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Algumas notas prévias para introduzir alguns esclarecimentos sobre aquilo que são os atos
jurídicos da administração.
Em TGDC também os atos jurídicos, um dos quais é o negócio jurídico, por exemplo. Também
no contexto da teoria geral do direito administrativo se fala nos atos jurídicos da
administração. Estes atos da administração, ou dos órgãos administrativos, compreendem
sempre um elemento ativo – é uma ação, ainda que, evidentemente, a omissão também seja
um ato com relevância jurídica.
Estas formas, que podem ser variadas, do agir administrativo têm sempre uma dimensão
finalisticamente unitária, que é sempre a prossecução do interesse público. Qualquer que seja
o modo formal do agir administrativo, há um elemento unitário que concede uma
racionalidade substantiva a esse agir administrativo, ou uma unidade finalística do agir
administrativo – que é sempre a prossecução do interesse público. Pode ser o interesse
público do apoio à economia, relevante hoje na área do turismo, a área das empresas, até pela
via fiscal ou pelo apoio à empregabilidade, etc. É um apoio económico, mas há um elemento
unitário a unir isso com a saúde – no caso, a saúde pública – é sempre a dimensão do interesse
público.
Como vimos em TGDC para o negócio jurídico, este produz efeitos unilaterais ou bilaterais, ou
seja, a uma das partes ou a duas partes ou, então, quando forem mais partes, haver uma
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multipolaridade de efeitos jurídicos. Isto significa que cria deveres, ou ónus, direitos – posições
ativas ou passivas – no contexto da TGDC. É também exatamente assim no quadro da teoria
geral do direito administrativo quando falamos em ações de caráter ou natureza jurídica e que,
por isso, se designam ações jurídicas – caracteristicamente, aqui, temos como atos jurídicos
porque produtores de efeitos jurídicos, o regulamento administrativo, o ato individual e
concreto que é o ato administrativo, o contrato administrativo (à maneira, aqui, daquilo que
estudamos em TGDC com o negócio jurídico – produção bilateral de efeitos jurídicos) e depois,
também, uma outra figura importante que são os pareceres, designadamente os pareceres
vinculativos, que também são atos jurídicos, mas não decisórios, quando estiverem em causa
pareceres não vinculativos – mas quando forem pareceres vinculativos, vinculam – quando
têm um caráter de autoridades, esses são decisórios e, portanto, produzem efeitos ainda que
no interior da própria administração – têm um efeito jurídico inerente, resultante da sua
natureza vinculativa.
Ainda que haja a ação administrativa típica – que é o agir com produção de efeitos jurídicos e,
portanto, independentemente quais eles sejam – não interessa se são positivos ou negativos,
favoráveis ou não aos particulares, se implicam direitos ou deveres – qualquer que seja esse
efeito falamos sempre em efeito jurídico – se tem efeitos jurídicos, então ele é produzido por
um ato de conteúdo jurídico.
Nestas ações de facto, onde temos ou puras ações materiais, ou meras declarações de ciência
ou de conhecimento (ações de informação para o cidadão, por exemplo, como as ações da
DGS, atualmente – campanhas de informação, de aconselhamento para os comportamentos
dos cidadãos, preventivos ou saudáveis) – são declarações de ciência, não são declarações com
efeitos jurídicos. É uma regulamentação comportamental dos cidadãos, por via de uma
comunicação de ciência ou de conhecimento, relativamente àquilo que os cidadãos devem
adotar como comportamentos condizentes com a situação atual. Essas declarações de ciência
não têm conteúdo juridico – elas não vinculam, só por si, a não ser que se transformem em leis
através do poder governamental – elas são, sobretudo, declarações de ciência que indicam um
certo modo de comportamento para os cidadãos.
Temos as ações declarativas com efeitos jurídicos (autorizações, ordens, proibições), ações
declarativas sem efeitos jurídico (as tais prestações e informação, de ciência ou de
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Do ponto de vista da regulação, isto é, em que leis ou Códigos se encontra estabelecida esta
disciplina para estas ações administrativas? Para o ato administrativo e para o regulamento
administrativo, nós temos o Código de Procedimento Administrativo – o nosso guião para
estudar o ato administrativo e para estudar o regulamento administrativo, iremos utilizar o
Código de Procedimento Administrativo; por sua vez, o contrato administrativo – outro modo
de agir, hoje comum a qualquer Administração Pública nacional ou estrangeira -, encontra-se
regulado num outro Código, que é o Código dos Contratos Públicos.
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no procedimento que afinal não vai praticar um ato administrativo e vai celebrar um contrato
administrativo – tem esta disponibilidade. Isto não é generalizado a todos os procedimentos –
há procedimentos em que não pode ser assim, designadamente nos procedimentos
disciplinares da Administração Pública – não pode haver contrato, não pode haver transação
da sanção, não pode haver um contrato de transação à maneira do direito civil – terá de
terminar sempre por ato administrativo – aí a lei não permite que, ao abrigo do artigo 127.º do
CPA, o sujeito administrativo altere a forma de ação – a forma de ação aí é só uma, o ato
administrativo. Há aí limitação dessa faculdade administrativa de optar pelo ato administrativo
ou pelo contrato administrativo, mas, por regra geral, funciona aqui uma dimensão de
fungibilidade ou de alterabilidade na forma de ação administrativa, podendo agir por ato ou
por contrato e vice-versa, cabendo aos órgãos administrativos a faculdade de agir por um
modo de agir.
Também dentro do contexto da ação administrativa, os particulares, por vezes, têm muita
relevância nessa ação administrativa. Nós já vimos que no Direito Administrativo, há a
colaboração dos particulares com a Administração, designadamente no contexto das parcerias
público-privadas, ou os contratos de conceção na área dos transportes, na área rodoviária, etc.
Há uma colaboração dos particulares com a Administração – há aqui o que também
designamos por exercício privado de funções administrativas ou administração por
particulares. A Administração delega-lhe essas funções ou por ato ou por contrato.
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o exercício dessa função. Muitas vezes, porque não aparece a autoridade ou força de
segurança que regula o trânsito, por exemplo perante um acidente ou perante uma catástrofe
natural, é necessário acautelar e prevenir o trânsito, e há um particular que está ali no meio
daquela situação drástica e que, por sua iniciativa, assume o comendo de disciplinar a entrada
ou saída dos veículos ou a ordenação do trânsito. Quem faz isto, naturalmente, é uma
autoridade administrativa – a PSP, ou a Polícia Municipal, ou a GNR – por não aparecer
naquele momento e se é necessário disciplinar o trânsito, até para prevenir outras
circunstâncias ou para desimpedir o trânsito para que possam entrar ou sair ambulâncias, um
particular assumiu aquela função, os outros obedecem-lhe, respondem-lhe como se fosse
autoridade administrativa e depois, quando vier a autoridade administrativa, ratifica, assume
como dela aquilo que foi feito pelo particular na vez da Administração.
Este ato administrativo exprime uma das funções administrativas mais relevantes da
administração, que é a função de autoridade administrativa, ou a função administrativa de
autoridade. Diz-nos este artigo 148.º que se consideram atos administrativos as decisões que,
no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos
numa situação individual e concreta.
Uma decisão é sempre uma ação declarativa, isto é, algo através do qual a Administração
declara ao particular, ao destinatário, e declara uma aprovação, ou uma autorização, ou uma
licença, ou um indeferimento, etc. Essa declaração traduz-se sempre numa mensagem
jurídico-administrativa que tem por destinatário um determinado particular e, portanto, é um
ato jurídico decisório através do qual a Administração, um órgão administrativo, ou constitui
um direito na esfera jurídica do particular (um subsidio, uma licença, a autorização para o
exercício de uma atividade…) – constitui na sua esfera algo que ele, só por si, não tinha -, ou
modifica o estatuto dele, porque lhe altera a licença, porque lhe altera o modo ou horário de
funcionamento do estabelecimento comercial ou da oficina – modifica-lhe a sua esfera
jurídica, o modo de exercício da sua atividade – sendo uma declaração com um sentido
jurídico modificativo, ou extingue esse direito da esfera jurídica do particular, encerrando-lhe o
estabelecimento, ou retirando-lhe a licença, e sempre aqui como um efeito extintivo. Esta
decisão é sempre um ato jurídico que tem um efeito de constituição de direitos na esfera
jurídica do particular, ou um efeito modificativo desses direitos ou extintivo desses direitos, ou
que constitui na esfera jurídica do particular deveres, ónus ou outro tipo de encargos. Quando
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nós falamos em ato que ou constitui, ou modifica, ou extingue, ou que cria deveres, ónus ou
outros encargos, falamos sempre num ato jurídico porque ele tem o propósito jurídico-
administrativo de produzir estes efeitos jurídicos na esfera de qualquer pessoa que seja
destinatário desse ato e, portanto, é uma decisão com uma declaração de conteúdo juridico
decisório para a esfera jurídica do destinatário, seja num sentido favorável, seja num sentido
desfavorável. Qualquer que seja o sentido, o efeito é sempre jurídico-administrativo porque a
esfera jurídica do particular, com essa intervenção decisória da Administração, sofre a
alteração. Ou alteração porque constitui, ou alteração porque modifica, ou alteração porque
extingue, ou alteração porque constitui um dever, ou alteração porque constitui um ónus, ou
alteração porque extingue esse ónus ou esse dever. Qualquer que seja o efeito jurídico, há
uma decisão de autoridade administrativa que vai produzir essas consequências jurídicas.
Este ato administrativo que está presente no artigo 148.º é sempre uma decisão autoritária,
porque vincula heteronomamente o destinatário, e unilateral, porque é adotada pelo órgão
administrativo independentemente da vontade do respetivo destinatário.
Depois essa decisão é exteriorizada. Pode ser exteriorizada pela via eletrónica, documental ou
oral, de acordo com o artigo 150.º do CPA. Isso é já uma forma de publicitar ou transmitir a
decisão. A decisão está contida na palavra que vimos, jurídico-administrativa nuclear, que é
adotada pelo órgão decisor quando escreve “autorizo”, ou “aprovo”, ou “indefiro”, ou
“defiro”. Esta é que é a decisão. Depois ela vai ser transmitida, e pode ser transmitida pelas
várias vias. Esse é o momento de levar ao conhecimento do destinatário uma decisão que já
está adotada num sentido favorável ou desfavorável.
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O que referimos até agora é o normal – uma decisão expressa, comunicada e adotada segundo
uma certa formalidade ou conjunto de formalidades.
Há situações em que os órgãos administrativos não agem deste modo, isto é, a decisão não é
expressa e comunicada nos termos que vimos (via eletrónica, física ou oral), etc. Pode haver
formas de agir administrativo em que, na operação material realizada, está contida a própria
decisão. Isto é muito habitual em determinados domínios da função administrativa,
designadamente quando, por razões de saúde pública, se procede ao abate de animais, por
exemplo – quando, para evitar a propagação de uma doença, os veterinários do Ministério da
Agricultura, ou da Direção Geral de Veterinária, procedem ao abate dos animais. Deslocam-se
junto dos animais, não há qualquer decisão prévia, não há qualquer procedimento prévio, e
abatem o animal, com o meio técnico-clínico aconselhável. No abate, no ato físico do abate,
está contida a ordem, isto é, está contida a própria decisão. A decisão está implícita no ato e,
por isso, esta decisão ou este ato administrativo em que se traduz o concreto abate dos
animais - é o exemplo mais usual -, chamamos-lhe ato administrativo implícito, porque a
decisão está implicitamente contida no ato do abate do animal, sem haver decisões prévias,
procedimentos prévios – é por razões de urgência, de necessidades de saúde pública ou
prevenção dela, que assim se atua. A decisão não existe previamente à própria operação
material, está contida na própria operação material do abate, feito por alguém tecnicamente
competente para o efeito. Isto exige razões de estado de necessidade – por razões de
prevenção de saúde pública não é possível fazer uma avaliação primeiro dos animais, falar com
o dono, ter aqui um acontecimento prévio mais formalizado para o efeito. A necessidade de
prevenir a saúde pública aconselha que se proceda a esta atuação de forma imediata, sem
haver um procedimento prévio de análise, de avaliação, de seleção dos animais que devem ou
não ser abatidos. O normal seria que houvesse procedimentos prévios, audições dos
interessados, a seleção dos animais, o isolamento ou outro tipo de tratamento que não fosse
imediatamente o abate, etc., mas o estado de necessidade impõe que a Administração atue
desse modo e, atuando desse modo, ao abater a decisão está contida nessa operação material.
Por isso se diz decisão implícita na operação material de atuação ou ato administrativo
implícito.
O ato administrativo concludente traduz-se num exemplo muito simples – há dois particulares
que estão interessados em explorar um parque automóvel subterrâneo, e fazem ao Presidente
de um Município um requerimento. Elaboram um requerimento, manifestando o interesse em
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Uma decisão tem de ser adotada num prazo. Um órgão administrativo que é provocado
através de um requerimento de um popular tem sempre um prazo para decidir. O prazo geral
para decidir, ao abrigo do artigo 128.º/1 do CPA, são 60 dias. (Atenção: este artigo teve uma
alteração muito recentemente, é provável que nos nossos códigos diga 90 dias – são 60 dias. O
prazo máximo é que passou a ser 90 dias, caso haja necessidade de prolongar o prazo. O prazo
regra, prazo de decisão geral, são 60 dias úteis).
Seja esse prazo o estabelecido no prazo geral, no Código de Procedimento Administrativo, seja
um prazo especialmente estabelecido num Regulamento da Universidade, ou no Regime
Jurídico das Autarquias Locais, ou qualquer outra lei, há sempre um prazo para decidir. Se
essas leis especiais nada estabelecerem, nós temos de aplicar subsidiariamente o regime do
CPA, onde hoje está previsto o prazo de 60 dias úteis para o órgão administrativo competente
decidir o nosso pedido, o nosso requerimento.
Qual é a consequência se o órgão administrativo nada decidir? Isto é, não adotou nenhum ato
administrativo no prazo legal ou estabelecido no Regulamento aplicado? Nada disse, há
silêncio, e nada decidiu. Qual é a consequência?
Deste silêncio, hoje, nada resulta juridicamente, exceto em conceder ao particular legitimidade
para utilizar meios de impugnação, ou administrativo (reclamação ou recurso hierárquico
administrativo) ou então utilizar as vias contenciosas, para os tribunais administrativos (que
estudaremos em Direito Administrativo III). Do ponto de vista substantivo, nada resulta para a
esfera jurídica do particular a não ser uma legitimidade para este impugnar essa omissão
administrativa por não haver decisão no prazo legal, uma legitimidade para impugnar
administrativamente, ou por reclamação administrativa ou por recurso hierárquico
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administrativo ou, então, impugnar nos tribunais administrativos essa omissão administrativa,
pedindo ao juiz que condene esse órgão administrativo a tomar essa decisão que o particular
lhe pediu através do requerimento. É esta a consequência geral que resulta do incumprimento
pela Administração dos prazos legais para decidir. Diz-nos o artigo 129.º do CPA que “Sem
prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 13.º e no artigo seguinte, a falta, no prazo legal, de
decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente constitui
incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado a possibilidade de utilizar os
meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados”. Ou seja, o silêncio da Administração
apenas confere ao interessado/requerente a legitimidade para utilizar os meios legais de
tutela administrativa e jurisdicional.
É claro que pode haver consequências disciplinares no interior da administração, mas isso é
um problema interno dos órgãos administrativos. Pode haver responsabilidade disciplinar, nos
termos do artigo 128.º/5 do CPA e responsabilidade civil, nos termos gerais, para indemnizar
os prejuízos eventualmente causados.
Sendo assim, os requisitos cumulativos para o ato administrativo tácito são: um requerimento
dirigido ao órgão competente, que este deve decidir dentro do prazo legal; ausência, nesse
prazo, de uma decisão (situação de inércia do órgão competente); que a lei ou regulamento
(emitido com base na lei) determine que essa ausência de decisão no prazo legal tem o valor
jurídico de uma decisão, isto é, de deferimento correspondendo a um ato tácito de
deferimento da pretensão requerida (artigo 130.º/1 a 3 do CPA). Por vezes, a lei também
poderá fazer corresponder à inércia o indeferimento do pedido, formando-se um ato tácito de
indeferimento. É o que acontece no direito tributário.
Fora dessas hipóteses, tem de existir norma legal a prever expressamente que o silêncio da
administração no prazo legal para decidir, mas não decidiu, corresponde a esse silêncio um
indeferimento tácito e, portanto, um ato tácito. Se não existir essa norma legal, a regra geral é
a do CPA, ou seja, ao silêncio apenas corresponde uma consequência jurídica – legitimar os
particulares para poderem impugnar essa omissão do dever de decidir no prazo legal,
reclamando contra essa omissão ou impugnando administrativamente essa omissão ou
recorrendo, propondo uma ação nos tribunais administrativos, a pedir ao juiz que condene o
órgão administrativo a decidir.
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Fora esta situação excecional, que é produzir-se uma decisão tácita, vigora a regra geral do
CPA.
Uma decisão unilateral e autoritária – estamos sempre na decisão. Ainda estamos a analisar a
palavra decisão.
Primeiro, a decisão, já o referimos, é unilateral – ainda que, porventura, possa haver atos que
necessitam de uma aceitação dos particulares – são excecionais, no Direito Administrativo
Continental Europeu – o exemplo legal mais evidente, e até raro, é a nomeação de agentes
administrativos. Na Administração Pública, hoje, é o contrato de trabalho em funções públicas,
a exceção é um ato administrativo de nomeação, e aqui a lei diz – A Lei Geral de Trabalho em
Funções Públicas -, diz que na nomeação, o destinatário da nomeação tem de aceitar a
nomeação no prazo de 20 dias. A decisão de nomear, que é um ato de autoridade, é só
recetícia no sentido de que para produzir efeitos jurídicos tem de haver uma aceitação do
particular, mas a decisão está tomada. A decisão de nomear o António, ou a Maria, ou a
Madalena para um certo lugar na Administração Pública está tomada, a decisão é autoritária,
unilateral. Apenas para desencadear efeitos na esfera jurídica do particular é que necessita da
sua aceitação. A aceitação é um puro requisito de eficácia, não é um elemento integrante da
decisão. A decisão está adotada. O despoletar dos efeitos para a Madalena ou o João tomarem
posse, serem investidos, é necessária uma aceitação deles e, a partir daí, é que surge o ato da
investidura. É uma decisão cuja eficácia vai depender de uma expressão da vontade do
destinatário.
Está no artigo 148.º do CPA que a decisão é sempre uma decisão autoritária e unilateral –
heterónoma em relação aos respetivos destinatários, independentemente de essa decisão ir
de encontro àquilo que era o anseio ou a vontade do destinatário. É autoritária no sentido de
que se impõe aos destinatários independentemente de os efeitos jurídicos serem favoráveis
ou desfavoráveis a eles.
Na Administração, o ato administrativo, esta decisão do artigo 148.º do CPA a que chamamos
ato administrativo, é dotado de força executiva. Para a Administração, ele próprio é um título
executivo. Se, porventura, a execução do ato administrativo, necessitar da colaboração do
particular para essa execução, mas o particular não colaborar, ou essa execução esbarrar na
vontade incumpridora do particular, como este ato administrativo é um titulo executivo,
confere à Administração, sem qualquer intervenção judicial, a Administração fica legitimada a
executar coercivamente e pelos seus próprios meios, sem intervenção dos tribunais. Tem
autotutela declarativa, jurídica, e tem autotutela executiva, ou seja, como as suas próprias
declarações – neste caso, ato administrativos -, são simultaneamente títulos executivos, a
Administração, ao mesmo tempo que autodeclara o direito para as situações concretas, ela
própria, ao fazer isto, está a criar na sua esfera uma autotutela executiva, caso seja necessário,
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recorrer à execução coerciva desse titulo executivo que é a decisão administrativa. Portanto,
num exemplo muito usual – se um Presidente de uma Câmara Municipal ordena a demolição
de um prédio porque ameaça ruir, quem tem de demoli-lo e praticar estas operações de
demolição é o proprietário, mas o proprietário pode não cumprir. Se não cumprir, esta ordem
de demolição que é uma decisão, obviamente autoritária, unilateral, vai servir de titulo
executivo para que o Presidente da Câmara ordene a demolição física do prédio por ele
próprio, isto é, com base na ordem na qual estabeleceu a demolição, o particular não cumpriu
no prazo que lhe foi concedido, o processo regressa novamente a decisão do Presidente da
Câmara, que é o órgão competente, e nessa segunda fase ele ordena que se proceda à
execução coativa – isto é, através dos serviços da própria Câmara, ou que a Câmara contratar
para o efeito, vai proceder à demolição coativa ou coerciva do prédio. O título decisório, que é
simultaneamente uma autotutela declarativa (isto é, a Administração declara o direito no caso
concreto, naquele caso demolição do prédio) vai servir simultaneamente, numa segunda fase,
como autotutela executiva (porque a Administração tem o poder de declarar o direito e tem o
poder de o executar sem a necessidade de intervenção judicial).
Sendo assim, a determinação contida no ato administrativo vale por si, no sentido de estar em
condições de ser executada, sem necessidade de uma qualquer intervenção judicial
(intervenção de um tribunal) que, através de uma sentença, confirme ou valide aquela
determinação. A decisão administrativa constitui um título executivo.
Esta é a regra geral, mas nem sempre assim sucede. Não pode utilizar a força imediatamente
executiva quando se trate de exigir o pagamento de dívidas dos particulares ou prestações
pecuniárias, por exemplo. Aí o processo tem de seguir o processo que estudamos em Direito
Fiscal, tem de seguir o procedimento e processo tributário. Quando estiverem em causa
prestações pecuniárias que a Administração exija dos particulares, se eles não pagarem no
prazo concedido pela Administração, aqui o ato administrativo é titulo executivo, mas a
Administração não pode proceder pelos seus meios à execução desse título, tem de enviar
esse título para as Finanças, para que depois as repartições das Finanças procedam segundo o
Contencioso Tributário ou Fiscal, ou seja, um processo formalmente jurisdicional. Esta é uma
exceção a estas regras, a este poder geral da Administração, de poder executar coercivamente
as suas próprias decisões administrativas.
Essa decisão vai produzir efeitos jurídicos numa esfera concreta, ou numa situação concreta e
individual. Um ato administrativo é, por regra, um ato que se erige sempre a um destinatário
individualizado, determinado, e que vai produzir nesse destinatário individualizado, nesse
destinatário determinado um efeito jurídico. Por isso se diz que a decisão, como é adotada em
relação a um destinatário individualizado, se diz que ela vai produzir efeitos jurídicos nessa
esfera jurídica e, portanto, efeitos jurídicos externos (porque ultrapassam a dimensão
Administrativa e projetam-se numa esfera do particular – pessoa singular ou pessoa coletiva -,
e, ao projetarem-se numa esfera jurídica que é exterior à Administração, nós dizemos efeitos
jurídicos externos). Nós dizemos que esses efeitos externos vão interferir numa esfera
individual e concreta.
No exemplo do pedido da concessão de uma bolsa aos serviços sociais da UC – quem pede é a
Madalena, o António, o João – formulam um requerimento para a concessão de uma bolsa ou
para a isenção das propinas – quem formula o requerimento é sempre a Madalena, ou o João,
ou o António – a decisão que vem dos Serviços Sociais da UC é a decisão da Madalena, ou do
João, ou do António – é a esfera jurídica de cada um deles – um terá, outro não terá – de
qualquer modo, seja em sentido favorável ou seja em sentido negativo (porque não se
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produziu nenhum resultado favorável na esfera jurídica de um deles, ele não tem o beneficio,
o efeito jurídico não está lá). O efeito produz-se na esfera concreta do sujeito. Qualquer que
seja a decisão, tem é de haver uma decisão, ou no sentido de conceder a bolsa ou uma decisão
de não conceder. Qualquer que seja o sentido, temos sempre uma decisão, seja ela favorável
ou não seja. Temos uma decisão que vai produzir um efeito jurídico numa esfera concreta.
Este efeito juridico, ao entrar numa esfera concreta, tem eficácia externa, porque concedeu à
Madalena a bolsa e ao António ou ao João não concedeu – também se produziu um efeito
jurídico nas suas esferas – que é a recusa da produção do efeito jurídico que pretendia o
António ou o João e que não se produz, mas a esfera deles fica afetada.
Fala-se em decisões que “visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual
em concreta”, e com este elemento da noção pretende-se distinguir o ato administrativo dos
atos normativos, em especial dos atos normativos emitidos pela Administração – os
regulamentos administrativos.
Significa isto que a decisão adotada “no exercício de poderes jurídico-administrativos” projeta
os seus efeitos jurídicos na esfera jurídica (pessoal, profissional ou patrimonial) do destinatário
ou dos destinatários determinados dessa mesma decisão, definindo a sua situação jurídica (por
exemplo, constituindo direitos, modificando-os ou extinguindo-os, ou, então, produzindo
deveres, encargos, ónus, etc.)
A decisão pode, igualmente, definir a situação jurídica de um bem (por exemplo, a decisão que
classifique um imóvel como património histórico, arquitetónico ou cultural, ou o ato de
afetação de um bem ao domínio público, submetendo-o a um regime jurídico específico).
Trata-se dos designados atos administrativos intransitivos, por não terem um destinatário,
tendo por objeto um bem (atos administrativos reais).
Por definição, o ato administrativo tem por destinatário um sujeito ou um conjunto de sujeitos
determinados. Neste sentido, diz-se que os seus efeitos se produzem numa situação individual,
e não de modo geral, como sucede com os atos normativos, que, no momento da respetiva
emissão, se dirigem a um número indeterminado de sujeitos.
No entanto, este elemento não afasta a existência de atos administrativos gerais - atos que se
dirigem à resolução de uma situação concreta – atos administrativos concretos -, mas
abrangendo uma pluralidade não individualizada de destinatários. A ordem dirige-se à
resolução de um concreto problema, mas abrange uma pluralidade de destinatários, que, no
momento da respetiva emissão, não se encontram individualizados, mas que são todos eles
determinados ou determináveis.
Pode haver situações em que a situação é concreta, mas as pessoas são várias. Não é só a
Madalena ou só o António. Pode ser um agregado de pessoas, que não são imediatamente
determináveis, podem ser 50, ou 100 ou até 150 pessoas, mas que são, evidentemente,
determináveis com o processo, só não o são, naquele momento, imediatamente
determináveis. Isto acontece, por exemplo, quando a segurança pública manda dispersar as
pessoas que estão numa manifestação – está lá uma pluralidade delas, mas, ao dispersar, à
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saída podem estar agentes de segurança para identificar cada uma das pessoas. Quando é
dada a ordem, elas não são imediatamente determináveis, porque são uma pluralidade, mas
podem ser perfeitamente determináveis. Esse ato administrativo que é dado a uma
pluralidade de pessoas é uma decisão, numa situação concreta, que é naquela base, naquele
dia, naquela hora, que se manda dispersar aquele grupo de pessoas, mas a ordem é dada a um
conjunto de pessoas que não são imediatamente determinadas quando é dada a ordem, mas
que são perfeitamente determináveis a posteriori, as pessoas que estavam lá naquele
momento. Este ato administrativo, que tem por destinatários uma pluralidade de pessoas, mas
que é dirigido a uma situação concreta, nós falamos nos atos administrativos gerais – para
resolver uma situação concreta, naquele momento, mas onde estão uma pluralidade de
pessoas (por isso é que se diz que é geral e não individual, mas não deixa de ser ato
administrativo porque as pessoas que estão naquele local são perfeitamente determináveis).
A decisão dirige-se, à partida, à resolução de uma situação jurídica concreta, por contraposição
aos atos normativos, que apresentam a característica (material) da abstração.
Este elemento da noção também não afasta a existência de atos administrativos abstratos, que
se dirigem a um destinatário individualizado – atos administrativos individuais -, mas que criam
ou constituem obrigações individuais permanentes, isto é, obrigações que não se esgotam no
momento da prática do ato.
Já vimos que os efeitos jurídicos produzem efeitos jurídicos positivos, mas, atenção, estes
efeitos jurídicos positivos não querem dizer que sejam favoráveis aos destinatários. Efeitos
jurídicos positivos só significa que a decisão administrativa alterou o mundo jurídico externo à
Administração. É somente isto que significa, isto é, alterou o ordenamento jurídico externo à
Administração. Diz-se que produz, neste sentido, efeitos jurídicos positivos. Esses efeitos
jurídicos positivos podem ser favoráveis ou podem ser desfavoráveis.
Efeito jurídico positivo, por contraposição aos efeitos jurídicos negativos, os efeitos jurídicos
positivos desta decisão apenas significam que essa decisão produz alterações no ordenamento
jurídico – ou constitui direitos, ou retira direitos, ou modifica direitos, ou constitui deveres, ou
constitui ónus ou constitui encargos. Estes efeitos podem ser favoráveis ou desfavoráveis, mas
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são sempre efeitos de uma decisão que produz uma alteração na esfera jurídica externa à
Administração – que afeta os particulares, alterando esse estatuto jurídico.
Por contraposição há os atos administrativos que produzem efeitos jurídicos negativos. Estes
traduzem-se numa recusa de alteração. No exemplo que vimos há pouco, do António e do
Afonso que pediram à Administração dos Serviços Sociais a concessão de uma bolsa, mas a
Administração entendeu que não devia conceder o efeito que eles pretendiam. Ora, com esta
decisão, o que a Administração dos Serviços Sociais da UC está a emitir, a significar juridico-
administrativamente, é a recusa da produção de efeitos jurídicos. O António pediu um
determinado efeito jurídico – a concessão da bolsa ou da isenção – a Administração dos
SASUC, aplicando os critérios, recusou-se a produzir esse efeito jurídico – isto é que é um ato
jurídico negativo – indefere a pretensão do particular – não concede a pretensão que o
particular pediu. Indefere-a, não aprova, não autoriza, não a concede. Aqui é que nós dizemos
que a decisão produz efeitos jurídicos negativos. A decisão recusa-se a produzir um efeito no
ordenamento juridico externo ou na esfera jurídica daquele cidadão ou daquele destinatário
que ele pretendia que se produzisse, mas que a Administração recusa produzir. Recusa-se a
produzir aqueles efeitos jurídicos. Nisto se traduz a decisão jurídico-administrativa com efeitos
negativos, por contraposição à decisão que produz efeitos positivos, que alteram o mundo
juridico externo, que alteram a esfera jurídica externa à Administração, produzindo efeitos
jurídicos nessas esferas, nesses ordenamentos, alterando-os, modificando-os, constituindo
neles direitos, ou deveres, ou órgãos ou encargos, ou seja, alterando de forma favorável ou
desfavorável esse ordenamento jurídico externo à Administração.
Isto tem sempre a ver com o princípio da possibilidade de os particulares terem acesso à
justiça administrativa, independentemente de as decisões da autoridade da Administração
terem efeitos jurídicos positivos ou negativos. A possibilidade de contestar ou impugnar estas
decisões é processualmente ambivalente – não pode lacunas na tutela jurisdicional efetiva.
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atividade administrativa, através do ato administrativo, que vai permitir a aplicação do regime
geral e abstrato a cada uma das situações concretas e individualizadas.
2.º - a função estabilizadora das situações jurídicas – significa que o órgão administrativo, ao
adotar uma decisão, a regra geral é que a decisão administrativa seja uma decisão
tendencialmente estável, até por razões de princípios fundamentais que estudámos em Direito
Constitucional da confiança, da segurança e da certeza jurídica dos próprios destinatários – é
algo que estabiliza a esfera jurídica dos respetivos destinatários – seja em termos de
estabilização favorável aos destinatários, com direitos, benefícios, vantagens, seja, porventura,
a constituição de determinado tipo de ónus. Qualquer que seja o efeito, neste caso, favorável
ou desfavorável, esta função de estabilização das situações jurídicas é, também aqui,
ambivalente. Tanto dá para as situações em que se constituem vantagens na esfera jurídica
dos particulares – situações favoráveis -, como para as situações que constituem
desvantagens, como a aplicação de encargos administrativos ou de pagamento de quantias à
administração – evidentemente desfavoráveis. Ainda assim, cria certeza, no sentido de que é
aquela pessoa que deve, quanto deve, quando vai pagar e de que modo vai pagar. Estabiliza a
situações jurídico-administrativa.
Não confundir o caso decidido do Direito Administrativo com o caso julgado, ainda que eles
tenham algumas semelhanças. Quando se faz caso julgado, em termos processuais, esse caso
julgado eterniza-se, por mais justa ou injusta que seja aquela sentença, ou aquele acórdão, a
situação definitiva eterniza-se para sempre – ser justa ou injusta é indiferente. Também no
contexto da Administração se produz um fenómeno semelhante – o caso decidido
administrativo – aqui estabiliza – não foi concedida autorização para o funcionamento daquela
indústria porque a Administração entendia que havia violação de uma norma ambiental, mas
afinal não havia. O particular não impugnou e deixou que o prazo caducasse – a partir dali
estabiliza a situação. O caso formou-se de forma decidida. Mantém-se na ordem jurídica, ainda
que o ato e a decisão se mantenham sempre ilegais. Isto sucede, evidentemente, no caso de
ilegalidades menos graves – só é válido para as situações de mera anulabilidade – as que estão
sujeitas a prazo de impugnação. Quando há nulidade, a impugnação pode ser feita a todo o
tempo. Na mera anulabilidade, uma decisão, ainda que ilegal, produz todos os efeitos
jurídicos.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
3.º - tem uma função procedimental – veremos que cada decisão administrativa só pode ser
adotada findo um procedimento administrativo – exceto as situações excecionais de estado de
necessidade, em que a Administração age no momento e sem formalização procedimental
anterior. O geral é que tem de haver um procedimento anterior à decisão. Este procedimento
está regulado no CPA e é uma exigência Constitucional. Ou seja, há uma procedimentalização
das decisões da Administração de forma a que a Administração adote decisões com
transparência, publicidade e com a participação dos interessados, sendo que a audição deles
só pode ser dispensada excecionalmente. Esta decisão que implica a adoção de um
procedimento administrativo, mais ou menos moroso ou complexo, significa que esta decisão
põe termo a esse procedimento – é a decisão final dele. Tem uma dimensão procedimental
não apenas porque exige um procedimento para que ela seja tomada mas porque ela põe fim
ao procedimento, adotando-se a decisão definitiva para a situação individual e concreta.
4.º - a função tituladora do ato administrativo, que é funcionar como titulo executivo e,
portanto, a Administração, com base nesta decisão de denegação de direitos ou de
autorização, mas, sobretudo, quando os atos são desfavoráveis para os particulares e eles não
cumprem, atos que impõem condições, que impõem cargos, que impõem ordens – atos
autoritariamente impositivos para a esfera jurídica dos cidadãos -, e que eles não cumprem
voluntariamente, isso pode dar origem a um processo de execução meramente administrativo.
Não é preciso, aqui, a mediação de qualquer tribunal, nem sequer dos Tribunais
Administrativos, com base nesse título decisório. Essa decisão é declaração do direito no caso
concreto e é, para o caso concreto, um título executivo que confere à Administração o poder,
se necessário, de executar esse título através da força executiva, isto é, através da força
coerciva ou coativa, se necessário for. Se a autoridade de segurança dá uma ordem ao cidadão
para retirar o carro daquela rua porque está a perturbar o trânsito e o situação não o faz
voluntariamente, para além de se habilitar, obviamente, a uma sanção pecuniária que é a
coima, habilita-se, imediatamente, porque já está ali um titulo executivo, que é ordenarem o
reboque e, portanto, a utilização da força coativa para retirarem o veiculo dali.
A nossa aula de hoje é sobre a classificação dos atos administrativos. Vimos na aula anterior
que um ato administrativo, na noção do CPA, no artigo 148.º constitui uma decisão de um
órgão administrativo adotada ao abrigo de poderes jurídico-administrativos e que produz
efeitos jurídicos numa esfera individual e concreta – por definição, esta decisão da
Administração, de um órgão da Administração dirige-se sempre a um destinatário
determinado e para produzir na esfera jurídica desse destinatário efeitos jurídicos que podem
ser, obviamente, favoráveis ou desfavoráveis para esse destinatário determinado e
individualizado. Estas decisões individuais, do António, do Manuel, da Maria, é sempre um
sujeito determinado – estas decisões, do ponto de vista da classificação doutrinal, assumem
diversos tipos. Ora, hoje vamos ver, justamente, em que é que consiste esta decisão do ponto
de vista mais analítico. Ou seja, vamos densificar a noção de ato administrativo em diversos
tipos de ato administrativo. As decisões são adotadas ao abrigo de poderes administrativos,
mas, do ponto de vista da sua natureza, da sua eficácia, dos efeitos que produzem na esfera
jurídica do destinatário, essa decisão pode assumir diversos tipos classificativos.
