Você está na página 1de 124

Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Algumas notas prévias para introduzir alguns esclarecimentos sobre aquilo que são os atos
jurídicos da administração.

Em TGDC também os atos jurídicos, um dos quais é o negócio jurídico, por exemplo. Também
no contexto da teoria geral do direito administrativo se fala nos atos jurídicos da
administração. Estes atos da administração, ou dos órgãos administrativos, compreendem
sempre um elemento ativo – é uma ação, ainda que, evidentemente, a omissão também seja
um ato com relevância jurídica.

A noção geral de ação administrativa compreende sempre um elemento funcional – a função


administrativa – a prossecução dos tais interesses públicos secundários legalmente definidos, e
esse é o elemento teleológico ou elemento material ou substantivo da ação administrativa e,
naturalmente, a prossecução dessas finalidade há de ter uma forma de exteriorização – há de
conter sempre um elemento formal. O elemento material é sempre a função administrativa,
ou seja, a prossecução do que nós designamos por interesse público secundário, isto é, o
interesse público definido na lei – seja a saúde, hoje, evidentemente, um dos interesses
públicos mais latentes na área da saúde é a saúde pública -, mas é a lei que define isso. A
Ministra da Saúde, a Direção Geral da Saúde, as Administrações Regionais de Saúde – todas as
entidades administrativas colaboram para a prossecução desse fim, dessa função
administrativa.

A ação administrativa é o conjunto das ações executadas por sujeitos da Administração


Pública, no âmbito da prossecução da função administrativa (elemento material), através da
utilização de diversos meios ou instrumentos de atuação (elemento formal).

A regra é haver uma forma de agir – ou o ato administrativo, ou o regulamento administrativo,


ou o contrato administrativo ou operações puramente materiais ou de facto.

Estas formas, que podem ser variadas, do agir administrativo têm sempre uma dimensão
finalisticamente unitária, que é sempre a prossecução do interesse público. Qualquer que seja
o modo formal do agir administrativo, há um elemento unitário que concede uma
racionalidade substantiva a esse agir administrativo, ou uma unidade finalística do agir
administrativo – que é sempre a prossecução do interesse público. Pode ser o interesse
público do apoio à economia, relevante hoje na área do turismo, a área das empresas, até pela
via fiscal ou pelo apoio à empregabilidade, etc. É um apoio económico, mas há um elemento
unitário a unir isso com a saúde – no caso, a saúde pública – é sempre a dimensão do interesse
público.

A ação administrativa programa e planifica, constrói e gere infraestruturas, fiscaliza e sanciona,


regula os mercados, prossegue fins sociais – saúde e segurança social – e de educação e
ensino, etc.

No contexto da ação administrativa, ou das formas da ação administrativa, temos as primeiras


- as chamadas ações jurídicas, que se exteriorizam através de atos que produzem efeitos
jurídicos (efeitos jurídico-administrativos, como a emissão de ordens, emissão de normas,
aplicação de sanções, etc.) Os atos que se traduzem na produção de um efeito na esfera
jurídica dos particulares, através de um órgão administrativo, essa produção de efeitos faz-se
sempre através de um ato juridico – um ato jurídico produz sempre efeitos.

Como vimos em TGDC para o negócio jurídico, este produz efeitos unilaterais ou bilaterais, ou
seja, a uma das partes ou a duas partes ou, então, quando forem mais partes, haver uma

1
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

multipolaridade de efeitos jurídicos. Isto significa que cria deveres, ou ónus, direitos – posições
ativas ou passivas – no contexto da TGDC. É também exatamente assim no quadro da teoria
geral do direito administrativo quando falamos em ações de caráter ou natureza jurídica e que,
por isso, se designam ações jurídicas – caracteristicamente, aqui, temos como atos jurídicos
porque produtores de efeitos jurídicos, o regulamento administrativo, o ato individual e
concreto que é o ato administrativo, o contrato administrativo (à maneira, aqui, daquilo que
estudamos em TGDC com o negócio jurídico – produção bilateral de efeitos jurídicos) e depois,
também, uma outra figura importante que são os pareceres, designadamente os pareceres
vinculativos, que também são atos jurídicos, mas não decisórios, quando estiverem em causa
pareceres não vinculativos – mas quando forem pareceres vinculativos, vinculam – quando
têm um caráter de autoridades, esses são decisórios e, portanto, produzem efeitos ainda que
no interior da própria administração – têm um efeito jurídico inerente, resultante da sua
natureza vinculativa.

Ainda que haja a ação administrativa típica – que é o agir com produção de efeitos jurídicos e,
portanto, independentemente quais eles sejam – não interessa se são positivos ou negativos,
favoráveis ou não aos particulares, se implicam direitos ou deveres – qualquer que seja esse
efeito falamos sempre em efeito jurídico – se tem efeitos jurídicos, então ele é produzido por
um ato de conteúdo jurídico.

Há situações em que o agir administrativo não tem, necessariamente, um conteúdo jurídico.


Isso é também uma atuação administrativa recorrente. Quando não tem esse conteúdo
jurídico, ou esse efeito jurídico, nós falamos em ações de facto da administração. Isto é, elas
não produzem, por si, efeitos jurídicos – remover uma estrada, remover um muro – são ações
de facto, mas pode, porventura, da sua prática resultar uma consequência jurídica, se produzir
danos para terceiros, no património dos cidadãos. A ação em si é puramente de facto, é uma
ação material – remover a estrada, abrir um esgoto, demolir um muro – é uma ação
puramente de facto que a Administração faz recorrentemente, mas, embora não tenha
conteúdo jurídico, não quer dizer que não possa trazer consequências jurídicas se, porventura,
daí resultaram danos para terceiros, e aí a consequência jurídica é uma consequência
indemnizatória ao nível da responsabilidade civil das entidades públicas.

Nestas ações de facto, onde temos ou puras ações materiais, ou meras declarações de ciência
ou de conhecimento (ações de informação para o cidadão, por exemplo, como as ações da
DGS, atualmente – campanhas de informação, de aconselhamento para os comportamentos
dos cidadãos, preventivos ou saudáveis) – são declarações de ciência, não são declarações com
efeitos jurídicos. É uma regulamentação comportamental dos cidadãos, por via de uma
comunicação de ciência ou de conhecimento, relativamente àquilo que os cidadãos devem
adotar como comportamentos condizentes com a situação atual. Essas declarações de ciência
não têm conteúdo juridico – elas não vinculam, só por si, a não ser que se transformem em leis
através do poder governamental – elas são, sobretudo, declarações de ciência que indicam um
certo modo de comportamento para os cidadãos.

É através destes modos de ação administrativa que se concretiza o agir administrativo


quotidiano, independentemente de se falar do Governo, de um Município, de uma outra
entidade pública, como uma Ordem Profissional… Estes modos de ação são comuns a todas
estas entidades administrativas.

Temos as ações declarativas com efeitos jurídicos (autorizações, ordens, proibições), ações
declarativas sem efeitos jurídico (as tais prestações e informação, de ciência ou de

2
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

conhecimento aos cidadãos) e as ações ou operações materiais de execução. Evidentemente,


quando uma entidade administrativa utiliza a coação – neste caso, as forças de segurança -
para remover um veiculo que não está bem estacionado, é uma ação administrativa, mas é
uma ação administrativa puramente material – é identificar o automóvel que perturba o
trânsito, por perturbar o trânsito há justificação para o retirar dali – faz-se através do emprego
da coação, chamando o respetivo reboque e depois levando o automóvel através do emprego
da força, para executar uma ação puramente material – é a isto que se refere o artigo 175.º do
CPA ao referir-se à execução coerciva das medidas administrativas – essa execução coerciva é,
à partida, uma operação material de emprego físico da força, mas que constitui também um
modo de ação administrativa. São estes os três modos típicos da ação administrativa.

Ações ou operações materiais (de execução) são ações administrativas produtoras de um


resultado de facto ou material – por exemplo, a realização de uma obra pública, ações
administrativas que envolvam o uso da força e da coerção, no âmbito da execução coerciva de
atos administrativos, nos termos do artigo 175.º e seguintes do CPA e no âmbito da “coação
direta”, prevista no artigo 175.º/2.

Temos as ações declarativas com efeitos jurídicos, e aí falamos de ato administrativo,


regulamento administrativo e contrato administrativo – também os pareceres que iremos
estudar à frente são atos importantes no contexto do agir administrativo, designadamente
pareceres jurídicos ou pareceres técnicos de ciência, emitidos por entidades vocacionadas
para o efeito e, depois, a terceira forma de ação - a ação declarativa não jurídica – as
prestações de informação, e a ação material ou de facto – ação que se caracteriza na adoção
de operações normalmente de caráter coativo, porque o cidadão não cumpriu a ordem
administrativa, então a Administração tem de atuar através do exercício da força, seja
demolindo um muro, seja demolindo um edifico, seja rebocando um automóvel, etc. Aí é o
emprego da força coativa pública para exprimir, também, a ação administrativa.

Do ponto de vista da regulação, isto é, em que leis ou Códigos se encontra estabelecida esta
disciplina para estas ações administrativas? Para o ato administrativo e para o regulamento
administrativo, nós temos o Código de Procedimento Administrativo – o nosso guião para
estudar o ato administrativo e para estudar o regulamento administrativo, iremos utilizar o
Código de Procedimento Administrativo; por sua vez, o contrato administrativo – outro modo
de agir, hoje comum a qualquer Administração Pública nacional ou estrangeira -, encontra-se
regulado num outro Código, que é o Código dos Contratos Públicos.

As ações formais da Administração submetem-se a um regime jurídico previamente definido,


nos planos procedimental, substancial e contencioso, enquanto as ações informais da
Administração (um alerta público sobre os efeitos nocivos de um produto, por exemplo) não
estão submetidas àquelas exigências previamente estabelecidas.

Não obstante serem estes os modos típicos da ação da administração – regulamento


administrativo, ato administrativo e contrato administrativo -, os órgãos da Administração
têm, com fundamento no CPA, um espaço largo de discricionariedade para adotarem estes
modos de ação administrativa, como consta do artigo 127.º do CPA “Salvo se outra coisa
resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer, o procedimento pode terminar pela
prática de um ato administrativo ou pela celebração de um contrato”. O órgão administrativo
pode adotar a decisão, findo o procedimento que depois veremos, ou por ato administrativo
ou por contrato administrativo – pode iniciar um procedimento com a intenção de no fim
praticar um ato administrativo mas, no meio do percurso, acordar com o particular que está

3
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

no procedimento que afinal não vai praticar um ato administrativo e vai celebrar um contrato
administrativo – tem esta disponibilidade. Isto não é generalizado a todos os procedimentos –
há procedimentos em que não pode ser assim, designadamente nos procedimentos
disciplinares da Administração Pública – não pode haver contrato, não pode haver transação
da sanção, não pode haver um contrato de transação à maneira do direito civil – terá de
terminar sempre por ato administrativo – aí a lei não permite que, ao abrigo do artigo 127.º do
CPA, o sujeito administrativo altere a forma de ação – a forma de ação aí é só uma, o ato
administrativo. Há aí limitação dessa faculdade administrativa de optar pelo ato administrativo
ou pelo contrato administrativo, mas, por regra geral, funciona aqui uma dimensão de
fungibilidade ou de alterabilidade na forma de ação administrativa, podendo agir por ato ou
por contrato e vice-versa, cabendo aos órgãos administrativos a faculdade de agir por um
modo de agir.

Também dentro do contexto da ação administrativa, os particulares, por vezes, têm muita
relevância nessa ação administrativa. Nós já vimos que no Direito Administrativo, há a
colaboração dos particulares com a Administração, designadamente no contexto das parcerias
público-privadas, ou os contratos de conceção na área dos transportes, na área rodoviária, etc.
Há uma colaboração dos particulares com a Administração – há aqui o que também
designamos por exercício privado de funções administrativas ou administração por
particulares. A Administração delega-lhe essas funções ou por ato ou por contrato.

Também há outros modos recorrentes de os particulares estarem em órgãos na Administração


- é reconhecido, no contexto do nosso estatuto como estudantes que integramos, no quadro
dos processos eleitorais para os órgãos da Universidade, ou para o Conselho Pedagógico –
estamos lá investidos numa qualidade de membro do órgão administrativo; ou então, no caso
dos processos eleitorais, as mesas eleitorais são constituídas por particulares, que integram
um órgão que tem uma função democrática de relevância fundamental e, portanto, os
particulares, aí, são investidos num certo contexto, no exercício de funções administrativas, de
relevância não só ao nível de órgãos do Governo, de instituições públicas fundamentais, como
as Universidades, mas também nos processos eleitorais, como sucede com as mesas eleitorais.
Estamos sempre perante a relevância da atuação dos particulares no contexto de órgãos
administrativos, integrando esses particulares esses órgãos administrativos.

Outra figura é o funcionário de facto – um particular e, portanto, não investido de qualquer


função administrativa, mas que assume, num contexto extremo ou excecional, o exercício da
função administrativa. Isto é recorrente no Direito Administrativo. Trata-se de um particular
que, sem vínculo formal com a Administração Pública, assume, por sua exclusiva iniciativa e
com espírito de colaboração, o exercício de funções próprias da Administração Pública.
Situação esta que só é licitamente admitida em circunstâncias de excecional gravidade – como
guerras, calamidades, terramotos ou inundações graves -, e se a Administração competente
não corresponder/responder às solicitações. Em situações deste género, admite-se que o
exercício de funções públicas por particulares sem investidura formal, mesmo que se trate de
funções de autoridade, não preenche nenhum tipo de ilícito. Quando as funções exercidas se
revelem essenciais e inadiáveis, os atos praticados pelos particulares podem ser imputados ou
reconduzidos à Administração, como se fossem praticados por um agente titulado. Apesar de
não existir aqui um ato formal de investidura do cidadão no exercício de uma função pública,
entende-se que a própria situação de facto – estado de necessidade – constitui a fonte da
mesma, a qual se revela, pois, como uma “investidura de facto”. Tem de haver ali uma omissão
do agir administrativo para que o particular possa, ele próprio, por sua livre iniciativa, assumir

4
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

o exercício dessa função. Muitas vezes, porque não aparece a autoridade ou força de
segurança que regula o trânsito, por exemplo perante um acidente ou perante uma catástrofe
natural, é necessário acautelar e prevenir o trânsito, e há um particular que está ali no meio
daquela situação drástica e que, por sua iniciativa, assume o comendo de disciplinar a entrada
ou saída dos veículos ou a ordenação do trânsito. Quem faz isto, naturalmente, é uma
autoridade administrativa – a PSP, ou a Polícia Municipal, ou a GNR – por não aparecer
naquele momento e se é necessário disciplinar o trânsito, até para prevenir outras
circunstâncias ou para desimpedir o trânsito para que possam entrar ou sair ambulâncias, um
particular assumiu aquela função, os outros obedecem-lhe, respondem-lhe como se fosse
autoridade administrativa e depois, quando vier a autoridade administrativa, ratifica, assume
como dela aquilo que foi feito pelo particular na vez da Administração.

O ato administrativo exprime o modelo de Estado Administrativo de autoridade – é um ato


clássico, de importância decisiva no contexto do Direito Administrativo e, naturalmente,
enquanto forma de ação administrativa.

Para analisarmos a noção de ato administrativo, o conceito de ato administrativo, é essencial


acompanhar esta noção pelo artigo 148.º do CPA, que nos diz o conceito de ato administrativo.
É um conceito legal, porque está na lei, mas antes de ser um conceito legal, este é um conceito
doutrinal. Vamos encontrar esta noção na doutrina do Direito Administrativo. É algo que foi
sendo conseguidos pela ciência do Direito Administrativo e que o legislador transpôs para o
Código do Procedimento Administrativo.

Este ato administrativo exprime uma das funções administrativas mais relevantes da
administração, que é a função de autoridade administrativa, ou a função administrativa de
autoridade. Diz-nos este artigo 148.º que se consideram atos administrativos as decisões que,
no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos
numa situação individual e concreta.

Considera-se como a forma de ação traduzida em ato administrativo a decisão ou as decisões –


a primeira palavra a ter em conta no seu significado jurídico-administrativo é a palavra decisão
ou decisões. O ato administrativo traduz-se numa ação declarativa, em regra emitida de forma
expressa, com efeitos jurídicos, isto é, um ato jurídico que constitui, modifica ou extingue uma
relação jurídica administrativa.

Uma decisão é sempre uma ação declarativa, isto é, algo através do qual a Administração
declara ao particular, ao destinatário, e declara uma aprovação, ou uma autorização, ou uma
licença, ou um indeferimento, etc. Essa declaração traduz-se sempre numa mensagem
jurídico-administrativa que tem por destinatário um determinado particular e, portanto, é um
ato jurídico decisório através do qual a Administração, um órgão administrativo, ou constitui
um direito na esfera jurídica do particular (um subsidio, uma licença, a autorização para o
exercício de uma atividade…) – constitui na sua esfera algo que ele, só por si, não tinha -, ou
modifica o estatuto dele, porque lhe altera a licença, porque lhe altera o modo ou horário de
funcionamento do estabelecimento comercial ou da oficina – modifica-lhe a sua esfera
jurídica, o modo de exercício da sua atividade – sendo uma declaração com um sentido
jurídico modificativo, ou extingue esse direito da esfera jurídica do particular, encerrando-lhe o
estabelecimento, ou retirando-lhe a licença, e sempre aqui como um efeito extintivo. Esta
decisão é sempre um ato jurídico que tem um efeito de constituição de direitos na esfera
jurídica do particular, ou um efeito modificativo desses direitos ou extintivo desses direitos, ou
que constitui na esfera jurídica do particular deveres, ónus ou outro tipo de encargos. Quando

5
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

nós falamos em ato que ou constitui, ou modifica, ou extingue, ou que cria deveres, ónus ou
outros encargos, falamos sempre num ato jurídico porque ele tem o propósito jurídico-
administrativo de produzir estes efeitos jurídicos na esfera de qualquer pessoa que seja
destinatário desse ato e, portanto, é uma decisão com uma declaração de conteúdo juridico
decisório para a esfera jurídica do destinatário, seja num sentido favorável, seja num sentido
desfavorável. Qualquer que seja o sentido, o efeito é sempre jurídico-administrativo porque a
esfera jurídica do particular, com essa intervenção decisória da Administração, sofre a
alteração. Ou alteração porque constitui, ou alteração porque modifica, ou alteração porque
extingue, ou alteração porque constitui um dever, ou alteração porque constitui um ónus, ou
alteração porque extingue esse ónus ou esse dever. Qualquer que seja o efeito jurídico, há
uma decisão de autoridade administrativa que vai produzir essas consequências jurídicas.

Decidir equivale à definição jurídica, unilateral e imperativa, da situação jurídica de uma


pessoa, singular ou coletiva, ou de um bem móvel ou imóvel; o ato administrativo é, por
definição, uma estatuição/decisão autoritária.

Quando um órgão administrativo, em relação a um determinado destinatário, decide, nós


dizemos que essa decisão constitui um ato administrativo, porque através dessa decisão, esse
órgão administrativo vai produzir efeitos jurídicos na esfera desse particular, destinatário. Essa
decisão, porque tem este efeito jurídico, se diz também que é uma estatuição. Como esta
estatuição (estatuir é definir a situação jurídica de um particular numa situação concreta) –
quando o Diretor da nossa Faculdade despacha um requerimento, está a tomar uma decisão,
que pode ser de sentido favorável ou desfavorável, mas a decisão, para efeitos de
classificação, o facto de ser favorável ou desfavorável é irrelevante – isso tem a ver com as
consequências, com os efeitos jurídicos – o que está substantivamente inerente a esse
despacho é que aquele órgão administrativo adotou uma decisão que vai ser vinculativa para o
destinatário, isto é, para o requerente, seja em sentido favorável ou desfavorável – é sempre
uma decisão de autoridade, adotada independentemente da nossa vontade. A nossa vontade
quando requeremos é que o efeito seja vantajoso, favorável, mas o ato administrativo adota a
decisão seja para tomar uma decisão de efeito favorável, seja de efeito desfavorável – adota
essa decisão de forma unilateral, de forma autoritariamente unilateral, independentemente da
vontade do destinatário. Esta decisão, para além de ser uma decisão de autoridade, isto é, que
se impõe ao destinatário, é também uma decisão unilateral, porque é adotada pelo órgão
administrativo, independentemente da vontade do destinatário cuja colaboração para essa
decisão poderá ter relevância no contexto do procedimento administrativo mas depois, no
momento de definir o conteúdo da decisão, essa é definida unilateralmente e não
bilateralmente, como no contrato administrativo.

Este ato administrativo que está presente no artigo 148.º é sempre uma decisão autoritária,
porque vincula heteronomamente o destinatário, e unilateral, porque é adotada pelo órgão
administrativo independentemente da vontade do respetivo destinatário.

Depois essa decisão é exteriorizada. Pode ser exteriorizada pela via eletrónica, documental ou
oral, de acordo com o artigo 150.º do CPA. Isso é já uma forma de publicitar ou transmitir a
decisão. A decisão está contida na palavra que vimos, jurídico-administrativa nuclear, que é
adotada pelo órgão decisor quando escreve “autorizo”, ou “aprovo”, ou “indefiro”, ou
“defiro”. Esta é que é a decisão. Depois ela vai ser transmitida, e pode ser transmitida pelas
várias vias. Esse é o momento de levar ao conhecimento do destinatário uma decisão que já
está adotada num sentido favorável ou desfavorável.

6
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

O que referimos até agora é o normal – uma decisão expressa, comunicada e adotada segundo
uma certa formalidade ou conjunto de formalidades.

Há situações em que os órgãos administrativos não agem deste modo, isto é, a decisão não é
expressa e comunicada nos termos que vimos (via eletrónica, física ou oral), etc. Pode haver
formas de agir administrativo em que, na operação material realizada, está contida a própria
decisão. Isto é muito habitual em determinados domínios da função administrativa,
designadamente quando, por razões de saúde pública, se procede ao abate de animais, por
exemplo – quando, para evitar a propagação de uma doença, os veterinários do Ministério da
Agricultura, ou da Direção Geral de Veterinária, procedem ao abate dos animais. Deslocam-se
junto dos animais, não há qualquer decisão prévia, não há qualquer procedimento prévio, e
abatem o animal, com o meio técnico-clínico aconselhável. No abate, no ato físico do abate,
está contida a ordem, isto é, está contida a própria decisão. A decisão está implícita no ato e,
por isso, esta decisão ou este ato administrativo em que se traduz o concreto abate dos
animais - é o exemplo mais usual -, chamamos-lhe ato administrativo implícito, porque a
decisão está implicitamente contida no ato do abate do animal, sem haver decisões prévias,
procedimentos prévios – é por razões de urgência, de necessidades de saúde pública ou
prevenção dela, que assim se atua. A decisão não existe previamente à própria operação
material, está contida na própria operação material do abate, feito por alguém tecnicamente
competente para o efeito. Isto exige razões de estado de necessidade – por razões de
prevenção de saúde pública não é possível fazer uma avaliação primeiro dos animais, falar com
o dono, ter aqui um acontecimento prévio mais formalizado para o efeito. A necessidade de
prevenir a saúde pública aconselha que se proceda a esta atuação de forma imediata, sem
haver um procedimento prévio de análise, de avaliação, de seleção dos animais que devem ou
não ser abatidos. O normal seria que houvesse procedimentos prévios, audições dos
interessados, a seleção dos animais, o isolamento ou outro tipo de tratamento que não fosse
imediatamente o abate, etc., mas o estado de necessidade impõe que a Administração atue
desse modo e, atuando desse modo, ao abater a decisão está contida nessa operação material.
Por isso se diz decisão implícita na operação material de atuação ou ato administrativo
implícito.

Os requisitos, cumulativos, da possibilidade legal da prática do ato administrativo implícito são


que o agente que procede à operação material tem de ser o titular do órgão competente para
a prática do ato administrativo, ou atuar, no caso concreto, sob o comando daquele; e a
ausência do procedimento declarativo e a emissão do ato administrativo têm de encontrar
justificação numa situação de estado de necessidade (artigo 3.º/2 do CPA “Os atos
administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas
no presente Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido
alcançados de outro modo, mas os lesados têm o direito de ser indemnizados nos termos
gerais da responsabilidade da Administração”).

Outra decisão também “ficcionada”, ou implícita, é o chamado ato administrativo concludente.


Na noção do Prof. Doutor Rogério Soares, partindo de um ato formalmente expresso retira-se
a conclusão de que a Administração “só pudera ter dado a um outro procedimento uma
decisão com um certo conteúdo, apesar de o não ter manifestado por via direta”, sublinhando
que, nestes casos, a declaração (concludente) se depreende de uma declaração expressa.

O ato administrativo concludente traduz-se num exemplo muito simples – há dois particulares
que estão interessados em explorar um parque automóvel subterrâneo, e fazem ao Presidente
de um Município um requerimento. Elaboram um requerimento, manifestando o interesse em

7
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

construir e explorar um certo parque de estacionamento numa praça pública, mas no


subterrâneo dessa praça pública. O Presidente do Município em causa decide um
requerimento, isto é, despacha favoravelmente um requerimento. Ao utilizarmos esta
expressão, está a tomar uma decisão, um ato administrativo que vai constituir na esfera
jurídica desse requerente, o António, um direito que ele não tinha, que é o direito para
construir e explorar o parque de estacionamento naquela praça subterrânea, que é solo
municipal. Desta decisão, infere-se que ele está a tomar uma outra, isto é, que ele está a
praticar um outro ato administrativo, que é indeferir o requerimento do José, que tinha
projeto a mesma finalidade, que era construir e explorar aquele parque de estacionamento, no
mesmo local, na mesma praça, no mesmo espaço subterrâneo. Até por incompatibilidade de
objeto, o José vai inferir que o seu pedido, o seu requerimento, foi indeferido, isto é, que
houve uma decisão de indeferimento e, portanto, de não autorização do seu pedido, porque
para o mesmo sitio, para o mesmo projeto, para o mesmo local e com a mesma finalidade, o
Presidente já tinha emitido autorização em relação ao António e, portanto, tendo emitido
autorização em relação ao António, imediatamente eu, José, vou inferir que o meu pedido está
decidido, evidentemente desfavoravelmente. Trata-se de uma decisão que não foi
expressamente tomada em relação a mim, José - só foi expressamente tomada em relação ao
António, mas da decisão expressa tomada em relação ao António eu vou inferir que o meu
pedido está decidido no sentido desfavorável. De um ato expressamente adotado, de uma
decisão expressamente adotada, eu, também interessado na mesma decisão, vou inferir dessa
decisão expressa que a minha pretensão está indeferida, ou seja, está decidida no sentido
negativo, em relação à minha pretensão.

Estes atos administrativos concludentes são, também eles, muito usuais.

Uma decisão tem de ser adotada num prazo. Um órgão administrativo que é provocado
através de um requerimento de um popular tem sempre um prazo para decidir. O prazo geral
para decidir, ao abrigo do artigo 128.º/1 do CPA, são 60 dias. (Atenção: este artigo teve uma
alteração muito recentemente, é provável que nos nossos códigos diga 90 dias – são 60 dias. O
prazo máximo é que passou a ser 90 dias, caso haja necessidade de prolongar o prazo. O prazo
regra, prazo de decisão geral, são 60 dias úteis).

Seja esse prazo o estabelecido no prazo geral, no Código de Procedimento Administrativo, seja
um prazo especialmente estabelecido num Regulamento da Universidade, ou no Regime
Jurídico das Autarquias Locais, ou qualquer outra lei, há sempre um prazo para decidir. Se
essas leis especiais nada estabelecerem, nós temos de aplicar subsidiariamente o regime do
CPA, onde hoje está previsto o prazo de 60 dias úteis para o órgão administrativo competente
decidir o nosso pedido, o nosso requerimento.

Qual é a consequência se o órgão administrativo nada decidir? Isto é, não adotou nenhum ato
administrativo no prazo legal ou estabelecido no Regulamento aplicado? Nada disse, há
silêncio, e nada decidiu. Qual é a consequência?

Deste silêncio, hoje, nada resulta juridicamente, exceto em conceder ao particular legitimidade
para utilizar meios de impugnação, ou administrativo (reclamação ou recurso hierárquico
administrativo) ou então utilizar as vias contenciosas, para os tribunais administrativos (que
estudaremos em Direito Administrativo III). Do ponto de vista substantivo, nada resulta para a
esfera jurídica do particular a não ser uma legitimidade para este impugnar essa omissão
administrativa por não haver decisão no prazo legal, uma legitimidade para impugnar
administrativamente, ou por reclamação administrativa ou por recurso hierárquico

8
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

administrativo ou, então, impugnar nos tribunais administrativos essa omissão administrativa,
pedindo ao juiz que condene esse órgão administrativo a tomar essa decisão que o particular
lhe pediu através do requerimento. É esta a consequência geral que resulta do incumprimento
pela Administração dos prazos legais para decidir. Diz-nos o artigo 129.º do CPA que “Sem
prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 13.º e no artigo seguinte, a falta, no prazo legal, de
decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente constitui
incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado a possibilidade de utilizar os
meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados”. Ou seja, o silêncio da Administração
apenas confere ao interessado/requerente a legitimidade para utilizar os meios legais de
tutela administrativa e jurisdicional.

É claro que pode haver consequências disciplinares no interior da administração, mas isso é
um problema interno dos órgãos administrativos. Pode haver responsabilidade disciplinar, nos
termos do artigo 128.º/5 do CPA e responsabilidade civil, nos termos gerais, para indemnizar
os prejuízos eventualmente causados.

Qual é a exceção? A exceção é a possibilidade de haver o chamado ato administrativo tácito,


como nos diz no artigo 130.º do CPA que a não decisão no prazo legalmente estabelecido, ou
prazo especial, ou prazo geral do CPA, os 60 dias, se, porventura, houver uma norma legal, mas
tem de haver norma expressa a dizer isto, se, porventura, existir uma norma legal a
estabelecer que caso a Administração, o órgão administrativo competente não decida no
prazo estabelecido, produz-se como consequência uma decisão tácita. No CPA não há normas
destas, há normas destas, por exemplo, no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação,
onde se fala em atos tácitos – um regime muito importante para a construção e para os
particulares porque, em geral, as operações urbanísticas necessitam sempre de uma
intervenção administrativa. Quando assim suceda, se existir esta norma, mas tem de existir,
que diz que se o órgão administrativo competente (Câmara Municipal ou o Presidente da
Câmara, por exemplo) não decidir nos prazos estabelecidos neste diploma, isto é, o Regime
Jurídico da Urbanização e Edificação, entende-se que esse silêncio produziu tacitamente a
autorização, ou a licença, ou emitiu o parecer que devia ser favorável. Se não adotarem a
decisão, se não atuarem dentro desses prazos que estão estabelecidos – aí há norma legal a
dizer que se produz uma decisão tácita, isto é, uma decisão ou um ato administrativo tácito.

Sendo assim, os requisitos cumulativos para o ato administrativo tácito são: um requerimento
dirigido ao órgão competente, que este deve decidir dentro do prazo legal; ausência, nesse
prazo, de uma decisão (situação de inércia do órgão competente); que a lei ou regulamento
(emitido com base na lei) determine que essa ausência de decisão no prazo legal tem o valor
jurídico de uma decisão, isto é, de deferimento correspondendo a um ato tácito de
deferimento da pretensão requerida (artigo 130.º/1 a 3 do CPA). Por vezes, a lei também
poderá fazer corresponder à inércia o indeferimento do pedido, formando-se um ato tácito de
indeferimento. É o que acontece no direito tributário.

Fora dessas hipóteses, tem de existir norma legal a prever expressamente que o silêncio da
administração no prazo legal para decidir, mas não decidiu, corresponde a esse silêncio um
indeferimento tácito e, portanto, um ato tácito. Se não existir essa norma legal, a regra geral é
a do CPA, ou seja, ao silêncio apenas corresponde uma consequência jurídica – legitimar os
particulares para poderem impugnar essa omissão do dever de decidir no prazo legal,
reclamando contra essa omissão ou impugnando administrativamente essa omissão ou
recorrendo, propondo uma ação nos tribunais administrativos, a pedir ao juiz que condene o
órgão administrativo a decidir.

9
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Fora esta situação excecional, que é produzir-se uma decisão tácita, vigora a regra geral do
CPA.

Uma decisão unilateral e autoritária – estamos sempre na decisão. Ainda estamos a analisar a
palavra decisão.

Primeiro, a decisão, já o referimos, é unilateral – ainda que, porventura, possa haver atos que
necessitam de uma aceitação dos particulares – são excecionais, no Direito Administrativo
Continental Europeu – o exemplo legal mais evidente, e até raro, é a nomeação de agentes
administrativos. Na Administração Pública, hoje, é o contrato de trabalho em funções públicas,
a exceção é um ato administrativo de nomeação, e aqui a lei diz – A Lei Geral de Trabalho em
Funções Públicas -, diz que na nomeação, o destinatário da nomeação tem de aceitar a
nomeação no prazo de 20 dias. A decisão de nomear, que é um ato de autoridade, é só
recetícia no sentido de que para produzir efeitos jurídicos tem de haver uma aceitação do
particular, mas a decisão está tomada. A decisão de nomear o António, ou a Maria, ou a
Madalena para um certo lugar na Administração Pública está tomada, a decisão é autoritária,
unilateral. Apenas para desencadear efeitos na esfera jurídica do particular é que necessita da
sua aceitação. A aceitação é um puro requisito de eficácia, não é um elemento integrante da
decisão. A decisão está adotada. O despoletar dos efeitos para a Madalena ou o João tomarem
posse, serem investidos, é necessária uma aceitação deles e, a partir daí, é que surge o ato da
investidura. É uma decisão cuja eficácia vai depender de uma expressão da vontade do
destinatário.

Sendo assim, a existência jurídica do ato administrativo depende apenas da declaração do


respetivo autor – ainda que, eventualmente, a eficácia jurídica, a produção de efeitos jurídicos,
possa depender, por lei, da aceitação do destinatário, no caso dos atos administrativos
recetícios, ou da intervenção de um outro órgão da Administração que, no quadro de relações
interorgânicas ou do exercícios de tutela administrativa, disponha de poderes de aprovação.

Está no artigo 148.º do CPA que a decisão é sempre uma decisão autoritária e unilateral –
heterónoma em relação aos respetivos destinatários, independentemente de essa decisão ir
de encontro àquilo que era o anseio ou a vontade do destinatário. É autoritária no sentido de
que se impõe aos destinatários independentemente de os efeitos jurídicos serem favoráveis
ou desfavoráveis a eles.

Trata-se de uma decisão de autoridade – a prática do ato administrativo envolve o exercício de


um poder público – o poder administrativo – de decisão e de determinação de efeitos que se
produzem na ordem jurídica e na esfera dos destinatários independentemente da vontade
destes e independentemente do sentido da decisão.

Na Administração, o ato administrativo, esta decisão do artigo 148.º do CPA a que chamamos
ato administrativo, é dotado de força executiva. Para a Administração, ele próprio é um título
executivo. Se, porventura, a execução do ato administrativo, necessitar da colaboração do
particular para essa execução, mas o particular não colaborar, ou essa execução esbarrar na
vontade incumpridora do particular, como este ato administrativo é um titulo executivo,
confere à Administração, sem qualquer intervenção judicial, a Administração fica legitimada a
executar coercivamente e pelos seus próprios meios, sem intervenção dos tribunais. Tem
autotutela declarativa, jurídica, e tem autotutela executiva, ou seja, como as suas próprias
declarações – neste caso, ato administrativos -, são simultaneamente títulos executivos, a
Administração, ao mesmo tempo que autodeclara o direito para as situações concretas, ela
própria, ao fazer isto, está a criar na sua esfera uma autotutela executiva, caso seja necessário,

10
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

recorrer à execução coerciva desse titulo executivo que é a decisão administrativa. Portanto,
num exemplo muito usual – se um Presidente de uma Câmara Municipal ordena a demolição
de um prédio porque ameaça ruir, quem tem de demoli-lo e praticar estas operações de
demolição é o proprietário, mas o proprietário pode não cumprir. Se não cumprir, esta ordem
de demolição que é uma decisão, obviamente autoritária, unilateral, vai servir de titulo
executivo para que o Presidente da Câmara ordene a demolição física do prédio por ele
próprio, isto é, com base na ordem na qual estabeleceu a demolição, o particular não cumpriu
no prazo que lhe foi concedido, o processo regressa novamente a decisão do Presidente da
Câmara, que é o órgão competente, e nessa segunda fase ele ordena que se proceda à
execução coativa – isto é, através dos serviços da própria Câmara, ou que a Câmara contratar
para o efeito, vai proceder à demolição coativa ou coerciva do prédio. O título decisório, que é
simultaneamente uma autotutela declarativa (isto é, a Administração declara o direito no caso
concreto, naquele caso demolição do prédio) vai servir simultaneamente, numa segunda fase,
como autotutela executiva (porque a Administração tem o poder de declarar o direito e tem o
poder de o executar sem a necessidade de intervenção judicial).

Sendo assim, a determinação contida no ato administrativo vale por si, no sentido de estar em
condições de ser executada, sem necessidade de uma qualquer intervenção judicial
(intervenção de um tribunal) que, através de uma sentença, confirme ou valide aquela
determinação. A decisão administrativa constitui um título executivo.

Esta é a regra geral, mas nem sempre assim sucede. Não pode utilizar a força imediatamente
executiva quando se trate de exigir o pagamento de dívidas dos particulares ou prestações
pecuniárias, por exemplo. Aí o processo tem de seguir o processo que estudamos em Direito
Fiscal, tem de seguir o procedimento e processo tributário. Quando estiverem em causa
prestações pecuniárias que a Administração exija dos particulares, se eles não pagarem no
prazo concedido pela Administração, aqui o ato administrativo é titulo executivo, mas a
Administração não pode proceder pelos seus meios à execução desse título, tem de enviar
esse título para as Finanças, para que depois as repartições das Finanças procedam segundo o
Contencioso Tributário ou Fiscal, ou seja, um processo formalmente jurisdicional. Esta é uma
exceção a estas regras, a este poder geral da Administração, de poder executar coercivamente
as suas próprias decisões administrativas.

Essa decisão vai produzir efeitos jurídicos numa esfera concreta, ou numa situação concreta e
individual. Um ato administrativo é, por regra, um ato que se erige sempre a um destinatário
individualizado, determinado, e que vai produzir nesse destinatário individualizado, nesse
destinatário determinado um efeito jurídico. Por isso se diz que a decisão, como é adotada em
relação a um destinatário individualizado, se diz que ela vai produzir efeitos jurídicos nessa
esfera jurídica e, portanto, efeitos jurídicos externos (porque ultrapassam a dimensão
Administrativa e projetam-se numa esfera do particular – pessoa singular ou pessoa coletiva -,
e, ao projetarem-se numa esfera jurídica que é exterior à Administração, nós dizemos efeitos
jurídicos externos). Nós dizemos que esses efeitos externos vão interferir numa esfera
individual e concreta.

No exemplo do pedido da concessão de uma bolsa aos serviços sociais da UC – quem pede é a
Madalena, o António, o João – formulam um requerimento para a concessão de uma bolsa ou
para a isenção das propinas – quem formula o requerimento é sempre a Madalena, ou o João,
ou o António – a decisão que vem dos Serviços Sociais da UC é a decisão da Madalena, ou do
João, ou do António – é a esfera jurídica de cada um deles – um terá, outro não terá – de
qualquer modo, seja em sentido favorável ou seja em sentido negativo (porque não se

11
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

produziu nenhum resultado favorável na esfera jurídica de um deles, ele não tem o beneficio,
o efeito jurídico não está lá). O efeito produz-se na esfera concreta do sujeito. Qualquer que
seja a decisão, tem é de haver uma decisão, ou no sentido de conceder a bolsa ou uma decisão
de não conceder. Qualquer que seja o sentido, temos sempre uma decisão, seja ela favorável
ou não seja. Temos uma decisão que vai produzir um efeito jurídico numa esfera concreta.
Este efeito juridico, ao entrar numa esfera concreta, tem eficácia externa, porque concedeu à
Madalena a bolsa e ao António ou ao João não concedeu – também se produziu um efeito
jurídico nas suas esferas – que é a recusa da produção do efeito jurídico que pretendia o
António ou o João e que não se produz, mas a esfera deles fica afetada.

Fala-se em decisões que “visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual
em concreta”, e com este elemento da noção pretende-se distinguir o ato administrativo dos
atos normativos, em especial dos atos normativos emitidos pela Administração – os
regulamentos administrativos.

Significa isto que a decisão adotada “no exercício de poderes jurídico-administrativos” projeta
os seus efeitos jurídicos na esfera jurídica (pessoal, profissional ou patrimonial) do destinatário
ou dos destinatários determinados dessa mesma decisão, definindo a sua situação jurídica (por
exemplo, constituindo direitos, modificando-os ou extinguindo-os, ou, então, produzindo
deveres, encargos, ónus, etc.)

A decisão pode, igualmente, definir a situação jurídica de um bem (por exemplo, a decisão que
classifique um imóvel como património histórico, arquitetónico ou cultural, ou o ato de
afetação de um bem ao domínio público, submetendo-o a um regime jurídico específico).
Trata-se dos designados atos administrativos intransitivos, por não terem um destinatário,
tendo por objeto um bem (atos administrativos reais).

Esta decisão ordenadora, autorizadora, aprovadora de deferimento ou indeferimento, como


estamos a falar em órgãos administrativos, é sempre no uso de poderes jurídico-
administrativos, ou adotada ao abrigo do CPA, ou ao abrigo de determinados regulamentos,
ou ao abrigo do Regime Jurídico das Autarquias Locais, ou do Código dos Contratos Públicos,
etc.

Por definição, o ato administrativo tem por destinatário um sujeito ou um conjunto de sujeitos
determinados. Neste sentido, diz-se que os seus efeitos se produzem numa situação individual,
e não de modo geral, como sucede com os atos normativos, que, no momento da respetiva
emissão, se dirigem a um número indeterminado de sujeitos.

No entanto, este elemento não afasta a existência de atos administrativos gerais - atos que se
dirigem à resolução de uma situação concreta – atos administrativos concretos -, mas
abrangendo uma pluralidade não individualizada de destinatários. A ordem dirige-se à
resolução de um concreto problema, mas abrange uma pluralidade de destinatários, que, no
momento da respetiva emissão, não se encontram individualizados, mas que são todos eles
determinados ou determináveis.

Pode haver situações em que a situação é concreta, mas as pessoas são várias. Não é só a
Madalena ou só o António. Pode ser um agregado de pessoas, que não são imediatamente
determináveis, podem ser 50, ou 100 ou até 150 pessoas, mas que são, evidentemente,
determináveis com o processo, só não o são, naquele momento, imediatamente
determináveis. Isto acontece, por exemplo, quando a segurança pública manda dispersar as
pessoas que estão numa manifestação – está lá uma pluralidade delas, mas, ao dispersar, à

12
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

saída podem estar agentes de segurança para identificar cada uma das pessoas. Quando é
dada a ordem, elas não são imediatamente determináveis, porque são uma pluralidade, mas
podem ser perfeitamente determináveis. Esse ato administrativo que é dado a uma
pluralidade de pessoas é uma decisão, numa situação concreta, que é naquela base, naquele
dia, naquela hora, que se manda dispersar aquele grupo de pessoas, mas a ordem é dada a um
conjunto de pessoas que não são imediatamente determinadas quando é dada a ordem, mas
que são perfeitamente determináveis a posteriori, as pessoas que estavam lá naquele
momento. Este ato administrativo, que tem por destinatários uma pluralidade de pessoas, mas
que é dirigido a uma situação concreta, nós falamos nos atos administrativos gerais – para
resolver uma situação concreta, naquele momento, mas onde estão uma pluralidade de
pessoas (por isso é que se diz que é geral e não individual, mas não deixa de ser ato
administrativo porque as pessoas que estão naquele local são perfeitamente determináveis).

A decisão dirige-se, à partida, à resolução de uma situação jurídica concreta, por contraposição
aos atos normativos, que apresentam a característica (material) da abstração.

Este elemento da noção também não afasta a existência de atos administrativos abstratos, que
se dirigem a um destinatário individualizado – atos administrativos individuais -, mas que criam
ou constituem obrigações individuais permanentes, isto é, obrigações que não se esgotam no
momento da prática do ato.

Por contraposição aos atos administrativos gerais, também há os atos administrativos


abstratos, isto é, que se dirigem a um sujeito determinado, mas não são atos puramente
instantâneos, ou seja, em relação a esse sujeito criam obrigações ou deveres ou ónus que
perduram no tempo. Isto é muito usual, por exemplo, na administração ambiental, em que as
autoridades do ambiente, a Agencia portuguesa do Ambiente, ou a Inspeção Geral do
Ambiente, emite uma decisão administrativa dirigida a uma empresa, ou uma pessoa, para que
adote comportamentos que se acomodem às regras ambientais. Ela emite uma decisão, uma
ordem, uma imposição em relação a um cidadão em concreto, perfeitamente determinado, a
uma empresa perfeitamente determinada, mas a obrigação, os deveres, esta regulação
comportamental vai prolongar-se ao longo do tempo e, por isso, diz-se que é um ato
administrativo individual, dirigido àquela pessoa perfeitamente determinada no momento em
que é praticado, mas que cria deveres ou obrigações que se prolongar e perduram no tempo,
portanto, até a pessoa definitivamente se acomodar às regras ambientais, por exemplo.

Isto é muito frequente no contexto da disciplina ambiental e na disciplina das autoridades


reguladoras independentes.

Os atos administrativos, já vimos isto, são de efeitos jurídicos multipolares ou polissémicos.

Já vimos que os efeitos jurídicos produzem efeitos jurídicos positivos, mas, atenção, estes
efeitos jurídicos positivos não querem dizer que sejam favoráveis aos destinatários. Efeitos
jurídicos positivos só significa que a decisão administrativa alterou o mundo jurídico externo à
Administração. É somente isto que significa, isto é, alterou o ordenamento jurídico externo à
Administração. Diz-se que produz, neste sentido, efeitos jurídicos positivos. Esses efeitos
jurídicos positivos podem ser favoráveis ou podem ser desfavoráveis.

Efeito jurídico positivo, por contraposição aos efeitos jurídicos negativos, os efeitos jurídicos
positivos desta decisão apenas significam que essa decisão produz alterações no ordenamento
jurídico – ou constitui direitos, ou retira direitos, ou modifica direitos, ou constitui deveres, ou
constitui ónus ou constitui encargos. Estes efeitos podem ser favoráveis ou desfavoráveis, mas

13
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

são sempre efeitos de uma decisão que produz uma alteração na esfera jurídica externa à
Administração – que afeta os particulares, alterando esse estatuto jurídico.

Por contraposição há os atos administrativos que produzem efeitos jurídicos negativos. Estes
traduzem-se numa recusa de alteração. No exemplo que vimos há pouco, do António e do
Afonso que pediram à Administração dos Serviços Sociais a concessão de uma bolsa, mas a
Administração entendeu que não devia conceder o efeito que eles pretendiam. Ora, com esta
decisão, o que a Administração dos Serviços Sociais da UC está a emitir, a significar juridico-
administrativamente, é a recusa da produção de efeitos jurídicos. O António pediu um
determinado efeito jurídico – a concessão da bolsa ou da isenção – a Administração dos
SASUC, aplicando os critérios, recusou-se a produzir esse efeito jurídico – isto é que é um ato
jurídico negativo – indefere a pretensão do particular – não concede a pretensão que o
particular pediu. Indefere-a, não aprova, não autoriza, não a concede. Aqui é que nós dizemos
que a decisão produz efeitos jurídicos negativos. A decisão recusa-se a produzir um efeito no
ordenamento juridico externo ou na esfera jurídica daquele cidadão ou daquele destinatário
que ele pretendia que se produzisse, mas que a Administração recusa produzir. Recusa-se a
produzir aqueles efeitos jurídicos. Nisto se traduz a decisão jurídico-administrativa com efeitos
negativos, por contraposição à decisão que produz efeitos positivos, que alteram o mundo
juridico externo, que alteram a esfera jurídica externa à Administração, produzindo efeitos
jurídicos nessas esferas, nesses ordenamentos, alterando-os, modificando-os, constituindo
neles direitos, ou deveres, ou órgãos ou encargos, ou seja, alterando de forma favorável ou
desfavorável esse ordenamento jurídico externo à Administração.

Isto tem sempre a ver com o princípio da possibilidade de os particulares terem acesso à
justiça administrativa, independentemente de as decisões da autoridade da Administração
terem efeitos jurídicos positivos ou negativos. A possibilidade de contestar ou impugnar estas
decisões é processualmente ambivalente – não pode lacunas na tutela jurisdicional efetiva.

Também clássica é a imputação de funções típicas desta decisão administrativa.

1.º - uma função de concretização ou individualização – já sabemos, por contraposição às leis,


isto é, às normas jurídicas que são gerais e abstratas, esta decisão, porque é individual e
concreta, o que ela vai permitir é que as leis ou os decretos-lei, ou os decretos legislativos
regionais, ou os regulamentos emitidos pela Administração sejam aplicados a cada um dos
cidadãos. As normas jurídicas por definição material são gerais e abstratas e, portanto,
abrangem no seu momento de feitura um número indeterminado de pessoas, mas o ato
administrativo, a decisão, seguindo o princípio da legalidade da Administração, em que os
órgãos administrativos têm de decidir sempre com base na lei, o que eles vão fazer é adaptar a
lei, ou concretizar regimes legais, ou regulamentares, em relação a cada uma das pessoas.
Portanto, dando mais uma vez o exemplo do regulamento de atribuição de bolsas da UC, o que
vai fazer a Administração da UC é aplicar normas gerais e abstratas, que dão, abstratamente,
para todos os estudantes da UC, mas que depois a Administração, o órgão administrativo
competente, vai nessa função individualizadora e concretizadora vai aplicar, através de
decisões individuais e concretas, esse regime a cada um dos estudantes que, porventura,
peçam a isenção de propina ou da bolsa. Em geral, é aplicável a todos, potencialmente, aos de
hoje, aos de ontem e aos de amanhã, um conjunto absolutamente indeterminável, mas
depois, em cada situação concreta, é através de uma decisão administrativa, a que chamamos
ato administrativo, que vai aplicar esse regime em relação a cada um dos interessados, ou que
manifestem esse interesse em ter a aplicação desse regime. Esta é a função complementar da

14
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

atividade administrativa, através do ato administrativo, que vai permitir a aplicação do regime
geral e abstrato a cada uma das situações concretas e individualizadas.

2.º - a função estabilizadora das situações jurídicas – significa que o órgão administrativo, ao
adotar uma decisão, a regra geral é que a decisão administrativa seja uma decisão
tendencialmente estável, até por razões de princípios fundamentais que estudámos em Direito
Constitucional da confiança, da segurança e da certeza jurídica dos próprios destinatários – é
algo que estabiliza a esfera jurídica dos respetivos destinatários – seja em termos de
estabilização favorável aos destinatários, com direitos, benefícios, vantagens, seja, porventura,
a constituição de determinado tipo de ónus. Qualquer que seja o efeito, neste caso, favorável
ou desfavorável, esta função de estabilização das situações jurídicas é, também aqui,
ambivalente. Tanto dá para as situações em que se constituem vantagens na esfera jurídica
dos particulares – situações favoráveis -, como para as situações que constituem
desvantagens, como a aplicação de encargos administrativos ou de pagamento de quantias à
administração – evidentemente desfavoráveis. Ainda assim, cria certeza, no sentido de que é
aquela pessoa que deve, quanto deve, quando vai pagar e de que modo vai pagar. Estabiliza a
situações jurídico-administrativa.

Designadamente, algo que é extraordinariamente importante é que se esta decisão,


porventura, for ilegal, e não for impugnada no prazo processualmente indicado - ou seja, o
artigo 58.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, estabelece um prazo geral de
3 meses para impugnar as decisões ilegais, para impugnar os atos administrativos que os
particulares reputem ilegais junto dos Tribunais Administrativos -, se não o fizerem no prazo
de 3 meses, este ato, ainda que inválido, mantém-se inválido, ou seja, ilegal, não há sanação.

No direito civil há a convalidação do negócio jurídico. No ato administrativo, na decisão


administrativa não há convalidação. O particular tem um prazo de 15 dias para reclamar, ou
tem um prazo de 30 dias para interpor um recurso hierárquico para o órgão superior, ou tem 3
meses para propor a ação nos tribunais administrativos – se não fizer nada nestes prazos, o ato
administrativo, a decisão ainda que ilegal, estabiliza na ordem jurídica, exceto se a própria
Administração, oficiosamente, decidir anular o que verificou que era ilegal. O particular deixou
prescrever os prazos e, deixando prescrever os prazos, o particular perde o direito subjetivo de
ir à justiça – produz-se um fenómeno de caducidade. Isto equivale a uma estabilização
definitiva da decisão administrativa. Mesmo que ilegal, ela forma-se uma espécie de caso
decidido.

Não confundir o caso decidido do Direito Administrativo com o caso julgado, ainda que eles
tenham algumas semelhanças. Quando se faz caso julgado, em termos processuais, esse caso
julgado eterniza-se, por mais justa ou injusta que seja aquela sentença, ou aquele acórdão, a
situação definitiva eterniza-se para sempre – ser justa ou injusta é indiferente. Também no
contexto da Administração se produz um fenómeno semelhante – o caso decidido
administrativo – aqui estabiliza – não foi concedida autorização para o funcionamento daquela
indústria porque a Administração entendia que havia violação de uma norma ambiental, mas
afinal não havia. O particular não impugnou e deixou que o prazo caducasse – a partir dali
estabiliza a situação. O caso formou-se de forma decidida. Mantém-se na ordem jurídica, ainda
que o ato e a decisão se mantenham sempre ilegais. Isto sucede, evidentemente, no caso de
ilegalidades menos graves – só é válido para as situações de mera anulabilidade – as que estão
sujeitas a prazo de impugnação. Quando há nulidade, a impugnação pode ser feita a todo o
tempo. Na mera anulabilidade, uma decisão, ainda que ilegal, produz todos os efeitos
jurídicos.

15
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

3.º - tem uma função procedimental – veremos que cada decisão administrativa só pode ser
adotada findo um procedimento administrativo – exceto as situações excecionais de estado de
necessidade, em que a Administração age no momento e sem formalização procedimental
anterior. O geral é que tem de haver um procedimento anterior à decisão. Este procedimento
está regulado no CPA e é uma exigência Constitucional. Ou seja, há uma procedimentalização
das decisões da Administração de forma a que a Administração adote decisões com
transparência, publicidade e com a participação dos interessados, sendo que a audição deles
só pode ser dispensada excecionalmente. Esta decisão que implica a adoção de um
procedimento administrativo, mais ou menos moroso ou complexo, significa que esta decisão
põe termo a esse procedimento – é a decisão final dele. Tem uma dimensão procedimental
não apenas porque exige um procedimento para que ela seja tomada mas porque ela põe fim
ao procedimento, adotando-se a decisão definitiva para a situação individual e concreta.

4.º - a função tituladora do ato administrativo, que é funcionar como titulo executivo e,
portanto, a Administração, com base nesta decisão de denegação de direitos ou de
autorização, mas, sobretudo, quando os atos são desfavoráveis para os particulares e eles não
cumprem, atos que impõem condições, que impõem cargos, que impõem ordens – atos
autoritariamente impositivos para a esfera jurídica dos cidadãos -, e que eles não cumprem
voluntariamente, isso pode dar origem a um processo de execução meramente administrativo.
Não é preciso, aqui, a mediação de qualquer tribunal, nem sequer dos Tribunais
Administrativos, com base nesse título decisório. Essa decisão é declaração do direito no caso
concreto e é, para o caso concreto, um título executivo que confere à Administração o poder,
se necessário, de executar esse título através da força executiva, isto é, através da força
coerciva ou coativa, se necessário for. Se a autoridade de segurança dá uma ordem ao cidadão
para retirar o carro daquela rua porque está a perturbar o trânsito e o situação não o faz
voluntariamente, para além de se habilitar, obviamente, a uma sanção pecuniária que é a
coima, habilita-se, imediatamente, porque já está ali um titulo executivo, que é ordenarem o
reboque e, portanto, a utilização da força coativa para retirarem o veiculo dali.

A nossa aula de hoje é sobre a classificação dos atos administrativos. Vimos na aula anterior
que um ato administrativo, na noção do CPA, no artigo 148.º constitui uma decisão de um
órgão administrativo adotada ao abrigo de poderes jurídico-administrativos e que produz
efeitos jurídicos numa esfera individual e concreta – por definição, esta decisão da
Administração, de um órgão da Administração dirige-se sempre a um destinatário
determinado e para produzir na esfera jurídica desse destinatário efeitos jurídicos que podem
ser, obviamente, favoráveis ou desfavoráveis para esse destinatário determinado e
individualizado. Estas decisões individuais, do António, do Manuel, da Maria, é sempre um
sujeito determinado – estas decisões, do ponto de vista da classificação doutrinal, assumem
diversos tipos. Ora, hoje vamos ver, justamente, em que é que consiste esta decisão do ponto
de vista mais analítico. Ou seja, vamos densificar a noção de ato administrativo em diversos
tipos de ato administrativo. As decisões são adotadas ao abrigo de poderes administrativos,
mas, do ponto de vista da sua natureza, da sua eficácia, dos efeitos que produzem na esfera
jurídica do destinatário, essa decisão pode assumir diversos tipos classificativos.

