locatário-comprador em condições de
segurança acrescida para o locador-vendedor, que só deixa de ser proprietário com o
pagamento da última prestação ou aluguer.
II. O regime geral
Se o locatário incumprir o contrato, pode o locador resolver o contrato se
verificados os pressupostos gerais do art. 934.º CC, ex vi n.º 1 do art. 936.º CC.
Decorre do n.º 2 do art. 936.º CC que esta “tem efeito retroativo, devendo o
locador (vendedor) restituir as importâncias recebidas, sem possibilidade de convenção
em contrário, mas também sem prejuízo do seu direito a indemnização nos termos gerais
e nos do artigo anterior.”
à Resolvido o contrato, a coisa terá de ser devolvida, o que significa que de
acordo com o art. 566.º n.º 2 CC, se terá que ter em conta no cálculo indemnizatório o
valor atual de mercado do bem restituído, o que permite diminuir o montante da
indemnização;
à O montante indemnizatório pode ser pré-fixado em cláusula penal sendo
aplicável as limitações impostas no art. 935.º n.º 1 CC;
O locador tem a obrigação de assegurar à outra parte o gozo da coisa para os fins
a que ela se destina (aet. 1031.º CC), tendo assim nomeadamente o dever de a reparar (art.
1036.º CC).

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Pestana Vasconcelos excluir a aplicação do regime das consequências da mora do


locatário no pagamento dos alugueres previsto no art. 1041.º CC.
O locatário poderá utilizar os meios de defesa da posse previstos no art. 1276.º e
ss CC por força do art. 1037.º n.º 2 CC.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Locação financeira

I. Caracterização
Noção – art. 1.º DL n.º 149/95.
É um mecanismo de garantia para o locador do crédito que concede assente na
propriedade do bem comprado a terceiro ou ao próprio locatário financeiro. É um contrato
de crédito e garantia na medida em que consiste para o locador numa operação de
concessão de crédito garantido pela propriedade do bem.
Deveres principais do locador financeiro – art. 9.º DL; o locatário financeiro
deverá pagar as rendas acordadas.
A locação financeira conduz sempre à celebração de um outro contrato que
consiste na construção ou compra do bem locado havendo entre ambos uma coligação
genética. É ainda celebrado um outro contrato, neste caso de compra e venda, na
eventualidade do locatário financeiro, passado o prazo contratual, opte pela compra do
bem.
II. A forma e publicidade
Forma – art. 3.º n.º 1, 2, 3 e 4 DL
Publicidade – está sujeita a registo, a locação financeira que tenha por objeto bens
imóveis ou móveis sujeitos a registo – art. 3.º n.º 5 DL.
III. Os sujeitos
Não há limitações quanto aos sujeitos desde que não exerçam a título profissional
a atividade de locação financeira.
IV. O objeto
Art. 2.º n.º 1 DL – pode ter como objeto quaisquer bens suscetíveis de serem dados
em locação.
V. As funções
A locação financeira é maioritariamente um contrato de crédito e garantia.
Cumpre uma função de financiamento pois o locador ao adquirir o bem escolhido pelo
locatário e lhe conceder o gozo do mesmo mediante o pagamento de rendas está a
financiar o uso do bem durante parte da sua vida útil. Tem ainda uma função de garantia
pois mantém a propriedade do bem.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