Do ponto de vista doutrinário, esta decisão, desde logo, quanto à sua projeção no tempo ou
dos efeitos e do modo como se projetam no tempo, a sua duração – eis que a grande primeira
classificação consiste em distinguir atos de eficácia duradoura por contraposição a atos de
eficácia instantânea. Esta contraposição baseia-se no facto de alguns atos projetarem efeitos
de uma forma alongada no tempo e, portanto, a sua eficácia é duradoura, e outros em que a
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Um outro tipo de atos, que já tínhamos visto na aula anterior, são os atos negativos – isto é,
aquele tipo de atos através dos quais, o órgão administrativo competente, se recusa a produzir
os efeitos jurídicos pretendidos – nunca se esqueçam desta associação – o órgão
administrativo recusa-se a produzir os efeitos que o requerente, o particular, pretendia que
esse órgão administrativo produzisse na sua esfera jurídica. Nesse sentido é que nós dissemos
que o ato administrativo de indeferimento era um ato com esta projeção, um ato negativo, no
sentido de que um particular, fazendo um requerimento, formulando um requerimento ao
órgão administrativo competente, este decide não produzir os efeitos pretendidos por esse
particular. Demos o exemplo do estudante que pede a concessão da bolsa à UC e a UC, a
Administração, decide indeferir esse pedido e isso, juridicamente, significa que a situação do
António, ou do Manuel, que pediu a bolsa ou a isenção da propina, a sua esfera jurídica fica ali
decidida, fica resolvida a situação jurídica dele no sentido que obviamente tem um encargo,
tem um ónus de pagar a propina ou, evidentemente, tem a desvantagem de não receber a
bolsa. Isso é uma decisão administrativa que estabiliza na esfera jurídica do particular. Essa
decisão de recusa tem esta implicação nessa esfera jurídica, no sentido de que ao recusar-se a
decidir no sentido pretendido, simultaneamente está essa decisão a significar juridicamente
para esse particular que ele, na sua esfera jurídica, tem esse ónus, ou de pagar a propina, ou
tem a desvantagem de não ter a bolsa. Portanto, o facto de ser um ato com essa classificação
de ato negativo não significa que, evidentemente, este ato não tenha esta projeção, uma vez
que ele decide a situação jurídica do requerente, ao recusar-se a produzir esses efeitos
jurídicos. Ou seja, atos negativos consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem
jurídica no sentido pretendido pelo particular/requerente (ato de indeferimento de um pedido
formulado em requerimento e recusa de apreciação de um pedido/requerimento).
Depois, uma outra grande classificação refere-se aos atos constitutivos de direitos. É uma
noção ampla que consta do artigo 167.º/3 do CPA no sentido de que a Administração, o órgão
administrativo competente, através desta decisão administrativa que é o ato administrativo
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
vai produzir efeitos jurídicos favoráveis na esfera jurídica do destinatário dessa decisão - ou
porque lhe concede vantagens, ou porque através dessa decisão elimina ou extingue
desvantagens que sobrecarregavam essa esfera jurídica. Se alguém tinha o dever de pagar
uma taxa à Administração, se, porventura, a Administração decide por razões legais ou
regulamentares, isentar para o futuro essa pessoa do pagamento dessa taxa, está,
evidentemente, a produzir com essa decisão uma vantagem na esfera jurídica dessa pessoa,
que se encontravam onerada com esse ónus, com essa obrigação e com esse dever. Portanto,
um ato constitutivo de direitos tanto pode consistir numa vantagem subjetiva concedida ao
destinatário, por exemplo, a concessão de um subsídio, é obviamente um ato constitutivo de
direitos que produz uma vantagem económica na esfera jurídica do interessado, mas também
pode consistir na eliminação de um encargo ou de um dever que enumerava a esfera jurídica
dessa mesma pessoa. Tem este efeito ambivalente e é esta noção ampla de ato constitutivo de
direitos que consta do artigo 167.º/3 do CPA. Ou seja, são atos com efeitos jurídicos favoráveis
na esfera jurídica (subjetiva) do destinatário (ou de terceiro); atos administrativos que
atribuem ou reconhecem situações jurídicas de vantagem ou eliminam deveres, ónus,
encargos ou sujeições.
Quarta classificação – os chamados atos precários – atos administrativos precários – estes atos
administrativos são assim doutrinalmente qualificados em virtude de o destinatário deles,
ainda que sejam vantajosos para ele, estes atos, ao abrigo do princípio da confiança, é de
aplicação limitada aqui – por regra, uma relação jurídica tem inerente – e designadamente
com a Administração – tem inerente uma dimensão de estabilidade, uma dimensão de
confiança, uma dimensão de segurança, uma dimensão de certeza. Ora, quando se trate de
atos precários, esta confiança está diminuída, esta estabilidade está esbatida e,
consequentemente, também a segurança jurídica dessa pessoa ou dessa empresa. Porquê?
Porque a Administração, o órgão administrativo que emitiu este ato administrativo, a qualquer
momento o poderá revogar. Dir-se-á que em termos gerais, estes atos precários estão sempre
sujeitos a uma cláusula acessória de revogação ou de alteração e, portanto, de modificação ou
de extinção. Assim sucede, seguramente, alguns de nós já ouvimos falar na exploração de
areais, ou de licenças de exploração de areias – isso é comum, é normal, porque são utilizadas
por uma grande atividade privada e pública que são as obras ou civis ou obra públicas – mas,
aqueles que fazem a exploração de areia por definição até do regime legal fazem-no de forma
precária – a qualquer momento, por uma razão ou de escassez, ou uma razão ambiental, ou
uma razão de perturbação das zonas ribeirinhas, etc., a Administração, o órgão administrativo
competente pode revogar essa licença, não tendo o particular direito a qualquer indemnização
por essa extinção da licença que lhe tinha sido concedida, ou da autorização que lhe tinha sido
concedida. Quando assim é, estes atos designam-se por atos precários e, por isso, mesmo que
sejam constitutivos de direitos (e são, porque concedem uma vantagem económica de
exploração da zona em que exista a possibilidade de exploração ou de extração de areia). Do
mesmo modo, muitas vezes a Administração concede autorizações para os particulares
ocuparem prédios, imóveis, próprios da Administração, mas sempre sujeita a uma cláusula de
alteração ou de revogação. Isto é, quando a Administração necessitar daquele prédio, eis que
os particulares que tinham sido autorizados a utilizá-los têm de os abandonar – estão lá numa
situação precária, sabem que a situação é precária e, consequentemente, a sua dimensão de
confiança está aqui claramente diminuída. Também um ato que nós estudámos no Direito
Administrativo I, a delegação de poderes, é um ato precário, porque a qualquer momento
pode ser revogado pelo órgão delegante, alterado pelo órgão delegante e, portanto, é um ato
que está sempre sujeito a uma intervenção extintiva ou de alteração pelo órgão que fez a
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Também temos os chamados atos provisórios – atos administrativos provisórios – estes atos
provisórios estão associados, em regra, a autorizações que a Administração concede a
particulares para o exercício de atividade, mas é sempre de forma provisória, até que em
algum momento à posterior sobrevenha a autorização definitiva. Para que o particular não
esteja a aguardar demoradamente pela autorização definitiva o que a Administração faz é
conceder uma autorização provisória para que os particulares possam iniciar o exercício das
respetivas atividades. Ou, também, muitas vezes a Administração, no contexto de
determinado tipo de procedimentos, adota medidas cautelares ou intercalares, portanto,
anteriores à decisão final que há de vir, para inclusivamente, às vezes, salvaguardar a prova
para efeitos de adotar a decisão final. Muitas vezes, numa entidade que é nossa conhecida, a
ASAE, ou Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica, ou a Autoridade das Condições
de Trabalho, muitas vezes adotam estas medidas cautelares, que são provisórias, que é, por
exemplo, apreender objetos ou produtos, para, justamente, salvaguardarem até a prova, à
maneira como sucede no processo civil e no processo penal. Isto são atos provisórios, mas são
decisões e decisões que têm, evidentemente, implicações desfavoráveis para os respetivos
destinatários e que visam não raras vezes até acautelar o ato definitivo, a boa decisão
definitiva, como são esses casos, por exemplo, da apreensão de determinado tipo de objetos
ou produtos, porventura, que já não estejam em condições para serem comercializados, eles
podem ser imediatamente apreendidos para servirem como prova para se tomar a decisão
definitiva relativamente ao agente económico que se encontrava nessa situação. Estes são
atos cujos efeitos dependem de uma futura pronúncia definitiva da Administração, e estão
regulados pelos artigos 89.º e 90.º do CPA.
Depois temos outra grande classificação – as pré-decisões – isto é, por noção gramatical, até,
as pré-decisões são atos administrativos que precedem uma pronúncia final e definitiva
também da Administração, mas que já decidem em certos termos, não de forma provisória,
mas de forma definitiva, a situação jurídica do particular. Aqui temos dois subtipos:
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
decisão está consolidada, é definitiva e, portanto, a decisão que vai autorizar o particular a
realizar o empreendimento, a construção, a reabilitação, tem de ser adotada em conformidade
com o projeto de arquitetura que foi aprovado num momento prévio. Contudo, a mera
aprovação do projeto de arquitetura não permite ao particular realizar qualquer operação, há
que pedir a licença que há de constar de uma forma conhecida e também futuramente nossa
conhecida que é o alvará, que depois é afixado num sítio público para o efeito.
- Outros atos desta natureza das pré-decisões são os chamados atos administrativos parciais –
quando, muitas vezes, nas áreas, designadamente, da construção, que precisam sempre de
uma interferência administrativa, o que faz o órgão administrativo competente é permitir
numa decisão prévia que os particulares possam já dar inicio ao exercício de algumas
atividades que podem iniciá-las até que venha a decisão final autorizativa – são as chamadas
licenças parciais. Isto é uma espécie de antecipação daquilo que será o conteúdo típico da
decisão final. Para que os particulares já possam iniciar algumas atividades, a Administração
antecipa essa licença ou o conteúdo parcial dessa licença que virá, obviamente, a ser adotada
em termos definitivos, permitindo que possam realizar escavações, remoção de terras, ou
outro tipo de atividades para a implantação de estruturas ou de infraestruturas, embora,
depois, a licença global e definitiva só venha num momento posterior.
Para resumir: as pré-decisões são atos que, precedendo o ato principal de um procedimento,
ou o ato que define a situação jurídica do interessado noutro procedimento, decidem,
peremptória ou vinculativamente, sobre a existência de condições ou de requisitos de que
depende a prática de tal ato. Podem dividir-se em atos administrativos prévios, que são atos
que decidem de forma antecipada uma pretensão, mas não têm efeitos permissivos, não
habilitando o particular-destinatário ao exercício de qualquer atividade; e em atos
administrativos parciais, que são decisões finais/definitivas relativas a uma parte do objeto do
procedimento e que têm e si mesmo um caráter permissivo, embora circunscrito à parte da
decisão que já foi objeto de apreciação (num procedimento que terá por ato final a licença de
construção, a emissão da licença parcial e antecipada para a realização das escavações
necessárias ao inicio da construção e implantação das estruturas).
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Analisando agora o conjunto de atos em função dos efeitos que projetam na esfera jurídica
dos destinatários temos duas grandes classificações: aqueles que implicam desvantagens para
os particulares ou que, porventura, a Administração se recusou a produzir os efeitos que os
particulares queriam – esse tipo de atos é agregado numa grande classificação que são os atos
desfavoráveis. O conteúdo destas decisões tem sempre um efeito na esfera jurídica do
particular – ou que vai onerá-los, ou que vai extinguir direitos nessa esfera, ou que vai criar
obrigações, ou deveres, ou ónus, ou encargos nessa esfera, ou que se recusam, os órgãos
administrativos, através destes atos, a produzir os efeitos que os particulares queriam,
vantajosos para si, mas que a Administração decide que não vai atribuir essas vantagens na
esfera jurídica do particular. Por isso temos uma classificação contraposta entre atos
desfavoráveis e atos favoráveis.
Esta primeira categoria, deste tipo de atos, são sempre atos desfavoráveis. Os atos
desfavoráveis podem ser atos ablativos, atos impositivos ou indeferimentos.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
de Bases Políticas do Solo, ou pelo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, os
particulares sabem que, porventura, se o seu edifício ameaçar ruina, têm um dever legal de
restabelecer a segurança da sua edificação. Se não o fizerem, o Presidente da Câmara
Municipal, ao abrigo do mesmo regime, completado ou conjugado com a Lei n.º 75/2013, que
estabelece as competências dos órgãos municipais, pode emitir uma decisão – ato
administrativo – que obriga o particular a proceder à demolição parcial ou total do prédio que
ameaça ruina. Obviamente, se o particular não o cumprir, então o mesmo órgão – o Presidente
da Câmara Municipal – ordena a execução coativa para que o imóvel seja efetivamente
demolido. Trata-se dos exemplos mais elucidativos destas obrigações de conteúdo positivo. Ou
obrigações de conteúdo negativo – os atos impositivos tanto podem impor um fazer (um
facere) como podem impor uma obrigação de conteúdo negativo – por exemplo, muitas vezes
pode suceder designadamente em centros históricos, é que muitas vezes as ruas têm uma
placa a proibir o trânsito, desde que nós não moremos naquela rua, podemos ficar
temporariamente impedidos de circular com o nosso automóvel por essa rua – aqui impõe-nos
uma obrigação de abstenção. Impõe-nos uma obrigação de conteúdo negativo. Como quer
que seja, os atos impositivos têm sempre esta ambivalência jurídica de imporem ou obrigações
de conteúdo positivo ou obrigações de conteúdo negativo.
Por fim, quanto aos atos desfavoráveis, temos os chamados indeferimentos, que
correspondem àquela classificação que vimos dos atos negativos – o indeferimento traduz
sempre uma recusa por parte do órgão administrativo de produzir os efeitos favoráveis que o
particular pretendia na sua esfera jurídica. Ao recusar-se a tomar essa decisão indeferindo, é
claro que isso interfere sempre na situação jurídica, na esfera jurídica do particular que, fica aí,
com esse indeferimento, também decidida, também resolvida. Se pretendia a dispensa da
isenção de propina, o requerimento que o particular tinha formulado no sentido de não pagar
fica aí decidida a sua situação jurídica – vai continuar a pagar, ou começar a pagar, porque a
sua pretensão foi indeferida – daí, também estes atos terem um efeito desfavorável. Ou seja,
são atos de recusa, total ou parcial, da prática de um ato favorável ou da produção de efeitos
jurídicos requerida pelo interessado.
Aqui, o primeiro grande tipo de atos favoráveis, designa-se por concessões ou atos que têm
um efeito jurídico equivalente. Dentro das concessões temos duas grandes categorias.
A primeira é a designada concessão translativa, que é muito comum no contexto das tarefas
administrativas, isto é, é muito comum, designadamente em determinado tipo de interesses
públicos que são prosseguidos pela Administração, em certas atividades, através destes atos, a
Administração transfere para os particulares, transmite, um direito próprio, ou um poder
próprio que é seu. Por isso é que se fala em efeito translativo, e a concessão tem exatamente
este nome, uma dimensão translativa, de transferência de algo que estava na esfera
administrativa para a esfera de um particular que, através desta concessão, passa a colaborar
com a Administração no exercício de certas atividades administrativas. É o que sucede quando
a Administração, através desta concessão, transmite para um particular a atividade de gestão e
exploração de transportes públicos, designadamente municipais ou intermunicipais, ou
estaduais – temos, obviamente, a gestão dos transportes rodoviários, ou a gestão dos
transportes aeroportuários. É por concessão da Ana Aeroportos que uma empresa particular,
um grupo privado, gere o aeroporto da Portela e, porventura, irá gerir e explorar o novo
aeroporto na área de Lisboa, se, porventura, a avaliação estratégica ambiental assim o
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Outro ato favorável é a promessa da prática de um ato favorável, que já vimos – o exemplo,
que já vimos, com a informação prévia favorável através da qual a Administração, o órgão
administrativo competente, se compromete, se autovincula a praticar um ato administrativo
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
favorável, em conformidade com o que consta da informação de um ato prévio emitido, a tal
promessa.
Um outro ato, hoje estatisticamente daqueles que são mais praticados pela Administração é o
chamado ato de adjudicação de contratos ou de posições contratuais, que está disciplinado no
Código dos Contratos Públicos. Através deste ato de adjudicação, a Administração, no contexto
de um procedimento, por regra, competitivo e, portanto, com vários intervenientes, vai
selecionar um deles, aquele que apresenta melhor proposta e, ao escolher essa proposta, está
a adjudicar uma posição contratual. Concede sempre uma vantagem económica, pecuniária,
ao particular, porque vai executar um contrato com uma entidade administrativa e, a partir
daí, vai como contrapartida auferir um preço que a Administração pagará.
Depois temos ainda as autorizações nas relações entre a Administração e os particulares. Este
tipo de ato administrativo tem a sua razão de ser no facto de, na generalidade das situações,
quando se quer exercer uma atividade, há sempre uma intervenção da Administração e,
portanto, há sempre uma mediação administrativa – daí que se diga autorização nas relações
entre a Administração e os particulares, por contraposição a outras autorizações que se
procedem no interior da própria Administração. Estas são entre a esfera jurídica administrativa
e a esfera jurídica dos particulares.
Um dos atos, de natureza excecional, mas favorável concretiza-se na chamada dispensa. Quase
gramaticalmente sugere que a dispensa exonera alguém do cumprimento de uma obrigação,
de um dever. Ora, é exatamente isso que significa no sentido jurídico-administrativo. Através
deste ato administrativo, que em função do seu conteúdo se designa por dispensa, o órgão
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Contudo, a regra é que a autorização seja meramente permissiva. Portanto, a regra não é a
autorização constitutiva para o exercício de atividades – isso é a exceção – até por força de
uma Diretiva da União Europeia, a chamada Diretiva de Serviços 2006, em que expressamente
a União Europeia diz que em cada Estado-membro, a regra para os cidadãos nacionais e
europeus exercerem atividades é que a intervenção da Administração seja meramente
permissiva – isso significa que o direito subjetivo ao exercício de atividades já está na esfera
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
jurídica dos particulares, até pela razão constitucional da liberdade profissional e da iniciativa
económica, desde que preenchidos os pressupostos legais para o efeito – não se pode ser
médico só porque se tem a liberdade de escolha de se ser médico, tem de se cumprir os
requisitos legais para esse efeito, e de igual modo para as outras profissões, liberais ou não. O
particular já é titular do direito, adquire-o por si, pela sua formação, etc. Contudo, só pode
exercer esse direito se houver uma mediação administrativa – esta mediação administrativa só
vai permitir ao particular o exercício do direito de que ele já é titular. Portanto, quando um
Município autoriza um particular a abrir um estabelecimento, o titular do direito a ter o
estabelecimento, a abrir, funcionar e comercializar, esse já é um direito subjetivo do particular,
a intervenção administrativa só vai permitir, só vai possibilitar ao particular que ele a exerça,
definindo se o local pode ser ali ou não, o horário de funcionamento, etc. – vai ver se isso está
cumprido, se o particular cumpre isso e, verificando que cumpre, permite o exercício de um
direito de que ele é subjetivamente titular. Para resumir, trata-se de atos que visam remover
limites legais ao exercício de direitos subjetivos dos particulares; o particular é titular
(subjetivo), mas o respetivo exercício está condicionado à obtenção de uma (prévia)
autorização da Administração.
Depois temos, para terminar, outro tipo de autorizações – relações entre órgãos
administrativos.
O que temos agora são relações que se produzem no contexto do interior da Administração
Pública – dentro da Administração Pública do Estado, ou dentro da relação entre a
Administração Pública municipal com a Administração Pública do Estado… - como quer que
seja, elas são sempre relações inter-administrativas.
(Quando se pergunta distinga entre autorizações nas relações entre órgãos administrativos e
autorizações entre a Administração e nas relações com os particulares – quando definem esta
autorização, chamam-lhe autorização constitutiva de legitimidade – NÃO – não está bem,
temos de evitar. São autorizações constitutivas de legitimação.)
Através deste ato de autorização tutelar, o órgão competente que é o ministro vai possibilitar
que o órgão tutelado – em geral, os institutos públicos, possam exercer as competências que
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já detêm, mas que para as exercer necessitam desta intervenção prévia autorizativa do
Ministro com poder de tutela. Daí que a Administração, que esta autorização, apenas confere
legitimação para agir. É neste sentido que ela se diz constitutiva. Não confere competências,
ou teríamos um fenómeno de delegação de competências - as competências já existem na
entidade tutelada, só necessita desta intervenção administrativa prévia para que esteja em
condições legais de atuar – por isso é que se diz constitutiva de legitimação – possibilita,
confere, a legitimação para agir, para decidir, para contratar ou para emitir regulamentos. Ou
seja, trata-se de atos através dos quais o órgão autorizante confere ao órgão autorizado a
possibilidade de praticar um ato administrativo para o qual já é competente.
Outros atos muito típicos, designadamente na relação com o Ministro das Finanças, temos as
aprovações – porque tem de intervir sempre, seja ou por autorizações ou por aprovações,
normalmente tem de intervir sempre quando haja despesa financeira no âmbito da
Administração do Estado. Aprovações são atos que desencadeiam apenas a eficácia do ato
administrativo aprovado – nada constitui, nada faculta em termos decisórios – apenas vai
desencadear a eficácia de uma decisão de um ato administrativo já pleno, já perfeito, já
definitivamente constituído – apenas despoleta a eficácia dele. Se estiver sujeito a uma
aprovação para realizar despesa, a intervenção do Ministro das Finanças tem apenas a virtude
de desencadear a produção dos efeitos. Qual é aqui a produção dos efeitos? É começar a
processar, é começar a efetuar pagamentos, é começar a exercer a atividade financeira – a
decisão já estava tomada, apenas necessitava dessa intervenção ministerial para que se
pudessem produzir esses efeitos financeiros de uma decisão já adotada.
Por fim, temos uma outra grande categoria muito pessoal de atos – são os atos relativos a um
status. Estes atos designam-se assim por através deles, o órgão administrativo competente
conceder ou criar na esfera jurídica dos particulares um estatuto que o particular não tinha. Há
sempre uma dimensão constitutiva. Por exemplo, o aluno que é admitido na Universidade de
Coimbra, e aqui se matrícula – ele adquire um estatuto, isto é, um status, através de uma
intervenção administrativa, de ato administrativo – a matrícula – que o estudante não tinha. A
partir daí tem o estatuto do estudante da UC e correspondente cartão da UC, correspondente
meio oficial da Universidade de Coimbra, é todo um feixe de efeitos que se produzem nesse
status que é próprio de uma intervenção administrativa prévia para que esse estatuto se crie.
Ou a nomeação de alguém para a Administração Pública – nomeação é um ato administrativo
– nomeação de um dirigente, por exemplo – a partir desse momento esse dirigente passa a ter
o estatuto de dirigente da Administração Pública, com todo o feixe de direitos e deveres
estatutários que se incorporam no exercício do cargo de dirigente. É claro que o estatuto, tal
como se constitui, também se modifica. É muito usual haver transferências da nossa parte
entre universidades públicas – isso é uma alteração do estatuto de estudante do ensino
superior – pela transferência, vai adquirir um estatuto de estudante numa outra universidade
– isso, evidentemente, desde logo na relação interna administrativa, há uma alteração a esse
nível – depois a sua relação passará a ser com a universidade para que se transferiu – com isso
houve uma modificação do status, que só se produz se houver uma intervenção administrativa
para alterar esse estatuto; ou extinguem, no caso de demissão, exoneração, expulsão, até por
efeitos disciplinares poderá haver, evidentemente, uma sanção mais gravosa que poderá
implicar a exoneração, demissão ou expulsão e, a partir desse momento, extingue-se o
estatuto de trabalhador público, ou de estudante de universidade pública, etc. Há uma
repercussão, neste caso, evidentemente, desvantajosa, é um ato desfavorável, na esfera
jurídica do destinatário. Ou seja, atos relativos a status são atos de eficácia instantânea que
criam, modificam ou extinguem estatutos.
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Há ainda os atos secundários ou de 2.º grau – alguns atos administrativos têm por objeto
outros atos administrativos e, portanto, o objeto da decisão administrativa é uma outra
decisão administrativa – o objeto do ato administrativo praticado à posterior é um ato
administrativo que foi praticado antes, e que vai produzir estes efeitos: pode revogá-lo, isto é,
extingui-lo, ou pode até revogá-lo parcialmente, não totalmente, o que interessa é que
interferiu nesse ato primário; ou o extinguiu por força da revogação, ou porque se descortinou
a existência de algum vicio e o órgão administrativo, oficiosamente, procedeu à sua anulação,
o que significa destruir retroativamente o ato – uma destruição de todos os efeitos que o ato
tinha produzido. Anulou-se, como se anula o negócio juridico na teoria geral do direito civil,
também aqui pode haver anulação meramente administrativa de atos administrativos. Não
estamos a falar aqui de intervenções jurisdicionais. Depois pode haver declaração de nulidade,
nos casos em que as nulidades ou os vícios sejam mais graves ou, porventura, poderá haver
também a sanação, quando o ato é meramente anulável, não tem ilegalidades graves, a
Administração pode proceder à sua sanação – há um vicio de forma que não implica uma
invalidade grave; há um vicio de competência – procede-se à sua sanação. Ou então uma
conversão do ato – há uma espécie de conversão do ato, por exemplo, com um contrato em
funções públicas, que é um contrato administrativo, mas depois há o contrato da investidura,
por tempo definitivo – isso pode conduzir a que, havendo ilegalidades, se converta isso, que
era por tempo definitivo e, portanto, para a eternidade, num estatuto a termo certo. Houve
uma conversão em virtude de ser ilegal que ele assumisse um estatuto definitivo na
Administração Pública, vai assumir um estatuto temporário, convertendo-se.
Vamos agora dar início a esta matéria sobre o Procedimento Administrativo dirigido, no Código
de Procedimento Administrativo, à emissão da decisão administrativa, que qualificámos por
ato administrativo. Portanto, significa isto que para uma decisão administrativa a que damos o
nome, a qualificação doutrinal e legal, por força do artigo 148.º do CPA, esta noção de ato
administrativo, para que esta decisão seja tomada ou adotada por qualquer órgão
administrativo, é necessário que previamente se cumpram, se observem, um conjunto de
formalidades ou de fases que são legalmente tidas como necessárias para que essa decisão
possa ser adotada em condições de validade administrativa.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
um modo expresso, é um modo oral, é um modo eletrónico – a lei, o CPA, define os termos em
que também ela tem de se manifestar aos particulares. Depois, também já falamos aqui que
pode, porventura, ser necessário, designadamente quando estamos perante atos
desfavoráveis, pode ser necessário executar coativamente essa decisão. Aqui há uma outra
fase, a fase executiva ou da execução das decisões da Administração – execução coativa.
Também ela tem um procedimento próprio que está estabelecido no CPA.
Seja para a formação da decisão administrativa, seja, quando necessário, para a executar
coercivamente, é sempre necessária a observância de um conjunto de formalidades prévias.
Essas formalidades prévias consubstanciam a noção doutrinal e legal de procedimento
administrativo.
Isto significa que o ato final, a decisão final, do órgão administrativo é sempre precedida de
um procedimento ou para a adoção de uma decisão individual e concreta, que designamos por
ato administrativo, e que estivemos a analisar até agora; ou para adotar normas
administrativas, os designados regulamentos administrativos que depois veremos; ou para
outorgar, celebrar, contratos administrativos. Também o Código dos Contratos Públicos
estabelece procedimentos muito exigentes para a Administração outorgar contratos
administrativos, que o Código dos Contratos Públicos chama, justamente, de Contratos
Públicos, por influência do direito da União Europeia. Qualquer que seja o modo de
exteriorização da decisão administrativa, nós temos os procedimentos regulados, seja no CPA,
seja no Código dos Contratos Públicos. Também a procedimentalização da formação de
contratos é hoje uma aquisição do direito administrativo.
Mas também para a prática de outras atuações administrativas, ou outros atos jurídicos
administrativos, que não sejam o contrato administrativo, o regulamento administrativo ou o
ato administrativo, também é necessária a observância de formalidades. Quando um
Município em matéria urbanística legalmente tem de solicitar um parecer às Comissões de
Coordenação e Desenvolvimento Regional, também aí há um modo de solicitar, há um prazo
para emitir, há uma formalidade como se emite, etc. e, portanto, isso também é uma
formalidade ou um conjunto de formalidades que têm de ser observadas. Assim como há um
procedimento, ainda que mais informal, para realizar operações materiais, nem que seja
anunciá-las no local que se vão fazer, para nós sabermos que vai haver ali a realização de um
conjunto de operações, naquela rua, ou naquela zona, porque nos perturba no transito,
porque nos condiciona a nossa circulação, tem de haver um aviso, seja no local, seja no jornal
mais lido, etc. Isso são formalidades que devem ser cumpridas mesmo para realizar meras
operações materiais.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Para resumir: a noção legal pode ser traduzida numa divisão dual ou em dois momentos: o
momento do procedimento administrativo declarativo, que abrange os atos e formalidades
adotados relativos à preparação/formação e à produção/manifestação de um ato principal; e o
momento do procedimento administrativo executivo, que que abrange as formalidades e os
atos adotados com vista à execução daquele ato.
Com isto, doutrinalmente, fala-se numa espécie de excessivo formalismo procedimental que
os órgãos administrativos são legalmente obrigados a cumprir. Um professor desta casa, o
professor Rogério Soares dizia isso mesmo, que uma procedimentalização excessiva da
atividade administrativa pode ser contraproducente, prejudicando a celeridade e a eficácia do
agir administrativo em virtude de uma espécie de burocracia procedimental obrigatória,
impositiva, e que se a Administração não observar, inquinará de ilegais as próprias decisões.
Há uma critica aqui neste contexto. O caráter desta procedimentalização transforma-se
verdadeiramente num princípio constitucional de procedimentalização da atividade
administrativa, seja na fase declarativa do direito, neste caso, declarar os efeitos jurídicos
numa situação individual e concreta, seja para depois, ao abrigo do regime do CPA,
designadamente, o que consta no artigo 177.º/2 do CPA, ao estabelecer que a imposição
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
coerciva de atos administrativos deve ser feita nos casos e segundo as formas expressamente
estabelecidas na lei. Isto significa que também é a lei que vai regular a procedimentalização da
fase executiva, isto é, da imposição coerciva das decisões administrativas. Há sempre uma
condicionante da legalidade procedimental, seja na fase da decisão, seja, depois, num outro
momento, quando necessário, a fase da execução coerciva.
Contudo, pode haver situações – uma delas depois à frente nós veremos ao estudar a
invalidade do ato administrativo – em que, porventura, alguma desvirtude procedimental, isto
é, alguma formalidade, por exemplo, a realização de audiência dos interessados, o órgão
administrativo por um lapso ou qualquer outra circunstância não realizou a necessária ou a
legalmente necessária, regra geral, audiência de um interessado ou audiência dos
interessados, quando haja uma legitimidade procedimental mais alargada – aqui pode
suceder, por principio a sanção seria esta – a decisão final seria ilegal, por falha de uma
formalidade procedimental que é a realização de audiência dos interessados. Contudo, a lei,
no artigo 163.º/4/b) do CPA diz que ainda que ilegal, ainda que haja uma desvirtude e,
portanto, uma ilegalidade procedimental, poderá não conduzir a uma invalidação da decisão
final. Portanto, há aqui uma degradação da ilegalidade, isto é, uma degradação daquela
formalidade que não foi cumprida, que não foi e que por princípio implicaria a ilegalidade da
decisão final, mas que a lei, neste caso, o CPA, tempera ao estabelecer um regime, do artigo
163.º/5 de que essa ilegalidade, porventura, poderá não afetar a decisão final. Portanto, a
rigidez procedimental, algumas vezes, mesmo que não observada, não vai conduzir
necessariamente a uma invalidação da decisão final – é um tempero legal à necessidade de
observância de formalidades procedimentais e que se não forem observadas conduziriam à
ilegalidade da decisão final.
Depois, pode haver outras exceções e, portanto, estamos a falar por desvios aqui àquilo que
seria uma consequência da inobservância de formalidades legais, por outro lado, há ações
administrativas ou decisões administrativas desprocedimentalizadas – designadamente as
medidas de polícia – quando haja necessidade de entrar em certos locais, quando haja
necessidade de apreender determinados objetos, as chamadas de policia que podem ser
adotadas pela polícia em sentido técnico – as forças de segurança, como podem ser adotadas
pela Agência Portuguesa do Ambiente, ou pela Inspeção Geral do Ambiente, ou pela
Autoridade de Segurança Económica e Alimentar, como podem ser adotadas pela Autoridade
das Condições do trabalho – não são monopólio estas medidas, estritamente da Polícia de
Segurança Pública, ou das outras forças, militares ou militarizadas – é algo relativamente
comum a qualquer autoridade administrativa que pode, com maior ou menor extensão nos
poderes, adotar estas medidas de natureza policial, assim designadas pela doutrina
administrativista francesa. Nalguns casos, a Lei de Segurança Interna é que exige,
designadamente as adotadas pela polícia em sentido técnico, exige que elas sejam
convalidadas pelo juiz no espaço de 48 horas, mas, regra geral, estas ações administrativas e,
designadamente, as adotadas ao abrigo da Lei de Segurança Interna, elas são
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Também no caso do ambiente da saúde há duas grandes leis que isentam as autoridades de
saúde da observância de procedimentos administrativos e, muito menos, da audiência do
interessado. No caso, por exemplo, do internamento compulsivo por anomalia psíquica grave –
a lei confere às autoridades de saúde o poder de decretarem o internamento e, portanto,
tomarem uma decisão autoritária, unilateral, individual e concreta, dirigida a uma
determinada pessoa que tem esta anomalia e que coativamente é posta em internamento
compulsivo, quer para proteção da própria pessoa, quer para proteção dos outros cidadãos.
Também o mesmo acontece com o chamado internamento por razões de saúde pública, que
consta do Decreto-lei n.º 82/2009, numa redação agora mais atualizada e que, por razões de
saúde pública, é decretado internamento, ainda que, porventura, chamado profilático. É algo
adotado sem uma procedimentalização abundante – basta que haja a sinalização do risco e eis
que imediatamente surge a decisão autoritária unilateral e evidentemente impositiva adotada
ao abrigo deste diploma legal e com base nele determina-se o internamento compulsivo. Nos
efeitos jurídicos, o que estamos a falar é claramente uma decisão administrativa praticamente
desprocedimentalizada que é adotada instantaneamente, logo que haja a sinalização do risco
efetivo ou potencial para que ela possa ser imediatamente adotada. Tudo isto é uma dinâmica
quase instintiva.
Estas são as exceções à rigidez procedimental para toda a ação administrativa para que possa
adotar atos administrativos, ou regulamentos administrativos ou contatos administrativos.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
O que nós vamos estudar é o procedimento administrativo para chegar à decisão final.
No CPA que procedimentos estão nele disciplinados? No CPA temos dois grandes tipos
procedimentais: o procedimento administrativo disciplinado no Código para a prática de ato
administrativo e o procedimento administrativo, que também veremos depois, para a emissão
de regulamentos administrativos, normas administrativas. Portanto, em termos muito simples,
a UC para emitir regulamentos, seja de propinas, seja na ação social, seja qualquer outro tipo
de regulamento, tem de observar um procedimento até chegar à aprovação final do
regulamento, onde há audição pública – quando interfira com estudantes, o direito de audição
pelo menos da AAC – isso tem um prazo, um modo de fazer, ate chegar depois à aprovação
definitiva do regulamento. Isso encontra-se disciplinado no CPA ou, em parte, no próprio
Regime Jurídico das Universidades Públicas – mas o essencial encontra-se disciplinado no CPA.
