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Direito Constitucional I

Turma B: Ano Letivo 2022/2023


Docente: Prof. Doutor Carlos Blanco de Morais
Autor: António Matos

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Aviso: O presente resumo tem caráter meramente consultivo e de forma alguma
substitui os manuais da unidade curricular. Quaisquer eventuais erros ou omissões
provêm, não de eventual maldade, mas da burrice do autor ao não reparar nos
mesmos.
O presente resumo tem por base os manuais do Professor Carlos Blanco de Morais,
com auxílio de manuais de Jorge Miranda, José Melo Alexandrino, Paulo Otero,
entre outros.

Parte I- O Sistema Político


O Homem, ser social
O Homem é um ser social. Como tal, agrega-se em sociedades com o
seus semelhantes.
Ubi homo, ibi societas. Ubi societas, ibi jus.
As relações sociais, por interesses diferentes e pelos recursos
limitados, geram conflitos. Surge, portanto, a necessidade de um conjunto
de regras que ordenem a vida em sociedade impostas por uma autoridade
que castigue quem não as acata. Surge, então, o Direito.
Esta autoridade, este poder na vida em sociedade foi relegada a uma
nova entidade que funciona como garante da ordem social, o Estado, que
impõe o Direito.
O Estado
A ideia de Estado como organizador da sociedade remonta à Grécia
Antiga. Porém, é com a paz de Vestfália que o Estado moderno começa a
ganhar forma, onde a soberania residiria não só no monarca e Igreja, mas
na Nação como um todo.
Um Estado é composto por três (ou quatro) elementos:
i) Povo
Importante será distinguir que povo apenas concerna as pessoas
ligadas ao Estado pelo vínculo da nacionalidade. Sem o povo, não há
comunidade para gerir, não havendo Estado. Povo distingue-se de Nação,
sendo que um Estado pode ter várias nações e existem várias nações sem
Estado.

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Em Portugal, a nacionalidade encontra-se regulada pela Lei da
Nacionalidade, como tal:
 Estrangeiros e apátridas têm reconhecidos os mesmos direitos
e deveres que os cidadãos portugueses, com exceções (art.15º
CRP);
 A lei utiliza cidadania e nacionalidade como sinónimos;
 Para a obtenção da mesma, a lei reconhece o jus solis e jus
sanguinis;
Aos cidadãos portugueses é também reconhecida a Cidadania
Europeia, um “acréscimo” à nacionalidade que dota os cidadãos de
Estados-Membros da UE certos direitos:
 Livre circulação na União;
 Eleger e ser eleito para eleições locais e do P.E. nos Estados-
Membros;
 Proteção diplomática por qualquer Estado-Membro;
 Direito de petição.

ii) Território
A CRP define o território português e garante que a nação é una e
indivisível, não permitindo qualquer tentativa do mesmo. O território pode
ser:
 Terrestre, onde os Estados detêm soberania plena;
 Aéreo, com controlo sobre quem pode sobrevoar o território,
com incertezas sobre as fronteiras espaciais;
 Marítimo, dividido em Mar Territorial (12 milhas), tratado
como extensão do território nacional; Zona Contígua (24
milhas); Zona Económica Exclusiva (200 milhas), onde o
Estado exerce os direitos e deveres de exploração e
conservação.
A UE “federalizou” o mar da União.
iii) Poder Político Soberano
O poder político dos Estados é dotado de soberania, de poder
prosseguir os seus interesses autonomamente, livremente, abrangendo três
campos:

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 Soberania Constituinte: Poder de aprovar uma lei de hierarquia
superior (Constituição), com faculdade jurídica ilimitada, de
forma a organizar-se livremente;
 Soberania Interna: O poder de fazer-se obedecer pelos
governados, limitado pela Constituição, sem interferência
externa;
 Soberania Externa: Poder de atuar como único representante
dos seus interesses a nível internacional em pé de igualdade
com outros Estados.
De acordo com a CRP, e na maioria dos Estados, a soberania é una e
indivisível (Art. 3º da CRP).
Os Estados podem, por razões económicas, geográficas, históricas e
étnico-culturais, fazer uma descentralização territorial, que pode ser de 3
tipos:
 Administrativa, a competência para aprovar normas
regulamentares para a execução de normas;
 Político-Administrativa, a competência paara aprovar leis e
atos políticos através de órgãos próprios;
 Constitucional, a competência para aprovar uma lei
constituinte, muitas vezes acompanhada de autonomia
jurisdicional.
iv) Ordenamento
O sistema jurídico geral, os poderes e a sua forma de separação e
interação.
Formas de Estado
Através da pluralidade ou unicidade do poder constituinte, podemos
distinguir Estados Federais e Estados Unitários.
i) Estado Unitário
O mesmo é regido por uma só constituição. Pode, mesmo assim,
haver descentralização:
 Unitário Simples, a descentralização é municipal e
administrativa;
 Unitário Regional, coexistem macro-regiões definidas por
razões histórico-culturais com autonomia administrativa ou
político-administrativa.

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ii) Estado Federal
Os estados federados devem obediência à constiuição federal, mas
participam na alteração da mesma e detêm autonomia constituinte.
 Originários, fruto de um acordo prévio para a consituição de
uma federação (EUA);
 Derivados, fruto de descentralização progressiva (Brasil).
Portugal é um Estado Unitário Simples no Continente com
descentralização político-administrativa nas Regiões Autónomas.
Legitimidade do Poder Político
O Estado faz os governados obedecerem às normas através de uma
relação de domínio. Porém, para haver obediência, tem de haver vontade
dos governados para obedecer. É necessária legitimidade, que pode ser:
 Tradicional, através de regras costumeiras, vendo na autoridade a
guardiã desses costumes;
 Carismática, provém das características providenciais de um líder;
 Legal-Racional, a legitimidade vem da legalidade, uma autoridade
reconhecida por uma Constituição. Subdividindo-se em:
o Democrática, pelo consentimento geral da população;
o Revolucionária, pelo poder de rotura com uma ordem anterior
para a fundação, pela vanguarda de uma nova;
o Legal-Burocrática, obediência às autoridades instituídas pelo
sistema legal vigente.
Os Regimes Políticos
Os regimes políticos distinguem-se de sistemas políticos. Nestes,
fundamenta-se a autoridade do Estado e define-se a sua relação com o
povo, fundados numa doutrina política de fundamentação da estrutura
estatal que, através da sua simplificação numa ideologia para a atuação
política, organiza a sociedade.
Distinguimos os regimes políticos pelos seguintes aspetos:
 Relação governantes-governados;
 Modo de exercício do poder (separação, etc);
 Ideário adotado na organização do Estado.
Como tal, podemos distinguir regimes:

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 Autocráticos;
o Monarquias Absolutas;
o Ditaduras;
 Estado de Direito;
o Monarquia Constitucional;
o Governo Representativo;
o Democracia Representativa.

Os Regimes Democráticos
Os regimes democráticos baseiam-se na escolha livre e soberana, por
parte do povo, dos governantes. Desde os tempos da Grécia Antiga que o
seu conceito e modus operandi foram evoluindo, chegando à democracia
moderna de hoje. Reconhecendo que o povo não tem faculdades de operar
as decisões mais técnicas da governação, este tem racionalidade suficiente
para escolher quem o faça por ele.
Para uma democracia plena é necessário:
 Eleições livres: Reunidos pressupostos para uma competição justa
entre forças e escolha livre por parte do povo;
 Eleições regulares: Controlo através da lei;
o Observância da legalidade;
o Sufrágio direto e secreto;
o Transparência: normas claras que garantam a segurança;
o Processo equitativo: efetivo reflexo da vontade popular nos
resultados;
o Controlo independente;
 Eleições periódicas: permissão da alternância;
 Eleições com alternativa e equivalência de opções;
 Sufrágio universal e igualitário;
 Princípio da maioria: imposição da maioria (eleição do PR);
 Critério maioritário: imposição da maioria simples (votações FPTP)
A Crise da Democracia Representativa
A democracia representativa consiste na tradução do sufrágio dos
cidadãos em mandatários do exercício do poder político em nome dos
mesmos.
Nos últimos anos, o regime tem entrado em crise, devido a uma
miríade de fatores políticos, económicos e sociais, como:

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 Reducionismo Eleitoral: O povo não tem capacidade de se exprimir
nos períodos entre eleições;
 Clausura do processo de decisão: A suposta existência de uma elite
política fechada e desligada dos reais problemas do povo;
 Captura do poder político pelo económico: A subordinação do bem
comum aos lobbys empresariais que minam a vontade popular e o
bem-estar;
 Deslocação da soberania popular: A debilitação da democracia
representativa através do peso de organizações internacionais e
supranacionais como o FMI e UE que impõem opções políticas;
 Sobre-representação mediática de minorias;
 Engessamento da representação: Clausuras ao debate político por
instrumentos como cordon sanitaire e utilização nefasta dos media;
 Afastamento das elites e eleitores e partidocracia: A aproximação
dos programas eleitorais vagos e inabilitados para a resolução de
problemas concretos;
 Ultra-liberalização da sociedade.
Como tal, têm surgido novas formulações de democracia que visam
atenuar estas questões e aprofundar o próprio regime democrático:
 Democracia Participativa: A intervenção de cidadãos e associações
na tomada de decisão pública através da chamada concertação social;
 Democracia Consociativa: A tomada de decisão é feita pela
valorização do consenso e das maiorias absolutas, havendo a
participação e benefício de todos;
 Democracia Deliberativa: A tomada de decisão deverá ser feita num
processo de diálogo aberto e inclusivo por todos, muito aberta à ideia
da “democracia digital”;
 Democracia semidirecta: A criação de mecanismos para a facilitação
da tomada de decisão direta pelo povo, como referendos.
Para o Professor Blanco de Morais, nenhum destes regimes
alternativos consegue satisfazer duas missões essenciais da democracia:
 A Legitimação do poder por escolha livre do povo;
 Assegurar a governabilidade, salvaguardando o bem comum e
viabilidade do Estado.
As democracias iliberais

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Estas democracias, cujo maior exemplo são Hungria e Polónia,
aceitam os preceitos do liberalismo, mas rejeitam torná-lo no elemento
essencial de organização estatal.
Como tal, são democracia com forte pendor do poder executivo, com
desidratação dos direitos fundamentais, da liberdade dos media e certas
restrições ao ato eleitoral livre, com uma índole nacionalista, como que
uma rejeição e reação face à globalização e às falhas do regime
democrático. Muitas vezes degeneram para democracias autoritárias e
autocracias.
Os Regimes Autocráticos
As autocracias destacam-se pelo caráter circular do poder nas
mesmas. De facto, não dependendo diretamente da escolha dos governados
para a sua legitimação, a mesma funda-se num caráter de vanguarda,
costume ou de carisma do líder.
As autocracias usam o poder sem freios dentro do núcleo da elite
política, não separam os poderes, suprimem os direitos políticos e baseiam
o seu domínio num ideário geral de Estado, Sociedade e Nação.
O Estado Totalitário
O Estado Totalitário tem uma visão integral do Homem, sociedade e
Estado, detida por um partido único mobilizador das massas que exerce o
poder absolutamente na prossecução dos seus ideários.
São características de um Estado Totalitário:
 Ideologia oficial do Partido/Estado de reconstrução social para um
ideal utópico;
 Partido único mobilizador de massas;
 Culto ao chefe líder do Estado;
 Meios de comunicação de massas;
 Repressão;
 Limitação tremenda dos direitos dos cidadãos e ação arbitrária do
Estado;
 Ação centrada e planificada da economia.
O Estado Autoritário
O Estado Autoritário destaca-se por:
 Ideário que visa justificar a configuração do poder;

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 Órgão de poder supremo;
 Aparelho policial repressivo da oposição mais ameaçadora ao
regime;
 Variabilidade de eleições semi-competitivas;
 Respeito geral pela propriedade e iniciativa privada
Existem diversos tipos de Estados Autoritários, sendo estas as
características gerais, sendo a fronteira que os separa difusa em vários
pontos. Assim, surgem como modalidades de regimes autoritários:
 Sultanismos: Regime personalizado de chefia tradicional ou
carismática oriunda de uma família ou clã, a qual exerce plenos
poderes de autoridade, num despotismo decisório. Ex: Arábia
Saudita
 Regimes militares: Ditaduras transitórias em nome da defesa do
Estado que assume excecionalmente o poder. Ex: Pinochet
 Cesarismos Socialistas-Revolucionários: Substrato ideológico
marcado, erigido em torno de um chefe. Ex: Venezuela, Iraque de
Saddam Hussein e URSS
 Teocracias: Regime político fundado numa ideologia extraída de
uma confissão religiosa. Poder é dirigido e tutelado pela liderança
religiosa. Ex: Irão e Afeganistão no regime talibã.
 Autoritarismos corporativos: Regimes eminentemente nacionalistas e
corporativistas dos anos 20 a 70 do séc. XX.
 Gerontocracias institucionais: Melting pot de regimes autoritários
que não encaixam nos anteriores, com ideário oficial pouco definido.
Os Sistemas Políticos
Dentro de um regime democrático, os vários órgãos de soberania
estabelecem entre si várias relações de separação e interdependência, como
na relação entre sistema eleitoral e estabilidade e interferência política no
decorrer dos mesmos.
Num regime democrático podem existir os seguintes sistemas,
podendo os mesmos ser subdivididos em vários subsistemas:
 Parlamentaristas: A fonte de legitimação, da ação política e
governativa é o parlamento democraticamente eleito. Neste sistema:

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o Há a separação dos poderes entre Chefe de Estado, Governo e
Parlamento;
o O poder do Governo depende de uma confiança do
Parlamento;
o O poder executivo é encabeçado pelo Governo e Chefe de
Estado, com maior pendor para o Governo;
o Menor peso do Chefe de Estado, com funções honoríficas e
poderes reguladores limitados.
o Podem ser Racionalizados ou de Assembleia
 Presidencialistas: O Presidente da República democraticamente
eleito é, ao mesmo tempo, chefe do Governo, Administração e de
Estado. Há uma separação de poderes como Montesquieu teorizou. O
maior exemplo são os EUA, num sistema baseado em checks and
balances entre os órgãos
 Semipresidencialistas: Híbrido dos dois sistemas. O Governo é
responsável, ao mesmo tempo, perante uma Assembleia e perante
um Presidente da República com relevância política, especialmente
no que consta da dissolução livre do Parlamento, com várias
modalidades.
 Sistema Diretorial: Sistema residual existente na Suíça. Há uma
democracia consociativa de cariz parlamentar com grande autonomia
local e cooperação interpartidária.
O Sistema Político de cada Estado é definido pela sua Constituição,
sendo essa, aliás, uma das suas principais funções. As normas
constitucionais podem ser alvo de formas de práticas reiteradas que podem
mudar a dinâmica do próprio sistema. Portugal e França são ambos
semipresidencialistas, sendo a forma de atuação sob as normas
constitucionais completamente diferentes, como uma soft law
constitucional.
Sistemas Eleitorais
Os sistemas eleitorais exercem efeito sobre as dinâmicas dos
sistemas políticos e as suas dinâmicas, sobre os sistemas eleitorais e sobre
os eleitores e o seu processo de escolha.
Através da forma de tradução dos votos em mandatos, sufrágio direto
ou indireto, surgem dinâmicas políticas e de governação completamente
diferentes.
Existem vários sistemas eleitorais:

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 Maioritários: Divisão do Estado em círculos pequenos onde o
vencedor é o que tiver a maior totalidade de votos, seja uninominal
ou plurinominal, seja com maioria absoluta ou relativa;
 Proporcionais: Um único círculo ou vários plurinominais onde há a
procura de correspondência entre o número de votos e de mandatos,
com fatores que limitam ou acentuam a fragmentação;
 Mistos: Combinação dos dois, com dois votos por pessoa.

Sistemas Partidários
O retalho partidário foi mudando ao longo do tempo, e as estruturas
dos próprios partidos também, desde os partidos quadros aos novos
partidos populistas de hoje.
Representando uma corrente de opinião popular, os partidos
interagem entre si para, nas regras do jogo democrático e através da
racionalização do debate, aceder ao poder e exercê-lo conforme a ideologia
que pregam.
O Sistema partidário é afetado por fatores como a existência de
minorias, comportamento do eleitorado, aparecimento de novos partidos,
fadiga de partidos estabelecidos e pelo próprio sistema eleitoral. Tais
fatores afetarão a quantidade e dimensão dos partidos representados e a
estabilidade governativa.
Podemos caracterizar um sistema partidário pela análise:
 Da dimensão representativa de cada partido;
 Da forma como o sistema eleitoral fragmenta ou agrega opiniões e
representações:
o Sistemas maioritários de uma volta favorecem bipolarismo e
bipartidarismo, através de governos maioritários de legislatura
completa;
o Sistemas maioritários de duas voltas favorecem bipolarismo,
através de coligação de partidos médios;
o Sistemas Proporcionais favorecem multipartidarismo
multipolar, com grande dispersão de votos e governos
heterogéneos e instáveis
o Sistemas Mistos favorecem multipartidarismo com partido
dominante. Porém, o sistema misto é o que apresenta
resultados mais variáveis.

