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Under Locke © 2014 Mariana Zapata

Direitos autorais de tradução © 2023 Editora Charme.


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exceto no caso de breves citaçõ es consubstanciadas em resenhas críticas e
outros usos não comerciais permitido pela lei de direitos autorais.
Este livro é um trabalho de ficção.
Todos os nomes, personagens, locais e incidentes são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com pessoas reais, coisas, vivas ou mortas, locais ou
eventos é mera coincidência.
1ª Impressão 2023
Capa - Emily Wittig Designs
Adaptação de Capa e Produção Editorial - Verô nica Gó es
Tradução - Monique D’Orazio
Preparação e Revisão - Equipe Editora Charme
Imagens internas - AdobeStock
Esta obra foi negociada por Agência Literária Riff Ltda, em nome de
DYSTEL, GODERICH & BOURRET LLC.
Sei que isso não é o suficiente, mas espero que entendam
que uma infinidade de gratidão ainda não seria suficiente.
Amanda, Grace e Dell, obrigada por me aturarem ao longo disto.
A placa do estú dio pairava à minha frente. Ameaçadora. Um mau
pressá gio.
Droga. Droga. Droga.
Eu estava prestes a vomitar.
E nã o ia ser um vô mito bonitinho como quando você é bebê e até um
peido pode ser considerado fofo. Ia ser nojento. Nojento tipo um jato de
vô mito de um filme de terror.
E se nã o bastasse, imediatamente depois de vomitar no painel do
meu Ford Focus de doze anos, eu ia começar a me debulhar em
lá grimas. E exatamente como o meu vô mito, seria nojento. Nã o seria
elegante nem livre de meleca de nariz, e eu provavelmente ia parecer
um babuíno ofegante.
O nú mero branco no meu painel marcava 15:55.
Puta merda.
Meu estô mago revirou ao mesmo tempo em que lá grimas de
nervosismo ameaçavam brotar nos meus olhos.
Em que porra você estava pensando, Iris?
Deixar a ú nica casa que eu já tinha conhecido. Me mudar para Austin.
Morar com Sonny.
Ficar sem dinheiro algum havia me deixado desesperada. Saber que
minha conta bancá ria sangrava em uma morte lenta me retorcia até
parecer que eu ia virar um pano seco. Me despia da minha pró pria
essência, orgulho, perseverança e, aparentemente, da capacidade de
fazer boas escolhas.
Porque alguém que fazia boas escolhas nã o aceitaria o emprego de
um homem como Dex Locke.
As 15:56 piscaram no reló gio.
Com dedos trêmulos, tirei a chave da igniçã o e saí do carro. Por sorte,
encontrei um lugar no estacionamento ao lado do centro comercial da
moda onde o estú dio ficava localizado. Com telhas de cerâ mica e
paredes off-white com uma pintura manchada, a aparência geral parecia
estar em grande desacordo com a reputaçã o que um estú dio de
tatuagem frequentado por motoqueiros deveria ter, especialmente
quando ficava localizado bem entre uma agência imobiliá ria e uma
rotisserie.
Quero dizer, nã o deveria ser perto de um clube de strip e algum lugar
de massagem que prometesse um final feliz?
Eu nã o deveria e nã o poderia reclamar. Disso eu sabia. Nã o havia
nenhuma razã o para que sequer pensasse em me sentir menos do que
agradecida por Sonny ter encontrado esse emprego para mim quando
eu estava desempregada havia mais de seis meses. A gente nã o tinha
ideia do que era desespero até que restassem menos de cem dó lares na
conta bancá ria e nenhuma perspectiva de emprego.
Acho que esse era o problema com um diploma de artes em uma
faculdade comunitá ria. Escolaridade alta demais para ganhar um
salá rio-mínimo e insuficiente para um emprego bem remunerado, a
menos que você tivesse sorte.
E sortuda eu nã o era.
Azar tinha sido o motivo pelo qual me vi atravessando a rua à s
pressas até a Pins and Needles, de olho na Harley Dyna preta com
pintura acetinada estacionada bem em frente ao estú dio. Com exceçã o
da cor, a estrutura era exatamente igual à da moto de Sonny. Uma prima
jovem da moto que meu pai teve na época dele.
O que era uma rota por onde eu nã o ia seguir. Nã o, senhor.
À medida que eu me aproximava do vidro fumê da fachada, notei o
nome do estú dio ilustrado ali em uma fonte grande e pesada clá ssica.
Segurei a â nsia de vô mito.
Deus, minha mã e ia se revirar no tú mulo se soubesse o que eu estava
fazendo.
Sonny havia me ligado duas horas antes, me passado um endereço e
dito para eu estar lá à s 16h. Vasculhei minha mala procurando roupas
de trabalho e peguei a primeira camisa, calça e cardigã que nã o estavam
muito amassados. Nã o tinha certeza de quanto tempo levaria para
chegar ao estú dio, e me atrasar era uma grande implicâ ncia minha,
entã o me apressei para me arrumar. Depois de chafurdar na pobreza
por tanto tempo, nã o pude deixar de pensar que a ligaçã o dele era uma
espécie de milagre.
Até que ele mencionou o nome de Dex.
Mas que alternativa eu tinha? Era por isso que eu tinha vindo para
Austin.
Enfim, nã o esperava nada incrível e, na verdade, nã o precisava de
nada especial em um trabalho. Era perfeitamente feliz atendendo
telefones o dia todo e planejando as férias dos sonhos de outras
pessoas na agência de cruzeiros. O movimento era meio parado, mas
tanto fazia. Havia muito tempo, eu tinha dito a mim mesma que nã o
reclamaria de coisas sem importâ ncia e nã o planejava começar agora.
Quero dizer, chato e monó tono era seguro.
Eu tinha me tornado chata e monó tona desde o momento em que
completara dezesseis anos, quando fui trabalhar em uma imobiliá ria,
depois em um sebo, seguido de vender remédio para emagrecer, ser
babá de cachorro, cuidar de crianças em uma creche e arquivar fichas
em uma clínica médica. Fiz o que tinha que fazer para pagar as contas.
Entã o, desde que nã o estivesse me prostituindo ou tendo que fazer
ligaçõ es de cobrança, eu praticamente aceitaria qualquer coisa que
pudesse conseguir.
Só que nã o esperava um trabalho com o infame Dex. Um homem de
quem eu tinha ouvido falar o suficiente em dez minutos para saber que
eu nã o ia exatamente trabalhar para o Papa.
Notó rio, sim. Mau, sim. Reformado como eles fizeram parecer? Eu
duvidava.
Pensávamos que meu pai havia saído “reformado” e nã o foi
exatamente assim que isso funcionou.
Dane-se. Qual era a pior coisa que poderia acontecer? Eu havia
crescido com um criminoso. Um motoqueiro. Eu havia amado aquele
motoqueiro criminoso por mais tempo do que ele merecia.
Meu meio-irmã o era motoqueiro, mas nã o criminoso. E eu também
amava aquele idiota.
Eu conhecia coisas muito mais assustadoras do que um motoqueiro
grande e mau com uma ficha criminal. Um emprego novo nã o seria
nada em comparaçã o, certo? Certo.
“Cajones, Iris”, teria dito minha yia-yia, em um espanhol com um forte
sotaque grego. Entã o abri a porta pesada e brilhante, pronta para o que
quer que estivesse esperando por mim do outro lado.
O que me impressionou imediatamente foi toda a luz natural do
local. A luz amarelo-alaranjada que entrava iluminava as dezenas de
jornais emoldurados e artigos de revistas pendurados na parede
azulada. Um artigo de revista imediatamente chamou minha atençã o
com sua fonte vermelha vítrea anunciando:

Duas namoradeiras de couro preto estavam posicionadas contra a


janela da entrada com uma mesa de centro preta laqueada diretamente
entre elas. Em frente aos assentos havia uma mesa lisa, muito longa e
de aparência moderna que combinava com a mesinha de centro. Nela,
havia um computador em um canto. Eu mal tinha começado a observar
duas estaçõ es de tatuagem atrá s da á rea de espera quando uma voz
masculina gritou:
— Aguenta aí que eu já vou!
Olhei em volta o mais rá pido que pude, notando mais duas estaçõ es
idênticas à esquerda.
Vi outro artigo intitulado

enquadrado
bem na minha visã o periférica.
Será que eu poderia trabalhar em um estú dio de tatuagem?
Pensei por um segundo sobre o ú nico outro lugar de onde eu tinha
recebido um e-mail de retorno, e a vaga de garçonete no clube de strip
nã o era exatamente atraente. Eu tinha uma amiga que trabalhava em
um salã o depilando as partes íntimas das pessoas. O que era visto nã o
podia ser desvisto, ela me disse uma vez.
Entã o, sim. Eu poderia. Nã o tinha escolha.
— Você é a garota do Sonny? — a profunda voz de barítono
perguntou do fim do corredor, no ritmo do guinchado baixo de botas no
piso de ladrilho.
Meio que aconteceu em câ mera lenta. Virando. Ficando cara a cara
com ele.

Devo dizer que a primeira ― e ú nica ― vez que vi Dex Locke havia
sido na semana anterior, no Mayhem.
Sonny tinha me arrastado para o bar por pura manipulaçã o. Eu
acabara de chegar em Austin, nã o fazia nem duas horas.
E, provavelmente, nã o ajudava que eu meio que… tinha ido sem
avisar.
Foi uma viagem de ú ltima hora. Até o instante em que entreguei as
chaves do meu apartamento, nã o tinha certeza do que exatamente
estava fazendo. Nã o que houvesse muitas opçõ es. Poderia ir de carro
até a casa de Sonny no Texas ou rumar para o norte e morar no sofá da
casa de Lanie, em Cleveland. Depois de ter morado com ela por um ano
e sabendo que ficaria com ela e seus pais, ir para a casa de Sonny nã o
parecia uma decisã o difícil.
Era inevitável.
Mas, por outro lado, meus pais haviam me mantido na Costa Leste
por um motivo. Uma razã o que eu estava claramente jogando no lixo e
possivelmente tocando fogo.
— Vai ser divertido — ele tinha me dito a princípio. — Muitas
pessoas se lembram de você de quando era criança — ele continuou,
sabendo que eu era louca por ele.
Sonny queria me convencer de alguma coisa, porque nã o parava de
tagarelar.
— Só porque você viveu na Fló rida nã o significa que nã o nasceu
aqui.
Como uma idiota, e porque eu amava Will e Sonny na mesma
medida, mesmo que ele fosse apenas meu meio-irmã o, eu me apaixonei
por essa ideia. Nó s havíamos nos arrastado para o Mayhem para que ele
pudesse me dar as boas-vindas ao seio da família da qual eu havia sido
separada.
Durante o trajeto, eu só havia pensado na minha mã e. Era uma
bênçã o ela nã o estar por perto para me estrangular com as pró prias
mã os, sorrindo durante todo o processo de me sufocar até a morte.
Surpreendentemente, foi tudo bem.
O Mayhem era enfumaçado e tinha um leve cheiro de mijo e um
cheiro nã o tã o leve de cerveja. O lugar era velho, com balcõ es
manchados e pisos de madeira desgastados que tinham visto décadas
melhores. Mesas de sinuca posicionadas do outro lado do bar
cheiravam a… sim, aquilo era maconha. Eu tinha certeza ― apenas cerca
de 99% de certeza ― de que era ilegal fumar lá dentro, mas nã o ia
reclamar da abundâ ncia de homens tatuados e com coletes de couro
que lotavam o recinto.
Como um pavã o orgulhoso, Sonny havia me acompanhado pela pista,
por entre multidõ es de pessoas que beiravam a condiçã o de chapados e
foi classificando aquela cena ridícula. Barulhento, extrovertido,
espalhafatoso, jovem, velho, peludo, nã o tã o peludo, tatuado, nã o tã o
gordo. As características que definiam os integrantes do MCFV
variavam em todo o espectro.
Depois que fui direcionada para um banquinho no meio do bar,
Sonny e seu amigo muito loiro, muito paquerador e muito barbudo,
Trip, vieram e ficaram um de cada lado meu.
Era um pouco estranho, eu acho. Durante a infâ ncia e a adolescência,
tinham sido apenas Will e eu. Sendo a mais velha, sempre cuidei do
meu irmã o; era a pessoa que ameaçava arrancar ó rgã os pelos orifícios
se alguém nã o o deixasse em paz. Eu tinha sido a protetora. Aquela que
limpava sua bunda quando ele era muito pequeno para fazer isso
sozinho sem se sujar mais de cocô do que limpar.
Entã o, ter Sonny por perto, preocupado que seus amigos se
aproximassem demais ou me dessem olhadas de que ele nã o gostava,
era estranhamente bom.
Eu mal estava sentada lá fazia um minuto, um minuto inteiro,
solitá ria e minú scula em um bar que tinha sido tã o fortemente
defumado ao longo dos anos que o cheiro escorria da madeira como
suor em um atleta profissional. Um bar que pertencia a um grupo de
pessoas perto do qual meus pais nã o queriam que eu fosse criada. Um
total de sessenta segundos antes que a multidã o barulhenta explodisse
em gritos bem perto da porta.
Trip resmungou, lançando um olhar de soslaio para Sonny,
balançando a cabeça como se o que quer que estivesse acontecendo
fosse notícia antiga.
— Tem alguém de chico.
— Para de ser tã o dramá tico, ele nem sempre está de TPM. — Ele me
deu uma olhada. — Sem ofensas.
Levantei as mã os e dei de ombros.
— Ah. — Eu seria hipó crita se dissesse que nã o virava um zumbi
mal-humorado quando estava menstruada.
Trip revirou os olhos com o comentá rio do meu irmã o.
— Só estou dizendo, Son, que já era de se esperar que ele estivesse
de boa a essa altura. Nã o ensinam coisas melhores do que contar até
dez naquelas aulas que ele teve que fazer? — Ele riu, olhando por cima
do meu ombro. — Babacã o.
Minha vadia bisbilhoteira interior se animou com todas as pistas que
eles estavam deixando. Aulas de controle de raiva?
— O que aconteceu? — perguntei em um sussurro conspirató rio.
— Está tudo bem, Ris. — Sonny lançou a Trip um olhar irritado. —
Ele teve problemas de raiva há muito tempo. Agora ele está bem.
— Nã o sei de quem vocês estã o falando. — Com certeza, o homem a
quem eles estavam se referindo nã o tinha “Problemas de Raiva” tatuado
na testa. Eu nem o tinha visto ainda.
— Dex.
Pisquei sem entender, mesmo com a explicaçã o de Trip.
— Locke? — ele disse como se isso significasse algo para mim. Nã o
significava.
Sonny segurou o topo da minha cabeça e balançou.
— Nã o se preocupe com isso, garotinha. Tenho certeza de que vou te
apresentar para ele uma hora ou outra.
Naquela época, pensei comigo mesma que nã o era como se eu
realmente me importasse se conheceria ou nã o alguém que estava
constantemente zangado.

Ombros e peito.
O cara, de alguma forma, era todo mú sculos, trapézio e peitorais
elegantes quando o vi pela primeira vez de perto. Uma camiseta preta
justa com decote em V esticada sobre ombros largos, mal escondendo
duas mangas completas de tatuagem chamativas que subiam do pulso e
desapareciam sob a camisa justa.
Isso por si só já me provocou uma leve morte cerebral, embora eu
devesse ter pensado melhor antes de deixar meus hormô nios correrem
desenfreados. Eu realmente nunca tinha tido uma opiniã o muito
definida sobre tatuagens serem ou nã o um grande obstá culo quando eu
desejava um cara, mas… pelo calor que subiu pelo meu pescoço, eu era
fã . Estava distribuindo ingressos para a temporada.
Continuei olhando enquanto ele reduzia a distâ ncia entre nó s, uma
pasta portfó lio enfiada sob um braço longo e musculoso que chamou
minha atençã o para os centímetros de pele colorida de vermelho que o
decote da camiseta mostrava tatuados no peito. No Mayhem, eu estava
muito longe naquela loucura para ver mais do que apenas manchas de
cor só lida na sua pele.
Puta merda.
Eu deveria ter ficado feliz pelo boné esconder seus traços faciais no
bar e eu ter tido tempo de apreciar a magnificência que era a parte
superior do seu corpo tatuado, sem a distraçã o adicional de um rosto
que fazia meus ová rios gritarem glória, glória, aleluia. Seus ombros
largos e antebraços com veias grossas eram mais do que suficientes
para fazer uma garota ficar olhando. Porque o rosto dele… Jesus, putz.
Jesus. Putz.
Eu ia pedir de Natal ao Papai Noel o irmã o gêmeo bonzinho dele.
— Oi! — gritei, a voz esganiçada. Homens gostosos estavam na
minha lista de pessoas que me deixavam nervosa e, portanto, me faziam
agir como uma idiota mais do que o normal. Como se saber que eu
trabalharia para um homem que tinha sido preso por agressã o nã o
fosse estressante o suficiente. — Sou a irmã dele, Iris — eu o corrigi.
Meu sorriso estava torto, com certeza. — Meia-irmã , para ser específica.
O cara com o rosto mais marcante já criado piscou para mim.
Caramba, ele era muito lindo de uma forma muito masculina e
visceral. Diferente dos homens que eu via com tanta frequência na
minha cidade, que usavam mais produtos para a pele do que eu. As
maçã s do rosto altas e angulosas, que pareciam afiadas o suficiente
para cortar granito, e eram talhadas junto com um maxilar duro e
quadrado que precisava ter sido barbeado no dia anterior. Tinha os
olhos mais puramente azuis que eu já tinha visto. Eram profundos e
ficavam acima de um nariz quase reto. Quanto aos seus lá bios meu-pai-
do-céu, eu sabia que deviam ter sido usados milhares de vezes ― seria
uma pena se nã o fossem. O cara era dono da estrutura ó ssea masculina
mais impecável que eu já tinha visto.
Aqueles olhos azuis estavam fixos no meu rosto, sem piscar e sem
expressã o.
Eu tinha feito algo de errado?
Olhei para o que eu estava vestindo: um cardigã bege cobria minha
camisa social rosa-clara de manga curta que milagrosamente nã o tinha
amassados ― graças a Deus ― e calça de alfaiataria marrom-escura. Era
algo que eu usaria em um dos meus antigos empregos. Olhei com mais
detalhe para ter certeza de que minhas roupas nã o estavam manchadas.
Nã o estavam.
Ainda assim, ele me fixava com um olhar intenso, parecendo
completamente indiferente. Tã o distinto do homem carrancudo que eu
tinha visto sangrar e puxar uma pequena loira atrá s dele quando saiu
do Mayhem na semana anterior. Havia apenas uma pequena casquinha
na ponta da sua sobrancelha que servia de lembrança daquela noite.
— Você está atrasada.
à h, o quê?
Olhei para o meu reló gio azul metá lico barato e vi que eram quatro
da tarde em ponto.
— Ah. Eu pensei que deveria estar aqui à s quatro.
Nã o foi isso que Sonny disse? Pensei na ligaçã o. Nã o havia como eu
ter ouvido errado.
Ele olhou para mim, sua expressã o imó vel. Aquele rosto bonito e
duro era um bloco de concreto com barba por fazer.
— Tenho um negó cio para administrar, garota. Estou fazendo um
favor ao Son contratando você. O mínimo que pode fazer é chegar na
hora.
Foi a deixa para minha boca ficar escancarada.
Esse cara era louco?
— Desculpe — respondi ao homem, olhando para o cabelo preto-
azulado que despontava em dez direçõ es diferentes, apenas
ligeiramente domado pelo boné. Nã o havia como eu errar a hora, eu
sabia, mas de que valia discutir com ele? Eu precisava do emprego.
— Realmente pensei que Sonny tinha dito quatro da tarde. — Lancei
a ele um sorriso cuidadoso e desconfiado. — Nã o vai acontecer de novo.
Ele nem se incomodou em responder. Balançando dois dedos
tatuados na minha direçã o, acenou para que eu avançasse. Com isso, ele
estava me levando a uma vida à qual eu nã o tinha tanta certeza de que
estava destinada.
— Vamos, nã o tenho o dia todo para te mostrar como fazer as
merdas.
— Preciso que você atualize isso toda sexta-feira. Entendeu?
Entendeu? Entendeu?
Eu estava era f… Nã o, nã o tinha entendido.
Como diabos alguém percorria o funcionamento interno do
QuickBooks em menos de vinte minutos? Eu ia precisar de alguém para
me explicar como isso era possível, porque nã o tinha ideia.
Eu nã o era idiota, nem uma pessoa lenta em qualquer medida ― pelo
menos eu gostava de pensar assim ―, mas ele havia maximizado a tela
do programa com cliques mais rá pidos do que meus pobres olhos
conseguiam acompanhar. Em um minuto, ele estava explicando algo
sobre despesas e, no seguinte, começou a tagarelar sobre como salvar
os arquivos em uma pasta específica. Eu tinha entendido… talvez
metade.
Ok, sendo realista, tipo um quarto.
Por um breve momento, enquanto eu estava olhando para o bloco de
anotaçõ es que ele havia deslizado sobre a mesa quando eu o havia
seguido para aquele lugar, pensei em lhe pedir para me mostrar mais
uma vez para que eu pudesse fazer anotaçõ es melhores. Porque isso
nã o era desnecessá rio, era? Quero dizer, quem aprendia as coisas
perfeitamente de primeira por aí? Eu tinha levado pelo menos três
tentativas para descobrir como usar corretamente o recurso de gelo em
cubos na geladeira do Sonny.
E entã o olhei para ele, Dex Locke. Seu corpo grande se inclinava
sobre a borda da mesa marrom-escura, uma tatuagem vermelha
espreitando o mundo sob a gola da sua camiseta, o canto da boca
surpreendentemente carnuda torcido apenas um pouco para o lado… e
eu amarelei.
— Entendi.
Que. Mentirosa.
Uma covardezinha e uma mentirosa. Patética.
Ele acenou para mim rapidamente e começou a abrir um arquivo na
á rea de trabalho intitulado “Isençõ es”. Lá íamos nó s de novo.
Monossílabos. Acenos rá pidos. Estritamente profissional.
A certa altura, ele se levantou para “ir mijar” e aproveitei para olhar
em volta pela primeira vez depois de segui-lo como um cachorrinho
perdido. Quando eu havia entrado, aqueles olhos azuis cristalinos e
duros eram uma forma de impaciência, entã o me concentrei em me
sentar na cadeira que ele arrastou ao redor da mesa e segui junto.
Minha chance de bisbilhotar finalmente se apresentou.
O escritó rio nã o era nada do que eu esperava. As paredes eram de
um branco claro e brilhante, quase nuas, com exceçã o de dois artigos
emoldurados e… aquelas televisõ es eram telas montadas no canto?
Podia ser. Ele nã o parecia o tipo de pessoa que via novela de tarde.
A arte colorida foi a primeira coisa a chamar minha atençã o. Um
polvo vermelho furioso e flamejante circulava pelo papel no que parecia
ser tinta a ó leo. Tentá culos giravam e se curvavam em linhas que se
partiam. Com cores fortes e cheio de tanta vida, parecia estranho ser
mantido cativo no papel.
A outra moldura, logo ao lado do polvo, exibia uma arte feita com
tinta preta. Tinta preta que esboçava uma imaculada réplica da insígnia
do Moto Clube Fá brica de Viú vas. A que eu tinha visto no bíceps do meu
pai por anos. Aquela que, até eu vir para ficar com Sonny, tinha sido
apenas um sinal das coisas supostamente terríveis das quais eu estava
protegida.
Coisas ruins que minha mã e me contava para me deixar com medo,
mas afastei esse pensamento e continuei olhando em volta. A memó ria
da minha mã e era para uma época diferente. Ela já ocupava tanto
espaço naquela pequena á rea designada que deixei sua memó ria
descansar. Um lugar para o qual eu nã o queria ser sugada.
O resto do pequeno escritó rio consistia na grande escrivaninha, duas
cadeiras acolchoadas combinando e um armá rio que ocupava o canto.
Era quase imaculadamente limpa. Havia também uma pitada de fumaça
de cigarro no ar.
Hum.
— Tem cheiro aqui ou algo assim? — aquela voz profunda e rouca
que ouvi na ú ltima hora perguntou da porta.
Olhei para ele e sorri. Ele sorriu de volta? Nã o. Mas ignorei e levantei
um ombro.
— Você fuma?
Dex respirou tã o profunda e longamente que pareceu durar um
minuto inteiro.
— Quando estou a fim.
Quase torci o nariz. Quase. Porque eu odiava cigarros, embora
duvidasse de que o resquício quase inexistente me incomodasse.
Balancei a cabeça para ele novamente, observando o boné escuro dos
Rangers que ele havia puxado para baixo sobre a cabeça, as pontas do
seu cabelo muito preto aparecendo em tufos. Percebendo que minhas
mã os ainda estavam ú midas ― nã o paravam de suar desde o momento
em que eu havia entrado no carro ―, limpei-as nas calças.
Ele piscou, quebrando o silêncio.
— Você tem identidade legal?
Havia identidades ilegais? Sim, eu nã o ia pedir esclarecimentos.

Saí da Pins and Needles à s sete da noite. Em pouco mais de três


horas, havíamos feito um tutorial sobre como usar o registro de
agendamento e o calendá rio no computador, nos comunicando por
meio de agrupamentos de duas palavras de instruçõ es e grunhidos,
apó s nossa maratona geral sobre contabilidade e documentaçã o para
folha de pagamento. Dex entã o apontou para uma câ mera digital na
beira da sua mesa e disse que eu precisava carregar fotos no
computador e no HD externo diariamente.
Se eu perguntei onde fazer o upload dos arquivos? Um olhar para
aquela boca retorcida me fez concordar com a tarefa. Nã o.
Aprendi onde tudo ficava guardado e escondido no estú dio
observando para onde ele apontava: tintas, agulhas, luvas, garrafas de
á gua, toalhas de papel, desinfetante, produtos de limpeza, tudo. Dex
explicou brevemente como agendar sessõ es. Como lidar com o pessoal
que chegava sem agendar, em diferentes contextos. O que dizer e nã o
dizer aos clientes. Ele mencionou que havia quatro tatuadores
trabalhando no estú dio, incluindo ele. A ú nica outra pessoa que conheci
foi um careca simpá tico chamado Blake, que tinha um piercing duplo
nas sobrancelhas grossas e pretas e tatuagens multicoloridas que
chegavam à mandíbula.
Tudo parecia bastante fá cil.
Eu ainda nã o conseguia formar uma percepçã o concreta sobre o
trabalho e muito menos sobre Dex, já que ele nã o sorriu uma ú nica vez,
mas tudo bem. O trabalho nã o me provocava pulos de alegria, mas eu
nã o estava exatamente temendo a ideia de voltar para a minha cidade. E
nã o era como se eu tivesse outra opçã o depois de olhar meu extrato
bancá rio.
Eu aceitaria o que pudesse conseguir, droga.
Além disso, havia algo sobre o estú dio que me chamava. Talvez fosse
porque eu esperava algum lugar decadente com clientes fedorentos,
velhos que brigavam por causa de velhinhas e tinham mais pelos no
corpo do que eu tinha de cabelos na cabeça.
Se bem que, por acaso Sonny era o que eu imaginava que um
motoqueiro fosse? Sonny, com sua obsessã o por consoles de
videogame. Sonny, que peguei regando suas plantas certa manhã .
Sonny, que me preparou receitas com tofu sem pestanejar.
Nã o. Ele nã o era.
Entã o tentei empurrar minhas preocupaçõ es para o fundo da minha
mente, aceitando o fato de que talvez eu estivesse errada em ficar
preocupada. Talvez.
A moto de Sonny, uma elegante Harley vermelho-escura que custava
tanto quanto meu carro, estava na garagem quando estacionei em
frente à casa dele alguns minutos depois. A casa térrea de Sonny era
pequena e localizada em um antigo bairro de classe média-baixa.
Famílias e jovens casais ocupavam as casas de um lado a outro do
quarteirã o, barulhentos e em constante movimento.
Era legal e eu gostava. Depois de morar em um apartamento onde as
paredes eram tã o finas que eu podia ouvir todos os programas de
televisã o a que meu vizinho assistia, a casa dele era incrível pra
caramba. Era pintada de marrom-escuro e tinha um jardim na frente
que teria sido bom se ele cortasse a grama com mais frequência do que
a cada ano bissexto, e também era confortável. Nã o era exatamente o
lugar onde eu imaginava que ele moraria, antes de digitar seu endereço
no meu GPS. Embora nã o fosse necessariamente arrumada, nã o era um
chiqueiro, mas ficou melhor depois que passei dois dias limpando o
chã o pelo que parecia ser a primeira vez desde que ele a havia
comprado, sete anos antes.
Peguei a chave que ele me dera no dia em que apareci e entrei. A
televisã o estava ligada aos berros do outro lado da parede.
Sentado em sua poltrona favorita, Sonny sorriu para mim no minuto
em que fechei a porta. Ele se inclinou para a frente, segurando o
controle do seu PS3 em uma das mã os.
— Você sobreviveu, Ris? — ele perguntou, seu sorriso se alargando
tanto que fez a espessa barba ruiva estremecer com o movimento dos
mú sculos faciais.
A semelhança me deu um estalo inesperado. Quando ele tinha
começado a se parecer tanto com nosso pai? Nã o que eu fosse
perguntar isso em voz alta enquanto ele estivesse por perto, a menos
que estivesse com vontade de ser beliscada.
Em vez disso, sorri, ao me sentar no sofá perpendicular a ele.
— Por muito pouco.
Ele riu, alto e profundo. Curt Taylor escritinho. Será que eles sabiam
o quanto eram parecidos? Provavelmente nã o. Eu só tinha convivido
com o velho por dez anos antes de ele ir embora, e isso tinha sido dez
anos a mais do que Sonny conseguira. E embora eu nã o fosse mais
exatamente a maior fã do nosso pai, Sonny se apaixonou por ele muito
antes de mim. Um pai de merda que só aparecia uma vez por ano nã o ia
ganhar nenhum prêmio, muito menos um pai que desaparecia do nada
deixando mulher e dois filhos para trá s.
Por mais que eu quisesse, tinha que me controlar para nã o o chamar
de idiota, mesmo na minha cabeça. Prometi a mim mesma que nã o faria
mais isso. Outra promessa que eu havia colocado na fileira
arrumadinha junto com as outras ao longo do caminho.
“É assim que ele é”, yia-yia tinha dito uma e outra vez, apesar do
quanto mamã e e eu quiséssemos lutar contra sua verdadeira natureza.
Tã o, tã o ignorantes ao fato de que a gente nã o consegue lutar contra
os instintos de uma pessoa, mesmo que fossem terríveis, mesmo que
causassem coisas ruins e dolorosas para aqueles com quem eles
deveriam se preocupar.
— Eu sabia que seria você quem sobreviveria o dia inteiro — Sonny
declarou em sua pró pria voz individual, que nã o se parecia em nada
com o sotaque grave do nosso pai. Graças a Deus.
Espere um segundo aí.
— O que você quer dizer? — De repente, tive a sensaçã o de que meu
irmã o havia me dado de comida aos lobos fortemente tatuados… bem,
um lobo em particular. De propó sito, caramba.
Sonny olhou para mim, e seus olhos castanho-esverdeados ― a cor
que nó s dois havíamos herdado do nosso doador de esperma ― se
estreitaram. E entã o ele tossiu.
— Algumas pessoas já passaram por lá antes de você, garotinha.
Ele me chamava no diminutivo, como se eu fosse criança, havia tanto
tempo que nem me incomodava mais. Mesmo que incomodasse, ele
provavelmente só me chamaria assim com mais frequência. O que me
perturbava era a sensaçã o torturante de que ele estava escondendo
alguma coisa.
— E?
— A maioria nã o passou da apresentaçã o. Muito menos de algumas
horas. — Ele deu aquele sorriso preguiçoso de novo. — Mas eu sabia
que você ia sobreviver.
Foi a minha vez de estreitar os olhos para ele. Sonny nunca havia
mentido para mim. Ele fazia o que tinha que fazer com sinceridade. Na
verdade, era eu que escondia as coisas dele até o ú ltimo minuto. Mesmo
depois do ú ltimo minuto, ele sempre me perdoava por mentir. Pelo
menos chegava uma hora que ele perdoava. Eu nã o ia pensar que ele
começaria a falar merda para mim agora.
— Acho que ele nã o gosta muito de nada.
Sonny bufou.
— Da ú ltima vez que falei com Trip, ele tinha chamado seis pessoas
para serem entrevistadas no estú dio para essa funçã o.
Seis pessoas? Cara…
Antes que eu pudesse me concentrar na ideia de seis indivíduos
antes de mim serem expulsos, ele colocou um controle de jogo na
minha mã o e inclinou a cabeça em direçã o à enorme tela plana
pendurada na parede. Se era estranho que ele estava mudando de
assunto tã o abruptamente, eu nã o percebi o motivo.
— Você pode sobreviver a qualquer coisa, garotinha, certo?
Maldito. Essas eram as mesmas palavras que eu jogava nele cada vez
que algum assunto complicado parecia surgir do nada.
— Entã o você acabou de se mudar da Fló rida?
Sorri com o canto do olho para Blake, que estava esparramado,
casualmente, no sofá vazio ao lado da mesa da recepçã o
Era apenas meu segundo dia na Pins and Needles. Dex já estava
esperando quando apareci dez minutos antes das quatro. Sob a luz do
sol, suas tatuagens pareciam se destacar ainda mais contra a pele lisa e
levemente bronzeada. Tons de azul, vermelho e preto travavam uma
batalha que eu nã o achava que nenhum deles fosse capaz de vencer em
escala majestosa. Especialmente quando tinham sido estampados nos
cerca de um metro e noventa de forma impecável.
Por que ele nã o poderia pelo menos ser feio? Por alguma razã o, lidar
com uma pessoa sem paciência e pouco atraente parecia mais fá cil de
engolir do que com um lindo de morrer.
Ele estava do lado de fora do estú dio ― o porquê eu nã o fazia ideia.
Ele tinha uma chave, poderia ter entrado, mas eu nã o ia me incomodar
em perguntar. Quanto menos interaçã o tivéssemos, melhor, ao que
parecia.
Seu corpo em ó tima forma física estava apoiado nas paredes de
pedra que separavam a Pins da imobiliá ria. Ele tinha um cigarro
aninhado entre dois dedos, no qual dava profundas tragadas, olhando
para a frente. Assim como no dia anterior, sua camiseta preta se
esticava sobre o peitoral e braços ― a ú nica cor clara nele era o jeans
desbotado que moldava suas pernas.
Belas pernas. Coxas grossas. Mas, o mais importante, as coxas de um
babaca.
— Boa tarde. — As palavras mal saíram da minha boca e eu estava
me encolhendo. Eu realmente tinha dado boa-tarde? Constrangedor,
constrangedor pra caramba, Iris. Tive que me livrar de pensar em suas
coxas e como eu me sentia desconfortável quando puxei minha bolsa
para mais perto do peito e forcei um sorriso tenso.
No momento em que eu estava perto o suficiente, ele desferiu seu
olhar na minha direçã o e olhou para o reló gio.
— Nã o gosto de ficar esperando. — Dex deu outra tragada no cigarro
antes de jogá -lo no chã o, esmagando-o com a sola da sua bota de
motoqueiro.
O quê?
Por uma fraçã o de segundo, tive vontade de olhar no reló gio para
confirmar, mas nã o o fiz. Eu sabia que horas apareceriam no visor. Eram
15h50. Nã o 16h; eram 15h50. Do que porra esse psicopata estava
falando?
— Estou dez minutos adiantada — respondi, parando a um metro e
meio de distâ ncia para nã o entrar em contato com a fumaça do seu
cigarro.
Dex ergueu uma sobrancelha.
— Sim, e estou aqui há dez minutos.
Algo maldoso fez có cegas nos meus lá bios, me incitando a morder a
isca e ser tã o insensível com ele quanto era comigo. Mas eu nã o poderia
fazer isso. Nã o podia arriscar irritar um homem de pouquíssima
paciência do qual eu precisava receber um contracheque. Entã o, engoli
em seco com força e, num piscar de olhos, desejei que ele tivesse uma
diarreia explosiva em algum momento no futuro pró ximo.
— Ok.
Deus, eu era muito molenga.
Mergulhando a mã o no bolso da frente da calça jeans, ele tirou as
chaves, me dando uma olhada antes de inclinar a cabeça para cima.
— E pare de usar essas roupas de patricinha. Estou vendo que você
nã o tem nenhuma tattoo, mas também nã o precisa parecer uma garota
de fraternidade.
Patricinha? Eu comprava a maioria das minhas roupas na arara de
remarcaçõ es do supermercado.
No momento em que suas palavras ― insultando minhas roupas ― se
assentaram no meu cérebro, Dex já havia destrancado a porta e
entrado.
Talvez devesse ter me incomodado que ele tivesse me mandado
trocar minhas roupas de trabalho casuais, mas isso nã o aconteceu. A
questã o era: eu nã o poderia ficar tã o chateada. Me senti resignada e
aborrecida.
No meio do corredor quando entrei, Dex gritou enquanto andava na
direçã o do escritó rio:
— Tem uma semana inteira de fotos para carregar.
Se eu tinha ideia do que estava fazendo? Nenhuma. Mesmo assim,
conectei a câ mera ao computador e, graças à s minhas habilidades
investigativas ― e à opçã o de busca no sistema operacional ―, descobri
onde precisava colar e organizar as trinta e cinco fotos.
Isso era exatamente o que eu estava fazendo quando Blake entrou, se
jogando no sofá como se fô ssemos velhos amigos.
Fiz que sim para sua pergunta, sem me questionar como ele havia
descoberto onde eu morava antes.
— Sim. Perto de Miami, bem, na verdade, é Fort Lauderdale. Miami é
muito caro. — E era. Era totalmente. Completamente fora do orçamento
de uma funcioná ria de atendimento ao cliente. Astronomicamente fora
do orçamento para duas garotas desempregadas, o que só me lembrou
que eu deveria ligar para Lanie em algum momento.
Ele fez um som de assobio.
— Sempre quis ir a Miami. Por que você se mudaria para cá ?
Correndo o risco de ser rude, nã o ri.
— Meu antigo emprego teve muitas demissõ es. Como eu era uma das
mais novas contratadas, eles me dispensaram primeiro. Nã o consegui
encontrar outro emprego, uma coisa levou a outra e achei que seria
melhor… — abusar da boa vontade do meu irmão? — … vir para cá . O sr.
Locke conhece meu irmã o.
Blake riu alto.
— Sr. Locke? — Ele riu novamente. — Chame-o de Dex. Por favor.
Sorri para ele e dei de ombros. Nã o que ele tivesse me falado como
eu deveria chamá -lo. Além disso, por mais quieto que ele parecesse, a
ú ltima coisa que eu queria fazer era irritá -lo e chamá -lo de algo que ele
nã o aprovasse. Meu ú ltimo chefe enlouquecia se nã o fosse chamado de
“senhor”.
O que achei que merecia completamente o fato de chamá -lo de
cretino quando ele nã o estava ouvindo.
— Da ú ltima vez que fui ao Mayhem, ouvi que a irmã de Sonny ou
algo assim estava de visita na cidade — ele acrescentou.
— Você é… um membro do Fá brica?
— Nã o — ele respondeu instantaneamente, seu rosto corando com o
que eu poderia assumir ser embaraço por descartar a ideia tã o
depressa. — Conheço Dex há muito tempo. É isso. Conheço todos
aqueles caras. — Entã o ele mergulhou a faca. — Mas só ouvi falar do
seu pai, nunca o conheci.
Precisei de uma pequena parte de mim para sorrir como se o que ele
dizia nã o fosse grande coisa, quando ainda era. O que era idiota. Eu era
velha demais para deixá -lo me incomodar. Tinha passado por coisas
demais para me preocupar com onde ele estava e com quem mantinha
contato, quando nã o mantinha contato com seus pró prios filhos.
Mas me incomodou.
Eu havia passado de pensar nele uma vez por ano para, de repente,
ser constantemente bombardeada com lembranças de algo ― alguém ―
que eu preferia esquecer.
E isso deve ter sido perceptível no meu rosto porque Blake tinha
uma expressã o culpada.
— Vou pegar um refrigerante, você quer? — ele perguntou, já se
levantando do sofá .
Evitando o constrangimento? Acho que eu já gostava de Blake.
— Nã o, obrigada.
Ele deu de ombros e estava ao redor da mesa um momento depois,
sua camiseta da banda Meshuggah pendurada frouxamente nos ombros
e seu jeans desbotados caindo, antes que ele estivesse fora da minha
linha de visã o. Isso meio que me fez sentir como uma vovozinha,
vestida com calça social preta e uma blusa lilá s até o cotovelo que
cobria todos os meus valores carnais.
Eu só nã o estava com vontade de explicar meu braço. Tudo sempre
mudava depois de A Conversa do Braço.
Enquanto pudesse continuar usando minhas camisas de mangas
compridas, poderia adiar aquela bomba por um tempo.

Eu tinha passado a ú ltima hora olhando para a tela. As anotaçõ es que


Dex havia me passado quase duas horas antes pareciam estar
zombando de mim em um deleite mudo.
O que eu deveria ter feito era pedir a ele no dia anterior para me
explicar mais uma vez como funcionava o programa.
Metade daquilo tinha sido mais do que fá cil. Memorandos, datas,
todas essas coisas que eu poderia deduzir. Mas já havia examinado a
mesma planilha duas vezes e jurava que dois dos nú meros no balanço
estavam diferentes do que eram originalmente.
Puta merda.
Eu tinha duas opçõ es. Poderia pedir ajuda a Dex ou procurar vídeos
instrutivos sobre como usar o programa de contabilidade porque o
botã o Ajuda nã o foi tã o ú til quanto eu esperava.
Em retrospectiva, nã o sei ao certo por que escolhi perguntar a Dex
em vez de sofrer ao longo de um vídeo de trinta minutos.
Mas me levantei e fui em direçã o ao seu escritó rio, sentindo aquela
mesma vontade de vomitar do dia anterior subindo pela minha
garganta.
Droga. Droga. Droga.
A pasta agarrou-se à ponta dos meus dedos quando parei do lado de
fora da porta aberta. Dex estava à mesa, uma folha de papel aberta onde
o teclado estivera no dia anterior. Um lá pis balançava para a frente e
para trá s enquanto ele olhava para a folha, dois dedos beliscando a
ponte do nariz.
No fundo, eu sabia que iria me arrepender disso. Eu realmente,
realmente sabia.
— Hum, Dex?
Aqueles olhos azul-giz-de-cera deslocaram-se para olhar para mim.
Sem emoçã o. Impassíveis.
— Fale.
Tive que engolir a vontade de vomitar quando levantei a pasta azul
para ele ver. Minha boca, a traidora, ergueu-se em um sorriso nervoso.
— Estou tendo alguns problemas com aquele programa que você me
mostrou ontem, e queria saber se poderia me mostrar como usar mais
uma vez.
Ele nã o disse nada. Aquele olhar intenso e concentrado permaneceu
em mim indefinidamente.
Continuei falando num murmú rio:
— Eu só nã o quero bagunçar nada de novo.
A piscada de Dex foi tã o lenta que poderia durar um dia. A mã o que
protegia sua boca enquanto as pontas dos dedos beliscavam a ponte do
nariz caiu. Ele soltou um suspiro fundo, direto das profundezas das
monstruosas cavernas escondidas sob seu peito e abdô men definidos.
— Você já fodeu com tudo?
Droga tripla.
Eu já tinha sorrido para coisas piores do que Dex, entã o o fato de o
sorriso nervoso permanecer no meu rosto nã o era uma surpresa.
— Posso ter bagunçado as coisas, mas ainda nã o salvei o trabalho. É
por isso que esperava que você pudesse me ajudar.
Ele olhou para o teto e fechou aqueles olhos brilhantes.
— É do caralho. É do caralho.
Droga quá drupla.
Talvez eu devesse ter lhe dito que sentia muito por incomodá -lo, mas
era mentira. Eu realmente nã o sabia muito bem o que estava fazendo e
imaginei que estivesse economizando o tempo dele, pedindo
esclarecimentos agora e nã o esperando até mais tarde e causando uma
confusã o maior. Certo?
— Eu já te mostrei como fazer essa merda ontem, garota. Nã o tenho
tempo para pegar na porra da sua mã o com esse negó cio, beleza?
Mas. Que. Merda. Foi. Essa?
Algo que nã o era exatamente vergonha ou humilhaçã o me percorreu.
Eu nã o tinha certeza do que era o sentimento, mas deixou uma camada
terrível e pegajosa na minha pele.
— Vou te mostrar mais uma vez, mas se nã o consegue dar conta de
uma coisa tã o idiota quanto aquele programa, acho que nã o pode
trabalhar para mim. Preciso de alguém para me ajudar aqui. Nã o tenho
tempo para ficar ajudando a ajudante. Tá ligada? — ele perguntou
naquele tom cortante e afiado, que poderia serrar pedaços de madeira.
Meus dedos se curvaram sozinhos ao mesmo tempo em que algo deu
um nó na minha garganta. Eu era fracote e covarde. De onde essa
pessoa tinha vindo?
Eu era bem passiva. Ok, extremamente passiva, mas poderia me
controlar. Sabia quando dizer nã o. Sabia quando as pessoas estavam se
aproveitando de mim. No entanto, lá estava eu. Deixando meu chefe
irritado porque eu nã o tinha dominado uma tarefa na primeira
tentativa.
Uma fracote covarde que foi lá e se sentou bem ao lado de Dex, o
manejador do chicote verbal, e deixou que ele me mostrasse como usar
o maldito programa de computador mais uma vez.
Parecia que as palavras entravam por um ouvido e se assentavam
graciosamente no fundo da minha memó ria. Apenas balancei a cabeça
durante toda a demonstraçã o de quinze minutos, mantendo os olhos
diretamente na tela e evitando todas as formas de comunicaçã o com
ele.
Quando o tutorial improvisado terminou, corri de volta para a
recepçã o para recomeçar a planilha. Murmurei agradecimentos e enfiei
o rabinho entre as pernas. Envergonhada e um pouco chateada nã o
eram exatamente minhas emoçõ es favoritas. Eu nem tinha sido capaz
de olhá -lo nos olhos.
Depois disso, me mantive ocupada perguntando a Blake se havia algo
em que eu pudesse ajudá -lo quando ele estava livre. Ele me mostrou
como esterilizar os frascos usados para diluir a tinta e onde todos os
tatuadores guardavam seus cartõ es de visita. Como usar o fax térmico
na sala de descanso. Onde estavam os catá logos para pedidos de
suprimentos ― eu disse a ele que ainda nã o sabia como fazer isso e ele
sorriu, prometendo que eu aprenderia em breve.
Eram quase oito horas e o estú dio estava vazio, Dex ainda nã o havia
saído do escritó rio e Blake havia desaparecido alguns minutos antes,
quando bateu em mim uma vontade de fazer xixi. Corri em direçã o ao
banheiro, ignorando a ligaçã o telefô nica no escritó rio de Dex, enquanto
fazia o que tinha que fazer, e fechei a porta ao sair, pensando em quando
poderia perguntar a Dex a que horas eu poderia fazer uma pausa. Havia
trazido um sanduíche de manteiga de amendoim e geleia na minha
bolsa e…
— Até uma idiota do caralho consegue descobrir como fazer.
O piso de ladrilho carregava a conversa nã o tã o silenciosa pelo
corredor. Reconheci a voz profunda de barítono como sendo a de Dex, e
meu estô mago revirou.
Houve uma risada. Dele.
— Quero que se foda se ela é gostosa. Nã o estou a fim de molhar o
meu pau. Preciso que alguém faça umas merdas no estú dio que nã o
gosto de fazer. — Ele riu. — Cara, é pedir muito encontrar uma
vagabunda confiável para ajudar por aqui?
Congelei por uma fraçã o de segundo ali mesmo no corredor. As
palavras penetraram nos meus poros, rejuvenescendo minhas células
sanguíneas e, aparentemente, meus canais lacrimais também.
Ele achava que eu era uma idiota do caralho? Tudo porque eu tinha
lhe feito uma pergunta simples?
Eu nã o era burra. Sabia disso. Sabia sem dú vida. Nã o tinha
continuado os estudos porque nã o podia pagar, nã o porque nã o fosse
inteligente o suficiente. E embora tivesse trabalhado para um chefe que
era um cretino na empresa de cruzeiros, ele nã o era um cretino injusto.
Era simplesmente um cretino excessivamente zeloso e trabalhador.
Ele nunca me chateou, porém, e ali estava eu. Parada como uma
tonta patética que queria chorar. Bom, eu sempre queria chorar.
Chorava quando estava feliz, triste, animada e frustrada com a vida. E
eu odiava isso. Ainda mais agora.
Porque eu nã o deveria deixar merdas como a opiniã o distorcida de
Dex me incomodar. Eu precisava de um contracheque como precisava
da minha pró xima respiraçã o. Nã o deveria me importar com o que um
motoqueiro delinquente pensava sobre mim, desde que ele me pagasse,
certo?
Certo. Mas por que parecia que eu tinha levado uma facada no
estô mago?
Verifiquei minha conta bancá ria pelo menos três vezes depois de
ouvir a conversa unilateral de Dex. Infelizmente, a quantia que aparecia
na tela permanecia sempre a mesma.
Setenta e oito dó lares e trinta e nove centavos cimentavam meu
destino.
Eu precisava de gasolina, queria comprar alguns mantimentos para
que Sonny nã o tivesse que comprá -los sozinho outra vez e tinha que
pagar minha conta de celular dali a duas semanas. Nada disso sequer
incluía o cartã o de crédito que eu havia usado na viagem para o Texas
quando parei para abastecer. E por acaso eu tinha escolha? Na verdade,
nã o.
A ú nica opçã o que eu tinha era segurar a sensaçã o feia que subia
continuamente pela minha garganta quando pensava nas palavras
duras de Dex. Era nisso que eu tinha me metido? Quero dizer, o
universo nã o poderia ser tã o cruel.
Nã o poderia ser. Nã o havia como algumas cirurgias terem me levado
a trabalhar para um homem que me chamava de idiota. Eu nem ia tocar
no uso que ele tinha feito da palavra “vagabunda”.
Não chore, Iris.
Sacrifícios eram necessá rios à s vezes, eu sabia disso. Depois que meu
pai foi embora, nó s nos mudamos de uma casa para um apartamento.
Trocamos nosso carro para outro mais barato. Paramos de sair para
comer fora. E isso foi tudo antes de o universo e todas as suas garantias
de ter um felizes para sempre explodirem em mim como uma
supernova. A vida à s vezes era difícil e nã o havia livro ou filme que
pudessem nos preparar para como poderia ser difícil.
Exceto, talvez, aquele programa de televisã o de zumbis em que todos
morriam. Isso era bem preciso.
Se fosse Will quem tivesse encontrado o emprego para mim, eu nã o
teria nenhum problema em dar o dedo do meio para esse lugar e sair.
Eu sabia que ele me perdoaria se eu o fizesse parecer um filho da mã e.
Ele me devia por eu ter dado meu sangue para ele ter o que comer e o
que vestir por anos. Mas Sonny? Deus.
Eu queria ir embora. Se era da Pins and Needles, ou de Austin,
naquele ponto, eu nã o tinha certeza, mas o desejo de fugir estava bem
no horizonte. Por que eu nã o tinha simplesmente ido para Cleveland
com a Lanie?
Esse terrível sentimento de vergonha nã o funcionava para mim.
Bom, mas, por outro lado, eu tinha me comprometido a trabalhar lá e
realmente precisava do dinheiro. Tanto que eu estava desesperada para
ver apenas mais um dígito no saldo da minha conta bancá ria.
Meu orgulho nã o pagaria minhas contas. Mas encontrar outro
emprego, sim.
— E aí, menina nova?
Olhei para cima e vi Blake entrando no estú dio com um saco de
papel marrom em uma das mã os.
Tenho certeza de que meu sorriso estava trêmulo porque minhas
mã os ainda tremiam. Eu também estava enjoada e pensava seriamente
em me mandar dali. Saber que Sonny trabalhava na esquina se eu
precisasse de alguma coisa, e que eu precisava de um salá rio ruim,
foram as ú nicas coisas que me mantiveram no lugar.
— Oi, Blake.
— Já comeu? — ele perguntou, parando bem na frente da mesa.
Mentindo, balancei a cabeça em afirmativa, porque era tudo que eu
tinha em mim. O sanduíche de manteiga de amendoim e geleia de uva
que eu tinha feito naquela tarde ainda estava na minha bolsa.
O olhar azul-celeste de Blake se estreitou um pouco quando ele os
deslizou sobre o que eu poderia presumir serem meus olhos molhados
e traidores.
— Dex chateou você? — ele indagou em voz baixa.
Tive que conter uma inspiraçã o irregular porque isso
definitivamente dispararia um alarme, e balancei a cabeça fracamente.
Se eu estivesse prestando atençã o, teria notado que ele suspeitava de
que Dex era capaz de fazer algo para me chatear. Como se fazer garotas
chorarem nã o fosse incomum para aquele imbecil.
Mas os olhos de Blake eram muito perspicazes. Ele abriu a boca para
falar, mas seus olhos deslizaram pelo meu assento e ele inclinou a
cabeça na direçã o da porta.
— E aí? — Blake insistiu, ainda mantendo seu lugar diretamente na
minha frente.
— Magrã o ligou. Você se importa de ficar até tarde? — Dex. O cara de
pau com voz suave, rica e meló dica falou.
— Tanto faz. — Meu colega de trabalho careca deu de ombros e
deslizou os olhos para mim discretamente, batendo com as pontas dos
dedos na mesa. — Você quer algo para beber? — Eu meio que o amava
por ignorar o idiota que tinha acabado de me fazer sentir como se eu
fosse a pessoa mais burra do mundo.
Eu queria uma bebida, mas como nã o tinha certeza do que estava
para acontecer com Dex, nã o queria correr o risco de estar tomando um
refrigerante e ter que andar com minha carapaça da vergonha de volta
para o outro lado da rua. Entã o neguei com a cabeça.
Blake deu de ombros, contornou a mesa e foi para os fundos.
Pela visã o periférica, eu poderia dizer que Dex estava parado à
minha direita, a alguns metros de distâ ncia. Seu borrã o de camiseta
preta me dizia. Cada instinto meu queria sair, mas eu nã o iria até que
ele, o idiota malvado, dissesse alguma coisa.
Uma pequena parte sá dica de mim queria olhar na sua direçã o, mas
nã o olhei.
Will sempre me disse que eu era um livro aberto com as minhas
emoçõ es. Eu era uma péssima mentirosa por causa disso. Tinha medo
de olhar as pessoas no rosto quando me sentir mal era mais natural do
que estar de bom humor. Nã o foi um choque que Blake pudesse
perceber que algo estava acontecendo, mas ele nã o saberia o que era, já
que havia entrado depois que a surra verbal nã o intencional tinha
chegado ao fim.
— Ei… — o imbecil gato começou a dizer, antes de Blake me salvar
de mais humilhaçã o, um instante depois, chamando o nome de Dex.
A ú ltima coisa que eu queria era ficar. Também nã o queria que eles
me mantivessem no emprego. As pessoas tinham me dado esmolas e
ficado com pena de mim durante metade da minha vida e com certeza
eu nã o queria que isso se multiplicasse agora. Disse a mim mesma que
ia ficar porque nã o era apenas uma questã o de querer um emprego. Era
uma necessidade. Além disso, Sonny era amigo dessas pessoas e eu nã o
queria fazê-lo passar vergonha. Talvez, se pudesse aguentar algumas
semanas, e entã o dar meu aviso-prévio, nã o seria tã o ruim quanto
simplesmente ir embora. Apenas duas semanas.
Eu aguentava duas semanas.
Tinha vivido por anos sem saber se estaria viva para completar vinte
anos. Duas semanas lidando com um idiota nã o poderiam ser piores do
que um milhã o de outras situaçõ es pelas quais eu já tinha passado.
Assim, embora tudo no meu coraçã o gritasse para eu ficar e lutar
contra o orgulho, eu ia ficar, lamentando cada centímetro meu por ter
entrado naquele maldito estú dio, para começar.

Era quase meia-noite quando o penú ltimo cliente, um homem mais


velho em quem Dex havia trabalhado por mais de duas horas, saiu com
uma piscadela e um “Boa noite, querida” para mim. Blake ainda tinha
uma jovem com as pernas abertas em sua cadeira e as calças abaixadas
até o rego enquanto ele tatuava uma borboleta monarca no canto
superior da ná dega dela.
Eu havia falado com Dex duas vezes nas ú ltimas horas. Cada vez, o
discurso seguia as linhas de “Dex, fulano de tal está aqui para a sessã o
marcada”. Na verdade, eu queria perguntar a ele se tinha vendido a
alma ou se nunca tivera uma, para começar.
Mas, no minuto em que os cifrõ es surgiam na minha cabeça, eu me
forçava a dizer o que precisava.
Fiquei surpresa com a robustez dos negó cios no estú dio. A maioria
dos clientes estava agendada com antecedência, mas um tinha vindo
sem horá rio.
Uma breve conversa com Blake explicou mais sobre as coisas pelas
quais eu seria responsável. Os deveres do gerente do estú dio
consistiam principalmente em repor os suprimentos ― como tintas,
luvas, joias etc. ―, arquivar despesas, pagar contas de consumo. Coisas
fá ceis. Dex cuidava de todo o resto, qualquer depó sito em dinheiro no
banco e fechava as contas com a empresa que operava os pagamentos
com cartã o de débito.
Ele e Blake estavam ocupados, e eu estava ocupada conversando com
os clientes sobre coisas aleató rias enquanto eles esperavam. Fiquei
surpresa por todo mundo ser legal ― com exceçã o da cara de bocó de
Dex.
Também nã o havia entrado um ú nico motoqueiro no estú dio.
Esquisito.
Tudo isso me garantiu que eu evitasse ter que interagir muito com
meu chefe. O dono. O pateta da boca suja.
O imbecil catarrento que eu meio que esperava que contraísse uma
doença infecciosa nas partes íntimas. Mas você sabe, algo para o qual
ele poderia conseguir remédios.
Tentei o meu má ximo para nã o repetir o cená rio no escritó rio, mas
era impossível. Nã o foi o tom dele, mas as palavras que me consumiam.
E, a cada vez, aquilo me dava vontade de chorar. Nã o ficou mais fá cil
ou menos doloroso. Como alguém podia ser tã o grosso? Eu nã o
entendia e nã o conseguia superar.
Cada ciclo me fazia pensar em coisas diferentes para chamá -lo. Um
babaca. Um cretino seboso. Um cretino seboso de pau pequeno. Certo?
Talvez ele nã o ficasse tã o irritado com o mundo se seus pelos pubianos
nã o fossem mais longos do que sua ereçã o completa. Deus, eu me sentia
estranha pensando sobre o que ele tinha por baixo das roupas, mas foi
o melhor insulto que consegui elaborar.
Normalmente, eu nã o guardava rancor. Se algo me chateava, eu
superava rá pido. Ficar chateada exigia muito esforço e me estressava, e
eu nã o tinha nada que me estressar se pudesse evitar. Além disso, nã o
havia muitas coisas na vida pelas quais realmente valesse a pena se
estressar.
Até hoje.
Depois de limpar minha mesa e desligar o computador, arrumei a
mesinha de centro e coloquei as revistas e fichá rios com as tatuagens
de volta ao lugar delas. Varri o chã o perto da entrada só para garantir e
comecei a borrifar produto nos vidros dos quadrinhos emoldurados
porque tinha visto pessoas tocando-os vá rias vezes ao longo do dia. De
perto, vi que cada um continha artigos, recortes ou mençõ es a Pins and
Needles ou ao trabalho de Dex Locke.
Certas frases chamaram minha atençã o mesmo quando eu nã o
estava tentando ler o que estava escrito. As fontes ridiculamente
grandes tornavam impossível nã o captar as declaraçõ es destacadas.

A
legenda estava logo abaixo de uma foto de Dex parado na frente do
estú dio, com os braços cruzados à frente do peito. Típico.

gritava outro artigo.


Entã o houve aquele que me fez revirar os olhos.

Blá . Blá . Blá .