Do ponto de vista doutrinário, esta decisão, desde logo, quanto à sua projeção no tempo ou
dos efeitos e do modo como se projetam no tempo, a sua duração – eis que a grande primeira
classificação consiste em distinguir atos de eficácia duradoura por contraposição a atos de
eficácia instantânea. Esta contraposição baseia-se no facto de alguns atos projetarem efeitos
de uma forma alongada no tempo e, portanto, a sua eficácia é duradoura, e outros em que a

16
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

eficácia se esgota no momento em que são praticados. Quando um órgão administrativo


competente, seja o Estado-Administração, seja um Município, concede uma licença para a
instalação de uma unidade fabril, de uma industria, para o exercício de uma atividade… a
eficácia destas decisões, destes atos administrativos permanece ou pode permanecer ao longo
de anos, correspondente ao período de exercício da atividade – é o que se sucede nas classes
profissionais liberais – alguém tem uma cédula profissional, é autorizado para toda a vida a
exercer a atividade profissional porque tem essa autorização administrativa emitida por uma
Ordem profissional, a Ordem dos Médicos, ou dos Advogados, para que cada profissional
liberal possa com essa autorização, que é uma cédula, exercer a sua atividade legalmente pelo
tempo fora. Ora, esta relação jurídica administrativa prolonga-se no tempo por anos
sucessivos. Outras ordens, ou decisões administrativos, elas esgotam-se no momento em que
são emitidas. Uma ordem de despejo emitida por um Presidente de uma Câmara Municipal
produz efeitos naquele momento em que é emitida, e se não for executada voluntariamente
pelos inquilinos do edifício municipal, eis que depois vem a força coativa para os despejar
coercivamente – isso é instantâneo – é feito e pode ser feito naquele momento, e feito
naquele momento, a eficácia do ato esgota-se; ou a ordem para o pagamento de uma quantia
que é devida à Administração – se o particular não pagar no prazo que lhe é dado, a
Administração começa com um processo executivo para, de forma coerciva, reaver a quantia
que alegadamente lhe é devida. Portanto, isso é momentâneo, naquele espaço temporal da
decisão, ela é emitida e pode ser imediatamente executada e fica aí uma decisão esgotada, a
sua eficácia esgotada.

Um outro tipo de atos, que já tínhamos visto na aula anterior, são os atos negativos – isto é,
aquele tipo de atos através dos quais, o órgão administrativo competente, se recusa a produzir
os efeitos jurídicos pretendidos – nunca se esqueçam desta associação – o órgão
administrativo recusa-se a produzir os efeitos que o requerente, o particular, pretendia que
esse órgão administrativo produzisse na sua esfera jurídica. Nesse sentido é que nós dissemos
que o ato administrativo de indeferimento era um ato com esta projeção, um ato negativo, no
sentido de que um particular, fazendo um requerimento, formulando um requerimento ao
órgão administrativo competente, este decide não produzir os efeitos pretendidos por esse
particular. Demos o exemplo do estudante que pede a concessão da bolsa à UC e a UC, a
Administração, decide indeferir esse pedido e isso, juridicamente, significa que a situação do
António, ou do Manuel, que pediu a bolsa ou a isenção da propina, a sua esfera jurídica fica ali
decidida, fica resolvida a situação jurídica dele no sentido que obviamente tem um encargo,
tem um ónus de pagar a propina ou, evidentemente, tem a desvantagem de não receber a
bolsa. Isso é uma decisão administrativa que estabiliza na esfera jurídica do particular. Essa
decisão de recusa tem esta implicação nessa esfera jurídica, no sentido de que ao recusar-se a
decidir no sentido pretendido, simultaneamente está essa decisão a significar juridicamente
para esse particular que ele, na sua esfera jurídica, tem esse ónus, ou de pagar a propina, ou
tem a desvantagem de não ter a bolsa. Portanto, o facto de ser um ato com essa classificação
de ato negativo não significa que, evidentemente, este ato não tenha esta projeção, uma vez
que ele decide a situação jurídica do requerente, ao recusar-se a produzir esses efeitos
jurídicos. Ou seja, atos negativos consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem
jurídica no sentido pretendido pelo particular/requerente (ato de indeferimento de um pedido
formulado em requerimento e recusa de apreciação de um pedido/requerimento).

Depois, uma outra grande classificação refere-se aos atos constitutivos de direitos. É uma
noção ampla que consta do artigo 167.º/3 do CPA no sentido de que a Administração, o órgão
administrativo competente, através desta decisão administrativa que é o ato administrativo

17
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

vai produzir efeitos jurídicos favoráveis na esfera jurídica do destinatário dessa decisão - ou
porque lhe concede vantagens, ou porque através dessa decisão elimina ou extingue
desvantagens que sobrecarregavam essa esfera jurídica. Se alguém tinha o dever de pagar
uma taxa à Administração, se, porventura, a Administração decide por razões legais ou
regulamentares, isentar para o futuro essa pessoa do pagamento dessa taxa, está,
evidentemente, a produzir com essa decisão uma vantagem na esfera jurídica dessa pessoa,
que se encontravam onerada com esse ónus, com essa obrigação e com esse dever. Portanto,
um ato constitutivo de direitos tanto pode consistir numa vantagem subjetiva concedida ao
destinatário, por exemplo, a concessão de um subsídio, é obviamente um ato constitutivo de
direitos que produz uma vantagem económica na esfera jurídica do interessado, mas também
pode consistir na eliminação de um encargo ou de um dever que enumerava a esfera jurídica
dessa mesma pessoa. Tem este efeito ambivalente e é esta noção ampla de ato constitutivo de
direitos que consta do artigo 167.º/3 do CPA. Ou seja, são atos com efeitos jurídicos favoráveis
na esfera jurídica (subjetiva) do destinatário (ou de terceiro); atos administrativos que
atribuem ou reconhecem situações jurídicas de vantagem ou eliminam deveres, ónus,
encargos ou sujeições.

Quarta classificação – os chamados atos precários – atos administrativos precários – estes atos
administrativos são assim doutrinalmente qualificados em virtude de o destinatário deles,
ainda que sejam vantajosos para ele, estes atos, ao abrigo do princípio da confiança, é de
aplicação limitada aqui – por regra, uma relação jurídica tem inerente – e designadamente
com a Administração – tem inerente uma dimensão de estabilidade, uma dimensão de
confiança, uma dimensão de segurança, uma dimensão de certeza. Ora, quando se trate de
atos precários, esta confiança está diminuída, esta estabilidade está esbatida e,
consequentemente, também a segurança jurídica dessa pessoa ou dessa empresa. Porquê?
Porque a Administração, o órgão administrativo que emitiu este ato administrativo, a qualquer
momento o poderá revogar. Dir-se-á que em termos gerais, estes atos precários estão sempre
sujeitos a uma cláusula acessória de revogação ou de alteração e, portanto, de modificação ou
de extinção. Assim sucede, seguramente, alguns de nós já ouvimos falar na exploração de
areais, ou de licenças de exploração de areias – isso é comum, é normal, porque são utilizadas
por uma grande atividade privada e pública que são as obras ou civis ou obra públicas – mas,
aqueles que fazem a exploração de areia por definição até do regime legal fazem-no de forma
precária – a qualquer momento, por uma razão ou de escassez, ou uma razão ambiental, ou
uma razão de perturbação das zonas ribeirinhas, etc., a Administração, o órgão administrativo
competente pode revogar essa licença, não tendo o particular direito a qualquer indemnização
por essa extinção da licença que lhe tinha sido concedida, ou da autorização que lhe tinha sido
concedida. Quando assim é, estes atos designam-se por atos precários e, por isso, mesmo que
sejam constitutivos de direitos (e são, porque concedem uma vantagem económica de
exploração da zona em que exista a possibilidade de exploração ou de extração de areia). Do
mesmo modo, muitas vezes a Administração concede autorizações para os particulares
ocuparem prédios, imóveis, próprios da Administração, mas sempre sujeita a uma cláusula de
alteração ou de revogação. Isto é, quando a Administração necessitar daquele prédio, eis que
os particulares que tinham sido autorizados a utilizá-los têm de os abandonar – estão lá numa
situação precária, sabem que a situação é precária e, consequentemente, a sua dimensão de
confiança está aqui claramente diminuída. Também um ato que nós estudámos no Direito
Administrativo I, a delegação de poderes, é um ato precário, porque a qualquer momento
pode ser revogado pelo órgão delegante, alterado pelo órgão delegante e, portanto, é um ato
que está sempre sujeito a uma intervenção extintiva ou de alteração pelo órgão que fez a

18
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

delegação. Estes atos, assim designados na sujeição a uma intervenção discricionária


permanente do órgão administrativo competente, são sempre atos de natureza precária. Em
contrapartida, se a Administração os revogar ou alterar, obviamente, no sentido menos
favorável para o respetivo destinatário, não há qualquer proteção da confiança através de
mecanismos indemnizatórios, justamente devido à precariedade deste tipo de atos. Ou seja,
atos precários são atos sujeitos a uma revogação discricionária, por disposição legal ou por
reserva de revogação – ou cujos efeitos dependem de condições resolutivas (condições
resolutivas legais ou apostas ao ato pelo autor). Pela sua própria natureza, os efeitos jurídicos
criados pelo ato precário apenas existem por mera tolerância da Administração, que pode
modificá-los ou extingui-los em todos os casos e em qualquer momento, não sendo, assim,
constitutivo de direitos (artigo 167.º/3 do CPA).

Também temos os chamados atos provisórios – atos administrativos provisórios – estes atos
provisórios estão associados, em regra, a autorizações que a Administração concede a
particulares para o exercício de atividade, mas é sempre de forma provisória, até que em
algum momento à posterior sobrevenha a autorização definitiva. Para que o particular não
esteja a aguardar demoradamente pela autorização definitiva o que a Administração faz é
conceder uma autorização provisória para que os particulares possam iniciar o exercício das
respetivas atividades. Ou, também, muitas vezes a Administração, no contexto de
determinado tipo de procedimentos, adota medidas cautelares ou intercalares, portanto,
anteriores à decisão final que há de vir, para inclusivamente, às vezes, salvaguardar a prova
para efeitos de adotar a decisão final. Muitas vezes, numa entidade que é nossa conhecida, a
ASAE, ou Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica, ou a Autoridade das Condições
de Trabalho, muitas vezes adotam estas medidas cautelares, que são provisórias, que é, por
exemplo, apreender objetos ou produtos, para, justamente, salvaguardarem até a prova, à
maneira como sucede no processo civil e no processo penal. Isto são atos provisórios, mas são
decisões e decisões que têm, evidentemente, implicações desfavoráveis para os respetivos
destinatários e que visam não raras vezes até acautelar o ato definitivo, a boa decisão
definitiva, como são esses casos, por exemplo, da apreensão de determinado tipo de objetos
ou produtos, porventura, que já não estejam em condições para serem comercializados, eles
podem ser imediatamente apreendidos para servirem como prova para se tomar a decisão
definitiva relativamente ao agente económico que se encontrava nessa situação. Estes são
atos cujos efeitos dependem de uma futura pronúncia definitiva da Administração, e estão
regulados pelos artigos 89.º e 90.º do CPA.

Depois temos outra grande classificação – as pré-decisões – isto é, por noção gramatical, até,
as pré-decisões são atos administrativos que precedem uma pronúncia final e definitiva
também da Administração, mas que já decidem em certos termos, não de forma provisória,
mas de forma definitiva, a situação jurídica do particular. Aqui temos dois subtipos:

- Temos os chamados atos administrativos prévios, que decidem definitivamente sobre a


viabilidade de um projeto do particular, ou de um processo do particular - a decisão é
definitiva, mas não tem a virtude jurídica de permitir ao particular o exercício da atividade ou a
execução do projeto que pretende, porventura, concretizar. O exemplo mais saliente deste
tipo de atos (atos prévios) é a aprovação do projeto de arquitetura, ao abrigo do Regime
Jurídico de Urbanização e Edificação, ou seja, aquele projeto que o particular pede para ser
aprovado, autorizado, licenciado, pelos órgãos dos municípios, essa aprovação do projeto de
arquitetura vai vincular a decisão final, que é a emissão da própria licença, da própria
autorização, por já constar de um alvará. A partir do momento em que é aprovada, essa

19
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

decisão está consolidada, é definitiva e, portanto, a decisão que vai autorizar o particular a
realizar o empreendimento, a construção, a reabilitação, tem de ser adotada em conformidade
com o projeto de arquitetura que foi aprovado num momento prévio. Contudo, a mera
aprovação do projeto de arquitetura não permite ao particular realizar qualquer operação, há
que pedir a licença que há de constar de uma forma conhecida e também futuramente nossa
conhecida que é o alvará, que depois é afixado num sítio público para o efeito.

- Outros atos desta natureza das pré-decisões são os chamados atos administrativos parciais –
quando, muitas vezes, nas áreas, designadamente, da construção, que precisam sempre de
uma interferência administrativa, o que faz o órgão administrativo competente é permitir
numa decisão prévia que os particulares possam já dar inicio ao exercício de algumas
atividades que podem iniciá-las até que venha a decisão final autorizativa – são as chamadas
licenças parciais. Isto é uma espécie de antecipação daquilo que será o conteúdo típico da
decisão final. Para que os particulares já possam iniciar algumas atividades, a Administração
antecipa essa licença ou o conteúdo parcial dessa licença que virá, obviamente, a ser adotada
em termos definitivos, permitindo que possam realizar escavações, remoção de terras, ou
outro tipo de atividades para a implantação de estruturas ou de infraestruturas, embora,
depois, a licença global e definitiva só venha num momento posterior.

Para resumir: as pré-decisões são atos que, precedendo o ato principal de um procedimento,
ou o ato que define a situação jurídica do interessado noutro procedimento, decidem,
peremptória ou vinculativamente, sobre a existência de condições ou de requisitos de que
depende a prática de tal ato. Podem dividir-se em atos administrativos prévios, que são atos
que decidem de forma antecipada uma pretensão, mas não têm efeitos permissivos, não
habilitando o particular-destinatário ao exercício de qualquer atividade; e em atos
administrativos parciais, que são decisões finais/definitivas relativas a uma parte do objeto do
procedimento e que têm e si mesmo um caráter permissivo, embora circunscrito à parte da
decisão que já foi objeto de apreciação (num procedimento que terá por ato final a licença de
construção, a emissão da licença parcial e antecipada para a realização das escavações
necessárias ao inicio da construção e implantação das estruturas).

Outra classificação de ato administrativo são as promessas administrativas. Isto


aparentemente parece sugerir uma mera promessa, ainda que jurídica, mas é mais do que
isso, porque através deste ato o órgão administrativo competente fica vinculado a adotar a
decisão final em conformidade com a informação que tenha dado ao particular no momento
anterior. Portanto, ela compromete-se juridicamente – e daí a promessa administrativa – isto
é, ela compromete-se, ela autovincula-se, a decidir a situação do particular de acordo com a
informação que previamente lhe tenha dado a esse particular e que ele, evidentemente, sendo
uma informação administrativa se conformou com ela, pautou a sua conduta em função dela,
elaborou o seu processo sobre o projeto em função dessa informação, aguardando que,
obviamente, a decisão final seja em concordância com aquilo que a Administração se
comprometeu, se autovinculou a fazer. É isto muito típico também no âmbito do direito do
Urbanismo, com a designada informação prévia favorável, que consta nos artigos 14.º a 17.º
do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação em que os particulares podem solicitar aos
órgãos administrativos competentes, em geral, os órgãos dos municípios uma informação
sobre a viabilidade de um certo projeto que pretendem implementar, seja em construção
nova, seja de reabilitação ou de alteração, e que, esse órgão, analisando essa pretensão do
particular, lhe vai emitir esta informação e que depois ele vai seguir para conformar ao nível
técnico a sua atividade até que sobrevenha a decisão final, a qual é adotada pela

20
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Administração, em conformidade com a informação que prestou a esse particular e que o


particular observou na instrução do seu projeto e do seu processo. Ora, estas promessas ou
atos ditos promessas administrativas são muito comuns, também, no direito do Urbanismo e
constam no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação. Para resumir, promessas
administrativas geram uma autovinculação unilateral da Administração à prática de um
(futuro) ato administrativo (ou à emissão de um regulamento) ou à não adoção de uma
determinada medida.

Analisando agora o conjunto de atos em função dos efeitos que projetam na esfera jurídica
dos destinatários temos duas grandes classificações: aqueles que implicam desvantagens para
os particulares ou que, porventura, a Administração se recusou a produzir os efeitos que os
particulares queriam – esse tipo de atos é agregado numa grande classificação que são os atos
desfavoráveis. O conteúdo destas decisões tem sempre um efeito na esfera jurídica do
particular – ou que vai onerá-los, ou que vai extinguir direitos nessa esfera, ou que vai criar
obrigações, ou deveres, ou ónus, ou encargos nessa esfera, ou que se recusam, os órgãos
administrativos, através destes atos, a produzir os efeitos que os particulares queriam,
vantajosos para si, mas que a Administração decide que não vai atribuir essas vantagens na
esfera jurídica do particular. Por isso temos uma classificação contraposta entre atos
desfavoráveis e atos favoráveis.

Esta primeira categoria, deste tipo de atos, são sempre atos desfavoráveis. Os atos
desfavoráveis podem ser atos ablativos, atos impositivos ou indeferimentos.

Os atos ablativos são atos administrativos que suprimem, ou extinguem, ou comprimem, ou


cerceiam, ou retiram direitos da esfera jurídica. Exemplo clássico é claramente a expropriação
– qualquer um de nós sabe que as entidades públicas realizam infraestruturas, sejam
rodoviárias, sejam ferroviárias, sejam portuário-marítimas, sejam aeroportuárias, seja
construção de barragens, etc. Ora, muitas vezes as entidades públicas, para realizar essas
infraestruturas públicas, necessitam de prédios, de imóveis dos particulares e, como
necessitam deles definitivamente, eternamente, o que as entidades públicas vão fazer é uma
de duas coisas: ou adquirem esses imóveis aos particulares, através do contrato de compra e
venda disciplinado no Código Civil, ou, não chegando a acordo – mas é um dever que elas têm
de cumprir – porventura, podem não chegar a acordo com esses particulares – não chegando a
acordo com os particulares, o que vai suceder é um fenómeno expropriativo, ou seja, a
entidade pública que pretende realizar essas infraestruturas expropria, pratica um ato
administrativo – uma decisão impositiva, obviamente, que o particular irá ficar sujeito se,
porventura, houver alguma resistência do particular, a Administração apropria-se do bem de
forma coativa, começando a realizar as atividades de forma coativa, seja diretamente por si,
seja através de contratos que celebra com terceiros para fazer essas operações. Depois,
também já demos o exemplo de um ato administrativo do município, no caso do abate de
animais. Obviamente que é um modo de extinção da propriedade em relação desses animais
por parte daquele que era o seu legitimo proprietário; ou a apreensão da carta de condução
por situações de menor observância do Código da Estrada. Haverá sempre aqui um ato que
definitivamente ou temporariamente vai extinguir ou a titularidade do direito que nós
tínhamos, os particulares, ou impedir o seu exercício.

Depois, os chamados atos impositivos, designadamente, aqui, as clássicas ordens de


demolição, que impõem uma obrigação de conteúdo positivo – qualquer particular que seja
titular de um prédio urbano é, e sabe de antemão, que pelo Regime Jurídico da Urbanização e
da Edificação, ou pelo Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, ou pelo Regime Jurídico da Lei

21
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

de Bases Políticas do Solo, ou pelo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, os
particulares sabem que, porventura, se o seu edifício ameaçar ruina, têm um dever legal de
restabelecer a segurança da sua edificação. Se não o fizerem, o Presidente da Câmara
Municipal, ao abrigo do mesmo regime, completado ou conjugado com a Lei n.º 75/2013, que
estabelece as competências dos órgãos municipais, pode emitir uma decisão – ato
administrativo – que obriga o particular a proceder à demolição parcial ou total do prédio que
ameaça ruina. Obviamente, se o particular não o cumprir, então o mesmo órgão – o Presidente
da Câmara Municipal – ordena a execução coativa para que o imóvel seja efetivamente
demolido. Trata-se dos exemplos mais elucidativos destas obrigações de conteúdo positivo. Ou
obrigações de conteúdo negativo – os atos impositivos tanto podem impor um fazer (um
facere) como podem impor uma obrigação de conteúdo negativo – por exemplo, muitas vezes
pode suceder designadamente em centros históricos, é que muitas vezes as ruas têm uma
placa a proibir o trânsito, desde que nós não moremos naquela rua, podemos ficar
temporariamente impedidos de circular com o nosso automóvel por essa rua – aqui impõe-nos
uma obrigação de abstenção. Impõe-nos uma obrigação de conteúdo negativo. Como quer
que seja, os atos impositivos têm sempre esta ambivalência jurídica de imporem ou obrigações
de conteúdo positivo ou obrigações de conteúdo negativo.

Por fim, quanto aos atos desfavoráveis, temos os chamados indeferimentos, que
correspondem àquela classificação que vimos dos atos negativos – o indeferimento traduz
sempre uma recusa por parte do órgão administrativo de produzir os efeitos favoráveis que o
particular pretendia na sua esfera jurídica. Ao recusar-se a tomar essa decisão indeferindo, é
claro que isso interfere sempre na situação jurídica, na esfera jurídica do particular que, fica aí,
com esse indeferimento, também decidida, também resolvida. Se pretendia a dispensa da
isenção de propina, o requerimento que o particular tinha formulado no sentido de não pagar
fica aí decidida a sua situação jurídica – vai continuar a pagar, ou começar a pagar, porque a
sua pretensão foi indeferida – daí, também estes atos terem um efeito desfavorável. Ou seja,
são atos de recusa, total ou parcial, da prática de um ato favorável ou da produção de efeitos
jurídicos requerida pelo interessado.

Por contraposição aos atos administrativos desfavoráveis, temos os atos administrativos


favoráveis.

Aqui, o primeiro grande tipo de atos favoráveis, designa-se por concessões ou atos que têm
um efeito jurídico equivalente. Dentro das concessões temos duas grandes categorias.

A primeira é a designada concessão translativa, que é muito comum no contexto das tarefas
administrativas, isto é, é muito comum, designadamente em determinado tipo de interesses
públicos que são prosseguidos pela Administração, em certas atividades, através destes atos, a
Administração transfere para os particulares, transmite, um direito próprio, ou um poder
próprio que é seu. Por isso é que se fala em efeito translativo, e a concessão tem exatamente
este nome, uma dimensão translativa, de transferência de algo que estava na esfera
administrativa para a esfera de um particular que, através desta concessão, passa a colaborar
com a Administração no exercício de certas atividades administrativas. É o que sucede quando
a Administração, através desta concessão, transmite para um particular a atividade de gestão e
exploração de transportes públicos, designadamente municipais ou intermunicipais, ou
estaduais – temos, obviamente, a gestão dos transportes rodoviários, ou a gestão dos
transportes aeroportuários. É por concessão da Ana Aeroportos que uma empresa particular,
um grupo privado, gere o aeroporto da Portela e, porventura, irá gerir e explorar o novo
aeroporto na área de Lisboa, se, porventura, a avaliação estratégica ambiental assim o

22
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

permitir. Também em muitos municípios a distribuição de água potável é concessionada a


empresas da especialidade. Aquilo que um serviço municipal ou um serviço
intermunicipalizado de água fazia, que era a gestão e a exploração e a distribuição de água no
âmbito da cidade, e no âmbito do concelho municipal, é transferido no âmbito da concessão
para o âmbito do particular, e que passa a ter esse poder, esse direito-poder, ou dever
funcional, de gerir a atividade – poder esse que estava na esfera da Administração e que foi
transferido – efeito translativo – para esse particular que agora está a colaborar com a
Administração no exercício destas atividades. Para resumir, a concessão translativa é um ato
pelo qual a Administração transfere para um particular o poder ou o direito (próprio) de
exercer uma atividade pública (“exercício privado de funções públicas”) que a passa a exercer
por sua conta e risco e no interesse geral.

Diferentemente se passa com as concessões constitutivas – estas, diferentemente do que


sucede com as concessões translativas, através destas concessões a Administração constitui, e
daí o nome, daí a designação doutrinal de concessão constitutiva – constitui ex novo, isto é, de
modo inovatório, um direito ou uma faculdade ou um poder na esfera jurídica do particular,
que não pré-existia na esfera administrativa. É um ato administrativo constitutivo ex novo de
direitos na esfera jurídica do particular, diferentemente do que sucede com a concessão
translativa, esse poder, esse direito ou essa faculdade não pré-existia na esfera administrativa.
Um exemplo muito comum e conhecido da nossa dimensão empírica – quando a
Administração concede um espaço numa praça, numa rua, numa baixa da cidade, um espaço
público, concede a faculdade de um particular instalar aí um quiosque para a venda de jornais,
ou revistas, o que a Administração está a fazer é a constitui ex novo, na esfera jurídica desse
particular, um direito que ela não tinha – não é função administrativa própria da
Administração vender jornais ou revistas. Ela vai constituir na esfera jurídica do particular um
direito de utilização de um espaço público – constitui na esfera jurídica do particular essa
faculdade ou esse poder que não estava na esfera jurídica da Administração, que é ter o
exclusivo de utilização do espaço público municipal ou estadual para o exercício de uma
atividade. O mesmo sucede na nossa rua, por exemplo, que, não raras vezes, os
estabelecimentos comerciais, designadamente da área da cafetaria ou da pastelaria ou da
restauração terem esplanadas, na zona contigua ao próprio estabelecimento – essa esplanada
está em cima do espaço público, constitui-se naquele espaço do domínio público, na rua, na
praça ou até nos passeios – o que aí temos é, justamente, uma faculdade que é constituída ex
novo na esfera jurídica dos proprietários desse estabelecimento e que, através da concessão
constitutiva adquirem na sua esfera jurídica a faculdade de utilizar em exclusivo aquele espaço
que é contiguo ao estabelecimento comercial. Do mesmo modo, a concessão constitutiva
também de forma recorrente projeta-se na concessão da cidadania – evidentemente que é um
ato constitutivo do direitos que concede a um determinado cidadão, preenchidos os
pressupostos legais, a Administração concede ex novo, cria ex novo, na esfera jurídica de um
determinado particular, um estatuto de cidadania que ele não tinha, seja cidadania
portuguesa, seja brasileira, seja angolana, seja espanhola, não interessa, mas é algo
característico de qualquer Administração Pública, esta dimensão constitutiva de criar um
status na esfera jurídica do particular. Para resumir, concessão constitutiva é um ato pelo qual
a Administração constitui ex novo um direito na esfera jurídica do destinatário; um direito que
não pré-existe na esfera da Administração.

Outro ato favorável é a promessa da prática de um ato favorável, que já vimos – o exemplo,
que já vimos, com a informação prévia favorável através da qual a Administração, o órgão
administrativo competente, se compromete, se autovincula a praticar um ato administrativo

23
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

favorável, em conformidade com o que consta da informação de um ato prévio emitido, a tal
promessa.

Depois, a designada renúncia administrativa – a renúncia administrativa é um ato


problemático, e até mesmo constitucionalmente problemático – obviamente, a Administração,
por princípio, não pode renunciar a vantagens administrativas próprias. É algo, por princípio,
proibido. Portanto, um órgão administrativo não pode, legalmente, até pela razão da ordem
pública administrativa, renunciar a faculdades, a poderes, a direitos – a não ser em situações
excecionais e desde que o direito seja de caráter patrimonial e disponível. Poderá, por vezes,
preenchidos certos pressupostos, o perdão fiscal, por exemplo, muito mediático.
Evidentemente que a liquidação e cobrança é um dever administrativo, e é um direito
patrimonial da Administração, é indiscutível, mas preenchidos certos pressupostos legais
poderá haver perdão fiscal total ou parcial. Contudo, isto é excecional. Só pode suceder
quando a lei permita, quando exista uma norma legal que permita a utilização desta faculdade
pela administração – ela renuncia a uma vantagem e, naturalmente, ao renunciar a uma
vantagem sobre um particular, vai criar, por contrapartida, na esfera jurídica do particular,
uma vantagem que eles não tinham – vai desonerá-los do cumprimento de um dever legal ou
de uma sujeição legal. Como isto só pode suceder em situações excecionais e legalmente
permitidas, é que o artigo 36.º/2 do CPA diz que é nulo todo o ato ou contrato que tenha por
objeto a renúncia à titularidade ou ao exercício da competência conferida aos órgãos
administrativos, sem prejuízo da delegação de poderes e figuras afins legalmente previstas –
esta é uma exceção prevista no próprio CPA, mas há leis avulsas, designadamente na área
económico-financeira, que, excecionalmente, concedem a certos órgãos administrativos a
possibilidade de haver essa renúncia ao exercício de direitos ou poderes perante os
particulares. A regra é não ser admissível esta renúncia administrativa. Para resumir, a
renúncia administrativa é um ato através do qual a Administração extingue ou limita deveres,
ónus ou sujeições dos particulares perante a Administração; a Administração, através da
renúncia, perde a titularidade de um direito legalmente disponível.

Um outro ato, hoje estatisticamente daqueles que são mais praticados pela Administração é o
chamado ato de adjudicação de contratos ou de posições contratuais, que está disciplinado no
Código dos Contratos Públicos. Através deste ato de adjudicação, a Administração, no contexto
de um procedimento, por regra, competitivo e, portanto, com vários intervenientes, vai
selecionar um deles, aquele que apresenta melhor proposta e, ao escolher essa proposta, está
a adjudicar uma posição contratual. Concede sempre uma vantagem económica, pecuniária,
ao particular, porque vai executar um contrato com uma entidade administrativa e, a partir
daí, vai como contrapartida auferir um preço que a Administração pagará.

Depois temos ainda as autorizações nas relações entre a Administração e os particulares. Este
tipo de ato administrativo tem a sua razão de ser no facto de, na generalidade das situações,
quando se quer exercer uma atividade, há sempre uma intervenção da Administração e,
portanto, há sempre uma mediação administrativa – daí que se diga autorização nas relações
entre a Administração e os particulares, por contraposição a outras autorizações que se
procedem no interior da própria Administração. Estas são entre a esfera jurídica administrativa
e a esfera jurídica dos particulares.

Um dos atos, de natureza excecional, mas favorável concretiza-se na chamada dispensa. Quase
gramaticalmente sugere que a dispensa exonera alguém do cumprimento de uma obrigação,
de um dever. Ora, é exatamente isso que significa no sentido jurídico-administrativo. Através
deste ato administrativo, que em função do seu conteúdo se designa por dispensa, o órgão

24
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

administrativo competente vai permitir a um determinado particular o exercício de uma


atividade ou o exercício de uma faculdade que, por lei, está vedada a todos, mas que por
mediação da Administração, alguns podem ser dispensados da observância desse dever legal
ou dessa proibição legal. É o que sucede, por exemplo, na Reserva Biológica Nacional, ou a
Reserva Agrícola Nacional, por regra, por princípio, por dever, por proibição, na área abrangida
por estas regras não pode haver construção e, portanto, há uma inibição legal, uma proibição
lega. Contudo, em determinado tipo de pressupostos legais muito limitados, a Administração
pode dispensar os particulares da observância deste impedimento legal, e autorizá-los a
contruir ou a reconstruir, ou a reabilitar, se já houver lá alguma construção. São dispensados
de cumprir um dever legal que proíbe a todos e a qualquer um o exercício de uma atividade ou
de uma faculdade, neste caso, a faculdade de construir, quando se trate destas reservas, mas
que a Administração, através deste ato administrativo vai, em relação a esse particular, vai
emitir uma dispensa e com esta dispensa produzir este efeito jurídico na esfera jurídica do
particular. Para resumir, trata-se de atos que removem, a título excecional, um dever especial
que onera os particulares, permitindo-lhes o não cumprimento de uma obrigação geral ou a
isenção desse cumprimento. Também é o que sucede com a lei de uso e porte de arma – a lei
estabelece uma proibição geral do uso e porte de arma, estabelece que os cidadãos não
podem fazer-se acompanhar deste tipo de instrumento agressivo – contudo, em determinado
tipo de situações ou de atividades, também alguns cidadãos podem ser dispensados do
cumprimento deste dever inibitório ou proibitivo – no caso, a autoridade administrativa
competente pode autorizar que certos cidadãos se façam acompanhar e, obviamente, de uso,
se necessário, de arma.

Outro tipo de autorizações são as chamadas licenças – autorizações constitutivas – de forma


semelhante ao que vimos com as concessões constitutivas, designadamente naqueles
exemplos que vimos, também as chamadas autorizações constitutivas conferem aos
particulares direitos subjetivos e, portanto, posições de vantagem que sem esta criação ou
constituição ex novo destes direitos na esfera jurídica, os particulares não poderiam exercer
atividades profissionais. Isto é raro, porque a regra é a nossa titularidade enquanto estatuto
fundamental e até constitucional do direito de exercer atividades legalmente permitidas. Em
certas circunstâncias, até por ponderação dos valores que estão em causa, a lei sujeita os
particulares a uma intervenção administrativa constitutiva. Ou seja, é o órgão administrativo
competente que por ato administrativo vai criar na esfera jurídica do particular o direito
subjetivo a exercer uma atividade. É o que sucede com as licenças que são concedidas para a
exploração de canais privados de televisão. Há a titularidade pública e há o restante, que são
privados – a utilização destes meios privados televisivos, obviamente só foi possível porque o
Estado concedeu ex novo o direito subjetivo. O mesmo sucede com as licenças de rádios
privados, sejam nacionais ou sejam regionais. Há sempre uma intervenção administrativa
decisória constitutiva no sentido de direito subjetivo à exploração destas atividades que não
existe na esfera jurídica dos particulares sem essa intervenção constitutiva criadora ex novo da
Administração. Ou seja, são atos que constituem direitos subjetivos em favor dos particulares
em áreas de atuação sujeitas, por lei, a proibição relativa.

Contudo, a regra é que a autorização seja meramente permissiva. Portanto, a regra não é a
autorização constitutiva para o exercício de atividades – isso é a exceção – até por força de
uma Diretiva da União Europeia, a chamada Diretiva de Serviços 2006, em que expressamente
a União Europeia diz que em cada Estado-membro, a regra para os cidadãos nacionais e
europeus exercerem atividades é que a intervenção da Administração seja meramente
permissiva – isso significa que o direito subjetivo ao exercício de atividades já está na esfera

25
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

jurídica dos particulares, até pela razão constitucional da liberdade profissional e da iniciativa
económica, desde que preenchidos os pressupostos legais para o efeito – não se pode ser
médico só porque se tem a liberdade de escolha de se ser médico, tem de se cumprir os
requisitos legais para esse efeito, e de igual modo para as outras profissões, liberais ou não. O
particular já é titular do direito, adquire-o por si, pela sua formação, etc. Contudo, só pode
exercer esse direito se houver uma mediação administrativa – esta mediação administrativa só
vai permitir ao particular o exercício do direito de que ele já é titular. Portanto, quando um
Município autoriza um particular a abrir um estabelecimento, o titular do direito a ter o
estabelecimento, a abrir, funcionar e comercializar, esse já é um direito subjetivo do particular,
a intervenção administrativa só vai permitir, só vai possibilitar ao particular que ele a exerça,
definindo se o local pode ser ali ou não, o horário de funcionamento, etc. – vai ver se isso está
cumprido, se o particular cumpre isso e, verificando que cumpre, permite o exercício de um
direito de que ele é subjetivamente titular. Para resumir, trata-se de atos que visam remover
limites legais ao exercício de direitos subjetivos dos particulares; o particular é titular
(subjetivo), mas o respetivo exercício está condicionado à obtenção de uma (prévia)
autorização da Administração.

Também os chamados reconhecimentos. Os chamados atos administrativos de


reconhecimento de qualificações profissionais, cujo regime consta da Lei n.º 2/2017 e que
transpõe para o direito interno uma diretiva europeia sobre o reconhecimento de
qualificações profissionais, designadamente as profissões liberais – advogado, médico,
engenheiro, arquiteto – elas estando obtidas por esses profissionais, a partir desse momento o
direito ao exercício da atividade é multipolar, ou seja, tanto vale em Portugal, como na
Alemanha, como na França, etc. Esta facilita o reconhecimento das qualificações profissionais
e diminui os constrangimentos à livre circulação de pessoas.

Depois temos, para terminar, outro tipo de autorizações – relações entre órgãos
administrativos.

O que temos agora são relações que se produzem no contexto do interior da Administração
Pública – dentro da Administração Pública do Estado, ou dentro da relação entre a
Administração Pública municipal com a Administração Pública do Estado… - como quer que
seja, elas são sempre relações inter-administrativas.

Temos as autorizações constitutivas de legitimação – isto é bastante frequente na relação


entre a chamada Administração indireta do Estado, que nós estudámos no Direito
Administrativo I – os institutos públicos – e os ministros que têm poder de tutela e de
superintendência sobre esses institutos. Não raras vezes, o Conselho Diretivo de cada instituto
público, ainda que seja competente para decidir, para agir, para praticar aqueles atos
administrativos, para realizar aquela despesa, para celebrar aqueles atos administrativos ou
para emitir regulamentos administrativos, contudo, para exercer essa competência necessita
de uma autorização administrativa, isto é, de um Ministro. Com essa autorização eles vão ter a
chamada legitimação para agir.

(Quando se pergunta distinga entre autorizações nas relações entre órgãos administrativos e
autorizações entre a Administração e nas relações com os particulares – quando definem esta
autorização, chamam-lhe autorização constitutiva de legitimidade – NÃO – não está bem,
temos de evitar. São autorizações constitutivas de legitimação.)

Através deste ato de autorização tutelar, o órgão competente que é o ministro vai possibilitar
que o órgão tutelado – em geral, os institutos públicos, possam exercer as competências que

26
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

já detêm, mas que para as exercer necessitam desta intervenção prévia autorizativa do
Ministro com poder de tutela. Daí que a Administração, que esta autorização, apenas confere
legitimação para agir. É neste sentido que ela se diz constitutiva. Não confere competências,
ou teríamos um fenómeno de delegação de competências - as competências já existem na
entidade tutelada, só necessita desta intervenção administrativa prévia para que esteja em
condições legais de atuar – por isso é que se diz constitutiva de legitimação – possibilita,
confere, a legitimação para agir, para decidir, para contratar ou para emitir regulamentos. Ou
seja, trata-se de atos através dos quais o órgão autorizante confere ao órgão autorizado a
possibilidade de praticar um ato administrativo para o qual já é competente.

Outros atos muito típicos, designadamente na relação com o Ministro das Finanças, temos as
aprovações – porque tem de intervir sempre, seja ou por autorizações ou por aprovações,
normalmente tem de intervir sempre quando haja despesa financeira no âmbito da
Administração do Estado. Aprovações são atos que desencadeiam apenas a eficácia do ato
administrativo aprovado – nada constitui, nada faculta em termos decisórios – apenas vai
desencadear a eficácia de uma decisão de um ato administrativo já pleno, já perfeito, já
definitivamente constituído – apenas despoleta a eficácia dele. Se estiver sujeito a uma
aprovação para realizar despesa, a intervenção do Ministro das Finanças tem apenas a virtude
de desencadear a produção dos efeitos. Qual é aqui a produção dos efeitos? É começar a
processar, é começar a efetuar pagamentos, é começar a exercer a atividade financeira – a
decisão já estava tomada, apenas necessitava dessa intervenção ministerial para que se
pudessem produzir esses efeitos financeiros de uma decisão já adotada.

Por fim, temos uma outra grande categoria muito pessoal de atos – são os atos relativos a um
status. Estes atos designam-se assim por através deles, o órgão administrativo competente
conceder ou criar na esfera jurídica dos particulares um estatuto que o particular não tinha. Há
sempre uma dimensão constitutiva. Por exemplo, o aluno que é admitido na Universidade de
Coimbra, e aqui se matrícula – ele adquire um estatuto, isto é, um status, através de uma
intervenção administrativa, de ato administrativo – a matrícula – que o estudante não tinha. A
partir daí tem o estatuto do estudante da UC e correspondente cartão da UC, correspondente
meio oficial da Universidade de Coimbra, é todo um feixe de efeitos que se produzem nesse
status que é próprio de uma intervenção administrativa prévia para que esse estatuto se crie.
Ou a nomeação de alguém para a Administração Pública – nomeação é um ato administrativo
– nomeação de um dirigente, por exemplo – a partir desse momento esse dirigente passa a ter
o estatuto de dirigente da Administração Pública, com todo o feixe de direitos e deveres
estatutários que se incorporam no exercício do cargo de dirigente. É claro que o estatuto, tal
como se constitui, também se modifica. É muito usual haver transferências da nossa parte
entre universidades públicas – isso é uma alteração do estatuto de estudante do ensino
superior – pela transferência, vai adquirir um estatuto de estudante numa outra universidade
– isso, evidentemente, desde logo na relação interna administrativa, há uma alteração a esse
nível – depois a sua relação passará a ser com a universidade para que se transferiu – com isso
houve uma modificação do status, que só se produz se houver uma intervenção administrativa
para alterar esse estatuto; ou extinguem, no caso de demissão, exoneração, expulsão, até por
efeitos disciplinares poderá haver, evidentemente, uma sanção mais gravosa que poderá
implicar a exoneração, demissão ou expulsão e, a partir desse momento, extingue-se o
estatuto de trabalhador público, ou de estudante de universidade pública, etc. Há uma
repercussão, neste caso, evidentemente, desvantajosa, é um ato desfavorável, na esfera
jurídica do destinatário. Ou seja, atos relativos a status são atos de eficácia instantânea que
criam, modificam ou extinguem estatutos.

27
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Há ainda os atos secundários ou de 2.º grau – alguns atos administrativos têm por objeto
outros atos administrativos e, portanto, o objeto da decisão administrativa é uma outra
decisão administrativa – o objeto do ato administrativo praticado à posterior é um ato
administrativo que foi praticado antes, e que vai produzir estes efeitos: pode revogá-lo, isto é,
extingui-lo, ou pode até revogá-lo parcialmente, não totalmente, o que interessa é que
interferiu nesse ato primário; ou o extinguiu por força da revogação, ou porque se descortinou
a existência de algum vicio e o órgão administrativo, oficiosamente, procedeu à sua anulação,
o que significa destruir retroativamente o ato – uma destruição de todos os efeitos que o ato
tinha produzido. Anulou-se, como se anula o negócio juridico na teoria geral do direito civil,
também aqui pode haver anulação meramente administrativa de atos administrativos. Não
estamos a falar aqui de intervenções jurisdicionais. Depois pode haver declaração de nulidade,
nos casos em que as nulidades ou os vícios sejam mais graves ou, porventura, poderá haver
também a sanação, quando o ato é meramente anulável, não tem ilegalidades graves, a
Administração pode proceder à sua sanação – há um vicio de forma que não implica uma
invalidade grave; há um vicio de competência – procede-se à sua sanação. Ou então uma
conversão do ato – há uma espécie de conversão do ato, por exemplo, com um contrato em
funções públicas, que é um contrato administrativo, mas depois há o contrato da investidura,
por tempo definitivo – isso pode conduzir a que, havendo ilegalidades, se converta isso, que
era por tempo definitivo e, portanto, para a eternidade, num estatuto a termo certo. Houve
uma conversão em virtude de ser ilegal que ele assumisse um estatuto definitivo na
Administração Pública, vai assumir um estatuto temporário, convertendo-se.

Vamos agora dar início a esta matéria sobre o Procedimento Administrativo dirigido, no Código
de Procedimento Administrativo, à emissão da decisão administrativa, que qualificámos por
ato administrativo. Portanto, significa isto que para uma decisão administrativa a que damos o
nome, a qualificação doutrinal e legal, por força do artigo 148.º do CPA, esta noção de ato
administrativo, para que esta decisão seja tomada ou adotada por qualquer órgão
administrativo, é necessário que previamente se cumpram, se observem, um conjunto de
formalidades ou de fases que são legalmente tidas como necessárias para que essa decisão
possa ser adotada em condições de validade administrativa.

Este conjunto de fases ou de formalidades que antecedem a decisão designam-se, na


terminologia comum e unitária, doutrinal e legal, por procedimento administrativo. Como este
procedimento administrativo é dirigido, justamente, para a adoção de uma decisão que se
chama ato administrativo, eis que o titulo, correspondentemente, se designa também por
procedimento administrativo, para a prática de atos administrativos.

Esta dimensão administrativa é realmente necessária em toda a ação administrativa, salvo


raríssimas exceções, como veremos, mas que se impõe como observância obrigatória a todos
os órgãos administrativos para que validamente possam adotar decisões administrativas,
sejam as tais decisões ou atos administrativos favoráveis, sejam, e sobretudo aqui, as decisões
que consubstanciem do ponto de vista do seu conteúdo, atos administrativos desfavoráveis
para os particulares. É esta a noção – e antes de estar no Código era uma noção doutrinal – só
foi introduzida no CPA de 1991, e agora replicada no CPA de 2015 – esta noção legal, ao definir
procedimento administrativo como a sucessão ordenada de atos, de fases, de formalidades,
que um órgão administrativo deve cumprir para formar a sua vontade, a vontade funcional,
como é obvio, não é a vontade individual ou psicológica, é uma vontade funcional, no sentido
de exercício da função administrativa e de exteriorização do poder administrativo e depois o
modo como a manifesta aos interessados, aos particulares, e, portanto, é um modo escrito, é

28
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

um modo expresso, é um modo oral, é um modo eletrónico – a lei, o CPA, define os termos em
que também ela tem de se manifestar aos particulares. Depois, também já falamos aqui que
pode, porventura, ser necessário, designadamente quando estamos perante atos
desfavoráveis, pode ser necessário executar coativamente essa decisão. Aqui há uma outra
fase, a fase executiva ou da execução das decisões da Administração – execução coativa.
Também ela tem um procedimento próprio que está estabelecido no CPA.

Seja para a formação da decisão administrativa, seja, quando necessário, para a executar
coercivamente, é sempre necessária a observância de um conjunto de formalidades prévias.
Essas formalidades prévias consubstanciam a noção doutrinal e legal de procedimento
administrativo.

Para resumir, a noção de procedimento administrativo encontra-se no artigo 1.º/1 do CPA,


sendo uma sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e
execução da vontade (funcional) dos órgãos da Administração Pública.

Nota critica à noção legal: as deficiências da noção legal e a proposta da definição de


procedimento como um conjunto ordenado e sequencial de atos e de diligencias tendentes à
formação, manifestação e execução de medidas e de atos de caráter jurídico-administrativo
adotados pelos órgãos da Administração Pública ou por quaisquer entidades no exercício de
poderes públicos (como resulta, aliás, do artigo 2.º/1 do CPA).

Isto significa que o ato final, a decisão final, do órgão administrativo é sempre precedida de
um procedimento ou para a adoção de uma decisão individual e concreta, que designamos por
ato administrativo, e que estivemos a analisar até agora; ou para adotar normas
administrativas, os designados regulamentos administrativos que depois veremos; ou para
outorgar, celebrar, contratos administrativos. Também o Código dos Contratos Públicos
estabelece procedimentos muito exigentes para a Administração outorgar contratos
administrativos, que o Código dos Contratos Públicos chama, justamente, de Contratos
Públicos, por influência do direito da União Europeia. Qualquer que seja o modo de
exteriorização da decisão administrativa, nós temos os procedimentos regulados, seja no CPA,
seja no Código dos Contratos Públicos. Também a procedimentalização da formação de
contratos é hoje uma aquisição do direito administrativo.

Mas também para a prática de outras atuações administrativas, ou outros atos jurídicos
administrativos, que não sejam o contrato administrativo, o regulamento administrativo ou o
ato administrativo, também é necessária a observância de formalidades. Quando um
Município em matéria urbanística legalmente tem de solicitar um parecer às Comissões de
Coordenação e Desenvolvimento Regional, também aí há um modo de solicitar, há um prazo
para emitir, há uma formalidade como se emite, etc. e, portanto, isso também é uma
formalidade ou um conjunto de formalidades que têm de ser observadas. Assim como há um
procedimento, ainda que mais informal, para realizar operações materiais, nem que seja
anunciá-las no local que se vão fazer, para nós sabermos que vai haver ali a realização de um
conjunto de operações, naquela rua, ou naquela zona, porque nos perturba no transito,
porque nos condiciona a nossa circulação, tem de haver um aviso, seja no local, seja no jornal
mais lido, etc. Isso são formalidades que devem ser cumpridas mesmo para realizar meras
operações materiais.

A noção legal tripartida de procedimento administrativo como sucessão de diligências,


formalidades ou atos tendentes à formação, manifestação e execução de um ato principal ou
final, com efeitos jurídicos externos: relativos à formulação – atos de iniciativa e atos de

29
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

instrução do procedimento (atos e formalidades procedimentais que poem o procedimento


em marcha e que, em geral, visam preparar a prática do ato principal); relativos à
manifestação – atos e formalidades relativos ao momento constitutivo, à própria prática do
ato principal e à sua exteriorização (por exemplo, assim sucede com as formalidades relativas à
forma e formalização do ato, à sua publicação e notificação); relativos à execução –
providências adotadas com o sentido de executar e de realizar os efeitos práticos definidos no
ato principal.

De um modo mais alongado, ou de um modo menos tenso, há sempre uma


procedimentalização da atividade administrativa. No essencial, ela tem a ver com o
procedimento, o caminho, o modo para chegar à formação da decisão, o modo como depois
essa decisão é levada ao conhecimento dos particulares e o modo como se exterioriza (de
forma escrita, oral ou eletrónica) ou como se publicita (se tem de ser publicada no jornal oficial
Diário da República, ou se é por notificação pessoal, por correio, postal e registo) – isso é
disciplina procedimental para manifestar essa decisão aos interessados. Quando seja
necessário executar coercivamente as decisões da Administração, designadamente quando
sejam desfavoráveis para os particulares e esbarrem na vontade incumpridora dos
particulares, eis que também aí a Administração tem de seguir um procedimento para esse
efeito.

Portanto, podemos resumir isto em dois grandes momentos: o momento do procedimento


administrativo declarativo, numa qualificação ou numa analítica mais doutrinal, no sentido em
que através do procedimento administrativo, o órgão administrativo competente vai declarar
o direito na situação concreta e, portanto, vai declarar aqueles efeitos jurídicos que nós vimos
na classificação dos atos administrativos e, depois, se necessário for, o momento
procedimental ou a fase procedimental à posteriori, que é a da execução dessas declarações
jurídicas autoritárias e unilaterais dos órgãos administrativos competentes.

Para resumir, o momento do procedimento administrativo declarativo abrange os atos e


formalidades adotados relativos à preparação/formação e à produção/manifestação de um
ato principal. O momento do procedimento administrativo executivo abrange as formalidades
e os atos adotados com vista à execução daquele ato.

Para resumir: a noção legal pode ser traduzida numa divisão dual ou em dois momentos: o
momento do procedimento administrativo declarativo, que abrange os atos e formalidades
adotados relativos à preparação/formação e à produção/manifestação de um ato principal; e o
momento do procedimento administrativo executivo, que que abrange as formalidades e os
atos adotados com vista à execução daquele ato.

Com isto, doutrinalmente, fala-se numa espécie de excessivo formalismo procedimental que
os órgãos administrativos são legalmente obrigados a cumprir. Um professor desta casa, o
professor Rogério Soares dizia isso mesmo, que uma procedimentalização excessiva da
atividade administrativa pode ser contraproducente, prejudicando a celeridade e a eficácia do
agir administrativo em virtude de uma espécie de burocracia procedimental obrigatória,
impositiva, e que se a Administração não observar, inquinará de ilegais as próprias decisões.
Há uma critica aqui neste contexto. O caráter desta procedimentalização transforma-se
verdadeiramente num princípio constitucional de procedimentalização da atividade
administrativa, seja na fase declarativa do direito, neste caso, declarar os efeitos jurídicos
numa situação individual e concreta, seja para depois, ao abrigo do regime do CPA,
designadamente, o que consta no artigo 177.º/2 do CPA, ao estabelecer que a imposição

30
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

coerciva de atos administrativos deve ser feita nos casos e segundo as formas expressamente
estabelecidas na lei. Isto significa que também é a lei que vai regular a procedimentalização da
fase executiva, isto é, da imposição coerciva das decisões administrativas. Há sempre uma
condicionante da legalidade procedimental, seja na fase da decisão, seja, depois, num outro
momento, quando necessário, a fase da execução coerciva.

O caráter expansivo do princípio de procedimentalidade, que se infere do artigo 1.º/1 do CPA


tem: projeção no ação administrativa declarativa formal (na prática de atos administrativos, na
emissão de regulamentos administrativos e na celebração de contratos administrativos);
projeção na ação administrativa executiva, designadamente, quando esta se traduza em
execução ou imposição coerciva de atos administrativos, a qual deve ser feita “nos casos e
segundo as formas e termos expressamente previstos na lei” (artigo 177.º/2 do CPA, na parte
em que se refere à exigência de a imposição/execução coerciva de atos).

Contudo, pode haver situações – uma delas depois à frente nós veremos ao estudar a
invalidade do ato administrativo – em que, porventura, alguma desvirtude procedimental, isto
é, alguma formalidade, por exemplo, a realização de audiência dos interessados, o órgão
administrativo por um lapso ou qualquer outra circunstância não realizou a necessária ou a
legalmente necessária, regra geral, audiência de um interessado ou audiência dos
interessados, quando haja uma legitimidade procedimental mais alargada – aqui pode
suceder, por principio a sanção seria esta – a decisão final seria ilegal, por falha de uma
formalidade procedimental que é a realização de audiência dos interessados. Contudo, a lei,
no artigo 163.º/4/b) do CPA diz que ainda que ilegal, ainda que haja uma desvirtude e,
portanto, uma ilegalidade procedimental, poderá não conduzir a uma invalidação da decisão
final. Portanto, há aqui uma degradação da ilegalidade, isto é, uma degradação daquela
formalidade que não foi cumprida, que não foi e que por princípio implicaria a ilegalidade da
decisão final, mas que a lei, neste caso, o CPA, tempera ao estabelecer um regime, do artigo
163.º/5 de que essa ilegalidade, porventura, poderá não afetar a decisão final. Portanto, a
rigidez procedimental, algumas vezes, mesmo que não observada, não vai conduzir
necessariamente a uma invalidação da decisão final – é um tempero legal à necessidade de
observância de formalidades procedimentais e que se não forem observadas conduziriam à
ilegalidade da decisão final.

Depois, pode haver outras exceções e, portanto, estamos a falar por desvios aqui àquilo que
seria uma consequência da inobservância de formalidades legais, por outro lado, há ações
administrativas ou decisões administrativas desprocedimentalizadas – designadamente as
medidas de polícia – quando haja necessidade de entrar em certos locais, quando haja
necessidade de apreender determinados objetos, as chamadas de policia que podem ser
adotadas pela polícia em sentido técnico – as forças de segurança, como podem ser adotadas
pela Agência Portuguesa do Ambiente, ou pela Inspeção Geral do Ambiente, ou pela
Autoridade de Segurança Económica e Alimentar, como podem ser adotadas pela Autoridade
das Condições do trabalho – não são monopólio estas medidas, estritamente da Polícia de
Segurança Pública, ou das outras forças, militares ou militarizadas – é algo relativamente
comum a qualquer autoridade administrativa que pode, com maior ou menor extensão nos
poderes, adotar estas medidas de natureza policial, assim designadas pela doutrina
administrativista francesa. Nalguns casos, a Lei de Segurança Interna é que exige,
designadamente as adotadas pela polícia em sentido técnico, exige que elas sejam
convalidadas pelo juiz no espaço de 48 horas, mas, regra geral, estas ações administrativas e,
designadamente, as adotadas ao abrigo da Lei de Segurança Interna, elas são

31
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

desprocedimentalizadas. Portanto, constituem uma exceção ao rigor da lei que impõe à


Administração a observância de formalidades procedimentais prévias às decisões finais.

Alguns exemplos de exceções que traduzem a ação administrativa sem procedimento, ou


desprocedimentalizada, são o estado de necessidade administrativa (artigo 3.º/2, 161.º/2/l) e
177.º do CPA) e a expropriação urgentíssima (artigo 16.º do Código das Expropriações).

A ação administrativa desprocedimentalizada é relativamente recorrente ou até normal no


domínio da atividade de polícia administrativa e da adoção das “medidas de polícia”. Nos
termos da Lei de Segurança Interna, a remoção de objetos, veículos ou outros obstáculos
colocados em locais públicos que impeçam ou condicionem a passagem pode ser determinada
fora do contexto de um procedimento, imediatamente na sequência da verificação, pelos
agentes competentes (contudo, quando a ação administrativa sem procedimento envolva uma
coerção direta sobre os particulares ou a proibição ou restrição ao exercício de direitos
fundadas em suspeitas ou indícios, a lei pode determinar a validação ou a confirmação judicial
das medidas administrativas adotadas).