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 Estrutura partidária interna (maior ou menor rigidez);
 Durabilidade e estabilidade dos partidos e seus resultados.
Sistemas Parlamentares Racionalizados
Um sistema parlamentarista racionalizado inclui um conjunto de
institutos destinados a garantir maior estabilidade e poder de impulsão
política aos Governos, em face dos Parlamentos dos quais dependem.
Estes institutos podem vir por mecanismos do sistema eleitoral que
promovam a estabilidade governativa ou de institutos próprios de órgãos
que promovam a estabilidade governativa.
Distinguem-se de parlamentarimos de assembleia onde, sendo o
parlamento na mesma o órgão soberano por excelência na mesma, havia
um Presidente desprovido de poderes face a um Parlamento fragmentado
que impede qualquer governação coesa. Assim, o povo não elege governos
mas mandatários que devem entender-se entre si para governar.
O sistema britânico
O sistema britânico pode ser definido como um “sistema parlamentar
de gabinete” ou “primoministerial” dentro de um regime de uma monarquia
constitucional de um Estado Unitário regional, com autonomia política
dada à Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.
O Reino Unido não tem uma constituição formal, esta é fragmentada
e tremendamente consuetudinária e não escrita. É flexível pois o processo
legislativo das normas constitucionais não implica um processo próprio.
As normas constitucionais dividem-se em dois tipos:
 Statute Law: Leis constitucionais escritas, algumas com séculos de
idade, com valor histórico e aplicação por vezes parcial. São
constitucionais mas não se distinguem de leis comuns (ex: Magna
Charta e Bill of Rights);
 Normas Consuetudinárias:
o Common Law: Costumes reconhecidos como obrigatórios
pelas decisões de tribunais superiores;
o Conventions: Regras oriundas de práticas constitucionais
consolidadas pela força da sua aplicação e afirmação na
consciência coletiva pela tradição.

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A coroa opera como centro de unidade jurídica e política, num país
de forte pendor monárquico. O monarca é caracterizado por aquilo que
representa e não o que realiza, com um papel representativo e equilibrador.
O monarca tem poderes constitucionalmente garantidos, como o veto
real, porém, com o costume, os mesmos caíram em desuso e ficaram sobre
a tutela do governo.
É o monarca que nomeia o primeiro-ministro após as eleições, sendo
tencencialmente do partido mais votado.
O Parlamento é a fonte do poder democrático e a suprema autoridade
legislativa. É composto por duas câmaras: A House of Commons e a House
of Lords.
A preponderância incontornável da House of Commons torna o
sistema britânico um bicameralismo assimétrico.
O Primeiro-Ministro, e o Governo como um todo, dependem do
Parlamento para a sua manutenção em funções e para a passagem de
legislação, mesmo que o PM seja nomeado pelo moanrca.
Os Commons são eleitos por sufrágio universal direto a cada 5 anos
em círculos eleitorais uninominais maioritários a uma volta.
Com a revogação do Fixed Term Parliamentary Act de 2011, o poder
de dissolução do Parlamento volta a pertencer ao PM, que pode pedir ao
monarca a dissolução (Dissolution and Calling of Parliament Act 2022).
A House of Lords é composta por pares não eleitos pelo povo mas
pela igreja e aristocracia. Hoje, serve como câmara de “esfriamento” de
legislação, com todas as tentativas de reforma a falharem. É uma relíquia
de tempos passados, que põe em causa a legitimidade democrática do UK.
O Governo, cujo PM tem ganho cada vez mais preponderância, é o
órgão de direção política do Executivo, composto por ministers e junior
ministers . Quando usamos a expressão “gabinete”, falamos do centro do
Governo, onde se encontram os ministérios mais importantes e o PM.
O Gabinete determina as linhas da política interna e externa,
administrativa e orçamental, exercendo um domínio sobre a atividade
legislativa parlamentar.
A colegialidade do Gabinete é posta em causa sempre que haja a
figura de um PM forte, como Tony Blair ou Thatcher, que exercem um
maior controlo sobre o mesmo.

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O sistema sustenta-se, portanto, nos eixos:
 Monarca;
 Binómio Gabinete-Parlamento;
 Membros do Governo como deputados;
 Bipartidarismo;
 Governamentalização do poder (sistema primo-ministerial), pela
nomeação do PM pelo monarca, pelo protagonismo do PM e
inexistência de veto players.
O Sistema tem sido a ser posto em causa pelo desgaste do sistema
partidário, forçando a governos de coligação. A prática política pode
também sofrer com a falha do PM em ser eleito no seu círculo, o desgaste
da sua figura, podendo até haver rebeliões no partido e governo, passos em
falso nas dissoluções.
O Sistema Alemão
A Lei Fundamental de Bona de 1949 consagra a Alemanha comoo
país Federal de constituição rígida, com um sistema centrado de Justiça
Constitucional, respeitador dos valores republicanos, democráticos e do
Estado Social.
No sistema político destaca-se o binómio Governo-Parlamento, com
o apagamento do Chefe de Estado e progressivo papel do Chanceler, chefe
de Governo.
O PR é eleito por um período de 5 anos pelo Parlamento. Tem um
caráter meramente honorífico e secundário, sem poder de veto, poder de
dissolução do parlamento restrito, propor o Chanceler e demiti-lo após uma
moção de censura construtiva (que implica a apresentação de uma
alternativa ao Governo).
O Parlamento divide-se em duas câmaras, o Bundestag e o
Bundesrat, com a prevalência da câmara baixa. É eleito num sistema
eleitoral misto. O sistema partidário tem vindo a desestabilizar-se, o
sistema eleitoral que promovia um bipolarismo que forçava a coligações
tem dado azo a novos partidos que forçam governos de “bloco central” ou
de coligações heterogéneas.
O Bundestag tem 630 deputados, investe o Chanceler, destitui-o,
fiscaliza o Executivo e é o órgão legislativo por excelência, não obstante
permissões legislativas ao Governo. Muito raramente é dissolvida pelo PR.

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O Bundesrat tem 69 membros que representam os estados e eleitos
pelos órgãos de poder dos mesmos. O número de representantes não é
igual. Funciona como câmara-travão de leis, com hipótese de ser
contornado pelo Bundestag.
O Governo é um órgão colegial que deriva da confiança parlamentar,
com funções políticas, administrativas e legislativas (por vezes). A posição
do Chanceler é favorecida, há protagonismo do mesmo. O Governo
responde politicamente perante o Bundestag.
O Chanceler pode, porém, ser desafiado e limitado pelo TC, estados,
Bundesrat, parceiros de coligação e deputados do próprio partido.
O Sistema Espanhol
A constituição espanhola de 1978 consagra um estado unitário
regional ordenado por uma monarquia parlamentar. É uma constituição
rígida. O fulcro do sistema assenta no eixo Parlamento-Governo, com
predominância do segundo.
O rei, neste contexto, exerce funções de ordem cerimonial e
certificatória. Muitos dos seus poderes são limitados pela referenda
governamental, proposta do PM ou aprovação parlamentar. A força do
monarca vem do seu carisma e personalidade, podendo exercer poderes
arbitrais em cenários de ingovernabilidade.
O Parlamento é composto pelo Congresso de Deputados e pelo
Senado. O Congresso é a parte dominante, com deputados eleitos em
círculos plurinominais pequenos para mandatos de 4 usando o método
d’Hondt. O Governo emerge do Congresso. Tem presente elementos
racionalizadores, como moções de censura construtivas e cláusula barreira
de 3%.
O Governo é colegial e é o órgão de condução política e económica
do país. Pode operar legislação delegada e de urgência. O mesmo só é
responsável perante o Parlamento.
É um sistema claramente inspirado pelo alemão, com escassos veto-
players e com institutos que promovem a estabilidade governativa, mesmo
face a um sistema partidário cada vez mais desestabilizado.
Sistemas Presidencialistas
Os sistemas presidencialistas dão proeminência ao cargo do PR no
quadro da separação de poderes que independentiza o Executivo do

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Legislativo. O PR lidera o Governo, independente do Parlamento (embora
necessite dele para governar), que não o pode destituir nem ele o
Parlamento, com exceções. Nestes sistemas, pode não haver PM.
O Sistema Norte-Americano
A Constituição Americana de 1787 consagra um regime político
republicano demorático, um sistema presidencialista e um Estado Federal
composto por (hoje) 50 estados, um distrito federal e alguns territórios. A
Constituição é composta por 7 artigos e 27 aditamentos (criados por revisão
constitucional).
Os Estados Unidos começaram como uma Confederação das antigas
13 colónias britânicas. Após a Convenção Constitucional de Filadélfia foi
elaborada a constituição que ainda está em vigor presentemente, que
reforça os poderes federais. A ratificação da constituição foi progressiva,
com conflitos entre os federalistas e radicais-democratas. A última
ratificação foi feita em 1790.
A constituição americana é rígida, existe processo especial para a
revisão. Esta necessida de passar com maioria de 2/3 no Congresso e
precisa ser ratificada por ¾ das assembleias legislativas dos estados.
Desde 1803 que o Supremo Tribunal Federal assume a competência
de controlo da constitucionalidade das normas violadoras da Constituição.
Os supremos tribunais de cada estado tratam da fiscalização da
constitucionalidade nas suas fronteiras. Porém, é ao STF a última palavra
em conflitos estados-governo federal.
O sistema político americano baseia-se na vitória das teses
federalistas e do pensamento de Montesquieu. Os poderes são separados
pelos órgãos havendo um sistema de pesos e contrafeios (checks and
balances) que impõem controlo interorgânico recíproco.
O Presidente é eleito por sufrágio universal indireto com base no
Colégio Eleitoral, formado pelos delegados de cada estado que votam pelo
candidato que ganhou maior número de votos no seu estado. Caso nenhum
candidato obtenha maioria de 270 delegados, cabe à Câmara dos
Representantes escolher, de entre os três candidatos mais votados, o
presidente e o Senado, pelo mesmo processo, o Vice-Presidente. O sistema
não é perfeito, ocorrendo já diversas vezes situações onde o candidato que
não ganhou maior número de votos ganhou as eleições.

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A escolha dos candidatos pelos 2 grandes partidos é feita por um
sistema de primárias e “caucus”, num sistema complexo de primárias
fechadas e abertas e caucus que muda de estado para estado e partido para
partido.
O Presidente é eleito por um mandato de 4 anos, podendo ter apenas
mais um mandato consecutivo.
O Presidente é o Chefe de Estado e de Governo, comandante
supremo das Forças Armadas e conduz a política interna, externa e
financeira do país. Não responde perante o Congresso mas não o pode
dissolver. O Governo é formado pelos Secretaries, sendo o mais poderoso
o chefe do Executive Office, e tem estrutura monocrática e não colegial.
O poder do Presidente sobre as F.A. tem sido limitado, mas os
presidentes continuam a empregar os meios que acham necessários.
Em regra, o Presidente tem o poder de nomear quem quer para o
Governo e até para o STF, a aprovação do Congresso para certos
candidatos leva a caricatas “hearings” e ações de Fillibuster que bloqueiam
a atividade governamental.
Não obstante a iniciativa legislativa do Presidente através dos seus
colegas partidários no Congresso, o mesmo pode produzir legislação com
autorização do Congresso (delegated legislation) e as executive orders, que
assumem força de lei e cumprem variados objetivos, desde orientar
departamentos da administração até concretizar reformas negadas pelo
Congresso.
O Presidente tem poder de veto sobre as leis do Congresso, podendo
esse poder ser ultrapassado, mesmo que dificilmente.
O Presidente não tem sempre grande controlo sobre o grupo
parlamentar, havendo muitas fações dentro dos grandes partidos.
O Congresso é um órgão parlamentar bicameral composto pela
Câmara dos Representantes e pelo Senado, tendo o primado da função
legislativa. Consegue fiscalizar o Executivo e destituir o Chefe de Estado
por impeachment.
A House tem 435 representantes, dividos por distritos uninominais
dentro dos estados, eleitos para um mandato de 2 anos. Esta tem iniciativa
legislativa em matéria tributária, elege o PR se não houver maioria no
Colégio e inicia o processo de impeachment. Produz legislação em
cooperação com o Senado e fiscaliza a Administração.

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O Senado é a câmara alta presidida pelo Vice-Presidente que
representa os estados, detendo cada um 2 senadores eleitos por sufrágio
universal, direto e maioritário. Os senadores têm mandato de 6 anos, sendo
um terço do órgão renovado a cada 2 anos.
O Senado ratifica as nomeações do PR para certos órgãos, como o
STF e partilha com a House a revisão constitucional, a função legislativa e
a fiscalização do executivo e superação do veto.
O STF é composto por 9 membros selecionados pelo PR para um
cargo vitalício e exerce a mais alta autoridade judicial do país e controla a
constitucionalidade. O STF, como o sistema de common law, funciona por
precedente, sendo muitos casos alvo de grandes batalhas ideológicas e as
nomeações alvo de guerrilhas políticas. O STF teve papel importante nas
questões do aborto, casamento homossexual e de definição de
competências.
O sistema tem grande número de veto players devido aos checks and
balances, um conjunto de poderes de cada órgão de forma a limitar a ação
de outro.
O sistema americano tem sido debilitado pela fraturação de toda e
qualquer cooperação entre os dois partidos e uma preponderância cada vez
maior do presidente. De facto, as guerrilhas partidárias e discórdia que
ocorrem em quase todos os assuntos, fragilizam a capacidade do país
governar-se de forma coesa, surgindo cada vez mais divisões raciais,
políticas e geracionais. É uma polarização autodestrutiva.
O Sistema Brasileiro
A Constituição de 1988 consagra um sistema presidencialista num
Estado Federal regido por uma Constituição prolixa e programática, muito
extensa e baseada na CRP, que marcou o fim da ditadura militar que
vigorava no país.
A Constituição é nominalmente rígida. Nominal devido ao grande
número de alterações (96) e caráter informal das mesmas, tendo o STF
ganho grande poder deste o início da vigência da Constituição.
O sistema de voto brasileiro e o sistema de partidos volátil levou ao
que Sérgio Abranches chama de “Presidencialismo de Coalizão”, onde o
Presidente é forçado a formar coligações enormes e heterogéneas que
levam a executivos instáveis e limitações ao poder presidencial, num
equilíbrio hercúleo de interesses nacionais e estaduais. Este sistema devia

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gerar ingovernabilidade, mas tal não aconteceu. Porquê? Porque houve a
formação de uma teia de favores e interesses entre os grandes partidos que,
ao garantir a estabilidade, secou os cofres públicos e a confiança dos
eleitores no sistema.
O PR é o Comandante Supremo das FA e chefe do Executivo de fora
monocrática, eleito para um mandato de 4 anos renovável por uma eleição
maioritária de duas voltas. Nomeia embaixadores, celebra tratados, nomeia
ministros e emite regulamentos para a execução de leis. Este faz aprovar
legislação no Congresso mas também tem atividade legislativa própria que,
mediante a inércia do Congresso, tem crescido. Ao também nomear
governadores, o PR assume um poder imenso na distribuição de cargos.
Pode ainda vetar leis do Congresso (ultrapassável).
O Congresso Nacional protagoniza o Poder Legislativo Federal. É
composta por duas câmaras: Câmara de Deputados e Senado. Estas, devido
à sua disfunção, perderam imenso prestígio. A divisão é tanta que deixa de
ser somente partidária, mas também sobre assuntos (“bancada da bala” e
“bancada evangélica”) e estados.
A Câmara dos Deputados é composta por 513 deputados eleitos por
sufrágio universal para 4 anos através da quota de Hare. Assim, é composta
por 23 partidos. Tem poderes de impeachment.
Os 81 senadores representam os estados federais eleitos em círculos
uninominais com voto maioritário de 2 voltas para mandatos de 8 anos,
sendo um terço renovado a cada ciclo de eleições. Cada estado elege 3
senadores. Contém 18 partidos.
O STF tem se tornado um novo protagonista político com reais
poderes moderadores e arbitrais, por vezes até impulsionando alterações
normativas, competências adquiridas gradualmente por decisões e
interpretações ousadas. Assim, o STF ganha preponderância face a uma
classe política inepta que choca com este. É um “super Tribunal
Constitucional”.
Os Sistemas Semipresidencialistas
O sistema semipresidencialista, que ganhou preponderância com a
Cosntituição Francesa de 1958, assenta numa dupla responsabilidade do
Governo perante o PR e Parlamento e na autonomia do PR face a certas
situações, como a dissolução do Parlamento. Primeiramente um termo
usado por Duverger, o semipresidencialismo vem como culminar de
experiências de países como a República de Weimar, que avistavam na