Eu estava limpando um deles quando ouvi:
— Ritz.
Eu sabia que era Dex falando. Sua voz tinha sua pró pria cadência,
profunda e rica. Barítono e rascante. Se fosse qualquer outra pessoa, eu
gostaria de ouvi-la falar o dia todo, mas Dex? Eu ficaria perfeitamente
bem em nã o o ouvir falar, oh, digamos, pelo resto da minha vida.
— Ritz.
Agora ele queria conversar? Ha. Eu borrifei o vidro e rapidamente o
limpei, ignorando-o.
— Flor.
Imbecil. Eu me aproximei e pulverizei produto no quadro seguinte.
— Flor, estou falando com você. Para de borrifar por um segundo —
ele disse, a irritaçã o rá pida em seu tom insinuando o fato de que aquele
homem nã o estava acostumado a falar alguma coisa duas vezes.
Por mais que nã o quisesse, parei o que estava fazendo e me virei a
fim de olhá -lo. Ele estava parado ao lado da mesa, as mã os enfiadas nos
bolsos da frente.
— Sim? — perguntei, mantendo o olhar fixo apenas no alto do seu
pescoço nu.
— Ritz — ele repetiu o nome que tinha usado no início.
— Meu nome é… — comecei a dizer antes que ele me interrompesse.
— Pode olhar para mim?
Nã o.
Já havia tratamento para gonorreia?
Cerrei os dentes.
— Você nã o me disse o que queria que eu fizesse até vocês
terminarem, entã o pensei em limpar. Blake disse que você colocaria o…
— comecei a dizer ao seu pescoço em uma voz surpreendentemente
calma. Nem mesmo dava para dizer que eu tinha lutado contra as
lá grimas a maior parte do dia.
— Olhe para mim — Dex interrompeu em voz baixa.
Lentamente, lutando contra tudo em mim que doía por causa das
suas palavras de merda, arrastei meus olhos até os dele.
— Sim? — Era como se as palavras tivessem sido arrancadas da
minha garganta com pinças enferrujadas.
Alguma emoçã o indecifrável foi refletida a mim por seus olhos
extremamente azuis enquanto eu sustentava, relutante, seu olhar por
dez segundos antes de virar para terminar de limpar as molduras.
Dex suspirou. Parecia que ele tinha esfregado as palmas das mã os
antes de falar.
— Você tem que endurecer — ele disse entre os dentes.
Ai, meu Deus. A primeira pessoa na minha vida que eu tinha vontade
de socar na cara era um motoqueiro de um metro e noventa que eu
presumia ter espancado alguém e sido preso por isso. De todas as
pessoas no mundo menores que eu que eu poderia ter escolhido, e era
justamente essa que eu queria acertar bem nos testículos? Nã o Sonny,
ou mesmo Trip, que nã o tinha me dado a impressã o de que tentaria me
matar?
Fiquei com os nervos à flor da pele e, como um reloginho, rangi os
molares.
Eu preciso do emprego.
Eu preciso do emprego.
Eu preciso do emprego.
— Limpe os balcõ es para mim — acrescentou com uma voz baixa
que pareceu ir imediatamente contra o tom á spero e insensível que ele
havia usado um momento antes. Como esse homem era capaz de falar
naquele tipo de tom depois das adagas que havia cuspido antes?
Balancei a cabeça e engoli outra vez aquela sensaçã o nojenta na
minha garganta.
— Tá bom.
— Beleza?
Contive meu longo suspiro, mantendo os olhos no título “Me tatue!”
na revista enquadrada enquanto eu limpava riscos no vidro. Nã o ia
discutir com ele, nã o ia me importar o suficiente com o fato de ele nã o
se lembrar do meu nome e definitivamente nã o ia falar como ele tinha
feito eu me sentir uma merda. Na verdade, apenas tornou mais fá cil
para mim querer encontrar outro emprego.
— Sim.
Meu orgulho venceu, porque nã o me virei para olhá -lo enquanto ele
permanecia no lugar por mais um minuto, e quando Blake caminhou
comigo até meu carro vinte minutos depois de fechar, também nã o olhei
para Dex outra vez.
Ele que se foda. Não ele que se exploda nem ele que se dane. Ele que se
foda. Ele merecia a palavra com F por ser tã o idiota, e Deus sabia que eu
guardava essa palavra para ocasiõ es especiais.
Só porque deixei minha consciência me guiar para manter o emprego
por respeito a Sonny ― e minha necessidade de algum dinheiro ― nã o
significava que eu tinha que gostar do meu chefe. Nã o significava que eu
tinha que deixar para lá o que tinha acontecido e superar o fogo que ele
tinha cuspido em mim sem motivo.
Maldito imbecil.
— O que aconteceu?
Sonny ia surtar. Haveria fumaça saindo da sua bunda e das suas
orelhas. Eu simplesmente sabia disso.
Eu o tinha subestimado minha vida inteira. Quando eu era criança,
achava que ele me odiava porque Will e eu morávamos com nosso pai e
ele nã o, exceto pelas visitas anuais que duraram até que Son tivesse
idade suficiente para mandá -lo se ferrar. Quando adolescente, pensei
que ele nã o se importaria muito com os desastres que iam se
acumulando na minha vida.
Mas o fato era que ele se importava. Quando adulto, Sonny se tornou
a figura mais só lida da minha vida, mesmo que morasse a quase dois
mil quilô metros de distâ ncia.
Nã o fomos criados juntos, obviamente. Sonny tinha vivido em Austin
com sua mã e, enquanto eu havia crescido com a minha na Fló rida,
sendo nove anos mais nova que ele. Decidimos nos ver uma vez por ano
quando eu era mais jovem, quando meu pai levava Will e eu a Austin
para ver Sonny. Por outro lado, eu nunca tive aquela situaçã o típica de
irmã o mais velho superprotetor quando criança, até que ele tivesse
idade suficiente para dirigir sozinho e, nessa época, meu pai já havia ido
embora.
Sonny Taylor, cuja mã e odiava Curt Taylor com uma magnitude que a
levou a se mudar de estado no momento em que Son se formou no
ensino médio, gostava de mim. Ele me amava à sua maneira e conhecia
minhas expressõ es faciais.
Entã o, quando entrei em sua casa, ainda mais magoada do que
irritada com o que tinha ouvido naquela tarde, ele percebeu as pistas
como se fosse um Sherlock Holmes.
E agora eu estava um pouco preocupada em contar a ele, porque
havia prometido parar de mentir. Aparentemente, tinha esgotado
minhas vidas de contar mentira para ele quando omiti que haviam
encontrado mais células cancerígenas no meu braço.
— Iris, me fale — ele insistiu.
Droga. Ele nunca me chamava pelo meu primeiro nome.
Deixei escapar a pequena histó ria, sentindo-me outra vez a criança
que queria que sua mã e ou seu pai fizesse tudo ficar bem de novo.
As palavras eram como um bumerangue na minha cabeça, de novo e
de novo. No momento em que cheguei à casa de Sonny, tudo me atingiu
diretamente no plexo solar.
O cara era simplesmente um babaca. Um imbecil que nã o sabia como
superar as coisas que estavam dentro de todos nó s ― o lado bom e o
ruim.
Quando eu estava no hospital, todas as vezes ― todas as vezes ―,
encontrava muitas pessoas que simplesmente nã o conseguiam se livrar
da raiva. Do ressentimento. Da frustraçã o com a sorte que tinham
recebido da vida. Quer dizer, eu entendia. De verdade. Se existia alguém
que entendia como era pensar que a vida era injusta, eu provavelmente
ganharia o prêmio alguns anos seguidos.
Mas, em algum momento, a gente tinha que superar. Eu nã o queria
ser uma velha amarga pelo resto da vida.
Agora eu estava presa trabalhando para um verme amargo,
mesquinho e sugador de felicidade.
— Nã o é nada tã o sério assim, Son. É bobagem. Nã o me importo com
o que ele pensa.
Mentirosa. Mentirosa. Grande mentirosa.
Os lá bios de Sonny se contorceram de uma forma que eu só tinha
visto uma vez antes. A raiva mal contida se escondia sob a espessa
camada da sua barba castanho-avermelhada.
— Aquele imbecil do caralho — ele grunhiu. Sonny inclinou a cabeça
para um lado e depois para o outro. Uma respiraçã o profunda saiu por
entre seus lá bios. — Vou arrancar os dentes dele.
Ele estava falando completamente sério. Tã o, tã o sério sobre
defender minha honra, que nã o pude evitar.
Comecei a rir.
— Está bem. — Eu bufei. — Son, está tudo bem. Quebre os dentes
dele outro dia. — Ri de novo. — Ou talvez quando eu encontrar outro
trabalho, tá ? Entã o você vai poder quebrar todos os dentes dele e os
joelhos, e eu nem vou ligar.
Aqueles olhos castanhos-esverdeados que eram uma réplica exata
dos meus se estreitaram. E entã o ele esboçou um pequeno sorriso.
— Os joelhos também?
Dei de ombros.
— Por que nã o? E quebre chamando-o de idiota.
Sonny balançou a cabeça, sorrindo a essa altura.
— E pensar que eu costumava te chamar de boa menina. Minha
irmã zinha me dizendo para quebrar os joelhos de um cara. Você é capaz
de me fazer chorar, Ris. — Ele se inclinou sobre a poltrona em que eu
estava sentada e bagunçou meu cabelo. — Essa é a minha garota.
Bufei e bati na sua mã o.
Seu rosto ficou sério um momento depois, e o olhar, também.
— Ninguém fala assim com você, está me ouvindo? Nã o me importo
se é outro membro do MC ou algum babaca na rua. Se alguém descontar
a raiva em você, eu dou uma surra nele.
Senhor. Onde ele estava quando eu tinha quinze anos e era
ridicularizada? Empurrei o pensamento para longe e assenti, me
acomodando apenas para fazê-lo se sentir melhor.
— Sim, papai. — Eu dei a ele um pequeno sorriso. — Sem estresse,
tá ?
Pela maneira como sua mandíbula apertou, dava para dizer que ele
nã o estava exatamente feliz em ficar quieto, mas nã o argumentou
contra.
— Tudo bem, mas vista a porra da roupa que você quiser, garotinha.
Vista um terno de três peças só para irritar o cara — ele resmungou.
Sonny se inclinou para a frente de novo para bagunçar meu cabelo até
que eu batesse nele.
Ele se levantou, pegou o celular do bolso e desapareceu
silenciosamente pelo corredor que levava ao seu quarto.
Espere…
Sonny nã o era do tipo calado.
— O que você está fazendo? — gritei atrá s dele.
Sua resposta foi:
— Nada!
Um minuto depois, do confinamento do seu quarto, ele começou a
gritar.
O que eu fiz? Andei na ponta dos pés pelo corredor que levava ao
quarto dele e tentei ouvir. Só por um minuto. Foi isso.
— … qual é a porra do seu problema, caralho?… Ela é tímida com
estranhos, Dex. Tímida. Você acha que sua atitude ajuda nisso? Nã o.
Nã o. Imagina se ela fosse sua irmã . Como você ia se sentir se alguém a
chamasse de vagabunda, porra? Bem, essa é a Lisa. Essa nã o é a Ris.
Imagina se fosse a Marie… Você está me ouvindo? E se… nã o. Vá se
foder, Dex. Se estiver de ovo virado, nã o desconte nela. Você parece uma
vadiazinha…
Eu posso ter aberto um sorriso. Enorme.
Vesti minhas roupas habituais no dia seguinte. Calça cá qui e camisa
branca de mangas compridas foram meu grande “foda-se” para Dex.
Soltar todos esses comentá rios de “foda-se” meio que me fez sentir
fortalecida. Só um pouco, pelo menos.
Ele me olhou demoradamente quando apareci na porta à s quinze
para as quatro e nã o disse nada. Nem eu.
Meu tratamento silencioso ― e aversã o ao olhar ― durou exatamente
oito horas de trabalho. Por oito horas, consegui me esquivar de Dex,
incomodando Blake. Só nos falávamos quando ele precisava que eu
agendasse alguma coisa e quando um cliente vinha procurá -lo.
Toda vez, eu sentia uma pressã o incrivelmente nauseante no meu
pescoço. Era o lembrete sem palavras do meu corpo sobre como Dex
tinha sido maldoso de uma maneira inconsequente, e como ele me fez
sentir como se eu precisasse de uma vacina contra tétano depois. Eu
tinha ficado acordada na noite anterior me perguntando por que me
incomodava tanto que ele pensasse que eu era burra. Na realidade, a
culpa era dele por eu nã o entender o que deveria fazer, nã o era?
Um homem tã o bonito, e ele era um idiota completo. Quem ia
imaginar?
Apenas uma parte muito pequena de mim queria deixar a questã o
para lá . Fingir que ele nã o tinha perdido a cabeça brevemente e dito
algo que eu tinha certeza de que Sonny e o resto dos integrantes do
Fá brica provavelmente diriam casualmente. Mas eu nã o podia.
Simplesmente nã o conseguia. Quando me tornei o tipo de pessoa que
nã o conseguia relevar as coisas, eu nã o fazia ideia.
Mesmo quando Lanie pegou meu carro sem permissã o e o destruiu,
nã o fiquei brava por mais de algumas horas. Quando Will perdeu meu
celular, acho que fiquei brava por uma hora. E quando fui demitida,
fiquei mais triste do que brava. As coisas eram substituíveis, entã o nã o
me preocupava em me apegar à s frustraçõ es.
Exceto que, toda vez que eu via Dex, algo feio se agitava no meu
peito.
Eu só me permitia olhá -lo abaixo do rosto quando ele passava, e com
isso quero dizer que, independentemente de ele ser um idiota ou nã o,
considerei olhar para suas tatuagens ― e seu corpo ― como uma liçã o
de aprendizado sobre tatuagens. Sabe, pesquisa ocupacional e tudo
mais. Depois de uma observaçã o ocasional e atenta, consegui descobrir
que suas mangas de tatuagem eram completamente opostas.
O braço direito era uma cobertura só lida de tinta preta, quebrada
por uma espiral de ladrilhos retangulares cercados por dois
centímetros dos mais belos contornos de flores em preto, cinza e do seu
tom de pele. Fora das flores, era uma tinta preta só lida e quase
reluzente que fazia meu braço doer só de olhar.
O outro era tã o colorido quanto eu achava que um cara que usava
camisa preta três dias seguidos poderia ser. Tentar ser discreta nã o era
exatamente um forte meu, entã o o que consegui distinguir foram os
traços do que parecia ser uma asa preta que envolvia seu bíceps e a
parte superior do antebraço, com os triâ ngulos vermelhos, azuis e cinza
mais vívidos, que se agrupavam no ombro e vinham a desaparecer em
direçã o ao pulso.
Nã o ia mentir. As tatuagens em seus braços, as ú nicas que eu
conseguia ver, mas tinha a sensaçã o de que eram apenas o começo,
eram realmente sexy. E quero dizer muito sexy mesmo.
Mas nã o importava o quanto suas tattoos fossem sexy ou como seus
bíceps ficassem definidos quando ele estava com uma má quina de
tatuar na pele de alguém, ou mesmo quando estava apenas parado com
os braços cruzados sobre o peito enquanto eu tentava o meu melhor
para ignorá -lo ― Dex, meu chefe, era um otá rio. E eu nã o ia fingir que
sua babaquice nã o me incomodava. Eu nã o o tinha visto esboçar um
ú nico sorriso ou dizer algo legal para ninguém além dos seus clientes.
Era como se Blake e eu nã o existíssemos, mas especialmente eu.
Na frente dos clientes, ele era relaxado e descontraído. Uma pessoa
completamente diferente. Se eu nã o tivesse já de cabeça nesse
pensamento de que nã o gostava de absolutamente nada nele, as coisas
que ele dizia aleatoriamente teriam me feito rir.
Mas nã o me permiti.
Entã o, na minha cabeça, fazia sentido que meu dia de trabalho
tivesse sido gasto em A) ignorar Dex, B) evitar Dex e C) conhecer meus
colegas de trabalho aos poucos.
Na breve ocasiã o em que nos falamos, olhei para sua orelha direita.
Outra vez, olhei para a esquerda. Entã o me concentrei na pequena e
quase imperceptível cicatriz que ele tinha na sobrancelha, porque nã o
suportava olhar para o rosto dele sem que meus batimentos cardíacos
acelerassem. Meu coraçã o era um traidor.
Culpei minha menstruaçã o. Estava chegando e fazia meus hormô nios
ficarem fora de controle. É verdade. Nã o tinha nada a ver com sua
mandíbula ou o fato de que eu podia ver o contorno dos seus mú sculos
laterais através da camiseta quando ele se inclinava sobre a minha
mesa para digitar algo no computador. Eram meus hormô nios malucos.
Juro.
Talvez fosse infantil da minha parte, mas nã o podia evitar. Eu tinha
esperança de que, com o tempo, esqueceria o que tinha ouvido. Mas,
obviamente, levaria algum tempo para superar os acontecimentos e eu
nã o estava com vontade de apressar as coisas com minha TPM a
caminho e tudo o mais.
E, em dado momento, calculei que provavelmente estaria mais perto
da aposentadoria antes de conseguir purgar aquele episó dio do meu
cérebro.
Em vez disso, me concentrei em tentar encontrar outro emprego. O
que tinha sido inú til. Tudo o que eu encontrava ficava muito longe ou
nã o pagava o suficiente. Tudo o que isso significava era que eu
precisava procurar mais para encontrar outro lugar para trabalhar.
O que nã o estava esperando era o quanto ia gostar dos outros dois
tatuadores que trabalhavam ao lado de Blake e do Babaca. Magrã o era
um ruivo bonito, magro e alto que me cumprimentava calorosamente.
Ele era superfofo e extrovertido. Blue, a outra artista, era uma mulher
alguns anos mais velha que eu, com mechas rosa no cabelo e falava tã o
baixo que tive a sensaçã o de que aprenderia a ler lá bios antes de parar
para entender o que ela estava dizendo.
A ú nica coisa que me permiti pensar foi em Dex, o Babaca, e o fato de
que eu estava tentando descobrir como as coisas funcionavam para nã o
pedir ajuda a ele.
Maldito chato de galocha.
Era fá cil fingir que ele nã o existia durante o dia antes do trabalho. Eu
me mantinha ocupada limpando a casa de Sonny devagar, com cuidado
e completamente. Acho que a ú ltima vez que alguém havia tirado o pó
da casa dele tinha sido antes dele comprá -la. A poeira, os DVDs
desorganizados e as roupas espalhadas aleatoriamente perturbavam
minhas tendências obsessivas de limpeza.
Meu dia na Pins havia, pelo menos, ao mesmo tempo em que me
fazia passar uma vergonha desgraçada, amolecido meu coraçã o para as
pessoas com quem eu trabalharia até encontrar outro emprego. Magrã o
havia terminado com um cliente quando se sentou na beirada da minha
mesa, cruzando uma perna sobre a outra como eu o via fazer enquanto
estava sentado sozinho em sua estaçã o de trabalho. Eu gostava dessa
coisa de cruzar a perna que ele fazia.
— Iris, né? — ele perguntou.
Balancei a cabeça em confirmaçã o, sorrindo apenas um pouquinho.
— Isso.
— Primeira vez trabalhando em um estú dio de tatuagem? — Ele
passou a mã o sobre o cabelo ruivo meio comprido que ondulava nas
pontas.
Por alguma estranha razã o, me senti confortável com esse cara desde
o início e podia ter sido pelo cabelo ruivo natural e bagunçado, pelo raio
do Harry Potter que ele tinha tatuado bem atrá s da orelha ou o fato de
que cruzava as pernas, mas nã o tenho certeza, entã o comecei a
tagarelar.
— Minha quarta vez dentro de um estú dio de tatuagem, mas nã o
conte a ninguém. — Arregalei os olhos.
Ele respirou fundo e, se nã o fosse pelo seu sorriso divertido, eu teria
me preocupado que ele pensasse que eu era um fracasso ou algo assim.
— Sem zoeira?
— Sem zoeira.
Magrã o tinha mudado a posiçã o dos quadris para me encarar de
forma mais confortável, uma perna ainda jogada sobre a outra, a
tatuagem de carpa no antebraço bem na frente do meu rosto.
— Nenhuma tattoo?
Balancei a cabeça, um pouco envergonhada.
— Piercings?
Meu rosto ardeu, mas balancei a cabeça mesmo assim.
— Brincos normais no ló bulo e na cartilagem contam?
Seu sorriso se abriu tanto que pensei que seria doloroso.
— Você está brincando.
— Nã o estou. — O sorriso contagiante me contaminou. — Quantos
você tem?
— Nã o muitos. — Magrã o apontou para os alargadores nas orelhas.
— Dois. — Ele mostrou a língua. — Três. — Felizmente, ele só apontou
para o lado direito do peito. — Quatro.
Meus olhos se arregalaram.
— Blake! Quantos piercings você tem? — ele gritou, tentando
chamar a atençã o de Blake, do outro lado da divisó ria.
— Sete!
Magrã o assentiu.
— Blue nã o conta, porque ela tem pelo menos dez, e acho que Dex só
tem três agora. — Ele inclinou o queixo para cima, dando-me um
sorriso provocador. — Você deveria pensar em fazer um. — Ele hesitou
por um instante. — Ou três.
Coloquei minhas palmas para cima e dei de ombros.
— Pode ser. — Quase disse a ele que estava pensando em fazer
alguma coisa, mas mantive a boca fechada.
Ele se levantou devagar, batendo no bolso de trá s.
— Vou pegar um sanduíche na lanchonete aqui do lado. Quer alguma
coisa?
— Nã o, obrigada. — Que cara legal.
— Blake, você quer alguma coisa da Sal’s? — ele perguntou.
— Quinze centímetros. — Foi sua resposta inicial antes de
acrescentar algo como: “Salame”, no final do seu pedido.
Nã o ouvi essa parte porque foi quando eu fiz aquilo.
Nã o deveria ter ficado surpresa. Eu tinha o pior há bito do universo
de apenas deixar escapar merda da minha boca sem pensar. Gostava de
culpar o fato de que minha mã e, irmã o e minha yia-yia eram
iguaizinhos. Cacete, até Sonny dizia o que vinha à mente, e ele nem
estava do lado certo da família.
Algumas famílias transmitiam características como problemas de
visã o, calvície, coisas assim. O lado da família da minha mã e transmitia
diarreia bucal. Some a isso o fato de que Will e eu costumávamos pegar
um ao outro contando a mesma piada sempre que tínhamos chance, e
isso era inevitável.
Entã o deixei escapar a porcaria mais idiota que eu poderia ter dito
em uma mistura de uma risadinha e uma risada divertida que todos na
sala podiam ouvir. Foi instinto.
— Isso foi o que ela disse.
Silêncio.
Seguiu-se um maldito silêncio.
Três segundos de silêncio encheram o estú dio. Mesmo o zumbido
baixo das má quinas de tatuagem estava estranhamente ausente na
sequência das minhas palavras.
E entã o todos eles ― Magrã o, Blake, Blue e o cliente na estaçã o de
Blue ― começaram a rir e berrar. Rir e berrar ao mesmo tempo.
Droga.
Blake pressionou a testa contra a divisó ria e seus ombros tremiam.
Enquanto isso, Magrã o cobria o rosto com as duas mã os delgadas de
artista e seu peito vibrava.
— Isso realmente saiu da sua boca ou estou imaginando?
Encostei a cara na mesa.
— Ai, Deus, me desculpe, Blake — murmurei. — Apenas… saiu.
— Ela te pegou de jeito — um deles gritou antes de fazer um barulho
que soou como um berro ao se dissolver em uma gargalhada.
— De que porra vocês estã o rindo? — aquela voz meló dica
perguntou de algum lugar atrá s de mim.
Eu nã o tinha coragem de olhar para cima porque estava mortificada.
Mortificada porque eu era A) uma idiota, B) uma idiota e C) uma
idiota. Eu nã o conhecia esses caras e isso tinha sido meio de baixo
calã o, né?
Felizmente, Magrã o conseguiu falar alguma coisa quando Blake
começou a rir ainda mais alto.
— Blake… Iris… quinze centímetros — ele ofegou.
Inclinei a cabeça para lançar a Magrã o o olhar mais fulminante do
mundo. Eu provavelmente parecia mais constipada do que louca.
— Eu já pedi desculpa.
— O que foi? — Dex insistiu.
Alguém deu um tapinha na minha cabeça, que ainda era amigável, já
que eu estava com a cara na madeira preta envernizada.
— Fale para ele o que você disse — Magrã o me pediu. — É mais
engraçado se você falar.
Eu gemi.
— Algum de vocês só me conte o que é tã o engraçado. Nã o preciso
ouvir a histó ria da sua vida — grunhiu o Babaca.
Com um suspiro longo e divertido, Magrã o repetiu o incidente, rindo
desde o início do pedido de quinze centímetros.
Os quatro originais começaram a rir muito alto de novo, o que me fez
rir de novo também, porque, o que eu poderia fazer? Chorar? Talvez.
A essa altura, Magrã o e Blake estavam ofegantes, mesmo quando
ouvi o zumbido constante da má quina de tatuagem começar de novo.
— Ritz? O que você disse? — Dex perguntou em um tom exasperado
que soava exatamente como o que ele usara quando pedi ajuda no meu
segundo dia.
A lembrança das suas palavras no dia anterior me esfriou. Fiquei
só bria em segundos, piscando para afastar as lá grimas de vergonha que
surgiram quando comecei a rir do meu comentá rio idiota.
— Foi inapropriado, desculpe por falar aquilo — respondi ao meu
chefe, desviando os olhos para o rosto ainda coberto de Magrã o.
— Só me fale o que você disse, porra. Estou morrendo aqui — ele
praguejou, os contornos das suas palavras soando mais curiosas do que
raivosas.
Bem, que se dane. Se ele ia me demitir por fazer uma piada do tipo
“isso foi o que ela disse”, que assim fosse. Se eu precisasse dizer piadas
idiotas para fazer com que o Babaca me dispensasse daquele trabalho,
entã o seria uma perda que eu sofreria para o Time Iris. Eu só esperava
já ter outro emprego antes disso.
Meus olhos subiram para pousar na barba curta e escura em seu
queixo. Naqueles dois segundos em que eu estava olhando para o rosto
dele, deduzi que seus pelos faciais eram do mesmo preto retinto do seu
cabelo. O que era legal, até você descobrir que ele era um grande
imbecil.
— Eu disse ao Blake que isso foi o que ela disse. — Ele piscou. —
Você sabe, sobre querer quinze centímetros — falei aos sussurros,
disparando um olhar para meu colega ruivo por me jogar na cova dos
leõ es e me fazendo falar com meu arqui-inimigo.
Mas Dex nã o disse nada em resposta.
Claro que ele nã o tinha senso de humor. Acho que nã o era possível
você ter senso de humor se nã o tivesse alma. O pensamento quase me
fez rir.
Ele apenas me encarou por um longo momento, seu olhar intenso e
desarmante. Aqueles olhos azuis permaneceram no meu rosto antes de
ele dizer a Magrã o para ir limpar a estaçã o dele para que pudéssemos
dar o fora de lá o mais rá pido possível. No minuto em que essas
palavras saíram da sua boca, senti que Blake também havia se
mandado.
Desde aquela pequena conversa, ele nã o tinha se aventurado a mais
do que quatro palavras de cada vez comigo, até sexta-feira.
Passava um pouco das cinco da tarde e o estú dio estava um
cemitério. Nã o havia nenhum agendamento até as oito da noite, entã o
eu nã o esperava que nenhum cliente chegasse até muito mais tarde.
Comecei a vasculhar os catá logos que encontrei nas gavetas da
escrivaninha, tentando me familiarizar com os equipamentos. Quem, de
fato, apareceu foram dois motoqueiros que pararam no estacionamento
da rua como se fossem donos da avenida onde ficava o prédio. Vestindo
coletes de couro preto com muitos apliques costurados, talvez na casa
dos trinta e tantos ou quarenta e poucos anos, e ambos com barbas que
nã o estavam para brincadeira, eles entraram todos cheios de si e
começaram a olhar em volta logo de cara.
Membros da MCFV.
— Oi! — exclamei para eles.
Um deles, o mais velho, com uma barriga que tinha uma relaçã o
monogâ mica com engradados de cerveja, ergueu o queixo para mim.
— Dex está aqui?
Fiz que sim.
O outro motoqueiro, muito atraente à sua maneira com o cabelo
escuro puxado para trá s em um rabo de cavalo curto, piscou para mim.
Tive a sensaçã o de que ele era o mesmo cara com quem Dex estava
discutindo no bar no meu primeiro dia na cidade.
— Pode ir lá chamar ele para nó s, querida?
Desejei que nã o fosse o Babaca, dentre todas as pessoas que eles
poderiam estar procurando, mas assenti de qualquer maneira e segui
pelo corredor. Quando Dex estava no trabalho, eu ficava na recepçã o
para que ele pudesse usar o escritó rio. Era só quando ele nã o estava
por perto ou se estava ocupado com um cliente que eu me esgueirava
para fazer o que fosse necessá rio naquele dia, em paz e sossego. O que
significava que eu nã o tinha ideia do que estava fazendo e tentei agir de
improviso.
Felizmente, Dex estava saindo do escritó rio antes que eu chegasse.
Meu foco se concentrou em seu cabelo tã o-preto-que-era-quase-azul
e que caía por baixo da borda do boné dos Rangers que ele usava.
— Tem duas pessoas lá na frente perguntando por você.
— Eu vi na câ mera — ele me informou. Eu nem sabia que havia uma
câ mera na recepçã o. Dex me entregou um grande envelope pardo que
tinha debaixo do braço. — Me faça um favor. Leve isso na oficina ali na
esquina, tá ?
Sonny! Eu ainda nã o tinha passado lá , e ele também nã o tinha
passado aqui. Mas isso nã o importava. Ele me mandava mensagens pelo
menos uma vez por dia para se certificar de que eu estava viva e nã o
havia me perdido ou sido sequestrada na minha nova cidade.
Devo ter pensado muito em ir até a oficina porque Dex pigarreou,
erguendo uma sobrancelha grossa. Esse cara realmente achava que eu
era uma imbecil.
Eu nã o ia deixar transparecer para ele que estava animada para ver
Sonny ao cumprir a tarefa, entã o fiz que sim olhando para o cabelo dele.
— Claro.
— Você sabe onde é? — ele me perguntou.
A raiva subiu pelos mú sculos verticais da minha garganta.
— Sim, eu sei. — E entã o murmurei: — Nã o sou completamente
burra.
Ele nã o disse nada enquanto eu pegava o envelope da sua mã o,
mantendo os olhos em todos os lugares, menos no seu rosto. Sem me
preocupar em dizer mais nada a ele, me virei para caminhar pelo
corredor.
— Entregue na mã o do Luther, flor — ele gritou atrá s de mim.
Flor. Grr.
Era algo que até entã o eu só o ouvia me chamar quando nã o estava
se referindo a mim como Ritz. Nos ú ltimos dois dias, ele havia atendido
outras mulheres, mas se referia a elas estritamente pelo primeiro nome
ou por “querida”. Em circunstâ ncias normais, eu teria achado fofo, mas
esse era Dex, o Babaca, entã o automaticamente se classificava como
linguagem de babaquice.
De qualquer maneira, ele poderia enfiar sua gentileza no rabo
enquanto eu atravessava a rua. Eu nã o tinha ideia de quem Luther era,
mas Sonny saberia.
Dex caminhava apenas alguns metros atrá s de mim, seus passos
pesados ― das botas pretas de motoqueiro que notei que ele usava
diariamente ― ecoando no chã o de ladrilhos onde minhas sapatilhas
nã o faziam barulho.
O Motoqueiro Sujo piscou para mim quando passei por ele. Corei um
pouco, mas pisquei de volta e saí pela porta, passando antes que os dois
homens começassem a falar com o Babaca.
Era praticamente impossível nã o me sentir aliviada ao ver meu ú nico
amigo de verdade/irmã o em Austin durante o dia. Eu estava saindo do
trabalho tã o tarde que só conseguíamos conversar por alguns minutos
antes que ele desmaiasse no sofá ou me desse boa-noite se nã o ficasse
acordado assistindo televisã o enquanto eu comia. Eu nã o tinha ideia de
que horas ele acordava e, para ser sincera, achava que era muito cedo,
embora ele fosse para a cama muito mais tarde do que eu teria ido se a
situaçã o fosse invertida.
Eu estava parando o carro no estacionamento havia dias, mas nã o
tinha prestado atençã o suficiente para ver como o estú dio era grande. O
que teria sido meu sinal, enquanto eu caminhava até a oficina, sobre o
tamanho da propriedade. A proporçã o era de cerca de cinco para um.
E era propriedade de um membro do MC, Sonny havia explicado no
passado.
A oficina poderia abrigar oito carros. Havia outro prédio adjacente a
ela. Um que se parecia exatamente com o principal, menos as baias,
provavelmente um escritó rio e uma á rea de recepçã o.
Assim que pisei no estacionamento, vi Sonny parado na terceira baia
aberta a partir do portã o. Quando tomei meu rumo em sua direçã o, sua
atençã o disparou para mim ao mesmo tempo em que vi alguns caras
com o mesmo macacã o que ele usava olhando para mim.
Fiz um “aceno de princesa” para ele ― com a mã o em concha girando
na linha do pulso ― antes de gritar:
— Oiê!
Mas Sonny, que tinha me dado a impressã o de que nã o ligava a
mínima para o que os outros pensavam quando o vi sair de casa apenas
de cueca certa manhã , quando me levantei para fazer xixi, deu para
mim aquele sorriso rá pido e aberto antes de vir andando na minha
direçã o também.
— Ris, o que você está fazendo aqui?
— Eu tenho que entregar isso para alguém chamado Luther. —
Segurei o envelope diante do seu rosto. — Nã o que nã o seja bom ver
você, ou que eu nã o tenha planejado vir te visitar, já que trabalhamos,
tipo, um do lado do outro.
Ele me lançou um sorriso fá cil antes de olhar para o envelope.
— Isso é do Dex?
— Ele me pediu para entregar — eu o informei, orgulhosa de mim
mesma por nã o ter chamado Dex de babaca quando tive a chance.
— Ele ainda está te zoando?
Balancei a cabeça.
— Ele só finge que nã o existo e vou errando as coisas porque nã o
pergunto.
Ele riu sem humor.
— Boa menina. — Sonny olhou por cima do ombro, examinando as
baias abertas restantes na lateral do prédio depois de lançar um olhar
para alguns dos funcioná rios que olhavam em nossa direçã o. — Procure
o Trip. Ele provavelmente está no ú ltimo elevador com ele.
Agradeci antes de me lembrar do que vinha adiando havia dias.
— Sempre me esqueço de perguntar: você sabe onde posso trocar o
ó leo bem barato?
Aqueles olhos castanho-esverdeados ficaram vazios.
— Está falando sério?
— Nã o, você sabe que só gosto de fazer piadas sobre conserto de
carros.
— Você é um pé no saco, garotinha. — Ele soltou um suspiro
profundo, colocando a mã o em cima da minha cabeça e sacudindo-a. —
Ris, eu sou mecâ nico. — Eu sabia disso, mas isso nã o significava que
queria explorá -lo pedindo favores. — A gente vem amanhã e eu troco
para você.
— Aqui?
— Aqui — ele confirmou. — Aliá s, você também precisa fazer o
rodízio dos pneus. Posso fazer isso mais rá pido aqui.
Sorri para ele.
— Combinado. Fico te devendo. — Por um monte de coisas, mas eu
nã o tinha dú vidas de que ele absolutamente nã o estava contabilizando.
Com um leve tapa em seu ombro, eu disse a Sonny que o veria mais
tarde e atravessei o pá tio até a ú ltima baia aberta. Havia duas Harleys
estacionadas lá dentro com Trip e um homem de aparência mais velha,
com o que antes era cabelo castanho e que agora estava com mechas
grisalhas, parados juntos e conversando em voz baixa.
Decidindo ser sem educaçã o em vez de intrometida, pigarreei e
forcei um sorriso.
— Com licença! — gritei para eles.
Trip se virou, sua expressã o sufocada em frustraçã o e o que achei
que poderia ser raiva no início, antes que ele me visse.
— Oi, gata — ele murmurou com um aceno de cabeça, enquanto o
homem mais velho voltava sua atençã o para mim também.
O homem parecia ter quase cinquenta anos, rosto envelhecido,
expressã o me dizendo que ele nã o era muito sorridente, ao contrá rio do
seu companheiro mais jovem. Ele usava jeans manchados de graxa, uma
camiseta que já tinha sido branca e um colete de couro desgastado com
vá rios apliques bordados. O colete do Fá brica de Viú vas ― ou cuts, como
Sonny me corrigiu no Mayhem na minha primeira noite.
Achei que provavelmente nã o deveria perder meu tempo com base
no fato de que ele nã o parecia feliz em me ver e provavelmente nã o
parecia feliz em ver ninguém, ponto final. Nunca. Movendo meu foco de
um lado para o outro entre Trip e o homem que presumi ser Luther,
levantei o envelope.
— Estou procurando o Luther.
O velho deu três passos na minha direçã o, pegou o envelope com um
grunhido de “Valeu” e se virou para abri-lo, protegendo-me do seu
conteú do.
Trip e eu nos entreolhamos e demos de ombros.
— Te vejo mais tarde — eu disse a Trip, que parecia ainda mais
atraente durante o dia do que quando o vi à noite na semana anterior.
Na luz natural, meu palpite era que ele provavelmente tinha alguns
anos a mais do que meus vinte e quatro. Ele usava a mesma roupa que
Luther e os outros dois caras na oficina, exceto que sua camiseta era
preta e o jeans parecia bem novo.
Trip era bonito pra caramba. Pernas longas. Belo cavanhaque loiro-
claro. Sorriso fá cil.
Entã o eu soube, naquele momento, que realmente precisava me
mandar para o meu trabalho antes de pensar mais em como Trip era
legal e bonito. Porque entã o aquilo me lembrou como o meu chefe era
gostoso e idiota, e eu sabia que isso só me deixaria amarga.
Nã o, obrigada.
— Você vem para a festa amanhã , lindona? — ele perguntou quando
dei um passo para trá s.
— Vai ter festa?
Ele confirmou.
— Bem, isso é constrangedor. — Minhas sobrancelhas se ergueram.
Sussurrei: — Nã o fui convidada.
Trip riu.
— Você está convidada. Sonny só frequenta festas em um lugar, e é no
Clube. — Ele cruzou os braços à frente do peito e ergueu o queixo. —
Você tem que vir. Você tem isso no seu sangue.
Sonny havia usado exatamente essas palavras para me convencer a ir
ao Mayhem com ele na semana anterior. Você tem isso no seu sangue.
Entã o por que meus pais haviam me levado para a Fló rida?
— Eu e o seu garoto nã o vamos deixar ninguém mexer com você —
ele prometeu. — Você vem?
Que droga. Eu nã o saía fazia quase um ano, com exceçã o da ú ltima
ida ao Mayhem.
— Sim, claro.
Trip sorriu.
Olhando para o meu reló gio, suspirei. Fazia vinte minutos que eu
tinha saído do estú dio e a ú ltima coisa que queria era ter problemas
quando voltasse.
— Vejo você amanhã ?
Ele fez que sim, ainda sorrindo.
— Com certeza.
Acenando para Trip, continuei dando passos para trá s.
— Tchau, Trip.
Ele piscou para mim logo antes de eu acenar mais uma vez e
caminhar rapidamente pelo pá tio.
Avistei Sonny curvado na altura dos quadris com toda a parte
superior do corpo suspensa sobre o motor de um Chevy e, como nã o vi
Luther ― provavelmente o chefe ― por perto, gritei para ele:
— Até mais, Sonny!
Ele nã o se mexeu, mas o ouvi gritar atrá s de mim:
— Até, Ris!
Podia ser porque Trip era um cara bonito e sedutor, ou podia ser
porque Sonny estava muito além do que seria chamado de um meio-
irmã o que havia passado menos de um ano da sua vida total comigo,
mas sorri o tempo todo na curta caminhada para o trabalho.
— Você já pensou em fazer uma tatuagem? — Magrã o me perguntou.
Passava um pouco das dez. Blake estava trabalhando na mesma arte
havia duas horas e Blue tinha acabado de ficar ocupada com o piercing
na língua de uma garota bonita, mas que mal era maior de idade. Tive a
sensaçã o de que a garota ia se arrepender daquilo no dia seguinte, mas
mantive a boca fechada.
Regra nú mero um ao trabalhar em um estú dio de tatuagem, de
acordo com Blake: nã o dissuadir os clientes dos serviços, a menos que
sejam uma ideia muito, muito ruim. O que significava que eu realmente
precisava descobrir o que eles achavam que era uma má ideia. Talvez
uma tatuagem na cara?
Magrã o e eu havíamos trocado olhares arregalados quando Blue saiu
com a garota nervosa e nó s as seguimos com os olhos até que
desapareceram em uma das salas privadas. Mais cedo, uma mulher com
mais de trinta anos havia entrado pedindo para furar um mamilo. Blue
ficou na sala com ela por dez minutos quando um grito rasgou o
ambiente, assustando todos nó s. Foi um milagre que Dex nã o tivesse
estragado a tatuagem em que estava trabalhando porque eu arremessei
o mouse do computador pela sala em reaçã o.
Eu estava começando a chamar carinhosamente a sala privada de
“câ mara de tortura” na minha cabeça.
Acenei com a cabeça para Magrã o.
— Eu queria fazer uma tatuagem na lombar quando tinha dezoito
anos.
Ele levantou uma sobrancelha, incrédulo.
— Um carimbo de vagabunda? — O cara enunciou as palavras com
um pouco de cuidado demais.
Engraçadinho.
Por isso, ele ganhou um sorriso.
— Só para constar, eu nã o sabia que eram chamadas de carimbos de
vagabunda antes de querer fazer uma. — Dei a ele um olhar neutro. —
Eu só achava que eram legais.
— Legais? — Ele sorriu, ainda enunciando lentamente.
Eu repeti com um sorriso.
— Mas…? — Magrã o parou, procurando uma explicaçã o.
— Mas eu nã o conseguia pensar em nada que eu gostasse o
suficiente para tatuar em mim pelo resto da vida, sabe? — E descobri
duas semanas depois que precisaria de outra cirurgia, mas guardei essa
parte para mim.
Magrã o, que, pelo que eu tinha visto nos ú ltimos dias, era tatuado da
orelha aos pés, acenou com a cabeça em compreensã o.
— Elas viciam. Eu só ia fazer uma quando tivesse dezoito anos, e
entã o uma se transformou em duas e duas em três…
— E três em… — Abri meus dedos e os balancei. — … tudo?
Ele riu.
— Exatamente.
Eu entendia.
Praticamente noventa por cento da clientela que eu tinha visto
durante a semana eram clientes habituais. Basicamente já conheciam
um ou todos os tatuadores e, embora nem todos tivessem a mesma
quantidade de tattoos que os tatuadores, duas tatuagens eram mais do
que meu colossal zero.
E eles eram legais. Quase todo o trabalho agendado era com
desenhos originais, desenhados à mã o e transferidos. Essas pessoas
realmente eram obras de arte ou pelo menos obras de arte em
construçã o.
Pelo que eu tinha visto em tã o pouco tempo, as tatuagens nã o eram
apenas porcarias aleató rias das quais as pessoas se arrependeriam
quando fossem idosas. As artes que os clientes faziam pareciam ser
muito mais do que isso. Eram homenagens e declaraçõ es. Eram
manifestaçõ es de amor e dor. Letras e imagens, ícones e simbolismos,
pessoais e eternos.
Foi revelador para mim. As artes que eles criavam eram distintivos
de honra. Era impossível nã o ser sugada pela emoçã o que estava por
trá s da obra de arte.
Bem, pelo menos foi o que aconteceu com a maioria deles. Eu já
tinha visto um esboço de um pênis em chamas que tinha me feito
estremecer.
— Você tem uma pele ó tima. Seria uma tela perfeita. — Ele ergueu as
sobrancelhas antes de olhar para cima abruptamente e erguer o queixo,
ainda sorrindo, mas passando por mim. — Terminou de hibernar?
Fiquei tensa.
— Terminei com as três horas daquelas merdas financeiras do Clube
— aquela voz rouca e profunda que aprendi a associar com o humor
bom de Dex respondeu do que pareciam ser apenas alguns metros atrá s
de mim.
— Que bosta. — Magrã o fez uma careta.
— Acho que hoje a gente nã o vai ter mais nada. Ritz, você está livre
para ir para casa quando acabar, e Magrã o, limpe tudo, beleza? — Dex
disse.
Magrã o assentiu, pulou da beirada da minha mesa e caminhou em
direçã o aos fundos. Ouvi o som suave das botas de motoqueiro de Dex
se arrastando e me levantei. Eu já tinha limpado tudo cerca de trinta
minutos antes. As molduras, a mesa de centro, todas as superfícies
livres. Minhas tarefas do dia estavam prontas.
Blake olhou para mim ao fazer uma pequena pausa enquanto eu
jogava minha bolsa no ombro, entã o acenei para ele e murmurei:
— Até amanhã .
Ele fechou os olhos e acenou com a cabeça antes de eu sair do
estú dio.
A rua, geralmente cheia de trá fego de pedestres e automó veis
durante o dia, estava estranhamente silenciosa. Nã o havia nenhum
carro além dos dois clientes da Pins, e isso me assustou pra caramba.
Era como uma daquelas cenas de filmes de terror antes da heroína ser
perseguida por algum serial killer psicopata, mas conseguia sobreviver.
Sobreviver seminua, sei lá .
Instantaneamente, me arrependi de nã o ter pedido a um dos caras
para sair comigo, mas nã o queria pedir favores a eles. Eu nã o precisava
de babá e, além disso, nã o gostava de ser aquela típica garota carente.
Estava sozinha há anos. Poderia caminhar até o meu carro sozinha.
Respirando fundo, meus pés foram corajosos o suficiente para
descer a rua, passando pela imobiliá ria enquanto me convencia a nã o
olhar. A ú ltima coisa que eu precisava ou queria era ver um rosto
mascarado olhando para mim do outro lado.
Eu mal tinha chegado ao final da rua quando alguém gritou:
— Ei!
Em circunstâ ncias normais, se eu pensasse que poderia ser um
estranho em vez de alguém do estú dio me chamando, começaria a
correr. Mas nã o era. Levei um segundo naquela rua vazia para perceber
que era a voz profunda de Dex gritando.
— Espere aí!
Me forcei a me virar e vê-lo correndo.
— Oi?
Ele eliminou a distâ ncia entre nó s para parar a apenas meio metro
de mim.
— Que porra você está fazendo?
Eu pisquei. O quê?
— Você disse que eu poderia sair quando estivesse pronta. —
Pisquei novamente. — Eu estava pronta.
Os olhos incríveis de Dex, mesmo sob a luz fraca da rua que lançava
sombras nas sombras, pareciam incrédulos.
— Garota, eu disse que você poderia sair quando estivesse pronta,
mas nã o sozinha, caralho. Você nã o pode ficar andando por este lado da
cidade sozinha tã o tarde.
Esse homem tinha acabado de… me repreender?
E o que ele queria dizer com este lado da cidade? Esse lado da cidade
parecia bastante seguro.
— Meu carro está logo ali — falei, apontando na direçã o geral do
estacionamento pró ximo.
Dex deu de ombros.
— Você tem que ter algum senso de autopreservaçã o e tal, flor. Nã o
pode ficar andando por aqui sozinha.
— Está bem ali — repeti, apontando novamente. De verdade, estava
a trinta passos de distâ ncia.
— Quero que se foda — ele declarou. — Vamos, tenho um
estabelecimento para fechar. A ú ltima coisa de que preciso é o seu
maldito irmã o me ligando, comendo minhas bolas por causa de algo
que aconteça com você. — Dex envolveu seus dedos longos, nã o muito
finos, mas definitivamente mais viris no meu antebraço e me puxou
para o outro lado da rua.
Balancei o braço em seu aperto um pouco, apontando para o meu
carro com a mã o livre.
— Você já pode soltar meu braço. — Puxei de novo inutilmente, grata
por ele ter agarrado o braço bom. — Nã o preciso de uma babá , mas
aprecio o gesto — gemi baixinho, balançando o braço em sua mã o mais
uma vez.
— Obviamente você precisa de uma babá se for ficar andando por aí
sozinha tã o tarde, flor. — Ele balançou a cabeça, puxando-me nã o tã o
gentilmente ao redor do Nissan Frontier branco de Blake e em direçã o
ao meu velho Ford. — Burra pra caralho — ele sibilou baixinho.
Imbecil. Imbecil total.
— Eu nã o sou burra e nã o sou idiota pra caralho — rebati,
balançando meu braço novamente, mas ele nã o me soltou.
Ele nã o disse nada. O ú nico ruído que saiu do seu corpo foi uma
inspiraçã o profunda que era impossível nã o ouvir.
— Você pode, por favor, soltar meu braço agora? — Por que eu
estava dizendo por favor? Tentei sair do seu alcance, me sentindo uma
idiota por pedir permissã o para recuperar o controle do meu corpo. Eu
deveria ter apenas… exigido, droga.
— Nã o.
Sua resposta simples e curta me irritou.
— Nã o até que você esteja no carro — explicou Dex.
Puxei meu braço dos seus dedos.
— Solte. O. Meu. Braço. — Baixei a voz em um sussurro. — Se nã o….
Ele nã o precisava saber que o “se nã o” dependia de eu dar um tapa
em suas bolinhas com as costas da mã o.
Dex nã o respondeu e também nã o disse nada enquanto nos parava
na frente do meu Focus. Eu estava procurando as chaves na minha bolsa
no minuto em que meu braço ficou livre.
— Obrigada por me acompanhar — murmurei para ele, ainda
indignada. Ainda puta da vida. Ainda mantendo os olhos a um milhã o
de quilô metros de distâ ncia do rosto de Dex, o Babaca.
Você precisa do emprego.
Você precisa do emprego.
Você precisa do emprego.
Mas isso nã o significava que eu deveria me calar completamente.
Minha boca idiota continuou.
— Eu nã o sou burra o suficiente para deixar de prestar atençã o ao
meu redor, diga-se de passagem.
Bem, isso poderia ter sido muito pior.
Normalmente, eu teria ficado chocada com a raiva que senti de
repente. Era como se os dois dias trabalhando com esse idiota e os
ú ltimos dez anos da minha vida tivessem se juntado de repente em um
tsunami de ó dio que ameaçava afogar tudo no mundo. A Iris normal
teria e deveria ter continuado a ignorar Dex Locke. Fingir que suas
palavras nã o tinham me incomodado, mas essa Iris era uma vítima do
tsunami, aparentemente.
Ele nã o disse nada por um longo minuto, e uma mã o coberta de
tatuagens puxou a manga da sua camiseta de gola redonda. Sua camisa
cinza justa de gola redonda. Senhor. Era uma baita de uma injustiça.
Deveria ser um padrã o que homens atraentes fossem tã o bons por
dentro quanto eram por fora. Mas eles nã o eram e isso era uma droga.
— Ritz? — ele perguntou em um tom mais suave do que jamais
imaginei ouvir dele. O tom seco e entediado parecia ser um elemento
bá sico no uso das suas cordas vocais.
Eu gemi.
— Meu nome é…
— Ritz.
— Nã o — respondi para ele; bem, para o seu pescoço.
— Olhe para mim — disse ele, mas soou mais como uma ordem. Eu
nã o queria, e sabia que ele também sabia disso.
— Flor, olhe para mim — repetiu o comando, ainda com aquela voz
relaxada e casual.
Lentamente, como um caracol fazendo uma longa caminhada, revirei
os olhos para o rosto dele, observando a estrutura ó ssea impecável
olhando para mim do alto da pele do demô nio encarnado.
Quando meus olhos pousaram em seu azul mais azul, ele franziu a
testa. Aquele rosto bonito e anguloso se transformou em desprazer
desconfortável. Deveria ser uma surpresa que um olhar que lembrava
culpa parecesse tã o estranho para ele? Nã o.
— Relaxe, beleza?
Forcei aquele mesmo olhar que ele havia registrado no meu rosto.
Indiferente, simples e sem emoçã o.
— Tá bom.
— Você está mentindo.
Tentei dar um passo para trá s.
— Boa noite.
A mã o de Dex avançou para agarrar a bainha da minha camisa, me
parando.
— Ritz. — Seu tom era insistente.
— Esse nã o é o meu nome.
Ele escolheu ignorar esse comentá rio.
— Você vai olhar para mim ou nã o? — rosnou, exasperaçã o
pingando das suas palavras. Aquela voz suave desapareceu em um
instante.
Olhei para ele, mas senti que estava a um milhã o de quilô metros de
distâ ncia.
Dex eliminou a lacuna entre nó s, elevando-se sobre mim. Seus olhos
brilhantes procuraram meu rosto e descansaram na minha boca por um
breve momento antes de voltarem para os meus olhos.
— Son já me deu um sermã o.
Puxei meu braço.
— Boa noite.
— Flor — ele disse, puxando minha camisa de botã o. — Tenho um
temperamento ruim e aquele foi um péssimo dia para mim. Eu digo
coisas ruins quando estou puto.
Claro, porque era muito fá cil. Ele teve um dia de merda, entã o podia
me xingar pelas costas. Certo. Faz todo sentido. Só que não.
Babaca.
Apenas olhei para ele.
— Só deixe para lá , ok? Isso me deixa louco, você nã o me olhar nos
olhos — ele sussurrou. — Nã o curto essa merda esquisita, flor.
— Se eu te olhar de agora em diante, você me deixa em paz? —
perguntei em um sussurro.
Algo se fechou em seus olhos.
— Você nã o vai deixar aquilo passar?
Meu peito queimou com raiva. Ser demitida seria melhor do que
pedir demissã o se eu estivesse me defendendo, nã o é? Sonny era meu
irmã o, ele entenderia em um piscar de olhos se eu explicasse. Depois
disso, alguns joelhos seriam quebrados.
Sempre havia o emprego no maldito clube de strip. Senhor.
Reordenando minhas feiçõ es, me inclinei para a frente para reduzir a
curta distâ ncia entre nó s a um tamanho microscó pico, apesar da
diferença de altura de quase vinte centímetros.
— Nã o é todo dia que alguém que nã o conheço me chama de idiota
do caralho e depois insulta minhas roupas e meu gerenciamento de
tempo. — Olhei-o bem nos olhos, nã o me importando que ele
estremecesse. — Eu diria que sinto muito por ter que pedir sua ajuda e
que nã o posso fingir que você nã o me magoou, mas nã o vou fazer isso.
Se você tivesse me mostrado um pouco mais devagar o que fazer ou nã o
revirasse os olhos toda vez que eu anotasse algo no meu caderno, eu
nã o precisaria. Nã o sou burra nem idiota ou uma imbecil ou qualquer
outra coisa de que você me chamou. — Com toda a sinceridade, eu nã o
pretendia dizer que ele havia me magoado, mas uma vez que as
palavras foram ditas para o universo, estava tudo na mesa. Qualquer
que fosse o resultado. Eu nã o poderia retirar o que havia dito, entã o
tinha que assumir minhas palavras. — E agora, só estou chateada e
quero ir para casa.
E Dex apenas olhou para mim com aquelas íris do mesmo tom do giz
de cera.
— Você nã o sabe o que é ter um dia de merda, princesa?
Princesa?
Princesa?
Esse imbecil ordiná rio nã o fazia ideia.
Respirei fundo, me fortalecendo em preparaçã o. Eu nã o ia ser um
saco de pancadas outra vez. Nem. Pensar. Caramba. Estava no meu
limite. Se eu pudesse ser demitida, seria melhor do que pedir as contas.
Entã o expus a ele da forma mais educada que consegui:
— Quando eu tenho dias ruins, princesa — sussurrei, optando no
ú ltimo minuto por deixar de fora o “Duque da Babacolâ ndia” que estava
na ponta da minha língua —, eu choro. Eu leio. Eu limpo. Eu como
porcaria. Eu nado ou faço jardinagem. Eu nã o faço as pessoas se
sentirem um lixo, vossa alteza real.
— Tem certeza de que isso nã o vai te causar problemas?
A parte superior do corpo de Sonny havia desaparecido sob o carro
minutos antes, juntamente com ferramentas e uma bacia. Eu me sentei
em cima de um pneu encostado ao lado da baia em que ele trabalhava
na oficina, observando-o porque nã o tinha ideia de como ajudar.
— Está tudo bem, Ris. Confie em mim.
Bem, que merda.
A oficina fechava aos sá bados; havia uma placa muito clara no portã o
pelo qual havíamos passado. Pessoalmente, eu preferia nã o ser presa
por invasã o de propriedade, mas Sonny nã o parecia preocupado nem
um centésimo de fraçã o de coisa nenhuma com isso. Além do mais, vi
três motos e dois carros estacionados ao lado do grande prédio
adjacente à s baias, entã o imaginei que nã o estávamos sozinhos ou que
alguém estivesse usando o espaço como estacionamento.
Só que eu nã o tinha certeza se isso era bom ou nã o.
— Você confia em mim, nã o é? — ele perguntou com uma voz
provocante quando nã o respondi.
— Nã o. — Estendi a perna para cutucar seu joelho com a ponta do
pé. — Sim.
Porque eu confiava. Muito. Sonny nunca me decepcionava quando
sabia que eu precisava dele.
Independentemente disso, eu ainda nã o queria arriscar que ele
perdesse o emprego porque eu nã o tinha condiçõ es de trocar meu
pró prio ó leo.
— Tem certeza absoluta? — insisti.
Um trapo azul sujo voou pelo ar e me acertou no rosto.
— Pare de perguntar.
— Nossa — murmurei, mas fiz uma careta e peguei o pano com o
dedo indicador e o polegar antes de jogá -lo de volta para ele.
Ele trabalhou em silêncio por alguns minutos, o som de metal contra
metal e pingo, pingo, pingo preenchendo o silêncio antes de ele falar
novamente.
— O aniversá rio da sua mã e nã o foi no mês passado? — ele indagou
com a voz abafada.
Congelei, consumida pelo fato de que ele se lembrava da data.
Mas tã o depressa quanto meu apreço por ele explodiu, um
sentimento distante, porém familiar, ao mesmo tempo premente e
pesado, nadou no meu estô mago. Era desajeitado, com um formato
irregular, mas depois de um segundo desapareceu como sempre tinha
acontecido no passado. Lambi os lá bios e me concentrei em responder
a ele.
— Sim. Foi. — Oito anos haviam se passado desde que minha mã e
tinha morrido e, em vez disso, parecia algo que acontecera duas vidas
atrá s. O que era bom, pensei. Will e minha yia-yia também
concordariam.
Levei anos para superar meu pai ter ido embora. Anos de choro,
sofrimento e de sentir que o buraco que sua ausência havia deixado na
minha vida nunca ia desaparecer. Aos dez anos, é insondável que o pai
que você ama e adora simplesmente… vá embora. No momento em que
ele apareceu de novo quando minha mã e ficou doente, eu tinha passado
de chateada para totalmente furiosa.
Quando precisei dele antes, ele havia desaparecido da face da Terra.
Nem mesmo Sonny o tinha visto ou ouvido falar dele.
Eu até o culpei por um tempo pelo que aconteceu com minha mã e.
Talvez, se ela nã o o amasse tanto, e depois tivesse sido deixada sozinha
com dois filhos, fazendo malabarismos com dois empregos, ela poderia
estar bem.
Mas ela nã o estava. Ela havia morrido e nos deixado com minha yia-
yia malucona que fazia o baklava mais incrível… no café da manhã .
Papai estava vivo, mas ele tinha se tornado um sonho perdido havia
muito tempo. Um sonho perdido havia tanto tempo que se transformou
em fumaça e cinzas logo depois que mamã e foi enterrada.
Mas Will estava lá . E sem Will, que precisava de mim para continuar,
eu nã o teria passado por aqueles meses flutuantes e desastrosos que
haviam arruinado qualquer chance de eu tirar notas boas o suficiente
para conseguir bolsas de estudos. Bolsas de estudos para as quais eu
deveria ter sido enxotada se tivesse lançado A Questã o do Braço, mas
nem isso poderia compensar minhas notas de merda e sem entusiasmo.
— Quanto mais velha você fica, mais se parece com ela — Sonny
observou, tirando-me dos pensamentos.
Minha yia-yia e Will diziam a mesma coisa.
— Sim, é meio assustador. — Mamã e e eu tínhamos o mesmo cabelo
preto. Tínhamos o mesmo nariz comum, a mesma boca pequena e o
lá bio inferior ligeiramente mais cheio. Nosso tipo físico também era o
mesmo, pelo que me lembrava. Mamã e era alta e magra e, embora eu
nã o fosse tã o comprida quanto ela, com um metro e setenta, eu também
nã o era exatamente baixa.
Eu tinha puxado à minha mã e. Os olhares, a impulsividade, o
temperamento, quase tudo. Meu irmã o, como Sonny, era uma imagem
espelhada do nosso pai, enquanto eu era nossa mã e todinha.
Sonny saiu de debaixo do meu carro, limpando as mã os no trapo que
eu tinha jogado de volta. Ele estendeu a mã o e deu um tapinha no topo
do meu tênis de corrida, seus olhos calorosos.
— É uma coisa boa. Também puxei mais para a minha mã e. — Ele
fechou os olhos e soltou um longo suspiro. — Graças a Deus, porra.
Isso era uma mentira descarada. Ele se parecia muito com o nosso
pai, mas eu nã o ia estragar o clima afirmando o que parecia tã o ó bvio
para mim.
— Você tem mesmo uns traços de menina — eu disse a ele com um
sorriso, querendo me afastar da conversa sobre a minha mã e.
Sonny riu e sentou-se.
— Idiota. — Com um aceno de cabeça, algo atrá s de mim chamou sua
atençã o, fazendo seus olhos se estreitarem. E como sou intrometida, me
virei para ver o que ele estava olhando.
Dex.
Ao entrar no estacionamento, seu cabelo preto curto despontava em
dez direçõ es diferentes. Jeans amassados e uma camiseta azul
igualmente amassada finalizavam seu conjunto obviamente de quem
acabava de cair da cama. Mas o que me chamou a atençã o, e o que
também deve ter chamado a de Sonny, foi a loira ao lado dele. Uma
mulher loira com um vestido muito amassado que gritava que ela nã o
se opunha a carícias em pú blico. E nã o era a mesma mulher com quem
eu o tinha visto duas semanas antes.
Dex parou a poucos metros de um Hyundai estacionado em frente ao
escritó rio. Foi uma atraçã o magnética que me manteve observando-o
dar um beijo rá pido na boca dela antes de lhe dar um tapa na bunda
enquanto ela percorria o curto trajeto em direçã o ao carro e entrava.
Cara nojento.
— Aquele filho da puta — Sonny murmurou, balançando a cabeça
com incredulidade.
Meus olhos foram do meu irmã o para o meu chefe, que estava de
costas para sua garota, completamente desinteressado. Sonny nã o
parecia irritado, mas aborrecido, e isso me assustou.
— Por favor, me diga que nã o era sua namorada.
Os olhos castanho-esverdeados encontraram os meus, arregalados
de diversã o.
— De jeito nenhum. Acho que Becky nem sabe escrever a palavra
namorada, Ris. — Sonny olhou para além de mim outra vez. — Mas
aquele filho da puta está sempre falando merda sobre como nã o ia
transar com ela porque ela já pegou metade do Clube.
— Ah. — Ele nã o me pareceu o tipo exigente, mas, por outro lado,
acho que ele realmente nã o era, se nã o conseguia manter sua palavra.
Olhei para trá s, por cima do ombro, para ver que o Hyundai havia
sumido e… surpresa! Dex estava andando na direçã o da baia aberta em
que estávamos. Ó bvio. Era a ú nica aberta. Ignorei a sensaçã o estranha
no meu peito ao vê-lo dar aqueles longos passos em nossa direçã o.
— Bom, você sabe que nã o sei quebrar ninguém — falei —, mas eu
tentaria o meu má ximo se ela estivesse galinhando por aí.
Sonny jogou a cabeça para trá s e bufou.
— É a intençã o que conta.
Sorri para ele, estendendo as pernas na minha frente outra vez para
chutar seu sapato.
Ele riu mais uma vez, mas, desta, manteve o olhar na figura de Dex,
que se aproximava.
— Bem, se nã o é meu hipó crita favorito — Sonny cumprimentou
meu chefe.
— Vá se foder — Dex retrucou a alguns metros de distâ ncia.
— Becky? — Sonny balançou a cabeça. — De todas as boc… — ele
olhou para mim — … mulheres no bar, você levou a porra da Becky lá
para cima?
Fiquei surpresa por meu chefe nã o ter mostrado o dedo do meio
para ele; em vez disso, se contentou com um olhar que só poderia ser
descrito como fulminante e de quem nã o achava absolutamente graça
nenhuma.
— Nã o consigo me lembrar de porra nenhuma da noite passada —
Dex explicou em uma voz que, de alguma forma, conseguiu ser grossa e
rascante.
Um homem atraente que bebia tanto que dormia com pessoas de
quem nã o gostava e depois nã o conseguia se lembrar? Absolutamente
excelente. Minha opiniã o sobre ele só estava melhorando.
Era injusto julgá -lo quando a maioria dos homens solteiros fazia a
mesma coisa? Era. Eu me importava em ser justa? Nã o.
Sonny olhou para mim, erguendo as sobrancelhas em descrença.
— Claro.
— Estou falando sério pra caralho, cara. Buck me fez experimentar
uma bebida caseira que ele fez para comemorar, e nã o me lembro de
nada depois da terceira. — Dois pés calçados com botas pousaram bem
ao meu lado, e inclinei o rosto para cima para ver a longa extensã o das
pernas e do torso de Dex, apenas para encontrá -lo olhando para mim
também.
Sua expressã o era tensa.
— Oi.
Soltei um “Bom dia” em resposta, que foi enterrado sob a resposta de
Sonny.
— Você sabe que nã o deveria beber nada que Buck tenha feito. As
merdas dele envergonham os goró s caseiros. — Havia algum tipo de
hesitaçã o na voz do meu irmã o que eu nã o entendia, como se algo o
estivesse incomodando. — Me esqueci de te dar parabéns — disse
Sonny, completamente alheio ao olhar que seu amigo e eu estávamos
trocando. — Eu e a Ris ficamos em casa ontem à noite, caso contrá rio,
eu teria me encontrado com você para tomar uma. Parabéns, cara.
Os olhos vivos e azuis de Dex deslizaram para longe do meu rosto e
para as minhas pernas, demorando-se nelas por tanto tempo que fiquei
constrangida com o comprimento curto do meu short.
— Obrigado — respondeu ele, desviando o olhar da minha direçã o e
de volta para o Son. — É uma sensaçã o boa.
— Bem, você merece, filho da puta — continuou Sonny.
Quando ele tinha começado a falar tanto? Eu nã o o tinha ouvido
juntar tantas palavras nem somando todas as de três dias.
E sobre o que eles estavam falando?
Dex deu de ombros, olhando para baixo. Sua boca estava definida em
uma linha fina, algo em sua expressã o me dizendo que ele queria falar
alguma coisa, mas nada saiu. Assim como nada tinha saído da sua boca
na noite anterior, depois que eu lhe disse, no estacionamento, que ele
havia me magoado.
O que foi logo antes de eu chamá -lo de princesa.
C-o-n-s-t-r-a-n-g-e-d-o-r.
Finalmente, ele olhou para Sonny.
— Vou deixar vocês dois voltarem ao que estavam fazendo. Vejo você
no estú dio mais tarde — ele falou para mim, olhando para as minhas
pernas uma ú ltima vez antes de se despedir de Sonny e fazer seu
caminho de volta para o prédio de onde ele havia saído.
No momento em que ele estava fora do alcance da voz, perguntei:
— O que ele estava comemorando? — Eu nã o me importava, juro,
mas era intrometida.
— Ele acabou de pagar o empréstimo que Luther fez para ele montar
a Pins.
Me concentrei no Dex grande e malvado pagando o dinheiro que
havia pegado emprestado para abrir seu estú dio de tatuagens.
— Hum.
Eu havia passado toda a minha vida adulta tentando equilibrar as
contas em apenas pagar aluguel, contas médicas, celular e coisas
aleató rias; nã o poderia imaginar a responsabilidade de ter um negó cio
com que me preocupar além disso, quando mal podia arcar com minhas
despesas minú sculas.
— É sempre tudo tã o esquisito entre vocês dois? — meu irmã o
perguntou.
Droga, era tã o ó bvio?
— Sempre. — Eu fiz uma careta. — Eu provavelmente piorei as
coisas quando o chamei de princesa ontem à noite.
Ele soltou uma risada que me fez rir do absurdo do que eu tinha
feito.
— Porra, garotinha.
— Ele me deixou irritada, e a palavra simplesmente… saiu. — Nã o me
incomodei em dizer a ele que Dex tinha me chamado de princesa
primeiro. A conversa telefô nica que eu tinha ouvido dois dias antes
ainda estava fresca na minha memó ria. Nã o havia necessidade de
alimentar esse fogo, certo?
Sonny assentiu, caindo de bunda na frente do meu carro antes de
deslizar para baixo dele.
— Tem certeza de que nã o quer que eu converse com ele?
Que tipinho sorrateiro! Eu nem precisei pensar nisso.
— Você já conversou com ele.
Sonny riu, mas nã o se desculpou ou deu qualquer justificativa pela
conversa depois da discussã o que tinha tido no quarto dele.
— Quero procurar outro emprego, se você conhecer mais alguém —
comentei. — De preferência com alguém que te lembre de unicó rnios e
arco-íris.
Eu o ouvi rir debaixo do carro.
— Garotinha, acho que ninguém no Clube ia fazer eu me lembrar de
unicó rnios e arco-íris — respondeu, ainda rindo.
— Glitter e tutus?
Ele bufou.
— De jeito nenhum. — Pensando melhor, ele acrescentou: — Talvez
o Trip.
Eu estava entediada pra caramba.
Trinta minutos depois, e eu estava pronta para me mandar e ir para
casa.
Sonny finalmente me contou sobre a “festa” ― na realidade, só
parecia uma desculpa para ir ao bar ― e, além disso, eu tinha
descoberto que os caras do estú dio estariam lá , entã o me senti aliviada.
Embora sair para lugares onde eu nã o conhecia ninguém geralmente
me assustasse um pouco, me preparei mentalmente para o fato de que
estava praticamente recomeçando a vida. Nova cidade, novo emprego,
nova casa, novos amigos.
Novo, novo, novo, novo, novo.
Eu havia decidido, fazia alguns dias, que todas essas coisas novas
precisavam de um compromisso firme da minha parte se eu quisesse
que funcionasse a longo prazo. Meus dias de eremita de trabalhar só
para passar raspando pelo fim do mês precisavam de um impulso
positivo. Além disso, Sonny nã o me deixaria sair impune com as
mesmas coisas que Lanie tinha deixado. Como ficar em casa em vez de
sair, comer miojo e assistir à TV aberta nas noites de sexta-feira porque
nã o tínhamos dinheiro para TV a cabo.
Entã o abri um sorriso duro e fui para o bar depois do trabalho. A
Pins nã o ia fechar até a uma hora da manhã , mas o movimento estava
pequeno e, como eu já tinha cumprido mais de oito horas, Magrã o tinha
me dito que eu podia ir. Se eu ia discutir com ele sobre ficar? Sem
chance.
As coisas tinham sido estranhas o dia todo. Dex, o Babaca, estava
surpreendentemente de bom humor com todos. Ele nã o estava ranzinza
ou indiferente como de costume, e eu nã o tinha certeza se deveria
agradecer o fato de ele ter pagado o empréstimo ou o fato de ter
trepado ― eca ― na noite anterior.
O que me impressionou, porém, foi que nunca ouvi nenhum dos
caras reclamar sobre seu ú ltimo comportamento de merda. No meu
antigo emprego, se meu chefe estava tendo um dia ruim e estava em
uma missã o infernal para comer nosso couro, todos nó s falávamos
sobre ele no momento em que tínhamos a chance. Ou pelo menos a
gente revirava os olhos.
Mas alguém dizia alguma coisa sobre Dex?
Nã o.
Eu nã o tinha ninguém com quem revirar os olhos. Ninguém que
entendesse meu ressentimento pelo idiota que me fazia sentir como se
eu nã o devesse respirar o mesmo ar que ele só porque ele
supostamente estava tendo um dia ruim. Só pude chegar à conclusã o de
que, embora Magrã o, Blue e Blake fossem amigos, ainda nã o haviam me
deixado entrar na sua panelinha.
Ter alguém chamando-o de idiota nã o era pedir muito, era?
Quando Magrã o me deu a chance de sair de lá para evitar estar nas
imediaçõ es de Dex, o Babaca, aproveitei. Troquei de roupa o mais
rá pido que pude ― porque você nã o vai a um bar de motoqueiros
vestindo roupas casuais de trabalho.
Agora que eu estava mais familiarizada com a á rea, percebi que o bar
ficava a apenas dois quarteirõ es da Pins e da oficina em que Sonny
trabalhava. Parecia que cada quilô metro da cidade era territó rio do
Fá brica de Viú vas. Havia alguns motoqueiros do Clube do lado de fora,
com meu irmã o no meio deles.
Velho, ainda cheirando fortemente a cigarro, xixi e cerveja, o
Mayhem havia recebido novas atualizaçõ es, como televisõ es de tela
plana penduradas na parede e novas mesas de sinuca alinhadas do lado
oposto à entrada e que se chocavam com o antigo balcã o de bar. As
luzes eram fracas, e o lugar era tã o barulhento e lotado quanto duas
semanas antes. E, por alguma estranha razã o, nã o me sentia
completamente fora de lugar lá , como geralmente me sentia quando ia
a bares com Lanie.
Isso por si só dizia alguma coisa, porque nos primeiros cinco
minutos em que estive lá dentro, alguém quebrou uma garrafa na borda
do balcã o e a segurou contra o pescoço de outra pessoa antes que dois
membros do Clube os separassem.
Sonny e eu andamos pelo espaço. Sorri e acenei para algumas das
pessoas que ele havia me apresentado da ú ltima vez. Pessoas que
conheciam a complicada teia das nossas vidas graças a um ex-Fá brica
irresponsável.
E, aparentemente, porque eu estava ficando tã o sociável com
estranhos que estavam um pouco interessados em conhecer a filha de
um ex-membro, Sonny achou que nã o teria problema em me deixar.
Aquele cretino excitado disse que voltaria logo, e trinta minutos
depois, ele nã o tinha voltado. Eu o vi de olho em uma morena do outro
lado do bar antes de fazer um truque de má gica de Las Vegas comigo e
desaparecer.
O que uma garota que realmente nã o conhecia ninguém deveria
fazer? Sentar no bar, observar e esperar.
E observar e esperar foi o que fiz. Cerca de um quarto das pessoas
que bebiam e falavam muito alto estavam vestidas como Luther e Trip:
jeans, camiseta e colete de couro preto com vá rios apliques bordados. E
tantas tatuagens que eu nã o sabia por onde começar a olhar. Eu ainda
conseguia me lembrar da insígnia do MCFV que meu pai usava com
orgulho até que, um dia, a cobriu sem mais nem menos. Nunca tive
certeza do que oficialmente cortou suas afiliaçõ es com o Clube depois
de quase uma década morando longe de Austin, mas, para falar bem a
verdade, eu nã o dava a mínima.
Nem um pouquinho.
A outra metade das pessoas que lotavam o Mayhem, bebendo,
gritando, rindo e fumando algo que eu tinha a sensaçã o de que nã o era
legal no canto, ainda tinha uma aparência bastante rude.
Com um olhar ao meu redor, eu nunca tinha visto tantas tatuagens,
couro e barba na minha vida ― e esses eram apenas os homens.
As mulheres tinham cerca de vinte e poucos anos ou mais. Seus tons
de pele e cabelo variavam em todo o espectro. Roupas eram obviamente
opcionais depois que vi algumas mulheres exibindo os peitos só por
diversã o.
Naquele momento, fez totalmente sentido para mim o motivo da
minha mã e ter fugido de volta para a Fló rida quando descobriu que
estava grávida de mim. Nos dez minutos que se seguiram ao primeiro
incidente de garrafa quebrada no pescoço, alguém levou um soco no
rosto. O que fiz? Fiquei sentada lá e observei.
Talvez eu devesse ter me sentido estranha e deslocada. Estava
acostumada a ficar sozinha e nã o me importava. Mas, embora os
homens fossem barulhentos, corpulentos e meio intimidadores e
autoritá rios, eu gostava de ouvir suas risadas e vozes.
Eu me vi sozinha, tomando um copo de suco de laranja que Sonny
havia pedido para mim, observando as pessoas. Era como meu baile de
formatura novamente, menos o vestido chique, o suco de laranja e a
fumaça.
Os caras do estú dio ainda nã o tinham aparecido e, naquele
momento, eu estava desesperada o suficiente para me agarrar a
qualquer um deles. Bem, com exceçã o de Dex.
— Iris.
Me virei para ver Trip indo em direçã o à parte do bar em que eu
estava, vestido com uma roupa quase idêntica à do dia anterior. Ele
também estava a caminho da Chapadolâ ndia, com base no aspecto
vidrado dos seus olhos, ou já estava lá .
— O que está fazendo aqui sozinha, linda Iris? — ele falou
lentamente, parando ao meu lado.
— Esperando o Sonny — respondi com um sorriso, mas, na verdade,
estava me certificando de que ele nã o fosse um bêbado beligerante. Ou
pior, alguém com estô mago fraco. Ele nã o estava da ú ltima vez que
tínhamos vindo, mas a gente nunca podia ter certeza. Levar vô mito de
alguém nã o estava na minha lista de coisas que eu gostaria de sofrer tã o
cedo.
Ele estalou a língua.
— Eu o vi sair com a Tiff. Pode demorar um pouco.
Fiz uma careta porque, sério, isso era nojento.
— Bom, vou esperar por ele um pouco mais.
Trip recuou para se sentar em um banquinho vazio à minha
esquerda.
— Nã o é uma garota festeira, hein?
— Na verdade, nã o. — Eu nunca tinha sido. Quando fiz vinte e um
anos, Lanie e eu compramos uma garrafa de vinho em caixa para
comemorar uma idade a que eu nã o tinha certeza se chegaria. Portanto,
nã o foi uma surpresa termos comemorado um pouco demais. Na manhã
seguinte, quando eu estava debruçada no assento do vaso sanitá rio,
vomitando, jurei que nunca mais faria isso. Três anos depois, eu
permanecia firme à minha palavra. Nas raras ocasiõ es, eu bebia meia
cerveja ou talvez uma taça de vinho.
Animal festeiro, eu sei.
Ele passou os dedos pelos cantos da sua boca, escovando os pelos
loiros do cavanhaque. Seu olhar era puro pecado.
— Entã o eu vou te fazer companhia.
— Ah, obrigada. — Atirei-lhe um sorriso, ainda de olho no
movimento da sua boca para captar qualquer reflexo de vô mito,
embora estivesse grata por ter alguém com quem conversar. — Se eu
começar a te entediar, fique à vontade para sair e falar com outras
pessoas.
Trip revirou os olhos e pressionou a garrafa na boca para um longo
gole.
— Você que manda, bebê. — Ele sorriu. — Está gostando do novo
emprego?
Nã o querendo ser sem educaçã o, mas também nã o querendo mentir,
dei de ombros.
— Está indo, mas ainda estou procurando outro.
Ele se inclinou para mim, seu rosto sério.
— Dex sendo um babaca?
Eu nã o queria fazer isso, mas a risada meio que saiu do meu peito.
Nã o era Dex a primeira pessoa em quem Blake pensava quando via que
alguém havia me chateado? Isso deveria ter sido um sinal daquilo em
que eu estava me metendo. Se Trip adivinhava imediatamente, eu só
poderia imaginar o que aquele cara devia ter feito para ganhar a
reputaçã o de irritar as pessoas.
— Por que você está rindo? Estou certo, nã o tô ? — Trip sorriu.
Eu tinha um histó rico de falar demais e me dar mal, entã o dei de
ombros, ainda rindo um pouco.
Foi a vez de Trip dar de ombros.
— Ele é tã o mal-humorado quanto pode ser, bebê. Sempre de ovo
virado.
Tã o, tã o verdadeiro. Mas eu nã o ia admitir isso abertamente assim.
Eles eram amigos, afinal. Seria como eu ouvir alguém chamar Lanie de
vagabunda. Eu poderia chamá -la de vagabunda, mas só eu; ninguém
mais.
— Ele definitivamente estava de ovo bem virado alguns dias atrá s.
As sobrancelhas loiras se ergueram.
— Eram as merdas do pai dele?
— Nã o faço ideia. — Mas me perguntei, por um segundo, qual teria
sido a causa. Aí percebi que eu nã o dava a mínima porque nã o
importava. Um babaca é um babaca.
— Me fale se ele estiver te incomodando — Trip disse. — Vou
quebrar ele. — Seus olhos azuis se moveram para o lado. — Ele é tã o
grande que vai demorar um pouco.
Algo realmente reconfortante se acomodou no meu peito com sua
oferta. Nã o pude deixar de acenar com a cabeça e dar um tapinha no
seu braço.
— Sonny já vai ficar com os joelhos; você pode ficar com o resto dele.
Ele riu. Seus olhos desceram para onde minha mã o descansava no
seu antebraço, seu olhar deslizando para cima, pelo meu cotovelo,
parando no bíceps. Minha manga tinha subido em algum momento.
Com o canto do olho, vi sua mã o abrir e fechar. Seus olhos azul-bebê se
voltaram para os meus, sua expressã o confusa e curiosa.
Os lá bios de Trip se separaram por um momento antes de fechar.
Uma vez, duas vezes, três vezes.
Eu já tinha passado por isso o suficiente para saber o que ele queria.
De onde vinha sua confusã o. Estendi o braço para que ele pudesse dar
uma olhada melhor na cicatriz. Ele estremeceu e instintivamente
estendeu a mã o para tocá -la. Nã o era uma cicatriz bonita. Parecia
retorcida e branco-prateada contra a minha pele saudável. Depois de
quatro cirurgias diferentes, eu tinha parado de me importar com a
aparência. Ver meu braço no espelho nã o me incomodava mais, mas
odiava os olhares que recebia das pessoas.
Como se eu fosse defeituosa.
Como se houvesse algo de errado comigo.
Perdi o nome que minha mã e havia escolhido com tanto cuidado e
me tornei um termo médico.
Uma mã o desceu para afastar os dedos de Trip.
— Que porra você está fazendo? — Sonny perguntou, empurrando-
se entre nossos dois bancos, seus olhos cor de â mbar indo e voltando
entre mim e Trip.
Trip nem pareceu incomodado com a reaçã o de Sonny. Seu olhar
estava um pouco relaxado e um pouco mais confuso.
— Batendo papo — ele respondeu vagamente, mantendo o olhar em
Sonny.
Sonny estreitou os olhos claros para seu amigo antes de voltar a
atençã o para mim e puxar para baixo a manga da minha camisa como
se fosse um pensamento tardio. Houve momentos em que o peguei
olhando para o meu braço com uma expressã o de puro e doloroso
remorso. Como se fosse culpa dele eu ter ficado doente. Ou talvez
doesse para ele ver. Eu nã o sabia e nã o perguntaria. Se eu nã o desse
grande importâ ncia à quilo ― também conhecido como fingir que nã o
havia nada diferente ―, ninguém mais daria.
— Ris, vou sair um minuto com uma amiga — ele sussurrou no meu
ouvido, colocando as duas mã os nos meus ombros e apertando.
Um minuto? Ha.
Inclinei a cabeça para trá s e olhei para ele por cima do ombro. Havia
uma bela morena parada logo atrá s dele, a mã o possessiva em seu
braço. Interessante.
— Ok. Tudo bem se eu for para casa ou quer que eu fique aqui um
pouco?
Ele sorriu e me apertou mais.
— Você pode ir para casa. Vou mais tarde. — O idiota nojento sorriu
novamente. — Bem mais tarde.
Fingi um estremecimento.
Com mais pressã o no meu ombro, eu o vi estender a mã o para dar
um tapa nas costas de Trip. Sonny deu a ele um olhar duro que nã o
entendi antes de desaparecer na multidã o atrá s de nó s.
Uma mulher deu um berro agudo à minha direita e encontrei Luther
encostado em uma mesa alta com uma jovem ― provavelmente da
minha idade ― sentada no seu colo.
Nojento.
Trip devia ter reconhecido minha expressã o porque riu, esquecendo
tudo sobre o que tinha visto ou optando por deixar a pergunta de lado.
— Você se acostuma com isso.
Nã o tentando ser rude porque, obviamente, Trip conhecia Luther, eu
encobri meu sarcasmo olhando para ele com o canto do olho.
— Mas ela é… jovem o suficiente para ser filha dele.
— Ela é mais nova que o filho dele, bebê.
Inspirei tã o alto que fez Trip sorrir largamente.
— Mas… mas… como? Por quê? — Luther nã o ia ganhar nenhum
prêmio no departamento beleza. Ele nã o era um daqueles homens que
melhoravam com a idade, ou mesmo envelheciam com elegâ ncia. Ele
nã o era feio, mas esse era o má ximo que eu poderia atribuir de elogio a
ele.
Trip olhou para mim com uma cara séria e riu, a garrafa de cerveja
tremendo em sua mã o. Uma vez que ele se acalmou, balançou a cabeça.
— Porque algumas garotas nã o se importam se um homem tem
idade suficiente para ser o pai delas, desde que seja o Prez.
— O Prez?
Trip assentiu.
Que merda era o Prez? Mesmo que ele fosse o presidente dos
Estados Unidos, eu teria que receber pelo menos alguns milhares de
dó lares para chegar perto do seu colo. Que nojo.
— Do Fá brica?
Trip bateu com a mã o no lado direito do seu colete de couro, onde o
bordado branco tinha sido costurado.
— Do que mais ele seria o presidente?
Ignorei seu comentá rio espertinho e me concentrei na confusã o de
homens, mexendo uns com os outros.
— Vocês sã o muitos.
— Temos filiais em todo o Texas e no sudoeste do país.
Hum. Eu ainda nã o tinha a menor ideia do que exatamente
significava fazer parte de um clube de motoqueiros, além do que eu via
na televisã o, ou, cacete, as coisas que minha mã e tinha me contado anos
atrá s, quando o Clube estava envolvido com trá fico de drogas. Ela nã o
havia me contado muito, mas era o suficiente para saber que, vinte e
cinco anos atrá s, o MCFV nã o era um grupo de pessoas que valorizava a
família e o serviço comunitá rio.
Embora agora, mesmo depois de Sonny ter explicado que o Fá brica
de Viú vas haviam mudado seus há bitos, eles provavelmente ainda nã o
faziam vendas de bolos, mas sei lá .
Por mais legal que Trip parecesse, achei que provavelmente deveria
deixar a maioria das minhas perguntas para Sonny. Se alguém ia rir de
mim por perguntar coisas idiotas, eu preferia que fosse ele.
— Se você tivesse chegado aqui no mês passado, poderia ter ido ao
nosso rally — disse ele.
— O que vocês fazem em um rally? Se reú nem?
Trip assentiu, batendo a garrafa contra a minha.
— Todos nó s dirigimos até Galveston e… — ele sorriu
perversamente — … festejamos por alguns dias.
Era impossível nã o perceber a implicaçã o em seu rosto. Ele tinha a
palavra encrenca escrita nele inteiro, o que me fez rir sem humor.
— Aposto que vocês só festejam.
— Só — ele insistiu com outro sorriso, seus dedos avançando no
pescoço para coçar uma cicatriz de cinco centímetros que cortava sua
pele. — Agora. Dez anos atrá s… seria uma histó ria diferente.
Isso era algo para se pensar e perguntar a Sonny mais tarde.
Empurrei esse plano para o fundo da minha mente e ergui a
sobrancelha para Trip, assim que a mesma garota deu outro grito
agudo. Nó s dois olhamos para Luther e para a jovem de vinte e poucos
anos que tinha o rosto enterrado no pescoço dele.
Eca. Aquilo era perturbador. Eu tinha certeza de que Luther era mais
velho do que meu pai. Que nojo.
Havia muitos outros homens espalhados por ali, alguns na casa dos
quarenta anos ou mais jovens que nã o eram nada atraentes, meio
peludos e tinham tatuagens que provavelmente me causariam
pesadelos, mas também nã o eram horrorosos. Entã o eu nã o entendia
por que a garota estava no colo de Luther, dentre todas as pessoas.
Havia algo realmente duro no rosto dele que me deixou um pouco
cautelosa e acrescentou ao comentá rio que Trip havia feito sobre as
atividades do Clube dez anos atrá s. Se alguém tinha o rosto de uma vida
inteira fazendo coisas arriscadas, esse alguém era Luther.
Se Trip estava certo ― e eu sabia que ele estava ―, a garota era como
qualquer outra sirigaita interessada no dinheiro. Ou groupie! Ela queria
o chefe, mesmo que ele estivesse na casa dos cinquenta ou sessenta
anos. E nã o fosse lá muito atraente. E mais do que provavelmente
tivesse bolas enrugadas, o que eu nem conseguia imaginar por que
estava pensando, para começar.
Eca.
Conversamos mais alguns minutos sobre algumas das pessoas ao
nosso redor. Trip apontou aqueles que eram nativos de Austin e seu
clube.
Olhei para Trip e ergui as sobrancelhas, deslizando o copo de suco
que eu estava segurando para longe de mim.
— Acho que vou para casa.
— Quer que eu te acompanhe até o seu carro?
O incidente da noite anterior passou pelo meu cérebro.
Maldito Dex.
— Nã o precisa. Estacionei perto.
— Tem certeza? Son pode me matar se acontecer alguma coisa com
você.
Bufei. Era a cara do Sonny. Ameaçar as pessoas a torto e a direito.
— Está tudo bem. Ele só ladra, mas nã o morde.
— Estamos falando da mesma pessoa? — Trip riu. — No dia em que
você apareceu, ele disse que quebraria minhas duas pernas se eu
tentasse alguma coisa com você.
— Você nã o é o melhor amigo dele?
Ele franziu o rosto, fazendo com que as linhas duras de pelos faciais
loiros parecessem muito bonitinhas.
— E? — Trip se recostou, balançando a cabeça.
A imagem mental do meu meio-irmã o quebrando as pernas de
alguém me fez sorrir.
— Está tudo bem, sério. — Ele nã o precisava saber que meu carro
estava no estacionamento do estú dio. Quer dizer, estava por perto.
Apertando seu antebraço, sorri para ele. — Obrigada por me fazer
companhia.
— Bebê, confie em mim, é um prazer.
Lancei a ele um sorriso torto.
— Tchau, Trip.
Balançando os dedos para ele em adeus, pulei da banqueta e fui
deslizando pelo caminho através da multidã o de estranhos. Mal tinha
empurrado as portas quando o barulho alto que só poderia ter vindo de
um grupo de motos encheu o ar. O pequeno grupo de pessoas do lado
de fora fumando cigarros murmurava, mas quanto mais alto o ronco
dos motores ficava, mais altas suas vozes também ficavam.
Seis ou sete motoqueiros diminuíram a velocidade na frente do bar
enquanto eu descia o quarteirã o. Alguém por perto começou a gritar,
mas eu nã o estava prestando atençã o ao que era dito enquanto
mantinha os olhos nos motoqueiros. Eles nã o usavam coletes de couro
como o resto dos MCFV. Também nã o pareciam relaxados e prontos
para se divertir como todo mundo. Em vez disso, seus rostos estavam
tensos à medida que passavam. Corpos rígidos com algo que era o
oposto de amigável.
E esse foi o meu erro do dia.
Eu deveria ter voltado para dentro e pedido a Trip para me
acompanhar. Eu deveria ter voltado, mas nã o voltei.
E esse foi meu segundo erro. Eu deveria ter apenas olhado para os
motoqueiros e depois ter me mandado o mais rá pido possível para o
meu carro. Mas também nã o fiz isso.
Eu fui andando devagar porque estava cansada. Foi entã o que, em
minha natureza bisbilhoteira e pés lentos, dois dos homens na rua se
viraram para me olhar de uma forma que nã o era um olhar caloroso e
apreciativo. Era um olhar apreciativo de um leã o a uma gazela antes do
abate. Foi uma coisa calculada.
Mas sou uma idiota e, a essa altura, embora já fosse tarde, andei mais
rá pido pela calçada até o estacionamento anexo. Dex e Magrã o
apareceram à frente. Eles vinham vindo pelo quarteirã o com um andar
lento e determinado, mantendo os olhos fixos no grupo estacionado
atrá s de mim. Só quando me viram pulando sobre grandes rachaduras
irregulares na calçada, puxando meu short curto e branco mais para
baixo, foi que Dex se virou na minha direçã o.
Merda!
Seus olhos escuros estavam fixos em mim. Me consumindo. Me
devorando. Me engolindo. Mas se era em aprovaçã o ou simplesmente
aborrecimento, eu nã o fazia ideia. Para ser sincera, nã o me importava.
Dex era um babaca. Um babaca bonito ― um babaca muito bonito ―,
mas ainda assim um babaca.
E Ele. Parecia. Puto. Bem, mais puto do que o normal e isso queria
dizer alguma coisa.
— Que porra você está fazendo andando até seu maldito carro
sozinha de novo, caralho? — ele rosnou, juro por Deus, rosnou
enquanto abreviou a distâ ncia entre nó s. — Nã o falamos sobre isso
ontem?
Foram meus hormô nios. Os hormô nios que tomavam conta do meu
corpo logo antes de eu começar a menstruar me deixaram louca. Eu sei
disso. Toda garota sabe disso.
Entã o, obviamente, eles me deixaram burra. Porque olhei para trá s
antes de me virar devagar para encarar meu chefe, observando a veia
pulsante e raivosa no seu pescoço.
— Eu?
Magrã o parou no meio do caminho, olhou entre nó s dois e continuou
andando em direçã o ao bar, fazendo um sinal de paz para mim no
caminho.
Covarde.
— Com quem eu estaria falando, flor? Você é a ú nica pessoa do
caralho que está indo para o carro à noite sozinha, porra. — Ele colocou
muita ênfase nas duas ú ltimas palavras.
Tirei as chaves do bolso da frente e as girei no dedo indicador,
tentando evitar perder a paciência porque esse era claramente o
caminho que eu estava seguindo. O que eu queria mesmo fazer era
jogar as chaves na cara dele, mas isso nã o seria exatamente a coisa mais
inteligente a fazer.
— Você nã o precisa falar assim comigo. — Adicionei um “cretino” em
pensamento.
Dex estava na minha cara assim que as palavras saíram da minha
boca, tã o perto que eu podia sentir o calor da sua pele.
— A gente teve essa conversa ontem mesmo. Chega de andar sozinha
até o seu carro. Está me ouvindo? Sei que você ainda está chateada, mas
nã o é nada de mais, flor. Eu já te disse que digo e faço merdas idiotas
quando estou puto e você estava na porra do lugar errado na hora
errada. Nã o é muito para você superar.
Talvez jogar as chaves nã o fosse tã o idiota se fosse isso ou acertar ele
com o para-choque do meu carro.
— Você me chamou ou nã o de idiota do caralho? — O silêncio tenso
com que ele respondeu foi o suficiente para confirmar o que eu já tinha
certeza. Muito obrigada. — Estando em um lugar melhor em um
momento melhor, chefe, você ainda teria dito o que disse, só que eu nã o
teria ouvido — reclamei. — Isso nã o melhora as coisas. Nã o fiz nada
para você, e você age como… como se eu tivesse roubado seus
presentes de Natal quando você era criança.
Seu olho direito começou a tremer, mas ele nã o negou o pensamento.
Entã o encolhi os ombros. O que mais eu deveria fazer?
— Me fale o que eu fiz.
A pausa foi dramá tica antes que ele bufasse:
— Nã o. — Os lá bios de Dex se apertaram em uma linha dura, sem
dizer uma palavra para argumentar com o fato de que eu estava certa.
— Você nã o fez nada.
— Entã o o que é? Porque nã o sou daqui? Eu respirei muito alto? Ou
porque…
— Nada disso. Eu já te disse, você precisa ser mais casca grossa, flor.
Deixe para lá , nã o é nada tã o grave assim.
Alguém ia ser esfaqueado, e essa pessoa se chamava Dex.
Infelizmente, a pessoa que precisava ser esfaqueada era a mesma que
assinaria meus contracheques. Tive que cerrar os dentes. Nã o ia me
desculpar por nã o ter uma casca grossa, como ele tinha dito.
— Nã o posso ignorar que você é um idiota — ataquei. — É ó bvio,
você realmente nã o gosta de mim e tudo bem. Está chateado agora de
novo por algum motivo, entã o vou embora. — Em retrospectiva, eu
deveria ter terminado a frase naquele momento. Mas nã o terminei. —
Antes que você me faça chorar, sua perfeita alteza.
Duas coisas aconteceram com o rosto duro de Dex. Eu podia vê-lo
fisicamente recuar ao mesmo tempo em que dava uma respiraçã o baixa,
quase inaudível. Entã o ele apenas olhou para mim. Olho no olho. Eu tive
que olhar para ele porque, embora eu nã o fosse baixa, ele ainda era
bem mais alto.
Dex ergueu a mã o para pressionar a ponta dos dedos no lá bio
superior. Silencioso. Seu estranho tom de olhos azuis estava penetrando
nos meus, provavelmente esperando que eu voltasse ao meu estado de
ser uma covarde que ficava calada e evitava conflito.
— Olha… Foi mal.
Ele estava pedindo desculpas?
— Eu posso ser um filho da puta à s vezes — ele continuou. Bem, eu
nã o ia discutir com ele sobre esse ponto, embora nã o tivesse
exatamente certeza de por que ele se sentia obrigado a se importar se
feriria ou nã o meus sentimentos. Provavelmente por causa de Sonny. Eu
só podia imaginar com o que ele o havia ameaçado.
— Você é impaciente — eu o corrigi, sem me incomodar em admitir
que o tinha chamado de filho da puta na minha cabeça pelo menos uma
dú zia de vezes. Uma dú zia de vezes por hora. — Você é grosso e me
perdoe por dizer isso, mas você toma algumas decisõ es idiotas. E você
acha que eu sou burra? Por que você arriscaria machucar sua mã o
entrando em brigas? Isso que é burrice. — Se eu deveria ter parado?
Sim. Eu parei? Nã o. — Por que você está tã o bravo, afinal?
Levou um segundo para que o que eu tinha acabado de dizer
realmente me atingir.
O que eu acabei de fazer?
Eu tinha me defendido. Tipo isso. Também nã o era como se eu
pudesse voltar atrá s.
As narinas de Dex se dilataram, seu rosto ainda impassível.
— Falei que eu nã o deveria ter dito aquilo — repetiu em um tom
incisivo.
— Nã o é tã o fá cil. — Fiquei ali, esperando algo que eu nem tinha
certeza do que era.
— Sim, é. Eu pedi desculpas. Agora você pode parar de ficar chateada
— ele disse as palavras como um comando.
Ai, meu Deus.
— Nã o. — Estreitei os olhos para ele. — Nã o significa nada se Sonny
teve que te ameaçar para você ser legal.
Aquele mesmo mú sculo em seu pescoço tremeu novamente quando
ele olhou para mim.
— Olha… — Aquele olhar azul ardente percorreu pouco a pouco o
espaço a partir do meu rosto e foi descendo pelo meu corpo e subiu
novamente. Devagar, devagar, devagar. Sob a espessa barba escura do
seu pescoço, sua garganta balançava. A textura da sua voz ficou mais
á spera. — Foi mal, beleza? Isso nã o é o suficiente?
Isso era inú til. Eu amava palavras. Sempre tinha amado palavras.
Amava a liberdade que a gente poderia encontrar nelas. Eu adorava
manipulá -las. Eu amava o jeito como elas soavam e o poder que tinham.
Mas à s vezes, às vezes, elas nã o eram suficientes.
À s vezes, sequências de letras nã o tinham sentido em comparaçã o
com açõ es. As açõ es tinham o poder de um coro contra a força de um
cantor solitá rio. Meus ossos reconheceram que aquilo era tudo que eu
conseguiria, aquela pessoa a cappella.
— “Seja a pessoa madura” — minha mã e teria dito. Eu realmente nã o
queria, mas levantei um dos ombros mesmo assim. Minha respiraçã o
saiu instável. — Dizer que você está arrependido nã o retira o que foi
feito, pelo menos no meu ponto de vista. Nã o posso simplesmente
esquecer aquilo da noite para o dia.
A garganta de Dex balançou novamente, e seus olhos irradiaram uma
linha direta para mim.
— Quero perguntar se você está falando sério, mas acho que está .
Quando eu nã o disse nada em troca, ele lambeu o lá bio inferior,
olhando para mim mais uma vez.
— Fale alguma coisa.
Eu nã o falei.
Ele me encarou por um minuto, a tensã o em seus ombros
aumentando antes que ele soltasse o ar com força. Exasperaçã o.
— Fala sério.
Meu ressentimento era tal que ele percebia que eu nã o estava feliz
com ele? Que eu preferia sentar em um banheiro químico a me sentar
ao lado dele? Passei os ú ltimos anos tentando o meu melhor para nã o
me estressar com as coisas, tentando cuidar de mim mesma, e da
primeira vez que alguém era genuinamente cruel comigo ― me
chateava ―, eu desmoronava?
Eu ainda poderia me machucar, mas nã o queria deixar isso durar
muito tempo. Nã o mais.
— Ritz? — ele perguntou em voz baixa.
Dei de ombros. Deus. Realmente nã o havia sentido em ficar amarga
para sempre. A fú ria constante contra ele ia contra a maioria das células
do meu corpo.
— Esqueça. Desculpas aceitas. Nã o vou falar mais nada para o Sonny.
— Palavras, palavras e mais palavras vazias. Eu nã o estava mentindo,
eu ia encontrar outro emprego e nunca mais diria uma palavra sobre
Dex.
Destravando as portas do carro com um bipe do chaveiro, baixei os
olhos para seu pescoço, notando pela primeira vez que Dex tinha
vestido seu colete do Fá brica de Viú vas em algum momento.
Pigarreei e olhei para seu pomo de adã o.
— Até terça-feira.
Dex nã o disse uma palavra quando entrei no carro. Ele só deu um
passo para trá s quando liguei a igniçã o.
Quando olhei para trá s pelo espelho retrovisor depois de sair do
estacionamento, ele ainda estava exatamente onde eu o havia deixado.
— Son, em uma escala de um a dez, o quanto você ficaria bravo se eu
largasse meu emprego? — perguntei durante o café da manhã .
E por café da manhã eu quis dizer que nó s dois tínhamos acordado
bem depois do meio-dia, mas como era a primeira refeiçã o do dia, achei
que ainda era considerado café da manhã . Nã o é? Eu nã o tinha ideia de
que horas ele finalmente havia chegado em casa. Eu estava na cama à s
três e, imediatamente, havia desmaiado antes que a luz de fundo do
meu celular se apagasse.
Sonny fez um barulho que soou como uma risada abafada no fundo
da garganta antes de olhar para mim, mastigando um pedaço de bacon
enquanto erguia uma sobrancelha cansada castanho-acobreada.
— Mais problemas no paraíso?
Fiz um muxoxo de desdém.
— Dex é meio que um imbecil.
As narinas de Sonny dilataram e seus lá bios se contraíram. O idiota
estava fazendo o possível para nã o rir.
— Garotinha, me fale alguma coisa que eu nã o sei.
A segunda pessoa que eu ia quebrar depois de Dex era o meu irmã o.
— Você que me mandou para trabalhar com ele. — Talvez eu tenha
dito isso entre os dentes.
— Porque sei que você dá conta.
Lidar com Dex Locke seria como lidar com um escorpiã o. Você ia
levar aquela picada venenosa em algum momento. Infelizmente para
mim, essa picada tinha certo apreço por Iris Taylor. O desejo de
balbuciar para Sonny que Dex tinha dado uma de macho autoritá rio
para cima de mim no estacionamento estava na ponta da minha língua.
Mas… eu tinha acabado de dizer a Dex que nã o ia mais ficar reclamando
com Sonny.
Droga.
— Dá , nã o dá ? — ele insistiu, me provocando.
Tive que me contentar com resmungos.
— Dou.
Ele levantou aquela sobrancelha castanho-acobreada.
— Eu te disse que ia fazer ele engolir os dentes.
— Nã o se esqueça dos joelhos. — Chutei de leve a canela dele
debaixo da mesa da cozinha.
Sonny riu antes de enfiar outro pedaço de bacon tostado na boca.
— Nã o, tudo bem, acho que nã o estou acostumada com o tipo de
personalidade dele, você sabe, mandã o e taciturno. — Por mandã o, eu
queria dizer babaca. Porque essa era a questã o. Ele era bonito, muito
bonito, e tinha uma empresa de sucesso, o que poderia ser realmente
tã o ruim que o tivesse levado a tal ataque de raiva?
Sonny sorriu.
— Ris, você acabou de descrever todos os meus amigos. — Ele riu. —
Mas entendo. Ele nã o é tã o ruim, garotinha. Juro que nã o teria te
mandado lá se ele fosse um cara mau. Ele é um solitá rio. — Sonny fez
uma pausa, pensando sobre o que tinha dito antes de acrescentar: —
Geralmente um babaca também, mas ele nã o vai fazer nada com você.
Ele tem irmã s, sabe como se comportar com a família da galera do
Fá brica.
Além de me fazer chorar e gritar. Nada de mais.
— Mas por quê?
Sonny olhou para mim longa e duramente, sua boca se contraindo
com indecisã o. Ele finalmente suspirou.
— Mesma razã o pela qual todos nó s temos problemas.
Por causa de outras pessoas?
Que desculpa esfarrapada. Havia mais nessa histó ria, mas seja lá o
que ele quisesse dizer, o que deveria ter dito, ele nã o disse.
— Se você realmente odeia ficar lá , podemos encontrar outra coisa.
O bar sempre precisa de gente, mas nã o sei se curto a ideia de você
estar sempre perto do MC.
— Talvez. Você nã o é um babaca, e Trip é muito legal — tentei
explicar a ele.
— Nã o sou um babaca com você, e Trip é legal porque gosta de você
— disse Sonny.
Suspirei e cortei minha panqueca nã o totalmente cozida.
— Olha, Ris, prefiro que você nã o desista, já que agora está bem
perto de mim. Mas você é uma garota crescida. Tem sido independente
já faz um tempã o. Posso te emprestar dinheiro, sem problemas. — Ele
me lançou um olhar aguçado. — Você decide.
Droga, eu odiava quando pessoas razoáveis tinham argumentos
razoáveis. Eu realmente queria pedir dinheiro a ele?
Nã o.
Entã o soltei um longo suspiro.
— Vou tentar o meu melhor para tolerar Dex, mas se eu for presa por
agressã o, você vai pagar minha fiança. Eu nã o vou fugir da prisã o.
Meu meio-irmã o sorriu largamente.
— Duvido, mas vou pagar sua fiança se isso acontecer. Se ele crescer
para cima de você outra vez, trate-o como trataria Will se Will estivesse
viajando na maionese.
Como meu irmã o caçula? Minha resposta foi uma expressã o
silenciosa que cheirava a confusã o. Eu beliscaria os mamilos do Will se
ele fizesse algo tã o impensado e burro. Fim.
— Se ele estivesse sendo um idiota, você ia infernizar o cara, nã o ia?
— Bem, sim. — Alguém tinha que fazer isso.
Sonny ergueu e baixou as sobrancelhas.
— Só nã o o deixe sair impune com toda a merda que ele faz. Eu
conheço o Dex. Você deixa bem claro para ele o que ele fez, e ele vai
reagir. Nã o é um bosta total. Ele tem uma boca grande e um pavio curto.
Pensei na noite anterior e em como ele havia me pedido desculpas.
Desculpas que só aceitei pela metade. Hum.
As palavras de Sonny, juntamente com minha insistência de que eu
realmente nã o me importava muito em cair nas boas graças do meu
chefe, tomaram conta de mim com compreensã o e aprovaçã o. Eu já
estava procurando outro emprego, embora essa busca nã o estivesse
indo bem. O que Dex faria se eu fosse honesta com ele? Me demitiria?
Como se eu me importasse com esse ponto.
Isso era mentira, porque eu me importava. Pelo menos até encontrar
outro emprego, eu me importaria. Sempre havia aquele plano reserva
na forma de atropelar o que restava do meu orgulho e pedir dinheiro a
Son.
— Consigo continuar — eu disse a ele, sinceramente.
Ele assentiu devagar.
— Eu sei que você consegue, Ris.
Com meu plano de jogo em mente, sorri.
— Você tem planos para hoje?
— O que você quer fazer?
Pisquei batendo os cílios para ele, que eu tinha certeza de que ainda
tinham restos de rímel da noite anterior, e sorri.
— Quer limpar sua garagem?
Passamos aquela tarde de domingo vasculhando a garagem
empoeirada e cheia de tralhas do Sonny.
Pelo menos cinco vezes eu o ouvi murmurar:
— Só por você, Ris. Só por você.
Conseguimos fazer a metade, parando apenas quando os mosquitos
aumentaram tanto que eu estava batendo em uma parte do corpo a
cada segundo.
Quando saí do banho, Sonny estava vestido e disse que tinha
“negó cios do Clube” ― o que quer que isso significasse ― para resolver
e que voltaria mais tarde.
Fiz o jantar para dois, comi minha parte e depois me deitei no sofá
para ver um pouco de televisã o. Um pouco se transformou em horas,
horas que aumentaram meu relaxamento com reprise apó s reprise. A
ú ltima coisa de que me lembrei antes de desmaiar pouco depois da
meia-noite foi pensar que deveria ter me mudado para Las Vegas para
conseguir um emprego com os caras do Trato Feito, em vez de
continuar na Pins.
— É só deixar ela no sofá .
— Mano, isso é desconfortável pra caralho.
Alguém suspirou, mas eu ainda estava no meu mundo em looping
“estou-lutando-para-continuar-dormindo”, enquanto as duas vozes
falavam de algum lugar que parecia localizado a dimensõ es de
distâ ncia. Minha paisagem dos sonhos, um lugar que parecia
exatamente o parque ao qual meu pai me levava todas as semanas
quando ele era um elemento permanente na minha vida, estava
tombando de lado conforme as vozes lá fora ficavam mais altas.
— Você tem razã o. Deixe só eu ir mijar, e aí eu levanto ela — disse
alguém.
O silêncio que se seguiu deveria ter tornado mais fá cil para mim
voltar ao meu sonho, mas a depressã o da almofada debaixo de mim fez
o oposto. Dois braços deslizaram por baixo de mim, um cobrindo a
largura das minhas omoplatas e o outro enganchando-se sob meus
joelhos. Entã o eu estava contra algo quente e só lido, algo que
especificamente cheirava a um toque de escapamento e sabã o de lavar
roupa. Foi bom. Até meu eu idiota, meio adormecido, sabia disso.
Meus olhos se abriram ao ver que eu estava sendo carregada pelo
corredor da casa de Sonny. Meu rosto balançou contra um peitoral, meu
nariz pressionado no pescoço de um homem. E eu sabia,
instintivamente, que nã o era o de Sonny. Aquele idiota teria me feito ir
andando para o meu quarto.
Inclinei a cabeça para cima, piscando lentamente para ver a pessoa
que me carregava. Cabelo tã o escuro que nã o podia ser Trip. Mas as
maçã s do rosto salientes e o â ngulo rígido de uma mandíbula eram tudo
o que eu precisava para perceber que era Dex.
Dex!
— O que você… — comecei a bocejar, lutando contra o fechamento
dos meus olhos.
— Volte a dormir — ele murmurou, sem sequer mover os lá bios.
Ele nã o olhou para mim quando parou na porta fechada do quarto ou
quando a abriu apoiando minha bunda no que imaginei ser um joelho
levantado. Dex finalmente olhou para baixo, quando estava me
colocando no colchã o com cuidado. Ele nã o sorriu ou esperou que eu
perguntasse por que ele estava me colocando na cama.
Ele deu um passo para trá s no meu quarto superescuro e sussurrou:
— Boa noite, Ritz — antes de fechar a porta e me deixar lá sozinha.
Se eu estivesse menos cansada, provavelmente teria me perguntado
que merda estava acontecendo em vez de voltar a dormir, mas eu estava
exausta, e tentar compreender as açõ es de Dex nã o era tarefa para um
cérebro meio adormecido ― e menos ainda para um totalmente
competente.
Quando acordei na manhã seguinte, estava me perguntando
seriamente que merda havia acontecido na noite anterior.
Eu sabia que nã o poderia ter sido um sonho. Dex, o Babaca, me
carregando para o meu quarto tinha sido real.
Tinha. Sido. Real.
E eu nã o conseguia entender por que A) ele estava na casa de Sonny
tã o tarde. B) Por que ele havia se encarregado de me levar para o meu
quarto. C) Uma repetiçã o de A e B.
Eu poderia ter ido andando ou pelo menos aos tropeçõ es para a
cama. Por ser segunda-feira, meu irmã o estava no trabalho quando
acordei. O jantar da noite anterior havia desaparecido misteriosamente
e os pratos haviam sido lavados.
Aleluia.
Limitada pela falta de recursos na minha conta até o dia do
pagamento, eu tinha que me contentar com as coisas gratuitas que a
vida tinha a oferecer. Como ficar em casa, ver TV, folhear os catá logos
que Sonny tinha na mesa. Basicamente, agi como uma idiota preguiçosa
na primeira metade do dia.
No meio do dia, enviei outro e-mail para Will. Fazia mais de um mês
que eu tinha falado com ele pela ú ltima vez, mas isso nã o era
completamente inédito. No ano anterior, eu só tinha conseguido vê-lo
por um total de uma semana. Eu já deveria ser uma profissional
experiente em manter a calma quando nã o recebia nenhuma resposta
dele, mas o fato é que me preocupava com Will todos os dias.
Ele era meu irmã ozinho. O menino de quem eu havia cuidado como
se fosse meu, antes e depois da morte da nossa mã e. Ele tinha sido a
razã o pela qual aprendi o que era trabalhar dobrado, a razã o pela qual
eu havia trabalhado em dois empregos, mesmo estando doente, e a
razã o de tantas outras coisas que aprendi.
Muitas vezes eu sentia que estava viva só para ele. E entã o ele se
alistou no Exército e me deixou na Fló rida. Quero dizer, ele estava feliz e
isso era o que importava, mas ainda nã o consertava o fato de que eu
sentia falta dele.
Assim era a vida, nã o era? Perdas e ganhos?
Pelo meio da tarde, comecei a me sentir claustrofó bica e saí de casa
para ver se havia algo para fazer lá fora. Havia. Sonny tinha mato
crescendo a cada centímetro quadrado em torno dos arbustos e
gramado. Em circunstâ ncias normais, eu provavelmente teria fingido
que nã o havia nada para fazer, mas estava entediada e queria muito
pensar em outras coisas.
Encontrei um par de luvas grossas na garagem que eram grandes
demais, vesti uma camisa de manga comprida para nã o me queimar e
fui trabalhar.
Uma hora e meia depois, quando minhas costas doíam e eu sentia
um formigamento quente no pescoço que gritava queimadura de sol,
enfiei todas as ervas daninhas em um saco de lixo e parei no meio do
gramado, exausta. O ronco alto de vá rias motos ecoou pela vizinhança.
Por já ser depois do horá rio de expediente, muitas pessoas estavam
chegando em casa, entã o eu nã o planejava ter nenhum trabalho para ir
ver de onde as motos vinham. Era uma coisa natural. Uma moto era
uma moto, nã o era?
No meio do processo de colocar um saco por cima da cabeça para
jogar no lixo, dois motoqueiros com cabelos curtos e olhares duros
passaram lentamente. Eles estavam com olhos em mim e na casa. Nã o
pararam, mas assim que passaram pela entrada de carros, aceleraram e
foram embora.
Esquisito.
A pior parte de ir trabalhar na terça-feira era nã o saber como agir
perto de Dex. Nã o deveria me surpreender que ele andasse com Sonny
se eram do mesmo clube, mas, mesmo assim… Sonny era caloroso e
doce ― embora tivesse sido específico e dito que era apenas comigo ―,
enquanto Dex era um temperamental saco de bosta de castor. Talvez o
lance deles fosse aquela coisa toda de “os opostos se atraem”.
Talvez.
Felizmente, foi Blake quem chegou e abriu, deixando-me para
imaginar onde estava o Babaca. Nã o ia perguntar a Blake ou a ninguém,
mas me permiti pensar sobre isso. Era como me preparar mentalmente
para um furacã o que se aproximava.
O movimento já estava bem constante desde a abertura quando
Magrã o apareceu. Houve tatuagem apó s tatuagem nas primeiras horas,
depois um piercing no mamilo ― que fez meus pró prios mamilos
doerem ― e um cara que queria um piercing na sobrancelha. Era perto
das oito da noite quando Dex finalmente deu as caras, parecendo
levemente irritado como sempre, e indo direto para os fundos sem
cumprimentar ou acenar para ninguém.
Mais uma vez, ninguém disse nada. Blake e Magrã o nem se olharam.
Eu nã o entendi em absoluto porque me senti irritada quando ele
entrou.
Em retrospectiva, eu deveria ter ido para os fundos e engolido uma
bronca de Dex simplesmente por existir, para que eu pudesse
encomendar suprimentos para o mês, em vez de ficar na frente,
conversando com a namorada de um cliente sobre colocar um piercing
no nariz. Mas nã o fui. Na minha busca para continuar me fazendo de
difícil porque estava me sentindo ofendida, permaneci na frente.
Um erro? Bem, sim.
— Docinho.
Olhei para o homem parado na recepçã o. Um homem de barba cheia
e olhos vidrados e avermelhados, que cheirava a á lcool isopropílico. Era
nojento e fez meu nariz queimar.
Mas esse era o meu trabalho e todo mundo tinha sido legal até entã o,
aí nã o pensei em nada disso.
— Pois nã o?
— Quero fazer uma tatuagem.
Dei a ele um pequeno sorriso sem olhar para o registro de
agendamentos. Mesmo que Magrã o e Blake nã o estivessem ocupados e
Dex tivesse saído dos fundos, ele ainda nã o poderia ser tatuado. Ops.
— Sinto muito, mas nã o podemos ajudá -lo se você estiver bebendo.
— Querida, eu preciso de uma tatuagem. Agora — falou o cara,
arrastando as palavras, estalando os lá bios com tanta força que a saliva
voou da sua boca.
Credo. O cheiro de á lcool ficou ainda mais forte. Que nojo.
Me encolhi um pouco.
— Desculpe, mas realmente nã o podemos… — tentei explicar.
O Colô nia de Á lcool grunhiu.
— Vá chamar o Dex.
— Dex nã o está com agenda agora.
— Querida, vá chamar o Dex.
Ah, cara.
Respirei fundo e balancei a cabeça, me afastando da cadeira.
— Deixe-me ver se consigo falar com ele. — Anos de lemas que
destacavam que “O cliente sempre tem razã o” haviam ficado gravados
em mim. A mú sica estava tã o alta que nã o foi uma surpresa que Blake e
Magrã o nã o ouvissem o que estava acontecendo. O som estava
estourando. Metal e rock pesado martelavam nos alto-falantes quase
todas as noites depois das sete.
A porta do escritó rio estava fechada quando cheguei, mas nã o
consegui ouvir nada lá dentro. Bati algumas vezes, mas nã o houve
resposta. A luz do banheiro estava acesa, e eu nã o iria incomodar um
homem quando ele estava lá , independentemente de ser meu chefe
idiota ou nã o. A hora do banheiro era um momento pessoal, pensei.
— Dex nã o está disponível agora — comecei a dizer ao cara que, com
outro olhar, confirmei que estava chapado. — Mas se você esperar
alguns minutos, vou tentar…
Ele explodiu.
Eu nã o bebia, e os poucos amigos que tinha tido de passagem
também nã o. Eles bebiam de vez em quando. Bêbados engraçados.
Bêbados idiotas. Bêbados adoráveis. Eu estava de boa com isso. Mas um
bêbado maldoso era algo com que eu nã o conseguia lidar.
— Olhe, vagabunda, eu nã o tenho tempo! Traga a porra do Dex agora
mesmo antes que eu…
O braço passou pela minha cintura do nada. Muito distraída, percebi
que era Dex que tinha um braço em volta de mim, me puxando para o
seu lado. Seus dedos apertaram o tecido do meu cardigã .
Eu nã o podia ver seu rosto, mas nã o precisava.
Dex, o Babaca, estava puto. Enfurecido. Eu meio que esperava que ele
tirasse a roupa e se transformasse em um monstro de pele verde dez
vezes maior do que seu tamanho atual, já alto e largo.
Seus ombros largos estavam tensos, e o grande homem, com bem
mais de um metro e oitenta de altura, parecia ainda mais intimidador.
Acho que todos podiam sentir aquela névoa perigosa e inquietante de
motoqueiro irritado em seus ossos.
— Rick — foi a ú nica coisa que ele grunhiu.
O Colô nia de Á lcool sentiu aquela energia visceral e louca também
porque deu um passo para trá s. Seu rosto, tã o vermelho quanto a casca
cozida de uma lagosta quando ele gritava, empalideceu.
— Eu estava procurando por você, mano — o homem exalou.
Dex apertou meu cardigã entre os dedos.
— Fora.
— Dex…
Seus ombros enrijeceram sob a claríssima camiseta branca que ele
usava.
— Rick. Dê. O. Fora. Porra.
— Mas…
Sua mã o apertou meu cardigã com tanta força que me fez inclinar
para frente enquanto ele gritava:
— Dê o fora! Agora!
Puta merda.
Rick ganhou um tom de branco antes visto apenas em uma folha de
papel ofício, levantando as duas mã os.
— Dex…
Dex soltou meu cardigã e deu um passo em direçã o ao bêbado.
— Você sabe muito bem que nã o entra no meu estú dio exigindo
merda, chamando minha garota de vagabunda.
Nas palavras de um rap que meu vizinho costumava tocar no som do
seu carro quando eu era criança: Espere, espere um minuto.
Dex diminuiu a distâ ncia entre eles, fazendo-me ignorar o fato de
que ele tinha acabado de me chamar de sua garota. Juro que Dex ficou
oito centímetros mais alto quando ergueu as mã os e as pressionou
contra o peito do bêbado.
— Suma daqui, porra, antes que eu faça algo que vai fazer você se
arrepender — Dex alertou, empurrando o homem para trá s com tanta
força que fiquei surpresa por ele nã o ter batido na vidraça.
O cara tropeçou, endireitando-se lentamente depois de um ú ltimo
apelo murcho.
— Dex.
Tudo o que recebeu em troca foi o silêncio. Silêncio pesado e elétrico.
Rick abriu a boca para dizer mais alguma coisa antes de pensar duas
vezes e se virar para sair. Assim que a porta se fechou, foi como se um
elá stico de intensidade se rompesse na sala. Meu coraçã o estava
batendo forte com o volume das palavras que tinham sido lançadas.
Eu estava tã o presa no meu pró prio mundinho que nã o senti a
presença de Dex a centímetros de mim até que seus dedos estavam no
meu queixo, inclinando meu rosto para cima.
— Você está bem? — ele sussurrou, tã o perto que eu podia sentir seu
há lito quente no meu nariz.
Minhas mã os tremiam. Engoli em seco e acenei com uma mentira
parcial.
— Estou.
O olhar de Dex cintilou nos meus olhos, nariz, boca e até pescoço.
Sua expressã o era suave. Ele estendeu a mã o para circular uma das
minhas mã os livres nas dele, suas feiçõ es apertando-se enquanto meus
dedos tremiam em sua palma.
— Seu pulso está acelerado, flor.
— Estou bem. — Estar apavorada caía na mesma categoria que estar
bem. Contanto que eu nã o tivesse feito xixi nas calças, ainda poderia
ficar bem.
Ele nã o falou enquanto puxava minha mã o que estava segurando,
levando-me em direçã o ao corredor. Atordoada, notei que Blake e
Magrã o pareciam preocupados quando passei, e tentei o meu melhor
para lhes dar um sorriso, mas eu estava trêmula. Parecia que eu tinha
acabado de sair de uma montanha-russa.
Dex balançou a cabeça enquanto passava por seu escritó rio e pelas
salas privadas, apertando minha mã o ainda mais forte enquanto nos
puxava para a sala de descanso dos funcioná rios.
— Venha aqui, Ritz — ele ordenou, parando-nos ao lado do balcã o da
cozinha. Antes que eu percebesse o que estava acontecendo, suas mã os
estavam nos meus quadris e ele estava me acomodando em cima do
balcã o. As palmas das mã os de Dex roçaram meus joelhos quando ele se
voltou para a má quina de refrigerante no canto. — Espere um segundo.
Como se eu pudesse ir a qualquer lugar, mas fiquei sentada em
silêncio, deslizando as mã os debaixo das coxas para nã o senti-las mais
se contorcendo. Ele tirou uma nota da carteira e colocou na má quina,
recebendo uma Coca-Cola em troca. Segurando-a em uma das mã os, ele
se moveu para a extremidade oposta do longo balcã o e começou a
vasculhar os armá rios suspensos. Pegou um pã o e retirou duas fatias
antes de amarrar o pacote de novo e guardá -lo de volta no seu
esconderijo.
Eu nã o tinha certeza do que estava acontecendo. Nã o pude deixar de
observá -lo segurando delicadamente as fatias em uma das mã os e a lata
de Coca-Cola na outra enquanto caminhava na minha direçã o, parando
tã o perto que seu quadril roçou na lateral da minha coxa.
— Aqui. — Dex tentou me passar uma das fatias, colocando o
refrigerante entre nó s.
— O quê? — Eu estava olhando para as sementes no pã o.
— Coma, flor. — Ele segurou o pedaço de pã o mais alto.
Balancei a cabeça, olhando de volta para os olhos dele.
— Nã o estou com fome.
Dex ergueu a fatia ainda mais alto para que ficasse alinhada com
minha boca.
— Nã o me importo se você nã o está com fome. Isso vai te acalmar.
A vontade de discutir com ele estava bem ali, mas pelo olhar que me
deu, duro e intransigente, percebi que era inú til. Aquele nã o era o
momento certo para brigar com ele. Peguei o pã o da sua mã o e comi
devagar, observando-o com o canto do olho o tempo todo. Assim que
terminei, ele estava me entregando a segunda fatia. Dei a ele outro
olhar, mas recebi o mesmo olhar sério em troca.
Entã o eu comi porque, caso contrá rio, ele provavelmente enfiaria na
minha garganta à força.
Ele observou até que eu tivesse cerca de um quarto do pã o sobrando,
quando entã o abriu o refrigerante e o entregou para mim no minuto em
que engoli o ú ltimo pedaço de pã o integral.
— Eu deveria ter socado ele por falar com você daquele jeito — ele
murmurou quando eu estava tomando o primeiro gole de Coca-Cola.
Foi um milagre eu nã o ter tossido e cuspido a Coca. Ele nã o tinha
falado comigo como se eu fosse burra pelo menos três vezes antes
daquele momento? Sei que devia ter feito uma cara de o quê? porque
sua expressã o se fechou.
Tudo bem, talvez eu nã o apontasse o quanto ele era hipó crita.
Mesmo que Sonny tivesse dito que ele era inofensivo, nã o significava
que suas palavras fossem algo que lembrasse ternura e carinho. Ele
provavelmente estava lidando comigo por culpa. O motivo para mim
nã o importava.
— Está tudo bem — balbuciei.
— Nã o, nã o está . — Ele baixou a cabeça, os olhos procurando os
meus novamente. — Ele te assustou?
Respirei fundo, sentindo pela primeira vez que meu coraçã o nã o
batia com tanta força quanto no início.
— Ele me pegou desprevenida — suspirei. Dois homens me fazendo
sentir um lixo em menos de uma semana devia ser um recorde mundial.
Dex ficou tenso antes de vir ficar na minha frente, colocando as mã os
em cada lado das minhas pernas. Ele ficou quieto por mais tempo, seus
olhos exibindo uma infinidade de emoçõ es que eu nã o conseguia
reconhecer sob uma má scara rigidamente controlada. Por uma fraçã o
de segundo, desejei tê-lo conhecido melhor para entender o que se
passava no seu cérebro, mas tã o rá pido quanto o desejo veio, foi
embora.
Ele inspirou pelo nariz e expirou pela boca conscientemente o tempo
todo até coçar a ponta do nariz.
— Nã o vai acontecer de novo.
Nã o havia como ele prometer isso para mim. Sem chance. Mas aquela
violência magnética e quente ainda estava rolando dos seus ombros e
peito, me prendendo ainda mais do que fisicamente à parte superior do
seu corpo.
— Vou falar com o Rick, mandar ele te pedir desculpas, flor. Nã o
preciso que você fique com medo. Ele é um babaca quando bebe.
Dei um lento encolher de ombros, desviando o olhar. Sua respiraçã o
era barulhenta enquanto eu pensava em como ele tinha sido legal,
parado na minha frente quando seu amigo começou a gritar, tentando
me acalmar. Mas nã o entendi. Apenas alguns dias atrá s, ele estava
perdendo a cabeça. Na semana passada, estava tentando me dar um pé
na bunda. Eu nã o entendia, e isso me deixou desconfortável e confusa.
— Estou bem agora — sussurrei.
Ele nã o se mexeu nem disse nada.
Deslizei para a frente no balcã o, balançando até ficar sentada perto
da borda, mas Dex estava muito perto, e eu nã o poderia pular
completamente sem me pressionar totalmente contra ele.
— Agora eu quero descer.
Claro que ele nã o se mexeu.
— Fique sentada mais um pouco.
— Estou bem — insisti, lutando contra a vontade de olhar para o
rosto dele.
Uma das suas mã os deslizou para o meu joelho. Mesmo sobre o
tecido grosso da minha calça marrom, estava muito quente. Ou pelo
menos era como se meu fluxo sanguíneo tivesse se redirecionado para
aquele ponto sob a minha pele. Maldito corpo traidor.
— Iris, por que você nã o olha para mim?
Ah, merda.
Sua voz assumiu aquele tom leitoso, suave e profundo que me fazia
sentir como se uma caixa de fó sforos tivesse sido acesa dentro de mim,
e a maneira como ele dizia meu nome… P… que pariu. Nem pensei que
ele sabia meu nome. Ele nã o o tinha usado uma ú nica vez durante todo
o tempo em que eu trabalhava na Pins.
— Eu só quero descer — repeti, olhando para sua mã o.
Dex apertou minha coxa.
— Você pode descer depois de me dizer por que ainda nã o me olha
na cara.
Eu insisti:
— Por favor.
— Nã o.
— Eu quero descer.
Ele me apertou novamente.
— Nã o.
— Me deixe descer.
— Nã o.
Ah, merda. Irritada pra caramba, inclinei a cabeça para ele.
— Em um minuto, você é meio que um babaca… — Eu tinha acabado
de soltar a bomba de novo? Ora, sim, sim, eu tinha. — Entã o, no minuto
seguinte, você está me carregando para a sala de descanso e dividindo
comigo seu estoque secreto de pã o. Nã o faz sentido — falei, sincera. —
Nã o quero te olhar porque você fere meus sentimentos, ok? Eu nã o sei o
que pensar.
E ele apenas piscou.
— É isso?
Minha cabeça caiu para trá s para que eu pudesse olhar para o teto.
Esse cara era real?
— Ritz, sério. É por isso que você nã o olha para mim? Porque eu falo
um monte de merda? — As perguntas eram tã o casuais que era como se
ele estivesse perguntando se eu queria molho ranch ou italiano na
minha salada. Tã o irritante.
— Isso nã o é o suficiente? — Eu posso ter choramingado um pouco
com as palavras.
O idiota começou a rir.
— Nã o fique tã o chateada. — As pontas dos seus dedos traçaram
uma linha da minha coxa até o joelho em um gesto íntimo e delicado,
em desacordo com o homem que eu havia conhecido uma semana
antes. — Eu disse que foi um erro. Quantas vezes mais você quer que eu
peça desculpas?
Lancei um olhar direto, que ele me devolveu com olhos redondos e
curiosos.
— Eu sei. Mas você me chamou de idiota porque pedi ajuda no meu
segundo dia. Quem faz isso? — A verdade é que talvez eu fosse uma
idiota. Porque uma pessoa inteligente teria calado a boca e aceitado o
pedido de desculpas forçado, mas lá estava eu, com a boca ainda
desenfreada. — A ú ltima vez que alguém me chamou de alguma-coisa-
do-caralho foi há três anos, quando comprei a ú ltima televisã o do
Walmart na Black Friday para o meu irmã o mais novo. Mas sabe de uma
coisa? Naquele dia, nã o me importei. — O mas eu me importo agora
estava implícito aos montes.
Os cílios grossos de Dex se fecharam quando ele soltou uma
respiraçã o profunda. Ele parecia aflito. Dex nã o era o tipo de homem
acostumado a se desculpar com ninguém. A expressã o parecia tã o
á spera e estranha vindo dele, era como tentar enfiar um objeto
quadrado por um buraco redondo.
— Flor, me desculpe. — Aqueles lindos olhos azuis se abriram,
focando nos meus. — Eu só … falo bosta.
— Você acabou de falar bosta? — repeti.
Ah, cara…
Pisquei para suas feiçõ es. Seus longos cílios escuros, olhos
profundos, magnífico queixo quadrado, aquele nariz quase perfeito…
Dex, o Babaca, era incrivelmente bonito. E eu o estava fazendo se sentir
um merda por nã o perdoá -lo quando realmente parecia que ele estava
com remorso. O que poderia ser a primeira vez na sua vida, pela forma
como ele se expressou.
— Sim. — Foi uma afirmaçã o, um fato. — Você é do MC, tem que ter
uma casca mais grossa do que isso para sobreviver aqui, me ouviu?
Senhor, dai-me forças.
— Meu pai era do Fá brica. Sonny é do Fá brica. Eu, nã o — expliquei,
me controlando. — Nã o posso simplesmente ficar durona do dia para a
noite.
Foi a vez dele de piscar.
— Sim, você pode. — Ele piscou novamente. — Quem se importa com
o que eu digo? Fale comigo se tiver um problema. Nã o saia correndo e
diga ao Son que estou tratando você igual merda e esconda a porra do
seu rosto de mim porque está magoada por eu ser um babaca. Fale na
minha cara. Talvez você nã o seja durona, mas eu sou. Eu aguento.
Como se fosse tã o fá cil.
Suspirei e fechei os olhos, chateada comigo mesma por ter ficado no
emprego quando nã o queria, tudo por causa das circunstâ ncias.
Circunstâ ncias que, como sempre, giravam em torno do dinheiro.
Droga.
Suspirei novamente.
Nã o seria mais fá cil apenas ser gentil com a bondade do seu coraçã o,
em vez de intimidar?
Eu quase ri. Como se Dex pudesse ser intimidado em alguma coisa.
Eu o conhecia havia alguns dias e já sabia que ele era teimoso como
uma mula.
— Nã o banque a emo para cima de mim. — Ele cutucou meu joelho
com o quadril. — Me fale quando tiver um problema.
Eu nã o conseguia. Eu simplesmente nã o conseguia.
O risco de perder esse maldito emprego de que eu ainda nem
gostava era muito alto. Se ele havia ficado puto por eu ter pedido ajuda,
o quanto ficaria se eu dissesse para ele parar de ser um idiota? Apesar
do fato de o meu irmã o ter me dito para fazer a mesma coisa que Dex
estava insinuando… eu nã o tinha certeza se realmente tinha isso em
mim.
— Flor, nã o vou ter problemas em dizer a alguém que essa pessoa
está me dando no saco — declarou.
Nã o brinca…
Ele cutucou meu joelho com o quadril novamente.
— Fale.
— Falar o quê? — perguntei, devagar.
— Fale o que você está pensando — explicou Dex.
Balancei a cabeça.
Suas sobrancelhas se uniram em paciência exasperada.
— Me chame de babaca. Um idiota. Um bosta. O que você quiser, só
ponha isso para fora, Ritz.
Minha expressã o provavelmente era meio horrorizada, meio nervosa
por ele ter dito o ú nico apelido de que eu costumava chamá -lo na minha
cabeça.
— Nã o.
— Por que nã o?
— Porque isso é falta de educaçã o.
Foi a vez de Dex piscar devagar.
— Existe uma diferença entre dizer em voz alta e dizer isso na sua
cabeça?
Caramba. Ele tinha razã o.
Mas antes que pudéssemos ir mais longe, alguém na frente do
estú dio gritou o nome de Dex alto o suficiente para ser ouvido através
da mú sica que estava tocando. Com um grunhido baixo, ele se moveu,
de modo que o contato do seu quadril se transformou na longa
extensã o da sua coxa pressionando meu joelho e minha canela.
— Vou tentar nã o descontar em você de novo, mas se eu fizer, fale
alguma coisa. Nã o vou arrancar sua cabeça por ser honesta comigo,
beleza?
Olhei para ele com dú vida, porque, sério? Ele realmente esperava
que eu pensasse que ele aceitaria se eu o chamasse de um nome feio?
Ah, por favor. Mas tudo bem, o que quer que fizesse ele dormir melhor à
noite.
Eu estava cansada de ficar com tanta raiva. Poderia tentar ser a
pessoa madura entre nó s dois e lavar minhas mã os desse assunto. Seria
impossível dizer que Dex nã o estava tentando consertar essa confusã o à
sua maneira brutal. Ele merecia pontos pelo esforço.
Ok, nã o realmente, mas ainda assim… Superar. Esquecer.
— Olha, espero que você esqueça o que eu disse ou me perdoe mais
cedo ou mais tarde, porque nã o sou fã dessa merda agora. Foi mal e
essa é a maldita verdade. Mas quero que abra essa boquinha e diga o
que estiver te incomodando de agora em diante, tá ?
Eu nã o disse nada em resposta porque nã o achava que ele precisava
de uma.
Ele continuou olhando para mim com aqueles olhos intensos até que
percebi que ele queria uma confirmaçã o.
— Tá .
Dex baixou a cabeça para me olhar nos olhos mais completamente.
Esse cara. Deus. Levantei a voz e repeti:
— Tudo bem, vou te falar alguma coisa a partir de agora.
Com um ú nico tapinha no meu joelho, ele se foi um instante depois.
E eu fiquei sentada lá me perguntando que merda tinha acontecido.
Os dias pareciam transcorrer num borrã o de trabalho, Sonny, a casa
dele, receber o pagamento e meu novo lugar favorito ― a Biblioteca
Pú blica de Austin, bem ao lado do estú dio. Certo dia, fiz uma carteirinha
antes de ir para o trabalho, pois imaginei que, com minha conta
bancá ria faminta, eu nã o seria capaz de comprar nenhum livro num
futuro pró ximo. E para ser sincera, depois que recebi o acesso e me
acomodei na minha rotina, foi bom ― confortável. Até me candidatei a
algumas vagas de emprego de tempo integral, e isso me deixou
animada.
Caramba, tudo estava indo muito bem. Incluindo a tensã o no
trabalho.
Dex entrava e saía do estú dio e, quando estava presente, ficava meio
indiferente, a menos que tivesse que fazer depó sitos no banco durante
o dia.
Mesmo que eu tivesse praticamente ― mas nã o por completo ―
superado nosso desastre inicial, ainda nã o me sentia totalmente
confortável perto dele. A tensã o entre nó s passou de constrangedora
para… estranha depois do incidente com o cara bêbado. O mesmo cara
bêbado que havia entrado só brio, segurando uma margarida, no dia
seguinte, pedindo desculpas por me chamar de vagabunda. Nã o havia
dú vida de que o Babaca estava por trá s da visita. Com exceçã o do
momento ruim de Dex, eu geralmente nã o guardava rancor porque nã o
valia a pena o esforço e deixei para lá a histó ria com Rick.
O trabalho era fá cil, mas parecia ainda mais fá cil quando Dex nã o
estava a menos de dez metros. Eu conseguia ler meus livros com
tranquilidade na hora do almoço e conhecia meus colegas de trabalho
nos momentos em que o movimento estava menor. Eu realmente nã o
poderia pedir muito mais.
Portanto, foi completamente inesperado quando, na tarde de sexta-
feira, enquanto eu estava sentada nos fundos, durante meu intervalo,
lendo o livro que tinha pegado na biblioteca no dia anterior, eu ouvi da
porta:
— O que você está lendo?
Ergui os olhos para ver Dex parado ali, as mã os enfiadas nos bolsos,
o cabelo preto apontado para um milhã o de direçõ es diferentes sem o
boné. Meus olhos foram do texto para Dex algumas vezes antes de eu
responder vagamente.
— Um livro da biblioteca. — Era um romance histó rico, entã o, se eu
preferia contar em detalhes para ele?… Ah, só em um milhã o de anos.
Naquele momento, Dex, o Babaca, sorriu. Sorriu. E, Nossa Senhora
que estais no céu, foi devastador. Tã o completamente catastró fico que
fiquei ali parada e absorvi a bomba nuclear explodindo na minha frente,
indefesa.
Seus olhos brilharam ao mesmo tempo em que suas sobrancelhas se
ergueram.
— Biblioteca?
Gostei da maneira como ele arrastava a pronú ncia das sílabas, entã o
assenti.
— A biblioteca pú blica? — ele perguntou lentamente.
— Sim — pronunciei devagar.
Seus lá bios se curvaram nos cantos.
— Eles ainda têm isso?
— Eles ainda têm isso — confirmei, olhando de volta para o livro,
fechando-o cuidadosamente depois de memorizar o nú mero da pá gina.
Engoli em seco e me lembrei de deixar meu antigo ressentimento
terminar de se esvair. Dex estava obviamente tentando, entã o eu
também poderia tentar.
— E você vai à bibliotecas? — ele perguntou tã o devagar quanto um
momento antes.
Ele estava me hostilizando? Acho que nã o. A inclinaçã o dos seus
lá bios fez parecer que ele estava mais entretido e curioso do que
simplesmente sendo um idiota cruel.
Levantei a contracapa do romance, já que nã o tinha foto nela.
— Eu gosto de coisas grá tis.
Dex sorriu amplamente outra vez.
Caramba. Esses sorrisos eram raros.
— Flor, nem me lembro da ú ltima vez que li um livro que nã o fosse
para a escola, muito menos a ú ltima vez que fui a uma biblioteca sem
que minha mã e me obrigasse — admitiu.
Por alguma razã o, a imagem de um Mini Dex com super olhos azuis e
cabelos pretos malucos dando um chilique enquanto era carregado
para a biblioteca por sua mã e passou pela minha cabeça e me fez dar
uma risadinha. Essa provavelmente tinha sido a ú ltima vez que alguém
o havia forçado a fazer alguma coisa.
— Talvez você devesse ir à biblioteca, entã o — sugeri. — Eles têm
todos os tipos de coisas que podem te interessar. — Algo me cutucou
naquele momento. Foi o sorriso indulgente que ele me deu quando lhe
contei onde havia conseguido o romance. Espertinho. Eu sorri
lentamente, sentindo aquele gêiser verbal familiar de porcaria pronto
para brotar da minha boca, mas incapaz de controlá -lo. — Tem livros
ilustrados também se os livros com palavras nã o funcionarem para
você.
Silêncio.
E entã o Dex inclinou a cabeça para trá s e riu tã o alto que me fez
sorrir, embora eu nã o achasse que ele fosse apreciar a piada. Para ser
sincera, fiquei surpresa que a provocaçã o tivesse saído da minha boca.
Nã o intencional e tudo, mas, ainda assim, era como andar sobre gelo
com ele. A finura do gelo? Eu nunca saberia.
— Tudo bem, acho que essa eu mereci, Ritz.
Ponto para o Time Iris. Se eu pudesse me cumprimentar com um
“toca aqui” sem parecer louca, teria feito isso.
Mas, felizmente para Dex e para mim, ele voltou a falar.
— Venha para a frente do estú dio. Estamos tirando palitinhos.
— Para quê? — perguntei, cuidadosamente. A ú ltima coisa de que eu
precisava ou queria era tirar no palitinho para ver quem tinha que
limpar um banheiro entupido.
Ele acenou para que eu avançasse, esperando até eu sair da cadeira e
ficar ao seu lado antes de explicar:
— Eu nã o te contei sobre as convençõ es a que a gente vai?
Pssh. Eu poderia ter apontado que ele realmente nã o tinha me dito
nada de nada, mas guardei o comentá rio para mim.
— Nã o — respondi.
Dex deu de ombros como se a ausência de informaçã o nã o fosse
grande coisa.
— Aparecemos em exposiçõ es de tatuagem algumas vezes por ano, e
a pró xima é daqui a duas semanas, em Houston. — Ele me lançou um
olhar enquanto caminhávamos pelo corredor em direçã o à á rea de
recepçã o, que estava vazia. — Estamos tirando no palitinho para ver
quem vai desta vez.
Isso nã o parecia exatamente uma coisa ruim.
— Mas eu só trabalho na recepçã o — eu disse, como se ele ainda nã o
soubesse disso.
Magrã o, que havia virado sua cadeira para se sentar no meio do
estú dio como de costume, estava sendo intrometido ― também como
sempre ― e ouvindo nossa conversa.
— Considere isso uma experiência de aprendizado — afirmou. — De
qualquer forma, sempre precisamos de ajuda para fazer outras coisas.
Pensei por um segundo, e entã o dei de ombros. Nã o que eu tivesse
mais alguma coisa para fazer e, se fosse tecnicamente parte do meu
trabalho, um trabalho que eu poderia nã o ter por muito mais tempo,
entã o nã o haveria problemas.
— Tudo bem, entã o.
Dex tirou alguns canudos do bolso, cobrindo-os com a mã o enquanto
os arrumava e depois os apresentou para mim.
— Primeiro as damas.
Nã o pude deixar de olhar para seus olhos azul-escuros por uma
fraçã o de segundo antes de puxar um canudo bem no meio dos quatro.
Dex foi em frente e estendeu-os para Blue antes de deixar Blake e
Magrã o pegarem os ú ltimos.
— Espere um segundo, você liga de dividir um quarto?
— Dividir o quarto com vocês? — repeti a pergunta para ele, para ter
certeza de que havia entendido certo.
— Sim, dividir um quarto. Você está de boa com isso? — ele
perguntou.
Olhei lentamente para os três homens com quem eu trabalhava.
— Ninguém vai tatuar uma piroca na minha testa enquanto eu
estiver dormindo, né?
Todos me olharam fixamente por um minuto antes de começarem a
rir, até mesmo Blue, que só ria de mim quando eu dizia algo
excepcionalmente idiota.
— Vou entender isso como um “nã o”. — Lancei para Magrã o um
olhar desagradável. — Nesse caso, tudo bem para mim. — Embora
preferisse que nã o fosse Dex, nã o ia dizer isso em voz alta. — Desde que
vocês nã o façam coisas nojentas no chuveiro, tudo bem.
Magrã o bufou.
— Blake, isso é tudo você, cara.
— Eu te disse que nã o fiz isso — ele retrucou, seu rosto ficando
vermelho enquanto as palavras saíam da sua boca.
— Certo. Nã o foi você, sendo que você foi a ú nica pessoa que tomou
banho naquela manhã …
Dex pigarreou, reprimindo um sorriso.
— Ok, ok, vamos ver quem vai, antes de discutirmos sobre quem
bateu uma em Seattle.
Essa foi a minha deixa para rir. Por mim mesma. Vergonha alheia!
Depois de comparar os canudos, parecia que Blue e eu éramos as
perdedoras com os canudinhos curtos. Com base nos olhares que
trocamos ― ela nã o falava muito e eu gostava de fazer expressõ es
faciais que ela parecia entender ―, nenhuma de nó s ficou com o coraçã o
partido demais.
— Fiquem à vontade para fazer o que quiserem no chuveiro, já que
nã o vou — falei, de repente, já dando um passo para trá s para ir à
cozinha. Meu livro e meu almoço estavam chamando meu nome.
Os olhos de Blake se voltaram para Magrã o acusadoramente.
— Eu nã o fiz aquilo, cara!
Certo.
— Alguém deixou uma mensagem de voz para você, garotinha —
falou Sonny, com o olhar fixo na épica batalha armada que acontecia na
tela da televisã o.
Eu tinha acabado de chegar do trabalho, largando minha bolsa no
sofá que eu legitimamente havia marcado como meu territó rio ao longo
do ú ltimo mês, e me deixei ficar animada por um breve momento.
— Quem?
Ele fez um zumbido na garganta.
— Humm, alguém chamado Gladys ou algo de um lugar com um
nome idiota. Havia um bando de pirralhos gritando ao fundo.
Tinha que ser uma das creches para as quais eu havia mandado
currículo.
— Sim!
Dois minutos depois, anotei o nú mero de telefone de Gladys Ortega e
fiz um “toca aqui” com Sonny por finalmente ter recebido um retorno.
— Nã o entendo por que você está tã o empolgada. A ideia de
trabalhar com um bando de criança parece um inferno — ele
murmurou.
A ú ltima vez que trabalhei em uma creche, eu tinha vinte anos e
acabara de sair da radioterapia. Nesse ponto, nada poderia ter me
derrubado. Mas agora que eu realmente pensava sobre isso… merda. Eu
gostava de crianças, mas gostava tanto assim? A melhor pergunta era:
eu detestava Dex o suficiente para sacrificar um demô nio mal-
humorado por um bando de demô nios inocentes?
A resposta nã o veio tã o facilmente quanto eu esperava.
— Posso apenas ver o que eles têm a oferecer.
Ele deu de ombros, e isso me fez estreitar os olhos.
Eu nã o entendia o que estava acontecendo com ele, mas toda vez que
eu perguntava, ele sempre respondia da mesma forma.
Ele estava de boa. Sempre de boa.
E estava mentindo descaradamente.
— O que você tem?
Nos ú ltimos dois dias, Sonny tinha agido de forma muito errá tica.
Uma das pessoas mais descontraídas que eu já havia conhecido na
minha vida, ele nã o era do tipo que sentava e deixava as coisas o
incomodarem. Ele era um defensor de ignorar as coisas ou lidar com
elas de frente. De preferência com os punhos, ao que parecia, quando
voltou para casa duas noites antes com o lá bio partido e se recusou a
me contar o que tinha acontecido.
Me certifiquei de que estivesse bem, e entã o mudei de assunto. O
problema era que ele ainda estava agindo de forma estranha. Algo o
estava incomodando e o cutucando, de novo e de novo. Ele ainda sorria,
mas era sombrio e cauteloso.
Eu finalmente cheguei ao meu limite. Apenas um de nó s podia ser
um merda mal-humorado, e essa pessoa era eu.
— O que há de errado? — perguntei de novo quando ele nã o
respondeu.
Seus olhos castanho-esverdeados deslizaram para mim, um pequeno
sorriso surgindo no canto da boca, mas nã o adiantou nada. Meu amado
meio-irmã o estava ausente.
— Estou bem, garotinha.
— Mentira do cacete.
Ele abriu um pequeno sorriso.
— Minha pequena e inocente Ris. — Inocente, talvez um pouco. Mas,
na verdade, ele sabia tã o bem quanto eu que eu nã o estava acostumada
a xingar em voz alta. Pelo menos no nível dele, muito menos no nível do
resto dos seus amigos.
— Só me fale o que aconteceu — insisti.
Sonny olhou para mim por um longo momento, soltando o ar pela
boca antes de deixar a cabeça cair dramaticamente no sofá .
— Podemos falar sobre isso mais tarde?
Eu o cutuquei na coxa.
— Prefiro agora.
Ele suspirou mais uma vez, ainda olhando para o teto.
Seu silêncio estava me matando. Quanto mais ele hesitava em me
contar, pior isso me fazia sentir.
— Por favor?
Sonny grunhiu.
— Nosso doador de esperma apareceu.
E… isso nã o era absolutamente o que eu esperava ouvir.
— Você está brincando? — Claro que ele estava falando sério, mas eu
era uma idiota, e o que ele tinha dito parecia tã o ridículo que nã o
estaria inventando.
Ele manteve os olhos fixos no teto.
— Nã o — foi sua resposta brilhante e detalhada.
— Por quê?
Nã o sei por que perguntei. O que eu estava esperando? Nã o poderia
haver nada para eu esperar. Ele sabia onde yia-yia, Will e eu morávamos
durante aqueles anos apó s a morte da mamã e. Ele sempre soube onde
Sonny morava. E em quase dez anos, nenhum de nó s o tinha visto.
Agora, de repente…
— Dinheiro, garotinha. — Olhei para cima para vê-lo esfregar a mã o
no rosto. — Ele dirigiu todo o caminho até aqui para pedir a porra do
dinheiro.
— Você deu? — fiz a pergunta lentamente.
— Garotinha.
Talvez tenha sido errado da minha parte esperar que Sonny nã o
tivesse dado o dinheiro, porque ele era para o meu pai, afinal, mas eu
nã o conseguia ser madura nesse assunto.
— Son.
Ele baixou a cabeça e seus lá bios se curvaram em uma carranca.
— Porra, nã o — confirmou. — Sei que pediu a Luther depois que
recusei.
— E ele deu?
Sonny deu de ombros.
— Nã o sei.
Estreitei os olhos para seu rosto, observando o corte que dividia o
lá bio superior.
— Ah.
— Garotinha, nã o apoio um homem que nã o consegue se sustentar. É
constrangedor que ele rasteje de volta aqui para mendigar para outras
pessoas… — Estremeci porque, cara… Eu nã o tinha acabado de fazer a
mesma coisa? Rastejar para o meu meio-irmã o? Me senti uma idiota.
Sonny deve ter lido no meu rosto, porque revirou os olhos. — Sua
situaçã o é completamente diferente, cacete. Nã o faça essa cara para
mim. Você nã o está me explorando. Você tem um emprego que nã o
gosta. Está tentando encontrar seu rumo e eu já te ofereci dinheiro.
Você nã o aceitou, Ris. Você nã o é como aquele bosta de forma alguma,
ouviu?
Putz, eu amava esse cara.
— Nã o quero nada com ele — afirmou, com enorme convicçã o em
seu tom.
Eu também nã o, mas, pelo visto, meu cérebro nã o estava
funcionando corretamente porque perguntei algo que nã o deveria.
— Ele perguntou sobre a gente?
Sonny me lançou um olhar que eu nã o via desde que tinha dezenove
anos e me disseram que eu precisava fazer outra bió psia. Era cheio de
uma terrível espécie de remorso.
E projetou a resposta como um farol no céu.
— Já faz quanto tempo que você está aqui, mesmo?
Olhei para cima para ver meu amigo ruivo, Magrã o, se jogando no
sofá na minha frente. Era terça-feira, quase um mês desde que eu havia
começado na Pins and Needles e, para ser sincera, havia passado muito
rá pido e foi quase indolor.
Caí em uma rotina confortável. Durante o dia, eu ficava na casa do
Sonny, limpando e cozinhando quando nã o ia para uma rara entrevista
de emprego ― a primeira e ú nica havia acontecido na semana anterior,
mas eu nã o tinha recebido retorno ― e me candidatava a vagas pela
internet. Ocasionalmente, me permitia pensar no meu pai vindo à
cidade para pedir dinheiro a Sonny, mas era raro. O homem nã o
merecia meu aborrecimento. À noite, eu ia para casa e, metade do
tempo, Sonny ficava acordado e conversávamos ou víamos televisã o até
ele ir para a cama.
Como ele conseguia entrar no trabalho à s nove da manhã estava
além de mim, mas nã o perguntei.
Na outra metade do tempo, ele ficava fora e eu ia para a cama antes
que ele aparecesse de novo. Nos dias depois de ele me contar sobre
nosso doador de esperma vir para a cidade, seu humor melhorou
gradualmente, entã o eu nã o perguntava aonde ele ia, a menos que me
contasse. Na maioria das vezes, ele nã o contava. Mas quando Sonny
estava por perto, eu sempre tinha um sorriso no rosto, embora ele
ainda estivesse agindo um pouco estranho desde sua visita inesperada.
Ele era exatamente como Will, de quem eu ainda nã o tinha recebido
notícias, mas nã o me permiti focar nisso. Eu lhe enviava e-mails
semanais com breves atualizaçõ es que confirmavam que eu estava viva,
ainda morando com Sonny, ainda trabalhando no estú dio de tatuagem e
tinha, inclusive, uma carteirinha de biblioteca. Nenhuma surpresa aí.
O espelho para o meu Sonny era Dex, que aparecia e sumia do
estú dio esporadicamente já havia dias. Metade do tempo, algo o estava
deixando de ovo virado ― quando ele chegava e ia direto para o
escritó rio, deixando-me para me esgueirar na sala em momentos
aleató rios e fazer meu trabalho. Na ocasiã o em que ele estava de bom
humor, sorriu para mim exatamente três vezes ― e, Deus, isso sim era
um sorriso ― e uma vez ele tocou minha mã o quando passou.
Nã o que eu estivesse contando nem nada do tipo.
Eu passava meus dias de folga dirigindo por Austin. Visitei o
Capitó lio, desci a Sixth Street durante o dia, o que achei completamente
broxante quase de imediato, pois algum idiota começou a me seguir.
Sonny me levou a uma piscina num domingo. Visitamos o apartamento
de Trip outro dia. Fomos ao cinema juntos algumas vezes. Depois do
meu segundo salá rio, me matriculei na academia mais pró xima de casa
― porque já tinha visto alguns apartamentos perto de Sonny para
quando me mudasse em um futuro pró ximo ― e comecei a passar um
quarto de cada dia nadando e me exercitando lá .
Era bom. Eu estava feliz com minha vidinha tranquila.
Incluindo quando me vi de volta à Pins, com Magrã o me
perguntando há quanto tempo eu trabalhava com ele.
— Um mês.
Ele pronunciou as palavras lentamente.
— Acho que você já está aqui há tempo suficiente.
Isso era suspeito.
— Para quê?
Magrã o sorriu.
— Para inaugurar essa tela, Iris.
Eu pensava em fazer uma tatuagem quase todos os dias, mas ainda
nã o tinha me convencido.
— Mas nã o quero me comprometer financeiramente com uma
tattoo, a menos que tenha certeza de que gosto do que vou fazer.
— Entã o coloque um piercing. Eu ou Blue podemos fazer para você.
— Iris, você vai fazer uma tatuagem? — Blake perguntou da sua
estaçã o, curvado sobre as costas nuas de um cliente.
Lancei a Magrã o um olhar engraçado.
— Nã o, mas Magrã o está tentando me convencer a colocar um
piercing.
— Coloque — ele insistiu.
Um piercing. Um piercing? Hum. Eu poderia viver com um piercing.
Nã o era permanente, e depois de ver quantas mulheres e homens
vinham para colocar piercings em vá rias partes do corpo, nã o poderia
ser tã o ruim assim. Além disso, nã o posso dizer que nã o ficava com um
pouco de inveja quando via alguém sair se sentindo lindo depois de
passar um tempo na câ mara de tortura. Qual era a pior coisa que
poderia acontecer? Eu tiraria se odiasse?
Sem contar que agulhas e eu éramos velhas amigas. Nã o
necessariamente melhores amigas, mas eu nã o tinha medo de ser
cutucada e espetada.
Acho que minha expressã o entregou meus pensamentos, porque o
ruivo começou a assentir.
— Vamos — Magrã o pressionou.
— Mas onde? — Olhei para minhas mã os como se houvesse algum
mapa má gico que fosse me levar ao melhor lugar do meu corpo para ser
violado por uma agulha.
— Nariz! — Blake gritou. Como ele ainda ouvia claramente nossa
conversa, da sua estaçã o, com o som pesado do Mastodon, estava além
de mim.
Balancei a cabeça, imaginando-me com um piercing no nariz.
Embora nã o houvesse nada de errado com isso ― nã o havia nada de
especial ou zoado com meu nariz ―, eu nã o conseguia me ver com um
piercing.
— Nã o.
— Sobrancelha? — sugeriu Magrã o.
Pensei.
— Nã o. Eu nã o sou descolada o suficiente para usar um negó cio
desses. Ou durona. Ainda ontem, gritei quando uma barata voadora
entrou na sala.
Os dois caras, e possivelmente até o cliente, riram.
— Faça um piercing na língua — disse Blake.
Nã o. Claro que nã o.
Quando eu tinha dezessete anos, minha melhor amiga na época saiu
escondida de casa e colocou um piercing na língua sem os pais
saberem. Uma semana depois, ela estava com um inchaço do tamanho
de uma bola de golfe na boca e ficou sem conseguir comer alimentos
só lidos por meses. Aquilo foi traumatizante, e eu gostava demais de
comida para arriscar.
— Nã o. Eu gosto de comer, e isso vai fazer os caras pensarem que
gosto de dar abraços com a boca, entende o que quero dizer? — falei,
com naturalidade.
— Que porra é essa? — alguém perguntou atrá s de mim. Esse
alguém especificamente sendo Dex.
Alguém me mate. Alguém me mate agora.
Meu rosto ardeu como um tomate quando me virei para vê-lo
sorrindo, segurando uma garrafa de Nesquik de chocolate.
— Ã hh… eu quis dizer…
Dex começou a rir. Sua cabeça estava inclinada para trá s e ele ria pra
caramba, um som profundo e gutural que me fez sorrir, embora me
sentisse uma idiota pelo que tinha dito.
— Vou ter que usar isso um dia. — Magrã o sorriu, balançando a
cabeça. — E aí, garota, quer me dar um abraço com essa boquinha
doce?
Eu gemi através do meu sorriso.
— Por favor, nã o.
Dex, que nã o conseguia conter o riso, concentrou-se em mim.
— De que porra você está falando?
Magrã o apontou o polegar em minha direçã o.
— Estamos tentando convencer a Iris a fazer um piercing como um
rito de passagem na Pins.
Bem, merda. Antes de haver plano de saú de, teria um piercing.
Dex olhou, mediu-me da cintura para cima, já que eu estava sentada,
e murmurou um som.
— E quanto ao seu… — Blake começou antes de Dex lançar um olhar
afiado para ele.
— Nem fodendo, mano.
O que quer que ele fosse dizer, eu tinha um pressentimento de que
nã o seria algo que eu realmente quisesse saber, entã o nã o me
incomodei em pedir que terminasse a frase.
Dex focou em mim novamente, olhos azuis brilhantes contra a pele
bronzeada do seu rosto.
— Umbigo, flor.
Meu umbigo.
Nã o era na minha cara. Ninguém ia ver, a menos que eu mostrasse, e
se eu tirasse, a cicatriz seria tã o pequena que ninguém notaria.
Mas ainda assim…
— Dó i?
Dex mordeu seriamente o lá bio, mas foi inú til. Sua boca começou a
se curvar para cima em diversã o.
— Acho que nenhum de nó s saberia por experiência pró pria.
Eu fiz uma careta. Engraçadinho de novo.
— Espero que nã o.
— Toda garota em que já fiz piercing nã o reclamou muito, Iris. Acho
que sua cartilagem doeu mais — explicou Magrã o. — Agora, se você
fosse furar o mamilo — ele arregalou os olhos — ou algo como o capuz,
eu provavelmente diria para você nã o furar até que fizesse algo mais
fá cil primeiro.
— Ã hh… onde exatamente fica um piercing no capuz? — perguntei
lentamente, sentindo-me ingênua enquanto apertava minhas coxas uma
na outra com medo do que viria. Eu tinha visto fotos de alguns
piercings nã o tradicionais e lido coisas em romances que me fizeram
debater se deveria sorrir ou corar, mas… pensei que era um tipo de
coisa meio rara.
Seu sorriso preguiçoso foi a minha resposta.
— Vamos procurar na internet — ele sugeriu.
Eu nã o deveria ter feito isso. Nã o deveria ter ficado curiosa o
suficiente para olhar, mas olhei. Magrã o se inclinou sobre o
computador, digitando rapidamente em uma busca que trazia pá gina
apó s pá gina de diferentes tipos de piercings.
As primeiras fotos eram bem do tipo livre para todos os pú blicos.
Sobrancelha simples, sobrancelha dupla ― como o de Blake ―, nariz,
língua, labret, lá bio duplo, septo, ponte do nariz! Quanto mais Magrã o
clicava, mais eu começava a me perguntar se deveria estar olhando ou
correndo. Havia piercings nos mamilos em homens e mulheres, e entã o
eu vi a vagina.
Um piercing no “capuz”. Um vertical, um horizontal, um profundo…
Estremeci e, como uma idiota, coloquei meu dedo sobre o de Magrã o
para ir para a pró xima pá gina.
Pênis!
Um pau apareceu para mim na tela. Um pau duro com um piercing
que circulava da uretra até furar a cabeça.
— Puta merda — sussurrei, olhando para a maldita foto por mais
tempo do que deveria, cruzando a fronteira entre apreciar e ficar
encarando, boquiaberta.
Mas nã o tinha acabado. Olhei para a foto logo abaixo dela e vi fileiras
de pênis.
Engoli em seco.
Um pau longo e incrivelmente grosso com um piercing saindo direto
da cabeça. De cima para baixo. Na parte de baixo, tinha a legenda
“Apadravya”. Um pênis apó s o outro foi surgindo na tela. Imagens
acompanhadas de palavras como frenum, dydoe, lorum e pú bico me
deram um tapa na cara ― visual, nã o físico. Infelizmente, eu diria, já que
todos eram impressionantes… uma ereçã o poderia ser bonita?
Nã o que eu tivesse muita experiência, mas nã o era a questã o.
Minhas coxas se apertaram e tenho certeza de que meus olhos
ficaram quase do tamanho do sol. Comecei a bufar, um sinal de que me
arrependeria das palavras nervosas que sairiam de mim. Palavras que
cimentaram que eu era uma pessoa sozinha nã o apenas em um sentido
emocional.
— Isso ajuda o homem ou a mulher?
— O que você acha? — Dex perguntou, um pouco rá pido demais.
Gaguejei, em transe com a imagem na tela. Eu deveria me sentir
grata por nã o ter estendido a mã o para acariciar a tela; isso teria sido
horrível. Nã o que encarar fosse melhor.
— Dex tem um desses — Magrã o soltou, em uma risada.
Fixei o olhar para a frente.
— Desculpe? — engasguei.
Magrã o balançou a cabeça, com um sorriso amplo.
— Dex? Estou mentindo?
Meu foco deslizou para o homem em questã o. O homem em questã o
que tinha os olhos fixos em mim, sangrando-me com o foco do seu
olhar. E foi com essa mesma confiança, essa concentraçã o completa que
ele balançou a cabeça devagar, devagar, devagar para cima e para baixo.
Sorrindo como um homem que nã o tinha um pingo de vergonha.
— Você nã o está mentindo.
Um vulcã o entrou em erupçã o no meu rosto com sua resposta. Abri a
boca, incapaz de dizer qualquer coisa. O quêêêêêê? Entã o fiz a ú nica
coisa que remotamente poderia salvar minha honra.
Colei o rosto na mesa. E entã o comecei a resmungar:
— Informaçã o demais.
Eles podiam estar rindo, mas me sentia muito humilhada por estar
cobiçando o pênis de um estranho ― e pedindo um igualzinho ao Papai
Noel ―, quando o homem atrá s de mim tinha exatamente aquilo que eu
estava sentada admirando. E o homem atrá s de mim sendo Dex. Se
fosse Blake, eu poderia ter feito uma careta, mas…
— Relaxe, Iris, tá de boa. — Magrã o riu, apontando para a tela. —
Você ficaria surpresa com a quantidade de caras que fazem.
Ele estava mentindo na minha cara, e eu sabia.
Nã o me incomodei em olhar para cima e resolvi fechar os olhos, mas
tudo o que pude fazer foi imaginar aquele grande pênis perfurado no
corpo de Dex. Santo Deus.
— Eu nã o posso… quero dizer… isso parece muito doloroso —
murmurei contra a mesa, um sussurro tenso que soou quase como um
gemido.
Ninguém negou o fato de que perfurar os ó rgã os genitais era
doloroso. Putz.
— Espero que valha a pena.
— Você quer descobrir? — Dex brincou.
Mas que merda era essa?
Tudo abaixo do meu pescoço corou com sua pergunta, mas me
desviei. Nã o havia como negar o toque de flerte em seu tom. Se bem que
eu nã o o tinha visto com nenhuma outra mulher desde aquela manhã
na oficina. Embora eu duvidasse de que ele estivesse sofrendo de
abstinência, a gente nunca sabia. Talvez estivesse.
Mas provavelmente nã o.
— Flor, vá escolher um piercing para o umbigo — Dex murmurou ao
mesmo tempo em as pontas dos dedos de alguém roçaram minha nuca.
Olhando de volta para a tela, minha barriga vibrou.
Puta que pariu, aquelas fotos ficariam gravadas no fundo das minhas
pá lpebras para sempre. Se alguma vez eu ficasse desesperada por
inspiraçã o para me masturbar, piercings no pênis eram o que eu ia
procurar.
— Vamos lá , escondi algumas das joias legais que recebemos no
ú ltimo lote — Magrã o insistiu.
Suspirei, concentrando-me no ruivo desengonçado em vez do
monstro na tela do computador. A foto com a coisa monstruosa. Ahhhh!
Eu precisava me recompor.

