Você está na página 1de 787

MARY OLIVEIRA

Italiano
Espanhol

Vol. I

Edição (01)

Belém-Pa
2016
Copyright©2016 de Mary Oliveira
Capa: Mariely Santos
Diagramação: Mary Oliveira
Revisão: Sara Rodrigues
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais, é mera coincidência.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte desta obra — física ou eletrônica — sem a
autorização prévia e escrita do autor.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n° 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
BOX COMPLETO ITALIANO ESPANHOL
SUMÁRIO
PRÓLOGO
UM
DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO
SEIS
SETE
OITO
NOVE
DEZ
ONZE
DOZE
TREZE
QUATORZE
QUINZE
DEZESSEIS
DEZESSETE
DEZOITO
DEZENOVE
VINTE
VINTE E UM
VINTE E DOIS
VINTE E TRÊS
VINTE E QUATRO
Italiano
Espanhol
Vol. II
BÔNUS ESPECIAL
PRÓLOGO
UM
DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO
SEIS
SETE
OITO
NOVE
DEZ
ONZE
DOZE
TREZE
QUATORZE
QUINZE
DEZESSEIS
DEZESSETE
DEZOITO
DEZENOVE
VINTE
VINTE E UM
VINTE E DOIS
VINTE E TRÊS
VINTE E QUATRO
VINTE E CINCO
EPÍLOGO
RECADINHO DA AUTORA
AGRADECIMENTOS
PRÓLOGO
EVANGELINE
Megan e eu pegamos o avião à tarde e chegamos ao Hotel España, em Barcelona, por
volta de onze da noite — ela é uma de minhas melhores amigas e também a arquiteta que
está projetando o prédio da D’Angelo em Nova Iorque.
O contrato que vim disputar aqui é o mais importante para minha empresa. Será o
primeiro com uma multinacional. Trabalhamos muito por ele, então tínhamos que conseguir
fechá-lo.
A viagem fora cansativa e pedíamos desesperadamente por uma cama e descanso ao
adentrarmos o corredor que nos levava aos nossos quartos.
Liguei para o assistente do Sr. D’Angelo na manhã seguinte e agradeci quando ele me
informou que a reunião já estava marcada para as três da tarde daquele mesmo dia.
Desconfiei que jamais fosse capaz de descrever os milhares de sentimentos que
impregnaram-se ao meu ser desde que pisei neste hotel. Além da mistura estranha de medo
e, é claro, convicção. Medo do que o próximo mês me trará, medo de que algo dê errado,
que algum imprevisto atrapalhe meus objetivos de alguma forma. E convicção de que a
empresa está preparada para uma parceria com uma multinacional. Convicção de que
independentemente da pressa com que finalizamos os detalhes, está tudo perfeitamente
preparado.
Eu ainda lembrava do quão difícil fora convencer meus sócios a aceitar a ideia da
minha empresa de marketing abrir uma filial em parceria com outra. Cheguei a realmente
discutir com eles sobre o assunto. Mas jamais me arrependeria.
“Meu olhar se dividia entre os dois sócios de minha empresa enquanto eles
terminavam de ler o relatório que preparei.
Há tempos estamos planejando fechar um contrato com uma multinacional e
finalmente tivemos esta chance. Bryce, o sócio que depois de mim possui mais ações da
Howell’s SA, manteve-se irredutível sobre o fechamento deste contrato. Ele não aceitava
que a Howell’s abrisse uma filial com o grupo D’Angelo e conseguiu convencer os outros
sócios a ficarem contra mim. E eu sequer sabia o motivo para isso. Não acreditei em
nenhuma das evasivas dele.
Desde que consegui uma reunião com o presidente da multinacional, todos têm
colocado barreiras em uma tentativa frustrada de tentar me impedir de fechar esse
contrato. Se algum deles acha que eu vou aceitar algo que estão dizendo ser o certo
apenas por serem homens e estarem nesta empresa há mais tempo que eu, estão muito
enganados. A D’Angelo atua em diversos ramos ao redor do mundo, fábricas e
automotivas, além de redes de restaurantes e shoppings. Apenas em pensar que minha
empresa de Marketing poderia fazer a promoção de tantos produtos; lojas e restaurantes,
eu ficava eufórica.
— E então, Bryce? Ainda acha que ter a Howell’s como sócia de outra empresa
poderia prejudicar a sua? — inquiri desafiadoramente a ele.
— Não. Você me convenceu — anuiu.
— Nathan? — pergunto ao homem a minha esquerda, dedicando minha atenção a
ele desta vez.
— Concordo com Bryce — ele jogou os papéis que lhe entreguei sobre a mesa e
suspirou vencido.
É claro que concordam. Aceitam porque não podem simplesmente usar a desculpa
esfarrapada de que eu não posso tomar decisões sozinha por ser mulher. Deveriam estar
acostumados já que a Dona Patrícia — minha mãe — sempre fez isso por eles.”
Eu consegui. E finalmente estou aqui.
Olhei para a janela do quarto. As cortinas mexiam-se lentamente, ora deixando o sol
espanhol invadir o quarto, ora escondendo-o de minha vista. Levantei preguiçosamente e
segui para ela. Estava no oitavo andar, não alto o suficiente para ver toda a cidade, mas o
pouco que vi dela me deixou maravilhada. As ladeiras e construções antigas me
encantavam. Ao longe vi a enorme catedral de Barcelona. Por muito tempo mantive o sonho
de conhecê-la. Lembrar que poderia fazê-lo a qualquer momento me deixa extasiada.
Abri as janelas permitindo a entrada do sol e, consequentemente, da luz no quarto.
Então, segui para o banheiro para finalmente tomar meu banho.
***
Bati à porta em frente a minha. No entanto, não obtive resposta.
Megan já deve estar no restaurante do hotel — pensei.
Meus saltos faziam eco no piso de mármore enquanto eu caminhava até o elevador.
Não havia ninguém quando entrei e reconheci que achava melhor assim.
Olhei para meu reflexo no espelho à procura de qualquer sinal que indicasse algo
fora do lugar. No entanto, não encontrei.
Inesperadamente o elevador parou. Tive tempo apenas de virar-me para ver um
homem entrar.
A beleza do estranho me deixou irremediavelmente surpresa e fascinada. Ele era alto
e de pele bronzeada. Cabelos lisos e negros que me levaram a pensamentos sobre qual seria
a sensação de tê-los entre meus dedos, de acariciá-los e puxá-los. Os olhos de um azul
intenso e marcante, eram profundos e pareciam perigosos, por isso lembraram-me
facilmente o oceano. Os lábios finos deram-me certeza, só poderiam ter sido desenhados.
Logo mais, alguns pensamentos inoportunos envolvendo-os irromperam qualquer linha de
raciocínio que eu estivesse tentando seguir anteriormente.
Eu admirava os braços fortes e peito definido, que eu tinha certeza que estava sob o
terno caro que ele vestia, quando a voz grave e rouca disse:
— Buenos días, señorita. — somente neste instante percebi que ele também me
encarava. Desconfiei que aquele olhar intenso, em outra situação, seria capaz de me tirar as
órbitas.
Senti minhas bochechas esquentarem ao constatar que o estranho provavelmente
percebeu meu olhar incisivo sobre ele e forcei-me a dizer algo.
— Bom dia. — retribuí o cumprimento em inglês e apenas após isso percebi que não
deveria fazê-lo.
— Uma americana. — afirmou surpreendendo-me com um inglês perfeito.
— Sim. — concordei — Sou de Nova Iorque. — completei sem ao menos saber o
motivo.
Olhei desta vez para as portas do elevador que se fechavam e amaldiçoei-me por não
ter saído quando tive a chance. Inspirei profundamente em uma tentativa de acalmar minha
respiração e meus batimentos cardíacos, porém, não consegui. Após isso pude sentir seu
perfume; parecia hortelã e algo másculo que eu tinha certeza ser natural dele. O que não me
ajudou na tarefa de ignorar sua presença.
Mordi a parte interna da bochecha quando uma pergunta ecoou em meus
pensamentos. O que acabara de acontecer?
Era apenas mais um homem bonito. Então por que eu estava me sentindo
ridiculamente ameaçada por sua forte e perturbadora presença? Era um estranho, alguém
que eu jamais veria novamente.
Inferno.
Não era apenas aquilo. Ele era um homem muito atraente, que em apenas alguns
segundos conseguiu acordar a mulher libidinosa dentro de mim. E aquilo obviamente me
assustava.
— Uma bela cidade. — disse com ar pensativo — Veio a passeio?
Olhei para ele mais uma vez e ponderei sobre o que estava acontecendo. Você está
sendo ridícula, Evangeline. Não há motivos para se comportar como alguém que tem medo
de homens.
— Não, eu... — interrompi-me no meio de minha frase quando as lâmpadas no
elevador piscaram e ele abruptamente parou — O que aconteceu? — questionei forçando-
me a não demonstrar o desespero que me invadiu naquele momento.
— Não se preocupe, deve ser apenas um problema elétrico. Não costuma demorar
muito para consertarem, quando acontece — arregalei os olhos e voltei a fitá-lo.
— Isso acontece com frequência? — a certeza em mim de que minha expressão agora
era de incredulidade foi grande.
— Estou brincando. — respondeu dedicando a mim um sorriso brincalhão — Já
devem estar consertando.
Aquele era certamente um sorriso lindo.
— Ah. — emiti incapaz de formular uma palavra de verdade. Repreendi a mim
mesma por isso.
— Está gostando da cidade?
— Sim, embora ainda não tenha visto muito dela.
— Gostaria de um guia turístico? — encarei-o desta vez com a testa franzida.
Percebi que ele continuaria a puxar conversa e concluí que precisaria sair dali o
mais rápido possível. Como não poderia fazê-lo, cruzei os braços em uma tentativa de
demonstrar que estava na defensiva.
— Não, obrigada.
— É uma pena. — seus olhos pousaram sobre minha mão direita. E vi em meu dedo
anelar a chance de mantê-lo longe.
— Meu noivo não gostaria de ficar sabendo sobre algo assim. — menti.
— Ninguém disse que ele precisa saber. — insistiu dando ambiguidade ao sentido da
conversa.
— Ele saberia.
Antes que o silêncio entre nós desse a ele tempo de pensar em outra pergunta ou
passeio, eu disse:
— Não aceitarei nenhum tipo de convite. Não vamos perder tempo, sim? — voltei-
me completamente para ele — Não sou o tipo de mulher que está acostumado.
— E que tipo de mulher acha que estou acostumado? — a velocidade com que me
perdi naquela intensidade que seus olhos possuem, me assustou. Demorei a registrar suas
palavras, mas quando o fiz, a resposta para a pergunta já estava na ponta da língua.
— Tenho certeza. — retifiquei — A partir de sua abordagem grotesca. Você é
certamente um dos muitos homens que gosta das mulheres que não se importam de ser um
brinquedo em suas mãos durante uma noite.
— Sua teoria e aversão são válidas para todos os homens também? — interrompeu-
me.
— Não exatamente, apenas para homens como você. — olhei para o teto do
elevador quando as luzes piscaram novamente.
Céus. Que isso seja consertado logo!
— Homens como eu. — repetiu como se duvidasse daquelas palavras.
— Aceite que algumas mulheres são imunes ao seu charme — provoquei.
Um sinal sonoro fraco antecedeu a decida do elevador. Fechei os olhos e sussurrei
um agradecimento breve.
— Já acha que tenho algum charme. Suponho que evoluímos um pouco. — não
permiti-me encará-lo, mas sabia que aqueles lábios carregavam um sorriso — E para
constar, discordo do que acabou de dizer. Estamos presos em um elevador há menos de dez
minutos, não pode ter uma opinião assertiva a meu respeito. — concluiu fazendo-me mirá-lo
mais uma vez.
— Concordo. Errei ao mencionar o charme. — as portas se abriram e andei
lentamente para fora do elevador — Um erro que não cometerei novamente.
— Foi um prazer, Americana intrépida. — sussurrou com um sorriso complacente.
— Igualmente, Espanhol convencido — retribuí com um sorriso sarcástico,
sustentando seu olhar até que as portas finalmente se fechassem.
UM
GUILHERMO
Fechei a porta do carro com um baque surdo e guardei as chaves no bolso antes de
finalmente seguir para o elevador.
Eu sabia que aquele era um dia importante. Papai está há semanas me falando sobre
isso, portanto, me atrasar está fora de questão.
Após mamãe finalmente convencê-lo a nos mudarmos para Nova Iorque, onde minha
irmã mais nova mora, ele vem me falando sobre este contrato. Não é que eu seja contra a
mudança, na verdade, sinto-me até mesmo confortável com a ideia, afinal conhecer novas
mulheres é sempre um prazer — literalmente. Só não concordo com o fato de termos de
fazer isso de forma tão abrupta. Sem contar que segundo os planos do Sr. Theodory
D’Angelo serei eu a presidir a filial em Nova Iorque. Mas isso claro, se o CEO americano
conseguir nos convencer a fechar o contrato.
As portas do elevador se abriram e saí rapidamente. Acenei para alguns colegas de
trabalho ao longo do caminho e avistei minha, sempre apreensiva, secretária.
Sarah era uma senhora agradável a maior parte do tempo, entretanto quando eu
precisava mudar meus planos de uma hora para outra, e ela consequentemente precisava
reorganizar minha agenda, a senhora mudava completamente.
— Bom dia, Sr. D’Angelo — cumprimentou-me com um sorriso educado ao qual
retribuí.
— Bom dia, Sarah — segui imediatamente para minha sala. Pegaria somente minha
pasta antes de seguir para a sala de reunião.
— O presidente da empresa solicitou sua presença em sua sala. — avisou quando
fechei a porta novamente ao sair.
— Tudo bem. Obrigado — agradeci.
Peguei o relatório sobre o tal CEO que estava em minha pasta.
Diabos.
Eu devia ter lido-o completamente ontem. Porém, não pude desmarcar o jantar no
Hotel Espanã. Alexandra só ficaria uma noite na cidade e não me perdoaria se não fosse
visitá-la — nem mesmo eu me perdoaria se não fosse vê-la.
— Guilhermo! — levantei os olhos e vi papai vindo até mim — Está na hora. — ele
disse se referindo à reunião.
— Eu sei, estou com os documentos aqui. Revisei todos, exceto o relatório sobre o
CEO. — admiti enquanto seguíamos lado a lado para a sala de reuniões.
— Você só não pode esquecer o nome dela. — avisou-me — Evangeline Howell.
— Evangeline? — franzi o cenho ao testar aquele nome em meus lábios.
Era uma CEO? — questionei-me incrédulo.
— Isso mesmo. — anuiu ante o meu perceptível espanto — É ela e não ele. Lucas me
disse que ela é implacável. — completou adicionando seu assessor à conversa.
Ri sem humor quando a imagem de uma mulher rude por volta dos quarenta anos, me
veio à mente. Isso seria um desastre.
— Não se deixe levar pela face de anjinho dela. — Lucas alertou-me.
Entramos juntos e percebi que não éramos os primeiros a chegar. Metade da diretoria
estava presente e, infelizmente, Tyler também.
— Bom dia. — ele nos cumprimentou.
Papai atendeu à chamada interna e pediu licença ao desligar. Provavelmente fora
buscar a Sra. Howell.
Adicionaram-me à conversa sobre esportes e enturmei-me de bom grado.
Surpreendentemente a sala estava em total silêncio quando Theodory voltou.
Organizei rapidamente os papéis a minha frente e voltei-me para as duas figuras à frente da
porta.
Meus olhos arregalaram-se momentaneamente ao ver a Sra. Evangeline Howell.
Porém essa expressão foi aplacada em questão de segundos após eu ver a surpresa em seu
rosto e o desentendimento em seus olhos.
Sorri descaradamente enquanto papai fazia as apresentações. O sorriso aumentou
quando percebi seu desconforto em resposta ao meu olhar sobre ela — não o desviei por
um momento sequer.
E nem mesmo quando ouvi Theodory falar o meu nome, fui capaz de tirar os olhos da
Evangeline.
Continuo com a opinião de ontem. O brilho de seus olhos não combina com a mulher
que ela aparenta ser. Pois eles são extremamente brilhantes e expressivos, embora a cor
deles seja rara; um verde escuro que me lembra uma pedra preciosa; uma esmeralda.
Lábios nem muito finos, nem muito carnudos, apenas do tamanho certo para
enlouquecer um homem e fazê-lo desejar ter o corpo marcado pelo maldito batom vermelho
que ela usa.
O terninho lhe caia bem, acentuava suas curvas, mas sem parecer minimamente
vulgar.
— É um prazer. — ela disse e concordei mentalmente com suas palavras.
— Bem, agora podemos começar a reunião. — papai anunciou enquanto guiava a
Srta. Howell até uma das cadeiras.
Arqueei a sobrancelha esquerda e tentei reprimir um novo sorriso quando, enquanto
todos seguiam a sugestão de papai para pegar os contratos, ela me fitou com os olhos
semicerrados e seus lábios se moveram lentamente enquanto perguntava:
O que diabos você está fazendo aqui?

EVANGELINE
Tentei controlar a mim mesma ao fim daquela reunião, quando minha maior vontade
era fechar os olhos e agradecer deliberadamente a Deus por acabar com aquela tortura.
Inferno.
O que esse homem, melhor dizendo, Guilhermo D’Angelo, está fazendo nesta
empresa? — óbvio, ele trabalha aqui, mas por que justamente aqui?
Sacudi a cabeça devagar por um momento em uma tentativa boba de espantar aquelas
perguntas. Eu deveria estar me parabenizando pela ótima apresentação que havia feito, não
me questionando ridiculamente sobre o estranho de sorriso sensual — estranho que
infelizmente tem um nome agora.
Voltei a encarar o Sr. D’ Angelo novamente, ele falava sobre uma viagem que
precisaria fazer e explicava que isso o tiraria da cidade por alguns dias. Deixando-o então,
à parte da reunião que teremos amanhã. — acenei lentamente para concordar, mesmo sem
saber com o quê, e forcei-me a dar total atenção a ele.
— Desculpe, mas quem o substituirá na apresentação de amanhã? — pergunto
tentando não demonstrar toda a minha curiosidade. Se ele não estará aqui, alguém deverá
substituí-lo.
— O Vice-Presidente da empresa presidirá as reuniões daqui para frente. —
respondeu procurando algo ou alguém atrás de mim — O Sr. Guilhermo, aliás, acho que não
os apresentei devidamente. — olho-o enquanto chama com um aceno de cabeça o seu filho.
Cerro meus punhos e aperto a pasta em minhas mãos quando vejo o homem vir em
nossa direção, exalando toda a calma e controle que eu gostaria de ter naquele momento.
Ignorei o cheiro de hortelã que chegou junto a ele e mantive minha expressão
impassível.
— Agora sim, — ele olha com evidente orgulho para o filho e prossegue — Esse é
meu filho Guilhermo. E filho, esta é Evangeline Howell, da Howell's de Nova Iorque.
— Prazer em conhecê-lo, Sr. Guilhermo — dediquei a ele um sorriso forçado
enquanto apertava sua mão.
— O prazer é todo meu, Srta. Howell.
— Desculpem-me, mas tenho um voo em uma hora. — disse o Sr. D'Angelo de
repente, fazendo-nos voltar a atenção para ele.
— Tenha uma boa viagem, papai. — foi a vez de Guilhermo.
— Boa viagem. — completei educadamente, enquanto ele sai, seguindo para um
corredor largo.
Encaramo-nos por alguns segundos, até que digo:
— Também tenho que ir embora. — explanei — Até amanhã. — despedi-me e virei-
me de costas para ir embora, no entanto, ele me segurou pelo braço, fazendo-me voltar.
— Nos vemos amanhã. — fingi estar alheia ao arrepio que se espalhou por meu
corpo enquanto ele sussurrava aquilo em meu ouvido.
Tentei soltar-me e ele permitiu facilmente. E pude, enfim, seguir para o elevador.
Peguei o celular rapidamente enquanto esperava, procurei um dos números de
telefone que salvei há algumas horas e liguei para pedir um táxi.
Quando finalmente entro no elevador, um pedido me fez odiar deliberadamente
aquele homem, sem sequer conhecê-lo:
— Segure o elevador, por favor.
Semicerrei os olhos para ele enquanto o espanhol caminhava até o elevador em que
eu estava. Suspirei pesadamente quando ele o adentrou e apertou o botão do primeiro andar.
— Nos encontramos mais cedo do que imaginei. — ele disse iniciando uma conversa
a qual eu não fazia questão de prosseguir.
Após uma batalha interna eu o encarei e sustentei o olhar que ele dedicava a mim.
Ignorei facilmente seu sorriso, desviei meus olhos dos seus, e voltei-me para as portas do
elevador.
— Infelizmente. — parabenizei-me mentalmente por conseguir parecer minimamente,
ou completamente, indiferente a ele.
Eu deveria me lembrar que esse era apenas o começo de um mês repleto de reuniões
as quais ele estaria presente. Precisava com todas as forças me lembrar também que
qualquer relação não profissional entre nós estava completamente fora de questão. E
principalmente, me convencer de que Meg não estava certa. Eu não tenho aversão aos
homens e não estou fugindo deles. Eu estou simplesmente cuidando para que nada atrapalhe
o trabalho de centenas de pessoas, e mais, que nada interfira no fechamento deste contrato.
— Estou errado ao afirmar que não gostou do encontro? — questionou.
— Não.
Eu sabia que a melhor forma de continuar acreditando em minhas palavras/mantra
era mantê-lo longe. Portanto, só precisaria continuar repelindo-o perceptivelmente.
— Vamos voltar ao começo? — percebi a ironia imposta em suas palavras — Eu
ainda quero entender os motivos que te levaram a não gostar de mim à primeira vista.
— Sei o que é melhor para mim, e você não é nem de longe o melhor para qualquer
mulher como eu. — arqueei as sobrancelhas.
— Gosto disso. — ele cruzou os braços e levou uma das mãos aos lábios enquanto
me observava. Franzi o cenho e ele sorriu.
— Do quê? — inquiri em desentendimento — As respostas sarcásticas? Ou a
verdade por trás delas?
Guilhermo acenou lentamente em negativa e ainda sorrindo desviou o olhar do meu,
fitando agora as portas do elevador que se abriam.
— O desafio. — concluiu dando de ombros enquanto saía.
Encarei a figura masculina seguir vagarosamente pela recepção e suas palavras
martelaram em minha cabeça. Eu somente entendi após as portas se fecharem e eu perceber
que o seu maldito perfume continuava aqui.
Inferno, Evangeline. Você acaba de cometer o pior erro de sua vida. E talvez a
maior idiotice também.
Provocou, atiçou e desafiou o homem errado.
***
Marquei de me encontrar com Megan, minha melhor amiga, em um barzinho que ela
descobriu ser próximo ao prédio que estamos hospedadas. Eu ainda tinha cerca de meia
hora e decidi parar de enrolar e ir à Catedral de Barcelona.
Depois de tanto tempo colecionando fotos desta igreja, achei que já seria capaz de ir
a todas as naves sem me perder, mas estava completamente errada. Não fui capaz de ir
sequer ao templo. Mas não cheguei a me importar tanto com isso. Estava tão maravilhada e
encantada com cada pedacinho daquele lugar que sequer pensei que pudesse me perder
novamente.
Fiz um pequeno passeio pelo Claustro, que por sua vez era perfeitamente unido ao
estilo gótico usado anos atrás. O jardim do Claustro sempre fora meu lugar preferido. Eu
não sabia ao certo dizer o porquê, mas por vezes fiquei perdida em pensamentos apenas por
olhar a única foto que tenho dele. Talvez fosse pelo fato de nunca ter tido a oportunidade de
conhecer de verdade, nem mesmo através de muitas fotos.
Volto ao templo e faço como muitos dos fiéis que vêm pela primeira vez a esta
igreja, ajoelho-me sobre o altar e começo uma oração.
Durante muito tempo pensei sobre muitas coisas que poderia pedir agora, e esta é a
chance. Minha única chance, na verdade. Mas o que eu poderia pedir? Sei que mesmo ela
não poderia me ajudar a esquecer tudo o que um dia aconteceu e muito menos as pessoas
que um dia conheci.
Decido que depois de tanto tempo utilizando os mais variados artifícios para
encobrir e fingir que o passado nunca aconteceu, agora eu gostaria apenas de fazer o que
sempre demonstrei para todos. Quero apenas ser forte... E feliz. Era simples e talvez fosse a
receita mais fácil para finalmente colocar tudo de lado. Tenho certeza que se voltar a ser
feliz como um dia fui, nada do que aconteceu no passado vai importar.
Olhei para a imagem da santa à minha frente. A emoção sobressaltou-se de todos os
meus sentimentos. Eu havia desejado tantas coisas durante os sete anos que vivi em Nova
Iorque. Tantas coisas para pedir a ela. No entanto, tive medo que a coleção que adquiri
tivesse uma demora maior. Eu não queria perder mais tempo em minha vida — fechei os
olhos e uma lágrima fina rolou por minha face.
— Tudo o que eu peço é que eu volte a ser a Evangeline que sempre fui. Que volte a
ser feliz.
***
Sussurrei um “me desculpe” mesmo estando longe. Megan odiava atrasos e eu tinha
certeza que a loira estava furiosa por eu tê-la feito esperar quase meia hora.
Sua mãe é melhor amiga de minha mãe. Sempre achei que fosse esse o motivo de
nossa amizade. Entretanto, há alguns anos percebi que o laço que nos une está muito além
disso. Meg é minha melhor amiga, quase uma irmã. A única a qual confio quase todos os
meus segredos, a única a quem confiaria minha vida.
— Você está atrasada. — afirmou quando sentei na cadeira à sua frente.
— Eu sei, me desculpe. — repeti o pedido e peguei a bebida que ela me oferecia —
Fui à Catedral e acabei demorando mais tempo que imaginei.
— Tudo bem. — concordou bebendo um pouco de sua marguerita — Estou louca pra
saber como foi a reunião e isso servirá de abono por enquanto, então comece.
Assenti enquanto lembrava da ligação de mais cedo. Eu acabara de sair do elevador
e ela me ligara. Claro, percebeu que eu estava um pouco mais estranha que o normal e
acabei contando sobre o estranho do elevador. Megan ligou as palavras de Guilhermo à
reunião e percebeu que ele também estivera lá.
Maldição. Eu já deveria ter aprendido a esconder coisas assim dela.
— Ele é o vice presidente da D’Angelo. — respondi.
— Detalhes, Evangeline. Eu quero detalhes.
Arqueei as sobrancelhas para a curiosidade que era perceptível nela agora.
— Ele é convencido, egocêntrico e idiota. — testei.
— Não! — repreendeu-me — Estou há quase um ano esperando que você me conte
sobre um cara. A última vez que me falou de um foi o Bryce! O Bryce, Evy! — franzi o
cenho desta vez. Eu me perguntava o que havia de tão errado no que eu disse.
— Mas... — tentei, mas ela me interrompeu.
— Fale detalhadamente do que gostou nele. — explicou.
— Meg, ele não é um quase, possível pseudô-cunhado para você. Esqueça. — eu
disse a última palavra entre sílabas em uma tentativa de dar ênfase.
— Por quê?
— Ele é um idiota e só está à procura de alguém para satisfazer seus desejos vis. —
explanei — Deixou isso bem claro durante a conversa no elevador. E eu não serei a
americana fácil que ele adicionará à sua lista.
— Céus, por que você tem que ser tão complexa? Aposto que ele não chegou em
você e tipo: “E aí, gata? Sou um espanhol gostoso que te quer na minha cama por uma
noite, o que acha?” — tenho certeza que a ruga que se formou em minha testa foi maior
desta vez.
Deixei minha taça sobre o balcão novamente e aproximei-me dela, que hesitou por
um momento.
— Nunca mais imite um homem. Da próxima vez, eu posso acreditar que é um. —
avisei tentando conter a gargalhada.
— Evy! — continuou — É sério, você não pode fazer isso. — reprimi a vontade de
revirar os olhos ao ouvir aquilo e fingi observar o ambiente — Continue contando. —
pediu.
— Não há o que contar, Meg. — insisti.
— Como ele é? — mal registrei suas palavras, porém, respondi:
— Alto, moreno, olhos azuis, cabelos negros e parcialmente desgrenhados... —
voltei a encará-la enquanto procurava em minha mente algum outro detalhe que pudesse
suprir sua necessidade de informações — Barba por fazer, sorriso... — parei por um
momento tentando lembrar — Ora brincalhão, ora irônico ou sarcástico.
— Alguém tão irônico quanto você, Evy? — perguntou rindo — Vai ser ótimo vê-los
juntos na reunião de sexta feira.
Peguei minha taça de coquetel e sorvi um pouco de minha bebida. Fiquei em silêncio
e encarei a entrada do estabelecimento. Um olhar rápido nas pessoas em mesas,
conversando baixo de forma civilizada.
— O que foi? — desta vez ela se preocupou de olhar para a porta.
— Nada. — peguei o celular na bolsa e verifiquei a hora — Vamos? Amanhã tenho
uma nova reunião. — Lembrei com infelicidade.
— E encontrará o espanhol de sorriso sensual. — ela disse sorrindo com malícia e
lembrando as palavras que usei ontem ao falar dele.
Chamei o garçom e pedi a conta.
— Não me lembre disso. — pedi fechando os olhos por um momento e me
arrependendo depois, quando o sorriso que ele me deu ao sair daquele elevador hoje, me
veio à mente.
Pagamos as bebidas e levantamos para ir embora.
— Como está o andamento das plantas? — questionei enquanto seguíamos devagar
atrás de um dos garçons.
— Fiquei o dia trabalhando nelas. — respondeu quando o homem a minha frente
finalmente virou a esquerda e eu pude andar um pouco mais rápido — Acho que no máximo
amanhã à noite, eu as termino. — em uma das mesas num canto escondido vi o homem que
há poucos segundos foi protagonista de nossa conversa.
— Inferno. — sussurrei baixo.
— O que houve? — perguntou parando abruptamente.
— Guilhermo está aqui. — fechei os olhos e desejei estar em minha cama escondida
entre os meus lençóis, quando Megan olhou nada sutilmente para os lados e me perguntou
onde.
— Próximo à segunda entrada, atrás da mesa cheia de japoneses. — eu sabia que me
arrependeria por minhas palavras no momento em que as disse. Segurei em sua mão direita
e puxei-a fazendo com que me seguisse para o outro lado.
— Maldição. Você é uma vaca muito sortuda. — ela disse sem parar de encará-los
— Mas quem é aquela? — perguntou referindo-se a mulher que o acompanhava.
— A companhia da noite. — respondi parando para fitá-la.
Megan sorria e acenava para alguém atrás de mim e eu rezei para que fosse o
garçom.
— Ele está olhando para nós. — avisou e cerrei os olhos com força.
— Eu vou te matar, Meg. — prometi.
— Ele já sabe que é você, vire-se e não demonstre estar emocionada em vê-lo. —
sugeriu. Rolei os olhos e virei-me lentamente.
Eu definitivamente não estava preparada para o sorriso sexy que ele dedicava a mim.
Acenei para ele, mas não fui capaz de retribuir o sorriso. Voltei-me para Megan e sussurrei
um “vamos” antes de sair andando com a calma e elegância que mamãe tentara me ensinar
quando eu era mais jovem.
— Obrigada. — agradeci a ela quando estávamos finalmente na rua.
— Pelo quê?
— Agora ele sabe que foi tema em nossa conversa.
— Como ele saberia? — ela riu e precisei respirar fundo.
— Por que mais você acenaria para ele se não o conhece?
— Bom, agora conheço. — sua risada agora já não me incomodava — E você é uma
vaca muito sortuda! — repetiu.
Continuei andando e fingi não ouvi-la.
— Deveria ter visto o jeito que ele te olhou. — continuou.
— Eu vi. — respondi — Fitou-me com olhar...
— Intenso demais. — interrompeu-me.
— Eu diria de um bom entendedor. — retifiquei — E sorriso...
— Sexy, sensual?
— Complacente. — completei enquanto entrava no Hotel.
Para o bem da minha sanidade mental eu deveria manter esse cara bem longe de mim.
Eu sabia e o faria custe o que custar.
DOIS
GUILHERMO
Maldição, Guilhermo.
Era o que eu repetia mentalmente como uma tentativa ridícula de me punir pela
idiotice que havia feito. Eu nunca, em toda a minha vida, cometera um lapso como esse.
Como você pode ter cometido tal erro? — meu subconsciente questiona-me há
horas.
Elisa não poderia ter agido de forma diferente, eu a entendo completamente. Mereci
seu ódio e principalmente sua ida abrupta.
Não percebi o que havia feito até sua pergunta retórica. Até que ela repetiu minhas
próprias palavras enquanto jogava aquelas almofadas em mim e vestia suas roupas. Até que
ela fora embora.
Foi a primeira vez que cometi tal gafe e esperava também que fosse a última.
O pior de tudo, é que depois de ter chamado Elisa de Evangeline, eu sonhei com a
americana contraditória — inferno. Um sonho que serviu de estopim para o início das
fantasias vis que a envolviam, fazendo com que minha vontade de tê-la se tornasse um
desejo cego, incontrolável e incontestável, do tipo que precisa ser saciado. De preferência
rápido.
Até agora eu não havia percebido o que a presença e respostas sarcásticas daquela
mulher haviam feito comigo. Não percebi que desde o primeiro encontro no elevador eu
desejei ter aquele corpo sob o meu em qualquer superfície plana. Achei que era apenas o
interesse por mais uma mulher bonita. No entanto, estava deliberadamente enganado.
Mesmo sabendo que ela é comprometida, mantenho a vontade de levá-la para minha
cama, e não acredito que seja capaz de abrir mão do que quero por causa de um homem que
foi descuidado o bastante para deixar aquela mulher vir sozinha a um país desconhecido e
cheio de espanhóis de sangue quente.
Expirei pesadamente e cessei o tamborilar da caneca em minha mesa. Estava na hora
de começar a trabalhar e mais tarde teríamos uma nova reunião com a Srta. Howell.
EVANGELINE
Inspirei profundamente antes de finalmente sair daquele elevador. Segurei minhas
pastas com mais força contra meu peito e segui diretamente para o corredor que me levava à
sala de reuniões. Eu não estava atrasada, mas essa era a impressão que meus passos dariam
a qualquer pessoa. Na verdade, eu havia chegado muito cedo e agora me arrependia
amargamente por isso — não. Eu não temia ficar sozinha naquela sala. Estava apenas
reticente em ficar lá na companhia de pessoas que não conheço e que por um acaso estariam
presentes para tentar alcançar o mesmo objetivo que eu; fechar o contrato com a D’Angelo.
Hoje teríamos a apresentação do projeto para os diretores da multinacional e para
duas outras empresas de Seattle e Chicago.
Adentrei a sala e respirei melhor ao perceber que estava vazia. Sentei-me na mesma
cadeira de ontem e peguei um dos meus documentos para revisar.
Cerca de cinco minutos depois a porta foi aberta novamente.
— Buenos dias. — o homem disse enquanto entrava.
Respondi em espanhol, enquanto o observava; era alto e forte, cabelos de um
castanho escuro difícil de se encontrar, e raros olhos cor de mel. Eu não daria a ele mais de
trinta anos de idade. Surpreendi-me quando ele sorriu ao me ver e sem conseguir impedir,
franzi a testa perguntando-me se já o tinha visto aqui.
— Bom dia. — ele repetiu desta vez em inglês depois de um evidente
reconhecimento.
— Bom dia. — retribuí com um sorriso amarelo e ele colocou suas coisas sobre a
mesa, em uma cadeira a minha frente.
— Desculpe, eu me chamo Tyler. — apresentou-se estendendo a mão direita para
mim.
— Evangeline. — respondi apertando sua mão.
— Prazer em conhecê-la.
— Igualmente.
Senti-me incomodada por um momento quando percebi que sua atenção estava
voltada para mim. Desviei os olhos de meus papéis e olhei para ele, que continuava a sorrir.
— Algum problema? — questionei.
— Não, me desculpe. — pediu sorrindo novamente. E apenas agora percebi que seu
rosto tinha traços marcantes. Como eu só vira em italianos e aquilo fez com que uma
pergunta acerca disto se instalasse em minha mente — Só estava pensando, como se sente
sendo a única mulher a disputar este contrato?
— Lisonjeada. — desta vez sorri de verdade. E finalmente percebi que ele também
estava aqui ontem quando o Sr. D’Angelo fez as apresentações.
Tyler riu ao perceber o leve tom de ironia em minha voz.
— Se eu lhe contar um segredo, promete não dizer a ninguém? — indagou-me
acabando com o sorriso.
— Prometo. — dei de ombros.
— Você foi a melhor até agora, não se preocupe.
— Espero que os outros também achem.
Ele assentiu após minhas palavras e perguntou:
— Já concluíram as plantas do novo prédio?
— Creio que sim. Minha arquiteta passaria o dia de hoje concluindo-as. — respondi
com sinceridade — Por que? Há alguma imposição quanto a elas?
— Não, não se preocupe. É apenas uma curiosidade de minha parte. Sou o arquiteto
e engenheiro responsável pela finalização delas. — arqueei as sobrancelhas ao ouvir suas
palavras.
Eu não sabia que a D’Angelo tinha um responsável diretamente pelas novas filiais.
Meus pensamentos foram interrompidos pela entrada de um novo homem, e este eu
conhecia. Meu sorriso se desfez e desconfiei que no lugar dele uma carranca se fez presente
em meu semblante.
Guilhermo.
— Bom dia. — ele nos cumprimentou seguido por outros diretores que também
entravam.
Tudo bem. Aquele era apenas o começo de mais uma reunião que duraria horas.
***
A pausa para o almoço foi anunciada e Lucas, o assessor do Sr. D’Angelo, nos
avisou que a refeição seria servida em quinze minutos na sala de descanso.
Fechei minhas pastas e levantei. Ignorei o olhar sobre mim e segui para a porta.
— Evangeline? — voltei-me para a voz masculina que me chamava e arqueei a
sobrancelha ao ver Tyler vindo até mim.
— Sim?
— Se incomodaria de ter uma companhia durante o almoço? — franzi o cenho ao
registrar seu pedido e acenei em negativa.
— Não.
Ele me deu um sorriso e abriu a porta para que pudéssemos sair.

GUILHERMO
Saí do elevador apressado e fiz o caminho do corredor até minha sala mais rápido
que de costume.
Talvez eu não estivesse tão calmo por dentro quanto aparentava por fora. E agradeci
por conseguir deixar à parte a fúria que estava sentindo. Porém, estava ciente de que a
qualquer segundo poderia explodir.
Não foi o fato de ter Evangeline conversando tão confortavelmente e alegremente
com Tyler que me incomodou, é claro que não. O que me incomodou profundamente foi o
fato de ele ter feito isso para me irritar. E principalmente, ele ter conseguido.
— Até amanhã, Sr. D’Angelo. — Sarah despediu-se ao me ver, mas preferi não
responder.
Entrei em minha sala e bati a porta para fechá-la. O telefone tocou quase que
automaticamente e o deixei assim, irritando-me, enquanto enchia um copo de Uísque.
— Diga. — falei exasperado ao atender.
— O que foi, primo? — apertei o copo em minhas mãos e cerrei os olhos por um
momento. Tentava recuperar o autocontrole apenas com esta atitude.
O que Tyler quer agora?
— O que você quer? — a tentativa não funcionou, pelo contrário, a raiva me
consumiu mais a cada segundo.
— Nossa! Não posso mais ligar para saber como você está? — perguntou rindo.
Sorvi um pouco mais de minha bebida e respondi:
— Não, porque você não ligou para isso. — respirei fundo uma vez e continuei —
Vamos direto ao ponto!
— Tudo bem, já percebi que não está em seus melhores dias. Eu gostaria apenas de
saber se tem o número de telefone da Evy?
O que?
— Evy? — inquiri, incredulidade em demasia não só em minha voz, mas também em
minha expressão — Desde quando você conhece Evangeline? — perguntei.
— Está com ciúmes, Guilhermo? — seu tom era de malícia ao fazer-me esta
pergunta.
— Ciúmes? Eu? — devolvi com sarcasmo — Até parece que você não me conhece.
— Ok! Tudo bem, você tem razão. — anuiu — Tem ou não o telefone dela? —
questionou.
— Não, e se tivesse também não lhe daria!
— Ficou nervosinho? — ele riu novamente.
Eu nunca acreditaria que este ser insuportável é de minha família.
— Era apenas isso? — retruquei voltando a minha tarefa de me acalmar.
— Não. — revirei os olhos esperando suas próximas palavras — Diga-me,
Evangeline é a próxima?
— Não sabia que lhe interessava saber com quem eu saio ou deixo de sair.
— Desculpe, só queria saber se tenho ou não um adversário. — disse rindo ainda
mais.
— Então quer dizer que também está interessado na Srta. Howell? — perguntei.
— Também? Mas que boa notícia. Então eu tenho mesmo um adversário?
— Não, você tem dois. — sorri.
— Não entendi.
— Ela tem um noivo! — concluí.
— Ela nunca mencionou um noivo.
— Você fala como se sua vida fosse conversar com Evangeline. — fiz uma pausa ao
perceber que o controle já estava longe de mim — Você não conseguirá ficar com ela —
avisei.
— Suponho que ache que você conseguirá, certo? — perguntou em tom de deboche.
— Isso mesmo.
Àquela altura eu já havia esquecido minha bebida e deixado o copo sobre a mesa.
— E de que tempo pretende usufruir? Eu pelo menos não tenho um império para
cuidar enquanto meu pai viaja.
— Você tem razão, mas quem tem reuniões com ela todos os dias sou eu. — devolvi.
Desta vez ele fez uma pausa, enquanto parecia pensar.
— Quer saber? Vamos fazer uma aposta? — propôs.
— Que tipo de aposta? — franzi o cenho.
— Quem dormir com ela primeiro vence. O que acha?
Olhei para a pasta sobre minha mesa. Fitei o contrato da Howell’s, que estava dentro
e ponderei por um momento.
Desde que nenhum de nós envolvesse os negócios, tudo terminaria bem.
— Para mim, tudo bem. E o vencedor? O que ganha?
— Não sei. O vencedor escolhe o que quer. — quase pude vê-lo sorrir.
— Ótimo! Agora se não se importa, tenho mais o que fazer! — e desliguei.
Eu definitivamente estava ficando louco.
TRÊS
EVANGELINE
A sexta feira havia finalmente chegado.
Megan e eu estávamos confiantes enquanto seguíamos pelo corredor que levava à
sala de reunião. Conversamos brevemente sobre as plantas e ela me deu um resumo de tudo
o que havia feito. Lembrando-me minhas ideias iniciais e tudo o que ela mudou e adicionou.
Agora falávamos algumas amenidades.
Eu a admirava profundamente por estar tão confiante quanto ao que faria. Essa era a
minha melhor amiga!
— Bom dia, Evy. — sorri ao ver os olhos castanhos de Tyler brilharem enquanto ele
retribuía meu sorriso.
— Tyler, bom dia. — falei, cumprimentando-o com um beijo no rosto.
Comprimi os lábios para reprimir um novo sorriso ao vê-lo olhar para Megan, que
por sinal também não tirava os olhos dele. Os dois pareciam presos por um tipo invisível,
no entanto perceptível, de energia estática. O sorriso tímido de Megan me deu certeza de
que ela havia gostado do homem a nossa frente.
Ele com toda a certeza é o tipo de homem que Megan gosta: inteligente, divertido,
moreno, alto e forte... Alguém atraente e com conteúdo.
— Megan, esse é Tyler Antony Milan. Ele é o engenheiro responsável pela nova
filial da D’Angelo. — comecei as apresentações, antes de ter que presenciar algo
constrangedor entre os dois — E Tyler, esta é Megan Jackson, minha amiga e arquiteta
responsável pelas plantas do novo prédio.
— É um prazer, Tyler. — eu poderia jurar que sua voz estava mais baixa que o
normal.
— É um prazer conhecê-la, Srta. Megan? — a ênfase na palavra senhorita com toda
a certeza foi uma tentativa nada sutil de perguntar se ela era comprometida. Ela assentiu e
sorriu para ele.
Desconfiei que eu não estava me saindo bem na tentativa de fingir não perceber o
que os dois estavam fazendo. E decidi que estava na hora de dar um fim àquilo.
— Parece que o Sr. Guilhermo se atrasou. — comentei com sarcasmo após verificar
meu relógio.
— Deve ter acontecido alguma coisa. — Megan foi a primeira a falar comigo
novamente.
— É verdade, ele não costuma se atrasar. — Tyler concordou em seguida.
— Há quanto tempo trabalha no Grupo D’Angelo? — perguntei a ele. Tentando
iniciar uma conversa.
— Seis anos. Na verdade eu sou sobrinho da esposa do Sr. Theodory D’Angelo. —
contou — Então desde que me formei, trabalho aqui. Foi um tipo de incentivo da família,
sabe? — nós duas concordamos sorrindo e ele continuou — Claro que não comecei como
chefe, mas com muito esforço, hoje estou neste cargo.
— Você é primo do Sr. Guilhermo? — Megan agora parecia estupefata. Apenas após
suas palavras me dei conta deste fato.
Primos? Eles são primos? — como podem dois seres da mesma família serem tão
diferentes?
— Sim, mas, por favor, não me julguem pelo que conhecem dele. — ele disse em tom
de brincadeira e desta vez nós rimos.
— Pode deixar, até agora você me parece bem diferente dele. — repliquei algum
tempo depois.
— Bom dia! — meu riso sumiu em questão de segundos ao reconhecer aquela voz —
Posso saber de quem estão falando? — virei-me para encará-lo e respondi:
— De você. — não consegui esconder o sorriso insolente que brotou em meus
lábios.
Eu já havia esquecido o desastre de duas noites atrás com o encontro inesperado. E
decidira que se ele queria jogar o jogo das provocações, eu também o faria. Só que melhor,
claro.
— Bom dia, Guilhermo, podemos começar a reunião? — Tyler indagou, tirando-me
de meus pensamentos.
— Claro. Mas antes não vai me apresentar sua amiga, Srta. Howell? — Guilhermo
perguntou a mim e percebi Tyler o encarar de forma séria.
— Essa é minha amiga e arquiteta Megan Jackson. E Megan, este é Guilhermo
D’Angelo, vice-presidente da empresa.
— Prazer em conhecê-la, Srta. Jackson. — os dois se cumprimentaram com um
aperto de mãos.
— O prazer é todo meu. — ela disse com um sorriso encantador — Deveria ter
acreditado em você, Evy, ele é realmente muito bonito. — minha boca abriu-se em formato
de “o” ao registrar suas palavras. E odiei o fato de Guilhermo ter percebido.
— Sério? — perguntou sorrindo descaradamente enquanto me fitava — Obrigado.
Ela nunca me diria. — antes que eu protestasse, ele nos convidou a seguir para a sala de
reuniões.
***
Essa com certeza foi uma longa reunião! — falei quando finalmente chegamos ao
meu apartamento.
— Sim, e eu notei que o Sr. Guilhermo não parava de olhar para você. — seu
comentário me surpreendeu.
Hesitei por um momento, mas antes que ela percebesse, mudei minha expressão.
Essa deveria ser apenas a Megan que me queria presa a um homem falando.
— Não deve ter prestado atenção em metade das coisas que eu disse. — comentou.
— Não diga besteiras. — desconversei enquanto jogava-me em minha cama — Isso
me lembra, o que você estava pensando quando disse aquilo? — perguntei quando as
lembranças de suas palavras me vieram à mente.
— Na pura e simples verdade. — ela diz e sorri.
— Verdade de quê?... Quer saber? Deixa pra lá. Vamos tomar alguma coisa no
restaurante do hotel?
Eu precisava desesperadamente mudar de assunto e tirar aquele homem de nossa
conversa.
— Tudo bem, mas não vamos demorar, ok? Tenho que arrumar minhas malas.
Marquei meu voo para as dez da manhã. — disse aproximando-se e sentando na cama.
Suas palavras me lembraram que ela já teria que ir embora amanhã.
Droga.
— Ah, Meg, não me deixe aqui sozinha. — pedi ao fazer de seu colo almofada para
minha cabeça — Por favor?
— Evy, você sabe que eu não posso ficar mais tempo. Desculpe. — desculpou-se
enquanto acariciava meus cabelos.
Sabe que eu amo quando fazem isso. Que me acalma. Lembra-me de mamãe, que
fazia isso na minha infância e adolescência.
— Não precisa se desculpar. — falei — É que eu tinha que pelo menos tentar. —
dou-lhe meu sorriso tímido.
— Tudo bem, você ainda quer ir ao restaurante do hotel? — e ela novamente parecia
animada.
— Claro, temos que comemorar. Hoje o dia foi maravilhoso. — lembrei-a da ótima
apresentação que fez.
— Eu sei. — concordou — Nossa, aquele Tyler é uma maravilha. — nós duas rimos
juntas.
— Olha que nem deu pra notar que você gostou dele, Meg.
— Não me faça falar do Sr. Guilhermo. — ameaçou.
— Tudo bem, eu paro. — levantei-me — Só quero tomar um banho antes de irmos,
tudo bem?
— Claro, acho que vou fazer o mesmo. — Meg seguiu meu exemplo e foi até a porta
do quarto — Daqui a meia hora nos encontramos lá embaixo? — perguntou antes de sair
para seu apartamento.
— Ok. — concordei.
***
Eu tomava um drink no restaurante do hotel e conversava com mamãe ao telefone
enquanto esperava por Megan.
Na verdade, tentava manter uma conversa civilizada com ela. Mas Dona Patrícia não
é alguém fácil de lidar. Papai costuma dizer que sou uma cópia perfeita de mamãe, somente
um pouco mais cabeça dura que ela. Não herdei sua frieza, mas a adquiri com o passar dos
anos. Mamãe é esperta e perspicaz, muito perspicaz.
— Mamãe, eu já disse que está tudo bem. — repeti.
— E as reuniões, como foram? — a cada minuto uma nova pergunta. Tudo o que eu
dizia lhe levava a um novo assunto.
— Foram ótimas, a Meg vai voltar amanhã. — avisei-a.
— Vocês já apresentaram as plantas que ela fez para o novo prédio? — questionou
certamente confusa.
— Sim, a Meg fez um ótimo trabalho. E acho que ainda ficarei aqui por no máximo
duas semanas. — lembrei-a.
— Tão rápido assim?
— Mamãe, pra mim isso é uma eternidade. — minha voz demonstrava todo meu
cansaço.
— Evy, o que está acontecendo? Você sempre quis ir à Espanha e agora me diz que
está cansada? — e tem o dom de saber quando algo está errado.
Todos sabem que meu sonho era conhecer a Espanha, contra isso eu não poderia
argumentar. Ponderei sobre uma boa desculpa para aquilo, mas percebi que de nada
adiantaria. Eu não conseguiria enganá-la com nenhuma evasiva. Portanto, optei pela
verdade. Por mais que me incomodasse falar dela.
— Tudo bem. É um cara. — contei de uma vez — Mamãe, ele me irrita. Não suporto
a ideia de ter que ficar aqui por mais duas semanas, sabendo que vou ver ele todos os dias.
— tentei me acalmar enquanto lhe contava.
Ela fica em silêncio por alguns segundos e diz:
— Evy, não acredito! — sua animação era perceptível — Isso significa que esqueceu
o que aconteceu com Steve?
Aquilo me fez engolir em seco e precisei de alguns segundos para expulsar as
lembranças que a menção daquele nome trouxeram a mim.
— Nunca vou esquecer o que aconteceu. Mas não quero falar sobre isso. —
desconversei.
— Ok! Então me diga. — mudou de assunto — O que esse cara irritante fez que te
deixou assim?
— Acho que ele é simplesmente... Ele — respondi algum tempo depois — O tipo de
homem cafajeste, que é muito sarcástico, irônico, e tem um sorriso safado muito... —
procurei pela palavra certa, mas ela me interrompeu.
— Bonito.
— É, isso serve. — anuí sabendo que dela não conseguirei esconder nada.
— Querida, por quê você disse que veria ele todos os dias?
— Não lhe contei este pequeno detalhe? — inquiri com sarcasmo — Pois bem, ele é
somente o Vice-Presidente da D’Angelo.
— E você gosta dele?
Digamos que sutileza não era um de seus pontos fortes.
— O que? Mamãe, claro que não. — ri ao repassar suas palavras — Ele é mais um
filhinho de papai mimado que não consegue aceitar não como resposta e ainda não desistiu.
— disse e foi sua vez de rir.
— Ele é bonito?
Sua curiosidade chegava a ser quase um defeito.
— Sinceramente? — perguntei.
— Sim.
— Pra minha infelicidade sim, ele é. — admiti.
Megan se aproxima da mesa em que estou e vejo essa como uma boa desculpa para
desligar antes que precise passar por um novo interrogatório.
— Mamãe, vou ter que desligar, a Meg acabou de chegar. — despedi-me.
— Ok, tudo bem. — concordou — Mas eu quero saber mais sobre esse “filhinho de
papai mimado”. Boa noite e fique com Deus.
— Tudo bem, a senhora também. — falei sorrindo.
— Tia Patrícia? — Megan perguntou a mim ao sentar-se.
— Sim.
— Está tudo bem? — questionou desconfiada.
— Sim. O que vai querer beber? — tentei mudar de assunto.
— Que tal um Coquetel de Frutas? — sugeriu.
— Ótimo. Também vou querer um.
Quinze minutos depois já estávamos tomando nossas bebidas.
Fiz uma careta quando o vi entrar no restaurante. Andando seguro de si. Exalando
todo o seu poder e beleza. Seus ombros largos e fortes escondidos atrás de um terno fino.
Ele definitivamente não deveria parecer tão atraente sempre.
— Eu não acredito. — sussurrei e Megan seguiu meu olhar. — Meg, o que aquele
idiota está fazendo aqui? — perguntei e percebi que de repente minha voz estava carregada
de raiva.
— Eu não sei, mas ele está vindo para nossa mesa. — ela respondeu sorrindo
maliciosamente.
— Perfeito! Será que a noite pode ficar melhor? — indaguei com ironia.
— Sempre pode. — olhei para ela sem entender.
O que ela quis dizer com isso?
— Meg, o que vo... — Guilhermo me interrompeu.
— Boa noite, senhoritas. — ele disse sorrindo. Suas palavras me lembraram da
primeira vez que nos encontramos. Em espanhol o cumprimento fora melhor.
— Ótima noite. — Megan respondeu.
— Não tão boa assim. — falei com mau humor.
Por que ele tinha que aparecer toda hora? Já não bastava eu ter que vê-lo na
empresa? — era como um carma ou na melhor das hipóteses ele era de alguma forma
atraído por minha menção ao seu nome. Sempre que ele era tema em uma conversa,
aparecia.
— Ela está brincando, não é, Evy? — Meg chutou-me por baixo da mesa.
O que há de errado com essa mulher?
— É, pode ser. — falei olhando para ele e lhe dando um sorriso forçado.
— Está sozinho?
Eu a encarei com olhos arregalados ao perceber o que ela faria e estava pronta para
interrompê-la quando Guilhermo disse:
— Sim — e seu sorriso era dedicado a mim.
Ele estava se divertindo às minhas custas. Maldito.
— Quer se juntar a nós?
Respirei profunda e disfarçadamente. É claro que eu poderia fazer aquilo. Claro que
poderia continuar com o joguinho.
— Claro. Por que não? — ele respondeu sentando-se entre nós duas.
Troquei um olhar com Megan, um olhar que ameaçava sua vida, mas ela apenas
sorriu e se voltou para Guilhermo.
Em quase uma hora de conversa eu só dei respostas do tipo: “Aham”, “legal”, “é
verdade”, “hum”, “é mesmo?”... Sim, era ridículo, mas é melhor que discutir. E eu me
controlaria o quanto pudesse para não chegar a discutir como naquele elevador. Eu queria
apenas mantê-lo longe, e poderia fazer isso tranquilamente enquanto fingia ser indiferente à
sua presença.
— Me desculpem, mas tenho que ir. — Megan disse finalmente se levantando —
Ainda preciso terminar de fazer minhas malas. — explicou.
— Malas? Megan, você já terá que voltar? — ele perguntou com aparente interesse.
— Infelizmente sim. Não posso deixar meu escritório por muito tempo. — explanou.
— É uma pena. — ele continuou.
— Eu que o diga. — concordei olhando para o nada — Bom, acho que também já
vou. — levantei-me.
— Não, por favor. — ela disse com um sorriso complacente segurando-me pelos
ombros em uma tentativa de me fazer voltar a sentar — Não me faça sentir culpada por você
ir embora tão cedo. Pode ficar. — vi a loira se virar de costas para mim e olhar-me por
cima dos ombros enquanto eu enumerava dez formas diferentes de torturá-la e matá-la. Ela
ainda piscou para mim e olhou para ele como quem diz “ele é todo seu. Não me
decepcione”.
— Gostei da sua amiga. — foram suas primeiras palavras após a saída de Megan.
— E ela de você. — afirmei enquanto procurava o celular na bolsa.
— Ainda vamos discutir? — inquiriu dando-me um novo sorriso travesso.
— Depende.
— Posso lhe fazer uma pergunta?
— Já fez. — respondi com ironia.
Inferno. Talvez eu realmente goste de provocá-lo.

GUILHERMO
Evangeline realmente é uma mulher do tipo que eu nunca havia encontrado antes. Não
é apenas intrépida e contraditória. Ela é mais sarcástica e irônica que todas as mulheres que
já saí juntas — e não foram poucas.
Ela me encarava com algo além de indiferença. Seus olhos brilhavam de um jeito que
eu nunca vi antes e só precisei de alguns segundos a mais para entender; desafio. É o que
ela está me propondo o tempo todo — meu sorriso se ampliou ao constatar isso e desta vez
sem me surpreender cheguei à conclusão de que sua língua afiada, ela como um todo, seria
capaz de me levar a loucura. Tenho certeza.
— Touché.
— O que você quer perguntar?
— O que estavam falando de mim hoje pela manhã?
— Tem certeza de que quer saber? — perguntou sorrindo divertida.
— Claro. — respondi avaliando-a.
Evangeline gosta disso, gosta de me provocar.
— Tyler estava nos pedindo para não o julgarmos pelo que conhecemos de você.
Naquele momento lembrei das palavras que ouvi ao chegar a recepção. Ela
concordou e disse que Tyler parecia ser completamente diferente de mim.
Tyler é, em muitos sentidos, pior que eu.
— Por que você o acha diferente de mim? — questionei querendo saber a verdade.
— Porque ele não tentou flertar comigo quando me conheceu. — replicou
calmamente me olhando nos olhos. A resposta parecia estar pronta antes mesmo de minha
pergunta.
— E isso o faz melhor que eu?
O garçom se aproximou para verificar se ainda gostaríamos de tomar algo.
— Melhor não, apenas diferente.
— Diferente. — repeti para mim mesmo quando ela pediu para o garçom uma taça de
Espumante.
Seu celular tocou e ela olhou para a tela e sorriu em reconhecimento.

EVANGELINE
— Com licença. Preciso atender. — não espero ele responder, apenas levanto e sigo
para o toalete enquanto atendo.
É Melanie, irmã gêmea de Megan.
— Olá, Evy, tudo bem?
— Não muito. Você não imagina o que a sua irmã fez. — falei em tom de reprovação.
— O que? Abandonou você em um restaurante com um idiota? — ela simplesmente
perguntou.
— Isso mesmo. — anuí — Ela te contou.
— Sim. E me pediu para dizer a você que não brigue com ele desta vez. — ela riu
divertindo-se.
— É impossível não brigar com ele. — retruquei exasperada.
— Ok! Se acalme. — pediu.
— Eu não estou nervosa! — eu disse alto demais e duas senhoras que estavam
retocando a maquiagem em frente do espelho saíram rapidamente.
— Tudo bem, você não está nervosa. — ela diz com ironia.
— Mel, é melhor nós nos falarmos mais tarde, depois de eu matar a Megan, ok?
Sua risada continuaria a ser contagiante se eu não estivesse brava.
— A Meg está encrencada. — concluiu.
— Está mesmo! — confirmei.
Nos despedimos e quando saí do banheiro, avistei minha mesa ao longe. No lugar em
que eu estava, agora havia uma loira, que infelizmente estava de costas para mim.
Voltei devagar e, ao guardar o meu celular, tirei alguns euros de minha carteira.
Guilhermo parecia estar sem paciência e quando viu que eu estava voltando, se
levantou. Parei ao lado da mesa e disse:
— Parece que não precisa mais da minha companhia. — coloquei o dinheiro na mesa
sem desviar os olhos dos seus — Tenham uma boa noite. — despedi-me olhando para ela.
Saí caminhando lentamente. No entanto, quando cheguei à porta do elevador, senti o
seu perfume.
— Não é o que você está pensando, eu posso explicar. — ele disse, segurando o meu
braço para me fazer encará-lo novamente.
— O que acha que estou pensando? — perguntei apertando o botão para chamar o
elevador — Que você dormiu com aquela mulher e ela criou expectativas? — virei-me e o
encarei, fazendo-o soltar o meu braço — Acertou! E você não precisa me explicar nada! —
as portas se abrem e eu entro.
Ignorando minha evidente tentativa de mantê-lo longe, ele seguiu meu exemplo e
entrou no elevador antes que as portas se fechassem.
— Você não pode simplesmente me deixar terminar de falar antes de tirar conclusões
precipitadas?
— Eu estava errada? — desafiei.
— Não. Mas também não está completamente certa. — respondeu.
— Como eu posso estar certa e não estar certa, Guilhermo?
— Eu não dormi com ela! As coisas terminaram antes de começar. — insistiu.
— Mulher esperta. — devolvi com um sorriso.
Contrariando o que eu pretendia, que era deixá-lo bravo, ele sorriu. Me deu aquele
maldito sorriso sensual.
— Qual é a graça? — questionei em desentendimento.
Dei instintivamente um passo para trás ao perceber que ele se aproximava. Minha
respiração já não era regular apenas por tê-lo aqui, neste minúsculo cubículo. Tê-lo tão
próximo fazia com que o ar praticamente fugisse de meus pulmões.
— Você é insuportável. — desta vez ele riu.
Senti a conhecida tensão se instalar entre nós e admiti que seria impossível ignorar
sua presença. No fim, usei da ironia para disfarçar aquilo.
— Obrigada. — rolei os olhos após seu “elogio”.
— Inegavelmente insuportável. — repetiu e franzi o cenho tentando realmente
entender o motivo de seu sorriso — E eu de alguma forma gosto. — sussurrou e agora seu
rosto estava perigosamente próximo ao meu.
Seus olhos deixaram os meus e seguiram para meus lábios. Que eu mordi em uma
tentativa ridícula de impedi-los de tremer após o desejo que me assolou ao sentir o calor
que ele emanava e o desejo que seus olhos azuis deixaram perceptíveis para mim.
Quando meus pensamentos seguiram para caminhos completamente diferentes dos
que eu gostaria, e me lembraram que eu também desejava que ele fizesse o que queria, que
me beijasse aqui e agora. Eu decidi quebrar o silêncio.
— Guilhermo, você está bêbado? — perguntei tentando manter uma linha de
raciocínio. O que foi impossível quando baixei meus olhos para seus lábios. Eles pareciam
ainda mais beijáveis estando tão próximos.
— Não, mas poderia. — seus dedos roçaram meu rosto e o acariciaram. Apenas
aquele toque enviou prazer a todas as células de meu corpo e fez com que o sangue pulsasse
com ainda mais velocidade em minhas veias — Assim teria mais um motivo para fazer isso.
— deixei minha bolsa cair ao sentir seus lábios pressionarem-se contra os meus. No
primeiro momento, hesitei e não deixei que ele aprofundasse o beijo, mas acabei desistindo.
Não conseguiria continuar resistindo a ele. Pelo menos não por hora.
Quando sua língua deslizou por entre meus lábios e encontrou a minha, ele me beijou
com uma ferocidade e volúpia até então desconhecidos por mim. Todo e qualquer
pensamento que um dia eu tenha tido sobre não deixá-lo se aproximar, se esvaiu junto ao
meu bom senso e o pouco de sanidade que eu ainda possuía.
A habilidade com que ele guiava o beijo e a destreza com que o fazia, me fez querê-
lo ainda mais e muito mais perto. Percebi que podia tocá-lo e trazê-lo para mim quando
suas mãos seguiram para minha cintura. Encostei-me a parede do elevador e gemi entre o
beijo ao sentir seu toque firme levar meu corpo de encontro ao seu.
Minhas mãos seguraram seu blazer e o puxaram para mim, fazendo com que seu peito
tocasse o meu.
As sensações que se multiplicaram e trouxeram-me um prazer que há muito eu não
sentia, eram motivos para eu manter aquele corpo forte e extremamente masculino contra o
meu.
A estabilidade do elevador mudou e uma das mãos de Guilhermo deixou meu corpo
quando percebi que estávamos parando. Ele mordeu meus lábios e os levou para si enquanto
apertava os botões para que a porta se fechasse novamente.
Só mais um pouquinho e eu tiraria minhas mãos de seu corpo.
Sussurrei seu nome em voz baixa em seu ouvido quando seus lábios deixaram rastros
daquele mesmo prazer pela pele sensível de meu pescoço. Ora chupando-o, ora beijando-o
suavemente enquanto apenas a ponta de sua língua espalhava arrepios por minha pele.
Meus olhos cerrados permitiam a mim aproveitar tudo o que meus outros sentidos
recebiam e percebiam dele agora; seu cheiro inebriante e maravilhoso misturado ao meu; O
álcool misturado ao limão em sua língua, provenientes da bebida que ele tomava; seu toque
que carregava ondas de energia e desejo que eram completamente absorvidas por mim e
distribuídas em partes iguais por meu corpo; meu toque sobre os tecidos que o cobriam e
sua voz rouca sussurrando coisas incompreensíveis para mim naquele momento entre um
beijo e outro.
Repreendi-me por gemer baixo após seus dedos tocarem a pele nua sob a blusa que
eu vestia.
— Evangeline. — ele murmurou meu nome tão baixo que eu quase não pude ouvir —
Seu gosto é tão bom.
E como se uma válvula fosse acionada apenas com suas palavras, lembranças vieram
em um turbilhão à minha mente e me levaram abruptamente a tudo o que aconteceu sete anos
atrás.
Minhas mãos deixaram seu corpo e o afastaram de mim rapidamente.
Com a respiração ainda ofegante eu me convenci de que Guilhermo estava à minha
frente agora, e que eu veria ele quando abrisse os olhos. Após segundos tomando coragem,
eu o fiz. Abri os olhos e fitei sua expressão confusa diante de minha atitude.
Senti como se a terra estivesse girando por alguns segundos. Vi seus lábios se
movendo e desconfiei que meu nome fora dito, entretanto, não ouvi nada além de um
estranho zumbido em meus ouvidos.
Fechei os olhos novamente por alguns segundos e senti mãos me tocarem
cuidadosamente, como se estivessem hesitantes em fazê-lo, mas preparadas para me
sustentar se fosse necessário. Desvencilhei-me daquele toque e abri os olhos decidida a
desta vez voltar à realidade.
As portas do elevador se abriram enquanto eu encarava o homem a minha frente e
procurava, de todas as formas existentes, regularizar meus batimentos cardíacos e minha
respiração.
— O que houve? — ele perguntou suavemente — Você está se sentindo mal?
Acenei em negativa e afastei-o de mim novamente. Ouvi alguém limpar a garganta
atrás de Guilhermo e nós dois nos voltamos para fora do elevador. Um casal entrou e antes
que as portas pudessem se fechar, eu peguei minha bolsa e saí.
Ouvi Guilhermo me chamar novamente, mas ignorei deliberadamente. Meus olhos de
repente ficaram marejados e odiei-me por isso. Respirei fundo uma vez e forcei-me a andar
até as escadas.
Eu sabia que desabaria em breve, mas o faria sozinha. Onde somente as paredes
seriam testemunhas de minhas lágrimas.
QUATRO
EVANGELINE
O trem chega à Madri por volta das três da tarde do sábado. Quando chego ao meu
quarto, ligo para a agência de turismo e pergunto se ainda há algum programa marcado para
esta noite, eles dizem que às dezenove e meia terão um jantar em um restaurante de comida
americana, e peço para me colocarem na lista de turistas.
Eu admitia que aquilo havia se tornado um hábito muito feio. Sempre que eu
encontrava algo que me lembrasse, mesmo que de forma involuntária, o que aconteceu sete
anos atrás, eu fugia.
Não sei dizer exatamente o que acontece comigo. Não é medo do que pode acontecer,
talvez seja apenas medo de aquelas lembranças desta vez consigam me levar ao fundo do
poço.
Eu preferia acabar com todas as chances disso acontecer e minha atitude era sempre
a mesma. Eu me afastava de todos, pois acreditava que um pouco de tempo era o necessário
para me convencer a acreditar que o passado continuaria no passado.
O que acontecera ontem, claro, não me permitia fechar os olhos por trinta segundos
sem que as lembranças viessem sempre em um turbilhão. Primeiro as boas, recheadas de
protótipos das milhares de sensações que Guilhermo conseguira provocar a mim apenas
com um beijo. Depois as ruins, flashes do que eu passara tantos anos obrigando-me a
esquecer ou simplesmente ignorar — O que nunca funcionara.
Eu estava ciente de que não havia sido ele, Guilhermo, a causar aquilo. Foram suas
palavras que me provocaram calafrios e acionaram as alavancas enferrujadas de minha
mente.
Fechei os olhos enquanto abraçava a mim mesma, sem ao menos me importar com
quão ridículo pudesse parecer aos espanhóis nas ruas. Aquele abraço deveria ter sido
retribuído por David e este certamente saberia o que dizer em um momento como este.
Continuei a fitar as ruas pouco movimentadas que cercavam o hotel simples e
aconchegante que decidira ficar. A viagem fora marcada de última hora, não planejei
absolutamente nada. Apenas arrumei uma pequena mala e sem avisar Meg, após deixá-la no
aeroporto, eu fui à estação de trem.
Agradeci a todos os anos que me ajudaram a mascarar meus sentimentos no que se
referiam ao meu passado. Eles me ajudaram a esconder até mesmo isto de Megan.
Voltei ao quarto e peguei meu celular para finalmente ligar para David. Precisava
desesperadamente ouvir a voz de meu melhor amigo. E principalmente, que ele me dissesse
que tudo estava bem.

GUILHERMO
Eu realmente não acredito que me atrasei.
Allison conseguiu ficar na cidade apenas por mais esta noite e eu prometi a ela que
viria lhe fazer uma visita. Desde que passou a trabalhar para uma agência de modelos de
Portugal, nossas conversas ficaram escassas. E eu definitivamente sentia falta de sua
companhia e de nossas conversas.
Apresso-me ao chegar à entrada do restaurante quando uma voz feminina chama a
minha atenção.
— Eu não acredito que Guilhermo D’Angelo, pela primeira vez em sua vida, está
atrasado! — viro-me para finalmente vê-la.
— Não tenha certeza de que é a primeira vez. — falei abrindo um sorriso antes de
abraçá-la.
Droga. É claro que estava com saudades. Há tempos não nos vemos.
— Oh, não acredito. Você está mudando também? — perguntou rindo após se afastar.
Ela sabe que mudanças não fazem parte dos planos que tenho para minha vida.
— Você sabe que não. — respondi lhe dando outro sorriso.
Um grupo de pessoas que saia do restaurante, impedia nossa passagem.
Apertei sua mão entre a minha e me perguntei como haviam sido tantos meses longe
de casa e sozinha. Ela e Marina — minha irmã — seguiram seus caminhos para longe da
família. Considero as duas mulheres muito independentes e inteligentes por terem tido a
coragem de fazê-lo.
Ela riu novamente e continuou a falar, no entanto, quando vi de relance a mulher que
me fez ficar louco durante a última madrugada, parei de prestar atenção em suas palavras.
Ela estava linda e completamente diferente. Cabelos castanho-escuros desta vez
soltos, olhos verde-esmeralda brilhando. Em um vestido verde esvoaçante, com alças finas
e um decote discreto. Era possível ver todas as suas curvas. Nos encaramos por alguns
segundos até que ela desvia seus olhos dos meus e sai, seguindo o resto do grupo.
Acenei em negativa quando as mesmas perguntas que me importunaram durante todo
o dia, voltaram a me lembrar que eu ainda não obtive resposta.
O que acontecera ontem? Por que ela foi embora daquela forma?
— Quem é ela? — Ally pergunta quando já estamos devidamente sentados à mesa.
— Ninguém. — respondo sem olhá-la nos olhos.
— Teu pai nunca te fez ficar assim depois de uma das vossas discussões, e tu vens
me dizer que “Ninguém” consegue deixar-te assim? Vamos, diga de uma vez! — insistiu.
— Ela se chama Evangeline. — Comecei sem acreditar que estava fazendo aquilo.
Allison mesmo sendo minha melhor amiga nunca quis saber sobre nenhuma mulher com
quem saí — Estamos tendo reuniões há uma semana e parece que ela vai conseguir ser sócia
da próxima filial do Grupo. — dou de ombros enquanto analiso o cardápio.
— Não me disseste nada. Por que ela te fez ficar assim?
— Quer saber? — questionei deixando o cardápio de lado e me voltando
completamente para ela — Evangeline é uma americana intrépida e sagaz que me deixa
louco e todas as vezes que conversamos, me trata como o pior homem do mundo!
— Ok! Ela te deu um fora. — disse olhando-me nos olhos e rindo.
— Por que não consigo esconder nada de você? — perguntei seguindo seu exemplo e
rindo.
— Oh amor, já deverias saber que te conheço melhor que tu mesmo. — sussurrou
dando-me seu olhar vitorioso.
— Tudo bem, não vou discutir com você. — levantei os braços em resignação e
decidi mudar de assunto — Me diz, como você está? Alguma novidade? — surpreendi-me
com minha própria curiosidade.
— Estou bem. — Um sorriso brotou em seus lábios — Tenho uma ótima notícia.
— O que? — Encarei-a.
— Ei, não é nada do que estás a pensar. — Ally disse olhando-me por cima do
cardápio — É que eu recebi uma proposta para trabalhar em Nova Iorque, nos Estados
Unidos... Mal posso acreditar... — seu sorriso aumentou.
— Mas que boa notícia, Ally. Parabéns!

EVANGELINE
Reviro-me na cama mais uma vez enquanto ouço Meg e Melanie ao telefone.
— É claro que você precisa ir! — Megan repetiu desta vez mais alto que antes — Eu
quero o número de telefone dele!
— Gente, alguém! — ouvi Mel estalar os dedos consecutivamente em uma tentativa
de chamar atenção de Megan — Quem diabos é Tyler? Achei que o nome do cara fosse
Guilherme.
— Guilhermo. — corrigi.
— Que seja! — ela continuou falando, mas afastei o celular do ouvido.
Por que eu tive a maldita ideia de contar a elas que Tyler havia me convidado para
aquela festa? — questionei-me e segundos depois, após a resposta vir à minha mente, eu
suspirei cansada — Era isso ou dizer que Guilhermo e eu nos beijamos na sexta feira depois
que Megan foi embora do restaurante.
Hoje durante a reunião que tivemos, tudo o que fiz foi tentar ignorar sua presença.
Agradeci a Tyler em pensamento por ele me ajudar a manter Guilhermo longe quando eu
sabia que este apenas queria me perguntar o que acontecera na sexta feira. Mas após o fim
da reunião, Tyler me convidou para esta festa. Naquele momento, fiquei sem reação. Não
queria dizer “não” de forma rude, mas também não queria dizer “sim”.
— Evangeline! — ouvi meu nome ser dito pelas duas e voltei ao telefone.
— Sim?
— Você precisa ir, é sério! Só lembre que você precisa pegar o Guilhermo nesta
festa.
— Megan, vá pro inferno. Eu ainda estou prestando atenção no que diz, ok? —
respondi fazendo as duas rirem. Elas já haviam me repreendido duas vezes por estar apenas
concordando. — E acho que não vou para esta festa, eu não conheço ninguém aqui. Vou me
sentir excluída, provavelmente.
— Ok! Então, deixe-me ver se entendi. Eles são primos, e os dois estão atrás de
você, Evy? — foi a vez de Melanie.
— Não. Guilhermo apenas quer adicionar uma americana intrépida à sua lista de
conquistas. E Tyler está mais interessado em descobrir o telefone de Megan, assim como ela
quer o dele. — expliquei.
Megan gritou novamente e revirei os olhos, ainda mais cansada.
Eu estava em um tédio profundo desde que voltará de Madri ontem pela tarde.
Entretanto, não estava com a mínima vontade de sair. Era terça-feira à noite e amanhã eu não
teria reuniões na D’Angelo. Somente na quinta-feira. Parece que as outras empresas que
estão disputando os contratos tiveram suas reuniões ontem e a próxima será amanhã.
— Como pode ter tanta certeza ao falar deste tal Guilhermo, Evy?
— Ele me disse isso, Mel.
— Mentira! Você tirou conclusões a partir do primeiro encontro que tiveram. — Meg
interveio mais uma vez.
— Isso também. — anuí.
— Então, sua amiga linda e maravilhosa está pedindo, por favor, que você vá a esta
festa e consiga o número de Tyler para mim.
— Não. — insisti — Posso conseguir o número de outra forma.
— Mas assim não terá a desculpa de ficar bêbada pra pegar o cara de sorriso
sensual.
— Não mesmo, Mel. — eu a interrompi no meio de seu discurso.
Ficamos em silêncio por alguns segundos e ouvi a campainha ao longe.
— Evy, precisamos desligar. A Leslie acaba de chegar. Vamos sair hoje! —
exclamou alegremente — E já estamos atrasadas!
— Mas hoje é terça-feira. — lembrei-a.
— Eu sei, mas Leslie também quer saber sobre o estranho de sorriso sensual.
— Megan Jackson, não ouse contar mentiras a ela.
— Eu não vou. Sou sincera, Evy. Adeus. — despediu-se e antes que eu pudesse dizer
qualquer outra coisa, ela desligou.
Maldição.

Dois dias depois


GUILHERMO
Após concluir o e-mail que explanava a situação da empresa nas últimas semanas, eu
o reli e finalmente enviei para papai.
Estava na sala de reuniões há, pelo menos, duas horas, analisando os relatórios que
deveriam ser enviados a ele e Lucas.
Suspirei cansado e recostei-me na cadeira novamente. Fitei as mesas vazias que em
poucos minutos estariam ocupadas pelos diretores e pela senhorita Howell.
Uma semana se passou e eu ainda não compreendi o que aconteceu naquele elevador.
Por que ela me afastou daquele jeito e por que fugiu daquela forma? Eu fiz algo errado?
Ultrapassei alguma barreira? Disse algo que a ofendeu?
Repassei minhas palavras e minhas ações nos poucos minutos que estivemos juntos
naquele elevador — esta deveria ser a trigésima nona vez que o fazia — E mais uma vez, a
conclusão à que cheguei foi que o que eu disse lhe fez ficar daquele jeito.
Desta vez uma nova lacuna se mostrou em minha mente. Por que? Aquelas palavras
a fizeram lembrar de algum namorado ruim?
Cerrei os olhos e punhos com força ao perceber. Era o maldito noivo. Ela deve ter
lembrado que ele a espera em Nova Iorque e por isso fugiu.
Droga!
Talvez a melhor forma de esquecer o que aconteceu, para Evangeline, fosse agir
como se nada aconteceu. E por isso ela me ignorou em Madri. É uma pena que isso pareça
impossível. A tensão sexual que se instala quando estamos juntos em qualquer lugar é quase
palpável. Não é algo que possa ser facilmente ignorado por qualquer um de nós.
A porta foi aberta e meus pensamentos abruptamente interrompidos. Indiferença
ganhou espaço em minha expressão ao ver Tyler.
— Guilhermo. — cumprimentou com um sorriso cínico.
— O que está fazendo aqui? — questionei — Você não fará parte da reunião de hoje.
— lembrei-o.
— Eu sei. Só gostaria de lhe avisar sobre a festa em comemoração à Catalunha. —
ele disse encostando-se à mesa e seu sorriso ficou maior — Será no próximo sábado.
Fiquei em silêncio enquanto registrava suas palavras. Eu sequer lembrava desta
festa. A festa nacional é feita anualmente no dia 11 de setembro a fim de que a memória
histórica da Catalunha seja preservada. A empresa sempre organiza um coquetel nesta data.
— Aonde será? — perguntei voltando a encará-lo.
— Alugamos o mesmo salão de festa do ano passado. — deu de ombros — Pelo que
percebi, você não lembrava da festa, não é mesmo?
— Não. — admiti.
— É bom dar uma olhada em sua agenda à procura de uma companhia. — provocou.
— Sabe que não tenho uma agenda, seu idiota. Vou escolher uma companhia, não
procurar. — esclareci levantando. Olhei rapidamente para o relógio. Ainda faltavam alguns
minutos.
Ele riu e voltei-me para ele novamente.
— E você? Acha que uma semana é tempo suficiente para encontrar alguém? —
desafiei sorrindo com deboche.
— Ah, sim. Não se preocupe. — Tyler fez um gesto de desdém com as mãos —
Convidei Evangeline para ir comigo. Provavelmente iremos juntos.
Tenho certeza que uma ruga se formou em minha testa quando compreendi aquela
informação. Ele vai o quê?
— Você o quê? — repeti o que minha mente questionava repetidas vezes.
— Convidei Evangeline... — eu o interrompi antes que concluísse.
— Você está me provocando, não é? — indaguei retoricamente — Sabe que eu a
quero. — admiti exalando a raiva que sentia.
— Mas ela não o quer, Guilhermo. — replicou rindo.
Arqueei as sobrancelhas e me aproximei rapidamente.
— Você não vai levá-la a lugar algum. — afirmei mantendo a pouca distância entre
nós. Meus punhos estavam cerrados e pedi que meu controle não me abandoasse agora que
minha raiva aumentara — Não vai, entendeu?
Tyler ficou em silêncio e continuamos apenas nos encarando. Como dois animais
prestes a brigar por uma fêmea.
— Por quê? — olhei para a porta ao ouvir aquela voz feminina.
Cheguei a não sentir meus dedos depois de apertá-los por tanto tempo. Ainda tentava
me manter calmo, mas ao ver a máscara impenetrável tão perfeitamente colocada no rosto
daquela mulher, eu desisti. Os lábios com o batom vermelho estavam comprimidos e aquilo
indicava que ela também tentava se acalmar.
Evangeline gostaria de saber o motivo, mas eu tinha certeza que aquilo não ajudaria
em minha tentativa de impedi-la de fazer aquilo. No entanto, prossegui:
— Por que eu não quero. — retruquei sem desviar meus olhos dos seus.
Ela arqueou as sobrancelhas e sem tirar os olhos dos meus, respondeu:
— Mas eu quero — após uma breve pausa, continuou — O que fará sobre isso?
— Nada. — acenei em negativa e cruzei os braços, agora colocando um sorriso
complacente no rosto — Todos estamos cientes de que a única comprometida aqui é você.
A porta foi aberta novamente atrás dela e dois dos diretores entraram e
cumprimentaram-nos. Tyler pediu licença e disse a ela que depois conversariam sobre a
festa.
Enquanto se aproximava para sentar à mesa, seus lábios se movimentaram
silenciosamente e entendi claramente o que me diziam:
Vá para o inferno.
CINCO
EVANGELINE
Ouvi a campainha tocar ao longe e olhei-me uma última vez no espelho — Eu
esperava de verdade que o vestido que havia comprado não fosse demasiado extravagante
para a ocasião. Tomei cuidado ao escolher o corte do mesmo, ele não possuía decote na
parte da frente, no entanto, apaixonei-me pelo vermelho escarlate que vi ao chegar à loja no
dia anterior e o comprei mesmo que as costas fossem nuas.
A maquiagem era simples, mantive apenas o batom vermelho. O cabelo, decidi ir ao
salão e fazer um penteado que mantivesse todas as madeixas presas.
Não poderia dizer que não estava feliz com o resultado, pois definitivamente, eu
havia adorado. Não costumava me arrumar desta forma, mas sempre que o fazia me sentia
bem e poderia admitir, também me sentia bonita, até mesmo sexy.
Acordei de meus pensamentos quando o toque na campainha se fez presente. Devia
ser Tyler. Já estava na hora.
Antes de sair do quarto apenas coloquei o rímel, o batom e um cartão de crédito na
bolsa.
Abri a porta devagar e respirei fundo antes de deixar que ele me visse.
— Evy, você está linda. — elogiou com um sorriso no rosto.
Ele estava vestindo um smoking preto, que lhe caiu perfeitamente bem por sinal. Seu
perfume amadeirado se misturou rapidamente com o meu, que era suave e feminino. Ele
estava com os cabelos penteados e agradeci mentalmente ao perceber que acertara na
escolha do vestido.
Abri um sorriso para ele e comentei:
— Você também está muito bonito, Sr. Tyler — ele riu e ofereceu-me o braço quando
finalmente fechei a porta e nós dois juntos seguimos pelo corredor.
— Digamos que eu tentei fazer algo bem feito. — brincou — Deveria estar à altura
de minha companhia, não acha?
Assenti concordando quando entramos no elevador.
Passamos a última semana conversando sobre esta festa e até fomos almoçar juntos
novamente. Consegui seu número e surpreendi-me quando ele pediu o de Megan. Eu tinha
quase certeza de que seguraria muita vela se conseguisse fechar o contrato com a D’Angelo,
já que os dois trabalhariam juntos.
Era algo difícil de acontecer, mas eu não me sentia desconfortável em sua presença.
Tyler fora o único homem a quem eu não havia criado nenhum tipo de resistência. E isso me
surpreendeu de verdade, principalmente pelo pouco tempo em que convivemos. Ele me
inspirava confiança e eu gostara daquilo.
— Poderia me preparar para esta festa? — pedi ao sairmos do elevador — Não faço
ideia do que me espera.
— Bem, como é sua primeira festa, terá que virar dois litros de uma de nossas
bebidas tradicionais, a cava, e dançar Flamenco com um de nossos dançarinos
profissionais. — franzi o cenho e o encarei boquiaberta.
— O quê? — hesitei antes de entrar na limusine.
— Estou brincando! Calma e relaxa. A empresa oferece este jantar todos os anos.
Não é nada demais. — revirei os olhos e ele riu ao entrar no carro depois de mim.
***
A festa estava linda e exalava luxo, com toda a certeza. O salão está completamente
decorado com as cores vermelho e pérola — cheio de rosas vermelhas e brancas em vasos
enormes, localizados na entrada e saída, assim como também nas sacadas e mesas.
Mantive Tyler próximo a mim ao me deparar com pessoas que eu sequer vira na
D’Angelo em todas as vezes que estive lá.
— Não imaginei que a D’Angelo possuísse tantos funcionários. — comentei após
pararmos para cumprimentar seus colegas de trabalho em uma mesa.
— Há representantes de todas as nossas filiais aqui. — arregalei os olhos por um
momento ao registrar suas palavras. Existem mais de vinte e cinco filiais em todo o mundo.
— Quer beber algo? — ele perguntou ao acenar para um casal ao longe.
— Claro.
Algumas horas depois

GUILHERMO
Onde eles estão? — Questionei-me pela décima vez.
Cheguei há mais de uma hora, e ainda não os vi — olhei para as mesas que eram
rapidamente preenchidas e continuei a procurá-los apenas com o olhar.
Um novo grupo se aproxima de Anna e eu e faço as honras ao apresentá-los. Depois
de alguns minutos — que mais pareciam horas — Victor conta a piada mais sem graça de
sua vida e, mesmo assim, todos rimos.
Ao pegar mais uma taça de champanhe, eu a vejo — meus batimentos cardíacos
provavelmente aumentaram, pois eu senti o sangue em minhas veias pulsar ferozmente.
Maldição.
Evangeline está maravilhosa. O vermelho é uma cor que lhe cai muito bem. E aquele
vestido deixava espaço à imaginação de qualquer homem. Não era muito justo ou decotado,
mas realçava todas as suas curvas.
Ela poderia não saber, mas eu a fantasiei diversas vezes em meu quarto vestindo algo
assim, apenas para que eu tivesse o prazer de rasgar os malditos tecidos que separavam sua
pele nua da minha. E sempre fora um maldito vestido vermelho. Inferno, aquele era quase
um desejo insano. Eu queria aqueles cabelos entre meus dedos, queria puxá-los e fazê-la
gritar sem saber distinguir se o que sentia era dor ou prazer enquanto eu beijava cada parte
daquele corpo.
— Com licença. — pedi ao sair trazendo Anna comigo.
— O que houve, Guilhermo? — ela questionou em evidente desentendimento.
— Eu preciso fazer uma ligação. — menti.
Vi Evangeline se afastar ligeiramente de Tyler e meus passos ficaram mais rápidos.
— Volto em alguns minutos, sim? — desculpei-me ao sair, deixando uma Anna
completamente perdida em uma mesa repleta de advogados e mulheres.
Procurei a mulher novamente com o olhar e a encontrei indo para uma das sacadas.
Não pensei duas vezes, antes de segui-la.

EVANGELINE
— Está fugindo de alguém?
Deixo a taça de champanhe cair ao assustar-me com aquela voz.
Guilhermo.
Fechei os olhos por um momento e respirei fundo, ciente da proximidade de seu
corpo. Sabia que se me voltasse para encará-lo, estaríamos ainda mais próximos.
— Sim. — respondi dando um passo até a extremidade da sacada antes de dar meia
volta para fitá-lo — De pessoas como você!
— Hum. — Ele pareceu ponderar por um segundo e completou — O que o Tyler fez?
— perguntou acabando com o espaço entre nós novamente.
— Nada — rolei os olhos e cruzei os braços.
— Então, o que a fez se afastar de todos?
— Minha vontade — retruquei com ironia — Com licença, eu vou pegar uma nova
bebida — menti.
Já havia bebido mais que o suficiente e uma dor de cabeça terrível começou a me
importunar há mais de uma hora. Saí da festa apenas para tentar respirar ar puro e fugir dos
burburinhos das conversas.
— Não, pode ficar com a minha. — ofereceu estendendo sua taça.
— Não. Eu prefiro ir pegar uma para mim — respondi — Dividir nunca foi o meu
forte — esclareci ao virar-me de costas para ele e começar a andar.
— Por que está fugindo de mim? — sua pergunta fez-me parar no lugar e virar-me
lentamente para mirá-lo.
— Por que eu faria isso? — devolvi.
— Não sei, pode está querendo me evitar por causa do que aconteceu. — Ele disse
— Talvez por vergonha, timidez... — interrompo-o.
— Arrependimento.
— Arrependimento? — inquiriu incrédulo — Não vejo porquê.
— Guilhemo, não vai acontecer de novo. Foi um erro, eu provavelmente bebi demais
naquela noite...
— Você estava completamente lúcida, Evangeline. Não tente mentir. — falou antes
que eu pudesse concluir.
— Por que não volta para sua companhia? Com ela você terá mais sorte, pode ter
certeza.
— Por que está tentando me afastar de você?
Aquilo me fez ficar em silêncio. Engoli em seco tentando encontrar uma boa
resposta, mas antes que pudesse fazê-lo, ele endossou:
— Por que fugiu daquele jeito?
— Eu vim até Barcelona para fechar um contrato. — expliquei — Não para me
envolver com um homem como você.
— Eu nunca disse que misturaríamos as coisas.
— Guilhermo, volte para sua Anna e me deixe em paz.
Ele segurou-me pelo braço e não permitiu que eu saísse.
— Evangeline. — pediu em voz baixa e precisei de um segundo para me concentrar
no que deveria fazer.
— Não. — sussurrei, ciente de que meu rosto estava perigosamente próximo ao seu
— Esse contrato é muito importante para muitas pessoas.
— Não vou deixar que qualquer coisa entre nós influencie na decisão final daquela
diretoria.
— É claro que não vai. Porque eu não vou deixar. — fiz uma pausa e tomei coragem
para concluir — Prefiro voltar à Nova Iorque sem o maldito contrato, a voltar com ele
apenas por ter passado em sua cama.
Foi sua vez de ficar em silêncio enquanto tentava registrar minhas palavras. Eu
tentei, de verdade, encontrar um novo argumento para afastá-lo e mantê-lo longe, entretanto,
falhei ridiculamente.
— O que está acontecendo? — ouvi a voz de Tyler e tentei desvencilhar-me do
homem que ainda me mantinha presa por seu aperto.
— Guilhermo. — pedi em voz baixa e ele me soltou.
Eu vi sua expressão de seriedade se tornar cada vez mais perceptível. Seu maxilar
cerrado em uma linha dura foi suficiente para que eu percebesse que ele ainda gostaria de
dizer algo.
Acenei em negativa e saí para a entrada, onde Tyler me esperava confuso.
Meus batimentos cardíacos estavam incontroláveis. Eu repassava minhas próprias
palavras com uma velocidade sobrenatural em minha mente. Sabia que aquilo havia
colocado um fim a tudo o que pudesse acontecer entre nós daqui para frente e ainda não
acreditava que havia feito isso.
— Tyler, eu quero ir embora. — avisei a ele de repente.
— O que ele fez, Evy? Por que quer ir embora tão cedo? — vi raiva em seus olhos e
tentei me redimir.
— Não. Eu fui até a sacada para respirar melhor, estava passando mal. Guilhermo
apenas tentou descobrir o que estava acontecendo comigo. — suspirei, afastando-me —
Acho que bebi muito daquela bebida, Sangria.
— Tudo bem, vou ligar para o motorista.
— Não! Não precisa. Sei que ainda é cedo, o jantar não foi sequer servido. Não
quero atrapalhar sua noite. Posso pegar um táxi.
— Não vou deixá-la ir embora em um táxi. Vamos. — ele disse segurando
delicadamente em minha cintura e me levando à saída.
— Tyler, é sério. — parei no meio do salão quando três homens nos alcançaram.
Eles colocaram Tyler em uma conversa e ele nos apresentou. Assenti quando
pediram minha opinião sobre investimentos e até mesmo política. Depois de mais de dez
minutos de conversa, eu me despedi rapidamente e fui embora mesmo quando ele me pediu
que esperasse.
Sentia como se minha cabeça estivesse explodindo e meu corpo agradeceu quando
saí de todo aquele barulho.
Mantive os olhos fechados por um momento e encostei-me à parede. Respirei fundo e
voltei a andar.
Maldita sangria.
Quando finalmente cheguei à frente da entrada do prédio, procurei em minha pequena
bolsa, o meu celular.
— Droga. — sussurrei — Droga. — Foi o que repeti pelo menos cinco vezes após
perceber que só havia colocado maquiagem em minha bolsa.
Apertei os lábios enquanto pensava sobre o que poderia fazer. Entramos com
convites, então eu não poderia voltar à festa.
Toquei em minhas têmporas suavemente quando senti como se as agulhadas em minha
cabeça estivessem mais profundas.
O estacionamento. Com certeza há algum táxi de alguma cooperativa lá.
Voltei devagar para o prédio e peguei o elevador para descer ao térreo.
Ao chegar lá, procurei desesperadamente por entre os carros e limusines algum táxi.
Sussurrei um agradecimento ao ver pelo menos três carros amarelos do lado oposto
ao que eu estava e fui até eles, com passos mais lentos do que eu estava acostumada.
Um deles se aproximou e sua voz fez eco em minha mente quando me perguntou para
onde eu iria. Minha vista estava embaçada e fechei os olhos em uma tentativa de melhorá-la.
No entanto, ao abri-los novamente estava ainda pior. Tudo ficou negro de repente e não fui
capaz de me manter de pé.
Ouvi o homem chamar outras pessoas em espanhol, depois de me segurar. Mas logo
perdi a consciência.
SEIS
EVANGELINE
Minhas pálpebras pareciam pesar toneladas quando tentei abrir meus olhos. Somente
consegui fazê-lo após alguns segundos, no entanto, eu os fechei imediatamente quando a
claridade do quarto me incomodou.
— Os relatórios que lhe enviei se referem ao que foi decidido pela diretoria. —
forcei-me a abrir os olhos novamente ao ouvir aquela voz conhecida — Aliás, o contrato
final com todas as retificações já começou a ser redigido. Não, papai, foi uma decisão
unânime. Meu voto somente afetaria o resultado final se o senhor não estivesse de acordo
com a decisão que eles tomaram.
Vi o homem no canto do quarto, próximo à porta, ainda falando ao telefone, mas suas
palavras já não eram registradas por mim.
Olhei em volta por alguns instantes até que finalmente percebi que estava em um
hospital. A percepção me assustou e fez-me revirar na cama para levantar. O som do fio que
trazia soro ao meu corpo sendo retirado de forma abrupta fez Guilhermo se voltar para mim
rapidamente e deixar o telefone de lado.
O que eu estava fazendo em um hospital? — E mais importante, o que Guilhermo
fazia aqui comigo?
— Ei, não se levante. — ele pediu suavemente enquanto vinha até mim — Se
acalme... — como poderia me acalmar, sabendo que acordei em um hospital? — O
médico virá aqui em poucos minutos. — prosseguiu como uma forma de me acalmar. O que
não funcionou, pois eu continuava a me perguntar o que fazia ali.
— O que aconteceu? — perguntei ainda assustada.
— Você desmaiou no estacionamento do salão de festas e um dos empregados me
chamou... Na verdade, chamou a responsável pelo evento e ela me pediu instruções sobre o
que fazer. — explicou.
— Eu desmaiei? — eu questionei atônita. Com a respiração irregular e os batimentos
cardíacos já acelerados.
— Sim. — continuou — Depois eu lhe trouxe para o hospital.
— Eu não lembro de nada! — digo me desesperando e tentando levantar novamente.
Tiro o lençol que me cobria e percebo que estou usando apenas uma bata azul muito fina e
curta. Guilhermo segura minhas mãos e tenta me acalmar novamente e isso somente acontece
quando finalmente decido encará-lo. Quando me perco facilmente em seu olhar.
— Não lembra de nada? — agora ele parecia preocupado.
— Não. — respondi rápido demais e tentei me redimir — Quer dizer, sim, lembro da
festa, da discussão, de ficar esperando táxi... — tento procurar em minha memória mais
alguma coisa, mas não encontro nada — Apenas isso.
— Tudo bem, você não precisa se lembrar de nada agora. — ele faz uma pausa — Já
estava preocupado, você está dormindo há horas.
— Que horas são? — inquiri curiosa após sua menção de tempo. Ele parou de
acariciar minhas mãos e olhou para o relógio. Percebi que havia trocado de roupa. Agora
usava um jeans e uma camisa branca, que marcava perfeitamente seu peito e braços fortes.
— Já são duas da tarde.
— Você passou a noite aqui? Comigo? — certifiquei-me. A incredulidade
perceptível a qualquer um que me visse.
Eu não conseguia simplesmente digerir aquela informação quando o vi assentindo.
— Sim, não te deixaria aqui sozinha. — admitiu sem desviar os olhos dos meus.
Fiquei em silêncio pelo que pareceram ser milênios. Eu não sabia exatamente o
motivo, mas ainda via preocupação em sua expressão, por mais que agora fosse pouca. Seus
olhos estavam fundos, como se ele tivesse passado a noite em claro. E perceber isso fez
com que, de repente, meu coração se enchesse de gratidão.
Eu estava em um país que não conhecia, a quilômetros de distância de minha casa e
família. A noite anterior poderia ter terminado em uma tragédia, se aqueles taxistas fossem
pessoas más. Ou se o homem a minha frente não estivesse disposto a me levar a um lugar
onde alguém pudesse me ajudar.
Eu estava ciente de que ele faria isso com qualquer um dos convidados, afinal era o
anfitrião e devia manter tudo em seus conformes, mas senti a necessidade de lhe agradecer
por tê-lo feito.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer. — ele deu de ombros e apenas neste momento vi que sua
barba estava por fazer.
— Sim, preciso sim. — insisti e como se fosse uma deixa, alguém bateu à porta e
entrou.
— Ora vejam só, ela acordou! — o médico exclamou em tom de brincadeira.
— Ela está bem? — Guilhermo perguntou antes de mim.
— Sim, foi só sua pressão que baixou. — seu olhar me repreende por alguns
segundos — Deve ter sido estresse.
Encolhi os ombros e preferi mudar de assunto. Deixando de lado os motivos de meu
estresse.
— Quando vou poder ir embora?
— Como se sente? Alguma dor ou incômodo? — acenei em negativa surpreendendo-
me ao perceber que era verdade. A dor de cabeça havia finalmente passado — Daqui há
duas horas no máximo. Vou assinar a sua alta agora mesmo. A senhora passou a noite em
observação. Depois que sua pressão normalizou, não tivemos complicações.
Senhora? — As palavras de Guilhermo me interromperam.
— Por que ela passou tanto tempo desacordada?
— Creio que a Sra. D’Angelo estava cansada demais. Não precisamos sequer cedá-
la para que sua pressão voltasse ao normal. Como chegaram ao hospital de madrugada, eu
preferi que a deixassem aqui para que ficasse em observação.
Senhora? — minha mente repetiu e fiquei sem palavras naquele momento. Não sabia
como lhe explicar que estava errado.
— Ótimo. — Guilhermo concordou — Poderia me deixar a sós com minha mulher?
— arregalei meus olhos ao ouvi-lo dizer aquilo e o encarei com uma interrogação no rosto.
O médico estava fitando-o e não percebeu.
— Claro. Vou falar com a enfermeira para ela lhe trazer um suco, Senhora. —
concluiu seguindo para a porta.
— Obrigada — digo ao vê-lo sair — Sua senhora D’Angelo? — perguntei ao homem
a minha frente.
Ele apenas sorriu genuinamente por um momento e respondeu:
— Se estivesse com documentos, eu não teria dificuldades em colocá-la aqui. E não
precisaria dizer que é minha. — não entendi porque retribui seu sorriso, talvez fosse pelo
fato de saber que ele estava certo.
Revirei os olhos e ele continuou:
— Pedi para um dos meus empregados ir ao seu quarto no España, pegar algumas
coisas pra você, tudo bem?
— Como ele conseguiu as chaves?
— Digamos que ser um hóspede antigo no España tem suas vantagens. — e um novo
sorriso surgiu. A preocupação pareceu ter se esvaído completamente. — Meu motorista as
trouxe junto com as minhas coisas. — franzi o cenho e ele explicou — Eu também deveria
trocar de roupa. Emiti um som concordando. E tentei expulsar os pensamentos que me
corroeram. Como eu estaria aos seus olhos agora? — percebi que seria muita futilidade
pedir que me desse um espelho ou algo do tipo e tentei um novo caminho:
— Gostaria de tomar um banho antes de poder ir. — desta vez não me importei que
ele pudesse ver minhas pernas nuas e tirei os lençóis para levantar.
— Precisa de ajuda? — perguntou vindo até mim.
Hesitei por um momento, mas percebi que ele se referia à me ajudar a levantar —
não ao banho.
— Acho que sim — respondo.
Após ele colocar uma mala pequena sobre a cama, quando eu já estava de pé, eu o
questionei sobre o almoço. Pedi para ele ir comer alguma coisa, quando desconversou
dizendo que não estava com fome.
Vinte minutos depois saio do banheiro apenas com um roupão branco e azul. Olho
para a cama e vejo a mala preta pequena, e uma bandeja com comida. Não percebi que eu
estava com fome até vê-la.
Sento na poltrona que estava próxima à cama, eu desconfiava que Guilhermo passara
a noite nela.
Levei menos de quinze minutos para tomar o copo de suco, comer algumas torradas e
duas frutas.
Quando acabei, voltei-me para a mala. Ao abri-la, vi minha necessaire e agradeci
mentalmente a pessoa que arrumou estas coisas pra mim. Havia até mesmo um vestido e
roupas íntimas — Inferno, roupas íntimas.
Deixando o estranho desconforto de lado, voltei ao banheiro para escovar os dentes.
Olhando-me no espelho, reflito sobre tudo o que aconteceu em menos de vinte e
quatro horas.
Devia admitir que Guilhermo com toda certeza foi ótimo, pois sabia que ele não era
obrigado a ficar aqui comigo depois de me trazer ao hospital. Nunca imaginei que ele
pudesse ser tão... Prestativo... Até mesmo atencioso.
Começo a passar meu hidratante, como uma tentativa de afastar aqueles pensamentos
de minha mente — Não queria mudar de ideia sobre o que achava dele, era essa a maldita
verdade.
Ri baixo enquanto deixava o banheiro para pegar o vestido. Segundo o médico, sou a
Sra. D’Angelo. Percebi que estava rindo de verdade quando a estranheza daquilo foi
compreendida por mim. Evangeline D’Angelo.
Céus, isso soava estranho até mesmo em pensamentos.
— O que é tão engraçado? — Guilhermo perguntou assustando-me.
— Nada de mais, só estava lembrando do que o... — tentei explicar, mas as palavras
se perderam quando o vi.
Definitivamente não sei dizer, se ele fica mais lindo assim, vestido de forma
despojada e jovial, com o terno, que o deixa com ares de homem bem sucedido, ou de
smoking, que combina facilmente com o poder e a elegância que ele exala.
— Desculpe, pensei que já estivesse pronta. — ele diz e percebo que ainda estou
com o roupão — É melhor eu ir esperar lá fora. — falou enquanto tentava visivelmente
voltar a me encarar. Foi difícil levar ar aos meus pulmões quando vi suas pupilas dilatadas
— Não sei se vou aguentar ver você assim, e me contentar apenas em olhar... — admitiu
saindo rapidamente enquanto acenava em negativa. Como se quisesse espantar algum
pensamento.
Meu corpo arrepiou-se após suas palavras e só voltei a respirar quando ele fechou a
porta atrás de si.
***
Depois que saímos do hospital, ele me levou até seu carro e em seguida ao meu
hotel.
Não conversamos durante todo o percurso, e eu não deixaria isso continuar, aquilo
era estranho. Até mesmo as brigas eram melhores que isso.
— Quer entrar? — pergunto quando finalmente chegamos.
Encaramo-nos em silêncio, enquanto tive certeza que ele tentava entender meu
convite. Eu na verdade não possuía um bom motivo para fazê-lo, apenas não gostaria que o
dia terminasse com as coisas ainda ruins entre nós. Achava que depois do que fez,
Guilhermo merecia um pouco mais de crédito do que eu estava disposta a dar a ele e quem
sabe esta fosse a chance de conhecer ao menos uma parte dele?
Nenhuma destas desculpas parecia boa o suficiente para mim. Nada que explicasse o
que eu estava fazendo, mas percebi que eu não gostaria de encontrar respostas naquele
instante. Poderia e certamente faria isso depois.
— Acho que não seria uma boa ideia, nós vamos acabar brigando e... — eu o
interrompi já sabendo o que diria.
— Eu prometo, sem brigas.
Ele me olhou por alguns segundos e com os olhos semicerrados assentiu. Aquilo me
fez rir, afinal o que ele achava? Que esta era uma desculpa para envenená-lo?
Ele levava minha pequena mala enquanto subíamos o elevador.
— Talvez isso seja um pouco estranho. — ele comentou com um sorriso e fitei-o sem
entender. — Estamos juntos há quase vinte e quatro horas e não discutimos uma vez sequer.
Nem mesmo soltamos farpas para o outro.
— Seria algo bom, se em dezesseis horas destas vinte e quatro, eu não estivesse
dormindo. — foi sua vez de rir.
— Essa é uma boa observação.
Saímos e troquei um olhar com ele.
Maldição, talvez ele não fosse o completo idiota que eu achei.
Guilhermo estava com as chaves do meu apartamento e o abriu para mim.
— Você quer beber alguma coisa? — ofereci ao vê-lo fechar a porta.
Gesticulei para que ele sentasse enquanto eu seguia para o balcão em que o telefone
estava.
— Uísque, por favor! — respondeu e liguei para a recepção.
— Pronto, é só esperar — avisei.
Seu celular tocou e o vi franzir o cenho em preocupação ao pedir desculpas e se
afastar para atender.
Achei que fosse uma de suas amigas, e apenas aquele pensamento foi capaz de
acabar com minha boa vontade de pelo menos tentar não repeli-lo a cada instante.
Entretanto, ao ouvi-lo dizer “mamãe” inegavelmente relaxei. E também percebi que
estava sempre fazendo isso. Esperando o pior dele. E minha única desculpa para essa, até
agora, fora sua tentativa frustrada de flertar naquele elevador.
O que me mantinha reticente em deixá-lo se aproximar era apenas o contrato, que eu
estava decidida a fechar, e meu orgulho, que eu gostaria de levar intacto à Nova Iorque.
Eu só tinha mais três dias aqui. Independentemente do contrato, meu orgulho
continuaria o mesmo.
A campainha tocou e fui atender a porta. Trouxe o balde de gelo que abrigava o
Uísque para a mesa de centro e coloquei um pouco para cada um de nós enquanto ele
voltava.
— Desculpe por ter acabado com a festa para você ontem. — decidi falar antes que
desistisse.
— Não se preocupe, não estava tão boa assim. — ele deu de ombros e pegou seu
copo de minhas mãos.
— O quê? A festa ou sua companhia? — não resisti a provocá-lo.
Foi a primeira vez que ri de verdade em sua presença, e não me importei. Ele me
fitou por um momento, no entanto, ao responder também estava rindo.
— As duas coisas. — falou revirando os olhos concordando.
— Ótimo. — sussurrei após sorver um pouco mais de uísque.
— Por quê? — desta vez ele pareceu curioso.
— Se estivesse ocupado, talvez sua produtora de eventos não o encontrasse. —
engoli em seco quando percebi o que havia insinuado.
Droga.
— Verdade. — disse também me encarando.
Eu sabia que não deveria me perder com tanta facilidade naquele olhar.
Definitivamente aquela não era a forma mais fácil de manter bons pensamentos comigo.
Principalmente quando eu via em seu olhar tudo o que tentava tão desesperadamente
reprimir dentro de mim.
Descobri neste momento que o perigo que aqueles olhos azuis exalavam, dizia
respeito às minhas regras. À minha sanidade. Porque o trabalho deles de dissolver coisas
como estas, era digno de aplausos. Ele me deixava completamente sem armas.
— Espero que os dias sem reuniões tenham sido suficientes para conhecer um pouco
da cidade. — comentou desviando o olhar do meu.
Precisei cerrar os olhos por alguns momentos para me trazer de volta a realidade. E
obriguei-me a respondê-lo de uma vez.
— Não tanto quanto eu gostaria. Fui a poucos lugares. — admiti enquanto colocava
mais da bebida forte em meu copo.
— Ainda pode fazê-lo durante a semana. — sugeriu estendendo seu copo para que eu
o enchesse novamente.
— Meu voo de volta está marcado para quarta feira. — expliquei distraída com o
líquido escuro e incrivelmente forte.
— Mas a última reunião é na quarta. — voltei a encará-lo.
— Vou à noite. — sua testa estava levemente franzida e arrisquei que talvez houvesse
uma ponta de decepção em sua expressão.
— Está me dizendo que esta é a primeira e última vez que conversamos como
pessoas civilizadas? — testou — A última vez que vou vê-la fora daquelas reuniões?
Levei mais tempo que o necessário para respondê-lo.
— Sim. — odiei o fato daquela palavra ter sido sussurrada.
O olhar que ele dedicou a mim surtiu efeito imediato em meus batimentos cardíacos e
minha respiração, ambos ficaram irregulares.
Umedeci o lábio inferior ao vê-lo se aproximar. Uma única palavra era repetida em
minha mente:
Perdida — eu estava completamente perdida.
GUILHERMO
Seus olhos verdes me encaravam atentamente. Evangeline parecia ligeiramente
assustada. Como se ainda não estivesse certa do que eu faria. Porra. Nem eu sabia o que
faria enquanto me aproximava. Apenas uma certeza crescia em mim a cada segundo; não
podia terminar assim.
Não é como nada que eu um dia quisera. Talvez fosse apenas porque eu ainda não
tivera o que tanto queria, mas grande parte de mim sabia que não é apenas isso.
Era excentricidade da minha parte — pois sequer começou e eu sabia que não
gostaria que o destino colocasse um fim de forma abrupta.
Eu a vi engolir em seco ao dar um passo para trás, em uma tentativa de aumentar a
distância entre nós.
Inferno. Talvez eu não soubesse como fazer as coisas do jeito certo.
— Guilhermo... — Evangeline se interrompeu quando, assim como eu, percebeu
quão perto nossos corpos estavam. Aquilo fazia com que a conhecida tensão se instalasse
entre nós.
— Última vez, juro. — sussurrei antes de juntar meus lábios aos seus.
Surpreendi-me ao perceber que ela não criara resistência desta vez. Minha língua
deslizou por entre seus lábios e encontrou a sua rapidamente.
Minhas mãos seguiram para sua cintura, enquanto eu a guiava até a parede e levava
meu corpo de encontro ao seu.
O calor que emanava dela, se misturava ao meu e o desejo em mim aumentou quando
um novo beijo abafou seu gemido. Não havia desespero desta vez. Somente um anseio e uma
incontrolável vontade de mantê-la perto de mim.
Acariciei seu corpo sobre o tecido do vestido rosa que ela vestia e levei minhas
mãos às suas nádegas, para trazer sua feminilidade à minha excitação. Seu corpo se
encaixou perfeitamente ao meu e não pude acreditar em como aquilo havia me agradado.
Suas mãos tocaram e apertaram os músculos de meus braços, de forma lenta, após
um novo gemido de prazer. Quando a senti ficar hesitante. Decidi me controlar e, antes de
qualquer coisa, descobrir o que estava acontecendo.
Acabei com o beijo e rocei meus lábios aos seus ao ver que continuavam
entreabertos. Acariciei seu rosto e perguntei:
— O que houve? — colei minha testa a sua e resisti à vontade de morder seus lábios
e trazê-los para mim em um novo beijo. Aquilo era viciante.
— Guilhermo. — seu tom reticente e a voz baixa me deu a certeza de que algo errado
estava acontecendo.
— Me diga. — pedi novamente ao segurar suas mãos quando ela tentou me afastar.
Fitei-a em silêncio por todos os segundos que ela precisou para pensar na resposta
para minha pergunta. Eu não sabia o que sua pausa queria me dizer, afinal, se ela continuava
me repelindo ou se o maldito noivo estivesse em sua mente agora, ela não permitiria que eu
a beijasse e muito menos que deixasse meu corpo tão maravilhosamente próximo ao seu.
Entrelacei minhas mãos às suas quando Evangeline novamente fechou os olhos, como
se tentando espantar um mau pensamento.
— Deus! Você me assusta. — admitiu baixando a voz a cada palavra.
Hesitei enquanto registrava o que ela disse e tentava compreender de alguma forma.
— Por quê? — questionei.
Seu corpo continuou imóvel sob o meu e preferi não distanciá-lo.
Quando percebi que ela ficaria em silêncio, prossegui:
— Tem medo de mim?
— Não. — replicou rapidamente e fez uma breve pausa — Mas você é enorme,
muito maior que eu e isso me assusta. — explicou.
— Não vou machucá-la. — prometi — Não seria capaz de fazê-lo.
Isso fez com que ela finalmente voltasse a me encarar. Ficamos assim, apenas
olhando nos olhos um do outro pelo que pareceu serem horas, até que ela decidiu falar
novamente.
— Por que faz isso? — inquiriu.
Aquilo me fez ficar em silêncio. Eu sabia a resposta, mas não tinha certeza de qual
seria a sua reação ao descobrir. Claro que não era pela maldita aposta, aquilo veio depois.
Eu a quis desde que a vi e essa era a verdade.
Após uma batalha em meu interior, onde eu lutava contra mim mesmo para lhe dizer
isso, eu o fiz quando inacreditavelmente venci.
— Porque eu quero você. — admiti — Desde que te vi naquele maldito elevador,
Evangeline. — Eu via desentendimento em sua expressão, mas decidi continuar — Eu quero
seu corpo sob o meu, quero beijar seus lábios, quero descobrir qual a sensação de estar
dentro de você.
Ao término de minhas palavras ela já se encontrava boquiaberta. Percebi que não era
capaz de passar por aquela tortura, quando a vi umedecer os lábios.
Beijei-a novamente e encostei minha testa na sua mais uma vez.
Isso é demais para mim. Maldição. Eu a quero com todas as minhas forças. Meu
corpo ansia pelo seu. Minha pele arde pelo seu toque.
— Mas só vou fazer isso, se você me permitir. — o pedido estava implícito em
minha frase.
Os segundos se arrastaram, levando minha incerteza e trazendo a convicção de que
ela não mudaria de ideia. Evangeline permaneceu sem dizer uma palavra.
Quando entendi que aquela era sua resposta, decidi me afastar. Meus dedos
deslizaram por entre os seus e ela fechou os olhos por um momento. Quando pareceu
perceber o que eu faria, suas mãos seguraram minha camisa com força e me trouxeram para
si. Juntando nossos lábios com força em um novo beijo — ela passou a mim a tarefa de
guiá-lo e agradeci deliberadamente por isso.
Minhas mãos voltaram a rapidamente percorrer suas curvas e eu a senti relaxar sob
meu toque. Era perfeita a forma que sua pele se arrepiava à medida que eu roçava meus
dedos sobre ela.
O beijo desta vez era desesperado, intenso e exigia de nós dois um fim melhor que o
anterior.
Eu tentava descaradamente esconder minha ereção enquanto abria o zíper de seu
vestido. Sabia que por algum motivo, ela não confiava em mim e queria fazer as coisas
devagar. Não queria, de nenhuma maneira, assustá-la.
Surpreendi-me por ter suas mãos levantando minha camisa e arranhando meu peito,
devagar, entre pausas que pareciam simplesmente servir para lhe convencer do que deveria
fazer. Eu a ajudei quando tentou tirar o que eu vestia e definitivamente gostei de seu olhar
sobre mim quando eu já estava sem a parte de cima do que vestia.
— Deus. — ela sussurrou baixinho e precisei acabar com aquela pouca distância
entre nós. Sua boca ficava ótima colada a minha.
Gemi contra seus lábios quando ela me tocou. Mordi seus lábios trazendo-os para
mim e baixei lentamente seu vestido. Meu membro implorava por liberdade em minhas
calças e esta situação só piorou quando consegui finalmente tocar a pele suave e macia de
suas costas.
Beijei seu pescoço suavemente, antes de deixar uma marca nele. Mordi o lóbulo de
sua orelha e a senti estremecer contra mim, enquanto sussurros de coisas ininteligíveis
saíam de seus lábios.
— Inferno. — murmurei contra seu ouvido — Você me deixa louco, Evangeline.
Ela respondeu com um novo som de prazer e quando rocei meu corpo ao seu, ela
arranhou meu peito.
Comecei a finalmente tirar o que ela vestia, e o toque baixo de um celular se fez ser
ouvido. E desta vez não era o meu.
— Guilhermo... — pediu em voz baixa e tentei ignorar o toque.
As mãos que acariciavam minha pele ficaram imóveis de repente e fechei os olhos
quando o maldito telefone voltou a tocar.
— Guilhermo. — repetiu e voltei a encará-la — É meu telefone.
— Mas... — tentei, porém ela me interrompeu.
— Estou há mais de quarenta e oito horas sem falar com minha família, devem estar
preocupados.
Reprimi um suspiro ao assentir. Afastei-me e a vi levantar as alças do vestido e
seguir para a mesa.
Evangeline parecia estar atordoada e preocupada, sem saber onde procurar. Não
aparentava sequer saber o que estava fazendo.
Respirei fundo tentando me convencer de que isso havia mesmo acontecido e disse:
— Tente o sofá. — ela me fitou por alguns segundos e o que vi em seus olhos fez-me
morder a parte interna dos lábios.
Ela não pode estar arrependida.
Quando a vi pegar o celular e suspirar brevemente antes de atender, decidi procurar
minha camisa.
— David? — mesmo que tenha falado mais baixo que o necessário, eu entendi — Eu
estou bem, não se preocupe.
Uma fúria inexplicável me invadiu ao perceber o porquê dela ter feito isso. Era ele,
o seu noivo.
— Estive um pouco mais ocupada do que imaginei, me desculpe. — arqueei as
sobrancelhas quando ela voltou a me encarar.
— Conversamos quando eu voltar, ok? — ela acenou em negativa para mim —
Voltarei na quarta feira.
Peguei minhas chaves sobre o balcão e segui para a porta.
— Guilhermo. — fingi não ouvir Evangeline me chamar e abri a porta para sair —
Espere, por favor.
Eu já fui patético o bastante para o resto de minha vida. Por mais que também
quisesse estar comigo, ela ainda teria o maldito noivo quando voltasse.
SETE
EVANGELINE
Inspirei profundamente forçando a mim mesma a não demonstrar que sua atitude
displicente não era esperada por mim.
Guilhermo estava agindo como se o final de semana nunca tivesse acontecido. Isso
chegou a me incomodar, até segundos atrás eu ainda me sentia estranha por me importar com
isso, mas agora vejo que essa é a melhor coisa que ele poderia fazer. Principalmente se isso
queria dizer que me deixaria em paz.
Eu estava feliz, é claro que estava! Conseguira ganhar a chance de fechar o contrato e
isso seria ótimo para muitas pessoas. Eu consegui alcançar meu objetivo. E queria acreditar
que estava simplesmente esperando que a ficha caísse para que um maldito sorriso não
saísse de meus lábios. Mas até agora, isso não aconteceu.
— Poderá levar o contrato e analisá-lo antes de assinar. A última reunião será na
quarta feira, e desta vez o presidente da empresa estará presente. — eu apenas assenti após
suas palavras.
Os olhos que me encaravam, estavam pela primeira vez, impassíveis para mim. Não
percebi que ele era bom em esconder o que pensava, até ele começar a fazê-lo.
— O Sr. Presidente incluiu novos parágrafos e cláusulas. Sugiro que todos prestem
muita atenção em cada uma delas. — um dos diretores avisou.
Assenti novamente e comecei a organizar minhas coisas enquanto todos faziam o
mesmo.
Tyler veio até mim para me dar os parabéns e precisei fingir um sorriso ao apertar
sua mão.
— Parabéns, Evangeline. — ele disse e logo todos os diretores vieram até mim.
Eu estava cumprimentando a diretora de marketing quando Guilhermo se aproximou.
— Parabéns, Srta. Howell. Conseguiu o que tanto queria. — prendi a respiração
após suas palavras. E engoli em seco ao lembrar da festa, quando eu lhe disse que o
contrato era muito importante.
— Obrigada. — agradeci ao apertar sua mão direita. Todos estavam saindo e
conversando. Ninguém além de Guilhermo percebeu o arrepio que percorreu minha pele.
— Com licença. — ele pediu ao se afastar para sair.
Peguei minha pasta sobre a mesa e saí em seguida.
Não imaginei que sua frieza pudesse me incomodar tanto.
Tudo aconteceu como queria, Evangeline. Parabéns. Você fechará o contrato e
voltará à Nova Iorque com o maldito orgulho intacto.

Dois dias depois:


Fiquei em silêncio ao ouvir a pergunta meticulosa de Megan.
O que aconteceu? — Bem, Megan, Guilhermo e eu nos agarramos no elevador do
hotel depois que você saiu. No dia seguinte, em uma tentativa de fugir, eu viajei para Madri.
Quando voltei e tivemos outras reuniões, eu fingi que nada acontecera. Tyler me convidou
para a festa em comemoração à Catalunha. Desmaiei depois que fui embora. Acordei no dia
seguinte em um hospital, acompanhada por Guilhermo, que aliás, estava se passando por
meu marido. Quando finalmente pude ir embora, ele me deixou no apartamento. Eu o
convidei para entrar. Tomamos uísque. Nos beijamos. Ele disse que queria me levar para a
cama, mas que precisava que eu o permitisse fazê-lo. Eu deixei, mas meu melhor amigo
ligou antes que pudéssemos chegar às preliminares. Depois, Guilhermo saiu com raiva e não
faço ideia do motivo. E a propósito, ele está me tratando com frieza desde então.
— Nada. — foi o que respondi ao invés de tudo o que me veio à mente — Nada de
interessante, na verdade. — fiz uma pausa, tentando lembrar de algo que me ajudasse a
mudar de assunto — Tenho uma surpresa.
— Ah meu Deus. — exclama em tom animado — Vocês transaram? Conte-me tudo,
Evangeline!
Revirei os olhos e respondi:
— Não. Nós não transamos, ok? — ela emitiu um som desanimado — Estou falando
do contrato!
— Você conseguiu? — de repente sua euforia pareceu ter voltado.
— Sim. — gritamos juntas de alegria e rimos alto depois.
Guilhermo fora finalmente esquecido.
— Na verdade, terei a última reunião hoje. Assinaremos o contrato.
— Parabéns, amiga! Deus! Você merece.
— Nós merecemos. — corrigi, lembrando-a que havia me ajudado muito.
— Então, quando voltará?
— Hoje mesmo. Meu voo está marcado para as oito da noite.
— Por que tão rápido?
— Já consegui o que queria, Meg. O contrato será fechado. — expliquei.
— Ótimo. Nada a impede de ficar com Guilhermo agora.
Fiquei em silêncio após suas palavras.
— Evy, uma noite de loucura não faz mal a ninguém. — continuou.
— Meg, esqueça. Guilhermo e eu não vai acontecer, ok?
— Mas vocês são lindos juntos. — argumentou, o que me fez rolar os olhos
novamente.
— Discutindo? — questionei irônica.
— O que houve? Vocês conversaram como pessoas normais depois que saí do
restaurante naquele dia.
— Você estava nos vigiando?
— Não. Eu estava me certificando de que você não faria uma besteira.
— Não viu quando a loira-seios-extra-G apareceu?
— O quê? — foi sua vez de parecer atônita — Eu fui embora depois de vê-lo sorrir
para você... Que loira?
— Não faço ideia. Ela brotou no restaurante e estava no meu lugar quando voltei do
toalete.
— Inferno. Eles dormiram juntos?
— Não. Guilhermo disse que não.
— Ele te explicou?
— Sim. As coisas terminaram antes de começar, ele disse.
— Evy, não aconteceu nada entre vocês durante essas semanas que você ficou aí?
Engoli em seco ao ouvir aquela pergunta e fechei os olhos. Maldição. Eu odiava
mentir e já havia o feito hoje, em sua primeira pergunta. Sabia que ela me encheria de
perguntas se eu dissesse que sim e provavelmente não acreditaria se eu dissesse que não.
Mas se eu continuasse a negar, ela não poderia fazer nada.
— Não adianta. Seu silêncio foi uma ótima resposta. Diga logo, o que aconteceu?
Suspirei e xinguei dez palavrões de forma inaudível quando percebi que estava
péssima em esconder coisas dela.
— Evangeline Howell, eu quero a verdade. Pregamos a lei da sinceridade, não
esqueça.
Bufei após o que ela disse e despejei.
— Nos beijamos... — mordi o lábio inferior e continuei — Duas vezes.
— Vadia! — ela gritou — Você achou que me esconderia isso por muito tempo?!
Fiquei em silêncio.
— Quero detalhes — ante meu silêncio, ela prosseguiu — Agora.
— No elevador, enquanto eu voltava ao meu quarto depois que a loira apareceu.
Eu não acreditava que estava fazendo isso.
— Você, Guilhermo e o maldito fetiche por elevadores. — ela riu novamente —
Continue.
— Eu o afastei e fui embora. — admiti.
— Eu vou te matar, Evangeline. — avisou em tom sério — Você está há quase dois
anos sem sair com um cara, e quando finalmente encontra um pelo qual se sinta atraída, você
o manda embora? Você está louca?
Ótimo. Agora eu parecia uma criança que fizera uma idiotice.
— Meg, eu... — ela me interrompe.
— Se você usar o maldito contrato como desculpa, eu desisto de você. — engoli em
seco mais uma vez e esperei suas próximas palavras — Porra, Evangeline. O cara está
louco por você e você faz isso? Não poderia, pelo menos uma vez na vida, aproveitar algo
sem se sentir culpada? Inferno. Não havia sequer motivo pra se sentir culpada.
Pronto. Eu estou definitivamente encrencada. O primeiro palavrão indica a
enxurrada de palavras que o seguirão. Palavras que por sinal, vão me fazer sentir um lixo.
Preferi apenas ouvir tudo o que Megan tinha a dizer e me lembrar. Sabia que ela
estava certa em mais da metade das coisas que disse.
No entanto, não poderia esquecer que eu já tentei isso. Bryce não fez nada de errado.
Na verdade ele foi ótimo e até mesmo paciente comigo. Não se importou de ter que ir
devagar, mas simplesmente não consegui. Eu me sentia hesitante quando ele me beijava e
pior, sentia arrepios quando ele me tocava. Não arrepios de prazer. Arrepios provenientes
das lembranças que inundavam minha mente, de medo e até mesmo nojo.
Precisei de muitas desculpas para convencer Bryce de que não era nada de errado
com ele. Que eu apenas tivera um final de namoro ruim e não estava preparada para me
entregar a outro homem. Porém, não era apenas aquilo. E Guilhermo saberia. Ele percebe
que há algo de errado comigo antes mesmo que eu o afaste. E tenta sempre me entender. Ele
é incisivo e irredutível, não acreditaria que depois de sete anos, eu ainda não conseguira
superar um relacionamento ruim.
— Meg, ele está com raiva de mim! Não quer mais falar comigo. — despejei de uma
vez.
— Faça algo sobre isso!
— O quê? Não. — respondi rapidamente — Não vou pedir que ele durma comigo,
depois de ter passado três semanas dizendo que não iria para a cama com ele!
— Você e seu maldito orgulho.
— Meu Deus! Você está louca!
— Você o quer.
— Sim, talvez eu o queira, mas agora é tarde para isso. Vou embora hoje à noite —
concluí.
— Céus, você quer dormir com ele. É a primeira vez que ouço você dizer que quer
transar com um cara. Isso é novidade para mim!
Suspirei audivelmente e ela parou de falar.
— Se vocês ainda tivessem algum tempo, você cederia?
Forcei-me a pensar. Contudo, eu sabia que sim. Eu teria tentado naquele domingo.
Ele conseguiu ultrapassar muitas das minhas barreiras e naquele momento eu não me
importei com as consequências, porque eu o queria. E qualquer droga de lembrança foi
esquecida. Estava sim com medo de que não conseguisse ir até o final, mas também estava
disposta a tentar. Qualquer explicação eu lhe daria depois.
— Talvez nós tenhamos. — confessei.
— Como? — ela agora parecia confusa.
— Guilhermo será o presidente da filial da D’Angelo em Nova Iorque. — explanei
— O Sr. D’Angelo incluiu esta cláusula no contrato.
Apenas com esta resposta eu consegui mantê-la calada.
— Megan? — tentei.
— E você?
— Vice-Presidente.
— Ah meu Deus. Obrigada! — afastei o celular do rosto quando ela gritou — Eu já
disse que você é uma vadia muito sortuda?
Foi minha vez de rir.
— Vamos trabalhar juntos, mas não quer dizer que vamos ficar juntos, Meg. Ele está
com muita raiva. — contei.
— Nada que um beijinho não resolva, tenho certeza.
— Já disse que você é louca?
— Sim, mas parei de contar quando chegamos na quadragésima sexta vez. — aquilo
me fez rir.

GUILHERMO
— Sua mãe acaba de ir à Nova Iorque para procurar uma casa. — papai conclui,
finalmente.
Comprimi os lábios enquanto observava Evangeline entrar no elevador para ir
embora — aquela seria a última vez que a veria fazer aquilo — e resisti à vontade de
dividi-lo com ela novamente. E desta vez, fazer algo para impedi-la de ir hoje. De
convencê-la a ficar ao menos mais um dia. Entretanto, meu orgulho não permitiu. E agradeço
por isso.
As coisas foram melhores assim, de fato. Ela fechou o contrato pelo qual trabalhou
tanto para conseguir, e voltará intocada ao seu noivo idiota.
— Eu sabia que algo estava acontecendo. — papai comentou chamando minha
atenção novamente.
— O quê? — questionei enquanto o seguia de volta a sala.
— Vamos, me conte o que aconteceu entre vocês. — pediu ao fechar a porta de sua
sala.
Segui para a cadeira a frente de sua mesa e peguei um dos lápis para girar entre os
dedos.
Inferno. O que aconteceu?
— Boa pergunta. — respondi enquanto lembrava de tudo o que aconteceu desde o
primeiro encontro no elevador.
Segundo ela, foi um erro. Erro. Foi a primeira vez que ouvi alguém dizer que um
beijo como aquele foi um erro. Que o desejo que sentimos um pelo outro, é um erro.
— Comece do começo. — sugeriu e voltei-me para ele.
— Evangeline e eu nos conhecemos um dia antes da reunião. Ficamos presos no
elevador do hotel España há pouco mais de três semanas.
— Apenas isso? — inquiriu ao fim de minhas palavras.
— Nos beijamos há duas semanas. E na festa que fizemos no sábado ela desmaiou e
a levei ao hospital... No dia seguinte quando a levei para casa, nós conversamos, bebemos
algo e nos beijamos novamente. Só que bem... — limpei a garganta e ele semicerrou os
olhos para mim — Não foi apenas um beijo.
— Vocês dormiram juntos?
— Não. Não chegamos a isso. — admiti.
— Mas você a queria?
— Sim. — suspirei deixando o lápis de lado e levantei.
— Isso influenciou de alguma forma sua decisão sobre o contrato?
— Não, papai. — voltei a fitá-lo — Como eu disse, a decisão da diretoria foi
unânime. E Tyler aprovou dois projetos. Portanto, no fim a decisão de maior peso seria a
sua.
— Ótimo. — ele disse também se levantando — Você só a queria em sua cama?
Fiquei em silêncio por um momento, apenas mirando-o. Já estava com o maxilar
cerrado quando decidi responder.
— Sim.
— Então foi o melhor que poderia ter acontecido. — arqueei as sobrancelhas —
Você queria realmente que ela fosse somente mais uma em sua cama?
Desta vez preferi não lhe responder.
— Ela não é para isso. Não aceitaria o que você oferece as outras. — continuou —
Você a viu nessas reuniões, Guilhermo. O orgulho dela não permitiria.
— Você só esteve presente em uma reunião. — argumentei.
— Mas ao que parece, eu fui o único aqui que prestou atenção na mulher que ela é e
não em seus atributos físicos.
Cerrei os olhos e desisti. Ele pegou a pasta e se despediu antes de sair.
OITO
EVANGELINE
Suspirei de alívio ao ver minha casa. Não imaginei que estivesse sentindo tanta falta
dela até vê-la.
— Srta. Howell. — Sam cumprimentou-me com um aceno e um meio sorriso quando
lhe entreguei as chaves do carro.
— Samuel. — sorri para ele e virei rapidamente ao ouvir a voz doce de Natalie.
— Mamãe Evy! — meu sorriso aumentou e tornou-se bobo ao vê-la correndo até
mim. Abri os braços e a levantei quando me abraçou.
— Meu amor. — sussurrei ao beijar seu rosto. Senti meus olhos marejarem quando
percebi que ficara quase um mês sem abraçá-la. Agora que a vi, parece uma eternidade.
— Você prometeu que não demoraria. — lembrou-me ao acabar com o abraço. Seu
tom era de mágoa.
— Tive alguns problemas, querida. — expliquei olhando em seus olhos castanhos e
beijei-lhe as bochechas mais uma vez — Como você está?
— Bem, a mamãe me deixou ir à casa do Andie nas férias e também fomos ao
shopping. — acariciei seus cabelos loiros enquanto subia as escadas que nos levariam a
porta de entrada.
— E onde está a Nany? — questionei ao entrarmos.
— Na cozinha, estava preparando algo para a senhora comer.
— Ótimo. Estou faminta — ela riu e seguimos para a cozinha.
Natalie é filha adotiva de Ananda, minha governanta. Após a morte de uma prima,
ela pediu minha autorização para trazer a criança, para que pudesse criá-la aqui. Eu jamais
permitiria que uma criança que acabara de perder a mãe, fosse enviada a um orfanato
quando ela ainda possuía um parente próximo.
Natalie chegou em nossas vidas com apenas oito meses de idade. E após seis anos,
nenhuma de nós teve coragem de contar a ela que não é filha de Ananda. Embora ela ache
que Ananda é sua mãe, Natalie me considera sua segunda mãe. O que eu definitivamente
amo, pois tê-la em minha vida durante os anos mais difíceis, foi a melhor coisa que me
aconteceu.
— Bom dia, Nany. — cumprimentei após colocar Natalie de pé novamente.
Ela estava falando ao telefone e sua expressão era de extrema preocupação. Não
fosse por isso, a ruga formada em sua testa não estaria lá. Nany não aparenta, nem de longe,
ter quarenta e três anos de idade.
— Evy, é a Angie. — ela disse ao estender o telefone para mim.
Meu coração parou naquele momento e hesitei pegar o telefone de sua mão, fazendo-
o apenas após tentar me convencer de que nada ruim estaria acontecendo à minha irmã
Angeline.
— Angie? — sussurrei depois de trocar um olhar com Nany, que agora cortava uma
fatia de bolo para Natalie, mas continuava a me encarar com a mesma preocupação de antes.
— Evy. — senti meu coração apertar-se ao ouvir sua voz. Ela parecia estar
chorando.
— O que houve, Angie?
— Eu... — ela se interrompeu e a ouvi inspirar profundamente antes de continuar —
Eu saí de casa. Encontrei John com outra mulher.
Filho da puta.
— Onde isso aconteceu? — questionei.
— Eu o segui até um hotel e vi quando encontrou uma ruiva. Eles estavam
conversando e se beijaram antes de entrar. — sua voz ficara fraca novamente — Eu estou
em um hotel próximo à ponte para Long Island, mas saí de casa sem nada além da bolsa.
Inferno.
— Venha para minha casa. — ofereci — Acabei de chegar de Barcelona, não quero
que fique em um Hotel sozinha.
— Não, Evy. Eu gostaria apenas que pedisse a um de seus empregados que fosse
buscar minhas coisas, eu não quero voltar àquela casa.
— Em que hotel você está hospedada? Vou pedir que Sam vá à sua casa e depois vá
te buscar, onde quer que esteja.
Deixei Natalie conversando com Nany e segui para fora da cozinha.
— Não, eu...
— Angeline, onde diabos você está? — inquiri já chateada. Sabia que ela não tinha
culpa da raiva que eu estava sentindo pelo que o filho da puta fez, mas não consigo não
descontar nela no momento.
Ela ficou em silêncio enquanto parecia pensar e tentei novamente:
— Não vou deixar minha irmã mais nova sozinha em um momento como esse. —
tirei o casaco que estava usando e deixei-o no cabide — Angie, por favor.
Eu sei que ainda tenho aquele dossiê em algum lugar — pensei enquanto subia
rapidamente as escadas que levavam ao segundo andar e ao meu quarto.
Ela me deu o endereço do hotel em que estava hospedada e eu lhe disse que Samuel
a pegaria em no máximo duas horas.
Eu sabia que Angeline e Daniel, meus irmãos, odiavam que eu me intrometesse em
suas vidas, mas eu não conseguia ficar alheia ao que lhes machucava. Talvez eu fosse
mesmo mais controladora que mamãe, ou melhor, talvez tenha me tornado uma mulher mais
controladora com o passar do tempo — Mas era minha família. Eu jamais permitiria que
qualquer pessoa que machucasse alguém que amo, saísse ileso após provocar dor a
qualquer um deles.
Retirei a caixa preta do cofre e a coloquei sobre a cama. Lembro perfeitamente que
quando decidi vir à Nova Iorque e meses depois Angie fez o mesmo para acompanhar seu
namorado, John, eu pedi que David — meu melhor amigo e detetive — fizesse uma
investigação superficial acerca do misterioso namorado de minha irmã. Eu estaria mentindo
se dissesse que me surpreendi ao descobrir que ele já fora preso por se envolver com
tráfico de drogas. E os únicos motivos que tive para não aprofundar a investigação a fim de
saber se ele ainda estava envolvido com isso, foram a percepção de que aquilo acontecera
anos antes de conhecer Angie e a constatação de um fato que era novo para mim. Ela o
amava.
Depois de um tempo estando apenas muito atenta a ele, decidi que talvez, apenas
talvez, Angie estivesse certa em dar uma segunda chance a ele — no caso, em não o
discriminar por ter sido preso — Mas nunca estive completamente certa disso, ele nunca me
inspirou confiança.
— Evy? — agradeci mentalmente por ele ter atendido rapidamente.
Eu já havia lido o dossiê que ele fizera há alguns anos sobre o tal Jonathan e já
decidi o que faria.
— Olá, David. Tudo bem?
— Sim, e você?
— Ótima... Eu gostaria que fizesse uma investigação para mim, por favor. — pedi.
— Sobre o quê exatamente? — notei seu tom desconfiado.
— Jonathan McConnor. Uma investigação profunda, eu gostaria de saber até mesmo
em que hospital ele nasceu.
— Jonathan? Mas esse não é o...
— Sim. — eu o interrompi rapidamente — Ele mesmo. Quanto tempo acha que
precisará?
— Uma ou duas semanas no máximo. Mas antes de qualquer coisa, o que houve?
— O filho da puta aprontou com a Angie. — expliquei enquanto tentava me acalmar.
— Eu não gostaria de estar no lugar dele agora. — foi impossível continuar com
expressão séria ao ouvi-lo rir.
— Por quê? Acha que farei algo contra ele? — arqueei a sobrancelha esquerda
enquanto imaginava sua expressão.
— Evangeline, você não me engana. Nos conhecemos desde os seus sete anos de
idade. E desde os seus sete anos, eu não quero descobrir o que é ser seu inimigo. — revirei
os olhos ao ouvi-lo rir.
— Você fala como se eu fosse uma mulher fria até os ossos.
— Não acho que seja fria. — ele fez uma pausa e pareceu pensar — Não, eu acho
sim. Mas além de fria, você é má quando quer e sabe usar sua maldita inteligência quando
precisa.
Ri sem humor e disse:
— Então acho que John está em maus lençóis.
— Eu tenho certeza... — retificou — Mudando de assunto, falei com Daniel ontem.
Franzi o cenho e perguntei:
— O que ele queria?
— Perguntou-me quando você voltaria de Barcelona. Disse que tentou falar com
você no sábado e no domingo, mas você não atendeu.
— Fiquei sem celular. — expliquei — Vou tentar falar com ele.
— Ele está em Nova Iorque a negócios.
— Tudo bem. Obrigada. Vou aguardar o relatório, David. Beijos.
— Beijos — desliguei.
O que Daniel quer?

GUILHERMO
Mamãe não poderia ter marcado este jantar para uma noite pior que esta — pensei ao
estacionar o carro a frente da mansão D’Angelo.
Uma quinta feira chuvosa e completamente entediante no trabalho, finalizada com um
jantar em família não me parece muito bom — por mais que ame minha família, a
necessidade de minha mãe de impedir que cresçamos, é sufocante.
Toquei a campainha e Drake, namorado de minha irmã, abriu a porta para mim.
— Guilhermo! — o sorriso que já estava em seus lábios aumentou e franzi o cenho
perguntando-me mentalmente o que ele fazia ali.
— Drake! O que faz aqui, cara? — perguntei sorrindo ao apertar a sua mão, em um
cumprimento — Nova Iorque não é tão maravilhosa quanto achou? — brinquei.
— Marina e eu viemos fazer uma visita — explanou enquanto seguíamos para a sala
de estar.
— Filho! — mamãe foi a primeira a vir até mim, para me abraçar — Como você
está? Seu pai me disse que ontem você parecia triste. — sussurrou a última parte em meu
ouvido, apenas para mim.
— Triste? — arqueei a sobrancelha esquerda e voltei-me para papai que estava
sentado sobre o sofá tomando uma taça de vinho — De onde tirou isso, papai?
Ele riu e acenou em negativa.
— Não é o tipo de assunto que você queira dividir com toda a sua família, filho.
Tenho certeza. — respondeu.
Voltei para a porta que nos leva a sala de jantar quando Marina emergiu dela —
estranhei o vestido vermelho que ela usava, já que ela prefere cores mais claras e sóbrias.
Os cabelos lisos e enormes estavam soltos. A maquiagem era simples, mas seus olhos azuis
estavam em pleno destaque.
— Maninha, depois de quase um ano longe, lembrou que ainda existimos? — ironizei
e isso a fez rir — É ótimo vê-la.
— É muito bom te ver também, maninho! Só falta você saber da novidade! —
anunciou após nos abraçarmos.
— Novidade?
— Isso mesmo — Drake se aproximou dela para abraçá-la — Drake me pediu em
casamento!
Precisei de algum tempo para digerir aquela informação e minha expressão foi de
curioso a estupefato quando ela me mostrou o anel de noivado e percebi que estava
realmente falando sério.
— Diga alguma coisa — pediu.
— Parabéns ao casal!
Eu os cumprimentei novamente para parabenizar e neste momento Tyler entrou na
sala.
Entendi perfeitamente sua expressão enquanto ele me encarava e silenciosamente
oferecia um brinde à notícia.
Agora éramos os filhos mais velhos de duas famílias italianas que queriam mais que
tudo, que o sobrenome da família perdurasse.
Diabos.

EVANGELINE
O dia passou rapidamente após Angeline chegar. À noite, após o jantar, ela preferiu
tomar um calmante e ir dormir — depois de enfrentar as perguntas de mamãe por quase
meia hora.
Liguei para Daniel mais cedo e ele me pediu que o esperasse, pois ele estava
cuidando de um assunto da empresa, mas depois seguiria para minha casa. Segundo ele, nós
precisávamos conversar — e admito que me assustou. Pois eu definitivamente não sei o que
esperar dessa conversa.
No entanto, agora estou em meu escritório, em casa, apenas esperando-o.
Cerca de vinte minutos depois ele chega.
— O que aconteceu, Daniel? — pergunto aflita ao vê-lo fechar a porta.
Os segundos em que ele apenas me encarou em silêncio serviram para que eu
percebesse a fúria contida em seus olhos.
— Semana passada recebi uma carta anônima. — ele disse rispidamente.
— O quê? — questionei sem entender do que ele estava falando.
Levantei-me quando ele me estendeu o que eu achava ser a carta.
— Leia. — pediu.
Olho para ele por um momento sem entender e abro o envelope.
“22 de Fevereiro de 2007...”
Fechei os olhos quando um arrepio de medo percorreu minha pele. — Esta data me
causa arrepios até hoje.
Tentei prosseguir a leitura antes de não me permitir fazer isso.
“Um dia terrível para alguém que você ama muito... Sua querida irmãzinha
Evangeline...”
Minhas mãos já tremiam quando percebi o assunto daquela carta. Amassei a folha de
papel em minhas mãos e cerrei os olhos como uma tentativa de impedir que ficassem
marejados. Respirei fundo algumas vezes e precisei abri-los quando cenas entrecortadas do
que aconteceu voltaram até mim.
Meus batimentos cardíacos estavam irregulares e precisei de coragem para fazer a
próxima pergunta:
— Quem... Enviou isso a você?
Forcei-me a criar coragem e encará-lo. Daniel continuou em silêncio enquanto eu
repetia quatro palavras em minha mente.
Eu não vou chorar.
Mas já era como se o chão sob meus pés estivesse aberto. E tudo o que eu fiz para
enterrar ou, pelo menos, esconder isso, não tivesse bastado porque alguém sabe. Depois de
sete anos, Daniel descobriu.
— Ninguém sabe quem ou de onde mandaram. — ele explicou. Estava visivelmente
tentando se acalmar, mas era possível ver seu maxilar cerrado. A tensão era quase palpável.
— Porque mandaram isso para você? — sento-me devagar sobre minha cadeira. Já
era incapaz de continuar sustentando seu olhar inquisitivo.
— Eu não sei... — ele fez uma pausa — Evy, por que você não nos contou? Nós
teríamos te ajudado, você não passaria por tudo isso sozinha!
O nó em minha garganta cresceu após suas palavras e contrariando o que eu gostaria,
lágrimas finas rolaram por meu rosto.
— Eu... — tentei falar, mas as palavras pareciam pesar toneladas em minhas cordas
vocais e precisei de um momento antes de continuar — Eu não queria que ninguém
soubesse.
— Tínhamos o direito de saber, Evy. Eu... Porra! Eu sou seu irmão! Como acha que
me senti ao ler isso? Quem foram os responsáveis? — limpei minhas lágrimas e levantei
novamente.
Eu precisava me acalmar.
— Eu não sei. — respondi com sinceridade — Nunca quis descobrir.
Cruzei os braços ao encostar-me a minha mesa. Percebi que talvez minhas pernas já
não fossem capazes de me sustentar de pé.
Mordi os lábios quando as lembranças daquela maldita noite voltaram a mim.
— Desculpe. — Daniel murmurou aproximando-se — Me desculpe... Eu não deveria
estar falando assim com você.
Aceitei de bom grado quando ele me abraçou e pude aninhar-me em seus braços.
À medida que eu me acalmava e conseguia pensar com mais clareza, milhões de
perguntas se formavam em minha mente.
— Alguém mais sabe? — perguntei depois de algum tempo.
Não queria sair do aconchego de seus braços, mas sabia que continuar ali só serviria
para mostrar quão fraca eu estava. Então preferi me afastar.
— Não. Eu quis falar com você primeiro. — esclareceu.
— Obrigada — agradeci enquanto limpava as últimas lágrimas — Não quero que
ninguém mais saiba. — digo me virando para encará-lo.
— Por quê você não quer falar sobre isso nem mesmo com a sua família? — ele
parecia dividido. Com raiva e compaixão ao mesmo tempo. Não sabia se discutia comigo
ou tentava me acalmar. Era essa a verdade.
— Daniel, não vai adiantar. Não vai me fazer esquecer, e muito menos mudar o
passado. — tentei — Pior, só vai fazer todos ficarem preocupados. E eu não quero que isso
aconteça.
— Tudo bem! Depois falamos sobre isso. — desistiu — Mas agora, quero que me
explique tudo o que aconteceu.
— Por que? Você já sabe tudo! — gritei em desespero — O que mais você quer
saber? O que ainda quer me lembrar? Fiquei todo esse tempo tentando inutilmente esquecer
o que aconteceu, tentando poupar a minha família de tudo o que passei. E quando eu
finalmente começo a reconstruir a minha vida, uma pessoa que eu não sei quem é, porque,
ou de onde é, manda uma carta contando tudo o que eu passei naqueles malditos dias! —
enquanto falo as lágrimas começam mais uma vez a rolar.
— Desculpe. — e me abraça novamente.
Maldição!
— Por que estão fazendo isso comigo? — perguntei sem me importar de parecer ou
não fraca. A verdade é que as coisas já foram longe demais.
— Não sei, Evy. Mas pode ter certeza de que vão pagar por tudo o que fizeram! — o
ódio era perceptível em seu tom — Quem te ajudou? — perguntou baixinho em meu ouvido
enquanto afagava meus cabelos.
— O David. — respondi me desvencilhando dele.
— Tudo bem. Olha, eu preciso que você me conte tudo. — tentou novamente.
Mirei-o em seus olhos e desisti. Suspirei pesadamente e comecei a contar o que
ainda lembrava.
— Todo o resto é o David quem sabe, eu nunca quis entender nada. — falei por fim.
— E a polícia? — ele havia cruzado os braços enquanto me ouvia atentamente.
— Eu nunca quis colocá-los no meio. Mas alguns agentes da polícia federal, que são
amigos do David, também ajudaram.
— Ok! Vou falar com ele então. — concluiu acariciando meu rosto — Obrigado por
me contar.
Acenei em negativa antes de concluir.
— Não quero que se meta nisso. Já faz sete anos, Daniel. Estou bem agora, esqueça
isso. — pedi.
— Desculpe. Mas simplesmente não posso.
Fechei os olhos e suspirei lentamente.
— Eu sempre me perguntei porque você saiu daquele jeito de Nova Orleans. E
principalmente porque suas desculpas para não voltar se tornavam mais criativas a cada
ano.
— Por favor, não quero que entre nessa.
— Eu já estou nessa. E agora eles vão pagar pelo que aconteceu, Evangeline.
Um novo arrepio atravessou meu corpo. Mas desta vez não era apenas medo que ele
carregava.
NOVE
Dois meses depois:

EVANGELINE
Eu podia visualizar perfeitamente todos os detalhes que eu havia pensado para a
festa se concretizarem naquele salão de festas. Era espaçoso e havia um palco para a
orquestra que eu contratei há alguns dias. Além de um palco para os anfitriões apresentarem
o que está programado para a noite. A decoração escolhida anteriormente se encaixaria
perfeitamente neste local.
— E então? — Marina, a produtora de eventos, perguntou novamente. Aquele é o
terceiro salão que visitamos hoje. Até mesmo eu deveria admitir que estava cansada.
— Este é perfeito. — após registrar minhas palavras, ela sorriu abertamente.
— Ótimo. A decoração continuará a que decidimos no começo da semana? —
questionou enquanto analisava os papéis em sua prancheta.
— Sim.
Segui para uma das enormes janelas de vidro.
Era final de novembro e a inauguração da filial da D’Angelo em Nova Iorque seria
no próximo sábado. Mais que a euforia em mim por ver que os dois meses de trabalho duro
finalmente teriam um fim, a sensação de dever cumprido me preenchia.
Diferente de como me senti meses atrás, após a visita de Daniel. Pela primeira vez,
desde que tudo aquilo em Nova Orleans aconteceu, eu não fugi de ninguém para me
recuperar do que aquelas lembranças provocavam em mim. Desta vez eu simplesmente
foquei no trabalho que precisava fazer e que não poderia ser adiado.
— Tudo bem. O buffet que servirá os convidados já foi contratado e segui à risca sua
indicação para o cardápio, Srta. Howell.
— Evy, Marina. — pedi voltando a encará-la — Pode me chamar de Evy. Lembre
que daqui para frente nos veremos muito.
Ela riu e concordou.
Eu a contratei não somente para fazer o preparo desta festa, mas também a
confraternização da Howell’s e a festa para arrecadação de fundos de minha instituição de
caridade. Portanto, aquele seria apenas um dos nossos encontros.
Olhei em meu relógio e percebi que se demorasse mais alguns minutos, me atrasaria
para a reunião com a nova diretoria e, inevitavelmente, o presidente da filial — Guilhermo
D’Angelo.
Seria nosso primeiro encontro desde a minha viagem para Barcelona e se eu tivesse
que explicar como estava me sentindo por saber que em algumas horas o veria, eu falharia
ridiculamente. A palavra que me vinha à mente sempre que eu pensava nisso era ansiedade.
— Marina, eu preciso ir. — Avisei a ela — Tenho uma reunião em uma hora e meia.
— Tudo bem — Eu a abracei e beijei-lhe o rosto — Eu te ligo depois e marcarmos o
encontro para verificar novos salões para a confraternização.
— Ótimo — Anuí enquanto saía — Tenha uma boa tarde.

GUILHERMO
Para um trabalho feito as pressas, Evangeline se saíra maravilhosamente bem.
Os andares alugados para abrigar a filial da D’Angelo enquanto o novo prédio não
está pronto, foram de ótima escolha.
Quando recebi o dossiê que apresentava todos os novos funcionários da empresa,
não acreditei que fossem todos mesmo. Evangeline cuidara de cada mínimo detalhe e isso
deixara papai realmente feliz pela boa escolha que fizera.
Estacionei o carro e segui para o elevador.
Teríamos uma reunião em meia hora e eu me perguntava como ela agiria diante de
mim novamente.
Não nos vemos há dois meses e a julgar pela forma que as coisas ficaram entre nós
antes, não vejo maneira de fazer com que elas se consertem.
Eu já havia aceitado o conselho de papai, a deixaria em paz para viver com seu
noivo — Ou marido, pois depois de tanto tempo ela já pode ser uma mulher casada.
Diabos.
Que droga aquela mulher fez comigo? Esse filho da puta refletido no espelho do
elevador, não poderia ser eu. Porque para mim nada funciona assim.
O que há, Guilhermo? E suas regras de semanas atrás? E a lógica de que sempre
haverá outra mulher? — Meu subconsciente perguntou sarcasticamente.
Eu continuava com minhas regras idiotas, e principalmente, a mais importante delas;
nada de envolvimentos sérios. A lógica de que sempre haverá outra mulher para ser
satisfeita e satisfazer meus desejos, era a mesma. A questão era, por que, mesmo eu tendo o
que sempre quis, ela continuava em meus pensamentos?
As portas se abriram no décimo segundo andar e respirei fundo enquanto saía. Eu já
havia estado ali uma vez, para aprovar o local. No entanto, ao vê-lo completamente
decorado e cheio da lista quase interminável de funcionários, um sorriso surgiu em meus
lábios.
— Boa tarde, Sr. D’Angelo — Thomas, o assessor que Evangeline contratara para
mim, me cumprimentou.
— Boa tarde, Thomas.
Entrei em minha sala e a satisfação por ver que ficara exatamente como eu gostaria,
aumentou.
Levei minha pasta para minha mesa e tirei dela apenas o que precisaria na reunião. E
saí em seguida.

EVANGELINE
— As provas que você conseguiu foram suficientes para acusá-lo? — Foi minha
primeira pergunta para David, assim que ele atendeu.
— Sim — Fechei os olhos e agradeci a Deus apenas por ouvir aquela palavra.
Diferente do que havia me dito antes, David precisou de um mês e meio para
concluir a investigação que eu pedi sobre John. A demora teve como motivo o que ele
encontrou quando começou a investigar sua vida a partir do momento que ele veio à Nova
Iorque.
David descobrira que ele morou aqui até meses antes de Angie apresentá-lo à família
como seu namorado. Mas eu lembro perfeitamente dele dizendo a todos que era de Nova
Orleans. Por quê ele mentira antes?
Depois David pediu a um de seus colegas da polícia que fizesse um levantamento
sobre ele. O relatório dizia que John fora preso duas vezes durante estes sete anos e em uma
das datas, eu percebi que fora em uma das festas de ação de graças e neste dia, Angeline
fora realmente sozinha. Mas ela nos disse que a mãe de John estava no hospital e ele tivera
que ir até a cidade que ela mora. Ela estava muito preocupada aquele dia e não foi somente
eu a perceber isso. Quando perguntei, ela me disse que não falava com John há mais de dois
dias e não fazia ideia de onde a família de seu quase namorado morava.
Agora ele estava me contando sobre algo que o chamou atenção, que encontrara mais
coisas sobre o passado de Jonnathan. Disse que gostaria de ter certeza antes de me contar.
— Quanto tempo até a polícia prendê-lo?
— Não faço ideia. Ele está foragido. Vou viajar amanhã para Chicago atrás de uma
pista. Te manterei informada, não se preocupe.
— Eu agradeço. Antes de embarcar amanhã, me ligue, por favor — pedi ao olhar
para o relógio. Estava quase na hora.
— Tudo bem. Adeus.
— Tchau. — Desliguei.
Suspirei e fechei os olhos.
Não acredito que tínhamos um bandido tão perto de nossa família e nunca
desconfiamos.
— Buenas tardes, señorita — abri os olhos quando a porta foi aberta e senti como se
meus batimentos cardíacos triplicassem.
O silêncio se instalou naquela sala quando me deparei com aqueles olhos azuis.
Eu apenas o encarei por alguns segundos, incapaz de lhe retribuir qualquer
cumprimento. Percebi que assim como eu, Guilhermo apenas me encarava e a percepção de
que ele facilmente perceberia minha respiração ofegante, desta vez não me incomodou. Eu
estava ciente de que eu tinha o mesmo efeito sobre ele. Aquilo me fez sentir estranhamente
satisfeita.
— Boa tarde. — cumprimentei-o e preferi não transparecer o nervosismo em mim.
Ele finalmente fechou a porta e exalando tranquilidade veio até mim.
— É um prazer vê-la novamente, Srta. Evangeline — mordi a parte interna dos
lábios quando ele estendeu a mão para mim.
— Igualmente — Respondi após levantar para apertar sua mão.
Hesitei quando senti algo como um choque quando sua pele tocou a minha. Sua
presença foi notada por cada célula de meu corpo e saber que ele estava tão perto, fez com
que meu sangue fluísse ferozmente em minhas veias.
Diabos — Não é possível que nada tenha mudado.
Quando ele soltou minha mão, fechei os olhos involuntariamente por um segundo.
Tentei pensar em qualquer coisa para dizer, mas falhei ridiculamente.
Ele se afastou e sentou-se em sua cadeira. Segui seu exemplo e peguei os papéis à
minha frente para fingir me concentrar em qualquer coisa.
— E a festa? Já está tudo pronto para ela? — Fitei-o após sua pergunta e respondi
em seguida.
— Sim. Concluí os preparativos hoje. Thomas está com o relatório que fiz sobre a
organização de tudo.
— Ótimo. — Ele voltou a prestar atenção a algum documento que estava lendo e
continuei a mirá-lo.
É claro que ainda está com raiva — pensei.
Mas eu passei os últimos sessenta dias pensando no motivo de sua fúria repentina e
sua ida abrupta.
A questão era que eu sequer lembrava se fizera algo errado — Ele levantou os olhos
e me pegou em flagra.
Maldição.
— Algum problema?
Coloquei os papéis sobre a mesa novamente e levantei. Mordi os lábios ao perceber
que finalmente tinha a chance de descobrir.
Estava na hora de acabar com aquilo.
— Guilhermo, o que aconteceu em Barcelona? — Minha voz ganhou o tom
profissional que eu usava para falar de negócios e me odiei por isso.
Ele arqueou a sobrancelha esquerda e respondeu:
— Até onde eu lembro, você conseguiu fechar um contrato.
Inspirei profundamente depois disso.
Ok, eu merecia essa resposta.
Meus olhos não desviaram dos seus e foi preciso apenas um lapso de coragem e
curiosidade para que as palavras simplesmente fugissem de meus lábios:
— Eu quis dizer entre nós. O que eu fiz para você?
— Evangeline, você quer realmente falar sobre isso? — ele perguntou segundos
depois de se levantar.
Olhei sugestivamente para o meu relógio e respondi:
— Temos cerca de vinte minutos. Sim, eu quero conversar — retruquei aderindo ao
uso de sua ironia.
— Nada. Você não fez nada — Replicou entre pausas, como que para enfatizar.
Ótimo. Agora nós dois começaríamos o joguinho novamente.
— Por que toda a indiferença depois daquele domingo?
— Foi ruim provar um pouco do próprio veneno? — fechei os olhos ao me
arrepender por ter começado com aquilo.
É por isso que meu maldito orgulho é colocado como prioridade para mim.
— Não — menti — Na verdade foi ótimo para me impedir de fazer algo idiota.
— O destino costuma te fazer desistir de coisas idiotas com muita frequência, não é
mesmo?
Semicerrei os olhos para ele e raiva começou a me dominar. Guilhermo estava se
referindo à maldita festa em que eu lhe disse algo parecido.
— Tudo isso porque o maldito telefone tocou? — desta vez minhas palavras soaram
ríspidas e eu já parecia estar com mais raiva do que realmente estava — Por que você não
conseguiu me levar pra cama? Você, por favor, pode apontar a droga da minha culpa no
meio disso? Porque até onde eu lembro, eu permiti que o fizesse.
Minha respiração já estava irregular quando ele fechou os olhos e suspirou cansado
— inferno. Eu também estava cansada! — Quando voltou a me encarar, seus olhos estavam
diferentes. Eu só não sabia dizer o quê exatamente estava diferente.
Guilhermo parecia pensar no que me diria e quando jogou os documentos sobre a
mesa, percebi que também estava com raiva.
— Parece que eu fui o único que lembrou que você ainda teria um idiota te
esperando aqui — abri minha boca para responder, mas então lembrei que eu lhe disse que
tinha um noivo. Eu começara com aquilo.
A culpa era minha. Ele deve ter pensado que o David era meu noivo.
Tomei coragem para lhe contar que era uma mentira e tentei:
— Guilhermo... — a porta foi aberta e Maxwell nos cumprimentou, mas nenhum de
nós ousou desviar o olhar do outro.
— Acabou antes de começar, Evangeline. Você me pediu para esquecer uma vez, é o
que estou fazendo agora — Concluiu e virou-se para ir até a porta se apresentar ao gerente
de criação que havia entrado.
Cerrei os olhos para me forçar a tirar a expressão de arrependimento que sabia que
estava em meu rosto agora.
Eu estraguei tudo.
DEZ
EVANGELINE
Eu estava olhando através da janela de meu quarto quando Bryce chegou com a
limusine. Algo me dizia que não havia sido uma boa ideia aceitar seu convite para me levar
à festa — Ele estava comigo quando David me ligou para avisar que não voltaria de
Chicago a tempo para a festa — David é quem costuma me acompanhar nos eventos da
empresa e das minhas instituições.
Eu achei estivesse reticente em deixar Bryce me acompanhar pelo que aconteceu
entre nós há um ano. Ou melhor, pelo que não aconteceu. No entanto, agora, depois de
passar a tarde pensando sobre o assunto, percebi que desde que eu expliquei ao Bryce que
não estava pronta para me entregar à outra pessoa e, principalmente, não gostaria de
machucá-lo ou acabar fazendo com que perdesse seu tempo comigo, nós temos sido apenas
colegas de trabalho. Nada em nossa relação profissional mudou após aquele episódio.
Portanto, não era aquilo que me incomodava.
Era imaginar o que Guilhermo pensaria disso. Quer dizer, ele acha que David é meu
noivo, mas ao me ver com Bryce pode começar a desconfiar de outras coisas. Como por
exemplo, que eu esporadicamente tenho afairs. E que meu acompanhante é um deles, e mais,
que Guilhermo teria sido outro.
Maldição!
Eu nunca havia me importado com o que as pessoas pensavam ao meu respeito. Por
que me importava justo com o ele pensava? É patético. Mas irrevogavelmente involuntário.
Batidas na porta me tiraram de meus pensamentos. Olhei-me uma última vez no
espelho e respirei fundo.
O vestido preto, tomara que caia e longo, denunciava minhas poucas curvas. E eu não
gostava daquilo. Comprei-o somente porque quando fui ao shopping consegui levar Angie
comigo e ela disse que dentre todos os vestidos que experimentei, este fora o que me caíra
melhor.
A trança de raiz também foi feita por ela — sorri ao lembrar — Eu costumava
arrumá-la como uma boneca, quando éramos crianças e depois, adolescentes. E agora ela
fazia isso comigo.
— Evy? — a voz de Nany me trouxe de volta ao presente — Bryce está aqui.
— Estou indo, Nany. Só preciso concluir a maquiagem.
— Tudo bem.
Peguei o habitual batom vermelho sobre o balcão em frente do espelho — mamãe,
quando trabalhava na Howell’s, sempre o usava. E eu aderi ao habito quando fiz dezessete
anos.
Fechei os olhos e acenei em negativa quando percebi que estava divagando em
pensamentos. Em nostalgia — sequer sabia o motivo para aquilo.
Coloquei meu celular dentro da pequena bolsa, junto a um pequeno kit de maquiagem
e um cartão de crédito — desde o acontecido em Barcelona, eu jamais esqueceria meu
celular novamente.
Desci as escadas devagar e Bryce se levantou do sofá quando me viu. Dedicou a
mim um sorriso e eu o retribuí.
— Você está linda, Evy — elogiou-me.
Ele vestia um terno preto, feito sob medida, e uma gravata azul escura. Seus cabelos
castanhos sempre bem penteados e seu perfume masculino, tanto quanto sua presença, era
marcante.
— Obrigada — agradeci ao segurar seu braço que me havia sido oferecido.
— Eu disse que o vestido ficaria perfeito em você, Evy! — foi a vez de Angie.
— Você está maravilhosa, querida — Nany concordou e eu poderia jurar que seus
olhos estavam brilhando de orgulho. Ela era como minha segunda mãe. Trabalha comigo
desde que vim para Nova Iorque.
— Vocês estão exagerando.
Após minha resposta elas riram e me desejaram sorte.
Exatos quarenta e cinco minutos depois, a limusine parava em frente ao clube que
abrigava o salão de festas.
Respirei fundo uma vez e aceitei a mão que Bryce estendeu para me ajudar a sair.
Os flashes das câmeras finalmente cessaram quando adentramos o lugar luxuoso. A
notícia de que uma das maiores companhias do mundo havia feito uma parceria com a maior
empresa de marketing dos Estados Unidos, pareceu um prato cheio para a imprensa — e eu
admitia, era uma ótima propaganda para as duas empresas. Não poderia reclamar ou
impedir que participassem deste momento.
Bryce sussurrou algo para mim e não compreendi.
— Desculpe, o que disse?
— Eu estava lhe dando os parabéns — repetiu — A ideia de ter uma filial da
D’Angelo em Nova Iorque, não me agradou desde o começo, mas...
— Você deixou isso bem claro em todas as reuniões que antecederam minha viagem,
Bryce — eu o interrompi e ele sorriu.
— De fato. Mas você conseguiu. Sei que será ótimo para a Howell’s, e que foi de
grande ajuda para as suas instituições. Você merece parabéns, principalmente por ter
conseguido fechar o contrato sem a ajuda de metade de seus sócios, inclusive eu.
Estranhei sua menção às minhas instituições, mas ele estava certo. Quase todos os
funcionários da filial vieram de uma delas.
— Fico muito feliz que tenha percebido isso, Bryce — eu lhe disse enquanto
finalmente entrávamos no salão — Obrigada.
Percebi rapidamente que os convidados, grande maioria funcionários, levaram a
sério o horário estipulado para o início da festa e agradeci por isso. Eu tinha tudo
cronometrado para a noite. Os horários deveriam ser cumpridos à risca.
Encontrei a mesa próxima ao palco, a que havia sido reservada para a diretoria.
Admito que respirei melhor ao perceber que Guilhermo ainda não estava presente.
Eu precisava de um tempo para me preparar para vê-lo — depois de passar os últimos dias
pensando na conversa que tivemos antes daquela reunião, percebi que talvez o afastamento
dele tenha sido a melhor coisa que acontecera. Foi como se um pouco da minha antiga
sanidade tivesse finalmente voltado, porque os primeiros pensamentos e decisões que tomei
enquanto estava em Barcelona, voltaram a mim.
Mas desta vez, fui capaz de admitir algo.
Eu não me achava capaz de aceitar ser apenas uma das mulheres com que ele estava
dormindo. Não aceitaria tê-lo por uma noite e saber que na próxima ele estaria em uma
cama com outra mulher.
Inferno. Eu era possessiva demais para isso. Mesmo que soubesse que nunca
teríamos um relacionamento, e independentemente de apenas dividirmos uma cama por um
período determinado de tempo, eu não suportaria saber que outra estava tendo os mesmos
privilégios que eu.
E era o que ele me oferecia.
— Evy? — voltei-me para Bryce quando ele me chamou — Gostaria de uma bebida?
— Ainda não — agradeci — Percebi que Megan ainda não chegou.
Desviei meus olhos dos seus e olhei para a entrada, mas sabia que não era Megan
que eu estava esperando.