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atribuição de poderes significativos ao PR o remédio para os excessos do
sistema parlamentar e presidencial. Primeiramente contestada, hoje a
existência do semipresidencialismo é inegável.
No fundo o semipresidencialismo mistura aspetos do
parlamentarismo (Chefe de Estado com poderes representativos,
responsabilidade do governo perante o parlamento) e presidencialismo (PR
eleito por sufrágio universal, iniciativa de demissão do governo e
dissolução do parlamento).
Na dupla responsabilidade do Governo e poderes moderadores do
PR, especialmente o poder de veto, destaca-se o semipresidencialismo.
O semipresidencialismo admite grande número de variantes e de
características únicas dependendo do país, com variações nas funções do
Presidente e da sua dependência face ao Parlamento.
Assim, o semipresidencialismo assume uma natureza moldável, com
práticas diferentes em vários países, desde Portugal à França e Ucrânia.
Como tal, torna-se difícil formar um modelo axiológico e técnico que
permita atribuir características comuns a todos os semipresidencialismos.
Variados autores, como Duverger, Sartori e Volpi já o tentaram, tendo em
comum a eleição do PR como atribuição de legitimidade, dualismo entre
PR e PM, poderes significativos do PR, GOV dependente do Parlamento,
etc. Entre nós, Jorge Reis Novais atribui ao semipresidencialismo as
seguintes características:
 Eleição presidencial por voto popular;
 Poderes significativos atribuídos ao PR;
 Governo dependente de confiança parlamentar em termos de
formação e subsistência
No entanto, o semipresidencialismo contém em si numerosas
variantes, sendo variável o órgão que detém a preponderância. Mais ainda,
Marcelo Rebelo de Sousa e CBM concordam nas seguintes características:
 Eleição popular do PR
 Dicotomia PR-PM
 Dupla responsabilidade do GOV perante o PR (institucional, não
chefia mas coexiste tendo em conta a subsistência parlamentar, ou
política) e Parlamento

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 Exercício de poderes relevantes pelo PR, especialmente a dissolução
parlamentar, com algum grau de autonomia.
Porém, como afirma CBM, mais do que a Constituição em si,
definidora do sistema político, deve-se olhar para a prática reiterada dos
poderes, pois de nada vale a presença de poderes previstos
constitucionalmente se os mesmos não são usados e caducam (ex: PR da
Islândia). Assim, podemos remover sistemas que estariam nas fronteiras da
definição, como a Finlândia, ou cujos poderes são alvo de grandes
limitações, como a Bulgária, e recusar veemente aqueles que não reúnem
todas as características, como o PR da Lituânia, eleito diretamente mas
carente de poderes relevantes (semipresidencialismos aparentes, como diria
Sartori). Deve-se valorizar não só os poderes previstos, mas a prática
constitucional e autonomia no uso dos poderes presidenciais que não esteja
tomada por costumes e práticas que os caduquem.
Jorge Reis Novais, como muitos outros autores, destaca o poder de
dissolução como cheve mestra garante do equilíbrio orgânico e
institucional do sistema. Para este autor, o PR é o senhor absoluto do seu
mandato, ficando o GOV e Parlamento numa posição de subordinação ao
mesmo pela legitimidade inegável pela eleição direta. Este autor divide os
semipresidencialismos em três famílias: de Presidente-liderante, de
Presidente-moderador e de Presidente-cerimonial. Este autor, ao contrário
de CBM, afirma que a análise de um sistema político, para a sua
classificação, deve ser feita tendo em conta os poderes constitucionalmente
garantidos.
Desta forma, o semipresidencialismo pode conter na sua definição
sistema que vão desde o semipresidencialismo de pendor presidencial
hiperreforçado da Rússia e o semipresidencialismo de pendor parlamentar
reforçado da Áustria.
O sistema francês
O sistema francês passou por fases, entre um sistema parlamentar
com equilíbrio de poderes, uma fase parlamentarista e uma fase de
personalização do poder do PR.
A constituição de 1958 institui um regime republicano de sistema
semipresidencialista desde 1962 num Estado Unitário Regional.
A constituição destaca-se pela sua longevidade e incorporação de
preceitos constitucionais anteriores, como a Declaração dos Direitos do

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Homem. É rígida e a constitucionalidade é fiscalizada de forma atípica e
concentrada no Conselho Constitucional e sucessivo no reenvio de casos
pelos tribunais.
O começo do sistema era de cariz presidencialista racionalizada. Foi
com General de Gaulle conceberam um PR eleito por sufrágio direto, que
nomeia o PM, no primado do PR no sistema político.
O sistema assenta, portanto, numa tricotomia entre
PR/Governo/Maioria Parlamentar, onde a Assembleia Nacional surge como
elo mais fraco.
O modelo funcionou até ao primeiro episódio de coabitação em
1986, onde a verdadeira chefia do Governo cabe ao PM.
O PR é eleito por sufrágio universal direto numa eleição maioritária
de duas voltas, para um mandato de cinco anos com possibilidade de
reeleição. Este partilha o executivo com o PM, tem papel garante da
Constituição, da independência e dos tratados. Não é responsável perante o
Parlamento, só respondendo perante o Povo. Porém, por faltar aos seus
deveres, pode ser destituído pelo Parlamento.
Preside ao Conselho de Ministros sem ser responsável pela direção
da atividade do Governo. Muitos atos estão sujeitos a referenda ministerial,
este promulga e veta ordonnances do Governo. Nomeia o PM consoante o
resultado das eleições e pode demiti-lo segundo o costume contra legem.
Sob proposta do PM, o PR nomeia e demite membros do governo,
podendo o PR apenas interferir na nomeação de certos ministérios, como os
da defesa. Nomeia embaixadores, negoceia tratados e preside ao conselho
de defesa nacional.
O PR pode dissolver a Assembleia Nacional (mas não o Senado) e
vetar as suas leis, sendo possível contornar este veto se o Parlamento
confirmar o diploma. Promove a constitucionalidade das leis, tendo
iniciativa do plano de revisão constitucional e nomeia membros do
Conselho Constitucional e do Tribunal de Contas.
O PR pode, ainda, decretar um “estado excecional” designado de
“Plenos Poderes”.
O Governo é nomeado pelo PR e está dependente da confiança da
Assembleia Nacional, que o pode fazer cair por moção de censura ou
confiança.

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O Governo determina a política da Nação, cabendo ao mesmo fazer
executar as leis, responsabilizar-se pela defesa nacional, liderado pelo PM.
Os seus membros são propostos e demitidos por proposta do PM ao PR.
Constitucionalmente, o PR não pode demitir o PM. Porém, surgiu em
confluência uma prática onde, a pedido do PR e do uso da sua influência e
a famosa “carta” sem data, o PM demite-se.
No Conselho de Ministros, presidido pelo PR (ou PM em
coabitação), delibera-se de forma colegial, podendo o Governo ter
iniciativa legislativa própria ou aprovando leis do Parlamento
(ordonnances).
O Parlamento francês é bicameral, dividido numa Assembleia
Nacional, câmara baixa formada por 577 deputados eleitos para mandatos
de 5 anos em círculos uninominais de eleição maioritária com possibilidade
de duas voltas, e um Senado, uma câmara alta composta por 348 senadores
representantes das coletividades territoriais e eleitos indiretamente por
“grandes eleitores” para mandatos de 6 anos, sendo um terço do órgão
renovado a cada triénio.
O sistema eleitoral francês proporciona um sistema partidário
multipartidarista bipolar em polos de esquerda socialista e direita gaulista.
Porém, desde 2017, o sistema partidário desestabilizou-se com a vitória do
movimento do presidente Macron, com a atomização dos partidos
“clássicos” e o surgimento de novos blocos de direita radical (RN) e de
extrema-esquerda populista (NUPES e FI).
A função legislativa é dividida pelas duas câmaras, cabendo ao PM
resolver os diferendos entre as duas, dando prevalência à Assembleia,
órgão onde este é politicamente responsável.
A mecânica do sistema político francês depende muito da
confluência/coabitação e das características pessoais dos PMs e PRs,
podendo o PR atuar como líder efetivo do executivo, dirigente da atividade
parlamentar e partidária, como monarca dualista moderador ou como órgão
autónomo do PM e Gov, que agem partilhando o poder.
Assim, pelas práticas consolidadas, o PR é o centro político do país,
sendo a eleição do mesmo o evento que reúne maior atenção da
comunidade mundial. Mesmo que a constituição não o consagre como
governante, é inegável a bicefalia do executivo francês, especialmente após
a revisão constitucional de 2000, que fez coincidir o mandato presidencial

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com o parlamentar. O PR é o líder da maioria parlamentar e do Governo
face a um PM dependente do mesmo.
O Sistema da III República Portuguesa:
Semipresidencialismo de Geometria Variável
Todos concordam na afirmação de que o sistema português é
misto/híbrido. Porém, a maioria concorda de que se trata de um
semipresidencialismo. Há uma semelhança no texto constitucional inegável
com a constituição francesa. Porém, as práticas não poderiam ser mais
diferentes.
Com a revisão de 1982, vemos suprimido o Conselho da Revolução,
reduzidos os poderes do PM e aumentados os da AR, formulando o
semipresidencialismo marcado pela herança do “poder moderador” da
Carta Constitucional de 1826.
Assente na trilogia PR/GOV/AR, centros de poder de pendor
variável. O eixo com mais peso tem sido o GOV/AR.
Traços essenciais do sistema:
 Eleição do PR por sufrágio universal: Legitima o PR enquanto
garante do regular funcionamento das instituições;
 Diarquia institucional entre PR e PM: Os dois órgãos
compartilham funções de direção política mas são autónomos. O PR
não integra nem exerce funções administrativas com eficácia externa.
Assumem uma diarquia da titularidade do poder executivo;
 Dupla responsabilidade do Governo diante do PR e AR: Os dois
podem determinar, autonomamente, a demissão do Governo (de
maior pendor parlamentar);
 Poderes significativos do PR, como a livre dissolução da AR: E a
assinatura de convenções internacionais, promoção da fiscalização
da constitucionalidade, nomeação dos Representantes da República;
 O PR como órgão regulador do sistema institucional, de estatuto
suprapartidário e não envolvido na atividade governativa: As
faculdades atribuídas e limitadas ao PR desde 1982 distanciam-no de
qualquer envolvimento direto na atividade governativa. O direito de
veto, mesmo que ultrapassável por vezes, e a fiscalização da
constitucionalidade permitem ao PR grande controlo da direção
política do país;
 Autonomia política e legislativa do Governo: Nomeado pelo PR
de acordo com os resultados eleitorais, é o órgão de condução

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política do Estado e órgão superior da administração pública. O seu
programa é apresentado ao Parlamento (não necessita ser investido e
votado). O Gov concentra em si competências legislativas e ainda
consegue fazer passar leis por sua iniciativa no Parlamento.;
 Parlamento como órgão de fiscalização e base de sustentação do
normal funcionamento da governação e fonte de impulsão de
políticas públicas: Da AR resulta a formação de Governos mais ou
menos instáveis, tendo os mesmos maioria absoluta ou em coligação.
Um Governo de maioria absoluta partidária ou de coligação
homogénea causa um apagamento do Parlamentoe vice-versa,
minorias levam a preponderância da AR e a sua maior participação.
A prática constitucional pode variar com o texto puro e duro, de
acordo com a sua relação com o sistema de partidos, se há confluência ou
coabitação e a existência de freios e contrapesos.
 Impacto do sistema eleitoral no sistema partidário e
preponderância do Gov: Uma maioria absoluta permite uma forte
liderança governamental e apagamento da AR; Uma maioria quase
absoluta aumenta o poder do Parlamento e implica uma negociação
constante por parte do Gov; Uma AR fragmentada em partidos
rígidos apaga o poder do Executivo e reforça a preponderância da
AR num cenário de instabilidade. O sistema eleitoral de círculos
plurinominais proporcionais por método d’Hondt pode levar a
fragmentação, mas tem-se assistido a concentração dos votos nos
dois grandes partidos.;
O sistema partidário seguiu as fases do sistema português, entre uma
primeira fase onde o eleitorado promoveu uma fragmentação da AR,
uma segunda onde o mesmo foi contra a lógica do sistema eleitoral,
favorecendo as grandes formações partidárias, e uma terceira onde
voltou a fragmentação, fruto do desgaste dos partidos mainstream.
 Confluência/Coabitação PR-Maioria: O sistema nunca
experienciou (desde a estabilização da democracia) um período de
preponderância presidencial. Em confluência, a figura do PR apaga-
se e vê-se reduzida às funções cerimoniais (mesmo com a redução do
papel fiscalizador). A coabitação é marcada por momentos
conflituais. Com maiorias, o Pr atua como contrapoder e
colaborador. Em minorias, o PR pode ser crítico ou colaborador face
ao GOV instável e dependente da AR. O PR pode usar a dissolução
da AR e o controlo da constitucionalidade como armas de arremesso
ao GOV;

Faculdade de Direito de Lisboa – Direito Constitucional I – António Matos Página 25


 A Prática constitucional e freios e contrapesos: Os usos,
convenções constitucionais e praxes, como a demissão do Governo
como medida excecional, da dissolução da AR em momentos de
crise e de ingovernabilidade, indigitação do PM no líder do partido
mais votado, formação de governos no “arco democrático” (PS,
PSD, CDS), escolha dos juízes para o TC por acordo.
Refutação da tese parlamentarista
O sistema português não é um sistema parlamentar racionalizado
pelas seguintes razões:
 Falta de instrumentos relevantes de garantia de estabilidade do
Governo e da sua ação: Os sistemas parlamentares racionalizados
instituem travões ao protagonismo do Parlamento para garantir a
estabilidade governativa, como constrangimentos do sistema
eleitoral, sofisticação da censura parlamentar. Ora, Portugal nenhum
destes tem, sendo os poderes do PR até um entrave na ação
governativa;
 Fragilidade dos mecanismos de racionalização propostos: Os
supostos mecanismos nada ajudaram na garantia de estabilidade,
como a falta de investidura parlamentar do governo, a restrição da
fiscalização pela AR de decretos-leis, que não tem peso institucional,
podendo o parlamento rapidamente encontrar maioria para a
mudança dos mesmos
 A ausência de definição definitiva de semipresidencialismo é
normal tendo em conta a relativa novidade do termo. Sendo que os
sistemas clássicos variam enormemente de definição
 A variedade de práticas do sistema não compromete a sua
existência pelo facto de haver partilha de características comuns e
essa deficiência não ser apontada nos outros sistemas (como diz
JRN: E daí?)
 O modelo francês, sendo o paradigma, não se impõe aos demais,
havendo variadas práticas de semipresidencialismo.
 A limitação do poder de demissão do GOV em 1982 não afeta a
caracterização semipresidencialista pelo facto de ser consagrado,
mesmo assim, poderes significativos que o mesmo exerce com
autonomia, mesmo com períodos de relativo apagamento
 As características do sistema português comuns a outros
sistemas não negam o facto de este, cumulativamente, ter as
características de um semipresidencialismo

Faculdade de Direito de Lisboa – Direito Constitucional I – António Matos Página 26


O sistema político português, portanto, não se reconduz ao
parlamentarismo mas, que, tendo os atributos do semipresidencialismo,
envolve ciclos plásticos de pendor governamental e outros de pendor ou
preponderância parlamentar.
Não obstante, certos autores, como ALEXANDRINO, OTERO,
CANOTILHO e MOREIRA rejeitam o conceito de semipresidencialismo
pelo “abismo colossal” entre práticas políticas, destacando o facto que, em
Portugal, quem governa é sempre o Governo.
O Presidente da República
O Presidente é o representante da República Portuguesa (na pessoa
do mesmo), garante da independência nacional (abster de condutas que a
ameacem e pronunciar-se contra as mesmas), da unidade do Estado (mesma
coisa que o anterior, mas que impeça a separação de uma parcela de
território), do regular funcionamento das instituições democráticas e
Comandante Supremo das FA (simbólico e honorífico mas a nomeação dá
poder moderador). Logo, é o Chefe de Estado e o órgão regulador,
característica que dá o vínculo semipresidencialista ao nosso sistema
político.
O poder arbitrário coloca-o como poder neutro no exercício político
e dirimir conflitos. O poder moderador vem da Carta Constitucional de
1826 e consiste na garantia do regular funcionamento das instituições
democráticas, podendo assumir o papel de ator político e interferir nos
outros órgãos de soberania sustentado na sua legitimidade própria.
Assim, o PR é um dos órgãos principais de conformação política,
arbitro e moderação do sistema, guardião da Constituição, garantindo a
cooperação e solidariedade constitucional através do uso livre ou partilhado
de poderes constitucionais.
Eleição e mandato
Podem ser PRs portugueses de origem com mais de 35 anos, numa
candidatura com mais de 7500 assinaturas entregue no TC, numa eleição
maioritária com possibilidade de duas voltas em sufrágio direto e universal.
O seu mandato é de 5 anos, podendo ser reeleito uma vez seguida e
não podendo concorrer no quinquénio seguinte ao segundo mandato. Em
caso de renúncia, o PR fica impedido de candidatar-se no quinquénio
seguinte, para evitar demissões dramáticas.