Depois há, na parte final do Código, nos artigos 200.º e 201.º, uma disciplina para a celebração
de contratos administrativos, mas como já vimos, os contratos administrativos, no essencial,
têm a disciplina procedimental até aos artigos 287.º do Código dos Contratos Públicos.
Portanto, aquilo que regula praticamente o CPA, pode ser a disciplina procedimental para
contratos administrativos que não estão abrangidos pelo Código dos Contratos Públicos, o que
é uma raridade, é uma exceção. A generalidade dos contratos da Administração estão
disciplinados na parte procedimental e, evidentemente, na parte substantiva, ou seja, da
execução, no Código dos Contratos Públicos e daí, existindo um Código próprio para a
formação dos contratos administrativos, que é o Código dos Contratos Públicos, não se
justificaria que o CPA também tivesse uma disciplina sobre a matéria. Daí os poucos artigos
que o Código dedica aos contratos da Administração. O resto da disciplina é uma disciplina
sobre a formação dos atos administrativos e o procedimento de formação de regulamentos
administrativos. Este ato administrativo, como vimos, está a noção no artigo 148.º do CPA e
que, para essa decisão ser adotada é necessário que os órgãos administrativos competentes
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
observem, desde logo, a noção de procedimento administrativo tal como esta estabelecida no
artigo 1.º do CPA. Estas formalidades estabelecidas no CPA são sempre subsidiariamente
aplicáveis – o CPA é o Código geral ou comum da Administração – depois há muitas leis
especiais, há procedimentos especiais – quando um estudante se candidata a uma
universidade pública, há um procedimento estabelecido nessas leis especiais – como é que se
candidata, como formula a candidatura, como deve escolher, em que prazo deve escolher, etc.
– e depois, se for selecionado, a partir daí seguem-se um conjunto de formalidades até vir o
ato final que o investo no status novo que é o estudante do ensino superior e de uma certa
universidade – este é um procedimento estabelecido numa lei avulsa – é um procedimento
especial. Se, porventura, esse procedimento – esse regime especial procedimental – tiver
lacunas ou omissões, recorreremos sempre, por imposição do artigo 2.º/5 do CPA, ao regime
do CPA. Esse regime procedimental especial não diz como é que se conta o prazo – diz
apresenta a candidatura em x dias – deve reclamar em x dias – mas não diz se são dias
contínuos ou dias úteis, ou como é que nós resolvemos o problema – temos de ir ao artigo
87.º do CPA para o aplicar subsidiariamente e determinar a contagem do prazo – que nos diz
que deve ser em dias úteis. Ou, outros procedimentos estabelecem o regime procedimental
para os concursos da função pública, que é um regime procedimental também regulado na Lei
Geral do Emprego Público, mas se for omissa na audiência dos interessados, porventura, logo
subsidiariamente aplicável o regime do CPA pelos termos do artigo 128.º obriga a que os
órgãos administrativos, por regra, procedam à realização da audiência dos interessados.
Potencialmente, o regime do CPA é sempre subsidiariamente aplicável aos procedimentos
administrativos regulados em leis especiais, porque, precisamente, é o Código geral do
Procedimento Administrativo da Administração, o comum, o geral. Sendo o comum ou geral, a
potencialidade da sua aplicação subsidiaria aos procedimentos administrativos especiais, ou
especialmente regulados, é permanente. O órgão administrativo competente terá sempre
necessidade, na generalidade dos procedimentos especiais, de vir ao CPA para suprir as
insuficiências ou as lacunas constantes nesses regimes especiais. É muito frequente até que,
quando o legislador estabelece regimes procedimentais especiais, no final desse regime, nas
exposições finais e transitórias, estabeleça sempre uma norma de que, no caso deste regime, é
subsidiariamente aplicável, nas suas insuficiências ou omissões, o CPA - o Código dos Contratos
Públicos, no fim, diz-nos exatamente isso.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Às vezes pode não ser conveniente haver esta notificação, isto é, quando esteja matéria
relativamente complexa ou grave, seja para a economia, seja para a saúde pública, como
poderão adivinhar, com certeza que os dirigentes da Autoridade para as Condições de
Trabalho, muitos procedimentos de avaliação oficiosa, como é obvio, e de inspeção que fazem,
não avisam primeiro – podem avisar que vão fazer umas operações de rotina, outras vezes não
avisarão, até para evitar que se ocultem violações à lei, que se ocultem provas. O mesmo
sucede com o Inspetor Geral da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica – muitos
procedimentos que inicia e que desencadeia, operações de fiscalização que podem conduzir à
apreensão de géneros alimentícios, ou que podem mesmo conduzir ao encerramento, ainda
que temporário, de estabelecimentos, não notifica primeiro para, naturalmente, obstar a que
o próprio infrator possa antecipadamente e acautelado com essa notificação encobrir as
violações à lei que vinha fazendo e dificultar a investigação.
O prazo para terminar os procedimentos de iniciativa oficiosa é de 120 dias úteis, de acordo
com o artigo 128.º/6 do CPA, na atualização legal que já temos no inforestudante, do final de
2020, visto que antes era 180 dias.
Em relação aos de iniciativa particular, o prazo é muito menor – era, antes de 90 dias úteis,
estamos a falar de dias úteis, e agora passou para 60 dias úteis. O prazo máximo passou a ser,
com a dilação (prolongamento), de 90 dias úteis.
Para resumir, as fases do procedimento para a prática de atos administrativos passam pela
fase da iniciativa, sendo que existe a iniciativa oficiosa do procedimento (artigo 53.º, primeira
parte, do CPA), na qual existe um dever de notificação aos interessados (artigo 110.º a 113.º
do CPA), sendo que o conceito de interessados está previsto no artigo 110.º/1 do CPA; existem
exceções ao dever de notificação, de acordo com o artigo 110.º/2 do CPA e o prazo geral para
decidir os procedimentos de iniciativa oficiosa com (possíveis) efeitos desfavoráveis para os
interessados é de 120 dias, de acordo com o artigo 128.º/6 do CPA.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
A iniciativa também pode ser particular, de acordo com o artigo 53.º a 95.º e artigos 102.º e
133.º do CPA.
Neste caso, deve haver um requerimento inicial (que pode consistir num requerimento
eletrónico), de acordo com os artigos 102.º e 109.º do CPA.
Os particulares têm legitimidade para iniciar o procedimento e para nele intervir, de acordo
com o artigo 68.º do CPA.
Vimos a noção e a qualificação dos atos administrativos, que é uma decisão, mas que essa
decisão, para ser adotada, necessita de obedecer a uma tramitação procedimental necessária,
seja por força do Código de Procedimento Administrativo, seja, como vimos, por força de
legislação especial.
Vimos umas noções introdutórias, de procedimento administrativo, nos termos do artigo 1.º
do CPA; vimos que a ação administrativa é sempre procedimentalizada e, portanto, a
manifestação de uma decisão aos interessados requer sempre a observância de uma
tramitação prévia procedimental para que essa decisão possa ser legalmente adotada, como
veremos sobre a invalidade também de um ato administrativo, e vimos que esta
procedimentalização se desdobra em duas grandes dimensões: uma para declarar o direito do
caso concreto, a decisão do caso concreto, favorável ou desfavorável aos particulares,
declarativa ou de um direito, ou de um ónus, ou de uma obrigação, ou de um dever, ou de um
encargo, e, portanto, com a decisão administrativa, … o direito administrativo para a situação
individual e concreta e vimos que, se porventura for necessária a execução coerciva dessa
decisão, designadamente quando ela é desfavorável para os particulares e os particulares não
a cumprem voluntariamente, pode, nessas situações, e legitimamente, o órgão administrativo
competente proceder à execução coerciva da decisão, para a qual também tem de seguir um
procedimento nessa fase de execução coerciva e, portanto, a procedimentalização existe não
apenas para a tomada de decisão, mas também para a fase da execução coerciva se necessária
dessa mesma decisão. A ação administrativa, quer declarativa do direito, no caso concreto,
quer a executiva, são sempre procedimentalizadas nos termos gerais no CPA.
Vimos que há algumas exceções nesta matéria em que a ação administrativa é relativamente
desprocedimentalizada e vimos os exemplos das chamadas medidas de polícia, que podem ser
adotadas por diversas entidades e não apenas por força da Polícia de Segurança Pública ou
forças da autoridade do Estado conexas, mas pela Proteção Civil, inclusivamente, que pode
adotar, e designadamente em estados de necessidade, ações administrativas imediatas em
que não há verdadeira procedimentalização – e hoje, como é também recorrente, na área
sanitária, em que a ação administrativa também é ela relativamente desprocedimentalizada,
designadamente quando haja a necessidade de adotar medidas de urgência, internamentos de
urgência, ou internamentos compulsivos, aqui, em geral, o procedimento é relativamente
desprocedimentalizado, ou a decisão de adotar estas medidas compulsivas é relativamente
desprocedimentalizada, como, aliás, hoje é recorrente, quando se determina isolamento
profilático, que é uma forma de dizer que a pessoa fica resguardada, ou internada
domiciliariamente ou de outra forma, de forma a passar uma quarentena – são decisões das
autoridades de saúde relativamente desprocedimentalizadas.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Neste contexto, o nosso centro, nesta parte de uma análise do procedimento administrativo
para adoção de decisões designadas por atos administrativos tínhamos visto que também há
procedimento administrativo para a adoção de regulamentos administrativos, para a
celebração de contratos administrativos, como está previsto no Código dos Contratos Públicos
e vimos também que há procedimentos oficiosos, isto é, de iniciativa dos próprios órgãos
administrativos que eles adotam por decisão própria – demos o exemplo da análise ambiental
estratégica para a localização do novo aeroporto – aeroporto complementar em Lisboa – é
uma decisão do próprio órgão competente – a Agência Portuguesa do Ambiente, e,
obviamente, são notificados os interessados, é publicitado no jornal da região, ou no espaço
dos concelhos dos municípios afetados, de que isso se vai fazer e pode perturbar a vida das
pessoas, e aí temos uma pluralidade de interessados.
Ora, mas no nosso centro, como estávamos já a iniciar na última sessão, é o procedimento de
iniciativa particular. Isto é, o procedimento que se inicia por impulso de um particular através
de um requerimento que formula ao órgão competente, seja ao Reitor da UC, seja ao
Município, ao presidente da Câmara Municipal, seja a um diretor distrital de Finanças – o
particular que quer uma sua situação a ser apreciada e resolvida e decidida inicia esse
procedimento com um requerimento no qual formula o pedido para que o órgão competente
possa decidir sobre ele. Para este efeito, é necessário que esse particular tenha legitimidade e
tem sempre legitimidade quando, evidentemente, tem interesse pessoal, patrimonial ou
profissional numa situação que tem de ser ditada, necessariamente, pela intervenção de um
órgão administrativo. Temos aqui um conceito amplo para haver legitimidade procedimental.
Como estudaremos no processo administrativo, no processo civil, no processo penal, aí há
legitimidade processual, porque estamos no domínio do direito processual judicial, aqui, como
estamos no domínio do procedimento que corre no ambiente administrativo, eis que por isso
mesmo a designamos, e o CPA assim a designa, por legitimidade procedimental, e o particular
que, por via documental, ou por via eletrónica, inicia o procedimento, tendo interesse nesse
procedimento, é claro que esse requerimento já constitui um ato formal que o investe de
legitimidade procedimental para aí iniciar o procedimento.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
intervir sempre nos procedimentos administrativos que, porventura, possam lesar esses
interesses difusos e, portanto, à luz do CPA, do artigo 68.º CPA, temos um conceito de
legitimidade procedimental relativamente amplo e, por isso, também falamos no contexto,
hoje, de uma administração aberta à projeção e à participação dos particulares interessados.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
negativo, não interessa, o órgão competente para dirigir o procedimento tem de tomar em
consideração essas diversas razões, apreciações ou interesses que lhe são trazidos, não apenas
pelo particular requerente, mas por outros participantes nesse procedimento, sob pena de só
apreciar uns interesses, só apreciar uma matéria, e não apreciar outra que pode ser relevante
para a decisão final, e se assim o fizer, compromete o princípio da imparcialidade em sentido
objetivo ou dita parcialidade objetiva. Se, por acaso, isto ocorrer, a lei, o CPA, no artigo 76.º/1,
estabelece uma sanção de invalidade da decisão final por violação do princípio da
imparcialidade, ou da imparcialidade subjetiva, ou da imparcialidade objetiva e a decisão final
será inválida neste caso, será uma decisão anulável.
Depois, porventura, a omissão de um dever de decidir tem ou pode ter implicações em termos
disciplinares, para os órgãos competentes da Administração – é a única verdadeira sanção que
o CPA estabelece para as situações em que os órgãos competentes não decidem quanto têm o
dever de decidir – é a falta grave para efeitos disciplinares – já é, pelo menos, uma cautela
relativamente à inércia administrativa.
Se, porventura, houver ou o órgão competente para conduzir o procedimento descortinar que
a decisão final, porventura, poderá ir afetar outros sujeitos, o que ele deve fazer, mesmo que
eles não venham ao procedimento, é notificá-los para que eles venham ao procedimento e
participem nele nos termos dos artigos 110.º e 113.º CPA. Isto pode suceder, por exemplo, em
procedimentos de caráter urbanístico, por razões de relações de vizinhança entre aquele que
quer realizar a operação urbanística e outros que coabitem ali junto da sua habitação, ou
daquilo que ele pretende construir – como pode ser afetados, ou pelo ruído, ou por qualquer
outra circunstância nas regras urbanísticas, o que deve fazer o responsável pelo procedimento
é notificá-los para que eles possam participar no procedimento e aí apresentem as suas razões
ou os seus interesses que podem ser afetados em termos efetivos ou potenciais e, portanto,
devem ser acautelados no âmbito desse mesmo procedimento.
Também já vimos que o incumprimento do dever de decisão, por regra geral, à luz do artigo
129.º do CPA, apenas concede aos particulares para utilizarem os meios de impugnação
administrativa ou jurisdicionais, como iremos estudar no Direito Processual Administrativo (em
Direito Administrativo III), através de uma ação de condenação dirigida ao órgão que omitiu o
dever de decidir para que ele, em cumprimento do julgado judicial, decida e, portanto, o único
efeito é um efeito de conceder legitimidade impugnatória ao particular e vimos, também,
porventura, poderá em certas situações a lei, à luz do artigo 130.º CPA, prever para essa
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Para além disso, o órgão responsável pela decisão pode, a qualquer momento, adotar medidas
provisórias, ao abrigo do artigo 89.º CPA. Desde logo, por exemplo, medidas provisórias para
efeitos de acautelar a obtenção de provas – é claro que isto é muito comum, por exemplo, os
inspetores da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, se escortinam que um produto
está num hipermercado para além da validade, imediatamente adotam uma medida provisória
que é apreender esses produtos, não apenas por salvaguarda da saúde pública, para que
ninguém os adquira, mas também para fazerem parte já da prova para o procedimento
administrativo, de forma a que, nesse procedimento, que será um procedimento de caráter
sancionatório, fique aí como prova de que aquele agente económico estava ilegalmente a
comercializar produtos que já não devia comercializar e já deviam ter sido retirados do
mercado pela sua própria iniciativa. Estas medidas provisórias são de alguma
discricionariedade administrativa, mas elas são permanentes, isto é, elas podem ser adotadas
a qualquer momento do procedimento, seja logo na fase inicial, seja na segunda fase, que é a
chamada fase da instrução.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
transversal a qualquer tipo de procedimento administrativo, seja ele regido diretamente pelo
CPA, no artigo 58.º, seja, porventura, através de um regime estabelecido em alguma lei avulsa
ou especial. Como quer que seja, este princípio do inquisitório está sempre presente na ação
especifica do responsável pela instrução do procedimento, ou seja, este princípio do
inquisitório estabelece que o responsável pela direção do procedimento deve averiguar todos
os factos que sejam necessários à boa instrução e à boa decisão. O dever de boa instrução do
procedimento está estabelecido no artigo 115.º/1 CPA. No essencial, o princípio do
inquisitório, impõe um dever de atuação ao responsável pela direção do procedimento, que
não deve ficar dependente da maior ou menor diligência dos particulares que requereram a
decisão, ele deve agir por si, é isso que o princípio do inquisitório estabelece, mas deve agir no
sentido de recolher e apreciar todos os factos que sejam relevantes para a decisão final, sob
pena, não apenas de violar o princípio do inquisitório, mas de violar também o princípio da
imparcialidade em sentido objetivo, porque apenas apreciou uns factos e não aprecia outros
factos. Portanto, no exemplo que o Dr. nos deu, da autorização para realizar a operação
urbanística, se houver outros potenciais interessados que possam ser afetados por essa
decisão, porque são vizinhos ou relativamente vizinhos, é claro que o responsável pela direção
desse procedimento deve averiguar não só os factos relativos ao particular requerente, mas
também os factos que, porventura, possam ser trazidos ao procedimento por esses outros
interessados que ladeiam aquele requerente que vai fazer a operação urbanística e, portanto,
em função da conjugação e da apreciação de todos os interesses em presença, os interesses
públicos urbanísticos, os interesses do promotor, do requerente, e os interesses dos vizinhos
que ali habituam ou coabitam, em função da ponderação de todos estes factos, eis que tomará
a decisão final e que, obviamente, do ponto de vista da instrução, tomará a decisão boa, na
medida em que ele trouxe para o procedimento todos os interesses e factos relevantes, assim
como, no âmbito do procedimento da instrução, os apreciou a todos, propondo então em
função disso a decisão final.
Depois, o princípio da boa administração, um princípio que funciona com ele o Tribunal de
Contas, e menos os Tribunais Administrativos, na medida em que é um princípio ainda com um
enriquecimento doutrinal – ele foi consagrado no CPA apenas na revisão de 2015 - e, portanto,
o Tribunal de Contas já o utiliza para efeitos de fiscalização dos procedimentos da
Administração Pública e, é claro que há sempre uma margem para o princípio da
discricionariedade procedimental por parte de quem dirige o procedimento – seja na recolha
dos factos, na oportunidade da recolha, no modo da recolha, no modo como ouve os
interessados, quando é que deve ouvi-los, em que termos os deve ouvir, no âmbito do
procedimento – há sempre aí uma margem relativamente discricionária para o responsável
pela direção do procedimento acomodar a convulsão (?) desse procedimento. O dever de
celeridade e o princípio da boa administração estão previstos no artigo 59.º e artigo 5.º/1 do
CPA.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
no artigo 57.º CPA, ou seja, combinar com eles termos em que o procedimento deve decorrer
para a frente – modo de apresentar documentos que são necessários, o momento para os
apresentar, quem os deve apresentar dentro daqueles que estão no procedimento, o modo de
vir a realizar audiência dos interessados… eles combinam entre si, com o responsável pela
direção do procedimento, outorgam este acordo endoprocedimental – endoprocedimental
porque é outorgado dentro do procedimento, portanto, é intraprocedimental, e acordam aí
alguns termos do andamento do procedimento – por isso mesmo se chama acordo
endroprodecimental, porque tem por objetos os termos do procedimento, ou alguns dos
termos do procedimento, e porque é, evidentemente, celebrado no âmbito desse mesmo
procedimento – é um acordo intraprocedimental – e daí a designação endoprocedimental.
Como acordo, não é apenas um acordo de cavalheiros, como estudamos no Direito Civil, é
mais do que isso, é um acordo pleno de vinculatividade, quer para o responsável pela direção
do procedimento, quer para os intervenientes procedimentais, sejam singulares, coletivos ou
plurais.
Para além disso, também pode haver alguma dimensão contratual nestes acordos
endoprocedimentais, nos termos do número 3 do artigo 57.º CPA – “também podem celebrar
contrato para determinar, no todo ou em parte, o conteúdo discricionário do ato
administrativo a praticar”, ou seja, a Administração não está vinculada a isto, mas numa
tendência de agir com alguma consensualidade com os particulares, não raras vezes os órgãos
administrativos adotam uma conduta mais consensual no contexto do procedimento
administrativo e, por isso, combinam com os particulares não apenas os tais acordos
endoprodecimentais para combinar termos puramente procedimentais, mas mais do que isso,
combinar matéria a decidir desde que haja discricionariedade administrativa, tal como
estabelece o número 3 do artigo 57.º CPA. Num exemplo que é tirado de uma lei importante –
o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, diz neste artigo, esta norma do RJUE, o
artigo 25.º, diz aqui que “pode haver deferimento do pedido desde que o requerimento, na
audiência prévia, se comprometa a realizar os trabalhos necessários ou a assumir os encargos
inerentes à sua execução, bem como os encargos de funcionamento das infraestruturas, por
um período de 10 anos” e, se assim suceder, o requerente, isto é, aquele que iniciou o
procedimento, deve, antes da emissão do alvará, isto é, do título que formaliza a licença ou
autorização, celebrar com a Câmara Municipal contrato relativo ao cumprimento das
obrigações assumidas e prestar caução – ou seja, há aqui relativa discricionariedade e o
particular combina, acorda, com a autoridade administrativa competente a assunção, por ele,
de determinado tipo de obrigações, inerentes à execução da operação urbanística que vai
executar, designadamente encargos de funcionamento de certas infraestruturas, como
saneamento, ou eletricidade, ou telecomunicações – isto é matéria discricionária, e eis que
pode sobre ela haver uma espécie de antecipação da decisão final através deste compromisso
entre o órgão administrativo competente e o requerente no qual ele se compromete a assumir
aqueles ónus, aquelas obrigações, no âmbito da licença que lhe vai ser emitida como ato
administrativo. Evidentemente, aqui é sempre decisão por ato administrativo. No contexto
dessa decisão é que há uma matéria que se acorda e constitui objeto de um contrato também
ele dentro do procedimento.
É claro que a entidade administrativa, ao assumir esse compromisso com o particular, ela
condiciona o exercício dos seus poderes públicos , portanto, compromete-se a decidir de certo
modo, no caso, favorável ao particulares, se ele assumir aquele conjunto de obrigações ou de
encargos e, portanto, está aqui a comprometer-se perante o particular, que vai decidir, de
certo modo, que vai exercer os seus poderes públicos de certo modo, se ele se comprometer a
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
cumprir ou acordar a cumprir aquele conjunto de obrigações. Por assim ser, isto é, por o órgão
se comprometer a exercer os seus poderes de certo modo, chamam-se a estes contratos
também contratos sob o exercício do poder público administrativo. Ainda que, evidentemente,
aqui o procedimento termina sempre perante uma decisão unilateral da Administração, isto é,
um ato administrativo – no seu seio é que há estes acordos ou em matéria procedimental ou
em matéria substantiva.
Contudo, como veremos, pode, por vezes, o órgão administrativo combinar com os
particulares aquilo que à partida seria uma decisão final por ato administrativo deixa de o ser e
é substituída por um contrato administrativo.
No contexto das diligências instrutórias há umas especificas que dizem respeito às chamadas
diligências consultivas. Normalmente, diligências materializadas no pedido de pareceres, em
geral, de caráter técnico-jurídico – os pareceres são sempre declarações de ciência, em geral,
de natureza técnico-jurídica. No artigo 91.º e 92.º do CPA, vem o regime destes atos
procedimentais, extraordinariamente importantes.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Por sua vez, os obrigatórios é que podem ser não vinculativos ou vinculativos. Regra geral, os
pareceres só são vinculativos quando a lei estabeleça que eles são vinculativos, isto é, que o
conteúdo deles ou o conteúdo que vier neles indicado, ou escrito, formalizado, é o conteúdo
que vincula a decisão final do órgão. Se a lei estabelecer que o pedido do parecer é vinculativo,
então a lei está a dizer que o parecer é obrigatório e, para além de obrigatório, é vinculativo,
isto é, que o conteúdo do parecer vai vincular o órgão competente para a decisão final. Tendo,
mais uma vez, o exemplo da lei, neste caso, do RJUE, diz o artigo 24.º “O pedido de
licenciamento é indeferido quando – isto é, o pedido de licenciamento não é autorizado ao
particular requerente – quando tiver sido objeto de parecer negativo pela entidade a quem se
pediu o parecer, normalmente, as Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional –
e, portanto, a entidade consultada, aquela que tem de ser consultada nos termos da lei, como
impõe aqui esta lei que estabelece o RJUE, deve consultá-la, isto é, o parecer é obrigatório,
mas, para além disso, diz que se porventura o parecer, no seu conteúdo, é negativo, isso
significa que o órgão municipal, o Presidente da Câmara Municipal ou a própria Câmara
Municipal, só tem uma hipótese de decisão – decidir indeferir – não autorizar, porque o
conteúdo do parecer, como é vinculativo, vincula o órgão competente para a decisão final a
tomar aquela decisão, que é, evidentemente, decidir em conformidade com aquilo que está
estabelecido no parecer – se o parecer é negativo, ele tem necessariamente de recusar o
pedido do particular, indeferi-lo, não autorizar, não aprovar, porque o parecer vem
negativamente nesse sentido e é vinculativo nesse sentido, evidentemente que aí, para a
decisão ser legal, do ponto de vista substantivo, o órgão competente para a decisão final só
pode decidir negativamente em relação ao pedido feito pelos particulares. Estes pareceres são
os designados pareceres conformes, isto é, são pareceres vinculativos quando sejam
negativos, ou seja, o órgão fica impedido de decidir, autorizar, aprovar, deferir o pedido do
particular, se o parecer que vem do órgão consultado for em sentido negativo – se é sentido
negativo, o órgão competente para a decisão final ficará sempre vinculado a esse conteúdo e,
portanto, terá de indeferir, terá de não aprovar, não licenciar, não autorizar. Quando eles
sejam só vinculativos neste sentido, dizem-se, em termos da doutrina administrativa geral,
pareceres conformes.
Se o parecer for obrigatório e não for pedido, nós temos um vicio procedimental – houve uma
falha de uma formalidade pelo órgão competente para a decisão – não pediu o parecer – há
aqui uma desvirtude, uma omissão, e temos um vício procedimental – se o parecer, para além
de obrigatório, for vinculativo, e o órgão competente para a decisão final não seguir o sentido
vinculativo para o parecer, aqui o vicio já é de outra natureza, é um vício de caráter
substantivo, um vício de conteúdo, na medida em que o conteúdo da decisão final teria de ser
sempre o conteúdo do parecer, porque o parecer é legalmente vinculativo e, portanto, o
conteúdo da decisão final tem de ser o conteúdo estabelecido no próprio parecer.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Terceira fase – a fase da audiência dos interessados, prevista nos artigos 121.º a 124.º do CPA,
ou seja, feitas estas diligências de peritagem, ou de audição de testemunhas, ou de recolha de
factos, ou de recurso ao auxilio administrativo, ou da colaboração do próprio particular ou
particulares interessados, que levaram para o procedimento factos, matéria, documentos ou
memórias, e tudo isso é carregado para o procedimento, tudo isso deve ser apreciado ao
abrigo do princípio do inquisitório e da imparcialidade objetiva pelo responsável do
procedimento e, em função disso, o responsável pela direção do procedimento elabora uma
espécie de relatório no qual está contido um projeto de decisão final que ele há de submeter
ao órgão competente para a decisão, mas, antes de submeter o projeto de decisão final à
decisão propriamente dita do órgão competente para essa mesma decisão, ele tem de, nos
termos do artigo 126.º CPA, de proceder à designada audição dos interessados. Portanto, há
uma espécie de direito de participação procedimental de todos os interessados que tem um
cerne antes da decisão final que é, justamente, a audiência dos interessados, de acordo com
os artigos 121.º/1 e 122.º/2 do CPA. Para esse efeito, o órgão responsável pelo direção do
procedimento deve notificar os interessados para audição, não interessa o modo como se faz a
audição – pode ser presencial, pode ser por escrito, ou por outra via legalmente admitida e no
prazo mínimo de 10 dias úteis, ou, pelo menos, não inferior a 10 dias úteis, de acordo com o
artigo 122.º/1 CPA, para o prazo, e com o artigo 123.º/1 CPA, no caso do modo de realizar a
audiência. Claro que este prazo de audiência suspende o prazo geral do procedimento
administrativo – aquele prazo de 60 dias úteis -, de acordo com o artigo 121.º/3 CPA. Esta é
uma regra geral, a audiência dos interessados, contudo, pode haver situações em que o
responsável pela direção do procedimento, desde que fundamente nessa decisão, pode
dispensar a realização da audiência – ou porque, por exemplo, ele já ouviu uma, duas, três,
quatro vezes todos os interessados ao longo do procedimento, a propósito de cada uma das
situações mais delicadas ou menos delicadas no âmbito do procedimento e, evidentemente,
quando chega à elaboração do relatório, pouco ou mais nada haverá de interessante para
ouvir e, consequentemente, se fundamentar que a necessidade de audiência dos interessados
já não se justifica porque cada um dos sujeitos intervenientes já foi ouvido várias vezes e a
propósito de cada um dos temas ou segmentos procedimentais suscitados, quando chega ao
fim a audiência dos interessados diria, é jurídica ou procedimentalmente imprestável, só terá é
de justificar ou fundamentar essa dispensa, de acordo com o artigo 124.º/1 e 2 CPA.
Depois, nas conferências procedimentais, que já veremos a seguir, fala-se numa audiência
pública obrigatória, e aqui, evidentemente, não haverá possibilidade de dispensa, de acordo
com o artigo 80.º CPA – depois pode haver situações em que a própria audiência dos
interessados nem é suscetível de realização – imaginem em procedimentos concursais que se
realizam todos os anos, dos professores do ensino secundário, em que temos milhares de
candidatos, se, porventura, houvesse uma imposição absolutamente intransponível de audição
de todos e de cada um deles, então teríamos um procedimento que se alongaria no tempo ad
eternum e, portanto, começava o ano letivo e ainda não havia decisões finais sobre a
colocação dos professores, e isso ia afetar não apenas a ordem normal administrativa de inicio
do período escolar, mas afetar alunos, afetar pais e interesses conexos. É compreensível que
nesses casos se constate a impossibilidade prática de realização de audiências dos
interessados. Depois, o caso de audiência pública obrigatória quando haja discussão pública de
certos licenciamentos, designadamente quando haja operações de roteamento com impacto
significativo, aqui, verdadeiramente, a audiência passa por uma realização pública dessa
audiência em que os munícipes ou todos os interessados podem participar ou pela via
eletrónica ou então através de um edital ou de um expositor que se encontra no paços do
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Concelho Municipal, e cada um de nós poderá ir apresentar as nossas razões acerca daquela
operação urbanística.
A quarta fase é a fase decisória, depois de feita a audiência dos interessados, prevista no artigo
94.º CPA, salvo nas situações em que ela pode ser dispensada ou nas situações em que,
verdadeiramente, por razões práticas não exista ou não possa existir, vem, então, a seguir a
fase da decisão final, isto é, da prática do ato administrativo nos termos do artigo 148.º CPA.
Por isso se diz fase decisória ou fase em que fica definitivamente constituída a decisão final do
procedimento. Este ato ou esta decisão que está adotada, tomada, praticada, desde que se
decida, isto é, se o conteúdo da decisão seja indefiro, aprovo, autorizo, licencio, sanciono, etc.,
para além disso, esteja lá identificado quem é o autor e, evidentemente, quem é o objeto e o
seu conteúdo – quem é o autor – temos de saber qual é o órgão – Reitor ou Presidente da
Câmara, por exemplo – é algo absolutamente essencial, saber quem é o autor da decisão; o
objeto é saber quem é verdadeiramente o destinatário, se é uma pessoa, se é o António, se é o
Joaquim, se é a Manuela, ou se, porventura, nem é uma pessoa mas um imóvel que tem de ser
demolido e, portanto, o objeto tem de estar lá identificado sob pena de haver uma ilegalidade
grave e, é claro, qual é o conteúdo dessa decisão, para sabermos qual é o efeito que ela vai ter
na esfera jurídica do particular. A decisão, por regra, é sempre por ato administrativo, tal como
o conhecemos da noção do CPA, mas pode haver situações em que o procedimento
administrativo possa ser substituído, o ato administrativo, pela celebração de um contrato
administrativo e, portanto, há situações em que isso é possível e está na discricionariedade
dos órgãos administrativos estabelecer um acordo com os outros intervenientes
procedimentais de que o procedimento não terminará com um ato administrativo, que seria o
seu rumo natural, mas por um contrato que vai substituir esse ato administrativo – claro,
desde que, evidentemente, a lei ou a natureza das relações a estabelecer não impeçam isso –
neste momento é impossível celebrar um acordo, um contrato a estabelecer que o
procedimento disciplinar na função pública termina não com um ato administrativo
sancionatório mas com um contrato – a lei não permite isso, a lei disciplinar da função pública
– a lei estabelece que a sanção é sempre por ato administrativo – consequentemente, o
responsável pela direção do procedimento ou o responsável pela decisão final – em geral, aqui
na UC, o Reitor, não pode haver a substituição deste ato final, que é o ato sancionatório, que
suspende ou multa, etc., por um contrato com o arguido – a lei não admite e, para além disso,
a relação a estabelecer também é relativamente repulsiva a essa substituição contratual pelo
ato administrativo. Fora essas situações, haverá um princípio de alterabilidade ou de
fungibilidade entre ato administrativo e contrato na decisão do procedimento administrativo,
como resulta do artigo 127.º CPA.
Quanto à forma da decisão, prevista no artigo 150.º CPA – forma é o modo de exteriorizar o
ato ao destinatário – a regra é que eles devem ser praticados por escrito, desde que a lei não
imponha, evidentemente, outra forma – a regra é uma prática do ato de forma escrita. Nos
órgãos colegiais é que a prática é oral, isto é, cada um deles expressa oralmente o seu sentido
deliberativo ou decisório. Mas, nos órgãos singulares, é por escrito. Nos órgão colegiais, a
regra é a da votação oral ou votação pelo dedo no ar, não interessa… mas não é a forma
escrita, exceto nas situações em que a lei imponha. Temos aqui regras relativamente
contrárias se forem órgãos singulares, a regra é por escrito, se forem órgãos colegiais, a regra é
que a deliberação é adotada através de modo oral ou gestual e, evidentemente, se porventura
isto não for observado na decisão, isto tem consequências ao nível da invalidade do ato
administrativo, que veremos que é uma invalidade na forma, e que no caso poderá ser
especialmente grave para a legalidade da decisão final.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Depois, há menções obrigatórias que devem constar do ato, sob pena de invalidade, de acordo
com o artigo 151.º CPA – designadamente o dever de fundamentação e especialmente quando
os atos são desfavoráveis para os particulares, então o dever de fundamentação, previsto nos
artigos 151.º, 153.º e 154.º do CPA, é um dever formal essencial, na medida em que o
particular que é afetado por uma decisão administrativa só poderá compreender em função da
fundamentação, isto é, da explicação do facto e direito, porquê que decidiram no sentido
desfavorável ao particular e, portanto, a fundamentação do ato aí é obviamente acrescida pela
razão da compreensão do particular porque a administração está a decidir desfavoravelmente
para ele e, portanto, a necessidade de aqui adotar uma fundamentação mais compreensiva ou
explicativa para que o particular possa compreender a racionalidade da decisão administrativa,
porque ela lhe é desfavorável; por outro lado, também à decisão podem ser apostas cláusulas
acessórias, previstas no artigo 149.º CPA, ou seja, tal como estudaremos ou já estamos a
estudar no negócio jurídico, onde podem ser apostas cláusulas acessórias, encargos,
condições, também no ato administrativo o órgão administrativo competente pode apor ao
ato as chamadas cláusulas acessórias. No essencial, pode ser um termo, uma condição, um
modo, ou uma reserva. Designadamente, são muito comuns as cláusulas modais e as reservas
de revogação – ou seja, uma cláusula modal é um encargo que o particular deve cumprir para
efeitos de obter uma autorização, ou um subsídio – as entidades administrativas, não raras
vezes, concedem apoios, subsídios, mas a essa concessão, que é um ato administrativo,
condicionam o particular na utilização da pecunia que lhe é concedida para efeitos de
utilização, ela tem uma finalidade, uma finalidade de investimento, ou finalidade laboral, ou
uma finalidade social – e, portanto, o encargo é cumprir essa finalidade necessária ao ato e,
por outro lado, a possibilidade de haver alguma situação de incumprimento por parte do
particular e eis que o órgão administrativo também associou ao ato uma reserva de revogação,
e nessa reserva de revogação, há um poder, que é o poder de revogar o ato, isto é, extinguir
aquele beneficio que ela tinha concedido à entidade a quem se deu, ou financiou, ou subsidiou
ou, numa licença urbanística, concedida para autorizar uma construção, mas podem ir
associadas cláusulas modais de construção em redor da habitação, de ligação à via municipal,
de ligação a infraestruturas, e, portanto, é um ónus, um encargo que o particular deve cumprir
para que a licença não venha a ser revogada se, porventura, como é muito habitual, o órgão
administrativo também lhe tiver aposto a chamada reserva de revogação, que é um modo de
extinguir a autorização, ou a licença, ou o subsídio, ou a aprovação, em virtude do particular,
por qualquer circunstância, não ter dado a melhor execução ao ato ou à cláusula acessória que
lhe foi aposta – se não foi cumprida, então a Administração lança mão de uma outra cláusula,
que é a cláusula de reserva da revogação – isto é, da extinção desse ato.