GUILHERMO
Allison segurou meu braço quando finalmente entramos no salão de festas.
Estávamos pelo menos vinte minutos atrasados. Mas eu não me importava com aquilo.
Na verdade, há muito tempo não me importo com muitas coisas.
Não consegui sequer fingir um sorriso enquanto passávamos pelos fotógrafos lá na
frente — até mesmo Ally percebeu meu maldito mau humor, mas nem mesmo ela conseguiu
arrancar de mim o que acontecia.
Para ser sincero, nem mesmo eu sabia o que acontecia. E definitivamente odiava
admitir isso.
O que acontecera naquela reunião? — perguntei-me enquanto procurava Evangeline
pelo salão. No entanto, não consegui avistá-la em lugar nenhum.
Ela estava realmente me questionando a respeito do ocorrido em Barcelona? Depois
de ter passado toda a sua maldita estadia lá me repelindo, ela gostaria de saber porque eu a
havia deixado sozinha depois daquele beijo? Era uma mudança drástica, em um período de
tempo curto demais, para uma mulher como ela.
A única conclusão que cheguei foi que, pelo menos naquele último domingo, ela
havia sim cedido a mim. Confiado em mim e já não se preocupava com a possibilidade de
que eu descobrisse que também desejava estar comigo.
Entretanto, se ela tem um filho da puta aqui esperando o seu sim em uma igreja,
porque tudo aquilo aconteceu?
Nada combinava com a mulher que eu achei ter conhecido naquele mês. E isso
surtira grande efeito em mim. Porque, pela primeira vez em minha vida, eu achara uma
mulher a quem admirasse de verdade, apenas pelo que ela era, pela força, confiança e
determinação que exalava. Para depois descobrir que tudo nela era uma grande mentira. Que
Evangeline nada mais era que uma farsa criada por mim mesmo.
Suspirei quando percebi — Eu continuava em dúvida sobre isso.
— Já a encontrou? — Ally perguntou ao meu lado.
— Não — respondi rapidamente e voltei a encará-la quando percebi o que acabara
de admitir.
— Ela não sai da sua cabeça, não é mesmo? — questionou após pararmos para
cumprimentar alguns de nossos funcionários.
— É temporário, Allison. Esqueça-a.
— Tu é que não consegues esquecê-la.
Encarei-a com uma carranca e revirei os olhos. Embora ela falasse inglês e espanhol
perfeitamente bem, certas vezes ainda era possível perceber seu sotaque português.
— Há uma mesa reservada para nós. — avisei-a enquanto seguíamos para lá.
E então eu a vi.
Evangeline estava com os cabelos presos. Uma maquiagem sóbria em contraste
apenas com o batom vermelho. Os olhos verdes brilhavam em divertimento enquanto ria de
algo que o homem à sua frente havia dito. Infelizmente, o cara estava de costas para mim.
— Hum — a mulher ao meu lado emitiu — É ela. Eu sabia que aquela história ainda
daria o que falar.
— Você consegue ser insuportável quando quer. — afirmei em voz baixa enquanto
nos aproximávamos.
— Boa noite. — cumprimentei quando parei atrás do tal homem. Evangeline se
voltou para mim e depois para Allison. Sua expressão já era indecifrável. Eu tinha certeza
apenas que nada nela indicava raiva ou desconforto por me ver.
Os outros diretores levantaram para nos cumprimentar e em seguida Evangeline e o
tal homem também o fizeram.
Desentendimento tomou todos os meus pensamentos ao vê-lo.
Bryce?
O que esse filho da puta faz aqui? E, principalmente, o que faz aqui com ela?
Senti o corpo de Ally enrijecer ao meu lado, mas eu fiquei displicente a isso quando
Bryce dividiu o olhar entre nós dois e percebi seu maxilar cerrado.
É claro, ira é um sentimento recíproco entre nós. Sempre fora e sempre será!
— Bryce, esse é Guilhermo D’Angelo. Presidente da filial aqui em Nova Iorque.
Nenhum de nós fez menção a ao menos apertar as mãos. Fúria já me dominava
quando percebi que Evangeline já havia notado o olhar que trocávamos.
— Evangeline, esta é Allison, uma amiga de longa data.
— É um prazer finalmente conhecê-la, Evangeline — Allison disse a ela, mas desta
vez, o desconforto em sua voz não passou despercebido por mim.
O clima de tensão e hostilidade preencheu o local. E decidi acabar com aquilo.
— Quer beber algo, Ally? — ofereci após desviar o olhar de Bryce, que ainda
estava perto demais de Evangeline.
— Vinho, por favor.
— E você, Evy? — foi a vez de Bryce.
Pelo menos o idiota havia entendido!
— Espumante, por favor.
Um segundo depois, estávamos seguindo para a mesa que abrigava as bebidas —
fingíamos estar displicentes aos garçons.
— Que inferno você está fazendo aqui? — inquiri ao Bryce.
— Sou sócio da Howell’s, seu idiota!
Tentei me acalmar e agradeci pela música ajudar a mascarar nossos tons de voz
ríspidos.
— E eu que achava ter me livrado de você quando foi embora de Barcelona!
— Faço minhas as suas palavras — ele disse ao pegar duas taças de espumante e
peguei duas bebidas também.
Quase suspirei cansado quando algo me passou pela mente.
— Você é o noivo de Evangeline? — indaguei.
— O quê? — ele franziu o cenho em evidente desenvolvimento — Noivo? Do que
está falando?
— Então não é você. — afirmei.
A percepção de que ela não é o que achei me fez sentir um idiota maior a cada novo
pensamento.
Continuei em silêncio mesmo percebendo que ele continuava a esperar minha
explicação.
Maldição.

EVANGELINE
Percebi quão parecida eu era com mulher chamada Allison. Ela era apenas um pouco
mais baixa que eu e seus cabelos eram pretos, ao invés de castanhos. Mas até mesmo os
olhos eram verdes.
— Você está bem? — perguntei a ela ao ver que ela tremia enquanto parecia perdida
em pensamentos.
— O quê? — questionou ao voltar a me encarar — Hum... Sim, estou bem. Eu só...
Preciso ir ao toalete.
— Eu vou com você, Alisson. Você está pálida. — seus olhos me fitaram assustados,
mas ela não recusou minha ajuda.
Levantamos e seguimos para os toaletes.
Eu pensava no que poderia estar acontecendo quando lembrei da forma que Bryce e
Guilhermo se encararam. Mirei Allison que estava me seguindo rapidamente e entendi. Era
sobre ela. A tensão, o ódio evidente entre os dois só poderia ter a ver com ela.
Quando voltamos os dois homens estavam visivelmente se evitando. Cada um
conversava com grupos de gerentes e diretores diferentes.
Sentei-me ao lado de Bryce quando lembrei dos horários. A nossa apresentação
deveria começar.
— Guilhermo — eu o chamei. Quando os olhos azuis me fitaram, forcei-me a não me
perder neles e continuar — Está na hora de nosso discurso.
Ele assentiu e pediu licença ao levantar. Fiz o mesmo e o segui até o palco.
Diabos. Seria impossível trabalhar todos os dias com ele se essa maldita
displicência continuasse.
Cumprimentamos a todos e ele começou a falar sobre o que esta nova filial
representava para todo o grupo D’Angelo. Contou um pouco sobre a disputa entre as três
cidades americanas para abrigar esta filial e fez até mesmo uma piada que fez todos rirem.
Em minha vez, falei sobre o árduo trabalho de todos durante as primeiras semanas
para a apresentação de novos projetos e os incríveis contratos que já havíamos fechado com
duas empresas — Para trabalharmos a publicidade de dois produtos completamente
divergentes — Agradeci a todos presentes e todos que faziam parte de nosso quadro de
funcionários e no fim, dei boas vindas.
A música suave voltou a tocar e o jantar foi anunciado para dali à quinze minutos.
Enquanto descíamos as escadas para voltar ao salão, ouvi Guilhermo dizer:
— Preciso conversar com você.
Minha pele se arrepiou completamente e fechei os olhos por um momento.
Eu preferia quando apenas respostas sarcásticas eram ditas por mim. Essa droga que
estava acontecendo agora me fazia parecer ridícula e patética diante dele. E eu estava
cansada disso. Cansada de ter meu corpo respondendo a qualquer palavra, a qualquer
movimento dele.
Eu deveria por um fim a isso. E rápido.
— Tudo bem — anuí e agradeci por meu tom ter sido altivo.
— Agora — concluiu.
Segui pela parte de trás do palco e o levei por um corredor curto. Ao final dele,
atravessamos uma porta que nos levava à área da piscina. A iluminação era pouca, mas as
luzes batiam na água de uma das piscinas e refletiam no lugar em que estávamos.
Parei de andar e respirei fundo ao me voltar para ele.
Guilhermo me avaliou em silêncio pelo que pareceu uma eternidade. Aquele olhar
inquisitivo me fazia sentir penetrada por aquela imensidão, como se ele estivesse em minha
mente, procurando respostas de perguntas que não se atrevia a fazer.
— Pode falar.
— Por que está aqui com ele?
No começo não entendi sua pergunta, mas então percebi que estava se referindo ao
Bryce. Indaguei-me sobre o motivo dele estar me perguntando isso e precisei de alguns
segundos para compreender.
O noivo.
— Por que, Evangeline? — insistiu.
— Porque eu quis. Não acho que precise de um motivo melhor que esse — retruquei
acabando com qualquer possibilidade que ele tinha de continuar com aquilo.
Ele se aproximou e tentei me afastar dando passos para trás, mas logo encontrei uma
mesa que me impediu de continuar com aquilo.
— Eu não posso ter errado tanto. — sussurrou. Os olhos atentos a tudo em mim.
Sua presença, seu perfume, seu cheiro já não podia ser ignorado.
Inferno. De novo não.
Ergui a cabeça e continuei a mirá-lo sem demonstrar nada que estava sentindo.
— Não sei do que está falando.
— Você, Evangeline! — sua voz soou mais alta agora — Não pode ser o total oposto
do que imaginei.
— Você não está falando coisa com coisa.
— O que o Bryce é para você?
— Guilhermo, não acha realmente que vim aqui para responder suas perguntas sem
sentido, não é? — meu tom não ganhou o deboche que eu gostaria.
— E para quê veio?
— Esta é uma pergunta que me faço até agora. — admiti.
Ele parecia com raiva de mim e eu sequer sabia o motivo.
— Parece que voltamos a regredir. — observou.
— Não acho que tenhamos dado um passo para qualquer direção, Guilhermo.
— Vai voltar a agir como se nada tivesse acontecido?
— Olha, você é inacreditável, sabia? Primeiro vai embora, depois me ignora, então
me diz que vai esquecer o que aconteceu e eu não posso fazer o mesmo? Não seja ridículo!
— Então foi por isso que veio com ele? — perguntou, sua expressão e palavras
denotavam a raiva que sentia.
— O quê?
— Eu disse que esqueceria e você encontrou outro?
Minha boca abriu-se em formato de “o” ao perceber o que ele queria dizer com
aquilo. Ao perceber que ele realmente pensara naquilo.
Minha mão direita lhe bofeteou o rosto e não me arrependi por isso. Minhas
próximas palavras estavam carregadas de ódio:
— Não me compare a você. Eu lhe disse que não sou o tipo de mulher que está
acostumado, e não é porque fui idiota e aceitei ir adiante com aquilo, que você tem o direito
de me tratar como uma qualquer, entendeu?
Ele semicerrou os olhos para mim e fiz o mesmo. O ar já estava carregado e tudo o
que eu era capaz de perceber era que nada de bom sairia daquela conversa.
Ele estava muito enganado se achou, por um momento, que eu permitiria que me
tratasse assim.
Resisti à vontade de empurrá-lo para longe de mim e me esgueirei para sair dali.
Suspirei de raiva quando ele me segurou e impediu que eu saísse.
— Era mentira, não é? — a pergunta foi sussurrada em meu ouvido. Mas o efeito em
mim não foi o mesmo que teria tido quinze minutos atrás.
— Guilhermo, me solte — mandei e não fiz questão de voltar a encará-lo.
— Me diga que é mentira, que você não tem noivo algum!— pediu — Que Bryce não
passa de um maldito colega de trabalho e que você não sente nada por ele — seu tom e
palavras ainda pareciam ásperos.
— E por que eu deveria dizer isso? Que diferença faz?
— Porque eu não suporto continuar com esta dúvida... Me recuso a acreditar que se
entregaria a mim em Barcelona se tivesse um noivo, se estivesse apaixonada por qualquer
homem e ele estivesse esperando-a aqui.
Aquelas palavras conseguiram me deixar confusa. Eu gostaria de entender o porquê
dele estar dizendo coisas assim, mas me recusava a perguntar. Continuava com muita raiva
pelo que ele insinuara minutos atrás.
— Me solte.
— Responda.
— Bryce é meu colega de trabalho, está satisfeito? Agora me solte. — eu falava bem
mais alto agora. Aquilo era decorrente da fúria que crescia em mim.
Ele conseguiu com facilidade me encostar à mesa novamente e desta vez pressionar
seu corpo ao meu, para me impedir de fugir.
— Vamos ficar aqui a noite toda se não me disser a verdade sobre o maldito noivo.
A velocidade com que o sangue percorria minhas veias aumentou quando meus
batimentos cardíacos triplicaram.
Eu estava sentindo um misto de tudo o que ele provocou em mim durante aqueles
meses. Raiva, ódio, desconforto com esta proximidade e o mesmo desejo que ele conseguira
provocar em mim desde o primeiro encontro.
— Que diferença faz? — insisti — Você acabou de afirmar que sou uma qualquer.
— Faz toda a diferença. — ele respondeu calmamente e isso me irritou — Eu não
afirmei nada, eu lhe fiz uma pergunta. Estou tentando entender o que diabos está
acontecendo entre nós desde aquele domingo e você não move um dedo para facilitar isso...
— Nada. — o interrompi — Nada está acontecendo entre nós.
— Nós dois sabemos o que acontecerá se eu beijá-la agora mesmo. Pare de fingir
uma indiferença que não sente mais.
— Continua sendo o mesmo homem convencido e arrogante.
— Vai dizer que fui o único a ficar estes dois meses pensando em como aquela noite
poderia ter terminado?
Tentei empurrá-lo, mas não obtive sucesso. Pelo contrário, agora ele mantinha
minhas mãos presas.
— Você está me machucando.
Ele suspirou e após alguns segundos, me soltou.
— Só me diga que... — pediu desta vez mais suavemente — Eu não estou errado.
Que você não tem noivo. Que fui equivocado ao pensar que também dormiria com Bryce
mesmo tendo David.
Voltei a mirá-lo e percebi que ele não só queria, mas precisava daquela resposta.
Como se aquela fosse uma questão que estivesse o levando à loucura.
— Pensou mesmo isso? — minha voz foi muito mais baixa desta vez, quase
magoada.
— Eu estava com raiva. Eu estou com raiva. Não suporto esta ideia. Não aguentei
pensar que poderia se arrepender de ter me beijado e permitido que eu a tocasse, quando
ele ligou. E odiei depois vê-la com Bryce.... Esta foi a única conclusão a que cheguei, além
de ter mentido sobre o noivado.
— Eu não tenho um noivo. Eu gostaria de mantê-lo longe com essa mentira, mas você
nunca pareceu acreditar realmente até o telefone tocar e você me ouvir dizer o nome de
David.
— Só comecei a considerar a hipótese quando aceitou ir à festa com Tyler.
Entramos em um silêncio arrasador.
Tudo por causa de uma maldita mentira. As coisas teriam sido muito diferentes se eu
jamais tivesse tido a ideia de dizer que tinha um noivo. Mas eu deveria admitir que obstante
a qualquer coisa, ele não deixaria de ser o Guilhermo e eu não deixaria de ser Evangeline.
Não havia como qualquer coisa funcionar entre nós se sempre acabávamos discutindo. Se eu
continuasse a ser tão possessiva, se ele ainda fosse o espanhol que flerta com mulheres em
elevadores. Nenhum de nós mudaria. Eu não conseguia enxergar um meio termo. Então este
seria realmente o fim.
O engraçado era que, com Guilhermo os problemas que eu enfrentava agora não
diziam respeito aos meus traumas e minhas lembranças. E inferno, essas novas barreiras
pareciam tão insignificantes a qualquer pessoa, mas não para mim. Mesmo que aquilo fosse
pouco comparado ao que me impedia de aceitá-lo no começo.
Sem entender o motivo, senti meus olhos ficarem marejados. E tentei me
desvencilhar dele novamente.
— Evangeline. — engoli em seco e tentei me acalmar ante seu pedido. Apenas meu
nome fora dito, mas eu entendia que ele me pedia para parar; de pensar, de tentar fugir, de
fingir que não me importava — Olhe para mim.
Precisei ter certeza que ele não veria resquício de qualquer fraqueza em mim, antes
de fazer o que ele pediu.
— Eu continuo tão louco por você como estava há dois meses, senão até mais. Esse
foi o único motivo pelo qual eu tentei ficar longe. Eu estava tentando me convencer de que
você se casaria, e mais do que naquele momento, seria proibida para mim.
Deus. Eu via em seus olhos a sinceridade, mas sempre tivera dificuldade de lidar
com esta característica dele.
— Guilhermo, nenhum de nós quer um relacionamento e... Eu não posso lidar com...
— Eu não estou dizendo que estou apaixonado por você, não estou te pedindo em
casamento, Evangeline. Então, o que é tão difícil para você lidar? — interrompeu-me —
Admitir que foi exatamente assim que se sentiu em relação a mim?
Acenei em negativa e tentei acabar com aquela conversa, eu já estava mais que farta.
— Você saberia mesmo que eu negasse. — fiz uma breve pausa — O que você está
me oferecendo, Guilhermo? Sexo sem compromisso, sem restrições e sem culpa? — inquiri
— Não é suficiente para mim. — admiti por fim.
— Eu somente saberei o que é, se você me disser.
Aquilo me fez ficar em silêncio. Fitei-o mais atentamente e entendi.
Engoli em seco mais uma vez e após algum tempo, decidi tomar coragem para falar:
— Está disposto a negociar?
Guilhermo pareceu ponderar um momento sobre o que eu disse.
— Estamos falando do quê exatamente? Da quantidade de encontros? Do tempo que
manteríamos o acordo? Do que está disposta a se submeter?
Arregalei os olhos ao registrar suas palavras. Aquilo sequer passara por minha
cabeça.
— De tudo — eu me ouvi dizer — Mas preciso de tempo para pensar sobre isso.
Ele assentiu alguns segundos depois e disse:
— Tudo bem — seus dedos acariciaram meu rosto suavemente e fechei os olhos
após isso — Podemos falar sobre isso depois.
Minha respiração se acalmava à medida que ele me tocava a pele. Ele sabia o que
aquilo estava provocando em mim e por isso continuava. E cada parte de mim preencheu-se
de expectativa, de desejo e antecipação, à espera de seu próximo passo.
Senti como se apenas a pressão de seus lábios sobre os meus, pudesse me fazer
chegar ao céu, como se pudesse voar quando ele estava tão perto e o calor de seu corpo
aquecia o meu. Quando Guilhermo aprofundou o beijo, eu me tornei ciente do tempo que
ficara sem aqueles lábios, sem seus beijos. Agora parecia uma eternidade.
A língua entrelaçou-se a minha e ele me beijou com calma, mas de forma tão intensa
que após alguns segundos, senti como se o prazer tivesse se transformado em líquido e
agora corresse por minhas veias. Uma de suas mãos segurou delicadamente meu rosto e a
outra seguiu lentamente para minhas costas e trouxe meu corpo de encontro ao seu. Gemi
entre o beijo quando a rigidez de seu peito pressionou o meu. Meus seios imediatamente
enrijeceram contra ele e entrelacei meus braços envolta de seu pescoço, como uma garantia
de que ele continuaria tão perto.
— Você está linda — sussurrou contra meus lábios e mantive meus olhos fechados.
Era incapaz de dizer qualquer coisa — E por mais que eu queira ficar aqui, precisamos
voltar.
Registrei suas palavras e apenas agora percebi que continuávamos em uma festa.
Droga.
Permiti-me sair daquela fantasia, abri os olhos, e encontrei com os seus apenas me
fitando silenciosamente. Céus, havia desejo naqueles olhos, muito desejo contido.
Aquilo já durava tempo demais.
— Vamos. — Guilhermo entrelaçou sua mão à minha e me deu um selinho antes de
começar a andar.
Expirei profundamente e expulsei as perguntas que me vieram à mente quando
percebi com o que havia concordado.
ONZE
EVANGELINE
— Não entendi o que aconteceu. Somente sei que quando Guilhermo e eu voltamos, a
tal Allison já não estava lá.
Concluí após um resumo de tudo o que aconteceu duas noites atrás, na festa de
inauguração da filial. Estávamos no quarto de Melanie, no apartamento das irmãs Jackson.
Depois que voltamos à mesa, Megan e Tyler já se encontravam lá. Percebi que Bryce
estava muito estranho, havia fúria contida nele, mas não fiz perguntas a respeito de Allison,
embora tivesse certeza que ela tinha algo a ver com aquilo.
Guilhermo pediu desculpas e foi embora para tentar encontrá-la. E desde então, não
nos vemos.
— Quando Tyler e eu chegamos, ela já não estava lá. Aliás, Bryce também não
estava à mesa, só chegou quase vinte minutos depois. E em seguida você apareceu com
Guilhermo. — seu cenho estava franzido. Ela parecia pensativa.
— Podemos pensar sobre os problemas deles depois, por favor? — Leslie
questionou chamando nossa atenção — Você não deu detalhes sobre sua conversa com
Guilhermo, Evy.
Abracei a almofada que estava comigo e Mel parou de afagar meus cabelos.
— Leslie tem razão — ela concordou.
— Primeiro nós discutimos e...
— Maldição! Isso é tudo o que sabem fazer? — foi a vez de Megan.
— E depois nos acertamos e até nos beijamos — completei de forma que deixasse
todas boquiabertas.
— Ah meu Deus! — Mel e Leslie fizeram eco à expressão usada por Meg.
— E você fala isso assim? Como se fosse a notícia mais desinteressante do mundo?
Você por um acaso também está louca?
Desta vez precisei rir quando ela se levantou. Sentei-me sobre a cama e todas
sentaram ao meu redor, esperando a explicação com riqueza de detalhes. Algo que eu não
estava disposta a dar.
— Vamos conversar sobre o que cada um de nós quer. — explanei.
— Ainda não admitiram que querem transar um com o outro? — ri ainda mais após a
pergunta indelicada de Meg.
— Isso sim. Mas temos que deixar claro o que exatamente teremos, antes de
entrarmos nisso.
— Ótimo. — Leslie concordou — Essa atitude parece com a Evy que eu conheço.
Arqueei as sobrancelhas para ela e revirei os olhos.
— Amiga, como você se sente em relação a ele? — voltei-me para Melanie quando
ouvi sua voz atrás de mim — Digo, você parece não suportá-lo às vezes, mas em outras age
como se beijá-lo fosse a coisa mais normal do mundo.
Fitei os olhos castanhos da irmã gêmea de Megan, de minha amiga, e pensei sobre
sua pergunta.
— É confuso até mesmo para mim, Mel — admiti e ri sem humor em seguida —
Acho que faz parte do efeito que Guilhermo tem sobre mim, não sei. Ele põe meus sentidos
em alerta porque exala perigo para minha sanidade, depois derruba minhas barreiras e... —
parei de falar quando percebi o olhar das três sobre mim — ...e eu só posso ver desta
forma.
Aquilo fez com que todas ficassem em silêncio.
— Tudo bem. Agora eu definitivamente preciso conhecer o estranho do sorriso
sensual — Mel comentou entre risos um minuto depois.
— Eu o vi na festa, Melanie — Leslie disse a ela — O espanhol é um pedaço de mau
caminho… Os olhos são como duas pedras azuis preciosas, atraem e encantam qualquer
mulher. O corpo parece ter sido esculpido por Michelangelo. Mas a voz é o melhor de
tudo... — reprimi um suspiro de tédio e voltei a deitar quando ela abriu os olhos e continuou
— Grave, sexy e completamente...
— Não acha que já é demais, Leslie? — perguntei a ela tentando esconder a ironia.
— Sim... — respondeu em tom provocativo — Palavras não fazem jus a ele.
Desta vez ela me viu rolar os olhos.
— Aconteceu algo entre você e Tyler? Percebi que andam juntos sempre que precisa
ir resolver algum detalhe sobre o novo prédio.
Megan riu nervosamente e seguiu para a poltrona no canto do quarto, a que estava
antes. Fugindo visivelmente.
— Então... Nós saímos para almoçar algumas vezes... Depois tomamos um drink
também, e... Ele me convidou para ir à festa...
— Meu Deus! Vocês transaram? — inquiri boquiaberta levantando novamente.
Ela arregalou os olhos e abriu os lábios para dizer algo, mas se interrompeu.
Coloquei as mãos sobre os lábios para esconder o sorriso. Era muito difícil vê-la
vermelha de vergonha.
— Megan! Sua vadia, você não me contou nada! — Mel a repreendeu.
— Nós saímos juntos várias vezes, nos beijamos e até chegamos às preliminares uma
vez, mas só dormimos juntos na noite de sábado! Depois da festa. — contou em um só
fôlego — Eu sei que quero fazer sexo com ele desde que o conheci, deveriam me dar
parabéns por fazê-lo esperar mais de dois meses!... E ao contrário de certas pessoas, eu
admito que o queria desde o começo! — atiçou.
— Ei, não começa! O tema da conversa agora são você e Tyler — devolvi rindo de
sua tentativa frustrada de fazer com que voltássemos a falar de Guilhermo — Então, agora
conta... — limpei a garganta e perguntei — Ele é bom entre quatro paredes?
Era a primeira pergunta que ela me faria se desconfiasse que aquilo tivesse
acontecido entre Guilhermo e eu. E para falar a verdade, ver as maças de seu rosto mais
vermelhas a cada palavra minha, não tinha preço.
— Ele é perfeito! — ela gritou em resposta, de repente animada — Não só
fisicamente, mas tudo foi maravilhoso! As coisas que ele me disse, a forma que me tocou
e... — ela suspirou apaixonadamente enquanto parecia lembrar — Foi uma pena deixá-lo na
manhã seguinte.
— Ele não te convidou para o café da manhã? — Leslie foi a primeira a dizer algo.
— Sim... — um sorriso triste surgiu em seus lábios — Ele tentou me convencer a
ficar, mas eu disse que não poderia. Tinha que chegar antes que Mel acordasse. Então ele
me trouxe.
— E o quê eu tenho a ver com isso?
— Eu não queria que soubessem ainda! — ela pareceu triste por um momento —
Gosto de Tyler... Não quero ter apenas sexo com ele.
Aquilo me surpreendeu.
Diabos. Estávamos falando de Megan. Ela só ficava com caras que realmente
gostava e se não enjoasse, o que dificilmente acontecia, ela aceitava ter algo mais sério com
eles. Ouvi-la dizer que gosta de um cara, e perceber que ela está esperando ele tomar o
próximo passo, parece irreal para mim.
— Acho que finalmente aconteceu — falei mais para as outras duas mulheres, que
para Megan. As meninas me olharam, esperando minhas próximas palavras — Megan
finalmente encontrou o cara certo — abri um sorriso desta vez para ela, que sequer se
importou de negar.
— É bom que ele perceba que também encontrou a mulher certa — sua resposta
sarcástica finalizou a conversa.
Minutos de silêncio depois, olhei para meu relógio e percebi que já passavam de dez
da noite. Muito tarde para quem ainda dirigiria mais de meia hora para chegar em casa.
— Megan, vocês ainda estarão aqui na sexta feira? Será a confraternização da
Howell’s e no sábado a festa de arrecadação de fundos das instituições.
— Papai ainda não nos avisou sobre o dia que viajaremos — respondeu pensativa
— Aliás, ontem a tia Patricia ligou.
Fechei os olhos já sabendo do que se tratava.
— Ela estava nos convidando para a festa de natal. Eu expliquei que infelizmente
viajaríamos para a casa de vovó e não poderíamos ir.
— Vou ligar para ela amanhã — menti.
Eu fugiria da conversa sobre o natal pelo tempo que precisasse.
— Eu entrego os convites de vocês durante a semana, ok? — sugeri — Preciso ir,
está tarde... Você vem, Leslie?
— Claro! Uma carona é sempre bem-vinda.
Nos despedimos rapidamente e combinamos de conversar por telefone, caso elas
viajassem antes do esperado. Depois finalmente fomos embora.

GUILHERMO
Maldição.
Era terça-feira e a festa de sábado ainda era repassada em minha mente. E eu possuía
uma dúzia de motivos para isso. Mas os principais, além de Evangeline, era o encontro com
Bryce e a saída sem explicação de Allison.
Depois de quase uma década, eu me deparava novamente com um Osmari. Aquilo
deveria ser um tipo de castigo do universo.
O ódio entre nossas famílias era existente antes mesmo de nascermos, algo com o
qual eu sempre me importei muito porque fora o seu pai a trair o meu. Os dois eram amigos,
ao menos meu pai achava que sim, até que Bennet Osmari roubou todo o dinheiro da
empresa que haviam construído juntos, e o deixou com dezenas de funcionários sem
salários. Bryce nunca pareceu se importar muito com o ódio que eu perceptivelmente
mantinha por ele. Isso até poucos meses antes de vir à Nova Iorque.
Quanto à Allison, eu me perguntava os motivos que a levaram a sair daquela forma.
Sem ao menos me avisar que o estava fazendo. Após um tempo, percebi apenas que durante
aquelas apresentações, eu me tornei displicente a ela. Mas depois de muito pensar, algo
começou a me importunar.
Bryce.
Ally ficou daquela forma estranha e tremendamente desconfortável quando o viu. E
quando perguntei o que estava acontecendo, ela se recusou prontamente a tocar no assunto.
No entanto, eu sabia que segundo o trio estranho que Tyler, Ally e eu formávamos, ela
contaria a ele — suspirei quando lembrei de algo — a última vez que ela me escondeu algo
e preferiu contar apenas à Tyler, foi quando decidiu voltar a morar em Portugal. E eu tinha
quase certeza que estas duas ocasiões estavam interligadas de alguma forma.
Se algo ou alguém a machucava de qualquer forma que fosse, eu precisava saber.
Como seu primo e um de seus melhores amigos, era meu dever protegê-la.
Fechei os olhos e respirei fundo. Já estava com dor de cabeça por passar tanto tempo
pensando em tantas coisas. E teria que ir à Barcelona ainda esta semana.
O telefone de minha sala tocou e apertei no botão para deixar a chamada no viva voz.
— Sr. D’Angelo, a Srta. Howell está na linha dois.
— Tudo bem, obrigado. — estranhei uma ligação vinda de Evangeline, mas atendi
rapidamente.
— Evangeline?
Um momento depois ela respondeu:
— Olá, Guilhermo. — sua voz suave preencheu meu escritório — Verifique o e-mail
que encaminhei para você, por favor.
Franzi o cenho para o telefone e voltei-me para o meu computador, para fazer o que
ela pedira.
Era um e-mail da Images.
— Eles solicitaram uma retificação de última hora no contrato. Pedem que seja
avaliado e eventualmente que a empresa seja informada sobre nossa resposta.
— Achei que tivessem concordado com o que fora decidido antes. — soei mais
cansado do que gostaria. Porém, era como realmente estava. Tivemos duas reuniões com os
sócios maioritários desta empresa e nas duas eles pediram retificações — Envie-me, por
favor, as tais retificações. Vou analisá-las hoje mesmo.
Ela suspirou do outro lado e percebi que também parecia cansada.
— Eles estão brincando conosco, Guilhermo.
Recostei-me à cadeira e concordei mentalmente com aquilo.
— A filial ainda é muito nova nos Estados Unidos e independentemente da fama da
D’Angelo em todo o mundo, eles continuarão a fazer isso.
— Acham que vamos aceitar qualquer coisa por ser um dos primeiros contratos.
— Exatamente. — concordou e por um momento tentei imaginar sua expressão agora.
Com toda a certeza estava usando os óculos e mechas de cabelo emolduram seu rosto
— eu já havia percebido que ela diariamente prendia o cabelo em um coque, mas com o
passar das horas as mechas simplesmente se soltavam — Se estivesse fazendo notas sobre
algo, com toda a certeza estaria mais concentrada que o normal e vez ou outra a caneta
ficaria entre seus lábios.
— Sinceramente, após ler o que me enviaram, pensei que só poderiam estar de
brincadeira. As porcentagens chegam a ser ridículas
Atualizei meu e-mail e abri sua nova mensagem.
— Vou pedir que Thomas marque uma reunião com a diretoria deles novamente, para
hoje mesmo. Está na hora de descobrirem que não estamos para brincadeiras.
Evangeline ficou em silêncio por um momento e segui seu exemplo. Ouvi apenas sua
respiração por quase um minuto.
— Acredito que o melhor passo que temos a seguir agora é promover os produtos
envolvidos com o grupo D’Angelo.
— Podemos conversar a respeito após minha viagem à Barcelona? — questionei
quando comecei a ler o arquivo — Voltarei na sexta feira apenas para a confraternização da
Howell’s.
Depois de uma nova pausa ela disse:
— Barcelona? Então você... — ela se interrompeu e pareceu pensar por um segundo
— Vou arrecadar informações sobre as empresas já sócias da D’Angelo e dar atenção aos
países próximos ao nosso, já que o transporte de produtos seria facilitado.
— Tudo bem. Na segunda feira de manhã podemos nos reunir para falar disso. —
anuí.
Fechei os olhos quando percebi. Eu só a veria novamente na próxima semana. E
nós sequer conversamos, ou melhor, negociamos sobre o que decidimos.
— Posso pegá-la em casa no sábado à noite para jantarmos? Creio que temos
assuntos inacabados a resolver.
— Tenho um compromisso inadiável na noite de sábado. — respondeu em tom de
desculpas.
— Domingo?
— Aniversário da minha irmã mais nova.
Não resisti ao sorriso quando percebi que ela fazia o mesmo.
— Está se fazendo de difícil, Srta. Howell?
— Não, eu... É que o mês de dezembro é sempre complicado para mim. — explicou.
Recostei-me na cadeira quando meu sorriso se ampliou.
— Que tal um almoço na segunda feira? — sugeriu.
— Hum, não — respondi — Um almoço não me parece com um encontro. É o tipo de
coisa que amigos fazem.
— Teremos um encontro? — a surpresa em sua voz fez eco em minha sala.
— Exatamente. Como um homem e uma mulher... Pode lidar com isso?
— Achei que não fosse o tipo que tem encontros — ela respondeu ao invés da minha
pergunta.
— Suas conclusões estão novamente precipitadas — afirmei — Já tive sim, um ou
outro encontro. A diferença é que...
— Você tinha certeza de onde eles terminariam. — ela me interrompeu.
Não consegui evitar a risada ao registrar suas palavras.
Americana intrépida.
— De fato. Você está certa. — anuí.
— O que sugere então?
— Sua agenda lhe permite um jantar de algumas horas na noite de segunda feira?
— Não tenho certeza, mas posso verificar. — replicou travessa.
Aquilo era novidade para mim. Uma Evangeline travessa? Ao que parece estamos
finalmente progredindo.
— Vou aguardar sua resposta então, Srta. Howell. Até mais.
Ela desligou, mas continuei olhando para o telefone.
Este definitivamente não é você, Guilhermo — uma voz em minha mente afirmou em
tom sarcástico.
Respirei fundo e o sorriso que antes havia em meu rosto, deu lugar à aceitação
daquela afirmativa.
Vale a pena abrir mão de tantas regras apenas para dormir com uma mulher?
DOZE
GUILHERMO
Cheguei à Nova Iorque na manhã de sexta feira. No entanto, percebi que ao menos
duas vezes por mês eu teria que ir à Barcelona.
Papai deu sua carreira como executivo por encerrada e agora eu detinha todo o poder
sobre todas as empresas D’Angelo, e filiais ligadas a nosso grupo. Independentemente do
setor que elas eram voltadas.
Hoje teríamos a festa de confraternização da Howell’s e inevitavelmente eu estaria
presente. Desta vez, Allison se recusou a ir comigo, portanto, eu teria de convidar uma de
minhas colegas.
Eu pensara muito no que havia sugerido à Evangeline sobre nosso acordo. Não
desistira de ter nosso encontro e conversa. Mas continuava a pensar que estava cedendo
demais e embora fosse perceptível que ela fazia o mesmo, eu ainda não estava certo de que
conseguiria lidar com suas objeções, sejam quais forem.
Diabos.
A vontade de tê-la só poderia estar me deixando louco por apenas pensar em propor
algo diferente a ela.
Após o almoço, voltei à D’Angelo. Sabia que Evangeline não viria à tarde, pois este
é o horário que ela fica em sua empresa. No entanto, tinha certeza que havia coisas demais
para resolver.
Ela me mandou o arquivo listando os produtos e empresas já filiados à D’Angelo. Os
que a filial de Marketing poderia promover. E eu começaria o trabalho sobre eles ainda
hoje.
— Boa tarde, Sr. D’Angelo — Thomas, meu assessor, levantou-se de seu lugar ao me
ver.
— Boa tarde, Thomas. Algo para mim? — inquiri me referindo aos recados.
— A Srta. Howell pediu para avisá-lo que a reunião de mais tarde foi adiada para
segunda feira. E uma moça, Rachel Osmari, deixou alguns recados enquanto o senhor esteve
fora.
Franzi o cenho ao ouvir aquele nome e voltei-me para ele novamente.
— Rachel? — repeti.
— Isso mesmo, senhor.
Rachel é irmã de Bryce. Mas o que ela quer? Como soube que estou em Nova
Iorque?
— Retorne a ligação e me repasse assim que ela atender.
Abri a porta de minha sala e a adentrei.
Segundos depois, meu telefone tocou:
— Sim?
— Guilhermo? — rapidamente reconheci sua voz.
— Olá, Rachel. Tudo bem?
— Sim, sim! Deus, Guilhermo! Por que não me avisou que estava em Nova Iorque?
Se Bryce não tivesse comentado, eu jamais saberia.
— Cheguei há pouco tempo — menti.
Fechei os olhos e acenei em negativa ao perceber que ela continuava a mesma.
Nos conhecemos através de Allison, elas eram amigas. Rachel tinha apenas quinze
anos quando se disse completamente apaixonada por mim.
Inferno. Por que diabos eu retornei essa ligação?
— Tudo bem! Bryce também mencionou que você é o novo sócio da Howell’s.
— Não exatamente. A D’Angelo apenas abriu uma filial em parceria com a
Howell’s.
— Que seja — retrucou rapidamente — Hoje é a festa de confraternização, certo?
Você já tem companhia?
— Rachel, eu não...
— Não, Guilhermo — ela me interrompeu — Eu não tenho mais dezesseis anos,
sabe? Sou uma mulher adulta agora. Não me importaria que me levasse à festa.
Ri de suas palavras e concluí. Era a mesma Rachel.
— Isso é um sim?
— Não — respondi — Essa não é uma boa ideia. Funcionamos muito bem como
amigos.
— Nunca fomos amigos — lembrou-me — Você sempre soube que eu não tenho o
mínimo interesse em ser sua amiga.
— Mais um motivo para que continuemos longe um do outro. Não sou o cara certo
para mulheres como você, Rachel.
— Mulheres como eu?
— Que desejam ter um relacionamento.
— Ah, esse tipo — concordou — Eu me contentaria com menos que isso, não se
preocupe.
— Você é louca.
Acenei em negativa e voltei-me para meu computador.
— Vou esperá-lo às sete — ela disse ante meu silêncio — Ligo mais tarde para
deixar meu endereço com seu assessor. Boa tarde, querido.
— Rachel, eu não... — e ela desligou.
Maldição. Era só o que me faltava.

EVANGELINE
— Eu já havia lhe dito que azul marinho é uma cor que lhe cai bem — foram as
primeiras palavras de David ao me ver.
Sorri e o abracei:
— Como adivinhou que eu usaria um vestido desta cor? — perguntei indicando a sua
gravata que era de um azul tão intenso quanto o do meu vestido.
David é com toda a certeza um dos homens mais bonitos que já vi em minha vida.
Alto o suficiente para que uma mulher da minha estatura se sinta protegida. Ombros largos e
músculos bem escondidos em seus ternos diários. Seus cabelos lisos eram de um castanho
claro que realçava os olhos que eram de um azul muito claro e combinava perfeitamente
com seu rosto. Ele tinha pouco mais de trinta anos, era inteligente, divertido e bem
sucedido. O que sempre gerava a pergunta: por que não é casado?
Há alguns meses ele me confidenciou que achava que não mantinha apenas uma boa
amizade com Melanie, irmã de Megan, mas ele estava bêbado e depois daquele episódio
nunca mais tocou no assunto, mesmo que eu realmente tentasse fazê-lo falar.
Digamos que eu também não estava tão sóbria quanto gostaria, então não poderia
afirmar o que ele tinha dito. Por mais que intimamente tivesse certeza disso.
Eu só esperava que ele tomasse uma atitude logo, porque Melanie já estava solteira
há algumas semanas. A verdade é que ela sente algo por David, mas nunca teve coragem de
contar a ele. Ela acha que isso pode acabar com a amizade dos dois.
Pelo visto as meninas e eu teríamos que bancar os cupidos para os pombinhos.
— Perguntei à Nany, quando liguei duas horas atrás.
Aquilo me fez sorrir. Entrelacei minha mão na sua e o seguimos pelas escadas da
entrada de minha casa.
— Então, finalmente conhecerei o tal Guilhermo? — ele perguntou como quem não
quer nada. O que me fez rir ainda mais.
— Tudo bem. O que Megan andou te contando pelas minhas costas?
O motorista abriu a porta do carro e ele me deixou entrar primeiro e sentou-se ao
meu lado em seguida.
— Já que você perguntou. Quando voltou de Barcelona, Megan marcou uma reunião
e chamou Leslie, Mel e eu — ele semicerrou os olhos para mim e continuou — Fiquei quase
uma hora ouvindo-a dizer que o italiano era isso, era aquilo e que conseguira mexer com
você... E que vocês dois formam um lindo casal e todo o blá, blá, blá a la Megan Jackson —
não consegui segurar a gargalhada ao imaginar David Jonnathan Wherlock em meio à três
mulheres loucas conversando sobre um homem — Você está me devendo uma.
— Por que não foi embora?
— E você acha que aquela louca permitiu? A Meg disse que precisava de uma
opinião masculina, para ter uma conclusão assertiva. Ou algo do tipo.
— Desculpe. Ela exagerou um pouco os fatos... Ele é apenas o presidente da
D’Angelo — desviei meus olhos dos seus e me voltei para a janela do carro.
— Apenas o presidente da D’Angelo, hein? — mordi o canto dos lábios e o encarei
novamente — “Guilhermo, espere, por favor.” Em um domingo à noite... Não me diga que
estavam tendo uma reunião? — foi sua vez de rir da minha expressão.
Inferno. Eu já havia esquecido que falava com David quando Guilhermo foi embora
naquele domingo. E David é do tipo que presta atenção em detalhes, e tem uma ótima
memória. Principalmente por causa da sua carreira.
— Eu não acredito! Como pode lembrar disso? Foi há quase três meses!
— Evy, meu trabalho é cuidar de você. Acha que não fiz uma investigação sobre o tal
Guilhermo? Você estava sozinha em um país à milhas de distância do nosso e ele, pelo que
Megan disse, parecia estar em todos os lugares; — revirei os olhos.
— Você e Daniel são dois homens super protetores demais! Eu não deveria tê-los
unido.
— Não vai mudar de assunto, não é?
A carranca que se formou em meu rosto se suavizou e suspirei antes de lhe contar:
— Ele é... — me interrompi sem realmente saber o que dizer — Apenas...
Guilhermo.
Ele fez um som concordando, mas em seguida riu de novo.
— É novidade para mim vê-la assim, sabia?
— Assim como? Do que está falando?
— É a primeira vez que vejo um homem lhe deixar sem palavras — peguei minha
bolsa e lhe bati uma vez, mas ele não parou de rir.
— A verdade, David, é que ele é apenas isso. O presidente da filial em Nova Iorque.
Não temos nada um com o outro.
— Não têm nada ainda, pelo que vejo.
— Sabe que não preciso de um relacionamento — lembrei-o.
— Como também sei que é uma mulher jovem e precisa parar de repelir os homens
— suas novas palavras me fizeram desviar os olhos novamente — Está na hora de superar o
Steve, Evy.
— Eu já superei — afirmei — Mas você, mais que qualquer pessoa, sabe que não é
apenas isso.
Engoli em seco e pensei sobre o que ele disse.
— Estou disposta a tentar algo com ele — admiti — Mas o que quer que seja, está
longe de ser um relacionamento, David.
Foi sua vez de suspirar.
— Bem, esse já é um começo.
***
Agradeci mentalmente ao pegarmos o elevador para a cobertura em que faríamos o
jantar de confraternização — meu vestido é longo, e subir escadas com ele não me deixa
muito segura.
Desta vez meus cabelos estavam soltos em um penteado simples. O batom era apenas
um tom de rosa mais forte que a cor natural dos meus lábios, e estava em contraste com a
maquiagem que fiz para realçar meus olhos verdes.
— Admito que já estou cansado destes eventos — David sussurrou ao meu lado
enquanto fechava os botões do terno. Voltei-me para ele e lhe dei minha pequena bolsa, para
ficar com as mãos livres e poder arrumar sua gravata, que estava um pouco torta.
— Nem me lembre. Já estou pedindo pelo fim do mês de dezembro. Mas ainda
teremos a festa da fundação, não esqueça.
As portas do elevador se abriram e ele sorriu.
— Mas a festa da fundação costuma ser mais aprazível que estes jantares. As
apresentações das crianças são muito melhores que as conversas e piadas sem graça da
maioria destas pessoas.
Aquilo me fez rir de verdade.
— Definitivamente, você tem razão.
Ele me devolveu minha bolsa e saímos juntos quando segurei em seu braço.
Paramos à frente do fotografo do evento e posamos para a foto oficial.

GUILHERMO
Fiquei completamente alheio ao que Rachel falava quando vi Evangeline sair do
elevador rindo com um cara — não que eu estivesse prestando muita atenção ao que a
mulher à minha frente dizia. Mas a beleza de Evangeline ofuscou completamente a teoria
sem sentido de Rachel. Sem contar que eu não fazia ideia de quem era o homem que a
acompanhava desta vez.
Franzi o cenho quando o vi sussurrar algo em seu ouvido e arqueei a sobrancelha
quando ele olhou diretamente para mim. Riu de algo que Evangeline disse e apenas neste
momento ela me viu. O riso se tornou apenas um sorriso dedicado a mim e fui incapaz de
não retribuí-lo.
— Guilhermo! — quebrei o contato visual com ela e voltei-me para Rachel.
Os cabelos castanhos e cacheados estavam parcialmente presos e mechas
emolduravam seu rosto delicado. A maquiagem era carregada e seus lábios estavam com um
vermelho vinho, que se em outra pessoa, me deixaria ávido por prová-los. O vestido longo
e preto contrastava perfeitamente com sua pele alva.
— Sim?
— Eu gostaria de... — esperei sua resposta, mas ela apenas deixou a frase no ar.
Parecia encarar algo à sua frente e segui seu olhar. Era Evangeline, que cumprimentava um
casal em uma mesa próxima a nossa.
— Você a conhece? — perguntei.
— Infelizmente — respondeu ríspida — Gostaria de nunca ter conhecido essa vadia
— consegui esconder minha surpresa e desviei meus olhos dos seus para fitar Evangeline.
Ela dedicava a nós um olhar de desprezo e talvez, apenas talvez, fúria contida —
diferente de antes.
— Acho que ela pensa o mesmo — comentei quando Rachel segurou meu braço com
mais força. — Quer beber algo?
— Sim. Uma taça de champanhe.
Assenti e a levei de volta à mesa reservada à diretoria. Sabia que mais cedo ou mais
tarde, a presidente da Howell’s também estaria conosco.
Pouco mais de nove da noite, Evangeline e seu acompanhante se juntaram a nós. Nos
levantamos para nos cumprimentar:
— David, esse é Guilhermo D’Angelo. O presidente da filial de Marketing aqui em
Nova Iorque. — espero ter conseguido esconder minha surpresa ao ouvir àquele nome.
Era ele. O noivo de mentira.
— David Jonnathan Wherlock. — ele disse ao apertar minha mão — É um prazer
finalmente conhecê-lo, senhor D’Angelo.
— Igualmente, Sr. Wherlock — dividi meu olhar entre os dois e lembrei da forma
que riam juntos ao chegar ao salão.
Por que ela o trouxe aqui? O que ele é exatamente para ela?
— Rachel — nenhuma das duas fez menção a qualquer tipo de cumprimento. Apenas
trocaram olhares carregados de hostilidade.
— Evangeline.
Os dois cumprimentaram o resto da diretoria e percebi que todos conheciam o tal
David. Seria ele outro sócio? Ou um acompanhante eventual?
Após o seu discurso, Evangeline anunciou o jantar e cerca de meia hora depois ele
começou a ser servido.
Quando a sobremesa foi finalmente servida, eu já pensava em uma forma de tirar
Evangeline dali e fazer todas as perguntas acerca de seu acompanhante — perguntas que me
importunaram durante o decorrer da noite — E o fato dela estar visivelmente evitando me
encarar, me deixou ainda mais ávido por esta conversa. O que diabos eu fiz agora?
Eles pareciam muito à vontade um com o outro para serem apenas colegas de
trabalho. E se fosse, ele não teria ligado para ela em uma noite de domingo, enquanto ela
ainda estava em Barcelona.
Os casais começaram a se dispersar no salão. Perguntei-me o porquê daquilo e ouvi
David e Evangeline comentarem que aquela era a melhor parte.
Uma mulher jovem se apresentou no palco e disse que os jogos teriam início aquela
hora. Ela explicou os temas das diversas perguntas e certificou-se de que todos os gerentes
estavam em sua devida equipe.
Um momento depois, ela informou a todos quais seriam os prêmios para o primeiro,
segundo e terceiro lugar da disputa.
— Guilhermo, a mesa da minha equipe está do outro lado. — Rachel me avisou —
Vamos?
— Não, Rachel. Vou ficar aqui, no final no jogo, nós nos falamos novamente —
respondi.
— Mas...
— Eu vou ficar aqui — insisti ao interrompê-la.
Seus olhos estavam semicerrados para mim e facilmente percebi a ira crescer em seu
interior, além do brilho de raiva em seus olhos. Depois de um suspiro, ela concordou:
— Tudo bem — e seguiu para a mesa que havia me indicado antes.
Quando a primeira pergunta foi feita e o primeiro sino tocou, mirei Evangeline —
David continuava ao seu lado, mas estava prestando mais atenção ao que a apresentadora no
palco dizia.
Eu quero falar com você.
As palavras dela me surpreenderam, mas apenas assenti.
Segundos depois ela sussurrou algo para David e se levantou. Acompanhei-a com o
olhar a fim de verificar para onde iria e quando a vi seguir para o lounge de entrada, decidi
levantar.
— Com licença — murmurei para David, que era o único a continuar em nossa mesa.
Peguei uma taça de champanhe com um dos garçons e me esgueirei pelas mesas até
chegar à entrada, a tempo de ver apenas o elevador se fechando, levando Evangeline
consigo. Ela estava indo para o terraço.
Peguei as escadas e subi o andar que me levaria a ele também. Tomei a bebida em
minha taça e a deixei sobre uma prateleira do corredor que atravessava.
Aquele prédio possuía exatamente dezoito andares e a vista de seu terraço era
maravilhosa, principalmente agora que estávamos próximos ao natal. Havia luzes
decorativas em quase todos os prédios próximos e embora não estivesse nevando, estava
muito frio.
— O que houve? — ela perguntou quando fechei porta.
— Você me chamou aqui — lembrei-a.
— Duvido que tenha sido a única a querer conversar.
Mantive meus olhos nos seus e minha atenção nela, embora ainda estivéssemos um
pouco distantes um do outro. Respirei fundo uma vez e suspirei cansado.
— Regredimos? — certifiquei-me.
Ela descruzou os braços e pareceu perceber o que estava fazendo. Depois suspirou e
acenou concordando.
— A Rachel? Não poderia ser uma daquelas loiras de Barcelona, ou sei lá... Uma
daquelas bonecas infláveis? Não acho que tenha muita diferença entre ela e uma dessas
bonecas.
Franzi o cenho, mas não resisti a sorrir.
— Ficaria surpresa se eu dissesse que ela mencionou algo assim sobre você?
— Não. — replicou rapidamente.
— E o que é isso exatamente? Ciúme?
— Não! Faça-me o favor. Eu só não entendo como um homem que quis estar comigo,
pode querer também estar com ela. Não temos nada em comum. Nada. É só... Difícil de
acreditar — concluiu em um só fôlego e desta vez eu ri.
— E quanto ao noivo de mentira? Vocês parecem muito à vontade um com o outro.
Foi sua vez de franzir o cenho e após alguns segundos um sorriso surgiu em seus
lábios.
— David é meu melhor amigo.
Arqueei as sobrancelhas e assenti concordando, embora não tenha acreditado muito
em suas palavras. Dei os passos que nos separavam e sorri complacente.
— Ok — concordei quando estava perto o suficiente para tocar em seus cabelos.
Eles estavam soltos. O que dificilmente acontecia. Eram castanhos escuros, lisos, mas com
algumas ondas suaves.
— Você não me disse nada sobre a Rachel — sussurrou quando beijei o canto de
seus lábios e levei novos beijos até seu pescoço.
— Não há o que dizer sobre ela — admiti.
— Por quê não consigo acreditar em você? — suas palavras ficaram mais baixas à
medida que meus dedos se enterraram em seus cabelos e meus dentes mordiscavam
suavemente sua orelha.
— Estou ocupado demais para parecer convincente.
— Só me diga. O que ela é para você?
— Nada.
Afastei-me ligeiramente e a deixei contra o parapeito.
— E David, o que é para você de verdade?
— Meu melhor amigo. — repetiu e neste momento percebi que sua atenção estava em
meu terno, enquanto suas mãos tocavam meu peito sobre a camisa e seguiam para meus
ombros.
— E eu? — aquilo a fez parar e me encarar.
— Eu não sei... Nós ainda não conversamos sobre isso.
Minhas mãos percorreram seus braços e em seguida, sua cintura. Senti seu corpo
estremecer contra o meu e a segurei com firmeza.
— Não somos amigos, tampouco colegas de trabalho e não temos um relacionamento
— lembrei-a — Mas nós nos beijamos e nos tocamos como apenas um homem e uma mulher
que se desejam muito fariam.
Deixei um beijo casto em seus lábios e mordi seu lábio inferior, puxando-o para mim
em seguida.
— Acho que vamos precisar de muito tempo para conversar e descobrir isso —
concluí antes de beijá-la de verdade. Da forma insana que desejei enquanto estava em
Barcelona nos últimos dias. Me apoderando dela por inteiro e aproveitando cada reação de
seu corpo ao meu. Eu só tive certeza de que Evangeline também sentiu falta daquele tipo de
contato entre nós, quando percebi que ela retribuía com o mesmo ardor e a mesma
intensidade. Apenas o seu toque gentil estava em contraste com o meu, que era
inegavelmente possessivo.
Quando eu pressionei meu corpo ao seu, e senti seus seios contra meu peito, percebi
que ela não usava sutiã — aquela era a única forma de seus mamilos se sobressaírem com
tanta evidência.
Inferno. Ela parecia estar tão excitada quanto eu e perceber aquilo me fez querer
tomá-la para mim agora mesmo. Tê-la nua para ter acesso a todo o seu corpo.
Evangeline gemeu baixo ao acabar com o beijo e enquanto tentava respirar com
normalidade, ela entrelaçou seus braços em volta de meu pescoço.
Desfrutamos de segundos apenas para notar os detalhes que deixavam evidente o
efeito que um causava ao outro.
Após algum tempo de silêncio, ela disse:
— Estou sentindo você contra meu ventre — aquilo me fez rir contra seu ouvido.
— A culpa é sua, Srta. Howell. Estou ardendo por você desde que nos vimos
naquele maldito elevador em Barcelona — sussurrei e foi sua vez de rir.
Mantive minhas mãos em seu quadril e seu corpo contra o meu. Evangeline gemeu
novamente quando pressionei meu membro nela com mais força.
— Eu adoro isso — admiti beijando seu ombro — Seu primeiro instinto é sempre
fechar as pernas, mas depois você relaxa o suficiente para me deixar ficar entre elas. Suas
mãos, primeiro me tocam com hesitação e em seguida você me puxa para si... É como se aos
poucos deixasse o pudor de lado e começasse a confiar em mim.
Deixei um selinho em seus lábios e ela fechou os olhos. Parecia pensar sobre minhas
palavras.
— Sim, eu... Eu acho que confio em você — precisei de alguns segundos para
registrar o que ela disse e quando o fiz, decidi responder:
— Agradeço por isso.
E a beijei novamente.
É claro que vale a pena abrir mão de tantas regras para tê-la — concluí.
TREZE
EVANGELINE
Parei de tamborilar a caneta sobre minha mesa e olhei para o computador para
verificar as horas. Eu estava na Howell’s, mas me encontrava em um estado de ansiedade
quase cômico.
Eu queria voltar à filial.
A festa de sexta feira foi perfeita, ou quase, mesmo com a explicação que David me
pediu por ter sumido por quase vinte minutos. Ele me conhecia o suficiente para saber que
eu estava mentindo em todas as minhas desculpas. Estava com um sorriso idiota nos lábios e
não conseguia tirá-lo.
Devo admitir que ouvir de David que ele está feliz por mim, por estar tentando
começar de novo, foi maravilhoso. O único detalhe que ele não deixou passar foi sua
investigação. Ele me pediu apenas para ter cuidado. A fama de playboy de Guilhermo durou
anos e ficou conhecida em toda a Espanha.
Eu não sei se fiquei mais tranquila quando ele disse que há mais de um ano não
haviam fotos do espanhol em festas e boates, com diversas mulheres. Ou se fiquei mais
apreensiva ao ter certeza do que Guilhermo é ou era — exatamente o que eu disse a ele em
Barcelona.
No entanto, a verdade era que obstante a isso, eu queria encontrá-lo novamente — e
hoje teríamos o nosso jantar.
Inferno.
Eu não pensei sobre nada que ele disse antes. Eu só estava certa de que não gostaria
que ele ficasse com outras mulheres enquanto ele estivesse comigo. E que ninguém mais
pode saber do nosso... Acordo.
Nada sobre quantidade de encontros ou o que eu gostaria ou não de fazer com ele,
havia sequer passado por minha cabeça.
Droga.
Quer dizer, eu sabia. Ainda lembro o que um homem e uma mulher fazem entre
quatro paredes.— Sexo. Eu definitivamente gostaria de ter isso com Guilhermo... Mas e se
ele percebesse que há algo de estranho comigo? Pior, se eu acabasse dispensando-o como
fiz com Bryce? Atitudes como essa geram perguntas. E eu não queria ter que respondê-las.
Principalmente para ele.
Porém, eu deveria ser sincera. Desde nosso beijo no elevador, eu sequer tive
pesadelos. Não o repeli de novo e nem mesmo senti qualquer aversão ao seu toque, seus
beijos e à proximidade dele.
Com Guilhermo as coisas foram diferentes até agora. De fato.
E David tem razão. Está na hora de superar o que aconteceu há tanto tempo —
superar de verdade.
Aquele Mardi Gras continuará no passado. Enterrado e esquecido. Para sempre.
Organizei minhas coisas sobre a mesa e peguei minha bolsa antes de sair.
— Evy, eu ia ligar para você agora mesmo — Claire, minha secretária, disse ao me
ver.
Ela estava comigo na empresa há, pelo menos, seis anos. Era extremamente
profissional e reservada. Algo pelo qual eu agradecia, porque sou tão reservada quanto ela.
Claire é uma mulher muito atraente. Com feições delicadas, cabelos loiros e baixa
estatura. Parecia uma daquelas modelos fotográficas. Não uma secretária que passa oito
horas por dia em uma empresa.
— Leslie ligou, disse que as reuniões da tarde foram remarcadas. Tentou ligar para
seu celular, mas estava fora de área. Você estava falando com Carla e não pude repassar a
ligação.
— Tudo bem. — anuí — Ela disse o motivo?
— Algo a ver com o presidente da empresa.
Apenas assenti e agradeci quando saí.
O que houve?
Desci até o térreo e procurei meu carro no estacionamento.
Quinze minutos depois, eu chegava à filial — voltei-me para minha bolsa no banco
do carona e peguei apenas meu celular. Eu só verificaria o que estava acontecendo e iria
almoçar.
Um envelope amarelo no tapete do carro me chamou atenção. Estava entre a porta e o
banco — olhei para a janela daquele lado e vi que estava um pouco aberta, de forma que o
envelope fino pudesse passar.
Franzi o cenho para ele e o peguei — quem colocaria isso aqui?
Saí do veículo enquanto o abria e coloquei meu celular no bolso do casaco — um
arrepio atravessou meu corpo e tive a desconfortante impressão de estar sendo observada
— Mirei o estacionamento repleto de carros. Ninguém à vista.
Segui para o elevador e tirei a folha. Havia somente uma frase. No entanto, apenas
ela foi capaz de me fazer gelar no lugar. Senti meus batimentos cardíacos rapidamente
acelerarem e prendi minha respiração. Meus olhos ficaram marejados e forcei-me a reler
aquilo. Como que para ter certeza. O bilhete dizia:
“Eu sei o que aconteceu sete anos atrás.”
Olhei em volta novamente e me obriguei a sair dali antes que qualquer pessoa me
visse chorando — ignorei o elevador que se abriu e retrocedi até meu carro.
Aquilo era inacreditável. O que estava acontecendo agora? Por que isso estava
voltando?
Depois de tudo o que eu fiz para manter isso enterrado. Completo e perfeitamente
escondido de quem quer que fosse.
O celular em meu bolso tocou enquanto eu limpava as malditas lágrimas. Era um
número desconhecido. Precisei de um pouco de coragem para atender.
— Alô? — o esforço para erradicar a temeridade e o sofrimento de minha voz, foi
completamente em vão.
— Evangeline?
Fechei os olhos por um segundo e lágrimas finas rolaram por meu rosto — o que
aconteceria se todos soubessem?
— Sim — sussurrei após o que pareceu uma pausa longa demais.
— O que houve?
Era Guilhermo.
Acenei em negativa incapaz de falar e desliguei em seguida.
Apoiei-me ao volante. Más lembranças e o mesmo desespero me invadiram.
Diabos.
Pare com isso, Evangeline. Pare.
Foi há muito tempo — mas quem sabe? Quem está fazendo isso?
Calma. Você não vai sucumbir a esse medo novamente.
Engoli o choro e sentei-me novamente ereta no banco. Respirei fundo algumas vezes
e o celular voltou a tocar. Eu o peguei e enquanto limpava as lágrimas, atendi:
— Desculpe — pedi — Eu estava no trânsito. Pode falar.
— O que aconteceu? — percebi a preocupação em sua voz e precisei de muita força
para continuar com a mentira usual.
— Nada de importante. Eu estou bem... Você me ligou por um motivo em especial?
Continuei a falar como se estivéssemos conversando sobre amenidades — pelo
menos eu havia aprendido algo em todos esses anos.
Guilhermo pareceu pensar sobre o que eu disse, mas acabou respondendo:
— Aconteceu um imprevisto e terei que ir à Alemanha ainda hoje. Papai deixou
assuntos para que eu resolvesse lá... Podemos remarcar o jantar? Você escolhe o dia e me
informa.
— Tudo bem — limitei-me apenas a isso.
— Você não parece bem.
— Mas estou. Não se preocupe. Preciso desligar. Depois nos falamos. — e encerrei
a ligação.
Conectei o celular ao programa do carro e liguei para David enquanto dirigia para
fora do prédio.
A preocupação deu espaço à raiva dentro de mim. Eu já estava cansada demais de
tudo isso. Cansada do tempo que esse inferno perdura. De me sentir destruída por algo que
aconteceu há tanto tempo. Eu estava tentando recomeçar. Mesmo que depois de muitos anos,
agora eu estava realmente tentando. E não deixaria que nada me mantivesse reticente em
prosseguir.
— Evy?
— Olá, David — respondi rapidamente — Recebi um bilhete hoje e quero que
descubra quem é o filho da puta que está me importunando.
Seu silêncio foi prova suficiente de sua surpresa. Talvez fosse pela ira irrefutável, ou
até mesmo pelo xingamento ao estranho — eu dificilmente dizia palavras deste tipo.
— Bilhete? O que dizia? Onde você o recebeu?
— Na Howell’s. Estava no meu carro — expliquei — Dizia “Eu sei o que
aconteceu sete anos atrás”.
— Você está bem? — seu tom mudou completamente agora.
— Agora estou... Sabe? Eu acho que demorei tempo demais para sair daquela
maldita bolha de reclusão... De toda a concentração daquelas lembranças e do sofrimento.
Agora eu quero me permitir viver tudo o que esqueci antes.
— Deus, obrigado. — ele disse — Você precisava disso, dessa decisão... Vou pedir
à Claire as gravações do estacionamento e mais tarde te darei uma resposta.
— Ok.
— Você está no trabalho?
— Não... Meus olhos devem estar vermelhos. Não posso aparecer lá assim. Estou
indo para casa.
— Eu já disse que não quero que chore por isso, Evy!
— Não é a coisa mais fácil do mundo, David! — enfureci-me — Você não tem ideia
do que foi aquele inferno. Não pode simplesmente querer que eu pare. Eu mais do que
ninguém gostaria de não derramar lágrimas por isso!
— Desculpe — pediu — Só não aguento saber que ainda sofre por isso. Você sempre
foi como minha irmã mais nova. Odeio saber que algo a machuca e eu não posso fazer nada.
— Vou ficar bem. — prometi ao parar no sinal na Avenida principal que levava à
minha casa.
A convicção em minhas palavras o fez ficar em silêncio por algum tempo.
— Vou descobrir quem foi.
— Eu agradeço muito — concluí e ele desligou.
Suspirei cansada.
Não de novo, Evy. Você não vai cair de novo. Não por isso pelo menos — meu
subconsciente afirmou, anuindo a tudo o que eu havia decidido antes.
Uma nova ligação caiu e cliquei no botão para atendê-la.
— Evy?
Mamãe. Droga.
— Olá, mamãe... Podemos nos falar depois? Estou no trânsito indo para o almoço.
— Tudo bem, querida. Uma hora ou outra teremos que conversar — ela desligou e
xinguei audivelmente no carro.
Que desculpa eu inventaria este ano? Ela não vai descansar até conseguir me
pressionar para ir à festa de natal, em Nova Orleans.
Inferno. É no final da semana.

GUILHERMO
Eu ficara horas no jatinho vindo para Alemanha. E diferentemente do que gostaria,
que era descansar, eu não parava de pensar no maldito telefonema.
Ela estava chorando — eu tenho certeza.
Mas o que a deixou assim? O que aconteceu para fazer com que a mulher forte e
destemida se tornasse frágil o suficiente para chorar?
Nada parecia fazer sentido. E pela primeira vez em muito tempo, não entender os
sentimentos de uma mulher me deixou muito inquieto.
Tudo o que não poderia acontecer, justamente hoje, é este imprevisto. Por que diabos
papai não me disse que deixara assuntos inacabados na filial automotiva daqui? Se era algo
tão importante?
Eu teria que contratar um representante para cada uma dessas filiais. Ou uma hora ou
outra acabaria ficando louco com tantas viagens a negócios.
Enchi uma taça com o vinho da adega de papai e voltei para a sala, em seguida subi
as escadas — a mansão de Berlim, na Alemanha, parecia terrivelmente maior quando
ocupada apenas pelos empregados — que por sinal, já haviam se recolhido há algumas
horas.
Quase meia noite e eu continuava acordado.
Inferno.
Peguei meu celular e verifiquei a hora exata. Em Nova Iorque não deveria ser tão
tarde.
“Tudo bem?” — digitei em uma mensagem para Evangeline.
Peguei os papéis sobre minha mesa e decidi começar a analisá-los de uma vez.
Quanto mais rápido resolvesse os assuntos por aqui, mais rápido voltaria para casa.
O celular tocou em minha mesa e o peguei rapidamente, mas contrariando o que
achei, era mamãe.
— Guilhermo, como está, querido?
— Bem, na medida do possível, mamãe.
— Theo me avisou ainda pouco que você havia ido à Alemanha, disse também que
não sabe quando voltará.
— Farei o possível para estar de volta antes do fim da semana.
— Ótimo. A festa de natal será na casa de campo que comprei há algumas
semanas. Estou terminando de decorá-la com Marina e Allison.
— Tudo bem — anuí sem na verdade me importar.
— Guilhermo, a véspera de natal é na sexta feira. Não quero que seja como seu
pai, já lhe disse isso. Ninguém trabalha no natal. Espero que realmente esteja aqui na
sexta feira.
Revirei os olhos ao lembrar da conversa. Quando papai finalmente decidiu contar a
ela que se aposentaria. Achamos que ela ficaria felicíssima, já que ficou anos pedindo isso
a ele. No entanto, ela me fez prometer que não seria como o Sr. Theodory D’Angelo. Um
viciado em trabalho.
— Estarei aí antes da festa, mamãe. Não se preocupe — ratifiquei.
— Obrigada, querido. Nos falamos mais quando voltar. Tenha uma boa noite.
— Igualmente.
— Fique com Deus.
— A senhora também — e encerrei a ligação.
Antes de guardar o celular, vi que havia uma mensagem — de Evangeline.
Eu nunca agradeceria o suficiente à Leslie, secretária de Evangeline, por me passar o
número do telefone celular dela de tão boa vontade.
“Sim. Obrigada.” — reli a mensagem e tentei imaginá-la ao digitá-la.
Ela parecia complacente e condescendente demais — duas características que nunca
imaginei que um dia usaria para descrevê-la.
Resisti à vontade de ligar novamente e guardei o celular — uma pilha de documentos
me aguardava.

Na quinta feira:
A noite bem dormida no voo de volta à Nova Iorque me garantiu energia suficiente
para voltar à filial na tarde de quinta feira — embora tivesse que sair mais cedo hoje, antes
da troca de presentes do amigo secreto de nosso andar. Por sorte, eu sequer participaria.
— Boa tarde, Sr. D’Angelo. Seja bem-vindo de volta.
— Obrigado, Thomas — agradeci após acenar em um cumprimento para ele.
Ele me entregou uma pasta transparente denominada contratos.
— A Srta. Howell conseguiu uma conferência ontem com as filiais do México,
Canadá e Guatemala. Enviaram estes contratos para que o senhor analise. Caso esteja de
acordo, em janeiro começamos com o plano para promover os produtos selecionamos aqui
nos Estados Unidos.
Fiquei sem palavras por um segundo e sorri.
— Ela conseguiu?
Ele apenas assentiu e retribuiu o sorriso.
Sem sequer entrar em minha sala, eu segui para a de Evangeline — cumprimentei
Leslie novamente e ela permitiu que eu prosseguisse sem me anunciar.
— A Srta. Howell precisou sair por um momento, mas não demorará — explicou.
Concordei e entrei para esperá-la lá.
— Quem é você? — virei-me rapidamente na direção da voz doce e suave.
Era uma criança. Uma menina.
— Guilhermo. E você, como se chama? — sorri mesmo estando surpreso com a
presença da menina.
— Natalie — os olhos da garotinha brilharam quando ela se levantou e estendeu a
mão para mim. Segurando seu ursinho amarelo apenas com a outra mão.
— Prazer em conhecê-la, Natalie — meu sorriso aumentou diante da maturidade
precoce à minha frente e segui para a mesa, para deixar a pasta que segurava — Então, o
que uma menina da sua idade faz aqui? Não me diga que veio fechar um contrato.
Ela riu timidamente por um momento e sentou-se no sofá do canto da sala.
— Não, Guilhermo. A mamãe Evy vai me levar ao shopping — minha expressão foi
de sorridente e despreocupado a estupefato e desentendido — Vamos comprar os presentes
de natal... É que vamos à casa do vovô, entende? E precisamos comprar presentes. Porque é
natal.
Mamãe Evy? Evangeline tem uma filha?
Apenas concordei com um aceno de cabeça.
— Você trabalha com a mamãe? Ou é o namorado dela? Você não parece trabalhar
aqui — ela levantou e veio sentar ao meu lado — Você foi o único que sorriu até agora —
confidenciou.
Ri por um momento e a observei atentamente.
Nada nela parecia minimamente com Evangeline. Os cabelos eram loiros e lisos, os
olhos castanhos, o rosto em formato de coração, nem mesmo o sorriso parecia com o da
“mãe”. Nada.
— Eu trabalho aqui, Natalie — expliquei.
— Ah — ela prolongou a sílaba para enfatizar seu entendimento — Mas você
gostaria de ser namorado dela, Guilhermo? Ela é bonita, não é?
Franzi o cenho mais uma vez e ri mais alto.
— Por que está me perguntando isso?
— A tia Angie e eu achamos que a mamãe precisa de um namorado, sabe? E nós... —
ela se interrompeu e chegou mais perto por um momento — Você promete não contar à
mamãe?
Sorri e assenti novamente.
— Prometo.
— Nós estamos tentando encontrar um namorado pra ela — sussurrou olhando para a
porta, como que para se certificar de que ninguém além de mim ouviria — Você quer ser
namorado dela, Guilhermo?
Arqueei a sobrancelha e não resisti a sorrir novamente.
Namorado. Céus. O que teremos está longe de ser um relacionamento assim.
— Se eu contar um segredo, você promete não contar a ninguém? — foi minha vez de
sussurrar.
Ela acenou diversas vezes concordando e me fitou cheia de expectativa.
— Estou trabalhando nisso.
Seus olhos se arregalaram momentaneamente surpresos e ela abriu a boca para dizer
algo, mas acabou por ficar em silêncio. Depois um sorriso enorme iluminou seu rosto.
— Não vou contar a ninguém — murmurou — É o nosso segredo, não é?
— É o nosso segredo — concordei.
A porta foi aberta abruptamente e Evangeline entrou rapidamente.
— Natalie! Eu pedi que você me esperasse com o Sam. Por que subiu?
Somente depois de sua pergunta ela pareceu notar minha presença. E me encarou com
o cenho franzido.
— Você demorou, mamãe! — Natalie se levantou rapidamente e sorriu para a mãe —
Você já conhece Guilhermo, mamãe? — Evangeline apenas arqueou uma sobrancelha para
mim — Ele é bonito, não é?
— Natalie, a Leslie está te esperando, querida. Ela quer falar com você sobre o
Andie.
Tentei esconder o sorriso, mas foi impossível. A menina não era nada sutil, pelo
visto.
— Tudo bem. — concordou e virou-se para mim — Continue trabalhando,
Guilhermo.
Assenti sem conseguir tirar o maldito sorriso do rosto.
Um telefone tocou e Evangeline seguiu para atendê-lo.
— Foi um prazer conhecê-la, Natalie. — a garotinha apenas sorriu e foi embora.

EVANGELINE
— Eu lembro de ter lhe dado educação, Evangeline.
Maldição.
Fechei os olhos sem acreditar que depois de dias fugindo dos telefonemas de mamãe,
eu caíra tão facilmente em uma ligação com ela.
— Mamãe?
— Isso mesmo, querida. A mãe que você está tão facilmente fazendo de tola.
Revirei os olhos e suspirei.
— Não revire os olhos para mim. Eu sei que você o fez.
É claro que depois de tantos telefonemas ela estava com raiva.
Droga.
— Desculpe, estive realmente ocupada esta semana. E agora também. Vou levar
Natalie para comprar os presentes de natal. Podemos nos falar depois? — sugeri.
— Não. Eu não vou levar mais de cinco minutos. — ela disse. Ouvi alguém limpar a
garganta na sala e voltei-me para Guilhermo. Que eu achei que já não estivesse aqui.
— Se quiser, volto outra hora. — ele sussurrou.
— Vou sair daqui a pouco. — respondi em voz baixa.
— Só liguei para avisar que comprei as passagens de avião para um voo hoje às
dez da noite. Nany e Angeline estão com as quatro passagens. Daniel irá buscá-las no
aeroporto.
Precisei de alguns segundos para registrar o que ela disse.
— O quê?
— Eu comprei as passagens...
— Mamãe, em nenhum momento eu disse que iria à Nova Orleans. Você não deveria
ter tramado isso com Nany sem me contar.
— Acha que eu fiquei a semana toda tentando fazer o quê, Evangeline? Só tomei
esta atitude porque você não me deixou saída.
Como se ela não fosse inventar mais nada para me levar até Nova Orleans.
— Não vou viajar — concluí.
— Não? E qual a desculpa desta vez? Vai para a casa da família de Megan no
Texas? Ou irá fazer um tour em Paris?
Percebi o desconforto de Guilhermo e tentei acabar de uma vez com a conversa.
— Vou viajar com Leslie e Andie — menti contrariando a última afirmação.
— Vai passar o natal na casa do namorado dela? Não minta para sua mãe,
Evangeline. Eu já falei com ela sobre isso.
Fechei os olhos em resignação e pensei em qualquer coisa para dizer.
Há alguns dias David descobriu que John me enviou aquele maldito bilhete. Mas o
filho da mãe continua foragido. E nenhum de nós tem qualquer ideia sobre como John sabe
do que aconteceu.
Para completar David contou a Daniel, meu irmão, sobre isso. E os dois estão unidos
para me convencer de que devo deixar seguranças comigo. O que é ridículo.
Quando não aceitei, Daniel disse que ficaria do lado de mamãe para me levar à
Nova Orleans — traidor.
Mas não vou para lá e não vou andar com qualquer homem às minhas costas para me
defender de um perigo que sequer sabemos se existe. Uma hora ou outra, John será preso.
— Não vejo Steve há muito tempo se é isso que te preocupa.
— Mamãe, para mim Steve está morto.
— E por que a resistência em vir visitar sua família?
— Não é isso.
Guilhermo sorriu travesso ao perceber o que eu fazia e acenou em negativa.
— Diga que vai passar o natal comigo — ofereceu.
— O que? — meus lábios apenas se moveram para formar a pergunta, mas nenhum
som foi audível.
— Diga que vai passar o natal comigo — repetiu.
— Então o que é?
— Vou passar o natal com outra pessoa — cerrei os olhos sem acreditar que estava
dizendo aquilo.
— Com quem?
— Guilhermo.
Ela ficou em silêncio.
A inexistência de uma resposta foi reconfortante — após o que pareceu uma
eternidade, ela inquiriu:
— O filhinho de papai mimado?
— Isso mesmo... Mamãe, é sério, preciso ir. Natalie está me esperando.
— Quero que ele esteja presente na nossa comemoração de ano novo.
— Não mesmo. Será em minha casa, como todos os anos. E isso não vai acontecer
— concluí.
— É o que veremos — ela riu — Adeus, querida — e desligou.
Fiquei boquiaberta olhando para meu telefone sem acreditar no que ouvira.
Inferno.
Voltei-me para Guilhermo e vi o mesmo sorriso em seu rosto.
— O que foi?
— Você e sua mãe devem ser muito parecidas — afirmou vindo até mim.
Inspirei seu perfume quando ele estava perto o suficiente para isso.
Ele apenas pegou uma pasta sobre a mesa e se afastou novamente — suspirei
frustrada e aliviada ao mesmo tempo.
— Você não imagina o quanto — anuí — Obrigada pela ideia, isso a convenceu.
Peguei minha bolsa e virei-me para ele mais uma vez.
— Não foi uma ideia. Foi um convite.
Surpresa me preencheu naquele momento.
— Um convite? — ecoei.
— Isso mesmo.
— Você e eu? Juntos no natal? — forcei-me a parar de repetir coisas idiotas e pensei
sobre aquilo.
Juntos no natal?
Ele riu e assentiu.
— E a minha família. Não se preocupe. O que me diz?
— Posso pensar sobre isso?
Ele me fitou atentamente e concordou com um aceno de cabeça. Os segundos que
seguiram foram preenchidos pelo silêncio simultâneo. Guilhermo parecia pensativo, quase
como se tentasse entender algo.
— Você está melhor? — questionou ao abrir a porta.
Franzi o cenho sem entender e então nosso último telefonema me veio à mente.
— Sim, estou. Obrigada.
Ele semicerrou os olhos para mim, mas não disse nada.
Vi Natalie conversando com Leslie e voltei-me para Guilhermo.
— Eu te ligo e falamos sobre isso, tudo bem?
— De acordo — ele olhou para as duas que conversavam concentradas sobre algo e
beijou-me o rosto. A centímetros de minha boca — Obrigado, Srta. Howell — sussurrou em
meu ouvido antes de se afastar.
Leslie e Natalie deram risinhos juntas e assenti para Guilhermo que saiu em seguida.
Murmurou algo para Natalie e ela concordou.
Eu só posso estar louca — isso parece estar indo longe demais.
QUATORZE
GUILHERMO
Tyler, Ally e eu estamos no shopping há cerca de três horas. Viemos para comprar os
malditos presentes de natal. Decidimos parar para comer algo e tomar uma cerveja. Mas eu
estava a ponto de desistir e ir para casa. Aquele shopping parecia um inferno. Não havia um
metro quadrado que não estivesse preenchido por, pelo menos, três pessoas — e eu ainda
vestia o maldito terno que usara na empresa mais cedo, pois viera diretamente dela.
Os encontros como esses eram ótimos. Bebíamos. Falávamos um pouco de nossas
vidas. Contávamos piadas bobas e ríamos a maior parte do tempo.
Isso até que os dois decidiram unir forças para me fazer falar de Evangeline. E
nenhum dos dois acreditava na verdade que eu já desistira de contar.
Não há nada entre nós dois. Nada do que imaginam pelo menos.
— Me dê apenas um bom motivo então? — Ally repetiu tirando-me de meus
pensamentos — Por que chamou a Srta. Evangeline para a festa de natal amanhã?
Semicerrei os olhos para ela e fingi não perceber o sorriso de Tyler, que estava
sentado ao seu lado.
— Ela estava em apuros. Eu só quis ajudar — insisti.
Desta vez os dois riram juntos.
Eu definitivamente começara a odiar encontros como esse — retificando. Odeio o
fato de ser o assunto em encontros como esse.
O que tinha demais em convidá-la para um final de semana em nossa casa de campo?
— eu sabia. É claro que sabia a resposta para aquela pergunta.
Se o final de semana fosse em uma casa de campo e ficássemos apenas nós dois, não
haveria qualquer chance das coisas entre nós entrarem em um campo diferente do que nós
gostaríamos. Portanto, não haveria motivo para Tyler e Allison tentarem acabar com minha
paciência desta forma. Mas quando a viagem envolvia a minha família, uma bola de neve
era criada rapidamente e eu me encontrava em uma encruzilhada. Eu estava no meio de tudo.
Não havia um caminho certo a seguir, na verdade, apenas o que eu traçara há alguns
minutos.
As especulações de todos começaram quando avisei que levaria uma colega de
trabalho para a festa de natal. Primeiro mamãe apostou que eu lhe apresentaria uma nova
modelo. Mas quando eu disse que era uma colega de trabalho, silenciou-se completamente
— o que é compreensível quando todos sabem que não misturo trabalho com qualquer outro
tipo de envolvimento.
A segunda fora Marina. Que disse que eu havia finalmente decidido engajar em um
relacionamento sério com alguém. E papai a encorajou contando a todos de quem se tratava
— pobre Marina. Ainda nutre esperanças quanto a isso.
Então os sorrisinhos de Tyler e Ally me deram um presságio do que eu teria que
aguentar esta noite. Os dois me infernizariam, determinados a conseguir respostas para
perguntas que eu não estava minimamente interessado em responder.
Nenhum dos motivos de meus familiares e amigos estavam certos. Eu a convidei
porque fora a minha vontade naquele momento.
— Até parece que é a primeira vez que levo uma mulher para uma festa de família —
prossegui.
Tyler sorveu um pouco de sua bebida e pousou o copo sobre a mesa de granito em
seguida.
— Vamos tentar lembrar de algumas coisas, priminho — começou — Você levou
Gabriele e Francesca para nos apresentar. Nenhuma delas foi para um encontro em família.
Você as levou para coquetéis da D’Angelo nos quais os componentes da família estavam
presentes. E isso é diferente. Além de ter sido há mais de dois anos. Você sequer trabalhava
na empresa com seu pai.
E como você lembra disso?
— Eu gosto de mulheres, elas me fascinam. Isso não é surpresa para ninguém —
tentei novamente — Por que se importar tanto quando eu levo uma delas à minha casa?
— Não é esse o ponto, Guilhermo — Ally interveio — Só queremos saber o motivo
para isso. Não estamos o recriminando por levar uma mulher para conhecer sua família.
— Não tente distorcer os fatos. Eu não estou levando-a para conhecer minha família.
— Então para o quê?
Suspirei quando as perguntas passaram a me deixar cansado demais para responder.
Era simples. Ela não queria ir à Nova Orleans. Eu não queria que ela fosse. Eu tinha
uma escolha; ou a deixava ir com sua família e esperava o recesso de final de ano terminar
para vê-la e consequentemente beijá-la e tocá-la de novo. Ou a convidava para a maldita
comemoração de natal e a tinha só para mim.
De fato, era uma situação extrema para nós dois. Com chances grandes demais de um
envolvimento maior começar. Mas eu na verdade não estava mais me preocupando com
isso.
Depois de muito pensar cheguei a feliz conclusão de que somos adultos. Temos uma
vida estável. Não queremos um relacionamento. Gostamos de sexo e pretendemos nos
aproveitar desta última coincidência em especial.
Fitei-os em silêncio.
Era uma linha de raciocínio falha e ridícula em certos aspectos. No entanto, mesmo
que de um jeito torto, fazia sentido para mim. E eu não me importava que não fizesse para
qualquer um deles.
— Querem acreditar que estou levando Evangeline para conhecer meus pais porque
temos uma relação estável e pretendemos fazer com que seja duradoura? — os dois
trocaram olhares e concluí — Acreditem no que quiserem.

EVANGELINE
— O voo sai daqui a três horas, Evangeline. Se eu não obtiver a certeza de que você
não ficará sozinha enquanto eu estiver em Nova Orleans, vou cuidar para que cinco
seguranças apareçam em sua casa antes das oito da noite — as palavras de David ainda
ecoavam em meu escritório.
Maldição.
Assim que ele ficou sabendo que John viera hoje em minha casa atrás de Angeline e
conseguira entrar facilmente, ele repetia o mesmo discurso. Eu só não fui capaz de continuar
retrucando quando ele veio pessoalmente até minha casa.
É perigoso. Ele sabe demais. Ele pode ter algo a ver com o que aconteceu. Ele
sabe como entrar em sua casa sem ser percebido. Você não vai ficar aqui sozinha e
vulnerável.— argumentou repetidas vezes.
O pior fora a expressão de preocupação no rosto dele enquanto Angie contara que
John viera aqui para deixar claro que pretendia se vingar pelo que eu fiz — a partir daí tive
que lidar com uma discussão entre Angeline e eu, porque segundo ela, eu estava agindo por
suas costas e tomando decisões que não cabiam a mim. Quando eu só queria me vingar de
um filho da puta que teve a péssima ideia de fazer alguém que eu amo sofrer. Inferno. Eu
havia dado a ele o beneficio da dúvida e ele a perdeu no momento em que traiu minha irmã.
Depois David ainda começou uma nova, para me convencer a viajar por um tempo.
Ele prometeu até mesmo que cuidaria de toda a minha família se eu fizesse isso. Mas eu não
o faria. Não continuaria fugindo, por mais que não quisesse que qualquer pessoa soubesse
do que aconteceu naquele Mardi Gras.
Foi sua última afirmação irredutível que me fizera ligar para Guilhermo e aceitar o
convite de passar o natal com ele e sua família.
“... vou cuidar para que cinco seguranças apareçam em sua casa antes das oito da
noite.” — mais tarde Daniel deliberadamente concordara.
Fechei os olhos e respirei fundo — do que você está fugindo, Evangeline? O que há
de errado em passar um final de semana com Guilhermo e sua família? Você já aceitou
ter o que quer que seja com ele — as coisas entre vocês só terão um fim, sem qualquer
chance de volta, se ele não concordar em dormir apenas com você.
Você não está com medo de ter algo mais sério com ele — disse para mim mesma —
Porque ele não quer nada mais sério com ninguém. Você está com medo de querer algo mais
sério com ele. O que é diferente.
Acenei em negativa e suspirei cansada. É simples. O ponto primordial de um
relacionamento como o que estávamos prestes a concordar era não se envolver. Mas
conhecer a família dele, passar o natal com ele, exigia um nível de envolvimento maior do
que eu achava que tínhamos. E eu devia admitir que grande parte de mim não queria aquilo.
Eu continuava a preferir distância de um relacionamento e todos os problemas que este
trazia consigo.
— Sim, talvez seja ridículo temer algo tão bobo. — hesitei por um momento ao
perceber que estava falando sozinha.
Preferi concluir em pensamento. A questão é; independentemente do que você teme
ou não, Evangeline, você irá à casa de campo da família D’Angelo.
Só precisa manter tudo em um nível profissional. Você é a colega de trabalho de
Guilhermo que passaria o natal sozinha e recebeu um convite por pena. Acabou.
Levantei de minha cadeira e atravessei a porta com a intenção de subir as escadas e
começar a fazer as malas.
Se eu ainda possuísse algum controle sobre mim mesma, seria fácil manter tudo em
um nível profissional e não ceder a nenhum toque ou beijo dele — pelo menos não enquanto
estivesse lá. Com sua família.
Eu já fiz isso antes. Não poderia ser tão difícil.

No dia seguinte:
Eu achei que a quantidade absurdamente grande de neve que caia sobre as ruas e
avenidas de Nova Iorque seria suficiente para acabar com qualquer chance de um carro
conseguir percorrê-las — na verdade tinha esperanças bobas de que isso acontecesse.
Entretanto, por mais que ainda nevasse um pouco, o meu bairro já parecia estar
completamente livre da neve de toda a madrugada — a limpeza deve ter começado mais
cedo por causa da véspera de natal.
E Guilhermo finalmente chegara.
Eu já havia tomado meu café da manhã e até desligara o aquecedor quando ele
começou a buzinar na frente de minha casa — eu havia lhe dado o endereço ontem em nosso
telefonema.
Acionei os alarmes e peguei minha pequena mala antes de sair.
— Bom dia — ele disse com um sorriso ao me ver.
Era vergonhoso para mim admitir que aquele sorriso, que eu um dia de forma
assertiva denominara sensual, mantinha sobre mim o mesmo efeito de três meses atrás.
E agora, mais do nunca, eu tinha certeza sobre o perigo que aqueles olhos azuis
intensos exalavam para mim — eles agiram nocivamente contra minha sanidade antes e
continuam a fazer isso.
— Bom dia — respondi quando ele beijou meu rosto e pegou minha mala para levá-
la ao porta-malas.
Cruzei os braços quando um arrepio de frio eriçou todos os pelos de meus braços.
Guilhermo abriu a porta de seu carro para mim — era prateado, reluzente. E
incrivelmente confortável. Um modelo que eu tinha certeza não ser americano, pois o design
era completamente diferente e extremamente sofisticado.
— Para onde vamos? — questionei quando ele colocou a chave na ignição e dirigiu
para fora de minha rua. Que estava ainda mais tranquila que o normal.
— Um sítio fora da cidade — explicou — Mamãe adora lugares calmos e comprou
uma casa há algumas semanas.
Assenti e voltei-me para a janela do carro. Não sabia ao certo o que dizer em um
momento como aquele e decidi distrair-me com a beleza da cidade, que estava
rigorosamente decorada para mais um natal nova-iorquino.
Mordi a parte interna da bochecha quando lembrei que seria um final de semana
inteiro com a família de Guilhermo. E com ele.
Repeti meu novo mantra diversas vezes em minha mente — mantenha tanta
distância dele quanto conseguir.
Arrisquei um olhar furtivo na direção de Guilhermo. Ele estava concentrado no que
fazia e voltei minha atenção para suas mãos que seguravam com firmeza o volante. Elas são
enormes — neste momento entendi porque me sinto muito mais feminina quando aquelas
mesmas mãos estão em meu corpo.
Não. Pare com isso, Evangeline — mantenha tanta distância dele quanto
conseguir.
Engoli em seco e decidi voltar a prestar atenção na vista que a janela opaca me
proporcionava.
— Todos em sua família foram para Nova Orleans? — ele perguntou um momento
depois. O que me assustou momentaneamente.
— Sim — respondi — É como um ritual de natal. A família faz isso todos os anos.
Ele parou em um sinal e me fitou com um sorriso nos lábios.
Inferno. Pare com isso — pedi silenciosamente a ele.
— Deve ter bons motivos para não querer ir lá esse ano — ele comentou e sua
expressão, aos poucos, tornou-se séria.
— Eu tenho — limitei-me apenas a isso.
— E Natalie? Conseguiu encontrar os presentes de natal para o vovô?
Ri após sua menção à Natalie. Então era sobre isso que eles estavam conversando?
— Depois de umas horas intermináveis. Sim, ela conseguiu — mirei-o novamente
quando ele voltou a dirigir — Nany a ajudou muito.
— Nany?
— A mãe dela — esclareci.
— Eu achei que você fosse a mãe dela — ele pareceu confuso.
— Natalie é filha adotiva de Ananda, minha governanta. Como ela está conosco
desde que era um bebê, acostumou-se a nos chamar de mãe.
Entendi sua surpresa e sorri ao perceber que as pessoas costumam ter essa reação.
— Ela é uma garotinha muito esperta — ele a elogiou rindo de algo que
provavelmente lembrou.
— Sim, ela é. Esperta até demais para o meu gosto.
Ele acenou em negativa e nossos olhares se encontraram por um momento.
— Espero que sua família não se incomode pela minha ida — comecei.
— Do que está falando?
— Sou uma completa estranha para eles, Guilhermo — explanei — E de repente
apareço para a comemoração de natal.
— Não é estranha para mim — replicou — Não se preocupe, mamãe adora ter
visitas em casa. Posso dizer que ficou muito feliz ao saber que eu levaria alguém para o
natal.
Semicerrei os olhos para ele e fingi acreditar.
Passamos pela placa de “você está saindo de Nova Iorque”.
Neste momento lembrei de tudo o que acontecera em tão pouco tempo entre nós,
desde a última vez que estive fora de Nova Iorque.
Parecia não ser real. Principalmente quando eu recordava de como as coisas eram
entre nós.
E como serão daqui por diante? Continuaríamos nos beijos como fizemos até agora?
Duvido. Uma hora isso não seria suficiente para ele.
Pensei sobre um bom motivo para entrar neste assunto e quando uma boa desculpa
me veio à mente, eu disse:
— Acho que deveríamos conversar... — comecei — Não quero chegar em sua casa
como uma de suas amigas.
Guilhermo olhou para mim por um momento e respondeu:
— Eu disse a todos que estava levando uma colega de trabalho. Não se preocupe.
— Então somos colegas de trabalho — afirmei sorrindo para ele.
— Acho “amantes” uma expressão muito forte e feia para nos descrever — o tom
travesso que ele usou me fez rir e concordar — Então o que somos, Srta. Howell?
Fechei os olhos por um momento para tomar coragem e entrar neste novo assunto.
— Não achei que o ponto principal da conversa fosse esse.
Ele me fitou por alguns segundos e pareceu lembrar do que estávamos adiando há um
tempo.
— Você pensou sobre nossa última conversa?
Entrelacei meus dedos uns aos outros e assenti.
— Nada sobre quantidade de encontros — admiti — Pensei sobre minhas condições.
Guilhermo arqueou as sobrancelhas, mas não me encarou porque precisou fazer uma
curva.
— Condições? — ecoou.
— Sim.
— Que seriam?
— Eu sei que o quer que possamos ter juntos, estará longe de ser um relacionamento
de verdade — iniciei — Por isso não quero que ninguém saiba sobre o que teremos e... —
me interrompi.
Tentei captar qualquer mudança em sua expressão ou seus olhos, mas nada mudou.
— Eu não quero que durma com outra mulher além de mim — aquelas palavras o
fizeram me encarar estupefato.
Diabos — pensei enquanto ele parava o carro no acostamento.
Seria mesmo o inferno dormir apenas com uma mulher por umas duas semanas? É
tão difícil conseguir isso?
— Algo mais? — ele inquiriu sem me fitar.
— Não. Mas não vou declinar de nenhuma das minhas condições — avisei.
Guilhermo semicerrou os olhos e mirou-me atentamente antes de dizer:
— Quando você diz que não quer que eu durma com outra mulher, acredito que tenha
um bom motivo para isso — afirmou — Qual seria?
— Eu não gosto de dividir.
As palavras fugiram de meus lábios antes que eu pudesse filtrá-las.
Maldição.
Seus olhos brilharam em divertimento por um momento. Ele os fechou e quando
finalmente me fitou, um sorriso insolente me deixou confusa.
— Tenho três condições.
Franzi o cenho.
— Diga.
— Eu também não quero que durma com qualquer outro homem.
Minha boca abriu-se em formato de “o”.
— É claro que não vou dormir com ninguém além de você! — proferi mais alto do
que esperava e o sorriso dele aumentou.
— Nenhum de nós estipulará uma data para o fim desse acordo — continuou como se
eu não tivesse dito nada — Enquanto nós dois quisermos dividir uma cama ou qualquer
outro tipo de superfície plana, nós o faremos.
Perdi completamente a capacidade de articular uma resposta quando sua última frase
ecoou em minha mente. Ou qualquer outro tipo de superfície plana.
Quando voltamos à estrada eu repassava tudo o que havíamos dito até agora.
— Qual é a terceira condição?
— Esta eu só direi no momento certo, depois de você ter me dado sua resposta.
Cerrei os olhos e pedi silenciosamente que ele não percebesse isso.
— E você? Aceitou? — murmurei minutos depois.
— Não. Assim como você, eu preciso pensar.
— Quando você diz “nenhum de nós estipulará uma data para o fim deste acordo”,
está ciente de que enquanto dividirmos uma cama... — fiz uma pausa e forcei-me a concluir
— ou qualquer outro tipo de superfície plana. Você só dormirá comigo, não é?
— Por isso nós dois precisamos pensar — respondeu ao invés de minha pergunta —
Até amanhã consegue me dar uma resposta?
Assenti e aquilo pôs um fim à conversa.
Pouco mais de uma hora depois, as árvores cobertas de neve começaram a parecer
uma visão constante. A estrada ficara mais estreita e agradeci pelo silêncio no carro. Pois
ele me permitia pensar.
Percebi que Guilhermo agiu como se já esperasse que eu dissesse algo assim. O que
me surpreendeu — mesmo que eu soubesse que às vezes ele consegue entender minhas
reações e expressões, não achei que ele imaginasse que eu não gostaria de saber que ele
dormiria com outra enquanto estivesse comigo.
Suas duas condições me deixaram surpresa. Muito surpresa. Porque acreditei que
ele, mais do que eu, não gostaria de prolongar isso por muito tempo. Porém, entendi. O fato
de não estipular uma data serve tanto para prolongá-la por semanas, quanto para restringi-la
a dois encontros, por exemplo. Assim ele não teria problemas ao aceitar dormir apenas
comigo.
A terceira, que ele não quis revelar, me deixou apreensiva. O que ele condicionaria
agora?
— Estamos chegando — Guilhermo disse chamando minha atenção.
— Quanto tempo?
— Quinze minutos no máximo.
Respirei fundo e decidi parar com aqueles pensamentos e imaginar o que o destino
reservou para este final de semana.
— Continua com medo do que minha família vai achar? — mesmo sem encará-lo,
percebi seu sorriso — Pensei que a americana intrépida não temesse a nada.
Revirei os olhos e respondi:
— Eu não estou com medo.
Ele dedicou um olhar enigmático a mim e disse:
— Então, prepare-se para enfrentar uma família tipicamente italiana — ele
prosseguiu.
Franzi a testa sem entender.
Italiana? Uma família italiana?
— Achei que sua família fosse espanhola.
— Apenas meu pai é espanhol, mas foi criado na Itália — retificou — Mamãe, minha
irmã e eu somos italianos. Apenas crescemos na Espanha — ele riu — Não achei que
ficaria tão surpresa ao saber disso.
Guilhermo é italiano?
— Você é Italiano? — inquiri retoricamente.
— Italiano e espanhol. A partir de agora um pouco americano, presumo — ele fitou
meu semblante chocado e nem mesmo isso me trouxe as palavras de volta — É tão estranho
assim?
— Não! É só que eu achei que você e Tyler tivessem traços fortes e por um momento
achei que ele fosse italiano. Mas agora...
— Ele é. Só foi para Barcelona depois de formado na faculdade.
Nem mesmo eu sabia o porquê de estar tão surpresa. Talvez fosse pelo fato de ter
desejado muito fazer a faculdade de Administração de empresas na Itália. Mas isso mudou
quando fui aceita na faculdade que papai estudou — decidi estudar lá por ele.
Era apenas a nacionalidade de Guilhermo. Italiano e Espanhol — sorri ainda meio
descrente daquilo.
— E sua família? Há algum tipo de miscigenação nela?
— Minha mãe é brasileira — contei — Mas meus irmãos e eu somos americanos
como papai.
— Você tem irmãos?
— Tenho dois. Angeline e Daniel — expliquei.
— Todos moram em Nova Orleans?
— Não. Apenas minha mãe, Daniel e papai. Angie mora comigo agora.
Meu sorriso sumiu aos poucos ao perceber quão longe eu estava de todos eles.
Mesmo que soubesse que não poderia voltar.
Decidi acabar com aquela linha de raciocínio antes que pensamentos mórbidos me
deixassem ainda pior.
— Chegamos — anunciou.
Olhei para a casa branca com janelas de madeira escura à nossa frente. Possuía até
mesmo uma chaminé charmosa. Parecia confortável e aconchegante. Distante de todo o
barulho da cidade. Para mim, pareceu perfeita.
Inspirei profundamente quando meus batimentos cardíacos aumentaram — agora eu
conheceria o resto do clã D’Angelo.
Quando chegamos, já havia um empregado nos esperando na entrada. Ele desceu os
degraus da escada e nos cumprimentou em italiano. Guilhermo falou com ele por alguns
segundos, seu nome, pelo que entendi, é Tadeu. E então, subimos os mesmos degraus que
nos levavam a porta da frente.
A casa deles é realmente linda — pensei enquanto Guilhermo e eu a adentrávamos
— Paredes em tons claros de azul. Móveis escuros e os estofados eram brancos com
estampas de lindas e pequenas flores azuis. Completamente decorada para o natal. A árvore
com luzes e bolinhas azuis e prateadas. Há muitos retratos nas paredes. Fotos que mostram
uma família pequena e feliz.
— Finalmente chegamos — ouço Guilhermo dizer.
Engoli em seco ao perceber que estou na casa de sua família e passarei todo o final
de semana aqui. O que o senhor D’Angelo pensará disso? Que sou uma das “amigas” de
Guilhermo? — inferno — E se ele se convencesse de que esse foi o motivo pelo qual
consegui fechar aquele contrato?
Eu nunca me importei com o que a maioria das pessoas pensa a meu respeito, mas
não poderia aceitar que meu profissionalismo e minha dignidade entrassem em um jogo que
eu certamente perderia — porque isso aconteceria se qualquer um de nós tentasse explicar
que o “relacionamento” entre Guilhermo e eu, começou aqui em Nova Iorque. Bem,
tecnicamente.
Não pense sobre isso agora — pedi silenciosamente a mim mesma.
Tento me distrair com os retratos nas paredes, e um deles me chama atenção.
— É você? — perguntei a Guilhermo.
Aponto para uma das fotos em que vejo seu pai, Sr. D’Angelo, e um garotinho de
olhos azuis como o oceano. Ele sorri marotamente para a câmera. Seus cabelos estavam
desgrenhados como agora. Ele segurava uma bola de futebol e seu pai o abraçava para a
foto. Guilhermo parecia não ter mais de dez anos. Céus! Eles são muito parecidos. Como
não percebi isso antes?
— Sim — respondeu agora atrás de mim.
Meu coração acelerou, assim como minha respiração. Fechei os olhos e pedi forças
para mantê-lo longe. Quando ele colocou sua mão sobre a minha, a que estava segurando o
porta retrato, um arrepio levantou os pelos de meu braço.
— Colegas de trabalho não se beijam, Srta. Howell? — ele questionou em meu
ouvido e hesitei antes de conseguir responder.
— Não.
Agradeci mentalmente pela convicção em minha voz.
Conversamos por um momento antes de entrar, mas nem um último beijo foi trocado
entre nós hoje.
— Guilhermo! — ouvimos uma mulher o chamando animadamente e viramos para
vê-la.
Uma senhora sorri alegremente enquanto vem em nossa direção — deve ter alguns
anos a mais que mamãe. Seus cabelos são negros, como os de Guilhermo, mas os olhos são
de um azul muito mais claro, e brilhavam ao fitá-lo — certamente era sua mãe.
Ele sorri e segue em sua direção.
— Mamãe... — os dois se abraçam e um sorriso surgiu em meus lábios ao ver que
ela parecia uma criança enquanto Guilhermo um enorme urso. A altura dele com toda a
certeza foi herdada do pai — Quero lhe apresentar uma pessoa — disse baixo apenas para
ela, mas pude ouvir. Quando os dois se separaram e vieram até mim, senti cada centímetro
de meu corpo ser avaliado rapidamente pelos olhos azuis de sua mãe.
— Mamãe, esta é Evangeline, a colega de trabalho que lhe falei. E Evangeline, esta é
Mariana, minha mãe.
— Prazer em conhecê-la, Sra. D’Angelo — sorri educadamente para ela, que
retribuiu enquanto apertava minha mão.
— Oh, por favor, Evangeline, me chame de Ana — pediu.
— Evy. Me chame de Evy, por favor.
— Tudo bem, Evy — troquei um olhar com Guilhermo e percebi que ele sabia que
sua mãe me observava como uma leoa que pretende proteger seu filhote. Seu maldito sorriso
me dava certeza disso — Vou pedir que o Tadeu leve suas malas para o quarto de
Guilhermo.
Mirei o homem entre nós novamente.
— Guilhermo?
Seus olhos brilharam de pura malícia por alguns segundos antes que ele intervisse.
— Mamãe, Evangeline não ficará em meu quarto. Como disse, ela é uma colega de
trabalho.
Senti minhas bochechas queimarem e me odiei deliberadamente por isso. Segurei
meu casaco com mais força e fitei Ana, que parecia surpresa.
— Me desculpe, Evy. É que eu pensei que... Como ele... Enfim, eu estava errada —
seus olhos não desviam dos meus enquanto ela parece procurar as palavras certas — Está
com fome? O almoço ainda não está pronto, mas temos bolo, frutas...
— E papai? Onde está? — é a vez de Guilhermo.
— Foi à cidade com Tyler e Drake. Vamos? — pergunta a mim.
Arrisquei um olhar furtivo para Guilhermo quando comecei a segui-la e ele deu de
ombros e sorriu ao sussurrar:
— Boa sorte.
Italiano Espanhol idiota.
QUINZE
EVANGELINE
Mariana pegou meu casaco e o colocou sobre um cabide na cozinha — eu sempre
desconfiei que italianos gostassem de cozinhar, mas a cozinha de Ana faria inveja a muitos
chefes de restaurantes. O design era moderno, mas muitos de seus utensílios não foram
substituídos pelos aparelhos eletrodomésticos que a maioria das mulheres tem em casa.
Duas mulheres riam juntas próximas à pia, mas eu não conseguia ver seus rostos.
— Venha, Evy. Quero apresentá-la a duas pessoas — segurei sua mão, que me foi
estendida, e a segui — Meninas, quero apresentá-las a uma amiga de Guilhermo.
Amiga — eu já devia saber que ninguém acreditaria na desculpa dele. Colega de
trabalho. Como se sua família não o conhecesse.
As duas mulheres se voltaram para nós e meu rosto demonstrou minha surpresa ao
ver Marina — a produtora de eventos que organizou as festas de final de ano das empresas.
— Marina? — sorri ainda surpresa quando ela se aproximou e me abraçou. Ela
também sorriu abertamente ao me ver — Eu nunca imaginei que poderia encontrá-la aqui.
— Faço minhas as suas palavras! — ela riu — Você é a amiga de Guilhermo?
Assenti e seus olhos brilharam.
— Vocês já se conheciam? — Ana perguntou a nós duas.
— Sim. Marina organizou a festa de inauguração da filial em Nova Iorque —
expliquei — Você é amiga da família? — perguntei a ela que corou automaticamente.
— Marina é minha filha, Evy.
Arqueei as sobrancelhas sem acreditar. Voltei-me para ela — agora era possível ver
os pequenos detalhes em sua aparência que lembravam Guilhermo. E ela é muito parecida
com Ana. Os cabelos lisos e negros, os olhos. Toda a família D’Angelo tem olhos azuis?
— Achei que seu sobrenome fosse Sartori — lembrei-a.
— Esse é o sobrenome de mamãe — Marina explanou — Quando sua secretária me
ligou e disse que a festa seria para a D’Angelo, preferi não dizer que fazia parte da família.
— Marina nunca quis usar o sobrenome da família para subir os degraus de sua
carreira — Ana concluiu.
Angeline também pensava assim.
— Mas e minha sobrinha Allison? Você também a conhece? — Ally sorriu e retribuí,
mesmo após ter lembrado da forma que ela estava naquela festa.
Ela é prima de Guilhermo?
— Conhecemo-nos na festa, tia — ela disse ao me cumprimentar com um beijo no
rosto — Guilhermo me apresentou a ela.
Ana concordou e disse:
— Tudo bem. Seja bem-vinda à nossa casa, Evy — olhei os rostos sorridentes à
minha frente e tive certeza que, na melhor das hipóteses, elas me enxergavam como um tipo
de raridade neste momento. E eu sabia que isso tinha a ver com Guilhermo.
Diabos.
***
Era uma entrevista.
Definitivamente as perguntas que Ana me fizera enquanto preparávamos o almoço,
faziam parte de uma entrevista. Mas ela não parecia apenas desconfiar que havia algo entre
seu filho e eu. Suas perguntas capciosas mantinham como tema sempre o meu
relacionamento com Guilhermo.
Você é a americana do contrato de Barcelona? Como se conheceram? Trabalham
juntos? Guilhermo é um bom profissional? Vocês se veem longe da empresa? Você que o
acompanhou na última festa?
Nada sutil — concluí.
Percebi também que Marina e Allison estavam atentas a todas as minhas respostas.
Pouco mais de meio dia, o resto da família chegou — o Sr. D’Angelo, Tyler e Drake,
o noivo de Marina.
O almoço foi um pouco mais fácil para mim. A conversa já envolvia toda a família e
o assunto principal não era Guilhermo e eu. Todos eram agradáveis e gentis. Vez em outra
riamos de algo mencionado.
Entendi que o motivo das perguntas era o fato de Guilhermo nunca ter trago uma
mulher para a casa da família — Theodory fez questão de dizer isso a todos.
Guilhermo e eu apenas trocamos olhares durante toda a refeição.
Entendi aquilo quando lembrei que não nos tocamos, ou sequer nos beijamos, há uma
semana. Deve ser por isso que apenas o roçar de sua pele na minha fez com que eu me
arrepiasse mais cedo.
Abri minha mala sobre a cama e procurei o vestido que trouxe para usar na ceia de
Natal — o quarto em que fiquei era simples, mas tudo nele me encantou. As cores sóbrias,
os quadros decorativos, a cama de casal com colcha branca e bordados cinza. Havia
cuidado e delicadeza em tudo nele.
Batidas na porta me tiraram de meus pensamentos. Olhei para o vestido que segurava
e o deixei na mala novamente, antes de colocá-la no chão.
Respirei fundo e fui até a porta para atendê-la.
— Guilhermo? — perguntei perplexa por sua presença.
Encarei-o em silêncio por alguns segundos. A intensidade e o desejo que estavam em
seus olhos, eram suficientes para que eu compreendesse à que caminho aquilo nos levaria.
Acenei em negativa quando ele deu um passo em minha direção.
— Não, Guilhermo — pedi marchando vagarosamente para dentro do quarto — Aqui
não.
Ele fechou a porta ao entrar.
Mantenha tanta distância dele quanto puder — como se ao vê-lo tão perto, eu
pudesse seguir qualquer mantra.
— Quero que saiba porque a convidei para este final de semana — ele disse.
Seu corpo estava a centímetros de distância do meu e a estática continuava a impedir
qualquer movimento de minha parte.
— Guilhermo, eu acho que... — tentei, mas ele me interrompeu.
— Eu não queria passar duas semanas sem beijar e tocar em você — engoli em seco
após essas palavras. Ele roçou os seus lábios em meu rosto e eles seguiram lentamente para
minha orelha — E você quer que eu termine esta semana sem fazê-lo?
Antes que eu respondesse que não. Ele me beijou suavemente.
— Esqueça a desculpa estúpida de que é minha colega de trabalho — uma de suas
mãos pousou sobre minha cintura e trouxe meu corpo de encontro ao seu — Não precisamos
explicar a ninguém o que há entre nós.
Segurei com força a camisa polo que ele vestia e o trouxe para me encarar.
— Talvez para sua família não — repliquei ao recordar de meus pensamentos ao
chegar aqui — Mas todos acreditariam que só consegui aquele contrato por ter ido para
cama com você — lembrei-o.
— Podem ir todos para o inferno. Sabemos que não é verdade.
Desisti de tentar impedi-lo de fazer qualquer coisa, ao ouvir aquilo. Por mais que
soubesse que eu me importava, sabia também que agora estávamos apenas nós dois e as
opiniões das pessoas lá fora, sequer me interessavam.
Guilhermo me beijou e retribuí sem qualquer hesitação.
A ausência de regularidade nas batidas do meu coração era inerente apenas a ele.
Inferno. Aquele era o melhor tipo de arritmia que uma pessoa poderia ter.
Eu estava ciente de sua vontade de fazer com que finalmente tivéssemos mais do que
apenas beijos, mas achei que sentia isso nas mesmas proporções que ele. Estava
tremendamente enganada. A veemência de seu beijo me dizia que não. Para ele aquilo
parecia ser uma necessidade ainda maior, mesmo que em nenhum momento ele tenha tentado
impor sua vontade acima da minha.
Eu definitivamente não achava relevante o fato dele querer ou não isto mais do que
eu, porque o seu toque; seu corpo; me fazia ansiar por aquilo mais que qualquer outra coisa.
E de alguma forma, nosso desejo equiparava-se completamente agora.
Quando Guilhermo encostou-me a parede do quarto, eu o ajudei a tirar sua camisa —
Eu amava o seu corpo. E gostaria de delinear todos os contornos rígidos e tensos de seu
torso, seus ombros e suas costas. Eu queria beijá-lo em todos esses lugares também.
— Seus cabelos são lindos — disse enquanto os soltava do rabo de cavalo que eu fiz
anteriormente — Devia deixá-los soltos mais vezes.
Ele tocava as madeixas de meu cabelo com adoração irrefutável. Mordi os lábios ao
registrar aquelas palavras e cerrei os olhos quando suas mãos seguraram minhas nádegas
com firmeza e possessividade — como sempre faz.
— Guilhermo — gemi seu nome com a voz baixa e rouca quando ele colou nossos
corpos e senti, contra meu ventre, que ele já estava excitado.
— Isso é o que você faz comigo, Evangeline.
Eu não poderia colocar em palavras a volúpia que eu obtinha por apenas senti-lo
contra mim, mesmo com todos os tecidos que ainda nos separavam.
Após erguer-me o suficiente para entrelaçar as pernas em sua cintura, ele questionou:
— Lembra-se da minha terceira condição? — assenti ao pousar minhas mãos em seu
peito — Quero que confie em mim a ponto de agir sem qualquer indecisão quando me toca e
sem qualquer hesitação, quando eu a toco.
Preferi manter-me em silêncio enquanto suas palavras ecoavam por minha mente.
Tentava inutilmente demonstrar letargia, mas sabia que seria impossível enganá-lo com isso.
— Não quero que me conte o porquê de ficar assim às vezes. Não se não quiser. —
prosseguiu.
Não tive coragem suficiente para desviar meus olhos dos seus. Eu queria saber se
havia qualquer sinal que me indicasse que ele estava mentindo.
Não havia.
— Só quero ter certeza de que posso tocá-la sem que isso a faça lembrar de coisas
ruins. E que vai me tocar sempre ciente de que eu estou com você. Não qualquer outro.
Fechei os olhos e ele acariciou meu rosto suavemente.
Nada vai impedi-la de seguir em frente, Evangeline — meu subconsciente lembrou
quando senti meus olhos queimarem em lágrimas que eu me recusava a derramar na frente
de Guilhermo — Você não vai deixar que seu passado te impeça de viver o presente e
ansiar pelo futuro. Não mais.— abri os olhos e o fitei novamente.
— Eu concordo. — me ouvi dizer — Concordo, mas quero você agora.
Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa eu o beijei impetuosamente. Usando este
novo contato entre nós para esquecer o que suas palavras me lembraram. Puxei seus cabelos
lisos com força quando ele nos levou para a cama e me pôs sobre ela.
— Tem certeza? — certificou-se.
— Você aceita minhas condições? — inquiri ao invés de respondê-lo.
Ele riu enquanto se colocava sobre mim na cama. Mantive minhas pernas abertas o
suficiente para que ele ficasse entre elas.
— Acho que eu já esperava que você me dissesse algo como aquilo — Guilhermo
beijou meu pescoço e cerrei os olhos para aguçar meus outros sentidos e sentir tudo dele
com mais intensidade — Aceitei quando disse que não gosta de dividir — brincou.
Aquilo me arrancou um sorriso.
— Eu já havia dito que meu forte não é dividir — admiti.
Ele concordou e deu-me um selinho antes de morder meu lábio inferior e levá-lo
para si. Fechei os olhos quando seus beijos e pequenas mordidas seguiram para meu
pescoço novamente. E o calor de seus lábios ali, aqueceu também outras partes de meu
corpo.
Senti suas mãos acariciarem minhas pernas suavemente. Um arrepio atravessou todo
o meu corpo ao perceber que elas levantavam meu vestido e seguiam para a junção de
minhas pernas. Sussurrei seu nome e gemi baixo quando ele chegou a minha calcinha.
— Evy?
Meu nome, seguido por três batidas na porta, me fez hesitar. Guilhermo praguejou
baixo quando abri os olhos e parei de puxar seus cabelos.
— É Marina? — perguntei para ele que apenas concordou com um aceno — Você
precisa se esconder — pedi.
Ele franziu o cenho e suspirou baixo ao entender:
— Colegas de trabalho não fazem sexo?
Arqueei as sobrancelhas ao ouvir o mau humor perceptível em sua voz.
— Não fizemos sexo — lembrei-o.
— Não por falta de tentativa.
Comprimi os lábios para esconder o sorriso, mas não foi suficiente. Eu concordava
que aquilo já estava indo longe demais, mas vê-lo assim por causa disso era novidade.
Guilhermo se levantou e pegou sua camisa.
Mais três batidas e o som da maçaneta sendo girada foram capazes de me levar ao
desespero.
Levantei-me e arrumei o vestido em meu corpo.
— Só um momento — pedi a Marina agradecendo por Guilhermo ter trancado a
porta ao entrar. Voltei-me para ele e disse — O banheiro.
Ele semicerrou os olhos para mim e murmurou antes de entrar no cômodo que eu
havia indicado.
— Você está rindo de mim, Srta. Howell?
— Sim — admiti — Eu nunca imaginei que o celibato de uma semana pudesse deixá-
lo mal humorado.
— Talvez não ficasse mal humorado se fosse uma semana, como você diz — e
fechou a porta.
Acenei em negativa para colocar os pensamentos que me vieram à mente de lado.
Arrumei a cama rapidamente e fui até a porta. Respirei fundo uma vez e a abri.
— Marina, algum problema?
— Não! — ela disse rapidamente olhando para dentro do quarto. Como que para se
certificar de que eu estava sozinha — Vim falar com você.
Surpreendi-me, mas deixei-a entrar.
— Aconteceu algo?
— Não, não se preocupe. É sobre Guilhermo — fechei os olhos e criei coragem para
fitá-la novamente.
— Guilhermo? — repeti.
Mantive-me impassível quando notei seu olhar observador sobre mim.
— Eu queria saber como se conheceram.
— Você já ouviu essa história. — lembrei-a ao indicar a cama para que se sentasse.
— Não com a riqueza de detalhes que necessito. — brincou — Sério, se não quiser
contar sobre o relacionamento de vocês, eu não vou insistir. Só fiquei um pouco curiosa.
Assenti e retruquei após sua afirmação:
— Não temos um relacionamento, Mari. — sentei-me em uma das poltronas enquanto
ponderava sobre falar ou não deste assunto com ela. Tentando sempre lembrar a mim mesma
que Guilhermo estava muito próximo. Ouvindo tudo.
Se eu não contasse, ela teria mais um motivo para acreditar que há algo entre seu
irmão e eu.
— Ficamos presos por cerca de vinte minutos no elevador do hotel España, em
Barcelona.
— E?
— Tivemos uma pequena discussão — as lembranças daquele dia entraram em foco
por mim e sorri ao perceber o eufemismo que havia usado — E quando fui embora, eu já
possuía um tipo de ódio bobo pelo homem que sequer sabia o nome.
— Por que discutiram?
— Ele se ofereceu para me levar para um tour em Barcelona. Eu disse que não fui
aquela cidade para aquilo e ele insistiu. Então, eu perdi a paciência.
Ela riu alto e reprimi a vontade de fazer o mesmo. Era, de fato, engraçado olhar
desta forma para o passado.
— Quando deixaram de brigar? Pelo que entendi, segundo o que Allison me contou,
Guilhermo disse a ela que vocês dois discutiam muito.
Maldição.
— Na noite da festa em comemoração à Catalunha, eu desmaiei e ele me levou ao
hospital. Acho que depois daquilo, concordamos silenciosamente com uma trégua.
— Papai disse que quando você foi embora, Guilhermo ficou muito diferente do que
sempre foi.
Arqueei as sobrancelhas ao tentar entender o que “muito diferente” queria dizer.
— Sabe algo sobre isso? — continuou.
— Não.
Ela me avaliou por um momento em silêncio e levantou.
— Vocês ainda discutem muito?
— Não. Acho que depois que começamos a trabalhar juntos, tudo foi esquecido,
afinal, os negócios não têm nada a ver com o que possamos ter dito um ao outro no passado.
Marina concordou com um aceno de cabeça e sorriu.
— E o natal? Ele a convidou por algum motivo em especial?
As palavras de Guilhermo ao entrar aqui, voltaram a mim, mas desvencilhei-me
destes pensamentos rapidamente.
— Ele ouviu uma conversa entre minha mãe e eu e percebeu que eu não estava
minimamente interessada em atravessar o país para a comemoração de natal. Então me
convidou quando percebeu que eu ficaria em casa sozinha.
Foi sua vez de arquear as sobrancelhas.
— Você gosta de Guilhermo, Evy? — arregalei os olhos ao ouvir aquilo.
Engoli em seco e forcei-me a não olhar para a porta do banheiro que continuava
fechada.
— Depende do sentido que você está dando a palavra gostar — levantei-me e sorri
nervosamente — Se quiser saber se gosto dele o suficiente para não querer que seja
atropelado na Times Square, por exemplo. Sim, eu gosto.
Ela riu e seus olhos azuis brilharam em divertimento. Sem tirá-los de mim,
completou:
— Estou falando no sentido literal da palavra. Evy, você gosta do meu irmão a ponto
de manter um relacionamento às escondidas com ele?
Fechei os olhos quando ela sorriu vitoriosamente para mim.
Não adiantaria continuar com aquilo.
— Isso mesmo, eu já sei. — Marina disse ainda rindo — Eu o conheço desde que me
entendo por gente. Aqueles olhinhos nunca haviam brilhado daquela forma. Somente um
cego não perceberia a forma que ele olha para você.
Cruzei os braços antes de insistir:
— Não temos um relacionamento.
— Não sei o que é, mas é evidente que existe algo. — ela se aproximou — Espero
de verdade que aquele cabeça dura perceba o que tem e não a deixe escapar —
confidenciou apenas para mim. Como se muitas pessoas estivessem ali.
— Nenhum de nós está preso ao outro, Marina. Não há do que escapar. — repliquei.
— Toda a família está na torcida por vocês — murmurou.
Tentei retribuir seu sorriso como uma tentativa de acabar com aquela conversa, mas
não deu muito certo. Ela segurou minhas mãos entre as suas e insisti:
— Nenhum de nós quer um relacionamento.
— Vamos ver o que o destino reservou para vocês.
Ela estava certa. E eu não poderia fazer nada em relação a isso.
Suspirei e arrisquei:
— Todos já sabem?
— Apenas mamãe ainda tenta acreditar que não. Ela prefere não aceitar que
finalmente perdeu seu filho para uma mulher — aquilo me fez rir.
— Não acha que ela está sendo dramática?
— Ela costuma ser. — sorriu — Tenho que me arrumar. A ceia já está pronta. —
avisou-me.
— Eu também, ainda vou tomar um banho — respondi quando a vi seguir para a
porta.
— Evy... — voltei-me para ela novamente — Apenas... Não coloquem um fim, sem
dar uma chance ao que pode acontecer, ok?
Uma vez Guilhermo me disse o contrário.
Acabou antes de começar.
Conseguimos reverter essa situação antes, mas eu não estava certa de que
aconteceria novamente.
O que diabos eu poderia fazer sobre isso?
Assenti e ela saiu.
Encostei-me a porta e ouvi Guilhermo sair do banheiro e fazer o mesmo, ficando
contra o batente da porta.
Eu não disse nada por um momento. Ele apenas me fitou em silêncio, com os braços
cruzados.
— Ela sabe? — perguntou após uma longa pausa.
— Sim.
Esperei que ele fizesse qualquer comentário divertido sobre “colegas de trabalho”
novamente. Mas ele continuou tão sério quanto eu. É claro que ele ouvira mais do que
apenas isso da minha conversa com sua irmã — e não achei que ele estivesse muito feliz
com o que ela disse.
— Precisamos nos arrumar — avisei-o.
— Você concorda? — indagou vindo até mim — Com o que ela disse sobre destino?
Dei de ombros e respondi:
— Não acho que eu tenha escolha a não ser esperar e descobrir o que me aguarda.
Ele anuiu com um aceno de cabeça e veio até mim.
— Nos vemos daqui a pouco — sussurrou contra meus lábios após um selinho.
Concordei e ele saiu.

GUILHERMO
Fechei a porta do quarto de Evangeline e encontrei Marina do outro lado do
corredor, a frente de seu quarto. Ela sorriu e piscou para mim antes de entrar — pelo que eu
ouvi anteriormente, já sabia mais do que eu poderia imaginar.
Segui para meu quarto e joguei-me na cama cansado — eu sabia que não era cansaço
físico, e sim mental.
Em quinze minutos fui capaz de repassar tudo o que acontecera entre Evangeline e
eu, em uma tentativa de entender as afirmações de Marina — algo que eu nunca cogitei em
fazer antes. E isso me deixou com raiva de mim mesmo — Era ridiculamente perceptível a
mudança em mim. E eu somente percebi isso agora.
No começo achei que Evangeline estava cedendo muito e indo contra tudo o que
havia dito em Barcelona. Então achei que deveria ceder um pouco mais também. Mas essa
atitude se tornou tão repetitiva que eu sequer considerei as consequências ao convidá-la
para minha casa. Eu apenas queria que ela estivesse aqui e ignorei incansavelmente até
mesmo as especulações da minha família e as brincadeiras sem graça de Allison e Tyler.
Você está mudando, Guilhermo — admiti em pensamento — E só parece se importar
de verdade com isso quando para pra pensar. Como está fazendo agora.
Inferno. Mas eu realmente me importava tanto com isso? — se sim, não deveria,
afinal sei exatamente o que eu quero e Evangeline deixou bem claro o que ela não quer.
Eram apenas as opiniões de minha família, e eles não sabiam sequer o que exatamente
acontecia entre ela e eu.
E por que você ignorou suas regras para tê-la? — foi a pergunta que ecoou em
minha mente.
E automaticamente a sentença de papai voltou a mim: porque ela é diferente das
outras.
Eu nunca havia discordado daquelas palavras e não via motivos para tentar fazê-lo.
Papai estava malditamente certo em sua afirmação. Evangeline é diferente das outras. Mas
não a ponto de me fazer querer um relacionamento, porque continuo a não querer um.
Ainda não tinha trinta anos completos. Não via motivos suficientes para me prender a
alguém. Todos têm esperanças de que isso um dia aconteça. E quem sabe um dia, em um
futuro distante?
Entretanto, não agora. Eu ainda queria aproveitar muito as vantagens de ser solteiro.
Concordei mentalmente comigo mesmo e levantei para tomar um banho. Precisava
me arrumar, ou me atrasaria.
***
Desci as escadas da cozinha que levavam a adega de papai, à procura de Tyler e
Allison que desceram há dez minutos para pegar mais garrafas de vinho, mas parei no
último degrau ao perceber que estavam conversando.
— Ele estava na festa de inauguração da filial, Tyler — ouvi Ally dizer.
— Eu o vi, ele me reconheceu, mas não trocamos uma palavra sequer. E acho que sei
porque estava lá com Evangeline. — foi a vez de Tyler.
Juntei as sobrancelhas involuntariamente ao entender do que eles falavam.
Ainda lembro da forma que Ally saiu daquela festa. E isso foi por causa de Bryce?
Por que?
— Vocês são parecidas, Ally. — estranhei o tom suave e as palavras usadas por
Tyler — E...
— Não. Não diga isso. — ela pediu agora nervosa — Fazem-se quase oito anos.
Demasiado tempo para que qualquer um de nós persista em lembrar-se disto.
Arrisquei olhar para os dois, mas continuei escondido atrás da parede da escada.
Allison estava encostada a um freezer e Tyler a uma parede enquanto segurava
algumas garrafas de vinho.
— Você fala “disto” como se não fosse nada.
— Não é nada há oito anos, Tyler.
Ela teve algo com Bryce? — perguntei-me.
— Guilhermo? — ouvi a voz de mamãe próxima à escada e decidi descer de uma
vez ao ouvir o silêncio entre os dois.
— O que fazem aqui? — perguntei fingindo não ter ouvido nada da conversa —
Papai espera o vinho há quase meia hora.
Tyler riu pronto para fazer um comentário sarcástico e peguei duas garrafas de sua
mão antes que fizesse isso.
— Tyler estava me contando sobre o seu relacionamento iminente com aquela
Arquiteta. — mentiu.
— Relacionamento, hein? — perguntei a ele com um sorriso — Tyler começou um
relacionamento e eu é que sou o assunto da família? Só podem estar de brincadeira. —
brinquei enquanto seguia para as escadas novamente — Vocês vão continuar aí?
Eles não responderam, mas ouvi seus passos quando emergi das escadas para a
cozinha novamente.
O assunto Bryce terá que ficar para outra hora — concluí ao ver mamãe.
— Por que demoraram tanto? — questionou ao me ver.
— Estávamos falando sobre o namoro de Tyler — aticei ao vê-lo — Você sabia que
ele está tendo um relacionamento com uma arquiteta de Nova Iorque, mamãe?
Ela se voltou para ele e arregalou os olhos surpresa.
— Ma que insomma! — começou a repreendê-lo em italiano e ri de sua expressão
enquanto deixava a cozinha com Ally, que decidiu não ficar para ouvir o que mamãe tinha a
dizer por ser a última a saber de algo tão importante.
Eu colocava as garrafas de vinho sobre a mesa quando Evangeline chegou à sala de
jantar.
Foi como se as palavras de Ally se embaralhassem umas as outras, e eu não tivesse
como distingui-las. Retribui o sorriso de Evangeline, mesmo que após isso tenha me
repreendido por fazê-lo. Todos deveriam estar atentos a nós agora.
Ela está linda. Mais que de costume.
O vestido vermelho na altura dos joelhos acentuava suas curvas, mas não era, nem de
longe, muito colado ao seu corpo. As alças permitiam um decote discreto. Os cabelos
estavam soltos, como eu não lembro de já ter visto. E aquilo me surpreendeu tanto quanto
me agradou. Seu rosto estava maquiado de forma simples, pois seus olhos não precisavam
de nada para estar em destaque. Os lábios sensualmente vermelhos fizeram com que eu
quisesse beijá-la agora mesmo e ter o corpo marcado por beijos seus — como eu desejava
há muito tempo.
Voltei minha atenção para o vinho e o abri quando ela cumprimentou a todos.
Marina levantou para elogiá-la e a beijou o rosto.
Resisti à vontade de beijá-la ao reforçar o elogio de Marina e puxei educadamente a
cadeira ao meu lado para que ela sentasse.
Quando mamãe e Tyler voltaram, eu também já havia me sentado — ela sussurrou
algo para papai que assentiu e voltou-se para todos após usar uma faca e a taça de vinho
para chamar atenção de todos à mesa.
— É maravilhoso ver toda a família reunida novamente — ele disse dando início ao
discurso — Nos últimos anos não conseguimos manter todos juntos para comemorar esta
data que, para nós, é tão importante. Marina estava aqui em Nova Iorque e Allison em
Portugal, enquanto Tyler, Guilhermo, Ana e eu estávamos em Barcelona — trocamos olhares
e antes que uma delas tentasse retrucar, ele concluiu — Mariana e eu estamos muito felizes
por ver que, como pais, conseguimos educar nossos filhos e fazer deles pessoas boas. Não
falo isso apenas por Guilhermo e Marina — ele dividiu seu olhar entre nós — Allison e
Tyler são como nossos filhos desde o momento que foram para Barcelona há tantos anos.
Estamos orgulhosos de ver todos vocês como adultos independentes e responsáveis. E, mais
do que tudo, é um orgulho imensurável e impagável ver que todos encontraram um caminho
para seguir com outrem e, de alguma forma, começam a criar raízes.
Troquei um olhar com Evangeline e percebi o nervosismo em sua expressão. Sabia
que o motivo para isso eram as palavras de papai, mas não disse nada a respeito.
— Eu gostaria de agradecer a presença de todos hoje e em especial, aos convidados
que... Sinceramente espero que deixem de ser apenas convidados em breve — engoli em
seco ao ver todos mirarem Evangeline que apenas baixou os olhos ao pegar a taça.
Diabos.
— Papai... — eu o interrompi, mas ele fingiu não ouvir, pois continuou.
— Assim como os que, por algum motivo, não estão presentes hoje — desta vez ele
fitou Tyler. Certamente se referindo à Megan.
Todos estavam com sorrisos brilhantes no rosto, com exceção de Tyler, Evangeline e
eu.
Tyler parecia resignado, Evangeline incrivelmente vermelha pelo rubor de vergonha
e eu extremamente irritado pela intromissão de papai em relação a isso.
Quando todos levantaram suas taças para fazer o brinde, voltei-me para ela.
— Desculpe por isso. — pedi.
— Achei que minha família estivesse em expectativa sobre quando eu me casaria,
apenas porque sou a filha mais velha, mas a sua definitivamente ganha. — ela disse e
agradeci por não estar chateada.
— Italianos amam ter a casa cheia de familiares e amigos. Eu pedi que se preparasse
para conhecer o clã. — brinquei e ela sorriu genuinamente.
— Eu devia ter me preparado então.
Os olhares de todos estavam sobre nós quando encerramos a pequena conversa e
reprimi um suspiro de cansaço ao ver os sorrisos.
— Maldição. — murmurei.
Era quase meia noite quando mamãe anunciou a troca de presentes.
— Você não me disse que todos trocariam presentes. — foram as palavras
impacientes de Evangeline.
— Eu esqueci! Mas isso não importa.
Ela se sentou em uma poltrona e segui seu exemplo ficando na extremidade desta.
Quando mamãe pegou o seu presente, lembrei que o que eu comprei para Evangeline
estava no bolso de meu blazer. Mas agora, depois de tudo o que já aconteceu apenas hoje,
eu sabia que seria como confirmar a todos que tínhamos sim um relacionamento se eu o
desse a ela — no fim, decidi não fazê-lo. Pelo menos não agora.
Quando Marina se levantou para pegar seu presente, ouvi o telefone de Evangeline
tocar. Ela pediu licença explicando que era a sua mãe e saiu.
Todos a acompanhamos com o olhar enquanto saía e assim que a porta da cozinha se
fechou, vi seis cabeças se voltarem para mim.
— Por que mentiu para nós? — mamãe foi a primeira a falar.
Suspirei cansado antes mesmo que ela começasse o seu discurso materno e levantei-
me.
— Eu disse que somos colegas de trabalho. Não temos e não teremos um
relacionamento, se querem ou não acreditar nisso, o problema não é meu.
— Guilhermo! — mamãe repreendeu-me irritada com minha afronta.
— É a verdade. — insisti — Parem de deixá-la constrangida com esses comentários
errôneos e nada sutis. — fitei Marina e depois papai que estava incrivelmente quieto e
sereno.
— Mas, Guilhermo... — Mari tentou, entretanto eu a interrompi.
— Não, Marina, não há “mas”... Vocês já foram longe demais.
O silêncio incômodo me acalmou e murmurei antes de sair:
— Com licença.
Não ouvi uma palavra ser proferida por qualquer um deles enquanto saía e ignorei os
burburinhos que vieram depois que fechei a porta.
Agradeci mentalmente por ver que Evangeline não estava na cozinha e abri a
geladeira à procura de nada em especial. Acabei pegando apenas uma garrafa de água e
encontrei um copo na pia.
Sempre achei que lamentar e se arrepender por decisões e atitudes impensadas fosse
algo ridículo, pois isso não faria com que o passado voltasse e você pudesse consertar a
estupidez que fez, mas não posso deixar de me lembrar quão idiota fui por trazê-la aqui.
Inferno. Como eu poderia imaginar que minha família agiria desta forma?
Fechei os olhos ao encostar-me ao balcão e acenei em negativa para mim mesmo.
Não adianta perder tempo com esses pensamentos agora.
Ainda teríamos um dia inteiro com o clã D’Angelo. E eu não me achava capaz de
suportar aqueles comentários e ficar em silêncio. Evangeline foi educada até agora e fingiu
não se importar, mas não posso esperar que o faça para sempre, nem mesmo até o fim do dia
de amanhã.
A porta atrás de mim, a que levava à varanda atrás da casa, foi aberta e voltei-me
para ela. Evangeline me fitou surpresa.
— Olá... — tentei sorrir, mas eu sabia que havia falhado.
— Olá — ela franziu o cenho e veio até mim ao fechar a porta — O que houve?
— Nada — menti.
Não funcionou, ela arqueou a sobrancelha e retifiquei:
— Estou cansado dessa intromissão da minha família.
Evangeline riu e encostou-se ao balcão de granito, ficando ao meu lado.
— Tudo terminará amanhã à noite.
Sua tentativa de me confortar quase funcionou. Fitei-a novamente e não resisti a um
sorriso de canto.
— Você tem razão. — anuí tentando me apegar a esta ideia.
Ela suspirou e cruzou os braços sob os seios antes de voltar-se para mim.
— Natalie mandou um beijo. — disse com os olhos semicerrados — E me pediu
para lembrá-lo de algo sobre um trabalho, mas não entendi.
Aquilo me fez rir.
A garotinha tinha uma ótima memória.
— Por que acho que não ficaram apenas conversando sobre os presentes de natal que
ela gostaria de comprar? — questionou ainda desconfiada.
— Porque não ficamos — admiti.
— E do que estavam falando?
— De você.
Seus olhos se arregalaram denotando sua surpresa e meu sorriso aumentou.
— Por que estavam falando de mim?
Acenei em negativa e respondi quando Evangeline franziu o cenho:
— Esse é um segredo entre Natalie e eu. E prometi que não contaria a ninguém.
— Não seja infantil! — pediu ficando agora a minha frente — Que trabalho é esse
que ela mencionou?
— Quer mesmo que eu quebre uma promessa que fiz à sua filha? — inquiri
colocando uma mão sobre o peito encenando incredulidade — Não achei que pudesse
pensar tão mal de mim... De qualquer forma não quebrarei minha promessa.
— Inferno. Você ainda consegue ser incrivelmente insuportável quando quer.
— Alguns hábitos nunca mudam. — dei de ombros.
Uma carranca se formou em seu semblante e mordi os lábios para não rir.
— Vamos voltar à sala?
Olhei para o meu relógio e vi que era quase meia noite. Eu não ouvia mais qualquer
som vindo da sala e decidi dar o presente de Evangeline enquanto ainda podia.
— Antes eu queria lhe dar algo.
Tirei a caixa de veludo do bolso do blazer que vestia e quando percebi que ela
protestaria, falei:
— É apenas um presente. Não se preocupe.
— Mas, Guilhermo, eu... — ela tentou novamente.
— Eu agradeceria muito se não tivéssemos que começar uma discussão para que
você aceitasse. — intervim — É algo simples. Vi ontem e lembrei de você.
Ela franziu os lábios, mas ficou em silêncio sem desviar os olhos dos meus enquanto
eu abria a caixa.
Esperei qualquer reação sua ao ver o colar de corrente fina e delicada, com um
pingente de esmeralda. Surpresa, espanto, negação e até mesmo encanto, mas ela tornou-se
impassível.
— É lindo, realmente maravilhoso... Mas não é o tipo de presente que um homem dá
a uma...
— Colega de trabalho? Eu pedi pra você esquecer essa estupidez. — lembrei-a.
— Não é um presente que um homem dá nem mesmo para uma amiga, Guilhermo! —
fechei a caixa e desisti de insistir — Como espera que eu aceite sendo menos que isso?
Eu não estava com a mínima vontade de começar uma discussão e não seria justo
fazê-lo agora, principalmente por causa disso.
— Tudo bem. — anuí guardando a caixa novamente.
— Não estou desprezando seu presente. — ela começou de forma mais suave — Mas
se isso não é um relacionamento, não vamos tratar como se fosse.
— Você está certa.
Ela mordeu o lábio inferior e acenou em negativa.
— Você está chateado.
Desviei meus olhos dos seus e tentei me concentrar em qualquer coisa que me tirasse
a atenção das palavras que eu gostaria de dizer a ela agora.
— Vamos voltar? — sugeri.
— Guilhermo... — ela pediu em um sussurro e eu estava ciente de que queria apenas
consertar as coisas, mas eu não sabia como fazer isso. Não mais. — Você está estranho
desde que Marina foi ao meu quarto mais cedo... O que está acontecendo?
Fitei-a em silêncio por quase um minuto antes de dizer:
— Eu acho que para algo que não chega a ser um relacionamento, estamos tendo
complicações e discussões demais. — admiti.
Seus lábios se entreabriram para me dar uma resposta, mas ela se interrompeu antes
de fazê-lo.
— E sei que não é conosco o problema. — expliquei — As coisas começam a sair
dos trilhos quando outras pessoas se envolvem.
— Você quer declinar do nosso acordo? — ela perguntou de repente.
Antes que eu pudesse responder a porta foi aberta.
— É hora do brinde. — papai avisou.
Olhei em meu relógio e percebi que era meia noite e dois.
— Estamos indo. — falei sem ao menos encará-lo. Evangeline tampouco se moveu.
Ele saiu em seguida e perguntei a ela:
— Podemos falar sobre isso depois?
Evangeline apenas assentiu e saímos da ilha da cozinha.
Não a toquei novamente. Sabia que precisávamos terminar esta conversa antes que
pudesse fazê-lo novamente.

Acordei com batidas hesitantes na porta de meu quarto. Olhei em volta, tudo
continuava em plena escuridão. Fechei os olhos novamente e novas batidas me deram a
certeza de que não se tratava de um sonho. Olhei para o despertador no criado mudo e vi
que ainda não eram nem seis da manhã.
Mas que inferno — pensei ao levantar.
Procurei a calça do pijama e a encontrei sobre o divã. Esfreguei os olhos obrigando-
me a acordar de verdade e a vesti — não poderia atender a porta vestindo apenas a boxer.
— Evangeline? — surpreendi-me ao vê-la acordada e completamente vestida.
— Desculpe acordá-lo. — murmurou parecendo se sentir realmente culpada por
isso.
— O que houve? — questionei dando-lhe espaço para entrar no quarto.
— Guilhermo, eu preciso voltar à Nova Iorque.
Então percebi que estava nervosa e seu semblante mostrava preocupação. Os olhos
estavam vermelhos e indaguei-me sobre isso. Ela estava chorando?
— O que houve? — repeti.
Seus olhos brilharam e encheram-se de lágrimas, mas ela não as derramou. Apenas
respirou fundo e os fechou quando me aproximei para abraçá-la.
— Deus... O que está acontecendo, Evangeline? — perguntei lhe afagando os
cabelos.
— David me ligou — respondeu e um momento depois estava se desvencilhando de
mim. Como se eu a estivesse machucando.
Era perceptível o quanto ela tentava não transparecer o que estava sentindo, mas tudo
em sua expressão a denunciava.
— E? — encorajei-a.
— Eu não queria ter que falar disso...
Juntei as sobrancelhas quando minha curiosidade e apreensão aumentaram. Assim
que ela pareceu tornar-se ciente da minha crescente preocupação, cedeu:
— Minha secretária foi encontrada morta... Em minha casa.
Enquanto eu registrava o que ela havia dito, vi as primeiras lágrimas rolarem por seu
rosto.
Maldição. O que está acontecendo agora?
DEZESSEIS
GUILHERMO
Evangeline e eu não trocamos uma palavra sequer enquanto eu dirigia para Nova
Iorque. Eu não sabia o que dizer e era mais do que perceptível que ela estava perdida
demais em pensamentos para tentar me contar algo.
Portanto, tentei tirar minhas próprias conclusões — o que não adiantou muito. Pois
tudo o que crescia em mim a cada nova tentativa de entender aquilo era a quantidade de
perguntas que povoava minha mente.
No fim, depois de tudo o que me veio à mente, eu estava certo apenas que alguém
tentava incriminá-la por esse assassinato.
As questões óbvias após essa premissa eram: Quem o faria? E por quê?
Infelizmente eu estava ciente da reticência da mulher ao meu lado em me contar
qualquer coisa sobre sua vida — ainda lembrava de como ela hesitou ao falar de sua
família em nossa viagem do dia anterior. Mas se eu fosse apostar em uma explicação para
tudo, colocaria todas as minhas fichas de que o estopim para tudo estava em Nova Orleans.
E por isso ela não quis ir para lá neste natal.
Eu gostaria de recordar o nome que a ouvi dizer naquele telefonema com sua mãe —
no dia em que sugeri que dissesse a ela que iria para minha casa no natal — No entanto,
aquilo parecia ter acontecido séculos atrás e eu, por mais que tentasse, não conseguia
lembrar.
— Sabe me dizer onde fica esta delegacia? — questionei a ela.
— É próxima a minha casa. Quando estivermos próximos o suficiente eu lhe indico o
caminho.
Concordei silenciosamente e continuei a dirigir.
Quando finalmente chegamos, eu desisti de aguentar seu silêncio e murmurei:
— Você está bem? — ela estava pronta para abrir a porta do carro quando parou e
me fitou.
— Sim.
— Você não conseguiria me enganar agora, nem se tentasse.
Evangeline franziu os lábios, mas não disse nada.
— Quero entender o que está acontecendo.
Aquilo fez com que ela voltasse a me encarar. E por um momento vi seus olhos
brilharem de medo.
— Você disse que eu não precisaria contar nada sobre minha vida. Não se não
quisesse.
— Não imaginei que algo assim aconteceria. — retruquei tentando manter o tom de
minha voz neutro.
— Você não precisa ficar, Guilhermo. Vou resolver tudo aqui e depois vou embora.
— Eu quero ficar. — semicerrei os olhos para ela.
— Não quero dizer nada.
— Eu sei que não. — repliquei.
— Então por que quer ficar?
— Não vou deixá-la sozinha agora. — ela fechou os olhos em resignação e abri a
porta do carro para sair. Depois fiz o mesmo com a sua.
Eu segurava sua cintura e mantinha seu corpo próximo ao meu enquanto
adentrávamos aquele local. Evangeline pegou o celular em sua bolsa e atendeu a uma
chamada quando nos aproximamos da recepção.
— Onde você está, David? — eu a ouvi dizer. Ela se virou e mirou as portas a nossa
frente — Qual delas? Estou indo. — e desligou.
Franzi o cenho para ela e esperei suas palavras para mim.
Deus. Ela estava a ponto de ruir. E isso me deixava louco. Odiava vê-la assim, no
entanto, não fazia ideia de como poderia reverter esta situação.
— Preciso falar com David. Você me espera aqui? — assenti e ela sussurrou
obrigada antes de sair.
Acompanhei-a com o olhar enquanto seguia para uma daquelas salas e depois olhei a
minha volta. Percebi que para um sábado aquela delegacia estava praticamente às moscas.
É natal — lembrei.
Peguei o celular e liguei para Tyler. Já eram quase dez da manhã.
— Tyler?
— Guilhermo? Onde você está, priminho? Todos acham que fugiu com Evangeline.
— brincou e revirei os olhos, cansado.
— Evangeline teve uma emergência e precisei trazê-la de volta para Nova Iorque. —
contei.
— Diabos. Não me diga que ela realmente não gostou do discurso de ontem?
— Não, não foi isso. É um problema de família. Um ente querido que faleceu. —
menti.
Segundos de silêncio se passaram, até que ele murmurou:
— Ela está aí com você?
— Não. Por quê?
— Eu gostaria de dar os pêsames, seu idiota. — respondeu como se fosse o óbvio.
Respirei profundamente e pedi calma e paciência a Deus.
— Não, ela está resolvendo alguns problemas. Não posso falar muito. — decidi
encerrar a conversa — Apenas avise a família. — pedi.
— Tudo bem... Depois falo com ela. — e desligou.
Ignorei seu último comentário e virei-me de costas quando ouvi um homem perguntar
a um policial se Evangeline Howell chegara.
Mirei atentamente o homem e percebi a impaciência que ele exalava. Parecia
cansado como se estivesse há mais de vinte e quatro horas ali. Havia olheiras sob seus
olhos negros e sua cabeça reluzia à luz fluorescente do local. Seu blazer estava aberto e o
nó da gravata torto.
— Ela veio comigo. — respondi a ele após o policial informar que não sabia —
Você é...?
— Bruce Hunter, delegado responsável pelo caso em aberto.
— Guilhermo D’Angelo. — estendi minha mão e ele a apertou brevemente.
— Acredito que saiba o porquê da srta. Howell estar aqui. — ele disse.
— Sim, eu sei.
— Onde ela está? Preciso fazer algumas perguntas a ela.
— Poderia me indicar sua sala? — pedi — Eu a levo em cinco minutos.
Ele arqueou as sobrancelhas e verificou as horas em seu relógio. Certamente seu
turno já havia terminado e ele estava louco para ir embora.
Apontou para o corredor e murmurou:
— Última porta no corredor. Vou esperá-la. — assenti e ele saiu.
Fui até a sala em que a vi entrar anteriormente. Antes que batesse à porta para entrar,
vi, através do vidro, Evangeline abraçada a um homem.
Aquilo me fez parar completamente — o homem sussurrava algo em seu ouvido,
como que para acalmá-la e seus braços envolviam o corpo dela. Uma de suas mãos estava
sobre a sua cintura, da forma que eu fizera anteriormente. Apenas aquela cena fez com que
palavras desconhecidas e nunca proferidas antes por mim, pesassem em minha garganta. E
eu não conseguia simplesmente desviar os olhos dos dois. E não sabia sequer o motivo para
minha respiração estar tão pesada.
Coloquei a mão na maçaneta e forcei-me a sair daquele estado de torpor.
Abri a porta sem fazer barulho e o homem se voltou para mim. Semicerrei os olhos
com raiva ao perceber que era David, o tal noivo de mentira, mas a expressão dele não
mudou. E algo me dizia que mesmo que eu o conhecesse, não seria capaz de entender o que
aquela expressão impassível tentava esconder.
Evangeline o soltou e, mesmo estando de costas para mim, eu percebi que limpava os
olhos enquanto perguntava:
— Acha que eles têm algo a ver com isso?
David não hesitou antes de responder, mas olhou diretamente para mim enquanto o
fazia:
— Tenho certeza.
Isso fez com que Evangeline também se voltasse para mim e arqueei a sobrancelha
esquerda para ela quando disse:
— O delegado quer falar com você.
Percebi que ela queria dizer algo, mas apenas trocou um olhar com David e assentiu
para mim.
— Eu vou com você. — ele murmurou para ela.
Neste momento uma das portas que levavam às outras salas foi aberta e um homem
baixo e com um bigode desproporcional ao seu rosto, saiu dela.
— David, encontramos as imagens. Precisamos que faça a identificação do sujeito.
— Vá com ele, não se preocupe. — foi à vez de Evangeline.
— Eu a levo. — ofereci e todos se voltaram para mim.
Evangeline sussurrou “obrigada” e David disse algo em voz baixa para ela e saiu.
Entrelacei sua mão na minha quando ela se aproximou o suficiente e perguntei:
— Você está bem?
Ela acenou afirmando e me deu um sorriso de canto, embora seus olhos ainda
estivessem brilhantes pelas lágrimas.
— Sim.
Saímos daquela sala e a levei até a sala do delegado. Ele pediu que eu a deixasse
sozinha com ele e mesmo hesitante em fazê-lo, eu a deixei.