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As funções cessam quando o mandato acabar, morte (87º LTC)
impossibilidade física permanente, renúncia, condenação (espécie de
impeachment sobre certos crimes, sendo o PR julgado pelo STJ por
iniciativa da AR, art. 130º) e ausência do território sem autorização da AR.
Em caso de impedimento temporário ou vacatura do cargo, o mesmo
é exercido pelo PAR, que perde o mandato de deputado, gozando das
honras e prerrogativas do cargo de PR e PAR. As suas funções vêm-se
limitadas, não podendo dissolver a AR, p.e. e devendo ouvir o CE para uma
série de decisões.
Prerrogativas Presidenciais
O PR exerce competência de direção e orientação política, numa
escolha livre de titulares de órgãos e de ação politica inovadora nos órgãos
da República, e atos de controlo envolvendo faculdades de escrutínio e
vigilância da conduta dos órgãos, seus titulares e atos.
Nomeação do P.M.
O PM é nomeado por decreto do PR, dependendo de um
circunstancialismo fático. A indigitação consiste num uso informal de
preparação do PM à formação do Governo até à publicação dos resultados
eleitorais oficiais.
A tradição é da nomeação do líder do partido ou coligação pré-
eleitoral mais votada, mesmo não tendo maioria absoluta.
A própria nomeação do PM é um ato jurídico-político de
competência própria e pessoal, cuja discricionariedade é limitada no art.
187º 1 pela audição dos partidos e “tendo em conta os resultados
eleitorais”. A liberdade será menor caso haja maioria absoluta e maior no
caso de um Parlamento fragmentado, com preponderância da função do
PR. Assim, o PR não se encontra constitucionalmente vinculado a nomear
o líder do segundo maior partido caso o governo do primeiro caia.
Aliás, devido à liberdade oferecida pelo 187º, pode o PR nomear um
executivo técnico da sua iniciativa e confiança, um Governo de Iniciativa
Presidencial.
Governos de Iniciativa Presidencial
A CRP não veda ao PR a capacidade de nomear um PM fora do
quadro partidário e/ou constituído por independentes/técnicos ou de vários
partidos para assegurar a governação.

Faculdade de Direito de Lisboa – Direito Constitucional I – António Matos Página 28


Assim, a doutrina afirma que a nomeação do GOV, mesmo que haja
discricionariedade do PR quanto à nomeação, o mesmo depende da
subsistência do mesmo ao escrutínio da AR.
Mesmo com o fim da responsabilidade política do GOV face ao PR,
este mantém a faculdade em situações excecionais e de ingovernabilidade.
Desde 1979 que não existe um, devido ao balanço político-
institucional pouco positivo dos mesmos, ao apagamento da figura do PR e
a não conceção do PR como um dos pilares do Poder Executivo.
Como tal, e por analogia dos critérios de demissão, os mesmos
podem ser nomeados num cenário de bloqueio do regular funcionamento
das instituições democráticas, estado público de necessidade, situações de
urgência que impliquem um Governo funcional e preparação de eleições
livres quando o atual Executivo se demonstra incapaz ou não disposto a
fazê-lo.
Estes Governos podem ser indiretos, onde o PR atua como simples
articulador da constitucionalidade, ou diretos, onde este assume o papel
institucional de formador de uma solução governativa. Porém, parte da
doutrina exlui governos presidenciais “de confronto” (Alexandrino)
Nomeação e Exoneração dos membros do GOV
O PR partilha o poder de nomear e exonerar membros do GOV com
o PM. A capacidade de rejeição dos membros propostos pelo PM aumenta
em governos minoritários e perto do termo da legislatura e diminui em
governos maioritários e no início da legislatura.
Demissão do Governo
Desde ’82 que o PR se encontra seriamente limitado na faculdade de
demitir o Governo, somente quando tal salvaguarde o regular
funcionamento das instituições democráticas. Logo, é um poder de uso
excecional.
São exemplos de situações excecionais: tentativa de Golpe de
Estado, grave crise financeira, incapacidade do Governo de cumprir a lei,
tentativas de controlo da comunicação social, diversas
inconstitucionalidades, desrespeito pelo PR, condenação do PM e diversos
membros do GOV, etc. Nestas situações, a dissolução da AR pode ser
considerada não abrangente o suficiente.

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Mesmo assim, a ambiguidade do artigo 195º/2 faz com que a única
interpretação juridicamente relevante seja a do PR, a ele cabe decidir
quando está em causa o regular funcionamento das instituições
democráticas.
A responsabilidade do GOV perante o PR é meramente institucional,
ou seja, decorre dos imperativos de equilíbrio entre os diversos órgãos de
soberania na vivência dos mecanismos de divisão de poderes. Não é,
portanto, uma responsabilidade política strictu sensu, caracterizada por
uma confiança que supõe consonância ou ausência de conflitos de
princípios e atividade políticos.
O decreto de demissão não é impugnável perante o TC, pelo que o
uso indevido do poder tem outras consequências políticas (como revisão
constitucional que prive o PR desse poder).
Aceitação ou recusa do pedido de demissão do PM
Pela leitura a contrario sensu da alínea b) do artigo 195º da CRP, o
PR tem a faculdade de rejeitar a demissão do PM, dentro dos limites da
razoabilidade e interesse nacional. Reiterado o pedido, pode o PR “forçar”
o GOV a manter-se em funções? Ou não será a aceitação de pedidos de
demissão infundados uma aceitação de jogos políticos e de “escape” às
funções para as quais o GOV e os seus membros foram noemados?
Presidência do Conselho de Ministros
Exercida mediante convite do PM, é algo simbólico e de cortesia.
Muitas vezes, o PR nem “preside” o CM, na medida em que não coordena
os trabalhos.
Mesmo assim, a CRP dá espaço para um PR mais interventivo, face a
um PM apagado, onde o PR exerça maior ação neste domínio.
Dissolução da AR
O PR, após ouvir o CE e os partidos da AR, pode dissolvê-la, desde
que não vigore um estado de exceção e não estejamos nos primeiros 6
meses da legislatura ou nos últimos 6 meses do mandato do PR.
O uso da dissolução como “bomba atómica” do sistema remonta ao
Presidente Soares, ano de 1993. Os PRs têm-na usado, então, como poder
apenas a usar em situações de crise.

Faculdade de Direito de Lisboa – Direito Constitucional I – António Matos Página 30


A marcação de eleições é limitada pela lei eleitoral da AR e pelos
limites impostos pelo 113º.
O PR pode excecionalmente convovar a AR. A banalização desse
poder pode levar à não-presença de deputados e uma crise constitucional.
Regiões Autónomas
O PR, como garante da independência e unidade do Estado, transpõe
competências para as RAs dos Açores e Madeira. Este pode, por exemplo,
dissolver as Assembleias Legislativas Regionais e marcar as suas eleições
com procedimentos semelhantes à AR.
O PR pode, ainda, nomear e exonerar, ouvido o GOV, o
Representante da República, uma figura representativa com funções
honoríficas e de controlo da constitucionalidade.
Conselho de Estado
Órgão consultivo do PR, sendo a sua audição obrigatória em certas
situações. Os membros escolhido pelo Pr não podem ser destituídos mas
existe o uso de renúncia em falta de confiança por parte do PR
Poderes Partilhados
O Pr partilha, grande parte das vezes com o GOV, poderes de
nomeação de titulares de órgãos, como o CEMGFA (originando usos de
confluência de confiança dos dois órgãos e apresentação de mais de uma
hipótese ao PR), o Procurador-Geral da República, o Presidente do
Tribunal de Contas, embaixadores.
Controlo de atos emanados de outros órgãos e de
segurança nacional
O PR, através do poder de promulgação e veto sobre atos legislativos
da AR e GOV, exerce um juízo de valor político e constitucional sobre o
diploma, sendo o veto um bloqueio que retorna o ato ao órgão que o
emanou. A promulgação ou veto é necessária para a existência jurídica do
ato. É absoluto no caso dos D-L e Decretos Regulamentares (GOV pode
contornar tornando a lei em decreto da AR). O veto é ultrapassável em
decretos da AR. O diploma promulgado, alguns, é sujeito a referenda
ministerial, ato certificatório que não tem histórico de ser recusado. A
referenda ministerial consiste na assinatura de ministros de decretos, para
completar a existência jurídica do ato. Nunca um decreto presidencial foi
recusado pelo Governo, um processo que vem desde a Constituição de

Faculdade de Direito de Lisboa – Direito Constitucional I – António Matos Página 31


1933. Existem atos não sujeitos a referenda, os atos livres. Assim, poder-
se-ia dizer que o Governo tem controlo sobre atos do PR e Parlamento? É
um controlo mas meramente notarial, visto que a recusa da mesma podia
implicar a demissão do Gov.
Assim, a promulgação pode ser definida como um ato do PR ao qual
se atesta e declara que um diploma foi elaborado por um determinado
órgão constitucional para valer como lei, D-L ou DR. Hoje é vista como
mero poder de controlo. (JMA)
Veto, portanto, pode ser definido como um poder político de
impedimento de produção de efeitos jurídicos de certos atos, no uso de um
direito de controlo prévio do mérito ou da oportunidade do ato em causa.
(JMA)
O PR assina os acordos internacionais aprovado pela AR e/ou GOV,
sendo a recusa vista como veto absoluto.
O PR tem ainda o poder de promover o controlo da
constitucionalidade das leis junto do TC.
O PR tem iniciativa de declarar o Estado de emergência ou de sítio,
mediante autorização da AR e ouvido o GOV, declarar a guerra e fazer a
paz, classificar ou desclassificar assuntos de “Segredo de Estado” quando
legalmente previsto, exercer funções de influência e decisão na política
externa e convocar referendos sob proposta do GOV e AR.
Magistratura de Influência
Definida abaixo no glossário, não é um poder de ordem constitutiva
mas uma consequência das prerrogativas e legitimidade dada ao PR, sendo
traduzidas:
 No establecimento de contacto com orgãos para persuadi-los para
certas condutas ou decisões;
 No desenvolvimento de funções mediadoras e arbitrais;
 No uso do poder da sua palavra para questões que a este concernem.
A Assembleia da República
A AR é o órgão parlamentar soberano da III República,
representando todos os cidadãos.
É um órgão colegial, unicameral, complexo e com autnomia
organizativa. Detém a supremacia jurídica e política sobre a função

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legislativa, exercendo, também , funções de fiscalização e controlo político
(sobre o GOV e outros órgãos). E nomeia certos órgãos.
Pode ter entre 180 e 230 deputados, definindo a lei o número como
230. A legislatura tem duração de 4 anos, sendo cada ano uma sessão
legislativa.
Os deputados iniciam o seu mandato com a primeira reunião da AR,
podendo os mesmos apresentar projetos de revisão constitucional, lei,
regimento, resolução, participar nos debates, questionar o GOV e requerer
a constituição de Comissões Parlamentares de Inquérito. Os deputados são
abrangidos por um conjunto de inelegibilidades, impedimentos e
incompatibilidades.
As decisões são tomadas obedecendo ao quorum legalmente
previsto, sendo as votações na sua maioria, de maioria simples, salvo
disposição legal em contrário.
As suas funções são:
 Representativas
 De Revisão Constitucional
 De Programação, Definição e controlo político
 Legislativa
 Fiscalizadora
 Eletiva
 De acompanhamento
São órgãos da AR:
 Plenário: centro deliberativo por excelência, composto pelos
deputados. Vota leis e moções, elege outros órgãos e fiscaliza
alguns.
 Presidente da AR: Dirige os trabalhos, sendo a segunda posição da
hierarquia do Estado. Eleito por maioria absoluta, sendo o costume a
eleição de alguém do partido mais votado. Representa a AR e exerce
as funções definidas no RAR
 Mesa da AR: Presidido pelo PAR, ajuda-o nos trabalhos e declara a
perda do mandato de deputados.
 Comissões parlamentares: Essenciais para o funcionamento do
Parlamento, exercem funções especiais definidas no momento da sua
criação. De facto, a elaboração de leis e inquéritos e o seu

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desenvolvimento começa aqui. Podem ser Permanentes Previstas na
CRP, Permanentes de criação regimental ou não permanentes;
 Grupos Parlamentares: Membros de um partido organizados que
coordenam a sua ação no Parlamento. Existem dúvidas sobre a
natureza jurídica dos mesmos, se são órgãos da AR ou dos partidos
ou até associações de Direito Público. Blanco acha que são unidades
públicas de relevância constitucional que operam como estruturas
orgânicas e funcionais da AR, dirigidas com autonomia pelos
partidos, tendo em vista o apoio, direção e coordenação da ação
desenvolvida pelos mandatários, detendo o mesmo certas
prerrogativas.
 Conferência de líderes: Presidentes dos grupos parlamentares e que
apoia a atividade do PAR.
 Conferência dos Presidentes das Comissões Parlamentares:
Acompanha a atividade das comissões.
 Serviços Administrativos: P.e o Conselho de Administração.
As competências da mesma são:
 Políticas: Direção e controlo (fiscalização, autoização, inquérito e
vigilância) políticos de vários órgãos e da prática política. Tem,
ainda, poderes eletivos, de orientação e sancionadores.
 Legislativas: Na realidade, o GOV é que detém a centralidade
legislativa, especialmente se detém maioria parlamentar. Porém, a
primazia traduz-se na exclusividade da AR legislar sobre certos
assuntos. A competência pode ser concorrencial (legislar sobre tudo
o que não está previsto na CRP) ou reservadas, só podendo a mesma
legislar sobre certos assuntos (reserva absoluta=Só a AR; reserva
relativa=Só a AR ou GOV mediante autorização da AR).
 Administrativas internas e de alguns órgãos.
O Governo
O GOV é nomeado pelo PR conforme a composição da AR. É a
instituição central do sistema político português, conduzindo a política
geral do país e sendo o órgão superior da administração pública. Para tal,
apresenta-se como órgão constitucional autónomo dotado de tripla natureza
política, legislativa e administrativa.
É um órgão colegial complexo, constituído pelo PM, Vice-PM,
Ministros, Secretários de Estado e Sub-Secretários de Estado (órgãos

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singulares e unipessoais. Parte do GOV faz, também, o Conselho de
Ministros, instância deliberativa dos mais importantes atos governamentais.
Este é responsável politicamente perante a AR, nomeadamente no
momento da sua constituição, de apreciação do seu programa e
possibilidade de destituição.
Nomeação e Demissão
O PM é nomeado pelo PR mediante os resultados eleitorais e
ouvidos os partidos. Após isto, cabe ao PM propor ao PR a nomeação dos
restantes membros de Governo, com tendência certificatória, dando ao PM
grande autonomia na escolha dos seus parceiros.
O Governo pode ser demitido nos termos do artigo 195º da CRP,
podendo partir de iniciativa do Governo (voto de confiança rejeitado), PM
(pedido de demissão ou impossibilidade física), Parlamento (moção de
censura ou rejeição do Programa), PR (nos termos ditos acima) ou por
vicitudes institucionais (cessação de funções por uma nova legislatura).
Os restantes membros de Governo são exonerados mediante proposta
ao PR, que deve aceitar sob pena de ver o PM demitir-se por interferência
aos seus poderes.
O PM inicia as suas funções com a sua posse e terminam com a sua
exoneração. Nos restantes membros as suas funções começam com a sua
posse e terminam com a sua exoneração ou exoneração de membro do
Governo hierarquicamente superior.
A apresentação do Programa de GOV à AR é visto por certos
autores, como OTERO, como prova que apenas a AR permite o acesso à
plenitude de funções. Porém, podemos ver que, mesmo sendo um passo
exigido, o GOV não depende de aceitação por parte da AR, visto que esta
não se vê obrigada a aprová-lo.
Estrutura e Organização Interna
Cabe ao Governo decidir sobre o seu funcionamento e estrutura,
devendo constar dos decretos-leis que aprovam a sua orgância e restante
legislação.
Recai sobre o PM o centro de direção política governamental,
preponderância acentuada pela degeneração das eleições em “plebiscitos ao
PM”. O PM exerce a direção política e administrativa do Governo, cabendo
ao mesmo:

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 Coordenar a atividade dos membros do Executivo;
 Orientar individualmente a ação dos membros do Executivo;
 Presidir ao Conselho de Ministros e coordená-lo (tradição de
consenso ditado pelo PM sob a égide da sua centralidade na
coordenação da atividade governamental);
 Intervir na formação e composição do Executivo.
O PM não é, portanto, um primus inter partes, mas o chefe do
Executivo, com faculdades inerentes a tal estatuto, um primus super
partes.
Aos Ministros é cometida a chefia de um departamento
governamental, exercendo poderes de direção política e administrativa
sobre a atividade desenvolvida na correspondente área funcional de
atuação, representando esse departamento no Conselho de Ministros e
na AR. Têm competências próprias, como nomear Secretários e Sub-
Secretários de Estado. Os ministros são responsáveis perante o PM,
podendo, mesmo assim, reunir com o PR e informá-lo sobre o decorrer
da governação.
Os Secretários de Estado exercem poderes a eles atribuídos pela lei
orgânica do Governo, respondendo perante o PM e respetivo Ministro.
São orientados e coordenados por Ministros que podem propor a
substituição ao PM ou revogar a delegação de poderes ao mesmo.
Podem comparecer no Conselho de Ministros, mas não podem votar. Os
subsecretários de Estado são uma figura ainda menor no seio da
governação.
Com a preponderância do Governo na política nacional, forma-se o
chamado “centro de governo”, o complexo de pessoas, estruturas,
técnicas e práticas que, no plano formal ou informal, assistem o PM na
coordenação da atividade governamental e no processo de comunicação
da mensagem e da imagem do Executivo, começada com Cavaco Silva,
consiste num “inner cabinet” do Governo, que reúne com o PM (com
destaque para o Ministro da Presidência) e coordena as linhas de ação.
Responsabilidade e Solidariedade Governativa
A solidariedade governamental consiste nos membros do Governo
estarem vinculados ao Programa de Governo e deliberações do
Conselho de Ministros.