Por fim, a chamada fase integrativa de eficácia, que é eventual, prevista nos artigos 155.º a
160.º do CPA. Necessárias são as quatro fases anteriores que vimos. Agora temos uma fase
integrativa da eficácia, que é eventual, isto é, pode ou não existir. Esta fase integrativa da
eficácia só tem uma razão de ser – é conceder eficácia à decisão que já foi adotada na fase
constitutiva ou decisória – não acrescenta nada de inovador ao ato administrativo ou à decisão
administrativa. A única função desta fase é apenas despoletar os efeitos do ato administrativo.
Se são favoráveis, e porque havia necessidade desta fase, eles só se produzem com esta fase
integrativa da eficácia; se são desfavoráveis, igualmente. Mas, a regra geral, é que um ato
administrativo, no momento em que é adotada a decisão, eis que ele produz aí os seus efeitos
– os ónus, as obrigações, projetam logo ali a sua dimensão de efeitos, maiores ou menores,
favoráveis ou não aos particulares, a regra é essa. Contudo, há situações em que pode haver a
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
necessidade desta outra quinta fase, que é a que concede, em algumas circunstâncias, eficácia
a essas decisões administrativas.
Desde logo, nos termos do artigo 159.º do CPA, quando os atos estejam sujeitos a publicação
obrigatória, isto é, que a lei exija a publicação; publicação incluindo, na segunda série, como é
normal, do Diário da República, pode não ser, pode ser no boletim municipal, por exemplo, é
uma forma de publicação – quando legalmente exigida, se ela não for cumprida, implica a
ineficácia do ato administrativo. Também um ato por força do visto do Tribunal de Contas,
muitos atos que implicam despesas, designadamente quando as despesas, hoje, sejam
superiores a 750 mil euros, obviamente todo o processo decisório administrativo tem de ser
enviado para o Tribunal de Contas, e ele só produzirá efeitos, designadamente ao nível
financeiro, se o Tribunal de Contas conceder o visto – tudo está decidido, tudo está
constituído, mas falta ainda um ato que vai integrar a eficácia, que vai despoletar a eficácia
desse procedimento que foi todo enviado para o Tribunal de Contas e que só vai produzir
efeitos depois da emissão do visto do Tribunal de Contas, designadamente para atos que
envolvam despesas superiores a 750 mil euros, como consta da lei do Tribunal de Contas
atual, por força de uma alteração recente. Ou atos sujeitos a aprovação dos órgãos colegiais –
o caso das aprovações das atas nos órgãos colegiais – só há a produção de eficácia das
deliberações quando essas deliberações são reduzidas a ata e essa ata é aprovada e, portanto,
a ata é uma condição de eficácia das deliberações dos órgãos colegiais. Ou as licenças
urbanísticas de construção – só produzem efeitos quando constem de um alvará com a
identificação – alvará número X, emitido pela entidade X – a licença só vai produzir efeitos
quando ela estiver formalmente integrada ou materializada num documento que se chama
alvará.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Mas a regra geral não é esta, a regra geral é a de que a notificação de atos administrativos só
constitui condição de oponibilidade aos interessados no caso previsto no artigo 160.º,
portanto, quando se trate de atos de natureza favorável para o particular, a produção de
eficácia deles e oponibilidade deles não está dependente de notificação ao particular. Isso só
sucede com os atos que sejam impositivos de deveres ou de encargos para os respetivos
destinatários.
Esta fase última, a fase integrativa da eficácia é obviamente uma fase eventual, não
necessária, mas especialmente importante quando estejamos perante decisões
administrativas impositivas para os particulares, porque por regra são estas decisões que
depois vão ser objeto de execução coativa por parte das entidades administrativas, caso os
particulares não as cumpram nos termos decididos pela própria Administração.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
da Câmara, o que o Presidente da Câmara vai ter de fazer é constatar esse incumprimento e
emitir uma outra decisão autónoma relativamente à ordem de demolição – é a decisão de
proceder à execução coativa da ordem que já deu – é uma decisão autónoma relativamente à
primeira. Isto é perfeitamente possível nas demolições de muros, de habitações, e não raras
vezes assim sucede, que são as entidades públicas a executar, coativamente, as demolições,
designadamente em habitações que ameacem ruir e que, evidentemente, colocam em risco os
vizinhos, ou as pessoas que circulam na rua, os automóveis, etc. Portanto, são um perigo para
a segurança, o património e a vida das pessoas, e daí que se compreenda este poder de
execução administrativa coativa por parte dos órgãos administrativos. Isto é, ditam o direito,
impõem o dever, uma decisão impositiva, ato administrativo impositivo, que o particular deve
cumprir no prazo estabelecido pela própria autoridade administrativa, se não cumprir, eis que
pode vir a tal segunda fase de execução coerciva desse título executivo - para haver essa
execução coerciva tem de haver uma decisão autónoma que estabeleça que se vai proceder à
execução coativa da ordem tomada, isto é, da declaração decisória já tomada no
procedimento administrativo declaratório anterior e, obviamente, que essa execução tem de
obedecer ao princípio da proporcionalidade, porque se for necessário apenas demolir uma
parte do prédio, e aí está a segurança acautelada, à luz da proporcionalidade não se vai
demolir o prédio todo, ou o muro todo, ou o que quer que seja.
Apenas uma nota relativamente às execuções coativas dos atos administrativos – quando se
trate de a execução de quantias monetárias, sejam fiscais ou parafiscais, ou de outra natureza,
desde que sejam obrigações pecuniárias, isto é, pagamentos que os particulares têm de afetar
à Administração, nessas situações nunca há lugar à execução por meios diretamente
administrativos, isto é, um Município, ou na área da água, ou da luz, etc., como o particular
tem de pagar, há obrigações pecuniárias, ou as dividas fiscais, tudo isso não pode a
Administração imediatamente executar o património do particular, dirigir-se ao seu domicilio
ou às suas contas e proceder à imediata execução – tem de enviar todo o processo para a
repartição de Finanças competente e esta, depois, obedecer ao processo de execução fiscal,
disciplinado na legislação do Procedimento e Processo Tributário e, portanto, isto corre em
termos judiciais. Exceto essas situações, e a prestações infungíveis, mas designadamente estas,
porque são as mais comuns, aqui tem de haver sempre uma execução coativa, mas esta
decorre nos termos da legislação do Processo e Procedimento Tributário. É uma garantia em
termos dos direitos dos particulares, uma vez que está em causa o cumprimento de obrigações
pecuniárias.
Vamos agora para o tema da validade e invalidade da decisão administrativa, qualificada por
ato administrativo.
Tal como se fala de validade ou de invalidade no negócio jurídico, no plano geral do direito civil
e do direito das obrigações, também no âmbito da teoria geral do direito administrativo
falamos, à semelhança do que aí sucede, se fala de invalidade do ato administrativo ou
condições de validade que se não estiverem reunidas provocam a invalidade do ato
administrativo e também, à semelhança do direito civil, falamos em essencialmente dois tipos
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Para as situações que a lei reputa de uma ilegalidade mais grave, sanciona essa causa de
ilegalidade com uma sanção mais grave, que é a sanção da nulidade, nos termos do artigo
161.º do CPA; e, portanto, quando o vício, também à maneira da Teoria Geral do Direito Civil, é
reputado pela lei como mais grave, do ponto de vista da lesão dos interesses públicos ou
privados, a lei sanciona essa invalidade com a nulidade. Mas o vicio ou esta sanção, para que
ela possa ser aplicada na resolução de hipóteses práticas e, evidentemente, também pelos
tribunais, é necessário, segundo o número 1 do artigo 161.º do CPA, que a lei comine
expressamente esta forma de invalidade – há um princípio básico e transversal na ordem
jurídica administrativa de que um ato administrativo só é nulo ou só tem o tipo de invalidade
designada por nulidade quando a lei expressamente estabeleça esse modo de invalidade, ou
seja, a nulidade. Tem de existir uma norma, ou no artigo 161.º do CPA, ou numa lei especial, a
estabelecer expressamente que o ato administrativo ou a decisão administrativa que viole a
regra A, ou B, ou o princípio, ou direitos dos particulares, é nulo – e a lei tem de estabelecer
expressamente isto. Se não estabelecer isto assim expressamente, esta sanção de nulidade,
isso significa que vale sempre um outro tipo de invalidade, que é a anulabilidade nos termos
do número 1 do artigo 163.º CPA. Se o CPA, no artigo 161.º não estiver aí contemplada a causa
invalidante que provoca a nulidade ou não estiver prevista numa norma avulsa ou especial
relativamente ao CPA, ficamos com uma certeza de que não podemos aplicar à hipótese
prática uma sanção de invalidade consubstanciada na nulidade mas tão só a regra geral da
mera anulabilidade. Isto, evidentemente, tem uma grande diferença. Um ato administrativo
nulo é totalmente improdutivo de efeitos jurídicos. Pelo contrário, um ato administrativo que
contenha uma causa invalidante que provoque a mera anulabilidade, ele produz plenamente
os seus efeitos jurídicos até ao momento em que venha, porventura, a ser objeto de anulação,
ou pelos próprios órgãos administrativos, ou, em caso de impugnação pelo particular, pelos
tribunais administrativos. Até aí produz totalmente os seus efeitos, como se fosse um ato
plenamente válido. Esta diferença classificativa ou qualificativa entre nulidade e anulabilidade
tem uma grande consequência jurídica. Um ato nulo é totalmente improdutivo de efeitos e,
portanto, se impunha obrigações, não vai impor qualquer obrigação ao particular,
juridicamente – pode a Administração, no plano dos factos, tentar que o particular cumpra,
mas juridicamente não está obrigado a cumprir, porque o ato não produz efeitos nenhuns; se
for meramente anulável, como produtor pleno de efeitos jurídicos, se é um ato favorável ao
particular, o particular na sua esfera jurídica é confortado com todos esses efeitos jurídicos
favoráveis, se for um ato desfavorável, igualmente é onerado com esses efeitos desfavoráveis,
porque o ato é plenamente produtor da sua eficácia, e assim será até ao momento em que
venha a ser objeto de anulação administrativa ou jurisdicional, o que, porventura, poderá
nunca ocorrer e, consequentemente, esse ato, ainda que meramente anulável, eis que ele
poderá perdurar na ordem jurídica administrativa eternamente, ou quase eternamente, e a
produzir os efeitos jurídicos ainda que ilegal, mas meramente anulável.
Ora, quais são os requisitos de validade de um ato administrativo que caso falhe algum destes
requisitos, o ato poderá ter uma daquelas sanções? Ou ser inválido sob a forma ou tipo de
nulidade, ou ser inválido sob o tipo de mera anulabilidade. Se faltar algum destes requisitos,
que são contidos na estrutura decisória que qualificamos como ato administrativo, há uma
consequência de caráter geral – ou o ato é nulo, nos termos que acabamos de referir, ou o ato
é meramente anulável, mas em qualquer circunstância é uma decisão administrativa inválida.
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Na teoria geral do direito administrativo, uma decisão administrativa quanto aos seus
elementos componentes, na sua estrutura, na sua anatomia, numa perspetiva analítica,
podemos identificar sempre o sujeito. O sujeito é inevitavelmente o órgão autor do ato
administrativo. Já vimos que uma decisão contém sempre um autor, contém sempre um
objeto e contém sempre um conteúdo.
Um desses elementos, tecnicamente designado por sujeito é aquele que se identifica como
órgão autor do ato administrativo. Contudo, para que a decisão adotada por este sujeito seja
válida – que é o autor da decisão -, é necessário que esse órgão se integre no âmbito de uma
pessoa coletiva pública que tenha atribuições para que essa decisão possa ser adotada
validamente. Como vimos no Direito Administrativo I, as pessoas coletivas públicas são
dotadas de atribuições, isto é, de um conjunto de interesses públicos que devem prosseguir e
que a lei lhes reconhece e, dentro da pessoa coletiva pública, temos os órgãos que expressam
através de decisões a vontade da pessoa coletiva pública. Esses órgãos, como vimos na altura,
são dotados de competência para essas decisões. Contudo, para que possam adotar essas
decisões, é necessário que essa decisão se contenha dentro das atribuições da pessoa coletiva
pública. Um exemplo: a Universidade de Coimbra é uma pessoa coletiva pública – nos termos
do Regime Jurídico das Universidades Públicas, ela tem um conjunto de missões – missão de
ministrar licenciaturas, ministrar mestrados, ministrar doutoramentos, ministrar pós-
doutoramentos, ministrar outros cursos como pós-graduações, ou outros cursos de serviço à
comunidade, fazer investigação, fazer a doutrina, ou investigação cientifica na área das
ciências, é o conjunto de fins que o Regime, a lei das Universidades reconhece a esta
instituição. Consequentemente, os órgãos desta pessoa coletiva pública só podem praticar
validamente atos administrativos se eles se contiverem dentro destas atribuições e, portanto,
na área do ensino, na área das missões de serviço público à comunidade, na área da
investigação, na área farmacêutica, na área laboratorial, na área das engenharias, na área da
medicina, fazer também, evidentemente, partilha em termos de ensino com outras
instituições, seja ao nível de estágios curriculares, seja ao nível do ensino médico, etc., mas
está sempre no conjunto das atribuições desta pessoa coletiva pública – para que o ato
administrativo, cada decisão, seja válida, é necessário que essa decisão se mantenha, se
contenha, se limite ou delimite em função destas atribuições típicas da pessoa coletiva pública
que é a UC; quem diz a UC, diz a Universidade do Porto, a Universidade de Aveiro, etc., porque
as atribuições são todas as mesmas, obviamente, do ponto de vista da lei das Universidades
Públicas. Consequentemente, não está nas atribuições da UC fazer licenciamento das
operações urbanísticas – essas atribuições estão numa outra lei que as reconhece a uma outra
pessoa coletiva pública, que é o Município, cada um dos 308 municípios a nível nacional e,
portanto, essas atribuições em matéria urbanística e de ordenamento do território não são
atribuições legais da UC. Consequentemente, se o Reitor, como órgão da UC, começar, por
engano, a conceder autorizações de licenciamento para realizar atribuições urbanísticas, está a
praticar um ato, está a adotar uma decisão que não é das atribuições da Universidade de
Coimbra e, pelo contrário, para além da falta total de atribuições da UC em matéria urbanística
e de ordenamento do território, está a invadir as atribuições de uma outra pessoa coletiva
pública, que é o Município. Para estas situações em que um órgão de uma pessoa coletiva
pública decide com falta de atribuições dessa pessoa coletiva pública ou em atribuições que
não são dessa pessoa coletiva pública, mas de uma outra pessoa coletiva pública, aqui, em
virtude de haver uma violação grave da ordem pública administrativa, designadamente ao
nível da distribuição ou da organização administrativa na parte relativa às atribuições legais de
cada pessoa coletiva pública, a lei sanciona isto como grave, especialmente grave e por isso é
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
que na alínea b) do número 2 do artigo 161.º CPA, estabelece uma sanção radical que é a
nulidade, por virtude de uma falta radical de atribuições da pessoa coletiva pública em que
esse órgão se insere. Também tecnicamente é dita por incompetência absoluta, ou seja,
incompetência absoluta por falta de atribuições da pessoa coletiva pública.
Apenas uma nota de que os Ministérios, cada um dos Ministérios, não são dotados de
personalidade jurídica – são departamentos governamentais que se integram numa entidade,
e essa sim tem personalidade jurídica administrativa, que é o Estado-Administração – os
Ministérios são meros departamentos. Contudo, excecionalmente, por razões puramente
organizativas, a lei concede atribuições a cada um dos Ministérios, o que significa,
evidentemente, para este caso, se um Ministro da Economia, que tem as atribuições na área
dos interesses económicos – as missões públicas do Estado administrativo em matéria
económica -, começar a praticas atos que extravasam essas essas atribuições, e praticando
atos ao nível da área da saúde, por exemplo, começando a praticar atos na área do plano de
vacinação, evidentemente que ele está a praticar um ato para além da falta radical de
atribuições deste Ministério, está também a invadir as atribuições de um outro Ministério –
aqui a sanção é exatamente igual, ou seja, é a sanção da nulidade destes atos que, porventura,
fossem praticados pelo Ministério da Economia, em matéria de atribuições que não estão
deferidas a esse Ministério da Economia, mas a um qualquer outro Ministério ou, porventura,
a outro organismo qualquer do Estado administrativo.
Depois, dentro da pessoa coletiva, portanto, a pessoa coletiva tem de ter atribuições para que
o órgão possa validamente praticar decisões administrativas, atos administrativos, no âmbito
dessas atribuições. Para além disso, o órgão em si, que é o autor da decisão, tem de ter
competência material e territorial. Competência material é competência na matéria, é haver
ou a lei, ou o regulamento, ou o estatuto, que estabeleça que aquele órgão administrativo,
aquele Reitor, ou o Presidente da Câmara, ou o Presidente de um Instituto Público, por
exemplo, da Segurança Social, é competente para praticar atos administrativos naquela
matéria especifica. Dentro de cada pessoa coletiva, o normal é que as competências estejam
distribuídas por diversos órgãos – haver distribuição de competências, as mais decisivas
evidentemente sempre no órgão que está no topo da hierarquia, mas poder haver uma
distribuição de competências ou feita diretamente pela lei, ou feita por regulamentos emitidos
pela própria pessoa coletiva pública, ou por estatutos próprios dessa pessoa coletiva pública.
Essa distribuição de competências demarca o domínio de matérias em que cada órgão pode
decidir legalmente. Se, porventura, o Presidente da Câmara, que nos termos da Lei n.º
75/2013, tem um conjunto imenso de competências, mas começar a praticar atos que são da
competência da Câmara Municipal, que é o órgão colegial, é a mesma pessoa coletiva pública,
é dentro da mesma pessoa coletiva pública, e dentro da mesma pessoa coletiva pública um
determinado órgão é competente para certas matérias, outro órgão é competente para outras
matérias. Consequentemente, se cada um desses órgãos ou um deles emitir decisões, praticar
atos administrativos que não são da sua competência, mas da competência de um outro órgão
da mesma pessoa coletiva pública, a lei também sanciona esta situação com ilegalidade – com
invalidade do ato administrativo. Mas aqui uma invalidade, porque é dentro da mesma pessoa
coletiva pública, é uma invalidade menos grave – é a mera anulabilidade e, portanto, iriamos
para a cláusula geral do número 1 do artigo 163.º CPA – porque não encontramos no artigo
161.º do CPA que esta causa ou esta situação provoque a nulidade – também na lei
especialmente aplicável aos órgãos municipais não estabelece a sanção da nulidade –
consequentemente, como não está taxativamente prevista a nulidade para esta situação,
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
temos de recorrer à cláusula geral que esta contida no número 1 do artigo 163.º, que é a mera
anulabilidade do ato administrativo.
Quanto à falta de legitimação, especialmente importante nos órgãos colegiais, e nos órgãos
colegiais já sabemos que são aqueles formados por uma pluralidade de membros, a falta de
legitimação, isto é, das condições concretas para decidir, a pessoa coletiva tem atribuições, o
órgão é competente, tem todas as condições legais para decidir, só que naquela situação
haveria alguma desvirtude, alguma circunstância que afetava a legitimação do órgão para
decidir ou de alguns dos membros do órgão para decidir – já veremos um exemplo – quando
assim suceda, a pessoa coletiva tem atribuições, o órgão é competente, não há qualquer outra
causa invalidante, nem de caráter procedimental, mas há ali uma circunstância que afeta a
imparcialidade objetiva, ou a imparcialidade subjetiva, e isso vai provocar falta de legitimação
ou algum requisito para reunir aquele órgão – quando assim seja, porque tem de reunir com a
maioria legalmente exigida – se não estiver formada a maioria legalmente exigível há
atribuições na pessoa coletiva, o órgão é competente, mas para tomar aquela deliberação,
naquela reunião, não estão reunidas as condições concretas para deliberar e, portanto, há
uma falta de legitimação e a sanção é a nulidade expressamente estabelecida na alínea h) do
número 2 do artigo 161.º do CPA.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
reuniões do órgão colegial permitir que se delibere, evidentemente que nessa condição
concreta não estão reunidas as condições necessárias a que a deliberação seja tomada de
forma completamente livre, completamente sã, completamente esclarecida, e com o sossego
necessário. Também é uma causa de falta de legitimação do sujeito e a sanção é também a
nulidade das decisões ou das deliberações adotadas.
Depois, outras condições de legitimação são muito usuais numa relação que nós estudámos no
DAI, as relações de tutela administrativa, designadamente do Governo ou de cada um dos
Ministros sobre os institutos públicos que, muitas vezes, estes institutos públicos, o seu
Presidente é competente, tem competência, o Conselho Diretivo tem competência, mas para
adotar aquela decisão, para que são competentes, necessitam de uma autorização tutelar do
respetivo ministro. Se esta autorização faltar, a decisão adotada pelo órgão competente nesse
instituto público é inválida, com mera anulabilidade, também por falta de legitimação para agir
– isto é, para decidir, embora fosse competente – não é isso que está em causa, é competente
mas necessita de um ato prévio, que desencadeia legitimação do exercício dessa competência,
que é uma autorização tutelar ministerial.
Depois, um caso especial tem a ver com a usurpação de poder, ou usurpação de funções –
quando falamos em usurpação de poder ou usurpação de funções, muitas vezes os alunos
utilizam “O ato é inválido sob a forma de anulabilidade por haver usurpação de poder ou
usurpação de funções” e está errado. Este vicio invalidante coloca em relação o órgão
administrativo com outras entidades fora da Administração, portanto, quando nós estamos só
dentro da organização administrativa, se faltarem atribuições à pessoa coletiva ou o órgão
invadir atribuições de uma outra pessoa coletiva pública administrativa, estamos só perante
um problema de atribuições; se um órgão administrativo invadir competências próprias do
poder jurisdicional é que já se coloca o problema não das atribuições, por essa só surge no
contexto intra-administrativo, aqui já se coloca o problema da usurpação de funções porque
está em causa um princípio fundamental da ordenação dos poderes, que é o princípio da
separação de poderes ou o princípio da separação funções – funções administrativas para a
Administração Pública, funções jurisdicionais para os tribunais e funções legislativas para os
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Outro requisito de validade – o objeto mediato do ato administrativo, que já vimos, pode
consistir em pessoas singulares ou coletivas, ou coisas móveis ou imóveis, ou ser um ato
administrativo que tem como projeto outro ato administrativo, ou seja, os atos administrativos
de 1.º e de 2.º grau – um ato administrativo que venha revogar um outro ato administrativo,
por exemplo, um ato administrativo que venha revogar uma autorização que foi concedida a
um particular – o objeto deste ato administrativo é o primeiro ato administrativo, o ato
administrativo praticado primeiramente, que é essa autorização e que agora é revogado
através deste ato administrativo que é a revogação – aqui, o ato é objeto imediato do ato
administrativo secundário ou de 2.º grau – o órgão administrativo que com base ou
fundamento numa invalidade vai anular um ato administrativo que tinha praticado, fá-lo
oficiosamente, pode fazê-lo, como ainda veremos, pode fazê-lo oficiosamente e anula o ato
com base numa causa que era, evidentemente, invalidante.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
impossibilidade física para que o efeito jurídico, que é a nomeação ou investidura no cargo se
produza e, portanto, já não há uma possibilidade de objeto para produzir aquele efeito
jurídico, que é ser investido no cargo de dirigente e exercê-lo, em virtude do desaparecimento
físico do destinatário do ato. A consequência, por expressa tipificação legal, é a nulidade.
Para além disso, o objeto tem de ser inteligível, designadamente quando – e é assim tantas
vezes – os municípios expropriam imóveis dos particulares, para realizar, evidentemente,
obras, instalações públicas, infraestruturas públicas – para essa expropriação, cujo objeto é o
imóvel expropriado, isto é, é um imóvel que transita da propriedade do particular para a
propriedade da entidade expropriante, o objeto tem de ser plenamente identificado – tem de
ser identificada a pessoa que é expropriada, que era a titular do imóvel, e tem de ser
identificado o imóvel em si – onde fica, qual é o seu número de matriz nas finanças, qual é o
seu número de registo predial no Registo Predial, no registo das coisas, dos imóveis, confronta
a norte e a sul, a este e a oeste com quem – este é o modo de identificar, de determinar, de
ter o objeto como inteligível, à maneira que estudamos também em Teoria Geral do Direito
Civil – a consequência é a nulidade, se faltar este requisito, por expressa previsão no artigo
161.º CPA.
Por fim, a idoneidade do objeto – quer dizer que o objeto sobre o qual incide o ato
administrativo, a decisão administrativa, tem de ser idóneo a produzir aqueles efeitos jurídicos
– situação típica – um bem de domínio público – a água é domínio hídrico, público; as
infraestruturas públicas são bens dominiais públicos e, portanto, não podem ser alienados,
não podem ser permutados, não pode haver penhora sobre eles, nem hipoteca – agora
suponha-se que um Presidente de uma Câmara Municipal, ou a própria Câmara Municipal
pratica uma decisão ou adota uma deliberação de alienar um bem público municipal sob o
regime da dominialidade pública – isto é, fora do comercio jurídico, com diz o artigo 200.º a
202.º do CC, se adotar esta decisão, ela tem objeto, é aquele imóvel, só que aquele imóvel
como está no regime da dominialidade pública nunca pode ser alienado e, portanto, os efeitos
nunca se vão produzir, por impossibilidade absoluta legal, porque a lei diz que um bem sob o
domínio público é inalienável, impenhorável, não é hipotecável, não é transacionável, está fora
do comércio jurídico – consequentemente, o efeito jurídico nunca se produz, que é a alienação
porque o objeto não é idóneo a produzir esses feitos jurídicos. Se estivesse sob o regime
jurídico privatístico, isso sim, é permutável, é alienável - o Estado e os Municípios têm muitos
imóveis no domínio privatístico, como nós temos os nossos bens e, portanto, podemos vendê-
los, aliená-los, hipotecá-los, mas aqueles que estão no domínio público, por impossibilidade
em alguns casos constitucional, em outros casos legal, não pode isso acontecer e,
consequentemente, os efeitos jurídicos nunca se produziriam. Nesta situação em virtude da
absoluta e radical impossibilidade ou constitucional, porque há bens de domínio público
diretamente qualificados pela CRP, ou por impossibilidade legal, por outros bens que estão
classificados na lei como domínio público, nunca se pode produzir o efeito e, portanto, nestas
circunstâncias, o vicio deve ser equiparado à falta de determinação do objeto ou à falta de
possibilidade de objeto e, consequentemente, ser o vício da nulidade.
Por fim, temos outro requisito de validade, portanto, temos o sujeito, o sujeito com
atribuições, as competências e legitimação, e depois temos o objeto com aqueles três
requisitos que acabamos de mencionar.
Quanto ao fim, também um requisito de validade, nós dissemos que cada decisão
administrativa tem um fim – um fim de interesse público que é delimitado, pré-definido pela
lei. Consequentemente, cada decisão administrativa tem de ater-se a esse fim que é
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
determinado pela lei ou por um regulamento emitido com base, evidentemente, na própria lei.
Se faltar este requisito, que é o elemento de identificação do fim para que um órgão
administrativo possa decidir, falta uma base legal habilitante – tecnicamente, na estrutura do
ato administrativo, traduzimos isso por falta de pressuposto abstrato, isto é, por falta da
estatuição e da hipótese legal, à maneira da construção das normas perfeitas, para que o
órgão administrativo possa decidir estando legalmente habilitado. Não estando legalmente
habilitado para o efeito, falta o pressuposto abstrato, consequentemente, a regra geral, nesta
situação, é a mera anulabilidade, por força da cláusula geral do artigo 163.º CPA. Pode haver,
noutras situações, e há, que a falta de base legal se traduz numa ilegalidade mais grave – é
naquelas situações em que os órgãos administrativos criem, porventura, obrigações
pecuniárias que não estejam legalmente previstas – aqui a lei, a alínea k) do número 2 do
artigo 161.º CPA sanciona situações deste género, isto é, da falta do pressuposto abstrato,
como uma causa invalidante gravíssima e, por isso, a consequência é a nulidade. Portanto,
quando um órgão administrativo pretender ou decidir que um particular deverá proceder à
liquidação de uma quantia em dinheiro que não está prevista na lei, a titulo de taxa, ou de
preço, ou de imposto, ou de outra contribuição especial, se não estiver prevista, há uma falha
de base legal ou de habilitação legal para o legislador radical e esta falta de pressuposto
abstrato para decidir, para a lei, nestas circunstâncias, é qualificado como grave, gravíssimo e,
portanto, a consequência é a da sanção radical, que é a nulidade destas decisões
administrativas.
Na última aula tínhamos visto os requisitos de validade do ato em relação ao sujeito, com três
grandes requisitos: o primeiro, as atribuições da pessoa coletiva em que o órgão se insere, o
órgão autor da decisão administrativa que nós qualificamos como ato administrativo; em
segundo lugar, as competências desse órgão – agora olhamos para dentro da pessoa coletiva
pública em que o órgão se insere e verificamos se ele tem competências em razão da matéria,
isto é, no âmbito da atividade em que emite a decisão, o ato administrativo, também
competência em razão do território, porque como vimos, há entidades que têm uma
circunscrição territorial para o exercício das respetivas competências, e demos o exemplo das
Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional; depois vimos que também há um
outro requisito que afere em concreto as condições do órgão para emitir a decisão – é
competente o órgão, insere-se no âmbito de uma pessoa coletiva que tem atribuições na
matérias, mas em concreto, naquelas circunstâncias em que decide, poderão falhar alguns
requisitos para praticar validamente o ato administrativo. Quando assim sucede, ou porque há
incompatibilidades, ou porque há impedimentos, designadamente nestas circunstâncias, mas
também porque está afetado por uma razão de imparcialidade objetiva, vimos que nestas
circunstâncias, a legitimação do órgão para emitir uma decisão não está concretamente
verificada e, por isso, também há um vício por falta de legitimação. Designadamente, é
particularmente grave nos órgãos colegiais ou por falta de quórum, ou por falta de maior
exigível para adotar deliberações, ou porque o órgão, naquela condição concreta, não está
com as condições de serenidade, de clarividência para tomar deliberações sãs e esclarecidas.
Isto é, situações mais tumultuosas, que às vezes se verificam em contextos de órgãos colegiais.
Depois vimos também um outro elemento – o fim – e vimos os requisitos de validade quanto
ao objeto; e requisitos de validade quanto ao fim.
Falta-nos ver agora o requisito de validade substantivo, isto e, quanto ao conteúdo. Neste
caso, o conteúdo do ato é a parte dispositiva dele – é aí que está ou o direito que é concedido,
ou a vantagem que é concedida ao particular, ou os ónus que lhe são conferidos, à sua esfera
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
jurídica, ou os deveres, as obrigações - é disto que falamos quando nos referimos ao conteúdo
do ato.
Como estamos a falar da parte dispositiva ou da parte substantiva por essência do ato
administrativo, eis que este vicio, faltando este requisito de validade, só poderá implicar a
existência de um vício de natureza substancial, que, regra geral, conduz à anulabilidade do ato
administrativo com a aplicação da cláusula geral do número 1 do artigo 163.º CPA. Contudo,
há situações em que também quanto ao conteúdo do ato podem existir maleitas ou
desvirtudes mais graves. Quando assim sucede, por força do número 2 do artigo 161.º CPA,
isso pode implicar uma sanção também ela mais grave, ou mais radical, ou seja, a sanção da
nulidade. Assim sucede quando estejamos perante atos em que o conteúdo seja impossível ou
seja ininteligível. É exatamente a mesma coisa que estudamos no âmbito do negócio jurídico,
em Teoria Geral do Direito Civil, em que os negócios com conteúdo impossível ou ininteligível
conduzem também à invalidade do negócio jurídico. Ora, já vimos que é um dos requisitos
essenciais por definição de uma decisão que se qualifique como ato administrativo que ela
tem de ter um autor, que ela tem de ter um destinatário e que ela tem de ter um conteúdo.
Conteúdo esse que seja inteligível. Se uma decisão que ordena o pagamento de uma certa
quantia a um particular, não determina a quantia, diz que tem de pagar uma quantia, o
particular só recebe esta notificação e não percebe uma boa parte, ou a parte essencial do
conteúdo do ato – fica a saber que é devedor à Administração, mas não sabe devedor de
quanto e, porventura, não saberá a proveniência, a origem da dívida – mas isso é já um
problema relativo à fundamentação ou à explicação da génese dessa divida. Mas esse
conteúdo é claramente impercetível, ininteligível para qualquer destinatário normal. Quando
assim seja, a sanção é a da nulidade. Portanto, um ato deste género não produziria qualquer
efeito na esfera jurídica do particular, isto é, o particular continuava como se nada devesse à
Administração, porque aquele motivo é claramente ininteligível.
Depois, teremos também um caso de nulidade do ato administrativo por vicio do conteúdo
quando ele implicar a prática de um crime ou for determinado pela prática de um crime. O que
nós temos aqui no plano administrativo faz-nos lembrar algo no âmbito do direito penal, que é
as influências corrosivas dos particulares perante os agentes administrativos e que podem
levar ao cometimento de factos criminais e, consequentemente, independentemente do
relevo ou da gravidade do crime, do ponto de vista penal, se e basta (é pressuposto suficiente)
que ele constitua crime, ou seja, determinado por esse motivo, para que no plano jurídico-
administrativo, a sanção seja radical e, portanto, o ato é absolutamente improdutivo de efeitos
por estar sancionado legalmente com a nulidade.
Outros casos ainda de gravidade do ilícito administrativo trata-se dos atos que ofendam o
conteúdo de um direito fundamental. Ora, isto tem uma razão constitucional genética. Um dos
valores essenciais da Constituição de um Estado de direito democrático são, desde logo, os
direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos. Consequentemente, se no plano
administrativo, os agentes administrativos praticarem atos administrativos que atinjam o
conteúdo essencial desses direitos – a seguir já veremos um exemplo para concretizar este
aspeto -, desde que atinjam esse conteúdo do direito, esse cerne do direito essencial – seja a
intimidade da vida privada, um dirigente que ordene, no interior do seu serviço, que toda a
correspondência pessoal dos funcionários, dos trabalhadores públicos, seja descortinada,
como é obvio, ele está a praticar um ato administrativo que atinge um direito fundamental
básico, atribuído e reconhecido pela Constituição, que é o sigilo da correspondência, para além
de estar em causa, também, a intimidade da vida privada. Ou, provavelmente, que ordene que
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
o correio eletrónico pessoal também possa ser vigiado – há um correio eletrónico oficial, ma a
pessoa pode ter o seu correio eletrónico pessoal, juntamente com o oficial, e, obviamente,
uma ordem que dê esta determinação ofendia também o conteúdo essencial de um direito
fundamental, designadamente a reserva da intimidade, o sigilo da comunicação, da
correspondência.
