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SINOPSE DO CASE1

Daniella Danna Soares da Silva2

Helany Smith dos Santos Ferreira2

Anna Valéria de Miranda Araújo3

1. Identificação e análise do caso

Quem são e qual a cota sucessória dos herdeiros de Tarsila?

2. Questões para análise

a) Quem pode ser herdeiro?


b) Pode-se arguir invalidade do testamento?
c) Pode-se arguir exclusão de beneficiário?

2.1 Argumentos capazes de fundamentar a decisão:

Antes de tudo, nota-se que a relação entre os envolvidos resume-se ao poliamor,


uma vez que este consiste na filosofia e na prática de amar várias pessoas ao mesmo tempo,
de forma honesta, responsável e ética sem possessão. O conceito de poliamor não é unânime,
porém há pontos em comum: o consenso, a liberdade e a honestidade. A escolha de seus
parceiros é consciente e não parte da norma social monogâmica sob a perspectiva de amar
apenas uma pessoa. Abraça a igualdade sexual e todas as orientações sexuais para um grupo
ampliado de intimidade conjugal e amor (TAVERES; SOUZA, 2017).
De um modo geral, trata-se da possibilidade de se estabelecer simultaneamente
mais de uma relação amorosa com a concordância dos envolvidos, sem domínio ou posse.
Dito isso, observa-se a necessidade de entender como será a sucessão da de cujus
(Gildônio/Tarsila), em meio a relação poliafetiva, a qual é pouco apreciada pelo ordenamento
jurídico brasileiro.
Primeiramente, analisa-se as formas de sucessão, sendo elas: legítima e
testamentária. Caracteriza-se como legítima a sucessão deferida pela lei através da ordem de
vocação hereditária, a qual traduz-se pela escala de preferência dos herdeiros no chamamento
à herança. Referida sucessão terá lugar, via de regra, se o autor da herança falecer ab