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Na repsonsabilidade, o Pm é-lo perante o PR e AR, os Ministros
perante o PM e os Secretários Estado perante o respetivo Ministro.
Competências
Ao Governo compete programar, dirigir e executar a política do
Estado.
 Competências políticas: Competências de direção e controlo
o Condução da política nacional: Fixação de objetivos
primários de ação política estatal e externa e a escolha
dos meios para o mesmo, com base no Programa de
Governo. Assim, negoceia convenções inernacionais,
aprova resoluções, apresenta referendos, etc.
 Competências legislativas: O Governo é o centro da função
legislativa, quer no seu seio ou em conjugação com a AR.
o Competência Concorrencial: Legisla sobre todos os
assuntos não reservados ao parlamento
o Competência Delegada: Mediante autorização, legisla
sobre matéria de reserva relativa da AR
o Competência Complementar: Desenvolve as leis de base
produzidas pela AR
o Competência Exclusiva: Organização interna do GOV
 Competências Administrativas: Garante a unidade da ação
administrativa. Assim:
o Dirige os serviços da administração direta do Estado;
o Superintende a administração indireta do Estado
(empresas públicas)
o Tutela a administração autónoma (como autarquias)
o Planeamento, Execução orçamental, gestão da função
pública e elaborar e executar a componente militar da
defesa nacional e administrar as FA
Assim, o Governo aprova regulamentos, celebra contratos
públicos e pratica atos administrativos.
O Governo em Gestão
Depois da demissão ou antes da apresentação do seu programa, o
Governo encontra-se em gestão, limitando-se à prática dos atos
estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos,
sendo inadiável e indispensável a aprovação de atos para os mesmos. Cabe

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ao PR a observação dos mesmos e da sua atuação. Na dissolução
parlamentar, a situação é mais difusa, mas certos autores entendem que o
GOV continua em plenitude de funções. Porém, é inegável que o mesmo
vê-se limitado pela carência de uma AR capaz de o apoiar na atividade
governativa.
Perante esta lacuna, certos autores (MIRANDA) afirmam que
devemos aplicar o artigo 234º/2, pelo que o GOV fica limitado nas suas
funções como que um GOV em funções.
Finalmente, o dever de informação do GOV face ao PR não pode ser
entendido como algo rígido que imponha determinadas práticas. Deve
simplesmente o PR ser mantido informado das atividades do GOV. Assim,
coisas como as reuniões das quintas-feiras não são algo exigido pela CRP.
Metamorfoses do Sistema
A mudança do pendor do sistema político em Portugal ocorreu por
fases. Umas onde o eixo PR-AR ganhou importância e outras o GOV
tornou-se o órgão preponderante do poder político português. Cumpre
analisar as transformações do poder para melhor compreender o sistema
político português. CBM divide estas metamorfoses em fases e as mesmas
em ciclos e os mesmos em períodos.
1º Fase- Proeminência pendular entre PR e AR (1976/1986)
Este período é caracterizado pelo ambiente instável pós-revolução
mas também pelo caráter interventivo do PR da altura, o General Ramalho
Eanes
Primeiro Ciclo- Semipresidencialismo com predominância do
poder presidencial (1976/1979)
Os poderes moderadores do PR eram aumentados com a presidência
do Conselho de Revolução. A dependência política do GOV face ao PR era
entendido pelo General como um poder de supervisão e intervenção.
Este ciclo dividiu-se em dois períodos. O primeiro foi marcado por
governos instáveis (PS e PS/CDS), que coabitavam de forma imperfeita
com o PR, que lhes criticava fortemente em conjunto com a imprensa de
direita. O segundo período é caracterizado pelos governos de iniciativa
presidencial de pouca duração, visto serem alvo de oposição da AR. Neste
período o presidente Eanes ganha protagonismo no espaço político.

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Segundo Ciclo- Pendor Parlamentar com retoma final do
protagonismo presidencial (1979/1983)
O primeiro período deste ciclo é marcado pelo reforço do poder
governamental na figura de Sá Carneiro nas duas maiorias que conquistou.
Este pretendia, ao contrário do resto dos partidos, do CR e PR,
verdadeiramente reformar e democratizar a CRP.
Contudo, a sua trágica morte em 1980 leva ao início de um segundo
período de pendor parlamentar nos governos de Pinto Balsemão, marcados
pelo compromisso e obstáculos à governação pela oposição. Mesmo assim,
deste período herdamos a revisão constitucional de 1982, que democratizou
o regime e reforçou a componente parlamentar, atenuando os poderes do
PR.
Com a dissolução da AR em 1983, o PR tem um pequeno período de
relevância da sua ação, rapidamente terminada pelo efeito da revisão de
1982.
Terceiro Ciclo- Semipresidencialismo de pendor parlamentar:
Bloco central e executivo minoritário (1983/1987)
O primeiro período é marcado pelo governo do bloco central
(PS/PSD), que foi forçado a impor medidas de austeridade face à
desastrosa situação económica do país. A gigantesca base de apoio do
GOV significou que tudo passava pela AR, reforçando o pendor
parlamentar deste ciclo. O PR, vendo o seu poder diminuído, reuniu forças
num partido afeto à sua pessoa, o PRD.
Com a rutura do bloco central por Cavaco Silva, o segundo período e
marcado pelo triunfo do PSD nas eleições de 1985, que formou um
Governo minoritário. Este GOV foi forçado a negociação constante na AR
e acabou por ser derrubado por uma moção de censura, que levou o novo
presidente, Mário Soares, a dissolver a AR.
2º Fase: A governamentalização do sistema (1987/2009)
A concentração do eleitorado nos dois grandes partidos levou à
emergência do GOV como órgão preponderante do poder, seja em
Governos de pendor primo-ministerial ou colegial.
Primeiro Ciclo- semipresidencialismo de pendor governamental
primoministerial (1987/1995)

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O governo maioritário de Cavaco Silva aprovou a revisão de 1989,
que transitou a economia portuguesa para uma economia de mercado e
reforçou os poderes da AR em certos aspetos. As duas maiorias e o caráter
do PM, um verdadeiro primus super partes, permitiram o reforço do poder
do Governo.
A coabitação com o carismático Mário Soares promoveu o caráter
moderador do PR, afastado do centro de decisão pelo próprio governo, que
ganhou nova maioria em 1991. O segundo governo, que coincide com o
segundo mandato de Soares, é marcado por novas tensões entre os dois
órgãos que, segundo CBM, era a forma do PR preparar o regresso do seu
partido ao poder. Sucessivas crises abalaram o governo e levaram a que
Cavaco Silva não tentasse renovar o seu mandato em 1995.
Segundo Ciclo- semipresidencialismo de pendor governativo
atenuado com reequilíbrio de poderes entre o executivo e o parlamento
(1995/2002)
O eleitorado continuou a favorecer os grandes partidos, mas não
tanto, promovendo governos de maiorias quase-absolutas do PS. Assim, o
Parlamento tornou-se mais ativo, mesmo com o Governo a continuar
autónomo e o centro do poder. O PR foi eclipsado num cenário de
confluência e o Governo conseguiu passar grande parte das suas medidas.
O fim do Governo Guterres veio com o revés autárquico e dissolução da Ar
de 2001.
Terceiro Ciclo- semipresidencialismo de pendor governamental
com acento colegial (2002/2004)
O novo Governo de coligação PSD/CDS teve de, como sempre,
atentar à situação económica dos governos socialistas. A coligação e o
caráter do PM levou a uma governação de colégio e com base nas bancadas
parlamentares.
A demissão de Durão Barroso e a nomeação de Santana Lopes levou
a um limbo das instituições e de geral desentendimento do sistema político,
estando no centro da polémica o PR. Num reforço do protagonismo do Pr
não visto há décadas, por razões pessoais e políticas, o PR dissolve a Ar em
2004.
Quarto Ciclo- regresso ao semipresidencialismo de pendor
governamental de tipo primoministerial (2005/2009)

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O executivo monocolor maioritário de Sócrates combinado com a
sua forma de liderança do Gov e partido assinalaram o retorno do modelo
primoministerial. O primeiro período, até 2008, é marcado pela cooperação
GOV-PR através de uma negociação prévia de medidas.
A crise do Estatuto dos Açores marca o começo de um segundo
período onde há uma quebra dessa relação de confiança. A asfixia
democrática do governo e do Pm, combinado com a conflitualidade com o
PR e a crise do subprime marcaram este período, que mesmo assim gerou
uma nova vitória do PS em 2009.
3º Fase: Proeminência pendular entre AR e GOV (2009/2017)
O aumento da expressão de forças intermédias e de protesto levou ao
certo desaparecimento de maiorias monopartidárias devido à crise e
memória da maioria de Sócrates, devolvendo protagonismo ao Parlamento.
Primeiro Ciclo- Semipresidencialismo de pendor parlamentar
(2009/2011)
O novo governo de Sócrates era minoritário, o que não combinava
bem com a sua personalidade, pelo que o governo foi constantemente alvo
de ataques pela oposição e populares num cenário de “desgoverno” que
falsamente foi posto nos ombros da AR. Incapaz de negociar com a
oposição, e vendo o país entrar cada vez mais em crise, o PEC IV é
chumbado, Sócrates demite-se e a AR é dissolvida. Aqui, vemos que este
ciclo é marcado pelo retorno da AR para a preponderância política, sendo
necessária negociação com a oposição. O PR também não é muito
interventivo neste ciclo, mesmo que tenha visto certos atos do PM como
delealdades.
Segundo Ciclo- Semipresidencialismo de pendor governamental
moderado: coligação maioritária (2011-2015)
O Governo maioritário PSD/CDS, em conjunto com a troika fez o
eixo do sistema mover-se novamente, num governo pouco
primoministerial.
Num primeiro período, o executivo é marcado por fortes medidas
alvo de contestação social e por parte do PR e TC e AR. Encurralado de
todos os lados, o PM quase que se demite em função do recuo do seu
parceiro de coligação e de um PR que guarda a sua distância.
Porém, o PR interveio e mediou as relações entre os parceiros,
marcando o início do segundo período, desde 2013. Aumentou a

Faculdade de Direito de Lisboa – Direito Constitucional I – António Matos Página 41


preponderância do parceiro menor da coligação. Porém, o falhanço do
acordo proposto pelo PR e a sua impopularidade fez, ironicamente, que o
executivo se reforçasse. A contestação diminuiu e o TC tornou-se um órgão
preponderante da governação.
Terceiro Ciclo- Semipresidencialismo de pendor parlamentar de
assembleia (2015/2017)
O sufrágio de 2015 deu uma maioria relativa à coligação PSD/CDS,
que viu o seu programa de governo rejeitado pela esquerda, que detinha a
maioria parlamentar. Discutidas várias alternativas para solucionar a
questão, o PR acabou por nomear o PS para formar um governo minoritário
com acordo com o BE e PCP.
A constante negociação para a sobrevivência do governo fez com
que o eixo do poder voltasse para a AR, parlamentarizando o sistema.

Faculdade de Direito de Lisboa – Direito Constitucional I – António Matos Página 42


Parte II- Teoria Geral da Constituição
A Constituição, norma fundamental de uma ordem jurídica
de domínio estatal
Constituição vem do verbo “costituere”, ou seja, traduz a ideia de
criação e establecimento de algo definitivo, dotado de uma certa
composição e funcionalidade. Assim, uma Constituição radica na ideia de
norma fundamental que regula o funcionamento do poder político e a
ordem social. Em todos os Estados em todas as épocas históricas esteve
presente um conjunto de normas fundamentais, escritas ou não, pelo que é
errado limitar o pensamento constitucional ao documento solene que o
conhecemos hoje.
 Supremacia normativa: lex superior supremacia às demais normas
tendo em vista a ordenação do poder, conferindo “fundamentalidade”
por ter escopo diferente das demais e que se assume como superior.
É uma norma sobre a normação.
 Ordem de domínio estatal: cria, justifica e regula o regime político
de um Estado. A Constituição serve como “cúpula” normativa de um
sistema de poder e sociedade que visa regular. Funda e fundamenta
uma dada organização da sociedade.
 Fim estruturante: Legitimar o poder político bem como o de traçar
os princípios ordenadores da sociedade (relacionamento jurídico das
pessoas com os órgãos do poder).
Tem, portanto, as seguintes funções:
 Função Integradora: Cabe à Constituição criar unidade política no
Estado e condições, no plano jurídico, para que esta seja assegurada,
a título permanente, através da paz pública e projeção externa de
força. Obtém-se conferindo legitimidade ao poder político, à

Faculdade de Direito de Lisboa – Direito Constitucional I – António Matos Página 43


enunciação de princípios e símbolos onde a população se reveja,
ancorando o poder a um projeto coletivo.
o Integração simbológica: Referências, figuras e mitos coletivos
que corporizam a unidade nacional e política. EX: O Chefe de
Estado como garante da independência nacional e símbolos
nacionais;
o Integração Humana: Agregação gerada pela força jurídica dos
direitos fundamentais dos cidadãos e o seu caráter coercivo:
o Funcional: Respeita os fatores de coesão que decorrem do
exercício das atividades do Estado como indispensáveis à
conservação da coletividade, como a Justiça
 Função Legitimadora: A legitimidade vem pela aceitação, por parte
dos governados, pelos fundamentos da autoridade do poder político.
Assim, a Constituição deve delimitar as “regras do jogo” que
legitimam e indicam os princípios basilares de ordem procedimental;
 Função Organizativa e Limitadora: Sendo o estatuto jurídico do
político, a Constituição deve establecer a organização e
funcionamento do Estado. Definição dos centros de poder, forma de
aceder aos mesmos e competências. “Só o poder limita o poder” –
Montesquieu;
 Função Ordenadora: A Constituição dá parâmetro normativo
estruturante da génese, hierarquia e do reconhecimento das restantes
normas e atos jurídico-políticos que integram o sistema jurídico.
Deve a mesma assumir-se como lex superior e regular a sua relação
com o Direito Internacional.
 Função Garantística: Deve garantir um sistema de direitos
fundamentais (reconhecidos pela Constituição) que limite o poder
político,
 Função Concetiva de Tarefas Estaduais: Enumeração dos fins e
tarefas fundamentais do Estado. A doutrina constitucional diverge
nos países nórdicos e anglo-saxónicos de Constituição como carta de
direitos e que concedem maior liberdade ao legislador para
implementação da política pública, e os países da Europa do Sul,
onde a Constituição surge como garantia de um modelo ideológico
de sociedade. Assim, não podemos entender a Constituição como
programa estático, deve ser multinível e não Leviatânica, com espaço
de liberdade à sociedade e legislador.
Classificação de Constituições

Faculdade de Direito de Lisboa – Direito Constitucional I – António Matos Página 44


 Critério estrutural: Atributos fundamentais das Constituições,
como atributos identitários, conteúdo e hierarquia.
o Em sentido institucional: Conjunto de normas que, em
qualquer momento histórico, legitimam e ordenam a
organização do poder político de uma coletividade e que
tomam posição sobre a sociedade regida por esse poder.
Em quase toda a História entendia-se Constituição como
ordenação legal solene em razão do elevado grau de
autoridade de quem a edita.
Foi no decorrer da Revolução Francesa e Americana que o
movimento constitucionalista tomou forma, entendendo
constituição como lei escrita que ordenava um poder
supremo. Mais que tudo, nesta altura, a Constituição serve
como instrumento de limitação do poder do Estado.
o Em sentido material: O conteúdo fundamental de uma
constituição moderna. O estatuto identitário do poder
político e no estatuto da sociedade nas relações com esse
poder, como norma fundamental de funcionamento do
Estado. Contém os direitos fundamentais, as posições
jurídicas ativas de que os cidadãos e as pessoas coletivas
são titulares podendo fazer frente aos poderes públicos com
recurso aos tribunais. A manifestação direta e imediata de
uma ideia de Direito com um acervo de princípios
fundamentais e estruturantes do Estado.
 Direitos Civis e Políticos
 Direitos Sociais
o Em sentido formal: Texto(s) solene integrado por normas
dotadas de uma hierarquia (supremacia jurídica) e de uma
força passiva superior às demais. Há constituições
materiais mas não formais (inglesa)
 Critério de Codificação Normativa
o Constituição Instrumental: Técnica de inclusão de
princípios e normas constitucionais num um único
documento escrito. Não confundir com Constituição
formal. Uma constituição pode ser formal mas ver o seu
conteúdo disperso por vários atos. O nexo entre a
constituição e certas normas que, por virtude dela,
adquirem categoria de normas formalmente constitucionais
designa-se receção