Também no caso do ambiente da saúde há duas grandes leis que isentam as autoridades de
saúde da observância de procedimentos administrativos e, muito menos, da audiência do
interessado. No caso, por exemplo, do internamento compulsivo por anomalia psíquica grave –
a lei confere às autoridades de saúde o poder de decretarem o internamento e, portanto,
tomarem uma decisão autoritária, unilateral, individual e concreta, dirigida a uma
determinada pessoa que tem esta anomalia e que coativamente é posta em internamento
compulsivo, quer para proteção da própria pessoa, quer para proteção dos outros cidadãos.
Também o mesmo acontece com o chamado internamento por razões de saúde pública, que
consta do Decreto-lei n.º 82/2009, numa redação agora mais atualizada e que, por razões de
saúde pública, é decretado internamento, ainda que, porventura, chamado profilático. É algo
adotado sem uma procedimentalização abundante – basta que haja a sinalização do risco e eis
que imediatamente surge a decisão autoritária unilateral e evidentemente impositiva adotada
ao abrigo deste diploma legal e com base nele determina-se o internamento compulsivo. Nos
efeitos jurídicos, o que estamos a falar é claramente uma decisão administrativa praticamente
desprocedimentalizada que é adotada instantaneamente, logo que haja a sinalização do risco
efetivo ou potencial para que ela possa ser imediatamente adotada. Tudo isto é uma dinâmica
quase instintiva.

Para resumir, mais duas situações de ações administrativas desprocedimentalizadas são:

- O legalmente designado “internamento compulsivo de urgência” do portador de anomalia


psíquica grave que crie, por força dela, uma situação de perigo para bens jurídicos de relevante
valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial e recuse submeter-se ao
necessário tratamento médico (Lei n.º 36/98, de 24/07 – Lei da Saúde Mental);

- O internamento de urgência determinado por mandato de autoridade de saúde (cfr. alínea c)


do artigo 5.º/3 do Decreto-Lei n.º 82/2009, de 2 de abril que confere às autoridades de saúde
o poder de desencadear o internamento ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a
indivíduos em situação de prejudicarem a saúde pública).

Estas são as exceções à rigidez procedimental para toda a ação administrativa para que possa
adotar atos administrativos, ou regulamentos administrativos ou contatos administrativos.

32
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Nesta categorização, uma distinção entre procedimento administrativo e processo


administrativo. Na nossa avaliação escrita ou oral nunca podemos confundir procedimento e
processo administrativo. Procedimento administrativo é, pela noção doutrinal ou legal, as
formalidades a cumprir até chegar à decisão final, ate chegar ao ato impositivo, até chegar ao
indeferimento, até chegar à autorização, seja constitutiva, seja permissiva, e assim
sucessivamente – até essa decisão, há um percurso procedimental para que validamente se
adote essa decisão – isto é o procedimento administrativo. Contudo, seja de forma eletrónica,
seja de forma física, tem de haver documentação desse procedimento – se há um
requerimento, ele inicia o procedimento – ele é depois arquivado, arrumado, num processo –
um processo documental, seja eletrónico seja físico. Essa dimensão arquivística que resulta
deste conjunto de formalidades a que designamos por procedimento administrativo designa-
se processo administrativo. Há uma figura importante no procedimento administrativo que
está vinculado a ordenar o conjunto ou o acervo documental que, porventura, seja transposto
para o procedimento administrativo, seja por iniciativa dos particulares, seja por iniciativa do
próprio responsável pela direção e instrução do procedimento administrativo. A esse acervo
documental físico ou eletrónico designa-se doutrinal e legalmente por processo
administrativo. Para resumir, enquanto o procedimento administrativo é uma sucessão de atos
e formalidades relativo à formação, manifestação e execução da vontade (funcional) dos
órgãos da Administração Pública, o processo administrativo é o suporte, físico ou eletrónico,
que incorpora o conjunto de atos e diligências praticados no iter do procedimento
administrativo.

O que nós vamos estudar é o procedimento administrativo para chegar à decisão final.

No CPA que procedimentos estão nele disciplinados? No CPA temos dois grandes tipos
procedimentais: o procedimento administrativo disciplinado no Código para a prática de ato
administrativo e o procedimento administrativo, que também veremos depois, para a emissão
de regulamentos administrativos, normas administrativas. Portanto, em termos muito simples,
a UC para emitir regulamentos, seja de propinas, seja na ação social, seja qualquer outro tipo
de regulamento, tem de observar um procedimento até chegar à aprovação final do
regulamento, onde há audição pública – quando interfira com estudantes, o direito de audição
pelo menos da AAC – isso tem um prazo, um modo de fazer, ate chegar depois à aprovação
definitiva do regulamento. Isso encontra-se disciplinado no CPA ou, em parte, no próprio
Regime Jurídico das Universidades Públicas – mas o essencial encontra-se disciplinado no CPA.

Depois há, na parte final do Código, nos artigos 200.º e 201.º, uma disciplina para a celebração
de contratos administrativos, mas como já vimos, os contratos administrativos, no essencial,
têm a disciplina procedimental até aos artigos 287.º do Código dos Contratos Públicos.
Portanto, aquilo que regula praticamente o CPA, pode ser a disciplina procedimental para
contratos administrativos que não estão abrangidos pelo Código dos Contratos Públicos, o que
é uma raridade, é uma exceção. A generalidade dos contratos da Administração estão
disciplinados na parte procedimental e, evidentemente, na parte substantiva, ou seja, da
execução, no Código dos Contratos Públicos e daí, existindo um Código próprio para a
formação dos contratos administrativos, que é o Código dos Contratos Públicos, não se
justificaria que o CPA também tivesse uma disciplina sobre a matéria. Daí os poucos artigos
que o Código dedica aos contratos da Administração. O resto da disciplina é uma disciplina
sobre a formação dos atos administrativos e o procedimento de formação de regulamentos
administrativos. Este ato administrativo, como vimos, está a noção no artigo 148.º do CPA e
que, para essa decisão ser adotada é necessário que os órgãos administrativos competentes

33
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

observem, desde logo, a noção de procedimento administrativo tal como esta estabelecida no
artigo 1.º do CPA. Estas formalidades estabelecidas no CPA são sempre subsidiariamente
aplicáveis – o CPA é o Código geral ou comum da Administração – depois há muitas leis
especiais, há procedimentos especiais – quando um estudante se candidata a uma
universidade pública, há um procedimento estabelecido nessas leis especiais – como é que se
candidata, como formula a candidatura, como deve escolher, em que prazo deve escolher, etc.
– e depois, se for selecionado, a partir daí seguem-se um conjunto de formalidades até vir o
ato final que o investo no status novo que é o estudante do ensino superior e de uma certa
universidade – este é um procedimento estabelecido numa lei avulsa – é um procedimento
especial. Se, porventura, esse procedimento – esse regime especial procedimental – tiver
lacunas ou omissões, recorreremos sempre, por imposição do artigo 2.º/5 do CPA, ao regime
do CPA. Esse regime procedimental especial não diz como é que se conta o prazo – diz
apresenta a candidatura em x dias – deve reclamar em x dias – mas não diz se são dias
contínuos ou dias úteis, ou como é que nós resolvemos o problema – temos de ir ao artigo
87.º do CPA para o aplicar subsidiariamente e determinar a contagem do prazo – que nos diz
que deve ser em dias úteis. Ou, outros procedimentos estabelecem o regime procedimental
para os concursos da função pública, que é um regime procedimental também regulado na Lei
Geral do Emprego Público, mas se for omissa na audiência dos interessados, porventura, logo
subsidiariamente aplicável o regime do CPA pelos termos do artigo 128.º obriga a que os
órgãos administrativos, por regra, procedam à realização da audiência dos interessados.
Potencialmente, o regime do CPA é sempre subsidiariamente aplicável aos procedimentos
administrativos regulados em leis especiais, porque, precisamente, é o Código geral do
Procedimento Administrativo da Administração, o comum, o geral. Sendo o comum ou geral, a
potencialidade da sua aplicação subsidiaria aos procedimentos administrativos especiais, ou
especialmente regulados, é permanente. O órgão administrativo competente terá sempre
necessidade, na generalidade dos procedimentos especiais, de vir ao CPA para suprir as
insuficiências ou as lacunas constantes nesses regimes especiais. É muito frequente até que,
quando o legislador estabelece regimes procedimentais especiais, no final desse regime, nas
exposições finais e transitórias, estabeleça sempre uma norma de que, no caso deste regime, é
subsidiariamente aplicável, nas suas insuficiências ou omissões, o CPA - o Código dos Contratos
Públicos, no fim, diz-nos exatamente isso.

É um Código geral a todos os procedimentos administrativos, mesmo que eles estejam


especialmente regulados ou disciplinados. É um Código de utilização comum, geral, rotineira,
por toda a Administração Pública, ainda que existam procedimentos administrativos especiais.

Nós vamos ver, fundamentalmente, o procedimento administrativo, isto é, vamos analisar de


uma forma analítica, ou de uma forma lógica, os passos necessários, as formalidades
necessárias, designadamente para os procedimentos administrativos dirigidos à prática de atos
administrativos que sejam desencadeados por requerimentos particulares. Porquê? Porque há
dois grandes tipos de procedimentos administrativos – o procedimento administrativo de
iniciativa de iniciativa oficiosa, isto é, um procedimento administrativo desencadeado pelo
próprio órgão administrativo, e o procedimento administrativo que é desencadeado por
impulso, por provocação, numa palavra do Dr. Vieira de Andrade, dos particulares através da
formulação de requerimentos aos órgãos administrativos – requerimentos escritos,
documentais ou eletrónicos – é sempre um requerimento quando se pede uma decisão ao
órgão competente. Ao pedir uma decisão, formulada num requerimento eletrónico ou físico,
está a dar início a um procedimento. O início deste procedimento, porque é despoletado por
um particular, designa-se por procedimento de iniciativa particular. No caso em que o

34
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

procedimento é suscitado, é desencadeado, por decisão própria do órgão administrativo


competente, designa-se que ele é de iniciativa oficiosa – da própria Administração e do órgão
administrativo que o iniciou. Por ser mediático e permitir uma melhor compreensão, já
ouvimos falar da questão da necessidade de ter um procedimento de avaliação estratégica
ambiental por causa da localização do aeroporto na área do Montijo ou em Alcochete. Esta
decisão é pública, é adotada por órgãos públicos que desencadeiam este procedimento até
resultar a avaliação estratégica ambiental final com base na qual se vai decidir se é possível ou
não instalar ali aquela infraestrutura aeroportuária. É esta decisão, de iniciar este
procedimento, longo, complexo, técnica e cientificamente muito exigente e, naturalmente, de
observância de um regime legal também não fácil de aplicar, este tipo de procedimento são
iniciados por decisão pública. Como são iniciados por decisão pública, eis que se chamam, por
isso mesmo, doutrinalmente e agora legalmente, procedimentos de iniciativa oficiosa, tal
como consta do artigo 53.º do CPA. Por regra, como é obvio, o inicio destes procedimentos
oficiosos devem ser notificados aos interessados, porque a realização desta avaliação
estratégica ambiental, seja no Montijo ou em Alcochete, pode aplicar para os particulares,
para os habitantes daqueles 5 municípios que ficam ali copulados à zona de localização do
aeroporto, pode implicar que, pelo menos temporariamente, a sua vida seja condicionada com
a realização de testes, com a realização de peritagens, com a realização de outras atividades, e
então eles devem saber que a Administração iniciou um certo procedimento. Aqui,
evidentemente, os interessados é o conjunto daquela população situada naquela zona ou
conjunto de municípios que ladeiam aquela localização.

Às vezes pode não ser conveniente haver esta notificação, isto é, quando esteja matéria
relativamente complexa ou grave, seja para a economia, seja para a saúde pública, como
poderão adivinhar, com certeza que os dirigentes da Autoridade para as Condições de
Trabalho, muitos procedimentos de avaliação oficiosa, como é obvio, e de inspeção que fazem,
não avisam primeiro – podem avisar que vão fazer umas operações de rotina, outras vezes não
avisarão, até para evitar que se ocultem violações à lei, que se ocultem provas. O mesmo
sucede com o Inspetor Geral da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica – muitos
procedimentos que inicia e que desencadeia, operações de fiscalização que podem conduzir à
apreensão de géneros alimentícios, ou que podem mesmo conduzir ao encerramento, ainda
que temporário, de estabelecimentos, não notifica primeiro para, naturalmente, obstar a que
o próprio infrator possa antecipadamente e acautelado com essa notificação encobrir as
violações à lei que vinha fazendo e dificultar a investigação.

O prazo para terminar os procedimentos de iniciativa oficiosa é de 120 dias úteis, de acordo
com o artigo 128.º/6 do CPA, na atualização legal que já temos no inforestudante, do final de
2020, visto que antes era 180 dias.

Em relação aos de iniciativa particular, o prazo é muito menor – era, antes de 90 dias úteis,
estamos a falar de dias úteis, e agora passou para 60 dias úteis. O prazo máximo passou a ser,
com a dilação (prolongamento), de 90 dias úteis.

Para resumir, as fases do procedimento para a prática de atos administrativos passam pela
fase da iniciativa, sendo que existe a iniciativa oficiosa do procedimento (artigo 53.º, primeira
parte, do CPA), na qual existe um dever de notificação aos interessados (artigo 110.º a 113.º
do CPA), sendo que o conceito de interessados está previsto no artigo 110.º/1 do CPA; existem
exceções ao dever de notificação, de acordo com o artigo 110.º/2 do CPA e o prazo geral para
decidir os procedimentos de iniciativa oficiosa com (possíveis) efeitos desfavoráveis para os
interessados é de 120 dias, de acordo com o artigo 128.º/6 do CPA.

35
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

A iniciativa também pode ser particular, de acordo com o artigo 53.º a 95.º e artigos 102.º e
133.º do CPA.

Neste caso, deve haver um requerimento inicial (que pode consistir num requerimento
eletrónico), de acordo com os artigos 102.º e 109.º do CPA.

Os particulares têm legitimidade para iniciar o procedimento e para nele intervir, de acordo
com o artigo 68.º do CPA.

Vamos retomar o capítulo do procedimento administrativo para a prática de atos


administrativos.

Vimos a noção e a qualificação dos atos administrativos, que é uma decisão, mas que essa
decisão, para ser adotada, necessita de obedecer a uma tramitação procedimental necessária,
seja por força do Código de Procedimento Administrativo, seja, como vimos, por força de
legislação especial.

Vimos umas noções introdutórias, de procedimento administrativo, nos termos do artigo 1.º
do CPA; vimos que a ação administrativa é sempre procedimentalizada e, portanto, a
manifestação de uma decisão aos interessados requer sempre a observância de uma
tramitação prévia procedimental para que essa decisão possa ser legalmente adotada, como
veremos sobre a invalidade também de um ato administrativo, e vimos que esta
procedimentalização se desdobra em duas grandes dimensões: uma para declarar o direito do
caso concreto, a decisão do caso concreto, favorável ou desfavorável aos particulares,
declarativa ou de um direito, ou de um ónus, ou de uma obrigação, ou de um dever, ou de um
encargo, e, portanto, com a decisão administrativa, … o direito administrativo para a situação
individual e concreta e vimos que, se porventura for necessária a execução coerciva dessa
decisão, designadamente quando ela é desfavorável para os particulares e os particulares não
a cumprem voluntariamente, pode, nessas situações, e legitimamente, o órgão administrativo
competente proceder à execução coerciva da decisão, para a qual também tem de seguir um
procedimento nessa fase de execução coerciva e, portanto, a procedimentalização existe não
apenas para a tomada de decisão, mas também para a fase da execução coerciva se necessária
dessa mesma decisão. A ação administrativa, quer declarativa do direito, no caso concreto,
quer a executiva, são sempre procedimentalizadas nos termos gerais no CPA.

Vimos que há algumas exceções nesta matéria em que a ação administrativa é relativamente
desprocedimentalizada e vimos os exemplos das chamadas medidas de polícia, que podem ser
adotadas por diversas entidades e não apenas por força da Polícia de Segurança Pública ou
forças da autoridade do Estado conexas, mas pela Proteção Civil, inclusivamente, que pode
adotar, e designadamente em estados de necessidade, ações administrativas imediatas em
que não há verdadeira procedimentalização – e hoje, como é também recorrente, na área
sanitária, em que a ação administrativa também é ela relativamente desprocedimentalizada,
designadamente quando haja a necessidade de adotar medidas de urgência, internamentos de
urgência, ou internamentos compulsivos, aqui, em geral, o procedimento é relativamente
desprocedimentalizado, ou a decisão de adotar estas medidas compulsivas é relativamente
desprocedimentalizada, como, aliás, hoje é recorrente, quando se determina isolamento
profilático, que é uma forma de dizer que a pessoa fica resguardada, ou internada
domiciliariamente ou de outra forma, de forma a passar uma quarentena – são decisões das
autoridades de saúde relativamente desprocedimentalizadas.

36
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Neste contexto, o nosso centro, nesta parte de uma análise do procedimento administrativo
para adoção de decisões designadas por atos administrativos tínhamos visto que também há
procedimento administrativo para a adoção de regulamentos administrativos, para a
celebração de contratos administrativos, como está previsto no Código dos Contratos Públicos
e vimos também que há procedimentos oficiosos, isto é, de iniciativa dos próprios órgãos
administrativos que eles adotam por decisão própria – demos o exemplo da análise ambiental
estratégica para a localização do novo aeroporto – aeroporto complementar em Lisboa – é
uma decisão do próprio órgão competente – a Agência Portuguesa do Ambiente, e,
obviamente, são notificados os interessados, é publicitado no jornal da região, ou no espaço
dos concelhos dos municípios afetados, de que isso se vai fazer e pode perturbar a vida das
pessoas, e aí temos uma pluralidade de interessados.

Ora, mas no nosso centro, como estávamos já a iniciar na última sessão, é o procedimento de
iniciativa particular. Isto é, o procedimento que se inicia por impulso de um particular através
de um requerimento que formula ao órgão competente, seja ao Reitor da UC, seja ao
Município, ao presidente da Câmara Municipal, seja a um diretor distrital de Finanças – o
particular que quer uma sua situação a ser apreciada e resolvida e decidida inicia esse
procedimento com um requerimento no qual formula o pedido para que o órgão competente
possa decidir sobre ele. Para este efeito, é necessário que esse particular tenha legitimidade e
tem sempre legitimidade quando, evidentemente, tem interesse pessoal, patrimonial ou
profissional numa situação que tem de ser ditada, necessariamente, pela intervenção de um
órgão administrativo. Temos aqui um conceito amplo para haver legitimidade procedimental.
Como estudaremos no processo administrativo, no processo civil, no processo penal, aí há
legitimidade processual, porque estamos no domínio do direito processual judicial, aqui, como
estamos no domínio do procedimento que corre no ambiente administrativo, eis que por isso
mesmo a designamos, e o CPA assim a designa, por legitimidade procedimental, e o particular
que, por via documental, ou por via eletrónica, inicia o procedimento, tendo interesse nesse
procedimento, é claro que esse requerimento já constitui um ato formal que o investe de
legitimidade procedimental para aí iniciar o procedimento.

A legitimidade procedimental pode ser puramente singular, haver só um interessado naquela


decisão, porque só ele é que foi afetado por uma decisão do diretor da repartição das
Finanças, ou o diretor distrital de Finanças, ou o diretor distrital da área da economia – só ele é
que foi afetado, portanto, só ele é que legitimidade para estar nesse procedimento, rever esse
procedimento, ou revogar a decisão, ou anular a decisão – contudo, hoje, e cada vez mais, a
legitimidade tende a estender-se, tende a ser cada vez mais ampla em virtude dos diversos
interesses que nos aparecem conexos – uma decisão de instalar uma indústria toca com
problemas ambientais, eis que não apenas o promotor dessa instalação tem legitimidade
procedimental, mas também cada um de nós, para proteção do ambiente, se virmos que ele
não esta a ser protegido, ou pelo próprio promotor, ou pela entidade administrativa que
licencia – podemo-nos constituir como interessados nesse procedimento para fazer ou alertar
para a lesão efetiva ou potencial do ambiente – cada um de nós, ou em grupo, ou através de
uma associação que tenha estatutariamente essa finalidade, pode intervir e constituir-se como
agente ou como participante nesse procedimento, designadamente quando estamos perante
interesses difusos, que já estudámos no Direito Constitucional, quando falamos em interesses
como a qualidade de vida, a qualidade ambiental, a parte da saúde pública, a parte da
proteção do património cultural ou arquitetónico, estamos a falar sempre de interesses
difusos, isto é, interesses que dizem respeito a todos e não apenas a um ou alguns, e, por isso,
cada um de nós, singularmente ou de forma coletiva, ou através de associações, podemos

37
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

intervir sempre nos procedimentos administrativos que, porventura, possam lesar esses
interesses difusos e, portanto, à luz do CPA, do artigo 68.º CPA, temos um conceito de
legitimidade procedimental relativamente amplo e, por isso, também falamos no contexto,
hoje, de uma administração aberta à projeção e à participação dos particulares interessados.

No procedimento, logo no inicio do procedimento, o particular, ao requerer uma intervenção


decisória de um órgão administrativo, imediatamente, com esse requerimento inicia a
dedignada relação jurídica procedimental, de acordo com o artigo 65.º CPA. É uma relação que
decorre no contexto de um procedimento até se chegar à decisão final – como neste
procedimento intervém o sujeito particular que inicia o procedimento, o sujeito público que é
o órgão competente para a decisão e, porventura, outros interessados, designadamente
quando esse procedimento puder colocar em causa ou efetiva ou potencial os tais interesses
difusos, temos uma relação jurídica procedimental plurilateral, isto é, com diversos sujeitos
agregados no contexto desse procedimento. Por isso aqui a legitimidade procedimental é
claramente mais alargada, consequentemente, temos uma relação jurídica procedimental
também ela alargada, isto é, com vários polos ou sujeitos procedimentais e, por isso,
poderemos falar no âmbito de uma relação jurídica procedimental multilateral ou plurilateral.

No contexto do procedimento, temos alguns princípios absolutamente essenciais: desde logo,


um princípio extraordinariamente importante é o princípio da imparcialidade – já falámos
deste princípio – ele é especialmente relevante na direção do procedimento que cabe a um
sujeito administrativo, que faz parte da relação jurídica procedimental. Aqui há a necessidade
de assegurar os dois segmentos do princípio da imparcialidade administrativa – o princípio na
vertente subjetiva, que assenta, designadamente, na situação em que se encontra o órgão
competente para decidir ou aquele que tem a responsabilidade da direção do procedimento,
que não podem ser afetados do ponto de vista subjetivo, isto é, se, porventura, o
requerimento ou os interesses que estão subjacentes ao requerimento do particular, direta ou
indiretamente, colidirem com interesses daquele que vai decidir ou o responsável pela direção
do procedimento, imediatamente está comprometida a imparcialidade na vertente da
imparcialidade subjetiva, na medida em que os intervenientes no procedimento pelo lado da
Administração têm algum interesse direto ou indireto na situação a ser resolvida, na situação a
ser decidida. Ou, se não tiverem, porventura, algum interesse económico, interesse qualquer
que ele seja, pode haver situações de relações pouco aconselháveis para ser adotada uma boa
decisão – se houver relações de forte inimizade entre o particular que requer e o órgão
administrativo que vai decidir, ou o que conduzir, dirigir o procedimento, a partir desse
momento temos a imparcialidade afetada na parte da imparcialidade subjetiva, isto é,
subjetiva por virtude de razões que dizem respeito àqueles que estão inseridos na relação
jurídica procedimental – do lado do órgão administrativo competente para a decisão. Se
houver algum interesse que o afete, imediatamente está comprometida a boa decisão
administrativa por estar sempre potencial ou efetivamente em crise o principio da
imparcialidade da Administração.

Depois, também a imparcialidade no sentido objetivo, ou seja, o responsável pela direção do


procedimento está administrativamente obrigado a considerar e a ponderar todos os
interesses relevantes para a boa decisão do procedimento. Se não o fizer, compromete a
imparcialidade objetiva e, portanto, isso significa que a decisão final será inválida. Se há vários
sujeitos a relação jurídica procedimental, o órgão competente para a decisão, o requerente
particular, mas também outros participantes, singulares ou organizados em associação que
também trazem ao procedimento perspetivas enriquecedoras ou um sentido positivo ou

38
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

negativo, não interessa, o órgão competente para dirigir o procedimento tem de tomar em
consideração essas diversas razões, apreciações ou interesses que lhe são trazidos, não apenas
pelo particular requerente, mas por outros participantes nesse procedimento, sob pena de só
apreciar uns interesses, só apreciar uma matéria, e não apreciar outra que pode ser relevante
para a decisão final, e se assim o fizer, compromete o princípio da imparcialidade em sentido
objetivo ou dita parcialidade objetiva. Se, por acaso, isto ocorrer, a lei, o CPA, no artigo 76.º/1,
estabelece uma sanção de invalidade da decisão final por violação do princípio da
imparcialidade, ou da imparcialidade subjetiva, ou da imparcialidade objetiva e a decisão final
será inválida neste caso, será uma decisão anulável.

Depois, porventura, a omissão de um dever de decidir tem ou pode ter implicações em termos
disciplinares, para os órgãos competentes da Administração – é a única verdadeira sanção que
o CPA estabelece para as situações em que os órgãos competentes não decidem quanto têm o
dever de decidir – é a falta grave para efeitos disciplinares – já é, pelo menos, uma cautela
relativamente à inércia administrativa.

Se, porventura, houver ou o órgão competente para conduzir o procedimento descortinar que
a decisão final, porventura, poderá ir afetar outros sujeitos, o que ele deve fazer, mesmo que
eles não venham ao procedimento, é notificá-los para que eles venham ao procedimento e
participem nele nos termos dos artigos 110.º e 113.º CPA. Isto pode suceder, por exemplo, em
procedimentos de caráter urbanístico, por razões de relações de vizinhança entre aquele que
quer realizar a operação urbanística e outros que coabitem ali junto da sua habitação, ou
daquilo que ele pretende construir – como pode ser afetados, ou pelo ruído, ou por qualquer
outra circunstância nas regras urbanísticas, o que deve fazer o responsável pelo procedimento
é notificá-los para que eles possam participar no procedimento e aí apresentem as suas razões
ou os seus interesses que podem ser afetados em termos efetivos ou potenciais e, portanto,
devem ser acautelados no âmbito desse mesmo procedimento.

Já vimos qual é um grande efeito jurídico administrativo da apresentação do requerimento,


que é o dever geral de pronúncia da Administração e o dever legal de decisão, como
estabelece o artigo 13.º CPA e esse dever é um dever imposto diretamente por este artigo,
portanto, um dever de se pronunciar sobre o requerimento do particular e se ele solicita uma
decisão, obviamente, o dever legal de decidir – para isso há um prazo – é o prazo geral dos 60
dias úteis, de acordo com o artigo 128.º CPA (eram 90, desde 1991, do primeiro CPA, mas,
entretanto, o legislador reduziu esse prazo para 60 dias úteis, que é o prazo geral do CPA para
um órgão público competente decidir o requerimento apresentado por um particular, para
este obter uma autorização, uma licença, uma repetição de exame – claro que,
evidentemente, este é um prazo geral que se aplica quando não existirem prazos
especialmente estabelecidos – se existirem prazos especialmente estabelecidos em outras leis
avulsas ou até em regulamentos, por exemplo, em regulamentos aqui da UC, é esse prazo que
se aplica, seja 20 dias úteis, 30 dias úteis, 40… - se não estiver lá nada previsto em termos de
prazo, então aplicaremos este prazo geral do CPA).

Também já vimos que o incumprimento do dever de decisão, por regra geral, à luz do artigo
129.º do CPA, apenas concede aos particulares para utilizarem os meios de impugnação
administrativa ou jurisdicionais, como iremos estudar no Direito Processual Administrativo (em
Direito Administrativo III), através de uma ação de condenação dirigida ao órgão que omitiu o
dever de decidir para que ele, em cumprimento do julgado judicial, decida e, portanto, o único
efeito é um efeito de conceder legitimidade impugnatória ao particular e vimos, também,
porventura, poderá em certas situações a lei, à luz do artigo 130.º CPA, prever para essa

39
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

omissão o chamado deferimento tácito – que é um deferimento ex vi legis – no fundo, é como


se a lei ficcionasse a decisão no sentido pretendido pelo particular – por isso se fala em
deferimento tácito – no sentido de que a Administração ficou numa situação de silêncio, isto é,
a Administração cometeu uma omissão e a lei supre essa omissão, fazendo corresponder à
omissão como se houvesse a prática de um ato administrativo, mas como na realidade não há
prática do ato administrativo, não há uma pronúncia expressa da Administração, a lei ficciona
o ato, e por isso se chama ato tácito administrativo.

Para além disso, o órgão responsável pela decisão pode, a qualquer momento, adotar medidas
provisórias, ao abrigo do artigo 89.º CPA. Desde logo, por exemplo, medidas provisórias para
efeitos de acautelar a obtenção de provas – é claro que isto é muito comum, por exemplo, os
inspetores da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, se escortinam que um produto
está num hipermercado para além da validade, imediatamente adotam uma medida provisória
que é apreender esses produtos, não apenas por salvaguarda da saúde pública, para que
ninguém os adquira, mas também para fazerem parte já da prova para o procedimento
administrativo, de forma a que, nesse procedimento, que será um procedimento de caráter
sancionatório, fique aí como prova de que aquele agente económico estava ilegalmente a
comercializar produtos que já não devia comercializar e já deviam ter sido retirados do
mercado pela sua própria iniciativa. Estas medidas provisórias são de alguma
discricionariedade administrativa, mas elas são permanentes, isto é, elas podem ser adotadas
a qualquer momento do procedimento, seja logo na fase inicial, seja na segunda fase, que é a
chamada fase da instrução.

Nesta segunda fase, a fase da chamada instrução, ou fase instrutória, há um agente


administrativo fundamental – em geral, na Administração, isto é instruído por juristas próprios
da Administração e, portanto, é uma regra normal, pela razão até do oficio, ou do saber, ou da
ciência, e, portanto, são chamados os juristas da administração para conduzirem e dirigem
estes procedimentos. Este responsável pela direção do procedimento, designadamente por
esta fase epicentral do procedimento administrativo que é a fase instrutória, por razão do
artigo 55.º CPA, a competência para dirigir cabe ao órgão competente para a decisão.
Contudo, logo no número 2 do artigo 55.º CPA, o Código estabelece que órgão competente
delega em inferior hierárquico seu o poder de direção do procedimento, salvo se houver
disposição legal ou estatutária em contrário. O quê que isto significa? Significa que
verdadeiramente há uma espécie de delegação obrigatória do órgão competente para a
decisão delegar em inferior hierárquico seu a direção do procedimento – num jurista da
Administração, como sucede aqui tantas vezes – não é o Reitor, que é o órgão competente
para a decisão final, que conduz os procedimentos – evidentemente, delega essa função ou
responsabilidade em responsáveis intermédios, juristas que exercem as suas funções na
Universidade e, portanto, há uma espécie de delegação quase obrigatória da direção do
procedimento em inferior hierárquico, salvo existindo disposição legal ou estatutária em
contrário, ou seja, a regra é a delegação desta função instrutória do procedimento, até para
que haja separação entre quem faz a instrução e depois quem decide, e quem decide fique
mais liberto em termos de apreciação final daquilo que lhe vai ser proposto pelo responsável,
pela direção do procedimento.

Neste âmbito, há aqui um princípio fundamental – claro, obviamente, sempre o princípio da


imparcialidade, quer no sentido subjetivo, quer no sentido objetivo, mas, na direção do
procedimento, na instrução, vigora um princípio essencialíssimo que é o princípio do
inquisitório – no âmbito do procedimento administrativo, este é um princípio marcante e

40
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

transversal a qualquer tipo de procedimento administrativo, seja ele regido diretamente pelo
CPA, no artigo 58.º, seja, porventura, através de um regime estabelecido em alguma lei avulsa
ou especial. Como quer que seja, este princípio do inquisitório está sempre presente na ação
especifica do responsável pela instrução do procedimento, ou seja, este princípio do
inquisitório estabelece que o responsável pela direção do procedimento deve averiguar todos
os factos que sejam necessários à boa instrução e à boa decisão. O dever de boa instrução do
procedimento está estabelecido no artigo 115.º/1 CPA. No essencial, o princípio do
inquisitório, impõe um dever de atuação ao responsável pela direção do procedimento, que
não deve ficar dependente da maior ou menor diligência dos particulares que requereram a
decisão, ele deve agir por si, é isso que o princípio do inquisitório estabelece, mas deve agir no
sentido de recolher e apreciar todos os factos que sejam relevantes para a decisão final, sob
pena, não apenas de violar o princípio do inquisitório, mas de violar também o princípio da
imparcialidade em sentido objetivo, porque apenas apreciou uns factos e não aprecia outros
factos. Portanto, no exemplo que o Dr. nos deu, da autorização para realizar a operação
urbanística, se houver outros potenciais interessados que possam ser afetados por essa
decisão, porque são vizinhos ou relativamente vizinhos, é claro que o responsável pela direção
desse procedimento deve averiguar não só os factos relativos ao particular requerente, mas
também os factos que, porventura, possam ser trazidos ao procedimento por esses outros
interessados que ladeiam aquele requerente que vai fazer a operação urbanística e, portanto,
em função da conjugação e da apreciação de todos os interesses em presença, os interesses
públicos urbanísticos, os interesses do promotor, do requerente, e os interesses dos vizinhos
que ali habituam ou coabitam, em função da ponderação de todos estes factos, eis que tomará
a decisão final e que, obviamente, do ponto de vista da instrução, tomará a decisão boa, na
medida em que ele trouxe para o procedimento todos os interesses e factos relevantes, assim
como, no âmbito do procedimento da instrução, os apreciou a todos, propondo então em
função disso a decisão final.

Também o princípio da cooperação e da boa-fé procedimental, de acordo com o artigo 60.º


CPA, no sentido que a conhecemos também do direito civil – todos devem abster-se de
praticar atos que prejudiquem o procedimento e todos devem adotar condutas e
comportamentos para que o procedimento decorra da maneira mais célere e, obviamente,
que permita ao responsável pela decisão a ponderação dos interesses em presença.

Depois, o princípio da boa administração, um princípio que funciona com ele o Tribunal de
Contas, e menos os Tribunais Administrativos, na medida em que é um princípio ainda com um
enriquecimento doutrinal – ele foi consagrado no CPA apenas na revisão de 2015 - e, portanto,
o Tribunal de Contas já o utiliza para efeitos de fiscalização dos procedimentos da
Administração Pública e, é claro que há sempre uma margem para o princípio da
discricionariedade procedimental por parte de quem dirige o procedimento – seja na recolha
dos factos, na oportunidade da recolha, no modo da recolha, no modo como ouve os
interessados, quando é que deve ouvi-los, em que termos os deve ouvir, no âmbito do
procedimento – há sempre aí uma margem relativamente discricionária para o responsável
pela direção do procedimento acomodar a convulsão (?) desse procedimento. O dever de
celeridade e o princípio da boa administração estão previstos no artigo 59.º e artigo 5.º/1 do
CPA.

Para além disso, no âmbito do exercício desta discricionariedade procedimental, o responsável


pela direção do procedimento pode acordar com os intervenientes procedimentais, os demais
sujeitos procedimentais, pode acordar os designados acordos endoprocedimentais, previstos

41
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

no artigo 57.º CPA, ou seja, combinar com eles termos em que o procedimento deve decorrer
para a frente – modo de apresentar documentos que são necessários, o momento para os
apresentar, quem os deve apresentar dentro daqueles que estão no procedimento, o modo de
vir a realizar audiência dos interessados… eles combinam entre si, com o responsável pela
direção do procedimento, outorgam este acordo endoprocedimental – endoprocedimental
porque é outorgado dentro do procedimento, portanto, é intraprocedimental, e acordam aí
alguns termos do andamento do procedimento – por isso mesmo se chama acordo
endroprodecimental, porque tem por objetos os termos do procedimento, ou alguns dos
termos do procedimento, e porque é, evidentemente, celebrado no âmbito desse mesmo
procedimento – é um acordo intraprocedimental – e daí a designação endoprocedimental.
Como acordo, não é apenas um acordo de cavalheiros, como estudamos no Direito Civil, é
mais do que isso, é um acordo pleno de vinculatividade, quer para o responsável pela direção
do procedimento, quer para os intervenientes procedimentais, sejam singulares, coletivos ou
plurais.

Para além disso, também pode haver alguma dimensão contratual nestes acordos
endoprocedimentais, nos termos do número 3 do artigo 57.º CPA – “também podem celebrar
contrato para determinar, no todo ou em parte, o conteúdo discricionário do ato
administrativo a praticar”, ou seja, a Administração não está vinculada a isto, mas numa
tendência de agir com alguma consensualidade com os particulares, não raras vezes os órgãos
administrativos adotam uma conduta mais consensual no contexto do procedimento
administrativo e, por isso, combinam com os particulares não apenas os tais acordos
endoprodecimentais para combinar termos puramente procedimentais, mas mais do que isso,
combinar matéria a decidir desde que haja discricionariedade administrativa, tal como
estabelece o número 3 do artigo 57.º CPA. Num exemplo que é tirado de uma lei importante –
o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, diz neste artigo, esta norma do RJUE, o
artigo 25.º, diz aqui que “pode haver deferimento do pedido desde que o requerimento, na
audiência prévia, se comprometa a realizar os trabalhos necessários ou a assumir os encargos
inerentes à sua execução, bem como os encargos de funcionamento das infraestruturas, por
um período de 10 anos” e, se assim suceder, o requerente, isto é, aquele que iniciou o
procedimento, deve, antes da emissão do alvará, isto é, do título que formaliza a licença ou
autorização, celebrar com a Câmara Municipal contrato relativo ao cumprimento das
obrigações assumidas e prestar caução – ou seja, há aqui relativa discricionariedade e o
particular combina, acorda, com a autoridade administrativa competente a assunção, por ele,
de determinado tipo de obrigações, inerentes à execução da operação urbanística que vai
executar, designadamente encargos de funcionamento de certas infraestruturas, como
saneamento, ou eletricidade, ou telecomunicações – isto é matéria discricionária, e eis que
pode sobre ela haver uma espécie de antecipação da decisão final através deste compromisso
entre o órgão administrativo competente e o requerente no qual ele se compromete a assumir
aqueles ónus, aquelas obrigações, no âmbito da licença que lhe vai ser emitida como ato
administrativo. Evidentemente, aqui é sempre decisão por ato administrativo. No contexto
dessa decisão é que há uma matéria que se acorda e constitui objeto de um contrato também
ele dentro do procedimento.

É claro que a entidade administrativa, ao assumir esse compromisso com o particular, ela
condiciona o exercício dos seus poderes públicos , portanto, compromete-se a decidir de certo
modo, no caso, favorável ao particulares, se ele assumir aquele conjunto de obrigações ou de
encargos e, portanto, está aqui a comprometer-se perante o particular, que vai decidir, de
certo modo, que vai exercer os seus poderes públicos de certo modo, se ele se comprometer a

42
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

cumprir ou acordar a cumprir aquele conjunto de obrigações. Por assim ser, isto é, por o órgão
se comprometer a exercer os seus poderes de certo modo, chamam-se a estes contratos
também contratos sob o exercício do poder público administrativo. Ainda que, evidentemente,
aqui o procedimento termina sempre perante uma decisão unilateral da Administração, isto é,
um ato administrativo – no seu seio é que há estes acordos ou em matéria procedimental ou
em matéria substantiva.

Contudo, como veremos, pode, por vezes, o órgão administrativo combinar com os
particulares aquilo que à partida seria uma decisão final por ato administrativo deixa de o ser e
é substituída por um contrato administrativo.

É claro que no contexto da instrução há sempre necessidade de proceder a diligências


probatórias, previstas nos artigos 115.º a 120.º CPA – imaginem agora em procedimentos no
contexto de saúde pública, é claro que tem de se poder fazer diligências probatórias, onde é
que a saúde pública está afetada, em que dimensão, fazer as respetivas análises laboratoriais
para determinar os índices – é uma espécie de prova técnico-científica, mas qualquer que seja
a sua natureza, o que está em causa são sempre diligências probatórias para tomar decisões
mais drásticas ou menos drásticas, ou desfavoráveis aos particulares, ou favoráveis. É claro
que neste contexto, se o particular abre o procedimento, inicia o procedimento, é ele o
interessado na obtenção dessa decisão, e é lógico que o Código onere os interessados com o
ónus da prova – é isso que se retira do artigo 116.º do CPA – o interessado tem sempre o ónus
de levar ao procedimento aquilo que está na sua posse em termos de prova documental ou de
prova testemunhal, ou de outros factos que ele possa levar ao procedimento. Em todo o caso,
isso não significa, se o particular não cumprir estes ónus, não significa que o responsável pela
direção do procedimento fique desonerado do princípio do inquisitório – independentemente
da maior ou menor participação do interessado no cumprimento do ónus da prova, isso não
significa que o responsável pela direção do procedimento não continue onerado na obtenção
da prova e na recolha de todos os factos ou peritagens pertinentes – ele continua onerado,
independentemente da ação ou inação dos particulares. Há sempre esse dever que impende
sobre o instrutor, sobre o responsável pela direção ou instrução do conhecimento, impende
sobre ele sempre o dever de recolher a prova, não obstante também haver um ónus. Se os
interessados não cumprirem, o responsável pela direção do procedimento, sob pena de
violação do princípio do inquisitório, ele terá de cumprir sempre as diligências necessárias à
descoberta daquilo que são os factos ou os interesses essenciais à decisão, de acordo com o
artigo 117.º CPA. Por isso, a relevância do princípio do inquisitório é sempre independente da
existência ou não dos ónus dos interessados – exceto naquelas situações em que uma
determinada prova esteja só na posse de um interessado e ele não a traga ao procedimento.
Aí, em circunstâncias desse género, é claro que o responsável pela direção do procedimento
administrativo está limitado. Fora essas situações, ele pode recorrer ao auxilio administrativo,
de acordo com o artigo 66.º CPA, pode recorrer aos serviços da proteção civil, ao delegado de
saúde pública, a qualquer autoridade pública no auxilio da obtenção daquilo que sejam as
provas documentais ou as peritagens necessárias para as conduzir para o procedimento,
apreciá-las e, em função disso, elaborar a sua proposta de decisão.

No contexto das diligências instrutórias há umas especificas que dizem respeito às chamadas
diligências consultivas. Normalmente, diligências materializadas no pedido de pareceres, em
geral, de caráter técnico-jurídico – os pareceres são sempre declarações de ciência, em geral,
de natureza técnico-jurídica. No artigo 91.º e 92.º do CPA, vem o regime destes atos
procedimentais, extraordinariamente importantes.

43
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Do ponto de vista da classificação, os pareceres podem ser obrigatórios ou facultativos.


Facultativos são os pareceres que um órgão administrativo solicita por pura discricionariedade,
isto é, não há uma imposição legal que peça o parecer. Já nos obrigatórios é a lei que
estabelece a obrigatoriedade de eles serem pedidos. Portanto, um órgão competente para a
decisão – se a lei estabelecer que ele só pode decidir se pedir um parecer a um outro órgão
central ou periférico, se a lei estabelecer isso, ele está vinculado a pedir o parecer, portanto, o
parecer é obrigatório quanto ao pedido dele, depois logo se vê se é emitido ou não – o órgão
competente para a decisão tem é que pedi-lo, e pedindo já cumpre a sua formalidade
procedimental a que se encontra vinculado, sob pena, não a cumprindo, de ser ilegal a decisão
final, por esta falha procedimental, ou por esta desvirtude procedimental.

Por sua vez, os obrigatórios é que podem ser não vinculativos ou vinculativos. Regra geral, os
pareceres só são vinculativos quando a lei estabeleça que eles são vinculativos, isto é, que o
conteúdo deles ou o conteúdo que vier neles indicado, ou escrito, formalizado, é o conteúdo
que vincula a decisão final do órgão. Se a lei estabelecer que o pedido do parecer é vinculativo,
então a lei está a dizer que o parecer é obrigatório e, para além de obrigatório, é vinculativo,
isto é, que o conteúdo do parecer vai vincular o órgão competente para a decisão final. Tendo,
mais uma vez, o exemplo da lei, neste caso, do RJUE, diz o artigo 24.º “O pedido de
licenciamento é indeferido quando – isto é, o pedido de licenciamento não é autorizado ao
particular requerente – quando tiver sido objeto de parecer negativo pela entidade a quem se
pediu o parecer, normalmente, as Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional –
e, portanto, a entidade consultada, aquela que tem de ser consultada nos termos da lei, como
impõe aqui esta lei que estabelece o RJUE, deve consultá-la, isto é, o parecer é obrigatório,
mas, para além disso, diz que se porventura o parecer, no seu conteúdo, é negativo, isso
significa que o órgão municipal, o Presidente da Câmara Municipal ou a própria Câmara
Municipal, só tem uma hipótese de decisão – decidir indeferir – não autorizar, porque o
conteúdo do parecer, como é vinculativo, vincula o órgão competente para a decisão final a
tomar aquela decisão, que é, evidentemente, decidir em conformidade com aquilo que está
estabelecido no parecer – se o parecer é negativo, ele tem necessariamente de recusar o
pedido do particular, indeferi-lo, não autorizar, não aprovar, porque o parecer vem
negativamente nesse sentido e é vinculativo nesse sentido, evidentemente que aí, para a
decisão ser legal, do ponto de vista substantivo, o órgão competente para a decisão final só
pode decidir negativamente em relação ao pedido feito pelos particulares. Estes pareceres são
os designados pareceres conformes, isto é, são pareceres vinculativos quando sejam
negativos, ou seja, o órgão fica impedido de decidir, autorizar, aprovar, deferir o pedido do
particular, se o parecer que vem do órgão consultado for em sentido negativo – se é sentido
negativo, o órgão competente para a decisão final ficará sempre vinculado a esse conteúdo e,
portanto, terá de indeferir, terá de não aprovar, não licenciar, não autorizar. Quando eles
sejam só vinculativos neste sentido, dizem-se, em termos da doutrina administrativa geral,
pareceres conformes.

Se o parecer for obrigatório e não for pedido, nós temos um vicio procedimental – houve uma
falha de uma formalidade pelo órgão competente para a decisão – não pediu o parecer – há
aqui uma desvirtude, uma omissão, e temos um vício procedimental – se o parecer, para além
de obrigatório, for vinculativo, e o órgão competente para a decisão final não seguir o sentido
vinculativo para o parecer, aqui o vicio já é de outra natureza, é um vício de caráter
substantivo, um vício de conteúdo, na medida em que o conteúdo da decisão final teria de ser
sempre o conteúdo do parecer, porque o parecer é legalmente vinculativo e, portanto, o
conteúdo da decisão final tem de ser o conteúdo estabelecido no próprio parecer.

44
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Terceira fase – a fase da audiência dos interessados, prevista nos artigos 121.º a 124.º do CPA,
ou seja, feitas estas diligências de peritagem, ou de audição de testemunhas, ou de recolha de
factos, ou de recurso ao auxilio administrativo, ou da colaboração do próprio particular ou
particulares interessados, que levaram para o procedimento factos, matéria, documentos ou
memórias, e tudo isso é carregado para o procedimento, tudo isso deve ser apreciado ao
abrigo do princípio do inquisitório e da imparcialidade objetiva pelo responsável do
procedimento e, em função disso, o responsável pela direção do procedimento elabora uma
espécie de relatório no qual está contido um projeto de decisão final que ele há de submeter
ao órgão competente para a decisão, mas, antes de submeter o projeto de decisão final à
decisão propriamente dita do órgão competente para essa mesma decisão, ele tem de, nos
termos do artigo 126.º CPA, de proceder à designada audição dos interessados. Portanto, há
uma espécie de direito de participação procedimental de todos os interessados que tem um
cerne antes da decisão final que é, justamente, a audiência dos interessados, de acordo com
os artigos 121.º/1 e 122.º/2 do CPA. Para esse efeito, o órgão responsável pelo direção do
procedimento deve notificar os interessados para audição, não interessa o modo como se faz a
audição – pode ser presencial, pode ser por escrito, ou por outra via legalmente admitida e no
prazo mínimo de 10 dias úteis, ou, pelo menos, não inferior a 10 dias úteis, de acordo com o
artigo 122.º/1 CPA, para o prazo, e com o artigo 123.º/1 CPA, no caso do modo de realizar a
audiência. Claro que este prazo de audiência suspende o prazo geral do procedimento
administrativo – aquele prazo de 60 dias úteis -, de acordo com o artigo 121.º/3 CPA. Esta é
uma regra geral, a audiência dos interessados, contudo, pode haver situações em que o
responsável pela direção do procedimento, desde que fundamente nessa decisão, pode
dispensar a realização da audiência – ou porque, por exemplo, ele já ouviu uma, duas, três,
quatro vezes todos os interessados ao longo do procedimento, a propósito de cada uma das
situações mais delicadas ou menos delicadas no âmbito do procedimento e, evidentemente,
quando chega à elaboração do relatório, pouco ou mais nada haverá de interessante para
ouvir e, consequentemente, se fundamentar que a necessidade de audiência dos interessados
já não se justifica porque cada um dos sujeitos intervenientes já foi ouvido várias vezes e a
propósito de cada um dos temas ou segmentos procedimentais suscitados, quando chega ao
fim a audiência dos interessados diria, é jurídica ou procedimentalmente imprestável, só terá é
de justificar ou fundamentar essa dispensa, de acordo com o artigo 124.º/1 e 2 CPA.

Depois, nas conferências procedimentais, que já veremos a seguir, fala-se numa audiência
pública obrigatória, e aqui, evidentemente, não haverá possibilidade de dispensa, de acordo
com o artigo 80.º CPA – depois pode haver situações em que a própria audiência dos
interessados nem é suscetível de realização – imaginem em procedimentos concursais que se
realizam todos os anos, dos professores do ensino secundário, em que temos milhares de
candidatos, se, porventura, houvesse uma imposição absolutamente intransponível de audição
de todos e de cada um deles, então teríamos um procedimento que se alongaria no tempo ad
eternum e, portanto, começava o ano letivo e ainda não havia decisões finais sobre a
colocação dos professores, e isso ia afetar não apenas a ordem normal administrativa de inicio
do período escolar, mas afetar alunos, afetar pais e interesses conexos. É compreensível que
nesses casos se constate a impossibilidade prática de realização de audiências dos
interessados. Depois, o caso de audiência pública obrigatória quando haja discussão pública de
certos licenciamentos, designadamente quando haja operações de roteamento com impacto
significativo, aqui, verdadeiramente, a audiência passa por uma realização pública dessa
audiência em que os munícipes ou todos os interessados podem participar ou pela via
eletrónica ou então através de um edital ou de um expositor que se encontra no paços do

45
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Concelho Municipal, e cada um de nós poderá ir apresentar as nossas razões acerca daquela
operação urbanística.

A quarta fase é a fase decisória, depois de feita a audiência dos interessados, prevista no artigo
94.º CPA, salvo nas situações em que ela pode ser dispensada ou nas situações em que,
verdadeiramente, por razões práticas não exista ou não possa existir, vem, então, a seguir a
fase da decisão final, isto é, da prática do ato administrativo nos termos do artigo 148.º CPA.
Por isso se diz fase decisória ou fase em que fica definitivamente constituída a decisão final do
procedimento. Este ato ou esta decisão que está adotada, tomada, praticada, desde que se
decida, isto é, se o conteúdo da decisão seja indefiro, aprovo, autorizo, licencio, sanciono, etc.,
para além disso, esteja lá identificado quem é o autor e, evidentemente, quem é o objeto e o
seu conteúdo – quem é o autor – temos de saber qual é o órgão – Reitor ou Presidente da
Câmara, por exemplo – é algo absolutamente essencial, saber quem é o autor da decisão; o
objeto é saber quem é verdadeiramente o destinatário, se é uma pessoa, se é o António, se é o
Joaquim, se é a Manuela, ou se, porventura, nem é uma pessoa mas um imóvel que tem de ser
demolido e, portanto, o objeto tem de estar lá identificado sob pena de haver uma ilegalidade
grave e, é claro, qual é o conteúdo dessa decisão, para sabermos qual é o efeito que ela vai ter
na esfera jurídica do particular. A decisão, por regra, é sempre por ato administrativo, tal como
o conhecemos da noção do CPA, mas pode haver situações em que o procedimento
administrativo possa ser substituído, o ato administrativo, pela celebração de um contrato
administrativo e, portanto, há situações em que isso é possível e está na discricionariedade
dos órgãos administrativos estabelecer um acordo com os outros intervenientes
procedimentais de que o procedimento não terminará com um ato administrativo, que seria o
seu rumo natural, mas por um contrato que vai substituir esse ato administrativo – claro,
desde que, evidentemente, a lei ou a natureza das relações a estabelecer não impeçam isso –
neste momento é impossível celebrar um acordo, um contrato a estabelecer que o
procedimento disciplinar na função pública termina não com um ato administrativo
sancionatório mas com um contrato – a lei não permite isso, a lei disciplinar da função pública
– a lei estabelece que a sanção é sempre por ato administrativo – consequentemente, o
responsável pela direção do procedimento ou o responsável pela decisão final – em geral, aqui
na UC, o Reitor, não pode haver a substituição deste ato final, que é o ato sancionatório, que
suspende ou multa, etc., por um contrato com o arguido – a lei não admite e, para além disso,
a relação a estabelecer também é relativamente repulsiva a essa substituição contratual pelo
ato administrativo. Fora essas situações, haverá um princípio de alterabilidade ou de
fungibilidade entre ato administrativo e contrato na decisão do procedimento administrativo,
como resulta do artigo 127.º CPA.

Quanto à forma da decisão, prevista no artigo 150.º CPA – forma é o modo de exteriorizar o
ato ao destinatário – a regra é que eles devem ser praticados por escrito, desde que a lei não
imponha, evidentemente, outra forma – a regra é uma prática do ato de forma escrita. Nos
órgãos colegiais é que a prática é oral, isto é, cada um deles expressa oralmente o seu sentido
deliberativo ou decisório. Mas, nos órgãos singulares, é por escrito. Nos órgão colegiais, a
regra é a da votação oral ou votação pelo dedo no ar, não interessa… mas não é a forma
escrita, exceto nas situações em que a lei imponha. Temos aqui regras relativamente
contrárias se forem órgãos singulares, a regra é por escrito, se forem órgãos colegiais, a regra é
que a deliberação é adotada através de modo oral ou gestual e, evidentemente, se porventura
isto não for observado na decisão, isto tem consequências ao nível da invalidade do ato
administrativo, que veremos que é uma invalidade na forma, e que no caso poderá ser
especialmente grave para a legalidade da decisão final.

46
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Depois, há menções obrigatórias que devem constar do ato, sob pena de invalidade, de acordo
com o artigo 151.º CPA – designadamente o dever de fundamentação e especialmente quando
os atos são desfavoráveis para os particulares, então o dever de fundamentação, previsto nos
artigos 151.º, 153.º e 154.º do CPA, é um dever formal essencial, na medida em que o
particular que é afetado por uma decisão administrativa só poderá compreender em função da
fundamentação, isto é, da explicação do facto e direito, porquê que decidiram no sentido
desfavorável ao particular e, portanto, a fundamentação do ato aí é obviamente acrescida pela
razão da compreensão do particular porque a administração está a decidir desfavoravelmente
para ele e, portanto, a necessidade de aqui adotar uma fundamentação mais compreensiva ou
explicativa para que o particular possa compreender a racionalidade da decisão administrativa,
porque ela lhe é desfavorável; por outro lado, também à decisão podem ser apostas cláusulas
acessórias, previstas no artigo 149.º CPA, ou seja, tal como estudaremos ou já estamos a
estudar no negócio jurídico, onde podem ser apostas cláusulas acessórias, encargos,
condições, também no ato administrativo o órgão administrativo competente pode apor ao
ato as chamadas cláusulas acessórias. No essencial, pode ser um termo, uma condição, um
modo, ou uma reserva. Designadamente, são muito comuns as cláusulas modais e as reservas
de revogação – ou seja, uma cláusula modal é um encargo que o particular deve cumprir para
efeitos de obter uma autorização, ou um subsídio – as entidades administrativas, não raras
vezes, concedem apoios, subsídios, mas a essa concessão, que é um ato administrativo,
condicionam o particular na utilização da pecunia que lhe é concedida para efeitos de
utilização, ela tem uma finalidade, uma finalidade de investimento, ou finalidade laboral, ou
uma finalidade social – e, portanto, o encargo é cumprir essa finalidade necessária ao ato e,
por outro lado, a possibilidade de haver alguma situação de incumprimento por parte do
particular e eis que o órgão administrativo também associou ao ato uma reserva de revogação,
e nessa reserva de revogação, há um poder, que é o poder de revogar o ato, isto é, extinguir
aquele beneficio que ela tinha concedido à entidade a quem se deu, ou financiou, ou subsidiou
ou, numa licença urbanística, concedida para autorizar uma construção, mas podem ir
associadas cláusulas modais de construção em redor da habitação, de ligação à via municipal,
de ligação a infraestruturas, e, portanto, é um ónus, um encargo que o particular deve cumprir
para que a licença não venha a ser revogada se, porventura, como é muito habitual, o órgão
administrativo também lhe tiver aposto a chamada reserva de revogação, que é um modo de
extinguir a autorização, ou a licença, ou o subsídio, ou a aprovação, em virtude do particular,
por qualquer circunstância, não ter dado a melhor execução ao ato ou à cláusula acessória que
lhe foi aposta – se não foi cumprida, então a Administração lança mão de uma outra cláusula,
que é a cláusula de reserva da revogação – isto é, da extinção desse ato.