VI. As modalidades
1. Locação financeira trilateral
Nesta modalidade o locador financeiro não é inicialmente proprietário do bem que
é escolhido pelo locatário perante terceiro a quem aquele compra entregando-o
posteriormente ao locatário pare que este o goze. É neste sentido que se fala em relação
trilateral pois implica a existência de 3 intervenientes e implica a celebração de dois
contratos: compra e venda ou empreitada entre um terceiro e o locador e o contrato de
locação financeira.
2. Locação financeira restitutiva (sale and lease back)
Neste caso o locatário vende ao locador financeiro um bem seu que de imediato
que lhe dá em locação financeira. Neste caso não há a compra de um bem a um terceiro.
Aqui também existe dois contratos em coligação externa entre si por serem
celebrados em simultâneo, uma coligação genética e uma dependência bilateral o que leva
a que a invalidade de um contrato implique a invalidade do outro.
O fim aqui visado é o financiamento do vendedor sendo que a propriedade
transmitida ao comprador funciona como garantia. Este financiamento é distinto do
financiamento da outra modalidade pois naquela financia-se a aquisição de um certo bem
enquanto nesta se está perante uma mera concessão de crédito garantido.
Esta figura aproxima-se da alienação em garantia e consiste num negócio
fiduciário típico.
i. Questão do pacto comissório
Um obstáculo que se tem apontado a esta figura é a de que consubstancia um pacto
comissório pelo que é proibida por lei. Em sentido contrário tem-se argumentado que não
tem aplicação o art. 694.º CC pois o mesmo se limita ao penhor, hipoteca e consignação
em rendimentos e mesmo que se aplicasse não se verificam os pressupostos do art. 694.º
CC pois a transmissão do bem ao locador financeiro se dá previamente com a celebração
do contrato e não apenas na eventualidade de incumprimento.
Pestana Vasconcelos não concorda com estes argumentos pois o que o preceito
visa evitar aplica-se às demais figuras. O que se deve verificar é se a locação financeira
restitutiva conduz aos efeitos que a proibição do pacto comissório visa evitar. Tal ocorre
sempre que o locador financeiro possa fazer definitivamente seu o bem locado de valor
superior sem uma prévia avaliação do mesmo. Quando se está perante este caso o negócio
é nulo por proibição do pacto comissório.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

VII. O regime geral


1. Prazo
Só estão estabelecidos dois prazos:
• Limite máximo – a locação financeira não pode ter duração superior a 30 anos –
art. 6.º n.º 2 DL;
• Limite mínimo para o caso de bens móveis – art. 6.º n.º 1 DL;
Se não tiverem sido fixados os prazos aplicam-se os prazos supletivos do art. 6.º
n.º 3 DL;
2. Rendas
i. Fixação do seu valor
Art. 4.º DL – o contrato teria de permitir a recuperação de mais de metade do
capital correspondente ao valor do bem locado e cobrir todos os encargos e a margem de
lucro do locador, correspondendo o valor residual do bem ao montante não recuperado.
Assim, o valor residual do bem correspondia ao valor da sua aquisição não recuperado
pelas rendas. Entendia-se ainda que o valor da renda não poderia ser inferior ao valor dos
juros correspondentes ao período a que a renda respeitasse.
Este regime foi revogado pelo art. 5.º DL – o valor residual deixou de ter limites
ficando à disposição das partes a sua limitação não sendo necessário que esse valor
corresponda ao capital investido não recuperado com as rendas. No entanto não se pode
concluir pela desnecessidade de estabelecimento de um valor residual pois tal é imposto
pelo art. 1.º e 9.º n.º 1 al. c) DL pois é obrigatório existir uma contrapartida da transmissão
da propriedade no negócio posterior de venda do bem previamente locado.
ii. A sua natureza
As rendas correspondem em parte à recuperação do capital e noutra ao pagamento
dos juros do crédito concedido pois é com estes que o locador se remunera. Parte da renda
serve para o locador recuperar parte do que investiu na aquisição do bem locado embora
esse valor só será totalmente reposto com o pagamento do valor residual ou, no caso de o
locatário não quiser adquirir o bem, com a reposição do bem no comércio. Assim, o valor
da renda depende do valor a amortizar, do prazo fixado no contrato e do valor residual do
bem.

117
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

3. Reflexos em termos de disciplina do contrato de mera função de garantia


desempenhada pela propriedade
É pelo facto de o direito de propriedade ter uma função de garantia do crédito
entre o locador e locatário que:
• Locador não responde pelos vícios da coisa ou pela sua deterioração exceto nos
casos dos art. 1034.º CC e 12.º DL;
• O risco corre pelo locatário – art. 15.º DL;
• As despesas com a coisa ficam a cargo do locatário – art. 14.º e 10.º n.º 1 al. e) e
f) DL;
4. O incumprimento por parte do locatário financeiro do dever de pagar a
renda e a resolução do contrato
Se o locatário incumprir os seus deveres, máxime não pagamento das rendas, o
locador pode se verificados os pressupostos legais exigir o cumprimento imediato da
totalidade das rendas e resolver o contrato exigindo a entrega da coisa. No entanto, não
basta o incumprimento do pagamento de uma renda pois terá aplicação por força do art.
936.º CC, o art. 934.º CC. O art. 936.º n.º 1 CC estende o regime aos demais casos em
que se verifique um resultado equivalente. Em ambos os casos se está perante um contrato
em que se concede um crédito a um sujeito mediante a cedência imediata do gozo da
coisa.
5. Os efeitos da resolução do contrato sobre as rendas pagas
Nas locações financeiras dirigidas à aquisição do bem, a resolução do contrato
implica a restituição das rendas pagas no que à amortização do valor do bem dizem
respeito mas não já ao montante dos juros aí incluídos sob pena de enriquecimento
injustificado do locador que recebia o bem e mantinha o montante recebido. Não é assim
se o bem for consumível pois nesse caso o valor do bem devolvido é o recebido com as
rendas.
VIII. O regime executivo
Ação proposta pelos credores do locatário:
• O locador financeiro está sempre protegido dos outros credores do locatário na
medida que a propriedade do bem locado é sua pelo que pode ser reagir mediante
embargos de terceiro – art. 342.º n.º 1 CPC;
• O que os credores do locatário podem penhorar é a expectativa jurídica à aquisição
do direito de adquirir o bem;