— Se meu umbigo infeccionar ou o piercing ficar torto, vou passar


todos os seus agendamentos para Blue a partir de agora — declarei, um
fracasso épico de piada, sentada na cadeira de uma das salas privadas.
Magrã o me mostrou algumas das joias novas de umbigo que eles
haviam comprado antes de eu ser contratada. Decidi por uma peça de
ouro branco ― minhas orelhas inchavam se eu colocasse qualquer coisa
nelas que nã o fosse ouro ou hipoalergênico ― com um lindo cristal
verde redondo. Para ser sincera, fiquei muito animada com o piercing,
porque eu adorava acessó rios.
— Você vai ficar bem — ele me assegurou, tirando da autoclave o
equipamento esterilizado de que precisaria. Uma agulha
particularmente grande e mais grossa que o normal foi parar nas suas
mã os. Magrã o cruzou o olhar com o meu e sorriu. — Agulhas assustam
você?
Eu bufei. Tá , beleza.
— De jeito nenhum.
— Que bom.
Ele já havia me explicado o procedimento e tudo o que ele precisava
fazer naquele momento era limpar com alguma coisa laranja e fazer
duas marcaçõ es por onde a agulha passaria.
— Vamos acabar logo com isso. Estou ficando ansiosa — gemi,
inclinando-me para trá s na cadeira, olhando para cima, e entã o virei a
cabeça de lado, na direçã o da porta, onde encontrei Dex parado do lado
de fora, olhando para dentro.
— Deixe que eu faço, Magrã o — disse ele, dando um passo à frente.
Magrã o deu de ombros, sem se preocupar em se virar e olhar para o
nosso chefe.
— Vá em frente. Está tudo pronto.
Achei estranho que Dex se oferecesse para fazer isso por mim,
porque eu nã o o tinha visto fazer nenhum piercing desde que eu estava
no estú dio.
— Nã o quero ser sem educaçã o, mas você sabe o que está fazendo?
Ele se virou para me olhar por cima do ombro e simplesmente
fechou a cara. Magrã o riu.
Tudo bem, entã o.
Ouvi o estalar de luvas sendo calçadas, e, quando dei por mim, Dex
estava enrolando minha camisa sobre o meu peito. Os dedos de uma
das suas mã os pousaram diretamente sobre meu umbigo por um
segundo antes de ele me limpar com um lenço frio que manchou minha
pele de laranja-escuro.
Ele trabalhou em silêncio, fazendo caretas pensativas enquanto se
inclinava com uma caneta na mã o e marcava dois pontos. Um
diretamente na minha barriga e outro onde nã o dava para ver. Ele
puxou um espelho do balcã o para me mostrar o que havia marcado.
— Simétrico, né? — ele me perguntou como se eu realmente tivesse
condiçã o de dizer que sim ou que nã o, seu corpo grande pairando sobre
o meu com o piercing apadravya ainda tã o fresco na minha mente.
Meu aceno de confirmaçã o foi lento.
— É.
Ele me deu um pequeno sorriso, outra raridade, antes de murmurar
enquanto usava pinças cirú rgicas para pinçar a pele:
— Vou te falar quando prender a respiraçã o e quando soltar, tá ? É só
um beliscã o.
A transferência da agulha para a joia foi muito rá pida ― se nã o fosse
pela estranha sensaçã o de queimaçã o apó s ele ter enfiado a agulha em
mim e transferido a joia, eu nã o teria estremecido nem nada.
Dex deu um passo para trá s, admirando seu trabalho com o olhar
atento.
— Perfeito.
Fiquei apoiada sobre os cotovelos e olhei para o meu novo piercing.
Era incrível.
— Legal — sussurrei, ao me sentar completamente. Toquei o topo da
joia com cuidado usando o indicador, antes de puxar a camisa para
baixo e cobrir o piercing, sorrindo. — Obrigada, meninos.
Magrã o assentiu, seus olhos focados em Dex.
— Cara, quando foi a ú ltima vez que você fez um piercing? .

— Preciso de uma bebida — Dex anunciou, acionando o alarme na


Pins. Nã o era nem meia-noite, mas o estú dio estava morto e todos
concordamos que era inú til ficarmos abertos. — Eu pago.
Blake soltou um uivo de aprovaçã o que foi um companheiro perfeito
para o assobio de Magrã o.
O bipe alto abafou o leve murmú rio de qualquer coisa que Blue
tivesse respondido, mas, com base no seu movimento de cabeça,
percebi que ela também estava animada com a ideia de bebidas
gratuitas. Nã o foi até estarmos do lado de fora e eu estar tentando
avançar em direçã o ao meu carro que Dex se virou para mim.
— Você vem?
Hesitei.
— Você vem — declarou ele, desta vez uma afirmaçã o, nã o uma
pergunta.
Pisquei para ele, parado ali com os braços ao lado do corpo.
— Na verdade, eu nã o bebo. — Da mesma forma que nã o comia
frituras, pã o branco ou carne. Muitas pessoas nã o gostavam de á lcool.
Mas muitas pessoas também gostavam de me provocar por ser careta
quando esse nem era o caso.
— Você nã o bebe mesmo? — Ele falou exatamente com o tom que
havia usado ao perguntar sobre minha visita à biblioteca.
Balancei a cabeça em negativa.
— Nada de cerveja?
— Eu bebi metade de uma há algumas semanas — ofereci como
resposta.
— Bebida fofas de mulherzinha?
Sorri, mas balancei a cabeça.
— Quase nunca.
Os lá bios de Dex se curvaram nos cantos novamente.
— Vodca pura, flor?
Bufei.
— No dia em que você colocar um piercing no umbigo.
E eu esperei. Esperei que um deles fizesse algum tipo de comentá rio
espertinho, como a maioria das pessoas fazia quando eu contava que
nã o bebia. Elas faziam parecer que havia algo de errado comigo por nã o
gostar do sabor do á lcool ou da cerveja e, especialmente, por nã o ter
gostado da primeira e ú nica vez em que fiquei bêbada. Entrar em uma
explicaçã o de por que eu nã o bebia era desnecessá rio.
Mas nenhum deles riu. Nenhum deles fez mais do que parecer
levemente entretido com a ideia.
Dex enfim sorriu, gesticulando em direçã o a sua moto com uma
inclinaçã o de cabeça.
— Vou pegar uma cerveja-de-raiz para você, entã o.
Bem, eu nã o estava esperando nada nem parecido com isso.

Havia muitas coisas que me incomodavam em Dex. Ele era mal-


humorado, mandã o e autoritá rio. Ele podia fazer as coisas sem
consideraçã o alguma ― embora, para ser justa, essas características só
foram demonstradas no nosso encontro inicial. E ele era lindo.
Nã o apenas atraente.
Apesar de todas as coisas nele de que eu nã o gostava e que ele
poderia resolver com uma atitude diferente, o homem respirava
oxigênio e expirava masculinidade sexual no seu melhor estado,
quando estava sendo um idiota, e ainda mais quando nã o estava. Era
tudo ― desde a maneira como ele andava, até a maneira como moldava
suas palavras, comendo as ú ltimas letras, como ignorava seu cabelo
bagunçado e usava todas aquelas tatuagens ― o que gritava para aquela
parte animalesca dentro de mim.
Portanto, nã o ajudava que todas aquelas coisas que me irritavam
regularmente sumissem e fossem substituídas no minuto em que
entramos no bar.
Charles Dexter Locke ― eu havia descoberto seu nome completo
depois de ver uma nota onde aparecia e dei uma boa gargalhada ―
virou um cara legal. Suave, mandã o mesmo com pessoas que ele nã o
empregava, mas ele fazia isso de uma forma que nã o gritava “carente”
ou “irritante”, mas sim confiante. No momento em que nos sentamos a
uma mesa, uma garçonete já estava literalmente ali com uma bandeja
de cervejas na mã o. Dex deu uma olhada rá pida para ela, disse as
palavras “Cerveja-de-raiz para a garota, por favor” e, quando a bebida
engarrafada foi colocada na minha frente, outra esguelha para a
garçonete do Mayhem com um baixo “Valeu, Rach”, e eu juro por Deus
que a pobre moça quase desmaiou.
Sua expressã o era quase cô mica. Palavra-chave: quase.
Eu nã o sabia me comportar perto desse homem falante e casual que
ria de uma histó ria que Blake estava contando sobre seu filho ter ido
para a detençã o da escola por falar palavrã o.
E sua maldita risada.
Puta que pariu. Puta. Que. Pariu.
Tive que me forçar a lembrar que esse era o homem que quase tinha
me feito chorar. O homem que me chamou de vagabunda e idiota pelas
minhas costas. O mesmo homem que me fez pensar em pedir demissã o
do ú nico lugar de que eu realmente havia pedido demissã o.
Mas ele se desculpou. Pediu desculpas genuinamente e parecia que
se arrependia do que havia acontecido. Fosse porque ele era realmente
culpado ou que tivesse sido intimidado a se desculpar, nã o importava.
Desde nosso pequeno barraco no estacionamento, ele se mantinha
distante, cordial e preocupado ao mesmo tempo. Embora eu tivesse
conhecido o resto dos caras, Dex ainda era um enigma volá til.
Por mais lindo, suave e relaxado que ele fosse no momento, aquele
nã o era o cara normal que eu conhecia. Mas, por outro lado, o que eu
sabia sobre administrar meu pró prio negó cio e ter que equilibrar o
trabalho e as relaçõ es pessoais com os funcioná rios? Absolutamente
nada além do fato de que Sonny, que eu amava e em quem confiava, de
alguma forma, conseguia ser amigo dele. Isso tinha que contar para
alguma coisa.
— Iris! — Blake gritou do outro lado do nicho em que estávamos.
Inclinei a cabeça para ele, sorrindo. Estávamos lá havia apenas trinta
minutos e eu estava terrivelmente quieta, mais do que o normal,
absorvendo suas conversas familiares.
— Sim?
Ele passou a mã o sobre a cabeça careca, segurando a cerveja perto
da boca com a outra.
— Você tem idade para beber?
Prendi meus lá bios com os dentes.
— Tenho.
— Quando você completou vinte e um anos? Este ano?
Revirei os olhos para ele.
— Três anos atrá s. Tenho vinte e quatro, chegando nos cinquenta.
Blake fez uma careta.
— Você é um bebê, porra.
— Talvez em comparaçã o com você, seu velho. — Eu ri. Na semana
anterior, ele havia completado trinta e seis anos. Ninguém comprou um
bolo para ele nem nada, mas ele mencionou o aniversá rio para mim de
passagem. A obrigaçã o me fez ir à lanchonete ao lado para comprar um
cookie para ele em comemoraçã o.
— Onde você morava antes?
Foi Dex quem fez a pergunta. Dex, que, de repente, parecia muito
concentrado do outro lado da mesa, um cigarro apagado aninhado
entre os dedos, sem ver o que estava fazendo. E Dex, que nã o havia
prestado atençã o à documentaçã o que preenchi quando me deu o
emprego. Claro.
— Fort Lauderdale.
— E você dirigiu até aqui sozinha? — ele indagou com aquele
sotaque sulista baixo e arrastado.
Oh, Deus.
— Dirigi.
— Flor, isso é uma burrice do caralho. Por quê?
Pensei por um momento em lhes dar algum motivo vago, mas para
quê?
— Nã o consegui encontrar outro emprego depois que fui demitida e
o meu contrato de aluguel terminou.
— Sua outra família? — Dex perguntou, inclinando-se para a frente
em seu assento, enquanto plantava os cotovelos na mesa.
Minha família nã o integrante do MCFV, ele queria dizer. Eu acho.
Certa parte de mim nã o ficou surpresa por ele nã o saber a resposta,
embora fosse amigo de Sonny.
— Meu irmã o mais novo é militar. Ele está no Japã o.
Meu chefe piscou devagar mais uma vez, aqueles olhos me sugando
para a frente como um vó rtice. Ele olhou de um lado para o outro, como
se estivesse pensando se deveria ou nã o fazer a pró xima pergunta.
— Sua mã e?
O iceberg que vivia permanentemente no meu peito se moveu um
centímetro. Ele nã o deveria saber disso a essa altura? Havia momentos
em que eu tinha ido ao Mayhem com Sonny que me fizeram sentir como
se todos no Clube conhecessem a minha histó ria. Se bem que, por que
Dex se importaria o suficiente para querer saber? Ou, caramba, até
mesmo ouvir se alguém mencionasse. Metade do tempo ele estava
envolvido em seu pró prio mundo solitá rio. Minha voz estava mais baixa
do que o normal, como um lenço de papel macio em uma tempestade
de vento.
— Ela faleceu há alguns anos.
Magrã o, que tinha falado comigo e me perguntado coisas, nã o sabia
disso especificamente, entã o nã o fiquei surpresa quando ele estendeu a
mã o e deu um tapinha na minha.
— Meus sentimentos, Iris.
Dex fez um aceno gradual de concordâ ncia. Havia algo em seu rosto
que parecia tenso. Talvez eu só estivesse imaginando.
— Lamento sobre sua mã e, flor.
Fiz o que sempre fazia quando alguém descobria sobre ela: dei de
ombros. Nã o que eu tivesse contado a muita gente, porque nã o contei.
Ao longo dos anos, conheci apenas algumas pessoas com quem tinha
algum motivo para compartilhar essas informaçõ es. A maioria nunca
perguntava, porque muitos nã o valorizavam suas famílias o suficiente,
mas esses caras, sim.
— Aconteceu já faz bastante tempo, mas obrigada.
O silêncio que se seguiu foi um pouco denso demais. Um pouco longo
demais. Aquilo me deixou um pouco desconfortável.
— Entã o… — Forcei um sorriso. — Falando sério agora: quem foi
que espancou o palhaço em Seattle?

— Nã o é verdade! — Magrã o estava com a testa na mesa.


— É verdade, sim.
— Seu mentiroso.
Dex estava sentado bem na minha frente e em sua quarta ou quinta
cerveja ― perdi a conta depois da estranha segunda ― e ele estava
rindo. Rindo do fundo do peito, com aquela voz cheia vibrando por
todos os poros de uma forma que me fazia voltar os olhos para ele a
cada chance que eu tinha. Esse Dex, esse que estava brincando com
nosso grupo, mexendo com os caras, era apenas… uma pessoa
completamente diferente daquela que eu via na Pins, noite apó s noite.
O bom humor na nossa mesa era tã o contagiante que eu nã o
conseguia encontrar em mim a vontade de ser a matadora de clima que
nã o abria a boca. Eles haviam me tirado da minha natureza
normalmente reservada que eu mantinha ao redor deles e me deixaram
relaxada. Eu me sentia a Iris normal ― a Iris que eu era perto de Sonny,
Will e Lanie ―, para variar, nas mã os sombrias da Pins.
— Foi sim, Ritz — ele concordou com Magrã o. — Achei que você
fosse desmaiar.
Eu gargalhei, engolindo o Shirley Temple que ele havia pedido para
mim na ú ltima passada da garçonete.
— Meu rosto ficou vermelho, mas nã o ofeguei quando vi. —
Estávamos nos referindo ao incidente do piercing no pênis de antes. O
incidente que havia nos levado ao ú ltimo tó pico do qual os caras
estavam rindo: os clientes que choravam ou gritavam quando faziam
um piercing.
Blake balançou a cabeça em negaçã o.
— Nã o, senhora. Seu rosto ficou vermelho logo depois que você
ofegou. Eu tinha certeza de que você ia desmaiar.
— Tanto faz. — Fiz uma careta para todos eles, exceto Blue, que
estava sentada sorrindo. — Eu nem entendo por que vocês me
mostraram aquilo. Fizeram de propó sito para me envergonhar.
Nenhum deles negou, confirmando que eu estava certa.
— Meus olhos virgens têm cicatrizes para o resto da vida —
acrescentei. Por quê? Porque eu era uma idiota.
Também porque eu era uma idiota, olhei na direçã o de Dex
imediatamente depois que as palavras saíram da minha boca.
— Está falando sério?
E claro que ele diria algo agora, dentre todos os momentos.
Abri um sorriso.
— Brincadeira. — Mentira, mentira, seu nariz vai crescer. Deus,
Austin era minha ruína.
Ele ergueu uma sobrancelha grossa e preta, mas seu olhar me fez
sentir como se pudesse sentir o cheiro das minhas mentiras a um
quilô metro de distâ ncia.
— Você está vermelha. — Blake riu. — Blue, por que você nunca fica
vermelha?
Blue, que estava sentada do mesmo lado que eu, deu de ombros.
— De qualquer forma, seu rosto ficou vermelho quando você viu o
pau na tela — Magrã o lembrou a todos da nossa conversa de momentos
antes.
Eu resmunguei e acenei para ele.
— Sem ofensa, mas vocês três sã o uns bostas — eu disse, mas com
um sorriso. — Só um pouquinho.
Dex olhou para Blake por cima do ombro, um lado da boca curvado
para cima.
— Ela diz “sem ofensa” antes de dizer que somos uns bostas, você
acredita nisso?
Revirei os olhos para eles.
— Eu tenho boas maneiras.
Magrã o deu um tapinha na minha mã o como tinha feito quando
contei sobre os meus pais.
— Isso é verdade.
O som de um celular tocando levemente acima da mú sica no pub fez
com que cada um de nó s tentasse olhar para nossos aparelhos. Foi
Blake quem levou o dele até a orelha, franzindo a testa para a tela. Já
eram quase duas da manhã e o barman havia anunciado a ú ltima
rodada, entã o eu nã o podia culpá -lo por parecer confuso quando seu
telefone tocou inesperadamente. Um segundo depois, ele estava
empurrando Blue para fora do assento e saindo da mesa.
— Acho que é a mã e do filho dele — Magrã o sugeriu em um tom
abafado.
O humor mudou naqueles momentos em que Blake se foi. Nenhum
de nó s disse nada até que ele voltou, parecendo sombrio e confuso. Ele
parou no final da mesa, mandíbula apertada.
— Preciso ir. Seth está no pronto-socorro. Está com uma febre alta
que a mã e dele nã o consegue controlar — explicou rapidamente, já
dando um passo para trá s.
— Vai lá , cara.
Blake assentiu, dando outro passo para trá s antes de olhar para Dex.
— Eu te ligo se acontecer alguma coisa.
Esqueci que eles deveriam viajar no dia seguinte para Houston.
— Espero que seu filho esteja bem! — falei antes de Blake sair. Ele
me lançou um sorriso agradecido, inclinou a cabeça para os caras e
saiu.
Quase de imediato, todos nos levantamos, unanimemente. Dex
acenou para a garçonete e trocou algumas palavras com ela antes de
entregar um cartã o. A culpa tomou conta de mim quando a garçonete
saiu com o cartã o dele. Enfiei a mã o na carteira e tirei uma nota de
vinte dó lares, dobrando-a cuidadosamente enquanto esperávamos.
Antes que a garçonete voltasse, diminuí a distâ ncia entre nó s,
observando-o se concentrar em uma das telas penduradas sobre o bar,
que mostrava um jogo de beisebol do início do dia.
— Aqui — eu disse, entregando-lhe a nota o mais discretamente
possível.
O olhar de Dex passou da tela para mim em um segundo, arregalado
quando ele olhou para baixo para ver o que eu estava tentando passar
para ele.
— Aqui — sussurrei.
Ele apenas ficou olhando para mim, fazendo-me sentir estranha por
segurar o dinheiro. Dinheiro que ele nã o estava pegando.
— Pegue.
Dex deu aquela piscada lenta outra vez, aquela que engolia planetas.
— Nã o — ele disse sucintamente.
— Estou falando sério — sussurrei, empurrando a nota para mais
perto dele.
— Nã o, flor. Eu disse que era por minha conta.
Isso foi exatamente o que ele tinha dito, mas me senti mal. Ele havia
bebido de quatro a cinco cervejas. Os outros caras provavelmente
tinham bebido o mesmo tanto, e nã o havia promoçã o de happy hour
naquela hora. A conta tinha que ter custado mais do que eu ganhava em
um dia.
— Apenas pegue — insisti.
Dex pegou a nota, segurando-a entre o dedo médio e o anelar,
mantendo aqueles olhos azuis brilhantes nos meus.
— Está falando sério?
Eu balancei a cabeça.
— Estou.
— Dex, você pode assinar aqui para mim? — a garçonete perguntou,
vindo até nó s com o recibo e o cartã o.
O alívio me inundou por ele ter pelo menos pegado o dinheiro para
cobrir alguma despesa. Nã o que eu achasse que ele estava se doendo
por isso. Ele havia deixado o site do banco onde a empresa tinha conta
aberto no computador alguns dias atrá s, e eu tinha dado uma espiada
antes de sair. Desnecessá rio dizer que o valor do saldo era
impressionante.
No momento em que dei um passo para trá s para voltar para onde
Magrã o e Blue estavam, senti uma leve pressã o na bunda e me virei
para olhar por cima do ombro para encontrar os dedos de Dex
rastejando para fora do meu bolso de trá s.
Ahn… o quê?
Seus dedos entraram e saíram do meu bolso tã o rá pido que eu quase
nã o tinha certeza se realmente havia acontecido ou nã o e, antes que
pudesse reclamar sobre ele ter me devolvido meu dinheiro ― e enfiado
a mã o onde nã o devia ―, ele encostou o peito em mim.
— Obrigado por oferecer, flor — ele sussurrou, todo há lito quente na
minha pele.
Foi inevitável estremecer, mas pelo menos acho que o fiz
discretamente. Droga, esse Dex descontraído era algo com que eu nã o
sabia lidar. Era quase possível eu esquecer as merdas que ele dizia e
fazia diariamente.
Estava bem ali, eu podia sentir. Eu podia sentir aquela atraçã o nele
que fazia as pessoas suportarem sua volatilidade de humor e
temperamento insano.
Olhando para ele elevando-se sobre mim todo relaxado, o rosto
despreocupado, sem tensã o, eu balancei a cabeça.
— Bem, de nada, pelo menos. Obrigada por me convidar.
E ele sorriu para mim enquanto saíamos com Magrã o e a silenciosa
Blue.
Tive que me dizer mentalmente para parar de olhar para o homem
estranho que eu nã o parecia entender, para me concentrar nos meus
colegas de trabalho ligeiramente bêbados. Tive que me sacudir
fisicamente para acordar e sobreviver à pró xima hora. Inspecionando
todos os três, suspirei, com apenas um toque de exaustã o beliscando
meus ombros e pescoço.
— E aí, seus bostinhas, precisam de carona?
A ú ltima coisa que eu esperava fazer no dia seguinte era ir ao Costco.
Com Dex. No meu carro.
Quero dizer, Costco, Dex e meu carro nem deveriam pertencer à
mesma frase, certo? Dex e Costco?
Mas, de alguma forma, foi onde me encontrei à s cinco da tarde.
Seguindo Dex pela enorme loja, repondo o estoque de papel higiênico,
toalhas de papel e coisas aleató rias, como utensílios de plá stico para a
Pins.
Eu tinha aparecido para trabalhar quinze minutos mais cedo e
encontrei Dex do lado de fora ― fumando. Eca. Ele tinha me dado
aquele olhar longo e vagaroso que nã o entendi muito bem e inclinou a
cabeça para trá s, soprando uma espessa nuvem de fumaça na direçã o
oposta de onde eu estava.
— Vamos abrir mais tarde — foi exatamente o que ele disse antes de
jogar a bomba em mim.
Como se eu fosse reclamar.
— Tá bom.
Dex se afastou da parede, deixando cair o cigarro no chã o e
esmagando-o com a ponta da bota.
— Seu porta-malas é grande o suficiente para uma corrida no
Costco?
Na minha cabeça, havia pneus cantando em protesto ao seu
comentá rio. Ele queria que eu fosse com ele?
— Umm… eu acho que sim.
Ele sorriu antes de se inclinar para pegar a bituca amassada do chã o.
— Tudo bem, vamos lá .
Droga.
Continuei repetindo droga para mim mesma enquanto
caminhávamos em direçã o ao estacionamento. Eu tinha resolvido a
maior parte da tensã o que sentira em relaçã o a Dex ao longo das
ú ltimas semanas, e especialmente depois de ver como ele também
sabia ser legal e compreensivo… bem, eu nã o sentia o mesmo
ressentimento. Isso nã o significava que eu estava mentalmente
preparada para sair com ele.
Ou você sabe, ir comprar coisas juntos.
Vinte minutos depois, Dex estava empurrando um enorme carrinho e
indo em direçã o à seçã o de alimentos.
Deve-se dizer que nas duas vezes em que eu tinha ido a esse
hipermercado, tinha visto muitos homens. Normalmente, eram sempre
maridos ou namorados, dos vinte anos até sessenta ou setenta. Alguns
eram bonitos; outros, nã o. Alguns tinham tatuagens; a maioria, nã o.
Mas eu nunca tinha visto um homem como Dex empurrando um
carrinho. Com suas tatuagens de braço inteiro, tinta vermelha espiando
pelo pescoço e uma Levi’s que tinha sido laceada perfeitamente em
torno das suas coxas ― e bunda também ―, ele era uma visã o e tanto.
Enfim, talvez eu nã o tivesse imaginado homens como Dex. Nunca. Eles
eram como abomináveis homens das neves.
No entanto, lá estava ele com seu pequeno pedaço de papel que
chamava de lista, curvado sobre a borda do carrinho, jogando toalhas
de papel suficientes para três meses e pacotes enormes de papel
higiênico.
A primeira e ú nica coisa que ele disse no tempo entre nó s termos
estacionado o carro e serpenteado pelos corredores foi:
— Pegue o que quiser.
— Obrigada — foi a resposta que dei a ele. Entã o nada.
— Você está chateada de novo? — Dex finalmente perguntou, depois
que arrumamos os produtos de papel para abrir espaço para as outras
coisas que ele planejava comprar mais adiante.
Nó s realmente nã o tínhamos conversado muito no caminho ― ele
pegou as chaves de mim enquanto atravessávamos a rua para o
estacionamento ―, e eu nã o tinha feito muito esforço desde que
havíamos entrado na loja.
Olhei para ele, observando a camiseta verde-escura que fazia seus
olhos parecerem quase pretos, e balancei a cabeça.
— Nã o. Por quê?
Aqueles olhos azuis normalmente brilhantes fizeram uma trilha
preguiçosa do meu rosto para baixo, lembrando-me, por algum motivo,
do fato de que ele havia enfiado os dedos no bolso de trá s da minha
calça no Mayhem, na noite anterior.
— Você está toda quieta, flor. É estranho.
Uh… O quê?
— É que nã o falo muito mesmo.
Seus olhos se estreitaram um pouco.
— Você fala com todo mundo.
Eu nã o achava que era minha imaginaçã o, mas seu tom tinha ficado
um pouco mais baixo do que o normal.
Pensando nisso por um segundo, acho que sim. Na Pins, eu
geralmente estava sempre conversando com um cliente, com Magrã o ou
Blake. Era mais frequente que eu estivesse falando com alguém. No
entanto, a ú nica pessoa com quem eu realmente nunca conversava era
Dex. Nã o que isso fosse uma surpresa também. Mais da metade do
tempo desde que eu o conhecia, eu nã o o tinha na mais alta
consideraçã o. Na outra metade do tempo, eu passava a maior parte
tentando ficar fora do seu caminho.
— Ah — falei, dando um sorriso meio caído.
Dex piscou devagar, seu olhar duro e inflexível.
Ai, Senhor. Isso fez minhas mã os parecerem estranhas. Ofeguei uma
risada desajeitada, estendendo a mã o para coçar a cabeça.
— Obrigada por me colocar na cama naquela outra noite, a
propó sito.
Ele nã o disse nada, apenas continuou olhando para mim.
Enfim. Me virei para encarar as prateleiras opostas, sentindo-me
incrivelmente estranha por ele nã o ter respondido com pelo menos um
maldito grunhido.
— De nada, Iris — murmurei baixinho, olhando para as fileiras de
barras de granola nas prateleiras.
— O que você disse?
Droga.
Tentei disfarçar tossindo.
— Nada.
O som suave das suas botas no chã o era meu aviso de que ele estava
se aproximando.
— O que você disse? — repetiu, parando bem à minha esquerda. Eu
podia sentir o calor do seu peito no meu braço.
— Nada. — Deus, eu era uma covarde.
Ele deu mais um passo na minha direçã o, seu abdô men roçando meu
cotovelo.
— Ritz, coragem. O que você disse?
Ah, cara. Engoli em seco e inclinei a cabeça para olhar para ele.
Dex estava me fitando com aquele olhar impenetrável.
— Eu já nã o te falei para você falar a porra que quiser? Eu sei que
você disse alguma coisa, entã o repita.
Eu realmente era uma covarde à s vezes. Por que eu simplesmente
nã o repetia o que tinha dito? Ah, certo. Eu nã o queria ser demitida.
— Eu disse “de nada” para você.
— Por que você nã o falou isso, entã o? Ainda acha que vou ficar puto
ou algo assim? — ele perguntou com cautela, a voz baixa.
Coragem, ele tinha dito. Olhei para ele com cuidado, observando a
barba escura em sua mandíbula.
— Eu nã o quero te deixar bravo.
— Por quê?
— Por quê? — eu repeti.
— Sim, por quê? Estou pouco me fodendo se irrito as outras pessoas.
Como se eu já nã o soubesse disso. Murmurei um som no fundo da
minha garganta por um segundo antes de me lembrar de que nã o havia
nada sobre Dex Locke com que eu devesse me preocupar. Que me
fizesse ficar nervosa por estar por perto. Ele era apenas um homem. Um
homem com temperamento esquentado. Um homem com um
temperamento que pedia minha sinceridade.
— Você é meu chefe. Nã o quero ser demitida.
Senti o cutucã o nas minhas costelas e olhei para baixo para ver que
ele havia me dado uma cotovelada gentil. Seus olhos estavam estreitos.
— Por que eu demitiria você?
O sarcasmo na minha garganta meio que explodiu.
— Você se lembra de ter dito ao seu amigo no telefone que nã o
precisava de uma idiota do caralho trabalhando para você? Ou você se
lembra de me dizer que se eu nã o conseguisse dar conta do trabalho, eu
nã o era necessá ria? — Provavelmente havia um pouco de irritaçã o na
minha voz.
— Ritz — ele gemeu. Gemeu! Como se estivesse envergonhado ou
algo assim quando as palavras saíram diretamente da sua boca.
Comprimi os ombros e prendi os lá bios para lançar a ele um olhar
incrédulo. Nã o funcionou de verdade, porque ele apenas conseguiu
olhar para minha boca com curiosidade.
— Bom. Saiu da sua boca, nã o foi?
A pergunta mal havia saído da minha boca antes que eu me
encolhesse fisicamente com a agressividade da minha voz. Eu tinha dito
a mim mesma vá rias vezes para parar, para seguir em frente, e eu
seguiria. Havia milhõ es de coisas que eram imperdoáveis e ser uma
ridícula ranzinza nã o era uma delas. Mesmo que eu quisesse acreditar
que era. Eu tive que arrancar metade das palavras da minha boca como
se para dar de comer a ele.
— Desculpe. Eu te perdoo. Vou descobrir como deixar isso para lá ,
mais cedo ou mais tarde.
Dex esfregou a mã o no rosto e suspirou, franzindo a testa
ligeiramente para mim.
— Eu nã o teria dito essa merda se nã o tivesse ficado puto antes —
ele se exasperou. — Se você está esperando eu implorar para você
esquecer aquilo, pode esperar sentada, bebê.
Foi maldade minha bufar? Foi. Mas fiz isso mesmo assim, sem nem
pensar. Ele? Implorar? Eu enviaria casacos para o inferno no dia em que
isso acontecesse.
Eu poderia perdoá -lo, mas esquecer? Hum. Nã o exatamente, pelo
menos nã o tã o rá pido.
Quando olhei para ele, o lado da sua boca estava inclinado para cima
em um meio-sorriso. A ponta do seu cotovelo cutucou o lado do meu
corpo outra vez.
— Eu nã o vou te demitir, beleza?
Isso nã o significava que eu nã o estava planejando encontrar outro
emprego para nã o lidar com um idiota como ele, mas tanto faz. Entã o
apenas baixei o queixo.
— Tá bom.
— Mesmo? — ele perguntou lentamente.
Eu balancei a cabeça.
— Mesmo.
Ele nã o parecia completamente convencido com a minha resposta.
— Você vai ficar lá , flor. — Ele fez uma pausa. — Mesmo que eu
tenha que consertar as merdas que você zoa à s vezes. Nã o vou mais
reclamar.
Não vai mais. Sei… Se ele estava apenas sendo legal porque meu
irmã o, Trip ou Luther tinham dito algo a ele, eu nã o ia perguntar.
Contanto que nã o continuasse sendo um babaca, eu aceitaria.
— Você teve notícias do Blake hoje? — perguntei, tentando fugir de
toda aquela conversa sobre eu ser demitida.
Dex pegou uma caixa de barras de granola orgâ nica e colocou no
carrinho.
— Tive. Sean está com meningite. Ele ainda está internado.
Uma criança internada? Meu estô mago revirou.
— Deus, isso é péssimo.
Ele assentiu, os olhos fixos em outra prateleira.
— É . Precisamos parar na casa do Sonny e pegar suas coisas — ele
anunciou, olhando para minha cara de “como é?” com o canto do olho.
— Você vai com a gente.
— Um de vocês, por favor, me explique por que estamos saindo hoje
de noite e nã o amanhã de manhã . — Bocejei, esperando que minha
dú vida fizesse sentido.
Eram duas e meia da manhã e Houston ainda estava a duas horas de
distâ ncia. Dex estava ao volante de uma grande caminhonete GMC preta
que eu nunca tinha visto antes ― ele sempre vinha trabalhar na sua
Dyna. Magrã o, por outro lado, estava sentado no banco do carona e
mexendo na estaçã o de rá dio. De novo.
Pela décima vez em menos de vinte minutos, para ser exata. Seria a
ú ltima vez, se eu pudesse dar a minha opiniã o.
— Temos que estar lá à s onze para montar o estande — explicou
Dex, olhando para mim pelo espelho retrovisor. — Nã o quero arriscar
nã o acordar na hora amanhã de manhã .
Grr. Acho que ele tinha razã o. Também acho que nã o deveria estar
reclamando, já que nã o era eu quem estava dirigindo.
Independentemente disso, eu preferia ter dormido algumas horas na
minha cama ― eu queria dizer o quarto de hó spedes de Sonny, que eu
havia tornado meu cantinho nas ú ltimas semanas.
— Durma, Iris — Magrã o entrou na conversa. — Pelo menos um de
nó s pode ter um descanso decente.
Pensei em dizer que ele poderia dormir porque eu nã o conseguiria.
Mesmo quando criança, sempre tinha sido difícil para mim dormir em
um carro. Acho que eu ficava paranoica pensando que algo aconteceria
ao longo do caminho e, se eu ficasse acordada, poderia evitar. Parecia
loucura, mas fazia todo sentido na minha cabeça.
— Você pode dormir. Eu consigo sobreviver com só algumas horas
de sono — eu disse ao nosso ruivo residente.
Sem brincadeira, ele olhou para Dex em busca de aprovaçã o, fez que
sim com a cabeça e prontamente desmaiou com a testa contra a janela
em três minutos.
— Bem — murmurei, olhando para ele para ter certeza de que
estava dormindo. Ele estava. Tive a sensaçã o de que seria uma viagem
divertida.
Ou nã o.
Como acabei sendo envolvida nisso, ainda nã o entendia. Eu me
sentia culpada. Realmente culpada.
Dex precisava de alguém para acompanhá -lo para ajudar a montar o
estande e ter outra pessoa para ficar sentada lá o tempo todo. Era
possível com três pessoas, mas quase impossível com apenas duas. E
Blue, maldita fosse, raramente ia. Algo sobre ela nã o ser sociável o
suficiente. Considerando que eu só tinha trocado cerca de vinte
palavras com ela em um mês, meio que fazia sentido.
Aparentemente, eu tinha vencido por W.O. Embora ainda nã o tivesse
certeza se isso era algo para considerar uma vitó ria ou nã o.
Uma hora depois de voltarmos do hipermercado, Gladys, da Creche
Carinhas Sorridentes, havia me ligado para me oferecer um emprego
quase uma semana depois de eu ter feito a entrevista. Carambolas… O
“sim” que saiu da minha boca nã o foi intencional, pelo menos tã o
rá pido. Eu deveria ter pensado por mais tempo, considerando que o
pagamento era consideravelmente menor do que o que Dex estava me
pagando, mas…
Nã o era isso que eu queria?
Eu tinha toda a intençã o de informar a Dex que estava pedindo as
contas, mas ele ficava me interrompendo ou dizendo que
conversaríamos sobre as coisas mais tarde. E mais tarde se
transformou em mais e mais tarde, e a viagem a Houston caiu no meu
colo como uma gravidez indesejada.
Passamos na casa do Sonny depois do Costco para que eu pudesse
arrumar a mala, ligar para o meu irmã o e dizer a ele o que estava
acontecendo ― de alguma forma, ele já sabia ― e voltar para Pins para o
cliente marcado de Dex.
Foi exatamente assim que me vi no banco de trá s, com Magrã o e Dex
na frente, decidindo que talvez devesse esperar até voltarmos para
Austin antes de dar a notícia. Eu era uma covarde? Completamente. Era
perceptível que eu estava estressada? Definitivamente.
Dex estava olhando para mim com o canto do olho, uma das mã os
envolvendo frouxamente o volante enquanto a outra descansava na
porta.
— Você colocou o cinto? — ele me perguntou em voz baixa.
Olhei para baixo. Nã o.
— Sim.
Dex suspirou, olhando para mim outra vez.
— Coloque a porra do cinto de segurança.
— Caramba. — Normalmente, eu sempre usava, especialmente se ia
no banco de trá s, mas desta vez estava tã o distraída e preocupada em
pegar estrada durante a noite que nem lembrei do cinto até ele
mencionar. Contrariada, suspirei, puxei o cinto no meu colo e prendi,
murmurando “Mandã o do caramba”.
Um momento depois, a caminhonete deu uma guinada rá pida para a
direita antes de voltar à rota com a mesma rapidez. Nesse ínterim,
apesar do movimento brusco, Magrã o continuou dormindo enquanto
eu surtava e me inclinava para enfiar a cabeça entre os dois assentos.
— Você está bem para dirigir? — sussurrei.
Ele me deu outro olhar de soslaio.
— Tinha um guaxinim morto na estrada — explicou em voz
igualmente baixa. — E eu estou bem para dirigir, sem estresse.
Sem estresse. Como se isso fosse acontecer.
E nã o aconteceu. Nos trinta minutos seguintes, esfreguei as mã os nas
coxas, agradecendo a qualquer entidade divina que pudesse estar
ouvindo, que a estrada estivesse surpreendentemente vazia. Havia
apenas alguns carros e, se nã o fosse por isso, eu provavelmente estaria
pirando ainda mais.
— Quer se acalmar, Ritz? — Dex sussurrou para mim.
— Estou calma — argumentei. Ele se virou para me olhar por cima
do ombro por um momento, o que me fez gritar. — Nã o tire os olhos da
estrada!
— Eu consigo sentir o mini ataque de pâ nico que você está tendo aí
atrá s — ele murmurou. — Porra, nã o sei como você nã o acordou
Magrã o com esse chilique todo, flor.
Suspirei, voltando minha atençã o para fora da janela à direita. Até o
momento, além do incidente de desvio, ele tinha sido um bom
motorista. Nã o que isso significasse alguma coisa, porque a estrada
estava bem livre, mas mesmo assim. Ele estava acima do limite de
velocidade, mas nã o muito, e exceto por olhar para mim um momento
antes, sua atençã o estava grudada na estrada.
— O que está te assustando? — Dex indagou com aquela voz suave e
meló dica que ele só tinha usado comigo algumas poucas vezes.
— Estou com medo de que você durma no volante ou algo assim.
Nem mesmo um segundo depois, Dex respondeu.
— Estou bem acordado, flor. Juro. Tomei um energético antes de
pegarmos a estrada. — Nã o havia hesitaçã o ou aborrecimento em seu
tom.
Resmunguei em resposta.
Mais alguns minutos se passaram. Dex mexeu nos botõ es do rá dio. Se
eu nã o estivesse prestando tanta atençã o, teria deixado de notar seus
rá pidos olhares para o banco de trá s.
— Ritz.
— Fale.
Sem um preâ mbulo ou explicaçã o que o desculpasse por ser
intrometido, ele perguntou:
— Do que a sua mã e morreu?
Senti um nó na garganta que eu nã o sentia havia muito tempo ―
muito tempo mesmo. Tanto tempo que estava envolto em ferrugem e
teias de aranha, estranho no meu corpo. Da mesma forma que eu
evitava contar à s pessoas sobre nã o ter mais meus pais, evitava contar
como mamã e tinha morrido e, principalmente, as pessoas nã o
perguntavam. A morte é um assunto delicado. A maioria das pessoas
nã o gosta de ser lembrada de como a vida é frá gil e instável. Minha mã e
nã o tinha nem perto de quarenta anos quando ficou doente.
As pessoas perguntavam sobre minha família se queriam me
conhecer. Na maioria das vezes, eu nã o me aproximava o suficiente para
estabelecer esse tipo de relacionamento com ninguém. Gostava das
pessoas em geral, mas com a vida e o trabalho tã o instáveis quanto
eram, deixar as pessoas para trá s ou ser esquecida machucava demais.
Eu tinha vivido os ú ltimos anos da minha vida sendo amigável e cordial.
Mas estava cansada.
E Dex havia se importado o suficiente para perguntar.
— Câ ncer de mama. — Algo que constantemente me assustava, mas
eu nã o admitia.
Ele soltou um suspiro longo e sofrido pelo nariz. Sua mã o livre subiu
para tirar o boné, jogando-o no console central.
— Puta que pariu — ele gemeu. — Quantos anos você tinha?
Só de responder já me perfurou um pouco. Só um pouco. Eu tinha
aceitado o que acontecera havia muito tempo.
— Dezesseis. Meu irmã o tinha onze.
Dex soltou um suspiro longo e baixo. Virando-se para olhar para
mim com o canto do olho, seu olhar era pesado e curioso.
— Crianças, porra — ele murmurou naquele tom baixo.
Uma criança criando outra criança apenas com o monitoramento
cansado da nossa yia-yia. Mesmo antes da minha mã e morrer, ela já
estava doente fazia alguns anos. Quando a doença agressiva se tornou
grande demais, eu já me sentia como um homem de trinta anos no
corpo de uma adolescente. No fundo, sabia que minha vida teria sido
completamente diferente se meu pai nã o tivesse ido embora.
Eu ainda teria ficado doente e talvez mamã e ainda tivesse feito
mastectomias inú teis e tomado um monte de venenos inú teis pelas
veias e, até onde eu poderia saber, ela ainda teria falecido. Mas talvez os
pará grafos que haviam sido escritos entre a morte da minha mã e e de
yia-yia não tivessem sido redigidos de maneira tão grosseira e depois
publicados antes de estarem prontos. Talvez eu ainda estivesse na Flórida,
com um diploma universitário, casada e com o Golden Retriever que eu
sempre quis. E talvez Will tivesse feito outra coisa com sua vida que nã o
envolvesse fugir para recomeçar.
Mas, como nas poucas outras vezes em que a festa da autopiedade
começava sem a minha permissã o, controlei os pensamentos com um
laço mental apertado. Eu raramente percorria esse caminho do “e se”.
Eram caminhos inú teis e dolorosos, e eu já havia aceitado que minha
vida era do jeito que era porque… simplesmente era. Era a mistura de
um milhã o de decisõ es e possivelmente do destino, se você acreditasse
nisso.
Eu nã o. Mas entã o, eu nã o acreditava mais em muitas coisas.
Tive que engolir o nó na garganta e afastar o foco da minha família
enquanto ainda podia. Meu cérebro foi para o primeiro tó pico que me
veio à mente.
— Você está ansioso para a feira, Charlie?
Ele fez um som de engasgo.
— Charlie? — Dex olhou para mim pelo espelho retrovisor, uma
sobrancelha erguida como se nã o pudesse acreditar no que eu acabara
de chamá -lo.
Talvez eu nã o devesse tê-lo chamado assim em voz alta, mas agora já
tinha falado e sabia que Dex nã o ia deixar passar. Além disso, eu achava
meio fofo. Suavizava a impressã o que eu tinha dele.
— Sim. Charlie. Charles. Charles Dexter.
Ele grunhiu.
— Dex, flor. Nã o… isso.
— É um bom nome — falei. — Nã o precisa ficar mais mal-humorado
por causa disso. Poderia ser pior, como Leslie ou Clancy.
De todas as coisas que ele poderia ter percebido, como o fato de eu
achar que seu primeiro nome era bom, ele optou pelo ó bvio.
— Você acha que eu sou mal-humorado? — ele perguntou.
Eu nã o gostava de mentir e nã o era como se ele fosse acabar comigo
por dizer a verdade. Acho. Ele provavelmente me deixaria em Houston
ou me demitiria…
— Bom, você nã o vai ganhar nenhum prêmio de Miss Simpatia
quando fica enxotando os clientes para fora do estú dio e está sempre
rangendo os dentes. — Pensei em trazer à tona suas açõ es nã o tã o fofas,
mas disse a mim mesma que nã o queria mais fazer isso.
E Dex riu.
— Você está me dizendo que sou um filho da puta?
— Rabugento com um lado extra rabugento. — Isso realmente tinha
acabado de sair da minha boca?
Ele balançou a cabeça, mordendo o lá bio inferior de uma forma que
parecia pensativa.
— Hum. — Ele fez uma pausa, como se estivesse procurando
palavras para explicar sua natureza. — Tenho o pavio curto. — Como se
eu nã o soubesse disso. — Tem coisas que acho difícil deixar passar.
— Que tipo de coisas? — perguntei, embora nã o fosse da minha
conta. Isso era algo que eu tinha conversado com minha yia-yia várias
vezes. A incapacidade de uma pessoa de se livrar de coisas que a
prejudicavam ou incomodavam. Todo mundo era culpado disso. —
Consigo guardar segredo.
Juro que acho que ele riu de nervoso.
— Bom, por onde você quer que eu comece, flor? No dia em que
disse aquelas merdas para você? Minha mã e me ligou e disse que meu
pai tinha ligado.
Ok, era seguro presumir que ele nã o era fã do pai. Isso eu entendia.
No passado, só pensar no meu pai já era quase suficiente para arruinar
meu dia. Para mim era igual, entã o isso era aceitável.
— Tá bom.
— No dia seguinte? Descobri que o IPTU do meu imó vel ia subir…
— Você fica bravo com o IPTU? — indaguei, incrédula.
— Subiu uma porra de uma tonelada — ele explicou, como se isso
fizesse todo o sentido.
— Você estava de péssimo humor, olhando para mim como se eu
tivesse arruinado uma das suas tatuagens, tudo porque seu IPTU ia
ficar mais caro?
Dex teve a decência de grunhir. Decência apenas porque traçar a raiz
da sua raiva aos impostos era tã o absolutamente ridículo que nã o
precisava ser cimentado como um fato. Eu esperava que fosse algo
melhor, mais grandioso. Como… descobrir que sua namorada o havia
traído ou algo assim. Isso eu poderia entender.
— Entã o descobri que alguém estava roubando do bar — ele
acrescentou em reflexã o tardia.
— Alguém roubando do bar te irrita tanto assim?
Mais uma vez, ele grunhiu.
Nossa, cara.
— No dia seguinte, discuti com Luther sobre ele mexer com garotas
que nã o têm idade suficiente para alugar um maldito carro por conta
pró pria — ele foi falando, até que soltei um longo suspiro.
A ideia de que eu poderia e provavelmente deveria manter a boca
fechada estava bem ali, me dizendo para nã o abrir a boca. Eu nã o
poderia aceitar, no entanto. Nã o era minha funçã o dar conselhos ou
questioná -lo sobre coisas que ele poderia resolver. Eu tinha toda uma
lista de coisas que deveria corrigir a meu respeito, mas nunca me
preocupei em pegá -la para dar uma olhada.
— Dex? Entendo perfeitamente que fique chateado com as coisas,
mas nã o acho que valha a pena ficar tã o bravo. Você pode recorrer do
imposto? — Ele nã o disse nada. — Você é inteligente, consegue
descobrir uma maneira de descobrir quem está roubando. E Luther
dormindo com garotas tã o jovens…
Eu ia dizer isso? Sim.
— É muito… constrangedor, mas eles têm idade suficiente para saber
o que estã o fazendo. É consensual, e você acha que vai impedi-lo? —
Sem resposta outra vez. — Provavelmente nã o. Entã o, nã o acho que
deva perder seu tempo pensando ou chamando pessoas inocentes de
vagabundas e idiotas em retaliaçã o. E os recibos que faltam? Isso é
péssimo, mas nã o deixe que estrague seu dia. Você vai ter um infarto se
ficar se estressando tanto com coisas sem importâ ncia. Acredite em
mim. Nã o vale a pena.
Silêncio. Mais silêncio. Silêncio triplo.
Dex se mexeu no assento durante todo esse discurso. Organizando,
em seguida, reorganizando sua posiçã o.
Nã o mencionando o quanto eu estava certa, ele suspirou.
— Tive algumas ideias sobre como descobrir quem está tirando
dinheiro do caixa…
Uma hora depois, ainda estávamos conversando sobre essas ideias.
Nó s três nos arrastando pelo saguã o do hotel era provavelmente
uma das visõ es mais patéticas que alguém veria na vida. Acho que eu
estava parecendo algum tipo de guaxinim zumbi híbrido com meu
delineado destruído e gemidos sonolentos. Eu sabia, sem dú vida, que
Magrã o tinha uma linha de baba seca que ia do canto da boca até a
lateral do pescoço; Dex e eu concordamos silenciosamente em nã o
contar a ele. E Dex, carregando sua mochila, minha pequena mochila e
algo que parecia uma caixa de ferramentas, sem ter dormido
absolutamente nada, também nã o estava mais tã o lindo.
Bem, isso era mentira. Dex, com sua desordem de cabelo preto-
azulado e lá bios rosados e secos ainda parecia atraente. Só que estava
mais para um bad boy com as roupas amassadas do que um cara
elegante.
Magrã o tinha me explicado através de vá rios bocejos e olhares
agitados que a Pins geralmente reservava um quarto de hotel para três
pessoas dividirem. Assim eles mantinham todo mundo focado ― em
tatuagem, presumi. Nã o em se aventurar entre duas coxas. Duas
pessoas conseguiam camas e alguém faturava o sofá -cama. Por mais
legal que Magrã o fosse, ele ainda nã o tinha dito: “Vou dormir no sofá -
cama”, entã o eu também nã o ia supor que ele iria. O sono e a fome
sempre traziam à tona o pior das pessoas e eu era capaz de
compreender totalmente. Se eu ficava muito tempo sem comer, tudo me
incomodava. Além disso, ele ia tatuar quando a gente levantasse. Meu
trabalho era apenas ficar lá e dizer “oi” para estranhos.
— Vou capotar — Dex finalmente bocejou, alguns passos atrá s de
mim.
Cambaleei, piscando para lutar contra o sono. Eu já havia
perguntado a ele umas quatro vezes se queria que eu o ajudasse a
carregar as coisas, mas todas as vezes ele insistia que nã o. E, droga, eu
nã o ia perguntar de novo.
Em vez disso, bocejei também.
— Eu também.
A boca de Dex estava escancarada, recuperando-se da viagem sem
paradas que havia nos levado ao Hyatt mais pró ximo do centro de
convençõ es. Os cantos dos seus olhos se enrugaram com outro bocejo,
exalando algo que parecia um gemido. Uma viagem de duas horas e
meia no meio da noite depois de um dia inteiro de trabalho mataria
qualquer um.
Depois da sessã o de estratégia/confissõ es que tivemos no carro ―
que ele finalmente mencionou pertencer a Luther ―, trocamos talvez
mais vinte palavras. Todas as vezes consistiam em eu perguntar se ele
estava bem e Dex responder com um “sim” enfá tico. Uma ú nica
conversa franca tinha sido o suficiente.
No segundo em que a porta foi destrancada e o quarto do hotel foi
aberto, fui direto para o sofá . Eram quase seis da manhã , tínhamos que
levantar à s dez e estacionar em frente à á rea de convençõ es para
descarregar por volta das onze, antes de montarmos o estande.
A ideia de desfazer as malas, ou pior ainda, a ideia de tirar a roupa
para rastejar para o sofá me deixou com mais sono. Puxei as almofadas
e as joguei-as sobre a mesa do outro lado do tapete antes de desafivelar
meu cinto.
— Ritz.
Minha mente estava completamente focada em deitar naquela
maldita cama o mais rá pido que eu pudesse, enquanto eu puxava o
colchã o para fora.
— Sim?
— O que você está fazendo, flor? — Dex questionou.
— Vou dormir — respondi, baixando a calça até os tornozelos. Era
uma bênçã o que minha camiseta fosse tã o longa que cobrisse a parte
mais importante da minha anatomia.
— Que porra é essa? — foi a pergunta preguiçosamente bocejada de
Magrã o.
Mal virei a cabeça para olhar por cima do ombro. Por muito pouco.
Meus olhos estavam de alguma forma conseguindo ficar abertos, mas
estavam prestes a perder a batalha. Entã o mal consegui ver Magrã o
parado ao pé da cama mais pró xima de mim, segurando a bainha da sua
camiseta. Enquanto isso, Dex estava parado na pia em frente à cama,
uma mã o apoiada na borda, os olhos fixos em mim através do reflexo.
Eu nem tive a decência de corar.
— Foi mal aí, pessoal. Estou cansada. — Era a verdade. Fiquei
envergonhada por ter acabado de ser uma exibicionista e tirar a calça
na frente de dois homens que eu achava que nem sabiam meu
sobrenome.
— Vá para a cama, flor — disse Dex.
Acenei para ele, negando.
— Pode ficar com a cama. Só me acorde, por favor — murmurei,
sorrindo na direçã o geral de onde eles estavam um momento antes. —
Boa noite, seus bostinhas.
Dois boas-noites flutuaram pelo quarto. Fechei os olhos e tentei
dormir. Por mais cansada que tivesse estado durante todo o trajeto até
o quarto, nã o consegui desligar meu cérebro. O som da pia ligada,
lençó is farfalhando e murmú rios baixos me mantiveram acordada. Nã o
importava o quanto eu me esforçasse para dormir, nã o consegui. A luz
da metade do quarto onde estavam os meninos ficava bem na minha
cara de qualquer maneira que eu me deitasse.
Em algum momento, os sussurros e a á gua corrente pararam. Ouvi
sons de lençó is mexendo mais uma vez e um suspiro apó s o outro antes
que o silêncio se instalasse. Tentei estabilizar minha respiraçã o, mas
ainda nã o conseguia dormir.
E entã o, eu ouvi.
Começou como um sussurro, um silvo, um pssssssssst.
E entã o ficou progressivamente mais alto antes que o cheiro
chegasse a mim.
Mas, a essa altura, meu estô mago estava doendo. Uma dor pura e
prazerosa me apunhalou bem no estô mago. E comecei a rir como uma
louca. Louca. Lá grimas se acumularam nos meus olhos e engasguei.
Um grunhido profundo de uma risada se misturou com a minha do
outro lado do quarto. Era Dex. Dex!
— Meu Deus — ofeguei, sufocando minha boca com a mã o. — Você
cagou na calça?
Outro ataque de riso resmungã o saiu de Dex e me fez prender a
respiraçã o.
Meu estô mago doeu ainda mais quando ouvi sua sinfonia na minha
imaginaçã o. O durã o Dex Locke de quem Trip e Sonny tinham me falado
com tanto cuidado, aquele que provavelmente batia em um homem por
falar mal dele, estava soltando gases como se estivesse prestes a fazer
cocô na calça. E ele riu disso.
— Pensei que você estava dormindo — ele murmurou antes de rir
ainda mais. O som era ainda mais rico, mais puro no quarto escuro.
Apertei o nariz para nã o rir mais alto. Foi um milagre Magrã o ter um
sono pesado e nã o ter acordado.
— Santo Deus, eu quero meu pró prio quarto.
— Vá dormir — sua voz á spera rosnou, no final de uma risada.
— Dormir? — Gargalhei tã o alto que foi outro milagre Magrã o ainda
nã o ter acordado. — Como vou dormir depois disso?
Dex gemeu.
— Ritz.
Minha barriga doía de tanto que meus mú sculos ficaram tensos e
com câ imbras.
— Sua bunda deveria ser uma arma de destruiçã o em massa.
Dex riu baixo, á spero e doce ao mesmo tempo.
— Durma.
Soltei um longo suspiro, tentando me controlar. Funcionou.
Por cerca de meio segundo.
E entã o comecei a rir de novo, puxando o travesseiro extra sobre o
rosto para abafá -lo. Eu realmente nã o tinha ideia de por que achei que
era tã o engraçado. Nã o era como se eu nã o tivesse estado perto de Will,
o Peidorreiro, a maior parte da minha vida. Seu objetivo por muito
tempo foi peidar o alfabeto. Quer dizer, todo mundo soltava gases. Todo
mundo.
Mas esse era Dex. Meu chefe motoqueiro fumante que usava preto
regularmente.
Afastei o travesseiro apenas o suficiente para ouvi-lo tendo outro
ataque de riso também.
Entã o eu disse o que me veio à mente.
— Você é engraçado.
Quem iria imaginar? Meu peito parecia todo solto e divertido pela
primeira vez… desde sempre.
Podia ser que fosse porque a escuridã o havia tirado a intimidade da
minha admissã o, mas nã o importava. Simplesmente saiu.
— Nã o me lembro da ú ltima vez que ri tanto.
— Nem eu — sua voz baixa atravessou o quarto antes que eu
sentisse algo atingir minha barriga. Era um travesseiro. Ele tinha jogado
um travesseiro em mim. — Boa noite, flor.
Rolei e joguei a perna sobre meu novo travesseiro com uma risada
pelo nariz.
— Boa noite, Charlie.
Adormeci com as bochechas doendo.

— Eu nã o como minhas funcioná rias, cara.