Por fim, a chamada fase integrativa de eficácia, que é eventual, prevista nos artigos 155.º a
160.º do CPA. Necessárias são as quatro fases anteriores que vimos. Agora temos uma fase
integrativa da eficácia, que é eventual, isto é, pode ou não existir. Esta fase integrativa da
eficácia só tem uma razão de ser – é conceder eficácia à decisão que já foi adotada na fase
constitutiva ou decisória – não acrescenta nada de inovador ao ato administrativo ou à decisão
administrativa. A única função desta fase é apenas despoletar os efeitos do ato administrativo.
Se são favoráveis, e porque havia necessidade desta fase, eles só se produzem com esta fase
integrativa da eficácia; se são desfavoráveis, igualmente. Mas, a regra geral, é que um ato
administrativo, no momento em que é adotada a decisão, eis que ele produz aí os seus efeitos
– os ónus, as obrigações, projetam logo ali a sua dimensão de efeitos, maiores ou menores,
favoráveis ou não aos particulares, a regra é essa. Contudo, há situações em que pode haver a

47
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

necessidade desta outra quinta fase, que é a que concede, em algumas circunstâncias, eficácia
a essas decisões administrativas.

Desde logo, nos termos do artigo 159.º do CPA, quando os atos estejam sujeitos a publicação
obrigatória, isto é, que a lei exija a publicação; publicação incluindo, na segunda série, como é
normal, do Diário da República, pode não ser, pode ser no boletim municipal, por exemplo, é
uma forma de publicação – quando legalmente exigida, se ela não for cumprida, implica a
ineficácia do ato administrativo. Também um ato por força do visto do Tribunal de Contas,
muitos atos que implicam despesas, designadamente quando as despesas, hoje, sejam
superiores a 750 mil euros, obviamente todo o processo decisório administrativo tem de ser
enviado para o Tribunal de Contas, e ele só produzirá efeitos, designadamente ao nível
financeiro, se o Tribunal de Contas conceder o visto – tudo está decidido, tudo está
constituído, mas falta ainda um ato que vai integrar a eficácia, que vai despoletar a eficácia
desse procedimento que foi todo enviado para o Tribunal de Contas e que só vai produzir
efeitos depois da emissão do visto do Tribunal de Contas, designadamente para atos que
envolvam despesas superiores a 750 mil euros, como consta da lei do Tribunal de Contas
atual, por força de uma alteração recente. Ou atos sujeitos a aprovação dos órgãos colegiais –
o caso das aprovações das atas nos órgãos colegiais – só há a produção de eficácia das
deliberações quando essas deliberações são reduzidas a ata e essa ata é aprovada e, portanto,
a ata é uma condição de eficácia das deliberações dos órgãos colegiais. Ou as licenças
urbanísticas de construção – só produzem efeitos quando constem de um alvará com a
identificação – alvará número X, emitido pela entidade X – a licença só vai produzir efeitos
quando ela estiver formalmente integrada ou materializada num documento que se chama
alvará.

Depois, atos que dependem da própria emissão de vontade do destinatário, isto é, da


aceitação do destinatário, mas só para produzir eficácia – é o que se passa com os atos de
designação dos dirigentes da Administração Pública – depende da aceitação deles; ou dos
trabalhadores na Administração Pública – a designação deles, através do ato administrativo de
nomeação, a designação é notificada, portanto, a decisão está adotada, está constituída, a
aceitação por parte do particular apenas vai desencadear eficácia a essa decisão que já foi
adotada – são os chamados atos recetícios em direito administrativo, cuja eficácia depende da
aceitação do particular.

Depois, por último, e especialmente importante, é que há atos sujeitos a notificação


obrigatória aos interessados, de acordo com o artigo 160.º CPA – todos aqueles atos que
impliquem deveres, ónus, encargos, sanções ou que de algum modo afetem a esfera jurídica
do particular só lhe podem ser oponíveis quando forem notificados e a partir da data da
notificação. Notificação em termos legalmente previstos, em geral, pela via ou eletrónica, se o
particular deu o seu consentimento à utilização do serviço público de notificações eletrónicas
ou, não sendo por essa via, pela via do correio postal. Como quer que seja, e aqui
especialmente importante, é que os atos desfavoráveis para os particulares quando essa
desfavorabilidade consista em atos constitutivos de deveres, de encargos, de obrigações, esses
atos só podem ser oponíveis aos interessados se forem notificados e a partir da respetiva
notificação. Caso contrário, como é obvio, o particular se lhe é imposto o dever de pagar uma
quantia, não lhe pode ser imposto esse dever de pagar a quantia se ele ainda não foi
notificado nos termos legalmente previstos, em geral, por correio postal ou, se ele aderiu ao
serviço público de notificação eletrónica, então através desse serviço público de notificação
eletrónica.

48
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Mas a regra geral não é esta, a regra geral é a de que a notificação de atos administrativos só
constitui condição de oponibilidade aos interessados no caso previsto no artigo 160.º,
portanto, quando se trate de atos de natureza favorável para o particular, a produção de
eficácia deles e oponibilidade deles não está dependente de notificação ao particular. Isso só
sucede com os atos que sejam impositivos de deveres ou de encargos para os respetivos
destinatários.

Esta fase última, a fase integrativa da eficácia é obviamente uma fase eventual, não
necessária, mas especialmente importante quando estejamos perante decisões
administrativas impositivas para os particulares, porque por regra são estas decisões que
depois vão ser objeto de execução coativa por parte das entidades administrativas, caso os
particulares não as cumpram nos termos decididos pela própria Administração.

No contexto dos procedimentos administrativos, há outros procedimentos que são ditos


complexos, previstos nos artigos 77.º a 81.º do CPA – por envolverem um agregado de
entidades mais avultado do que o que é o procedimento normal – pode ter um interessado, ou
dois ou três interessados, por haver interesses difusos; contudo, há determinado tipo de
procedimentos que pode envolver um Município, uma Comissão de Coordenação, a Agência
Portuguesa do Ambiente, o Instituto de Turismo de Portugal, quando estiver em causa, por
exemplo, um complexo turístico, ou o Instituto da Conservação da Natureza, ou quando
implicar o domínio hídrico, as autoridades hidrográficas – poderemos ter contextos de
procedimentos complexos. O que se faz nestas situações, em termos procedimentais, para
tentar agilizar a intervenção deste conjunto variado de entidades? Criaram-se as chamadas
Conferências Procedimentais – umas são simples, são feitas no mesmo procedimento e,
portanto, estas não têm nada de relevante ou de complexo.

Relevantes são, sim, as chamadas conferências deliberativas – isto é, em vez de ser,


isoladamente, em cada momento procedimental diferente, disperso, ser o Município a tomar a
sua decisão, a Comissão de Coordenação a emitir o seu parecer vinculativo, o Instituto de
Turismo do Portugal idem, a Agência Portuguesa do Ambiente a mesma coisa, etc., o que se
faz para evitar esta dispersão decisória? Legalmente, realizam-se as chamadas conferências
deliberativas, ou seja, adota-se uma decisão conjunta num único ato e, portanto, todos
expressam a sua vontade no procedimento, vontade essa decisória que se vai corporizar ou
materializar numa única decisão e, portanto, temos diversas manifestações de vontade
administrativa que se projetam num sentido único, numa decisão final única. Portanto, esta
decisão de conteúdo complexo porque vai materializar a manifestação de vontade de diversas
entidades reúne-se numa única e só decisão e que, evidentemente, esta única decisão que
projeta a manifestação da vontade de todos os intervenientes administrativos substitui a
prática do ato administrativo por cada um deles, de forma autónoma. Portanto, é um ato
unitário praticado em coautoria – isto é, os coautores, este conjunto de entidades que o Dr.
nos referiu, numa única decisão, projetam aqui a sua vontade administrativa e decisória e
praticam uma decisão, um ato administrativo em coautoria. Consequentemente, para assim
ser e haver unidade na decisão, todos eles têm que manifestar unanimidade na deliberação
final, para ela ter produtividade do ponto de vista do particular. Se houver invalidade de uma
decisão, ou de uma das manifestações de vontade que se une na única decisão, contagia a
decisão final, sendo ela toda inválida e, portanto, é claro que este risco acontece, que é uma
invalidação total por ser uma única decisão, mas, enfim, a capacidade de conjugar de forma
una tantas entidades e numa só decisão compensa claramente esse risco, em termos de

49
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

celeridade administrativa decisória. O risco é este efeito de contágio, em termos da eventual


invalidade de uma das manifestações de vontade.

Uma outra conferência procedimental diferente é a conferência de coordenação, ou seja, nas


conferências de coordenação, as mesmas entidades, ou outras, também coordenam a
manifestação de vontade, mas diferentemente da conferência deliberativa, essa manifestação
é projetada em atos administrativos autónomos e, portanto, se tivermos o mesmo grupo de
entidades, o Município, a Agência Portuguesa do Ambiente, o Instituto de Turismo de Portugal,
etc., cada um deles, na conferência de coordenação, vai emitir uma decisão que é autónoma
relativamente à das restantes, portanto, não há uma unicidade decisória – mantém-se no
procedimento a autonomia decisória de cada um deles e expressa-se através de um ato
administrativo autónomo – temos aqui não uma única decisão, como sucede na conferência
deliberativa, mas várias decisões procedimentalmente conjugadas. Consequentemente, se
uma delas for inválida, como é autónoma, não afeta a validade das restantes e, portanto, só
ela é que está inquinada por um efeito invalidante, não havendo risco de contágio para as
demais – e, portanto, em cada ato, é imputada a queda ao autor, e não numa espécie de
coautoria conjugada e unitária, como sucede na conferência deliberativa.

Também aqui, nas conferências procedimentais, pode, como no procedimento geral ou


administrativo que vimos, suceder exatamente o que aí sucede, isto é, uma conferência
deliberativa ou de coordenação, onde, por regra, a sorte é terminar com uma decisão
administrativa, ato administrativo, mas também aqui pode haver substituição do ato
administrativo por contrato administrativo se houver, evidentemente, o acordo para esse
efeito. Estamos sempre perante situações de possibilidade de substituição da decisão
administrativa unilateral por uma decisão administrativa concertada ou contratual.

Feitas estas diligências procedimentais, decisórias, designadamente nos atos administrativos


desfavoráveis, nos tais cuja oponibilidade ao particular, ao destinatário, depende sempre da
notificação, designadamente nessas situações, porque são os atos que impõem obrigações,
ónus, deveres, encargos para os particulares, se os particulares não cumprirem
voluntariamente esses ónus, esses encargos, esses deveres, essas obrigações, pode surgir um
poder coativo da Administração para executar coercivamente esses atos. Nós já vimos que um
ato administrativo, para além de título decisório, é também um título executivo e,
designadamente, nos atos administrativos desfavoráveis para os particulares, os órgãos
administrativos podem, por si, diretamente, sem qualquer intervenção judicial, proceder à
execução coerciva desse título. É o que se designa por autotutela executiva da própria
Administração. Portanto, declara o direito e executa-o sem intervenção dos tribunais. Tem
autotutela declarativa e autotutela executiva, de acordo com os artigos 175.º a 183.º do CPA.

Contudo, como vimos exatamente para procedimento administrativo, em que vigora o


princípio da legalidade, também na fase do procedimento administrativo executivo, isto é,
execução coerciva dos atos administrativos, também, evidentemente, vigora o princípio da
legalidade, quer da legalidade formal – lei e decreto-lei; quer da legalidade no sentido da
juridicidade – que é a obediência à proporcionalidade na execução, designadamente
proporcionalidade, e evidentemente imparcialidade nessa execução. Portanto, as situações
objeto de execução coerciva devem decorrer primeiro, como regra fundamental – tem de
haver sempre uma decisão autónoma de proceder à execução do ato administrativo – um
exemplo: Se o Presidente da Câmara Municipal ordenou que um particular proceda à
demolição do seu prédio, porque ameaça ruir, é um ato administrativo impositivo, com um
dever; contudo, se o particular não cumprir essa ordem no prazo estabelecido pelo Presidente

50
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

da Câmara, o que o Presidente da Câmara vai ter de fazer é constatar esse incumprimento e
emitir uma outra decisão autónoma relativamente à ordem de demolição – é a decisão de
proceder à execução coativa da ordem que já deu – é uma decisão autónoma relativamente à
primeira. Isto é perfeitamente possível nas demolições de muros, de habitações, e não raras
vezes assim sucede, que são as entidades públicas a executar, coativamente, as demolições,
designadamente em habitações que ameacem ruir e que, evidentemente, colocam em risco os
vizinhos, ou as pessoas que circulam na rua, os automóveis, etc. Portanto, são um perigo para
a segurança, o património e a vida das pessoas, e daí que se compreenda este poder de
execução administrativa coativa por parte dos órgãos administrativos. Isto é, ditam o direito,
impõem o dever, uma decisão impositiva, ato administrativo impositivo, que o particular deve
cumprir no prazo estabelecido pela própria autoridade administrativa, se não cumprir, eis que
pode vir a tal segunda fase de execução coerciva desse título executivo - para haver essa
execução coerciva tem de haver uma decisão autónoma que estabeleça que se vai proceder à
execução coativa da ordem tomada, isto é, da declaração decisória já tomada no
procedimento administrativo declaratório anterior e, obviamente, que essa execução tem de
obedecer ao princípio da proporcionalidade, porque se for necessário apenas demolir uma
parte do prédio, e aí está a segurança acautelada, à luz da proporcionalidade não se vai
demolir o prédio todo, ou o muro todo, ou o que quer que seja.

Depois, evidentemente, que também existem garantias impugnatórias perante a execução


coativa das decisões administrativas, sejam garantias impugnatórias dentro da Administração,
com o recurso administrativo hierárquico, ou a reclamação administrativa, ou garantias
impugnatórias judiciais, para os Tribunais Administrativos, sob pena de haver lacunas na tutela
jurisdicional efetiva, e aí não pode haver lacunas – também aqui teria de se garantir a
impugnação destas decisões administrativas.

Apenas uma nota relativamente às execuções coativas dos atos administrativos – quando se
trate de a execução de quantias monetárias, sejam fiscais ou parafiscais, ou de outra natureza,
desde que sejam obrigações pecuniárias, isto é, pagamentos que os particulares têm de afetar
à Administração, nessas situações nunca há lugar à execução por meios diretamente
administrativos, isto é, um Município, ou na área da água, ou da luz, etc., como o particular
tem de pagar, há obrigações pecuniárias, ou as dividas fiscais, tudo isso não pode a
Administração imediatamente executar o património do particular, dirigir-se ao seu domicilio
ou às suas contas e proceder à imediata execução – tem de enviar todo o processo para a
repartição de Finanças competente e esta, depois, obedecer ao processo de execução fiscal,
disciplinado na legislação do Procedimento e Processo Tributário e, portanto, isto corre em
termos judiciais. Exceto essas situações, e a prestações infungíveis, mas designadamente estas,
porque são as mais comuns, aqui tem de haver sempre uma execução coativa, mas esta
decorre nos termos da legislação do Processo e Procedimento Tributário. É uma garantia em
termos dos direitos dos particulares, uma vez que está em causa o cumprimento de obrigações
pecuniárias.

Vamos agora para o tema da validade e invalidade da decisão administrativa, qualificada por
ato administrativo.

Tal como se fala de validade ou de invalidade no negócio jurídico, no plano geral do direito civil
e do direito das obrigações, também no âmbito da teoria geral do direito administrativo
falamos, à semelhança do que aí sucede, se fala de invalidade do ato administrativo ou
condições de validade que se não estiverem reunidas provocam a invalidade do ato
administrativo e também, à semelhança do direito civil, falamos em essencialmente dois tipos

51
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

de invalidade: a nulidade e a anulabilidade. Conforme a causa invalidante seja mais grave ou


menos grave, assim teremos dois tipos de invalidade.

Para as situações que a lei reputa de uma ilegalidade mais grave, sanciona essa causa de
ilegalidade com uma sanção mais grave, que é a sanção da nulidade, nos termos do artigo
161.º do CPA; e, portanto, quando o vício, também à maneira da Teoria Geral do Direito Civil, é
reputado pela lei como mais grave, do ponto de vista da lesão dos interesses públicos ou
privados, a lei sanciona essa invalidade com a nulidade. Mas o vicio ou esta sanção, para que
ela possa ser aplicada na resolução de hipóteses práticas e, evidentemente, também pelos
tribunais, é necessário, segundo o número 1 do artigo 161.º do CPA, que a lei comine
expressamente esta forma de invalidade – há um princípio básico e transversal na ordem
jurídica administrativa de que um ato administrativo só é nulo ou só tem o tipo de invalidade
designada por nulidade quando a lei expressamente estabeleça esse modo de invalidade, ou
seja, a nulidade. Tem de existir uma norma, ou no artigo 161.º do CPA, ou numa lei especial, a
estabelecer expressamente que o ato administrativo ou a decisão administrativa que viole a
regra A, ou B, ou o princípio, ou direitos dos particulares, é nulo – e a lei tem de estabelecer
expressamente isto. Se não estabelecer isto assim expressamente, esta sanção de nulidade,
isso significa que vale sempre um outro tipo de invalidade, que é a anulabilidade nos termos
do número 1 do artigo 163.º CPA. Se o CPA, no artigo 161.º não estiver aí contemplada a causa
invalidante que provoca a nulidade ou não estiver prevista numa norma avulsa ou especial
relativamente ao CPA, ficamos com uma certeza de que não podemos aplicar à hipótese
prática uma sanção de invalidade consubstanciada na nulidade mas tão só a regra geral da
mera anulabilidade. Isto, evidentemente, tem uma grande diferença. Um ato administrativo
nulo é totalmente improdutivo de efeitos jurídicos. Pelo contrário, um ato administrativo que
contenha uma causa invalidante que provoque a mera anulabilidade, ele produz plenamente
os seus efeitos jurídicos até ao momento em que venha, porventura, a ser objeto de anulação,
ou pelos próprios órgãos administrativos, ou, em caso de impugnação pelo particular, pelos
tribunais administrativos. Até aí produz totalmente os seus efeitos, como se fosse um ato
plenamente válido. Esta diferença classificativa ou qualificativa entre nulidade e anulabilidade
tem uma grande consequência jurídica. Um ato nulo é totalmente improdutivo de efeitos e,
portanto, se impunha obrigações, não vai impor qualquer obrigação ao particular,
juridicamente – pode a Administração, no plano dos factos, tentar que o particular cumpra,
mas juridicamente não está obrigado a cumprir, porque o ato não produz efeitos nenhuns; se
for meramente anulável, como produtor pleno de efeitos jurídicos, se é um ato favorável ao
particular, o particular na sua esfera jurídica é confortado com todos esses efeitos jurídicos
favoráveis, se for um ato desfavorável, igualmente é onerado com esses efeitos desfavoráveis,
porque o ato é plenamente produtor da sua eficácia, e assim será até ao momento em que
venha a ser objeto de anulação administrativa ou jurisdicional, o que, porventura, poderá
nunca ocorrer e, consequentemente, esse ato, ainda que meramente anulável, eis que ele
poderá perdurar na ordem jurídica administrativa eternamente, ou quase eternamente, e a
produzir os efeitos jurídicos ainda que ilegal, mas meramente anulável.

Ora, quais são os requisitos de validade de um ato administrativo que caso falhe algum destes
requisitos, o ato poderá ter uma daquelas sanções? Ou ser inválido sob a forma ou tipo de
nulidade, ou ser inválido sob o tipo de mera anulabilidade. Se faltar algum destes requisitos,
que são contidos na estrutura decisória que qualificamos como ato administrativo, há uma
consequência de caráter geral – ou o ato é nulo, nos termos que acabamos de referir, ou o ato
é meramente anulável, mas em qualquer circunstância é uma decisão administrativa inválida.

52
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Na teoria geral do direito administrativo, uma decisão administrativa quanto aos seus
elementos componentes, na sua estrutura, na sua anatomia, numa perspetiva analítica,
podemos identificar sempre o sujeito. O sujeito é inevitavelmente o órgão autor do ato
administrativo. Já vimos que uma decisão contém sempre um autor, contém sempre um
objeto e contém sempre um conteúdo.

Um desses elementos, tecnicamente designado por sujeito é aquele que se identifica como
órgão autor do ato administrativo. Contudo, para que a decisão adotada por este sujeito seja
válida – que é o autor da decisão -, é necessário que esse órgão se integre no âmbito de uma
pessoa coletiva pública que tenha atribuições para que essa decisão possa ser adotada
validamente. Como vimos no Direito Administrativo I, as pessoas coletivas públicas são
dotadas de atribuições, isto é, de um conjunto de interesses públicos que devem prosseguir e
que a lei lhes reconhece e, dentro da pessoa coletiva pública, temos os órgãos que expressam
através de decisões a vontade da pessoa coletiva pública. Esses órgãos, como vimos na altura,
são dotados de competência para essas decisões. Contudo, para que possam adotar essas
decisões, é necessário que essa decisão se contenha dentro das atribuições da pessoa coletiva
pública. Um exemplo: a Universidade de Coimbra é uma pessoa coletiva pública – nos termos
do Regime Jurídico das Universidades Públicas, ela tem um conjunto de missões – missão de
ministrar licenciaturas, ministrar mestrados, ministrar doutoramentos, ministrar pós-
doutoramentos, ministrar outros cursos como pós-graduações, ou outros cursos de serviço à
comunidade, fazer investigação, fazer a doutrina, ou investigação cientifica na área das
ciências, é o conjunto de fins que o Regime, a lei das Universidades reconhece a esta
instituição. Consequentemente, os órgãos desta pessoa coletiva pública só podem praticar
validamente atos administrativos se eles se contiverem dentro destas atribuições e, portanto,
na área do ensino, na área das missões de serviço público à comunidade, na área da
investigação, na área farmacêutica, na área laboratorial, na área das engenharias, na área da
medicina, fazer também, evidentemente, partilha em termos de ensino com outras
instituições, seja ao nível de estágios curriculares, seja ao nível do ensino médico, etc., mas
está sempre no conjunto das atribuições desta pessoa coletiva pública – para que o ato
administrativo, cada decisão, seja válida, é necessário que essa decisão se mantenha, se
contenha, se limite ou delimite em função destas atribuições típicas da pessoa coletiva pública
que é a UC; quem diz a UC, diz a Universidade do Porto, a Universidade de Aveiro, etc., porque
as atribuições são todas as mesmas, obviamente, do ponto de vista da lei das Universidades
Públicas. Consequentemente, não está nas atribuições da UC fazer licenciamento das
operações urbanísticas – essas atribuições estão numa outra lei que as reconhece a uma outra
pessoa coletiva pública, que é o Município, cada um dos 308 municípios a nível nacional e,
portanto, essas atribuições em matéria urbanística e de ordenamento do território não são
atribuições legais da UC. Consequentemente, se o Reitor, como órgão da UC, começar, por
engano, a conceder autorizações de licenciamento para realizar atribuições urbanísticas, está a
praticar um ato, está a adotar uma decisão que não é das atribuições da Universidade de
Coimbra e, pelo contrário, para além da falta total de atribuições da UC em matéria urbanística
e de ordenamento do território, está a invadir as atribuições de uma outra pessoa coletiva
pública, que é o Município. Para estas situações em que um órgão de uma pessoa coletiva
pública decide com falta de atribuições dessa pessoa coletiva pública ou em atribuições que
não são dessa pessoa coletiva pública, mas de uma outra pessoa coletiva pública, aqui, em
virtude de haver uma violação grave da ordem pública administrativa, designadamente ao
nível da distribuição ou da organização administrativa na parte relativa às atribuições legais de
cada pessoa coletiva pública, a lei sanciona isto como grave, especialmente grave e por isso é

53
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

que na alínea b) do número 2 do artigo 161.º CPA, estabelece uma sanção radical que é a
nulidade, por virtude de uma falta radical de atribuições da pessoa coletiva pública em que
esse órgão se insere. Também tecnicamente é dita por incompetência absoluta, ou seja,
incompetência absoluta por falta de atribuições da pessoa coletiva pública.

Apenas uma nota de que os Ministérios, cada um dos Ministérios, não são dotados de
personalidade jurídica – são departamentos governamentais que se integram numa entidade,
e essa sim tem personalidade jurídica administrativa, que é o Estado-Administração – os
Ministérios são meros departamentos. Contudo, excecionalmente, por razões puramente
organizativas, a lei concede atribuições a cada um dos Ministérios, o que significa,
evidentemente, para este caso, se um Ministro da Economia, que tem as atribuições na área
dos interesses económicos – as missões públicas do Estado administrativo em matéria
económica -, começar a praticas atos que extravasam essas essas atribuições, e praticando
atos ao nível da área da saúde, por exemplo, começando a praticar atos na área do plano de
vacinação, evidentemente que ele está a praticar um ato para além da falta radical de
atribuições deste Ministério, está também a invadir as atribuições de um outro Ministério –
aqui a sanção é exatamente igual, ou seja, é a sanção da nulidade destes atos que, porventura,
fossem praticados pelo Ministério da Economia, em matéria de atribuições que não estão
deferidas a esse Ministério da Economia, mas a um qualquer outro Ministério ou, porventura,
a outro organismo qualquer do Estado administrativo.

Depois, dentro da pessoa coletiva, portanto, a pessoa coletiva tem de ter atribuições para que
o órgão possa validamente praticar decisões administrativas, atos administrativos, no âmbito
dessas atribuições. Para além disso, o órgão em si, que é o autor da decisão, tem de ter
competência material e territorial. Competência material é competência na matéria, é haver
ou a lei, ou o regulamento, ou o estatuto, que estabeleça que aquele órgão administrativo,
aquele Reitor, ou o Presidente da Câmara, ou o Presidente de um Instituto Público, por
exemplo, da Segurança Social, é competente para praticar atos administrativos naquela
matéria especifica. Dentro de cada pessoa coletiva, o normal é que as competências estejam
distribuídas por diversos órgãos – haver distribuição de competências, as mais decisivas
evidentemente sempre no órgão que está no topo da hierarquia, mas poder haver uma
distribuição de competências ou feita diretamente pela lei, ou feita por regulamentos emitidos
pela própria pessoa coletiva pública, ou por estatutos próprios dessa pessoa coletiva pública.
Essa distribuição de competências demarca o domínio de matérias em que cada órgão pode
decidir legalmente. Se, porventura, o Presidente da Câmara, que nos termos da Lei n.º
75/2013, tem um conjunto imenso de competências, mas começar a praticar atos que são da
competência da Câmara Municipal, que é o órgão colegial, é a mesma pessoa coletiva pública,
é dentro da mesma pessoa coletiva pública, e dentro da mesma pessoa coletiva pública um
determinado órgão é competente para certas matérias, outro órgão é competente para outras
matérias. Consequentemente, se cada um desses órgãos ou um deles emitir decisões, praticar
atos administrativos que não são da sua competência, mas da competência de um outro órgão
da mesma pessoa coletiva pública, a lei também sanciona esta situação com ilegalidade – com
invalidade do ato administrativo. Mas aqui uma invalidade, porque é dentro da mesma pessoa
coletiva pública, é uma invalidade menos grave – é a mera anulabilidade e, portanto, iriamos
para a cláusula geral do número 1 do artigo 163.º CPA – porque não encontramos no artigo
161.º do CPA que esta causa ou esta situação provoque a nulidade – também na lei
especialmente aplicável aos órgãos municipais não estabelece a sanção da nulidade –
consequentemente, como não está taxativamente prevista a nulidade para esta situação,

54
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

temos de recorrer à cláusula geral que esta contida no número 1 do artigo 163.º, que é a mera
anulabilidade do ato administrativo.

Depois, quanto à competência, também a competência territorial é causa invalidante, mas de


mera anulabilidade, pela cláusula geral do artigo 163.º/1 CPA - competência territorial é algo
facilmente entendível – cada Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional (CCDR),
que há 5 (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve) - vamos supor que a
Comissão de Coordenação e, portanto, são todos organismos desconcentrados do Estado e,
portanto, é uma administração periférica do Estado, são órgãos da administração periférica do
Estado, se, por exemplo, por equivoco ou por qualquer outra circunstância, o Presidente da
CCDR do Algarve pratica um ato que era da competência, da limitação territorial do Presidente
da CCRD do Alentejo – este ato, esta decisão vai para além da competência territorial
delimitada ao nível da zona territorial do Algarve e, portanto, a delimitação territorial demarca
aqui a competência do órgão – se ele extravasar essa circunscrição geográfica que é afeta para
o exercício das suas competências, nós temos uma incompetência territorial por o órgão
ultrapassar os limites territoriais do exercício da sua competência. Iria praticar um ato para o
qual era materialmente competente mas iria invadir o território da esfera de circunscrição
geográfica que a lei delimita para a CCDR do Alentejo – teríamos uma incompetência
territorial, uma incompetência relativa, e sancionada com a mesma invalidade ou sanção de
invalidade, a mera anulabilidade.

Depois, outro requisito importantíssimo da validade do ato administrativo é a designada


legitimação do órgão, isto é, do sujeito que é autor da decisão administrativa. (Não escrevam
legitimidade do órgão, isso é um termo que tem na ciência uma conotação de linguística do
direito constitucional, ligada ao sistema político, ou de ciência política – no direito
administrativo, para determinar as condições de decisão de um órgão numa certa situação
concreta nunca se utiliza a palavra legitimidade do órgão – é sempre legitimação do órgão –
tecnicamente é assim que está correto – se numa pergunta destas, que é normal que saia no
caso prático, colocarem vicio por falta de legitimidade do órgão, se não perderem a cotação
total, pelo menos uma grande parte lá se vai, às vezes por mero lapso).

Quanto à falta de legitimação, especialmente importante nos órgãos colegiais, e nos órgãos
colegiais já sabemos que são aqueles formados por uma pluralidade de membros, a falta de
legitimação, isto é, das condições concretas para decidir, a pessoa coletiva tem atribuições, o
órgão é competente, tem todas as condições legais para decidir, só que naquela situação
haveria alguma desvirtude, alguma circunstância que afetava a legitimação do órgão para
decidir ou de alguns dos membros do órgão para decidir – já veremos um exemplo – quando
assim suceda, a pessoa coletiva tem atribuições, o órgão é competente, não há qualquer outra
causa invalidante, nem de caráter procedimental, mas há ali uma circunstância que afeta a
imparcialidade objetiva, ou a imparcialidade subjetiva, e isso vai provocar falta de legitimação
ou algum requisito para reunir aquele órgão – quando assim seja, porque tem de reunir com a
maioria legalmente exigida – se não estiver formada a maioria legalmente exigível há
atribuições na pessoa coletiva, o órgão é competente, mas para tomar aquela deliberação,
naquela reunião, não estão reunidas as condições concretas para deliberar e, portanto, há
uma falta de legitimação e a sanção é a nulidade expressamente estabelecida na alínea h) do
número 2 do artigo 161.º do CPA.

Ou então, quando a vontade deliberativa do órgão não está em condições de se formar de


forma sã e esclarecida porque há um tumulto, há uma discussão muito acesa que perturba o
sossego necessário para deliberar e quando assim sucede, se o Presidente que conduz as

55
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

reuniões do órgão colegial permitir que se delibere, evidentemente que nessa condição
concreta não estão reunidas as condições necessárias a que a deliberação seja tomada de
forma completamente livre, completamente sã, completamente esclarecida, e com o sossego
necessário. Também é uma causa de falta de legitimação do sujeito e a sanção é também a
nulidade das decisões ou das deliberações adotadas.

Outra causa também de falta de legitimação é ou são os impedimentos ou a existência de


impedimentos. Designadamente, evidentemente, nos órgãos colegiais e nos órgãos singulares.
É para qualquer um deles. Ora, quando existir alguma circunstância que o Dr. nos referiu há
pouco que afete a imparcialidade subjetiva, ou seja, que um vereador numa Câmara Municipal
participou na deliberação sabendo que essa deliberação tinha por objeto um requerimento
feito por um seu familiar de linha direta ou mesmo de linha colateral, esse facto em si
automaticamente gera um impedimento para esse vereador, que não poderia participar
naquela deliberação e, portanto, deveria ter-se ausentado – não o fazendo, a pessoa coletiva
tem atribuições, o órgão é competente, mas há uma circunstância concreta que funciona
como um impedimento para a deliberação ser votada daquele modo, em virtude da
participação de um membro do órgão colegial que, nos termos da lei, se encontrava com
impedimento – este impedimento, a existir, vai afetar as condições de decisão do órgão, vai
afetá-las em termos negativos por falta de legitimação do órgão para decidir naquelas
circunstâncias e naquelas condições - isto é, com a participação do membro que dada a
situação impeditiva, não devia ter participado naquela deliberação. Nestes casos há uma
norma no CPA que estabelece diretamente a sanção, que é o número 1 do artigo 76.º CPA –
quando assim suceda, a sanção vale aqui diretamente por esta norma, independentemente da
cláusula geral que encontramos no artigo 163.º/1 CPA.

Depois, outras condições de legitimação são muito usuais numa relação que nós estudámos no
DAI, as relações de tutela administrativa, designadamente do Governo ou de cada um dos
Ministros sobre os institutos públicos que, muitas vezes, estes institutos públicos, o seu
Presidente é competente, tem competência, o Conselho Diretivo tem competência, mas para
adotar aquela decisão, para que são competentes, necessitam de uma autorização tutelar do
respetivo ministro. Se esta autorização faltar, a decisão adotada pelo órgão competente nesse
instituto público é inválida, com mera anulabilidade, também por falta de legitimação para agir
– isto é, para decidir, embora fosse competente – não é isso que está em causa, é competente
mas necessita de um ato prévio, que desencadeia legitimação do exercício dessa competência,
que é uma autorização tutelar ministerial.

Depois, um caso especial tem a ver com a usurpação de poder, ou usurpação de funções –
quando falamos em usurpação de poder ou usurpação de funções, muitas vezes os alunos
utilizam “O ato é inválido sob a forma de anulabilidade por haver usurpação de poder ou
usurpação de funções” e está errado. Este vicio invalidante coloca em relação o órgão
administrativo com outras entidades fora da Administração, portanto, quando nós estamos só
dentro da organização administrativa, se faltarem atribuições à pessoa coletiva ou o órgão
invadir atribuições de uma outra pessoa coletiva pública administrativa, estamos só perante
um problema de atribuições; se um órgão administrativo invadir competências próprias do
poder jurisdicional é que já se coloca o problema não das atribuições, por essa só surge no
contexto intra-administrativo, aqui já se coloca o problema da usurpação de funções porque
está em causa um princípio fundamental da ordenação dos poderes, que é o princípio da
separação de poderes ou o princípio da separação funções – funções administrativas para a
Administração Pública, funções jurisdicionais para os tribunais e funções legislativas para os

56
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

órgãos constitucionalmente com função legislativa. Aqui há uma reserva constitucional de


funções que é violada e, consequentemente, há uma violação do princípio da separação de
poderes e, portanto, da separação de funções, entre os diferentes poderes soberanos do
Estado e isto já se colocou, e já foi ao Tribunal Constitucional e ao Supremo Tribunal
Administrativo, designadamente quando determinados Presidentes de Câmaras Municipais… -
há discussão de conflito de quem é proprietário de um determinado imóvel, e um particular
diz que é proprietário desse imóvel e o Presidente da Câmara diz que não, que é a Câmara
Municipal – se não chegarem a um consenso na delimitação da propriedade, o Presidente da
Câmara Municipal faz uso dos seus poderes de autoridade administrativa e declara unilateral e
impositivamente que aquele imóvel é da propriedade da Câmara Municipal – ora, quando se
trate de delimitação de direitos de propriedade – propriedade obviamente privada, porque as
entidades públicas também são proprietárias de direito privado, tal como os particulares,
quando se coloque a questão da decisão de saber quem é o proprietário, quem tem o
monopólio de exercício desta função é o poder jurisdicional e, portanto, se o Presidente da
Câmara, por ato de autoridade, determinar que é o município o proprietário do imóvel, com
esta decisão, com este ato administrativo, o que está a fazer é invadir as funções próprias do
juiz, isto é, as funções próprias, tal como delimitadas constitucionalmente, na reserva de
funções entre os diversos órgãos do Estado. Evidentemente, é o juiz que delimita, à luz da lei
civil, quem é o proprietário, tal como entre os particulares – se dois particulares entrarem em
litigio para saber qual deles é o proprietário, como é óbvio, só o juiz é que vai decidir, à luz da
lei civil, quem é efetivamente o proprietário – tem de fazer um caminho metódico-judicativo
no sentido de provar quem adquiriu a propriedade, quando a adquiriu, como a adquiriu, se foi
por compra, se foi por venda, se foi por doação, se foi por herança, se foi por usucapião – qual
é o titulo que à luz da lei civil permite dizer ou concluir que o proprietário é A ou B. Isso é um
poder jurisdicional, não é, evidentemente, um poder administrativo. Nestas situações,
estaremos sempre perante um vicio qualificadíssimo de usurpação de funções ou de
usurpação de poderes.

Outro requisito de validade – o objeto mediato do ato administrativo, que já vimos, pode
consistir em pessoas singulares ou coletivas, ou coisas móveis ou imóveis, ou ser um ato
administrativo que tem como projeto outro ato administrativo, ou seja, os atos administrativos
de 1.º e de 2.º grau – um ato administrativo que venha revogar um outro ato administrativo,
por exemplo, um ato administrativo que venha revogar uma autorização que foi concedida a
um particular – o objeto deste ato administrativo é o primeiro ato administrativo, o ato
administrativo praticado primeiramente, que é essa autorização e que agora é revogado
através deste ato administrativo que é a revogação – aqui, o ato é objeto imediato do ato
administrativo secundário ou de 2.º grau – o órgão administrativo que com base ou
fundamento numa invalidade vai anular um ato administrativo que tinha praticado, fá-lo
oficiosamente, pode fazê-lo, como ainda veremos, pode fazê-lo oficiosamente e anula o ato
com base numa causa que era, evidentemente, invalidante.

Requisitos quanto ao objeto:

1.º - a possibilidade do objeto ou do destinatário do ato – aqui, evidentemente, o destinatário


ou o objeto tem de ser possível – isto já sucedeu, que para nomeação de dirigentes na
Administração Pública, entretanto a pessoa, por qualquer situação que sobreveio
inesperadamente, faleceu – entretanto foi nomeado – quando foi nomeado, já tinha falecido –
a pessoa está identificada, é aquela, é o António, a Maria e, portanto, a pessoa está
identificada no ato, era mesmo aquela que iria ser designada, mas neste momento já há uma

57
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

impossibilidade física para que o efeito jurídico, que é a nomeação ou investidura no cargo se
produza e, portanto, já não há uma possibilidade de objeto para produzir aquele efeito
jurídico, que é ser investido no cargo de dirigente e exercê-lo, em virtude do desaparecimento
físico do destinatário do ato. A consequência, por expressa tipificação legal, é a nulidade.

Para além disso, o objeto tem de ser inteligível, designadamente quando – e é assim tantas
vezes – os municípios expropriam imóveis dos particulares, para realizar, evidentemente,
obras, instalações públicas, infraestruturas públicas – para essa expropriação, cujo objeto é o
imóvel expropriado, isto é, é um imóvel que transita da propriedade do particular para a
propriedade da entidade expropriante, o objeto tem de ser plenamente identificado – tem de
ser identificada a pessoa que é expropriada, que era a titular do imóvel, e tem de ser
identificado o imóvel em si – onde fica, qual é o seu número de matriz nas finanças, qual é o
seu número de registo predial no Registo Predial, no registo das coisas, dos imóveis, confronta
a norte e a sul, a este e a oeste com quem – este é o modo de identificar, de determinar, de
ter o objeto como inteligível, à maneira que estudamos também em Teoria Geral do Direito
Civil – a consequência é a nulidade, se faltar este requisito, por expressa previsão no artigo
161.º CPA.

Por fim, a idoneidade do objeto – quer dizer que o objeto sobre o qual incide o ato
administrativo, a decisão administrativa, tem de ser idóneo a produzir aqueles efeitos jurídicos
– situação típica – um bem de domínio público – a água é domínio hídrico, público; as
infraestruturas públicas são bens dominiais públicos e, portanto, não podem ser alienados,
não podem ser permutados, não pode haver penhora sobre eles, nem hipoteca – agora
suponha-se que um Presidente de uma Câmara Municipal, ou a própria Câmara Municipal
pratica uma decisão ou adota uma deliberação de alienar um bem público municipal sob o
regime da dominialidade pública – isto é, fora do comercio jurídico, com diz o artigo 200.º a
202.º do CC, se adotar esta decisão, ela tem objeto, é aquele imóvel, só que aquele imóvel
como está no regime da dominialidade pública nunca pode ser alienado e, portanto, os efeitos
nunca se vão produzir, por impossibilidade absoluta legal, porque a lei diz que um bem sob o
domínio público é inalienável, impenhorável, não é hipotecável, não é transacionável, está fora
do comércio jurídico – consequentemente, o efeito jurídico nunca se produz, que é a alienação
porque o objeto não é idóneo a produzir esses feitos jurídicos. Se estivesse sob o regime
jurídico privatístico, isso sim, é permutável, é alienável - o Estado e os Municípios têm muitos
imóveis no domínio privatístico, como nós temos os nossos bens e, portanto, podemos vendê-
los, aliená-los, hipotecá-los, mas aqueles que estão no domínio público, por impossibilidade
em alguns casos constitucional, em outros casos legal, não pode isso acontecer e,
consequentemente, os efeitos jurídicos nunca se produziriam. Nesta situação em virtude da
absoluta e radical impossibilidade ou constitucional, porque há bens de domínio público
diretamente qualificados pela CRP, ou por impossibilidade legal, por outros bens que estão
classificados na lei como domínio público, nunca se pode produzir o efeito e, portanto, nestas
circunstâncias, o vicio deve ser equiparado à falta de determinação do objeto ou à falta de
possibilidade de objeto e, consequentemente, ser o vício da nulidade.

Por fim, temos outro requisito de validade, portanto, temos o sujeito, o sujeito com
atribuições, as competências e legitimação, e depois temos o objeto com aqueles três
requisitos que acabamos de mencionar.

Quanto ao fim, também um requisito de validade, nós dissemos que cada decisão
administrativa tem um fim – um fim de interesse público que é delimitado, pré-definido pela
lei. Consequentemente, cada decisão administrativa tem de ater-se a esse fim que é

58
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

determinado pela lei ou por um regulamento emitido com base, evidentemente, na própria lei.
Se faltar este requisito, que é o elemento de identificação do fim para que um órgão
administrativo possa decidir, falta uma base legal habilitante – tecnicamente, na estrutura do
ato administrativo, traduzimos isso por falta de pressuposto abstrato, isto é, por falta da
estatuição e da hipótese legal, à maneira da construção das normas perfeitas, para que o
órgão administrativo possa decidir estando legalmente habilitado. Não estando legalmente
habilitado para o efeito, falta o pressuposto abstrato, consequentemente, a regra geral, nesta
situação, é a mera anulabilidade, por força da cláusula geral do artigo 163.º CPA. Pode haver,
noutras situações, e há, que a falta de base legal se traduz numa ilegalidade mais grave – é
naquelas situações em que os órgãos administrativos criem, porventura, obrigações
pecuniárias que não estejam legalmente previstas – aqui a lei, a alínea k) do número 2 do
artigo 161.º CPA sanciona situações deste género, isto é, da falta do pressuposto abstrato,
como uma causa invalidante gravíssima e, por isso, a consequência é a nulidade. Portanto,
quando um órgão administrativo pretender ou decidir que um particular deverá proceder à
liquidação de uma quantia em dinheiro que não está prevista na lei, a titulo de taxa, ou de
preço, ou de imposto, ou de outra contribuição especial, se não estiver prevista, há uma falha
de base legal ou de habilitação legal para o legislador radical e esta falta de pressuposto
abstrato para decidir, para a lei, nestas circunstâncias, é qualificado como grave, gravíssimo e,
portanto, a consequência é a da sanção radical, que é a nulidade destas decisões
administrativas.

Na última aula tínhamos visto os requisitos de validade do ato em relação ao sujeito, com três
grandes requisitos: o primeiro, as atribuições da pessoa coletiva em que o órgão se insere, o
órgão autor da decisão administrativa que nós qualificamos como ato administrativo; em
segundo lugar, as competências desse órgão – agora olhamos para dentro da pessoa coletiva
pública em que o órgão se insere e verificamos se ele tem competências em razão da matéria,
isto é, no âmbito da atividade em que emite a decisão, o ato administrativo, também
competência em razão do território, porque como vimos, há entidades que têm uma
circunscrição territorial para o exercício das respetivas competências, e demos o exemplo das
Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional; depois vimos que também há um
outro requisito que afere em concreto as condições do órgão para emitir a decisão – é
competente o órgão, insere-se no âmbito de uma pessoa coletiva que tem atribuições na
matérias, mas em concreto, naquelas circunstâncias em que decide, poderão falhar alguns
requisitos para praticar validamente o ato administrativo. Quando assim sucede, ou porque há
incompatibilidades, ou porque há impedimentos, designadamente nestas circunstâncias, mas
também porque está afetado por uma razão de imparcialidade objetiva, vimos que nestas
circunstâncias, a legitimação do órgão para emitir uma decisão não está concretamente
verificada e, por isso, também há um vício por falta de legitimação. Designadamente, é
particularmente grave nos órgãos colegiais ou por falta de quórum, ou por falta de maior
exigível para adotar deliberações, ou porque o órgão, naquela condição concreta, não está
com as condições de serenidade, de clarividência para tomar deliberações sãs e esclarecidas.
Isto é, situações mais tumultuosas, que às vezes se verificam em contextos de órgãos colegiais.
Depois vimos também um outro elemento – o fim – e vimos os requisitos de validade quanto
ao objeto; e requisitos de validade quanto ao fim.

Falta-nos ver agora o requisito de validade substantivo, isto e, quanto ao conteúdo. Neste
caso, o conteúdo do ato é a parte dispositiva dele – é aí que está ou o direito que é concedido,
ou a vantagem que é concedida ao particular, ou os ónus que lhe são conferidos, à sua esfera

59
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

jurídica, ou os deveres, as obrigações - é disto que falamos quando nos referimos ao conteúdo
do ato.

Como estamos a falar da parte dispositiva ou da parte substantiva por essência do ato
administrativo, eis que este vicio, faltando este requisito de validade, só poderá implicar a
existência de um vício de natureza substancial, que, regra geral, conduz à anulabilidade do ato
administrativo com a aplicação da cláusula geral do número 1 do artigo 163.º CPA. Contudo,
há situações em que também quanto ao conteúdo do ato podem existir maleitas ou
desvirtudes mais graves. Quando assim sucede, por força do número 2 do artigo 161.º CPA,
isso pode implicar uma sanção também ela mais grave, ou mais radical, ou seja, a sanção da
nulidade. Assim sucede quando estejamos perante atos em que o conteúdo seja impossível ou
seja ininteligível. É exatamente a mesma coisa que estudamos no âmbito do negócio jurídico,
em Teoria Geral do Direito Civil, em que os negócios com conteúdo impossível ou ininteligível
conduzem também à invalidade do negócio jurídico. Ora, já vimos que é um dos requisitos
essenciais por definição de uma decisão que se qualifique como ato administrativo que ela
tem de ter um autor, que ela tem de ter um destinatário e que ela tem de ter um conteúdo.
Conteúdo esse que seja inteligível. Se uma decisão que ordena o pagamento de uma certa
quantia a um particular, não determina a quantia, diz que tem de pagar uma quantia, o
particular só recebe esta notificação e não percebe uma boa parte, ou a parte essencial do
conteúdo do ato – fica a saber que é devedor à Administração, mas não sabe devedor de
quanto e, porventura, não saberá a proveniência, a origem da dívida – mas isso é já um
problema relativo à fundamentação ou à explicação da génese dessa divida. Mas esse
conteúdo é claramente impercetível, ininteligível para qualquer destinatário normal. Quando
assim seja, a sanção é a da nulidade. Portanto, um ato deste género não produziria qualquer
efeito na esfera jurídica do particular, isto é, o particular continuava como se nada devesse à
Administração, porque aquele motivo é claramente ininteligível.

Depois, teremos também um caso de nulidade do ato administrativo por vicio do conteúdo
quando ele implicar a prática de um crime ou for determinado pela prática de um crime. O que
nós temos aqui no plano administrativo faz-nos lembrar algo no âmbito do direito penal, que é
as influências corrosivas dos particulares perante os agentes administrativos e que podem
levar ao cometimento de factos criminais e, consequentemente, independentemente do
relevo ou da gravidade do crime, do ponto de vista penal, se e basta (é pressuposto suficiente)
que ele constitua crime, ou seja, determinado por esse motivo, para que no plano jurídico-
administrativo, a sanção seja radical e, portanto, o ato é absolutamente improdutivo de efeitos
por estar sancionado legalmente com a nulidade.

Outros casos ainda de gravidade do ilícito administrativo trata-se dos atos que ofendam o
conteúdo de um direito fundamental. Ora, isto tem uma razão constitucional genética. Um dos
valores essenciais da Constituição de um Estado de direito democrático são, desde logo, os
direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos. Consequentemente, se no plano
administrativo, os agentes administrativos praticarem atos administrativos que atinjam o
conteúdo essencial desses direitos – a seguir já veremos um exemplo para concretizar este
aspeto -, desde que atinjam esse conteúdo do direito, esse cerne do direito essencial – seja a
intimidade da vida privada, um dirigente que ordene, no interior do seu serviço, que toda a
correspondência pessoal dos funcionários, dos trabalhadores públicos, seja descortinada,
como é obvio, ele está a praticar um ato administrativo que atinge um direito fundamental
básico, atribuído e reconhecido pela Constituição, que é o sigilo da correspondência, para além
de estar em causa, também, a intimidade da vida privada. Ou, provavelmente, que ordene que

60
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

o correio eletrónico pessoal também possa ser vigiado – há um correio eletrónico oficial, ma a
pessoa pode ter o seu correio eletrónico pessoal, juntamente com o oficial, e, obviamente,
uma ordem que dê esta determinação ofendia também o conteúdo essencial de um direito
fundamental, designadamente a reserva da intimidade, o sigilo da comunicação, da
correspondência.

Depois, também são nulos os atos administrativos certificativos – provavelmente alguns de


nós até poderemos associar isto com algumas situações que foram mediáticas,
designadamente certidões de determinadas licenciatura, ou certidões relativas à realização de
certas cadeiras… enfim, que as certificavam… ou certidões de equivalências… quando surja um
ato destes, certificativo de que algo existe, mas de que na verdade é inverídico, isso concretiza
mais um caso de absoluta nulidade desse ato certificativo.

Cuidado quanto à questão do conteúdo no domínio dos atos discricionários – vimos, no Direito
Administrativo I, que os órgãos administrativos, em geral, com base na lei, dispõem das tais
prerrogativas de apreciação das situações concretas, de avaliação delas, e em função dessa
avaliação que façam, eis que compõem a decisão, isto é, o conteúdo do ato. O conteúdo do
ato não deriva diretamente da lei e, portanto, não é um ato vinculado quanto ao conteúdo. Há
uma margem discricionária para que o órgão possa compor esse conteúdo. Aqui surge o
problema de saber se o órgão administrativo competente para determinar discricionariamente
o conteúdo do ato vai utilizar esse poder para compor devidamente o conteúdo do ato em
função do fim. Como vimos, o fim é sempre um elemento estritamente vinculado, assim como
é a competência. Mas, nesta relação entre exercício da competência e o fim a que se deve
conduzir a decisão, o órgão pode dispor de discricionariedade administrativa para compor o
conteúdo em relação à prossecução da finalidade legal – essa estritamente vinculada. Aqui é
que podem surgir desvirtudes, intencionais ou não intencionais. Quando assim sucede, isto é,
que a lei concede poder discricionário para que o órgão administrativo componha o conteúdo
do ato em função do fim, surgir alguma circunstância divergente entre o conteúdo e o fim, o
que nós temos é um vício na relação conteúdo-fim, na medida em que o órgão administrativo,
ao abrigo dos poderes discricionários, não deu o melhor conteúdo, ou o conteúdo devido, ao
ato para prosseguir aquele fim. Isto pode suceder em duas situações diferenciadas. Uma em
que o órgão administrativo compõe o conteúdo da sua decisão, mas ainda se motiva pela
prossecução de um fim público – não propriamente o fim que a lei determinava, mas ainda
assim ele manteve-se no âmbito dos interesses públicos da pessoa coletiva que dirige. Se isto
suceder, a sanção é a da invalidade, mas não é a sanção mais grave, é apenas a mera
anulabilidade, na medida em que o órgão administrativo, embora mal, se orientou para a
prossecução de interesses públicos, que é a razão de ser da Administração. Por isso a lei, do
ponto de vista da sanção, é aqui menos gravosa do que na situação imediatamente seguinte,
que já veremos, em que a sanção é a nulidade. O Presidente de uma Câmara Municipal que
ordena a cobrança aos seus munícipes, com o pretexto de que as taxas são devidas, mas o fim
realmente prosseguido é obter receitas para fazer face a razões financeiras prementes do
Município, as taxas é a pretexto de que elas seriam devidas e, portanto, o que está aqui em
causa é compor o conteúdo do ato, não porque exatamente as taxas são devidas, mas pela
razão da obtenção de uma receita financeira por razões premenciais do município – ele
orienta-se por um interesse público e só pelo interesse público, embora componha o conteúdo
do ato nem em função do fim, que era só deve haver cobrança de taxas quando elas forem
efetivamente devidas, e aí constituem uma receita legitima do município e, portanto, é este o
fim legal, mas ele compôs o conteúdo do ato não para esse fim, mas por satisfazer de imediato
razoes financeiras emergenciais do município, mas manteve-se dentro do circulo de interesses

61
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

públicos e, portanto, dentro da razão de ser constitucionalmente legitimante da Administração


Pública e, consequentemente, a lei, compreensivelmente, não sanciona isto com uma
gravidade radical como a nulidade, mas tão só a mera anulabilidade deste tipo de decisões.

Já não é assim quando o órgão administrativo use dos seus poderes discricionários não para a
prossecução de um interesse público, mas para a prossecução de interesses privados. Aqui, é o
clássico desvio de poder. Isto é, é compor o conteúdo de uma decisão administrativa
discricionariamente, não para prosseguir o fim legal, que é sempre um fim de interesse
público, mas para, com esse poder, atingir a prossecução de interesses privados, diretos ou
indiretos. É o exemplo que está na apresentação, de um Presidente de uma instituição pública,
um instituto público, que utiliza um poder de decidir ou não decidir, isto é, contratar ou não
contratar uma determinada empresa – é discricionário – escolher o procedimento é
relativamente discricionário – colocar os critérios de seleção dos proponente também envolve
discricionariedade, mas a verdade é que tudo isto é para uma finalidade, que é para escolher o
melhor em termos de preço, em termos técnicos, em termos de execução, e servir melhor as
entidades públicas – mas ele não se orientou por isso – orientou-se para tentar escolher a
empresa ou concorrente com a qual teria ainda alguns créditos a salvar e, em contrapartida,
ficando essa a celebrar e executar o contrato, simultaneamente saldava as dividas pessoais
que tinha com essa empresa. Consequentemente, o que nós temos aqui é a utilização de um
poder discricionário para a prossecução de um fim que não é um fim legal, mas um fim que se
desvia dessa finalidade legal de interesse público para a prossecução de interesses privados –
aqui a sanção da lei é radical, não permitindo que esse ato, ou esse tipo de decisões produzam
qualquer efeito jurídico e, portanto, a sanção radical da nulidade e não da mera anulabilidade.

Depois temos um outro elemento estrutural do ato administrativo, que é o procedimento


administrativo, que já analisamos em sessões anteriores. Qual é, aqui, também, a regra geral?
É a da mera anulabilidade das decisões administrativas que não sigam aquele ritual que nós
vimos das fases do procedimento administrativo, iniciando com o impulso do particular e, por
isso, se designa por fase da iniciativa, depois a fase da instrução e depois a fase constitutiva ou
decisória e, eventualmente, a tal outra fase integrativa da eficácia. Ora, esse ritual
procedimental, que é exigido para qualquer decisão administrativa qualificável como ato
administrativo, como vimos, no conceito do artigo 148.º CPA – em regra geral, se falhar uma
formalidade, falhou o pedido de parecer obrigatório e não o pediu, o responsável pela direção
do procedimento não ouviu e deveria ouvir, porque não há nenhuma causa de dispensa ou de
inexistência da audiência dos interessados, tudo isso conduz a uma sanção que é a mera
anulabilidade. Contudo, também aqui há exceções.