118
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Ação proposta pelos credores do locador:


• Pergunta-se se, integrando o bem locado o património do locador, pode o locatário
defender-se mediante embargos de terceiro. Teixeira de Sousa entende que sim
com base na sua expectativa jurídica. Contra, Remédio Marques, e parece também
entender Pestana Vasconcelos pois refere que a posição do locatário financeiro é
diferente da do comprador com reserva de propriedade pois a expectativa real de
aquisição deste último é oponível a terceiros o que não acontece na locação
financeira.
IX. O regime insolvencial
Insolvência do locador – o locatário a quem já tenha sido entregue a coisa tem
direito a exigir o cumprimento do contrato onde se inclui o direito a adquirir a coisa, findo
o mesmo – art. 104.º CIRE
Insolvência do locatário – se este estiver na posse da coisa o contrato mantém-se
podendo o administrador optar pelo seu cumprimento ou recusa do cumprimento – art.
104.º n.º 3 e 5 CIRE. O prazo que o locador pode fixar ao administrador para decidir nos
termos do art. 102.º n.º 2 CIRE não pode ser inferior ao resultante do art. 104.º n.º 3 CIRE.
• Se optar pelo cumprimento – as rendas tornam-se dívidas da massa – art. 51.º n.º
1 al. f) CIRE e o locador financeiro vê a sua posição conformada nos termos dos
art. 104.º n.º 4 e 4 e 102.º n.º 3 CIRE.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Depósito em garantia

I. Caracterização
O devedor celebra com um banco, como forma de assegurar o cumprimento de
uma obrigação sua perante um credor, um contrato de depósito, nos termos do qual a
instituição de crédito deverá entregar a quantia ao credor garantido, se o garante incumprir
a sua obrigação ou restituir-lhe em caso de cumprimento.
Assim, o credor garantido é titular de um crédito face ao banco, condicionado pelo
incumprimento do devedor/garante, enquanto este último é, ao mesmo tempo, titular de
um crédito face ao banco à restituição da quantia depositada, condicionado ao
cumprimento.
A conta é aberta com este único propósito não sendo admitidos quaisquer
movimentos após o deposito da quantia devida, tal deve ficar estipulado no contrato.
II. Distinção de figuras próximas
1. Penhor de conta bancária
Distingue-se do penhor de conta bancária por assentar numa estrutura fiduciária
em que intervém um terceiro e o credor (beneficiário da garantia). Assim, este
beneficiário não tem um penhor sobre o crédito do devedor à restituição das quantias
depositadas, mas uma mera expectativa jurídica à aquisição do crédito à entrega do
montante depositado, se o devedor não cumprir.
2. Alienação fiduciária
Na alienação fiduciária em garantia o objeto corresponde a um crédito à restituição
das quantias já depositadas, ou seja, de um depósito já constituído.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Alienação fiduciária em garantia