Faculdade de Direito de Lisboa – Direito Constitucional I – António Matos Página 45


 Receção constitucional simples: a constituição
atribui valor formal de lei constitucional a normas
estranhas a si (art. 292º CRP).
 Receção Constitucional Plena: Atribuição de valor
jurídico-constitucional a normas extravagantes mas
que conservam a sua autonomia originária (art. 16º
nº2 CRP)
 Receção Material: A Constituição adota princípios
gerais do ordenamento enunciado em outras leis (art.
7º, 9º e 12º do CC, o autor diz que são materialmente
constitucionais mas que não têm a mesma proteção
que outras normas constitucionais)
 Critério Processual: de modificação das normas constitucionais:
o Rígidas: Procedimento especial e agravado de revisão em
relação ao processo legislativo ordinário. Há resistência à
revisão e força passiva às demais leis. Podemos considerar
a CRP hiper-rígida devido aos limites materiais e temporais
que impõe à revisão.
o Flexíveis: Alteração por processo idêntico ao legislativo
ordinário.
o Semi-rígidas: Mistura, existem partes com processo
especial e outras não.
 Critério Teleológico: Fim do modelo constitucional adotado em
razão da estrutura aplicativa das normas:
o Utilitárias: Fim essencial é a limitação do poder político,
com repartição das funções do Estado, garantia dos direitos
fundamentais e neutralidade do âmbito de intervenção do
Estado. (ex: constituições liberais) (otimista face à
autonomia privada)
o Programáticas: Assumem, igualmente, fins de
transformação social, através da imposição ao poder
político de metas e tarefas ideológicas. (ex: constituições
sociais, comunistas, fascistas) (cética da autonomia
privada)
 Programáticas Sincréticas e prolixas: Enunciados
extensos e palavrosos contendo princípios
ideológicos, tarefas estaduais e direitos sociais.
 Critério Ontológico: Interpretação da prática das normas
constitucionais. A concordância das normas constitucionais com a
realidade do processo do poder.

Faculdade de Direito de Lisboa – Direito Constitucional I – António Matos Página 46


o Normativas: Envolvem uma relação de concordância entre
o conteúdo das suas normas e a realidade que visam
regular, dominando o processo político
o Nominais: As normas não são aplicáveis com efetividade à
realidade política e social que tentam regular, com práticas
que fluem à margem da mesma, muitas vezes pela
impraticabilidade das normas
o Semânticas: Textos que, independentemente da efetividade
de aplicação, se destinam a formalizar e legitimar um poder
político autocrático e a eternizar a intervenção desses
dominadores na comunidade, formalizando um poder
político em benefício dos seus detentores.
 Critério de unidade axiológica e ideológica: A constituição é
inseparável das opções políticas tomadas aquando da sua redação
e que viram tradução na mesma. Distinguimos pela coesão de
princípios fundamentais que as regem.
o Simples: Exprimem unidade manifesta do pensamento
político nos atributos identitários
o Compromissórias: Traduzem a influência de um conjunto
de correntes axiológicas e ideológicas diversas
coexistentes, mesmo que haja uma dominante, dotadas de
um determinado fio condutor

Constitucionalismo dos EUA


A Constituição norte-americana de 1787 inaugurou o movimento
constitucionalista moderno, assumindo 4 características:
 Documento positivo de natureza subsidiariamente consuetudinária:
A normatividade não se aplica somente ao texto escrito
constitucional;
 É Lex Superior, tem supremacia jurídica sobre todas as demais
normas, Supreme Law of the Land. Esta é a grande inovação dos
EUA.
 A ordem constitucional corrobora a doutrina aristotélica de governo
misto e estável, com separação e interdependência de poderes
teorizada por Montesquieu e legitimidade popular como fundamento
do documento que institui uma democracia onde venceram as teses
federalistas contra o parlamentarismo de assembleia caótico.

Faculdade de Direito de Lisboa – Direito Constitucional I – António Matos Página 47


 A garantia de direitos fundamentais na Constituição determinou o
seu respeito pelo legislador.
Assim, a Constituição americana, para além de constituir o primeiro
Estado de tipo europeu fora da Europa, inovou na positivação certain
inaliable rights, os quais deveriam servir como contrapeso e função do
poder estatal numa cidade pluralista e livre. Mesmo com os seus defeitos,
foi o desenvolvimento destas ideias que levou à democracia moderna e
forma de Estado vigente.
O constitucionalismo americano ao formalizar um documento
constitucional inova também na supremacia da mesma. Nas palavras de
Hamilton, o procurador não pode ser superior ao mandante, os
representantes do povo não podem ser maiores que esse próprio povo, pelo
que o poder constituinte é superior ao poder constituído. Assim, qualquer
ato que contrarie a constituição não pode prevalecer.
Constitucionalismo Francês
Após a Revolução Francesa, o movimento constitucionalista vive
uma fase de radicalismo, que desenvolve teorias de representação do povo,
contrariamente à democracia direta de Rousseau, de poder constituinte
infinito e de vontade suprema e sempre mutável do povo. O
reconhecimento da supremacia da constituição demorou mais tempo pela
rotura com o sistema de monarquia absoluta.
Assim, o movimento:
 Deu continuidade ao paradigma da constituição moderna, num texto
legal de lex superior, num sistema normativo não-consuetudinário,
mesmo que a formalidade demorasse a chegar;
 Rotura radical com a monarquia absoluta, garantindo a omnipotência
legislativa parlamentar, gerando grande instabilidade;
 Afastando o poder judicial como garantia da constitucionalidade, não
fez da constituição um limite do poder político mas um instrumento
do mesmo.
Os falhanços da Revolução Francesa levaram à instituição de um
regime de terror, onde a nobreza dos valores pode ser depreciada e
distorcida pelo radicalismo encarniçado das fações partidárias e despotismo
idealista.
Constitucionalismo Dualista

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 Compromisso entre a legitimidade monárquica e popular, onde
limita o poder através do reconhecimento de direitos aos súbditos.
 Supremacia da Constituição estava presente, mais política e ideal que
jurídica.
 Sistema de governo misto, com freios e contrapesos, mas que
consagram o rei como grande regulador do sistema.
 Direitos fundamentais com matriz jusnaturalista e individualista
francesa, de reconhecimento de liberdades pré-estatais
Matriz liberal da Constituição
Surge, na Alemanha, baseado em Kant, a ideia de Estado de Direito,
como reino da lei e da razão, onde se governa de acordo com a vontade
comum racional e se prossegue o interesse geral/bem comum.
Assim, rejeita-se o arbítrio do poder e a violência nas relações de
domínio. Ou seja, o Estado respeita a lei e a faz respeitar. A Constituição
tem supremacia, submete-se a Administração ao princípio da legalidade, a
reserva da lei, separação de poderes e garantia de direitos através de
tribunais independentes, ordenado por uma Constituição utilitária.
Como tal, os indivíduos não estão à mercê de um soberano,
possuindo direitos contra ele. Para estes, o Estado constitucional é aquele
que entrega à Constituição o prosseguir e salvaguarda da liberdade e dos
direitos dos cidadãos, sendo a primeira garantia desses direitos.
A Constituição é a auto-organização de um povo, o ato pelo qual o
povo se obriga e obriga os seus representantes, o ato mais elevado do
exercício da soberania.
O Poder Constituinte
O ato de vontade política, cuja força ou autoridade permite
estabelecer a Constituição de um Estado, uma exposição de vontade
política radicada na realidade dos factos. Esta exposição pode ser por ato
de força, de rotura forçada com a legalidade instituída com desejo anti-
jurídico, ou ato de autoridade, onde o poder advém de uma fonte típica de
legitimidade política.
O poder constituinte pode ser soberano, quando envolve uma
decisão livre e incondicionada imputada ao Povo e Nação, ou não
soberano, se existem poderes exteriores a um dado Estado condicionarem
a outorga de uma Constituição a essa coletividade (ocupação militar).

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Assim, o poder constituinte é uma manifestação excecional de
autoridade política e normativa da vontade ordenadora de um Estado. É,
também, um poder fundador, rompendo com a ordem jurídica de um
Estado e institui uma nova.
Fundamentos
Já antes do constitucionalismo liberal, autores como Montesquieu
teorizaram a existência de uma potestas superior e antecedente por detrás
dos três poderes separados mas independentes do Estado.
O poder constituinte é atribuído pela própria Constituição, e o
entendimento da sua natureza leva ao entendimento das formas da revisão
da Constituição.
Qual a relação entre o poder constituinte e os poderes
constituídos?
O poder constituinte é uma vontade política originária, ilimitada e
pré-jurídica que cria Direito, que cria realidades institucionais fundadas e
reguladas pelas normas constitucionais. Relação de criador-realidade
criada.
Quem é o titular do poder constituinte?
O titular será sempre o “povo” ou a Nação como fonte legitimante e
destinatária. Sieyès entende o poder constituinte como a expressão do
“direito natural” do povo, a sua vontade geral soberana. Mesmo regimes
autocráticos afirmam representar a vontade do povo ou da Nação na forma
de uma vanguarda revolucionária.
Assim, o poder constituinte não tem natureza jurídica, mas apenas é
o reflexo da vontade omnipotente do povo, realidade pré-Estado. Mesmo
assim, o poder constituinte pode surgir como espécie de “pacto” de
pluralidade de vontades expressas por representantes dos cidadãos, como
no nascimento de federações.
Qual o estatuto do poder constituinte depois da Constituição
entrar em vigor?
Primeiramente entendido como uma realidade suprema e
permanente, o mesmo era entendido como irregulável por uma
constituição. Porém, considera-se que o espírito do poder constituinte vive
nas normas que este cria, como expressão da vontade coletiva de
organização estatal defendida pelos mecanismos previstos pelo mesmo.

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Assim, o poder constituinte entra em “limbo”, podendo voltar a manifestar-
se em momentos de esgotamento constitucional ou rutura política radical.
Que relação tem o poder constituinte com o Direito?
Este surge como ideia de Direito, não obstante a sua natureza
política, na medida em que estabelece uma lei com valor supremo sobre as
demais.
Tipologia
 Poder constituinte material: Faculdade de organizar politicamente
um Estado, segundo uma determinada ideia de Direito. Imprime o
código genético da constituição em formação (ex: Programa do
MFA). Poder de autoconformação do Estado segundo uma
determinada ideia de Direito. Um sentido para a ação do poder
definido em períodos de “viragem histórica”
 Poder constituinte formal: Pressuposto pelo primeiro, diz respeito à
natureza e tipo de procedimento adotado para a aprovação de uma
Constituição. Ou seja, os paradigmas de revelação normativa do
poder constituinte. Poder de decretação de normas com a forma e
força jurídica próprias das normas constitucionais. O período entre o
exercício do poder constituinte material e do poder constituinte
formal pode ser designado de interregno constitucional com pré-
constituiçõe, de definição do regime de elaboração da constituição.
o Modalidade Democrática: Implica a intervenção do povo no
processo de feitura da constituição através de sufrágio livre,
competitivo, igual e com equivalência de opções. É a mais
genuína expressão do poder constituinte.
 Forma Representativa: Eleição de uma assembleia
constituinte com função de elaborar uma constituição.
Inclui formas de representação indireta, como a
Convenção Constitucional de Filadélfia.
 Forma Referendária: O texto só ganha validade após a
sua aprovação em referendo popular.
o Modalidade Autocrática: Poder constituinte não resulta da
vontade popular mas da atuação de órgãos não eleitos que
agem “em nome do povo” (Carta Constitucional de 1826)
 Formas Cesaristas: Ditador aprova Constituição por
decreto
 Formas Vanguardistas: Os órgãos que assumem o poder
apos uma revolução ditam a Constituição.

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 Forma plebiscitária: Submetido a voto popular sem que
se encontrem reunidas as condições para um sufrágio
livre, etc etc, como a CRP de 1933.
o Modalidade Mista: Combinação dos dois, como as
constituições dualistas ou por plebiscito livre após redação por
órgão não eleito.
Poder Constituinte Revolucionário
(pg 191 Livro II) A revolução em sentido lato (restrito+golpe de
Estado) como ato de força protagonizado por uma vanguarda político-
militar que, com quebra da legalidade instituída, destitui ou promove a
substituição dos titulares do poder vigente, tendo em vista instituir uma
nova ordem política, tem levado ao nascimento de várias constituições, seja
por autodeterminação dos povos ou por contexto interno ou por efeitos
revolucionários externos. Assim, a constituição rompe a integridade da
ordem constitucional, impondo uma nova ideia de Direito. Assim, a
revolução não é antijurídica, mas simplesmente ainticonstitucional.
Transição Constitucional
A transição constitucional implica de uma ordem jurídico-
constitucional para outra, muitas vezes por ato de força ou de transição,
com rutura por vezes radical com a ordem vigente, com origem autocrática
ou democrática. Assim, a constituição não se apoia numa norma que
fundamente a sua validade, mas deriva de um “ser” político, e dispõe, “
sobre o modo e forma do próprio ser”, pelo que o conceito de vontade
constituinte denuncia “o que é verdadeiramente existencial no seu
fundamento de validade”, conservando-se em estado natural por não estar
vinculado a outras normas.
Assim, na abertura de cada era constitucional encontra-se uma rutura
face à situação ou regime vigente, com uma nova ideia de Direito. O órgão
que elabora e decreta essa constituição está ancorado a essa ideia de
Direito, sob pena de decretar uma nova constituição formal.
A diferença encontra-se no imediatismo da nova constituição
material na revolução e na subsistência da anterior na transição, um
necessário dualismo que obedece à formas de agir instituídas. No fundo, a
transição produz-se porque a velha legitimidade se encontra em crise e
justifica-se porque emerge uma nova legitimidade.
Poder Constituinte Soberano

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Conforme a conceção do poder constituinte como ilimitado, surge a
distinção entre poder constituinte soberano e não soberano:
 Soberano: A criação de uma constituição não se encontra limitada
por nenhuma norma jurídica, quer interna ou internacional (a
validade da lei não depende de conformidade com o normas
internacionais a não ser que seja expressamente dito). Decisão
fundamental e incondicionada de organização coletiva imputada a
um povo
Roturas revolucionárias implicam normas constitucionais de
transição até à nova constituição, sendo a efetividade da mesma e
aceitação social essencial para a sua manutenção.
 Não-soberano:
o Autónomo: Constituições de estados federados
o Com soberania suspensa: pelo Estado estar sob ocupação
militar e as limitações que advêm disso
o Heterónemo: A constituição ou as suas bases são ditadas por
outro Estado ou por organizações internacionais, dando
heteroconstituições, por imposição (Japão, 1946)ou
internacionalização (Bósnia) do processo ou deliberação
externa e adoção interna (Canadá, 1982)
o Poder hetero-regulado por Constituição antiga: transição
constitucional sem rotura formal, feita através de processos
definidos pela própria constituição
Tais distinções têm relevância na ótica do poder constituinte ser
originário, de faculdade de criar uma nova constituição, ou derivado, que
presume delegação por outro poder, tendo por fim a revisão. O poder de
revisão é limitado pelos limites da identidade constitucional.
A problemática dos limites ao poder constituinte
soberano
Em princípio, a Constituição reconhece a vontade do povo como
soberano em movimento, não atendendo a quaisquer normas
supraconstitucionais ou normas avulsas. Existem quaisquer limites a este
poder? Segundo Jorge Miranda, o poder constituinte é superior ao poder
constituído. Assim, do ponto de vista jusnaturalista e de Estado de Direito,
este poder está sujeito a limites.