EVANGELINE
Eu já estava muito melhor quando abri a porta e cumprimentei o delegado que estava
sentado atrás de sua mesa. Eu sabia que John tinha algo a ver com o que estava acontecendo.
Meu maior choque foi achar que Claire fora vítima de uma vingança na qual ele gostaria de
me atingir, mas após ouvir as suspeitas de David, senti-me mais preocupada em saber se
estava sendo procurada pelos mesmos criminosos de sete anos atrás, do que porque John
havia matado Claire.
Pelo que David disse, segundo o que viu das câmeras de segurança de minha casa,
ela estava lá com John por livre e espontânea vontade — os dois pareciam não estar cientes
das câmeras que David me aconselhara a colocar na varanda de minha casa. Pois todas
antes destas, foram cuidadosamente cobertas por John que usava boné e óculos.
O medo de que tudo esteja voltando novamente me fez desabar alguns degraus em
minha pirâmide de recuperação, mas agora começo a colocar meus pensamentos em ordem.
E a manter minha promessa comigo. Há alguns meses eu pedi que conseguisse ter minha
vida normal de volta, que conseguisse voltar a ser a Evangeline de antes, mas não
conseguirei fazer isso se me deixar desabar sempre que algo ruim acontece. Se continuar
sendo tão fraca.
Sim. Isso é o maldito inferno e sempre preciso de tempo para pensar, mas agradeço
por chegar a esta conclusão e me recuperar em seguida.
O delegado me pediu que sentasse a sua frente e o fiz.
— Srta. Howell, creio que já foi avisada do que aconteceu em sua casa na tarde de
sexta feira. — assenti e ele prosseguiu — Quero que me diga onde estava neste dia.
Não expressei nada pela forma direta e ríspida com que ele falou.
— Eu estava em um sítio fora de Nova Iorque.
— Alguém pode comprovar isso? — inquiriu arqueando a sobrancelha.
— Oito pessoas podem confirmar. — repliquei.
— O que fazia lá?
— Fui para a comemoração de natal da família de um colega de trabalho.
Ele assentiu brevemente e analisou-me em silêncio.
— Tem ideia do motivo que sua secretária teria para ir à sua casa?
— Não.
— Não pediu que ela pegasse nenhum trabalho ou objeto para a senhorita?
— Senhor...? — deixei no ar minha dúvida e ele completou.
— Bruce Hunter.
— Era véspera de natal, Sr. Hunter. Minha empresa funciona sempre até o dia vinte e
três de dezembro e concedo o recesso de duas semanas como qualquer outra empresa de
Nova Iorque em período de natal. Eu não estava trabalhando. Por que pediria que minha
secretária fizesse qualquer trabalho para mim? E ainda por cima que fosse para minha casa?
Obrigada, David — agradeci mentalmente — Por me ajudar e me acalmar
anteriormente para ter esta conversa com esse homem. Eu estaria em apuros se não tivesse o
feito.
— Sabe me dizer o que ela faria lá então?
— Não.
Ele parou e pareceu pensar por um momento. Senti as batidas de meu coração
triplicarem e reprimi a vontade de fechar os olhos e suspirar.
Céus. Eu já estava tão cansada disso.
— Teve alguma discussão com qualquer pessoa que poderia tentar incriminá-la? Ou
colocá-la como suspeita?
— Sim. Há algumas semanas descobri que o ex namorado de minha irmã mais nova
estava envolvido com tráfico de drogas. O detetive encontrou evidências de que ele poderia
estar envolvido em novos contrabandos semelhantes e não hesitei em denunciá-lo. — contei
— Na quinta feira ele foi a minha casa para me ameaçar. Como eu não estava, deixou este
“recado” para que minha irmã me desse.
O homem a minha frente concordou, não sei exatamente para quê, e questionou:
— O nome dele qual seria?
— Jonnathan McConnor.
— O homem que está com a senhorita também estava neste tal sítio para
comemoração de natal?
— Sim.
— Peça para ele entrar em seguida... Antes quero que assine estes papéis... — ele
me estendeu algumas folhas — Os peritos estão em sua casa procurando pistas sobre o tal
Jonnathan. Queremos entender o que está acontecendo. Há algo sobre sua secretária que
deveria saber.
Franzi a testa e esperei que ele continuasse.
— O legista nos informou que ela foi assassinada com uma facada no peito. Através
da amostra de DNA dela descobrimos que foi presa há alguns anos. Ela era prostituta, Srta.
Howell.
Engoli em seco ao ouvir aquilo.
Claire veio de uma de minhas instituições. A Tomorrow’s ajuda jovens e adultos que
já estiveram em contato com a prisão ou com a prostituição, mas desejam ser reinseridos na
sociedade como trabalhadores. Entretanto, eu nunca imaginei que Claire fora envolvida com
isso.
Não, eu não a julgo, de forma alguma, não sei que motivos a levaram a isso. Mas
Claire? Minha secretária eficiente e reservada? Estava envolvida com John? Qual era a
verdade por trás dessa colocação dela em minha vida? Por que a colocaram tão perto de
mim? Para me vigiar? Se eu quisesse trazer o passado à tona e denunciar aquela maldita
quadrilha, eu o teria feito anos atrás! Não agora. Então porque eu continuava na mira deles?
— Pela sua expressão, acredito que não sabia.
— Não. — admiti — Eu não fazia ideia disso.
— As gravações das câmeras de segurança de sua casa, mostram claramente a sua
saída e horas mais tarde a chegada de um homem acompanhado por uma mulher. Depois
apenas a saída dele. Como o legista não encontrou digitais na faca, vou esperar o resultado
do exame que foi feito com os restos de pele encontrados nas unhas da Srta. Ryan. Se esse
homem que a senhora mencionou já tiver sido preso, temos o DNA dele em nossos registros
e ele será descoberto. Quando possuir um nome, eu a informarei.
Assenti.
— Sua casa só será liberada na segunda-feira. — informou — David me pediu que
colocássemos alguns policiais de guarda para reforçarem sua segurança enquanto não
encontramos o culpado.
Fechei os olhos sem acreditar que ele fizera isso.
— Até a segunda-feira já teremos uma equipe para protegê-la. Disponho de dois
policiais agora para escoltarem-na até um hotel para que possa passar o resto do final de
semana.
— Não precisa.
Ele baixou os óculos e me fitou incrédulo.
— Tem certeza?
— Sim. Agradeço de verdade, mas John não sabe onde ficarei. Não há perigo
iminente. Pelo menos não agora.
— Como quiser, Srta. Howell. — concordou antes de sentar-se à sua mesa e concluir
— Peça que o seu acompanhante entre. Espero estes documentos quando ele sair.
— Ok.
Levantei-me e apertei sua mão antes de agradecer.
Guilhermo entrou em seguida e li rapidamente os tais documentos antes de pedir uma
caneta a um dos poucos trabalhadores em mesas e assinei todos.
Pouco mais de dez minutos depois, Guilhermo saiu. Levei as folhas para o delegado
e saí em seguida.
— Vamos? — ele perguntou a mim e respondi que sim.
Senti meu corpo se arrepiar quando ele me envolveu com um braço e uma de suas
mãos segurou minha cintura para manter-me próxima a ele enquanto andávamos para fora
dali. É claro que ele já fizera isso antes, mas não com a possessividade evidente de agora.
— Para onde quer que eu a leve? — indagou-me ao abrir a porta do carro para mim.
— Um hotel, o mais próximo daqui. Não posso ir para minha casa até segunda feira.
— expliquei e ele franziu o cenho com a porta ainda aberta.
— Um hotel? — ecoou.
— Sim. — repeti enquanto colocava o cinto de segurança.
Ele deu a volta no carro e quando já estava sentado ao meu lado, disse:
— Não vou deixá-la em um hotel. — juntei as sobrancelhas e fitei-o desentendida —
Você ficará comigo em meu apartamento.
Abri minha boca para retrucar, mas impedi-me de fazê-lo. Pensei por um momento e
tomei coragem para perguntar:
— Ainda quer entender o que está acontecendo?
— Sim.
— E se eu não quiser contar? — aquilo o fez me encarar.
— É algo tão ruim a ponto de não querer me dizer?
Mordi a parte interna da bochecha e ponderei sobre aquilo. Eu poderia lhe contar o
que estava acontecendo sem chegar a mencionar qualquer coisa de meu passado. Além de
que Guilhermo foi envolvido nisso. Merece saber ao menos o porquê do que aconteceu em
minha casa.
— Não... — admiti.
Cerrei os olhos por um momento e pensei sobre ir ou não com ele. Quando nossa
conversa de ontem me veio à mente, perguntei:
— Ontem... Você estava decidido a declinar de nosso acordo? — ao fazer aquela
pergunta eu não desviei meu olhar do seu, ele também não o fez.
— Não.
E eu não poderia ter dúvidas quanto a isso. Acreditava nele porque não via motivos
para não fazê-lo. A sinceridade naqueles olhos não me deixava duvidar.
— Tudo bem. — anuí — Eu vou com você.
— Vai me contar o que está acontecendo? — assenti — Manteremos nosso acordo?
— Sim.
Olhei-o de soslaio, ele parecia estupefato enquanto um nervosismo estranho crescia
em mim.
Iríamos para sua casa. Eu passaria dois dias, sozinha, com ele. E manteríamos o
nosso acordo.
Eu só via uma forma para aquilo terminar.
DEZESSETE
EVANGELINE
Eu olhei completamente surpresa para o apartamento de Guilhermo. Era incrível
como tudo, até mesmo os pequenos detalhes em sua enorme sala, me lembrava ele.
Todos os móveis eram escuros. Iam de um cinza escuro ao preto. As paredes em um
tom mais claro de cinza estavam com algumas fotografias de sua família. O cômodo era
extremamente espaçoso. Com um sofá enorme e à frente dele uma TV de, eu desconfiava,
cinquenta polegadas. O que não poderia deixar de ser mencionado é a janela, que ia do chão
ao teto, e ocupava o espaço de quase três metros. Estava localizada atrás de duas poltronas
certamente confortáveis.
— Sinta-se à vontade. — Guilhermo disse ao fechar a porta e neste momento voltei a
fitá-lo.
— Belo apartamento. — elogiei.
— Obrigado.
O caminho até sua casa foi curto e o silêncio no carro não parecia tão carregado
quanto quando estávamos vindo para Nova Iorque. Ele perguntou apenas se eu estava
melhor após nossa pequena conversa e dirigiu até aqui.
Tentei reprimir um sorriso espontâneo quando ele me deu aquele sorriso — o mesmo
de meses atrás em Barcelona. O seu sorriso sensual — mas foi impossível.
Guilhermo nos levou para o centro da sala e apontou para um balcão de quase dois
metros, que possuía uma janela branca fechada acima.
— A cozinha fica para lá.
Assenti brevemente e o segui quando pegou minha mala e disse que me levaria ao
quarto. Por que eu estava nervosa? Nós apenas dormiríamos juntos. — acenei em negativa
para mim mesma e fechei os olhos por um momento — Nós finalmente dormiríamos juntos.
Eu não tinha mais medo de conseguir ou não ir até o fim com ele. Eu sabia que podia
ir. Eu confiava em Guilhermo e estava ciente do que apenas sua presença provocava em
mim — as batidas irregulares do coração. A momentânea falta de ar. Os arrepios quando me
tocava. E a forma que eu me sentia quando ele sorria para mim. O desejo entre nós era
inegável e perceptível.
Mantínhamos o acordo e nenhum de nós queria mais do que o outro estava disposto a
dar. Pela primeira vez em minha vida eu tive certeza que estava indo pelo caminho certo.
Eu não senti isso com Bryce ou qualquer homem antes dele. Nem mesmo... —
suspirei brevemente e forcei-me a não reprimir aqueles pensamentos — Eu podia lidar com
as lembranças sobre Steve. É claro que podia e o faria daqui para frente.
Respirei fundo enquanto atravessávamos o corredor. Contei três portas até ele
finalmente parar em frente de uma.
— Esse é o meu quarto. — murmurou mirando-me atentamente — Se quiser ficar em
qualquer outro... — ele indicou as outras portas em volta — Eu entendo.
— Você quer que eu fique em outro quarto? — inquiri arqueando a sobrancelha
direita.
— É claro que não.
— Então eu não vou ficar em outro quarto.
Encaramo-nos por alguns segundos até que Guilhermo sorriu, abriu a porta e me
deixou entrar.
Tudo pareceu entrar em desfoque por mim quando vi sua cama. Era imensa e a
colcha de seda preta não fugia em nada de tudo o que já predominava em toda a sua casa.
De repente, criações involuntárias de minha mente me mostraram nós dois entre aqueles
lençóis. Nos beijando — não pense nisso agora, Evangeline. Agora não — Mas apenas esta
cena em minha mente, me fez estremecer.
Guilhermo se afastou para colocar minha mala em um canto e pigarreei baixinho
quando uma pergunta me importunou.
— Quantas mulheres você já trouxe aqui?
É claro que aquilo não faria diferença para mim. Era apenas uma curiosidade.
Virei-me de costas para ele quando se aproximou para me ajudar com o casaco e
tirá-lo.
— Além de você, apenas duas. — admitiu e fechei os olhos por um momento.
Pelo menos ele não havia feito um harém aqui — pensei tentando ser otimista.
Por que não deu tempo, talvez?— uma vozinha atiçou em minha cabeça.
— Ally e a Sra. Bennett. — explicou.
Juntei as sobrancelhas sem entender e ele esclareceu quando voltou a me encarar.
— Ally ajudou Drake, o noivo de Marina, a fazer a decoração do apartamento. Ela e
Marina me conhecem melhor que qualquer outra pessoa, e como eu estava ocupado
resolvendo os detalhes para a viagem, então Ally se ofereceu para fazê-lo e deixá-lo da
forma que eu gostaria. — assenti mesmo que a expressão “me conhecem melhor que
qualquer outra pessoa” tenha ecoado em minha mente.
Quem é Sra. Bennett?
— A Sra. Bennett cuida do apartamento e o mantém limpo e organizado para mim.
Arqueei a sobrancelha esquerda ainda sem acreditar e ele completou:
— Não trago mulheres para minha casa, Srta. Howell. — murmurou sorrindo de
minha expressão — Por que acha que eu tinha o hotel España em Barcelona?
Não. Eu realmente não quero ter este tipo de conversa com ele. Definitivamente não
precisamos conversar sobre coisas assim — repeti para mim mesma. Como que para me
lembrar disto.
— Prefiro não descobrir. — repliquei.
— Tem certeza? — insistiu sem tirar o maldito sorriso do rosto.
— Sim.
Aproveitei a proximidade entre nós e o beijei suavemente antes de me afastar para
pegar minha mala.
O fim da noite de ontem e o início deste dia aparentemente já havia sido esquecido.
Pelo menos por hora.
— Está tarde. Vou preparar o almoço. — anunciou — Se quiser tomar um banho e
trocar de roupa. Fique à vontade.
Franzi o cenho e voltei a fitá-lo acreditando ter entendido errado.
— O quê? — foi tudo o que consegui articular por um momento — Você, Guilhermo
D’Angelo, sabe cozinhar?
— Sim. — respondeu enquanto tirava seu casaco.
Ele percebeu minha descrença em relação a sua afirmação, ergueu o queixo e
semicerrou os olhos em desafio.
— Você não acredita?
— Eu não disse nada. — virei-me de costas para que ele não visse meu sorriso e
perguntei rapidamente qual das portas era a do banheiro.
— Você adora isso, não é mesmo? — inquiriu ao se aproximar com um maldito
sorriso insolente estampado no rosto.
— Adoro o quê?
— Me provocar e me desafiar. — ele segurou meu queixo delicadamente e eu o
mirei atentamente — Havíamos parado com isso, esqueceu?
— Por que se sentiu desafiado, Guilhermo?
— Porque você me deu aquele maldito sorriso debochado e arqueou as sobrancelhas
em nítida descrença.
Seus olhos azuis brilharam em divertimento e eu sabia que ele estava pensando em
algo malicioso agora. Retribuí o sorriso e questionei:
— E o que fará sobre isso?
— Vou lhe propor um novo acordo. — seus lábios juntaram-se aos meus em um beijo
rápido — Eu farei o almoço e, se você gostar, eu a ganho de sobremesa.
Senti partes sensíveis de meu corpo pulsarem após aquelas palavras.
— Você só me faz propostas indecentes, Sr. D’Angelo. — acariciei seu rosto
suavemente. Adorando o contraste de sua barba por fazer com minha pele lisa.
Claro que eu poderia entrar em seu jogo. Somos bons nisso — lembrei.
— Mas e se eu não gostar de ser sua sobremesa? — continuei.
Seus olhos brilharam em desafio e foi sua vez de sorrir.
— Ah, você vai... Vai gostar muito, não se preocupe. — garantiu e meu corpo
estremeceu contra o seu quando ele ratificou — Eu prometo.
Quando achei que me beijaria, ele se afastou e seguiu para a porta. Antes de sair,
disse:
— O almoço estará pronto em uma hora.
Talvez, Evangeline, apenas talvez, isso não tenha sido um erro. Você não atiçou,
provocou e desafiou o homem errado.

Cerca de duas da tarde, eu já estava pronta para o almoço. Vesti um short jeans e uma
blusa branca com mangas longas. Amarrei o cabelo em um rabo de cavalo e coloquei
apenas um rímel. Decidi abdicar do batom.
Parei na frente do balcão que dividia a sala e a cozinha e encostei-me a ele, para
assistir Guilhermo cozinhar.
Maldição.
Deveria ser pecado um homem ser como Guilhermo D’Angelo — lindo, inteligente,
divertido, atencioso e... Safado? Definitivamente sim.
Ele usava uma colher para mexer algo em uma panela e quando finalmente apagou o
fogo. Voltou-se para mim e sorriu:
— Como foi o banho? — perguntou semicerrando os olhos maliciosamente.
— Ótimo... Como sabia que eu estava aqui?
— Senti seu olhar apreciativo sobre mim.
Sua afirmação me fez rir audivelmente e ele levantou as sobrancelhas enquanto trazia
a comida.
— Não achei que seu lado convencido pudesse ser engraçado também. — foram
minhas palavras.
— E você sequer tentou negar. — devolveu aderindo ao meu sorriso.
Acenei em negativa sem querer prolongar aquela conversa e iniciei outra.
— O que você cozinhou para nós?
— Bem, embora na Espanha tenhamos um amor incondicional por peixes, a Sra.
Bennett não abasteceu minha geladeira como deveria, porque sabia que eu estava viajando.
Mas pude fazer Frango à Espanhola e de sobremesa, que infelizmente ela já havia
preparado, Panacota Espanhola.
Concordei lentamente e provoquei:
— Achei que faria comida italiana.
Ele juntou as sobrancelhas para mim e colocou uma garrafa de vinho sobre o balcão.
— Não. Felizmente meu castigo foi de apenas um mês. Mamãe não teve tempo de me
ensinar sobre pratos italianos.
Franzi o cenho sem entender e sentei-me em uma das cadeiras altas do balcão quando
ele colocou um prato à minha frente.
— Castigo? — ecoei.
Ele anuiu com um meneio de cabeça e sentou-se ao meu lado.
— Ah, sim. Aprendi a cozinhar por causa de um castigo da Sra. Mariana D’Angelo.
Aquilo me fez rir.
— Que tipo de castigo foi esse? — inquiri sem entender, assim que ele começou a
me servir.
— Mamãe adora cozinhar e sabia que com quatorze anos a última coisa que eu
gostaria de fazer na vida, é cozinhar. Então me fez seu ajudante de cozinha enquanto eu
estava de castigo sem poder sair por um mês.
Ri um pouco mais alto após aquelas palavras e ele me fitou tentando parecer bravo.
— Você acha engraçado? Eu tive que aprender a cortar pimentões em todos os
formatos que o homem conhece, tendo que ouvir uma italiana reclamar em espanhol. —
coloquei as mãos sobre a boca para abafar o riso quando imaginei aquilo — Mamãe parece
ser uma mulher paciente, mas isso é só até você conhecê-la.
— O que você fez de tão ruim para merecer isso?
Ele semicerrou os olhos e riu por um momento. Arrisquei que havia lembrado.
— Fui sozinho a uma festa em Madri sem que meus pais soubessem.
Levantei minha taça para que ele colocasse vinho para mim e acenei sem acreditar.
— Com quatorze anos?
— Sim. Era aniversário de um de meus amigos e todos os meus colegas de natação
haviam confirmado, mas mamãe viajou com papai e não permitiu que eu fosse.
— Então você simplesmente foi?
— Fui com outro amigo e o irmão mais velho dele. Mas mamãe é bem dramática
quando quer e minha defesa não serviu muito quando ela e papai deram o veredito.
— Você já tinha em mente que conseguiria tudo o que queria? — aticei.
— Não. — ele riu — Aquela foi mais uma atitude impensada. Era minha primeira
festa de verdade e eu não queria desperdiçar a chance de ir... Não costumo ter tudo o que
quero, Srta. Howell. — concluiu.
Concordei mentalmente com aquilo e ele levantou sua taça.
— Ao que quer brindar? — questionou quando fiz o mesmo.
— A nós? — repliquei inclinando minha taça até a sua.
— A nós. — concordou quando elas tocaram suavemente uma na outra.
Surpreendi-me quando provei a comida que ele havia feito e ele esperou
visivelmente ansioso a minha resposta. De fato, estava uma delícia e não entrei em mais
jogos ao admitir aquilo.
Tomamos o resto do vinho enquanto conversamos algumas amenidades após a
refeição. E percebi que aquela fora a primeira vez que fizemos isso. Quer dizer, que
conversamos de verdade.
Lavávamos a louça juntos quando seu celular tocou sobre a mesa da cozinha, ele o
atendeu dizendo que era um número desconhecido e franzi o cenho em preocupação quando
Guilhermo me estendeu o celular e disse que era David.
Aquilo foi suficiente para me lembrar de tudo o que acontecera pela manhã. Do que
meu melhor amigo me disse mais cedo e do motivo que me trouxe à Nova Iorque com
Guilhermo antes do fim daquele feriado.
— David? — sussurrei após levar o celular ao ouvido — Como conseguiu este
número?
— Sabe que isso não é tão difícil para mim, Evy. — foi sua resposta — Por que não
me atendeu? Estou há quase uma hora tentando falar com você. Daniel está a ponto de me
deixar louco com ligações a cada cinco minutos querendo saber como você está.
— Desculpe, eu não estou com meu celular por perto... Diga a ele que estou bem. —
pedi — E desculpe por sair sem falar com você.
— Está com Guilhermo?
Olhei para o homem a minha frente e assenti mesmo sabendo que David não poderia
me ver.
— Sim.
— Eu prefiro que não o faça, você sabe o que ainda penso. — lembrou-me.
Suspirei já cansada daquela conversa e pensei em um modo de sair dela.
— Ligue para o meu celular. Vou pegá-lo agora mesmo.
— Tudo bem. — murmurou antes de desligar.
Entreguei o celular de Guilhermo e ele perguntou rapidamente:
— Está tudo bem?
— Sim, não se preocupe. Ele só quer me colocar a par do que está acontecendo.
Beijei-lhe rapidamente os lábios enquanto terminava de enxugar as mãos e saí da
cozinha para pegar meu celular no quarto de Guilhermo. Ele já estava tocando quando
cheguei lá.
— Eu já disse que ele não tem nada a ver com isso. — disse a David assim que
atendi — Eu confio nele, David.
— Mas eu não. — interveio — Talvez seja apenas o que você disse, eu não o
conheço. Mas Guilhermo não deixará de ser um suspeito para mim, até que eu tenha provas
suficientes para acreditar que ele não tem nada a ver com o que está acontecendo.
Fechei os olhos ao sentar-me sobre a cama e fiquei em silêncio. Já não sabia o que
dizer sobre este assunto.
— Claire estava muito perto, Evy. Ela estava te vigiando e nós dois sabemos disso.
— Por que alguém mandaria ela fazer isso, David? Eu não entendo. Aquilo foi há
tanto tempo, eu sequer fiz denúncias e... Você lembra, não envolvi a polícia em nada. Por
que eles tentariam me colocar nisso novamente?
Eu o ouvi suspirar brevemente e engoli em seco sem saber o que esperar de suas
próximas palavras.
— Já não acho que eles estejam envolvidos nisso.
Meu coração parou naquele instante.
— E quem estaria me vigiando? E para que?
— Quando Daniel e eu fomos a Chicago atrás daquela pista sobre John, descobrimos
dois lugares nos quais John esteve hospedado por alguns dias. Com a influência de Matt,
aquele agente federal que me chamou mais cedo, conseguimos descobrir sobre as ligações
feitas por John. Assim como algumas ligações que ele fizera nos últimos meses pelo seu
número de celular.
Ele fez uma pausa e insisti:
— E?
— Várias dessas ligações foram feitas para Chicago e Nova Orleans.
Cerrei os olhos e agradeci por estar sentada quando registrei aquelas palavras.
Aquilo pareceu demais para ser digerido por mim naqueles poucos segundos, mas
forcei-me a fazê-lo.
— Acha que Steve está me vigiando então? — arrisquei.
— Sim.
Respirei fundo e continuei:
— Algo mais?
— Estou investigando sobre o passado de outros funcionários da Howell’s e da
D’Angelo. Os que trabalham mais próximos de você.
— Tudo bem.
Concordei quando percebi que até a próxima semana, depois do feriado de fim de
ano, ele já saberia quem mais está em envolvido nisso.
— Leslie está na minha lista.
— O quê?! David, Leslie é uma das minhas melhores amigas! É claro que ela não...
— ele me interrompeu.
— Nenhum de nós desconfiava de Claire e sabemos no que deu. Não vamos começar
uma discussão agora, Evy. Se ela não tiver nada a ver com isso, descobriremos.
Acenei em negativa para mim mesma e lembrei que aquele era o David super
protetor mesclado ao detetive. É claro que ele não deixaria passar nada.
— Tem alguma hipótese ou especulação sobre o motivo de John ter matado Claire?
— Não haviam digitais na faca usada para matá-la, e ele não sabia das novas
câmeras que você havia colocado em sua casa. Tenho quase certeza de que ele queria que a
culpa caísse em você. — explicou — Só não consigo entender porque ela foi até sua casa
com John. Já vi as gravações das câmeras vezes demais para descartar a hipótese dela ter
sido obrigada a isso. Era como se Claire estivesse lá para cumprir uma ordem e de uma
hora para outra, os planos de John tenham mudado.
— Steve não tem motivos para me querer presa. — completei sua linha de
raciocínio.
— Isso mesmo. — anuiu — Eu preciso desligar. O legista acabou de sair da sala.
Ele vai me dar o relatório de autópsia completo.
— Tudo bem. Obrigada por me manter informada. — agradeci — Descanse um
pouco e coma algo, se eu o conheço você sequer tomou café da manhã.
Ele suspirou e concluiu.
— Para sua informação, eu tomei três xícaras de café.
Um sorriso fraco surgiu em meus lábios.
— Isso não vai te manter de pé até o fim do dia.
— É o que veremos... Só mais uma coisa, Daniel inventou uma desculpa para manter
Natalie, Angie e Nany na casa dos seus pais. Elas só voltarão após o recesso.
Aquilo me fez respirar melhor.
— Ótimo. Diga a ele que estou bem e que mais tarde ligarei.
— Tudo bem. Cuidado, Evy, por favor. — ele disse antes de desligar. E eu sabia que
se referia a Guilhermo.
Usei as mãos para esconder o rosto e suspirei cansada. O nó em minha garganta
aumentou quando lembrei das suspeitas de David. De todas elas. Mas a que mais de
preocupava era a que envolvia Steve.
Pensei sobre o que contaria a Guilhermo e como o faria. Ele provavelmente estava
pensando nisso agora e certamente esperava pela explicação que eu havia concordado em
lhe dar.
Droga.
Engoli em seco e levantei tentando me agarrar a pensamentos que me ajudassem
naquele momento.
Pelo menos você não chorou como um bebê ao saber sobre Steve — meu
subconsciente apontou como uma tentativa de me animar — Era verdade. Talvez agora eu
realmente estivesse mais forte sobre isso, do que já estive um dia.
Guilhermo se voltou para mim ao me ver emergir do corredor e tentei lhe dar um
sorriso enquanto seguia para o sofá em que ele estava.
— Está tudo bem? — perguntou.
— Sim. — sentei-me ao seu lado e tomei coragem para começar — Acho que
precisamos conversar.
Ele assentiu brevemente e senti meu coração se apertar por um momento ao ver sua
expressão séria.
— Como ele conseguiu meu número?
— David é detetive. — respondi como se explicasse tudo.
— Por que queriam incriminar você?
— Eu denunciei o ex da minha irmã há algumas semanas. Ele estava envolvido com
coisas ilegais e quando descobriu que eu havia feito isso, começou a me ameaçar dizendo
que se vingaria. — explanei.
— O que sua secretária tinha a ver com isso?
— Eu não sei. Ela estava envolvida com John, mas nenhum de nós sabia como ou
porquê. David está investigando tudo agora.
Ele ficou em silêncio por um momento e meus batimentos cardíacos aumentaram
quando indecisão sobre o que ele diria cresceu em mim.
— Ele ainda está solto?
Assenti incapaz de lhe dar qualquer resposta com palavras e ele continuou:
— Ele ainda pode querer se vingar de você, Evangeline! E se ele tentar te machucar
de alguma forma?
Arregalei os olhos por um momento quando ele levantou e sua preocupação ficou
perceptível.
— David vai encontrá-lo! — retruquei levantando-me.
Ele ignorou minhas palavras e prosseguiu:
— E você ainda queria ficar em um hotel qualquer sozinha? — ele fez uma pausa e
concluiu com tom de voz um pouco mais baixo — Não me contaria nada. E se ele fizesse
algo com você enquanto estivesse lá?
— Você não tem nada a ver com isso, Guilhermo. Eram meus problemas. Apenas
meus. Eu não tinha motivos para dividi-los com você... E eu sei me defender sozinha!
Ele acenou em negativa cansado e ainda com raiva por eu ter escondido esta parte
crucial do que estava acontecendo. Quando decidiu falar, suas palavras me surpreenderam:
— Eu sei que isso não é um relacionamento, como um namoro. — antes que eu
abrisse a boca para dizer algo, ele concluiu — Mas isso não quer dizer que eu não vou
continuar em meio a tudo.
— Não porque essa foi uma decisão minha.
— Exatamente. É porque eu escolho ficar nessa com você.
Por que? — foi a pergunta que ecoou em minha mente. Mas ao pensar sobre as
possíveis respostas, eu decidi que não gostaria de descobrir. O importante no momento era:
eu quero que ele se envolva ainda mais nisso?
Ao olhar em seus olhos e me tornar ciente do que havia ali, eu percebi; não havia
mais nada a ser decidido por mim.
— Não quero você nesta história, Guilhermo.
— Sabe que essa decisão não é sua.
Suspirei e fechei os olhos enquanto assimilava aquilo e me obrigava a aceitar aquela
situação.
Diabos.
Eu sabia: essa era a consequência de deixá-lo saber do que acontecia. É controverso
querer que ele saiba ao menos desta parte, mas não querer que ele esteja em meio a tudo.
Independentemente disto, agora ele sabe e não há mais nada que eu possa fazer para tirá-lo
desta situação.
Eu quero mesmo passar por tudo sozinha?
Não, é claro que não. Mas também me culparia pelo resto da minha vida se algo
acontecesse com Guilhermo, se John visse nele um alvo para me atingir.
Quando abri os olhos, ele já estava próximo o suficiente para acariciar meu rosto
delicadamente.
— Esqueça isso pelo menos hoje. Você está segura aqui.
Ri sem humor ao ouvir aquilo.
— É impossível esquecer isso. — repliquei em voz baixa.
— Me diga se posso ajudá-la nisso. — sussurrou contra meus lábios antes de me
beijar.
Eu também sabia que estava sendo condescendente demais, mas agora não queria
discutir por isso.
DEZOITO
GUILHERMO
Quando aprofundei o beijo, meus dedos enterraram-se em seus cabelos e mantive seu
rosto próximo ao meu. Evangeline deu alguns passos para trás e em poucos segundos
estávamos no sofá.
Minhas mãos delineavam as curvas de seu corpo, lentamente. O contraste entre meu
corpo e o seu, era perfeito — percebi. E eu adorava cada detalhe, todas as suas formas
delicadas e suaves, mas principalmente, a maneira com que tudo nela reagia ao meu toque, a
nossa proximidade.
Antes que eu tentasse tirar o que Evangeline vestia, ela começou a levantar minha
camisa para tirá-la.
Acabei com o beijo para ajudá-la. E ela murmurou o meu nome ao jogar a peça de
roupa para longe antes de tocar meu torso suavemente.
À medida que seus dedos desciam e chegavam à minha calça, minha respiração
ficava mais pesada.
Se ela me tocasse mais abaixo, eu enlouqueceria completamente e esqueceria
qualquer pensamento anterior sobre ser cuidadoso — pois ainda sabia que ela me
escondia algo e lembrava perfeitamente de quando me disse que eu a assusto. Não correria
o risco de deixar isso acontecer novamente.
— Eu quero que me beije. — pediu enquanto seus dedos faziam uma trilha de volta
pelo caminho que percorreram anteriormente.
Peguei sua mão que estava em meu peito e comedidamente a trouxe para meus lábios.
— Assim? — provoquei.
Evangeline semicerrou os olhos e acenou em negativa lentamente.
— Quer que eu mostre como quero que me beije? — ofereceu.
— Seria ótimo.
Ela sorriu por um momento, sua mão seguiu para minha nuca e aproximou meu rosto
do seu.
— Assim, Guilhermo. Sempre assim. — murmurou antes de juntar nossos lábios com
ímpeto.
Nossas línguas entrelaçaram-se em uma dança sensual e instigante. Elevando
rapidamente o nível de desejo em nós dois e, consequentemente, o vigor em nossos corpos.
Em poucos segundos minha mão direita seguiu para seus cabelos e os puxei enquanto
continuava a investir em nosso beijo. Ela apertou meus dedos entre os seus e gemeu quando
meu membro roçou a junção de suas pernas e continuei a provocar a nós dois desta forma.
Roçando meu corpo ao seu.
Porra. Era uma tortura deliciosa e extremamente delirante.
Ouvi seu celular tocar sobre a mesa de centro, mas nenhum de nós fez menção a se
afastar do outro. O beijo ficou apenas mais intenso e rude à medida que o toque se mantinha
e em seguida pausava, para voltar a tocar segundos depois.
Quando separei nossos lábios para respirarmos, nós dois já estávamos ofegantes.
— Não atenda. — pedi.
Ela respondeu:
— Eu não pretendia fazê-lo.
Sorri novamente. Dei-lhe um selinho e fiz uma pequena trilha até sua orelha.
— Isso é injusto, Srta. Howell... — sussurrei em seu ouvido — Quer dizer que
somente eu fico sem roupas por aqui?
Senti o aperto dela em minha mão esquerda diminuir um pouco, mas depois ele foi
ainda mais forte que antes.
— Precisa de ajuda para me deixar nua?
Meneei a cabeça em negativa e voltei a encará-la.
— Gosto de ter sua intrepidez de volta. — admiti — Mas tê-la provocando meu ego
chega a ser...
— Desafiador?
— Sim. — repliquei quando o celular voltou a tocar.
Peguei o aparelho de cima da mesa e estendi para ela após ver que não se tratava de
David.
— Daniel. — avisei.
— Inferno! Ele já deve estar louco de preocupação. — murmurou enquanto fitava o
celular sem saber se atendia ou não.
— Então atenda. — sugeri entretido demais com os botões de sua camisa. Havia
apenas três e ao serem abertos eles revelaram um pouco de seus lindos seios. Umedeci os
lábios quando me imaginei sugando um deles.
Voltei a fitá-la quando percebi seu peito se mover rapidamente. Sua respiração ficara
mais profunda.
— O que houve?
— Você me olha como se fosse me devorar. — ela disse e sorri de forma insolente
ao ouvir aquelas palavras.
— Você concordou em ser minha sobremesa. — lembrei-a — Agora pretendo
devorá-la.
Evangeline fechou os olhos por um momento e acenou em negativa.
— Não acredito que estamos tendo este tipo de conversa.
Sua expressão de descrença me fez rir.
— Eu não acredito é que conseguimos progredir a isso. — admiti.
Ela arqueou as sobrancelhas, mas assentiu em seguida.
— Não me distraia agora. — pediu ao atender o telefone.
Concordei sem dizer uma palavra, mas minhas mãos seguiram por baixo de sua
blusa. Evangeline arregalou os olhos para mim e acenou em negativa, mas não tentou me
afastar.
— Estou bem. Desculpe, eu estava ocupada... — semicerrei os olhos para ela ao
ouvir sua desculpa.
Eu a vi engolir em seco e fechar os olhos quando minhas mãos finalmente chegaram
ao seu sutiã. Ele parecia ser feito de seda, pois acomodava perfeitamente seus seios, mas
não aumentava ou diminuía em nada a forma ou o tamanho deles.
Senti sua pele se arrepiar contra meu toque e os mantive totalmente cobertos por
minhas mãos.
Inferno — eles são perfeitos. Completamente.
Apertei-os por um momento e a vi morder os lábios com força — eu queria morder
aqueles lábios desta forma, para sentir seus gemidos contra minha boca.
— Sim, eu... — ela limpou a garganta e continuou — Eu ainda estou aqui. Todos
estão bem?
Senti seus mamilos se sobressaírem do tecido do sutiã e respirei fundo quando a
vontade de tê-los para mim aumentou.
— Perfeitos. — sussurrei para ela que agora me encarava.
Sua respiração começava a ficar ofegante. Então decidi provocar-lhe um pouco mais.
Usei o polegar e o indicador para instigar seu mamilo, deixando-o entre os dedos e depois
friccionando.
— Céus. — Evangeline cerrou os olhos novamente e afastou o celular para
pressioná-lo ao seu ombro — Pare, Guilhermo!
Sorri ao perceber que ela sequer tentou ser convincente. A voz continuava baixa e
rouca, e as palavras foram pronunciadas sem qualquer tom de reprovação. E seu corpo
continuava a reagir ao meu toque.
— Não, eu preferi não ir a qualquer hotel... Estou hospedada na casa de Guilhermo.
— parei naquele momento para prestar atenção no que dizia — Você não o conhece... — ela
me fitou ao perceber que eu a encarava — Não vou discutir com você sobre isso.
Daniel, Daniel... — procurei em minha mente qualquer informação sobre ele. Tinha
certeza que Evangeline já havia me falado sobre esse tal Daniel — Era o seu irmão, certo?
— Depois nos falamos, Daniel. Vou desligar. Tchau. — e desligou.
— Irmão ciumento? — tentei ao recuar de cima dela.
— E extremamente superprotetor. — explicou segurando a mão que eu havia
estendido.
Abruptamente, eu trouxe seu corpo de encontro ao meu e a beijei veementemente;
para lembrá-la do que acontecia cinco minutos atrás e mantê-la sem fôlego e excitada.
— Estou em apuros, então? — questionei travesso, o que a fez rir.
Mirei os olhos verdes e intensos e por alguns segundos tentei descobrir o que se
passava por sua mente através deles. O que eu não sabia realmente era se gostaria de
descobrir.
— Ele está em outra cidade agora, não se preocupe. — respondeu em voz mais baixa
que o normal.
Toquei-a de forma ainda mais possessiva e mantive seu corpo pressionado ao meu.
Suas pupilas se dilataram e ela fechou os olhos.
Beijei-lhe o rosto e em seguida seu pescoço e clavícula, enquanto Evangeline se
curvava para me dar melhor acesso.
Eu definitivamente odiava o fato de ter demorado tanto para perceber o que aqueles
olhos verdes faziam comigo. Mas não conseguia, de nenhuma maneira, tirar minhas mãos de
seu corpo, manter meus lábios longe dos seus e, inexoravelmente, não conseguiria me
afastar daquela mulher. Pelo menos não agora.
Levei um de meus braços até a parte interior de seus joelhos e a levantei.
— Vamos para minha cama. Quero lhe mostrar a habilidade que tenho de tirar
roupas. — falei enquanto a levava pelo corredor.
— Achei que continuaria apenas a me provocar. — ela disse ao enlaçar meu pescoço
com seus braços.
— Eu ficaria louco se continuasse com aquilo. — confessei.
Seus lábios tocaram meu pescoço e ela o beijou suavemente repetidas vezes
enquanto fazia uma trilha.
— Você cheira tão bem. — murmurou.
— Gosto da sua sinceridade. — ri baixo, o que a fez me encarar com olhos
semicerrados.
— Não comece com a sua arrogância. — disse quando a coloquei de pé novamente.
Desta vez a frente da cama.

EVANGELINE
— O que há de errado com minha arrogância? — Guilhermo questionou quando
começou a levantar minha blusa — Pensei que você achasse o fato de eu ser arrogante, um
charme.
E tão fácil como ele sempre fazia parecer, a hesitação inicial ao perceber que ele
tirava minhas roupas se esvaiu completamente. E no lugar dela, a percepção do que estava
prestes a acontecer entre nós, me fez relaxar deliberadamente. Porque era Guilhermo aqui
comigo e porque depois de tudo o que já havia acontecido entre nós, eu confiava nele.
Ergui os braços para facilitar sua tarefa e respondi:
— Não sei de onde você tirou isso.
Percebi que ouvir sua risada contra meu ouvido, não tinha preço. Aquilo me fez
sorrir.
Inspirei profundamente quando senti seu peito contra minhas costas nuas e mantive os
olhos fechados.
— Eu juro que queria prolongar tudo hoje, mas acabei de perceber que não
conseguiria fazê-lo nem mesmo se fosse sadomasoquista.
Minhas pernas enfraqueceram momentaneamente quando senti seu membro
pressionar uma de minhas nádegas.
Meus batimentos cardíacos aumentaram e Guilhermo certamente percebeu. Seus
braços sustentaram-me de pé assim que seus lábios encontraram meu pescoço.
— Ótimo. Eu odiaria que me fizesse esperar ainda mais.
Ele emitiu um palavrão quase inaudível e lutou contra os botões do short que eu
vestia, até que conseguiu abri-los e baixá-lo.
Mordi os lábios assim que percebi que ele se afastava.
— O que houve? — questionei sem entender, mas Guilhermo não permitiu que eu me
voltasse para encará-lo. Ele agora tentava se livrar de meu sutiã.
— Você vai acabar me matando. — admitiu. Sua voz estava incrivelmente rouca.
Céus. Há quanto tempo não fico nua na frente de um homem?— questionei-me.
Pela primeira vez, desde que entramos em seu quarto, me tornei ciente de sua cama.
E as imagens que inundaram minha mente mais cedo, ficaram mais nítidas à medida que eu
me tornava ciente do que Guilhermo quer agora, mas principalmente, do que eu quero.
Eu o quero. Muito.
Engoli em seco quando meus seios foram libertos e Guilhermo jogou a pequena peça
íntima em um canto qualquer.
Lentamente ele virou-me para encará-lo.
Diabos.
Eu jamais poderia me sentir inibida quando ele me fitava com tamanho desejo. Com
tanta fascinação. E eu, de alguma forma, sabia que aquilo estava além da imagem de meu
corpo, quase nu, à sua frente.
Maldição. É claro que eu faria sexo com ele! Estando aqui, a sua frente, isso era
óbvio. E eu já não conseguia enxergar os motivos que me levaram a pensar que não
conseguiria.
— Mas eu não consigo imaginar uma maneira melhor de morrer. — concluiu e foi
tudo o que eu precisei para criar coragem suficiente para me aproximar e beijá-lo.
Tentei abrir a braguilha de sua calça, mas acabei percebendo que aquela não seria
uma tarefa fácil. Agradeci mentalmente quando ele percebeu e abriu o fecho da maldita
calça e a tirou.
Guilhermo vestia uma boxer vermelha que aderira perfeitamente ao seu corpo.
Ficava maravilhosa em contraste com a sua pele bronzeada.
— Está mesmo tentando apressar tudo? — murmurou.
— Você não é o único a querer isso há muito tempo.
— Inferno. — exprimiu ao fechar os olhos como que para se convencer de que eu
havia dito aquilo — Então, sem mais conversas, por favor. — pediu segurando minha
cintura para me levantar e me deixar da sua altura.
Sorri contra sua boca e anuí:
— Sem mais conversas.
À medida que nos beijávamos, meu anseio por ele aumentou mais do que pude
controlar. Talvez fosse a certeza de que, finalmente, teríamos o alívio de todos os nossos
desejos contidos, de tudo o que reprimimos até agora. Ou talvez seja o fato de estarmos
tocando um ao outro sem qualquer hesitação ou preocupação com o que acontecerá depois.
Estávamos seguindo nossos instintos e, neste momento, eles eram completamente primitivos
e selvagens.
Guilhermo apertou minhas nádegas para pressionar meu ventre ao seu membro.
Entrelacei minhas pernas à sua volta e fiz o mesmo com os braços em volta de seu pescoço.
Meus seios tocaram seu peito rijo com mais força após minha ação.
Forte e rígido em todos os lugares que eu imaginei — percebi.
Ele deu os passos que nos separavam da cama e, enfim, chegamos a ela.
Quando Guilhermo acabou com o beijo e usou as mãos para apertar meus seios, não
consegui evitar um gemido baixo. Meu prazer aumentou ao sentir sua boca envolver meu
seio e sugá-lo.
Eu definitivamente não lembrava de um dia ter sentido deleite e desejo da maneira
que ele me proporcionava agora — concluí quando sua mão percorreu a lateral de meu
corpo até minha calcinha.
— Guilhermo. — pedi.
Arqueei meu corpo quando seu polegar roçou meu clitóris e ele pressionou o
indicador em minha entrada.
— Toda molhada... Só para mim.
Eu já tinha dificuldades de respirar e prestar atenção a qualquer coisa que ele dizia
— aqueles dedos provocadores faziam isso comigo.
Puxei seus cabelos com força quando ele insistiu com movimentos impetuosos em
meu clitóris e mordeu suavemente um de meus mamilos antes de sugá-lo de forma que eu
tive certeza que o deixaria ainda mais dolorido.
Achei ter o ouvido xingar baixo e tive certeza quando, segundos depois, ele beijou
meus lábios rapidamente e pediu que eu o fitasse.
— Há quanto tempo você não é tocada desta forma? — estranhei a sua seriedade ao
pronunciar aquelas palavras.
Fiquei em silêncio enquanto encarava os olhos azuis que agora estavam mais
intensos que nunca.
Cerrei os olhos por alguns segundos quando um de seus dedos deslizou facilmente
para dentro de mim.
— Achei que você não queria mais conversar. — lembrei-o ainda ofegante.
— Evangeline. — ele insistiu.
Engoli em seco e respirei fundo uma vez antes de dizer:
— Muito tempo.
Um novo som de prazer fugiu de meus lábios quando Guilhermo colocou outro dedo
em meu sexo e moveu os dois com destreza. Fazendo com que eu ficasse mais ansiosa e
receptível para tê-lo em mim.
Ao me beijar suavemente ele assegurou:
— Não há vergonha nisso. Você está muito sensível e eu me odiaria se te
machucasse.
— Estou bem. — insisti.
Ele concordou e levou pequenos beijos pelo vale entre meus seios enquanto baixava
minha calcinha.
Suspirei em antecipação quando percebi o que ele pretendia fazer.
— Guilhermo, eu não... — tentei, mas ele me interrompeu.
— Não vai gozar, até que eu esteja dentro de você.
Fitei-o boquiaberta enquanto tentava digerir aquelas palavras. Ele continuaria a me
torturar daquela forma? Me incitaria, me daria um prazer descomunal para no final, me
negar o que eu mais queria?
— Mas você... — tentei novamente, sem sucesso.
— Eu sempre quis saber qual o seu gosto. — desisti de qualquer argumentação após
aquela afirmação.
Ele tirou os dedos que estavam em mim e fechei os olhos quando Guilhermo,
lentamente, separou minhas pernas e as colocou em seus ombros.
Ao primeiro contato de seus lábios em meu clitóris, eu gemi baixo. E contorci-me de
prazer quando sua língua me acariciou mais abaixo.
Meus dedos do pé se retesaram quando me movi para trazê-lo para mais perto e
pedi, silenciosamente, que ele continuasse. Guilhermo segurou minhas coxas com firmeza
para impedir que eu me movesse e ele pudesse prosseguir. Usando a língua e os lábios para
me enlouquecer.
Era mais que um golpe baixo ele fazer isso comigo para me levar a beira do orgasmo
e não permitir que eu caísse nele.
Quando meu corpo começou a finalmente demonstrar os sinais que antecediam o
ápice, ele parou — colecionei uma porção de xingamentos para dizer quando abri os olhos,
mas antes que o fizesse, ele estava de novo sobre mim.
— Você está me provocando, me... — antes que eu pudesse concluir minha acusação,
minhas palavras se perderam.
Quando ele tirou a boxer? — perguntei-me ao senti-lo contra mim.
Guilhermo se moveu lentamente e roçou seu membro em minha entrada. Ele estava
completamente excitado; maravilhoso.
— Está fazendo isso de propósito. — afirmei em um sussurro após fechar os olhos.
Ele sorriu em meu pescoço e mordeu o lóbulo de minha orelha antes de murmurar:
— Você é a melhor sobremesa de todas. — tornei-me incapaz de articular qualquer
resposta.
Guilhermo se moveu na direção do criado mudo e só entendi o que ele fazia, quando
o mirei a tempo de vê-lo rasgar um pacote de camisinha.
Ah, sim! Por favor!
Segundos depois, eu o senti me tocando novamente. Desta vez sem provocações.
Odiei deliberadamente a calma com a qual ele me penetrava, mas entendi o motivo
quando senti um pouco de dor e desconforto enquanto minha pele tentava se acostumar a ele.
Droga. Não houvera ninguém por muito tempo, eu deveria saber que poderia me
sentir assim. Até mesmo Guilhermo sabia e tomara cuidado!
— Tudo bem?
Adorei tê-lo completamente dentro de mim — percebi.
— Estou sentindo cada centímetro de mim, ser preenchido por você... Sim, eu estou
bem.
— Tem mesmo que ser irônica até agora? — ele sorriu contra meus lábios e me
beijou suavemente antes de começar a se mover. Primeiro devagar para se certificar de que
eu estava realmente bem e depois com estocadas mais breves, profundas e concisas;
inegavelmente prazerosas e delirantes.
Coloquei minhas pernas em sua cintura novamente e minha pele se contraiu
fortemente para envolvê-lo, o que nos fez gemer.
— Você está sempre me provocando. — proferi ao arranhá-lo sem qualquer receio
de deixar marcas.
Com as ondas imensuráveis de prazer que atravessavam o meu corpo, Guilhermo
conseguiu me levar rapidamente de volta ao estado de pré orgasmo. Mas eu queria que nós
dois chegássemos juntos ao ápice. Mesmo que isso estivesse me custando muito.
— Você está me apertando como se não quisesse que eu saísse daqui nunca mais, e
eu estou te provocando?
Como ele conseguia conversar desta forma e continuar movendo-se de forma tão
implacável e perfeita?
— Não precisa esperar por mim... — ouvi-o dizer — Quero te ver gozar.
Gemi contra seu ouvido quando o senti penetrando-me profundamente.
Abri os olhos para fitá-lo e percebi quão escuros os seus estavam. Toquei seus
lábios suavemente e o beijei — eu já não conseguia continuar esperando por ele.
***
À medida que nós voltávamos a respirar normalmente, eu me tornava ciente de seu
corpo sob o meu e da forma com que todos os seus músculos também pareciam relaxar.
Eu estava com a cabeça sobre seu peito e acariciava lentamente os pelos entre os
quadrinhos perfeitos de seu abdômen — eles seguiam vagarosamente até a parte em que o
lençol de seda preto cobria sua cintura.
Eu lembrava de meu mantra para conseguir passar por este final de semana sem
qualquer envolvimento indesejado, mas quando eu estava com Guilhermo, conseguia ter o
controle de tudo, menos de mim mesma. E ao aceitar isso, entendi que não queria manter
qualquer distância dele.
— No que está pensando? — ouvi sua voz grave perguntar.
Eu não queria ser completamente sincera em relação a tudo o que passava em minha
mente, embora também não quisesse mentir.
— Nada de importante — murmurei — E você?
Ele hesitou por um momento, mas respondeu:
— Em como nada que eu pudesse ter pensado que aconteceria hoje, chegou aos pés
do que tivemos agora.
Guilhermo continuava a afagar meus cabelos suavemente. Umedeci os lábios e fechei
os olhos antes de suspirar — mas ele é tão espontâneo, que eu gostaria de ao menos
tentar agir assim também. Sobre o que pensava e sobre o que queria. Como fizera ainda
pouco, ao pedir por ele.
Tomei coragem para virar-me em seus braços para olhá-lo nos olhos e beijá-lo.
— Agora você é que está me provocando. — murmurou.
— Por que?
— Evangeline, você está completamente nua e esfregando esses seios perfeitos em
mim.
Ri baixo e mordi o seu lábio inferior, como Guilhermo já fizera tantas vezes. Não
percebi o que fazia, até ouvi-lo dizer isso.
— Não deveria fazer isso, a menos que... — ele se interrompeu.
— A menos que o quê?
— Esteja preparada para o segundo round.
Arqueei as sobrancelhas para ele, que não mudou nada em sua expressão. Queria
realmente que eu descobrisse o que passava por sua mente?
Segundos depois o beijei novamente, fazendo com que meu corpo pressionasse o seu.
Ele proferiu um palavrão ao separar nossos lábios e levou suas mãos para meu
quadril.
— Você pediu por isso. — lembrou-me — Agora vamos ver quem é o melhor nessas
provocações. — foram suas últimas palavras antes de colocar-se sobre mim.
A sensação de tê-lo tão perto era a mesma e apenas uma palavra continuava a ecoar
em minha mente: perdida.
Eu estava completamente perdida.
DEZENOVE
EVANGELINE
Abri os olhos preguiçosamente e por alguns segundos, assustei-me com o quarto
estranho em que me encontrava. Ao olhar para onde minhas mãos estavam pousadas, eu me
acalmei completamente.
Eu estava no quarto de Guilhermo. Em uma cama com ele, para ser mais exata.
Forcei-me a acordar de verdade quando outros detalhes me deixaram surpresa: a
mão de Guilhermo em minha cintura mantendo meu corpo próximo ao seu. Minha perna
direita entre as suas pernas. E nós dois continuávamos nus sob os lençóis.
Acenei em negativa e voltei a acomodar minha cabeça em seu peito.
Eu sabia que era apenas sexo, mas nenhum de nós impôs a condição de não dormir na
mesma cama. Ou de não dormir nus — concluí. E não havia nada demais em querer manter
esse corpo perfeito contra o meu depois do sexo. Bem, eu achava que não, então bastava por
enquanto.
Diabos. Eu continuava ciente da proximidade entre nós e ainda podia sentir seus
beijos e carícias.
Agora eu entendia perfeitamente as palavras de Megan sobre o sexo perfeito — o
pensamento me fez sorrir. Eu não queria pensar em quando aquela louca descobrisse sobre o
que aconteceu hoje.
Ainda era difícil até mesmo para eu acreditar. Porque a hesitação em mim foi
passageira e esqueci completamente dela quando as mãos de Guilhermo me tocaram a pele
nua, quando ele me beijou veementemente e me fez esquecer tudo o que existia além de nós
dois neste quarto.
E então, após desistir de tentar ter um contato mais íntimo com o sexo oposto, eu
encontro um italiano espanhol arrogante e, meses depois, consigo superar o trauma que
possuía? — minha vida virara um clichê e eu sequer percebera.
Respirei fundo e tomei coragem para verificar as horas. Mexi-me devagar nos braços
de Guilhermo e olhei para o criado mudo.
Inferno.
Já era mais de sete da noite. Como dormimos por quase três horas? — naquele
momento lembrei que ontem fomos dormir mais de duas da manhã e antes das seis eu já
estava à porta de seu quarto pedindo que ele me trouxesse de volta à Nova Iorque. E depois
de tudo o que fizemos, é claro que estávamos cansados — concluí.
Levantei-me lentamente e peguei minhas roupas que estavam próximas à cama.
Tomei um banho rápido e troquei de roupa.
Guilhermo ainda dormia tranquilamente quando saí do quarto para preparar o jantar
— tinha esperanças de que ele não se importasse com isso.
Segui para a cozinha e por um momento me senti completamente perdida diante de
todas as gavetas e portas dos armários.
Cheguei à conclusão de que seria mais fácil decidir o que preparar para comermos.
Mas não sou uma cozinheira de mão cheia, na verdade, não sei fazer nada além do básico,
então o jantar da noite de natal não seria nada especial.
Verifiquei sua geladeira e encontrei uma variedade de frios no congelador, além de
carne vermelha — comprimi os lábios enquanto decidia o que pegar. Acabei pendendo para
a carne quando pensei em fazer macarrão.
Eu adoro macarrão. E é da Itália. Guilhermo deve gostar também.
Abri uma dezena de portas do armário antes de encontrar o macarrão e coloquei água
no fogo.
Enquanto cortava alguns temperos, ouvi o toque baixo de meu celular — ele estava
na sala.
Andei rapidamente até a sala achando que poderia ser David com alguma novidade,
mas um sorriso tomou meus lábios quando vi o nome de Megan.
Meu Deus! Ela parecia adivinhar que algo estava acontecendo!
— Feliz natal! — ouvi as vozes das irmãs Jackson quase que em uníssono quando
atendi.
— Feliz natal. — respondi com um sorriso.
— Como você está, Evy?
Reprimi um suspiro de satisfação e meu sorriso aumentou quando respondi:
— Bem, muito bem. E vocês?
— Maravilhosamente bem! — Megan disse rapidamente — Então, como está sendo
passar o natal com o senhor Guilhermo e sua família?
Revirei os olhos quando lembrei que mamãe contou isso a ela.
— Ótimo. — respondi rapidamente enquanto voltava para a cozinha.
— Ótimo? Apenas ótimo? — Melanie questionou incrédula — Você está com o
espanhol mais quente dos últimos tempos e me diz que passar o natal com ele está sendo
ótimo?
Eu não poderia dizer que estava na casa dele — pensei. Elas com toda a certeza me
questionariam sobre o motivo de estarmos de volta à Nova Iorque. E eu definitivamente não
queria ter que falar sobre tudo o que aconteceu até chegarmos aqui.
— Quem te disse que ele é o espanhol mais quente dos últimos tempos? — inquiri
tentando mudar de assunto.
Adicionei óleo e sal à água antes que ela começasse a ferver e fui até a geladeira.
Poderia fazer uma sobremesa.
— Megan e eu fizemos uma pesquisa — elas riram juntas — Encontramos várias
fotos dele. E uma dele vestindo apenas uma sunga em um clube de piscina. Não sei o que
o paparazzi fez para conseguir tirar aquela foto, mas agradeço a Deus por ele ter
conseguido!
— Evangeline é a vaca mais sortuda que eu conheço — Megan concluiu. O que me
fez rir.
— Amiga, você não tem ideia do que é aquele corpo. — Melanie retomou à sua
fala — Bronzeado, musculoso... Ele tem as pernas mais grossas que eu lembro de já ter
visto! E têm pelos sedosos no peito.
Eu não tinha ideia? — repeti em pensamento — Melanie, você é que não tem ideia
do que é aquele homem completamente nu.
— Como sabe que são sedosos? — eu a interrompi.
Peguei algumas frutas e as levei para o balcão — coloquei o celular no viva-voz e
voltei a cortar os legumes.
— É perceptível — foi Megan quem respondeu. Sua voz ecoou na cozinha — Eu
juro que te mato se deixá-lo escapar.
Acenei em negativa e sorri para mim mesma.
— Como estão seus familiares? E a véspera de natal, como foi? — tentei mudar de
assunto.
— Todos estão ótimos, graças a Deus. — Mel respondeu.
— E a véspera de natal foi fantástica! — Meg concluiu — Tyler me ligou, Evy!
Alguns minutos depois da meia noite! Apenas para me dar feliz natal.
— A família dele está ansiosa para te conhecer, Meg.
— O quê?
Baixei o fogo após colocar o macarrão na água e voltei ao balcão para verificar as
frutas.
— Todos já sabem que Tyler está namorando com você e querem te conhecer.
— Não estamos namorando! Ele ainda não me pediu em namoro. — ela respondeu.
— Toda a família acha que sim, pelo menos. — não resisti a rir novamente ao
lembrar do discurso de ontem.
— O que acharam quando viram que Guilhermo havia te levado para a
comemoração de natal? — Mel interrompeu curiosa.
— A família dele acha que temos algo. — repliquei.
— E de fato, vocês têm.
— Mas não é um relacionamento. — intervi.
— No momento são colegas, depois serão parceiros de cama e então, finalmente,
namorados! — revirei os olhos ao ouvir as palavras animadas e esperançosas de Megan.
— Parceiros de cama? — ecoei — Essa parece ser uma boa definição para o que
somos.
— Eu preciso conhecer esses homens! — Mel afirmou — Até agora só ouvi Megan
falar do tal Tyler e todos falarem do tal Guilhermo! Ei, eu também quero conhecer
homens gatos, ok? Eles não têm nenhum outro parente jovem e gostoso?
Precisei colocar a mão sobre a boca para abafar minha gargalhada ao ouvir aquilo.
— Do que estão rindo? — eu a ouvi perguntar e percebi que Meg também ria
histericamente.
— Maninha, você precisa é do David na sua vida. Sabe que não adianta conhecer
outros caras.
— É verdade, Mel — lembrei-a.
— Eu já superei o David. — ela respondeu em tom altivo — Ele faz parte do
passado agora.
Megan emitiu um som concordando com escárnio.
— Por isso eu tive que ficar uma hora ouvindo você reclamar apenas porque ele
havia desmarcado o encontro no Joe’s?
— Do que está falando, Megan? — não resisti a indagar.
— Lembra da viagem a trabalho que David fez para Chicago? — concordei e ela
prosseguiu — Nós marcamos de nos encontrar no Joe’s para uma cerveja, porque ele
disse que voltaria a tempo. Mas ele não conseguiu voltar e quando ligou para Mel para
dizer isso, ela o ouviu trocar algumas palavras com uma mulher. Então ficou louca de
ciúme.
Arqueei as sobrancelhas ao ouvir aquilo.
— Eu não estava com ciúme! — Melanie se defendeu — Que inferno! Eu só
fiquei... Um pouco... Bem, eu fiquei preocupada! E se ele estiver saindo com uma louca?
Somos amigos, pelo amor de Deus! Quero o melhor para ele.
— Hum... E sabemos que o melhor para ele é você. — retruquei — Então parem de
bancar os adolescentes e resolvam isso!
— Inferno. — ela murmurou quando ouvi Megan repetir para ela que Leslie e eu
também achamos que ela deveria dizer a ele — Precisamos realmente começar com essa
conversa de novo?
— Não. Conversamos quando vocês voltarem. Eu preciso desligar. — avisei ao
lembrar da carne que precisava temperar.
— Obrigada! Na semana que vem conversamos.
Nós nos despedimos e desliguei.
Abri duas das portas inferiores do armário e peguei um recipiente de plástico para
colocar a carne e o deixei na pia.
Assustei-me quando ouvi Guilhermo sussurrar meu nome antes de juntar seu corpo ao
meu.
Larguei a faca que segurava e tentei levar ar aos meus pulmões quando ele me
abraçou e beijou meu pescoço.
— Guilhermo. — sussurrei em reconhecimento.
Eu já sentia todo o meu corpo se arrepiar. Era como se tudo em mim já estivesse
preparado para ele.
Quando Guilhermo me virou em seus braços e eu me deparei com seus intensos olhos
azuis e suas pupilas dilatadas, eu o quis mais perto — ele havia tomado banho e vestia
apenas um short jeans. Seu peito estava completamente descoberto.
— Evangeline. — sussurrou quando trouxe seus lábios para os meus em um beijo.
Ele me tocou lentamente. Primeiro de minha cintura até meu quadril, depois até
minha coxa, apertando-a antes de segurá-la com firmeza para envolver seu corpo, fazendo o
mesmo com a outra.
Encostei minha testa à sua quando ele me colocou sobre a mesa e acabamos com o
beijo. Eu tentava pensar em um bom argumento para convencê-lo a não continuar com isso
aqui. Mas não via possibilidade de fazê-lo. Ele voltou a me beijar e pensar com clareza
sobre qualquer coisa foi impossível, principalmente, quando uma de suas mãos estava sob
meu vestido acariciando o interior de minhas coxas enquanto seguia para minha calcinha.
Eu não sabia ao certo porque queria impedi-lo de continuar, pois é perceptível que
eu gosto da forma que ele me toca — mas seria a primeira vez que eu faria sexo fora de
um quarto. Talvez a parte de mim que quisesse impedir Guilhermo fosse a mesma que
insistia em não se desvencilhar do que eu me permiti submeter há tantos anos. Que era tão
pouco.
— Por que não posso tirar minhas mãos de você? — ele sussurrou.
Inclinei-me um pouco para que ele beijasse meu pescoço e gemi baixo quando sua
mão chegou à minha calcinha e ele acariciou meu clitóris sobre ela. Minhas unhas já
estavam cravadas em suas costas, enquanto ele tirava a peça íntima que eu vestia.
A panela no fogo começou a fazer um som estranho, o que me assustou. Abri os olhos
quando Guilhermo cessou os beijos. Olhamos juntos para o fogão a tempo de ver a água na
panela borbulhar a ponto de chegar à extremidade e entornar para fora dela.
— Inferno — Guilhermo murmurou antes de se afastar para desligar o fogo.
Suspirei ao baixar meu vestido e arrumá-lo em meu corpo novamente.
— O que estava fazendo? — ele questionou fazendo um gesto para o balcão.
— O jantar. — respondi — O que está na panela era para ser macarrão, mas acho
que perdi o ponto.
Ele sorriu. Desci da mesa e respirei fundo quando olhei para seu jeans — era
possível ver o caminho de pelos que terminava na boxer azul que ele vestia.
— Quer ajuda? — ele questionou chamando minha atenção.
Semicerrei os olhos para ele e condicionei:
— Só se você prometer não me distrair novamente.
Ele arqueou a sobrancelha esquerda, mas assentiu com um sorriso.
***
Após o jantar, Guilhermo abriu uma garrafa de vinho e nós pegamos duas taças antes
de ir para as poltronas próximas à parede de vidro.
A vista para a cidade era maravilhosa e, naquele momento em especial, estava ainda
mais, pois estava nevando.
— O mundo parece estar descansando — sussurrei.
Me acomodei em uma poltrona e ele fez o mesmo, ficando na que estava ao meu
lado.
— É como se tudo lá fora estivesse em estado de espera — concordou.
As luzes dos prédios estavam acesas, mas tudo era embaçado e completamente
desfocado por causa da neve. Não havia um som sequer. Lá fora ou aqui dentro. Nada além
de nossas respirações.
Ficamos em silêncio por um tempo, apenas apreciando aquela vista. Lembrei que
ainda era natal e sorri. Esta sempre fora minha data especial preferida. Mais até que o meu
aniversário.
— O feriado está sendo tão ruim quanto imaginou? — Guilhermo perguntou. Parecia
ter lido meus pensamentos.
Olhei para ele e tentei lembrar apenas das coisas boas; a véspera de natal com sua
família, depois de nós dois chegando ao seu apartamento, nós dois em sua cama e o jantar
que tivemos ainda pouco.
— Não — permiti-me sorrir ao confirmar — Não está.

Algumas horas depois


GUILHERMO
Era mais de meia noite quando Evangeline deixou o seu celular sobre o criado mudo
e sentou-se ao meu lado na cama. Notei que parecia cansada.
— Eu estou exausta — ela disse ao fechar os olhos e suspirar.
— Fisicamente ou mentalmente?
— Os dois.
Sorri e me aproximei dela para beijar-lhe o rosto e sussurrar:
— Acho que tenho algo a ver com o primeiro.
Ela sorriu e me fitou com os olhos semicerrados. Sua expressão era cética.
— Você acha?
Ri contra seu pescoço e o beijei, mas antes que pudesse tocá-la, Evangeline segurou
minha mão. Encarei-a com a testa franzida até que ela disse:
— Estou cansada — fechei meus olhos quando ela me beijou suavemente e repetiu
essa ação diversas vezes — Muito cansada.
Entrelacei meus dedos entre os seus e a beijei de verdade, com desejo e sem
qualquer pudor. Deixando-nos rapidamente sem fôlego. Mordi seus lábios e a trouxe para
mim.
— Está cansada, mas pretende me deixar excitado a noite toda, não é?
— Não! Eu só quis lhe dar um beijo de boa noite — ela ergueu o queixo alguns
centímetros ao dizer aquilo.
— Você é uma péssima mentirosa, Srta. Howell — lembrei-a com um aceno negativo
de cabeça.
Antes que ela dissesse qualquer coisa, eu tomei seus lábios nos meus novamente.
Acariciei lentamente sua pele sob a blusa de alças finas do baby doll e a senti se arrepiar.
Ela levou as mãos aos meus cabelos e os puxou quando toquei suavemente um de seus seios.
Apertei-o em minha mão e ela gemeu baixo — seus mamilos já pediam silenciosamente
para serem chupados quando coloquei um deles entre meus dedos.
Antes que tirar minhas mãos dela fosse impossível, me afastei. Dei-lhe um selinho e
levantei rapidamente depois disso.
— Agora eu também lhe dei um beijo de boa noite — foram minhas palavras.
Segui para o closet e peguei um edredom para nós dois.
— Eu não acredito que fez isso — Evangeline murmurou.
Eu não sabia o que era mais engraçado; sua raiva ou seu desapontamento ao perceber
que eu não a tocaria mais. Ela deitou de costas para mim e eu tentei recordá-la de suas
palavras anteriores:
— Achei que estivesse cansada.
— Eu estou. Mas agora, por sua culpa, também estou excitada. Essa não é uma boa
mistura.
Ela ficou em silêncio.
— Posso terminar o que comecei — ofereci solidário.
— Não.
— Inferno. Você não está fazendo sentido, Evangeline.
— Guilhermo, eu estou toda dolorida — explanou.
— Eu te machuquei? — indaguei preocupado.
— Não, eu só preciso de algumas horas de descanso.
Momentos depois ela acendeu o abajur e se voltou para mim.
— Por que diabos você está rindo?
— Eu só estou pensando — fiz uma pausa e tentei acabar com o riso — Eu não
parecia ser o único com apetite sexual insaciável há meia hora.
Ela me olhou com os olhos semicerrados.
— Em uma hora, você acabou com minhas últimas energias.
Agora ela parecia estar tão impaciente comigo quanto estava naquele elevador em
Barcelona, meses atrás.
— E você não gostou da forma que eu fiz isso, Srta. Howell?
— Eu não disse isso.
Evangeline voltou a se deitar de costas para mim e me obriguei a tirar o maldito
sorriso do rosto.
Deixei a toalha que usei ainda pouco no banheiro e apaguei as luzes quando voltei.
Deitei-me ao seu lado, mesmo sabendo que ela ainda não dormia. Ficamos em
silêncio por alguns minutos, até que ela sussurrou:
— O que você fez há meia hora?
Arqueei a sobrancelha ao ouvir aquela pergunta. Ela só poderia estar brincando.
Encostei-me a cabeceira da cama e comecei a fazer uma lista mental antes de dizer:
— Você disse que queria tomar um banho antes de dormir — lembrei-a — Viemos
juntos ao quarto e eu a beijei... Estávamos um pouco apressados e você começou a abrir a
braguilha de minha calça e eu rasguei seu vestido antes que me desse conta.
Ela me interrompeu ao dizer:
— Guilhermo, você rasgou meu vestido! — ela sentou-se sobre a cama. Percebi que
somente agora ela lembrou que eu fiz isso — Poderia simplesmente tê-lo tirado.
— Você ficou a noite toda com aquele vestido vermelho quente como o inferno. E eu
fiquei a noite toda pensando em rasgá-lo para ter você nua. Acho que ele durou tempo
demais.
Ela acenou em negativa ainda irritada e decidi continuar:
— Então nós fomos para o banheiro. Seus cabelos já estavam soltos e eu os puxava
com força enquanto te beijava — olhei para ela que engolia em seco enquanto lembrava —
Eu já estava completamente duro quando descartei sua calcinha e o sutiã... Você também foi
rápida ao tirar minha boxer.
— Se eu estava nua, você também deveria ficar.
Americana intrépida.
Acenei em negativa e sorri ao prosseguir:
— Não lembro quem de nós ligou aqueles jatos de água, mas eles vinham de todo
lugar enquanto eu chupava seus seios.
— Você foi rude com eles — Evangeline murmurou encolhendo os ombros.
— Se você tivesse dito, eu não teria sido tão bruto — ela ficou em silêncio — Mas
você não reclamou em nenhum momento.
— Não tinha motivos para reclamar na hora. — aquilo me fez rir.
— Poderia me ajudar a lembrar do que fizemos depois disso?
— Não recordo de tê-lo visto fazer mais nada.
— Você estava de olhos fechados. Mas vou tentar refrescar sua memória... Bem,
acho que eu estava ajoelhado à sua frente, você puxava meus cabelos e pedia...
— Não! — ela me interrompeu — Pare, Guilhermo.
— Não era exatamente isso, mas acho que...
— Eu estou falando pra você parar de falar!
— Por que? — eu sabia que seu olhar me fazia uma ameaça, mas não conseguia tirar
o sorriso dos lábios.
— Porque essa foi uma péssima ideia.
— Qual?
— Lembrar de tudo isso.
Ela suspirou lentamente e tentei entender o porquê daquilo.
Arqueei a sobrancelha quando vi seus seios intumescidos. Apenas lembrar do que
fizemos minutos atrás a deixou excitada — porra, será a droga de uma tortura tirar minhas
mãos dessa mulher.
— Vou deixá-la em paz — falei contra seus lábios e dei-lhe um novo selinho — Por
algumas horas.
Mas o que ecoou em minha mente foi “vou tentar deixá-la em paz por algumas
horas”.
Evangeline riu contrariando a expressão anterior. Parecia ter lido minha mente.
— Boa noite, espanhol convencido.
Ela recolheu o edredom novamente, desligou o abajur do seu lado da cama e cobriu
seu corpo antes de virar-se de costas para mim.
Acenei em negativa quando registrei suas palavras e segui seu exemplo ao deitar em
meu lado da cama.
— Boa noite, americana intrépida.

Na noite seguinte
GUILHERMO
— E como ela está, filho? — papai perguntou assim que eu o coloquei a par da
situação, ocultando os detalhes sórdidos que envolviam a forma com que a secretária de
Evangeline morrera.
— Evangeline é forte. Está muito melhor do que qualquer outra mulher em seu lugar
— respondi ao abrir uma gaveta de cuecas.
Eu estava saindo do banho quando papai me ligou. Surpreendi-me ao sair do
banheiro e ver que Evangeline não estava aqui.
— Vocês estão juntos?
Fiquei em silêncio por um momento. Não adiantaria esconder qualquer coisa dele.
Eu não queria esconder, para falar a verdade.
— Eu a convidei para ficar em meu apartamento — ele não disse nada e tentei
esclarecer — Digamos que ela não teve opção. Era isso ou um hotel qualquer.
— Por que?
— É uma longa história.
Peguei uma boxer preta e a vesti enquanto ele pensava.
— Por que vocês insistem em dizer que não têm nada um com o outro, Guilhermo?
Reprimi um suspiro cansado e acenei em negativa.
— Não estamos namorando. Isso não é um relacionamento amoroso — insisti —
Concordamos com menos que isso.
— Ela aceitou apenas isso? Ficar em sua cama por algumas noites e depois ser
trocada?
— Você fala como se isso fosse...
— O quê? — reconheci o humor em sua voz — Estou mentindo por acaso?
Revirei os olhos e sentei-me sobre a cama.
— Aceitei as condições dela — murmurei sem nem mesmo acreditar que o fazia —
E ela aceitou as minhas.
Houve silêncio até que ele pigarreou e perguntou, agora com aparente interesse:
— Quais seriam essas condições?
— Não vou dormir com outra mulher, enquanto estiver com ela. E ninguém além de
nós dois pode saber disso.
— Eu gostei dessa mulher desde o momento em que fizemos a conferência por vídeo
— ele disse com ar pensativo. Eu sabia que ainda estava sorrindo.
— Não participei dessa conferência — deitei sobre a cama enquanto ele murmurava
coisas para si mesmo — O quê?
— Esqueça... Me diga, o que acontece quando ela for embora?
— O quê? — abri os olhos sem entender sua pergunta.
— Vocês estão em seu apartamento. — afirmou — Uma hora ela irá embora. Quando
ela for, o acordo acaba?
— Não, é claro que não. — respondi rapidamente.
Suspirei sem acreditar que estava começando com isso, eu não queria ter que pensar
nesta parte antes do tempo.
— Tem certeza de que o que vocês dois têm é apenas sexo, Guilhermo?
Juntei as sobrancelhas sem entender o que ele queria dizer com aquilo. A porta do
quarto foi aberta e Evangeline entrou silenciosamente ao perceber que eu falava ao telefone.
Ela vestia o baby doll branco e sexy de ontem. Os cabelos estavam presos em um rabo de
cavalo — como na noite anterior — Estava sem maquiagem, mas não parecia menos
atraente por isso.
A sua expressão preocupada me fez voltar a atenção para o celular que ela segurava.
David deve ter ligado de novo.
— Papai, eu preciso desligar — eu disse a ele pelo telefone novamente.
— O que houve? — perguntei a Evangeline assim que encerrei a ligação.
— Minha casa foi liberada ainda pouco. Já posso voltar. — ela disse enquanto
fechava a porta do quarto.
Franzi o cenho quando finalmente entendi. Ela já poderia ir embora.
— Foi o que David disse?
— Sim. Seus colegas da delegacia o avisaram sobre isso — explicou — Pode me
levar de volta amanhã? Preciso organizar algumas coisas.
Assenti enquanto ela vinha até a cama.
— Não encontraram nada sobre a família dela? — questionei referindo-me à sua
secretária.
Evangeline acenou em negativa e sentou-se ao meu lado.
No primeiro telefonema de David, hoje após o almoço, ela me contou um pouco
sobre sua secretária. Elas trabalhavam juntas há mais de seis anos. Evangeline mencionou
que nunca desconfiaria que Claire poderia aceitar ajudar qualquer um que fosse, apenas
para fazer mal a ela. Parece que elas sempre se deram muito bem.
— Posso ajudá-la com isso. — murmurei referindo-me ao velório e o enterro.
— David vai me ajudar. Não se preocupe. — ela me deu um sorriso fraco e cerrei o
maxilar antes de concordar novamente.
Eu realmente não consigo engolir o fato deste cara ser apenas seu amigo.
— E seu ex cunhado? Seu amigo descobriu algo sobre onde ele pode estar? —
indaguei quando lembrei que esse filho da puta ainda quer se vingar de Evangeline.
— John continua foragido, mas a polícia descobriu que ele conseguiu documentos
falsos e pegou um avião para Las Vegas. Eles estão atrás dele.
Concordei quando ela se deitou ao meu lado.
— David cuidou para que alguns policiais fossem para minha casa cuidar da
segurança.
— David pensa em tudo. — minha voz ganhou um tom de ironia que eu não consegui
evitar, mesmo que eu ficasse mais tranquilo ao saber disso.
Evangeline franziu o cenho e revirou os olhos.
— Ele sempre pensa mesmo. — anuiu.
Suspirei quando percebi que estava sendo inconsequente. De modo que não sei
diferenciar um amigo de um afair da mulher com quem estou transando. Eu deveria ter em
mente apenas que ele sendo amigo ou não, isso não me interessa. Agora eu sou o afair, é
comigo que ela está transando, eu tenho o privilégio de ficar dentro dela e fazê-la gozar.
Não ele ou qualquer outro.
— Guilhermo? — sua voz baixa me tirou de meus pensamentos.
Ela estava apoiando o corpo sobre os cotovelos e seu rosto estava muito próximo do
meu.
— Sim?
— Você está cansado? — inquiriu relembrando a conversa de ontem. Seus olhos
brilhavam de malícia.
Acenei em negativa e sorri ao beijá-la.
— Não. — em seu ouvido concluí — Mas você vai ficar.
Coloquei-me sobre ela e tirei os malditos lençóis que nos separavam.
— Diga-me o que você quer — pedi.
Ela segurou minhas mãos, que já estavam em sua blusa para tirá-la.
— De novo?
Assenti lentamente e comecei a tirar o que ela vestia — havíamos começado com
isso hoje à tarde.
— Até você parar com a vergonha de me dizer o que quer — beijei seu pescoço
suavemente e segui para seus seios que agora estavam descobertos.
— Você sabe o que eu quero — argumentou — Não preciso dizer.
— Gosto de ouvir seus gemidos surpresos a cada novo movimento meu, mas você
não precisa hesitar quando quiser que eu faça algo do seu jeito. Também não precisa
procurar palavras menos explícitas quando estivermos falando sobre sexo.
Minha mão direita adentrou o short de tecido fino e em seguida sua calcinha.
— Está tentando me mudar, Guilhermo? — aquilo me fez voltar a fitá-la.
— Não tenho motivos para fazer isso. Gosto de tudo em você, americana intrépida
— ela fechou os olhos e mordeu os lábios quando acariciei seu clitóris — Quero apenas
que saiba que não vou recriminá-la por querer algo diferente.
Usei dois dedos para provocá-la e senti sua umidade aumentar. Tomei um de seus
seios em minha boca e suguei o mamilo sem cessar a carícia na parte inferior de seu corpo.
— Gosto de seus lábios em meu corpo. — ela sussurrou ao arquear o corpo —
Muito.
Meus lábios se comprimiram em seu mamilo e ela puxou meus cabelos com força.
Minha ereção pressionou sua coxa quando a penetrei e movimentei meus dedos em
seu sexo.
— Quero você dentro de mim.
— Evangeline. — murmurei quando voltei a mirá-la — Meus dedos estão dentro de
você.
Ela hesitou e segundos depois pareceu entender o que eu queria dizer.
— Você não tinha nada melhor para inventar? — acenei em negativa e sorri ao beijá-
la.
— Apenas diga: eu quero seu pau dentro de mim.
Suas bochechas ficaram vermelhas rapidamente e seus lábios se entreabriram.
— Você ficou sem graça — ela cerrou os olhos ao ouvir minhas palavras — Por
que? — estava realmente curioso. Não conseguia acreditar que ela, de repente, estivesse
tímida.
— Por que? — repetiu incrédula, como se fosse óbvio. Assenti e ela sussurrou em
meu ouvido — Chamar um membro de pau é novidade pra mim.
Não consegui conter a risada ao ouvir aquilo.
— Está rindo de mim, Guilhermo?
— Sim. — admiti — Eu nunca imaginei que o uso de uma palavra assim pudesse
deixá-la vermelha.
Ela revirou os olhos e tocou meus ombros como se os avaliasse por um momento,
depois levou as mãos para meu peito e o acariciou até chegar a minha boxer.
— Fiquei surpresa. Um membro é um membro, por que chamá-lo de pau?
— Estamos mesmo discutindo sobre isso quando eu poderia estar dentro de você? —
até mesmo eu me surpreendi com quão rouca minha voz pareceu — Quando sua boceta
poderia estar me apertando até você gozar?
— De onde você tira essas palavras, pelo amor de Deus? — ela riu.
Tirei seu short e sua calcinha enquanto ela me encarava com expressão divertida.
— O que há de errado com estas palavras?
— Parecem explícitas e indecentes demais. — ela disse quando me ajudou com a
boxer.
— Pelo amor de Deus — repeti — Vamos fazer sexo, já vi e toquei cada parte de seu
corpo, você também. O que pode ser mais explícito que isso?
Ela ficou em silêncio.
Minhas mãos envolveram seus seios e usei os dentes em um de seus mamilos.
— Eu já disse que amo seus seios? — perguntei entretido demais com quão perfeitos
eles eram. Notei quando ela acenou em negativa — Eles são perfeitos. Parecem ter sido
feitos para se moldarem às minhas mãos e à minha boca.
— Guilhermo?
— Sim?
— Quero você tão selvagem quanto ontem à noite naquele banho.
— Você pode ficar dolorida. — lembrei-a.
— Não me importo.
Sorri quando uma ideia me veio à mente. Peguei um preservativo sobre o criado
mudo e ela me fitou com os olhos semicerrados enquanto eu o abria.
— No que está pensando?
Rolei a camisinha em meu membro e voltei-me para ela.
— Em uma forma de ter você ainda mais apertada.
— No que você está pensando? — ela repetiu desta vez mais baixo.
Deixei beijos suaves no vale entre seus seios e voltei a provocar seu clitóris.
— Suas pernas. Consegue colocá-las em meu ombro?
Evangeline fechou os olhos novamente quando pareceu entender e continuei a levar
beijos até seu ventre.
— Consegue?
Segundos depois usei a língua para provocar sua entrada, que agora estava mais
úmida. Ela se moveu na minha direção.
— Sim, eu... Consigo.
Com o polegar e o indicador fiz movimentos circulares em seu clitóris e ela emitiu
mais sons de prazer intercalados a pedidos sussurrados. Antes que ela começasse a
demonstrar os sinais que antecediam o clímax, eu coloquei suas pernas em meus ombros e
as mantive contra meu corpo enquanto me colocava de joelhos sobre a cama.
Inferno. Ela parecia perfeita completamente nua sobre aquela cama. Os olhos
fechados com força à medida que eu roçava meu pau em sua entrada. Suas mãos estavam
agarradas aos lençóis e seus seios se moviam até quando ela fazia o menor movimento.
Aquela cena era hipnotizante.
— Olhe para mim — pedi.
Sem tirar meus olhos dos seus, eu a penetrei completamente e coloquei suas duas
pernas sobre o ombro direito antes de começar a me mover.
Eu sabia que ela também havia sentido que seu sexo me apertou duas vezes mais
nesta posição.
— Guilhermo. — sussurrou cerrando os olhos.
Minhas estocadas eram fortes e rápidas, eu colocava tudo nela até que nossos corpos
se chocassem e depois voltava rapidamente para repetir aquele ritual. Ela gemia e pedia por
mais.
Porra. Eu queria ficar enterrado dentro dela para sempre. Como poderia ficar sem
isso por tempo indeterminado se ela fosse embora amanhã?

No dia seguinte
EVANGELINE
Hoje o café da manhã fora feito por Guilhermo. E, como acordamos pouco mais de
sete da manhã, pude tomar um longo banho antes de me arrumar para a nossa última refeição
juntos.
Nos sentamos nas cadeiras do balcão e conversamos sobre a última semana enquanto
comíamos as panquecas que ele havia preparado.
— Acho que sua mãe não gostou de mim — comentei quando ele me serviu um pouco
da panacota espanhola do nosso primeiro almoço.
— Ela ainda acha que há algo entre nós, mas isso vai mudar. Não se preocupe.
A incerteza em seu tom me fez acenar em negativa e sorrir.
Quando descemos para a garagem e ele me direcionou até seu carro, eu não me
surpreendi com a forma que ele me tocava — seu braço direito envolvia meu corpo e sua
mão pousava sobre minha cintura — Guilhermo sempre me tocava assim.
O caminho fora ligeiramente tranquilo, pois moro apenas a vinte minutos de distância
de seu apartamento. Mas o silêncio no carro não foi bem-vindo, foi, na verdade, estranho a
julgar pela forma espontânea com que nos tratávamos agora.
— Quando sua família volta? — ele questionou assim que paramos a frente de minha
casa.
Respirei fundo ao olhar para a construção moderna de dois andares e a estranheza
me assustar. Pareciam ter passado meses desde a última vez que estive aqui.
— Na semana que vem. Mas acho que David ficará aqui quando voltar do trabalho,
não se preocupe. Ele e Daniel já devem ter conversado sobre isso. — revirei os olhos
mesmo sem encará-lo, só de imaginar uma conversa entre aqueles dois.
— Achei que você fosse ficar com os policiais.
— Eles só vão cuidar da segurança, Guilhermo — respondi ao voltar a mirá-lo.
Meu celular tocou em meu bolso e o peguei já sabendo de quem se tratava.
— Já estou em minha casa. — foram minhas primeiras palavras.
— Os policiais já estão aí. Estou chegando. Pode me esperar três minutos, por
favor?
— Ok. Nos vemos daqui a pouco. — desliguei.
— David? — Guilhermo olhava para a rua na frente do carro ao perguntar aquilo.
— Sim. Ele está chegando.
Maldição.
Guilhermo irá embora em alguns minutos. — finalmente percebi — Como demorei
tanto para lembrar disso?
O final de semana fora quase perfeito e agora eu voltaria para minha casa solitária e
ele para o seu apartamento. Que fim mais deprimente.
— Eu adorei o final de semana. — admiti fazendo-o me encarar novamente —
Obrigada.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos e disse:
— Gostou até dos comentários nada sutis da minha família?
Aquilo me fez rir e ele também sorriu:
— Essa é uma questão à parte.
Ele acenou em negativa.
— Nos vemos na semana que vem?
Concordei quando lembrei que teríamos que voltar ao trabalho — a empresa também
foi esquecida por mim durante este final de semana.
Diabos. O que eu não esqueci durante estes dias?
Guilhermo tirou o cinto de segurança enquanto perguntava:
— Será que eu tenho direito a um último beijo?
— Último? — ecoei surpresa.
— Último até nosso próximo encontro. — esclareceu.
Arqueei a sobrancelha para ele e me livrei do meu cinto.
— É claro que tem.
Nossos lábios se roçaram antes do contato que levou a um beijo de verdade. Nossas
línguas se entrelaçaram e, novamente, lembrar de qualquer coisa além de nós dois neste
pequeno espaço foi impossível.
Agora entendo minha amnésia pós final de semana.
Trocamos beijos por alguns minutos, até que a buzina de um carro fez com que nos
separássemos.
Olhei através da janela e encontrei os olhos de David em seu carro. A expressão
aparentemente séria escondia o sorriso que eu sabia que seus olhos refletiam. Quase pude
ler seus pensamentos:
“Presidente da D’Angelo, hein?”
Revirei os olhos para ele e voltei-me para Guilhermo.
— Eu preciso ir. — ele trocou um aceno de cabeça com David e me beijou em
seguida.
— Me ligue ou mande uma mensagem se precisar de qualquer coisa.
Assenti contra seus lábios e nos afastamos para sair do carro.
Ele pegou minha mala no porta-malas e trocou um cumprimento rápido com David.
Os olhares que os dois trocaram foram quase impassíveis para mim.
— Obrigado por cuidar dela. — David disse.
— Foi um prazer.
Aquilo foi um arquear recíproco de sobrancelhas? Que tipo de linguagem é essa?
David pegou minha mala e seguiu para a entrada de minha casa.
— Até mais, americana intrépida. — Guilhermo murmurou antes de juntar seus
lábios aos meus uma última vez.
— Até mais, espanhol convencido.
Fiquei à frente de minha casa assistindo seu carro seguir novamente pelo caminho
que viemos ainda pouco.
— Presidente da D’Angelo, hein? — David indagou colocando-se ao meu lado.
Aquilo me fez sorrir.
— Que olhares foram aqueles, Sr. Wherlock?
Foi sua vez de rir ao ouvir o que eu disse.
— Minha vingança. — murmurou — Agora ele acha que já houve algo entre nós.
Juntei as sobrancelhas, sem entender, e voltei a fitá-lo. Seus olhos azuis pareciam
divertidos.
Semicerrei os olhos e cruzei os braços para fechar o casaco e me proteger do frio:
— Se vingar do quê?
— Por uma certa loira de olhos castanhos ter me ligado completamente bêbada
ontem à noite. — arregalei os olhos quando lembrei de Melanie — E tenho certeza que há
um dedo seu e outro de Megan nisso.
Inferno.
— Ela está do outro lado do país, mas seu poder de me tirar do sério não foi abalado
por isso e muito menos pela quantidade de álcool em seu sangue. — continuou.
— O que ela disse? — questionei preocupada.
Melanie é impulsiva demais. Pode ter dito muito mais do que deveria. E o pior é que
hoje não deve lembrar de nada, se é que estava realmente bêbada.
Ele voltou a encarar a rua e suspirou.
— Vamos entrar. Temos muito o que conversar antes de chegar a isso.
VINTE
EVANGELINE
Inferno.
— Ela te chamou de covarde? — ecoei levantando-me do sofá de minha sala. Ele
assentiu e tomou o segundo copo de uísque de uma só vez.
— Filho da puta covarde, para ser mais exato.
Arqueei as sobrancelhas, perplexa. Realmente não conseguia acreditar no que David
acabara de me contar. Ele me deu um resumo sobre sua ligação conturbada com Mel ontem.
Ela lhe perguntou se ele estava ou não apaixonado por ela. Os dois discutiram e ele acabou
dizendo que sim. Melanie o xingou por nunca ter dito isso e desligou.
Suspirei enquanto procurava algo para dizer, mas não consegui pensar em nada.
— O que você fará agora? — decidi perguntar.
Ele acenou em negativa e parou de andar em círculos pela sala.
— Prefiro não dizer o que tive vontade de fazer quando aquela louca desligou na
minha cara.
— David, pelo amor de Deus! Nos conhecemos há mais de vinte anos! Diga de uma
vez.
Ele semicerrou os olhos e vi um misto de fúria e, incrivelmente, malícia em seu
olhar.
— Eu mostraria o quanto sou filho da puta e covarde.
Revirei os olhos. — homens.
— Eu não entendo porque vocês demoraram tanto para dizer que estão apaixonados!
É perceptível! Qualquer um que olhe para vocês juntos percebe!
Franzi o cenho quando o vi sorrir.
— Eu vou lhe dizer estas mesmas palavras um dia, Evangeline. — ele disse.
Rolei os olhos novamente e ele continuou:
— Como eu saberia que por trás daquelas malditas discussões, ela sentia algo? Sou
detetive, mas não leio mentes, Evangeline. E essas drogas de sinais de vocês mulheres não
costumam fazer sentido algum para nós homens.
Diabos. Ele estava muito mal humorado. Eu já havia esquecido o efeito de Mel em
sua vida.
— O que você fará agora?
— Vou esperá-la voltar. Melanie não lembra sequer que me ligou ontem.
Juntei as sobrancelhas quando tentei entender e ele esclareceu:
— Liguei para ela hoje e aquela louca estava de ressaca e me mandou para o...
Eu o interrompi:
— Tentará conversar com ela?
— O que eu tenho em mente está longe de ser uma conversa.
— Você não pode estar falando sério.
— Não vamos discutir sobre isso, ok? Melanie e eu nos entenderemos do nosso
jeito. — ele fez uma pausa — Então parem de interferir. Você e Megan não têm nada a ver
com o que há entre Mel e eu.
Ri com escárnio por um momento.
— Não havia nada entre vocês até ela te chamar de filho da puta e covarde. E antes
disso, Megan e eu tivemos que interferir. Vocês têm é que nos agradecer!
— Nós nos resolveríamos de um jeito o outro.
— Claro. — concordei irônica — Daqui a dez anos, talvez.
David sentou sobre a poltrona branca no lado oposto ao que eu estava e suspirou
cansado.
— Já podemos mudar de assunto?
— Como preferir.
Sentei-me no sofá novamente e o encarei, esperando que ele começasse.
— Já providenciei o enterro, será à tarde. — ele disse. — Por mim ela seria
enterrada como indigente, mas como você não quis deixar desta forma, eu contratei uma
funerária. Tudo acontecerá às cinco da tarde de hoje.
Assenti incapaz de dizer qualquer coisa sobre isso. Eu odiaria deixar que Claire
fosse enterrada desta forma. Como uma indigente.
— Descobriu algo?
— Não. E aquele filho da puta continua à solta. É como procurar agulha no palheiro.
— murmurou ao deixar o copo vazio de lado — Ele está recebendo ajuda e está fazendo
viagens pequenas com documentação falsificada. A polícia alertou até mesmo os menores
aeroportos, mas não acho que vá adiantar.
O final de semana com Guilhermo foi ótimo para me ajudar a colocar tudo isso de
lado por alguns dias, mas agora tudo estava de volta. E a falta de respostas pesava ainda
mais que antes.
— Por que?
— Descobri que Steve não está em Nova Orleans há algum tempo. Eu chutaria que
John estava indo para lá caso seu possível chefe estivesse em Nova Orleans, mas como não
está. — ele acenou em negativa — O destino dele é uma incógnita.
Eu reconhecia a sua expressão. Ele estava com raiva de si mesmo por não descobrir
o que está acontecendo, por não estar conseguindo montar as peças deste quebra-cabeças.
— Eu sei que você vai descobrir tudo o que está acontecendo. Não se preocupe com
isso agora. Ao menos John está longe. — tentei confortá-lo — Já começou a fazer a
investigação sobre meus funcionários?
— Sim. E adicionei todos que te ajudam na instituição também.
— Não acha que está exagerando?
— Não. — David levantou-se da poltrona — No fim, qualquer pessoa pode estar
envolvida com Steve.
— Tem certeza de que se trata dele? Que ele está comandando John? Que ele mandou
matar Claire?
— Eu apostaria minha vida no sim, mas suposições não são suficientes para a
polícia, portanto, terei que encontrar provas contra ele.
Fechei os olhos.
Eu posso lidar com isso. Com a suposta volta iminente de Steve.
— O que acha que ele quer? — questionei retoricamente ao levantar-me também.
Ele arqueou uma sobrancelha como se a resposta para aquilo fosse óbvia.
E era.
— Mas depois de sete anos?! Por quê?
— Isso só aquele psicopata pode nos responder.
Bufei quando a raiva crescente em mim me fez querer xingar todas as gerações da
família Cosgrove. Já havia decidido que não deixaria que nada mais em meu passado me
impedisse de viver como qualquer mulher de vinte e sete anos. Eu não deixaria que ele o
fizesse.
— O que faremos se ele aparecer?
— Seguranças para você é a primeira medida a ser tomada.
— Não vou andar com seguranças! Não tenho medo de Steve! — retruquei alto
demais — Saberei me defender se ele aparecer.
Ele fingiu não ouvir minhas palavras e voltou a andar de um lado para o outro.
— Há outra peça que não se encaixa no meio de tudo isso.
— Qual?
— Por que Claire viria à sua casa com John? Por que Steve mandaria que eles
fizessem isso?
Comprimi os lábios para reprimir um suspiro e sussurrei:
— Eu não sei.

Dias depois
GUILHERMO
— A primeira reunião será com a filial da Alemanha. — foram as primeiras palavras
de Lucas ao me atender.
Ele era o assessor de meu pai, em Barcelona, mas depois que o Sr. Theodory
D’Angelo decidiu se aposentar, ele se tornou meu braço direito. Lucas fica na Matriz de
nossas indústrias e organiza todos os tipos de reuniões e conferências com todas as filiais.
E agora estava me repassando minha agenda para a primeira semana do ano de 2014.
— Quando? — questionei ao abrir meu e-mail. Lucas acabara de me enviar uma
cópia da agenda que ele havia preparado. Ele colocou tudo em uma planilha do Excel.
— Terça feira às oito da manhã. Você precisará autorizar o design criado para o
modelo da Ferrari 2015. Além de falar sobre o planejamento estratégico já feito pelos
diretores de lá e questionar sobre os relatórios financeiros referentes ao ano de 2013, aliás,
eu enviei uma cópia para o seu e-mail também.
Cerrei os olhos por um momento e baixei todos os malditos arquivos que ele havia
anexado ao e-mail.
— Achei que o planejamento estratégico seria mencionado na reunião com todas as
filias, onde elas terão que apresentar a gestão prevista para cada mês do próximo ano.
— E será. Mas diferente de antes, agora a automotiva da Alemanha é completamente
nossa, Guilhermo. Os projetos finais devem ser aprovados por você. A reunião com todas
as filias é feita anualmente apenas para que você ou seu pai não tenham que se deslocar para
cada país para verificar o andamento do que foi premeditado para o ano seguinte.
— Tudo bem. — suspirei. — Algo mais que eu precise saber?
— Alguns países têm o recesso nas duas semanas que antecedem o final do ano.
Tivemos problemas com a confirmação de algumas filiais, porque houve atraso na
organização da agenda dos diretores aqui de Barcelona. Os e-mails informativos foram
enviados na sexta feira.
— Eu sei, eles têm este recesso aqui em Nova Iorque. — contei — Mas o recesso
começou na sexta.
Foi a vez de Lucas suspirar.
— Vou resolver isso. — ele disse — Revise os relatórios que enviei. Em três meses,
você só fez uma auditoria na Alemanha. É possível que haja algum desfalque.
— Analisarei tudo com atenção. — assegurei.
— Ok... Só mais uma coisa. Sua reserva no España já foi feita. Check In na tarde de
segunda feira, a partir das cinco horas.
Franzi o cenho ao ouvir aquilo.
Eu havia prometido à Evangeline que não dormiria com nenhuma outra enquanto nós
dois estivéssemos dormindo juntos. Não havia motivos para ter uma reserva no España.
Mas ainda assim me ouvi dizer:
— Tudo bem. Obrigado.
Desliguei o telefone e mandei todos os documentos para a impressora. Enquanto
esperava as dezenas de páginas serem impressas, decidi ir até a cozinha para pegar uma
garrafa de vinho ou até mesmo uma de cerveja. Era quase cinco da tarde e Evangeline não
me mandara nenhuma mensagem.
Devia estar com o tal David.
Fechei a geladeira com força e abri a garrafa de cerveja.
Amigos.
Aquele homem não parecia querer ser apenas um amigo. Ele a queria.
Encostei-me ao balcão da pia e tomei o primeiro gole de minha bebida. Olhei para a
mesa que estava um metro à minha frente, e as lembranças preencheram minha mente
lentamente. Quase pude sentir a volúpia que compartilhamos no beijo que me levou a
colocá-la sobre aquela mesma mesa, que me fez desejar tomá-la para mim aqui mesmo. Eu
apenas senti o calor crescente no interior de suas coxas e, mais do que tudo naquele
momento, eu quis estar dentro dela.
Ontem só consegui me afastar de Evangeline porque depois de horas de sexo,
percebi que ela estava exausta. Mas saber que eu ficaria uma semana sem ela, e pior, que
ela estaria com aquele filho da puta, era suficiente para me deixar louco.
Fechei os olhos e apertei a maldita garrafa em minhas mãos.
Evangeline também prometeu que não dormiria com nenhum outro. Então tudo bem.
Não importava se ele estava na mesma casa que ela. Sozinho com ela. Dormindo a apenas
algumas portas de distância do quarto dela.
É claro que não importava.

EVANGELINE
A quarta feira estava insuportavelmente tediosa. David estava há horas trancado em
meu escritório trabalhando nos casos que precisou deixar de lado desde o que aconteceu na
sexta feira.
Era estranho estar em minha casa novamente, principalmente, por parecer estar
inexoravelmente sozinha. Eu estou evitando entrar em minha cozinha desde que voltei.
David sempre gostou de cozinhar e sempre deixou claro que não tem coragem suficiente
para provar o que eu cozinho, então ele cuidava desta parte.
Eu já havia me obrigado a aceitar tudo o que está acontecendo e diferentemente do
que teria feito meses atrás, eu comecei a me preparar para um possível, e talvez iminente,
reencontro com Steve. Precisava ser forte, pois sabia que ele era muito bom em se
aproveitar de minhas fraquezas.
Hoje à tarde verifiquei o planejamento anual da Howell’s e concluí o da Filial. —
que começara a preparar com a diretoria na semana passada — Precisava analisar todos
eles todas as vezes necessárias para que não cometesse nenhum erro durante a apresentação,
pois é essencial demonstrar que realmente sabemos o que estamos fazendo e,
principalmente, estar preparada para os questionamentos da D’Angelo.
Suspirei profundamente.
Eu verifiquei meu celular pelo menos dez vezes apenas hoje e eram apenas seis da
noite. Ele não ligara e não enviara nenhuma mensagem.
Mas isso não importava. — eu repetia para mim mesma. — Eu mantinha vívidas as
lembranças de tudo o que aconteceu no último final de semana.
Deitei sobre minha cama e fechei os olhos. Eu a amava, mas, ou ela parecia grande e
vazia demais agora, ou eu estava sendo redundante. Muito redundante.
Mas como eu não percebi isso antes? Depois de sete anos dormindo sozinha aqui?
Meu celular tocou ao meu lado, o que me assustou, e o peguei para atendê-lo. Era da
casa de papai e mamãe, em Nova Orleans. Daniel me ligou mais cedo, então não poderia ser
ele.
— Alô? — atendi.
— Finalmente minha filha me atendeu.
Papai.
— Eu nunca ignoraria chamadas suas, então não venha com essa. — respondi
fazendo-o rir.
— Talvez eu esteja sendo um pouco dramático, admito. — ele disse. — Como está,
querida?
Um sorriso tímido surgiu em meus lábios.
— Ótima. E o senhor?
— Muito bem.
— Alguma novidade? — o Sr. Robert era ainda menos sutil que mamãe. Lembrar
disto me fez rir.
— O que ela contou ao senhor? — questionei referindo-me à dona Patrícia.
— Que você havia abdicado de um final de semana maravilhoso com sua família,
para ir passar o natal com um namorado. Eu gostaria de saber quando pretendia me
contar isso.
— Não há namorado, papai. Guilhermo é apenas um colega de trabalho.
— Apenas um colega de trabalho. — ecoou como se testasse as palavras. Aquela
frase me fizeram lembrar de David.
— É o mesmo do contrato de Barcelona?
Revirei os olhos ao responder:
— Sim.
— Espero conhecê-lo em breve.
— Não haverá motivos para que isso aconteça.
— Tem certeza? Você parece muito feliz, querida.
— Tenho. — fechei os olhos antes de dizer — Estou feliz, mas...
— Ele não tem nada a ver com isso? — ele me interrompeu.
Eu não poderia mentir para ele.
Fiquei em silêncio. — a pior escolha que poderia ter feito. Mesmo sabendo que
papai não me forçaria a contar nada.
— Eu realmente gostaria de conhecê-lo.
— Ele não é meu namorado, papai. Essa é a questão.
Ele fez uma pausa, antes de murmurar:
— O que não quer dizer que ele um dia não possa ser.
Suspirei cansada daquilo.
Ouvi vozes próximas a ele.
— Querida, Nathalie quer falar com você.
— Passe para ela. — pedi. Segundos depois ela estava ao telefone — Meu amor,
como você está? Gostou do final de semana?
— Mamãe! Foi muito divertido! — sorri ao ouvi-la aumentar a quantidade de
vogais na palavra “muito” — O vovô me deu uma porção de presentes! E a vovó me deu
aquela barbie nova, lembra? Ela disse que me daria uma, mas me deu duas! A outra era
a...
Coloquei a mão nos lábios para me impedir de rir enquanto ela fazia uma lista de
todos os presentes que havia ganhado.
— Guilherme deu presentes a senhora, mamãe?
Fechei os olhos sem acreditar. O que Guilhermo havia dito para ganhar uma aliada
como Nathalie?
— Ele queria me dar um colar. — contei mesmo sem saber o porquê — Mas eu disse
que não poderia aceitar.
— Por que? — ela pareceu brava e confusa.
— Porque era um presente muito caro, querida. Eu não poderia aceitar.
— Mamãe, você não pode fazer isso! Ele é seu pleten... — ela fez uma pausa e
seguida soletrou lentamente. — Pre-ten-den-te. Não faça mais isso! Senão ele não vai
mais querer ser seu namorado.
Juntei as sobrancelhas ao registrar aquilo.
— Meu namorado?
Ela ficou em silêncio.
— Nathalie, do que está falando?
— Ups... Mamãe, eu vou desligar! Prometo que volto na semana que vem. A mamãe
Nany disse que...
— Nathalie, não desligue! Explique por que estava... — parei de falar quando
percebi que ela havia desligado.
Inferno.
Guilhermo não vai mais querer ser meu namorado? De onde ela tirou isso?

No dia seguinte:
— Como um assassinato no Broklyn pode te levar à Nova Jersey? — questionei.
— Através de uma pista. — David respondeu. — Todos os anos a “vítima” — ele
fez aspas no ar, pois se referia a um assassino de aluguel. — Fazia uma viagem à Nova
Jersey nesta época, alugava um carro e ficava exatamente doze horas lá. Em seguida voltava
ao aeroporto e pegava um avião, sem paradas, de volta para Nova Iorque.
— E daí?
— No único ano que ele não fez esse ritual, ele foi assassinado com cinco tiros. —
concluiu.
— E o que ele fazia em Nova Jersey?
— Vou para lá atrás de uma pista para descobrir isto. — ele explicou pacientemente.
— Quando voltará? — perguntei.
Fitei a mala que ele fazia, já havia colocado pelo menos três pares de roupas.
Encostei-me a porta do quarto que ele havia ficado.
— Em, no máximo, dois dias. — ele fez uma pausa enquanto fechava a mala — Já
tenho a ficha criminal das pessoas que trabalham com você tanto na empresa quanto na
instituição, todas estão incrivelmente limpas. Estou aguardando outro relatório, o que me
dirá se alguma delas morou ou foi para Nova Orleans recentemente. Assim que o tiver, eu te
aviso, ok?
Assenti brevemente e ele veio até a porta.
— Vou ficar com o celular vinte quatro horas por dia. Pode me ligar sempre que
precisar. Os policias trocam de turno às dez da manhã e às onze da noite. Todos são de
confiança, então não se preocupe. — assenti novamente.
Ele abriu a porta e saímos do quarto.
— Agora que você sabe que Guilhermo não é conivente com Steve ou qualquer
pessoa suspeita, deixe seus policias cientes de que ele pode vir aqui. — avisei.
David parou no meio do corredor. E me fitou com um sorriso malicioso no rosto.
— O que foi? — inquiri parando à sua frente.
— Eu não disse nada. — respondeu sem tirar o sorriso do rosto.
Arqueei uma sobrancelha.
— Quando decidiu que o chamaria?
— Cinco minutos atrás.
— Hum. — ele assentiu e voltou a andar — Presidente da D’Angelo, sei.
Revirei os olhos enquanto descíamos as escadas e ele ria ao repetir as minhas
palavras de nossa primeira conversa sobre Guilhermo. Até mesmo eu ri quando ele
começou a tentar imitar minha voz.
— Você parecia estar do lado de Guilhermo quando eu disse que havia decidido dar
uma chance a ele.
— Eu estava do seu lado. E continuo. — ele voltou a me encarar — Acho realmente
que um pouco de sexo pode te deixar mais forte para enfrentar mais um início de ano.
— David! — o repreendi, um tanto quanto sem graça.
— O quê? — ele riu — Estou falando sério.
Cruzei os braços quando ele parou a frente da porta da sala. Continuei a encará-lo
com uma carranca em minha expressão.
— A Evangeline que ele trouxe para esta casa na segunda feira não era a mesma que
eu vi naquela delegacia no sábado.
Minha expressão se suavizou.
— Por que?
— Você parecia mais forte e... — ele se interrompeu como se procurasse uma
palavra — Mais feliz.
— Feliz?
Primeiro papai na quarta feira, depois Angeline, mamãe e Nany em uma conversa
que tivemos com o celular no viva voz e agora David? De repente todos dizem que pareço
feliz.
— E não da forma que uma mulher fica depois de dormir com um cara. — ele
explicou.
Semicerrei os olhos para ele.
— Você não está dizendo coisa com coisa.
— Eu sei. — ele admitiu franzindo a testa — Por isso deixo a parte dos sentimentos
para suas amigas.
Aquilo me fez rir. Ele me beijou o rosto e o abracei.
— É sério, me ligue se precisar de qualquer coisa. — ele sussurrou em meu ouvido.
— E diga a esse Guilhermo que você tem um amigo que trabalha com a polícia, que eles têm
muitas armas, e que se ele fizer algo com você, eu não terei pena de usar todas as armas a
que tenho acesso.
Meu sorriso aumentou ao ouvir aquilo.
— Boa viagem. — sussurrei. — E boa sorte no seu caso.
— Obrigado.
Ele abriu a porta e saiu.
Quando fechei a porta e me encostei a ela, uma euforia cresceu dentro de mim —
depois dúvida também se fez presente.
Ligaria ou não? — devia lembrar que ele não dera sinal de vida durante esta semana.
E ele? Viria ou não? — poderia estar ocupado também.
Dane-se.
Peguei o meu celular e liguei para ele.
— Evangeline? — percebi a surpresa de Guilhermo ao me atender.
Por que meu coração parecia querer sair do peito? — inferno.
— Sim. Tudo bem?
Fechei os olhos e decidi parar de andar de um lado para o outro e sentar de uma vez
no sofá.
— Ótimo. — e eu poderia apostar que ele está sorrindo — E você?
— Bem. — fiz uma pausa — Liguei para fazer um convite.
— Convite?
— Isso... Quero saber se está disponível para um jantar amanhã. O último do ano.
Uma pausa se seguiu e serviu apenas para me deixar aflita. Eu poderia apostar que
ele estava sorrindo novamente.
— E a que horas seria este jantar?
— Às oito, que tal?
— Não tenho certeza, mas posso verificar minha agenda.
Quase suspirei aliviada quando percebi que havia conseguido. Um sorriso surgiu em
meus lábios quando percebi que eu lhe dei esta mesma resposta quando ele me convidou
para um jantar semanas atrás.
— Sua família estará presente?
— Não. Eles só voltarão na semana que vem.
Ele ficou em silêncio.
Tentei imaginar o que poderia estar passando por sua cabeça, mas preferi expulsar os
pensamentos assim que eles começaram a surgir.
— Então, vou desligar. — falei. — Até mais.
— Até amanhã, Señorita.
Minha pele se arrepiou ao ouvir a última palavra.
VINTE E UM
No dia seguinte:

GUILHERMO
Dirigi cuidadosamente até a casa de Evangeline e cheguei faltando exatamente dez
minutos para as oito da noite.
Como ela havia dito que seríamos apenas nós dois no jantar, decidi vestir apenas
uma calça jeans escura, camisa azul claro e blazer azul escuro. — mas me arrependi
deliberadamente por não ter trago um casaco, pois o frio estava insuportável. Abaixo de
zero. E agora parecia nevar mais do que durante todo o mês de dezembro.
Inferno.
Precisei apresentar um documento que comprovasse que eu era Guilhermo, aos
policias que vieram me atender no portão da frente. — gostei disso. Um sinal de que
ninguém além de mim tem permissão de vir aqui.
Tentei arrumar meus cabelos lisos, mas foi em vão. Tudo o que consegui foi deixá-
los ainda mais desgrenhados.
Toquei a campainha duas vezes e enquanto esperava que ela me atendesse, tentei tirar
alguns flocos de neve de minha roupa.
— Guilhermo. — ela disse ao abrir a porta e me ver. — Boa noite.
Precisei de alguns segundos para registrar aquelas palavras.
Maldição.
Ela está maravilhosa. — mais uma vez.
Vestido e batom vermelhos, nada de maquiagem nos olhos. Cabelos soltos. E um
sorriso diferente de todos os que já vi em seus lábios. Ela seria capaz de ofuscar a beleza
de milhares de flores juntas.
— Buenas noches, Señorita. — cumprimentei-a e não resisti a um sorriso de canto
quando o seu aumentou.
Dei um passo em sua direção e ficamos frente a frente. Minha atenção se voltou para
os seus lábios e a beijei suavemente com a intenção de manter sua maquiagem perfeita, mas
foi impossível. Uma semana sem aqueles lábios, sem ela, era tortura. Uma prova a qual eu
não estava preparado para passar. E aquilo me levaria à loucura aos poucos.
Assim como estar com ela.
Envolvi sua cintura com um braço, juntei seu corpo ao meu e aprofundei o beijo. Seu
corpo estava quente contra o meu, me aquecia completamente — beijamo-nos com desejo e,
tive que admitir, paixão desenfreada, sem limites.
— Gostei desse batom. — comentei ao ver que seus lábios continuavam delineados
pelo batom vermelho. — Posso te beijar sem me preocupar de acabar com seu trabalho. —
falei referindo-me à maquiagem.
Ela riu e me deu um último selinho antes de seus dedos soltarem meus cabelos e ela
se afastar.
— É novo. — explicou — Decidi testá-lo hoje... Vamos?
Segurei sua mão e assenti antes de seguirmos para uma porta. Sua sala era espaçosa,
como a minha, mas completamente decorada com branco e tons claros de verde e azul.
— Prefere jantar agora ou mais tarde? — ela questionou.
— Vou acompanhá-la no que decidir para hoje.
— Tem certeza? — ela se voltou para mim.
Sorri insolente e arqueei uma sobrancelha. Se eu soubesse que progrediríamos a
isso, teria me esforçado ainda mais para conquistá-la. Pensar em como nossos diálogos
eram três meses atrás e como são hoje, me faz ter certeza de que não somos compatíveis
apenas na cama.
— Tenho. — anuí ao adentrarmos a sala de estar.
A mesa estava perfeitamente posta para duas pessoas.
— Você cozinhou? — provoquei ao lembrar de seu conhecimento gastronômico
básico.
Ela semicerrou os olhos.
— Não. Tudo foi preparado pela chefe de cozinha do meu restaurante preferido.
Sorri ao puxar uma das cadeiras para ela e esperar que se sentasse. Depois fiz o
mesmo, ficando a sua frente.
— O que fez durante a semana, Srta. Howell?
Evangeline arqueou as sobrancelhas e suspirou lentamente enquanto pegava uma
garrafa de champanhe.
— Concluí alguns trabalhos para a Howell’s e outros para a D’Angelo. Nada muito
empolgante ou interessante. — ergui minha taça para que ela a enchesse — E você?
Acenei em negativa.
— Muito trabalho também. Nada muito excitante ou instigante.
Ela levantou o olhar e me fitou.
— É sua vez de decidir. — murmurou e deixou sua taça próxima a minha. Se referia
ao brinde.
Hesitei enquanto pensava, mas segundos depois sugeri:
— Ao novo ano que se inicia. — não permiti que nossas taças se chocassem, até que
continuei. — E às novas chances que a vida nos dará.
Evangeline ficou em silêncio por tempo suficiente para que eu tivesse certeza que
estava se lembrando de algo. Eu só não sabia dizer exatamente o que era.
— Às novas chances que a vida nos dará. — concordou quando roçamos nossas
taças.
Trocamos algumas palavras enquanto ela nos servia, mas as amenidades foram
esquecidas quando provamos a comida. Estava maravilhosa.
— Eu sei. — ela disse sem que eu tivesse dito qualquer palavra — A comida de
Celina é ótima.
Acenei concordando e voltamos a comer.
— Então sua mãe era a dona da Howell’s? — franzi o cenho sem entender.
— Isso mesmo. — ela concordou rindo — Quando meus pais decidiram se
aposentar, Daniel ficou com as empresas de papai e fiquei com a de mamãe. — continuou
— Angie preferiu cursar duas licenciaturas. Ela adora lecionar.
Eu estava surpreso. Não por, finalmente, conhecer um pouco sobre sua família,
estava surpreso por ela estar me contando tudo isso.
Enchi sua taça de champanhe pela terceira vez e fiz o mesmo com a minha.
— Vamos para a sala? — perguntou.
— Claro. — concordei quando ela se levantou.
Seguimos para a sala e ela me pediu para levar uma garrafa de champanhe. — para a
meia noite. Mesmo que ainda fosse dez da noite.
— E você? Como chegou a presidência da D’Angelo? Também foi um estagiário de
seu pai?
Hesitei ao ouvir aquilo. Sentamos lado a lado no sofá e suspirei antes de começar a
contar:
— Não. Na verdade eu sequer me importava com as empresas até meus vinte e sete
anos.
Eu a vi juntar as sobrancelhas em desentendimento e beijei-lhe os lábios suavemente.
— Preferia dormir durante os dias e estar em festas durante às noites.
— O que o fez mudar?
— Papai. — respirei profundamente enquanto lembrava — Na conversa mais séria
de nossas vidas.
— Você mudou muito?
— Tanto que você me odiaria se me conhecesse há dois anos. — sorri ao lembrar de
como ela já parecia me odiar em Barcelona.
— Então você era mesmo o playboy de Barcelona?
Fiquei em silêncio enquanto pensava sobre sua definição.
— Digamos que sim.
Ela riu baixo e sorveu um pouco de sua bebida.
— De duas uma: ou eu estava certa sobre você quando nos conhecemos, ou você era
um homem que fazia as mulheres de brinquedo durante uma noite.
Lembrei da primeira vez que ela me disse estas mesmas palavras e semicerrei os
olhos.
— Seu senso de humor melhora quando você começa a ficar bêbada. — aquilo fez
com que ela me encarasse irritada.
— Eu estou longe de ficar bêbada. — fez uma pausa — E meu senso de humor é
ótimo.
Foi minha vez de rir.
— Você não está bêbada? — ecoei cético.
Ela acenou em negativa quando aproximei nossos rostos e, antes que eu pudesse
beijá-la, ela o fez.
— Não e nem pretendo ficar. — sussurrou.
Foi minha vez de juntar nossos lábios e beijá-la com ardor e avidez irrefutável.
Minhas mãos seguiram para sua cintura para trazê-la para mais perto. Aquele já era um
ritual. Beijos pediam pela aproximação de nossos corpos.
Inquiri quando ela estava perto o suficiente:
— Pensou em algo para fazermos até meia noite?
— Não.
— Ótimo... Diga-me o que acha de meus planos.
Rocei minha boca na sua antes de morder seu lábio inferior e puxá-lo para mim. —
assim como a ela.
— Espere! — ela pediu afastando-se abruptamente — Minha taça!
Evangeline colocou a maldita taça, que ainda estava cheia, sobre a mesa de centro.
— Pronto. — murmurou ao voltar-se para mim — Quais são seus planos?
Ri um pouco incrédulo. — não acreditava que ela estava fazendo isso.
— Venha cá. — chamei-a.
— Sobre você? — ela pareceu espantada. Como se aquele fosse um pedido devasso
demais para ser cumprido.
— Sim.
Hesitou por um momento e quando a vi respirar fundo e levantar, achei que não o
faria, mas enquanto prendia os cabelos, ela mandou:
— Deite-se direito.
Semicerrei os olhos tentando entender o que ela fazia. Assim que Evangeline tirou os
sapatos de salto alto e os deixou ao lado da mesa de centro, eu decidi fazer o que ela havia
indicado. Deixando as costas contra a extremidade do sofá.
— Acho que estou me tornando uma depravada. — ela disse enquanto se colocava
sobre mim.
— Você está sendo exagerada. — murmurei olhando-a nos olhos.
Suas pernas estavam flexionadas, uma de cada lado de meu corpo. Toquei as duas
firmemente sob o tecido vermelho do vestido e vi Evangeline parar de respirar enquanto eu
seguia para seu quadril.
— Há duas semanas eu sequer pensaria em fazer sexo sobre o sofá da minha sala, e
olha o que estou prestes a fazer?
— É demais para você?
— Não. — ela suspirou e acenou em negativa algumas vezes. Parecia travar uma
batalha dentro de si mesma. — Veja, eu sei que não sou nenhuma virgem para ser tão
puritana às vezes, mas... — franzi o cenho quando a vi fechar os olhos e corar — Nunca tive
nada assim.
— Defina “assim”.
— Sexo no banho, em uma cozinha, em uma sala, posições diferentes do usual papai
e mamãe. — expirou fortemente e concluiu em tom irônico — Apenas isso.
Sorri de sua expressão e resisti à vontade de beijá-la.
Apertei suas nádegas ao trazê-la para mais perto. Adorei ouvi-la gemer quando seu
sexo roçou o meu. — mesmo com todas as roupas que ainda vestíamos.
— Acha isso ruim?
— Claro que não... Só preciso me acostumar com todas as novidades.
Sua resposta me fez rir. Puxei-a para que pudesse beijá-la e quando minha língua
encontrou a sua e ela retribuiu o beijo, eu já sabia que tudo o que ela fazia ultimamente era
me surpreender. — de todas as maneiras possíveis. E era evidente que eu gostaria que
continuasse a fazê-lo.
Diabos. Isso é sexo. Você não tem que gostar ou querer nada mais além disso.
Procurei a lateral de sua calcinha e me surpreendi ao sentir um tecido fino, segui até
a extremidade dele e uma percepção fez com que meu pau ficasse ainda mais duro. Sua
calcinha era feita apenas de elástico e renda. Alguns centímetros de elástico e renda.
— Porra. — murmurei quando ela me beijou com um sorriso nos lábios. — Por que
fez isso, Evangeline?
— Porque queria provocá-lo... — ela disse ao beijar meu pescoço — É vermelha.
Se meu sangue já corria ferozmente em minhas veias, depois de ouvir suas palavras
ele se tornou ardente.
Rasguei sua calcinha e Evangeline se afastou o suficiente para abrir a braguilha de
minha calça.
Procurei minha carteira no bolso de meu blazer e tirei um preservativo dela após
encontrá-la.
— É ótimo saber que não fui o único a ficar louco pelo nosso próximo encontro. —
admiti quando ela baixou minha boxer.
Coloquei a camisinha em meu membro.
— Céus. — sussurrou. — Guilhermo, eu... — ela se interrompeu.
Tive certeza que esta mulher me mataria quando a vi umedecer os lábios e depois
voltar a me fitar. Seus lábios já não estavam tão vermelhos quanto antes, mas só de pensar
neles envolvendo meu pau... Inferno.
Pude ver suas pupilas completamente dilatadas e decidi dizer, antes que apenas vê-la
assim me levasse à loucura.
— Se você não montar em mim agora mesmo, vou desistir da ideia de deixar você
ficar por cima, e vou tomar as rédeas daqui por diante.
Evangeline engoliu em seco, mas, lentamente, levantou o vestido na altura da cintura.
Cerrou os olhos com força e montou sobre mim com uma lentidão que quase me
enlouqueceu de vez.
Ela comprimiu os lábios para se impedir de gemer e uma contração de seu sexo fez
com que finalmente voltasse a me fitar. Usou as mãos para se apoiar em meu torso antes de
começar a se mover.
Maldição. Ser envolvido, e apertado, por ela é a melhor coisa do mundo, mas vê-la
sobre mim, gemendo suavemente enquanto cavalgava no meu pau, é perfeito.
Eu a toquei sob o vestido e levei minhas mãos lentamente aos seus seios — ela
estava sem sutiã — E os apertei e provoquei-lhe os mamilos com os dedos. Queria tê-los
em minha boca, mas nossa posição não favoreceria esta vontade.
Evangeline me deu um selinho e murmurou contra meus lábios:
— Você parece maior.
Beijei os cantos de sua boca antes de lhe responder:
— Você me envolve completamente enquanto está por cima.
Seu sexo se contraiu novamente e ela gemeu contra minha boca.
Eu sabia que me perdia em meio a uma sinestesia erótica e extremamente prazerosa,
e via Evangeline da mesma forma; sentindo prazer e tocando com avidez e desejo, gemendo
e satisfazendo-se com meus gemidos e sussurros por seu nome. Tudo ao mesmo tempo, uma
mistura tórrida e devastadora que nos levava ao ápice rapidamente.
EVANGELINE
Guilhermo tirou alguns fios de cabelo grudados em meu rosto pelo suor e fechei os
olhos, cansada.
Ele continuava dentro de mim e eu não moveria um músculo para mudar isto,
principalmente agora que ele havia conseguido sentar-se novamente sobre o sofá e eu estava
descansando o rosto sobre seu ombro.
Inspirei lentamente e seu cheiro conseguiu me inebriar em poucos segundos. Cheiro
de Guilhermo e sexo.
Seu coração mantinha batidas regulares sob o meu e respirei melhor ao perceber
isso.
Quando ele me deu o segundo orgasmo, eu perdi a noção de tempo e agora não faço
ideia de que horas são.
Um sorriso surgiu em meus lábios quando Guilhermo beijou suavemente o meu
pescoço e em seguida ele o chupou.
— Guilhermo, você vai me deixar toda marcada. Pare com isso.
— Não consigo tirar minhas mãos de você. — ele murmurou contra meu ouvido. Um
arrepio atravessou meu corpo e me acordou completamente. — E tê-la tão perto cheirando a
Evangeline e sexo não ajudará a me manter longe de você.
Não pude respondê-lo, pois meu celular começou a tocar em algum lugar da sala.
— Que horas são? — perguntei.
Ele verificou as horas no seu relógio de pulso e sorriu.
— Meia noite e dois.
Surpresa, abri os lábios para lhe desejar feliz ano novo, mas ele acenou lentamente
em negativa e me deu um selinho.
— Feliz ano novo, americana intrépida. — sussurrou.
Sorri e devolvi o beijo antes de murmurar:
— Feliz ano novo, italiano espanhol.
O celular voltou a tocar e desisti de tentar ignorá-lo.
Separar nossos corpos fez com que eu sentisse como se tivessem roubado uma parte
de mim. Arrumei o vestido em meu corpo e ignorei a sensação de “liberdade” ao andar sem
calcinha até o balcão em que o celular estava.

No dia seguinte:
Acordei assim que senti o vazio na cama em que estava.
Tirei os cabelos que cobriam meu rosto e suspirei lentamente ao olhar para o lado da
cama que Guilhermo ocupava.
Ele fora embora sem se despedir? — perguntei-me.
Neste momento a porta do banheiro se abriu e Guilhermo adentrou o quarto. —
vestindo nada mais que uma toalha enrolada na cintura.
Seu corpo bronzeado ainda reluzia as gotas de água do chuveiro e seus cabelos
também estavam molhados e revoltos.
— Bom dia. — ele sorriu ao me ver acordada. Veio até mim e me beijou os lábios.
— Bom dia. — sussurrei em resposta.
Enquanto ele se voltava para o cabide que suas roupas estavam, eu decidi me
levantar e bocejei enquanto arrumava a camisola em meu corpo.
Olhei para o despertador e vi que já eram mais de oito da manhã. Não tão tarde para
quem foi dormir mais de duas da manhã.
— Vou tomar um banho rápido. — avisei antes de entrar no banheiro.
Vinte minutos depois, eu saí do banheiro. Encontrei Guilhermo sentado sobre minha
cama falando ao telefone. Completamente vestido com as roupas de ontem.
— Falei com todos após a meia noite... Não, eu não fui à nenhuma festa, Ally. — ele
dizia.
Certamente falava com sua prima Allison.
Procurei em meu closet um short jeans e uma blusa simples. — a casa estava
devidamente fechada e aquecida, isso me permitia ficar à vontade aqui dentro. — Peguei
também um conjunto de sutiã e calcinha e segui para o banheiro novamente, mas antes de
fechar a porta, pude ouvir Guilhermo dizer:
— Vim para a casa de Evangeline.
Dez minutos depois, descemos juntos para o café da manhã.
— Você cozinhou durante esta semana? — provocou.
Revirei os olhos.
Ele adorava tirar sarro da minha cara apenas porque eu não sei fazer mais que o
básico em uma cozinha.
— Não. — respondi ao abrir a porta da cozinha. Senti um calafrio percorrer meu
corpo ao entrar. Eu evitei obstinadamente fazê-lo durante estes dias, pois sabia o que havia
acontecido aqui uma semana atrás. — David gosta de cozinhar e não tem coragem de provar
minha comida.
— David? — ecoou.
— Sim. — repeti distraída com a cafeteira.
— Por que ele tem medo de provar sua comida?
Aquela pergunta me fez rir. Quando voltei a encará-lo, ele estava com as
sobrancelhas arqueadas. Não havia nem mesmo a sombra de um sorriso em seu rosto.
— Há três anos, Meg, Mel e eu decidimos fazer uma festa de aniversário surpresa
para David. — contei — Pedimos que ele fosse à casa de Mel e Meg e combinamos de nos
encontrar lá horas antes para preparar um bolo e os pratos preferidos dele. — meu sorriso
aumentou em lembrar — Eu achei que as meninas soubessem cozinhar melhor que eu, mas
elas na verdade não sabiam nem mesmo como ligar o forno do fogão.
Acenei em negativa e voltei-me para a cafeteira para colocar o pó do café.
— Foi um desastre. Quando David chegou nós tínhamos massa de bolo grudada até
nos cabelos. A cozinha estava uma zona e duas panelas, que estavam no fogão, começaram a
borbulhar com a mistura que Melanie tentara fazer para o recheio.
Ri ao lembrar das caras que elas fizeram quando David perguntou quem era
responsável por tudo aquilo e as gêmeas apontaram para mim.
— David acreditou quando as meninas disseram que eu havia feito o desastre
acontecer.
Voltei-me para Guilhermo novamente e desta vez o encontrei sorrindo.
— Então quer dizer que você controla a maior e melhor empresa de marketing dos
Estados Unidos e não consegue controlar algumas panelas em um fogão?
Semicerrei os olhos fingindo estar irritada, mas não resisti a sorrir.
— Eu não fiz aquela bagunça sozinha, ok? As gêmeas cuidaram de mais da metade
daquela zona. — meneei a cabeça em negativa enquanto Guilhermo se aproximava.
— Eu não sabia que Megan tem uma irmã gêmea. — ele comentou. — Qualquer dia
desses eu te ensino a fazer algo. — disse presunçoso.
— Claro, porque você é o chefe de cozinha.
O deboche e a ironia que meu tom carregava pairaram entre nós enquanto eu
começava a preparar as torradas.
— Eu nunca disse que era “o” chefe, mas há uma semana você concordou que sei
cozinhar muito bem.
— Por quê você é tão arrogante?
— Não sou arrogante, sou sincero. — ele disse — Isso me faz parecer arrogante.
Franzi o cenho e ele continuou:
— Além do mais, só estou oferecendo ajuda.
Acenei concordando mesmo estando em dúvida sobre isso. Ele pegou a louça do
café da manhã e me ajudou a arrumá-la na mesa.
Levei uma bandeja com café para os policiais e Guilhermo me ajudou levando
torradas e frutas.
Conversamos um pouco mais sobre a família dele e a minha, durante o café.
Enquanto seguíamos para a sala, porque ele iria embora, eu falava com Natalie ao
telefone. Ontem quando mamãe me ligou para desejar feliz ano novo, Natalie já estava
dormindo. Então pediu para falar comigo hoje.
— Mamãe, você não vai brigar comigo, não é? — ela perguntou de repente.
Juntei as sobrancelhas sem entender.
— Por que está me perguntando isso, Natalie?
— Prometa que não vai, mamãe!
Não adiantaria entrar em uma discussão sobre isso. Eu sabia que ela não me diria
nada até que eu prometesse.
— Prometo. — murmurei olhando para Guilhermo.
— Bem, você prometeu... Não pode me repreender por ter ouvido vovô e vovó
conversando sobre a senhora, hein? A senhora tem que me responder se é verdade.
— Verdade? Filha, eu não estou entendendo.
— Guilherme está com você, mamãe?
Me surpreendi ao ouvir aquilo e olhei novamente para Guilhermo, que me esperava
desligar o telefone para se despedir.
— Papai disse isso para você?
— Não! — respondeu prolongando as vogais — A vovó disse que tinha convidado
ele para ir para nossa casa. Mas você não me contou que ele iria... A senhora não mentiria
para mim, não é, mamãe?
Mamãe convidou Guilhermo para vir à minha casa? Voltei-me completamente para
ele, que me encarou desconfiado.
— Sim, ele está aqui, querida.
Fechei os olhos por um momento e finalmente lembrei. Quando eu disse à mamãe que
passaria o natal na casa de Guilhermo, ela afirmou que faria com que ele viesse a minha
casa no ano novo.
Inferno. Por que ele não me contou isso?
— Deixe que eu fale com ele.
— Não, Natalie. Guilhermo já está de saída. Depois ligo para você, tudo bem? —
antes que ela dissesse algo eu concluí — Tchau. Beijos.
Desliguei o celular e fitei Guilhermo:
— Por que não me disse que minha mãe o convidou para vir aqui? — indaguei para
ele.
Vi a surpresa em sua expressão dar espaço à resignação.
— Sabia que ela não tinha sua permissão para fazer isso. — explicou — Patricia
pareceu ser uma boa pessoa, eu não quis colocá-la em problemas com você.
Revirei os olhos.
Boa pessoa? Guilhermo mal sabe que minha mãe pode ser muito má quando quer.
— Não quero que você tenha contato com minha mãe. — avisei ao seguir para a
porta da frente.
— Por quê?
— Ela não é confiável quando acha que eu tenho um pretendente.
Minhas palavras, por algum motivo, o fizeram rir.
Guilhermo me abraçou por trás e beijou meu pescoço. — como se quisesse se
certificar de que eu já não estava brava — Meu corpo todo estremeceu contra o seu.
— Então eu sou um pretendente?
— Segundo ela, sim.
Fechei os olhos ao perceber que minha voz soara rouca e baixa demais. Eu me sentia
tão feminina quando seu corpo me envolvia desta forma — gostava disso.
— Você não contou a ela sobre nosso acordo?
Ri com sarcasmo ao ouvir aquela pergunta, mas ele não se importou.
— Claro que contei. Expliquei sobre todas as nossas regras e dei detalhes sórdidos
sobre tudo o que fizemos no último final de semana.
— Eu sabia que sua ironia estava escondida em algum lugar. — Guilhermo disse ao
me virar em seus braços.
Acenei em negativa e arrumei sua camisa e seu blazer.
— Contar pra minha mãe que eu estou dormindo com o cara que disse odiar, seria
como admitir que estou... — me interrompi quando percebi que estava prestes a usar uma
palavra que nunca poderia ser proferida quando se tratava de Guilhermo e eu. Então, preferi
dizer: — Louca. E ela é muito impertinente.
— Então isso está fora de questão.
— Sim. — anuí antes que ele me beijasse.
Era incrível a facilidade com que eu me perdia completamente quando ele me
beijava, como esquecia tudo a nossa volta. Eu sentia como se existissem engrenagens dentro
de mim e elas só se encaixassem quando estávamos assim... Ou melhor, quando eu estava
com ele.
Segurei seu blazer com força e o trouxe para mim. Adorava quando ele me beijava, e
eu já percebera que havia apenas dois tipos primordiais de beijos seus; o primeiro,
provocante como este, era o que ele usava da sua habilidade incalculável e destreza
irrefutável para me instigar a permitir que tivéssemos mais que um simples beijo. E o
segundo, os delicados, são os mais suaves e que ele costumava me dar enquanto estava
dentro de mim, servia para atenuar meu desejo e retardar minha chegada ao ápice. E,
consequentemente, prolongar o prazer que o antecedia.
Inferno. Eu não queria que ele fosse embora.
— Você beija tão bem. — sussurrei quando acabamos com o beijo. Nossas
respirações estavam entrecortadas.
— Você também... — ele encostou sua testa a minha. — Tenho que ir.
Soltei seu blazer e concordei antes de me afastar para abrir a porta.
— Tudo bem. — murmurei quando uma rajada de vento frio adentrou minha sala.
Meus olhos se arregalaram ao olhar para o jardim de minha casa e para a rua ao
longe. Estava tudo completamente coberto de neve.
— Onde está seu carro? — questionei ainda boquiaberta. Minha pele se arrepiou e
minhas pernas nuas logo sentiram a diferença na temperatura.
Guilhermo passou a minha frente e procurou algo em meio a toda a neve.
— Acho que é àquela protuberância próxima a placa congelada. — apontou.
Ergui as sobrancelhas e semicerrei os olhos para tentar ver melhor. Seria impossível
ele sair com aquele carro hoje.
— Quer passar o final de semana aqui? — ofereci em um lapso de coragem — Ou
até a nevasca diminuir e as máquinas começarem a limpar a rua?
Guilhermo se voltou para mim e fechou a porta. Havia um sorriso estampado em seu
rosto. — o seu sorriso sensual — Antes que ele me beijasse, eu já tinha certeza que não era
a única a querer que ele ficasse para o fim de semana.
Eu definitivamente amava esses lapsos.
***
Desliguei o telefone após falar com David e o coloquei em meu bolso. Era mais de
cinco da tarde e Guilhermo e eu tivemos uma pequena discussão sobre o jantar. E estava na
hora de voltar a ela.
Quando voltei à cozinha, ele já havia separado ingredientes para preparar o jantar.
— O que pretende fazer? — questionei após contar mais de cinco tipos de legumes e
verduras diferentes.
— Eu? Nada... Você fará.
Arqueei uma sobrancelha sem acreditar. Ele não havia desistido disso?
— Eu não vou fazer nada. — afirmei. — Por mim eu coloco o que David preparou
no micro-ondas e pronto.
Dei de ombros e segui para a geladeira. Peguei os recipientes que guardavam a
comida e os levei para o balcão.
Guilhermo me encarou com as sobrancelhas arqueadas e os olhos semicerrados.
Maldição. Aquilo me parecia com desafio, mas eu não era obrigada a ceder,
portanto, não o faria.
— O que acha de um acordo? — ofereceu.
Acenei em negativa e desviei meus olhos dos seus.
— Estou falando sério. — ele disse.
— Se eu me lembro bem, você só me oferece acordos indecentes.
— E irrecusáveis. — ele completou sorridente.
Rolei os olhos e segui para o micro-ondas.
— Você faz o jantar, com minha ajuda, e se eu gostar da comida...
Mordi os lábios quando a tentação daquela proposta me atiçou, mas não retrocedi
nem mesmo para encará-lo. Coloquei as duas vasilhas no micro-ondas e esperei que a
contagem regressiva acabasse.
— Eu serei sua sobremesa.
Todos os pelos de meu corpo se arrepiaram quando percebi que ele estava apenas a
alguns centímetros de distância.
— Você é muito arrogante por achar que é irrecusável. — eu lhe disse quando voltei
a mirá-lo.
— O acordo não parece bom o suficiente para você? — ele fingiu estar surpreso.
— Não. — respondi erguendo o queixo, como se estivesse pensando.
— Então o que é?
Suspirei e pensei por um momento.
— Se essa é uma forma de acabarmos em sexo, sabe que não precisa disso.
— Não é. — ele assegurou.
— Então, por que insiste?
— Porque cozinhar pode ser divertido.
Semicerrei os olhos ao ver seu sorriso travesso. Aquele sorriso quase me convenceu.
— Por que não quer nem mesmo tentar? — questionou.
Dei de ombros.
— Prefiro evitar desastres... E não gosto de cozinhar.
O micro-ondas apitou e o desliguei. Guilhermo ainda esperava por uma resposta
quando me voltei para ele.
— Se não se sair bem, eu nunca mais pedirei que tente novamente.
— Nunca mais?
Ele assentiu.
— Fará o que eu quiser se eu preparar algo aceitável?
Guilhermo repetiu a ação anterior.
— Então tudo bem. — concordei.
Dez minutos depois, ele já havia me ajudado a cortar as verduras e legumes, em
tamanhos terrivelmente pequenos. Cortou as cascas de cinco fatias de pão de forma e as
colocou no forno para tostar, enquanto eu fazia uma mistura de vinagre, água e duas fatias de
pão e colocava tudo no liquidificador junto com os temperos cortados. E eu sequer saiba o
que estávamos fazendo.
— Já posso saber para que tudo isso? — perguntei — O que estamos preparando?
Ele voltou a me fitar e arqueou a sobrancelha antes de sorrir.
— Gaspacho.
Sorri ao ouvir aquilo.
Comida espanhola.
Liguei o liquidificador e Guilhermo se aproximou com um sorriso.
Talvez ele estivesse certo ao dizer que cozinhar pode ser divertido. — claro, quando
era com ele.
O que fizemos foi basicamente: primeiro ele segurou minhas mãos com firmeza para
me mostrar como deveria cortar os temperos. — com seu corpo roçando o meu. Ele estava
sem camisa, usando apenas um dos shorts de Daniel que eu encontrei. Segundo, ele listou o
nome de tudo o que estávamos cortando — como se eu fosse lembrar de metade deles algum
dia. Terceiro, enquanto tirava as cascas do pão de forma, ele fazia pausas para me beijar. —
e me distrair da melhor forma possível.
Desliguei o liquidificador quando ele me disse para verificar se os ingredientes já
haviam dissolvido.
— E agora? — inquiri confusa.
— Você coloca tudo aqui. — ele me estendeu dois recipientes de porcelana. — E
depois deixa no congelador.
Anuí e o fiz rapidamente.
— Algo mais?
Ele assentiu enquanto vinha até mim.
— Agora vou acabar com a tortura que esses beijos me provocam. — murmurou
contra meus lábios.
Sorri antes de aprofundar o beijo provocante. Sabia onde ele nos levaria.
Levei minhas mãos ao seu peito para acariciá-lo. Guilhermo beijou meu pescoço e
segurou meus cabelos com força fazendo-me fechar os olhos.
Ele sussurrou meu nome em meu ouvido, antes que meu celular começasse a tocar em
meu bolso. Eu não pretendia atender, mas lembrei que Daniel pediu que David me avisasse
que ele me ligaria.
— Preciso atender. — sussurrei — São só alguns segundos. — ri contra seus lábios
antes de lhe dar um selinho.
Peguei o celular e atendi:
— Daniel?
Houve uma pausa longa demais, até que respondessem:
— Evangeline. — a voz grave de John penetrou em meus ouvidos e fez eco em minha
mente diversas vezes.
Senti como se por alguns segundos eu fosse tirada da realidade. Do aqui e agora.
— John? — odiei deliberadamente o fato de minha voz ter soado surpresa e baixa
demais.
— Não pense que isso acabou, Evy. — ele murmurou meu apelido como se sentisse
nojo — O mundo dá voltas e nesta, todos podem descobrir o que aconteceu sete anos atrás.
O celular caiu de minhas mãos quando ele desligou e demorei alguns segundos para
perceber que não estava respirando. Foi necessário que Guilhermo me tirasse de meu
torpor.
— Evangeline. — chamou-me sacudindo-me suavemente — O que houve? Quem era
ao telefone?
Olhei-o nos olhos e demorei para registrar o que ele disse, as palavras que ecoavam
em minha mente não permitiram que eu o ouvisse perfeitamente.
John sabe. Ele não está blefando. Não pode estar blefando.
— Era John. — sussurrei antes de me afastar o suficiente para pegar o celular do
chão.
Disquei o número de David e esperei que ele atendesse.
— O que ele queria? O que disse para que você ficasse assim? — Guilhermo
perguntou.
Senti meus olhos marejarem ao ouvir aquelas perguntas e virei-me de costas para
ele. Não queria que percebesse que aquela ligação havia me afetado tanto.
E eu não teria coragem suficiente para falar sobre isso com ele.
— Evy? — atendeu.
— David? — sussurrei com a voz rouca. O nó em minha garganta dificultava até
mesmo que eu falasse — John ligou.
— O quê? Quando?... Você conseguiu ver se havia algum número, ou até mesmo um
código de área? — ele fez uma pausa — O que aquele filho da puta disse?
— Que ainda não se vingou completamente... — sussurrei — Que o mundo dá voltas
e...
— Ouviu algo mais? Algum som do local que ele estava ou qualquer coisa que possa
nos ajudar a encontrá-lo?
— Não. — respirei fundo e quando lágrimas de fraqueza surgiram em meus olhos, eu
as limpei rapidamente.
Prometi para mim mesma que não choraria por isso. E depois de tudo o que consegui
até agora, não vou cair tão facilmente. Não por causa de John.
— Amanhã, assim que eu chegar à Nova Iorque, vou procurar os seguranças para
você.
— Não! Eu já disse que não vou andar com seguranças! Não comece com isso
novamente. — intervi — Depois nos falamos. Se quiser avisar à polícia sobre a ligação,
pode fazê-lo.
— Evangeline.
Não me importei com o seu tom de repreensão.
— Depois nos falamos. — e desliguei.
Suspirei por um momento e fechei os olhos.
Não precisa se preocupar com o que John pode saber... Aconteceu há muito
tempo... Já não tem importância. — eu repetia para mim mesma em pensamento.
Mas tinha. E muita.
Senti Guilhermo se aproximar e voltei-me para ele:
— O que houve? — questionou.
Ele me abraçou e beijou o topo de minha cabeça.
Retribuí o abraço quando percebi que a segurança que encontrava em seus braços era
desconhecida por mim até aquele momento.
— John ligou. — murmurei — Disse que ainda não se vingou completamente.
Fechei meus olhos com força e em pensamento, pedi:
Por favor, acredite. Acredite que foi somente isso.
— Ele disse apenas isso? — certificou-se.
Fiquei em silêncio por tempo suficiente para que ele tivesse certeza que não.
— Desculpe... — pedi ao me afastar. Aquilo já havia durado tempo demais.
Eu sabia que tudo o que ele queria era uma explicação, mas eu não poderia lhe dar
uma. Não se isso envolvesse meu passado.
— Acho que deve aceitar os seguranças. — ele disse mudando de assunto — Esse
John pode ser perigoso. Não estaremos sempre ao seu lado para protegê-la.
Juntei as sobrancelhas e tentei digerir aquelas palavras.
Me proteger?
— David e Daniel são super protetores demais. Já fiz aulas de defesa pessoal para
deixá-los mais tranquilos, mas não vou aceitar isso. — fiz uma pausa — Não preciso de
seguranças. Não preciso que um homem ande às minhas costas para me proteger.
Ele semicerrou os olhos.
— Nem mesmo nós?
Acenei em negativa.
— Por que você está se incluindo nisto? — questionei — Já disse que não quero
envolvê-lo neste assunto.
Guilhermo fechou os olhos e suspirou. Parecia tentar se acalmar — e fazia isso
melhor que eu.
— Não quero que nenhum filho da puta te machuque.
Obriguei-me a não desviar os olhos dos seus, mesmo que o azul deles estivesse
escuro demais. Aquilo era uma amostra da sua fúria interior.
Depois de alguns segundos, foi como se o silêncio nos desafiasse a dizer qualquer
coisa. Mas nenhum de nós se atreveu a fazê-lo.
O clima pesado entre nós permaneceu horas depois, durante o jantar. Não
conversamos mais sobre amenidades ou fizemos qualquer piada idiota para o outro rir.
A mudança foi drástica.
***
No domingo pela manhã a quantidade de neve já havia diminuído, mas as ruas
continuavam intransitáveis.
Tomamos café da manhã juntos. Trocamos palavras, mas nada de sorrisos. — o que
começou a me cansar.
Por que infernos o John tinha que ligar?
Saí de meu escritório dez minutos depois de entrar nele e encontrei Guilhermo sobre
o sofá da sala. — eu estava falando com Leslie, para que ela fosse amanhã para a Howell’s
me ajudar. Precisei dizer que Claire faleceu em um acidente e só fui avisada pela família
dela na sexta feira. Odiava mentir, principalmente para ela, mas foi necessário.
Guilhermo deixou o celular de lado quando me sentei sobre a extremidade do sofá.
— o mesmo que ficamos horas a fio há dois dias.
— Precisamos mesmo continuar com isso? — murmurei.
— Com o quê exatamente?
Mordi a parte interna da bochecha e suspirei lentamente.
— Com o telefonema de John e aquela discussão pairando sobre nós?
Inferno.
Como eu odiava ver sua expressão tão séria.
— Não. Isso também está me cansando. — ele disse.
Levantei-me e sentei ao seu lado. Guilhermo não se moveu.
— Eu sei que fui supérflua. — admiti — Mas David e Daniel exageram às vezes e
isso me deixa louca... Odeio ver que estão tentando controlar minha vida... Vigiar todos os
meus passos.
— Eles só querem o seu bem.
— Eu sei... Mas eles não podem tomar decisões por mim com esta desculpa. — fiz
uma pausa para tomar coragem — Desculpe por ter descontado em você.
Aquilo o fez voltar a me encarar.
— Por que não quer que eu me envolva nisso?
Fitei-o em silêncio tentando articular uma resposta diferente da que eu sabia ser a
verdade.
Falhei ridiculamente.
— Por quê? — ele repetiu.
— Não me perdoaria se John visse em você um alvo para me atingir. — sussurrei
lembrando da primeira vez que discutimos sobre isso. Quando estávamos em seu
apartamento.
— Não acha que com isso está agindo como David? — inquiriu — Tentando tomar
decisões por mim?
Acenei em negativa e desviei meus olhos dos seus.
É diferente. — pensei.
Seu braço esquerdo me envolveu e lentamente pousei minha cabeça em seu ombro.
— era bom senti-lo tão perto novamente.
— Diferentemente deles, você não tem motivos para continuar nessa. — respondi —
Daniel é meu irmão, David é meu melhor amigo, quase irmão... E você... — me interrompi.
O que Guilhermo é para mim?
— Eu o quê?
— Você não tem motivos. — limitei-me apenas a isso.
Fechei os olhos quando segundos se passaram e Guilhermo continuou em silêncio.
Ele me trouxe para seu colo e segundos depois suas pernas estavam sobre o sofá e eu
estava entre elas. Seus braços me envolveram em um abraço. Com os lábios próximos ao
meu ouvido, ele concluiu:
— Você não pode afirmar nada por mim.
VINTE E DOIS
GUILHERMO
Na manhã seguinte, pouco antes das seis horas, acordei repentinamente após um
sonho perturbador. — a respiração ofegante e os batimentos cardíacos completamente
irregulares.
Olhei para Evangeline que dormia tranquilamente ao meu lado e suspirei lentamente,
aliviado.
Ela está bem.
Cerrei os olhos por um momento e levei as mãos ao rosto. Desde a ligação de seu ex
cunhado e a percepção da insistência desse filho da puta em perturbá-la, e ameaçá-la, eu
tenho me preocupado cada vez mais. Sabia que Evangeline estava certa quando disse que
não tenho motivos para continuar nessa, e tentava, inutilmente, encontrar um motivo bom o
suficiente para sentir essa necessidade de protegê-la deste homem e do passado, que após
seu pesadelo mais cedo, eu descobri que ainda a assombra.
Abri os olhos e acenei em negativa.
Eu estou completamente ferrado. — admiti para mim mesmo.
Quero loucamente uma mulher, me preocupo deliberadamente com ela e estou
tentando entender os motivos para isso?
É quase ridículo.
Olho para o passado e lembro do homem que eu era há três meses, o comparo ao
cara que dividiu por três dias essa mesma cama com a americana intrépida.
Nós dois mudamos. Muito.
Suspirei novamente tentando fazer com que aquela enxurrada de pensamentos
também se esvaísse, mas não foi suficiente. Evangeline se moveu ao meu lado e percebi,
tardiamente, que um de seus braços envolvia o meu corpo. — eu a trouxe para mais perto
enquanto tentava acalmá-la após o seu pesadelo e ela se manteve assim durante toda a
madrugada.
Apertei os lábios quando a vontade de beijá-la me despertou completamente e
acariciei seu rosto.
Porra.
Eu odiava o fato de perceber que estava caindo involuntariamente por esta mulher. E
estava ciente de que não moveria um dedo para me impedir de continuar com isso.
Olhei para o relógio do despertador e quase xinguei audivelmente quando percebi
que hoje é segunda feira. Meu jatinho estará pronto para me levar à Barcelona às nove da
manhã e ficarei três dias fora do país.
Inspirei profundamente quando Evangeline se movimentou novamente para ficar de
costas para mim.
Toquei seu braço suavemente e sorri quando sua pele se arrepiou. Era bom saber que
seu corpo já reconhecia o meu toque. Beijei-lhe a pele arrepiada e sua respiração mudou e
se tornou um pouco mais pesada.
— Evangeline. — sussurrei em seu ouvido antes de mordiscar levemente sua orelha.
— Guilhermo... — sua voz soou fraca, sonolenta — Preciso dormir... Ainda não
amanheceu.
Tirei o edredom que nos cobria e acariciei seu corpo por cima da camisola branca e
curta que ela vestia.
— Preciso ir para casa mais cedo. — expliquei — Um avião estará pronto para me
levar à Barcelona às nove da manhã.
Ela levou as mãos ao rosto por um momento e suspirou.
— Barcelona? — ecoou agora acordada — Por quantos dias?
— Três.
Minhas mãos seguiam vagarosamente por suas pernas e erguiam a sua camisola. Ela
as segurou por um momento e se voltou para mim.
— Você ficará em Barcelona sozinho por três dias? — concluiu.
Com um movimento rápido eu consegui me colocar sobre ela.
— Isso mesmo.
Evangeline abriu as pernas devagar para que eu me acomodasse entre elas. Levantei
a droga da peça que a vestia e a tirei rapidamente.
— Só um momento! — ela pediu quando me curvei para tomar um de seus seios em
minha boca — Espero que você lembre do nosso acordo. — ela murmurou sem desviar os
olhos dos meus.
Parecia estar mais sonolenta do que realmente estava.
— De que parte dele você está se referindo? — inquiri curioso.
Ela semicerrou os olhos.
— A que você concordou em não dormir com nenhuma outra mulher.
Aquilo me fez sorrir.
— Não vou dormir com ninguém além de você. — assegurei, mas ela me impediu
novamente quando tentei beijá-la.
Seus olhos me pediam uma promessa mais clara. Meu sorriso aumentou quando
percebi que não precisaria dormir com ela para que chegássemos a fazer sexo e ela estava
pensando nisso. Sabia eu que não precisaria dormir com ninguém para conseguir o mesmo.
— E não vou me enfiar entre as pernas de nenhuma outra mulher, satisfeita?
Ela envolveu meu pescoço com seus braços quando lhe dei um selinho e sussurrou
em meu ouvido:
— Não vai colocar seu pau dentro de nada que não seja uma boxer também.
Meus olhos se arregalaram ao ouvir aquilo. Voltei a mirá-la e franzi o cenho.
— Achei que não fosse adepta a usar esta palavra.
Ela acenou em negativa e um sorriso surgiu em seus lábios.
— Ela é ótima para dar ênfase. — esclareceu.
— É mesmo? — mordi seus lábios e os trouxe para mim — E por que precisa
enfatizar isso?
Evangeline hesitou visivelmente, mas, por algum motivo desconhecido, decidiu sanar
minha dúvida.
— Porque concordamos com isso. Não vou ficar com nenhum outro e você também
não. Mas se quiser voltar ao que tinha antes, podemos...
— É o que você quer? — arqueei a sobrancelha.
— Eu não disse isso.
— E você? Lembra da parte que cabia a você?
Ela concordou com um aceno.
— Não vai deixar nenhum filho da puta se enfiar entre suas pernas? — seus olhos
brilharam divertidos e ela anuiu.
— Só você tem permissão para se acomodar aqui. — ratificou — Agora se você
quer estar livre para dormir com outras mulheres... — ela fez uma pausa — Eu não vou
impedi-lo. Não quero ninguém preso a mim contra a própria vontade.
Revirei os olhos e indaguei:
— E o que você quer?
Eu soube que ela havia se sentido desafiada quando a vi semicerrar os olhos.
Sussurrou trazendo-me para encará-la:
— Você... Apenas você.
Sorri contra seus lábios e a beijei.
— Gostei disso. — admiti enquanto tirava a sua calcinha.
Evangeline baixou minha boxer e sua mão roçou meu membro, arrancando-me um
gemido baixo e rouco.
Ela hesitou ao perceber aquilo e segundos depois voltou a me tocar ali. Suavemente,
primeiro sem muito atrevimento, no entanto, após perceber o que aquele toque fazia comigo,
ela continuou com mais ousadia, envolvendo todo o meu comprimento.
Beijou meu pescoço e murmurou:
— Guilhermo...
— Sim? — sussurrei sem nem mesmo tirar minha atenção de seus seios.
— Me diga como gosta disso. — pediu.
Chupei seus seios com força e ela gemeu alto, interrompendo suas próprias palavras.
Mordi um de seus mamilos e a vi cerrar os olhos. Talvez eu estivesse sendo um pouco bruto,
mas ficarei três dias sem ela, é claro que deveria deixá-la satisfeita até minha volta. Além
de fazer com que lembre do que estamos vivendo agora.
— Feche seu punho em volta do meu pau. — comecei a instruí-la e fechei meus olhos
quando ela o fez. — Aperte um pouco mais... Faça movimentos de vai e vem... Inferno... —
murmurei quando ela fez exatamente o que pedi. Sua mão quente e macia me envolveu
perfeitamente e depois de alguns segundos, já me tocava com firmeza. Fazendo movimentos
perfeitos.
— Quero você dentro de mim... — pediu contra meus lábios. — Agora.
Evangeline sugou meu lábio inferior e suspirou quando rocei meu membro em sua
entrada.
— Brutal e selvagem?
Seu peito subia e descia com a sua respiração ofegante. Sorri quando a penetrei e vi
suas pupilas completamente dilatadas.
— Brutal e selvagem. — concordou em um fio de voz.
***
— Lucas não me informou que o senhor faria parte da reunião. — comentei.
Acabara de chegar ao jatinho quando o vi sentado em uma das poltronas com o
notebook sobre as pernas e uma taça de vinho em uma das mãos.
— Resolvi tudo ontem à noite. — explicou antes de se levantar — Quero informar
oficialmente a todos que você cuidará de tudo a partir de agora.
Cumprimentei-o e antes de se sentar novamente ele verificou as horas em seu
relógio.
Eu estou meia hora atrasado.
— Muito trânsito? — questionou sutilmente enquanto fingia voltar a ler o que estava
em sua tela.
Revirei os olhos e sentei à sua frente.
— Muito de Evangeline. — admiti irônico.
Um sorriso enorme e genuíno surgiu em seus lábios. Ele fechou o notebook e se
voltou completamente para mim.
— Julie? — ele chamou a nossa aeromoça — Traga uma garrafa de vinho e uma taça
para o Sr. Guilhermo.
Acenei em negativa sem tirar meus olhos dele. Assim que estávamos devidamente
servidos, ele disse:
— Pode começar.
— Começar com o quê? Não há o que dizer.
Ele riu.
— Mesmo com o passar dos anos, você continua tentando me enganar?
Suspirei e tomei todo o conteúdo de minha taça de uma só vez.
— O que quer saber?
— Se já descobriu que o que vocês têm não é apenas sexo.
Rolei os olhos novamente e encostei-me a poltrona.
— É apenas sexo. — retruquei — Nós apenas nos damos bem quando não estamos
em uma cama... Conseguimos nos suportar. — tentei, mas seu olhar me dizia que não havia
acreditado em uma só palavra.
Eu gostaria de conhecer seus olhos azuis tanto quanto ele conhecia os meus.
Conseguia entender olhares como o que ele me dava agora, mas papai nunca precisou que eu
dissesse nada com palavras para saber o que se passava comigo. Às vezes me entendia mais
do que eu mesmo.
Bufei cansado e desisti.
— Talvez... — comecei novamente — Apenas talvez, eu tenha percebido que aquilo
não é somente sexo. — ele riu novamente, mas o interrompi antes que dissesse algo. — Mas
não estamos apaixonados.
Ele assentiu ainda sorrindo.
— Tenho certeza que não estão.
Semicerrei os olhos, mas mantive-me em silêncio.
— Percebeu algo mais? — inquiriu quando encheu minha taça novamente.
— Não.
Quase uma hora se passou, já estávamos a milhares de pés de distância do chão e eu
continuava perdido demais em pensamentos. — tentando ridiculamente analisar o relatório
financeiro que estava em minhas mãos.
— Acho interessante o fato de conseguirem manter essa relação. — papai murmurou
enquanto digitava algo. Parecia concentrado no que fazia, mas eu sabia que não estava.
Não respondi.
— A Srta. Evangeline me lembra muito a sua mãe, filho. — com aquelas palavras ele
conseguiu capturar minha atenção.
— Por que diz isso?
— Porque as duas são ardilosas.
Franzi o cenho sem entender. Ele baixou os óculos e riu de minha expressão.
— Sua mãe me fisgou desde o nosso primeiro encontro. — ele disse sorrindo ainda
apaixonado ao lembrar — E eu sempre tive certeza que ela também gostava de mim, mas
naquela época as mulheres queriam um casamento. Sua mãe não era diferente. Eu já estava
louco por ela antes de lhe dar o primeiro beijo, o casamento foi apenas um detalhe
posterior.
— Evangeline não quer um relacionamento, quem dirá um casamento. — sorri
debochado e aliviado.
Papai continuou:
— As duas desejaram ser únicas na vida de um homem. Pedi sua mãe em namoro em
nosso primeiro encontro, você aceitou as condições da Srta. Howell sem qualquer
discussão. Porque também a queria. — assenti já sabendo onde ele queria chegar com esta
conversa — Mesmo que o quisesse, ela jamais voltaria atrás nas condições que impôs.
Eu sabia disso.
— Sua mãe também foi irredutível sobre o casamento antes de me deixar tocá-la.
Não resisti a rir ao ouvir aquilo. Papai comprimiu os lábios para se impedir de rir.
— Em resumo, não conseguimos dizer não a elas. Nenhum de nós conseguiu resistir a
elas também. — ele parecia pensativo.
Rolei os olhos novamente.
— Não lembro dela ter me dito não também... Não estou tão perdido quanto o senhor
estava. — sorvi um pouco mais da bebida e ele fez o mesmo.
— Como vocês denominam o relacionamento que têm, Guilhermo?
Acenei em negativa.
— Nunca encontramos uma palavra para isso.
— Para mim soa como namoro. — ele deu de ombros e voltou para o computador —
Duvido que você gostaria de ver outro homem com ela, quando decidirem acabar com esse
acordo... E pior... Saber que outro pode tocá-la como você já fez.
Semicerrei os olhos para ele enquanto tentava imaginar o que ele tentara supor. Uma
carranca havia tomado conta de meu semblante.
— Porra. — murmurei jogando os papéis que estavam em minha mão, sobre a mesa.
Eu o vi sorrir, mas ignorei.
Eu não estou errado ao dizer que não estou apaixonado. É claro que não estou
apaixonado. Mas ele também não estava errado ao dizer que eu não gostaria de ver um filho
da puta tocar no que é meu.
Cerrei os olhos e suspirei.
— Ela não é minha. — meus lábios se moveram para dizer isto, mas nenhum som foi
audível. — Não é minha.