Shane balançou a cabeça, e entã o a inclinou um pouco para a frente.
— Nem mesmo aquela ali?
Eu estava tentando o meu melhor para fingir que nã o podia ouvi-los.
Como se pudesse ficar tã o compenetrada em ver Magrã o transferir o
novo estêncil para o cliente na cadeira, que conseguisse nã o ouvir meu
chefe e seu amigo. Mas eu nã o podia, e uma grande parte de mim, a
parte sá dica, nã o queria.
Nos ú ltimos trinta minutos, eu havia tentado ignorar Dex e esse tal
de Shane falando sobre quem eles tinham visto na convençã o. Até
Shane aparecer, eu estava me divertindo com meus dois colegas de
trabalho. Dex brincou comigo sobre como eu achava tudo legal
enquanto caminhávamos trazendo as coisas do estú dio.
Isso mesmo. Dex estava me provocando. Aparentemente, nossa
sessã o de risadas histéricas no meio da noite tinha sido uma transiçã o
na batalha Iris/Dex. Quem imaginaria? Ainda me sentia um pouco
inquieta e insegura, mas nã o era nada como antes. Eu aceitaria. Tinha
dito a mim mesma antes que nã o ficaria mais chateada com ele, e me
manteria firme com essa nova atitude pelo tempo que durasse.
Porque nã o duraria, mas me preocuparia com isso quando chegasse
a hora.
Passamos a manhã andando como zumbis tentando montar o
estande antes de abrir. As pessoas, as cores, os desenhos, tudo ao nosso
redor me sugava durante o vai e vem entre a caminhonete e o pavilhã o.
As pessoas e os piercings eram muito interessantes. Eu tinha visto
uma garota com fileiras de piercings alinhados nas costas amarrados
com fita, que faziam parecer que ela estava usando um espartilho.
Outro homem que vi arrumando uma mesa ao lado da nossa tinha
tatuagens por todo o rosto. Nã o havia literalmente nenhum centímetro
de pele sem nada em toda a cabeça, exceto ao redor dos olhos. Isso foi
apenas o começo, Magrã o havia me avisado.
Foi divertido. Absorver todas as pessoas nã o convencionais,
imaginar que tipo de histó rias as tatuagens em seus corpos contavam.
Nã o tinha dú vida de que tanto Magrã o quanto Dex podiam sentir minha
curiosidade e meu entusiasmo.
Estávamos nos divertindo muito.
Até que Shane entrou com suas grandes e retumbantes palavras,
contando histó rias sobre quantas garotas ele e Dex pegavam toda vez
que ele visitava o estú dio de Shane em Dallas. Pela quantidade de
tempo que ele passou conosco, percebi que seu estande nã o estava
exatamente movimentado. Me levantei para pegar uma garrafa de á gua
para Magrã o fazer a limpeza na tatuagem do cliente, e foi quando Shane
me notou. Levando à pergunta que me deixou cautelosa. A mesma
pergunta que me fez registrar que nossa trégua amistosa tinha batido
doze horas.
Bem, foi divertido enquanto durou.
Vi Dex me dar uma olhada com minha visã o periférica, embora eu
nã o tenha certeza se isso era uma coisa boa ou ruim, antes de suspirar:
— Nã o.
Caramba…
— Especialmente nã o aquela — acrescentou.
Babaca!
A facada no meu orgulho explodiu no meu peito dolorosamente.
Dane-se ele por nã o querer dormir comigo, especialmente eu.
Babacã o. Nã o que eu quisesse alguém como ele para adicionar à lista
inexistente de pessoas com quem eu havia dormido.
Lancei um olhar na direçã o deles, vi Shane com os olhos em mim e
forcei um sorriso duro. Eu nã o era uma pessoa vaidosa. Estava feliz
comigo mesma, independentemente de Dex achar que meus seios eram
muito pequenos ou se minhas feiçõ es nã o estavam à altura. Eu tinha
algum orgulho. Entã o cerrei os dentes, fixei meu olhar no pescoço de
Dex e peguei a garrafa de á gua que eu tinha enchido horas antes.
Babaca. Babaca. Babaca. Babaca. Babaca.
— Qual é o problema dela? — perguntou o idiota convencido.
Eu tinha algum problema? Além do meu braço, que ninguém sabia,
eu nã o achava que tinha algum problema. Nã o estaria na capa de uma
revista tã o cedo ― ou nunca ―, mas nã o parecia que tinha batido de
frente com o bisturi de um cirurgiã o e perdido.
— Nada além do fato de que Sonny arrancaria seu cu pela boca se te
visse olhando para a bunda dela — Dex respondeu com uma risada
baixa.
Um gemido baixo.
— Essa é a irmã do Son?
— A ú nica que conhecemos.
Deus, o pensamento de que poderia haver outro descendente de Curt
Taylor no mundo me fez querer vomitar ainda mais do que a percepçã o
de que Dex nã o me achava pelo menos atraente o suficiente para me
defender.
Babacã o.
Shane murmurou um som.
— Entã o eu nã o posso tentar…
— Cale a boca, cara — Dex gemeu.
— Cara. Você nã o pode me dizer que nã o pensou em dar uma ali.
Ai, Deus. Eu estava com raiva ou irritada? Deveria me sentir
insultada ou puta por estar sendo objetificada, mas, estranhamente,
acho que fiquei mais irritada do que qualquer outra coisa.
A resposta de Dex apenas alimentou a parte de mim que estava puta.
Ofuscando completamente meu aborrecimento.
— Por que eu deveria?
E eu pensando que éramos meio que amigos. Idiota. Bolas viscosas,
convencidas e minú sculas. Aranhas reclusas nã o eram comuns no
Texas? Talvez eu pudesse…
— Acho que estamos falando alto demais — sugeriu Shane.
Houve uma pequena pausa antes de Dex declarar uniformemente no
mesmo volume:
— Ritz.
Eu o ignorei, pensando em encontrar uma aranha para picar seu
precioso braço.
Aqui estava esse homem que eu achava lindo, quase perfeito por
fora, mais gostoso que pudim ― um pouco idiota, mas enfim. E ele nem
me achava atraente o bastante para ser educado ao se referir à minha
aparência. Nem um pouco e isso fez meu peito queimar.
— Ritz.
Babaca.
— Iris — ele disse dessa vez.
Olhei por cima do ombro para seu queixo, apertando minha
mandíbula.
Babaca.
— Sim?
Dex acenou com os dedos tatuados para que eu avançasse.
— Flor, venha aqui.
Nã o fui.
— Iris, venha aqui.
— Estou bem aqui, Char-liii — falei. Estava tentando irritá -lo
chamando-o assim? Provavelmente.
Pude ver Dex balançar a cabeça na direçã o de Shane antes de
eliminar pela metade a distâ ncia entre nó s. Seu olhar caiu ao nível dos
meus olhos quando rolou minha cadeira para longe de Magrã o para que
eu o encarasse. Dex estendeu a mã o para tocar meu rosto. Olhei para as
vigas.
— Nã o. — Ele pressionou os dedos profundamente na pele sob meu
queixo.
Dex sensível? Sei…
— Nã o o quê? — deixei escapar a pergunta como uma idiota.
Ele fez algum tipo de ruído de desaprovaçã o no fundo da garganta.
— Odeio quando você desvia o olhar — Dex murmurou. — Pare com
isso.
Arregalei os olhos, mas continuei sem dar ouvidos.
— Olhe para mim — ele insistiu. — Você está brava de novo? —
perguntou em voz baixa, destinada apenas a mim.
Nã o houve absolutamente nenhuma hesitaçã o na minha resposta.
— Sim.
Ele gemeu.
— Flor, porra, olhe para mim. Eu gosto dos seus olhos de Bambi
ferido.
Babaca. Dei de ombros.
Dex deslizou o polegar para substituir os dois dedos abaixo do meu
queixo e, em seguida, passou-o pela linha da minha mandíbula até perto
da orelha.
— Por favor.
Deus, ele me dava nos nervos. Cansada de bancar a criança petulante
e meio satisfeita por ele ter dito a palavra má gica, finalmente olhei para
ele. Minha expressã o era a melhor expressã o vazia que consegui formar.
Aqueles olhos cor de cobalto passaram de um olho meu para o outro.
Já que eu tinha encontrado a forma de conhecê-lo do meu pró prio jeito,
percebi a tensã o em seus lá bios. A tensã o me disse que ele estava se
esforçando muito para nã o achar graça.
— Você ouviu o que eu disse?
Cerrei os dentes.
— Nã o sou surda.
Ah, sim, ele estava tentando nã o sorrir, mas forçou uma piscada
lenta.
— E?
— Tudo bem que nã o sou seu tipo, Dex, mas você nã o tem que ser tã o
idiota sobre isso e contar para o mundo inteiro. — Engoli em seco. —
Nã o tenho herpes e também nã o tenho a peste, caramba!
Um franzido contraiu seus lá bios rosados, uma ruga se formando
entre suas sobrancelhas enquanto ele olhava de um olho meu para o
outro novamente.
— Querida… — Seu dedo deslizou logo atrá s da minha orelha.
— Por favor, saia daqui.
— Nã o.
Claro que nã o. Eu tinha que tentar uma tá tica diferente.
— Você está me fazendo passar vergonha.
O que o otá rio fez? Sorriu igual um pateta. Seu bom humor
transparecia em cada poro do seu rosto.
— Acho que você está me fazendo passar vergonha.
— Ah, se liga. — Bufei, inclinando a cabeça para trá s, querendo me
afastar do seu alcance. — Você só está sendo sincero. Tudo bem. Estou
falando sério. Nã o gosto de chocolate, é mais ou menos a mesma coisa,
nã o é?
Seus olhos se arregalaram por um momento, varrendo
vagarosamente meu rosto e descendo para minha boca.
— Nã o. Nã o é, flor. — Seu sorriso se estreitou de uma forma que
significava problemas. — Nã o precisa ficar caçando elogios.
— Nã o estou caçando! — Eu estava?
Sua língua espiou para tocar o lá bio inferior.
— Parece que sim.
O quê? Um arrepio percorreu minha espinha. Um arrepio que mal
consegui controlar até sentir algo macio, quente e leve no meu pescoço.
— Parece que você está louco.
Ele ergueu uma sobrancelha grossa.
— Por quê?
Engoli em seco e me inclinei ainda mais para longe dele.
— Por onde você quer que eu comece?
Ele olhou para mim um pouco mais do que eu esperava antes de rir
daquele mesmo jeito gutural que eu secretamente gostava. Dex sorriu,
nunca perdendo o contato visual, mesmo depois de se acalmar.
Algo mudou em sua expressã o. Talvez nem mesmo nos contornos do
seu rosto, mas em seus olhos, algo definitivamente mudou um pouco.
Fosse o que fosse, eu gostei.
Além disso, muito em breve, eu nã o o veria mais. A realidade de que
eu precisava contar o que estava acontecendo me fez sentir culpada.
Ainda meio que o odiava por ser tã o gostoso.
Especialmente desde que ele decidira relaxar enquanto estava na
exposiçã o. Ao contrá rio do seu traje diá rio em Austin, que consistia
principalmente em camisetas, jeans e uma ocasional camisa xadrez, Dex
usava uma regata preta. Uma regata preta que me permitia ver cada
centímetro daqueles braços definidos sob camadas pesadas de
tatuagens, e uma visã o melhor da arte vermelha que ia das costas,
sobre o ombro e o pescoço, até o peito.
Puta que pariu.
Ah, vai pro inferno!
Dex olhou para mim por mais um segundo antes de ficar ereto e
dizer:
— Vou sair um pouco. Se alguém vier me procurar, me ligue.
Confirmei com a cabeça, sabendo que nã o tinha o nú mero dele, mas
supondo que Magrã o tivesse.
Ele parou por um minuto, endireitando-se em toda a sua altura antes
de se inclinar para baixo sobre mim. O calor da sua pele irradiava para a
minha tã o intensamente que eu sentia se infiltrar nos meus mú sculos.
— Son ia esfolar minhas bolas se eu deixasse alguém tirar vantagem
da linda irmã zinha dele.
Jesus que estais nos céus!
Como se isso nã o bastasse, juro por Maria e José que senti seu lá bio
inferior pressionar a pele sobre minha têmpora direita.
— Gosto quando você é toda fofa e brincalhona — acrescentou.
E foi um milagre eu nã o coaxar quando ele se afastou. Que porra
tinha sido aquilo?
Quando olhei na direçã o de Shane, ele estava me observando com
curiosidade antes de sair com Dex.
Bem. Isso foi estranho. E, e, e… puta merda. O que era aquilo de fofa e
brincalhona? Parecia que ele pensava em mim como um cachorrinho ou
algo assim. Eu tinha que desligar meu cérebro e arrancar da minha
cabeça o que ele tinha dito.
Dex é um idiota. Dex é um idiota. Dex é um idiota.
Ahhh!
Tranquei o pensamento no fundo da minha mente por tempo
indefinido.
Ponderei se devia vigiar a mesa ou ficar de olho na obra-prima de
Magrã o ― para constar, parecia que tudo que Magrã o fazia era uma
obra-prima de linhas finas, delicadeza e cor. Todos os caras da Pins
eram muito bons, alguns melhores em certas coisas do que outros, mas
sempre achei que Magrã o era o mais talentoso. Talvez empatado com
Dex quando ele realmente trabalhava, mas geralmente ele ganhava.
Depois de deliberar sobre minhas opçõ es por uma fraçã o de
segundo, deslizei com a cadeira de rodinhas para vê-lo tatuar o cara
sobre o qual estava curvado, trabalhando em um velho navio pirata
bem no meio do ombro musculoso do homem.
Eu nã o disse uma palavra enquanto o observava, nã o querendo
distraí-lo do cliente que estivera superanimado para pedir um trabalho
do Magrã o, uma hora antes.
Mas meu amigo Magrã o tinha outros pensamentos. Seus olhos
verdes brilharam para mim.
— O que foi aquilo?
— Hein? — Me fingi de tonta.
Magrã o tirou a má quina da pele do cliente, limpando o sangue antes
de continuar balançando a cabeça.
— Desde quando vocês sã o melhores amigos?
Eu havia aprendido no ú ltimo mês como todos os caras eram
tagarelas, bem, especificamente Magrã o e Blake. Se eu respondesse sua
pergunta remotamente estranha, aposto que meu velho Magrã o pularia
para algum tipo de conclusã o maluca. Disso eu nã o queria fazer parte.
Entã o escolhi a verdade.
— Ouvi ele peidar ontem à noite. Isso meio que quebrou o gelo.
O pequeno assobio que ele soltou me disse que estava bom o
suficiente. Ele fez um ruído com o nariz e ergueu uma sobrancelha
antes de voltar ao trabalho.
— Nã o precisa dizer mais nada.
Eu estava desmaiando. Infelizmente nã o porque alguém tinha dito
algo lindo para mim ― ninguém disse ―, mas porque estava exausta.
Depois das quatro horas de sono que tínhamos tido apó s a viagem, de
toda a correria para montar o estande e, finalmente, das nove horas que
tivemos que trabalhar na exposiçã o, eu estava mal-humorada e caindo
de sono.
E esses caras tinham me arrastado para um bar com os amigos de
Dex.
Aparentemente, ninguém se importava com o fato de eu estar muito
cansada e nã o beber. Eles nã o se importavam especialmente com o fato
de que tudo o que eu queria fazer era comer vegetais na cama do
quarto do hotel com uma refeiçã o que era mais do que os nachos e as
batatas fritas velhas que eu tinha comido na exposiçã o. Se eu nunca
mais visse outro prato de nachos ou outro prato de papel com batatas
fritas salgadas demais, nã o faria falta alguma.
— Só vamos ficar um pouco — Magrã o havia jurado.
Isso já fazia duas horas. Duas horas nã o era o que eu considerava
pouco. Duas horas era a duraçã o de um filme. Um filme que eu poderia
assistir com prazer no quarto de hotel sob as cobertas do sofá -cama.
Mas provavelmente eu estaria dormindo no segundo em que minha
cabeça batesse nos travesseiros.
— Você está bem? — Shane perguntou do seu lugar no banquinho ao
lado do meu.
Balancei a cabeça, dando a ele um encolher de ombros sonolento.
— Estou exausta.
— Eu estava planejando ir embora em um minuto. Quer pegar um
tá xi de volta para o hotel? — ele perguntou.
Hum. Eu estava realmente cansada…
Nã o cansada o suficiente para ser burra e irresponsável.
— Vou esperar Magrã o ou Dex. — Ou sair sozinha. Essa era uma
opçã o com a qual eu gastaria feliz um dinheiro extra, só para ficar
segura e nã o correr riscos com um estranho.
Dex havia desaparecido alguns minutos antes, deixando a mesa que
havíamos ocupado em um canto. Magrã o estava do outro lado do bar
falando com pessoas que ele conhecia. Era apenas meu eu antissocial
que ainda estava sentado no mesmo lugar em que tínhamos ficado por
duas horas, enquanto meus dois colegas de trabalho eram borboletas
sociais. O bar nã o ficava exatamente em um ponto badalado do centro
da cidade. Dizer que era decadente seria um exagero, mas nã o era um
lugar a que eu iria sozinha. Entã o usei isso como desculpa para ficar
onde estava.
Shane deu de ombros, e foi nesse exato momento que Dex
reapareceu, sentando-se do outro lado.
Como se pudesse ler minha mente, ele se inclinou e suspirou.
— Já nã o tenho mais idade para essas merdas. Pronta para ir?
Aleluia!
Confirmei com a cabeça tã o rapidamente e dei um sorriso tã o largo,
que eu soube que era o motivo que levou Dex a sorrir em seguida.
— Volto logo.
Ele se levantou de novo e foi até Magrã o, que ficou onde estava. Dex
disse algo para ele antes de abrir caminho de volta para onde Shane e
eu estávamos. Só que ele mal havia percorrido metade da distâ ncia
quando um homem em seu caminho se virou rá pido demais e esbarrou
em seu peito.
Derramando um pequeno copo de bebida em toda a camiseta preta
com gola em V que era a marca registrada de Dex.
Obviamente, nã o consegui ouvir o que Dex disse ao cara, mas pelas
rugas de raiva em sua testa, nã o foi legal. O homem que derramou a
bebida, apenas alguns centímetros mais baixo que meu chefe, mas com
certeza com dez ou quinze quilos a mais de barriga, ergueu um dedo e
pressionou a ponta no peito de Dex.
Até eu sabia que era a coisa mais burra que ele poderia ter feito.
— Caralho. — Ouvi Shane murmurar enquanto seu amigo, meu
chefe, levantava as mã os para empurrar o cara bêbado de volta para a
mesa. — Vamos, vamos atrá s dele. Ele nã o pode ser preso de novo.
Ai, merda.
Shane passou direto por mim, apontando com a cabeça na direçã o
que Dex estava. Descendo do banquinho, eu o segui, tentando espiar ao
redor da sua figura para ver que merda Dex estava fazendo naquele
momento. Pelas conversas e tons comuns ao meu redor, ninguém havia
levado um soco. Ainda.
— Dex! — Shane gritou inutilmente. O bar estava barulhento demais
para ouvir qualquer coisa a mais de trinta centímetros de distâ ncia.
Eu girei em torno do seu corpo para ver que Dex estava agarrando a
camisa do cara bêbado, sacudindo-o violentamente. Tudo por causa de
uma bebida derramada? Caramba.
Shane se interpô s no espaço que os separava.
— Dex! Vamos!
Aconteceu de eu me virar e olhar por cima do ombro naquele
momento para ver os grandes seguranças na porta abrindo caminho em
direçã o ao pequeno ― e burro ― espetá culo.
— Dex! — Shane gritou mais uma vez.
Esse idiota ia ser preso, e entã o como Magrã o e eu voltaríamos para
casa? Irritada, contornei Shane para estender a mã o e agarrar o grosso
antebraço de Dex.
— Os seguranças estã o chegando. — Balancei seu braço.
Sem prestar atençã o em mim, Dex puxou o cara bêbado para mais
perto do rosto.
Quando olhei, vi que os seguranças estavam ainda mais perto. Entã o
fiz o que minha yia-yia costumava fazer quando Will estava sendo um
merdinha. Belisquei sua cintura o mais forte que pude.
Isso chamou a atençã o dele.
Ele virou aqueles olhos azuis brilhantes para mim, o maxilar cerrado,
a boca severa.
Eu o belisquei uma segunda vez.
— Quer ser preso, seu ogro? Vamos embora.
Dex piscou duas vezes. Ele me encarou com um olhar fulminante por
um momento antes de qualquer raiva ou frustraçã o que estivesse
sentindo derreter em um piscar de olhos. Entã o, acenou com a cabeça
rigidamente uma vez, deixando cair as mã os. Com um olhar para além
de mim, ele inclinou a cabeça na direçã o da saída. Dex gesticulou para
que eu fosse com ele, olhando para a porta como um sinal de que
deveríamos ir. Shane me seguiu até chegarmos a Dex, que me colocou
na frente dele enquanto saíamos. Por algum milagre, pegamos um tá xi
em completo silêncio quase imediatamente.
Shane deslizou para dentro primeiro, e quando comecei a me abaixar
para sentar no meio porque era assim que tínhamos vindo no carro
com Magrã o, a mã o de Dex no meu braço me parou.
— Eu primeiro.
Tá bom.
Deslizei atrá s dele, ouvindo Shane dar ao motorista o nome do hotel.
O calor atingiu o lado do meu rosto quase imediatamente.
— Você me chamou de ogro?
Inclinei a cabeça um pouco para ver que o corpo musculoso de Dex
estava inclinado para mim, suas pernas abertas mais do que o
necessá rio, sua coxa pressionada na minha enquanto sua boca
permanecia muito pró xima.
— O quê? — sussurrei.
Seus lá bios se contraíram.
— Você me chamou de ogro. — Juro que o canto da boca dele se
ergueu.
— Ah. — Eu sorri porque, sim, era verdade. — Chamei.
A cabeça de Shane espiou por cima do ombro de Dex.
— Você beliscou ele ou eu estava imaginando?
Com o lembrete, Dex começou a levantar a lateral da camiseta onde
eu o havia pegado. Tudo o que pude ver no tá xi escuro foi o contorno
elegante dos seus mú sculos laterais definidos.
Acho que minha boca salivou um pouco antes de eu me segurar e
olhar para Shane.
— Ele nã o estava me ouvindo.
— Acho que ninguém já me beliscou na vida — Dex afirmou.
— Você nã o estava ouvindo! — insisti.
— Vai ficar roxo pra caralho. Por sua causa — ele apontou o ó bvio.
— Mano — Shane cantarolou. — Você sabe que nã o pode colocar o
seu na reta por encrenca de novo.
Eu queria perguntar se ele ainda estava em liberdade condicional.
Quero dizer, ele tinha perdido a cabeça por causa de um cara que havia
derramado uma bebida nele sem querer. O que não o faria perder a
cabeça?
Quase como se estivesse lendo minha mente, Dex fez um ruído
irritado em sua garganta.
— Ele derramou aquela merda em mim.
Eu ri e murmurei:
— Na sua camiseta preta. — Como se desse para ver.
Devo ter falado muito alto porque a cabeça de Dex se virou para me
olhar.
Com um encolher de ombros, torci meu corpo para olhar pela janela.
— Só estou falando. Borrife um pouco de removedor de manchas
nisso e estará tudo bem. Nã o precisava dar chilique.
Shane bufou.
Dex resmungou, mas o ignorei e coloquei a testa contra a janela do
tá xi, ouvindo Shane iniciar uma conversa sobre ter visto Os Vingadores
recentemente. Ouvi de Magrã o que a primeira tatuagem de Dex tinha
sido um escudo do Capitã o América em algum lugar. Onde exatamente
estava localizado, eu nã o tinha ideia.
Para ser sincera, eu achava meio fofo.
O grande e malvado Dex com seus braços tatuados, moto preta, o
babaca que nã o parava de falar a palavra com “C”, membro de um moto
clube… gostava de super-heró is? Surreal.
Entã o, tudo bem, era muito fofo.
Tirei uma nota de vinte dó lares da bolsa para pagar a viagem quando
Dex empurrou minha mã o e me cutucou para fora do tá xi. Me senti
como uma prostituta bêbada a caminho do saguã o do hotel, subindo o
elevador com os dois amigos. Shane se despediu em seu andar
enquanto subíamos silenciosamente para o décimo segundo.
Estávamos na metade do corredor quando me lembrei de algo que
Dex tinha dito no bar sobre nã o ter mais idade.
— Quantos anos você tem?
— Trinta e três — ele respondeu.
Parei de andar e o encarei. Trinta e três? Acho que fazia sentido. Ele
tinha seu pró prio negó cio. Um negó cio que estava aberto havia seis
anos, entã o nã o tinha como ser muito mais jovem, apesar do fato de que
sua aparência o colocava em algum lugar em seus vinte e cinco, em vez
de trinta e poucos.
— Hum — bufei, observando o corpo magro em uma camiseta justa.
— Você nã o parece ter trinta anos.
Dex me lançou um olhar de soslaio que poderia ter passado por um
sorriso.
— É como eu me sinto na maioria das vezes.
Nenhum de nó s disse mais nada quando entrou no quarto. Peguei
meu pijama e entrei no banheiro para tomar um banho e tirar o cheiro
de suor do bar e me preparar para dormir. Quando consegui voltar, Dex
estava sentado na beira do colchã o, de short de basquete e camiseta,
com um frasco de hidratante entre as pernas, massageando o braço
oposto com uma das mã os.
— Você está passando hidratante? — perguntei.
Aqueles verdadeiros olhos azuis piscaram para os meus.
— Estou. Preserva as cores. Viu? — Ele deslizou a manga da
camiseta até o ombro, apontando para a cobertura preta só lida e
brilhante do seu braço direito. — Tem que ter cuidado com todo esse
preto. Nã o quero que fique cinza daqui a alguns anos.
— Ah — foi minha resposta. Eu pisquei. — Quantas você tem?
Dex sorriu, aquele sorriso lento e assustador que reconheci como um
sinal de que ele estava se divertindo.
— Apenas cinco. — Ele me observou parado ali por mais um minuto.
— Quer ver?
Nã o.
Quem eu estava enganando? Fiz que sim, de qualquer maneira.
Ele deslizou para a frente na beira da cama, suas mã os caindo para
os joelhos antes de começar a puxar para cima o tecido em um lado do
short. Mú sculos densos preenchiam sua coxa coberta de tinta preta.
Uma tatuagem que parecia o contorno de uma cavalera ― aquelas que
eu tinha estudado na minha aula de arte popular mexicana no colégio ―
marcava sua perna. “MCFV” e 1974 tinham sido tatuados, um em cada
faixa, diretamente abaixo da imagem com letras soltas, quase
arabescos.
— Esta é a arte do meu clube — explicou.
Meus olhos estavam grudados no enorme crâ nio que envolvia a
lateral da sua coxa grossa.
— Por que você fez na coxa? — Meu pai e Sonny tinham a deles nos
braços.
Dex deu de ombros.
— Eu tinha outros planos.
Eu tossi.
— Entã o… cadê o resto das suas tatuagens?
Ah, cara.
Sua boca lentamente se derreteu em um sorriso, aquele olhar sem
piscar absorvendo tudo em seu caminho ― eu. Depois de um minuto,
ele se sentou e estendeu os braços à sua frente.
— Você já viu.
Eu tinha, mas nã o em grande detalhe e nã o sem ser à s escondidas.
— O que sã o elas? — indaguei, genuinamente curiosa.
Dex olhou para elas.
— Diferentes ideias que tive. — Flexionando o pulso direito e o
esquerdo, ele ergueu os olhos novamente e deu de ombros. — À s vezes
tenho ideias a partir de umas merdas aleató rias que vejo. Como esta. —
Ele estendeu o braço com um conjunto de triâ ngulos esmaecidos. — Fui
ao planetá rio com minha sobrinha e simplesmente nã o conseguia tirar
isso da cabeça.
Ele entã o ergueu o outro braço, aquele com a asa enrolada.
— Outras vezes eu sonho com coisas.
Mas era mais do que isso. Ele sonhava com coisas que pareciam
angelicais? Eu sonhava com zumbis me perseguindo e invadindo casas,
nã o com coisas como a dele. Nã o paisagens de cores abstratas. Bom,
mas talvez um artista tivesse pensamentos como esses, e eu
definitivamente nã o era uma artista.
Ele começou a puxar a camiseta sobre a cabeça, e tive que dizer a
mim mesma para nã o falar nada idiota porque tinha sofrido algum tipo
de morte cerebral. Tudo em que eu conseguia pensar, enquanto
observava Dex sentado ali com suas belas e vívidas tatuagens e seu
rosto igualmente bonito, mas cansado, era que o mundo era injusto.
— Essa foi a primeira — disse, apontando para o infame escudo do
Capitã o América no peito esquerdo, enquanto eu cobiçava seus seis
gominhos. Ou seriam oito? — E este é o Uriel — explicou, apontando
para um enorme polvo vermelho que envolvia suas costas até o lado
direito do peito. O mesmo que eu tinha visto emoldurado em seu
escritó rio. Sem camisa, eu percebia que o vermelho que eu tinha visto
em seu pescoço era um tentá culo tã o detalhado que quase parecia vivo.
Uriel foi esquecido no momento em que vi os mamilos planos e
escuros de Dex. Eu nã o achava que alguém pudesse me culpar por me
importar menos com suas tatuagens quando podia usar meus olhos
para abusar visualmente da definiçã o do seu peito nu e das duas
malditas argolas que ele tinha nos mamilos.
— Você nã o gostou? — ele perguntou.
Eu nã o conseguia me lembrar de como se falava.
— Ah… — Pisquei, procurando aquelas coisas chamadas palavras e
frases que as pessoas usavam havia milênios para se comunicar. —
Ehh… por que Uriel? — de alguma forma, consegui perguntar.
Mas, na verdade, eu ainda estava olhando para a parte superior do
seu corpo e nã o para Uriel, o polvo vermelho, especificamente.
E por mais gostoso que Dex fosse, quando ele dava aquele sorriso
largo, era o suficiente para eu desviar os olhos do sonho de que ele
estava seminu. Porque o sorriso de Dex era o mais bonito que eu já
tinha visto. Era amplo, genuíno, divertido e tã o raro. E isso fazia meu
interior explodir.
— É o meu animal favorito — ele respondeu casualmente.
— Um polvo? — Eu havia imaginado que ele escolheria algo
diferente. Muito diferente. Talvez um tigre? Um dragã o?
Dex assentiu, nem um pouco perturbado com a minha confusã o.
— Eles sã o mais inteligentes do que a galera pensa — explicou. —
Eles sabem resolver problemas. Sã o uns filhos da puta curiosos…
— E esguicham tinta — concluí com uma risada compreensiva,
embora eu nã o tivesse dú vidas de que ele já sabia disso.
Outro sorriso glorioso iluminou seu rosto.
— Exatamente.
— Hum. — Me sentindo meio idiota, sorri de volta. — Isso é muito
perfeito.
Ele deu de ombros, apenas um toque de cor em suas bochechas
bronzeadas.
— É legal.
— É muito legal.
Dex sorriu ainda mais.
— Ritz…
— Por que você me chama assim? — perguntei, enfim, depois de
mais de um mês silenciosamente deixando-o escapar impune.
Outro sorriso lento me deu as boas-vindas.
— Sabe aquele dia em que você foi contratada? Sonny ligou para me
xingar de novo, e nã o consegui ouvi-lo bem quando ele te chamou de
Ris. Achei que ele te chamava de Ritz. No momento em que descobri —
ele deu de ombros —, eu já tinha colocado isso na minha cabeça.
Outra resposta brilhante.
— Ah.
Quando nenhum de nó s disse nada, e de repente desconfortável,
caminhei até o sofá -cama que eu havia deixado uma bagunça e caí sobre
ele. Puxei as cobertas sobre o meu corpo com um bocejo. Eu podia ouvir
Dex se acomodando na cama, as molas do colchã o rangendo sob seu
peso, os lençó is se arrastando em todas as direçõ es.
— Dex?
— Sim? — ele respondeu.
Bocejei novamente, rolando para o meu lado.
— Se você sentir outro vento do norte chegando esta noite, mire
para o outro lado, tá ?
A risada que explodiu dele colocou um sorriso no meu rosto quando
adormeci.
Ao final do segundo dia da exposiçã o, eu teria trocado meu
primogênito por algum tipo de feitiço de camuflagem que me tornasse
invisível para idiotas.
Minhas breves conversas com os bêbados que tropeçavam até o
estande com uma mã o em volta de uma garrafa de cerveja e a outra
enfiada na frente da calça geralmente eram do tipo:
— Entã o, se eu fizer essa tatuagem cara pra cacete, eu te pego de
graça?
— Nã o.
— Que tal um beijo?
— Nã o.
— Só uma bitoquinha.
— Nã o.
— Uma mã o…
No momento em que Dex estava por perto e um cara começava a
seguir esse caminho terminava com Dex resmungando:
— Vá se foder.
Ai.
Ele nem olhou para trá s para ver o homem que estava me
incomodando, mas, aparentemente, o idiota bêbado nem precisou ver
seu rosto para entender a mensagem.
— Dex! — sibilei com ele por ser tã o rude quando o cara merecia
isso apenas parcialmente.
— Flor — ele respondeu, completamente sem remorso e nã o dando
a mínima. Agora falando sério, quando ele ligava? Se eu achasse que ele
prestaria atençã o, tentaria lhe dar uma liçã o de educaçã o.
Nada a ver, né?
Entã o havia Shane. Shane, que aparecia em todas as chances que
tinha e em todas as chances que nã o tinha. Se eu nã o tivesse ouvido
tanto sobre ele dormir com mulheres aleató rias, no dia anterior, teria
jurado que ele tinha uma queda pelo Dex.
Talvez tivesse.
Ele devia ter criado alguma afinidade por mim depois da noite
anterior, porque ele foi até o balcã o e me olhou bem no rosto ― ou no
meu peito. Descaradamente.
Como se houvesse algo lá para olhar.
Começou com ele, sorrindo e se inclinando.
— Posso ver suas tattoos?
Antes de sairmos de Austin, eu estava mentalmente preparada para
o calor e a umidade da cidade quando enfiei suéteres e cardigã s que
chegavam à altura do cotovelo na minha mochila. Nenhum dos caras
disse nada, mas eu nã o queria que fosse completamente ó bvio para
uma multidã o de amantes da arte corporal que minha pele era
desprovida de tatuagens.
— Nã o tenho nenhuma — respondi em voz baixa.
Ele nã o acreditou totalmente porque franziu a testa, mas
misteriosamente deixou a pergunta para lá .
— Tem namorado?
Estive ocupada organizando as faturas desde o dia anterior, entã o só
me preocupei em olhar para ele antes de balançar a cabeça.
— Nã o.
— Você nã o está mesmo interessada em Dexter?
— Nã o.
— Eu nã o acredito.
Ele saiu e voltou algumas horas depois, desta vez quando Dex correu
para o banheiro entre os agendamentos. Magrã o estava ocupado com
um cliente e eu estava sentada lá , observando as pessoas.
A primeira coisa que Shane fez foi erguer o queixo.
— Tem certeza de que nã o está …?
Eu queria esconder minha irritaçã o porque, Jesus! Quantas vezes
mais ele teria que matar minha autoestima, lembrando-me de que um
homem que parecia o pecado vestido de preto em pele bronzeada nã o
gostava de mim dessa maneira? Havia um limite com o qual meu
orgulho poderia lidar.
— Não — enfatizei, para deixar claro que eu nã o estava dormindo e
nunca dormiria com meu chefe.
— Eu nã o entendo — ele murmurou como se estivesse tentando
refutar um teorema matemá tico.
Um suspiro gemido conseguiu escapar da minha boca.
— Nã o sou o tipo dele. — Ok, coisa errada a dizer. Corrigi minhas
palavras o mais rá pido que pude. — Ele nã o é meu tipo.
O barulho que ele fez em resposta soou como uma mistura de um
soluço e uma risadinha.
— Você precisa de ó culos? — Seus olhos se desviaram para o meu
decote outra vez. — Ele ameaçou quebrar meus dedos se eu desse em
cima de você. Nunca tivemos problemas em dividir antes…
Lá se foi meu apetite.
Antes que ele tivesse a chance de fazer meu estô mago revirar, vi Dex
vindo pelo corredor, enxugando as mã os na calça jeans enquanto seus
olhos se fixavam na forma de Shane. No minuto em que ele estava perto
para falar, disparou seu olhar para mim. Seu olhar mergulhou para
minhas clavículas, aborrecido.
— Flor, abotoe a porra do seu suéter. Todo mundo consegue ver seus
peitos assim.
Caralho.
Olhei para baixo para ter certeza de que meus peitos nã o estavam de
fora para todo mundo ver, e eles nã o estavam. Minha camiseta era uma
regata com costas nadador, e o decote na frente escondia claramente a
linha do sutiã , para que ficasse bem registrado. Abri a boca para
discutir com ele, e entã o a fechei. A ú ltima coisa que eu queria era
discutir com ele eternamente, e fazer Shane presumir que isso eram…
preliminares ou algo ridículo.
Abotoei os botõ es minú sculos, olhando para todos os lados, menos
para a minha frente. Dex estava falando com Shane em voz baixa. Seus
lá bios se moviam, mas eu nã o conseguia ouvir o que estava sendo dito
entre os dois.
Depois de um minuto, Shane inclinou a cabeça e saiu em direçã o ao
seu estande. Eu já havia passado por ele algumas vezes e sabia
exatamente onde era.
Quando Dex se virou, olhou feio para mim. Era imaturo, mas eu
estava irritada com o que ele tinha dito, embora realmente preferisse
nã o ser abordada por estranhos bêbados. O olhar que dei a ele em troca
foi mordaz. Bem, tã o mordaz quanto eu era capaz.

Aprendi muitas coisas nos três dias que passamos em Houston.


Algumas eram mais informativas do que outras. Algumas eu preferia
nã o ter aprendido. E uma fraçã o delas eram inevitáveis neste caminho
chamado vida.
Aprendi mais sobre técnicas de tatuagem do que eu poderia ter
imaginado. Com Magrã o e até Dex me levando para diferentes estandes
no sá bado e no domingo, me mostrando o melhor e, infelizmente, o pior
também. O melhor: criatividade. O pior: a inexperiência. A
inexperiência ficava evidente com as letras malfeitas e os contornos
terríveis. Outra grande coisa que aprendi que parecia essencial: a Pins
era bem conhecida. Havia um fluxo constante de pessoas olhando os
fichá rios que tínhamos e perguntando quem estava disponível. Fiquei
surpresa com o orgulho beliscando meu peito quando vi como eles
eram respeitados.
Também aprendi que havia muitos exibicionistas na arte corporal.
Muitos. Eu nã o tinha visto tantas mulheres seminuas na minha vida e
isso incluía o tempo que eu passava vasculhando sites pornográ ficos
quando estava ansiosa para aliviar um pouco a tensã o. Também aprendi
que nã o há centímetro de pele em um corpo que nã o possa ser tatuado.
Por exemplo, uma axila. Um pênis. Bolas. Palato. Língua. O interior de
um lá bio. Lá bios lá de baixo! Cara! Mentalmente, tomei a decisã o de
que, se algum dia fizesse uma tatuagem, nã o seria em nenhum desses
lugares. Eu deixaria isso para as almas muito mais corajosas do que eu
jamais poderia ser.
Por fim, o que foi esbofeteado na minha cara vá rias vezes foi que Dex
era um imã de vaginas. Eu já sabia disso pela conversa que tinha ouvido
com Shane, mas engoli e me afastei. Ele nã o parava para falar com
nenhuma das mulheres que apareciam no estande, e eu nã o sabia como
lidar com isso, entã o nã o lidava. Lá em Austin, ele havia mantido essa
parte da sua vida privada, pelo menos desde que eu o havia encontrado
na oficina. Eu me recusava a perder um minuto sequer me perguntando
quais eram suas estatísticas.
Nã o era da minha conta, mas Deus sabia que eu teria pagado pelos
serviços dele se ele nã o fosse meu chefe e eu nã o estivesse confusa com
o que sentia por ele.
Depois de um sá bado exaustivo, no qual passamos mais de treze
horas na exposiçã o, jantamos em um restaurante chinês pró ximo e logo
desmaiamos assistindo A Hora do Rush no quarto com Magrã o
narrando o filme inteiro perfeitamente.
O domingo foi igualmente agitado. Parecia que pessoa sim, pessoa
nã o, que havia comprado um ingresso para a exposiçã o queriam que
Dex ou Magrã o as tatuassem, entã o tive que equilibrar os pedidos da
melhor maneira possível, ao mesmo tempo em que aproveitava para vê-
los trabalhar. Sempre me pareceu estranho observá -los quando
estávamos na Pins, mas em Houston nossa proximidade era tamanha e
estávamos em circunstâ ncias diferentes, que parecia bom. Se você fosse
tímido, nã o faria exatamente uma tatuagem no meio de uma exposiçã o,
certo?
Pouco antes de começarmos a tirar nossas coisas, Magrã o me deixou
tatuar o menor coraçã o existente em seu osso do pulso em
comemoraçã o à nossa bem-sucedida visita a Houston.
— Mas e se eu errar? — perguntei em pâ nico, segurando a má quina,
de alguma forma, sem tremer.
Dex estava sentado ao lado dele, fazendo o curativo da nova
tatuagem na parte interna do bíceps de um cliente.
Magrã o sorriu.
— Iris, é uma coisinha de nada. Eu arrumo se você errar ou o Dex
arruma. Nã o é nada de mais.
Minha boca se curvou em uma careta.
— Estou morrendo de medo.
— Só tente — ele insistiu.
Lancei um olhar para Dex, que estava olhando para mim, achando
graça daquilo.
— Você arruma se eu errar? — perguntei num sussurro.
Ele me deu o sorriso mais indulgente do mundo.
— Claro que arrumo, flor.
— Você tem certeza? — insisti com Magrã o, que acenou para que eu
avançasse. Soltei uma respiraçã o profunda e assenti. — Tudo bem. —
Alguns minutos depois, de alguma forma, eu tinha conseguido manter a
quantidade certa de pressã o, seguir o contorno melhor do que eu
esperava e entã o apontei a má quina para Magrã o. — Você termina, eu
nã o consigo.
Ele fez um som zombeteiro, balançando a cabeça.
— Você termina outro dia. Combinado?
— Talvez — respondi.
Ele piscou.
— Combinado.
Dex se inclinou para inspecionar meu trabalho enquanto tirava as
luvas.
— Bom trabalho.
Esses caras faziam as artes mais intrincadas e multicoloridas que eu
já tinha visto e estavam me elogiando por um simples contorno de
coraçã o? Ahhh. Acho que estava começando a gostar deles e isso só fez
com que eu me sentisse pior por causa do meu pedido de demissã o
quando voltá ssemos para casa.
Empacotamos nossas tralhas, transportando-as do centro de
convençõ es para a caminhonete no que pareceram ser um milhã o de
viagens. Depois da ú ltima, Dex acenou para que eu sentasse no banco
da frente enquanto ele entrava no lado do motorista.
— Ritz, você pode sentar na frente, já que nã o vai dormir.
Dei de ombros, pensando que fazia todo sentido. Magrã o nã o
discutiu ou piscou quando entrou no banco de trá s. Eles falaram sobre
as coisas de que mais tinham gostado, as pessoas que viram e
conversaram sobre como as tatuagens fluorescentes haviam se tornado
populares e como poderiam ter que pesquisar a tinta necessá ria para
elas.
— Arco-Íris, você se divertiu? — Magrã o perguntou, acrescentando o
apelido que ele tinha ouvido de um cliente no sá bado.
Mudando de posiçã o no assento para olhar para ele do encosto de
cabeça, assenti, sorrindo, porque foi ele quem se esforçou para garantir
que eu me divertisse.
— Muito, mesmo que você ronque. — Inclinei a cabeça na direçã o de
Dex, balançando as sobrancelhas para Magrã o. — E o gá s desse cara dá
para encher um botijã o.
— Eu nã o ronco — Magrã o argumentou, mas eu estava muito
ocupada olhando para Dex enquanto tentava conter uma risada. Dex
sorriu, mantendo sua atençã o voltada para a frente.
— Obrigada por me trazer, pessoal — falei timidamente depois de
alguns minutos de viagem. Recostando-me no banco do carona, na
frente, olhei para Dex, que estava com os olhos na estrada.
Olhos escuros deslizaram para os meus por uma fraçã o de segundo
antes de ele retomar seu foco na estrada à frente. Magrã o tagarelou
sobre coisas aleató rias por um tempo antes de adormecer, deixando
apenas as mú sicas antigas do Pantera tocando baixinho ao fundo.
— Juro que nã o vou dormir — Dex murmurou, algum tempo depois.
— Acredito em você — respondi, observando sua silhueta. — Mas
estou paranoica demais para dormir. Desculpe.
Seus dedos tamborilavam no volante.
— Você nã o está surtando tanto — observou ele.
Isso era verdade; eu nã o estava.
— Você nã o dirige como um idiota, entã o nã o me deixa tã o nervosa,
eu acho. — Tinha sido grosseria? — Sem ofensas — acrescentei.
Dex riu, sorrindo apenas um pouco. Aqueles olhos dispararam na
minha direçã o novamente.
— Você é vegetariana? — ele perguntou do nada.
Eu fiz aquela coisa toda assustadora de olhar de soslaio em resposta
a seu comentá rio. Como ele sabia?
— Sou. — Eu parei. — Como você sabe?
Ele fez um barulhinho com a língua.
— Nunca vi você comer carne, e depois vi como olhou quando
trouxemos aquele cachorro-quente. Achei que você fosse vomitar.
Ele tinha notado. Que tal isso?
— Eu vomitei por dentro um pouco.
— Isso é nojento pra caralho, flor. — O engraçado é que ele riu em
vez de fazer uma careta.
Bufei.
— Desculpe. — Mas eu nã o estava arrependida. Era verdade. Aquele
cachorro-quente parecia um cocô velho.
— Nã o se desculpe — resmungou, lançando outro olhar na minha
direçã o. — Você nã o come carne, está tudo bem. Da pró xima vez, só fale
para a gente para eu nã o ter que te ver com cara de bosta.
Cara de bosta? Me virei para olhar para ele e fiz um barulho feio de
escá rnio na garganta.
— Como você é grosso.
— Você sabe o que eu quero dizer.
Sim, eu sabia o que ele queria dizer. Ele achava que minha cara tinha
ficado pior do que de costume. Era um descarado.
— Tá , tá , que seja.
Ele nã o disse mais nada, mas balançou a cabeça em resposta.
— Eu tenho dois olhos bons, Ritz. Nã o tem nada de errado com você.
Você já deve saber que eu falo bosta metade do tempo.
Ele falava. Pelo menos meia dú zia de vezes, entã o eu deveria saber
que nã o deveria levar a merda verbal dele a sério. Além disso, por que
eu deveria me importar? Nã o estava planejando ser a melhor amiga
dele. Certo?
— Eu sei. — Suspirei, voltando minha atençã o para olhar pela janela.
Nenhum de nó s disse mais nada por muito tempo. Fiquei sentada ali
e pensei em dizer a Dex que eu queria pedir as contas e a culpa me
inundou. Deus, eu me sentia uma idiota quando nã o tinha motivo para
isso. Nã o que eu fosse uma funcioná ria especial. O trabalho era muito
fá cil, ele poderia encontrar uma centena de outras pessoas para ocupá -
lo.
Ainda assim, era péssimo.
Eu me sentia como meu pai. Uma covarde.
Um covarde que tinha vindo para a cidade e pedido dinheiro ao filho
de quem ele nã o era pró ximo fazia muito tempo.
E um covarde que tinha desaparecido tã o rapidamente quanto tinha
aparecido. Falando nisso, eu nã o tinha falado com Sonny de novo depois
que ele ficara tã o aborrecido com a situaçã o. Dex poderia saber mais e
seria uma pessoa mais razoável com quem conversar, já que nã o estava
emocionalmente ligado à situaçã o.
— Entã o, Dex?
O espertinho que, de alguma forma, havia aparecido ao longo dos
ú ltimos três dias respondeu:
— Entã o, Ritz.
Ai, Senhor.
— Por acaso, você viu o pai do Sonny quando ele estava aqui? —
perguntei o mais casualmente possível.
Mantendo os olhos fixos à frente, ele contorceu a boca.
— Nã o.
Nã o? Isso era tudo que eu ia arrancar dele?
— Mas eu fiquei sabendo — ele continuou, felizmente. Seus olhos
desviaram-se por um instante na minha direçã o. — Por quê?
— Só fiquei curiosa. — Extremamente curiosa, mas ele nã o precisava
saber disso.
— Eu sei que ele pediu um empréstimo — ele disse com uma voz
gentil que me deixou cautelosa. — E eu sei que Luther nã o deu.
— Ah. — Fiz uma pausa, redirecionando meus olhos para a janela. —
Hum.
Eu queria saber para que era o dinheiro. E mesmo que eu nã o
quisesse, queria saber o que ele tinha feito nos ú ltimos oito anos. Por
que ele nã o tinha se preocupado em vir ver o Will ― em me ver.
As perguntas afundaram na boca do meu estô mago como chumbo,
arrastando meu humor para baixo com elas. Até que pensei em como
tinha sido passar por um milhã o e meio de coisas sem o meu pai.
Eu nã o precisava dele.
Eu, nã o. Hoje, nã o. Amanhã , nã o. Nunca.
— Trip me contou a merda que ele fez com você e a sua mã e — Dex
falou, de repente.
Meus mú sculos ficaram tensos.
— Lembro de ouvir sobre ele se mudar quando eu era criança —
explicou. — Eu nã o sabia que ele tinha deixado vocês.
A vontade de tagarelar que ele tinha ido embora um ano antes de eu
ficar doente estava na ponta da minha língua, mas lutei contra.
— Ele nunca voltou depois que sua mã e morreu? — Dex perguntou
em voz baixa e gentil.
Tive que engolir a pontada amarga na minha garganta.
— Nã o. Quero dizer, ele veio logo no final. Logo antes de ela morrer.
Entã o foi embora de novo no dia seguinte. — Minha voz falhou um
pouco, mas foi o suficiente para me envergonhar por ser tã o emotiva a
respeito de algo que tinha acontecido havia muito tempo.
E foi o suficiente para Dex notar.
Ele estendeu a mã o e bateu na lateral da minha perna com o dorso
do dedo indicador tatuado.
— Essa merda nã o vale suas lá grimas, flor.
Nã o era exatamente o conforto dos braços de yia-yia, mas seu leve
cutucã o foi o suficiente para me centrar. Para me fazer lembrar que
aquele homem nã o valia minhas lá grimas ou mesmo meus
pensamentos. Minha mente estava totalmente a favor, mas meu corpo
sentia o contrá rio.
Eu funguei.
— Estou falando sério, nã o comece a chorar — acrescentou Dex,
naquele mesmo tom que ele havia usado um momento antes.
Balancei a cabeça. Se foi para as palavras dele ou para mim mesma,
nã o tenho certeza, mas respirei fundo e pensei na minha mã e. Minha
doce mã e que havia amado um homem, o perdido e nunca tinha se
recuperado totalmente. Eu nunca quis ser assim. Nunca quis acabar no
mesmo lugar. Eu tinha perdido o suficiente na minha vida para arriscar
perder ainda mais.
— Eu me lembro quando seu pai voltou uma vez, muito tempo atrá s.
Ele veio para ver o Sonny, mas o Son já nã o dava mais a mínima naquela
época, você sabe. Falou para ele ir se foder porque estava puto com
alguma coisa.
Alguma coisa.
A lembrança da ligaçã o de Sonny algumas semanas depois que
minha mã e faleceu era uma lembrança fá cil. Um de nó s sempre ligava
para o outro pelo menos todos os meses naquela época. Meu meio-
irmã o sempre foi supertranquilo, mas, naquele telefonema, quando
falei que nosso pai tinha ido embora de novo, Sonny perdeu o controle.
Absolutamente perdeu o controle.
Podia ser porque o Taylor mais velho havia ficado apenas alguns
anos em sua vida, e mesmo quando ele estava em Austin, enquanto
Sonny era criança, era uma figura distante. Nosso pai nunca tinha se
comprometido de forma alguma com a mã e de Sonny, embora anos
depois eu aprendesse que a palavra compromisso nã o significava nada
quando ele havia partido três coraçõ es na Fló rida.
Independentemente disso, nã o me ocorreu até que eu fosse
adolescente e Sonny fez um esforço para ter um relacionamento comigo
e com Will. Pelo menos nó s tivemos Curt Taylor na nossa vida por mais
tempo do que ele.
Entã o, quando Sonny descobriu que nosso pai bioló gico havia
partido ― de novo ― logo apó s a morte da minha mã e… ele ficou
furioso.
E acho que Sonny engoliu toda a raiva que Will e eu tínhamos, por
nó s.
— Seu velho é um idiota do caralho.
Nã o foi a primeira vez que ouvi essas palavras. Dei de ombros.
— Você deveria ter ouvido os nomes gregos que minha avó tinha
para ele. Eu nã o ficaria surpresa se ela tivesse um boneco de vodu dele
embaixo da cama.
Ele franziu os lá bios.
— Ela se foi?
Quase imediatamente depois que entrei em remissã o, mas nã o fui
tã o específica com Dex.
— Ela teve um ataque cardíaco enquanto dormia, alguns anos atrá s.
— O que também nã o expliquei foi que ela havia vendido a casa alguns
meses antes de falecer para pagar minhas contas médicas.
— Cacete. — Os dedos longos e masculinos de Dex tamborilaram no
volante. Ele levantou uma das mã os e pressionou o dorso dela no rosto.
— Isso… isso é uma merda, flor.
Soltei um suspiro e ri só um pouco, mais nervosa e resignada do que
qualquer coisa.
— Poderia ter sido pior. Ele pode ter sido abusivo ou… nã o tenho
certeza. Eu só sei que poderia ter sido muito pior, eu acho.
Dex olhou para mim com o canto do olho, mandíbula movendo-se no
breve silêncio que se seguiu ao que eu tinha dito antes que ele falasse
novamente.
— Meu pai também era um merda. Sempre gritava com as minhas
irmã s, falava mal da minha mã e, tentando me bater quando podia.
Constantemente bêbado, roubando dinheiro da minha mã e ou de quem
fosse burro o suficiente para andar com ele para que ele pudesse ir para
o bar e encher tanto a cara que acabasse dormindo no chã o na maioria
dos dias. Desperdício de vida sem valor, especialmente depois que o
expulsaram do Fá brica, quando se cansaram das merdas dele.
Mais ou menos na metade do que ele estava falando, eu estava tã o
atordoada que me mexi para olhar para ele. De onde tinha vindo sua
honestidade, eu nã o tinha ideia, mas fui sugada por completo.
Quando houve uma pausa estranha na conversa, deixei escapar uma
pergunta.
— O que aconteceu com ele?
Ele suspirou tã o dolorosamente que eu nã o teria imaginado que um
homem como Dex pudesse alimentar tanto ressentimento dentro de si.
Ele nunca pareceu ser do tipo que se decepcionava com os outros.
Costumava ir de normal para puto.
— Ele foi preso por trá fico quando eu tinha dezoito anos. Nã o vi a
cara dele nem falei com ele desde entã o.
— Nenhuma vez? — indaguei em voz baixa.
Dex balançou a cabeça bruscamente. Raiva e frustraçã o
transbordavam dos seus poros, sua contrariedade pelo passado
espetando meu peito.
— Nã o desde que ele culpou a mim e à minha mã e pelos problemas
na vida dele. Falou que era nossa culpa permitirmos que ele ficasse
daquele jeito por tanto tempo. Disse que deveríamos ter conseguido
ajuda para ele. Pode acreditar numa merda dessas? Passei anos
tentando fazer ele passar um tempo comigo e com minhas irmã s em vez
de com a vodca, e ele culpa a gente por ser um bêbado filho da puta? Da
ú ltima vez que nos falamos, ele disse que eu deveria me acostumar a
ser uma decepçã o, porque isso era tudo que eu sempre ia ser. — Dex riu
amargamente. — Assim como ele.
A raiva inundou minhas veias.
— Que merda esse cara.
Putz. Eu realmente tinha acabado de dizer isso?
Olhei para Dex e vi que ele estava olhando para mim. Se estava
chocado ou achando graça, eu nã o tinha ideia. Tudo o que consegui foi
um aceno de cabeça.
— Você nã o faz ideia, flor.
Eu nã o conhecia Dex muito bem, mas me senti confiante com o que
contei a ele em seguida. Eu nã o estava tentando bajulá -lo ― por que
tentaria? ― ou fazê-lo se sentir melhor, mas achei que ele deveria saber
que eu nã o acreditava na profecia do pai dele.
— Você nã o é nada disso… nada como ele… você sabe, né?
— Espero em Deus que nã o seja.
— Você nã o é — declarei de novo. — Você é um homem bom, Dex.
Ele encolheu os ombros, mas eu percebia que ele estava pensando,
processando.
— Eu nunca quero ser nem metade como ele. Naquela época, eu
estava sob fiança por algumas acusaçõ es idiotas… — Eu nã o chamaria
agressã o de acusaçã o idiota, mas guardaria esse pensamento para mim.
— Ouvir essas palavras da boca dele, me condenando a repetir o
caminho da vida miserável e bêbada que ele teve? Jurei naquele
momento que nunca ia ser como ele. Tenho o temperamento dele. Eu
digo merdas idiotas sem pensar à s vezes, mas é isso.
Eu disse as palavras de forma espontâ nea, sem refletir.
— Você nã o vai. — Olhei para ele. — De forma alguma.
O silêncio depois disso foi tã o esmagador que me fez sentir estranha.
Pesada. Pressurizada. Eu sabia que essa chance era rara, entã o, por
algum motivo, continuei:
— O que aconteceu depois disso?
— Depois que saí do condado, deixei Austin, fui para Dallas por
alguns anos e resolvi minhas coisas. Quando estava pronto, voltei para
casa.
Sua versã o da histó ria era tã o curta e perfeitamente recortada que
nã o consegui assimilar bem. Ele havia cumprido a pena, saído e tentado
levar sua vida em uma direçã o diferente. Isso era admirável.
Dex se virou para me olhar. Ele olhou para mim por tanto tempo que
eu deveria ter me preocupado com ele estar desviando os olhos da
estrada, mas nã o havia ninguém lá .
— Você acha que sou um imbecil, flor? Sabe, tipo um imbecil pra
valer? Nã o apenas um mal-humorado ou como diabos você chama isso.
Ele estava falando sério. Tã o sério, tã o essencialmente vulnerável
naquele momento que senti algo quente e pesado cobrindo minhas
entranhas, me alertando de que aquele momento era algo significativo
para Dex. Algo que eu tinha um pressentimento, uma confirmaçã o
instintiva, de que ele nã o compartilhava com ninguém.
— Acho que você faz algumas coisas imbecis — respondi com
sinceridade. — Mas nã o acho que seja realmente um idiota, Dex.
Verdade. Verdade. Verdade. Esse era o homem que tinha me sentado
no balcã o depois de gritarem comigo, me comprado uma coca e me
dado pã o. Esse era o mesmo homem que reclamava comigo por ir
sozinha para o meu carro. O mesmo homem que tinha me carregado
para a cama. Dexter Locke era o homem que nã o encheu meu saco por
eu nã o beber e gentilmente elogiou minha tentativa de tatuagem.
Ele tinha mais pontos indo para baixo na escala de imbecilidade do
que para cima.
— Na verdade, você provavelmente é uma das pessoas mais gentis
que já conheci quando nã o está …
— Sendo um babaca? — ele sugeriu em voz baixa.
Era impossível nã o sorrir.
— Eu ia dizer mal-humorado, mas isso também encaixa. A questã o é
que vocês dois sã o polos opostos. Estou bastante confiante de que você
nã o trataria sua família do jeito que ele tratou.
Ele inclinou o pescoço de um lado para o outro como se estivesse
tentando alongar os mú sculos. Um longo suspiro escapou da sua boca.
— Sempre falei para mim mesmo que, quando tiver filhos, vou
estragar tudo.
Nã o pude deixar de sorrir, embora mantivesse meu olhar fixo à
frente. Dex sendo pai? Um pai boca suja?
Dex sorriu naquele momento, transformando algo dentro de mim
que eu nã o conseguia reconhecer completamente. O momento e a
intençã o eram muito pesados para eu suportar. Nã o queria pensar no
que toda essa honestidade estava fazendo dentro de mim.
— Sabe de uma coisa?
Ele grunhiu.
— Seus filhos provavelmente vã o sair da barriga já usando a palavra
com “C”.
— Caralho. — Ele riu alto, confirmando meu palpite. — Você
provavelmente está certa, flor.
Inclinei meu rosto para olhar para ele, encontrando aqueles olhos
azuis que eu sabia que, mesmo sem a luz, eram o azul mais brilhante
que eu já tinha visto.
— Pequenos endiabrados falando a palavra com “C”. Consigo
enxergar isso na minha frente.
Não vomite.
Não vomite.
Ai, Deus, eu super ia vomitar.
Você não vai vomitar, ter ânsia nem refluxo, eu dizia a mim mesma.
Sem parar.
A carta que eu havia digitado na noite anterior tremia na minha mã o.
O texto que declarava ao meu empregador minhas duas semanas de
aviso-prévio para ele encontrar uma substituta. PQP.
Eu tinha me sentido muito culpada nos dias anteriores, ao conectar
meu laptop à impressora do Sonny. Fiquei pensando em Magrã o e sua
simpatia, em Blake e sua paciência e em Blue e sua natureza silenciosa.
Mas estaria mentindo se dissesse que a pessoa em que eu mais
pensava nã o era Dex.
Tudo em que conseguia pensar era na versã o de Dex que eu tinha
conhecido na caminhonete durante a viagem de ida e volta para
Houston. Aquele que conversou comigo sobre a instalaçã o de câ meras e
a colocaçã o de notas extras nas caixas registradoras no Mayhem para
identificar o ladrã o. O homem que se abriu para mim sobre seu pró prio
pai lixo.
Essa era a pessoa em quem eu pensava enquanto esperava a
impressora cuspir minha carta.
E era esse homem que me fazia tremer na base só com a ideia de que
eu tinha que comunicar a ele que ia sair.
Para minha surpresa, apenas Blake e Blue estavam no estú dio
quando cheguei, na minha primeira tentativa de deixar a carta, na
segunda-feira. Quando apareci para o trabalho na terça-feira, foi
Magrã o quem abriu comigo.
A cada momento que eu tinha que esperar, mais nervosa e culpada
me sentia.
Entã o, quando Dex apareceu na metade da noite de terça na Pins,
tive que verificar se estava com minha coragem em dia e finalmente fui
dar a notícia.
E, ainda assim, eu queria vomitar meus nervos.
O ú nico problema foi que Dex apareceu de bom humor. Ele inclinou a
cabeça para mim e Magrã o, em cumprimento, enquanto caminhava
passando por nó s e desapareceu no seu escritó rio. E esse era o meu
sinal de que algo estava errado no mundo de Dex.
Merda.
Quando entrei em sua sala, ele estava sentado atrá s da mesa olhando
muito atentamente para a tela do computador. A aba do seu boné tinha
sido enterrada na cabeça. Um cigarro espiava entre a orelha e o boné.
— Dex? — chamei em uma voz pequena, na porta. Ele nem se
incomodou em olhar para cima.
— Beleza, Ritz?
— Você tem um minuto?
— Agora nã o é o melhor momento — ele alertou. — Estou tentando
resolver essa merda.
Que merda ele estava tentando resolver… eu nã o tinha ideia. Mas
meu tempo estava se esgotando.
— Eu precisava muito falar com você — insisti.
Dex soltou um som zombeteiro entre os lá bios rosados.
— Um minuto, flor.
Vixe…
— O que você quer?
Eu nã o conseguia reunir a coragem de que eu precisava para dizer a
ele verbalmente, entã o enfiei o papel do outro lado da mesa.
Sem palavras, Dex pegou o papel, sua testa lisa já crivada por rugas
de frustraçã o causadas pelo que o estava incomodando. Aqueles olhos
azuis brilhantes se moveram em uma linha através do papel duas vezes.
E entã o ele amassou a carta e a jogou na lata de lixo, sua expressã o
inalterada.
Dex disse uma palavra e apenas uma palavra.
— Nã o.
Humm…
— O quê? — perguntei com a voz esganiçada.
Sua atençã o já estava de volta na tela do computador em que ele
estava colado quando eu havia entrado. Ele simplesmente encolheu um
ú nico ombro e repetiu.
— Nã o.
— Nã o o quê? — Mas que saco!
Dex repetiu a palavra de três letras novamente.
— Nã o… você nã o quer que eu cumpra minhas ú ltimas duas
semanas? Ou…
Ele bufou, seus olhos ainda travados no monitor.
— Nã o, você nã o vai largar a gente.
Essa era absolutamente a ú ltima coisa que eu esperava que ele
dissesse. Cocei o nariz.
— Tipo, provavelmente consigo equilibrar os dois empregos se você
demorar um pouco mais de duas semanas para encontrar outra pessoa.
— Ritz, eu nã o tenho tempo para essa merda agora. — Ele bufou. —
Você nã o vai embora e é isso. Você quer um aumento ou algo assim?
— Nã o! Jesus, Dex. Nã o estou tentando fazer um joguinho mental
com você nem nada do tipo. Você nã o tem ideia do quanto sou grata por
tudo o que fez por mim, mas achei que você pudesse encontrar alguém
que se encaixasse aqui melhor do que eu — expliquei, honestamente.
Bom, o mais honesta que consegui, sem admitir que eu tinha começado
a procurar outro emprego quase imediatamente depois de ter sido
contratada por ele.
— Você se encaixa bem na vaga.
— Eu nã o tenho tatuagens. Na metade do tempo, acho que você
também nã o está nem aí para mim. Você pode encontrar alguém de
quem goste mais.
A maneira como ele olhou para mim foi tã o lenta que me
desconcertou. Como se ele estivesse pensando, ou absorvendo o que eu
tinha dito. Dex puxou o boné preto da cabeça e o jogou na beira da
mesa, suspirando alto.
— Flor, é sério: eu nã o tenho tempo para isso. Você nã o vai embora.
Hoje em dia, estou pouco me fodendo se você tem tattoos ou nã o, e se
alguém liga, eles que calem a boca deles, caralho. Você está indo bem
aqui. Vai ficar.
Suas palavras pareciam um soco no estô mago. Você sabe, se um soco
no estô mago pudesse ser uma coisa agradável.
Porque, quero dizer, o Babaca nã o me diria simplesmente que eu nã o
iria embora se ele realmente nã o estivesse falando sério. Eu sabia. Eu
sabia. Deveria estar indignada por ele dizer que eu nã o tinha permissã o
para me demitir. Por outro lado, estava tendo problemas para aceitar a
ideia de que deixaria a Pins para trá s para trabalhar em uma creche por
quase metade do salá rio que eu ganhava ali.
Se eu quisesse realmente ir embora, poderia sair naquele momento e
nunca mais voltar.
— Nem pense nisso, Ritz — Dex resmungou do seu lugar. Ele nã o
estava mais prestando atençã o à tela; estava com o olhar intenso fixo
em mim. — Se você sair, eu vou te buscar.
Era completamente inapropriado que suas palavras trouxessem um
arrepio na minha espinha.
— Ligue para o outro emprego e fale que nã o vai; depois, tenho um
pedido para te fazer.
— Eu já disse que aceitava o emprego.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— E eu estou dizendo que você nã o vai aceitar. Eu já treinei você.
Você quer mais dinheiro, eu posso melhorar um pouco até você
completar um ano. Eu já disse que te colocaria no plano de saú de da
empresa em setembro. E nã o quero mais falar sobre isso, flor.
Quem porra tinha me dito que isso ia ser fá cil? Que eu deveria estar
preocupada em pedir minha demissã o?
Discutir com ele era inú til, eu sabia, mas tentei de novo mesmo
assim.
— Mas…
Dex esfregou as mã os sobre o rosto, os olhos arregalados de
intençã o.
— Flor, eu escolhi tudo e todos aqui a dedo. Sei o que quero e
consigo o que quero — ele disse com um suspiro. — E eu cuido do que
é meu.

Depois de limpar as coisas e de me certificar que nenhum dos


tatuadores precisava de nada antes de sair, eu estava indo para casa um
pouco mais tarde do que o habitual. Havia algumas coisas que eu queria
pegar na farmá cia, que eu tinha esquecido de comprar antes do
trabalho. Entrei na primeira que nã o parecia totalmente duvidosa,
comprei depiladores novos e hidratante labial e segui o resto do
caminho até a casa do Sonny.
Minha mente costumava correr em um milhã o de direçõ es diferentes,
mas tudo em que eu estava focada no momento era chegar em casa,
comer e vegetar no sofá para relaxar. Com apenas a segunda-feira de
folga por causa da exposiçã o e do estresse em que eu me colocava ao
pensar em deixar a Pins, meu corpo estava sofrendo com os dias longos
que tínhamos enfrentado. Sem mencionar o fato de que meu cérebro
nã o havia parado de criar diferentes cená rios e ideias sobre o que eu
poderia fazer para mudar a situaçã o atual da minha vida para melhor,
em definitivo.
Eu tinha uma segunda chance, parecia justo que eu aproveitasse.
Qual era o objetivo de desperdiçar anos, meses, semanas, dias, minutos
e até mesmo instantes de vida, depois de tudo o que eu já tinha
enfrentado? Minha mã e e minha yia-yia haviam feito muito por mim. Eu
tinha que dar um jeito.
Sonny nã o tivera um começo de vida muito diferente do meu. Ele
tinha um bom emprego, uma casa e ― exceto por essa porcaria com
nosso doador de esperma ― segurança. Havia um futuro confiável pela
frente.
Se Dex conseguia ter saído da sombra do seu pai, de alguma forma
permanecendo na versã o supostamente reformada do mesmo moto
clube que havia perdido metade dos membros ao longo dos anos,
passado os anos na prisã o e construído um negó cio de sucesso… havia
nova esperança no mundo.
Se eles tinham conseguido, eu também conseguiria. Era apenas uma
questã o de tempo.
Eu mal tinha parado o carro no espaço aberto bem em frente à casa
quando, por acaso, olhei pela rua na direçã o oposta à quela de onde eu
tinha vindo. E o que vi fez os pelinhos na minha nuca berrarem. Esqueci
tudo sobre comer e assistir ao History Channel.
Havia três homens em motos das antigas a duas casas dali. Três
homens que eu mal conseguia enxergar no escuro sob a luminescência
da lâ mpada da rua. Eram os mesmos caras da festa e dois dos mesmos
caras que haviam percorrido a rua. Aquele com a cabeça raspada estava
no meio, como antes, e, de onde estava, seu grande corpo parecia ter
uma imponência impressionante.
Merda!
Merda dupla.
Algo em mim me disse que aquilo nã o estava certo. Esses caras nã o
eram como Trip ou Luther, ou as outras pessoas que eu tinha visto
enquanto estava no Mayhem. Esses caras nã o faziam parte do clube do
Sonny.
Entã o fiz o que qualquer mulher um tanto inteligente que tinha
assistido a muitos filmes faria ― saí do carro, mantive o foco na porta,
deslizei três chaves entre minhas juntas dos dedos, no melhor estilo
Wolverine de proteçã o, e fechei a porta com uma pancada no
nanosegundo apó s eu ter entrado.
E entã o gritei:
— Sonny!
— Tem certeza?
Olhei intensamente para o homem do outro lado da mesa e assenti
devagar. Estávamos sentados à mesa da sala de jantar enquanto eu
comia torradas e tomava um copo de leite quente antes de dormir. Esse
era um comportamento normal.
Se ao menos nã o houvesse motoqueiros assustadores na rua…
E se apenas Sonny nã o parecesse estar lutando contra todas as
células em seu corpo para liberar algo feio que residia sob seus olhos
castanho-claros…
— Eles sã o os mesmos caras. — Mordi minha torrada. — Reconheci
de quando saí do bar naquela noite e juro que eles seguiram pilotando
pela rua, há algumas semanas, olhando para cá de uma maneira
estranha. Eles usam jaquetas em vez de coletes, e tem um cara grande
careca que parece familiar.
Sua atençã o estava focada na parede, enquanto suas mã os
sustentavam o queixo.
— Caralho — ele murmurou. — Caralho, caralho, caralho.
Minha pergunta foi calma:
— O que foi?
Seus olhos se mantiveram na parede.
Tudo bem, ele também nã o ia me dizer, entã o eu ia tentar um plano
B.
Estendi a mã o para tocar a dele, tentando com muito esforço nã o
deixar o pequeno mordiscar do medo nas minhas entranhas me engolir
inteira.
— Sonny, você fez alguma coisa?
Ele fechou os olhos com força e grunhiu. Suas mã os se fecharam em
punhos apertados na mesa enquanto ele soltava um longo suspiro.
— Se algo aconteceu, vou te ajudar — prometi. Porque eu ajudaria.
Nã o havia muito que eu nã o fizesse por ele, e isso incluía deixá -lo me
usar como á libi se tivesse feito algo horrível.
Os dedos de Sonny desenrolaram-se apenas o suficiente para
envolver meu cotovelo, apertando de leve.
— Eu nã o fiz nada, Rissy.
Ele tinha me chamado de Rissy. Ele só me chamava de Rissy quando
tinha má s notícias para me contar.
— O que foi?
Ele gemeu, ganhando um cutucã o na costela.
— Eles sã o como seus… arqui-inimigos ou algo assim? — perguntei,
a voz baixa, colocando o pã o de volta no prato. Eu devia estar
parecendo uma idiota com essa terminologia, mas nã o conhecia o
linguajar dos motoqueiros, e concluí que essa descriçã o funcionava bem
o suficiente quando suas bochechas se ergueram por uma fraçã o de
segundo antes que seus lá bios endurecessem.
Ele se inclinou para trá s na cadeira, apertando os olhos.
— Mais ou menos, mas nã o é bem assim que funciona. — Ele parou.
— Eles fazem parte de um grupo de wannabes de San Antonio que nã o
sã o exatamente fã s do territó rio do MC aqui.
Ai, meu Deus, eu estava morando em uma série de televisã o da vida
real.
Pisquei para ele, confusa pra caramba.
— Pensei que você tinha dito que nã o faziam mais essas coisas. —
Empurrei o prato para longe, inclinando-me em sua direçã o.
Ele ia me contar a verdade, cacete. Minha mã e tinha me dito que,
quando meu pai deixou o Fá brica, eles estavam se associando aos
distribuidores de drogas, o que quer que isso significasse. Eu me
lembrava claramente de Sonny me dizer que o presidente, a versã o
mais maluca do velho Luther, que andava pegando mulheres muito
mais novas no bar, havia dividido o clube, limpando-o depois que sua
esposa tinha sido assassinada em retaliaçã o.
Sonny parou de me olhar fixo para pressionar a testa em uma das
palmas viradas para cima, fechando os olhos no processo.
— Nã o é nada disso, Ris — prometeu. — Nã o é comigo nem com o
Clube que eles têm negó cios.
Esse pouco de informaçã o era melhor do que nada, mas nã o
significava que eu nã o ia tentar fisgar mais.
— Ok, entã o por que eles estã o aqui?
— Desculpe, garotinha, mas nã o posso te arrastar para isso, tá ? —
ele murmurou, ainda olhando para baixo. — Nã o se preocupe com eles,
beleza?
Dizer para eu nã o me preocupar seria o equivalente a me dizer para
nã o menstruar.
Mas eu nã o pretendia estressá -lo mais do que ele já estava
estressado, entã o coloquei minha expressã o mais mentirosa no rosto.
— Você tem certeza?
Ele assentiu lentamente, o maldito.
— Ok — concordei, hesitante.
As feiçõ es de Sonny suavizaram meu sorriso fraco.
— Iris. — Em um segundo, ele estava de joelhos, colocando as
palmas das mã os em cada uma das minhas. — Vai ficar tudo bem — ele
me garantiu.
Dar ouvidos a ele foi uma das decisõ es mais idiotas da minha vida.
Assim que acordei, muitas coisas imediatamente me avisaram de
que algo estava errado.
Seriamente errado.
A gaveta superior da cô moda estava aberta e eu nunca deixava
nenhuma gaveta aberta. Mantê-las fechadas era uma tendência
neuró tica minha.
Meu celular estava na cama em vez da mesa de cabeceira, onde eu o
tinha deixado carregando antes de pegar no sono.
E a terceira foi que a porta do quarto também estava fechada. Eu
nunca fechava a porta porque era paranoica sobre gritar e ninguém me
ouvir.
Meu primeiro pensamento, depois que meu cérebro decodificou as
pistas, foi que Sonny havia entrado em algum momento durante a noite.
Tudo além da gaveta e do meu celular estavam no lugar, entã o tentei
pensar no que deveria fazer. Felizmente, meu primeiro instinto foi
verificar as mensagens e, quando desbloqueei a tela, vi que era o passo
certo.
Se eu não deixar um recado no balcão da cozinha, ligue para Dex o
mais rápido possível. Meu celular e outras coisas estão na sua gaveta.
Fale para ele o que você viu.
As três mensagens eram de Sonny à s duas horas da manhã . Trinta
minutos depois de eu ter ido para a cama e o ter deixado sentado na
cozinha disparando vá rias mensagens de texto para alguém, uma logo
apó s a outra.
Eu sabia que algo estava errado. Essa tomada de consciência sufocou
minhas entranhas, me fazendo levantar da cama e sair do quarto o mais
rá pido possível. Mas o que vi nã o foi o que eu queria encontrar. Nã o
havia recado no balcã o.
Porra!
Nunca tinha me mexido tã o rá pido, sem contar a vez em que tentei
me esquivar de Will quando peguei sua coleçã o secreta de revistas
Playboy e saí correndo desfilando com elas pela casa. E esse era o
Sonny. Eu tinha acabado de trazê-lo de volta para a minha vida.
Sua carteira e outro conjunto de chaves que pareciam ser pequenas
demais para qualquer porta ou carro estavam em cima da minha pilha
de meias. Meus dedos tremiam quando abri seu celular antigo e bá sico
e tentei passar pelo menu com uma mistura de pâ nico e pavor,
procurando o nú mero de Dex. Quando encontrei “Dexter” nos contatos,
meu polegar estava apertando o botã o de chamada antes mesmo de
pensar em fazê-lo.
— Por favor, por favor, por favor, por favor, por favor — implorei,
falando sozinha, ouvindo o toque. Meu coraçã o estava disparado de
impaciência. — Dex, vamos lá …
— Caralho, mano — uma voz sonolenta e gutural respondeu com um
bocejo. — Sã o nove horas, seu filho da puta.
Respirei fundo.
— Dex?
Ouvi-o pigarrear e entã o outro suspiro sonolento.
— Hum… Ritz?
— Eu mesma — confirmei rapidamente. — Sonny sumiu.
No período de um milissegundo, a voz do sono de Dex congelou.
— O que você quer dizer com Sonny sumiu?
Nã o notei até ouvir o tremor na minha voz que havia lá grimas nos
meus olhos.
— Acho que aqueles caras o levaram.
Fiquei numa espécie de confusã o mental apó s a breve conversa com
meu novo aliado, o Babaca. Depois de ele basicamente ter exigido que
eu me acalmasse, consegui contar em dez segundos sobre os caras que
eu tinha visto estacionados na rua e que Sonny tinha me deixado uma
mensagem. Nem preciso dizer que eu estava feliz por nã o ter essa
conversa com ele pessoalmente.
Usar a palavra “puto” para descrever sua reaçã o seria como dizer
que o Oceano Pacífico era um riachinho. O termo nã o fazia justiça ao
que tinha sido dito por telefone. Eu nem tive a chance de dizer “tchau”
antes de ele desligar, me dizendo que chegaria em trinta minutos.
Vinte e nove minutos depois, eu havia tomado o banho mais rá pido
da minha vida, chorado pelo meu irmã o desaparecido e estava
assustada, tudo de novo. Mesmo sabendo que Dex estava a caminho, a
batida à porta da frente fez minhas mã os se agitarem, e os meus
batimentos acelerarem. Tendo em mente o que quer que havia acabado
de acontecer com Sonny, verifiquei no olho má gico para ter certeza de
que era Dex ― era, sim ―, junto com Trip e outro cara que eu nunca
tinha visto antes.
— Abra, Ritz — Dex bradou do outro lado da porta.
— Tá bom — murmurei, soltei a tranca e dei um passo atrá s para
deixá -los entrar.
Os olhos de Dex estavam em mim enquanto ele entrava, seu andar
cheio da mesma arrogâ ncia que me fez pensar que ele havia praticado
ou tinha muita sorte. Esse dom parecia injusto, mas qualquer que fosse
sua origem, nã o era hora de pensar nisso.
— Você está bem? — Trip me perguntou, entrando logo depois de
Dex, que também me observava com atençã o, mas sem um vinco entre
as sobrancelhas.
Eu deveria ter sido durona e dito que estava bem, mas, para ser
muito sincera, eu nã o estava.
— Mais ou menos.
O cara novo entrou com um aceno de cabeça e um: “Beleza?”, que
respondi com um fraco: “Oi”.
— Onde estã o as coisas dele? — Dex indagou enquanto entrava na
sala de estar como uma mamã e ganso, levando seus bebês para a á gua.
— Na mesa de centro.
Ele assentiu para si mesmo, curvando-se sobre a mesa com seus
jeans desbotados e justos, piscando para mim.
— Trip, vá checar o quarto dele. Veja se tem alguma coisa faltando.
Buck, dê uma olhada na garagem — ele ordenou enquanto vasculhava
os compartimentos da carteira de Sonny.
Os dois caras nã o disseram nada em resposta, mas se separaram,
indo em direçõ es opostas para fazer o que ele havia mandado. Só fiquei
ali parada sem saber o que fazer, no canto, para nã o atrapalhar
qualquer que fosse o plano deles.
— Posso fazer alguma coisa? — perguntei, hesitante.
Os olhos de Dex foram para os meus, lentamente. Ele ainda estava
puto, eu sabia, mas estava tentando controlar.
— Nã o, flor. Isso aqui está no papo.
— Tem certeza? Nã o tenho muito dinheiro, mas se é isso que eles
querem, te dou o que tenho para recuperar o Sonny — eu disse,
sentindo meu peito se contrair. Essa merda parecia ter saído
diretamente de um filme de açã o, só que, desta vez, eu nã o poderia ter
certeza de que teria um final feliz, porque na vida real nem sempre era
assim, infelizmente.
Dex me olhou por mais tempo antes de balançar a cabeça e baixar a
voz.
— Nã o, nã o. Nã o se preocupe com isso. Nã o é o seu dinheiro que eles
querem.
Quase perguntei o que mais eles poderiam querer. Quase também
perguntei quem eram “eles”. Mas meus instintos de sobrevivência me
alertaram de que esse nã o era o momento certo para falar nada, entã o
engoli as perguntas e assenti para ele.
— Flor, este lugar está prestes a ficar lotado de gente. Você tem
alguma coisa para fazer na rua antes de ir para o estú dio? — ele me
questionou, no mesmo tom suave que acabara de usar.
Eu nã o tinha, mas, obviamente, ele nã o queria que eu estivesse em
casa quando os outros caras do MCFV aparecessem. Mas se isso
ajudasse Sonny, eu voltaria para Fort Lauderdale ou dirigiria até a
Venezuela se ele quisesse.
— Sim, posso fazer algumas coisas. — Eu só nã o sabia o quê.
Sua cabeça se inclinou para baixo para que ele pudesse me olhar
através de seus cílios longos e escuros.
— Tudo bem. Já conversei com Blake, e ele vai abrir com você em vez
de mim, mas coloque meu nú mero no seu celular para você poder
entrar em contato comigo, se precisar. — Ele me fixou com um olhar
pesado, embora seu tom tentasse ser tranquilizador. — Nã o se
preocupe com o Sonny. A gente vai encontrá -lo.
Eu queria acreditar em Dex, mas essas eram praticamente as mesmas
palavras que Sonny tinha me dito antes de deixar alguns idiotas
fazerem Deus sabia o quê com ele.

— Flor.
Faça parar.
— Flor.
Ai, Deus. Por favor. Pare.
Eu mal havia pegado no sono apó s uma hora de olhar para o teto. A
tensã o no meu corpo, depois do dia de merda, havia finalmente saído
dos meus ossos o suficiente para me permitir relaxar. Eu nã o tinha
conseguido parar de pensar em Sonny. Sonny sequestrado. Sonny
desaparecido. Sonny possivelmente ferido. Eu nã o me permitia pensar
no que mais poderia acontecer com ele, mas nã o era isso que as pessoas
faziam nos filmes e na vida real? Tortura e… outras coisas?
Enterrei o rosto mais fundo no travesseiro.
Eu tinha ficado preocupada durante o dia todo. Depois que Dex me
chutou delicadamente para fora de casa, fui ao shopping. Assisti a uma
matinê sozinha no cinema para matar o tempo até a hora do trabalho,
além de me distrair um pouco do desconfortável peixe dourado que
estava nadando no meu estô mago. Nã o conseguia me lembrar de nada
com clareza, nem do filme nem das coisas que eu tinha visto nas lojas,
ou mesmo dos rostos dos clientes que eu agendara ao longo do dia na
Pins.
Blake e Blue deviam saber que algo estava acontecendo, porque
foram ainda mais agradáveis comigo do que o habitual. Eles me deram
espaço ao nã o fazer um milhã o de perguntas que eu nã o podia
responder, mas vinham ver como eu estava, em silêncio, a cada
oportunidade que tinham. Tentei ligar para Dex algumas vezes, mas ele
só atendeu da primeira vez, parecendo irritado pra caramba, mas
prometendo me ligar se descobrisse alguma coisa. Nunca cheguei a
receber essa ligaçã o, entã o liguei para ele novamente e nã o recebi
resposta.
Puta que pariu, Sonny.
Quanto mais eu matutava sobre o que tinha acontecido, mais
aborrecida ficava. Ele sabia que os caras estavam em algum lugar. Os
homens nã o haviam invadido a casa e o levado. Sonny tinha que ter
saído da droga da casa e ido até eles. Que merda ele estava pensando?
Obviamente, eu nã o era a ú nica idiota.
Entã o fiquei nervosa o dia todo. Pensando na droga do Sonny e no
quanto ele era um idiota. Pensando nas razõ es pelas quais esses
homens poderiam querer levá -lo.
Sonny nã o me contava o suficiente sobre o que ele fazia quando eu
nã o estava por perto ou quando ele desaparecia num passe de má gica à
noite, entã o eu nã o tinha ideia do tipo de porcaria em que ele estava
metido. Principalmente, havia uma confiança cega entre nó s. Nenhum
de nó s estava acostumado a ter alguém a quem dar satisfaçã o.
Assim que fechamos o estú dio naquela noite, Blue me perguntou se
eu precisava de alguma coisa ― o que era ainda mais doce da parte dela,
porque Blue raramente falava com alguém, muito menos comigo ―, e
entã o todos nó s seguimos caminhos separados. O pensamento de nã o ir
para a casa do Sonny nem sequer passou pela minha cabeça, entã o fui
direto para lá , tomei banho de novo, me forcei a comer sobras de dois
dias, verificando duas vezes para garantir que todas as fechaduras
estivessem bem fechadas, e fui para a cama. A cama onde fiquei me
virando de um lado para o outro por mais de uma hora antes de
conseguir pegar no sono, afastando aquela voz pequena que ficava me
lembrando de que eu estava diante de uma outra pessoa de quem
gostava e que poderia perder.
E agora, eu estava perdendo rapidamente esse doce alívio da
realidade.
— Flor, acorde — alguém sussurrou no escuro. Alguém?
Merda!
Me sentei de repente na cama, meu coraçã o martelando
violentamente. Pisquei para afastar a sonolência, esperando ver um dos
motoqueiros, ou nã o sei, um assassino em série sentado ao meu lado
com as mã os no meu braço, polegares fazendo círculos preguiçosos na
minha pele.
— O que…! — ofeguei, piscando no escuro para ver aquela estrutura
facial surpreendentemente familiar a centímetros de distâ ncia.
— Calma, Ritz — Dex murmurou suavemente, os polegares ainda
circulando.
Minha mã o voou para apertar meu coraçã o, tentando fazê-lo
desacelerar.
— Jesus, você me assustou — ofeguei.
Na verdade, à moda normal de Dex, ele nã o sorriu de diversã o ou se
desculpou.
— O que você está fazendo aqui?
— Dormindo?
Ele suspirou.
— Blake nã o recebeu minha mensagem?
Do que ele estava falando? Balancei a cabeça.
— Levante-se — ele ordenou. — Você precisa falar com seu irmã o
antes de sairmos daqui.
Pisquei de novo lentamente enquanto suas palavras iam fazendo
sentido. Conversar com o meu irmã o?
— Sonny está aqui? — Minha voz enganchou na garganta.
Dex assentiu.
— Ele está colocando uma merdas na mala. Arrume uma mala para
você nã o precisar voltar para cá por um tempo, depois fale com ele.
A confusã o me inundou de um milhã o de maneiras diferentes. Para
onde Sonny ia? Para onde eu ia? Mas, principalmente, estava me
perguntando o que estava acontecendo, ponto final. Havia muito sigilo
para eu me sentir bem.
Como uma boa garota, tentei me focar no que levar para que pudesse
me concentrar o mais rá pido possível em entender as coisas.
Felizmente, tinha tido bom senso o bastante antes de adormecer para
vestir um short de pijama, porque geralmente eu dormia só de calcinha
e sutiã . Dex acendeu a luz enquanto eu pegava um monte de roupas
aleató rias da cô moda.
— Onde ele estava? — perguntei, enquanto enchia minha mochila
com o que havia escolhido, sem prestar atençã o. Nã o conseguia nem
olhar para Dex enquanto fazia a pergunta, de tã o nervosa que fiquei. Eu
queria saber se Sonny estava bem, mas ele nã o estaria em casa se nã o
estivesse.
— Hospital do Condado.
Minha espinha ficou rígida; meus mú sculos das costas enrijeceram.
— O quê? — Tenho certeza de que gritei as palavras.
— Hospital do Condado, flor. Alguma senhora o encontrou no parque
inconsciente hoje de manhã e chamou uma ambulâ ncia — explicou Dex.
Sem nem sequer pensar nisso, senti minhas pernas ficarem bambas
e começarem a me levar ao redor da cama para pular a coisa toda de
fazer as malas e encontrar Sonny. Mas Dex levantou o braço, me
impedindo de dar a volta nele.
— Se acalme, Ritz. Ele só teve uma leve concussã o, uns hematomas.
Ele está bem — disse Dex, suavemente. — Termine de fazer a mala.
Que carvalhos era uma leve concussã o?
Eu ia vomitar. Respirando e soltando o ar pelo nariz algumas vezes,
olhei para os olhos de Dex para ver se conseguia entender se ele estava
sendo honesto comigo ou nã o. Aqueles olhos azul-escuros inescrutáveis
tinham intençã o e eram claros em um confronto de vontades, como se
ele pudesse perceber que eu estava tentando pegá -lo em uma mentira.
— Ele está bem — insistiu Dex, me segurando com os mú sculos do
antebraço. — Termine, flor.
Caramba. Ele provavelmente nã o estava mentindo. Pela centésima
vez em cinco minutos, assenti, afastando aquela sensaçã o doentia no
meu peito.
— Ok. — Fechando o zíper da mochila pela metade, eu a arranquei
da cama de qualquer jeito e olhei para ele. — Acho que peguei tudo.
Vou caçar o idiota.
Nã o me incomodei em esperar uma resposta antes de disparar pelo
corredor até a porta aberta do quarto de Sonny. A luz do ventilador
estava acesa, iluminando o cô modo e a figura sentada na beira da cama
com uma mochila ao lado. Mesmo de costas, seus traços pareciam
soltos. Cansado. Esgotado.
Mas nã o foi até eu dar a volta na cama e ver o lado do seu rosto que
fiquei boquiaberta.
— Meu Deus, Son!
Sua bochecha estava inchada, com o dobro do tamanho que deveria
ter. A pele estava partida e roxa, apenas um pouco pior do que o terrível
corte no canto da boca. No entanto, ele conseguiu me dar um sorriso.
— Ris — ele me cumprimentou em voz mais baixa do que o normal.
Deu um tapinha na cama. — Estou bem, garotinha. Sente aqui.
— Meu rabo que você está bem — eu disse, dando um passo para
ficar na frente dele.
Sonny inclinou a cabeça para trá s para me dar uma visã o melhor da
surra que aqueles filhos da fruta de uma meretriz tinham lhe dado.
Todo o lado direito do seu rosto parecia deformado devido ao inchaço.
Eu estava meio preocupada que talvez ele tivesse perdido dentes, mas
nã o tinha certeza.
— Já passei por coisa pior, acredite em mim — ele argumentou com
a voz baixa. — Venha aqui e pare de se preocupar.
Dei uma olhada que dizia que era mais fá cil o inverno congelar do
que eu parar de me preocupar com ele.
— Venha, nã o tenho muito tempo antes de Trip chegar — continuou,
dando um tapinha na cama novamente.
Eu queria discutir com Sonny, mas a ló gica me disse para nã o fazer
isso. O pobre coitado estava com uma aparência dos infernos. Isso
deixou meu estô mago tenso de uma maneira horrível, como se eu
estivesse tendo contraçõ es ou algo assim. Minha mã o estava estendida
e se apegando instintivamente à de Sonny.
— Você se lembra de que eu disse que o doador de esperma
apareceu e me pediu dinheiro?
Como se eu pudesse esquecer.
— Ele pediu dinheiro ao Luther, nã o foi?
Sonny assentiu devagar.
— Foi, e ele também nã o deu — explicou. — Ele nã o queria dizer
para ninguém por que precisava do dinheiro, só que estava precisando
muito.
— Quanto foi?
Pareceu que ele tentou fazer uma careta, mas imediatamente
conteve o esforço quando se lembrou de que parecia o primo do
homem-elefante.
— Dez mil.
Fiz um ruído feio na garganta.
— O quê?
Sonny assentiu outra vez.
— Exato. Ninguém na porra da sã consciência emprestaria tanto
dinheiro para ele sem motivo. Entã o, ninguém no clube emprestou. —
E, de repente, tive um sentimento muito ruim sobre as escolhas de
palavras do meu irmã o. Ninguém na porra da sã consciência.
— Entã o, o que isso tem a ver com você exatamente? — perguntei,
hesitante.
— Acontece que nã o foi a primeira vez que o querido papaizinho
pediu dinheiro. Alguns meses atrá s, ele veio e pegou emprestado um
belo valor dos Ceifadores.
Ah, droga. Ah, droga, droga.
Eu nunca tinha ouvido falar dos Ceifadores, mas as peças do quebra-
cabeça estavam fazendo muito sentido.
— Aqueles homens?
Ele suspirou.
— Sim, Ris. O papaizinho nã o cumpriu o plano de pagamento e, de
acordo com que Trip descobriu hoje, eles nã o estã o exatamente felizes
por ele ter aparecido na cidade e depois se mandado. Eles querem o
dinheiro deles.
Isso tinha que ser um pesadelo. Um pesadelo daqueles.
— Mas você nem mesmo… — O que eu ia dizer? Que ele nã o
importava para o nosso pai? Era a verdade dura.
Ele devia saber o que eu estava tentando explicar porque levantou
um ombro em uma concordâ ncia fraca.
— Eu sei, Ris. Eu sei. Mas nã o vou pagar pelas merdas dele, e nã o vou
deixá -los chegar até aqui porque agora eles sabem que você mora na
minha casa. Tenho certeza de que eles sabem que você também é filha
dele.
Engasguei e ganhei um tapa nas costas do meu irmã o.
— Pare com isso, garotinha. Está tudo bem. Vou encontrar esse filho
da puta e garantir que ele pague as merdas dele agora. Nã o vou ficar
sentado, esperando por Deus sabe o quê acontecer. A ú ltima coisa que
ele merece é ser resgatado por um de nó s. Nã o vou mais pagar pelos
erros dele, e você também nã o — afirmou, sério.
Cada minuto parecia fazer com que todo esse cená rio se
assemelhasse mais e mais a um sonho. Um sonho muito duro que eu
nã o conseguia engolir.
— Entã o vamos atrá s dele?
Sonny nã o confirmou. A mã o que ele tirou das minhas costas, depois
de dar um tapinha, deslizou para descansar no ombro mais longe dele.
— Nã o, Ris. Eu vou atrá s dele. Trip vai comigo. Nã o sabemos em que
outro tipo de merda ele está metido e é melhor você ficar aqui com Dex
até que toda essa merda seja resolvida.
O som que saiu da minha boca parecia um grito.
— O quê?
— Você vai ficar hospedada com Dex. Essa casa nã o é segura e nã o
confio em deixar você com mais ninguém do Clube — explicou ele,
apertando meu ombro. — Espero poder encontrá -lo em alguns dias.
Mas o que ele faria quando o encontrasse? O velho obviamente tinha
se mandado porque nã o tinha dinheiro para pagar os idiotas dos
Ceifadores. Quase, quase perguntei a Sonny, mas pelo aspecto na
metade do rosto dele que nã o parecia ter feito amizade com um taco de
beisebol, Sonny nã o tinha limites para o que era capaz.
Entã o, fazer Curt Taylor arranjar dez mil teria que acontecer de uma
maneira ou de outra. De repente, eu nã o tinha dú vida.
— Merda, Sonny — sussurrei. Como essa zona toda foi cair no nosso
colo? No dele? O filho de Curt Taylor que tinha menos a ver com o pai
do que os outros dois. Cristo.
A mã o no meu ombro aumentou o aperto.
— Ris — ele sussurrou, me puxando para mais perto, o lado da testa
descansando contra o topo da minha cabeça. — Eu vou voltar, tudo
bem? Juro por Deus, nã o vou deixar você aqui. Só vou encontrar esse
idiota para que a gente possa voltar aos dias comuns e sem graça e
essas merdas — me garantiu. — Eu vou voltar.
A determinaçã o por trá s das suas palavras pesava no meu esterno.
Ele ia embora. Ia me deixar em uma cidade nova, sozinha com seu
amigo. Eu nã o ia ter um ataque de pâ nico. Tive um ataque de pâ nico
uma vez quando Will saiu de casa e depois superei. Mas Sonny ia voltar.
— É apenas por um tempo — prometeu.
Me inclinei ao seu lado e assenti, encostada nele. Nã o conseguia me
lembrar da ú ltima vez que alguém tinha me abraçado assim. Com tantas
garantias e promessas, eu nã o duvidava de forma alguma que ele fosse
voltar. Nã o era como quando Will partiu. Meu irmã o mais novo, da
mesma mã e, que me deu o abraço mais rá pido da histó ria e beliscou
meu braço antes de sair.
— Tem certeza de que você está bem? — perguntei, afastando o fato
de que nã o tinha notícias de Will fazia meses.
Sonny riu um pouco, baixo e dolorido.
— Já tive dias melhores. Vou ficar bem quando tudo isso entrar nos
eixos.
Deslizei o braço em volta das costas dele.
— Sinto muito que você tenha sido arrastado para essa confusã o.
— Eu também, garotinha, mas prefiro que seja eu e nã o você que seja
pego por esse turbilhã o de merda no qual ele se meteu. — Sonny
suspirou, o que me causou uma dor no coraçã o. — Preciso continuar.
Fique com Dex até eu voltar, ok?
Eu queria discutir com ele, mas qual era o sentido? Todos nó s
tínhamos que fazer coisas que nã o queríamos em algum momento, e se
os Ceifadores haviam espancado Sonny pelos erros do nosso pai, que
nã o era pró ximo de nó s, do que mais eles eram capazes?
— Talvez eu deva ir para a casa da Lanie — sugeri. — Se eles fizeram
isso com você, nã o vã o tentar e…
— Nã o, Ris. Sou um farol para o doador de esperma, e Dex sabe
muito bem que nã o deve ser um idiota. Você vai ficar bem.
Ah, cara. Isso estava indo de mal a pior. Uma zona enorme e surreal,
tudo causado por um homem que nã o tinha mais conexõ es com nossa
vida.
— Você nã o vai ter problemas no trabalho?
Sonny riu antes de afrouxar o abraço e se levantar lentamente.
— Nã o se preocupe. Está tudo bem.
Soltei um suspiro e assenti, levantando da cama. Seu rosto estava
com uma aparência ruim, muito ruim, mas Sonny já era adulto e sabia o
que estava fazendo. Eu nã o podia e nã o imploraria para ele ficar.
— Você pegou todas as suas coisas?
Assenti.
— Suas coisas de banheiro também? — ele perguntou.
Naquele momento, de repente, desejei ter tido Sonny na minha vida
desde o início. Quero dizer, quem mais se lembraria de coisas de
banheiro, dentre todas as outras?
— Nã o, esqueci.
Ele bagunçou meu cabelo de leve.
— Vá buscar. Te encontro lá fora.
Fui atrá s dele, mas me separei para pegar meus produtos de higiene
pessoal no banheiro. Nã o havia muito, entã o levei apenas um
segundinho para colocar na mochila. Assim que eu estava prestes a sair
de casa, ouvi Sonny e Dex falando do outro lado da porta.
— … passou por coisas demais, cara. Ela nã o precisa passar por mais
nada — falou Sonny.
— Falei que vou cuidar dela. — Foi Dex quem respondeu.
— Porra, eu fico e este pode ir com você — sugeriu outra voz. Trip,
provavelmente.
Dex fez um barulho que eu nã o conseguia reconhecer através da
porta.
— Eu vou ficar.
Houve uma pausa.
— Fique com o pau dentro das calças, Dex, porra. Juro por Deus…
Sonny murmurou outra coisa que nã o ouvi, porque ele devia estar
mais longe da porta do que Dex. Sentindo-me bizarra por bisbilhotar,
abri a porta da frente para encontrar os três no deque. Sonny de pé,
perto das escadas, Trip e Dex bem na minha frente ― bem, na porta.
Um sorriso cansado surgiu no rosto do meu irmã o.
— Está pronta?
— Estou. — Olhei para o loiro ao lado de Dex.
— Oi, Trip.
— Oi, gata — ele murmurou. A cor debaixo dos seus olhos deixava
claro que ele nã o dormia havia algum tempo.
A mã o de Dex pousou na minha lombar, me forçando para a frente.
— Vamos indo, Ritz. Estou cansado.
— Está bem. — Fui até Sonny e passei os braços em volta do peito
dele. — Se cuide, ok?
Ele me abraçou.
— Volto o mais rá pido que puder.
Recuei um pouco e beijei sua bochecha coberta de barba.
— Ok. Deixe Trip dirigir.
Sonny bufou e colocou as duas mã os em cima da minha cabeça,
empurrando meu rosto para baixo para dar um beijo na minha testa.
— Como quiser, garotinha.
Ah, a ironia de tudo aquilo. Se alguém sabia que a gente nem sempre
conseguia o que queria, esse alguém era Sonny.
— A gente se vê, Son. — Acenei para ele. — Tchau, Trip. Se cuide. —
Sonny inclinou a cabeça para a frente, com um leve sorriso.
— A gente se vê, garotinha.
Trip acrescentou um suspiro ao seu adeus, mas eu já estava olhando
para a frente, logo atrá s de Sonny.
Dex e meu irmã o trocaram um olhar estranho quando o de cabelos
escuros desceu as escadas. Comecei a contornar o para-choque
dianteiro do meu carro para entrar quando ele estendeu a mã o para
envolver os dedos em volta do meu cotovelo.
— Aonde você está indo?
à h…
— Vou te seguindo.
Ele estalou a língua.
— Nã o. Você dirige muito devagar. Suba na minha moto e nó s
pegamos seu carro amanhã .
Hesitei, olhando para o meu carro.
— Iris. — Eu realmente gostava um pouco demais quando ele usava
meu nome. — Flor, venha. Vamos pegar seu carro depois.
Devo ter esperado muito tempo porque a pró xima coisa que notei foi
que ele tinha um braço enganchado na minha cintura e estava meio me
conduzindo meio me arrastando para sua Dyna. Dex pegou minha
mochila, me entregou um capacete que tinha sido deixado no banco e
substituiu o local vazio pela minha mochila, amarrando-a.
Ele voltou para mim, pegou o capacete das minhas mã os e depois
abaixou-o na minha cabeça em silêncio. Uma vez que estava afivelado,
virou a cabeça na minha direçã o.
— Suba.
Está bem, entã o. Mandã o do caramba.
Havia cerca de vinte centímetros entre as costas de Dex e minha
mochila, mas o que eu poderia fazer? Tinha a sensaçã o de que, se
discutisse mais se ia andar com ele ou nã o, eu perderia de qualquer
maneira e, para ser sincera, estava realmente cansada. Por já ter andado
de moto com Sonny, era fá cil me acomodar, mas estranho quando eu
tinha que me mexer tanto no assento que minha virilha e coxas nã o
deixavam espaço para uma folha de papel entre elas e a parte externa
das coxas de Dex e sua bunda robusta. A contragosto, meus braços
deslizaram em volta das costelas dele quando Dex deu partida na moto
e recuou para a rua.
A casa do Sonny já ficava nos arredores de Austin, entã o, quando Dex
entrou na estrada e começou a nos levar mais para fora da cidade,
fiquei me perguntando onde ele morava, mas nã o falei nada. Minha
bochecha estava tecnicamente colada nas suas costas, braços apertados
em volta do seu peito. Até entã o, eu nã o tinha me dado conta de que ele
estava vestindo uma jaqueta de couro que nã o fazia nada para esconder
como seu corpo era grande e só lido.
Caramba.
Estava escuro demais para enxergar alguma coisa direito, mas eu
poderia dizer que estávamos praticamente no meio do nada. As á rvores
eram enormes à medida que passávamos em velocidade saindo pela
alça de acesso da estrada, com apenas o rugido alto da moto quebrando
a monotonia do trajeto.
Apó s cerca de cinco minutos, ele virou em uma estrada rural que nã o
tinha nome nem sinalizaçã o que pudesse ser chamada assim. Um
contorno de uma casa era visível ao longe, sobre uma colina. Quanto
mais perto chegávamos, mais eu era capaz de enxergar à luz do luar. A
residência era uma grande casa daquelas térreas e amplas. Um enorme
quintal da frente pontilhado com á rvores altas deu lugar ao painel de
madeira de cores claras da casa. Nã o era o tipo de lugar onde eu
esperava que Dex morasse. Ele parecia o solteiro típico com um
apartamento sujo.
Mas talvez eu estivesse apenas presumindo que todos os membros
do Fá brica eram assim. Para ser justa, Trip fazia jus ao estereó tipo que
eu havia construído. Até havia meias enfiadas nos cantos do sofá .
Quando ele estacionou a moto bem em frente à garagem
pavimentada, desmontou primeiro antes de estender a mã o e me
ajudar. Tirei o capacete enquanto ele soltava minha mochila, inclinando
a cabeça na direçã o da porta, me chamando para entrar sem palavras.
Fui em seguida, absorvendo a imagem dos parcos mó veis em sua
sala de estar: um sofá modular de microfibra marrom, uma grande
televisã o de tela plana pendurada na parede, um console multimídia
embaixo e… era isso. Dex largou minha mochila no sofá antes de virar
para mim.
— Você pode ficar com a cama, flor. Eu tenho dois outros quartos,
mas só uma cama — explicou.
Eu ainda estava olhando em volta, passando da sala para espionar
uma cozinha que se abria para ela diretamente, mas com as palavras
dele, balancei a cabeça.
— Nã o, vou ficar no sofá . Posso dormir em qualquer lugar.
Embora fosse a verdade, eu nã o ia apontar que nossa diferença de
peso de uns trinta quilos em cima de uma diferença de altura de quase
vinte centímetros faria de mim uma candidata melhor para seu sofá
longo, mas, ainda assim, um pouco estreito.
Ele abriu a boca para discutir comigo, mas o interrompi.
— Sério, Dex. Vou ficar no sofá , nã o se preocupe com isso. Se você
puder me dar um travesseiro e um cobertor, por favor…?
Sua expressã o direta e completamente contrariada me fez pensar
que ele queria discutir mais a situaçã o de quem ia dormir onde, mas
acho que ele entendeu meu raciocínio secreto e provavelmente estava
cansado demais para brigar. Com um aceno de cabeça, ele desapareceu
em um corredor à direita da sala de estar por alguns minutos, voltando
com um travesseiro coberto por uma fronha azul-escura e um cobertor
branco debaixo do braço.
Dex entregou-os a mim em silêncio, observando enquanto eu
estendia o cobertor com um bocejo e deixava cair o travesseiro no canto
do sofá mais pró ximo da porta da frente.
— O banheiro fica no corredor, a primeira porta à direita, e meu
quarto é ali. — Ele apontou para outro corredor no lado esquerdo da
sala. — Ú ltima porta.
— Obrigada — murmurei com outro bocejo, sentando de qualquer
jeito no estofado.
Ele deu um passo para trá s, travando os olhos azuis como giz de cera
em mim.
— Fique à vontade e me acorde se precisar de qualquer coisa.
Assenti em resposta, sorrindo para ele, sonolenta.
— Tudo bem. Boa noite, Dex. — Eu parei. — Obrigada por tudo.
Seu aceno de cabeça foi lento.
— Boa noite, flor.
Nã o perdi mais tempo tentando vê-lo desaparecer no corredor. No
momento em que escorreguei embaixo do cobertor e minha cabeça
acertou o travesseiro, percebi como eu estava desperta.
PQP.
Pequenos sons rangiam por toda a casa. O fluxo da á gua através dos
canos atraiu minha atençã o enquanto eu ficava ali deitada, queixo no
peito, olhando para a escuridã o. Fechei os olhos e tentei fazer meu
corpo sossegar.
E entã o tentei um pouco mais.
Acordei na manhã seguinte, muito mais cedo e quase da mesma
maneira como havia acordado sobressaltada apenas algumas horas
antes, na casa de Sonny. Dex estava no sofá , apoiado na mesma á rea dos
meus quadris, uma das mã os no meu ombro me sacudindo.
— Hora de levantar.
Abri um olho, focando imediatamente no reló gio digital do seu DVD.
Gemi e os fechei outra vez.
— Sã o só sete. — Nã o sei ao certo se o que eu disse era o que
pretendia, mas deve ter sido suficiente para Dex entender.
— Sim, flor, mas temos um dia agitado. Tenho algumas coisas para
fazer na rua.
O que eu queria dizer era: “Nã o sei o que você tem para fazer na rua
à s sete da manhã”, mas provavelmente pareceu algo como: “Nã o… rua…
sete…”.
Os dedos afastaram os cabelos pretos colados no meu rosto, um
gesto que eu estava cansada demais para apreciar.
— Preciso dar um jeito nas merdas do Sonny.
Sonny. Certo.
Com um grunhido, rolei de costas e pisquei para o teto branco-
pipoca. Sentei-me meio delirante, soando mais como um homem do que
uma mulher.
— Está bem, está bem. Já levantei.
Depois de me dar instruçõ es sobre onde estavam as toalhas e como
usar a á gua quente complicada, Dex jogou minha mochila no banheiro
de hó spedes, onde havia uma banheira protegida da vista por uma
cortina arrumadinha listrada de azul e verde. Tomei um banho rá pido e
passei uma escova pelo cabelo antes de prender em um rabo de cavalo.
Quando saí, ainda meio adormecida, encontrei Dex sentado no sofá
assistindo à televisã o com meu travesseiro e cobertor bem dobrado ao
seu lado.
— Pronto — bocejei.
Ele olhou para cima, de volta para a tela da TV por meio segundo e
entã o prendeu sua atençã o como um dardo em mim. Bem,
especificamente nas minhas pernas. Na pressa, horas antes, eu havia
jogado roupas aleató rias na bolsa. Aparentemente, havia escolhido
peças NSPT ― nã o seguras para o trabalho. Tudo o que encontrei na
bolsa foram shorts, calças folgadas e as três minissaias jeans que eu
possuía. As saias eram uma memó ria do calor e da umidade no sul da
Fló rida. Calor e umidade que, eu juro, podiam ser comparados aos de
Austin.
E nã o havia dinheiro no mundo que me faria usar uma das minhas
saias quando eu estava presa em ter que andar na garupa da moto de
Dex.
Entã o, meu short curto teria que servir.
No tempo que Dex levou para parar de olhar minhas pernas ―
felizmente ― depiladas, eu já nã o estava mais lisonjeada e, sim, me
sentindo desconfortável. A ú nica vez que as pessoas me encaravam
desse jeito era quando estavam olhando para o meu braço. Um braço
para o qual, felizmente, eu havia conseguido de forma subconsciente
escolher roupas de maneira inteligente o bastante, pegando cardigã s
que iam até a altura do cotovelo.
— Estou pronta — repeti.
— Certo. — Ele se levantou, suspirando para si mesmo enquanto
desligava a televisã o e caminhava em direçã o à porta. Ele me deu outro
olhar de soslaio. — Você pode querer tirar essa blusa. Na moto, lá fora,
vai estar muito quente em dois tempos.
Droga. Eu nem tinha pensado nisso. Só tinha uma blusa embaixo do
cardigã e… sim. Eu preferia ter pizzas debaixo dos braços a olhares de
pena.
— Vou ficar bem.
Parecia que Dex queria discutir comigo, mas felizmente abandonou a
questã o.
O trajeto de volta à cidade foi em silêncio, e pude apreciar o cená rio
do que havia fora dos limites de Austin. Exceto pelo trâ nsito e a
poluiçã o, e a sensaçã o do bíceps e do antebraço nus de Dex tocando
meu joelho a cada poucos minutos, foi tudo bem, ao longo do caminho.
— Aonde estamos indo? — perguntei em um semá foro quando já
havíamos chegado à cidade.
Ele inclinou a cabeça para o lado, conversando alto acima do rugido
da moto.
— Casa do Luther — ele respondeu. — Você se lembra dele?
Assenti, me lembrando de quando levei o envelope para ele e da
noite em que o vi passando a mã o em uma moça de vinte e poucos anos.
Continuava sendo uma lembrança nojenta.
Partimos para uma grande casa de tijolos vermelhos de dois andares
em um bairro de classe média alta. A caminhonete que tínhamos levado
para Austin estava estacionada na entrada da garagem, ao lado de uma
Harley que parecia diferente da de Sonny e Dex. Assim que ele saiu da
moto e me ajudou, bateu à porta tã o alto que tenho certeza de que os
vizinhos ouviram.
A porta se abriu muito mais rá pido do que eu esperava, e um Luther
sem camisa, de aparência desgrenhada e olhos turvos surgiu ali parado.
— Caralho, Dex, você sabe que é o meu dia de folga; é cedo demais
para essa merda.
Os ombros largos de Dex se mexeram firmemente debaixo da
camiseta branca comum que ele estava usando. Alguém estava prestes a
ser um ranzinza mal-humorado.
— Sonny zarpou ontem à noite.
Luther soltou um suspiro longo e prolongado antes de fazer um
gesto para Dex ― e para mim porque eu estava junto ― entrar.
— O que você quer dizer com ele zarpou?
— Ele saiu para procurar o Curt, Lu. Levou Trip junto.
As feiçõ es do homem mais velho ficaram tensas, a mandíbula
travando no lugar antes de ele esfregar uma palma grande sobre ela.
— Porra.
— O que você esperava? Você o viu em Seton. Sabe o que aqueles
bostas vã o fazer se nã o forem pagos.
Nã o me escapou o instante em que os dois olharam para mim
enquanto Dex dizia essa ú ltima frase.
Talvez eu tenha me encolhido um pouco por dentro.
Luther gemeu outra vez, esfregando as mã os no rosto. Quando
baixou as palmas, lentamente se virou para me olhar. Naquele instante,
me dei conta de que o homem mais velho tinha os mesmos olhos azul-
céu de Trip. Hum.
— Querida, nã o vá a lugar nenhum sem estar acompanhada por um
dos membros do clube.
Era a segunda vez na minha vida que o “Prez” falava comigo, e ele
estava me dando um alerta. O desejo de visitar Lanie me acertou bem
no meio da testa, mas eu sabia que nã o deveria.
Dex soltou um longo suspiro.
— Deixe isso comigo. Nã o se preocupe com essa histó ria — ele
assegurou ao homem mais velho.
Eu, por outro lado, tinha um sentimento muito ruim sobre tudo
aquilo.