I. Configuração geral
A alienação fiduciária em garantia consiste na situação que se verifica quando o
devedor ou terceiro procede à alienação de um bem para o credor de modo a garantir o
cumprimento de uma obrigação, vinculando-se o credor apenas a utilizar o bem para
realização do seu crédito devendo ser restituí-lo em caso de cumprimento da obrigação
garantida.
Assim, o credor adquire a propriedade do bem como garantia de um crédito sem
ter o direito de exercer todos os direitos de um proprietário. Inclusivamente o bem pode
ficar na posse do garante sendo transmitido apenas a propriedade sobre o mesmo.
Pode ser realizado mediante a aposição de uma condição resolutiva.
II. O problema da proibição do pacto comissório
Embora entre esta figura e o pacto comissório não haja uma identidade total na
medida em que este corresponde à possibilidade de o credor da obrigação garantida fazer
seu o bem em caso de incumprimento por parte do devedor e naquela essa transferência
de propriedade é prévia ao incumprimento. É neste sentido que Menezes Cordeiro
defende que a lei portuguesa não permite, em geral, esta figura acrescentado ainda que
como não pode ter natureza real nos termos do art. 1306.º n.º 1 CC acaba por ser muito
violenta para o devedor.
III. A regulação no DL 105/2004
A alienação fiduciária em garantia (financeira) veio a ser expressamente prevista
no DL 105/2004 com a alteração que sofreu em 2011 – art. 2.º n.º 2 DL. No entanto o
âmbito é restrito pois, nos termos do art. 2.º n.º 1 DL, é necessário o preenchimento dos
âmbitos deste diploma contidos nos art. 3.º a 7.º.
Preenchidos os requisitos de aplicação do diploma, a alienação fiduciária em
garantia é admitida nos termos do art. 14.º DL.
IV. Conteúdo da garantia
A alienação fiduciária em garantia transmite de forma plena a propriedade do bem
dado em garantia para o credor ainda que, na relação entre as partes, se comprometa a
respeitar o fim da garantia. Assim, o credor pode ceder a coisa tendo o devedor apenas
um direito de crédito à restituição da mesma aquando o pagamento da dívida garantida.
Este direito não é oponível a terceiros pois, estando em causa uma cláusula contratual,
vigora o princípio da relatividade das obrigações.

121
INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Pode no entanto ser convencionado um direito pessoal de gozo do devedor face ao bem
permitindo assim a defesa da posse face a terceiros.
V. As alienações de coisas corpóreas móveis em garantia
1. A questão da violação do princípio da tipicidade dos direitos reais
Neste negócio não há a criação de um direito real pelas partes, negado pelo art.
1306.º n.º 1 CC, pois o direito de propriedade é transmitido na sua plenitude estando
apenas limitado quanto ao seu exercício por cláusulas obrigacionais.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Património autónomo

I. Introdução
A criação de patrimónios autónomos não pode resultar da vontade das partes tendo
de constar da lei, o que ocorre no caso das obrigações hipotecárias e das obrigações
titularizadas.
O critério a que se recorre para afirmar a existência de um património autónomo
é o da responsabilidade por dívidas uma vez que um património autónomo só responde
por dívidas próprias, e por essas dívidas só ele responde (autonomia patrimonial perfeita).
Só assim não é, havendo autonomia patrimonial imperfeita nos caso em que o património
autónomo não é suficiente para responder pelas suas próprias dívidas, caso em que os
seus credores podem recorrer ao património em geral do mesmo devedor.
II. Casos particulares
1. Obrigações hipotecárias – DL n.º 59/2006, 20 de março.
2. Obrigações titularizadas – DL n.º 453/99, 5 de novembro

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

Garantias especiais atípicas

I. Exceção do não cumprimento


II. Compensação
III. Cessão de créditos

Exceção do não cumprimento

I. Introdução
A exceção de não cumprimento do contrato consiste numa das manifestações do
sinalagma funcional. Qualquer das partes nos contratos bilaterais sinalagmáticos não
pode ser compelida a cumprir enquanto a outra não o fizer ou não se oferecer para o fazer
ao mesmo tempo. Assim, o credor não corre o risco de realizar a sua prestação sem obter
a contraprestação.
Nos contratos bilaterais não havendo prazos diferentes para o cumprimento,
qualquer das partes pode recusar-se a realizar a sua prestação enquanto a outra não o fizer
ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo nos termos do art. 428.º n.º 1 CC, não
podendo a mesma ser afastada mediante a prestação de garantias como refere o seu n.º 2.
à Se na compra e venda o vendedor realizar a entrega da coisa e se se transferir
a propriedade, fica vedada a via da resolução do contrato por falta de pagamento do preço
nos termos do art. 886.º CC, um dos principais meios de tutela do alienante.
Se forem estabelecidos prazos distintos para o cumprimento, aquele que tiver de
cumprir primeiro renuncia à exceção correndo o risco de não vir a obter a contraprestação
após a realização da sua prestação. No entanto, nos termos do art. 429.º CC, “ainda que
esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, tem o contraente a faculdade de recusar a
respetiva prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias de cumprimento,
se, posteriormente ao contrato, se verificar alguma das circunstâncias que importam a
perda do benefício do prazo”, ou seja, se verificada alguma das situações do art. 780.º
CC.
Como resulta do Ac. STJ de 17/05/2015 (Maria Clara Sottomayor), proc. n.º
2545/10.5TVLSB.L1.S1 in dig.pt, “a invocação da exceção de não cumprimento do
contrato, nas hipóteses de cumprimento defeituoso ou parcial, deve ser restringida aos
casos em que não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos art. 227.º e 762.º
n.º CC e desde que sejam observados critérios de proporcionalidade a aferir segundo as
circunstâncias do caso, tendo em conta não só o valor da prestação que ficou por