Uma delas tem a ver com os procedimentos administrativos de caráter sancionatório, sejam
eles de caráter disciplinar, sejam eles procedimentos administrativos que sancionem os
particulares com coimas, isto é, com contraordenações, sejam elas estradais ou de outra
natureza – económicas, alimentares, sanitárias, etc. Aqui, nestas situações, em virtude de a
própria Constituição configurar este direito – em matéria só de procedimentos de caráter
sancionatório – como um direito fundamental e, portanto, como um direito que é incluído
analogamente no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, o direito de defesa e de
audiência, é aqui um direito fundamental diretamente estabelecido na CRP – como assim é,
nestas situações, se ao particular não é assegurada a defesa, ou por si, ou mediante a
representação de advogado, ou não lhe é assegurada a audiência, enquanto fase do
procedimento administrativo, o que o agente administrativo está aqui a conduzir é ao
cerceamento do conteúdo essencial de um direito fundamental – consequentemente, esta

62
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

circunstância já seria em si duplamente sancionada – primeiro, porque é uma negação no


conteúdo essencial de um direito, que era o direito de ser ouvido e, portanto, o ato
administrativo final teria sempre também um problema substantivo, porque o particular não
pôde, pela sua defesa, aduzir as suas razões ou na sua audiência, e, portanto, no ato final
falharia alguma coisa que era a contribuição ou a composição do conteúdo do ato com base na
participação do interessado mas, antes disso, já no procedimento havia a negação
procedimental desse mesmo direito e, portanto, uma falha procedimental gravíssima e,
consequentemente, a sanção é a nulidade, por força da alínea d) do número 2 do artigo 161.º
CPA. Isto resulta, em geral e diretamente, do artigo 32.º/10 CRP, mas para os trabalhadores
públicos, resulta diretamente do artigo 169.º/3 CRP e, portanto, aí expressamente
estabelecido que em processos disciplinares são garantidas ao arguido a sua audiência e
defesa, o que temos aqui presente nesta disposição constitucional é um direito, liberdade e
garantia, embora fora do catálogo, mas análogo aos direitos, liberdades e garantias dentro do
designado catálogo. Aqui temos também a nulidade desta decisão.

Depois, são ainda nulos, do ponto de vista procedimental os atos praticados com preterição
total de procedimento administrativo legalmente exigido e, portanto, em termos de exemplos
simples – seja porque não se segue o CPA, seja porque não se segue um procedimento
especialmente estabelecido, por exemplo, é emitida uma licença de construção, mas o
procedimento que está no RJUE foi totalmente preterido – a sanção legal é a nulidade por
preterição do procedimento legalmente exigido. Ou quando, no contexto do Código dos
Contratos Públicos, são exigidos procedimentos para a celebração do contrato, mas antes
disso há um ato administrativo que escolhe um dos concorrentes e, por consequência, exclui
outros – mas isso é necessário observar um conjunto de procedimentos ou de normas
procedimentais que vão até ao artigo 277.º CCP. Se elas forem preteridas, evidentemente que
o ato final de escolha de um em preterição dos outros, ou com a exclusão dos outros, esse ato
é nulo por preterição das formalidades procedimentais estabelecidas nesse Código. Seja à luz
do procedimento administrativo geral, estabelecido no CPA, seja à luz de procedimentos
especialmente estabelecidos em outras leis ou em outros Códigos, se houver preterição desse
procedimento, a sanção estabelecida no CPA é sempre a nulidade da decisão final.

Por fim, a forma do ato – a forma do ato, nos termos do CPA, a regra sacramental é de que
qualquer decisão administrativa deve ser adotada por escrito, independentemente de ela
circular por via eletrónica ou por via física ou documental, a forma sacramental é a forma
escrita, salvo se outra previsão estiver prevista em leis especiais ou em certos termos
circunstanciais da prática do ato – exemplo simples das circunstâncias da prática do ato – se
aqui, na baixa de Coimbra, por razões de controlo do trânsito, aparecer a autoridade pública
que tem competência para o efeito e nos manda parar, porque têm de passar as ambulâncias
ou os bombeiros, como é óbvio, está a praticar em cada um de nós um ato administrativo,
mesmo que não fale, mesmo que não diga nada. Evidentemente, não está a escrever a cada
um de nós a decisão que está a adotar, porque as circunstâncias da prática dessa decisão,
como é óbvio, é compreensível que não possa ser praticada de forma escrita, pelo menos
nesse momento. Mas, quando assim não seja, ou não haja um desvio legal a esta regra,
obviamente que a falta de forma implicará a nulidade. Especialmente, há um desvio em
relação aos órgãos colegiais, como já veremos. Nos órgãos singulares, unipessoais ou de uma
única titularidade de agente administrativo, é a sanção da nulidade porque a regra é a forma
escrita, não se observando esta forma está em causa uma formalidade não meramente
probatória, é uma formalidade que a lei, também à maneira civilística, exige aqui como
formalidade à substancia da validade do ato administrativo.

63
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Nos órgãos colegiais há um desvio a esta regra, por isso é que a norma que o Dr. citou diz
“salvo disposição legal que exponha de maneira diferente”. Nos órgãos colegiais, pelo
contrário, temos a nulidade se as respetivas deliberações não forem adotadas de forma oral. É
regra deliberativa sacramental para os órgãos colegiais. Se for adotada outro tipo de forma
deliberativa ou decisória que não esteja legalmente prevista e que, obviamente, a regra é a
votação e a deliberação de forma oral – se ela não for observada, teremos também uma
consequência grave que é a nulidade dessas deliberações colegiais. Note-se que não se pode
confundir deliberação com uma ata. As deliberações é que irão constar de uma ata, que depois
será aprovada na sessão seguinte dos órgãos colegiais. Constarem as deliberações de uma ata,
que deve ser sempre assinada pelo secretário, que é ele que faz fé pública (?), o exarar das
declarações em ata é um mero requisito de eficácia – é aquela fase integrativa da eficácia que
nós estudámos no procedimento administrativo. Constar da ata não é um requisito de
validade, é um requisito de mera eficácia das deliberações. Ou seja, o requisito de produção de
efeitos das deliberações adotadas – o requisito para que os efeitos das deliberações se
projetem no circulo dos destinatários e na esfera jurídica de cada um dos destinatários a que
elas se dirigem no âmbito seja universitário, seja municipal, seja de um instituto público…

Outro aspeto na forma – a fundamentação do ato – a fundamentação do ato, caso falte,


conduz tão só e apenas à mera anulabilidade. Portanto, temos a aplicação do artigo 163.º do
Código. O que é fundamentar um ato? É simples. Muitos de nós temos automóvel – se for
autuado por estacionamento, ou por outra razão qualquer, o auto que está lá diz “tem de
pagar X”, mas isso é a decisão, isso é o conteúdo do ato – pagar X por estacionamento, ou
circular em local indevido – isso é o conteúdo do ato, a decisão, mas tem de estar lá algo
explicativo – onde ocorreu, tem de estar lá explicado pelo agente de autoridade pública que
fez a autuação em que sitio, em que circunstâncias e a identificação respetiva do automóvel e
a norma legal violada. Isto é que é a fundamentação. Eu só compreendo aquela decisão, e no
caso até uma decisão quase punitiva, sancionatória, se estiver lá, no auto do qual consta a
decisão que é pagar X por cumprimento da infração, eu tenho de compreender os termos do
cumprimento dessa infração. Com um acréscimo, que é não apenas a fundamentação, mas
também a motivação, quando se trate de atos discricionários – haver a motivação para
compreender não apenas os factos em si, não apenas para compreender a lei que se invoca,
mas também para compreender o modo como aquele agente administrativo analisou os
factos, porque tem discricionariedade, e em função disso tomou a decisão A, ou B, ou C, ou
não tomou a decisão A, ou B, ou C, mas a decisão Y. Portanto, tem de nos dar a compreender
isso, como é que ele construiu o seu processo racional de composição e de apreciação
daquelas circunstâncias. Os termos da fundamentação estão expressos nos artigos 152.º e
153.º CPA – o essencial, para nós, é saber que uma decisão deve sempre ser fundamentada. A
fundamentação tem de expor circunstâncias de facto, razões concretas que levam àquela
decisão e as normas jurídicas aplicáveis; e os atos discricionários um acréscimo, que é para nós
sabermos como é que o agente, ao abrigo dos poderes discricionários, fez a sua análise dos
factos, a sua apreciação, e em função disso assim decidiu – não basta apenas descrever os
factos, tem de dizer como é que os avaliou, em que termos os avaliou e, em função disso, dizer
que, consequentemente, só podia tomar a decisão A e não a decisão B.

Não obstante este, porventura, e à partida, intuito e quase sancionatório de qualquer maleita
ou desvirtude das decisões dos órgãos da Administração, contudo, no artigo 163.º/5 CPA há a
designada inoperância dos vícios invalidantes. Ou seja, pode haver situações, explicando isto
de uma forma perfeitamente compreensível – pode haver situações em que o ato, a decisão
final, está inquinada por qualquer vício que conduz à sua ilegalidade – estamos a falar mera

64
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

anulabilidade, atenção, e não de nulidade – conduz à sua anulabilidade, mas, no entanto, o ato
ser ilegal, ser anulável, mas esta anulabilidade é inoperante. Ou seja, no fundo, é como que se
juridicamente ela ficasse ali estancada, paralisada, não conduzindo à anulação do ato e,
portanto, o ato mantém-se na ordem jurídica como ato produtor, estavelmente e
permanentemente produtor de efeitos. Forma uma espécie de caso decidido administrativo,
mantendo-se esse ato na ordem jurídica. O efeito anulatório que se pretendia é estancado por
este regime do número 5 do artigo 163.º CPA. Assim pode suceder, imaginem o seguinte: isto
sucedeu imensas vezes na Administração fiscal, em que os particulares que foram objetos de
procedimentos administrativos queixavam-se à Administração e depois nos tribunais
administrativos, que não foram ouvidos. Portanto, haveria um efeito anulatório inevitável na
decisão final, que é a decisão que liquida o imposto devido que tenha sido apurado através do
procedimento inspetivo.

O que é que se defendia, designadamente nos tribunais administrativos? É que esse particular
podia ser ouvido, em sede de procedimento administrativo, nós estamos a falar de uma fase
legalmente necessária do procedimento administrativo e, como dissemos, caso ela falhe, falta
uma formalidade procedimental, conduzindo à anulabilidade da decisão final. Anulabilidade –
mas só que este efeito não se produz por virtude das regras contidas no número 5 do artigo
163.º CPA. Porquê? Porque o particular, concluiu-se nos termos dessa jurisprudência dos
tribunais administrativos, podia ser ouvido uma, duas, três vezes, que a decisão seria sempre
aquela – ou seja, que o particular, com a sua audição, nunca conseguiria alterar a decisão final,
que era pagar mais – a decisão sempre seria aquela e não outra, independentemente de ser
ouvido ou não. Atenção que isto não pode ocorrer para os atos administrativos de caráter
sancionatório. Portanto, quando se trate de atos que sancionam alguém com uma sanção
disciplinar, que sancionam alguém com uma contraordenação, o algo equiparável, isto não
pode suceder. Nessas situações, a sanção, no CPA, é a nulidade.

Para a lei, nessas situações em que o particular poderia ser repetidamente ouvido, mas a
decisão seria sempre aquela, ou no exercício de poderes discricionários, o procedimento
seguido não foi o correto, ou outra maleita ou desvirtude afeta o procedimento decisório do
agente, mas a decisão seria sempre aquela e, portanto, a decisão não é afetada em virtude
dessa maleita de caráter procedimental ou intelectivo. Estamos a falar sempre de situações
que aparentemente são situações limite mas, verdadeiramente, são situações que levam a
uma espécie de degradação de formalidades ou de processos intelectivos de decisão, e eles,
ainda que inválidos, ainda que anuláveis, há uma degradação desse conjunto de formalidades
obstando a que o efeito anulatório se produza e obstando a que a própria Administração,
oficiosamente, proceda à anulação desses atos e, do ponto de vista da justiça administrativa,
isto é, da intervenção dos tribunais administrativos, os particulares, antes de impugnarem os
tribunais administrativos, atos e decisões da Administração, é conveniente, ou os seus
advogados, que tenham em atenção esta norma, porque ir para o tribunal pode redundar num
inêxito (?) total, por força dessa degradação da ilegalidade, da anulabilidade em formalidade
não essencial e, consequentemente, não há produção de qualquer efeito anulatório.
Consequentemente, o juiz administrativo serve-se desta norma do artigo 163.º e com isso faz a
sentença, não procedendo à anulação do ato, ainda que ilegal.

Apenas algumas notas para fazer a distinção entre o regime da nulidade e da anulabilidade. O
regime da nulidade está previsto no artigo 162.º CPA e é especialmente importante, primeiro,
tal como se estuda na teoria geral do direito civil para o negócio jurídico, a não ser as tais
invalidades atípicas, que também estudamos no direito civil, que também existem no direito

65
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

administrativo, mas a regra é de que a nulidade é invocável a todo o tempo e, portanto, não
tem prazo para ser impugnável, quer na própria Administração, autora do ato nulo, ou
impugnação judicial nos tribunais administrativos.

Contudo, vimos nós que um ato nulo não produz qualquer efeito jurídico. Contudo, há
situações em que mesmo sendo nulo e, portanto, totalmente improdutivos de efeitos
jurídicos, também à maneira do direito civil, onde estudamos os efeitos putativos, também
aqui, desde a jurisprudência do Conselho de Estado francês, à nossa para o Tribunal da
República (wtf.), passando pelos tribunais administrativos, designadamente o Supremo
Tribunal Administrativo, por influência da doutrina jus-administrativa foram adotando, pelo
menos alguns segmentos, ao longo de décadas, dessa doutrina que defendia uma espécie de
“adormecimento” desta radicalidade resultante da nulidade dos atos administrativos. E assim
sucedeu durante muito tempo com funcionários que eram providos por atos nulos, em relação
aos quais eles eram alheios, estavam de boa-fé, pensavam que estavam validamente
investidos para a sua eternidade temporal, pelo menos no aspeto profissional e, portanto,
estavam seguros, consentiam, tinham esse sentimento jurídico de que podiam estar confiantes
de que a sua situação funcional estaria salvaguardada. Ora, o problema que se suscitou foi,
justamente, se se vinha a descobrir diretamente pela própria Administração, ou por outros
que estivessem interessados nesse facto, que o ato era nulo. E aquele sujeito que estava
totalmente seguro de que tinha sido legalmente investido, eis que vê todo o seu investimento,
toda a sua profissão e todos os interesses conexos que isso suscita destruídos pela radical
nulidade do ato. Por isso foi-se criando uma norma, com o esforço da doutrina, de
salvaguardar situações em que a desproporcionalidade da declaração de nulidade de um ato
que tinha para as pessoas era absolutamente radical do ponto de vista da ofensa a princípios
constitucionais essenciais e princípios administrativos essenciais. Os tribunais administrativos
estão a aplicar isto, designadamente em relação ao provimento de trabalhadores públicos com
base no número 3 do artigo 162.º CPA.

Por outro lado, também aquilo que era clássico para os atos meramente anuláveis, que é
possível suscitar a sua convalidação, por força do aproveitamento dos atos administrativos,
também isto é hoje extensivo a atos nulos. Nos atos meramente anuláveis já é clássico. A
novidade depois de 2015, e por consequência da doutrina do doutor Vieira de Andrade, foi
tornado extensivo aos atos nulos também algum regime de aproveitamento do ato
administrativo. Ou seja, um ato que é inválido, é ilegal, mas ainda assim pode ser um ato
divisível e, portanto, não vamos eliminar totalmente o ato. Na medida em que, mesmo sendo
um ato nulo, seja divisível e, portanto, a parte divisível não seja afetada ou seja possível
salvaguardá-la por não haver efeito de contágio, então não vamos declarar a nulidade de tudo.
É o que tem sucedido, por exemplo, em loteamentos ilegais. Os tribunais administrativos não
declararam a nulidade de todo o loteamento, mas da parte do edificado que ainda invadia a
reserva que era exigida do Jardim Botânico – as partes não contagiadas devem-se preservar.

Depois, também a possibilidade de haver a conversão de atos nulos – alguém tem uma licença
definitiva, para a eternidade, para o exercício de uma atividade, por exemplo. Contudo, nos
termos do regime legal, nunca a Administração poderia emitir aquela licença, mas só uma
licença meramente provisória. Portanto, converte-se essa licença definitiva numa licença
provisória e salvaguarda-se a situação jurídica do destinatário do ato.

Quanto ao regime da anulabilidade, também aqui por grande influência do doutor Viera de
Andrade, criou-se aqui com alguns segmentos que são, na generalidade, fundados na boa-fé
ou não dos destinatários e que resultam deste artigo 163.º, 165.º/2 e 168.º CPA.

66
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

A Administração que pratique um ato, em relação aos atos meramente anuláveis, tem a
possibilidade de proceder à sua anulação oficiosa durante o prazo de 6 meses a contar do
conhecimento do vício ou da invalidade ou da ilegalidade e em qualquer dos casos, desde que
não tenham decorrido 5 anos, a contar da respeitava emissão. Esta norma é útil porque
permite que a Administração reponha a legalidade, e desse ponto de vista da ordem pública e
da garantia da legalidade, a norma é útil, porque pode até aos 5 anos proceder à anulação
oficiosa, mas dentro do prazo de 6 meses, desde o conhecimento. Isso significa que, por força
deste número, há uma precarização da situação dos particulares, designadamente quando os
atos lhes fossem favoráveis. Estão ali numa situação relativamente precária, na medida em
que, se houver alguma ilegalidade, o órgão administrativo, oficiosamente, ainda pode invalidar
esses atos, até ao limite dos 5 anos.

Mas o regime é diferenciado. Os atos constitutivos de direitos, e quando nós falamos de atos
constitutivos de direitos são atos que produzam situações de vantagem, concedam
autorizações, concedam licenças, concedam subsídios, ou retirem um ónus, ou desvantagens
que oneravam a esfera jurídica dos particulares – é aquele conceito amplo de ato constitutivo
de direito que vimos e, portanto, isso significa que aquele exemplo que o Dr. nos referiu que o
particular, que foi destinatário da licença ou autorização e que, à partida, via a sua confiança
precarizar-se por força daquele regime de anulação, até aos tais limites dos 5 anos, logo vem
uma outra norma dizer: atenção, quando se trate de atos constitutivos de direitos, tem de
preservar-se o princípio da segurança e da confiança jurídica e, portanto, o regime não pode
ser o mesmo e, consequentemente, o prazo aqui é mais limitado, ou seja, há o prazo de 1 ano
para que o próprio órgão administrativo possa proceder, oficiosamente, à anulação do ato,
quando se trate de atos constitutivos de direitos.

Para outras situações, a lei introduz ainda mais cautela.

1.º ponto – em função da boa-fé ou má-fé do beneficiário do ato – uma coisa é o particular
estar de boa-fé, não conhecia, não contribuiu para a ilegalidade, foi cooperante com a
Administração, esteve no procedimento para cooperar, não induziu ninguém em erro, não deu
elementos da instrução que fizessem errar o instrutor do procedimento – sempre teve uma
atitude juridicamente serena, cooperante e de boa-fé – este merece uma proteção. Não assim
é com aquele que entra em relação com a Administração de má-fé, e que é o destinatário ou
beneficiário do ato, ou quando utilize vícios fraudulentos para a obtenção de uma decisão
administrativa. Se o beneficiário de um ato constitutivo do direito está de boa-fé, vale a regra
de um ano para a anulação – a partir deste momento caduca o poder, extingue-se o poder da
Administração anular oficiosamente esses atos. Se o particular, pelo contrário, estiver de má-
fé, porque influenciou a Administração, induziu em erro, utilizou mecanismos menos legítimos
para obter uma decisão, aí vale o regime dos 5 anos para a anulação do ato. É um regime todo
ele construído em função de dois pressupostos básicos: ou a boa-fé do destinatário, e o prazo
é um, ou a má-fé do beneficiário do ato, e o prazo já é outro – vale a regra dos tais 5 anos,
embora para as prestações periódicas, designadamente na área da segurança social, a lei
tenha aqui uma particular atenção, porque só podem ser objeto de anulação – a regra é que a
anulação opere retroativamente e, portanto, destrua todos os efeitos que o ato produziu
desde o momento da sua entrada em vigor; no caso de prestações, designadamente da área
da segurança social, aqui introduz uma limitação – só vale para o futuro, porque o legislador,
nestas dimensões operacionais, sociais, dá como adquirido de que as prestações que
entretanto já concedeu não serão devolvidas. Por outro lado, para o futuro, legitima que
também os atos possam ser objeto de anulação no prazo de 5 anos.

67
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Depois, a influência do direito administrativo europeu para as situações em que possa haver
fiscalização da legalidade, nos termos da legislação europeia, ou de programas financiados ou
cofinanciados em termos nacionais e europeus. Normalmente, há regimes desses programas –
fala-se agora em programas de recuperação e resiliência, em outro tipo de programas – o que
estamos a falar aqui é programas de proveniência da UE, fundamentalmente da UE, ou
fundamentalmente financiados pelo Orçamento da UE. Portanto, no âmbito desses programas
que têm a sua legislação, nós falamos do regime da alínea c) do número 4 do artigo 168.º CPA.
São atos constitutivos de direitos, têm um conteúdo pecuniário e, em geral, podem ser objeto
de fiscalização, no sentido de saber se os destinatários aplicam bem ou não e para os fins que
os fundos lhe foram concedidos – a fiscalização, normalmente, vai para além de um ano –
consequentemente, se depois de um ano se verificar que há alguma desvirtude na utilização
dessas verbas que terão sido por esse motivo indevidamente auferidas, então há o dever de
restituição delas, mesmo que já tenha sido ultrapassado o prazo de um ano.

Por fim, a distinção entre anulação administrativa e revogação. São conceitos associadíssimos.
A anulação administrativa tem sempre por fundamento a ilegalidade do ato e, portanto, tem
sempre por fundamento um vício daqueles que vimos da estrutura do ato administrativo.
Diferentemente, como está definido no artigo 165.º CPA, a revogação tem por fundamento só
e exclusivamente razões de interesse público. Se, por qualquer circunstância, uma
determinada autorização de ocupação do domínio público que o município concedeu a um
particular para colocar uma esplanada, para colocar a sua exposição, etc., que como vimos são
utilizações do domínio público que estão sujeitas a concessão administrativa, mas, passado um
ano, ou depois de um ano, o órgão administrativo avalia a conveniência por razão estética, ou
porque quer alterar o trânsito naquela zona, ou por razão de segurança ou por outra
circunstância, sempre razões de interesse público, analisa, reavalia e, com base nessas razões
de interesse público, eis que mantém ou não mantém a mesma concessão, e se não quiser
manter procede à prática de um ato administrativo que se chama ato administrativo de
revogação – revogação de um outro ato administrativo.

Diferentemente é a anulação administrativa, que se baseia exclusivamente em razões de


invalidade desse ato administrativo – o ato administrativo tem de ter um vicio formal,
procedimental ou substantivo que conduz à sua invalidade e, consequentemente, o ato
administrativo a praticar é a anulação administrativa, que vai destruir os efeitos
retroativamente – destrói os efeitos do ato que ele produziu desde o momento em que entrou
em vigor – exceto as tais situações que vimos atrás das tais prestações periódicas da segurança
social.

Em relação a qualquer ato administrativo, os particulares podem reclamar ou recorrer


hierarquicamente. A reclamação é sempre para o autor do ato – se é o Reitor que pratica o ato
e um de nós não fica satisfeito, para reclamar é o Reitor. Se for o administrador dos serviços
sociais, e um de nós seja o destinatário da decisão e não ficar satisfeito, pode reclamar – para
o autor do ato, para o administrador dos serviços sociais. Se, porventura, quisermos recorrer
hierarquicamente, aí já recorremos para o Reitor, que é o órgão superior da hierarquia
administrativa da Universidade. Temos o recurso hierárquico administrativo, onde temos uma
relação hierárquica entre administrador e reitor e, portanto, o recurso hierárquico será
interposto para o reitor da UC. A reclamação faz-se no prazo de 15 dias úteis, o recurso
hierárquico faz-se no prazo de 30 dias úteis e os órgãos administrativos têm 30 dias úteis para
decidir.

Vamos agora resolver o caso prático.

68
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Há um sujeito que é agente da Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana, e que está
no Comando Distrital de Braga. Isto é uma hipótese que foi tirada de um litigio que decorreu
nos tribunais administrativos. Por decisão do Comandante, foi transferido para outra
esquadra, sita na Zona de Lisboa, e disse, na fundamentação do despacho, que procede à sua
transferência alegando razões de interesse público por conveniência de serviço.

O comandante, alegando esta fundamentação, mas que verdadeiramente não é


fundamentação válida, António, não concordando com a decisão interpôs recurso hierárquico
para o Ministro da Administração Interna, visto que as forças de segurança pública estão na
hierarquia com o Diretor Nacional Geral e depois, no topo, o Ministro da Administração
Interna – pedindo a declaração da ilegalidade daquela decisão, que é um ato administrativo. O
comandante interpretou uma tal conduta do agente da GNR como uma desobediência
grosseira e ordenou a instauração de um procedimento disciplinar a esse agente que culminou
com a aplicação de uma pena de inatividade por três meses.

Ora, agora António alega um conjunto de fundamentos e pretende reagir ou reinsistir na


reação administrativa por reclamação ou recurso hierárquico ou impugnar judicialmente tal
decisão nos tribunais administrativos.

Alega esta ordem de razões que estão alfabeticamente aqui expostas.

a) O regulamento disciplinar da Guarda Nacional Republicana não prevê a sanção disciplinar de


inactividade; b) O poder para aplicar sanções disciplinares de inactividade cabe ao Ministro da
Administração Interna (e não aos Comandantes), a que acresceu o facto de o Comandante ter,
para o efeito, invocado uma delegação de poderes do Ministro que já tinha caducado; c) A
verdadeira motivação da sua transferência residiu no facto de ser um “oficial incómodo” para
o Comandante, em virtude da sua permanente actividade reivindicativa por melhores
condições de trabalho; d) Nunca foi ouvido antes da decisão que lhe aplicou aquela pena; e) O
parecer vinculativo emitido pela Comissão Disciplinar da GNR concluía que, no caso, não se
verificava qualquer pressuposto de facto e legal para aplicar a referida sanção; f) Entretanto
tinha sido emitida uma lei que transferia esta matéria para o Ministério da Justiça.

A pergunta que está aqui diz para localizarmos na estrutura do ato administrativo os vícios que
resultam das alegações de António e fazermos corresponder as respetivas consequências, ou
seja, identificar cada uma das possível invalidades, ou vícios provocadores de invalidades, e
dizer se é anulável ou se é nula essa decisão, esse ato administrativo.

Ora, o António diz que o regulamento disciplinar da GNR não prevê a sanção disciplinar de
inatividade. Agora, pergunto, para esta primeira alegação, o que é que o António pretende
dizer com isto à luz dos requisitos de validade que nós temos presentes na estrutura do ato
administrativo? Isto é, na estrutura do ato administrativo, em que este vício que o António
pretende atribuir àquele ato do comandante, na estrutura do ato administrativo, em que
elemento ou requisito de validade nós apontaríamos nessa localização? Se tivermos dúvidas,
fazemos uma espécie de rastreio. Será que na alegação A, o António pretende dizer que há um
vício do ato administrativo por falta de atribuições? Há um problema relativo ao autor do ato,
por falta de atribuições ou de competências? Ou de legitimação para agir ou para decidir?

É um vício – que não é um problema relativo ao sujeito, visto que não tem a ver com
competências, nem com atribuições, nem com legitimação para agir – isto é, aquela condição
concreta para decidir naquele momento, em relação àquela pessoa, naquelas circunstâncias. O
que nós temos é um vício que do ponto de vista da localização ou da estrutura de um ato

69
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

administrativo se localiza no fim e neste elemento estrutural um vicio relativo aos


pressupostos legais, isto é, aos pressupostos abstratos, traduzidos na falta de uma norma
habilitante, para que em concreto pudesse aplicar aquela sanção de inatividade. Temos um
vício relativo ao fim, na estrutura do ato administrativo, e dentro do fim, um vício relativo ao
pressuposto legal para decidir, à base legal para decidir, porque inexiste uma norma que
expressamente atribua ou preveja aquela sanção disciplinar. Portanto, fazemos funcionar aqui
o princípio geral da realidade, de que cada decisão da Administração tem de ter uma norma
habilitante para que ela possa agir ou decidir naquela circunstância. Faltando essa norma
habilitante, nós estamos sempre perante um vício relativo ao fim, e dentro do fim do vicio, dos
pressupostos abstratos, falta do pressuposto da habilitação legal para agir. Qual é a
consequência? A regra geral é a anulabilidade. No caso concreto, vigora a regra geral do
número 1 do artigo 163.º CPA porque esta situação não está prevista no número 2 do artigo
161.º CPA. A falta de base legal, isto é, do pressuposto legal, só provoca a nulidade do ato
administrativo quando se trate de atos que implicam o dever de pagamento dos particulares
de obrigações pecuniárias, independentemente de qual seja a sua natureza. Portanto, nessa
situação, é que expressamente pelo artigo 161.º/2 CPA é que o ato será nulo. Nas restantes
situações, a falta do pressuposto legal quanto ao elemento estrutural fim, apenas provoca a
mera anulabilidade. (Dizer que se aplica a regra geral do 163.º/1 porque não é uma das
situações expressamente previstas no artigo 161.º/2 CPA).

Depois, diz ainda este agente de autoridade, na alínea b), que o poder para aplicar sanções
disciplinares de inatividade cabe ao Ministro da Administração Interna, e não aos
comandantes, a que acrece o facto de o comandante ter, para o efeito, invocado uma
delegação de poderes do ministro que já tinha caducado. A pergunta é a mesma. O que é que
o António nos está a desafiar? A que procuremos na estrutura do ato administrativo aquele
elemento estrutural a que nós podemos localizar este vicio.

Neste ato administrativo, para que elemento estrutural nos terá a conduzir o António, para
efeitos de identificação do vício que pretende imputar aqui ao ato administrativo, a esta
decisão administrativa?

Vício quanto ao sujeito e traduz-se na falta de competência material. Teríamos vício que na
estrutura do ato administrativo se localiza no sujeito, isto é, no órgão autor do ato, e que é um
vício por falta de competência material, competência em razão da matéria, uma vez que, do
ponto de vista regulamentar e legal, esta matéria cabia só e apenas ao Ministro decidir e, para
além disso, que o comandante, embora invocando a delegação de poderes e, portanto, com a
delegação de poderes ele exercia este poder, mas a verdade é que a delegação já tinha
caducado e, portanto, o exercício da competência foi readquirido plenamente pelo órgão
originário dela e, portanto, teríamos um vicio que do ponto de vista da estrutura do ato se
localiza no sujeito, isto é, o autor do ato em causa, e no âmbito do autor do ato, um vicio
relativo à falta de competência em razão da matéria para praticar este tipo de decisão. Quanto
à consequência, mais uma vez, vale a regra geral da mera anulabilidade.

Depois num outro ponto diz o António que a verdadeira motivação da transferência residiu no
facto de ser um “oficial incómodo” para o comandante, em virtude da sua permanente
atividade reivindicativa por melhores condições de trabalho. Em termos mais simples, o que
este agente de autoridade nos pretende dizer é que era uma pessoa ativa, no sentido de
batalhar por condições melhores para si e para os seus colegas e por isso colocava alguma
insatisfação, incómodo, ao comandante e, portanto, tinha que usar o seu poder de deslocar –
o comandante da área de lisboa, usar o seu poder de agenciamento da distribuição dos

70
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

agentes de autoridade com os diversos comandos e, evidentemente, dar outro destino a esse
agente de autoridade, o António. Do ponto de vista do concreto vício que o António aqui nos
pretende transmitir, o que é que isto no conduz, na estrutura do ato administrativo? Isto é, do
ponto de vista da localização desta desvirtude que o António nos comunica que este ato terá,
onde é nós localizaríamos isto na estrutura do ato administrativo enquanto vicio que afetará
um elemento estrutural do ato administrativo?

É um vicio substancial. Quem tem uma possibilidade de gerir os recursos são os governantes,
os diretores nacionais, e, portanto, esta agilidade ou flexibilidade na gestão destes recursos
tem que haver poder discricionário. Contudo, este tem de ser usado em função de um fim, que
é o fim da segurança pública, e não por virtude de alguém ser mais incómodo ou cómodo. O
fim legal é a segurança pública, das pessoas, das zonas, das cidades, do património. Isso é que
é o fim legal, e ele deve utilizar esse poder para o comandante ir para Lisboa, porque do ponto
de vista da segurança pública ele é necessário em Lisboa e não tanto em Braga, mas a
motivação do comandante não terá sido essa. Essa finalidade de interesse público que é o fim
desse poder que é colocar mais homens aqui ou acolá em função de um fim de segurança
pública que o fim legal. E portanto ele tem de usar um poder discricionário para prosseguir
esse fim.

Foi esse o fim que se pautou? Não. Então temos um vicio substancial, há um desvio de poder.
Ele utiliza o poder discricionário que a lei lhe concede para prosseguir um fim que não é o fim
legal, mas sim um fim diferente desse. E aqui especialmente grave. Porque o fim prosseguido é
de puro interesse pessoal, privado. A consequência aqui seria a nulidade.

Seria a anulabilidade se o fim a prosseguir ainda fosse público. Se ele o deslocasse para Lisboa
pela razão da segurança pública mas afinal enganou-se. A razão da segurança publica até era
mais premente em Braga, avaliou mal. Mas ainda se manteve na órbita pública.

Aqui ele não, motivou-se pelo interesse pessoal, privado que era obviamente retirando-o do
comando de Braga iria ter um homem que não era comodo para ele, era incomodo e,
portanto, retirou aquele homem dali porque já estava no limite da tolerância embora fosse
bom profissional. E, portanto, era um interesse privado. Quando assim é, a consequência da
utilização do poder discricionário para compor o conteúdo do ato é a nulidade nos termos do
artigo 161.º/2 do CPA

Quando eu tiver dúvidas na consequência eu vou sempre ao artigo 161.º/2 do CPA para
desfazer essa dúvida. Se estiver lá expressamente como aqui está expressamente previsto de
que quando alguém utiliza o poder discricionário para prosseguir interesse pessoal.

Portanto, o que nós temos aqui é um vício substantivo na relação conteúdo-fim, na medida em
que em conteúdo lato, isto é, transferir coativamente aquele agente de autoridade para um
outro comando não foi motivado pelo interesse da segurança e ordem pública mas motivado
por um fim puramente privado. Portanto, aqui a sanção mais radical é a nulidade e,
consequentemente, este ato que o transfere, sendo totalmente nulo por motivos de efeitos,
António regressa ao comando distrital de Braga da GNR.

Agora, alínea d) – diz ele, e o comandante ou o instrutor que ele designou nunca procedeu à
audição da minha pessoa. Mais uma vez, do ponto de vista da estrutura do ato administrativo,
o António está-nos a remeter para um específico elemento estrutural. Primeiro, o elemento
estrutural é o procedimento administrativo e deve proceder sempre à audiência dos
interessados.

71
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Qual é a regra geral na audiência dos interessados? Isto é, sendo legalmente necessária a
audiência dos interessados e não sendo feita ou realizada qual é a consequência? A
anulabilidade. No caso concreto temos a norma do artigo 269.º/3 da CRP – o direito da
audição diretamente concedido pela CRP. É um direito de audição diretamente estabelecido e
previsto na CRP. Para os outros processos sancionatórios, processos disciplinares ou processos
entre eles os da contraordenação também temos sempre ou o n.º 10 do artigo 32.º, porque
estabelece um direito da audição expressamente estabelecido. É um DLG que resulta da
própria CRP nestes dois casos e para os processos disciplinares da administração pública o
artigo 269.º/3 CRP.

Neste caso teríamos um vicio, do ponto de vista da estrutura do ato administrativo se localiza
no procedimento. Dentro do procedimento a audiência dos interessados e depois
explicávamos que a regra geral, a falta de audiência dos interessados provoca a mera
anulabilidade contudo há situações de exceção designadamente estas que resultam
diretamente da CRP. Aqui a consequência do ponto de vista do CPA, artigo 162.º/2/e) é a
nulidade porque o órgão administrativo, ao recusar totalmente a audiência e, obviamente,
correspondentemente a defesa está a colocar em causa um direito fundamental que esta
expressamente consagrado nessas normas constitucionais.

Alínea e) – existe uma comissão disciplinar, quer na área da GNR, quer na área da policia da
segurança pública que emitem pareceres, etc. Ora, António diz que o parecer vinculativo
emitido pela comissão disciplinar da GNR concluía que, no caso, não se verificava qualquer
pressuposto de facto e legal para aplicar a referida sanção. O que é que nos está a dizer aqui o
agente da autoridade?

Nesta aliena nós devemos dizer - a formalidade procedimental de que ele está obrigado a
praticar ele praticou-a, ele pediu o parecer. Submeteu o processo ao parecer da comissão
disciplinar da GNR. Contudo este pedido de parecer não é meramente facultativo, é
vinculativo. E isto aqui já altera radicalmente a questão do problema puramente
procedimental e portanto da estrutura do ato administrativo nós não vamos para o elemento
estrutural que é o procedimento administrativo mas vamos para um outro elemento estrutural
– se é um parecer vinculativo qual tinha que ser o conteúdo do ato do comandante?

No parecer da comissão diz-se “atenção que não há pressuposto de facto nem legal para
aplicar esta sanção”. Portanto o que o parecer diz é “o conteúdo do ato não pode ser aquele”.
E portanto é um vicio substantivo no conteúdo. Outra coisa é o motivo que causa esse vicio. A
decisão final, quando há parecer vinculativo, o ato administrativo tem que ter o conteúdo do
parecer. Por isso é que ele é vinculativo. Se não tiver um conteúdo ou um parecer o vicio da
decisão final é um vicio substantivo por vicio de conteúdo.

Quando há parecer vinculativo o conteúdo da decisão final, do ato administrativo é o conteúdo


que estiver no parecer. E o conteúdo que estava no parecer é que o comandante nunca
poderia no caso adotar uma decisão daquelas, isto é, uma sanção de inatividade. Nunca podia
dar ao ato sancionatório aquele conteúdo, aquele específico conteúdo porque segundo o
parecer não havia nem pressuposto de facto nem pressuposto legal para esse efeito.
Consequentemente o conteúdo do ato nunca podia ter aquela sanção. Poderia ter outra mas
aquela nunca. E portanto o que esta em causa aqui e aquilo que o António pretende atacar
aqui é o específico conteúdo do ato, aquela sanção de inatividade por 3 meses.

Quando estiver em causa a emissão do parecer vinculativo e que não é seguido da decisão
final o vicio é sempre de conteúdo. O que nos interessa no parecer vinculativo é o conteúdo

72
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

dele, não são as razoes que são induzidas no parecer, é segundo o parecer vinculativo, qual
seria a decisão necessária que deveria estar no conteúdo do ato administrativo praticado pelo
comandante? Era aquela sanção de inatividade? Não, nunca podia praticar e dar aquele
conteúdo ao ato. Se o conteúdo que foi dado ao ato não condiz com o parecer vinculativo
então temos um vicio substantivo ou de conteúdo porque o conteúdo da decisão final tinha
que ser o conteúdo contido no parecer vinculativo. E neste caso o parecer vinculativo diz que
ele nunca poderia dar ao ato aquele conteúdo que é a sanção da inatividade. Por razoes que
estão sempre em algum parecer, obviamente, que é a fundamentação do próprio parecer. Mas
a nós interessa-nos é o elemento conclusivo do parecer que é isso que vai para o conteúdo do
ato final. E portanto o vício há de ser sempre substantivo na decisão final e portanto um vicio
de conteúdo.

Depois o António diz que entretanto tinha sido emitida uma lei que transferia esta matéria
para o ministério da Justiça. Ou seja, entretanto, antes de haver esta decisão, tinha havido
uma deslocalização de matéria dentro administração governamental e isto tinha passado para
o ministério da justiça e portanto este poder já não estava no ministério da administração
interna. Agora, na estrutura do ato administrativo o António está-nos a conduzir para que
elemento estrutural do ato? Sujeito …?… por falta de atribuições do ministério da
administração interna. Os ministérios não são pessoas coletivas públicas. A regra é que as
pessoas coletivas públicas é que dispõem de atribuições, isto é, de um conjunto de interesses
públicos que depois nos respetivos órgãos devem prosseguir no âmbito das suas decisões. E
portanto os ministérios são departamentos governamentais. Quem tem personalidade jurídico
administrativa é o estado -administração. Os ministérios são departamentos desse estado-
administração. Excecionalmente a lei concede por razoes organizativas atribuições a cada um
dos ministérios e consequentemente neste caso concreto se a lei que fez a reorganização dos
departamentos ministeriais transferiu este domínio material do ministério que é o ministério
da administração interna para outro ministério que é o ministério da justiça então temos um
problema de localização na estrutura do ato administrativo no sujeito e no âmbito do sujeito
um problema relativo à falta de atribuições ou prática do ato estranho às atribuições da
pessoa coletiva ou do ministério. E aqui explicamos que os ministérios excecionalmente
embora não sendo pessoas coletivas publicas porque não tem personalidade jurídica publica,
tem atribuições, consequentemente se porventura um ministro pratica atos e decisões que
não estão nas suas atribuições mas nas atribuições de outro ministério está a praticar um ato
por falta de atribuições. Está a praticar um ato invadindo as atribuições no outro ministério. A
sanção é a nulidade do ato administrativo.

Este caso poderia ser de usurpação de poder? Não. esta só se coloca entre os órgãos de
soberania e não dentro dos órgãos de administração. Ou seja, só se coloca se um decisor
administrativo pretender usurpar poder ao juiz ou vice-versa. Só aí nessa relação entre órgãos
de soberania - administração, função jurisdicional e função legislativa – os 3 órgãos soberanos
é que se um decisor administrativo se arrogar ao exercício de um poder que é materialmente
jurisdicional. Por exemplo, um presidente da camara pode considerar que tem poder para
estabelecer se um determinado terreno em regime privado é da propriedade do seu município
ou é da propriedade de um particular com o qual o município está em litigio. O presidente
pode ter a tentação de por ato administrativo decidir que aquele terreno é da propriedade do
município. Isto é usurpação de poder. Porque quem decide o regime e a titularidade da
propriedade privada num estado de direito é o juiz administrativo à luz dos títulos aquisitivos
que estão predispostos no CC. Evidentemente se um presidente da camara através de um ato
administrativo pretendeu fazer isso, em que sucedeu e houve impugnações, ora se pretendeu

73
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

fazer isso aí está a usurpar poder. Poder de quem? O poder soberano que é o poder judicial.
Portanto a usurpação de poderes só se coloca nestas situações de relação entre poder
administrativo e poder judicial e no outro vetor o poder legislativo também. Por exemplo, o
município arrogar-se ao exercício de função legislativa que obviamente é monopólio
constitucional da AR ou do governo ou das ALR e portanto se o município que é uma entidade
puramente administrativa se arrogar ao exercício de função legislativa também usou funções
que constitucionalmente não são suas e violando gravemente o princípio da separação de
poderes e o princípio da separação de funções entre função administrativa, função
jurisdicional e função legislativa.

Agora também poderíamos colocar “o comandante na fundamentação do ato diz “por


conveniência de serviço””. Se o comandante alegasse que fosse por conveniência de serviço,
ou seja, do interesse publico, já poderia transferir o oficial. O problema é que ele não pode
dizer só “conveniência de serviço”. Ele tem que preencher em concreto a fundamentação. Por
exemplo, que lhe foi solicitado pelo comandante daquela área de comando distrital de lisboa e
que contengencialmente(?) há uma necessidade premente de reforçar esse comando, que o
António é alguém preparado até porque já trabalhou em lisboa e conhece bem aquela zona e
portanto imediatamente fica interiorizado por isso. E claro a razão evidentemente de
aumentar a segurança ou a proteção da segurança pública daquela zona. Se eu colocar estas
razoes na fundamentação eu estou a fundamentar o que é que é conveniência de serviço. Se
eu puser só “conveniência de serviço”, pode ser tudo, incluindo aquela motivação puramente
pessoal do comandante. Neste caso seria um vicio de forma por falta de fundamentação mas
não só a justificação como também a motivação que é um ato discricionário.

Ora, qual é a consequência da alínea f)?

A alínea f) é a nulidade por força de atribuições. E portanto vamos diretos para o nº2 do artigo
161.º/b) CPA – no caso estão em causa os ministérios e portanto estes ainda que não tenham
personalidade jurídica publica tem excecionalmente atribuições. Se o ministro pratica um ato
para a qual o ministério não tem atribuições mas tem um outro qualquer ministério (?) esse
ato é nulo por força desta alíena, por falta de atribuições, vicio localizado no sujeito dentro do
sujeito nas atribuições e aqui por falta delas ou por prática de um ato que é estranho às
atribuições desse ministério ou que porventura o ministro invale as atribuições do outro
ministério. Neste caso era o ministro da administração interna que estava a praticar o ato pelo
qual já não tinha atribuições e que estavam já transferidas no outro ministério, no caso o
ministério da justiça e com isso invadiu evidentemente as atribuições do ministério do
ministério da justiça.

Qual é a sanção da alínea b) do enunciado?

Vicio de incompetência. É uma questão puramente interna ou seja, na organização do


ministério da organização interna. Dentro da mesma organização estamos a tentar identificar
qual é o órgão que tem competência para praticar este ato ou aquele ato administrativo e aqui
a discussão esta entre o comandante e o seu superior hierárquico que é o ministro da
administração interna. Portanto é um puro problema de competência.

Qual é o órgão que no âmbito de uma e mesma organização, portanto como é que sabemos
qual é o órgão competente dentro dessa organização para praticar aquele ato? Neste caso, o
ministro ou um órgão hierarquicamente inferior a ele?

74
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

É um problema puramente interno e quando assim é falamos apenas de competência ou de


incompetência. No caso falamos de incompetência porque o comandante não tinha
legalmente competência para emitir o ato com aquele conteúdo que é decisão sancionatória
de inatividade mas sim o ministro. O vicio localiza-se no autor e dentro do autor por falta de
competência material para a prática daquela decisão que no caso conduz a uma consequência
que é a mera anulabilidade por força do artigo 163.º/1 do CPA.

Dúvida: Na alínea e) está presente um vicio de conteúdo. Isto é, quando uma lei estabelece
que um órgão decisor, que é o que adota o ato administrativo, a decisão final, deve pedir e
seguir um parecer que a lei tem como vinculativo, o conteúdo que ele tem que dar ao ato é o
conteúdo com o resultado do parecer e portanto o conteúdo do ato, da decisão, a parte
expositiva verdadeiramente é a que está nas conclusões do parecer. E o parecer aqui dizia que
ele não podia dar aquele conteúdo ao ato por razoes que estão fundamentadas no parecer. A
parte expositiva do parecer diz que aquele ato administrativo não podia ter aquela decisão. Eu,
que emito um parecer vinculativo, que a lei me dá competência para isso, então legalmente o
conteúdo da decisão tem que ser sempre em conformidade com o que estiver no parecer. Ora
aqui era completamente desconforme – o comandante deu um conteúdo ao ato exatamente
contrário aquilo que resultava do parecer e portanto temos um vicio substantivo no conteúdo
do ato administrativo.

Contrato Administrativo

Já vimos, no primeiro semestre, que as entidades públicas podem agir através do direito
público e do direito privado. No que toca aos modos de agir pelo direito público, para além do
ato administrativo e do regulamento administrativo, estas utilizam também o contrato
administrativo, sendo que esta utilização se tem tornado cada vez mais preponderante - não
apenas no contexto português, mas na generalidade dos países da Europa, e em todos aqueles
países que sofreram a influência do contrato administrativo francês.

No âmbito da União Europeia, a dinamização da utilização do contrato como forma de ação


administrativa já é hoje objeto de três diretivas. Temos três diretivas a estabelecerem regimes
sobre a utilização de contratos pelas entidades públicas – isso significa que a regulamentação
do contrato utilizado pelas Administrações públicas não é hoje um fenómeno puramente
nacional, é um regime uniforme, estabelecido para todos os Estados-membros da União
Europeia e que, no nosso caso, deu lugar à emanação de um Código próprio para os contratos
da Administração, que se chama o Código dos Contratos Públicos e que, numa grande parte -
em metade do Código, que tem 476 artigos, é dedicada, fundamentalmente, à transposição
dessas três diretivas da UE: a Diretiva 2014/23; a Diretiva 2014/24 e a Diretiva 2014/25. É um
fenómeno de regulamentação a nível da União Europeia para salvaguardar princípios
essenciais dos tratados constitutivos da União Europeia, que é qualquer operador económico
europeu, qualquer cidadão europeu ter acesso à celebração de contratos com a Administração
Pública em condições de igualdade, e de estabelecimento, e de liberdade de prestação de
serviços, e de não discriminação, seja em Portugal, seja na Espanha, seja em Itália, e assim
sucessivamente. Por isso é que temos este regime ditado pela União Europeia, para
salvaguardar estes princípios essenciais dos tratados da UE. Cada Estado-membro da União
Europeia, com Código ou sem Código, incorporou no seu direito interno esse regime recebido
da União Europeia e, consequentemente, grande parte deste regime dos contratos da
Administração já é um regime relativamente equivalente de Portugal à Espanha, com a lei das
contratações públicas das administrações públicas de Espanha, ou o Código dos Contratos
Públicos de França, ou o Código dos Contratos Públicos de Itália, e assim sucessivamente.

75
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Sendo assim, o contrato administrativo não é hoje um fenómeno puramente nacional, como é
o ato administrativo (apesar de existirem os atos administrativos transacionais, por exemplo).

Vamos analisar alguns aspetos essenciais dos contratos da Administração.

Primeiro ponto, este regime, como é natural, constaria do Código de Procedimento


Administrativo, mas que apenas lhe dedica três artigos, por razão compreensível, porque
temos 476 artigos dedicados só ao contrato no Código dos Contratos Públicos, e daí que o CPA
faça uma menção relativamente modesta ao contrato da Administração. Apenas de natureza
mais doutrinal, até, do que legislativa, ao dizer, no artigo 200.º CPA, espécies de contratos da
Administração. Refere aí que qualquer órgão da Administração Pública pode celebrar
contratos administrativos e sujeitos a um regime de direito administrativo. Por outro lado,
também pode haver contratos celebrados nos termos de leis especiais, contratos da concessão
do domínio de exploração da água, do domínio hídrico, há leis próprias, contratos de
concessão de jogos de fortuna e de azar, há leis próprias. Há outros contratos, mesmo assim,
para além daqueles a que se refere o CPA e para além do regime estabelecido no CCP.

Temos regimes que são claramente de expansão normativa quase ilimitada mas, para além
disso, há também regimes em documentos normativos avulsos ou especiais. Diz o CPA que o
regime dos contratos administrativos se encontra, precisamente, estabelecido no CCP, como
resulta do número 1 do artigo 202.º CPA. Num principio geral, doutrinal, mas que tem
acolhimento legal no CPA, ainda no artigo 200.º, diz que o contrato administrativo pode, por
princípio geral, ter por objeto qualquer relação jurídico-administrativa e, portanto, induz este
princípio geral de origem doutrinal que os órgãos da Administração Pública, por autonomia ou
habilitação legal, podem celebrar contratos administrativos que tenham por objeto qualquer
matéria, exceto aquelas que a lei vedar, ou a natureza da relação também o não permitir – é o
que sucede com matéria sancionatória, aí não há transações contratuais de sanção.

Já há em alguns domínios – a Autoridade da Concorrência, uma autoridade que zela pela


concorrência do mercado, em relação ao cometimento de certas infrações à concorrência,
pode estabelecer os chamados acordos de compromisso, ou atos de compromisso, firmados,
outorgados com o operador económico que terá infringido as regras da concorrência e que
assume, nos termos desse acordo, o compromisso de adotar comportamentos de forma a que
se torne o seu comportamento conforme com a legislação nacional ou europeia da
concorrência – substitui a sanção por um comportamento transacional contratual, nos termos
do qual o infrator se obriga a adotar comportamentos em conformidade com a sã
concorrência. Mas isto é uma exceção. Também já existe na área do ambiente – também há
uma lei, a Lei-Quadro das Sanções Ambientais, que foi revista em 2006 e 2015, que estabelece
uma preferência geral pelo princípio da restituição do estado ambiental ou natural, tal como
era na origem, caso tivesse sido salvaguardado. Aquele que lesa o ambiente, por regra ou
princípio geral, deve repor, nos termos dessa lei, o estado natural em que existia o ambiente,
ou que existiria caso não tivesse sido cometida essa infração. Há regras ambientais em que se
o infrator se comprometer a repor o estado natural – a chamada restituição in integrum, na
área ambiental, se assume um acordo, um contrato e, nos termos desse contrato ou acordo,
não lhe é aplicada a sanção, que são sanções pecuniárias muito gravosas para os infratores,
mas a entidade responsável, por exemplo, a Agência Portuguesa do Ambiente, ou mesmo
outras entidades públicas, mesmo municipais, podem decidir não aplicar de imediato a sanção
e celebrar com o infrator um acordo em que ele se compromete a restaurar o dano ambiental
que provocou. São exceções, na nossa ordem administrativa, que são essas na área da
Autoridade da Concorrência e na área do ambiente mas, de resto, quando se trate de matéria

76
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

sancionatória, estas decisões não são substituíveis por contratos de natureza administrativa,
sancionatória ou não. É ato administrativo, há um procedimento de instrução e se, no final, o
instrutor, normalmente jurista, chegar à conclusão, pelos factos e pelo regime aplicável, que
terá de propor uma decisão autoritária e unilateral sancionatória ao infrator, eis que propõe a
aplicação dessa sanção e ela é puro ato administrativo e, em geral, é insubstituível. Aqui não
funcionará o regime da fungibilidade ou alterabilidade entre ato administrativo e contrato
administrativo

Por outro lado, os contratos administrativos, tal como vimos para o ato administrativo e
veremos para o regulamento administrativo, para serem celebrados, outorgados, é necessário
seguir-se também um procedimento administrativo. Nós vimos que para o ato administrativo,
há um procedimento que, do ponto de vista lógico, se ordena em fases, designadamente
aquele que nós analisámos, que é os de iniciativa particular, e temos a fase da iniciativa,
depois a fase da instrução, depois a fase constitutiva ou decisória e depois, porventura, a fase
integrativa de eficácia. Ora, para os contratos administrativos em geral, a regra é exatamente a
mesma, a de que eles, para serem celebrados e, portanto, formalmente vinculativos para a
Administração Pública e o contraente privado, é essencial que também aqui se siga um
procedimento pré-contratual até se chegar à adjudicação, isto é, à escolha daquele com quem
se vai celebrar o contrato, numa espécie de concorrência ou seleção competitiva entre os
vários, escolhe-se um, eis que o contrato é adjudicado àquele que foi escolhido – adjudicação
do contrato é a escolha de um em preterição dos outros concorrentes. Esse procedimento
encontra-se estabelecido no Código dos Contratos Públicos, e vai até ao artigo 277.º CCP.

Num aspeto quantitativo, entre o regime procedimental que está estabelecido no CPA para a
adoção de atos administrativos, comparando a largueza do regime entre o CPA para o ato
administrativo e o CCP para o contrato administrativo, indiscutivelmente que na balança o
regime mais vasto, mais largo, do ponto de vista do procedimento é para a celebração de
contratos administrativos, comparado com o procedimento para a prática de atos
administrativos. Portanto, diríamos, deste ponto de vista, que o regime procedimental de
celebração de contratos administrativos é intensivamente mais disciplinado e mais
extensamente disciplinado do que o procedimento administrativo para a outorga de atos de
autoridade, que são atos administrativos, unilaterais, que se impõem independente de serem
favoráveis ou desfavoráveis para os destinatários, mas que se impõem unilateralmente a esse
destinatário, enquanto que o contrato é um acordo de vontades, mas isso não significa que
não seja intensivamente mais disciplinado, por razões que têm a ver não aqui especificamente
com o direito nacional, seja português, espanhol ou francês, mas por um direito que é ditado
pela União Europeia para salvaguardar o princípio do acesso de todos, sejam portugueses,
italianos ou espanhóis a esses procedimentos, e que o procedimento decorra em condições de
igualdade concorrencial até se chegar ao contrato. Esta disciplina, que vai até ao artigo 277.º
CCP, é fundamentalmente uma disciplina ditada pelas Diretivas da UE, as tais que nos referiu, a
Diretiva 2014/23, a Diretiva 2014/24 e a Diretiva 2014/25. Uma dedicada aos contratos em
geral, outra dedicada às concessões de obras públicas, de serviços públicos, e também às
parecerias público-privadas e, depois, outra, mais especial, para os ditos setores especiais,
como há os contratos no domínio dos transportes, ou energia, ou correios postais, ou
distribuição de água ao nível domiciliário, ou água em alta, ou seja, da nascente até aos
domicílios – é hoje uma matéria cuja regulamentação consta, no essencial, das diretivas da UE
e que os Estados tinham de incorporar no seu direito interno e isso deu origem a uma
regulamentação procedimental até se chegar ao contrato muito mais extensa do que aquela
que existe para o ato administrativo; ainda que um seja um acordo de vontades – o contrato

77
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

administrativo, à maneira civil; e o outro seja um ato de autoridade, e que por ser um ato de
autoridade, poderia sugerir uma maior regulamentação ou disciplina procedimental, mas, na
realidade, não é isso que sucede, pelo contrário. A disciplina para celebrar contratos
administrativos é muito mais extensa do que a prevista para o ato administrativo. Essa
disciplina está no CCP.