— Quem sã o aqueles caras? — perguntei a Dex durante o café da


manhã .
Depois que saímos da casa de Luther, tínhamos montado na moto
outra vez e seguido para uma lanchonete pró xima. Entã o nos
esprememos para entrar em um nicho e nos sentamos à mesa, um de
frente para o outro. Pedimos café da manhã em um murmú rio baixo de
instruçõ es.
Dex olhou para mim enquanto enfiava metade de uma linguiça na
boca.
— Que caras? — Ele inclusive teve a cara de pau de olhar ao redor da
lanchonete como se eu fosse perguntar sobre qualquer outro cara além
daqueles que tinham levado Sonny.
— Os caras do bar. Aqueles a quem meu pai deve dinheiro —
expliquei, observando as olheiras sob seus radiantes olhos azuis. Dex
tinha cílios muito grossos.
Ele mastigava em apenas um lado da boca e olhava para mim com
cansaço.
— Eles sã o outro clube em San Antonio.
Era algo que eu já sabia.
— Eles nã o gostam de nó s — acrescentou, vagamente.
Ah, nã o brinca…
— Eles nã o gostam de vocês?
— Nã o.
— Eles nã o gostam de vocês, entã o bateram no Sonny em vez de
procurar nosso pai? — Eu podia sentir o cheiro da sua mentira a um
quilô metro de distâ ncia.
Ele sabia que eu sentia, entã o assentiu como resposta.
— É mais complicado do que isso, Ritz. Eles foram todos rejeitados
pelo Fá brica. Vã o tentar caçar uma briga com a gente por qualquer
motivo que possa surgir.
— Explique.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Explicar o quê?
— O que você quer dizer com eles serem rejeitados?
Dex suspirou, sua boca se contorcendo.
— Seu pai nunca te contou?
Lancei um olhar duro.
— Você conhece os doze originais? — ele perguntou.
Balancei a cabeça, ganhando outro suspiro em resposta.
— Eles foram os primeiros integrantes do Fá brica. Doze veteranos de
guerra raivosos. Durõ es pra cacete, odiavam tudo que tivesse a ver com
o governo. Meu avô por parte de mã e era um.
Isso fez muito sentido. Um fodã o passando o gene para outro fodã o.
Dex continuou a histó ria.
— Eles se meteram com umas merdas pesadas. Trá fico de drogas,
extorsã o, merda que metem todo mundo em encrenca. — Ele balançou
a cabeça. — Matavam pessoas, flor, mas e você acha que eles estavam
ligando? Lembro que meu avô era legal pra caralho, mas ele nã o estava
agindo certo. Nenhum deles estava.
De repente, tive vontade de descobrir o que Dex considerava
“errado”. Se bem que, por outro lado, eu provavelmente nã o queria.
— À medida que o clube crescia com mais e mais idiotas querendo
uma parte do dinheiro, do respeito e das bocetas, eles começaram a se
meter em mais merda. Garotas…
Prostituiçã o?
— … o caralho a quatro, Ritz. Por anos, foi assim que as coisas
funcionaram. Uma vez que os doze estavam velhos demais para se
importar, Luther assumiu o clube. Ele sabia que estávamos envolvidos
com os mexicanos quando assumiu. Alguns dos irmã os estavam ficando
inquietos, desleixados. Eles queriam mais dinheiro, mais drama. Mais,
mais, mais, mais. Entã o, foderam com um lance lá . Os mexicanos
ficaram putos e mexeram com a esposa de Luther em retaliaçã o.
Fiz uma careta que me rendeu um lento aceno de compreensã o por
parte de Dex. Mesmo ouvindo de novo depois de tantos anos,
continuava muito terrível.
— Sim, flor. Foi ruim. Eu era um merdinha espinhento naquela
época, mas me lembro. Lu perdeu a porra da cabeça. Quer dizer, surtou.
Depois disso, ele fez da missã o dele limpar o clube. O clube estava cheio
de capital em dinheiro naquela época. Ele queria abrir negó cios e
tornar o dinheiro legítimo. Era um bom plano. Melhor para todos,
mesmo que o dinheiro nã o fosse tã o bom no começo, e teria
funcionado. O problema era que nem todo mundo queria ficar limpo.
Isso eu poderia entender. Homens que viviam em seu pró prio
mundinho sem consideraçã o pela sociedade, ganhando dinheiro,
assustando as pessoas? Fazia sentido, embora nã o parecesse uma vida
que eu fosse gostar de viver.
— Havia mais irmã os que queriam ficar limpos depois da morte da
Darcy do que os que queriam continuar do jeito antigo. O pessoal que
tinha família ficou cagado de medo. Eles viram que Lu tinha a oficina.
Nunca tinha se misturado com as finanças do Clube. Vá rios membros
caíram fora quando o clube fez uma votaçã o e decidiu tentar o caminho
sem encrencas. Eles saíram, mas ficaram putos. Sentiam como se
tivessem se ferrado, e homens assim nã o superam as merdas. Nunca.
Eles se juntaram e começaram os Ceifadores.
E entã o estremeci. Eu podia entender por que os homens guardavam
rancor. De verdade. Eles tinham se juntado ao MCFV por um motivo e
entã o esse motivo se transformou em algo completamente diferente.
Depois de tudo o que haviam perdido ― amigos e família ―, eles tinham
sido expulsos.
— Demorou alguns anos, mas o Fá brica comprou o bar. Lu nã o
estava caçando dinheiro e nos financiou comprando uma loja de
autopeças. — Dex ergueu um ombro como se a conclusã o fosse
inevitável. — Isso nã o ajudou a situaçã o.
— Aposto que nã o.
— Exatamente do jeito que as merdas sã o.
Tentei processar tudo o que ele havia explicado. Por que os
Ceifadores odiavam o Fá brica de Viú vas. Por que eles seriam tã o idiotas.
Mas havia uma coisa na explicaçã o de Dex que nã o fazia o menor
sentido.
— Por que eles emprestaram dinheiro para o meu pai se ele era do
Fá brica? — Certo?
Dex deslizou um pedaço de panqueca entre os lá bios, seus olhos
azul-escuros semicerrados.
— Nã o faço ideia, flor. Talvez estivessem esperando que ele nã o
pagasse. Quem sabe?
Bem, caramba. Isso nã o fazia sentido, mas nã o podia insistir com Dex
por uma resposta que ele nã o tinha.
— Simplesmente nã o entendo, eu acho. Nenhum de nó s é pró ximo
dele. — Eu nã o precisava ser específica sobre quem ele era. — Ele nã o
vai dar a mínima se um de nó s pagar pelo erro dele.
Assim que as palavras saíram da minha boca, a decepçã o e a tristeza
perfuraram minha barriga.
Era a verdade. A terrível verdade. Curt Taylor nã o daria a mínima
para seu filho ter sido espancado. Ganhar uma droga de uma concussã o
e ser abandonado em um maldito parque. Sozinho. Inconsciente.
Com a mesma rapidez com que a tristeza me invadiu, ela
desapareceu, substituída por pura raiva. Era vermelha, quente e
apenas… escura. E eu odiava isso. Odiava poder sentir tanto desdém
por um homem que eu deveria ter amado.
Um homem que deveria ter me amado. Deveria ter amado seus
filhos.
— Flor — Dex murmurou, estendendo a mã o para colocá -la no meu
antebraço. — Flor, pare com isso.
— Parar com o quê? — perguntei com uma voz sombria.
Ele apertou meu antebraço.
— Para de pensar nele. Eu já te disse que nã o vale a pena ficar
chateada por causa desse idiota.
Como esse homem sabia no que eu estava pensando?
Tive que engolir aquela sensaçã o estranha e tentar colocar um
sorriso no meu rosto.
— Eu nã o estava…
— Você estava.
Mentirosa. Suspirei.
— Sei que ele nã o vale a pena, mas ainda assim… acaba comigo. —
Meus dedos flexionaram-se em torno dos talheres que eu estava
segurando. — Eu queria muito socar as bolas dele.
Dex engasgou.
— O quê?
— Isso que eu falei. — Meu tom era rouco, quase um rosnado de
frustraçã o. Eu nã o deveria chamá -lo de otá rio. Disse a mim mesma que
nã o o faria, mas ele havia machucado Sonny. Eu poderia perdoar o
velho por muitas coisas, ignorar muitas coisas, mas isso havia passado
dos limites. — Ele é muito burro.
Burro por mexer com um grupo que ele sabia que só traria
problemas. E muito burro para as dezenas de outros erros que tinha
cometido ao longo do caminho. Nã o sei quanto tempo fiquei sentada ali,
inspirando pelo nariz e expirando pela boca para me acalmar, mas,
quando consegui, peguei Dex olhando para mim com uma inclinaçã o de
divertimento na boca.
— Nã o gosto de sentir tanta raiva — admiti para ele, sentindo-me
incrivelmente vulnerável.
Como todas as coisas de Dex, sua resposta foi tã o simples que tive
vontade de rir.
— Entã o nã o sinta.

Paramos no estacionamento em frente ao Mayhem cerca de vinte


minutos depois, estacionando a moto preta só lida na vaga mais
pró xima ao lado de outra Harley. Atravessando a rua, avistei o mesmo
cara que havia entrado na Pins algumas semanas antes, parado na
porta. Aquele que havia discutido com Dex na minha primeira noite em
Austin, eu finalmente percebi.
— Dex. — O homem ergueu o queixo antes de olhar na minha
direçã o, um sorriso presunçoso rastejando em seus lá bios. — Docinho.
Sorri para ele fracamente.
— Oi.
— Como você está ? — Suas sobrancelhas grossas se ergueram.
— Já estive melhor, e você? — Merda, qual era mesmo o nome dele?
Eu nã o conseguia me lembrar.
Aquele sorriso presunçoso cresceu mais.
— Meu dia ficou muito melhor, docinho.
A presença de Dex, mais largo e um pouco mais alto que o outro
homem, abriu caminho entre nó s como uma barreira. Seus olhos
abriram um buraco na direçã o do outro sujeito.
— Você nã o tem porra nenhuma para fazer? — ele perguntou
bruscamente.
O homem deu de ombros, aquele sorriso satisfeito ainda estampado
em sua boca rosa-escura.
— Tenho.
— Você nã o é pago para ficar coçando as bolas — resmungou o
Babaca, que aparentemente tinha saído para brincar, antes de abrir a
porta do bar e me empurrar com um pouco mais de força do que
precisava.
Olhei para ele por cima do ombro, franzindo a testa.
— Se controle, ok?
Ele olhou para mim com o canto do olho e acenou para que eu
avançasse.
— Foi mal, flor.
Com um estalar de dedos, Dex abriu caminho através do Mayhem. O
lugar estava vazio e escuro quando cruzamos o piso de madeira até as
escadas localizadas na extremidade da pista. No andar de cima, ele se
virou e empurrou a porta que separava a escada do resto do prédio,
segurando-a para mim. Tive a chance de olhar e ver que a escada subia
mais um andar.
Nã o tenho certeza do que exatamente eu esperava ver lá dentro, mas
nã o era um balcã o curto logo à direita com letreiros de néon
pendurados na parede ao redor. Uma mesa de bilhar e uma de pebolim
separada ocupavam um espaço aberto à esquerda com luminá rias de
marca de cerveja presas nela. Parecia uma réplica do andar de baixo,
exceto que em uma escala menor.
— Flor, sente e relaxe um pouco, ok? — Dex me disse.
Fiz que sim.
— Pegue um refrigerante ou o que quiser na geladeira atrá s do
balcã o — ofereceu. Um segundo depois, ele havia desaparecido em um
corredor no final do bar. Como o canto de uma sereia, um sofá na
parede oposta me chamou.
Eu realmente nã o queria dormir, mas com minhas quatro horas de
sono na noite anterior, era inevitável. Só que tudo o que fiz foi sonhar
com minha mã e.
— Vamos pegar seu carro amanhã — disse Dex quando descemos da
moto naquela noite depois de fechar a Pins.
Fiquei surpresa por ele ter voltado depois de me deixar com Blue
naquela tarde. Ele havia me deixado dormindo no bar por quatro horas.
Quatro horas dormindo no sofá com o pescoço torcido e baba
escorrendo do canto da boca pelo queixo.
A ú nica razã o pela qual me levantei foi porque senti algo enxugando
meu rosto. Esse “algo” era um guardanapo que Dex estava segurando
enquanto parecia fazer o maior esforço para nã o sorrir.
Nã o era nada legal e, quando eu disse isso, ele jogou a cabeça para
trá s e riu.
Sua risada ainda me perturbava.
O trabalho teve o ritmo constante de sempre, até que Dex apareceu
por volta das nove, de boa na lagoa, para tatuar seus clientes agendados
naquela noite. O ú nico sinal que ele me deu de que aquele dia era
diferente de todos os outros antes de eu passar a noite em sua casa e
desabafar sobre sua família em Austin foi quando parou atrá s de mim
depois de tatuar um cliente e envolveu os dedos na minha nuca
enquanto eu agendava um horá rio de retorno para ele.
Tentei o meu melhor para nã o reagir ao seu toque, mas esse era Dex.
Dex lindo. Dex gostoso que gritava com homens assustadores e maus
por mim. Dex gostoso com um piercing em seu membro. Supostamente.
Deus, tentar adivinhar onde aquele piercing estava localizado era um
jogo no qual eu nã o deveria entrar.
— O que você quer comer no jantar? — ele perguntou enquanto
estendia a mã o para me ajudar a descer da moto.
— Qualquer coisa, de verdade.
— Você sabe cozinhar? — ele mencionou enquanto eu tirava o
capacete.
— Sei. Você tem coisas para preparar?
Ele assentiu.
— Tenho umas merdas no freezer.
— Tenho umas merdas no freezer — imitei, entrando na casa. Tã o
eloquente. — Bem, acho que consigo dar um jeito de preparar alguma
coisa. Sem promessas de que vai ficar bom.
Ele deu de ombros, ainda olhando para a frente antes de desviar de
mim para ir em direçã o ao seu quarto.
— Vou tomar banho. Faça o que quiser, flor. Nã o sou exigente.
As coisas em seu freezer nã o eram exatamente “umas merdas”, mas
em comparaçã o com a casa de Sonny, era como se esse cara visitasse o
supermercado uma vez por mês em vez de uma vez por semana.
Encontrei latas de tomate picado, macarrã o e ervas secas na despensa,
enquanto uma grande panela de á gua fervia ― isto é, depois de passar
dez minutos tentando encontrar panelas espalhadas em armá rios
aleató rios pela cozinha. Por mais organizado que Dex exigisse que nó s
deixá ssemos a Pins, ele nã o tinha os mesmos padrõ es em casa.
— O que você está fazendo? — Dex perguntou apenas alguns metros
atrá s de mim.
Virei para olhá -lo por cima do ombro.
— Espaguete. — Dei um pequeno sorriso, observando a regata
branca e gasta que ele vestia. — Se quiser tirar um pouco daquele
frango que você tem no freezer, eu cozinho.
Ele cantarolou.
— Parece bom. Vou colocar o frango no micro-ondas, flor. Moleza.
Sorri para ele por cima do ombro.
— Bem, acho que nã o vai ficar tã o bom, já que nã o havia muito na
despensa, mas… espero pelo menos que nã o fique nojento.
Despejando a caixa de macarrã o que encontrei no armá rio na grande
panela de á gua, eu o vi tirar um saco do congelador com frango
grelhado pré-cozido e colocar dois peitos em um prato.
— Tenho certeza de que vai ser melhor do que qualquer coisa que eu
possa cozinhar. — Ele riu, colocando o prato no micro-ondas e
ajustando o tempo.
— É melhor esperar que sim. — Fiz uma careta, mexendo na panela.
Ele riu.
O silêncio parecia bastante estranho enquanto eu lidava com a
comida. Tentando matar o silêncio tenso, pensei em algo para
conversar.
— Entã o, você conhece Sonny há muito tempo?
Dex estava sentado ao lado do balcã o com os dois cotovelos apoiados
no tampo, curvado sobre ele.
— Desde que seu pai costumava deixá -lo com minha mã e durante as
reuniõ es do clube.
— Vocês nã o estudaram juntos?
Ele balançou a cabeça.
— Nã o. Morávamos em bairros diferentes. Ele e Trip estudaram
juntos. — Por um breve momento, seus olhos ficaram tã o distantes que
me fez pensar que tipo de porcaria ele estava se lembrando.
Provavelmente nada de bom.
— Ah. Nã o sei por que tive a impressã o de que vocês dois eram
muito pró ximos.
Dex afastou tudo o que havia chamado sua atençã o na memó ria.
— Pró ximos o suficiente. Eu nem sabia que ele ainda mantinha
contato com você até alguns anos atrá s. Ele costumava fugir e nã o dizer
nada a ninguém para onde estava indo.
Sim… isso era a cara do Sonny. Levantei um ombro para ele.
— Pensei que você fosse metida demais para vir visitá -lo.
E isso me fez estreitar os olhos em sua direçã o. Era um fato. Uma
declaraçã o, e se eu parasse para absorver o que ele estava dizendo,
entenderia o ponto central do seu argumento. Entã o guardei meu
comentá rio espertinho e fiz uma careta.
— Eu nã o tinha dinheiro nem tempo.
Ele me lançou um longo olhar antes de assentir.
— Sim, entendo isso agora.
Quando ele nã o disse mais nada, tentei pensar no que mais
conversar com ele. A distâ ncia entre nó s nã o era tã o dolorosa na Pins,
mas na casa dele? Era. Ah, Senhor, como era. Fiquei grata por ele me
deixar ficar, e sentar sem falar nada, constrangedoramente em silêncio,
parecia errado.
— Gosto da sua casa — falei, de forma espontâ nea, o primeiro
pensamento que me veio à mente.
Ele ergueu o olhar e observou ao redor da cozinha, inclinando o
queixo para baixo. A boca de Dex formou uma linha reta e séria.
— Eu também.
— Você mora aqui há muito tempo?
— Quase um ano. Faz em novembro — ele respondeu.
Por que ele estava tornando isso tã o difícil? Olhei para as paredes
nuas e balcõ es limpos, ouvi as cigarras do lado de fora, pensando no
fato de que ele morava fora dos limites da cidade.
— Estou um pouco surpresa que você tenha uma casa aqui e nã o um
apartamento como o do Trip. — Um pequeno arrepio percorreu minha
espinha quando lembrei o estado em que estava o assento do vaso
sanitá rio dele.
No estilo típico de Dex, ele captou a ú ltima coisa que eu esperaria.
— Você já foi na casa do Trip?
Seu tom soou estranho ou eu estava imaginando? Um olhar para a
linha reta da sua mandíbula me fez decidir que eu tinha imaginado.
— Uma vez.
— Hum — ele bufou, desdenhoso. Aqueles orbes azul-escuros se
estreitaram por uma fraçã o de segundo. Seus dedos bateram no balcã o
antes de ele começar a falar novamente. — Eu morava no mesmo
complexo antes de comprar este lugar. Porra, eu odiava lá .
— Sério?
Dex levantou um ombro.
— Me fazia sentir como se eu estivesse vivendo em uma colmeia.
Meio que também me lembrava muito de estar todo apertado em um
trailer quando criança. — Quando ele começou a pigarrear, entendi
como as lembranças de morar em um trailer o faziam se sentir estranho
e desconfortável.
Entã o me lembrei de tudo o que ele tinha dito sobre crescer com seu
pai bêbado. Esse tipo de homem em um lugar tã o pequeno? Que merda.
Com duas irmã s? Onde ele tinha dormido?
O á cido se acumulou no meu peito e na garganta tã o rapidamente
que me pegou desprevenida. De repente, fui eu que me senti
desconfortável.
— Tive que dividir um quarto com meu irmã o mais novo, em
beliches, até os dezenove anos. — A casa da yia-yia era muito pequena,
mas era um lar. Engoli em seco com a lembrança de dormir no sofá do
apartamento para o qual tínhamos nos mudado depois de vender a
segunda casa que eu tinha conhecido na vida. — Entã o eu entendo.
E entã o, nada. Silêncio.
Ok. Eu poderia deixar esse tó pico de lado.
Me atrapalhei fazendo o molho para o macarrã o, esperando que nã o
ficasse com um gosto completamente insosso, já que eu nã o tinha os
ingredientes certos. Nesse meio-tempo, Dex observava em silêncio,
tendo se levantado apenas para pegar uma cerveja na geladeira e
perguntar se eu queria uma bebida.
Sentamos em lados opostos do balcã o da cozinha, Dex bebendo uma
cerveja e eu com uma garrafa de á gua que ele tirou de algum lugar da
geladeira que eu nã o tinha visto. Considerando a ausência de
condimentos e ervas necessá rios, achei a comida muito boa. Os
murmú rios de prazer de Dex me diziam que ele era um grande
mentiroso ou nã o estava tã o ruim assim.
— Comida gostosa, flor — ele finalmente murmurou depois de girar
o macarrã o em torno do seu garfo, o olhar fixo em mim.
Sorri para ele, dando mais algumas garfadas na comida. Olhei para
cima novamente apenas para vê-lo ainda olhando para mim.
Tá bom…
— Tem molho de espaguete no meu rosto? — perguntei.
Ele balançou a cabeça, enfiando mais macarrã o nos dentes do garfo.
Deixei passar até que encontrei seus olhos mais uma vez.
— Nã o estou brincando, o que tem na minha cara?
— Nada.
Estreitei os olhos em sua direçã o, mas continuei olhando para ele.
Até que ele fez aquilo de novo.
Ai, Deus do céu.
Coloquei a mã o no meio do meu rosto.
— Tem meleca no meu nariz, nã o tem?
Ele olhou para mim por um longo momento, um momento que se
estendeu por anos-luz e galá xias. Séculos enrugados pelo tempo e
possivelmente eras. Geraçõ es…
E entã o Dex estava rindo. Rindo, rindo e rindo. Murmurando algo
que soava suspeitosamente como “Você é a garota mais pateta do
caralho” entre muitas gargalhadas.
E eu poderia estar com meleca no nariz, embora provavelmente
nunca fosse saber ao certo, mas aquela risada que veio daquele
homem…
Valeria a pena.
— Isso é um roubo do caralho!
Deus do céu, o que eu estava pensando quando fui trabalhar em um
estú dio de tatuagem? Um estú dio de tatuagem que ficava na esquina de
uma oficina mecâ nica. Uma oficina mecâ nica de propriedade do
presidente de um clube de motoqueiros. Um clube de motoqueiros que
tinha um bar, que funcionava como sede para o referido clube, que
eram inimigos de otá rios idiotas que espancavam pessoas inocentes ―
err, razoavelmente inocentes.
Onde minha vida tranquila tinha ido parar?
E por que eu nã o havia insistido em acompanhar Sonny?
Com exceçã o de Rick, o cara bêbado que havia gritado comigo e me
chamado de vagabunda, todos os outros clientes eram incrivelmente
legais. Mesmo quando tinham que pagar o preço salgado que o estú dio
cobrava ― com um bom custo-benefício. Esse custo-benefício estava
enquadrado por todo o estú dio na forma de reconhecimento da
imprensa.
Da primeira vez que ouvi o quanto Blake tinha cobrado de um
cliente, tive que me segurar para nã o engasgar. Os preços eram
equivalentes a entradas para comprar carros usados. Sem exagero. Mas
era normal fechar o preço antes do início de qualquer arte, para que o
cliente nã o tivesse uma síncope no final.
Obviamente, nem todos funcionavam no mesmo comprimento de
onda.
Esse cliente tinha vindo uma vez na semana anterior para conversar
com Blue sobre tatuar letras manuscritas bem detalhadas nas costelas.
Blue havia desenhado a ideia, falado com o cara sobre os preços e o
homem havia marcado um horá rio para fazer.
Entã o, por que o possível cliente agora estava parado na minha
frente enquanto eu tentava receber o pagamento, dando o chilique do
século ― e isso incluía o ano em que trabalhei em uma creche ―, estava
além de mim.
— Blue já havia discutido os preços com o senhor na semana
passada — lembrei-o.
Blue estava diretamente atrá s de mim, em silêncio.
— Você nunca disse que seria tã o caro! — o cara gritou na cara de
Blue, me ignorando completamente.
Sim. Sim, ela tinha dito.
— Senhor, antes de agendarmos qualquer sessã o para tatuar artes
personalizadas, o valor é combinado — expliquei.
O cara irritado apenas balançou a cabeça.
— Ah, que se foda. Nã o vou pagar tudo isso por uma bosta de uma
tatuagem.
Blue e eu nos olhamos e demos de ombros.
— Tá bom.
Havia opçõ es de pagamento sobre as quais Blake havia me contado,
mas consistia em o cliente pagar antecipadamente pelas artes ou fazer
partes de cada vez, de acordo com quanto ele poderia pagar. Mas se
Blue nã o tinha dito nada sobre isso, eu também nã o diria. Acho que nó s
duas ficaríamos perfeitamente contentes em ter um cliente menos
beligerante vindo de maneira recorrente.
— Foda-se tudo isso e vocês que se fodam também.
Blue e eu nos entreolhamos novamente e demos de ombros.
— Foda-se este lugar! Isso é um roubo. Sua merda nem vale tanto
assim.
Nó s apenas olhamos para ele.
— Você é uma tampinha do caralho. — Ele apontou para Blue.
Blue piscou como se nã o desse a mínima, nem metade disso, para o
que ele pensava, mas eu, sim.
— Ei, isso é desnecessá rio — apaziguei. Por que as pessoas tinham
que ser tã o grosseiras?
E entã o o homem zangado moveu o dedo na minha direçã o,
ignorando minha explosã o.
— E você, você, você…
— Dê o fora daqui, caralho.
Blue e eu viramos bruscamente a cabeça para ver Dex vir pisando
duro pelo corredor do seu escritó rio.
Putz!
Com o humor que ele estava durante todo o dia, eu tinha ficado
aliviada quando ele se trancou no escritó rio assim que chegamos.
Naquela manhã , ele havia saído do quarto com os lá bios tensos, a
mandíbula retesada, de mal com o mundo. Ele me respondeu mal
simplesmente por eu ter perguntado se ele tinha notícias do Sonny.
Nossa, cara. Eu nã o sabia o que o tinha deixado tã o bravo, mas já sabia
que nã o deveria fazer perguntas.
Entã o, quando o homem que estava gritando pareceu aliviado, nã o
entendi o porquê. Obviamente, ele nunca havia falado com Dex, porque,
se tivesse, saberia que sua expressã o era o oposto de qualquer coisa
que pudesse se parecer com a salvaçã o ou o alívio de qualquer espécie.
— Mano, suas duas subalternas aqui estã o tentando me cobrar o
olho da cara pela tattoo, porra! — o cara irritado disse com o mesmo
sorriso aliviado. — Dá um desconto aí pro irmã o por ser cliente novo.
Dex havia percorrido toda a distâ ncia entre o escritó rio e a minha
mesa quando o cara terminou de falar. Naquele momento, ele estava
parado ao meu lado, uns quinze centímetros entre nó s. Se eu movesse o
braço, tocaria a coxa tatuada musculosa que ele tinha me mostrado dias
antes. A coxa musculosa entã o me fez pensar, por um microssegundo
inteiro, que tipo de piercing Dex tinha no pênis, antes de eu cair em
mim. De alguma forma, eu tinha passado de uma virgem relativamente
conformada para uma mulher que pensava constantemente em ó rgã os
genitais e mamilos perfurados.
— Nã o, mano, eu nã o vou dar, e se desse desconto, nã o seria para
alguém que entra na porra do meu estú dio berrando e chamando
minhas funcioná rias de tampinhas do caralho ou sei lá que porra você
ia chamar a Ritz — ele rosnou com um leve tremor na voz.
O cara irritado murchou e balançou a cabeça de uma maneira que
me informava de que nã o achava que essa conversa com Dex havia
terminado.
— Ah, fala sério, mano.
— Dê o fora do meu estú dio, caralho, antes que eu chute sua bunda
para fora, mano — alertou o Babaca.
De alguma forma, captei o olhar de Blue e nó s duas arregalamos os
olhos.
Dex inalou uma respiraçã o longa e profunda pelo nariz.
— Você tem cinco segundos para cair fora, porra.
Nã o havia espaço para interpretaçã o. Eu teria saído e levado minha
existência miserável. Dex era bastante assustador quando estava
irritado ― embora diariamente fosse bastante assustador. Eu
costumava pensar que eram todas aquelas tatuagens nos braços, mas
nã o tinha nada a ver com isso. Como ele geralmente usava camisetas,
suas tatuagens eram sempre visíveis. Toda aquela tinta preta na pele
bronzeada era a primeira coisa que você enxergava quando falava com
Dex. Agora, quanto mais eu o conhecia, mais percebia que nã o eram
apenas as tatuagens que o tornavam intimidador.
Dex era um babaca assustador, ponto final. Ele apenas irradiava essa
atitude pura de “estou pouco me fodendo” e isso era assustador. Você
nã o podia controlar ou prever as reaçõ es de uma pessoa que nã o se
importava. Eles eram imprevisíveis. Somando isso à sua Dyna e à s
tatuagens, e sim ― intimidante do lado de fora.
Quando o cara irritado estendeu os braços em um gesto de “você
está louco?”, Dex balançou a cabeça.
— Cinco — ele começou a contar. — Quatro, três…
— Deus. Vá se foder e vã o se foder essas bostas superfaturadas de
vocês! — A voz do cara tinha ficado um pouquinho mais trêmula
quando ele gritou.
— Dois…
Com todo o controle do mundo, o cara se despediu com o dedo do
meio e saiu.
Enfim.
Dedos longos e quentes se curvaram na parte de trá s do meu
pescoço quando Dex se agachou, nivelando o olhar com o meu.
— Você está bem, Ritz? — Seus olhos azuis brilhantes estavam fixos
nos meus, todos os vestígios de aborrecimento agora desaparecidos de
suas feiçõ es.
— Estou — eu disse. — Ele foi simplesmente imbecil e sem
educaçã o.
O sorriso que ele me deu em troca foi tã o suave que era difícil
entender como seu humor havia ido de um extremo a outro. Isso
também me lembrou exatamente do que eu tinha dito na volta de
Houston. O homem mais gentil e mal-humorado de todo o Texas.
— Sim, ele era — concordou. Os dedos de Dex deram um apertinho
no meu pescoço. A açã o fez minha garganta se fechar
momentaneamente. — Vamos, vou comprar uma Coca para você.
Como se eu fosse dizer nã o.
— Você quer um refrigerante? — ele perguntou a Blue quando se
virou.
Ela franziu o nariz e balançou a cabeça.
— Nã o, valeu.
Segui atrá s dele, esperando pacientemente enquanto ele colocava as
notas de um dó lar para pegar nossas bebidas. Ele abriu a lata para mim,
entregando a bebida com um sorriso frustrado.
— Nã o suporto idiotas como esse — grunhiu. — O que eu quero
fazer é quebrar a cara deles.
Minhas sobrancelhas subiram.
— Segure as pontas. Nã o vale a pena ter problemas — lembrei-lhe
do que Shane havia sugerido em Houston. — Nem sujar suas mã os,
joã o-bobo.
— Joã o-bobo? — Ele piscou.
Dei de ombros.
— Sim. O que você faria se quebrasse alguns dedos?
— Flor, você só quebra os dedos se nã o souber o que está fazendo.
Piscando lentamente, abri a boca e a fechei.
— Eu sei que você nã o está brincando, mas ainda assim…
O canto da boca de Dex inclinou-se, mas nã o era exatamente um
sorriso de diversã o, era mais um sorriso de quem entendia.
— Flor.
— Estou falando sério. Você precisa cuidar de si. Manter essa raiva
sob controle.
— Estou bem.
O olhar que lancei foi meio de incredulidade, meio de resignaçã o.
Entã o me dei conta de que era o momento certo para falar com ele e
deixei esse assunto para lá .
— Você nã o estava bem esta manhã .
Ele fez uma careta. Bingo!
— O que aconteceu?
— Nada importante. Nã o se preocupe.
Por que será que ele falando isso me dava nos nervos? Eu deveria
calar a boca. Eu deveria cuidar da minha pró pria vida. O problema era
que eu nã o queria.
— Um passarinho fez cocô na janela do seu quarto?
O mú sculo no maxilar de Dex saltou com a tensã o.
— Engraçadinha. — Ele soltou um longo suspiro. — Meu pai ligou
para minha irmã pedindo dinheiro para comprar sapatos novos.
— Ok…
Entã o ele explodiu inesperadamente:
— E a idiota deu! — Ele fechou os olhos com força, o polegar e o
dedo indicador beliscando a ponte do nariz. — Nã o entendo qual é o
problema delas. Consigo dormir tranquilamente sabendo que ele está
andando por aí de sapato furado.
Bem, o que eu poderia dizer? Não fique bravo? Fala sério. Sem
chance. Se ele nã o gostava do pai a metade do que eu nã o gostava do
meu, entã o… sim. Isso nã o significava que eu tinha que deixá -lo
chafurdar em suas frustraçõ es, mesmo que parecesse ter passado.
— Nã o tem nada que você possa fazer sobre isso agora, tem?
Quando a bochecha dele pulou de novo, levantei os ombros e mexi os
dedos.
— Deixe para lá , Vossa Alteza. Ignore tudo isso.
O olhar que ele me deu poderia ter abrasado a carne dos meus
mú sculos e me causado brotoejas se eu nã o tivesse reconhecido aquele
pequeno brilho nos seus olhos, que me garantia que ele nunca me
machucaria fisicamente. Gritar comigo? Claro. Me chamar de coisas que
eu usaria com meu futuro cachorro? Sim. Mas me machucar? Duvido.
— Flor?
— Sim?
— Ponha sua bunda de volta lá na recepçã o.
Ah.

— Gosto de ter você por perto — Magrã o me disse enquanto


estávamos sentados no sofá , esperando Blue e Dex terminarem o que
estavam fazendo para fecharmos o estú dio.
— Por quê? — perguntei com cuidado, sorrindo um pouco.
— Porque Dex é hilá rio quando está puto.
Fiz meus melhores olhos de bichinho fofo para ele.
— Você gosta de vê-lo bravo assim?
Magrã o assentiu como se fosse a coisa mais ó bvia do mundo.
— Confie em mim, se conhecer Dex por alguns anos como a gente
conhece, ele ficar chateado assim é como um presente de Natal. Ele
nunca fica irritado o suficiente para perder a cabeça na Pins. No
Mayhem é outra histó ria, mas aqui? Nunca.
Eu havia pensado nisso depois de terminar meu refrigerante com ele
na salinha dos fundos. Seu humor havia mudado para o Dex
descontraído em um piscar de olhos. Ele me perguntou sobre como
minha vida tinha sido na Fló rida, e se eu já tinha lidado com muitas
pessoas insolentes antes em um dos meus outros empregos. A resposta
para essa ú ltima pergunta foi um sonoro “nã o”, que nos fez rir.
Apesar do fato de eu nã o ter dú vidas de que Dex teria dado uma liçã o
naquele cara se ele nã o tivesse saído e que era meio assustador que
alguém pudesse ficar com tanta raiva, eu tinha que dizer que era meio
sexy.
Muito sexy. Tudo bem, era totalmente sexy.
Mas eu nã o sabia o que fazer com isso e sabia que nã o deveria fazer
nada com esse pensamento.
Dex era meu chefe. Meu chefe que tinha sido um idiota para mim no
passado, mas ainda era um idiota para outras pessoas. Por outro lado,
esse ainda era o mesmo homem que havia aberto o coraçã o para falar
sobre coisas que, sem dú vida, eram difíceis para ele. E o mesmo que
sabia coisas que eu nã o havia contado a ninguém. O ranzinza carinhoso.
— Como está o seu piercing? — Magrã o perguntou.
Nã o querendo levantar minha blusa enquanto estava sentada ―
minha calça era muito apertada e essa era a desculpa que eu usaria
para a pochetinha que eu tinha ao redor da cintura ―, me levantei
enquanto dizia:
— Bem, eu acho.
Puxei a blusa, logo acima do umbigo.
— Só dó i um pouco se eu tocar, mas isso é normal, nã o é?
Magrã o fez que sim, inclinando-se para a frente para apoiar os
cotovelos nos joelhos e olhar para a joia verde.
— Sim, isso é normal. Está com uma aparência boa.
Eu empurrava o piercing para cima e para baixo, como ele tinha me
dito, para impedir que a pele cicatrizasse ao redor do metal.
— Eu gostei.
O alarme apitou no corredor, seguido pelo som das botas de
motoqueiro no chã o de ladrilhos enquanto Magrã o estendia a mã o para
cutucar minha caixa torá cica com o dedo indicador.
— Um dia, você tem que me deixar fazer algo aqui. Vai ficar irado,
Ris.
Bufei ao mesmo tempo em que a figura familiar entrou na minha
visã o periférica.
— Me deixe pensar sobre isso.
Dex parou e observou nossas posiçõ es com um olho crítico antes que
eu puxasse minha blusa de volta e disparasse um sorriso inocente para
ele.
— Pronto? — perguntei.
Ele assentiu em resposta.
Dei um tchauzinho para Blue e Magrã o quando estávamos fora do
estú dio. Todos nó s, exceto Dex, estávamos acostumados a ir andando
juntos para o estacionamento todas as noites. Dex sempre estacionava
em frente à loja. Toda vez. Era como se o universo e todos os seus
habitantes soubessem que a vaga na frente da Pins era dele e só dele.
Dex mal tinha montado na moto, depois de me passar o capacete
quando disse:
— Tenho que ir a um lugar esta noite. Vou levar você para o seu
carro e você pode voltar para a minha casa de lá .
Eu sabia praticamente de cor como chegar à casa dele e, embora nã o
estivesse vidrada na ideia de ficar lá sozinha quando ele morava no
meio do nada, realmente nã o podia discutir ou ficar de criancice.
— Tá bom — saiu da minha boca, mas eu estava relutante.
Ele estacionou em frente à garagem novamente quando paramos na
casa de Sonny. Era estranho como a casa parecia silenciosa. Geralmente,
quando eu chegava do trabalho, Sonny já havia ligado a luz da varanda,
e outra luz dentro da casa estaria ligada como um farol acolhedor para
mim. Mas nã o havia mais luzes, seu SUV nã o estava lá e a moto, junto
com a de Trip, estava dentro da garagem. Percebi de repente como
fiquei zangada com aquela imagem.
Tudo por causa do nosso pai.
Mal tirei o capacete e já estava franzindo a testa para Dex. Fiz a
mesma pergunta que o tinha feito me responder mal antes.
— Ainda nada do Sonny?
Ele sacudiu a cabeça de forma sombria.
— Ainda nã o, mas nã o é um problema muito grande. Conhecendo-os
bem, eles estã o pegando a estrada sem paradas, flor.
Soltei um suspiro profundo e assenti. Nã o havia como eu esperar que
Sonny continuasse me dando satisfaçã o, e especialmente nã o Dex. Eu
nã o podia imaginar um homem na casa dos trinta ligando para sua
meia-irmã para contar a ela toda vez que eles paravam para abastecer.
— Ok. Bom, acho que vou me mandar.
Ele estendeu a mã o para envolver meu pulso.
— Me mande mensagem quando chegar lá . — Seus olhos pesados se
mantiveram em mim o tempo todo. — Tem uma chave reserva embaixo
do gnomo do jardim no quintal da frente.
Ah, isso explicaria a existência do gnomo de jardim. Ele parecia
muito deslocado em meio à s plantas que nã o recebiam cuidados havia
muito tempo.
— Pode deixar. — Com alguns passos para dar a volta no meu carro,
balancei os dedos para ele em um aceno. — Tome cuidado.

Tentei dizer para mim mesma que nã o havia nada com que ficar com
raiva.
Fiquei mesmo assim.
Nã o deveria estar preocupada que Dex nã o tivesse voltado para casa
naquela noite, que ele nunca tivesse chegado a responder depois que
enviei mensagem para dizer que tinha chegado. Ele era um garoto
crescido. Poderia fazer o que quisesse.
Juro, eu realmente tentei nã o ficar irritada, mas estava.
Adormecer no sofá nã o era novidade. Ficar paranoica que alguém
invadisse a casa no meio do nada ― sem alarme! ― era demais. Eu
continuava imaginando que aqueles homens que tinham levado Sonny
iam aparecer. Quando esse desastre terminasse, eu começaria a pensar
em assassinos em série com má scaras quebrando uma janela para me
matar, e depois esfolar minha pele para pendurar na parede.
Dramá tica? Talvez um pouco.
Bem, talvez minha falta de sono fosse parte da razã o pela qual eu
havia ficado tã o irritada ― nã o surtada ― por Dex nã o ter voltado. Ou
me mandado mensagem.
Enviei outra mensagem ― à qual ele nã o respondeu.
Sentindo-me estranha em estar na sua casa e também nã o querendo
mais lidar com isso, deixei um recado na mesa da sala de jantar, dizendo
que ia fazer algumas coisas na rua. Primeiro, parei na academia e nadei
o má ximo de voltas que aguentei. Entã o acabei indo ao shopping e
comprando calças novas e algumas blusas para que nã o andasse por aí
me preocupando com cardigã s limpos que cobrissem o que minhas
regatas nã o cobriam. Depois disso, assisti a outro filme e fui trabalhar.
Quase imediatamente, me arrependi.
Eu estava no meio de tentar procurar vídeos sobre como consertar o
fax quando apareceu uma assanhadinha ― eu digo no diminutivo, mas
ela facilmente tinha cinco ou dez centímetros a mais que eu, enquanto
eu provavelmente tinha uns dois ou três quilos a mais que ela. Ela veio
com uma minissaia que parecia algo feito para alguém da minha altura
― ou de dez anos de idade ― e cabelos ruivos grossos que me deixaram
com um pouco de inveja. E ela estava carregando um colete que parecia
familiar.
Seu rosto magro e bonito se franziu em uma careta quando ela parou
na frente da minha mesa, olhando para mim através da tonalidade
escura dos seus enormes ó culos de sol.
— Preciso deixar isso para o Dex.
— Tudo bem — eu disse a ela, já estendendo os braços para pegar,
pois meu fator de aborrecimento havia subido cerca de vinte graus.
— Ele deixou na minha casa ontem à noite — acrescentou. Por que
ela mencionou isso, eu nã o fazia ideia.
Por que senti uma contraçã o no meu olho, eu também nã o fazia
ideia.
Apenas pisquei para ela, tirando o colete das suas mã os antes de me
levantar, meu estô mago vibrando.
— Tudo bem.
— Tudo bem — ela repetiu em voz baixa. — Até logo.
E assim ela se foi.
Entã o, assim, fiquei ainda mais irritada.
Fiquei preocupada que o maldito Dex fizesse algo idiota para nos
ajudar com os Ceifadores, enquanto, nesse meio-tempo, ele estava na
casa de alguma mulher? Juro que senti frustraçã o até o olho do cu
enquanto carregava a jaqueta de Dex nas costas e pendurava em uma
cadeira na sala dos funcioná rios.
Eu sabia que nã o valia a pena me preocupar com um homem adulto
como Dex. Eu sabia, mas ainda havia perdido o sono por causa disso.
Idiota.
— Skyler também me irrita.
Me virei para ver Blake parado na porta da sala, as mã os enfiadas
nos bolsos.
— Você sabe quando vê alguém e essa pessoa te dá nos nervos
imediatamente?
Ele riu.
— É o rosto dela, e talvez aqueles ó culos de sol do tamanho de um
para-brisa que ela está sempre usando.
Realmente pareciam para-brisas coloridos; a imagem me fez sorrir
para Blake enquanto eu ignorava o fato de ele ter sugerido que ela já
tinha vindo à loja outras vezes.
— Sim, você está certo. Deve ser isso.
A expressã o descontraída de Blake derreteu em outra de
preocupaçã o enquanto atravessava a sala em direçã o à má quina de
venda automá tica.
— Fiquei sabendo do Sonny.
Droga. Eu nã o queria o lembrete.
— Você teve alguma notícia dele?
Bem que eu queria.
— Nã o, mas também ninguém me fala nada. — Parei por um
segundo para olhar para minhas unhas. — Tenho certeza de que ele
está bem.
Ah, cara. Quantas vezes eu tinha usado e ouvido alguém usar a
palavra “bem” para descrever como eles estavam? Esperava poder
passar o resto da minha vida sem ouvir esse termo vago.
Blake suspirou.
— Parece que o negó cio está feio. Essa galera nã o está de
brincadeira. — Ele ergueu as sobrancelhas pretas. — Você precisa ter
cuidado até que tudo seja resolvido. — O desejo de rir estava na ponta
da minha língua. Dormir na casa de Dex sozinha era definitivamente
tomar cuidado. Conta outra.
Me encolhi um pouco com o pensamento. Por que eu estava tã o
negativa? Era estranho.
Ele deu de ombros.
— Bom, me fale se souber alguma notícia dele. Preciso preparar as
coisas para o meu pró ximo cliente.
O homem careca que eu tinha visto duas vezes passou pela minha
cabeça. Entã o a lembrança de estar aterrorizada na casa de Dex havia
colocado isso de lado.
A necessidade de resolver o problema com meu pai parecia muito
importante de repente para deixar Sonny lidar com aquilo sozinho. Nã o
era justo para nenhum de nó s. Além disso, eles realmente fariam algo
comigo? Ah, cara, eu esperava que nã o.
— Espere! Blake!
Ele parou na porta, olhando por cima do ombro.
— Sim?
Estalei os dedos para fazer a pergunta que estava na ponta da minha
língua.
— Qual é o nome do presidente desse clube mesmo? O cara careca.
— Eu estava com a minha cara lavada falando com ele, mas sabia que
Blake nã o me diria se eu fizesse parecer que Dex havia escondido algo
assim de mim.
O rosto de Blake se franziu todo.
— Liam?
Estalei os dedos como uma mentirosa.
— Isso, eu nã o conseguia me lembrar. — Sorri para ele. Blake deu de
ombros e foi para a frente do estú dio, me deixando nos fundos para
tentar descobrir uma maneira de conseguir o sobrenome do cara sem
dar muita bandeira.
E isso seria perguntar ao Magrã o quando Blake estivesse ocupado.
À s vezes, uma garota tinha que fazer o que precisava. No meu caso, era
encontrar um caminho de volta para Sonny.
Parada em frente ao clube de strip, eu sabia que o que estava prestes
a fazer era monumentalmente burro. Astronomicamente imbecil. E se ―
ok, quando ― meu irmã o descobrisse, ele provavelmente tentaria me
estrangular.
Mas que se dane. Momentos desesperados pediam medidas
desesperadas, e eu estava acostumada a lidar com as coisas por conta
pró pria. Se a situaçã o fosse outra e eu fosse a que tinha apanhado
daquele jeito, tinha certeza absoluta de que Sonny teria feito algo
igualmente idiota para me recuperar.
Eu nã o ia decepcioná -lo quando ele precisava de mim pela primeira
vez.
Era exatamente isso que eu continuava dizendo para mim mesma
enquanto mostrava minha carteira de motorista para o segurança na
entrada. Ele olhou para mim, depois para o documento, e entã o de volta
para mim antes de fazer um aceno para eu entrar.
Eu realmente era uma idiota.
Depois de perguntar a Magrã o como quem nã o quer nada qual era o
sobrenome daquele “tal de Liam”, eu perguntei “onde mesmo que os
Ceifadores se reú nem?”. Dex me disse para nã o passar de carro por lá ,
“mas nã o me lembro do nome”. Meu pobre e doce Magrã o respondeu de
maneira tã o indiferente que ele nunca poderia esperar que eu estivesse
planejando visitar o Moto Clube rival.
Ou… talvez ele simplesmente nã o estivesse esperando que eu fosse
ser tã o burra. Você sabe, ser filha de um ex-membro do Fá brica e esse
membro específico estar devendo um monte de dinheiro para eles. E a
meia-irmã de um membro atual que eles tinham espancado.
Multiplique o fator merda por três, e também a funcioná ria de um cara
de pavio curto do Fá brica.
Bem, eu tive uma boa chance de fuga enquanto era tempo.
Usando a desculpa de que eu tinha uma “emergência feminina”, saí
da Pins um pouco depois das sete. Levei quase uma hora para dirigir
até o clube de strip onde os Ceifadores se reuniam, nos arredores de
San Antonio. A julgar pelas cinco motos que vi paradas no
estacionamento, imaginei que pelo menos alguns dos membros
estavam lá .
Com sorte, talvez o careca estivesse entre eles. Ele tinha que ser um
dos caras principais do MC.
Assim que entrei no clube infestado de fumaça com duas dú zias de
luzes estroboscó picas e luzes pretas ofuscando o salã o, vi o canto onde
cinco homens muito durõ es e rudes estavam sentados como reis.
O careca estava acomodado na ponta do assento, parecendo mais
entediado do que fascinado pelos monstruosos seios de melã o no palco.
Minhas mã os começaram a tremer em algum momento, entã o as
apertei em punhos e respirei fundo.
Sonny faria pior do que isso por mim.
Além disso, eles nã o me matariam ou fariam algo louco assim em
pú blico. Certo? Eu realmente esperava que nã o.
Aqueles vinte passos ao redor do clube na esquina do inferno foram
os mais longos da minha vida. Com cerca de quinze dentre os vinte, o
careca ― que nã o parecia ser careca de verdade, à medida que eu me
aproximava ― me avistou. Ele nã o ficou tenso ou pareceu alarmado
quando inspirei fundo e me revesti de coragem para fazer uma sú plica.
Era isso que eu ia fazer? Implorar? Pelo meu pai?
Aparentemente, eu ia, mas gostava de pensar que estava fazendo isso
mais por Sonny do que pelo nosso pai vagabundo.
Os outros homens se viraram para olhar também, todos pelo menos
dez anos mais velhos que eu, ou até vinte. Eles pareciam mais
interessados do que eu gostaria. Podia ser porque eu era a ú nica
mulher no recinto que estava usando mais do que shorts minú sculos e
um top que terminava quinze centímetros acima da cintura.
Eu estava a meio metro de distâ ncia do careca ― nã o careca, seu
cabelo parecia crescer em todos os lugares, mas devia ser raspado com
frequência ―, quando ele inclinou o queixo para mim, e meu
nervosismo deu o ar da graça. Quando isso acontecia, eu me
transformava em uma idiota ― uma idiota tagarela sem habilidades
sociais.
— Oi — falei, esganiçada. E entã o acenei.
Qual era o meu problema?
O homem careca, Liam McDonaugh, de acordo com a informaçã o que
eu havia extraído dos meus colegas de trabalho inocentes, ergueu uma
ú nica sobrancelha escura.
— Oi — ele respondeu hesitante, provavelmente acreditando que eu
era louca.
Se eles nã o me matassem, eu me mataria por essa burrice.
Um ou dois dos outros homens grunhiram em resposta, piorando
meu nervosismo.
Em que porra eu estava pensando? Sério? Em quê? Que esses
homens iam atender ao meu pedido? Que iam aumentar o prazo de
pagamento da dívida do meu pai? Deus, por que eu nã o havia contado
pelo menos ao Magrã o ou ao Blake para onde estava indo?
— Nã o que nã o me importe com um rosto bonito na minha frente,
mas parece que você vai vomitar, boneca. Eu nã o quero me sujar —
emendou o homem chamado Liam.
Alguém me mate. Alguém me mate agora.
— Nã o vou vomitar em você. Eu juro. — Sorri com nervosismo,
tentando muito nã o pensar em me debulhar em lá grimas frustradas.
Liam apenas olhou para mim da mesma maneira intensa de Dex, me
despojando da minha dignidade e força lentamente.
Merda!
— Meu pai… — Droga! Essa nã o era a imagem que eu deveria pintar.
— Curt Taylor deve dinheiro ao clube e você foi atrá s do meu irmã o por
isso… — Tive que inspirar com força para tentar firmar minha voz.
Parecia que eu estava tremendo. — Existe alguma maneira de vocês
aumentarem o prazo dele? Ele nem gosta da gente — concluí, sem
pensar.
O homem careca, Liam, sorriu torto. Suas sobrancelhas se inclinaram
para cima.
— Ah, é?
— Eu nã o o vejo há quase dez anos — falei, sincera. — Juro que ele
nã o vai dar a mínima para o que acontecer com nenhum de nó s.
Aquele sorriso presunçoso e torto permaneceu no lugar.
— Acho isso difícil de acreditar, boneca.
Cará coles. Minhas mã os tremiam, apesar de ainda estarem fechadas
em punhos ao meu lado.
— Olha, nã o sei por que ele nã o te pagou, mas sinto muito. De
verdade. — Eu podia sentir as lá grimas nos cantos dos meus olhos
conforme o pâ nico inchava como uma onda de maré no meu peito. — Se
eu tivesse o dinheiro, pagaria de volta para que vocês nã o fossem mais
atrá s do meu irmã o.
Tive que travar os lá bios para nã o começar a fungar.
Os olhos de Liam se arregalaram. No prédio sombrio, eu nã o
conseguia ver exatamente de que cor eles eram, mas tenho certeza de
que pareciam escuros em seu rosto pá lido. Na verdade, era um rosto
pá lido e bonito, se você gostasse daquele tipo de homem meio bad boy
de trinta e tantos anos.
Ele se inclinou para a frente, cotovelos nos joelhos, mã os suspensas
entre as pernas. Aqueles olhos escuros me percorreram rapidamente,
uma vez, duas vezes, três vezes.
— Você é nova aqui?
Tinha certeza de que ele já sabia a resposta, mas assenti de qualquer
maneira.
— Entã o eu te garanto que você nã o sabe como as merdas sã o feitas
por aqui, boneca. Você nã o sabia que as putas… Desculpe… as mulheres
não se metem nos assuntos dos homens. A ú ltima coisa que sua bunda
fofa precisa fazer é chegar ao meu territó rio e me pedir uma coisa que
nã o tenho obrigaçã o de te dar — disse Liam, pausadamente.
Isso nã o estava indo muito do jeito que eu queria.
Devo ter feito uma careta porque ele levantou um dedo para me
interromper.
— Mas você está aqui e posso dizer que está apavorada. — Isso era
verdade. Completamente verdade. Nesse momento, Liam nã o se elevou
exatamente sobre mim como um poste, como Dex quando ficava em pé,
mas ele ainda tinha pelo menos um metro e oitenta. Sua constituiçã o
física era do tipo ampla e mais fisiculturista do que magro e cheio de
força. E sua personalidade? Ahhh. Fazia-o parecer ainda maior. Podia
ser sua expressã o inteligente e louca que parecia estranhamente
familiar. Hum.
— Sei valorizar a coragem de que você precisou para vir até aqui,
pedindo em nome do seu irmã o — falou, vindo ficar diretamente diante
de mim enquanto eu permanecia praticamente plantada no lugar de
medo. Seus olhos, que eu podia confirmar agora que eram castanhos,
encontraram os meus. — E você é gata pra caralho. Isso também ajuda
na minha opiniã o.
Havia um sapo na minha garganta. Talvez vá rios, porque levei um
susto quando ele se inclinou para mim. Um desejo violento de dar um
empurrã o no peito dele estava no primeiro plano do meu cérebro, mas,
sendo bem realista, nã o havia como sair do clube inteira.
— Me faça um agrado que te deixo sair daqui sem problemas. Posso
até pensar em só cobrar do porra do seu papaizinho nove, em vez de
dez de juros. — Ele suspirou.
Jesus, apague a luz. Nove mil? De juros? Em cima de dez mil? Droga.
— O que você diz? — Liam esticou o queixo, olhando para mim.
Fiquei dura.
— Você quer um agrado? — Tive a sensaçã o de que ele nã o estava só
pedindo para ser bem-tratado.
Ele assentiu devagar.
Minha boca tinha que estar escancarada. Tinha que estar.
— Acho que nã o — sussurrei, ainda sem sair do lugar.
Se finja de morta, Ris. Se finja de morta!
Liam deu um sorriso enorme. Ok, era tarde demais para me fingir de
morta. O movimento o fez parecer ainda mais bonito do que antes.
— Você acha, sim. — Ele riu, chegando ainda mais perto. — Nove em
vez de dez, boneca.
Nã o sei por que inspirei fundo, mas inspirei e ele cheirava a uma
colô nia almiscarada. Era muito boa, mas tudo o que conseguiu provocar
em mim foi um pouco de ná usea. Minhas emoçõ es e medos estavam
desgovernados.
— Ele nã o dá a mínima para nó s. — Engoli em seco, ficando de olho
nos lá bios, que vinham descendo cada vez mais.
Putz, cara, sua boca estava literalmente a alguns milímetros da
minha. Não faça nada imbecil, Iris! Não faça isso!
Liam riu de novo, desta vez em um tom mais profundo.
— Você que sabe — ele sussurrou… logo antes de me beijar.

Eu queria me socar.
Sentada ao volante do meu Focus com os lá bios ainda formigando do
seu encontro com a boca de Liam, e o que parecia um peso de cinco
quilos assentado bem na minha barriga, eu estava passando mal. Como
se tivesse feito algo horrivelmente errado. Terrivelmente, terrivelmente
errado.
Também nã o ajudou que eu soubesse que eu era uma idiota
completa por entrar naquele clube de strip. Uma bela de uma idiota…
O toque do meu celular, como um lamento, me tirou do sermã o
mental que eu estava me dando. Um pavor puro e doentio estava
aninhado na minha barriga. Porque eu sabia, sabia, de alguma forma,
que nã o ia querer atender à ligaçã o. Nã o me pergunte como eu sabia,
mas eu sabia.
E quando peguei o celular da minha bolsa ― a que deixei no banco de
trá s do carro quando entrei ―, a tela exibia o nome do possivelmente
ú nico homem com quem eu temia falar de vez em quando.
Dex.
Alguém me dê um tiro agora.
Respirei fundo e exalei assim que apertei o botã o para atender.
— Alô ? — Minha voz podia ter saído um pouco mais estridente do
que eu gostaria.
— Onde você está , caralho?
Ah, cara.
— Entã o…
Dex nem esperou um segundo para vociferar:
— Onde diabos você está , Ritz?
— Estou voltando para a Pins — respondi, apertando o botã o do
mudo enquanto virava a chave na igniçã o e colocava o carro em marcha
à ré, para que ele nã o ouvisse nada do que eu fizesse.
— Sozinha? — ele perguntou em uma voz lenta e cautelosa que nã o
fez nada para aliviar minha ansiedade.
— Sim. — Eu nã o iria mentir.
A pausa necessá ria para ele responder me fez endurecer minha
espinha e me preparar para o que quer que fosse sair da sua boca.
— Iris — disse ele, em voz baixa, muito baixa. — Me encontre no
Mayhem. — Seu tom era controlado demais. Droga!
— Eu deveria voltar para a Pins. Já faz tempo que estou fora.
Eu podia ouvi-lo respirando do outro lado da linha.
— Nã o. Me encontre no Mayhem.
Antes de eu ter a chance de discutir mais, ele desligou. Desligou na
minha cara. Aquele babaca. Que merda! Nã o!
A percepçã o de que eles nã o faziam ideia de que eu tinha ido até San
Antonio estava no primeiro plano dos meus pensamentos. Precisaria
dirigir em alta velocidade para talvez me salvar, porque nã o havia como
eu dizer para onde tinha ido se ele havia ficado irritado só com o fato de
eu ter saído.
Infelizmente, acelerei. O excesso de velocidade me levou a chegar ao
Mayhem muito mais rá pido do que eu gostaria, mesmo que soubesse
que ainda nã o havia voltado rá pido o suficiente para, de fato, fingir que
estava por perto.
O estacionamento do bar estava muito cheio para ser uma noite de
semana, se bem que eu provavelmente nã o deveria me surpreender.
Duvidava de que a maioria das pessoas ali dentro se importasse se
estavam bebendo durante a semana de trabalho ou nã o. Eu mal tinha
entrado no Mayhem depois de mostrar minha identidade ao segurança,
quando avistei a loira com quem eu tinha visto Dex na oficina havia
muito tempo. Ela estava sentada no bar, ao lado de um cara do Fá brica,
a julgar pelos apliques bordados em seu colete bem gasto.
Bem, acho que Son nã o estava brincando sobre a garota ser rodada.
Nã o vi Dex em lugar nenhum, mas isso nã o aliviou meu nervosismo.
Quero dizer, ele nã o podia me matar com tantas testemunhas por perto.
— Você viu o Dex? — perguntei à primeira bartender que passou por
mim.
A moça inclinou a cabeça.
— No andar de cima, fofa.
Puuutz.
Parecia que eu estava fadada a participar de uma marcha da morte.
Deus. Respirando fundo, lembrei que Dex nã o faria nada comigo. Ele
nã o faria. Exceto talvez me esfolar viva com a boca. Bem, com as
palavras.
O mesmo membro do MCFV que entrou na Pins quando eu tinha
começado no emprego ― aquele com a barriga de cerveja ― estava na
base da escada que tenho certeza de que estava prestes a me levar ao
inferno. Ele ergueu uma sobrancelha para mim.
— Irmã do Sonny? — Assenti.
Um sorriso se abriu devagar em seu rosto.
— Lá em cima, no fim — foi a ú nica coisa que ele disse.
Não vou vomitar. Não vou vomitar. Não vou vomitar.
— Obrigada — murmurei, subindo o primeiro e depois o segundo
lance de escadas. Apesar da mú sica alta que bombava no andar
principal, pude ouvir o profundo estrondo de vozes vindo do terceiro
andar.
A porta levava a uma grande sala com duas namoradeiras e um futon
mais pró ximo da porta virado de um jeito meio aleató rio. Logo atrá s
dos assentos na parede oposta, três mesas ocupavam o espaço restante.
E sentado à mesa no canto, cercado por Luther e dois outros
integrantes do clube, estava Dex.
Dex, que estava olhando para mim como se estivesse planejando
meu assassinato.
Fiz a ú nica coisa que uma pessoa ló gica que temia por sua segurança
― mais ou menos ― faria. Fingi que nada tinha acontecido, exibindo o
sorriso mais falso do mundo.
Ele olhou para mim, o tremor em sua mandíbula perceptível mesmo
tã o longe.
O olhar de Dex nã o vacilou nem por um segundo.
— Traga seu traseiro aqui, Ritz — ele exigiu com uma voz fria.
Nada ia acontecer. Nada.
Meus pés se moveram por conta pró pria, sem considerar o destino
ao qual estavam nos levando.
— Oi.
Se eu recebi um “oi” de volta? Nã o. Quatro rostos me encararam,
completamente sem emoçã o.
Parei ao lado do integrante que reconhecia do dia em que Dex
apareceu com Trip apó s o desaparecimento de Sonny. Por acaso, ele era
o ú nico que parecia nã o ter tido seu castelinho de areia destruído por
mim.
— Flor. — Dex se recostou na cadeira, cruzando aqueles braços
longos e fortemente tatuados à frente do peito.
Engoli em seco.
— Por onde você andou? — Ele enunciou as palavras com um pouco
de cuidado demais.
Bem, nem que a vaca tossisse eles tirariam a verdade de mim e, em
retrospecto, o que deixei sair da minha boca realmente nã o era melhor.
De forma alguma.
— Fui comprar absorvente. — Isso nã o era tã o ruim, mas o resto…?
— E aí tive que correr para casa do Sonny para trocar de calça porque
sangrei por toda parte.
Me mate. Me. Mate.
Absorvente. Sangrar na calça. Casa do Sonny.
Dex se inclinou para a frente sobre a mesa, os cotovelos batendo com
força na superfície. Eu podia ver o movimento da sua língua
percorrendo os dentes na boca fechada. E entã o ele travou a mandíbula.
— Você foi na casa do Son? — Ele arreganhou os lá bios para revelar
uma linha de dentes brancos retos. — Sozinha?
Eu tinha me perdido nessa explicaçã o toda, nã o tinha? Agora nã o
dava para voltar atrá s, droga.
— Sim — tentei dizer com o má ximo de segurança.
Ele piscou, desviando os olhos para a figura de Luther se
agigantando logo ao lado dele antes de voltar para mim. Piscou mais
uma vez, estendendo a mã o para passar o polegar e o dedo indicador
nas laterais da boca. A pausa pesada era cheia de expectativa.
Pelo canto do olho, vi o cara que eu nã o conhecia balançar a cabeça.
— Você é uma puta de uma idiota.
à hh, o quê?
Os mú sculos do bíceps de Dex apareceram enquanto ele rilhava os
dentes, conversando comigo. Eu! Uma puta de uma idiota?
— Você sabe que seu pai deve vinte mil aos Ceifadores?
Ora, sim, sim, eu sei, mas nã o podia dizer isso e, de qualquer modo,
nã o parecia que ele queria uma resposta porque continuou falando.
— Que porra você acha que eles vã o fazer com você, Ritz? — Acho
que nessa hora ele trincou os dentes. — Eles vã o espancar o Son de
novo antes de decidirem aumentar a dívida. Que porra você acha que
eles vã o fazer se te pegarem? — ele perguntou em um tom de voz mais
alto do que eu já o tinha ouvido usar normalmente. Sua expressã o
estava muito contrita, muito zangada. — Hein? Você nã o pode ser tã o
burra, pode?
Caramba. Algo desagradável se atou no meu peito e, de repente, eu
nã o suportava mais olhar para ele.
— Iris! — ele gritou comigo. Gritou! — Isso nã o é uma piada, porra.
Você nã o pode correr pela cidade fazendo que porra quiser. Ninguém
tem tempo para ficar de babá para você o dia todo, está entendendo?
Não chore. Não chore. Não chore.
Levei um segundo para perceber que estava piscando muito.
Piscando enquanto olhava para o teto em vez do rosto do meu chefe.
— Iris — ele grunhiu, seu tom ainda sustentando a nota ligeiramente
histérica que transmitia a extensã o da sua raiva. — Você entende?
Nã o tive forças para responder com palavras, entã o tive que me
contentar com um aceno de cabeça. Um aceno de cabeça que dirigi ao
teto, enquanto tinha que dizer a mim mesma que nã o choraria na frente
dele ― deles.
Quero dizer, eu entendia que ele tinha razã o. E entendia
completamente que ele estava cuidando de mim. Mas de verdade? Era
assim que ele ia fazer as coisas?
Assim que minha explicaçã o toda atrapalhada saiu, o mesmo
aconteceu com a pequena quantidade de orgulho que ainda me restava
depois de ter levado grito.
Também podia ser um pouco infantil, mas eu estava muito magoada
e humilhada para me importar.
— Nã o achei que isso importava depois que me deixaram sozinha a
noite toda, Charlie. — Por Charlie, eu realmente queria dizer Babaca.
Ele abriu a boca apenas uma fraçã o antes de fechá -la. Seus olhos
azul-escuros se estreitaram.
— Volte para a porra do estú dio — ele estrilou.
Esse idiota ia levar um chute no saco. Se eu nã o fosse obrigada a ficar
na casa dele, ele levaria o chute no saco e eu colocaria detergente de
louça na comida dele. Dex tinha razã o. Desse jeito, nã o havia dú vida,
mas ter razã o nã o significava que você precisava ser um completo
imbecil.
Além disso, Sonny nã o tinha me dito que Dex precisava que alguém
contasse para ele quando ele estava sendo um idiota? Claro, eu tinha
feito pior, mas essa nã o era a questã o. Ele nã o sabia disso, e nunca
saberia se isso era alguma indicaçã o de como ele lidava com as coisas.
Entã o ele que se fodesse. Inspirei brusca e profundamente para
afastar as lá grimas que estavam ali e forcei um sorriso. Era feio e
antinatural, mas, naquele momento, eu nã o me importava. O cara era
um homem de palavra. Ele me aguentaria até Sonny voltar.
Eu acho.
Dando aquele sorriso assustador, fiz uma reverência para ele,
olhando direto naqueles olhos escuros.
— Como quiser, Vossa Majestade.
Luther deu um sorriso irô nico quase imperceptível.
Mas Dex? Dex só me encarou de volta.
— Você vai deixar ela falar com você assim, cara? — perguntou o
sujeito que eu nã o conhecia.
Aqueles olhos azuis oscilaram diretamente de mim para o homem.
Dex olhou para o homem ainda mais agressivamente do que tinha
olhado para mim.
— Nã o me lembro de pedir sua opiniã o, cérebro de bosta, entã o cale
a porra da boca.
Se eu nã o estivesse tã o irritada e magoada, provavelmente ia
apreciar suas palavras, mas eu estava.
O homem fez um barulho na garganta.
— D…
Tossi e dei um passo para trá s.
— Vou voltar para o estú dio — eu disse em uma voz tranquila,
observando Dex enquanto ele mantinha o olhar firme em seu irmã o do
MC.
— Me mande mensagem quando estiver indo para casa mais tarde
— ele grunhiu, ainda sem desviar a atençã o do homem.
Olhei para Luther para vê-lo observando os dois homens mais novos.
Ah, dane-se!
Nã o me incomodei em dizer mais nada antes de me virar e ir em
direçã o à porta. Desci a escada correndo o mais rá pido que pude,
porque, de repente, senti vontade de chorar de novo.
A expressã o do Magrã o quando empurrei a porta da Pins dizia muita
coisa.
Se ele fosse propenso a roer as unhas, acho que estava prestes a
fazer justamente isso. No entanto, ele sorriu se desculpando, linhas
enrugando sua testa.
— Você está bem?
Inclinei a cabeça de lado e o observei com os olhos arregalados, ao
dar a volta na recepçã o para soltar minha bolsa no chã o. Por algum
milagre, consegui nã o chorar.
Assim que eu havia entrado no carro, percebi que nã o conseguia
exatamente chorar de tanto que eu estava chateada e envergonhada.
Fazia sentido que Dex ficasse puto. Eu entendia. Realmente entendia. O
problema era que ele tinha me insultado de novo, e o fato de ter sido
feito em pú blico piorou ― um pouco mais. Ficou claro que eu era um
inconveniente, mas era necessá rio colocar as coisas como se eu fosse
uma criança burra?
Meu peito doía e eu havia começado a chorar de soluçar como louca
enquanto dirigia os dois quarteirõ es até a Pins.
Mas dane-se, eu nã o ia fazer isso. Nã o ia chorar sem motivo.
Tudo bem, havia um motivo, mas isso era outra histó ria. No fundo, eu
sabia que o que tinha feito era para lá de idiota. Se alguém tivesse
descoberto, eu só podia imaginar que tipo de tempestade de merda o
Babaca teria levantado. Merda, Sonny provavelmente teria descoberto e
eu realmente duvidava de que ele tivesse algum problema em enfiar
juízo na minha cabeça.
Entã o eu levaria esse pequeno sermã o para o tú mulo comigo, pelo
visto.
— Estou bem, sim — falei, mas a realidade era que minha voz
parecia mais esganiçada que o normal. Obviamente, eu nã o estava
completamente bem.
A ú ltima coisa que eu queria era ver qualquer integrante do Fá brica
de Viú vas num futuro pró ximo, menos ainda Dex. O que nã o funcionava
exatamente, já que eu estava hospedada na casa do cara. Que saco.
Magrã o me deu um olhar incrédulo que mal ofuscou seu olhar de
desculpas.
— Ele estava puto?
Funguei, fazendo meu amigo ruivo franzir o rosto.
— Sei. Foi mal, Iris. Sabe que a gente nã o liga se você der uma saída,
mas Dex ligou logo depois de você sair. Entã o ele ligou de novo de dez
em dez minutos depois disso para saber se você tinha voltado. — Ele
mostrou os dentes. — Desculpe.
Como se eu pudesse ficar brava com o Magrã o por ser sincero. Dei de
ombros e remexi na bolsa para encontrar um chiclete e joguei outro
para ele.
— Está tudo bem. Eu nã o deveria ter desaparecido por tanto tempo.
— Isso meio que era verdade.
— Ficamos todos um pouco preocupados. — Ele deu um sorriso
radiante para mim. — Isso só significa que a gente gosta de você.
Se chamar alguém de uma puta de uma idiota era uma maneira de
mostrar afeto, entã o eu definitivamente nã o queria ter nenhum amigo.

Nas horas seguintes, tentei o meu absolutamente melhor para nã o


pensar no que havia transcorrido no ú ltimo andar do Mayhem. Fiquei
um pouco triste, um pouco brava e muito frustrada. Frustrada porque
eu desejava que aquela porcaria com o doador de esperma nã o tivesse
acontecido, porque entã o Sonny estaria em Austin, e eu estaria na casa
dele, e as coisas ficariam bem.
Isso me fez sentir egoísta, mas tudo bem.
Fechamos o estú dio um pouco depois da meia-noite, e enviei uma
mensagem para Dex assim que entrei no carro. Com alguma sorte, eu
voltaria para a casa dele antes de ele chegar e poderia fingir estar
dormindo para evitar qualquer outra confusã o. Agora, se ele já
estivesse em casa, eu estava ferrada e queria um minuto para me
preparar mentalmente para o confronto.
Por isso, pensei que seria uma boa passar de carro no Mayhem e me
certificar de que ele ainda estivesse lá , caso contrá rio…
Sim.
Diminuí a velocidade para passar pelo estacionamento, mas o
reconheci mesmo antes de estar perto. Depois de vê-lo do lado de fora
da Pins tantas vezes, encostado na parede com o cigarro entre os lá bios
e os dedos, sua posiçã o era facilmente reconhecível. Era totalmente Dex.
Relaxado e forte, exalando todo aquele ar de “estou pouco me fodendo”
que era típico dele.
E ao lado dele estava a mesma ruiva que havia entrado no estú dio
mais cedo.
Estavam conversando, mas a atençã o dele estava focada no
motoqueiro que reconheci de ter visto na casa de Sonny; aquele perto
do qual eu estivera algumas horas antes.
Ciú me e eu nã o sei o que mais era ― uma sensaçã o amarga que
pinicava minha garganta ― subiu pela minha boca. Porque…
O que eu esperava? Que Dex fosse algum tipo de santo celibatá rio?
Ele era atraente. Incrivelmente atraente. E era muito legal quando
queria ser. Era até legal à sua maneira quando nã o queria ser. E havia
me contado coisas sobre si mesmo que eu estava confiante de que ele
nã o compartilhava com frequência. E ele cuidava de mim do seu jeito
rude e de Babaca. Eu gostava do Dex.
Puta merda.
Eu gostava do Dex.
Nã o sei por que nã o havia me dado conta disso antes. Talvez porque
ele fosse meu chefe e ainda me desse nos nervos com bastante
frequência.
Mas principalmente porque percebi que nã o havia sentido em
aceitar ou reconhecer qualquer sentimento que eu pudesse ter por um
homem como ele. Um homem que cumpria seu dever com a irmã do seu
amigo.
Deus, eu era uma idiota.
Uma droga de uma idiota.
Pisei no acelerador para avançar ao mesmo tempo em que procurava
no meu celular e clicava na segunda pessoa dos meus favoritos.
Tocou por um tempo, quase tempo demais, mas, no ú ltimo momento,
ele atendeu.
— Ris? — Sonny respondeu com uma voz rouca.
Uma respiraçã o trêmula saiu dos meus pulmõ es.
— Oi, Sonny.
Havia um monte de barulho no fundo. O som de uma porta se
abrindo e fechando.
— Oi, garotinha, eu estava pensando em você — disse ele. — Você
está bem?
Droga. O dia, dentre tantos outros, em que eu justamente nã o estava
bem e ele perguntava.
— Ehh… — respondi com sinceridade. Quero dizer, eu já menti o
suficiente hoje. Nã o havia mais necessidade de manchar meu histó rico,
ainda mais com meu irmã o. — E você?
Ele suspirou. Longo e profundo.
— Também já estive melhor.
Algo no tom dele mexeu comigo.
— O que aconteceu? — perguntei com cuidado.
— Ahh, garotinha — ele se esquivou.
Como se isso fosse o suficiente para me dissuadir.
— Onde você está ?
— Quase em Denver. Nã o sei qual é o nome desta cidadezinha de
merda, mas estamos no Colorado.
Colorado?
— É aí que você acha que o doador de esperma está ?
A hesitaçã o de três segundos devia ter sido meu sinal de alerta.
— Talvez. Meus amigos no Arizona disseram que sabem que ele
havia passado por aqui algumas semanas atrá s, entã o eu esperava que
ele fosse para o norte, já que morava lá .
— Ah. — Fiquei frustrada em me dar conta de como sabia pouco
sobre meu pai, embora nã o devesse. — Ele morou lá recentemente?
Outra pausa. Mais hesitaçã o.
— Na verdade, nã o. Só nã o acho que ele seria burro o suficiente para
voltar à Califó rnia se soubesse que tem pessoas atrá s dele lá .
Entã o, Curt Taylor havia morado em Denver por um tempo antes de
terminar na Califó rnia em algum lugar? O que esse cara tinha que o
impedia de sossegar o facho?
E entã o me dei conta, causticamente, como se fosse uma pedra
enorme presa nos meus rins, rasgando uma nova linha de dor pelo meu
interior.
Qual era a única coisa de que esse homem sempre fugia, Iris?, meu
cérebro gritou.
— Son — foi tudo o que consegui deixar escapar da minha boca
enquanto manobrava pela rua.
— Ris. — Ele estava diferente demais. Reservado demais.
Nenhum de nó s disse nada por muito tempo. Trocamos somente
nossas inspiraçõ es e expiraçõ es pela conexã o do celular. Eu estava com
medo de perguntar, com medo de desejar a confirmaçã o do medo que
havia se enraizado no meu estô mago, e Sonny? Sonny provavelmente
estava nervoso para responder a mais perguntas que eu pudesse ter.
Ele sabia. Ele sabia que eu tinha uma ideia.
Por mais que eu realmente nã o quisesse saber, a pergunta meio que
saiu em um suspiro.
— Existe…?
Meu irmã o, meu amado meio-irmã o, suspirou.
— Sinto muito, Ris. Eu nã o sabia como te contar.
Claro que ele nã o saberia. Porra. Porra. Porra!
— Lu me contou sobre isso uma era atrá s. Sua mã e estava muito
doente naquela época, e você era apenas uma criança…
Parecia que o sangue instantaneamente tinha sido drenado do meu
corpo.
Quando minha mã e estava doente?
Eu devo ter feito algum tipo de som porque Sonny soltou uma longa
lista de palavrõ es que eu teria apreciado se nã o tivesse descoberto que
meu pai tinha tido mais filhos enquanto ainda era casado com minha
mã e doente.
Naquele momento, ouvi o som feio que explodiu da minha boca.
— Sinto muito, Ris. Sei que deveria ter te contado, mas eu nã o podia
— ele murmurou, sua voz ficando mais aguda. — Eu te amo, garotinha.
Te amo muito e você já passou por merda suficiente, e eu simplesmente
nã o poderia fazer isso com você.
Por ser o tipo de pessoa que chorava sempre que sentia algo um
pouco mais intenso do que o normal, mais tarde eu poderia me
perguntar por que nã o havia caído no choro com as palavras de Sonny.
Com sua explicaçã o. Sua verdade e mentiras. Os erros e indiscriçõ es do
meu pai.
Mas, naquele momento, tudo em que pude me concentrar foi no
ardor que arrasava minhas entranhas e garganta. Era traiçã o, ciú me e
raiva em sua forma mais pura.
— Fale comigo — Sonny implorou do outro lado da linha, me
puxando dos pensamentos insanos que passavam pela minha cabeça.
Eu nã o deveria estar brava. Nã o deveria sentir nada. Mas o problema
era que eu sentia.
— Iris — ele chamou.
— Merda — murmurei no telefone, de alguma forma conseguindo
continuar o caminho quase familiar em direçã o à casa de Dex. — Eu
só … Eu simplesmente nã o consigo assimilar uma coisa dessas. Que
idade…?
Ele gemeu, me dizendo que aquela definitivamente também nã o era
uma conversa fá cil para ele.
— Nã o sei direito. Acho que dez, onze.
Aquele filho de uma prostituta.
A raiva parecida com lava explodiu no meu peito outra vez. Quando
eu tinha quatorze anos, estava no meio do tratamento com
radioterapia. Minha mã e estava fazendo sessõ es semanais de
quimioterapia que acabaram com ela. E o que esse idiota estava
fazendo? Bebês? Fazendo bebês que ele aparentemente abandonava
depois.
Outro ruído feio de asfixia saiu da minha garganta, por mais que eu
tentasse reprimir.
Quero dizer, como ele poderia ter feito isso? Claro que meus pais
estavam separados, mas fala sério.
— Qual é o problema dele? — ofeguei no celular.
— Nã o sei — respondeu Sonny, parecendo muito sombrio. — Ele é
fodido da cabeça, garotinha.
Ele era fodido da cabeça e um imbecil dos grandes. Um imbecil
monstruoso.
— Nã o posso acreditar. — Porque eu conseguia me lembrar do rosto
dele quando tinha vindo para a Fló rida logo antes da minha mã e
morrer, dois anos depois. Seu rosto quando ele entrou no quarto do
hospital para vê-la havia ficado gravado na minha memó ria. Nã o tinha
como ele ter fingido que estava arrasado daquele jeito, mas talvez esse
fosse o meu problema.
Eu realmente nã o tinha pensado nisso. Ele estava arrasado por causa
da minha mã e. Mas eu estava em remissã o no momento da sua visita e
nem uma vez ele deu um pio sobre o meu braço. Sobre a minha
situaçã o. Eu o pegava olhando para as cicatrizes de vez em quando, esse
homem sobre quem eu nã o tinha certeza do que pensar, mas ele nunca
disse uma palavra.
Esse lembrete só reabasteceu meu ressentimento.
— Você está com o Dex?
Inspirei de forma profunda e entrecortada.
— Nã o.
— Onde você está ? — ele perguntou com uma voz gentil.
— No carro, indo para a casa dele.
Outra pausa infame.
— Sozinha?
Caramba. Eu poderia ter mentido para ele ou pelo menos nã o
mencionado o incidente anterior, mas nã o consegui fazer isso. Ele havia
acabado de confessar a existência do nosso outro meio-irmã o; eu
poderia pelo menos dizer algo.
— Ele está puto comigo. — Minha voz ainda saiu muito entrecortada.
— Eu saí da Pins e passei na sua casa sem ele. Ele ficou muito bravo.
A ú nica resposta que recebi foi um gemido longo e baixo. Ele estava
tentando nã o perder a paciência. Sonny sabia que eu nã o precisava e
nem queria ouvi-lo brigando comigo.
— Porra, Ris — ele suspirou. — Nã o faça isso de novo.
— Nã o vou fazer. — Deus, como eu parecia mansa.
Outra pausa longa encheu a linha, um milhã o de pensamentos sendo
processados por dois cérebros diferentes. Eu só podia imaginar.
— Olha, eu te falo quando souber como vã o ser as coisas. Quero
encontrá -lo o mais rá pido possível, e Trip está ajudando. Depois de
voltar, a gente dá um jeito de resolver essas merdas.
Eu nã o sabia que merda havia para resolver, mas uma pequena voz
me disse que ele provavelmente estava se referindo ao nosso irmã o no
Colorado de quem, pelo menos no momento, nenhum de nó s era fã .
Tenho certeza de que, uma vez que nã o estivesse mais tã o brava, eu
recuperaria o raciocínio perfeito. Pelo que Sonny tinha dito, nosso pai
também nã o havia ficado por lá por muito tempo. Aquele homem era
uma criatura de há bitos.
Caramba. Eu podia sentir que estava ficando irritada outra vez.
Ainda mais do que antes.
— Ok, Sonny. — Eu queria bater a cabeça no volante, mas ainda
havia mais cinco minutos de caminho à minha frente.
— A gente vai ficar bem? — ele teve a coragem de perguntar.
Meu coraçã o inchou, apenas momentaneamente eclipsando a fú ria
que eu sentia em relaçã o ao nosso doador de esperma idiota. Meu voto
de nã o chamá -lo de idiota aparentemente tinha desaparecido em algum
momento.
Will podia nã o responder aos meus e-mails ou se preocupar em
pegar um telefone e me ligar, mas Sonny sempre havia cuidado de mim.
Sempre tinha sido uma troca entre nó s. Nã o tínhamos sido forçados a
nos unir por obrigaçã o, mas ele havia feito um grande esforço para
fazer parte da minha vida, e eu o aceitara com prazer.
E eu esperava… eu sabia… que sempre o aceitaria.
— Eu te amo, cara. Nó s sempre vamos ficar bem.
O longo suspiro com o qual ele respondeu foi um alívio para nó s dois.
Ele prometeu me ligar novamente em breve e me dizer o que havia
descoberto, e eu prometi nã o fazer nada idiota novamente. Se ele
soubesse…
Empurrei todos os pensamentos a respeito do meu pai para fora da
minha cabeça durante o ú ltimo minuto da viagem à casa de Dex. Nã o
pensei nele enquanto estacionava o carro e entrava. Nã o pensei em
nada enquanto pegava roupas na mochila e ia para o chuveiro.
Mas cerca de um minuto depois de entrar no chuveiro, pensei nele.
E gritei.
Nã o foi como um grito de filme de terror, mas o mesmo tipo de grito
que eu havia posto para fora quando soube, sem dú vida, que nã o havia
esperança para minha mã e. Aquilo me machucou fisicamente.
As lá grimas que se seguiram depois foram igualmente dolorosas.
Sonny me disse uma vez que eu havia sentido tudo com mais
intensidade em relaçã o ao nosso pai porque fui eu quem o tive por mais
tempo. Mais do que Sonny, de longe. Will tinha apenas cinco anos
quando ele nos deixou, e eu duvidava de que ele se lembrasse muito do
homem barbudo que costumava colocá -lo para dormir. O homem por
quem ele chorou durante meses. Eu era a que mais tinha lembranças. A
garotinha que havia chorado por causa dele durante mais do que alguns
meses.
As lembranças, naquele momento, que amaldiçoei. Porque eu já nã o
tinha mais idade para me sentir tã o territorial, tã o traída. Eu nã o tinha
o direito. Nã o tinha razã o.
Mas nã o pude evitar.
O fato de ele ter tido outro filho enquanto passávamos por tanta
coisa me fez sentir insignificante. Quaisquer que fossem os problemas
que acho que eu secretamente tinha com o abandono explodiram
naquele momento.
Pensei em Will. Na minha pobre mã e, e me perguntei se ela sabia
sobre o Colorado. A ideia de que ela poderia ter descoberto me matou
um pouco por dentro.
Antes que eu percebesse, as lá grimas se transformaram em soluços,
os soluços se transformaram em um choro baixinho, e a raiva e a
tristeza foram substituídas por indiferença fria.
Por algum milagre, consegui desligar a á gua ― nã o havia me
incomodado com sabonete ou shampoo ― e vesti a roupa de qualquer
jeito, lutando contra as lá grimas patéticas que estavam prontas para
cair novamente. O reflexo no espelho me mostrou que eu estava em
petiçã o de miséria. Eu estava sem apetite e tudo o que eu queria era
dormir e me esquecer do mundo.
O problema era que a casa em que eu estava nã o era minha.
E o homem que era dono dela estava parado no corredor do lado de
fora do banheiro, esperando por mim quando abri a porta.
Os olhos de Dex estavam semicerrados; a boca normalmente sensual,
entreaberta, e seu olhar parecia querer me perfurar.
Fixei meus olhos no chã o, a memó ria do que exatamente havia
transcorrido no Mayhem fazendo apenas somar à minha miséria.
— Agora nã o, Dex — eu disse em uma voz que parecia mais um
coaxar do que qualquer coisa. Passei por ele, indo para a sala de estar,
onde caí no sofá em L, tomando conta da parte principal, com o rosto
para baixo como uma garotinha mimada. Minha cara estava enterrada
no tecido macio do travesseiro que eu havia colocado na ponta do sofá
naquela manhã .
O chã o rangeu com seu peso. Eu podia senti-lo de pé ao lado do sofá .
Se eu virasse a cabeça, tenho certeza de que seus pés estariam na
minha linha de visã o, mas nã o o fiz. Ele ficou lá parado pelo que
pareceu ser uma eternidade.
— Nã o estou brincando, Dex.
Ele bufou.
— Por quê?
Por quê? JesusQueEstaisNosCéus. Eu queria gritar de novo.
— Estou me sentindo muito imprestável agora, tudo bem? —
sussurrei no travesseiro, alto o suficiente para ele ouvir. — A ú ltima
coisa que quero é você me fazendo sentir como uma idiota patética
outra vez.
Ele disse alguma coisa? Nã o.
Em vez disso, senti o calor do seu corpo se aproximar ainda mais
antes que o travesseiro abaixo de mim fosse erguido, levantando minha
cabeça junto com ele. Um batimento cardíaco depois, ele desabou no
espaço vazio, soltando o travesseiro em cima do colo para que minha
parte superior do corpo descansasse nas suas coxas. O peso da mã o
dele se acomodou entre as minhas omoplatas.
Tentei me sentar de joelhos, mas sua mã o me manteve em cima dele
― bem, do travesseiro. Meus peitos estavam esmagados contra a coxa
dele, mas nã o me importei. A ú ltima coisa que eu queria era que ele me
visse chorar.
— Dex — choraminguei baixinho.
Ele colocou a palma na minha nuca, mexendo-se um pouco no sofá .
— Ritz.
— Nã o quero ouvir nada agora.
Dex fez um som de humm.
— Nã o vou falar merda para você agora — disse ele com uma voz
baixa e macia. — Quero saber por que caralhos você gritou no chuveiro,
flor.
Eu o odiava. Só um pouco.
— Primeiro pensei que eu é que tinha feito você chorar, mas depois
de um tempo, achei que nã o poderia ter te deixado tã o irritada assim.
— Nã o fique se achando — gemi. — Você me deixou brava. — Virei a
boca para o lado, para nã o babar por todo o travesseiro. — Mas nã o, eu
nã o vou chorar por você me xingar e por ser um completo babaca.
Ele gemeu, e a mã o na minha nuca deu um apertinho. Seus dedos
massagearam os lados.
— Eu estava puto pra caralho.
— Sempre que você fica puto, fica puto pra caramba — expliquei,
ganhando uma risada do grande homem embaixo de mim. — Você foi
um imbecil.
Outro gemido. Sua mã o deslizou para a omoplata direita.
— Você estava sendo idiota, Ritz.
— Entã o você tinha que me chamar de uma puta de uma idiota na
frente dos seus amigos?
Ele nã o respondeu. A palma grande de Dex percorreu o outro ombro,
e se encaixou nesse também.
— Lu me disse que fui muito duro com você — ele admitiu no que eu
só podia deduzir que era uma voz contrita. — Fiquei preocupado, ok?
Hum.
— Eu estava planejando chegar em casa e esquentar sua bunda como
minha mã e costumava fazer comigo. — Seus dedos retornaram ao meu
pescoço, a palma beijando minha espinha. — Nã o acho de verdade que
você seja uma puta de uma idiota — disse ele.
Virei a cabeça para o outro lado para encarar seu abdô men.
— Ah, é?
— Você é só uma idiota, flor — Dex murmurou. — Quer me contar o
que foi toda aquele escarcéu no chuveiro?
Nã o, eu nã o queria. No entanto, lá estava eu abrindo minha boca.
— Meu pai é um idiota e um imbecil.
— Calma aí, pantera. Cuidado com a boca suja — disse o homem que
falava a palavra com “C” pelo menos cem vezes por dia. Os dedos longos
de Dex percorreram minha espinha até onde estava o elá stico do meu
short. Uma pequena parte de mim reconheceu que aquilo era muito
íntimo, mas a calorosa garantia era exatamente o que eu precisava e
queria. — O que aconteceu?
— Ele tem outro filho. — Funguei totalmente as palavras. — Minha
mã e estava morrendo, perdendo todo o cabelo, vomitando todos os
dias, e esse imbecil estava fazendo bebês em alguma mulher, Dex. —
Suspirei. — Ele nã o sabe para que porra serve um preservativo? Que
tipo de idiota egoísta faz isso?
Claro, ele nã o respondeu, mas eu nã o me importava, porque as
palavras continuavam saindo da minha boca.
— Ele amava minha mã e, era casado com ela, teve filhos com ela e
nos deixou. Fá cil assim. Como se nã o fô ssemos nada para ele. Um dia,
ele estava lá e, no outro, estava dizendo à minha mã e que nã o podia
mais ficar. Ele era inquieto, ele disse. Eu sempre esperava que talvez ele
voltasse. Talvez sentisse falta de nó s o suficiente — tagarelei. — Mas
nã o. Nã ã ooo. Aquele idiota do caralho nã o ligava para ninguém. Nã o de
verdade.
A mã o de Dex deslizou pelas minhas costas novamente, circulando
um lado dos meus ombros antes de avançar para o outro.
— E ele tem outro filho, e também abandonou esse. — Deus, eu tinha
certeza de que estava chiando. — Eu o odeio, Dex. Eu o odeio por partir
o coraçã o da minha mã e, e nos deixar, e por nã o se importar. Deus,
caramba. Eu precisava dele… — Puta que pariu. Comecei a chorar de
novo, minha voz falhando. — E ele nã o deu a mínima.
Uma tosse chorosa escapou do meu corpo.
— Eu só quero que a vida pare de ser uma merda comigo.
Aquela mã o grande manteve a carícia em forma circular, descendo
por um lado das minhas costas antes de ir para o outro, enquanto eu
permanecia lá , tentando me recompor. Tentando engarrafar a raiva
momentâ nea que havia saído de mim. Por um longo tempo, ficamos ali.
Eu ainda estava deitada parcialmente sobre o colo de Dex, que estava
com a mã o se movendo em volta das minhas costas por cima da
camiseta. O silêncio nã o era ruim porque eu tinha dito o que precisava.
Eu havia libertado a porcaria que havia segurado dentro de mim por
tanto tempo.
Porque, aparentemente, se eu tivesse parado de pensar no meu pai
anos atrá s ou nã o, o efeito que ele havia deixado em mim havia sido
armazenado nos recô nditos da minha consciência.
Depois de um tempo, tentei me sentar, mas a mã o pesada no meio
das minhas costas me manteve abaixada.
— Você se sente melhor agora? — Dex sussurrou.
Funguei.
— Acho que sim.
— Você está melhor, flor. — Seus dedos avançaram como se ele
estivesse brincando de Dona Aranha nas minhas costas.
— Sei que você está sofrendo, mas já chega.
Quem esse cara era para me dizer que eu tinha chorado o suficiente
ou nã o? Tentei recuar novamente, mas ele nã o ia aceitar. Dex estalou a
língua.
— Nã o, nã o, nã o. Você vai me ouvir, Ritz. E pode me ouvir muito bem.
Puta merda, isso seria como os sermõ es da yia-yia.
— Aquele porra nã o vale suas lá grimas. Ele nã o vale o amor que você
deu. Nã o merece e nunca vai merecer. Tenho certeza de que você
precisava de um pai quando era criança, querida, mas ganhou um pai de
merda. E esse pai de merda nã o vai definir você. Ele nã o vai ser a razã o
pela qual você vai chorar ou nã o vai confiar nunca mais nas pessoas.
Você é linda, doce pra caralho e inteligente, Ritz. Você tem que ter
puxado a sua mã e, porque definitivamente nã o puxou essa merda do
seu pai. Conhecendo Son e o que ele sente por você, sei que sua mã e
nã o gostaria que você sofresse como está sofrendo.
Seus dedos apertaram minha nuca.
— Você nunca vai chorar por esse idiota novamente. Nem quero que
fique com raiva quando pensar nele. Ele nã o existe mais. As merdas
dele nunca mais vã o te atingir. Está me ouvindo?
Solucei no travesseiro, apenas acenando com a cabeça. Me senti
muito sobrecarregada, tã o ferida, que estava exausta. Eu pensaria nele
outra vez, nã o havia como nã o fazer isso, mas, no momento, era bom
acreditar que eu poderia me limpar de Curt Taylor.
Os dedos de Dex se estendiam até onde a palma cobria toda a parte
de trá s do meu pescoço e seus dedos se curvavam pela maior parte do
meu pescoço.
— Minha mã e costumava me dizer que a gente tinha que lutar por
alguns dias de merda para chegar aos melhores dias da nossa vida.
Entã o, estou te dizendo agora que você tem que aguentar essa barra. Eu
te juro que, depois que essa merda chegar ao fim, você nã o vai ter que
se preocupar com ele outra vez. — Seu polegar cravou fundo na minha
pele.
Fiz um barulho de quem parecia estar morrendo.
— Ah, Dex.
— Flor, você é a garotinha mais doce que já conheci. Merece mais do
que essa porcaria de coraçã o partido. — Seus dedos massagearam os
mú sculos no meu pescoço. — Se eu vir esse rosto bonito chorando
outra vez por causa de algo que o saco inú til de merda do seu pai fez,
vou fazer ele se arrepender de um dia ter conhecido a sua mã e,
entendeu?
Um tipo diferente de emoçã o me sobrecarregou, ofuscando
temporariamente toda a raiva e o ressentimento que perfuravam meu
corpo. Isso fez minhas entranhas apertarem e eu querer chorar de
novo. Porque ali estava um homem que acabava de me chamar de uma
puta de uma idiota algumas horas atrá s, esfregando minhas costas e
prometendo coisas que eram como algum tipo de bá lsamo para todos
os males.
As palavras significavam mais porque vinham de Dex. Dex, que nã o
poupava nada só para ser legal.
Entã o, quando me sentei abruptamente um minuto depois, deixando
a mã o dele cair de volta para o colo, inalei esse sofrimento, trêmula.
Curvei os lá bios atrá s dos dentes e observei a sombra da barba crescida
na linha do seu maxilar, a tensã o na sua boca, e engoli em seco.
— Você se importaria de me dar um abraço?
Sua boca se abriu uma fraçã o de segundo e seus olhos brilharam nos
meus, um vestígio de alguma coisa neles. Ele ficou em silêncio, imó vel.
Notei um nervo pulsando debaixo do seu olho.
A pausa de Dex me fez sentir uma idiota por um minuto. Se eu
realmente pensasse a respeito, ele nã o me parecia o tipo que abraçava.
Além disso, quero dizer, quem pede um abraço? Quem…
— Venha cá — ele pediu em sua voz baixa.
Olhei-o por uma fraçã o de segundo, ainda me sentindo um pouco
patética, mas quando ele mexeu o quadril e baixou o queixo para me
dar aquele olhar… Parei de me importar. Me arrastei para a frente e
apenas me deixei levar. Braços em volta das costelas, minha testa na
bochecha dele.
Demorou um segundo, mas seus braços me envolveram. Um sobre
meus ombros, o outro passando no meio das minhas costas. E ele
apertou. Dex me segurou junto de si, o leve perfume de sabã o de lavar
roupas e de Dex enchendo minhas narinas. Pele quente, corpo quente,
quente, quente, quente. Tanto calor, esse nó absurdo alojado na minha
garganta.
Respirei fundo e fechei os olhos.
Ele também nã o disse nada, mas senti a respiraçã o profunda que
inflou seu peito antes que ele a soltasse no meu ouvido.
— Quer parar de me olhar assim?
Dex estava sentado do outro lado do balcã o, me encarando havia
cinco minutos. Com a xícara de café à frente da boca, aqueles olhos
azul-escuros estavam fixos na minha direçã o. No começo, pensei que
poderia haver xarope de bordo manchado meu rosto, mas passei a mã o
em todos os lugares e nã o senti nada.
Aqueles olhos sonolentos eram curiosos e muito intensos. E foi
provavelmente porque eu nã o tinha dormido tã o bem depois da longa
crise de choro, que demorei o que pareceu uma eternidade para
descobrir por que ele estava olhando para mim de forma tã o intensa.
— Nã o vou começar a chorar do nada, Dex — finalmente o alertei,
revirando os olhos antes de enfiar outra colherada de mingau de aveia
na boca.
Pelas laterais da caneca de café, pude ver seus lá bios se inclinarem
um pouco para cima. Qual era a daquele olhar que ele estava me dando?
Tã o. Esquisito.
— Ah, eu sei que você nã o vai — disse o idiota presunçoso.
Minhas sobrancelhas se ergueram. Era impossível entender o que
havia nos seus pequenos desafios que começavam a me atrair todas as
vezes.
— Como você sabe?
Aqueles cantos rosados da sua boca se ergueram ainda mais.
— Eu disse ontem à noite que você nã o ia mais chorar.
Esse homem! Deus do céu. Eu nã o sabia se deveria ficar aborrecida
ou achar graça. Minha intuiçã o estava preferindo achar graça.
— Sim, tenho certeza de que nã o é assim que funciona.
— É assim.
Pisquei para ele algumas vezes.
— Nã o, nã o é, mas obrigada por ficar comigo ontem à noite. — Por
“ontem à noite”, eu queria dizer “quase a noite toda”.
Depois do abraço mais longo da histó ria do mundo, ele havia ligado a
televisã o e tínhamos assistido em silêncio ao fim de Stargate. Um ao
lado do outro, coxa com coxa.
— Sem problemas, flor — ele respondeu, dando de ombros, como se
nã o fosse nada de mais.
Mas para mim, era. Para mim, o que ele tinha feito era o que me
mantivera acordada a noite toda. Nã o era o conhecimento recém-
descoberto das indiscriçõ es do meu pai ou das mentiras do meu irmã o,
mas Dex. Dex, que tinha sido o completo oposto do Babaca no bar. De
que forma era possível que um homem pudesse mudar de atitude tã o
depressa? Para mim era incompreensível.
Talvez Charlie Dex Locke simplesmente fosse assim, eu acho. Uma
contradiçã o atrá s da outra.
— Sem problemas — zombei com uma voz grossa, piscando antes
mesmo de perceber que tinha feito isso. Que bicho tinha me mordido?
Seu olhar era impenetrável. Todo aquele azul frio semelhante ao de
uma joia se concentrou em mim, o que me deixou um pouco sem fô lego.
Forcei um sorriso.
— Obrigada de qualquer forma. Foi muito bom.
Ainda assim, ele nã o piscou quando alarguei o sorriso. A ú nica coisa
que fez foi colocar a caneca de café na bancada da cozinha, inclinando a
cabeça para o lado.
— Flor, só porque você é uma fofa nã o significa que eu nã o estava
falando sério sobre dar palmadas na sua bundinha gostosa por fazer
merda. Ritz, apronte de novo, e você vai conseguir.
E… meu sorriso desabou. Não pense nele se referindo à sua bunda
como gostosa, Ris. Foco!
— Só porque nunca bati em outra pessoa na minha vida nã o significa
que nã o vou fazer de você o primeiro. — Pisquei, como quem estava de
boa. — Charlie.
O que o homem fez? Ele riu.
— Estou falando sério — insisti, mas ganhei outra risada dele.
— Eu sei, flor. — Dex riu. — Ouvi tudo sobre você vender os direitos
de quebrar meus joelhos.
Ah, droga. Talvez minha garganta possa ter engolido em seco
involuntariamente.
— Sobre isso…
Ele se inclinou sobre o balcã o, os cotovelos apoiados na borda.
— Logo, logo, você vai perceber que eu fico sabendo de tudo, Ritz.
Isso de repente soou como uma ameaça muito maior do que eu
imaginava que ele pretendia.