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

pagar, mas também as relações negociais entre as partes, a gravidade do incumprimento


na economia do contrato, a atitude do demandado e do demandante, as causas da execução
parcial ou defeituosa, a tolerância ou intolerância revelada por cada uma das partes no
contrato, os seus interesses, etc. A recusa da ré em entregar a obra por falta de pagamento
de uma pequena parcela do preço relativo a obras novas, quando não cumpriu
sistematicamente o prazo de entrega da obra e de completar alguns trabalhos já pagos,
excede a finalidade e os critérios de proporcionalidade da exceptio. (...) Aceitamos o
princípio de que a invocação da exceptio de forma desproporcionada e contrária à boa fé
pode consistir num comportamento concludente a que seja atribuído o significado de
recusa categórica e definitiva de cumprir, que dispense a interpelação admonitória.
Contudo, a interpretação do comportamento concludente depende das caraterísticas
factuais de cada caso e de juízos de valor casuísticos.”
No mesmo, sentido, entendendo que “a boa fé (art. 762.º n.º 2 CC), enquanto limite
ao exercício da exceção de não cumprimento, pode impor que, perante um incumprimento
parcial da contraprestação por um dos contraentes, o outro só possa reter parte da
prestação, mas não obriga a observar um critério de rigorosa equivalência entre o valor
da prestação não cumprida e o valor da prestação recusada por este, decidiu o Ac. STJ
de 16/05/2019 (Catarina Serra), proc. n.º 106503/16.1YIPRT.P1.S1 in dgsi.pt.
Assim, sendo um meio de compelir a outra parte a cumprir, representa ao mesmo
tempo um meios de tutela do credor, evitando que doutro modo ele viesse a realizar a sua
prestação, mas a não receber a contra prestação, sendo por isso equiparável a uma
garantia.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

A compensação

I. Introdução
A compensação é uma das causas de extinção das obrigações prevista nos art.
847.º a 856.º CC com uma função de:
• Simplificação de pagamentos, pois permite a dispensa de cumprimentos cruzados;
e de
• Garantia uma vez que assegura ao credor um meio supletivo de realização do seu
crédito, porquanto este pode ser extinto não apenas pelo pagamento, mas através
da declaração de compensação com o contra crédito que sobre ele tem o devedor.
Assim, o credor não tem de exigir o cumprimento da obrigação, arriscar-se ao
incumprimento e sujeitar-se aos meios judiciais para fazer valer o seu direito. É,
neste sentido, um meio suplementar de realização do crédito;
A faculdade de recurso à compensação é um importante instrumento de tutela do
crédito, quer em ação executiva singular quer em insolvência.
Não pode ser considerada um direito real de garantia pois não tem como objeto
uma coisa corpórea nem permite ao titular do direito de ser pago com preferência.
Constitui, no entanto, uma super garantia pois:
• Pode ser oposta a terceiros nos termos do art. 853.º n.º 2 CC;
• Faz com que um credor comum que tinha de pagar as dívidas da massa deixe de
responder por qualquer obrigação bastando para o efeito, nos termos do art. 99.º
CIRE, que a situação de compensação exista ao tempo da insolvência;
II. Regime geral
A compensação pode ser legal ou convencional sendo que, neste caso, tudo
depende daquilo que for acordado pelas partes.
Requisitos da compensação legal:
• Reciprocidade dos créditos – art. 847.º n.º 1 e 851.º CC;
• Validade, exigibilidade e exequibilidade do crédito do declarante/compensante –
art. 847.º n.º 1 al. a) CC;
à É judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente
cumprida, dá direito à ação de cumprimento ou à execução do património do
devedor;
• Homogeneidade das prestações, ou seja, ambos os créditos têm de ter como
objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade – art. 847.º n.º 1 al. b) CC;