Por isso estabelece logo este código, o CCP, que a parte 3, que começa no artigo 278.º e vai
até ao artigo 476.º, esta parte sistemática estabelece o regime da execução destes contratos
administrativos. Portanto, em geral, todos os contratos celebrados pela Administração, têm
um epicentro de regime para serem celebrados e isso são normas procedimentais, esse
epicentro do regime está até ao artigo 277.º CCP, e depois de formado, celebrado, outorgado,
vem um outro regime, que é o regime para a execução do contrato. E como estamos na
execução do contrato, eis por que se diz regime substantivo – regime sobre o tempo, o prazo
de execução, as condições de pagamento, de remuneração, que poderes detém o contraente
público, isto é, a Administração sobre o contraente privado, poderes de dirigir a execução do
contrato, poderes de fiscalizar o contrato, poderes de aplicar sanções contratuais em caso de
incumprimento, poderes de resolver coativamente, sancionatoriamente o contrato, poderes
de fiscalizar o contrato, poderes de modificar o contrato, poderes de aplicar sanções
contratuais em caso de incumprimento, poderes de resolver coativamente o contrato em
situações de incumprimento mais grave, poderes de suspender o contrato por alguma
ocorrência intracontratutal ou extracontratual e tudo isto se encontra regulamentado nesta
parte do CCP para os contratos administrativos, num regime também extensíssimo que vai dos
artigos 278.º até ao artigo 476.º CCP.

Os principais contratos administrativos são os que resultam de qualificação legal, como está
presente no artigo 280.º CCP. Quais são estes principais contratos administrativos da
Administração Pública? Eles são:

1 - contratos – e aqui, na noção cientifica, nada varia em relação àquilo que aprendemos sobre
o negócio jurídico na teoria geral do direito civil, enquanto acordo de vontades ou mútuo
consenso. Obviamente, aqui, muito mais procedimentalizado a obtenção deste acordo ou
mútuo consenso, relativamente à disciplina civilística e, por isso, é que temos alguns artigos
que regem o processo de formação do contrato no Código Civil, mas aqui temos
incomparavelmente um regime muito maior, com quase 3 centenas de artigos dedicados à
parte de formação que se chama procedimento pré-contratual. A analogia com a noção
civilística de contrato apenas é ditada do ponto de vista do mutuo consenso ou do acordo de
vontades. Aí é contrato no direito civil e é contrato na Administração Pública. A partir daí, todo
o regime é absolutamente distante, seja na formação, seja na execução.

No direito civil, vigora o principio da paridade na execução do contrato e, portanto, não há


poderes de supremacia de um dos contraentes relativamente ao outro, exceto em
determinados tipos contratuais, designadamente no direito laboral, aí é uma exceção à regra
em virtude do exercício de poder de direção e do pode disciplinar por parte do empregador.
No direito administrativo é regra, isto é, os poderes de supremacia de um contraente público,
isto é, do contraente administrativo, é o cerne do regime do contrato administrativo. Por isso
há um poder de direção, isto é, um poder que permite ao contraente público dirigir a execução
do contrato – e recordam-se que no Direito Administrativo I falámos no poder de direção
associado à dimensão organizativa hierárquica da Administração e, portanto, o superior
hierárquico tem sempre o poder de dar ordens e de dirigir aqueles que lhe eram subalternos.
Pois bem, a analogia não é apenas gramatical, também é jurídica, na medida em que na

78
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

execução do contrato administrativo, o contraente administrativo tem verdadeiramente o


poder administrativo de direção sobre o contraente privado, podendo-lhe dar ordens acerca
do modo de execução do contrato, ordens de suspensão, ordens de aceleração, ordens de
modificação, e assim sucessivamente, e estas ordens, no contexto do contrato administrativo,
são atos administrativos – não são meras declarações negociais. São atos administrativos e que
o contraente privado, se considerar ilegais, pode impugná-los nos tribunais administrativos.
Portanto, o contrato administrativo é uma fonte de relação contratual administrativa, mas
também é uma fonte habilitativa para o contraente público praticar atos administrativos ao
longo da execução do contrato administrativo. Portanto, é também aqui geneticamente uma
fonte de exercício de poderes de autoridade do contraente público através da emanação de
atos administrativos de direção de modificação, de sanção, de resolução, isto é, de extinção
unilateral, e assim sucessivamente. Podemos ter ao longo da execução de um contrato desta
natureza, conforme a sua duração e, designadamente, nos de longa duração (um contrato tem
longa duração, segundo a doutrina norte-americana, a partir de uma vigência de 3 anos, mais
de dois, já se considera um contrato de longa duração), um contraente público pode praticar
uma imensidão de atos administrativos ao longo do contrato e, portanto, o contrato
administrativo é uma fonte de poderes de autoridade sobre a Administração relativamente ao
contraente privado.

Habitualmente sucede, nestes contratos que são legalmente qualificados como contratos
administrativos pelo CCP, a empreitada de obras públicas, a concessão de obras públicas, a
concessão de serviços públicos, a locação ou aquisição de bens móveis e a aquisição de
serviços. São tipicamente os designados contratos administrativos por assim serem
qualificados pela lei e, portanto, estes contratos que estão disciplinados na dita parte 3 do CCP
e, portanto, a partir dos artigos 278.º e ss., até ao artigo 476.º, são, por qualificação direta e
expressa do CCP, os contratos administrativos típicos, ou tipicamente qualificados assim pelo
Código e também típicos porque têm o seu regime de execução estabelecido pelo CCP e a
partir do momento em que este regime lhes é aplicável, como é aplicável a todos os contratos
de natureza administrativa em geral – já vamos ver que não será sempre assim -, é o exercício
do poder de direção, é o exercício do poder de fiscalização – isto é que marca a natureza
administrativa do contrato – o contraente público tem poder jurídico-administrativo de gerir o
contrato ou a execução do contrato administrativo com o exercício de poderes exorbitantes
que não existem num contrato de direito privado, e que só existem num contrato de direito
administrativo por causa do princípio do interesse público. Isto é, no contrato administrativo, a
sua causa de celebração é prosseguir o interesse público. Para prosseguir o interesse público, a
Administração não pode perder o seu poder de autoridade, tem de ser salvaguardado também
no âmbito da execução do contrato. Eis que por isso a lei lhe confere o poder ou a faculdade
de exercício dos tais poderes de direção e de fiscalização, ao abrigo dos quais o contraente
público, isto é, a Administração contraente exerce essa atuação de autoridade sobre o
contraente privado, para que o contrato administrativo cumpra a sua finalidade que é,
obviamente, a finalidade de gerir um interesse público ou uma ordem pública ou fazer essa
obra pública. Daí que se compreenda este regime exorbitante de autoridade que a
Administração exerce num contrato administrativo e eis porque exatamente assim se chamam
contratos administrativos, porque isto só é compreensível à luz de um direito administrativo
de autoridade e não é admissível num contexto de relações contratuais de direito privado.

É claro que há alguns em que esses poderes são mais limitados, como é o contrato de
aquisição de serviços – por uma razão simples – porque, evidentemente, se a Administração
elabora e celebra um contrato de aquisição de serviços de juristas, que são independentes,

79
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

advogados, que são, por natureza, independentes no exercício da sua função, aí o exercício
destes poderes são mais batidos, porque não pode a Administração estar a exercer poderes de
direção sobre o advogado, do modo como ele trabalha, como constrói as peças processuais ou
como faz o parecer jurídico. É, por natureza, incompatível que todos estes poderes do
administrador, ou do contraente público pudessem ser exercidos em contratos que tenham
domínio técnico-científico, como é o contrato de aquisição de serviços do domínio das
profissões liberais – tipicamente um advogado, um arquiteto… aí há uma razão técnico-
científica que torna incompatível o exercício destes poderes de autoridade perante essa razão
técnica e cientifica. Mas tem sempre o poder de multar por atrasos, unilateralmente; tem
sempre o poder de resolver se houver incumprimento grave do advogado, arquiteto,
engenheiro, e fá-lo por ato administrativo – extingue o contrato por ato administrativo e aplica
multas contratuais e, se for necessário, compensar essas multas contratuais com a retenção de
remunerações que tinha de entregar ao advogado ou engenheiro, também o faz, retendo as
quantias a título de pagamento dessa multa.

Dentro deste manancial de contratos da administração, que podem ser utilizados pela
administração, temos classificações. Ou seja, temos grupos de contratos que, por qualificação
doutrina, podem ter uma designação ou outra designação, em função de alguns critérios
também da ciência do direito administrativo.

Um desses critérios de qualificação tem a ver com o critério do fim. O critério do fim permite-
nos distinguir entre contratos de colaboração, contratos de atribuição e contratos de
cooperação.

Os contratos de colaboração são aqueles através dos quais a Administração apela aos
privados, aos operadores económicos privados, que contribuam para o desempenho de
atividades materialmente administrativas, tendo como contrapartida uma remuneração, o que
sucede independentemente de quem proceda a essa remuneração. Quando a UC necessita
permanentemente de estar a realizar empreitadas, que são contratos de empreitadas de obras
públicas, porque o dono da obra pública é uma Administração. É uma obra pública por ser feita
subjetivamente para uma Administração pública. Aqui apela-se por contrato a um operador
económico privado, habilitado para o efeito, que colabore com a Administração para realizar
uma obra ou uma reabilitação para a qual ela não tem meios para esse efeito. Uma
Universidade, ou um Município, ou o Estado chamam esses operadores económicos privados,
celebrando um contrato por concurso público para colaborar com essa entidade administrativa
para esse efeito. Ou a concessão de obras públicas ou de serviços públicos. Obra pública é a
exploração de uma obra pública que, em geral, é feita pelo contraente privado – se estivermos
a falar na A1, ou na A2, e assim sucessivamente, em geral, feitas por privados, construídas por
privados, e que depois os privados continuam a explorar essa obra pública. Continuam a
explorar essa obra pública por anos e décadas por uma razão simples – porque, no geral, são
esses operadores económicos privados que fizeram um investimento inicial avultadíssimo e
depois exploram ao longo dos anos essa obra, em geral, remunerando-se com as taxas pagas
pelos particulares – as chamadas portagens, pagas por quem circula na estrada. Assim como se
se tratar de uma barragem, e continuar a explorar a barragem ao longo de vários anos – a obra
é pública, mas há uma responsabilidade de exploração dessa obra ao longo de décadas com
esta racionalidade, que é permitir a amortização do investimento e depois uma remuneração
lucrativa para esse operador económico privado. Nos serviços públicos, a parte relevante não é
a obra, mas é o serviço em si. Se tiver o serviço público de transportes, que pode ser gerido
pelos serviços municipais de transportes urbanos, como acontece aqui em Coimbra, mas

80
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

muitas entidades públicas adotam a técnica de delegar contratualmente esta responsabilidade


a operadores económicos privados através de um contrato de concessão, em que o privado
assume todas as responsabilidades de gestão e de exploração desse serviço público,
evidentemente remorando-se com os preços pagos pelos respetivos utilizadores. Há uma
lógica financeira de autossustentação, quer da concessão de obra pública, quer da concessão
de serviços públicos. Como acontece em tantos e tantos municípios que a gestão da
distribuição da água é concessionada a operadores económicos do mercado, o que está aqui
em causa, até do ponto de vista de nós que somos os utilizadores finais, é que o serviço seja
prestado permanentemente, sem interrupções e, evidentemente, a preços acessíveis e com
água de qualidade – seja para o consumo ou outras finalidades. O que está aqui é o serviço
que nos é prestado e que esse serviço é gerido e, portanto, explorado, por um contraente
privado que substitui a entidade pública, no caso, o Município, e que depois os custos de
exploração e de gestão vai remunerá-los através do pagamento do utilizador final, que é o
consumidor da água, que paga esse consumo com maior ou menor intensidade em função do
consumo. A arquitetura essencial é que a rentabilidade da concessão e da exploração dela
permita financiar o próprio contraente privado, o concessionário, libertando, assim, os
orçamentos públicos deste custo e sendo o privado a assumir essa responsabilidade ou esse
risco financeiro ou comercial.

Depois temos contratos de atribuição, ou seja, contratos pelos quais a Administração atribui
ao contraente privado uma vantagem, e por isso é que se chama contrato de atribuição,
embora haja contrapartidas. Ou seja, trata-se de um contrato que visa conferir ao co-
contratante privado uma situação de vantagem própria, mediante contrapartida. Já vimos a
concessão do uso privativo do domínio público, ou seja, esta possibilidade de um particular
explorar privativamente, ou seja, exclusivamente para si um espaço público, que uma entidade
administrativa lhe faculta, tanto pode ser concedido por ato administrativo e, por isso, é que
nós estudámos a concessão constitutiva, e dentro da concessão constitutiva a concessão de
uso privativo do domínio público, através da qual a Administração cria ex novo um direito na
esfera do particular, por isso é que é constitutiva, pois bem, esse direito, por opção e
fungibilidade entre ato e contrato, tanto pode ser atribuído por ato administrativo como pode
ser atribuído por contrato administrativo. Se for por um ato administrativo chamamos-lhe
concessão constitutiva, dentro dela está a concessão do uso privativo do domínio público. Se
for contrato, como se lhe atribui uma vantagem, não falamos em contrato constitutivo, mas
chamamos-lhe contratos de atribuição, isto é, contratos que criam na esfera jurídica do
particular uma vantagem, uma vantagem ex novo, que não teriam se não fosse celebrado esse
contrato – é claro que numa lógica contratual há contrapartidas, na medida em que, por
ocupação privativa do domínio público, terá de pagar taxas correspondentes, em função do
local de ocupação, da dimensão da ocupação, da finalidade da ocupação – isto é, critérios
racionais e proporcionais para estabelecer a justa coação a pagar; ou então os contratos de
jogo de fortuna e azar – o monopólio dos jogos é público e, portanto, estadual. Exceto, agora,
na dinâmica da descentralização para as autarquias locais e para os municípios, que em
relação a determinado tipo de jogos de fortuna e de azar se descentralizou para os municípios
a competência de autorizar determinado tipo de jogos de fortuna e azar – as designadas rifas,
por exemplo, cuja autorização estava no monopólio do Estado, agora com a descentralização
passa, pelo menos em parte, numa lógica de partilha de competências, para os municípios.
Mas o monopólio é público. Em geral, os comumente jogos das rifas, etc., é uma autorização, é
uma licença, mas a exploração dos jogos em casinos, mas também o bingo, por exemplo, é de
monopólio público e é feito através de contrato administrativo – o chamado contrato de

81
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

concessão do jogo de fortuna e de azar – os nosso casinos de Norte a Sul estão todos sob
objeto de contratos de concessão de jogo de fortuna e azar. São contratos de longa duração e
que depois haverá uma partilha da renda final em função dos lucros obtidos pelos
concessionários na exploração desses jogos em casino. Portanto, estes contratos atribuem
uma vantagem própria para o contraente privado, uma vantagem ex novo, porque só o Estado
a poderia constituir e como é uma vantagem que o particular adquire de forma inovadora na
sua esfera jurídica, chama-se contratos, por essa razão, de atribuição. Estes, ao contrário da
concessão do domínio público, as concessões de jogo de fortuna e azar são, por lei,
contratuais, isto é, não são fungíveis entre contrato e ato administrativo, ao contrário das
concessões do uso privativo do domínio público.

Depois temos os contratos de cooperação, segundo o critério do fim, e aqui estes contratos
são obviamente contratos entre entidades públicas, isto é, entre a órbita do setor público para
em comum gerirem tarefas públicas – é o que pode suceder com a gestão dos transportes
escolares entre vários municípios, de forma a agilizar o transporte escolar no âmbito
intermunicipal, os municípios podem acordar entre si, por contrato de cooperação, a gestão
desses serviços de transporte escolar e, portanto, nas mesmas linhas, nos mesmos autocarros,
podem transportar e fazer o transporte dos alunos no âmbito do Município de Coimbra, no
Município de Condeixa mais próximo… Isto é algo muito usual por parte dos municípios entre
si. Ou seja, são contratos em que dois ou mais entes públicos acordam na realização de tarefas
públicas de interesse comum, em função da identidade ou da complementaridade das
respetivas atribuições.

Depois, outro critério – o critério da relação entre as partes – isto é, aqui olhamos para a
posição das partes no contrato e vemos qual é o estatuto delas nesse contrato.

Se o estatuto nos indiciar uma determinada posição do contraente privado, o que é o normal
no contexto dos contratos administrativos, temos os chamados contratos de subordinação.
Portanto, o contraente privado tem de estar subordinado na respetiva execução do contrato,
desde que dos tais artigos 278.º CCP ao 476.º detetemos o poder de supremacia contratual do
contraente público sobre o contraente privado. Daí, gramaticalmente e juridicamente, a
designação de contratos de subordinação. Os tais contratos que vimos antes de colaboração
então, em função do estatuto das partes, por este critério de ascendência funcional da
Administração, designam-se contratos de colaboração subordinada. Aqui temos as
empreitadas de obras públicas e também aqueles que são de duração mais duradoura, que é o
caso das concessões de obra pública ou de serviço público. Há um ascendente funcional. Isto é
a regra geral porque é este o regime típico do contrato administrativo dos artigos 278.º ao
476.º CCP. Isto é assim nos regimes dos contratos administrativos ao nível do Direito
Administrativo continental, mas é assim também no regime inglês, embora mais ditado pelo
regime da common law, mas que tem sofrido uma aproximação ao regime continental
europeu do contrato administrativo. O mesmo sucede no direito norte-americano, onde
supostamente não teria havido uma influência tão marcante da origem do contrato
administrativo francês, que é o do critério de autoridade o contrato administrativo, mas em
que o regime de execução do contrato administrativo há claramente, até por uma teoria não
apenas administrativista, mas constitucional, que é a teoria soberanista, isto é, dos poderes
soberanos das autoridades públicas para zelarem pelo interesse público e que isso,
evidentemente, também é uma marca da utilização do contrato e, portanto, se for necessário
fazer apelo a essa teoria da soberania pública no âmbito da execução do contrato, é legitimo
que uma entidade pública contraente o faça, segundo esta teoria. É apenas um modo de

82
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

explicar a teoria da exorbitância do poder administrativo no contrato administrativo com um


outro fundamento e designação, que é o poder soberano das entidades públicas.

Depois temos os contratos de atribuição subordinada, é claro que quando se concede a


exploração do domínio público está sempre dependente da Administração, porque a qualquer
momento a entidade administrativa pode precisar novamente daquele espaço público. A Praça
da República hoje tem as cadeirinhas, as mesas e, portanto, é objeto de concessões privativas
de uso público, mas a Câmara Municipal de Coimbra, a qualquer momento, pode entender que
tem de recuperar aquele espaço, portanto, é precário – é atribuição, é uma vantagem, mas a
qualquer momento o contraente público pode readquirir por necessidade pública e, portanto
revogar aquela concessão – ou outras razões, de segurança, sanitárias, etc., e suspender, ou
revogar, ou extinguir a relação contratual. Quase sempre, ainda que haja vantagem, há a
atribuição de vantagens, mas há uma precariedade da relação, em que o contraente privado
está sempre dependente.

Depois, contratos de cooperação subordinada – vimos que os contratos de cooperação são


entre entes públicos entre si, incluindo, evidentemente, não só apenas os municípios entre si,
mas também os municípios com o próprio Estado, mas, em geral, nestes contratos funciona
uma lógica de paridade, e não uma lógica de subordinação. A ideia é que o contraente
Município ou o contraente Estado entre si não seja o contrato a estabelecer uma ordem de
domínio do Estado sobre o município ou do Município de Coimbra sobre o Município de
Condeixa, e assim sucessivamente. A lógica aqui é de cooperação paritária e, portanto, a
relação é igualitária, ou seja, o município não tem poderes de direção sobre um outro. O
representante no contrato do município de Coimbra, que seria o Presidente da Câmara
Municipal de Coimbra, não iria através do contrato praticar atos administrativos, sujeitar
quase hierarquicamente o colega do município de Condeixa, ou assim sucessivamente. Não dá,
obviamente, por contrato administrativo, numa relação de cooperação, que um órgão público,
através dele, adquira ou readquira poderes de supremacia sobre uma outra entidade pública –
isso não é uma lógica de gestão do contrato de cooperação – a lógica não é essa, de submeter
um contraente ao poder de direção e fiscalização do outro contraente – essa lógica é quando
contrato é outorgado e celebrado entre a Administração Pública e um privado; quando é
outorgado entre entidades públicas vigora a ideia da cooperação em termos de paridade de
partes, e não em termos de sujeição de uma parte à outra parte. Isso é excecional. É
admissível que isso possa suceder entre um contrato celebrado entre o Estado e uma empresa
do setor público empresarial do Estado e, portanto, que ele salvaguarde alguns poderes – ou
um contrato celebrado com o Município e as suas empresas municipais, em que o Município
salvaguarda determinado tipo de poderes, mas aí estamos numa relação quase interna do
município com as suas empresas e do Estado com as suas empresas. Isso é compreensível.
Fora dessa órbita, isso é algo excecional, e por isso o Código assim o estabelece, no artigo
382.º/2 CCP, relativamente aos contratos inter-administrativos ou contratos de cooperação.

Por outro lado, temos contratos de não subordinação e, portanto, em função do estatuto das
partes na relação contratual, assim temos contratos de subordinação, sejam eles contratos de
colaboração subordinada, contratos de atribuição subordinada ou contratos de cooperação
subordinada, temos agora, numa outra classificação, e atendendo ao mesmo critério - isto é, o
estatuto de cada uma das partes no contrato, na relação de uma com a outra - os contratos de
não subordinação.

Aqui os contratos de cooperação inter-administrativa paritária são a regra, no plano da


igualdade jurídica, no plano da paridade jurídica que é, por exemplo, num dos contratos da

83
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

área da descentralização administrativa, na educação, já desde 2015 e que agora, com o


chamado bloco da descentralização de 2019, que deve estar terminada até 2021, havia a
outorga de contratos entre o município A, B, C e D com o Estado, através dos quais eles
assumiam a gestão dos transportes escolares, a gestão das cantinas, a gestão dos auxiliares de
educação, a gestão da segurança, a gestão da conservação e manutenção em condições de
espaços, tudo o que antes estava como tarefa e atribuição própria do Estado, através de
contrato fez-se isso com imensas escolas, seja do primário, segundo ciclo, etc., fez-se isto com
as autarquias locais. É claro que aqui não há poderes exorbitantes do Estado sobre os
municípios como no âmbito de outros contratos – seria até de duvidosa constitucionalidade
que a regra que o Estado tem, como vimos, na tutela administrativa sobre as autarquias locais,
é a mera tutela de legalidade, verificar se no âmbito do Estado de Direito cumprem a lei, em
termos daquilo que é a exigência mínima da ordem jurídico-administrativa, outra coisa era
através de contrato o Estado tentar converter os municípios em seus subordinados, no
estatuto de uma relação contratual. Isso tinha também problemas jurídico-constitucionais ao
nível do exercício do poder, ainda que contratual, mas que o Estado não teria de outra
maneira, mas que aproveitava o contrato para o exercer sobre os municípios. Também havia aí
problemas constitucionais. Este tipo de contratos são claramente habituais no domínio da
gestão da água, na gestão dos resíduos, ou em muitos outros casos, é alvo de cooperação
necessária em virtude de alguns temas destes não serem temas exclusivamente do Estado ou
do município, mas serem temas transversais, isto é, de partilha de responsabilidades, como
acontece na área dos saneamentos, como acontece na gestão de resíduos, é um problema
simultaneamente autárquico, municipal, mas é também um problema do Estado por
responsabilidade ao nível municipal e, depois estas responsabilidades, ou o exercício em
comum destas responsabilidades, em vez de cada um atuar por si isoladamente, partilham e
combinam e programas e planeiam através do contrato inter-administrativo de cooperação
para que essas tarefas sejam exercidas de forma mais planeada, mais programada e,
evidentemente, com a partilha de responsabilidades financeiras entre ambos os contraentes.

Por fim, temos também neste âmbito os contratos de colaboração não subordinada em que o
contraente privado colabora, designadamente com o Estado, no exercício de tarefas públicas,
mas no contexto do exercício de uma liberdade constitucional. Já ouvimos falar nos contratos
de associação, isto é, os contratos que o Estado celebra com escolas, para que essas escolas
assumam a responsabilidade de acolher alunos que seriam da escola pública mas que por
razão de a escola já não ter capacidade naquela zona, daquele município, evidentemente, para
não andar a transportar os alunos para outros municípios porque isso seria perturbador para
os alunos, seria perturbador para as famílias, seria perturbador para o erário público que iria
inflacionar os custos, o Estado aproveita uma liberdade fundamental, que é a liberdade de
ensinar e de aprender e que, por isso, ao abrigo dessa liberdade os privados criam escolas e
havendo escolas nessa zona, eis que o Estado, em vez de reencaminhar os alunos para terras
distantes, faz contratos ao abrigo da liberdade de associação constitucional com estas escolas,
genuinamente privadas, para que elas assumam a responsabilidade de terem e acolherem os
alunos que seriam da escola pública, custeando, em média, o preço por cada aluno – aquilo
que o aluno custaria no ensino público é o que se paga à escola que recebe o aluno no ensino
privado – através dos chamados contratos de associação, que originaram uma quantidade
enorme de problemas políticos e judiciais quando o Governo entendeu revogar muitos
contratos de associação com as escolas privadas. Mas, como tudo se passa ao abrigo de uma
liberdade fundamental, que é a liberdade de ensinar, eis que esta liberdade não pode ser
tolhida a contexto de um contrato administrativo que celebra com uma escola e acolhe os

84
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

alunos, porque a liberdade de contratar o professor e de ter o professor é da escola privada – a


liberdade do professor não desaparece porque há um contrato administrativo, a liberdade de
o aluno aprender não desaparece porque há um contrato administrativo – não pode ser o
Estado a intrometer-se dentro da escola privada e com poderes de supremacia para fazer a
gestão disso. Isso violava redondamente a Constituição e a liberdade de ensino. Depois os
contratos com as instituição particulares de solidariedade social porque, obviamente, ao
abrigo da liberdade de associação, e com uma proteção constitucional do setor cooperativo e
solidário do artigo 82.º CRP, exercem estatutariamente, diria constitucionalmente, a sua
liberdade na área da economia social e que o Estado, obviamente aproveita para, por contrato
não subordinado, lhe delegar funções na área educativa, na área do ensino especial, na área
da saúde, na área do apoio social, e assim sucessivamente – aqui não há, claramente,
subordinação, porque o que está em causa é o exercício de uma atividade estatutariamente
marcada do ponto de vista constitucional, por causa da reserva constitucional destas
entidades, tal como a liberdade de associação, evidentemente que essa reserva ou essa
proteção constitucional, não pode ser invadida a pretexto da outorga de contratos
administrativos onde o regime fique de subordinação, de direção, de fiscalização, de sanção,
de suspensão, de aplicação de multas, etc. – que evidentemente é uma imensidão contratual
de que falamos, porque na área não tanto da saúde, mas na área social praticamente toda
essa missão do Estado social é feita por estas entidades com contratos celebrados pelo Estado,
isto é, esses contratos têm por projeto o exercício de tarefas públicas próprias do Estado no
contexto do Estado social.

Depois, contratos de atribuição de direitos, que conferem posições não precárias aos privados
e cujo desempenho interessa ao contraente público – muitos contratos, digamos aqui os
chamados contratos de investimento. Há os programas de financiamento ou de
cofinanciamento, e que nós vamos ter agora para dinamizar novamente a atividade económica
– muitos destes contratos são contratos que atribuem ao contraente privado um
financiamento direto, pode ser o financiamento em euros, propriamente ditos, ou
financiamentos indiretos, que é certas isenções ou regalias fiscais. Evidentemente que a
atribuição destes direitos através de contratos administrativos que tenham por finalidade a
dinamização do investimento e por sua vez a atribuição para esse efeito de um direito próprio
ao contraente privado, neste caso, o investidor, mas que vai funcionar como contraente em
relação à Administração não pode ser precário, porque se fosse punha em causa o princípio da
confiança, que é inerente ao investimento – isso é algo que deriva da natureza económica do
próprio investimento. E contratos de atribuição de bolsas – este também é um direito que não
pode ser precário, embora, em função do êxito que tenha o estudo com a bolsa – pode ter
este critério, mas isso já depende mais do mérito e da capacidade do próprio que tem este
direito do que do regime em si, que não pode ser, evidentemente, precário, até pela razão da
própria confiança. Mas são sempre contatos administrativos que não são subordinados, ou no
sentido de que se têm uma supremacia da entidade pública contraente em relação ao privado.

Depois, por fim, segundo o critério do objeto ou do conteúdo.

Temos contratos que podem ser decisórios ou substitutivos de atos administrativos, e,


portanto, pode haver aqui a lógica da fungibilidade, nos termos do artigo 377.º/1 CCP e
contratos obrigacionais, nos quais a Administração se obriga a praticar ou não praticar um
determinado ato e com certo conteúdo, nos termos do artigo 377.º/2 CCP – isto é muito usual
no contexto mais urbanístico. O particular pode propor – faz um plano de pormenor para a
zona, ou um plano de urbanização, e, depois, em geral, o município, através da Câmara

85
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Municipal, assume o compromisso. Tem de haver um crédito de confiança porque isto é um


investimento relativamente avultado – tem de haver um plano, uma equipa de engenheiros,
de arquitetos, enfim… de pessoas responsáveis pela área do planeamento – isto envolve aqui
um investimento relativamente avultado por parte do particular que se propõe, ele – o normal
é que quem faça um plano urbanístico, maior ou menor, mas falamos agora de um plano mais
de pormenor para a zona A ou B, um plano de urbanização, é normal que quem faça esse
plano é o Município, a entidade pública, e não o privado. Contudo, pode haver situações, e há,
em que o privado se propunha, mas quer ter uma garantia da entidade pública. O norma e
contratualmente previsto é que no contrato para a elaboração do plano, que a entidade
pública contraente o aprovará definitivamente se ele for feito em função daquilo que são as
perspetivas municipais de planeamento – não assume uma obrigação de resultado, não aliena
o poder público de decidir – faz o plano e eu aprovo – evidentemente, tem qualquer condição.
O poder público não é renunciável nem é alienável. O que se compromete é a uma obrigação
de meios – ele garante que o plano será aprovado se forem cumpridas estas condições pela
parte do contraente privado na programação, no planeamento, na dimensão técnica
urbanística, do plano que ele vai apresentar, e aí assume a obrigação, por isso é que se chama
o contrato obrigacional, assume uma obrigação contratual de fazer aprovar esse plano,
elaborado pelo contraente privado, preenchendo um conjunto de condições ou de requisitos.
O normal é que isto seja objeto de um poder público, um exercício sem qualquer
condicionamento. Mas, aqui, excecionalmente, a entidade pública, como que condiciona o
exercício desse poder público – autovinculando-se a que o fará, isto é, que poderá aprovar o
plano satisfeitas um conjunto de condições. Por isso se diz aqui que o contrato substitui o ato
administrativo – que é o contrato através do qual a entidade pública, até ao limite legalmente
admissível, assume a obrigação de vir a aprovar o projeto apresentado pelo particular se forem
cumpridas determinado tipo de condições. Ele pode aprovar ou não aprovar. Ele não renuncia
ao exercício do poder público no momento procedimental final, desde que estejam
preenchidos determinados pressupostos contratuais, mas o normal é isto ser feito e só por ato
administrativo, que aprova, que autoriza ou que licencia – aqui é feito por contrato, o que é
cada vez mais recorrente nesta área e em que o contrato substitui o ato administrativo.

Depois, já vimos os chamados contratos ou acordos endocontratuais no contexto do


procedimento administrativo, em que, por contrato, se substitui a lógica de autoridade ou de
condução ou direção dos procedimentos administrativos, combinando-se com os particulares
os termos procedimentais futuros e em que, evidentemente, são autovinculativos para os
particulares que estejam no procedimento e autovinculativos para o responsável pela direção
do procedimento. No contexto do CCP existem os chamados acordos endocontratuais – nós já
vimos isso no procedimento administrativo, mas no CCP também existem estes acordos. Só
que como são no contexto contratual, chamam-se endocontratuais, porque são celebrados ou
outorgados no âmbito da execução do contrato administrativo. A diferença fundamental é
essa, é que uns são outorgados no contexto procedimental e chamamos-lhe acordos
endoprocedimentais; os outros são outorgados no contexto contratual e por isso lhes
chamamos acordos endoconstratuais, e têm a sua regulamentação no artigo 310.º CCP.

Depois, seguindo mesmo critério, com o objeto passível de contrato de direito privado. Já foi
assim, mas não pode ser assim agora. O critério doutrinal mantém-se plenamente válido. Os
contratos de aquisição de bens ou de serviços ao mercado são, por direta qualificação do CCP,
são todos contratos administrativos. Como são contratos administrativos e, portanto, vigora o
princípio da tipicidade e da taxatividade, estes tipos legais não podem ser alterados por uma
suposta autonomia das partes. Isso significa que o ente público que celebra uma aquisição de

86
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

serviços jurídicos, ou de serviços de engenharia, ou outro tipo de aquisições, isto é contrato


administrativo nos termos quer do artigo 1.º CCP, quer nos termos dos artigos 278.º e ss., o
regime é todo ele de contrato administrativo, embora com aquela ressalva que vimos
relativamente aos contratos de aquisição de serviços por causa da liberdade técnico-científica
própria de um advogado, de um engenheiro ou de um arquiteto, mas são contratos
administrativos típicos de regime administrativo e, evidentemente, que estes tipos legais não
podem ser desvirtuados aqui por uma suposta autonomia contratual, consequentemente, eles
não podem ser convertidos em objeto de direito privado, porque o regime deles é tipicamente
administrativo, taxativamente administrativo, e não vigora o princípio da fungibilidade entre
contrato administrativo e contrato de direito privado. Mas podia sê-lo, caso o regime o
permitisse. Podia haver uma aquisição de bens que ocorreria por um contrato de direito
privado se a lei o permitisse. Mas a lei diz que esse contrato, por mais simples que seja, é
contrato administrativo. Não é substituível, nos termos do regime, por um contrato passível de
direito privado. Embora doutrinalmente o possa ser, porque, obviamente, a aquisição de
objetos tão simples tanto podiam ser objeto por um contrato administrativo como um
contrato de direito privado, celebrado pelo Código Civil. Se houvesse autonomia pública
contratual, que não há por força do CCP, uma entidade pública tanto poderia usar o contrato
administrativo como poderia dispensar-se de usar o contrato administrativo e usar o contrato
de direito privado do CC para adquirir estes bens ou estes serviços. Mas no regime atual a lei
qualifica isto como contrato administrativo e, portanto, funciona o princípio da proibição da
fungibilidade ou da alterabilidade entre contrato administrativo e contrato de direito privado.

Depois, contratos com objeto exclusivo de contrato administrativo, tipicamente a concessão


de obra pública, também a concessão de serviços públicos e a concessão de exploração de
jogos de fortuna e azar, a concessão privativa do domínio público, são contratos tipicamente
que são contratos que têm de ter sempre regime administrativo. Para além daqueles que no
CCP resultam como tipicamente administrativos, em que funciona o princípio de qualquer
fungibilidade ou alterabilidade entre o contrato administrativo e o contrato de direito privado,
que são os 5 tipos que nos referiu, a concessão de obras públicas, a concessão de serviços
públicos, aquisição de bens móveis ao mercado e de serviços, há outros, para além destes, em
que também vigora o domínio exclusivo do contrato administrativo, designadamente no
âmbito da concessão de exploração de jogos de fortuna e azar em que o regime é tipicamente
administrativo – não estão aqui no CCP, há uma lei própria a estabelecer o regime da
concessão de jogos de fortuna e azar e, portanto, esses não têm o regime… embora, depois,
subsidiariamente, este regime legal dos jogos de fortuna e azar – um regime claramente
extenso com grande vinculação administrativa, depois, subsidiariamente remeta para a
aplicação do CCP, isto é, para a aplicação do regime estabelecido no CCP para as outras
funções de obra pública ou de serviço público, e que depois se vai lá subsidiariamente ver esse
regime para o aplicar também às concessões de jogos de fortuna e azar.

Agora vamos centrar-nos no regulamento administrativo. Este tema são os modos jurídicos de
atuação das entidades da Administração Pública, porque tem outros modos de agir, como já
vimos, seja pela designada administração informal, e, portanto, desprovida de uma
vinculatividade jurídica relativamente desprocedimentalizada, como demos exemplos na
altura de aconselhamento ao nível de determinados cuidados sanitários, comunicação técnico-
científica diária e comunicada pelos meios de comunicação – é a entidade administrativa a
agir, embora a agir fundamentalmente com base num comportamento informativo,
aconselhador, recomendativo e desprocedimentalizado – uma forma de ação, embora não
jurídica, neste sentido em que essa recomendação, ou esse aconselhamento, ou essa

87
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

informação tenha vinculatividade jurídica. Obviamente que pode não tê-la num certo
momento, mas se for necessário também a própria Administração a pode converter em regras
jurídicas a observar – regras aí já sim vinculativas, em termos sanitários como, aliás, acabou
por acontecer no âmbito deste processo transitório que vivemos.

Depois, por outro lado, também há as operações de facto ou operações materiais, como as
demolições, como atuações ao nível de arranjos de passadiços, como outras manutenções
necessárias quotidianamente – é uma atividade de operações ou ações materiais. Por
excelência, na atuação jurídica, nós falamos, neste contexto, no ato administrativo, no
contrato administrativo e no regulamento administrativo.

Ora, naturalmente, tal como fizemos no ato administrativo e no contrato administrativo, a


primeira e essencial ideia a termos é saber o que é que doutrinalmente, e agora também
legalmente no contexto do CPA, o que se entende por regulamento administrativo. Por
contraposição ao ato administrativo, que nós vimos ser um ato individual e concreto e,
portanto, com destinatários identificados, isto é, destinatário individualizado, e relativo a uma
situação concreta, portanto, se estivermos a falar de um colega que faz um pedido de bolsa à
Administração Social da Universidade de Coimbra, é aquele colega, é o António, ou é o João,
ou é o Afonso. É aquela pessoa individualizada que faz o pedido, que inicia o procedimento e
que, por sua vez, vai ser o destinatário daquela decisão administrativa de atribuição ou não
atribuição de uma bolsa ou de uma isenção total ou parcial de propinas. Também no caso
concreto é o daquele colega, o Afonso ou o António, o caso concreto dele, na sua circunstância
familiar, económica e social e em função dessa situação concreta com que ele suporta o
requerimento, vai fazer a análise e a apreciação por artes dos SASUC, e é essa situação
concreta ou o resultado da análise dela que vai ditar, no final, o conteúdo da decisão em
relação a esse particular – se vai ou não ser-lhe concedida a bolsa, ou a isenção total ou parcial
da propina e, portanto, é aquela situação concreta, daquela pessoa concreta.

Por contraposição, o regulamento é, na noção material de norma, que já aprendemos, que são
gerais e abstratas e, portanto, a noção em si, neste aspeto, nada terá de novidade, na medida
que pela definição material de norma ela é geral e abstrata. Portanto, é dirigida no momento
da sua feitura a um número indeterminado de destinatários e a um número abstrato de casos
que no momento em que a norma é feita não se podem antecipar. Isso acontecerá ao longo da
vida da vigência dessas normas ou conjunto de normas. Isto é assim para as leis e é assim para
os regulamentos administrativos. Neste aspeto, nada difere do conceito que temos de norma,
seja norma legal, seja norma administrativa.

Em relação às leis, qual é, então, a diferença? Não está no facto de se designar por
regulamento, porque o regulamento é norma jurídica e, portanto, materialmente, aqui a
norma é conceitualmente idêntica, contudo, também já referimos que, no princípio da
legalidade da Administração, ou da legalidade administrativa, a Administração, para atuar, tem
de ter sempre por base uma lei. Essa é uma vinculação constitucional da posição da
Administração relativamente à lei, a subordinação à lei essa subordinação existe no ato, existe
no contrato e existe nos regulamentos. Portanto, isto significa que estas normas a que
chamamos regulamentos, por serem emitidos por entidades administrativas, têm por
finalidade a aplicação de leis ou de atos que têm valor equiparado. Falamos de leis, de
decretos-lei e de decretos legislativos regionais.

Ora, para resumir, considera-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e


abstratas infralegais que, no exercício de poderes jurídico-administrativos e no exercício da

88
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

função administrativa, visem produzir efeitos jurídicos externos, tendo por objeto, em regra, a
aplicação das leis ou atos normativos de valor formal equiparado, como sucede com certos
atos normativos diretamente aplicáveis da União Europeia – artigo 135.º CPA. Trata-se de uma
noção ampla, que abrange, entre outros, documentos normativos estatutários.

Não raras vezes, também assim sucede que muitas normas ditadas pelos órgãos da União
Europeia – não as diretivas, porque, por regra, as diretivas devem ser transpostas para o
direito interno dos Estados-membros através de diplomas legislativos, mas, os regulamentos
da UE esses são diretamente aplicáveis nos Estados-membros e, portanto, ao contrário das
diretivas, exceto se tiverem um efeito direto, isto é, normas com densidade suficiente que
possam vincular o Estado ou atribuir direitos aos particulares contra os Estados, exceto nessa
situação, como já estudaram em DUE, nos regulamentos ditos europeus, eles são aplicáveis
diretamente nos Estados-membros, em regra não necessitam de uma mediação de cada um
dos Estados-membros para eles serem aplicáveis. Contudo, tantas e tantas vezes, e que
normalmente acaba por suceder, as entidades administrativas, aplicadores desses
regulamentos, depois emitem regulamentos administrativos para tentar facilitar a aplicação
desses regulamentos que vêm da UE. Seja regulamentos no domínio das atividades
económicas, independentemente de qual seja a atividade económica em causa, ou atividades
profissionais, ou outros âmbitos aplicativos dos regulamentos, seja, porventura, na área
ambiental, na área das telecomunicações, na área dos transportes – as grandes atividades
económicas, em geral, já têm regulamentos da UE que cada Estado-membro tem de observar e
aí os regulamentos são aplicáveis à universalidade dos Estados-membros. Estes, para tentar
facilitar a aplicação dos regulamentos na ordem administrativa interna emitem, depois,
regulamentos administrativos para facilitar essa aplicação dos regulamentos que têm por
fonte orgânica os órgãos próprios da UE.

Num sentido amplo, e está no CPA, no artigo 135.º, o regulamento emitido pelos órgãos
administrativos, seja do Estado, os respetivos ministros, sejam os órgãos de institutos públicos,
seja os municípios, ao emitirem esses regulamentos, isto temos uma noção ampla e,
designadamente, para os órgãos administrativos do Estado, que são eles que em relação a
regulamentos ou a legislação que têm o nome formal de Regulamentos da UE, são os órgãos
administrativos do Estado que têm a função primária depois de emitirem regulamentos
administrativos na ordem interna para facilitar a aplicação desses regulamentos. Temos uma
noção de regulamento administrativo que tanto pode ser o regulamento que facilita a
aplicação de leis internas, leis, decretos-lei ou decretos legislativos regionais, mas também
pode ser um regulamento administrativo, emitido pelos órgãos administrativos do Estado para
facilitar a aplicação de legislação europeia. O órgão administrativo nacional transforma-se aqui
numa espécie de órgão administrativo aplicador do direito da União Europeia, como se fosse
um órgão próprio da UE, para aplicar o direito próprio da UE, ainda que pela via do direito
administrativo interno e das competências internas, mas o que vai aplicar ou estabelecer
regras administrativas internas é para facilitar a aplicação de normas de caráter legislativo da
União Europeia. Neste âmbito temos regulamentos que, em geral, são ditos regulamentos
externos.

Mas há regulamentos que podem ser, por contraposição, internos – isto é, regulamentos cujo
âmbito de aplicação se esgota no interior da própria organização administrativa; e podemos
ter regulamentos que projetam a sua eficácia para o contexto de relações intersubjetivas,
designadamente para regulamentar a esfera jurídica dos particulares. Aqui teremos sempre
uma eficácia externa do regulamento, porque ele se destina a estabelecer direitos, obrigações,

89
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

deveres ou ónus que atingem a esfera jurídica dos particulares, sejam os particulares no todo
nacional ou continental, quando há regulamentos emitidos pelos órgãos administrativos do
Estado, que normalmente é para todo o território nacional, ou, pelo menos, para o
continental, salvaguardando a autonomia própria dos órgãos das Regiões Autónomas, e
regulamentos que podem ter geograficamente uma circunscrição limitada, como são os
regulamentos emitidos pelos Municípios – normas administrativas emitidas pelas autarquias
locais ou normas administrativas emitidas pelas Universidades Públicas – como sabemos, há
regulamentos da Universidade sobre a questão das propinas, a questão as bolsas, etc. Ora,
estas entidades, seja num âmbito mais alargado ou seja num âmbito mais circunscrito, todas
elas têm uma capacidade jurídica administrativa para emitir normas administrativas que
apliquem ou facilitem a aplicação das leis que se dirigem a essas próprias entidades. A
Universidade, através de regulamentos que, obviamente, emana, seja regulamentos de bolsa,
seja regulamentos de propinas, e assim sucessivamente, o que está a facilitar na sua aplicação
é o regime que se dirige à Universidade Pública, seja o regime ao nível da política social do
ensino superior, sejam as normas próprias da lei que estabelece o Regime das Universidades
Públicas e, depois, através de regulamentos, facilita a aplicação dessas leis. Claro que estas
normas que estabelece no domínio da ação social, que têm as bolsas, as residências, as
propinas, são normas regulamentares com eficácia externa, porque elas vão projetar os seus
efeitos em todo o universo estudantil, o atual, o futuro… e, portanto, gozam de generalidade e
de abstração, porque hoje são aplicáveis aos que estão cá, amanhã não sabemos quais são os
estudantes que vêm, mas quando chegarem, essas normas vão produzir efeitos externos
porque os seus efeitos se projetam naquela esfera jurídica desse universo de estudantes. É
aqui que se fala de eficácia jurídica externa, no sentido que estas normas administrativas,
emitidas pelos órgãos administrativos competentes vão projetar os seus efeitos na esfera
jurídica exterior e, portanto, na esfera jurídica dos particulares que potencialmente são ou
venham a ser os destinatários dessas normas. Quando se diz que se dirigem ou produzem
efeitos na esfera jurídica dos particulares, por isso mesmo nós dizemos que eles têm eficácia
jurídica externa, à semelhança da noção que vimos para o ato administrativo, embora aí
dirigido a alguém individualizado e na sua situação concreta, mas cujos efeitos se projetam
nessa esfera jurídica e, portanto, falamos aí em eficácia externa. No mesmo sentido falamos
aqui também em eficácia externa e, consequentemente, em regulamentos administrativos
externos na projeção dos seus efeitos e do seu âmbito aplicativo.

Por contraposição, há normas administrativas ou regulamentos administrativos meramente


internos. Isto significa – e todas as organizações administrativas têm este tipo de
regulamentos, nem que seja para estabelecer a disciplina dos trabalhadores públicos que
exercem atividade nessa organização. Portanto, temos regulamentos que regulam as entradas
e saídas dos trabalhadores públicos, o modo de controlar a assiduidade, a que horas entram e
a que horas saem… isso são regulamentos destinados a disciplinar o contexto de relação
funcional puramente interna no âmbito de cada organização. Estas normas têm um âmbito de
aplicação limitado, que é à própria organização, a quem trabalha na organização, ao modo de
prestar o trabalho, ao horário de trabalho, às relações hierárquicas entre esses trabalhadores
públicos e os dirigentes… há uma dinâmica funcional interna que tem de ter alguma disciplina
e que essa disciplina é estabelecida através destas normas regulamentares que se dirigem ao
interior da organização, pautando o modo e a dinâmica funcional dela e das pessoas que estão
subordinada a essa organização. Isto são regulamentos de disciplina interna da organização. É
claro que cada um de nós, no âmbito organizativo interno, cada professor deve assinalar as
suas presenças – é uma norma puramente interna de organização – tanto pode assinalar com

90
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

a assinatura, como poderia fazê-lo através do controlo biométrico. É um modo puramente


organizativo interno, ou fazê-lo através da via eletrónica, com cartão, etc. Isto está tudo em
normas, mas são normas internas, de organização e disciplina interna. Normas que existem
sobre o funcionamento dos serviços académicos, e da sua relação com os utentes (alunos da
faculdade e professores), mas isto tem regras puramente internas, funcionais, a que horas
fecha, a que horas abre, a que horas é o horário de atendimento, marcações… são normas
puramente internas e funcionais, isto é, normas de serviço, normas de organização. Esses
regulamentos são regulamentos puramente internos.

Claro que um utente de um hospital público, quando é internado, tem de observar os


regulamentos do internamento – não pode andar vestido como entende, não pode ir para
certos sítios como estria lá dentro, não pode passear lá dentro – tem de observar as regas que
estão estabelecidas internamente para a organização do serviço – é essencial ao
funcionamento interno de cada serviço que as regras que pautem a conduta quer dos
trabalhadores públicos, quer dos respetivos utentes. Designadamente quando esses utentes
funcionam e estão dentro da organização, como é o caso do estabelecimento público
hospitalar, ou uma universidade pública, ou uma escola pública, ou um preso, quando tem de
cumprir a respetiva prisão coativamente ditada por um juiz – também há regras internas em
cada prisão que estabelecem os modos de conduta. As normas de organização puramente
interna designam-se, então, regulamentos internos.

Ou seja, os regulamentos internos têm por objeto disciplinar a organização e o funcionamento


das pessoas coletivas públicas, os respetivos órgãos e serviços e as relações orgânicas,
contendo ainda, muitas vezes, no âmbito do exercício de poderes discricionários, orientações
sobre a interpretação e aplicação das leis pelos órgãos e agentes administrativos.
Regulamentos externos, por outro lado, são regulamentos aplicáveis a quaisquer relações
intersubjetivas, incluindo das relações inter-administrativas.

Os regulamentos internos são aqueles que, evidentemente, esgotam o seu âmbito no interior
organizativo das pessoas coletivas públicas. A UC tem regulamentos internos, desde logo, para
a gestão dos milhares de pessoas que tem ao ser serviço – os trabalhadores públicos, como
hoje se designam. É necessário regulamentar o local de trabalho, se é nos serviços académicos,
se é nos serviços administrativos, se é na Faculdade de Direito ou se é na Faculdade de
Medicina – isso são normas de gestão interna das pessoas – as entradas e saídas, os horários, a
marcação de faltas, eventualmente, ou a relevância delas… isso são normas que qualquer
entidade pública tem ao nível da organização e funcionamento interno próprio. Por
contraposição, há os regulamentos externos, isto é, aqueles que projetam a sua eficácia ou os
seus efeitos na esfera jurídica dos respetivos destinatários que podem ser ou a nível
continental, em todo o território, como, se forem regulamentos emitidos pelo Estado no
exercício da função administrativa, ou regulamentos mais localizados, se forem emitidos pelos
municípios ou pelas autarquias locais – esses têm um âmbito potencial de aplicação
geograficamente mais limitado, uma vez que tem de se limitar ao território do respetivo
concelho. Como quer que seja, estes regulamentos que projetam os seus efeitos na esfera
jurídica dos destinatários, sejam eles a nível nacional ou, pelo menos, no território continental
– porque Açores e Madeira têm competências regulamentares próprias, nos termos
constitucionais, os respetivos Estatutos Político-Administrativos, mas é apenas um problema
de territorialidade de aplicação - do ponto de vista substantivo os regulamentos – quaisquer
que eles sejam – têm eficácia na esfera jurídica dos particulares, implicando para esta esfera
ou a imposição de ónus, ou a imposição de obrigações, ou a concessão de direitos – a partir do

91
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

momento em que este tipo de efeitos se projeta na esfera jurídica dos destinatários, nós
dizemos que estes regulamentos são regulamentos dotados de eficácia externa. Algo
semelhante com o que vimos suceder para o ato administrativo – na noção dele, temos
sempre um ato que produz efeitos numa esfera aí individual e concreta – determinada quando
se emite o ato. Esses efeitos podem ser, como vimos, favoráveis ou desfavoráveis. Quaisquer
que sejam os efeitos, ou favoráveis ou desfavoráveis, logo que eles se projetem na esfera
jurídica da pessoa, nós dizemos que esse ato, essa decisão administrativa é dotada de eficácia
externa. Ora, assim sucede, ma agora no plano geral e abstrato, para os regulamentos
administrativos, que por produzirem esta eficácia na esfera jurídica dos destinatários,
introduzindo nela modificações, ou alterações, ou efeitos jurídicos inovadores, concedendo
direitos ou retirando direitos ou impondo encargos, a partir desse momento nós dizemos que
essa norma tem eficácia que vai para além do âmbito de organização meramente interna da
Administração, entrando no universo dos destinatários, ou seja, da sua esfera jurídica, ou com
a produção de efeitos favoráveis ou com a produção de efeitos desfavoráveis. Neste aspeto,
do ponto de vista substantivo, quando nós falámos em eficácia externa, o que
verdadeiramente varia é que no ato administrativo a eficácia externa produz-se na esfera
jurídica de um sujeito determinado, enquanto, quando falamos de regulamentos, essa eficácia
externa, em virtude da generalidade e da abstração, que é a noção de norma jurídica, essa
eficácia projeta-se num conjunto indeterminado de destinatários. Pelo menos, indeterminados
no momento em que as normas são elaboradas. Claro que depois, na aplicação concreta,
determina-se quais são as pessoas que individualmente foram atingidas por esse regulamento.
A indeterminação diz respeito ao momento em que as normas são elaboradas. A
indeterminação afere-se no momento em que as normas são elaboradas.

Depois, há outro tipo de regulamentos que, no Direito Administrativo III nos vai ser muito
importante, que é a distinção entre regulamentos mediatamente operativos ou indiretamente
operativos e regulamentos que são imediatamente operativos. Esta distinção reside no
seguinte elemento base: se o regulamento para produzir efeitos jurídicos na esfera jurídica dos
particulares necessita de um ato administrativo que medeie a aplicação do regulamento, este
regulamento é indiretamente operativo – por necessitar desta mediação de um órgão
administrativo para que ele possa produzir efeitos. Por contraposição, os regulamentos
imediatamente operativos produzem por si e diretamente efeitos na esfera jurídica dos
particulares. O regulamento municipal que estabelece taxas aplicáveis às licenças urbanísticas -
se alguém solicitar uma licença urbanística, imediatamente está vinculado ao pagamento da
taxa. Portanto, não há nenhum ato administrativo que medeie a sua aplicação, ou a obrigação
de pagar aquela taxa naquele montante deriva imediatamente do regulamento. Ou um
regulamento que estabeleça o cumprimento de outras obrigações pecuniárias para quem
utiliza serviços administrativos – pede uma certidão, há um regulamento que estabelece que
pelo pedido de certidão é necessário pagar a quantia X – este regulamento é imediatamente
operativo, isto é, a obrigação de pagar para ter a certidão resulta diretamente do regulamento,
não tendo necessário a mediação de qualquer ato administrativo para que essa obrigação
afete e se imponha na esfera jurídica do particular. Por contraposição, se, porventura, houver
um regulamento que estabeleça uma bolsa de prémio para o aluno que tiver sucesso
significativo no seu percurso escolar na UC, poder ser-lhe atribuída uma bolsa até ao montante
de X. Este regulamento é diretamente operativo ou só indiretamente operativo? Para ele ser
aplicável, e, portanto, para que houvesse a concessão da bolsa, tinha de haver sempre um ato
de avaliação do percurso para saber se o percurso era ou não era significativo, concluindo-se
que era significativo então havia o ato administrativo de atribuição desse prémio ou dessa

92
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

bolsa, mas se regulamento disser “O aluno que tenha a média de 17 a partir do 1.º ano, é-lhe
atribuída uma bolsa de mérito” – este regulamento é diretamente operativo; se o regulamento
disser que o aluno que tenha o percurso significativo a partir do 1.º ano no seu percurso
académico poderá ter direito à concessão de uma bolsa – este regulamento, para vir a
produzir eficácia já necessita de uma mediação dos órgãos administrativos próprios da
Universidade que avaliem se o percurso do aluno é ou não é apreciável, e se concluírem que é
apreciável, então o Reitor ou o Diretor da Faculdade praticará o ato administrativo de
concessão de bolsa, em função da avaliação que resultara do percurso de cada um. Tudo
depende de como está estabelecido o regime da norma. Se a norma tiver um conteúdo preciso
“o aluno que tiver 17 como média final no 1.º ano recebe uma bolsa no valor de X” – este
regulamento é imediatamente operativo, porque a norma está formulada em termos precisos,
densos, que dispensam a prática de um ato administrativo pelos órgãos administrativos. Se,
pelo contrário, o regulamento tiver ou uma hipótese ou uma estatuição que precise de ser
densificada para ser aplicada aos casos concretos, como é este exemplo que vimos, do aluno
que poderá ter direito a uma bolsa de prémio até ao montante X, se o seu percurso académico
desde o 1.º ano for avaliado ou tido como relevante, ou muito relevante, ou excelente, poderá
ter direito a bolsa – isso significa que tem de se analisar e ver o percurso do aluno para daí
concluir que ele tem o percurso relevante e por isso deve ter direito a bolsa. Quem lhe vai
conceder a bolsa não é propriamente o regulamento, é o ato administrativo do diretor ou do
reitor. Este regulamento já seria só indiretamente eficaz, ou seja, só produziria efeitos, neste
caso, favoráveis na esfera do aluno ou da aluna se o ato administrativo concluísse que o
percurso dele seria ou está a ser um percurso academicamente relevante e, por isso, o ato
administrativo ia declarar essa relevância e, simultaneamente, atribuir a bolsa que estava
prevista no regulamento, mas que sem o ato administrativo, o aluno nunca teria direito a essa
bolsa – portanto, os efeitos do regulamento necessitam desta mediação para produzirem
esses efeitos.