— Tire essa merda feia da minha cara — Blake retrucou para


Magrã o.
Eu ― que tinha um sanduíche de homus a dois centímetros de
distâ ncia do meu rosto ― engasguei com o ar, logo antes de ofegar:
— Isso foi o que ela disse. — Como se eu estivesse com fogo no rabo.
Magrã o inclinou a cabeça para trá s e riu alto, puxando a folha de
papel que estava enfiando no rosto de Blake.
— Ah, que merda.
— Desculpe — falei, olhando para Blake. Ele estava balançando a
cabeça, ainda comendo sua batata assada. — Você pediu por isso.
Ele acenou com a mã o sem garfo na minha direçã o.
— Claro, espertinha.
Balancei as sobrancelhas para Magrã o, referindo-me à merda feia de
que Blake estava reclamando.
— Nã o que minha opiniã o importe, mas eu acho incrível.
O papel que ele estava segurando contra o rosto de Blake era um
desenho que ele havia terminado na noite anterior. A arte era de um
dragã o azul com tons vívidos e enormes asas pretas, disparando um
jato com as cores do arco-íris. Quero dizer, considerando que meu nome
significava arco-íris, eu tinha gostado. Além disso, era épico.
— Quer que eu guarde este para você? — ele ofereceu, um pouco
rá pido demais.
Como se eu fosse capaz de esquecer que ele tentava pelo menos uma
vez por semana me fazer concordar com uma tatuagem. Nã o que eu nã o
pensasse nisso regularmente. Eu pensava. Eu adorava as tatuagens que
os meninos e a Blue faziam, mas havia apenas um lugar no meu corpo
onde eu conseguia pensar instantaneamente que gostaria de fazer uma
tatuagem. Esse lugar era o ú nico local onde eu nã o poderia fazer.
A parte interna do meu braço.
Mas nã o queria ferir os sentimentos de Magrã o e fazê-lo pensar que
eu nã o queria um trabalho dele, já que o dispensava toda vez que ele
tocava no assunto.
— Se você pudesse tatuar sobre uma cicatriz que tenho, eu te falaria
“manda bala!”. Mas nã o pode, né?
O ruivo assentiu lentamente, franzindo a testa.
— Nã o é uma boa ideia. — Ele inclinou a cabeça, em dú vida. —
Onde?
Isso nã o revelaria muito, nã o é?
— Na parte interna do meu bíceps. — Bem, o que sobrou dele.
— É muito grande? — Blake perguntou, estreitando os olhos. Droga,
eu tinha esquecido como ele era observador.
— É.
Ele franziu os lá bios.
— É por isso que você está sempre usando mangas compridas?
Claro que ele ia notar. Claro. Quer dizer, eu era a ú nica pessoa em
quem eu conseguia pensar que usava roupas de manga longa. Claro que
a maior parte das roupas eram leves, mas o fato era que, no calor do
Texas, eu só poderia chamar totalmente a atençã o. Alguém com certeza
notaria em algum momento.
A maioria das garotas da minha idade tentava tirar a roupa em vez
de vestir mais. Essa parecia ser a histó ria da minha vida. Quando
algumas pessoas da minha idade estavam preocupadas com certas
coisas, eu estava presa enfrentando um tipo totalmente diferente de
monstro. Ah, enfim.
Eu queria tocar no meu braço, mas tive que lutar contra o impulso
para nã o chamar mais atençã o para ele.
— Sim. É bem grande.
Blake olhou para o braço errado antes de balançar a cabeça, sorrindo
um pouco.
— Garota, todos nó s temos coisas erradas na gente. Você vê essas
orelhas? — Ele apontou para as dele e, pela primeira vez, notei que
pareciam um pouco maiores do que deveriam para ter uma proporçã o
ideal. — O pessoal me chamava de Dumbo.
Magrã o bufou muito alto.
— Dá para ver por quê.
Dei uma cotovelada na cintura dele.
— Que maldade!
O ruivo deu de ombros.
— Eles me chamavam de Arroto de Fanta. — Ele fez uma pausa. —
Palito de Fó sforo. — Ele olhou para o teto como se estivesse pensando
profundamente. — Uma vez, uns merdinhas abaixaram minha calça na
aula de educaçã o física para ver se… — ele me lançou um olhar de
soslaio — … o carpete combinava com as cortinas.
— Putz… — Comecei a rir, incapaz de evitar.
Magrã o assentiu, sorrindo.
— Sério. Eu desabrochei tarde, entã o você pode imaginar.
Blake cobriu o rosto com as mã os, os ombros tremendo.
— Você tinha uma salsichinha, nã o tinha?
— Eu ainda nã o tinha entrado na puberdade!
— Ah, pode falar a verdade, isso aconteceu na semana passada, nã o
foi? — Blake bufou.
Por algum milagre, logo antes de eu cair de cara na mesa de tanto rir,
peguei Magrã o estendendo o dedo do meio na direçã o do careca.
— Vá se foder, Dumbo. Eu só estava tentando fazer a Iris se sentir
melhor. — Ele inclinou a cabeça para olhar para mim com uma
expressã o que mostrava como era difícil para ele segurar o riso. — Meu
mini ruivinho fez você se sentir melhor em relaçã o ao seu braço?
Eu nem sequer tive que pensar sobre isso antes de assentir. Durante
a maior parte da minha vida, minha mã e e minha yia-yia me disseram
que a imperfeiçã o me dava personalidade, que nã o era nada de mais. E
nã o era. De verdade. Era feia, mas consegui esconder o melhor que
pude porque, francamente, mais do que os olhares de nojo, as caras de
pena que eu recebia eram o que realmente me incomodavam.
A maioria das pessoas pensava que o câ ncer me transformava em
uma coisa fraca e defeituosa. A ú nica coisa que sacrifiquei ao longo da
jornada de quatro cirurgias foi a força física. Meu braço esquerdo nunca
seria tã o forte quanto o direito por razõ es ó bvias. Eu havia perdido a
maior parte do mú sculo ao longo de uma década. Mas era só isso. Os
médicos temiam que eu perdesse a mobilidade, mas, felizmente ―
felizmente ―, eu nã o havia perdido. O braço era apenas um pouco
menor e mais fraco. Grande coisa. Eu nã o poderia pedir mais quando o
prognó stico poderia ter sido tã o sombrio.
Eu nã o era feita de vidro. Fui saudável e forte durante toda a minha
vida, exceto naqueles está gios durante minha infâ ncia e adolescência.
Fui eu quem mantive minha família no prumo quando as coisas
degringolaram. Ninguém precisava se sentir mal por causa do meu
braço. Eu era mais forte do que isso.
E, naquele momento, percebi que eu havia me sentido mal por mim
mesma. Nã o precisava esconder o braço para saber do que eu era capaz,
de qual era a minha essência.
Porque, como Blake e Magrã o tentaram apontar, todos nó s tínhamos
nossas questõ es com o corpo. As orelhas de Blake nã o o tornavam
menos amigável ou criativo. O cabelo de Magrã o provavelmente era sua
marca registrada agora que ele nã o tinha que lidar com um bando de
idiotas imaturos.
Eu me senti… renovada e grata a eles.
Nã o pude deixar de sorrir para Magrã o.
— Você definitivamente conseguiu. — Eu ri. — Píppi Meialonga.
Para seu crédito, Magrã o esperou quase um minuto inteiro antes de
jogar o guardanapo enrolado na minha cara.
— Acho que gostava mais de você quando nã o falava.
Joguei o guardanapo de volta nele antes de recolher minhas sobras.
Abri a geladeira para guardar minhas coisas e vi as garrafas de Nesquik
de Dex bem alinhadas lá dentro. Pegando uma, pressionei o fundo frio
no pescoço de Magrã o enquanto passava por ele e seguia em direçã o à
frente do estú dio. A porta do escritó rio estava fechada e a sala privada
também.
Dex estava em sua estaçã o com um cliente quando passei. Ele olhou
para cima na hora certa, entã o levantei a garrafa e a balancei, falando
sem emitir som:
— Para você. — Inclinei a cabeça na direçã o da minha mesa e sorri
para ele.
O sorriso que apareceu em seu rosto antes que ele respondesse
“Obrigado” provocou um aperto no meu peito.
O que estava acontecendo comigo?

— Você vai aguentar todo o caminho até em casa? — Dex perguntou


enquanto saíamos da Pins, naquela noite.
As ú ltimas três horas tinham sido dolorosas para mim. Depois de
uma noite de sono tã o irregular no dia anterior, além das duas horas
que eu havia passado na academia quando Dex me deixara naquela
tarde, e depois o trabalho, tinham cobrado um preço do meu corpo. Me
peguei cochilando uma ou duas vezes em cima da mesa.
Balancei a cabeça para ele depois de me despedir de Blake.
— Sim, vou ficar bem. — Pelo menos eu esperava que sim.
Ele me deu um olhar cansado, como se nã o estivesse totalmente
convencido de que eu nã o cairia da moto no meio do caminho para sua
casa. Seria culpa dele. Depois que eu dissera naquela manhã que queria
nadar na academia, ele havia insistido em me levar lá e me buscar. Fazia
mais sentido para mim dirigir até lá e depois ir para o trabalho, mas o
homem era implacável.
Ele tinha “umas merdas” para fazer no Mayhem, como sempre.
Essa merda em questã o era o motivo de eu estar de volta em sua
moto, quase delirando de sono. Entã o eu culparia o fato de estar
delirando como justificativa para explicar como tinha acabado no
quarto dele minutos depois.
Sim, na cama dele.
Já tinha sido difícil manter os braços em volta dele para nã o cair da
moto. O corpo quente de Dex e o rugido entorpecentemente alto da
moto funcionavam como um potente sonífero. Foi apenas um medo
intenso de cair e ser atropelada que me manteve pendurada nele como
se minha vida dependesse disso. No momento em que ele estacionou na
frente de casa, meu cérebro parou de funcionar completamente. Nã o
havia nenhum carro para me atropelar na garagem dele, graças a Deus.
Lembro de Dex me puxando pela mã o, entrando na casa e passando
pela sala de estar antes de me empurrar depressa para seu quarto e
fechar a porta na minha cara com um insistente:
— Você fica com a cama esta noite.
Eu queria discutir com ele, juro que queria, mas quando pressionei a
mã o no canto do colchã o e percebi que era um daqueles de espuma da
Nasa, esse pensamento se foi. Apenas uma noite. Pelo menos foi o que
eu disse a mim mesma.
Arranquei quase todas as minhas roupas, enxaguei a boca no seu
banheiro, maior que o de hó spedes, e tropecei de volta para a cama
vestindo apenas a regata com a qual eu saíra de casa pela manhã e a
calcinha. Exatamente três segundos depois, eu estava morta para o
mundo. Fome nã o era nem um pontinho no meu radar ― nada era.
Até que a cama baixou atrá s de mim nã o muito depois de eu me
deitar.
— Dex? — perguntei em um sussurro sonolento. Eu estava tã o
cansada que, ainda que ele fosse um daqueles assassinos em série
mascarados sobre os quais ficava nervosa desde sempre, eu teria
permanecido na cama mesmo assim.
Algo tocou meu ombro. Uma voz rouca deu um suspiro sonolento.
— O sofá é uma merda, flor.
Mesmo estando muito cansada, eu sabia que havia algo de
completamente inapropriado em dormir na mesma cama que meu
chefe, a despeito do quanto ele fosse lindo e maravilhoso. E em quem eu
poderia ter um certo… nã o, eu nã o ia dizer que era um crush. Isso faria
eu me sentir como se tivesse dezesseis anos. Eu gostava dele, simples
assim. Como nã o ia gostar?
Eu nem tinha certeza se poderia, de fato, considerar Dex um amigo,
mesmo que quisesse justificar o que estava acontecendo ao dizer que
amigos podiam dormir juntos em camas. Precisei de todas as minhas
forças para nã o rolar de costas e inclinar a cabeça na direçã o de onde
ele havia deitado, do outro lado do colchã o.
Além das vezes em que tive que dividir a cama com Will quando
éramos crianças, e daquela vez em que fiquei de amassos com meu
namorado alguns anos atrá s, eu nunca tinha deitado na mesma cama
que outro cara. Deus, isso me fez sentir uma idiota.
Precisei de todos os resquícios de força de vontade que eu tinha
escondidos para me sentar completamente, bocejando como se fosse de
manhã , em vez de no meio da noite.
— Vou dormir no sofá , entã o — foi o que eu disse, embora tenha
certeza de que soou como uma versã o mutilada disso.
Sua mã o passou pela minha cintura em um movimento que eu sabia,
sem dú vida, que ele havia praticado muitas vezes na vida.
— Fique. A cama é grande o suficiente para nó s dois — foi sua
resposta desavergonhada.
Era verdade, mas ainda assim… Ele estava deitado bem no meio,
entã o isso destruía o propó sito do seu comentá rio.
Bocejei de novo.
— Nã o é uma boa ideia. — Mais uma vez, eu tinha certeza de que nã o
soava nada parecido em voz alta.
Dex resmungou, os dedos balançando na curva do meu quadril e
cintura.
— Deixe de frescura e durma, flor.
Se eu estivesse mais desperta, teria ficado ofendida por ele ter falado
que eu tinha frescura. Embora eu meio que tivesse.
Soltei um gemido.
— Dex.
— Flor, por favor. Volte a dormir. Aquele sofá é uma bosta do caralho
de desconfortável.
Que droga!
Ele soltou outro resmungo.
— Eu juro que nã o vou ficar passando a mã o em você nem nada, Ritz.
Esse aviso nã o fez exatamente eu me sentir melhor. Claro que nã o.
Eu era como sua… cachorrinha de estimaçã o ou algo assim.
— Consigo só dormir, eu juro — ele insistiu em um bocejo.
Ai… Dois pontos no placar para Dex nã o fazendo a Iris se sentir
melhor.
— Vai, flor. Eu prometo.
E era um colchã o da Nasa, caramba.
Eu era uma otá ria fraca. Eu sabia. Embora estivesse resmungando ao
me arrastar para debaixo das cobertas e rolar para longe de Dex, ainda
nã o achava que ficar no mesmo colchã o fosse uma boa ideia ― mas eu
fiquei, de um jeito ou de outro.
Acordar ao lado de Dex só podia ser a experiência mais estranha da
minha vida.
Mais estranha do que a vez que flagrei minha yia-yia sem roupa.
Porque nã o foi como se eu tivesse aberto os olhos e estivesse de
frente para a parede. Eu acordei deitada de bruços. Normal, né?
Com um cotovelo cravado no meu ombro e uma perna muito pesada
jogada sobre uma das minhas… nã o tã o normal assim.
Nã o que houvesse uma ereçã o pressionada em mim nem nada disso,
mas o contato corporal já era suficiente. Me endireitei o má ximo que
pude antes de tentar deslizar de debaixo de suas pernas e seus braços
que me prendiam ali. Mal consegui me afastar cinco centímetros e logo
a perna sobre mim me prendeu no lugar.
— O que está fazendo? — a voz incrivelmente rouca de Dex
perguntou.
Congelei.
— Tentando me levantar.
O peso da perna dele diminuiu conforme seu calcanhar deslizou do
meu tornozelo até o meu joelho. Ele devia estar dormindo de costas,
imaginei.
— Humm — ele resmungou. O cotovelo no meu ombro se afastou ao
mesmo tempo em que ouvi um bocejo. Seu pé se moveu de novo, e a
sola veio descansar na parte de trá s do meu joelho antes de deslizar
pela minha panturrilha. Cará coles, que sexy. — O que você está usando,
docinho?
Ahhh, droga.
— Nã o estou de calça — eu disse a ele, sem me mover um centímetro
enquanto seu pé quente voltava a se mover para cima sobre a minha
perna.
De repente, uma brisa fresca roçou minhas pernas e espiei por cima
do ombro para ver Dex segurando o lençol para cima, com a cabeça
inclinada conforme olhava lá embaixo.
Espere aí…
Bati o lençol para baixo com um tapa, meio que soltando um grito
agudo e, por alguma razã o desconhecida, meio que rindo.
— O que você pensa que está fazendo?
Das dez respostas diferentes que ele podia dar, Dex escolheu rir. Mas
nã o foi uma risada comum, foi o som mais leve e mais genuíno que já
ouvi sair dele.
— Dando uma olhada nessa bunda aí — respondeu, com toda
tranquilidade.
— Credo — resmunguei, virando de lado para dar as costas para ele.
Minha regata nã o cobria nada da parte de cima dos meus braços, entã o,
desde que os mantivesse colados para baixo, ele nã o conseguiria ver
nada. O que significava que eu precisaria parar de brincar com o
destino e dar o fora do quarto. — Como você é indecente, Dex.
— Quem disse? — respondeu ele, à s minhas costas. Eu podia ouvir
os lençó is farfalharem com o movimento dele.
Cara, eu quis responder, mas, sinceramente? O que me dava a ideia
de que Dex faria algo diferente do que ele queria? Ah, faça-me o favor.
Suspirei e me sentei na beirada da cama, de frente para a parede.
Minhas roupas estavam empilhadas no chã o e, com cuidado, deslizei a
calça pelas pernas sem precisar me levantar demais.
— Quer tomar banho antes de a gente ir? — A voz de Dex veio
carregada do outro lado do quarto.
Eu nã o tinha ideia do que ele estava fazendo. Conhecendo-o,
provavelmente nã o seria se vestindo. Tive a terrível sensaçã o de que ele
havia dormido só de cueca. Eu mal tinha sobrevivido quando o vi de
bermuda. Vê-lo só de roupa de baixo agora que percebia o que,
infelizmente, eu sentia por ele? Desastroso.
— Aonde a gente vai? — Era domingo e o estú dio estava fechado.
— Para a festa de aniversá rio da minha sobrinha. — Isso veio
quando ele abriu a porta do banheiro. — Preciso parar em algum lugar
para comprar um presente para ela, senã o vã o falar na minha cabeça
até cansar.
Olha, isso me fez rir. Dex Locke temendo a ira da sobrinha? A
verdade era que eu nã o tinha conhecido a família dele. Nã o conheceria
ninguém além dele na festa, e só de pensar nisso eu já ficava aflita.
Me inclinei para trá s para fechar a calça.
— Posso ficar aqui, se você nã o se importar.
O bufo dele foi distorcido pela distâ ncia.
— Eu quero que você vá .
Droga.
A sugestã o simplesmente meio que saiu.
— Tem certeza de que nã o pode levar uma outra pessoa que já
conhece a sua família? — A ruiva idiota pipocou na minha cabeça. Aff.
— Nã o — ele respondeu rá pido demais. — Você vai. Entã o pegue o
biquíni e o que mais precisar para ficar lá no lago, e a gente sai daqui a
uma hora.
Um biquíni? Na frente da família dele? Eu tinha acabado de aceitar
meu braço no dia anterior, mas isso nã o queria dizer que eu estava
pronta para que um monte de pessoas que eu nã o conhecia olhassem
esquisito para ele.
Merda.
— Certo. — Eu era tã o medrosa. Uma grandessíssima covarde.
Me levantei e vesti o cardigã por cima da regata, peguei as meias no
chã o e rodeei a cama. Dex estava parado no banheiro, com uma escova
de dente enfiada na boca e o rosto ainda sonolento demais.
E o filho da mã e cruel que tece o destino da vida das pessoas decidiu
que o homem bonito de cabelo preto e tatuagens vívidas por toda a
parte superior do corpo estaria de pé bem ali só de cueca boxer. A mã o
no quadril apenas acentuava as linhas de mú sculos bem-marcados por
baixo de todas as tatuagens. Maldito.
— Você viu meu cuts? — ele perguntou, a boca cheia de pasta de
dente.
Mas é claro que eu estava parada ali encarando Uriel, o polvo
amigável e vibrante que enroscava um tentá culo ao redor de um dos
piercings de mamilo de Dex.
Tossi, e arrastei o olhar para a barba por fazer.
— Oi?
— Meu cuts.
— O que é isso?
Ele abriu a boca, incrédulo.
— Meu cuts, flor. O colete do MC. Você viu?
A ruiva veio à minha memó ria. De novo. Tive que conter o impulso
de chamá -lo de idiota por me deixar sozinha nessa casa naquele dia.
Tenho certeza de que minhas narinas inflaram quando colei um sorriso
agradável no rosto. Me esqueci completamente de dizer a ele sobre
aquele colete no dia anterior, já que ele estava cheio de clientes.
— Está no estú dio. Sua amiga o deixou lá há uns dias.
Ele franziu a testa.
— Quem?
A quantas casas ele tinha ido naquela noite? Quer saber? Nã o quero
saber. Deus, de todas as pessoas em Austin… caramba, na Costa do
Golfo, das quais eu poderia vir a gostar, tinha que ser do Dex. Eu era
uma completa idiota.
— A ruiva. — Achei que disse de forma um pouco mais brusca que a
ideal. — Sky alguma coisa.
Os lá bios de Dex se viraram ligeiramente para baixo, a linha em sua
testa permanecendo bem onde estava.
— Quando?
— Naquele dia que você estava pretendendo arrancar meu couro. —
Eu devia ter olhado para o Uriel, nã o para os piercings de mamilo, de
novo.
Ele olhou para mim como se nã o acreditasse no que eu dizia.
— Por quê?
Por quê?
— Ela disse que você deixou na casa dela na noite anterior. — Droga,
meu tom pareceu mesmo um pouco atravessado demais para o meu
gosto.
Ao ouvir meu tom e as palavras que saíram da minha boca, Dex tirou
a escova de dentes e cuspiu na pia. Ele olhou para cima uma vez antes
de enxaguar a boca, erguendo uma sobrancelha na minha direçã o.
Devagar, ele se aprumou, e aqueles fuliginosos olhos cor de cobalto se
demoraram em mim por tempo demais para o meu conforto.
Ele estreitou os olhos.
— Por que parece que você está puta?
— Porque você me deixou sozinha aqui naquela noite toda —
respondi, só um pouco rá pido demais. Nã o foi porque ele tinha passado
a noite com uma ruiva bonita. Nã o, senhor. — Eu nã o parava de pensar
que alguém ia invadir a casa e me matar, já que estamos no meio do
nada.
— Eu nã o deixaria isso acontecer, Ritz.
Quase revirei os olhos. Como ele poderia ter impedido qualquer
coisa se nã o estava por aqui?
— Certo — eu disse, com um pouco mais de sarcasmo do que o
pretendido.
A linha do maxilar nã o barbeado de Dex se moveu.
— Eu nã o deixaria — insistiu ele.
— Certo — repeti. — Está tudo bem.
Pressenti que ele nã o acreditava em mim.
— Tem certeza?
Ainda assim, minha resposta, que consistiu em um aceno de cabeça,
foi instintiva demais. Eu queria bancar a indiferente, dar a entender que
estava tudo bem.
Dex manteve aquele olhar intenso em mim ao cruzar os braços com
tatuagens escuras à frente do peito, e mú sculos e cores saltaram com o
movimento. Ele me observava com atençã o, com atençã o até demais.
De repente, eu nã o queria mais estar parada na frente dele como se
estivesse esperando por um julgamento. Coloquei um pé para fora da
porta e revirei os olhos para mim mesma por ser tã o transparente.
— Seu coiso está na Pins, e eu vou tomar um banho bem rapidinho e
me vestir.
— Biquíni, Ritz! — ele gritou à s minhas costas.
Como se eu fosse esquecer.
A ú nica coisa boa em que eu conseguia pensar enquanto Dex
conduzia o meu carro pela estrada de terra que levava ao lago era que
eu estava extremamente grata por ter morado na Fló rida antes de ter
vindo para o Texas.
Cresci a uma distâ ncia curta da praia. Passei a maior parte da vida
bem ao lado do oceano. E quando você está completamente quebrado,
sempre pode ir à praia, porque é de graça. Entã o era inevitável eu ter
quase tantas roupas para á gua e areia quanto tinha para o dia a dia.
Especificamente trajes de banho que poderiam me cobrir.
Dex e eu tivemos que parar na casa do Sonny para eu pegar minhas
coisas, já que nã o havia levado para a casa dele nada que desse para ser
usado na á gua. Peguei uma saída de praia bem fina e de manga longa, e
short, para cobrir o biquíni azul-royal.
E, em algum lugar entre a casa do Sonny e a loja de brinquedos, bolei
uma estratégia para passar despercebida. Eu poderia simplesmente nã o
entrar na á gua ou apenas me certificar de que meus braços estivessem
cobertos o tempo todo. Eu só tinha feito isso umas poucas vezes quando
ia à praia na Fló rida, mas porque os estranhos que veriam minhas
cicatrizes eram apenas isto: pessoas que eu nunca mais veria na vida.
Mas o Dex? A família dele?
Era melhor deixar meu segredo guardado por enquanto.
— Relaxe — murmurou Dex, ao manobrar o carro em direçã o ao
grupo de veículos mais afastados da entrada do parque estadual.
— Estou de boa. — Mentira.
Ele riu baixinho, e virou o volante na primeira vaga que encontrou
perto dos carros da família dele.
— Flor, você está toda tensa. Pare de se preocupar. Minhas irmã s sã o
tranquilas, e minha mã e está me rodeando para te trazer desde que
descobriu que você trabalha para mim. — Ele me lançou um sorrisinho.
— Sua maior preocupaçã o é a Han nã o gostar do presente.
— Eu acho que você deveria se preocupar com a sua irmã quando ela
descobrir que você comprou um karaokê para ela. — Eu tinha escolhido
para Hannah, a sobrinha do Dex, um alarme com aquela personagem de
gatinha de que ela supostamente gostava. O marmanjã o tinha gastado
um rim em um karaokê rosa com dois microfones; ele jurou que ela ia
amar.
Se esse era o tipo de presente que ele comprava, ficava ó bvio que
esse homem nunca tinha passado mais do que umas poucas horas perto
de crianças.
— Ela nã o vai fazer porra nenhuma — ele murmurou, e acenou para
eu sair do carro.
Peguei as duas sacolas de presente no banco de trá s enquanto Dex
remexia no porta-malas, pegando as coisas que tinha jogado lá . Mesmo
que tivéssemos estacionado longe da á rea em que tinha mais carros e
motos, conforme notei um pouco depois, as risadas altas e os gritos das
crianças podiam ser ouvidos com bastante clareza.
Algo cutucou a lateral do meu corpo.
— Está pronta? — ele indagou, afastando o cotovelo das minhas
costelas. Ele havia trocado a camiseta azul-marinho e preta por uma
branca. Mas aquela droga de jeans claro que moldava sua bunda à
perfeiçã o nã o tinha sido substituído.
— Você trouxe traje de banho? — perguntei a ele, olhando para o
tênis que usava no lugar das botas.
— Nã o. — Ele deu outra cotovelada nas minhas costelas, e ergueu as
sobrancelhas muito pretas. — Vou ficar de babá .
— Você? Por quê?
Dex inclinou o queixo.
— Eu te trouxe comigo, nã o foi, flor?
Cretino.
— Aff. — Revirei os olhos e estendi a mã o para beliscar a parte de
trá s do braço dele. — Você sabe que me dá nos nervos, né?
Ele se esquivou e abriu um sorrisã o, todo dentes brancos, antes de
rir.
— Ninguém nunca tentou fazer essa merda comigo desde a época
em que eu fazia malcriaçã o para minha mã e.
— Já passou da hora, entã o — falei, mirando em seu braço de novo
antes de ele envolver a palma quente ao redor dos meus dedos.
Ele apertou de leve por um instante antes de largá -los, ainda
sorrindo.
— Vamos lá , sua merdinha.
Eu deveria ficar irritada por ele me chamar de merdinha, mas com
aquele sorrisã o e o rompante da gargalhada alta, eu meio que pensei
que ele estava usando como um apelido carinhoso. Ele soltou outra
gargalhada mais baixa e rouca, e me convenci completamente de que
era o jeito dele de me chamar… de quê? De qualquer coisa que você
chamaria um filhotinho de coelho.
— Quantos sobrinhos você tem?
— Lisa tem três meninas, e Marie tem uma menina e um menino.
Os barulhos do grupo perto da á rea arborizada diante de nó s
ficavam mais altos a cada passo que dávamos.
— Lisa é a mais velha?
Dex assentiu.
— Ela é a mã e da Hannah. — Ele estava se referindo à
aniversariante.
Tentei o meu melhor para me preparar psicologicamente para
encarar as três mulheres que tinham tudo para ser versõ es de Dex do
sexo feminino, e nã o consegui evitar me sentir um pouco intimidada.
Pelo que aprendi durante a estadia em Austin, provavelmente havia
uma boa chance de a mã e do Dex ter conhecido a minha quando ela
havia frequentado a faculdade aqui. Quem poderia dizer aonde tudo
aquilo ia parar? Se o pai dela era um dos doze membros originais do
Fá brica de Viú vas, entã o ela era mais envolvida no clube do que
qualquer outra pessoa.
Mais do que provavelmente, e também nã o ajudava nada o fato de o
merda do meu pai ter saído do Clube por causa da minha mã e.
Humm.
Aos poucos, o grupo foi aparecendo à vista. O que parecia ser duas
dú zias de adultos e pelo menos meia dú zia de crianças se misturavam
ao redor de quatro mesas de piquenique, enquanto uma coluna espessa
de fumaça espiralava ao fundo. Ao que tudo indicava, a maioria dos
homens usavam coletes do MCFV.
Sabe, além do Dex.
Meu estô mago nã o conseguiu deixar de revirar com a lembrança.
Quase nã o reconheci ninguém além de umas duas mulheres a quem
tinha sido apresentada no Mayhem algumas semanas antes, mas, nem
por nada nessa vida eu conseguia me lembrar do nome delas. Ninguém
reparou na gente conforme íamos em direçã o ao grupo, até que
paramos perto da mesa de piquenique mais afastada da beirada do
lago.
— Vou deixar nossas merdas aqui… — Dex começou a falar, e largou
as duas bolsas no banco.
— Já era hora — disse a voz de uma mulher, de repente. — A gente
estava te esperando para começar o churrasco, Dex.
Ah, caramba.
A mulher parada ao lado de Dex só podia ser a mã e dele. A cor do
cabelo, a mandíbula quadrada, a cor dos olhos… era tudo igual. Bem,
menos os seios e os fios grisalhos que salpicavam a cabeleira preto-
azulada. Ela até tinha o mesmo sorrisinho ao olhar para quem só podia
ser o seu filho.
— Nã o estou atrasado, mã e. — Dex confirmou minha desconfiança, e
se virou com um esgar em seus lá bios carnudos e rosados que
combinava com o dela. Ele estendeu os braços, e a mulher se aproximou
e deu um tapa nas suas costas, com força.
— Você nunca se atrasa. — Ela riu. Os olhos azul-escuros se
moveram do chã o e se fixaram em mim, parada bem ali. Os olhos dela
subiram, subiram e subiram antes de pararem no meu rosto, e ela fez
careta. — Minha nossa.
Eu queria dizer alguma coisa, mas fiquei quieta porque meu
estô mago revirou de nervoso. Por que nã o fiquei na casa dele?
— Você é igualzinha à Delia — falou a mulher, com a voz embargada.
Minha mã e? De repente, minha voz pareceu encontrar o caminho de
volta para a garganta.
— Oi, sra. Locke. — Merda. Eu esperava que ela ainda usasse o
sobrenome, ou eu ficaria em uma tremenda saia justa.
Antes de eu sequer perceber o que estava acontecendo, a sra. Locke,
eu esperava que esse fosse o nome dela, estava tirando Dex da frente
dela e vindo parar bem em frente a mim. Quase olho no olho, nã o
fossem pelos poucos centímetros que ela era maior que eu. As pontas
dos seus dedos se moveram pelo meu rosto, cutucando minhas
bochechas.
— Menina, você poderia se passar pela sua mã e — suspirou ela.
É claro, eu comecei a rir feito uma idiota, toda sobrecarregada pelo
nervosismo.
— Obrigada. A senhora é muito bonita. — Eu era patética, né?
Talvez nã o tanto, pois a sra. Locke riu bem na minha cara.
— Eu sei.
Santo Deus, a mulher era mesmo um Dex do sexo feminino.
Mas ela ficou séria com a mesma rapidez com que riu, e não. Eu
conhecia aquela expressã o. Sabia o que sairia da sua boca antes mesmo
que ela dissesse qualquer coisa.
— Sinto muito pela sua mã e — ela disse, baixinho. Aqueles olhos
azul-escuros ficaram tristes e intensos, e merda, merda, merda, fazia
um tempo pequeno demais que eu havia conversado com Sonny para já
voltar a pensar nela.
— Obrigada. — Consegui, de alguma forma, colocar para fora.
— Mã e, cadê a comida? — interrompeu Dex, grosseiro.
Aqueles olhos azul-cobalto estranhamente familiares se estreitaram
na direçã o do homem que me desequilibrava a metade do tempo. O que
saiu da boca dela me fez rir, porque eu nã o podia deixar de acreditar
que ela era um dos poucos escolhidos que podia falar com Dex de forma
tã o ríspida.
— Está na sua cara, seu merdinha.

— O que você está fazendo sozinha aqui? — perguntou a mã e de Dex


bem quando comecei a tirar a saída de banho.
Eu havia passado os ú ltimos vinte minutos sentada na beirada da
margem arenosa, observando o grupo de pequenos bá rbaros atirar
areia um no outro. Depois de passar a ú ltima hora sentada assistindo ao
grupo de pessoas que eu mal conhecia interagir, atingi meu limite. A
familiaridade deles e a facilidade um com o outro me deixaram
nostá lgica.
Nã o era comum eu ser impactada pelo quanto eu era uma pessoa
sozinha. Bem, pelo menos o quanto fiquei sozinha depois que Will foi
embora, mesmo enquanto eu morava com Lanie.
Antes disso, eu sempre tive alguém. Depois que a Imensa Decepçã o
tinha ido embora, ficamos minha mã e, Will, yia-yia e eu. Depois, todo
mundo começou a ser levado. Sempre fomos um grupo bastante unido.
Fazíamos tudo juntos. Fazíamos todo o possível uns pelos outros, pelo
bem da família.
E, agora, tudo o que eu tinha era o Sonny. Meu irmã o mais novo, o
mesmo irmã o por quem eu havia ralado pra caramba, nã o podia nem se
dar o trabalho de me mandar um e-mail.
Entã o, ficar perto da família do Dex, tanto a bioló gica quanto a do
moto clube, me fez lembrar da minha posiçã o de entremeio. Eu era, mas
nã o era um deles. Eu era, mas nã o era irmã do Sonny. Eu era, mas nã o
era um monte de coisas.
Depois de ser apresentada a uma prima da sra. Locke, ou Debra,
como ela me pediu que a chamasse, fui até o lugar em que as crianças
estavam, perto do lago. Percebi que era grosseria, mas eu só estava
triste demais por ficar perto de um grupo tã o unido, pelo menos por
ora.
Me fez desejar algo que eu nã o tinha certeza se algum dia teria de
novo.
— Eu só precisava de uma pausa. Estou com dor de cabeça — falei
para ela, antes de jogar a saída de praia sobre a toalha que eu havia
amontoado.
Ela abriu um sorriso triste, e tive que me perguntar se ela sabia que
eu estava mentindo. Era bem provável. Minha mã e sempre soube, e yia-
yia também. Devia ser algum instinto materno bizarro que dava a elas
detectores de mentira.
Avancei pela á gua turva e verde-amarronzada do lago, e lutei contra
o impulso de sentir nojo. Nã o havia como comparar com a á gua fresca e
salgada. A calma me fazia sentir falta das ondas e da maresia. A
temperatura ambiente era… estranha.
— Nã o consigo me acostumar com o quanto a droga dessa á gua
daqui é quente — disse ela, assim que estávamos imersas até a cintura.
Ao assentir para ela, eu precisava me certificar de manter o braço
ruim abaixado.
— É bem estranho mesmo. — Mais para nojento, mas nã o queria ser
grossa demais.
A mã e de Dex bufou.
— Todas as vezes que a gente vem aqui, preciso rezar para que a
á gua nã o esteja quente demais. Nã o estou nem um pouco a fim de
acabar pegando uma bactéria comedora de carne.
E eu parei de andar.
— Quê?
— Você nã o ouviu falar dos casos nos ú ltimos anos?
— Nã o… — Nossa, e comecei a recuar devagar.
Debra riu e acenou para eu avançar.
— Nã o esquente com isso. Lisa confirmou com o guarda florestal que
a temperatura da á gua nã o estava acima de vinte e seis graus antes de
virmos.
Eu ainda estava tentada a sair, mas nã o queria parecer um bebê
chorã o. Droga. Tipo, eu meio que gostava dos meus braços e das minhas
pernas.
— Confie em mim. — Ela bufou.
Nã o tive outra escolha senã o acreditar nela conforme nadávamos até
a doca flutuante que nã o ficava muito afastada dali. Fiquei um
pouquinho feliz por ela nã o estar a fim de conversar enquanto eu me
erguia para a beirada, e ela se movia pela á gua ali por perto. Minha
cabeça estava doendo, sim, mas eu sabia que era mais porque estava
um pouquinho decepcionada do que por qualquer outra coisa.
— Você já está bem de saú de agora?
A pergunta mais pareceu um soco no estô mago.
— Humm?
A cabeça da mulher apareceu a apenas três metros da doca, e ela a
inclinou para mim.
— Seu câ ncer. Está curado?
O sangue correu para o meu rosto como se estivesse tentando
escapar de um incêndio, e minha mente foi cambaleando junto. Nã o
deveria ficar surpresa por ela saber. Se eu separasse mais de dez
segundos para pensar na pergunta dela, provavelmente pensaria no
fato de que ela estivera envolvida com o Clube por tempo o bastante
para se lembrar de ouvir falar de mim quando eu era criança.
Mas responder à pergunta nã o parecia algo natural.
— Sim. Já faz quase seis anos que estou em remissã o.
— Que bom. — Ela abriu um sorriso largo, como se eu tivesse
acabado de lhe dizer que havia comprado um carro novo. — Ninguém
comentou nada, entã o imaginei que você deveria estar cem por cento
de novo.
— Estou bem. — Sorri também, até mesmo movi o braço um
pouquinho para que ela pudesse ver uma parte da cicatriz. Quando
tinha sido a ú ltima vez que eu a havia mostrado para alguém? Nã o
conseguia lembrar. — Obrigada por perguntar.
Debra piscou.
— Fico feliz por saber. Dex tem te tratado bem?
Bem, isso me fez bufar. Por que todo mundo sempre fazia uma
variaçã o diferente da mesma pergunta?
— Tirando os chiliques ocasionais, ele até que é bonzinho. — Fiquei
tentada a dizer muito bom comigo, mas, por sorte, consegui me refrear.
Soou meio indecente na minha cabeça.
E fiquei surpresa por ter me sentido decepcionada por nã o ser o
caso.
— Fico ainda mais feliz por saber disso. Eu amo aquele garoto… —
Como se Dex pudesse ser considerado um garoto. Ha. — Mas eu sei
como ele é. Sinto dizer, mas ele herdou o pavio curto de mim e do pai.
Como se responde a algo assim? Não tem problema? Não. De jeito
nenhum.
Felizmente, ela nã o esperava uma resposta.
— Ele praticamente herdou só isso do pai. — A risada constrita foi
tã o amarga que eu com certeza nã o soube o que falar depois disso.
Entendia o que ela quis dizer. Depois de Houston, eu tinha uma ideia de
como o pai dele era, e achava que Dex precisava ouvir aquilo mesmo
que a mã e nã o o visse da mesma forma.
— Mã e! — gritou alguém lá da margem.
Lisa, a irmã de Dex, estava de pé na margem, jogando toalhas para as
crianças ao redor dela.
— A comida está pronta! — ela gritou de novo, sem nem se
incomodar em olhar para cima.
Sem dizer nada em voz alta, nó s duas concordamos em sair da á gua.
Voltei a mergulhar e nadar devagar até a margem ao lado da mã e de
Dex. Eu teria apenas essa chance para dizer alguma coisa.
— Debra?
— Sim?
— Acho que Dex nã o sabe que eu estive doente, e ainda nã o contei
nada a ele. — Então, por favor, não diga nada, implorei com o olhar.
Ela nem hesitou ao responder, e assentiu imediatamente.
— Entendi. É assunto seu, meu bem.
Dei um sorriso enrijecido para ela, e também um breve aceno de
cabeça.
— Eu vou contar para ele, só nã o falei ainda.
— Tudo bem. — Ela inclinou o queixo um milímetro para baixo. —
Mas é melhor você dizer mesmo, assim que estiver preparada. Ele
nunca reagiu bem a surpresas, só para te avisar.
O aviso pareceu um mal pressá gio, mas o rosto dela era franco e
sincero. Falei algo para ela que nã o significava nada e que foi facilmente
esquecido.
Lisa ficou mais para o lado, conduzindo o grupo de crianças em
direçã o à s mesas de piquenique no terreno inclinado. A despeito de o
Locke mais velho saber ou nã o do meu câ ncer, preferi manter o braço
para baixo, bem junto ao corpo, enquanto ia em direçã o à minha toalha,
estendendo a mã o apenas para torcer meu cabelo molhado.
— A gente se encontra lá — disse Debra. Ela nã o havia trazido toalha
quando tinha vindo atrá s de mim, entã o imaginei que precisava pegar
uma. Além das crianças remanescentes e de Lisa, nã o havia mais
ninguém por ali. Nã o que eu culpasse as pessoas por evitarem o lago.
Bem quando estendi a mã o para pegar a toalha, aconteceu de eu
olhar na direçã o das mesas de piquenique. Vi que a maioria do grupo
estava de pé ao redor das duas mesas do meio. Mais ao lado dos de pé,
estava Dex.
Ele estava virado para mim, com as mã os enfiadas no bolso da frente
da calça jeans, e a expressã o facial neutra.
Mas ele… me encarava.
Pelo que pareceu um bom tempo, mas que provavelmente foram
apenas alguns segundos, eu o observei também, e entã o acenei. Ele nã o
retribuiu o cumprimento, mas nã o tinha problema. Ele permaneceu lá ,
completamente parado, observando.
Tudo bem. Peguei a toalha na areia e a sacudi antes de me secar. Me
enxuguei o má ximo possível, vesti a saída de praia de novo e o short.
Quando voltei a olhar para cima, Dex nã o estava mais lá . Graças a Deus.
Enfiei a toalha molhada debaixo do braço e fui caminhando devagar
em direçã o ao grupo. Havia tantas pessoas circulando por ali, tentando
pegar um pouco de tudo que estava servido, que nã o havia pressa para
se sentar. Havia muitos de nó s para caber ali, e já que eu era uma das
mais novas, além das crianças, e nã o era da família, imaginei que seria
uma das pessoas que acabaria comendo de pé, ou sentada no chã o.
— Mas que por… quer dizer, o que é isso? — Ouvi um dos caras do
Fá brica perguntar enquanto se debruçava na mesa, pegando algo que
eu nã o conseguia ver.
Marie, a outra irmã de Dex, que parecia uma réplica feminina do
irmã o, cutucou o homem.
— Hamburguer de feijã o preto.
— Hambú rguer de feijã o preto? — O tom dele era parte desgosto,
parte ultraje. — Quem é o filho da pu… de uma boa mã e que come isso?
Senhor. Fazia tempo que eu nã o ouvia isso.
— Iris nã o come carne — Marie respondeu para ele.
O motoqueiro fez pouco caso, rodeando a mesa segurando o prato no
alto. Eu estava mais para o lado, atrá s de um casal que reconhecia do
Mayhem, entã o sabia que ele nã o conseguia me ver. Ou talvez ele
simplesmente fosse uma daquelas pessoas que nã o dava a mínima.
— Quem nã o come carne? — Que pergunta mais idiota. — Deus nos
deu todos esses dentes para que pudéssemos comer hambú rgueres,
frango, carne. Nã o essas drogas de hambú rguer de feijã o preto.
O impulso de corrigir o homem de sua ignorâ ncia se enterrou na
minha garganta, mas já estava acostumada com isso. Estava
acostumada a ouvir pessoas dizerem coisas que estavam longe de
estarem certas. Tipo esse cara. Dane-se.
Mas, ao que parecia, só porque mantive a boca fechada nã o
significava que todo mundo faria igual.
— Que tal você só calar a boca, comer seus hambú rgueres e ficar de
olho no seu colesterol alto, Pete? Ela pode comer o que quiser sem
precisar ouvir você falar esse monte de merda.
Ah. Caramba. Era Dex. Dex que eu nã o tinha visto que estava sentado
à quarta mesa.
— Olha a boca! — vociferou Marie, sorrindo logo antes de se virar.
— Foi só um comentá rio. — O cara que eu imaginei ser Pete estava
com o rosto vermelho.
— Ninguém liga — Dex o cortou. — Ritz, venha comer.
E entã o, o desconforto imperou. O tal do Pete finalmente percebeu
que eu estava basicamente bem ao lado dele, mas teve a decência de
parecer um pouco envergonhado. Nã o muito, mas pouco era melhor
que nada.
Lancei um sorriso seco para ele, mas fui em direçã o à mesa e
comecei a fazer meu prato. Havia três hambú rgueres de feijã o preto
empilhados em um prato, e eu peguei um e o coloquei no pã o de
hambú rguer, adicionando mais algumas coisas dos vá rios pratos sobre
a mesa. Salada de maionese sem ovo, folhas de alface e abacaxi
grelhado.
Comecei a contornar as três pessoas que ainda estavam se servindo,
indo em direçã o ao trechinho de grama quase morta em que me
sentaria, mas uma mã o apareceu e agarrou a parte de trá s do meu
joelho nu.
— Sente aqui — disse para mim, com o tom baixo e suave que eu
tinha ouvido tanto ao longo das ú ltimas semanas.
Olhei para trá s, e vi Dex sentado de lado na ponta do banco. Suas
pernas estavam abertas, a comida dele à mesa, e embora tomasse um
pouco mais de espaço do que um homem do seu tamanho realmente
precisava, ainda nã o era o bastante para duas pessoas.
— Eu posso me sentar no chã o. — Sorri para ele.
Mas ele estava me observando com aqueles olhos intensos. Se
observar pudesse ser considerado algo simples quando parecia haver
um milhã o de coisas diferentes circulando pela cabeça dele. Dex estava
encarando, e eu nã o entendia a razã o. Ele já tinha olhado para mim
daquele jeito algumas vezes, mas dessa vez era diferente. Era como se
ele tivesse multiplicado o olhar por cem. Quando seus olhos desceram
para o meu peito, ao qual, infelizmente, minha saída se agarrava ao
biquíni molhado, engoli em seco.
— Eu abri espaço. — Ele voltou a olhar para mim. — Sente.
Ah, Minha Nossa Senhora.
Ele nã o deixaria para lá , e acho que eu nã o queria muito me sentar
na grama, porque suspirei. Em seguida, pus meu prato bem ao lado do
dele. A ú nica forma de caber sem ficar com meia banda da bunda para
fora era sentar de lado também.
Minha bunda, é claro, se aconchegou com segurança entre as coxas
de Dex, com nossos quadríceps alinhados.
Estávamos sentados perto demais. Se eu relaxasse, minhas costas
encostariam no peito dele. Tenho certeza de que, se respirasse fundo,
eu o tocaria dessa forma também. O tecido da calça dele que
praticamente estava abraçando minhas coxas nuas quase me fez emitir
um barulhinho.
Era demais.
Respirei um pouco fundo demais e minhas escá pulas tocaram o
peitoral de Dex. Droga.
Você consegue, Ris. Você consegue se sentar com um homem desses. É
só o Dex.
Mas esse era o problema… era o Dex.
Juro pela minha vida que os quadris dele se moveram um centímetro
para frente. Mas um centímetro era um centímetro que fazia a costura
da calça dele, onde ficava sua virilha, encostar ligeiramente no meu
traseiro.
Estremeci.
Quando olhei para trá s ao pegar meu hambú rguer de feijã o preto, o
rosto dele estava bem ali. E a expressã o estava fechada… tã o, tã o
fechada.
Nervosa, sorri para ele, mas Dex nã o correspondeu.
Ele me encarava, sua comida intocada, e eu nã o fazia ideia do que
estava se passando com ele.
— Você quer que eu saia? — sussurrei. Eu podia ver a mã e dele nos
observando do outro lado da mesa. Ela nã o tentava nem disfarçar que
estava prestando atençã o em nó s.
Ele continuou sem dizer nada.
Tudo bem.
— Charlie — sussurrei de novo, com a voz cantada, tentando chamar
a atençã o dele para longe do pensamento em que estava perdido.
Ainda assim, nada.
Certo. A mã e dele ainda nos encarava, e comecei a me sentir
incomodada de novo.
Tentei me levantar. Minha bunda talvez estivesse a apenas um
centímetro do banco quando a mã o quente dele pousou na parte
externa da minha coxa; o polegar, na interna, e todos os quatro dedos
longos se curvaram na minha perna, e ele me puxou de volta para baixo
com cuidado.
— Pode ficar aqui. — A voz dele estava baixa demais.
Por fim, consegui assentir e me obriguei a morder o hambú rguer de
feijã o preto para me dar algo diferente para fazer além de olhar para
ele, ou me concentrar no calor do seu corpo.
Porque, para ser sincera, meu estô mago estava dando cambalhotas
por causa da nossa proximidade. Por causa da sensaçã o daquele corpo
longo e musculoso praticamente envolvendo o meu. Santa Mã e de Deus.
Tipo, a gente tinha ficado bem perto um do outro quando ele me
abraçara naquela noite, mas isso aqui era outra histó ria.
— Entã o, Iris, o que seu irmã o mais novo anda fazendo? —
perguntou a mã e de Dex, de forma abrupta.
— Ele está no exército, no Japã o.
Ela ergueu as sobrancelhas.
— Japã o? Que chique. Tem planos de ir visitar?
— Ainda nã o. — Principalmente porque eu nã o conseguia nem falar
com ele por telefone. — Espero que em breve.
— Você deveria, a vida é curta. — Debra deu uma piscadinha.
Sorri para ela e assenti.
— Eu deveria começar a economizar para comprar a passagem.
Uma das mulheres que eu reconhecia do Mayhem soltou um muxoxo.
— Gata, é só encontrar um sugar daddy para pagar para você.
Dex tinha acabado de grunhir?
— Bonita como você é, aposto que encontra um assim ó . — Ela
estalou os dedos.
Debra soltou uma gargalhada sinistramente parecida com a do filho.
— Nã o dê ouvidos a ela. Ela sempre tenta convencer todo mundo a
encontrar um sugar daddy.
— É verdade — a irmã de Dex entrou no assunto. — Mas se você der
ouvidos à minha mã e, ela vai te arranjar um homem legal que gosta de
você, e que tem nome limpo e emprego fixo.
Debra assentiu, animada, e apontou para dois homens que estavam
de pé.
— É , e vocês me ouviram. Viu como meus conselhos funcionaram
bem para vocês?
A mulher do Mayhem riu sem humor, e virou o olhar para mim.
— Ainda acho que você deveria procurar um sugar daddy.
— Dá para você parar? — Debra bufou.
Algo traçou a curva do meu ombro, afastando minha atençã o das
mulheres.
— Ignore todas elas. — Era a ponta do dedo do Dex passando pela
alça do meu biquíni. — Gostei do seu biquíni. — Ele traçou uma linha
pela minha escá pula.
E, em seguida, avançou mais um centímetro para a frente,
aproximando a parte inferior do corpo ainda mais da minha. Os dedos
na minha perna se apertaram, e suas coxas se fecharam nas minhas.
Aquilo era um grunhido?
O dedo dele subiu e desceu em linha reta, bem devagar, e meu
estô mago se agitou ao reconhecer o toque.
— Coma, flor — ele murmurou.
Ah, caramba. Eu ainda segurava o hambú rguer a meio caminho da
boca depois da ú ltima mordida. Olhei para ele pelo canto do olho e
sorri.
Devo ter dado três mastigadas antes de dois pensamentos me
atingirem ao mesmo tempo. Eu estava comendo hambú rguer de feijã o
preto porque as irmã s dele tinham descoberto que eu era vegetariana.
E a mã o de Dex ainda estava na minha coxa.
— Você é meio nerd.
Me remexi no sofá , afundando mais minhas pernas cruzadas para um
lado para olhar melhor para Dex. Ele estava sentado do outro lado
usando aquela bermuda folgada de basquete, com uma perna
estendida, de modo que o pé descalço estava a poucos centímetros de
cutucar meu joelho. O outro pé estava em uma posiçã o perpendicular, e
havia uma garrafa de á gua espremida entre ele e o sofá .
Eu já mencionei o quanto os pés de Dex eram atraentes?
Talvez eu estivesse esperando encontrar frieiras ou alguma infecçã o
séria causada por fungo e unhas grandes demais para explicar a razã o
para eu ter sido tã o arrebatada pelo pé longo e as unhas muito bem
aparadas. Até mesmo a droga do pé grego, com o segundo dedo maior
que o dedã o, era meio que cativante.
O que havia de errado comigo?
Tudo. Essa era a verdade.
Depois de uma longa tarde no lago, ao sol, eu nã o tinha dú vida de
que meu cabelo estava todo bagunçado e que talvez meu nariz estivesse
ligeiramente queimado. Tínhamos ido embora depois que Hannah abriu
os presentes, entã o nó s dois havíamos abraçado a mã e dele ao nos
despedirmos, e eu só acenei para as irmã s dele e os outros membros do
Clube. Nenhum de nó s falou muito depois de comer, e por comer quero
dizer mastigar sem prestar muita atençã o enquanto eu encarava os
dedos tatuados na minha coxa o tempo todo.
— Nã o sei se foi um elogio ou um insulto — respondi.
Ele jogou a cabeça para trá s. É , ele era atraente, com certeza. Gostoso
pra caramba, nível um milhã o de atratividade.
— Flor, você frequenta a biblioteca, lê romances com um sorriso
enorme pra caralho. Você ainda diz “bacana”, e eu acabei de te ouvir
recitar cada fala do filme.
— O filme é bom — tentei justificar. Eu tinha visto todos os filmes do
menino bruxo pelo menos umas três vezes.
Dex sorriu. Havia um quê de presunçã o no seu olhar atento e sexy.
— Caralho, flor, você é a nerd mais fofa que eu já conheci.
Meu peito fez um negó cio… nã o sei nem como descrever, foi meio
como uma convulsã o… por um á timo de segundo antes de eu esmagar a
sensaçã o. O terreno da fofurice era um lugar em que eu nã o queria
pisar. Nã o, senhor. De jeito nenhum.
— Você gosta daquela série Firefly. É bem nerd. — Eu havia
descoberto essa depois de dar uma olhada nos DVDs dele enquanto ele
preparava tacos. Outra anomalia gigantesca na armadura dele. Assim,
sério? Ele parecia ter o perfil de quem tentaria dar uma surra nos
adolescentes nerds que gostavam desse tipo de série.
— É boa. — Ele deu de ombros. — Mas você ainda é um pouquinho
boboca.
— Você tem o escudo do Capitã o América tatuado no peito. — Ele
nã o precisava saber que, na verdade, eu achava aquilo incrivelmente
sexy. Dei uma piscadinha debochada para ele. — Entã o você ganhou.
Ai, putz. Eu estava dando mole para ele, nã o estava?
— Ele é do caralho — respondeu Dex, sem rodeios, nem aí para as
minhas declaraçõ es da sua nerdice e do olhar sonhador que eu temia
ter se afunilado direto para o meu coraçã o, e rosto, infelizmente.
Eu nem estava falando nada sério, mas nã o ia desistir sem pelo
menos lutar.
— Daqui a pouco você vai me dizer que tem coleçã o de revistas em
quadrinhos.
— Eu tenho. — Sem nem hesitar, ele curvou o polegar e o apontou
para a esquerda. — No quarto de hó spedes.
Ele estava de sacanagem?
— Você nã o está falando sério.
Dex balançou a cabeça, devolvendo meu sorriso de antes. Quando
esse homem estava de bom humor… Deus. Era injusto. Total e
completamente injusto estar perto dele.
— Quer ver?
E foi essa a pergunta que me fez entrar no quarto de hó spedes
subutilizado minutos depois.
Eu já tinha lido muitos livros em que homens tinham um quarto
secreto que servia como sala de jogos para perversõ es, ou, caramba,
uma sala de comando para algum tipo de sociedade secreta. Entã o,
quando Dex abriu a porta do quarto que eu ainda nã o tinha visto, nã o
foi nada do que eu esperava.
Havia lâ mpadas branquíssimas e reluzentes no ventilador de teto,
abajures nos dois cantos do cô modo que inundavam o espaço com luz.
Uma mesa de desenho muito parecida com a que ficava nos fundos da
Pins estava encostada na parede com as janelas. Havia imensas estantes
cheias de livros e revistas em quadrinhos envoltas no plá stico
imaculado. Action figures retrô estavam nas prateleiras que enchiam
todas as paredes em que nã o havia pô steres ou mais desenhos
emoldurados. Desenhos que pareciam ter o estilo rú stico de Dex em
carvã o.
A moldura mais pró xima de mim parecia abrigar o original de um
super-heró i sombrio. Uma capa preta ondeava atrá s de um homem
enorme e musculoso com olhos que pareciam assombrados.
— Foi você que fez? — perguntei a ele.
— Uhummm — ele respondeu, logo antes de eu sentir o
comprimento quente do seu corpo atrá s do meu. — É um dos meus
desenhos mais antigos.
— É tã o bonito — falei, com sinceridade, admirando o movimento
das linhas grossas ao redor do personagem. Eu queria me virar, mas ele
estava perto demais, era mais fá cil me fingir de morta do que encarar
Dex Locke. — Você deveria lançar a sua pró pria revista em quadrinhos.
— Obrigado, flor. — Ele fez uma pausa. — Era o que eu queria
quando era mais novo, mas… as merdas nem sempre funcionam como a
gente quer, sabe? — Nã o havia palavras mais verdadeiras que
pudessem ser ditas de modo que eu entendesse completamente.
— Ah, eu sei. — Suspirei. — Coisas acontecem.
— Um monte de merda acontece. — Ele soltou um riso pessimista.
Tentei olhar para ele pelo canto do olho, mas nã o consegui.
— E aqui está você, um homem de negó cios bem-sucedido.
Dex fez um ruído pelo nariz, mas nã o foi bem por ter achado graça.
— Se meu agente de condicional do reformató rio pudesse me ver
agora.
— Você também se meteu em problemas quando era mais novo? —
Nã o sei por que perguntei. Como muitas outras coisas, esse era o Dex.
Fazia mais sentido do que o contrá rio.
— Mas é claro. Passei seis meses no centro de reintegraçã o quando
eu tinha dezessete anos. — Ele pareceu um pouco orgulhoso demais
daquilo.
Sorri, mesmo ele nã o podendo ver.
— Por qual motivo?
— O que você acha?
— Atravessar fora da faixa? — Eu ri.
— Nã o.
Virei a cabeça para olhar para ele por cima do ombro.
— Atentado ao pudor?
Ele só me encarou pelo momento mais longo da histó ria das
respostas. Quando eu ri baixinho, ele piscou, e um dos lados da sua
boca se curvou para cima bem de leve.
— Acho que nunca permiti que ninguém debochasse tanto de mim
como você.
— Obrigada?
Ele grunhiu.
— Ok, nã o foi por prostituiçã o homossexual. O que foi, entã o? Estava
dando um sacode nos calouros na escola? — Eu nã o fazia ideia mesmo.
Nã o ficaria surpresa se descobrisse que ele havia trocado socos com
algum professor.
O outro lado da boca se curvou bem para cima logo antes de ele
bufar, o som tã o perto da minha orelha que consegui sentir o calor dos
seus lá bios e da sua pele.
— Pichaçã o.
— Ah. — O adolescente pichador virou tatuador? Perfeito. Enquanto
eu fazia as contas mentalmente, percebi que as merdas com o pai dele
deviam ter sido logo depois de ele ter se metido em encrenca. — E
depois?
Ele deu de ombros.
— Nada de mais. Eu ainda era um merda quando saí.
Como se aquele ainda nã o fosse o caso. Ha.
— Eu me meti em encrenca de novo logo que saí. Foi por isso que
acabei com a pena de cinco anos completos aqui no condado.
E em algum momento entre esse período, o pau nascido torto tinha
se endireitado, mas tinha sido um pouco tarde demais. De pichaçã o a
agressã o. Eu nã o poderia me sentir atraída por um homem que tinha
sido preso por sonegaçã o fiscal? E quando parei para pensar nisso,
pareceu patético de verdade. Quem ia querer gostar de um cara assim?
— O lado bom é que esse seu traseiro gigantesco nã o se meteu em
encrenca de novo, e agora você nã o está descaracterizando prédios
pú blicos por aí. — E ao dizer isso, ergui rapidamente as sobrancelhas.
Eu poderia dizer que ele estava de bom humor, dada a conversa.
— Achei uma tela melhor, como você sabe. — Ele tocou com o
indicador as costas da mã o que eu tinha afastado da lateral do corpo. —
Uma permanente.
Minha nossa. De repente, senti que nã o conseguia respirar fundo.
Precisei me conformar com um sorriso trêmulo por causa daquele leve
contato físico.
— E tudo começou por causa das revistas em quadrinhos.
Ele moveu a mã o para estendê-la e colocá -la na lateral da moldura,
me prendendo de um lado.
— Se nã o fosse por toda essa merda, eu nã o teria porra nenhuma.
O que era verdade. O que mais ele teria feito se os quadrinhos nã o o
tivessem seduzido para a arte? Tinha sido o que trouxera o dom dele à
vida, imaginei.
— Queria ter, para qualquer coisa, metade do talento que você tem
para a arte. — Suspirei. — Mas nã o sou boa em nada.
Duas mã os se apoiaram nos meus ombros.
— Tenho certeza de que você é boa em alguma coisa, flor.
Ri sem humor.
— Em nada de ú til.
— Flor. — Ele falou o apelido em um tom arrastado, parte
repreensã o, parte suspiro.
— Está tudo bem. Nã o é tarde demais para aprender a ser boa em
alguma coisa, nã o é?
O calor nas minhas costas se intensificou quando ele deu um passo
para mais perto de mim, os dedos longos cravados na minha carne.
— Eu tinha a sua idade quando saí da cadeia, Ritz. Você tem tempo
para pensar nessas merdas. — Ele nã o disse mais nada depois desse
breve discurso encorajador. Só ficou parado ali, massageando meus
ombros por um bom tempo até que deu um aperto forte neles e se
afastou. — Me deixe te mostrar uma coisa.
Sacudi a bruma sonhadora em que suas mã os me lançaram e tentei
me concentrar em algo que nã o fosse aquela atraçã o surgida do nada.
Enquanto eu olhava para as prateleiras enormes que abrigavam os
action figures ainda na caixa, Dex abriu a porta barulhenta de um
armá rio.
— Aqui está — murmurou, jogando uma tampa de papelã o no chã o.
Ele sorriu para mim ao estender uma revista em quadrinhos que nã o
reconheci, mal contendo a animaçã o que vibrava pelos seus ossos. —
Olhe, essa foi a primeira que minha mã e me comprou.
Peguei o que ele me ofereceu com o maior sorriso que consegui abrir
quando ele sorriu para mim como se tivesse ganhado na loteria.
E foi aquele sorriso que me deixou colada no chã o ao lado dele por
uma hora, repassando a impressionante coleçã o de quadrinhos que Dex
explicou que havia reunido desde o início da adolescência. Ele era tã o
meticuloso com cada item que me mostrava, tã o sério ao explicar as
ediçõ es e o valor delas, que engoli tudo como a mulher faminta que
estava ali no chã o com ele.
Ele me contou algo especial sobre cada revistinha, e em seguida
perguntava algo sobre mim, como se fosse algo que ele só considerasse
depois. De qual filme de super-heró i eu mais gostava. Se eu gostava de
As tartarugas ninja quando era criança. Quem era o meu X-Men
preferido.
Nunca na vida eu teria esperado que Dex sequer tivesse um X-Men
ou uma Tartaruga Ninja preferida, muito menos que fosse se importar
qual eram os meus.
— O que seus amigos acham de tudo isso? — perguntei.
Ele me olhou dentro do olho.
— Nã o estou nem aí para o que os outros pensam. — Em seguida, fez
uma pausa e moveu a bochecha para cima, como se tivesse se
arrependido das palavras que havia usado. — Mas só Shane viu tudo
isso. Acho que Sonny e Trip se lembram de que eu gostava de
quadrinhos quando a gente era mais novo… é a ú nica coisa minha que
nã o tenho que dividir com ninguém.
Deus. Onde estava Dex, o Babaca, quando eu precisava dele para me
manter longe desse monstro encantador?
Engoli o cansaço e olhei as outras caixas que ele tinha no armá rio.
Quando comecei a bocejar a cada poucos minutos, ele se inclinou
para trá s, com as mã os apoiadas perto da bunda.
— Quer a cama?
Balancei a cabeça.
— Vou ficar no sofá mesmo.
— Nã o vou perguntar duas vezes — ele me avisou, sorrindo com
cansaço.
— Obrigada, mas vou sobreviver. — Eu provavelmente nã o
sobreviveria a passar outra noite na mesma cama que ele depois do dia
que tivemos juntos. Especificamente depois de eu ter ficado íntima com
o toque quente e forte de que ele era capaz. — Preciso me acostumar a
dormir no sofá de novo se eu for tentar arranjar um lugar para morar
no futuro.
Eu vinha pensando muito na minha situaçã o financeira, quando nã o
estava pensando em toda a merda com o meu pai. Embora gostasse de
morar com Sonny, nã o queria me aproveitar dele. Ele nunca me
expulsaria de lá , mas eu nã o queria bancar a parasita. Já estava velha
demais para isso. E, mais importante, nã o queria que algum dia ele
pensasse que eu tinha me aproveitado dele. Ele já tinha feito mais do
que o suficiente por mim.
Entã o eu precisaria me mudar de lá em algum momento em um
futuro meio que distante. Havia economizado quase meu salá rio todo,
gastado só com gasolina, minhas contas médicas na Fló rida e outras
coisinhas, mas ainda nã o tinha o bastante para pagar o primeiro mês de
aluguel e dar a cauçã o, nem mesmo em um apartamento baratíssimo, e
ainda sobrar dinheiro para os mó veis. O que significava que
provavelmente eu investiria em um sofá quando arranjasse minha
pró pria casa, e dormiria nele até poder comprar uma cama.
E ainda havia a oportunidade de voltar a estudar. Mas esse era um
dinheiro que eu também nã o tinha, droga. Por que nã o podia dar em
á rvore?
Dex fez careta para mim.
— Por quê?
— Nã o posso morar com o Sonny para sempre. — Pisquei para ele.
A careta se aprofundou ainda mais.
— Você nã o pode morar sozinha.
— Posso, sim.
— Nã o, você nã o pode — rebateu ele, mordaz.
Dai-me paciência, Senhor.
— Eu posso morar sozinha.
Nã o houve hesitaçã o nenhuma na sua voz quando ele rosnou:
— Mas nem fodendo.
— Dex. — Olhei feio para ele. — Você já sabe que eu e meu irmã o
moramos sozinhos por um bom tempo, e depois passei um ano com
uma colega. Nã o sou uma criancinha, e nã o sou idiota. Posso morar
sozinha.
Ele abriu a boca, e os coitados dos meus olhos foram direto para
aqueles lá bios rosados. Entã o a fechou tã o rá pido que, se eu nã o
estivesse olhando, nem teria percebido que ele a havia aberto. Aquele
olhar varreu o meu rosto, e perfurou direto nos meus olhos no que eu
nã o poderia interpretar com outra coisa senã o um ato de dominaçã o.
E, é claro, quando ele se recusou a quebrar o contato visual, eu tive
que aceitar que aquela nã o era uma batalha que eu ia vencer. Mas,
mesmo assim, ele nã o tinha o direito de dar opiniã o em nada do que eu
fazia, e nã o era como se eu fosse me mudar para algum lugar em breve.
Estendi a mã o e cutuquei seu ombro com o indicador.
— Relaxe. De qualquer forma, ainda nã o tenho dinheiro suficiente. E
se eu for voltar a estudar, vai levar ainda mais tempo.
O cretino presunçoso abriu um sorriso lento. À quela altura, eu já
deveria saber que aquele sorriso lento dele nã o era um bom sinal.

Dois dias depois, no meio da minha hora de almoço, descobri por


que Dex tinha sido um babaca astuto no quarto de hó spedes.
O envelope grosso deslizou devagar pelo balcã o, empurrado por dois
dedos tatuados que reconheci só pelo comprimento.
Austin Community College: Grade Curricular do Segundo Semestre
— Você vai encontrar aí as informaçõ es sobre certificados, diplomas
e essas merdas que você vai poder tirar com eles — explicou a voz
rouca de Dex. — As aulas começam no mês que vem. Eu te ajudo a
pagar, se você quiser, sabia? Pode ir de manhã , antes de abrirmos o
estú dio.
Eu nã o sabia se olhava o conteú do do envelope bem ao lado da
salada de feijã o que eu havia trazido da casa de Dex, ou se olhava para o
homem em pessoa.
O rosto de Dex venceu.
Mas eu nã o conseguia encontrar meu vocabulá rio em lugar nenhum,
o que deve tê-lo feito se sentir estranho, porque continuou falando.
— Eu sei que você disse que achava que nã o era boa em nada, mas
tenho certeza de que você pode escolher alguma coisa, flor. Você é
inteligente.
Minha boca abriu e fechou pelo menos duas vezes antes de a minha
garganta decidir trabalhar.
— Você foi e pegou isso aqui para mim?
Ele deu de ombros, desconfortável. Desconfortável! O Dex!
— Pedi a um dos caras que querem entrar no Clube para pegar.
Por tudo o que me importava, ele poderia ter delegado a tarefa ao
Papai Noel. O que importava, porque na vida há tã o poucas coisas que
realmente importam, era que ele tinha me escutado. Que ele nã o tinha
só ouvido as palavras “nã o sou boa em nada”, mas tudo o que eu tinha
dito depois disso.
— Por que você está fazendo careta?
— Nã o estou fazendo careta. — Fazendo beicinho, talvez.
— Parece que você está fazendo careta.
— Juro que nã o estou. — Meus olhos estavam ardendo. — Só estou
feliz.
Ele estreitou aqueles olhos impossivelmente azuis.
— Entrou alguma coisa no seu olho?
Funguei.
— É alergia. — Como se eu fosse dizer que ele ia me fazer chorar.
De todas as coisas que Dex poderia ter me dado, a ú ltima que eu
teria esperado era a grade curricular da faculdade local e ele se oferecer
para me ajudar. Nã o que eu fosse pedir para ele pagar por elas, eu nã o
pediria. Mas era a intençã o. A droga da intençã o que valia dez vezes o
seu peso em ouro.
Como nã o gostar desse homem? Esse imbecil mandã o que tinha me
ouvido?
— Dex. — O nome saiu da minha boca como se fosse um suspiro.
— Mas que porra, Ritz? Você está chorando? Pensei que fosse ficar
feliz — ele disse, e logo se ajoelhou bem ao lado da minha cadeira. Ele a
puxou pelas pernas em sua direçã o, fazendo um som de arrastar
terrível no piso.
Sem pensar duas vezes, porque eu estava tomada demais pelo gesto
dele, joguei os braços ao redor do seu pescoço e pressionei o nariz em
seu pescoço.
— Por que você nã o é legal assim o tempo todo? — perguntei, mas
foi tã o abafado que nã o sei se ele entendeu.
Dois braços me envolveram, me puxando toda para ele. A prova do
quanto eu estava desconcentrada era que nem consegui desfrutar do
contato que ele estava me proporcionando. Nem consegui pensar no
que significava um gesto daqueles vindo de um cara como Dex.
— Parece bem chato para mim. — A mã o grande segurou minha
nuca. — E ninguém me abraça desse jeito a nã o ser você.
A â nsia de me jogar no chã o, arrancar meu coraçã o do peito e
estendê-lo como se fosse uma oferenda sagrada foi esmagadora. Leve!
Leve tudo o que é meu!, eu diria aos berros.
Em vez disso, só fiquei sentada lá com os braços dele ao meu redor,
respirando aquele cheiro sexy de Dex. Eu o apertei com mais força
ainda, sabendo que deveria me afastar.
Mas eu nã o conseguia. Nã o agora que meu rosto estava enterrado no
aroma mais gostoso do mundo. Nã o quando eu estava confusa por
causa do homem que havia me defendido, dormido comigo e me trazido
um panfleto da faculdade. O mesmo homem que era o cara mais bonito
do mundo.
— Vai ser nosso segredo, entã o?
O peito dele estufou junto ao meu.
— Vai, flor, vai, sim.
— Tudo bem. — Eu me inclinei para trá s e sorri para ele. — Nã o vou
contar para ninguém.
— Melhor nã o contar mesmo.
Bufei bem quando uma emoçã o incrivelmente tenra inundou meu
peito. E causou uma vontade incontrolável… precisei fechar os olhos ao
me inclinar para a frente e dar um beijinho na bochecha barbada de
Dex.
— Tudo bem.
Havia vezes em que me perguntava se eu tinha perdido grande parte
do meu bom senso no momento em que atravessei os limites de Austin.
Vá rias vezes, na verdade.
E um desses momentos era agora.
Quem em sã consciência diria nã o para sair com um cara bonito que
por acaso também era muito legal? O cara era um dos clientes assíduos
de Blake. Um programador que, aos poucos, estava tatuando o braço
todo. Eu o tinha conhecido na minha primeira semana ali no estú dio.
Mas, bom, sério, quem em posse de todas as faculdades mentais faria
algo assim?
Eu, era o que eu esperava.
— Só um. — Trey, que era alto, quase tanto quanto Dex, a pessoa
mais alta que eu conhecia, tinha um tom muito bonito de cabelo
castanho cortado bem rente. Eu mencionei que ele era uma gracinha?
Um encontro, só para ver qual é, ele tinha dito um minuto antes.
Minha resposta foi corar e sorrir feito uma boba. Quando tinha sido a
ú ltima vez que alguém tinha me chamado para sair e estava falando
sério? Fazia uns quatro anos?
— A gente faz o que você quiser — continuou ele.
— Nã o acho que tenho autorizaçã o para sair com clientes — disse,
com sinceridade. Embora eu nã o tenha visto isso escrito em lugar
nenhum, me pareceu ser algo de se esperar no manual de etiqueta para
funcioná rios.
Alguém atrá s de mim, Blake, riu alto. Todos esses caras eram
inacreditavelmente enxeridos. Eles tinham habilidades de escuta sobre-
humanas quando estavam ocupados, mas quando nã o estavam
ocupados e um cliente entrava perguntando sobre alguma tatuagem
qualquer, tipo a garota que veio pedindo que o nome do atual
namorado fosse tatuado na parte de trá s do pescoço pelo resto da sua
existência, eles fingiam nã o ouvir. Era um milagre, eu juro, que a
audiçã o deles voltasse de hora em hora.
— Acho que todos nó s, menos a Blue, já fizemos isso, Iris — Blake
gritou lá do lugar dele.
Trey abriu aquele sorriso quase perfeito.
— Viu? Amanhã à noite, entã o? — ele me perguntou, cheio de
expectativa.
Eu nã o pretendia dizer sim, nã o importava o quanto ele fosse
bonitinho e alto. Nã o tinha por que arrastar alguém para a fossa
estagnada para a qual tinha acesso VIP. Nã o tinha minha pró pria casa,
mal conseguia pagar as contas e nã o tinha ideia do que faria com a
minha vida. Sendo realista, o que eu tinha a oferecer a alguém?
Além do mais, estaria mentindo se dissesse que a primeira coisa que
tinha pipocado na minha cabeça quando ele me convidou nã o havia
sido o rosto de Dex. Nã o que eu soubesse nem entendesse o que aquilo
queria dizer, mas pensaria naquilo outro dia. Ou no ano que vem, talvez.
Eu estava prestes a dizer a Trey que nã o estava interessada, mas
usando palavras muito mais simples, quando duas mã os enormes
deslizaram sobre os meus ombros. Dois conjuntos de dedos fortes
espalmaram meu peito, e a ponta deles chegou perigosamente perto
dos meus mamilos, é… seios.
— Foi mal, Trey. É contra as regras, a menos que a pequena srta. Iris
queira pedir demissã o — anunciou a voz indiferente de Dex, conforme
as mã os dele apertavam o alto dos meus seios. — E isso nã o vai
acontecer.
Mas. O. Que. Foi. Aquilo?
Os olhos de Trey dispararam de Dex para mim, e depois para ele de
novo. Entã o ele abriu um sorriso bonito e assentiu. Nã o faço ideia do
que o levou a assentir.
— Saquei, cara.
O que ele havia sacado exatamente?
Inclinei a cabeça para cima para olhar para o Babaca pairando sobre
mim. A expressã o dele estava fechada, suas mã os em mim mais
fechadas ainda.
— É . — Foi a ú ltima coisa que saiu da boca dele.
Trey olhou para mim e deu uma piscadinha.
— Talvez outro dia.
Talvez eu fosse a ú nica que tinha ouvido Dex murmurar um “nem por
cima do meu cadáver”.
Do que se tratava aquilo? Aquele aborrecimento de sempre que
comecei a associar com estar na companhia de Dex beijou minha nuca.
Agora era eu quem estava enrijecendo enquanto o Babaca tinha
relaxado.
Na primeira oportunidade que tive logo que Trey saiu de perto, olhei
para cima, para o gostoso do meu chefe.
— O que você está fazendo? — perguntei, entre dentes. Bem, talvez
aquela nã o fosse a pergunta que eu tinha me preparado para fazer, mas
simplesmente saiu.
Seus dedos longos se afundaram de leve na pele macia por debaixo
da minha blusa.
— Nada.
Nada? Ameaçar me demitir se eu aceitasse sair com alguém era
nada? Comecei a afastar as mã os dele de mim ao sacudir os ombros.
— Por que você está agindo assim? — Nã o que eu estivesse
pretendendo aceitar o convite, mas ainda assim. Nã o queria que outras
pessoas tomassem decisõ es por mim. Ainda mais quando era algo que
estava sob o meu controle. Algo que afetava somente a mim. Nã o era um
assunto para nenhum dos meus irmã os se envolverem, nem ninguém
mais, caramba.
Olhos azul-cobalto escuros me olharam de cima. A expressã o dele
mudou de distante para irritada, dada a forma que começou a ranger os
dentes.
— Nã o seja tonta — falou ele, ríspido.
Meu queixo caiu.
— Você nã o tem o direito…
Ele estalou os dedos.
— Quer falar sobre isso? Minha sala, agora.
Minha expressã o era um sincero que-porra-é-essa. Em um mês,
homem nenhum tinha se aproximado de mim. Nã o daria para contar os
caras que entravam e que eram paqueradores inveterados porque esses
davam em cima de qualquer um que talvez tivesse uma forma com uma
vagina entre as pernas. E eu achava que Trip também nã o contava. Com
o tempo, a gente aprendia a ignorar as piscadinhas e as cantadas. Era
exatamente o que eu vinha fazendo. O que muitas vezes eu havia
passado diante de um Dex calado. E agora ele ia intervir?
Talvez fosse um pouco imatura, mas rilhei os dentes e tentei nã o sair
pisando duro enquanto ia até o escritó rio dele. Nã o precisava me virar
para saber que ele estava vindo logo atrá s de mim. Infelizmente, eu
tinha desenvolvido um sexto sentido que estava sempre ciente demais
dele. Meio que pensei que fosse por conta das vezes em que andávamos
juntos na moto dele. Tipo quando as mulheres começam a menstruar
por volta da mesma época quando convivem. Nã o ficaria surpresa se
Charles Dexter Locke tivesse conseguido descontrolar meus hormô nios.
Se alguém era capaz disso, essa pessoa seria ele.
Dex, ao redor de quem eu havia aprendido a gravitar bem rapidinho.
Dex, que me acordava todo dia. O mesmo que todas as manhã s fazia o
nosso café e servia suco de laranja enquanto eu cuidava da comida. Dex,
que se sentava comigo à noite, assistindo Firefly enquanto dobrávamos
nossas roupas lavadas no sofá . Dex Locke, que me desejava boa-noite
antes de irmos dormir.
Eu nã o fazia ideia de quando exatamente havia começado a ansiar
por passar tempo com ele. Quando comecei a devorar aqueles sorrisos
discretos na Pins e aqueles segredinhos que compartilhávamos… Eu
nã o fazia ideia. Mas eu fazia. Começava a aceitar o fato de que eu sentia
uma atraçã o gigantesca por alguém que talvez nã o fosse capaz de
gostar de mim também.
Naquele momento, no entanto, eu me esqueci de tudo isso. O Babaca
havia acabado de empatar minha vida.
Ele fechou a porta do escritó rio e se recostou lá , com as palmas
abertas na madeira à s suas costas. Os olhos de Dex estavam
estranhamente estreitados acima da sua mandíbula tensa. Ele parecia
estar bravo ou aborrecido, ou talvez um pouco dos dois, enquanto
compartilhávamos daquele silêncio.
— Você nã o precisava ter feito aquilo — eu disse, depois de um
minuto, tentando botar para fora um pouco do aborrecimento que eu
sentia por ele ter me impedido de fazer algo que eu teria feito de um
jeito muito mais elegante e menos vergonhoso.
Ele olhou para o teto, ignorando minha pergunta. Seus dedos
começaram a bater na porta.
— Feito o quê? — respondeu, mordaz.
— Você sabe o quê. — Revirei os olhos. — Você me disse para ficar
aqui e trabalhar para você, e aí vai e ameaça meu trabalho na frente dos
outros só porque um cara me chamou para sair?
Dex lambeu o lá bio inferior, mas nã o disse nada. O silêncio dele foi
um grandessíssimo “isso mesmo”, que me fez partir para cima dele.
— Está de sacanagem comigo? — Esse cara tinha perdido a droga da
cabeça.
— Nã o, Ritz. Nã o estou de sacanagem com você, porra.
Minha cabeça ia começar a doer dali a dez segundos.
— Dex, nã o consigo entender por que isso é da sua conta. Você já me
diz o que devo fazer metade do tempo, e sei que foi obrigado a me
aceitar na sua casa até essa bagunça com meu pai ser resolvida, mas
minha vida amorosa nã o é da sua conta, ok?
— Ah, é sim, Ritz — disse ele, entre dentes.
— Nã o é nã o, Charlie. — Eu o cutuquei bem entre o peitoral, duas
vezes.
— É . Sim.
De repente, fazia completo sentido para mim ele ser o caçula da
família. O cara nunca devia ter ouvido um “nã o” na vida. Pelo menos
nã o vezes o suficiente.
— Tenho certeza de que você nã o tem o direito de dizer com quem
posso ou nã o posso sair. — Olhei bem dentro dos olhos dele. — Charlie.
— Levá -lo ao limite talvez fosse uma péssima ideia, mas eu estava
irritada demais para me importar.
Ele estreitou aqueles olhos brilhantes.
— Por que isso?
— Porque nã o sou criança. — Em seguida, a coisa mais idiota
simplesmente escapuliu da minha boca: — E você deve ter ido para a
cama com meia dú zia de mulheres desde que te conheci. Entã o, confie
em mim: você nã o está em posiçã o de tentar me dar conselhos sobre
com quem converso ou deixo de conversar.
A expressã o dele mudou quando se inclinou na minha direçã o.
— Eu sei que você nã o é criança, caralho. E eu posso, sim, te dizer com
quem você pode ou nã o conversar. — Ele deu uma bela engolida em
seco, e eu nã o tinha percebido até entã o que suas mã os estavam
cerradas ao lado do corpo. Ele estava todo tenso. — E você nã o pode
conversar com ninguém que queira enfiar a mã o dentro da porra da sua
calça.
— O quê? — Ai, meu Deus. Minha Nossa Senhora, que estais no céu.
— Por que você está agindo assim?
— Porque. Eu. Nã o. Gosto. Dessa. Porra.
Deus, dai-me forças.
— Dex, nã o querendo ser uma filha da puta, mas já sendo… nã o
estou nem aí se você gosta ou nã o. Ele estava me chamando para sair,
seu idiota teimoso. Isso nã o quer dizer que ele pretendia…
As narinas dele inflaram.
— Nã o termine essa frase, flor. Estou a isso aqui de perder a porra da
paciência. — Ele estendeu a mã o, esfregou a ponta dos dedos ao longo
da lateral da boca e balançou a cabeça ao soltar um rosnado rouco.
Curvei os lá bios por detrá s dos dentes e dei de ombros.
— Nã o estou tentando te deixar puto. Sério, só nã o entendo por que
você está agindo assim comigo. Pensei que nã o se importasse que eu
trabalhasse para você.
Algo que eu nã o podia discernir se alterou em sua expressã o
segundos antes de ele tirar a mã o da boca. A piscada que ele deu foi
lenta e completa enquanto sua mandíbula se contraía.
— Pensei que tinha mais tempo…
Ele nã o terminou seu discurso porque, de repente, estava bem na
minha frente, soltando o ar com força pelo nariz e com o corpo
retesado.
Duas mã os grandes seguraram meu queixo um instante antes de sua
boca com os lá bios rosados e carnudos e a barba de um dia descerem
para mim em um beijo violento que era todo posse e exigências.
AimeuDeus.
Um. Dois. Seu aperto no meu rosto era implacável mesmo quando ele
afastou a boca um centímetro e entã o voltou a me beijar, com mais
força, pressionando e moldando os lá bios possessivos nos meus. A
língua empurrou seu comprimento quente e aveludado na minha com
uma necessidade e intento que eu nã o conseguia compreender.
Nunca na minha vida, mesmo se acontecesse de eu beijar uma
centena de pessoas depois, algo chegaria aos pés da sensaçã o dos dedos
longos e fortes de Dex embalando minhas bochechas, e seus dentes
mordiscando meu lá bio inferior.
Eu nã o deveria ter ficado parada ali. E com certeza nã o deveria ter
aberto a boca para ele, ou o encontrado a meio caminho com a minha
pró pria língua, mas quando alguém como Dex ― alto, forte, que nem
sempre estava do lado certo das questõ es morais e com uma boca
talentosa ― te beijava, você nã o dizia nã o. Entendi naquele momento
por que tantas mulheres tinham acabado nas garras dele, mas aquilo ali
era tã o carnal que nã o parecia normal. Quando alguém como Dex fazia
um barulho na sua boca na hora que você deslizava a língua na dele em
um gesto amigável ao mesmo tempo em que projetava os seios no peito
forte dele, você repetia a dose.
Mesmo se você nã o tivesse muita ideia do que estava fazendo.
Simplesmente seguia em frente. Movia a língua de uma forma que só o
seu corpo entendia. Arqueava as costas porque era o que parecia certo
no momento.
Você nã o fazia perguntas. Você tirava vantagem daquele ú nico
momento de insanidade que se deixava permitir para ter apenas uma
provinha de algo e alguém como Dex, o Babaca, Locke.
Ele me beijou com crueldade. A mã o direita vagou da minha
bochecha para o pescoço até parar no ombro oposto.
E eu deixei porque os lá bios dele eram firmes, a língua era gostosa e
a boca tinha um gosto que rescendia ao leite com chocolate que ele
tinha bebido mais cedo e ao cigarro que fumara quando tínhamos
aberto o estú dio, horas antes. O peito duro esmagado no meu talvez
também tivesse um pouco a ver com o motivo para eu nã o ter pensado
em me afastar.
Foi só quando a outra mã o dele, a que deixou meu rosto, começou a
descer pelo meu pescoço e roçou minha clavícula sobre a lateral do meu
seio foi que percebi o que estava rolando ali.
Dex, o Babaca. Dex, o Rei dos Ranzinzas, estava enfiando a língua na
minha boca. Meu chefe. Dex. Charlie. O cara que assinava meus
contracheques.
Me afastei de forma tã o abrupta que eu tinha certeza de que só por
isso ele havia me largado. Ele nã o tinha esperado que eu me afastasse
do nada. Era também porque ele nã o estava esperando que eu fosse me
afastar que tive a chance de reparar no rubor no seu rosto e na
intensidade dos seus olhos. E na ereçã o maciça marcando seu jeans.
Deus.
Eu deveria ter ficado onde estava, mas aí acabaria arrependida, com
certeza.
— Minha nossa — arquejei.
Sua boca estava entreaberta, e ele parecia quase… atordoado.
— Merda. — Dex enfiou as duas mã os na bagunça do seu cabelo
preto que mal resvalava na testa. — Merda, Ritz.
Foi a deixa para a sensaçã o horrível que rastejou até a boca do meu
estô mago.
Eu nã o queria ouvir Dex dizer que o beijo tinha sido um erro, porque,
embora fosse verdade, eu simplesmente nã o queria ouvir aquilo saindo
da boca dele. Nã o conseguiria lidar com a rejeiçã o.
Entã o fiz a ú nica coisa em que pude pensar para poupar a mente de
nó s dois no momento. Saí do escritó rio e fechei a porta à s minhas
costas.
Magrã o rolou a cadeira até minha seçã o no momento em que me
sentei. Eu curvava os lá bios atrá s dos dentes, esperando que parassem
de formigar.
Tive a sensaçã o de que nã o iriam, mas a gente podia sonhar.
— Você parece… — Ele correu os olhos pelo meu rosto, bem devagar
— … esquisita.
Olhei-o de canto de olho. Se mirasse dentro dos olhos dele, eu
provavelmente ficaria vermelha ou contaria o que tinha acabado de
acontecer. O que era uma péssima ideia. Entã o decidi por um “hum”
baixinho.
Magrã o fez um som murmurado na garganta, ainda olhando para
mim com um pouco de atençã o demais.
— Quer me contar alguma coisa?
Viu o que eu disse? Enxerido. Enxerido com letra maiú scula.
— Nã o.
— Humm — murmurou de novo. — Todos nó s sabíamos que era só
questã o de tempo. Só estou meio surpreso por ter demorado tanto. —
Magrã o girou. — E estou surpreso por você nã o querer me contar.
— Te contar o quê? — perguntei, com cuidado. Quando viam uma
informaçã o, esses caras pareciam piranhas contra a presa.
Ele sorriu, todo lâ nguido e despreocupado, girando de novo na
cadeira.
— Você sabe o quê.
— Nã o, eu nã o sei, Magrã o.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Ah, sabe, sim, Ris. — Aquele sorriso lâ nguido ficou maior ainda.
— Ele está marcando o territó rio. — Magrã o deu de ombros. — Já era
hora.
As coisas foram de mal a pior quando Blake apareceu por detrá s da
divisó ria.
— A essa altura, o cara já deve estar com dor no saco.
Foi a deixa para me engasgar.
— Vou envenenar vocês dois — comecei a ameaçá -los.
Por sorte, ou talvez nem tanta sorte assim, a porta do estú dio se
abriu antes que eu pudesse concluir a lista enorme de coisas que
planejava fazer com meus amigos/colegas de trabalho, e um homem
entrou. Era o pró ximo cliente de Dex.
Merda.
Ele devia estar olhando pela câ mera lá do escritó rio, porque a porta
bateu três segundos depois de eu cumprimentar o homem. A mú sica
ainda nã o estava ligada, entã o eu conseguia ouvir os passos pesados de
Dex contra o piso. Em seguida, o ouvi cumprimentar o cliente e apontar
na direçã o do banheiro para que eles pudessem começar a sessã o na
sequência.
Mantive os olhos focados no computador, tentando pra caramba nã o
engolir em seco e chamar atençã o para mim mesma quando estava
confusa demais com o que o Magrã o tinha acabado de dizer e com o que
havia acontecido no escritó rio. Quero dizer, eu sabia que Dex gostava de
mim. Mas… o que que foi aquilo?
Você é uma idiota, Iris. É claro que eu era. No segundo seguinte a eu
me perguntar isso, me lembrei da expressã o dele no lago. O rosto e os
toques em meia dú zia de momentos que eu nã o compreendi direito.
Nã o tive a chance de voltar a pensar nisso porque vi aquele borrã o
de camiseta preta se mover na minha direçã o no instante em que o
cliente dele estava fora de vista. Ele nã o se ajoelhou como fez no dia em
que tinha me dado o envelope com as informaçõ es da faculdade; em vez
disso, se curvou na altura da cintura. Seu lá bio inferior chegou tã o perto
que eu podia senti-lo no ló bulo da minha orelha quando me avisou:
— Você e eu vamos conversar mais tarde, Ritz.
— Estou achando de verdade que aqueles babacas nã o vã o fazer
nada comigo se eu ficar na sua casa — argumentei com Sonny ao puxar
uma perna para debaixo de mim no sofá cheio de calombos do Mayhem.
A televisã o estava ligada ao fundo, e eu podia ouvir o som da plateia
rindo enquanto meu irmã o suspirava.
— Nã o vai rolar, garotinha.
— Vai ficar tudo bem. — Eu nã o me importaria de implorar.
Especialmente porque meus lá bios ainda formigavam por causa da
boca de Dex. Horas depois. Patético. — Vou trancar as portas e tudo o
mais.
O filho de uma boa mã e nem considerou a sugestã o.
— Nã o.
— Sonny. — Eu também nã o tinha nada contra choramingar um
pouquinho. Concluí que era decente. Nunca fui de choramingar quando
criança, entã o conseguiria me safar agora, adulta.
— Ris, a gente ainda nã o o encontrou. Você sabe o que isso me diz?
Que ele está mais afundado na merda do que pensamos. Se ele estivesse
devendo só aos Ceifadores, nã o se esforçaria tanto para se esconder de
todo mundo — explicou. Sonny pareceu tã o cansado que logo me senti
mal por aporrinhá -lo com minha insistência idiota.
Sonny tinha razã o. Por que ele estaria tã o bem escondido? Por que
tinha pedido tanto dinheiro emprestado, para início de conversa? E
mais, nã o havia razã o nenhuma para eu pirar por causa do incidente na
Pins. Nenhuma mesmo.
Dex devia beijar pessoas diariamente.
O pensamento deveria ter sido reconfortante, mas só fez meu
estô mago doer… bastante.
Parei de pensar naquilo e tentei me concentrar em Sonny de novo.
— Você nã o sabe para quem? — perguntei.
Ele suspirou.
— Acho que nã o quero saber. Essa merda virou uma bela de uma dor
de cabeça. Acho que Trip vai acabar me matando antes de
encontrarmos o cara.
Eu queria dizer para ele voltar para casa. Que eu daria o dinheiro que
tinha na conta para pagar uma pequena parcela do que o Decepçã o
devia, mas nã o conseguia. Nã o conseguia porque a primeira coisa em
que eu agora pensava todas as vezes que nosso pai surgia na minha
cabeça era no que ele tinha feito. No filho que ele teve. Na forma como
ele era simplesmente um horror.
A partezinha minha que tinha sede de sangue queria que ele se
responsabilizasse pela pró pria bagunça pela primeira vez na vida,
entã o mantive a boca fechada. Eu só desejava que pudesse haver algo
mais que eu pudesse fazer para encontrar o doador de esperma.
— Sinto muito — falei, porque era a ú nica coisa que eu poderia dizer
que nã o o colocaria ainda mais para baixo.
— Está tudo bem, garotinha. Eu faria isso e coisa ainda pior por você
— ele disse, com uma voz ligeiramente mais otimista. Talvez estivesse
tentando me fazer nã o me sentir culpada por ser um saco de ossos
inú til. — Eu conheci a criança.
Palavras, idioma e alfabeto: tudo isso se derreteu da minha língua
por um milésimo de segundo.
— Você… conheceu?
— Sim. A gente voltou há dois dias — explicou Sonny.
Minha irmã mais nova. Ou irmã o. Deus, eu ainda nã o conseguia
imaginar ter alguém mais na minha vida com quem me importar da
forma como me importava com Will ou Sonny. Nã o que fosse ser igual,
porque mesmo que Sonny e eu tivéssemos crescido em estados
diferentes, eu sempre o conhecera. Sempre soubera que ele existia.
E essa criança…
— É uma menina?
A risadinha dele respondeu à minha pergunta.
— Nã o. É um garotinho.
Outro menino. Bom Senhor.
— Nossa. — Expirei. — Foi tudo bem?
— Foi, mas ele estava confuso. Eu tenho idade para ser pai dele,
sabe? O pai dele tem idade suficiente para ser avô dele. — Quanto mais
Sonny falava, mais puto ele ficava. — Que situaçã o do caralho, Ris.
Terry, a mã e do menino, disse que ele nã o aparecia por lá há dois anos.
Dois anos, cacete. Você pode imaginar uma merda dessas?
E dois anos acabariam se tornando três. Três em quatro. Quatro em
cinco, e antes que o garotinho percebesse, seria metade da vida dele.
Era deprimente. E ruim.
— Acho que eu ficaria mais surpresa se ele tivesse ficado por aí. —
Um pensamento me incomodou. — Você vai querer ter filhos?
Ele soltou uma gargalhada.
— Isso veio do nada.
— E aí?
Ele soltou um hum.
— Acho que nunca pensei nisso. Nã o? — ele me perguntou, o bobã o.
— Nã o?
— Talvez. — Sonny fez uma pausa. — Nã o sei. Eu seria um pai de
merda no momento, disso eu sei.
Que idiota.
— Son, é impossível você ser um pai de merda.
Ele soltou um barulho de desaprovaçã o.
— Pare. Você ia ser ó timo, acredite no que estou dizendo. — Eu tive
que rir ao pensar nele trocando uma fralda. — Acho que quero uma
sobrinha. O que você acha de fazer isso acontecer?
— Vá se foder. — Ele riu. — Nã o, Ris. Eu arranjo um cachorro, mas
uma criança? De jeito nenhum.
— Estraga-prazeres.
Sonny riu de novo.
— Valeu. — Eu conseguia ouvir Trip falando ao fundo da ligaçã o. —
Você está no Dex?
— Nã o, estou no bar esperando por ele.
Aff. E isso foi depois de eu ter dito o quanto nã o queria ir ao
Mayhem, depois de ele ter me feito passar vergonha na frente dos caras
do Clube, há uns dias.
Trip falou mais ao fundo.
— Você sabe por que ninguém está atendendo o telefone, entã o?
Isso. A razã o para Dex ter nos trazido para o Mayhem em vez de
voltarmos para a casa dele.
— Eles pegaram o barman que estava roubando do Clube —
retransmiti a informaçã o que Dex tinha me passado antes de sairmos
da Pins.
Sonny bufou do outro lado da linha, repetindo o que eu tinha dito
para o amigo.
— Quem foi?
— Acho que o ouvi chamar o cara de Rocco antes de ir com ele lá
para cima.
Antes de eu ficar ali de mã os atadas, imaginando o que poderia estar
se passando com o meu chefe.
Dex tinha olhado para mim com toda a calma do mundo na hora,
com o ladrã o a poucos passos das costas dele. Ele tinha passado uma
mã o pelo meu cabelo e, com a voz um pouco mais alta do que
geralmente falava, murmurou: “Flor, espere por mim lá em cima, ok?”. E
aí passou a mã o pelo meu cabelo de novo.
Eu… eu só fiquei parada ali. Chocada, atordoada, passada e tudo o
mais. Porque… assim, ele tinha pedido. E ele tinha sido carinhoso na
frente dos outros caras do Fá brica, que pareciam ter acabado de
descobrir a roda.
Quando enfim absorvi aqueles dez segundos da minha vida, Dex
havia desaparecido no andar superior junto com o pobre idiota que
havia roubado do clube. O cara nem sequer pestanejou quando Dex,
Luther e quatro dos motoqueiros do bar o acompanharam até o
escritó rio.
Eu nã o achava que eles fossem matá -lo nem mesmo dar uma surra
nele, mas talvez eu estivesse sendo ingênua. Se ninguém começasse a
gritar no escritó rio, era porque estava tudo bem, né?
— É claro que seria o filho da puta do Rocco — pontuou Sonny. —
Olha, tenho que desligar. Queremos chegar a Sacramento amanhã cedo.
Ligue se precisa de alguma coisa, ok?
— Pode deixar.
Ao fundo, Trip disse alguma coisa que fez Sonny rir de novo.
— Trip mandou “oi”.
— Diga que mandei oi também. — Suspirei. — Eu te amo, Son.
Era impossível deixar passar o sorriso na voz dele.
— Também te amo, garotinha.
Ah, caramba. Aquela conversa nã o estava saindo bem como eu tinha
esperado. Agora que parava para pensar, as ú ltimas duas conversas que
tive com Sonny tinham sido perturbadoras. Era melhor nos atermos à s
mensagens de agora em diante.
Será que eu também conseguiria me comunicar com Dex
exclusivamente por mensagem?
Aff, eu era tã o covarde.
Minha tentativa meia-boca de voltar para a casa do Sonny tinha sido
muito pouco corajosa. Tudo se resumia a: eu gostava de ficar com o
Babaca? Sim. Eu gostava dele? Esse era o problema. Eu gostava demais
dele. Ele era membro do Fá brica de Viú vas, um meia-boca, mas um
membro ainda assim. Eu era só eu. Sem tatuagem. Sem teto. Pobre. Sem
talento.
É . Eu estava morrendo de pena de mim mesma. Yia-yia se reviraria
no caixã o se soubesse.
Quando tinha sido a ú ltima vez que eu pensara tã o pouco de mim
mesma? A vida toda eu tinha sido pobre e sem tatuagem, sem casa, sem
talento, entã o por que de repente começava a importar tanto? Estava
viva e tinha saú de, e na maior parte do tempo, isso era tudo o que eu
queria. De verdade, era tudo de que eu precisava. Ainda assim, ali
estava eu, dando a mim mesma razõ es patéticas para ficar longe do Dex.
Um ex-presidiá rio de pavio curto que era dono do pró prio negó cio.
Talentoso, bem-sucedido, com casa pró pria e tatuado. Minha antítese.
Mas ele era gentil, atencioso e cuidadoso quando queria ser. E nunca
havia me deixado na mã o, se a gente nã o contasse a noite que ele me
deixara sozinha na casa dele, o que nã o era o caso agora.
Eu conseguia ouvir minha mã e dizendo: “Você nã o se saiu nada mal,
Ris”.
O que de pior poderia acontecer?
Eu terminar igual a minha mã e.
Merda.
O bater de botas nas escadas me arrancou dos pensamentos.
Murmú rios acompanharam a horda de homens vindos lá de cima.
Quando um certo cara de cabelo preto nã o apareceu à porta, soltei
um suspiro e me levantei, abrindo caminho pelas escadas na esperança
de que encontraria Dex lá , em vez de no bar no andar de baixo. Nã o que
eu quisesse ter uma conversa cara a cara, mas queria ir para a casa dele.
Assim que saí do patamar, o cheiro de cigarro flutuou lá da porta. Ele
estava de pé mais para o lado da sala, com as costas apoiadas no canto
da parede. Uma brasa laranja bem tênue pontilhava um círculo entre
seus dedos.
Dex olhava para baixo ao tragar o cigarro, e uma nuvem de fumaça
distorceu seu rosto antes de uma brisa levá -la embora.
— Oi — gritei para ele, indo em direçã o à s cadeiras diante da mesa
em que ele estava sentado quando eu havia levado um belo de um
esporro por ter desaparecido.
Ele olhou para cima, mas manteve a cabeça baixa.
— Me deixe terminar aqui e a gente já vai.
Assenti e me larguei no sofá mais afastado da janela, e falhei ao
disfarçar a careta por causa do cheiro que ele estava emanando. Dex
deu outra tragada antes de soprar a fumaça devagar, estreitando os
olhos.
— Você nã o gosta do cheiro?
— Nã o. — Encarei a bituca na mã o dele e franzi o nariz. Agora a
parte ló gica do meu cérebro reconheceu que eu deveria evitar falar com
ele. Se eu fizesse isso, talvez nó s dois pudéssemos esquecer o que havia
acontecido no escritó rio. Mas se eu continuasse falando, seria como
jogar isca em á guas infestadas por tubarõ es. Mesmo ao perceber isso,
continuei falando: — Eu também nã o gosto do câ ncer que se pode ter
por causa deles.
O quê?
— Você é crescidinho, Dex. E tenho certeza de que nã o gosta que
fiquem no seu pé. — Ele ergueu as sobrancelhas como se reconhecesse
que eu estava certa. — Seria legal se parasse, assim nã o teria que se
preocupar com ter câ ncer de pulmã o, mas a vida é sua. O corpo é seu.
— Sorri para ele, a sinceridade simplesmente meio que escapando da
minha boca. — Eu me importo com você e espero que nunca passe por
algo assim se puder evitar.
A boca de Dex nã o formou um sorriso, mas o modo como os vincos
dos seus olhos repuxaram fez parecer que ele estava se segurando.
— Ah, é?
E ele pensou que eu precisava de garantias.
— É — confirmei. O pensamento de ver o grande e forte Dex com sua
saú de e tatuagens reluzentes deitado em uma cama de hospital me
causava dor.
— Só fumo uns dois por dia — justificou ele.
Aquela calidez que eu associava à minha mã e fez meu peito apertar.
— Nã o dá para escolher. — Pela primeira vez em muito tempo, eu
quis dizer que sabia por experiência pró pria que o câ ncer nã o fazia
distinçã o de pessoas nem era preconceituoso, mas as palavras
simplesmente nã o saíram.
Um ombro se ergueu em um gesto que nã o era nem aceitaçã o nem
negaçã o.
— Nã o, acho que nã o dá mesmo, flor.
Dex me encarou por um bom tempo. Sua expressã o estava calma e
pensativa por debaixo da grossa barba preta que crescera em suas
bochechas ao longo do dia. Nenhum de nó s disse nada conforme ele
dava a ú ltima tragada. Segurando o cigarro entre os dedos, ele olhou
fixamente a ponta iluminada e franziu os lá bios antes de se inclinar
para a janela e apagá -la na parede de tijolos do prédio.
Ele fechou a janela e se recostou na parede, na mesma posiçã o em
que estava antes. Dex passou um dedo pelo lá bio superior e voltou os
olhos para mim. Inclinou a cabeça para o lado.
— Você ficou sabendo do que todo mundo está me chamando agora?
Ergui uma sobrancelha, me esquecendo de que a ú ltima coisa que eu
precisava era ser brincalhona com ele.
— De nerd?
— Nã o. — Ele olhou para mim como se quisesse sorrir, mas
conseguiu se conter. — Vossa Majestade.
Nã o era porque ele nã o estava rindo que eu nã o riria. Bufei, alto.
— Curti.
A expressã o dele nã o se alterou em nada. Aqueles olhos azuis
estavam determinados demais, focados demais para me assegurar de
que eu passaria por aquele dia, caramba, por aquela semana, ilesa.
— Sabe quando foi a ú ltima vez que alguém me arranjou um
apelido?
Balancei a cabeça.
— Na quinta série — ele explicou, despreocupado. — Poindexter.
Tive que morder o lá bio para conter o sorriso. Era o sobrenome do
Mercená rio, de Demolidor. Benjamin Poindexter.
Ainda assim, ele nã o sorriu. Simplesmente continuou com a
encarada.
— Eu dei uma surra no moleque que veio com essa. E acabei sendo
expulso da escola.
Nã o foi nenhuma surpresa, mas eu nã o conseguia entender por que
ele estava me contando isso. Nã o que eu nã o estivesse gostando de
saber mais sobre ele, mas ele devia estar tentando me passar uma
mensagem.
— Você vai me dar uma surra?
— Ritz — ele disse com um suspiro. — Você confia em mim?
Pisquei.
— Como assim?
— Você confia em mim ou nã o?
Eu confiava? Levei menos de um segundo para decidir que, depois do
Sonny, Dex devia ser a pessoa em que eu mais confiava. E isso
considerando Will. Eu nã o tinha ideia do que isso dizia a respeito da
falta de pessoas na minha vida, mas nã o me importei.
— Confio — respondi para ele, um pouquinho ofegante.
— Tem certeza?
— Tenho — repeti. E confiava. — Absoluta.
Ele voltou a passar o dedo pelo lá bio.
— Absoluta — murmurou ele, e balançou a cabeça. — Você acha que
confio em você?
Nã o havia razã o para eu ficar imaginando a resposta para a pergunta
dele. Era instintiva. Esse era o homem que tinha me contado coisas da
sua infâ ncia, da sua família. Ele tinha me mostrado o quarto de
hó spedes da casa dele. Eu nã o poderia ter lutado contra o aperto no
meu peito nem mesmo se tentasse.
— Acho.
Dex apoiou as mã os na mesa diante dele e se inclinou para a frente.
— Passei a noite toda tentando pensar em alguém em quem eu
confiasse tanto quanto confio em você, e nã o consegui pensar em
ninguém. Uma ú nica pessoa em meio à caralhada de gente que existe no
mundo, flor — ele me informou.
A vontade repentina de chorar e sorrir ao mesmo tempo me deixou
meio que com cara de idiota.
— Minha mã e — ele disse. — A ú nica pessoa que me conhece
melhor do que você é a minha mã e, o que seria trapaça. Nem minhas
irmã s nem meus irmã os, flor. Só . Você.
Eu nã o conseguia respirar.
— Para ser sincero, eu nã o queria gostar de você. Uma parte de mim
ainda nã o quer — ele continuou, com a expressã o resguardada. — Você
nã o era o tipo de pessoa que eu tinha em mente para o estú dio. Mas a
droga do seu irmã o implorou para que eu te contratasse, ameaçou os
filhos que eu tivesse no futuro caso nã o fosse legal com a irmã mais
nova dele. E agora você está aqui.
Humm… como é?
Meu pescoço coçou e minha garganta foi ficando seca. A confissã o
dele explicava muita coisa e, ao mesmo tempo, me deixou
desconfortável.
— Dex, se você nã o quer ser meu amigo, está tudo bem. — Você só
estaria arrancando meu coração do peito e pisando nele, mas tudo bem.
Sua risada saiu rígida.
— Querida, você e eu somos mais que apenas amigos.
E… morri. Eu só podia estar morta.
Dex voltou a esfregar os lá bios, e havia violência em seu olhar.
— Olhe só você. Cacete, eu nunca tive a mínima chance.
Pisquei para ele, recusando-me a absorver as palavras suaves que
escapavam dos seus lá bios.
— Tenho certeza de que você deixou bem claro para a metade do
Texas que nã o se sente atraído por mim. — E ainda tinha as vezes que
eu achava que ele me olhava como se eu fosse seu bichinho de
estimaçã o.
As narinas de Dex inflaram.
— Flor, já nã o te avisei um milhã o de vezes que o tempo todo digo
umas merdas que eu nã o queria? Você esperava que eu dissesse ao seu
irmã o que queria comer a pequena Ris dele na primeira vez que te vi de
short? Ou eu deveria ter dito alguma coisa para você quando sabia que
você ainda estava puta comigo?
— Charlie…
— Flor. — Ele disse o apelido como se fosse um desafio.
— Nã o faz nem três semanas que você disse a Shane que nã o gostava
de mim!
— Eu nunca falei isso, flor. Pare de pô r palavras na minha boca.
Maldito seja esse homem. Parecia que as paredes estavam se
fechando sobre mim.
— Você é a pessoa mais confusa que já conheci.
Ele deu de ombros.
— Me perdoe por ser tã o idiota e confundir você.
— Você nã o é idiota, só acho que nã o está em posse das suas
faculdades mentais no momento. — Engoli em seco, mesmo que meu
coraçã o estivesse doendo. — Talvez você só precise ir… sabe… com
alguém.
— Flor, nã o há nada de errado com o meu juízo. Sei exatamente o
que estou fazendo e sei muito bem que, se algum dia eu te vir sorrindo
como você sorriu para Trey hoje, eu vou matar o pobre coitado.
— Dex!
— Nã o estou de brincadeira. Nã o quero nunca mais ver aquela
merda, entã o a menos que queira que eu seja preso por assassinato,
pare com isso — declarou ele, sem nem pestanejar, nem respirar,
completamente concentrado.
E eu fiquei lá , simplesmente esperando. Pelo quê, eu nã o fazia ideia.
Talvez acordar daquele sonho.
Mas o belo homem de cabelo preto diante de mim nã o estava
dizendo nada. Seu olhar estava fixo no meu rosto; a mandíbula, cerrada;
os ombros, puxados para trá s. Ele devia ter percebido que eu achava
que ele estava sob efeito de drogas, porque continuou:
— Aquela merda fez o meu peito arder. Eu odiei. Você tem noçã o de
como foi para mim? Ficar lá pensando que eu nã o quero te dividir com
ninguém? — O pescoço dele estava visivelmente retesado. — Nã o
consigo mais ignorar essa merda entre nó s, e nã o vou. Nã o quando faz
tanto sentido.
Ai. Santo. Deus.
Eu nã o sabia se deveria ter um ataque de pâ nico ou dar voltas
socando o ar. Mas… bem. O medo se arrastou pelos meus ossos, me
precavendo, me preparando, me fazendo ficar em guarda.
— Por que faz tanto sentido? — A pergunta saiu rouca.
— Ninguém nunca me fez sentir o que sinto por você.
Aquilo na minha garganta era uma queimaçã o? Ah, caramba, era,
sim. Nenhuma quantidade de engolidas em seco faria a sensaçã o
desaparecer.
— Mas… eu sou mais o seu coelhinho. Um bichinho de estimaçã o.
— Ah, com certeza você é algo meu, Ris. Mas meu bichinho de
estimaçã o? Francamente — disse, com mais convicçã o do que qualquer
homem deveria ser capaz.
Pelo menos um pouquinho de medo inundou meu corpo, porque, por
um momento, pensei em sair da sala para dar um fim à quela conversa.
— Se você sair, vou logo atrá s de você, flor. — Dex devorou aqueles
poucos passos para se erguer acima de mim no sofá , seu corpo mais
longo e mais esguio do que eu tinha visto horas antes. — Nã o sou seu
pai. Nã o vou fazer as merdas que ele fez. Nã o precisa ter medo de mim.
À mençã o do meu pai, minha coluna enrijeceu.
— Eu sei que você nã o é. E também nã o estou com medo de você, ok?
— Ah, está , sim. — Ele se curvou e colocou as mã os no encosto do
sofá , uma de cada lado meu.
O calor explodiu na minha nuca.
— Nã o estou — insisti.
Ele baixou ainda mais a cabeça, me encurralando como o valentã o
que ele era.
— Está , mas nã o sou o seu pai, e você precisa se lembrar disso. Eu te
disse, quando você tentou pedir demissã o, que eu cuidava do que era
meu, e eu estava falando sério.
É , eu nã o podia me mover. Nã o conseguia respirar. Nã o conseguia
fazer droga nenhuma quando sua boca estava a centímetros da minha.
Eu deveria ter me movido, deveria ter empurrado Dex para longe, feito
qualquer coisa, menos ficar parada ali. Mas quanto mais ele se
aproximava, mais havia dele e do seu calor corporal hipnotizante, e
menos eu queria fazer aquilo. Era como estar em transe.
— Eu finjo muito mal, flor. — Ele roçou a boca na minha bochecha,
me fazendo formigar por dentro. — E você também é péssima nisso.
Nã o sei por que aquilo causou uma agitaçã o no meu ventre.
E, para ser sincera, o que havia a ser dito quando Dex Locke roçava
os lá bios naquele ponto entre seu maxilar e a orelha?
Nada. Absolutamente nada.
Meu.
Eu cuido do que é meu.
Meu.
Meu.
Meu.
Foi a primeira coisa em que pensei quando acordei no dia seguinte,
sozinha no sofá .
Ele nã o tinha dito mais nada depois de beijar minha mandíbula e
bem no cantinho da minha boca. Dex havia apenas estendido a mã o
para me puxar do sofá e me levar em direçã o à s escadas. Com uma mã o
firme na minha lombar, a gente saiu do bar sem falar mais uma ú nica
palavra. Fomos em silêncio até a casa dele, e entã o jantamos e
assistimos televisã o do mesmo jeito.
Foi só quando ele se levantou para ir para a cama que se inclinou
para beijar o canto da minha boca, a apenas um fio de distâ ncia dos
meus lá bios, e disse:
— Eu sei que você está confusa, Ritz, mas nã o há razã o para estar
assim.
E, entã o, ele sumiu para dentro do quarto, me deixando atordoada e
praticamente arfando no sofá .
Foi um milagre eu ter conseguido dormir.
Com certeza nã o precisava pensar naquilo logo antes de entrar no
banho. Ou talvez eu precisasse. Havia um chuveirinho lá …
É , não. Peguei minha bolsa no lugar em que ela ficava, o outro lado do
sofá , e a revirei para pegar algumas roupas. O reló gio no aparelho de
DVD dizia que passava um pouco das dez. Geralmente, Dex estaria na
garagem se exercitando, o que me deu mais tempo para pensar na
droga do que estava acontecendo.
Eu estava sendo frouxa ao deixar que ele presumisse que eu queria…
o quê? Ficar com ele? Sair com ele? Dex nã o parecia o tipo de cara que
saía com alguém. Nem o tipo de cara que tinha namorada.
E onde isso nos deixava?
Se eu fosse esperta, esperta como tinha sido a vida toda, ligaria para
Sonny e contaria o que estava acontecendo.
Mas eu nã o era, e nã o seria hoje nem amanhã . Eu poderia justificar o
nã o ligar dizendo que nã o queria deixá -lo estressado nem zangado.
Valeu. E é claro que nã o era porque pensar em fazer Dex ter uma
ereçã o, como na Pins, me deixava cem vezes com mais tesã o do que em
qualquer das ocasiõ es em que estive com meu ex-namorado. Nã o,
senhor.
A quem eu estava enganando? Eu era uma grandessíssima
mentirosa.
A ideia de nã o ver Dex quase todos os dias me deixava infeliz pra
caramba.
Estava ferrada.
Vinte minutos depois, saí do banheiro, com o cabelo e os dentes
escovados, limpa e ligeiramente mais desperta. Dex ainda nã o tinha
aparecido, entã o vaguei até a cozinha para preparar alguma coisa para
o café da manhã .
Eu tinha acabado de colocar os waffles congelados no forno antes de
me servir um pouco do café que Dex já tinha passado. De repente, senti
o que tinha se tornado um calor familiar demais perfurar o tecido fino
da minha camiseta de manga longa. Isso foi logo antes de os braços dele
me prenderem no balcã o, um de cada lado, com o bíceps tocando meu
tríceps.
Congelei.
— Dormiu bem? — perguntou a voz rouca na minha orelha. O há lito
quente flutuou por toda a minha pele a centímetros dela.
O instinto de virar a cabeça para ele estava bem ali, me provocando,
chamando por mim, o que era ruim, muito, muito ruim. Eu nã o poderia
dar um passo para trá s, porque isso nos deixaria ainda mais grudados,
mas nã o havia espaço para dar um passo para a frente ou para o lado.
— Gosto do seu shampoo, flor. — Mais há lito quente me atingiu.
Eu precisava me recompor.
Por sorte, nã o estava olhando para ele, entã o fui capaz de manter
meus olhos arregalados e alarmados longe da vista dele.
— Dormi — respondi de forma bem tímida, ignorando o comentá rio
sobre o meu cabelo.
Ele riu recostado em mim. O peito tã o perto que eu podia sentir na
pele as vibraçõ es irradiando da sua risada. Quis fazer careta, mas o
instinto me disse que algo tã o simples causaria ainda mais contato
físico desnecessá rio, entã o tentei bancar a está tua por mais tempo.
Seu nariz roçou a pele logo atrá s da minha orelha.
— Coloque um café para mim também quando você puder. — A voz
dele ainda estava com o tom meio á spero. Aliado ao calor do seu peito e
do fô lego tocando um lugar que deveria ser uma zona eró gena, se já nã o
fosse, ele estava tornando difícil demais ficar parada.
Eu ia precisar trocar a calcinha se ele nã o se afastasse no pró ximo
segundo.
— Claro.
Entã o esse cara levantou a ponta do nariz um pouquinho mais, a
apoiou bem onde minha pele encontrava o couro cabeludo e inspirou
muito, muito fundo.
— Caramba, que gostoso.
Calcinha nova. Ah, droga, eu ia precisar de uma calcinha nova. Agora
mesmo.
Dex nã o se afastou. Ele respirou de novo e, se eu já nã o estivesse
flutuando pelo universo para me impedir de virar uma poça de ová rios
derretidos, teria notado que os braços dele se apertaram ainda mais ao
meu redor.
E entrei em pâ nico.
Quando eu entrava em pâ nico, ria ou dizia coisas das quais me
arrependia. Nesse caso, foi o ú ltimo.
— O tal do Rocco ainda está vivo?
O peito dele começou a sacudir por causa da gargalhada reprimida.
— Você está falando sério?
— Como assim se eu estou falando sério?
O peito de Dex continuou tremendo.
— Flor, você vê televisã o demais — debochou ele.
Inclinei o queixo para o lado para que pudesse olhar para ele por
cima do ombro. É , ele com certeza estava tentando nã o rir, mas estava
perdendo a batalha.
— O que foi? Eu nã o o vi ir embora.
A balançada de cabeça que ele deu para mim e seu sorrisinho diziam
que ele pensava que eu era louca por estar perguntando algo assim.
— E entã o? Nã o faço ideia do que vocês estavam planejando fazer
com ele. Na televisã o, provavelmente fariam picadinho dele para fazer o
cara de exemplo.
E foi quando ele riu. Alto.
— Mas que porra, flor? Todos nó s passamos pela cadeia em algum
momento da vida, exceto seu irmã o. Nenhum de nó s quer voltar.
Metade dos caras têm filhos com quem se preocupam. Eu já te disse que
a maior parte de nó s nã o se envolvia mais com essas paradas escusas.
Para ser justa, ele já tinha me dito uma boa parte dessas coisas, mas
acho que nã o tinha acreditado de todo nele. Mesmo Trip, que parecia
um cara muito simpá tico, nã o passava muito a vibe de vizinho
bonzinho.
— Sério? — perguntei, meio hesitante.
— Sério. A maioria dos caras trabalha na loja de autopeças ou no
Mayhem, alguns com o Lu, e os que nã o têm merda nenhuma nos
registros criminais trabalham em outros lugares. A gente está de boa
agora.
— Ah. — Bem, agora eu estava me sentindo bastante idiota. Por que
eu tinha essa mania de estereotipar todo mundo? — Entã o Rocco está
bem?
— Ele saiu de lá com as pró prias pernas depois que acertamos tudo
— explicou. — Só tivemos uma conversinha com ele.
— Ah, é? — Ergui as sobrancelhas, incrédula.
O maldito Dex abriu um sorrisinho que parecia partir meu peito ao
meio.
— Podemos ter dito que ele nã o sairia ileso se a gente nã o recebesse
de volta daqui a uma semana cada centavo que ele roubou, mas, sabe,
foi só isso, flor.
Ahh. Dívida de dinheiro. Uma histó ria com que todos os clube de
motoqueiros que eu conhecia, a incrível soma de dois, estavam
cansados de lidar. Bem, pelo menos tinham dado uma semana.
— Você me promete uma coisa?
— Depende.
— Se ele nã o pagar, nã o faça nada com a família dele — sussurrei.
Seu sorriso se transformou em uma expressã o pétrea que fez sua
mandíbula ter um espasmo. Dex inclinou o rosto para baixo, me fazendo
lembrar de que nossa posiçã o era uma ideia terrível. Terrível porque
me fazia querer reduzir a distâ ncia entre nó s. A testa dele tocou o canto
da minha.
— Querida, nã o vou deixar nada acontecer com você, sabe. — O
há lito quente flutuou sobre a minha bochecha. — Nã o esquente com
isso.
— Eu sei. — Era verdade. Até os meus ossos sabiam. — Mas nem
todo mundo tem um Sonny ou um Dex para mantê-los a salvo, Charlie.
Ele assentiu devagar, e havia compreensã o em seus olhos.
— Tudo bem.
O Dex calmo e fofo parecia um tranquilizante aplicado direto no meu
pescoço. Abri um sorrisinho para ele e olhei para o balcã o, sabendo que
nã o havia mais nada a dizer.
— Eu quero ir nadar antes de trabalhar. Você está pensando em ir
para o bar ou devo ir sozinha?
Nã o sei nem por que eu tinha me dado ao trabalho de perguntar.
A resposta dele era sempre a mesma:
— Eu te levo.
— Tudo bem.
— Termine de comer, e aí a gente vai. Ok? — perguntou ele, de algum
lugar a poucos passos de mim.
— Claro.
Talvez ele estivesse a bordo comigo nesse jogo de nã o-trazer-as-
merdas-à -tona. Por mim tudo bem. E melhor ainda se nenhum de nó s
falasse um com o outro, ponto, para evitar cair de cabeça em uma
conversa desconfortável que eu nã o tinha certeza se estava pronta para
ter. Nem hoje nem nunca.
O som do meu celular tocando lá na sala me fez disparar. Ninguém
me ligava. Nunca. Nunca. Eu sabia quem era.
Saltei por cima do encosto do sofá como se fosse uma campeã de
atletismo e estendi a mã o para a bolsa como se a segurança do mundo
dependesse daquele toque. Quando o “nú mero restrito” pipocou na tela,
gritei e apertei o botã o de atender com a força de Hércules.
Arquejei.
— Will?
— Ris, sou eu. — O barítono tranquilo do meu irmã o soou.
Um peso que eu carregava com tanta frequência que até esqueci que
estava lá levitou de mim. Era uma coisa saber que meu irmã o estava do
outro lado do mundo, em um lugar decentemente seguro, mas era uma
experiência completamente diferente encaixotar essas preocupaçõ es e
tentar nã o lidar com elas. Fazia as preocupaçõ es ferverem sob a minha
pele, sob o meu coraçã o, sob todas as fibras e tecidos que me
protegiam.
— Eu estava morta de preocupaçã o.
Will riu do seu jeito reservado de sempre.
— Desculpe por ter demorado tanto para ligar, mas você sabe como
é.
Só que eu nã o sabia. Ouvir sua voz meio que me deixou um pouco
brava, já que fazia meses que eu nã o tinha notícias dele. Meses! Nã o que
eu mandasse e-mail todo dia, nem pedisse para ele ligar toda semana,
mas vá rios meses já passava dos limites, e aquilo me deixou puta.
— Como você está ? E o trabalho? É legal aí em Austin? — disparou
meu irmã o mais novo.
Meu estô mago ardeu de frustraçã o. Entã o ele tinha lido meus e-mails
e simplesmente decidido nã o responder?
Precisei segurar o suspiro trêmulo que se avolumou no meu peito
quando concluí aquilo, e me acalmei.
— Tudo bem. Você recebeu meus e-mails, entã o?
Will fez uma pausa antes de soltar um som resmungado no fundo da
garganta.
— Eu li antes de ligar. Pensei que era melhor me atualizar para nã o
perdermos tempo.
Talvez eu estivesse um pouco melindrada demais, mas o comentá rio
de perder tempo me desceu mal. Como se me mandar um e-mail ou
falar comigo por cinco minutos uma vez a cada dois meses fosse um
incô modo. Como se o que Sonny estava fazendo, tirando folga do
trabalho e viajando pelo país, nã o fosse uma forma de desperdício
também. Engoli a resposta atravessada que flutuou pelas minhas cordas
vocais e tentei ser grata pelo fato de finalmente estar ao telefone com
ele.
— Você ainda está com o Sonny?
Eu precisava parar de me comportar como uma criança.
— Estava, mas ele precisou viajar por uns dias, entã o estou ficando
com um amigo até ele voltar — expliquei, bastante vaga. De repente,
nã o estava mais no humor para contar além do necessá rio. Qual era a
razã o? Por que eu estava sendo tã o resistente com o fato de Will ter
crescido e seguido com a pró pria vida?
Will sabia ainda menos sobre o Fá brica do que eu. Ao crescer, era
como se ele tivesse simplesmente apagado nosso pai da vida e das
lembranças. Ele foi existindo sem ele, enquanto eu tinha sido a que
ficara presa com as lembranças e os desejos.
— Hum. Minha licença vai sair daqui a poucos meses, você vai ficar
aí?
E onde mais eu ficaria, caramba?
— Vou estar aqui.
O silêncio estranho que se seguiu me deixou desconfortável. Desde
quando falar com Will tinha se tornado um esforço? Era assim que
Sonny e eu ficávamos quando nos falávamos ao telefone? Nã o. Por falar
em Sonny…
— Ei, é… — Eu nã o queria mesmo contar. Uma parte de mim nã o
achava que ele fosse se importar, mas aí estava a diferença entre nó s.
Will até que gostava do Sonny, mas, bem, eu nem sabia se ele gostava de
mim no momento. Nã o queria responder a isso.
A questã o era que ele merecia saber, assim nã o seria a mesma
situaçã o em que eu me vira com Sonny.
— Nosso pai teve outro filho. — Merda. Nã o era bem assim que eu
queria dar a notícia.
O “Ah” desinteressado e indiferente confirmou que meu irmã o nã o
dava a mínima.
— Que… legal. — É , ele nã o dava a mínima. Nenhuma mesmo.
Quando ele voltou a falar logo depois, eu soube que eu tinha
estragado tudo. Tinha ido longe demais. Ele tinha feito a mesma coisa
quando éramos mais novos e pensei que ele quisesse falar sobre a
nossa mã e. Will mudava de assunto na mesma hora ou, de repente, se
lembrava de que precisava fazer alguma coisa.
— Tenho que desligar, Ris, mas prometo que vou ligar ou mandar e-
mail assim que souber quando vou voltar para os Estados Unidos, e aí a
gente conversa, tudo bem? — ele murmurou a frase tã o rá pido que o fez
parecer desesperado.
Talvez eu nã o fosse a ú nica covarde da família.
— Combinado. Amo você.
— Amo você também. Se cuide, e a gente se fala em breve — Will
concluiu logo antes de desligar.
Suspirei e guardei o telefone, e logo senti a presença massiva de Dex
à s minhas costas pela primeira vez. Seus lá bios eram uma linha severa,
e o olhar estava enganosamente afastado de mim antes de ele
perguntar:
— Era o seu irmã o?
— Era.
Coisas demais naquela ligaçã o haviam me incomodado. Nã o que eu
quisesse ou precisasse ter uma longa conversa com meu irmã o, mas
fazia tanto tempo que tínhamos nos falado, que uma ligaçã o apressada
de cinco minutos nã o me pareceu justo.
Dex estreitou os olhos.
— O que foi?
— Nada.
Ele revirou os olhos.
— O que está pegando? Parece que alguém acabou de te contar que o
Papai Noel nã o existe.
Ah, Senhor. O cara que ficava puto porque os impostos dele
aumentariam queria provar alguma coisa ao me comparar com ele?
Faça-me o favor.
— Nada — insisti.
— Algo está te incomodando. Me diga o que é.
Dex nã o ia deixar para lá , entã o suspirei.
— Fazia meses que eu nã o falava com ele. Enviei pelo menos uma
dú zia de e-mails e ele nem respondeu. — Esfreguei a testa. — Sei que
ele nã o é criança. Já é um homem feito que nã o precisa mais de mim.
Acho que só estou sendo chata e ficando toda magoadinha porque ele
tem uma vida da qual nã o faço parte.
Dex franziu o nariz, mas nã o criticou meu discurso inflamado.
Respirei fundo e dei de ombros, me forçando a sorrir.
— Bem, me fale quando você quiser ir, ok?