EVANGELINE
Inferno.
Foi a única expressão que ecoou em minha mente ao ver Melanie e Megan
adentrarem a minha sala na Filial. Elas seguravam diversas sacolas com logos de alguns
restaurantes.
Leslie foi a última a entrar e cuidou de trancar a porta ao passar por ela.
— Nany pediu para avisar que ela, Angie e Natalie já estão em casa. — avisou antes
de abrir uma das sacolas que as meninas trouxeram.
— O que significa isso? — questionei ao me levantar.
— Viemos almoçar com você! — Meg respondeu vindo até mim, para me puxar e me
levar até o sofá no canto da sala.
— Sua pele está tão iluminada! — Mel notou. Toquei minhas bochechas e senti
quando elas esquentaram.
As três riram juntas.
— Pode contar como foi!
Maldição.
Fechei os olhos e acenei em negativa.
— Está tão na cara assim?!
— Está. — responderam em uníssono entre risadas.
— Eu contei a elas. — Leslie se acusou.
Fui vencida pelo sorriso malicioso de Megan.
— O que querem saber?
— Quando foi? — ela indagou sentando-se ao meu lado.
— Como foi? O que sentiu? — Leslie foi a próxima.
— Conta logo! — Mel explodiu, sem paciência.
Suspirei e aceitei a lata de coca cola que me estenderam.
— Há alguns dias. Foi... — fechei os olhos por um momento e encostei as costas e a
cabeça ao sofá, deixando todo o meu peso sobre ele. — Maravilhoso.
Ouvi três suspiros apaixonados e por um momento achei que minhas amigas haviam
sido trocadas por três adolescentes cheias de curiosidades e dúvidas para perguntar à amiga
que perdeu a virgindade primeiro.
— Passamos o final de semana na minha casa. — contei completamente rendida. A
verdade é que realmente queria contar a alguém ao menos metade do que aconteceu. Mesmo
que soubesse que nunca seria capaz de colocar em palavras tudo o que senti.
— Você ficou um final de semana inteiro com aquele pedaço de mau caminho?
Espero que não tenham saído da cama para nada!
As palavras de Megan me fizeram rir. E eu soube que o horário do almoço seria
prolongado. Definitivamente.
***
Antes que eu fosse para a Howell’s, Leslie me pediu que a esperasse. — os prédios
são próximos e poderíamos ir andando.
— Olha, enquanto organizava a mesa de Claire, eu encontrei isso. — ela me estendeu
um envelope — O casamento de Carla e Josh será no final do mês.
Meus lábios se entreabriam.
— Diabos! Bryce e eu seremos padrinhos do casamento deles! Não sei como posso
ter esquecido isso.
Ela riu.
— Eu sei e te dou uma dica: Guilhermo.
Revirei os olhos e ela gargalhou.
— Estou louca para ver como ele vai agir com você hoje! — ela soou eufórica.
— Como sempre agiu. — adivinhei — O fato de estarmos dormindo juntos não vai
influenciar em nada o nosso trabalho, Leslie.
— Espero que esteja certa.
— E aliás, ele não está no país. Precisou fazer uma viagem. — expliquei.
— Que chato!
Respirei fundo uma vez.
É, que chato.
***
Após um resumo, nada pequeno, de Natalie sobre como foram as duas semanas em
Nova Orleans, eu pude finalmente me recolher e me trocar para dormir.
Guilhermo ligou mais cedo e conversamos por alguns minutos. Fomos práticos na
conversa, mas quando ele perguntou sobre o meu dia, não fui capaz de mentir.
“Maçante.”
Ele riu e concordou. Sua risada ecoou em meus ouvidos por alguns segundos, mas
suas palavras seguintes pairavam em minha mente até agora.
“Eu também não lembro de já ter achado Barcelona tão entediante.”
Quando me deitei sobre minha cama, me dei conta de quão grande ela continuava
sendo. Revirei-me diversas vezes sobre ela e acabei pegando um dos travesseiros para me
abraçar a ele. Era quase inexistente, mas o perfume de Guilhermo continuava ali.
Peguei-me pensando na conversa que tive com as meninas mais cedo e suspirei
audivelmente.
E daí que nenhum de nós soubesse como denominar o que tínhamos? Não precisamos
de um nome.
“Amiga, sexo casual restringe o relacionamento a noites de sexo... E vocês não têm
apenas sexo, pelo que me contou... Vocês parecem mais um casal.”
Maldita Megan. — concluí.
Acenei em negativa para mim mesma ao lembrar da pergunta de Melanie.
“E se ele quisesse algo mais sério? O que você faria? Aceitaria ou não?”
Cerrei os olhos ao lembrar de minha resposta.
“Ele não quer nada mais sério que isso. Ele é o playboy italiano, não vai me
oferecer mais do que o que já temos.”
Admiti para mim mesma. A verdade era que eu sequer pensara sobre isso. Sobre ele
oferecer um relacionamento. Sobre eu aceitar ter um relacionamento. Isso parece irreal
demais.
E o último que tive já me casou dores para o resto da vida. Mas Guilhermo não é... –
interrompi meus pensamentos e bufei.
Eu estava sendo ridícula. Não poderia aceitar ter um relacionamento com ele
simplesmente porque não tenho sentimentos que me levem a isso.
É claro que não tenho.

GUILHERMO
Eu estava há, pelo menos, uma hora divagando em pensamentos. Sentia o olhar de
papai sobre mim, mesmo que ele estivesse do outro lado da mesa e eu estivesse fingindo ler
o relatório que o diretor responsável pela automotiva da Alemanha havia me entregado há
mais de meia hora.
Desde que comecei a participar ativamente do trabalho na D’Angelo isso nunca
havia acontecido. Eu nunca havia me distraído com tanta facilidade e nunca tentara controlar
a raiva com tanto ímpeto a ponto de conseguir depois de muita dificuldade.
— Preciso analisar esses relatórios com mais cuidado e, como o Sr. Guilhermo
parece ter concluído sua análise, eu ficarei com ele para uma reunião. — ergui os olhos
para fitá-lo e concordei com um aceno de cabeça quando percebi que ele estava com mais
raiva do que aparentava. — Podem fazer um intervalo de meia hora.
Os outros concordaram e saíram conversando. Eu sequer prestei atenção ao que
diziam. Assim que a porta se fechou, papai e eu jogamos aqueles papéis sobre a mesa.
Mantive a expressão séria e arqueei as sobrancelhas quando ele levantou.
— Você não ouviu nada do que aqueles homens falaram em mais de uma hora de
conversa. — afirmou — Precisarei me preocupar sempre que você estiver em uma reunião
importante? — inquiriu.
Encarei-o por alguns segundos e aos poucos a carranca em minha expressão se
suavizou.
— Sabe que esta é a primeira vez que isso acontece. — lembrei-o ao me levantar. —
E farei o necessário para que seja a última.
Foi sua vez de arquear uma sobrancelha. E eu sabia que aquela era uma pergunta
silenciosa, mas fingi não perceber. Ainda não sabia se ele queria saber o que me deixou
assim ou se queria que eu explicasse como faria com que esta fosse a última vez que eu
ficaria disperso em uma reunião tão importante.
Papai fechou os olhos por um momento e suspirou.
— O que aconteceu?
— Nada. — mordi o canto dos lábios ao lembrar das palavras de Leslie.
— Guilhermo, o que aconteceu para que você começasse a exalar toda essa raiva?
Revirei os olhos, encostei-me a mesa e escondi as mãos nos bolsos da calça. Tentava
respirar fundo para acalmar os meus batimentos cardíacos, mas era em vão.
— Lucas me disse que teremos que ficar aqui até quinta feira. Remarcou a reunião
com todos os CEO’s das filiais para este dia. — contei — Liguei para o escritório para
avisar a Srta. Howell.
— E?
— Ela ainda estava no horário de almoço com Bryce. — fechei os punhos com força
ao ouvir as palavras de Leslie ecoarem em meus pensamentos novamente:
“Desculpe, Sr. D’Angelo, ela saiu há algumas horas para uma reunião importante
com o Sr. Osmari... Na verdade, eu tentei localizá-la há mais de uma hora e não consegui.
Com certeza deve estar muito ocupada. Algum problema? Deseja deixar algum recado?”
Acenei em negativa para mim mesmo. A diferença de horário era de no máximo duas
horas, quando eu liguei, lá já deveria ser mais de três da tarde.
— Bryce? — ele franziu o cenho como se tentasse lembrar.
— Bryce Osmari... Aquele bastardo. — explanei. — Ela é colega dele... Mas o filho
da puta quer dormir com ela.
Ele concordou com a cabeça e por sua expressão facial eu soube que lembrava de
Bennett Osmari, seu antigo melhor amigo.
— Qual o problema dos dois almoçarem juntos?
— Eles são sócios, não vi problema algum no início. Até descobrir que os dois
passaram mais de duas horas depois do intervalo de almoço juntos.
Surpreendi-me ao ouvir papai rir debochado.
— Algo o diverte?
— Sim e muito. — murmurou se aproximando. — Você é um idiota, filho.
Fechei os olhos e voltei às tentativas anteriores de manter a calma. — mas eu
respirava com a calma de quem correu uma maratona e depois precisou lutar pela própria
vida.
— Não confia nela?
— Eu não afirmei isso. — retruquei rapidamente — Eu só não confio em um filho da
puta traiçoeiro que quer levá-la para cama quando ela é minha.
Fechei os olhos ao dizer a última palavra.
Porra.
— E eu não sou um idiota. — retifiquei tentando consertar a besteira que havia feito.
— Talvez idiota não seja a palavra certa. — ele parou a minha frente. Somos da
mesma altura, então nenhum de nós precisou erguer o queixo para olhar nos olhos do outro.
— Me explique uma coisa... Com que direito você quer se intrometer na vida dela?
Semicerrei os olhos para ele. Quase suspirei ao perceber que aquela era uma batalha
perdida desde que eu deixei escapar aquele maldito pronome possessivo.
— Tínhamos um acordo. — lembrei-o — Eu concordei em não dormir com nenhuma
outra e ela concordou em não dormir com nenhum outro. Eu sequer olhei com desejo para
qualquer mulher que tenha visto até agora, estou cumprindo a minha parte, esperava que ela
fizesse o mesmo.
— Sabe qual o seu problema, filho? — ele não esperou que eu respondesse. — Você
é o único aqui que não vê que está louco por ela. O único que não percebe que está
morrendo de ciúmes de uma mulher que sequer é sua... E sabe qual o pior de tudo? — ele
ficou de costas para mim e riu. — A culpa disso também é sua... Porque você não quis um
relacionamento antes, porque acha que não quer um agora. Mas vocês dois estão presos por
regras ridículas que, querendo ou não, só ficam implícitas em um relacionamento... A única
diferença, crucial na verdade, é que enquanto tiverem esse maldito acordo, ela nunca será
realmente sua. E você nunca poderá reclamar qualquer direito que ache ter sobre ela.
— Não comece com a maldita conversa sobre relacionamentos e sentimentos. —
rolei os olhos. — Não tenho tempo nem disposição para isso.
Ele encheu dois copos descartáveis de café e trouxe um para mim enquanto ria.
— Esse acordo dura até quando?
Com o maxilar cerrado, eu me forcei a responder:
— Não estipulamos uma data para acabar com nada.
Ele sentou na cadeira que estava anteriormente e tomou um gole do café enquanto
limpava os óculos para colocá-los novamente.
— Sabe o que você ainda não percebeu?
Sentei-me a sua frente e continuei em silêncio, tinha certeza que ele diria de qualquer
forma.
— Que ela jamais permitiria que Bryce ou qualquer outro a tocasse.
Peguei meus relatórios novamente e ele fez o mesmo com os seus.
— E porque ela faria isso?
Ele pegou o copo de café mais uma vez e tomou outro gole. Sem se importar de me
encarar, respondeu:
— Você é inteligente, uma hora descobrirá isso.
— Você já foi menos misterioso. — lembrei-o.
— E você menos idiota.
Tentei continuar com o semblante sério, mas ri ao ouvir o tom de quem diz “xeque-
mate” que ele usou ao dizer aquilo. Em questão de segundos ele também ria.
— Está tentando me irritar de propósito. Por quê?
Ele levantou os olhos para mim.
— Estou apenas tentando impedir que você siga meus passos e demore um ano para
reconhecer que seria capaz de tentar mudar por aquela mulher.
Ri sem humor.
— Mudar? — repeti incrédulo.
— Sua mãe sempre preferiu usar a palavra “melhorar”. Mas pra mim esse sempre foi
um eufemismo.
Sorri.
Em parte a raiva já havia se esvaído e, aos poucos, eu reconhecia que ele estava
certo sobre eu querer ser possessivo.
— Eu nunca quis um relacionamento. — lembrei-o.
— Eu também não. — replicou de forma irônica — E veja só... Estou casado há
trinta e um anos, tenho dois filhos e uma italiana ardilosa que, sempre que estou viajando,
me liga antes de dormir apenas para dizer que me ama.
Fiquei em silêncio por um momento e, por algum motivo, a pergunta que eu sempre
quis fazer a ele me veio à mente.
— Há algo de que se arrependa? Em todos esses anos?
A sombra de um sorriso surgiu em seu rosto.
— Arrependo-me de ter demorado tanto para aceitar que aquela italiana seria
suficiente para mim, pelo resto da minha vida.
Sem conseguir me impedir, eu sorri. O amor de meus pais sempre foi perceptível,
mas nunca o ouvi falar de mamãe desta forma.
Ele deixou os papéis sobre a mesa novamente e tirou os óculos.
— Não estou falando que você deveria se casar com ela.
Assenti.
— Sabe tão bem quanto eu que não adiantaria.
Ouvimos batidas na porta e papai permitiu que os diretores voltassem.
Precisamos apenas de mais uma hora e meia para concluir a avaliação e ouvir a
explicação dada por eles sobre cada gasto exorbitante encontrado.
Enquanto descia o elevador para ir ao térreo, peguei o celular e liguei para
Evangeline. Em Nova Iorque já deveria ser seis da tarde.
— Guilhermo?
— Sim... Tudo bem? — saí do elevador assim que as portas se abriram.
— Estou bem. — ela trocou algumas palavras com alguém e pela voz, percebi que
era sua secretária. — Leslie me disse que você ligou, algum problema?
— Não... Lucas lhe enviou algum e-mail?
Desativei o alarme do carro e abri a porta para entrar nele.
— Sim... Reunião na quinta feira, não é? — ouvi o sinal sonoro baixo que sempre
tocava quando as portas do elevador da D’Angelo se abriam e tentei imaginá-la saindo para
o estacionamento.
— Isso mesmo, eu... — me interrompi ao ouvir um som baixo de dor ser proferido
por ela. — Evangeline?
O silêncio que se seguiu fez com que meu peito se apertasse a ponto de eu sentir dor.
Apreensão passou a me perturbar de dentro para fora. Era como se meu coração tivesse
parado e eu fosse incapaz de levar ar aos meus pulmões.
— Evangeline? — tentei novamente. Estava atento a qualquer som.
— Steve? — o nome foi proferido tão baixo como um sussurro.
Mantive o celular no ouvido e tentei escutar mais da conversa.
— Há quanto tempo, não é? — uma voz grossa perguntou. Se o tom usado tentara ser
doce, amável, o homem falhou terrivelmente.
— O que faz aqui? — ela já parecia completamente recuperada do susto de ver o
homem.
— Bem, você não foi à Nova Orleans. Então eu tive que vir até você. Espero que
esteja surpresa.
As vozes pareciam mais distantes a cada palavra.
— Eu ficaria mais surpresa em saber que você foi para o inferno e não voltará. —
ela fez uma pausa e completou com sarcasmo — Surpresa de maneira positiva.
O homem riu.
— Eu tenho mais o que fazer. — Evangeline falou para ele e ouvi uma movimentação
entre eles. — Me solte, Steve! Você está me machucando!
E a ligação foi encerrada.
— Porra. — repeti diversas vezes enquanto ligava o carro para sair daquele
estacionamento.
Tentei ligar para ela novamente, mas caiu na caixa postal. Desisti por um momento e
decidi ligar para dois amigos.
— Connor? — murmurei quando ele atendeu — Prepare o jatinho. Vamos voltar para
Nova Iorque agora mesmo.
VINTE E TRÊS
No dia seguinte:

GUILHERMO
— Só me diga se conseguiu encontrá-la. — pedi assim que David atendeu.
Enquanto seguia para o aeroporto, liguei para o número de telefone que ele usou para
falar com Evangeline há uma semana. Eu já sabia que David era diligente quando o assunto
é a segurança dela. Estando a milhas de distância de Nova Iorque, eu sabia que somente ele
poderia ajudá-la se o tal Steve tivesse feito qualquer coisa para machucá-la. Embora aquela
não fosse uma opção que me agradasse.
— Ela está bem.
Suspirei aliviado enquanto descia a escada rolante do aeroporto de Nova Iorque.
— Provavelmente está no trabalho agora.
— O que aconteceu? Por que esse cara veio atrás dela? — minha voz soou agora
mais cansada que preocupada.
— Guilhermo, eu realmente acho que ela deveria te contar sobre Steve. Não posso e
não quero me intrometer no que há entre vocês. — ele fez uma pausa — Só é bom que saiba
que ele passou anos sem dar notícias e voltou agora. Evy soube lidar muito bem com ele
ontem, mas não posso dizer que conseguirá novamente se ele reaparecer.
Fechei meus punhos com força e comprimi os lábios para me impedir de proferir
todos os palavrões que me vieram à mente.
— Ele continua em Nova Iorque?
— Ao que parece, sim.
Cerrei os olhos por alguns segundos e, em seguida, me obriguei a atravessar as
portas de saída do aeroporto.
— Evangeline e eu teremos uma reunião importante em Barcelona. Vou levá-la para
lá. Espero que esse filho da puta não esteja aqui quando voltarmos.
— Você está em Nova Iorque? — ignorei a surpresa em sua voz e confirmei.
— Sim.
Ele fez uma pausa, o ouvi trocar palavras com alguém e esperei. Acenei para um táxi
e informei o endereço da Howell’s.
— Guilhermo, eu preciso ir. — ele disse — Não insista em exigir que ela responda
suas perguntas sobre Steve. Isso só vai afastá-la de você. — aconselhou.
Juntei as sobrancelhas sem entender e precisei de alguns segundos para registrar suas
palavras. Ele estava tentando me ajudar a lidar com ela?
— Tudo bem. — respondi. — Obrigado, David.
Desligamos e suspirei pesadamente.

EVANGELINE
Sentei-me no sofá à frente de Bryce e respirei fundo antes de perguntar:
— O que Josh falou?
Ontem tivemos um almoço de negócios com outros dois sócios da Howell’s — como
uma confraternização apenas nossa — Discutimos sobre o planejamento estratégico para o
mês de Janeiro e as novas jogadas de marketing que utilizaríamos para promover cada
empresa e produto.
Após algumas horas, todos precisaram voltar às suas empresas para colocar em
prática a parte que lhes cabia. Ficamos apenas Bryce e eu. Ele tinha uma notícia não muito
agradável para me dar: Rachel decidiu cuidar das suas próprias ações da empresa. Eu
definitivamente odiei saber disso, mas não havia nada que qualquer um de nós pudesse
fazer.
Hoje temos o casamento de Carla e Josh como assunto principal.
— Que não aceita que eu falte.
Arqueei uma sobrancelha como quem diz “eu avisei”.
— Vocês são melhores amigos. O contrário disso não deveria ter sequer passado por
sua cabeça.
Ele revirou os olhos.
— Não tenho tempo para passar um final de semana em Miami, Evy. Ele deveria ter
pensado nisso antes de programar aquela maldita festa.
Levantei cansada de ouvir suas desculpas e semicerrei os olhos para ele.
— Você está sendo ridículo. São dois dias, Bryce! Apenas dois! Sua empresa não vai
à falência porque você passará dois dias sem mantê-la no seu radar! É o casamento do seu
melhor amigo, dos nossos colegas de trabalho! Somos os padrinhos! Que inferno.
Ele fechou os olhos e bufou de raiva.
— Eu já disse a ele que vou, ok? Ainda tenho que fazer algo para a despedida de
solteiro dele.
— Com essa animação, eu apostaria que você contrataria um grupo de senhoras
idosas pra jogar cartas. — rolei os olhos para ele e cruzei os braços — Ainda precisamos
comprar um presente. — lembrei-o.
— Ainda temos três semanas, Srta. Howell. Uma coisa de cada vez, por favor. — ele
fechou os olhos e passou a tocar suavemente suas têmporas com as pontas dos dedos. Eu
sabia que isso se devia ao cansaço de ter que ensinar Rachel sobre o dia a dia na empresa.
Bryce me contou ontem que ela insistira que ele o fizesse.
Ri de sua expressão cansada e acenei em negativa.
— Eu já disse que você tem a disposição de um homem de oitenta anos que correu
uma maratona?
— Já e eu não me importo.
Uma batida na porta fez com que eu me voltasse para ela, que em seguida foi aberta.
— Guilhermo?
Surpreendi-me por vê-lo ali, sua expressão de preocupação se converteu à
desconfiança ao ver Bryce sobre o sofá.
Bryce se levantou e após uma troca de olhares com Guilhermo, pediu licença e saiu.
O clima pesado entre os dois era sempre o mesmo quando se encontravam.
— O que houve? — perguntei assim que a porta foi fechada.
Ele suspirou lentamente como se tentasse se acalmar ou estivesse aliviado por algo,
eu sinceramente não fazia ideia.
— Nada. — ele sussurrou enquanto vinha até mim — Você está bem?
— Sim.
Concordei com um aceno de cabeça e concentrei-me em seu rosto. Sua expressão
facial nunca foi uma máscara impenetrável para mim.
— Você não deveria estar em Barcelona? — inquiri quando ele beijou meus lábios
suavemente.
— Precisei voltar. — ele disse.
— O que houve, Guilhermo? Você parece cansado. — murmurei antes de abraçá-lo.
Ainda não havia entendido a sua preocupação notável, mas queria confortá-lo de alguma
forma.
— Quem é Steve, Evangeline?
Abri meus olhos após a sua menção àquele nome e me desvencilhei dele.
— Por que ele veio de Nova Orleans para vê-la?
Franzi o cenho e virei-me de costas para ele.
Quando fechei os olhos e as lembranças da tarde de ontem voltaram à minha mente,
eu lembrei que estava falando ao telefone com Guilhermo quando Steve apareceu.
— Ele não é ninguém importante e eu não sei por que veio. — respondi sem me
importar de voltar a mirá-lo.
Senti-o se aproximar e meu peito se apertou um pouco mais após esta percepção.
— Vocês discutiram. — lembrou — Aquela não parecia ser uma conversa entre
velhos amigos.
— E não era.
— Então?
Acenei em negativa por um momento e suspirei. Eu não falaria com Guilhermo sobre
Steve. Não mesmo.
— Prefiro não falar sobre isso.
Ante o seu silêncio, eu preferi me voltar para ele novamente.
— Você só precisa saber que para mim ele não tem nenhuma importância estando em
Nova Iorque ou na China.
— Nunca vai me contar nada sobre o seu passado? — arregalei os olhos ao ouvir
aquela pergunta. Acenei em negativa lentamente. — Sobre esse tal Steve? Ou o motivo de
sentir medo da minha proximidade no começo?
— Não. — respondi sincera. Um nó já havia se formado em minha garganta e eu
sabia que não conseguiria dizer nenhuma outra palavra.
Ele fechou os olhos por um momento e não pude ter certeza se o que eles refletiam
antes disto era decepção ou resignação.
O telefone em minha sala tocou e respirei fundo algumas vezes antes de ir atendê-lo.
— Evy, Nathan pediu para a reunião das dez ser remarcada para as três da tarde,
tudo bem para você?
Precisei de alguns segundos para compreender suas palavras e me ouvi dizer:
— Sim, não tenho nada marcado na filial neste horário.
Ela agradeceu e desligou.
Olhei para Guilhermo novamente e o encontrei já me fitando.
— Você já está com um voo marcado para ir à Barcelona? — questionou mudando de
assunto.
— Pedi que Leslie resolvesse isso para mim.
— Vou voltar hoje à noite no meu jatinho, se quiser podemos ir juntos.
— Vou falar com ela e depois te dou uma resposta.
— Ok. Eu preciso ir. — ele disse antes de se voltar para a porta — Até mais.
A frieza e distância que senti quando ele voltou de Barcelona da primeira vez, eu
senti agora — mas parecia bem pior desta vez.
Não chore. Você fez a coisa certa. — repeti para mim mesma — Você nunca poderá
responder tudo o que ele quer saber.
Engoli em seco e comprimi os lábios apenas por imaginar os olhos dele refletirem
pena. Eu não suportaria ver isso vindo dele.
Desabei sobre a cadeira quando as primeiras lágrimas começaram a rolar por meu
rosto. É inútil fazer isso, mas não posso evitar.
Usei as mãos para cobrir o rosto e respirei fundo enquanto tentava expulsar todas as
lembranças. Mesmo que elas sejam quase inexistentes e cheias de borrões agora, ainda
doem como se fossem nítidas. E quando eu achava que poderia enterrá-las e finalmente
esquecê-las, elas voltavam.
Ouvi novas batidas na porta e enquanto eu limpava o rosto, Leslie entrou.
— Evy! O que aconteceu? — ela veio rapidamente até mim e deixou algumas pastas
sobre a mesa antes de me abraçar — O que houve, amiga?
Acenei em negativa e a tentativa de segurar as novas lágrimas foi mal sucedida.
— Eu estou bem. — sussurrei e ela começou a afagar meus cabelos.
— O que aquele filho da puta fez?
Fiquei em silêncio enquanto me afastava dela para limpar o rosto novamente.
— Nada. — suspirei pesadamente, como que para expulsar todas as coisas ruins de
mim.
— Vocês discutiram? — ela pareceu ainda mais preocupada agora — Ah meu Deus!
Foi por causa do Bryce?... Eu acho que fiz besteira.
Franzi o cenho e voltei a encará-la.
— O que você fez?
Ela pareceu sem graça por um momento e murmurou com uma rapidez absurda:
— Talvez eu tenha falado com ele sobre a sua reunião de forma que o fizesse sentir
ciúmes. Mas não achei que ele viria de Barcelona apenas por isso! — juntei as
sobrancelhas tentando entender e ela continuou — Eu só queria que ele ficasse com ciúmes
de você! E que vocês parassem com essa bobagem de sexo casual... Ai! Me desculpa, Evy!
— Calma, Leslie! — pedi — Não discutimos por nada. E Guilhermo não sente
ciúmes. Não se preocupe.
Ela suspirou aliviada.
— E por que você estava chorando?
Acenei em negativa.
— Porque sou fraca.

GUILHERMO
Peguei um dos travesseiros e coloquei contra meu rosto para não ouvir o som
incessante da maldita campainha tocando.
Maldito seja!
Bufei de raiva e joguei o travesseiro longe. A campainha continuou a tocar.
Olhei para o despertador ao lado da cama. Era quase uma da tarde. Apenas três
horas dormidas em quase dois dias.
Levantei devagar e vesti a calça do pijama antes de seguir para a sala. Ao olhar pelo
olho mágico da porta, minha vontade de voltar para a cama cresceu.
— Que porra você veio fazer aqui? — foi minha primeira pergunta.
Ele riu antes de entrar e minha cabeça pendeu para trás quando fechei os olhos.
Calma, Guilhermo. — repeti para mim mesmo.
— Eu esqueci que você fica muito mal humorado quando não dorme bem.
Fechei a porta com um baque surdo e me voltei para ele.
— Eu só dormi três horas, é bom que você tenha um bom motivo para vir aqui.
Revirei os olhos ao ver seu sorriso e fui até a cozinha à procura de água.
— Tio Theo me ligou. — começou — Ele estava preocupado. Você não atendeu
nenhuma das ligações dele.
— Eu avisei que viria à Nova Iorque. Nem sei onde deixei meu celular.
Tyler se sentou em uma das cadeiras do balcão e me encostei à mesa. Deixei o copo
sobre ela e depois levei as mãos para os cabelos, que estavam revoltos.
— Você está um lixo. — ele disse.
— Obrigado.
Ignorei seu riso e continuei a encará-lo com expressão séria.
— O que aconteceu, Guilhermo?
Arqueei as sobrancelhas ao ouvir aquela pergunta e acenei em negativa.
— Nada.
— Você atravessou o oceano por nada? — repetiu. — O que aconteceu com
Evangeline para você ter voltado desta forma?
— Eu já disse: nada. — quando ele arqueou a sobrancelha esquerda, eu tive certeza
que não desistiria. — Ontem enquanto conversávamos por telefone, um filho da puta
apareceu e eles discutiram antes que ela dissesse que ele a estava machucando. Eu achei
que o idiota a sequestraria...
Ele assentiu e esperou que eu continuasse.
— Ele não a sequestrou. Ela está bem e eu estou cansado por passar uma maldita
noite acordado. Está satisfeito?
Ele levantou e sorriu enquanto andava até a minha geladeira.
— Eu achei que não viveria o suficiente para vê-lo assim.
— Mal humorado por não poder dormir sossegado?
— Vocês ao menos já dormiram juntos? — ele ignorou minha pergunta.
Revirei os olhos e aceitei quando ele me ofereceu uma cerveja.
— Onde quer chegar com estas perguntas?
— Eu só queria saber se o que te deixou louco por ela foi isso.
— É claro que não, eu... — me interrompi quando entendi suas palavras — Vai por
inferno, Tyler.
Ele riu.
— Então você realmente está louco por ela. E ela conseguiu esta proeza antes de
vocês dormirem juntos. — tentei ignorar o fato dele continuar rindo como se aquela fosse a
melhor piada de todos os tempos.
— Você caiu de quatro pela Meg na primeira reunião que participou com ela.
— Mas eu admito isso. — afirmou apontando sua garrafa de cerveja para mim —
Você prefere se fazer de cego.
— O que é agora? A família se uniu para me convencer a pedi-la em casamento? —
indaguei irônico.
— Eu me contentaria em te ver parar de negar que está apaixonado por ela.
— Eu não estou apaixonado.
— Então não se importaria se eu tentasse ganhar uma nova aposta, não é?
Foi necessário apenas um segundo para que meu braço direito pressionasse seu
pescoço contra a parede ao lado do balcão. Sufocando-o sem pena.
— Você não vai tocar em um fio de cabelo dela. — murmurei com voz baixa e fria.
Ele rolou os olhos e com dificuldade, murmurou:
— É claro que não vou, seu idiota... Acabamos com aquela maldita aposta... Eu estou
com a Meg agora.
Eu o soltei e suspirei cansado.
Que inferno eu estou fazendo?
— Porra. É muito fácil te provocar. — ele disse.
Não respondi e fechei os olhos ao lembrar da forma que saí da Howell’s hoje.
Estava com raiva por ter vindo até aqui, por ter ido àquela maldita empresa e ela estar com
Bryce. E por ela não me dizer quem é aquele filho da puta de ontem.
— Quase terminei o acordo hoje. — admiti após tomar o resto do líquido da garrafa.
— Para pedi-la em namoro?
Acenei em negativa e abri a geladeira para pegar outra cerveja.
— Estamos falando sério ou você vai começar com as brincadeirinhas sem graça
novamente? — questionei.
— Sério.
— Eu estava com raiva. — decidi responder — Uma hora tudo está ótimo entre nós,
depois um furacão parece bagunçar tudo.
Ele colocou mais três garrafas de cerveja sobre o balcão e sentou ao meu lado em
seguida.
— E você não gostou de vê-la com Bryce?
Franzi o cenho e o encarei enquanto pensava em uma resposta.
— Claro que não... Aquele filho da puta quer dormir com ela. — esclareci.
— Quando parou de seguir suas próprias regras, Guilhermo?
Girei a garrafa sobre a mesa enquanto tentava encontrar uma resposta para sua
pergunta. O que fiz na verdade foi recordar nossos primeiros encontros.
— Quando ela me chamou de espanhol convencido. — concluí ao lembrar da
primeira vez que discutimos.
Desta vez não o culpei por rir. Sabia que estava completamente ferrado e já havia
chegado ao ponto de não me importar com isso.
— E Megan? — tentei mudar de assunto — O que realmente há entre vocês?
— Vou pedi-la em namoro. — ele sorriu abertamente ao lembrar de algo.
— Tente disfarçar essa cara de pervertido, Tyler. — murmurei entre risos — Ou vai
acabar assustando-a.
Ele revirou os olhos.
— Não tente mudar o foco da conversa. Gosto de fazer o papel de psicólogo de
vocês. — prosseguiu — Vamos lá, me diga como se sente sobre ela.
Olhei para ele com olhos semicerrados, mas ao ver sua pose de “psicólogo” não
consegui segurar a gargalhada.
— Eu estou falando sério. A Ally costuma dizer que sou ótimo para dar conselhos.
Vamos lá... Tente.
Acenei em negativa para mim mesmo sem acreditar que estava concordando com
aquilo.
— Ok. — anuí — Progredimos muito desde que viemos para Nova Iorque. Gosto
disso. — admiti — Não somos só parceiros de cama, nem somente amigos e muito menos
colegas de trabalho. Não vejo problemas nisso. Podemos dormir juntos, conversar e rir que
estaremos à vontade um com o outro.
Eu o mirei e ele apenas assentiu e esperou que eu continuasse.
— É apenas isso.
— Você esqueceu o ciúme. — ele observou — A preocupação e o fato de querer
terminar com ela porque não gosta da ideia de todos pensarem que você mudou por uma
mulher.
Registrei suas palavras e ponderei sobre o sentido que ele deu a cada uma delas.
Maldição.
— Já pensou em ser psicólogo? — inquiri ao levantar.
— Não. Gosto mesmo de engenharia e arquitetura. — ele deu de ombros.
Suspirei resignado.
“... porque não gosta da ideia de todos pensarem que você mudou por uma
mulher.”
Todos poderiam pensar isso, mas não tem essa de “mudar”. Nunca tentei nada
parecido, então não havia o que mudar.
Por outro lado, talvez todos estivessem certos em dizer que mais parecíamos um
casal, que na verdade não era um casal. Porque tínhamos muitos benefícios que apenas
namorados tinham, e ao mesmo tempo, não tínhamos os benefícios que namorados tinham.
É absurdo eu poder tocá-la como se fosse minha, e não poder reivindicá-la como se
fosse.
— Papai estava certo. — murmurei antes de me jogar sobre o sofá.
— Sobre o quê?
— Eu ser um idiota.
Fechei os olhos ao ouvir sua risada ecoar pela sala.
— E agora que finalmente percebeu isso, o que vai fazer?
— Preciso ter certeza de duas coisas antes de tomar outra decisão.
— E que coisas seriam essas?
— Que eu não quero ficar com nenhuma outra enquanto estiver com Evangeline. —
fiz uma pausa — E que ela está disposta a ter mais do que algo casual.
Ouvi o som de uma garrafa cair no chão e sentei-me rapidamente para vê-lo se
abaixar para pegá-la.
— O que foi?
— Fiquei surpreso. — ele disse rindo — E depois? O que fará?
— Farei uma nova proposta.
Ele franziu o cenho e arqueou as sobrancelhas para que eu continuasse.
— Que ela seja apenas minha e eu possa usufruir de tudo o que um relacionamento
oferece. — deitei-me novamente — Que eu seja apenas seu e ela posso usufruir de tudo o
que um relacionamento oferece.
— Estamos perdidos. — ele concluiu rindo ainda mais — E eu não estou me
importando com porra nenhuma agora.
Foi minha vez de rir e concordar.
— Eu estou perdido.
VINTE E QUATRO
EVANGELINE
Eu não vestiria vermelho porque não queria. E apenas por isso. Não tinha nada a ver
com o fato de Guilhermo estar me ignorando desde a minha chegada à Barcelona. Não tinha
nada a ver com o fato de eu estar com uma raiva insana dele para não querer nem mesmo
que ele gostasse do que eu vestia.
Olhei-me uma última vez no espelho. O vestido preto realçava todo o meu corpo e
minha pele. As alças permitiam um decote menos comportado, mas nada vulgar. Meu cabelo
castanho escuro estava preso em um coque chique, que não deixou um fio sequer fora do
lugar. Meus lábios com um não usual batom nude matte, para que a atenção completa
estivesse em meus olhos verdes.
Semicerrei os olhos, e lembrei do final da reunião de hoje à tarde:
“Eu falava ao telefone, para chamar um táxi, enquanto saía da sala de reuniões.
Guilhermo conversava animadamente com uma ruiva de seios grandes, eles estavam
próximos ao balcão da recepção.
Deixei o homem ao telefone falando sozinho enquanto apertava os olhos para a
imagem de Guilhermo.
Eu tentei entender o espaço que ele decidiu dar para o que tínhamos. Ele estava
com raiva e eu ainda me sentia culpada por isso. Por não poder contar a ele sobre meu
passado. Mas uma coisa era espaço e outra completamente diferente era flertar com
outra mulher.
Seus olhos encontraram com os meus por alguns segundos, mas ele se voltou para
a mulher em seguida. Ignorando, novamente, a minha presença.
Naquele momento entendi o que havia acontecido. Para Guilhermo, o que
tínhamos já havia acabado. E tudo fora tão trivial que ele sequer se importou de me
informar isso.
Se ele queria voltar ao seu maldito harém, que tivesse a decência de me dizer que
não queria mais nada comigo. Mas não. Ele precisava se esfregar com uma vagabunda na
minha frente quando eu ainda achava que havia algo entre nós.
Eu queria matá-lo. Ali mesmo. Naquele momento. Sem pena ou remorso.
Suspirei lentamente para me acalmar.
A raiva que inflou naquele momento foi de mim mesma. Ele continuava a ser o
espanhol arrogante e cafajeste. Lembrar que eu cheguei a pensar que ele já não era o
idiota de meses atrás, me fez querer bater em mim mesma. Maldita estúpida, Evangeline.
É isso o que você é.
Respirei fundo. Ergui o queixo e segui para o elevador sem sequer olhá-lo
novamente.
— Evy! — Theodory me alcançou, antes que eu pudesse entrar.
— Sim? — voltei-me para ele assim que ele adentrou o elevador comigo.
— Remarcamos o jantar para as oito da noite. Alguns representantes precisarão
voltar aos seus países ainda hoje e tivemos que antecipar tudo.
Assenti.
— Tudo bem. Já estou com o endereço. Às oito em ponto estarei lá.”
Peguei minha bolsa e coloquei o celular e um pequeno kit de maquiagem, além de
dinheiro e um cartão de crédito.
Todos foram convocados para esse jantar oferecido pela D’Angelo. Mas depois do
episídio de hoje, eu queria ir embora o mais rápido possível para ficar longe de Guilhermo.
Não queria fugir dele, é claro que não. Só queria me impedir de cometer um homicídio.
Fechei os olhos com força e repeti o mantra que criei mais cedo:
“Eu vou ignorá-lo. Eu não vou soltar farpas neste jantar, principalmente sutilezas
sobre a maldita ruiva. Eu não vou xingá-lo ou a geração que ele começará. E acima de
tudo, eu vou ficar longe dele. Bem longe.”
Eu conseguiria. Estava determinada. E com raiva — muita raiva.
Liguei para o taxista. Ele já estava me esperando.
Meia hora depois, cheguei ao restaurante. Fui recebida por uma recepcionista e esta
me levou à mesa da D’Angelo. — eles haviam fechado todo o restaurante para este pequeno
evento.
Enquanto me aproximava da mesa, avistei o Sr. D’Angelo falando ao telefone e cerca
de vinte homens e mulheres rindo e conversando.
Não foi difícil encontrar Guilhermo sorrindo enquanto trocava palavras com o
homem ao seu lado. Foi menos difícil ainda ver a ruiva que estava sentada ao seu lado. A
mesma da D’Angelo hoje mais cedo.
Cerrei o maxilar quando um tipo de fúria desconhecida começou a correr por minhas
veias. Eu só não sabia se era apenas dele ou dos dois. Foi impossível fingir um sorriso.
Expirei lentamente para me acalmar quando poucos passos passaram a me distanciar
daquela mesa.
— Boa noite. — cumprimentei a todos.
Theodory foi o primeiro a me ver e se levantou para me ajudar a sentar. Sorri
gentilmente e agradeci enquanto todos me cumprimentavam. Senti o olhar de Guilhermo
sobre mim, mas o ignorei completamente.
A noite transcorreu bem. Foi mais fácil ignorar Guilhermo e os olhares demorados
que ele me dedicava, quando a risada da ruiva ecoava pelo local a cada palavra que ele
dizia.
Faltavam alguns minutos para a sobremesa ser servida e pedi licença para ir ao
toalete. Queria retocar a maquiagem.
Comprimi os lábios com força quando percebi que Guilhermo me seguiu.
“Você vai ignorá-lo. Você não vai soltar farpas neste jantar, ou sutilezas sobre a
maldita ruiva. Você não vai xingá-lo ou a geração que ele começará. E acima de tudo,
você vai ficar longe dele. Bem longe.”
Consegui ignorá-lo e deixar minha raiva de lado. Mas se ele entrasse nesse banheiro
comigo, eu o xingaria e o único motivo que eu teria para tirar minhas mãos dele, seria me
certificar de que Guilhermo já estava marcado o suficiente pela minha fúria.
Talvez David estivesse certo em dizer que eu poderia ser fria até os ossos.
Segundos depois que entrei no banheiro, a porta do mesmo foi aberta novamente e
em seguida fechada.
Senti o aroma de seu perfume e ignorei o fato deste se impregnar rapidamente em
mim.
Voltei-me para ele.
— Me escute antes de começar. — ele pediu.
Respirei fundo antes de colocar minha pequena bolsa sobre o balcão de mármore.
Um sorriso jocoso surgiu em meus lábios.
— Escutar o quê? — fiz uma pausa enquanto me aproximava — Que você é um
idiota covarde? E que não teve coragem de me dizer que não queria nada comigo antes de
sair correndo atrás daquela ruiva de farmácia? Disso eu já sei... E se eu fosse você, não me
trancaria comigo em um banheiro. Principalmente sabendo da raiva que estou sentindo.
Fitei-o com os olhos semicerrados por alguns segundos. Minha fúria aumentou
quando percebi que sua expressão se revertia a divertimento a cada segundo que se passava.
Virei-me de costas para ele e abri minha bolsa para pegar o batom.
Ao vê-lo sorrir através do espelho, eu me voltei para ele.
— O que foi, Guilhermo? O que ainda faz aqui? — inquiri enviesada — Esqueceu
que tem alguém te esperando lá fora?
Ele revirou os olhos e seu sorriso aumentou enquanto se aproximava.
— Você fica linda desse jeito, sabia? — questionou com aquele maldito sorriso
sensual.
Empurrei-o para que a distância entre nós aumentasse, mas ele quase não se moveu.
— Volte para sua ruiva. — mandei.
Virei-me para resgatar minha bolsa e pegar o rímel para retocá-lo. Guilhermo
continuou atrás de mim.
— Está chateada por que tive alguns encontros durante a semana, Srta. Howell?
Fingi não ouvir sua pergunta. Ele se aproximou ainda mais.
Deixei a maquiagem cair de minhas mãos quando o senti roçar seu corpo ao meu.
Como ele poderia estar excitado?
Girei sobre meu próprio eixo para empurrá-lo novamente, mas tive meus pulsos
presos por suas mãos.
— Aquele maldito acordo já não é válido. — lembrei-o em voz baixa — Me solte,
ou eu vou gritar.
— Concordo. Aquele acordo não me interessa mais. — ele fez uma pausa e o mundo
pareceu parar por um momento — Você não gritaria. Sabe que não há motivos para isso.
Senti como se um buraco se abrisse em meu peito e meu coração fosse arrancado
fora. Que droga de sensação é essa? Eu já sabia que não havia mais nada entre nós!
Mas uma coisa é achar... E outra completamente diferente é ouvir isso dele.
— Ótimo. — respondi irônica — Então, volte para a sua viúva negra.
Guilhermo franziu o cenho, mas sorriu em seguida. Seu rosto estava tão próximo que
ele poderia me beijar.
— Se você tentar enfiar essa maldita língua na minha boca, eu te mordo. — avisei
tentando me soltar novamente. Mas foi outra tentativa frustrada.
Ele me deu um selinho e pressionou seu corpo ao meu, impelindo-me a ficar contra o
balcão. Virei o rosto.
— Você fica linda com ciúme, Americana intrépida. — sussurrou em meu ouvido.
Minha pele se arrepiou, mas foi completamente involuntário.
O maldito percebeu.
Flexionei o joelho direito para acertar suas partes íntimas, mas ele fechou as pernas
antes que eu conseguisse fazê-lo.
— Não tenho motivos para ficar com ciúme. — afirmei movendo-me para me soltar
de seu aperto. — Inferno! Me solte, Guilhermo! Sua amiga está louca para que você coloque
esse maldito pau dentro dela. Então aproveite que...
Não pude concluir minha frase, ele tomou meus lábios nos seus antes que eu o
fizesse. Não permiti que ele me beijasse, mas sua língua continuou a pedir acesso e
manteve-se implacável até que conseguisse.
Eu precisava aprender a não retribuir seus beijos. — concluí, quando percebi que
retribuía com o mesmo desejo que ele parecia externar agora.
— Não posso... — ele sussurrou contra meus lábios ao me colocar sobre o balcão.
Suas mãos levantaram meu vestido e ele me puxou para a extremidade do balcão. Consegui
reprimir um gemido baixo quando seu membro pressionou a junção de minhas pernas. —
Isso é por você.
Eu estava pronta para empurrá-lo com força, quando ele segurou minhas mãos e as
levou para o seu peito. Seu coração batia descontroladamente no peito. Com a voz mais
suave, ele finalizou:
— Assim como isso é por você.
Inferno. Eu estava com saudades dele, de tê-lo me tocando, me preenchendo. De
simplesmente tê-lo sem aquela droga de frieza e indiferença.
Senti meus muros internos começarem a ruir mais uma vez.
O que eu estou pensando?!
— Não vai conseguir me convencer com afirmações mentirosas. — alertei-o.
Seus olhos me fitaram surpresos por alguns segundos. Até que eu o vi semicerrá-los.
Suas pupilas se dilataram.
— Eu nunca mentiria sobre isso. — grunhiu com os olhos fixados nos meus.
Não vacilei em minhas atitudes e decidi lembrá-lo:
— Você foi um covarde, Guilhermo! — finalmente consegui afastar minhas mãos das
suas — E está sendo um maldito filho da puta!
Eu o vi erguer as sobrancelhas, ainda mais surpreso.
— Não me disse que não queria mais nada comigo e foi atrás daquela vagabunda! E
agora quer fazer sexo comigo? Não vai ficar... — ele tapou minha boca para me fazer parar
de falar.
— Pare. — ele mandou — Eu não sou um filho da puta e muito menos covarde. Você
não entendeu nada e está sendo inconsequente.
Quando ele me soltou eu passei a inspirar e expirar profundamente sem desviar meus
olhos dos seus. Ele fez o mesmo.
— Que parte dos sorrisos fáceis que você deu àquela mulher que eu não entendi? —
desafiei — Que parte da frieza e indiferença que você me tratou nos últimos dias foi
incompreendida por mim?
— Evangeline, eu não...
— Se você queria voltar para o seu harém, era só ter me avisado! Eu já havia dito
que não queria ninguém preso a mim contra a própria vontade!
— Porra. Cale a boca.
Apertei meus olhos para ele, e antes que pudesse lhe responder, sua mão enorme
voltou a ficar sobre meus lábios e a outra segurou com firmeza meu braço quando tentei
afastá-lo novamente.
— Eu não transei com ela ou com qualquer outra durante esta semana, se esse é o seu
maldito martírio... E eu nunca tive um harém. — esclareceu — Só estava tentando descobrir
se conseguia passar algum tempo sem você e, mesmo que estivéssemos juntos, desejar outra
mulher.
Franzi o cenho em nítido desentendimento. Sua explicação ainda não fazia sentido.
Guilhermo suspirou lentamente tentando se acalmar.
— O acordo não me interessa mais. — sussurrou com a testa colada a minha.
A maldita sensação de perda em meu peito voltou e meus olhos se fecharam
involuntariamente enquanto eu engolia em seco.
Isso não importa. — repeti para mim mesma em pensamento ao abrir os olhos.
Sua mão deslizou por meu queixo e o ergueu alguns centímetros antes que ele me
beijasse.
Diabos. Ele dizia que não queria mais nada comigo, me beijava e eu ainda retribuía?
Mandei esses pensamentos para longe quando lembrei que aquele seria o nosso
último beijo. Se aquele seria realmente o último, eu queria algo bom para lembrar do que
tivemos e fortalecer o pensamento de que independentemente de tudo, valeu a pena. Mesmo
que Guilhermo continuasse a ser um idiota.
Ele acabou com os poucos centímetros que nos separavam, fazendo com que seu
membro, agora mais excitado, permanecesse contra mim.
Guilhermo continuou a levantar meu vestido para deixá-lo em minha cintura. Quando
percebi o que faria, eu acabei com o beijo.
— Se o que tínhamos acabou, você não vai me tocar novamente. — murmurei
afastando suas mãos de meu corpo.
— Continue calada, eu ainda não terminei.
— Guilhermo, vá para o... — minhas palavras foram interrompidas por um novo
beijo seu. — inferno... — a palavra soou ininteligível até aos meus ouvidos enquanto eu
retribuía seu novo beijo.
Ouvi-o baixar o zíper de sua calça e desvencilhei-me dele novamente.
Maldição!
— Eu quero você, mas não vou seguir nenhuma regra idiota para tê-la.
Acenei em negativa e um sorriso sarcástico surgiu em meus lábios ao registrar
aquelas palavras.
— Não vou dividi-lo com nenhuma outra. Já deixei isso bem claro.
Ele rolou os olhos e sorriu. A ponta de seu dedo indicador acariciou suavemente o
canto de meus lábios. Ele voltou a me fitar.
— Quer que eu seja somente seu? — o tom pretensioso que ele usou ao dizer aquilo
me impediu de confirmar.
Segurei sua mão direita com força quando ele tentou tirar minha calcinha.
— Não. — o proibi de me tocar usando de toda a minha convicção e força de
vontade. Embora meu corpo já desejasse o seu, ele só teria certeza se me tocasse.
— Você estava com ciúme de Valentina?
— Já disse que não.
— Tem certeza?
Baixei meus olhos para seu corpo e tentei aumentar a distância entre nós novamente.
Eu sabia que sucumbiria a Guilhermo se ele continuasse tão perto. Queria acabar
com esta chance, mas ele não deixava.
— Não vou aceitar que você durma com outras mulheres enquanto nós estivermos
dividindo uma cama. Se for me fazer qualquer proposta que não o comprometa a dormir
apenas comigo, pode desistir.
— Eu também não quero nenhum filho da puta tocando em você. — afirmou — Eu
disse que aquele acordo não me interessa mais, porque estou propondo um relacionamento
de verdade, nada que envolva apenas sexo casual.
Demorei mais do que imaginei para compreender aquelas frases e fui incapaz de
articular uma resposta coerente. Meus pensamentos estavam dispersos entre as suas
palavras.
— O quê? — indaguei em um fio de voz.
Guilhermo tirou minha calcinha rapidamente e antes que eu pudesse protestar, seu
membro me invadiu e um gemido alto de prazer fugiu de meus lábios.
Céus. Ele estava há dias sem me tocar e tê-lo dentro de mim novamente, compensava
todos esses dias.
— Porra. — ele murmurou enquanto soltava meus cabelos do coque chique — Eu
estava louco para fazer isso... Achei que essa maldita semana nunca fosse acabar.
— Guilhermo... — tentei — O que quer dizer com... relacionamento de verdade?
— Você completamente minha e eu completamente seu.
Seus dedos enterraram-se em meus cabelos e ele os puxou com força antes de trazer
meu rosto para perto do seu.
— Sem nenhuma regra além das que ficam implícitas em um relacionamento. — ele
mordiscou meu lábio inferior e me beijou suavemente.
— Nenhum de nós queria um relacionamento.
— Eu sei. — admitiu movimentando seu membro dentro de mim. Cerrei os olhos
com força e deixei um gemido baixo escapar. Ele estava totalmente excitado agora. E
maravilhoso dentro de mim. — Mas estou oferecendo um agora...
— Por quê? — questionei quando Guilhermo começou a se mover lentamente. Se ele
queria dificultar minhas tentativas de pensar com clareza, estava conseguindo.
— Porque eu quero que você seja minha... Só minha.
Gemi de surpresa e dor quando ele puxou meus cabelos e castigou meus lábios
contra os seus ao me beijar com força. Ele sabia que eu adorava quando fazia isso.
Meu corpo se arqueou na direção do seu e meus seios roçaram seu peito sob os
tecidos que nos cobriam.
Quando meus pulmões pediram desesperados por um pouco de ar, Guilhermo acabou
com o beijo.
— Olhe nos meus olhos. — sua voz autoritária me surpreendeu e fiz o que ele
mandou — E com o meu pau dentro de você, diga que nestas três semanas, nunca sentiu que
fosse minha... Que nunca sentiu ciúmes de mim como se eu fosse seu?
Acenei em negativa e fechei os olhos.
Arranhei suas costas e mordi seu ombro com força quando ele começou com suas
estocadas maravilhosas.
Eu não queria pensar, muito menos lhe dar uma resposta para aquelas perguntas.
Seria mentira dizer que não e perigoso demais dizer que sim.
— Sem regras? — me ouvi perguntar. Ele assentiu.
Segurei seu rosto em minhas mãos e o trouxe para perto do meu. Olhando em seus
olhos, eu disse:
— E se as coisas não forem como antes? — fiz uma pausa para tomar coragem — E
se um de nós acabar se apaixonando?
Ele sorriu genuinamente e arqueou uma sobrancelha.
— Pretende fazer com que eu me apaixone, Srta. Howell?
Revirei os olhos.
— Tenho poder suficiente para isso? — devolvi.
Eu o vi morder o canto dos lábios e sua expressão se tornar impassível.
Guilhermo aproximou seu rosto do meu lentamente e me deu um selinho, em seguida
sussurrou contra minha boca com um sorriso que eu não consegui ler:
— Você não faz ideia. — e me beijou novamente.
Quando eu comecei a me preocupar com o tempo que estávamos longe do jantar, ele
pareceu ouvir meus pensamentos e fez uma careta antes de afastar seu corpo completamente
do meu.
Eu preferi não me olhar no espelho. Sabia que ele fizera um ótimo trabalho ao me
deixar com cara de quem acabou de fazer sexo selvagem. — meu cabelo completamente
solto e grudado em minha pele pelo suor, me dizia isso.
Arrumei meu vestido e acenei em negativa enquanto repassava tudo o que havia
acontecido. Desconfiei que já havíamos feito sexo em todos os lugares possíveis.
Inferno. Eu devia ter tentado impedir isso.
— Evangeline e eu vamos embora. — franzi o cenho e me voltei para Guilhermo,
que falava ao telefone. — Sim, nós discutimos... Não se preocupe.
Aproveitei que ele estava de costas para mim e desci do balcão. Minhas pernas
precisaram de um momento para se firmar e bufei quando vi minha calcinha branca no chão.
Peguei-a e a joguei no lixo. Prendi meus cabelos novamente e quando arrumei minha
pequena bolsa, percebi que Guilhermo me encarava através do reflexo. Já havia desligado o
telefone.
— Você ainda não me respondeu. — lembrou.
Fechei os olhos ao lembrar de sua nova proposta.
— Você não deixou. — respondi voltando-me para ele.
Eu tentava, de todas as formas que podia, encontrar motivos que me levassem a
responder “não”, queria poder ao menos pesar os pros e contras. Mas ainda não havia
conseguido.
— Você é muito transparente, americana intrépida. — observou com um sorriso.
Comprimi os lábios para não sorrir e ele segurou meu braço suavemente para me
levar para fora daquele toalete.
Agradeci silenciosamente quando ele me levou por um caminho diferente do que
havíamos tomado antes e saímos do restaurante pela entrada dos funcionários. Seu motorista
já nos esperava lá.
Sentei-me confortavelmente no banco do lado direito da limusine e ele sentou-se ao
meu lado.
— E a viúva negra? — perguntei assim que lembrei da mulher.
Ele sorriu enquanto encarava a rua através do vidro escuro da janela.
— Eu não vim com ela, Evangeline. Valentina é representante da filial da Itália.
Estava neste jantar a trabalho.
Senti minhas bochechas esquentarem e virei o rosto para o outro lado. Preferi não
responder.
Minha mente, de repente, ficou cheia de diversos pensamentos. Todos referentes ao
que já aconteceu entre nós. Desde a nossa primeira discussão naquele elevador, aos beijos
que trocamos nas festas de final de ano. Lembrei da conversa que tive com Marina quando
fui para a noite de natal na casa da família D’Angelo. — a que eu prometi dar uma chance
ao que poderia acontecer. Dos dias que passamos juntos em seu apartamento, depois em
minha casa. — um sorriso surgiu em meus lábios — Das propostas indecentes que ele me
fez e da noite que me ensinou a preparar Gaspacho.
— Chegamos. — ouvi-o murmurar assim que o carro parou.
Estávamos à frente do Hotel España.
Guilhermo desceu e me ajudou a descer do carro.
— Você também está hospedado aqui? — questionei.
— Sim.
A recepção estava pouco movimentada e não demoramos a pegar o elevador. Um
casal entrou conosco.
Arqueei a sobrancelha enquanto as portas se fechavam lentamente. Um sorriso bobo
surgiu em meus lábios. Arrisquei um olhar para Guilhermo, e ele também sorria.
Pensávamos na mesma coisa. A primeira vez que pegamos esse elevador juntos.
O casal saiu assim que chegamos ao segundo andar. As portas se fecharam
novamente e Guilhermo se aproximou do painel. Apertou uma sequência de botões e o
elevador parou.
Tentei ignorar o sorriso malicioso que ele me deu ao me fitar novamente.
— O que aconteceu? — inquiri como da primeira vez.
Retribuí seu sorriso enquanto ele se aproximava.
— Não se preocupe, deve ser apenas um problema elétrico. — ele fez uma pausa
enquanto colocava seus braços dos dois lados de meu corpo — Não costuma demorar muito
para consertarem... Quando acontece. — completou rapidamente.
— Isso acontece com frequência?
Guilhermo roçou seus lábios aos meus. Segurei seu terno com força para puxá-lo
para mim.
— Não... — ele sussurrou me beijando suavemente — Você é viciante. — disse
antes de me dar um beijo de verdade.
Quando lembrei onde estávamos, decidi acabar com aquilo.
— Eu... Aceito. — me ouvi dizer antes de morder seu lábio inferior — Mas vamos
para o meu quarto. Não quero que me toque aqui. Há câmeras neste elevador, Guilhermo.
— Aceita? — ecoou.
Assenti sorrindo como ele.
Cerrei os olhos com força ao sentir seus lábios novamente sobre os meus.
— Mia ragazza. — concluiu no que eu achei ser italiano. — Mia.

GUILHERMO
Menos de uma semana depois de aceitar a minha nova proposta, Evangeline já
colocava em prática todas as minhas palavras. Embora eu achasse que também havia
exagerado hoje ao beijá-la sem me importar com quantas pessoas estavam vendo, ela não
parecia se importar em fuzilar Rachel com o olhar durante esta reunião. E isso já estava
começando a me preocupar. Rachel não liga para nada nem ninguém, eu sei que continuará a
se insinuar para mim, mas não sei até onde irá a paciência de Evangeline.
Inferno.
— Alguém discorda? — Evangeline concluiu após chegar ao final da apresentação
de slides da reunião.
— Não. — respondemos em uníssono.
— Sim — Rachel murmurou voltando-se para Evangeline — Não entendi muito bem
o que quis dizer nesta última parte.
Dividi meu olhar entre as duas e a forma com que Evangeline semicerrou os olhos
para Rachel me deu um presságio do que viria.
Porra.
— Talvez se prestasse mais atenção. — respondeu com um sorriso que não chegou
aos seus olhos — Desculpe, Srta. Osmari. Não posso perder tempo lhe explicando coisas
que já deveria saber. Mas não se preocupe, tenho certeza que Bryce vai lhe explicar tudo
depois.
Olhei ao redor da sala e vi todos os outros sócios da Howell’s engolirem em seco.
Apenas Bryce rolou os olhos e afundou na cadeira que estava sentado.
Então essas discussões entre as duas não eram novidade?
— Não... Me desculpe você, por não entender essa linguagem idiota que vocês usam!
— Não precisa se desculpar. — ela fez um gesto displicente com as mãos —
Sabemos que a senhorita só entende os preços de roupas e sapatos de Grife.
Meus olhos se arregalaram quando Rachel se levantou com raiva. Evangeline apenas
colocou as mãos sobre a cintura e lhe deu um sorriso sarcástico.
— Coisa que você não deve saber, não é? — disse fazendo menção ao terninho que
Evangeline está vestindo. Sem muito sucesso, pois suas roupas são sempre elegantes e lhe
deixam ainda mais linda.
Rachel deixou a sala como um furacão e bateu a porta ao sair. Todos olharam para
Evangeline sem entender. Eu pigarreei enquanto fingia arrumar minhas coisas.
— Alguém mais não entendeu? — perguntou.
— Não. — respondemos juntos.
— Ótimo.
Assim que a reunião foi encerrada todos saíram um a um. Mantive-me em meu lugar
para esperá-la. Ainda era quarta feira, teríamos que ir à filial agora.
— O que foi isso? — questionei assim que a porta foi fechada e ela suspirou com
raiva.
— Uma tentativa bem sucedida de não matá-la. — murmurou sem me encarar.
Levantei para me aproximar e ela levantou um dedo para que eu parasse.
— Por que me beijou na frente dos meus sócios?
Juntei as sobrancelhas sem entender e ela percebeu.
— Guilhermo, você não sabe o que eu passei para conseguir ir à Barcelona apenas
para tentar fechar esse contrato! Eles são uns malditos machistas! O que acha que pensaram
quando você me beijou hoje?
Rolei os olhos e foi minha vez de suspirar.
— Que você é minha namorada?
— Não! Que eu dormi com o dono na D’Angelo para conseguir fechar o contrato!
— Gritar te ajuda a se acalmar? — indaguei irônico.
Ela me encarou com os olhos semicerrados e sustentei seu olhar.
— Preciso extravasar essa raiva de alguma forma.
— Descontando em mim?
— Guilhermo, só não faça isso, ok? Eu tentei mantê-lo longe por três meses para
evitar uma situação assim. Não quero que ninguém diga que fechei esse contrato por ter ido
pra cama com você.
— Você realmente se importa com o que eles pensam?
— Não! Mas todos se importam! Pelo amor de Deus, eu trabalho com Marketing. Sei
como essas coisas funcionam, Guilhermo. Basta que uma pessoa espalhe isso. É como atear
fogo em palha.
— Uma hora todos esquecem.
— Mas até que isso aconteça, minha imagem, minha empresa, tudo o que construí,
pode ir por água abaixo.
Assenti. Não discutiria. Estava cansado demais para isso.
Ela acenou em negativa e bufou ao deixar as suas pastas sobre a mesa novamente.
— Ela também suga minha paciência. — admitiu em voz baixa. Como se pedisse
desculpas.
Rolei os olhos.
— Se eles precisavam de mais provas de que estamos juntos, você lhes deu isso
durante a ceninha com a Rachel.
— Todos estão acostumados. — deu de ombros — Devem ter pensado que foi
apenas mais uma discussão entre nós e não que eu estava com ciúme.
— Então você estava mesmo com ciúme?
Ela hesitou por um momento e respirou fundo antes de voltar a me encarar.
— Eu não disse isso.
Sorri e dei os passos que nos separavam.
— Será que eu tenho permissão para beijá-la agora? — por mais que tenha tentado
não deixar, a ironia em meu tom foi perceptível.
Ela tentou inutilmente esconder um sorriso. Olhou para a porta e depois para mim.
— Sim.
Beijei-a lentamente com a intenção apenas de provocá-la. Ela acabou com a
distância entre nós e envolvi sua cintura com um braço para mantê-la perto.
— Adoro vê-la vestida nesses terninhos. — admiti beijando seu rosto e seguindo
vagarosamente para seu pescoço. — E seu cheiro é maravilhoso.
— Tire suas mãos daí. — Evangeline mandou quando minhas mãos seguiram para
suas nádegas. — Ainda estamos na empresa.
— Mas estamos no horário de almoço agora. — lembrei-a.
Ouvimos o telefone da sala tocar e ela se afastou abruptamente para arrumar a blusa
que vestia.
— Sim? — murmurou ao atender — Ah, oi, Leslie. Não, eu não estou ocupada. —
ela me fitou e sorriu por um segundo indicando os lábios. Toquei-os suavemente e percebi
que estavam sujos de batom. — Quem?
Rolei os olhos e tentei limpar os lábios enquanto indicava a porta. Iria ao banheiro
para limpar o rosto. Ela concordou.
— Repasse a ligação, Leslie. — eu a ouvi dizer enquanto saía.
Usei água e um lenço para limpar os lábios. Quando saí do banheiro, meu celular
tocou em meu bolso e o peguei rapidamente para atender.
— Ally?
— Guilhermo! Tudo bem?
— Sim, e você?
Encarei meu reflexo no espelho antes de sair do banheiro.
— Estou bem... Você sabe me dizer onde Tyler está?
Parei no lugar que estava assim que ouvi aquela pergunta.
— Não. O que houve?
— Afonso... Teve um infarto e está no hospital.
— Porra. — murmurei ao escutar o que ela disse.
O pai de Tyler havia sofrido um enfarte? Inferno. Marília, mãe de Tyler, deve estar
desesperada no hospital.
— Vou procurá-lo, não se preocupe. Já tentou ligar para a filial? Ele tinha uma
reunião com Megan hoje. — avisei enquanto adentrava a sala de reuniões. Evangeline já
não estava aqui.
— Não... Não tenho o telefone de lá. Seu pai está entrando em contato com o piloto
do jatinho. Ele e sua mãe irão para a Itália ainda hoje e querem que Tyler vá junto.
— Papai sabe o telefone da filial... Mas não se preocupe. Vou agora mesmo atrás
dele.
— Ok. Obrigada, Guilhermo! Nos falamos depois.
Desliguei e rapidamente liguei para Evangeline para informar que precisaria
desmarcar o nosso almoço.
Caixa postal.
Segui para a sua sala e Leslie estava em sua mesa, à frente da sala.
— Evangeline está na sala? — questionei assim que a vi.
— Não... Acho que já foi embora. — ela franziu o cenho — Achei que tivessem ido
juntos.
— Não, ela precisou atender um telefonema e eu também... Acabamos nos
separando.
Ela juntou as sobrancelhas e pareceu pensar por um momento.
— Um tal de Steve ligou para ela ainda pouco, eu mesma repassei a ligação. — meus
olhos se arregalaram assim que ouvi aquele nome.
Ela percebeu e se levantou rapidamente quando dei meia volta para pegar o
elevador.
— O que houve? — ouvi-a perguntar.
— Nada. Não se preocupe.
Steve ligou para ela novamente?
O que esse filho da puta quer?
— A Srta. Howell passou por aqui? — perguntei para as recepcionistas.
— Ela desceu há uns cinco minutos. — uma delas respondeu.
Agradeci e apertei os botões para chamar o elevador. Pareceu se passar um século
até que as portas finalmente se abriram.
Eu sabia que não me controlaria se visse aquele filho da puta, mas não me importava
com isso agora. Algo me dizia que ele não veio apenas conversar desta vez.
Achei que estivesse preso naquele maldito retângulo há horas quando as portas se
abriram para me deixar no térreo.
Olhei de um lado para o outro procurando-a ou a qualquer outra pessoa, mas o
estacionamento estava completamente vazio. Segui para as portas de vidro que separavam a
recepção do térreo.
— A Srta. Howell já saiu?
— Ela não passou por aqui, senhor. — o recepcionista replicou.
Suspirei cansado e voltei ao estacionamento. Ela só poderia estar aqui.
Procurei seu carro vermelho e juntei as sobrancelhas ao vê-lo. Me apressei até
chegar a ele e andei até o lado do motorista.
— Porra. — sussurrei quando senti algo em meu peito se apertar dolorosamente.
Curvei-me para pegar seu celular, que estava no chão, e o encarei em silêncio
enquanto o entendimento e preocupação crescente me assolavam por dentro.
Ele a levou.
MARY OLIVEIRA
Italiano

Espanhol

Vol. II

Edição (01)
Belém-Pa
2016
Copyright©2016 de Mary Oliveira
Capa: Mariely Santos
Diagramação: Mary Oliveira
Revisão capítulo 1 ao 8: Evelyn Santana
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais, é mera coincidência.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte desta obra — física ou eletrônica — sem a
autorização prévia e escrita do autor.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n° 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
BÔNUS ESPECIAL

SETE ANOS ATRÁS


BRYCE OSMARI
Já são mais de onze da noite, onde Rachel se meteu? – perguntei-me, preocupado.
Entrei no quarto de minha irmã e liguei as luzes apenas para confirmar que ela
realmente não estava ali. Tudo estava exatamente como Belinda deixou pela manhã.
Impecável.
Um suspiro cansado me escapou quando tranquei a porta ao sair do quarto. Papai
me matará se souber que perdi Rachel da minha vista. E, antes disso, eu me matarei se
aquela louca se machucar de alguma forma.
Desci as escadas devagar, repreendendo a mim mesmo mentalmente por ter ficado
estudando na faculdade até tarde. Talvez se estivesse em casa mais cedo, eu pudesse
impedi-la de sair, concluí.
Quando cheguei à mansão Osmari, há menos de meia hora, Belinda – a
governanta – me avisou que Rachel saíra à tarde e até agora não voltara. Deixei meu
maldito celular desligado, pois estava na biblioteca, e não pude atender quando ela me
ligou.
Inutilmente tentei lembrar de qualquer lugar para o qual Rachel poderia ir. Em
seguida, descartei as possibilidades e me obriguei a lembrar de qualquer amigo seu que
poderia me dar algum tipo de informação, até que finalmente lembrei de alguém.
Alonso com toda a certeza deve saber onde Rachel se enfiou.
— Oi, gato. – rolei ou olhos ao ouvir seu tom manhoso.
Alonso é o melhor amigo de Rachel. O melhor amigo gay de Rachel.
— Alonso, acabei de chegar em casa e não encontrei Rachel. Tem ideia de onde ela
possa estar? – como já me era costume, fui direto ao ponto.
Ouvi alguém bocejar e ele trocar palavras com outro homem. Acenei em negativa e
cerrei os olhos.
Caralho. O que eu acabei de interromper?
— Olha, ela me disse algo sobre uma festa. – ele sussurrou. – Me convidou para ir,
mas eu tinha um encontro.
Assenti enquanto esperava mais informações, mas ele não disse nada além disso.
— Que festa? Onde? Com quem?
— Uma festa que Guilhermo estava preparando, se bem me lembro. Gabriela me
disse que não pôde ir com ela, então suponho que tenha ido sozinha.
— Alonso, Rachel tem quinze anos! Por que não a impediu de ir à uma festa de
universitários? Poderia ao menos ter me avisado, porra!
— Ei, calminha ai, querido. – ele pediu aumentando o volume de sua voz. – O
estraga prazeres aqui é você! Onde estava quando sua maninha decidiu ir àquela festa? Não
sou babá dela, não!
Bufei de raiva e tentei me acalmar.
Talvez a culpa de isso estar acontecendo seja realmente minha.
— Nos falamos depois. – foi o que murmurei antes de encerrar a ligação.
Fui rapidamente para a garagem e peguei meu carro.
Já haviam me convidado para esta maldita festa, mas com a mudança abrupta que
papai preparou para nós, acabei esquecendo. Iremos para Nova Iorque no final da
semana e Rachel se tornou ainda mais rebelde ao saber disso. Ela não queria de nenhuma
maneira, sair de Barcelona.
Eu estava praticamente noivo e não reagi como ela àquela notícia. Sabia que uma
hora ou outra Allison também sairia de casa e quando isso acontecesse, poderíamos
finalmente morar juntos. Agora que estávamos no último semestre da faculdade, portanto
isso poderia acontecer este ano mesmo.
Logo, não havia motivos para preocupação.
Contudo, Rachel ainda sonhava com o dia em que seria namorada do famoso
Playboy espanhol. Guilhermo D’Angelo. Para ela essa viagem acabaria com suas
chances de ser a primeira namorada daquele idiota.
Aparentemente todas as mulheres queriam isso, queriam domá-lo.
Quando finalmente cheguei à maldita festa, a música ensurdecedora me
incomodou. Os jovens que estavam espalhados à frente da casa antiga fumavam, bebiam,
se agarravam e riam alto. Aquilo me preocupou. Rachel era boba. Em um lugar como esse
qualquer um poderia dopá-la e levá-la daqui.
Inferno.
Entrei na casa e imediatamente vi vários colegas da faculdade dançando e se
embebedando. A música estava alta demais e realmente não se ouvia nada além dela.
Tentei, sem muito sucesso, passar por entre as pessoas. Quando eu finalmente a vi, ela
estava entrando em um corredor cheio de quartos.
Então, sem me incomodar em pedir licença para conseguir passar, fui atrás dela.
– Rachel? O que está fazendo aqui? – gritei, por sobre a música alta.
Ela não me ouviu. A vi atravessar a porta do que achei ser um quarto e bufei,
exasperado.
Segui o seu caminho e, sem bater na porta, eu a abri.
– Bryce? – ela gritou, assustada, ao me ver. — Meu Deus, de onde você veio? O
que está fazendo aqui?!
Encarei-a com os olhos semicerrados, prestes a descontar nela as duas horas de
aflição desta noite (o que ela realmente merecia), quando uma figura masculina saiu da
sacada.
— Guilhermo? – murmurei, surpreso.
— Bryce. – ele disse com o mesmo tom de desprezo.
— O que você estava pensando quando trouxe minha irmã para cá? – inquiri e, ao
pegar o braço direito de Rachel com força, eu a puxei para perto de mim.
Ele riu, debochado.
— Não curto sexo com crianças, Bryce. – respondeu. Um sorriso insolente estava em
seus lábios. – Ela veio porque...
— Criança? – Rachel repetiu incrédula, tentou se soltar de meu aperto, mas não
permiti. – Onde aquela vadia está?!
— Sua irmã permanece intocada. – garantiu.
Apertei os olhos em sua direção e acenei em negativa, decidido a ir embora dali.
Quando a porta do banheiro foi aberta, eu, involuntariamente me voltei para ela.
— Allie? – foi a única palavra que consegui articular em meio a estupefação que me
assaltou apenas por vê-la ali.
— Você é que estava tentando tirá-lo de mim! – Rachel gritou antes de conseguir se
soltar, logo avançou para cima de Allison que, também surpresa, não conseguiu nem mesmo
tentar se defender.
Guilhermo e eu precisamos separar as duas.
Franzi o cenho e juntei as sobrancelhas quando, enquanto eu tentava conter minha
irmã, Guilhermo tentou ajudar a minha namorada a levantar e também perguntou se ela
estava bem.
— O que estava acontecendo aqui? – perguntei sem tirar minha atenção de Allison.
Seus olhos verdes brilharam em lágrimas quando ela tentou se aproximar.
— Bryce, não é o que você está pensando!
— Você arrastou o meu homem para um quarto e quer dizer que não aconteceria
nada? – Rachel berrou e tentou se soltar novamente. – Eu vou matar você!
— Cala a boca, Rachel! – mandei.
— Do que estão falando? – Guilhermo questionou, aparentemente tentava
compreender a situação.
— Allie? – pedi novamente uma resposta e ela acenou em negativa quando uma
lágrima rolou por seu rosto.
— Eu não estava... – ela se interrompeu e se afastou de Guilhermo, para prosseguir.
– Não estava acontecendo nada entre nós... Não aconteceria nada entre nós.
Foi minha vez de acenar em negativa, incrédulo.
— Bryce, por favor...
— Allie, o que está acontecendo? – foi Guilhermo a indagar — Por quê você deve
explicações a esse idiota?
Olhei para ele e decidi ignorar seu comentário quando me voltei para Allison e
percebi que ela não usava o anel de noivado.
— Vamos Rachel. – murmurei para ela enquanto a puxava para vir comigo.
— Você me paga, sua vadiazinha!
— Cale a boca, Rachel! – desta vez foi Guilhermo quem mandou.
Eu já não ouvia a maldita música enquanto fazia o percurso de volta para a entrada
da casa. Estava perdido em meio a milhares de pensamentos e lembranças.
Allison me traiu. – percebi.
– Bryce? — ouço a voz doce atrás de mim quando Rachel e eu finalmente
chegamos ao carro.
Virei-me para encará-la.
– Rachel, vá para o carro. — mandei sem menos olhá-la.
– Mas minhas coisas est... – eu a interrompi.
– Vá para o maldito carro. Agora. – ela demorou alguns segundos, mas acabou me
obedecendo.
– Bryce, eu... — gesticulei para que ela pare.
— Você o quê Allison? – inquiri – Você não estava em um quarto com o cara que
mais desprezo? Não estava em uma festa quando achei que estivesse em casa estudando?
Você não teve coragem de dizer a ele que éramos namorados, quase noivos?
– Bryce. Você entendeu errado. Nós somos apenas... – cortei-a antes de dissesse
qualquer outra coisa.
— Por que você está sem o anel de noivado?
Ela engoliu em seco e baixou os olhos para sua mão esquerda.
Mais lágrimas rolaram por seu rosto.
— Eu não pude dizer para ele! – ela tentou se explicar novamente, mas parei de
ouvir e fechei os olhos. Minha cabeça parecia que explodiria a qualquer momento.
Que porra de dor é essa no meu peito?
— Não precisa dizer mais nada. – concluí ainda a encarando, mesmo quando senti
meus olhos arderem. – Não há mais nada que ele precise saber.
O brilho em seus olhos verdes ficou ainda mais evidente quando ela arregalou os
olhos, surpresa.
— Bryce...
Mordi os lábios com força. Cheguei a sentir gosto de sangue, mas não me importei.
Abri a porta do carro e entrei.
Tudo o que eu achei que pudesse um dia acontecer, todos os planos que fizemos para
viver juntos, nada parecia minimamente verdadeiro. Agora parece ser tudo trivial. Era como
se tudo fizesse parte de um passado distante e os planos, parte de uma mentira dolorosa e
sufocante demais pra ser aceita tão rapidamente.
Em uma noite perdi todo um futuro planejado com a única mulher que já amei de
verdade.

ATUALMENTE
ALLISON D’ANGELO
— Há uma secretaria à frente da sala. — A recepcionista concluiu sua explicação.
– Ok. Obrigada. – agradeci antes de seguir suas instruções.
Voltei ao telefone e percebi que Tyler falava com alguém. Decidi não interromper.
Eu liguei ainda pouco para à filial e me disseram que ele viera para a Howell’s com a
arquiteta, sua namorada Megan. Não pensei duas vezes antes de vir aqui, principalmente
quando o tio Theo me ligou para avisar que já haviam dito a Tyler que seu pai sofreu um
infarto.
— Allie? – ele me chamou ao telefone novamente.
— Sim? – respondi quando vi a linha vermelha que a primeira recepcionista me informou.
Segundo a moça, esta linha me levaria ao elevador.
– A que horas o jatinho sairá?
– Titio está apenas esperando você. Já pedi para sua empregada arrumar sua mala. –
explanei. – Estou chegando à sala de reuniões, pode me esperar?
Ele concordou e desliguei quando avistei o elevador. Entrei assim que as postas se abriram
e apertei no botão que me levaria ao sexto andar. Havia tantas pessoas ali que cheguei a me
preocupar com o peso limite que ele aguentaria.
A cada andar que parávamos, ao menos três pessoas saíam, assim rapidamente o número de
pessoas diminuiu.
Decidi pegar meu celular e ligar para Guilhermo para avisar sobre Tyler, que já o havia
encontrado.
— Guilhermo?
— Allie? Desculpe, eu não pude ir à filial. Aconteceu um imprevisto e precisarei
ficar mais algum tempo aqui na Howell’s.
— Tudo bem... Eu já falei com Tyler. Está tudo pronto. Vim pegá-lo e o levarei
diretamente ao aeroporto.
— Como ele está?
— Péssimo. Mas você o conhece, ele nunca demonstraria isso para nós.
— Ele é o que tenta manter as coisas mais suportáveis... Mesmo sendo insuportável.
– Guilhermo completou.
— Isso, mas ficarei com ele até a hora do embarque... – fiz uma pausa sem saber o
que mais precisava dizer. — Eu vou indo. Até mais.
— Até mais.
Desliguei e guardei o celular novamente quando as portas se fecharam após mais
quatro pessoas saírem.
O elevador não saiu do lugar. Meus olhos desviam da bolsa, para o painel a minha
frente. E depois para o único homem que ainda estava aqui.
Surpresa tomou conta de minha expressão.
– O que está fazendo aqui? – perguntou.
Encarei-o em silêncio por mais tempo do que deveria. Não conseguia acreditar que
estava vendo-o novamente. Comprimi os lábios e engoli em seco antes de apertar a bolsa
contra meu corpo.
Ainda é possível ver o desgosto em seus olhos e ouvi-lo em sua voz; a decepção;
tudo, menos arrependimento. Depois de sete anos ele continua com o mesmo olhar. Aquele
que me partiu o coração, mesmo sem motivo. Porque eu não merecia ouvir tudo o que ele
me disse aquela noite. Não merecia sofrer tanto quanto sofri desde que ele veio para Nova
Iorque.
E, mesmo depois de tantos anos, ainda sinto o mesmo quando olho em seus olhos. O
redemoinho de sentimentos. Dentre tantos, amor e mágoa. Ver que ele continua sendo o
homem atraente e sério que fez com que eu me apaixonasse, ainda contribui muito para isso.
– O que está fazendo aqui? — repetiu e somente neste momento lembrei que ele
havia me feito uma pergunta.
– Vim falar com... — Bryce me interrompeu.
– Guilhermo? – completou incrédulo. — Não acredito que continua atrás dele mesmo
depois de tantos anos.
– Eu não lhe devo satisfações. – retruquei — Continua achando o mesmo de anos
atrás, não é?
– Você acha que não deveria?
Mordi a parte interna dos lábios e um nó se formou em minha garganta. O mesmo que
me impediu de lhe contar tudo anos atrás, o mesmo que fez com que lágrimas de dor
rolassem por meu rosto em nossa última conversa – quando nos encontramos naquela festa,
em que fui com Guilhermo.
Logo fúria me preencheu. Muito tempo se passou, eu já não tinha motivos para me
sentir culpada pelo que aconteceu. O culpado era Bryce. Foi ele quem decidiu vir para
Nova Iorque sem me ouvir quando tentei procurá-lo. Foi ele que decidiu esquecer tudo o
que vivemos, tudo o que planejamos.
– Eu não acho mais nada. – afirmei — Você não vai acreditar em mim e eu não vou
mais pedir desculpas. O tempo me fez ver que estou certa, não preciso me desculpar por
nada. Se não quiser acreditar, o problema é seu. – vociferei mais alto do que deveria,
olhando-o em seus olhos. — Eu nunca tive nada com Guilhermo.
Não vou me perder neles como antes, não posso – lembrei-me.
Voltei a mirar o painel e iniciei uma tentativa desesperada de fazer com o elevador
voltar a se mover. O que Bryce fez para continuarmos parados?
– Está fugindo? – Ele perguntou.
Semicerrei os olhos e me voltei para ele.
– Não tenho mais nada para conversar com você. Você não vai mudar de ideia e eu
não vou mais tentar me explicar e muito menos me desculpar. — apertei um botão azul, e,
em seguida, começamos a descer.
Antes que as portas se abrissem, para que eu finalmente conseguisse sair, ele segurou
meu braço, e virei abruptamente para encará-lo.
– Me sol... – Bryce cobriu minha boca com a sua, acabando com qualquer frase que
eu pudesse proferir naquele momento.
Há oito anos não tenho seus lábios nos meus, me beijando com desejo e paixão
avassaladores, como sempre fazia.
Suas mãos soltaram meus pulsos, e, segundos depois, estavam em minhas costas,
passando seus dedos por ela, e, mesmo não os sentindo em minha pele, sendo apenas por
cima do vestido, seu toque ainda era capaz de arrepiar minha pele.
Segurando-me agora com firmeza, ele juntou nossos corpos. Deixei a bolsa cair no
chão e minhas mãos seguiram para seus cabelos, para puxá-los, como eu sempre fazia
quando nos beijávamos desta forma.
Sua língua acariciou a minha em uma dança calma e deliciosa, mas segundos depois
ele afastou seu rosto do meu, acabando com o beijo.
Nos encaramos por alguns segundos em completo e constrangedor silêncio.
Sei que todo o ódio e decepção que ele ainda sente por algo que acha que aconteceu,
não foi suficiente pra acabar com o amor que eu sei que ele um dia sentiu. Mas nada é tão
simples agora, como antes. Sete anos se passaram, mágoa e decepção não são sentimentos
somente dele. Agora eu também os sinto.
Bryce tirou suas mãos de mim, como se meu corpo o estivesse machucando. Olhei-o
por alguns segundos mais e me afastei para pegar a bolsa. Havia pessoas à porta do
elevador assistindo aquela cena. Expirei lentamente antes de sair dali, tentando ignorar os
olhares divididos entre nós.
Isso não deveria ter acontecido, me forcei a lembrar. Eu não queria ter mais um
motivo para achar que esse mal entendido um dia seria desfeito, no entanto, agora possuía
um para ter certeza de que Bryce ainda me amava.
E a dor pela distância entre nós seria ainda maior por isso.
PRÓLOGO
EVANGELINE
Senti-me fraca e, de alguma forma, entorpecida. Meu corpo não atendeu aos meus
comandos e eu tinha certeza de que uma hora isso me levaria à loucura.
Escuridão preencheu minha mente e manteve adormecido qualquer pensamento ou
possibilidade de eu me obrigar a acordar daquele estado de letargia. Eu não sei o que está
acontecendo comigo.
O cheiro forte de algo penetrou em minhas narinas e senti meus olhos queimarem
automaticamente, o campo nebuloso em que me encontro passou a finalmente mostrar
sombras e denunciar ruídos. Ouvi uma voz me chamar e o toque frio de algo em meu corpo,
como uma caricia; suave e tentadoramente perigosa.
De repente, meu corpo é puxado com força por algo que sequer vejo, não sinto nem
mesmo o toque, sendo apenas a caricia fria. Quando comecei a desconfiar ser o vento, fui
lançada de volta à realidade.
Acordei com a respiração ofegante e uma dor angustiante no peito. Meu sangue
percorreu meu corpo em uma velocidade que só era possível graças às batidas
insuportavelmente rápidas de meu coração.
— Que bom que acordou, querida. — A voz grossa tentou ridiculamente soar doce,
mas tudo o que me causou foram arrepios de medo.
Empurrei Steve com força e tentei sair daquela cama, o que foi em vão. Eu estava
algemada a ela. Tentei desvencilhar-me de seu abraço e um gemido de dor e frustração me
inundou quando a algema em meu pulso me impediu. O homem facilmente me puxou para
perto de si e, sem qualquer dificuldade, se colocou sobre mim.
— Me solte, Steve — pedi. Mesmo odiando o fato de minha voz ter soado frágil e
embargada, eu não me importei. Talvez isso o fizesse ceder de alguma forma.
Ele ignorou meu pedido e trouxe uma de suas mãos para acariciar meu rosto. Senti
repulsa e nojo antes mesmo do primeiro toque.
— Não me diga que depois de sete anos não sente saudades!
Minha garganta se apertou quando senti o peso de seu corpo sobre o meu, e aquilo
me trouxe lembranças terrivelmente vívidas. Qualquer resposta que eu pudesse ter lhe dado
não pôde ser proferida. “Me solte”, meus lábios se moveram novamente. Ele comprimiu os
lábios e tentou trazê-los para os meus, mas virei o rosto.
— Por favor, querida — ele pediu, usando uma de suas mãos para segurar a minha,
que tentava afastá-lo.
Lágrimas finas rolaram por meu rosto quando um de seus joelhos começou a separar
minhas pernas. Meu corpo estremeceu inteiramente quando ele se aproveitou de minha
posição para beijar meu pescoço.
— Por que você não responde mais aos meus toques? — sussurrou.
Desliguei-me do que quer que ele pudesse estar fazendo ou falando e minha mente
vagou até o Mardi Gras de sete anos atrás. Senti o suor de horas de festa grudar minha blusa
em meu corpo e ouvi as gargalhadas de meus colegas de faculdade. Meu coração me
repreendia por estar me divertindo tanto quando fazia apenas um mês desde o meu
rompimento com Steve, mas minha razão me dizia que eu estava certa. Jamais poderia levar
aquilo adiante tendo certeza do que ele queria.
Um flash fez com que as cenas mudassem.
Eu estava na fila para um dos banheiros improvisados, havia mais três garotas
comigo. O grito de uma delas, seguido por um baque, nos assustou. Segundos depois, eu
estava sendo subjugada por dois homens encapuzados, que me arrastaram para dentro de
uma van. Pude sentir o medo me dominar como se eu estivesse vivendo tudo aquilo agora
mesmo.
Minha mão foi liberta da algema e saí do transe em que havia me instalado. Steve já
não estava sobre mim, não estava me tocando, não estava me pedindo para explicar os
motivos de eu não responder a ele e aos seus toques.
Acariciei meu pulso sem tirar meus olhos dele. Vi sua expressão se converter de
tantas formas e tantos sentimentos brilharem em seus olhos negros, que a remota chance de
ele estar fingindo foi descartada por mim.
Seu celular tocou e isso fez com que ele quebrasse nosso contato visual e se
levantasse para atender fora do quarto.
Sentei-me sobre a cama e fechei os olhos por um segundo, ao perceber que ele
trancava a porta pelo lado de fora. Eu precisava de forças, de qualquer coisa que me
ajudasse a me fazer parecer tão firme e implacável quanto me tornei desde que vim para
Nova Iorque. Respirei fundo algumas vezes e me concentrei em pensar em uma forma de
sair dali.
Minutos se passaram e o silêncio no quarto me ajudou a me recuperar parcialmente
do que aconteceu desde que ele me ligou hoje à tarde, dizendo que estava com Natalie.
Suspirei fortemente e encarei o criado mudo à procura de algo que me ajudasse a
sair dali. Steve havia tirado o telefone do quarto.
Há quanto tempo estou aqui? — perguntei-me. A dúvida me fez levantar em um
sobressalto e andar rapidamente até a janela.
Era noite, eu só não sabia dizer se do mesmo dia ou de outro.
Reconheci os prédios ao redor do que estávamos. Eram próximos à Quinta Avenida.
Minha casa e a Howell’s ficavam a quilômetros daqui.
A porta do quarto foi aberta novamente e me voltei para o homem que entrava. Um
tipo de raiva me invadiu e precisei cerrar os punhos para controlar aquele sentimento.
O tempo não mudou nada nele. Steve continuava com o mesmo rosto amigável e o
corpo invejável de um zagueiro do time de football da universidade. Ele é quase tão alto
quando Guilhermo, mas seus olhos são negros, sua pele é alva e seu sorriso é cínico. Os
cabelos pretos sempre cortados rentes à cabeça pareciam os mesmos e sua preferência por
roupas pretas também.
Engoli em seco ao imaginar como Guilhermo estaria agora. Será que já percebeu que
eu sumi?
— Eu jamais seria capaz de tocar em você contra a sua vontade — murmurou após
se sentar em um divã no canto do enorme quarto de hotel. — Preciso que me diga o que está
acontecendo — continuou. — Não vejo mais a Evangeline por quem me apaixonei há tanto
tempo e que, mesmo depois de tudo, continuo a amar.
Acenei em negativa.
— Eu não amo mais você — murmurei — Nós terminamos tudo há mais de sete anos.
Steve levantou abruptamente e se aproximou de mim com uma velocidade
assustadora. Não me permiti demonstrar meu espanto.
— Você tentou colocar um fim, mas eu nunca disse que concordava! — A fúria
repentina em seus olhos me fez recuar um passo, mas ele agarrou meus pulsos e me trouxe
para si. — Eu esperei malditos sete anos para ter você e não vou desistir agora porque você
acha que não me ama.
Tentei me afastar, mas ele não permitiu.
Sua pele alva deixava claro que o motivo de seu rosto estar vermelho agora era a
raiva.
— Me solte! — mandei. Agora com uma força e necessidade de liberdade que me
fez sustentar seu olhar com tanto ódio quanto o que ele exalava.
— Lhe darei um tempo para pensar — avisou — E se lembrar de que é minha.
Minha cabeça pendeu para trás quando revirei os olhos. Ri de forma debochada de
suas palavras, mas quando voltei a encará-lo, era ódio a brilhar em meus olhos, eu tinha
certeza.
— Eu nunca fui sua — lembrei-o — Não preciso de tempo para lhe dizer isso.
O aperto em meus pulsos aumentou e ele me lançou contra a parede do criado mudo,
fazendo com que eu me machucasse no caminho.
— É minha. E se não se entregar por livre e espontânea vontade, não será de mais
ninguém.
— Você está louco.
— Você já foi melhor nos elogios — debochou antes de me arrastar para sair
daquele quarto.
— Para onde está me levando?
Adrenalina e medo me dominaram quando ele pegou o celular.
— Se gritar ou pedir socorro, será pior — avisou.
UM
GUILHERMO
— Quero um relatório das imagens das câmeras de hoje e da segunda-feira da
semana passada, além de uma cópia das duas — avisei, muito mais enfurecido após assistir
o momento em que o maldito Steve levou Evangeline. — Se eu não encontrá-la antes da
meia-noite de hoje, podem se considerar demitidos.
— Guilhermo, ela está bem, ok? — David repetiu ao telefone. — Não precisa
descontar neles se ela quem decidiu descer sozinha para falar com Steve!
Semicerrei os olhos para os homens que estavam na sala de segurança da Howell’s e
saí dali rapidamente.
— Esses filhos da puta são contratados para proteger o prédio de situações como
essa, não me interessa se ela foi ou não sozinha para lá.
— Recebi seu e-mail — ele disse, se referindo ao e-mail com os prints das placas
dos carros que trouxeram Steve à Howell’s, que ele me pediu para lhe enviar. — Vou
descobrir o endereço e lhe envio uma mensagem.
— Ok — concordei ao entrar em um dos banheiros do térreo.
Expirei fortemente e tentei me controlar, mas isso só começou a funcionar quando
extravasei um pouco daquela raiva socando a droga de uma parede.
David me garantiu que Steve nunca machucaria Evangeline, independente do motivo
de ter voltado.
Ela está bem. Aquele filho da puta não fará nada com ela. Não será capaz. E se for,
eu o matarei da forma mais dolorosa possível.
Fechei os olhos por um momento e tentei ignorar o maldito nó em meu peito. Nem
sabia que infernos era aquilo, mas estava me incomodando. Principalmente por eu pensar
ser algo como um pressentimento ruim.
— Porra. Ela tem que estar bem — murmurei para mim mesmo como uma tentativa
idiota de me convencer daquilo.
Meu celular vibrou com uma nova mensagem. Era um endereço da empresa que
alugou os carros, David citava que estava no nome de outro homem e não no nome de Steve.
Fui rapidamente para a sala de controle e peguei o relatório e o DVD com os vídeos
das câmeras.
Enquanto dirigia até o endereço que David havia me repassado, eu liguei para ele
novamente.
— David?
— David está dirigindo, aqui é Daniel.
Franzi o cenho tentando lembrar quem diabos era Daniel.
— Aqui é Guilhermo — avisei.
Ouvi-o dizer meu nome a David e segundos depois percebi que havia colocado no
viva-voz.
— Estou chegando ao endereço — ele disse — Precisarei dizer que sou um detetive
da polícia. É melhor que você espere do lado de fora. Depois que eu possuir um endereço,
poderemos seguir para lá.
Concordei com um suspiro de resignação. Eu ainda uso muito o GPS do carro para
me locomover em Nova Iorque, então terei de fazer o que ele disse.
— Quem é Guilhermo?
Após isso, finalmente lembrei; Daniel é o irmão de Evangeline. O irmão super
protetor e ciumento de Evangeline.
— Sou o namorado da sua irmã — respondi interrompendo a resposta que David lhe
dava.
Houve um momento de silêncio. Parei o carro por causa de um sinal vermelho e
aproveitei para verificar o GPS novamente.
— Namorado? — ele repetiu, aparentemente incrédulo — Desde quando? E por que
fui o último a saber disso?!
David e eu bufamos ao mesmo tempo.
— Eu também não sabia — ele disse — Mas desconfiava. Toda a sua família
desconfiava, Daniel. Você foi o único a fechar os olhos para isso.
Sorri. Toda a família dela desconfiava?
— Por que ela está com ele? Ele sabe sobre… — David o interrompeu.
— Se sabe ou não, é um problema dele e de Evangeline.
Juntei as sobrancelhas sem entender.
— Tem ideia do motivo de Steve tê-la sequestrado? — questionei.
— Se minhas suspeitas iniciais estiverem corretas, ele está querendo convencê-la a
tirar as acusações contra John.
— Steve e aquele filho da puta são coniventes?! — inquiri exasperado.
— São apenas suspeitas, Guilhermo.
— Evangeline contou tudo para ele?! — Daniel interveio novamente.
Rolei os olhos.
— É mais fácil você começar a especificar o que é “tudo”, talvez assim eu saiba te
informar se ela me contou ou não — retruquei de forma irônica.
O silêncio voltou a reinar. Minutos depois, David avisou que eles já estavam na
locadora e eu informei que estava chegando antes de desligarmos.
Andei até o carro de David quando o vi sair da locadora. Era pouco mais de seis da
noite e o céu estava escuro o suficiente para que as luzes e outdoors da cidade estivessem
ligados. O frio estava cortante.
Quando Evangeline me disse que Daniel era seu irmão mais novo, eu passei a
imaginar um adolescente marrento e ciumento. Estava enganado. Daniel é tão alto quanto eu,
mas tem a pele alva como a de Evangeline e os cabelos também castanho-escuros, contudo,
seus olhos são castanhos. Ele me encarou com os olhos apertados enquanto fechava a porta
do carro de David.
— E então? — perguntei a David.
— Temos dois endereços e dois nomes aparentemente falsos. — ele abriu uma folha
de papel sobre o capô do carro. — O primeiro é Andrew Kennedy, que alugou o carro na
semana passada e ainda está com ele. Este é o endereço do filho da puta. — Apontou para a
parte de cima da folha, que continha um endereço — O segundo é Harold Jones, que alugou
o carro que levou Evangeline hoje.
— Vamos nos dividir para ganhar tempo — Daniel sugeriu e concordei com um
aceno.
— Vou atrás do tal Harold Jones — avisei estendendo a mão para que ele me desse
o segundo endereço.
Percebi David comprimir os lábios enquanto decidia e esperei pacientemente até
que ele cedesse e me entregasse o endereço.
— Nos comunicamos por telefone — concluí antes de sair.
— Por que infernos Evangeline decidiu ter um relacionamento com ele? — ouvi
Daniel questionar para David enquanto eu atravessava a rua.
Rolei os olhos e sem me importar de me virar para encará-lo, respondi:
— Essa é uma resposta que somente ela pode lhe dar.

***
À medida que eu me aproximava do hotel do tal Harold, a porra do aperto no meu
peito aumentava. Eu não queria admitir para mim mesmo, mas estava realmente temendo
descobrir que Steve levou Evangeline para longe o suficiente de todos nós. E pior, temia
que o filho da puta também a tivesse machucado de alguma forma.
— Procuro por Steve Cosgrove e Harold Jones — foi o que eu disse à recepcionista
do hotel após cumprimenta-la.
A loira atrás do balcão engoliu em seco e piscou algumas vezes, como que para se
convencer de que eu estava realmente aqui. Arqueei uma sobrancelha e suspirei lentamente.
— … S-steve Cosgrove? — ela repetiu com aparente dificuldade.
Assenti e sorri descaradamente para ela.
— Ele é um velho amigo — menti quando percebi que sua atenção estava em minha
boca.
Ela concordou com um aceno e se voltou para o computador.
— Você é David Wherlock, certo?
Franzi o cenho, mas concordei:
— Sim.
Sem voltar a me fitar, ela se virou de costas e pegou um envelope em um painel.
— Ele saiu há pouco mais de duas horas e pediu que eu lhe entregasse isso.
Peguei o envelope branco, parecia uma carta.
— Ele fechou a conta no hotel?
— Sim.
Mordi os lábios com força e encarei o envelope em minhas mãos.
— Obrigado — agradeci antes de sair a passos largos.
Adentrei o meu carro enquanto abria a carta de Steve e a li em seguida:

“Descobri que você está atrás de John. Espero que o encontre antes de mim,
porque se eu encontrar aquele filho da puta, ele será eliminado sem que eu pense duas
vezes.
Não seja tolo a ponto de pensar que conseguirá qualquer prova sobre meu
envolvimento com aquele bastardo, pois não conseguirá.
Eu deixei claro que voltaria à vida de Evangeline. É bom que saiba que, desta vez,
não o deixarei sair vivo se tentar me separar dela novamente.
Ela é minha. Sempre foi e sempre será.”
— A porra do inferno que ela é. — bufei de raiva e resisti à vontade de amassar
aquela droga de carta.
“Vou levá-la de volta para casa às oito, mas a manterei em meu radar vinte e quatro
horas por dia.”
— Filho da puta! — xinguei-o após socar o volante do carro. A fúria que me
dominava naquele momento seria capaz de me levar a matá-lo, eu tinha certeza. E eu sequer
sabia o que o bastardo fez a Evangeline no passado.
Amassei a carta e a joguei para o banco de trás. Liguei o carro novamente e liguei
para David.
— Ele vai levar Evangeline para a casa dela — avisei sem me preocupar em
descobrir se fora David ou Daniel a atender o telefone. — O filho da puta deixou uma carta
na recepção do hotel. Saiu com Evangeline há mais de duas horas e já fechou a conta.
— Iremos para a casa dela — Daniel murmurou, pude sentir a frieza em seu tom.
Sabia que era dedicada a Steve e senti um tipo de cumplicidade nascer pelo irmão da minha
namorada. Ao menos ele também odiava o tal Steve.
— Estou chegando lá, mas não tenho as chaves.
— Ao menos isso — ouvi Daniel murmurar de mau humor.
— Há uma chave reserva embaixo do quinto vaso à esquerda da entrada dos fundos
da casa. Com ela você consegue abrir o portão. Há outra chave sob o tapete à frente da
porta da cozinha, e com esta você consegue abrir a porta… — David explicou rapidamente
e ouvi a porta de um carro ser fechada. — Chegaremos à casa de Evangeline em no máximo
uma hora.
— Ok. — Desliguei.
Segui todas as indicações de David e, quando finalmente adentrei a cozinha da casa
de Evangeline, ouvi uma porta ser fechada na sala e andei rapidamente até ela.
— Evangeline. — Seu nome em meus lábios soou mais que um sussurro de alívio. A
sensação de vê-la atenuou todo o peso sobre meus ombros e a maldita preocupação que me
enlouquecia mais a cada minuto que se passava e eu não tinha notícias dela.
Aproximei-me rapidamente e, à medida que a distância entre nós diminuía, eu pude
perceber os detalhes que confirmavam que ela não estava bem. Os olhos inchados e
vermelhos, a expressão abatida, cansada.
— Guilhermo, o que… — Ela se interrompeu quando a abracei.
Nenhum de nós disse nada por um momento que pareceu durar horas. Eu a apertei
em meus braços com mais força quando me lembrei do instante em que percebi que Steve a
havia levado. Evangeline se aninhou em meus braços e retribuiu o abraço como se
realmente precisa-se daquilo. Beijei o topo de sua cabeça e, em seguida, sussurrei em seu
ouvido:
— Você está bem?
Seus dedos se agarraram ao meu blazer com força e somente após isso eu percebi a
umidade de lágrimas em minha camisa. E a necessidade de protegê-la, de privá-la de
qualquer dor, aumentou apenas por isso.
Acariciei seus cabelos suavemente por todos os minutos que ela precisou para se
recuperar, quando percebi que tentaria se afastar, eu a mantive próxima a mim.
— O que ele fez?
— Nada.
Cerrei os olhos e agradeci mentalmente por isso.
— Você está melhor?
— Agora sim.
Evangeline se afastou ligeiramente e virou de costas para mim enquanto limpava o
rosto. Encarei-a em silêncio, em uma tentativa de lhe dar tempo para se recuperar, mas
quando ela cruzou os braços e fitou a paisagem através da janela da sala, eu decidi me
aproximar. Não permitiria que ela se perdesse em pensamentos sobre aquele bastardo ou
sobre o que quer que ele tenha feito.
— Pode me contar o que aconteceu? — perguntei da forma mais suave que pude.
Ela permaneceu em silêncio.
Acariciei seus cabelos, que estavam soltos, e os prendi em um coque, mesmo que de
forma desajeitada. Várias mechas ficaram soltas.
— Estarei ao seu lado independente de qualquer coisa. Você não precisa guardar
tudo para si mesma — sussurrei próximo ao seu ouvido — Confie em mim.
Ela baixou os braços e expirou lentamente. Após um instante, virou-se para mim.
— Se importa tanto com isso?
Franzi o cenho e tentei entender sua pergunta. Ela parecia cautelosa e um tanto
apreensiva.
— É sobre você, Evangeline. É claro que me importo.
Ela cerrou os olhos por um momento e comprimiu os lábios. Eu sabia que estava
tentando organizar algo em sua mente, ou até mesmo discutindo consigo mesma sobre me
contar ou não.
Quando abriu os olhos, eu não fui capaz de entender o que eles refletiam, e sua
próxima atitude me deixou ainda mais confuso. Ela me beijou, e com este único contato eu
soube que ela queria algo que a distraísse do que quer que estivesse se passando em sua
mente.
— O que esse Steve é para você? — questionei ao acabar com o beijo e encostar
minha testa à sua.
Evangeline pareceu hesitante após registrar minhas palavras, mas em um lapso,
respondeu:
— Ele era. No passado. Steve e eu éramos namorados.
— O quê? — incredulidade me preencheu.
— Fomos namorados há mais de sete anos. Ficamos juntos por quase um ano.
— Por que você o odeia tanto? — Inspirei profundamente ainda surpreso.
— Steve só queria as empresas da família… — Um sorriso triste surgiu em seus
lábios. — Eu era tão idiota. Ele me queria presa a ele de qualquer forma, e eu estava tão
deslumbrada e apaixonada que quase aceitei um pedido de casamento. David que abriu
meus olhos sobre os reais motivos de Steve querer um casamento tão rápido.
— Por que ele te sequestrou? — inquiri.
Ela acenou em negativa.
— Ele está louco. Acha que ainda temos algo… Que eu sou… — Interrompeu-se ao
me fitar. — Guilhermo, se ele souber sobre você… Que estamos juntos, ele pode…
— O quê? Tentar nos separar? Tentar me tirar do caminho?
Evangeline expirou lentamente e desviou os olhos dos meus.
— Ele logo descobrirá que é inútil — prossegui. — Não vai conseguir nos separar.
Seus olhos me avaliaram por segundos incontáveis. Sustentei o silêncio que ela
instalou e tentei entender o que estava por trás daquele olhar. Sem sucesso.

***
Daniel e David chegaram meia-hora depois. Conversamos com Evangeline sobre
deixar os dois seguranças com ela, que no começo não quis aceitar, mas nós a convencemos
dizendo que eles seriam praticamente invisíveis aos olhos dos outros.
— Então estamos resolvidos. Acho que eles começam amanhã mesmo — David
concluiu, aparentava estar realmente mais tranquilo quanto a isso.
— Tudo bem — ela anuiu.
David e Daniel levantaram e Evangeline e eu fizemos o mesmo.
— Se você quiser eu fico, Evy. — Foi a vez de Daniel. — Não quero deixar você
sozinha hoje.
— Não precisa. Eu sei que você veio a Nova Iorque a trabalho e está ocupado.
Além do mais, Guilhermo vai ficar aqui comigo, não é? — perguntou para mim.
— Claro — disse.
— Podem ficar tranquilos.
Daniel me encara com a sobrancelha esquerda arqueada e responde:
— Ok.
Quase sorri ao ouvir seu tom de falsa resignação. Ele realmente não gostou de mim.
Eles se despedem e troco um aceno de cabeça e um agradecimento com David,
Daniel já havia saído.
Evangeline suspirou audivelmente ao fechar a porta e se voltou para mim, em
seguida, disse:
— Vamos?
Assenti e a segui até as escadas.
Ela nos levou ao seu quarto.

No dia seguinte
EVANGELINE
Não acreditei que tivesse dormido tão bem até que percebi que a parede de
músculos que me envolvia era Guilhermo. Parecia tão natural para ele dormir daquela
forma comigo que eu me surpreendia. Mas agradecia deliberadamente por tê-lo comigo
nesta noite, por ter seu conforto e, por que não dizer, sua proteção.
Movi-me lentamente sobre seu peito, para conseguir deitar de forma que pudesse ver
seu rosto, seus braços continuaram a me envolver mesmo após isso.
Uma pontada aguda de dor em meu peito me lembrou do que aconteceu ontem… Do
que Steve disse, para ser mais exata. Quando percebi que ele ainda não sabe sobre
Guilhermo e que quando souber pode tentar fazer algo contra ele, uma sensação de
impotência me inundou. Eu não queria, de nenhuma maneira, que Steve tentasse fazer algo
contra Guilhermo… E o que eu poderia fazer para impedir isso? Já deixei claro que não
quero mais nada com Steve, mas ele está… Louco… Definitivamente.
O toque baixo de um celular me fez fechar os olhos lentamente.
Pare, pare, pare — pedi silenciosamente. Não queria que Guilhermo acordasse.
Ainda não era nem seis da manhã.
Ele acordou um momento depois. Suspirei devagar e deitei minha cabeça sobre o
travesseiro novamente, mas me mantive à sua frente.
— Bom dia — murmurei.
Guilhermo fechou os olhos por um momento e levou as mãos ao rosto antes de
suspirar.
— Bom dia.
O celular parou de tocar. Guilhermo se livrou dos lençóis que nos cobriam e sorri
quando acariciou suavemente a pele suave de minha perna e levantou um pouco da camisola
preta que eu vestia.
— Está bem? — questionou, e eu apenas assenti.
O toque irritante voltou a soar no quarto. Guilhermo beijou meus lábios docemente e
levantou para atender o maldito telefone.
Criei coragem suficiente para levantar, mesmo que ainda fosse tão cedo, e vesti um
robe.
— Como ele está? — A preocupação e apreensão na voz de Guilhermo fez com que
eu me voltasse para ele. — Tyler já chegou?
Arqueei uma sobrancelha. Já começava a me preocupar também.
Ele pegou a calça que usava na noite anterior e a vestiu rapidamente enquanto ouvia
alguém explicar algo ao telefone.
— Ela também vai?… Tudo bem, vou preparar tudo e pegá-la em algumas horas…
Ok. — Ele fez uma nova pausa. — Como Marilia está?
Franzi o cenho quando o vi desligar.
— O que houve?
Ele pegou sua camisa do cabide e me aproximei para ajudá-lo a fechar os botões.
— O pai de Tyler está muito mal no hospital. Ontem teve um infarto.
Meus lábios se entreabriram em formato de “o”.
— Precisarei ir à Itália mais tarde e Megan pediu para ir também.
Acenei em negativa ao pensar em Tyler.
— É melhor que ela esteja ao lado de Tyler — concordei.
Guilhermo pegou seu blazer e o vestiu rapidamente.
— Vou me encontrar com David às nove, para conhecer seus seguranças — ele
avisou ao pegar sua carteira. — Quero que fique em segurança enquanto eu não estiver aqui.
Ficarei mais tranquilo assim.
Fiquei em silêncio, sem na verdade saber como responder àquela revelação.
— Vou ficar sempre no celular, ok? — anuí com um maneio de cabeça quando ele
segurou meu rosto em sua mão e me beijou suavemente. — Pode me ligar a qualquer hora.
Sorri.
— Ficarei bem, Guilhermo.
— É sério. — ele disse em tom ainda mais sério. — Eu mataria aquele filho da puta
se ele tivesse feito algo com você.
Ele me abraçou e senti-me ridiculamente pequena e frágil em seus braços, mas
aproveitei cada segundo em que ele estava ali.
— Nada acontecerá — assegurei. — Se preocupe apenas com sua família agora.
Eles precisam de você mais do que eu neste momento.
DOIS
EVANGELINE
Durante o café da manhã, senti os olhares de Angeline e Nany sobre mim. As duas
trocavam sorrisos cúmplices e eu tentava ignorar aquilo. Revirei os olhos ao lembrar o
motivo.
Ontem, quando um dos seguranças de Steve me trouxe para casa e encontrei
Guilhermo aqui, Nany, Angie e Natalie estavam no shopping e, quando chegaram e
perceberam que eu não desci para o jantar, Angie foi ao meu quarto. Eu estava saindo do
banho com Guilhermo quando ela entrou e o viu apenas de toalha.
— Sim. Ele dormiu aqui — respondi as perguntas silenciosas das duas.
Angie bateu palmas alegremente e se levantou de sua cadeira para se sentar ao meu
lado.
— Eu queria tê-lo visto ao ir embora! Por que ele saiu tão cedo?!
Voltei-me para Nany e a encontrei rindo da curiosidade de Angie.
— Ele precisou resolver uns assuntos de família — esclareci ao me levantar.
Após olhar em meu relógio, percebi que já se passava de nove da manhã. Natalie
estava na escola e eu extremamente atrasada para o trabalho.
— Por que não nos contou sobre ele?! — ela perguntou enquanto eu tomava o resto
de suco de meu copo. — Eu devia ter acreditado em mamãe quando ela falou de um tal
italiano!
Sorri ao me lembrar de mamãe.
O telefone da cozinha tocou e Nany o atendeu enquanto Angie fazia mais perguntas.
— Estamos juntos há menos de uma semana — expliquei. — Na verdade, ele me
propôs o namoro no sábado. Desculpe! Eu pretendia contar a todos ao mesmo tempo! Megan
também não sabe.
Franzi o cenho, sem entender quando ela me abraçou.
— É bom ver você tentar novamente, Evy! — murmurou. — Pedi muito a Deus que
fizesse você abrir seu coração a alguém.
Mordi o canto dos lábios ao ouvir aquilo. Eu não sabia se essa era a expressão certa
para a chance que decidi dar a mim e a Guilhermo ao iniciar esse relacionamento. Abrir o
coração?
— Evy, David está lá fora — Nany me avisou após desligar o telefone.
Hoje eu finalmente conheceria os seguranças.
Desvencilhei-me de Angie e peguei minhas coisas antes de sair de casa.
Cumprimentei Sam ao chegar à garagem, mas me surpreendi quando não vi meu carro.
— O Sr. Wherlock o levou para a entrada — explicou ao notar minha expressão.
Anuí ao sair
— Bom dia — cumprimentei David e os três homens com quem ele conversava.
Arqueei uma sobrancelha quando ele se voltou para mim.
Eu lhe fazia uma pergunta silenciosa e ele percebeu, tanto que se aproximou
rapidamente.
— Bom dia, Evy.
— Bom dia — murmurei após beijar-lhe o rosto. — Três? — questionei ao indicar
os seguranças. — Combinamos que seriam apenas dois e eu não os veria em meu encalço.
Ele sorriu complacente.
— São apenas dois seguranças e você não perceberá nenhum deles em seu encalço
— anuiu. — Nathan? — David chamou um dos homens e segundos depois os três se
aproximavam de onde estávamos.
Tentei sorrir de forma amigável para os homens, mas eles continuaram com as
expressões sérias e responderam ao meu cumprimento com um maneio de cabeça
simultâneo.
— Evangeline, Nathan é um ex-agente da SWAT e sócio de uma empresa de
segurança. — Apertei a mão direita do homem negro e extremamente alto à minha frente. O
verde jade de seus olhos me impressionou muitíssimo. Eu lhe daria no máximo quarenta
anos de idade. Era um homem muito atraente. — Ele aceitou meu pedido de protegê-la e
mandou dois de seus melhores seguranças para fazer isso.
Protegê-la.
Resisti à vontade de revirar os olhos ao ouvir aquela palavra. Sentia como se eles
estivessem falando de uma donzela em perigo. Era ridículo.
— Ele fará uma inspeção na casa e instalará um novo sistema de segurança.
Apertei os olhos para David e o fuzilei com o olhar. Isso não fora combinado ontem.
— Scott e Logan serão seus seguranças, a partir de hoje — o homem loiro
prosseguiu. — Guilhermo e eu decidimos que será mais seguro se você utilizar um carro
blindado, e ele cuidou disso hoje mesmo. Na semana que vem seu novo carro estará aqui.
Meus lábios se entreabriram para retrucar, mas ele me interrompeu antes mesmo que
qualquer som fosse proferido por mim.
— Nathan trouxe um carro já blindado para que Scott, seu novo motorista, possa
trafegar com você durante os percursos pela cidade. Isso somente até o seu carro chegar.
— Um motorista?! — inquiri de forma irônica. — Não preciso de um motorista,
David. Dirijo muito bem há mais de sete anos.
— Logan os seguirá em outro carro — continuou, como se eu jamais tivesse dito
algo.
Engoli em seco ao olhar para os dois homens e expirei profundamente tentando me
acalmar.
Teríamos que conversar sobre isso! Mas não na frente destes homens.
— Preciso falar com você — David murmurou. — Podemos almoçar no Maison’s
Restaurant?
Assenti antes de seguir para o Mitsubishi preto que estava atrás do meu carro.
Eu não deixaria que David começasse com sua diligência em relação à minha
segurança. Nem mesmo agora que Daniel e Guilhermo estavam do seu lado.
***
Senti-me escoltada por dois brutamontes quando cheguei ao Maison’s Restaurant.
Avistei David e o fulminei com o olhar, mesmo ao ver seu sorriso. Sabia que ele queria me
enfurecer ainda mais, mas, naquele momento, não me importei com o fato de ele estar
conseguindo.
— Boa tarde, Evy. — Semicerrei os olhos para ele quando se levantou e puxou uma
cadeira para que eu sentasse.
— Você vai demiti-los hoje mesmo — afirmei de forma incisiva. — Não vou
continuar com dois homens às minhas costas, não preciso de um maldito motorista e toda
essa situação é ridícula!
Ele me fitou em silêncio. Pegou sua taça de vinho e sorveu um pouco da bebida
escura.
Bufei.
— Eu estou falando sério.
David suspirou, cansado.
Servi um pouco do vinho para mim mesma e esperei suas próximas palavras.
— Não vou demitir nenhum deles. Terá que se acostumar com os dois.
— Você não…
— A decisão será sua, prefere aceitar os seguranças ou ver Daniel contando aos
seus pais sobre a carta anônima que recebeu?
— Não me ameace — alertei-o. — Sabe que não vou ceder a nenhuma maldita
ameaça!
— Não estou te ameaçando, Evangeline! — Ele estava tão enfurecido quanto eu. —
Daniel está! Ele, tanto quanto Guilhermo e eu, quer sua segurança. Se essa é a única forma
de fazer você concordar com isso, eu não me oponho… Você foi inconsequente até agora.
Achou que John não faria nada, que aqueles filhos da puta não voltariam! E está tentando
enganar a si mesma, porque eles estão voltando e tudo será muito pior se você continuar a
agir como se fosse inalcançável!
Aquilo me deixou em silêncio.
Expirei lentamente e o mirei atentamente. Segundos depois, decidi me pronunciar:
— Não sou uma garotinha que precisa ser protegida, David! Não sou tão frágil
quanto estão me fazendo parecer. Se esses malditos querem acabar comigo por eu ter visto
coisas demais, colocar dois brutamontes às minhas costas para me defender só lhes dará
certeza de que temo pela minha vida… E que eles devem temer pelo que eu sei.
Ele ficou em silêncio.
— Você não percebe que há algo fora do lugar? — questionou, como se fosse óbvio.
— Evangeline, por que eles voltariam sete anos depois daquele Mardi Gras? Por que
demorariam tanto para tentar silenciar alguém? Se tivessem medo de que você os
denunciasse pelo pouco que você viu, eles teriam te matado naquele hospital!
Mordi a parte interna da bochecha e me recostei à cadeira. Suspirei enquanto
ponderava suas palavras.
Sua linha de raciocínio era tão óbvia que eu me repreendia por não perceber tudo
isso antes.
David estava certo. Se eles acharam que não tinham motivos suficientes para me
matar antes, por que teriam agora? Sete anos depois?
— Tem algum palpite? — inquiri voltando minha atenção a ele.
Ele acenou em negativa. Parecia decepcionado consigo mesmo.
— Nathan descobriu que Steve não veio de Nova Orleans — ele disse, pensativo.
— Veio para Nova Iorque de um voo internacional, da América do Sul.
Franzi o cenho sem entender.
— Acha que Steve tem algo a ver com aquilo? — Fiz uma pausa. — Quando
chegamos às comemorações do Mardi Gras, naquele ano, Steve estava há um mês longe de
Nova Orleans. E mesmo depois de tudo, ele não voltou.
Ele acenou em negativa.
— Não vejo como, mas o fato de ele aparecer justamente após enviarem aquela
carta a Daniel e depois daqueles bilhetes… Não consigo ignorar essa aparição repentina.
— Mas sabemos que os bilhetes vieram de John. A carta de Daniel certamente viera
dele também.
— Mas a carta foi recebida antes de fazermos a denúncia contra John. Ele não tinha
motivos para infernizar Daniel com aquilo — lembrou.
O garçom se aproximou, mas David fez um sinal para avisar que ainda não tínhamos
decidido o que pedir. Eu, na verdade, já não estava com fome.
— Se não foi John a enviá-la, alguém mais sabe sobre aquele Mardi Gras —
concluí.
Ele bufou.
— Estamos deixando alguma informação escapar — ele murmurou. — O delegado
Bruce Hunter me informou na semana passada que o exame de DNA confirmou que os
resquícios de pele nas unhas de Claire eram de John. Por que ele a matou?
— E Claire? — questionei após sua menção ao nome dela. — Ela estava com John
naquilo! Ficou todos esses anos ao meu lado apenas para me vigiar! Se ela estava com John
nisso, provavelmente sabia sobre o Mardi Gras. Pode ter enviado a carta a Daniel.
David pensou por um momento. Parei por alguns segundos e tentei organizar alguma
opinião de forma coerente.
— As perguntas agora são: por que ela estava te vigiando? E a mando de quem?
— Steve está louco, mas não acredito que ele me machucaria — admiti. — John foi
à minha casa com a intenção de fazer algo comigo, de se vingar. Sabemos que algo deu
errado enquanto ele e Claire estavam lá. Ele a matou ali mesmo e o fez de forma que a culpa
caísse sobre mim. Ontem Steve deixou claro que voltou porque quer recomeçar nosso
relacionamento. Por que ele mandaria John ir à minha casa? Essa possível ligação deles não
faz sentido.
— Digamos que aquela quadrilha os tenha colocado perto de você então — ele
sugeriu. — Não há motivo para o terem feito… Não se continuarmos a considerar a hipótese
de que eles te deixaram em paz há tanto tempo porque acreditam que você não saiba o
suficiente para denunciá-los.
Cerrei os olhos e mordi os lábios.
— Nenhuma hipótese parece fazer sentido, David.
Ele acenou em negativa.
— Tem muito mais coisa por trás dessas voltas repentinas do que imaginamos. Essa
é minha única certeza no momento.
Assenti.
— Preciso de uma pista que faça sentido ou que ao menos seja verdadeira… Que
não nos leve a caminhar em círculos.
— O que pretende fazer?
— Vou começar desde o início. Reconstituir os fatos, desde o que aconteceu naquele
Mardi Gras.
Um arrepio perpassou meu corpo e engoli em seco quando cenas entrecortadas e
lembranças sombrias invadiram minha mente.
— Pare. Não relembre nada disso — David advertiu ao perceber o que eu fazia. —
O agente federal que me ajudou a tirar você daquele lugar ainda tem o dossiê com todas as
informações que você nos repassou quando tudo aconteceu. Ele manteve tudo para continuar
suas investigações, pois já estava trabalhando em um caso como o seu.
Baixei os olhos para o vinho e me servi novamente. Não queria me embriagar, mas
achei que o álcool pudesse me ajudar a auxiliá-lo nisso sem que eu enlouquecesse
completamente. Agora não tinha Guilhermo aqui para me confortar por minhas malditas
fraquezas.
— O que Steve queria com você ontem?
Maneei a cabeça em negativa e voltei a fitá-lo:
— Ele parece completamente fora de si — contei enquanto lembrava. — Acha que
vamos voltar ao que tínhamos antes… Que eu o amo. Steve simplesmente esqueceu os
motivos que o fizeram se aproximar de mim. — Fiz uma breve pausa enquanto recordava.
— Não quero imaginar um possível encontro dele com Guilhermo.
Um sorriso sarcástico surgiu nos lábios de David.
— Eu pagaria tudo para assistir isso.
Semicerrei os olhos para ele.
— Isso é sério, David! Steve não sabe sobre Guilhermo, mas eu não vejo como…
— Ele me interrompeu.
— Guilhermo é louco por você, Evangeline, e não da forma que Steve o é — ele
disse. — Você querendo ou não, uma briga feia está prestes a acontecer entre eles.
— Não quero que Guilhermo…
— Se machuque? — ele completou. — Você não viu como ele ficou ontem ao saber
que Steve havia levado você… Quando eles se encontrarem, é melhor você se preocupar
com Steve e não com Guilhermo.
Aquilo me calou completamente.

GUILHERMO
Já era noite quando Megan e eu adentramos a mansão dos Milan em Veneza, na
Itália.
A família de Tyler, os Milan, sempre foi muito próxima dos D’Angelo. Isso não se
devia somente ao fato de mamãe ser irmã de Marilia, mãe de Tyler. Quando papai foi traído
por seu melhor amigo, Bennet Osmari, fora Afonso a ajudá-lo a se reerguer com a primeira
empresa que carregava o sobrenome de nossa família. Meus pais sempre foram muito
amigos dos de Tyler, e isso unira as duas famílias por todo esse tempo.
A casa enorme, com quartos suficientes para uma tropa, é típica de uma família
italiana que deseja tê-la cheia de filhos, netos e bisnetos. A decoração, os móveis, tudo fora
feito com cuidado e sem qualquer pressa. Fora tio Afonso a desenhar cada compartimento
daquela casa, e Marilia a decorá-la. Tyler apenas seguiu o caminho dos pais, era um
apaixonado por arquitetura e engenharia.
— Onde estão todos? — Megan me questionou mim.
— No hospital. Provavelmente todos estão lá desde ontem — respondi ao entregar
minha mala e a de Meg para um dos empregados.
— Podemos ir agora para lá? — ela inquiriu rapidamente.
Sua preocupação com Tyler é irrefutável, mesmo que ela esteja tentando escondê-la.
— Boa noite, Sr. Guilhermo — Celeste, a governanta, me cumprimentou e, em
seguida, a Megan.
Sorri ao vê-la e segui para abraçá-la.
— Você parece menor — murmurei para ela, que riu.
— Você é que cresceu muito, menino.
Segurei sua mão e a trouxe para perto de Megan.
— Celeste, esta é Megan Jackson, a namorada de Tyler — apresentei-a. — Meg,
esta é Celeste, governanta e amiga da família desde que me entendo por gente.
Celeste a abraçou e beijou seu rosto, como de costume, e elogiou sua beleza.
— Preparei o quarto do Tony para a sua chegada — avisou, referindo-se a Tyler. —
Posso levá-la até lá quando quiser.
— Agora seria ótimo.
Dei a Megan um sorriso confortador enquanto ela saía com Celeste.
Suspirei profundamente e sentei-me no sofá.
O silêncio da casa era sepulcral. O total oposto dos burburinhos e gargalhadas que
poderiam ser ouvidas por todos os cômodos quando toda a família estava reunida.
Afonso já tivera dois infartos anteriormente, um há mais de cinco anos e outro há
menos de três. Sua saúde era uma preocupação de toda a família, inclusive minha. Mas
depois de três anos sem qualquer visita à emergência do hospital, ele voltara… Por causa
de outro infarto.
Afonso ainda não tem setenta anos, tem que sair dessa. Precisa… Para o bem de
Marilia, que só não o ama mais que ao filho.
Acenei em negativa tentando expulsar qualquer pensamento mórbido de minha mente
e levantei. Vou tomar um banho, comer algo e depois seguir para o hospital.
Minutos depois, enquanto esperava Megan para jantar, decidi ligar para Evangeline,
mesmo ao me lembrar de diferença de fuso horário.
— Guilhermo? — ela disse ao atender. — Tudo bem? O seu tio, como está?
Quase sorri ao perceber sua preocupação.
— Ainda não fui visitá-lo. Cheguei a Veneza ainda há pouco, na verdade. — Fiz uma
pausa. — Você está bem?
— Sim… Os brutamontes me garantem alguma segurança — completou, em tom
irônico.
Cerrei os olhos e sorri. Era ótimo perceber que ela estava realmente bem. Aquilo
me deixava inegavelmente aliviado.
— O que está fazendo? — perguntei.
— Revirando uma maldita pasta à procura de um documento importante… E você?
— Esperando Megan descer para jantarmos e seguirmos para o hospital.
— Vou pedir a Deus que seu tio fique bem — ouvi-a sussurrar.
Ela trocou palavras com alguém na empresa e agradeceu por algo.
— Como Tyler está?
— Allie me disse que estava péssimo — contei. — Mas ele jamais admitiria…
Tyler é o que tenta amenizar as situações difíceis da família.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos. Desconfiei que tentasse se lembrar de
Tyler.
— Me ligue assim que tiver notícias do seu tio, tudo bem?
Ouvi Meg descer as escadas e voltei-me para ela.
— Ok — anuí. — Preciso desligar.
— Diga a Meg que mandei um beijo.
— Eu direi… Boa noite, americana intrépida — murmurei.
Houve uma pausa até que Evangeline respondesse:
— Boa noite, espanhol arrogante.

EVANGELINE
— Então vocês trabalham há mais de dez anos com Nathan? — repeti suas palavras
anteriores.
Estava voltando para casa com os seguranças e decidi que estava na hora de quebrar
o silêncio. Era como se estivéssemos nos ignorado durante todo o dia.
— Nos conhecemos na SWAT — Logan, o loiro de olhos incrivelmente negros,
concluiu.
Assenti.
— Não acham chato ficar me seguindo por todo lugar?
Eles ficaram em silêncio.
Sorri.
Ao menos eu não era a única a não gostar daquilo.
A demora para que abrissem o portão de entrada de minha casa me fez franzir o
cenho. Era pouco mais de nove da noite e George, o segurança noturno, já deveria estar em
seu posto. Mas aparentemente não estava.
Ouvi a sirene de um carro de polícia, que se aproximava rapidamente, e tirei o cinto
de segurança para sair, mas Scott, o motorista, travou a porta do carro antes que eu pudesse
abri-la.
— Abra a porta! — pedi, mas contrariando minhas palavras, ele deu ré e começou a
dirigir para a direção contrária de minha casa. — Aconteceu alguma coisa, Scott! Você não
pode… — O som de um tiro me calou.
Olhei para Logan, que estava ao lado de Scott, ele sacou uma arma e se preparou
para nos defender do perigo lá fora.
Cada partícula do meu corpo se tornou aflita e temerosa. Voltei-me para o parabrisa
traseiro e vi minha casa, agora longe. Minha garganta se apertou dolorosamente quando
lembrei que Angie, Nany e Natalie estavam lá. Em perigo.
Ouvi Scott falar ao telefone com alguém e, logo mais, ele fez uma curva.
Sentei-me novamente e cerrei os olhos quando uma dor lancinante em meu peito fez
com que meus olhos ardessem em lágrimas. Por algum motivo, não consegui derramá-las.
Meu coração batia de maneira estrondosa no peito quando curvei-me sobre meu
corpo e iniciei uma oração.
Por favor, faça com que elas fiquem bem.
TRÊS
EVANGELINE
Cerca de uma hora depois, eu ainda me encontrava em um quarto qualquer de um
hotel que eu sequer sabia a existência. Segundo Scott, o apartamento em que eu estava era
de David.
Os seguranças saíram há alguns minutos. Eu sabia que um deles estava à minha
porta, armado e pronto para derrubar qualquer um que tentasse entrar aqui.
David me ligou ainda há pouco, para tentar me acalmar, mas isso somente aconteceu
quando ele me disse que a polícia já estava em minha casa e tudo estava sendo resolvido.
Angie e Nany prestariam depoimento e denúncia sobre o ocorrido e viriam para este
apartamento também.
Eu estava andando em círculos há mais de quinze minutos. Qualquer angústia e dor
que me assolara há uma hora fora substituída por raiva e obstinação. Raiva desse maldito
passado que estava retornando e obstinação na tarefa de descobrir o que exatamente estava
acontecendo.
Pensamentos iam e vinham em minha mente com uma velocidade assustadora, e eu já
não me importava se eles eram dolorosos ou não. A partir do momento que aqueles filhos da
puta ameaçaram a segurança da minha família, qualquer efeito dessas lembranças foi posto
de lado.
Ouvi uma movimentação estranha fora do meu quarto e prendi a respiração por um
momento. Aproximei-me da porta o suficiente para ouvir o que as vozes diziam, mas foi em
vão. As paredes grossas e a porta de madeira impediam isso sem qualquer dificuldade.
Esperei. Inspirei lentamente uma vez, até que um baque fosse ouvido. Arqueei uma
sobrancelha ao colocar a mão sobre a maçaneta. Outros sons, parecidos com o de uma
briga, ficaram mais audíveis. Encontrei-me em dúvida sobre abrir a porta ou tentar me
esconder, como David mandou que eu fizesse.
Quem quer que fosse, queria falar comigo, e se isso fosse suficiente para que
deixassem minha família em paz, não me importava.
Acenei em negativa e abri a porta.
— Steve! — gritei surpresa ao vê-lo trocar socos com Logan, um dos seguranças. —
Que infernos você faz aqui?! Como me encontrou?!
Logan o prendeu com uma chave de braço e os dois se voltaram para mim.
— Vim saber se você está bem! — ele gritou em resposta.
Franzi o cenho ao ouvir aquilo.
— Por que não estaria? — inquiri, numa tentativa de descobrir como ele soubera do
que acontecera há pouco mais de uma hora.
Steve apertou os olhos para mim, como se aquela fosse uma questão retórica e
ridícula demais para ter uma resposta.
— Você quase foi sequestrada e está me perguntando isso?
— Pode soltá-lo, Logan — pedi. Mas ele apenas acenou em negativa. — Solte-o!
Depois eu me entendo com David, não se preocupe!
Ignorei a presença de Steve por todo o tempo em que sustentei o olhar desafiador do
outro homem.
— Logan — repeti lentamente.
Quase suspirei agradecida quando ele libertou Steve. Precisava conversar com o
homem e desta vez não o deixaria me dominar usando nosso antigo relacionamento para
isso.
— Venha — chamei-o, após voltar-me para o apartamento e entrar.
Organizei todas as perguntas que povoavam minha mente e, ao ouvi-lo fechar a
porta, eu me virei para ele, a tempo apenas de vê-lo avançar sobre mim e me beijar.
Levei minhas mãos rapidamente para seu peito e tentei afastá-lo, mas ele as segurou
e me impediu de conseguir fazê-lo. Tropecei sobre meus próprios pés enquanto dava passos
para trás e ele me segurou para me sustentar de pé. Só desistiu do beijo quando percebeu
que eu não retribuiria nada.
— Nunca mais faça isso — murmurei com o rosto ainda próximo ao seu, utilizando
de toda a frieza que aquela situação me rendera. — Eu já disse que… — Ele me
interrompeu:
— Você precisa sair de Nova Iorque.
Desvencilhei-me abruptamente de suas mãos e acabei com a proximidade entre nós.
— Me dê um bom motivo para isso.
— Você quase foi sequestrada e morta, Evangeline! — ele gritou, enfurecido. —
Quer a porra de um motivo melhor que esse?!
Semicerrei os olhos para ele e apontei em sua direção ao perguntar.
— Como você sabe disso?
Ele bufou.
— Eu disse que te manteria em meu radar o tempo todo. — Ele deu de ombros. —
Um dos meus seguranças estava seguindo seu carro quando os tiros aconteceram.
— Por que você mantém a droga de um segurança atrás de mim?! — explodi com
ainda mais raiva.
— Para a sua proteção e minha tranquilidade.
— Você vai tirar esses filhos da puta do meu encalço e vai esquecer a minha maldita
existência! — mandei. — Eu não vou voltar com você, não haverá mais nada entre nós… Eu
não quero você perto de mim. Entenda isso!
Minhas palavras o deixaram em silêncio.
Decidi focar no que mais me interessava no momento e questionei:
— Por que voltou justamente agora? Depois de sete anos?
Seus lábios se mantiveram selados.
— Por que, Steve?! Por que voltou para minha vida depois de tanto tempo? Por que
acha que eu precisava de um maldito segurança?!
— Você esqueceu tudo o que tivemos por algo tão estupido quanto…
Minha boca se abriu em formato de “o” e, ao perceber isso, ele se calou.
— Quanto o fato de você entrar na minha vida para ter o controle das empresas do
meu pai? Você não pode estar falando sério! Não tivemos mais do que um relacionamento
abusivo e…
— Cala a boca! — mandou em tom intransigente, diferente da preocupação evidente
de antes. — Essa falando não é a minha Evangeline! Você é…
— Eu sou o que aquela Evangeline se tornou depois de tudo o que aconteceu em
Nova Orleans. Não sou sua Evangeline e jamais serei.
— Tudo o que aconteceu em Nova Orleans? — ele repetiu em voz baixa, mas eu não
soube dizer o que havia em sua expressão, tom ou olhar.
— Por que achou que eu precisava de um segurança? — repeti, tentando mudar o
rumo da conversa. Steve realmente não sabe sobre o Mardi Gras, sequer estava lá quando
tudo aconteceu e se eu puder fazê-lo acreditar que mudei depois de ser enganada por ele, eu
o farei.
— Não interessa — replicou — O fato verídico é que você precisa deles e não vou
me livrar de nenhum.
— Você não ouviu o que eu disse?! Não quero nada de você, nem mesmo sua
presença em minha vida! Não preciso da porra da…
— Isso mudará em breve. Você perceberá que ainda podemos realizar todos os
planos que fizemos. Perceberá que ainda me ama. Não me importa o tempo que precisarei
esperar para isso.
Maneei a cabeça em negativa e segui para a porta novamente. Abri-a e me voltei
para ele:
— Vá embora.
Logo que percebi que ele retrucaria, eu insisti:
— Vá embora, e se seus malditos seguranças continuarem a me perseguir, farei uma
denúncia contra você e contra eles.
Ele suspirou audivelmente e acenou em negativa.
— Duvido que a polícia ou seu amiguinho me encontrem — foram suas palavras
antes de sair.
Expirei fortemente ao fechar a porta do apartamento novamente, encostei-me a ela e
cerrei os olhos.
O que Steve sabe, que é tão grave, a ponto de fazê-lo voltar à minha vida?

***
Apertei Natalie em meus braços assim que ela correu para mim e me abraçou.
— Meu amor — sussurrei acariciando seus cabelos. Agradeci a Deus por elas
estarem bem. — Você está bem?
Ela apenas acenou, concordando.
O medo dela era perceptível pela forma que se agarrava a mim. Como se pudesse
protegê-la de tudo. Naquele momento, eu quis poder fazê-lo.
Mirei Nany, percebi que seus olhos estavam vermelhos e ela parecia ainda abalada
pelo que aconteceu.
Angie estava diferente, assustada, mas também havia outra coisa em seu olhar, em
sua expressão. Eu só não sabia dizer o quê. Abracei-a, assim como fiz com Nany e segui
para o quarto, com Natalie em meus braços.
Após colocar Natalie para dormir e seguir para a sala do apartamento novamente,
percebi que Angeline e Ananda foram tomar banho. Não me surpreendi ao ver David na
sala, próximo à janela. Parecia perdido em pensamentos. Eu tinha certeza que tentava juntar
as peças de todo aquele quebra-cabeça.
— Tem ideia de quem invadiu minha casa desta vez? — inquiri, fazendo-o voltar-se
para mim.
Ele acenou em negativa.
— Pensei em Steve, mas Logan me disse que ele esteve aqui — concordei
aproximando-me de onde ele estava.
— Você está certo de que Steve tem algo a ver com isso, não é? — indaguei de
forma retórica.
Nós dois nos perdemos em um silêncio preciso e sereno por alguns minutos.
— Ele estava em Montevidéu na semana passada — murmurou em voz baixa, apenas
para mim. — Não vou ficar em paz até descobrir o que o fez sair de lá. E, principalmente, o
que o fez voltar para sua vida.
Mordi o canto dos lábios e, por alguns segundos, concentrei-me na forma delicada e
sutil que os flocos de neve cobriam Manhattan e a embelezavam ainda mais.
— Mesmo que não faça sentido algum ele ter te sequestrado ontem e depois tê-la
levado para casa… E hoje tentar sequestrá-la novamente.
— Ele colocou seguranças atrás de mim — contei. — Ele sabe algo, David. Não
sobre o Mardi Gras. Ele sabe sobre quem está tentando me sequestrar. Já não tenho certeza
de que são os responsáveis por aquela quadrilha.
O homem ao meu lado suspirou lentamente.
— Quem mais tentaria te sequestrar e te matar, Evangeline? — ele perguntou.
— Acho que sei quem está tentando te sequestrar — assustei-me ao ouvir a voz da
Angeline. — John foi um dos homens a invadir sua casa, Evy.
Aquelas palavras fizeram com que David e eu nos voltássemos completamente para
minha irmã.
— O quê?
Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela comprimiu os lábios para não derramá-
las.
— Reconheci a voz dele! Mesmo que estivesse usando máscara, eu tenho certeza de
que era John!
Troquei um olhar com David.
— Estava com mais dois homens. Todos armados e procuravam por você. Não estou
entendendo nada, Evy! O que está acontecendo? Por que John queria sequestrar você? Por
que estava naquela casa como um bandido, um… — Ela se interrompeu.
Meu coração se apertou dolorosamente apenas por vê-la chorando.
— Eu também gostaria de saber a resposta — murmurei, sem coragem para me
aproximar. Estava ciente de que parte da culpa pelo que ela sentia agora era minha, de
alguma forma.
— Ele disse algo para você, Angie? — fora David a perguntar.
Ela acenou em negativa.
— Apenas me encarou em silêncio e desistiu de levar Natalie, quando pedi que não
o fizesse.
— Ele queria levar Natalie?! — Arrependi-me imediatamente por falar tão alto.
Acenei em negativa e bufei, tentando me acalmar.
Essa era a vingança de John? Chantagear-me usando Natalie?

Dois dias depois:


— Não ligue para Guilhermo, David! — pedi, quase que desesperada. — Ele está
preocupado com o tio que está no hospital por causa de um infarto! Não dê a ele mais
motivos para se preocupar!
David baixou o celular e voltou a me fitar.
— Não pode esconder isso dele por muito tempo, Evangeline — avisou.
— Eu sei, ok? Mas prefiro que ele esteja aqui quando contar tudo — admiti.
Os olhos azuis dele me miraram com atenção e preocupação na mesma proporção.
Nathan, o amigo de David que tem uma empresa de segurança, já havia instalado um
novo sistema de segurança e colocado mais três agentes, além de George, em minha casa.
Não discuti por isso. Estava ciente de que todas essas medidas também eram para a
segurança de Natalie, Angie e Nany, não só para mim.
— Você parece diferente, Evy — notou.
Suspirei e sentei sobre o sofá de minha sala.
Ele está certo. Eu sei que está, mas neste momento não me importo.
— Há sete anos tive dois motivos para sair de Nova Orleans — lembrei-o. — Eu
quis fugir das lembranças do que havia acontecido… E quando papai e mamãe voltaram do
Brasil, eu achei que, se alguém tentasse me calar de alguma forma, usaria papai e mamãe
para me chantagear… Eu quis acabar com qualquer chance de isso acontecer.
Ele sentou ao meu lado no sofá.
— E agora eles aparentemente voltaram e pretendem usar minha família contra mim
— sussurrei a última parte ao sentir minha garganta se apertar. — Desta vez não tenho para
onde correr. — Engoli em seco. — E todos estão em perigo.
Ele me abraçou e cerrei os olhos com força ao encostar meu rosto ao seu peito. Já
estava acostumada a ter Guilhermo me abraçando daquela forma, mas não me incomodaria
de ter David fazendo-o. Não queria chorar e não me daria a esse luxo, mas também não
conseguia desfazer o nó em minha garganta.
Eram mais de dez da noite e todos na casa já estavam dormindo. Apenas David e eu
continuávamos acordados. Nenhum de nós desistiu de tentar descobrir como nos proteger de
um inimigo que não conhecíamos…
— Irei à Nova Orleans amanhã — ele anunciou. — E acompanharei as investigações
de Louis.
Concordei com um aceno e me afastei dele.
— Obrigada — murmurei.
— Daniel chegará pela madrugada — repetiu as palavras de minutos atrás, de antes
de começarmos a falar de Guilhermo.
— Papai e mamãe não desconfiam dessas viagens abruptas dele? — questionei.
— Não. Eles acreditam que são por causa do trabalho.
Meu celular tocou sobre a mesa de centro e curvei-me para pegá-lo.
“Guilhermo.”
— Guilhermo? — falei, ao atender.
— Evy, é Megan. — Franzi o cenho ao perceber que ela chorava. — Guilhermo saiu
há algumas horas e esqueceu o celular. Peguei-o apenas para lhe avisar sobre algo.
Prendi a respiração quando meu coração de apertou no peito.
— Afonso, tio de Guilhermo e pai de Tyler, faleceu há algumas horas e todos estão
ocupados tentando organizar coisas do velório. — Ela fez uma pausa enquanto soluçava
baixinho. — Tyler está péssimo, Marília, mãe dele, está no hospital porque sua pressão
baixou muito ao saber da notícia… Eu não sei o que fazer.
— Amiga… — tentei, mas ela me interrompeu.
— Tenho medo de tentar ajudar de alguma forma e acabar atrapalhando. Tyler não
falou comigo desde que souberam sobre o pai dele… Ele não saiu do lado da mãe e eu
estou tão preocupada… tão…
— Meg, calma, amiga — pedi ao me levantar do sofá.— Tyler está tentando ser
forte pela mãe dele. Mas ele precisa de você. Precisa que alguém seja forte para ajudá-lo
nisso também.
Expirei lentamente ao ouvi-la chorar baixinho. Tive certeza de que estava encolhida
em algum lugar… Sozinha. Megan sempre fazia isso quando chorava por algo.
— Quero ajudá-lo… — ela disse. — Mas sinto que vou desmoronar também se vê-
lo tão desnorteado e triste de novo. Odeio vê-lo sofrer.
— Você o ama. — A afirmação saiu de meus lábios sem que eu pudesse controlar.
— Sim… Meu Deus, eu o amo… Estou ferrada, mas não me importo.
Olhei para David, que me encarava com a testa franzida, e voltei ao telefone.
— Levante daí, tome um banho e troque de roupa — mandei. — Vá até o hospital e
tente confortá-lo… Guilhermo me disse que Tyler sempre tenta amenizar as piores situações
que a família enfrenta. Certamente tentará fazer isso se qualquer parente tentar consolá-lo.
Ele precisa de você… Precisa que seja forte para ajudá-lo a passar por isso. Você não
estará atrapalhando-o.
Ela ficou em silêncio.
Mordi os lábios nervosamente ao imaginar Guilhermo. Deus. Ele deve estar
arrasado também.
— Obrigada, Evy — ela disse após movimentar-se em algum lugar. Ouvi-a suspirar
com força e abrir uma porta. — Obrigada de verdade! Vou atrás dele agora mesmo… Vou…
Fazer qualquer coisa para ajudá-lo.
Anuí a sua decisão.
QUATRO
Uma semana depois
GUILHERMO
Marília e mamãe adentraram a casa à nossa frente. Mamãe mantinha seu braço sobre
o ombro de titia, como que para sustentá-la, caso precisasse.
— Vou levá-la ao quarto para descansar um pouco, tudo bem? — ouvi-a perguntar.
Titia apenas concordou. — Você me ajuda, Meg?
— Claro. — Megan passou à minha frente e foi até mamãe e Marília, para subir as
escadas com as duas.
Suspirei, cansado e aliviado ao mesmo tempo ao entrar na casa dos Milan após a
missa de sétimo dia de Afonso.
— Guilhermo, Allie e eu vamos à cozinha ajudar Celeste a preparar o almoço para a
família, ok?
Concordei com um aceno e as duas seguiram para a cozinha. Papai foi até o
escritório com Drake, noivo de Marina. Fiquei com Tyler na enorme sala.
— Como se sente, cara? — questionei a ele ao me aproximar.
Ele franziu o cenho e, por um momento, olhou em volta da sala e dos corredores,
mesmo sem sair do lugar. Um silêncio angustiante antecedeu o sorriso triste surgiu que em
seus lábios.
— Não acredito que não o verei por aqui novamente.
Fiquei em silêncio ao perceber o significado e a dor que aquelas palavras
carregavam. Aproximei-me dele o suficiente para abraçá-lo, mesmo que de uma forma
estranha, mesmo que brigássemos a maior parte do tempo. Ele também é minha família. O
que o afeta, também me afeta, ainda que não com a mesma intensidade.
Eu tentava me imaginar em seu lugar e tinha certeza que não conseguiria ser tão forte
quanto ele. Nossos pais sempre foram nossos heróis. Os homens nos quais nos espelhamos
desde crianças, e por mais que eu tenha desviado do caminho certo por alguns anos, fora
meu pai a abrir meus olhos depois de tudo, fora ele a me mostrar o que eu estava fazendo
com minha vida. Com Tyler acontecera o mesmo.
Palavras nunca foram meu forte, por isso me abstive a qualquer comentário sobre
aquilo. Não havia consolo em palavras para diminuir sua dor neste momento, e certamente
não em um abraço, mas eu esperava, de alguma forma, ajuda-lo a passar por isso. Como sei
que ele faria, se eu estivesse em seu lugar.
Seguimos para o sofá e sentamo-nos em poltronas diferentes.
Fitei-o em silêncio e tentei imaginar o que se passava por sua mente.
Segundo depois, ele disse:
— Em nossa última conversa, ele disse que queria que eu me casasse. — contou. —
Disse que aprovava meu relacionamento com Meg… Que ela parecia realmente gostar de
mim.
— Isso é perceptível, Tyler. — afirmei, após sua pausa — Assim como o fato de
você também estar louco por ela.
Ele arqueou uma sobrancelha ao me encarar. Arrisquei que lembrou de algo.
— Sempre achei que você se apaixonaria primeiro que eu… — admitiu. — E que se
casaria primeiro também.
Sorri ao lembrar de Evangeline. Eu não tinha mais certeza sobre qualquer futuro,
preferia aproveitar o presente… Com ela. E seguir o conselho de Marina; descobrir o que o
futuro reservou para nós dois.
— Está me dizendo que vai pedi-la em casamento? — inquiri, surpreso ao refletir
sobre suas palavras.
Tyler expirou fortemente.
— Não acho que ela aceitaria. Estamos namorando há menos de um mês. — Sua
testa se enrugou com o pensamento. — Um mês… — repetiu pensativo.
— Parece que estão juntos há muito mais tempo, não é?
Ele assentiu.
— Parece que eu a conheço há anos — explicou.
— Vocês se conhecem há quase cinco meses — lembrei-o. — Desde que começaram
a namorar, moram praticamente juntos.
Foi reconfortante vê-lo sorrir e anuir a minhas palavras.
— E eu a amo.
Ergui as sobrancelhas, estupefato ao ouvir aquilo. Nunca imaginei que o ouviria
dizer isso.
— Você pedirá a mão dela em casamento?
Ele acenou em negativa.
— Não. — Fez uma pausa. — Não vou tomar uma decisão importante assim em um
momento como esse.
Concordei silenciosamente.
Foi necessário apenas um segundo para que eu me perdesse em pensamentos. Era
tão estranho ouvir Tyler dizer que ama uma mulher — percebi. Era como perder um irmão
de baladas. Porque há alguns anos, em festas, éramos idiotas o suficiente para disputar
quem conseguia transar com mais mulheres.
Revirei os olhos com o último pensamento.
Mudamos tanto desde a conversa com nossos pais. Desde que decidimos aceitar
responsabilidades nas empresas da família; eu ao lado de papai e Tyler supervisionando o
andamento da construção de novas filiais da D’Angelo, trabalho feito pelas construtoras de
seu pai.
Era estranho também perceber o quanto amadurecemos. As festas foram trocadas por
idas aos barzinhos mais calmos de Barcelona, onde sempre encontrávamos companhias para
às noites solitárias da cidade. Ele começou a viajar para outros países por causa do
trabalho e nossa espécie de parceria foi posta de lado. Meses depois, quando ele voltou, já
estávamos sérios demais para perguntar ao outro quem era a companhia da semana.
Então eu conheci Evangeline… E ele conheceu Megan. E agora somos dois filhos da
puta ferrados e completamente loucos por essas mulheres.
— Não acredito que chegamos a fazer aquela aposta ridícula — murmurei para ele.
Tyler sorriu. Eu tive certeza de que também se lembrava do mesmo que eu.
— Nem eu.

Dois dias depois:


O jatinho pousou em Nova Iorque exatamente às sete da noite de quinta-feira. Era a
última semana do mês de janeiro de 2014. Estava nevando, mas não o suficiente para que
adiassem o pouso.
Marina e Drake foram os primeiros a descer, Allison os seguiu e eu fui junto a ela.
Horas atrás falei com Evangeline, quando lhe informei o horário previsto para o
pouso, ela disse que viria me encontrar no aeroporto. E seria eufemismo da minha parte
dizer que estou com saudade.
Sim, eu sabia que nós tínhamos conversado todas as noites desde que fui para
Veneza, mas um telefonema jamais se equipararia a vê-la, abraçá-la e tocá-la.
Marina conversava com seu noivo sobre o que eles fariam para colocar o trabalho
das duas semanas que se passaram em dia, Allison estava ao telefone falando com seu
agente — o filho da puta a perturbou incontáveis vezes durante a viagem.
E eu estava interessado apenas em encontrar os olhos verdes e brilhantes da minha
namorada.
Atravessei portão portão de desembarque antes de todos e peguei o celular no bolso,
para ligar para Evangeline, mas desisti ao ouvir sua voz chamar o meu nome. Levantei os
olhos para vê-la a alguns metros de mim, ela usava um vestido vermelho na altura dos
joelhos, os cabelos estavam soltos e ela estava sem maquiagem, eu acho, tudo que vi foi o
batom vermelho delinear perfeitamente seus lábios quando ela sorriu.
Eu tinha certeza de que o sorriso no meu rosto era bem idiota naquele momento, mas
não me importei. Parei de me importar com muitas coisas há muito tempo.
Quando ela estava perto o suficiente, tudo o que fui capaz de fazer foi abraçá-la. De
apertá-la contra mim. Como se aquilo suprisse o espaço que ficara com a distância dos
últimos dias.
— Senti sua falta, espanhol arrogante. — Aquilo me fez rir ao acabar com o abraço.
Beijei-a e sussurrei:
— Também senti sua falta, americana intrépida. — Eu poderia estar errado, mas
seus olhos pareceram brilhar ainda mais após minhas palavras.
Ela acariciou meu rosto ternamente e perguntou:
— Como você está?
— Melhor que há alguns dias, pode ter certeza. — Evangeline me beijou e me
abraçou novamente. Franzi o cenho. Ou ela está com muita saudadeou algo aconteceu
enquanto eu estava fora.
Nós nos desvencilhamos quando percebemos que continuávamos no aeroporto,
porém, mantive seu corpo próximo ao meu.
Percebi sua surpresa ao ver que toda a família D’Angelo estava nos assistindo.
— Você não me disse que sua família também estaria nesse voo — ouvia-a
sussurrar, sem graça.
— É bom que comece a se acostumar com a família, cariño — murmurei ao
entrelaçar minha mão à sua.
— Evy! — Megan foi a primeira a vir abraçá-la.
— Meg. Você parece diferente.
Marina foi a próxima a abraçá-la, seguida por Tyler e Allison.

EVANGELINE
Guilhermo e eu subíamos o elevador que nos levaria ao andar do seu apartamento
enquanto eu recordava do momento em que ele me apresentou novamente à sua família…
Desta vez como sua namorada.
Sorri.
Mariana, mãe de Guilhermo, me tratou com a mesma educação e afabilidade que
usara algumas semanas atrás… Mas também pude sentir certa hesitação, talvez até mesmo
incomplacência em relação à novidade que Guilhermo contara.
Marina, filha de Ana, fora o total oposto. Creio que seu sorriso de felicidade era
perceptível a milhas de distância. Ela acreditou que meu relacionamento com Guilhermo
daria certo desde o início. Muito mais que eu e ele, até.
Megan ficou radiante, Tyler também ficou muito contente por nós, dada a situação
que os levou à Itália. Contudo, os dois já esperavam por isso, tenho certeza.
Theodory, pai de Guilhermo, fora mais discreto, como sempre. Seu sorriso dizia
apenas um evidente e por algum motivo esperado “eu sempre soube”.
O misto de sensações e sentimentos que me preenchiam apenas por saber que
Guilhermo finalmente estava de volta seria inefável até que eu me convencesse de que ele
realmente está aqui.
Sei que temos que conversar sobre tudo o que aconteceu enquanto ele estava fora
dos Estados Unidos, sei que tenho que contar sobre Steve… Sobre a tentativa de sequestro,
mas eu preferiria deixar isso para mais tarde.
— Sua tia aceitou bem a viagem abrupta para Nova Iorque? — perguntei a
Guilhermo ao me lembrar do telefonema que trocamos antes de ele confirmar que voltaria.
Ele me disse que sua tia queria continuar morando na casa em que viveu todos os trinta e
cinco anos de casamento com seu falecido marido, mas Tyler não queria deixá-la sozinha.
— Tyler e Megan a convenceram. De que forma, eu não sei.
Atravessamos juntos as portas do elevador que nos deixara no andar de seu
apartamento.
— E Tyler? — inquiri fitando-o de soslaio.
— Megan foi um bálsamo para ele durante esses dias.
— Imagino.
Ele abriu a porta de seu apartamento e acendeu as luzes. Rapidamente os cômodos
se iluminaram e a modernidade extremamente confortante e masculina daquele lugar fizeram
um suspiro de alívio fugir de meus lábios.
— Você já jantou? — ele perguntou.
— Sim, mas se quiser posso preparar… — Parei de falar quando notei que ele
franziu o cenho e acenou em negativa. Por fim, um sorriso travesso surgiu em seus lábios. —
O que foi?
— Prefiro manter minha cozinha intacta — respondeu enquanto se aproximava de
mim —, a deixá-la cuidar de algumas panelas em meu fogão.
Apertei os olhos para ele e fingi estar séria, mas essa expressão foi aplacada assim
que ele me beijou. Quando seus lábios pressionaram os meus e segundos depois eles
sugaram meu lábio inferior.
A firmeza exercida por ele ao segurar minha cintura me fez relaxar sob esse contato
e desejar desesperadamente que este fosse maior.
— Você ainda consegue ser bem irritante, Sr. D’Angelo — sussurrei. Minhas mãos
já estavam em seu rosto e eu usava os polegares para acariciá-lo.
Ele acenou em negativa, seu nariz roçou o meu suavemente.
— Consigo fazer muitas coisas muito bem, Srta. Howell.
Rolei os olhos quando ele me encostou à parede. Seu corpo estava tão próximo ao
meu quanto eu queria há menos de dois minutos.
— Não me venha com esse seu ceticismo. — Sua mão direita deslizou por minha
coxa e seguiu devagar até meu vestido, levantando-o devagar. Suspirei baixinho quando ele
pousou sua mão sobre minha nádega e a apertou ao trazer meu corpo de encontro ao seu. —
Sabe que posso ser bem convincente para fazê-la mudar de ideia.
Mordi os lábios com força quando ele beijou meu pescoço. Senti-me estremecer
contra Guilhermo enquanto ele levava seus lábios e língua por todos os lugares que podia.
Tudo numa lentidão torturante… E maravilhosa.
Abri os botões de sua camisa e a tirei devagar, aproveitando o meio tempo para
acariciar seu peito e braços fortes e bem definidos.
O zíper de meu vestido deslizou lentamente por minhas costas. Segundos depois,
Guilhermo se livrava dele.
— Gosto de te ver vestida de vermelho… — Ele fez uma pausa — Mas gosto ainda
mais de te ver nua… — Inspirei profundamente enquanto ele abria o fecho do sutiã meia-
taça que eu vestia. — Só para mim.
Minhas mãos vacilaram na tarefa de abrir a braguilha de sua calça no segundo em
que ele tomou um de meus seios entre os lábios. Baixei sua boxer e um gemido baixo
escapou de minha boca.
Surpreendi-me quando ele abandonou meu mamilo e me beijou com força. Senti
minha calcinha deslizar por minhas pernas numa rapidez sobre-humana.
Separei minhas pernas quando percebi o caminho que Guilhermo estava seguindo
com os dedos, que apenas roçavam minha pele, até que chegaram ao ponto em que o prazer
era mais intenso em meu corpo.
— Ah, céus — sussurrei, acabando com o beijo quando ele me tocou. — Guilhermo,
isso é tão bom… Tão bom…
Tentei trazê-lo para mais perto para trocar a carícia de seus dedos por seu membro,
mas ele não deixou.
— Não se mexa. — Sua voz soou rouca, mas também extremamente contundente. —
Você ainda não está pronta… Eu quero você toda molhadinha.
Minhas unhas cravaram em seu peito quando os movimentos lentos e incessantes de
seu indicador encontraram o ritmo certo para me fazer estremecer e expirar lentamente em
um prazer insuportável.
Tentei pronunciar seu nome, mas foi em vão.
Guilhermo segurou minha cintura com a mão livre, para me manter firme. Seus
lábios voltaram ao meu pescoço e os beijos e chupões que ele deixou naquela parte sensível
pareceram incendiar rapidamente outras partes de meu corpo.
— Eu estava com saudade do seu cheiro… Seu gosto. — Movi-me devagar contra
seus dedos e gemi novamente. — Porra, eu quero me enterrar em você a noite toda,
Evangeline!
Inferno, eu já estava molhada o suficiente para ele colocar esses planos em prática!
— Acha que consegue aguentar isso? — murmurou contra o lóbulo de minha orelha.
— Sim.
Um som de reprovação ecoou na enorme sala quando ele afastou seus dedos de meu
sexo, mas logo veio a sensação maravilhosa de ter o membro de Guilhermo roçando aquele
mesmo local. Ele guiou seu pau em movimentos vagarosos de minha entrada até meu
clitóris, conseguindo, assim, me deixar mais molhada.
— Senti saudade da forma comedida que você geme no meu ouvido quando meu pau
te provoca como agora.
Tomei fôlego para dizer algo, mas as minhas palavras foram interrompidas por uma
nova afirmação sua:
— Senti saudades de tudo em você, Srta. Howell.
Suspirei profundamente e mordi o canto dos lábios.
— Eu também senti sua falta, ok? — Fiz uma pausa e respirei fundo enquanto
Guilhermo deslizava uma camisinha por seu membro. — Por isso quero você dentro de mim
agora. Preciso disso. Então pare de me provocar!
Senti seu sorriso quando ele me beijou, segurou minhas pernas com força e as levou
para seus quadris.
— Guilhermo! — tentei repreendê-lo quando percebi que, mesmo após a mudança
de posição, ele continuaria a me provocar.
— Shhh… — Fechei os olhos automaticamente assim que ele pressionou sua testa na
minha. — Vou fazer isso da forma que você precisa, ok? Também estou louco por isso…
Mas… — Maldição. A palavra ecoou em minha mente por todos os segundos que ele
demorou para prosseguir. Tudo o que eu registrava era o maldito vai e vem que nunca me
dava o que eu realmente queria.
Um gemido meu ainda mais alto reverberou pela sala quando Guilhermo se enterrou
em mim de uma só vez. Numa estocada forte, rápida e deliciosamente profunda. Minhas
paredes se comprimiram e o apertaram com força, fazendo-o gemer contra minha boca.
Aquilo se repetiu duas vezes mais e o prazer foi quase impossível de suportar.
Levei minhas mãos aos cabelos de Guilhermo durante os segundos que precisamos
para nos recuperar da onda tórrida de prazer que quase me levou ao ápice.
— Quero saber o quanto pode aguentar.
Sorri, sem acreditar.
— Vamos voltar aos jogos de Barcelona? — questionei em seu ouvido. — Quer
mesmo saber se posso retardar um orgasmo?
Guilhermo se aproximou o suficiente para se enterrar ainda mais em mim.
Cerrei os olhos com força.
— Se quiser pensar assim.
Expirei devagar e diminuí a pressão de minhas unhas em seus ombros.
É claro que eu também posso jogar esse jogo… Melhor que ele.
A próxima vez que ele foi apertado dentro de mim foi de propósito, e sorri
descaradamente contra seus lábios após fazer isso e ouvi-lo suspirar baixinho.
— Boa sorte nessa — murmurei contra seus lábios antes de beijá-lo.
Guilhermo se moveu dentro de mim e suas mãos tocaram minhas nádegas com força,
mas ele sorriu antes de retribuir o beijo e proferir:
— Acha mesmo que se sairá melhor que eu nisso, Cariño? — Não tive certeza se foi
sua voz rouca ou a última palavra usada por ele, mas minha pele se arrepiou após aquela
pergunta.
Admiti para mim mesma as chances existentes de perder para ele quando ele
começou a se mover, o fato de ser completamente preenchida por Guilhermo me deixou
inerte em milhares de sensações por alguns segundos.
Gemi baixo contra seu ouvido quando o senti colocar todo o seu membro dentro de
mim e depois se afastar para repetir aquele ato. De novo e de novo. Com movimentos
ritmados e perfeitos.
Controle-se, Evangeline!
— Três rounds, espanhol arrogante — murmurei.
Minhas unhas afundaram em sua pele novamente quando meu sexo se contraiu e o
apertou ainda mais.
— Acho que ganharei o primeiro — provocou.
— Não tenha tanta certeza.