1
Case apresentado à disciplina Direito das Sucessões na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.
² Alunas do 7º período do curso de Direito, UNDB.
³ Professora, orientadora.
instestato, isto é, sem deixar por testamento suas declarações de última vontade. Não obstante
isso, importa ressaltar que a sucessão legítima e a testamentária poderão existir
simultaneamente (TAVARES; SOUZA, 2017), como é o caso em questão, visto que, em maio
de 2008, Gildônio/Tarsila produziu um testamento público deixando um bem a um legatário
de sua escolha.
O Código Civil regula sobre as relações familiares, e suas particularidades, como
quem são os herdeiros em caso de sucessão legítima. Dessa forma, considera-se herdeiro
legítimo o sucessor do de cujus que tenha sido indicado pela lei através da ordem de vocação
hereditária disposta no artigo 1.829 do Código Civil, que seria: descendentes, ascendentes,
cônjuge e colateral até o quarto grau (BRASIL, 2002).
O cônjuge, no código de 1916, não era visto como herdeiro, não cabendo a ele
partes da herança. O Código Civil de 2002, trouxe a figura do cônjuge para a linha sucessória,
concorrendo com ascendentes e descendentes do de cujus (MENIN, 2014).
Além disso, para abertura da sucessão legítima faz-se necessário saber o regime
de partilha dos bens. No caso exposto, trata-se de comunhão parcial de bens, aplicada como a
regra geral quando os cônjuges não deliberam sobre o assunto (BRASIL, 2002).
Assim sendo, incorre a meação dos bens comuns dos cônjuges, visto que a partir
do casamento, pelo regime de bens adotado, todos os bens adquiridos são bens comuns.
Ao falar de meação, entende-se por sendo partilha entre duas pessoas, na qual
cada indivíduo sairia com metade do todo. O caso apresentado traz uma nova constituição de
família entre três “cônjuges”, o poliamor, diante disso, surge o silogismo “triação”, que se
refere a divisão dos bens para os três, igualmente, em respeito ao princípio da igualdade,
previsto na Constituição Federal/1988 (CARVALHO, 2018).
A partir disso, em que temos um único núcleo familiar, divide-se pelo número de
pessoas o referido patrimônio. Portanto, na dissolução da união estável poliafetiva, constituída
por três ou mais pessoas, o retirante leva a sua cota parte, dividida entre as pessoas que
constituem este núcleo familiar, evidentemente a partir da constituição do poliamorismo, eis
que o advento de outras pessoas pode ocorrer quando já constituída a família poliafetiva
(CARVALHO, 2018).
Sendo assim, por serem bens adquiridos na constância do casamento entre
Gildônio/Tarsila e Romilda, o apartamento (R$ 1.000.000,00) e o sítio (R$ 300.000,00)
pertencem a meação do casal. Já a loja comercial (R$ 100.000,00), comprada na vigência do
poliamor, em 2018, entre Gildônio/Tarsila, Romilda e Rochieeny, será remetida à triação.
No entanto, Gildônio/Tarsila fez um testamento público antes de casar-se com
Romilda, deixando um sítio para sua legatária Rochieeny. Tal sítio veio a ser adquirido após
do casamento com Romilda, configurando, com isso, legado de coisa comum.
O legado de coisa comum trata-se da hipótese de disposição de última vontade
sobre bem em que há coproprietário, disposto no artigo 1.914, Código Civil: “se tão-somente
em parte a coisa legada pertencer ao testador, ou, no caso do artigo antecedente, ao herdeiro
ou ao legatário, só quanto a essa parte valerá o legado”, ou seja, é possível que a coisa legada
seja comum, desde que o legante detenha a sua cota sobre o bem a que se refere, sendo a parte
remanescente coisa de outrem (no caso em questão pertencente à Romilda) (BRASIL, 2002).
Ainda que tal bem só tenha sido adquirido posteriormente a criação o
testamento, o legado é válido, uma vez que consta a existência do bem no momento da
abertura testamentária. E, o legatário, ou seja, Rochieeny, receberá o equivalente à cota de
Gildônio/Tarsila sobre aquele bem. Então, a divisão do sítio será da seguinte forma: ½ para
Romilda e ½ para Gildônio/Tarsila (sendo esse o legado deixado à Rochieeny).
Se tal bem foi legado, em testamento válido, não há de incluí-lo na sucessão
legítima: configura-se sucessão testamentária, a qual, segundo Gomes, 2016:
É aquela em que a transmissão hereditária se opera por ato de última vontade,
revestido de solenidade requerida por lei. O autor da herança pode dispor de seu
patrimônio alterando a ordem de vocação hereditária prevista em lei, desde que
respeitados os direitos dos herdeiros necessários, ou seja, que resguarde a legítima
dos herdeiros (2016).
Visto isso, cabe analisar quem são e qual a cota sucessória dos herdeiros do de
cujus. Conforme o caso mostra, o autor da herança não possuia bens exclusivos, apenas bens
comuns, por isso, as esposas só recebem as suas partes individuais da meação/triação, pois
nessas circunstâncias não é possível que estas recebam também a parte referente à meação do
de cujus, ao passo que tornaria a sucessão injusta.
Os herdeiros de Gildônio/Tarsila seriam os seus filhos Mikaeliany – a qual teve
relações sexuais com um dos cônjuges do autor da herança, sendo esta causa de deserdação,
mas que não houve qualquer manifestação expressa - Astrogildo, e por fim, Spetânia
Aparecida.
Com isso, faz-se a meação referindo-se ao apartamento, uma vez que este é bem
comum do de cujus apenas com Romilda, de modo que a parte de Gildônio/Tarsila será
dividida na sucessão legítima, concorrendo a cônjuge (Rochieeny) e os filhos, de modo igual
(divisão “por cabeça”). Dessa forma, a divisão será ¼ para cada herdeiro de metade dos bens
da meação. Vale ressaltar que não entra, nesse caso, a parte de Gildônio/Tarsila sobre o sítio,
visto que o mesmo é um legado.
HERDEIROS MEAÇÃO
ROMILDA -
ASTROGILDO 1/4 de 1/2
MIKAELIANY 1/4 de 1/2
ROCHIEENY 1/4 de 1/2
SPETÂNIA APARECIDA 1/4 de 1/2

Na triação apenas os filhos são herdeiros sob o bem comum entre os três
cônjuges, a loja comercial. Assim, a divisão será 1/3 para cada herdeiro de 1/3 do bem.