Cuidado quanto à questão do conteúdo no domínio dos atos discricionários – vimos, no Direito
Administrativo I, que os órgãos administrativos, em geral, com base na lei, dispõem das tais
prerrogativas de apreciação das situações concretas, de avaliação delas, e em função dessa
avaliação que façam, eis que compõem a decisão, isto é, o conteúdo do ato. O conteúdo do
ato não deriva diretamente da lei e, portanto, não é um ato vinculado quanto ao conteúdo. Há
uma margem discricionária para que o órgão possa compor esse conteúdo. Aqui surge o
problema de saber se o órgão administrativo competente para determinar discricionariamente
o conteúdo do ato vai utilizar esse poder para compor devidamente o conteúdo do ato em
função do fim. Como vimos, o fim é sempre um elemento estritamente vinculado, assim como
é a competência. Mas, nesta relação entre exercício da competência e o fim a que se deve
conduzir a decisão, o órgão pode dispor de discricionariedade administrativa para compor o
conteúdo em relação à prossecução da finalidade legal – essa estritamente vinculada. Aqui é
que podem surgir desvirtudes, intencionais ou não intencionais. Quando assim sucede, isto é,
que a lei concede poder discricionário para que o órgão administrativo componha o conteúdo
do ato em função do fim, surgir alguma circunstância divergente entre o conteúdo e o fim, o
que nós temos é um vício na relação conteúdo-fim, na medida em que o órgão administrativo,
ao abrigo dos poderes discricionários, não deu o melhor conteúdo, ou o conteúdo devido, ao
ato para prosseguir aquele fim. Isto pode suceder em duas situações diferenciadas. Uma em
que o órgão administrativo compõe o conteúdo da sua decisão, mas ainda se motiva pela
prossecução de um fim público – não propriamente o fim que a lei determinava, mas ainda
assim ele manteve-se no âmbito dos interesses públicos da pessoa coletiva que dirige. Se isto
suceder, a sanção é a da invalidade, mas não é a sanção mais grave, é apenas a mera
anulabilidade, na medida em que o órgão administrativo, embora mal, se orientou para a
prossecução de interesses públicos, que é a razão de ser da Administração. Por isso a lei, do
ponto de vista da sanção, é aqui menos gravosa do que na situação imediatamente seguinte,
que já veremos, em que a sanção é a nulidade. O Presidente de uma Câmara Municipal que
ordena a cobrança aos seus munícipes, com o pretexto de que as taxas são devidas, mas o fim
realmente prosseguido é obter receitas para fazer face a razões financeiras prementes do
Município, as taxas é a pretexto de que elas seriam devidas e, portanto, o que está aqui em
causa é compor o conteúdo do ato, não porque exatamente as taxas são devidas, mas pela
razão da obtenção de uma receita financeira por razões premenciais do município – ele
orienta-se por um interesse público e só pelo interesse público, embora componha o conteúdo
do ato nem em função do fim, que era só deve haver cobrança de taxas quando elas forem
efetivamente devidas, e aí constituem uma receita legitima do município e, portanto, é este o
fim legal, mas ele compôs o conteúdo do ato não para esse fim, mas por satisfazer de imediato
razoes financeiras emergenciais do município, mas manteve-se dentro do circulo de interesses
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Já não é assim quando o órgão administrativo use dos seus poderes discricionários não para a
prossecução de um interesse público, mas para a prossecução de interesses privados. Aqui, é o
clássico desvio de poder. Isto é, é compor o conteúdo de uma decisão administrativa
discricionariamente, não para prosseguir o fim legal, que é sempre um fim de interesse
público, mas para, com esse poder, atingir a prossecução de interesses privados, diretos ou
indiretos. É o exemplo que está na apresentação, de um Presidente de uma instituição pública,
um instituto público, que utiliza um poder de decidir ou não decidir, isto é, contratar ou não
contratar uma determinada empresa – é discricionário – escolher o procedimento é
relativamente discricionário – colocar os critérios de seleção dos proponente também envolve
discricionariedade, mas a verdade é que tudo isto é para uma finalidade, que é para escolher o
melhor em termos de preço, em termos técnicos, em termos de execução, e servir melhor as
entidades públicas – mas ele não se orientou por isso – orientou-se para tentar escolher a
empresa ou concorrente com a qual teria ainda alguns créditos a salvar e, em contrapartida,
ficando essa a celebrar e executar o contrato, simultaneamente saldava as dividas pessoais
que tinha com essa empresa. Consequentemente, o que nós temos aqui é a utilização de um
poder discricionário para a prossecução de um fim que não é um fim legal, mas um fim que se
desvia dessa finalidade legal de interesse público para a prossecução de interesses privados –
aqui a sanção da lei é radical, não permitindo que esse ato, ou esse tipo de decisões produzam
qualquer efeito jurídico e, portanto, a sanção radical da nulidade e não da mera anulabilidade.
Uma delas tem a ver com os procedimentos administrativos de caráter sancionatório, sejam
eles de caráter disciplinar, sejam eles procedimentos administrativos que sancionem os
particulares com coimas, isto é, com contraordenações, sejam elas estradais ou de outra
natureza – económicas, alimentares, sanitárias, etc. Aqui, nestas situações, em virtude de a
própria Constituição configurar este direito – em matéria só de procedimentos de caráter
sancionatório – como um direito fundamental e, portanto, como um direito que é incluído
analogamente no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, o direito de defesa e de
audiência, é aqui um direito fundamental diretamente estabelecido na CRP – como assim é,
nestas situações, se ao particular não é assegurada a defesa, ou por si, ou mediante a
representação de advogado, ou não lhe é assegurada a audiência, enquanto fase do
procedimento administrativo, o que o agente administrativo está aqui a conduzir é ao
cerceamento do conteúdo essencial de um direito fundamental – consequentemente, esta
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Depois, são ainda nulos, do ponto de vista procedimental os atos praticados com preterição
total de procedimento administrativo legalmente exigido e, portanto, em termos de exemplos
simples – seja porque não se segue o CPA, seja porque não se segue um procedimento
especialmente estabelecido, por exemplo, é emitida uma licença de construção, mas o
procedimento que está no RJUE foi totalmente preterido – a sanção legal é a nulidade por
preterição do procedimento legalmente exigido. Ou quando, no contexto do Código dos
Contratos Públicos, são exigidos procedimentos para a celebração do contrato, mas antes
disso há um ato administrativo que escolhe um dos concorrentes e, por consequência, exclui
outros – mas isso é necessário observar um conjunto de procedimentos ou de normas
procedimentais que vão até ao artigo 277.º CCP. Se elas forem preteridas, evidentemente que
o ato final de escolha de um em preterição dos outros, ou com a exclusão dos outros, esse ato
é nulo por preterição das formalidades procedimentais estabelecidas nesse Código. Seja à luz
do procedimento administrativo geral, estabelecido no CPA, seja à luz de procedimentos
especialmente estabelecidos em outras leis ou em outros Códigos, se houver preterição desse
procedimento, a sanção estabelecida no CPA é sempre a nulidade da decisão final.
Por fim, a forma do ato – a forma do ato, nos termos do CPA, a regra sacramental é de que
qualquer decisão administrativa deve ser adotada por escrito, independentemente de ela
circular por via eletrónica ou por via física ou documental, a forma sacramental é a forma
escrita, salvo se outra previsão estiver prevista em leis especiais ou em certos termos
circunstanciais da prática do ato – exemplo simples das circunstâncias da prática do ato – se
aqui, na baixa de Coimbra, por razões de controlo do trânsito, aparecer a autoridade pública
que tem competência para o efeito e nos manda parar, porque têm de passar as ambulâncias
ou os bombeiros, como é óbvio, está a praticar em cada um de nós um ato administrativo,
mesmo que não fale, mesmo que não diga nada. Evidentemente, não está a escrever a cada
um de nós a decisão que está a adotar, porque as circunstâncias da prática dessa decisão,
como é óbvio, é compreensível que não possa ser praticada de forma escrita, pelo menos
nesse momento. Mas, quando assim não seja, ou não haja um desvio legal a esta regra,
obviamente que a falta de forma implicará a nulidade. Especialmente, há um desvio em
relação aos órgãos colegiais, como já veremos. Nos órgãos singulares, unipessoais ou de uma
única titularidade de agente administrativo, é a sanção da nulidade porque a regra é a forma
escrita, não se observando esta forma está em causa uma formalidade não meramente
probatória, é uma formalidade que a lei, também à maneira civilística, exige aqui como
formalidade à substancia da validade do ato administrativo.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Nos órgãos colegiais há um desvio a esta regra, por isso é que a norma que o Dr. citou diz
“salvo disposição legal que exponha de maneira diferente”. Nos órgãos colegiais, pelo
contrário, temos a nulidade se as respetivas deliberações não forem adotadas de forma oral. É
regra deliberativa sacramental para os órgãos colegiais. Se for adotada outro tipo de forma
deliberativa ou decisória que não esteja legalmente prevista e que, obviamente, a regra é a
votação e a deliberação de forma oral – se ela não for observada, teremos também uma
consequência grave que é a nulidade dessas deliberações colegiais. Note-se que não se pode
confundir deliberação com uma ata. As deliberações é que irão constar de uma ata, que depois
será aprovada na sessão seguinte dos órgãos colegiais. Constarem as deliberações de uma ata,
que deve ser sempre assinada pelo secretário, que é ele que faz fé pública (?), o exarar das
declarações em ata é um mero requisito de eficácia – é aquela fase integrativa da eficácia que
nós estudámos no procedimento administrativo. Constar da ata não é um requisito de
validade, é um requisito de mera eficácia das deliberações. Ou seja, o requisito de produção de
efeitos das deliberações adotadas – o requisito para que os efeitos das deliberações se
projetem no circulo dos destinatários e na esfera jurídica de cada um dos destinatários a que
elas se dirigem no âmbito seja universitário, seja municipal, seja de um instituto público…
Não obstante este, porventura, e à partida, intuito e quase sancionatório de qualquer maleita
ou desvirtude das decisões dos órgãos da Administração, contudo, no artigo 163.º/5 CPA há a
designada inoperância dos vícios invalidantes. Ou seja, pode haver situações, explicando isto
de uma forma perfeitamente compreensível – pode haver situações em que o ato, a decisão
final, está inquinada por qualquer vício que conduz à sua ilegalidade – estamos a falar mera
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
anulabilidade, atenção, e não de nulidade – conduz à sua anulabilidade, mas, no entanto, o ato
ser ilegal, ser anulável, mas esta anulabilidade é inoperante. Ou seja, no fundo, é como que se
juridicamente ela ficasse ali estancada, paralisada, não conduzindo à anulação do ato e,
portanto, o ato mantém-se na ordem jurídica como ato produtor, estavelmente e
permanentemente produtor de efeitos. Forma uma espécie de caso decidido administrativo,
mantendo-se esse ato na ordem jurídica. O efeito anulatório que se pretendia é estancado por
este regime do número 5 do artigo 163.º CPA. Assim pode suceder, imaginem o seguinte: isto
sucedeu imensas vezes na Administração fiscal, em que os particulares que foram objetos de
procedimentos administrativos queixavam-se à Administração e depois nos tribunais
administrativos, que não foram ouvidos. Portanto, haveria um efeito anulatório inevitável na
decisão final, que é a decisão que liquida o imposto devido que tenha sido apurado através do
procedimento inspetivo.
O que é que se defendia, designadamente nos tribunais administrativos? É que esse particular
podia ser ouvido, em sede de procedimento administrativo, nós estamos a falar de uma fase
legalmente necessária do procedimento administrativo e, como dissemos, caso ela falhe, falta
uma formalidade procedimental, conduzindo à anulabilidade da decisão final. Anulabilidade –
mas só que este efeito não se produz por virtude das regras contidas no número 5 do artigo
163.º CPA. Porquê? Porque o particular, concluiu-se nos termos dessa jurisprudência dos
tribunais administrativos, podia ser ouvido uma, duas, três vezes, que a decisão seria sempre
aquela – ou seja, que o particular, com a sua audição, nunca conseguiria alterar a decisão final,
que era pagar mais – a decisão sempre seria aquela e não outra, independentemente de ser
ouvido ou não. Atenção que isto não pode ocorrer para os atos administrativos de caráter
sancionatório. Portanto, quando se trate de atos que sancionam alguém com uma sanção
disciplinar, que sancionam alguém com uma contraordenação, o algo equiparável, isto não
pode suceder. Nessas situações, a sanção, no CPA, é a nulidade.
Para a lei, nessas situações em que o particular poderia ser repetidamente ouvido, mas a
decisão seria sempre aquela, ou no exercício de poderes discricionários, o procedimento
seguido não foi o correto, ou outra maleita ou desvirtude afeta o procedimento decisório do
agente, mas a decisão seria sempre aquela e, portanto, a decisão não é afetada em virtude
dessa maleita de caráter procedimental ou intelectivo. Estamos a falar sempre de situações
que aparentemente são situações limite mas, verdadeiramente, são situações que levam a
uma espécie de degradação de formalidades ou de processos intelectivos de decisão, e eles,
ainda que inválidos, ainda que anuláveis, há uma degradação desse conjunto de formalidades
obstando a que o efeito anulatório se produza e obstando a que a própria Administração,
oficiosamente, proceda à anulação desses atos e, do ponto de vista da justiça administrativa,
isto é, da intervenção dos tribunais administrativos, os particulares, antes de impugnarem os
tribunais administrativos, atos e decisões da Administração, é conveniente, ou os seus
advogados, que tenham em atenção esta norma, porque ir para o tribunal pode redundar num
inêxito (?) total, por força dessa degradação da ilegalidade, da anulabilidade em formalidade
não essencial e, consequentemente, não há produção de qualquer efeito anulatório.
Consequentemente, o juiz administrativo serve-se desta norma do artigo 163.º e com isso faz a
sentença, não procedendo à anulação do ato, ainda que ilegal.
Apenas algumas notas para fazer a distinção entre o regime da nulidade e da anulabilidade. O
regime da nulidade está previsto no artigo 162.º CPA e é especialmente importante, primeiro,
tal como se estuda na teoria geral do direito civil para o negócio jurídico, a não ser as tais
invalidades atípicas, que também estudamos no direito civil, que também existem no direito
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
administrativo, mas a regra é de que a nulidade é invocável a todo o tempo e, portanto, não
tem prazo para ser impugnável, quer na própria Administração, autora do ato nulo, ou
impugnação judicial nos tribunais administrativos.
Contudo, vimos nós que um ato nulo não produz qualquer efeito jurídico. Contudo, há
situações em que mesmo sendo nulo e, portanto, totalmente improdutivos de efeitos
jurídicos, também à maneira do direito civil, onde estudamos os efeitos putativos, também
aqui, desde a jurisprudência do Conselho de Estado francês, à nossa para o Tribunal da
República (wtf.), passando pelos tribunais administrativos, designadamente o Supremo
Tribunal Administrativo, por influência da doutrina jus-administrativa foram adotando, pelo
menos alguns segmentos, ao longo de décadas, dessa doutrina que defendia uma espécie de
“adormecimento” desta radicalidade resultante da nulidade dos atos administrativos. E assim
sucedeu durante muito tempo com funcionários que eram providos por atos nulos, em relação
aos quais eles eram alheios, estavam de boa-fé, pensavam que estavam validamente
investidos para a sua eternidade temporal, pelo menos no aspeto profissional e, portanto,
estavam seguros, consentiam, tinham esse sentimento jurídico de que podiam estar confiantes
de que a sua situação funcional estaria salvaguardada. Ora, o problema que se suscitou foi,
justamente, se se vinha a descobrir diretamente pela própria Administração, ou por outros
que estivessem interessados nesse facto, que o ato era nulo. E aquele sujeito que estava
totalmente seguro de que tinha sido legalmente investido, eis que vê todo o seu investimento,
toda a sua profissão e todos os interesses conexos que isso suscita destruídos pela radical
nulidade do ato. Por isso foi-se criando uma norma, com o esforço da doutrina, de
salvaguardar situações em que a desproporcionalidade da declaração de nulidade de um ato
que tinha para as pessoas era absolutamente radical do ponto de vista da ofensa a princípios
constitucionais essenciais e princípios administrativos essenciais. Os tribunais administrativos
estão a aplicar isto, designadamente em relação ao provimento de trabalhadores públicos com
base no número 3 do artigo 162.º CPA.
Por outro lado, também aquilo que era clássico para os atos meramente anuláveis, que é
possível suscitar a sua convalidação, por força do aproveitamento dos atos administrativos,
também isto é hoje extensivo a atos nulos. Nos atos meramente anuláveis já é clássico. A
novidade depois de 2015, e por consequência da doutrina do doutor Vieira de Andrade, foi
tornado extensivo aos atos nulos também algum regime de aproveitamento do ato
administrativo. Ou seja, um ato que é inválido, é ilegal, mas ainda assim pode ser um ato
divisível e, portanto, não vamos eliminar totalmente o ato. Na medida em que, mesmo sendo
um ato nulo, seja divisível e, portanto, a parte divisível não seja afetada ou seja possível
salvaguardá-la por não haver efeito de contágio, então não vamos declarar a nulidade de tudo.
É o que tem sucedido, por exemplo, em loteamentos ilegais. Os tribunais administrativos não
declararam a nulidade de todo o loteamento, mas da parte do edificado que ainda invadia a
reserva que era exigida do Jardim Botânico – as partes não contagiadas devem-se preservar.
Depois, também a possibilidade de haver a conversão de atos nulos – alguém tem uma licença
definitiva, para a eternidade, para o exercício de uma atividade, por exemplo. Contudo, nos
termos do regime legal, nunca a Administração poderia emitir aquela licença, mas só uma
licença meramente provisória. Portanto, converte-se essa licença definitiva numa licença
provisória e salvaguarda-se a situação jurídica do destinatário do ato.
Quanto ao regime da anulabilidade, também aqui por grande influência do doutor Viera de
Andrade, criou-se aqui com alguns segmentos que são, na generalidade, fundados na boa-fé
ou não dos destinatários e que resultam deste artigo 163.º, 165.º/2 e 168.º CPA.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
A Administração que pratique um ato, em relação aos atos meramente anuláveis, tem a
possibilidade de proceder à sua anulação oficiosa durante o prazo de 6 meses a contar do
conhecimento do vício ou da invalidade ou da ilegalidade e em qualquer dos casos, desde que
não tenham decorrido 5 anos, a contar da respeitava emissão. Esta norma é útil porque
permite que a Administração reponha a legalidade, e desse ponto de vista da ordem pública e
da garantia da legalidade, a norma é útil, porque pode até aos 5 anos proceder à anulação
oficiosa, mas dentro do prazo de 6 meses, desde o conhecimento. Isso significa que, por força
deste número, há uma precarização da situação dos particulares, designadamente quando os
atos lhes fossem favoráveis. Estão ali numa situação relativamente precária, na medida em
que, se houver alguma ilegalidade, o órgão administrativo, oficiosamente, ainda pode invalidar
esses atos, até ao limite dos 5 anos.
Mas o regime é diferenciado. Os atos constitutivos de direitos, e quando nós falamos de atos
constitutivos de direitos são atos que produzam situações de vantagem, concedam
autorizações, concedam licenças, concedam subsídios, ou retirem um ónus, ou desvantagens
que oneravam a esfera jurídica dos particulares – é aquele conceito amplo de ato constitutivo
de direito que vimos e, portanto, isso significa que aquele exemplo que o Dr. nos referiu que o
particular, que foi destinatário da licença ou autorização e que, à partida, via a sua confiança
precarizar-se por força daquele regime de anulação, até aos tais limites dos 5 anos, logo vem
uma outra norma dizer: atenção, quando se trate de atos constitutivos de direitos, tem de
preservar-se o princípio da segurança e da confiança jurídica e, portanto, o regime não pode
ser o mesmo e, consequentemente, o prazo aqui é mais limitado, ou seja, há o prazo de 1 ano
para que o próprio órgão administrativo possa proceder, oficiosamente, à anulação do ato,
quando se trate de atos constitutivos de direitos.
1.º ponto – em função da boa-fé ou má-fé do beneficiário do ato – uma coisa é o particular
estar de boa-fé, não conhecia, não contribuiu para a ilegalidade, foi cooperante com a
Administração, esteve no procedimento para cooperar, não induziu ninguém em erro, não deu
elementos da instrução que fizessem errar o instrutor do procedimento – sempre teve uma
atitude juridicamente serena, cooperante e de boa-fé – este merece uma proteção. Não assim
é com aquele que entra em relação com a Administração de má-fé, e que é o destinatário ou
beneficiário do ato, ou quando utilize vícios fraudulentos para a obtenção de uma decisão
administrativa. Se o beneficiário de um ato constitutivo do direito está de boa-fé, vale a regra
de um ano para a anulação – a partir deste momento caduca o poder, extingue-se o poder da
Administração anular oficiosamente esses atos. Se o particular, pelo contrário, estiver de má-
fé, porque influenciou a Administração, induziu em erro, utilizou mecanismos menos legítimos
para obter uma decisão, aí vale o regime dos 5 anos para a anulação do ato. É um regime todo
ele construído em função de dois pressupostos básicos: ou a boa-fé do destinatário, e o prazo
é um, ou a má-fé do beneficiário do ato, e o prazo já é outro – vale a regra dos tais 5 anos,
embora para as prestações periódicas, designadamente na área da segurança social, a lei
tenha aqui uma particular atenção, porque só podem ser objeto de anulação – a regra é que a
anulação opere retroativamente e, portanto, destrua todos os efeitos que o ato produziu
desde o momento da sua entrada em vigor; no caso de prestações, designadamente da área
da segurança social, aqui introduz uma limitação – só vale para o futuro, porque o legislador,
nestas dimensões operacionais, sociais, dá como adquirido de que as prestações que
entretanto já concedeu não serão devolvidas. Por outro lado, para o futuro, legitima que
também os atos possam ser objeto de anulação no prazo de 5 anos.
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Depois, a influência do direito administrativo europeu para as situações em que possa haver
fiscalização da legalidade, nos termos da legislação europeia, ou de programas financiados ou
cofinanciados em termos nacionais e europeus. Normalmente, há regimes desses programas –
fala-se agora em programas de recuperação e resiliência, em outro tipo de programas – o que
estamos a falar aqui é programas de proveniência da UE, fundamentalmente da UE, ou
fundamentalmente financiados pelo Orçamento da UE. Portanto, no âmbito desses programas
que têm a sua legislação, nós falamos do regime da alínea c) do número 4 do artigo 168.º CPA.
São atos constitutivos de direitos, têm um conteúdo pecuniário e, em geral, podem ser objeto
de fiscalização, no sentido de saber se os destinatários aplicam bem ou não e para os fins que
os fundos lhe foram concedidos – a fiscalização, normalmente, vai para além de um ano –
consequentemente, se depois de um ano se verificar que há alguma desvirtude na utilização
dessas verbas que terão sido por esse motivo indevidamente auferidas, então há o dever de
restituição delas, mesmo que já tenha sido ultrapassado o prazo de um ano.
Por fim, a distinção entre anulação administrativa e revogação. São conceitos associadíssimos.
A anulação administrativa tem sempre por fundamento a ilegalidade do ato e, portanto, tem
sempre por fundamento um vício daqueles que vimos da estrutura do ato administrativo.
Diferentemente, como está definido no artigo 165.º CPA, a revogação tem por fundamento só
e exclusivamente razões de interesse público. Se, por qualquer circunstância, uma
determinada autorização de ocupação do domínio público que o município concedeu a um
particular para colocar uma esplanada, para colocar a sua exposição, etc., que como vimos são
utilizações do domínio público que estão sujeitas a concessão administrativa, mas, passado um
ano, ou depois de um ano, o órgão administrativo avalia a conveniência por razão estética, ou
porque quer alterar o trânsito naquela zona, ou por razão de segurança ou por outra
circunstância, sempre razões de interesse público, analisa, reavalia e, com base nessas razões
de interesse público, eis que mantém ou não mantém a mesma concessão, e se não quiser
manter procede à prática de um ato administrativo que se chama ato administrativo de
revogação – revogação de um outro ato administrativo.
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Há um sujeito que é agente da Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana, e que está
no Comando Distrital de Braga. Isto é uma hipótese que foi tirada de um litigio que decorreu
nos tribunais administrativos. Por decisão do Comandante, foi transferido para outra
esquadra, sita na Zona de Lisboa, e disse, na fundamentação do despacho, que procede à sua
transferência alegando razões de interesse público por conveniência de serviço.
A pergunta que está aqui diz para localizarmos na estrutura do ato administrativo os vícios que
resultam das alegações de António e fazermos corresponder as respetivas consequências, ou
seja, identificar cada uma das possível invalidades, ou vícios provocadores de invalidades, e
dizer se é anulável ou se é nula essa decisão, esse ato administrativo.
Ora, o António diz que o regulamento disciplinar da GNR não prevê a sanção disciplinar de
inatividade. Agora, pergunto, para esta primeira alegação, o que é que o António pretende
dizer com isto à luz dos requisitos de validade que nós temos presentes na estrutura do ato
administrativo? Isto é, na estrutura do ato administrativo, em que este vício que o António
pretende atribuir àquele ato do comandante, na estrutura do ato administrativo, em que
elemento ou requisito de validade nós apontaríamos nessa localização? Se tivermos dúvidas,
fazemos uma espécie de rastreio. Será que na alegação A, o António pretende dizer que há um
vício do ato administrativo por falta de atribuições? Há um problema relativo ao autor do ato,
por falta de atribuições ou de competências? Ou de legitimação para agir ou para decidir?
É um vício – que não é um problema relativo ao sujeito, visto que não tem a ver com
competências, nem com atribuições, nem com legitimação para agir – isto é, aquela condição
concreta para decidir naquele momento, em relação àquela pessoa, naquelas circunstâncias. O
que nós temos é um vício que do ponto de vista da localização ou da estrutura de um ato
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Depois, diz ainda este agente de autoridade, na alínea b), que o poder para aplicar sanções
disciplinares de inatividade cabe ao Ministro da Administração Interna, e não aos
comandantes, a que acrece o facto de o comandante ter, para o efeito, invocado uma
delegação de poderes do ministro que já tinha caducado. A pergunta é a mesma. O que é que
o António nos está a desafiar? A que procuremos na estrutura do ato administrativo aquele
elemento estrutural a que nós podemos localizar este vicio.
Neste ato administrativo, para que elemento estrutural nos terá a conduzir o António, para
efeitos de identificação do vício que pretende imputar aqui ao ato administrativo, a esta
decisão administrativa?
Vício quanto ao sujeito e traduz-se na falta de competência material. Teríamos vício que na
estrutura do ato administrativo se localiza no sujeito, isto é, no órgão autor do ato, e que é um
vício por falta de competência material, competência em razão da matéria, uma vez que, do
ponto de vista regulamentar e legal, esta matéria cabia só e apenas ao Ministro decidir e, para
além disso, que o comandante, embora invocando a delegação de poderes e, portanto, com a
delegação de poderes ele exercia este poder, mas a verdade é que a delegação já tinha
caducado e, portanto, o exercício da competência foi readquirido plenamente pelo órgão
originário dela e, portanto, teríamos um vicio que do ponto de vista da estrutura do ato se
localiza no sujeito, isto é, o autor do ato em causa, e no âmbito do autor do ato, um vicio
relativo à falta de competência em razão da matéria para praticar este tipo de decisão. Quanto
à consequência, mais uma vez, vale a regra geral da mera anulabilidade.
Depois num outro ponto diz o António que a verdadeira motivação da transferência residiu no
facto de ser um “oficial incómodo” para o comandante, em virtude da sua permanente
atividade reivindicativa por melhores condições de trabalho. Em termos mais simples, o que
este agente de autoridade nos pretende dizer é que era uma pessoa ativa, no sentido de
batalhar por condições melhores para si e para os seus colegas e por isso colocava alguma
insatisfação, incómodo, ao comandante e, portanto, tinha que usar o seu poder de deslocar –
o comandante da área de lisboa, usar o seu poder de agenciamento da distribuição dos
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agentes de autoridade com os diversos comandos e, evidentemente, dar outro destino a esse
agente de autoridade, o António. Do ponto de vista do concreto vício que o António aqui nos
pretende transmitir, o que é que isto no conduz, na estrutura do ato administrativo? Isto é, do
ponto de vista da localização desta desvirtude que o António nos comunica que este ato terá,
onde é nós localizaríamos isto na estrutura do ato administrativo enquanto vicio que afetará
um elemento estrutural do ato administrativo?
É um vicio substancial. Quem tem uma possibilidade de gerir os recursos são os governantes,
os diretores nacionais, e, portanto, esta agilidade ou flexibilidade na gestão destes recursos
tem que haver poder discricionário. Contudo, este tem de ser usado em função de um fim, que
é o fim da segurança pública, e não por virtude de alguém ser mais incómodo ou cómodo. O
fim legal é a segurança pública, das pessoas, das zonas, das cidades, do património. Isso é que
é o fim legal, e ele deve utilizar esse poder para o comandante ir para Lisboa, porque do ponto
de vista da segurança pública ele é necessário em Lisboa e não tanto em Braga, mas a
motivação do comandante não terá sido essa. Essa finalidade de interesse público que é o fim
desse poder que é colocar mais homens aqui ou acolá em função de um fim de segurança
pública que o fim legal. E portanto ele tem de usar um poder discricionário para prosseguir
esse fim.
Foi esse o fim que se pautou? Não. Então temos um vicio substancial, há um desvio de poder.
Ele utiliza o poder discricionário que a lei lhe concede para prosseguir um fim que não é o fim
legal, mas sim um fim diferente desse. E aqui especialmente grave. Porque o fim prosseguido é
de puro interesse pessoal, privado. A consequência aqui seria a nulidade.
Seria a anulabilidade se o fim a prosseguir ainda fosse público. Se ele o deslocasse para Lisboa
pela razão da segurança pública mas afinal enganou-se. A razão da segurança publica até era
mais premente em Braga, avaliou mal. Mas ainda se manteve na órbita pública.
Aqui ele não, motivou-se pelo interesse pessoal, privado que era obviamente retirando-o do
comando de Braga iria ter um homem que não era comodo para ele, era incomodo e,
portanto, retirou aquele homem dali porque já estava no limite da tolerância embora fosse
bom profissional. E, portanto, era um interesse privado. Quando assim é, a consequência da
utilização do poder discricionário para compor o conteúdo do ato é a nulidade nos termos do
artigo 161.º/2 do CPA
Quando eu tiver dúvidas na consequência eu vou sempre ao artigo 161.º/2 do CPA para
desfazer essa dúvida. Se estiver lá expressamente como aqui está expressamente previsto de
que quando alguém utiliza o poder discricionário para prosseguir interesse pessoal.
Portanto, o que nós temos aqui é um vício substantivo na relação conteúdo-fim, na medida em
que em conteúdo lato, isto é, transferir coativamente aquele agente de autoridade para um
outro comando não foi motivado pelo interesse da segurança e ordem pública mas motivado
por um fim puramente privado. Portanto, aqui a sanção mais radical é a nulidade e,
consequentemente, este ato que o transfere, sendo totalmente nulo por motivos de efeitos,
António regressa ao comando distrital de Braga da GNR.
Agora, alínea d) – diz ele, e o comandante ou o instrutor que ele designou nunca procedeu à
audição da minha pessoa. Mais uma vez, do ponto de vista da estrutura do ato administrativo,
o António está-nos a remeter para um específico elemento estrutural. Primeiro, o elemento
estrutural é o procedimento administrativo e deve proceder sempre à audiência dos
interessados.
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Qual é a regra geral na audiência dos interessados? Isto é, sendo legalmente necessária a
audiência dos interessados e não sendo feita ou realizada qual é a consequência? A
anulabilidade. No caso concreto temos a norma do artigo 269.º/3 da CRP – o direito da
audição diretamente concedido pela CRP. É um direito de audição diretamente estabelecido e
previsto na CRP. Para os outros processos sancionatórios, processos disciplinares ou processos
entre eles os da contraordenação também temos sempre ou o n.º 10 do artigo 32.º, porque
estabelece um direito da audição expressamente estabelecido. É um DLG que resulta da
própria CRP nestes dois casos e para os processos disciplinares da administração pública o
artigo 269.º/3 CRP.
Neste caso teríamos um vicio, do ponto de vista da estrutura do ato administrativo se localiza
no procedimento. Dentro do procedimento a audiência dos interessados e depois
explicávamos que a regra geral, a falta de audiência dos interessados provoca a mera
anulabilidade contudo há situações de exceção designadamente estas que resultam
diretamente da CRP. Aqui a consequência do ponto de vista do CPA, artigo 162.º/2/e) é a
nulidade porque o órgão administrativo, ao recusar totalmente a audiência e, obviamente,
correspondentemente a defesa está a colocar em causa um direito fundamental que esta
expressamente consagrado nessas normas constitucionais.
Alínea e) – existe uma comissão disciplinar, quer na área da GNR, quer na área da policia da
segurança pública que emitem pareceres, etc. Ora, António diz que o parecer vinculativo
emitido pela comissão disciplinar da GNR concluía que, no caso, não se verificava qualquer
pressuposto de facto e legal para aplicar a referida sanção. O que é que nos está a dizer aqui o
agente da autoridade?
Nesta aliena nós devemos dizer - a formalidade procedimental de que ele está obrigado a
praticar ele praticou-a, ele pediu o parecer. Submeteu o processo ao parecer da comissão
disciplinar da GNR. Contudo este pedido de parecer não é meramente facultativo, é
vinculativo. E isto aqui já altera radicalmente a questão do problema puramente
procedimental e portanto da estrutura do ato administrativo nós não vamos para o elemento
estrutural que é o procedimento administrativo mas vamos para um outro elemento estrutural
– se é um parecer vinculativo qual tinha que ser o conteúdo do ato do comandante?
No parecer da comissão diz-se “atenção que não há pressuposto de facto nem legal para
aplicar esta sanção”. Portanto o que o parecer diz é “o conteúdo do ato não pode ser aquele”.
E portanto é um vicio substantivo no conteúdo. Outra coisa é o motivo que causa esse vicio. A
decisão final, quando há parecer vinculativo, o ato administrativo tem que ter o conteúdo do
parecer. Por isso é que ele é vinculativo. Se não tiver um conteúdo ou um parecer o vicio da
decisão final é um vicio substantivo por vicio de conteúdo.
Quando estiver em causa a emissão do parecer vinculativo e que não é seguido da decisão
final o vicio é sempre de conteúdo. O que nos interessa no parecer vinculativo é o conteúdo
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dele, não são as razoes que são induzidas no parecer, é segundo o parecer vinculativo, qual
seria a decisão necessária que deveria estar no conteúdo do ato administrativo praticado pelo
comandante? Era aquela sanção de inatividade? Não, nunca podia praticar e dar aquele
conteúdo ao ato. Se o conteúdo que foi dado ao ato não condiz com o parecer vinculativo
então temos um vicio substantivo ou de conteúdo porque o conteúdo da decisão final tinha
que ser o conteúdo contido no parecer vinculativo. E neste caso o parecer vinculativo diz que
ele nunca poderia dar ao ato aquele conteúdo que é a sanção da inatividade. Por razoes que
estão sempre em algum parecer, obviamente, que é a fundamentação do próprio parecer. Mas
a nós interessa-nos é o elemento conclusivo do parecer que é isso que vai para o conteúdo do
ato final. E portanto o vício há de ser sempre substantivo na decisão final e portanto um vicio
de conteúdo.
Depois o António diz que entretanto tinha sido emitida uma lei que transferia esta matéria
para o ministério da Justiça. Ou seja, entretanto, antes de haver esta decisão, tinha havido
uma deslocalização de matéria dentro administração governamental e isto tinha passado para
o ministério da justiça e portanto este poder já não estava no ministério da administração
interna. Agora, na estrutura do ato administrativo o António está-nos a conduzir para que
elemento estrutural do ato? Sujeito …?… por falta de atribuições do ministério da
administração interna. Os ministérios não são pessoas coletivas públicas. A regra é que as
pessoas coletivas públicas é que dispõem de atribuições, isto é, de um conjunto de interesses
públicos que depois nos respetivos órgãos devem prosseguir no âmbito das suas decisões. E
portanto os ministérios são departamentos governamentais. Quem tem personalidade jurídico
administrativa é o estado -administração. Os ministérios são departamentos desse estado-
administração. Excecionalmente a lei concede por razoes organizativas atribuições a cada um
dos ministérios e consequentemente neste caso concreto se a lei que fez a reorganização dos
departamentos ministeriais transferiu este domínio material do ministério que é o ministério
da administração interna para outro ministério que é o ministério da justiça então temos um
problema de localização na estrutura do ato administrativo no sujeito e no âmbito do sujeito
um problema relativo à falta de atribuições ou prática do ato estranho às atribuições da
pessoa coletiva ou do ministério. E aqui explicamos que os ministérios excecionalmente
embora não sendo pessoas coletivas publicas porque não tem personalidade jurídica publica,
tem atribuições, consequentemente se porventura um ministro pratica atos e decisões que
não estão nas suas atribuições mas nas atribuições de outro ministério está a praticar um ato
por falta de atribuições. Está a praticar um ato invadindo as atribuições no outro ministério. A
sanção é a nulidade do ato administrativo.