No dia seguinte:
Fechei os olhos por um momento e, ao abri-los, avaliei a posição em que Guilhermo
e eu estávamos deitados. Eu mantinha uma perna sobre as suas e um de seus braços me
envolvia. Seu peito se movia gradativamente à medida que ele respirava, e eu sabia quais
eram os intervalos entre suas inspirações e expirações. Estava acordada há pelos menos
vinte minutos, tempo suficiente para perceber aquilo.
Meu dedo indicador seguiu lentamente a trilha de pelos de seu torso e, em seguida, o
seu caminho da felicidade, que terminava na borda do lençol que o cobria.
Eram pouco mais de oito da manhã, eu estava ciente do meu voo para Miami ao
meio dia, mas não ligava. Sabia que Guilhermo estava exausto, não somente por nossa noite,
ele também não deve ter dormido nada bem durante estas duas semanas, na Itália. Eu ainda
queria ficar um pouco com ele antes de viajar para o casamento de Carla e Josh.
Suspirei baixinho ao me lembrar de tudo o que preciso contar a Guilhermo. Não sei
como ele pode reagir à insistência de Steve em continuar em minha vida e não consegui
pensar em nada além da verdade para contar sobre a invasão à minha casa e o fato de David
e eu acreditarmos que alguém queria me tirar de circulação, como ele mesmo disse.
Decidi me mover em seus braços para levantar e seguir para o banheiro de uma vez.
Cerca de vinte minutos depois, eu terminava de vestir uma das camisas de
Guilhermo e uma cueca sua também.
Fui até a cozinha e não neguei a surpresa ao ver uma senhora baixa arrumar a mesa
com o café da manhã. Senhora Bennet. Lembrei-me do dia em que Guilhermo me falou que
ela é quem arruma o apartamento e prepara suas refeições.
— Bom dia — cumprimentei-a assim que ela deu meia-volta e se assustou ao me
ver.
Um sorriso doce surgiu em seus lábios. A surpresa foi erradicada de sua expressão e
ela deixou de franzir o cenho.
— Bom dia, señorita Howell — ela disse.
Apertei os lábios ao me aproximar. Decidi ignorar o fato de estar praticamente nua,
já que não usava sutiã ou calcinha e me sentei à mesa. Ela já havia me visto, de qualquer
forma.
Não me lembro de Guilhermo ter me apresentado a ela, como ela me conhece?
— Como sabe quem sou? — perguntei assim que ela foi ao fogão pegar algo.
— O Sr. D’Angelo me disse que estaria aqui.
Arqueei uma sobrancelha ao ouvir isso.
— Guilhermo disse que…
Ela sorriu ao colocar um prato repleto de panquecas sobre a mesa.
— Não. O Sr. Theodory D’Angel, me pediu que viesse hoje, porque Guilhermo
havia voltado e estava com a namorada.
Sorri.
Como ele sabia que eu viria para o apartamento de Guilhermo?
— Bom dia. — Voltei-me para Guilhermo assim que ele entrou.
Retribuímos o seu cumprimento e ele foi até a Sra. Bennett beijar os cabelos
grisalhos da senhora que era muito mais baixa que ele.
— Como está Eloíse?
— Muito bem, querido, e você? Está melhor?
Ele concordou com um aceno e se voltou para mim.
— Já conheceu minha namorada?
Um sorriso amarelo surgiu em meus lábios quando ele se sentou ao meu lado.
A mulher assentiu.
— Ela é linda, querido. Vocês formam um casal amável.
— Casal amável… Isso soou estranho — ele repetiu baixinho com o cenho franzido.
— Eloíse era minha babá quando eu era criança, eu mencionei isso? — perguntou para mim.
Coloquei uma das mãos sobre os lábios para me impedir de rir alto.
— Era? Ou é?
Ele apertou os olhos para mim.
— Era. Eloíse só veio porque me ama demais para me deixar vir a Nova Iorque
sozinho, não é, Lise?
A senhora riu ao colocar a chaleira sobre a mesa, à nossa frente.
— Achei que eu estivesse aqui porque você me amava demais para me deixar em
Barcelona.
Foi minha vez de rir. Guilhermo deu de ombros.
— Isso também. — Acenei em negativa
— Guilhermo lhe dá muito trabalho, Sra. Bennett?
— Me chame de Lise, menina — ela pediu de maneira afável, enquanto secava as
mãos. — Guilhermo sempre foi hiperativo, sabe? Mas creio que de uns anos para cá ele
tenha se tornado mais calmo.
— Hiperativo? — ele ecoou antes de tomar um pouco de chá. — Não me lembro de
ter sido hiperativo.
Mordi os lábios com força ao imaginar uma versão menor de Guilhermo. Se hoje ele
tem tanta energia para gastar fazendo sexo, antes essa energia concentrada, sem o sexo,
deveria ser muito mais perigosa.

***
Meia-hora depois, Lise já havia ido ao supermercado fazer as compras e Guilhermo
e eu estávamos na sala, sentados juntos sobre o sofá. Era pouco mais de nove da manhã.
Eu estava enrolando, pensando na melhor maneira de iniciar a conversa sobre Steve
e o casamento de Carla, por isso estávamos em silêncio há quase quinze minutos.
— O que está acontecendo? — O hálito quente de Guilhermo contra meu ouvido
irradiou calor a todo o meu corpo.
Olhei para nossas mãos entrelaçadas sobre meu colo e apertei os lábios. Nós as
entrelaçamos involuntariamente quando sentei-me entre suas pernas e minhas costas tocaram
seu peito. Cerrei os olhos por um momento e resisti à vontade de apertar ainda mais minha
mão à sua. Eu sequer sei o que me levou a querer que continuássemos desta forma… Por
muito tempo.
— Invadiram minha casa novamente. — Me arrependi-me por minhas palavras
abruptas, um segundo após proferi-las.
Senti o corpo de Guilhermo se enrijecer rapidamente contra o meu. Nossa posição o
impedia de me encarar ou se mover.
— O quê?
— Logo após Steve aparecer, invadiram minha casa… — expliquei. — Eu me
atrasei para chegar do trabalho e, quando cheguei, ouvi apenas tiros. Os seguranças me
tiraram de lá antes que qualquer pessoa descobrisse que eu já estava na frente de minha
casa.
— Aquele filho da…
— Não. — Acenei em negativa e me desvencilhei dele para me sentar de forma que
pudesse mirá-lo. — Steve foi atrás de mim depois de tudo.
A ira refletida em seus olhos azuis foi suficiente para me calar completamente.
Havia gana ali, e naquele momento eu concordei com David: não era com Guilhermo que eu
deveria me preocupar durante um encontro dele com Steve.
— Como ele te encontrou, e por que foi atrás de você?
Expirei lentamente quando o homem à minha frente levantou. Guilhermo era pelo
menos quinze centímetros mais alto que eu, e estar sentada enquanto ele estava em pé,
exalando toda aquela raiva, me deixava temerosa sobre como terminaria aquela conversa:
com ele querendo matar Steve ou com sua fúria voltada para mim enquanto ele questionava-
me sobre o motivo de não ter lhe contado antes.
— Steve colocou seguranças atrás de mim, eles estavam nos seguindo quando
cheguei em casa àquela noite e foram atrás do carro em que estávamos quando Logan e Scott
me levaram a um dos apartamentos de David.
Levantei quando percebi que uma infinidade de pensamentos estava evidentemente
passando pela cabeça de Guilhermo.
— Por que ele foi atrás de você? — repetiu, parando para me encarar.
Desentendimento. Era o que estava em seus olhos.
— Segundo ele, precisa me proteger.
O riso sarcástico que fugiu da garganta de Guilhermo me confundiu. Mas foram
necessários poucos segundos para que eu lembrasse que minha reação também fora essa.
Minha incredulidade mesclada à raiva também resultou no excesso de sarcasmo. Esperei
suas próximas palavras.
— O que David acha sobre tudo isso? — perguntou, agora com expressão séria.
Percebi que ele não quer perder tempo com nenhuma pergunta impertinente. Mas eu tinha
certeza de que havia mais do que raiva nele. Só não sabia dizer o quê.
— Ele, inicialmente, achou que Steve tivesse algo a ver com a invasão à minha casa.
Mas se absteve a qualquer julgamento ao saber que ele fora atrás de mim. — Fiz uma pausa.
— David foi a Nova Orleans na semana passada. Está trabalhando em uma investigação. Há
três dias ele me disse que os policiais que estavam vigiando Steve relataram uma viagem
abrupta… a Montevidéu. Só descobriram o destino porque Nathan, chefe da segurança de
minha casa, conseguiu a informação no aeroporto internacional.
Um silêncio desconfortável seguiu minhas palavras.
Engoli em seco enquanto repassava minhas próprias palavras à procura de qualquer
deslize meu… Qualquer palavra em falso que o levasse a questionar o meu passado. E pior,
a parte dele que eu escondia para proteger minha família… E agora, devia admitir, proteger
Guilhermo.
— Digamos que Steve não teve a ver com isso. Por que o filho da puta decidiu
simplesmente voltar e colocar alguns capangas atrás de você?
— É o que todos nós queremos saber — admiti, voltando a me sentar sobre o sofá.
Guilhermo voltou a me encarar, seus olhos avaliaram os meus em uma atenção e
prudência desconcertantes.
— E seu ex-cunhado? — inquiriu, aparentemente tentando unir as peças soltas que
eu deixava para ele.
— Estava entre os homens que invadiram minha casa — contei. — Mas David acha
que ele estava lá a mando de outra pessoa.
Resisti à vontade de fechar os olhos ao ouvir minhas próprias palavras. Inferno! Eu
estava indo tão bem. Tinha que deslizar justo nesta informação?
— Quem, além de Steve, tem motivos para querer te sequestrar?
E é claro que Guilhermo era esperto o suficiente para perceber isso.
Não consegui manter o contato visual com ele ao responder. Omitir verdades já era
difícil, ter que mentir, e, pior, olhando em seus olhos, era impossível. Principalmente
naquele momento.
— Eu não sei.
Eu o ouvi suspirar lentamente, provavelmente tentando se acalmar. Segui seu
exemplo e voltei a fitá-lo. Guilhermo avaliava a vista para Nova Iorque, concedida pela
parede de vidro do apartamento.
Ele percebeu. É claro que Guilhermo percebeu que eu estava mentindo, mas preferiu
não dizer nada. Eu não sabia se isso era bom ou ruim. Pendi para o ruim quando minutos se
passaram e ele se manteve em silêncio.
O toque de meu celular me tirou do torpor em que meus pensamentos me instalaram.
Levantei e segui para o quarto, para pegar o aparelho que tocava alto e
incessantemente no quarto.
Suspirei brevemente ao olhar a tela. “Bryce.”
— Bryce, eu estou ocupada — avisei assim que atendi. Sem me importar
minimamente em parecer grossa.
— Evy, você já está em Miami? Carla está atrás de você! Ela e a centena de damas
de honra! — avisou.
Fechei os olhos com força ao me lembrar do casamento… Meu voo… A despedida
de solteira.
— Meu voo está marcado para o meio-dia — avisei-o. — Vou ligar para Carla
daqui a pouco, não se preocupe.
Ele suspirou. Ouvi vozes masculinas chamando-o e lembrei que ele e os amigos de
Josh, o noivo, estavam responsáveis por organizar a despedida de solteiro do amigo.
— Tente não ter um colapso nervoso ainda. — Tentei ajudar a nós dois com um
comentário bobo. — O casamento só é amanhã.
Ele bufou.
— Estou velho demais para isso — resmungou.
— E olha que só tem trinta e um anos — lembrei-o, sem graça. — É só uma festa.
Nem precisa beber, se não quiser.
— Talvez beber ajude — ele disse. Parecia ter dito isso para si mesmo, mas não
entendi.
— Mais tarde nos falamos, Bryce. Tenha um bom dia.
Desliguei e joguei o celular sobre a cama.
— O que Bryce queria com você?
Assustei-me ao ouvir a voz de Guilhermo e olhei-o, completamente surpresa. Ele
estava ouvindo minha conversa?
— Queria me perguntar sobre minha localização — respondi. — Temos um
casamento para ir amanhã e hoje é a despedida de solteiro dos noivos.
Ele apertou os olhos para mim, como se perguntasse o que isso tinha a ver com
Bryce e eu… Juntos na mesma frase… e festa.
— Seremos padrinhos — explanei, já sem paciência.
— O que mais aconteceu enquanto eu estava na Itália? Há algo de que eu precise
saber?
A culpa que me corroía por mentir para ele minutos atrás foi trocada pela
incomplacência diante de sua desconfiança.
— O casamento será em Miami — repliquei, enquanto me dirigia ao cabide em que
meu vestido estava.
— O quê?
Mirei-o novamente. Sabia que ele não gostaria nada de saber disso e nem queria
contar desta forma, mas nada saiu como o planejado.
O misto de sentimentos em seus olhos azuis me confundiu.
— Você irá a Miami? Apenas você e Bryce? — arqueei uma sobrancelha, pronta
para retrucar, quando ele completou ainda mais alto. — Não mesmo!
Semicerrei os olhos em sua direção e apertei o vestido em minhas mãos.
— Eu não queria que ficasse sabendo disso desta forma, mas já que é assim, vou
explicar: o casamento será amanhã, serei madrinha e Bryce o padrinho, você querendo ou
não, eu estarei em Miami ainda hoje.
— Pretendia me contar isso quando já estivesse lá?!
Bufei. Apenas naquele momento ficou claro para mim que Guilhermo é tão ciumento
quanto eu. E, pelo visto, nenhum de nós confia nos irmãos Osmari. Ele não confia em Bryce
e eu não confio em Rachel.
— Teria contado antes, se os acontecimentos tivessem sido outros.
Percebi que ele tentava respirar fundo e se acalmar, mas suas narinas se dilatavam a
cada lufada de ar. Aquilo era intimidador.
— Não suporto aquele filho da puta. A ideia de tê-lo ao seu lado, principalmente em
um altar, não me agrada. — Ergui a sobrancelha direita, instigando-o a concluir. — Eu não
quero que você vá.
— Não vou faltar a esse casamento porque você não quer que eu vá, Guilhermo.
Confie em mim!
— Eu confio! — ele respondeu, alterando-se tanto quanto eu novamente. — Não
confio naquele desgraçado! Evangeline, ele quer você!
Virei-me de costas para ele e mordi o canto dos lábios. Tentei respirar normalmente
enquanto recolhia minhas coisas, após arrumá-las na bolsa, voltei-me para Guilhermo, que
já parecia muito mais calmo, mas não tranquilo.
— Não estou pedindo sua permissão para ir, estou avisando que eu vou — esclareci.
— Serão dois dias. No domingo à noite estarei de volta.
Ele tentou me interromper, mas não permiti:
— Eu não quero e não vou permitir que qualquer outro me toque. O único toque que
quero é o seu, Guilhermo. Confie em mim… — Franzi o cenho ao vê-lo acenar em negativa
e se afastar. — Será que não pode ceder apenas por isso? São dois dias que não significam
nada para você.
Ele sorriu sem humor, virou de costas para mim e abriu a porta.
— Acho que já cedi até demais — foram suas últimas palavras antes de sair.
CINCO
GUILHERMO
Aquele filho da puta é conivente com Steve — concluí após reler a carta de Steve
para David, que eu peguei quando o filho da puta sequestrou Evangeline.
Enquanto seguia para a filial, após a saída de Evangeline de meu apartamento,
relembrei as palavras que ela usou para me contar tudo o que acontecera enquanto eu estava
na Itália. Evangeline disse que John fora um dos desgraçados a invadir sua casa para
sequestrá-la, se ele é cúmplice de Steve, é obvio que esse bastardo queria a chance de
bancar o herói para minha mulher.
Bufei enquanto guardava a carta no carro.
Havia tantas pontas soltas em toda essa história, que eu deveria passar a enumerá-
las e tentar decifrá-las uma por vez, talvez assim conseguisse unir as lacunas e formar algo
coerente o suficiente para compreender o passado de Evangeline; os motivos de a estarem
perseguindo e, principalmente, a atual situação para descobrir uma forma de protegê-la de
tudo.
Após estacionar o carro, subi todos os andares até a cobertura, onde minha sala
estava localizada.
— Boa tarde, Sr. D’Angelo. — Tomas me cumprimentou ao me ver. — Bem-vindo
de volta.
— Obrigado, Tomas — agradeci com um aceno e abri a porta de minha sala.
— Senhor? — Voltei-me para ele rapidamente e franzi o cenho ao vê-lo com uma
pequena caixa e um chaveiro em mãos. — O carro que o senhor pediu para a automotiva da
Alemanha está no estacionamento. Esta é a chave e isto veio junto.
Peguei a caixa de sua mão e as chaves também. Estas eram de um carro blindado que
solicitei há duas semanas e a caixa continha alguns rastreadores… Pequenos e praticamente
imperceptíveis. As duas encomendas seriam muito úteis.
— Obrigado — murmurei antes de entrar.
Minha mesa estava completamente organizada, como de costume, e sentei-me em
minha cadeira com um suspiro cansado. Antes que mais lembranças sobre a maldita
conversa — ou discussão — que tive com Evangeline voltassem a me perturbar, eu decidi
ligar para David e avisar que o carro blindado dela já estava em Nova Iorque.
— Guilhermo? — ele disse ao atender.
— David, o carro de Evangeline já está aqui na empresa, cara.
— Ok. Vou pedir que Logan vá pegá-lo. — Ele fez uma pausa. — Você está na
empresa? É quase meio-dia, achei que o voo de vocês era nesse horário.
Expirei profundamente e afundei-me ainda mais em minha cadeira.
— Evangeline irá sozinha a Miami — expliquei, mas logo retifiquei. — Na verdade,
irá com Bryce. Ficará lá com Bryce… Subirá ao altar com Bryce.
Houve silêncio por alguns segundos, até que ouvi o alarme baixo de um micro-
ondas.
— Porra, vocês são bem parecidos — resmungou de forma debochada. — Ela
também foi bem repetitiva ao enfatizar que você estava com Rachel naquela festa.
Franzi o cenho.
— Do que você está falando? — inquiri, sem entender.
Ele riu baixo e achei tê-lo ouvido fechar uma geladeira.
— Esqueça… O que aconteceu?
Hesitei momentaneamente e bufei ao encostar a cabeça na cadeira e fechar os olhos.
Uma vez David tentou me alertar sobre como agir com Evangeline quando ela se
recluía, talvez tivesse um novo bom conselho sobre como lidar com aquela mulher.
— Ela me contou sobre o que aconteceu — respondi. — Partes do que aconteceu, na
verdade… Tenho certeza de que me esconde muitas coisas e não somente sobre o que
ocorreu durante minha viagem à Itália.
O homem do outro lado da linha manteve-se em silêncio.
— Pode ser a porra de um drama ridículo da minha parte, mas ela age como se eu
não estivesse em nada disso, como se não pudesse fazer parte de sua vida desta forma,
quando… — Parei de falar ao abrir os olhos. — Quando eu achei que já tivéssemos
superado isso.
— Guilhermo, você…
— Eu sei que há muitas coisas erradas, David. Sei que alguém está tentando
incriminá-la por crimes que ela não cometeu, que alguém está tentando sequestrá-la, talvez
matá-la, e que ela tem a droga de um ex-namorado no encalço dela… Mas acho que se um
desses malditos detalhes me preocupasse de verdade, ou se eu me importasse com o que
pode me acontecer, eu já não estaria com ela… É tão difícil Evangeline perceber isso?
— Ela não vê as coisas desta forma, Guilhermo — ele disse. — Tudo o que ela
consegue enxergar quando percebe que você pode descobrir coisas demais, é que isso pode
te colocar em perigo. E que se algo acontecer com você, a culpa será dela.
— Eu sei, ela já havia me mostrado que gosta de tomar decisões por outras pessoas.
— A ironia em minhas palavras o fez suspirar.
— Você está bravo assim porque ela foi àquele casamento em Miami e porque Bryce
estará lá ou porque ela decidiu omitir alguns fatos sobre essas duas semanas?
O eufemismo usado por ele me fez revirar os olhos. O “alguns fatos” era
simplesmente todo o passado de Evangeline.
— Pois bem, se servir de conforto, vou lhe contar sobre um passado não muito
distante. — David pareceu resignado ao murmurar aquilo. — Há dois anos, Bryce e
Evangeline chegaram a ter um tipo de caso.
Levantei em um sobressalto de minha cadeira.
— O quê?!
O homem ignorou minha pergunta e prosseguiu, com a mesma calma de antes:
— Nunca chegaram sequer a dormir juntos. Ela nunca conseguiu deixar que ele a
tocasse… Por mais que Megan, Melanie, Leslie e eu tentássemos convencê-la a ao menos
tentar gostar dele, após o terceiro encontro, ela disse a ele que preferia que fossem apenas
amigos.
O vermelho que eu enxergava por causa da raiva se esvaiu quando comecei a
realmente compreender todas aquelas palavras. Não era mais Bryce tentando tocar no que é
meu, e sim Evangeline repelindo-o, como fez comigo no início… Mas diferente do que
David acabara de afirmar, Evangeline me deixou tocá-la desde o nosso primeiro beijo…
Foi apenas depois dele que ela tentou me impedir de me aproximar novamente… Isso até
que começamos a nos conhecer de verdade.
Permaneci em silêncio quando entendi aonde David queria chegar. Ela não
permitiria que Bryce ou qualquer outro a tocasse, porque não conseguia… Não queria ser
tocada por qualquer homem.
As novas indagações a respeito dos motivos disto me fizeram chegar rapidamente a
uma conclusão.
— David, Evangeline foi… — Ele me interrompeu.
— Já falei demais, cara — replicou. — O fato que você não pode ignorar é que ela
já cedeu e enfrentou medos demais para se permitir ter esse relacionamento com você hoje.
Não ache que para ela é mais fácil, porque não é. Ela saiu de Nova Orleans para proteger a
família há mais de sete anos, não fez isso agora porque sabe que não adiantará.
Não consegui formular uma resposta após sua afirmação.
— Eu a conheço, sei que ela seria capaz de dar a vida por quem ama. Ela mantem
muitas coisas consigo há muito tempo; segredos, medos e verdades, mas jamais preocuparia
a família com isto. De um jeito ou de outro, você já e alguém que ela ama, então, se ela acha
que não te contar as coisas que mantém escondidas te deixará seguro, não contará.
— Essa não é uma escolha somente dela.
O ouvi rir, mas tive certeza que foi sem qualquer humor.
— Tente colocar isso na cabeça dela, cara — ele disse. — Tento fazê-lo há mais de
sete anos.
Involuntariamente, lembranças do dia que liguei para Evangeline e percebi que ela
chorava me voltaram à mente… Depois me lembrei da forma que ela chorou em meus
braços quando me contou sobre a morte de sua secretaria e como se afastou quando
percebeu que realmente chorava.
Ela quer ser mais forte do que na verdade é.
Suspirei quando David avisou que desligaria. Deixei o celular sobre a mesa e o
encarei enquanto mais cenas do passado inundavam minha mente.
Agora que eu finalmente a entendia, não sabia se estava mais louco por ela ou por
fazê-la repensar suas decisões.

EVANGELINE
Na pequena praia onde realizariam o casamento, já estavam terminando de organizar
tudo. Eu estava enganada, Miami não é como Nova Iorque, ao menos nesta praia há o sol
durante o dia e muito calor. Não a neve e o frio. Dizem que à noite aqui é linda, mas também
muito fria. E como ontem foi a despedida de solteira de Carla, e não saímos do hotel, eu não
pude aproveitar a calmaria noturna da praia.
Toda decoração da festa está linda, simples e muito chique. Flores brancas formando
a trilha que a noiva seguirá em poucos minutos. As cadeiras feitas com uma madeira simples
e pintadas de branco. Absolutamente tudo é branco, exceto o altar, que é feito de uma
madeira clara, que eu sequer sei o nome.
Até agora há pouco, eu tentava ter um bom desempenho como madrinha, ajudava
Carla a se preparar — e se acalmar. Enquanto Bryce tentava acalmar Josh, o que era ironia,
já que o noivo estava mais nervoso que a noiva.
Bryce e eu apenas trocamos acenos e cumprimentos ontem e hoje. Os homens
tiveram a despedida de solteiro do amigo e ele esteve realmente ocupado com os
preparativos. Mas acho isso ótimo. Embora ele não tenha culpa, acho que Bryce já me
trouxe problemas demais em relação a Guilhermo.
Guilhermo e eu não nos falamos desde ontem pela amanhã, quando me despedi ao ir
embora de seu apartamento. No início senti que estava agindo certo em tudo isso, sobretudo
em relação ao casamento, mas enquanto estava sentada no avião, percebi duas coisas:
Primeiro, se fosse ele e Rachel neste casamento, em um altar juntos, eu teria agido
da forma que ele agiu. Talvez com muito mais ironia nas respostas.
Segundo, Guilhermo está namorando há quase um mês uma mulher que quase não
conhece… E que se recusa a contar qualquer coisa sobre seu passado. Segundo David —
que conversou comigo hoje pela manhã para me avisar que o carro blindado solicitado por
Guilhermo já havia chegado —, Guilhermo também deveria estar presente durante minhas
decisões e ter o direito de opinar sobre elas, principalmente quando o envolviam.
David poderia estar certo, mas eu sabia que tudo mencionado por mim, divergiria às
opiniões de Guilhermo.
Termino de me arrumar exatamente às quatro e meia. Phill, o cabelereiro, já tinha
feito meu penteado, deixando meu cabelo preso em um coque chique e ainda colocando uma
linda flor branca nele. Coloquei pouca maquiagem e troquei o meu batom vermelho por um
rosa.
O vestido, claro, é simples e branco, tomara que caia na altura dos joelhos. Pego
meu pequeno buquê e saio do chalé para ir ao encontro de Carla.
***

Após o casamento, como tradição, a primeira valsa é do casal de noivos — agora


marido e mulher — e o buquê da noiva o mais cobiçado. E enquanto as mulheres se matam
por ele, eu apenas tomo um bom champanhe e assisto a tudo.
— Por que você também não vai? — Assustei-me ao ouvir sua voz.
— Que susto, Bryce!
— Desculpe. — Ele sorriu. — Por que não foi? Não quer se casar? — sentou-se ao
meu lado. Olhei para sua taça e percebi que estava cheia… Novamente. Sei que ele está
exagerando e algo me diz que isso tem alguma coisa a ver com o fato de ele estar estranho
há muito tempo.
— Eu? — Fiz uma pausa enquanto pensava sobre aquilo. Há mais de sete anos um
casamento, me envolvendo, não passa por minha cabeça. — Acho que qualquer uma delas
quer e merece isso mais do que eu… — concluí.
Voltei a olhar para as mulheres sob a tenda, todas se empurravam à procura do
melhor lugar para agarrar o buquê. Uma mão tocou suavemente meu cabelo e minha atenção
se voltou a Bryce quando ele retirou a tulipa de meu penteado.
— Você se parece mais com ela agora. — Juntei as sobrancelhas involuntariamente
quando desentendimento me preencheu. — Tulipas são as flores preferidas da Allie.
— Quem é Allie? — questionei, lembrando-me de que a única Allie que conheço
era a prima de Guilhermo.
Bryce apertou os olhos para a flor que segurava e a colocou sobre a mesa. Pegou sua
bebida novamente e a sorveu, enquanto parecia mergulhar em pensamos.
— Ninguém — murmurou em resposta no segundo em que Scott, o segurança, se
aproximou de nossa mesa.
— Srta. Howell? — chamou-me.
— Sim?
— Preciso que venha comigo. Agora — disse em tom sério e profissional.
Engoli em seco e olhei com discrição para os lados. Não é possível que John esteja
atrás de mim novamente.
— Ok. — Levantei-me e voltei-me para o homem na cadeira à minha frente. —
Desculpe, Bryce. Depois nos falamos, tudo bem?
— Não se preocupe. — Ele ergueu a taça alguns centímetros e me desejou boa noite.
Pego o pequeno buquê de cima da mesa e arrumo o agasalho para tentar diminuir os
efeitos do frio. Sigo-o em completo silêncio enquanto ele me leva para o chalé que aluguei
para passar os dias em Miami.
— Há algum perigo na praia? — questionei quando ele abriu a porta para que eu
entrasse. Logan estava frente à porta e me cumprimentou com um aceno quando entrei.
— Não. — E a porta foi abruptamente fechada.
Franzi o cenho ao ligar as luzes e abafei um grito de susto ao ver Guilhermo em pé
próximo ao sofá. Expirei o ar lentamente e levei uma das mãos ao peito. Ele sorriu. O
maldito sorriso sensual de Barcelona.
— Guilhermo — sussurrei para mim mesma. Meu coração acelerou e quase pulou
do peito. Seu sorriso aumentou.
— Está mesmo surpresa? — questionou enquanto se aproximava. Ele vestia um belo
blazer azul cobalto com calça branca. Os olhos azuis me avaliaram.
— Sim, eu… — me interrompi quando ele parou a pelo menos dez passos de
distância de mim. — Você está aqui — repeti debilmente o que meus olhos me mostravam.
— Meu Deus! Você está aqui.
Percorri a pouca distância entre nós e o beijei. Relaxei completamente quando ele
retribuiu sem antes dizer qualquer palavra. Toquei-o como se quisesse confirmar que aquele
não era um sonho e o senti me tocar suavemente, isso me fez esquecer a última sexta-feira.
— Quando chegou aqui? — perguntei, acabando com o beijo, mas mantendo a
proximidade entre nós.
— Ainda há pouco. — Guilhermo beijou minha testa e me abraçou em seguida. —
Conseguiu pegar o buquê?
Arrisquei que ele mirava o pequeno buquê que descartei no chão para tocá-lo,
anteriormente.
— Não… Ele deve estar com uma jovem de 35 anos agora.
— Que pena… — O tom brincalhão que ele usou me fez sorrir. — Você comeu algo
na festa? — inquiriu enquanto me levava na direção do corredor.
— Sim… Achei que estivesse zangado.
— Eu estava, mas decidi esperar que você confie em mim para me falar sobre seu
passado. — Ele indicou a cozinha e meus lábios se entreabriram quando vi a mesa
preparada para um jantar a dois. — Teremos que pular o jantar.
— Guilhermo, eu confio em você… — murmurei, voltando a fitá-lo.
Ele sorriu novamente e me beijou.
— Eu sei. Também confio em você, por isso vou esperar.
Usei um dos braços para envolver sua cintura e entrelacei minha mão à dele.
— Obrigada — agradeci, mesmo que acreditasse que nunca seria capaz de lhe
contar sobre esse passado.
Ele abriu lentamente a porta do quarto que eu dormi na noite anterior e ligou as luzes
dele.
— Sabe o que eu acho, senhorita Howell?
Apertei os lábios para não sorrir ao vê-lo se aproximar da cama. Quando ele se
voltou para mim, eu me encostei ao batente da porta e acenei em negativa.
— Que depois de duas semanas longe da minha namorada, uma noite não foi
suficiente para matar a saudade.
Ri ao ouvir aquilo. Após entrar no quarto, tranquei a porta.
— E o que será suficiente?
Joguei o agasalho que vesti ainda há pouco próximo ao cabide e vi Guilhermo tirar o
blazer.
— Não tenho certeza, mas talvez um dia e duas noites com ela em um chalé de uma
praia maravilhosa parecem um bom começo. — Ele fez uma pausa enquanto abria os botões
da camisa. Mordi o canto dos lábios suavemente ao ver a pele bronzeada de seu peito e os
pelos sedosos dele emergirem à medida que a camisa era aberta. — Tomei a liberdade de
deixar o chalé dela reservado por mais uma noite. Acha que ela concordaria?
O sorrisinho insolente em seus lábios e o divertimento estampado em seus olhos me
deram certeza do seu jogo de provocações.
Fingi pesar suas palavras com a cabeça, movendo-a de um lado para o outro
lentamente, enquanto deslizava o zíper do vestido branco que eu usava. Segundos depois,
ele estava no chão, e eu vestia apenas uma calcinha azul à frente de Guilhermo.
Foi perceptível para mim quando ele inspirou profundamente e umedeceu os lábios.
Seus olhos brilharam por um segundo, mas depois se tornaram escuros, o azul chegou à
linha tênue que o divergia do preto, quando suas pupilas se dilataram.
— Solte os cabelos — ele mandou. A voz rouca, mas potente, ecoou pelo quarto. As
vibrações dela chegaram até mim e senti minha pele se eriçar vagarosamente após isso.
Foi minha vez de lhe dar um sorriso insolente ao soltar os cabelos e eles caírem em
cascata por minhas costas e seios. Meus dedos roçaram a lateral da calcinha quando percebi
que ele avaliava meu corpo quase nu.
— Não — advertiu, em tom autoritário. Baixei um pouco do tecido fino e isso fez
com que Guilhermo saísse de onde estava.
O calor que emanava de seu corpo esquentou o meu mesmo antes de ele me tocar.
Uma de suas mãos cuidou de rasgar minha calcinha e, a outra, colou meu corpo ao seu um
segundo depois. A pressão de meus seios em seu peito fez com que os meus mamilos
enrijecessem automaticamente. Adorei aquilo.
— Não me dê a porra desse sorriso de novo. Não se não estiver pronta para me ter
dentro de você — ele alertou contra o meu ouvido.
Suspirei em deleite quando seus lábios beijaram meu pescoço e sua barba por fazer,
áspera, provocou minha pele sensível.
Ele me ergueu em seus braços para me levar até a cama.
Eu o assisti hipnotizada durante os segundos que ele precisou para tirar a calça
branca e a boxer marrom e, segundos depois, colocar um preservativo em si.
— Acho que consegui me adaptar à versão do Guilhermo safado — admiti, fazendo-
o rir.
Eu estava sentada sobre a cama, encostada a todos os travesseiros na extremidade
dela, quando ele se aproximou.
— Conseguiu? — questionou contra meus lábios, após um selinho. — Não vai se
surpreender se eu disser que quero chupar você? — Ele juntou nossos lábios novamente em
um beijo mais demorado e caloroso. — Que amo do seu gosto e de como você fica louca
quando faço isso?
Acenei em negativa de novo e gemi baixinho quando ele chupou meu pescoço.
Guilhermo acariciou minhas pernas delicadamente, as separou devagar e depois seguiu para
meu busto. Os seus lábios quentes deixaram beijos suaves intercalados de chupões enquanto
desceram lentamente até o vale entre meus seios, a sua barba os roçou e gostei daquilo. Do
contraste do áspero com o suave e do prazer que isso me proporcionou. Ele sugou meu
mamilo e usou uma das mãos para apertá-lo.
— Guilhermo — sussurrei, já levando minhas mãos aos seus cabelos.
Cerrei os olhos ao senti-lo apertar um de meus mamilos entre seus lábios com força,
sugá-lo como um bebê faminto e depois apertá-lo maravilhosamente. Era como se chamas
aquecessem o sangue em minhas veias cada vez mais, a cada influência de seus lábios e
mãos em meu corpo.
Somente percebi que ele havia levado seus dedos ao interior de minhas pernas,
quando ele me tocou. Minha primeira reação foi tentar fechar as pernas, mas Guilhermo
usou os dentes para mordiscar meu seio e aquilo me fez esquecer qualquer coisa que
pudesse fazer naquele momento.
— Ah, céus — gemi, e Guilhermo fez o mesmo.
Tentei me mover contra seus dedos quando ele começou a finalmente me acariciar,
mas minha posição me impediu e odiei isso.
Ele inseriu dois de seus dedos em meu sexo e os movimentou devagar o suficiente
para me fazer pedir por mais. Mordi os lábios com força ao vê-lo apertar meu seio
esquerdo e depois levar os lábios até ele.
— Um dia… — falei. — Eu vou deixar você tão louco e desesperado quanto você
ama me deixar. Vou fazer você provar do próprio veneno.
Guilhermo entreabriu os lábios ao sorrir, mas mordiscou meu mamilo segundos
depois.
Os dedos e lábios me abandonaram e involuntariamente puxei seus cabelos.
— Guilhermo! Não se atreva a me… — Interrompi-me quando o vi sorrir e beijar
minha boca.
— Tem ideia de quão sexy você está agora? — ele sussurrou enquanto inclinava
minhas pernas. — Nua, excitada e toda aberta para mim. Com os cabelos soltos, a voz rouca
de desejo e, ainda assim, está brava porque quer gozar.
— Quero você dentro de mim — admiti. Acenei em negativa quando o vi se mover
para ficar entre minhas pernas.
— Eu sei — ele disse.
Senti sua língua provocar meu clitóris com movimentos lentos e repetitivos. Seus
lábios fizeram uma pressão deliciosa em meu nele ao sugá-lo suavemente.
— Guilhermo — pedi em meio às sensações e todos os desejos e prazeres que
afloravam em minha pele.
Agarrei seus cabelos com força novamente e gemi sem qualquer pudor quando seus
lábios mantiveram as carícias, desta vez em minha entrada, e intensificaram cada uma delas.
Eu estava ciente de que parecia uma virgem por gemer mais e mais alto a cada
maldito movimento seu, mas não me importava, pelo menos não agora. Sabia que ele se
movia assim exatamente por isso, porque gostava de me ouvir gemer… Por ele, para ele.
SEIS
GUILHERMO
Apertei os lábios para esconder um sorriso quando Evangeline se voltou
rapidamente para o espelho do elevador, após eu beijá-la. Estávamos atrasados e sozinhos,
seguindo para a cobertura do prédio alugado para a filial.
Encostei-me à lateral do elevador e apertei o botão que o faria voltar a se mover.
— Espero que esteja feliz pelo showzinho que acabamos de dar aos seguranças que
monitoram estas câmeras — ela disse, referindo-se às câmeras ali.
— Eu estou mesmo — admiti, olhando para a câmera mais próxima. — É bom que
todos saibam que você é minha.
Ela bufou e voltou a retocar o batom. Evangeline estava de mau humor desde que
acordamos, de madrugada, para pegar o avião de volta para Nova Iorque. Eu só não sabia
se isso era devido ao fato de precisarmos voltar e dar fim ao final de semana maravilhoso,
ou se era porque ela acordou cedo.
— Você fica muito sexy quando está brava, eu já disse isso? — questionei,
avaliando-a através do espelho. Desfiz o coque que prendia seus cabelos e ela se voltou
para mim. Seus olhos verdes brilharam, desta vez de divertimento mal escondido.
— Você não vai me agarrar aqui de novo — afirmou.
Foi minha vez de bufar. Ela voltou a prender os cabelos.
— Eu queria ficar mais tempo naquela praia — disse. Ela pediu sua pasta, que eu
segurava, com um gesto de mãos. — Mas já que voltamos, precisamos lembrar que estamos
na empresa. Somos os chefes. Não podemos dar o mau exemplo e ficar nos agarrando em
qualquer cubículo.
As portas se abriram e saímos do elevador.
— Qualquer parede parece atrativa para tomar você pra mim, quando a vejo nesses
terninhos, senhorita Howell — admiti como se falasse sobre o tempo. Evangeline corou
vergonhosamente.
Alguns funcionários nos cumprimentaram e respondi com simples acenos.
— Pervertido — ela acusou quando chegamos ao corredor de nossas salas.
Sorri e me voltei para ela.
— E, ainda assim, você é louca por mim. — Dei de ombros ao beijá-la suavemente.
— Tenha um ótimo dia, Srta. Howell.
Meu sorriso aumentou quando percebi que deixava uma Evangeline perplexa à frente
de sua sala.
— Senhor, os relatórios da reunião de mais tarde já estão sobre a sua mesa — meu
assessor me avisou após um cumprimento.
— Bom dia, Tomas — cumprimentei-o antes de fechar a porta. — E obrigado.
Parei abruptamente no centro de minha sala ao ver Megan sentada sobre um dos
sofás.
— Bom dia, Meg. — Franzi o cenho ao ver a loira levantar e retirar os óculos que
escondiam seus olhos, eles estavam vermelhos e sua expressão era enfurecida… Mas
também triste.
Meu olhar para ela foi questionador.
— O que aconteceu?
Meu primeiro instinto ao vê-la se aproximar e sentir a fúria que emanava de seu
corpo foi me afastar.
— Você contará tudo à Evangeline — afirmou entre pausas.
Juntei as sobrancelhas, ainda sem compreender, e a segurei quando avançou sobre
mim para me bater.
— Seu filho da puta! Como pôde fazer isso com a Evy?! Como?!
— Do que diabos você está falando? — retruquei, tentando impedi-la de continuar a
me bater.
— Da porra da aposta que fez com Tyler! Que tipo de homem faz aquilo,
Guilhermo?! Me diz?!
Foi como se o mundo tivesse parado naquele momento. Senti todo o sangue se esvair
de meu rosto e minha mente retornou automaticamente a três lembranças simultâneas. Tyler
propondo a aposta e eu aceitando-a. Depois nós dois conversando antes da inauguração da
filial e decidindo dar um fim à ela. E, por fim, a nossa última conversa na Itália, quando
mencionei-a mais uma vez. Megan estava lá.
— Tenha a decência de se defender! Que tipo de bastardo faz uma aposta como
aquela? Você não pode ter iludido tanto a Evy, aparentando ser alguém que não é!
— Porra, aquilo foi há mais de quatro meses! — repliquei. — Muita coisa mudou
desde aquela maldita aposta!
Megan respirava com dificuldade quando se afastou para pegar sua bolsa. Ela
ergueu as sobrancelhas ao colocar os óculos escuros novamente.
— Na verdade, não quero ouvir sua explicação — afirmou. — Você contará tudo a
ela ainda hoje, ou eu o farei.
Andei rapidamente até ela e segurei seu braço com força, para fazê-la voltar a me
encarar.
— Eu não posso fazer isso. — Não me importei com o fato de parecer desesperado.
— Megan, Evangeline terminará tudo entre nós! Ela vai me odiar!
Ela comprimiu os lábios e tentou se soltar de meu aperto, eu permiti.
Levei as mãos aos cabelos e os baguncei quando me afastei da mulher.
— Não posso contar — repeti, já pensando em como Evangeline reagiria a isso.
— Ela merece saber o motivo de você ter se aproximado. — Voltei a mirá-la ao
perceber os resquícios de raiva e mágoa em suas palavras.
— Megan, Tyler e eu não somos os mesmos babacas de Barcelona! Somos loucos
por vocês e a porra daquela aposta não tem nada a ver com isso!
— Diga isso a ela — murmurou. Sua voz se transformando aos poucos em um
sussurro.
— Por que quer que eu faça isso? — perguntei, confuso.
— Porque ela é minha melhor amiga. — Ela fez uma pausa e respirou fundo
enquanto lágrimas finas rolavam por seu rosto. — Se fosse ela em meu lugar, a descobrir
sobre essa droga, tenho certeza de que me contaria. Em seu lugar, eu também gostaria de
saber…
— Megan, eu…
— Não pode continuar enganando-a.
— Eu não estou enganando-a! Eu gosto dela, eu… Eu não posso perdê-la… —
completei, sem saber o que a droga do conflito dentro de mim queria dizer.
— Então não desista dela.
Voltei a mirar Megan e percebi que ela parecia destruída internamente por descobrir
aquilo. Eu não sabia se descobrir sobre a aposta deixaria Evangeline daquela maneira, mas
no momento, tinha certeza que o que ela dedicaria a mim, seria sua raiva.
— Tyler propôs aquilo antes de te conhecer — expliquei. Tentava, de alguma forma,
amenizar sua dor.
— Ele me disse — sussurrou, apertando sua bolsa contra seu corpo. — Eu preciso
ir… Conte a ela, Guilhermo.
Desta vez não tentei impedi-la.
Suspirei profundamente e resisti à vontade de socar algo com força.

EVANGELINE
Após quinze minutos tentando me concentrar na planilha financeira que precisava
analisar, eu finalmente consegui deixar as lembranças do último final de semana de lado por
alguns momentos.
Era quase meio-dia quando Nany me ligou para confirmar se eu levaria Natalie para
almoçar no shopping — eu sequer lembrava que prometera isso na sexta-feira. — Fechei
todas as planilhas que estavam abertas em meu computador e levantei para pegar minha
bolsa e vestir o casaco.
O telefone da sala tocou.
— Podemos almoçar juntos hoje? — Sorri ao ouvir a voz de Guilhermo.
— Eu prometi almoçar com Natalie hoje — contei.
Ele ficou em silêncio por alguns momentos, até que disse:
— Vou pegá-la na Howell’s após o expediente, tudo bem?
Franzi o cenho ao perceber a seriedade em seu tom.
— Sim, eu… — Interrompi-me. — O que houve?
— Preciso falar com você. — Ergui as sobrancelhas e esperei uma explicação
melhor que aquela. — Até mais tarde… Cariño.
Olhei para o telefone em minha mão e meu desentendimento aumentou. Meus dedos
seguiram instintivamente para o colar que Guilhermo me deu ontem, durante nosso jantar —
era o mesmo que tentara me dar de presente de Natal anteriormente, e desta vez não tive
motivos para não aceitar — e o apertei suavemente. Alguma coisa estava errada. Algo me
dizia que aquela conversa não seria nada boa.

***
Por volta de quatro da tarde, saí de uma reunião na Howell’s e segui rapidamente
para minha sala. Tivemos problemas com cinco outdoors de uma mesma empresa em
Boston. É claro que eles reclamariam e obvio que alguém da Howell’s precisaria verificar
a situação e colocar novos, mas que tipo de vândalo destruiria cinco outdoors de uma
mesma empresa?
— Evy, você tem uma visita. — Leslie levantou abruptamente ao me ver. — Quando
voltei do almoço, ele já estava lá e não pude impedi-lo de ficar. Disse que só quer falar
com você.
Entreguei-lhe as pastas que estavam em minhas mãos e peguei meu celular, que
estava tocando.
— Obrigada, Leslie — agradeci. Enquanto atendia a ligação de David, abria a
porta. — Olá, David! Como está?
Paralisei atrás da porta fechada de minha sala ao ver Steve.
— Evy, você precisa ir para casa agora! Descobri algo hoje e você tem que sair daí
agora!
Steve levantou da cadeira à frente de minha mesa e se voltou para mim. Ele estava
com os olhos apertados na minha direção e a fúria incontida em sua expressão quase me fez
regredir para fora da sala.
O que ele está fazendo aqui?
— David, preciso desligar. Depois nos falamos. — Desliguei, mesmo que ele
continuasse a falar. — O que veio fazer aqui? — questionei para o outro homem.
Steve semicerrou os olhos para mim e se aproximou. Reprimi um gemido de dor
quando ele agarrou meu braço com força, me puxou sem qualquer delicadeza e me lançou
contra o sofá.
— Quem é aquele filho da puta?! — foi sua primeira pergunta.
Meus olhos se arregalaram quando percebi que ele tirava algo do bolso do casaco.
Segundos depois, ele jogou um envelope sobre mim.
— Responda, Evangeline!
Engoli em seco enquanto abria o envelope. Eram três fotos minhas… E de
Guilhermo… Nós dois nos beijando no aeroporto, na semana passada. Cerrei os olhos por
um momento e lembrei que os capangas de Steve ainda estavam me seguindo. Certamente
eles eram responsáveis por estas fotos.
Mantenha-se no controle, Evangeline — repeti para mim mesma.
Inspirei profundamente e joguei as fotos do outro lado do sofá antes de levantar.
— Ele é o meu namorado — respondi. Não regredi um passo sequer ao vê-lo se
aproximar. Seus olhos negros não abandonaram os meus, pelo contrário, pareciam vidrados
neles.
— Você me traiu e tem a coragem de dizer isso na minha cara?!
Rolei os olhos e virei-me para colocar certa distância entre nós, mas ele não
permitiu. Steve segurou meu braço com firmeza e puxou meu corpo contra o seu.
— Me solte — mandei, tentando desvencilhar-me. O que foi completamente em vão.
Entre a raiva que me dominava e, eu devia admitir, medo do que Steve seria capaz
de fazer, pensamentos cada vez mais apreensivos dominavam minha mente. Eu não estava
preparada para aquilo. Acreditei que poderia adiar essa descoberta de Steve e,
consequentemente, seu encontro com Guilhermo, mas estava tremendamente enganada. E
agora não sei o que fazer.
Inferno!
— Eu não o traí porra nenhuma! — gritei, expelindo toda a fúria que sentia. —
Steve, nós terminamos! Há mais de sete anos! Esqueça aquele maldito relacionamento e me
deixe em paz!
— Eu não esperei sete anos até uma chance de ter você de novo… Para, depois de
tudo, chegar nessa maldita cidade e te encontrar com outro.
— Vá pro inferno! — mandei, quando finalmente consegui me livrar de seu aperto.
— Eu posso até ir, querida. Nunca consegui dizer não a você. — o tom cadenciado e
insuportavelmente sombrio, me fez voltar a mirá-lo. — Mas levo aquele bastardo comigo.
Não fui capaz nem mesmo de piscar após ouvir aquela afirmação.
— Você não tem ideia do que precisei fazer para estar aqui, não será um filho da
puta qualquer a tirar minha mulher de mim.
— Eu não sou sua — repeti entre pausas.
Não permiti que o medo em mim, que me assolava depois destas ameaças, me
tirasse a capacidade de racionar e, muito menos, que me fizesse baixar a cabeça diante dele
e me desesperar. Era exatamente isso que Steve queria.
A porta foi aberta e vi Logan e Scott adentrarem o recinto. Expirei de alívio ao vê-
los.
— Tirem-no daqui! — pedi no segundo em que agarraram Steve.
— Eu mato aquele filho da puta, Evangeline — prosseguiu, mesmo sendo arrastado
para fora. — Se você não for minha, não será de mais ninguém.
Cerrei os olhos por um momento. Os seguranças conseguiram tirá-lo da sala e suas
ameaças ficaram inaudíveis quando Leslie apareceu à frente da porta e a fechou.
— O que aconteceu, Evy? — murmurou, aproximando-se. — Por que esse cara
estava surtado desse jeito? — Wuando estava perto o suficiente para me tocar, ela verificou
se ele havia me machucado de alguma forma e tudo o que fiz, foi manter-me estática.
Pensando no que fazer para tirar Steve da minha vida… De uma vez por todas.
O telefone de minha sala tocou, um som estridente dado o silêncio desolador do
local. Leslie desistiu de tentar me fazer falar e foi atendê-lo.
— Sim, ela está aqui… Só um momento. — Fitei-a com o cenho franzido, esperando
qualquer aviso. — David quer falar com você.
Peguei o telefone e esperei que ela saísse da sala para atendê-lo.
— Steve esteve aqui — murmurei, sem me importar com qualquer cumprimento. —
Ele sabe sobre Guilhermo e ameaçou matá-lo.
— Ele ainda está na Howell’s?
— Logan e Scott o expulsaram daqui — contei.
— Peça que eles te tirem daí agora. — Aquela foi uma ordem que me surpreendeu.
— Steve descobriu quem está tentando te sequestrar.
— David, ele não…
— Ele matou um homem, Evangeline! Saia daí o mais rápido possível. Pegarei o
primeiro avião para Nova Iorque e decidiremos o que fazer quando eu chegar aí.
Aquela informação foi capaz de me deixar em estado letárgico. Meus membros
pareceram tomados por uma inércia quase irrevogável. Somente pude me impedir de cair no
chão no último segundo.
Não me interessava como, porque ou quando. O fato que reverberava por minha
mente era um apenas e já era agonizante por si só:
Steve era sim capaz de matar alguém. Independente do motivo que tenha, ele era
capaz de fazê-lo.
E agora Guilhermo estava em sua lista negra.
SETE
EVANGELINE
Minha mente estava cheia de pensamentos nebulosos e letais à minha sanidade. Eu
quis, de maneira quase dolorosa, ter o poder de voltar ao passado e me impedir de dar às
informações sobre parte do que vi e vivi para aquele policial federal. Por mais que a
reunião que tive com ele semanas após eu sair daquele hospital não fosse algo oficial e ele
tenha concordado quando eu disse que não queria fazer nenhuma denúncia, eu soube que
àquelas informações ainda me colocariam em problemas. Sete anos depois, elas, de fato, me
colocavam em xeque em toda aquela história. O pior de tudo era: eu não estava sozinha
naquilo. Minha família e Guilhermo também estão em meio a isso.
Ouvi David suspirar baixinho enquanto me encarava. Não me importei de retribuir
aquele olhar. Sabia que ele queria de mim algum sinal de afirmação ou negação para
prosseguir com as investigações que explicara para mim há menos de cinco minutos,
contudo, eu não sabia o que dizer.
— Eu não lembro — sussurrei por fim. — Se há sete anos eu me lembrei de poucas
coisas importantes, hoje eu lembro menos ainda.
Comprimi os lábios e engoli em seco enquanto tentava lidar com a angústia que as
lembranças me trouxeram e, mais que isso, com o aperto doloroso no peito a cada ecoar das
últimas palavras de David. Isso está apenas começando.
Balancei a cabeça devagar numa tentativa ridícula de espantar aqueles pensamentos
de minha mente e tentei me concentrar em todas as palavras que ele me disse ainda pouco,
contudo, ele colocou a sua pasta à minha frente sobre a mesa.
— Pedi que o delegado Bruce Hunter me enviasse as informações que conseguiu
sobre Claire e John, para que eu as analisasse. Depois juntei o dossiê que preparei sobre
John e enquanto estava em Nova Orleans, um detetive, amigo meu, fez uma investigação
profunda sobre Claire.
Juntei as sobrancelhas, completamente confusa, ao registrar aquelas informações.
Abri a pasta e peguei o primeiro dossiê sobre Claire.
***
— O delegado já havia me contado que ela foi prostituta — lembrei-o.
David assentiu ao se levantar e suspirou fortemente. Parecia perdido em
pensamentos. Eu sabia que toda aquela estória já começava a fazer sentido em sua cabeça e
poderia sorrir por isso, mas não o fiz. Senti-me idiota e covarde, mas temi o que
descobriria.
— Leia a segunda página — ele pediu.
Virei a página que estava com a foto e informações pessoas dela e comecei a leitura,
enquanto David continuou falando.
— Decidi prosseguir as investigações partindo de todas as premissas iniciais —
afirmou, percebi que andava de um lado para o outro em meu escritório, mas não tirei minha
atenção da página que lia. — A primeira delas foi o envolvimento de John e Claire. Eu quis
descobrir onde e como eles se conheceram.
“… presa duas vezes em Sterling Heights, Detroit — Estados Unidos, por
prostituição ilegal…”
— Claire era stripper em uma boate de Detroit chamada Krave On Girls. Era
conhecida como a Sweet Girl — o homem à minha frente prosseguiu. — Esta é a mesma
boate em que John fora preso pela ATF por tráfico de drogas anos antes de conhecer
Angeline.
Meus olhos se arregalaram ao ouvir aquilo. Meu coração bateu acelerado no peito
quando olhei para David. Ele parou e também me fitou.
— Houve um incêndio nessa boate há pouco mais de sete anos. Os dois não foram
encontrados entre os sobreviventes, nem mesmo entre os corpos. Simplesmente sumiram.
Eles fugiram — concluí em pensamento. Senti-me incapaz de pronunciar qualquer
palavra.
— Há outro detalhe sobre ela — David murmurou, mesmo estando ciente da minha
incredulidade. — Olhe a primeira página.
Hesitei alguns segundos antes de fazer o que ele disse.
“Nome: Claire Ryan
Conhecida como: Sweet Girl
Mãe: Monica Ryan
Pai: Desconhecido
Idade: 25 anos
Nacionalidade: Estadunidense
Natural de: Nova Orleans”
— Ela nasceu em Nova Orleans — ele concluiu. — Há apenas isso lá. Seus
próximos registros já foram encontrados meses depois em Detroit, onde foi presa por se
prostituir.
Cerrei os olhos e engoli em seco ao deixar os papéis sobre a mesa. Precisei de
alguns segundos para me convencer de tudo aquilo e expirei lentamente, enquanto tentava
me acalmar.
— John nasceu em Detroit, mas após ser preso, foi morar em Nova Iorque —
continuou. — Passou alguns meses lá antes de voltar à Sterling Heights, em Detroit, e
depois foi para Nova Orleans, na época em que conheceu Angeline. Claire já estava em
Nova Iorque quando você chegou aqui e John veio para cá com Angie meses depois.
— Nenhum de nós acredita em coincidência — afirmei. — Concordamos que ele foi
mandado para Nova Orleans para seduzir Angie? — questionei, voltando a encará-lo.
David se limitou apenas a assentir. — E depois ele e Claire foram mandados a Nova Iorque
para me vigiar?
— Procurei qualquer ligação entre Steve e John também. Steve esteve em
Montevidéu durante todos os anos, segundo o dossiê que concluí ontem. Não encontrei nada
que o ligasse a John… Ainda.
Levantei de minha cadeira e mantive minha atenção total nele. Mordi os lábios
quando o silêncio entre nós se aprofundou. Repassei todas as suas palavras ditas hoje e,
minutos depois, lembrei-me do motivo que o trouxe aqui:
— Quem Steve matou?
David maneou a cabeça em negativa e seguiu para o sofá do outro lado do
escritório.
— Louis não acha que temos provas suficientes de que Steve matou o homem.
Franzi o cenho, sem entender, e ele prosseguiu.
— Nathan manteve um de seus agentes atrás de Steve em Montevidéu durante a
última semana — contou. — Quando ele voltou para Nova Iorque, Nathan colocou dois
agentes para segui-lo. Na pasta há um envelope com fotos.
Voltei-me para minha mesa e peguei a pasta que David me entregara anteriormente.
Verifiquei o envelope e as fotos.
Steve saindo de um carro com um homem. Os dois adentrando um prédio. Através da
porta de entrada de vidro, foi possível vê-lo se encontrando com mais um homem. A última
foto, já de dentro do prédio, mostrava os três conversando enquanto seguiam para um
elevador.
— O homem que está vestindo um casaco vermelho foi encontrado morto um dia
depois, dentro de uma das salas do prédio. A autópsia mostrou que ele foi asfixiado. A hora
provável da morte foi horas depois de Steve já ter deixado o prédio. — Ele fez uma pausa.
— Eu achei que Steve o tivesse matado, mas o relatório do médico legista que recebi assim
que cheguei a Nova Iorque contrariou minhas suspeitas.
Suspirei, cansada. Sentei-me sobre minha cadeira.
— Você achou que Steve descobriu que ele estava atrás de mim e o havia matado
para me proteger? — repeti a pergunta que fizera minutos atrás.
— Era uma hipótese — murmurou após levantar-se novamente. — Não foram
encontrados documentos do homem. Procuraram digitais do assassino no corpo, mas não
encontraram. Fizeram um exame com as digitais dele, mas os registros da vítima aqui nos
Estados Unidos são inexistentes. O que nos leva a crer que ele era um estrangeiro que entrou
de forma ilegal no país. Não tenho acesso ao banco de dados da ATF e muito menos do FBI
para uma investigação profunda sobre a nacionalidade ou ficha criminal do homem, mas
Louis dará um jeito nisso em breve.
Assenti, sem saber o que dizer.
— O que Steve queria com você hoje? — perguntou, iniciando uma nova conversa.
Senti como se uma onda de preocupação me afogasse em lembranças do meu
encontro com Steve hoje.
— Ele descobriu sobre Guilhermo e e. — murmurei em voz mais baixa do que
esperava. — Ameaçou matar Guilhermo.
David apertou os olhos para mim e se aproximou lentamente enquanto me avaliava
minuciosamente.
— Me diz que você não está planejando mantê-lo longe — pediu, ao parar à frente
de minha mesa. Seus olhos azuis mantiveram-se nos meus. Pude ver a contrariedade e
decepção ali.
Baixei os olhos ao fechá-los. A ameaça de Steve era repetida consecutivas vezes em
minha mente.
— David, eu…
Ele bufou de raiva quando as batidas na porta de minha sala me interromperam.
— Eu não o culparei por desistir de você, se tentar mantê-lo longe — ouvi David
dizer de maneira incisiva. Aquelas palavras me machucaram. — Você tem um homem que
está louco por você. Está na cara que te ama, quer proteger você, confia em você a ponto de
estar ao seu lado sem saber nada sobre o seu passado ou a porra do motivo que algumas
pessoas têm para estar atrás de você, e está pensando em abrir mão disso?
Fiquei em silêncio quando uma lágrima fina rolou por meu rosto.
David riu sem humor enquanto seguia para a porta.
— Eu desisto de você, Evangeline.
Levantei abruptamente quando David abriu a porta da sala e permitiu a entrada de
Guilhermo.
— Depois nos falamos — ele disse para mim, após trocar um cumprimento com
Guilhermo. Percebi que os dois haviam mesmo se tornado amigos.
Limpei meu rosto disfarçadamente e segui para o sofá do escritório. Ouvi a porta ser
fechada. Escondi o rosto em minhas mãos e tentei controlar o choro que formava um nó
enorme em minha garganta.
Eu tentei ser forte até agora. Não poderia desabar em lágrimas novamente. Não por
causa de Steve.
— Ei, o que houve? — Guilhermo sussurrou, sua voz era afável e gentil. Ele se
sentou ao meu lado e me trouxe para perto de si para me abraçar.
Fechei os olhos por alguns segundos e permiti a mim mesma aproveitar a sensação
de ter o corpo de Guilhermo envolvendo o meu. Eu adorava tê-lo me abraçando daquela
forma… Como se pudesse me proteger de tudo. Talvez fosse infantil da minha parte sentir
aquilo, mas eu não me importo. Eu me recusei deliberadamente a sair do conforto de seu
abraço.
— Você está bem? — murmurou contra meu ouvido e eu assenti brevemente, mesmo
sabendo que era mentira.
Envolvi seu pescoço com minhas mãos e pousei meu rosto entre seu ombro e
pescoço. Inspirei seu cheiro profundamente e o perfume com notas suaves de hortelã me
trouxe lembranças vívidas da primeira vez que nos vimos naquele elevador.
Meus olhos se encheram de lágrimas quando o simples pensamento de perdê-lo me
assaltou. Era aterrador. Insuportável apenas pensar em me afastar para protegê-lo ou
continuar com ele e perdê-lo da mesma forma. Guilhermo foi o ápice da minha pirâmide de
recuperação, conseguiu, mesmo sem que eu percebesse, se tornar alguém importante em
minha vida. Importante a ponto de eu não querê-lo longe.
— O que aquele filho da puta queria? — questionou.
Passei as últimas horas tentando acreditar que poderia tirar Guilhermo desta
situação, eu precisava tirá-lo, mas ainda não sabia o que fazer além de me afastar. Abracei-
o novamente e decidi falar a verdade.
— Ele descobriu sobre nós. — Fiz uma pausa. — E acha que tem algum direito
sobre mim.
Guilhermo beijou o topo de minha cabeça e me apertou um pouco mais contra si,
transformando aquele contato em algo possessivo. Não me importei, porque naquele
momento eu entendia seus motivos para isso.
— Nem em sonhos aquele bastardo conseguirá tirar o que é meu.
Apertei os lábios enquanto pensava sobre uma resposta para aquela afirmação.
Acabei decidindo pelo silêncio. Eu não queria, mas o que mais me preocupava agora era
exatamente isso: a possessividade de Guilhermo. Eu não precisava de mais do aquilo para
saber que esta situação resultaria em algo ruim.
— Vamos descobrir uma forma de nos livrar dele — eu o ouvi dizer. — Não
precisamos nos separar para isso.
Foi tão fácil acreditar em suas palavras, que eu tive certeza de que a parte de mim
que se agarrou à elas com todas as forças foi a que queria mais que tudo mantê-lo perto.
Ficamos abraçados por minutos, horas, talvez — eu não tinha qualquer noção de
tempo mais — enquanto Guilhermo acariciava meus cabelos e minhas costas.
— Por que David voltou de Nova Orleans? — sussurrou contra meu ouvido.
— Ele achou que Steve havia matado um homem — respondi, acabando com o
abraço, mas permanecendo em seu colo. — Quando eu disse que Steve fora atrás de mim na
empresa, ele decidiu voltar para falar com Nathan e decidir sobre novas medidas de
segurança… Queria me tirar de Nova Iorque.
— Podemos ir para a Itália — ele ofereceu. — Ou Alemanha.
Juntei as sobrancelhas e voltei a encará-lo. Os intensos olhos azuis estavam repletos
de preocupação.
— Você não… — tentei dizer, mas ele me interrompeu.
— Eu não vou deixar você sozinha.
— Não vou sair de Nova Iorque.
Mordi o canto dos lábios enquanto acariciava seu rosto e o beijei suavemente uma,
duas vezes… Até que ele usou uma das mãos para segurar minha nuca e aproximar nossos
rostos. Guilhermo prendeu meu lábio inferior entre os seus e o sugou uma vez antes de me
beijar.
Levei minhas mãos à sua nuca, como uma forma de me agarrar a ele. Eu me perdi
deliberadamente no beijo doce e talvez apaixonado, que trocávamos. Naquele momento eu
tive certeza que independente do que acontecesse, o que nos manteve juntos até agora, era
forte o suficiente para nos ajudar a passar por tudo… Até mesmo Steve… E meu passado.
Acabamos com o beijo e Guilhermo me abraçou novamente. Sorri. Ele não
precisava que eu dissesse nada para saber que eu não estava bem.
— Como você descobriu que Steve fora à empresa hoje?
— Logan me ligou para contar.
Olhei em meu relógio e percebi que se passava das nove da noite.
O celular de Guilhermo tocou e me movi em seus braços para que ele pudesse tirá-
lo do bolso do casaco.
— É Megan — ele murmurou, mas percebi que foi mais para si mesmo que para
mim. — Oi, Meg. Não, não estou ocupado… O quê?! Onde?!
Assustei-me ao ouvir seu tom e levantei, ele fez o mesmo.
— Com o Bryce? — murmurou, tentando visivelmente se acalmar.
Ergui as sobrancelhas, surpresa. O que Bryce tem a ver com Megan?
— Ah, porra — ele repetia enquanto ouvia o que ela dizia. Guilhermo andava em
círculos em meu escritório. — Ok. Ligarei para ela. Irei para aí. — Ele fez uma pausa. —
Obrigado.
— O que houve? — perguntei assim que ele desligou.
— Tyler e Bryce estão numa delegacia. — Ele expirou profundamente e uma de suas
mãos seguiu para os seus cabelos, desgrenhando-os. Em um sinal claro de nervosismo. —
Os dois estão bêbados e brigaram com dois babacas em um barzinho. Pelo que Megan disse,
o estrago foi grande. — Ele fez uma pausa. — Preciso ir até lá.
Consenti enquanto ele discava algum número de telefone no celular.
Peguei um casaco sobre a mesa e o esperei.
— Allie? Preciso que vá a uma delegacia no centro. — Uma pausa se seguiu. —
Não, não é nada comigo. Tyler foi preso. Te mando o endereço por mensagem. Ok.
Obrigado.
— Eu vou com você. — avisei ao abrir a porta.
— Não, Evangeline. É melhor que fique em casa, aqui você está mais segura que na
rua.
Ergui uma sobrancelha ao ouvir aquilo e saímos do meu escritório.
— Não me importo. Bryce e Tyler são meus amigos, Guilhermo.
Guilhermo bufou, cansado, mas não disse mais nada.
OITO
EVANGELINE
Acariciei os cabelos loiros de Megan e suspirei baixinho. Olhei ao redor daquela
delegacia. Havia tantos policiais e pessoas circulando com e sem uniforme que me
surpreendi. A última vez que estive em um departamento de polícia, ele estava praticamente
às moscas.
— Por que não o perdoa então, amiga? — perguntei a ela.
Ao chegar aqui, minutos atrás, eu a encontrei sentada em um banco próximo ao
balcão da espécie de recepção. Megan estava chorando e só percebi que isso não tinha
apenas a ver com o fato de Tyler estar ali quando ela me disse que eles haviam brigado e
ela pediu um tempo.
Meg limpou os olhos e se desvencilhou do nosso abraço.
— Não sei, acho que ainda estou muito magoada para perdoá-lo. Não vou conseguir
olhar nos olhos de Tyler sem lembrar o que ele fez. — Ela fez uma pausa, pareceu lembrar-
se de algo, e depois prosseguiu. — Eu não achei que ele pudesse agir de forma tão… —
Meg acenou em negativa, como se se recusasse a acreditar em alguma coisa. Ela não
concluiu sua fala, mas eu soube que sua incredulidade quanto aquilo estava ligada ao fato
dela tê-lo colocado em um pedestal, de ter achado que ele era o homem perfeito, que não
cometia erros. Somente agora ela percebe que não é assim.
— Você o ama, acha que não conseguirá perdoar isso? — inquiri, mirando-a
atentamente.
Ela não respondeu. Mas eu soube que, por seu olhar e a forma que mordeu o canto
dos lábios, ela realmente não havia pensado desta forma.
— Eu sei que vou perdoá-lo, ok? Só não estou pronta para fazer isso ainda.
Concordei com um aceno e expirei lentamente ao olhar a nossa volta novamente.
— Allie? — chamei-a assim que a vi pedir informações para o homem baixo que
estava atrás do balcão.
Ela se voltou para onde eu estava e agradeceu ao homem antes de vir até mim.
Levantei e a abracei em um cumprimento.
— Evy, onde estão Tyler e Guilhermo? — perguntou assim que nos separamos.
— Guilhermo foi falar com o delegado. Pelo que me contou, os estragos no barzinho
foram grandes — expliquei, enquanto ela cumprimentava Megan com um abraço e um beijo
no rosto.
— O que deu na cabeça de Tyler para fazer isso?
Olhei por cima do ombro quando uma movimentação estranha me chamou atenção.
Guilhermo estava voltando com Tyler e Bryce. Os dois precisavam de sua ajuda até mesmo
para se manterem de pé. Perguntei que infernos fez os dois beberem até chegar àquele ponto.
— Amore… — Tyler se afastou abruptamente de Guilhermo e se aproximou de
Megan, sussurrando algo em italiano. — Você precisa me perdoar. Por favor, eu juro… Juro
que não te conhecia quando propus aquela aposta.
Suas palavras soaram quase ininteligíveis. Precisei de tempo para compreender
todas elas. A menção de uma aposta me fez franzir o cenho. Que tipo de aposta Tyler fez no
passado para deixar Megan desta forma?
Ele continuou a pedir que ela o perdoasse, mas novas lágrimas voltaram a rolar pelo
rosto de minha amiga quando ele disse que a amava — até mesmo eu me surpreendi quando
compreendi aquelas palavras. Era perceptível que os dois se amavam, mas aquela parecia
ser a primeira vez que ele dizia aquilo para ela. E, por estar bêbado, era quase impossível
que qualquer pessoa duvidasse.
Volvi minha atenção para Bryce e Alli, ele estava ajoelhado à frente dela, falando
em espanhol e, assim como Tyler, pedia perdão por algo.
Não entendi nada naquela situação. Nada além do fato dos dois estarem bêbados e
desesperados para ter o perdão das duas.
Guilhermo, que pareceu perceber minha confusão, se aproximou e me abraçou. Seu
peito pressionou minhas costas e seus braços envolveram meu corpo. Entrelacei minhas
mãos às suas e ele beijou meu pescoço suavemente. Em meu ouvido, sussurrou:
— Pelo que entendi, há sete anos, Bryce e Allie foram namorados. — Aquela
revelação me surpreendeu. — Ele achou que ela o tivesse traído comigo, não sabia que
éramos primos.
Assenti ao compreender a situação.
— De que aposta Tyler estava falando? — inquiri.
Após minha pergunta, senti a tensão em seu corpo aumentar. Ele me abraçou com
mais força e beijou meu ombro ternamente.
— Vamos conversar sobre isso mais tarde.
— Ok. — O tom usado por Guilhermo me deixou quase tão tensa quanto ele estava.
— Megan? — ele chamou a atenção dela após vê-la abraçada a Tyler. — Você pode
levá-lo, por favor?
Ela consentiu lentamente, mesmo sem se afastar de seu namorado.
— Allie? — Guilhermo levou sua atenção à sua prima desta vez.
Allison chorava copiosamente enquanto parecia hipnotizada por Bryce e as lágrimas
que ele também derramava. Os dois pareciam realmente estar sofrendo muito por tudo
aquilo. Meu coração se apertou no peito em empatia. Sete anos separados por um mal-
entendido deve ter sido difícil para os dois. Terrível, na verdade.
— Eu não posso fazer isso, Guilhermo — ela disse, voltando-se para ele.
— Vocês precisam conversar, Allie — insistiu. — Quase oito anos adiando isso é
muito tempo.
Seus olhos verdes estavam brilhantes, mas pela tristeza anunciada por suas lágrimas,
não por qualquer resquício de felicidade. Naquele momento, me lembrei da festa de
casamento de Carla e Josh. Bryce estava realmente falando da prima de Guilhermo
naquela noite — percebi.
A semelhança entre mim e Allie é notável a qualquer um que nos veja — admiti. —
Era ela que Bryce enxergava em mim quando tentamos ser mais que amigos, há alguns
anos?
Allison assentiu para Guilhermo, que agradeceu.
— Já resolvi tudo com o delegado e o dono do barzinho aceitou a quantia que
ofereci para reparar os danos do seu local. Podemos ir embora — Guilhermo anunciou.
Precisamos de alguns minutos para ajudar Meg a levar Tyler para o carro e, em
seguida, Bryce para o carro de Allie. Antes que eu fechasse a porta do carona, em que
Bryce estava quase desacordado, uma voz feminina e, infelizmente, conhecida me fez dar
meia-volta.
— Para onde estão levando meu irmão? — Rachel repetiu a pergunta quando
percebeu que eu não estava minimamente interessada em responder.
Guilhermo se aproximou e minha expressão de impaciência e apatia se tornou mais
evidente. Rachel fingiu um sorriso doce para ele e se aproximou para cumprimentá-lo.
Cerrei os punhos ao vê-la beijar o rosto dele, a pouquíssimos centímetros de distância dos
lábios. A onda de fúria, e talvez ciúmes, que me dominou, me fez enxergá-la na cor
vermelho. Quase como se minha mente estivesse marcando o alvo para descontar o que senti
ao vê-la tão perto de Guilhermo. Ela tentava, na minha frente, conseguir uma proximidade
maior entre eles.
— Bryce me ligou há uma hora, querido — ela explicou. — Tentei chegar o mais
rápido possível, mas estava no cinema.
Rolei os olhos e me aproximei para trazer Guilhermo para perto de mim e retirar as
presas de Rachel de seu rosto.
— Ele está indo para a casa de Allie — expliquei. — Os dois precisam conversar.
Não se preocupe, Guilhermo já resolveu tudo com o delegado.
Guilhermo me fitou estupefato quando notou meu tom cada vez mais ríspido. Ignorei
completamente o sorriso que se insinuou em seu rosto ao perceber o que eu estava fazendo.
— Não vou deixá-lo com aquela vadia, ela… — Guilhermo a interrompeu.
— Pense sobre suas palavras antes de falar de alguém da minha família desta forma,
Rachel. Allison não é nenhuma vadia para que você a chame assim.
Sorri. Não consegui resistir ao sorriso vitorioso ao vê-la engolir as próprias
palavras e piscar incessantemente à procura de algo prudente para dizer, algo que a
ajudasse a sair daquela situação.
— Ela traiu Bryce — murmurou de forma mais contida, quase adulta, eu diria.
— Ela não o traiu e os dois precisam se resolver. Por isso Bryce irá com ela, sim.
— A maneira sucinta e lacônica usada por Guilhermo para convencê-la daquilo me fez
mirá-lo. Ele fechou a porta do carro e se despediu da prima antes de se voltar novamente
para Rachel. — Até mais, Rachel.
Expirei brevemente, feliz por perceber que ele não tinha o mínimo interesse em
Rachel. Entrelacei minha mão à sua de bom grado quando ele se aproximou e me beijou os
lábios.
— Vamos?
Concordei com um aceno e olhei para Rachel ao dizer:
— Até mais, Rachel.
Seu olhar dedicado a mim foi a demonstração pura e simples do ódio que ela sentia
por mim. Ódio sem fundamento que ela alimentava a cada dia.
— É impressão minha ou você estava com ciúmes? — Guilhermo perguntou para
mim em um tom travesso, o completo oposto do que usara alguns segundos atrás.
— Estava — admiti, sem me importar com isso. — E se ela se agarrar em você
daquela forma de novo, eu arranco os braços dela.
Ele riu.
— Uma Evangeline ciumenta, possessiva e agressiva… — Apertei os olhos para ele
ao ouvir aquilo. Chegamos ao seu carro e ele me encarou. — Sou louco por gostar disso?
Aquela pergunta me fez retribuir o sorriso que se mantinha em seu rosto.
— É — concordei ao me aproximar para beijar seus lábios suavemente. — Nunca
neguei o fato de não gostar de dividir.
Guilhermo acariciou meu rosto com os polegares e me beijou uma vez. Seu sorriso
aumentou.
— Não preciso me preocupar por dormir ao lado de uma mulher com tendências
assassinas?
Ri um pouco mais ao ouvir aquilo. Meus dedos passearam lentamente por seu rosto
lindo e sombreado pela barba por fazer.
— Não — respondi, olhando em seus olhos azuis. Não resisti a completar, usando
um pouco do meu sarcasmo: — Não se seu pau continuar sendo apenas meu.
Seus lábios se abriram em formato de “o”.
— Contanto que meu pau continue a ser seu, posso dar outras partes de mim, então?
Aquilo me fez rir. Entrelacei meus braços em volta de seu pescoço e fingi pensar por
alguns segundos. Guilhermo semicerrou os olhos para mim.
— Não — respondi à sua pergunta anterior. — Não pode.
Esquecemos que continuávamos no estacionamento de uma delegacia e nos
beijamos, desta vez não somente um roçar provocador de lábios. Quando Guilhermo
colocou suas mãos possessivas sobre minha cintura e pressionou meu corpo ao seu, um
gemido baixo fugiu de meus lábios.
— Não consigo me controlar quando você está perto assim — ele sussurrou contra
meus lábios.
Minha risada quase pôde abafar o toque do seu telefone. Nós nos desvencilhamos
quando Guilhermo começou a procurá-lo nos bolsos do casaco que vestia.
Ele atendeu ao telefone e abriu a porta do carro para mim enquanto trocava frases
curtas com alguém do outro lado da linha.
Coloquei o cinto de segurança e esperei que ele se sentasse ao meu lado. Quando o
fez, minutos depois, eu perguntei:
— O que houve?
Ele nos tirou do estacionamento. Quando percebi que sua expressão já havia mudado
completamente para preocupação, decidi insistir:
— Guilhermo?
— Vamos para o meu apartamento — avisou. Não consegui fazê-lo falar mais do que
aquilo em todo o percurso.
***
Cerca de meia-hora depois, nós chegamos ao prédio em que o apartamento de
Guilhermo se encontra. Eu já estava impaciente quando ele abriu a porta do carro para mim.
Peguei minha bolsa e deixei o veículo.
— O que está acontecendo? Por que me trouxe para seu apartamento?
Guilhermo parou abruptamente sua caminhada para o elevador e olhou a nossa volta.
— Explico quando estivermos lá em cima, pode ser? — Ele se aproximou de mim e
pegou minha mão entre as suas. Bufei, mas o segui.
Quando as portas do elevador finalmente se fecharam, eu disse:
— O que houve, Guilhermo?
Ele esperou que estivéssemos em seu apartamento para me responder:
— Logan me ligou para avisar que tentaram invadir sua casa novamente.
Senti como se estivesse caindo de um precipício após isso. Engoli em seco, sem
tirar meus olhos dos seus, e acenei em negativa, como se aquilo pudesse, de alguma forma,
fazer com que aquela informação não chegasse até mim, como se pudesse torná-la
inexistente.
— Evangeline — Guilhermo sussurrou ao se aproximar, mas não permiti que me
tocasse. Regredi até a porta e a abri para voltar à minha casa. Eu não queria pensar, não
queria imaginar o que teria acontecido, não queria fazer nada além de ir até lá e verificar se
minha família estava bem.
— Por que infernos me trouxe para cá, então?!
Ele conseguiu me alcançar no corredor. Segurou meu braço, me forçou a voltar e
encará-lo.
— Angeline, Ananda e Natalie estão vindo para cá — contou. — Estão bem, não se
preocupe.
Cerrei os olhos por alguns segundos e agradeci a Deus por isso. Guilhermo me
abraçou.
— Se acalme — pediu.
— Eles poderiam tê-las machucado. — sussurrei com dificuldade, devido ao nó em
minha garganta. — Poderiam…
— Mas não fizeram nada. Eles querem você e também não vão conseguir —
garantiu, apertando-me ainda mais em seus braços.
Lágrimas finas rolaram por meu rosto. Recusei-se a soltar Guilhermo, mantive meu
rosto contra seu peito e chorei silenciosamente ao perceber que eu, definitivamente, já não
possuía o controle sobre nada em minha vida — nem mesmo minhas malditas lágrimas. Eu
preciso fazer algo para parar isso. Preciso tirar minha família desta situação.
Guilhermo acariciou meu cabelo e beijou o topo de minha cabeça. Minutos se
passaram e, quando finalmente me afastei do conforto de seus braços, eu já havia tomado
uma decisão.
Seguimos para seu apartamento, ele me trouxe um copo de água e sentou ao meu
lado, em um dos bancos do balcão.
— Está melhor? — ele sussurrou após colocar uma mecha de meu cabelo atrás da
minha orelha.
Concordei com um aceno.
— Vou organizar nossa viagem para a Alemanha ainda hoje — anunciou.
Vire-me para encará-lo rapidamente.
— Não sairei de Nova Iorque — afirmei.
— Evangeline, isso não é…
— Decisão sua — completei, fazendo-o franzir o cenho, surpreso com minha
resposta. Expirei e fechei os olhos por um momento. De forma mais suave, expliquei: —
Não vou fugir e dar a eles a chance de usarem alguém que amo contra mim.
— Cariño…
Maneei a cabeça em negativa, pedindo silenciosamente que ele parasse.
— Daremos um jeito de protegê-los — insistiu.
— David me prometeu isso antes, não deu certo — lembrei-o. — Não vou deixar
que elas passem por isso de novo, Guilhermo.
Ele juntou as sobrancelhas e desviou o olhar do meu.
— O que pretende fazer? — questionou.
— Vou mandar Angie para a casa de mamãe. Em menos de duas semanas mamãe e
papai viajarão para o Brasil para uma festa de lá, eles fazem isso todo ano. Vou pedir que
Angie vá com eles. — Fiz uma pausa e respirei fundo. — Natalie ficou muito abalada com o
que aconteceu da última vez, John queria usá-la para me chantagear, Guilhermo! E ela é
apenas uma criança! — Novas lágrimas surgiram em meus olhos e baixei a fronte, me senti
derrotada apenas com esta lembrança. — Nany tem uns parentes em São Francisco. Vou
ajudá-las a chegar lá.
— E você?
— Darei um jeito — sussurrei. — Só preciso descobrir o porquê de estarem atrás
de mim.
— Realmente não sabe? — inquiriu.
Acenei em negativa.
— Ainda não.
NOVE
GUILHERMO
Menos de uma hora se passou até que a irmã de Evangeline, sua governanta e
Natalie chegassem acompanhadas de Logan e Scott. Segundo eles, os outros seguranças
estavam na casa de Evangeline, cuidando da segurança de lá. Admiti que a angústia de
Evangeline passou a ser compartilhada por mim quando vi a forma que ela abraçou Natalie.
Lilie, como a chamo, disse que não queria mais voltar para a aquela casa. Aquilo também
me afligiu, mas eu tinha ciência de que machucava muito mais Evangeline.
Quando todas estavam devidamente instaladas em seus quartos, voltei à sala e
sentei-me sobre a poltrona à frente da enorme janela com vista para a cidade. Contudo, não
consegui prestigiá-la como sempre o fazia, a preocupação em mim não permitiu. Minutos
depois, Evangeline saiu do quarto de Natalie e se aproximou de onde eu estava. Puxei-a
para sentar em meu colo e a abracei ao notar que seus olhos continuavam vermelhos.
— Scott disse que David pediu que ligássemos para ele — avisei.
— Sei o que ele vai dizer. — Ela fez uma pausa. — Podemos mudar de assunto?
— Não quer dormir? É mais de meia-noite.
— Não estou com sono.
Concordei com um aceno.
Ficamos em silêncio por minutos. Evangeline tentava se distrair com os botões da
camisa que eu vestia, enquanto eu afagava seus cabelos. Perguntei-me o que estaria se
passando por sua cabeça, mas meus próprios pensamentos já eram turbulentos por si só. Eu
queria apenas entender toda aquela situação e não insistir sempre que ela começava a falar
sobre esse perigo, estava me exigindo muita força de vontade.
Saber que “eles” estavam atrás de Evangeline me fazia pensar apenas em duas
possibilidades: ou ela possuía algo que os interessava, ou tinha alguma informação que
“eles” queriam. Lembrar-me do que David me contou sobre ela não gostar de ser tocada
reforçou ainda mais estas duas possibilidades. Isso explicaria o motivo de quererem usar
Natalie para chantageá-la, se ela possuísse algo deles. Contudo, o motivo de eles não terem
simplesmente a machucado ou — engoli em seco — a matado, é uma incógnita. Se ela
soubesse de algo, eles não precisariam sequestrá-la antes de matá-la, não precisariam
sequer se aproximar dela para isso — concluí.
Reprimi um suspiro e voltei, involuntariamente, ao dia em que conversei com David
sobre Evangeline. Depois lembrei de como ela agiu após nosso primeiro beijo em
Barcelona. Tentei ligar Steve a tudo isso e, enfim, a raiva que Evangeline nutre por ele me
fez chegar à outra conclusão. E esta me fez odiar aquele filho da puta ainda mais. Precisei
fechar os olhos por um momento para tentar controlar a ira que me dominou, assim como a
gana de matá-lo. Se ele tivesse feito o que imagino que fez, eu não me controlaria ao vê-lo.
Uma nova lembrança me deixou confuso. Que infernos a ex-secretária de Evangeline
tinha a ver com o tal John, ex-namorado de Angeline? Ficou claro que ele a matou para
colocar a culpa em Evangeline por causa de uma vingança boba, mas que tipo de
relacionamento ele mantinha com a secretaria para chegar a isso?
— De que aposta Tyler estava falando hoje? — A pergunta feita por Evangeline me
tirou de meus pensamentos em um solavanco. Tensão se instalou em meu corpo ao me
lembrar da maldita aposta.
Porra.
Ela voltou a me fitar quando percebeu minha hesitação. Suspirei lentamente,
fazendo-a franzir o cenho, confusa.
Esse não era o melhor momento para falar sobre isso, mas eu sabia que ela
precisava saber e agora que sua curiosidade fora atiçada, ela insistiria nisso até que eu
contasse.
— Foi algo que Tyler e eu fizemos em Barcelona. Não teve qualquer importância
para qualquer um de nós — murmurei. Evangeline levantou-se de meu colo, pareceu ainda
mais confusa após minhas palavras. Levantei-me e comecei a escolher melhor as palavras
para dizer.
Olhei-a nos olhos e beijei ternamente a sua testa.
— Não estou tentando justificar minha atitude, mas quero que saiba que eu não a
conhecia de verdade naquela época. Você era apenas a mulher que conseguiu me deixar
louco porque me disse não.
— Guilhermo, você está… — Ela interrompeu as próprias palavras e prossegui:
— Agora você é a mulher que me mantém louco porque me disse sim. É a mulher
que eu quero na minha vida, independente do que possa acontecer no futuro.
— O que você fez? — sussurrou agora preocupada. — Que tipo de aposta foi essa,
Guilhermo?
Expirei fortemente antes de dizer:
— Lembra-se da segunda reunião que tivemos em Barcelona? No dia em que você
almoçou com Tyler? — Não tive certeza se ela lembrava, mas continuei: — Após aquela
reunião, Tyler e eu discutimos sobre você. Ele sabia que eu a queria e me provocou usando
essa descoberta. Durante aquela discussão, aceitei quando ele me propôs uma aposta.
Quando voltei a encará-la, notei o misto de confusão em seu rosto dar espaço ao
entendimento. Ela estava compreendendo onde eu queria chegar.
— Tyler ainda não conhecia Megan e nós dois esquecemos essa maldita aposta no
dia seguinte, quando ele a conheceu e quando eu te beijei naquele elevador. — Voltei àquela
noite em pensamento por um momento. — Quando você saiu correndo daquele elevador, eu
percebi que não era qualquer mulher.
— Que aposta vocês fizeram?
Seus olhos verdes perderam qualquer brilho após aquela pergunta. Ela já sabia, eu
tinha certeza, mas queria que eu dissesse.
— Quem dormisse com você primeiro, ganharia — concluí, mesmo que meu peito se
apertasse dolorosamente ao fazê-lo. Lembro que senti o mesmo quando percebi que Steve a
havia levado há algumas semanas. Desta vez, o medo de perdê-la era quase tão assustador
quanto antes.
Ela fechou os olhos como se pudesse escapar daquela realidade ao fazer isso. Tentei
me aproximar novamente quando percebi as lágrimas em seus olhos, mas ela me conteve.
— Evangeline… — tentei dizer algo enquanto ela se afastava, mas ela pediu
silenciosamente que eu parasse.
— Por que decidiu me contar isso hoje? — Apesar das lágrimas, sua voz soou
firme, quase ríspida.
— Megan escutou uma conversa que tive com Tyler em Veneza, onde eu mencionei a
aposta e pediu que eu te contasse… Isso aconteceu há mais de quatro meses. Foi uma atitude
impensada e estúpida da qual eu me arrependo. Não havia qualquer pensamento sobre essa
maldita aposta, em nenhum momento destes quatro meses, Evangeline. Foi algo
insignificante e rapidamente esquecido.
Percebi quando ela começou a limpar o rosto. A apreensão em mim aumentou
drasticamente ao olhar em seus olhos. Seu sofrimento, mais do que sua aparente fúria, me
angustiou. Aquilo me fez sentir um bastardo por ter aceitado aquela maldita aposta.
— Por que insistiu em ter algo comigo? — questionou.
— Porque eu queria você — respondi sem sequer pensar.
Evangeline desviou os olhos dos meus. Notei a dúvida contida neles após minhas
palavras. Porra, aquilo doeu também. Agora ela não acreditaria mais em mim?
— Por que está comigo agora?
Juntei sobrancelhas e expirei devagar enquanto acabava a distância entre nós.
Minhas mãos seguraram meu rosto com uma delicadeza contraditória ao meu tamanho e
força. Limpei suas novas lágrimas vagarosamente e o fato dela não tentar me afastar
novamente foi reconfortante.
— Não quero me precipitar e afirmar ter sentimentos que nunca fizeram parte da
minha vida e entendimento, mas eu sei que o que me faz querer estar perto de você cada dia
mais é forte o suficiente para me fazer temer, mais que tudo, perder você.
Ela se manteve em silêncio, apenas me encarando atentamente.
— Evangeline, aquela aposta não durou vinte e quatro horas sequer. Foi algo tão
insignificante para mim e Tyler, que sequer nos lembrávamos dela. A aposta não teve nada a
ver com o que temos agora.
— Foi o motivo de você ter se aproximado — ela sussurrou, decepção estava em
cada uma de suas palavras. — Steve queria o dinheiro de meu pai e você queria ganhar uma
aposta, Guilhermo.
Aquela comparação me deixou sem palavras. Estupefato.
— Quem de vocês foi pior nisso? — ela perguntou, desvencilhando-se de mim.
— Está mesmo nos comparando? — Surpreendi-me ao perceber que minha voz fora
reduzida a um simples balbuciar estúpido. — Aquela aposta não me obrigou a ficar com
você durante esses quatro meses, Evangeline! — exaltei-me. — Eu fiquei porque eu quis!
Porque queria estar ao seu lado! Porque queria… — Eu me interrompi, pois não acreditava
que estava tentando explicar aquilo que, para mim, era tão óbvio.
Usei as mãos para bagunçar os cabelos e cobrir o rosto por alguns segundos. Eu
precisava de calma. De qualquer porra que me ajudasse a passar por aquela situação.
— Me desculpe — pedi, como uma última tentativa.
Ela acenou em negativa por alguns segundos e voltou a se sentar em minha poltrona.
— Evangeline? — murmurei, tentando me aproximar novamente.
— Me deixa, Guilhermo — pediu, fazendo-me parar imediatamente. — Por favor.
Cerrei os olhos por um momento. Milhares de coisas se passaram por minha cabeça
naquele intervalo de tempo. Preferi acreditar que ela queria apenas um pouco de tempo para
pensar. Talvez pudesse me perdoar. Eu torceria por isso.
Observei-a em silêncio por alguns segundos. Já havia percebido que, como eu, ela
gostava da vista de Nova Iorque que estava a nossa frente. Mas, naquele momento, mirar
Evangeline foi o que eu precisei para acreditar que uma hora ou outra ela poderia deixar
aquela porra de aposta de lado.
Ouvi o toque insuportável de meu telefone e suspirei antes de seguir para o quarto
para atendê-lo.
— David— murmurei ao ver seu nome da tela.
— Como elas estão, cara? — foi sua primeira pergunta.
— Bem. Estão dormindo. — Fiz uma pausa. — Evangeline está na sala. Acabamos
de ter uma conversa difícil.
— Brigaram porque ela não quis te contar nada de novo?
Bufei.
— Não. Acabei de contar sobre um maldito erro do passado e ela… Bem, eu não sei
o que fazer agora, ela parece estar magoada. Odeio vê-la assim — admiti.
— Dê um tempo a ela, cara — aconselhou. — Ela certamente precisa de tempo para
pensar.
Concordei silenciosamente com aquilo e sentei-me sobre a cama.
— Nathan me disse que o sistema de segurança funcionou perfeitamente. Por isso
não conseguiram entrar. Temos um total de dois seguranças feridos, mas, graças a Deus,
nenhum gravemente.
— Tentei convencê-la a ir para a Alemanha comigo — contei. — Mas Evangeline se
recusa a sair daqui.
— Ela está preocupada com a família dela — adivinhou. — Olha, ela me ligou há
meia-hora e pediu para eu organizar as passagens de Nany e Angeline. Eu as enviei por e-
mail há menos de cinco minutos.
— Quem está tentando levá-la, David? — perguntei, cansado daquela maldita
dúvida.
— Não sei — ele disse. — Pode ser John, também desconfio de Steve, mas…
— Mas? — ecoei.
Ele suspirou.
— Você saberá em breve… Eu preciso ir. Tente impedir Evangeline de fazer
qualquer besteira, ok?
— Ok — concordei, sem saber o que poderia dizer além daquilo.
Desliguei e deixei o celular sobre a cama novamente. Tirei o blazer que vestia e
voltei para a sala.
Franzi o cenho ao perceber que Evangeline não estava aqui. Verifiquei a cozinha e,
em seguida, o quarto de Natalie. Ela não estava em nenhum lugar.
— Cazzo [1]— xinguei.
Para onde ela foi a essa hora?
EVANGELINE
Não sei quantas vezes inspirei e expirei lentamente à procura de calma e serenidade,
mas quando finalmente consegui o que queria, cheguei à conclusão de que esta não me
ajudaria em nada naquele momento. Talvez raiva sim, mas serenidade não.
Fechei os olhos por um momento e tapei os ouvidos, como se aquilo impedisse os
milhares de pensamentos em minha mente de me enlouquecer. Eu precisava fazer algo sobre
tudo o que estava acontecendo, também precisava ficar sozinha e em paz, precisava de
distância de Guilhermo enquanto tentava lidar com a raiva que aquela maldita aposta
alastrou em mim.
Tentaram invadir minha casa — lembrei-me. — Estão atrás de mim, mas não se
importariam de levar alguém da minha família para me chantagear — concluí. A questão
em tudo isso é: se estão atrás de mim ou de alguém para usar contra mim, é por que não
querem somente me matar. Se quisessem apenas isso, já o teriam feito. Então, o que mais
eles ainda querem de mim?
Engoli em seco uma vez e respirei fundo. Permiti-me examinar a vista de Manhattan
enquanto minha mente decaía em mais e mais pensamentos. Há somente duas pessoas que
podem me dar essa resposta — recordei.
John… E Steve.
Olhei por cima do ombro para o corredor vazio que levava ao quarto de Guilhermo.
Ele ainda parecia falar ao telefone. Levantei da poltrona em que estava, peguei as chaves do
carro dele sobre a mesa de centro da sala e segui para a porta.
Eu precisava encontrar aquele filho da puta do Steve.
— Logan, ligue para Scott, por favor — pedi a ele assim que o vi à frente da porta
de entrada do apartamento. — Preciso pegar minha bolsa no carro de Guilhermo — menti.
— Srta. Howell, eu posso ir… — ele tentou, mas o interrompi.
— Não, não quero que minha família fique desprotegida — insisti, mesmo sabendo
que aqui todas estavam seguras. — Guilhermo conseguiu dormir ainda há pouco e preciso
da nécesserie que está em minha bolsa. Não quis acordá-lo por isso — insisti. — Apenas
avise a Scott que ele me espere no estacionamento do prédio, não demorarei nem mesmo
dez minutos.
Ele pareceu ponderar por alguns segundos, mas acabou cedendo e ligando para seu
parceiro, que estava vigiando a entrada do prédio.
— Obrigada — agradeci antes de seguir para o corredor do elevador.
Por ser tão tarde, o elevador não parou em nenhum dos andares até o térreo. Saí dele
e encontrei Scott na frente dele, o cumprimentei e segui para o local em que Guilhermo
havia estacionado o carro. Peguei as chaves que havia tirado da mesa de centro da sala dele
e abri a porta do motorista para mim. Fingi procurar algo lá dentro, enquanto Scott
verificava se havia algo de anormal no estacionamento. Destravei a porta do carona e a abri
após fechar a porta do motorista. Baixei o vidro da janela e o chamei.
— Scott, entre.
Ele se voltou para mim, sem entender. Os seus olhos negros me avaliaram em
silêncio. Quando percebi que ele pegaria o celular, eu insisti.
— Entre, ou irei sozinha. Não me importo se ligar para David ou Guilhermo.
Ele tentou abrir a porta do meu lado, mas eu já a havia travado. Pegou o celular e
seguiu para a porta do carona. Arranquei com o carro enquanto ele ainda tentava se sentar e
apenas ouvi quando seu celular caiu e a porta foi fechada com um baque surdo.
— A senhora pretende se matar por algum motivo em especial? — questionou. Seu
sarcasmo, por algum motivo, me fez sorrir.
— Percebeu alguém seguindo vocês hoje, Scott? — perguntei. — Enquanto trazia as
meninas para esse prédio?
Usei o controle que Guilhermo possuía do portão do estacionamento e o abri antes
de finalmente sair para a Avenida.
— Não — ele respondeu enquanto colocava o cinto de segurança.
Concordei com um aceno, mas olhei através do espelho retrovisor. Ainda não havia
nenhum carro que me fizesse suspeitar que nos seguisse.
— David te contou que meu ex colocou alguns capangas atrás de mim?… Claro que
ele contou — concluí, fazendo-o olhar para o espelho retrovisor do carro. — Steve, meu ex,
sabe algo sobre quem está tentando me sequestrar. Vamos fazê-los nos seguir a um lugar não
muito visitado, pode ser?
Ele assentiu ao compreender meu plano.
— Conhece algum lugar assim?
— Se me der seu celular, eu te ajudo no que quiser — murmurou ainda com a
atenção voltada para os carros na pista. — Chrysler preto, dois carros atrás do nosso —
avisou, ao perceber que carro nos seguia.
— Não peguei o celular antes de sair — menti. — Não quero falar com ninguém
agora.
Ele se voltou para mim como se, apenas com a expressão facial, perguntasse “que
porra deu na sua cabeça hoje?”.
— Preciso de um destino — lembrei-o.
— Nathan vai me demitir — resmungou.
— Não vou permitir. Digo a ele que eu insisti nisso e você apenas tentou me impedir
— ofereci. — Preciso da sua ajuda, não sou idiota de achar que conseguiria isso sozinha.
Você já está aqui, não pode simplesmente me ajudar a descobrir por que aqueles filhos da
puta voltaram a me seguir para todos os lugares?
Ele ficou em silêncio.
— Por favo. — pedi, parando em um sinal vermelho. Decidi mirá-lo desta vez. —
Eu só quero fazer esse inferno acabar.
— O que decidiu fazer com a garotinha? — ele perguntou, referindo-se a Natalie. Eu
sabia que ele gostava dela. Certa vez disse que tem uma filha da idade de Natalie.
— Pedi que ela fosse para São Francisco com a mãe. Elas estarão mais seguras lá.
— Ele concordou com um aceno.
— Sabe chegar à entrada de Jersey City?
Concordei lentamente e voltei a dirigir.
— O porto que antecede a ponte que liga Manhattan e Jersey City é um bom lugar, se
quer pegá-lo desprevenido.
— Não conhece um lugar mais perto daqui?
Com o canto dos olhos, percebi que ele arqueou uma sobrancelha.
— Um prédio abandonado no Brooklyn daria muito na vista de todos. Eles não
entrariam em um lugar assim, sem saber o que faríamos.
Expirei lentamente e verifiquei o carro que nos seguia através do espelho retrovisor.
— Você está armado?
Perceptivelmente preocupado, ele assentiu.
— Você sabe onde eles se escondem quando me seguem até minha casa?
Ele assentiu novamente.
— Eles não se escondem. Simplesmente estacionam do outro lado da rua —
explicou. — Mas há dias eles não a seguem, por isso David desistiu da ideia de denunciar.
Por que infernos decidiram voltar a fazê-lo?
— Eu não sei, mas esta é a segunda vez que algo acontece em minha casa e eles
estão por perto. Iremos para lá de novo.
— Senhorita…
— Os outros seguranças estão lá, Scott. Eu só preciso que esses bastardos sejam
capturados, para descobrir onde Steve está. O sistema de segurança não falhou, não é? Não
há como ninguém entrar lá e nos surpreender.
Buzinei para um carro parado no acostamento e dei um tempo para Scott pensar
sobre isso. Meu celular vibrou no bolso de meu casaco, mas fingi não perceber.
— Pretende ir atrás desse tal Steve também?
Hesitante, concordei.
— Ele é o chefe. E não quis me dizer o motivo de deixar aqueles homens me
seguindo, mas temos imagens das câmeras de segurança de minha casa, da Howell’s e da
D’Angelo, se ele não me disser por que diabos colocou aqueles homens atrás de mim, eu
mesma o denunciarei e me certificarei de que a polícia não permita que esses bastardos
continuem no meu encalço.
— Me dê o celular. — Olhei para a mão que ele estendia para mim e bufei antes de
tirar o aparelho do bolso.
— Prometa que me ajudará — pedi. Quando percebi que ele se manteria em
silêncio, eu aproximei o celular da janela que estava ao meu lado. — Prometa.
— Porra. Prometo. Agora me dê essa droga.
Sem resistir, sorri e entreguei a ele o celular.
O ouvi falar ao telefone com Logan e pedir a ajuda dele, que pareceu ter
concordado.
— O Sr. D’Angelo quer falar com a senhorita — ele murmurou para mim,
estendendo-me o celular.
Bufei ao ouvir aquilo. Não queria falar com Guilhermo. Estava brava. Queria
esquecer aquela maldita aposta por algum tempo, será que era difícil entender isso?
Pensar, por um minuto, que ele agira como Steve me decepcionava tanto quanto me
enfurecia. Peguei o celular e o desliguei antes de guardá-lo.
— Estamos chegando — anunciei a Scott.
— Logan virá agora. Nós entraremos e o esperaremos. Ele vai surpreender o cara
que a está nos seguindo e o levará para sua casa — explicou.
— Obrigada — agradeci.
***

Menos de meia-hora depois, as palavras de Scott se concretizavam. A notável


diferença era que Guilhermo estava com Logan quando ele entrou trazendo um homem
desacordado.
Levei as mãos aos lábios quando percebi que a boca do tal homem sangrava
terrivelmente.
— O que infernos você estava pensando quando saiu do apartamento sem me falar
nada?! — foram as primeiras palavras de Guilhermo.
— Por que eu deveria ter dito? — retruquei.
Ele semicerrou os olhos para mim e depois suspirou. Tentou visivelmente controlar
a fúria em seu interior e o deixei sozinho para me aproximar do homem que Scott e Logan
amarravam a uma cadeira.
Um celular começou a tocar em algum lugar e Scott revirou os bolsos do homem à
procura dele. Quando o encontrou, olhou para a tela.
— Chefe — sussurrou para mim antes de me entregar o telefone. Agora ele também
sabia de quem se tratava.
— Michael? Vá para o hotel. Já dei novas ordens a Mason e quero que você o ajude.
– engoli em seco ao ouvir a voz de Steve. O tom usado por ele era diferente de tudo o que
eu já ouvira vindo dele. Havia, além de autoridade, perigo e, talvez, um vestígio de
complacência.
— Steve? Aqui é Evangeline — avisei-o, após uma troca de olhares com
Guilhermo.
— Evangeline? — ecoou, aparentemente surpreso.
Não dei chance de ele tentar explicar algo, apenas prossegui:
— Eu perguntaria ao seu capanga onde você está, agora mesmo. — Olhei para Scott
no momento em que ele desferiu um tapa no rosto do homem, que, a esta altura, já estava
amarrado. Ele acordou em menos de três segundos. — Como sabia que havia alguém
tentando me sequestrar?
Eu o ouvi rir de maneira debochada do outro lado da linha. Aquilo me fez cerrar os
punhos e, em segundos, Guilhermo estava à minha frente. Sua expressão não era nada boa.
— Não se preocupe — Steve continuou. — Nenhum deles continuará a seguir você.
— Essa não é a resposta para minha pergunta.
Afastei-me do grupo de homens que me encarava de maneira inquisitiva. Parei
próxima a porta da sala de jantar.
— Contente-se com o que eu disse. E agradeça. Agora poderá ficar com aquele filho
da puta bastardo.
— Vai, finalmente, me deixar em paz?
— Não era o que você queria?
— Eu quero isso desde que você voltou do maldito inferno. Por que decidiu se
afastar somente agora?
Ele ficou em silêncio.
Percebi que havia chegado a algo crítico para ele. Respirei fundo uma vez e
articulei rapidamente uma nova pergunta, mas antes que pudesse fazê-la, ele desligou.
Minha testa se enrugou quando olhei a tela do enorme celular.
O que aconteceu para Steve tomar essa decisão justo agora?
Suspirei fortemente quando Guilhermo se aproximou.
— O que aquele filho da puta disse?
Ponderei por alguns segundos em silêncio, até que decidi contar:
— Segundo ele, nenhum de seus capangas continuará a me seguir — contei.
Guilhermo também pareceu perplexo.
Acenei em negativa enquanto, como Guilhermo, tentava entender aquilo. Desisti de
qualquer pensamento quando me lembrei de David.
Peguei meu telefone celular em meu bolso e salvei o número do qual Steve ligou.
— Ele pode estar mentindo — Guilhermo observou, fazendo-me voltar a encará-lo.
E rapidamente esquecer o que quer que estivesse acontecendo a nossa volta. Relembrei,
novamente, nossa conversa de duas horas atrás e cedi ao meu lado racional.
A verdade era que, com tudo o que ele dissera anteriormente, eu não sabia o que
fazer. Mais cedo, eu simplesmente me obriguei a tomar uma atitude sobre meu maior
problema no momento. Por alguns segundos achei que pudesse resolver tudo. Um detalhe de
cada vez. Mas aquela foi uma atitude idiota. Eu não conseguiria deixar Guilhermo em
segundo plano enquanto me livrava de Steve e da dor e raiva causadas por aquela
revelação.
— Espero que seja verdade — admiti, voltando-me para a tela de meu celular.
Digitei rapidamente uma mensagem para David e copiei o número de telefone de Steve.
Pedi que ele descobrisse de onde viera aquela ligação. — Sei que, a esta hora, ele deve
estar dormindo, mas uma hora ou outra ele verá minha mensagem.
— O que faremos com ele? — Logan questionou Guilhermo, referindo-se ao
capanga de Steve.
— Vou subir — avisei-o antes de seguir para as escadas. Ele concordou com um
aceno.
Fechei a porta de meu quarto e suspirei profundamente ao avaliá-lo. Cerrei os olhos
por um momento e encostei-me à porta.
Esperei que mais lágrimas rolassem por meu rosto, mas isso não aconteceu. Pensar
que Guilhermo, como Steve, tivera um motivo tão egoísta e estúpido para se aproximar de
mim me enfureceu de maneira pungente. Porque o que me enfurecia, também me machucava.
Mas agora, após horas tentando ignorar suas palavras, eu percebi que ele realmente
não teria motivos para querer continuar comigo depois de termos dormido juntos, ou até
mesmo antes disso, quando contei sobre minha secretária ter sido assassinada em minha
casa.
Inspirei devagar e abri os olhos.
Na verdade, ele já não possuía aquela aposta como motivo para dormir comigo no
momento em que Tyler conheceu Megan. Foi notável, o fato dos dois terem se apaixonado
no instante em que se conheceram. Esta última percepção foi confirmada por minha
lembrança nítida de como os dois se encararam quando os apresentei.
Sentei-me sobre minha cama e usei as mãos para esconder o rosto.
Contudo, nada disso mudava o fato dele ter aceitado aquela maldita aposta, eu me
obriguei a lembrar.
Meu celular tocou, assustando-me. Somente atendi porque vi o nome David.
— Você não dorme? — questionei, tentando sorrir.
David riu por alguns segundos.
— O Sherlock Holmes aqui nunca dorme.
Aquilo me fez sorrir.
— Conte-me o que houve — ele pediu.
Franzi o cenho, sem entender como ele soube que eu estava mal, mas respondi:
— Guilhermo me contou algo que me deixou… — Fiz uma pausa. — Furiosa… E
decepcionada.
Bufei ao registrar minha própria explicação tosca e deitei-me sobre a cama.
— Eu me referia ao número de telefone de Steve naquela mensagem, mas acho que
ainda estou no horário para dar uma de psicólogo também.
Rolei os olhos, mas sorri novamente.
— Steve disse que me deixaria em paz — contei. — Que tiraria os capangas das
minhas costas.
— Calma aí — ele pediu. — São quase três da manhã. Uma coisa de cada vez, por
favor.
Concordei com um suspiro e decidi voltar ao primeiro assunto.
— Guilhermo me contou que quando nos conhecemos ele fez uma aposta com um
primo. Para haver um ganhador, um deles teria que dormir comigo.
— Eu vou matar esse bastardo — David começou a falar mais alto a cada palavra.
— Que porra de aposta foi essa?!
Apertei os lábios enquanto David xingava Guilhermo. Mirei o teto de meu quarto. A
cor cinza nunca me pareceu tão neutra.
— Então, por que ele não se afastou depois que conseguiu isso? — questionou após
alguns segundos pensando sobre minhas palavras.
— Segundo ele, a aposta perdeu qualquer significado no dia seguinte ao que
concordaram com ela. No dia em que Tyler conheceu Megan. — Reprimi um novo suspiro e
decidi completar. — Também foi o dia em que Guilhermo e eu nos beijamos pela primeira
vez… E eu fugi logo em seguida.
David permaneceu em silêncio por segundos a fio:
— David?
— Estou aqui… É que acabei de lembrar me que mais cedo Guilhermo me disse que
vocês tiveram uma conversa difícil. — Ele fez uma breve pausa. — Ele pareceu
desnorteado sobre o que fazer.
Suas palavras me deixaram surpresa.
— Por que disse que ficou decepcionada? — inquiriu.
— Por mais que eu soubesse que Guilhermo foi um libertino, eu não esperava isso
dele — tentei explicar.
— Assim como não esperava que Steve fizesse aquilo.
Bufei. David estava fazendo a mesma comparação que eu fiz há algumas horas e eu
já me arrependia daquilo. Talvez os dois tivessem tido atitudes parecidas, mas não se
pareciam em nada.
— Os dois fizeram besteira e na primeira vez você não conseguiu superar. Agora
acontecerá o mesmo?
Fiquei em silêncio por alguns segundos, tentava formular uma resposta sincera para
aquela pergunta.
— Não quero mantê-lo longe, David — admiti. — Mas não vou conseguir agir como
se aquela aposta fosse algo bobo demais para me machucar. Que tipo de homem usa uma
mulher em uma aposta da forma que eles fizeram? Eu sei que foi há mais de quatro meses,
mas servir de subterfúgio para inflar o ego dele me entristeceu.
— Não pode lidar com isso enquanto tenta perdoá-lo? Guilhermo pode ter sido um
babaca ao cubo, Evy, mas é louco por você e nem mesmo se ele negasse isso deixaria de ser
perceptível.
Sentei-me sobre a cama novamente e comecei a tirar os sapatos.
— Quando descobri sobre essa aposta, não pensei em mandá-lo ir ao inferno, como
fiz com Steve. Mas fiquei brava… Na verdade, ainda estou. E…
— E?
— E eu não sei que infernos vou fazer, até controlar isso em mim.
David bufou.
— Vamos colocar os fatos desta forma: ele confia em você para estar ao seu lado
sem saber quase nada sobre seu passado, você não pode confiar que ele não agirá como um
filho da puta novamente?
— São situações completamente distintas — destaquei.
Ele suspirou do outro lado da linha.
— Ok. Você tinha motivos para não ficar com ele em Barcelona, não é? Ficava com
as desculpas de que não seria mais uma na lista dele e todo aquele blá blá blá, não é? —
Franzi o cenho ao ouvir “blá blá bla”. — Mas um tempo depois de chegar em Nova Iorque,
você decidiu dar uma chance a ele, não é? — A ênfase na última pergunta me fez concordar.
— Você fez isso porque, ao chegar aqui, percebeu que ele não era mais o idiota de
Barcelona, então…
Eu o interrompi quando percebi onde ele queria chegar:
— Quando você mudou de lado e começou a defendê-lo? — questionei.
— Quando percebi que você não o quer longe porque está apaixonada. Se não
estivesse, sua fúria teria te dominado e você mesma o levaria ao inferno. Como fez com
Steve. Você não quer que ele fique longe, sabe que ele já não é como aquele playboy de
Barcelona, por que não pode perdoar essa porra de aposta?
Fiquei em silêncio ao registrar sua primeira afirmação. Apaixonada por
Guilhermo? Eu?
— Como é aquela frase clichê que Mel usa para tudo? — perguntou, fazendo-me
sair de meus pensamentos e sorrir.
— O amor perdoa tudo — murmurei.
— Não sei que tipo de idiota acredita nisso — afirmou. Mordi os lábios suavemente
para não rir e levantei da cama. David sempre implicava com tudo o que Mel dizia. — Mas
você também é mulher, deve acreditar, então coloque em prática.
— Está insinuando que as mulheres são idiotas, David?
— Não dê uma de Melanie agora — debochou, fazendo-me expelir o ar fortemente.
— Entendeu o que eu quis dizer.
— Perdoar não é o mesmo que esquecer — lembrei-o.
— Claro que não é. Mas é o primeiro passo para superar. — Não consegui pensar
em nenhuma resposta para retrucar contra aquilo. — Mais tarde eu ligo e falamos do Steve,
tudo bem?
— Sim.
— Agora vou dormir, porque a porra do café acabou há mais de uma hora.
Sorri.
— Obrigada, David. Bom descanso.
— Pense no que eu falei, antes de fazer qualquer besteira.
— Pensarei.
Antes de desligar, o ouvi resmungar:
“U-hum, sei que vai.”
Encarei o celular em minhas mãos por alguns segundos e, com um suspiro cansado,
abandonei o celular sobre o criado mudo. Fui ao banheiro e tomei um banho rápido.
Surpreendi-me ao adentrar o quarto novamente e ver que Guilhermo ainda não estava aqui.
Vesti uma camisola branca e um robe antes de descer as escadas para encontrar a
sala vazia, silenciosa e escura. Liguei as luzes suaves da escada e a pouca claridade me
permitiu enxergar uma silhueta masculina em meio ao breu. Ele estava sentado no o sofá.
— Guilhermo? — chamei-o. — O que está fazendo aí?
Com cuidado, desci as escadas e me aproximei do sofá em que ele se encontrava.
— Estou pensando — murmurou. — Fizemos aquele cara contar onde Steve está.
Ergui as sobrancelhas, mesmo no escuro, e esperei que ele concluísse.
— Ao que parece, Steve está em Montevidéu.
— David me disse que ele viaja com frequência para lá — contei, sentando-me do
outro lado do sofá em que ele estava.
Um silêncio incômodo se instalou entre nós. Arrisquei um olhar para Guilhermo e o
encontrei já me fitando atentamente. Não pude ver sua expressão claramente, mas sabia que
ele estava preocupado. Sentia isso.
— Por que saiu sem me avisar? — questionou.
Desviei meu olhar do seu e expirei lentamente.
— Eu queria fazer algo útil… E esquecer aquela aposta por um momento.
— Ainda está com raiva? — sussurrou.
— Sim.
— Desculpe.
— Além de enfurecida, eu também estou magoada — admiti. — Eu sempre soube do
seu passado e tinha ideia das coisas que você fazia para ficar com uma mulher e depois
descartá-la, mas não imaginei que… — Expirei, antes de concluir. — Aquilo me
envolveria.
— Eu sempre deixei claro para aquelas mulheres que não queria mais do que sexo
Evangeline. Nunca dei falsas esperanças a nenhuma delas.
— Por que aceitou aquela aposta?
— Estava bravo com Tyler por querer ficar com você, quando ele sabia que eu a
queria. — Ele fez uma pausa. — Acho que eu quis mostrar que você seria só minha, e não
dele.
Comprimi os lábios enquanto aquelas palavras reverberaram por minha mente.
— Não vou esquecer isso, Guilhermo. Você querendo ou não, teve uma atitude
semelhante à de Steve.
— Já disse que me arrependo. Aquela aposta não significou nada para mim, nem
mesmo para Tyler. Ele só queria me chatear. — Eu me retesei contra a extremidade do sofá
quando ele se aproximou. Quando Guilhermo me tocou, um arrepio suave se espalhou por
meu corpo.
— Por que insistiu em tentar dormir comigo se não havia mais aposta?
— Porque eu queria você. Independente daquela aposta, de achar que você tinha um
noivo, de você demonstrar não me suportar, eu queria você. Sequer conseguia te tirar da
minha cabeça.
Voltei-me para a estante com a tevê e a mirei por alguns segundos, mesmo que não
prestasse atenção em qualquer detalhe acerca dela. Eu queria apenas um ponto qualquer
para focar a visão enquanto meus pensamentos se dispersavam em minha mente.
Olhei para ele de soslaio, não sei como ele parecia ainda mais cansado agora. O dia
foi longo para nós dois, lembrei.
Encostei-me a ele e, lentamente, Guilhermo usou um de seus braços para envolver
meu corpo. Pareceu hesitante quanto a isso, até mesmo eu estava hesitante sobre me
aproximar agora, mas sabia que não conseguiria manter nenhuma distância dele. Pelo menos
não por isso.
— Não quero me afastar de você, Guilhermo — admiti. Notei o momento exato em
que ele parou de respirar e esperou pacientemente minhas próximas palavras. — Só preciso
de tempo para me fazer acreditar que o Guilhermo que está aqui comigo agora, não é o
idiota que fez aquela aposta. — Ele me abraçou e beijou o topo de minha cabeça.
— Ainda duvidava disso?
— Não duvidava até você me contar sobre essa aposta.
Uma infinidade de segundos sucedeu minhas palavras. Uma ideia me fez suspirar
audivelmente. Quando finalmente coloquei em prática o que queria; sentei sobre suas pernas
e o abracei. Um pensamento ecoou por minha mente:
O inferno que eu um dia conseguirei mandar esse homem sair da minha vida.
DEZ
EVANGELINE
Abri meus olhos ao sentir uma carícia suave e contínua em meus cabelos. Fechei os
olhos imediatamente, recusando-me a acordar. Senti uma das mãos de Guilhermo pousada
sobre meu ventre. Nossos corpos estavam enroscados um ao outro. A presença dele e o seu
calor me ajudaram a ter algumas horas de sono ininterrupto. Após nossa conversa durante a
madrugada, viemos para meu quarto, esperei que ele tomasse o seu banho e, em seguida,
dormimos abraçados. Bom, pelo menos eu dormi. Estava ciente da sua insônia, mas não
consegui ajudá-lo nisso quando tentei. Encostei meu rosto em seu peito e inspirei seu cheiro
lentamente.
— No que está pensando? — questionei.
A carícia íntima sobre meu ventre cessou e o ouvi suspirar pesadamente, como se
pudesse expulsar maus pensamentos com essa atitude.
— Muitas coisas. — ouvi-o responder, a voz rouca e baixa denotava o tempo em
que ficara sem usá-la. — Está melhor?
Respondi com um aceno, afastando-me apenas o suficiente para encará-lo. Os sinais
da noite mal dormida estavam em seu rosto, mas os olhos azuis permaneciam com a
preocupação de horas atrás.
— Com o que você está preocupado?
Ele arqueou uma sobrancelha, como se perguntasse de onde tirei aquilo, mas cedeu:
— Com você. — foi minha vez de suspirar lentamente ao ouvir aquilo. — Sei que
aquele filho da puta aprontará algo. Ontem ele foi atrás de você na Howell’s, ele sabe que
estamos juntos, não te deixaria em paz e comigo depois de tudo o que fez até agora.
Eu não queria, mas precisei concordar com Guilhermo. Ontem Steve conseguiu
realmente me assustar com todo o seu descontrole.
— Olha, ontem à tarde ele estava em Nova Iorque, ameaçando você e nosso
relacionamento, durante a madrugada de hoje ele já estava em Montevidéu dando ordens aos
capangas para que te deixassem em paz. — lembrou-me. — Algo durante àquelas horas o
fez sair de Nova Iorque e mudar de ideia.
Franzi o cenho ao registrar sua linha de raciocínio.
— Durante nossa conversa você disse que ele viaja com frequência para
Montevidéu… — lembrou-me. Eu o interrompi:
— Na verdade, Steve saiu de Nova Orleans há sete anos, mas voltava
esporadicamente. Acredito que naquela época já estivesse em Montevidéu.
— Há algo lá que o impede de ficar aqui atrás de você. — concluiu, fazendo-me
mirá-lo.
— Os homens que trabalham para Nathan não viram Steve fazer nada suspeito lá. —
repeti as palavras de David.
— Vou perguntar a David o que Steve realmente fazia naquela cidade. — anuí com
um aceno e aceitei quando ele me abraçou.
— Poderíamos tirar o dia de folga, o que acha? — ouvi-o questionar minutos
depois. A proposta me pareceu irrecusável. Eu me sentia cansada demais para enfrentar
mais um dia de problemas e reuniões na empresa.
— Tenho que arrumar as malas das meninas e levá-las ao aeroporto. — murmurei,
desanimada, tanto por não querer sair da cama quanto por ter que enviar as meninas para
longe. — Não há nenhuma reunião importante para você?
— Não que eu lembre. — ele disse. — Ligarei para Tomas e o questionarei a
respeito disso.
Senti-o beijar o topo de minha cabeça e fechei os olhos quando ele entrelaçou sua
mão a minha. Eu já não estava com raiva por nada que aconteceu ontem , na verdade, me
sentia apenas esgotada de todo aquele assunto. – incluindo Steve e suas viagens repentinas.
— Você ainda parece tenso. — sussurrei ao apoiar meu rosto em seu peito nu. —
Está me preocupando Guilhermo.
Ele ficou em silêncio por minutos que pareceram se arrastar.
— Não entendi por que me comparou a Steve mais cedo. — respondeu por fim,
fazendo-me prender o ar em meus pulmões. — Odiei o fato de tê-lo feito e quero entender
seus motivos.
Mordi os lábios suavemente e expirei lentamente. Não queria falar sobre isso
novamente.
— Guilhermo, já me arrependi por isso, não precisa… — foi sua vez de me
interromper no meio de uma frase.
— Já está sendo difícil o bastante tentar entender o que está acontecendo sem que
você me conte qualquer coisa. — a pausa que ele fez após aquelas palavras serviu apenas
para estilhaçar algo em mim. — Difícil o bastante tentar descobrir como te manter segura
quando nem mesmo você se importa com sua segurança… Vou ter que lidar com você me
comparando ao seu ex também?
Não tive argumentos contra suas palavras, mas também não sabia o que dizer.
Mantive meu olhar no seu e, quando percebi que ele ainda diria algo, decidi esperar:
— Eu confio em você Evangeline. Não sei exatamente o quê, mas é óbvio que algo,
ou alguém, te machucou muito no passado, é óbvio que alguém tem um bom motivo para
estar atrás de você agora. Não vou te pressionar para me contar sobre isso, mas espero que
um dia você confie em mim o suficiente para fazê-lo. Não vejo como as coisas darem certo
entre nós se seu passado continuar a ameaçar o nosso futuro juntos, se você não me deixar te
ajudar a parar isso.
Engoli em seco quando um nó se formou em minha garganta. Inspirei profundamente
numa tentativa boba de acalmar meus batimentos cardíacos. Mas estava ciente de que seria
em vão, assim como também sabia que ele estava certo e, contra isso, eu jamais teria como
retrucar… Não de forma convincente o suficiente pelo menos.
— Guilhermo, eu só não quero…
— Me envolver? — ele completou, ainda utilizando de uma calma e controle que só
serviu para me desarmar ainda mais. — Eu já estou completamente envolvido, Evangeline,
pelo simples fato de você estar nisso. Você não vai conseguir me proteger de nada me
escondendo tudo.
— Eu só não quero que algo aconteça a você. — expliquei, voltando a encará-lo. —
Não vou suportar saber que…
— O pior que poderia me acontecer no momento é te perder. Você só precisa
colocar isso na sua cabeça.
Expeli o ar fortemente e me aproximei para abraçá-lo. Senti meus olhos queimarem
em lágrimas, mas não havia motivos para derramá-las. Cerrei os olhos com força e cravei
minhas unhas em seus ombros. Não queria que ele se afastasse, de nenhuma maneira. Senti-o
apertar-me em seus braços e o conforto oferecido por ele me fez relaxar em questão de
minutos.
— O que quer saber sobre meu relacionamento com Steve? — questionei.
— Por que nos comparou?
— Eu já contei isso. — lembrei-o. — Steve queria se casar comigo por interesse
nas empresas do meu pai. Não se aproximou por mim, fui apenas um meio para chegar a um
fim. Quando me contou sobre a aposta, a primeira coisa que me veio à mente foi isso.
— Como era o relacionamento de vocês?
Mordi os lábios suavemente quando minha mente foi tomada por uma série de
lembranças que agora, diferente de antes, eu não julgava nada boas.
— Nos primeiros meses ele foi um cavalheiro. — acenei em negativa ao recordar.
— Com vinte anos, ele foi meu primeiro namorado oficial, então, para meus pais, ele
demonstrava ser o homem certo para mim. Eu era muito ingênua, Angie eu fomos muito
mimadas por papai, eu acho. Steve conseguiu facilmente me fazer acreditar que era o
homem da minha vida… Mas com o passar dos meses ele se tornou extremamente
possessivo. Eu achava que ele queria apenas cuidar de mim, como eu queria cuidar para que
ele continuasse a ser apenas meu. No entanto, ele começou a ter surtos de preocupação
exagerada, me ligava pelo menos vinte vezes ao dia para saber onde eu estava e com quem,
até que passou a me proibir de sair com alguns amigos. Quando ele concluiu a faculdade,
nosso tempo juntos diminuiu e aquilo fez com que ele se tornasse ainda mais possessivo e
obsessivo.
— E você aceitava?
Um sorriso triste surgiu em meus lábios e me desvencilhei do nosso abraço.
— Eu também era muito ciumenta. Achei que aquele comportamento era normal,
apesar de minhas colegas de faculdade tentarem me alertar. Por isso aceitava.
— Que bom que mudou. — ele murmurou com um sorriso. — Prefiro a minha
americana intrépida a uma mulher com gênio facilmente maleável.
Aquilo me arrancou um sorriso.
— Como descobriu que ele só queria o dinheiro do seu pai?
— David ouviu uma conversa de Steve ao telefone.
Guilhermo pareceu surpreso, mas logo indagou:
— Para alguém que faz tantos voos internacionais, e pode contratar capangas para te
seguir, ele não parece precisar de dinheiro à ponto de se casar com uma mulher para isso.
— murmurou.
Suspirei.
— Eu sei. Mas eu lembro que naquela época parte de Nova Orleans havia sido
devastada pelo furacão Katrina. O pai de Steve fora ferido gravemente… Na época cheguei
à conclusão de que ele queria apenas ajudar a família com aquilo, já que, de uma hora para
outra, teve que assumir e lidar com o que restara dos negócios dos Cosgrove.
Guilhermo concordou lentamente.
— Que tipo de negócios ele tinha?
— Uma empresa de importações e exportações, eu acho. — dei de ombros.
— O que aconteceu quando você terminou com ele?
Juntei as sobrancelhas, tentando compreender aquela pergunta. Em seguida, tentei
lembrar da noite em que terminei tudo com Steve.
— Ele foi embora. — contei. — Não ouvi mais nada sobre Steve, nem mesmo
notícias dele através dos amigos que tínhamos em comum. — fiz uma pausa ao lembrar do
Mardi Gras daquele ano, mas decidi ocultar esta parte, então, completei — Algum tempo
depois, eu vim para Nova Iorque.
Guilhermo assentiu lentamente, para nenhuma pergunta em especial e se aproximou
para beijar minha boca suavemente.
— Obrigado por me contar.
***
Uma hora e meia depois, nós chegávamos ao aeroporto com Angie, Nany e Natalie.
Foi um pouco trabalhoso convencer Angeline a ir para a casa de papai e mamãe novamente,
ela não queria me deixar em Nova Iorque estando ciente do que estava acontecendo —
embora não soubesse de muita coisa, ela sabia o suficiente para fazer o Sr. e a Sra. Howell
saírem de Nova Orleans para vir até aqui me proteger do que quer que estivesse
acontecendo. Portanto, convencê-la a não contar nada a nossos pais foi ainda mais difícil.
Nany, por outro lado, estava preocupada com Natalie e concordou quando eu disse
que preferia que ela e sua filha passassem algum tempo com suas famílias. Ela, tanto quanto
eu, não queria que Natalie fosse usada por John para uma vingança ridícula. E eu agradeci
deliberadamente por isso.
Guilhermo trazia Natalie em seus braços e os dois conversavam animadamente
sobre o que fariam depois que ela fosse visitar o vovô. Um sorriso brotava em meu rosto
sempre que eu desviava a atenção para os dois. Era quase impossível acreditar no quanto
Guilhermo e Natalie se davam bem. Ele prestava atenção em tudo o que ela dizia como se
falasse com uma pessoa adulta sobre negócios importantíssimos e ela adorava toda aquela
atenção.
— Ele adora ela. — Angie murmurou para mim enquanto subíamos à escada rolante.
Concordei com suas palavras ao ver Natalie abraçar Guilhermo, usando os braços
para envolver o pescoço dele enquanto ria de algo.
— E ela o adora. — Nany anuiu, também se aproximando de mim após saltarmos no
primeiro andar.
Quando chegamos à sala de embarque para o voo de Angeline, eu a abracei com
força, apertando-a contra mim — como fazia quando éramos pequenas.
— Cuide-se, tudo bem? — ela disse. — Se algo acontecer com você, nenhum de nós
vai suportar.
Senti minha garganta se apertar ao ouvir aquilo, mas eu já não possuía lágrimas para
derramar. Me sentia aliviada por, pelo menos, estar tirando parte das pessoas importantes
para mim de tudo isso. Papai e mamãe são paranoicos com segurança e é uma certeza para
mim que Angie estará segura com eles.
— Cuide-se, você! — retruquei. — Eu amo você, Sis.
Após acabarmos com o abraço, ela se despediu de Nany e Natalie, em seguida, de
Guilhermo. Percebi o momento exato em que ela sussurrou algo para ele, mas não entendi o
que quer que ela tenha dito.
— Não se preocupe. — o ouvi murmurar.
Acenei em despedida para ela antes que entrasse na sala de embarque.
Esperamos até o horário de Natalie e Nany embarcarem também. Quase me desfiz
em lágrimas novamente ao ver as duas chorando ao se despedirem de mim, eu sabia que
aquilo era necessário, mas o aperto em meu peito não era menor por isso. Pedi que Nany
cuidasse de Natalie e me mantesse informada sobre a estadia das duas lá e, claro, que me
ligasse também se precisassem de qualquer coisa. Ela, ciente do motivo de eu pedir que as
duas passassem um tempo longe, me pediu para tomar cuidado e não me desfazer de nenhum
dos seguranças.
Os braços de Guilhermo envolveram meu corpo após ele se despedir de Natalie e as
duas seguirem para a sala.
— O que você prometeu a ela? — sussurrei quando ele beijou meu pescoço
suavemente. Enquanto se despediam, eu vi Natalie pedir que ele fizesse um juramento com o
dedo mindinho.
— Já disse que não vou contar para ninguém sobre meus segredos com sua filha. —
surpreendentemente, aquilo me fez sorrir.
— Você leva um juramento de mindinho à sério? — questionei ao me voltar para
ele, que pareceu surpreso ao ouvir minha pergunta.
— Você não?
Acenei em negativa, mas sorri. Ele me abraçou novamente e aproveitei cada
segundo daquele contato. De ter seu corpo contra o meu, do seu calor — mesmo com todas
as roupas que vestíamos por causa do frio — e do seu cheiro inebriante e característico.
Meia hora depois, seguidos por meus seguranças, nós chegávamos ao apartamento
de Guilhermo. — ele me convenceu a vir para cá, para que passássemos nosso “dia de
folga” aqui.
Cumprimentei a Sra. Bennett assim que a vi. Algo em mim se alegrou ao perceber
que ela lembrava o meu nome.
— O almoço estará pronto em meia hora, no máximo. — ela avisou antes de seguir
para à cozinha novamente.
Retirei o gorro que estava em minha cabeça e Guilhermo me ajudou com o casaco,
finalizei retirando as luvas.
— Você está usando o colar. — ele sussurrou ao notar. Seus dedos delinearam a
corrente fina e o pingente de esmeralda que ele me deu há algumas semanas.
— Gosto dele. — admiti, fazendo-o sorrir.
Seguimos para o sofá da sala e sentamos lado a lado, mas Guilhermo logo me puxou
para o seu colo. Encostei-me ao seu peito e suspirei vagarosamente quando ele entrelaçou
suas mãos as minhas.
— Como se sente? — perguntou.
— Bem… Acho que agora ficarei mais tranquila.
— Isso é bom. — ele sussurrou contra meu ouvido, não foi preciso mais que isso
para que um arrepio se espalhasse rapidamente por meu corpo. Guilhermo deslizou sua
língua por meu pescoço, traçando um caminho que, em seguida, seguiu com beijos. Aquilo
me fez suspirar de prazer. Meu corpo começou a reagir a proximidade com o seu e a
excitação apenas se intensificou a cada toque suave dele. Tentei me mover em seu colo e
deixei um gemido baixo escapar quando senti seu membro em minhas nádegas. — Porra,
mas isso é melhor.
— Guilhermo, Eloíse está na cozinha! — Tentei lembrá-lo.
— A janela do balcão está fechada. — respondeu.
— Se ela abrir a janela… — ele me interrompeu.
— Verá que estamos loucos um pelo outro.
Parei por um momento ao registrar aquelas palavras. Eu sabia que era verdade, mas
ouvi-lo dizer isso é sempre bom. Reforça uma verdade e me impede de tentar não me apegar
ainda mais a ele. Como se aquilo ainda fosse possível.
Mexi-me em seu colo, para conseguir sentar de frente para ele.
— Você e seus malditos argumentos. — acusei, fazendo-o sorrir e me puxar para
beijá-lo. Meus lábios foram capturados e mordiscados após um selinho, e isso apenas
antecedeu o beijo que realmente precisávamos trocar. A maneira que sua língua provocou a
minha me instigou a retribuir seu beijo e me tirou qualquer palavra, o que foi tão simples
quanto a impossibilidade de negar aquele contato. Nos beijávamos como amantes que
precisavam se saciar, de qualquer forma e a qualquer custo, no que outro tinha a oferecer.
Naquele momento, todas as suas atitudes e palavras, tanto quanto as minhas, me fizeram crer
que o que oferecíamos um ao outro já não era somente nossos corpos.
Acredito que, mesmo com tudo o que aconteceu ontem e na madrugada de hoje,
conseguimos avançar um pouco mais em nosso relacionamento. Eu sabia que subir novos
degraus — depois do que ele me contou e do que me disse hoje pela manhã — dependia
apenas de mim, da minha confiança nele para contar sobre aquele maldito Mardi Gras.
Céus, eu queria evitar isso, para a sua segurança e a da minha mente, mas após nossa
conversa mais cedo, eu percebi que não conseguiria fazê-lo por muito tempo. Guilhermo
estava certo, meu passado era algo irrelevante até o momento em que começou a perturbar o
meu presente e ameaçar o meu futuro. Assim como o de minha família e, o que eu admitia,
gostaria de ter com Guilhermo.
Acabei com o beijo e encostei minha testa a sua. Guilhermo envolveu minha cintura
com um de seus braços e me trouxe para mais perto. Mordi os lábios com força para
impedir um novo gemido. Ele já estava excitado o suficiente para estar dentro de mim e
aquela percepção conseguiu aumentar minha ansiedade por tê-lo.
— Tenho uma reunião às três. — ele murmurou, lembrando-me de sua conversa com
Tomás hoje de manhã. — Provavelmente ficarei duro até o fim daquela droga, mas não me
importarei, se você prometer que será só minha hoje e amanhã.
Sorri por um momento e o beijei suavemente. Suas mãos, que estavam em meus
quadris, me moveram para roçar nossos corpos e manter um ritmo lento e enlouquecedor. —
eu sentia seu membro duro sob meu sexo, mesmo com a calça que eu vestia, e o prazer
daquele contato me assaltou e me instigou a ajudá-lo a continuar com aquilo.
Seus lábios encontraram os meus novamente e nos beijamos sem qualquer pressa,
mas numa intensidade que apenas alastrava ainda mais o desejo em nossos corpos.
Não sei quanto tempo exatamente ficamos sobre aquele sofá, apenas trocando beijos
e caricias, mas quando Guilhermo me deitou ali e se colocou sobre mim, o maior contato
entre nossos corpos tornou cada roçar de pele ardente e extremamente excitante.
Quando seus lábios abandonaram os meus, ele já erguia minha blusa até meus seios.
Apertei os lábios e levei minhas mãos aos seus cabelos enquanto acompanhava seu percurso
de beijos até o meu busto.
— Eu amo esses seus sutians, já disse isso? — a rouquidão de sua voz fez meu
corpo vibrar sob o seu e meu sexo pulsar. Eu sabia que Guilhermo estava excitado, tão
excitado quanto eu naquele momento. — Eles sempre me mostram seus seios mais cheios e
seus mamilos duros quando você está excitada.
— Prefiro evitar os modelos que me apertam. — admiti.
Fechei os olhos com força quando ele tomou um deles em sua boca e o sugou sem
qualquer delicadeza, o prazer que se arrastou por meu corpo não foi menor apenas pelo fato
de eu estar usando aquele sutian. Enterrei minhas mãos em seus cabelos e os puxei.
— Ainda estamos na sala, Guilhermo. — lembrei-o, tentava trazer um pouco de
sanidade para nós dois. Gemi baixinho quando ele mordeu meu mamilo e o umedeceu com a
língua em seguida. — Céus! Você quer me enlouquecer!
— Adoro ver você louca de prazer Srta. Howell. — ele disse.
— O almoço está pronto, queridos! — Eloíse gritou da cozinha. Puxei os cabelos de
Guilhermo com força e trouxe seu rosto para perto do meu.
— Agora, por sua culpa, vou passar a tarde excitada. — admiti.
Ele sorriu e me beijou. Contra meus lábios, sussurrou:
— Mas a noite de hoje valerá à pena, Carino. Não se preocupe.

Alguns dias depois:


GUILHERMO
O tom cinza que nublava o céu de Manhattan dava lugar ao intenso azul noturno. Já
era mais de oito da noite, Evangeline já estava em meu apartamento e me ligara há menos de
uma hora, preocupada com a minha demora. — eu estava preso em uma maldita
videoconferência com Lucas, meu assessor de Barcelona, e só saíra da empresa há meia
hora.
Eu estava próximo à Quinta Avenida, a apenas uma quadra do prédio de meu
apartamento, quando percebi que teria que me apressar , ou os pneus de meu carro cederiam
à neve e eu acabaria congelando.
Era quinta feira, primeira semana do mês de fevereiro. Desde que Steve deixara
Evangeline em paz, e Nany e Angie viajaram, passamos todas as noites juntos, revezando
entre a sua cama e a minha. Não houve nenhuma tentativa nova de sequestrá-la. — o que
reforçou meu pensamento de que aquele filho da puta teve algo a ver com as tentativas
anteriores.
David voltou ontem de Nova Orleans e há pouco mais de uma semana ele confirmou
que Steve estava mesmo em Montevidéu — ele e Nathan colocaram até mesmo agentes da
empresa de segurança atrás de Steve. Mas, ao que parece, o bastardo não faz nada de errado
lá.
Evangeline mantinha contato com sua família constantemente e Nany também ligou
algumas vezes, para contar como ela e Natalie estavam. Contudo, agora, finalmente, tudo
parecia estar em seu devido lugar. Até mesmo nosso relacionamento parecia ter voltado ao
que era antes de seu ex voltar.
Usei meu controle para abrir o portão do estacionamento do prédio. Estacionei o
carro com maestria e saí dele após pegar meu celular e as chaves.
— Finalmente tive a oportunidade de conhecer Guilhermo D’Angelo. — voltei-me
para a direção da qual a voz viera.
Ergui as sobrancelhas, surpreso, ao me deparar com Steve Cosgrove.
Guardei o celular e as chaves do carro nos bolsos do casaco.
— Steve. — a ameaça fora nítida em meu tom de voz. — Decidiu voltar a nos
perturbar? — inquiri enquanto me aproximava dele.
O homem estava vestindo roupas completamente negras, como no dia em sequestrou
Evangeline na Howell’s. O rosto impassível e olhos negros e vazios não me ajudaram a
descobrir que motivos ele teria para estar aqui.
— Não consegui me conter. Precisava conhecer o filho da puta que anda comendo
minha mulher.
Cerrei os punhos com força quando raiva inflou em meu ser, mas ainda fui capaz de
sorrir cinicamente.
— Não que eu precise de mais motivos para quebrar sua cara, mas se veio aqui me
dizer algo importante é bom fazê-lo enquanto seus dentes ainda estão na boca.
Ele sorriu.
— Me diga, o que a fez ficar com você? Os sete anos sem sexo? A carência? O
medo de que eu não voltasse?
Apertei os olhos para ele e parei à sua frente. Os segundos após aquilo serviram
somente para que um avaliasse o outro.
— Acho que a pergunta pertinente agora é por que ela continua comigo. —
provoquei. – Ela te esqueceu? O sexo é maravilhoso Ela está apaixonada?
Sua expressão se fechou.
— Ela é minha mulher agora e não me importa que você tenha voltado da porra do
inferno em que esteve durante esses sete anos. Não vou abrir mão de Evangeline. — avisei.
O soco que ele deu em meu rosto me fez grunhir de ódio antes de socá-lo também.
— Filho da puta. — xinguei-o antes de avançar sobre ele novamente e desferir outro
golpe certeiro em seu rosto. Agarrei as lapelas de seu blazer e o segurei com força,
deixando-o quase de minha altura. — Não sei que porra você fez para que ela ficasse tanto
tempo se limitando a uma vida solitária, não sei o caralho que te trouxe para vida dela
depois de tanto tempo — empurrei-o contra o carro mais próximo. — Mas se continuar
perturbando a minha mulher, eu mesmo me encarrego de te mandar pro inferno!
Com um impulso, Steve me empurrou para longe de si, mas antes que pudesse me
bater, eu o impedi com uma rasteira, fazendo-o cair sobre o chão. Coloquei-me sobre seu
torso e desferi novos socos em seu rosto. Pouco me importei com o sangue em seu nariz.
— Por que decidiu voltar depois de tanto tempo?! — perguntei após agarrar sua
garganta e apertá-la.
— Porque, por sua maldita culpa, ela estava em perigo! — aquelas palavras me
fizeram franzir o cenho.
— Que perigo, porra?! O que eu tenho a ver com isso?
Ele não respondeu. Apertei sua garganta com mais força ainda.
— Eu… Eu vou matar você. — sua voz soou falha e rouca. — Filho da puta… Serei
o único… Único homem na vida dela.
Gana me dominou ao ouvir aquilo. Um ímpeto repentino me deu força suficiente para
apertar sua garganta à ponto de deixar o rosto daquele bastardo vermelho, seus olhos
reviraram e ele tentou me afastar a todo custo.
Ouvi a porta da saída de emergência se abrir e passos apressados se aproximarem
de mim, mas não me importei.
Antes que eu conseguisse fazer o filho da puta desmaiar, dois seguranças me
agarraram e tiraram de cima dele.
— Você foi o bastardo que não soube cuidar dela quando a teve! — lembrei-o. —
Eu sou o único homem que a terá agora e no futuro. Se precisar te matar para me certificar
disso, eu não me importo!
— Senhor, precisa manter a calma. — um dos seguranças que me mantinha longe de
Steve tentou me aconselhar, enquanto o outro ajudava o filho da puta a levantar.
Eu estava ofegante e ainda furioso por tudo o que o bastardo disse. Sequer me
importava com as palavras dos seguranças, mantive meu olhar apenas no ex de minha
mulher. Nos malditos olhos negros que expeliam a mesma raiva que havia em mim naquele
momento.
— Se ela não for minha, babaca, ela não será de ninguém. — afirmou, fazendo-me
apertar os olhos e tentar avançar sobre ele novamente. Os seguranças me impediram. — Me
solta, porra! Eu vou embora.
O segurança que o segurava o soltou e ele saiu em seguida.
Bufei, tentando controlar o ódio.
ONZE
GUILHERMO
Um suspiro de cansaço me escapou quando percebi que estava finalmente em casa.
Antes de entrar, conversei com Logan e o alertei sobre Steve estar no prédio há menos de
quinze minutos, pedi que Scott saísse de seu posto à frente do prédio e ficasse no
estacionamento enquanto David recrutava novos seguranças.
— Evangeline? — chamei-a ao perceber que as luzes da cozinha estavam apagadas.
À esta hora Eloíse já teria ido embora.
Um pouco do descontrole que me dominava há alguns minutos já havia ido embora,
mas as palavras daquele bastardo continuavam ecoando em meus pensamentos e a fúria que
aquela lembrança me trouxe resultou em um desejo de possessão em mim maior do que eu
jamais tivera. No calor do momento eu repeti diversas vezes que Evangeline é minha mulher
e agora eu tinha ciência da veracidade desta afirmação. Evangeline é minha. Aquele
bastardo não conseguirá fazer nada para mudar isso. Nada.
A falta de respostas me fez seguir para o corredor que levava aos quartos. Tirei o
blazer do terno que eu vestia e diminuí o aperto da gravata em meu pescoço. Abri a porta de
meu quarto, mas parei abruptamente na soleira da mesma ao me deparar com ela. Minha
mulher.
Evangeline estava ao lado da cama; os cabelos soltos caiam em cascata por seus
ombros e seios. O rosto, aparentemente sem maquiagem, continuava tão insuportavelmente
atraente para mim quanto se estivesse maquiado. Os lábios carnudos com o batom vermelho
fizeram meu pau acordar em minha calça. Baixei os olhos lentamente por seu corpo e um
palavrão proferido por mim ecoou pelo quarto antes que eu fechasse a porta com força;
Evangeline usava uma camisola vermelha e curta, praticamente transparente, os seios
empinados em um decote sexy. Uma cinta liga vermelha — da cor do batom — envolvia
suas pernas bem torneadas e a deixava ainda mais sexy. Como se aquilo ainda fosse
possível.
— Ah, porra. — murmurei enquanto me aproximava e seu sorriso aumentava. Ela
estava sem calcinha, eu podia ver a inexistência daquele tecido inútil através daquela
camisola. — Você só pode estar querendo me matar. — acusei.
Agarrei seus cabelos e os puxei com força, para trazer seus lábios para os meus. O
beijo foi violento, selvagem e impetuoso. A partir do momento que minha língua encontrou a
sua, a necessidade de possessão em mim se uniu ao desejo que, a cada dia que passava,
apenas aumentava. Desejo dela, não somente do seu corpo, mas de tudo o que vinha dela.
Da minha mulher.
Com a mão livre, eu delineei as curvas de seu corpo sob a camisola e parei sobre
seu bumbum, tracei a curva dele e o apertei possessivamente. Evangeline gemeu
sedutoramente contra minha boca quando colei nossos corpos e ela pôde sentir o tamanho da
minha excitação.
— Eu nunca vou me cansar de te tocar! — sussurrei enquanto levava beijos até seu
ouvido.
Senti sua respiração ofegante e sua pele se arrepiar mais a cada novo beijo que eu
deixava. Eu adorei os dias que passamos em minha casa e o fato de podermos dormir juntos
todas as noites, admito que agora que eu me acostumei com isso, será difícil deixá-la voltar
para casa e não sentir sua falta em minha cama. Durante esses dias e noites, Evangeline
finalmente se tornou ciente do que ela fazia comigo, do que seu toque provocava em mim e
do que seu corpo fazia com o meu. Era o inferno ser torturado por ela, mas — gemi baixo
quando ela acariciou meu pau sobre o tecido da calça — essa também era uma das melhores
coisas da vida.
— Acho que você aprovou minha camisola. — ela disse, pude sentir o sorriso em
sua voz.
— Ah sim. — concordei agora contra seu ouvido e mordi o lóbulo de sua orelha,
fazendo-a suspirar baixinho. — Você mais essa camisola e esse batom vermelho dos
infernos são a mistura perfeita para me deixar completamente louco…
Com um simples puxão, Evangeline conseguiu se livrar de todos os botões da minha
camisa e tirá-la em seguida.
— Adoro ver você insaciável assim, sabia?
— Você me transformou nisso. — aquilo me fez rir. — Não reclame.
— Eu sei e não estou reclamando. Fique sabendo que foi um prazer. Adorei cada
segundo. — enterrei minha mão em seu cabelo novamente e esmaguei seus lábios contra os
meus em um novo beijo brutal. Ela deslizou suas mãos por meu torso e, sem acabar com o
beijo, começou a abrir a braguilha de minha calça. Apertei uma de suas nádegas e ela gemeu
mais uma vez.
Na última semana em que passamos todas as noites juntos, eu pude colocar em
prática metade dos planos maliciosos que povoavam minha mente desde que nos
conhecemos, no início Evangeline hesitou quando propus novas posições, mas isso passou
após a primeira noite.
Coloquei-a sentada sobre a cama, me ajoelhei à sua frente e lentamente baixei as
alças da camisola. Mordi os lábios com força ao ver os mamilos rosados e rígidos, eles
pediam por atenção. Usei os dedos para beliscá-los ao mesmo tempo e seu gemido de
surpresa me agradou. Separei suas pernas o suficiente para me colocar entre elas e
abocanhei um dos mamilos, seu gemido foi mais alto e sôfrego desta vez.
— Eles ainda estão doloridos… — ela interrompeu as próprias palavras para gemer
novamente quando comecei a chupar o mamilo com ferocidade. Evangeline arqueou o
corpo, oferecendo-me seus lindos e saborosos seios.
Envolvi o outro seio com uma mão, o apertei e depois mantive caricias suaves para
prepará-lo para minha boca. Com a outra mão, eu ergui a camisola lentamente, apenas
roçando os dedos em sua pele, até chegar à sua cintura.
— Me toque, Guilhermo. — ela pediu, mas eu não o fiz. Mordisquei seu mamilo
com força moderada e ela gemeu mais alto desta vez. Suguei-o com força e usei a língua
para acariciá-lo antes de seguir para o outro mamilo, no qual repeti todos os movimentos.
Ouvi-la gemer apenas aumentava em mim a vontade de lhe dar prazer.
Deitei-a sobre a cama, mas deixei suas pernas fora da mesma.
— Quero que me toque, Guilhermo! — ela repetiu. Eu sorri.
— Já está molhada?
— Sim!
— Hum… — emiti ao segurar uma de suas pernas e acariciá-la. Deixei beijos doces
e percorri lentamente o caminho que me levava ao centro de seu corpo. Eu sentia sua
excitação, sua necessidade de um orgasmo e a ansiedade por ser tocada. Os sinais de seu
corpo eram óbvios e mais notáveis a cada segundo que passava; o fato dela tentar fechar as
pernas para diminuir o pulsar de seu sexo, a vibração e o pequeno tremor de seu corpo.
— Quero você dentro de mim… Por favor. — concluiu após usar as pernas para
envolver minhas costas e me puxar para si. Umedeci os lábios ao ver quão molhada ela
estava. Porra, isso me excitou ainda mais.
Levantei os olhos e a peguei me fitando, suas pupilas completamente dilatadas e a
respiração ruidosa me fez sorrir descaradamente enquanto levava a palma da mão para ficar
sobre seu ventre e deixava o polegar sobre seu clitóris. Evangeline gemeu baixinho e
arqueou o corpo para aumentar aquele contato, sem tirar os olhos dos meus. Movi o polegar
sobre seu clitóris de forma cadenciada, num ritmo cujo objetivo era fazê-la pedir por mais,
o que, segundos depois, ela fez. Usei os dedos para separar suas dobras macias e, agora,
incrivelmente molhadas, até chegar à sua entrada encharcada e gostosa e levei um pouco
daquela umidade ao seu clitóris, o que a fez gemer mais ainda, mas sem, em nenhum
momento, tirar os olhos dos meus. Fiz movimentos circulares e lentos ali e a senti
estremecer ainda mais até começar a rebolar sob meu contato, sem qualquer vergonha desta
vez.
— Continue, Guilhermo! Continue! — pediu assim que fechou os olhos e continuou a
mover o quadril sob meu dedo, esfregando-se mais a cada segundo.
Quando a vi agarrar o lençol da cama com força quase no ápice de seu prazer, bati
em seu sexo, fazendo-a gritar de surpresa e frustração por eu acabar com o toque que estava
levando-a ao êxtase.
— Não se mexa. — avisei. — E mantenha seus olhos nos meus. Não quero que goze
em meus dedos, apenas no meu pau, entendeu?
Evangeline emitiu um som de frustração e suspirou pesadamente.
— Olhe para mim. — mandei, fazendo-a abrir os olhos rapidamente.
— Quero você… Preciso de você… Sobre mim, dentro de mim… Agora.
Apertei os lábios em uma linha fina e me obriguei a não desistir do que planejava.
Ao ouvir suas palavras, eu quis apenas me enterrar nela com força e a noite toda, mas não o
faria ainda.
— Olhe nos meus olhos enquanto eu estiver chupando você.
Suas bochechas ganharam um leve rubor por minhas palavras, mas ela assentiu
lentamente.
Coloquei suas duas pernas em meus ombros e Evangeline suspirou fortemente antes
de morder os lábios. Ergui seu corpo da cama, deixando apenas parte de suas costas e
cabeça, e usei as mãos, sobre seus quadris, para sustentá-la. Deixei um beijo suave em seu
clitóris, fazendo-a estremecer, e depois chupei sem qualquer delicadeza, apenas com fome
do prazer que eu proporcionava a ela. Seu gemido alto e desesperado ecoou pelo quarto e
me instigou a continuar com aquilo; chupando e lambendo sua boceta gostosa. Quando
decidi usar a língua para incitar aquele pontinho de prazer, Evangeline já tentava me puxar
para si com mais descontrole. Chupei seu clitóris e toda a sua umidade e gemi contra seu
sexo quando ela ficou ainda mais molhada. Penetrei-a com dois de meus dedos e os movi no
ritmo de vai e vem lento. Em todo aquele tempo, seus olhos não desviaram dos meus e eu
sabia que, tanto quanto para mim, o contato visual deixava tudo ainda mais excitante e
estimulante. Quando tirei meus dedos dela e usei minha língua para penetrá-la, seus gemidos
se tornaram mais constantes e deliciosos de se ouvir.
Tirei a porra da calça e a boxer. Meu pau já pedia por alívio. Alívio que eu só
encontraria quando estivesse completamente enterrado nela.
— Guilhermo, eu vou… — ela tentou me avisar, mas fingi não ouvir e mantive
minha língua trabalhando contra ela. Eu a chupei e acariciei de todas as formas que aquela
posição me permitia, quando voltei ao seu clitóris para sugá-lo com força, eu também o
mordisquei novamente e percebi que ela realmente não conseguiria mais se segurar.
— Ah meu Deus! — exclamou quando levantei abruptamente, cessando todas as
carícias. Coloquei suas pernas em volta de minha cintura e seu corpo continuou
parcialmente sobre a cama. Eu a puxei para que meu pau a preenchesse totalmente.
Nós dois gememos alto quando, com apenas uma estocada, eu me enterrei
completamente nela, como gostaria. Não precisei me mover nenhuma vez sequer, para que
ela gozasse loucamente. Seu sexo apertou meu pau como se quisesse me impedir de sair de
dentro dela e Evangeline gritou meu nome enquanto se perdia no êxtase. Grunhi de prazer
quando a sensação maravilhosa de ser envolvido e apertado por ela me levou à loucura, à
beira do descontrole. Quando seus espasmos terminaram e ela permaneceu apenas tentando
regularizar a respiração ofegante, eu decidi me retirar dela, mesmo que fazê-lo fosse
doloroso para mim, eu ainda queria durar muito antes de gozar. Evangeline me encarou
estupefata após isso.
Deslizei a camisola por seu corpo e a tirei rapidamente, lançando-a a um lugar
qualquer do quarto.
— Eu não queria que fizesse isso. — ela disse em um fio de voz.
— Nem eu queria parar. — admiti com um sorriso malicioso que a fez apertar os
olhos para mim. Deitei-me sobre ela na cama e a puxei para ficar com a cabeça sobre o
travesseiro.
— Tenho medo de perguntar no que você está pensando. — ela disse, quando eu
beijei seus lábios suavemente.
Separei suas pernas lentamente e agarrei meu pau antes de pressioná-lo ao seu
clitóris e, em seguida, em sua entrada, fazendo movimentos lentos seguindo aquele caminho
quente e úmido. Porra, isso é enlouquecedor e viciante. A tortura era deliciosa e bem vinda
a nós dois neste momento. Gememos juntos quando o prazer daquele contato se intensificou.
— Diga de uma vez. — pediu, enquanto se movia contra mim para criar maior
fricção entre nossos corpos. Fechei os olhos por um momento e passei os dedos sobre seu
sexo ainda completamente encharcado, depois os levei aos lábios.
— Você fica muito sexy com esse sorriso safado. – ela disse, fazendo-me rir.
— Sorriso safado é? – Evangeline apenas assentiu.
— No que está pensando?
— Ainda não tentamos com você de quatro para mim.
— Hum… Tem certeza? — mordisquei seu lábio inferior e coloquei um pouco do
meu pau dentro dela, que cravou as unhas em minhas costas com força e gemeu sem
qualquer reserva. — Sinto como se, na última semana, já tivesse ficado em todas as
posições possíveis.
Ri baixo contra a sua boca e me movi lentamente para dentro e fora dela.
— Não estamos nem na metade. — contei.
— E você pretende me mostrar todas? — ela encenou surpresa. Sorri e concordei.
— Claro… E podemos até criar novas. — Evangeline riu.

EVANGELINE
Acordei assustada com o toque de meu telefone. Usei uma das mãos para esfregar o
rosto e me obrigar acordar de verdade. Olhei para a janela do quarto de Guilhermo, através
das brechas das persianas era possível ver que não havia amanhecido. Aquela percepção
serviu para me acordar de verdade. Quem me ligaria a essa hora?
Lentamente, para não acordar Guilhermo, eu me desvencilhei de seus braços que me
envolviam e fiz o mesmo com minha perna direita, que estava entre as suas.
Meu coração já batia desesperadamente no peito e eu sentia como se um nó
houvesse se formado em meu estômago. A sensação de que algo ruim estava acontecendo foi
aterradora. Peguei o celular sobre o criado mudo e franzi o cenho quando vi um número
desconhecido.
— Alô? — murmurei para não acordar Guilhermo.
Ouvi sons que lembravam uma estrada cheia de carros e a voz que falou em seguida,
conseguiu me tirar o chão com apenas uma frase.
— Eles estão atrás de mim.
Perdi a capacidade de levar ar aos meus pulmões em algum lugar entre aquelas
palavras e meu coração se apertou dolorosamente no peito, a ponto de doer.
— Nany? O que houve? Onde está Natalie? Quem está atrás de você?!
Ouvi-la chorar do outro lado da linha fez com que as lágrimas que haviam se
acumulado em meus olhos transbordassem por meu rosto. Uma sensação aterradora, como
um prelúdio, me atingiu.
— Eles… Eles vão matá-la. — sussurrou, sua voz era irreconhecível. Ela fez uma
pausa e tentou se recompor. — Agora estão atrás de mim. Não vou conseguir me esconder
para sempre. Liguei apenas para dizer que sinto muito.
— Nany? O que está… — ela me interrompeu.
— Eu não queria que as coisas chegassem a isso. Juro que tentei te proteger, mas
quando eles voltaram, eu… Ah meu Deus.
— Nany… — seu nome foi proferido em um sussurro por mim.
— Evangeline, o que houve? — Guilhermo perguntou atrás de mim. Voltei-me para
ele que levantou rapidamente da cama ao notar minhas lágrimas.
— Onde está Natalie? — sussurrei.
— David precisa parar a investigação em Nova Orleans. Você está em perigo. —
ela disse. — Não posso mais fazer nada por vocês.
— Nany?! — gritei desesperada quando ela desligou. Olhei para o telefone como se
o pedido que ecoava em minha mente fizesse com que ela ligasse novamente, mas ela não
ligou. Aquilo quase me matou lentamente.
Guilhermo me abraçou com força e permitiu que eu chorasse silenciosamente em
seus braços. Havia um nó enorme em minha mente e ele apenas aumentava a cada tentativa
minha de entender o que estava acontecendo agora. Era inútil. Eu jamais imaginaria que
Nany poderia estar envolvida de alguma forma no que estava acontecendo. Não entendia
como ela se envolveu, nem por que. Não entendia porque alguém queria matá-la e — o nó
em minha garganta aumentou — à Natalie também. Não entendia o que ela queria dizer com
“proteger”. Não entendia, e nem sabia se queria, entender nada naquele momento.
DOZE
EVANGELINE
Era apenas seis da manhã quando David chegou ao apartamento de Guilhermo. Eu
estava mais calma, mas consegui explicar poucas coisas do meu curto telefonema com Nany
para Guilhermo. Agora, após tomar um chá preparado por ele, eu me sentia calma o
suficiente para dissertar sobre tudo.
Guilhermo aumentou o aperto de sua mão na minha e, com o braço que me envolvia,
acariciou minha cintura suavemente.
— O que ela disse para te deixar desta forma? — David perguntou novamente.
— Ela disse que “eles” estavam atrás dela, que queriam matá-la e a Natalie também.
— meus olhos se encheram de lágrimas novamente ao lembrar de Natalie, mas eu não as
derramei. — Disse que tentou me proteger, mas depois eles voltaram. E que você tem que
parar a investigação em Nova Orleans. — concluí, engolindo o choro.
David ficou em silêncio e levantou para ir pegar uma mochila que trouxera consigo.
Em completo silêncio, ele retirou um notebook dela e o ligou.
Fechei os olhos por um momento, enquanto novamente fazia uma breve oração, e
abracei Guilhermo com mais força. Pedindo silenciosamente que ele continuasse aqui.
Comigo.
Minutos se passaram até que eu ouvisse David chamar meu nome. Abri os olhos
novamente e me deparei com seu notebook sobre a mesa de centro da sala, havia a foto de
um homem na faixa etária de cinquenta anos nela. Eu não o conhecia, mas algo nele me era
familiar. Eu só não sabia dizer o quê.
— Este é Neil Cosgrove. — David contou. — Tio de Steve. Ele morreu há dois dias
de insuficiência cardíaca.
Juntei as sobrancelhas, sem entender onde ele queria chegar com aquilo.
— Ele é o responsável pela empresa de Importação dos Cosgrove desde a morte do
pai de Steve há alguns anos… Noah, o homem contratado por Nathan para seguir Steve,
subornou uma enfermeira do hospital de Montevidéu antes que a morte fosse confirmada. Ao
que parece, Neil foi drogado de forma abusiva com algum medicamento para baixar a
pressão, segundo a enfermeira ele já tinha problemas de pressão baixa. A polícia, por algum
motivo desconhecido, não foi avisada.
Troquei um olhar com Guilhermo, mas ele não parecia tão surpreso quanto eu.
— David acha que Steve o matou. — Guilhermo continuou. — Porque ontem ele
veio até aqui.
Meus olhos se arregalaram quando o ouvi dizer aquilo.
— Steve esteve aqui? — ecoei. —Pra quê? Por que não me disse isso antes?
— Há alguns dias eu conversei com Guilhermo sobre Steve — David prosseguiu. —
Concordo com as suspeitas dele. Havia algo em Montevidéu que o impedia de ficar em
Nova Iorque por muito tempo.
— Hoje, quando David me contou sobre esse tal Neil, chegamos à conclusão de que
esse “algo” na verdade era alguém.
— E por quê ele faria isso? Por que impediria Steve de vir à Nova Iorque?
— Essa é a parte que precisamos descobrir. — foi Guilhermo quem disse.
— O que isso tem a ver com Nany? — perguntei minutos depois, quando minha voz
finalmente retornou.
— Ainda não sei… Antes de vir para cá, eu pedi que Nathan fizesse uma
investigação sobre Ananda. Ele ainda tem contatos bons e provavelmente conseguirá todo o
necessário em algumas horas. — ele fez uma pausa enquanto fechava o notebook e apertou
os lábios em uma linha fina antes de dizer: — Eu nunca imaginei que ela estaria envolvida
de alguma forma nisso. — murmurou em tom de desculpas.
Acenei em negativa e, com a voz embargada, respondi:
— Eu também não… David, você precisa encontrá-las… Natalie também está em
perigo.
Ele anuiu solenemente. Eu sabia que silenciosamente fazia uma promessa.
— Que investigações estão acontecendo em Nova Orleans? — Guilhermo
questionou. — O que Nany queria dizer com essas palavras?
— Como ela sabia sobre isso?! — inquiri para David, agitada.
— São sobre uma quadrilha, cara. — ele respondeu, sem tirar os olhos dos meus. Eu
sabia que queria que eu contasse sobre isso para Guilhermo. — Acredito que Nany está
mais envolvida em tudo isso do que imaginávamos.