HERDEIROS TRIAÇÃO
ROMILDA -
ASTROGILDO 1/3 de 1/3
MIKAELIANY 1/3 de 1/3
ROCHIEENY -
SPETÂNIA APARECIDA 1/3 de 1/3

A partir disso, compreende-se que as relações familiares modificam-se


continuamente, não sendo assim possível engessar o conceito de família. No caso em questão,
utilizou-se a analogia aos princípios e às premissas do Código Civil no que concerne as
modalidades de sucessão presentes, a fim de garantir a divisão correta dos bens, respeitando
as normas já impostas ao ordenamento jurídico vigente, visto que quanto às relações
poliafetivas, por não serem uma prática comum, não há entendimento consolidado.

CRITÉRIOS E VALORES

Legado: “é a disposição testamentária de última vontade que nomeia o legatário para um


bem ou para um conjunto de bens certos e determinados dentro da herança, não sendo ele
um herdeiro” (JUNQUEIRA, 2014).

Poliamor: “é caracterizado pela existência de duas ou mais relações afetivas concomitantes,


dentre as quais as partes envolvidas consentem por essa realidade” (MALMONGE, 2017).

Sucessão Legítima: “é quando, na falta de testamento, defere-se o patrimônio do morto a


seus herdeiros necessários e facultativos, convocados conforme relação preferencial da lei”
(RIBEIRO, 2014).
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Civil, 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 01 out. 2018.
CARVALHO, Newton Teixeira. Sucessão nas famílias simultâneas (paralelas) e nas
uniões poliafetivas. Dom Total, 2018. Disponível em:
<http://domtotal.com/artigo/7462/2018/05/sucessao-nas-familias-simultaneas-paralelas-e-nas-
unioes-poliafetivas/>. Acesso em 01 out. 2018.
GOMES, Jarbas Silva. Resumo de sucessões testamentárias. Jus.com.br, 2016. Disponível
em: <https://jus.com.br/artigos/51979/resumo-de-sucessoes-testamentarias>. Acesso em: 01
out. 2018.
JUNQUEIRA, Tais. Da sucessão testamentária: O Legado e suas Espécies. Jusbrasil, 2014.
Disponível em: <https://taisjunqueira.jusbrasil.com.br/artigos/149596408/da-sucessao-
testamentaria-o-legado-e-suas-especies>. Acesso em: 01 out. 2018.
MALMONGE, Luana. Poliamor: a quebra do paradigma da “família tradicional
brasileira”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5128, 16 jul. 2017.
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/57970>. Acesso em: 2 out. 2018.
MENIN, Márcia Maria. Da Sucessão Legítima. Disponível em:
<http://www.direitorp.usp.br/wp-content/uploads/2014/11/artigo_marcia_maria_menin.pdf>.
Acesso em: 01 out. 2018.
RIBEIRO, Fulgencio. Sucessão legítma. Jusbrasil, 2014. Disponível em:
<https://ribeirooliveiraadvogados.jusbrasil.com.br/artigos/114684196/sucessao-legitima>.
Acesso em 02 out. 2014.
TAVARES, Peterson Merlugo; SOUZA, Rosana Cristina da Silva. POLIAMOR: o perfil
dos praticantes e os desafios enfrentados. Centro Universitário Católico Salesiano
Auxilium. Curso de Psicologia. Lins-SP, 2017. Disponível em:
<http://www.unisalesiano.edu.br/biblioteca/monografias/61009.pdf>. Acesso em: 01 out.
2018.

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