Este caso poderia ser de usurpação de poder? Não. esta só se coloca entre os órgãos de
soberania e não dentro dos órgãos de administração. Ou seja, só se coloca se um decisor
administrativo pretender usurpar poder ao juiz ou vice-versa. Só aí nessa relação entre órgãos
de soberania - administração, função jurisdicional e função legislativa – os 3 órgãos soberanos
é que se um decisor administrativo se arrogar ao exercício de um poder que é materialmente
jurisdicional. Por exemplo, um presidente da camara pode considerar que tem poder para
estabelecer se um determinado terreno em regime privado é da propriedade do seu município
ou é da propriedade de um particular com o qual o município está em litigio. O presidente
pode ter a tentação de por ato administrativo decidir que aquele terreno é da propriedade do
município. Isto é usurpação de poder. Porque quem decide o regime e a titularidade da
propriedade privada num estado de direito é o juiz administrativo à luz dos títulos aquisitivos
que estão predispostos no CC. Evidentemente se um presidente da camara através de um ato
administrativo pretendeu fazer isso, em que sucedeu e houve impugnações, ora se pretendeu
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fazer isso aí está a usurpar poder. Poder de quem? O poder soberano que é o poder judicial.
Portanto a usurpação de poderes só se coloca nestas situações de relação entre poder
administrativo e poder judicial e no outro vetor o poder legislativo também. Por exemplo, o
município arrogar-se ao exercício de função legislativa que obviamente é monopólio
constitucional da AR ou do governo ou das ALR e portanto se o município que é uma entidade
puramente administrativa se arrogar ao exercício de função legislativa também usou funções
que constitucionalmente não são suas e violando gravemente o princípio da separação de
poderes e o princípio da separação de funções entre função administrativa, função
jurisdicional e função legislativa.
A alínea f) é a nulidade por força de atribuições. E portanto vamos diretos para o nº2 do artigo
161.º/b) CPA – no caso estão em causa os ministérios e portanto estes ainda que não tenham
personalidade jurídica publica tem excecionalmente atribuições. Se o ministro pratica um ato
para a qual o ministério não tem atribuições mas tem um outro qualquer ministério (?) esse
ato é nulo por força desta alíena, por falta de atribuições, vicio localizado no sujeito dentro do
sujeito nas atribuições e aqui por falta delas ou por prática de um ato que é estranho às
atribuições desse ministério ou que porventura o ministro invale as atribuições do outro
ministério. Neste caso era o ministro da administração interna que estava a praticar o ato pelo
qual já não tinha atribuições e que estavam já transferidas no outro ministério, no caso o
ministério da justiça e com isso invadiu evidentemente as atribuições do ministério do
ministério da justiça.
Qual é o órgão que no âmbito de uma e mesma organização, portanto como é que sabemos
qual é o órgão competente dentro dessa organização para praticar aquele ato? Neste caso, o
ministro ou um órgão hierarquicamente inferior a ele?
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Dúvida: Na alínea e) está presente um vicio de conteúdo. Isto é, quando uma lei estabelece
que um órgão decisor, que é o que adota o ato administrativo, a decisão final, deve pedir e
seguir um parecer que a lei tem como vinculativo, o conteúdo que ele tem que dar ao ato é o
conteúdo com o resultado do parecer e portanto o conteúdo do ato, da decisão, a parte
expositiva verdadeiramente é a que está nas conclusões do parecer. E o parecer aqui dizia que
ele não podia dar aquele conteúdo ao ato por razoes que estão fundamentadas no parecer. A
parte expositiva do parecer diz que aquele ato administrativo não podia ter aquela decisão. Eu,
que emito um parecer vinculativo, que a lei me dá competência para isso, então legalmente o
conteúdo da decisão tem que ser sempre em conformidade com o que estiver no parecer. Ora
aqui era completamente desconforme – o comandante deu um conteúdo ao ato exatamente
contrário aquilo que resultava do parecer e portanto temos um vicio substantivo no conteúdo
do ato administrativo.
Contrato Administrativo
Já vimos, no primeiro semestre, que as entidades públicas podem agir através do direito
público e do direito privado. No que toca aos modos de agir pelo direito público, para além do
ato administrativo e do regulamento administrativo, estas utilizam também o contrato
administrativo, sendo que esta utilização se tem tornado cada vez mais preponderante - não
apenas no contexto português, mas na generalidade dos países da Europa, e em todos aqueles
países que sofreram a influência do contrato administrativo francês.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Sendo assim, o contrato administrativo não é hoje um fenómeno puramente nacional, como é
o ato administrativo (apesar de existirem os atos administrativos transacionais, por exemplo).
Temos regimes que são claramente de expansão normativa quase ilimitada mas, para além
disso, há também regimes em documentos normativos avulsos ou especiais. Diz o CPA que o
regime dos contratos administrativos se encontra, precisamente, estabelecido no CCP, como
resulta do número 1 do artigo 202.º CPA. Num principio geral, doutrinal, mas que tem
acolhimento legal no CPA, ainda no artigo 200.º, diz que o contrato administrativo pode, por
princípio geral, ter por objeto qualquer relação jurídico-administrativa e, portanto, induz este
princípio geral de origem doutrinal que os órgãos da Administração Pública, por autonomia ou
habilitação legal, podem celebrar contratos administrativos que tenham por objeto qualquer
matéria, exceto aquelas que a lei vedar, ou a natureza da relação também o não permitir – é o
que sucede com matéria sancionatória, aí não há transações contratuais de sanção.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
sancionatória, estas decisões não são substituíveis por contratos de natureza administrativa,
sancionatória ou não. É ato administrativo, há um procedimento de instrução e se, no final, o
instrutor, normalmente jurista, chegar à conclusão, pelos factos e pelo regime aplicável, que
terá de propor uma decisão autoritária e unilateral sancionatória ao infrator, eis que propõe a
aplicação dessa sanção e ela é puro ato administrativo e, em geral, é insubstituível. Aqui não
funcionará o regime da fungibilidade ou alterabilidade entre ato administrativo e contrato
administrativo
Por outro lado, os contratos administrativos, tal como vimos para o ato administrativo e
veremos para o regulamento administrativo, para serem celebrados, outorgados, é necessário
seguir-se também um procedimento administrativo. Nós vimos que para o ato administrativo,
há um procedimento que, do ponto de vista lógico, se ordena em fases, designadamente
aquele que nós analisámos, que é os de iniciativa particular, e temos a fase da iniciativa,
depois a fase da instrução, depois a fase constitutiva ou decisória e depois, porventura, a fase
integrativa de eficácia. Ora, para os contratos administrativos em geral, a regra é exatamente a
mesma, a de que eles, para serem celebrados e, portanto, formalmente vinculativos para a
Administração Pública e o contraente privado, é essencial que também aqui se siga um
procedimento pré-contratual até se chegar à adjudicação, isto é, à escolha daquele com quem
se vai celebrar o contrato, numa espécie de concorrência ou seleção competitiva entre os
vários, escolhe-se um, eis que o contrato é adjudicado àquele que foi escolhido – adjudicação
do contrato é a escolha de um em preterição dos outros concorrentes. Esse procedimento
encontra-se estabelecido no Código dos Contratos Públicos, e vai até ao artigo 277.º CCP.
Num aspeto quantitativo, entre o regime procedimental que está estabelecido no CPA para a
adoção de atos administrativos, comparando a largueza do regime entre o CPA para o ato
administrativo e o CCP para o contrato administrativo, indiscutivelmente que na balança o
regime mais vasto, mais largo, do ponto de vista do procedimento é para a celebração de
contratos administrativos, comparado com o procedimento para a prática de atos
administrativos. Portanto, diríamos, deste ponto de vista, que o regime procedimental de
celebração de contratos administrativos é intensivamente mais disciplinado e mais
extensamente disciplinado do que o procedimento administrativo para a outorga de atos de
autoridade, que são atos administrativos, unilaterais, que se impõem independente de serem
favoráveis ou desfavoráveis para os destinatários, mas que se impõem unilateralmente a esse
destinatário, enquanto que o contrato é um acordo de vontades, mas isso não significa que
não seja intensivamente mais disciplinado, por razões que têm a ver não aqui especificamente
com o direito nacional, seja português, espanhol ou francês, mas por um direito que é ditado
pela União Europeia para salvaguardar o princípio do acesso de todos, sejam portugueses,
italianos ou espanhóis a esses procedimentos, e que o procedimento decorra em condições de
igualdade concorrencial até se chegar ao contrato. Esta disciplina, que vai até ao artigo 277.º
CCP, é fundamentalmente uma disciplina ditada pelas Diretivas da UE, as tais que nos referiu, a
Diretiva 2014/23, a Diretiva 2014/24 e a Diretiva 2014/25. Uma dedicada aos contratos em
geral, outra dedicada às concessões de obras públicas, de serviços públicos, e também às
parecerias público-privadas e, depois, outra, mais especial, para os ditos setores especiais,
como há os contratos no domínio dos transportes, ou energia, ou correios postais, ou
distribuição de água ao nível domiciliário, ou água em alta, ou seja, da nascente até aos
domicílios – é hoje uma matéria cuja regulamentação consta, no essencial, das diretivas da UE
e que os Estados tinham de incorporar no seu direito interno e isso deu origem a uma
regulamentação procedimental até se chegar ao contrato muito mais extensa do que aquela
que existe para o ato administrativo; ainda que um seja um acordo de vontades – o contrato
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
administrativo, à maneira civil; e o outro seja um ato de autoridade, e que por ser um ato de
autoridade, poderia sugerir uma maior regulamentação ou disciplina procedimental, mas, na
realidade, não é isso que sucede, pelo contrário. A disciplina para celebrar contratos
administrativos é muito mais extensa do que a prevista para o ato administrativo. Essa
disciplina está no CCP.
Por isso estabelece logo este código, o CCP, que a parte 3, que começa no artigo 278.º e vai
até ao artigo 476.º, esta parte sistemática estabelece o regime da execução destes contratos
administrativos. Portanto, em geral, todos os contratos celebrados pela Administração, têm
um epicentro de regime para serem celebrados e isso são normas procedimentais, esse
epicentro do regime está até ao artigo 277.º CCP, e depois de formado, celebrado, outorgado,
vem um outro regime, que é o regime para a execução do contrato. E como estamos na
execução do contrato, eis por que se diz regime substantivo – regime sobre o tempo, o prazo
de execução, as condições de pagamento, de remuneração, que poderes detém o contraente
público, isto é, a Administração sobre o contraente privado, poderes de dirigir a execução do
contrato, poderes de fiscalizar o contrato, poderes de aplicar sanções contratuais em caso de
incumprimento, poderes de resolver coativamente, sancionatoriamente o contrato, poderes
de fiscalizar o contrato, poderes de modificar o contrato, poderes de aplicar sanções
contratuais em caso de incumprimento, poderes de resolver coativamente o contrato em
situações de incumprimento mais grave, poderes de suspender o contrato por alguma
ocorrência intracontratutal ou extracontratual e tudo isto se encontra regulamentado nesta
parte do CCP para os contratos administrativos, num regime também extensíssimo que vai dos
artigos 278.º até ao artigo 476.º CCP.
Os principais contratos administrativos são os que resultam de qualificação legal, como está
presente no artigo 280.º CCP. Quais são estes principais contratos administrativos da
Administração Pública? Eles são:
1 - contratos – e aqui, na noção cientifica, nada varia em relação àquilo que aprendemos sobre
o negócio jurídico na teoria geral do direito civil, enquanto acordo de vontades ou mútuo
consenso. Obviamente, aqui, muito mais procedimentalizado a obtenção deste acordo ou
mútuo consenso, relativamente à disciplina civilística e, por isso, é que temos alguns artigos
que regem o processo de formação do contrato no Código Civil, mas aqui temos
incomparavelmente um regime muito maior, com quase 3 centenas de artigos dedicados à
parte de formação que se chama procedimento pré-contratual. A analogia com a noção
civilística de contrato apenas é ditada do ponto de vista do mutuo consenso ou do acordo de
vontades. Aí é contrato no direito civil e é contrato na Administração Pública. A partir daí, todo
o regime é absolutamente distante, seja na formação, seja na execução.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Habitualmente sucede, nestes contratos que são legalmente qualificados como contratos
administrativos pelo CCP, a empreitada de obras públicas, a concessão de obras públicas, a
concessão de serviços públicos, a locação ou aquisição de bens móveis e a aquisição de
serviços. São tipicamente os designados contratos administrativos por assim serem
qualificados pela lei e, portanto, estes contratos que estão disciplinados na dita parte 3 do CCP
e, portanto, a partir dos artigos 278.º e ss., até ao artigo 476.º, são, por qualificação direta e
expressa do CCP, os contratos administrativos típicos, ou tipicamente qualificados assim pelo
Código e também típicos porque têm o seu regime de execução estabelecido pelo CCP e a
partir do momento em que este regime lhes é aplicável, como é aplicável a todos os contratos
de natureza administrativa em geral – já vamos ver que não será sempre assim -, é o exercício
do poder de direção, é o exercício do poder de fiscalização – isto é que marca a natureza
administrativa do contrato – o contraente público tem poder jurídico-administrativo de gerir o
contrato ou a execução do contrato administrativo com o exercício de poderes exorbitantes
que não existem num contrato de direito privado, e que só existem num contrato de direito
administrativo por causa do princípio do interesse público. Isto é, no contrato administrativo, a
sua causa de celebração é prosseguir o interesse público. Para prosseguir o interesse público, a
Administração não pode perder o seu poder de autoridade, tem de ser salvaguardado também
no âmbito da execução do contrato. Eis que por isso a lei lhe confere o poder ou a faculdade
de exercício dos tais poderes de direção e de fiscalização, ao abrigo dos quais o contraente
público, isto é, a Administração contraente exerce essa atuação de autoridade sobre o
contraente privado, para que o contrato administrativo cumpra a sua finalidade que é,
obviamente, a finalidade de gerir um interesse público ou uma ordem pública ou fazer essa
obra pública. Daí que se compreenda este regime exorbitante de autoridade que a
Administração exerce num contrato administrativo e eis porque exatamente assim se chamam
contratos administrativos, porque isto só é compreensível à luz de um direito administrativo
de autoridade e não é admissível num contexto de relações contratuais de direito privado.
É claro que há alguns em que esses poderes são mais limitados, como é o contrato de
aquisição de serviços – por uma razão simples – porque, evidentemente, se a Administração
elabora e celebra um contrato de aquisição de serviços de juristas, que são independentes,
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
advogados, que são, por natureza, independentes no exercício da sua função, aí o exercício
destes poderes são mais batidos, porque não pode a Administração estar a exercer poderes de
direção sobre o advogado, do modo como ele trabalha, como constrói as peças processuais ou
como faz o parecer jurídico. É, por natureza, incompatível que todos estes poderes do
administrador, ou do contraente público pudessem ser exercidos em contratos que tenham
domínio técnico-científico, como é o contrato de aquisição de serviços do domínio das
profissões liberais – tipicamente um advogado, um arquiteto… aí há uma razão técnico-
científica que torna incompatível o exercício destes poderes de autoridade perante essa razão
técnica e cientifica. Mas tem sempre o poder de multar por atrasos, unilateralmente; tem
sempre o poder de resolver se houver incumprimento grave do advogado, arquiteto,
engenheiro, e fá-lo por ato administrativo – extingue o contrato por ato administrativo e aplica
multas contratuais e, se for necessário, compensar essas multas contratuais com a retenção de
remunerações que tinha de entregar ao advogado ou engenheiro, também o faz, retendo as
quantias a título de pagamento dessa multa.
Dentro deste manancial de contratos da administração, que podem ser utilizados pela
administração, temos classificações. Ou seja, temos grupos de contratos que, por qualificação
doutrina, podem ter uma designação ou outra designação, em função de alguns critérios
também da ciência do direito administrativo.
Um desses critérios de qualificação tem a ver com o critério do fim. O critério do fim permite-
nos distinguir entre contratos de colaboração, contratos de atribuição e contratos de
cooperação.
Os contratos de colaboração são aqueles através dos quais a Administração apela aos
privados, aos operadores económicos privados, que contribuam para o desempenho de
atividades materialmente administrativas, tendo como contrapartida uma remuneração, o que
sucede independentemente de quem proceda a essa remuneração. Quando a UC necessita
permanentemente de estar a realizar empreitadas, que são contratos de empreitadas de obras
públicas, porque o dono da obra pública é uma Administração. É uma obra pública por ser feita
subjetivamente para uma Administração pública. Aqui apela-se por contrato a um operador
económico privado, habilitado para o efeito, que colabore com a Administração para realizar
uma obra ou uma reabilitação para a qual ela não tem meios para esse efeito. Uma
Universidade, ou um Município, ou o Estado chamam esses operadores económicos privados,
celebrando um contrato por concurso público para colaborar com essa entidade administrativa
para esse efeito. Ou a concessão de obras públicas ou de serviços públicos. Obra pública é a
exploração de uma obra pública que, em geral, é feita pelo contraente privado – se estivermos
a falar na A1, ou na A2, e assim sucessivamente, em geral, feitas por privados, construídas por
privados, e que depois os privados continuam a explorar essa obra pública. Continuam a
explorar essa obra pública por anos e décadas por uma razão simples – porque, no geral, são
esses operadores económicos privados que fizeram um investimento inicial avultadíssimo e
depois exploram ao longo dos anos essa obra, em geral, remunerando-se com as taxas pagas
pelos particulares – as chamadas portagens, pagas por quem circula na estrada. Assim como se
se tratar de uma barragem, e continuar a explorar a barragem ao longo de vários anos – a obra
é pública, mas há uma responsabilidade de exploração dessa obra ao longo de décadas com
esta racionalidade, que é permitir a amortização do investimento e depois uma remuneração
lucrativa para esse operador económico privado. Nos serviços públicos, a parte relevante não é
a obra, mas é o serviço em si. Se tiver o serviço público de transportes, que pode ser gerido
pelos serviços municipais de transportes urbanos, como acontece aqui em Coimbra, mas
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Depois temos contratos de atribuição, ou seja, contratos pelos quais a Administração atribui
ao contraente privado uma vantagem, e por isso é que se chama contrato de atribuição,
embora haja contrapartidas. Ou seja, trata-se de um contrato que visa conferir ao co-
contratante privado uma situação de vantagem própria, mediante contrapartida. Já vimos a
concessão do uso privativo do domínio público, ou seja, esta possibilidade de um particular
explorar privativamente, ou seja, exclusivamente para si um espaço público, que uma entidade
administrativa lhe faculta, tanto pode ser concedido por ato administrativo e, por isso, é que
nós estudámos a concessão constitutiva, e dentro da concessão constitutiva a concessão de
uso privativo do domínio público, através da qual a Administração cria ex novo um direito na
esfera do particular, por isso é que é constitutiva, pois bem, esse direito, por opção e
fungibilidade entre ato e contrato, tanto pode ser atribuído por ato administrativo como pode
ser atribuído por contrato administrativo. Se for por um ato administrativo chamamos-lhe
concessão constitutiva, dentro dela está a concessão do uso privativo do domínio público. Se
for contrato, como se lhe atribui uma vantagem, não falamos em contrato constitutivo, mas
chamamos-lhe contratos de atribuição, isto é, contratos que criam na esfera jurídica do
particular uma vantagem, uma vantagem ex novo, que não teriam se não fosse celebrado esse
contrato – é claro que numa lógica contratual há contrapartidas, na medida em que, por
ocupação privativa do domínio público, terá de pagar taxas correspondentes, em função do
local de ocupação, da dimensão da ocupação, da finalidade da ocupação – isto é, critérios
racionais e proporcionais para estabelecer a justa coação a pagar; ou então os contratos de
jogo de fortuna e azar – o monopólio dos jogos é público e, portanto, estadual. Exceto, agora,
na dinâmica da descentralização para as autarquias locais e para os municípios, que em
relação a determinado tipo de jogos de fortuna e de azar se descentralizou para os municípios
a competência de autorizar determinado tipo de jogos de fortuna e azar – as designadas rifas,
por exemplo, cuja autorização estava no monopólio do Estado, agora com a descentralização
passa, pelo menos em parte, numa lógica de partilha de competências, para os municípios.
Mas o monopólio é público. Em geral, os comumente jogos das rifas, etc., é uma autorização, é
uma licença, mas a exploração dos jogos em casinos, mas também o bingo, por exemplo, é de
monopólio público e é feito através de contrato administrativo – o chamado contrato de
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
concessão do jogo de fortuna e de azar – os nosso casinos de Norte a Sul estão todos sob
objeto de contratos de concessão de jogo de fortuna e azar. São contratos de longa duração e
que depois haverá uma partilha da renda final em função dos lucros obtidos pelos
concessionários na exploração desses jogos em casino. Portanto, estes contratos atribuem
uma vantagem própria para o contraente privado, uma vantagem ex novo, porque só o Estado
a poderia constituir e como é uma vantagem que o particular adquire de forma inovadora na
sua esfera jurídica, chama-se contratos, por essa razão, de atribuição. Estes, ao contrário da
concessão do domínio público, as concessões de jogo de fortuna e azar são, por lei,
contratuais, isto é, não são fungíveis entre contrato e ato administrativo, ao contrário das
concessões do uso privativo do domínio público.
Depois temos os contratos de cooperação, segundo o critério do fim, e aqui estes contratos
são obviamente contratos entre entidades públicas, isto é, entre a órbita do setor público para
em comum gerirem tarefas públicas – é o que pode suceder com a gestão dos transportes
escolares entre vários municípios, de forma a agilizar o transporte escolar no âmbito
intermunicipal, os municípios podem acordar entre si, por contrato de cooperação, a gestão
desses serviços de transporte escolar e, portanto, nas mesmas linhas, nos mesmos autocarros,
podem transportar e fazer o transporte dos alunos no âmbito do Município de Coimbra, no
Município de Condeixa mais próximo… Isto é algo muito usual por parte dos municípios entre
si. Ou seja, são contratos em que dois ou mais entes públicos acordam na realização de tarefas
públicas de interesse comum, em função da identidade ou da complementaridade das
respetivas atribuições.
Depois, outro critério – o critério da relação entre as partes – isto é, aqui olhamos para a
posição das partes no contrato e vemos qual é o estatuto delas nesse contrato.
Se o estatuto nos indiciar uma determinada posição do contraente privado, o que é o normal
no contexto dos contratos administrativos, temos os chamados contratos de subordinação.
Portanto, o contraente privado tem de estar subordinado na respetiva execução do contrato,
desde que dos tais artigos 278.º CCP ao 476.º detetemos o poder de supremacia contratual do
contraente público sobre o contraente privado. Daí, gramaticalmente e juridicamente, a
designação de contratos de subordinação. Os tais contratos que vimos antes de colaboração
então, em função do estatuto das partes, por este critério de ascendência funcional da
Administração, designam-se contratos de colaboração subordinada. Aqui temos as
empreitadas de obras públicas e também aqueles que são de duração mais duradoura, que é o
caso das concessões de obra pública ou de serviço público. Há um ascendente funcional. Isto é
a regra geral porque é este o regime típico do contrato administrativo dos artigos 278.º ao
476.º CCP. Isto é assim nos regimes dos contratos administrativos ao nível do Direito
Administrativo continental, mas é assim também no regime inglês, embora mais ditado pelo
regime da common law, mas que tem sofrido uma aproximação ao regime continental
europeu do contrato administrativo. O mesmo sucede no direito norte-americano, onde
supostamente não teria havido uma influência tão marcante da origem do contrato
administrativo francês, que é o do critério de autoridade o contrato administrativo, mas em
que o regime de execução do contrato administrativo há claramente, até por uma teoria não
apenas administrativista, mas constitucional, que é a teoria soberanista, isto é, dos poderes
soberanos das autoridades públicas para zelarem pelo interesse público e que isso,
evidentemente, também é uma marca da utilização do contrato e, portanto, se for necessário
fazer apelo a essa teoria da soberania pública no âmbito da execução do contrato, é legitimo
que uma entidade pública contraente o faça, segundo esta teoria. É apenas um modo de
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Por outro lado, temos contratos de não subordinação e, portanto, em função do estatuto das
partes na relação contratual, assim temos contratos de subordinação, sejam eles contratos de
colaboração subordinada, contratos de atribuição subordinada ou contratos de cooperação
subordinada, temos agora, numa outra classificação, e atendendo ao mesmo critério - isto é, o
estatuto de cada uma das partes no contrato, na relação de uma com a outra - os contratos de
não subordinação.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Por fim, temos também neste âmbito os contratos de colaboração não subordinada em que o
contraente privado colabora, designadamente com o Estado, no exercício de tarefas públicas,
mas no contexto do exercício de uma liberdade constitucional. Já ouvimos falar nos contratos
de associação, isto é, os contratos que o Estado celebra com escolas, para que essas escolas
assumam a responsabilidade de acolher alunos que seriam da escola pública mas que por
razão de a escola já não ter capacidade naquela zona, daquele município, evidentemente, para
não andar a transportar os alunos para outros municípios porque isso seria perturbador para
os alunos, seria perturbador para as famílias, seria perturbador para o erário público que iria
inflacionar os custos, o Estado aproveita uma liberdade fundamental, que é a liberdade de
ensinar e de aprender e que, por isso, ao abrigo dessa liberdade os privados criam escolas e
havendo escolas nessa zona, eis que o Estado, em vez de reencaminhar os alunos para terras
distantes, faz contratos ao abrigo da liberdade de associação constitucional com estas escolas,
genuinamente privadas, para que elas assumam a responsabilidade de terem e acolherem os
alunos que seriam da escola pública, custeando, em média, o preço por cada aluno – aquilo
que o aluno custaria no ensino público é o que se paga à escola que recebe o aluno no ensino
privado – através dos chamados contratos de associação, que originaram uma quantidade
enorme de problemas políticos e judiciais quando o Governo entendeu revogar muitos
contratos de associação com as escolas privadas. Mas, como tudo se passa ao abrigo de uma
liberdade fundamental, que é a liberdade de ensinar, eis que esta liberdade não pode ser
tolhida a contexto de um contrato administrativo que celebra com uma escola e acolhe os
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Depois, contratos de atribuição de direitos, que conferem posições não precárias aos privados
e cujo desempenho interessa ao contraente público – muitos contratos, digamos aqui os
chamados contratos de investimento. Há os programas de financiamento ou de
cofinanciamento, e que nós vamos ter agora para dinamizar novamente a atividade económica
– muitos destes contratos são contratos que atribuem ao contraente privado um
financiamento direto, pode ser o financiamento em euros, propriamente ditos, ou
financiamentos indiretos, que é certas isenções ou regalias fiscais. Evidentemente que a
atribuição destes direitos através de contratos administrativos que tenham por finalidade a
dinamização do investimento e por sua vez a atribuição para esse efeito de um direito próprio
ao contraente privado, neste caso, o investidor, mas que vai funcionar como contraente em
relação à Administração não pode ser precário, porque se fosse punha em causa o princípio da
confiança, que é inerente ao investimento – isso é algo que deriva da natureza económica do
próprio investimento. E contratos de atribuição de bolsas – este também é um direito que não
pode ser precário, embora, em função do êxito que tenha o estudo com a bolsa – pode ter
este critério, mas isso já depende mais do mérito e da capacidade do próprio que tem este
direito do que do regime em si, que não pode ser, evidentemente, precário, até pela razão da
própria confiança. Mas são sempre contatos administrativos que não são subordinados, ou no
sentido de que se têm uma supremacia da entidade pública contraente em relação ao privado.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Depois, seguindo mesmo critério, com o objeto passível de contrato de direito privado. Já foi
assim, mas não pode ser assim agora. O critério doutrinal mantém-se plenamente válido. Os
contratos de aquisição de bens ou de serviços ao mercado são, por direta qualificação do CCP,
são todos contratos administrativos. Como são contratos administrativos e, portanto, vigora o
princípio da tipicidade e da taxatividade, estes tipos legais não podem ser alterados por uma
suposta autonomia das partes. Isso significa que o ente público que celebra uma aquisição de
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Agora vamos centrar-nos no regulamento administrativo. Este tema são os modos jurídicos de
atuação das entidades da Administração Pública, porque tem outros modos de agir, como já
vimos, seja pela designada administração informal, e, portanto, desprovida de uma
vinculatividade jurídica relativamente desprocedimentalizada, como demos exemplos na
altura de aconselhamento ao nível de determinados cuidados sanitários, comunicação técnico-
científica diária e comunicada pelos meios de comunicação – é a entidade administrativa a
agir, embora a agir fundamentalmente com base num comportamento informativo,
aconselhador, recomendativo e desprocedimentalizado – uma forma de ação, embora não
jurídica, neste sentido em que essa recomendação, ou esse aconselhamento, ou essa
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
informação tenha vinculatividade jurídica. Obviamente que pode não tê-la num certo
momento, mas se for necessário também a própria Administração a pode converter em regras
jurídicas a observar – regras aí já sim vinculativas, em termos sanitários como, aliás, acabou
por acontecer no âmbito deste processo transitório que vivemos.
Depois, por outro lado, também há as operações de facto ou operações materiais, como as
demolições, como atuações ao nível de arranjos de passadiços, como outras manutenções
necessárias quotidianamente – é uma atividade de operações ou ações materiais. Por
excelência, na atuação jurídica, nós falamos, neste contexto, no ato administrativo, no
contrato administrativo e no regulamento administrativo.
Por contraposição, o regulamento é, na noção material de norma, que já aprendemos, que são
gerais e abstratas e, portanto, a noção em si, neste aspeto, nada terá de novidade, na medida
que pela definição material de norma ela é geral e abstrata. Portanto, é dirigida no momento
da sua feitura a um número indeterminado de destinatários e a um número abstrato de casos
que no momento em que a norma é feita não se podem antecipar. Isso acontecerá ao longo da
vida da vigência dessas normas ou conjunto de normas. Isto é assim para as leis e é assim para
os regulamentos administrativos. Neste aspeto, nada difere do conceito que temos de norma,
seja norma legal, seja norma administrativa.
Em relação às leis, qual é, então, a diferença? Não está no facto de se designar por
regulamento, porque o regulamento é norma jurídica e, portanto, materialmente, aqui a
norma é conceitualmente idêntica, contudo, também já referimos que, no princípio da
legalidade da Administração, ou da legalidade administrativa, a Administração, para atuar, tem
de ter sempre por base uma lei. Essa é uma vinculação constitucional da posição da
Administração relativamente à lei, a subordinação à lei essa subordinação existe no ato, existe
no contrato e existe nos regulamentos. Portanto, isto significa que estas normas a que
chamamos regulamentos, por serem emitidos por entidades administrativas, têm por
finalidade a aplicação de leis ou de atos que têm valor equiparado. Falamos de leis, de
decretos-lei e de decretos legislativos regionais.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
função administrativa, visem produzir efeitos jurídicos externos, tendo por objeto, em regra, a
aplicação das leis ou atos normativos de valor formal equiparado, como sucede com certos
atos normativos diretamente aplicáveis da União Europeia – artigo 135.º CPA. Trata-se de uma
noção ampla, que abrange, entre outros, documentos normativos estatutários.
Não raras vezes, também assim sucede que muitas normas ditadas pelos órgãos da União
Europeia – não as diretivas, porque, por regra, as diretivas devem ser transpostas para o
direito interno dos Estados-membros através de diplomas legislativos, mas, os regulamentos
da UE esses são diretamente aplicáveis nos Estados-membros e, portanto, ao contrário das
diretivas, exceto se tiverem um efeito direto, isto é, normas com densidade suficiente que
possam vincular o Estado ou atribuir direitos aos particulares contra os Estados, exceto nessa
situação, como já estudaram em DUE, nos regulamentos ditos europeus, eles são aplicáveis
diretamente nos Estados-membros, em regra não necessitam de uma mediação de cada um
dos Estados-membros para eles serem aplicáveis. Contudo, tantas e tantas vezes, e que
normalmente acaba por suceder, as entidades administrativas, aplicadores desses
regulamentos, depois emitem regulamentos administrativos para tentar facilitar a aplicação
desses regulamentos que vêm da UE. Seja regulamentos no domínio das atividades
económicas, independentemente de qual seja a atividade económica em causa, ou atividades
profissionais, ou outros âmbitos aplicativos dos regulamentos, seja, porventura, na área
ambiental, na área das telecomunicações, na área dos transportes – as grandes atividades
económicas, em geral, já têm regulamentos da UE que cada Estado-membro tem de observar e
aí os regulamentos são aplicáveis à universalidade dos Estados-membros. Estes, para tentar
facilitar a aplicação dos regulamentos na ordem administrativa interna emitem, depois,
regulamentos administrativos para facilitar essa aplicação dos regulamentos que têm por
fonte orgânica os órgãos próprios da UE.
Num sentido amplo, e está no CPA, no artigo 135.º, o regulamento emitido pelos órgãos
administrativos, seja do Estado, os respetivos ministros, sejam os órgãos de institutos públicos,
seja os municípios, ao emitirem esses regulamentos, isto temos uma noção ampla e,
designadamente, para os órgãos administrativos do Estado, que são eles que em relação a
regulamentos ou a legislação que têm o nome formal de Regulamentos da UE, são os órgãos
administrativos do Estado que têm a função primária depois de emitirem regulamentos
administrativos na ordem interna para facilitar a aplicação desses regulamentos. Temos uma
noção de regulamento administrativo que tanto pode ser o regulamento que facilita a
aplicação de leis internas, leis, decretos-lei ou decretos legislativos regionais, mas também
pode ser um regulamento administrativo, emitido pelos órgãos administrativos do Estado para
facilitar a aplicação de legislação europeia. O órgão administrativo nacional transforma-se aqui
numa espécie de órgão administrativo aplicador do direito da União Europeia, como se fosse
um órgão próprio da UE, para aplicar o direito próprio da UE, ainda que pela via do direito
administrativo interno e das competências internas, mas o que vai aplicar ou estabelecer
regras administrativas internas é para facilitar a aplicação de normas de caráter legislativo da
União Europeia. Neste âmbito temos regulamentos que, em geral, são ditos regulamentos
externos.