Após um longo banho, eu troquei de roupa lentamente e me sentei sobre a cama.


Repassava as palavras de Ananda em minha mente desde que ela ligara mais cedo. Eu
tentava realmente entender de que forma ela se envolveu em tudo aquilo e o porquê. Lembro
que quando a contratei, desde sempre, ela agiu como uma segunda mãe para mim, sempre
cuidou para que eu ficasse bem e sempre me incentivou a superar o meu passado — mesmo
que não soubesse o que exatamente acontecera.
Depois, quando Natalie chegou, foi como se a luz tivesse chegado a minha casa e a
nossas vidas. Éramos como mães bobas e apaixonadas por tudo o que o filho fazia, mas
também, após a chegada de Natalie, nos tornamos amigas de verdade. Por isso eu não
conseguia entender como ela poderia, de qualquer forma, estar envolvida com quem queria
me fazer mal.
Eu tentava convencer a mim mesma que ela conseguiria se salvar — pois, apesar de
tudo, eu não queria que ela se machucasse — e salvar Natalie também. Há alguns minutos eu
consegui me controlar sobre tudo o que sentia de ruim, tudo o que me afligia e angustiava,
foi inicialmente difícil, mas eu havia conseguido.
Ainda sentada, eu abracei minhas pernas e pousei o rosto sobre os joelhos antes de
fechar os olhos. Em um flash rápido e doloroso lembrei de quando as coisas começaram a
sair dos eixos em minha vida. Eu sabia que, de alguma forma, tudo o que acontecia ligava as
pessoas que estavam ao meu redor e que conviveram comigo. Aquela altura eu já não
confiava em quase ninguém que tivesse se aproximado de mim nos últimos sete anos e me
perguntava quem mais estaria envolvido naquela droga.
A peça, dentre tantas em minha mente, que parecia que nunca se encaixaria em lugar
algum, era a que envolvia o tio de Steve. Eu não sabia sobre a existência dele e não via
motivos cabíveis para Steve matá-lo. Se é que ele o matou.
Meu celular tocou sobre a cama e me apressei para atendê-lo, acreditando ser Nany,
mas um suspiro de cansaço fugiu de meus lábios ao ver o nome de mamãe. Ponderei por
alguns momentos sobre atender ou não, mas pendi para o sim quando lembrei que Angie
estava com ela. As duas já estavam organizando os últimos detalhes da viagem para o
Brasil.
— Mamãe? — murmurei, tentando deixar minha voz o mais normal possível. —
Tudo bem?
— Olá, querida! Está tudo bem sim! Liguei para avisar que nosso voo será em duas
horas, só voltaremos no fim do mês de fevereiro, ok? Então, lembre-se de usar o DDI do
Brasil para falar conosco.
Franzi o cenho sem realmente entender suas palavras.
— Vocês passarão todo o mês de fevereiro lá? — ecoei. — Achei que o carnaval
durasse apenas alguns dias.
Ela riu do outro lado da linha.
— Sim, sim, mas decidimos prolongar a viagem para visitar alguns parentes que
moram no sul do país, seu pai não aceita o fato de eu nunca tê-los apresentado.
— E Angie?
— Ela encontrou Jenna… Lembra-se da Jenna? — questionou e fez uma pausa. —
As duas combinaram de ir à prévia do Mardi Gras hoje e Angie decidiu ir ao Brasil apenas
na próxima semana.
Jenna? — repeti em pensamento enquanto tentava lembrar de qualquer pessoa com
este nome. Quando a lembrança me assaltou, eu concordei:
— A filha dos Ronald’s? Minha ex colega de faculdade?
— Sim, ela mesma!
— Elas irão sozinhas?
— Não, claro que não! Deixei ordens claras para Gabe e Alfred acompanharem as
duas.
— Tudo bem, eu também fico mais tranquila assim.
— E o namoro, querida? O espanhol demonstra algum interesse em casamento?
Aquela pergunta me fez suspirar, ainda mais cansada.
— Mamãe, estamos juntos há apenas um mês. Casamento está fora de cogitação.
Ela riu e repetiu minhas palavras para alguém ao seu lado, descobri ser papai
quando ele também riu.
— Seu pai e eu namoramos pouco mais que isso, antes de nos casarmos. – ela me
lembrou. — Segundo Angeline, ele está completamente apaixonado por você. Acredito no
julgamento dela. — ela fez uma breve pausa. — Você também está apaixonada querida? Se
estiver, o casamento é um detalhe posterior e garantido por esse sentimento.
Suspirei lentamente e deitei-me sobre a cama. Eu não queria me agarrar aquela
ideia. Não queria criar expectativas sobre os sentimentos de Guilhermo por mim. Já estava
sendo difícil o suficiente controlar meus próprios sentimentos em relação a ele sem isso,
seria ainda mais difícil me convencer de que não estou apaixonada por ele se eu ficasse
com esses pensamentos povoando a minha mente.

GUILHERMO
— Então, ela usava uma identidade falsa? — questionei após David me mostrar
parte do relatório enviado por Nathan.
— Provavelmente. — ele fez uma pausa e expirou o ar lentamente enquanto pensava.
— É como se a vida dela, antes de chegar à Nova Iorque, não existisse, entende? Pedi que
Louis jogasse as características físicas dela numa busca que pode ser feita por federais
através de um programa. Isso ajuda a identificar as pessoas, homens e mulheres, que já
foram presos. Mas ele também não encontrou nada.
— Ela pode não ser morena. — lembrei-o. — Se ela veio à Nova Iorque para se
esconder ou fugir de algo, ela provavelmente tomaria cuidado para mudar algo em sua
aparência.
— Pensei nisso e avisei a Louis para que ele procurasse por loiras e ruivas também,
mas não havia nada.
Bufei completamente cansado de caminhar em círculos em toda aquela história e
sentei-me na poltrona à sua frente.
— E Natalie?
— Ela foi adotada em um orfanato quando era apenas um bebê, foi levada por um
padre que contava que a mãe dela havia morrido no parto. Quando Nany pediu a permissão
de Evy para adotar Natalie, eu fiz uma pequena investigação para confirmar aquela história.
E era realmente verdade, as freiras do orfanato confirmaram a história contada por Nany.
— Então a única familiar de Ananda morreu ao dar à luz a Natalie no parto. —
concluí.
Ficamos minutos em silêncio, nós dois pensávamos sobre aquela situação e
tentávamos chegar à conclusões assertivas. Mas aquilo parecia ser apenas mais difícil a
cada pensamento. Aquele era um quebra cabeças cujo número de peças ainda era uma
incógnita.
— O que Steve disse a você ontem?
Acenei em negativa e cerrei os olhos por um momento.
— Há algo que ficou martelando em minha mente desde que ele apareceu
novamente. — contei.
— O quê?
— Ele disse que por minha culpa Evangeline estava em perigo.
Com o cenho franzido, David pareceu ponderar sobre aquilo. Mais minutos,
praticamente intermináveis, se passaram. A porta da sala foi aberta e Eloíse entrou e nos
cumprimentou com um sorriso antes de vir até mim, ela beijou o topo de minha cabeça,
como sempre fazia.
— Achei que você iria à Barcelona, querido! Tomás me ligou ontem para avisar que
você só voltaria na segunda feira pela manhã.
Dediquei um sorriso a ela e expliquei.
— Houve um imprevisto e precisei desmarcar as reuniões que possuía lá.
— Tudo bem. Vou me apressar para levar as roupas à lavanderia e depois volto para
preparar o almoço, ok?
Concordei com um aceno e ela se voltou para David.
— Desejam um café ou chá?
Respondemos em uníssono que não e ela saiu em seguida. David me encarava com
preocupação e uma centelha de compreensão. Aquilo capturou minha atenção.
— O que foi?
— Acho que entendi o que Steve queria dizer. — contou, fazendo-me apertar os
olhos em sua direção. — O passado voltou a assombrar Evangeline quando ela foi para
Barcelona.
Precisei de alguns momentos para compreender aquela informação, mas ele não me
deu tempo de perguntar nada, pois prosseguiu.
— Antes dela voltar à Nova Iorque, Daniel recebeu uma carta anônima contando
sobre o passado de Evangeline.
Ainda sem entender sua linha de raciocínio, eu indaguei:
— O que aconteceu em Barcelona para que decidissem voltar a perturbá-la?
David levantou do sofá em que estava e caminhou na enorme sala por alguns
momentos.
— Não foi o que aconteceu, cara. Foi como aconteceu. — murmurou
enigmaticamente. — Evangeline passou anos em Nova Iorque, escondida de qualquer
lembrança ou menção à Nova Orleans, mas entrou em evidência em todo o país por ter a
chance de fechar o contrato com a D’Angelo.
O entendimento me pegou aos poucos, e junto a ele vieram lembranças do que
aconteceu em Barcelona e em Nova Iorque após Evangeline conseguir fechar o contrato. Na
noite de inauguração da filial havia tantos jornalistas e paparazzi cobrindo o evento que eu
me perguntei se aquela notícia era realmente tão importante para ter tanta atenção. Mas era.
Um dos maiores grupos do mundo, envolvido em uma série de negócios, havia fechado seu
primeiro contrato com uma empresa de Nova Iorque, não queríamos ser sócios, queríamos
uma filial no mesmo local para disputar com a maior empresa de Marketing dos Estados
Unidos. Com as duas sendo parcialmente dirigidas pela mesma mulher.
Aquele era um prato cheio para a imprensa, principalmente à que era ligada às
revistas de negócios.
Porra. Quer dizer que se ela nunca tivesse ido à Barcelona, isso não estaria
acontecendo agora?
TREZE
GUILHERMO
Era pouco mais de nove da noite, quando David chegou à casa de Evangeline. Ele
havia passado o dia fora para acionar seus contatos e tentar descobrir onde Nany e Natalie
estavam, assim como também tentava descobrir o paradeiro de Steve, já que Nathan
prometeu que nos manteria informados se o bastardo tentasse usar o aeroporto para sair de
Nova Iorque. Em nosso contato por telefone há algumas horas, ele disse que não possuía
boas notícias, mas, segundo ele, conseguira um avanço.
— Foi difícil convencê-la a não ir à empresa hoje, mas consegui. — contei a David.
— Ela está no banho agora.
— Ótimo. Daniel está viajando a negócios e não consegui contatá-lo, mas, segundo a
secretaria dele, ele voltará ainda hoje para Nova Orleans… – ele fez uma pausa. —
Consegui descobrir de onde veio a ligação para o celular de Evangeline.
Remexi-me sobre a poltrona da sala e prendi a respiração enquanto aguardava suas
próximas palavras:
— Nany estava em Riverside, uma cidade próxima de São Francisco, na Califórnia,
quando fez aquela ligação.
— E o número? Vinha de onde exatamente? Era de um telefone público ou de algum
hotel na beira de alguma estrada?
— Telefone público. – ele levantou do sofá e, após alguns segundos, voltou a me
fitar. — Entrei em contato com o xerife do condado e, mesmo contra a vontade, ele aceitou
iniciar uma busca para procurar Nany e Natalie naquela cidade.
— E Steve? – indaguei apreensivo.
— Sem qualquer rastro. – informou. – Ele também não tentou sair de Nova Iorque
através do aeroporto.
Fiquei em silêncio enquanto pensava sobre Steve e o que David sugeriu hoje de
manhã, sobre o filho da puta ter matado o próprio tio. Era óbvio que se ele fez isso para
poder voltar à vida de Evangeline, ele tentaria alguma coisa para conseguir isso. Mas o
quê? Como e quando?
Fechei os olhos por um momento e me forcei a lembrar de todas as vezes que
tentaram sequestrar Evangeline. Precisava haver algum detalhe em tudo o que aconteceu,
que nos levasse a encontrá-lo. Um padrão em meio aos acontecimentos.
— Você checou o hotel em que ele estava hospedado quando sequestrou Evangeline
pela primeira vez? – indaguei ao lembrar deste detalhe.
— Sim. – ele suspirou fortemente e voltou à se sentar em uma das poltronas. – Não
há reservas feitas por ele em nenhum Hotel de luxo de Nova Iorque.
— Pedi para verificar as câmeras de segurança do meu prédio, para descobrir se ele
estava com algum carro. Poderíamos tentar encontrá-lo, como fizemos da primeira vez,
procurando pela placa, mas ele saiu de táxi. – contei.
Voltei a mirar David e arqueei uma sobrancelha, sem entender, ao vê-lo com o cenho
completamente franzido e os olhos apertados.
— Porra! O telefonema! – gritou, exasperado e se levantou abruptamente. Meu
desentendimento cresceu ao vê-lo tirar o celular do bolso. – Caralho, não acredito que
deixei passar isso!
Levantei ao vê-lo discar algum número de telefone e andar em círculos pela sala
enquanto esperava que alguém o atendesse.
— Sierra? – murmurou. – Escute, preciso que localize um telefone celular. – cruzei
os braços e apoiei o queixo sobre uma das mãos. – Não, eu tenho apenas o número… Tente
descobrir isso e depois o localize pelo GPS… Sim, o mais rápido possível. Enviarei uma
mensagem com o número agora mesmo.
— O que aconteceu? – perguntei enquanto ele desligava. Em menos de quinze
segundos ele digitou uma mensagem e se voltou para mim.
— Há uma semana, Evangeline me enviou uma mensagem com o número de telefone
de Steve, quando ela e Scott armaram para pegar aquele capanga, lembra?
Assenti lentamente, quando o entendimento me fez descobrir onde ele queria chegar
com aquilo.
— Se o telefone que ele usava não for pré-pago e ele ainda estiver usando-o,
poderemos descobrir onde ele está.
Expirei aliviado ao ouvir aquilo, mesmo que houvesse um “se” em meio aquela
ideia, a chance de encontrar aquele filho da puta me confortava.
— Eu preciso ir. – ele disse após ler algo em seu celular. — Tenho que acabar com
um maldito encontro. – juntei as sobrancelhas, mas ele não explicou. — Assim que minha
assistente me der uma resposta sobre Steve, eu lhes aviso, ok? – ele disse.
Assenti brevemente e o levei até a porta.
— Obrigado, cara. – agradeci.
— Me agradeça quando encontrarmos Steve e tudo isso acabar. – ele disse. Suspirei
e, com um sorriso, concordei.
Peguei meu próprio celular e liguei para Lucas, meu assessor em Barcelona. Eu
cancelei uma viagem para lá. Preciso descobrir qual foi a pauta da reunião que houve hoje
e, mais ainda, assistir uma cópia em vídeo da mesma. – suspirei. — Depois de dois dias em
uma “folga” do trabalho, a ideia de ficar horas lendo relatórios e assistindo à uma porra de
reunião gravada, me parecia maçante.

EVANGELINE
Eu estava com o notebook aberto sobre a cama enquanto me arrumava, após terminar
o banho. Depois de tudo o que aconteceu nas últimas vinte e quatro horas, além de
preocupada, eu me sentia idiota por ter passado tantos anos perto de pessoas que eu sequer
conhecia. Não consegui chegar à nenhuma conclusão plausível sobre o quebra-cabeça que
minha vida havia se transformado, mas decidi recordar de tudo, ou quase tudo, o que já
havíamos descoberto até aqui.
A linha que ligava John à Claire estava no passado, antes mesmo deles me
conhecerem. Eles, ao que tudo indica, fugiram juntos da boate em Detroit. Mas que tipo de
relacionamento mantinham? Eram antigos namorados? – perguntei-me, pois já havia
descartado a possibilidade de serem parentes próximos já que ela nascera em Nova Orleans
e John em Detroit.
Vesti um vestido simples e usei uma toalha para secar os cabelos antes de finalmente
seguir para a cama onde meu notebook me aguardava. Usei meu Login de administradora
para acessar o servidor da minha instituição de caridade da qual Claire viera e procurei
seus registros.
Enquanto aguardava, eu estalei os dedos das mãos, tentei me acalmar. Em seguida,
peguei o dossiê sobre John que eu havia pedido à David há quase cinco meses. Avaliei as
informações que eu havia destacado com um marca texto mais cedo.
Minutos depois, quando a página carregou, eu decidi ler o que o sistema informava
sobre Claire.
“Orfã, Claire Ryan chegou à esta instituição sem memória e com diversos
hematomas espalhados pelo corpo. Não soube informar o quê ou como chegou até à
emergência do hospital…”
Franzi o cenho ao ler aquilo. Sem memória? Essa foi a desculpa usada por ela para
conseguir uma vaga na Casa de Acolhimento da instituição?
Verifiquei as fotos dela, de quando chegou à instituição e me surpreendi ao vê-la
com os cabelos platinados e não com o loiro num tom quase mel que ela utilizava quando
chegou à Howell’s há alguns anos, para ser minha secretaria.
Baixei às fotos que surgiam nas páginas e as avaliei minuciosamente à procura de
algo que me lembrasse uma criminosa, mas havia somente uma mulher incrivelmente linda,
com uma expressão triste e olhos azuis sem qualquer brilho…Eles pareciam um mar repleto
de amarguras e sofrimentos, cuja a dor seria refletida para sempre.
Parei sobre uma imagem em que ela estava em uma brinquedoteca, vestida como as
monitoras, era a única foto em que ela sorria timidamente. Estava com as monitoras
brincando com as crianças. Por algum motivo desconhecido aquilo doeu em mim. Naquele
momento percebi que, o que quer que tenha a obrigado a se aproximar de mim, não seria
suficiente para que ela me machucasse. Pelo menos não se tivesse escolha em relação a
isso.
Na próxima foto ela estava de perfil, com as mãos sobre os joelhos, parecia falar
com a criança que estava brincando no chão à sua frente. Notei que havia uma mulher
parada próxima à porta, com uma prancheta. – era uma analista de qualidade, percebi. Nós
as contratamos para manter a instituição seguindo rigorosamente as regras para o melhor
convívio profissional e, claro, de todos que são beneficiados por nosso trabalho.
Pensei em procurar o relatório feito pela analista, sobre o trabalho de Claire, mas
algo mais naquela foto me chamou a atenção.
Franzi o cenho ao notar um sinal circular pequeno e negro no pescoço de Claire.
Cliquei com o botão direito do mouse e dei zoom na imagem para conseguir enxergar
melhor. Era uma tatuagem. Tinha a forma parecida com a lua em sua fase crescente e possuía
três linhas na extremidade não preenchida pela cor preta. Aquela não era a primeira vez que
eu via aquela imagem, mas não conseguia recordar de onde mais a conhecia.
O toque baixo de meu celular me despertou de minhas indagações e me fez levantar
rapidamente para pegá-lo no criado mudo e atendê-lo.
Novamente um número não salvo no celular. Aquela percepção fez meu coração
bater três vezes mais rápido em meu peito, apenas pela possibilidade de ser Nany
novamente.
Respirei fundo e tomei coragem para atender.
— Alô?
— Filha da puta. – cerrei os olhos e me apoiei no criado mudo para não cair, com o
susto que levei ao ouvir aquela voz. – Por sua culpa, todo esse inferno está acontecendo.
Aquele bastardo a pegou e se algo acontecer com ela, eu vou te matar!
Minha respiração estava falha, quando engoli em seco e murmurei:
— John?
— Ah, você lembrou meu nome. Que lindo. É bom saber que não me esqueceu. – seu
tom debochado me fez respirar fundo e me acalmar. Não havia motivos para ficar com medo
dele ou do que ele poderia fazer. John estava longe daqui. Suas ameaças não poderiam me
afetar tão facilmente.
— Do quê você está falando?
— Steve, sua idiota! O filho da puta acabou de me ligar, para me chantagear! Ele
pegou Angeline e a culpa desse inferno todo é sua! Sua maldita existência é a única culpada
por todo o esse caralho.
— Angie? Por quê Steve pegaria a Angie? O que você tem a ver com isso? O quê…
— Se ele a machucar de qualquer forma que seja, eu te mato. E vou fazer isso de
forma tão dolorosa, que você vai se arrepender de ter fugido da porra daquela casa há sete
anos!
O mundo parou naquele momento. Tudo se limitou apenas ao som da sua respiração
ruidosa ao telefone, às suas palavras. Eu não sabia o que dizer após o baque que aquelas
palavras causaram em mim. Eu não estava com medo do que ele poderia fazer comigo, era a
possibilidade da Angie se machucar que me assustava, era o fato de John saber o que
aconteceu sete anos atrás que me espantava.
Olhei para a tela do meu celular e procurei o número que estava nela segundos atrás.
Eu não reconheci o DDD.
Forcei-me a me manter calma. Novamente. Eu só precisava ficar calma para
conseguir fazer algo útil.
Com as mãos tremendo, eu digitei o número de telefone da casa de papai e mamãe e
fiz uma chamada. – com o coração a ponto de sair do peito, eu olhei para meu relógio
enquanto esperava que alguém atendesse. Percebi que já se passava de onze da noite.
— Casa dos Howell’s. – ouvi a voz sonolenta de Rosalie, a governanta de mamãe.
Ela atendeu antes que a ligação caísse na secretaria eletrônica.
— Rose?! Onde Angie está? – perguntei.
— Evy? Ela ainda não voltou, querida. Saiu com uma amiga para uma prévia do
Mardi Gras, se não me engano. – Fechei os olhos e deixei que as lágrimas rolassem por meu
rosto. Lágrimas de dor, medo, mais medo que qualquer outra coisa. Medo pela segurança
da minha irmã.
— Me passe o número de telefone de Alfred, por favor. – pedi. – Vou tentar ligar
para Angie, mas quero o número de um dos seguranças também.
Houve uma pausa, até que Rose voltasse ao telefone e começasse a me informar o
número. Eu o anotei em um bloco de papel que eu tinha dentro da gaveta do criado mudo.
— O que aconteceu, menina? Você não está bem, parece chorar. O que houve?
— Reze para que não tenha acontecido nada, Rose. Para não haver motivos para
chorar. – sussurrei antes de desligar.
A porta de meu quarto foi aberta antes que eu pudesse ligar para Angie.
— Eu estava conversando com David e depois liguei para Lucas, me desculpe. –
Guilhermo se desculpou enquanto fechava a porta do quarto. Quando se voltou para mim,
sua expressão mudou drasticamente. – O que houve?
— John ligou. – murmurei enquanto esperava que alguém atendesse o celular de
Angie.
Guilhermo se aproximou, limpou minhas lágrimas usando os polegares para isso e
esperou pacientemente que eu desligasse o telefone. Fechei os olhos com força quando caiu
da caixa postal. Expirei lentamente e disquei o número de Alfred.
— Alfred! É Evangeline Howell! – falei assim que ele atendeu. – Onde está
Angeline?!
— Senhorita… – ele murmurou, como se estivesse em dúvida sobre o que falar.
Engoli em seco. Senti meu coração se apertar dolorosamente no peito.
— Diga que ela está com você. – pedi, já sentindo novas lágrimas. – Por favor.
Guilhermo, que estava a minha frente, franziu o cenho.
— Alguém a sequestrou. – o homem ao telefone contou. – Atiraram em Gabe, ele
está no hospital. O tiro que me acertou foi de raspão. Já contatei a polícia, o resto dos
seguranças da mansão também já foram contatados e o Sr. Daniel…
Desliguei o telefone antes que ele concluísse.
— O que houve? – Guilhermo perguntou quando corri até o guarda roupas.
— John disse que Steve sequestrou Angeline. – engoli o choro e limpei meu rosto
rapidamente. Me obriguei a deixar qualquer pensamento mórbido e qualquer dor de lado.
Nada disso me ajudaria agora. Eu precisava chegar até Nova Orleans. Precisava fazer algo
para que Angie não fosse machucada. Não entendi as palavras de John, mas ele devia ter
bons motivos para me ligar. Talvez não fosse apenas para me ameaçar. Talvez aquele fosse
um aviso. E eu preciso fazer algo.
— O que você quer fazer? – ele se aproximou o suficiente para segurar minhas mãos
e me fazer encará-lo.
— Preciso encontrá-la. Preciso… Fazer alguma coisa. – apertei os lábios por um
momento, seus olhos e sua expressão me mostravam que ele entendia como eu me sentia. –
Não posso deixar que Steve a machuque.
Guilhermo acariciou meu rosto suavemente e me puxou para um abraço. Não pude
resistir ao conforto oferecido por ele.
— Ele disse onde ela está? – ele sussurrou.
— Não. Ele não disse, mas…
— Nós precisamos avisar à polícia de Nova Orleans. – ele me interrompeu —
David também pode ajudar, mas nós estamos muito longe, Carino.
— Não, Guilhermo! – retruquei, ao me afastar. – John ligou para mim! Disse que
Steve queria chantageá-lo. Talvez ele ache que eu tenho que tirar Angie de lá… Não sei
exatamente como, mas ele sabe sobre meu passado. Sobre Steve. Ele também quer salvá-la.
O homem a minha frente franziu a testa, mas não expressou nada além disso.
— E se essa for uma armação para te pegar? – questionou, segundos depois. –
Evangeline, John estava envolvido nas tentativas de sequestro! Steve sabia sobre aquela
porra toda!
Engoli em seco ao ouvir aquilo. Sua linha de raciocínio era válida, mas eu não
permitiria que algo acontecesse à Angie por minha causa. Se Steve tem algo a ver com isso,
eu não me importo de ir atrás dele.
— Angie precisa de mim. – foi tudo o que eu disse antes de voltar ao meu guarda
roupas e retirar uma mala da parte de cima dele.
Meu braço foi puxado com força e meu corpo foi lançado rapidamente à uma parede
sólida de músculos. Guilhermo me prendeu entre o guarda roupas e seu corpo. Novas
lágrimas rolaram por meu rosto ao ver a confusão e a raiva que ele exalava. Ele parecia
cansado, porém, pronto para fazer qualquer coisa por mim. Aquilo conseguiu me machucar
um pouco mais, pois eu sabia que envolvê-lo mais do que ele já estava seria muito
perigoso, contudo eu não possuía mais controle sobre isso. Não quando ele era tão
irredutível em sua decisão de continuar nisso.
Engoli o choro novamente quando ele acariciou meu rosto suavemente, mas seu
aperto em meu braço não foi menor. Era como se ele tivesse medo de me deixar escapar.
— Porra, me escuta. – ele pediu, exasperado. – Steve quer você, esse é o único
motivo dele ter feito tudo isso.
Acenei em negativa e minha garganta se apertou ainda mais.
— Ele matou o próprio tio. – sussurrei, arrancando forças de todo e qualquer lugar
dentro de mim para continuar a olhá-lo nos olhos. – O que acha que ele será capaz de fazer
com minha irmã? Steve é louco. Acha que eu o traí e está com raiva. Vi a fúria e aquele
maldito ciúme possessivo dele quando ele veio esfregar na minha cara as fotos de nós dois
nos beijando no aeroporto.
Guilhermo encostou sua testa a minha. Parecia, tanto quanto eu, tentar se acalmar.
Meus lábios tremeram suavemente e expirei lentamente. Segundos de silêncio desolador se
passaram, até que ele admitiu:
— Não posso lidar com a chance de te perder. – aquilo foi suficiente para me fazer
desabar. Seu aperto em meu braço suavizou. Fechei os olhos quando ele começou a beijar
meu rosto lentamente para limpar as lágrimas, entre cada pequeno beijo, ele dizia – Você
está na minha vida. Faz parte de mim. É minha mulher e eu não vou deixar que saia daqui
sozinha para enfrentar algo que não conhece e não entende. – ele finalizou com um beijo
suave em meus lábios.
— Guilhermo… – qualquer sentença à ser proferida por mim se perdeu durante o
segundo beijo que ele me deu. Sua língua pediu passagem e o beijo faminto e urgente que se
seguiu, me tirou da inércia por alguns instantes. Senti suas mãos em meu corpo, tocando-me
com uma possessividade que apenas confirmava suas palavras anteriores. Uma de suas
mãos pousou sobre minha cintura e puxou meu corpo para pressioná-lo ao seu, enquanto sua
outra mão se acomodou entre meu pescoço e mandíbula. Para manter meu rosto próximo ao
seu.
– Vamos resolver isso juntos. – assegurou. — Você não precisa ir atrás de ninguém
para isso.
Minha respiração estava ofegante demais para respondê-lo.
— Ligue para David, vou contatar Nathan. – mandou após se afastar.
Mordi meus lábios inchados pelo beijo e esperei que ele saísse para deixar que as
lágrimas em meu rosto rolarem.
Eu preciso fazer algo. Não é mais apenas sobre mim. Angie, Nany, Natalie, Daniel,
David e Guilhermo estão nisso… Claire morreu por isso.
QUATORZE
Casa da Evy, Nova Iorque, 01:47am

EVANGELINE
Eu ainda me sentia devastada quando liguei para David e contei sobre o telefonema
de John, mas consegui me acalmar à medida que o tempo passou. — Principalmente quando
a percepção de que eu não conseguirei fazer nada útil se continuar apenas a chorar me
alcançou.
Agora, após andar em círculos em meu quarto por meia hora, eu decidi fazer algo
que até este momento, eu não havia cogitado. Peguei meu celular e fiz uma ligação para o
número que me ligara há menos de uma hora.
— O que você quer, porra? – a voz masculina e extremamente brava, fez um arrepio
se espalhar por meu corpo.
Decidi ignorar o que seu tom de ameaça provocava em mim e fui pratica:
— Para onde ele a levou?
Houve um momento de silêncio que deixou evidente o som de uma máquina, do lugar
que ele estava.O ouvir suspirar fortemente.
— Eu não sei, ok? Mas o que você quer agora? Não acha que é um pouco tarde para
tentar consertar as coisas?
— Por que ele a sequestrou, John?! – ignorei sua pergunta. — Por que fez isso com
Angie? Steve sequer ligou para pedir resgate ou algo em troca dela.
Ele praguejou algo incompreensível para mim, mas, novamente, fingi não ouvir e
aguardei.
— Burra, você é tão burra, Evangeline. Para quê Steve pediria dinheiro se ele já tem
o suficiente para viver cinco vidas como um rei? Acorda! Ele não queria que você soubesse
disso! Aquele bastardo quer a mim. Ele sabe que eu o conheço, que sei de tudo o que já fez.
Ele sequestrou Angeline porque sabe que a amo.
Fiquei em silêncio por um momento. Era estranho ouvi-lo dizer que amava minha
irmã, perceber que aquilo poderia realmente ser verdade, mas que, ainda assim, ele a havia
traído com outra.
— O que o tio de Steve tem a ver com tudo isso?
Uma risada afetada se seguiu. Aquilo conseguiu arrepiar os pelos de minha nuca.
— Tenho provas de que ele o matou, por isso ele armou esse circo. Ele quer me
matar, mas antes quer as provas que tenho para garantir que nunca será descoberto.
— E a Angie? – inquiri em um fio de voz.
Minha pergunta o fez ficar em silêncio por quase um minuto. Aquilo me deixou
aflita. Mais do que eu já estava.
— Se eu não conseguir matá-lo, ele a matará.

Casa da Evy, Nova Iorque, 02:33am

GUILHERMO
— A polícia já iniciou as buscas. – Daniel informou à David e eu, através de uma
chamada de vídeo. – Ninguém entrou em contato. Porra, eu não sei mais que infernos fazer.
Por que aquele filho da puta a sequestrou?
Ficamos em silêncio ao ouvi-lo questionar isso. Eu estava consternado. Imaginava
qual seria a dor de Evangeline e Daniel agora. Se algo acontecesse à Marina, eu não estaria
melhor que qualquer um deles. Provavelmente estaria com uma arma, pronto para atirar em
qualquer possibilidade existente e viva que pudesse machucá-la de qualquer forma.
— Sierra localizou o celular de Steve. – David informou, quando uma aba de
mensagem surgiu no canto esquerdo da tela de seu celular, ele pediu um momento à Daniel e
abriu a mensagem.
Não entendi nada sobre o tal endereço, mas os segundos que ele ponderou após vê-
lo me fez crer que ele conhecia aquele lugar.
— Um hotel, Daniel. – avisou ao homem ao telefone. – Montelone Hotel, na French
Quarter CBD.
— Vou para lá agora mesmo. – ele disse antes de desligar a chamada.
— Consegui contatar o piloto. – murmurei para David. – Ele pode preparar o jatinho
e conseguir autorização para o voo em duas horas no máximo.
Guardei meu celular no bolso da calça que havia colocado há menos de uma hora,
pouco antes de David voltar.
— Antes das sete, eu estarei em Nova Orleans então. – concordou.
— Eu vou com você. – a voz feminina fez com que nós dois nos voltássemos para as
escadas. Evangeline havia trocado de roupa, mas não era somente suas roupas a estarem
diferentes, algo nela parecia ter mudado. Já não havia qualquer resquício de dor ou culpa
em sua expressão, pelo contrário, ela estava impassível.
Porra. – foi o xingamento que ecoou em minha mente. – O que aconteceu agora?
— Você ficará em Nova Iorque. – David afirmou, antes que eu pudesse fazê-lo. Ela
apenas arqueou uma sobrancelha e comprimiu os lábios enquanto descia o lance de escadas.
— Se tentarem me manter aqui, eu vou fugir e irei atrás de Steve sem me importar
com qualquer aviso de vocês.
— Você está mais segura aqui. – lembrei-a, fazendo-a voltar-se para mim. – E você
não poderá fazer nada, mesmo estando em Nova Orleans.
— Eu não me importo. – replicou. – Aqui eu também não poderei ajudar de nenhuma
forma.
— Evangeline, isso não… – foi a vez de David tentar argumentar.
— Eu vou, David. – ela insistiu. – Não estou pedindo sua permissão para isso.
Bufei, fazendo-a me encarar novamente, só que desta vez havia algo além de
convicção em seu semblante.
— Liguei para John ainda pouco. – contou, sem tirar os olhos dos meus. — Ele tem
provas de que Steve matou o tio e, por isso, está chantageando John com o sequestro de
Angie. Steve não queria que eu, ou qualquer um de nós, soubesse que ele está envolvido
nisso.
— Você realmente acreditou no que aquele homem disse? – perguntei, incrédulo.
— Sim. – ela sussurrou, se aproximando de onde eu estava. – O que John disse faz
sentido. Steve queria que todos pensássemos que ele estava em Nova Iorque, por isso foi
atrás de Guilhermo ontem. Se algo acontecer a Angie hoje ele seria o último de quem
desconfiaríamos porque acreditávamos que ele estava aqui em Nova Iorque. – ela fez uma
pausa. — Se John não tivesse ligado, sequer estaríamos conversando sobre isso agora.
— O que mais ele disse? – David quem perguntou.
— Me culpou pelo que estava acontecendo… – Evangeline engoliu fortemente e fez
uma breve pausa antes de prosseguir. Seus olhos brilharam com as novas lágrimas que
insistiam em aparecer. Vê-la tão frágil dilacerava algo em mim. – E insinuou que Steve tem
algo a ver com o que aconteceu no Mardi Gras de anos atrás.
Juntei as sobrancelhas, sem entender. David pareceu surpreso demais até mesmo
para dizer algo.
— O que é Mardi Gras? – indaguei, mas ao invés de me responder, Evangeline
desviou seus olhos dos meus. Aquela pergunta pareceu perturbá-la. Expirei lentamente e
acabei com a distância entre nós para entrelaçar minha mão a sua, ela retribuiu o aperto e
não hesitou quando segurei sua cintura e trouxe seu corpo para perto do meu.
Aquele aparentemente era o ponto de ruptura em seu passado. O que estava gerando
conflito no presente.
— É uma festa anual típica em Nova Orleans. – David explicou momentos depois.
Preferi não questionar mais sobre essa festa e isso fez com que ficássemos em
silêncio por alguns minutos.
— Você também consegue descobrir a localização de John através do número de
telefone dele? – Evangeline prosseguiu.
Ele concordou.
— John disse que Steve vai matá-lo… – ela pareceu tomar coragem para concluir.
— Se não chegarmos a tempo, ele matará Angie também.
Casa dos Howell’s, Nova Orleans, 08:24am

EVANGELINE
A viagem até Nova Orleans foi rápida. Passei as poucas horas sentada em uma
poltrona ao lado de Guilhermo. Não consegui dormir, mas o conforto oferecido por ele me
ajudou a me manter lúcida durante o percurso.
Eu perdi as contas de quantas orações fiz durante todas essas horas, pedi pela
segurança de Nany, Natalie, David, toda a minha família e Guilhermo. Pois agora, depois de
tudo o que passamos, eu sei que ele realmente não pretende sair de minha vida. Eu
tampouco gostaria que ele o fizesse. Ainda temo pela segurança de Guilhermo, mas já o
conheço bem o suficiente para saber que nada do que eu disser agora o fará sair de todo
esse inferno.
Quando pousamos, a primeira coisa que David fez foi ligar novamente para Sierra –
sua eficiente assistente. – Para saber a respeito da localização de John, contudo, ela pediu
um pouco mais de tempo.
Daniel correu até mim, para me abraçar, quando me viu entrar na sala de minha
antiga casa. A mansão dos Howell’s. Eu quase não lembrava da última vez que nos vimos,
mas perceber que ele parecia tão perdido e enfurecido quanto quando me contou sobre a
carta anônima que havia recebido, fez meu coração se apertar. Agora ele estava preocupado
com nossa irmã caçula. Nós dois estávamos, na verdade.
— Vamos encontrá-la. – sussurrei para nós. Esta era a melhor forma de nos fazer
acreditar nisso no momento. Dizer aquelas palavras alto o suficiente para ouvirmos.
— É claro que vamos. – ele disse, sem me soltar. – E eu vou matar aquele filho da
puta, Evangeline! Deus me perdoe, pois ele sabe que eu vou.
Soltei o ar que havia prendido nos pulmões e acenei em negativa ao soltá-lo.
— Ele será preso. Nenhum de nós precisa sujar as mãos por causa dele. –
completei. – Papai e mamãe sabem de algo?
Daniel apenas acenou em negativa.
— Ele não estava no hotel, Daniel? – David perguntou ao meu irmão assim que nos
separamos e os dois se cumprimentaram.
— Não. Ele fez uma reserva lá, mas saiu ontem à tarde e ainda não voltou. Deixei
dois seguranças lá, para esperá-lo. Se é que ele voltará.
O celular de David começou a tocar e ele o pegou do bolso do casaco preto que
vestia. Mirei-o atentamente enquanto ele falava com alguém do outro lado da linha.
Guilhermo cumprimentou Daniel e depois se aproximou de mim, para segurar minha mão.
Retribuí o aperto encorajador que ele me ofereceu e encostei meu corpo ao seu, ao abraçá-
lo. Ultimamente em seus braços era o lugar que eu me sentia realmente segura.
Antes da nossa viagem no jatinho, há algumas horas, eu entreguei a David o número
de telefone do qual John me ligara para que ele tentasse localizá-lo.
— Então ele estava em Gulfport?
Observei em silêncio quando David andou rapidamente até a mesa de centro da
enorme sala e pegou a agenda e uma caneta. Ele anotou algo enquanto ouvia o que diziam ao
telefone. Segundos depois, desligou.
— A última vez que o GPS de John foi usado ele estava em Gulfport, no Mississipi.
Ele pegou a I-10 W, para chegar à Nova Orleans.
Olhei em meu relógio de pulso, assim como Daniel.
— Que horas? – Daniel questionou.
— Há meia hora.
Suspirei fortemente. John já estaria chegando à Louisiana a essa hora.
— Ontem eu estava em Biloxi, mas usei a Long Beach para voltar para casa. Há dois
trechos em obras na I-10 W. Se ele está vindo por ela, vai demorar para chegar à Nova
Orleans.
Franzi o cenho enquanto tentava lembrar de algo mais. O tempo máximo para se
chegar em Nova Orleans usando a estrada que John pegou, era de duas horas, mas com esses
trechos em obras, é difícil dizer.
— Ele terá que ir à Marina, não é? – questionei, aproximando-me deles.
Independente da via que ele pegue para chegar à Nova Orleans vindo de Gulfport, ele terá
que atravessar um trecho do Lake Pontchartrain de barco usando uma lancha da Marina do
Eden Isle ou a Pontchartrain Dr.
— Avisarei a polícia. Vou esperá-lo lá. – David anunciou.
— Eu vou com você, já que fui eu quem manteve contato com a polícia até agora. –
Daniel anuiu. – Acho que a polícia também deve esperá-lo na ponte Pontchartrain Dr, já
que também é via de acesso à Nova Orleans.
— Eu vou… – tentei, mas Guilhermo me interrompeu:
— Eu fico com Evangeline.
Abri a boca para retrucar novamente, mas ao olhar em seus olhos eu desisti. Havia
um pedido implícito ali. Ele queria evitar uma nova discussão.
— Você ficará aqui. – David concordou com Guilhermo. – Esse foi o combinado.
— Se prenderem John, quem vai atrás de Steve? – questionei. – Ele matará a Angie
se John não entregar aquelas malditas provas no horário que combinarem!
Daniel desviou seu olhar surpreso e desentendido para David.
— Que provas? – indagou.
— Steve matou o irmão de seu pai e John tem provas disso, por isso ele sequestrou
Angie para chantagear John.
— Mas que porra… – ele parou por alguns segundos. – Então esses dois realmente
são coniventes?
Eu apenas assenti, depois mirei David de maneira inquisitiva e aguardei sua
resposta.
— Se Steve está mesmo esperando John, nós o pegaremos e descobriremos onde
aquele filho da puta escondeu Angeline.Vamos tirá-la de lá e pegaremos Steve e as provas.
— Ele pode usá-la para se safar. – murmurei, agora temerosa sobre isso.
— Vai dar tudo certo. – Guilhermo assegurou.
Suspirei fortemente e, mesmo contrariada, concluí:
— Tudo bem, mas nos mantenham informados. – pedi, aproximando-me de
Guilhermo, que expirou visivelmente aliviado. – E tomem cuidado, por favor.
Quando os dois finalmente saíram, eu agradeci silenciosamente pelo abraço que
Guilhermo me deu. Eu não entendia como infernos ele sabia o que fazer para me ajudar a me
sentir melhor; mais forte e confiante de que conseguiríamos realmente salvar Angie.
— Menina Evy! – a conhecida voz feminina me surpreendeu. Desvencilhei-me de
Guilhermo e voltei-me para Rosalie, a governanta de mamãe que a ajudou a me criar, assim
como aos meus irmãos.
— Rose! – murmurei antes de ir até ela para abraçá-la. Sorri ao notar que a cada
ano que passava ela parecia ficar menor, talvez a idade avançada fizesse isso. – Como você
está?
— Poderia estar melhor, querida. Se a menina Angie estivesse aqui. – engoli com
dificuldade ao ouvir aquilo. Seus olhos castanhos pareciam tão tristes quanto eu jamais vira
antes.
— Em breve ela estará aqui novamente. – prometi após beijar seus cabelos ralos e
brancos.
— Quem é este rapaz bonito?
Olhei para Guilhermo novamente, que deu os passos que o separavam de nós duas.
Acenei em negativa e sorri fracamente ao vê-lo dar o seu melhor sorriso a ela. Sem desviar
meus olhos dos seus, eu disse:
— Rose, esse é Guilhermo D’Angelo, meu namorado.
Ela se voltou rapidamente para mim, completamente surpresa.
— Prazer em conhecê-la, senhora Rosalie. – os dois trocaram um aperto de mãos
breve.
— Senhorita. – ela o corrigiu, fazendo-me sorrir um pouco mais.
— Senhorita Rosalie. – ele retificou.
— A casa estava cheia daqueles seguranças, mas já estou terminando de preparar o
café da manhã, sim?
Concordei com um aceno e ela saiu para terminar o que estava fazendo na cozinha.
Suspirei lentamente e segui para o sofá, em seguida, Guilhermo sentou ao meu lado.
— Devo me preocupar com seu silêncio? – ele questionou minutos depois, ao
perceber que eu não diria nada.
— Não, eu… – me interrompi e decidi explicar. – Estou pensando em Nany e
Natalie. Há alguém tentando matá-las também e além de não saber o motivo disso, eu não
sei como ajudá-las. Com a influência da minha família, é bem provável que metade do
departamento de polícia de Nova Orleans esteja procurando por Angie, mas com Nany e
Natalie não será assim.
Sua expressão se tornou branda. Ele me entendia e se preocupava com Natalie tanto
quanto eu.
Cansada da pouca distância entre nós e pensando em também tentar confortá-lo de
alguma forma, eu decidi me aproximar.
Já sentada sobre suas pernas e o abraçando, eu murmurei com sinceridade:
— Quero acreditar que Nany conseguiu deixar Natalie segura em algum lugar.
— Ela é mãe de Lilie, deve estar fazendo o impossível para salvá-la do que quer
que esteja atrás delas.
— Eu sei, assim como sei que ela esteve todo esse tempo me protegendo de algo que
eu não sabia nem mesmo a existência. – fechei os olhos e me concentrei no intervalo regular
e contínuo das batidas de seu coração.
— Alguma ideia do porquê o tio de Steve iria querer Steve longe de você? – ele
quebrou o silêncio novamente e me apertou ainda mais em seus braços.
— Não.
Os próximos minutos de silêncio me lembraram de todo o meu último telefonema
com John. De alguma forma, foi àquele telefonema a me dar forças para não ruir diante
desta situação, o telefonema e o fato de Guilhermo continuar ao meu lado, é claro. Eu tenho
medo de o plano de David e Daniel não dar certo, medo de que algo aconteça à Angeline,
também temo a mera possibilidade de ter que confiar em John caso o plano deles falhar, mas
tenho que admitir que tenho receio do que pode acontecer se eu seguir meu plano B.
— Guilhermo? – murmurei, sem qualquer coragem de acabar com o abraço e voltar
a mirá-lo.
— Sim?
— Acha que o plano de David e Daniel, de capturar John, descobrir onde ele irá
entregar as provas para Steve e depois ir atrás dele, dará certo?
Ele ficou em silêncio por tempo suficiente para que eu soubesse que também não
estava completamente confiante de que aquilo daria certo.
— Precisamos acreditar que sim. É a única forma de encontrá-los.
Cerrei os olhos e o abracei com mais força por um momento. Meu coração começou
a bater fortemente em meu peito apenas por imaginar o que eu teria que fazer.
É para salvar Angie. – lembrei-me – Portanto o plano B continuará a ser uma opção.
QUINZE
GUILHERMO
A mudança drástica e rápida em Evangeline acionou os alarmes em minha mente. Eu
sabia que havia algo errado desde o momento em que ela insistiu que viria à Nova Orleans
com David. Suas perguntas e sua mudança abrupta de comportamento apenas confirmavam
essa hipótese.
— Por que acho que está me escondendo algo importante? – questionei. Ela hesitou
e não se dignou a sequer responder, aquilo confirmou minha suspeita. Acabei com o abraço
e a mirei nos olhos com o cenho franzido. – Evangeline?
— Guilhermo, eu… – Evangeline tentou se levantar de meu colo, mas não permiti.
Ela olhou para sua mão, que continuava entrelaçada a minha, mesmo que há alguns segundos
ela tentasse se afastar, eu não permiti.
— Eu prometi que resolveríamos isso juntos. – lembrei-a. – Como posso cumprir
essa promessa se você continuar a me esconder o que acontece?
Evangeline baixou os olhos, envergonhada, e percebi o exato momento em que seus
lábios tremeram suavemente. Esperei pacientemente o tempo que ela precisou para
organizar seus pensamentos.
— Convenci John a me deixar ajudá-lo. – ela sussurrou.
Eu não me surpreendi.
Fechei os olhos por um momento e expeli o ar como uma tentativa idiota de me
acalmar.
— Guilhermo… – ao ouvir toda aquela preocupação em seu tom de voz, eu decidi
voltar a mirá-la. – Ele sabia que não podia confiar em Steve, sabia que as chances que tinha
de conseguir salvar a Angie antes de Steve matar os dois eram poucas e me aproveitei do
fato dele estar de mãos amarradas, sem poder avisar a polícia por continuar foragido.
Permaneci em silêncio, pensativo, e esperando que ela prosseguisse.
— John disse que me enviará uma mensagem com o endereço de onde Steve marcou
para ele entregar as provas, meia hora antes do encontro deles. – contou.
— Por que não nos contou?
— Porque, como você, David jamais acreditaria que John está tentando ajudar!
Vocês tinham um plano e eu não pretendia fazer nada se o plano de David desse certo… Eu
só queria ter um plano B caso o primeiro não funcionasse.
— Você estava pensando em ir atrás daquele filho da puta sozinha?
— Eu chamaria a polícia enquanto estivesse a caminho.
Juntei as sobrancelhas. Resisti à vontade de iniciar uma discussão por isso e
procurei entendê-la… Tentei, diversas vezes, me lembrar que as chances dela perder a irmã
são grandes nesse momento e foi isso que a fez aceitar a ajuda daquele bastardo. O medo e
o desespero.
— Guilhermo, por favor… Eu não quero que… – ela se interrompeu quando notou
que eu pedia silenciosamente que parasse de falar.
— Eu sei que está preocupada com sua irmã… – murmurei. – E eu, na mesma
proporção, estou preocupado com você. Quando eu disse que resolveríamos isso juntos, eu
estava falando sério.
Demorei a entender o motivo dela ter desviado seu olhar do meu, mas quando
compreendi, eu a fiz voltar a me encarar bruscamente. Estava cansado de tudo isso. Uma
lágrima fina rolou por seu rosto e ela a limpou rapidamente.
— Me conte o que ainda me esconde. – pedi.
— Steve ameaçou matar você. Eu não queria te contar sobre meu plano por isso!
Porque sei que você também ignora minha preocupação em relação a você!
Aquelas palavras me deixaram em silêncio. Não por estar surpreso ou apreensivo
sobre aquele filho da puta querer me matar, mas porque, ao vê-la colocar os fatos desta
forma, eu percebi que eu não sou o único aqui a ter problemas para manter alguém seguro.
Evangeline também se preocupa comigo.
Um celular começou a vibrar entre nós e percebi ser o de Evangeline quando ela o
tirou de seu bolso. Quase um minuto se passou enquanto ela lia algo no aparelho, quando se
voltou para mim, eu já tinha uma ideia do que poderia ser.
— Steve marcou o encontro com John. – ela sussurrou assim que voltou a me
encarar.
Porra, se ele havia se comunicado com Evangeline agora, o plano de Daniel e
David não havia dado certo.

Casa dos Howell’s, Nova Orleans, 10:06am


EVANGELINE
Levantei abruptamente do colo de Guilhermo e ele fez o mesmo em seguida. Reli o
endereço que havia na mensagem e tentei lembrar que lugar era aquele. Segundos depois
percebi que era em uma das saídas da cidade. Engoli em seco ao perceber que Steve pensou
em tudo. Um local de difícil acesso retardaria a chegada da polícia caso John pensasse em
avisá-la.
— Onde ele marcou de ir encontrar John? – Guilhermo questionou.
— Eu não sei bem onde fica esse lugar. – contei, após voltar a encará-lo. – Mas é
em uma saída da cidade.
— Para Gulfport?
Acenei em negativa.
— Para uma região censo designada. – tentei explicar rapidamente. – Boutte.
Saí para a cozinha e Guilhermo me seguiu. A casa de papai e mamãe continuava
exatamente como eu lembrava e não tive dificuldades para encontrar a sala de monitoração
das câmeras.
— Alfred? – chamei-o ao vê-lo conversar com outro segurança, ele tinha o braço
direito enfaixado por causa do tiro que o havia atingido. Pareceu espantado ao me ver ali
depois de mais de sete anos. – Preciso que me ajude a chegar a esse lugar.
Mostrei a ele o endereço e o vi franzir o cenho, exatamente como eu fiz segundos
atrás. Olhei para Guilhermo, que havia parado próximo a porta e o vi com o telefone
próximo ao ouvido, provavelmente tentava avisar David e Daniel.
Mantive meu olhar sobre ele. Uma fisgada de dor em meu peito me fez cerrar os
olhos por um momento. Céus, eu não queria que nada acontecesse a ele. Gostaria de poder
evitar esse novo encontro dele com Steve, mas sei que já não há como fazê-lo. Isso me
aflige. Por mais que Guilhermo seja capaz de se defender sozinho, não consigo ignorar o
fato de Steve ter matado o próprio tio; de estar com minha irmã agora e de querer fazer mal
a Guilhermo.
Deus, por favor, os proteja. – supliquei em pensamento.
— Albert sabe onde fica, senhorita. – Alfred avisou, trazendo-me de volta ao
presente. Mirei o outro segurança, seu irmão, que conversava com ele anteriormente e
esperei que ele me explicasse o caminho.
— Eles virão comigo, Evangeline. – Guilhermo afirmou, ao se aproximar de mim –
Não consegui falar com David e nem mesmo Daniel. Então vou com eles, Scott e Logan
verificar o endereço que John te enviou.
Juntei as sobrancelhas ao perceber que ele sequer estava me incluindo em seus
planos.
— Mas Guilhermo, isso…
— Isso é necessário. – ele disse. – Steve pode ter capangas armados naquele lugar.
Precisamos estar preparados também.
— Eu irei com vocês. – insisti.
— Isso está fora de questão. – ele retrucou.
— Vou preparar o carro. – Albert murmurou antes de sair seguido por Alfred, seu
irmão.
Apertei os lábios e semicerrei os olhos para Guilhermo. Estava brava por agora,
depois de tudo o que eu havia contado a ele, ele querer me tirar disso. Eu confiei nele ao
contar sobre meu trato com John! Ele não pode simplesmente achar que vou deixá-lo ir atrás
de Steve e ficar aqui tranquila com isso!
A centelha de preocupação que ele não conseguiu esconder em seu semblante quase
me fez tentar confortá-lo em relação ao que acontecia. Depois de nossa conversa há alguns
minutos – e do que ele me disse na madrugada de hoje – eu percebi que nós dois estamos
mais preocupados com a segurança um do outro, do que com a de nós mesmos. Aquela
conclusão conseguiu encher meu coração – e minha mente – com algo forte e íntegro, mas
inefável naquele momento.
Ele me fitou intensamente quando limitei ainda mais a distância entre nós. Mordi o
canto dos lábios suavemente e expirei lentamente ao acariciar seu rosto e lhe beijar
suavemente.
– Não posso deixar… – ele tentou dizer, mas o calei com um novo beijo superficial.
Céus, eu não quero mais discutir. Não agora. Não por isso.
— Eu não quero pensar na chance remota de você se machucar, Guilhermo. – admiti,
sem cessar a carícia em seu rosto, que já estava sombreado com a barba por fazer de dois
dias. Mantive minha testa colada a sua. – Continuo a não querer que se envolva ainda mais
nisso, mas sei que não vai me ouvir. – ele fechou os olhos e usou uma das mãos para enlaçar
minha cintura, para aumentar ainda mais a proximidade de nossos corpos. Não havia
qualquer malicia em seu toque, nem mesmo sua possessividade característica, apenas um
cuidado e preocupação que eram confirmados pelo que ele já havia deixado claro tantas
vezes; seu medo de me perder. – Eu não vou ficar aqui quando sei que Angeline e você
estarão em risco. – expirei lentamente e ele fez o mesmo, era como se tentássemos expulsar
a temeridade que sentíamos com esse simples ato. – Vamos resolver isso juntos, como você
prometeu. – pedi antes de beijá-lo novamente.
Seu corpo estava tenso, muito mais que o meu, mas o beijo terno que trocamos
pareceu atenuar aquela situação ao menos um pouco.
— Ok. – ele concordou com a testa colada a minha, após acabar com o beijo. –
Juntos.

Mirabeau Ave, Nova Orleans, 10:12am


— Em quanto tempo acha que vamos chegar lá? – perguntei a Albert, que estava ao
volante do carro. Notei que Guilhermo continuava tentando falar com David e Daniel,
mesmo após eu o avisar que eles estavam depois da Pontchartrain Dr e ele não conseguiria
contatá-los por causa do sinal ruim.
— Meia hora no máximo.
— Quinze minutos, Al. – avisei. – Temos apenas quinze minutos.
O nervosismo me corroia internamente, enquanto o medo continuava à espreita
pronto para me dominar. – soltei o ar fortemente e fechei os olhos. Tentar me concentrar na
avenida que percorríamos não conseguiria acabar com a minha apreensão. O misto de
sentimentos em mim era aterrador, pior do que o que eu senti durante esses anos. Desta vez
ele era real, havia um motivo plausível, uma ameaça clara contra alguém que eu amava; não
era mais o medo de que minha família fosse envolvida em algo perigoso. Muitos deles já
estavam submersos nisso tudo.
Guilhermo aumentou o aperto de sua mão na minha e troquei um olhar com ele, como
se, apenas com isso, eu pudesse agradecer pelo que ele fazia por mim; pela ajuda e conforto
que me ofertava.
O fato de Albert ter acelerado consideravelmente desde minhas palavras não me
importou, eu permaneci reclusa em meus próprios pensamentos, alheia ao número de carros
que deixávamos para trás.
Quando o carro fez uma curva e a estrada que percorríamos passou a mostrar um
número constante de arvores, eu percebi que faltava pouco. Olhei para o espelho retrovisor
do carro, para verificar se Scott e Logan ainda nos seguiam e agradeci mentalmente ao vê-
los. Eu já havia me acostumado à presença constante de meus dois seguranças e preferia que
eles estivessem conosco, nos ajudando, a passar por todo esse pesadelo.
Guilhermo desvencilhou sua mão da minha quando pareceu ter sido atendido.
— David, apenas escute: John avisou Evangeline do local em que Steve está com
Angie. – ele fez uma pausa. – Sim, e estamos a caminho agora! Vou te enviar uma mensagem
com o endereço. Tente chegar aqui o mais rápido possível. Não podemos deixar aquele
filho da puta escapar.
Engoli em seco quando o vi desligar e digitar uma mensagem rapidamente, após
pedir meu celular. Minha atenção foi desviada para a placa que estava a nossa frente.
“PROPRIEDADE PRIVADA. AFASTE-SE.”
A cerca que deveria manter a passagem fechada estava destruída, como se um trator
tivesse passado por cima dela sem qualquer pena. – John já havia passado por aqui,
percebi.
— Há um galpão à frente. – Alfred avisou, fazendo-me procurar pelo lugar que ele
apontava.
Meu coração afundou em meu peito e o medo por Angie, pelo que poderia acontecer
a ela, avançou sobre mim, como um animal com presas afiadas. Minha vista ficou turva por
um momento, em que eu tentei me recuperar pelo que me assolava naquele instante, e
expulsei aqueles sentimentos de mim. Tentei com todas as minhas forças me agarrar apenas
ao que poderia me ajudar naquele momento. Qualquer resquício de força, coragem e
determinação que havia em meu ser.
O carro parou abruptamente e aquilo me trouxe de volta ao presente. A porta foi
aberta enquanto eu retirava meu cinto de segurança e olhava para o galpão quilômetros a
frente de onde estávamos – escondidos por entre as arvores.

Estrada ao sul de Boutte, Louisiana, 10:35am


— Fique aqui. – Guilhermo pediu. – Há seguranças próximos ao galpão e eles
podem tentar nos surpreender aqui também. Vamos pensar na melhor forma de chegar até lá.
— Não, Guilhermo, eu…
— Por favor, não vamos discutir agora. – ele pediu após beijar meus lábios e sair
do carro. Meus olhos se arregalaram ao vê-lo sacar uma arma do casaco que vestia e fechar
à porta.
Com o cenho franzido eu o vi trocar palavras com Albert e Alfred. Segundos depois
Logan e Scott, que haviam estacionado próximos de nosso carro, também se aproximaram
dele.
Peguei minha bolsa na parte de trás do assento do carro e a abri rapidamente.
— Céus. – murmurei para mim mesma ao retirar os utensílios que David me deu
após as aulas de autodefesa que eu fiz anos atrás. Havia spray de pimenta e dois canivetes
que pareciam ter sido feitos para se moldar a minha mão. Eu torcia para que minha mira
continuasse tão boa quanto há seis anos.
Um disparo fez meu coração parar no peito, larguei minha bolsa e me aproximei no
vidro do carro a tempo de ver Albert cair no chão, após ser atingido. Minha vontade foi
gritar, mas contive meu desespero e, como Guilhermo e os outros faziam, eu tentei encontrar
o atirador. Ao ouvir um tiro desta vez vir de trás de mim, eu deixei um gemido baixo e
agoniado escapar. Ele estava atirando em mim, no carro que eu estou. Fechei os olhos por
um momento e agradeci pelo carro ser blindado, do contrário eu provavelmente estaria
sangrando agora.
Não consegui ver o rosto do homem que tentava me acertar, mas, ao perceber que o
carro era blindado e que os outros agora tentavam acertá-lo, ele usou o veículo para se
camuflar.
Cerrei os olhos por um momento e tentei, de qualquer forma possível, controlar as
batidas descontroladas do meu coração. Peguei minha bolsa novamente e deixei um novo
gemido de dor escapar.
Eu nunca havia acertado alguém, de fato, com aquele canivete. Usei-o apenas para
treinar.
Olhei para trás novamente e não encontrei Guilhermo ou os outros. – percebi que
estavam escondidos atrás das arvores. O homem armado – que acertou Albert e tentou me
acertar — estava encostado à janela do carro.
Apertei os lábios ao vê-lo tirar algo do bolso. – um celular.
Coloquei-me de joelhos sobre o banco e me aproximei da janela para a qual o
homem estava de costas.
— É como acertar um saco de pancadas. – lembrei do que me foi dito nas aulas. – A
diferença é que um saco de pancadas não estará tentando te matar.
Engoli fortemente ao segurar o canivete com firmeza. Quando comecei a baixar o
vidro da janela, um novo disparo soou mais audível que o anterior. Reprimi um novo grito,
desta vez de susto e horror, ao ver a janela manchada de sangue enquanto o homem
deslizava por ela até cair no chão.
Expirei fortemente e olhei para o canivete em minhas mãos.
Não sabia se agradecia por não precisar usá-lo ou se me repreendia por ainda ter
receio de machucar qualquer ser vivo.
A porta do lado contrário ao que eu estava foi aberta abruptamente e me voltei
rapidamente para ela.
— Venha! – Guilhermo me chamou.
Peguei meus canivetes e o spray de pimenta antes de sair.
— Viu se ele teve tempo de falar ao telefone? – Guilhermo perguntou a mim.
— Não, ele foi atingido antes de levá-lo ao ouvido. — contei, enquanto o seguia
rapidamente até a segurança das arvores.
— Céus. – murmurei ao ver Scott e Logan carregarem Albert para dentro do carro
blindado. – Ele vai ficar bem?
— Vai, só não vai conseguir andar por algumas semanas. – Scott respondeu.
Minha testa se enrugou ao ver Al fazer de uma careta de dor enquanto tentava se
acomodar no espaço limitado do carro. Logan pegou a arma de Al, quando ele a jogou no ar.
— Tenho uma arma reserva no porta-luvas do carro. – Albert avisou.
— O que você faz com esses canivetes? – Guilhermo perguntou a mim.
— Eu costumava saber usá-los. – admiti. – Eu disse que já havia feito aulas de
autodefesa por causa da diligência de David em relação a minha segurança. – lembrei-o.
Ele ainda me encarou como se perguntasse “mas facas?”
— Eu era boa com dardos e meu professor achou que eu me daria bem com os
canivetes. – expliquei ao estender um para ele. – Não me pergunte porquê.
Por um segundo a seriedade em sua expressão se dissipou e ele me puxou para um
abraço.
— Ele queria acertar você. – murmurou, como se lembrasse disso.
— Estranho. – ouvi Scott dizer. – Só há mais três filhos da puta próximos ao galpão.
Guilhermo e eu nos desvencilhamos e nos aproximamos de Scott e os outros, eles
dividiam um binóculo para verificar o que acontecia à frente de nós.
— Se formos rápidos, chegaremos lá em menos de três minutos. – Guilhermo disse,
após sua vez de usar o dispositivo. – Há apenas um carro e uma caminhonete lá. Não
queremos que qualquer um deles consiga sair de lá, então antes de entrar no galpão os pneus
deles já têm que estar secos.
— Deste lado só há uma entrada. – Alfred disse. – Teremos que passar por eles.
Expirei lentamente e senti a adrenalina em minhas veias aumentar novamente. Eles
trocaram mais algumas palavras, alheios a minha presença, mas eu não me importei.
Contanto que conseguíssemos entrar lá e tirar Angie bem e viva de lá, depois todos nós
conseguíssemos ir embora, para mim estaria tudo bem.
Guilhermo segurou minha mão com força e me puxou para perto de si quando todos
começaram a andar rapidamente para descer aquela pequena elevação de terra até
chegarmos às arvores e seguíssemos por entre elas.
DEZESSEIS
Algum lugar em Boutte, Louisiana, 10:43am

GUILHERMO
Acompanhei com o olhar enquanto Logan se afastava de nosso pequeno grupo e
seguia rapidamente por entre as arvores. Mantive meu passo rápido, assim como os outros.
Apertei os olhos na direção dos três homens próximos ao galpão e engatilhei minha arma.
— Aqui está bom. – Alfred avisou a todos nós e pegou seu binóculo para verificar
Logan, que agora se aproximava dos carros parados próximos ao galpão. Ele era o único
que possuía uma arma com silenciador, por isso fora até lá para atirar nos pneus e não ser
notado, já que o ruído das balas não seria tão alto assim.
Scott estava a pelo menos dez metros de distância de onde estávamos, e Logan
pouco mais de cinquenta metros.
— Fique aqui. – murmurei para Evangeline. Estávamos atrás de uma grande arvore.
– Você entendeu como usá-la, se precisar?
Ela assentiu algumas vezes e olhou para a arma que Albert usava há alguns minutos e
que agora estava com ela.
— Porra. – a exclamação de Alfred me fez mirá-lo rapidamente e, segundos depois,
olhar para o lugar que ele fitava.
Um dos capangas de Steve estava se aproximando do carro, sem que Logan
percebesse. Scott interviu, atirando certeiramente em um dos capangas que estava mais
próximo a entrada do galpão. Isso fez com que a atenção de todos se voltasse para ele e, em
seguida, para nós.
— Não saia daí, Evangeline. – mandei antes de sair detrás da arvore e seguir Alfred
que corria para se aproximar dos capangas que restavam.
Quando iniciei os disparos de minha arma, a troca de tiros já havia começado. Vi o
momento exato em que outro capanga de Steve caiu e, menos de dois segundos depois, mais
três deles surgiam e se juntavam aos outros. Diferente de nós, eles não possuíam lugares
para se esconder, mas tinham a vantagem de agora saberem exatamente de onde estávamos e
que não poderíamos sair por sermos grandes demais para nos esconder atrás das palmeiras
a nossa frente. Troquei o cartucho de munição da minha arma rapidamente e voltei a atirar.
Quando as balas finalmente cessaram, havia somente dois deles de pé e um número
de buracos inimaginável nas palmeiras a nossa frente.
— Caralho. – xinguei, ao ver Scott sentado e encostado à arvore que o camuflou
anteriormente. Eu não sabia onde, mas ele havia sido atingido.
— Logan os acertou. – Alfred murmurou para mim, estava à duas arvores de onde eu
estava.
Olhei para o galpão novamente e vi todos os capangas caídos, Logan já estava entre
eles de pé e parecia recarregar sua arma. Alfred correu até Logan e eu fui até Scott.
Joguei a minha arma sem munição próxima a ele e me ajoelhei no chão ao
vê-lo encostar a cabeça na arvore e murmurar algo incompreensível.
— Onde foi atingido? – questionei, já procurando o local do ferimento.
— Quadril. – ele balbuciou com dificuldade. Por isso o colete não o ajudou. – Essa
porra ainda está aqui dentro.
— Merda, acha que consegue sair daqui com ajuda?
— Não, pode ir atrás da garota, cara. – ele disse, mesmo em meio a dificuldade. –
Vou ficar bem. Só não me esqueçam nesse fim de mundo.
Acenei em negativa ao ouvir aquele sarcasmo. Tirei o celular de meu bolso e um dos
aparelhos pequenos que comprei há algumas semanas e os entreguei a ele.
— Se o sinal funcionar aqui, tente contato com David. – avisei ao levantar e
procurar Logan e Alfred com o olhar.
— O que é isso? – ele perguntou referindo-se ao outro apetrecho.
— Rastreador. Use se alguém… – interrompi minhas próprias palavras ao ouvir o
eco irrefutável de um tiro, só que desta vez de dentro do galpão. Vi um movimento pelo
canto dos olhos e voltei minha atenção completamente à Evangeline quando a vi correr na
direção do galpão.
— Porra. – xinguei novamente por saber que não poderia gritar para que ela
parasse. Não quero nem mesmo que Steve desconfie que ela está aqui, então corri e desviei
das palmeiras o mais rápido que pude para alcançá-la, antes que ela chegasse ao galpão.
Dois novos disparos vindos de dentro do galpão tornaram minha tentativa de levar
ar aos pulmões impossível. Eu sabia que, para ela, não saber o que acontece lá dentro, mas
desconfiar que sua irmã está lá, a deixa devastada.
Quando eu estava perto o suficiente para segurá-la, eu peguei um de seus braços e a
puxei com força contra mim.
— Não. – grunhi contra seu ouvido enquanto a segurava com força contra meu corpo
e ela tentava se livrar de meu aperto. Cerrei os olhos com força ao ouvir um grito feminino
vindo de dentro do galpão. Agora era uma certeza que Angeline estava lá.
— Ela está lá, Guilhermo. – Evangeline murmurou com a voz rouca e frágil. Eu não
precisei de mais do que aquilo para ter certeza que ela chorava. – Está lá.
Beijei o topo de sua cabeça e a virei em meus braços para que ela pudesse olhar em
meus olhos.
— Vamos tirá-la de lá. – prometi enquanto limpava suas lágrimas. – Não se
preocupe.
Eu me mantinha impassível, mas adrenalina ainda deixava meu sangue pulsando
ferozmente em minhas veias. Meu coração estava apertado, eu sentia como se um punho
fechado o cingisse. Aquela era a melhor forma de definir o que eu sentia quando via
Evangeline daquela forma.
Entrelacei minha mão a sua com força e caminhei até a entrada do galpão, com
Evangeline às minhas costas.
Havia mais dois capangas caídos e desacordados no chão alguns metros após a
entrada do galpão. Um número incontável de containers de um metro quadrado cada estava
empilhado, formando um corredor escuro e longo, que nos levava ao desconhecido. Ouvi
vozes indecifráveis e palavras ininteligíveis serem ditas e aquilo me fez apenas apertar o
passo, ainda cauteloso. Tropecei em um novo corpo no chão e um gemido de dor baixo me
fez parar.
— Alfred? – Evangeline sussurrou.
O homem no chão rolou alguns centímetros, para se aproximar do container mais
próximo e agarrou minha perna direita.
— A arma. – reconheci a voz de Alfred naquele momento, embora não conseguisse
vê-lo, eu tateei o chão à procura de sua arma e agradeci brevemente ao pegá-la.
Ouvi Evangeline pedir desculpas a ele, por tê-lo colocado nisso, antes de
prosseguirmos o caminho.
— Foi isso que você ganhou por ter tentado bancar o maldito herói. – pude ouvir
Steve dizer em tom de deboche. – A porra de um par de chifres.
— Não acho que eu tenha sido o único. – outro homem respondeu.
Uma claridade surgiu no final do corredor que atravessávamos e nos apressamos
para chegar até ela.
Um disparo seguido por um gemido feminino de dor fizeram Evangeline soltar sua
mão da minha e correr até o fim do corredor.
— Você sempre perde a chance de ficar calado, Jonathan. – Steve dizia quando o vi,
ao passar a frente de Evangeline. O filho da puta prendia Angeline com uma chave de braço
e mantinha uma arma contra a cabeça dela. Sua expressão, tom e palavras, só somaram para
minha conclusão de que ele, definitivamente, estava completamente fora de si.
Avistei Logan desacordado sobre o chão e outro homem que eu desconhecia,
amarrado à uma cadeira à frente de Steve, o homem estava curvado sobre seu próprio corpo
enquanto murmurava alguns xingamentos, mas eu não fazia ideia do motivo para aquilo.
— Agora sim. – Steve prosseguiu, fazendo minha atenção se concentrar nele
novamente. – Acho que todos os penetras já chegaram, não é?
Apertei meus olhos na direção dele e engatilhei a arma que já estava em minha mão.
Evangeline tentou se desvencilhar do meu aperto em seu braço, para se colocar a minha
frente, mas não permiti.
— Você não vai querer fazer isso. – ele disse com um sorriso afetado enquanto
gesticulava com a arma próxima a cabeça de Angeline. Ela estava com as mãos amarradas,
sem qualquer chance de se livrar daquele homem, o rosto inchado pelas lágrimas que
somente aumentavam em seus olhos e molhavam seu rosto.
— Steve, deixe-a em paz! – Evangeline gritou, desesperada, quando tentou se soltar
de meu aperto novamente.
— Baixe arma. – o filho da puta mandou. – Ou eu explodo os miolos da irmãzinha
da sua querida namorada.
— Por favor, Guilhermo. – Evangeline sussurrou para mim.
— E não tente bancar o esperto, coloque a porra da arma no chão e a chute para cá.
Agora que todos estão aqui, ninguém mais vai sair!
Enquanto eu fazia o que ele havia mandado, Evangeline conseguiu se desvencilhar
de mim e se colocar a minha frente.
— Por que fez isso Steve? – ela questionou, sua voz era praticamente
irreconhecível, a dor e incredulidade estavam denotadas em cada sílaba dita por ela. – Por
que fez tudo isso?
— Ah, minha querida, você não quer a resposta para essa pergunta. – ele murmurou,
com um sorriso presunçoso no rosto, mas, em um milésimo de segundo, sua expressão
mudou. – Ou talvez você deva realmente saber… Talvez meu maldito erro, na porra desses
sete anos, tenha sido esse: não te contar tudo o que fiz e o porquê.
— Steve, você… – ela tentou, mas ele a interrompeu apontando a arma em sua
direção, mas logo era eu o seu alvo, por ter me colocado frente a ela.
— É patética a sua maneira de defendê-la, filho da puta. – ele disse para mim
enquanto eu calculava a distância entre nós. Estávamos separados por, no mínimo, três
metros. Eu não poderia simplesmente avançar sobre ele, antes que estivesse perto o
suficiente ele me acertaria com um tiro. – Patética perto de tudo o que eu fiz.
Franzi o cenho. Eu já tinha certeza que ele estava completamente surtado e quando
ele levou a arma na direção do outro homem, o que estava sobre a cadeira, eu percebi que o
que tinha a dizer também o envolvia.
O galpão era, de fato, enorme, mas estava repleto de pilhas e mais pilhas dos
containers de cores diversificadas, o que limitava o espaço em que estávamos a, no
máximo, vinte metros quadrados. A iluminação era mínima, embora ainda não fosse nem
mesmo meio dia, o local não é aberto, não há nenhuma janela por aqui.
— O que acha de me ajudar, Jonathan? Assim sua querida Angeline entenderá o
motivo de você ter se apaixonado perdidamente por ela após o primeiro encontro de vocês.
Steve andou lentamente até onde o tal Jonathan estava e libertou Angeline do aperto
de seu braço apenas o suficiente para apontar a arma para uma das pernas do homem.
— Duvido que queira ser atingido na outra perna também.
— Steve, por favor… – foi Angeline a pedir, desta vez.
— Calada, querida. Você também vai gostar desta história, não se preocupe.
Jonathan levantou o rosto, sujo de sangue e o que eu achei ser lágrimas.
— Eu começo. – Steve disse com um sorriso demente. – Vamos a um resumo da
ordem de acontecimentos dos fatos, ok? Primeiro eu vou explicar apenas uma coisa, o que
começou tudo isso. – ele não esperou nossa resposta e lançou Angeline no chão, o que fez
Evangeline gritar pela irmã e tentar ir até ela, mas eu não permiti. Angie apenas se encolheu
no chão, próxima a John. – Tudo começou quando você, minha querida Evangeline, terminou
comigo.
Cerrei os punhos e o maxilar ao ouvir a forma que ele a nomeou.
— Você não sabia, mas meu pai e meu tio tinham muitos planos por trás da
junção de nossas famílias. – ele prosseguiu. – Digamos que os negócios do meu pai
nunca me interessaram, mas quando Neil, meu tio, me disse que o plano envolvia você,
eu não resisti a aceitar. Nova Orleans fora devastada por aquele furacão e havia se
passado apenas dois anos após aquilo, mais da metade da cidade se mantinha em
estado deplorável, mas aquele era o lugar perfeito para se começar os novos negócios
de papai. A cidade tem um número inimaginável de saídas terrestres, aquáticas e
aéreas, o tipo de carga que nos interessava poderia facilmente vir do México para cá
naquela época. E ter o apoio da família Howell, a que ajudou a reerguer nossa cidade
novamente, era como ser protegido pela realeza, entrar para essa família traria lucros
para todos. Mas, por culpa daquele detetive filho da puta, você descobriu parte de
nosso plano.
Steve começou a andar de um lado para o outro, sem nunca tirar a arma da mira de
Angeline e o olhar de Evangeline, mesmo ela estando atrás de mim.
— Você terminou comigo. – lembrou-a. – Mesmo quando eu disse que a amava e que
os planos de papai e Neil, não mudavam esse sentimento, você terminou tudo e nunca me
deu chance de me redimir. Eu, apesar dos motivos da minha família, sempre fui sincero com
você, a amava realmente. E, por isso, quando Neil descobriu que os planos perfeitos dele
haviam ido para o ralo por causa de uma… – ele fez uma pausa, enquanto parecia tentar
lembrar. – Vadiazinha que não sabia o que era vida, ele ficou furioso. Se há algo que eu
preciso admitir é a vocação de Neil para a maldade. O filho da puta era um gênio quando,
em seus planos e vinganças, poderia obter algum lucro. Você atrapalhou um plano, um plano
que tirou milhões de dólares das mãos dele e é claro que ele se vingaria.
Evangeline se agarrou com força ao meu casaco, como se realmente pudesse cair a
qualquer segundo, tentei segurá-la da forma que aquela posição me permitia. Steve sequer
percebeu.
— Você sempre foi linda, delicada e possuía um corpo invejável. Seus pais nunca
permitiram que os rostos de suas filhinhas saíssem em qualquer revista, eles achavam que as
protegeriam desta forma. – ele acenou em negativa. – Isso apenas fez com que Neil
conseguisse te vender por um preço bem mais alto.
O mundo parou naquele momento. O eco daquela última revelação assombrou minha
mente por terríveis instantes. Evangeline parecia em estado de choque atrás de mim. As
palavras me faltaram, foi como se tivessem arrancado fora até mesmo minhas cordas vocais.
— E fez questão de me contar isso. Para me punir por ter falhado na minha parte do
plano. Aquele bastardo sempre soube que eu pouco me importava com o que ele conseguiria
com meu casamento com você, sabia que eu apenas a queria para mim. – ele me fitou e um
sorriso surgiu em seus lábios. – Ela nunca te contou isso, não é? Parece que a confiança não
é um dos pontos fortes desse relacionamento. – provocou.
— Steve… – Evangeline iniciou novamente, mas ele a interrompeu.
— É claro que eu não deixaria aquele filho da puta fazer aquilo com você, e não
demorei a pensar em um plano para te tirar daquilo. Foi arriscado voltar à Nova Orleans e
mandar colocarem fogo naquela casa, eu precisei subornar alguns filhos da puta para me
ajudar, e também tive que encontrar uma forma de fazer David descobrir onde você estava
sem que ele soubesse que eu tinha algo a ver com aquilo, mas no fim tudo deu certo. Para
Neil você estava morta e ele nunca mais a perturbaria.
Puxei Evangeline para me abraçar quando percebi que aquilo a estava dilacerando.
Eu lembro perfeitamente de como ela ficou após um pesadelo há algumas semanas, mas ela
parecia pior agora. Muito pior. E eu não conseguia nem mesmo imaginar que tipo de
lembranças a assombravam agora.
— Para minha sorte, você decidiu sair de Nova Orleans, mas eu não poderia deixar
que abrisse a boca para a polícia e muito menos que Neil desconfiasse que você estava
viva. Ele morava em Montevidéu, mas se desconfiasse que você estava viva, ele tinha
meios de mudar isso rapidamente. Foi aí que Jonathan entrou… – ele fez uma pausa
dramática. — Essa é sua deixa, idiota.
O homem permaneceu em silêncio, mirando Angeline, como se pedisse desculpas.
— Minha arma ainda está carregada, John. – Steve avisou.
— Steve ajudou uma das prostitutas de Neil a fugir naquela época. Ele queria criar
um problema para distrair Neil e deixá-lo louco para descobrir o erro em seu castelo que
lhe custou sua linda Mônica. – Jonathan iniciou. – Steve me pagou para tirar Mônica de lá,
deu a ela uma identidade falsa e a manteve escondida até que Evangeline chegasse à Nova
Iorque, depois fez um acordo com ela. Se Mônica cuidasse de você e o mantivesse
informado sobre o que acontecia em sua vida, ele libertaria a filha que Neil havia tirado
dela. Assim ela foi parar na sua casa como Ananda.
— Ah meu Deus. – Evangeline sussurrou quando o entendimento a pegou. – Nany…
— Naquela época eu estava em Montevidéu porque tinha algumas dívidas com Neil
e Steve me ajudou com aquilo também, mas em troca eu tive que ficar fazendo esses favores
a ele. Quando finalmente voltei para Detroit, ele me disse que me livraria completamente de
Neil se eu seduzisse a irmã de Evangeline Howell e a convencesse a ir para Nova Iorque,
mas antes disso eu teria que ajudar uma das prostitutas da boate que eu era responsável a
fugir e chegar até Mônica.
— Claire. – ela murmurou, entre as lágrimas grossas que rolavam por seu rosto.
Evangeline estava apenas ouvindo o que eles contavam, mas parecia perdida em meio a
lembranças. Seu corpo tremia levemente contra o meu. Vê-la desta forma me machucou e eu
percebi que, naquele momento, faria qualquer coisa para tirá-la daquele maldito torpor.
— Tive que armar um incêndio na boate para conseguir fugir com a garota, o que
não foi difícil já que aquele lugar estava cheio de líquidos inflamáveis. Eu só tive
problemas quando Claire entrou em trabalho de parto, enquanto viajávamos de ônibus para
Nova Iorque. A gravidez dela foi descoberta muito tarde e na boate nos recusamos a fazê-la
abortar, já que os riscos eram grandes e, naquela época, ela era a prostituta que mais nos
trazia grana. Poderíamos nos livrar da criança depois e ela, por mais que precisasse ficar
longe por alguns meses, depois trabalharia o dobro para compensar. Eu fiquei puto, porque
ela não me disse que estava perto de ter a criança quando fugimos. Tive que falar com o
Steve para descobrir o que fazer. Claire não queria, mas deixamos a criança em uma igreja
com uma carta idiota para o padre, pedindo que ele cuidasse do bebê porque a mãe dela
havia morrido. Depois, quando reencontrei Mônica, ela já usava outro nome e se virou para
cuidar da filha sem Evangeline saber. Meses depois ela conseguiu adotar a filha de Claire e,
de alguma forma, Claire foi parar na Howell’s.
— Natalie. – murmurei de forma quase inaudível quando entendi de quem ela
realmente era filha.
— No fim, todos estávamos encurralados, precisávamos da ajuda de Steve para não
sermos descobertos pela polícia e precisávamos dele para não morrermos nas mãos de
Neil. O plano parecia bom: vigiar a Evangeline e avisar Steve sobre qualquer mudança na
vida dela. Ele nos pagava e estava cuidando para que continuássemos vivos, poderíamos
lidar com aquilo.
— Deixei os três perto o suficiente para cuidar de você, para ter certeza de que você
não faria denúncias ou qualquer coisa idiota que pudesse colocá-la em perigo novamente.
Mesmo que eu não tivesse nenhuma garantia de que você não falaria com a polícia, eu
poderia protegê-la melhor daquela forma. – Steve prosseguiu. – Enquanto Neil e papai
estivessem vivos, eu não poderia voltar para sua vida, mas se eles morressem, eu teria que
assumir todos os negócios da minha família. Foi uma escolha difícil, mas, naquele momento,
ficar longe de você faria com que nós dois ficássemos bem. Enfrentei um maldito inferno ao
passar esses sete anos vivendo apenas com notícias sobre você, mas foi necessário para o
bem de nós dois. Às vezes eu vinha à Nova Iorque, para resolver algo, e a via. Você
continuava tão linda quanto sempre foi.
— Mas tinha que ser descoberta pelo filho da puta que a havia comprado. – Jonathan
prosseguiu, com raiva, sua voz aumentava a cada palavra dita. – Tinha que me denunciar!
Tinha que ficar famosinha nos Estados Unidos e trazer Neil para nossas vidas novamente!
Steve trouxe sua arma para minha direção.
— Se ela nunca tivesse ido à Barcelona, Gregory nunca a teria encontrado, nunca
teria contado a Neil que Evangeline estava viva e esse maldito inferno não estaria
acontecendo. Todo esse inferno é sua culpa, seu bastardo.
Sustentei seu olhar de fúria sobre mim. Eu sabia que ele atiraria, mesmo sabendo
que se errasse, acertaria Evangeline, mas eu não me importava minimamente em morrer por
causa dele se isso o colocasse direto na cadeia quando David e Daniel chegassem aqui com
a polícia.
— As coisas ficaram fora de controle. – Jonathan prosseguiu. – Os capangas de Neil
encontraram Claire na Howell’s e um deles a reconheceu, quando estavam à procura de
Evangeline para matá-la. Quando Ananda contou isso a Steve, ele não soube como ajudar, já
que não queria tirar as duas de lá, então Ananda teve a brilhante ideia de avisar a família de
Evangeline e enviou uma carta anônima à Daniel, o irmãozinho superprotetor. Depois o
inferno piorou, porque o idiota não entendeu que precisava proteger a irmã e começou a
investigar o Mardi Gras de anos atrás. Aí começaram a encontrar coisas sobre a forma que
Neil fazia o intercâmbio das meninas nos países, e isso, mais uma vez, colocou os negócios
dele em risco.
— Mas consegui retardar o estrago ao trocar os remédios de Neil. Eu queria que ele
morresse, mas o bastardo apenas ficou algumas semanas internado. Naquela época eu
assumi o controle do que acontecia, mas John já havia sumido, estava sendo procurado pela
polícia e não veio até mim. – ele fez uma pausa e se voltou para Evangeline. – Eu não me
importei de ter que cuidar de todos os negócios ilícitos da minha família se isso te
mantivesse vida… E veja o que você faz comigo.
— Eu não confiava mais em Steve e procurei Neil assim que ele saiu do hospital. –
Jonnathan prosseguiu. — Então eu contei ao tio dele que sabia onde Mônica, sua prostituta
preferida, estava. Ele ameaçou me matar por sumir por tantos anos, mas sua obsessão por
Mônica era maior e seu desejo de vê-la também. Foi ele que me mandou matar Claire e tirar
fotos para mandar um aviso à Mônica, ela o recebeu enquanto estava na casa dos pais de
Evangeline no natal, e novamente entrou em contato com Steve… Admito que eu poderia ter
feito o serviço em qualquer lugar, mas a chance de colocarem a culpa em Evangeline me fez
decidir pela casa dela. Foi após aquilo que Steve percebeu que eu já não estava de seu
maldito lado.
— Ela queria fugir com a neta, Natalie, e salvar a criança. – Steve continuou. – Mas
a sua identidade falsa já havia sido descoberta e fugir não seria nada fácil, principalmente
de Neil. Ela também sabia que era a melhor forma de proteger Evangeline e não queria fugir
e deixá-la em perigo. Quando Neil descobriu que Ananda estava na casa de Evangeline, eu
decidi vir à Nova Iorque. Os planos dele mudaram quando Gregory, o bastardo que tentou
comprá-la anos atrás, ofereceu uma nova quantia por Evangeline. Aí ele decidiu capturá-la
e vendê-la novamente. O que ele não sabia é que eu havia encontrado Gregory e o matado. –
ele sorriu ao me encarar, um sorriso falso que deixava implícita uma maldita ameaça. –
Nunca deixe um homem apaixonado sozinho com o filho da puta que quer tirar sua mulher
dele. Nunca se sabe quando um saco plástico ou uma arma serão úteis.
— Neil me mandou capturar Evangeline e Ananda. – John prosseguiu com pesar, por
ver Angeline chorar copiosamente, em choque com toda aquela informação. – Quando eu
contei a ele sobre Natalie, ele me mandou sequestrá-la, assim poderia usá-la para
chantagear tanto Ananda quanto Evangeline.
— Quando John contou a Neil que eu é que estava protegendo Evangeline aqui em
Nova Iorque, ele ficou furioso comigo, acabou com todo acesso que eu tinha ao mundo e me
fez tirar os seguranças da cola de Evangeline. – ele olhou para ela, que havia limpado o
rosto e tinha uma expressão imperativa no rosto. Eu sabia que algo naquelas palavras a
havia tirado de seu torpor, mas não sabia o quê. – Não achou realmente que eu te deixaria
em paz para viver com esse bastardo, não é?
Apertei os olhos para ele e me desvencilhei de Evangeline para acabar com aquele
maldito sorriso, mas ela me agarrou e impediu que eu me aproximasse dele.
— Calma, Guilhermo. – ela pediu a mim, falando baixinho. Ao olhar em seus olhos,
eu franzi o cenho. Havia algo diferente neles e a forma com a qual ela os virou para trás,
como se me avisasse sobre algo, me deixou aturdido por não compreender o quê. – Por que
alguém tentaria matar Ananda e Natalie? – ela perguntou voltando-se para Steve, mesmo que
sua voz ainda soasse muito rouca pelo choro.
— Steve ainda não anunciou a morte, ou melhor, o assassinato de Neil, portanto, as
ordens dele continuam a serem seguidas. – Jonathan respondeu. – Ananda deve achar que
Neil queria matá-la por saber demais, mas ele só a queria de volta.
Evangeline olhou para Steve, os dois sustentaram o olhar um do outro por segundos
a fio. O silêncio instalado deixou evidente apenas o choro de Angeline e os sussurros de
John, pedindo por perdão.
— Você matou duas pessoas. – ela sussurrou para ele, acusando-o.
— Por você! Tudo o que eu fiz nesses malditos sete anos foi para te proteger! – ele
vociferou enquanto se aproximava rapidamente ao engatilhar sua arma, tentei tomar minha
posição à frente de Evangeline, mas ela não permitiu, apenas chocou suas costas ao meu
peito para me afastar e segurou uma de minhas mãos.
O que senti entre nossos corpos me fez entender seu olhar anterior.
— Você não vai colocar duas malditas mortes nas minhas costas! – ela gritou após
se afastar alguns centímetros novamente. – Você é um louco, um psicopata! Se me amasse
tanto quanto diz nunca teria sequer se aproximado de mim! Muito menos me proposto
casamento, para me fazer entrar na sua família de delinquentes!
Agora era Steve a parecer chocado, estupefato, aturdido e surpreso. Tudo ao mesmo
tempo.
Levantei lentamente o casaco de Evangeline, sem tirar minha atenção do homem.
— Você nunca se importou com os negócios da minha família! Me amava tanto que
isso não era relevante, lembra?! – ele devolveu, em tom irônico – Você era tão louca por
mim quanto eu era por você! Você era tão obsessiva quanto eu! Por isso éramos perfeitos
juntos!
Ela tentou retrucar, mas ele não permitiu.
— Ficou sete anos me esperando! Sete anos, porra! Acha que eu não percebi que
queria tanto quanto eu que eu voltasse? Acha que Ananda nunca me contou das manhãs em
que via seus olhos vermelhos e inchados pelo choro?! Eu sabia de tudo isso! Eu sofria por
tudo isso! Não queria me transformar em um maldito assassino! Passei sete anos com aquela
mente fodidamente má ao meu lado e não o matei porque não queria me transformar em um
assassino!
— Então por que o fez?!
— Porque ele disse que tocaria em você! – respondeu, como se repetir aquelas
palavras o fizesse retornar ao passado, seus olhos negros chegaram ao ponto de parecerem a
definição da ira.
Retirei a arma da parte de trás da calça de Evangeline.
— Eu não passei sete anos esperando você voltar. – ela disse, sua voz embargada
novamente. – Eu passei sete anos traumatizada demais para deixar qualquer homem se
aproximar.
Olhei para Steve, que engolia em seco. Ouvi-la dizer aquilo surpreendia a nós dois.
— Passei sete anos sem conseguir deixar qualquer homem me tocar. – naquele
momento, eu achei estar tão consternado quanto ele ficou.
— Mas você… – ela o interrompeu enquanto dava um passo na direção dele.
— Eu não amo você, Steve. Eu não quero você na minha vida. Você nunca me fez
bem. Nosso relacionamento era doentio, abusivo.
— Por que você está com esse maldito filho da puta? – ele questionou em voz
extremamente baixa, mas contundente. Quando voltou a falar, ele já gritava novamente. – Se
estava tão malditamente traumatizada, por que deixou esse bastado tocar em você?! Por quê,
porra?!
— Porque ele é bom para mim, muito mais do que você jamais foi! Porque ele me
faz sentir uma mulher amada, única e não uma propriedade! Porque ele continua ao meu
lado, porque me ajuda a superar meus piores momentos e, mesmo que eu não seja capaz de
contar tudo o que deveria, ele confia em mim! Eu o quero em minha vida, ao meu lado e
quero que você nos deixe em paz!
Arregalei os olhos, surpreso, ao ver o canivete de Evangeline rasgar o ar até chegar
à arma de Steve. A arma foi parar na parede, com o canivete fincado sustentando-a e
prendendo-a lá. Apontei a arma de Evangeline na direção de Steve e a engatilhei.
— Depois de tudo o que eu fiz por você, por nós, você olha nos meus olhos e diz
que quer outro homem? – ele perguntou após avaliar o sangue em sua mão.
— Eu nunca passei de uma obsessão para você, Steve. – ela murmurou. – Um
brinquedo que você nunca se permitiria perder.
Ela se voltou para mim e andou em minha direção lentamente.
Um novo disparo e o grito agudo de Angeline me fizeram arrastar Evangeline para
trás de mim novamente e apontar a arma para Steve, ele já estava com a sua direcionada a
mim.
— Um dos conselhos úteis de Neil, nunca saía de casa com apenas uma arma… –
ele murmurou olhando para mim. – E algo a se… — atirei antes mesmo que ele concluísse
sua fala.
— Ele também deveria ter te ensinado a não perder tempo com palavras. – murmurei
assim que sua arma caiu. Steve cambaleou para trás e levou às mãos ao seu torso, no local
que eu havia atingido e que agora era manchado por sangue.
Apertei os olhos para ele e mantive minha arma em punho até que ele desabou sobre
o chão, desacordado.
DEZESSETE
EVANGELINE
Corri até Steve quando percebi que ele havia atirado em John novamente, e não em
Angie. – como eu havia imaginado ao ouvir o disparo. Temi que Guilhermo o tivesse
matado, mas respirei melhor ao perceber que, mesmo de forma quase imperceptível, ele
estava respirando.
— Angie… – murmurei, antes de correr até ela.
— Não, não, não! – ela repetia entre lágrimas enquanto os olhos de John perdiam a
vida que ainda havia neles. – John! Por favor, não!
Lágrimas se acumularam nas linhas d’água de meus olhos, mas eu não me permiti
derramá-las ou acabaria sucumbindo à letargia novamente.
— Angie… – sussurrei, tentando fazê-la me encarar novamente. – Ele se foi.
— Não! – mesmo estando de joelhos e com as mãos amarradas por cordas grossas,
ela tentou sacudi-lo, sujando-se ainda mais com o sangue que escorria do ferimento. – Por
favor, não morra.
Guilhermo se aproximou de onde estávamos e também se ajoelhou próximo a Angie.
Eu senti que poderia desabar novamente quando ele me puxou para um abraço, mas tudo o
que fiz foi retribuir o aperto dele, como se mantê-lo em meus braços o deixasse seguro. Não
trocamos qualquer palavra naquele momento. Achei que a velocidade com que meu coração
batia sob o seu falava melhor que um conjunto de sílabas e palavras.
Quando ele se afastou e retirou do bolso o canivete que eu lhe dei anteriormente, eu
agradeci e o peguei.
— Nós vamos sair daqui, tudo bem? – sussurrei para Angie, mesmo que ela ainda
parecesse perdida em seu torpor.
Comecei a cortar as cordas que a prendiam. Guilhermo se levantou e se afastou.
— Ele morreu. – Angeline repetia baixinho. – Morreu para me salvar.
— Ele amava você. – tentei consolá-la, mesmo que eu não gostasse da ideia de fazer
John parecer alguém bom, sabia que aquela era a forma de consolá-la no momento. Sem
lembrá-la de tudo o que ele já havia feito de ruim.
Olhei para onde Guilhermo estava a tempo de vê-lo acordar Logan.
— Vamos, Angie. – chamei-a, após finalmente soltá-la. Tentei levantá-la, mas ela se
reteve. Agora que estava livre, ela abraçava John. Meu coração se apertou terrivelmente no
peito.
— Steve chamou alguém para vir aqui. – Angie contou, sua voz ainda parecia frágil
demais. Lágrimas finas rolaram por seu rosto. — John disse que Steve vai matar Nany.
Agora que ele cuida dos negócios da família, Nany é um perigo porque sabe demais e não
está mais do lado dele… Ele tentou nos ajudar… Ele tentou.
Ajoelhei-me novamente a sua frente e tirei seus braços do corpo de John. Trouxe-a
para meus braços, em um abraço confortador.
— Ele fez o que podia, Angie. – sussurrei enquanto afagava seus cabelos. – Ele fez
tudo isso para salvar você e agora nós precisamos sair daqui, se não você continuará em
perigo. – eu não sabia se ela ouvia minhas palavras, mas continuei a falar – Steve achou que
se safaria, se ele chamou alguém para ajudá-lo a sair daqui, então nós precisamos ir embora
antes que qualquer pessoa chegue.
— Mas John…
— David e Daniel chegarão em breve com a polícia, eles levarão John. Não se
preocupe. Agora temos que ir. – concluí.
Levantei lentamente e a ajudei a fazer o mesmo. Guilhermo se aproximou para
ajudar Angie também.
— E o Logan? – questionei ao ver o segurança apoiado a uma parede.
— Foi atingido, mas estava usando um colete à prova de balas. – explicou – Em
seguida lhe deram uma coronhada na cabeça. Ele está com o celular e tentará contatar
David, para saber onde ele está. Temos que esperar a polícia.
— Angie disse que Steve ligou para alguém e mandou que viesse até aqui. –
murmurei para Guilhermo. – Nós temos que sair daqui antes que qualquer pessoa chegue.
Apenas nós três não fomos atingidos, estamos praticamente sem munição!
— Sem sinal. – Logan nos avisou de onde estava.
— Quanto tempo acha que eles demorarão a chegar aqui? – Guilhermo indagou para
mim.
— Mais de uma hora. Eles estavam esperando John próximos ao Mississipi, nós
usamos uma saída do outro lado de Nova Orleans para chegar aqui.
— David deve ter ligado para a polícia. Ele também está ciente dessa distância.
Meus lábios se entreabriram para retrucar novamente e expirei fortemente antes de
fazê-lo.
— E se os capangas de Steve chegarem antes?
— Não vão.
Ele pediu que eu seguisse caminho e parou para tentar acordar Alfred, que
continuava no corredor que percorremos anteriormente.
Quando Angie e eu saímos do galpão, ela já havia parado de chorar.
Guilhermo me seguiu por entre as árvores enquanto carregava Alfred em seu ombro.
Logan fora até o local em que Scott estava para pegá-lo.
— Guilhermo?! – Logan gritou, para que o ouvíssemos mesmo com a distância que
nos separava. Paramos para mirá-lo. – Ele desmaiou… E tem muito sangue, cara. Acho que
ele está tendo uma hemorragia.
— Porra. – Guilhermo grunhiu. – Leve Angeline para o carro. – ele disse para mim.
Eu a levei rapidamente através das árvores e coloquei o cinto de segurança em
Angie, assim que chegamos ao carro. Ela continuava fechada em seu próprio mundo, em
estado de choque. Guilhermo e Logan conseguiram instalar Scott, Alfred e Albert nos
bancos de trás do carro e eu me aproximei deles ao vê-los conversar em voz baixa.
— Vocês usarão o outro carro? – perguntei.
Logan baixou os olhos e se afastou de onde estávamos. Queria ficar longe de uma
nova discussão. – percebi tarde demais.
— Você precisa levá-los ao hospital. – Guilhermo murmurou para mim.
— Nós precisamos sair daqui. – insisti. – Não vou deixar… – ele me interrompeu.
— Escute, Alfred, Albert e Scott precisam de atendimento médico o mais rápido
possível. Não podemos sair daqui assim; há homens feridos e até mesmo um homem morto.
Além de não podermos deixar Steve escapar. Ele confessou que assassinou dois homens e
matou outro a nossa frente. Você nunca estará segura enquanto ele não estiver preso.
Senti um nó surgir e crescer em minha garganta rapidamente ao mirá-lo depois de
ouvir aquelas palavras. O aperto em meu peito denunciava meu medo de deixá-lo ali.
Eu o abracei com força e pedi:
— Por favor, vamos embora daqui.
Eu não conseguia esquecer as palavras de Angie sobre Steve ter chamado reforços;
meu medo naquele momento se sustentava nisso, no perigo que ainda enfrentamos apenas
por ainda estarmos aqui.
Novas lágrimas surgiram em meus olhos quando ele me apertou contra seu corpo. Eu
já reconhecia seus braços como o melhor lugar para se estar e aquele momento apenas
reforçou aquela certeza.
— Tudo ficará bem. Eu prometo. – ele sussurrou contra o meu ouvido. Mostrando-se
irredutível.
Decidi acabar com aquilo quando percebi que tentar convencê-lo seria inútil.
Mesmo que involuntariamente, eu estava sucumbindo aos meus temores naquele momento.
Agora, ao invés disso, eu preferi me manter forte por mais algum tempo.
Acabei com o abraço e o trouxe para me beijar.
— Eu não posso perder você. – admiti. – Não posso Guilhermo.
Ainda que aquela situação não tivesse qualquer humor, ele sorriu para me acalmar e
me beijou suavemente.
— Você não vai se livrar de mim assim tão facilmente. – sussurrou contra minha
boca, com a testa colada a minha.
Cerrei os olhos com força e me obriguei a me afastar em seguida. Havia palavras
presas em minha garganta quando eu o fiz, eu só não sabia exatamente quais eram. Ele me
beijou uma última vez.
— Me ligue ou envie uma mensagem assim que tiver qualquer sinal no telefone.
Ele concordou silenciosamente e abriu a porta do carro para mim.
— Tomem cuidado – pedi aos dois quando Logan se aproximou.
Sentei-me no banco do motorista e vasculhei o porta luvas à procura da arma que
Albert mencionou. Ao encontrá-la, eu a entreguei a Guilhermo.
Nenhum de nós disse mais nada. Ele apenas acompanhou com o olhar enquanto eu
dirigia para voltar à estrada e sair dali.
Eles ficarão bem. – tentei me convencer.
***

Não tenho ideia de quantos minutos fiquei sozinha na sala do médico à espera de
notícias. Eu tentava inutilmente driblar os pensamentos em minha mente para não me
permitir cair em pensamentos mórbidos novamente. Eu sabia que possuía coisas demais
para me preocupar – entre elas o que Steve revelou na frente de Guilhermo… Coisas que eu
sequer fazia ideia. O estado de saúde de todos, mas principalmente Scott que chegou muito
mal ao hospital. E, claro, o que pode estar acontecendo naquele galpão. Há menos de uma
hora eu finalmente consegui falar com David e ele e Daniel já estavam na saída de Nova
Orleans, prestes a chegar em Boutte… Desde aquela hora, eu não consegui contato com eles
novamente. Isso me preocupa. Muito.
— Boa tarde, Srta. Howell. – O médico me cumprimentou assim que adentrou a
sala. Levantei-me imediatamente e estendi a mão para ele em um cumprimento. Meu
semblante se reverteu à surpresa ao reconhecê-lo. O Dr. Brown estava com o rosto
sombreado por uma barba áspera e parecia mais velho, muito mais velho por isso.
— Sr. Austin! – ele sorriu quando percebeu que o reconheci. O abracei rapidamente,
ao lembrar que foi ele a cuidar de mim anos atrás, após eu sair daquele inferno. Mesmo
sendo médico da família Howell, ele se manteve fiel a promessa que me fez de não contar
nada sobre meu estado enquanto papai e mamãe estavam no Brasil há pouco mais de sete
anos.
— Como você está querida? – ele perguntou, quando estávamos finalmente sentados.
— Bem, na medida do possível. – murmurei, sem conseguir mascarar minha
preocupação. – Como a Angie está?
— Tivemos que sedá-la. Ela está dormindo agora, não se preocupe. – ele fez uma
pausa que lhe deu tempo de verificar a prancheta a sua frente. – Antes que eu comece a falar
sobre os seus amigos, quero que me conte o que houve.
Mesmo olhando em seus olhos – e tendo certeza que eu não seria capaz de mentir
para ele – eu não consegui formular palavras e proferi-las. Senti apenas minha garganta se
apertar mais a cada tentativa falha minha.
Mordi o canto dos lábios e engoli fortemente antes de me forçar a explicar
novamente.
— Angie foi sequestrada ontem… – A preocupação que ele demonstrou não me
surpreendeu. Austin nos conhece desde que éramos crianças. É médico da família Howell
desde que me entendo por gente, nos viu nascer e crescer. Era quase parte da família. – Eu
estava em Nova Iorque quando fiquei sabendo e vim para cá rapidamente. Quando
descobrimos onde ela estava, a polícia e parte dos seguranças da família estavam em
Gulfport, atrás de outra pista, e não puderam nos ajudar. Tínhamos pouco tempo, então fui
ao galpão que ela estava com alguns seguranças da mansão, dois dos que vieram comigo e
meu namorado.
Ele entrelaçou sua mão a minha sobre a mesa e se mostrou consternado ao
compreender minhas palavras.
— Conseguimos tirar Angie de lá, mas alguns dos seguranças se machucaram. Um
deles estava tendo uma hemorragia e precisei tirá-lo de lá.
— A polícia já está lá?
— Creio que sim. – respondi ao limpar uma lágrima fina e solitária que rolou por
meu rosto. – Quando saí de lá David já havia chamado a polícia e também já estava à
caminho com Daniel.
Ele concordou com um maneio de cabeça e se voltou novamente para sua prancheta.
— Alfred teve sorte com a bala que o atingiu, pois não atingiu nenhum órgão vital.
Ele precisará de algum tempo para se recuperar, mas poderia ter sido muito pior. – ele
iniciou. – Albert precisará de alguns meses de fisioterapia para se recuperar
completamente… E seu outro amigo perdeu muito sangue, precisaremos de um doador para
uma transfusão o mais rápido possível.
Meus olhos se arregalaram ao ouvir aquilo. Senti meu coração se apertar e parar de
bater por alguns segundos.
— Mas não há… – tentei perguntar, mas ele acenou em negativa e respondeu.
— Infelizmente não temos o tipo de sangue dele em nosso banco. – ele expirou
fortemente e levantou.
— E qual é o tipo de sangue dele?
— O negativo.
Foi minha vez de suspirar fortemente. Nem mesmo eu poderia doar, pois o meu é
AB.
Aceitei quando ele sugeriu que eu fizesse uma visita a todos e o fiz rapidamente.
Estava aliviada por saber que todos se recuperariam em breve, mas, agora, muito
preocupada com Scott também. Austin me prometeu que fariam o possível para encontrar um
doador.
Após passar mais de meia hora com Angie, observando-a dormir enquanto divagava
em mais pensamentos e preocupações do que gostaria, eu deixei o quarto em que ela estava
já com o telefone celular colado à orelha. Há horas tentava falar com Guilhermo, David ou
Daniel. Já estava angustiada com a falta de notícias deles.
— Daniel?! – praticamente gritei quando ele finalmente atendeu a chamada. – Como
você está? E os outros? Onde Guilhermo está?!
— Estou na delegacia. David e Guilhermo estão à caminho do hospital.
— O que aconteceu com eles?! – O desespero em mim cresceu ao ouvir sua
resposta. – Que hospital eles estão indo?
Meus passos se tornaram mais rápidos e firmes à medida que eu seguia pelo
corredor à procura da primeira saída do hospital. Os minutos que Daniel demorou a me
responder me deixaram ciente dos sons característicos de uma delegacia pelo telefone. Ele
trocou palavras com um homem por alguns momentos e tive tempo de chegar à entrada
hospital.
O telefone quase caiu de minhas mãos quando vi Guilhermo atravessar a porta de
entrada. A tensão em meu corpo se esvaiu somente por vê-lo. Deixei Daniel falando sozinho
ao telefone quando Guilhermo me viu.
— Evangeline. – ele murmurou enquanto se aproximava apressadamente. Não pude
dar um passo sequer em sua direção, permaneci imóvel, em contemplação, até que ele me
abraçou. Somente neste momento eu consegui aplacar a agonia em meu peito.
— Como você está? – sussurrei, após inalar seu cheiro e me acalmar ao perceber
que ele estava aparentemente bem.
— Melhor agora. – murmurou em resposta após me apertar um pouco mais em seus
braços.
Acabei com o abraço para verificar se ele estava realmente bem, e acariciei sua
têmpora, que estava com um corte, e seu maxilar que estava num tom arroxeado.
Ao encará-lo, senti meu peito se preencher de alivio apenas por ver seus olhos azuis
e intensos como o oceano. Eles me acalmavam.
Guilhermo parecia tão preocupado com meu bem estar quanto eu estava com o seu.
Quando ele me beijou suavemente e acariciou meu rosto, eu não pude ter mais certeza do
que eu sentia por ele do que já tinha.
— Eu trouxe David ainda pouco. – ele avisou. – Ele levou um tiro enquanto
tentávamos impedir que uns filhos da puta conseguissem fugir com Steve em um helicóptero.
— Tiro? Ele está bem? Onde ele está?!
— Ele vai ficar bem. – respondeu, enquanto segurava minha mão com força e me
direcionava ao corredor que eu percorri anteriormente. – E os outros?
— Ficarão bem. – contei. – Mas Scott precisa de uma transfusão, pois perdeu muito
sangue.
Guilhermo parou no meio do caminho e me fitou.
— Posso doar. – respondeu, fazendo-me franzir o cenho. – Sou doador universal, O
negativo.
Alivio me fez expirar fortemente ao ouvir aquilo. O abracei com força.

GUILHERMO
Já era pouco mais de dez da noite quando adentramos a casa dos Howell’s
novamente. A tarde e parte da noite foram preenchidas por conversas com policiais e
delegados, exames no hospital e a doação de sangue que fiz para Scott.
Eu não lembro de já ter me sentido tão grato pelo fim de um dia cansativo e
angustiante como o que tivemos hoje. Embora eu continuasse com raiva pelos capangas de
Steve terem tirado-o de lá, eu agradeço deliberadamente por todos estarmos vivos, pois,
por mais que alguns de nós estivéssemos machucados, segundo o médico todos ficaríamos
bem em breve.
— Vou dormir. – David anunciou ao entrar na sala seguido por Daniel. – Estou
esgotado.
David havia quebrado o braço ao cair de um barranco nas proximidades do galpão,
enquanto seguíamos os capangas de Steve, e agora está usando uma tipoia sobre o gesso
além do tiro de raspão que o havia atingido no ombro.
Evangeline atendeu seu celular ao meu lado e desejei boa noite à David e Daniel
enquanto os dois subiam as escadas.
— Calma, Megan! Ele está aqui, mas… – franzi o cenho ao vê-la mirar David e
expirar fortemente. – Ah, droga. Tudo bem! Angeline foi sequestrada! Estamos em Nova
Orleans!
Enruguei a testa, sem entender e a ouvi chamar David.
— Ligue para Melanie. – ela disse para ele. O entendimento em seu semblante se
mostrou aos poucos. Era como se ele estivesse se tornando ciente de que fez alguma
bobagem. Uma bem grande.
— Ah, porra. Melanie! – ele pegou seu celular e subiu as escadas rapidamente.
— O que houve? – perguntei à Evangeline quando ela desligou seu telefone. Ela
suspirou fortemente e acenou em negativa. – David conseguiu se resolver com Melanie
ontem, mas, quando eu liguei de madrugada, ele teve que deixá-la sozinha no apartamento.
— Inferno. – foi a única palavra que emiti ao compreender a situação. – Espero que
se resolvam.
— Eu também. – ela murmurou enquanto tirava o casaco e o colocava sobre o
cabide. A casa estava completamente silenciosa e eu sabia que até mesmo Rosalie estava
dormindo. Ela foi ao hospital mais cedo e Evangeline conseguiu convencê-la a vir
descansar, ficamos esperando notícias sobre Scott e acabamos demorando um pouco mais
que ela para voltar para casa.
Expirei lentamente enquanto também me livrava de meu casaco e, em seguida, me
aproximei de onde Evangeline estava ao perceber que ela se mantinha imóvel.
— Como você está? – sussurrei próximo ao seu ouvido e iniciei um afago suave em
seus braços. Evangeline continuava tão tensa quanto há algumas horas. Eu tenho certeza que
ela tentava continuar preparada para algo ruim; uma notícia; um acontecimento, mas nós
dois sabemos que ela não conseguirá se manter forte assim por muito mais tempo.
— Bem… Eu estou bem. E você?
Envolvi sua cintura com meus braços e pousei meu queixo sobre seu ombro após
beijá-lo suavemente.
— Bem por saber que você está bem.
Aceitei de bom grado quando ela entrelaçou nossas mãos e se permitiu relaxar em
meus braços.
— Nós precisamos conversar Guilhermo. – ela murmurou. – Não quero ter que falar
sobre nada do que aconteceu hoje… Nunca mais.
Me surpreendi demais com suas palavras para conseguir articular uma resposta.
Minha testa continuou franzida quando ela se moveu e voltou a ficar de frente para mim.
Parecia decidida a acabar com aquilo de verdade.
— Você sabia sobre tudo o que Steve falou hoje? – indaguei.
— Não. – O brilho de dor em seus olhos aumentou. – Eu não sabia.
— Vamos tomar um banho. Precisamos descansar.
Ela concordou com um aceno e me levou escada acima. O corredor dos quartos era
longo, mas após passarmos por algumas portas, ela parou à frente de uma. Notei sua
hesitação em abrir a porta, mas ela logo se recuperou e o fez.
Quando Evangeline ligou as luzes, pude perceber que o quarto era grande e as
paredes pintadas na cor lavanda, com flores em ramos desenhadas em branco – os moveis
eram todos brancos também. Havia uma estante de livros em uma parede, uma penteadeira
com um espelho repleto de pisca-piscas agora desligados em outra e uma porta de correr
branca com novas rosas desenhadas – provavelmente do closet. A cama de casal enorme
estava próxima a grande janela de vidro. Caía uma tempestade janela afora.
— Surpreso? – ela perguntou ainda parada à frente da porta.
— Um pouco. – admiti. – Esse quarto é bem diferente do seu em Nova Iorque.
Ela inspirou lentamente e, perceptivelmente, tentou se acalmar antes de voltar a me
mirar.
— A garota que morou aqui era bem diferente da Evangeline de Nova Iorque.
— Eu sei. – concordei enquanto me aproximava. – A segunda é mais forte, madura,
determinada e intrépida… Muito mais intrépida, tenho certeza.
Um sorriso fraco ainda surgiu em seus lábios antes que algumas lágrimas finas
rolassem por seus olhos. Descruzei seus braços e a trouxe para se acomodar em meu peito.
Mantive Evangeline em meus braços enquanto acariciava seus cabelos, tentando
acalmá-la. Eu tinha certeza que o que a estava desestabilizando tinha a ver com tudo o que
Steve contou mais cedo. Até mesmo eu ainda estava me forçando a acreditar em tudo o que
aquele filho da puta falou. Uma parte de mim queria desesperadamente que tudo aquilo
fosse mentira, mas outra, ao olhar para Evangeline e lembrar da forma que ela ficou ao
ouvir tudo aquilo, sabia que ele não estava.
— Não precisa tentar ser mais forte agora. – murmurei. — Ninguém vai cobrar de
você uma força que a situação te impede de ter. – afirmei. – Eu vou estar aqui se você
desabar ou se precisar de mim para qualquer outra coisa. Não se preocupe.
— Eu preciso… – ela se interrompeu por um momento ao de afastar. – Preciso te
contar como tudo aconteceu.
— Podemos conversar sobre isso depois, você precisa…
— Não… Eu preciso falar sobre isso com alguém. – senti meu peito se apertar
dolorosamente ao ver mais lágrimas banharem seu rosto. – Depois de tudo, você merece
saber.
Sem saber o que fazer exatamente para ajudá-la, eu me deixei ser guiado até a cama
e me sentei sobre ela quando ela pediu que eu o fizesse. Evangeline permaneceu de pé a
minha frente.
— Anos atrás, antes de eu decidir ir para Nova Iorque e depois de terminar meu
noivado com Steve, meus pais viajaram para o Brasil. – ela iniciou enquanto andava de um
lado para outro no quarto. – Aqui em Nova Orleans há uma festa todos os anos no mês de
fevereiro, chamamos de Mardi Gras. Mamãe é brasileira e no Brasil eles têm uma festa
parecida com a nossa, eles chamam de Carnaval e acontece na mesma época, embora não na
mesma data. Meus pais todos os anos viajam para o Brasil para essa festa, os empregados
passaram a ser liberados para uma folga durante essa viagem quando Daniel, Angie e eu
começamos a cursar a faculdade. Apenas eu estava na Universidade de Nova Orleans, então
Daniel e Angie estavam em outras cidades. Eu concordei com uns amigos quando me
convidaram para ir ao Mardi Gras. Achei que depois da decepção com Steve, eu merecia
me divertir um pouco.
Então ela parou de falar. Como se estivesse entrando em um campo perigoso demais
para si mesma. Eu estava prestes a persuadi-la a deixar este assunto para depois, quando ela
prosseguiu:
— Eu estava em uma fila para usar um dos banheiros durante a festa, estava
desesperada depois de beber muitas garrafas oferecidas por meus colegas. Já estava tarde,
o local dos banheiros não era completamente deserto, mas também não possuía um número
grande de pessoas. Eu ouvi uma das garotas na fila gritar, quando me voltei para ela, um
homem encapuzado já estava próximo o suficiente para me subjugar.
Evangeline parou de andar e se voltou para mim. Os olhos vermelhos pelo choro,
mas já não havia lágrimas ali, apenas o sofrimento notável que aquelas lembranças traziam
a ela.
— Quando acordei em um quarto qualquer, pequeno e sujo, ocupado apenas por uma
cama, eu entrei em desespero. Eu estava trancada ali e tudo o que me restou foi pedir por
socorro já que não estava amarrada ou amordaçada… Eu achei que haviam me sequestrado
e que logo entrariam em contato com mamãe ou papai, mas então ouvi gritos desesperados
de mulheres. Elas pediam socorro, pediam que parassem, que as deixassem ir embora, que
as soltassem, mas eles nunca paravam. Eu sentia tanto medo, fiquei encolhida na mesma
posição sobre a cama e não percebi quando um homem adentrou o quarto.
Ela se interrompeu novamente e aquilo me fez levantar para consolá-la.
— Ele usou uma seringa para injetar alguma coisa em meu braço. Depois tudo se
tornou turvo, borrado e completamente desfocado.
Retribuí seu aperto e senti meu coração bater cada vez mais rápido em meu peito.
— Não lembro de muito depois disso. É como se a droga que usaram em mim
fizesse tudo parecer desconexo. As cenas ao serem unidas não fazem muito sentido. São
essas as lembranças que mais me machucam. Porque eu não lembro de ter visto quando
tiraram minhas roupas, mas tenho certeza que estava nua quando começaram a me tocar,
quando me estupraram. – ela murmurou em um fio de voz. — E eu não conseguia reagir, não
conseguia sequer falar nada coerente, nada além de gritos desesperados me escapou durante
aqueles momentos. Mesmo quando eles se repetiram.
Fechei os olhos com força quando um tipo insano de raiva me dominou. Me obriguei
a apenas continuar confortando-a, mesmo que apenas imaginar tudo o que ela me dizia, me
fizesse querer matar todos os filhos da puta responsáveis por isso. Por toda a sua dor.
— Em uma noite, eu acho, eu estava um pouco mais lúcida e lembro de ter sentido o
cheiro forte de roupas queimando. Ouvi gritos pelos corredores, pedidos de socorro e
portas sendo abertas com força. Eu me sentia entorpecida, conseguir distinguir os sons não
me ajudou nas tentativas de fazer aquele quarto parar de girar a minha frente. Quando a
minha porta foi aberta, o homem que a adentrou não me tirou dali como imaginei, ele apenas
injetou uma nova droga que me fez desmaiar imediatamente.
— Carino… – tentei, mas ela me interrompeu em seguida.
— Depois daquilo eu só lembro de ter acordado no hospital. David estava comigo
com alguns policiais federais. Consegui convencê-los a não contar nada à papai e mamãe.
David tentou me fazer contar o que havia acontecido, mas ao ver meu estado no hospital ele
já sabia… Todos sabiam. – ela fez uma pausa e apertou minha camisa em sua mão com
força. – Eu estava com um corte de seis centímetros na vagina. Poucas coisas podem causar
um corte deste tamanho… – desta vez ela se interrompeu. – Eu concordei em contar o que
pouco que sabia para os policiais e me recusei a fazer qualquer denúncia. Eu não queria
envolver minha família, achei que se fosse embora de lá eles ficariam mais seguros e
ninguém nunca me encontraria se tentassem fazê-lo. Tinha esperanças de conseguir esquecer
tudo também.
— Por isso foi para Nova Iorque e se recusou a voltar para cá. – murmurei em
entendimento.
Ela se desvencilhou de nosso abraço e me encarou em silêncio por alguns segundos.
Parecia procurar algo em meus olhos, em minha expressão.
Sem conseguir ficar longe dela, eu a beijei suavemente… Uma, duas vezes e toquei
seu queixo delicadamente para incliná-lo de forma que a fizesse me encarar.
— Está tudo bem agora. Você está segura. – murmurei. – Estamos juntos e eu não
vou deixar aquele filho da puta ou qualquer outro te machucar. – retirei alguns fios de
cabelo grudados em seu rosto e a beijei novamente. – Nunca mais.
— Guilhermo… – ela sussurrou meu nome quando a abracei novamente.
— Obrigado por me contar. – agradeci. Mais do que o ódio que cresceu em mim, a
necessidade de protegê-la e mantê-la comigo, me inundou de forma que tudo o que me
importava naquele momento era Evangeline… E o que eu faria para erradicar aquela
tristeza de seus olhos.

***
Horas mais tarde eu ainda estava acordado. Não conseguia simplesmente dormir,
então apenas mantinha um braço em volta do corpo de Evangeline enquanto a outra mão
acariciava seu rosto. Eu a havia convencido a tomar um calmante e agora ela dormia
tranquilamente. – e eu agradecia por nenhum pesadelo tê-la importunado.
A insônia me permitiu pensar sobre o que fazer hoje. Eu estava com uma viagem
atrasada para Barcelona e convenceria Evangeline a vir comigo. Deixei David ciente de
tudo o que Steve contou ontem — mesmo que eu não tivesse detalhes importantes sobre
nada, eu sabia que ele faria algo com as informações que lhe dei – ele me disse que tinha
uma ideia sobre onde Natalie estaria e prometeu informar o xerife do condado para procurá-
la, assim como a Ananda. Teríamos que informar à família de Scott sobre ele estar no
hospital e trazer alguém para cuidar dele, afinal, ele tem uma família da qual ele precisa
agora. Steve está solto, mas gravemente ferido e isso o tirará de nossa cola por um tempo…
Pelo menos eu espero que sim.
Resisti à vontade de pegar meu celular e ligar para Lucas, para pedir que ele
resolvesse as questões da viagem e das reuniões que eu teria, mas decidi não fazê-lo para
não acordar Evangeline, que volta e meia se movia em meus braços.
Deixei meus pensamentos de lado por alguns segundos e a mirei atentamente. Eu
nunca seria capaz de sequer imaginar de verdade tudo o que ela sofreu, me sentia impotente
em relação a esse passado e o que este ainda provocava a ela, mas também tenho muito
orgulho da mulher forte e decidida que ela se tornou mesmo com tantos percalços e tanto
sofrimento.
Voltei a acariciar seu rosto suavemente após ela se agarrar a mim com mais força.
Eu já estava acostumado com a forma que dormíamos – com os corpos completamente
entrelaçados, como se não pudéssemos nos permitir passar uma noite sem o calor do outro -,
mas desta vez Evangeline pousou seu rosto sobre meu peito e simplesmente me abraçou. Eu
sentia como se ela não quisesse me deixar escapar… Ou quisesse me proteger de tudo,
mesmo em sono profundo. O último pensamento me fez envolver seu corpo com meus
braços e apertá-la contra mim. Beijei seus lábios delicadamente e fechei os olhos para
tentar dormir. Minutos de silêncio se passaram, ela se moveu novamente e uma de suas
pernas foi colocada entre as minhas, ela se movia de forma mais agitada desta vez e tentei
acalmá-la.
— Acorde Guilhermo… Acorde, por favor. – ouvi-a sussurrar ainda dormindo, isso
me fez abrir os olhos. Ela se remexeu novamente e sua respiração se tornou ofegante em
questão de segundos. – Você não pode morrer. – sua voz se reduzira a um sussurro
desesperado e eu tentei acordá-la.
— Evangeline… – murmurei.
— Eu amo você. – ela sussurrou, fazendo-me parar. – Você não pode morrer!
Interrompi minha própria respiração no instante em que ouvi aquelas palavras. Fitei-
a com o cenho franzido, desejando que ela repetisse, mas Evangeline não o fez. Meu afago
suave sobre seus cabelos, ombro e costas começou a fazer efeito, ela se acalmou e voltou a
se abraçar a mim com força. Apesar de estar claramente dormindo, seu semblante era
angustiado. Retribuí seu abraço e fechei os olhos por um momento, suas palavras anteriores
ainda ecoavam em minha mente e tudo o que eu não quis naquele momento – após me tornar
completamente ciente de seu medo de me perder e do que ela aparentemente sentia em
relação a mim – foi me afastar.
DEZOITO
EVANGELINE
Acordei em um sobressalto após um pesadelo inquietante. Um suspiro de alivio
escapou de meus lábios quando percebi que a realidade, felizmente, era diferente do que me
atormentava em meu inconsciente. Ao sentir um toque suave na lateral de meu corpo, eu
relaxei gradativamente sob o contato gentil de Guilhermo.
— Não conseguiu dormir? – questionei. A caricia foi trocada por um abraço
reconfortante e ele beijou meu ombro docemente.
— Não muito. – admitiu. – Como você está?
— Melhor. – respirei fundo uma vez quando os pensamentos relativos tudo o que
aconteceu ontem me deixaram desnorteada por alguns segundos. — E você?
— Bem. – ele disse quando batidas apressadas na porta e irromperam pelo quarto.
Nos desvencilhamos rapidamente e levantei.
— Só um momento. – pedi enquanto Guilhermo também levantava.
Eu já estava preocupada com o que poderia estar acontecendo quando vesti meu
robbie rapidamente e Guilhermo atendeu a porta.
— Quem é você? – a voz feminina me fez parar no meio do quarto quando a
reconheci.
Inferno. O que ela faz aqui?
— Onde está Evangeline? – ela continuou.
— Mamãe. – murmurei quando ela finalmente me viu. Patrícia adentrou o quarto
ligeiramente e me apertou em um abraço protetor quando estava perto o suficiente para fazê-
lo.
— Como você está querida? – indagou enquanto perscrutava a existência de
qualquer ferimento em meu corpo. – Por que não nos avisou sobre o que estava
acontecendo?! Nunca vou perdoá-la por isso, Evangeline! O que estava pensando?! Que nós
nunca descobriríamos?!
Engoli em seco e troquei um olhar com Guilhermo.
O que exatamente mamãe sabe? – perguntei-me.
— Diga logo! – ela mandou, fazendo-me mirá-la novamente. – Está me deixando
ainda mais aflita. O que aconteceu?
— Estou bem. – consegui dizer – O que a senhora está fazendo aqui?
Ela apertou os olhos verde-esmeralda minha direção, repreendendo-me
silenciosamente e se voltou para Guilhermo.
— Mamãe, esse é Guilhermo… – iniciei as apresentações ao ver sua sobrancelha
arqueada, em questionamento. – Meu namorado. Guilhermo, esta é minha mãe, Patricia
Howell.
Um sorriso singelo iluminou o rosto de mamãe temporariamente.
— Você é Guilhermo?!
Guilhermo sorriu em resposta, ignorando o fato de estar vestindo apenas uma calça
de pijama e apertou a mão que ela estendeu em sua direção.
— Sim, sou eu. Prazer em conhecê-la, Sra. Howell.
— Me chame de Patricia, por favor. – ela voltou a me encarar e murmurou. – Vou
esperá-la em meu escritório em dez minutos.
Concordei com um aceno e ela saiu. Quando a porta se fechou atrás dela eu expirei
fortemente.
— Ela não sabe de nada? – Guilhermo questionou ao se aproximar. E eu sabia que
ele se referia ao que eu lhe contei ontem.
Eu apenas acenei em negativa.
— Sobre Angeline ela sabe. – avisou, convicto. Ele segurou minha mão esquerda e
me guiou até o banheiro. – Vamos nos preparar para mais um longo dia.
Envolvi sua cintura com um braço e ele me manteve contra seu corpo.
— Vamos. – concordei.
***
Por mais que conhecesse mamãe tanto quanto ela me conhecia, eu não temia a
conversa que terei com ela. Já havia decidido ocultar tudo que envolvesse o Mardi Gras de
anos atrás e o fato de Steve ter sequestrado Angeline por um motivo em especial me dava
uma vantagem sobre os fatos.
Abri a porta do escritório de papai e mamãe e os encontrei no interior do cômodo,
mamãe estava de pé andando de um lado para o outro e papai estava sentado sobre o sofá,
falando ao telefone.
— Bom dia. – cumprimentei-os ao fechar a porta.
— Querida! – papai abandonou o celular sobre o sofá e se levantou para vir até
mim. O abracei com força assim como ele fez comigo. Aquele abraço de urso sempre me
fazia sentir melhor. – Eu teria cuidado com sua mãe agora. – ele sussurrou para mim.
— Robert, não tente ajudá-la! – mamãe ralhou. – Não há desculpas para o que ela
fez! E se algo tivesse acontecido com as duas?!
Papai permaneceu com seu braço em volta de meu corpo e eu me senti novamente
uma criança ao seu lado. – ele era alguns centímetros mais alto que Guilhermo e isso me
fazia parecer uma criança perto dele com meu um metro de setenta.
Avaliei mamãe por um momento e ela não parou dar voltas à frente do sofá enquanto
me repreendia. Ela vestia um vestido azul escuro, como os que eu uso para ir à Howell’s, e
seus cabelos negros estavam presos em um rabo de cavalo. Sua testa franzida deixava sua
preocupação evidente e seu nervosismo poderia ser notado a quilômetros de distância.
— Acabei de ligar para o hospital, Angie ainda está dormindo, mas o médico
garantiu que ela está bem, querida. – papai tentou consolá-la.
— Como ela pode estar bem? Ela foi sequestrada, Robert! Minha filha foi
sequestrada! O que aqueles bandidos não teriam feito a ela se não a tivessem salvado? Me
diga?! E nós nem mesmo sabíamos sobre isso! Nós, os pais!
— Mamãe, me desculpe! – pedi. – Vocês estavam longe. Eu não quis preocupá-los
ainda mais com isso. Nós estávamos…
— Me conte exatamente o que aconteceu! O delegado do condado nos informou que
Steve tem algo a ver com isso. Steve? Como Steve Cosgrove pode ter algo a ver com isso,
Evangeline?! Me explique!
Bufei ao ouvir aquilo. Papai tentou afagar minhas costas, sabendo que eu estava bem
ferrada e depois foi até mamãe, para acalmá-la.
— David descobriu que Steve matou o próprio tio. – contei e pensei em informações
mais vagas para completar aquela linha de raciocínio. – John, de alguma forma, sabia disso
e tinha provas contra Steve e, por isso, sequestrou Angie. Ele queria chantagear John.
— Jonnathan teve algo a ver com isso?! – papai gritou, desvencilhando-se do abraço
de mamãe. – O que aquele filho da puta tinha a ver com Steve?
Engoli em seco e acenei em negativa.
— Eu não sei. – murmurei. – John me ligou para avisar sobre isso e somente por
isso nós conseguimos descobrir onde Steve havia colocado Angie.
Isso a fez parar e me fitar com expressão confusa. Extremamente confusa.
— Só sabemos o que John nos contou antes de Steve matá-lo! – expliquei. – E foi
exatamente isso que deixou Angie em estado de choque no hospital. Steve matou John a
nossa frente.
Os dois ficaram boquiabertos após as minhas palavras.
— Por que não deixou que a polícia resolvesse isso, querida? – foi a vez de papai
questionar.
— David e Daniel foram com metade do departamento de polícia atrás de outra
pista sobre John, eu estava sozinha com Guilhermo quando recebi a mensagem de John com
a localização de Angie.
— Por que ele a ajudou?
— Ele disse que a amava.
— E Guilhermo deixou que você fosse com ele até lá?! Por que não ficou em casa
Evangeline? Não sabia que seria perigoso?!
— A senhora teria ficado? – repliquei. – Sabendo que Angeline estava em perigo?
Que o homem que ama estaria em perigo?!
Levei as mãos aos lábios rapidamente ao ouvir minhas próprias palavras.
Papai e mamãe trocaram um olhar, mas nenhum deles disse nada. Mordi os lábios ao
vê-los abraçados e baixei as mãos.
— Vou visitar a Angie. – murmurei enquanto seguia para a porta, não tinha mais
certeza sobre nada que fazia. Apenas aquelas palavras – reveladoras – ecoavam por minha
mente. – O Sr. Austin não me deixou ficar com ela ontem.
— David nos disse que não é seguro continuar aqui agora. – ouvi mamãe dizer. –
Nunca pensei que Steve seria capaz de coisas assim… Nunca imaginei que… – papai a
interrompeu.
— Vamos levar Angeline para o Brasil por um tempo. Esperamos que isso a ajude
se recuperar.
— John morreu, acho que…
— Daniel já cuidou de um enterro. Sabemos que Angie gostaria disso.
Assenti, mesmo estando de costas para eles e abri a porta.

***
O café da manhã foi silencioso e o olhar de David sobre mim me deixou ciente de
que ele queria dizer algo para mim, mas aquele talvez não fosse o momento para aquilo.
— O que decidiram fazer daqui por diante? – Daniel foi quem perguntou. – Steve
está ferido, mas é obvio que Evangeline continua em perigo. Um dos seus seguranças está no
hospital, o que farão agora?
Troquei um olhar com Guilhermo e ele assentiu brevemente, concordando com
minhas palavras seguintes.
— Acho que sei onde Natalie está. – contei, deixando todos surpresos. – Guilhermo
e eu vamos até São Francisco verificar.
— Depois vou levá-las para Barcelona. – Guilhermo prosseguiu. Ficar longe de
tudo por um tempo era a parte que não me agradava, mas eu sabia que, até mesmo para a
segurança de Natalie, era o necessário naquele momento. Minha família tem à disposição
uma equipe de segurança, então, não se preocupem.
— A polícia quer um depoimento oficial de vocês. – David finalmente disse. – Por
mais que não tenham nenhum detalhe relevante… Acredito que já tenham começado a
interrogar os capangas de Steve que não conseguiram fugir.
— Tudo bem. – foi Guilhermo quem respondeu.
— Louis quer falar com você. – David disse, olhando diretamente para mim.
Guilhermo olhou de David para mim.
— Quem é Louis?
Engoli em seco ao lembrar da última conversa que tive com ele.
— David, eu não…
Ele me interrompeu.
— Evangeline, ele não pode te obrigar a nada, mas agora que sabe o que realmente
aconteceria com você, não acha que outras mulheres também podem estar passando pelo
mesmo? – ele disse. – Elas precisam de ajuda, assim como você precisou.
Meu coração pulou uma batida apenas por imaginar a que ele se referia. Aquilo foi
suficiente para me fazer concordar.
— Tudo bem.
Daniel entrelaçou sua mão a minha sobre a mesa e ouvi David explicar a Guilhermo
quem é Louis.

GUILHERMO
Acompanhei Evangeline até a delegacia e fomos separadamente até a sala para dar o
depoimento. Na hora em que ela precisou ir à sala de Louis – o tal policial federal. Ela me
pediu que a acompanhasse. Eu não relutei em fazê-lo.
Cumprimentamos o tal Louis e ele pediu que Evangeline narrasse para ele os
acontecimentos que lembrava sobre o Mardi Gras de tantos anos, fazendo-a uma pergunta
vez em outra. Retribuí o seu aperto em minha mão sempre que notei que ela precisava de um
pouco mais de forças para prosseguir. Não deixei de sentir orgulho dela por vê-la narrar
tudo, como fizera ontem para mim, só que desta vez sem lágrimas.
— Ontem Steve disse que esse tráfico era facilitado aqui em Nova Orleans por ter
um número muito grande de entradas e saídas, tanto aéreas, quanto aquáticas e terrestres.
— Eles comandavam tudo de Montevidéu. – adicionei após alguns momentos de
silêncio.
Evangeline franziu o cenho por um momento e pareceu ter lembrado de algo.
— Minha ex secretaria, ela foi uma das prostitutas obrigadas a entrar nesse meio. –
ela disse. – David descobriu que ela foi levada daqui de Nova Orleans para uma boate em
Detroit, Sterling Heights. John nos contou ontem que precisou armar um incêndio para tirar
Claire de lá, mas os responsáveis pela boate devem ter apenas mudado de endereço…
Ainda devem estar naquela cidade.
As palavras de Evangeline o fizeram se empertigar.
— Lembra de algo mais sobre essa boate?
Ela acenou em negativa.
— Não, mas em Nova Iorque eu tenho um dossiê sobre Claire, a boate é
mencionada. David quem fez as investigações, ele deve ter uma cópia.
— Por que ele não me contou isso?
— Na época não conseguimos ligar um fato a outro, nenhuma peça podia ser
encaixada a outra. Mas depois do que John e Steve nos contaram ontem, tudo fez sentido.
Ele concordou com um aceno.
— Encontrar essa boate é a melhor forma de chegarmos a essa quadrilha de tráfico.
Ela concordou com um aceno e ele agradeceu pela nova conversa. Saímos em
seguida.
Fomos ao hospital fazer uma visita à Angeline e aos seguranças. Scott estava melhor
e conversei um pouco com a esposa dele, que eu havia cuidado para que Nathan contatasse
e trouxesse aqui. Ele precisará de um pouco mais de tempo para se recuperar, enquanto
Albert e Alfred seriam liberados no dia seguinte. Angeline também já seria liberada,
parecia mais calma, mas a tristeza em seus olhos ainda era muito evidente.
Enquanto eu esperava que Evangeline conversasse com a irmã, meu celular tocou em
meu bolso e suspirei brevemente ao ver o nome de papai.
— O que aconteceu? – ele questionou prontamente.
— Estou em Nova Orleans. – contei, sem paciência para desculpas. – A irmã de
Evangeline foi sequestrada e vim com ela até aqui.
— Sequestrada? Por quê? Já a encontraram? Como Evangeline está?
— Bem, está tudo bem. Já encontramos Angeline e estou no hospital agora com as
duas.
— Graças a Deus está tudo bem! – ele disse. – Vou cuidar das reuniões em
Barcelona então.
— Lucas ligou para o senhor por isso?! – indaguei.
— Não comece, Guilhermo! Ele só estava seguindo as minhas ordens! No seu
primeiro ano eu deixei claro que o auxiliaria.
Bufei.
— Parece mais que me arranjou uma babá. – retruquei. – Não precisa se preocupar,
amanhã Evangeline e eu vamos para Barcelona. Sei que tenho responsabilidades lá, não
precisa ir no meu lugar.
Ele suspirou brevemente.
— Tudo bem, desculpe. – pediu. – Só me avise quando algo assim acontecer,
Guilhermo! Não acha que eu deveria saber quando você sai de casa para ir a outra cidade
porque alguém da família da sua namorada está em perigo?
— Na verdade não, não acho.
Mesmo sem ter visto, eu soube que ele estava sorrindo.
— Sua mãe estava certa em dizer que perdemos você para a Srta. Howell. – ele
disse.
Rolei os olhos.
— Então, quando vão se casar?
Franzi o cenho ao ouvir aquilo. Por um momento não fui capaz de dizer nada.
— Me dê um motivo para eu me casar com menos de trinta anos?
— Eu te dou três. – respondeu, após uma risada característica sua. – Você encontrou
a mulher certa, a ama e nenhuma outra mulher te interessa tanto quanto ela.
— Nenhum desses motivos é suficiente para um casamento. Estamos namorando há
menos de dois meses. – fiz uma pausa ao compreender algumas de suas palavras. – Espera,
você disse que a amo?!
— Mas já se conhecessem tão bem quanto se fossem duas décadas. – objetou,
ignorando minha pergunta. – Não tente negar, Eloíse andou conversando com sua mãe e nos
contou que você está praticamente morando com a Srta. Howell.
Eloíse. – pensei. – Não acredito que me traiu e saiu contando esse tipo de coisa
pra mamãe.
— Não, não a culpe. – papai disse, como se lesse meus pensamentos. – Ninguém
consegue escapar da obstinação da sua mãe, você sabe.
Não pude deixar de concordar com aquilo.
— É, eu sei. – murmurei. – Pode cuidar para que os empregados da mansão de
Barcelona organizem tudo para a minha chegada?
— Tudo bem.
— Até mais, obrigado papai. – agradeci e desliguei.
Quando me voltei novamente para o corredor, encontrei Evangeline me encarando
atentamente.
Oh-oh. – pensei. – Ela ouviu minha conversa?
— Vamos? – ela me chamou enquanto se aproximava.
— Vamos. – Entrelacei sua mão a minha e seguimos para a saída do hospital.

***
Ao chegarmos a mansão dos Howell’s, Evangeline se surpreendeu ao ver sua amiga
– que eu acreditei ser Megan, mas que, segundo ela, é Melanie – irmã gêmea de Megan.
As duas se abraçaram quando se viram e a loira pareceu realmente preocupada com
Evangeline.
— Meu Deus! Quando Meg me contou sobre vocês, eu fiquei tão preocupada!
— Desculpe por não ter avisado. – Evangeline pediu. – E desculpe pela forma que
David teve que vir para cá.
— Tudo bem! Eu só fiquei brava por ele não ter me dito nada. Muito brava, na
verdade… Mas agora está tudo bem! – ela concluiu ao olhar para mim, Evangeline também
seguiu o exemplo dela e me fitou.
— Mel, esse é Guilhermo D’Angelo. – murmurou com um sorriso para mim, a
seriedade dela durante nosso percurso até aqui foi erradicada com aquele simples e
estonteante sorriso, eu o retribuí sem seque perceber. – E Guilhermo, esta é Melanie
Jackson, a irmã gêmea de Megan.
Ela me encarou surpresa.
— Você é o espanhol de sorriso sensual! – exclamou enquanto se aproximava para
me cumprimentar.
Juntei as sobrancelhas ao ouvir o que ela disse e mirei Evangeline, que estava com o
rosto vermelho como um tomate, ela desviou os olhos dos meus rapidamente.
— Eu sou? – perguntei, confuso.
— É claro que é você. – a loira murmurou, ainda surpresa.
Sorri após cumprimentá-la e ver Evangeline de costas, com o rosto escondido entre
as mãos. Cheguei à conclusão de que aquele era algum tipo de piada interna entre elas.
Após o almoço, Evangeline foi arrumar as nossas coisas para a viagem até São
Francisco que faríamos dali a duas horas. – eu já havia contatado o piloto do meu jatinho
para que ele viesse nos pegar em nova Orleans pela manhã.
Eu estava conversando com David e Daniel na cozinha quando Patrícia se juntou a
nós.
— Poderíamos trocar algumas palavras, Guilhermo? – ela perguntou após trocar um
sorriso com os dois homens ali. David acenou em negativa para mim e usou as mãos para
gesticular freneticamente algo como “Diga não, cara, diga não”, tentando me alertar e
Daniel sorriu debochado.
— Claro. – respondi retribuindo o sorriso que ela me dava.
— Vamos até o meu escritório.
Eu apenas a segui pelos corredores da enorme casa.
Não me surpreendi ao adentrar o cômodo indicado por ela e encontrar o pai de
Evangeline ali também. – nós fomos apresentados mais cedo.
— Boa tarde, Sr. Howell. – cumprimentei-o. Ele retribuiu o cumprimento
rapidamente.
— Pode se sentar, se quiser querido. – Patrícia sugeriu.
— Estou bem de pé. – respondi com um sorriso educado. Ela assentiu.
— Sr. D’Angelo queremos saber para onde exatamente levará nossa filha. – Robert,
pai de Evangeline, se pronunciou.
Embora durante o dia ele tenha se mostrado preocupada e, por vezes, aliviado,
agora ele mantinha a feição inexpressiva.
— Tenho uma casa em Barcelona com um número considerável de seguranças. Ela
estará segura lá. Não se preocupem.
Os dois trocaram um olhar e depois voltaram a me encarar.
— Nenhum de nós sabia sobre Steve ter se tornado tão perigoso. Tampouco
imaginamos que poderia fazer algo assim contra nossa família.
— Ele é um psicopata. – afirmei, em tom cortante. – Não vou deixar que toque em
um fio de cabelo de Evangeline.
— Não sabemos do que ele é capaz. – Robert levantou de sua cadeira. – Queremos
cuidar de nossas filhas… Temos como protegê-las de…
— Eu também posso fazê-lo. – insisti.
— Ela não ficará fora por muito tempo. – Patrícia tentou argumentar, eu apenas
suspirei fortemente em resposta.
— Tentem convencê-la a ir com vocês. – murmurei. Tinha absoluta certeza de que
eles não conseguirão fazê-lo. – Ela só aceitou ir comigo após uma longa discussão. – contei.
Após ver que eles ainda estavam temerosos em relação aquilo, eu decidi completar, sendo
ainda mais sincero:
— Não a quero longe de mim. De nenhuma forma. E não vou permitir que ninguém a
machuque… Nunca.
— Mas… – Patrícia tentou dizer algo, mas Robert a interrompeu:
— Tudo bem. – ele fez uma pausa enquanto se aproximava de sua esposa, para
abraçá-la. – Depois do que fez por nossas filhas, acho que você merece um voto de
confiança.
— Robert! – Patrícia o repreendeu.
— Evangeline confia nele, querida. – ele disse para ela.
— Não se preocupe Sra. Howell. Não vou deixar que nada aconteça a ela. Eu
prometo.
Ela me encarou por longos segundos em silêncio, até que consentiu com um maneio
de cabeça.

***
O voo para São Francisco teve duração de poucas horas e a conversa curta que tive
com Evangeline teve fim quando cochilei em seu colo. Após ela começar a acariciar meus
cabelos.
— Qual o seu plano? – indaguei a ela após pegarmos um táxi à frente do aeroporto.
— David me entregou o endereço do orfanato em que Natalie foi adotada quando era
apenas um bebê e também o endereço da paróquia do padre que a levou para o orfanato.
— Para onde vamos primeiro?
— À paróquia em Riverside. David já havia pedido que o xerife do condado
enviasse alguém para verificar se Natalie estava lá.
— Vamos encontrá-la. – afirmei ao perceber sua perceptível apreensão. Evangeline
se aproximou após tirar o cinto de segurança e eu beijei sua testa ternamente antes de
abraçá-la.
— E se Ananda estiver com Lili? – indaguei minutos depois.
— Ela não está… Você estava certo antes. Nany faria qualquer coisa para proteger
Natalie e, por isso, a deixou em um lugar seguro e depois tentou se esconder.
— Como sabe disso? – perguntei, confuso.
— Esse foi um dos motivos dela ter me ligado há três noites. Ela queria me avisar
que as duas estavam em perigo, mas que ela estava sozinha, Nany sabia que David teria
como localizar a origem da ligação… Quando John contou sobre o padre ontem, eu percebi
que elas só poderiam estar lá. Depois lembrei que Nany acha que Neil queria matá-la, ela
deve ter chegado a conclusão de que Natalie estaria mais segura se ela ficasse longe.
— Se você soubesse que Ananda estava sozinha quando e se morresse, ela teria
certeza de que você procuraria Natalie. – murmurei ao entender.
— Isso mesmo.
Retribuí deliberadamente quando ela me abraçou.
— Obrigada, Guilhermo. – ouvi-a murmurar depois de uma pausa longa demais.
— Pelo quê?
— Por tudo… Por, mesmo depois de tudo, ainda estar comigo.
Toquei seu queixo suavemente, de forma apenas que a fizesse me encarar. Os olhos
verde-esmeralda estavam opacos, sem qualquer sinal de felicidade neles. Acariciei seu
rosto lentamente e a vi cerrar os olhos. Beijei sua bochecha e levei novos beijos até seus
lábios até que a estivesse beijando longamente, apaixonadamente… Como se nada, nunca,
tivesse tido tanta importância na minha vida, quanto os momentos que eu passava com ela…
Com a minha mulher.
— Eu vou estar com você, Evangeline. – sussurrei contra seus lábios e lhe dei um
selinho. – Pra sempre.
Eu não soube nomear o que exatamente brilhou em seus olhos após minhas palavras,
mas aquilo me deu certeza de que nada, nunca, seria tão importante quanto ela… Quanto o
que eu sentia apenas por vê-la sorrir. E eu faria qualquer coisa para vê-la sorrir novamente.
DEZENOVE
Uma semana depois:

EVANGELINE
“Querida, eu gostaria de saber como explicar como tudo aconteceu e o porquê de
termos feito tudo o que fizemos, mas não acho que seja capaz de fazê-lo com uma simples
carta e não tenho esperanças de que um dia possamos nos encontrar pessoalmente para
que eu possa lhe explicar.
Não sei se tenho o direito de pedir que me perdoe, mas quero que saiba que, assim
como você, tudo o que eu quis foi proteger minha família. Sinto muito pela forma que as
coisas aconteceram, sinto muito por todo o sofrimento pelo qual você foi e é sujeita, mas
espero, de todo o coração, que desta vez você consiga reconstruir sua vida de verdade.
Não sei o que pode acontecer, pois nunca que acreditei que as coisas tomariam
estas proporções. Não imaginei que, mesmo depois de tudo, ainda poderíamos ter tantas
perdas, mas sei que Deus tem um motivo maior para ter feito tudo isso. Sei que no fim,
apesar dos percalços, tudo terminará bem para você, querida, pois você, mais do que
qualquer pessoa, merece um final feliz nesta história.
Se está com esta carta agora, é porque obviamente encontrou Natalie, como
imaginei que faria. Tenho certeza de que cuidará muito bem dela, independente do que
aconteça, e este é mais um motivo que tenho para ser eternamente grata a você. Mesmo
sem saber, você me ajudou a reconstruir uma vida, abrigou as pessoas que mais amo.
Você foi um anjo em nossas vidas e sinto por não ter contado tudo antes, por não tê-la
protegido como deveria. Peço sinceras desculpas. Eu lhe devia isso.
Eu não queria que esta fosse uma despedida, mas não vejo como não ser. Eu a
amo como uma filha, nunca se esqueça disso.
De sua amiga, com carinho…”

Eu já havia perdido as contas de quantas vezes eu li a carta que Nany deixou para
que o padre me entregasse quando eu fosse pegar Natalie na paróquia. Foi doloroso para eu
aceitar esta como uma despedida, mas eu não havia parado de pedir por Nany nas minhas
orações. Ainda tinha esperanças de que ela estivesse viva e que conseguisse fugir dos
capangas de Neil e Steve.
Depois de uma semana, Natalie já estava mais conformada com a “viagem” que a
mãe precisou fazer sem ela e estava aproveitando a nossa estadia em Barcelona.
Daniel insistiu em cuidar de meus negócios em Nova Iorque para que eu pudesse
tirar essas “férias”. Durante todos esses dias que passaram, eu liguei para mamãe para
saber se todos estão bem, também mantive contato diário com David para saber se
encontraram Steve, mas não havia nada de novo. Até mesmo Angeline se recusava a falar
sobre tudo o que aconteceu na última semana, mas eu sabia que quando ela se recuperasse
de verdade, ela viria atrás de mim para termos uma conversa.
Talvez eu ainda estivesse preocupada o suficiente para continuar me mantendo em
estado de alerta, mas devagar espero conseguir abandonar esta temeridade. É mais fácil
quando vejo Guilhermo e Natalie gargalharem juntos por alguma piada que um fez ao outro.
Isso me mostra que eles estão bem, que tudo pode realmente ficar bem.
Guilhermo prometeu que hoje resolverá seus últimos assuntos pendentes aqui em
Barcelona e então nós viajaremos para a Itália ou Alemanha.
— Mamãe, vamos logo! – Natalie abriu a porta de meu quarto. – Guilherme já está
nos esperando!
Sorri quando ela veio até mim e segurou minha mão para me levar para fora do
quarto. Já passava de sete da noite, mas, mesmo com o atraso de Guilhermo para chegar em
casa após o trabalho, Natalie continuava hiper animada para ir às compras. Embora eu não
gostasse da ideia de sair daqui sem realmente conhecer a cidade, nem mesmo confiava nos
seguranças daqui.
— Ele disse que vai me ajudar a encontrar um kit de ski rosa, como os da Barbie,
mamãe! Imagine, como os da Barbie!!!
Deixei a carta dentro da gaveta do criado mudo e segui Natalie para fora do quarto.
Descemos as escadas juntas, com ela falando sobre o lugar que Guilhermo nos levará
amanhã, de algum bate e volta que os turistas costumam fazer entre Barcelona e as cidades e
vilas vizinhas. Encontrei seu olhar sobre mim e sorri. Era difícil vê-lo bem e não sorrir. Por
mais que tudo fosse imprevisível sobre nós, ao vê-lo eu sempre relembrava que possuía
inúmeros motivos para sorrir.
Guilhermo ainda usava o terno que colocou hoje pela manhã para ir ao trabalho,
aparentava ainda estar cansado do longo dia, mas eu sabia que não desistiria de levar
Natalie para aproveitar as famosas rabajas espanholas.
— Como você está? – indagou quando parei a sua frente. Guilhermo me beijou
docemente e entrelaçou sua mão a minha. Algo naquele contato me fez mirá-lo novamente.
Ao olhar em seus olhos, uma sensação ruim me atingiu, apertei minha mão à sua e o
presságio fez meu coração se apertar dolorosamente em meu peito. Quando um pensamento
me fez lembrar de Nova Iorque e de todas as pessoas importantes para mim que
continuavam lá, aquela sensação piorou ainda mais.
— Evangeline? – ele me encarou assustado, como se não me reconhecesse ou
temesse por mim. Um nó se instalara em minha garganta e me impedira de lhe dar qualquer
resposta, não ouvi nem mesmo quando ele me chamou novamente, só senti quando ele me
segurou para me impedir de cair. Respirei com dificuldade contra seu peito e senti meu
corpo suar frio. Eu não entendi aquela sensação ruim, aquela aflição sem fim, como um
pressentimento horrível do que ainda estava por vir, mas pedi a Deus que fizesse aquilo
passar logo.
Guilhermo me levantou em seus braços e me levou ao sofá mais próximo. Fechei os
olhos por um momento e esperei que aquela fraqueza momentânea passasse. Não sei quando
tempo passou até aquele mal estar passar, mas quando abri os olhos, me deparei com a
expressão extremamente preocupada de Guilhermo.
— Eu estou bem. – murmurei quando finalmente abri os olhos novamente. Havia um
número considerável de empregados ao redor de Guilhermo, que estava sentado à beira do
sofá que eu estava, vi até mesmo a governanta abraçar Natalie que chorava em seus braços.
— Você desmaiou. – Guilhermo disse em tom sério. Franzi o cenho e tentei levantar
ao ouvi-lo falar ao telefone. – É óbvio que não está bem. – afirmou, me impedindo me
levantar.
— Foi um mal estar passageiro. – expliquei. – Um pressentimento ruim.
Ele ignorou minha explicação e trocou algumas palavras com alguém ao telefone.
Entrelacei minha mão à sua ao lembrar do que sentira apenas por lembrar de Nova Iorque.
David continuava lá e eu sei que Steve o odeia. Melanie e Megan também estão lá. A
primeira ideia que me veio à mente foi voltar para lá, mas tentei ser racional, o que eu
poderia fazer estando lá?
— O senhor pode vir ainda hoje? – o ouvi dizer após uma das empregadas dar a ele
um copo de água e ele o entregar a mim.
— Não precisa, Guilhermo! – exclamei ao me sentar. – Eu estou bem, já disse que
foi apenas um mal estar passageiro, uma sensação muito ruim.
Minhas últimas palavras fizeram-no me fitar novamente.
— Já passou. Me deixe levantar, preciso ligar para David! Quero saber se está tudo
bem.
— Mamãe… – Natalie veio ao meu encontro com os olhos cheios de lágrimas. –
Você está bem?
Guilhermo levantou para permitir que ela ficasse comigo e eu tentei tranquilizá-la.
— Tem certeza? – ele se certificou.
— Sim. – fui sincera. – Quero falar com David, pedir que ele tome mais cuidado
com o que faz para descobrir sobre Steve.
Ele assentiu e se inclinou para me beijar suavemente. Os empregados voltaram a se
dispersar novamente e Natalie concordou quando Guilhermo pediu para cancelarmos o
passeio.
O jantar foi rápido e, após falar com David e ter certeza de que tudo estava bem, eu
me senti um pouco melhor, mas algo na expressão de Guilhermo me dizia ele me escondia
algo. Eu não fiz perguntas sobre nada, mas aquela desconfiança só aumentou à medida que
os minutos se passavam.
— Pedi que o piloto preparasse o jatinho para amanhã à tarde, tudo bem para você?
Acha que consegue preparar as malas a tempo?
— Para onde vamos? – indaguei ao afastar o prato vazio.
— Pensei em irmos para à Itália. – ele sorriu – Quero que conheça a cidaed em que
nasci.
Inspirei profundamente e concordei. Percebi que com ele eu não conseguiria
nenhuma informação útil sobre nada, muito menos saber o que o estava preocupando. Então
pensei na única pessoa que poderia me ajudar a descobrir algo naquele momento. Nem
mesmo David poderia lidar com ela.
— Você conseguiu concluir os trabalhos que possuía?
— Sim, mas como desmarquei a viagem para Alemanha, terei uma vídeo conferência
em meia hora com meu assessor de lá.
— Tudo bem. – murmurei ao levantar, Natalie já havia saído para escovar os dentes
e dormir. – Vou esperá-lo no quarto.
Ele anuiu e deixei a sala de jantar.
***

— O que quer que eu faça? Que eu procure algo no notebook? Que fuce nas pastas
do escritório dele? – Melanie questionou ao telefone após ouvir meu pedido.
— Sim, exatamente isso. Ele e Guilhermo estão me escondendo algo, eu tenho
certeza.
— Tudo bem! Em algumas horas eu ligo com as novidades.
Agradeci rapidamente e desligamos.