Então, quanto aos efeitos, estes podem ser produzidos imediatamente, portanto, efeitos que
se projetam na esfera jurídica dos destinatários sem a necessidade de haver a mediação de
qualquer ato administrativo aplicativo dessas normas – elas são por si dotadas de eficácia
direta e imediata – e vimos exemplos disso – o regulamento municipal que imponha o
pagamento de taxas por exercício de uma certas atividade, basta haver o pressuposto do
exercício da atividade para que esse efeito se produza – ou seja, para que esse cidadão, esse
munícipe fique onerado, direta e imediatamente, pela norma regulamentar com o dever de
pagar a taxa, porque iniciou o exercício de uma certa atividade, de um certo estabelecimento
e, portanto, por essa razão, por preencher ele o pressuposto necessário que é exercer a
atividade, ou iniciar o exercício da atividade, imediatamente fica abrangido pelo âmbito da
eficácia externa da norma regulamentar que estabelece “é devido o pagamento da taxa no
valor Y para o município, em virtude de se iniciar o exercício da atividade comercial, ou de
outra natureza, ou equivalente” – basta que se preencha o pressuposto para que
imediatamente a hipótese normativa esteja concretizada – consequentemente, de forma
quase automática, produz-se o efeito que está na estatuição, que é a imposição do dever de
liquidar uma determinada taxa. Este regulamento é um regulamento dotado de eficácia
externa direta e imediata, não necessitando da mediação de qualquer ato administrativo para
a respetiva aplicação.

Já não assim é com outro tipo de regulamentos – em que é necessário a prática de um ato
administrativo para que o efeito que ele está previsto abstratamente se produza. Um aluno da
UC, ma com qualquer outra universidade pública assim necessariamente sucede, pode, pela

93
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

sua situação económica, social ou familiar, ter direito a uma bolsa de apoio social, ou uma
isenção de propinas. Pode ter direito – mas tem de ser ele, por sua iniciativa, a desencadear o
procedimento para que, através da análise da sua situação individual e concreta, por parte dos
serviços sociais da UC e, portanto, seja emitido um ato administrativo para que o efeito
abstratamente previsto na norma, que é a isenção ou o direito à bolsa se reproduza na esfera
individual e concreta. Na situação de facto, ele pode ter esse direito, potencialmente, mas ele
só se produz na sua esfera jurídica se o aluno despoletar a prática de um ato administrativo
através da Administração dos Serviços Sociais para que, por via desse ato administrativo, se
produza o efeito abstratamente previsto no regulamento. Aqui é necessária uma mediação
administrativa para que esse feito se produza. Isto depois tem muita importância ao nível da
impugnação judicial, como iremos ver no Direito Administrativo III, que é saber que tipo de
regulamentos são imediatamente impugnáveis nos tribunais administrativos – são, desde logo,
os regulamentos dotados de eficácia direta e imediata.

Depois, agora, só em relação aos regulamentos externos ou de eficácia externa – temos aqui
várias qualificações ou classificações em função da relação com a lei. Agora, centramo-nos nas
normas dos regulamentos e em função da sua comparação ou da sua relação com as leis que
regulamentam, assim teremos em função desta relação, uma classificação ou outra
classificação.

Primeiro, uma relação que poderíamos classificar de grande proximidade entre regulamento e
lei, e que daí deriva a designação ou a classificação de regulamentos executivos ou meramente
executivos da lei. Estes regulamentos, por definição, limitam-se apenas a facilitar a boa
execução das leis, pormenorizando aspetos do seu regime. Ou do seu regime substantivo ou
do seu regime procedimental. A função destes regulamentos é apenas, e é pelo regime, pela
sua relação ou teleologia, isto é, a sua função relativamente à lei que regulamentam, é apenas
esclarecer aspetos de pormenor e procedimento ou de execução, isto é, aspetos meramente
substantivos. Esta é uma competência geral do Governo, é fazer os regulamentos necessários à
boa execução das leis – se virmos, há uma lei que estabelece que a Polícia de Segurança
Pública deve, quando em serviço, andar sempre de uniforme. Um uniforme, mas a lei não diz
como é o uniforme, como é o tecido, que desenho deve ter, que cor deve ter, etc. – a lei só
estabelece que devem utilizar um uniforme quando em serviço, a definir nos termos de uma
portaria, porque é um regulamento administrativo, e é o regulamento administrativo que vem
executar a lei, é a função de estabelecer pormenores. É como o regulamento da Toga na
Ordem dos Advogados – a lei diz que os advogados, quando em serviço nos tribunais ou em
outros atos judiciais, devem usar a toga própria – essa toga, depois, tem um conjunto de
regras que definem o uso dessa toga – é um regulamento puramente executivo no contexto de
uma ordem profissional. Ou o regulamento que estabelece um subsidio para o agricultor. E diz
que o agricultor tem direito ao subsidio caso tenha tido uma intempérie que lhe destruiu a
produção, etc. - o direito está lá no regulamento, ele é diretamente aplicativo, mas a lei,
porventura, não diz o serviço ao qual o agricultor se deve dirigir para ter esse pedido – vem um
regulamento dizer “norma procedimental – os agricultores que considerem, nos termos da lei
X, que têm direito por razão da intempérie, dirigem-se ao serviço X, do ministério Y, para aí
apresentarem o seu pedido para ser concedido do subsídio”. É uma norma de caráter
puramente procedimental, ela praticamente não inova nada em termos de regime. O regime
está estabelecido na lei, facilita é a execução da lei. O objetivo é facilitar a aplicação da lei.
Inovatoriamente nada estabelece em relação à lei que regulamenta.

94
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Estes são aqueles que afirmam alguns pormenores do regime legal e, portanto, facilitam a
aplicação ou procedimental ou substantiva do regime legal e em que também vimos que o
Governo dispõe de uma competência universal em termos de emissão de regulamentos
administrativos de natureza executiva para facilitar a aplicação do regime legal. Não são
regulamentos que estabelecem disciplina complementar ou inovadora relativamente ao
regime legal, são regulamentos que apenas executam esse regime. Demos o exemplo do
regulamento que estabelece, por exemplo, o regime de uso de fardas da Polícia de Segurança
Pública, ou da GNR. É um regulamento de 2016 para a PSP – tem um conjunto de articulado a
definir como é que há de ser o botão de punho, como é que há de ser o cachecol, como é que
hão de ser as calças, como é que há de ser o calção, quando o podem usar… e é diferente
andar de carro ou de mota, como é que deve ser a camisa e que cor deve ter a camisa, como é
que são os botões da camisa… isto é que são regulamentos executivos. Há um regime legal de
certas atividades ou profissões que tem de usar obrigatoriamente uniformes, um determinado
tipo de uniforme, o qual é, depois, o regime é estabelecido em regulamento. Este regulamento
é um regulamento que pormenoriza o regime legal. Esta matéria nem sequer tem dignidade
para estar numa lei, mas num regulamento bastante extenso estão aqui as noções, as
definições, o calçado, os uniformes, mas se formos para a profissão médica está lá, se formos
para os advogados está lá algo semelhante…

Por sua vez, regulamentos complementares – estes, pelo contrário, já desenvolvem ou


completam um regime legal. Ao contrário dos regulamentos executivos, que estão no artigo
112.º/5 e no artigo 199.º, alínea c), como uma habilitação constitucional geral para os órgãos
administrativos emitirem regulamentos, os regulamentos complementares, de
desenvolvimento dos regimes legais, não é diretamente proibido pelo artigo 112.º e, portanto,
eles são hoje constitucionalmente admitidos, que a lei confira a possibilidade de a
Administração desenvolver o regime das leis através destes regulamentos, conferindo
autonomia regulamentar, designadamente a entidades públicas que têm autonomia
constitucional, como o caso das autarquias locais, universidades públicas e associações
públicas profissionais. Para estas entidades, que têm, nos termos do RJIES, há uma norma a
dizer que as Universidades têm competência para estabelecer os seus estatutos e, portanto os
estatutos das universidades são elaborados internamento com a participação do Reitor, do
Conselho Geral, do Senado, com representações dos estudantes na altura… e o documento
dos Estatutos é uma norma regulamentar fundamental da universidade que a lei estabeleceu
que a Universidade pública, neste caso, a UC, poderia estabelecer nos seus estatutos. Nos seus
estatutos estão competências do Reitor, estão as competências do Provedor do Estudante,
porque na lei do RJIES praticamente não está nada daquilo que são as competências do
Provedor do Estudante, mas, depois, isso é desenvolvido, é completado nos Regulamentos
Estatutários da UC, feito pela UC, aprovado pela UC. Outras competências do Reitor, do
Administrador, normas em relação aos alunos que não estão no regime legal e nem sequer no
RJIES, e esse regime, por habilitação legal, é conferido à Universidade que, aliás, já teria até
autonomia constitucional para esse efeito, é concedida essa habilitação para desenvolver o
regime legal – o legislador estabeleceu o que diz na lei e estabelece uma habilitação legal para
que a Universidade desenvolva esse regime, o complete e, obviamente, o densifique. Por isso
são os regulamentos de desenvolvimento do regime legal em que a lei estabelece habilitação
para que algumas entidades públicas possam, ao abrigo da sua autonomia normativa
regulamentar, desenvolver esse regime e, por isso, se chamam regulamentos de
desenvolvimento ou regulamentos complementares do regime legal que desenvolvem.
Designadamente no âmbito das universidades públicas, das administrações autónomas

95
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

territoriais, portanto, as autarquias locais e as associações públicas, isto é, a administração


autónoma funcional, ou seja, as associações públicas profissionais, como a Ordem dos
Advogados, que estabelece regulamentos acerca do estágio, do acesso à profissão,
regulamentos deontológicos, regulamentos disciplinares, em que nada disto está na lei, mas
que a lei, com uma norma habilitante, concede a esta instituição pública que é a associação
pública dos Advogados, ou dos Médicos, ou dos Engenheiros, essa habilitação para depois
desenvolverem um regime legal, seja na parte dos deveres deontológicos, ou na parte
disciplinar, ou na parte da realização dos estágios e do acesso… são essas entidades, com base
nesta habilitação, que desenvolvem esse regime legal que intencionalmente ficou incompleto
e se concedeu essa margem de autonomia normativa estas entidades. Este tipo de
regulamentos não é diretamente proibido pelo número 5 do artigo 112.º CRP, devendo
admitir-se quando a Constituição ou a lei confira autonomia regulamentar a certas categorias
de pessoas coletivas públicas. O mesmo já não vale para o Governo, na medida em que dispõe
de uma competência legislativa alargada, incluindo através de decretos-lei de
desenvolvimento, pelo que deve adotar a forma legislativa, e não a do regulamento de
desenvolvimento, para estabelecer e desenvolver regimes jurídicos.

Estes, no plano de relação com a lei, já têm habilitação para desenvolver o regime legal e,
portanto, ou completam o regime legal, quer do ponto de vista do procedimento, isto é,
instituindo normas procedimentais novas para aplicar um determinado regime, ou
desenvolvem o próprio regime substantivo e aqui, principalmente aqui, vale a designada
autonomia regulamentar de certas pessoas coletivas públicas como, evidentemente, os
Municípios, mas também as Freguesias, as Ordens Profissionais, que têm poder regulamentar
que desenvolvem e completam o regime legal. O regime disciplinar da Ordem dos Advogados
não consta de uma lei, consta de um regulamento, um regulamento disciplinar da Ordem dos
Advogados. A lei só prevê que esta Ordem profissional, através de regulamento elaborado e
aprovado pelos seus órgãos próprios, com uma intervenção da Assembleia Geral dos
Advogados, aprovam esse regulamento, o qual vai estabelecer que tipo de atos ou falhas ou
desvirtudes pode constituir infração disciplinar cometida pelo advogado, quais são as sanções
a aplicar, quem é que deve instruir, depois, o processo, qual é o procedimento da aplicação da
sanção e, no fim, quem é que tem competência final para desencadear essa sanção. Isto é um
diploma que estabelece uma disciplina que completa ou desenvolve o regime legal em matéria
quer procedimental, que nada estava na lei em termos do respetivo procedimento, quer em
regime substantivo, que é saber que atos ou falhas ou maleitas podem provocar esta reação
disciplinar e, depois, como é que ela se aplica e que efeito produz na esfera jurídica deste
profissional. É assim, obviamente com o Ordem dos Advogados, com a Ordem dos Médicos, e
o mesmo se sucede com as outras ordens profissionais. Aqui temos claramente regulamentos
que estão distantes de uma mera função executiva, dado que estabelecem um regime
regulamentar que completa a lei, que é potencialmente aqui ela lacunosa, delegando para a
função regulamentar esses aspetos de desenvolvimento. Isto também vale para as autarquias
locais e, naturalmente, para os órgãos próprios das Regiões Autónomas, dada a autonomia
constitucional de que gozam quer as autarquias locais, quer as Regiões Autónomas.

Contudo, não deve admitir-se o exercício deste poder por parte do Governo, na medida em
que este tem uma quase plena competência legislativa e, portanto, deverá desenvolver os
regimes legais, designadamente, o que nem sempre sucede, os regimes das leis de base,
emitidas pela AR, através de decretos-lei de desenvolvimento. Se é uma lei de bases da saúde,
ela deve ser desenvolvida por decreto-lei de desenvolvimento; se há uma lei de bases da
segurança social, como efetivamente existe, ela deve ser desenvolvida por um decreto-lei de

96
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

desenvolvimento. Portanto, o Governo deve, aqui, assumir a sua função não de agente dotado
de função administrativa, mas quando se trate de desenvolver regimes legais, o Governo
deverá adotar a forma de diploma legislativo para desenvolver esses regimes.

Depois, por fim – os regulamentos independentes, que visam dinamizar o regime, não da lei A
ou B, por exemplo, não da lei do RJIES, que é uma lei de 2009, uma só lei, e que ao abrigo
dessa lei as universidades desenvolvem esse corpo normativo, mas a lei é a Lei n.º X/2009, não
se limitam a desenvolver ou a dinamizar o regime de uma lei só ou de um decreto-lei só. Claro
que tem de haver sempre, pelo princípio da legalidade, uma norma legal habilitante. Para as
autarquias locais existe a Lei n.º 75/2013, por exemplo, que estabelece as atribuições dos
municípios e, portanto, conjunto de interesses públicos que podem prosseguir, com a cláusula
geral de poderem prosseguir todos aqueles que digam respeito à respetiva população
municipal ou local e depois esta norma habilitante concede-lhe poder para, em função desses
interesses, estabelecer regulamentos no âmbito municipal. Portanto, isto significa uma
habilitação para que o município possa desenvolver não apenas o regime da lei que estabelece
especificamente as atribuições dos municípios e as competências dos órgãos, mas é uma
norma habilitante para eles estabelecerem regulamentos na área, seja urbanística, seja de
ordenamento do território, seja na área ambiental, seja na área da regulação municipal dos
estabelecimentos e horários de funcionamento, seja ao nível do trânsito, etc. Portanto, eles
vão aqui com base nesta habilitação, dinamizar um conjunto de regime legal disperso, sem ser
a lei A, B ou C. O que eles fazem aqui é estabelecer regulamentos municipais em função do
conjunto de interesses relativos às populações locais, seja na via sanitária, seja dos animais,
seja no interesse da legislação urbanística, etc. Uma norma habilitante concede-lhe autonomia
normativa para os órgãos dinamizarem um conjunto de legislação que abranja as áreas de
atuação municipal. Esse regulamento ou essas normas regulamentares não estão apenas
especificamente a desenvolver o regime da Lei n.º 75/2013, porque ele estabelece esta
autonomia regulamentar, estão a dinamizar e a desenvolver o regime disperso por vários
diplomas legais que influenciam ou condicionam o exercício das tarefas municipais, sem
estarem a estabelecer se regulamentam apenas a lei A, B ou C. É um complexo normativo que
condiciona o exercício das atribuições municipais. Por isso, aqui, neste contexto dos
regulamentos independentes emitidos pelas organizações que qualificamos como
organizações administrativas autónomas, nós chamamos-lhe regulamentos independentes
autónomos, designadamente, claro, os regulamentos emitidos pelas organizações da
administração autónoma territorial ou as organizações da administração autónoma
profissional e, é claro, também as universidades públicas, na medida em que os estatutos,
portanto, o Regulamento Estatutário de uma Universidade pode apenas limitar-se a
desenvolver o regime especifico, o RJIES. Se fizer só isso é um regulamento complementar – só
estabelece o desenvolvimento daquele regime. Sucede que, por regra, os regulamentos
estatutários de uma Universidade pública desenvolvem esse regime, tem lá a norma para
habilitação legal para esse efeito, mas vão desenvolver o regime da área das propinas, lei das
propinas, vão desenvolver o regime das bolsas, vão desenvolver o regime que estabelece os
ciclos de estudos… o regulamento estatutário vai regulamentar ou disciplinar o regime que
está disperso por diversas leis, e vai completá-lo, vai desenvolvê-lo, vai dinamizá-lo e fica ali
um corpo normativo unitário mas que desenvolve um bloco normativo alargado, tendendo no
âmbito da legislação que se refere a essa entidade pública em concreto. Os municípios,
autarquias locais, com um bloco de legislação mais alargado, comparativamente às
Universidades públicas, mas é só uma questão puramente quantitativa – qualitativamente, o
que dinamizam é um corpo normativo disperso de leis que vão concentrar sistematicamente,

97
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

de forma unitária, num só regulamento administrativo. É um corpo normativo unitário –


regulamento administrativo porque emitido por uma entidade administrativa que é a UC, mas
que, simultaneamente, num corpo normativo unitário, desenvolve o regime de diversas leis ou
decretos-lei, e não do decreto-lei X ou Y. Este regulamento será um regulamento
independente e autónomo – independente no sentido de que não se limita a desenvolver o
regime de um diploma legislativo, mas desenvolve de diversos diplomas, portanto, o bloco da
legalidade aqui é mais alargado e, por outro lado, autónomo por ter fonte uma entidade da
administração autónoma.

Aqui, o regulamento independente é um regulamento, dissemos nós, que não são emitidos
para desenvolver o regime de uma lei específica, mas desenvolve ou completa o regime de um
bloco normativo composto por mais do que um diploma legislativo. Portanto, é um
regulamento que desenvolve um regime normativo legal, mas em que esse regime normativo
legal não se encontra apenas concentrado num diploma legislativo, numa lei ou apenas num
decreto-lei, mas que consta de um bloco normativo mais alargado. Se, porventura, até por
curiosidade, virmos os Estatutos da Universidade de Coimbra, logo no preâmbulo se vê que
estes estatutos, que são aprovados pelos órgãos internos da Universidade, no exercício da sua
função administrativa e, portanto, têm uma forma de Estatutos mas são um regulamento
administrativo, estes Estatutos se, por curiosidade lermos a nota introdutória, vemos que
desenvolve vários diplomas legislativos – não desenvolve apenas o RJIES, que é concentrado
num diploma de 2009. Desenvolve outros regimes para além desse. Há um regime normativo
disperso por várias leis e este regulamento faz a adaptação desse regime ao contexto da
Universidade de Coimbra, adaptando esse regime, desenvolvendo esse regime,
complementando esse regime e, por isso, quando assim sucede, estes regulamentos que
estabelecem uma disciplina relativamente inovadora em relação às leis ou ao conjunto de
diplomas legais que regulamentam, designam-se por regulamentos independentes
autónomos. Portanto, tem aqui uma orientação que é dirigida, uma vez mais, às instituições
públicas que assumem o qualificativo de Administrações autónomas, sejam as autonomias
territoriais, designadamente os Municípios e, portanto, dentro das autarquias locais, os
municípios têm esta competência incluindo constitucional para a elaboração deste tipo de
normas, seja, também, a administração autónoma profissional e as Universidades púbicas. É a
categoria, dentro da nossa organização administrativa, que tem uma credencial constitucional
para a emissão destes regulamentos independentes autónomos.

Contudo, embora não resulte assim esta habilitação para as autoridades administrativas
independentes – aquelas autoridades que nós vimos estarem integradas na Administração
indireta independente do Estado – designadamente as autoridades reguladoras, a Entidade
Reguladora dos Serviços Energéticos, a Entidade Reguladora da Saúde, a Entidade para a
Concorrência, a Comissão de Mercado de Valores Imobiliários e sucessivamente – estas
entidades não têm uma indiscutível credencial constitucional para a emissão de regulamentos
independentes das leis que regulamentam. Contudo, o que sucede na prática é que usufruem
também, ou usam este poder para a emissão de regulamentos desprendidos de um específico
diploma legislativo e, enfim, regulamentam um quadro ou um bloco normativo alargado.
Embora de duvidosa constitucionalidade, porque isso pode induzir à utilização de um método
de clara inconstitucionalidade que é o legislador deixar intencionalmente para estas
autoridades reguladoras o poder ou a função de regulamentar regimes legais do setor, seja do
setor energético, seja do setor das águas ou resíduos, ou do setor da saúde, delegando-lhe um
poder que é materialmente legislativo. Temos aqui o problema da deslegalização de matéria
materialmente legislativa e que carecia de uma intervenção primária ou prévia do legislador e

98
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

só depois, então, as autoridades reguladoras poderiam estabelecer sobre isto regulamentos.


Mas a técnica que tende a ser relativamente usual é o legislador, intencionalmente ou não,
demitir-se desta função primariamente legislativa, o que significa que as autoridades
reguladoras, por via de uma espécie de deslegalização inconstitucional material, usam deste
poder normativo regulamentar para disciplinar matérias de blocos legislativos (…) por exemplo
no setor energético – regulamento do acesso à atividade, regulamento de preços, etc., e com
isso estabelecem regimes normativos inovadores relativamente ao quadro legislativo e em
matérias que careciam de uma intervenção primária da lei.

Depois, também há dúvidas quanto aos regulamentos independentes do Governo, isto é, saber
se o Governo tem credencial constitucional para também ele emitir regulamentos
independentes – regulamentos que, mais uma vez, por noção, não se limitam a desenvolver o
regime A ou B, mas um bloco de leis - isto é constitucionalmente duvidoso – apenas para esta
noção – embora alguma doutrina defenda que como o Governo dispõe de uma competência
administrativa universal, concluem a partir daqui que também pode emitir este tipo de
regulamentos, desde que não haja uma intervenção na matéria que tem de fazer com
credencial legislativa, por força da reserva constitucional, da Assembleia, dos artigos 164.º e
165.º da CRP. Fora isso, ou respeitando essa regra essencial, e se a respeitar, concluem que
poderá também emitir este tipo de regulamentos. Poderá fazer, agora, um regulamento para a
área do turismo em que nele desenvolva um bloco de leis – 4, 5 ou 6, respeitantes à atividade
turística, desde hotéis a outras camadas hoteleiras mais ou menos graduadas e, através do
regulamento, que neste caso é um regulamento independente, vai disciplinar esse bloco de
legalidade, composto por 4 ou 5 leis, que disciplina a atividade turística e, depois, com o
regulamento, o Governo pode disciplinar os pormenores, e desenvolver, e completar esse
conjunto de leis relativas à atividade turística, nesta posição doutrinal. Há aqui,
evidentemente, divergências nesta matéria. A verdade é que isto na prática acontece.

Ou seja, há regulamentos independentes das autoridades reguladoras, e, portanto, da


chamada Administração indireta independente do Estado, e assistimos também à emissão de
regulamentos independentes pelo próprio Governo, na medida em que, obviamente, também
tem o conforto de alguma doutrina para o efeito, o que, em geral acaba por não se
compreender, dado que o Governo tem uma competência constitucional legislativa
claramente alargada, seja em concorrência com a Assembleia, seja matéria exclusiva, seja,
depois, em matéria de desenvolvimento das leis emitidas pela própria Assembleia da
República.

Depois, outro tipo de regulamentos, por fim, os regulamentos de substituição ou


regulamentos delegados, isto é, evidentemente, constitucionalmente inadmissível na medida
em que o artigo 112.º da CRP proíbe expressamente que, para além dos atos com valor de lei
que aí estão descritos, leis, decretos-lei e decretos legislativos regionais, há uma reserva de
forma de ato legislativo e, portanto, não pode haver a pretensão de que qualquer outro ato
normativo se arrogue ao exercício de uma função legislativa que não tenha esta forma, a
forma de lei ou este formato legislativo previsto no artigo 112.º CRP. Portanto, há uma
proibição expressa de deslegalização de matérias. Quando há matérias constitucionais em que
a própria CRP estabelece que tem de haver intervenção primária de lei, nesse âmbito de
matérias, aí e desde logo, há uma proibição de deslegalização ou substituição dos atos
legislativos por atos meramente regulamentares na disciplina primária dessa matéria. Há de
vigorar sempre o princípio geral de que a função administrativa, incluindo a função
regulamentar ou de emissão de regulamentos administrativos é uma função política e

99
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

legislativamente subordinada à lei, carecendo, consequentemente, sempre de uma base


habilitante numa lei, ou num decreto-lei ou num decretos legislativo regional. A partir daí é
que, podendo haver o poder de emissão de normas regulamentares, é que esta emissão
destas normas regulamentares, em relação a essas leis prévias, é que pode ser uma relação
mais intensa e, portanto, o regulamento será meramente executivo, ou uma relação menos
intensa, e aí poderemos ter variantes de regulamentos – regulamentos ou que completam ou
desenvolvem o regime legal ou, mais do que isso, um específico regime legal ou regulamentos
que desenvolvem um bloco normativo mais alargado. Mas regulamentos de substituição ou
delegados há uma proibição constitucional expressa.

Regulamentos autorizados – por definição, também não são admitidos e, portanto, há uma
proibição constitucional também destes regulamentos, com exceção de certo tipo de normas
regulamentares que disciplinam de forma inovadora determinado tipo de matérias
relativamente às leis, e aqui há âmbitos materiais que, de algum modo, até reclamam este tipo
de regulamentos, designadamente quando há a necessidade da conjugação de interesses em
que intervêm diversas pessoas coletivas ou que atinja a atribuição de diversas pessoas
coletivas. Designadamente, de três – autarquias locais, o Estado-Administração e também as
Regiões Autónomas. Às vezes é necessário conjugar estes interesses, entre este tipo de
entidades, exemplarmente ao nível das normas ambientais e, portanto, do interesse
ambiental, do ordenamento do território e, aqui, o interesse obviamente não é localizado, não
é regional. Também não é só nacional. É simultaneamente uma coisa e as outras todas. Por
isso, quando, porventura, o município emite um regulamento nesta matéria está a considerar
este conjunto de valores inerentes aos interesses das populações locais, as suas, mas também
a incorporar nesse regulamento matéria difusa e de interesse de todos a nível do território
continental e, portanto, interesses supramunicipais, simultaneamente municipais e
supramunicipais e nesse regulamento terá de conjugar estas diversas nuances ou variações e,
por isso, atendendo a uma razão até prática, de adequação dos regimes legais do
ordenamento do território, da lei da reserva, da lei da proteção agrícola, etc., é necessário,
depois, conjugar todos esses interesses simultaneamente locais e nacionais e que isso vai estar
presente nesse regulamento, digamos de aplicação mais localizada, mas tem de contemplar
esse conjunto de interesses transversais. Aqui admite-se esta possibilidade de os designados
regulamentos autorizados com uma disciplina inovadora em certas matérias, designadamente
nestas. Fora estas matérias, é, primeiro, também não são usuais, em segundo lugar, seria já
ultrapassar o alcance constitucional da admissibilidade deste tipo de regulamentos. A regra é
proibição – admite-se esta exceção em determinado tipo de matérias.

Claro que depois, como sabemos, o ordenamento do território é um valor constitucional, o


ambiente é um valor constitucional, o urbanismo é um valor constitucional – se é
constitucional é de todos e não apenas de interesses localizados – por isso é que ao fazer estes
regulamentos há que ter em conta simultaneamente o interesse da população local no seu
ambiente, na sua qualidade de vida, no bom ordenamento do território mas, como são valores
constitucionais, eles são supramunicipais, e o regulamento terá de incorporar também esses
interesses. Daí a necessidade de estabelecer de forma inovadora regimes de planeamento
urbanístico, regimes programáticos, regimes da proteção ambiental, regimes do ordenamento
do território, mas que têm de ter em conta os valores nacionais de reserva agrícola, ou de
reserva ecológica, e assim sucessivamente. Há que ter a possibilidade ou a admissibilidade
constitucional de que estas entidades tenham esse grau de ponderação e de apreciação na
conjugação dos interesses transversais e, consequentemente, terem esta habilitação para

100
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

emitir estas normas regulamentares de caráter inovador. Mas é claramente uma exceção ao
sistema constitucional e administrativo regulamentar.

Agora vamos entrar para o procedimento de elaboração de normas administrativas.

Continuamos com a temática do regulamento, mas agora sobre o procedimento regulamentar.


A noção é exatamente a mesma como a vimos para o ato administrativo, e a referimos aí que a
emissão de uma qualquer decisão com o nome de ato administrativo estava obrigatoriamente
sujeita a um procedimento prévio de formação. Daí, dissemos nós, que havia uma fase de
impulso, tecnicamente a fase de iniciativa, para iniciar o procedimento, com o requerimento,
requerimento de um particular, isso num ato administrativo vimos que é a regra, é o
procedimento ser iniciado por iniciativa particular. Já veremos que não é assim no
regulamento. Depois vimos que a entidade administrativa designava um responsável pela
direção do procedimento, que iria analisar e instruir o procedimento, pedir, porventura, mais
informação ou mais documentos ao interessado ou a outras entidades, analisava essa
documentação, o regime legal pertinente e, em função disso, propunha uma decisão ao órgão
competente para decidir.

Também aqui, no procedimento regulamentar, assistimos a algo semelhante, e ainda mais


complexo quando se trate de formação de contratos administrativos. Nos regulamentos
administrativos, o procedimento é relativamente semelhante e, portanto, não terá, desse
ponto de vista, estruturalmente, grandes novidades em relação ao que vimos para o ato
administrativo. Há uma fase, e, portanto, isto diríamos que é analítico, uma construção
analítica do procedimento administrativo.

Há uma fase preparatória, que inclui uma iniciativa - a emissão de regulamentos, ao contrário
do que vimos para o ato administrativo, é de natureza oficiosa – é sempre de natureza oficiosa
– isto é, são os próprios órgãos administrativos que tomam a decisão de iniciar o
procedimento administrativo para disciplinar determinada matéria legal. A UC tem o
regulamento de bolsas, foi uma decisão oficial obviamente dos órgãos próprios da
Universidade, designadamente do Reitor, que estabelece o inicio do procedimento, o que faz
quase sempre por despacho, isto é, anuncia que se vai iniciar um procedimento regulamentar
com um despacho seu, identificado e publicado, aliás, se forem à página da UC veem isso.
Cada regulamento tem como ato de inicio oficioso adotado pelo órgão competente, aqui na
universidade, evidentemente, o Reitor da universidade. É claro que os estudantes,
designadamente através da AAC, podem fazer petições, pedidos de elaboração de
regulamentos ao Reitor – há legitimidade para isso, mas apenas isso. A decisão é sempre
oficiosa. Com isso não iniciam o procedimento. Podem constituir o pretexto para a decisão,
mas a decisão é oficiosa. O Reitor pode decidir iniciar ou não. Não está vinculado a isso. Ao
contrário do que vimos no ato administrativo, a elaboração do requerimento constitui no
órgão administrativo um dever de decisão, o que significa que há um dever de, a partir daí,
conduzir um procedimento até chegar à decisão final. Não assim é nos regulamentos
administrativos, em que há uma faculdade de elaboração de normas. Um pedido para a
elaboração de um novo regulamento de bolsas, por exemplo, mas o Reitor pode entender que
o Regulamento atual é recente, pode entender que ainda está atual, está vigente e que não vai
iniciar qualquer procedimento de elaboração de um novo regulamento ou de revisão deste.
Não está vinculado ao pedido que lhe é formulado pelos diretos interessados aqui
representados pela AAC.

101
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Ou seja, os procedimentos dirigidos à emissão de regulamentos são sempre de natureza


oficiosa, embora o artigo 97.º CPA preveja o direito de petição, através do qual os interessados
podem solicitar aos órgãos administrativos competentes a elaboração, modificação ou
revogação de regulamentos, reconhecendo-lhes o direito de serem informados dos
fundamentos da posição que em relação às petições apresentadas forem tomadas.

Em todo o caso, evidentemente, há sempre o princípio da transparência. É um princípio


essencial, já vimos isso no procedimento do ato administrativo, e, portanto haver
conhecimento dos diretos interessados de que há um procedimento administrativo, até para
se constituírem como interessados procedimentais e, portanto, terem legitimidade
procedimental para intervir no procedimento, e isso é possível através do exercício de uma
transparência informativa ou comunicativa, também aqui isso sucede e deve suceder por
imposição legal, designadamente do artigo 98.º/1 CPA. O inicio do procedimento é alvo de
publicitação na Internet, no sitio institucional da respetiva entidade pública.

Quanto a esta decisão, que é uma decisão exclusivamente administrativa, de iniciar o


procedimento, seja pelo Reitor da UC, seja pelo Presidente da Câmara Municipal, seja um
Ministro, seja o Presidente de um Instituto Público, seja o Bastonário da Ordem dos Avogados,
a decisão é sempre pública, é sempre oficiosa. A partir daí inicia-se a designada instrução do
procedimento de elaboração de regulamentos. Aqui deve haver uma ponderação sobre as
posições adotadas, isto é, que justificação ou contra justificação existe para se ter ou não uma
norma no regulamento – o regulamento exemplo que nos deu há pouco – o regulamento de
taxas municipais para o exercício de determinado tipo de atividades – é claro que tem de
haver uma ponderação por existir uma taxa que incide sobre os munícipes que exercem ou
pretendem exercer determinado tipo de atividades, pode ser um mecanismo indutor à não
iniciativa económica pelo seu custo – o que é que se ponderou para existir essa taxa. Isto são
ponderações que têm de ser feitas sempre na elaboração de normas regulamentares, de
forma que qualquer cidadão possa compreender que a norma é razoável, é compreensível, é
ponderada e, portanto, é necessária. Ele compreende se, porventura, lhe for possível ter
acesso às ponderações que são feitas – à discussão que é feita ou na Câmara Municipal ou no
âmbito da Assembleia Municipal e com isso está em condições de compreender qual é essa
relação de ponderação efetuada e os valores presentes no quadro da elaboração desses
regulamentos ou interesses e contra interesses público e privados que estão presentes nessa
ponderação ou instrução. Isto é obrigatório e resulta do artigo 99.º CPA.

Para resumir, a fase da instrução corresponde ao momento da elaboração de regulamentos


(articulado do regulamento), ponderando-se e comparando-se interesses envolvidos,
devendo-se elaborar uma nota justificativa fundamentada sobre as posições adotadas, que
têm de incluir uma ponderação da relação custo-benefício das medidas projetadas, de acordo
com o artigo 99.º CPA.

Outro exemplo – um determinado Presidente de um município decidiu instituir um novo


regulamento de transito no seu município e o regulamento de trânsito afeta, desde logo, os
munícipes e todos aqueles que, não sendo recenseado nesse município, aí residem por
qualquer motivo. Podem ser afetados pelo regulamento. Coisas tão mundanas mas que podem
ser afetados. Por se tirar o trânsito no acesso ao exercício da liberdade religiosa – se por acaso
a igreja fica lá no cimo de uma subida, se não ponderar isso no regulamento, já está a afetar o
exercício da liberdade religiosa.

102
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Na instrução isto tem de ser ponderado, sob pena de o regulamento não ser apenas ilegal mas
aqui um regulamento claramente inconstitucional, porque seria inibitório do exercício de uma
liberdade fundamental. Há tantos e tantos regulamentos sobre a apresentação dos gados, das
crias, se não tiverem em conta o interesse dos proprietários, dos pastores, etc., evidentemente
que esse regulamento poderá estar a legislar sobre uma matéria extremamente sensível, que é
o exercício da atividade profissional, a liberdade de iniciativa económica e isso é matéria de
intervenção primária da lei – ainda que haja esta possibilidade de emitir regulamentos
independentes autónomos e, portanto desenvolver um bloco relativo ao exercício da atividade
profissional, depois na elaboração e na instrução tem de se ponderar todos os interesses
públicos e privados que estejam em presença. Que a liberdade profissional é um valor
egoístico, mas um valor constitucional, fundamental. É necessário que na elaboração do
regulamento isso seja tomado, assim como a liberdade religiosa.

Por isso é que é absolutamente essencial a audiência dos interessados – a participação e a


audiência dos interessados na elaboração destes regulamentos que o órgão responsável pela
direção do procedimento tem de convocar para a respetivas audiências, nos termos do artigo
100.º CPA. Quando as disposições contidas no regulamento afetem de modo direto e imediato
direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, o órgão responsável pela direção
do procedimento tem de submeter o projeto, dentro do prazo razoável, à audiência dos
interessados que como tal se tenham constituído no procedimento. É algo aqui semelhante
àquilo que vimos para o procedimento de elaboração do ato administrativo. Ou seja, logo que
um determinado procedimento possa afetar algum direito ou interesse, seja pessoal, seja
patrimonial dos potenciais destinatários, eis que, evidentemente, a partir deste momento, há
que auscultar a posição desses particulares potencialmente atingidos na sua esfera jurídica por
esse regulamento. Portanto, é claro que aqui na Alta de Coimbra pode ser adotada uma
decisão administrativa de alterar as entradas e saídas de trânsito, de estacionamento – é um
regulamento de trânsito – uma norma jurídica que potencialmente se aplica a um número
indeterminado de pessoas, mas vai condicionar, designadamente para certas pessoas, a sua
mobilidade. Consequentemente, estas pessoas têm de ser auscultadas, ouvidas no
procedimento – se for, em termos práticos, possível. Se não o for, haverá uma outra
alternativa, que será a consulta pública. Pode haver razões em que ou pela razão da urgência,
ou pela razão de quantidade de pessoas que está em causa para ouvir em audiência do
interessado presencialmente ou de outro modo, por escrito, por exemplo, ou por outras
razões legítimas, se não for possível a audiência do interessado ou dos interessados, então…
(muitas vezes, mesmo que sejam milhares, é perfeitamente possível a audiência dos
interessados - aqueles que são milhares e são representados por uma associação
representativa, é claro que a associação vem em representação de eles todos.) Quando não há
circunstâncias institucionais agregadoras desse género e as pessoas são de efeito
multiplicador, quase número incontável, aí é impraticável a audiência dos interessados e,
portanto, o responsável pela direção do procedimento deve substituir a realização da
audiência por uma consulta pública, a qual, aliás, depois tem de ser obrigatoriamente referida
no preâmbulo do regulamento. Isto é obrigatório quando se faz a consulta pública – tem de
constar no preâmbulo do próprio regulamento. Em geral esta pode ser feita por via eletrónica
– se não for por via eletrónica, haverá um sitio adequado para as pessoas consultarem o
projeto de regulamento e aí depositarem o seu contributo contributivo, ou inovador ou critico.
Se, porventura, não houver esta consulta pública quando devia existir, nós vamos ver que isto
vai ter consequências de gravidade ao nível da validade ou da invalidade do regulamento. O
artigo 101.º CPA estabelece depois o modo como se faz a consulta pública. Isto é algo

103
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

absolutamente recorrente no contexto da elaboração de normas regulamentares. Isto é


obrigatório para todas as entidades públicas que emitam regulamentos com eficácia externa.

Ou seja, o responsável pela direção do procedimento pode não proceder à audiência quando a
emissão do regulamento seja urgente; seja razoavelmente de prever que a diligência possa
comprometer a execução ou a utilidade do regulamento; o número de interessados seja de tal
forma elevado que a audiência se torne incompatível, devendo, nesse caso, proceder-se a
consulta pública; os interessados já se tenham pronunciado no procedimento sobre as
questões que importam à decisão. Em qualquer caso, a decisão final deve indicar os
fundamentos da não realização da audiência, de acordo com os números 3 e 4 do artigo 100.º
CPA.

Quando o número de interessados seja de tal forma elevado que a audiência se torne
incompatível ou quando a natureza da matéria o justifique, deve, nesse caso, proceder-se a
consulta pública, para recolhe de sugestões, procedendo, para o efeito, à sua publicação na 2.ª
série do Diário da República ou na publicação oficial da entidade pública, e na Internet, no sítio
institucional da entidade pública em causa, de acordo com o artigo 101.º CPA.

Depois, a possibilidade de haver alguns acordos endoprocedimentais, designadamente com


associações e fundações representativas dos interessados singulares ou pessoais e/ou também
quando, porventura, houver regulamentos emitidos pelos órgãos governamentais que possam
afetar interesses neles próprios das autarquias locais, estas constituírem-se no procedimento
em termos de acordo endroprocedimental e, portanto, combinar vinculativamente, para estas
entidades que estão no procedimento administrativo, as regras de elaboração dos
regulamentos, as regras de participação – quando, em que termos, em que prazos – isso pode
constar num acordo endoprocedimental, como autorizam estes artigos 57.º e 98.º/2 CPA. Ou
seja, quando as circunstâncias o justifiquem, podem ser estabelecidos os termos de
acompanhamento regular do procedimento por acordo endoprocedimental, com as
associações e fundações representativas dos interesses envolvidos e com as autarquias locais,
em relação à proteção de interesses nas áreas das respetivas circunscrições, de acordo com os
artigo 57.º e 98.º CPA.

Depois, a elaboração do projeto final de regulamento administrativo – feita a decisão de


iniciativa, feita a instrução, e, depois, com a audiência ou, não sendo possível a audiência, a
consulta pública – temos, no final, um relatório final, tal como sucede com um ato
administrativo, e aqui temos o projeto final normativo para ser submetido à aprovação dos
órgãos competentes. É claro que no caso em que tenha sido submetida a consulta pública,
deve-se fazer menção no preâmbulo do regulamento. Isto é também imposto, e pela primeira
vez, porque não tínhamos este regime, com a revisão do Código, portanto, o Novo Código de
Procedimento Administrativo de 2015, no artigo 101.º/3 CPA. Atendendo ou não às sugestões
ou reivindicações dos particulares, é elaborado o projeto final do regulamento, que, no caso
de o projeto ter sido sujeito a consulta pública, implica a respetiva menção no preâmbulo do
regulamento, de acordo com o artigo 101.º/3 CPA.

Por fim, a fase constitutiva, que é a fase da decisão, a fase da aprovação. É semelhante ao que
vimos também com o ato administrativo. A diferença é que num ato administrativo, o objeto
de aprovação ou decisão é um ato individual e concreto, a decisão para a pessoa A ou B; aqui,
está para aprovação final um conjunto de normas que vão aparecer ao cidadão, no mundo
exterior da Administração, através de normas regulamentares. Até este momento, em geral,

104
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

como sucede com o ato administrativo, todo o procedimento é conduzido por alguém
responsável pela direção do procedimento.

Nos termos do artigo 55.º CPA, a direção do procedimento cabe ao órgão competente para a
decisão final, mas o órgão competente para a decisão final delega em inferior hierárquico o
seu poder de direção do procedimento, salvo disposição legal, regulamentar ou estatutária em
contrário, ou quando a isso obviarem as condições de serviço ou outras razões ponderosas,
invocadas fundamentadamente no procedimento concreto ou em diretiva interna respeitante
a certos procedimentos, sendo que nos órgãos colegiais aquela delegação é conferida a
membro do órgão ou a agente dele dependente. Pelo que, concretizando-se a fase constitutiva
com o ato de aprovação do regulamento pelo órgão competente, pode suceder que o órgão
competente para o aprovar se recuse, de forma expressa ou implícita, a aprová-lo,
extinguindo-se, assim, o procedimento, ou, eventualmente, podendo ser retomado em moldes
diferentes.

Por fim, tal como vimos para o ato administrativo, mas aqui é necessário, diferentemente do
que sucede no procedimento administrativo do ato administrativo, em que vimos que a fase
de integração de eficácia era meramente eventual e, portanto, não necessária, no caso dos
regulamentos é uma fase necessária. Designadamente quanto à publicação. A publicação do
regulamento é uma condição geral da sua eficácia. Em geral, na segunda série do Diário da
República. Estes regulamentos que o Dr. foi dizendo durante a aula aparecem na II série do
Diário da República. Seja por razão legal ou, sobretudo, por uma razão constitucional, desde
logo resultante do artigo 119.º CRP, todos os atos normativos, portanto, todos os atos com
conteúdo genérico, ou seja, quando diz genérico é atos normativos, atos com noção material
de norma, sejam dos órgãos administrativos do Estado, sejam dos órgãos próprios das regiões
autónomas, seja das autarquias locais – qualquer que seja a entidade, quando emite normas
jurídicas, a sua eficácia está dependente da publicitação. É uma fase absolutamente
necessária, indispensável para que estas normas possam ter eficácia na esfera jurídica dos
cidadãos potencialmente destinatários.

Depois, neste âmbito, um requisito formal e comum a todos os regulamentos externos – artigo
136.º CPA – que é a indicação sempre da lei ou do bloco de leis, no caso dos regulamentos
independentes autónomos, que constituem objeto de regulação. É uma fase necessária, uma
indicação formal necessária da qual depende a legalidade do regulamento – indicação, por
exigência constitucional, estabelecida, desde logo, no artigo 112.º CRP, mas, depois, no CPA
vem concretizar essas normas constitucionais a estabelecer que os regulamentos devem
indicar expressamente as leis que visam regulamentar.

Para resumir, a fase integrativa da eficácia é constituída pelas formalidades que desencadeiam
os efeitos jurídicos externos do regulamento. Entre elas encontram-se a publicitação ou o atos
que constituam o resultado de procedimento de controlo. A publicidade é condição de eficácia
do regulamento, de acordo com o artigo 139.º CPA e 119.º/2 CRP.

Quanto às formas regulamentares mais importantes, que surgem, digamos, ao cidadão no


Diário da República.

Quanto aos regulamentos do Governo, um tipo regulamentar que já conhecem – os decretos


regulamentares, designadamente quando sejam regulamentos independentes, previstos no
artigo 112.º/6 CRP. Depois, as resoluções normativas do Conselho de Ministros. Recordam-se,
seguramente, até agora, das notícias de que o Governo aprovou uma resolução para este
contexto... no dia seguinte, aprovou mais duas… é praticamente diária a emissão de resoluções

105
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

no contexto do estado sanitário. Estas resoluções são, em geral, atos normativos emitidos no
exercício da função administrativa, mas são aprovados em Conselho de Ministros. Os decretos
regulamentares são sempre aprovados no Conselho de Ministros. As resoluções do Conselho
de Ministros também são sempre aprovadas no Conselho de Ministros. Estes dois atos são
atos regulamentares do Conselho de Ministros. Às vezes as resoluções são meras
proclamações políticas, e quando assim é, é o exercício de função política e não o exercício de
função administrativa. Em geral, são atos de caráter regulamentar. O que é importante para
efeitos da justiça administrativa, portanto, para efeitos do Direito Administrativo III, primeiro –
saber se a resolução é ou não impugnável como regulamento administrativo; em segundo
lugar, saber em que tribunal ou hierarquia de tribunal deve ser impugnada, porque é aprovada
pelo Conselho de Ministros, que reúne a presidência do Conselho de Ministros e, portanto,
isso é algo com consequências praticas extraordinariamente importante para efeitos, depois,
de impugnação contenciosa. Depois, existem outros regulamentos, que já têm formas típicas.
Por exemplo, a forma Portaria – a portaria do Ministro da Saúde; portaria do Ministro das
Finanças. Esta portaria da Administração Interna sobre o tal fardamento, ou os despachos
normativos emitidos pelos ministros. Isto são formas rotineiras habituais de cada um dos
ministros no exercício da função administrativa – emitir regulamentos administrativos. Aí, a
forma é típica. É mais típica no Governo do que nas outras entidades, exceto as Regiões
Autónomas, que são os decretos regulamentares regionais, mas em relação ao Governo, ou é
Decreto Regulamentar, ou é Resolução do Conselho de Ministros, ou são Portarias normativas
(portarias genéricas, emitidas por um ou mais ministérios, mas em nome do Governo) ou
Despachos normativos de um ou mais Ministros. É isso que, por regra, o Governo usa para
emitir normas com formato de regulamentos.

Depois, os regulamentos das Regiões Autónomas revestem a forma de decreto regulamentar


regional e, portanto, a Assembleia Legislativa Regional ou dos Açores ou da Madeira emite
normas legislativas, os decretos legislativos regionais e, depois, o Governo Regional dos Açores
ou da Madeira emite, para pormenorizar esses regimes legais dos decretos legislativos
regionais ou desenvolvê-los ou completá-los, emite, depois, decretos regulamentares
regionais, de acordo com o artigo 233.º/1 CRP.

Quanto aos regulamentos das autarquias locais, não têm uma forma também específica.
Regulamento de trânsito – aparece o município de Coimbra, regulamento de trânsito. Ou
regulamento de polícia, ou o regulamento de taxas para as atividades X, ou o regulamento
para a circulação e o passeio de animais. Estes regulamentos revestem a forma a que se
dirigem, em geral, identificando o objeto a decidir. Regulamento de taxas para a área
urbanística; regulamento de taxas para a área do comércio e atividades conexas… Portanto,
têm uma forma atípica, não específica, para a sua emissão. Muitas delas são posturas, e por
isso existem os códigos de posturas municipais – postura municipal número x, que vem
regulamentar a matéria Y ou Z. Muitas vezes aparecem sob a forma de postura, às vezes até
ainda em alguns transportes públicos se encontra lá escrita a postura municipal X sobre o
modo de ocupar o autocarro – com que higiene, com que condições, se se pode ou não levar
animais, etc. – está lá a postura até ainda publicada, que já vem do antigamente, mas que
ainda ali permanece como postura vigente. Muitas delas são as chamadas posturas municipais,
algo que já vem de uma aquisição da história do Direito.

Depois, para as outras entidades públicas, também não há formas típicas, exceto para o caso
das universidades, em que o regulamento que estabelece os estatutos tem de se chamar
mesmo Estatuto da Universidade X ou Y. Estatuto da Universidade de Coimbra, Estatuto da

106
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Universidade de Lisboa, etc., têm de ter a indicação formal, por força de lei, porque o RJIES diz
que cada universidade aprova o seu estatuto – isso significa que, por lei, já está a ser dada uma
forma ao regulamento, que são os estatutos. Tem de ter a designação formal de Estatutos.

Ou nas ordens profissionais – quem tiver, um dia mais tarde, contacto com a Ordem dos
Advogados, vai ver que encontra um número elevado de regulamentos – regulamento
deontológico, regulamento disciplinar, regulamento de estágio – vai encontrar diferentes tipos
de regulamentos em que cada um deles, evidentemente, vai ter uma forma típica ou específica
– existe uma pluralidade de forma de emissão de normas regulamentares.

Cada atividade regulamentar externa é essencial, uma vez que daqui depende a validade dos
regulamentos, e, portanto, esta condição de validade é inerente a qualquer norma
regulamentar e, portanto, isto é importante, evidentemente para o caso prático, e é claro que,
de uma maneira ou de outra, também este ponto estará presente na elaboração e resolução
de respostas para o caso prático sobre os regulamentos, são os princípios jurídicos atinentes à
atividade regulamentar externa.

O primeiro, que não é, evidentemente, grande novidade, é o princípio da legalidade,


concretizado no primado da lei e na precedência de lei. Designadamente, o primado da lei
concretiza a superioridade hierárquico-normativa da lei e, portanto, o regulamento que
contrarie a lei, contrarie um ato hierarquicamente superior, é ilegal. Isto numa conceção
simples ou político-constitucional. Na precedência da lei, para além de implicar que cada
regulamento invoque expressamente a lei ou as leis que visa regulamentar, deve… isso é
extraordinariamente importante, parece algo formal, porque é com isso que, ao ler o
preâmbulo do regulamento, imediatamente concluímos se, porventura, o regulamento estará
ou não estará a estabelecer matéria inovatória sem ter qualquer habilitação legal e, portanto,
poder invadir aquilo que são as matérias constitucionais primariamente reservadas à
intervenção da lei, ou seja, ao princípio da reserva de lei. Aí, evidentemente, que em matéria
de reserva de lei constitucional, os regulamentos de caráter executivo não têm qualquer
problema jurídico-constitucional, porque não inovam, limitam-se a facilitar a execução das leis
e, portanto, são até algo necessário à facilitação de execução de leis em matéria mais
melindrosas, mas fora disso, evidentemente, não pode haver intervenção regulamentar em
matéria de intervenção primária da lei. É claro que, depois, tem de haver aqui algum equilíbrio
constitucional, no plano administrativo, que é conciliar o princípio da reserva de lei e a
garantia das autonomias normativas, designadamente das regiões autónomas e das autarquias
locais. Equilíbrio este que nem sempre é… e esta é das partes mais litigantes ao nível dos
regulamentos, em que muitas e muitas matérias têm ido ao Tribunal Constitucional, seja por
intervenções normativas das Regiões Autónomas, seja por intervenções normativas das
Autarquias Locais, e um dos espaços mais litigiosos para esta dificuldade de concordância
prática está, designadamente, a questão da regulamentação do exercício da liberdade política
em alturas de campanha eleitoral. Há ou não há pinturas morais para o exercício da liberdade
política? Muitos municípios emitem regulamentos inibitórios, e nas regiões autónomas
também. Mas quem é que deve estabelecer isto? Isto é reserva de lei. Há os interesses locais,
de não pintar as casas, o património, as ruas, ou outros locais até protegidos. Claro que sim,
isso é um interesse municipal. Claro que sendo um interesse municipal, compete ao município
resguardá-lo, conservá-lo e prevenir a ofensa. Este é um dever e, portanto, um dever de
regulamentar. O problema é que depois está aí associado o exercício de um valor
constitucional cuja competência primária normativa não pertence ao município regulamentar,
mas pertence à Assembleia da República. Consequentemente, os municípios, incluindo as

107
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Regiões Autónomas, emitiram regulamentos sobre o exercício ou da liberdade de


manifestação, ou do exercício da liberdade política, designadamente em alturas de
propaganda eleitoral, emitiram estas normas, mas era necessário, primeiro, uma intervenção
primária da lei. Depois, só a partir daí é que os municípios ou as regiões autónomas poderiam
estabelecer regras próprias. Aí é que se faz o equilíbrio ou a concordância prática entre reserva
de lei e o exercício das autonomias municipais. Se houver uma lei que estabeleça que é
legitimo o exercício da liberdade política em qualquer momento e, designadamente, nas
alturas das campanhas eleitorais, contudo, esta liberdade política não pode perturbar o
património, a estética, a arquitetura, etc., competindo a cada município ou às regiões
autónomas a definição específica dos edifícios ou locais em que não é possível a colocação de
cartazes ou a realização dessas pinturas murais propagandísticas. Aqui, a lei disciplinava o
exercício da liberdade política e, simultaneamente, autorizava os municípios e as regiões
autónomas para que, o âmbito dos edifícios, locais públicos, etc., que devessem ser
protegidos, claro que o legislador não os pode conhecer a todos, são estas entidades
administrativas locais que os podem conhecer, e, aí, concedia-lhes essa autonomia normativa
para disciplinar e completar a lei naquelas situações em que deveria haver essa proteção em
termos do exercício da liberdade política ou liberdade de manifestação.

Esta é matéria toda de sensibilidade de intervenção primária do legislador. Só depois é que


pode haver uma intervenção, agora secundária e complementadora por parte ou das
autarquias locais, ou das regiões autónomas.

Para resumir, o principio da legalidade é concretizado no primado da lei, incluindo o primado


da Constituição, e na precedência de lei, assumindo especial importância o princípio
constitucional da reserva parlamentar e a inerente exigência de densidade legal acrescida (nas
matérias reservadas ao Parlamento são de admitir os regulamentos independentes do
Governo, embora seja de admitir, ainda que de forma limitada, regulamentos independentes
autónomos, por razões ligadas à harmonização ou concordância prática entre o princípio da
reserva de lei e a garantia das autonomias normativas, como sucede com as Regiões
Autónomas e as Autarquias Locais.)

Há também uma especial relevância dos princípios substanciais da juridicidade, por exemplo,
os princípios da igualdade e da proporcionalidade, cuja valia normativa é geral, isto é, aplicável
a todos os regulamentos, incluindo os que tenham caráter predominantemente técnico, como
acontece com muitos regulamentos emitidos pelas autoridades reguladoras independentes. Se
eles não forem observados, é claro que isso vai conduzir a que o regulamento tenha um vicio
substantivo ou de conteúdo e que, consequentemente, seja um regulamento inválido.