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Certos autores indicam que o Estado democrático está limitado por
limites transcendentes e imanentes pré-existentes à realidade constituinte.
Os limites transcendentes são imperativos de Direito natural ou de valores
éticos superiores e uma consciência coletivas, como a dignidade da pessoa
humana. CBM afirma que Direito Natural é um conceito tão vago, que já
foi usado para defender pontos de vista tão opostos, que não pode ser
tomado como limite do poder constituinte. Esta conceção de limites
transcendentes é criticada pela falta de aceitação inequívoca dos
pressupostos do Direito Natural, pela falta de coercibilidade dos mesmos e
pela diversidade e, consequentemente, incerteza dos mesmos (tanto a
escravatura como a sua abolição já foram defendidos com Direito natural).
Os limites imanentes, os mesmos afirmam que o poder constituinte
formal, como poder situado, está limitado às realidades inseparáveis do
Estado, como um Estado Unitário tornar-se federal. Porém, estes
argumentos são frágeis devido a situações concretas de mudanças do poder
constituinte aquando da feitura da Constituição e modelações que tais
limites diriam impossíveis.
Dúvidas surgem também, nos limites heterónomos, provenientes da
conjugação com outros ordenamentos juridícos, na validade do Jus Cogens
de Direito Internacional, um parâmetro normativo de princípios e regras
jurídicas indispensáveis à estruturação, funcionamento e subsistência de
uma ordem pública internacional e que, sendo nessa qualidade reconhecido
pelos Estados que integram a Comunidade Internacional, assume uma
posição proeminente na hierarquia das normas da mesma comunidade.
Nenhuma norma afirma que este vincula constituições.
A receção do Direito Internacional está assente na sua corroboração
com a CRP, por exemplo, não valendo como Direito Imperativo, mas como
normas de Direito Internacional, que em si já tem efetividade duvidosa. O
direito cogente vale como tratados ou costumes internacionais com valor
supralegislativo (8º CRP) mas infraconstitucional (278º nº1 CRP).
Alguns autores apontam o Direito Comunitário como limite ao
poder constituinte soberano, com fundamento em decisões do TJU. Porém,
os tratados europeus não têm valor constitucional, visto a UE não ser um
Estado, pois não detém povo, território e poder político soberano; Não
houve processo constituinte aceite pelos povos europeus; As normas dos
tratados europeus não podem entrar em conflito com princípios
fundamentais dos Estados conforme decisões judiciais; A própria CRP
limita-o no nº4 art. 8º e 288º. Assim, se o TC pode fiscalizar normas

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europeias, se o PR pode pedir ao TC que o faça e se a CRP literalmente diz
que o Direito Europeu deve seguir os princípios fundamentais do Estado,
os mesmos não podem ir de encontro com a soberania do Estado português.
No entanto, a liberdade constituinte do estado-membro está
condicionada politicamente pelas regras da UE que rejeitam regimes
autoritários e que quebram os seus valores.
Existem, ainda, limites estruturais, vulgo políticos, éticos, sociais e
culturais ao poder constituinte que são desprovidos de valor jurídico mas
que podem influir na durabilidade e na legitimidade da Constituição ditada
por esse poder. Contrariedade aos mesmos não implica invalidade jurídica
mas arrisca a nominalização e a sua subsistência.
Transformações da Constituição
As constituições são produto do seu tempo. Como tal, devem ser
mudadas à medida que enfrentam factos novos e realidades não previstas.
Assim, as constituições são mutáveis, com processos de alteração que varia
de Estado para Estado.
Uma alteração pode implicar: Substituição material por outra ou
alteração parcial de certas disposições normativas sem prejuízo à
identidade da mesma.
Assim, podemos abordar as modificações constitucionais falando das
vicissitudes constitucionais, ou quaisquer eventos que se projetem sobre a
subsistência da constituição ou de alguma das suas normas.
 Quanto ao modo
◦ Expressas
▪ Revisão Constitucional: modificação da constituição expressa,
parcial, de alcance geral e abstrato. Tem um fundamento na
autoconservação da Constituição
▪ Derrogação constitucional: Exceção da regra constitucional.
Semelhante à revisão mas incide numa norma geral e concreta.
A violação excecional de uma prescrição legal quando tal é
permitido pela constituição. Jorge Miranda acredita que as
mesmas são constitucionais desde que não violem princípios
fundamentais da constituição
▪ Transição Constitucional

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▪ Revolução
▪ Rotura não revolucionária
▪ Suspensão
◦ Tácita
▪ Costume Constitucional: Comportamento assumido
juridicamente relevante. O desuso, que nunca pode fazer
cessar a vigência de uma Constituição, apenas certas normas.
Para cessar uma constituição, é necessário um novo ato
constituinte. O costume prater e secundum legem reforçam a
continuidade e legitimidade da constituição. É no costume
contra legem que vemos que o mesmo deve ser tratado como
costume constitucional quando parar de ser interpretado como
tal e ser interpretado como elemento integrante de um facto
normativo. Há um só ordenamento constitucional.
▪ Caducidade: Cessação de vigência pelo decurso do tempo. A
norma já não pode desempenhar nenhuma função.
▪ Intervenção evolutiva da Constituição: Reconhecimento da
constituição e das suas normas como algo vivo e evolutivo
▪ Revisão Indireta: Interpretação sistemática da constituição. O
sentido de uma norma não objeto de revisão é mudado por
virtude da interpretação sistemática e evolutiva em face à nova
norma constitucional
 Quanto ao objeto
◦ Parciais
◦ Totais
▪ Revolução
▪ Transição constitucional
 Quanto ao alcance
◦ Geral
 Quanto às consequências na ordem constitucional
◦ Evolução constitucional
◦ Rotura

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▪ Revolução
▪ Rotura não revolucionária: Apenas põe em causa a validade
circunstancial da constituição.
 Quanto à duração dos efeitos
◦ Definitivos
◦ Temporários
 Alteração expressa (revisão): Alteração expressa e parcial de uma
Constituição cuja subsistência procura garantir, através de um
processo especial e agravado. Serve como garantia da própria, visto
não poder esta estar petrificada e ignorante das mudanças sociais.
 Derrogação constitucional: Quebra de um princípio estruturante de
uma Constituição para casos autorizados pela mesma. CBM não
considera a derrogação originária, prevista na constituição, como
instrumento de transformação. Apenas a derivada, forma peculiar de
revisão constitucional, levanta dúvidas de constitucionalidade.
Em síntese, uma mutação informal da Constituição designa
alterações informais que alteram o conteúdo da mesma. É um fenómeno, ou
seja, uma construção restritiva da interpretação do texto da Lei
Fundamental. É fruto de fenómenos como o costume, atos exógenos como
da UE ou jurisprudência.

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Parte III- A Revisão Constitucional em Portugal
A maioria das revisões constitucionais em democracia realizam-se
através de dimensão representativa, ou seja, através do órgão
parlamentar, seja em assembleia ordinária ou especial.
Assim, revisões de assembleia ordinária podem ser:
 Modalidade Comum: o parlamento é investido de funções de revisão,
deliberando sobre alterações tendo em conta as limitações
 Revisão por Parlamento Renovado ad hoc: O Parlamento que inicia a
revisão é dissolvido e o novo parlamento delibera sobre alterações
 Revisão Parlamentar sujeita a ratificação de estados federados:
Ocorre em certas federações, onde as alterações devem ser aprovadas
por um número determinado de assembleias dos estados.
Em Portugal, a CRP institui limites à sua revisão, cuja inobservância,
especialmente os temporais, formais, temporais e circunstanciais,
levam à inexistência jurídica:
Limites Temporais

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A CRP apenas pode ser alterada em determinados momentos,
impondo a mesma limites à revisão através de critérios de ordem temporal.
Assim, a CRP pode ser revista em cada quinquénio, sendo a AR o
órgão com iniciativa de revisão.
Existe ainda a revisão extraordinária, que pode acontecer, pela
aprovação de uma deliberação por uma maioria hiper-qualificada de quatro
quintos dos deputados em efetividade de funções.
Não obstante os limites temporais que tornam os Governos reféns de
pequenas forças políticas, a CRP foi das que mais foi mudada, muitas vezes
por egoísmo e frenesim de legisladores imprudentes.
Limites Formais
Os trâmites fundamentais de produção normativa que a AR deve
observar no processo de aprovação e revelação das normas de revisão
constitucional, como:
 Reserva da iniciativa de revisão aos deputados (nº1 285º CRP)
 Aprovação das alterações por maioria de 2/3 dos deputados
(nº1 286º), sendo que este tem maior peso na atribuição de rigidez à
CRP, mas que atribui estabilidade à ordem constitucional pela
necessidade de compromissos.
Limites Circunstanciais
Situações específicas que impedem revisão da CRP, nomeadamente
a vigência de exceção (289º). Entende-se pela natureza crítica destes
estados, não sendo justo nem eficiente a revisão da Lei Fundamental em
contextos limitativos dos cidadãos e com efeito na ação dos Deputados.
Pergunta-se se o PR pode impedir a passagem de uma revisão ao
decretar um estado de exceção.
Limites Materiais
Disposições constitucionais, expressas ou implícitas, que vedam ao
poder de revisão a faculdade de suprimir ou alterar normas incidentes sobre
certas matérias.
A revisão de 1989 consolidou a tese da admissibilidade da dupla
revisão, se as disposições cobertas pelos limites podem em si ser revistos.

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Pela presença de disposições de cariz socialista na primitiva CRP,
surgiram várias teses sobre a admissibilidade da revisão destes limites:
 Relevância absoluta dos limites materiais (Gomes Canotilho):
o O poder constituinte é superior ao de revisão
o Assim, o poder de revisão deve mover-se dentro dos limites
estabelecidos pela Constituinte
o A norma que estabelece os limites materiais é, portanto,
inalterável
 Dupla Revisão (Jorge Miranda):
o Os limites são de natureza declarativa e não constitutiva,
assumindo o mesmo valor que as restantes normas
o O poder constituinte de certo momento não é superior ao de
outro momento.
o Existem limites de primeiro grau cuja alteração implicaria uma
nova constituição e outros, de segundo grau, que não afetam a
essência material da CRP
o O artigo dos limites não admite a sua irrevisibilidade, pelo que
o mesmo pode ser revisto, mesmo que os valores que consagra
não
o O poder de revisão deve obedecer à fronteiras impostas pelo
poder constituinte sob risco de elaborar uma nova
constituição. Mas nem todos os limites têm o mesmo peso
o Os limites não são apenas normativos, mas presentes pela
natureza do poder constituinte material
o Os limites de primeiro grau devem estar sempre presentes na
CRP, mesmo que implicitamente
 Irrelevância dos limites (Marcelo Caetano)
 Tese de Marcelo Rebelo de Sousa, que admite a relevância absoluta
dos limites, mas que afirma que estes podem ser mudados através da
convocação do poder constituinte novamente ou por referendo
constitucional
O afastamento face às teses marxistas de parte da vanguarda de abril
e a necessidade de adaptação ao sistema económico europeu levou a uma
certa vitória da tese da dupla-revisão, que atribui a estas normas uma híper-
rigidez, que admite evolução dentro dos parâmetros gerais impostos pelas
mesmas.

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Assim, hoje em dia, o debate centra-se na amplitude dessa “dupla-
revisão”, se a mesma pode suprimir totalmente os limites materiais ou se
existência regras eminentemente superiores.
Assim, CBM admite a existência de limites de hierarquia superior,
como aqueles constantes da DUDH, à qual a CRP atribui valor supra-
constitucional. Outros autores afirmam a existência de limites materiais
implícitos, como a legitimidade democrática e o Estado de Direito, ajudado
por decisões da jurisprudência italiana.
Portanto, CBM reafirma a superioridade do poder constituinte face
ao poder de revisão, com um conjunto de princípios e regras de Direito de
uma dada ordem jurídica cuja eliminação ou descaracterização significaria
uma nova ideia de Direito ou Constituição diferente. Identificamos tais
regras, segundo Jorge Miranda, olhando para as regras que se perscrutam
por todo o sistema constitucional.
Assim, a CRP tem como estes limites a soberania e identidade
nacional, regime político, regime de direitos, liberdades e garantias,
independência nacional, forma republicana de governo, sufrágio universal,
princípio do Estado Social de Direito, etc. A mudança fora destes limites
implicaria uma nova forma de Direito e Constituição. Como tal, não pode
ser suprimido o o conteúdo fundamental das normas referidas, visto que
são os limites materiais do núcleo identitário da Constituição.
Processo de Revisão da CRP
O órgão competente para a aprovação de leis de revisão é a AR,
tendo a ordem constitucional portuguesa um modelo representativo
simples. A alterações não podem ser alvo de referendo.
A iniciativa cabe aos deputados em processo facultativo.
Apresentado um projeto, devem todos os outros ser submetidos em trinta
dias, cumulando tudo num só processo. A iniciativa pode ser abortada por
voto maioritário. O RAR limita a admissibilidade de projetos que violem os
limites materiais da CRP.
A fase instrutória decrorre na Comissão Eventual para a Revisão
Constiucional, onde se procura consensos nos projetos apresentados. Hoje,
a revisão constitucional é tratada no seio dos grandes partidos do sistema.
A fase constitutiva ocorre em Plenário, sendo as alterações votadas
na especialidade, é necessária a aprovação por 2/3 dos deputados..
Assumem a forma de substituições, supressões ou aditamentos. As

Faculdade de Direito de Lisboa – Direito Constitucional I – António Matos Página 61


alterações são reunidas numa única lei de revisão, pelo que não é necessária
a sua votação global, mesmo que tal ocorra.
A fase certificatória corresponde à pormulgação pelo PR. A
promulgação e falta de referenda são obrigatórias, pelo que o PR nem pode
promover a fiscalização da constitucionalidade, pelo facto de o mesmo
apenas se pronunciar em leis e decretos, a maioria de aprovação é maior
que a maioria de confirmação no caso de devolução e o Pr estaria a
desobecer ao 286º CRP. No entanto, o PR pode devolver a lei à Ar se a
mesma carecer de forma de Lei de Revisão Constitucional, como a
inobservancia de limites temporais.
A fase integrativa de eficácia tem lugar com a publicação em DR,
esgotando-se o poder de revisão. Duas notas:
 A publicação de duas leis de revisão na mesma data leva à
complementação da primeira lei com as alterações da segunda.
 Se forem publicadas duas leis em datas diferentes, a segunda carece
de existência por esgotamento do poder de revisão.

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Parte IV- O Constitucionalismo Português
Constituição de 1822
Com a derrota militar da França em Portugal, reinstaura-se a
monarquia absoluta. Porém, o Rei D. João VI encontrava-se, desde 1807-
1808, no Brasil, que foi elevado a reino, fundando o Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarves.
O território português ficara reduzido a um protetorado britânico sob
a tutela do general inglês Beresford. Assim, a 1820, deflagra uma
revolução no Porto pelo “Sinédrio”, que reuniu Cortes para redigir uma
constituição.
Assim, D. João foi forçado a jurar as bases da constituição e a
retornar ao país, numa espécie de democracia representativa do poder.
A Constituição de França de 1791 e de Cádis (espanhola) inspirou
uma constituição radical-democrática, de compromisso entre o
tradicionalismo e correntes liberais.
Assim, a Constituição instaura um regime monárquico
representativo, baseada na tripartição dos poderes, sendo o poder do rei
fruto da soberania nacional. O monarca era o titular do poder executivo e
tinha veto suspensivo sobre as leis ordinárias aprovadas pelas Cortes. Nem
podia dissolver as Cortes.
O Parlamento (Cortes) era unicameral, eleito bienalmente por voto
censitário (poder de voto vinha do rendimento) e capacitário (no girls
allowed). Tinham função legislativa e política. O poder judicial cabia aos
tribunais.