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

à Existirá fungibilidade quando para os sujeitos seja indiferente deter uma ou


outra coisa da mesma espécie;
à Não se exige que sejam de igual montante – art. 847.º n.º 2 CC;
à Como resulta do n.º 3 do art. 847.º CC, a iliquidez da dívida não impede a
compensação, podendo o exato montante compensado ser apurado em execução
de sentença;
• Não verificação de nenhuma das hipóteses do art. 853.º CC;
Se houver pluralidade de devedores e a obrigação for solidária, pode haver na
mesma compensação – art. 523.º e 532.º CC.
Pode haver compensação de créditos prescritos desde que a prescrição não
pudesse ser invocada à data em que os dois créditos se tornaram compensáveis como
determina o art. 850.º CC. Ou seja, o momento relevante para determinar se se verifica a
prescrição do crédito é o momento em que os créditos se tornam compensáveis e não o
momento ulterior em que a compensação é invocada.
Decorre do art. 851.º n.º 1 CC que, salvo convenção em contrário, é irrelevante
que o lugar do cumprimento das duas obrigações seja diferente podendo ainda assim
haver compensação. No entanto, o declarante é obrigado, nos termos do n.º 2, a reparar
os danos que a outra parte sofra em virtude de não receber o seu crédito ou não cumprir
a sua obrigação no lugar determinado (responsabilidade civil por ato lícito).
A compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra
nos termos do art. 848.º CC. Quer isto dizer que a compensação não é automática
dependendo da manifestação de vontade de um dos credores/devedores no sentido da
extinção dos dois créditos recíprocos. Neste sentido, não pode a mesma ser conhecida
oficiosamente pelos Tribunais. É o que decidiu o Ac. TRL de 24/05/2018 (António
Valente), proc. n.º 00/08.5TBTVD-A.L1-8 in dgsi.pt, ao declarar nula a sentença
recorrida que extingue parte da quantia devida por compensação uma vez que não é
suficiente a invocação da existência de um contra crédito se não for requerida a
compensação.
A declaração de compensação pode ser realizada extrajudicial (art. 217.º, 219.º e
224.º CC) ou judicialmente (art. 261.º CPC) e traduz o exercício de um direito potestativo
do declarante, constituindo, para Antunes Varela, um negócio jurídico unilateral. Esta
declaração não está sujeita a exigências especiais de forma vigorando a liberdade de
forma nos termos do art. 219.º CC.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

à Meio processual para invocar a compensação – há na doutrina e na


jurisprudência uma discussão sobre qual o meio adequado para o efeito havendo teses no
sentido de que,
• Estando em causa a invocação de um facto extintivo, o meio adequado é a
exceção;
• O meio adequado é a reconvenção pois a invocação da compensação implica a
apreciação de uma contra pretensão;
• E ainda, numa solução hibrida, na medida em que o meio processual depende do
montante dos créditos que se pretende compensar. Se o crédito ativo (o que se
pretende compensar) não for de montante superior ao do autor (crédito passivo),
poder-se-á admitir a defesa por exceção. Caso contrário ter-se-á de deduzir um
pedido reconvencional a não ser que o réu não pretenda que o autor seja
condenado no pagamento da diferença;
A jurisprudência recente, como é exemplo o Ac. STJ de 10/04/2018 (Pinto de
Almeida), proc. n.º 23656/15.5T8SNT.L1.S1 in dgsi.pt, tem entendido que a discussão
foi ultrapassada com a introdução do art. 266.º n.º 2 al. c) CPC havendo atualmente um
ónus de reconvir.
Decorre do art. 848.º n.º 2 CC que “a declaração é ineficaz, se for feita sob
condição ou a termo.” Discute-se se pode ser requerida em juízo subsidiariamente nos
casos em que o compensante requer, a título principal, a invalidade, inexistência ou
prescrição da obrigação.
• Antunes Varela e Menezes Leitão admitem esta possibilidade porquanto não está
em causa uma compensação sob condição em sentido próprio, mas apenas sob
reserva da efetiva existência do crédito contra qual se compensa e é pressuposto
do direito de compensar;
• Contra, por exemplo, o Ac. TRL de 16/11/2016 (Duro Mateus Cardoso), proc.
n.º 3942/15.5T8CSC-A.L1-4 in dgsi.pt, que decidiu não ser “admissível a
reconvenção para compensação eventual, relativa a um crédito eventual, que o
reconvinte não reconhece.”
O art. 854.º CC determina os efeitos da compensação, referindo que “feita a
declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que
se tornaram compensáveis. “Se existirem, de uma ou outra parte, vários créditos
compensáveis, a escolha dos que ficam extintos pertence ao declarante” como determina