Mas há regulamentos que podem ser, por contraposição, internos – isto é, regulamentos cujo
âmbito de aplicação se esgota no interior da própria organização administrativa; e podemos
ter regulamentos que projetam a sua eficácia para o contexto de relações intersubjetivas,
designadamente para regulamentar a esfera jurídica dos particulares. Aqui teremos sempre
uma eficácia externa do regulamento, porque ele se destina a estabelecer direitos, obrigações,
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
deveres ou ónus que atingem a esfera jurídica dos particulares, sejam os particulares no todo
nacional ou continental, quando há regulamentos emitidos pelos órgãos administrativos do
Estado, que normalmente é para todo o território nacional, ou, pelo menos, para o
continental, salvaguardando a autonomia própria dos órgãos das Regiões Autónomas, e
regulamentos que podem ter geograficamente uma circunscrição limitada, como são os
regulamentos emitidos pelos Municípios – normas administrativas emitidas pelas autarquias
locais ou normas administrativas emitidas pelas Universidades Públicas – como sabemos, há
regulamentos da Universidade sobre a questão das propinas, a questão as bolsas, etc. Ora,
estas entidades, seja num âmbito mais alargado ou seja num âmbito mais circunscrito, todas
elas têm uma capacidade jurídica administrativa para emitir normas administrativas que
apliquem ou facilitem a aplicação das leis que se dirigem a essas próprias entidades. A
Universidade, através de regulamentos que, obviamente, emana, seja regulamentos de bolsa,
seja regulamentos de propinas, e assim sucessivamente, o que está a facilitar na sua aplicação
é o regime que se dirige à Universidade Pública, seja o regime ao nível da política social do
ensino superior, sejam as normas próprias da lei que estabelece o Regime das Universidades
Públicas e, depois, através de regulamentos, facilita a aplicação dessas leis. Claro que estas
normas que estabelece no domínio da ação social, que têm as bolsas, as residências, as
propinas, são normas regulamentares com eficácia externa, porque elas vão projetar os seus
efeitos em todo o universo estudantil, o atual, o futuro… e, portanto, gozam de generalidade e
de abstração, porque hoje são aplicáveis aos que estão cá, amanhã não sabemos quais são os
estudantes que vêm, mas quando chegarem, essas normas vão produzir efeitos externos
porque os seus efeitos se projetam naquela esfera jurídica desse universo de estudantes. É
aqui que se fala de eficácia jurídica externa, no sentido que estas normas administrativas,
emitidas pelos órgãos administrativos competentes vão projetar os seus efeitos na esfera
jurídica exterior e, portanto, na esfera jurídica dos particulares que potencialmente são ou
venham a ser os destinatários dessas normas. Quando se diz que se dirigem ou produzem
efeitos na esfera jurídica dos particulares, por isso mesmo nós dizemos que eles têm eficácia
jurídica externa, à semelhança da noção que vimos para o ato administrativo, embora aí
dirigido a alguém individualizado e na sua situação concreta, mas cujos efeitos se projetam
nessa esfera jurídica e, portanto, falamos aí em eficácia externa. No mesmo sentido falamos
aqui também em eficácia externa e, consequentemente, em regulamentos administrativos
externos na projeção dos seus efeitos e do seu âmbito aplicativo.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Os regulamentos internos são aqueles que, evidentemente, esgotam o seu âmbito no interior
organizativo das pessoas coletivas públicas. A UC tem regulamentos internos, desde logo, para
a gestão dos milhares de pessoas que tem ao ser serviço – os trabalhadores públicos, como
hoje se designam. É necessário regulamentar o local de trabalho, se é nos serviços académicos,
se é nos serviços administrativos, se é na Faculdade de Direito ou se é na Faculdade de
Medicina – isso são normas de gestão interna das pessoas – as entradas e saídas, os horários, a
marcação de faltas, eventualmente, ou a relevância delas… isso são normas que qualquer
entidade pública tem ao nível da organização e funcionamento interno próprio. Por
contraposição, há os regulamentos externos, isto é, aqueles que projetam a sua eficácia ou os
seus efeitos na esfera jurídica dos respetivos destinatários que podem ser ou a nível
continental, em todo o território, como, se forem regulamentos emitidos pelo Estado no
exercício da função administrativa, ou regulamentos mais localizados, se forem emitidos pelos
municípios ou pelas autarquias locais – esses têm um âmbito potencial de aplicação
geograficamente mais limitado, uma vez que tem de se limitar ao território do respetivo
concelho. Como quer que seja, estes regulamentos que projetam os seus efeitos na esfera
jurídica dos destinatários, sejam eles a nível nacional ou, pelo menos, no território continental
– porque Açores e Madeira têm competências regulamentares próprias, nos termos
constitucionais, os respetivos Estatutos Político-Administrativos, mas é apenas um problema
de territorialidade de aplicação - do ponto de vista substantivo os regulamentos – quaisquer
que eles sejam – têm eficácia na esfera jurídica dos particulares, implicando para esta esfera
ou a imposição de ónus, ou a imposição de obrigações, ou a concessão de direitos – a partir do
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
momento em que este tipo de efeitos se projeta na esfera jurídica dos destinatários, nós
dizemos que estes regulamentos são regulamentos dotados de eficácia externa. Algo
semelhante com o que vimos suceder para o ato administrativo – na noção dele, temos
sempre um ato que produz efeitos numa esfera aí individual e concreta – determinada quando
se emite o ato. Esses efeitos podem ser, como vimos, favoráveis ou desfavoráveis. Quaisquer
que sejam os efeitos, ou favoráveis ou desfavoráveis, logo que eles se projetem na esfera
jurídica da pessoa, nós dizemos que esse ato, essa decisão administrativa é dotada de eficácia
externa. Ora, assim sucede, ma agora no plano geral e abstrato, para os regulamentos
administrativos, que por produzirem esta eficácia na esfera jurídica dos destinatários,
introduzindo nela modificações, ou alterações, ou efeitos jurídicos inovadores, concedendo
direitos ou retirando direitos ou impondo encargos, a partir desse momento nós dizemos que
essa norma tem eficácia que vai para além do âmbito de organização meramente interna da
Administração, entrando no universo dos destinatários, ou seja, da sua esfera jurídica, ou com
a produção de efeitos favoráveis ou com a produção de efeitos desfavoráveis. Neste aspeto,
do ponto de vista substantivo, quando nós falámos em eficácia externa, o que
verdadeiramente varia é que no ato administrativo a eficácia externa produz-se na esfera
jurídica de um sujeito determinado, enquanto, quando falamos de regulamentos, essa eficácia
externa, em virtude da generalidade e da abstração, que é a noção de norma jurídica, essa
eficácia projeta-se num conjunto indeterminado de destinatários. Pelo menos, indeterminados
no momento em que as normas são elaboradas. Claro que depois, na aplicação concreta,
determina-se quais são as pessoas que individualmente foram atingidas por esse regulamento.
A indeterminação diz respeito ao momento em que as normas são elaboradas. A
indeterminação afere-se no momento em que as normas são elaboradas.
Depois, há outro tipo de regulamentos que, no Direito Administrativo III nos vai ser muito
importante, que é a distinção entre regulamentos mediatamente operativos ou indiretamente
operativos e regulamentos que são imediatamente operativos. Esta distinção reside no
seguinte elemento base: se o regulamento para produzir efeitos jurídicos na esfera jurídica dos
particulares necessita de um ato administrativo que medeie a aplicação do regulamento, este
regulamento é indiretamente operativo – por necessitar desta mediação de um órgão
administrativo para que ele possa produzir efeitos. Por contraposição, os regulamentos
imediatamente operativos produzem por si e diretamente efeitos na esfera jurídica dos
particulares. O regulamento municipal que estabelece taxas aplicáveis às licenças urbanísticas -
se alguém solicitar uma licença urbanística, imediatamente está vinculado ao pagamento da
taxa. Portanto, não há nenhum ato administrativo que medeie a sua aplicação, ou a obrigação
de pagar aquela taxa naquele montante deriva imediatamente do regulamento. Ou um
regulamento que estabeleça o cumprimento de outras obrigações pecuniárias para quem
utiliza serviços administrativos – pede uma certidão, há um regulamento que estabelece que
pelo pedido de certidão é necessário pagar a quantia X – este regulamento é imediatamente
operativo, isto é, a obrigação de pagar para ter a certidão resulta diretamente do regulamento,
não tendo necessário a mediação de qualquer ato administrativo para que essa obrigação
afete e se imponha na esfera jurídica do particular. Por contraposição, se, porventura, houver
um regulamento que estabeleça uma bolsa de prémio para o aluno que tiver sucesso
significativo no seu percurso escolar na UC, poder ser-lhe atribuída uma bolsa até ao montante
de X. Este regulamento é diretamente operativo ou só indiretamente operativo? Para ele ser
aplicável, e, portanto, para que houvesse a concessão da bolsa, tinha de haver sempre um ato
de avaliação do percurso para saber se o percurso era ou não era significativo, concluindo-se
que era significativo então havia o ato administrativo de atribuição desse prémio ou dessa
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
bolsa, mas se regulamento disser “O aluno que tenha a média de 17 a partir do 1.º ano, é-lhe
atribuída uma bolsa de mérito” – este regulamento é diretamente operativo; se o regulamento
disser que o aluno que tenha o percurso significativo a partir do 1.º ano no seu percurso
académico poderá ter direito à concessão de uma bolsa – este regulamento, para vir a
produzir eficácia já necessita de uma mediação dos órgãos administrativos próprios da
Universidade que avaliem se o percurso do aluno é ou não é apreciável, e se concluírem que é
apreciável, então o Reitor ou o Diretor da Faculdade praticará o ato administrativo de
concessão de bolsa, em função da avaliação que resultara do percurso de cada um. Tudo
depende de como está estabelecido o regime da norma. Se a norma tiver um conteúdo preciso
“o aluno que tiver 17 como média final no 1.º ano recebe uma bolsa no valor de X” – este
regulamento é imediatamente operativo, porque a norma está formulada em termos precisos,
densos, que dispensam a prática de um ato administrativo pelos órgãos administrativos. Se,
pelo contrário, o regulamento tiver ou uma hipótese ou uma estatuição que precise de ser
densificada para ser aplicada aos casos concretos, como é este exemplo que vimos, do aluno
que poderá ter direito a uma bolsa de prémio até ao montante X, se o seu percurso académico
desde o 1.º ano for avaliado ou tido como relevante, ou muito relevante, ou excelente, poderá
ter direito a bolsa – isso significa que tem de se analisar e ver o percurso do aluno para daí
concluir que ele tem o percurso relevante e por isso deve ter direito a bolsa. Quem lhe vai
conceder a bolsa não é propriamente o regulamento, é o ato administrativo do diretor ou do
reitor. Este regulamento já seria só indiretamente eficaz, ou seja, só produziria efeitos, neste
caso, favoráveis na esfera do aluno ou da aluna se o ato administrativo concluísse que o
percurso dele seria ou está a ser um percurso academicamente relevante e, por isso, o ato
administrativo ia declarar essa relevância e, simultaneamente, atribuir a bolsa que estava
prevista no regulamento, mas que sem o ato administrativo, o aluno nunca teria direito a essa
bolsa – portanto, os efeitos do regulamento necessitam desta mediação para produzirem
esses efeitos.
Então, quanto aos efeitos, estes podem ser produzidos imediatamente, portanto, efeitos que
se projetam na esfera jurídica dos destinatários sem a necessidade de haver a mediação de
qualquer ato administrativo aplicativo dessas normas – elas são por si dotadas de eficácia
direta e imediata – e vimos exemplos disso – o regulamento municipal que imponha o
pagamento de taxas por exercício de uma certas atividade, basta haver o pressuposto do
exercício da atividade para que esse efeito se produza – ou seja, para que esse cidadão, esse
munícipe fique onerado, direta e imediatamente, pela norma regulamentar com o dever de
pagar a taxa, porque iniciou o exercício de uma certa atividade, de um certo estabelecimento
e, portanto, por essa razão, por preencher ele o pressuposto necessário que é exercer a
atividade, ou iniciar o exercício da atividade, imediatamente fica abrangido pelo âmbito da
eficácia externa da norma regulamentar que estabelece “é devido o pagamento da taxa no
valor Y para o município, em virtude de se iniciar o exercício da atividade comercial, ou de
outra natureza, ou equivalente” – basta que se preencha o pressuposto para que
imediatamente a hipótese normativa esteja concretizada – consequentemente, de forma
quase automática, produz-se o efeito que está na estatuição, que é a imposição do dever de
liquidar uma determinada taxa. Este regulamento é um regulamento dotado de eficácia
externa direta e imediata, não necessitando da mediação de qualquer ato administrativo para
a respetiva aplicação.
Já não assim é com outro tipo de regulamentos – em que é necessário a prática de um ato
administrativo para que o efeito que ele está previsto abstratamente se produza. Um aluno da
UC, ma com qualquer outra universidade pública assim necessariamente sucede, pode, pela
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
sua situação económica, social ou familiar, ter direito a uma bolsa de apoio social, ou uma
isenção de propinas. Pode ter direito – mas tem de ser ele, por sua iniciativa, a desencadear o
procedimento para que, através da análise da sua situação individual e concreta, por parte dos
serviços sociais da UC e, portanto, seja emitido um ato administrativo para que o efeito
abstratamente previsto na norma, que é a isenção ou o direito à bolsa se reproduza na esfera
individual e concreta. Na situação de facto, ele pode ter esse direito, potencialmente, mas ele
só se produz na sua esfera jurídica se o aluno despoletar a prática de um ato administrativo
através da Administração dos Serviços Sociais para que, por via desse ato administrativo, se
produza o efeito abstratamente previsto no regulamento. Aqui é necessária uma mediação
administrativa para que esse feito se produza. Isto depois tem muita importância ao nível da
impugnação judicial, como iremos ver no Direito Administrativo III, que é saber que tipo de
regulamentos são imediatamente impugnáveis nos tribunais administrativos – são, desde logo,
os regulamentos dotados de eficácia direta e imediata.
Depois, agora, só em relação aos regulamentos externos ou de eficácia externa – temos aqui
várias qualificações ou classificações em função da relação com a lei. Agora, centramo-nos nas
normas dos regulamentos e em função da sua comparação ou da sua relação com as leis que
regulamentam, assim teremos em função desta relação, uma classificação ou outra
classificação.
Primeiro, uma relação que poderíamos classificar de grande proximidade entre regulamento e
lei, e que daí deriva a designação ou a classificação de regulamentos executivos ou meramente
executivos da lei. Estes regulamentos, por definição, limitam-se apenas a facilitar a boa
execução das leis, pormenorizando aspetos do seu regime. Ou do seu regime substantivo ou
do seu regime procedimental. A função destes regulamentos é apenas, e é pelo regime, pela
sua relação ou teleologia, isto é, a sua função relativamente à lei que regulamentam, é apenas
esclarecer aspetos de pormenor e procedimento ou de execução, isto é, aspetos meramente
substantivos. Esta é uma competência geral do Governo, é fazer os regulamentos necessários à
boa execução das leis – se virmos, há uma lei que estabelece que a Polícia de Segurança
Pública deve, quando em serviço, andar sempre de uniforme. Um uniforme, mas a lei não diz
como é o uniforme, como é o tecido, que desenho deve ter, que cor deve ter, etc. – a lei só
estabelece que devem utilizar um uniforme quando em serviço, a definir nos termos de uma
portaria, porque é um regulamento administrativo, e é o regulamento administrativo que vem
executar a lei, é a função de estabelecer pormenores. É como o regulamento da Toga na
Ordem dos Advogados – a lei diz que os advogados, quando em serviço nos tribunais ou em
outros atos judiciais, devem usar a toga própria – essa toga, depois, tem um conjunto de
regras que definem o uso dessa toga – é um regulamento puramente executivo no contexto de
uma ordem profissional. Ou o regulamento que estabelece um subsidio para o agricultor. E diz
que o agricultor tem direito ao subsidio caso tenha tido uma intempérie que lhe destruiu a
produção, etc. - o direito está lá no regulamento, ele é diretamente aplicativo, mas a lei,
porventura, não diz o serviço ao qual o agricultor se deve dirigir para ter esse pedido – vem um
regulamento dizer “norma procedimental – os agricultores que considerem, nos termos da lei
X, que têm direito por razão da intempérie, dirigem-se ao serviço X, do ministério Y, para aí
apresentarem o seu pedido para ser concedido do subsídio”. É uma norma de caráter
puramente procedimental, ela praticamente não inova nada em termos de regime. O regime
está estabelecido na lei, facilita é a execução da lei. O objetivo é facilitar a aplicação da lei.
Inovatoriamente nada estabelece em relação à lei que regulamenta.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Estes são aqueles que afirmam alguns pormenores do regime legal e, portanto, facilitam a
aplicação ou procedimental ou substantiva do regime legal e em que também vimos que o
Governo dispõe de uma competência universal em termos de emissão de regulamentos
administrativos de natureza executiva para facilitar a aplicação do regime legal. Não são
regulamentos que estabelecem disciplina complementar ou inovadora relativamente ao
regime legal, são regulamentos que apenas executam esse regime. Demos o exemplo do
regulamento que estabelece, por exemplo, o regime de uso de fardas da Polícia de Segurança
Pública, ou da GNR. É um regulamento de 2016 para a PSP – tem um conjunto de articulado a
definir como é que há de ser o botão de punho, como é que há de ser o cachecol, como é que
hão de ser as calças, como é que há de ser o calção, quando o podem usar… e é diferente
andar de carro ou de mota, como é que deve ser a camisa e que cor deve ter a camisa, como é
que são os botões da camisa… isto é que são regulamentos executivos. Há um regime legal de
certas atividades ou profissões que tem de usar obrigatoriamente uniformes, um determinado
tipo de uniforme, o qual é, depois, o regime é estabelecido em regulamento. Este regulamento
é um regulamento que pormenoriza o regime legal. Esta matéria nem sequer tem dignidade
para estar numa lei, mas num regulamento bastante extenso estão aqui as noções, as
definições, o calçado, os uniformes, mas se formos para a profissão médica está lá, se formos
para os advogados está lá algo semelhante…
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Estes, no plano de relação com a lei, já têm habilitação para desenvolver o regime legal e,
portanto, ou completam o regime legal, quer do ponto de vista do procedimento, isto é,
instituindo normas procedimentais novas para aplicar um determinado regime, ou
desenvolvem o próprio regime substantivo e aqui, principalmente aqui, vale a designada
autonomia regulamentar de certas pessoas coletivas públicas como, evidentemente, os
Municípios, mas também as Freguesias, as Ordens Profissionais, que têm poder regulamentar
que desenvolvem e completam o regime legal. O regime disciplinar da Ordem dos Advogados
não consta de uma lei, consta de um regulamento, um regulamento disciplinar da Ordem dos
Advogados. A lei só prevê que esta Ordem profissional, através de regulamento elaborado e
aprovado pelos seus órgãos próprios, com uma intervenção da Assembleia Geral dos
Advogados, aprovam esse regulamento, o qual vai estabelecer que tipo de atos ou falhas ou
desvirtudes pode constituir infração disciplinar cometida pelo advogado, quais são as sanções
a aplicar, quem é que deve instruir, depois, o processo, qual é o procedimento da aplicação da
sanção e, no fim, quem é que tem competência final para desencadear essa sanção. Isto é um
diploma que estabelece uma disciplina que completa ou desenvolve o regime legal em matéria
quer procedimental, que nada estava na lei em termos do respetivo procedimento, quer em
regime substantivo, que é saber que atos ou falhas ou maleitas podem provocar esta reação
disciplinar e, depois, como é que ela se aplica e que efeito produz na esfera jurídica deste
profissional. É assim, obviamente com o Ordem dos Advogados, com a Ordem dos Médicos, e
o mesmo se sucede com as outras ordens profissionais. Aqui temos claramente regulamentos
que estão distantes de uma mera função executiva, dado que estabelecem um regime
regulamentar que completa a lei, que é potencialmente aqui ela lacunosa, delegando para a
função regulamentar esses aspetos de desenvolvimento. Isto também vale para as autarquias
locais e, naturalmente, para os órgãos próprios das Regiões Autónomas, dada a autonomia
constitucional de que gozam quer as autarquias locais, quer as Regiões Autónomas.
Contudo, não deve admitir-se o exercício deste poder por parte do Governo, na medida em
que este tem uma quase plena competência legislativa e, portanto, deverá desenvolver os
regimes legais, designadamente, o que nem sempre sucede, os regimes das leis de base,
emitidas pela AR, através de decretos-lei de desenvolvimento. Se é uma lei de bases da saúde,
ela deve ser desenvolvida por decreto-lei de desenvolvimento; se há uma lei de bases da
segurança social, como efetivamente existe, ela deve ser desenvolvida por um decreto-lei de
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
desenvolvimento. Portanto, o Governo deve, aqui, assumir a sua função não de agente dotado
de função administrativa, mas quando se trate de desenvolver regimes legais, o Governo
deverá adotar a forma de diploma legislativo para desenvolver esses regimes.
Depois, por fim – os regulamentos independentes, que visam dinamizar o regime, não da lei A
ou B, por exemplo, não da lei do RJIES, que é uma lei de 2009, uma só lei, e que ao abrigo
dessa lei as universidades desenvolvem esse corpo normativo, mas a lei é a Lei n.º X/2009, não
se limitam a desenvolver ou a dinamizar o regime de uma lei só ou de um decreto-lei só. Claro
que tem de haver sempre, pelo princípio da legalidade, uma norma legal habilitante. Para as
autarquias locais existe a Lei n.º 75/2013, por exemplo, que estabelece as atribuições dos
municípios e, portanto, conjunto de interesses públicos que podem prosseguir, com a cláusula
geral de poderem prosseguir todos aqueles que digam respeito à respetiva população
municipal ou local e depois esta norma habilitante concede-lhe poder para, em função desses
interesses, estabelecer regulamentos no âmbito municipal. Portanto, isto significa uma
habilitação para que o município possa desenvolver não apenas o regime da lei que estabelece
especificamente as atribuições dos municípios e as competências dos órgãos, mas é uma
norma habilitante para eles estabelecerem regulamentos na área, seja urbanística, seja de
ordenamento do território, seja na área ambiental, seja na área da regulação municipal dos
estabelecimentos e horários de funcionamento, seja ao nível do trânsito, etc. Portanto, eles
vão aqui com base nesta habilitação, dinamizar um conjunto de regime legal disperso, sem ser
a lei A, B ou C. O que eles fazem aqui é estabelecer regulamentos municipais em função do
conjunto de interesses relativos às populações locais, seja na via sanitária, seja dos animais,
seja no interesse da legislação urbanística, etc. Uma norma habilitante concede-lhe autonomia
normativa para os órgãos dinamizarem um conjunto de legislação que abranja as áreas de
atuação municipal. Esse regulamento ou essas normas regulamentares não estão apenas
especificamente a desenvolver o regime da Lei n.º 75/2013, porque ele estabelece esta
autonomia regulamentar, estão a dinamizar e a desenvolver o regime disperso por vários
diplomas legais que influenciam ou condicionam o exercício das tarefas municipais, sem
estarem a estabelecer se regulamentam apenas a lei A, B ou C. É um complexo normativo que
condiciona o exercício das atribuições municipais. Por isso, aqui, neste contexto dos
regulamentos independentes emitidos pelas organizações que qualificamos como
organizações administrativas autónomas, nós chamamos-lhe regulamentos independentes
autónomos, designadamente, claro, os regulamentos emitidos pelas organizações da
administração autónoma territorial ou as organizações da administração autónoma
profissional e, é claro, também as universidades públicas, na medida em que os estatutos,
portanto, o Regulamento Estatutário de uma Universidade pode apenas limitar-se a
desenvolver o regime especifico, o RJIES. Se fizer só isso é um regulamento complementar – só
estabelece o desenvolvimento daquele regime. Sucede que, por regra, os regulamentos
estatutários de uma Universidade pública desenvolvem esse regime, tem lá a norma para
habilitação legal para esse efeito, mas vão desenvolver o regime da área das propinas, lei das
propinas, vão desenvolver o regime das bolsas, vão desenvolver o regime que estabelece os
ciclos de estudos… o regulamento estatutário vai regulamentar ou disciplinar o regime que
está disperso por diversas leis, e vai completá-lo, vai desenvolvê-lo, vai dinamizá-lo e fica ali
um corpo normativo unitário mas que desenvolve um bloco normativo alargado, tendendo no
âmbito da legislação que se refere a essa entidade pública em concreto. Os municípios,
autarquias locais, com um bloco de legislação mais alargado, comparativamente às
Universidades públicas, mas é só uma questão puramente quantitativa – qualitativamente, o
que dinamizam é um corpo normativo disperso de leis que vão concentrar sistematicamente,
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Aqui, o regulamento independente é um regulamento, dissemos nós, que não são emitidos
para desenvolver o regime de uma lei específica, mas desenvolve ou completa o regime de um
bloco normativo composto por mais do que um diploma legislativo. Portanto, é um
regulamento que desenvolve um regime normativo legal, mas em que esse regime normativo
legal não se encontra apenas concentrado num diploma legislativo, numa lei ou apenas num
decreto-lei, mas que consta de um bloco normativo mais alargado. Se, porventura, até por
curiosidade, virmos os Estatutos da Universidade de Coimbra, logo no preâmbulo se vê que
estes estatutos, que são aprovados pelos órgãos internos da Universidade, no exercício da sua
função administrativa e, portanto, têm uma forma de Estatutos mas são um regulamento
administrativo, estes Estatutos se, por curiosidade lermos a nota introdutória, vemos que
desenvolve vários diplomas legislativos – não desenvolve apenas o RJIES, que é concentrado
num diploma de 2009. Desenvolve outros regimes para além desse. Há um regime normativo
disperso por várias leis e este regulamento faz a adaptação desse regime ao contexto da
Universidade de Coimbra, adaptando esse regime, desenvolvendo esse regime,
complementando esse regime e, por isso, quando assim sucede, estes regulamentos que
estabelecem uma disciplina relativamente inovadora em relação às leis ou ao conjunto de
diplomas legais que regulamentam, designam-se por regulamentos independentes
autónomos. Portanto, tem aqui uma orientação que é dirigida, uma vez mais, às instituições
públicas que assumem o qualificativo de Administrações autónomas, sejam as autonomias
territoriais, designadamente os Municípios e, portanto, dentro das autarquias locais, os
municípios têm esta competência incluindo constitucional para a elaboração deste tipo de
normas, seja, também, a administração autónoma profissional e as Universidades púbicas. É a
categoria, dentro da nossa organização administrativa, que tem uma credencial constitucional
para a emissão destes regulamentos independentes autónomos.
Contudo, embora não resulte assim esta habilitação para as autoridades administrativas
independentes – aquelas autoridades que nós vimos estarem integradas na Administração
indireta independente do Estado – designadamente as autoridades reguladoras, a Entidade
Reguladora dos Serviços Energéticos, a Entidade Reguladora da Saúde, a Entidade para a
Concorrência, a Comissão de Mercado de Valores Imobiliários e sucessivamente – estas
entidades não têm uma indiscutível credencial constitucional para a emissão de regulamentos
independentes das leis que regulamentam. Contudo, o que sucede na prática é que usufruem
também, ou usam este poder para a emissão de regulamentos desprendidos de um específico
diploma legislativo e, enfim, regulamentam um quadro ou um bloco normativo alargado.
Embora de duvidosa constitucionalidade, porque isso pode induzir à utilização de um método
de clara inconstitucionalidade que é o legislador deixar intencionalmente para estas
autoridades reguladoras o poder ou a função de regulamentar regimes legais do setor, seja do
setor energético, seja do setor das águas ou resíduos, ou do setor da saúde, delegando-lhe um
poder que é materialmente legislativo. Temos aqui o problema da deslegalização de matéria
materialmente legislativa e que carecia de uma intervenção primária ou prévia do legislador e
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Depois, também há dúvidas quanto aos regulamentos independentes do Governo, isto é, saber
se o Governo tem credencial constitucional para também ele emitir regulamentos
independentes – regulamentos que, mais uma vez, por noção, não se limitam a desenvolver o
regime A ou B, mas um bloco de leis - isto é constitucionalmente duvidoso – apenas para esta
noção – embora alguma doutrina defenda que como o Governo dispõe de uma competência
administrativa universal, concluem a partir daqui que também pode emitir este tipo de
regulamentos, desde que não haja uma intervenção na matéria que tem de fazer com
credencial legislativa, por força da reserva constitucional, da Assembleia, dos artigos 164.º e
165.º da CRP. Fora isso, ou respeitando essa regra essencial, e se a respeitar, concluem que
poderá também emitir este tipo de regulamentos. Poderá fazer, agora, um regulamento para a
área do turismo em que nele desenvolva um bloco de leis – 4, 5 ou 6, respeitantes à atividade
turística, desde hotéis a outras camadas hoteleiras mais ou menos graduadas e, através do
regulamento, que neste caso é um regulamento independente, vai disciplinar esse bloco de
legalidade, composto por 4 ou 5 leis, que disciplina a atividade turística e, depois, com o
regulamento, o Governo pode disciplinar os pormenores, e desenvolver, e completar esse
conjunto de leis relativas à atividade turística, nesta posição doutrinal. Há aqui,
evidentemente, divergências nesta matéria. A verdade é que isto na prática acontece.
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Regulamentos autorizados – por definição, também não são admitidos e, portanto, há uma
proibição constitucional também destes regulamentos, com exceção de certo tipo de normas
regulamentares que disciplinam de forma inovadora determinado tipo de matérias
relativamente às leis, e aqui há âmbitos materiais que, de algum modo, até reclamam este tipo
de regulamentos, designadamente quando há a necessidade da conjugação de interesses em
que intervêm diversas pessoas coletivas ou que atinja a atribuição de diversas pessoas
coletivas. Designadamente, de três – autarquias locais, o Estado-Administração e também as
Regiões Autónomas. Às vezes é necessário conjugar estes interesses, entre este tipo de
entidades, exemplarmente ao nível das normas ambientais e, portanto, do interesse
ambiental, do ordenamento do território e, aqui, o interesse obviamente não é localizado, não
é regional. Também não é só nacional. É simultaneamente uma coisa e as outras todas. Por
isso, quando, porventura, o município emite um regulamento nesta matéria está a considerar
este conjunto de valores inerentes aos interesses das populações locais, as suas, mas também
a incorporar nesse regulamento matéria difusa e de interesse de todos a nível do território
continental e, portanto, interesses supramunicipais, simultaneamente municipais e
supramunicipais e nesse regulamento terá de conjugar estas diversas nuances ou variações e,
por isso, atendendo a uma razão até prática, de adequação dos regimes legais do
ordenamento do território, da lei da reserva, da lei da proteção agrícola, etc., é necessário,
depois, conjugar todos esses interesses simultaneamente locais e nacionais e que isso vai estar
presente nesse regulamento, digamos de aplicação mais localizada, mas tem de contemplar
esse conjunto de interesses transversais. Aqui admite-se esta possibilidade de os designados
regulamentos autorizados com uma disciplina inovadora em certas matérias, designadamente
nestas. Fora estas matérias, é, primeiro, também não são usuais, em segundo lugar, seria já
ultrapassar o alcance constitucional da admissibilidade deste tipo de regulamentos. A regra é
proibição – admite-se esta exceção em determinado tipo de matérias.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
emitir estas normas regulamentares de caráter inovador. Mas é claramente uma exceção ao
sistema constitucional e administrativo regulamentar.
Há uma fase preparatória, que inclui uma iniciativa - a emissão de regulamentos, ao contrário
do que vimos para o ato administrativo, é de natureza oficiosa – é sempre de natureza oficiosa
– isto é, são os próprios órgãos administrativos que tomam a decisão de iniciar o
procedimento administrativo para disciplinar determinada matéria legal. A UC tem o
regulamento de bolsas, foi uma decisão oficial obviamente dos órgãos próprios da
Universidade, designadamente do Reitor, que estabelece o inicio do procedimento, o que faz
quase sempre por despacho, isto é, anuncia que se vai iniciar um procedimento regulamentar
com um despacho seu, identificado e publicado, aliás, se forem à página da UC veem isso.
Cada regulamento tem como ato de inicio oficioso adotado pelo órgão competente, aqui na
universidade, evidentemente, o Reitor da universidade. É claro que os estudantes,
designadamente através da AAC, podem fazer petições, pedidos de elaboração de
regulamentos ao Reitor – há legitimidade para isso, mas apenas isso. A decisão é sempre
oficiosa. Com isso não iniciam o procedimento. Podem constituir o pretexto para a decisão,
mas a decisão é oficiosa. O Reitor pode decidir iniciar ou não. Não está vinculado a isso. Ao
contrário do que vimos no ato administrativo, a elaboração do requerimento constitui no
órgão administrativo um dever de decisão, o que significa que há um dever de, a partir daí,
conduzir um procedimento até chegar à decisão final. Não assim é nos regulamentos
administrativos, em que há uma faculdade de elaboração de normas. Um pedido para a
elaboração de um novo regulamento de bolsas, por exemplo, mas o Reitor pode entender que
o Regulamento atual é recente, pode entender que ainda está atual, está vigente e que não vai
iniciar qualquer procedimento de elaboração de um novo regulamento ou de revisão deste.
Não está vinculado ao pedido que lhe é formulado pelos diretos interessados aqui
representados pela AAC.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Na instrução isto tem de ser ponderado, sob pena de o regulamento não ser apenas ilegal mas
aqui um regulamento claramente inconstitucional, porque seria inibitório do exercício de uma
liberdade fundamental. Há tantos e tantos regulamentos sobre a apresentação dos gados, das
crias, se não tiverem em conta o interesse dos proprietários, dos pastores, etc., evidentemente
que esse regulamento poderá estar a legislar sobre uma matéria extremamente sensível, que é
o exercício da atividade profissional, a liberdade de iniciativa económica e isso é matéria de
intervenção primária da lei – ainda que haja esta possibilidade de emitir regulamentos
independentes autónomos e, portanto desenvolver um bloco relativo ao exercício da atividade
profissional, depois na elaboração e na instrução tem de se ponderar todos os interesses
públicos e privados que estejam em presença. Que a liberdade profissional é um valor
egoístico, mas um valor constitucional, fundamental. É necessário que na elaboração do
regulamento isso seja tomado, assim como a liberdade religiosa.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Ou seja, o responsável pela direção do procedimento pode não proceder à audiência quando a
emissão do regulamento seja urgente; seja razoavelmente de prever que a diligência possa
comprometer a execução ou a utilidade do regulamento; o número de interessados seja de tal
forma elevado que a audiência se torne incompatível, devendo, nesse caso, proceder-se a
consulta pública; os interessados já se tenham pronunciado no procedimento sobre as
questões que importam à decisão. Em qualquer caso, a decisão final deve indicar os
fundamentos da não realização da audiência, de acordo com os números 3 e 4 do artigo 100.º
CPA.
Quando o número de interessados seja de tal forma elevado que a audiência se torne
incompatível ou quando a natureza da matéria o justifique, deve, nesse caso, proceder-se a
consulta pública, para recolhe de sugestões, procedendo, para o efeito, à sua publicação na 2.ª
série do Diário da República ou na publicação oficial da entidade pública, e na Internet, no sítio
institucional da entidade pública em causa, de acordo com o artigo 101.º CPA.
Por fim, a fase constitutiva, que é a fase da decisão, a fase da aprovação. É semelhante ao que
vimos também com o ato administrativo. A diferença é que num ato administrativo, o objeto
de aprovação ou decisão é um ato individual e concreto, a decisão para a pessoa A ou B; aqui,
está para aprovação final um conjunto de normas que vão aparecer ao cidadão, no mundo
exterior da Administração, através de normas regulamentares. Até este momento, em geral,
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
como sucede com o ato administrativo, todo o procedimento é conduzido por alguém
responsável pela direção do procedimento.
Nos termos do artigo 55.º CPA, a direção do procedimento cabe ao órgão competente para a
decisão final, mas o órgão competente para a decisão final delega em inferior hierárquico o
seu poder de direção do procedimento, salvo disposição legal, regulamentar ou estatutária em
contrário, ou quando a isso obviarem as condições de serviço ou outras razões ponderosas,
invocadas fundamentadamente no procedimento concreto ou em diretiva interna respeitante
a certos procedimentos, sendo que nos órgãos colegiais aquela delegação é conferida a
membro do órgão ou a agente dele dependente. Pelo que, concretizando-se a fase constitutiva
com o ato de aprovação do regulamento pelo órgão competente, pode suceder que o órgão
competente para o aprovar se recuse, de forma expressa ou implícita, a aprová-lo,
extinguindo-se, assim, o procedimento, ou, eventualmente, podendo ser retomado em moldes
diferentes.
Por fim, tal como vimos para o ato administrativo, mas aqui é necessário, diferentemente do
que sucede no procedimento administrativo do ato administrativo, em que vimos que a fase
de integração de eficácia era meramente eventual e, portanto, não necessária, no caso dos
regulamentos é uma fase necessária. Designadamente quanto à publicação. A publicação do
regulamento é uma condição geral da sua eficácia. Em geral, na segunda série do Diário da
República. Estes regulamentos que o Dr. foi dizendo durante a aula aparecem na II série do
Diário da República. Seja por razão legal ou, sobretudo, por uma razão constitucional, desde
logo resultante do artigo 119.º CRP, todos os atos normativos, portanto, todos os atos com
conteúdo genérico, ou seja, quando diz genérico é atos normativos, atos com noção material
de norma, sejam dos órgãos administrativos do Estado, sejam dos órgãos próprios das regiões
autónomas, seja das autarquias locais – qualquer que seja a entidade, quando emite normas
jurídicas, a sua eficácia está dependente da publicitação. É uma fase absolutamente
necessária, indispensável para que estas normas possam ter eficácia na esfera jurídica dos
cidadãos potencialmente destinatários.
Depois, neste âmbito, um requisito formal e comum a todos os regulamentos externos – artigo
136.º CPA – que é a indicação sempre da lei ou do bloco de leis, no caso dos regulamentos
independentes autónomos, que constituem objeto de regulação. É uma fase necessária, uma
indicação formal necessária da qual depende a legalidade do regulamento – indicação, por
exigência constitucional, estabelecida, desde logo, no artigo 112.º CRP, mas, depois, no CPA
vem concretizar essas normas constitucionais a estabelecer que os regulamentos devem
indicar expressamente as leis que visam regulamentar.