Na ponderação da elaboração dos regulamentos, ponderam-se todos os interesses. Se não


ponderar todos os interesses, vou estar a violar o princípio da imparcialidade na ponderação
dos interesses público e privados em presença da regulação do regulamento. Designadamente,
a imparcialidade que vincula a entidade pública a ponderar os interesses relevantes, na relação
de normas, este é um princípio que está presente, desde logo, a instrução dos regulamentos.
Quando na instrução nós falamos que tem de haver aquela ponderação entre interesses
públicos ou privados, a ponderação dos custos e benefícios, eu estou ali estritamente
vinculado pelo princípio da imparcialidade. Não há discricionariedade administrativa na
ponderação. Está vinculado a fazer essa ponderação, outra coisa é o juízo da ponderação, e aí
é que já pode haver discricionariedade.

Regime especial aplicável à atividade regulamentar externa.

108
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Este regime foi concebido pela doutrina e jurisprudência, tendo transitado para o direito
positivo com o CPA de 2015, que revogou o CPA de 1991. Vale, em especial, o regime que
consta dos artigo 137.º a 147.º, designadamente:

- A obrigatoriedade da emissão de regulamentos executivos, de acordo com o artigo 137.º/1,


quando a adoção de um regulamento seja necessária para dar exequibilidade a ato legislativo
carente de regulamentação (em geral, o prazo para a emissão do regulamento é, no silêncio da
lei, de 90 dias). Se uma norma legal diz que cabe à Ordem dos Advogados a elaboração do
regulamento de acesso ao estágio, este regulamento não é um regulamento executivo, é um
regulamento inovatório, há um dever de regulamentar. Mas, e em primeiro lugar, há logo um
dever de emissão de regulamentos executivos. Se a lei que regula a PSP estabelece que cabe
ao Governo, através de regulamento administrativo, estabelecer as regras sobre os usos de
uniformes, este é um regulamento meramente executivo, mas o regulamento é
extraordinariamente importante, até para o cidadão, para o cidadão saber se é ou não é uma
autoridade pública e que autoridade pública é, bem como para o cidadão saber como é que se
há de relacionar com ela. A omissão de regulamentos pode gerar responsabilidade civil
extracontratual ou pode legitimar a propositura de uma ação de condenação à emissão de
normas administrativas, nos termos dos artigos 72.º e ss. CPTA.

- A proibição da simples revogação de regulamentos executivos que sejam necessários à


execução de atos legislativos, de acordo com o número 1 do artigo 137.º CPA. Não há
disponibilidade administrativa para revogar um regulamento que seja necessário à execução
da lei, sob pena de a revogante colocar uma lacuna em termos da eficácia prática das normas
legais, e quem delas beneficiaria deixaria de ter esse beneficio, se não houvesse um
regulamento executivo que lhe conceda essa eficácia aplicativa.

- A caducidade automática dos regulamentos como consequência da revogação das leis que
visem executar, exceto nas situações em que sejam compatíveis com as novas leis e até que
sobrevenha nova regulamentação, de forma a evitar o vazio normativo-regulamentar, de
acordo com o artigo 145.º CPA. Há de haver uma revogação de um ato legislativo, mas
enquanto não for aprovado um novo ato legislativo que substitua esse, aquele regulamento
mantém-se em vigor.

- A regra geral da irretroatividade dos regulamentos, exceto quanto aos regulamentos de atos
legislativos retroativos e dos regulamentos necessários à execução das leis, de acordo com o
artigo 141.º CPA;

- A regra geral da inderrogabilidade singular dos regulamentos: os regulamentos externos


obrigam os particulares e a própria Administração, que é a sua fonte orgânica, devendo todas
as autoridades administrativas observá-los nos casos concretos a que aqueles se apliquem e
enquanto vigorarem, incluindo a própria entidade autora do regulamento, que só poderá
deixar de o cumprir ou dele divergir se – e quando – o revogar, de acordo com o artigo 142.º/2
CPA.

- A título excecional, a admissibilidade de recusa de aplicação de regulamentos


administrativos: competência de recusa de aplicação limitada a certos órgãos administrativos
de regulamentos que considerem inconstitucionais ou contrários ao direito da União Europeia
ou ilegais, mas desde que a antijuridicidade seja manifesta e esse juízo seja feito por ministros
ou órgãos superiores da Administração autónoma e quando estes tenham competência
regulamentar;

109
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

- A sujeição a impugnabilidade administrativa: a reclamação para o autor do regulamento ou


recurso hierárquico para o órgão hierarquicamente competente para a respetiva declaração de
invalidade, modificação, suspensão, revogação ou para a condenação à emissão, quando exista
uma omissão ilegal da emissão de um regulamento, de acordo com o artigo 147.º CPA.

- A impugnabilidade judicial direta dos regulamentos para os Tribunais administrativos, de


acordo com o artigo 268.º/5 CRP e artigo 72.º e ss. do CPTA: esta tem de fundamentar-se na
ilegalidade do regulamento (e não apenas na inconstitucionalidade, por a apreciação desta,
em abstrato, constituir reserva do Tribunal Constitucional).

Temos diversas fontes orgânicas destes regulamentos e, consequentemente, poderão surgir


conflitos entre eles. Isso significa, desde logo, que tem de haver uma regra geral que
estabeleça o principio básico da relação entre os regulamentos administrativos.

A regra geral é de que nas relações entre regulamentos administrativos vigora a regra geral de
inexistência de hierarquia e, portanto, a paridade de força ou valor normativo; trata-se de atos
normativos regulamentares de valor infraconstitucional e infralegal. Até porque o âmbito de
aplicação dos regulamentos é delimitado pelas atribuições e competências de cada pessoa
coletiva pública, pelo que as possíveis situações de hierarquia ou de conflitos normativos entre
regulamentos são excecionais. Temos, por princípio geral uma paridade ou valor normativo
equivalente ou paritário entre os diversos regulamentos administrativos externos, ou seja,
regulamentos que produzem efeitos jurídicos no exterior da Administração. O surgimento
destes conflitos provocaria não apenas um problema de litigância mas também problemas ao
nível da própria confiança, segurança e certeza jurídicas dos cidadãos. Perante uma
pluridimensionalidade de normas administrativas, os cidadãos teriam de se perguntar sempre
a que regras observar. Esta regra geral evita esse problema. Cada entidade pública tem as suas
atribuições – a UC tem as suas atribuições, cada Município tem as suas atribuições legalmente
delimitadas, o Estado-Administração igual, as associações públicas profissionais de igual
modo… Se cada pessoa coletiva pública emitir regulamentos no âmbito dessas atribuições, ou
das atribuições que a lei reconhece a cada uma dessas pessoas coletivas públicas,
consequentemente, fica desde logo mitigada a possibilidade da existência de conflitos
normativos.

Esta é a regra, mas pode existir, por vezes, alguma situação de conflito.

Se existirem conflitos entre estas normas, mesmo ao nível das autarquias locais, que são
compostas pelos municípios e pelas freguesias, pode suceder a existência de algum conflito,
desde logo porque os municípios têm competência regulamentar e, designadamente, para
emitir os regulamentos independentes autónomos, e as freguesias também têm competência
regulamentar. Desde logo, aí, pode surgir conflito entre regulamento do município e
regulamentos emitidos pelas freguesias. A regra geral é, neste caso, na relação entre
regulamentos dos municípios e, portanto, emitidos pelas Assembleias Municipais, e
regulamentos emitidos pelas freguesias, através das Assembleias de Freguesia, a regra é que
os regulamentos municipais prevalecem sobre os regulamentos das freguesias, salvo se estes
regulamentos das freguesias se configurarem como normas especiais, ou seja, normas que
regulamentam determinada matéria da atribuição e competência própria dos órgãos da
freguesia, designadamente da Assembleia e da Junta de Freguesia, e, se for possível qualificar
esse regulamento como um regulamento especial, aqui vale aquilo que nós já conhecemos da
Teoria Geral do Direito, que havendo conflito entre norma geral e norma especial, devemos
salvaguardar o regime da norma especial. É esta regra que está também presente no regime

110
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

do CPA em matéria de relação entre regulamentos administrativos. O mesmo pode suceder


entre regulamentos do próprio município. O município tem uma competência vasta em
matéria de regulamentos – urbanísticos, de ordenamento de território, os planos diretores
municipais – e depois há normas ainda na mesma matéria que podem estabelecer algumas
particularidades de regime relativamente à mesma matéria. Estes podem conter normas que
estabelecem particularidades. Se assim suceder, estas normas têm de ser qualificadas como
normas especiais, relativamente às normas gerais. Ou seja, as possíveis situações de conflito
são resolvidas com recurso às conhecidas regras gerais que regem as relações entre normas
gerais e normas especiais, preferindo a aplicação da norma especial, mesmo que seja anterior
(é o que sucede nos municípios, na relação entre regulamentos que estabeleçam planos de
pormenor e regulamentos definidores de planos diretores municipais, ou entre os
regulamentos municipais – que prevalecem sobre os regulamentos das freguesias -, salvo se
estes configurarem normas especiais, de acordo com o artigo 138.º/2 CPA.)

O mesmo sucede nas relações entre as autarquias locais, das Regiões Autónomas e do
Governo. Também aqui há, não raras vezes, conflitos de regime – designadamente do
confronto entre regulamentos das autarquias locais, regulamentos das Regiões Autónomas e
regulamentos do Estado, designadamente em matéria que se aparenta como concorrente.
Estas três entidades podem, pela via regulamentar, concorrer no estabelecimento de um certo
regime sobre essas matérias. Quando assim sucede, também por força do artigo 138.º/1 CPA,
devem prevalecer, aqui, os regulamentos do Governo. É uma espécie de lógica de garantia de
uma unidade administrativa que cabe ao Governo. Nessa medida, ele é o garante da atuação
da unidade administrativa. Ou seja, nas relações entre os regulamentos governamentais, no
domínio das atribuições concorrentes do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias
locais: prevalecem os regulamentos governamentais sobre os regulamentos regionais e
autárquicos e das demais entidades dotadas de autonomia regulamentar, salvo se estes
configurarem normas especiais (artigo 138.º/1 CPA). No entanto, os princípios da
subsidiariedade, da autonomia local e da descentralização.

Também aqui pode configurar-se, e o que é até mais usual, um mero aparente conflito
normativo entre regulamentos administrativos, na medida em que, se cada município e cada
uma das Regiões Autónomas, ao regulamentar uma determinada matéria, se se contiver
exclusivamente no âmbito das respetivas matérias e, portanto, não regular matéria
concorrente com o Estado, mas exclusivamente aquela que é exclusivamente especifica ou do
Município ou da Região Autónoma, então, também neste âmbito, aquilo que era o aparente
conflito se resolve através da relação entre norma geral e norma especial e,
consequentemente, prevalece, naquilo que é matéria exclusiva de Município ou Região
Autónoma, as normas especiais do Município e as normas especiais das Regiões Autónomas.

Esta regra de prevalência especial é reforçada por princípios constitucionais, como o princípio
da subsidiariedade – o Estado-Administração só deverá intervir em matérias em que,
porventura, as autonomias locais ou regionais não consigam corresponder e, portanto, deve
vigorar o princípio da subsidiariedade, só se admitindo a intervenção regulamentar do Estado
sem situações excecionais ou de imperiosa necessidade ou, então, em matérias lacunares dos
municípios ou das regiões autónomas, de forma a que venha suprir essa lacuna regulamentar,
o Governo, por uma razão justificada também à luz da salvaguarda do interesse público; para
além disso, há os princípios de salvaguarda da descentralização, seja descentralização político-
administrativa para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, seja a descentralização
meramente administrativa para as Autarquias Locais. São princípios também constitucionais

111
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

de organização da nossa Administração Pública e que também valem em matéria


regulamentar. Numa relação entre regulamentos das Regiões Autónomas, das Autarquias
Locais e do Governo, podemos invocar a regra da relação entre a norma geral e a norma
especial, mas também os princípios da subsidiariedade da intervenção do Estado
administrativo, da salvaguarda da autonomia local e de um princípio essencial na organização
administrativa que é o principio da descentralização da Administração. Os interesses das
populações locais devem , primariamente, ser autogovernados, autodefinidos, autogeridos,
autorregulamentados por essas mesmas populações locais através dos respetivos órgãos
democraticamente eleitos.

Em certos casos também há uma relação entre os próprios regulamentos emitidos pelo
Governo. Têm uma competência regulamentar geral, designadamente no artigo 199.º, alínea
c) da CRP – cabe-lhe dinamizar toda a ordem jurídica através de regulamentos administrativos
que facilitem, desde logo, a aplicação das leis. Tendo esta competência regulamentar alargada,
e podendo emitir regulamentos com diversas formas, também é natural que aqui possam
existir conflitos normativos, que são resolvidos também no CPA, no artigo 138.º, por uma
dignidade procedimental de emanação deste tipo de regulamentos. Desde logo, os decretos
regulamentares, que para além de serem aprovados pelo Conselho de Ministros, estão sujeitos
à promulgação do Presidente da República e, portanto, do ponto de vista da sua produção
normativa, por força da própria CRP, estes atos regulamentares do Governo dispõem de uma
força formal reforçada. Portanto, prevalecem sobre as portarias normativas, os despachos
normativos ou qualquer outro regulamento que seja dos órgãos do Governo. De igual modo
para as resoluções normativas do Conselho de Ministros, quando elas sejam qualificáveis como
regulamentos (nalguns casos são meras declarações programáticas ou políticas – aí são um ato
político, e não um regulamento; outras, como ultimamente tem sucedido de forma semanal, o
Governo tem aprovado através de resolução uma quantidade infindável de normas
administrativas – essas resoluções são claramente regulamentos administrativos. Também
aqui têm um valor reforçado por serem aprovadas em Conselho de Ministros). Ou seja, nas
relações entre os próprios regulamentos governamentais: prevalência para os decretos
regulamentares, por disporem de um valor formal reforçado pela promulgação do Presidente
da República; para as Resoluções normativas do Conselho de Ministros, quando consistam em
regulamentos, pelo seu valor substancial reforçado, que lhe advém da aprovação em
Conselhos de Ministros; portarias normativas, despachos normativos ou genéricos.

A invalidade dos regulamentos – artigo 143.º CPA

A regra geral é que são inválidos os regulamentos que sejam desconformes com a
Constituição, com a lei (os regulamentos, enquanto atos normativos infralegais, terão de ser
conformes ou, pelo menos, não ser desconformes com qualquer lei do ordenamento jurídico –
uma vez que a lei é um ato normativo hierarquicamente superior ao regulamento, pelo que o
regulamento deve ser conforme aos parâmetros formais e substantivos das leis – lei como lei
da Assembleia da República, decreto-lei do Governo e decreto legislativo regional das
Assembleias Legislativos Regionais) e os princípios gerais de direito administrativo (que estão
no artigo 266.º/2 CRP, e têm de observar estes princípios tal como são definidos ou
apresentados nos artigos 3.º e ss. do CPA) ou que infrinjam normas de direito internacional ou
de direito da União Europeia (artigo 143.º/1 CPA).

Mas, são ainda inválidos os regulamentos que desrespeitem os regulamentos emanados dos
órgãos hierarquicamente superiores ou dotados de poderes de superintendência – aqui,
fundamentalmente está em causa a relação dos Ministros que detêm tutela e

112
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

superintendência sobre os institutos públicos – se o Ministro da Segurança Social emite um


regulamento que disciplina a atribuição de determinado subsídio ou apoio social, esse
regulamento não pode ser confrontado por um regulamento emitido pelo conselho diretivo do
Instituto da Segurança Social, porque é um instituto público sujeito à superintendência do
Ministro do Trabalho e Segurança Social (neste caso, uma ministra); os regulamentos que
desrespeitem os regulamentos emanados pelo delegante, salvo se a delegação incluir a
competência regulamentar e os regulamentos que desrespeitem os estatutos emanados ao
abrigo da autonomia normativa nas quais se funde a competência para a respetiva emissão, de
acordo com o artigo 143.º/2 CPA. Basta dar o exemplo dos Estatutos da UC – os Estatutos são
o ato regulamentar por excelência da universidade – todas as outras normas regulamentares,
em matéria académica, matéria de bolsas, matéria de propinas, matéria de avaliações,
emitidas pelos órgãos próprios da UC têm de estar em conformidade com os Estatutos. Estas
normas estatutárias, para além de serem um regulamento administrativo, constituem um
parâmetro de validade de todos os outros regulamentos emitidos pela UC ou pelas faculdades
e departamentos da UC. Estas são regras que estabelecem a resolução de conflitos normativos
ou que estabelecem os requisitos de validade das normas regulamentares.

Contudo, também no regulamento existem, seja por conflitos de regime, seja porque os
regulamentos substancialmente não respeitam as normas hierarquicamente superiores ou os
princípios, isso conduz à invalidade do regulamento. O regime da invalidade dos regulamentos
administrativos está previsto no artigo 144.º CPA. Seja uma invalidade formal, uma invalidade
procedimental, uma invalidade substantiva material, também aqui, como vimos no ato
administrativo, há um regime próprio para a invalidade dos regulamentos.

Ao contrário do que sucede no ato administrativo, em que a regra é a de haver um tempo


prescritivo para invocar e impugnar um ato administrativo por invalidade – a regra geral é de 3
meses – só nas situações em que o ato seja nulo é que a nulidade pode ser invocada e
declarada a todo o tempo, quanto ao regulamento, a regra é de que ela pode ser invocada a
todo o tempo por quem tenha legitimidade – por quem seja prejudicado na sua esfera de
interesses pessoais ou patrimoniais pelas normas regulamentares – é um conceito amplo de
legitimidade processual para a impugnação do regulamento. Também pode o órgão
administrativo declarar essa invalidade a todo o tempo. Pretende-se salvaguardar a ordem
pública administrativa com normas legais, isto é, com normas válidas, normas jurídico-
administrativas, denominadas por regulamentos, que devem manter-se na ordem pública
administrativa de forma válida. Pretende-se preservar a legalidade do ordenamento jurídico-
administrativo da Administração. Daí que haja esta possibilidade alargada não só dos
particulares poderem invocar a todo o tempo essas ilegalidades, mas também os órgãos
administrativos não perderem a possibilidade de oficiosamente declararem essa invalidade.
Isto tem a ver com uma racionalidade substantiva que é salvaguardar uma ordem jurídico-
administrativa e salvaguardá-la permanentemente em termos de assegurar a legalidade dessa
ordem normativa. Para assegurar a legalidade ou a validade dela, há que expurgar dessa
ordem normativa aquilo que seja ilegal. Nessa medida, assim se compreende esta
disponibilidade por parte de um órgão público poder eliminar, expurgar essa ordem normativa
de regulamentos ilegais. O Reitor, sendo o órgão máximo da UC, tem o poder de declarar a
invalidade/ilegalidade de normas que repute de ilegais no contexto da UC, por exemplo. A
mesma coisa nas ordens profissionais com os bastonários da respetiva ordem. A regra é a de
uma disponibilidade a todo o tempo para declarar a todo o tempo essa invalidade.

113
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

A regra geral é a de que a invalidade do regulamento pode ser invocada a todo o tempo por
qualquer interessado e pode, também a todo o tempo, ser declarada pelos órgãos
competentes.

A exceção é que os regulamentos que enfermem de ilegalidade formal ou procedimental da


qual não resulte a sua inconstitucionalidade só podem ser impugnados ou declarados
oficiosamente inválidos pela Administração no prazo de seis meses, a contar da data da
respetiva publicação, salvo nos casos de carência absoluta de forma legal ou de preterição de
consulta pública exigida por lei. O Código considera que estas situações serão menos gravosas
para a ordem publica administrativa e, consequentemente, estabelece um prazo mais curto –
de 6 meses – para suscitar ou invocar a ilegalidade dessas normas – que embora ilegais, são
têm tão enorme gravidade que pudessem estar permanentemente na disponibilidade quer dos
particulares, quer dos órgãos administrativos para serem declaradas ilegais. Se o problema da
forma for uma questão de carência absoluta de forma, ou quando não haja consulta pública
quando exigida por lei – se as desvirtudes no procedimento e na exteriorização da norma
regulamentar forem estas, o legislador salvaguarda esta circunstância, retomando a regra
geral da invocação da invalidade a todo o tempo. Por exemplo, se a lei diz que a UC tem de ter
um regulamento com a forma de Estatutos, se a UC cria um regulamento com essa finalidade
mas não lhe chama Estatutos, então há carência absoluta de forma.

A retroatividade e efeito repristinatório: a declaração administrativa de invalidade produz


efeitos desde a data de emissão do regulamento e determina a repristinação das normas que
ele haja revogado, salvo quando estas sejam ilegais ou tenham deixado por outro motivo de
vigorar, devendo o órgão competente reconhecer o afastamento do efeito repristinatório,
quando esta se verifique. Se o regulamento que é declarado ilegal tinha revogado normas
regulamentares anteriores, revogando-as ilegalmente, essas normas são automaticamente
repristinadas na sua vigência. Se estas normas tiverem deixado de vigorar por outras razões,
obviamente, o problema não se coloca, e não se produzirá o efeito repristinatório.

Limite à retroatividade: a retroatividade da declaração de invalidade não afeta os casos


julgados nem os atos administrativos que se tenham tornado inimpugnáveis – isto é, aqueles
que tenham formado caso decidido – uma função estabilizadora da ordem jurídica
administrativa – aí, a regra geral, é de que o caso julgado – sentença judicial emitida que se
eternizou, fica intocável; por outro lado, os atos administrativos que já tenham um caso
decidido administrativo, salvo, neste último caso, quando se trate de atos desfavoráveis para
os destinatários. Aqueles atos, que à sombra do regulamento declarado ilegal tenham
produzido efeitos favoráveis, e que o particular, de boa-fé, não sabia que o regulamento era
ilegal, não contribuiu para a sua ilegalidade, mas programou a sua vida à luz dessas normas
regulamentares – obtendo apoios ou fazendo investimentos em função destas normas – seria
um sacrifico intolerável, do ponto de vista até do princípio do Estado de Direito, desfazer todo
esse investimento de confiança que as pessoas ou as empresas fizeram com base nessas
normas. Nestes casos, preservam-se as situações que se tenham formado na esfera jurídica
dos particulares.

Há muita jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre regulamentos administrativos.


Designadamente, regulamentos administrativos que estabelecem taxas – isto é, quantias
pecuniárias a serem pagas pelos particulares, ou porque utilizam serviços administrativos ou
porque fazem atividade urbanística, ou porque iniciam uma atividade, ou porque estão sob o
âmbito da atividade reguladora das autoridades reguladoras – em todos os domínios, na
relação entre as administrações públicas e os particulares, os operadores económicos, há

114
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

sempre lugar ao pagamento de taxas. Quem estabelece essas taxas, esses montantes
pecuniários dos serviços prestados, por regra, são os regulamentos administrativos – seja na
Universidade, num Município, numa qualquer entidade reguladora, num instituto público,
num Ministério…

O grande problema que se tem colocado, para além da precedência de lei, é saber se estas
taxas são proporcionais em função dos serviços prestados. Se há ou não há uma observância,
na fixação destas taxas, do principio da proporcionalidade. Porque uma taxa é um preço, isto
é, uma quantia pecuniária que deve corresponder a um sinalagma equitativo ou equilibrado.
Isto é, a taxa que se exige ao particular deve ser proporcional em relação ao custo do serviço
prestado. Se exceder isto temos um problema de ilegalidade substantiva, por violação do
principio da proporcionalidade. Aqui, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido
reprovadora destes regulamentos sobre preços ou quantias pecuniárias. Também muito
frequente ao nível da exigência dos princípios da precedência de lei, para além da primaridade
da lei. Uma jurisprudência do Tribunal Constitucional a salvaguardar o princípio da legalidade
administrativa na relação entre leis e regulamentos. Cada regulamento tem de ter habilitação
numa lei específica ou, quando se trate dos regulamentos independentes autónomos, num
bloco normativo ou num conjunto de leis. Só assim existe a precedência de lei. Não existindo
isto, o regulamento é ilegal por violação de um princípio fundamental, que é o da precedência
de lei relativamente aos regulamentos.

Vamos ver um esquema sobre os requisitos de validade dos regulamentos administrativos.

Nos regulamentos administrativos, nós podemos ter requisitos de validade relativos ao sujeito,
como tínhamos no ato administrativo, de forma diferente, mas que no ato administrativo nós
dizíamos o pressuposto legal, portanto, o fim e o pressuposto legal, o pressuposto concreto;
aqui, em matéria regulamentar, falamos mais em habilitação legal para a emissão do
regulamento e, portanto, o princípio da precedência de lei e, consequentemente, se violar o
princípio da precedência da lei teremos um vicio substantivo do regulamento, por violação
deste principio constitucional da precedência da lei, ou a falta de menção da lei ou decreto-lei
que o regulamento disciplina através de uma norma regulamentar. Cada regulamento, seja ele
de um município, seja ele da universidade pública, seja ele do Ministério da Saúde, ou da
Segurança Social, ou da Economia… cada regulamento que é emitido, independentemente da
forma, deve sempre invocar a habilitação legal, isto é, qual é a lei ou o decreto-lei que aquele
regulamento visa regulamentar. Se isso não estiver, há uma invalidade formal do regulamento,
porque no preâmbulo do regulamento deveria constar a norma legal habilitante da emissão
daquele regulamento ou o bloco normativo legal habilitante da emissão daquele regulamento,
no caso de se tratar de regulamentos independentes autónomos. Teremos sempre aqui um
problema de um vício que, quanto aos requisitos dos regulamentos, se localiza na habilitação
legal, ou na falta de habilitação legal, ou por inobservância da precedência da lei, ou existindo
precedência da lei, existindo a lei ou o decreto-lei ou o decreto legislativo regional, ele não é
mencionado, não é identificado no preâmbulo do regulamento administrativo,
independentemente de ser municipal, da universidade pública, do Governo ou de uma
autoridade reguladora ou de um instituto público.

À semelhança do que vimos também no ato administrativo, um vício substantivo, material ou


de conteúdo e, portanto, aqui é o próprio confronto do regime do regulamento com princípios
ou normas que lhe são hierarquicamente superiores – se nesse confronto se concluir que se
viola um principio ou se viola uma norma superior, temos um problema de desconformidade
de conteúdo. Consequentemente, esse regulamento é ilegal por violação desse principio

115
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

substantivo, dessa juridicidade substantiva principiológica ou de normas que têm uma


hierarquia superior e que estabelecem um regime que o regulamento deveria observar mas
não observa – é desconforme – consequentemente é substancialmente inválido e, portanto,
incorpora um vicio.

Também, como vimos no ato administrativo, pode haver ilegalidades do regulamento por
inobservância dos requisitos procedimentais de formação. Primeiro – nós vimos que quando
seja possível deve haver audiência dos interessados no procedimento de elaboração de
normas administrativas e quando não seja possível essa audiência, poderá recorrer-se à
consulta pública, designadamente quando a lei a exige – e aí, se houver essa preterição desta
formalidade, já vimos que o artigo 143.º considera isso como a preterição de uma formalidade
essencial, ainda que procedimental, mas essencial, e, consequentemente, determina uma
ilegalidade grave para a norma regulamentar. Por vezes há a necessidade de audição de outras
entidades públicas – isso é previsto, obviamente, nas leis cativas – se for regulamentos
municipais em matéria de ordenamento do território ou do ambiente, há que ouvir as
Comissões de Desenvolvimento Regional, eventualmente a Agência Portuguesa do Ambiente…

Depois, outras formalidades procedimentais que são muito previstas em leis avulsas do
ordenamento juridico – aqui está apenas um exemplo – quando se trate da elaboração de
Planos Municipais sejam Diretores ou de Pormenor, ou de outra natureza, em matéria
urbanística ou de ordenamento territorial municipal, esta lei ou este decreto-lei que
estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão industrial impõe sempre a consulta
pública na elaboração desses regulamentos. Portanto, a preterição dela provocará uma
ilegalidade grave nesses regulamentos e, consequentemente, invocável a todo o tempo por
aquele regime do artigo 143.º CPA.

Depois, forma – requisitos de validade quanto à forma – a forma de emissão dos regulamentos
– como vimos, há determinados regulamentos que têm formas típicas, designadamente os do
Governo – decretos regulamentares, resoluções normativas do Conselho de Ministros,
portarias normativas de um só Ministro ou mais do que um Ministro, em conjunto, ou
despacho normativo genérico. Depois, as Universidades Públicas têm de ter um regulamento
com uma forma especifica – os Estatutos – o regulamento que se chama Estatutos – é uma
forma insubstituível. Se não for observada, implica o cometimento de uma ilegalidade grave
por preterição de uma formalidade que a lei qualifica como insuprível e, portanto, insanável.
Depois, a fundamentação nos casos em que o regulamento estabeleça sacríficos pecuniários
para os particulares. Exige-se fundamentação, ou seja, um conjunto de razões que justificam o
estabelecimento daquele regime patrimonial ou monetário ou pecuniário que vai onerar o
património das pessoas e das empresas, ou associações, ou fundações, e aí requer-se um ónus
adicional para a entidade pública que emite esse regulamento, que é justificar no preâmbulo a
racionalidade económico-financeira dessa taxa, ou essa tarifa, ou desse preço público coativo.
Deve explicar as razões pelas quais está a estabelecer aquele regime pecuniário que vai onerar
os particulares, até para que os particulares compreendam o estabelecimento daquele regime,
seja em matéria da emissão de licenças, matéria de taxas urbanísticas, matéria da posse de
animais, matéria de estabelecimento ou funcionamento de estabelecimentos… todos eles têm
de ter esta fundamentação, sob pena de ilegalidade formal.

Como vimos no ato administrativo, também no regulamento administrativo é possível


analiticamente escrutinar ilegalidades menos graves – que no ato administrativo
reconduzíamos à mera anulabilidade – e outras, também, mas aqui a regra geral é de que a
ilegalidade dos regulamentos, por regra, é sempre mais grave, contrariamente ao que vimos

116
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

no ato administrativo, em que a regra geral é a da mera anulabilidade, nos termos do artigo
163.º CPA; no regulamento a regra é inversa, ou seja, o legislador reputa aqui as situações
causadoras de invalidade, por regra, mais graves do que contrapondo ao ato administrativo –
daí a impugnação e a invocação a todo o tempo.

Vamos agora ver uma hipótese prática sobre regulamentos administrativos.

No caso concreto, o que nós temos é um regulamento administrativo emitido pelo Governo,
invocando uma Lei Orgânica da Autoridade Nacional de Proteção Civil, invocando a Lei de
Bases da Proteção Civil e toda a legislação conexa em matéria de proteção civil. Emitiu com
uma certa forma, que é a forma de decreto regulamentar, através do qual pretendia disciplinar
todas as situações relativas à prevenção de riscos coletivos inerentes às situações de acidente
grave ou catástrofe, à atenuação dos seus efeitos e à proteção e socorro das pessoas e bens
em perigo quando aquelas situações ocorram.

Isto é real, não é imaginário, é algo que existe na realidade.

Isto é matéria que está na disponibilidade do Governo, isto é, da Administração


Governamental, que invoca não apenas uma lei – este decreto regulamentar – mas um bloco
normativo e, portanto, a legislação conexa em matéria de proteção civil – contudo, as
Autarquias Locais também dispõem de matéria ou de poder nesta matéria. Ou seja, também é
uma matéria das atribuições próprias dos Municípios. Consequentemente, sendo – e é, na
verdade, está nesta Lei n.º 75/2013, que a matéria de proteção civil é matéria na
disponibilidade permanente das atribuições municipais que, através dos respetivos órgãos,
devem zelar pela sua preservação e, portanto, proteger os interesses próprios das populações
locais. Portanto, pode emitir regulamentos para conformar e disciplinar esta matéria no
âmbito do respetivo município.

Houve aqui aparentemente um conflito entre as normas regulamentares, estabelecidas pelo


Governo naquele decreto regulamentar e as normas que os municípios estabeleciam ou
pretendiam estabelecer. Alegam os Municípios, ou, pelo menos, alguns dos municípios, que
aquele decreto regulamentar do Governo esgota toda a matéria suscetível de ser
regulamentada através de regulamentos administrativos – nenhum espaço assim fica para o
exercício da competência regulamentar municipal na mesma temática, nos mesmos assuntos,
nos mesmos interesses – neste caso, segundo a lei, interesses próprios das populações locais
que já estariam a ser objeto de decreto regulamentar do Governo e, portanto, aniquilado
estava o exercício do poder regulamentar pelos órgãos próprios das Autarquias Locais. Dizem
ainda os municípios que aquele decreto regulamentar revogaria todos os regulamentos já
antes emitidos, independentemente das entidades que os tivessem emitido, incluindo os
municípios. Isso significa que todo o bloco regulamentar pré-existente é revogado pelo decreto
regulamentar. Alguns desses regulamentos revogados pelo decreto regulamentar, protegiam
interesses das pessoas e das populações locais que deste modo eram postos em causa através
deste novo regime regulamentar constante do decreto regulamentar. Depois, alegam ainda
que esse regulamento do Governo não foi sujeito a consulta pública, ao contrário do que exige
a lei e, portanto, era uma questão procedimental que estava em causa, e alegam ainda que
revoga alguns regulamentos executivos daquela lei, emitidos pelo próprio Governo, sem que
os tenha substituído por outros. Portanto, dizem aqui os municípios – fica uma lacuna
regulamentar ao revogar regulamentos meramente executivos que, do ponto de vista
procedimental ou substantivo, eram essenciais para a boa aplicação daquela lei.

117
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Por sua vez, o Governo, neste litigio ou conflito normativo, diz que o decreto regulamentar se
destina a acautelar interesse nacional e o interesse nacional compete ao Governo zelar, dentro
dos termos constitucionais, e não às autarquias locais e, por isso, o decreto regulamentar teria
sempre uma hierarquia normativa superior aos regulamentos municipais – consequentemente
estes deviam obediência normativa ou seriam revogados por aquele decreto regulamentar.
Todos os regulamentos, na perspetiva do Governo, emitidos pelos municípios, em
desconformidade com o regulamento do Governo, seriam inválidos por violação das
atribuições próprias da Administração do Estado. Ou eram revogados e, portanto, por
revogação substitutiva, ou, não sendo revogados, seriam sempre inválidos, porque estavam a
ter por objeto uma matéria que é de interesse nacional e, portanto, não do interesse das
Autarquias Locais e, consequentemente, não das atribuições das Autarquias Locais, mas só das
atribuições do Estado-Administração e esses regulamentos, ao regulamentarem matéria de
interesse nacional intrometiam-se nas atribuições do Estado-Administração e,
consequentemente, estariam a violá-la, e eis que aparece uma ilegalidade grave nesses
regulamentos.

Agora as perguntas:

Primeiro – caracterize os regulamentos em causa (regulamento do Governo e regulamentos


dos Municípios)

Segundo – Pronuncie-se sobre a relação entre os mesmos regulamentos.

Terceiro – Será o regulamento do Governo inválido, tendo em conta razões invocadas pelos
municípios? E os emitidos por estes também serão inválidos, considerando a alegação do
Governo?

Quarto - Poderia o regulamento do Governo revogar todos os regulamentos, incluído os


regulamentos executivos que o mesmo tinha antes emitido?

Quinto – pronuncie-se sobre a eficácia do regulamento do Governo, designadamente quanto à


alegada intensidade de projeção/afetação de interesses próprios dos munícipes que eram
protegidos pelos regulamentos municipais ora revogados.

Agora vamos aplicar os critérios quanto à caracterização dos regulamentos em causa. O que é
que nós temos de mobilizar para responder a uma pergunta deste género? É, obviamente,
aquela temática que está na primeira apresentação sobre os regulamentos. As classificações
doutrinais dos regulamentos. Portanto, teríamos de mobilizar esses critérios. Depois, a outra
mais fácil, obviamente, a distinção entre regulamentos e regulamentos (gerais) externos. Esta
é mais fácil.

Relativamente ao primeiro critério a mobilizar, nós dizíamos que atenta a cláusula geral
genérica de atribuições dos municípios na matéria em causa, isto é, estabelecer normas
administrativas em matéria de proteção civil e, portanto, socorro às pessoas e bens nas
situações de gravidade – haver normas que estabelecessem condutas de ação, condutas de
socorro, condutas de apoio de todas as autoridades de proteção civil municipal coordenadas –
com os bombeiros, com a coordenação policial, o comando de polícia municipal ou distrital…
essas normas são normas que estabelecem um amplo campo de disciplina e não poderíamos
deixar de considerar que dado o âmbito da matéria estaríamos perante regulamentos
independentes autónomos, uma vez que esse regulamento também teria a pretensão de, no
âmbito especificamente local, disciplinar por via de regras meramente administrativas, os

118
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

regimes legais em matéria de proteção civil, que como vimos são várias leis, na situação em
concreto – a Lei Orgânica da Proteção Civil, a Lei de Bases da Proteção Civil e legislação conexa.
O bloco normativo era alargado, não era apenas um ato legislativo especifico e,
consequentemente, nós temos aqui um regulamento complementar de desenvolvimento do
regime legal, do bloco legal conformador ou precedente, e temos as notas essenciais para
qualificar o regulamento da autarquia local como um regulamento independente autónomo.

Aqui mobilizando o critério que nós temos de qualificação dos regulamentos.

Depois, quanto ao regulamento do Governo é que, como está no enunciado, o regulamento do


Governo, o decreto regulamentar, também invoca um conjunto ou um bloco legal alargado. A
lei da proteção civil, a lei de bases da proteção civil e toda a legislação conexa em matéria de
proteção civil. Portanto, o bloco legal precedente invocado é não apenas um ato legislativo
único, a lei A, B ou C, mas um bloco alargado, um conjunto alargado – todo o conjunto legal
que se dirige à matéria da proteção civil. Ora, este decreto regulamentar do Governo também
tem a pretensão de regulamentar os aspetos atinentes a esse bloco legal precedente da
proteção civil. Portanto, o que ele estabelece é uma disciplina que desenvolve, que
complementa toda a legislação da proteção civil. Portanto, não é um regulamento meramente
executivo daqueles que o Governo dispõe uma competência alargadíssima constitucional para
emanar. Neste caso, relativamente ao Governo, temos o problema de saber se ele vai
desenvolver esse regime legal por um decreto regulamentar, isto é, por normas meramente
administrativas, sob a forma de decreto regulamentar, e se é esta, do ponto de vista jurídico-
profissional, uma competência regulamentar normal do Governo, em matéria de emissão de
normas administrativas. Como vimos, não deve admitir-se que o Governo utilize um poder
administrativo para a emissão de normas administrativas independentes, isto é, que
estabelecem um regime relativamente a um bloco normativo, e não apenas em relação a um
ato legislativo concreto – e daí falamos em regulamentos de desenvolvimento ou
complementares das leis, mas não apenas de uma lei A ou B mas de um bloco de legalidade
mais alargado, e se o Governo deve ter esse poder, como têm um Municípios ou as
Universidades Públicas ou as Associações Públicas profissionais. Tendo o Governo um poder
legislativo alargado, constitucionalmente alargado, isto é uma competência legislativa normal,
o natural, constitucionalmente, é que use esse poder legislativo para desenvolver regimes
jurídicos legais e não o poder administrativo. Portanto, é a conclusão que chegamos. Aqui, o
Governo, de algum modo pretende fazer uso desse poder administrativo, através de decretos
regulamentares, que é desenvolver regimes jurídicos legais, incluindo da lei de bases da
proteção civil através de um instrumento puramente administrativo normativo e não
legislativo, quando o natural, do ponto de vista constitucional, é que o Governo desenvolva
regimes legais da Assembleia da República, designadamente constantes das bases gerais, não
através de decretos regulamentares, ou de normas administrativas, mas através de normas
legislativas. Para além de que tem esta circunstância de ser um regulamento de
desenvolvimento de regime legal, ser também, como vimos, regulamento independente por
ter por objeto disciplinar por normas administrativas um conjunto vário de leis. Aqui, para
além do problema de saber se o Governo deve dispor de uma competência administrativa
normal ao nível de regulamentos de desenvolvimento ou complementares das leis, coloca-se o
problema de saber se deve ter um poder para emitir regulamentos independentes. Se esta
questão sair, é só apresentar a discussão doutrinal – há doutrina que não tolera esta
disponibilidade de poder administrativo por parte do Governo, quer em relação a
regulamentos de desenvolvimento ou complementares, quer em relação a regulamentos

119
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

independentes; havendo outra doutrina que advoga a possibilidade de haver esses


regulamentos independentes do Governo.

Aqui é apresentar esta discussão doutrinal entre esta disponibilidade ou não de o Governo
também poder emitir regulamentos independentes das leis. Independentemente desta
discussão doutrinal, a verdade é que o Governo, não raras vezes, emite regulamentos
independentes.

Depois, em relação à segunda questão, sobre a relação entre os mesmos regulamentos.


Decreto regulamentar e regulamentos municipais. Aqui, é a regra geral que vimos, temos de
falar na regra geral, que é entre regulamentos administrativos subsiste ou vigora a regra geral
da inexistência de hierarquia normativa. Existindo, porventura, esse aparente conflito, há um
critério geral para o resolver. É a relação entre norma geral e norma especial. Aqui, prevalecia
aquela que é a regra geral da teoria geral do direito, de que havendo norma especial vale a
esta norma especial, relativamente à norma geral, mesmo que elas sejam anteriores.
Apresentamos aqui estes critérios de solução entre as relações regulamentares
administrativas.

Depois, especificamente, a relação entre decretos regulamentes e os regulamentos


municipais. Como vimos, em matérias concorrentes, isto é, matérias que tanto podem ser
objeto de regulamentos Governamentais e regulamentos municipais, aí vale a regra da
prevalência dos regulamentos governamentais, à luz do artigo 138.º/1 CPA. Contudo, também
diz o enunciado, atenção, que os regulamentos municipais limitavam-se a disciplinar múltiplos
aspetos do quotidiano das respetivas populações municipais em matéria de proteção civil, não
interferindo – portanto, dirigem-se àquilo que é especificamente o interesse da população
municipal não interferido com aquilo que é matéria de natureza nacional, disciplinada e
coordenada pelo Governo. Salvaguardar aquilo que é a estrutura organizativa nacional, que é
as finalidades da proteção civil a nível nacional, apenas tratam dos interesses específicos da
população municipal. Temos aqui uma questão de concorrência aparente, aliás, o Governo
negava, mas que, pela frase que está no enunciado, nos conduz aqui à existência de uma
norma relativamente especial em relação à norma geral. Portanto, a norma especial – que é o
regulamento municipal – tem apenas por objeto estabelecer um regime de proteção ou de
socorro para agentes municipais, para as pessoas e para as coletividades locais,
salvaguardando toda a estrutura nacional de funcionamento da Proteção Civil e, portanto,
teremos aqui uma norma especial que teria de ser salvaguardada, para além de que também
faríamos funcionar como metódica reforçadora os princípios da subsidiariedade, principio da
autonomia local, que, evidentemente, concede aos municípios o poder de estabelecerem
regimes e de autodefinirem regimes em relação aos interesses próprios das populações locais
e também o principio da descentralização administrativa.

Depois, será o regulamento do Governo válido, tendo em conta as razões invocadas pelos
municípios? E os emitidos por estes, serão inválidos, considerando a alegação do Governo?

Aqui a nossa tentação poderá ser logo ir para o caminho da invalidade. Ou invalidade do
regulamento do Governo ou, porventura, a invalidade dos regulamentos municipais. A
metódica não é essa. Se a regra é a de que em matéria concorrente, prevalecem os
regulamentos governamentais sobre os regulamentos municipais, esta regra tem como limite
em que os regulamentos autárquicos configurem normas especiais – artigo 138.º/1 CPA. Isso
significa que para nós, a metódica que nos fornece o CPA é da preservação da validade dos
regulamentos. Portanto, resolver o conflito sem que, imediatamente, recorramos aos critérios

120
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

de invalidade ou de ilegalidade. O primeiro critério é o de resolver o conflito sem provocar ou,


pelo menos, evitar a ilegalidade ou a invalidade. É um principio de preservação da legalidade
das normas administrativas. Isso, já aprendemos em Direito Constitucional, que numa norma
nós devemos tentar extrair dela um sentido que ainda lhe salvaguarde a constitucionalidade
para a preservamos no ordenamento jurídico. Ora, também aqui nós, por força do regime do
artigo 138.º/1 CPA, por força do regime do artigo 241.º CRP e também por força do artigo
235.º/2 CRP, se os municípios, ainda que aparentemente, de facto, a matéria da Proteção Civil
tem uma conexão quase naturalmente transversal nacional, local, regional, é algo fluido e,
portanto, a sua latência concorrente é quase indutiva. Portanto, o órgão governamental, neste
caso, o Conselho de Ministros, ao emitir o decreto regulamentar intuiu essa latência
transversal da matéria da Proteção Civil e, portanto, foi induzido pela dimensão concorrente
da matéria. Contudo, havia que aplicar mais uma vez o que está no enunciado e transformá-lo
agora em critério técnico de solução do conflito, que é a questão do regulamento quando ele
se contenha na especificidade da matéria estritamente municipal ou local. Nesta medida, diria
que se o regulamento – se eu resolver o litigio através da prevalência da norma especial, eu
digo que com esta norma especial afasto esse litigio, esse conflito, preservando o campo de
aplicação de cada um dos regulamentos – o regulamento do Governo para matéria de
interesse nacional e o regulamento municipal para aquela situação concreta municipal. Não
interferindo, portanto, com matéria nacional. Isso era algo que os próprios municípios diziam,
que não queriam interferir com matéria nacional, que reconhecem ser da competência
administrativa exclusiva do Estado.

Se se concluísse que não era possível resolver o conflito normativo por esta via, então
chegaríamos à conclusão de que o regulamento do Governo – os regulamentos não
extravasam as competências próprias dos municípios, portanto, não há nenhuma invalidade
dos regulamentos municipais, não atingindo as competências próprias do Estado-
Administração – portanto, não há nenhuma ilegalidade dos regulamentos municipais quanto
ao sujeito por falta de atribuições. Isso significa que aquele vicio, aquela invalidade que o
Governo apontava aos regulamentos municipais por interferirem em matéria que seria
competência administrativa nacional do Governo, isso não se verifica, porque o regulamento
municipal apenas regulamenta aquela matéria especifica do interesse de socorrer as pessoas
ou naquela escola, ou naquele bairro, ou no acesso àquele centro de saúde,
independentemente da ação administrativa nacional do Governo. Não havia nenhuma
invalidade quanto ao sujeito por falta de atribuições regulamentares ou por invasão das
atribuições administrativas do Estado. Aquele vicio que imputava o Governo aos regulamentos
municipais, que era exceder as atribuições municipais e interferir nas nacionais não se verifica.
Não há nenhuma ilegalidade neste regulamento quanto ao sujeito por falta de atribuições ou
por invasão às atribuições da pessoa coletiva em causa.

Consequentemente, não havia nenhuma violação direta do regulamento do Governo, a


pretexto como tendia o Governo que o decreto regulamentar era de hierarquia superiores –
não havia nenhum vicio substancial por falta de atribuições para emanar aquele regulamento;
também não havia nenhum vicio substancial porque os regulamentos do Governo, no caso,
não é hierarquicamente superior, como o Governo pretende, ao dizer que há matéria nacional
e que deve ser só regulamentada pelo decreto regulamentar, não há esse confronto na
medida em que o regulamento municipal se limita a zelar por interesses muito localizados e
específicos daquela população. Não interfere em matéria nacional, portanto, não há hierarquia
normativa, nem sequer há concorrência. Mesmo se houvesse concorrência, prevalecia a
norma especial, que era a norma municipal.

121
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

Por outro lado, saber se o regulamento do Governo é que é inválido ou ilegal por invadir, na
perspetiva dos municípios, as atribuições locais e, portanto, os interesses específicos das
populações locais.

Temos aqui, agora, também um problema de concorrência normativa, agora vista na alegação
dos municípios. Esta concorrência, onde há aplicação cumulativa de normas, normas nacionais
e normas regulamentares autárquicas, deve sempre metodicamente, nunca vão logo para a
ilegalidade ou para a invalidade, é saber se conseguem resolver o conflito sempre com esta
metódica. À base do artigo 138.º CPA, tentar afastar a invalidade aplicando o principio da
prevalência da regra especial sobre a regra geral. Exceto em situações em que não existam as
normas municipais e, por força do principio da intervenção subsidiária do Estado, teria de
alguém socorrer aquela população e, portanto, compreende-se que o Governo emitisse
normas regulamentares para suprir essa lacuna municipal de atuação, por razão de interesse
imperioso e, portanto, aí justificava-se, não havia nenhuma ilegalidade, mas existindo uma
norma especial a regulamentar essa matéria, então, vale essa norma especial nesse âmbito
circunscrito, afastando a aplicação da norma geral, e a norma geral do Governo, então, limita-
se apenas ao enquadramento da estrutura nacional da proteção civil e, neste contexto,
resolvemos o conflito evitando a automática ilegalidade ou invalidade das normas.

Contudo, se porventura não fosse possível afastar este conflito através da aplicação da regra
especial em confronto com a regra geral, se porventura até o Governo insistisse que naquele
caso também não valeria a prevalência da regra especial, então aí sim, emitíamos um juízo de
invalidade sobre o regulamento, na medida em que, indiscutivelmente, o regulamento naquela
parte do interesse puramente local, e de organizar a vida daquela população local todos os
dias, então aí nós tínhamos de concluir que aí havia uma ilegalidade do regulamento do
Governo, por invadir atribuições próprias da autonomia normativa municipal em matéria da
prossecução dos interesses das populações locais. Portanto, havia um problema de invalidade
substantiva do decreto regulamentar do Governo por invadir as atribuições próprias e
especificas dos municípios e tínhamos um problema do requisito de validade do regulamento
comprometido, que é o requisito relativo às atribuições, causando uma invalidade substancial
no regulamento.

Depois, por último, também estavam aqui os princípios conformadores, que é o principio da
subsidiariedade, portanto, se o regulamento também confronta estes princípios, confronta um
bloco de jurisdicidade e como vimos ao nível dos requisitos de validade, as normas
regulamentares são substantivamente conformadas pelos princípios conformadores – aqui
temos logo aqueles três – a subsidiariedade – era desnecessário o decreto regulamentar tratar
daquela matéria, por ser puramente local – das atribuições puras, exclusivas e próprias
daquelas populações locais e, por outro lado, a descentralização e autonomia local normativa.
Portanto, temos aqui uma invalidade substancial por colidir com estes princípios.

A outra questão que se colocava tinha a ver com o procedimento de formação. É que o
decreto regulamentar do Governo, ao contrário do que a lei exigia, não foi submetido nem a
audiência dos interessados nem a consulta pública. Portanto, nos termos do artigo 100.º CPA,
ou não sendo possível a audiência dos interessados, haver lugar a consulta pública, nos termos
do artigo 101.º CPA, devendo esta ser salvaguardada independentemente de o regulamento
ter ou não ter eficácia imediatamente operativa. O critério aqui não é esse. É quando a matéria
o justifique e, portanto, se ela for de um interesse primariamente importante paras as
populações em geral, estas devem ser auscultadas através do procedimento de consulta
pública, o que no caso não sucedeu. Era especificamente exigida por lei, no caso. Sendo assim,

122
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

temos a sanção grave do artigo 144.º/2 CPA, quanto haja preterição de consulta pública
exigida por lei há uma ilegalidade grave e, portanto, isso significa que a invalidade do
regulamento pode ser invocada a todo o tempo e pode ser também declarada a todo o tempo
pelo órgão administrativo competente – neste caso, o órgão governamental Conselho de
Ministros no exercício da função administrativa iria emitir uma declaração de invalidade do
regulamento por violação de norma procedimental e, portanto, haveria uma falha no requisito
que era quanto ao procedimento de elaboração do regulamento ou de preterição de
formalidade essencial e não suprível, portanto, insuprível, a determinar uma consequência
invalidante para o regulamento e, portanto uma invalidade procedimental.

Depois, quanto à revogação – se poderia o regulamento do Governo revogar, como pretendia,


todos os regulamentos transatos – incluindo os próprios que o Governo já tinha emitido em
matéria de proteção civil e para facilitar a aplicação das mesmas leis. Também aqui em
matéria… é que se nós coerentemente atrás vimos que seria possível resolver os patentes
conflitos através da aplicação do critério da norma geral e norma especial, também aqui se
formos guiados imediatamente pela invalidade, então também teríamos de concluir que a
revogação era ilegal. Ora, portanto, isso significava a imputação de uma ilegalidade também
aqui substantiva ao regulamento do Governo por revogar regulamentos municipais que se
dirigiam exclusivamente às atribuições municipais e, portanto, ao revogar esses regulamentos,
invadia as atribuições municipais e havia um vicio material substantivo por força do requisito
quanto ao sujeito no âmbito das atribuições. Também aqui resolvemos o problema, isto é,
afastamos a revogação ou o âmbito da revogação das normas fazendo prevalecer, mais uma
vez, o critério da norma especial sobre a norma geral, preservando as normas municipais e
evitando a invalidade do regulamento do Governo. Aplicamos o mesmo critério para obstar à
invalidade, preservando quer o decreto regulamentar, quer as normas municipais através
desta regra de prevalência e de resolução deste litigio, agora revogatório.

Para além da questão das atribuições municipais e, mais uma vez, da violação daqueles
princípios da subsidiariedade, da autonomia local e da descentralização, teríamos um
problema claramente substantivo nas atribuições, por invasão das atribuições próprias dos
municípios e a violação daqueles princípios - na parte em que procedia à revogação desses
regulamentos. Se isso ocorresse, teríamos um problema de vicio nas atribuições e, portanto,
quanto ao sujeito, porque o sujeito não tem aquelas atribuições, que é o Governo – aquelas
atribuições são próprias e especificas do município – e que o Governo queria obstar,
revogando os regulamentos que já tivessem sido emitidos pelo município e,
consequentemente, ao invadir esta autonomia normativa municipal, ia colidir, mais uma vez,
com os princípios, havendo um vicio substantivo no regulamento.

Depois, quanto aos regulamentos executivos que o próprio governo já tinha emitido antes em
matéria de proteção civil, a revogação pura e simples – há aqui também uma falha, uma
desvirtude ao nível do regulamento do Governo, na medida em que viola uma das regras
essenciais da atividade regulamentar, que é a proibição de revogar, pura e simplesmente – não
haver revogação substitutiva de regulamentos executivos necessários à boa aplicação das leis,
por força do artigo 137.º/1 CPA. Impõe uma obrigação dos órgãos administrativos emitirem
regulamentos necessários à boa aplicação das leis – seja pormenores de execução ou da
disciplina substantiva, pormenores de que serviços se devem dirigir, onde funcionam, como a
eles se devem dirigir… são pormenores simples mas que, do ponto de vista do cidadão, são
importantes para haver a boa aplicação das leis ou que estas usufruam do regime delas. Daí a
imposição desta obrigatoriedade. Automaticamente que se estes regulamentos têm esta

123
Direito Administrativo II – 2020/2021 Rafael Mourão

funcionalidade, não deve haver a revogação pura e simples destes regulamentos. Há uma
proibição de revogação pura e simples desses regulamentos porque criam um vácuo no
ordenamento jurídico-administrativo para a boa aplicação destas leis e o Governo, ao revogar
esses regulamentos, não os substituindo por outros que continuassem a facilitar a boa
aplicação desses regimes legais, então estaria a colocar em causa um principio essencial da
atividade regulamentar administrativa e imposta pelo CPA. Esses regulamentos, mesmo
quando, porventura, revogadas as leis que regulamentam, eles devem-se manter em vigor até
que venha um novo regime legal para continuarem a facilitar a rotina procedimental dos
cidadãos. Essa revogação era ilegal se revogasse de forma pura e simples as normas executivas
anteriores, já emitidas pelo próprio Governo.

Por último, alegam ainda os municípios, que o decreto regulamentar do Governo, para além
disso, iria impor uma afetação nos interesses pessoais ou patrimoniais ou profissionais das
pessoas que eram protegidos pelos regulamentos municipais. Portanto, nessa medida, o que
os municípios estão a dizer é saber se este regulamento do Governo, ao impor esse novo
regime administrativo, estaria ou não a respeitar a proporcionalidade, a confiança e a
segurança e certeza jurídica daquelas populações locais. A ter-se por verdade a alegação do
Município, indiscutivelmente que aquela regulamentação, por introduzir um regime de
disponibilidade, ou do património das pessoas para socorro, ou a utilização da sua propriedade
para socorro, etc., iria colocar em causa e afetar desproporcionadamente o interesse daquela
população, até mais do que, porventura, o próprio regime legal o estabelecia ou induzia. Isso
significa que, para além de pretender ter uma eficácia retroativa revogatória, não se limitando
estritamente ao necessário e ao principio da proporcionalidade, evidentemente ia ser uma
norma que repentinamente estabelece um regime fraturante para as pessoas, que têm de
mudar a sua rotina, a sua disponibilidade do seu património, da sua rua, da sua propriedade
em nome da proteção civil… poderá revelar-se aqui contra o principio da confiança, da
segurança e da certeza jurídica e, consequentemente, haver uma invalidade substantiva e,
portanto, de conteúdo, por violação de uma juridicidade vinculativa da atividade
administrativa, independentemente de ser por ato administrativo ou por regulamento
administrativo.

124

Você também pode gostar