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o n.º 1 do art. 855.º CC sendo que, “na falta de escolha, é aplicável o disposto nos artigos
784.º e 785.º” por força do n.º 2 do mesmo preceito.
Nos termos do art. 856.º CC, “declarada nula ou anulada a compensação,
subsistem as obrigações respetivas; mas, sendo a nulidade ou anulação imputável a
alguma das partes, não renascem as garantias que em seu benefício foram prestadas por
terceiro, salvo se este conhecia o vício quando foi feita a declaração de compensação.”
III. Regime insolvencial
A compensação é bastante relevante em sede de insolvência pois permite a
satisfação total do crédito do credor.
No anterior regime a compensação estava totalmente excluída em caso de
insolvência pois entendia-se que consubstanciava uma violação do princípio da igualdade
de credores que deve prevalecer nesta sede e ainda porque a ser permitida levaria a que o
credor seria totalmente pago beneficiando de uma garantia oculta que reduziria o
património do insolvente prejudicando os demais credores. Atualmente é admissível em
certas condições. Argumentos a favor da admissibilidade:
à É injusto que o insolvente pretenda o cumprimento de uma obrigação por um
credor se ele próprio não realiza esse cumprimento;
à Esta tem como função evitar a frustração de alguns créditos evitando a
insolvência em cascata;
à Reduz a exposição do crédito aos riscos e consequentemente os seus custos;
à Evita a reclamação judicial do crédito e consequentes custos judiciais;
à Evita que o devedor seja declarado insolvente por um crédito que não deve
efetivamente se a compensação for declarada;
Admissibilidade da compensação – art. 99.º n.º 1 com a exclusões do seu n.º 4
CIRE. Não releva a perda do benefício do prazo (art. 780.º CC) e o vencimento antecipado
e a conversão em dinheiro resultantes dos art. 91.º n.º 1 e 96.º CIRE.

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

A cessão de créditos em garantia

I. Caracterização
Esta figura consiste na celebração de um contrato mediante o qual um sujeito
transmite um direito de crédito de que é titular em garantia do cumprimento de uma
obrigação de que é devedor.
O contrato base na cessão de créditos é, à partida, um mútuo.
A cessão pode ser total ou parcial, sendo que, neste último caso o devedor passa
a ter dois credores.
II. Forma
Como a cessão de crédito se insere num negócio base (à partida mútuo) tem de
respeitar os requisitos desse negócio – art. 578.º n.º 1 CC.
Se estiver em causa a cessão de um crédito hipotecário, se a hipoteca incidir sobre
imóveis, este contrato tem de ser celebrado por escritura pública ou documento particular
autenticado – art. 578.º CC – e está sujeito a registo – art. 2.º n.º 1 al. i) e 101.º n.º 1 al. b)
CRPr.
III. Objeto
O objeto da garantia são os créditos pecuniários transmitidos para o credor. À
partida serão de valor económico superior ao montante em dívida pois é essa diferença
que integra a margem de segurança do credor.
Os créditos podem ser presentes ou futuros desde que determináveis de modo a
não implicar a sua nulidade nos termos do art. 280.º n.º 1 CC.
Decorre do art. 579.º n.º 1 CC a proibição da cessão de créditos ou de direitos
litigiosos a juízes ou magistrados do Ministério Público, funcionários de justiça ou
mandatários judiciais se o processo decorrer na área em que exercem habitualmente a sua
atividade ou profissão e ainda a peritos ou outros auxiliares da justiça que tenham
intervenção no respetivo processo. O n.º 3 do mesmo artigo define direito litigioso como
aquele “que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer
interessado.”
As sanções do incumprimento deste preceito são:
• Nulidade atípica pois não pode ser invocada pelo cessionário – art. 579.º n.º 1 e
580.º n.º 2 CC;
à Pode ser conhecida oficiosamente nos termos gerais do art. 286.º CC;
• Obrigação de reparar os danos causados – art. 580.º n.º 1 CC;