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Assim, esta Constituição é marcada pelo poder diminuto do rei,
Chefe de Estado frágil.
Era uma constituição utilitária, com um grande conjunto de direitos,
liberdades e garantias inspirado nos documentos liberais clássicos.
A constituição era inepta, sendo que foi suspensa logo em 1823 em
virtude de golpes miguelistas. Com o processo de separação do Brasil, foi
começando a ser redigida uma Carta Constitucional enquanto D. Miguel
preparava a usurpação da ordem constitucional.
Carta Constitucional de 1826
A morte de D. João VI em 1826 leva a que D. Pedro IV o sucedesse.
Ora, sendo este imperador do Brasil, não podia ser rei de Portugal. Como
tal, houve grande contestação. Assim, D. Pedro IV abdica a favor da sua
filha, D. Maria, até esta atingir a maioridade e casar com o seu tio, D.
Miguel, este seria o regente. Outorga também, uma Carta Constitucional,
como tinha feito no Brasil (principal fonte, com contributos britânicos e de
Benjamin Constant.
A outorga da Constituição significa que esta vem de um exercício de
poder constituinte autocrático e unilateral do monarca, onde este aceita
limitar o seu poder absoluto.
Assim, a Constituição assenta num sistema dualista marcado pelo
poder moderador do rei. Com este, o rei podia exercer formas de controlo
inter-orgânico como fiel balança do sistema, numa relativa “neutralidade”,
tendo como prioridade a independência, equilíbrio e harmonia nacional e
orgância.
Assim, o rei podia demitir o Executivo, dissolver a Câmara dos
Deputados, nomear os Pares e vetar leis. Esta faculdade de nomear os
membros do Executivo deslocou a balança institucional para o lado do
monarca, num sistema híbrido.
O Parlamento era bicameral, dividido na Câmara dos Pares
(aristocracia) e Câmara dos Deputados (eleitos por voto indireto, censitário
e capacitário).
A constituição era utilitária, com maior equilíbrio entre os direitos e
garantias, com certas inovações (proibição da censura eclesiástica e
liberdade de empresa).
A Carta teve várias vigências:

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 1826-1828: Período instável marcado pelos golpes de D. Miguel que
irão levar à guerra civil.
 1834-1836: Entre a derrota dos absolutistas e a revolução setembrista
 1842-1910: Entre o golpe Cabralista e a Revolução Republicana
Constituição de 1838
A setembro de 1836, fações radicais lideral pelo Marechal Saldanha
realizam um golpe que visava restaurar a constituição de 1822, acabando
por redigir uma nova constituição de compromisso entre cartistas e
vintistas.
Assim, aboliu o poder moderador do monarca e regressou ao sistema
tripartido, sendo o rei titular do Poder Executivo, podendo dissolver a
Câmara dos Deputados, nomear e demitir ministros e vetar leis.
O Parlamento continuava bicameral (Câmara dos Deputados e
Senado).
O sistema era, portanto, um parlamentarismo equilibrado pelo poder
do Rei.
Também de natureza utilitária, inovava em certos direitos, como
liberdade de associação.
De destacar que a fiscalização da constitucionalidade cabia às Cortes,
sendo que as revisões não dependiam de sanção real, num sistema de
parlamento renovado.
Esta constituição nunca foi aceite pela elite, formando-se o Partido
Cartista. A 1842, Costa Cabral lidera um movimento que repõe a Carta.
Constituição de 1911
A desestabilização do sistema partidário com o surgimento de novas
forças políticas, a bancarrota e embaraço nacional pelo escândalo do “Mapa
Cor-de-Rosa”, leva ao crescimento de um movimento republicano que
intentou um golpe já em 1891.
Após o regicídio de 1908 por fações da maçonaria leva ao trono o
jovem D. Manuel II, que pouco consegue fazer contra a agitação dos seus
súbditos.
Assim, a 5 de outubro de 1910, é proclamada a República, com um
Governo Provisório liderado por Teófilo Braga (açoriano!!!), sendo
convocada uma Assembleia Constituinte. Assim, o exercício do poder

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constituinte foi feito de forma autocrática, devido ao domínio completo do
Partido Republicano em eleições que por vezes levantam dúvidas sobre a
sua regularidade. Assim, a Constituição junta fações jacobinas, democratas-
radicais, liberais e socialistas utópicos.
A principal fonte é a Constituição de 1822, a de 1891 do Brasil e
francesa de 1875.
A constituição é marcada por três períodos distintos. O primeiro, de
1911 a 1918, é marcado por um parlamentarismo de assembleia. Todo o
sistema político dependia do Parlamento, até o próprio PR, de poderes
esvaziados. O GOV era indigitado pelo PR, sendo apresentado às Câmaras
do Congresso.
Assim, a preponderância do Parlamento, em junção com a obstruição
de uma oposição particularmente afeta a golpes de estado, ditou a
dominância do Partido Democrata de Afonso Costa e a constante
instabilidade.
O Congresso era bicameral, com Câmara dos Deputados e Senado,
eleitos por sufrágio direto e capacitário.
O segundo período vai de 1917 a 1918, sendo o seu início marcado
por um golpe de estado de forças conservadoras dirigido pelo Marechal
Sidónio Pais, que instituiu uma reforma que, em rigor, ditou uma transição
material da Constituição, com viés presidencialistas.
O PR, eleito por sufrágio universal, era a cabeça do Poder Executivo,
nomeando e demitindo ministros. Sistema com apoio popular, acaba por
durar pouco em virtude do assassinato de Sidónio em 1918.

“Sei que morro! Salvem a Pátria.”


A reposição da Constituição, último período, de 1918 a 1926.
Embora concedendo ao PR o poder de dissolver o Congresso não mitigou a
crónica instabilidade do regime.
De destacar no regime de direitos nesta constituição utilitária será a
abolição da pena de morte e a índole anti-clerical e especialmente anti-
católica. Inovação interessante é, também, a fiscalização abstrata da
constitucionalidade das leis pelos tribunais.
No total, entre 1911 e 1926 sucederam-se 8 PRs e 44 Governos. A
travar a degradação do país somente a Revolução Nacional de 1926.

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Constituição de 1933
A ditadura visava satisfazer a vontade popular de ordem pública e
financeira. Numa governação composta por várias vertentes da vontade
popular, começa a destacar-se o Ministro das Finanças, António de Oliveira
Salazar.
Ascendendo a Presidente do Conselho de Ministros, Salazar elabora
uma nova Constituição que institucionalizasse o seu novo regime, o Estado
Novo.
O processo constituinte foi autocrático e de forma plebiscitária, que
deslegitimou o documento posteriormente, aprovando uma constituição
programática.
As suas principais fontes são a Carta de 1826, Constituição de 1911,
Constituição de Weimar e Italiana de 1848 (+ influências fascistas).
O sistema político, na sua prática autoritária, pode ser caracterizado
como um sistema de chanceler, onde o Chefe de Estado detém amplos
poderes mas que não os exercia. O Presidente do Conselho de Ministros
apenas dependia do Chefe de Estado e não do Parlamento. O binómio mais
importante, portanto, era o de Chefe de Estado- Presidente do CM.
Embora pudesse ter evoluído para um sistema presidencial atípico, a
aliança entre as FA e a União Nacional tornou o PR uma figura
representativa moderadora na figura de um militar. Como tal, o Presidente
do Conselho de Ministros era o verdadeiro fulcro de autoridade do Estado.
O PR, em si, era eleito para um mandato de 7 anos, com chance de
reeleição, por sufrágio direto (até 1959, onde passou a ser eleito por um
Colégio Eleitoral). Muitos dos seus poderes e funções foram herdados pela
CRP, como a faculdade de dissolver a Assembleia e ser Comandante
Supremo das FA.
O Governo era a cúpula da condução política do Estado através de
um consenso induzido pelo seu Presidente usando uma grande quantidade
de poderes legislativos e políticos.
O Parlamento era composto pela Assembleia Nacional e pela Câmara
Corporativa. Ambas as câmaras tinham um papel reduzido devido às
características do próprio regime, como o seu antiparlamentarismo e
autoritarismo, servindo apenas como “câmaras de eco” ou de eventual
consulta da atividade governativa. Não tinham real peso na condução das
atividades do país.

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Na função judicial, é de realçar a criação de “tribunais plenários”
para julgar adversários do regime.
Embora a Constituição prevê-se Direitos Fundamentais, os mesmos
estavam limitados “pela moral e pelo Direito”. Assim, as liberdades cívicas
e políticas eram limitadas conforme a ideologia e desejos do regime.
Institutos como a censura limitavam o debate político e oposição, a qual
não podia formar partidos políticos, visto estarem proibidos.
O regime visou um Estado Unitário regional, imaginando uma
descentralização de competências para os órgãos asiáticos e africanos, o
qual não aconteceu (apenas demasiado tarde, com Marcello Caetano),
culminando na brutal perda dessas possessões.
O poderes de revisão e fiscalização da constitucionalidade cabia ao
PR, Tribunais e Assembleia Nacional.
Constituição de 1976
A 25 de abril de 1974, um grupo de militares (MFA), grupo formado
por moderados e membros de alas marxistas da oposição, derrubam o
regime e instalam uma ditadura militar, visando a democratização,
descolonização e desenvolvimento do país.
O novo regime foi inicialmente assumido por uma Junta de Salvação
Nacional presidida pelo General António de Spínola, membro da ala
conservadora e federalista da oposição.
A radicalização do MFA fez de Spínola um adversário e impediu-o
de prosseguir com uma democratização rápida e a federalização do país,
acabando por demitir-se após um falhanço em reunir os seus apoiantes a 28
de setembro de 1974. Após esta data seguem-se governos radicais de
esquerda e prisões de personalidades de direita. Portugal via-se cada vez
mais em mãos do PCP e de outras forças radicais, de uma ditadura para
outra.
O que se seguiu foi uma desocupação desordenada e horrenda dos
territórios ultramarinos, que entregou compatriotas à sua sorte e o exercício
do poder político por um Conselho da Revolução que, com Governos
Gonçalvistas, continuou o projeto marxista.
Um golpe falhado da extrema-esquerda a 25 de novembro de 1975
devolve o poder às forças moderadas (os “nove”, mesmo assim de
esquerda). É neste contexto que a Assembleia Constituinte redige e aprova
a Constituição de 1976.

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A caraterização da forma de exercício do poder constituinte como
democrático-representativo ignora as formas de pressão sobre os eleitores e
deputados constituintes, especialmente o Pacto MFA-Partidos, a proscrição
de certas forças.
As principais fontes de Poder Constituinte Material são os Pactos e o
Programa do MFA. Das fontes cognitivas destacamos a Carta
Constitucional de 1826, a Constituição de 1911, de 1933, a Constituição
Francesa de 1958, alemã de 1949, italiana de 1947 e Constituições de
Estados comunistas. É tremendamente compromissória e programática-
sincrética.
O sistema político instituído pela mesma já foi analisado acima, um
sistema político semipresidencialista de geometria variável.

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Parte V- Glossário
Descentralização Territorial- Policentrismo de autoridades públicas com
personalidade jurídica e dotadas de autonomia que dividem e partilham o
poder político.
Desconcentração Territorial- Descongestionamento dos serviços através
da atribuição de autoridade a órgãos subordinados instalados em territórios
periféricos.
Direito- Conjunto de regras que ordenam ou disciplinam a conduta humana
em sociedade e cuja obrigatoriedade se encontra garantida por sanções, ou
seja, pela aplicação de penas e castigos para os infratores.
Poder- Possibilidade de eficazmente impor aos outros o respeito da própria
conduta ou de traçar a conduta alheia.
Poder Político- Forma de autoridade exercida sobre os membros da
sociedade que visa prosseguir e acautelar a realização dos seus interesses
gerais e que se traduz na faculdade de criar e impor regras de Direito,
dispondo do monopólio do uso da força (coação) para as fazer cumprir.
Estado- Domínio territorial regido politicamente por uma autoridade
soberana.
Estado Contemporâneo- Coletividade territorial integrada por um povo,
que a ela se encontra ligado pelo vínculo da nacionalidade, e por um poder
político soberano.
Povo- Conjunto de pessoas ligadas a uma determinada coletividade
estadual pelo vínculo jurídico da nacionalidade.
Nação- Pessoas unidas por tradições, necessidades e aspirações que se
projetam como uma comunidade de destino no universal.
Território- Espaço geográfico e físico onde o Estado exerce os seus
poderes de domínio, sendo o mesmo delimitado pelas linhas de fronteira.

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Soberania- Faculdade do Estado se poder livremente auto-organizar no
plano jurídico, na liberdade de tomar decisões obrigatórias para os cidadãos
e para outros entes públicos e privados e na capacidade de representar
internacionalmente os interesses externos da coletividade, num quadro
formal com outros Estados.
Legitimidade- Conjunto de vínculos, valores e princípios de ordem
cultural, política e jurídica que justificam junto dos governados o tipo de
autoridade titulada e exercida pelos governantes.
Domínio- Suscetibilidade de os membros de um grupo determinado
obedecerem a comandos, gerais ou específicos, manifestando um mínimo
de vontade de acatar o poder de autoridade de onde brotam os referidos
comandos.
Regime Político- Modelo doutrinal ou ideológico onde repousam os
fundamentos da legitimidade do poder soberano de um Estado bem como
da definição do tipo de enlace jurídico-político que é estabelecido entre o
povo e os órgãos que exercem o poder.
Doutrina Política- O conjunto de valores ou princípios que fundamentam
uma conceção política, ética, filosófica ou até religiosa da estrutura
estadual e das relações entre o Estado, a sociedade e o poder político.
Ideologia- Simplificação da doutrina através de ideias-força que são
transformadas numa crença política.
Regime Democrático-
Regime Autocrático- Ordem de domínio fundada num ideário oficial que
fundamenta o exercício concentrado e não efetivamente controlado do
poder político por parte de um grupo que domina as instituições estaduais e
que restringe ou veda o acesso dos governados ao mesmo poder, mediante
uma expressiva compressão ou supressão dos direitos políticos.
Estado Totalitário- cosmovisão ideológica integral do homem, da
sociedade e do poder político que é erigida a filosofia pública de Estado e
dinamizada por um partido único que detém a autoridade pública e a exerce
de forma exclusiva, utilizando para a conservar, o monopólio da
comunicação social e da educação e um aparelho repressivo de caráter
judicial, policial e paramilitar.
Estado Autoritário- Ideário público que justifica uma concentração do
poder num órgão supremo que, sem intentar moldar a esfera privada dos
cidadãos e a vida em sociedade ou derrogar a legalidade, enseja dirigir e

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dominar os aspetos fundamentais da vida política do Estado, limitando
significativamente a escolha dos governantes pelos governados.
Sistema Político- Modelo de estruturação e de relacionamento dos órgãos
de soberania no exercício do poder político.
Sistema Eleitoral- Conjunto de normas, procedimentos e técnicas que
estruturam de forma coerente o modo como a preferência dos eleitores,
expressa em votos, se transforma na designação de mandatários que irão
desempenhar funções públicas como titulares do poder político.
Partido Político- Coletividade formada por uma associação de cidadãos,
organizada em torno de um programa de ação e que tem como propósito
representar, de forma permanente, uma tendência da vontade popular em
atos eleitorais, de modo a, por essa via, vir a aceder, influir ou participar no
exercício do poder político.
Sistema Partidário- Conjunto de formas e de modalidades de afirmação e
coexistência entre partidos políticos
Modelo de formatação partidária que deriva da relação entre o número de
partidos que obtém representação parlamentar e as variáveis compostas
pelo seu peso representativo, a sua estrutura relacional, a sua durabilidade e
o modo como, individualmente ou mediante alianças podem aceder ao
exercício do poder.
Usos- Comportamentos regulares adotados pelas instituições do Estado no
âmbito interno do sistema político, em cuja esfera projetam a sua eficácia e
cuja consolidação contribui para a criação de uma normação não escrita,
ordenadora de instituições.
Órgãos: centro institucionalizado de poderes funcionais que exprime a
vontade funcional imputável à pessoa coletiva.
Os agentes são as pessoas que colaboram no cumprimento da vontade do
órgão.
As competências são o conj. de poderes atribuídos a um órgão para o
desempenho da sua função, previsto na CRP e na Lei, são irrenunciáveis e
sujeitos ao princípio da legalidade.
Os órgãos são variados na sua classificação: Em função do número
de titulares (singular ou colegial, de tipo colégio ou assembleia); previsão
constitucional ou falta da mesma (órgãos de soberania no primeiro caso e
reitor da UL no segundo); simples ou complexos (consoante um órgão

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unitário ou um que admite a existência de outros órgãos no seu seio, como
o o governo); obrigatoriedade, ou falta dela, de existência; critério das
funções desempenhadas (deliberativos ou consultivos);
Quorum designa a presença de um número mínimo de membros de
um determinado órgão (116º nº2 CRP).
Atingido o quórum, o órgão pode deliberar por maioria relativa
(votos a favor> votos contra) e maioria absoluta (mais de metade dos votos
a favor) e maioria qualificada (variam em 2/3, ¾, etc).
Convenções Constitucionais: Pactos ou acordos, expressos ou tácitos de
poder, entre as instituições ou os agentes políticos e que se sedimentam
através de uma longa prática reiterada, não de obrigatoriedade jurídica
quanto à sua adoção futura, mas sim de efetiva conveniência para o bom
funcionamento do sistema, dentro de certas balizas que se julga oportuno
conservar.
Praxes: Condutas e ritos habituais, em regra não escritos, que se repetem
de forma incremental e que integram o funcionamento do sistema, sem que
relevem para a sua caracterização e alteração, operando como mecanismos
acessórios do seu funcionamento.
Parlamentarismo Racionalizado: Parlamentarismo com conjunto de
institutos de ordem constitucional qe política que se mostram aptos a
assegurar a estabilização da ação governativa do Executivo, criando
condições para que este possa cumprir integralmente o mandato.
Magistratura de Influência: Poder formal e informal desenvolvido pelo
Chefe de Estado para induzir as instituições públicas e entidades da
sociedade civil à assunção positiva ou negativa de determinadas condutas,
relativas a questões que se enquadrem no âmbito das suas funções
constitucionais ou que com as mesmas guardem uma relação de conexão
instrumental.
Constituição: Norma investida numa posição única de supremacia que
rege uma ordem jurídica e política de domínio estatal e que tem por fim
legitimar, regular e limitar o poder político bem como traçar os critérios
ordenadores da sociedade.
Conjunto de regras relativas às relações entre governantes e governados e
relações entre os órgãos de governo.
Mutação Constitucional: Fenómeno em que normas em sentido material
de conteúdo politicamente inovador, geradas e consolidadas gradualmente

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no tempo à margem do poder formal de revisão são aditadas à constituição,
alteram o significado de disposições constitucionais vigentes ou
desvitalizam a sua eficácia.

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