GUILHERMO
Era mais de onze da noite quando desliguei o notebook após a conferência em vídeo
com meu assessor. Expirei fortemente, massageei minhas têmporas e fechei os olhos por um
momento. Eu estava cansado. A última semana foi realmente extenuante.
Desliguei as luzes do escritório ao sair dele e segui para meu quarto. Evangeline já
dormia quando o adentrei e fiz o possível para não fazer qualquer som que a acordasse.
Tomei banho e vesti uma boxer antes de me deitar ao seu lado.
Acariciei os cabelos de Evangeline ternamente enquanto a mirava, aquela já havia
se tornado uma rotina, que eu seguia religiosamente todas as noites antes de dormir. Gostava
de vê-la dormir tão serenamente apesar de tudo.
A última semana foi difícil para ela, temo que o que aconteceu naquele galpão – o
sequestro de sua irmã e o fato de Steve ter matado John a nossa frente — e todas as
lembranças que vieram juntas aquilo, não permitam que ela volte a ser a mesma. Evangeline
estava mais recluída, mais ansiosa, parecia sempre presa em seus próprios pensamentos e
medos. Sempre à espera de que algo ruim acontecesse. Aquilo me preocupava, cheguei até
mesmo a falar com um psicólogo amigo de longa data sobre isso e minha preocupação só
aumentou quando, após eu lhe explicar um pouco do que acontecera e de como ela estava
reagindo, ele levantou duas hipóteses: transtorno de ansiedade ou síndrome do Pânico. Ele
não deu certeza sobre nada, afinal, precisaria ter muitas sessões com Evangeline para ter um
diagnostico, mas as hipóteses já me preocupavam por si só.
Quando eu a via dormir tão serenamente quanto agora, essa possibilidade era
extinguida do meu consciente, talvez porque aquele fosse o único momento em que eu
poderia reconhecer com toda a certeza que a mulher que eu conheci naquele elevador em
Barcelona ainda estava ali dentro, em algum lugar.
Pedi o contato dos melhores psiquiatras e psicólogos de Veneza e decidi mudar
nossa rota para lá, eu ainda não sabia como a convenceria a falar com qualquer um deles, a
pelo menos tentar, mas o faria. Não a perderia por nada.
— O que houve Guilhermo? – ela indagou sem abrir os olhos.
Expirei lentamente e toquei seu rosto suavemente.
— Estou me perguntando se você ainda está aí dentro. – admiti, fazendo-a abrir os
olhos. Ela franziu o cenho levemente enquanto tentava compreender minhas palavras,
quando isso finalmente aconteceu, ela apertou os olhos por um instante.
— A que conclusão chegou?
Percebi o exato momento em que seus olhos brilharam com lágrimas que brotavam
rapidamente, como ultimamente acontecia, mas daquela vez eu também senti meus olhos
queimarem com lágrimas por tudo o que eu a vi passar nos últimos dias sem conseguir
ajuda-la de uma forma que não a fizesse se afundar em seus medos, como aconteceu hoje.
Não fui capaz de lhe dar uma resposta, apenas a trouxe para meus braços e a apertei contra
mim, como se desta forma pudesse espantar qualquer medo que ainda estivesse à espreita,
qualquer possibilidade de ela se perder de si mesma e de eu perdê-la no caminho.
— Eu ainda estou aqui, Guilhermo. Sempre estarei aqui pra você. – ela murmurou.
Cerrei os olhos com força e inspirei seu cheiro profundamente. Evangeline retribuiu
meu abraço
— Quero que faça algo por mim. – pedi após alguns minutos, ela se afastou apenas o
suficiente para conseguir me encarar. – Quero que vá comigo falar com um psicólogo.
Ela uniu as sobrancelhas, em simples desentendimento.
— Tenho medo de você estar com síndrome de pânico depois de tudo o que
aconteceu. – admiti.
— Síndrome de pânico? — ecoou, assustada.
— Sim. Será apenas uma pequena sessão, para que tenham uma conversa. –
expliquei. – Irei com você, não se preocupe. Mas ele poderá te ajudar mais que eu.
Evangeline engoliu em seco e não disse nada por um momento, pareceu ponderar
silenciosamente sobre tudo aquilo e, por fim, concordou.
— Tudo bem.
Aceitei de bom grado quando ela voltou aos meus braços e beijei o topo de sua
cabeça ao agradecer.

Horas antes:
No centro de tratamento intensivo de um hospital, um homem tentava se recuperar de
uma tentativa de homicídio. Era um rico empresário do sul do Texas e estava à trabalho em
Fort Worth quando foi atingido por um disparo cujo atirador era desconhecido. Matheo
Odebreath era o seu nome. Era o que os médicos acreditavam. A polícia aparentemente
também havia confirmado aquela história, portanto, não havia motivos para não mantê-lo
ali, para na cuidar para que se recuperasse o mais rápido possível. Ele estava pagando caro
por aquele atendimento.
O irmão do homem ferido se aproximou e pediu que a enfermeira que acompanhava
seu parente deixasse o quarto, pois precisavam ter uma conversa. Quando a moça deixou o
quarto, Matheo – como o chamava agora – retirou o aparelho respiratório por um momento
para dizer:
— O que houve?
— Senhor, a polícia invadiu a boate de Detroit. Também começaram a procurar por
homens que entraram em hospitais essa semana com ferimentos de bala. Creio que o melhor
a se fazer agora é deixar essa cidade.
Naquele momento, o homem se transformou em Steve Cosgrove, que agora era o
único responsável por pelo menos quinze boates de prostituição nos Estados Unidos e
liderava cerca de trinta por cento do tráfico de drogas na America do sul, além de leilões de
mulheres em Montevidéu. Apesar de tudo, ele não tinha o menor interesse em estar neste
cargo, porém, estava ciente de que precisaria ficar à frente de tudo após a descoberta da
morte de seu tio. Ele o matou, e sabia que não havia volta após isso. Fechou os olhos por
um momento e se permitiu pensar com clareza. Seu corpo não estava recuperado o suficiente
para aguentar uma viagem de muitas horas e ele provavelmente era procurado pelos quatro
cantos dos Estados Unidos naquele instante, precisava sair daquele fim de mundo o mais
rápido possível. Por mais arriscado que parecesse.
— Alugue um avião de pequeno porte. – instruiu. – Vamos para Oklahoma. Deixe um
jatinho preparado para irmos ao Canadá de lá.
— Mas senhor, isso…
— Faça o que mandei.
O homem, que até dois minutos atrás se passava por seu irmão mais velho, baixou a
fronte e anuiu solenemente.
— Algo mais?
— Contate Mason em Nova Iorque.
Steve colocou a máscara de oxigênio novamente e inspirou fortemente. Sentiu o ar
frio adentrar seu corpo e, por um momento, suas forças serem renovadas. Precisou de um
pouco mais de tempo para se recuperar e prosseguir, durante esses segundos, culpou
deliberadamente o filho da puta que o colocara naquela situação… Que roubara sua
mulher…
— Quero que ele cuide para que Evangeline esteja em Oklahoma amanhã antes de
sairmos para o Canadá. – ordenou – E quero que se livre de duas pessoas após isso
também.
— Quem?
— Guilhermo D’Angelo e David Wherlock, o detetive filho da puta que está em
nosso encalço. Quero precisão e agilidade. Não vou admitir erros.
O outro homem novamente anuiu.
— Mônica já foi encontrada?
— Não senhor.
— Coloque mais homens atrás dela. Aquela vadia não pode fugir para sempre. Ela
sabe demais para continuar viva… Cuide também para que toda e qualquer ligação comigo
que aquela boate tenha, seja extinta. Não poupe testemunhas, não importa o grau de
importância delas para os nossos negócios.
— Farei tudo agora mesmo, senhor.
— Já pode ir.
Ao ser deixado sozinho, Steve mirou o teto de seu quarto e deixou uma espécie de
sorriso despontar em seus lábios. Gostaria de ter o prazer de matar aqueles filhos da puta,
pois foram os únicos responsáveis pelas duas vezes que perdeu sua mulher. Mas o prazer de
saber que em breve eles estariam a sete palmos da terra não poderia ser ignorado.
Evangeline seria sua. De uma forma ou de outra.
VINTE
EVANGELINE
Por volta de cinco da manhã, acordei com a mesma sensação horrível que me
invadiu ontem à noite. Eu não sabia, nem sabia se queria, explicar o que exatamente sentia
já que Guilhermo está preocupado com minha reação a tudo o que aconteceu ultimamente,
mas a angustia que aquela sensação trouxe só aumentava a cada hora que passava e eu não
entendia o motivo, o que me deixava terrivelmente pior. Sentia que algo ruim aconteceria,
ou estava acontecendo, mas não sabia o quê, nem mesmo com quem ou até mesmo se aquilo
era deveras um presságio, e isto contribuía ainda mais para a minha aflição crescente.
Rolei na cama mais uma vez ao perceber que Guilhermo fizera o mesmo, assim pude
mira-lo em sono profundo. Eu entendi sua preocupação na noite anterior, estava ciente de
que ele possuía motivos para isso e acreditava poder deixá-lo mais tranquilo falando com
um psicólogo, já que nós dois estávamos cansados demais, com preocupações demais, para
nos permitir ainda cair em discussões irrelevantes como a que aconteceria se eu negasse o
pedido que ele me fez. Não havia nada de anormal em minha preocupação com as pessoas
importantes para mim, eu sabia. Há um psicopata com raiva de todos nós neste momento,
além de ter toda uma teia de tráfico por trás dele, havia também segredos que poderiam
desestabilizar minha família para sempre e, por mais que eu odiasse admitir, Steve agora
acredita possuir mais motivos para odiar Guilhermo, que foi dono do disparo que o deixou
inconsciente. É aquela raiva que me preocupa, é o fato de eu ter ciência de tudo o que ele
pode fazer e ter certeza de que ele não hesitará em fazer nada que estiver ao seu alcance
para machucar toda e qualquer pessoa envolvida em toda essa maldita história, afinal,
matou três homens sem nenhum motivo consistente ou minimamente aceitável. Talvez eu não
confiar nos seguranças de Guilhermo fosse um exagero, mas eu não acreditava que qualquer
um pudesse realmente concordar com aquilo, passei sete anos rodeada de pessoas que
confiava e amava para, há pouco, descobrir que todos faziam parte de uma obsessão
chefiada por Steve. Não havia motivos para eu confiar em qualquer um que aparecesse neste
momento, enquanto ele estivesse à solta e provavelmente se recuperando para nos
surpreender novamente. Querendo ou não, nenhum de nós voltará a ser o mesmo ou estará
bem até que Steve esteja preso… Ou definitivamente morto.
Compeli a mim mesma a afugentar todos os pensamentos inerentes às atuais e
insistentes preocupações que nós dois possuíamos, elas já estavam fazendo um bom trabalho
acabando com a dinâmica que havia em nosso relacionamento, e eu queria mudar isso, mas
inicialmente cessaria o poder que a pressão de todo aquele desassossego estava impondo
sobre nossas vidas, principalmente a minha. Odiava não ter o controle sobre meus próprios
pensamentos e sobre o que sentia.
Eu estava triste com toda aquela situação? Sim. Relembrava o que acontecera na
última semana a cada vez que fechava os olhos para tentar dormir? Também. Contudo,
precisava estar forte e atenta para o possível, e talvez iminente, retorno de Steve às nossas
vidas. Eu não sucumbiria a nenhum maldito sofrimento novamente estando ciente de que por
mais falha e imprecisa atitude que tomasse para proteger quem amo, eu seria mais útil se
estivesse psicologicamente bem. Devia isso a todos eles.
Expirei lentamente e cerrei os olhos por um instante. Um nó cresceu rapidamente em
minha garganta e mordi os lábios com força ao sentir meus olhos queimarem insistentemente
com lágrimas incoerentes à minha decisão anterior. O pesar em meu peito aumentou e me
aproximei ainda mais do corpo de Guilhermo, para tentar me acalmar. Inspirei seu cheiro e
encostei meu rosto em seu peito. Seu coração batia regularmente e o calor que irradiava de
seu corpo junto a certeza de que ao menos ele estava bem, me trazia conforto, alívio e
consolo. Apenas tê-lo perto de mim já era suficiente para me ajudar a me fortalecer.
Engoli o choro antes mesmo que a primeira lágrima rolasse, mas então veio a
sensação dilacerante de perda no mesmo instante em que minha mente me proporcionou uma
lembrança de David. Aquilo me paralisou por um momento para, então, meu coração
disparar imediatamente e eu me mover sobre a cama rapidamente para levantar. Uma
espécie de desespero cresceu intrinsecamente em mim. Agora não era somente a sensação
ruim, pois eu sentia que algo havia acontecido com David, não era somente uma
desconfiança apreensiva, era uma certeza que me oprimia. Liguei o abajur do meu lado da
cama e peguei meu celular sobre o criado mudo.
Senti Guilhermo se mover sobre a cama, mas minha atenção estava nos números que
eu discava rapidamente para tentar falar com David. Levei o telefone ao ouvido e senti
minhas mãos tremerem a partir do momento em que caiu na caixa postal.
— Evangeline? – Guilhermo murmurou atrás de mim, sonolento e confuso. – O que
faz acordada? São apenas seis da manhã.
— Algo aconteceu com David, Guilhermo. – murmurei, tentando ligar para Melanie,
que agora estava praticamente morando no apartamento de David, mas ela também não
atendeu.
— Evangeline… – ele sussurrou piamente enquanto se levantava também. Eu fechei
os olhos ao sentir aquele mesmo timbre de preocupação em seu tom e a vontade de chorar
aumentou ainda mais, mas isso só pioraria a situação, assim como o fato de eu não saber
como explicar o porquê de minha atitude.
Pousei meu celular sobre meu colo e respirei fundo na tentativa de encontrar algum
tipo de paz de espírito, ou o que quer que me fizesse sentir melhor.
Mordi os lábios com força quando Guilhermo se ajoelhou à minha frente e segurou
minhas mãos entre às suas. Havia tanta ternura e preocupação ali que não estranhei minha
necessidade e abraça-lo. Eu precisava do seu conforto, ele precisava saber que, de alguma
forma, eu ficaria bem apesar do estado em que me encontrava.
— Teve algum pesadelo? – ele murmurou, afagava meus cabelos e me segurava
contra si, como se com aquilo pudesse me proteger… Até de mim mesma.
— O pressentimento ruim, agora eu sei que envolve David. – contei – Aconteceu
algo com ele, Guilhermo.
Ele ficou em silêncio, mas não me soltou.
— Ele não me atendeu, nem mesmo Melanie. – prossegui.
— Pode estar no trabalho, ocupado. Ela provavelmente está dormindo.
— David nunca recusa uma chamada minha, Guilhermo. Nunca.
— Ainda é madrugada lá, tente falar com Megan. – sugeriu ao se afastar.
Peguei o celular novamente, disquei o número de Megan e liguei. Entrelacei minha
mão à de Guilhermo quando ele sentou ao meu lado na cama e beijou o topo de minha
cabeça, carinhosamente.
— Evy? – meu nome dito com a voz embargada de Megan foi suficiente para
comprimir ainda mais dolorosamente o meu coração. Meu aperto na mão de Guilhermo
também aumentou.
— Megan, o que houve? Por que está chorando? – eu perguntei, uma vez que
lágrimas também já rolavam por meu rosto.
— Evy, eu… Eu estou indo para o hospital, David e Melanie sofreram um acidente.
Eu não fui capaz de articular qualquer palavra sequer para dizer naquele momento.
Segurei a mão de Guilhermo com força quando o quarto começou a girar à minha frente.
— Evangeline… – Guilhermo murmurou ao perceber minha condição.
— O que houve?
— Eu ainda não sei, não me disseram nada pelo telefone. Tyler está me levando ao
hospital. – ela se interrompeu e a ouvi chorar desesperadamente até que seu namorado
pegou o telefone. Troquei um olhar com Guilhermo, que me encarou apreensivo,
preocupado, confuso com minha expressão impassível e as lágrimas em meus olhos.
— Evy, não sabemos de nada ainda, estou levando à Meg ao hospital, mas depois
irei à delegacia. Ao que parece, não foi exatamente um acidente. – um soluço baixo fugiu de
minha garganta ao ouvir aquilo e as lágrimas, agora grossas, caíram ininterruptamente por
meu rosto. Guilhermo me puxou para os seus braços e pegou o telefone de minha mão.
Não consegui distinguir as palavras ditas por Guilhermo para o primo, pois minha
mente estava cheia demais de pensamentos para que eu pudesse me concentrar em qualquer
coisa. Eu sabia Steve era o responsável por aquele acidente, tinha certeza e, de alguma
forma, aquela certeza me fez sentir pior.
— Vai ficar tudo bem, Carino. – Guilhermo sussurrou ao meu ouvido. – Eles vão
ficar bem. Se acalme.
Suas palavras tiveram o poder de me entorpecer, tornar indolente o poder daquela
notícia sobre mim. Agarrei-me a ele e me obriguei a me acalmar. Por mais difícil que
aquela atitude parecesse no momento.
— Quero voltar à Nova Iorque. – contei a ele fazendo-o enrijecer imediatamente.
— Você está segura aqui. – lembrou.
— Mas as pessoas que eu amo, não.
Aquele era um dilema que seguíamos frequentemente, ou melhor, sempre
chegávamos ao impasse do que me deixaria segura ou não.
— Quero ver David e Melanie. Não posso permitir que nada mais aconteça a eles…
Ou a qualquer pessoa.
— Você não tem controle sobre nada disso, Evangeline. – ele afirmou, esclarecendo
para meu subconsciente uma realidade que eu estava sempre ignorando. — Precisa parar de
se culpar por tudo de ruim que acontece. Não pode voltar à Nova Iorque. Steve ainda está à
solta.
Aquilo me deixou em silêncio por um momento. No fundo, bem no fundo, eu sabia
que ele estava certo, mas convencer minha mente a aceitar aquelas palavras não era tão
simples quanto eu gostaria. A tecla em que eu sempre batia era a do Mardi Gras de anos
atrás. Por causa dele, parte daquela culpa caía sim sobre mim.
— Você não precisa ir. – afirmei.
Guilhermo me apertou em seus braços e declarou:
— Eu sempre vou estar onde você estiver. E agora nós dois ficaremos aqui.
Apertei os lábios e me desvencilhei de seu abraço. Permaneci em silêncio, enquanto
pensava em uma forma de convencê-lo. Aflição e dor mesclaram-se em mim, eu sentia como
se aquilo só fosse melhorar se eu os visse, se pudesse ter certeza de que David e Melanie
ficariam bem, mas, em contrapartida, também estava ciente de que Guilhermo estava certo.
Ele levantou da cama e, antes que se afastasse, eu segurei sua mão e o chamei.
— Guilhermo, eu sei que não concorda com minha decisão. – iniciei – Mas David é
meu melhor amigo, quase um irmão…
— Eu sei, mas sua presença lá não ajudará em nada, pelo contrário, Steve terá mais
chances de sequestrar você. David e Melanie ficarão bem, sei que vão. – ele me
interrompeu no mesmo tom irredutível de segundos atrás, quando disse que estou mais
segura aqui. Guilhermo expirou fortemente, tentava perceptivelmente se acalmar e aquela
atitude parecia sempre ajudá-lo nesta tarefa. Ele colou sua testa a minha e entrelaçou suas
mãos às minhas antes de dizer – Para você, a segurança das pessoas que você ama sempre
estará acima da sua.
Aquilo era verdade, mas, por algum motivo que não compreendi no momento, suas
palavras me machucaram. Talvez porque houvesse angustia e tristeza ali.
Eu quis, de qualquer forma possível, fazê-lo sentir melhor, mas não sou boa nisso
como ele, desconfiei que minhas palavras soariam mais como um tiro desesperado no
escuro, pois eu nunca havia pensado em um dia proferi-las.
— Por isso, a sua também está. – assumi. Notei sua hesitação e surpresa ao ouvir
minhas palavras e o beijei suavemente. Não queria que ele dissesse o mesmo, não se não o
sentisse. – E sempre estará. – concluí.
Um silêncio desconfortável perdurou entre nós. Engoli em seco, sentindo-me exposta
diante de seu olhar perscrutador e sua incapacidade de articular uma resposta à minha
declaração. Não esperava que ele retribuísse minhas palavras tanto quanto não esperava
que ficasse em silêncio, como se elas fossem frívolas e superficiais.
— Você não pode me prender aqui. – elucidei afastando-me mesmo quando ele
tentou manter a proximidade entre nós. – Não posso continuar aqui como se não me
importasse com o que… – ele me interrompeu.
— Eu posso sim manter você aqui e o farei. Ninguém seria tolo o suficiente para
pensar que você não se importa com o que está acontecendo, é claro para qualquer um que a
veja, que é a que mais sofre por tudo isso. Você não vai me fazer mudar de ideia
Evangeline.
Cerrei os punhos ao ouvir aquilo, sentia raiva, mas também desconhecia aquele
homem que agora estava à minha frente, sem qualquer demonstração de empatia ou
solidariedade. Havia algo de muito errado com ele. Por que estava tão decidido a não me
deixar voltar aos Estados Unidos? Havia uma dezena de seguranças em nosso encalço a
todo momento para que finalidade senão nos proteger? Não poderiam fazê-lo estando em
Nova Iorque?
— Guilhermo, se tentar me im… – ele, mais uma vez, me interrompeu.
— Não vou entrar nesta discussão novamente. – eu já estava boquiaberta após suas
palavras, contudo, ao vê-lo deixar o quarto, eu senti o misto de raiva e tristeza me inundar
numa necessidade que, ultimamente, era imprescindível e ilusória. Inicialmente chorar me
ajudava a acabar com a quantidade desmedida de nós que surgia em minha garganta, no
entanto, o que antes trazia sensação temporária de alívio, agora só multiplicava a angustia
em mim. Era cada vez mais difícil lidar com esta última em especial.
Tentei, com o resquício de afinco e autocontrole que acreditava possuir, mas daquela
vez a necessidade de me permitir ruir, foi maior.
Cheguei ao empate de não mais saber o motivo do choro, não sabia se as lágrimas
grossas e cada vez mais dolorosas eram por David e Melanie, pelo que estava cada vez
mais partido e distante entre Guilhermo e eu ou por todo o inferno que vivíamos e que nunca
parecia ter fim. A ilusão de que aquilo me ajudaria ainda me dava esperança.

GUILHERMO
Fechei a porta do escritório com força e o som estrondoso ressonou por todo o
cômodo. A frustração crescente em mim me fez derrubar tudo o que ocupava minha maldita
mesa, como se aquela carga em excesso que percorria o meu corpo precisasse ser
extravasada de alguma forma. Raiva, talvez fosse isso o que realmente sentisse. Raiva
daquele maldito filho da puta por continuar à espreita em nossas vidas, por continuar vivo
quando poderia muito bem ter morrido após a porra daquele tiro. Raiva pelo que David me
contou ontem à tarde e por, agora, não fazer ideia do real motivo desse acidente – se foi por
culpa de Steve ou se algum filho da puta da polícia havia feito isso por David ter
descoberto algo importante para o maldito desfecho dessa história — Ele deixou claro que
eu deveria manter Evangeline longe e, em nenhuma hipótese confiar em qualquer pessoa,
isso incluía até mesmo os policiais, o que deixa óbvio o fato de ele desconfiar de que até
mesmo aqueles bastardos estão envolvidos com Steve. Raiva por não conseguir reagir de
qualquer forma à revelação de Evangeline — uma coisa era ouvi-la dizer que me ama em
sonhos, quando sequer está em si, outra, completamente diferente, é olhar em seus olhos,
ouvir aquelas palavras saírem de seus lábios e ter certeza de que ela está completamente
lúcida e consciente do que diz. Não consegui encontrar em seus olhos a resposta para a
pergunta que me fiz naquele momento. Era a primeira vez que ouvia algo do tipo? Claro que
não, mas era a primeira que eu não sabia o que realmente responder, não sabia sequer
denominar o que sentia por ela e jamais retribuiria aquelas palavras sem ter certeza do que
sinto. Não seria capaz de machucá-la de forma tão indiferente e fria e, no entanto, ao vê-la
se afastar daquela forma, tive certeza que involuntariamente o fizera.
— Porra! – xinguei ao cerrar os punho e bater contra a mesa. – Como infernos vou
reverter essa situação? Só consegui aumentar a droga da distância entre nós com aquelas
palavras e, primeiramente, pela falta delas.
Fechei os olhos por um momento e me obriguei a procurar qualquer indício de calma
ou resiliência em mim.
Ao lembrar da menção do acidente, precisei ignorar o receio de que algo grave
tenha ocorrido com um deles. Quando achei que conseguiria pensar com mais clareza,
decidi ligar para Tyler e perguntar sobre o estado de David e sua namorada.
Troquei poucas palavras com Tyler e sondei o que ele havia descoberto indo à
delegacia. Estava claro, até mesmo para os policiais, que não fora um mero acidente e, ao
desligar, eu já possuía uma certeza acerca do responsável por aquilo. Um policial teria
formas mais simples, rápidas e sem deixar rastros de tentar matar David, mas alguém
mandado por Steve dificilmente teria esse tipo de conhecimento. Portanto, minha certeza no
momento era de que aquele filho da puta havia realmente sido capaz de mandar matar
David. E eu não acreditava que David era o único alvo em sua lista negra.

***
Era pouco mais de oito da manhã quando decidi subir as escadas novamente com o
café da manhã de Evangeline. Ainda era cedo, mas eu sabia que ela permanecia acordada.
Abri a porta lentamente e a fechei com cuidado ao avistá-la sobre a cama. Deixei a bandeja
repleta de comida do lado oposto ao que ela estava e me aproximei para sentar próximo a
ela.
Ao vê-la com os olhos vermelhos e opacos, fitando o vazio, eu senti algo em meu
peito ser destroçado.
— Trouxe seu café da manhã. – avisei-a.
— Estou sem fome.
— Evangeline… – tentei.
— Isso está acabando conosco. Acabando com tudo o que havia entre nós. – ela
murmurou ao fechar os olhos. Sentei-me ao seu lado na cama e a mirei, esperando que
concluísse, mas ela não o fez.
Deitei ao seu lado e arrumei seu cabelo para que pudesse vê-la melhor, Evangeline
abriu os olhos e a dor que eles refletiam me desarmou.
— Vamos passar por tudo juntos. Steve vai…
— Destruir o que temos antes que seja preso. – ela completou, parecia ter mais
medo disso do que certeza.
Acenei em negativo e me aproximei o suficiente para beijá-la, senti seus lábios
tremerem suavemente, mas ela não tentou me afastar e retribuiu, mesmo inicialmente
hesitante, quando aprofundei o beijo.
Já não havia o intenso e usual desejo entre nós, nos restara somente algo puro e, ao
mesmo tempo, desesperador. Nos beijávamos como se pedíssemos para que aquele
momento nunca terminasse e, ao mesmo tempo, temêssemos um fim irremediável. Não,
nenhum de nós queria um fim, e era exatamente isso que aquele beijo dizia.
Eu a trouxe para ficar sobre mim e impedi que dissesse qualquer coisa com um novo
beijo. Atitudes falavam mais que palavras, eu esperava que aquele novo beijo deixasse
claro que eu não desistiria e também não permitiria que ela o fizesse. Eu poderia não saber
denominar o que sentia, mas sabia, com certeza, que precisava dela ali, sempre, comigo e
ela claramente precisava do mesmo: que eu estivesse ao seu lado sempre.
— Ninguém vai destruir isso, Evangeline. – murmurei contra seus lábios – Não
lutamos contra nós mesmos, passamos por tantos empecilhos para chegar aqui e permitir que
o passado nos separe.
Ela não respondeu, apenas me fitou em silêncio por segundos que acreditei não
terem fim, até que, enfim, me beijou. Já não havia desespero, temeridade, seu beijo apenas
confirmava que concordava com minhas palavras; que concordava em não desistir, em não
permitir que nada nos separasse. Em dias, este foi o mais perto que cheguei de me sentir
minimamente aliviado.
***

Em um dos melhores hospitais de Calgary, Canadá, Steve – que agora se chamava


Omar O'Brian – era atendido após uma piora considerável em seu estado de saúde. A
viagem de horas não lhe fizera bem, a abertura dos pontos que havia em sua costela e a
infecção que se alastrava ali era prova contundente disto. Respirar era um martírio cada vez
maior e a queimação que o ar gélido da mascara de oxigênio trazia ao seu corpo, era pior a
cada inspiração.
Em seu mau humor, maltratava as enfermeiras – culpá-las por suas dores estava no
topo de sua lista supérflua de afazeres – sentia-se um moribundo enquanto acordado, por
isso, exigira medicamentos que o fizessem cair em sono profundo e indolor.
Naquele momento, pouco mais de três da manhã – exatamente dez horas após sua
chegada à Calgary – ele estava acordado, aguardando um de seus capangas, que lhe
prometera novidades acerca de suas ordens dadas enquanto estavam em McAllen, no Texas.
Steve não se deu ao trabalho de olhar para a porta do quarto de CTI quando esta foi
aberta, com a nova identidade falsa, nenhum maldito policial o encontraria, sequer
imaginariam que ele já estava tão longe, então só poderia ser uma das enfermeiras com um
novo medicamento ou um de seus capangas. Desta vez era o segundo. Gustav, que agora se
passava por seu primo, chamava-se Landon O’Brian.
— Boa noite, senhor. – ele o cumprimentou, mas já conhecia o gênio da família
daquele homem, para a qual ele trabalhava há mais de doze anos, portanto, foi direto ao
ponto – Mason cuidou do que pediu. Estamos com a Srta. Howell cativa na mansão que
alugamos para o senhor. Deseja que eu traga-a para que a veja?
Steve sentiu seu coração saltar no peito ao ouvir aquilo. Evangeline estava ali, tão
perto e acessível para ele quando deixasse aquele maldito hospital. A mulher da sua vida o
estava esperando se recuperar, pensou. Afinal, o bastardo Espanhol fora finalmente chutado
para escanteio – completou em pensamento. Agora ela seria apenas sua.
— Não. – ele respondeu, retirando a máscara de oxigênio de seu rosto, quando
percebeu que o outro lhe fizera uma pergunta – Não quero que me veja neste estado. Faça o
possível para mantê-la confortável e mate qualquer desgraçado que tocar em um fio de
cabelo dela, entendeu?
— Sim, senhor.
— E quanto a outra ordem, Mason a cumpriu?
— Segundo ele, o acidente foi armado para não permitir chances remotas de haver
um sobrevivente, me dará um relatório completo amanhã pela manhã.
Steve utilizou a máscara de oxigênio novamente e, por isso, demorou um pouco mais
para prosseguir:
— E Mônica?
— Eliminada, como o senhor pediu. Dustin cuidou de enterrar o corpo em um
matagal de Riverside.
— Ótimo. Um problema a menos. – murmurou para si mesmo. – Qual a previsão
para eu sair deste inferno?
— Senhor, os médicos me informaram que precisará concluir a semana de
antibióticos por conta da infecção.
Steve não reclamou. Uma semana não era tanto tempo assim. Teria tempo para
planejar o que fazer sobre os negócios em Montevidéu e Nova Orleans – as boates
espalhadas pelos Estados Unidos poderiam continuar sob liderança dos que já estavam
nelas — ele precisava de um plano que o livrasse de todo aquele inferno, não se importava
com o que aconteceria aos negócios desde que estivesse longe, à salvo com Evangeline.
Durante à viagem ao Canadá pensara sobre isso, talvez não devesse se importar com o que
aconteceria aos negócios de seu pai já que a polícia não possuía provas contra ele e, se
possuíssem, seu pessoal infiltrado daria um jeito de extinguir. O fato era que ele continuaria
sendo acusado do sequestro de Angeline e do assassinato de Jonnathan, já que disso a
polícia possuía provas contundentes.
Seus capangas haviam aceitado o acordo feito com os federais para contarem sobre
minha participação no tráfico de mulheres, mas a falta de provas concretas lhe daria
vantagem, já que testemunhas podiam ser facilmente eliminadas e, além de seus capangas
pegos, os únicos que poderiam realmente acusá-lo eram John, Mônica e Claire, que agora
estavam enterrados a sete palmos da terra.
David queria, mais que tudo, prendê-lo e dar um fim à onda de trafico da qual ele
era responsável agora, talvez devesse ajudá-lo com este último… – acenou em negativa ao
lembrar de algo: agora era uma questão de tempo até David também estar morto e enterrado.
– Então, lhe restava apenas um homem a quem ele poderia ajudar com isso e, com este, ele
poderia negociar de forma que o acordo saísse benéfico aos dois. Afinal, este já negociara
com seu tio, mesmo que há muito tempo.
Como se uma luz acendesse em sua mente, ele lembrou de algo.
— O dinheiro já está na conta da suíça?
— Sim, senhor.
— A mansão de Montevidéu já está sendo investigada?
— Sim.
— Faça com que encontrem os cofres. – avisou.
Seu tio possuía alguns dos clientes mais ricos do mundo e sempre prezou muito por
seus aliados, precisava de muitos para manter aquele negócio e a melhor forma que
encontrou de fazer aquilo, foi a chantagem. A questão era que, o que seu tio usava para isso,
também serviria para incriminá-lo por uma série interminável de crimes. Steve pensou que
seria exatamente o que havia naqueles cofres que o ajudaria a tirar boa parte da polícia de
sua cola. Uma ótima distração naquele momento.
Talvez, por tudo aquilo se tratar de sua família, aquele inferno também respingasse
em si, pensou, mas já possuía tantas identidades falsas que não se importava minimamente
com o que aconteceria com o nome Steve Cosgrove. Estava com Evangeline também, então
todo o mais poderia muito bem ir para o maldito inferno. Dinheiro e meios para chegar à um
país distante ele já possuía.
***

Daniel Howell jurara para si mesmo que faria com que os responsáveis por
machucar suas irmãs tivessem o que mereciam, atualmente Steve estava no topo de sua lista,
mas isso não significava que os capangas e policiais informantes dele não estavam em sua
lista também. Afinal, eles eram mais que culpados por tudo o que já acontecera de ruim à
vida de suas irmãs – e de tantas outras mulheres – desde o Mardi Gras de anos atrás.
Desde que David o avisara sobre desconfiar de que alguém estava ajudando Steve a
se esconder – isso após Scott nos informar que usara o rastreador dado por Guilhermo em
um dos capangas de Steve e, quando seguimos para o local em que Steve aparentemente
estaria, já não havia nada além de sinais de sua passagem por lá – Daniel possuía sua
própria aposta sobre um agente duplo, embora David não concordasse. E agora, ali à sua
frente, estava a prova de que aquele era realmente um policial informante. Há menos de
vinte e quatro horas, seguindo outra pista, Daniel foi um dos homens que se prontificou à ir
atrás de pistas sobre a passagem de Steve em McAllen, no Texas – cidade que o filho da
puta conseguiria chegar rapidamente com o helicóptero que alugara – Eles visitaram todos
os hospitais que teriam a mínima capacidade de receber e atender Steve no estado em que
ele estava. Nenhum deles encontrou nenhuma pista sequer, contudo, Daniel decidiu seguir
sozinho, e fez questão de ir em todos os hospitais que outrora foram investigados por
policiais, até que encontrara aquele.
A identidade do homem era Matheo Odebreath e este viera de Fort Worth para ser
atendido no hospital regional de McAllen, fora atingido com um tiro e, apesar dos avisos do
médico, saiu às pressas por “motivos pessoais”. Nenhum policial ou detetive seria tolo o
suficiente para ignorar aqueles fatos quando se estava procurando um fugitivo que fora
atingido com um tiro nas mesmas circunstâncias – somente em estados diferentes – e após
conversar com a segurança do hospital e pedir para verificar as câmeras, ele possuía duas
certezas:
Aquele era Steve Cosgrove.
Louis Hamilton era um policial infiltrado.
— Obrigado. – ele agradeceu ao segurança chefe do hospital e entregou o cheque
com a quantia combinada anteriormente. A informação que conseguira valia muito mais que
dez mil dólares.
Enquanto descia o elevador, tentou ligar para David para avisá-lo de sua descoberta
– os dois não se falavam há quase dois dias, desde que saiu de Nova Iorque. Contudo,
David não atendeu. Daniel estranhou, já que o amigo dificilmente recusava chamadas.
Quando as portas do elevador se abriram, ele paralisou, surpreso com o homem que
estava a sua frente, não disse nada, mas viu o exato momento em que a primeira bala deixou
a arma mirada em si e o atingiu. Perdeu a consciência ao sentir a terceira bala atravessar
seu corpo.
VINTE E UM
EVANGELINE
Ao ouvir as palavras de Guilhermo, eu consegui enxergar a verdade em cada uma
delas. Nós já havíamos passado por muitas coisas juntos e, se estávamos unidos até agora,
não seria Steve a conseguir nos separar.
Olhando profundamente em seus olhos, que ainda me lembravam a imensidão e
beleza sem igual de um oceano, eu me obriguei a dizer que não permitiria que nada nem
ninguém nos separasse, que enfrentaríamos tudo juntos, mas as palavras, indefinidamente,
não puderam ser proferidas por mim e não porque um novo nó havia se formado em minha
garganta, mas porque, mais do que simplesmente falar, eu quis demonstrar aquilo. E a
melhor forma que encontrei de fazê-lo, foi beijá-lo.
Acariciei seu rosto suavemente até que minhas mãos chegassem aos seus cabelos,
para puxá-los, como um aviso silencioso de que não deveria se afastar. Por mais que
precisássemos respirar, eu o queria daquela forma, eu o queria me beijando e queria que
nenhum daqueles beijos jamais tivesse um fim.
Um arrepio se arrastou por todo o meu corpo quando as mãos de Guilhermo
desceram lentamente por minhas costas e, mesmo que eu vestisse uma camisola, a simples
ciência de que era ele o dono daquele toque gentil e carinhoso, me deixou extasiada – desde
a semana passada, quando eu lhe contei tudo o que realmente aconteceu no Mardi Gras de
anos atrás, ele não me tocava daquela forma: como se pedisse por um pouco de
autocontrole, como se quisesse algo que não tinha certeza que poderia ter naquele momento
– Bastou apenas que eu sentisse suas mãos em meu corpo novamente para que o desejo de
tê-lo resurgisse em mim, não com o desejo lascivo característico com que nos
entregávamos, mas com a paixão que naquele momento compartilhávamos.
Beijei seu rosto ternamente numa trilha delicada até sua orelha e sussurrei:
— Eu quero você. Preciso de você agora, Guilhermo.
Seu peito subia e descia sob o meu, por causa da respiração ofegante pelo beijo
demorado e intenso, mas aquilo não o impediu de pedir:
— Diga isso de novo. – Ele queria se convencer de que eu tinha mesmo certeza do
que queria, de que poderia me tocar novamente.
Segurei seu rosto em minhas mãos e o beijei docemente uma vez, olhando em seus
olhos, agora escuros pelo desejo e anseio de me ouvir repetir aquilo.
— Preciso de você. – deixei um novo beijo suave sobre seus lábios e ratifiquei –
Agora, Guilhermo. Preciso de você agora.
Sem tirar seus olhos dos meus, ele levantou minha camisola lentamente. Senti que
sua maior vontade no momento era prolongar aquele contato. Mordi meu lábio inferior ao
sentir suas mãos sobre as minhas nádegas, seu toque agora era firme, mas não deixava de
ser gentil. Ele baixou minha calcinha devagar, mas não conseguiu tirá-la por eu estar sobre
ele.
Umedeci meus lábios e os juntei aos seus em um novo beijo. De todas as
preocupações, de todos os medos e todas as lembranças ruins que me importunaram durante
todos esses dias que se passaram após o sequestro de Angeline, naquele instante, enquanto
eu o beijava e era tocada por ele, pelo homem que eu amava, o que me era deveras
importante, o que me era mais certo e o que povoava minha mente, era ele, era o que
tínhamos juntos, eram suas palavras.
Senti suas mãos sob a camisola que eu vestia, levantando-a, e me afastei apenas para
ajudá-lo a tirá-la, baixar a calça de pijama que ele vestia e, por fim, a boxer. Guilhermo
aproximou nossos rostos novamente e perguntou em um sussurro, contra minha boca:
— Como descobriu?
Franzi o cenho sem compreender do que exatamente ele falava, mas, em seguida, ele
esclareceu:
— Como descobriu que me ama?
Aquela pergunta serviu apenas para me deixar mais confusa ainda, hesitante, mirei-o
atentamente, perscrutando em seu interior o motivo daquela pergunta, contudo, não consegui
discernir o que, de fato, havia ali, nem mesmo cheguei a qualquer hipótese cabível,
portanto, decidi indagar:
— Por quê está me perguntando isso?
Ele sorriu daquele jeito insolente que eu não via há muito tempo e nos mudou de
posição para se colocar sobre mim. Envolvi seu pescoço com meus braços, para manter o
contato visual entre nós e poder beijá-lo mais facilmente também.
— Porque quero saber como conseguiu denominar o que sente por mim. – ele
explanou, mas eu não consegui nem mesmo me forçar a dizer algo, estava surpresa demais
para isso, ele decidiu prosseguir – Sinto que você é a melhor coisa que já me aconteceu…
— Eu só trouxe problemas e perigo pra sua vida, Guilhermo. – lembrei-o
tristemente, mas ele acenou em negativa com um novo sorriso, desta vez insólito. Ele
pousou o dedo indicador sobre meus lábios, para me impedir de interrompê-lo novamente e
continuou:
— Também sinto que não há chances de eu voltar a viver como antes, que não há
qualquer possibilidade de eu acordar e não sentir sua falta na minha cama… – cerrei os
olhos fortemente ao senti-lo roçar seu membro em meu sexo e me penetrar lentamente. Eu
não sabia se queria me distrair, mas de qualquer forma conseguiu fazê-lo. – Sei que nunca
vou sentir com nenhuma outra mulher o que sinto quando olho pra você, quando te vejo
sorrir ou quando estou dentro de você, como agora.
Ele me beijou suavemente e começou a se mover de forma cadenciada, enquanto
sussurrava agora em meu ouvido com a voz rouca:
— Não lembro de um dia sentir medo de qualquer coisa em minha vida, mas agora
essa é uma sensação com a qual eu me forço a lidar, porque nunca vou me permitir perder
você, mas esse é um medo que, independente da minha convicção, continua comigo. – ele
fez uma pausa que me deu apenas alguns segundos para digerir suas palavras – Não lembro
de já ter sentido ciúmes ou ter sido possessivo com algo além dos meus carros e relógios,
mas se há uma coisa que sinto quando vejo qualquer idiota olhando diferente pra você, é
vontade de matá-lo, e isso deve ser algum tipo de ciúmes – suas mãos que antes me tocavam
com delicadeza e suavidade, agora mantinham um toque firme sobre meus quadris e pernas
– E se tem uma coisa que sinto quando te toco assim, é que você é minha, só minha, e
continuará sendo independente do que aconteça. Isso me parece um tipo de possessividade
também. – cerrei os olhos fortemente quando Guilhermo inspirou profundamente contra meu
pescoço e senti minha pele se arrepiar de prazer — Sou louco pela mulher que você é,
sendo forte, frágil, inteligente e independente, sendo linda e desinibida ou até mesmo tímida,
sendo teimosa, irônica ou sarcástica ou sendo a minha americana intrépida.
— Guilhermo… – tentei, mas ele me interrompeu.
— Eu quero estar com você, quero cuidar de você e te ter na minha vida, não só
hoje, nem mesmo somente até amanhã, e o pra sempre me soa vazio.
Mesmo com o prazer que sentia por tê-lo dentro de mim, suas palavras tiveram
grande efeito em todo o deleite que eu sentia. Havia verdade em seus olhos, mas naquele
momento, após elucidar cada uma daquelas palavras, ele já não parecia tentar descobrir o
que sentia por mim. Não percebi que lágrimas finas – agora de felicidade – rolavam por
meu rosto, até que Guilhermo o beijou carinhosamente para limpá-las.
— Então, eu quero que você seja minha, temo te perder, quero ficar com você e ser
o seu balsamo sempre que precisar e quero que seja minha por cada segundo que tivermos,
sem definir nem mesmo o sempre como fim do que temos. – ele voltou a me encarar e me
beijou antes de encostar sua testa à minha e indagar – Isso quer dizer que eu amo você?
Lágrimas ainda rolavam por meus olhos, mas também consegui sorrir. Não havia
dúvida naquele tom, naquele olhar, embora aquela pergunta fosse contraditória a eles.
— É tão óbvio agora. – ele sussurrou e deixou um beijo delicado em meus lábios,
havia um sorriso inabalável em seus lábios. Seus olhos brilharam tão intensamente quando
ele concluiu, que eu jamais poderia duvidar daquela afirmação e eu sabia que ele também já
não duvidava – Eu amo você, americana intrépida.
Depois de tantos acontecimentos, aquela felicidade temporária me serviu de pilar
para me reerguer… Para me dar força.
Pouco mais de uma hora depois, nos deitamos juntos novamente, desta vez eu
acomodei minha cabeça sobre seu peito e o abracei enquanto ele acariciava meus cabelos e
compartilhávamos de um silêncio confortável.
Sempre que minha mente tentava me trair e me levar direto às preocupações
anteriores – sobre David e Melanie, principalmente -, eu a ignorava e trocava por um
pedido silencioso a Deus,mais do que a qualquer medo e desespero, eu decidi me agarrar a
Ele, que já me ouvira tantas vezes. Somente Deus poderia proteger as pessoas que amo
agora.
— Você tem quase um fã clube na minha família, sabia disso?
Sua pergunta me resgatou de meus pensamentos. Levantei meu rosto apenas o
suficiente para mirá-lo com as sobrancelhas unidas, estávamos há tanto tempo em silêncio
que imaginei que ele estava pensando em sua família também.
— Como assim?
— Desconfio que papai percebeu que havia alguma ligação entre nós desde a
primeira reunião em que você participou na D’Angelo, você foi a única a quem ele me
apresentou novamente, depois demorou mais tempo que o necessário na viagem, para que eu
cuidasse e mediasse todas as reuniões no lugar dele. – um sorriso surgiu em meus lábios ao
ouvir aquelas palavras. Gostava do pai de Guilhermo, mesmo sem realmente conhecê-lo, eu
o respeitava – Depois ele tentou me fazer desistir de você, pelo menos eu achei que sim
naquela época. Ele só queria me fazer ver que com você não seria como acontecia com as
outras, porque você não era minimamente parecida com elas.
— Nos vimos duas vezes em Barcelona. – lembrei-o – Como ele poderia ter certeza
de que eu não era como as outras?
Guilhermo sorriu.
— Não duvide da intuição do Sr. Theodory D’Angelo. – ele disse – Além do mais,
ele a admirou imediatamente quando você começou a explicar aqueles gráficos e aquele
contrato. Você tem ideia de quão implacável foi durante aquelas reuniões?
Juntei as sobrancelhas e ele explicou:
— Você calou três representantes de nossas filiais com duas respostas, não chegou a
demonstrar rispidez, mas foi óbvio que odiou a insinuação deles sobre a Howell’s não ser
capaz de lidar com uma multinacional.
Acenei em negativa ao lembrar.
— A insinuação dele foi sobre eu, sendo uma mulher, não conseguir fazer duas
empresas atuarem como as melhores do mercado. Aquele filho da puta duvidou do meu
trabalho!
Ele sorriu ao ouvir minhas palavras e acariciou meu rosto ternamente.
— Papai também percebeu isso, assim como também percebeu que você, mais do
que implacável, era forte o suficiente para não se deixar abater pelo preconceito de homens
machistas.
Uni as sobrancelhas, não via aquilo como força, afinal quem ficaria calada numa
situação daquelas? Aqueles filhos da mãe se aproveitariam do meu silêncio sem pestanejar!
— Tyler é outro fã seu. – Guilhermo prosseguiu – E eu odiei deliberadamente isso
antes de perceber que ele a respeitava mais do que qualquer coisa. Sabia que depois da
primeira rodada de reuniões ele apostou que você fecharia o contrato?
Meus lábios se entreabriram, eu estava surpresa demais para dizer algo, só
lembrava da primeira conversa que tive com Tyler, quando ele me confidenciou que fui a
melhor a apresentar a própria empresa até aquele momento. Não pude duvidar das palavras
de Guilhermo depois de recordar disso.
— Segundo ele, a mesa de representantes precisava de uma mulher como você:
linda, corajosa, esperta e audaciosa. Seriamos mais felizes em nossas decisões após isso,
eu não deixei de concordar.
— E você? – indaguei abruptamente – Para quem foi seu voto quando tiveram que
decidir qual das quatro empresas conseguiria o contrato?
— Eu não votei. – ele contou – Você venceu e meu voto não faria diferença. Todos já
a respeitavam e admiravam àquela altura. – ele fez uma pausa e apertou os lábios para
esconder um sorriso – Preciso dizer que Marina se tornou sua fã antes mesmo de conhecê-
la?
Sorri ao lembrar de Marina, sua irmã. Nós nos conhecemos quando eu a contratei
para cuidar da festa de inauguração da filial, mas até aquele momento eu não sabia que ela
também fazia parte da família D’Angelo, muito menos que era irmã de Guilhermo.
— Papai, Tyler e Allie falavam tanto de você que Marina já acreditava conhecer
você e já a queria em nossa família. Mamãe começou a se preocupar com isso ao ouvi-los
falando de você também.
— Quando vi sua mãe pela primeira vez, os olhos dela me mostraram que estava
pronta para defender seu filho de qualquer mulher e que eu seria facilmente vista como uma
ameaça por ela. Depois tive que lidar com uma sequência de perguntas capciosas dela, de
Marina e de Allison.Você é visto como uma presa fácil por sua família, Guilhermo.
Minhas palavras o fizeram rir.
— Ela é exagerada, mas também admira sua força, ficou orgulhosa quando chegamos
em casa após a assinatura do contrato e surpresa quando contamos que fora uma CEO a
fechá-lo e não um CEO.
Olhei-o atentamente tentando compreender o motivo de estar me contando tudo isso
agora. Guilhermo percebeu o que eu me perguntava e decidiu mudar de assunto:
— O que a fez sair de Nova Orleans há mais de sete anos?
Mais do que me deixar confusa, aquela pergunta conseguiu trazer velhas lembranças
à minha mente.
— Guilhermo, eu… – tentei dizer, mas ele me interrompeu.
— Me diga, por favor.
Expirei fortemente e ele me puxou para mais perto, colocando-me sobre si
novamente.
— Eu estava com medo que machucassem as pessoas que amo se descobrissem
quem eu era.
Sua expressão se manteve impassível e seus olhos compreensivos.
— Realmente vê dessa forma?
Não entendi sua pergunta e ele esclareceu:
— O que eu vejo quando olho pra você, não é uma mulher com medo, pois uma
pessoa com medo não toma as decisões que você tomou. O que eu vejo é uma mulher forte,
que mesmo dilacerada e traumatizada, escolheu ficar sozinha para proteger quem ama. Sem
saber o que poderia acontecer em Nova Iorque, você decidiu ir embora sozinha e guardou
suas dores para si mesma enquanto sua família acreditava que apenas queria esquecer a
decepção com Steve.
— David decidiu ir comigo… – comecei a contar, mas ele não permitiu que eu
prosseguisse.
— Você carrega nos ombros o peso da culpa por tudo o que acontece a quem você
ama, você sustentou por sete anos sobre si o peso da responsabilidade de manter todos
seguros, e se isso não é sinal de que é forte, eu não sei o que pode ser.
Mordi os lábios para me impedir de dizer algo mais, decidi apenas aguardar que ele
concluísse.
— Quando descobriu sobre o namorado da sua irmã não prestar, quando descobriu
sobre o assassinato de Claire e quando Steve a sequestrou, você ruiu, mas, mais do que
desabar sobre seus próprios demônios, você se ergueu com a convicção de que a tarefa de
defender todos era sua, porque tudo havia começado por você, mas não é assim Evangeline,
você foi só mais uma vítima e não deve se culpar por isso. Você foi abençoada por
conseguir fugir daquele inferno antes que algo ainda pior acontecesse, então acredite, isso
não é motivo para você se culpar. Não é culpa sua que Steve seja louco, não é culpa sua que
ele seja um psicopata e aja como um maldito filho da puta, assim como também não culpa
sua que ele mantenha a mesma obsessão por você, você é, novamente, apenas mais uma
vítima dele, porque ele é o único culpado por tudo o que aconteceu ou pode acontecer.
Apenas ele. Você sabe disso – a seriedade em seus olhos fez com que aquelas palavras se
tornassem ainda mais verídicas, menos dolorosas, mas não tão simples de aceitar – Quando
saiu do meu apartamento para ir atrás daquele capanga do Steve, você sabia que ele era o
culpado e foi corajosa o suficiente para ir atrás dele sem temer o que aconteceria a você,
porque ele havia envolvido sua família naquele inferno e, para defendê-la, você faria
qualquer coisa, não faria?
Assenti lentamente, ainda mexida com suas palavras, com a intensidade e certeza
que havia em cada uma delas.
— Tudo o que precisa é parar de se culpar, quando estiver ciente de que Steve é o
único culpado por tudo o que está acontecendo, você estará pronta para enfrentar tudo por
eles novamente. Porque até quem não a conhece realmente,quem não sabe por tudo o que
você passou, vê e concorda que você é corajosa o suficiente para enfrentar tudo pelo que
acha certo, se é capaz de lutar por isso, é mais do que capaz de lutar por sua família.
Eu não percebi que lágrimas rolavam por meus olhos até que ele começou a limpar
meu rosto e beijou delicadamente a ponta do meu nariz.
— Você pode ruir, pode chorar e se preocupar demasiadamente com quem ama, mas
não pode deixar que nada disso te impeça de agir e reagir de outra forma aos
acontecimentos. Você é forte, só precisa acreditar na força que tem.

GUILHERMO
Porra – foi essa a única palavra que ecoou em minha mente ao deixar Evangeline
sozinha no quarto e seguir para o meu escritório.
Estava tudo bem demais para que esse maldito inferno não voltasse a nos perturbar e
agora com um golpe tão doloroso quanto o anterior. Daniel e Allison foram as vitimas desta
vez.
Quando Tyler me ligou para me contar isso há menos de meia hora, minha
preocupação se dividiu entre Daniel, Allison e Evangeline – pois, mesmo após nossa
conversa mais cedo, eu não sabia como ela reagiria a uma notícia como aquela. Desta vez
quem estava entre a vida e a morte era seu irmão mais novo – E ainda tive que lidar com as
perguntas insistentes e infinitas de Tyler sobre os motivos de tudo isso estar acontecendo
agora. Papai e mamãe estavam extremamente preocupados com Allie, mas não sabiam de
nada sobre o envolvimento do ex de Evangeline naquele sequestro, e esperavam por uma
ligação dos sequestradores – prontos para pagar qualquer quantia de resgate -, mas eu sabia
que essa ligação nunca viria, pelo menos não para eles.
Inicialmente fiquei em dúvida sobre o motivo que Steve teria para sequestrar
Allison, ainda não tenho certeza, mas possuo uma hipótese: talvez ele quisesse me atrair
usando-a para isso e talvez também tenha mandado tentarem matar Daniel para atrair
Evangeline, já que David e Melanie não foram suficientes.
Porra, eu não tinha certeza de nada naquele momento. Uma espécie de gana se
apoderou de mim apenas por imaginar Allie sequestrada, nas mãos daquele filho da puta, eu
senti uma vontade primordial, necessária, de matá-lo da pior forma possível, pois aquele
bastardo merece, merece morrer e isso ainda seria pouco diante de tudo de ruim que ele já
fez contra todos nós.
Controlei a fúria em meu interior após muitas tentativas frustradas e me obriguei a
pensar. Pensar de verdade em toda aquela situação delicada, em uma solução cabível para
todo aquele inferno, qualquer coisa que nos mantivesse vivos e juntos era bem-vinda.

A primeira coisa que me veio à mente foi a reação de Evangeline ao saber do irmão.
Embora ela tenha chorado, foi um alívio perceber que já estava muito mais calma e já
conseguia controlar seus próprios temores e seu desespero. Ela sabia que isso não a
ajudaria e agora estava claro que também se convencia de que o único culpado de tudo era
Steve.
Me aproximei de minha mesa e cerrei os punhos antes de pousá-los sobre ela.
Fechei os olhos e o último telefonema que troquei com David me veio à mente também:
“ – Não a traga para Nova Iorque. – ele disse, irredutível, mas, acima de tudo,
diligente – Não sei que porra está acontecendo, sempre que estamos perto de pegar
aquele filho da puta, ele escapa. Tem alguém ajudando-o a fugir e esse alguém só pode
fazer parte do departamento de polícia de Nova Orleans, já que são os
responsáveis por encontrá-lo e prendê-lo.
— Ok. Não vou levá-la para Nova Iorque, já a convenci a ir comigo para à
Alemanha ou Itália, vou cuidar de levá-la para um destes países. – assegurei – De quem
está desconfiando? Se alguém da polícia está ajudando Steve a fugir, é ainda pior do que
imaginávamos. Steve também odeia vocês, cara. É óbvio que agora estão mais expostos
ao perigo.
— Eu não sei, não faço nenhuma porra de ideia, mas vou descobrir. Só a
mantenha longe e segura. – foi seu último pedido…”
Exalei lentamente e me obriguei a admitir: eu não seria capaz de cumprir a promessa
que lhe fiz, não conseguiria impedir, e nem mais queria, que Evangeline continuasse aqui.
Não saber o que realmente acontecia em Nova Iorque a estava consumindo, deixando-a mais
aflita e isso só pioraria agora que seu irmão está entre a vida e a morte em um hospital –
Abri os olhos ao perceber algo: o que Daniel estava fazendo no Texas, em um hospital de
McAllen, quando foi baleado, para ser mais exato?
Apertei os olhos ao lembrar de outra conversa que tive com David logo que
Evangeline e eu chegamos à Barcelona, ele disse que Daniel insistiu em continuar ajudando
a encontrar Steve. Ele também já sabia que havia um policial infiltrado e se tivesse
descoberto algo em relação a isso? Talvez seja exatamente por isso que Steve tenha tentado
se livrar dele.
Bufei, frustrado. Eram tantas possibilidades que isso estava me enlouquecendo.
Fui resgatado de meus pensamentos quando meu celular começou a tocar em meu
bolso. Apertei os lábios ao ver o nome de papai na tela e atendi:
— Você vai me contar agora mesmo o que infernos está acontecendo. – foram suas
palavras.
Cerrei os olhos com força e me sentei sobre a cadeira de couro preto atrás da mesa.
— Você nunca mentiu para mim, não comece agora, Guilhermo. O que está
acontecendo? Por que você e Evangeline deixaram Nova Orleans tão rapidamente? Por que
a irmã dela foi sequestrada e agora o irmão dela foi baleado?! O que isso tem a ver com
Allison?!
Inspirei profundamente.
— Como descobriu isso?
— Ouvi Tyler falando ao telefone. – ele fez uma pausa, o ouvi suspirar fortemente,
como se tentasse se acalmar e voltou a falar – Depois de pensar muito, é quase óbvio que
quem quer que sequestrou Allie, acreditava estar sequestrando Evangeline.
— Por que diz isso?
Papai bufou.
— Ela foi sequestrada no estacionamento da Howell’s, Guilhermo, em plena luz do
dia, por que mais alguém esperaria que ela estivesse justo lá? Preciso lembrá-lo do quanto
Allison é fisicamente parecida com Evangeline?!
Aquela pergunta conseguiu me deixar em completo silêncio. Havia sentido em sua
suposição, mas eu também não poderia dizer que os capangas de Steve não reconheceriam
Evangeline e, de qualquer forma, bastaria apenas que Steve a visse para ter certeza do
engano.
— Fale comigo, filho – papai pediu – Estou preocupado com vocês dois, o que está
acontecendo de verdade?!
— Eu não sei. – decidi ser honesto. Em todo aquele maldito inferno, ele era a única
pessoa em que eu me permitiria confiar – O ex de Evangeline está envolvido com tráfico e
voltou da porra do inferno convicto de que a teria novamente. David e Daniel, melhor amigo
e irmão de Evangeline, estavam procurando-o depois que ele sequestrou Angie, a irmã dela,
Steve os odeia e acredito que tenha tentado se livrar deles.
— E a polícia?! Onde está a polícia nesse inferno?
— O detetive, David, começou a desconfiar que a polícia estaria ajudando Steve a
fugir e sofreu um grave acidente de carro um dia após me contar isso. Não vou confiar
naqueles filhos da puta sobre nada que envolva Evangeline.
Aquilo o deixou em silêncio.
— Preciso ligar para o piloto do jatinho, voltaremos para os Estados Unidos.
Preciso que a casa de campo esteja preparada para a nossa chegada. Vou ligar para o chefe
da segurança de Evangeline e pedir que ele prepare uma equipe, chegaremos aí de
madrugada.
— Por que voltarão?! Já não está claro que isso é perigoso, Guilhermo?!
— Papai, Evangeline precisa ver os amigos e o irmão e eu preciso descobrir para
onde aquele filho da puta levou Allie, além de que quando os pais de Evangeline
descobrirem sobre isso, os dois surtarão. Precisamos estar lá, eles não podem confiar na
polícia e parecem fazer isso cegamente.
Ao ouvir papai suspirando novamente, eu soube que ele também havia bagunçado os
cabelos involuntariamente, aquela era uma mania que eu havia herdado dele.
— Você não podia se apaixonar por uma mulher com uma vida mais simples?!
O sarcasmo denotado em sua pergunta me fez sorrir.
— Nem se pudesse escolher, eu iria querer outra. – admiti e desta vez tive certeza
que ele estava sorrindo.
— Então já percebeu. Finalmente!
— Sim, eu a amo e seria capaz de tudo por ela, então…
— Não vai se afasta mesmo que isso te coloque em perigo.
— Não, não vou.
Ele concordou silenciosamente.
— Nos mantenha informados, vamos ajudá-lo com o que precisar.

***
A mansão D’Angelo de Nova Iorque possuía o mesmo estilo arquitetônico
Georgiano da de Veneza, com um pouco mais da influência singela do ecletismo romântico
como única divergência entre as duas. Era branca com janelas e portas em Angelim
vermelho, numa construção de dois imponentes andares. Havia duas escadarias que levavam
aos pórticos da entrada e à enorme porta. Percebi que Evangeline se agradara quando vi sua
surpresa e evidente encantamento. Sua casa tem todo um design moderno e sofisticado, mas
não duvidei que aquele tipo de design também a agradasse. Natalie, no banco de trás, emitiu
um “uau” quando estacionei o carro à frente das escadas e avistei papai à frente de um dos
pórticos. Lembrei que eu havia avisado a ele que viríamos para cá porque não
demoraríamos em Nova Iorque, portanto, não precisaríamos utilizar a casa de campo da
família.
— O que exatamente ele sabe? – Evangeline indagou ao vê-lo após eu abrir a porta
do carro para ela. Me voltei para a porta traseira e a abri para retirar o cinto de Lilie e
ajudá-la a sair. Sorri quando ela envolveu meu pescoço com os braços e a levantei para
levá-la comigo, ela continuava exausta e sonolenta da viagem.
— Ele ouviu Tyler ao telefone comigo e descobriu sobre o atentado contra Daniel,
juntou uma coisa a outra e percebeu que tudo levava a você.
— Do quê estão falando Guilherme? – Natalie perguntou, confusa, entre um bocejo.
Entrelacei minha mão a de Evangeline, como já nos era habitual, e a guiei até as
escadas que nos levariam à sacada.
— Nada, querida. Não se preocupe. – murmurei para ela.
Evangeline suspirou fortemente ao meu lado e aumentei o aperto de minha mão na
sua, pronto para lembrá-la que não deveria se preocupar, quando ela disse:
— Ele não parece querer me expulsar da sua vida.
Mesmo que seu tom fosse irônico e sem qualquer humor, eu ri e ela se voltou para
mim.
— Ninguém vai te expulsar de lugar nenhum, principalmente da minha vida. – ela
retribuiu o aperto confortável de nossas mãos e se voltou para onde papai estava
novamente. — Se depender de mim, você continua aqui por muito tempo.
Aquilo fez com que ela olhasse para mim novamente, não exatamente surpresa, mas
abalada por minhas palavras. A sombra de um sorriso trouxe um brilho momentâneo aos
seus olhos, extinguindo a opacidade que a tristeza impôs anteriormente. Incapaz de não
corresponder, eu também sorri e a beijei ternamente nos lábios.
— Srta. Howell. – Papai se aproximou para abraçá-la rapidamente e beijar-lhe o
rosto em um cumprimento. – É um prazer vê-la novamente.
— Igualmente, Sr. D’Angelo. – ela disse oferecendo-lhe um sorriso educado.
— Papai. – eu o cumprimentei com um aceno e percebi que, embora tentasse não
transparecer, estava confuso por ver uma menina em meus braços. – Esta é Natalie, filha de
Evangeline.
Não menos surpreso ou aturdido, ele sorriu ao mirar Natalie.
— Olá, querida, tudo bem?
Ela acenou, afirmando e apertou a mão que ele havia lhe estendido, como fez comigo
quando nos conhecemos na D’Angelo há alguns meses.
— Lilie, querida, este é Theodory, meu pai. – murmurei para ela, que, ao ouvir
“pai”, sorriu automaticamente.
— Vocês são igualzinhos! – ela disse quando seguimos para a porta de entrada da
casa. – Não são mamãe?!
— Não somos, não. – papai e eu murmuramos ao mesmo tempo. Trocamos um olhar
e, em seguida, sorrimos. Por mais que negássemos, sabíamos que aquela era uma verdade
que jamais teria credibilidade ao ser contestada.
Marina estava na sala com Drake e levantou com um sorriso afável para
cumprimentar Evangeline e Natalie, demorando-se em Natalie para se apresentar melhor.
Mari e eu sempre fomos apaixonados por crianças e creio que isso não tem a ver somente
com o fato de italianos amarem a ideia de ter uma casa cheia de filhos, netos e bisnetos,
embora um casamento nunca tenha passado por minha mente (e eu acreditasse que nunca
passaria antes dos quarenta anos), eu sempre imaginei como seria se fosse pai e sabia que
Mari também sonha com o dia em que será mãe. Após alguns minutos de conversa, Natalie
pediu para ir à cozinha com Marina, que ajudava mamãe a preparar o almoço – Sim, mesmo
tendo um número considerável de empregados, sempre que há visitantes em casa, mamãe faz
questão de preparar a comida. Ela também usa a culinária para extravasar e esquecer suas
preocupações ou seu estresse, nesse caso deve estar preparando um verdadeiro banquete, já
que está superpreocupada com Allie. Não a culpo por isso.
Falei com Drake, noivo de Marina, por alguns minutos e o apresentei à Evangeline,
antes de pedir licença para levá-la ao quarto. Não ficaríamos muito tempo aqui, pois
viajaríamos para o Texas em algumas horas, mas queríamos descansar e comer algo antes de
visitar David e enfrentar uma nova viagem. Mais cedo conversei com Evangeline e ela
concordou que seria melhor deixar Natalie aqui, longe do que quer que ainda pudesse
acontecer em McAllen, Texas.
Subimos as escadas juntos e a levei ao quarto que mamãe havia arrumado para mim
logo que comprou esta casa há alguns meses, eu nunca o havia usado, já que possuía meu
próprio apartamento, mas ela insistiu em decorá-lo e deixá-lo para mim.
— Como se sente? – questionei quando adentramos o cômodo e a ajudei a retirar o
casaco que ainda vestia, depois ela me ajudou com o meu.
— Preocupada. – ela respondeu em voz baixa assim que voltamos a ficar frente à
frente. – Nathan não deu notícias sobre nenhuma novidade?
— Quando falei com ele, eu contei sobre o que aconteceu à David e à Daniel,
expliquei também da suspeita de David e que eu desconfiava que Daniel havia descoberto
algo sobre quem estava ajudando Steve em McAllen e que, por isso, tentaram matá-lo. Ele
disse que verificará esse hospital em McAllen e me manterá informado.
Ela suspirou brevemente e seguiu para a cama. Retirou o gorro e seus cabelos
castanho-escuros ficaram completamente soltos novamente, eu adorava vê-la com os
cabelos soltos, eles ressaltavam ainda mais sua beleza angelical.
Ouvi um toque baixo de um telefone celular e a vi retirá-lo do bolso para recusar a
chamada.
— Papai e mamãe estão me ligando há duas horas – contou. Mordi os lábios e a vi
acenar em negativa, como se se recusasse a acreditar em algo – Sei que eles querem
explicações, provavelmente já sabem sobre Daniel, e estão completamente desesperados.
Não aguento mais mentir para eles.
Aproximei-me da cama novamente ao perceber que o que ela temia naquele
momento, era a reação dos pais se e quando contasse tudo o que realmente estava
acontecendo. Eu os vi e pelo pouco tempo que estive com eles em Nova Orleans, percebi
que são completamente superprotetores, por isso, eu a entendi naquele momento.
— Está na hora de contar a eles, Carino. – murmurei ao sentar ao seu lado e puxá-la
para meus braços.
— Eu sei. – ela admitiu, sua voz completamente abafada por minha roupa. – Mas
eles vão surtar.
— Talvez no início sim – admiti. – Mas depois entenderão os seus motivos para não
ter contado nada antes.
Ela suspirou novamente e me abraçou com mais força.
— Eu espero que sim.
— Você precisa avisá-los sobre a polícia, que não devem confiar neles.
Provavelmente os dois já estão chegando em McAllen agora.
Minhas palavras sobressaltaram e ela se afastou rapidamente para pegar o telefone.
Percebi que não lembrava que desde o acontecido com seu irmão, seus pais já teriam tido
tempo de voltar do Brasil para os Estados Unidos.
— Mamãe? Sim, eu estou bem! Sim, eu… Eu sei, mas me escute. – ela fez uma pausa
de trocou um olhar comigo enquanto ouvia o que a mãe dizia. – Vou para aí ainda hoje,
poderemos conversar, não se preocupe… Mamãe, alguém da polícia teve a ver com esse
atentado contra Daniel, não confie na polícia. Chame todos os seguranças de Nova Orleans
se quiser, mas não confie na polícia! Quando eu chegar eu explico, mas faça o que pedi, por
favor.
Após desligar, ele mirou o telefone em suas mãos por alguns segundos e, ao se
voltar para mim novamente, murmurou:
— Ela está indo para McAllen e já sabe de algo.
Inspirei profundamente e a trouxe para perto novamente. Sabia que, apesar de tudo,
ela não queria contar aos pais sobre tudo o que envolvia Steve, mas eles descobrirem de
algo sem que ela contasse ainda lhe parecia pior. Muito pior.
Aproximadamente quinze minutos depois, eu a deixei no quarto para arrumar as
coisas de Natalie e pegar algo para que as duas vestissem após o banho. Segui para a
cozinha, para pegar Natalie e levá-la ao quarto, mas parei à frente da porta entreaberta ao
ouvir que mamãe e Marina também continuavam ali. Através da fresta, pude ver Lilie
sentada em uma das cadeiras do balcão e Mari ao seu lado, enquanto mamãe estava de pé à
frente delas, mexendo algo em uma bacia.
— Gostaria de vê-los casados, bambina? – foi mamãe a perguntar. Por mais que eu
não a visse nitidamente, quase pude apostar que gostaria de ouvir um “não”.
Mari e mamãe estavam atentas, aguardando uma resposta de Lilie.
— Sim!!! – ela respondeu, animada e prolongando a sílaba pelo tempo que seu
fôlego permitiu. – Aí seremos uma família de verdade, como a dos meus amigos da escola.
Meus amigos acham estranho que eu tenha duas mães e nenhum pai.
Mamãe trocou um olhar confuso com Marina. Bufei exasperado, antes de adentrar a
cozinha, trazendo três pares de olhos para cima de mim.
— Olá, mamãe. – a cumprimentei enquanto me aproximava. Beijei-lhe a testa e
tomei sua benção, mas ela não me deixou escapar antes de um abraço demorado, como se
quisesse ter certeza de que eu também estava bem.
— Querido, eu pai já… – eu a interrompi antes de concluísse.
— Sim, ele me contou e já pedi que um colega nos ajude a localizá-la. – contei,
referindo-me a Nathan nos ajudar em relação ao sequestro e Allison. – Tente não se
preocupar tanto, mamãe, nós a traremos de volta.
— Guilhermo, não quero que nenhum de vocês se meta nisso, por favor! – ela pediu,
mas eu não lhe dei uma resposta. Não gostaria nem mesmo que ela sonhasse que eu já estava
tão envolvido em toda essa história.
— Querida, sua mãe está te esperando lá em cima. – avisei para Lilie ao me voltar
para ela. – Vamos?
Ele assentiu e aceitou minha ajuda para sair de cima da cadeira alta.
— Quero falar com você. – murmurei para Marina antes de sair e ela me seguiu.
Após deixar Lilie com Evangeline, fui com Marina até seu quarto e ela fechou a
porta depois que o adentrou atrás de mim.
— O que houve? – perguntou já preocupada, os olhos azuis brilhando em temeridade
pelo que quer que eu fosse dizer.
— Preciso que cuide de Natalie. – pedi – Evangeline e eu iremos para o Texas,
visitar o irmão dela que está no hospital e não queremos que Natalie tenha que vê-lo mal.
Ela expirou profundamente, evidentemente mais tranquila e assentiu.
— Não se preocupe, cuidarei dela com o maior prazer. Ela parece ser uma ótima
criança, e muito tranquila.
Eu concordei com um sorriso bobo.
— Ela é mesmo.
— Por que Natalie disse que tem duas mães, Guilhermo?
— Ananda, ex governanta da casa de Evangeline, era avó e mãe adotiva de Natalie,
como Natalie cresceu também com a presença diária de Evangeline, e as duas se apegaram,
também se acostumou a chamá-la e considerá-la sua mãe. Ananda viajou para São Francisco
e deixou Natalie com Evangeline.
O sorriso de Mari aumentou.
— Evy é mesmo admirável. – ela disse – Organizei as festas as instituições de
caridade dela e depois Tyler me contou que ela contratou boa parte dos funcionários da
filial de uma destas instituições.
Foi minha vez de sorrir.
— Sim, ela é. Desde a viagem, ela deixou tudo nas mãos das pessoas que já a
ajudam lá, mas sempre cuidou de tudo, pelo que sei. – contei.
Ela acenou em negativa e se aproximou de mim, para me abraçar.
— E você está claramente apaixonado por ela. – murmurou quando retribuí seu
abraço.
— Está tão claro assim, é?
Mari riu.
— Desde que eu vi como você olhava para ela, quando a levou para a casa de
campo, no natal.
Não respondi, mas também não acreditei completamente que desde aquela época, já
estava apaixonado pela americana intrépida.
Minutos depois, encontrei com Natalie no corredor, ela já havia tomado banho e
disse que procuraria Marina de novo, eu lhe mostrei o quarto de Mari e segui para o que
havia deixado Evangeline anteriormente.
Percebi que ela estava no banho logo que adentrei o quarto, o som da água quente
caindo era audível mesmo daqui. Indeciso sobre me juntar a ela ou esperar pela minha vez,
eu decidi procurar algo em nossa mala, que Tadeu trouxe para cá logo que estacionamos o
carro. Cinco minutos se passaram e o som da água ainda era o mesmo, o que começou a me
preocupar.
Abri os botões da camisa que vestia e a retirei enquanto seguia para o banheiro, abri
a porta lentamente e através do Box, pude vê-la encostada à parede enquanto a água do
chuveiro caía ininterruptamente sobre seu corpo nu. Me livrei da calça e da cueca que
vestia e fechei a porta antes de seguir para o Box.
Eu sabia que nós dois estávamos preocupados, mas ela parecia, mais que qualquer
coisa, preocupada com algo em especial, como quando desmaiou por ter aquele
pressentimento ruim há dois dias, como se carregasse sobre as costas o peso de algo que
sequer aconteceu, mas que já a machucava terrivelmente e desta vez não parecia que esse
pressentimento envolvia David ou Daniel. Da última vez ela estava certa, talvez temesse
que desta vez também estivesse.
Juntei meu corpo ao seu abaixo do chuveiro e a abracei com cuidado, sentindo seu
corpo estremecer e se arrepiar simultaneamente contra o meu, em reconhecimento.
— Um beijo por seus pensamentos. – murmurei contra o seu ouvido. Beijei seu
pescoço ternamente e ela entrelaçou suas mãos às minhas.
— Não vai gostar de ouvi-los. – ela sussurrou em resposta.
— Me deixe decidir isso.
Minha replica a deixou em silêncio por alguns instantes. Hesitante, ela contou:
— Acho que é o Louis.
Suas palavras me fizeram parar o que quer que estivesse fazendo, com o cenho
franzido em completo desentendimento, eu perguntei:
— O quê?
— Louis, acho que ele é o policial infiltrado de Steve. – desvencilhei uma das
minhas mãos da sua e desliguei o chuveiro.
Virei-a em meus braços, ainda sem compreender como ela havia chegado a essa
conclusão e, quando estávamos finalmente frente à frente, um olhando nos olhos do outro, eu
decidi indagar:
— Por que acha isso?
Ela acenou em negativa, como também não soubesse como explicar.
— Ele é o único, além de David, que sei que está nesta história desde que ela
começou, é o único que tinha as informações sobre o que aconteceu no Mardi Gras em que
fui sequestrada, era quase o braço direito de David nas investigações sobre essa quadrilha
durante todos esses anos e, talvez por causa dele, David nunca descobriu nada que pudesse
levar Steve à cadeia.
Juntei as sobrancelhas ao registrar todas aquelas palavras e, independente da
confiança que todos sabíamos que David tinha em Louis, a suspeita de Evangeline era
válida e definitivamente contundente.
— Lembro que Louis tentou convencer David de que Steve não havia matado aquele
estrangeiro naquele prédio, ele chegou até mesmo a dizer que o relatório de autopsia
contrariou as suspeitas de David, mas depois, através de Steve, descobrimos que o
estrangeiro era o mesmo homem que havia me comprado há tantos anos e que, por isso, ele
o havia matado asfixiado.
À medida que Evangeline falava, aquela ideia se tornava mais e mais aceitável e
verídica em minha mente. De repente, uma lembrança de uma conversa que tive com David
que me veio à mente, no dia em que descobrimos que Ananda também estava envolvida com
Steve, David me disse que pediu que Louis procurasse por ela no banco de dados da
policia, usando as características físicas dela, eles poderiam descobrir se ela já havia sido
presa e qual era o seu nome verdadeiro, mas Louis disse que não havia encontrado nada e
foi isso que nos impediu de compreender toda aquela história antes de Steve nos contar tudo
na semana passada.
Evangeline percebeu que eu havia lembrado de algo e suspirou brevemente, agora
com a certeza de que Louis estava envolvido com Steve.
— David confiava tanto nele! – ela disse – Desde o começo, desde que me
encontraram. Ele sempre confiou demais em Louis e agora…
— Está em um hospital e provavelmente Louis tem algo a ver com isso.
Evangeline me encarou em silêncio por alguns segundos e depois se aproximou para
me abraçar. Fechei os olhos ao retribuir seu abraço e a apertei contra mim, como se tentasse
unir nossos corpos e isso impedisse que qualquer coisa mais a machucasse.
— Ele não vai acabar com o que há entre nós. – ela sussurrou e imediatamente eu
soube que se referia a Steve. – Não vai.
Mais do que gostar de ouvir aquela certeza em seu tom, eu gostei de perceber que
ela novamente não se permitiu sucumbir ao desespero ou aos seus medos.
Liguei o chuveiro novamente e acabei com o abraço para beijá-la e encostá-la a
parede novamente.
— Não, ele não vai. – ratifiquei contra sua boca e toquei sua cintura com a firmeza e
possessividade necessárias para confirmar minhas próximas palavras. – Você é minha, eu
sou seu e ninguém vai mudar isso.
— Ninguém. – ela confirmou antes de me beijar também e daquela vez, mais do que
o desejo de unir nossos corpos, a necessidade de mostrar que nossas palavras eram
verdadeiras me fez querer tomá-la para mim ali mesmo, dentro daquele banheiro e sob à
água quente daquele chuveiro.

EVANGELINE
Aquele era um dos melhores hospitais de Nova Iorque, percebi assim que o carro
blindado de Guilhermo parou à frente do imponente prédio. Ele abriu a porta do carro para
mim e me ajudou a sair dele. Fechei o casaco felpudo que vestia e arrumei o gorro sobre
minha cabeça antes de voltar a colocar as luvas, tentava me proteger do frio quase cortante.
Troquei um olhar com Guilhermo e retribuí o aperto confortável de sua mão na
minha quando seguimos pela entrada do hospital. Estava muito frio e ainda nevava um
pouco, o que deixava a cidade sob uma neblina que para mim, era assustadora. Eu não sabia
explicar, mas sentia algo mórbido, sepulcral, naquele “cobertor” de neve sobre a cidade.
Talvez fosse apenas redundância da minha parte. A última coisa que eu queria era acreditar
que aquele era um novo presságio, mas, querendo ou não, no fundo eu sabia que o era.
Foi uma infeliz surpresa perceber que policiais faziam a “segurança” do quarto de
Melanie no CTI. Após perceber isso, Guilhermo e eu decidimos encurtar nossa passagem
ali. Depois da certeza de que Louis está trabalhando para Steve, não queríamos que
qualquer outro policial pudesse nos ver aqui, sequer saber que havíamos voltado aos
Estados Unidos e, se descobrissem, já deveríamos estar longe daqui.
Ema, mãe das irmãs Jackson, estava no hospital. Seu semblante dilacerado me
machucou profundamente e, por mais que eu tentasse impedir, lágrimas finas rolaram por
meus olhos ao abraçá-la. Foi um pouco mais dificultoso e doloroso para mim não me sentir
inútil naquela situação: vendo minha amiga em uma cama de hospital, desacordada por
tempo indeterminado e sua mãe – que eu considerava uma tia – tão desolada, sem que eu
fosse capaz de lhe ofertar uma simples palavra de conforto.
Guilhermo fora ao quarto de David para me dar privacidade e eu agradeci por isso,
não queria que minha fraqueza temporária fosse atestada por ele, pois isso o preocuparia.
Me aproximei da cama de Mel e lágrimas cada vez mais grossas rolaram por meus
olhos à medida que eu me aproximava dela. Havia pequenos ferimentos em seu rosto, além
de ser evidente o gesso em seu braço direito. Ela está em coma e saber disso me preocupa
ainda mais, porque nem mesmo os médicos sabiam dizer quando ela acordaria.
Ema me deixou sozinha no quarto após alguns momentos e, com a voz embargada,
tentando controlar o choro que insistia em me oprimir, eu pedi perdão a minha amiga por,
mesmo que inconscientemente, tê-los colocado nesta situação e agora não saber o que fazer
pra reverter toda essa situação. Minutos depois, já mais calma, eu beijei sua testa
ternamente e acariciei seu rosto. Sentindo a raiva novamente me dominar por vê-la tão
frágil, eu prometi:
— Ele vai pagar por isso, Mel. De um jeito ou de outro, ele vai pagar.
Ao deixar o quarto, eu me livrei de qualquer resquício de culpa em mim e me forcei
a direcioná-la exclusivamente à Steve, enquanto minha promessa pairava por minha mente.
Guilhermo e eu nos encontramos nos corredor do hospital e ele me levou ao quarto
de David após me abraçar carinhosamente. De alguma forma, ele sabia que eu precisava do
seu conforto para me recuperar plenamente para o novo baque. Ele sempre sabia.
O quarto de David também era guardado por dois seguranças, mas, pela inexistência
de qualquer parente dele para liberar nossa entrada, ela foi solicitada por telefone ao
superior daqueles policiais. Aguardamos o tempo pedido e adentramos o quarto após trocar
novamente de roupa – vestindo a bata que aquela ala do hospital exigia.
Senti novas lágrimas brotarem automaticamente em meus olhos ao ver David ali. Ele
parecia mais frágil e exposto do que eu lembro de já ter visto e isso me despedaçou.
Como Melanie, ele estava desacordado, mas Guilhermo me disse que isso se devia
ao cansaço e aos medicamentos. Apesar de tudo, ele parecia estar mais machucado que Mel.
Na semana passada, quando levou um tiro de raspão e quebrou o braço, ele ainda me
parecia tão imponente e perigoso quanto sempre, mas agora, com um curativo enorme sobre
seu rosto, o gesso no braço e em uma das pernas, além de outros ferimentos causados
provavelmente pelo carro durante o acidente, ele parecia mais impotente do que eu jamais
vi. Isso doeu terrivelmente até a minha alma.
Incapaz de me aproximar ainda mais – com medo de encontrar novos ferimentos – eu
abracei Guilhermo e recebi seu conforto e força novamente.
Ficamos alguns minutos a mais do quarto de David, até que Guilhermo me lembrou
do nosso voo para McAllen.
Seguíamos juntos para a entrada do hospital quando eu telefone tocou em meu bolso.
Peguei-o e o atendi:
— Querida, acabei e chegar ao hospital, mas não permitiram que eu visitasse seu
irmão. – Era mamãe e eu tinha certeza que chorava – Após as cirurgias para retirada das
balas, ele foi induzido à um coma.
Senti minhas pernas falharam ao ouvir as últimas palavras e, por um segundo,minha
vista escureceu. Guilhermo quem me sustentou de pé e impediu que eu caísse. Senti o mundo
girar e meus ouvidos sumbirem, ofuscando as novas palavras desesperadas que mamãe
proferia. Precisei de alguns momentos para me fazer voltar à realidade.
Respirei fundo ao ouvir a voz de Guilhermo me chamando, preocupado, enquanto
mamãe continuava a chorar e falar sobre estado de Daniel ao telefone.
— mamãe, se acalme. – pedi, mesmo que tentasse desesperadamente alcançar tal
conjuntura – Daniel ficará bem. Acredite, ore e tenho certeza que ele ficará. – fiz uma pausa
para me obrigar a respirar fundo e prossegui – Onde está papai? E Angie?
Ela fungou baixinho e demorou alguns segundos para responder, tentava
perceptivelmente se acalmar.
-Angie preferiu ficar na casa de seu primo, no Brasil. Seu pai está conversando com
um policial que está investigando o atentado contra Daniel. Acho que foram verificar as
câmeras do hospital.
Troquei um olhar com Guilhermo que continuava a me encarar cheio de
preocupação.
— Que policial mamãe? Eu pedi que não confiassem a nenhum!
— Eu não sei, querida. Um tal de Luiz, eu acho. Ele já estava aqui quando
chegamos.
— Louis. – ecoei, sentindo meu coração acelerar terrivelmente no peito.
Apertei minha mão de Guilhermo e me forcei tanto a pensar em algo para fazer,
quanto a andar.
— Mamãe? Vocês estão com seguranças aí?
— Sim, nós contratamos alguns para vigiarem o quarto de seu irmão também. Por
que Evangeline? O que está acontecendo? Você está me preocupando!
— Mamãe, não saiam do hospital! E não aceitem a ajuda de ninguém, para nada!
Estou indo para aí! Assim que eu chegar, eu explico.
Desliguei antes que ela dissesse qualquer outra coisa. Percebi que minhas mãos
tremiam, mas não me importei.
Guilhermo pedia silenciosamente por respostas, mas eu só consegui verbalizar
qualquer explicação quando já estávamos fora do hospital:
— Daniel está em coma, papai está em algum lugar com Louis e mamãe está
completamente desesperada.
Minhas palavras serviram apenas para deixá-lo estupefato.
— Steve ainda está aprontando algo. – murmurei, sentindo o desespero novamente à
espreita.
Guilhermo me fez parar abruptamente, para me dizer algo, mas seu celular o
interrompeu antes que iniciasse sua fala.
— É Nathan. – ele disse ao pegar o telefone para atendê-lo.
Suspirei lentamente e procurei me agarrar a qualquer pensamento que me ajudasse a
manter o controle sobre mim mesma.
Escondi minhas mãos nos bolsos, para protegê-las do frio, e olhei ao redor do
estacionamento, procurando por Logan e o nosso carro, mas o que encontrei foi algo
diferente e mais assustador.
Existe um momento crucial na vida das pessoas em que elas veem suas vidas
passando como um filme por suas mentes enquanto a realidade se passa em câmera lenta,
quase como que para prolongar a angustia do que se acredita serem seus últimos momentos.
As imagens que preencheram minha mente foram de Guilhermo em metade dos momentos
inesquecíveis que vivemos juntos. Era mais do que uma certeza que todos eles valeram à
pena, por isso não hesitei em me colocar à sua frente ao ver que o homem armado a alguns
metros, atiraria.
O disparo ecoou em meus ouvidos e fechei os olhos, me preparando para a dor. Um
gemido fugiu de meus lábios quando a bala atingiu meu braço direito. Meu corpo se chocou
com o de Guilhermo e, desesperado, o ouvi gritar o meu nome.
Gritos das pessoas no estacionamento ecoaram em meus ouvidos, mas, apesar da
dor, minha atenção continuava no homem dentro de um carro a alguns metros, sua arma
ainda estava em punho, mas ele não atirou mais, na verdade, também pareceu surpreso por
ter me acertado… Quase preocupado.
Guilhermo me jogou no chão e usou seu corpo para proteger o meu quando um novo
disparo, desta vez vindo detrás dele, atingiu o carro do atirador.
Logan – lembrei.
— Droga. – murmurei ao sentir o sangue encharcar não somente a minha blusa, mas
também o casaco. Ignorar a dor era fácil quando o medo pelo que estava acontecendo ainda
me dominava, se aquele homem decidisse mirar a arma novamente para um de nós, ao invés
de tentar acertar em Logan, ele facilmente nos acertaria.
Os tiros trocados cessaram e tentei ver o que acontecia, mas com Guilhermo sobre
mim, foi impossível. Ao ouvir a porta de um carro ser aberta, eu tive certeza de quem havia
caído primeiro.
— Porra. – Guilhermo xingou ao olhar para à sua frente.
Senti meu coração vacilar no peito e tentei levantar novamente, mas Guilhermo não
permitiu.
Um novo disparo fez com que as primeiras lágrimas de dor rolassem por meus
olhos, mas daquela vez, não foi a mim que abala atingiu.
***

Louis Hamilton não acreditava na sorte que o bastardo mais novo dos Howell’s
possuía. Três tiros! Três malditos tiros e a porra assassino de aluguel não conseguira matar
aquele filho da puta! E agora, por causa disso, teria que novamente colocar sua maldita
mascara de bom moço e vir ao hospital fingir para os Howell’s que usaria de todo afinco
necessário para descobrir quem tentara matar seu filho, quando havia pagado mais de
quarenta mil dólares àquele assassino para que fizesse tudo de forma que a morte fosse
rápida e não deixasse qualquer rastro seu que pudesse ser seguido de forma assertiva. Claro
que poderia se livrar facilmente de qualquer suspeita de um colega de trabalho seu – de
encontrar o assassino – afinal, fizera isso nos últimos dez anos para Neil Cosgrove e agora
para o bastardo do sobrinho dele, Steve Cosgrove.
Louis acreditava piamente que Steve não duraria naquela posição, o cara era um
verdadeiro idiota, não compreendia a grandiosidade do poder que tinha agora com a
“herança” de sua família que havia caído facilmente em suas mãos. O policial federal, chefe
do comando geral da polícia federal de Nova Orleans, também se preocupava com o que
aconteceria consigo agora, estivera por tempo demais na posição de policial infiltrado para
acreditar que ainda duraria muito tempo na nela sem que desconfiassem, ainda mais agora
que o idiota do Daniel Howell descobrira sobre ele com tanta facilidade – tudo porque teve
que encobertar o bastardo do Cosgrove! Louis não acreditava no quanto de sorte havia
perdido desde que esse filho da puta havia assumido o controle das boates e das casas de
compra e venda de mulheres em Nova Orleans. Primeiro aquela vadia, Evangeline, que
deveria estar em choque em algum maldito metro quadrado de Nova Iorque, é descoberta
por Neil e este o culpa por nunca ter avisado que a vadia ainda estava viva (quando ele
sequer sabia da importância de Evangeline em toda aquela maldita história), ela havia
concordado em não denunciar, parecia em choque e foi embora, porra! Como ele
adivinharia que a vadia era alvo da fúria de Neil Cosgrove?! Então o maldito Steve assume
os negócios do tio enquanto ele está no hospital, aí o verdadeiro inferno começa, pois Louis
é que teve que acobertar quando o idiota decidiu simplesmente matar um dos clientes de
Neil, depois descobriu que Neil queria uma de suas ex prostitutas que havia fugido há anos,
e, novamente, Evangeline é que estava envolvida com ela. Tudo se resumia aquela maldita
puta! Absolutamente tudo: a tal Mônica, a maldita secretaria também – Claire – John – o
filho da puta que descobriram que não estava morto – e a droga de obsessão que Steve
possuía também era por ela! Assim, todo o seu trabalho nos últimos meses se resumiu a
esconder os erros de Steve e Neil e continuava sendo.
Por ser mais esperto que a metade dos homens que conhecia, Louis já havia
percebido que estava na hora de sair de todo aquele inferno, os Howell’s haviam deixado
seguranças para proteger o quarto de Daniel Howell no hospital, portanto, não conseguiria
terminar o serviço que o assassino não fez direito, e, por mais que tivesse certeza que David
ainda demoraria muito para começar a duvidar de si, ele sabia que uma hora ou outra isso
aconteceria. Precisava estar longe quando isso acontecesse.
Já possuía uma conta em um país distante e que jamais seria descoberta por
ninguém. Tantos anos trabalhando como peão de Neil também lhe renderam muita grana,
poderia se safar facilmente de toda aquela situação, mas talvez com um pouco mais de
dinheiro, conseguisse garantir sua aposentaria e viver como um homem rico até o último dia
de sua vida. Um último trabalho seria suficiente para isso.
Louis havia acabado de chegar ao hospital em McAllen quando recebeu uma
chamada de Drew, um de seus policiais que ele havia deixado fazendo a “segurança” de
David e sua namorada – claro, ele precisava preservar sua imagem de “melhor amigo”
preocupado com o bem estar do outro.
— Diga. – ele atendeu.
— Guilhermo D’Angelo está aqui para ver David.
A informação rapidamente lhe chamou atenção e, com a mesma velocidade, trouxe à
sai mente a ideia do que o ajudaria a ganhar a grana que ainda precisava.
— Pode deixá-lo entrar. – avisei – Ele está acompanhado?
— Otto, que está no quarto da namorada do David, me mandou uma mensagem
informando que havia uma mulher lá, mas apenas o tal D’Angelo está aqui.
Um sorriso cínico se instalou nos lábios de Louis ao mirar seu próprio rosto no
espelho do elevador que o levaria ao andar em que Daniel estava. Sua sorte parecia estar
retornando, afinal, pensou. Só poderia ser a vadia da Evangeline Howell.
— Ok. Mantenha-me informado. – avisou antes de desligar.
Rapidamente digitou uma mensagem para Mason, o capanga de Steve que havia sido
encarregado de apagar de uma vez por todas Guilhermo D’Angelo, mas que ainda não o
havia feito por ele não estar em Nova Iorque, deu a localização exata do hospital e avisou
que Guilhermo ainda estava nele, mas que provavelmente seria rápido.
Discou o número do telefone descartável de Gustav, o novo braço direito de Steve, e
ligou para ele.
— Preciso falar com ele. – foram suas palavras quando percebeu que o homem do
outro lado da linha havia atendido.
— Ele está no quarto agora, não pode…
— É importante, porra. Dê logo a droga do telefone a ele, se eu não precisasse
realmente falar com ele, não ligaria.
O outro homem suspirou.
Louis deixou o elevador e se encaminhou lentamente para a recepção em que os
Howell’s estava.
— Que assunto é tão importante?
— Se interessasse a você, eu já teria dito. Seja rápido, não tenho muito tempo,
porra.
Silêncio se instalara na linha enquanto Gustav seguia para o quarto em que Steve
estava e o avisava sobre o telefonema de Louis. Steve não hesitou ao afirmar que atenderia,
afinal já gostaria de falar mesmo com Louis sobre os cofres em Montevidéu que precisariam
ser encontrados pela policia. Gustav não havia feito nada sobre isso, o imprestável.
— Fale. – Ele atendeu, finalmente.
— A vadia que pegaram pra você não é a que você pensa que é. – Louis lhe disse,
curto e grosso, como de costume. – Estou com ela em um hospital de Nova Iorque agora
mesmo e quero saber quanto me pagará para que eu a leve para você.
Steve trocou um olhar confuso com Gustav, mas fúria o inundou ao compreender as
palavras de Louis.
— Como pode ter certeza disso?
— Ela estava com Guilhermo D’Angelo. Acredito que estavam fora do país já que
os dois voltaram agora para visitar David.
— Traga-a para mim. – mandou, autoritária e extremamente furioso. – Não importa o
preço, apenas traga-a.
— Deixe um jatinho disponível para mim em Nova Iorque. Me mande as
coordenadas depois, preciso desligar.
Antes que Steve pudesse dizer algo mais, o homem desligou.
O telefone voou rapidamente na direção da parede mais próxima e se estilhaçou
rapidamente.
— A vadia que está na mansão não é Evangeline. – ralhou com Gustav, que
permanecia silencioso no quarto. – Arrume a porra de um avião para Louis em Nova Iorque
e avise a ele. Arrume meu quarto, quero ir para a mansão ainda hoje.
— Mas senhor, os médicos.
— Não me contrarie porra! Apenas faça o que mandei, obedeça! É para isso que
você é pago.
O outro homem assentiu e pediu licença antes de deixar o quarto.
VINTE E DOIS
EVANGELINE
O intervalo de tempo entre o disparo e o momento em que a bala acertou Guilhermo
foi de milésimos de segundo. Por estar sob ele, mirando-o e sentindo meu medo e desespero
me sufocar, eu tive visão periférica de sua expressão de surpresa ao ser atingido. Seus olhos
estavam nos meus, assustados, quando perderam seu usual brilho e foram preenchidos por
uma opacidade quase mórbida, que me destruiu no segundo em que a vi. Eu gritei seu nome
ao vê-lo ofegar pela dor e aparente incapacidade de respirar. Senti minha garganta se
apertar, meu peito se comprimir ao ponto de se resumir a um mero grão, passei a acreditar
que se o órgão ali, de fato, fosse vital, eu teria morrido naquele momento.
O corpo de Guilhermo caiu ao lado do meu, mas antes que eu conseguisse descobrir
onde ele havia sido atingido, para ajudá-lo, o homem armado que nos acertara, chegou até
nós. Fiz o possível para fingir não nota-lo e ignorei a dor em meu próprio braço ao me
sentar no chão para verificar Guilhermo.
— Guilhermo… – murmurei, desesperada ao vê-lo ofegar, tentando levar ar aos
pulmões. Ele segurou minha mão esquerda com força, como se isso fosse suficiente para me
manter consigo, para não permitir que algo mais acontecesse a mim. As primeiras lágrimas
rolaram por meus olhos ali, ao constatar que apesar de estar gravemente ferido, seu maior
medo no momento envolvia minha segurança.
— Levante. – O homem de pé mandou. – Agora, porra! Levante agora!
Mirei-o assustada, mas só decidi seguir a ordem quando ele engatilhou a arma
novamente e a apontou para Guilhermo.
— Não! – eu gritei, um pedido desesperado. Aquela cena foi suficiente para me
trazer de volta à realidade e me fazer reagir. – Não atire!
— Você vem comigo ou eu apresso a chegada dele ao inferno. – ele disse, mas
pareceu apressado e preocupado demais ao me forçar a levantar e me arrastar para longe de
Guilhermo, que inutilmente, me chamava e tentava levantar.
Um nó cresceu em minha garganta enquanto as lágrimas rolavam por meus olhos ao
vê-lo jogado sobre o chão, sangrando e machucado, mas ainda desesperado por me ver ser
arrastada por aquele homem sem que ele pudesse fazer nada.
Fui lançada dentro da parte traseira de um carro vermelho e, neste momento, ouvi
novos tiros sendo disparados em nossa direção.
Os seguranças do hospital – pensei – Por isso ele estava apressado em sair dali.
Mantive-me deitada sobre o banco detrás e o homem ao volante arrancou com o
carro para longe dali. Os pneus dançaram no asfalto e foi notável o som estridente que um
deles fez ao ser perfurado por uma bala. Isso fez o carro diminuir a velocidade.
Lágrimas grossas banharam meu rosto. Pressionei com força os dedos abaixo do
ferimento em meu braço, a pressão faria o sangue parar de rolar.
Uma batida estrondosa lançou meu corpo rapidamente à porta oposta a que eu fui
forçada a entrar, a dor se intensificou e se alastrou por todo o meu corpo. Senti-me girar
duas vezes até que o carro bateu em algo sólido e parou.
Não consegui me mexer e respirar era doloroso. Meu rosto estava contra a janela de
vidro e uma quantidade absurda de sangue caía de minha testa para o meu rosto.
Me forcei a me mexer de novo, mas a dor não me permitiu, tentei respirar fundo para
continuar acordada, mas foi inevitável. O cansaço e a escuridão logo me alcançaram.

Horas depois:
Uma série perturbadora de imagens atravessou minha mente no espaço curto de
tempo que tive de abrir e fechar os olhos por tê-los quase cegados pela claridade do quarto
em que eu me encontrava.
Eu entendi rapidamente aquela série desconexa de imagens e a dor, pior que a física
que eu sentia, apenas tornou cada uma delas verídica, incontestável e aterradoramente mais
angustiante.
Ao abrir os olhos novamente, eu já sentia lágrimas grossas neles e minha visão foi
terrivelmente prejudicada por isso. Demorei a perceber que estava em um quarto de um
hospital, mas quando percebi isso, não medi esforços para levantar daquela cama. Meu
corpo todo doeu, cada ferimento, cada corte, cada arranhão, cada local inchado e dolorido
pareceu escolher aquele momento em especial para me lembrar de que eu estava
completamente ferrada. Mas eu precisava procurar Guilhermo, precisava vê-lo, ter certeza
de que estava bem.
Limpei meu rosto rapidamente, percebi que havia um curativo em minha testa, mas
ignorei e me livrei do fio que levava soro ao meu braço. Não havia ninguém no quarto,
ninguém pare me impedir, ninguém para me tirar dali a força antes que eu chegasse a ver
Guilhermo e aproveitei cada um daqueles segundos para sair dali.
Eu vestia uma bata fina de tecido azul claro, meu braço estava enfaixado e já não
havia sangue nele também. Avistei uma bolsa sobre uma poltrona próxima à cama e, ao abri-
la, encontrei roupas minhas, limpas… As mesmas que levei para a casa da família
D’Angelo. Não sei quanto tempo exatamente se passou desde que fui colocada neste quarto,
mas agora sei que os pais de Guilhermo já estavam aqui.
Troquei de roupa sem me importar com os gemidos que fugiram involuntariamente
dos meus lábios a cada pequeno movimento que fazia. Peguei as sandálias rasteiras que
havia ali e as calcei.
Respirei fundo e enrolei os cabelos em um coque antes de deixar o quarto. O
corredor do hospital estava vazio, porém, ao final dele, percebi que havia uma recepção. À
passos lentos e angustiantes, eu segui pelo corredor.
— Preciso ver meu namorado. – avisei à mulher que me fitou assustada. Talvez
minha expressão estivesse horrível e meu rosto ainda terrivelmente machucado, mas ignorei
completamente seu olhar sobre mim e insisti. – Agora. Me diga onde Guilhermo D’Angelo
está!
— Evy? – ouvi a voz assustada de Marina atrás de mim e senti meu coração afundar
no peito ao me virar para vê-la. Seus olhos estavam vermelhos e seu rosto inchado,
provavelmente por ter chorado muito. Quando uma ideia mórbida passou por minha mente,
lágrimas também brotaram em meus olhos.
— Ele está bem? Onde ele está? – indaguei para ela. – Diga que ele está bem,
Marina! – eu gritei a última parte já com o desespero que senti ao vê-lo no chão ofegante e
quase sem conseguir se mover. A dor física se tornou irrelevante perto da dor emocional.
Ela se aproximou.
— Você precisa voltar para o seu quarto. Foi um milagre não ter quebrado nada ou
não ter… – ela se interrompeu ao ver meu estado desolado e respirou fundo para espantar
as novas lágrimas que surgiram em seus olhos. Aquilo me preocupou ainda mais. — O
médico quer falar…
— Me leve para vê-lo de uma vez! — eu explodi e me desvencilhei dela
rapidamente, meus olhos queimavam com lágrimas que eu já não me importava de derramar.
– Eu quero vê-lo. Me leve até ele, Marina. – pedi.
Tentando controlar as próprias lágrimas, ela decidiu se afastar.
— Por favor. – supliquei – Eu preciso saber que ele está bem, que vai ficar bem!
Mari se aproximou novamente para segurar minha mão e, em silêncio, nos tirou de
perto dos olhares vigilantes e curiosos de todas as recepcionistas e pacientes que
aguardavam na sala de espera.
— Ele ainda não acordou, está sob efeito da anestesia geral que lhe aplicaram antes
da cirurgia para extração da bala. – ela disse quando entramos no elevador. – A bala atingiu
um dos pulmões.
Acenei em negativa, incapaz de acreditar naquelas palavras e fechei os olhos com
força para me forçar a derramar as lagrimas que se instalaram nas linhas d’água dos meus
olhos. Naquele momento eu sentia como se meus maiores medos – que envolviam a
segurança e bem estar da minha família e das pessoas que amo, Guilhermo inclusive – já
não estivessem concentrados e guardados na parte mais obscura de mim, era como se eles,
de uma hora para outra, tivessem se tornado palpáveis: insuportavelmente mais agoniantes,
e tivessem se partido em meu interior com todos esses últimos acontecimentos, eu já estava
em meu limite. A dor que eu sentia se equipararia somente a ter mil estilhaços de vidro
perfurando meus membros ao mesmo tempo enquanto aquela maldita realidade tornava
aquela dor ainda mais excruciante por me lembrar que eu não possuía controle sobre nada.
Nem mesmo de mim mesma. A certeza de que desta vez eu estava sozinha me oprimia. Steve
não pararia e eu é que teria que lidar com ele se quisesse, de fato, dar um fim a tudo de ruim
que acontecia. Mas, estranhamente, eu não temia isso, não temia ter que me encontrar com
ele se fosse preciso, temia somente o que aconteceria a minha família se eu não parasse
Steve, não importava o que eu precisaria fazer para conseguir isto. Talvez a raiva que eu
sentia dele me desse ainda mais força.
Marina e eu ficamos em silêncio e respeitamos a falta de iniciativa da outra de falar
qualquer coisa, nos fechamos para nossos próprios sentimentos, dores, medos e orações.
Inspirei profundamente quando o elevador se abriu e ela saiu, nos deixando em uma
nova recepção, esta não tão cheia quanto a anterior.
Em uma televisão no canto da parede, percebi que Guilhermo e eu estávamos no
noticiário. Portanto, não havia se passado nem mesmo um dia, concluí.
— O que ela está fazendo aqui?! – Marina e eu nos viramos rapidamente para trás
ao ouvir a voz de Ana, sua mãe.
— Querida, por favor. – Theodory estava atrás dela e tentava acalmá-la, pois ela
claramente estava chorando copiosamente. – Se acalme.
— A culpa é dela, Theo! – ela gritou, apontando para mim entre as lágrimas e o
desespero – Allie e Guilhermo estariam bem se ela nunca tivesse entrado em nossas vidas.
Guilhermo estaria…
— Chega, Ana. – Theo a interrompeu, cansado, mas também bravo. Ele me olhou
por um momento e pediu desculpas silenciosamente, talvez sentisse pela dor que devia estar
estampada em meu rosto. Não pude fazer nada além de aceitar aquelas palavras e fingir não
me importar com as lágrimas que também deixavam meus olhos, não me importar com a
angústia que inconscientemente causara a mais pessoas inocentes. Me senti
momentaneamente entorpecida por todo aquele excesso de dor, não conseguiria lidar com
tudo naquele curto espaço de tempo – Leve-a para vê-lo, Marina. – ele pediu a filha.
Respirei fundo e, ainda em completo silêncio, eu voltei a segui-la.
Marina me levou à uma pequena sala e informou à uma das enfermeiras que eu
entraria no quarto de Guilhermo. As duas me ajudaram a vestir uma nova bata por cima da
roupa e a colocar uma mascara branca sobre o nariz e a boca. Em seguida, Marina me guiou
pelo corredor novamente. Paramos à frente de uma porta azul e ela se voltou para mim antes
de abri-la.
— Eu sinto muito. – murmurou antes de me dar espaço suficiente para entrar. Não
entendi se sentia pelas palavras de sua mãe ou se pelo estado em que eu veria Guilhermo.
Independente da dúvida, não tentei descobrir.
A porta foi fechada atrás de mim assim que adentrei o quarto. Um nó surgiu em
minha garganta e pareceu tranca-la quando eu o vi desacordado sobre aquela cama. A dor
foi aterradora, pior que qualquer outra que já senti em minha vida. Inicialmente não
consegui fazer nada além de mirá-lo ali. Havia um aparelho respiratório em seu rosto e uma
série interminável de fios ligados ao seu corpo.
O quarto girou à minha frente por alguns instantes e precisei me apoiar a porta para
não cair. Encostei minha testa à parede e chorei silenciosamente por alguns minutos, incapaz
de me mover e atestar que o que vira anteriormente era real. Por um momento pensei que
nem mesmo as lágrimas seriam suficientes para expurgar aquela dor, aquele sofrimento que
já parecia ter se impregnado em mim. Pedi forças a Deus, um milagre, qualquer coisa que
tirasse Guilhermo daquela cama, que o fizesse acordar, que o fizesse ficar bem. Não sei se
ele entendeu meus sussurros desesperados e ininteligíveis, mas eu quis acreditar que sim.
Me voltei para onde Guilhermo estava novamente e decidi me aproximar daquela
cama, precisava tocá-lo, precisava sentir que ele respirava, que, embora estivesse
desacordado e machucado, ele estava vivo.
Toquei seu rosto suavemente e beijei sua testa ternamente antes de abraça-lo da
forma que poderia naquele momento.
— Me desculpe. – pedi a ele em um sussurro irreconhecível e minha garganta se
apertou ainda mais – Me desculpe.
Mordi os lábios para tentar cessar o choro, mas aquele impulso pareceu mais forte
do que minha capacidade de acabar com ele. Muito mais forte do que eu naquele momento,
também.
Cerrei os olhos ao lembrar da promessa mútua que fizemos hoje pela manhã: Steve
não nos separaria. Em seguida um soluço desesperado escapou de meus lábios, a nova
lembrança era da noite anterior quando finalmente o ouvi dizer que me amava. Aquelas
palavras, ao serem ditas por ele, me deram forças, mas agora – por um motivo que eu
desconhecia – fizeram um pesar crescer em mim.
Acenei em negativa enquanto acariciava seu rosto lentamente e mordi os lábios com
força ao recordar do que ele me disse sobre eu ser forte, sobre ruir, mas depois me reerguer
mais forte, agora eu não acreditava ser capaz de conseguir isso, mas me obrigaria a fazê-lo
de um jeito ou de outro. Não por mim ou porque eu desejava demonstrar para todos que era
forte, mas por Guilhermo e todos os envolvidos nesta história que, para começar, entraram
ou permaneceram nela por mim. Minha força viria deles. E, de uma forma ou de outra, teria
que ser suficiente para dar um fim a todo esse maldito inferno.
A porta do quarto foi aberta, mas não me importei de olhar para ela, para ver quem
havia entrado. Limpei meu rosto e me afastei de Guilhermo, ficando apenas parada ao lado
da cama.
— Você não cansa de me trazer problemas, Evangeline?
A voz masculina conhecida me assustou, mas não me permiti virar para vê-lo,
tampouco para deixá-lo perceber que havia me assustado.
— O que está fazendo aqui? – questionei, o tom de voz neutro, livre de qualquer
indício da minha dor e fraqueza naquele momento. Não sabia exatamente quantas horas
haviam se passado desde o acidente, mas já era noite, havia passado tempo suficiente para
Louis pegar um avião para Nova Iorque.
O som de uma arma sendo engatilhada foi suficiente para me fazer encará-lo.
— Me diga que finalmente percebeu que não dou a mínima pra você ou sua amada
família. Isso me poupará de um teatro do qual já estou cansado. – ele faz uma pausa e, por
fim, parece decidir explicar o motivo de estar apontando uma arma para mim – Primeiro
você quase acabou com minha comissão sobre os negócios de Neil em Nova Orleans, então,
sete anos depois, decidiu desenterrar toda aquela merda e eu tive que desviar o idiota do
David de qualquer pista sobre aquele negócio, pois sabia que ele descobriria meu
envolvimento se eu o deixasse chegar perto demais da verdade, então aquele idiota do Steve
matou Neil e decidiu que seria capaz de cuidar de todas aquelas boates, e eu tive que ficar
acobertando todo maldito erro que aquele bastardo cometia, tudo porque ele queria você. –
ele acenou em negativa com desdém. – Não sei que droga o fez ficar tão obsessivo. Você
nem é tudo isso.
— O que você quer aqui? – indaguei cansada, mesmo que também temesse que sua
arma fosse apontada para Guilhermo.
— Vim cumprir minha última ordem em relação a você e esse babaca aí. –
murmurou. – Seja rápida, não tenho tempo nem paciência pra continuar lidando com você.
Steve me mandou vir aqui para levá-la. Aquele bastardo já sabe que você não estava no
Canadá, como ele achava, e quer que eu a leve para lá também.
Ele sorriu, mas seus olhos verdes não retiveram nenhum brilho, sua expressão era a
definição da indiferença e maldade.
— Aquele ex agente idiota da SWAT, o tal de Nathan, colocou seguranças neste
andar, se eu não tivesse um distintivo e policiais meus aqui, certamente não teria entrado
neste andar, então é óbvio que não seria capaz de sair daqui com você desacordada como eu
gostaria.
Juntei as sobrancelhas à medida que minha mente registrava e entedia suas palavras
e onde ele queria chegar com elas.
— Eu o deixo vivo se você for comigo e não criar problemas para passarmos pelos
seguranças.
Engoli em seco. Não consegui formular uma resposta rápida o suficiente para ele,
portanto, ele concluiu:
— Se não aceitar, eu mato os dois. Não tenho paciência para você, nem para aquele
idiota do Steve e ele não pode me incriminar por nenhum dos seus crimes, sem mim ele não
será capaz de fazer nada sozinho. E ninguém me desmentirá se eu disser que foi um acidente
a sua terrível morte. Erro daqueles seguranças, é claro. Minha aposentadoria já está
garantida de qualquer forma. – ele deu de ombros, displicente.
— Você seria preso antes que conseguisse sair daqui. – avisei-o, com raiva, mesmo
que começasse a ver aquela como uma chance de reencontrar Steve. Eu não sabia o que
faria, se, depois de tudo, teria coragem suficiente para mata-lo, também não possuía
qualquer plano sobre o que fazer, mas tinha tempo pra decidir isso, tinha tempo pra pensar
no que fazer pra por um fim em tudo.
Ele riu.
— Eu? É claro que não, para todos os efeitos eu agora estou no quarto de David,
visitando meu melhor amigo que foi vítima de um acidente terrível. Tenho três policiais
vigiando o quarto dele que podem confirmar isso também, além de que cuidei de desativar
as câmeras deste andar e minha arma… – ele a levantou o suficiente para que eu a visse por
inteiro. – Tem um silenciador maravilhoso, de última geração, que diminui o som, fazendo
com que ninguém além de nós dois nesse quarto escute quando uma bala brilhante deixar
essa belezura direto para o cérebro do seu querido namorado.
As últimas palavras me fizeram ofegar e me encostar à cama de Guilhermo ainda
mais.
— Facilita pra mim ao menos uma vez. Não temos todo o tempo do mundo. – ele
suspirou dramaticamente e se aproximou – Se eu não levá-la agora, eu o farei depois. Pode
ter certeza. Não acha que já tem muito sangue em suas mãos? Claire, John, Nany, o acidente
de David e Melanie, o atentado contra seu irmão e agora contra esse idiota aí. Não acredito
que seja tão cega a ponto de não perceber que se tivesse morrido sete anos atrás, nada disso
teria acontecido com nenhum deles.
Acenei em negativa, afetada por suas palavras, mas pronta para continuar a culpar
Steve por tudo, quando ele disse:
— Quer ser a culpada pela morte de Guilhermo D'Angelo também? Ou prefere ir
comigo e viver como a rainha de Steve?
Engoli em seco ao vê-lo parar do outro lado da cama de Guilhermo e apontar a arma
para ele. Louis atuava perfeitamente bem como advogado do diabo, sabia exatamente
quando dar a última cartada, quando fazer sua “vitima” perceber que não possuía saída à
não ser aceitar o que ele oferecia.
A opção mais fácil pra mim naquele momento foi gritar aos quatro ventos o que esse
homem pretendia fazer, mas sabia que apenas estaria agindo como uma louca e isso não o
impediria. Ele é um policial federal, chefe ainda por cima, antes que fosse preso por matar
alguém como Guilhermo, ele fugiria para bem longe. Saberia exatamente como se esconder.
E, de qualquer forma, eu não gostaria de ver Guilhermo ainda mais machucado. Não
gostaria de descobrir que mais alguém foi sequestrado, assassinado ou machucado por
causa da obsessão de Steve. Se ele me tivesse, ele deixaria todos em paz. Inclusive
Guilhermo. Eu poderia dar um jeito de me livrar dele depois.
Me voltei para Guilhermo e senti meus lábios tremerem e novas lágrimas surgirem,
mas, daquela vez não me permiti derramá-las. A última coisa que gostaria era demonstrar
minha fraqueza justo para aquele homem, que agora apontava sua arma para mim.
— Eu vou. – foi a única resposta que dei a ele.
Louis deixou uma risada baixa e irônica escapar.
— Sempre patética, Evangeline. Sempre se sacrificando pelos outros. – ele acenou
em negativa e guardou sua arma para pegar o telefone. – Não tente bancar a esperta, se não
chegarmos ao nosso primeiro destino em meia hora, outro capanga de Steve virá aqui e
acabará com o serviço que Mason começou.
Inspirei profundamente como se, ao fazer isso, resgatasse um pouco da resiliência
que um dia já existiu em mim. Olhei para Guilhermo uma última vez e tudo o que preencheu
minha mente foram as palavras de dele na noite anterior:
“Você é forte, só precisa acreditar na força que tem.”
— Eu acredito. – sussurrei de forma que apenas eu ouvisse.
Louis se moveu até à porta e a abriu para que deixássemos o quarto. Retirei a
máscara e a bata e as deixei próximas à porta.
Seguimos pelo corredor na direção do quarto de David e não da recepção, quando a
voz de Megan me chamando nos fez paralisar.
— Para onde está indo, Evy? – ela perguntou.
Volvi minha atenção para ela ao ouvir o eco de seus saltos enquanto se aproximava
de onde estávamos.
— O médico quer examina-la novamente, para ter certeza que o… – Louis a
interrompeu, com sua fala mansa de “bom policial”.
— Não iremos demorar, preciso apenas que ela me acompanhe porque tem novas
informações de interesse policial.
Meg juntou as sobrancelhas enquanto mirava minha expressão, perscrutando em
meus olhos o que exatamente estava errado. Ela, apesar de tudo, também estava preocupada
comigo, com meu bem-estar, ao perceber isso, eu me aproximei rapidamente para abraça-la.
— Eu sinto muito. – sussurrei em seu ouvido.
Ainda confusa e desentendida, ela me deixou acabar com o abraço e me encarou
com o cenho franzido. Fazendo-me uma pergunta silenciosa.
— Nós precisamos ir. — avisei-a antes de dar meia volta e seguir Louis.
Quando fizemos uma curva no corredor, deixando Megan e os seguranças de Nathan
para trás, ele agarrou meu braço com força e me lançou contra a parede mais próxima. Bati
minha cabeça, mas foram os diversos machucados em meu corpo que fizeram um gemido de
dor fugir de meus lábios.
— O que pensa que estava fazendo, sua puta? – ele murmurou com a voz áspera pela
raiva que seus olhos refletiam muito bem. — Se mais alguém vir atrás de você, eu meto a
porra de uma bala na cabeça. – ele avisou, fazendo com que raiva inundasse em mim. Não
medo, não desespero, mas raiva por ele, assim como Steve, estar ameaçando as pessoas
importantes para mim em circunstâncias que eu não posso controlar. Sua fúria repentina
acendeu em mim, uma que eu também sentia sempre que tentavam envolver a segurança de
minha família no que deveria envolver apenas a mim. Raiva me fez tentar afasta-lo de mim
com força, mas ele quase não se moveu.
— Eu não disse nada de mais para Meg. – lembrei-o, fazendo-o apertar os olhos em
minha direção, suas narinas se dilataram.
— Não interessa, cacete. Você tem que ficar calada. Calada! – ele explodiu –
Vamos!
Louis manteve o aperto insistente em meu braço, suas mãos grandes e grossas
machucavam o ferimento da bala, mas ele não se importou nem mesmo quando os
funcionários da limpeza viram-no fazer isso para me arrastar até o elevador de serviço.
Nenhum deles disse nada, provavelmente acreditavam que eu era apenas uma delinquente,
no estado em que estava, sendo arrastada por um policial de bem.
O elevador era lento, mas logo chegamos a área de serviço do subsolo, com Louis
ainda me arrastando para sair dali.
— Você está me machucando. – sussurrei, insolente, num tom frio proveniente
apenas da raiva que crescia em mim a cada passo que ele me forçava a dar. Tentei me soltar
novamente, tão furiosa que já não sentia a dor que os movimentos abruptos causavam ao
meu corpo.
Quando finalmente chegamos à uma parte vazia do estacionamento, a frente do
hospital, ele me soltou, empurrando-me para à frente da porta do quarto.
— Que pena pra você que eu não me importo minimamente com isso.
Uma dor lancinante em minha cabeça, provocada pela arma em um golpe energético,
comprovou suas palavras e rapidamente conseguiu me levar à escuridão.

***
Acordei com o balanço da superfície plana em que me encontrava. Minha cabeça
latejou e demorei a distinguir com precisão o que estava à minha frente já que tudo
aparentava ser somente mais um borrão indefinido de cores.
Deixei um suspiro escapar de meus lábios e meu estômago revirou com o novo
trepidar insuportável do avião ao passar por uma turbulência. Me forcei a levantar e
estupidamente usei o braço machucado para isso, um gemido me escapou e levou minha
atenção ao local em que eu havia sido atingida pela bala. O enorme curativo que envolvia
aquela área de ponta à ponta, estava ensopado de sangue.
Grunhi ao lembrar que Louis era o maldito culpado por isso.
Não me dei ao trabalho de verificar a porta, tinha certeza de que se aquele filho da
puta havia me isolado aqui, ele a havia trancado também. Me forcei a levantar, mesmo com
os machucados intensificando as dores e tentando me fazer desistir.
Havia um pequeno banheiro, de um metro quadrado no máximo, com uma pia
pequena e um vaso sanitário. Lavei o rosto, tomando cuidado para não molhar o curativo
sobre minha testa e avaliei minha expressão através no espelho. Eu parecia acabada,
esgotada de todas as formas, cansada de tudo e machucada em todos os lugares possíveis.
Meus olhos estavam inchados, vermelhos e opacos, tristes. Olheiras enormes e escuras
pendiam sob eles, evidenciando a noite não dormida no avião durante à viagem para Nova
Iorque e o excesso de choro. Eu não me importava infimamente com nada disso. Nem me
preocupava com o que Louis estaria aprontando agora, eu me sentia fora de qualquer
realidade existente, todas pareciam dolorosas demais e, por um ínfimo instante, eu me
convenci de que deveria usar isso ao meu favor. Não me preocupava com nada que pudesse
acontecer comigo, apenas queria acreditar que essa viagem, o fato de eu ser levada para
Steve, o tiraria de perto de todos. Eu estava indo ao seu encontro, não temia encontrá-lo e
isso também era vantagem, eu só precisava de um plano. Preferia morrer a ter que passar o
resto da minha vida sendo um troféu para Steve, mas não tomaria uma atitude drástica,
precisava tê-lo sob controle, ou preso ou morto.
Engoli em seco com o último pensamento e desviei meu olhar do espelho, a hipótese
de matar Steve trouxe um brilho desconhecido aos meus olhos. Um brilho que eu não queria
compreender.
Um plano. Definitivamente era disso que eu precisava.
Voltei à cama e me sentei sobre ela devagar. Encostei-me aos travesseiros e me
obriguei a pensar. A deixar minhas preocupações perdidas em algum lugar dentro de mim
enquanto eu tentava ser prática e, acima de tudo, tão forte quanto Guilhermo acreditava que
eu era.
Pensar em Guilhermo fez minha garganta se apertar e meus olhos se encherem
rapidamente de lágrimas. Tive que espantar a todo custo a imagem dele jogado no chão,
sangrando. Aquilo machucava mais que ser marcada como comprada por um homem. Eram
dores diferentes, mas foram as piores que já me infringiram. As únicas que eu não conseguia
me forçar a superar, nem mesmo estando ciente de que ele já está no hospital, sendo bem
cuidado.
— Pare, Evangeline! – eu ordenei à mim mesma. Precisava me lembrar que havia
coisas mais importantes para se fazer que chorar por algo que eu não tinha o poder de
mudar. Precisava usar essa dor a meu favor, precisava novamente transforma-la em raiva…
raiva direcionada à Steve. Porque ele é que pagaria por tudo isso.
Fechei os olhos por um momento e respirei fundo todas as vezes necessárias para
alcançar algum tipo de calma e resiliência. Não precisava exatamente de um pensamento
positivo, mas algo a que me agarrar além da dor. Algo que me desse um norte, uma direção
a seguir o mais rápido possível.
Encolhi meu corpo e trouxe minhas pernas para abraça-las. Ignorando a dor que o
movimento trazia.
Pense… – repeti silenciosamente para mim mesma – Apenas pense em algo para
destruir o império de Steve e acabar com a influência que ele possui. Agora você já sabe
que Louis não mais se prestará a ajudar Steve, ele pode ter outros policiais infiltrados, mas
não é possível que… – meus olhos se abriram rapidamente quando algo me fez perceber que
havia sim um ponto de ruptura ali… e fora Louis a mostra-lo para mim. Ele parecia
esgotado de Steve, de ter que livra-lo pelas besteiras e decisões idiotas que toma.
Era isso.
Exatamente isso que acabaria com Steve. Ele possuía pessoas para livra-lo, mas
elas não conseguiriam fazê-lo sempre e seu poder parecia estar concentrado em grande
quantidade em Nova Orleans, onde tinha a ajuda de Louis, que era chefe da polícia federal.
Em Nova Iorque não havia denúncias sobre ele, não havia o conhecimento pleno de tudo o
que Guilhermo e eu ouvimos Steve contar na semana passada (nós prestamos depoimento
apenas em Nova Orleans) e se essas informações fossem jogadas no ventilador? Não havia
policial infiltrado bom o bastante para conter a pressão da imprensa sobre um caso de
tráfico de mulheres, principalmente se houvesse a mera possibilidade de a polícia federal
estar envolvida nisso. Steve estaria perdido. E, por mais longe que estivesse, em breve eu
saberia onde ele está. Eu não faço a mínima ideia do que me aguarda no fim desta viagem,
mas sei que, independente do tempo que leve, eu conseguirei contatar alguém que possa nos
encontrar.
Acenei em negativa, quando uma nova resolução se mostrou em minha mente: Isso
significava também me expor, e à minha família. Ainda mais, para ser mais exata. Eu
trabalhava com marketing, era uma das melhores do meu ramo, sabia exatamente o que
aconteceria e, pior, no que isso afetaria nossas vidas. Muitas pessoas importantes poderiam
estar envolvidas nisso e fariam tudo para não terem qualquer responsabilidade ou a simples
desconfiança de que estavam em meio a algo tão sórdido. O perigo continuaria sempre à
espreita.
Eu não sei como faria isso estando justo aqui agora, precisava de qualquer inferno
que mostrasse todo o esquema que a família de Steve montou, que fizesse não só a polícia
de Nova Orleans ir atrás dele, mas a polícia de Nova Iorque, do Canadá, o FBI (já que
Louis já não estava lá), se fosse necessário.
Faria qualquer coisa para ter certeza de que ele jamais voltaria a tocar, ou mandar
qualquer outra pessoa, tocar em alguém que amo. Se isso significava conseguir a confiança
dele, eu conseguiria.

***
Não sei exatamente quanto tempo após acordar, percebi que o avião estava se
inclinando para pousar.
Inspirei profundamente, trazendo não somente oxigênio ao corpo, mas um pouco de
coragem e força também.
Após pousarmos, esperei pelo momento em que Louis viria até mim, o que não
demorou.
Ele apenas dedicou um olhar de desprezo ao mandar que eu o seguisse. Desta vez
não precisei fingir não me importar com ele, pois eu realmente não me importava
minimamente com sua maldita existência, tampouco com o fato de ele estar armado e,
aparentemente, ainda furioso comigo. E aquela não era uma boa combinação.
Durante o percurso de carro, eu usei toda a minha atenção para descobrir onde
exatamente nós estávamos no Canadá. Contudo, foi completamente em vão. Após deixarmos
a pequena e simples pista de pouso, não passamos por nada além de uma área arborizada
sem fim.
É claro que Steve ficaria em um lugar completamente recluso, concluí. Apesar de
tudo, ele ainda era apenas um traficante foragido.
Eu recapitulei meu plano em minha mente quando o telefone de Louis tocou, ele
estava no banco ao lado do motorista, o ouvi bufar, exasperado ao atender.
— Diga.
Mirei-o atentamente através do espelho retrovisor e o vi revirar os olhos, como se o
que ouvisse agora fosse ridículo demais para ter sua atenção.
— Sim, para todos os efeitos, fui sequestrado com a vadia, mencione também que eu
já havia recebido uma ameaça por chefiar as investigações contra essa quadrilha, sim, isso
mesmo, que eu já estava ciente de que era um alvo.
Foi minha vez de revirar os olhos ao compreender seu plano. O bastardo já havia
planejado todo o circo sobre seu “desaparecimento”, provavelmente também pensara em
como fazer todos acreditarem que fora assassinado, para ficar como herói enquanto na
verdade fugia e se livrava de todos.
— Ficarei de olho. Quando concluir o serviço, eu o pagarei. – ele fez uma pausa
para me encarar através do espelho — Mate-o. Não quero qualquer sombra de dúvida sobre
meu trabalho, muito menos sobre meu desaparecimento. E ele sabe demais.
O brilho tenebroso de seus olhos fez um arrepio de medo atravessar meu corpo, mas
mantive meus olhos nos dele como se suas palavras jamais tivessem me afetado. Quando,
querendo ou não, eu sabia que Louis estava falando de David ou Daniel.
— Siga minhas instruções anteriores para nos acertamos. – ele concluiu antes de
desligar.
Respirei fundo uma vez e cerrei os olhos após desvia-los dos de Louis.
Incrivelmente, não consegui detectar nenhum tipo de sentimento ou apreensão em mim.
Medo, horror, preocupação, culpa? Estas agora não passavam de palavras grifadas
consecutivas vezes em meu vocabulário e, por este motivo, por vê-las – e sentir na pele o
peso de seus respectivos significados – por tantas malditas vezes, acreditei ser capaz de
lidar com elas ali, à espreita, esperando uma única oportunidade para imporem sobre mim o
poder de destruição que carregavam, contudo, no momento, nenhuma delas poderia ser
usada para descrever a forma que todo aquele inferno havia me afetado. Simplesmente não
havia nada além de determinação. Nada além da certeza de que iria até o fim para alcançar
meu objetivo. Steve seria preso por tudo o que fez e nem ele, nem Louis, machucariam
qualquer pessoa importante para mim.
Nem que eu precisasse colocar Steve contra Louis.
Após algumas curvas na estrada, o carro parou à frente de uma luxuosa casa. Por
mais reclusa que estivesse em meio àquele aparente nada, ela obviamente destoava de todo
o verde que a cercava.
Para alguém que está fugindo da polícia, Steve não parecia se importar de chamar
atenção ostentando aquela enorme mansão – acenei em negativa para mim mesma ao
perceber algo – É claro que um de seus capangas é que havia alugado esse lugar. Steve não
seria idiota a ponto de usar o próprio nome para isso. Ou, refleti um segundo depois, ele já
não estivesse usando seu nome. Isso explicaria o fato de David nunca tê-lo encontrado
antes.
— Desça logo daí. – Louis mandou, já do lado de fora do carro.
Bufei e abri a porta do carro para sair. Em silêncio, eu o segui até as escadas que
levavam à entrada da casa.
Como se já soubessem que estávamos ali, a porta foi aberta quando paramos a frente
dela. Fomos recebidos por um homem de meia idade, baixo, com rosto e olhos verdes
inexpressivos. Eu sabia que não era nenhum tipo de mordomo, mas era difícil acreditar que
aquele homem poderia ser um dos capangas de Steve. Não somente por parecer um pouco
mais velho que os outros, mas por não ter o “perfil”, digamos assim, dos outros capangas de
Steve. Este era mais baixo, parecia tão inofensivo quanto eu.
Expulsei esse “inofensivo” da minha mente quando lembrei que eu sabia muito bem
lançar canivetes em alvos móveis (embora não gostasse da ideia de machucar uma pessoa
assim) e nem Steve, nem Guilhermo, sequer desconfiavam disso.
Não estranhei o fato de não sermos revistados já que Louis era um “deles” e eu, na
minha atual situação, aparentava ser mais inofensiva que um objeto inanimado.
Uma corrente de vento fez meu corpo se arrepiar completamente. O frio nesta época
do ano também é insuportável aqui, percebi, e eu não usava as roupas apropriadas para
passar por ele.
Os homens trocaram algumas palavras em voz baixa ao se afastarem – me deixando
entre dois brutamontes quase tão grandes quanto meus seguranças de Nova Iorque. Não
entendi perfeitamente metade das palavras, mas, a julgar pelas expressões faciais de ambos
– o capanga de Steve, que após alguns segundos de conversa descobri se chamar Gustav,
que permaneceu com sua neutralidade “inofensiva” inabalada, enquanto Louis ficava mais
vermelho de raiva a cada segundo.
Apertei os olhos na direção dos dois e tentei, novamente, descobrir o tema da
conversa, o que foi completamente em vão.
— Levem-na ao quarto dele. – Gustav mandou, pela primeira vez, desde que cheguei
aqui, elevando o tom de voz para torna-lo imperativo.
Um dos homens agarrou meu braço direito e, como Louis fizera anteriormente, tentou
me arrastar pela enorme sala, mas eu me desvencilhei imediatamente.
— Eu ainda consigo andar sozinha, obrigada. – murmurei em tom irônico que apenas
mascarava minha raiva no momento. O homem não disse nada, apenas desviou os olhos dos
meus e continuou a andar à minha frente.
Enquanto subíamos as escadas, eu os segui um pouco mais devagar, já que ainda
sentia muitas dores.
Havia uma arma no cós da calça de cada um deles, notei, e duvidei que aquelas
fossem as únicas armas que eles carregavam.
Respirei profundamente, quase sem fôlego, quando chegamos ao andar de cima.
Minha mente trabalhou rapidamente atrás de uma maneira de colocar Steve contra
Louis. Ele está louco, seria estupidez não usar essa loucura ao meu favor e eu já havia
decidido fazer isso mais cedo, mas eu precisaria de mais do que fingir ser a “Evangeline de
Steve” para conseguir que ele se voltasse contra Louis.
— Não! Por favor, por favor não faça isso! – aquela voz gritando aquele pedido
desesperado me fez parar abruptamente a frente de uma porta, provavelmente de um quarto,
enquanto os homens seguiram como se jamais tivessem ouvido nada.
Era Allie – percebi após um novo grito.
Engoli em seco, sentindo meu coração acelerar. Enquanto eu girava a maçaneta
daquela porta, torcendo para que estivesse destrancada, eu senti como se vivesse uma
espécie de déjà vu.
Meus pulmões inflaram de ódio e gana quando entrei no quarto silenciosamente e vi
Allie amarrada contra a cama enquanto um homem alto e asqueroso, que estava de costas
para mim e não percebeu que eu estava ali, baixava a própria calça. Allison estava com o
vestido levantado até à altura da cintura. Presa. Sem qualquer chance de se defender.
Me vi em seu lugar há sete anos e isso me enfureceu ainda mais. Me fez querer
chutar aquele filho da puta até ele não conseguir se levantar mais.
Adentrei o quarto silenciosamente e, com o mesmo cuidado que usei para abrir a
porta, eu a fechei. O homem riu quando Allie parou de gritar.
Procurei algo sólido para quebrar na cabeça daquele filho da puta e, ao encontrar
sobre uma cômoda, eu me aproximei dele. Mas Allie me fitou assustada e isso trouxe a
atenção do homem para mim.
— O que você pensa que está fazendo, sua puta? – Ele gritou ao segurar meus braços
com força. O vaso caiu de minhas mãos quando ele me pressionou com força à parede do
criado mudo. – Quer entrar na fila também porra?
A pergunta me fez apertar os olhos na direção do filho da puta e, furiosa, tentar me
soltar.
— Nem se você fosse o último homem na terra! – eu afirmei friamente, o que o fez
me segurar com mais força, os olhos castanhos exalando a fúria que eu também sentia — Me
solte ou eu farei com que Steve se certifique de que você seja castrado!
O homem semicerrou os olhos para mim, como se tentasse entender quem eu era e
depois olhou para Allie sobre a cama.
— Você é a puta dele. – afirmou ao me soltar – Mas não manda em porra nenhuma
aqui, então vai embora agora, caralho.
— Não antes de você solta-la. Ela vai comigo. — avisei-o.
O homem riu e se afastou para me encarar melhor, sequer fechou a braguilha da
calça.
Olhei para Allie sobre a cama e percebi que ela evitava olhar para aquele homem.
Ele começou a falar algo e se virou de costas para mim, não prestei atenção em nenhuma
das palavras, mas havia excesso de deboche em cada uma delas. Me surpreendi ao olhar
para o criado mudo, à procura de um outro vaso, e encontrar duas armas sobre ele, hesitei
por um instante sem ter certeza do que faria com uma arma, mas, por fim, peguei uma delas.
Apesar da minha inicial relutância, eu segurei a pistola com firmeza. Ela era
diferente da que Guilhermo me deu há uma semana naquele galpão, não só o modelo, esta
parecia mais pesada, mais gélida e mais… mortal.
Quando o bastardo se voltou para mim novamente, eu já segurava a pistola com mais
habilidade e naturalidade do que achei ser capaz. Ele tentou mascarar a surpresa, mas foi
em vão. Apesar de tudo, ele não parecia temer o que eu poderia fazer com aquele objeto
letal agora apontado diretamente para o seu peito.
— Solte-a agora! – mandei, raiva escorrendo de meu tom e minha voz e pairando
sobre o silêncio que se instalou no quarto.
O homem acenou em negativa e sorriu. Arregalei os olhos ao vê-lo se aproximar, seu
semblante mudando gradativamente à algo mais sombrio, perigoso e assassino. Algo que
depois de tudo, conseguiu me fazer sentir medo, tanto por mim, quanto por Allie. Quando
ele estava a apenas três passos de distância, por instinto mais do que por coragem ou frieza,
meu dedo indicador puxou o gatilho e uma bala deixou a pistola automaticamente. O sorriso
afetado aos poucos deixou seus lábios, dando lugar à uma expressão estupefata,
assombrada.
Assustada com o que havia feito, eu olhei para a pistola em minhas mãos e me
obriguei a levar ar aos pulmões. Havia parado de respirar em algum momento desde que
entrei ali.
A arma caiu de minhas mãos depois que o homem desabou no chão.
Não vi onde a bala o atingiu, na verdade não lembro sequer de ter ouvido o som
estridente dela ao deixar a arma. Não sabia se o havia matado, mas naquele momento não
me importei, sequer queria me aproximar demais e atestar que realmente havia feito aquilo.
Ao invés disso, me aproximei de Allie e sem olhá-la ou me importar com o fato de
minhas mãos estarem tremendo, eu tentei desamarrar as cordas que prendiam seus pulsos à
cama. Parei de respirar no instante em que a porta do quarto foi aberta. Troquei um olhar
com Allie, que ainda parecia apavorada e mordi os lábios com força, me obrigaria a
permanecer inabalável pelo tempo que fosse necessário.
Libertei um dos pulsos de Allie. Meu corpo inteiro tremeu quando um disparo para
dentro do quarto, próximo a mim, me fez engolir em seco e me voltar para o novo capanga
que estava à frente da porta, furioso.
Minha atenção se mantinha na arma que ele segurava enquanto se aproximava. Tentei
resistir quando ele, novamente, me puxou com força para me levar consigo, mas foi inútil.
— Era só o que me faltava. – ele disse, bravo.
Decidi me manter em silêncio, não adiantaria discutir tanto quanto não adiantaria
pedir pra ele soltar Allie.
O homem me arrastou por todo o corredor até chegarmos à uma porta branca e larga,
da suíte, obviamente. Onde Steve estava, mais precisamente.
Inspirei lentamente e me obriguei a colocar a máscara que me ajudaria naquele
momento. Minha dissimulação só precisaria ser crível para Steve.
Avaliei meu corpo enquanto o homem batia à porta do quarto. Fechei os olhos com
força e trouxe à tona, à minha atual realidade, toda a dor que afugentei outrora. Senti meus
olhos queimarem em lágrimas por David, por Melanie, Daniel e Guilhermo.
Agora sim. Frágil, chorando e visivelmente machucada. Uma mulher facilmente
manipulável. Era exatamente esta a Evangeline que Steve acreditava amar.
Ele a teria, e ela o destruiria.
***

Poucas coisas na vida deixavam Theodory D'Angelo estressado. Não ter o controle
do que acontecia e não saber o que fazer estavam no topo delas.
Seu único filho homem estava ali, a sua frente, numa cama de um quarto de UTI de
um hospital e Theo não possuía qualquer controle sobre o tempo que o filho continuaria ali,
muito menos garantias de que se recuperaria completamente e isso, mais do deixa-lo uma
pilha de nervos por fora, o destruía por dentro.
Apesar de agora estar tão grande quanto o próprio pai, ainda era o seu menino, a
quem ele prometeu que protegeria. E ele não cumpriu esta promessa.
Theo limpou a lágrima insistente que, apesar de seus esforços, rolou por sua
bochecha. Uma parte de si agradecia por Guilhermo continuar dormindo, pois ele não
possuía a mínima ideia de como dizer ao filho que sua mulher fora levada do hospital e que
não possuíam o paradeiro dela ainda. Por mais que mentir até Nathan encontrá-la lhe
parecesse a opção mais fácil, Theo não faria isso. Não mentiria para o próprio filho.
A porta atrás de si foi aberta, fazendo-o voltar-se para a enfermeira que entrava.
— O tempo acabou, senhor. – ele concordou com um aceno e olhou novamente para
Guilhermo.
Vamos trazê-las de volta, filho. – prometeu antes de deixar o quarto.
O sequestro de Allie também preocupava Theo, mas ele pedia a Deus que ela e
Evangeline agora estivessem juntas, independente de onde seja, porque confiava que aquele
homem as encontraria.
Marina decidiu voltar para casa ontem à noite após deixar Evangeline no quarto de
Guilhermo, Natalie estava na mansão D'Angelo e Marina cuidaria da menina,
principalmente agora que Evy havia desaparecido – Theodory lembrou.
Já era manhã do dia seguinte ao acidente e Mariana ainda se recusava a deixar o
hospital, queria sobretudo estar presente quando o filho acordasse e tentar convencê-la do
contrário seria um esforço desgastante e falível. Theo conhecia sua esposa e em certas
decisões dela nem mesmo ele poderia fazê-la mudar de ideia. Então apenas retomou seu
lugar ao lado dela, entrelaçou sua mão a dela e tentou conforta-la com um abraço. Já não
possuía palavras para ajudá-la naquele momento.
***

Enquanto Megan Jackson abria a porta do quarto de seu amigo David, ela não estava
preocupada que ele a culpasse por não tentar impedir aquele policial de levar Evangeline,
não, este também não era o motivo de ela estar chorando desde que descobriu que a amiga
havia sumido. O que fazia as lágrimas rolarem por seus olhos ininterruptamente tinha a ver
com o que o médico contou a ela e à Marina ontem à noite. Este também fora o estopim para
o seu desespero.
Havia outro homem com David no quarto, este Megan reconhecia, fora ele que
pedira informações sobre o policial que saíra com Evy. Nathan era o seu nome, ela achava.
— Meg, esse é o homem que saiu do hospital com Evangeline? – ela apertou os
olhos e se aproximou para ver melhor a foto que o amigo lhe mostrava. Apesar dos cabelos
do homem estarem maiores na foto e ele parecesse mais jovem, era ele. Ela tinha certeza.
— Sim, foi ele que disse que precisava conversar com Evangeline. – respondeu
voltando a fitar o rosto de David. A feição dele estava obscura, havia raiva brilhando em
seus olhos, como se ele se culpasse por algo, mas tivesse em mente alguém em especial
para descontar aquela raiva.
— Porra. – ele xingou após amassar a foto.
— Guilhermo já havia me informado sobre esse Louis. Me contou ontem, para ser
mais exato. – foi Nathan a falar desta vez – Vou falar com meus contatos e pedir que entrem
em contato com a ETF. Somente eles podem confirmar se estamos certos.
Megan uniu as sobrancelhas sem entender do que falavam. Antes que tentasse dizer
algo mais, David interpelou:
— Sierra consegue facilmente descobrir um denominador comum entre os voos em
jatos particulares saídos de Nova Iorque e McAllen. – ele disse – Mas nada garante que os
voos de Steve e Louis foram diretos.
— Ele está com identidades falsas. – fora Nathan a se pronunciar desta vez – Vou
seguir minhas primeiras pistas e consultar os hospitais.
— David. – Meg chamou a atenção do amigo novamente. Ele a mirou confuso, mas
logo percebeu que o que ela diria era sério. Seu coração afundou no peito ao lembrar de
Melanie, sua namorada. Já sabia que ela estava em coma, sofria por isso, entretanto tinha
ciência de que aquele inferno apenas pioraria se Steve e Louis não fossem presos o mais
rápido possível. Precisava garantir que, quando ela acordasse (porque sim, ele estava
convicto de que ela acordaria), ela estaria segura.
— Evangeline está grávida.
As palavras da amiga o fizeram mirá-la, estupefato.
— O que?! Como ela está grávida Megan?!
— Eu acho que ela não sabe! – Megan voltou a chorar desesperadamente – O
médico disse que ela está com quatorze semanas, foi um milagre não ter perdido o bebê no
acidente de carro.
— São mais de três meses de gestação Megan! Como ela não saberia porra?!
— Ela teria me contado, se soubesse – ela murmurou tentando se acalmar – Não são
todas as mulheres que têm sintomas óbvios na gravidez, David! Nem parece que ela
engordou, como poderia saber?!
Resignado e agora muito mais preocupado, David cerrou os olhos.
Cacete! – xingou mentalmente – Ela tinha coisas mais importantes com que se
preocupar do que enjoos e quilos a mais. Claro que era possível que não percebesse
mudanças no próprio corpo, poderia não ser crível para ele naquele momento já que não
sabia exatamente como ela se sentiu sobre todos os acontecimentos desses últimos três
meses, mas era possível sim.
— Merda! – desta vez fora ele a tentar se acalmar – Avise a ETF sobre isso. Tenho
certeza que eles não se recusarão a ajudar, assim como a SWAT não se recusou. – pediu, por
fim, ao amigo.
Nathan já havia conseguido uma equipe da SWAT para fazer a segurança de Daniel
durante a mudança de hospital dele na madrugada e também descobrira detalhes importantes
sobre a passagem de Steve em McAllen (essa agora era uma certeza). Ele também já havia
sido alertado por Guilhermo sobre Louis e isso o ajudou a conseguir ajuda de uma equipe
da SWAT de Nova Iorque, a nova equipe do seu antigo chefe.
David torcia para que essas medidas fossem necessárias para dar um fim àquela
história e manter todos à salvo. Inclusive o filho de Evangeline e Guilhermo.
VINTE E TRÊS
GUILHERMO
Abandonei a escuridão silenciosa e solitária para, ao abrir os olhos, me deparar
com a visão de um teto bem acabado e totalmente pintado de branco. A estranheza me fez
olhar ao redor, mas tudo ainda parecia apenas um amontoado de cores e formas, era como
se eu fosse incapaz de distinguir um objeto do outro. Preferi não fechar os olhos novamente.
Não sabia quando os abriria de novo já que eles ainda estavam pesados, preferi não
arriscar.
Talvez eu ainda estivesse sob efeito de alguma droga, conclui um momento depois.
Inspirei e uma fisgada de dor me fez desistir imediatamente de me mover bruscamente. O ar
gelado que vinha do aparelho respiratório sempre que eu tentava inspirar, me instigou a
tentar lembrar do que aconteceu para eu estar agora em um hospital. Porque esta já era uma
certeza a essa altura. Estou em um quarto de um hospital, machucado o suficiente para ter
dificuldades até mesmo para respirar.
Porra – xinguei mentalmente, inquieto. Tentei ao menos me sentar sobre aquela
maldita cama. A dor do lado direito do meu peito e costas me fez exclamar um palavrão
ainda pior que o que ecoava em minha mente. Após um esforço significativo e alguns fios
desconectados do meu corpo, eu consegui finalmente me sentar. Retirei a mascara de meu
rosto e me obriguei a, de fato, lembrar porque eu estava ali. Minha mente estava como o
borrão de cores que o quarto aparentou para mim inicialmente, mas logo consegui
identificar uma lembrança ou outra.
Primeiro Evangeline e eu na casa da minha família… Depois nós dois em um
hospital, mas o motivo para isso me era uma incógnita. Acenei em negativa. Aquelas
imagens incoerentes estavam me incomodando.
A porta do quarto foi aberta lentamente e mamãe entrou, vestindo uma espécie de
bata, ao olhar para meu próprio corpo, eu percebi que vestia algo parecido.
— Mamãe? – murmurei, minha voz soou rouca, como se não a utilizasse há anos.
— Querido!
Mirei-a surpreso ao vê-la se debulhar em lágrimas enquanto se aproximava da cama
em que eu estava. Cerrei os lábios para me impedir de deixar um grunhido de dor escapar
quando ela me abraçou, ainda chorando. Mesmo confuso, eu tentei consolá-la.
— O que aconteceu? – questionei quando percebi que ela não se afastaria tão cedo.
– Onde está Evangeline?
Minha última pergunta a fez se afastar, relutante.
— Eu não sei, mas agora você está seguro. – ela disse, fitando-me cheia de afeto
enquanto acariciava meu rosto.
Uni as sobrancelhas sem compreender suas palavras e acenei em negativa.
— O que aconteceu, mamãe? Por que eu estou aqui?
Usei uma das mãos para tocar o local que eu sabia estar machucado em mim, tentei
respirar fundo novamente, mas não consegui, pelo contrário, me tornei incapaz de levar
qualquer quantidade de ar aos pulmões. Ao perceber isso, mamãe se desesperou.
— Querido?!
Com os lábios entreabertos e uma sensação sufocante me oprimindo, eu peguei a
mascara de oxigênio novamente e a coloquei. Demorei cerca de trinta segundos para
conseguir voltar a respirar de novo. Após alguns minutos, me senti seguro para retirar a
mascara novamente e ignorei a expressão apavorada de mamãe enquanto lágrimas rolavam
de seus olhos. Algo estava muito errado, percebi, e não tinha a ver apenas com o fato de eu
não estar conseguindo respirar normalmente.
— O que houve? – inquiri.
— Você foi baleado. – contou – Uma das balas roçou o pulmão, por isso precisou
passar por uma cirurgia…
Ela continuou a falar, mas eu parei de prestar atenção, fiquei preso na primeira
informação oferecida por ela. Fechei os olhos com força e tentei lembrar onde e como isso
aconteceu. Novas imagens surgiram e aos poucos consegui uni-las, até finalmente chegar a
uma lembrança nítida e resolutiva. Meus olhos se abriram rapidamente e eu tentei levantar
daquela cama.
— Onde está Evangeline?! – questionei desesperado ao lembrar que antes de eu ser
atingido, ela também foi baleada e depois de tudo, aquele filho da puta a levou para um
carro.
Mamãe tentou me conter, mas foi completamente em vão, não deixei nem mesmo as
malditas dores me impedirem de sair dali e me forcei a manter a respiração calma para não
precisar daquela maldita máscara.
— Onde ela está, mamãe?! – desta vez eu gritei, furioso. Minha fúria não era
dedicada a ela, minha mãe, mas ao filho da puta que machucou Evangeline e tentou levá-la
para longe. Minha fúria tinha mais a ver com o fato de eu ter sido incapaz de impedir isso e
agora sentir meu peito se apertar, o desespero me consumir e o medo, mais que qualquer
outra coisa, entorpecer minhas malditas dores para que eu pudesse sair daquela droga de
hospital para procurar minha mulher.
Só percebi que mamãe havia saído do quarto quando eu já estava de pé.
— Porra! Onde estão minhas roupas?!
Olhei ao redor do quarto, mas não vi nenhuma mala, nenhuma sacola ou cômoda,
decidi seguir para o banheiro, mas uma nova fisgada de dor me fez grunhir. Toquei
suavemente o ferimento em minhas costas e me assustei ao perceber que estava sangrando.
Muito.
Naquele momento a porta do quarto foi aberta e dois enfermeiros o adentraram.
— Merda! – xinguei quando os dois se aproximaram para tentar me conter. Me
desvencilhei do primeiro e o empurrei contra a parede mais próxima, contudo, ao socar o
outro, eu senti o momento exato em que os pontos do ferimento se abriram e daquela vez não
foi apenas um grunhido que deixei escapar. Me curvei sobre a cama e cerrei os olhos e os
lábios com força, numa tentativa de esperar que a dor intensa passasse. O que pareceu
demorar uma eternidade. Não resisti novamente quando mamãe ajudou um dos enfermeiros a
me colocar sobre a cama. Por mais que quisesse, não conseguiria.
Minutos depois, engoli fortemente e segurei o lençol que cobria a cama com força
enquanto sentia o sangue deixar o local que antes estava suturado. Eu poderia muito bem
lidar com aquela porra de dor, poderia ignora-la, mas jamais conseguiria fazer o mesmo em
relação a Evangeline – foi a conclusão a que cheguei quando mamãe me disse que ela não
estava no hospital. Que ninguém sabia onde ela estava.
— Chame o papai. – pedi ainda sentado sobre a cama, mas sem mirá-la. Uma
enfermeira preparava alguns medicamentos, gases e remédios para limpar o ferimento antes
que pudesse sutura-lo novamente.
— Querido, por favor…
— Eu não vou fugir, porra! Chame o papai agora. – pedi agora com raiva. Era
evidente que mamãe não ligava a mínima para o sumiço de Evangeline e fingia não se
importar com o fato de eu estar mais preocupado com ela do que com os malditos pontos
abertos nas minhas costas.
A enfermeira pediu que eu voltasse a usar a mascara e continuasse sem fazer
movimentos bruscos, eu decidi seguir o conselho e não reclamar. Assim mamãe chamaria
logo papai e eu teria alguma chance de me recuperar o suficiente para sair daqui. Não
ficaria nem mais um dia nesse hospital.
Pensar no tempo que já estava ali, me fez hesitar.
— Que dia é hoje? – perguntei a enfermeira após retirar a mascara por alguns
segundos.
— Sábado, onze de março.
Um pouco de alívio me inundou. Era apenas o dia seguinte ao que tudo havia
acontecido.
Apertei os olhos e inspirei o ar gélido da mascara ao tentar lembrar de mais
detalhes sobre a tarde de ontem. Meu cenho se franziu involuntariamente quando recordei de
meu telefonema com Nathan e das suspeitas dele.
A mulher baixa e ruiva que preparava os medicamentos se voltou para mim, mas não
lhe dei atenção, apenas a vi quando ela levou uma bandeja consigo para o outro lado do
quarto, para ficar às minhas costas.
Xinguei mentalmente ao lembrar do rosto do filho da puta de ontem, ele era o mesmo
capanga de Steve que Evangeline pediu que Logan e eu levássemos para sua casa há
algumas semanas. Ele certamente foi mandado por Steve para me matar e percebeu que não
havia sequestrado a mulher certa para levar à Steve há alguns dias e, por isso, decidiu levar
Evangeline. Não me importei de tentar descobrir como ele soube que eu estava em Nova
Iorque, preferi me concentrar no que eu farei para sair desse maldito hospital ainda hoje.
Preciso do meu celular, preciso falar com Nathan para me atualizar e saber qual será seu
próximo passo.
A porta do meu quarto foi aberta no momento em que a enfermeira abriu a parte de
trás da bata que eu vestia.
— Como se sente filho? – papai questionou ao fechar a porta novamente. Percebi
que estava preocupado, mas sabia que ele também tinha certeza que eu não me importava
minimamente comigo mesmo agora. Deixei a máscara de lado e disse:
— Estou bem… Porra. – retesei as costas ao sentir a ardência que algum líquido em
uma gases trouxe ao meu ferimento, a enfermeira não parou o que fazia, tampouco se
importou com o palavrão que eu disse. Talvez estivesse acostumada com isso. – O que
exatamente aconteceu com Evangeline?
Ele expirou fortemente enquanto se aproximava, imediatamente percebi que tentava
decidir o que deveria me contar. Semicerrei os olhos para ele.
— Não me esconda nada. – alertei, bravo apenas com a possibilidade de ele me
esconder algo importante.
Nos encaramos em completo silêncio por alguns segundos, nem mesmo a enfermeira
fazia qualquer som ou ruído ao pegar algo novo na bandeja.
Papai desistiu do que quer que havia se preparado para me dizer e iniciou:
— Ao que parece um dos policiais que estava com aquele detetive, a levou. Não
sabemos para onde, mas há um homem, Nathan, que é amigo do detetive, que disse que a
encontrará, assim como a Allison.
Tenho certeza que minha expressão se converteu rapidamente à confusão.
— Como um policial? Não foi aquele filho da puta que atirou em mim que a levou?
Ele acenou em negativa e suspirou.
— Ele tentou, mas os dois sofreram um acidente de carro ainda na rua do hospital e
foram trazidos para cá. O homem morreu ao chegar ao hospital.
Meu coração parou de bater ao ouvir “acidente”, senti-o pesar tanto em meu peito
que cheguei a acreditar que talvez tivesse se transformado em concreto. Ao perceber que eu
havia me tornado incapaz de perguntar sobre isso, ele explicou:
— Ela não se machucou muito, não se preocupe, até veio visitar você após a sua
cirurgia.
Aquela nova informação trouxe uma onda de alívio a mim, como se metade do peso
sobre meus ombros, fosse extinguido, mas logo percebi outra coisa.
— Inferno. – murmurei apenas por imaginar como ela se sentiu ao me ver nessa
droga de quarto. – Preciso do meu celular… Quero falar com Nathan e com David…
Antes que eu concluísse minhas palavras, batidas soaram na porta.
Papai e eu trocamos um olhar, mas ele deixou a confusão de lado e foi abrir a porta.
David adentrou o quarto em uma cadeira de rodas com a ajuda de Nathan. Ele
continuava muito machucado, mas no momento aparentava se importar com isso tanto quanto
eu. Mais do que preocupado com algo, ele parecia furioso com o que acontecia, talvez por
motivos parecidos com os meus, mas não iguais. Acenei em negativa novamente e entendi: a
essa altura ele já sabe sobre Louis ser um policial infiltrado de Steve.
— Como você está, cara? – foi a primeira pergunta dele.
— Bem o suficiente para ir atrás daquele filho da puta. – respondi – Já descobriu se
suas suspeitas estavam certas? – questionei agora para Nathan.
Ele se limitou a concordar com um aceno.
— Alertei a equipe da ETF de Toronto e consegui um voo para lá em uma hora. Vim
aqui apenas para deixa-lo ciente disso. Nós vamos encontra-las, não se preocupem. –
Nathan respondeu agora olhando para papai também, para tranquiliza-lo.
— Eu vou com você. – afirmei prontamente. – Não vou ficar aqui de braços
cruzados enquanto aqueles filhos da puta…
— Guilhermo, precisamos ser racionais. Nenhum de nós está em condições de sair
da porra desse hospital agora. Vamos ajudar mais ficando longe. A ETF é como a SWAT do
Canadá. O trabalho deles é garantir que ninguém saia ferido depois de uma missão e isso
inclui até Steve.
— David, são minha mulher e minha melhor amiga que estão lá, eu não… – desta
vez foi papai a me interromper.
— Eles estão certos Guilhermo.
Bufei de raiva e tentei me acalmar antes que começasse a ter dificuldades para
respirar novamente. No momento, decidi não discutir.
— Como descobriu que Steve havia ido para lá? Até onde entendi, ele estava
usando identidades falsas.
— Segui o rastro dele em McAllen, onde Daniel foi baleado ao descobrir algo,
depois procurei todos os voos particulares saídos de lá. Steve precisava de certos luxos
para conseguir sair daquela cidade sem a certeza de que morreria no caminho. Encontrei
apenas dois jatinhos que poderiam ter sido usados por ele. Foram alugados para destinos
diferentes, mas segui o rastro dos dois passageiros. Um deles era um fazendeiro que foi
transferido para um hospital de Houston e o outro foi para a capital de Oklahoma e lá alugou
outro avião para ir ao Canadá. Quando David me ligou ontem à noite para avisar sobre a
Srta. Howell, eu esperei que Louis pegasse um avião e confirmasse que estavam indo para o
Canadá também. O problema é que ele pode sair de lá a qualquer hora, se fizer isso, os
perderemos de vista de novo.
Peguei a máscara de oxigênio novamente e a utilizei por alguns instantes enquanto
tentava pensar de forma racional, como David sugerira. Então algo importante me veio à
mente.
— Já sabem onde exatamente eles estão no Canadá?
Os três trocaram um olhar, foi David a responder:
— A SWAT conseguiu as coordenadas da pista de pouso. A ETF ajudará em relação
a encontra-las lá.
Cerrei os olhos por um momento e automaticamente Evangeline me veio à mente. Eu
não queria concordar com nenhum deles sobre não ir até onde acreditavam que ela estava,
não queria ficar aqui de braços cruzados porque isso era tortura psicológica. Meu maior
medo no momento era perdê-la pra sempre, mas pior que aguentar essa possibilidade, era
ter que lidar com a minha impotência sobre esse assunto no momento.