Se, por um segundo, achei que eu tivesse a habilidade de pensar em


outra coisa além da minha conversa com meus irmã os e no que era
aquilo que estava se passando com Dex, estava terrivelmente enganada.
Eu podia estar no meio de registrar o nú mero de horas que um dos
tatuadores tinha cumprido na semana e, de repente, eu pensava nos
action figures que Dex tinha no quarto de hó spedes. Ou sentada lá na
frente, fazendo upload das fotos no site do estú dio enquanto ouvia
Blake ao telefone com o filho, e eu começava a imaginar como o
menininho lá no Colorado era.
Meu dia todo foi assim depois das duas horas que eu tinha passado
na piscina e na aula de aeró bica.
Dex, Dex, Sonny, Dex, Will, Irmã o, Dex, Dex. E aí um pouco mais de
Dex.
Meus instintos me diziam que eu estava louca. Que pensar nele o
tempo todo nã o era normal. Mas o que era normal quando Dex estava
envolvido?
Nada. A ú nica coisa boa nessa histó ria era que ele tinha me dado
uma boa distâ ncia. Mas isso nã o queria dizer que, toda vez que ele
passava por mim ou que ficava parado na recepçã o, ele nã o me lançava
um olhar ardente ou colocava a mã o em algum lugar do meu corpo
quando estava perto o bastante para isso. Fosse na minha nuca, meus
quadris ou na minha lombar, a mã o dele sempre estava lá de um jeito
ou de outro.
Nã o me esforcei nada para me esquivar dele.
Meu cérebro dizia “Nã o!”, ao passo que todo o resto do meu corpo
gritava um desagradável “Sim!”.
É , era uma baita bagunça. Uma bagunça que nã o se arrumaria nunca.
Nã o havia nem por que tentar resistir ou entender o que estava
acontecendo.
Suspirei e me levantei, derrotada, e fui ver se Magrã o e Blue
precisavam de alguma coisa. Fazia uma hora que eu estava adiando
comer, mas meu estô mago tinha começado a roncar tanto que concluí
que era hora de parar de procrastinar.
— Vou ali do lado antes que eles fechem. Vocês querem alguma
coisa?
Os dois balançaram a cabeça. Magrã o estava mexendo no tablet e, da
ú ltima vez que vi Blue, ela estava trabalhando na tatuagem que faria no
seu pró ximo cliente. Mesmo à s sete da noite, ainda estava quente
demais. Com certeza estava quente demais para a blusa de frio que eu
tinha colocado antes de ir para a Pins na garupa da moto de Dex.
Pedi um wrap mediterrâ neo na lanchonete e tentei com afinco nã o
pensar no que Sonny tinha me contado. Outro irmã o. Olha, que merda.
Um pequeno, diga-se de passagem. Eu nã o queria nem considerar em
que outra confusã o meu pai tinha se metido e estava escondendo. O que
havia começado como uma dor de cabeça nã o precisava se transformar
em um pesadelo.
Ainda mais se alguém a quem ele devia decidisse ir atrá s de uma
pessoa que nã o tinha Sonny para cuidar dela. Alguém igual ao meu
irmã o mais novo recém-descoberto.
Deus.
Estava tã o absorta na ideia de que tinha mesmo outro irmã o que nã o
reparei na silhueta de um homem recostado na parede de tijolinhos
envelhecidos até que a pesada bota preta dele atingiu o alto das minhas
coxas.
— Boneca — me cumprimentou aquela voz baixa e gutural que eu
havia ouvido apenas uma vez antes.
Meu corpo nã o reagiu imediatamente. Levei um segundo para
aceitar o que aquela voz significava.
Significaria a droga da minha morte se algum dos caras do Fá brica
me visse.
Merda!
O saco marrom que eu segurava e que tinha meu wrap dentro
escapuliu da minha mã o, e eu tinha certeza de que meu rosto tinha
ficado pá lido.
— O que você está fazendo aqui? — gralhei. Sim, gralhei, entre todas
as drogas de coisas que eu poderia ter feito. Nem sequer tinha a noçã o
de que eu era capaz de emitir um som tã o horroroso, mas ante minha
possível morte, nada era impossível.
Liam me olhou com toda a calma do mundo, como se nã o estivesse
do lado errado da cidade.
— O que acha que estou fazendo aqui? — perguntou, ao se endireitar
e se afastar da parede.
Deus, o cara era grande.
Mas aquela nã o era a hora nem o lugar para eu notar o tamanho dele.
— Tentando fazer a gente ser morto — sibilei para ele, e me afastei
um passo.
— Que nada — murmurou o homem, me olhando com interesse
desmedido.
Olhei para os dois lados da rua, vendo se reconhecia alguém de
passagem. A ú nica coisa boa do Fá brica era que eu tinha a esperança de
conseguir ouvir o rugido alto de uma moto antes que a visse.
Eu esperava.
Em Deus.
E talvez até mesmo em nome de algumas outras divindades.
— Olha, sinto muito por ter ido te perturbar naquele dia, mas nã o vai
se repetir.
Liam passou a mã o pelo cabelo cortado rente.
— Acho que está tudo bem se você for me perturbar de novo,
boneca.
Ah, valeu. Tive que conter a â nsia de revirar os olhos e dizer que ele
só podia estar de brincadeira. Algo na boca do meu estô mago dizia que
aquele homem nã o tinha o mesmo tipo de controle, ou talvez de
carinho, que me permitia falar qualquer porcaria para Dex e sair
impune. Na maioria das vezes, pelo menos.
— Hum, é, acho que nã o é uma boa ideia. — Meu sorriso estava mais
assustador e esquisito do que convincente.
Ao que parecia, Liam nã o notou ou nã o se importou, porque
continuou falando:
— Também acho que você e eu podemos chegar a um acordo quanto
à dívida do seu papai.
Uma quantidade infinita da palavra merda voou pelo meu cérebro em
uma longa fila.
Eu tinha sido idiota ao ir ao clube de strip sozinha, mas, de pé ali,
falando com o presidente dos Ceifadores MC, quando eu tinha um cara
do Fá brica nervosinho a menos de trinta passos de distâ ncia, era ainda
mais idiota. Muito, muito mais idiota.
Extraordinariamente idiota.
Meu silêncio enquanto eu pensava em como estava sendo idiota foi
interpretado como um sinal de possibilidade quando o homem bruto
diante de mim prosseguiu com a proposta.
— Você queria uma soluçã o, eu te dei uma, srta. Taylor — ele
ronronou com toda a facilidade, e deu um passo para tã o perto de mim
que conseguiu estender a mã o e quase tocar meu rosto.
Ele só nã o tocou porque me esquivei, mas, quando ele riu, percebi
que nã o tinha sido nada intimidante.
— O quanto você quer se certificar de que a gente nã o vai atrá s do
seu irmã o quando seu papai nã o pagar a dívida essa semana? —
perguntou Liam.
Essa semana?
— Como assim essa semana? — sondei, com bastante cuidado.
Liam lambeu os lá bios de um jeito que a maioria das mulheres
acharia sexy, mas eu achei um belo de um corta-clima.
— Seu papai só tem até o fim da semana para pagar a gente. — Ele
sorriu. — Estou te oferecendo a chance de ajudá -lo. E de ajudar o seu
irmã o também.
Se eu pusesse um “merda!” para fora da minha boca na mesma altura
que eu gritava a palavra na minha cabeça, teria sido ouvido a dois
quarteirõ es de distâ ncia. Por instinto, eu queria entrar em pâ nico, mas
me contive. Respirei bem fundo e me forcei a me acalmar. Esse cara
poderia estar blefando. Nã o estava fora de cogitaçã o. Ele também
poderia estar tirando vantagem do acesso de idiotice que havia se
apoderado de mim quando o visitei.
A questã o era que, agora, eu percebia o quanto tinha sido idiota ao ir
ao Busty’s, o clube de strip. Sonny me daria uma surra se descobrisse
que estive barganhando com o demô nio careca que estava diante de
mim.
A apariçã o sú bita do rosto de Dex foi um segundo aviso. Ele me
mataria.
E se ele por acaso saísse e me visse falando com Liam, era capaz de
matar a nó s dois. Ou, pelo menos, dar uma surra no cara, algo que ele
nã o tinha nada que fazer, dada sua ficha criminal e carreira.
Eu queria mesmo arriscar que ele acabasse encrencado só porque
tinha sido idiota?
Nã o. Eu nã o queria.
Também nã o queria ofender Liam mais que o necessá rio, mas tinha a
sensaçã o de que ele era o tipo de pessoa que nã o lidava muito bem com
a rejeiçã o. O que significava que eu estava muito ferrada. Mas era
melhor me poupar do diabo que eu conhecia do que daquele que nã o
tinha noçã o de como era.
— Quanto ele te deve?
— A mesma quantia da ú ltima vez. — Liam riu, debochado. — Mas
eu te aceito por seis meses em troca de mais tempo.
Mas. Que. Car… valho.
Qualquer pretensã o que eu tinha de lidar com o motoqueiro
cautelosamente saiu voando direto pela droga da janela. Seis meses
comigo em troca de um prazo maior? Minha virgindade. Meu orgulho.
Minha honra. A droga do meu bom senso.
Nã o.
De jeito nenhum.
Se nã o tinha deixado meu ex tirar minha virgindade depois de
quatro meses juntos, com certeza absoluta nã o ia permitir que esse
otá rio manipulador fizesse isso.
— Nã o — respondi, com toda a calma do mundo. Nada de “nã o,
obrigada”. Ou “agradeço a oferta, mas, nã o”. Nada disso. Nada para me
fazer sair ilesa dessa.
Sonny jamais me perdoaria por fazer algo tã o idiota por causa dele, e
especialmente nã o por causa do doador de esperma. Mais importante,
eu nã o seria capaz de me perdoar. Nã o era uma prostituta nem um peã o
em qualquer que fosse o jogo que esse psicopata queria jogar.
Os olhos dele reluziram brevemente de raiva.
— Nã o? — zombou, incrédulo. — Você está dizendo nã o para mim?
Bem, nã o havia como sair dessa de modo gracioso.
— Meu pai nã o dá a mínima para nenhum dos filhos. — Eu o
observei com cuidado, notando que ele nã o estava interpretando aquilo
como uma justificativa vá lida. Restava apenas uma coisa a fazer: mentir.
Tempos desesperados pediam medidas desesperadas, caramba.
— De qualquer forma, nã o acho que você vá querer a sobra dos
outros.
— Como assim?
Essa conversa já tinha dado o que tinha que dar e precisava acabar.
— Estou com Dex. — Era melhor do que dizer eu sou do Dex, nã o
era? Soava possessivo demais. Permanente demais, e a situaçã o em que
eu me encontrava nã o era nada disso.
A má scara cuidadosamente controlada que tinha agraciado o rosto
de Liam se transformou em uma que mal continha a irritaçã o
espreitando em seus olhos. Ele estava puto.
— Locke?
Assenti.
Liam nã o estava simplesmente puto, ele estava incrivelmente puto.
Ele se aprumou até atingir toda a sua altura e deu para vê-lo rilhar os
dentes.
— Você está certa. Nã o sou fã de sobras do Fá brica. — Ele me varreu
com o olhar mais uma vez. — Nã o sabia que você brincava com lixo
feito o Locke, boneca.
Lixo? Ele achava que Dex era lixo?
Se havia uma palavra para a cara que fiz só podia ser escá rnio. Eu
sabia, com cada fibra do meu ser, que nã o deveria rebatê-lo. Ele tinha
sido tranquilo e relativamente decente antes, mas isso significava que
era inofensivo? De jeito nenhum.
Tentando dissipar aquela atmosfera, abri um sorriso trêmulo para
ele.
— Obrigada pela oferta. Espero que você receba em breve.
As palavras mal tinham saído da minha boca antes de eu pegar o
saco do chã o como se fosse uma tá bua de salvaçã o e disparar para a
Pins. Posso ter causado um pequeno estardalhaço ao entrar, e vi a
expressã o confusa de Magrã o olhando por cima do ombro enquanto
trabalhava.
— Você está bem? — perguntou ele, antes de voltar a atençã o para o
tablet.
Olhei ao redor para me certificar de que Dex nã o estava por perto e
soltei um longo suspiro.
— Estou bem. — Eu nã o estava. Pelo menos nã o por completo.
O que eu precisava fazer era recuperar o fô lego e decidir se contaria
ou nã o a alguém que Liam estava lá fora e tinha acabado de me fazer
uma proposta. Eu nã o queria. Meus instintos diziam que era uma
péssima ideia, mas nã o era ainda pior manter a boca fechada? Disso eu
tinha certeza.
Drooooga.
Disparei pelo corredor em direçã o à sala de descanso, e olhei
brevemente para o escritó rio, onde vi Dex ao telefone. Aquilo era bom.
Mais do que bom. Me daria tempo para continuar pensando no que
fazer, se eu fosse fazer alguma coisa.
Mantenha a boca fechada, Ris, o lado racional do meu cérebro dizia.
Conte, Ris, a outra metade, a metade emocional, insistia.
Ai, caramba… Ai, caramba.
Me forcei a comer o wrap, embora tenha perdido completamente o
apetite, como num passe de má gica. Levou mais tempo do que se eu
ainda estivesse morrendo de fome, mas nã o me importei. Joguei o lixo
fora e saí da cozinha a passos lentos, ainda debatendo se deveria ou nã o
dizer alguma coisa para Dex. Quando me aproximei da porta do
escritó rio, eu o encontrei à mesa, desenhando.
Eu nã o ia mentir mais, tinha dito a mim mesma meses atrá s. E nã o
tinha conseguido cumprir, entã o pelo menos manteria ao mínimo.
Ai, Senhor. Meus dedos tremiam um pouco quando bati de leve à
porta.
— Oi.
Aqueles olhos azul-escuros tremularam na minha direçã o, e Dex
baixou a cabeça só um pouquinho.
— Entre, flor.
Os dois passos que dei pareciam estar me levando para a forca.
Comecei a contorcer as mã os ao parar desconfortavelmente ao lado das
cadeiras diante da mesa dele. Ele voltou a olhar para o que estava
desenhando, que foi a ú nica razã o para eu conseguir começar a falar.
— Liam estava lá fora — falei de uma vez só . — Ele ofereceu
estender o prazo do meu pai se eu fosse com ele.
Quando mencionei o nome do motoqueiro, o lá pis de Dex parou em
suspenso. Todo o seu corpo se retesou, tensionou e se moveu em ondas
de mú sculo e estresse. Foi o fato de ele manter o rosto baixo que me
preocupou.
— Eu disse que nã o. Eu disse que estava com você — balbuciei.
Ai, caramba.
A forma lenta com que ele foi erguendo o olhar para mim poderia ter
sido assustadora, mas, por alguma razã o, nã o foi. Em vez disso, ele
empurrou a cadeira com força, fazendo o espaldar bater na parede. Com
um rosnado, deu a volta na mesa e apontou para a cadeira diante de
mim.
— Espere — ele disse, e saiu feito um furacã o porta afora.
Carambola.
Eu deveria ter dado ouvidos e esperado, mas nã o foi o que fiz. Eu fui
atrá s dele um milésimo de segundo depois. Se Liam fosse idiota o
bastante para ainda estar lá fora na frente do estú dio de Dex, no
territó rio do Fá brica de Viú vas, ele era um homem morto. Ou pelo
menos um bastante ensanguentado.
Mas nã o era com a pessoa dele que eu me preocupava.
Era com o idiota correndo atrá s dele, que eu nã o queria que se
encrencasse.
Eu só conseguia imaginar como Dex deveria estar quando saiu
correndo do estú dio, pois deixou clientes e funcioná rios olhando fixo. A
porta mal tinha fechado quando corri até ela.
Dex disparava em direçã o ao fim da quadra, segurando o celular
perto da orelha, e eu conseguia ouvi-lo ladrando algo feio bem baixinho
ao final.
Merda.
Reuni minha coragem e fui atrá s dele, captando uma coisa ou outra
de “filho da puta… na Pins… só pode ter perdido a cabeça… Ritz!”.
Ai, caramba.
No momento que ele enfiou o celular no bolso e começou a
atravessar a rua, furioso, deslizei o dedo no passador do seu jeans e
puxei.
— Charlie.
Por algum milagre, ele parou.
— Ei, ele já foi embora — eu disse, na voz mais tranquilizadora que
consegui. Minha mã o livre foi para a lombar dele. — Fique calmo.
Dex se virou para me olhar por cima do ombro antes de ir se virando
aos poucos, a ponta das suas botas pressionando a ponta das minhas
sapatilhas. Pela primeira vez na vida, aquela expressã o cuidadosamente
indiferente nã o estava lá . No lugar dela, a boca de Dex estava repuxada
em um rosnado. Os olhos, estreitados.
É … ele estava puto.
Sorri para ele, esperando que isso o acalmasse, e voltei a puxar o
passador.
— Relaxe. — Usei as mesmas palavras que ele tinha usado comigo
nã o muito tempo antes. — Nã o aconteceu nada.
— Ritz — disse ele, entre dentes. — Ele veio aqui. No meu estú dio.
No meu territó rio. E tentou te levar com ele, porra. — Ele mostrou os
dentes. — Isso nã o é nada, caralho. Isso é muito.
À s vezes, eu queria simplesmente revirar os olhos para ele.
— Mas ele já foi, e nã o quero que você se meta em encrenca.
Ok, ele ainda estava puto.
— E eu estou aqui com você, nã o com ele, entã o nã o importa.
Ele me encarou por um bom tempo, com o olhar severo. Entã o suas
mã os estavam segurando meu rosto. Ele inclinou minha cabeça para
trá s para mordiscar meu lá bio superior e chupá -lo entre os dele.
Ai, minha nossa.
Dex se moveu para me pegar pelo traseiro antes que eu pudesse
reagir. Antes de eu tentar corresponder ao beijo da mesma forma como
ele estava me beijando, com as pontas cegas dos meus dentes
capturando seu lá bio inferior, ele inclinou minha cabeça ainda mais
para trá s, me fazendo arquear conforme envolvia um braço ao redor da
minha cintura.
A língua quente deslizou para a minha boca na primeira chance que
ele teve, roçou na minha com mais força, com mais possessividade, do
que eu sabia como reagir. Mas nã o importava o fato de eu só ter beijado
três pessoas antes dele. Que a experiência dele mais do que eclipsava a
minha um milhã o de vezes, porque ele gemeu na minha boca. Ele me
puxou ainda mais para si e agarrou minha cintura com mais força que o
necessá rio.
O beijo era uma reivindicaçã o.
Sua língua duelava com a minha de um jeito que era inapropriado
pra caramba em uma rua movimentada. Seu corpo forte se curvou
sobre o meu, me consumindo.
E eu amei. Deixei acontecer. Chupei sua língua como se soubesse o
que estava fazendo. Como se eu fosse deixar de existir se ele nã o
voltasse a morder meu lá bio.
— Iris. — Ele mordiscou de leve o lugar macio entre minha
mandíbula e meu pescoço.
Nossa, nossa, nossa, nossa.
Eu ia ser consumida pelas chamas. Um incêndio ardente que
rivalizaria com o fogo do inferno, algo que valeria cada segundo da dor
de ter a boca do Dex tã o agressiva na minha.
Ele mordeu de novo antes de acariciar minha mandíbula com o nariz.
— Você é minha. — A parte mais baixa do tronco dele pressionou
minha barriga. Com força, mas nã o tanta. — Sua boca, seu rosto, sua
bunda, sua boceta, Ritz. Você é toda minha.
Eu, que nunca tinha sequer beijado alguém em pú blico, estava
arfando. Pronta para dar tudo e muito mais para o homem que me
assustava pra valer.
E se nã o fosse pelo som de alguém pigarreando, que me puxou tã o
abruptamente da bruma sexual em que estava envolvida, eu teria ficado
ali, para sempre e feliz, com a língua dele na minha boca e seus dentes
na minha mandíbula.
— Humm, Dex?
Ele sugou meu lá bio uma ú ltima vez, com força, antes de afastar a
boca com relutâ ncia.
O som soou atrá s de mim de novo.
— Dex, Luther está no telefone. — Era Magrã o falando. Era Magrã o
que estava pigarreando.
Era Magrã o que tinha flagrado a gente dando uns amassos. No meio
da calçada. Em plena luz do dia.
Ah, nã o.
O ruivo tinha uma expressã o presunçosa, e eu nã o achava mesmo
que o tinha imaginado falar sem emitir som um “eu sabia” para mim.
Eu tinha certeza de que meu rosto assumira um caleidoscó pio de
vermelhos e rosa conforme eu tentava me afastar de Dex, mas, quando
ele manteve o braço firme ao redor da minha cintura, foi inú til.
— Certo — respondeu ele, por fim, com a voz rouca, sem nem se
preocupar em se virar.
Dex manteve a cabeça baixa, na minha direçã o. Seu braço estava
rígido nas minhas costas. Inspirando pelo nariz, ele liberou o ar com
uma exalaçã o trêmula pela boca. Se inclinou e sussurrou três palavras
que me fizeram me arrepiar.
— Ainda nã o acabamos.
Eu esperava mesmo que nã o.
— Conte para a gente o que aconteceu.
PQP.
Sentada do outro lado do escritó rio, diante de Dex, Luther e aquele
motoqueiro bonitinho que trabalhava no Mayhem, respirei fundo e
cruzei as mã os sobre o colo para esconder o fato de que estava à beira
de entrar em pâ nico. Quero dizer, nã o que eu nã o soubesse que a
pergunta acabaria surgindo. Ela tinha que surgir.
Depois dos breves amassos que demos do lado de fora da Pins, a
ligaçã o subsequente de Dex com Luther em seu escritó rio e depois ver
pelo menos dois motoqueiros descendo a rua na direçã o oposta do
Mayhem, eu me vi ali. No escritó rio. Passando pela segunda Inquisiçã o.
Bem, eu poderia mentir. Ou poderia contar exatamente o que tinha
acontecido lá fora com Liam. Era isso que estava me fazendo entrar em
pâ nico.
Eu tinha sido uma idiota, e estava com medo de admitir.
Mas eu nunca tinha sido uma mentirosa antes disso, exceto quando
meio que tinha passado meses sem contar a Sonny sobre o meu braço.
Desde entã o, havia tentado nã o mentir, porque omitir nã o era mentir.
Certo? Acho que dependeria das circunstâ ncias, ou pelo menos era no
que eu gostava de pensar para manter a consciência tranquila.
— Ritz — Dex falou mais alto, e torceu o boné dos Rangers de um
lado para o outro, um gesto com o qual eu nã o estava familiarizada.
Ah, merda.
Eu era mais resistente que isso. Que razã o eu tinha para estar com
medo?
Ao olhar para o rosto irado de Dex, eu sabia exatamente a razã o, mas
isso nã o queria dizer que eu ia me acovardar perante o julgamento dele,
caramba.
— Ele me viu do lado de fora e disse que tinha uma proposta para
mim — comecei. — Ele disse que tinha a soluçã o para poupar meu pai e
Sonny da dívida que precisava ser paga até o fim da semana.
Luther olhou na direçã o de Dex com uma cautela que nã o passou
despercebida por mim.
— Ele disse que aceitaria seis meses comigo em troca de… nã o sei,
nã o ir atrá s de um deles caso a dívida nã o fosse paga. Eu simplesmente
disse que nã o. — E, em seguida, falei que estava com Dex.
— Ele nã o disse mais nada? — perguntou o gostosã o mais velho.
Balancei a cabeça.
— Nada importante. — Ele só chamou Dex de lixo, mas eu seria uma
idiota se falasse isso.
Luther soltou um suspiro profundo que fez seus lá bios se agitarem
de exasperaçã o.
— Aquele filho da puta.
O motoqueiro gostosã o balançou a cabeça, incrédulo.
— Ouvi dizer que ele se separou nã o faz muito tempo.
— Também fiquei sabendo — confirmou o presidente do clube. —
Mas por que ele iria tentar ficar com a Ris em troca? Nã o parece ser do
feitio deles, mesmo se o cara estivesse tentando irritar a gente fazendo
isso.
Para aquela pergunta, eu nã o tinha resposta. E, de repente, me senti
culpada por nã o ter aceitado. Por nã o ter feito minha parte para
garantir a segurança do Sonny, mas…
— Eu faria praticamente qualquer coisa pelo Son, mas nã o quis ir
com Liam — tentei explicar para eles, com a voz bem tímida.
— Você nã o vai embora com ninguém — interveio Dex, no mesmo
instante. — Nã o pelo Son, nã o pelo seu pai nem por ninguém, Ritz.
Nunca.
Aconteceu de eu estar olhando para Luther enquanto Dex falava, e
pude ver que a boca dele se contorceu.
— Sã o as merdas do Taylor. Você nã o deveria ser arrastada para elas.
E lá se foi minha culpa.
Se eu guardasse a verdade só para mim, aquilo me incomodaria para
sempre.
— Eu fiz uma idiotice — balbuciei, ao olhar para o teto, porque
qualquer coragem que eu já tivera antes daquele momento havia
desaparecido.
Arranque logo esse curativo. Ande, ande, ande.
— Fui ao Busty’s semana passada para conversar com os Ceifadores
e ver se conseguia convencê-los a nã o ir atrá s do Sonny. Aquele otá rio
disse que nã o era da minha conta. — Soltei um suspiro esquisito e
continuei a me condenar. — Ele me beijou, e eu saí correndo de lá .
Silêncio.
Silêncio completo e entorpecente.
— Sei que foi uma idiotice, mas estou bem. — Como se aquilo fosse
ajudar em alguma coisa, mas pouco era melhor que nada. Eu esperava.
Ergui as mã os e as virei. — Viu? Nã o aconteceu nada.
A primeira coisa que saiu da boca de um deles foi um longo e
arrastado “puta que pariu”. Pode ter vindo do gostosã o ou do Luther.
A segunda coisa que saiu da boca de um deles foi:
— Fora.
Dex.
— Como é que é? — perguntei, ainda olhando para o padrã o do teto.
— Fora, Ritz — repetiu ele.
Mas que droga! Olhei para baixo. De repente, fiquei mais confusa do
que assustada com a resposta dele. Dex havia puxado a aba do boné
ainda mais para baixo sobre a testa, a ponta dos dedos branca e
comprimida.
— Por quê?
— Saia daqui, porra — rosnou ele.
Ai!
— Dex…
— Eu disse para sair, caralho! — gritou.
Meu coraçã o começou a bater rá pido, e pensei que ele fosse explodir.
Meu rosto pegou fogo. Meu peito começou a doer. Era como se eu
estivesse sendo esfolada.
A sensaçã o foi horrível. Horrível demais. Por que ele estava gritando
comigo daquele jeito, caramba?
Entã o retruquei pela primeira vez na vida, porque ali estava aquele
cabeça-oca de quem eu estava começando a gostar, por quem eu estava
começando a sentir alguma coisa, e ele estava agindo como um babaca
completo?
— Vá se foder, seu… seu… otá rio malvado! — E em seguida soltei um
bufo que poderia rivalizar com o de um dragã o, exceto pelo fogo e o
mau há lito. — Nã o fale comigo assim.
Eu estava com vergonha, com tanta vergonha que senti um nó na
garganta. Estava mortificada. Ninguém nunca tinha falado comigo desse
jeito, e ele só poderia ter enlouquecido se achava que se safaria dessa.
Me levantei como se minhas juntas fossem as de um idoso, irritada e
magoada, e balancei a cabeça, mas nã o senti vontade de olhar para ele.
Nã o sei o que eu sentiria se visse o rosto dele. Logo antes de eu abrir a
porta com um pouco mais de força que o necessá rio, soltei um “cuzã o”
bem baixinho.
No momento em que saí do escritó rio, meu coraçã o começou a bater
três vezes mais rá pido. A vontade de vomitar e chorar foi arrasadora,
mas consegui conter a â nsia e me conformei com uma respiraçã o
ofegante que nã o fez nada para impedir meus olhos de lacrimejarem.
Aquelas malditas lá grimas traidoras escorreram em pares
esporá dicos, fluindo por linhas fracas pelo meu rosto antes de eu secá -
las.
Eu nã o ia chorar.
Você não vai chorar, Iris.
Secando o rosto de novo, respirei fundo. O ato pareceu estrangulado
e fraco, mas funcionou.
O corredor parecia mais curto que o normal, e quando vi Blue,
Magrã o e um cliente sentados no sofá , olhando na minha direçã o com
pena, eu quis bater o rosto na parede mais pró xima.
Eu nã o conseguia ter uma folga, pelo amor de Deus.
Bati uma mã o trêmula no rosto e marchei direto para a saída,
prometendo a mim mesma que nã o cairia em prantos antes de estar
fora de vista. Eu nã o faria isso, caramba. Nã o faria.
— Iris! — Foi Magrã o que me chamou quando parei à porta,
espalmando o vidro para empurrá -la.
Olhei bem no rosto dele, segurando firme as rédeas que mantinham
meu sorriso sob controle.
— Aqui — disse ele, logo antes de enfiar a mã o no bolso e disfarçar
ao jogar algo para mim.
As chaves do carro dele.
Aquilo me fez chorar ainda mais. Eu as segurei com força, pronta
para jogá -las de volta, já balançando a cabeça.
— Ele vai ficar furioso com você.
Meu amigo fofo deu de ombros, nada preocupado.
— Ele vai superar. — E inclinou o queixo para cima e deu uma
piscadinha. — Posso voltar de carona com a Blue.
Blue abriu a boca, mas nã o disse nada. Seu olhar deslizou para mim e
ela assentiu, solene.
— Dê o fora daqui, Ris.
Ahh, droga. Tive que secar as bochechas de novo para capturar as
lá grimas que escapuliram como ninjas sorrateiros.
— Obrigada, gente. — Minha voz estava trêmula e rouca. Funguei e
abri para eles o melhor sorriso que consegui arrancar das minhas
emoçõ es em frangalhos. — Vocês sã o mesmo bons amigos para mim.
Nã o querendo perder ainda mais tempo na Pins, acenei para os meus
dois colegas de trabalho e sai correndo porta afora. O carro de Magrã o
estava estacionado em uma vaga mais afastada. Respirei fundo e tentei
controlar o fô lego o má ximo possível antes de sair do estacionamento.
Nã o sabia para onde estava indo. Levei um segundo para decidir que
a casa do Sonny estava fora de cogitaçã o. Minhas chaves estavam na
casa do Dex, e a ideia de tentar arrombá -la nã o me atraiu. E de jeito
nenhum eu voltaria para a do Dex. No momento, a ú ltima coisa em que
eu queria sequer pensar era naquele otá rio.
Bem, era mentira. No instante em que pensei nele, minha pressã o
subiu.
Qual era a droga do problema dele? Gritar comigo daquele jeito.
Falar comigo daquele jeito. Talvez ele estivesse acostumado a falar com
os outros assim. Ele nã o tinha sido lá muito bonzinho com a maioria
das pessoas com quem o tinha visto interagir, mas, bem… Aquela birra
dele tinha levado a melhor sobre ele, e sobre mim também.
Dirigi sem rumo por um tempo. Nã o sabia para onde estava indo, e
metade do tempo nem sequer sabia onde estava. Eu teria que abastecer
o carro do Magrã o antes de voltar para o estú dio mais tarde, ou no dia
seguinte, qualquer que fosse minha decisã o.
Foi quando me lembrei de que tinha deixado minha bolsa e celular
na Pins. Para ter noçã o do quanto eu estava puta… é… chateada. Nunca
ia nem ao banheiro sem o celular.
Todo o dinheiro que eu tinha eram doze dó lares e o troco da
lanchonete que tinha deixado no bolso de trá s. Bem, isso meio que
estragava meus planos.
Finalmente encontrei o caminho de volta para o lado da cidade que
eu conhecia, mais perto da casa do Sonny. Com apenas um quarto de
tanque, estacionei no shopping com cinema a que eu tinha ido antes.
Nã o havia sentido em ficar dirigindo a esmo por aí, me lastimando. Nã o
queria repassar ainda mais o tom do Babaca do que já tinha repassado
enquanto dirigia.
Babaca pra caramba.

Eu finalmente, finalmente, tinha começado a prestar atençã o na


atuaçã o depois de encarar a telona por duas horas quando vi a forma
parada aos pés das escadas que levavam até as cadeiras. Entrei
escondida no segundo filme depois de perceber que eram só nove
horas, e de jeito nenhum eu voltaria para a Pins mais cedo do que o
necessá rio.
Porque ainda precisava bolar algum plano.
Se meu carro nã o estivesse na casa do Dex, eu teria mais opçõ es. Mas
ele estava. O celular nã o estava comigo, entã o nã o tinha como tentar
ligar para Sonny e explicar a situaçã o para ele, porque tenho certeza de
que ele acabaria sabendo, e eu nã o queria mentir. Se alguém ia contar
que eu tinha feito uma idiotice, esperava que fosse eu.
Entã o, em algum momento durante o filme que eu fingia estar
prestando atençã o, comecei a chorar. Apenas lá grimas silenciosas
queimando ao sair. Coisinhas traiçoeiras que me faziam sentir ainda
mais vergonha.
A forma ao pé da escada subiu dois degraus. Eu percebia que era um
homem, mesmo no escuro. Alto e musculoso, mas foi tudo o que
consegui discernir. Para ser sincera, nã o me importava, por isso voltei a
olhar para a projeçã o dos dois atores rindo na tela.
Provavelmente foi o meu desejo de me perder no filme que me
deixou cega à forma que subia dois degraus por vez antes de deslizar
pela fileira vazia em que eu estava e se sentar na cadeira elegante ao
meu lado.
Fiquei tensa, mas nã o me virei para olhar o homem… para olhar para
Dex.
O filme continuou pelo que pareceu ser mais dez ou quinze minutos.
Ele nã o disse nada, embora eu pudesse sentir o peso do seu olhar em
mim. Mas ele nã o tinha o direito de olhar para mim de modo tã o físico.
E entã o ele suspirou, em alto e bom som.
— Ritz — murmurou, sem razã o nenhuma. Havia apenas três
pessoas no cinema e estava cada uma em um canto.
Mas isso nã o queria dizer que eu ia prestar atençã o em Dex. Dois
minutos depois, ele sussurrou de novo:
— Ritz.
Nã o, eu ainda nã o ia dar ideia para ele.
— Ritz.
— Ritz.
Ele deve ter repetido meu nome pelo menos umas cinco vezes, um
misto de sussurro que, por fim, acabou se misturando com um sibilar
fraco.
Ainda nada.
Mantive os olhos na tela, mesmo que tenha parado de ouvir o diá logo
depois da segunda vez que ele tinha dito meu nome.
Mas fingir que ele nã o estava ali nã o significava nada, pois Dex
ergueu o descanso de braço entre nossos assentos, e eu me movi, para
longe.
Dedos longos se arrastaram pelo meu joelho acima antes de eu
tentar afastá -lo com tudo, mas foi em vã o. Ele apertou mais forte para
me deter, nã o com brutalidade, mas também nã o de leve.
— Chega — ordenou, para ouvidos moucos.
Eu simplesmente voltei meus olhos para frente, ignorando-o de
novo.
Ele abriu bem a mã o para segurar o má ximo possível da minha coxa,
seus dedos se curvando sobre o mú sculo. Ele se inclinou para a frente,
ultrapassando o espaço entre os nossos assentos, e mergulhou o rosto
para perto do meu. Congelei, mas segui olhando adiante como se ele
nã o estivesse lá .
— Flor — arrulhou Dex, com o nariz na minha têmpora. — Nunca
mais faça uma merda dessas comigo de novo.
Ha!
Nenhum de nó s disse nada por um bom tempo. Ele nã o se moveu, e
continuei fingindo que ele nã o estava ali até que, por fim, ele suspirou
de novo, exasperado.
— Ritz.
Babaca.
Com a ponta do nariz, ele roçou uma linha da minha testa até a
mandíbula. O que eu queria de verdade era ignorá -lo e fingir que ele
nã o estava ali, mas eu o conhecia. Ele nã o compreendia sutilezas.
— Me deixe em paz, Dex — falei, o mais calma e indiferente possível.
Ele respondeu da forma como eu esperava:
— Nã o.
Afastando meu rosto, apoiei a mã o esquerda no meio do seu peito e
empurrei.
— Me deixe em paz.
Dex soltou um longo suspiro pelo nariz que sussurrou por minha
garganta abaixo.
— Nã o, querida.
Que se danasse ele e o seu “querida”. Babaca.
— Pare — rosnei, entre dentes.
Ele segurou minha coxa com mais força, empurrando o nariz na
minha mandíbula.
— A gente precisa conversar — sussurrou.
— Nã o, a gente nã o precisa — rebati.
— A gente precisa, sim — insistiu.
Essa droga de homem era o pró prio diabo.
— Você poderia, por favor, me deixar em paz? Acho que já fizemos
mal o suficiente um ao outro.
Outro longo suspiro escapou dele.
— Flor — falou, repetindo o arrulhar baixinho.
Nã o havia nada a ser dito. Nada que eu precisasse ouvi-lo dizer. Bem,
talvez eu fosse querer ouvir a explicaçã o de como ele tinha descoberto
onde eu estava. Isso seria bacana, mas, nã o.
Estávamos ambos calados de novo. Eu assistia à tela simplesmente
porque nã o queria ver Dex me observando.
Pareceu que um quarto do filme tinha passado quando ele voltou a
falar:
— Nã o sou muito bom nisso — sussurrou. — Já foi uma merda
aquele babaca ter aparecido e tentado tirar você de mim. E aí você me
conta que foi à porra do Busty’s para conversar com eles? Tem noçã o do
que poderia ter te acontecido? O que aqueles merdas inú teis fazem com
coisinhas bonitas como você? Eles as devoram vivas. Eles teriam te
levado embora e te machucado só por causa de quem o seu pai é, por
causa de quem o Son é, Ritz — rosnou ele.
Dex apertou os dedos mais uma vez só por um segundo antes de
afrouxá -los.
— É um milagre do caralho eles terem te deixado dar o fora de lá .
Bem, ele tinha razã o, mas, mesmo assim, eu ainda estava puta.
E quando nã o reagi à explicaçã o dele, percebi que ele também ainda
estava puto.
— Ritz, pare de graça.
E, ainda assim, nã o falei nada.
O resto do filme passou em um borrã o. Eram palavras e atores, sem
significado nem ló gica. Se alguém me perguntasse o que tinha
acontecido, eu nã o saberia dizer nada.
As luzes se acenderam e os créditos subiram. Me levantei e o olhei de
cima por apenas um segundo. Aquilo no queixo dele era um hematoma?
Aquela nã o era hora de me sentir mal por ele, se fosse o caso. Eu tinha
coisas mais importantes em que me concentrar. Tipo ele sendo um
babaca completo.
— Já entendi que você está irritado porque fiz uma idiotice… uma
idiotice imensa, mas você agiu como um filho da puta, Dex. Talvez
outras pessoas estejam acostumadas com você gritando com elas e
falando um monte de merda, mas eu nã o sou nem nunca serei uma
delas. Já aguentei coisa demais para aguentar você me fazendo sentir
um lixo. Entã o vou voltar para a Pins e devolver o carro do Magrã o,
depois vou para a sua casa. Se você nã o se importar, vou passar a noite
lá , e aí eu vou pensar no que fazer.
— Mas nã o vai mesmo, porra. — Os olhos dele se arregalaram de
descrença e filtraram a frustraçã o. — Pode ficar puta o quanto quiser,
flor, mas você nã o vai a lugar nenhum.
Que droga esse cara. Eu ia acabar atrá s das grades se Sonny nã o
voltasse logo. Por que ele nã o podia simplesmente pedir desculpa?
Talvez eu ainda ficasse irritada mesmo que ele se desculpasse, mas o
fato de que ele nã o diria a ú nica palavra que eu queria ouvir me
chateava mais que qualquer coisa.
— Como quiser, Dex.
Foi a vez dele de me responder com um silêncio impenetrável. A
ú nica diferença era que nã o fiquei esperando, assim como ele tinha
feito. Simplesmente passei por ele e fui embora.
Dois dias.
Duas drogas de dias sem falar com ele. Com o maior pé no saco que
eu já tinha conhecido.
Naquele primeiro dia, depois de eu ter voltado para a Pins, nã o
troquei mais nenhuma palavra com ele. Mesmo depois de ele ter me
parado lá fora e perguntado “sério mesmo?”, quando nã o olhei para ele.
Afinal de contas, nã o que eu quisesse estar perto dele no momento ou
em qualquer outro em um futuro pró ximo. Se nã o me importasse com
Sonny ficar ainda mais puto, essa histó ria teria sido completamente
diferente. Eu poderia ter tomado uma distâ ncia muito necessá ria do
Babaca e ficado em um hotel.
Mas nã o era assim que a banda tocava. Eu podia dizer que Dex estava
furioso por eu nã o ter aceitado sua tentativa risível de pedir desculpas
― ela carecia da palavra “desculpa” ―, e já que eu estava brava e
magoada, nã o estava nem aí. Aí ele ficou ainda mais irritado por eu
estar agindo assim, o que deixou tudo pior.
E o silêncio. Caramba. O silêncio era um inferno.
E podia ter piorado ainda mais porque eu queria descobrir por que o
queixo de Dex estava azul e roxo. Eu queria saber como aquilo tinha ido
parar lá , nã o que eu pudesse perguntar.
Ele poderia continuar puto, eu nã o estava nem aí.
No dia seguinte, foi a mesma coisa. A rotina foi tã o corrida que nã o
houve necessidade de nos falarmos. Eu reconhecia quando ele já estava
pronto para sair todas as tardes e nos aprontávamos quietos e tensos
como os ponteiros de um reló gio.
Na Pins, a gente se evitava. A raiva vertia dos poros dele, do olhar,
dos gestos. Me deixei afundar em uma mistura de vergonha, frustraçã o
e decepçã o quando tive que encarar a piedade no olhar de Magrã o e
Blue.
Luther havia aparecido pela segunda vez na vida, pelo menos a
segunda vez desde que eu começara a trabalhar na Pins, e me abriu um
sorrisinho triste antes de dar um tapinha na minha mã o.
E fiquei possessa de novo. Nã o era exatamente por isso que nunca
contei a ninguém sobre o meu braço? A resposta foi um sim
retumbante. Só que dessa vez era porque Dex tinha gritado comigo, o
filho da puta louco que havia ficado furioso quando nã o tinha sido
perdoado de imediato por suas transgressõ es. Idiota.
A noite passou do mesmo jeito, só que Dex fez o jantar e nó s
comemos cada um em uma ponta do sofá , em silêncio.
Mesmo o pessoal do estú dio estava mais silencioso que o normal, me
tratando com luvas de pelica.
Irritaçã o nã o começava nem a descrever o que eu sentia. E eu odiei
aquilo.
Para coroar, eu vinha me esquivando das ligaçõ es do Sonny. Ouvir
uma pessoa de quem eu gostava gritar comigo era mais que suficiente.
Duas seria arrasadora. Talvez eu estivesse pedindo para ouvir todos os
sermõ es de uma vida inteira quando ele voltasse, mas me arriscaria
com meu irmã o.
Dex, por outro lado…
— Você acha que estou sendo cretina? — perguntei, depois de
ignorar Dex por completo quando ele parou ao lado da minha mesa
minutos antes, ao conversar com um cliente.
Por detrá s do tablet sobre o qual estava curvado no momento,
Magrã o inclinou uma sobrancelha para mim.
— Cretina? — Ele disse a palavra tã o devagar que logo me ericei.
— É.
Ele fez careta.
— Cretina não seria exatamente a palavra que eu usaria.
Ah, Senhor.
Para Magrã o, de todas as pessoas, dizer aquilo… caramba. A culpa
roçou os limites da minha mente. Eu tinha uma boa razã o para ficar
com raiva? Achava que sim. Por outro lado, Dex tinha uma boa razã o
para ter perdido o controle daquele jeito? Nã o à quele ponto. Além do
mais… ele tinha tentado se desculpar do jeito dele.
Magrã o olhou para cima antes de voltar a encarar a tela.
— Você quer que eu diga a verdade ou que seja bonzinho?
Ah, Senhor… Ah, Senhor.
Eu estava mesmo sendo tã o cretina assim?
— A verdade, Magrã o. — Bufei, já me sentindo uma otá ria antes
mesmo de ele começar a falar.
— Bem, Ris, você está sendo meio que um pouquinho irrazoável —
declarou ele, sem nem alterar a voz. Magrã o bateu no tablet. — Se
alguém gritasse com a minha irmã como ele gritou com você, eu teria
tentado dar uma surra na pessoa. — Quase resfoleguei com a palavra-
chave da frase dele: tentar. Mas ele continuou, entã o nã o fiz nenhuma
piadinha. — Mas se a minha irmã tivesse feito a merda que você fez, eu
teria gritado com ela daquele jeito.
Afff.
— Ele só ficou puto porque se importa, sabe? — falou ele, cheio de
tato, finalmente me olhando com aqueles brilhantes olhos verdes.
E aquele comentá rio me desarmou.
— Sei… — Suspirei.
— Mas — ele deu uma piscadinha — aquele “vá se foder” acertou em
cheio, Arco-íris.
Eu disse aquilo mesmo, nã o disse? Ops.
Magrã o sorriu com bondade, apagando o que restava da raiva que
havia se agarrado ao meu peito. Ele tinha razã o.
— Se algum dia você fizer uma merda daquelas de novo, eu mesmo
vou atrá s de você. Entendeu?
— É , entendi.
E, simples assim, me senti um pouquinho aliviada. Ficar com raiva
dava trabalho demais. Eu precisava pensar em uma forma de me
preocupar com Dex sem ter que me revirar em submissã o. Eu nã o daria
o gostinho.
Entã o, quando o telefone tocou minutos depois, a chance caiu… na
minha mesa.
— Pins and Needles, Iris, boa tarde. Como posso ajudar?
Uma mensagem gravada dizia que eu estava recebendo uma ligaçã o
de um detento da Byrd Unit.
O nome desencadeou uma lembrança do meu pai. Fora lá que ele
tinha cumprido pena antes de conhecer minha mã e? Algo me conduziu
em direçã o ao sim.
Eu deveria ter desligado, mas fiquei na linha enquanto a chamada
completava e meu cérebro dava voltas. Meu pai estava na penitenciá ria?
Eu nã o achava que fazia tempo o bastante desde que ele estivera na
cidade, mas era uma possibilidade.
— Lo? — perguntou a voz rouca do outro lado da linha. Nã o era ele.
Dez anos depois, e eu sabia que reconheceria a voz dele.
— Pins and Needles — respondi, de um jeito meio estranho. Certo,
por que alguém na penitenciá ria ligaria para o estú dio?
Ouvi um farfalhar antes do homem falar de novo.
— Eu preciso falar com o Dex.
Foi quando percebi quem estava ligando. Apenas um detento ligaria
para a Pins… o pai do Dex. Droga!
Eu nã o tinha o direito de filtrar as ligaçõ es para ele, nem qualquer
outro aspecto da vida dele, mas me obriguei a relevar. Ele estava muito
azedo desde que o havia dispensado no cinema, e aquilo poderia tirá -lo
do prumo. Em nenhum universo paralelo existente Dex ia querer falar
com o pai.
— Ele nã o pode falar agora, mas posso anotar o recado. — Um
recado que seria escrito em tinta invisível.
— Eu sei que o filho da puta está aí — grunhiu o homem, o Locke
mais velho. — Coloque ele na linha.
De. Jeito. Nenhum.
— Ele nã o pode atender agora. O senhor gostaria de deixar recado?
— Grunhi na minha melhor imitaçã o de quando Dex estava com raiva.
— Ele está aí. Passe a droga da ligaçã o para ele.
Afastei o telefone da orelha e o encarei. Não desrespeite os mais
velhos, Ris.
— Nã o vou passar a ligaçã o para ele. Se quiser deixar recado, deixe.
Se nã o, fique à vontade para ligar para o celular dele. — Como se ele
fosse atender. Ha!
Eu poderia nã o ser capaz de falar merda nenhuma com o Locke mais
novo, mas o mais velho estava preso, entã o era inofensivo. No
momento, pelo menos.
— Qual mesmo você disse que era o seu nome? — A voz dele tinha
começado a ficar mais alta quanto mais irritado ele ficava.
Eu poderia fazer idiotices de vez em quando, mas nã o era idiota o
bastante para dizer meu nome.
— Gostaria de deixar recado, senhor?
— O que eu gostaria era de falar com o meu maldito…
Desliguei com um pequeno floreio, sorrindo satisfeita comigo
mesma. Nem três minutos se passaram quando o telefone do estú dio
voltou a tocar. Atendi, ouvi a mensagem gravada começar a tocar e
desliguei de novo.
O telefone tocou mais duas vezes, mas nem me dei o trabalho de
atender. O estú dio estava vazio, exceto pelo Babaca no escritó rio, e Blue
na seçã o dela. Ela nã o daria a mínima para mim ignorando as ligaçõ es.
— Telefone! — berrou Dex, do escritó rio.
Como se ele nã o pudesse atender aquela porcaria ele mesmo.
O que, no caso, era uma coisa boa.
— Nã o atenda! — berrei de volta.
Houve uma breve pausa antes de ele gritar de novo.
— Ritz! Telefone!
Droga. Suspirei e salvei o arquivo que eu estava upando no site da
Pins para que pudesse ir falar com o Babaca.
Na curta caminhada até o escritó rio, tentei me preparar
mentalmente. Ele estava sentado à mesa, mexendo no computador
quando apareci na porta.
Entã o pensei melhor, dei um passo atrá s e coloquei só a cabeça ali no
vã o.
— Seu pai está ligando.
Ele nem se mexeu, nem estremeceu, nem mesmo pestanejou diante
da tela do computador. Em vez disso, aqueles intensos olhos azuis de
que eu tinha vindo a gostar tanto focaram em mim quase que
incrédulos.
— O quê? — A pergunta me fez lembrar de uma estalactite verbal.
— É o seu pai que está ligando. Ou pelo menos tenho noventa e nove
por cento de certeza de que é ele que está ligando da Byrd Unit. —
Pisquei, afastando ainda mais meu pé da porta. — Ele estava sendo
grosso, e eu desliguei na cara dele.
Quando ele nã o disse nada nem fez um toca aqui por eu o ter
defendido, comecei a pensar que eu tinha feito algo errado. Era uma das
coisas que tínhamos em comum: nosso ó dio mú tuo pelo que o pai
representava. O passado e o temor por um futuro semelhante.
— Me desculpe, Dex. Pensei que talvez você nã o quisesse falar com
ele — me apressei a dizer.
Ainda assim, ele nã o disse nada, e a culpa me fez sentir uma pontada
no estô mago.
— Sinto muito por ter feito isso, se ele ligar de novo, vou…
— Nã o. — Ele respirou. — Nã o. Você fez bem. Nã o quero falar com
ele.
Assenti enquanto a gente se encarava. Deus, eu odiava demais esse
clima entre nó s. Odiava. Dex tinha sido meu amigo… era meu amigo.
Uma das poucas pessoas que eu valorizava e em quem confiava de
verdade, e minha idiotice tinha estragado tudo. E aí o mau gênio dele
tinha dado as caras logo depois. Por que eu ficava guardando rancor de
Dex?
A vida era imprevisível demais para ficar brava. Eu odiaria acordar e
nã o o ter mais, o que só enfatizaria o fato de que eu nunca tinha pedido
desculpa. Jamais conseguiria conviver com algo assim.
Se ele nã o gostasse de mim, entã o nã o daria a mínima para o que
acontecesse comigo, nã o é? E o fato de ele ter surtado… bem, era um
elogio que eu era teimosa demais para aceitar. Tinha vivido à sombra de
um homem que nã o dava a mínima para mim. Que motivo eu tinha para
reclamar? Que motivo eu tinha para sentir medo? Gostar dessa droga
de idiota e me sentir atraída por ele, um cara que mal controlava o
pró prio temperamento?
Eu poderia ter me saído bem pior.
Entã o, merda. Eu precisava ser madura e agir como adulta, mesmo
que isso matasse um pouco do meu orgulho.
— Olha, sinto muito por ter ido ao Busty’s. Foi uma idiotice, mas eu
estava chateada. A vida toda eu fui um estorvo para a maior parte das
pessoas. Minha avó foi à falência para pagar… — alonguei a palavra. Nã o
era por aí que eu queria seguir com a conversa — … coisas para mim e
eu odiava. Nã o quero nunca mais me sentir daquele jeito, e desde que
perdi meu emprego na Fló rida, sinto como se estivesse passando por
tudo isso de novo. Você nã o faz ideia do quanto é ruim ter que depender
dos outros para tudo. — Esfreguei a testa e olhei para baixo. — Sinto
muito por ter posto vocês nessa situaçã o. Se tivesse dado errado, tenho
certeza de que a culpa teria ido para você, ainda mais porque Sonny te
deixou responsável por mim como se eu fosse uma criancinha.
Minhas mã os começaram a tremer só um pouquinho enquanto eu
falava.
— Gosto muito de você, seu idiota, e você me magoou. Entã o me
desculpe por ter te deixado tã o irritado e por ter feito você se
preocupar, mas eu nã o peço desculpas por ter te mandado para aquele
lugar, ok? Você mereceu.
Eu nã o esperava uma resposta, e nã o cheguei a esperar para receber
uma. Lancei um sorriso amarelo para ele que foi frouxo na melhor das
hipó teses, e voltei ao trabalho.
Minhas mã os tremeram o tempo todo.