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

IV. Estruturas admissíveis


A transmissão de créditos em garantia pode ser estruturada de duas maneiras:
• Partes podem ceder o crédito obrigando-se o cessionário (credor da obrigação
garantida) a retransmiti-lo logo que cumprida a obrigação garantida;
• Partes podem acordar que o cumprimento da obrigação garantida funciona como
condição resolutiva da transferência do crédito;
V. Classificação
i. Negócio fiduciário
É um negócio fiduciário na medida em que há a transferência plena de um direito
a um sujeito que se obriga a exercê-lo de determinada forma e, posteriormente, a
retransmiti-lo quando verificadas determinadas condições.
ii. Negócio de crédito e garantia
VI. Regime geral
1. A transmissão do crédito
A cessão de crédito vem regulado nos art. 577.º a 588.º CC, sendo entendida como
um efeito do negócio base e não enquanto negócio em si mesma.
O crédito transmite-se mediante o acordo das partes, não sendo necessário o
consentimento do devedor como estabelece o art. 577.º n.º 1 CC, transmitindo-se também
as garantias e seus acessórios – art. 582.º n.º 2 CC.
No entanto, para que a cessão se torne eficaz em relação ao devedor da obrigação
cedida é necessário proceder-se à sua notificação nos termos do art. 583.º n.º 1, a não ser
que esteja verificada a situação prevista no seu n.º 2 CC. Quanto a terceiros é
imediatamente eficaz exceto perante segundos adquirentes antes da notificaçao da
primeira cessão ao devedor cedido, por força do art. 584.º CC.
Cedente garante ao cessionário a existência e exigibilidade do crédito ao tempo
da cessão– art. 587.º CC
Devedor cedido pode opor ao cessionário todos os meios de defsa que poderia
invocar contra o cedente – art. 585.º CC.
2. A execução da garantia
Em caso de incumprimento por parte do cedente, o cessionário pode: aliená-lo a
terceiro nas melhores condições de mercado para com o montante extinguir a obrigação
garantida ou fazer seu a título definitivo o crédito desde que proceda à avaliação por
terceiro independente. Em qualquer dos casos tem de entregar ao cedente o excesso se

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INÊS DE ALMEIDA DUARTE

houver. Caso o montante recebido não seja suficiente para cobrir a dívida na totalidade
há uma extinção parcial da mesma.
O cedente, após cumprir a obrigação garantida, pode requerer a retransmissão do
crédito cedido podendo recorrer à execução específica se tal pretensão for recusada pelo
cessionário.
i. A questão do pacto comissório
Embora a proibição desta figura seja aplicável aos demais casos não previstos na
lei, no caso de cessão de crédito em garantia a questão não se coloca pois o cessionário
não pode, aquando o incumprimento pelo cedente, fazer seu o crédito garante. A figura
em causa aquando a liquidação neste é o pacto marciano.
VII. Regime insolvencial
1. O regime insolvencial do negócio constitutivo do crédito cedido em
garantia
Administrador pode resolver os contratos nos termos do art. 120.º CIRE desde que
verificados os requisitos do mesmo ou seja, exige-se a má-fé de terceiro.
No entanto, também podem ser resolvidos pelo administrador estes contratos se
preenchidos os requisitos do art. 121.º n.º 1 al. e) CIRE – embora não resulte da letra da
lei a aplicação a esta figura, PESTANA DE VASCONCELOS entende que se deve
proceder a uma interpretação extensiva do preceito com base num argumento de maioria
de razão. Uma vez que o que se pretende evitar com este art. é que um dos credores
obtenha um benefício em detrimento dos demais em resultado da constituição de uma
garantia real, deve ter a mesma tutela aqueles casos em que o benefício em relação ao
credor é maior do que nesses casos.
2. Regime dos contratos base das cessão de crédito em garantia na
insolvência
Na insolvência do credor, por aplicação analógica do art. 1184.º CC, o crédito
garante não faz parte da massa insolvente só a integrando o crédito garantido. Assim, se
o devedor não cumprir o administrador deverá liquidar o crédito garante integrando na
massa insolvente o produto daí resultante exceto o excedente que tem de ser devolvido
ao devedor.
Insolvência do devedor – Pestana Vasconcelos defende a aplicação do art. 104.º
n.º 3 e 5 CIRE. A garantia surge na insolvência do devedor como um negócio em curso
que o administrador pode optar por executar ou recusar o cumprimento.

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