EVANGELINE
A primeira vez que encontrei Steve, pouco mais de sete anos depois do nosso
rompimento, tudo o que consegui nutrir, cultivar e multiplicar por ele foi o desprezo, mas
isso envolvia somente o que me fez terminar tudo entre nós, no caso: Steve aparentemente
ter mais interesse no dinheiro, prestígio e empresas do meu pai, do que qualquer sentimento
verdadeiro por mim.
A última vez que nos vimos, ele mesmo me contou que seu tio foi o responsável pelo
meu sequestro, estupro e subsequente venda. Ali passei a cultivar também raiva e nojo por
ele e por toda a sua maldita família.
Agora, vendo-o a minha frente novamente, eu precisei controlar em mim o ímpeto de
distribuir em seu rosto a quantidade de socos caóticos necessária para fazê-lo se arrepender
de tudo de ruim que já fez na vida, contudo, eu me controlaria o suficiente para não chegar a
isso.
Steve vestia um terno negro e não usava gravata. Sua expressão denotava cansaço e
um ínfimo resquício de dor, porém, ao me ver, surpresa e preocupação tingiram seus olhos
negros e modificaram seu semblante aos poucos para algo mais suave… apaixonadamente
doentio, eu diria. Eu não sentia só como se ele me encarasse, Steve me contemplava, me
comia com os olhos, me venerava como a uma rainha, mesmo ciente de que a qualquer
minuto eu pudesse cortar seu pescoço com uma espada. Não era amor que havia em seus
olhos, era obsessão, pura, em sua mais simples e sórdida espécie. E aquela nova certeza
não me deixou temerosa sobre o que faria, pelo contrário, me deu a confiança que eu
precisava e a ratificação de que ele se deixaria manipular sem qualquer resistência, mais do
que queria que eu correspondesse aos seus desejos, Steve queria acreditar que eu
corresponderia a eles novamente, da forma que fizera anos atrás.
O homem que segurava meu braço me soltou, mas não pareceu notar as lágrimas que
banharam meu rosto. Steve sussurrou meu nome e usou uma muleta para se levantar da cama.
Percebi que tinha dificuldades de fazer isso, talvez ainda precisasse de cuidados médicos
também, mas estava ali, contrariando as próprias necessidades.
Como se eu sentisse algum tipo de indigência essencial de me aproximar, ou fosse
atraída para perto dele por algo mais forte do que eu pudesse controlar, eu corri até ele e o
abracei com força, mesmo sabendo que isso provavelmente o machucaria e ele não se
importaria minimamente com isso. Queria que ele acreditasse que eu precisava daquele
abraço, que precisava estar em seus braços porque esse era o melhor lugar para se estar.
Grande mentira.
Qualquer lugar era melhor que estar a um quilômetro de distância de Steve.
Fazer meu corpo tremer não estava em meus planos, mas talvez aquela fosse uma
resposta involuntária dele em aversão a proximidade de Steve, eu não me importei.
Ouvi Steve dispensar o capanga e a porta do quarto se fechar enquanto ele me
tocava de forma suave, à me fazer me acalmar, fosse qual fosse o motivo do meu aparente
“desespero e medo”. Não sei em que momento exatamente daquela atuação eu deixei que
mais lágrimas rolassem por meus olhos, mas fiz questão de deixar isso evidente em sua
camisa. Eu sabia que uma hora ele pediria uma explicação sobre aquilo e já havia colocado
minha mente para trabalhar compulsivamente à procura de algo convincente o suficiente
para dizer. E encontrara.
— Eles a prenderam. – murmurei e mentalmente agradeci por conseguir sobrepor a
fragilidade na medida exata da sensibilidade que a cena que vira há alguns minutos
realmente acionava em mim. – Assim como fizeram comigo, eles a tocaram também.
Aquela altura Steve já havia percebido do que eu falava, mas não demonstrava ter
qualquer capacidade de articular uma resposta para minhas observações, não uma boa o
suficiente para não me fazer odiá-lo e sentir ainda mais repulsa dele.
— Mande que eles a soltem, por favor. – pedi, desesperada. – Você me salvou uma
vez, preciso que a salve agora.
Ele inspirou profundamente em meus cabelos e deixou um beijo sobre o topo de
minha cabeça, da forma que Guilhermo costuma fazer, e isso quase me fez empurrá-lo para
longe, mas não o fiz. Precisava ter certeza de que aqueles homens não tocariam em Allie
antes de qualquer coisa. Precisava ter certeza de que ela ficaria bem.
— O que aconteceu com você? – ele indagou, tentando mudar de assunto e
resgatando sua preocupação inicial ao me ver entrar no quarto. – Quem a machucou desta
forma?
Acenei em negativa e, com lágrimas ainda em meu rosto eu me afastei um pouco,
apenas para conseguir encará-lo.
— Prometa que vai tira-la de lá. – pedi – Prometa Steve, não me faça ter certeza de
que apenas errei ao acreditar que você merecia uma nova chance. Não me faça crer que
estou agindo como uma idiota por ignorar minha consciência e tudo o que você já fez por
causa de um sentimento que eu deveria ter esquecido há muito tempo…
Eu percebi que havia atingido o local certo em sua mente e coração quando ele
arregalou os olhos ao ouvir minhas últimas palavras. Me afastei e dei as costas a ele, como
se não estivesse preparada para dizer aquilo, mas as palavras tivessem saído sem meu
consentimento. Eu estava me saindo tão bem que até mesmo eu poderia acreditar naquelas
mentiras.
Cruzei os braços sob os seios e cerrei os olhos. Organizei em minha mente a
sequência de informações que deveria deixar meus lábios, o tom que usaria em cada uma
delas e o efeito que eu acreditava – e torcia – que elas tivessem sobre Steve.
Ouvi o som baixo da muleta ao tocar o piso de porcelanato seguido de seus passos
lentos para chegar aonde eu estava. Não criei qualquer resistência quando Steve me tocou,
embora quisesse muito fazê-lo.
Suspirei brevemente e engoli em seco.
— Não permitirei que a toquem, mas preciso saber: quem machucou você desta
forma? – ele insistiu, anuindo completamente ao meu pedido anterior.
Comecei a falar, mas logo desisti, fingindo estar hesitante em fazê-lo… Até, com
medo do que aconteceria se eu respondesse àquela pergunta.
Steve logo questionou novamente.
— Quem?
— Steve, eu…
— Quem foi o filho da puta que ousou machucar você Evangeline?!
Encolhi-me ao ouvir seu tom ríspido, como se não o quisesse bravo. Ele percebeu e
logo se aproximou um pouco mais, desta vez para me abraçar. Senti como se meu estômago
afundasse em minhas entranhas e depois desse voltas. A vontade de vomitar me assaltou.
Mais do que qualquer coisa naquele momento, eu odiei o seu toque, aquela proximidade tão
intima como se tivéssemos um relacionamento duradouro e apenas passássemos por uma
discussão idiota de relacionamento.
— Louis. – respondi em um sussurro, como uma lamúria. – Primeiro um homem
atirou em mim – aquelas novas palavras já foram proferidas com a minha voz embargada –
E tentou me sequestrar, mas perdeu o controle do carro e sofremos um acidente. Depois
Louis me tirou do hospital à força e machucou meus ferimentos. Não entendo porque ele
estava com tanta raiva, eu não…
Steve acariciou meu rosto ternamente e me surpreendeu ao beijar meus lábios
suavemente. Os seus eram frios e secos, como nunca foram. Tentei me afastar, mas ele
abandonou a muleta e me segurou, para me impedir de colocar qualquer distância entre nós.
Me obriguei a ficar em silêncio quando ele encostou sua testa a minha e delineou meus
lábios com o dedo indicador de uma das mãos.
— Eu esperei tanto por isso. – ele sussurrou apenas para mim e eu não soube o que
dizer em resposta àquela proximidade abrupta, forçada e repulsiva.
Eu não sabia como Steve agora se mantinha de pé sem qualquer dificuldade, mas
agarrei seus braços e tentei me afastar dele novamente. Esse foi apenas um esforço inútil. O
brilho ensandecido e torturado em seus olhos negros começou a me assustar, principalmente
por ele não me largar, mas eu não sabia o que fazer para afasta-lo. Não poderia deixar
minha máscara cair tão cedo. Meu plano havia dado certo até agora e eu já havia recebido
até garantias de que Allie não seria mais incomodada.
— Finalmente estamos juntos de novo. – ele sussurrou sorrindo de forma que me
pareceu demente – Desta vez nem aquele detetive ou aquele espanhol maldito nos
separarão.
— Não, Steve, ninguém conseguirá isso de novo. – confirmei, como se também
desejasse aquilo.
Fechei os olhos quando ele tocou o curativo em minha testa e percorreu com os
dedos os pequenos arranhões em meu rosto.
— Tão linda. – ele disse deixando beijos suaves em meu rosto. Meu estômago se
embrulhou novamente. – Vou matar aquele filho da puta por tentar acabar com essa beleza,
por machucar você. – prometeu antes de me beijar de novo. Desta vez coloquei minhas
mãos sobre seu peito e o empurrei.
— Não Steve… – murmurei, sem conseguir fugir da prisão que seus braços se
transformaram.
— Eu preciso disso, querida… – ele pediu – Por favor.
Engoli em seco procurando por qualquer coisa coerente para dizer e nesse momento
os gritos desesperados de Allison encheram meus ouvidos novamente. Não precisei fingir
que lágrimas rolavam por meus olhos daquela vez, pois era verdade. Steve permitiu quando
eu tentei me soltar de seus braços, mas tentou me conter quando segui para a porta do
quarto.
— Não vou deixar que eles a machuquem como machucaram a mim. – eu disse a ele
antes de sair.
Limpei as lágrimas do meu rosto e respirei fundo. Daquela vez procurei algo no
corredor para tentar subjugar quem quer que estivesse tentando tocar em Allie. Quando
finalmente cheguei à porta do quarto e tentei abri-la, meu coração parou. Estava trancada.
Desesperada, eu comecei a bater na porta, mas a falta de resposta, além dos pedidos
angustiados de Allison me fizeram chorar e socar aquela maldita portas várias vezes.
— Abra a porra da porta, caralho! – a voz brava de Steve me assustou, mas não me
dei ao trabalho de virar de costas para encará-lo.
Segundos aflitos se passaram até que a porta foi finalmente aberta, eu a empurrei
com uma força que nem mesmo sabia que possuía, deixando o capanga filho da puta (o que
me levou ao quarto de Steve) surpreso. Ouvi Steve brigando com ele e deixando claro que
ninguém tinha permissão para tocar na mulher ali, mas eu não liguei. Minha prioridade no
momento era soltar Allison daquela maldita cama e lhe ajudar a superar o que esses
bastardos tentavam fazer. Enquanto a soltava, eu murmurei algumas palavras para acalma-la,
arrumei o vestido e sua calcinha em seu corpo e ela me abraçou com força entre as lágrimas
quando finalmente a libertei. Seu corpo magro tremia pelo medo e desespero que a
consumiam e eu, novamente, não pude deixar de me ver em seu lugar, mas, diferente de
antes, eu não me senti destruída por lembrar disso, eu simplesmente vi aquela como uma
lembrança ruim do passado que, por mais dolorosa que fosse, mudou a minha vida e o rumo
que dei a ela, que me mudou na verdade. Embora essas lembranças tenham me deixado
destruída por anos, chegou o momento em que me reconstruí sobre elas, usando-as como
pilares que eu jamais permitiria que me fizessem ruir novamente. Jamais.
— Está tudo bem. – repeti para ela ao ouvir a voz de Louis no corredor. Abri os
olhos rapidamente, para prestar mais atenção ao que diziam, mas não parei de acariciar os
cabelos negros de Allison.
— Precisamos resolver assuntos pendentes. – ouvi Louis dizer.
— Eu também acho. – Steve respondeu e segundos depois ouvi o som do que eu tive
certeza ser o seu punho cerrado contra o rosto de Louis. – Achei que eu tivesse deixado
claro que não queria que tocassem em um fio de cabelo de Evangeline, porra.
Houve um momento quase interminável de silêncio, então um gemido de dor vindo
de Steve, me fez arregalar os olhos e olhar para a porta.
— Não sou um dos seus capangas, seu filho da puta do caralho. – Louis disse com
Steve muito perto de si, pela expressão angustiada de Steve, eu percebi que Louis
pressionava algo com força em seu ferimento. Aquela cena ligou todos os sinais de alerta
em meu corpo.
O capanga de Steve parecia tão perplexo quanto eu e, ainda boquiaberto, seguiu
Louis enquanto ele arrastava Steve pelo corredor.
O primeiro disparo me fez congelar sobre a cama por alguns segundos, Allie
também ficou imóvel. Então o som indiscutível de um corpo sendo jogado da escada me fez
levantar.
Steve já não comandava nada e, se dependesse de Louis, não estaria vivo em pouco
tempo. Eu também não.
— Allie, nós precisamos sair daqui. — Avisei-a. Segui para o criado mudo que
peguei aquela arma e respirei melhor ao perceber que a outra continuava lá. Ela me encarou
assustada quando empurrei a arma para ela e me ajoelhei no chão, próxima ao corpo do
capanga que eu atirei anteriormente. Um calafrio perpassou o meu corpo e engoli em seco
tentando não olhar para o corpo rodeado de líquido escarlate. Minha respiração ficou curta
e minha vista turvou por uns segundos. Tateei o chão a procura da arma que eu deixei cair há
menos de uma hora até que finalmente a encontrei debaixo da cama.
Um gemido angustiado deixou meus lábios quando percebi algo: um celular. Aquele
filho da puta morto a alguns centímetros de mim certamente possuía um celular escondido
em algum lugar.
Meus lábios tremeram assim como minhas mãos quando me aproximei do homem.
Eu só conseguia pensar que tinha pouco tempo e ouvir novos disparos limitou esse tempo
ainda mais. Coloquei a arma entre minhas pernas e ignorei as palavras assombradas que
Allison disse ao me ver mover o corpo daquele homem. Lágrimas rolavam por meus olhos
enquanto eu revistava seus bolsos, mas eu não sabia se era porque a consciência de que eu
havia matado aquele homem me alcançou ou se começava a acreditar que não
conseguiríamos sair dali. De qualquer forma, também havia culpa em mim, havia remorso e
quando um soluço deixou meus lábios assim que localizei o celular no bolso da calça (que
ainda estava baixada), percebi que sentia nojo de mim mesma.
Eu matei um homem.
Com a respiração ofegante e o corpo tremendo compulsivamente eu me abracei e
chorei silenciosamente. Tentava me lembrar que aquela não era hora de surtar, mas meus
pensamentos pareciam longe, eu escutava somente o eco deles e não me senti capaz de me
forçar a fazer qualquer coisa. Estava em choque.
Allison se aproximou e sacudiu meu corpo enquanto palavras deixavam seus lábios,
não consegui ouvi-las por alguns segundos, mas depois percebi que seu desespero tinha ver
com o fato de novos disparos terem sido feitos.
— Nós precisamos sair daqui agora. – ouvi, por fim.
Encarei-a em silêncio por alguns segundos tentando me fazer acreditar em suas
palavras e tomar uma atitude quando um grito grave de dor veio do andar de baixo da
enorme casa. Era Steve.
Eu não sabia o motivo de Louis decidir machuca-lo antes de mata-lo, mas não queria
nem imaginar o porquê de estar fazendo isso.
Levantei em um sobressalto com Allison quando ouvimos passos pesados sobre o
piso. Alguém estava se aproximando. Peguei a arma novamente e guardei o celular em um
bolso. Ela me puxou para ficar contra uma parede, da qual a porta nos esconderia quando
fosse aberta.
Fechei os olhos com força e senti a bile se mover a cada respiração ofegante que eu
tomava. Eu segurava a arma de novo e temia mais que tudo precisar usá-la mais uma vez.
Não queria machucar ninguém, só queria ir embora, só queria que esse maldito inferno
acabasse, mas sabia que apertaria aquele gatilho mais uma vez se fosse necessário. Era
como se algo em mim gritasse para eu ser forte, para não desistir e, acima de tudo, para ser
corajosa. Algo que, mais do que minha mente ferrada no momento, queria viver. Mais do
que eu mesma até.
A porta do quarto foi aberta e parei de respirar no mesmo instante. Outro grito de
Steve seguido por um “Eu não sei, porra” fez meu peito se apertar. Eu não sabia o que
estava acontecendo, só entendia que precisava sair daqui o mais rápido possível.
— Donovan? – ouvi Gustav, o capanga de Steve que me recebeu quando Louis e eu
chegamos. Percebi quando um som angustiado deixou seus lábios e movi um pouco a porta
para ver o que ele fazia. Gustav estava ajoelhado no chão, movendo o corpo do homem que
eu atirei anteriormente. – Cacete, você não pode estar morto, mano!
Meu coração parou de bater ao ouvir aquilo. Eles são irmãos?
Mordi os lábios e senti minha garganta se apertar quando decidi me aproximar,
mesmo quando Allie tentou me impedir. O homem sequer percebeu.
Segurei a arma com mais força e lembrei de como Louis me atingiu na cabeça para
me fazer desmaiar antes de virmos para cá. Aquilo era melhor que atirar em alguém
novamente e foi o que fiz.
O corpo de Gustav permaneceu rígido quando eu lhe dei uma coronhada com força
na cabeça e, segundos depois, caiu inerte ao lado do outro.
Não criei resistência quando Allison me puxou para fora do quarto. Apenas parei
para fechar a porta.
— Você sabe quantos homens têm aqui? – perguntei a ela, que acenou em negativa,
dubiamente.
— São poucos. Um deles me trouxe aqui, mas era Gustav quem trazia minhas
refeições e dois deles ficavam de guarda fora da casa.
Concordei com um aceno e olhei para o final do corredor. Havia tantas portas, mas
nenhuma saída que nos levasse ao andar de baixo. Como iríamos embora?
Um tiro ecoou pelo corredor e me levou ao chão com Allison. Gemi de dor por cair
em cima do meu próprio braço e machuca-lo ainda mais. Allie também gemeu de dor e
percebi que a bala a havia atingido. Arregalei os olhos ao vê-la chorar novamente e olhei
para trás, a tempo apenas de ver Louis se aproximar ainda com a arma em punho. A minha
pistola caiu de minhas mãos a alguns metros de mim. Comecei a me levantar e peguei o
aparelho que estava em meu bolso, usei meu próprio corpo para esconde-lo quando o
coloquei abaixo do braço de Allie. Ela estava ferida, levou um tiro em uma das pernas, não
poderia sair dali, mas talvez conseguisse ligar para alguém. Ao menos ela teria mais
chances que eu.
Eu já estava de pé quando Louis chegou até mim e me segurou para me puxar no
caminho de volta do corredor.
— O que você está fazendo? – inquiri sem deixar transparecer o meu medo.
— Usando meu último recurso vivo. – foi a resposta dele.

GUILHERMO
A porta do quarto foi aberta cerca de meia hora após o meu telefonema. Eloíse
adentrou o quarto segurando as sacolas com o que eu pedi e uma expressão de culpa no
rosto. Ela também estava preocupada, mas no fundo sabia que eu faria aquilo até sem sua
ajuda.
Me mudaram de quarto há menos de uma hora, este parecia o quarto simples de um
apartamento. Com a diferença colossal de ter uma cama de hospital e alguns aparelhos
também.
Papai levou mamãe para casa argumentando que eu já estava bem e que ela
precisava descansar, Marina estava cuidando de Natalie (que ainda acreditava que
Evangeline e eu estávamos viajando) e disse que viria me visitar a tarde, que precisava me
contar algo, mas que não poderia ser por telefone.
— Obrigado, Lise! – agradeci, após me levantar com cuidado. Me livrei dos fios
que me monitoravam, do soro e da máscara de oxigênio antes de levantar. Ela se aproximou
devagar e me abraçou, como mamãe fez anteriormente. Eu retribuí, a considerava uma
segunda mãe e queria que ela soubesse que eu estava bem.
Ok, eu não sabia exatamente o que faria quando chegasse ao Canadá, mas depois de
uma hora nesse quarto, percebi que não conseguiria ficar aqui de braços cruzados enquanto
Evangeline e Allie estavam naquele inferno enquanto eu estava em um hospital.
— Eu trouxe tudo o que pediu. – ela disse e percebi que com “tudo”, quis dizer
também que conseguira pegar minha arma no cofre. – Tem certeza de que vai se colocar em
perigo novamente querido? Evy ficará bem, a polícia conseguirá salva-la. Sei que vai.
Acariciei seus cabelos grisalhos antes de acabar com o abraço.
— Eu vou ficar bem. – assegurei. – Evangeline e Allison também.
Após uma pausa quase sem fim, ela concordou com um aceno. Não disse mais nada
depois disso.
Mesmo devagar, fui até o banheiro e troquei de roupa. Fazia menos de meia hora
desde de que a última enfermeira veio me trazer os últimos medicamentos para dor e
inflamação. E antes disso anestesiaram o local do ferimento para sutura-lo. Eu não sentia
dores suficientes para não sair dali. Sim, minha respiração era meu maior empecilho no
momento, mas se eu continuasse a respirar calmamente e não perdesse fôlego falando ou
correndo demais, eu me viraria bem.
Após trocar de roupa com cuidado – principalmente ao vestir a camisa, o suéter e o
casaco — eu coloquei também o gorro e o óculos de leitura que eu nunca usava. Não sabia
se aquilo seria suficiente para que não me reconhecem, mas não ligava. Ninguém me
manteria preso nem um minuto mais nesse inferno.
Deixei o banheiro e encontrei Eloíse arrumando uma mochila – que provavelmente
viera vazia em uma das sacolas.
— Coloquei uma de suas carteiras aí, o dinheiro, algumas frutas, água e no caminho
comprei uma daquelas bombinhas que Marina usava quando era criança, não sei se vai te
ajudar com a respiração, mas… – ela se interrompeu ao ver meu sorriso enquanto eu me
aproximava. Eu a abracei novamente e beijei o topo de sua cabeça carinhosamente.
— O que seria de mim sem você, hein Lise? – questionei, mas ela não respondeu
com humor, como sempre fazia. – Amo você. Vou ficar bem, juro. – eu garanti e isso a fez
expirar lentamente.
A porta do quarto foi aberta abruptamente, me assustando. Ao olhar para ela, eu não
pude acreditar em quem estava entrando.
— Você vai me contar que porra está acontecendo e por que aqueles filhos da puta
levaram a Allie.
Eloíse se afastou de mim ao perceber quão alterado Bryce estava.
Voltei-me para a cama e fechei a mochila antes de colocá-la sobre um ombro. Sabia
que tinha que superar a maldita raiva que eu sentia do pai de Bryce pelo que ele fizera ao
meu, tinha que parar de associar Bryce ao seu pai, principalmente agora que ele estava de
novo com Allie. Não podia esconder dele o que sabia sobre a localização de Allison, eu
estava na mesma situação que ele, pois Evangeline também estava em algum lugar daquela
maldita cidade do Canadá com Steve.
— Eles achavam que era Evangeline. – eu respondi após me despedir de Eloíse e
seguir para a porta do quarto. Ainda furioso, Bryce me seguiu. Continuei a contar – A
polícia tem uma pista sobre onde ela e Evangeline estão e tentarão encontra-las hoje.
Mudei minha rota rapidamente ao ver que um dos seguranças da mansão D'Angelo
estava no corredor.
— Por que alguém sequestraria Evangeline? Que inferno está acontecendo?!
Eu parei abruptamente no novo corredor, tanto para ter tempo para recuperar o
fôlego, quanto para lhe explicar.
— É uma estória longa demais para ser contada. – fiz uma pausa para verificar se
algum outro segurança estava por perto e prossegui – O fato é que sequestraram e as duas
estão em perigo, se a policia não as encontrarem rápido, o sequestrador pode sair de onde
está. Perderemos a pista e as duas.
A fúria em sua expressão deu lugar à preocupação, ao medo e talvez a um indício de
desespero. Antes que ele me dissesse algo, meu telefone – que papai me devolveu antes de
ir embora – tocou dentro da mochila e a abri rapidamente para pegá-lo. Um palavrão foi
preferido por mim ao ver o nome na tela “Robert Howell”, era o pai de Evangeline. Recusei
a chamada e voltei a andar pelo corredor. Bryce me seguiu em direção ao elevador e só
voltou a perguntar qualquer coisa novamente quando já estávamos no térreo.
Contei a ele o pouco que Nathan e David me contaram e ele insistiu que iria comigo
mesmo quando eu disse que não. Fiz sinal para um táxi enquanto ele ainda falava, mas se
interrompeu quando seu telefone tocou. Estranhei a cara que ele fez ao olhar para a tela.
Abri a porta do táxi para entrar, mas me impedi de fazê-lo quando ouvi as palavras de
aflitas de Bryce:
— Allie?! Amor, onde você está?
Olhei para ele e engoli em seco ao ver sua expressão torturada e lágrimas em seus
olhos.
— Você está machucada?! Não chore, Allie, eu… Eu também amo você, porra, não
desliga. Fala comigo, amor.
Eu dispensei o taxi rapidamente e segurei o braço do Bryce para tirá-lo da frente do
hospital. Tirei o celular de sua mão ao perceber que ele chorava e Allison provavelmente
fazia o mesmo do outro lado da linha. Bryce tentou tirar o celular da minha mão, mas não
permiti.
— Allison, aqui é Guilhermo, me diga qualquer coisa sobre o lugar em que você
está agora. Estamos…
— Guilhermo, ele a levou. – meu coração parou de bater naquele instante – Eles
estão lá embaixo e eu não posso fazer nada…. Me perdoe, eu…
— O lugar em que você está, Allison, me dá qualquer porra de informação sobre
esse lugar, eu estou indo para aí agora.
Ela soluçou e gemeu, percebi que de dor. Obviamente estava machucada.
— É uma mansão de dois andares, enorme e pintada de amarelo. Estamos em um
terreno que parece um campo de futebol que termina com árvores. Eu só lembro disso… Me
desculpe.
Olhei para Bryce, que agora estava de costas para mim com os punhos cerrados. Tão
destruído e enfurecido quanto eu.
— Allie, não desliga o telefone. – pedi – Se a ligação cair e você puder ligar
novamente, ligue.
— Tudo bem.
Entreguei o celular à Bryce novamente.
— Você consegue um jatinho para nos levar ao Canadá em meia hora? – inquiri e ele
apenas assentiu. Peguei o meu celular para ligar para David e avisar sobre a ligação de
Allison e as novas informações.
Minutos depois David conseguiu um contato que descobriu o local exato da ligação.
Menos de uma hora depois já estávamos em um voo particular para Calgary, no
Canadá.

EVANGELINE
Arregalei os olhos, assombrada ao ver Steve sobre uma cadeira próximo à escada.
Louis me forçou a descer todos os degraus dela em seu encalço e cada degrau a menos, era
um ferimento a mais que eu identificava em Steve. Seus lábios estavam arrebentados e
sangravam terrivelmente, havia um corte grande em sua bochecha também que parecia ter
sido feito pela arma, seu terno escuro – na altura do torso – estava rasgado e empapado de
sangue e isso me fez engolir fortemente.
— Acho que agora você ficará mais inclinado a responder minhas perguntas. – Louis
disse para Steve em um tom sombrio e assustador. Ele estava satisfeito com a possibilidade
de me machucar tanto quanto estava com a chance de matar Steve. Queria se vingar.
Com a respiração ofegante, eu tentei compreender aquela situação e pensar em algo
que me tirasse dela, olhei para Steve e a culpa e tormenta que vi em seus olhos me deu
certeza de que ele poderia suportar tudo, menos me ver sendo machucada da forma que nós
dois sabíamos que Louis faria.
A arma de Louis voou rapidamente na direção do lado esquerdo do meu rosto,
lágrimas automáticas rolaram por meu rosto quando a força do impacto me fez cair no chão.
O gosto metálico de sangue inundou minha boca e tentei desesperadamente me livrar
daquele gosto horrível cuspindo diversas vezes.
— Eu já disse que não sei a porra daquele senha, caralho! – Steve gritou com
dificuldade, suas palavras saíram enroladas como se algo o impedisse de falar
normalmente. Não me dei ao trabalho de olhar para ele ao ver Louis se aproximar da
cadeira em que ele estava.
— Matei todos os seus malditos seguranças e essa porra de vadia será a próxima se
não me disser onde exatamente está aquele maldito cofre e qual é a porra da senha.
Steve gritou insuportavelmente de dor e precisei usar as mãos para tapar os ouvidos,
não queria ouvir aquele som torturado, não queria olhar e descobrir o que infernos Louis
fazia para machucar Steve daquela forma. Cerca de um minuto se passou com gritos e
gemidos ininterruptos. Àquela altura meu corpo inteiro já tremia de medo, de assombro e
dor, eu não conseguia me mover de forma voluntária. Era refém do meu próprio torpor.
— Por que você não me falou do caralho daquele cofre em Montevidéu? Se a porra
da policia encontrar aquela droga, não serão apenas os clientes de Neil a se ferrar! Eu estou
nessa merda há anos, é claro que aquele filho da puta possuía algo contra mim também! –
Louis gritou cada vez mais furioso.
Era disso que ele e Gustav falavam quando me mandaram subir as escadas com os
capangas, percebi.
— Se tivesse me contado que iria embora, eu teria falado do cacete dos cofres antes,
já tinha conversado com o bastardo do Gustav sobre isso.
Louis grunhiu de ódio e atirou em Steve, que agora começou a chorar de dor. Com os
olhos ainda inundados de lágrimas, eu cometi o erro de olhar na direção dele. Um gemido
baixo de dor deixou meus lábios ao ver uma faca cravada dentro de Steve, no local que
Guilhermo atirou na semana passada, foi isso que o fez gritar tanto, Louis devia estar
movendo aquela faca ali. O tiro foi em uma das pernas.
— Agora todos pensam que também fui sequestrado. – Louis continuou, como se
pensasse alto. – Não tenho ninguém da minha equipe naquela merda de casa. Eles não
podem encontrar essa porra de cofre, caralho! Não vou virar uma droga de foragido, estou
pouco me fodendo para aqueles malditos clientes, que morram todos, mas eu não trabalhei
vinte anos na porra do FBI pra ter minha imagem suja justo agora! Por sua culpa, e culpa da
porra dessa vadia!
Meus olhos se arregalaram quando ele se voltou para mim completamente alterado
pela fúria que sentia no momento. Um tiro ecoou pela enorme casa, mas foi a dor
excruciante em minha coxa e o meu grito de dor que me assustou.
Chorei sem me importar de aquele filho da puta ver, mas ele logo virou de costas
para mim e se aproximou de Steve.
— Você já sabe que vou matar os dois, não vou deixar nenhuma maldita dúvida
sobre mim. Depende de você se a morte será rápida ou lenta. Temos o tempo que eu quiser
para torturar os dois.
Steve gemeu de novo e eu soube que daquela vez Louis tirara a faca de dentro dele.
— Eu já disse que não sei, porra. – Steve disse em voz baixa, mas contundente, num
tom que eu conhecia. – Neil só me falou da droga desses cofres pra se gabar sobre ter
sempre um plano B em mente, não me disse onde estão escondidos na casa, muito menos as
senhas deles. Eu só sei que atrás de uma porra de quadro no escritório dele da mansão, ele
tem um cofre que usa pra guardar dinheiro, não sei se lá tem qualquer porra de informação.
Evangeline não tem nada a ver com isso. Deixe-a em paz.
Louis bufou de ódio após as palavras de Steve e ouvi um movimento sobre a escada.
Me preocupei que fosse Allie, pois Louis já havia esquecido dela lá em cima, mas me
assustei ao ver Gustav, o último capanga vivo de Steve.
Um novo disparo feito por Louis, pôs fim aos gemidos de Steve. Fechei os olhos
com força já ciente do que havia acontecido e me voltei para Louis, sem coragem de mirar o
corpo de Steve sem vida a apenas alguns metros de mim. Não me achava capaz de continuar
lúcida depois de ver duas pessoas mortas em um espaço tão curto de tempo.
Minhas lágrimas já havia secado, mas o machucado feito por Louis em meu rosto
ainda sangrava e doía, assim como a bala em minha coxa que ainda estava em mim. Eu
nunca havia pensado que morreria daquela forma, sendo assassinada pelo homem que tinha
como trabalho me proteger, mas naquele instante, ao olhar em seus olhos verdes brilhando
de forma perversa, eu aceitei aquele fim. Steve estava morto, não importunaria minha
família ou Guilhermo e Louis em breve irá embora pra sempre. Ao menos meu objetivo
inicial ao aceitar essa viagem fora alcançado. Minha família estava segura, finalmente.
Louis levantou a arma e sorriu. Talvez esperasse que eu implorasse pela minha vida,
mas eu não o fiz. Ouvi passos pesados, era Gustav descendo as escadas. Louis o mirou e
sorriu.
— É uma pena que seu filho não virá ao mundo. – foram suas palavras antes de
mirar a arma em meu peito.
Engoli em seco, extremamente confusa, mas ele não explicou. Meu peito se apertou
e fechei os olhos com força.
O baque de um corpo caindo no chão me fez abrir os olhos, ao ver Louis desmaiado
ao lado da cadeira em que Steve estava, eu me senti incapaz de respirar. Agora era Gustav a
apontar uma arma para alguém… O primeiro tiro atingiu em cheio a testa de Louis.
— Isso é por Donovan. – ele disse e atirou novamente – Isso é por Mônica e Claire.
Fechei os olhos com força e me encolhi quando o homem baixinho distribuiu uma
série de disparos pelo corpo de Louis, mesmo que este já estivesse morto.
Eu não entendi nada. Não sabia se poderia perguntar, mas quando ele caiu de joelhos
e começou a chorar, eu percebi que ele, como eu achei ao vê-lo assim que cheguei, não era
como os outros capangas de Steve. Após alguns minutos de silêncio sepulcral, eu decidi
fazer algo.
— Como sabe quem é Claire? – eu perguntei mesmo sem coragem para me
aproximar. – E Nany? Você a conheceu enquanto ela era Mônica?… Como?
Ele me encarou com os olhos repletos de lágrimas, sacou uma nova arma da calça e
a levou à cabeça. Meus olhos se arregalaram quando entendi o que ele faria e tentei me
aproximar para impedi-lo.
— Claire era minha filha. – ele disse entre um soluço que antecedeu o último
disparo feito por ele. Tive tempo apenas de me deitar novamente no chão e esconder o rosto
com um dos braços.
Confusão, terror, medo e incredulidade me mantiveram ali. Deitada em posição
fetal, entre três corpos e uma quantidade absurda de lágrimas e sangue.

Uma hora antes:


Gustav Rodriguez já havia decidido que se livraria de Steve e tomaria seu lugar
para comandar o tráfico de drogas e mulheres. Ele conhecia o negócio melhor que até
mesmo Steve, trabalhou doze anos para os irmãos Cosgrove e agora, de assessor da família
fora reduzido a um mero capanga qualquer, como seu irmão. Se ficou com raiva? É claro! Já
havia perdido coisas demais desde que fora recrutado para trabalhar com essa família,
abriu mão da própria família e da única mulher que já amou, tudo para continuar naquele
cargo, pois, apesar de tudo, ele gostava do trabalho.
O homem bufou exasperado enquanto andava de um lado ao outro na sala, entre uma
janela e outra para verificar se o carro dos visitantes já estava chegando. Sua apreensão e
ansiedade tinham a ver apenas com o que faria: precisava da ajuda daquele policial federal
para se livrar de Steve. É claro que já sabia onde os cofres dos Cosgrove estavam, sabia o
que havia em cada um deles e exatamente por este motivo tinha certeza de que nenhum
cliente antigo se oporia a mudança de organizador daquele negócio, todos o temeriam e isso
lhe daria vantagem sobre tudo. Foi exatamente por isso que ele selecionou a dedo todas as
ordens de Steve que seguiria e as que ignoraria, para estar ao seu lado, precisava fingir que
acataria suas ordens, mas isso não queria dizer que não continuaria colocando seu plano em
prática. Decidiu não deixar a polícia descobrir sobre os cofres, eles nem mesmo estavam na
mansão de Montevidéu, como Steve pensava. Decidiu procurar Mônica, mas não a matou
como Steve ordenou, pelo contrário, mandou que o capanga que a encontrou em São
Francisco a mantivesse viva, pois queria olhar nos olhos daquela vagabunda de novo, faria
com que ela voltasse a ser sua puta, como quando ele era o responsável por uma das boates
de prostituição e ela era sua menina intocável, até Neil também se encantar pela beleza
angelical da menina de 14 anos e decidir compra-la. Gustav também decidiu não tomar
cuidado sobre a localização de Steve depois que finalmente descobriu onde Mônica estava
escondida, mas não contava com o aparecimento de Louis ali, sabia que aquele homem
poderia ser perigoso e trazer mais uma vadia para esta casa apenas faria com que o número
de mortes aumentasse, mas ele não se importava. Seus planos eram bons demais para
falharem e ele já decidira usar Louis contra Steve.
Seu celular tocou em seu bolso e ele rapidamente o pegou. Era Dustin, o capanga de
São Francisco.
— O que aconteceu agora? – questionou ao atender.
— Você destruiu a minha vida. – A voz embargada de Mônica o surpreendeu tanto
que ele se empertigou e começou a suar frio. Apesar das maldades e atrocidades que
sempre cometeu, Gustav não passava de um protótipo de homem: covarde, medroso e fraco.
Nunca foi capaz de tirar uma vida, pois não teria coragem de colocar a sua em risco, ele
preferia vítimas mais frágeis, por isso tinha preferência por meninas jovens e virgens, por
isso era o primeiro homem das meninas sequestradas quando não recebia uma quantia que
julgava aceitável pelos clientes que as compravam, por isso não lutou para ficar com
Mônica quando Neil decidiu pegá-la para si. – Você acabou com a vida da sua própria filha
também, seu filho da puta!
Confuso, Gustav franziu o cenho.
— Do que está falando Mônica? Onde está o Dustin?— ele tentou não soar hesitante.
— Eu o matei. – a pausa que se seguiu serviu apenas para deixar claro quão
desesperada a mulher do outro lado da linha estava. – E vou acabar com meu maldito
sofrimento também, mas antes você precisa saber… Eu estava grávida quando me vendeu
para Neil há vinte e cinco anos.
O mundo parou para ele naquele momento. Sua vida se limitou a apenas lembrar de
quando Neil levou sua Mônica há tanto tempo. Sentiu seu coração se apertar e chegar à
garganta e não era por medo, aquela foi a primeira vez em sua vida que experimentou um
sentimento como a culpa.
— Grávida de uma filha sua, que foi tirada de mim quando tinha apenas doze anos e
foi levada para você. – Gustav precisou se apoiar ao sofá ao ouvir aquilo. Não conseguia
falar, não sabia nem mesmo como lidar com o que sentia já que nunca acreditou ser capaz de
sentir remorso ou culpa. Uma filha? Ele teve uma filha com sua doce e angelical Mônica? –
Você a estuprou seu filho da puta! Você a marcou pra sempre com a maldita dor que me
infringiu por anos e depois voltou para engravida-la da forma que fez comigo! Você
estuprou e engravidou sua própria filha!! Você merece morrer da pior forma possível,
merece ir pro inferno seu maldito!
O silêncio se instalou na ligação, deixando evidente somente a respiração ofegante
de Mônica e a incapacidade de Gustav de dizer algo. Pela primeira vez na vida ele sentiu
lágrimas molharem seu rosto. Até aquele momento também não conhecia aquela sensação.
— E agora Claire está morta. Depois de tudo o que passamos, depois de tudo que
superamos, ela foi assassinada! E você é o único maldito culpado por isso.
Novos minutos se passaram sem que nada fosse audível do outro lado da linha. O
telefone caiu da mão se Gustav ao ouvir um disparo, uma bala que do fundo de seu coração
ele sabia que a havia atingido. Ao ter certeza de que aquela foi a forma que sua menina, sua
Mônica, encontrou para dar um fim a tudo.
Ele se sentiu desolado. De repente foi como se lhe fizessem uma lavagem cerebral,
já não lembrava quais eram seus próprios planos, já não sabia qual seria sua próxima ação.
Um bandido não deveria ter consciência e, por muitos anos, Gustav acreditou que não
possuía uma, mas naquele instante ele sentiu o peso de todos os seus erros, da morte da sua
filha e da única mulher que ele já acreditou amar, cair como concreto sobre seus ombros.
Foi demais lidar com tudo aquilo ao mesmo tempo.
— Louis chegou. – ele ouviu um dos homens que havia contratado dizer, mas
demorou alguns segundos para conseguir se mover e se dirigir a porta.
Sentia-se sem alma, um corpo andando à esmo inerte em seu próprio conflito
interno. Sua mente acabara de morrer e ele tinha certeza disso. Perdera Mônica pra sempre,
por sua culpa, e perdera sua filha também.
Sua filha… Ele acabou com a inocência da própria filha, do único tesouro que lhe
restará de Mônica e agora perdera as duas.
Porra, ele as perdeu.
Forçando— se a permanecer inexpressivo, ele abriu a porta de entrada da casa e
recebeu Louis e a vadia verdadeira de Steve. Contou ao policial federal sobre o cofre,
mesmo que já não soubesse exatamente para quê. Depois o viu subir as escadas e minutos
depois atirar em um dos capangas e joga-lo escada abaixo antes de descer forçando Steve a
vir com ele.
Como se assistisse a um filme na TV, Gustav viu Louis matar todos os capangas e
atirar nas duas pernas de Steve antes de jogá-lo em uma cadeira. Os gritos e gemidos de
Steve não foram suficientes para ofuscar as acusações de sua mente, tampouco para
afugentar seus demônios, que haviam começado a incita-lo a fazer algo sobre tudo o que
acontecia. A dar um fim a tudo, para ser mais preciso.
Com uma faca, Louis cortou a bochecha de Steve lentamente enquanto questionava
sobre a localização do cofre. Steve não sabia e morreria tentando fazer Louis acreditar
nisso.
O cano fino da arma do policial, em um golpe certeiro, atingiu a boca de Steve e
estourou um dos lábios, fazendo-o gemer ainda mais.
— Sabe o que é pior, Steve? – Louis indagou – Você fez tudo o que fez, matou seu
próprio tio e perderá tudo o que tem, até a vida se depender de mim, por uma vadia que nem
lembrava da sua maldita existência!
— É… Men-mentira! – Steve tentou exclamar, com raiva, mas a dor que sentia o
impediu.
— Uma puta do caralho que dava pra outro homem enquanto você tentava protegê-
la. – Louis continuou a zombar e se deliciou com a expressão de Steve. Já não havia apenas
dor física ali, ele parecia finalmente compreender que fora exatamente aquilo a acontecer. O
policial riu, gozador. – E agora ela está grávida de outro enquanto você está aqui, sendo
torturado, prestes a morrer, sem que ela dê a mínima pra isso.
Ao soltar a informação que ouviu no hospital mais cedo, Louis percebeu que, mesmo
após bater em Steve novamente (desta por puro prazer e vingança), ele já não reagia como
antes, nem mesmo deixava gemidos, exclamações e xingamentos escaparem. Apenas aceitou
sua situação e o papel que desempenhou nos últimos anos. Foi um tolo, um idiota e a ficha
caía apenas agora e doía como o maldito inferno. A mulher que amava com tanta loucura,
tanta obsessão, o traíra e o enganara tão facilmente. Estava grávida de outro! Daquele
Espanhol filho da puta e maldito! Queria matar o bastardo! Queria voltar no tempo e matá-lo
antes que pudesse tocar em sua Evangeline, sua amada.
Mas ela também o traíra! – percebeu sentindo as primeiras lágrimas rolarem por
seus olhos. – Evangeline o traíra, sua mulher, sua linda e intocável Evangeline o havia
traído. Estava grávida de outro homem. Daquele bastardo.
— Vá buscar aquela vadia. – Louis mandou Gustav fazê-lo que demorou para
entender. – Vá logo porra!
Daquela vez não foi o medo que fez Gustav obedecer, na verdade nem mesmo ele
sabia o motivo de estar fazendo o que fazia. Subiu as escadas e começou a procurar nos
quartos, não prestava atenção em nada, mas fingia fazê-lo. Até que entrou em um quarto…. e
encontrou o corpo de seu próprio irmão, os olhos abertos, sem vida. Aquilo foi o ápice, o
fez ruir completamente.
Enquanto chorava sobre o corpo sem vida do irmão ele finalmente se deu conta de
que Louis havia realmente matado todos os capangas. Ele seria o próximo.
Então alguém lhe deu uma coronhada na cabeça, levando-o ao inconsciente por
alguns minutos.
Acordou com um grito grave e angustiado de dor ecoando por toda a enorme casa.
Suas mãos estavam sujas de sangue e isso o fez recordar rapidamente de tudo o que
antecedera seu desmaio.
Quando conseguiu unir forças suficientes para fazer o que lhe restava, ele levantou.
Aquela foi a primeira vez em sua vida que acreditou ter coragem para matar alguém. Louis
matou seu irmão, Gustav acreditava, isso não mudaria o que fez no passado com Mônica e
sua filha, não traria seu irmão de volta, mas Louis era o único homem vivo a quem ele ainda
poderia associar os últimos acontecimentos. – concluiu quando os gemidos de Steve
cessaram.
Não sabia exatamente o que faria consigo mesmo após tudo, não aguentaria ser preso
e não conseguiria se sair bem sendo foragido. Gustav só sabia que daria um fim a tudo ainda
hoje.
Enquanto descia as escadas silenciosamente ele olhou de Steve, que já estava morto
sobre a cadeira com um tiro entre as sobrancelhas, para Louis que agora apontava a arma
para a mulher de Steve, ouviu o momento exato em que ele disse:
— É uma pena que seu filho não virá ao mundo.
Gustav sentiu lágrimas grossas deixarem seus olhos à simples menção da palavra
filho. O pesar em seu peito aumentou e a culpa o consumiu quando percebeu que sequer
sabia como era o rosto de sua filha. Ela deveria ter vinte e cinco anos hoje e não o tinha por
sua culpa. – foi o pensamento que o destroçou quando acertou uma coronhada na cabeça de
Louis. Cego pela raiva e culpa, ele projetou parte daqueles sentimentos horríveis no homem
desmaiado no chão. Lembrou do irmão morto no andar de cima e sem pensar atirou em
Louis, acertando sua testa e fazendo seus olhos pularem para fora do rosto. A imagem lhe
daria nojo se já não sentisse isso de si mesmo.
Claire. – lembrou – Esse foi o nome que Mônica disse para se referir à menina.
— E isso é por Mônica e Claire. – Gustav disse esperando que aquelas palavras
fossem o bastante para expurgar a dor que sentia e transferi-la, assim como a culpa, à Louis.
Não funcionou.
Ele caiu de joelhos e permitiu que o choro que o oprimia, se esvaísse, mas nada
nunca seria suficiente para isso. Nada nunca apagaria o que ele fez, esses demônios sempre
o importunaram e acompanhariam. Ele não conseguiria lidar com isso.
Acenou em negativa quando percebeu qual seria a saída mais fácil para um homem
como ele, fraco.
A mulher ali chamou sua atenção para lhe perguntar como conhecia Claire e Mônica
e ele murmurou em resposta o motivo da sua maior angústia no momento:
— Claire era minha filha.
Aquelas palavras ecoaram em sua mente e o fizeram desconfiar que enlouqueceria.
Olhou para as próprias mãos e abandonou a arma sem munição para pegar a outra que
estava no cós de sua calça. Todos os capangas ali estavam com duas armas.
A mulher se moveu ao perceber o que ele faria, mas Gustav sabia que não
adiantaria. Nada nunca adiantaria para apagar de sua mente as palavras proferidas por
Mônica. Nada o salvaria daquele fim, que ele sabia que merecia.
O som do disparo foi a última coisa que ouviu antes que a morte recolhesse sua alma
e o fizesse pagar pelo que fizera.
Apesar de tudo, aquele castigo não lhe pareceu suficiente também.
VINTE E QUATRO
GUILHERMO
Era pouco mais de seis da tarde, no horário local, quando saí do avião com Bryce.
Ele imediatamente tentou ligar para o número de telefone com o qual falara com Allison até
precisarmos decolar, mas não obteve sucesso. Isso nos frustrou e aumentou nossas
preocupações em níveis alarmantes.
Eu nunca imaginei que um dia compartilharia de qualquer dor ou temor de Bryce,
muito menos que tentaria dar força a ele quando eu sequer a possuía. Esse era um
comportamento involuntário, mas talvez eu saber exatamente como ele se sente em relação à
Allie – todo o medo de que algo aconteça à Evangeline também me oprime – somasse para
eu tentar fazê-lo enxergar o fim que nós dois queríamos desesperadamente: que as duas
estivessem bem.
Enquanto eu ligava para Nathan para saber das novidades, tentei lidar com o
desconforto que a dor em meu ferimento começava a trazer para mim. O efeito da anestesia
já havia passado e dos remédios também, eu começava a me sentir mais cansado e inspirava
lentamente para que a dor não fosse extenuante e eu não chegasse a precisar de uma mascara
de oxigênio, pois não possuía uma.
— Guilhermo nós as encontramos. – as primeiras palavras de Nathan me fizeram
parar abruptamente meu caminho até a saída do aeroporto e fazer com que Bryce também
parasse. Alívio nunca seria suficiente para descrever o que senti ao ouvir e compreender
aquelas palavras.
— Eles as encontraram. – murmurei para Bryce, que já me encarava aflito. Voltando
ao telefone, eu questionei: — Como elas estão?
— As duas foram baleadas, estamos levando-as ao hospital do centro da cidade.
Senti meu coração ser esmagado por aquela nova notícia, Bryce provavelmente
percebeu, pois os seus olhos castanhos começaram a brilhar com lágrimas que eu queria
mais que tudo expulsar dos meus próprios olhos. Demonstrar qualquer tipo de fraqueza não
era o que realmente me incomodava, mas sim permitir que qualquer uma delas se tornasse
maior que a minha convicção de que aquela história não poderia terminar pior do que tudo o
que já vivemos. Evangeline, principalmente.
Ela está bem. – tentei me convencer porque o contrário disso era o tipo de realidade
que eu não conseguiria lidar. Cerrei os olhos com força e qualquer dor em meu corpo se
tornou irrelevante perto do que quer que Evangeline sentisse agora. Então lembrei de
Allison, ela também estava lá, também estava machucada. Porra, duas das mulheres mais
importantes da minha vida estavam machucadas! Provavelmente passaram pelo maior
inferno de suas vidas e eu não fui capaz nem mesmo de tentar impedir isso.
— Como… Como elas estão? – eu debilmente repeti a pergunta, esperando que ele
me desse uma informação distinta à de antes. – Elas ficarão bem, não é?
Bryce me perguntou o que Nathan havia dito e, ao perceber o medo que ele
exprimia, sem se importar que eu visse, eu coloquei o telefone no viva voz. Sabia que sua
aflição era equiparada a minha agora.
— Sim, creio que sim. Nenhuma das balas atingiu nenhum órgão vital ou qualquer
artéria. Não se preocupe, tudo terminou bem. Quando chegamos Steve estava morto, Louis
também e todos os capangas deles. Não sabemos o que aconteceu ainda, Allison estava no
andar de cima da casa e disse que apenas ouviu os disparos, enquanto Evangeline ainda não
nos disse nada, ela… Ela não parou de chorar silenciosamente desde que saímos da casa.
Parece… Em choque.
Um nó surgiu em minha garganta rapidamente, ouvi um movimento de Nathan,
provavelmente em um carro, e esperei suas novas palavras.
— Elas estão juntas aqui. Fizemos o que podemos para estancar o sangue e diminuir
qualquer dor que pudessem sentir, mas a porra da casa em que estavam antes era reclusa
demais para esperarmos uma ambulância. A ETF já cuidou para que o hospital central esteja
nos aguardando para um atendimento mais ágil. Não se preocupe, as duas ficarão bem.
— Deixe-me falar com ela. – pedi, desesperado para ao menos ouvir a voz de
Evangeline, mesmo que de tão longe, tentar confortá-la, tentar expulsar os malditos
demônios do passado e presente que a importunavam agora… Para fazer qualquer coisa que
a fizesse se sentir bem. Ou minimamente bem.
— Não acho que… – ele tentou dizer, mas se interrompeu. – Tudo bem.
O ouvi chamar Evangeline e informar que eu estava ao telefone, segundos depois foi
audível também a voz de Allie, falando com Evangeline, pedindo que ela me atendesse. Mas
nenhuma resposta veio de Evangeline.
— Eu sinto muito. – Nathan murmurou para mim assim que voltou ao telefone.
Ignorei a apreensão e o desassossego que tentou me dominar e tentei, de toda e
qualquer maldita maneira possível, me fazer enxergar que, independente do estado de
choque em que ela estava, ela se recuperaria. Eu me certificaria disso, eu estaria com ela
durante todo o tempo que precisasse para se recuperar, eu… Eu faria qualquer coisa para
ter minha americana intrépida de novo. Forte, implacável e sarcástica. Como sempre.
Entreguei meu celular à Bryce para que ele falasse com Allison e acenei para o
primeiro táxi que vi.

***
O hospital central de Calgary não era o mais moderno que eu já havia visto, mas era
maior do que eu poderia imaginar, esse foi o único detalhe a que eu me ative assim que o
adentrei e pedi informações na recepção. Possuía coisas mais importantes para lidar e me
importar do que a beleza e imponência de qualquer hospital.
Os segundos se arrastaram a cada quilometro percorrido até chegarmos a esse local,
esse foi outro detalhe que percebi, e este me incomodou profundamente. Eu usava um casaco
grosso e negro sobre a camisa e o suéter e isso impedia qualquer um de ver o sangue que há
pelos menos meia hora deixava os pontos que havia em minhas costas.
Cerrei os lábios com força quando uma nova pontada de dor fez com que eu
perdesse o ar temporariamente. Continuar fingindo que nada estava errado comigo já não
dava certo, Bryce já havia me perguntado o que se passava pelo menos três vezes. E eu
demorei a lembrar que ele não sabia que eu havia fugido daquele hospital, ainda assim não
me dei a ao trabalho de lhe oferecer qualquer tipo de explicação sobre meu estado. Isso é
completamente irrelevante agora.
Por mais que o minuto sem respirar me fizesse tentar sugar o ar para os pulmões com
desespero, eu me controlei, sabia que fazer isso apenas pioraria meu estado e,
consequentemente, qualquer tentativa de respirar.
Já com crachás, que foram oferecidos após a recepcionista ligar para alguém e
informar que estávamos aqui, nós pegamos o elevador e subimos para o oitavo andar, onde
Nathan já nos aguardava. Troquei algumas palavras com ele, que tentou me tranquilizar após
explicar que Evangeline estava em um procedimento para extração da bala, assim como
Allison. Ele também me informou que os pais de Evangeline já sabiam do ocorrido e, antes
que eu tentasse falar com Robert, pai de Evangeline, Nathan me disse que ele e a esposa
estavam vindo ao Canadá, pois durante a última madrugada Daniel acordara e pedira que os
dois viessem ver a irmã.
Enquanto esperava impacientemente que o médico liberasse Allie ou Evangeline
para uma visita, meu celular tocou em meu bolso e eu o peguei acreditando que se tratava de
Robert, mas não me surpreendi ao perceber que se tratava de mamãe. Ela devia estar à
ponto de ter um colapso nervoso sem saber onde eu estava, sem conseguir falar comigo –
por eu estar incomunicável no avião – e ciente de que eu continuava machucado. Naquele
momento eu soube que, desta vez, ela possuía sim muitos motivos para estar infinitamente
preocupada, mas não me senti mal por isso, jamais me arrependeria de estar aqui. Ela não
poderia ter acreditado que eu continuaria quieto naquela porra de hospital enquanto minha
melhor amiga e minha mulher estavam em perigo.
— Eu estou bem. – menti assim que atendi, não costumava fazer isso, principalmente
quando se tratava dela e de papai, mas, para acalmá-la ao menos um pouco, foi necessário
mentir desta vez. – Estou em um hospital com Allison e Evangeline, as duas também ficarão
bem, então…
— Guilhermo, você está ferido! Levou um tiro! Não estava sequer conseguindo
respirar normalmente, não pode me dizer que…
— Mamãe… – eu tentei interrompê-la, mas a enxurrada de palavras que ela sentia
necessidade de dizer enquanto chorava, precisavam ser proferidas e não seria minha
impaciência a impedi-la de proferir cada uma delas com mais mágoa e irritação a cada
segundo que passava.
Ouvi cada uma de suas palavras, mas elas só passaram a me afetar realmente quando
ela começou a culpar Evangeline por tudo o que estava acontecendo. Aquilo me irritou mais
do que qualquer coisa naquele momento, até mesmo a demora para ver as duas mulheres que
aguardava aqui.
— Pare! – mandei, já furioso. Atraí olhares de pessoas que também aguardavam
naquela sala, inclusive Bryce. – Ela não teve culpa de nada, a senhora sequer sabe do que
está falando, então limite-se a esperar uma explicação antes de sair dizendo bobagens.
O silêncio do outro lado da linha me mostrou apenas quão surpresa com minhas
palavras ela havia ficado, não era para menos, eu nunca havia falado daquela forma com
ela, mas seu desinteresse e incomplacência em relação ao estado de Evangeline agora,
estava me irritando há muito tempo. Ela precisava parar com aquilo, mas não o faria se eu
não a fizesse parar.
— Você nunca falou comigo assim. Não enxerga o quanto mudou por causa dessa…
– interpelei novamente.
— Me poupe desse drama, mamãe, por favor. – pedi, mas desta vez não soei bravo
ou irritado, apenas cansado. Extremamente cansado de toda aquela situação, na verdade. –
Ao menos tente entender o que está acontecendo. Pare de enxergar Evangeline como alguém
que vai me tirar da senhora, pelo amor de Deus! Isso é ridículo. Eu a amo, mas nem mesmo
ela conseguiria me afastar da minha própria mãe. E Evangeline nunca moveria uma palha
para fazer isso. Pare de se preocupar tanto e à toa.
Fechei os olhos ao sentir novamente o cansaço proveniente do esforço para dizer
todas aquelas palavras entre respirações curtas. Chegava a ser ridículo o quanto eu corpo
estava debilitado. Nem mesmo falar direito eu poderia sem que isso tivesse algum efeito
doloroso!
O silêncio voltou a reinar na ligação novamente e aproveitei o tempo para voltar ao
exercício de tomar respirações curtas e ritmadas. Menos de um minuto depois, papai estava
ao telefone.
— O que aconteceu? – ele indagou. – O que disse para deixar sua mãe desta forma?
Você está bem?
— Nada. – respondi, sem qualquer interesse em me prolongar em qualquer tipo de
explicação.
— Nathan ligou há mais de uma hora, para informar que os agentes da ETF e ele
haviam encontrado Allison e Evangeline. Se eu te conheço bem, você já está no hospital
com elas. Como estão?
— Fora de perigo. – respondi devagar. – Estou esperando… Para ver uma delas.
— Por que está falando entre pausas, filho? Está sentindo algo de anormal? Você se
feriu ainda mais Guilhermo?!
Abri os olhos ao ouvir aquela pergunta, o ar me faltou novamente, mas eu já estava
tão acostumado com aquela situação insuportável, que apenas esperei o momento certo para
me forçar a respirar novamente. Nesses poucos segundos, uma enfermeira surgiu do
corredor e foi até Nathan, que, por algum motivo, estava sentado com Bryce duas cadeiras à
minha frente. Eu sequer vi quando ele voltou aqui.
— Eu vou primeiro. – ouvi Bryce dizer e, só então, percebi que falavam de Allison.
Decidi levantar.
— Papai, vou com Bryce ver a Allie agora. – falei, da melhor forma que consegui,
para não preocupá-lo. Desliguei o telefone sem nem mesmo esperar que ele respondesse.
Ao levantar da cadeira, mesmo que não tivesse nem mesmo encostado as costas a
ela, eu senti uma nova fisgada de dor.
— Porra. – xinguei em voz baixa ao colocar minha mochila no ombro são.
— Assim que chegamos, deram um calmante à Srta. Howell. – Nathan disse para
mim, quando cheguei até onde ele e Bryce estavam. Ele estava com os olhos apertados em
minha direção, era obvio que já havia percebido que algo estava errado comigo, ele sabia
que eu não estava bem, mas não disse absolutamente nada sobre isso. Não era de seu feitio
se intrometer. Talvez por isso fosse um ótimo profissional. – Se quiser vê-la, pode ir. O
ideal é que entre apenas uma pessoa por vez, segundo o médico e à equipe de segurança da
ETF. Ainda não sabemos o que realmente aconteceu lá, não sabemos se ainda há alguém
atrás de um de vocês, então é melhor prevenir.
— Tudo bem. – concordei quando paramos à frente de uma porta. Havia um homem
fortemente armado ao lado da porta.
— Ela está neste quarto. – avisou para mim, fazendo com que meu coração
acelerasse imediatamente.
O agente completamente vestido de preto abriu a porta do quarto para mim e
permitiu minha entrada.
Engoli em seco ao ver Evangeline sobre aquela cama, estava desacordada, mas
desta vez sua feição não parecia tão serena à ponto de me acalmar, como ela sempre
conseguia enquanto estava em sono profundo e tranquilo. Mesmo com o curativo sobre sua
testa, mesmo com as ataduras que avistei em seu braço – no que levou o tiro ontem à tarde -,
mesmo que eu soubesse que há pouco havia outra bala em seu corpo, eu tinha plena ciência
de que todo aquele inferno havia afetado mais seu psicológico que seu bem estar físico. E
isso não me era, nem de longe, tranquilizante.
Com o coração pesando como pedra dentro do peito, eu me aproximei de onde ela
estava. Havia pequenos arranhões em seu rosto também, poucos, quase imperceptíveis, mas
também doeram em mim. Eram machucados de qualquer forma, e ela não merecia nenhum
deles, não merecia nada de ruim que aconteceu em sua vida nos últimos oito anos. –
acariciei seu rosto ternamente e deixei um beijo suave entre suas sobrancelhas antes de
deixar minha mochila no chão. O nó em minha garganta aumentou após aquilo e me senti
fraco, impotente diante de toda aquela porra de situação, tinha vontade de sair e machucar
qualquer um que tivesse qualquer dedo de culpa no que aconteceu com minha mulher, nem
mesmo aquela maldita falta de ar me impediria de fazer isso, mas meu lado racional me
lembrava que agora havia acabado, que, independente do que eu queria, não conseguiria
matar Steve e Louis com minhas próprias mãos, não conseguiria nem mesmo apagar da
memória de Evangeline o que aqueles filhos da puta fizeram-na passar. E era exatamente
isso a me fazer sentir fraco e impotente.

EVANGELINE
Meus olhos se abriram lentamente, eles estavam pesados e arderam
insuportavelmente com o excesso de iluminação do local em que eu estava. Isso me impeliu
a fechá-los imediatamente. Ouvi uma porta ser aberta e logo percebi que, onde quer que eu
estivesse, alguém havia adentrado esse local. Meu coração se comprimiu e acelerou
simultaneamente, depressa demais eu percebi que não conseguiria fingir ainda estar
dormindo e, ao mesmo tempo, sentia um medo aterrador de abrir os olhos, sim,
definitivamente o que fazia lágrimas brotarem em meus olhos, mesmo contra minha vontade,
era medo e era isso também a me manter imóvel, como se fingir estar desacordada fizesse
quem quer que entrara aqui, ir embora, assim como a sensação pungente e sufocante de
perigo. Naquele momento uma lembrança nítida e dolorosa me fez mergulhar profundamente
nas sensações mais aterrorizantes que já vivi. Me afoguei completamente nelas. Eu estava
presa naquele quarto novamente, me convenci, só poderia ser isso. Logo aplicariam uma
nova droga em mim, para fazer com que eu continuasse complacente e silenciosa enquanto
me tocavam, enquanto penetravam meu corpo, enquanto os gritos angustiantes e femininos ao
longe me mantinham em um torpor e choque cada vez mais profundo. Eu quis gritar, como
quando senti o primeiro homem sobre mim há tanto tempo, eu quis pedir que ele parasse
novamente, eu quis pedir que me deixassem ir embora, mas não conseguia. E era mais
assustador a cada segundo. Nenhuma daquelas lembranças antes fora tão nítida. Eu havia
aprendido a bloquear grande parte delas e agora meu cérebro havia trago todas de volta de
forma coerente e verídica demais para eu ser capaz de lidar com elas. No momento, não era
dona dos meus movimentos, o comando dado por meu cérebro era ignorado por meus
membros e essa percepção apenas fez meu desespero aumentar.
Presa em um tipo assustador e sombrio de escuridão, eu me senti dentro de uma
casca, sim, era exatamente isso. Meu corpo era uma casca e eu estava presa dentro dele,
essa era a única explicação para eu sentir alguém me tocar suavemente e não conseguir
obrigar meu corpo a se mover, a afastar quem quer que estivesse ali, a ao menos pedir que
não me tocasse. Me senti débil, fraca, inútil. Aquela altura já queria desesperadamente abrir
os olhos, mesmo que o medo de fazê-lo continuasse a me oprimir. Contudo, não consegui.
Um perfume, percebi, e o reconhecimento daquele cheiro característico fez com que
meu medo aumentasse. Guilhermo estava ali. – compreendi – Ele estava ali, estava em
perigo e eu não conseguiria fazer nada. De novo. Ele mais uma vez seria machucado e eu
não seria capaz nem mesmo de impedir isso.
O peso da ameaça iminente me fez gritar em desespero e dor e angustia e desolação,
era horrível e por si só inexplicável. Uma sensação de queimação atingiu meu peito e, em
meu próprio inconsciente, eu me senti cair de joelhos, o aperto era tanto e a falta de ar tão
ferina, que eu achei que fosse morrer, acreditei que depois de tudo, havia chegado o meu
momento, depois de tantas mortes, de tantos atentados às pessoas que mais amo, eu achei
que aquela era minha vez.
Medo.
Terror.
Assombro.
“Está tudo bem, carino.” Ouvi Guilhermo dizer e eu quis, mais que tudo, mais que
sobreviver ao inferno interno que atravessava, que ele estivesse bem, que ficasse bem… Eu
quis que nunca tivesse atravessado seu caminho e despejado tanta desgraça em sua vida.
Assim como na vida da minha família e amigos.
“Eu amo você.” Foram suas próximas palavras, as que fizeram as lágrimas
transbordarem de meus olhos, que tornaram tudo o que sentia no momento impossível de
suportar. Meu estomago revirou, mas não foi o toque de Guilhermo a provocar isso. Aquela
foi uma reação involuntária, foi o meu corpo a me impelir a vomitar o grande nada que
havia em meu estomago e fazer com que aquelas tentativas falhas acabassem com o último
resquício de força que eu possuía. Eu queria me livrar da culpa e não conseguia.
Quando já se está inconsciente, afundada em seu próprio torpor, como ainda se pode
acreditar perder uma consciência que anteriormente já não possuía?

GUILHERMO
— Guilhermo? – a voz suave e rouca de Evangeline me fez acabar com o abraço que
lhe dava, mesmo com ela sobre aquela cama.
— Estou aqui, carino. – murmurei ao fitar seus olhos verdes, opacos e assustados.
Beijei-lhe os lábios delicadamente. – Está tudo bem agora… – eu comecei a dizer quando
os olhos dela se arregalaram e, completamente desesperada, ela tentou se desvencilhar de
mim para levantar.
— Nós temos que sair daqui Guilhermo. – ela disse entre lágrimas, eu só não sabia
se era de desespero, ou pela dor que a fez gemer e desistir de levantar. Naquele momento
percebi que mais cedo ela foi atingida em uma das pernas. – Você precisa sair daqui,
precisa ir embora, precisa ficar longe de mim… Eles vão voltar, vão tentar matar você
novamente e vão…
— Shhh… – eu a interrompi pousando o dedo indicador suavemente sobre seus
lábios. Me aproximei o suficiente para abraçá-la novamente e, ainda que a minha dor física
aumentasse terrivelmente, eu a ajudei a sentar sobre a cama. – Está tudo bem. – assegurei,
apertando-a em meu abraço. Acariciei seus cabelos e senti meus olhos queimarem, arderem
insuportavelmente a cada lágrima sua que eu sentia encharcar meu suéter. O fluxo delas
conseguiu ensopá-la mais que o sangue que deixava meu ferimento há menos de meia hora.
— Você tem que ir. – ela repetiu em um murmúrio angustiado – Não vai ficar bem
nunca se continuar perto de mim. Vá embora, Guilhermo.
Não permiti quando ela tentou me afastar. Evangeline segurou meu casaco com força
e voltou a chorar. Em seu consciente acreditava ter que me mandar ir, mas não conseguia me
soltar o suficiente para cumprir sua própria ordem.
— Steve está morto. – avisei-a. – Louis também… Todos aqueles capangas também
estão. Não se preocupe. Acabou. Está tudo bem.
— Eles não são os únicos, não podem ser. – ela insistiu e se afastou abruptamente.
Franzi o cenho ao vê-la avaliar as próprias mãos, quando percebi que elas tremiam, eu as
peguei e entrelacei às minhas. – Vá embora. – Pediu, por fim, puxando suas mãos das
minhas.
Eu acenei em negativa, mas a incapacidade de trazer ar aos pulmões me impediu de
dizer qualquer coisa.
Cacete!
A cada minuto essa dificuldade de respirar parece aumentar.
Evangeline tentou levantar novamente, após voltar a chorar, mas eu não permiti,
segurei seu braço com força e a paralisei sobre a cama. Agora seus lábios tremiam também
e sua expressão era muito mais desolada que antes. Quando finalmente consegui inspirar
novamente, eu percebi que algo em meu toque a perturbava.
— Carino…
— Me solte! Me solte! Não me toque, eu… Eu não quero que… – com os olhos
vidrados, desfocados, ela tentou se desvencilhar de mim, mas foi inútil.
Maldição! Vê-la tão desolada dói como a porra do inferno!
— Evangeline… – eu tentei de novo ao puxá-la para um novo abraço, desta vez
forçado. – Já passou. Está tudo bem agora…
— Não, não está nada bem! Não está! Nunca vai ficar. – ela disse com angustia. –
Eu matei um homem.
A última frase dita por ela me paralisou completamente, entretanto, antes que eu
pudesse dizer qualquer coisa, ela prosseguiu:
— Eles vão chegar a qualquer hora, eu sei que vão. Nós precisamos sair daqui,
precisamos fugir, Guilhermo. – cerrei os olhos com força ao apertá-la contra mim. Me
matava ver e sentir seu desespero e não poder fazer nada. – Precisamos ir, por favor.
Ouvi uma batida suave na porta e o corpo de Evangeline enrijeceu completamente
contra o meu, senti seu coração batendo desesperadamente no peito, senti sua respiração
ofegante, senti o medo que aflorava em cada poro do seu corpo e tive certeza que a junção
de tudo o que aconteceu a estava deixando daquela forma, vivenciando aquela crise: o medo
a venceu.
— Eles chegaram. – ela exclamou desesperada ao me empurrar para longe de si. Eu
estava estupefato demais para dizer qualquer coisa, tentava entender de onde ela havia
tirado tanta força quando um médico adentrou o quarto e um choro desesperado irrompeu
pela garganta de Evangeline. Ela, mesmo machucada, se encolheu sobre a cama, abraçou os
joelhos e se entregou ao choro.
Eu não consegui me forçar a me mover. Não consegui fazer nada ao vê-la daquela
forma. Era incapaz de reagir àquela imagem.
– Me desculpe. – ela pediu a mim em um sussurro agoniado. Aquelas duas palavras,
somadas a tudo o que eu vi, fizeram uma lágrima fina e solitária rolar por meu rosto – Me
desculpe por colocar você nesta situação.
O médico, hesitante, se aproximou confuso e dividindo o olhar entre Evangeline e
eu. Percebi que decidia entre questionar algo ou tentar descobrir sozinho para não
atrapalhar o que quer que se passava entre nós.
Acenei em negativa, expulsando da minha mente todo e qualquer pensamento
doloroso sobre um futuro em que ela continuasse assim enquanto eu, ao seu lado, me sentia
cada vez mais impotente e fraco, e me aproximei sem dizer uma palavra. Eu a abracei e
afaguei seu cabelo ternamente. Uma hora isso passaria, eu me convenci, e eu permaneceria
ao seu lado por todo o tempo que durasse, e após isso também.

***
Depois que se passaram dez minutos em que fiquei apenas com os braços
envolvendo-a enquanto Evangeline permanecia abraçando a si mesma e ignorando minha
presença, ela se moveu sob mim e, ainda com lágrimas nos olhos, me abraçou com força.
Estava, aos poucos, saindo daquele estado angustiante de medo extremo. E eu agradeci
deliberadamente por isso.
Cerca de meia hora se passou até que Evangeline se acalmasse de verdade, eu
estava atento a toda e qualquer mudança nela e, por isso, soube escolher o momento certo
para dizer algo e ouvi-la responder, mesmo que com a voz rouca e baixa, foi um alívio.
Após eu pedir que o médico deixasse o quarto, e prometer que iria até sua sala quando
Evangeline estivesse melhor, ele o fez.
— Você está bem? — ouvi-a sussurrar no instante em que lhe fiz a mesma pergunta.
Eu me afastei apenas o suficiente para encará-la e acariciar seu rosto.
Nenhum de nós respondeu e eu, imediatamente, entendi nossos motivos para isso:
nenhum de nós queria mentir para o outro.
— Como nos encontrou? – ela perguntou a mim, afastando-se um pouco mais na
cama, para que eu pudesse sentar de forma mais confortável. Obviamente não queria
conversar sobre o que acontecera há pouco. Talvez quisesse se obrigar a esquecer.
— Não encontrei, Nathan o fez. – expliquei devagar como se quisesse lhe dar tempo
para digerir cada informação quando na verdade apenas queria anular qualquer chance de
voltar a sentir falta de ar. A dificuldade para respirar já era ruim por si só. – Allie ligou
para Bryce, falei com David e ele conseguiu que a SWAT rastreasse a ligação. Já sabíamos
que estavam em algum lugar de Calgary, no Canadá, Nathan já estava nesta cidade também
então quando descobrimos a localização exata, ele só precisou reunir a equipe, criar um
plano e ir atrás de vocês.
— Você está bem? – Evangeline indagou, mostrando-se preocupada. Fechei os olhos
involuntariamente ao senti-la acariciar meu rosto.
— Vou ficar. – prometi ao beijar-lhe os lábios docemente, Evangeline retribuiu e
voltou a me abraçar.
— Steve está morto. – ela disse sem qualquer sentimento denotado em seu tom. –
Louis também… Morreram na minha frente.
— Sinto muito que tenha presenciado algo assim. – admiti, em seu ouvido. – Me
desculpe por não ter impedido isso.
Evangeline não disse nada por algum tempo e eu respeitei seu silêncio.
— Tentaram tocar em Allie. – ela sussurrou minutos depois e percebi que começara
a chorar novamente. Cerrei os olhos apenas por imaginar o estado de Allison agora,
esperava que ela fosse capaz de superar o que aqueles filhos da puta tentaram fazer a ela,
esperava poder ajudá-la nisso. Senti raiva, muita raiva e ainda não sabia como a
extravasaria, mas precisava fazê-lo. – Eu o matei, Guilhermo. – ela sussurrou em um fio de
voz, fazendo-me abrir os olhos imediatamente. Surpreso, estupefato por ouvi-la repetir
aquelas palavras e sentir o remorso que a inundava. – Atirei no homem que tentou tocar em
Allison. Ele morreu por minha culpa, na minha frente e eu não fiz nada para impedir.
Eu não disse nada por muito tempo, deixei que ela dissesse tudo o que precisava,
deixei que me contasse tudo o que aconteceu e precisei de muita força de vontade e
autocontrole para não esquartejar os filhos da puta que fizeram tudo o que fizeram a estas
mulheres. Eles estavam mortos, eu não conseguiria fazê-los sofrer tanto quanto gostaria, mas
precisava fazer algo. Precisava machucar algum dos responsáveis, precisa fazer qualquer
porra mesmo após o fim de tudo.
Apertei Evangeline em meus braços e permiti que ela chorasse por todo o tempo que
precisou, ela também precisava extravasar aquela dor e agora sabia que eu estaria ao seu
lado. Sempre.
Era mais de oito da noite quando deixei o quarto de Evangeline para ir visitar Allie,
apenas fiz isso para deixar Evangeline à vontade para falar com Megan – que ligara
desesperada – e David – que também estava notavelmente preocupado com o que
acontecera. Ela insistiu que eu o fizesse.
Eu também já havia decidido que diria ao médico sobre meu ferimento após visitar
Allie. Havia começado a usar a bombinha que Eloíse colocara na mochila, isso ajudou por
algum tempo, mas não muito. O ferimento estava dolorido, não sangrava mais, mas o menor
movimento me trazia dor.
Conversei com Allie por alguns minutos, a ouvi narrar tudo o que aconteceu desde
que foi sequestrada, a ouvi contar sobre os homens que tentaram tocá-la e tudo o que
Evangeline fez para impedir. E durante todo esse tempo, Bryce não saiu do lado dela,
parecia sofrer como ela – assim como me senti e me sinto em relação a Evangeline e,
naquele instante, tive a comprovação de que ele realmente se arrependia do que havia feito
no passado ao desconfiar dela, que se culpava por isso e agora apenas queria recuperar o
tempo perdido com a mulher que amava. Em meio a tudo aquilo, eu percebi que ao menos os
dois se aproximariam mais depois disso. Allie cederia porque, pela forma que estava
agarrada a ele, e pelo que disse a ele ao telefone mais cedo, ela já havia percebido que o
amava muito para não permitir que essa nova chance deles fosse suficiente para viverem
tudo o que haviam perdido.
Meu celular tocou em meu bolso após eu abraçar Allison e eu me desvencilhei para
verificar quem era.
Marina.
— Com licença, é Marina. – pedi aos dois antes de me afastar para atender.
— Mari? – murmurei ao atender.
— Guilhermo! Finalmente! Você me preocupou muito, maninho! Eu achei que algo
havia acontecido com você, achei que pudesse estar mais machucado! Tentei ligar e não me
atendeu! Papai me avisou ainda pouco que havia falado com você, que estava bem… – ela
continuou a falar, da mesma forma que mamãe fez e eu me calei completamente, esperando
que uma hora me desse chance de falar. – E a Evy? Ela está bem?! O que houve com ela?!
Expirei lentamente e decidi contar.
— Ela estava em choque, não estava conseguindo parar de chorar, mas agora está
melhor. Graças a Deus. – fiz uma pausa ao lembrar de como a vi ao adentrar seu quarto –
Foi baleada novamente…
Marina soluçou baixinho ao telefone e parei de falar ao perceber que chorava.
— Guilhermo, ela…
Marina se interrompeu, fazendo-me franzir o cenho, já preocupado.
— Mari?
— A Evy perdeu o bebê? – ela questionou, por fim, deixando-me em choque,
acreditando ter ouvido errado e, ao mesmo tempo, incapaz de dizer qualquer coisa.
Bebê?! Marina disse que Evangeline está grávida?! Como assim ela estava grávida?
Como pode ter… – as próximas palavras de minha irmã afugentaram os pensamentos que
preenchiam minha mente, já cheia demais.
— Me diga que está tudo bem com os dois, por favor! – ela pediu, desesperada – É
o primeiro filho de vocês, Evy não pode perdê-lo, apesar de tudo o que aconteceu.
Naquele instante o quarto girou a minha frente e precisei fechar os olhos por um
momento.
— Filho? – repeti debilmente quando comecei a sentir um misto de tudo o que
aquela possibilidade poderia me fazer sentir.
Surpresa. Emoção. Felicidade. Medo. E, por fim, dor, pela simples possibilidade de
perder um filho. Um filho que eu desejava ter, mesmo que nunca tivesse pensado no “agora”
para isso, mesmo que eu nunca tivesse imaginado que o teria antes de um casamento, mesmo
que Evangeline e eu nunca tivéssemos sequer conversado sobre isso ou planejado algo
assim, eu o queria, queria mais que qualquer coisa ter um filho com ela. Com a mulher que
amo.
— Você ainda não sabia?! – Marina exclamou, sentindo-se obviamente culpada. –
Me desculpe! Eu achei que já sabia, que… Deus do céu!
Olhei para Allison e Bryce, que me encaravam confusos, e fiz um sinal para a porta,
avisando silenciosamente que precisaria sair.
Meu coração já estava acelerado, em preocupação, em temor, em irritação e medo
de novo. Senti meus olhos queimarem novamente enquanto avisava para Marina que falaria
com o médico. Minha garganta também se apertou junto ao meu peito e, de repente, eu já não
sabia se um único dia seria suficiente para lidar com mais uma perda, principalmente como
aquela. Eu não queria acreditar que havia a mais remota chance de Evangeline perder nosso
bebê, mas essa possibilidade me aterrorizava, me imobilizava, me destruía. E eu tinha
certeza que faria o mesmo com ela.
— Guilhermo? – ouvi uma voz masculina e conhecida me chamar e me virei no
corredor para ver Robert e Patrícia Howell se aproximarem, ela usava óculos escuros, mas
pude ver que chorava.
Por um segundo, decidi adiar a conversa com o médico e me preparei para a
conversa que agora teria com eles, precisava contar o que havia acontecido antes que
fossem atrás de Evangeline e, com suas preocupações e perguntas, a deixassem ainda pior,
mas Robert tinha outros planos. Planos que envolviam seu punho cerrado em meu rosto e
todo o excesso de sua raiva concentrado em um golpe.
— Porra. – xinguei entre um grunhido quando o homem avançou sobre mim e me
empurrou contra a parede mais próxima, eu sequer tentei me defender. Cerrei os olhos com
toda a força que achava possuir e tentei lidar com a dor agonizante em minhas costas. O
ferimento da bala voltara a sangrar e doía como o inferno depois daquilo.
— Você prometeu que cuidaria dela. – ele disse com raiva, seu rosto muito próximo
ao meu, a fúria irradiando de seu corpo quase conseguiu me fazer revidar com raiva
também, mas eu estava ciente de que depois do que havia acontecido, eu teria uma atitude
como a sua. Ele tinha seus motivos.
Foram Patrícia e alguns enfermeiros a conseguir afastar Robert de mim, mas isso
não o deixou mais tranquilo ou calmo, isso o irritou ainda mais.
Massageei meu maxilar e, cuidadosamente, afastei-me da parede reprimindo todos
os gemidos de dor que tentaram fugir de meus lábios. A onda insuportável de dor me deixou
aéreo por alguns segundos e uma exclamação de assombro me trouxe de volta à realidade.
— Você está sangrando! – uma enfermeira repetiu, se aproximando de onde eu
estava. – Meu Deus! Venha comigo senhor.
Ela tentou me levar para à sala do médico – a que eu me dirigia antes da chegada
dos Howell’s -, mas eu me desvencilhei de seu toque e me voltei para Robert.
— Precisamos conversar. – avisei a ele, fazendo-o tentar se aproximar como um
touro bravo. – Falar de Evangeline.
— O que ainda tem a me contar depois de tudo o que Daniel nos contou?
Porra. Eles já sabem sobre o Mardi Gras, percebi. Já sabem de tudo.
— Senhor precisa cuidar desse ferimento. – a senhora repetiu, ainda espantada. – Há
muito sangue! Pode ter uma infecção. Como conseguiu se machucar aqui?
Voltei-me para ela, pronto para dar uma desculpa, quando Patrícia me pediu que
fosse cuidar desse machucado enquanto ela tentava acalmar o marido.
— Evangeline está ao telefone, falando com David e Megan, passou por muitas
coisas ontem e hoje, não a deixem pior ainda. – pedi.
— Está tentando me ensinar a cuidar da minha própria filha?! – Robert explodiu
novamente, mas eu fingi não notar, na verdade nem mesmo me importava, sabia que ele tinha
o direito de estar assim, sabia que queria descontar em algo – como eu quis quando
descobri sobre o passado de Evangeline -, mas não lhe daria atenção suficiente à ponto de
fazê-lo acreditar que eu serviria de válvula de escape para isso. Minha cota de ferimentos e
paciência já havia se esgotado por hoje.
— O ideal é que não a façam lembrar de nada mais traumatizante do que tudo o que
ela já viveu hoje.
— Ela está bem? – Patrícia indagou após alguns momentos de silêncio, em que seu
marido a abraçou e tentou consolá-la. Percebi que o mundo dos dois havia virado de cabeça
para baixo desde o sequestro de Angeline, os dois foram tomados por preocupações e
angustias e, diferente de mim, eles estavam completamente no escuro, não sabiam nem
mesmo que tudo acontecia por causa de um episódio aterrorizante do passado de
Evangeline, não sabiam que estávamos tentando dar um fim a tudo, não sabiam de nada além
de que Steve tinha algo a ver com tudo e que havia sequestrado uma de suas filhas antes de
matar um homem. Não sabiam nem mesmo o motivo de tentarem matar Daniel.
Talvez descobrir tudo agora fosse um baque grande demais para ambos.
— Ela vai ficar. Eu tenho certeza.
— O que aconteceu? – foi Robert a perguntar desta vez.
— Acabou. Steve está morto. – murmurei quando uma nova onda de incapacidade de
respirar me atingiu. Me encostei à parede quando um acesso de tosse impediu que eu
tentasse continuar qualquer sentença. Logo isso também piorou meu estado e o esforço fez
com que trazer qualquer quantidade de ar aos pulmões fosse impossível.
Meus olhos se arregalaram quando percebi que sangue tingia minha mão – que eu
havia levado aos lábios.
Porra. – pensei quando a enfermeira começou a me puxar para sair dali.
Me senti sufocado, sem ar e sem qualquer chance de me forçar a conseguir qualquer
resquício de oxigênio. Mas, desde o início, por mais que tentasse ignorar essa verdade, eu
sabia que uma hora meu corpo cederia. Havia chegado o momento.

Quatro meses depois:

EVANGELINE
Dizer que os últimos quatro meses passaram rápido seria uma grande mentira, pois
eles não poderiam ter passado de forma mais vagarosa. Talvez eu acreditasse convictamente
nisso porque passei todo esse tempo sem trabalhar (por causa de uma indicação do médico
para evitar “estresses desnecessários”), minhas únicas atividades semanais eram para ir ao
psicanalista ou ao hospital. E essas, nem de longe, seriam atividades que eu um dia sonharia
manter em minha vida, com horários seguidos religiosamente.
Duas semanas após a morte de Steve e Louis, eu pude deixar o hospital, Logan e
Daniel também, embora a recuperação deste tenha demorado bem mais que a minha. Por
mais que evitasse incansavelmente qualquer lembrança inerente ao que acontecera naquela
casa ou no Mardi Gras de oito anos atrás, eu me obriguei a lembrar de todos os detalhes
possíveis, até mesmo os irrelevantes, para contar à David e ao FBI de Nova Iorque, pois,
por mais que doesse intensamente lembrar de tudo aquilo. O que Allie e eu vivemos era
apenas parte do que muitas mulheres deviam estar vivendo naquele momento, e eu quis
ajudar todas elas, mesmo que daquela forma, quis que as chances delas serem encontradas
fossem maiores, quis que elas tivessem uma nova chance de viver, como eu tive. E eu
continuaria a ajudar nisso, o meu tempo “livre” nesses meses me permitiu pensar muito e
decidir que estava na hora de abrir outras instituições de caridade, mesmo que não mais em
Nova Iorque.
Com a morte de todos os envolvidos no sequestro de Allie e eu, a polícia chegou à
conclusão de que os riscos para nós – tanto quanto para nossas famílias – já não era alto, só
não pôde nos garantir que era inexistente. E nem que eles tentassem muito, eu chegaria a
acreditar de verdade que nós estávamos completamente seguros. Era obvio que Louis não
havia contado a nenhum dos seus policiais-duplos-filhos-da-puta-e-ajudantes-de-Steve, que
havia me sequestrado, afinal, não queria que qualquer pessoa possuísse algo contra ele, mas
essa dúvida não seria sanada ou esquecida por qualquer um de nós, portanto, as medidas
tomadas para nossa segurança aumentaram.
Há pouco mais de dois meses, David chegou ao responsável pela boate de Sterling
Heights e após alguma pressão no homem, ele conseguiu informações valiosas sobre o real
andamento daqueles negócios por lá. Em pouco tempo a boate fora fechada e as mulheres,
traumatizadas e desoladas, foram levadas às suas casas – muitas em outros estados – e às
instituições de assistência social das suas respectivas cidades, com novas identidades e a
chance de recomeçar. O FBI junto à ATF fez uma varredura em todas as boates em Nova
Orleans e conseguiu apoio da Interpol para fazer o mesmo com as de Montevidéu, a quebra
do sigilo telefônico de Louis e Steve, pelo que entendi, também ajudou muito à agência de
inteligência americana a descobrir onde estava o coração de toda aquela quadrilha, onde
funcionavam às reais vendas de mulheres e crianças e, por mais que tenham demorado, há
menos de um mês Guilhermo me contou que haviam conseguido. Claro, ele não me deu
detalhes sobre nada, nem mesmo David ou Daniel, que também insistiram em continuar
naquela investigação para acabar com aquela maldita quadrilha, pois após a morte de Steve
e Neil, certamente ela seria liderada por outros homens, mas eu sabia que ele fazia isso para
o meu bem. Apesar de tudo, eu realmente não queria mais detalhes sobre nada, só queria
que o inferno vivido por aquelas mulheres tivesse um fim.
Acompanhei pelos jornais o “trabalho maravilhoso feito pelo FBI em conjunto
com a CIA, ATF e Interpol” ao desmascarar uma enorme quadrilha de tráfico de drogas e
mulheres que agia em todos os Estados Unidos, México e Uruguai. Eu não seria hipócrita,
não diria que os veneraria tanto quanto os jornais fizeram após essa descoberta, afinal, essa
não era a única quadrilha e nem seria última, esse não foi um trabalho somente deles, pois
foi David a começar tudo aquilo, ele que possuía informações suficientes para começar uma
investigação como aquela — aliás, exatamente por isso ele foi convidado a fazer parte do
FBI e ATF e agora avaliava as propostas. Não queria aceitar qualquer possibilidade de se
afastar de Melanie que, infelizmente, continuava em coma no hospital -, e, querendo ou não,
tudo aconteceu debaixo de seus narizes, muitos de seus homens estavam envolvidos também.
Eles que salvaram Allie e eu? Sim. Mas não deixo de pensar em quantos pais e filhos
perderam mulheres de suas famílias e depositaram confiança na polícia para encontra-las
sem nunca terem tido notícias sobre elas. Eu poderia estar terrivelmente enganada, mas
acreditava que se eu fosse uma mulher normal, de classe média ou baixa, e fosse
sequestrada e vendida, não haveria toda essa comoção da polícia e, principalmente, essa
agilidade em descobrir e extinguir aquela quadrilha. Na verdade, eu sabia que não estava
errada em pensar assim e isso me enfurecia. Mas já havia feito o que podia para ajudá-las e
consegui até mesmo que o FBI mantivesse sigilo sobre minha identidade e de Allison,
restava a mim apenas rezar para que aquelas mulheres se recuperassem.
Quatro meses se passaram e todo o inferno vivido parecia ter realmente ido embora,
mas as sequelas jamais iriam. Jamais nos esqueceríamos de tudo o que vivemos, nem
deixaríamos as lembranças de lado enquanto Mel ainda estivesse naquele hospital. Allie e
Angeline, assim como eu, também precisaram de acompanhamento psicológico — no meu
caso psiquiátrico, pois após a primeira conversa com um psicólogo amigo de David, ainda
enquanto eu estava no hospital, ele me indicou a um psicanalista e eu somente descobri o
motivo algumas sessões depois: eu estava com síndrome de pânico.
Todos os meus pressentimentos ruins, tonturas, calafrios, excessos de preocupações,
choros, dores no peito e desmaios, faziam parte das reações de meu corpo para mostrarem o
que antecedeu essa síndrome: eram todas pequenas crises de ansiedade que, quando
Guilhermo me levou para Barcelona há quatro meses, apenas se intensificaram. Eu havia
chegado ao meu limite, ao ponto em que minha mente já não aguentava lidar e guardar tantas
coisas ruins, tantas situações traumáticas sem ceder e isso me fez chegar ao que todas
aquelas crise culminaram, à síndrome. Durante esses quatro meses que se passaram, eu
apenas tive outra crise como a do hospital (quando fui visitar Melanie há pouco mais de
oito semanas), mas o tratamento com o psiquiatra tem me ajudado muito, assim como o
apoio de Guilhermo – que está sempre ao meu lado – e da minha família – papai e mamãe
decidiram ir morar em Nova Iorque após finalmente descobrirem sobre o Mardi Gras, sobre
Steve e sobre a quadrilha de tráfico (como imaginei, os dois surtaram com essa descoberta,
ficaram bravos, mas a preocupação extrema dos dois foi maior que qualquer coisa, por isso
decidiram ir para Nova Iorque também). Claro, eu não me sentia curada (nem sabia se um
dia sentiria), ainda possuía medos “bobos” com os quais lidar diariamente, como ficar
presa em locais fechados ou escuros por muito tempo ou simplesmente sair de casa, mas
saber lidar com o medo e vencê-lo é algo que agora faço não só por mim. Quero que meu
filho tenha uma vida segura e uma mãe que esteja com ele sempre sem que ele precise vê-la
tendo uma crise, qualquer excesso sem sentido de irritação ou algum pesadelo horrível,
quero que ele nunca tenha que sofrer nada do que Guilhermo e eu sofremos nestes quatro
meses enquanto eu tentava me recuperar e ele tentava me ajudar.
Angeline foi à Nova Iorque assim que voltei do Canadá, ela e mamãe me ajudaram
em relação à Natalie, pois descobrimos que Ananda (ou Mônica, que era seu nome
verdadeiro) havia morrido e Natalie precisava saber disso e precisava de um apoio que eu
não conseguiria lhe dar. Minha casa também foi vendida quando me recusei a voltar para
ela, mamãe insistiu que eu deveria morar com ela e papai, mas preferi aceitar quando
Guilhermo me convidou para ficar com ele em seu apartamento. Eu, obviamente, não queria
me separar dele, eu o amava, afinal, mas nossas vidas e planos (quase inexistentes) viraram
de cabeça para baixo quando descobrimos da minha gravidez. Eu, mais do que um novo
motivo para querer recomeçar, ganhei uma nova razão para querer isso com Guilhermo e
Natalie. Ele não desistiu de mim nunca, nem mesmo quando mereci que o fizesse e eu lutaria
contra meus medos, minhas crises e nunca desistiria dele também.
Avaliei a protuberância de meu ventre através do espelho por um momento e
abandonei o roupão que vestia – havia saído do banho há pouco e precisava me arrumar
rapidamente, pois a Catedral de Barcelona é um pouco distante da casa da família D’Angelo
e eu só havia feito a maquiagem para o casamento, mas avaliar minha barriga era algo que
eu gostava de fazer diariamente. Quando me contaram da minha gravidez, tanto Guilhermo
quanto meus pais se preocuparam que algum medo relativo a isso me dominasse e que,
consequentemente, isso me levasse à outra crise. Mas minha gravidez, para mim, foi mais
um motivo pelo qual lutar e, sob nenhuma hipótese, me permitir cair. Apesar do receio
inicial de conseguir ser uma boa mãe ou de ter uma gravidez tranquila, todos me apoiaram e
consegui superar isso.
Eu estou grávida de pouco mais de sete meses, ainda não sei o sexo do bebê já que
Guilhermo e eu preferimos assim, mas admito que a curiosidade sobre o pequeno ser se
movendo dentro de mim agora, me deixa cada dia mais inclinada a falar com meu obstetra
sobre isso.
Uma mecha se soltou de meu cabelo e caiu sobre meus olhos antes que eu pudesse
tirá-la. Eu o cortei na altura dos ombros há dois meses, estavam me dando uma fadiga
enorme e mamãe insistiu que isso tinha a ver com a gravidez. Fitei meu corpo através do
espelho e franzi o cenho, eu sentia como se pesasse uma tonelada, meus pés estavam
inchados, mas mamãe também insistia que minha barriga estava pequena para uma mulher
que estava grávida de quase oito meses e, por isso, lançou uma aposta com papai, David e
Megan (os homens acreditavam que o bebê era menino, mas as mulheres insistiam no
contrário), quando Guilhermo e eu estávamos tão felizes com o fato de termos um bebê à
caminho que nos era irrelevante o sexo dele (por mais que tivéssemos apostas secretas
quanto a isso).
Acariciei meu ventre ternamente e virei de lado para ver melhor o tamanho dele
quando a porta do quarto foi aberta. Deixei uma exclamação de surpresa fugir de meus
lábios e meu coração acelerou dolorosamente no peito, mas me acalmei um pouco ao ver
Guilhermo. Expirei fortemente e segurei meus seios (que estavam enormes e isso, a meu ver,
me deixava parecendo uma vaca) quando Guilhermo se encostou a porta do nosso quarto e
sorriu daquele jeito sensual e todo safado.
— Você me assustou. – eu disse a ele sem conseguir me mover para pegar o roupão
sobre a cama.
As complicações no ferimento de Guilhermo há alguns meses o deixaram no hospital
por um pouco mais de tempo que eu, mas ele já estava bem. Graças a Deus. Quando saímos
do hospital para seu apartamento, ele respeitou minha hesitação em deixá-lo me tocar
novamente, mas isso só persistiu por algumas semanas, até que as conversas com o
psiquiatra começaram a realmente me ajudar. Agora estávamos tentando voltar ao que nosso
relacionamento era antes de tudo, claro que o desejo mútuo estava entre nós, assim como a
paixão e, incrivelmente, a felicidade, mas nada era como antes (não que estivesse ruim), e
talvez nunca voltássemos a ter o que possuímos antes. Bryan, meu psiquiatra, disse que
agora somos pessoas diferentes, nos tornamos mais maduros e nosso relacionamento
também havia sofrido essas consequências, nos amávamos e, usamos isso, para conseguir
enfrentar tudo juntos, mas isso não significava apagar tudo e simplesmente voltar ao que
éramos e tínhamos antes.
— Desculpe. – ele pediu, mas não parecia se sentir mal por isso, seus olhos
brilhavam como se visse a oitava maravilha do mundo, mas me era inacreditável, eu parecia
uma baleia. – Se não estivéssemos tão atrasados para esse casamento eu te mostraria
algumas posições novas, Carino.
Eu revirei os olhos, mas um sorriso bobo tomou conta de meus lábios.
— Estou parecendo uma baleia grávida. – murmurei, frustrada ao fitar meu corpo
através do espelho novamente. – Você não pode se sentir atraído por mim assim, sabendo
exatamente como eu era há quatro meses.
Ele riu, Guilhermo realmente riu de minhas palavras, e se aproximou para ficar atrás
de mim e me encarar através do espelho.
— Por mim você ficaria sempre grávida. – ele disse em meu ouvido ao acariciar
meu ventre e me “abraçar”. – Está linda, está sexy e eu estou sempre louco para tocar você.
Um arrepio perpassou meu corpo e senti meus seios enrijecerem em minhas mãos
quando Guilhermo começou a beijar meu pescoço.
— Tem certeza de que não podemos faltar a esse casamento? – ele questionou e eu
soube que já estava excitado, embora tentasse me esconder isso.
Eu sorri e pousei minhas mãos sobre as dele em meu ventre.
— Marina nos mata se faltarmos ao casamento dela. – avisei-o.
— Não é de bom tom os padrinhos se atrasarem um pouco ou esse é um privilégio
apenas da noiva?
Eu não respondi, apenas mantive o sorriso em meu rosto quando ele me virou em
seus braços. Eu o fitei intensamente e em silêncio por alguns segundos e ele fez o mesmo
enquanto soltava meus cabelos lentamente, ele os adorava, mesmo que estivessem mais
curtos agora.
Os olhos azuis e intensos, que antes brilhavam cheios de malícia, agora exalavam
um sentimento mais nobre, puro. E eu amava ver aquele brilho ali, não podia negar.
— Eu amo você, eu já disse isso hoje? – ele perguntou e beijou meus lábios
suavemente.
Aquelas palavras; aquele simples toque; aquele homem conseguia tão facilmente
expulsar meus temores, desde os mais bobos aos mais amedrontadores. E ele sabia que esse
não era o único poder que tinha sobre mim.
Senti um nó de felicidade se instalar em minha garganta e um movimento sutil em
meu ventre me fez arregalar os olhos, surpresa.
— Ele está se mexendo, Guilhermo. – murmurei olhando para minha barriga e
tocando-a suavemente, como que para não assustar o bebê. Como sempre o fazia,
extremamente bobo de felicidade, Guilhermo se ajoelhou à minha frente e tocou
delicadamente o local que o bebê chutava.
— O papai está aqui, querida. – ele sussurrou, lembrando-me que também
acreditava secretamente que era uma menina. – Não assuste a mamãe.
Ele beijou meu ventre ternamente e o acariciou por alguns segundos, até que uma
batida na porta chamou nossa atenção.
— Mamãe? A senhora já está pronta?
Um novo sorriso tomou conta de meus lábios ao ouvir a voz de Natalie. Guilhermo
levantou e pegou meu roupão sobre a cama para entregá-lo à mim.
— Guilherme, nós precisamos conversar! – ouvi ela dizer a ele assim que a porta foi
aberta. A cada dia que passava parecia mais madura e inteligente e isso me deixava tão
contente!
Franzi o cenho quando Guilhermo sussurrou para ela algo que não entendi, em
seguida, Natalie concordou.
— Tudo bem.
Eu avaliava meu vestido vermelho sobre a cama quando Natalie entrou no quarto.
— Mamãe! A senhora não está pronta?! A tia Mari vai casar em menos de uma hora,
mamãe! Não a senhora!
— Eu sei, eu sei, querida! Vamos, me ajude! Não alcanço o zíper das costas.
Guilhermo me encarou com um sorriso nos lábios e uma sobrancelha arqueada, ele
não disse, mas eu tive certeza que perguntava: “não quer que eu a ajude com isso
Carino?” Mas eu, definitivamente, duvidava que ele me ajudaria a vestir algo neste
momento.
Vesti o vestido por baixo e Natalie me ajudou a levantá-lo – não sem antes mandar
Guilhermo virar de costas, claro. Porque ele é “menino” e eu sou “menina” e meninos não
podem ver meninas sem roupas. Ao ouvir aquilo, eu apenas acenei em negativa e escondi
um sorriso.
Enquanto Natalie tentava fechar o bendito zíper – sem muito sucesso por ser muito
baixa – eu senti quando Guilhermo se aproximou e, delicadamente, o fechou.
Nossos olhares se encontraram no espelho quando ele questionou:
— Pronta americana intrépida?
Eu assenti lentamente. Uma lagrima fina rolou por meu rosto e um sorriso surgiu em
meus lábios. Depois de tudo, agora eu só derramava lágrimas de felicidade. Ter os três, bem
e juntos a mim sempre, era todo o necessário para ter apenas felicidade.
— A senhora está linda, mamãe. – Natalie disse ao parar à frente do espelho.
Guilhermo me abraçou e segundos depois Natalie também o fez e, então, finalmente,
eu tive uma certeza: nos restara apenas felicidade.
VINTE E CINCO
GUILHERMO

Como irmão mais velho, o que eu poderia sentir de minha irmã mais nova se não
orgulho ao vê-la evidentemente feliz por, finalmente, estar casada com o homem que ama? –
perguntei-me enquanto Marina e Drake tinham a sua primeira valsa como marido e mulher,
durante a festa de seu casamento. Ela tinha lágrimas de felicidade nos olhos e um sorriso
inabalável nos lábios enquanto ele a mirava como se fosse a única em todo aquele salão,
como se em meio a tantas pessoas, ela fosse a única a realmente lhe interessar, a única a ter
o seu coração.
Em outra época da minha vida, eu não entenderia Drake ou o sentimento que ele
obviamente nutre por minha irmã, mas agora não, agora eu possuo um motivo, uma razão
para acreditar convictamente que dentre todo um mundo de possibilidades, um homem pode
ser capaz de amar cegamente e completamente uma única mulher e que, dentre tantas
opções, escolher tê-la durante todos os dias de sua vida, é a deveras importa. Simplesmente
olhar para Evangeline era suficiente para que eu tivesse certeza que desde o início, desde o
nosso primeiro encontro naquele elevador do Hotel España, desde que nos reencontramos
naquela empresa há quase um ano, ela foi a única alternativa que meu coração não teve
escolha senão aceitar, a única que eu não senti nenhum simples ímpeto de rejeitar, de relutar
ou hesitar em aceitar. Afinal, havia um motivo para aquelas respostas intrépidas me
instigarem a tê-la, havia um motivo para que esta mulher inteligente, dona de si e linda não
saísse da minha cabeça, havia um motivo para eu estar olhando agora pra ela e me sentir
ainda mais apaixonado, mais certo de que eu a queria comigo até o último dia de minha
vida, mais ávido por viver cada dia ao seu lado e construir uma família com ela, uma vida
que nós dois queríamos ter.
A música melodiosa e romântica que tocava, acabou e todos batemos palmas para o
casal apaixonado que agora se beijava no centro do salão. Quando a próxima música tocou,
a que fazia parte do meu plano, eu levantei e sorri ao mirar a expressão surpresa de
Evangeline.
— Me daria a honra desta dança? – Ela sorriu e mirou Lilie, que a incitou a levantar
logo para dançar comigo. Ela sabia que esse era apenas o início dos meus planos, sabia de
cada detalhe do que eu havia planejado para ter sua mãe por todos os dias de nossas vidas,
assim como ela e sua irmã que estava prestes a nascer (porque sim, sinto que nosso bebê é
uma menina linda que, como Natalie, me deixará cedo de cabelos brancos).

Evangeline aceitou meu pedido e seguimos juntos para o centro do salão, onde
outros casais – inclusive Megan e Tyler – dançavam.
— Em momentos assim, eu agradeço por não estar usando saltos. – Evangeline
murmurou contra meu peito enquanto nos movíamos lentamente pelo salão. Sem os saltos ela
ficava bem mais baixa que eu e seu rosto ficava na altura exata do meu peito, ela gostava de
se acomodar ali.
Sorri, mas não disse nada, apenas acariciei seus cabelos e seu rosto, para fazê-la
levantá-lo e encostar sua testa a minha. Beijei seus lábios ternamente e ela fechou os olhos.
Então a banda que Marina contratou para a festa, Boyce Avenue, começou a cantar o
refrão de All Of Me e, como planejara, eu comecei a sussurra-lo para Evangeline também,
como se naquele instante meu mundo se resumisse a ela e eu quisesse que apenas ela
soubesse disso.
“Porque tudo de mim / Ama tudo em você / Ama suas curvas e todos os seus
limites / Todas as suas perfeitas imperfeições / Dê tudo de você para mim / Eu te darei
meu tudo / Você é o meu fim e meu começo / Mesmo quando perco, estou ganhando /
Porque te dou tudo de mim / E você me dá tudo de você”
Eu a beijei delicadamente novamente e limpei as lágrimas finas que banhavam suas
bochechas agora. Ela odiava deliberadamente essa sensibilidade que a fazia chorar até
mesmo de felicidade, de emoção, mas vê-la chorar por esses motivos nunca me preocupará.

“Quantas vezes tenho que te dizer / Que mesmo quando você está chorando, você
continua linda / O mundo está te massacrando / Estou por perto a todo o momento / Você
é minha ruína, você é minha musa / Minha pior distração, meu ritmo e tristeza / Não
consigo parar de cantar / Está tocando uma música em minha cabeça”
— E ela é pra você. – completei em espanhol antes que ela me abraçasse.
Enquanto eu a abraçava também, para ajudá-la a se acalmar, procurei Natalie no
salão e a encontrei no lugar em que estávamos há alguns minutos, com um sorriso enorme
nos lábios ela levantou o polegar (nosso sinal secreto para dizer que aquele plano estava
caminhando bem) e eu, com um sorriso, fiz o mesmo.
Primeira parte: OK

Evangeline

Através da janela do quarto, eu podia ver que a manhã de sábado estava linda lá
fora. Era mais de dez da manhã do dia seguinte ao casamento de Marina e, por mais que eu
não conseguisse voltar a dormir, mesmo estando exausta da festa, meu sono foi afugentado
facilmente de mim quando um sonho perturbador me fez acordar. Eu havia aprendido a não
permitir que esses sonhos, espelhos dos meus maiores medos e lembranças, voltassem a me
subjugar, mas isso não os impedia de me tirar o sossego por algum tempo. Ao invés de me
deixar decair em mais preocupações, desta vez eu tentei lembrar apenas das coisas boas
destas últimas semanas enquanto acariciava meu ventre.
Inicialmente lembrei da cerimônia de casamento de Marina e Drake que, aliás, foi
linda, assim como a festa. Eu chorei novamente enquanto eles trocavam os votos e enquanto
dançava com Guilhermo, mas tenho certeza que toda essa sensibilidade é por causa da
gravidez. Ao lembrar da festa quando, enquanto as mulheres se empurravam para pegar o
buquê, eu me mantive sentada em minha mesa com Guilhermo quando “coincidentemente”
Natalie pegou o buquê e correu até mim para me dá-lo. “Eu peguei para a senhora” ela
disse e olhou sugestivamente para Guilhermo, como se o próximo casamento agora
dependesse apenas dele. Aquilo me fez rir, como há muito não fazia. Sabia que Marina e
Natalie haviam armado aquilo, as duas realmente pareciam fazer parte da mesma família, ter
o mesmo sangue. Como Guilhermo e Natalie, elas eram cúmplices.

Quando me contou sobre eu estar grávida, Guilhermo me disse que tínhamos que nos
casar, mas eu o interrompi antes que pudesse dizer qualquer outra coisa. Eu não me casaria
apenas porque estava grávida e se esse era o motivo de ele querer um matrimônio, eu não o
aceitaria. Claro que não acreditava, nem queria acreditar, que um dia Guilhermo e eu nos
separaríamos, mas se isso acontecesse, eu não queria concluir que tomamos uma decisão
precipitada sobre o casamento. Eu o amava, sabia que ele também me amava, e esse deveria
ser o principal motivo de irmos ao altar, não um filho.
Fechei os meus olhos ao sentir Guilhermo acariciar meus cabelos. Como já me era
costume, eu estava com a cabeça pousada sobre seu peito e acreditava que ele ainda estava
dormindo, mas pelo visto já não estava.
— Bom dia. – ele murmurou ao entrelaçar nossas mãos devagar. – Como estão as
mulheres da minha vida hoje?

Um sorriso involuntário surgiu em meus lábios.


— Estamos bem, e você? Como está?
— Maravilhosamente bem agora, obrigado.
Eu me movi em seus braços o suficiente para conseguir mirá-lo e o beijei antes que
dissesse qualquer outra coisa. Eu não queria preocupá-lo com o que me importunou ao
acordar, mas ele logo perceberia e, de qualquer forma, eu sentia que precisava conversar,
que precisava, novamente, falar sobre aquilo e Guilhermo já sabe de cor meus sinais para
isso, beija-lo pra tentar afugentar essas lembranças, a culpa, era um deles.
Ele retribuiu o beijo e acabou por se colocar sobre mim para aumentar o contato
entre nossos corpos, mesmo que parecesse ser sempre insuficiente, não hesitávamos em
prolongá-lo mais e mais.
— O que houve? – ele questionou afastando o rosto do meu e retirando meus cabelos
de meu rosto.
Mirei-o em silêncio por alguns segundos e coloquei minhas mãos em seu rosto para
afagá-lo.
— Só... Mais lembranças. – contei enquanto delineava seus lábios delicadamente
com o dedo indicador. – Sobre a arma e o momento em que... Atirei naquele homem.

— Como se sente sobre isso agora? – ele questionou – Depois de tantos meses,
depois de ter tido tempo para analisar toda aquela situação e suas escolhas? Como se sente?
Aquelas perguntas me fizeram encará-lo novamente, surpresa, aturdida. Precisei de
alguns segundos para conseguir respondê-lo, para encontrar em mim a resposta para aquela
pergunta.
— Eu sei que ele nos machucaria... Sei que ele abusaria da Allie também, sei que
agi por impulso. Apertar aquele gatilho não fazia parte dos meus planos tanto quanto matá-
lo não estava, eu só... – me interrompi, por um segundo para procurar as palavras certas. –
Só acho que, apesar de tudo, minha impulsividade custou uma vida. Não vou mentir e dizer
que não queria machucá-lo ao perceber o que ele pretendia fazer – murmurei, já sentindo
meus olhos queimarem em lágrimas finas que sempre brotavam quando eu decidia falar
sobre esse assunto – Mas entre machucar e matar alguém há mais que uma linha tênue. A
última coisa que eu queria naquela hora, era me tornar assassina.
Fechei os olhos com força para permitir que as lágrimas rolassem e Guilhermo as
limpou delicadamente. Como já nos era habitual, depois de tantas conversas como aquela,
ele não tentou me convencer de que eu não era uma assassina, não tentou me fazer enxergar
uma algo que não era real apenas para me fazer sentir temporariamente bem, ele sabia que
eu só precisava que me ouvisse, porque falar sobre aquilo me ajudava a expurgar essa
tormenta, essa culpa, me fazia sentir mais leve, pois eu já sabia que naquele momento eu não
possuía escolha, já sabia que era inocente e culpada ao mesmo tempo e que até a polícia
acreditou nisso e me absolveu, mas o peso em minha consciência só era aliviado quando eu
falava e reavaliava os acontecimentos.
— Acho que sempre vou me sentir culpada em relação a isso. – sussurrei, por fim.
A caricia suave de Guilhermo em meu rosto logo me acalmou e, quando ele me
abraçou, eu senti como se um peso enorme fosse retirado de minhas costas.
— Você é uma pessoa boa, apesar de tudo não perdeu a humanidade, a consciência
de seus atos e, principalmente, não deixou de sofrer pelas escolhas que fez, isso te faz
humana e, por isso, imperfeita como qualquer outra pessoa. – encostei meu rosto em seu
ombro e fechei os olhos, queria absorver aquelas palavras, senti-las tocando-me
profundamente e suturando os locais em minha mente que sempre se despedaçavam em
momentos como este. – Nunca vou culpá-la por nenhuma decisão ou atitude que tomou,
nunca. Você estava protegendo a si mesma e a alguém que não tinha como se defender. Foi
corajosa ao agir sozinha, estava em choque com tudo o que aconteceu e com medo. Neste
caso, mesmo que inconscientemente, os meios justificaram os fins.
O silêncio nos embalou após as últimas palavras dele. Guilhermo não se afastou,
não se desvencilhou do abraço e eu também não o fiz, apenas aproveitei aquele instante
ínfimo para me embebedar da sua presença, do seu cheiro, dele.
Batidas suaves na porta irromperam pelo quarto, chamando nossa atenção.
— Querido? – era Ana, mãe de Guilhermo.
— Pode entrar mamãe. – Guilhermo disse alto o suficiente para ela ouvir. Ele deitou
ao meu lado e beijou minha testa ternamente.

A porta foi aberta lentamente e, aparentemente constrangida, Ana entrou e só então


lembrei que Natalie e eu sairíamos com ela hoje para comprar mais coisas para o enxoval
do bebê – ela fazia questão de estar presente nesses momentos – Mas depois do sonho de
hoje, eu não me sentia confortável para sair de casa, embora soubesse que não deixar esses
“medos bobos” me vencerem era uma batalha travada dia após dia e me manter forte
dependia somente dessa escolha.
— Bom dia. – ela murmurou para nós, enquanto eu tentava levantar com a ajuda de
Guilhermo. – Eu sei que estão cansados, mas já está na hora da Evy comer algo. O bebê não
pode ficar tanto tempo em jejum.
— Você tem razão. – concordei porque sabia que se mamãe estivesse aqui também,
eu não me livraria de um bom sermão sobre a necessidade de estar sempre muito bem
alimentada. – Vou apenas tomar um banho rápido e trocar de roupa. – avisei a ela e beijei
Guilhermo suavemente antes de seguir para o banheiro.
Cerca de meia hora depois, Guilhermo e eu descemos as escadas para ir à sala de
jantar, onde toda a família D’Angelo já nos aguardava.
Um sorriso tomou conta de meus lábios ao ver e ouvir quão barulhenta uma família
grande e unida pode ser durante uma refeição, há tanto tempo que não tinha refeições com
minha família e, mesmo quando tinha, elas não eram assim: com todos falando ao mesmo
tempo, rindo ao mesmo tempo e, acima de tudo, se entendendo.

— Era isso que você queria dizer com enfrentar uma família tipicamente italiana? –
sussurrei para Guilhermo ao meu lado, lembrando-o da primeira vez que me levou para uma
reunião de sua família, no natal. Ele riu e concordou.
Desta vez Tyler, Meg e Marília (mãe de Tyler) estavam aqui também e, pelo tom de
Marília, ela queria saber quando os dois se casariam (essa pergunta já era habitual durante
os almoços em família), Marina e Drake também estavam ali, já que apenas viajariam para
a lua de mel hoje à noite – embora eu não soubesse o motivo para tal -, Theodory
conversava com Ana, que havia voltado para a mesa e Natalie tinha a atenção de Allison e
Bryce que riam de algo que ela havia dito. – Bryce recebeu a benção de Theodory para se
casar com Allie e foi acolhido por toda a família D’Angelo, mesmo após os
esclarecimentos (que ele desconhecia) sobre seu pai e o pai de Guilhermo terem sido
amigos e sócios um dia. Até mesmo eu me surpreendi quando Guilhermo me contou aquilo.
Acreditava que Bryce e Guilhermo possuíam apenas uma rixa antiga e idiota fruto de muita
testosterona.
— Bom dia família. – Guilhermo disse, chamando a atenção de todos que se
voltaram para nós com sorrisos e cumprimentos.
— Evy! – Meg levantou rapidamente da cadeira em que estava e correu até mim. – A
Mel acordou!

A surpresa que suas palavras trouxeram a mim me fez arregalar os olhos e retribuir o
sorriso e as lágrimas que ela começou a derramar enquanto me abraçava.
– Voltarei para Nova Iorque hoje mesmo! David me disse que ela não lembra de
nada, mas ela acordou e é isso o que importa!
— Eu vou com você! – avisei – Quero vê-la, ter certeza de que está bem, que...
— Tudo bem. – ela concordou se afastando para limpar as próprias lágrimas,
enquanto eu fazia o mesmo. – Theodory disse que podemos usar o jatinho da família... Eu
tentei falar com ela ainda pouco, mas o médico insistiu em fazer uma série e exames e ela
ficará a tarde toda ocupada com isso.
Conversamos mais, enquanto ela me dizia o que exatamente sua mãe e David
contaram ao telefone, e assim o almoço passou rapidamente.

Á tarde enquanto eu ajudava Natalie a se arrumar para sairmos, ela não parava de
falar em um parque que Ana, sua nova “avó”, prometeu levá-la e que ela viu fotos lindas e
que amanhã iriam à uma espécie de aquário gigante que havia na cidade, em que ela poderia
ver os golfinhos de pertinho porque há uma passagem dentro do aquário. E, claro, ela falou
e falou mais e mais a cada segundo e eu apenas concordei com sorrisos e às vezes rindo de
sua animação inabalável. Era bom vê-la assim depois de todo o sofrimento que sentiu ao
descobrir da morte de Ananda. Certas vezes eu ainda a pegava chorando, quando lembrava
da mãe, mas de umas semanas para cá, Natalie passou a lembrar e sorrir ao lembrar da mãe,
mesmo que faça pouco tempo, ela está superando e lembrar da mãe a faz feliz por saber que
tem coisas boas dela, lembranças vívidas que lhe fazem bem agora.
Eu sabia que um dia, quando Natalie fosse mais velha, eu viveria a indecisão de
contar a ela sobre sua verdadeira mãe – Claire – e que Nany na verdade era sua avó, mas
agora eu preferia não ter que pensar sobre isso.

***

Apesar do que eu achei, as compras não demoraram tanto, já que às três da tarde o
carro da família D’Angelo parava na praça que Natalie tanto falara e, ao ver o local,
realmente tive que concordar, era lindo. A temperatura era amena, o sol iluminava a enorme
praça apenas o suficiente para fazer daquela uma tarde perfeita para se passear. Desci do
carro com a ajuda de um dos seguranças e Natalie veio logo atrás de mim, mas saiu
correndo – com um dos seguranças atrás dela – quando se viu “livre”.
Ana riu ao meu lado ao vê-la tão feliz e, após trocar um olhar com ela, eu ri também.
Nos últimos meses, Mariana e eu nos demos uma chance de realmente nos conhecer.
Sem não mais tentar compreender o relacionamento que eu tinha com Guilhermo, eu percebi
que ela tentou de verdade me conhecer enquanto aceitava que seu filho e eu nos amávamos,
principalmente após descobrir que eu estava grávida. Continuamos a tratar uma a outra com
educação e afabilidade, mas nada além disso, eu não forçaria nada em nosso
relacionamento, sabia que ela era uma mãe coruja e temeu perder seu filho para mim, agora
ela tenta se convencer de que eu jamais conseguiria isso, mesmo se quisesse.
Começamos a caminhar pela praça e o ar fresco logo me fez sentir bem melhor,
espantou qualquer pensamento ruim e qualquer preocupação anterior. Apesar da relutância
inicial em sair da enorme e superprotegida mansão D’Angelo, eu me sentia bem por tê-lo
feito.
— Eu lhe devo desculpas. – Ana murmurou, surpreendendo-me. – Sinto muito por
ter julgado você desde que nos conhecemos, por ter sido tão ciumenta e boba em relação a
Guilhermo.
Parei à sua frente, para mirá-la, pois me sentia incapaz de dizer qualquer coisa.
— Ainda é difícil para eu acreditar que ele realmente cresceu e não precisa mais da
minha ajuda para fazer escolhas ou para livra-lo de uma ou outra situação ruim. – ela
prosseguiu, seus olhos cheios de lágrimas. – Faz pouco mais de três anos que ele deixou a
irresponsabilidade de lado para ajudar o pai com os negócios, mas, mesmo amadurecendo,
ele sempre será meu menino, entende? Por mais que exagere às vezes, eu só quero vê-lo
bem e feliz e eu achei que era o seu relacionamento com ele a coloca-lo em perigo... Mas
não, aquela foi uma decisão dele. Ficar com você desde o início foi decisão dele, mesmo
ciente do que teria que enfrentar. Aquele foi o primeiro momento em que eu tive apenas que
respeitar e apoiá-lo e eu não consegui fazer isso, mas agora... Agora eu consigo, eu percebo
que, mesmo sem minha ajuda, Guilhermo só toma boas decisões, e escolher você foi uma
delas.
Lágrimas também já queimavam em meus olhos quando eu a abracei. Ainda não
conseguia dizer nada, mas esperava que ela soubesse que eu a perdoava.

— Me desculpe, querida.
— Está tudo bem, Ana. – eu lhe disse após uma longa pausa. – Entendo você
perfeitamente.
O celular de Ana começou a tocar e isso fez com que nos separássemos. Enquanto
ela trocava palavras com alguém, eu procurei Natalie. Precisava mantê-la perto. Quando
finalmente a vi, ela estava muito longe de mim, quase quinhentos metros de distância nos
separavam e ela estava prestes a entrar no labirinto de arvores ali.
— Natalie! – eu gritei, tentando fazê-la me ouvir e desistir de entrar ali, mas ela não
me ouviu.
Saí apressada para chegar onde ela estava e Ana me seguiu preocupada e sem
entender o meu aparente (e crescente) desespero. Claro que eu sabia que havia um
segurança com Natalie, mas não a queria longe de mim, não queria que ela estivesse tão
longe que eu não pudesse protegê-la, ter certeza de que estava bem.
Quando finalmente cheguei à entrada do labirinto, eu a vi rindo de algo com o
segurança e isso me fez expirar aliviada.
— Natalie? – chamei-a, fazendo-a me fitar com um sorriso enorme nos lábios.
— Olhe mamãe! – ela me chamou animada para ver algo. Ana e eu trocamos um
olhar e, pelo sorriso que ela tentava esconder, eu imediatamente percebi que as duas haviam
armado algo. Apertei os olhos para Natalie e segui o primeiro corredor de arvores, no qual
ela estava.
Esperei ver algum animal fofo e pequeno, algum brinquedo, uma fonte, mas jamais a
placa branca que estava atrás do segurança. Franzi o cenho e a risada de Natalie me fez
acenar em negativa e compreender: Guilhermo com certeza tem algo a ver com isso!

Com letras vermelhas e sinuosas, estava escrito:


“Você recusou o primeiro tour que lhe ofereci há tanto tempo, em nosso primeiro
encontro, desta vez fui mais rápido e a trouxe aqui sem saber dos meus planos. Apesar
deste ser um tour completamente diferente do que eu queria da primeira vez, espero que
goste de cada detalhe nele.

Irrevogavelmente seu, Italiano Espanhol”


Com um sorriso idiota nos lábios eu olhei para Ana, Natalie e o segurança, mas
todos fingiram uma “cara de paisagem” enquanto tentavam esconder sorrisos. Acenei em
negativa e segui o primeiro corredor de arvores do labirinto, o caminho que eu deveria
seguir era indicado por uma fita vermelha de vinte centímetros de largura e pelo menos dois
metros de comprimento, nela estava escrito a letra da música que Guilhermo “cantou” ontem
apenas para mim, enquanto dançávamos.
Acredito que seja desnecessário dizer que meus olhos viraram lagos repletos de
lágrimas prestes a transbordar. Emoção certamente foi a responsável pelos meus batimentos
cardíacos acelerados também.
Tomei o cuidado de ler toda a letra da canção na fita, e claro, relembrar de ontem
quando Guilhermo as murmurou para mim, a lembrança ainda me era nítida: “Porque tudo
de mim / Ama tudo em você / Ama suas curvas e todos os seus limites / Todas as suas
perfeitas imperfeições”
Então, quando cheguei à nova entrada para novas passagens do labirinto, havia uma
nova placa:
“Acho válido começar dizendo o que senti desde que a conheci, como e por que
decidi fazer tudo o que fiz. Acredito que nunca cheguei a falar realmente com você sobre
esse assunto, fui mais reservado em relação a isso quando todas as suas emoções e todo o
seu desprezo por mim ficaram muito bem claros desde a primeira vez que nos vimos. E foi
isso, definitivamente, o que me trouxe curiosidade em relação a você. Naquele elevador
eu pensei “como ela pode me repelir tão facilmente e insistentemente sem nem mesmo me
conhecer?”
Contive minha risada e as lágrimas que turvavam minha vista usando uma das mãos.
Apenas lembrar do nosso primeiro encontro naquele elevador já me deixava nostálgica,
feliz.
“Em contrapartida, havia muitas outras questões em minha mente enquanto eu a
fitava naquele elevador, notavelmente desconfortável, mas, ao mesmo tempo,
insuportavelmente altiva. Você era a mulher mais linda que eu acreditava já ter visto
(acredite, já vi muitas) e, mesmo com a face angelical, sorriso doce e olhos brilhantes,
possuía uma personalidade forte, independente e dona de si. Você tinha razão, eu não
estava acostumado a receber um “não”, mas jamais insistiria tanto com uma mulher
(como fiz com você), tinha regras e convicções que lembravam que sempre haveria outra
mulher, portanto, eu não precisava perder meu tempo insistindo com apenas uma. Mas
tudo em você era instigante demais, desafiador demais, misterioso demais e isso sempre
fazia com que meus pensamentos me traíssem e me levassem à lembranças sobre você.
Eu chamava aquilo de “desejo” e acreditava seriamente que este era do tipo que
precisava ser saciado rápido, somente assim eu a esqueceria, mas papai – quando viemos
para Nova Iorque — insistiu que havia sentimentos mais profundos por trás de tudo
aquilo. Preciso dizer quem de nós estava certo?”
Já chorando, como a grávida manteiga derretida que havia me tornado, eu segui o
novo caminho que Guilhermo cuidadosamente deixou trilhado para mim. Uma nova “fita”
com a música surgiu: “Dê tudo de você para mim / Eu te darei meu tudo / Você é o meu fim
e meu começo / Mesmo quando perco, estou ganhando / Porque te dou tudo de mim / E
você me dá tudo de você”
“Quando finalmente decidimos tentar algo mais, eu me vi fascinado pela mulher por
trás da CEO audaciosa e determinada a alcançar um objetivo, me vi encantado por seus
sorrisos sinceros e pelo brilho cada vez mais ofuscante de seus olhos, cheguei à conclusão
de que estava ferrado. Estava louco por uma mulher que sequer tivera em minha cama, louco
por uma americana intrépida que me conquistava mais a cada resposta, louco para tocá-la e
reivindica-la como minha e, ao mesmo tempo, me sentindo um bastardo completamente
perdido por não compreender aqueles pensamentos e sentimentos conflituosos, eles
contrastavam cada dia mais com minhas regras, meus preceitos. E, porra, a cada hora que eu
passava com você, eu me importava menos com tudo isso.
Estava cego por não ver que ali, há tanto tempo, já a queria em minha vida de forma
definitiva e não somente em minha cama por uma noite ou duas.”

Natalie, Ana e nem mesmo o segurança me seguiam mais, mas eu não me importei,
segui o caminho ainda repleto de placas e li cada uma delas, senti um tipo diferente de
emoção, de felicidade, de amor, me inundar e tudo o que eu queria àquela altura, era chegar
ao fim daquele labirinto para encontrar Guilhermo. Pois eu sabia, sentia que ele também
estava ali.
Um novo trecho da música surgiu para mim: “Quantas vezes tenho que te dizer /
Que mesmo quando você está chorando, você continua linda / O mundo está te
massacrando / Estou por perto a todo o momento.”
“Quando seu passado decidiu voltar a incomodar sua vida, eu não precisei de um
momento chave para decidir se continuaria com você ou não para enfrentar o que quer
que viesse pela frente, eu estaria com você, eu te daria força, eu te confortaria e
protegeria e essa foi uma certeza para mim antes mesmo de eu perceber. Nós estávamos
juntos, depois de tudo, de perceber que seus motivos iniciais para me repelir eram
realmente sérios e que você havia enfrentado cada um deles, até as lembranças que eu
sabia que povoavam sua mente, para se permitir me dar aquela chance, nos dar aquela
chance, é claro que depois de tudo eu não permitiria que nenhuma maldita interferência
externa acabasse com o que tínhamos. Você era minha mulher e eu, como seu homem,
estaria ao seu lado para enfrentar tudo, até mesmo seu medo de me contar sobre seu
passado. Por mais curioso e preocupado que eu estivesse, sabia que você acreditava ter
bons motivos para fazer isso, respeitei sua decisão.”
Então, finalmente cheguei ao último trecho da música e, em seguida, à última placa
antes da saída do labirinto.
“Nada nunca foi fácil pra nós, mas passamos por tudo, enfrentamos tudo e, apesar
de tudo, permanecemos juntos. O que temos é forte, íntegro, puro. Essa é uma certeza
maior a cada dia. Agradeço por termos ouvido Marina e simplesmente ter esperado
(juntos) o que o destino havia reservado para nós. Agradeço por termos brindado às
novas chances que a vida nos daria neste ano, pois ela nos deu não somente a chance de
ser felizes juntos, mas motivos para isso, razões e presentes também. Agradeço por você
ter me deixado entrar em sua vida e por enfrentar seus medos todos os dias para manter o
equilíbrio em nosso relacionamento. Independente da forma que nós escolhermos para
viver essa nova chance juntos, sei que estaremos bem. Sempre.”

Funguei baixinho e limpei meu rosto antes de sair pela última passagem. Guilhermo
estava lá, claro. Lindo, sorrindo, apaixonado. Eu olhei profundamente em seus olhos,
naquele oceano perigoso (à minha sanidade) e no qual eu me permiti perder tão
irrevogavelmente, tão facilmente. Eu não me arrependia. Nunca me arrependeria. Com um
sorriso apaixonado ele se aproximou. Usou as mãos para envolver meu rosto em concha
antes de me beijar intensamente, apaixonadamente.
Guilhermo acabou com o beijo após alguns segundos e encostou sua testa à minha.
Eu não consegui desviar meus olhos dos seus. Ainda me sentia extasiada, com os
sentimentos à flor da pele.
— Passamos por muitas coisas até chegar aqui hoje. – ele começou a falar com os
olhos atentos aos meus — Espero que saiba que não me arrependo de absolutamente nada:
nenhuma escolha, nenhum erro, nenhuma decisão. Eu passaria por tudo de novo, quantas
vezes fossem necessárias, se tivesse certeza que hoje estaríamos juntos de novo, se
soubesse que eu continuaria a ter você em minha vida. Porque você é e sempre será a
melhor coisa que já me aconteceu. – Percebi que lágrimas também brilhavam em seus olhos
quando ele se afastou um pouco e se ajoelhou à minha frente – Eu amo você, amo Natalie e
o bebê que está a caminho para nos deixar ainda mais felizes. Amo todas as possibilidades
que a vida nos deu e agora as que nos permite escolher. Eu escolhi ter você na minha vida,
ao meu lado e quero concretizar isso com um matrimônio. Mas agora a escolha é sua, a
decisão é sua.
— Guilhermo... – eu tentei dizer algo, mas minha garganta apenas se apertou ainda
mais. Decidi esperar que ele concluísse. O vi pegar uma caixinha de veludo azul de dentro
do bolso do terno azul marinho que vestia e ofeguei tamanha a alegria em mim.
Então, alguns movimentos sutis na praça chamaram minha atenção e as novas
lágrimas rolaram sem qualquer aviso prévio, sem me dar chance de tentar impedi-las.
Estavam todos ali: Papai, mamãe, Angie, Natalie, e até Daniel. Megan, Marina, Tyler,
Drake, Allison, Bryce, Marília, Natalie, Theodory e Ana. Dispostos em filas à minha frente,
mesmo que com uns cinco metros de distância entre nós. Eu não sabia como ou quando
Guilhermo armou tudo aquilo para que eles estivessem aqui, mas ele conseguira. Faltava
apenas David e Melanie, mas agora eu sabia o motivo de não estarem aqui, saber que ela já
estava acordada era um conforto. Todos sorriam para mim, felizes e ansiosos por minha
decisão, mas antes que eu tentasse novamente dizer algo, todos levantaram novas placas,
que até aquele instante eu não percebi que seguravam.

A primeira, em italiano:
“MI VUOI SPOSARE?”
A segunda, em espanhol:
“TE QUIERES CASAR CONMIGO?
No meu idioma, Guilhermo traduziu:

— Quer casar comigo?


Eu acenei em negativa sem ter certeza que o enorme nó em minha garganta me
permitiria responder a ele como deveria. Uma série de palavras me veio à mente:
agradecimentos, expressões de amor ou carinho, tudo em um turbilhão que eu não conseguia
acompanhar. Respirei fundo uma vez e murmurei a única coisa que achava ser capaz de
dizer, mesmo com a voz ainda embargada.
— Sim.
O sorriso que antes havia em seus lábios se ampliou e ele rapidamente deslizou o
anel de ouro branco em meu dedo anelar e levantou para me beijar, para abraçar, para fazer
algo que também o ajudasse a exprimir a felicidade que era mais que evidente em seus
olhos.

— Eu amo você, espanhol arrogante. – sussurrei contra seus lábios antes que, desta
vez, eu o beijasse.
Ouvi uma salva de palmas e alguns assovios e exclamações de felicidade de nossos
familiares e, mais uma vez, me permiti sorrir. Havia encontrado meu lugar, estava
exatamente onde deveria estar: nos braços do homem da minha vida.

Um ano depois:
Guilhermo
No último ano a vida foi boa conosco, sem grandes preocupações, sem perigos
iminentes ou ameaças desconhecidas. Como uma família (que nós somos), Evangeline,
Natalie, nossa caçula, Helena, e eu vivemos maravilhosamente bem. Após o casamento de
Marina, nós voltamos para Nova Iorque para ver David e Melanie, que havia acordado do
coma. Patrícia se uniu a minha mãe (imaginem que as duas se tornaram amigas, então é
irrelevante dizer que quando estão juntas são capazes de criar uma guerra) para procurar
uma casa para que Evangeline e eu pudéssemos morar, quando nós insistimos que havíamos
decidido nos casar apenas quando Hele tivesse ao menos um ano. Somente após uma recusa
mais contundente as duas desistiram de nos fazer mudar de ideia, e pararam de procurar uma
mansão também.

Evangeline continuou seu tratamento com o psiquiatra e depois de quase um ano e


meio, os avanços são evidentes e inegáveis, ela está mais segura quanto a nossas vidas, está
mais sorridente, há seis meses voltou a trabalhar e é cada dia mais apaixonada pela família
que construímos juntos e, claro, por mim.
Claro, às vezes temos algumas discussões, mesmo que bobas, mas nada que não
conseguíssemos resolver com conversas. Nossa dinâmica era sempre a mesma, até mesmo
para que as crianças nunca precisassem ver ou ouvir qualquer discussão: quando estávamos
com os ânimos à flor da pele, decidíamos nos distanciar um pouco, nos acalmar e só depois
voltar a conversar. Ah e, claro, por vezes um de nós precisava ceder também, como há duas
semanas quando eu (por mais que não a quisesse longe) a apoiei quando disse que estava
negociando com japoneses e que era necessário fazer uma viagem para o Japão pouco antes
do casamento, pois somente assim teria tranquilidade em nossa lua de mel. Japão. Aquele
país que fica praticamente do outro lado do globo, por uma maldita semana inteira.

Agora, duas semanas depois da viagem dela, eu estava atrás de uma das janelas do
segundo andar da minha casa quando a limusine preta parou a frente da escadaria da
entrada. Era um dia típico de verão e todo o jardim já estava minuciosamente arrumado para
a festa de casamento que teria dali a poucas horas. Do meu casamento.
Evangeline desceu do carro com a ajuda do nosso motorista e meus olhos se
apertaram em sua direção, a insinuação de um sorriso também surgiu em meus lábios
enquanto eu a via sorrir e subir as escadas com Marina, Megan, Melanie, Leslie, Allison,
Patrícia, Angeline e mamãe – em outras palavras, seu batalhão. Seria difícil me livrar de
todas aquelas mulheres, mas depois de duas semanas sem nem mesmo ver Evangeline, eu
conseguiria isso facilmente, precisava beijá-la, tocá-la e não aguentaria até o fim da
cerimônia (que só começaria seis da tarde) para isso. Não sabia se aguentaria nem mesmo
esperar que estivéssemos a sós.

Em meus braços, Helena deixou uma risada baixa escapar ao ver a mãe. Os olhos
verdes da minha menina brilhavam tanto quanto os da própria mãe e, apesar de pequena, ela
já era dona de uma esperteza e inteligência sem iguais.
— Mã! – ela exclamou ao ver a mãe ainda no andar de baixo conversando com seu
batalhão de “tias”. Os bracinhos pequenos se mexiam freneticamente na direção da janela,
como se pudessem a qualquer momento alcançar a mãe. – Papa, mã!

— Calma, querida. – murmurei para ela ao me afastar da janela. Embalei-a em meus


braços lentamente para distraí-la. – Nós já vamos encontrar a mamãe.
— Tititia? – ela perguntou, em expectativa. Com um sorriso, eu acenei em negativa,
Hele adorava ser o centro das atenções das tias.
— Sim, suas tias também. – pousei o dedo indicador sobre seu nariz e beijei sua
testa alva e delicada enquanto seguia pelo corredor.
Helena é tão linda, tão pequena, tão preciosa. Eu nunca permitiria que saísse de
onde eu pudesse protegê-la, mataria qualquer um que tentasse machucá-la e a amaria acima
de qualquer coisa. Porque ela é o meu maior presente.
A porta de um dos quartos se abriu e uma Natalie sonolenta surgiu. Um sorriso logo
brotou em seus lábios ao ver a irmã, que chegou apenas ontem da viagem que fizera com
Evangeline.

— Hele! Quando você chegou? – Lilie perguntou se aproximando para pegar a bebê
dos meus braços, ela já se movia incansavelmente para que eu a deixasse ir com a irmã. As
duas são muito apegadas.
— Li! Li!
Cuidadosamente deixei que Natalie a segurasse.
— Papai, quando ela chegou? – Lilie perguntou a mim, sem tirar os olhos do
rostinho da irmã.
— Ontem à noite. – respondi após uma pausa. Ainda me emocionava sempre que
Lilie me chamava de pai já que ela havia dito que o faria apenas quando Evangeline e eu
estivéssemos casados, mas, há poucas semanas, no dia dos pais, ela começou a me chamar
assim.

Eu me aproximei o suficiente para beijar-lhe a testa. Seguimos pelo corredor comigo


fazendo perguntas sobre como fora a tarde de ontem com as tias. Ontem foi a despedida de
solteira de Evangeline, por isso ela não voltou imediatamente para casa. À tarde todas as
mulheres da família saíram juntas para uma espécie de comemoração feminina e à noite as
adultas tiveram uma “festa de verdade”, quando eu apenas tentei me divertir na minha
própria despedida quando tudo o que pensava era que poderia estar aproveitando muito
mais se estivesse dentro de Evangeline, já que ela finalmente havia voltado, mas não, as
mulheres tinham que inventar aquelas festas bobas, tinham que insistir para minha mulher
dormir mais uma noite fora de casa e me deixar ainda mais louco de vontade de vê-la e
tocá-la. Talvez eu estivesse agindo como um louco, mas bastava tentar ver essa situação
como eu a via: eu passei os últimos dezesseis meses dormindo com ela ao meu lado, na
minha cama, podia beijá-la quando sentia vontade, podia toca-la, podia ouvir sua risada e
vê-la trabalhando como a CEO implacável que é, naqueles terninhos malditos que apenas
me faziam querer tomá-la para mim. Eu estou acostumado demais à presença dela para não
sentir sua falta, mesmo que duas semanas aparentemente sejam pouco tempo.
Primeiro Evangeline passou uma semana viajando a trabalho (ela e Hele, portanto,
também fiquei sem uma das minhas meninas), depois Megan insistiu que ela deveria passar
uma semana em um spar para relaxar antes do casamento (RELAXAR PRA QUE, PORRA?)
e, no fim, nos fizeram ficar separados por duas semanas. Se o objetivo era me deixar louco,
ávido por vê-la e tê-la novamente, elas conseguiram.

Descemos as escadas devagar, com Hele brincando com os cabelos loiros de Lilie
enquanto esta fazia caretas fofas para Hele rir. A porta da sala se abriu e o batalhão de
mulheres entrou, e não somente as da minha família e as amigas de Evangeline, mas uma
equipe de cabeleireiras e maquiadoras também.
Expirei fortemente, cansado e tentando entender como infernos eu me livraria de
todo aquele povo para ter minha mulher só pra mim, ao menos por uma horinha. Será que
não entendem que o noivo também tem necessidades? (que só aumentam quando sua mulher,
em todos os telefonemas que trocaram durante sua ausência, o provocou dizendo que sentia
sua falta e queria que estivesse com ela, que queria que a tocasse?).
— Meus amores! – Evangeline exclamou ao ver as filhas juntas. Ela se aproximou
rapidamente para tomá-las em um abraço enquanto eu cumprimentava seu batalhão de damas
de honra e madrinhas.

Após alguns minutos, mamãe guiou as mulheres para a casa da piscina na parte de
trás da casa, Evangeline se arrumaria lá para o casamento dali a algumas horas, em poucos
segundos, estávamos apenas nós e nossas filhas.
— Será que eu não mereço nem um beijo? – perguntei tentando soar divertido, mas
um pouco da minha irritação ficou perceptível. Evangeline sabia que eu estava carrancudo
porque nos últimos dias havia sempre alguém para nos arrastar para algum lugar e nos
separar, não era nossa culpa, mas aquilo me irritava. Se eu soubesse que um casamento
assim me traria tanta dor de cabeça, eu teria escolhido casar descalço, na praia, com uma
cerimônia simples, para os parentes mais íntimos, sem nada tão (a meu ver) exagerado
quanto o que faríamos hoje.
— Me desculpe! – ela disse enquanto se aproximava com Hele em seus braços. – Eu
sinto muito, não pretendia ficar tanto tempo longe, nem queria isso também! Quase morri de
preocupações e cheguei a arrumar a mala diversas vezes para voltar, mas aquele contrato
era muito importante e eu sabia que vocês estavam bem, que uma semana passaria rápido
e...
Ela se interrompeu quando a beijei suavemente e Lilie deixou uma risada baixa
escapar. Me afastei um pouco e me convenci de que ali não era o melhor lugar para beijá-la
com força, como eu pretendia fazer.

— Evy, seu vestido chegou! – Megan surgiu novamente na sala, extremamente


animada ao informar aquilo. – Ele é maravilhoso, estupendo! Vamos logo, temos muito que
fazer e um dia passa rápido demais! É o dia do seu casamento!
Evangeline me fitou por alguns segundos, prestes a dizer “sinto muito”, porque nós
dois sabíamos que ela realmente tinha pouco tempo para tudo o que queria fazer antes do
casamento.
Sem dizer uma palavra, eu peguei Hele de seus braços decidido a subir novamente
as escadas e voltar a ficar a frente dos últimos detalhes que ficaram sob meus cuidados.
Naquele instante, eu queria mais que tudo me casar. Sentia que apenas desta forma teria
minha mulher de novo para mim.
Beijei Evangeline novamente e murmurei, apenas para ela:
— Senti sua falta, Carino.

— Tia Meg, eu posso ver também? – Natalie perguntou. – Quero saber qual modelo
mamãe escolheu! Quero ver o véu também!
— Claro, querida! – Meg respondeu enquanto vinha em nossa direção, com os olhos
brilhando para Hele em meus braços, que gargalhava de forma contagiante a cada passo que
a “tia” dava em sua direção. — Deixe-me ver minha gatinha!
Deixei que ela pegasse Hele que, risonha, aceitou de bom grado, e depois Megan
envolveu Natalie com o braço livre para levá-las para a casa de piscina também.
— Vamos Evy. – ela chamou.
— Estou indo. – Evangeline respondeu, mas, ao invés de realmente ir, ela segurou
minha mão com força e esperou que Megan atravessasse a porta de saída da sala para me
puxar escada acima.
— Você está bem? – ela perguntou enquanto me puxava pelo corredor, ainda que há
menos de uma hora (quando nos falamos ao telefone pela última vez) ela tenha me
perguntado isso. Eu só respondi quando já estávamos em nosso quarto, com ela encostada a
porta enquanto eu beijava seu pescoço e ela tentava me livrar da camisa que vestia.
— Porra, você fez de propósito, não fez? – eu questionei enquanto rasgava o tecido
fino do seu vestido, descartava sua calcinha e o sutian que vestia. Suspendi seu corpo,
mantendo-a nua entre a porta e meu corpo. – Me ligar daquele maldito spar, dizer que estava
com saudades, excitada e que não conseguiria gozar sozinha. Tem ideia da loucura que eu
quis fazer? Se Marina tivesse me passado a porra do endereço, eu tinha te tirado de lá na
mesma noite!
Evangeline me puxou com força e me beijou, deixando claro que não era apenas eu a
desejar aquilo, a querer preenchê-la, a querer possuí-la e tentar esquecer a saudade dos
últimos dias enquanto me enterrava nela.
Ela também não respondeu às minhas perguntas, talvez soubesse que era a principal
culpada desse meu desespero de tê-la.
Baixei a droga da minha calça e a boxer antes de guiar meu pau por sua entrada e
desistir imediatamente do que pretendia, fazendo com que, brava, ela acabasse com o beijo
e cravasse suas unhas em minhas costas.

— Não me provoque agora! Eu preciso de você dentro de mim! Estou louca por isso
há... – um gemido sexy e instigante deixou seus lábios quando eu a toquei. Massageei seu
clitóris por alguns segundos e ela ofegou em resposta. – Ah, Guilhermo!
— Eu não quero machucá-la e você não está pronta. – eu suguei seu lábio e a beijei
de novo, tomando seus gemidos para mim. – É só uma rapidinha, Carino. Uma prévia da
nossa noite de núpcias, não se preocupe, mais tarde nada será tão rápido.

Deslizei lentamente um dedo para dentro dela e Evangeline gemeu ainda mais
enquanto também se movia contra mim.
— Guilhermo, eu estou pronta, por favor. Preciso sentir você dentro de mim ou vou
enlouquecer.
Retirei meu dedo dela e o chupei, louco para sentir novamente o gosto que há
semanas não sentia. Evangeline gemeu quando a beijei e ela pôde sentir o próprio gosto em
minha língua. Tranquei a porta do quarto e a levei para nossa cama.
— Abra os olhos. – pedi e, após alguns segundos, ela o fez – Essa é a última vez que
vou me enterrar em você como seu noivo. Da próxima vez eu serei oficialmente o seu
marido, seu homem.
Ela sorriu, feliz por lembrar disso, e me puxou para beijá-la.

Batidas soaram na porta enquanto eu a penetrava e bebia seus sons de prazer sem
nunca acabar com o beijo.
— Evy, você se atrasará. Vamos logo! – desta vez era Marina.
Evangeline hesitou ao ouvir a voz da minha irmã, mas eu não permiti que isso a
deixasse preocupada ou a fizesse querer acabar com o que estava acontecendo, e comecei a
me mover para dentro de fora dela. Ela fechou os olhos com força quando aumentei o ritmo
das estocadas e gemeu sem se importar com as batidas insistentes na porta, sem se importar
de ser ouvida.
— Daqui à uma hora eu a devolvo. – avisei alto o suficiente para que ela ouvisse.
— Guilhermo, o que vocês estão fazendo?! A Evy tem muitas coisas para se
preocupar ainda!
Evangeline enlaçou minha cintura com suas pernas e se moveu lentamente, trazendo
seu corpo de encontro ao meu enquanto eu fazia o mesmo.
— Porra! – eu xinguei em voz baixa sem interromper meus movimentos. Não sabia
como infernos o sexo podia ser sempre melhor com essa mulher. – Estou fazendo amor com
minha mulher Marina! Vá embora.
Aquilo finalmente a deixou em silêncio. Então, sem mais interrupções pela próxima
meia hora, eu pude finalmente me perder dentro da minha mulher, como há muito tempo
gostaria.
***

Evangeline
Um enorme sorriso de felicidade surgiu em meus lábios quando assisti Natalie
arrumar o vestidinho rosa-retrô de Helena após coloca-la de pé no chão com cuidado
demasiado tanto para não machucá-la, quanto para não acabar com o penteado de seu cabelo
(Hele possuía apenas uma fita rosa em seus cabelos negros, curtinhos e ainda ralos).

— Faça tudo como ensaiamos Hele. – ela murmurou para a irmã e colocou uma
cestinha cheia de pétalas de rosa no braço dela. – Não é para tentar correr, ta? Você sabe
que pode cair.
Hele riu animada, em resposta e emitiu algo como um “tudo bem”, que eu só entendi
por saber exatamente como ela tentava usar esses sons para se comunicar.
Natalie se voltou para mim na limusine e arrumou a enorme trança loira de seus
cabelos. Ela estava tão séria, como se estivesse organizando seu próprio casamento e não
estivesse disposta a deixar nem um detalhe dar errado, agia como Marina, que é produtora
de eventos e esteve conosco na preparação de tudo. Ela entrou na limusine de novo, pegou
sua própria cestinha e sorriu para mim.
— A senhora está linda, mamãe! – ela disse – Não se preocupe, Hele e eu ensaiamos
o mês todo, ela não vai cair. Quando entrarmos, a senhora conta dez segundos e entra, ok?

Eu acenei em resposta e senti meus olhos se encherem de lágrimas com os


pensamentos que se formavam em minha mente. Minhas meninas estavam crescendo rápido
demais para o meu gosto. Natalie já possuía dez anos e Hele pouco mais de onze meses e
parece que foi ontem que a peguei pela primeira vez em meus braços. Elas estavam lindas
vestidas como minhas daminhas, eram tão inteligentes e se tornavam cada dia mais
independentes (depois que aprendeu a andar, o próximo desafio que Hele enfrentava era
aprender a não cair e correr). Eu não queria pensar em quando estivessem adultas, seria
horrível vê-las saindo de casa para serem adultas independentes.
— Não, mamãe! Não chore, por favor! – ela disse – Aguente só mais uma hora. A
maquiagem deu muito trabalho!
— Tudo bem. – eu concordei respirando fundo e me forçando a represar as lágrimas.
— Eu amo a senhora, ta?
— Também amo você querida. – murmurei enquanto ela deixava a limusine de novo.
Contei os dez segundos necessários e tive a ajuda de Logan (meu ainda segurança-
brutamontes-amigo) para sair do carro. Papai já me esperava à porta da igreja e sorriu
orgulhoso ao me ver.
— Está linda, Srta. Howell. – Logan confidenciou, fazendo-me sorrir, logo ouvi a
voz de Scott pelo comunicador também “Tem sorte de Guilhermo não estar com nenhum
comunicador, Logan” foi o que ele disse, e isso me fez rir, assim como a Logan. Os dois,
após se recuperarem, voltaram a ser meus seguranças e, depois de tantos meses, criamos um
vinculo, uma amizade. Os dois faziam parte dos “tios bobos e apaixonados pelas meninas
D’Angelo”, só tinham tamanho, mas cediam a qualquer pedido de Natalie ou Helena (no
caso de Hele, choro ou risadinhas contagiantes). Eles são chefes da nossa segurança e
decidiram revezar hoje para estarem no controle da segurança e não perderem muito do
casamento, mesmo quando Guilhermo e eu insistimos que deveriam somente agir como
convidados.
Subimos as escadas devagar, por causa do enorme vestido e do véu. Segurei meu
buquê de Dálias amarelas e vermelhas e sorri quando papai se aproximou para beijar minha
testa.
— Está linda querida. – ele murmurou com os olhos também cheios de lágrimas. –
Minha menina já se casará. Estou muito velho mesmo.
Aquelas palavras me fizeram rir.
Ouvimos a sinfonia que antecedia a minha entrada e, como há muito já acontecia, um
sorriso enorme tomou conta de meus lábios. Eu estou no caminho certo, com o homem da
minha vida e a família que é minha vida.
Há tanto tempo, em Barcelona, eu estava certa ao fazer o pedido que fiz na catedral,
eu estava certa ao pensar que bastava apenas ser feliz para que o passado ficasse realmente
no passado, estava certa em pedir uma chance para ser feliz. Ganhei essa chance, me agarrei
a ela e jamais, jamais vou deixá-la ir.
EPÍLOGO
DEZ ANOS DEPOIS

A sala estava em completo silêncio enquanto a jovem mulher ali defendia sua
opinião sobre o mercado internacional para o produto em pauta na reunião. Ela falava
português fluentemente e entendia melhor que muitos graduandos em sei lugar do assunto
que falava, apesar de sua pouca idade. Seria um insulto colossal dizer que naquele momento
o que mais chamava a atenção nela era sua beleza inigualável, por mais que os cabelos lisos
e loiros emoldurassem seu rosto, em formato de coração, de forma a deixá-la com a feição
delicada e até angelical, essas características não poderiam ser usadas para descrevê-la, o
que mais se sobressaia a todos naquele instante era a inteligência e esperteza da menina
para o marketing. Claro que seria uma das estagiárias escolhidas pelo casal no centro da
sala e isso não tinha nada a ver com o fato de serem “parentes”, assim como o que fazia de
Gabriel um estagiário ali também não era. Ele também era dono de uma inteligência e
autocontrole que, em meio ao caos que aquela empresa se tornava em alguns dias, lhe eram
de grande ajuda para lidar com tudo, ao contrário de sua “prima” de grau desconhecido ali,
ele era mais contido, pensava no que diria antes de dizer, pesava as consequências antes de
tomar atitudes e não era sempre tão direto e sincero quanto ela, eram opostos em tudo o que
poderiam ser, aos olhos de todos, também eram parentes (apesar de apenas considera-la
como tal, já que se conheceram há pouco tempo e não havia qualquer ligação sanguínea
entre eles), mas isso não o impedia de sentir-se (contra a própria vontade, é claro)
inclinado a tê-la para si. Gabriel odiava aquele tipo de... desejo (podia descrever isto desta
forma?), preferia coisas as quais poderia controlar, preferia saber exatamente como agir, e,
mais que tudo, como ignorá-la, mas depois de uma semana na presença daquela mulher, ele
só atestara que não tinha tanto poder sobre si mesmo quanto achou e sabia que até mesmo
ela já havia percebido isso, mas o ignorava quando queria e o provocava quando lhe
convia. Era uma maldita provocadora! Uma americana intolerável e convencida, uma...
Uma... Argh! Ele nem mesmo sabia como descrever o demônio loiro a sua frente!
— Tudo bem, Srta. D’Angelo, obrigado. – seu pai tomou a palavra novamente
quando a jovem concluiu sua resposta – Faremos uma reunião para decidir quais de vocês
farão parte do nosso quadro de funcionários e, em breve, entraremos em contato.
Todos se levantaram ao fim das palavras e, em silêncio, deixaram a sala. Gabriel
permaneceu ali, pois aquele era seu último mês como estagiário e seria contratado ao fim de
seu curso, seus pais queriam sua opinião para escolher os novos estagiários de marketing e
administração.

— Tem certeza que ela tem apenas vinte anos? – sua mãe indagou à mãe de Natalie
quando a sala estava em fim, em silêncio.
Evangeline sorriu e trocou um olhar com o marido, Guilhermo, também presente na
sala, os dois pareciam orgulhosos da filha mais velha e Gabriel sabia disso porque também
já vira aqueles sorrisos e olhos brilhantes em seus próprios pais.
— Ela é exatamente como a mãe, Dolores. – Guilhermo quem respondeu olhando,
ainda apaixonado, para a sua esposa. – Pelo visto, essa veia para os negócios é de família.
Todos riram e, desta vez, Aaron tomou a palavra:
— Claro que ela pode fazer parte do nosso quadro de funcionários. Ela tem ideias
brilhantes. – respondeu pensativo – Não entendo como nunca pensamos em fazer essa
parceria antes. Isso estreitou a distância entre a família. Tia Patrícia deve estar saltitante em
Nova Iorque.
— Ah, ela está, primo. Pode ter certeza que ela está. – Evangeline respondeu para
então se voltar para o jovem do outro lado da enorme mesa. – Então, Gabriel, decidiu
aceitar nosso convite?
A resposta para aquela pergunta estava pronta, embora quando a sua “prima” de
segundo grau tenha feito o convite, Gabriel tenha acreditado ser apenas por hábito. Agora
via que não e se sentia feliz com a possibilidade de ir para Nova Iorque, tanto pelo
aprendizado e sua carreira, quanto para esquecer os últimos acontecimentos.
— Claro, um estágio na Howell’s será um diferencial e tanto em meu currículo. – ele
respondeu, mesmo que soubesse que se dependesse das empresas que seus pais possuíam e
cuidavam, ele nunca precisaria entregar um currículo.
— Então, estamos conversados! – ela concluiu – Organize seus documentos e as
burocracias na faculdade! Nossos contratos estão assinados e nosso representante aqui no
Brasil também já está a postos.
Dolores sorriu para o marido e, por baixo da mesa apertou sua mão a dele.
Acreditava convictamente que Gabriel precisava daquele tempo sozinho e ter a chance de
realizar um sonho como aquele também faria muito bem a ele.
Ao fim da reunião, todos se despediram e cumprimentaram Gabriel. Guilhermo e
Evangeline encontraram com a filha na recepção e, com ela, deixaram a construtora
Andrade. Natalie estava eufórica, tinha certeza do seu bom desempenho naquela entrevista e
também estava certa de que seria uma das escolhidas. Era extremamente confiante e sempre
dava o melhor de si, naquele caso, o seu melhor era mais que suficiente.
Era uma pena apenas que agora Gabriel ficaria alguns meses fora. Não, ela não
possuía nenhuma paixãozinha boba por ele e muito menos qualquer atração, longe disso,
gostava de provocá-lo, de irritá-lo e deixá-lo no limite dado por seu bom senso. Ali não
havia ninguém mais de sua idade, que ela conhecesse. Natasha era um amor de pessoa, mas
nem mesmo morava na casa de seus “tios” e era mais velha que ela, não gostava das
mesmas coisas, apesar de se darem bem.
O seu pai disse algo para sua mãe e ela sorriu, mas não por achar graça do que
falavam, mas por concluir que era uma D’Angelo. Se existia uma coisa que ela sabia fazer
nesse mundo era aproveitar a vida e, ah, como faria isso enquanto estivesse no Brasil.
Independente de Gabriel estar ali ou não.
***

Uma semana depois:


NOVA IORQUE

Já era mais de nove da noite quando a vídeo conferência na D’Angelo finalmente


terminou, embora soubesse que Helena, Enrico e Enzo, seus filhos mais novos, estavam
bem, Evangeline queria mais que tudo voltar para casa, vê-los, abraçá-los e beijá-los
depois de mais um longo dia de trabalho. Apesar do horário ruim para a vídeo-conferência,
ela estava feliz em saber que os japoneses estavam satisfeitos com o trabalho que sua
empresa estava desempenhando.
Guilhermo deixou a sala de reuniões conversando com os últimos funcionários
presentes ali, enquanto ela arrumava a própria bolsa para que pudessem ir embora.
Alguns minutos se passaram sem ela ouvir qualquer som vindo de fora e decidiu
sair. Odiava saber que não havia mais ninguém ali, odiava saber que tudo o mais no prédio
da D’Angelo em Nova Iorque estava em breu enquanto apenas aquele andar permanecia
ativo para trabalho. E, obviamente, ela ainda odiava se sentir presa em lugares escuros por
muito tempo, estar sozinha piorava aquela situação.
Ela apertou o botão para o elevador e prendeu novamente seus cabelos em um
coque. Estava louca para se livrar daquele terninho, para tomar um banho maravilhoso e
dormir. Quando as portas finalmente se abriram, ela entrou e apertou no botão do térreo.
Pegou o celular para ligar para o marido, mas desistiu no instante seguinte, quando o
elevador parou e as portas se abriram.
Incredulidade e surpresa tomavam sua expressão ao ver o espanhol e uma sensação,
quase como um deja vú a tomou quando, como há tantos anos, ela o encarou de forma
incisiva, perscrutadora, avaliando seu rosto agora sombreado pela barba sexy e sorriso
sensual que sempre a deixavam arrepiada. Ter aquele oceano tomando-a para cada vez mais
fundo de si e tentar resistir, era sempre uma batalha perdida. Ela sempre seria envolvida por
ele.
— Buenas noches, señorita. – ele disse e, claro, aquela voz ainda conseguia lhe tirar
das orbitas.

FIM!
RECADINHO DA AUTORA
Olá pessoas que provavelmente estão querendo me matar agora! *risos*

Espero que, apesar de tudo, tenham gostado desse último livro! Mas agora quero apenas deixar umas coisinhas claras:

Primeiro: Haverá um livro apenas para o David, melhor amigo da Evy, mas como estou com dois projetos em andamento,
não darei uma previsão de publicação. Prometo apenas encher os grupos de divulgação para que todas fiquem cientes.

Segundo: SIM, HAVERÁ LIVRO DA NATALIE. SIM, EU COLOQUEI AARON E DOLORES AÍ TAMBÉM.
*gargalhada* Gente, eu juro que não planejei esse epílogo, admito que tinha planos de um crossover sim, mas não agora!
Então comecei a escrever o epílogo e Natalie fez questão de aparecer, depois Gabriel, aí Aaron também surgiu e quando eu
vi já tinha meu crossover.

(para quem não sabe ainda, Aaron e Lola são personagens de outro livro meu, Intenso & Misterioso, que também está aqui
na amazon)

Então, para esclarecer: teremos livro do David e da Natalie e quero escrever Spin Offs também de casais de IE (Megan e
Tyler, Allison e Bryce, Daniel, Leslie)

Só não dou previsão porque meus prazos à cumprir já estão bem atrasados!

Por fim, quero pedir desculpas pela demora desse segundo livro sair, aconteceu uma série de imprevistos, desde viagens à
falta de notebook e internet, e isso me entristeceu e atrasou demais! Eu não tinha como controlar isso, mas ainda me sinto
culpada! Desculpem mesmo!
AGRADECIMENTOS

Ainda estou tentando acreditar que esse foi mesmo o último ponto final em “Italiano Espanhol”, porque, SIM, é
inacreditável ver que depois de tantas reviravoltas e tantos percalços para chegar aqui, meu casal “xodó” finalmente teve
seu “final feliz”. Essa foi minha primeira estória, meu primeiro livro, Guilhermo foi, é e sempre será o personagem fictício da
minha vida. Por isso, primeiramente agradeço a ele por ter me dado a chance de entrar para o mundo literário, por ter me
deixado escrever sua estória e depois reescrevê-la e ter me ajudado a deixá-la ainda melhor! Sério, longe de mim querer
soar arrogante, mas eu estou MUITO feliz com esse final e espero que vocês, leitores que chegaram até aqui, também
estejam, porque, apesar de qualquer crítica que eu tenha recebido, e todas que sei que ainda vou receber, eu estou satisfeita
com meu trabalho nessa duologia (minha primeira tambem!).

Há uma lista quase interminável de pessoas que eu não poderia deixar de agradecer aqui, mas como minha
memória não é das melhores, peço desculpas se não colocar alguém aqui, de qualquer forma você está no meu core.

Elizabeth Roberts, porque é minha luz no fim do túnel, minha bitch insuportável e maravilhosa. Você foi essencial,
desde a primeira vez que eu escrevi sobre Guilhermo, me incentivou, puxou minha orelha, e esteve comigo em todos os
momentos, sendo a pessoa que acreditava em mim mais do que eu mesma.

À Yanca Marques, porque o seu amor por Guilhermo me contagiou nos momentos em que eu mais precisei.

À Marcelly Velmont (do Nyah Fanfiction), nós não mantemos contato, não sei quase nada sobre você e há uma
chance muito grande de você (depois de três anos) ter esquecido que leu uma estória intitulada “Love Of My Life” no Nyah
Fanfiction, mas você foi minha primeira leitora, a primeira a acreditar no meu trabalho, mesmo quando ele ainda era tão
“cru”, foi a primeira a surtar comigo pelo nosso Italiano Espanhol, a chamá-lo de Sabroso. Nunca esqueci de você e acho
que nunca vou esquecer. Obrigada por ter dado um voto de confiança a essa estória. (acho revelante dizer também que ela
foi a única leitora, que tive conhecimento, que encontrou seu “Guilhermo” da vida real)

À Aline Libarino, Vânia Livros, Laís Pedroso, Ariane Larissa e Ana Clara Borone, minhas betas mais que
maravilhosas! Obrigada por me aturarem, por me incentivarem.

À Sara Rodrigues e Evelyn Santana, revisoras, lindas, divônicas e maravilhosas! Vocês também foram
imprescindíveis para esta estória. Nunca agradecerei o suficiente a vocês.

E, por fim, obrigada a Deus, sempre! Por me ouvir, por me mostrar que nem sempre as coisas acontecerão da
forma que eu quero, mas que Ele sempre fará melhor do que meus planos. Obrigada pelas lições aprendidas com essa
estória, por me dar o dom de contá-la ao mundo, por me abençoar nas madrugadas e dias extenuantes de escrita e bloqueio.
Obrigada por tudo!

É isso amores, nos vemos por aí!

[1] Caralho.

Você também pode gostar