Para resumir, a fase integrativa da eficácia é constituída pelas formalidades que desencadeiam
os efeitos jurídicos externos do regulamento. Entre elas encontram-se a publicitação ou o atos
que constituam o resultado de procedimento de controlo. A publicidade é condição de eficácia
do regulamento, de acordo com o artigo 139.º CPA e 119.º/2 CRP.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
no contexto do estado sanitário. Estas resoluções são, em geral, atos normativos emitidos no
exercício da função administrativa, mas são aprovados em Conselho de Ministros. Os decretos
regulamentares são sempre aprovados no Conselho de Ministros. As resoluções do Conselho
de Ministros também são sempre aprovadas no Conselho de Ministros. Estes dois atos são
atos regulamentares do Conselho de Ministros. Às vezes as resoluções são meras
proclamações políticas, e quando assim é, é o exercício de função política e não o exercício de
função administrativa. Em geral, são atos de caráter regulamentar. O que é importante para
efeitos da justiça administrativa, portanto, para efeitos do Direito Administrativo III, primeiro –
saber se a resolução é ou não impugnável como regulamento administrativo; em segundo
lugar, saber em que tribunal ou hierarquia de tribunal deve ser impugnada, porque é aprovada
pelo Conselho de Ministros, que reúne a presidência do Conselho de Ministros e, portanto,
isso é algo com consequências praticas extraordinariamente importante para efeitos, depois,
de impugnação contenciosa. Depois, existem outros regulamentos, que já têm formas típicas.
Por exemplo, a forma Portaria – a portaria do Ministro da Saúde; portaria do Ministro das
Finanças. Esta portaria da Administração Interna sobre o tal fardamento, ou os despachos
normativos emitidos pelos ministros. Isto são formas rotineiras habituais de cada um dos
ministros no exercício da função administrativa – emitir regulamentos administrativos. Aí, a
forma é típica. É mais típica no Governo do que nas outras entidades, exceto as Regiões
Autónomas, que são os decretos regulamentares regionais, mas em relação ao Governo, ou é
Decreto Regulamentar, ou é Resolução do Conselho de Ministros, ou são Portarias normativas
(portarias genéricas, emitidas por um ou mais ministérios, mas em nome do Governo) ou
Despachos normativos de um ou mais Ministros. É isso que, por regra, o Governo usa para
emitir normas com formato de regulamentos.
Quanto aos regulamentos das autarquias locais, não têm uma forma também específica.
Regulamento de trânsito – aparece o município de Coimbra, regulamento de trânsito. Ou
regulamento de polícia, ou o regulamento de taxas para as atividades X, ou o regulamento
para a circulação e o passeio de animais. Estes regulamentos revestem a forma a que se
dirigem, em geral, identificando o objeto a decidir. Regulamento de taxas para a área
urbanística; regulamento de taxas para a área do comércio e atividades conexas… Portanto,
têm uma forma atípica, não específica, para a sua emissão. Muitas delas são posturas, e por
isso existem os códigos de posturas municipais – postura municipal número x, que vem
regulamentar a matéria Y ou Z. Muitas vezes aparecem sob a forma de postura, às vezes até
ainda em alguns transportes públicos se encontra lá escrita a postura municipal X sobre o
modo de ocupar o autocarro – com que higiene, com que condições, se se pode ou não levar
animais, etc. – está lá a postura até ainda publicada, que já vem do antigamente, mas que
ainda ali permanece como postura vigente. Muitas delas são as chamadas posturas municipais,
algo que já vem de uma aquisição da história do Direito.
Depois, para as outras entidades públicas, também não há formas típicas, exceto para o caso
das universidades, em que o regulamento que estabelece os estatutos tem de se chamar
mesmo Estatuto da Universidade X ou Y. Estatuto da Universidade de Coimbra, Estatuto da
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Universidade de Lisboa, etc., têm de ter a indicação formal, por força de lei, porque o RJIES diz
que cada universidade aprova o seu estatuto – isso significa que, por lei, já está a ser dada uma
forma ao regulamento, que são os estatutos. Tem de ter a designação formal de Estatutos.
Ou nas ordens profissionais – quem tiver, um dia mais tarde, contacto com a Ordem dos
Advogados, vai ver que encontra um número elevado de regulamentos – regulamento
deontológico, regulamento disciplinar, regulamento de estágio – vai encontrar diferentes tipos
de regulamentos em que cada um deles, evidentemente, vai ter uma forma típica ou específica
– existe uma pluralidade de forma de emissão de normas regulamentares.
Cada atividade regulamentar externa é essencial, uma vez que daqui depende a validade dos
regulamentos, e, portanto, esta condição de validade é inerente a qualquer norma
regulamentar e, portanto, isto é importante, evidentemente para o caso prático, e é claro que,
de uma maneira ou de outra, também este ponto estará presente na elaboração e resolução
de respostas para o caso prático sobre os regulamentos, são os princípios jurídicos atinentes à
atividade regulamentar externa.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Há também uma especial relevância dos princípios substanciais da juridicidade, por exemplo,
os princípios da igualdade e da proporcionalidade, cuja valia normativa é geral, isto é, aplicável
a todos os regulamentos, incluindo os que tenham caráter predominantemente técnico, como
acontece com muitos regulamentos emitidos pelas autoridades reguladoras independentes. Se
eles não forem observados, é claro que isso vai conduzir a que o regulamento tenha um vicio
substantivo ou de conteúdo e que, consequentemente, seja um regulamento inválido.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Este regime foi concebido pela doutrina e jurisprudência, tendo transitado para o direito
positivo com o CPA de 2015, que revogou o CPA de 1991. Vale, em especial, o regime que
consta dos artigo 137.º a 147.º, designadamente:
- A caducidade automática dos regulamentos como consequência da revogação das leis que
visem executar, exceto nas situações em que sejam compatíveis com as novas leis e até que
sobrevenha nova regulamentação, de forma a evitar o vazio normativo-regulamentar, de
acordo com o artigo 145.º CPA. Há de haver uma revogação de um ato legislativo, mas
enquanto não for aprovado um novo ato legislativo que substitua esse, aquele regulamento
mantém-se em vigor.
- A regra geral da irretroatividade dos regulamentos, exceto quanto aos regulamentos de atos
legislativos retroativos e dos regulamentos necessários à execução das leis, de acordo com o
artigo 141.º CPA;
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
A regra geral é de que nas relações entre regulamentos administrativos vigora a regra geral de
inexistência de hierarquia e, portanto, a paridade de força ou valor normativo; trata-se de atos
normativos regulamentares de valor infraconstitucional e infralegal. Até porque o âmbito de
aplicação dos regulamentos é delimitado pelas atribuições e competências de cada pessoa
coletiva pública, pelo que as possíveis situações de hierarquia ou de conflitos normativos entre
regulamentos são excecionais. Temos, por princípio geral uma paridade ou valor normativo
equivalente ou paritário entre os diversos regulamentos administrativos externos, ou seja,
regulamentos que produzem efeitos jurídicos no exterior da Administração. O surgimento
destes conflitos provocaria não apenas um problema de litigância mas também problemas ao
nível da própria confiança, segurança e certeza jurídicas dos cidadãos. Perante uma
pluridimensionalidade de normas administrativas, os cidadãos teriam de se perguntar sempre
a que regras observar. Esta regra geral evita esse problema. Cada entidade pública tem as suas
atribuições – a UC tem as suas atribuições, cada Município tem as suas atribuições legalmente
delimitadas, o Estado-Administração igual, as associações públicas profissionais de igual
modo… Se cada pessoa coletiva pública emitir regulamentos no âmbito dessas atribuições, ou
das atribuições que a lei reconhece a cada uma dessas pessoas coletivas públicas,
consequentemente, fica desde logo mitigada a possibilidade da existência de conflitos
normativos.
Esta é a regra, mas pode existir, por vezes, alguma situação de conflito.
Se existirem conflitos entre estas normas, mesmo ao nível das autarquias locais, que são
compostas pelos municípios e pelas freguesias, pode suceder a existência de algum conflito,
desde logo porque os municípios têm competência regulamentar e, designadamente, para
emitir os regulamentos independentes autónomos, e as freguesias também têm competência
regulamentar. Desde logo, aí, pode surgir conflito entre regulamento do município e
regulamentos emitidos pelas freguesias. A regra geral é, neste caso, na relação entre
regulamentos dos municípios e, portanto, emitidos pelas Assembleias Municipais, e
regulamentos emitidos pelas freguesias, através das Assembleias de Freguesia, a regra é que
os regulamentos municipais prevalecem sobre os regulamentos das freguesias, salvo se estes
regulamentos das freguesias se configurarem como normas especiais, ou seja, normas que
regulamentam determinada matéria da atribuição e competência própria dos órgãos da
freguesia, designadamente da Assembleia e da Junta de Freguesia, e, se for possível qualificar
esse regulamento como um regulamento especial, aqui vale aquilo que nós já conhecemos da
Teoria Geral do Direito, que havendo conflito entre norma geral e norma especial, devemos
salvaguardar o regime da norma especial. É esta regra que está também presente no regime
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
O mesmo sucede nas relações entre as autarquias locais, das Regiões Autónomas e do
Governo. Também aqui há, não raras vezes, conflitos de regime – designadamente do
confronto entre regulamentos das autarquias locais, regulamentos das Regiões Autónomas e
regulamentos do Estado, designadamente em matéria que se aparenta como concorrente.
Estas três entidades podem, pela via regulamentar, concorrer no estabelecimento de um certo
regime sobre essas matérias. Quando assim sucede, também por força do artigo 138.º/1 CPA,
devem prevalecer, aqui, os regulamentos do Governo. É uma espécie de lógica de garantia de
uma unidade administrativa que cabe ao Governo. Nessa medida, ele é o garante da atuação
da unidade administrativa. Ou seja, nas relações entre os regulamentos governamentais, no
domínio das atribuições concorrentes do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias
locais: prevalecem os regulamentos governamentais sobre os regulamentos regionais e
autárquicos e das demais entidades dotadas de autonomia regulamentar, salvo se estes
configurarem normas especiais (artigo 138.º/1 CPA). No entanto, os princípios da
subsidiariedade, da autonomia local e da descentralização.
Também aqui pode configurar-se, e o que é até mais usual, um mero aparente conflito
normativo entre regulamentos administrativos, na medida em que, se cada município e cada
uma das Regiões Autónomas, ao regulamentar uma determinada matéria, se se contiver
exclusivamente no âmbito das respetivas matérias e, portanto, não regular matéria
concorrente com o Estado, mas exclusivamente aquela que é exclusivamente especifica ou do
Município ou da Região Autónoma, então, também neste âmbito, aquilo que era o aparente
conflito se resolve através da relação entre norma geral e norma especial e,
consequentemente, prevalece, naquilo que é matéria exclusiva de Município ou Região
Autónoma, as normas especiais do Município e as normas especiais das Regiões Autónomas.
Esta regra de prevalência especial é reforçada por princípios constitucionais, como o princípio
da subsidiariedade – o Estado-Administração só deverá intervir em matérias em que,
porventura, as autonomias locais ou regionais não consigam corresponder e, portanto, deve
vigorar o princípio da subsidiariedade, só se admitindo a intervenção regulamentar do Estado
sem situações excecionais ou de imperiosa necessidade ou, então, em matérias lacunares dos
municípios ou das regiões autónomas, de forma a que venha suprir essa lacuna regulamentar,
o Governo, por uma razão justificada também à luz da salvaguarda do interesse público; para
além disso, há os princípios de salvaguarda da descentralização, seja descentralização político-
administrativa para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, seja a descentralização
meramente administrativa para as Autarquias Locais. São princípios também constitucionais
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Em certos casos também há uma relação entre os próprios regulamentos emitidos pelo
Governo. Têm uma competência regulamentar geral, designadamente no artigo 199.º, alínea
c) da CRP – cabe-lhe dinamizar toda a ordem jurídica através de regulamentos administrativos
que facilitem, desde logo, a aplicação das leis. Tendo esta competência regulamentar alargada,
e podendo emitir regulamentos com diversas formas, também é natural que aqui possam
existir conflitos normativos, que são resolvidos também no CPA, no artigo 138.º, por uma
dignidade procedimental de emanação deste tipo de regulamentos. Desde logo, os decretos
regulamentares, que para além de serem aprovados pelo Conselho de Ministros, estão sujeitos
à promulgação do Presidente da República e, portanto, do ponto de vista da sua produção
normativa, por força da própria CRP, estes atos regulamentares do Governo dispõem de uma
força formal reforçada. Portanto, prevalecem sobre as portarias normativas, os despachos
normativos ou qualquer outro regulamento que seja dos órgãos do Governo. De igual modo
para as resoluções normativas do Conselho de Ministros, quando elas sejam qualificáveis como
regulamentos (nalguns casos são meras declarações programáticas ou políticas – aí são um ato
político, e não um regulamento; outras, como ultimamente tem sucedido de forma semanal, o
Governo tem aprovado através de resolução uma quantidade infindável de normas
administrativas – essas resoluções são claramente regulamentos administrativos. Também
aqui têm um valor reforçado por serem aprovadas em Conselho de Ministros). Ou seja, nas
relações entre os próprios regulamentos governamentais: prevalência para os decretos
regulamentares, por disporem de um valor formal reforçado pela promulgação do Presidente
da República; para as Resoluções normativas do Conselho de Ministros, quando consistam em
regulamentos, pelo seu valor substancial reforçado, que lhe advém da aprovação em
Conselhos de Ministros; portarias normativas, despachos normativos ou genéricos.
A regra geral é que são inválidos os regulamentos que sejam desconformes com a
Constituição, com a lei (os regulamentos, enquanto atos normativos infralegais, terão de ser
conformes ou, pelo menos, não ser desconformes com qualquer lei do ordenamento jurídico –
uma vez que a lei é um ato normativo hierarquicamente superior ao regulamento, pelo que o
regulamento deve ser conforme aos parâmetros formais e substantivos das leis – lei como lei
da Assembleia da República, decreto-lei do Governo e decreto legislativo regional das
Assembleias Legislativos Regionais) e os princípios gerais de direito administrativo (que estão
no artigo 266.º/2 CRP, e têm de observar estes princípios tal como são definidos ou
apresentados nos artigos 3.º e ss. do CPA) ou que infrinjam normas de direito internacional ou
de direito da União Europeia (artigo 143.º/1 CPA).
Mas, são ainda inválidos os regulamentos que desrespeitem os regulamentos emanados dos
órgãos hierarquicamente superiores ou dotados de poderes de superintendência – aqui,
fundamentalmente está em causa a relação dos Ministros que detêm tutela e
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Contudo, também no regulamento existem, seja por conflitos de regime, seja porque os
regulamentos substancialmente não respeitam as normas hierarquicamente superiores ou os
princípios, isso conduz à invalidade do regulamento. O regime da invalidade dos regulamentos
administrativos está previsto no artigo 144.º CPA. Seja uma invalidade formal, uma invalidade
procedimental, uma invalidade substantiva material, também aqui, como vimos no ato
administrativo, há um regime próprio para a invalidade dos regulamentos.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
A regra geral é a de que a invalidade do regulamento pode ser invocada a todo o tempo por
qualquer interessado e pode, também a todo o tempo, ser declarada pelos órgãos
competentes.
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sempre lugar ao pagamento de taxas. Quem estabelece essas taxas, esses montantes
pecuniários dos serviços prestados, por regra, são os regulamentos administrativos – seja na
Universidade, num Município, numa qualquer entidade reguladora, num instituto público,
num Ministério…
O grande problema que se tem colocado, para além da precedência de lei, é saber se estas
taxas são proporcionais em função dos serviços prestados. Se há ou não há uma observância,
na fixação destas taxas, do principio da proporcionalidade. Porque uma taxa é um preço, isto
é, uma quantia pecuniária que deve corresponder a um sinalagma equitativo ou equilibrado.
Isto é, a taxa que se exige ao particular deve ser proporcional em relação ao custo do serviço
prestado. Se exceder isto temos um problema de ilegalidade substantiva, por violação do
principio da proporcionalidade. Aqui, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido
reprovadora destes regulamentos sobre preços ou quantias pecuniárias. Também muito
frequente ao nível da exigência dos princípios da precedência de lei, para além da primaridade
da lei. Uma jurisprudência do Tribunal Constitucional a salvaguardar o princípio da legalidade
administrativa na relação entre leis e regulamentos. Cada regulamento tem de ter habilitação
numa lei específica ou, quando se trate dos regulamentos independentes autónomos, num
bloco normativo ou num conjunto de leis. Só assim existe a precedência de lei. Não existindo
isto, o regulamento é ilegal por violação de um princípio fundamental, que é o da precedência
de lei relativamente aos regulamentos.
Nos regulamentos administrativos, nós podemos ter requisitos de validade relativos ao sujeito,
como tínhamos no ato administrativo, de forma diferente, mas que no ato administrativo nós
dizíamos o pressuposto legal, portanto, o fim e o pressuposto legal, o pressuposto concreto;
aqui, em matéria regulamentar, falamos mais em habilitação legal para a emissão do
regulamento e, portanto, o princípio da precedência de lei e, consequentemente, se violar o
princípio da precedência da lei teremos um vicio substantivo do regulamento, por violação
deste principio constitucional da precedência da lei, ou a falta de menção da lei ou decreto-lei
que o regulamento disciplina através de uma norma regulamentar. Cada regulamento, seja ele
de um município, seja ele da universidade pública, seja ele do Ministério da Saúde, ou da
Segurança Social, ou da Economia… cada regulamento que é emitido, independentemente da
forma, deve sempre invocar a habilitação legal, isto é, qual é a lei ou o decreto-lei que aquele
regulamento visa regulamentar. Se isso não estiver, há uma invalidade formal do regulamento,
porque no preâmbulo do regulamento deveria constar a norma legal habilitante da emissão
daquele regulamento ou o bloco normativo legal habilitante da emissão daquele regulamento,
no caso de se tratar de regulamentos independentes autónomos. Teremos sempre aqui um
problema de um vício que, quanto aos requisitos dos regulamentos, se localiza na habilitação
legal, ou na falta de habilitação legal, ou por inobservância da precedência da lei, ou existindo
precedência da lei, existindo a lei ou o decreto-lei ou o decreto legislativo regional, ele não é
mencionado, não é identificado no preâmbulo do regulamento administrativo,
independentemente de ser municipal, da universidade pública, do Governo ou de uma
autoridade reguladora ou de um instituto público.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Também, como vimos no ato administrativo, pode haver ilegalidades do regulamento por
inobservância dos requisitos procedimentais de formação. Primeiro – nós vimos que quando
seja possível deve haver audiência dos interessados no procedimento de elaboração de
normas administrativas e quando não seja possível essa audiência, poderá recorrer-se à
consulta pública, designadamente quando a lei a exige – e aí, se houver essa preterição desta
formalidade, já vimos que o artigo 143.º considera isso como a preterição de uma formalidade
essencial, ainda que procedimental, mas essencial, e, consequentemente, determina uma
ilegalidade grave para a norma regulamentar. Por vezes há a necessidade de audição de outras
entidades públicas – isso é previsto, obviamente, nas leis cativas – se for regulamentos
municipais em matéria de ordenamento do território ou do ambiente, há que ouvir as
Comissões de Desenvolvimento Regional, eventualmente a Agência Portuguesa do Ambiente…
Depois, outras formalidades procedimentais que são muito previstas em leis avulsas do
ordenamento juridico – aqui está apenas um exemplo – quando se trate da elaboração de
Planos Municipais sejam Diretores ou de Pormenor, ou de outra natureza, em matéria
urbanística ou de ordenamento territorial municipal, esta lei ou este decreto-lei que
estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão industrial impõe sempre a consulta
pública na elaboração desses regulamentos. Portanto, a preterição dela provocará uma
ilegalidade grave nesses regulamentos e, consequentemente, invocável a todo o tempo por
aquele regime do artigo 143.º CPA.
Depois, forma – requisitos de validade quanto à forma – a forma de emissão dos regulamentos
– como vimos, há determinados regulamentos que têm formas típicas, designadamente os do
Governo – decretos regulamentares, resoluções normativas do Conselho de Ministros,
portarias normativas de um só Ministro ou mais do que um Ministro, em conjunto, ou
despacho normativo genérico. Depois, as Universidades Públicas têm de ter um regulamento
com uma forma especifica – os Estatutos – o regulamento que se chama Estatutos – é uma
forma insubstituível. Se não for observada, implica o cometimento de uma ilegalidade grave
por preterição de uma formalidade que a lei qualifica como insuprível e, portanto, insanável.
Depois, a fundamentação nos casos em que o regulamento estabeleça sacríficos pecuniários
para os particulares. Exige-se fundamentação, ou seja, um conjunto de razões que justificam o
estabelecimento daquele regime patrimonial ou monetário ou pecuniário que vai onerar o
património das pessoas e das empresas, ou associações, ou fundações, e aí requer-se um ónus
adicional para a entidade pública que emite esse regulamento, que é justificar no preâmbulo a
racionalidade económico-financeira dessa taxa, ou essa tarifa, ou desse preço público coativo.
Deve explicar as razões pelas quais está a estabelecer aquele regime pecuniário que vai onerar
os particulares, até para que os particulares compreendam o estabelecimento daquele regime,
seja em matéria da emissão de licenças, matéria de taxas urbanísticas, matéria da posse de
animais, matéria de estabelecimento ou funcionamento de estabelecimentos… todos eles têm
de ter esta fundamentação, sob pena de ilegalidade formal.
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no ato administrativo, em que a regra geral é a da mera anulabilidade, nos termos do artigo
163.º CPA; no regulamento a regra é inversa, ou seja, o legislador reputa aqui as situações
causadoras de invalidade, por regra, mais graves do que contrapondo ao ato administrativo –
daí a impugnação e a invocação a todo o tempo.
No caso concreto, o que nós temos é um regulamento administrativo emitido pelo Governo,
invocando uma Lei Orgânica da Autoridade Nacional de Proteção Civil, invocando a Lei de
Bases da Proteção Civil e toda a legislação conexa em matéria de proteção civil. Emitiu com
uma certa forma, que é a forma de decreto regulamentar, através do qual pretendia disciplinar
todas as situações relativas à prevenção de riscos coletivos inerentes às situações de acidente
grave ou catástrofe, à atenuação dos seus efeitos e à proteção e socorro das pessoas e bens
em perigo quando aquelas situações ocorram.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Por sua vez, o Governo, neste litigio ou conflito normativo, diz que o decreto regulamentar se
destina a acautelar interesse nacional e o interesse nacional compete ao Governo zelar, dentro
dos termos constitucionais, e não às autarquias locais e, por isso, o decreto regulamentar teria
sempre uma hierarquia normativa superior aos regulamentos municipais – consequentemente
estes deviam obediência normativa ou seriam revogados por aquele decreto regulamentar.
Todos os regulamentos, na perspetiva do Governo, emitidos pelos municípios, em
desconformidade com o regulamento do Governo, seriam inválidos por violação das
atribuições próprias da Administração do Estado. Ou eram revogados e, portanto, por
revogação substitutiva, ou, não sendo revogados, seriam sempre inválidos, porque estavam a
ter por objeto uma matéria que é de interesse nacional e, portanto, não do interesse das
Autarquias Locais e, consequentemente, não das atribuições das Autarquias Locais, mas só das
atribuições do Estado-Administração e esses regulamentos, ao regulamentarem matéria de
interesse nacional intrometiam-se nas atribuições do Estado-Administração e,
consequentemente, estariam a violá-la, e eis que aparece uma ilegalidade grave nesses
regulamentos.
Agora as perguntas:
Terceiro – Será o regulamento do Governo inválido, tendo em conta razões invocadas pelos
municípios? E os emitidos por estes também serão inválidos, considerando a alegação do
Governo?
Agora vamos aplicar os critérios quanto à caracterização dos regulamentos em causa. O que é
que nós temos de mobilizar para responder a uma pergunta deste género? É, obviamente,
aquela temática que está na primeira apresentação sobre os regulamentos. As classificações
doutrinais dos regulamentos. Portanto, teríamos de mobilizar esses critérios. Depois, a outra
mais fácil, obviamente, a distinção entre regulamentos e regulamentos (gerais) externos. Esta
é mais fácil.
Relativamente ao primeiro critério a mobilizar, nós dizíamos que atenta a cláusula geral
genérica de atribuições dos municípios na matéria em causa, isto é, estabelecer normas
administrativas em matéria de proteção civil e, portanto, socorro às pessoas e bens nas
situações de gravidade – haver normas que estabelecessem condutas de ação, condutas de
socorro, condutas de apoio de todas as autoridades de proteção civil municipal coordenadas –
com os bombeiros, com a coordenação policial, o comando de polícia municipal ou distrital…
essas normas são normas que estabelecem um amplo campo de disciplina e não poderíamos
deixar de considerar que dado o âmbito da matéria estaríamos perante regulamentos
independentes autónomos, uma vez que esse regulamento também teria a pretensão de, no
âmbito especificamente local, disciplinar por via de regras meramente administrativas, os
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regimes legais em matéria de proteção civil, que como vimos são várias leis, na situação em
concreto – a Lei Orgânica da Proteção Civil, a Lei de Bases da Proteção Civil e legislação conexa.
O bloco normativo era alargado, não era apenas um ato legislativo especifico e,
consequentemente, nós temos aqui um regulamento complementar de desenvolvimento do
regime legal, do bloco legal conformador ou precedente, e temos as notas essenciais para
qualificar o regulamento da autarquia local como um regulamento independente autónomo.
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Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão
Aqui é apresentar esta discussão doutrinal entre esta disponibilidade ou não de o Governo
também poder emitir regulamentos independentes das leis. Independentemente desta
discussão doutrinal, a verdade é que o Governo, não raras vezes, emite regulamentos
independentes.
Depois, será o regulamento do Governo válido, tendo em conta as razões invocadas pelos
municípios? E os emitidos por estes, serão inválidos, considerando a alegação do Governo?
Aqui a nossa tentação poderá ser logo ir para o caminho da invalidade. Ou invalidade do
regulamento do Governo ou, porventura, a invalidade dos regulamentos municipais. A
metódica não é essa. Se a regra é a de que em matéria concorrente, prevalecem os
regulamentos governamentais sobre os regulamentos municipais, esta regra tem como limite
em que os regulamentos autárquicos configurem normas especiais – artigo 138.º/1 CPA. Isso
significa que para nós, a metódica que nos fornece o CPA é da preservação da validade dos
regulamentos. Portanto, resolver o conflito sem que, imediatamente, recorramos aos critérios
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Se se concluísse que não era possível resolver o conflito normativo por esta via, então
chegaríamos à conclusão de que o regulamento do Governo – os regulamentos não
extravasam as competências próprias dos municípios, portanto, não há nenhuma invalidade
dos regulamentos municipais, não atingindo as competências próprias do Estado-
Administração – portanto, não há nenhuma ilegalidade dos regulamentos municipais quanto
ao sujeito por falta de atribuições. Isso significa que aquele vicio, aquela invalidade que o
Governo apontava aos regulamentos municipais por interferirem em matéria que seria
competência administrativa nacional do Governo, isso não se verifica, porque o regulamento
municipal apenas regulamenta aquela matéria especifica do interesse de socorrer as pessoas
ou naquela escola, ou naquele bairro, ou no acesso àquele centro de saúde,
independentemente da ação administrativa nacional do Governo. Não havia nenhuma
invalidade quanto ao sujeito por falta de atribuições regulamentares ou por invasão das
atribuições administrativas do Estado. Aquele vicio que imputava o Governo aos regulamentos
municipais, que era exceder as atribuições municipais e interferir nas nacionais não se verifica.
Não há nenhuma ilegalidade neste regulamento quanto ao sujeito por falta de atribuições ou
por invasão às atribuições da pessoa coletiva em causa.
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Por outro lado, saber se o regulamento do Governo é que é inválido ou ilegal por invadir, na
perspetiva dos municípios, as atribuições locais e, portanto, os interesses específicos das
populações locais.
Temos aqui, agora, também um problema de concorrência normativa, agora vista na alegação
dos municípios. Esta concorrência, onde há aplicação cumulativa de normas, normas nacionais
e normas regulamentares autárquicas, deve sempre metodicamente, nunca vão logo para a
ilegalidade ou para a invalidade, é saber se conseguem resolver o conflito sempre com esta
metódica. À base do artigo 138.º CPA, tentar afastar a invalidade aplicando o principio da
prevalência da regra especial sobre a regra geral. Exceto em situações em que não existam as
normas municipais e, por força do principio da intervenção subsidiária do Estado, teria de
alguém socorrer aquela população e, portanto, compreende-se que o Governo emitisse
normas regulamentares para suprir essa lacuna municipal de atuação, por razão de interesse
imperioso e, portanto, aí justificava-se, não havia nenhuma ilegalidade, mas existindo uma
norma especial a regulamentar essa matéria, então, vale essa norma especial nesse âmbito
circunscrito, afastando a aplicação da norma geral, e a norma geral do Governo, então, limita-
se apenas ao enquadramento da estrutura nacional da proteção civil e, neste contexto,
resolvemos o conflito evitando a automática ilegalidade ou invalidade das normas.
Contudo, se porventura não fosse possível afastar este conflito através da aplicação da regra
especial em confronto com a regra geral, se porventura até o Governo insistisse que naquele
caso também não valeria a prevalência da regra especial, então aí sim, emitíamos um juízo de
invalidade sobre o regulamento, na medida em que, indiscutivelmente, o regulamento naquela
parte do interesse puramente local, e de organizar a vida daquela população local todos os
dias, então aí nós tínhamos de concluir que aí havia uma ilegalidade do regulamento do
Governo, por invadir atribuições próprias da autonomia normativa municipal em matéria da
prossecução dos interesses das populações locais. Portanto, havia um problema de invalidade
substantiva do decreto regulamentar do Governo por invadir as atribuições próprias e
especificas dos municípios e tínhamos um problema do requisito de validade do regulamento
comprometido, que é o requisito relativo às atribuições, causando uma invalidade substancial
no regulamento.
Depois, por último, também estavam aqui os princípios conformadores, que é o principio da
subsidiariedade, portanto, se o regulamento também confronta estes princípios, confronta um
bloco de jurisdicidade e como vimos ao nível dos requisitos de validade, as normas
regulamentares são substantivamente conformadas pelos princípios conformadores – aqui
temos logo aqueles três – a subsidiariedade – era desnecessário o decreto regulamentar tratar
daquela matéria, por ser puramente local – das atribuições puras, exclusivas e próprias
daquelas populações locais e, por outro lado, a descentralização e autonomia local normativa.
Portanto, temos aqui uma invalidade substancial por colidir com estes princípios.
A outra questão que se colocava tinha a ver com o procedimento de formação. É que o
decreto regulamentar do Governo, ao contrário do que a lei exigia, não foi submetido nem a
audiência dos interessados nem a consulta pública. Portanto, nos termos do artigo 100.º CPA,
ou não sendo possível a audiência dos interessados, haver lugar a consulta pública, nos termos
do artigo 101.º CPA, devendo esta ser salvaguardada independentemente de o regulamento
ter ou não ter eficácia imediatamente operativa. O critério aqui não é esse. É quando a matéria
o justifique e, portanto, se ela for de um interesse primariamente importante paras as
populações em geral, estas devem ser auscultadas através do procedimento de consulta
pública, o que no caso não sucedeu. Era especificamente exigida por lei, no caso. Sendo assim,
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temos a sanção grave do artigo 144.º/2 CPA, quanto haja preterição de consulta pública
exigida por lei há uma ilegalidade grave e, portanto, isso significa que a invalidade do
regulamento pode ser invocada a todo o tempo e pode ser também declarada a todo o tempo
pelo órgão administrativo competente – neste caso, o órgão governamental Conselho de
Ministros no exercício da função administrativa iria emitir uma declaração de invalidade do
regulamento por violação de norma procedimental e, portanto, haveria uma falha no requisito
que era quanto ao procedimento de elaboração do regulamento ou de preterição de
formalidade essencial e não suprível, portanto, insuprível, a determinar uma consequência
invalidante para o regulamento e, portanto uma invalidade procedimental.
Para além da questão das atribuições municipais e, mais uma vez, da violação daqueles
princípios da subsidiariedade, da autonomia local e da descentralização, teríamos um
problema claramente substantivo nas atribuições, por invasão das atribuições próprias dos
municípios e a violação daqueles princípios - na parte em que procedia à revogação desses
regulamentos. Se isso ocorresse, teríamos um problema de vicio nas atribuições e, portanto,
quanto ao sujeito, porque o sujeito não tem aquelas atribuições, que é o Governo – aquelas
atribuições são próprias e especificas do município – e que o Governo queria obstar,
revogando os regulamentos que já tivessem sido emitidos pelo município e,
consequentemente, ao invadir esta autonomia normativa municipal, ia colidir, mais uma vez,
com os princípios, havendo um vicio substantivo no regulamento.
Depois, quanto aos regulamentos executivos que o próprio governo já tinha emitido antes em
matéria de proteção civil, a revogação pura e simples – há aqui também uma falha, uma
desvirtude ao nível do regulamento do Governo, na medida em que viola uma das regras
essenciais da atividade regulamentar, que é a proibição de revogar, pura e simplesmente – não
haver revogação substitutiva de regulamentos executivos necessários à boa aplicação das leis,
por força do artigo 137.º/1 CPA. Impõe uma obrigação dos órgãos administrativos emitirem
regulamentos necessários à boa aplicação das leis – seja pormenores de execução ou da
disciplina substantiva, pormenores de que serviços se devem dirigir, onde funcionam, como a
eles se devem dirigir… são pormenores simples mas que, do ponto de vista do cidadão, são
importantes para haver a boa aplicação das leis ou que estas usufruam do regime delas. Daí a
imposição desta obrigatoriedade. Automaticamente que se estes regulamentos têm esta
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funcionalidade, não deve haver a revogação pura e simples destes regulamentos. Há uma
proibição de revogação pura e simples desses regulamentos porque criam um vácuo no
ordenamento jurídico-administrativo para a boa aplicação destas leis e o Governo, ao revogar
esses regulamentos, não os substituindo por outros que continuassem a facilitar a boa
aplicação desses regimes legais, então estaria a colocar em causa um principio essencial da
atividade regulamentar administrativa e imposta pelo CPA. Esses regulamentos, mesmo
quando, porventura, revogadas as leis que regulamentam, eles devem-se manter em vigor até
que venha um novo regime legal para continuarem a facilitar a rotina procedimental dos
cidadãos. Essa revogação era ilegal se revogasse de forma pura e simples as normas executivas
anteriores, já emitidas pelo próprio Governo.
Por último, alegam ainda os municípios, que o decreto regulamentar do Governo, para além
disso, iria impor uma afetação nos interesses pessoais ou patrimoniais ou profissionais das
pessoas que eram protegidos pelos regulamentos municipais. Portanto, nessa medida, o que
os municípios estão a dizer é saber se este regulamento do Governo, ao impor esse novo
regime administrativo, estaria ou não a respeitar a proporcionalidade, a confiança e a
segurança e certeza jurídica daquelas populações locais. A ter-se por verdade a alegação do
Município, indiscutivelmente que aquela regulamentação, por introduzir um regime de
disponibilidade, ou do património das pessoas para socorro, ou a utilização da sua propriedade
para socorro, etc., iria colocar em causa e afetar desproporcionadamente o interesse daquela
população, até mais do que, porventura, o próprio regime legal o estabelecia ou induzia. Isso
significa que, para além de pretender ter uma eficácia retroativa revogatória, não se limitando
estritamente ao necessário e ao principio da proporcionalidade, evidentemente ia ser uma
norma que repentinamente estabelece um regime fraturante para as pessoas, que têm de
mudar a sua rotina, a sua disponibilidade do seu património, da sua rua, da sua propriedade
em nome da proteção civil… poderá revelar-se aqui contra o principio da confiança, da
segurança e da certeza jurídica e, consequentemente, haver uma invalidade substantiva e,
portanto, de conteúdo, por violação de uma juridicidade vinculativa da atividade
administrativa, independentemente de ser por ato administrativo ou por regulamento
administrativo.
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