— Flor.
— Flor.
Me senti ser movida, sendo empurrada de um jeito que meu rosto
pressionou as almofadas do sofá em que vinha dormindo nos ú ltimos
dez dias. Um corpo grande e quente se aninhou à s minhas costas,
deslizando um braço pela minha cintura.
— Dex? — perguntei, com a voz rouca, abrindo um pouquinho os
olhos na sala escura. A contar pelo tanto que minha garganta parecia
seca, eu devia estar dormindo havia muito tempo.
— Sim — ele murmurou no meu ouvido. A mã o que estava no meu
quadril escorregou para tocar minha bochecha com as pontas macias
dos dedos.
Olhei por cima do ombro, para ele, tentando piscar para afastar o
sono.
— O que você está fazendo?
Porque sério? O que ele estava fazendo? Mesmo depois de eu ter me
desculpado por algo que nã o era inteiramente culpa minha, ele tinha
continuado me dando gelo lá no estú dio, na volta para casa e nos trinta
minutos que tínhamos passado perto ao jantarmos no sofá . Babaca. A
ú ltima coisa que eu esperava era ele deitar no sofá comigo no meio da
noite, pronto para ficar de conchinha.
Nã o que eu fosse reclamar, mas ainda assim…
Dex moveu os quadris até meu traseiro estar encaixado na sua
virilha.
— Nã o consigo dormir — ele sussurrou, por alguma razã o. Eu nã o
tinha como ter certeza, mas acho que ele pode ter pressionado os lá bios
na minha orelha. — Tenho sido um merda, flor.
Ai, Senhor, eu queria dar uma resposta sarcá stica, mas me segurei.
Também precisei me segurar para nã o pedir para ele sair do sofá . O que
era uma idiotice, porque os alarmes na minha cabeça tinham disparado,
me dizendo que essa proximidade era péssima.
Mas, bem, eu nã o havia deixado meu juízo na Fló rida? Meu juízo e a
droga do meu cérebro.
— Sei que sou um imbecil, flor. Você sabe que eu sou um imbecil. —
Dex pontuou cada declaraçã o movendo a ponta do dedo da minha
orelha para o queixo. — Principalmente quando eu fico irritado. — Ele
pontilhou o fim da frase com suspiros, como se admitir aquilo fosse
doloroso ou esquisito, e eu tenho certeza de que era. O nú mero de vezes
que ele tinha se desculpado na vida tinha que ser tã o pequeno quanto o
nú mero de caras que eu havia beijado.
Ele afagou a curva da minha orelha com o dedo.
— Eu nã o tenho noçã o de que porra estou fazendo com você, sabe?
Ah, caramba.
Virei a cabeça para trá s, para poder olhar para ele.
— Nem eu, Dex.
Sua expressã o era suave e mais sincera do que eu já havia visto. Ele
passou a ponta do dedo pela minha orelha de novo, arrancando
arrepios do meu braço. Repetiu o gesto algumas vezes, seu fô lego
quente contra o meu pescoço.
— Flor, você me faz querer matar cada filho da puta que te olha. Sabe
como é isso?
Eu me lembro como tinha me sentido horrível ao ver o braço dele ao
redor daquela ruiva. Afff. Naquele momento, me senti sincera o
bastante para assentir.
Ele passou a mã o pelo meu pescoço, cobrindo toda a extensã o com a
palma grande.
— A droga da minha cabeça doeu quando você disse que aquele
merda colocou a boca em você. E sabe no que nã o consegui parar de
pensar? No quanto aquele filho da puta ia amar machucar você para se
vingar do Clube e do seu pai, flor. Quando você me disse que esteve no
Busty’s… eu perdi a cabeça. — Dex passou o dedo pelo canto da minha
boca, me afogando em uma bruma profunda que nada tinha a ver com o
sono. — Desculpe por ter gritado com você daquele jeito. Desculpe por
ter te magoado. Se outra pessoa tivesse feito a merda que você fez, eu
teria cortado a porra da língua dela fora, Ritz. Pensei que Lu fosse fazer
exatamente isso comigo depois que você saiu. — Ele deu uma risadinha
soturna.
Dex soltou outro suspiro, chegando tã o perto que era como se fosse
um cobertor humano.
— Eu ferrei com tudo na minha vida, mas gosto de aprender com
meus erros e dar um jeito neles. Eu deveria ter dito algo para você lá na
Pins esta noite, quando você falou com o meu pai, mas nã o consegui.
Tenho dificuldade para superar quando as pessoas mentem para mim,
flor, mas você ter feito aquela merda e a apariçã o do Liam quase me
fizeram ter um troço. Aí você foi e me protegeu do meu pai, e me disse
que pensava que todo mundo achava que você fosse um estorvo. Isso
quase acabou comigo.
Ah, caramba.
Foi a minha vez de suspirar na almofada do sofá , esmagando meu
rosto para que eu nã o soltasse nenhum som vergonhoso.
— Entendo… mas alguém gritando comigo daquele jeito foi
constrangedor.
Ele soltou um gemido que era pura culpa.
— É , eu sei.
Eu nã o disse nada, o que me rendeu um resmungo baixinho.
— Nã o vai se repetir — adicionou ele, naquela voz sedosa que nã o
estava acostumada a pedir desculpas.
— Acho que você já disse isso.
O mesmo som abriu caminho dentro dele.
— Flor, vou dar o meu melhor, desde que você nã o volte a mentir
para mim.
A droga da sinceridade dele me pegava de jeito todas as vezes.
Suspirei de um modo um pouco mais exagerado que o necessá rio ao me
lembrar do tom duro que ele tinha usado.
— Você falou como se me odiasse — confessei, afundando ainda
mais o rosto no sofá .
Dex estendeu a mã o para me puxar de volta e inclinou meu rosto
para o seu. Seu olhar era intenso, decidido.
— Jamais pense isso. Posso ficar com raiva, e posso descontar as
merdas em você, mas isso… nunca. Nunca mesmo, caralho, você ouviu?
O rosto dele estava sincero e solene. Verdade estava estampada nas
linhas dos seus lá bios e nas dobras das suas pá lpebras.
— Revirei a cidade atrá s de você, Ritz. Você acha que eu faria isso
por outra pessoa?
Ele? Nã o. De jeito nenhum. E a realidade daquilo me deixou mais
feliz do que provavelmente deveria.
A pura emoçã o que eu sentia emanar de Dex, o temor, a necessidade,
o arrependimento… era tudo tã o estranho. E eu estava destroçada em
pedacinhos tã o minú sculos que aquilo me fez me sentir insignificante,
mais carente do que queria. Ainda nã o entendia a situaçã o, nã o
entendia Dex, mas talvez isso jamais acontecesse.
— Ei… o que houve com o seu rosto?
Um rosnado baixo veio rolando por sua garganta. Ahhh, caramba.
Devia ser algo relacionado a mim.
— Vamos apenas dizer que alguém pensou que se safaria dizendo o
mesmo tipo de merda que você.
Foi todo aquele meu discurso de “vá se foder”. Eu sabia.
— Foi um dos membros do Clube?
A resposta dele foi outro grunhido minú sculo de aviso.
É , tinha sido alguém que estava na sala com a gente. Ah, bem. Se Dex
achava que eu ia mudar de ideia e me desculpar por dizer aquilo, ele
poderia tirar o cavalinho da chuva.
— Estamos de boa? — ele sussurrou no meu pescoço.
— Estamos. — Assenti. — Estamos de boa.
— Que bom. De verdade. — Os quadris dele se moveram inquietos
atrá s de mim, inclinando-se para frente em um movimento brusco que
fez parecer que estava tentando se acomodar melhor no sofá .
O ú nico problema era que ele nã o cabia lá . Era estreito demais
mesmo quando estávamos cada um de um lado. Entã o nã o era
nenhuma surpresa o fato de ele nã o parar de se remexer.
— Acho que isso nã o vai dar certo, Ritz — disse ele, por fim, depois
do que pareceu ser um rebolado contra o meu traseiro que me mandou
de cara para o encosto.
Gemi minha resposta.
Ele rosnou, depois se moveu, e rosnou de novo.
— Caralho, isso é uma merda.
Com um bufo frustrado, o calor do corpo dele desapareceu antes de
eu sentir seus dedos se esgueirarem pelas minhas axilas e me puxarem
para trá s.
— Vamos.
— Quê? — perguntei, conforme ele me puxava, me arrastando do
sofá . Firmei os pés no chã o e me empurrei para ficar de pé.
— Minha cama.
Minhas juntas travaram.
— Humm… — Deitar ali no sofá tinha parecido ok, mas deitar na
cama era outra conversa.
E ele sabia, porque revirou os olhos e prendeu minha mã o na sua.
— Flor, pare de pensar demais.
— Ah.
Dex entrelaçou os dedos com os meus, me puxando.
— O que está te incomodando?
Que tal tudo? Deitar na cama com um Dex sem camisa? A forma
como meus ová rios tinham estado superaquecidos ultimamente? Ai,
caramba. Nã o que eu pudesse dizer isso. Seria como jogar isca em á guas
infestadas de tubarõ es.
— Eu nunca… — Engoli em seco.
— Você nunca o quê? — ele grunhiu as palavras.
Senhor. Afundei um dedo nas costelas dele e olhei para o seu rosto
tenso.
— Nunca dormi na mesma cama com um cara, Charlie. Além de você,
naquele dia.
Ele fez uma das ú ltimas coisas que eu teria esperado. Dex me
encarou por um momento antes de jogar a cabeça para trá s e bufar para
o teto.
— Você está acabando comigo, flor. Você está acabando comigo.
Dex puxou minhas mã os ao baixar o queixo para me olhar nos olhos.
Sua mã o livre avançou para segurar meu queixo. A expressã o dele era
límpida e séria.
— A gente nã o vai fazer nada que você nã o queira. Prometo. Só
dormir.
Minha nossa.
Assenti para ele de forma vaga, confiando implicitamente.
— Tudo bem. — Minha respiraçã o acelerou um pouquinho. — Nã o
faço isso com todos os meus amigos, sabe?
Foi o sorriso adulador que ele abriu para mim em seguida que me fez
ir para a cama com ele, mesmo meus nervos estando à flor da pele.
Quero dizer, só se vive uma vez. E era ele.
Alguém que gostava de mim tanto quanto eu gostava dele.
Eu confiava nele.
E, naquele momento, nã o estava assustada nem preocupada
enquanto o seguia até a cama. Mas, quando nos deitamos, no escuro,
com todo o nervosismo do universo se empoçando no meu ventre, ele
tocou minha testa com a ponta dos dedos e murmurou:
— É melhor você entender de uma vez, flor. Isso nã o é apenas
amizade para mim.
Havia alguma coisa encostada na minha bunda, sem dú vida.
E nas minhas costas.
E no meu pescoço.
E sem dú vida foi a coisa na minha bunda que me acordou.
Geralmente eu nã o sonhava, entã o quando senti aquele calor
desconhecido apertando minha bunda nua, eu sabia que nã o era um
sonho.
De uma coisa eu tinha certeza: estava na cama do Dex, e os lençó is
estavam puxados até minha cintura.
Eu tinha caído no sono por cima deles. Sabia disso com toda certeza.
Piscando para afastar o que parecia um sono irresistível, olhei para trá s
para ver o que estava em cima de mim.
E nã o deveria ter ficado surpresa.
A protuberâ ncia sob o lençol estava ligada a um braço musculoso
conectado a um bíceps enorme com uma impressionante definiçã o,
mesmo quando nã o estava sendo flexionado.
A maldita mã o de Dex estava dentro da minha calcinha, espalmando
minha bunda nua.
Só dormir, ele disse?
Tentei rolar para longe, mas aquela coisa nas minhas costas era
pesada e forte, o que me dizia que era o peito do Dex, me esmagando.
Entã o o que estava no meu pescoço só podia ser parte da anatomia
dele.
Minha nossa.
Em que eu estava pensando quando tinha aceitado vir dormir com
ele?
Estava pensando que você gostava dele. Que você confiava nele.
Se ele nã o fosse um cara do Fá brica, talvez eu nã o estivesse tã o
assustada, nã o é? Meu instinto sabia que era um sonoro sim. Era
mesmo só aquilo que me mantinha afastada dele? Nã o era o pavio
curto, eu poderia lidar com aquilo, a menos que ele gritasse comigo.
Dex, Charlie, era muito mais do que sua aparência insinuava. Ele parecia
babosa: á spero e espinhento por fora, mas por dentro todo molenga e
delicioso.
Provavelmente ele reviraria os olhos se eu dissesse isso em voz alta,
mas era verdade.
E foi por isso que tentei fingir naturalidade enquanto seus dedos
longos agarravam minha bunda. E seu há lito soprava no meu pescoço.
Quando tentei deslizar de debaixo dele, a mã o na minha bunda foi
para as minhas costelas para me segurar no lugar.
— Aonde você vai? — perguntou Dex, as cordas vocais tensas por
causa do sono.
Congelei e sussurrei:
— Banheiro.
Ele bocejou e flexionou os dedos.
— Mentirosa. Volte a dormir — murmurou, já se aninhando naquele
ponto de pele que ficava entre o ombro e o couro cabeludo. Mais
desperta agora do que antes, eu conseguia sentir o calor da sua boca a
milímetros de mim.
— Dex — sussurrei.
Suas mã os se moveram por minhas costas e deslizaram por
completo dentro da minha calcinha de algodã o, e seu polegar desenhou
círculos preguiçosos na pele embaixo.
— Dex! — É , nã o soou nada convincente.
— Por favor, volte a dormir. — O calor da sua boca só se intensificou
em uma proporçã o de mil para um quando ele murmurou em resposta.
O coitado do meu corpo nã o conseguia lidar com o grande e quente Dex
aninhado em mim.
— Vou dormir no sofá .
Ele resmungou, fazendo arrepios irromperem pela minha pele.
— Dex, se liga — tentei pedir, mas ele nã o se moveu um centímetro.
Ele nã o disse nada, e seu polegar simplesmente continuou
desenhando círculos lâ nguidos bem no meio da minha bunda. Parecia
que a parte superior do corpo dele tinha se aproximado ainda mais.
— Relaxe, flor — murmurou, por fim.
Como se isso fosse acontecer. Todo o meu corpo estava tenso. Dizer a
mim mesma que aquilo nã o era certo era como lutar contra a maré do
oceano. Nã o era natural.
— Nã o consigo.
— Consegue, sim. — A palma macia da sua mã o agarrou minha
bunda, e respirei fundo. Por que eu estava resistindo, caramba?
— Nã o sei o que estou fazendo — falei, e fechei os olhos com força.
Sua risada era suave e misteriosa.
— Eu sei, minha florzinha.
Eu deveria simplesmente desistir de viver depois dessa. De viver, de
resistir, de existir. De tudo isso.
Antes que eu desse por mim, a mã o dele tinha saído da minha
calcinha, e o peso do seu corpo tinha sido arrancado das minhas costas.
Duas mã os grandes e familiares agarraram meus tornozelos logo
depois, me virando de costas.
E, em seguida, ele estava em cima de mim.
Ele se apoiou sobre as mã os e os joelhos, e seu rosto lindo e má sculo
coberto pela barba por fazer estava bem ali. Lá bios macios, olhos azul-
carbono e Uriel, todos me cumprimentaram.
Se tudo isso nã o bastasse para me capturar, ele estava sem camisa. A
pele suave e beijada pelo sol era firme sobre os mú sculos muito bem
delineados, os quais ele desenvolvia uma boa parte da semana na
academia de casa. Mas entã o ele se posicionou acima de mim, sem a
estranheza de uma amizade recente, como tinha sido antes. Caramba,
nã o era a mesma da semana anterior, depois do aniversá rio da sobrinha
dele…
Minha nossa. Minha. Nossa.
Nã o fazia muito tempo que eu o tinha visto sem camisa e isso nã o
valia de nada porque o torso dele era uma dessas coisas que só
melhoravam todas as vezes que eu via.
A primeira coisa que notei de novo foram as argolinhas de aço
inoxidável atravessando os mamilos perfeitos e escuros. Mamilos
pequenos em um peito musculoso e acima de uma barriga tanquinho
perfeitamente desenhada. Um tanquinho que levava para a placa reta e
deliciosa dos mú sculos em formato de V que desapareciam sob a boxer
preta… que nã o fazia nada para esconder a barraca enorme que estava
armada ali.
E foi quando me lembrei que ele tinha um piercing no pau.
Era um mistério nã o resolvido o fato de eu nã o ter desmaiado. O que
nã o era um mistério nã o resolvido era a razã o para minha boca ter
ficado seca. Eu tinha certeza de que havia parado de respirar. Qualquer
mulher ou homem teria feito o mesmo.
Dex era… melhor que qualquer coisa que eu já tinha visto impresso
ou na televisã o. E eu poderia até mesmo dizer “celestial” se ele nã o
parecesse trabalhar para o diabo em vez de para os caras bonzinhos. As
linhas escuras e coloridas que se espalhavam praticamente pelo seu
torso todo realçavam sua beleza assombrosamente etérea. Ao longo dos
ú ltimos meses, eu nunca o tinha visto usando algo que nã o fosse jeans e
camiseta, exceto pela viagem a Houston e da outra vez que tínhamos
dormido juntos na cama.
E, naquele momento, eu estava grata por ter levado tanto tempo para
que o visse tã o de perto. Cada um dos braços cobertos de tinta que eu
via, dia apó s dia, se espalhava para seus ombros, trapézio e peitoral. Só
a barriga tinha sido poupada do preto, azul, cinza e vermelho intensos
que coloriam sua pele. Uriel, o polvo tatuado nele, me cumprimentou
com seus belos e grandes detalhes e sua clá ssica pele vermelha
marcante.
Arrastei o olhar das cores vívidas e o direcionei para entre suas
pernas, e voltei para cima de mim. Eu o encontrei me observando com
aqueles olhos azuis brilhantes encobertos pelas pá lpebras pesadas.
— Caramba. — Sua voz havia assumido um tom profundo, parecia
efeito de algo mais que apenas o sono. — Em que caralho de universo
achei que poderia dar ouvidos ao seu irmã o?
Bom Senhor.
Ao que parecia, mesmo que eu pudesse evitar desmaiar por causa
daquela gló ria em que eu estava presa, minha voz tinha morrido umas
mil vezes por causa da perfeiçã o de Dex. Entã o precisei responder com
um sorriso trêmulo e nervoso.
— Iris.
Deus do céu.
— Eu jamais machucaria você, linda — murmurou Dex.
Aquilo era surreal.
Eu o desejava, o que era ruim, porque sabia que deveria sair dali e
agir como uma garota séria. Como uma garota que havia visto a mã e
desmoronar sob os efeitos que um motoqueiro poderia causar a um
coraçã o… a uma vida. Mas o homem em cima de mim nã o era do tipo
que sumia no mundo. Ele era leal e afetuoso, e sua proteçã o me envolvia
em um casulo que era todo fogo e sensaçã o. Eu poderia viver sem
aquilo, é claro. Eu poderia viver sem aquilo e ficaria perfeitamente bem,
mas… esse cená rio mais parecia o inferno.
Eu aceitaria, droga. Eu aceitaria esse Dex com seu gênio horroroso
que nunca tinha me feito duvidar de que ele se importava e se
preocupava, embora ele nã o soubesse lidar consigo mesmo a maior
parte do tempo. Meu corpo decidiu se comprometer e aceitar a
realidade das tatuagens, o foco dos olhos azuis que estavam me
capturando.
Dex me observou parecer hipnotizada, como um animal pego pelos
faró is de um carro, imó vel e assustado. As linhas do seu corpo eram
meu canto de sereia, me mantendo em sua teia enquanto ele
permanecia no lugar, completamente parado. A barriga, os bíceps, as
coxas musculosas, as quais apreciei rapidamente ao passar os olhos por
elas, tudo isso me chamava.
Ele pegou meu pulso com uma das mã os, e apertou a parte de trá s do
meu pescoço com a outra. O calor do seu corpo irradiava através das
minhas roupas, embora estivéssemos separados por cerca de trinta
centímetros. Nã o ajudou nada eu poder sentir, de mais perto do que
nunca, aquele aroma que era todo Dex.
— Soube, no instante em que te vi, parada em frente ao estú dio, com
medo, que você era uma coisinha inocente. Tã o meiga. Tã o boa. — Ele
baixou a cabeça para prender meu queixo entre os dentes. — Você nã o
faz ideia do que é para mim você me entregar sua confiança, Ritz. Se eu
fosse um homem bom, diria para você ir atrá s de alguém melhor,
alguém que nã o fosse perder o controle porque um filho da puta está te
comendo com os olhos. — A língua dele traçou a forma oval do meu
queixo. — Mas nã o sou um homem bom, e vou tomar tudo o que você
quiser me dar e tudo o que nã o quiser me dar também.
Raios me partam. Ao meio. Em pedacinhos.
Sua voz estava tã o á spera e exposta, o efeito era como se houvesse
milhares de pisca-piscas se acendendo nos meus nervos. E as palavras
dele. Minha nossa. Meus neurô nios nã o conseguiam nem processar o
que ele estava dizendo sem me fazer perder o fô lego.
A testa de Dex tocou a minha bem de leve, como se ele pudesse
sentir a emoçã o borbulhando dentro de mim.
— Eu quero tudo, linda.
Minha expiraçã o saiu trêmula enquanto eu olhava para a beleza
má scula daquela boca perfeita de Dex a poucos centímetros de mim.
— Por quê? — Eu precisava lembrar.
— Por quê? — perguntou ele, naquele tom cá lido e submisso.
— Nã o entendo por que você gosta de mim. Nã o sou seu tipo. —
Porque essa era a minha ú nica defesa. Eu nunca tinha desejado nada,
que dirá alguém, do jeito que eu desejava esse homem tatuado e
grosseiro. Mas uma parte enorme de mim estava preocupada de
verdade com a razã o para ele ter se prendido a mim.
Ele soltou uma risadinha profunda.
— Tentando ganhar elogios de novo? — Seu fô lego verteu sobre os
meus lá bios.
— Nã o.
Eu podia dizer que ele estava sorrindo.
— Claro que nã o — murmurou, mordendo meu lá bio inferior. — Por
onde você quer que eu comece, linda? Quer saber o que gosto em você
além dessa bunda linda? E dessas pernas cobertas por esse shortinho
branco minú sculo?
Os lá bios dele roçaram o canto da minha boca.
— Você tem o rosto mais lindo que eu já vi. — Os lá bios vagaram
pela minha mandíbula, e embora seu há lito estivesse quente, eu me
arrepiei. — E aquele sorriso que você me dá quando nã o está nem aí
para mim? A porra de um sorriso é a ú ltima coisa pelo que eu me
interessaria antes de te conhecer. — Havia uma boa possibilidade de ele
ter tocado meu maxilar com a ponta da língua, porque talvez eu tenha
deixado escapar um som esquisito em resposta. — Mas você me faz rir
como ninguém mais. É disso que mais gosto. — Dex fez um barulho em
sua garganta. — Talvez.
Eu me debatia por dentro. Me debatia e morria de novo e de novo.
Joguei a cabeça para trá s e olhei para a cabeceira.
— Você é demais para mim.
Uma risadinha suave abriu caminho por sua garganta.
— Eu meio que te acho um tesouro.
Foi quando parei de resistir.
Eu nã o me importava mais. Ele era meu chefe, amigo do meu irmã o,
um integrante do MCFV, um ex-presidiá rio e um homem que eu tinha
visto se envolver com outras mulheres. Mas ele era tudo o que me
capturava, para o bem e para o mal. Na pior das hipó teses, se as coisas
ficassem estranhas entre nó s, eu poderia ir para outro lugar. Eu já havia
superado uma má goa épica antes, outra nã o me mataria.
Tomara.
O que eu tinha a perder além de continuar a viver minha vida atrá s
de paredes muito bem construídas?
Nada. Absolutamente nada.
Tive que juntar toda a minha coragem e determinaçã o antes de
pressionar os lá bios no lá bio superior dele. Foi um encaixe lento, fá cil.
Mas, ainda assim, o nervosismo comeu o revestimento do meu
estô mago quando afastei a boca só o suficiente para beijar seu lá bio
inferior da mesma forma. Dois dos meus, para um dos dele.
Repeti. Beijando o lá bio superior primeiro, depois o inferior. Beijos
simples e castos que Dex enfrentou com paciência. O tipo de beijo que
ele devia ter superado no ensino fundamental. Eu tinha acabado de
lamber meus lá bios com toda a intensã o de beijá -lo de novo quando ele
franziu os dele em resposta, me beijando com aquela boca macia. Suave,
suave, suave. Sua boca tocou meu lá bio superior, depois o inferior. Um
canto da minha boca, depois o outro.
Aqueles beijos foram tudo o que os outros dois nã o foram.
Explorató rios de um jeito que me deixou ofegante e agitada. Foram
puros e pacientes até que ele começou a sugar um lá bio e depois o
outro. Porque, depois disso, ficou tudo molhado. Lento e sensual. Dex
inclinou a boca, deslizando a língua de forma tã o discreta que nã o a
percebi até ela roçar a minha.
Choraminguei quando seu braço deslizou pelas minhas costas. Ele
abaixou o corpo até estarmos no mesmo nível. Meus seios no seu peito,
barriga com barriga, virilha com virilha. Com apenas a barreira da
minha camiseta térmica, da nossa roupa de baixo e o short fino com que
eu dormia, eu podia sentir cada centímetro dele. E isso incluía a
cutucada dura dos seus piercings de mamilo no meu peito sem sutiã .
Minha nossa.
Eu tinha sido beijada antes, e entre aqueles beijos, eu tinha posto
minha mã o e boca em um dos meus dois namorados. Entã o, exceto por
essas poucas vezes, os poucos beijos, o pornô a que eu assistia e os
romances que eu lia, sabia por alto como as coisas eram. Mas com Dex,
e sua boca cá lida e insistente, as mã os fortes e possessivas, e aquele
corpo forte, tatuado e angelicamente dotado, eu me sentia como se
tivesse acabado de me formar na escola e entrado na faculdade. Melhor
ainda, ter ido da escola direto para o mestrado.
Minhas mã os, de alguma forma, conseguiram encontrar o caminho
até a cintura de Dex enquanto sua boca controladora assumia. Meus
dedos se curvaram nos mú sculos fortes que protegiam seus quadris.
Senti dedos ao redor da minha cintura começarem a vagar mais para
baixo, segurando a bainha da minha camiseta bem devagar. Tive um
mini ataque de pâ nico, pronta para detê-lo caso ele tentasse tirar minha
blusa. Eu nã o tinha um corpo espetacular, mas sempre havia me
considerado medianamente bonita pela maioria dos padrõ es. Minha
barriga até que era chapada, e minha pele tinha uma pinta ou outra.
Eu era bonitinha, meu corpo era bonitinho, mas eu nã o estava pronta
para que ele soubesse do meu braço. Ainda nã o.
Entã o, embora eu soubesse que nã o tinha o corpo de uma modelo
nem de uma gostosona, como as mulheres com que eu imaginava que
Dex estava acostumado, a contar por aquelas que tinha visto com ele
antes, eu nã o estava muito insegura. Mas ele puxou minha blusa para
cima, para cima, para cima. Passou pelo umbigo, pelas costelas e seios
até que parou. Obrigada, obrigada, obrigada. Ele parou, amontoando
minha blusa logo abaixo da clavícula. Mas quando os olhos de Dex
pousaram no meu torso, trilharam um caminho ardente até minha
clavícula e pousaram específica e, ao que parecia, permanentemente
nos meus seios, e fiquei um pouco autoconsciente demais, mas nã o
tanto ao ponto de me cobrir.
Com um suspiro, ele resvalou as costas dos dedos pelos meus
mamilos, fazendo-os enrijecerem no mesmo instante. Dex estendeu a
outra mã o, e o polegar se apoiou bem debaixo do seio. Ele verificou o
peso ao erguê-lo com o dedo.
— Iris — disse ele, alongando a consoante final em um sibilo.
— Humm?
As costas dos dedos voltaram a resvalar o meu mamilo.
— Perfeito, linda — murmurou, beliscando o bico ereto com o
polegar e o indicador, me fazendo arquejar com a sensaçã o.
— Amo esses seus peitos lindos.
Eu estava prestes a agradecer o elogio que eu tinha certeza de que
ele estava sendo bonzinho demais ao dar, quando sua cabeça desceu e
seus lá bios se fecharam ao redor do mamilo que ele tinha beliscado. Ele
sugou devagar, passando a língua por ele a cada vez.
A boca de Dex se abriu mais, engolindo o má ximo da minha carne
macia que conseguia. Com dentes e lá bios, ele mordiscou, sugou e
lambeu sem parar.
Tudo em que eu conseguia pensar era: minha nossa, é gostoso demais.
Olhos azuis iridescentes observavam meu rosto a cada puxar da
sugada forte, e se o que ele estava fazendo nã o fosse a coisa mais
sensual da histó ria do mundo, entã o ele me observar enquanto fazia
isso, era. Aqueles lamentos profundos em sua garganta vibravam
através de mim, me excitando tanto quanto o que ele fazia.
Eu murmurava coisas sem sentido. Um misto de “Dex… Deus… Dex…
merda” e palavras entre elas que eram contrá rias à ló gica.
Seu fô lego estava quente no meu peito quando ele se moveu para
morder o outro mamilo de leve. Queria tocá -lo antes que eu queimasse
até a morte por causa da intensidade do nosso contato. Minhas mã os se
moveram para segurar sua cabeça, seus ombros. Uma trilha que ia e
voltava que me fazia roçar as pontas curtas e sedosas do seu cabelo
escuro bagunçado pelo sono.
Sua boca enfim se afastou do meu peito depois de uma lambida
preguiçosa em cada mamilo molhado. Os intensos olhos de Dex
estavam em mim, seus lá bios ligeiramente entreabertos antes de sua
boca atacar a minha de novo, tomando tudo sem nem pensar duas
vezes enquanto sua mã o agarrava por cima do meu short. Seus dedos
deslizaram por uma das minhas pernas acima, puxando o short e a
calcinha para o lado, e a parte macia do seu dedo roçou a abertura do
meu sexo.
Ele soltou um ruído rouco e profundo.
— Jesus — murmurou, sobre a minha boca, com os dedos roçando a
linha ú mida da parte inferior do meu corpo.
Eu estava excitada demais para me importar que, na verdade,
estivesse muito molhada e envolvida demais no meu mundinho para
dar a mínima para o fato de eu ter uma mancha ú mida na minha
calcinha para contar a histó ria. E aquele pequeno, ou talvez nã o tã o
pequeno assim, pontinho estava cativo sob a palma de Dex.
Todos os seus dedos, exceto o polegar, se afastaram, deixando apenas
o mais grosso para roçar a fenda bem de leve.
— Você é tã o gostosa, linda.
Minha nossa. Minha nossa.
Dex passou o polegar em mim de novo e de novo. Ele nã o pediu
permissã o quando o indicador me abriu, e seu polegar roçou em mim
mais uma vez com um toque tã o leve quanto uma pena.
Ai, meu bom Senhor. Socorrooooo.
Deixei a cabeça cair no travesseiro debaixo de mim, respirando com
dificuldade enquanto ele me abria, deixando o calor da sua mã o me
inundar.
— Iris, Iris, Iris — entoou ele, e um dos seus dedos foi descendo
entre minhas pernas e continuou o caminho até que a ponta mergulhou
em mim. Em seguida, foi mais e mais fundo. Os olhos de Dex se
fecharam antes de ele os deslizar aos poucos até estar completamente
dentro de mim, com a palma da mã o grudada na carne do lado de fora.
Arquejei. Nã o havia mais nada a fazer a nã o ser chamá -lo de Deus, ou
gemer e implorar para ele fazer o que quisesse, desde que nã o fosse
parar. Do que eu sentia tanto medo? Alguém me diga, por favor. Parecia
que eu estava me afogando e nascendo ao mesmo tempo. Ele tirou o
dedo bem devagar, a linha entre suas sobrancelhas franzindo com o
movimento antes de ele deslizar de volta por completo enquanto
soltava um gemido rouco.
— Caralho — falou ele, em um tom arrastado, como se sentisse dor.
Aqueles olhos azuis brilhantes trilharam um caminho desde o meio do
meu corpo até o meu rosto, intenso e excitado. O peso do olhar de Dex
era esmagador. Sua pele geralmente suave estava corada. Dedos
massageavam o canal escorregadio em que eles se enterraram, e nã o
consegui prender o arquejo.
O lá bio inferior de Dex caiu um centímetro, e ele respirou com
dificuldade.
— Você gosta, linda?
Por algum milagre, consegui inclinar a cabeça para baixo uma vez,
concordando, e ganhei uma lambida na clavícula.
Seus dedos se retiraram bem devagar, a parte macia roçando algo
incrivelmente sensível e inacreditavelmente maravilhoso. Ele fez
movimentos circulares no mesmo lugar de novo, e eu posso ter soltado
um som meio que sufocado.
— Gostosa pra caralho. — O monstro incansável repetiu o gesto de
novo e de novo, enquanto eu me contorcia em sua mã o, alguma parte de
mim querendo e precisando de mais, mais e mais. Arqueei as costas e
movi os quadris em reaçã o. O que Dex fez? Ele gemeu, a respiraçã o cada
vez mais ofegante. — Continue fazendo isso e eu vou passar o dia com o
dedo dentro de você, flor.
Entã o ele começou a torcer os dedos enquanto a boca se mantinha
presa no meu pescoço, beijando, sugando, me respirando. Minhas
costas estavam arqueadas contra ele quando abri ainda mais as pernas.
Devagar, ele deslizou outro dedo para dentro bem naquele momento,
criando o mesmo padrã o de movimentos perigosos que faziam minhas
coxas tremerem de expectativa e minhas entranhas arderem com a
invasã o dos seus dedos.
Ele engoliu em seco ao enfiar os dedos quase até o limite antes de
voltar a tirá -los. Dex balançou a cabeça e lambeu o lá bio.
— Você está me arruinando, flor.
Empurrei os quadris com avidez, amando a forma como ele me
esticava. Qualquer desejo de ser recatada meio que voou pela janela.
— Dex.
Ele gemeu e inclinou a cabeça para me olhar dentro dos olhos
conforme a velocidade dos movimentos aumentava. Seus dedos se
cruzaram, a palma roçando no início da minha abertura a cada
estocada. Os olhos de Dex estavam escuros; e os ombros, tensos,
enquanto ele movia os dedos em mim.
— Você vai gozar na minha mã o, linda? — perguntou, com a voz mais
profunda. Seu corpo estava retesado e pesado sobre mim, e acho que
ele talvez tenha começado a suar, mas eu era egoísta demais para ter
certeza.
Engoli em seco e assenti, arrastando os olhos pelo declive colorido
do seu peito detalhado até pousar no volume sob sua cueca boxer que
parecia ter ficado maior em um piscar de olhos. Alguma parte profunda,
possessiva e sexual em mim queria tocá -lo. Minhas habilidades podiam
nã o ser motivo para eu me gabar, mas será que era difícil demais? Meu
namorado da época da escola tinha gozado na calça só de a gente se
esfregar um no outro.
Tudo bem, certo, era completamente diferente, mas ainda assim… eu
havia visto pornô suficiente, mesmo se minha habilidade de um-contra-
um nã o fosse digna de confiança. Minhas mã os tremiam por causa dos
nervos.
Entã o, mandei aquela parte do meu cérebro ir dormir por um
segundo, em seguida, estendi a mã o, afundei os dedos no có s da sua
cueca e puxei o elá stico para baixo, apenas o suficiente para que a
cabeça larga e redonda do pau espiasse de lá . A cabeça em formato de
ameixa e de um tom profundo de rosa que nã o tinha um piercing.
É , nã o me importei, e nã o estava exatamente decepcionada. Dex
terminou de descer a cueca por seus quadris e suas pernas longas,
observando meu rosto enquanto o seu… Santa-Mãe-de-todos-nós-é-
magnífico.
Ele tinha um piercing. Santo Deus, ele tinha um piercing pú bico.
Uma barra atravessada na junçã o do membro longo ao pú bis, com
duas bolinhas minú sculas de cada lado, como se fosse a joia mais
elegante e eró tica do mundo.
Quando vi aquilo, pude ouvir anjos tocando sinos na minha cabeça.
Havia a possibilidade de eu ter sussurrado um “uau”, mas esperava que
nã o tivesse sido o caso.
Porque, raios me partam, eu tinha visto a luz. E aquela luz tinha vinte
centímetros, um monte de veias e o tom mais fofo de rosa. Sabe, se um
pau rosado monstruoso pudesse ser chamado de fofo.
Alguma parte mais dissimulada do meu cérebro entoava: “Pegue!
Pegue!”. Já a outra metade, a ló gica, ficou em silêncio, me incitando, em
sua quietude, a envolver a mã o ao redor da grossa circunferência. Meus
dedos mal se fecharam ao redor dele, mas o pau saltou quando apertei-
o bem de leve. Ele era muito mais pesado e quente do que eu poderia
ter imaginado.
Eu deveria ter sabido, bem naquele momento, quando minha boca
começou a salivar com expectativa, que havia algo especial, algo
diferente com Dex. O que tinha dado em mim, caramba? Me sentia
despreparada para o que eu queria fazer, e nã o queria decepcioná -lo.
Mas qual era o problema? Eu poderia dar um jeito. Se eu fizesse algo
errado, ele nã o pensaria duas vezes antes de me corrigir, e eu nã o
estava planejando pedir permissã o. Na pior das hipó teses, já tinha
“virgem idiota” tatuado na minha testa…
Seus dedos deslizaram de mim enquanto eu tentava empurrá -lo de
costas. Ficando de quatro, na mesma posiçã o que ele estava antes,
arrisquei dar uma olhada para o rosto dele, angulando meu corpo
perpendicularmente ao dele. Sua expressã o era constrita, implacável e
tã o carregada de luxú ria que cheguei a engasgar. O impulso de lembrar
que eu era bastante inexperiente me agarrou, mas o espantei e respirei
fundo.
Eu conseguiria, caramba.
Eu conseguiria.
Foi com aquela motivaçã o em mente que caí de boca na ponta quente
e em forma de cogumelo, chupando a cabeça com toda a calma do
mundo. Igual a um pirulito, Ris.
Um pirulito grande e grosso. Bem, o pensamento me deixou excitada
até demais conforme eu arrastava a língua pela veia grossa. O gemido
retumbante que escapou do peito de Dex me fez lamber mais rá pido e
curvar os lá bios sobre a cabeça intumescida. Cuidado com os dentes,
cuidado com os dentes, e chupe.
— Caralho! — Ele rebolou. E, por instinto, empurrou-se mais fundo
na minha boca. Me engasguei por um segundo e recuei, em seguida,
pressionei a língua na veia saliente da parte de baixo da ponta bojuda,
como eu tinha lido que outras mulheres faziam. Ele parecia estar
gostando bastante, entã o nã o tinha como eu estar me saindo mal, né?
Senti o roçar da mã o dele naquele lugar entre minhas pernas
enquanto eu lhe dava uma lambida longa e explorató ria que fez seus
quadris terem outro espasmo.
Nã o havia como eu conseguir pensar, muito menos falar, quando os
dois dedos mergulharam em mim, pressionando ainda mais fundo que
antes. Foi violento, e só um pouquinho doloroso por um instante,
conforme ele entrava e saía, devagar de início, mas ganhando
velocidade a cada segundo. A sensaçã o desconfortável foi substituída
muito rá pido pelo prazer. Quanto mais brusco o movimento, mais dele
eu tentava engolir, sugando-o com força.
— Caralho! — gritou ele, movendo os dedos tã o rá pido que eu podia
ouvir o som da umidade dos seus movimentos.
Minha nossa, minha nossa. Um formigamento começou no meu
ventre, explodindo calor por cada centímetro da minha barriga e das
minhas pernas. A palma da sua mã o pressionou meu clitó ris antes de
seus dedos cruzados acelerarem. Um instante depois, a sensaçã o bem lá
no fundo do meu ventre estourou, e o orgasmo que eu jamais teria sido
capaz de esperar tomou o meu corpo. Minhas entranhas se contraíram,
minhas coxas tremeram e gemi o nome de Dex como um agradecimento
inadequado enquanto eu estava ali de quatro, com o pau dele batendo
em sua barriga chapada depois de escapulir da minha boca.
Sua mã o livre foi para a minha bochecha quando ele se sentou,
afagando de leve, beijando os cantos da minha boca enquanto eu
voltava para a Terra e ele começava a se inclinar. Os dedos de Dex ainda
estavam dentro de mim, o movimento lâ nguido e fluido conforme eu
tremia ao redor dele.
Parte de mim esperava que ele tivesse um sorrisinho no rosto, ou
algo igualmente arrogante, mas, quando finalmente tive forças para
olhar, sua expressã o era profunda e livre. Sorri para ele, ainda tonta por
causa do orgasmo, e mais saciada do que jamais esperei ser possível.
É , sem dú vida eu nã o dava a mínima para o recato nem para
esconder o que eu sentia por ele, e ele soube quando sorri, beijando a
lateral da sua boca bem antes de eu estender a mã o para o seu pau e
envolvê-lo com os dedos.
Ele afastou alguns fios do meu cabelo com dedos frouxos que
massagearam meu couro cabeludo. Bombeei a longa extensã o e
adicionei um aperto, de cima até a base. Dex soltou um tipo de barulho
choramingado, os quadris flexionando um centímetro quando ele se
inclinou para trá s, apoiando-se nas mã os.
— Você está indo bem pra caralho, linda… aperte… porra, aperte com
um pouco mais de força, flor. Bem assim… isso.
A boca de Dex se abriu, seus olhos encarando os meus dedos
envoltos nele. Mas eu estava ocupada demais olhando aqueles dois
pontinhos dourados na lateral da minha palma.
— Posso tocar? — pedi, ao olhar para o bastã o do piercing.
Dex gemeu, inclinou os quadris para cima e bufou um “por favor”.
Ri só um pouquinho da sua educaçã o. Sorri para ele ao mesmo
tempo em que baixava a cabeça e lambia as duas bolinhas metá licas
aninhadas nos pelos escuros e muito bem aparados, o comprimento
imponente da sua ereçã o bem no meu rosto. Aproveitei para explorar o
piercing, com timidez.
— Nã o dó i?
Os olhos de Dex brilharam com algo que poderia ter sido diversã o,
mas que acabou sendo algo mais gentil que isso. Ele segurou minha
bochecha de novo, o polegar afagando meu lá bio inferior.
— Nã o, linda, a sensaçã o é ó tima. — Lambi seu polegar, e ele revirou
os olhos. Aqueles cílios grossos se abaixaram enquanto ele gemia.
Dei um beijo nas linhas entre o polegar e o indicador dele, e em
seguida voltei para o seu colo, deixando a ansiedade do que eu estava
fazendo se esvair, minha boca se enchendo dele. Para minha surpresa,
ele nã o moveu demais os quadris, em vez disso, me deixou fazer o que
eu quisesse e optou por ranger os dentes e agarrar os lençó is quando
caiu sobre os cotovelos.
Comecei a chupar em um ritmo constante, bombeando com as mã os
a metade do pau que eu nã o conseguia abocanhar. Os gemidos de Dex
ficaram mais altos, até ele estar arquejando e movendo os quadris,
fazendo seu piercing bater na lateral dos meus dedos.
— Eu vou gozar — gemeu. — Linda, aperte com bastante força. Ah,
isso… puta que pariu… linda, me deixe gozar nesses peitinhos lindos…
por favor…
Ah, caramba. Quem era eu para dizer nã o? Eu o agarrei com mais
força e o tirei da boca com uma chupada desleixada, bombeando o
mú sculo duro e a pele sedosa até ele gemer e longos fios brancos
dispararem para o meu peito.
Dex se deitou na cama, arfando, a boca entreaberta enquanto eu me
ajoelhava diante dele e tentava recuperar o fô lego.
— Puta merda — rosnou, e se sentou depois de um momento.
Ele estendeu os dedos para tocar o líquido viscoso nos meus seios.
Foi gentil e cauteloso com o anelar e o dedo do meio, espalhando o
líquido quente e grudento em movimentos circulares sobre os meus
mamilos.
— Meu Deus, linda, você é a coisa mais gostosa que eu já vi —
murmurou, ao me olhar através daqueles longos cílios quando
finalmente afastou a mã o do meu peito. Ele sorriu quase que com
timidez, passando a mã o limpa pelo meu cabelo antes de inclinar a boca
para a minha. Ele me beijou e me beijou, a língua afagando a minha, os
meus dentes, todos os lugares.
Dex se afastou a contragosto depois de um bom tempo e respirou
fundo. Sentou-se sobre os calcanhares e pegou a cueca que havia jogado
na beira da cama, usando-a para limpar meu peito, e puxou a bainha da
minha blusa para baixo depois que acabou. Aqueles brilhantes olhos
azuis capturaram os meus, e Dex sorriu de novo, aquele sorrisinho
satisfeito e despreocupado que fazia o meio do meu peito doer. Ele
estendeu a mã o e passou um braço ao redor da minha cintura para unir
minha barriga na sua.
Ele estava nu, sua pele quente e ú mida quando me puxou para o seu
peito. A mã o livre de Dex afastou meu cabelo do rosto antes de ele
beijar minha têmpora e minha testa com um murmuro e uma promessa
de familiaridade.
— Você está bem?
A timidez tomou conta de mim, e eu assenti.
— Estou, sim. — Eu nã o ia entrar em pâ nico. — Você está ?
— Acho que descarreguei uns três jatos em você, linda, estou mais
do que bem — disse, ao beijar minha bochecha e soltar uma risadinha.
— Muito mais do que bem.
Eu estaria mentindo se dissesse que aquela confissã o nã o me fez
sorrir.
— Eu…
Ele moveu a mã o para cima de forma tã o fluida que quase nã o vi as
manchas vermelhas nos seus dedos. Eu nã o era idiota a ponto de nã o
saber que aquele vermelho era sangue. Meu sangue. E entã o corei, me
sentindo incrivelmente mortificada.
— Hum… talvez você queira ir lavar as mã os — sussurrei.
Dex franziu a testa e olhou para a mã o a que eu nã o me referira, e
logo ergueu a outra para dar uma olhada. Sua sobrancelhas se
ergueram lentamente quando ele a moveu de um lado para o outro para
dar uma olhada no que havia lá . Seu lá bio inferior caiu aberto.
— Ah, Ritz, eu… — Ele fechou a boca, e as narinas dilataram quando
ele engoliu em seco com um som alto. — Linda, eu tirei sua virgindade?
Foi a minha vez de engolir em seco.
— Eu te disse que nunca tinha dormido com um cara. — Deus, que
vergonha. Eu nã o deveria ter dito nada e só o deixado pensar que era
minha menstruaçã o ou algo assim. — Você tem dedos bem longos.
Ah, Senhor. Que chacota.
Ele piscou uma, duas, três vezes.
— Acho que… porra, flor. Eu nã o estava pensando nisso, acho. —
Seus olhos voltaram para os dedos sujos de sangue. — Tirei mesmo a
sua virgindade?
Que forma de me fazer me sentir um fracasso. O que um hímen
deveria ser? Indestrutível?
— Nã o é a minha menstruaçã o.
Dex soltou um longo gemido baixo. Ele moveu os dedos por instante
antes de juntar o corpo com o meu, e entã o deu um beijo na minha
mandíbula.
— E você está de boa com isso?
Seu cheiro era muito bom. Assenti, deixando a sensaçã o á spera da
sua barba por fazer arranhar minha bochecha. Eu nã o ia voltar atrá s.
Aceitaria tudo de braços bem abertos.
— Estou.
O ronco contente que fluiu do seu peito me fez sorrir.
— Que bom.

Ele se sentou ao balcã o da cozinha com uma tigela de cereal em uma


das mã os, a colher na outra e aqueles brilhantes olhos azuis fixos em
mim. Aquilo me deixou muito ciente de mim mesma, apesar de eu estar
completamente vestida. Ele já tinha me visto praticamente nua. Já tinha
colocado os dedos em lugares que faziam meu pescoço queimar. Eu nã o
deveria estar me sentindo daquele jeito vestida, mas me sentia.
— Por que você está me olhando assim? — perguntei, com tato, com
a tigela cobrindo a metade inferior do meu rosto.
O olhar de Dex nã o recuou nem um milímetro.
— Porque estou imaginando qual deve ser o seu gosto.
Foi um milagre eu nã o ter derrubado a colher. Também acho que nã o
consegui nem respirar, mesmo depois de ele me abrir um sorriso
travesso.
— Aposto que é delicioso.
Ai, Senhor.
Dex era um perigo, e nã o tinha nada a ver com a sua profissã o. Nem
com o que ele fazia em seu tempo livre com a moto, nem com sua ficha
criminal, nem com as tatuagens que marcavam metade do seu corpo.
Além das mã os talentosas, ele era um cara inteligente e observador que
conhecia muito bem a potência das suas palavras. E ele nã o via
problema em exercer aqueles poderes com crueldade.
— E aposto que, mais tarde, quando você gozar no meu pau, sua
bocetinha linda vai me sugar e me deixar seco.
A colher bateu no balcã o em uma aparente tentativa de suicídio.
Merda!
Por que eu tinha me esquivado de tomarmos banho juntos? Ah, é.
Isso mesmo. O meu braço. Eu ainda nã o tinha contado sobre a droga do
meu braço.
Meu rosto ardeu cerca de dez graus ao mesmo tempo que todo o ar
abandonou meus pulmõ es. Dex riu, estendeu a mã o sobre o balcã o e
pegou minha colher. Ele a devolveu com um sorriso que era tã o
perigoso como uma cobra em um matagal.
— Ou a gente sai agora ou você vai ter que subir aqui no balcã o e me
dar um gostinho.
Eu a peguei. Se algum milagre havia ocorrido há pouco tempo, foi
quando nã o caí do banco ao ouvir aquele comentá rio.
Meu cérebro estava com dificuldades.
— É…
Dex me lançou outro daqueles sorrisos lentos e travessos,
mostrando os dentes branquinhos.
— O que você quiser, flor. Mas eu voto em ficarmos aqui.
Eu também, e nã o fazia ideia de onde vinham aqueles pensamentos e
necessidades. Nã o estive lutando contra tudo isso um dia atrá s?
— Nó s… eu deveria ir nadar. — O que eu precisava era me exaurir.
De vez. Sozinha.
Ele deu de ombros depois de um minuto, e seus olhos azuis se
estreitaram.
— Tudo bem. Eu gosto da ideia de esperar algumas horas.
Engoli a quantidade obscena de saliva que havia se empoçado na
minha boca. Esperar algumas horas pelo quê? Eu nã o tinha certeza, mas
sabia que era algo bom.
— É … é.
Dex desceu do banco, equilibrou sua tigela vazia em uma mã o e
pegou a minha com a outra.
Eu precisava colocar a cabeça no lugar e parar de lembrar a forma
como o pau dele arqueava ligeiramente para cima. Ahh.
Tossi, tentando clarear a cabeça.
— Você sabe o que seu pai queria ontem?
— Nem ideia. Nada bom, se ele precisou me ligar. Vou ligar para Lisa
ou Marie enquanto você estiver nadando e perguntar se elas sabem de
alguma coisa.
Lisa e Marie… por que eu nã o tinha pensado nisso antes?
— Sua mã e era fã do Elvis ou ela escolheu os nomes por
coincidência?
Dex me olhou por um instante antes de rir.
— Meu pai nã o a deixou chamá -las de Priscilla nem de Lisa Marie,
entã o ela o sacaneou desse jeito.
Pelo pouco que eu sabia dela e a quantidade significativa do que eu
sabia do filho, nã o fiquei nada surpresa.
— E você?
— Herdei o nome do meu bisavô , C.D. Dyson.
Ergui as sobrancelhas.
— Chique. Posso te chamar de C.D.? — Ele balançou a cabeça. Os
cantos dos seus olhos se inclinaram naquele sorrisinho zombeteiro que
nem sempre alcançavam sua boca séria. — Nã o. Gosto de quando você
me chama de Charlie.
Esse homem exasperante.
Eu o chamaria de Princesa Dex, se ele quisesse.
Ele se afastou e dessa vez sorriu com a boca, me deixando em
polvorosa a cada milímetro que ele se abria.
— Pronta?
— Só um segundo. — Abri um sorriso amarelo para ele e disparei
para a sala para pegar as coisas de que precisaria naquele dia.
Ele me esperou perto da porta, fazendo sinal para eu sair e logo
trancou a porta. Com um sorriso tranquilo, ele me ajudou a subir na
moto e me deixou na frente da academia. Dex entrelaçou os dedos com
os meus e os mordeu nas juntas antes de me enxotar lá para dentro e
sair em disparada depois que entrei no prédio.
Nadei e simplesmente me permiti relaxar. Nã o ia me preocupar com
o que era aquele relacionamento precá rio em que tinha me metido com
Dex, nem com o que Sonny diria quando finalmente ligasse depois de eu
o evitar por dois dias, nem com a confusã o com os Ceifadores, nem com
a quem mais que meu pai devia. Era uma daquelas coisas que estavam
fora do meu controle.
Dex foi me pegar depois, e deu tapinhas na minha coxa quando
passei a perna sobre a traseira da sua moto. O trajeto até a Pins foi
partido em pedaços quando ele espalmou minha perna a cada sinal
vermelho. Assim que estacionamos sua Dyna na vaga de sempre diante
do estú dio, ele estendeu a mã o para me ajudar a descer, mesmo
sabendo que eu nã o precisava de ajuda, e nã o a soltou.
Notei primeiro o papel na porta. Os olhos de Dex estavam voltados
para a rua, olhando de um lado para o outro, como se procurasse
alguma coisa, e imaginei que ele tinha cruzado aquele caminho tantas
vezes que poderia ter feito de olhos fechados. Puxei sua mã o, sendo
retribuída com aquelas brasas azuis brilhantes.
— Juro que paguei todas as contas na data certa. — Movi os olhos na
direçã o da porta ao inclinar o queixo.
A atençã o de Dex foi para o envelope que tinha sido preso lá . Os
passos dele ficaram mais largos, fazendo-o me puxar só um pouco ao
nos aproximarmos do estú dio. Ele nã o se deu ao trabalho de abrir a
porta antes de rasgar a parte de cima do envelope branco, arrancando
de lá um cartã o de visitas.
O primeiro sinal de que havia algo errado foi a flexã o de uma veia na
sua testa, depois os cantos dos seus olhos enrugaram e finalmente ele
cerrou a mandíbula. Dex olhou para cima e se virou, olhando a rua de
um lado a outro de novo. Seu aperto ficou mais forte antes de ele
destrancar a porta e me empurrar lá para dentro com nã o muita
gentileza, e logo a trancou à s nossas costas.
— O que houve?
Os olhos dele se desviaram para mim, arregalados e lutando alguma
guerra desconhecida de que eu nã o tinha ideia. Eu meio que esperava
que ele nã o dissesse nada, que fosse me poupar da preocupaçã o ou algo
igualmente machista, mas Dex me olhou sério.
— Merda com os Ceifadores. Preciso ir falar com Luther, flor. — Sua
mã o puxou a minha. — Tranque a porta depois que eu sair, e nã o abra a
menos que seja para mim ou um dos caras.
Ah, merda. Assenti para ele.
— E se vocês se atrasarem?
Nã o era novidade Blake chegar quinze ou vinte minutos depois de o
estú dio abrir.
Dex deu de ombros.
— Nã o abra, Ritz. Nã o é nada ruim, mas preciso ir falar com o Lu. —
Ele passou os dedos pelas juntas dos meus. — Volto assim que puder.
Ele saiu, e fiquei pensando no que Liam tinha dito sobre o prazo de
revisã o da dívida. Mas que caramba. Por que havia tantas coisas fora do
meu controle? Eu nã o era uma maníaca por controle, mas a falta
completa dele era alarmante e frustrante. Tomara que tudo se
resolvesse quando Sonny encontrasse nosso pai.
Olhando em retrospecto, eu deveria ter imaginado que jamais
deveria ter nutrido essa esperança.
Havia muito poucas coisas mais prioritá rias na lista de coisas que eu
nã o queria fazer do que ligar para Sonny.
Tipo ir fazer meu Papanicolau todos os anos.
Ou um canal.
Eu chegaria a dizer que preferiria fazer uma lavagem intestinal
enquanto estivesse presa em uma sala com uma barata voadora.
Por alguns minutos na sala de descanso, até mesmo considerei beber
para relaxar um pouco antes de encarar o pelotã o de fuzilamento,
também conhecido como meu irmã o. Mas… é, nã o. Não. Eu já havia
adiado por tempo suficiente. Agora, com a mensagem que havia
aparecido na porta da Pins, meu tempo tinha acabado.
A primeira coisa que saiu da sua boca depois de ele atender foi:
— Sei que seu celular nã o estava com defeito, garotinha.
Suspirei. É claro que nã o seria fá cil.
— Eu sou uma bela de uma covarde.
Sonny bufou. Seu tom foi ríspido e direto ao ponto.
— Nã o brinca.
— Desculpe — choraminguei, pateticamente. Ele tinha mais do que
umas poucas razõ es para estar bravo comigo por ignorar as ligaçõ es
dele, mas… Quando Sonny ficava bravo era o equivalente de o seu anjo
da guarda estar decepcionado com você. — Eu sei que sou um horror.
Ele bufou de novo.
— O ú nico horror é que você nã o foi capaz de me ligar e contar o que
fez. Eu tive que saber pelo Luther. Nã o por você.
Essa conversa parecia demais com uma que tive com minha mã e uma
vez quando esqueci de tomar minha medicaçã o. Você quer acabar como
eu, Rissy? É claro que eram assuntos completamente diferentes, mas o
motivo era o mesmo. Eu parecia estar sempre decepcionando as
pessoas que amava.
E isso…
Culpa e dor rasgaram o meio das minhas costelas.
— O que me deixa puto é que você mentiu para mim, depois me
ignorou quando liguei para falar do assunto. — Aff, me senti ainda pior
porque o que ele estava dizendo era basicamente a verdade. Ele teria
ficado chateado, mas talvez nã o tanto?
Talvez. Era tarde demais para até mesmo pensar na possibilidade. A
verdade era que eu tinha sido uma covarde, uma idiota.
Baixei a cabeça.
— Sinto muito de verdade mesmo, Son. Eu só quis ajudar, mas,
quando percebi a idiotice que foi, já era tarde demais.
Sonny fez uma pausa, e o silêncio pareceu sufocante.
— Garotinha, entendo você fazer alguma idiotice por pensar que
ajudaria. Sério mesmo, eu faria uma idiotice ainda maior por você, mas
você sabe, muito bem, o quanto fico puto quando você esconde essas
merdas de mim.
— Eu sei. — Nã o havia como minha voz nã o ter soado tã o derrotada
e tã o digna de pena quanto eu me sentia. Porque ele estava certo. Já
passamos por isso antes.
— É . Eu sei que você sabe — respondeu ele, atravessado.
O impulso de me desculpar de novo estava bem na ponta da minha
língua, mas nã o saiu. Eu conhecia o meu irmã o. Eu conhecia o meu
irmã o o suficiente para nã o ficar surpresa por ele estar chateado
comigo por eu ter escondido coisas dele, e eu estava bem ciente do fato
de que a palavra “desculpe” nã o significava nada para ele. Açõ es
falavam mais alto que palavras, era o que ele provavelmente
responderia.
E eu tinha pisado na bola, e pisado na bola de novo quando nã o havia
atendido suas ligaçõ es.
— Eles te contaram tudo? — perguntei, com tato. Se houvesse a
possibilidade de que eles nã o tivessem contado tudo, entã o talvez
houvesse esperança para eu sair da pilha imensa de merda em que
havia me afundado.
— Espero que sim. Você foi ao Busty’s, e aquele filho… Liam
apareceu, querendo que você fosse embora com ele — relatou Sonny. —
Algo mais?
Havia um vestígio de desafio na voz dele?
Droga. Mordi o lá bio e respirei fundo. Se todas as minhas cartas já
estavam sobre a mesa, eu poderia muito bem largar a bomba. Havia a
chance de alguém já ter dito uma parte do que fosse essa situaçã o que
estava rolando entre mim e Dex, mas se nã o tivesse sido o caso…
Duas vezes droga.
— Nã o sei bem o que está rolando comigo e Dex, mas… — Mas o quê?
O que se dizia ao meio-irmã o sobre ter sentimentos irracionais pelo
amigo dele? O amigo que por acaso era o seu chefe. O amigo com quem
ele te deixara. — Eu gosto dele de verdade e tenho bastante certeza de
que ele gosta de mim também, do jeito dele.
Igual a arrancar um esparadrapo, nã o é?
Só que o que veio do lado da linha de Sonny foi um silêncio
contundente.
Pelo menos um minuto se passou até ele voltar a falar.
— É , eu sei, garotinha. Você nã o é a ú nica pessoa que está ignorando
minhas ligaçõ es. — Nã o foi bem uma surpresa. — Eu tinha a sensaçã o
de que estava seguindo por esse caminho, mas Dex sabe o que o
aguarda assim que eu voltar.
O que o aguarda?
— Sonny, ele está sendo muito bom para mim…
Meu irmã o riu.
— Ah, disso eu tenho certeza.
Mortificada. Eu estava absolutamente mortificada.
— Nã o desse jeito! — Bem, depois de hoje, meio que era o caso.
— Eu sei o que você quis dizer, Ris. Nã o sou cego — ele rebateu,
mordaz. — Tenho certeza de que ele está sendo bom para você, e foi só
por isso que eu ainda nã o voltei para dar uma surra nele. Estou
poupando para depois que encontrar nosso pai. Vou dar um desconto
ao Dex até lá . Se ele fosse o Wheels ou o Buck, a histó ria teria sido
diferente, mas eu conheço o cara. Dex tinha contatinhos mais que
suficientes se ele estava a fim de passar tempo.
Ai. Bem. Nem sempre a verdade era flores e coisas fofas.
— Nã o fique bravo por isso. Nã o é nada de mais.
— Ele sabe que é algo de mais, e ele sabe quais sã o as consequências.
Você já é crescidinha, Ris, entã o nã o vou dizer o que deve fazer. Você
pode nã o confiar em mim, mas eu confio em você.
Merda. Aquela ú nica frase foi a segunda pior merda do mundo, só
perdia para o meu pai. Mas o que eu poderia dizer para melhorar a
situaçã o? Nada. Absolutamente nada, e eu precisava conviver com isso.
— Eu confio em você, sim. Juro. Nã o confio em ninguém como confio
em você.
Ele suspirou.
— É claro, garotinha.
Bati a testa na beirada da mesa.
— Tudo bem.
Sonny nã o disse mais nada.
— Ah, e tinha um aviso na porta da Pins quando cheguei aqui hoje.
— E comecei a contar o que Dex tinha dito, e daí lembrei, no caso de
ninguém ter dito que o prazo da dívida estava chegando ao fim.
— Consegui mais informaçõ es sobre alguns outros lugares em que
ele pode estar. Trip e eu estamos seguindo para o norte da Califó rnia
para dar uma olhada. Eu te ligo se nã o descobrir nada — prometeu ele.
— Tudo bem.
Sonny grunhiu.
— Até logo, Ris. — E desligou. Sem mais nem menos.
E, sem mais nem menos, me senti a maior idiota do planeta.
Quando tinha sido a ú ltima vez que Sonny desligara o telefone desse
jeito depois de falar comigo? Anos atrá s? Quando ele havia descoberto
que os médicos encontraram mais células no meu braço e nã o contei
até que o tratamento estava quase no fim? Ao tentar poupá -lo, eu nã o
estava fazendo a mesma coisa que ele tinha feito ao nã o me contar
sobre nosso irmã ozinho secreto?
Bem. Mais ou menos.
Tudo bem, nã o era exatamente a mesma coisa. Pensei que, quando
tinha dezenove anos, havia aprendido minha liçã o, mas, ao que parecia,
nã o era o caso. A realidade daquilo me fez me sentir nã o só uma merda,
mas uma inú til. Todas essas pessoas haviam passado por tanta coisa
por causa de mim enquanto eu simplesmente ficava ali trabalhando ou
na casa do Dex e as traindo com mentiras e meias verdades. Nã o era
uma bela de uma porcaria?
O que eu poderia fazer? Essa porcaria toda de me sentir indefesa nã o
estava caindo nada bem. Eu nunca havia dependido tanto dos outros, e,
desde que podia me lembrar, eu tinha feito o necessá rio para continuar
adiante.
Talvez tivessem se passado apenas uns poucos minutos que eu
estava parada ali, encarando a mesa enquanto tentava decidir o que
fazer, mas finalmente entendi. Qual era a origem daquilo tudo. O que
poderia dar um jeito no problema mais premente. O que eu poderia
fazer depois de nã o fazer nada. Se nosso pai nã o estava onde ele tinha
morado nos ú ltimos catorze anos, entã o por que nã o estaria no lugar
em que havia morado antes disso?
Fló rida.
Deus. Eu estivera tã o presa no meu pró prio mundinho que nem
sequer havia considerado a possibilidade.
O reló gio na parede dizia que passava pouco das sete. Se eu
terminasse logo o que tinha que fazer, poderia encaixar algumas
ligaçõ es para os hotéis baratos que ficavam perto de onde a gente
morava, até mesmo perto da antiga casa da yia-yia. Parecia fá cil demais,
mas, bem, Curt Taylor tinha feito um monte de burrice na vida. Ele nã o
era lá o mais inteligente dos homens.
Voltei para a frente do estú dio e terminei de fazer o pedido de
materiais, adicionei mais alguns nú meros no QuickBooks e tinha feito
exatamente duas ligaçõ es para hotéis de beira de estrada que ficavam a
quinze quilô metros de Tamarac quando Dex parou a moto na vaga de
sempre.
As chances de o meu plano dar certo eram mínimas, mas imaginei
que valeria o esforço.
— Estou tentando entrar em contato com o meu pai — disse a
funcioná ria. Mentirosa! — Ele está hospedado aí e nã o atende o celular.
Ele é diabético e estou muito preocupada. — Eu iria para o inferno por
causa disso. — Teria como você me passar para o quarto dele? —
perguntei à mulher do outro lado da linha.
Para minha sorte, a mulher nã o hesitou tanto quanto o homem do
outro hotel.
— Claro. Qual é o nú mero do quarto dele, meu bem?
Observei Dex atravessar a porta. Bom Senhor, o homem era uma
delícia.
— Nã o lembro o nú mero que ele falou. Desculpe. A reserva está em
nome de Curt Taylor.
Nã o houve pausa. Nem hesitaçã o. Ela soltou um hum antes do
barulho estridente de Dex puxando a porta e entrando no estú dio quase
me distrair. Ele me deu um sorriso cansado, mas que nã o deixava de ser
lindo.
— Desculpe, meu bem. Nã o tem ninguém aqui com esse nome. Sua
mã e está com ele?
Ha. Queria eu.
— Que estranho. Ele pode estar com algum amigo. Vou tentar o
celular de novo, mas obrigada pela ajuda.
A mulher me desejou bom-dia, e coloquei o telefone no gancho. Dex
veio até a minha mesa, pousou as mã os nos meus ombros, e eu inclinei
a cabeça para trá s e sorri.
— Oi.
Um sorrisinho lento se arrastou por sua mandíbula quadrada. Deus,
ele era tã o bonito que chegava a me irritar.
— Oi, flor. O que você está fazendo?
— Ligando para os hotéis de beira de estrada que ficam perto de
onde eu costumava morar para ver se consigo achar meu pai —
expliquei. — Nã o sei por que nã o pensei nisso antes. Ele nã o parece
estar no mesmo lugar que Sonny, entã o talvez tenha voltado para lá .
Uma linhazinha enrugou suas sobrancelhas quando ele entrelaçou
meu rabo de cavalo ao redor do punho.
— Boa sacada. Talvez leve um tempo para ligar para um monte de
lugares, Ritz. — Ele puxou meu cabelo apenas o suficiente para que eu
sentisse o repuxar na raiz. — Vou falar com o Lu e ver se ele conhece
alguém na Fló rida que possa ajudar a gente.
A gente. Aquilo nã o me escapou nem por um segundo. Meu coraçã o
se encheu de prazer e até mesmo fez uma dancinha.
Foco!
— Nã o precisa incomodar o Luther. Eu nã o me importo de ligar.
Aqueles olhos azul-escuros se reviraram.
— Flor, se eu achasse que estaria incomodando ele…
— Você nã o perguntaria? — sugeri.
Ele soltou um risinho dissimulado.
— Nã o, eu ainda perguntaria, mas nã o teria dito a você no caso de
ele dizer nã o. Ele vai ajudar. Por você e pelo Son.
— Bem, me lembre de agradecer mesmo que ele nã o conheça
ninguém.
Dex assentiu. Sua outra mã o largou meu ombro para espalmar
minha nuca quando ele se abaixou.
— Você está se sentindo bem?
Minha nossa. Nã o era uma idiotice aquela pergunta me fazer corar
do umbigo até a raiz dos cabelos? A pior parte era que ele conseguia
ver. Eu tinha tomado um analgésico mais cedo, e apesar de estar só um
pouco dolorida, era bem menos incô modo do que as có licas que eu
tinha, o que era bom. Bom de verdade.
— Estou bem. — Bem, bem de verdade. — Está tudo nos conformes
com os Ceifadores?
A expressã o dele nã o vacilou nem se alterou com preocupaçã o, o que
era bom. Ele optou por um aceno confiante que só foi interrompido
pelo que pareceu um pensamento profundo.
— Tudo vai se resolver, flor. Nã o precisa mais se preocupar com eles.
Meus olhos se estreitaram, cheios de suspeita.
— O que você fez?
— Nã o precisa mais esquentar com ele. A gente já cuidou disso —
respondeu, com toda seriedade.
— Por favor, me diga que você nã o fez nada que vai te causar
problemas, Dex. — Envolvi a mã o ao redor do seu pulso. — Por favor,
por favor, por favor, me diga que nã o fez nenhuma idiotice. — Uma
quantidade de pavor considerável se assentou nos meus ombros. Se ele
tivesse feito algo que o mandaria de volta para a cadeia, eu jamais me
perdoaria. E com certeza jamais perdoaria meu pai também.
Aquele sorrisinho se fixou em seus lá bios.
— Nada desse tipo, Ritz. Juro.
Eu queria duvidar, mas quando ele tinha me dado razã o para isso?
Nunca. Mesmo assim, o pavor continuou onde estava.
— Dex — insisti com ele.
Ele apertou meu ombro.
— Juro. Nada desse tipo.
Minha expressã o devia ter entregado que eu nã o estava de todo
convencida, porque ele deu outro sorrisinho dissimulado e apertou
meu ombro.
— Ritz, confie em mim. Ninguém além do seu pai vai ficar
encrencado. Você e Son estã o a salvo, mas ainda precisamos encontrar e
trazer o cara para cá para que ele possa se resolver com os filhos da
puta com quem se envolveu.
— Tudo bem. — Eu nã o podia dizer que estava aliviada, mas
contanto que Sonny estivesse bem, nada mais importava. — Obrigada
por cuidar disso por nó s. Nã o era obrigaçã o sua, mas significa muito
para mim. — E as palavras simplesmente escaparam da minha boca, me
deixando vulnerável. — Você é meio que uma bênçã o.
O sorriso dele ficou cansado e gentil, e aqueles olhos azuis buscaram,
buscaram e buscaram. Dex desemaranhou seus dedos do punho e
beliscou meu queixo.
— Claro, flor.
Sorri para ele de novo e puxei seus dois dedos do meio.
— Você tem um cliente que está para chegar.
Ele moveu o aperto, e afagou meus dedos entre as pontas dos dele.
— Eu nã o esqueci. — Ele olhou ao redor. — Blake está aqui?
— Lá nos fundos. — Ele tinha chegado com uma hora de atraso, mas
aquele era o nosso segredinho.
O coitado nã o tinha nem tirado os ó culos de sol ao entrar, nã o tinha
feito mais nada além de acenar para mim. Havia algo errado, mas eu
nã o queria insistir, sendo que parecia que ele precisava de espaço. E os
ó culos de sol diziam exatamente isso.
Dex passou os dedos pelo meu rabo de cavalo antes de sumir
corredor adentro um minuto depois.
Passei o resto do dia abrindo contas novas em algumas redes sociais
que pensei que seriam uma boa ideia para expandir o alcance do
negó cio. Quando sobrou tempo, liguei para mais um ou dois lugares que
haviam aparecido na busca por hotéis de beira de estrada.
Independentemente de Luther conhecer ou nã o gente que podia ajudar,
eu nã o queria contar com isso. Qualquer coisa era melhor do que ficar
sentada esperando as coisas se ajeitarem por si mesmas.
Só horas depois que Dex apareceu e se sentou na beirada da minha
mesa foi que ele confirmou a oferta de ajuda.
— Lu conhece uns caras de um clube perto do condado de Dade. Ele
disse que vai ligar para eles hoje à noite.
Ergui a mã o para um toca aqui. Dex olhou da minha mã o estendida
para o meu rosto e para a mã o de novo. Agitei os dedos.
— Nã o me deixe no vá cuo.
Ele balançou a cabeça, e, sério, deu um tapa fraco pra caramba na
minha mã o.
Babaca.
— Fico te devendo mais essa — pontuei.
Ele abriu um sorrisinho divertido.
— Nã o esquente com isso.
— Esquento, sim. Foi legal da parte dele. Ele nã o precisa ajudar a
gente.
Dex ergueu as sobrancelhas.
— Ele é bonzinho com você, e todo mundo sabe que ele queria que
Son, e nã o Trip, fosse o filho dele.
Parecia que metade do teto tinha despencado na minha cabeça.
— Hum, quê? — Trip era filho dele? Trip era filho do Luther?
Nã o, nã o, nã o, nã o, não, não. Eu nã o tinha torcido o nariz e dito coisas
horrorosas sobre o Luther lá no bar quando estava sentada ao lado do
Trip? Pois é. Meu Deus, eu fiz exatamente isso. O remorso inundou meu
estô mago, fazendo-o revirar. Eu raramente falava mal das pessoas, e a
ú nica vez que eu fazia isso, tinha que ser na frente do filho dele? Por
quê?
— Como assim? Você nã o sabia que o Lu era pai dele?
— Nã o! — Ah, caramba, eu nunca mais poderia encarar Trip. Nunca
mais mesmo. — Falei merda quando disse o quanto era nojento Luther
ficar de rolo com garotas mais novas, e disse isso para o pró prio Trip,
Dex. Estou me sentindo péssima.
O que ele fez? Me disse que tudo bem? Nã o, ele riu. Dex jogou a
cabeça para trá s e riu.
— E ele até mesmo disse que o Luther ficava de rolo com garotas
ainda mais novas que o pró prio filho. Afff. — Gemi. — Eu sou tã o idiota.
Ele riu mais ainda e estendeu a mã o para puxar meu cabelo.
— Está tudo bem, Ritz. Trip nã o comentaria nada. Nã o é como se ele
também amasse o que o pai faz, mas essa foi engraçada pra caralho.
— Eles nem sã o parecidos. — E nã o eram. Trip era alto e loiro, e
Luther nã o era alto e com certeza nã o era loiro. E, e, Trip tinha feiçõ es
fortes e bonitas que o pai simplesmente nã o tinha.
— Nã o. Ele parece mais com a mã e — explicou Dex, com calma. —
Por que você acha que o Lu deixou os dois ficarem fora por tanto
tempo?
Tudo fazia sentido agora, e eu me senti muito trouxa. Nunca mais
diria nenhuma maldade sobre qualquer um em voz alta, caramba.
Bem, a menos que fosse sobre o meu pai.
Gemi ao pensar naquilo de novo.
— Gostaria de ter descoberto essa antes de abrir minha boca grande.
Dex sorriu, os olhos se arregalando conforme ele assentia.
— À s vezes todo mundo leva muito tempo para descobrir o que está
bem diante deles, flor.
E aquilo nã o era verdade?
— Descobriu por que seu pai ligou? — perguntei a Dex, por sobre a
tigela de comida tailandesa vegetariana.
Ele estava devorando o frango da tigela dele, e uma ruguinha se
formou na sua testa quando fiz a pergunta.
— Descobri. — Ele mastigou, pensativo, até que, por fim, olhou para
mim. De início, tínhamos nos sentado cada um em uma ponta do sofá ,
mas, com o passar do tempo, ele foi chegando mais perto até acabar no
assento ao lado do meu. — Minha mã e finalmente enviou os papéis do
divó rcio para ele.
Eu quase cuspi o macarrã o que estava na minha boca.
— E isso nã o foi muito, muito tempo depois?
Dex assentiu, seu olhar tã o incrédulo quanto o que eu supunha que
era o meu.
— Catorze anos. Faz catorze anos que estou dizendo para ela chutar
o homem, mas ela nunca me deu ouvidos.
— Por quê? — Levei um milésimo de segundo para perceber o
quanto pareci hipó crita ao perguntar aquilo. Minha pró pria mã e nã o
tinha continuado casada com o homem que a havia abandonado? É ,
pois é.
Ele deu de ombros, mas nã o foi um gesto despreocupado. A contar
pela linha dos seus ombros, parecia haver algo no que Debra estava
fazendo que o incomodava de verdade.
— Desde pequeno, estou dizendo para ela largar aquele inú til. E o
tempo todo ela ficou cuspindo aquela merda ridícula de estar casada
aos olhos de Deus e prometido ficar ao lado dele para sempre. — Ele
bufou para a tigela. — Que besteira do caralho.
Ai, Senhor. Igualzinho à minha mã e.
Me pareceu pessoal demais admitir aquilo para ele, mas, enfim, ele
nã o estava confiando em mim ao contar tudo isso? Eu nã o devia a
mesma confiança e muito mais?
— Minha mã e dizia a mesma coisa. Eu ficava louca. Qualquer um
teria sorte de ficar com ela, mas ela estava totalmente ligada no meu
pai. De início, nã o vi problema nenhum no fato, mas depois de um
tempo… quando vi o quanto aquilo a magoava… eu nã o entendia por
que ela nã o se livrava dele. Talvez eu esteja exagerando demais, mas
nã o acho que alguém seja capaz de abandonar uma pessoa a quem ama
só porque nã o gosta de arcar com as responsabilidades.
Dex assentiu devagar, seus olhos ainda fixos na comida.
— Eu sei, flor. Pode acreditar. Eu sei. Se meu pai desse aos outros
metade da importâ ncia que ele dá a si mesmo, a vida de todos nó s teria
sido bem mais fá cil. Minha mã e sabe, mas continuava se agarrando a
essas crenças idiotas. — Ele bufou. — E ela nem frequenta a porra da
igreja a nã o ser na Pá scoa ou no Natal. É uma estupidez do caralho.
Quem era eu para discordar?
— Eu costumava pensar que se minha mã e tivesse superado meu
pai, talvez ela… você sabe. Sempre pensei que ela ter se agarrado tanto
só a deixou ainda mais doente. Mas estou feliz pela sua mã e finalmente
estar tomando uma atitude.
A expressã o de Dex suavizou um pouco, e ele suspirou.
— Eu também, flor. Meu pai está enlouquecido, mas nã o consegue
entender essa porra. Ele nunca vai entender.
Outro membro idiota do Fá brica de Viú vas. Vai saber. Talvez fosse
algo que só se passava com os membros mais antigos?
Cutuquei o mú sculo firme da coxa de Dex.
— Me fale se tiver algo que eu possa fazer por ela. Posso filtrar as
ligaçõ es que ela receber, se ela quiser. — Sorri para ele.
Ele bufou.
— E desligar na cara do meu pai? Por mim, tudo bem, linda.
Eu o cutuquei de novo, mas dessa vez ele capturou meu dedo.
— Mas é claro que por você tudo bem.
Ele sorriu.
— Nã o pense que alguém já desligou na cara dele antes, além de
mim.
— E você? Alguém já desligou na sua cara? — perguntei.
— Nã o — respondeu Dex, um pouco orgulhoso demais.
— Sempre há uma primeira vez para tudo.
Quando o sorriso dele ficou um pouco largo demais, um indício de
lascívia cruzou seus olhos, e percebi a interpretaçã o que ele preferiu
fazer das minhas palavras e gemi.
— Sou especialista nisso, flor.
Fiz careta.
— Ah, pare.
A risada saiu mais alta que o filme passando na televisã o, e era muito
mais interessante.
— Você vai dormir comigo esta noite?
O pensamento tanto me fez sentir medo quanto me excitou, mas
acho que o medo estava se sobressaindo.
— Nã o sei. — Fiz uma pausa. — Falei com Sonny mais cedo, e ele nã o
ficou muito feliz quando contei que eu… é… você sabe.
O babaca ergueu as sobrancelhas.
— Nã o faço ideia. O quê? — ele encorajou.
Revirei os olhos.
— Você está ignorando as ligaçõ es dele também?
Dex deu de ombros.
— Nã o preciso falar com ele para saber o que vai dizer. E, na
verdade, nã o dou a mínima para o que ele quer.
Nã o foi bem uma surpresa, e nã o foi a primeira vez que ele tinha dito
algo assim.
— A gente resolve tudo isso quando ele voltar — disse Dex. — Você
vai dormir na minha cama?
Persistente. O cara era persistente. Aquela mistura estranha de
animaçã o e medo voltou a inundar meu estô mago.
— Nã o sei. Eu meio que sinto que, quando se trata de você, tento
voar alto demais. Como se tivesse acabado de aprender a nadar e você
quisesse que eu competisse nas Olimpíadas, e nã o quero te decepcionar.
Faz sentido?
O rosto bonito ficou sério.
— Ritz, eu sei o que estou fazendo com você quando está na minha
cama ou no meu escritó rio…
Ah, Deus. A imagem dele com outra pessoa naquela droga de
escritó rio comprimiu meu coraçã o demais. E também senti â nsia de
vô mito.
— Mas todo o resto é completamente novo para mim. Nã o quero te
fazer fugir — confessou.
Suspirei e assenti, mas havia algo nas palavras dele que, pela
primeira vez, me incomodou de verdade.
— Por que você nã o sabe o que está fazendo? Imaginei que você… —
meu coraçã o deu aquele aperto ridículo de novo — … pegasse geral. E
nã o me parece bem o tipo de cara que tem relacionamentos longos. —
Senti vontade de vomitar ao final de cada uma das frases, o que, por
algum milagre, nã o fiz. — Você é meio velho, Dex. Nã o faz sentido.
— Velho? — Ele tossiu.
Eu jurava que suas sobrancelhas tinham conseguido subir até os
cabelos por causa da indignaçã o. Dei de ombros.
— Eu nã o sou velho.
Ah, caramba. De todas as coisas em que podia se agarrar, ele tinha
que ficar preso à mençã o da sua idade.
— Tudo bem, você nã o é velho. Acabou de nascer, se achar melhor. A
questã o é: por que você nã o tem uma namorada? — Depois da conversa
que havíamos acabado de ter, esperar uma esposa seria um
despautério.
Ele piscou. Levou tanto tempo para responder que pensei que ele
simplesmente havia ignorado a pergunta. Ele segurou meu joelho com
sua mã o quente.
— Eu nã o estive exatamente solitá rio, querida.
Foi uma facada. Uma facada dada por uma lâ mina invisível. Tenho
certeza de que eu havia emitido um som que deixava isso na cara.
Imaturo demais? Patético demais?
A mã o no meu joelho apertou, e de repente senti a â nsia de afastá -la
com um tapa.
— Bem. Nã o é como se eu nã o soubesse. — Mas a confirmaçã o
verbal nã o era fá cil de engolir.
— Linda — ronronou ele. — Eu poderia te perguntar a mesma coisa.
Dei de ombros.
— Eu nã o tinha tempo.
Ele nã o acreditou em mim.
— Fala sério.
— Eu nã o tinha. — E nem me importava. Nos ú ltimos catorze anos,
só tive uma breve pausa de seis meses em que nã o precisei me
preocupar com algo ou com alguém. Catorze anos pelos quais eu era
grata, mas… uma folga teria caído muito bem. O primeiro e ú nico
namorado que tive depois que saí da escola consistiu em meia dú zia de
encontros em cima da hora ao longo de alguns meses. Nã o era surpresa
nã o termos dado certo.
— Continue repetindo isso para si mesma, mas você sabe que sei a
verdade. Somos iguais: nó s dois nos fechamos. Há muito poucas coisas
para as quais eu dou a mínima, e você nã o deixa ninguém se aproximar
porque sente medo. Tenho um monte de merda para fazer, querida. Por
que eu ia querer desperdiçar mais do que umas poucas horas do meu
tempo?
Eu fiquei muito, muito irritada por querer discordar dele, mas nã o
podia. Lá no fundo, ele tinha razã o. Mas eu nã o estava nem perto de
reconhecer nem isso nem como ele desperdiçava o tempo dele. Eca, eca,
eca. Optei por rilhar os dentes.
— Entendi, Dex, o que nã o entendo é por que eu? Somos tipo á gua e
ó leo.
Ele soltou um tsc, tsc, tsc com a língua.
— Você nã o vem prestando atençã o em nada, nã o é?
Resmunguei minha resposta, e ganhei uma risadinha.
Ele colocou de lado a tigela que segurava e se moveu para encaixar o
joelho entre as minhas coxas, montando uma delas. Dex tirou a tigela
das minhas mã os e a colocou junto da dele. Ele pairou por cima de mim,
seu olhar e expressã o decididos, e pegou minha mã o para colocá -la em
seu peito.
— Você precisa abrir esses olhos bonitos, flor. Você é a ú nica aqui. —
Ele deslizou a mã o para o meio do meu peito e foi descendo até apoiá -la
no zíper do meu jeans. — E tenho certeza de que esses romances que
você lê vã o te contar direitinho o que sinto sobre eu estar aí.
Tive certeza de que arquejei.
— Você entendeu? — ronronou.
A ú nica coisa que eu entendia era que estava prestes a sofrer um
infarto.
Sua boca tocou a lateral do meu pescoço.
— Iris? Você entende o que estou dizendo?
Nã o. Nã o, eu nã o entendia. De forma alguma.
Os dentes de Dex mordiscaram o mesmo lugar que ele havia beijado
um instante antes, me fazendo arfar.
— Iris.
Assenti, trêmula e apressada.
— Sim, eu ouvi.
Ele soltou um hum.
— Mas entende? — AimeuDeus. Consegui sentir aquele hum até por
dentro da calcinha. — Você entende?
Precisei balançar a cabeça, porque as palavras nã o se formavam.
Suas narinas se dilataram.
— Pela primeira vez na minha vida, acho que odeio o fato de você
saber como chupar o meu pau. — Ele suspirou. — Senti o impulso de
matar o cara que te ensinou a pagar boquete. Só de pensar em você
beijando outra pessoa me faz querer enfiar uma faca na porra do meu
olho. E vou te dizer uma coisa, flor, nunca, em toda a minha vida, dei a
mínima para nada disso. Entende? — A palma da sua mã o pressionou
meu jeans com mais força. E entã o ele lançou a bomba atô mica: — Você
nã o é desperdício de tempo para mim.
Ai, meu Deus. Santa mã e de Deus.
— Diga — ele murmurou no meu pescoço.
— Diga o quê?
— Que você entende.
Eu disse. Sem nem pensar duas vezes, mesmo uma parte de mim
estando apavorada. Eu disse a palavra porque nada nem ninguém no
mundo já tinha me feito sentir tã o firme, tã o segura de que eu nã o seria
esquecida nem deixada para trá s. Quero dizer, eu sabia que uma boa
parte das coisas nã o estavam sob o controle das pessoas, mas Dex por
acaso era o homem mais controlador e autoritá rio que eu já tinha
conhecido.
E parte de mim reconheceu que eu deveria fugir. Que se eu desse a
mã o para ele, Dex ia querer o braço inteiro. Que se eu concordasse com
isso, seria o princípio do fim.
Em suas palavras, eu nã o dava a mínima. Eu as disse mesmo assim.
— Eu entendo.
Ele me olhou com aqueles olhos azul-escuros como se estivesse
esperando que eu fizesse mais alguma confissã o. Algo incriminador,
vulnerável e talvez até mesmo doloroso, mas nã o consegui pensar em
nada que pudesse ser mais do que qualquer uma dessas coisas. Foi só
mais tarde, depois de ele prometer que nã o faria nada se eu dormisse
ao lado dele, que pensei mais no assunto.
Eu nã o deixava mesmo ninguém se aproximar. Nunca. Depois que
meu pai tinha ido embora, eu havia ficado doente, e minha mã e havia
ficado doente, e… sempre tinha alguma coisa, algo que transformava
uma bola de neve do tamanho de uma gota de chuva em outra do
tamanho de uma bola de beisebol que me fazia ficar mais e mais
reservada perto dos outros. Mesmo com Lanie, eu ainda nã o tinha
aceitado por completo nossa amizade. Quanto tempo fazia que eu nã o
falava com ela? Meses? Se fô ssemos melhores amigas, isso nã o deveria
ter acontecido, nã o é?
Ainda assim, a ideia de nã o falar com Sonny com frequência, ou rir
das esquisitices de Magrã o e Blake, ou simplesmente de algo que dizia
respeito a Dex, me deixava triste. Me fazia ansiar por essa familiaridade
simples. Eu finalmente tinha pessoas em quem confiar. Entã o nã o
poderia ser igual com o homem que também conhecia tanto dos
mesmos complexos que eu tinha?
Giro de costas, já na cama ao lado de Dex, e olho para ele.
Ele está de barriga para cima, com uma das mã os enfiada debaixo da
cabeça e a outra sobre o peito nu, bem ao lado de uma das argolas em
seu mamilo. Ele era tã o bom de olhar, com toda aquela tinta sobre seus
mú sculos sinuosos, e a pele… chegava a ser surreal. Se eu o tivesse visto
na rua na Fló rida, provavelmente teria ficado bem no canto da calçada.
Bem, eu teria feito isso enquanto o comia horrores com os olhos.
Nunca tinha sido muito fã daquele ditado “há razã o para tudo nessa
vida”, mas, talvez, à s vezes, bem de vez em quando, as coisas se fundiam
em uma razã o complexa e intangível. Com tatuagens, e piercings, e
palavras feias, e lealdade inabalável coroada com um pavio curto.
De sua pró pria forma imperfeita, nã o poderia ter sido nada melhor.
— Acho que um de nó s precisa tomar uma atitude.
Olhei para Magrã o ao limpar as molduras perto da recepçã o e
inclinei o queixo para cima.
— Com o quê?
O ruivo desalmado, palavras de Blake, nã o minhas, arregalou os
olhos como se eu fosse uma idiota por nã o saber.
— Com o Blake, Ris.
— Ah. — Fiquei na ponta dos pés e olhei ao redor do estú dio.
O careca nã o estava ali, por sorte. Ele vinha agindo estranho.
Estranho demais. No dia anterior, tinha falado umas cinco palavras com
a gente, o que nã o era nada do feitio dele. Naquele dia havia sido ainda
pior. Ele estava distante, e mesmo alguém que nã o o conhecia poderia
sentir o desespero emanando dele.
Todos tentamos dar espaço, mas, mais cedo, Magrã o tinha vindo até
mim e dito que tinha bastante certeza de que ouvira Blake chorando no
banheiro.
— Acho que é algo com o filho dele — declarou o ruivo. — Nã o há
nada mais que poderia deixá -lo desse jeito.
O filho. O mesmo filho que vinha entrando e saindo do hospital
desde a viagem a Houston. Eu tinha o terrível pressentimento que era
Seth, também conhecido como Blake Junior, que estava causando tanta
ansiedade no pai. O coitadinho era novo demais para se meter em
encrenca. Havia apenas uma coisa que fazia um adulto crescido, um pai,
um amoroso ainda por cima, chorar.
Doença.
Merda.
Eu esperava mais que tudo que nã o fosse o caso, mas seria
ingenuidade pensar de outra forma. Ou talvez eu fosse apenas
pessimista.
Soltei um suspiro.
— O que você acha que podemos fazer?
Ele ficou pensativo por um instante antes de franzir o nariz de um
jeito que fez sua tatuagem de raio se mover.
— Vamos levar o cara para sair. Você acha que Dex topa?
— Talvez. — Como eu saberia de algo assim, caramba?
No fim das contas, Dex topou. Logo antes de armar o alarme do
estú dio, eu o ouvi convidar Blake para ir ao Mayhem.
— Hoje nã o, cara. Nã o estou no clima. — Foi a resposta rouca e
hesitante do Dumbo.
Blake dizendo nã o para uma bebida? Inédito.
— Vamos lá — insistiu Dex. — Por minha conta.
Foi preciso insistir um pouco mais, porém, por fim, como o cara que
gostava de coisas grá tis que era, Blake concordou. Nó s nos encontramos
no Mayhem poucos minutos depois, e nos amontoamos no mesmo lugar
onde ficamos na nossa ú ltima ida ao bar, o que parecia ter sido há uma
eternidade. Dessa vez, havia mais pessoas: gente do Fá brica, homens
que nã o faziam parte do Clube e clientes aleató rios. Acenei para a meia
dú zia que conhecia e deslizei no banco ao lado de Magrã o, com Dex
vindo logo depois e passando o braço pelo encosto do assento.
Os caras e Blue beberam duas cervejas cada um, e Magrã o e eu
ficamos a cargo da maior parte da conversa enquanto ele tentava me
convencer, de novo, a fazer uma tatuagem.
— Uma pequenininha — insistiu ele.
Ergui um ombro.
— Nã o sei.
— Minú scula. — Ele juntou os dedos até ficar cerca de dois
centímetros entre eles. — Menor do que aquele coraçã o que você fez
em mim.
Fiz careta.
— Nada de coraçã o.
Um sorriso imenso se espalhou pelo rosto dele.
— Posso fazer um minidragã o em você.
Ele estava falando de um dragã o azul-metá lico que cuspia fogo de
arco-íris.
— Onde?
— Qualquer lugar, menos na parte baixa do ventre — disse ele, com
bastante segurança. — Se você engravidar, a coisa vai acabar parecendo
um de tamanho real.
Caí na gargalhada, observando enquanto um sorrisinho atravessava
as feiçõ es de Blake.
— Com a minha sorte, vai acabar parecendo que a coisa está
tentando comer o bebê.
Dex me cutucou com o ombro. A expressã o dele estava atenta. Ele
parecia estar com ciú me? Com ciú me por nã o ter dito que tinha
começado a considerar a ideia? Havia coisas o bastante que eu
precisava dizer, mas estava sendo covarde demais.
— Quer fazer alguma coisa, flor?
— Acho que sim, mas o Arroto de Fanta ali quer mais que eu. — O
que me rendeu uma cotovelada de Magrã o, que devolvi com uma risada.
— Mas talvez. Sem promessas.
— Nã o sabe onde? — perguntou Dex.
Olhei de relance para o meu ruivo favorito e abri um sorrisinho
maroto.
— Sei onde nã o quero.
Magrã o me deu outra cotovelada.
— Uma pena nã o poder ser perto da sua cicatriz.
A sensaçã o no meu estô mago foi como se um prato tivesse se
espatifado em concreto. O sangue foi drenado do meu rosto e eu perdi o
fô lego. O impulso de soltar um gritinho agudo estava bem ali, se
arrastando pelas minhas cordas vocais.
O braço sobre os meus ombros me deu um apertinho.
— Que cicatriz?
Ah, droga. Droga, droga, droga!
Forcei um sorriso, e nã o tive dú vida de que pareceu fraco e vacilante.
Eu poderia mentir. Seria bem fá cil mudar de assunto. O ú nico
problema era que, no instante em que pensei em mentir de novo e falar
sobre outra coisa, a culpa me beliscou bem nos rins. Talvez fosse
porque eu soubesse que Sonny ainda estava chateado, mas talvez fosse
porque essas eram pessoas com quem eu me importava mais do que já
havia me importado por alguém em muito, muito tempo.
Mas a resposta, a consciência, estava bem ali.
Eu nã o queria. Eu nã o deveria ter que continuar escondendo algo
que era uma parte tã o essencial de mim quanto o meu nome.
Estava fadado a acontecer, eu sabia. Do contrá rio, seria só questã o de
tempo até eles descobrirem. Manter meu câ ncer em segredo nã o tinha
sido um plano permanente.
Quando olhei para Blake, sentindo a profunda tristeza e a cautela em
suas feiçõ es, isso reforçou minha coragem e me lembrou de que eu
tinha culhõ es. Que os havia usado durante toda a vida. E se Blake
estivesse mesmo sofrendo porque algo estava acontecendo com o
filhinho dele, eu poderia fazer isso. Nã o era nada de mais.
Havia coisas piores do que as pessoas de quem eu gostava me
tratando como bebê. Sentindo pena de mim. E eu precisava deixar de
ser a idiota esquiva que guardava tudo para si mesma. Eu teria
conseguido esconder as coisas de yia-yia? Nã o mesmo.
Olhei para Dex e apontei para o meu braço, meus dedos trêmulos
quando fiz isso. Nã o havia motivo para eu ficar nervosa. Nada do que
ter medo.
— Eu tenho uma cicatriz bem feia no braço. — Foi fá cil, nã o foi?
Os olhos dele se estreitaram conforme uma careta cruzava suas
feiçõ es.
— Por quê? — perguntou ele, com cautela.
Você consegue, Ris.
Nã o era nada de mais. Nã o era mesmo.
Levei a mã o à bainha do meu suéter e comecei a tirá -lo, tendo o
cuidado de manter os braços perpendiculares ao corpo para que eu nã o
mostrasse nada sem querer. Ouvi Magrã o rir.
— Show de strip? Preciso de dez em trocados.
Um risinho de deboche escapou de mim quando o tirei dos meus
braços antes de embolar o tecido no meu colo. Respirei fundo e colei
outro sorriso vacilante nos lá bios conforme levantava o braço ruim
como se estivesse flexionando os mú sculos. Nã o que tivesse restado
muito deles, pois mais da metade do meu bíceps tinha sido removida.
Observei Dex o tempo todo. Eu o observei se remexer, tirar o braço
do encosto do assento e fixar o olhar no tecido retorcido branco-
prateado que envolvia o interior do meu braço. Aquele já conhecido
nervo sob seu olho começou a pulsar na mesma hora.
— Eu tive câ ncer quando era pequena — contei, olhando para Blake
enquanto falava. Talvez minha histó ria nã o fosse das melhores para
tentar acalmá -lo. Se Junior estivesse doente, ouvir que eu havia passado
por quatro cirurgias diferentes nã o era nenhum conto de fadas. Mas eu
estava viva e ali. Viva e ali eram palavras bem melhores que a
alternativa de uma palavra só : nã o. Nã o estar ali. Inexistir.
Na época da doença, eu sempre temera ouvir outras palavras.
Espalhou. Linfonodos. Amputaçã o. Essas palavras, essas possibilidades,
faziam qualquer um crescer rapidinho. Elas me faziam lembrar de
manter as prioridades corretas, de ser grata e de valorizar as coisas.
Mas, principalmente, as ramificaçõ es dessas palavras me davam tanto
medo, que eu queria viver mesmo que nã o fosse divertido o tempo todo.
Eu tinha me esquecido disso em algum momento. Havia uma
diferença entre viver e sobreviver. E esse lugar, essas pessoas, me
faziam lembrar disso.
Depois de um segundo, baixei o braço mais fino e soltei o fô lego. Dex
me observava, inexpressivo; já os olhos de Magrã o tinham ficado
arregalados.
— Você está de sacanagem? — perguntou ele, estendendo a mã o
para pegar em mim. Ele ergueu meu braço e tocou com todo cuidado a
pele dessensibilizada com a ponta dos dedos. — De quê?
— Um tipo de sarcoma de partes moles — expliquei. — Câ ncer no
mú sculo, basicamente.
A expressã o surpresa de Magrã o sumiu antes de um franzir cruzar
seus lá bios.
— Por que você nã o disse nada?
Nã o era bem o que eu estava esperando.
— Estou dizendo agora.
— Mas você poderia ter contado antes — disparou ele, sem rodeios.
— Então, Magrão, eu já tive câncer. Depois de pensar pra caramba,
concluí que você deveria saber.
Abri a boca para discutir com ele quando Blake fez um som que eu
esperava nunca mais ter que ouvir. Nunca mais mesmo.
— Junior está com leucemia linfoide aguda.
Qualquer coisa que eu ou Magrã o tivéssemos a dizer morreu na hora.
Foi Blue quem falou primeiro.
— Sinto muito, B — disse ela, abraçando o homem muito maior.
— Cara. — Foi a ú nica coisa que Magrã o murmurou, com a voz rouca.
Ah, merda. Deslizei os joelhos no assento e me debrucei sobre a
mesa, tomando cuidado para nã o derrubar as garrafas, e coloquei as
mã os no braço de Blake.
— Sinto muito.
Ele soltou um suspiro fraco e preocupado.
— Os médicos ligaram para dizer que a contagem dos gló bulos
vermelhos estava muito baixa. E eles fizeram alguns exames para
descobrir o que havia de errado — explicou, do ombro de Blue. —
Estou morrendo de medo.
— Existem muitos tratamentos para o câ ncer agora — contribuiu
Magrã o.
Blake assentiu de leve.
— É , foi o que os médicos disseram. Eles falaram que o dele é fá cil de
tratar, mas ainda estou morrendo de medo.
É claro que está . Ficamos ali, tentando oferecer nossas melhores
palavras de conforto e garantias de que Junior ficaria bem. Ninguém
bebeu mais nada enquanto conversávamos com ele, mas, quando fomos
embora uma hora mais tarde, ele parecia um pouco mais calmo.
Nã o tive coragem de dizer que ele talvez fosse surtar mais uma
centena de vezes ao longo dos pró ximos meses, mas esperava que ele
procurasse um de nó s para dar apoio moral.
O que estava me incomodando era que Dex nã o tinha dito nada no
caminho até a moto, enquanto segurava meu quadril. Quando chegamos
em casa, eu mal tinha sentado no sofá quando ele parou na minha
frente. Quatro dedos se agitaram. Ele rosnou:
— Tire, flor.
Ergui uma sobrancelha bem devagar.
— Como é que é?
— O suéter — disse ele, como se estivesse falando para eu subir na
garupa da moto.
— Por quê?
Dex se abaixou o suficiente para agarrar a bainha do meu suéter e
passá -lo pela minha cabeça enquanto eu me debatia.
— Mas que droga é essa, Dex? — Brandi a mã o na direçã o dele,
acertando-o na barriga.
Ele nã o se intimidou nem um pouco com o meu golpe patético. Dex
se ajoelhou na minha frente e ergueu meu braço sem dizer mais
nenhuma palavra. Uma ruga se formou em suas sobrancelhas e a boca
se fechou em uma linha inflexível. Ele passou um dedo longo e muito
bem asseado pelo interior do meu braço. Uma, duas, três vezes. Eu nã o
conseguia sentir, mas o ato em si pareceu mais íntimo do que o que
tínhamos feito na cama dele no dia anterior.
Quando foi a ú ltima vez que permiti que alguém olhasse minhas
cicatrizes tã o de perto, que dirá tocá -las? Nunca.
Ele ficou mais ofegante, a pressã o do dedo aumentando antes de ele
finalmente soltar um resmungo rouco:
— Nã o passou pela sua cabeça me contar? — questionou, olhando a
pele enrugada. — Nã o pensou em me contar que está doente?
— Eu estive doente, Dex. — Tentei puxar o braço, mas ele o segurou
forte. — Já faz bastante tempo que nã o estou.
— Quanto? — A voz dele estava baixa, intensa e inquisitiva.
— Estou em remissã o há cinco anos.
O corpo de Dex estremeceu.
— Bastante tempo sã o dez anos, vinte. Nã o cinco, Ritz. — Ele se
arrastou para a frente, de joelhos, inclinando a cabeça para perto da
minha. — Não cinco anos atrás, caralho.
— Eu estou bem, juro. — Com base no olhar que ele me deu, a
afirmaçã o entrou por um ouvido e saiu pelo outro. — Minhas chances
de desenvolver a doença de novo sã o mínimas.
— Nã o estou nem aí — disse ele, com a voz mais estridente. As
palavras pareciam ter sido rasgadas da sua garganta. — Você teve
câ ncer, nã o a droga de uma gripe.
— Dex, nã o é nada.
— Linda, nã o é a porra de nada. Você teria a outra metade do seu
bíceps se nã o fosse nada. Você nã o teria escondido se nã o fosse nada de
mais. Essa merda não é “nada” para mim.
Eu me inclinei para a frente, agarrei-o pelos ombros e pressionei a
testa em seu nariz.
— Desculpe por nã o te contar antes, mas nã o é tã o importante
assim. Eu estou bem, e assim espero ficar pelo resto da vida.
Ele repetiu a ú ltima frase tã o baixo que nã o entendi metade das
palavras. Seu há lito banhou o meu rosto, mentol com uma pitada de
fumaça de cigarro.
— Flor, tem algo mais que você nã o me contou?
— Nã o. Nada importante.
Dex balançou a cabeça.
— Você vai me fazer ter a porra de um infarto. Tem certeza?
Estendi as mã os para apoiá -las nas bochechas dele.
— Absoluta. Juro. Nã o há nada mais.
A ponta do nariz dele desenhou uma linha da minha testa até a
têmpora.
— Nã o faça uma merda daquelas comigo de novo — pediu ele. —
Jure para mim, Ritz. Diga que nã o vai largar uma bomba dessas na
minha cabeça de novo.
O tom dele. Cristo. O tremor na sua voz puxou os fios nervosos da
minha coluna.
Meu corpo começou a tremer.
— Juro.
As mã os de Dex foram para as minhas costelas, apertando carne e
ossos.
— Você vai me contar se começar a se sentir mal? Qualquer coisa,
flor. Sempre que você estiver doente, jura que vai me contar?
Eu nã o fazia ideia de de onde aquilo tudo estava vindo. Sua
necessidade de que eu contasse algo tã o simples, mas eu conseguia
sentir a tensã o sob a sua pele. Ele nã o aceitaria nada que nã o fosse um
“sim” da minha parte. Dex nã o aceitaria nada menos que uma
promessa.
— Juro.
Ele assentiu tã o devagar que pareceu doloroso para ele. O fô lego que
escapou da sua boca foi um fluxo trêmulo cheio de emoçã o.
— Eu vou te colocar no plano de saú de amanhã mesmo, logo que
possível. Nã o é lá grandes coisas, mas vou ver se consigo um contrato
melhor para você. Sabe, no caso… — Ele foi parando de falar, as narinas
dilataram, o rosto se comprimiu.
Aquilo fez cada célula de sangue do meu corpo ser redirecionada
para o meu coraçã o, enchendo-o com tanto sangue, com tanto sustento
vivificante, que pensei que fosse estourar em uma explosã o
sanguinolenta. Quis contar tudo para ele naquele momento. Sobre as
cirurgias, sobre a vida dos meus entes queridos, sobre os sacrifícios
feitos que tinham moldado minha vida como era hoje.
Contar tudo o que havia me conduzido até ali. Até ele.
Mas em vez de me lembrar de como encadear as vinte e seis letras de
um alfabeto que de repente nã o parecia mais tã o importante, inclinei a
boca para roçar os lá bios nos dele. Ele soltou um suspiro longo e
trêmulo que soprou pela minha boca, me arrastando mais
profundamente para o vó rtice que era Dex Locke.
Ter Dex preocupado comigo, nã o apenas um pouco, mas o suficiente
para inclinar o eixo do seu jeito de ser, me acalmou. Foi uma ancoragem
de confirmaçã o. Porque eu me importava com ele também e desejei
naquele momento que tivesse as oportunidades de mostrar que me
sentia do mesmo jeito. Mas tudo o que eu tinha feito havia sido
esconder coisas dele.
Como eu escondia coisas de Sonny. Meu amado meio irmã o que
estava tã o bravo comigo que tinha desligado na minha cara, nã o que eu
pudesse fazer acusaçõ es, mas ainda assim…
Eu nã o queria afastar pessoas a quem eu amava e valorizava por ter
tomado decisõ es bem-intencionadas, mas burras.
— Desculpe — sussurrei, a apenas um milímetro dos lá bios firmes e
carnudos que agraciavam sua boca bonita. — Nã o quero esconder as
coisas de você, mas é um há bito difícil de superar. — Beijei o lá bio
superior dele por um momento, fechando os olhos quando fui atingida
pela realidade do que minhas besteiras poderiam me levar a fazer. —
Por favor, nã o desista de mim, nã o vou fazer de novo.
Duas mã os grandes seguraram minhas bochechas.
— Iris — ele ronronou naquela voz sedosa que me fez perder o
fô lego de novo. — Eu já te disse que nã o desisto do que é meu. — Dex
beijou meu lá bio inferior como eu tinha feito com o seu. — Nunca.
Eliminei a distâ ncia entre nó s, pressionando a boca na dele. O beijo
foi doce e lento. Sua boca abriu a minha com um deslizar gradual de
língua, ardente e insistente.
Espalmei os mú sculos planos do seu peitoral. A base de uma das
minhas mã os se apoiou logo acima de um dos seus piercings de mamilo.
Nó s nos beijamos e nos beijamos como se nã o houvesse urgência
nenhuma no mundo. Nã o houve mordiscos, como tinha sido na cama,
nada de dentes nem de brusquidã o. Entã o, quando suas mã os foram
descendo para o meu pescoço, passando pela clavícula até pararem
bem acima do decote da regata, nã o hesitei quando seus dedos se
curvaram dentro do tecido. Ele o puxou para baixo com um leve som de
rasgo, e levou junto meu sutiã .
Devo ter emitido algum som assustado que lhe disse que eu estava
prestes a surtar porque ele nã o deixou que acontecesse. Dex afastou a
boca da minha e, no mesmo instante, baixou a cabeça para puxar um
mamilo com um sugar suave. Aqueles dedos muitíssimo habilidosos
empurraram a barra da minha regata para cima, formando um
amontoado firme debaixo dos meus seios.
Alguém me diga como eu tinha conseguido passar a vida toda sem
isso?
Eu nã o conseguia pensar, nã o conseguia me mover, nã o conseguia
fazer uma droga de nada além de gemer e me arquear enquanto ele
sugava. Minha nossa. As tragadas e repuxadas eram boas demais, boas
pra caramba. Ele moveu a boca para lamber o outro lado e juro que meu
sistema nervoso simplesmente apagou.
Em um piscar de olhos, ele me empurrou para as costas do sofá , suas
mã os me segurando pelas costelas enquanto ele pairava lá bios e língua
acima do lugar vulnerável entre as minhas costelas.
— Caramba, linda.
Devagar, devagar, devagar, ele foi, passando o vestígio daqueles
lá bios quentes e há lito mais quente ainda pelo meio da minha barriga
antes de parar no umbigo. Dex lambeu a joia dourada lá antes de passar
a língua ao redor, o que me fez me contorcer e arquear debaixo dele.
Emiti um som estranho que era basicamente um gemido, mas tinha
um gritinho agudo misturado.
— Sabia que esse foi o primeiro piercing que coloquei em três anos?
— Ele o moveu de novo com a ponta da língua.
No momento, eu nã o sabia nem qual era a quinta letra do alfabeto.
Dex substituiu a boca pelo nariz, transformando o contato em algo
ainda mais íntimo por alguma razã o, antes de murmurar bem baixinho:
— Toda essa pele doce só para mim. — Ele beijou logo abaixo do
meu umbigo. Os dedos deslizaram no có s da minha calça de sarja. Com
um movimento rá pido, ele a desabotoou e deslizou a mã o para dentro,
sobre a minha calcinha de algodã o.
AimeuDeus!
— Dex! — arquejei ao me sentar, puxando-o para mim em um beijo
exigente que era todo língua quente e lá bios macios.
Ele gemeu e deslizou a mã o ainda mais para dentro da minha calça, a
ponta dos dedos pousando logo no início da minha abertura.
Nó s nos beijamos, nos beijamos e nos beijamos. Dex me fez recostar
no sofá , sua boca possessiva, mordiscando meus lá bios conforme os
dedos redesenhavam linhas suaves por cima da minha calcinha. A boca
foi direto para o meu pescoço, mordendo-o forte o suficiente para me
fazer soltar um gritinho.
— Caralho, linda — sussurrou no meu pescoço. — Desculpe. —
Entã o ele me mordeu só um pouco mais para esquerda do lugar de
antes, e dessa vez o ato foi seguido por um pressionar de língua na pele.
Minha nossa, eu ia morrer.
Inclinei o queixo para trá s, para dar mais espaço, e sorri como uma
idiota.
— Mas você nã o está arrependido.
Dex riu.
— Nã o, nã o estou mesmo.
Eu nã o tinha percebido que meus quadris se contorciam debaixo
dele, buscando seu peso. Minhas pernas se abriram para receber os
quadris estreitos de Dex entre elas. E minhas mã os… elas tinham
conseguido abrir caminho por baixo da camiseta preta que se esticava
sobre seu corpo. A pele era macia e firme. Os mú sculos definidos se
contraíram sob o meu toque. Seu umbigo se retesou e a barriga se
contraiu quando abri bem os dedos, tocando o má ximo dele quanto
possível.
Os dedos sobre a minha calcinha deslizaram mais para baixo,
mergulhando no elá stico que delineava um dos meus lá bios nus com
um ú nico dedo. Ele o passou para cima e para baixo antes de gemer.
Eu nã o deveria estar com vergonha? Talvez. Mais do que provável,
mas nã o estava. Nem mesmo um pouco.
Dex se afastou de novo, sentando-se mais erguido sobre os joelhos.
Com um movimento rá pido, tirou a camisa e partiu para minha calça e
calcinha, puxando-as pelas minhas pernas. Ele as jogou por cima do
ombro logo que terminou, me lançando um sorriso que era mais
reconfortante e satisfeito do que cheio de si.
Entã o, agarrou a parte de trá s dos meus joelhos e me puxou para a
frente, para que eu ficasse na beirada do sofá , seu olhar direto e intenso.
Ele me olhou de cima, minhas pernas levemente abertas; meus seios,
para fora da blusa e do sutiã . E eu fiquei assim, uma pilha enorme de
desejo e necessidade. Aquela mã o grande deslizou do meu joelho,
abrindo uma trilha lenta ao longo da parte interna da minha coxa, seu
joelho e a palma da mã o iam para cima, para cima… caramba… sobre o
volume delineado em seu jeans a centímetros do alto das minhas coxas.
— Eu quero tanto te comer — murmurou, espalmando com força a
ereçã o. Ele puxou o zíper da calça ao mesmo tempo em que balançava a
cabeça. — Mas nã o hoje. Esta noite, linda, só vou chupar essa sua
boceta. Quero te fazer ter certeza de que isso nã o é um lance de uma
noite só .
Bem provável que aquela fosse a minha deixa para desmaiar, e nã o
sei bem o que isso dizia sobre mim, mas, por instinto, abri ainda mais as
pernas. Dex devia ter notado, porque um sorriso se espalhou por sua
boca. Ele olhou para cima e mergulhou em mim, com os braços
erguidos, me beijando nos lá bios uma ú nica vez.
Nã o sei o que era melhor: o corpo imaculado de Dex em geral, os
mú sculos suaves por baixo da pele colorida, ou a forma como ele se
agachou antes de tirar um dos meus pés do chã o e o jogar por cima do
ombro. Em seguida, sua língua estava no meu clitó ris, e entã o deslizou a
ponta para dentro. Entrando, saindo, circulando, lambendo, uma vez
atrá s da outra.
Pensei que eu fosse desmaiar. Ou chorar de alegria.
Nã o levou nem um segundo até um formigar elétrico começar na
base da minha coluna, expandindo-se como uma supernova, e um
orgasmo se espalhou pelo meu corpo todo, fazendo minhas pernas
tremerem e minhas entranhas se contraírem de satisfaçã o.
O som do seu zíper sendo abaixado me tirou do transe. O suor
gotejava pela minha nuca, minha lombar ― por toda parte, até onde eu
sabia. Dex veio para cima de mim e apoiou o pró prio peso nas mã os, me
encarcerando. Mas nã o foram as tatuagens nem os piercings que
chamaram minha atençã o primeiro, foi o pau rijo, balançando, que nã o
pude deixar de encarar. A ponta se moveu logo abaixo do meu umbigo
quando Dex flexionou os quadris.
Ele ia…?
Ele ergueu a mã o e a envolveu ao redor da base do membro grosso,
inclinando-o para baixo e, por um segundo, pensei que ele fosse deslizá -
lo para dentro de mim, mas, em vez disso, tocou a ponta na minha
abertura e… minha nossa. A cabeça em forma de cogumelo tocou
naquele botã ozinho de nervos cheio de necessidade que gritava por
Dex, deslizando-a para cima e para baixo nos lá bios molhados. Dex
moveu o corpo para que seu comprimento longo e duro se apoiasse em
mim.
Aquilo era eu ofegando?
E entã o ele moveu os quadris e o comprimento para cima e para
baixo. A parte de baixo da ponta larga roçava meu clítoris a cada vez.
Era tã o grosso, tã o inacreditavelmente quente, que rebolei os quadris
pedindo mais. Meu corpo sabia, ele sabia o que fazer mesmo quando o
cérebro nã o estava funcionando, buscando memó rias de coisas que eu
já tinha visto. Inclinei os quadris para cima e o observei deslizar o pau
por cima de mim, revestindo-se nos meus fluidos, mais e mais rá pido. A
ponta atingindo meu clítoris a cada vez.
Nã o conseguia parar de observar.
— É tã o gostoso — choraminguei quando a cabeça grossa e
avermelhada espiou de entre as minhas pernas.
Dex ficou mais ofegante. Um aceno lento moveu seu pescoço. Ele
estocou para a frente, aqueles dedos escuros e tatuados agarrando
minhas coxas com força. Toda aquela tinta em seus dedos nã o deveria
ter um toque tã o quente sobre a minha nua e descolorida, mas tinha.
Minha nossa, tinha. Minhas entranhas se contraíram e lamentaram
quando a parte inferior carnuda me espalhou ao redor dele.
Eu o queria. Eu o queria dentro de mim. Me preenchendo. Me
ajudando a viver. Mas as palavras nã o deixariam a minha boca.
Olhos azuis sensacionais tremularam para mim, preguiçosos e
desfocados.
— Iris. — Ele me beijou, lá bios fechados sobre lá bios fechados,
demorando-se lá ao sussurrar em mim: — Amo isso.
Gozei de novo com um grito. Rouco e tã o alto que fiquei um
pouquinho envergonhada, mas a sensaçã o foi tã o fantá stica que nã o
bastou para que eu me arrependesse.
Dex gritou ― gritou! ― um milésimo de segundo depois quando jatos
longos e leitosos explodiram sobre minha barriga e meus seios. Os
quadris dele bombeavam o ar a esmo, e gotas espessas caíam da cabeça
do seu pau.
Nã o sei quem de nó s estava mais ofegante depois que acabou.
Aqueles olhos azul-escuros deslizaram lentamente pela minha barriga e
seios até pararem no meu rosto com um sorriso preguiçoso. Nã o
consegui evitar o sorriso que abri para ele.
— Você é incrível. — As palavras simplesmente saíram do nada, e me
senti boba.
Mas entã o seu sorriso se abriu mais, e o breve constrangimento que
senti valeu cada segundo daquela recompensa. Dex baixou o rosto para
me beijar de leve, seu fô lego irregular verteu sobre minhas bochechas e
boca.
Ele se afastou, pegou sua camiseta que havia arrancado e começou a
limpar meu torso. Coloquei tudo de volta no lugar e puxei minha regata
para baixo. Depois, ele me entregou minha calça e calcinha, e eu as vesti
enquanto o observava se limpar.
Acabamos deitados no sofá do ú nico jeito que cabíamos: comigo
meio por cima dele. Como se ele precisasse me convencer. Ha. Apoiei a
cabeça em seu peito, sobre a tatuagem do Capitã o América e a poucos
centímetros das argolas de mamilos. A pele estava ú mida de suor, e seu
coraçã o batia forte nas costelas.
Tracei os dedos ao longo das linhas do seu abdô men, observando
quando os mú sculos convulsionaram ao mesmo tempo em que Dex
deixava escapar um suspiro de prazer. Essa droga desse cara…
Se dois meses atrá s alguém me dissesse que ele seria uma das
pessoas mais atenciosas que eu já tinha conhecido, eu teria rido na cara
da pessoa. Ainda assim, ali estava eu. Com a virgindade tecnicamente
intacta, a barriga toda pegajosa, feliz e contente esparramada em cima
de Dex Locke.
— Desculpe por nã o ter contado da doença — falei, ao passar os
dedos pela pele suave do seu abdô men. — Nã o é que eu tenha vergonha
nem nada disso…
Ele se virou de lado tã o rá pido que me fez murmurar um “opa”.
Um vinco profundo se formou entre as sobrancelhas escuras, a boca
se contorcendo de desgosto.
— E por que você teria motivo para sentir vergonha, Ritz? —
perguntou ele.
Pisquei.
— Bem, por nada, acho. É só uma cicatriz feia.
Foi a vez de Dex piscar.
— Você teve câ ncer — sibilou, com raiva. — E está aqui. Nã o há nada
feio nisso.
O homem que havia detalhado seu corpo já belíssimo com tatuagens
ainda mais lindas estava dizendo isso para mim? Naquele exato
segundo, fiquei dividida entre a vontade de chorar e aceitar que,
realisticamente, eu estava mais do que a caminho de ficar meio
apaixonada por ele. Por ele e por suas palavras ríspidas, toques
possessivos e pavio curto.
Ai, caramba.
Eu estava apaixonada pelo Babaca.
Pisquei de novo. Nã o chore, nã o chore, nã o chore.
Não chore, Iris!
Assenti para mim mesma; eu conseguia. Eu podia manter a calma.
— Eu sei. Eu sei, pode acreditar. Eu sei que sou uma das que teve
sorte. — Deslizei a mã o da sua barriga até o pescoço, tocando a pele
sedosa ali com dedos nervosos. — Mas passei a maior parte da vida
sendo a “garota que tem câ ncer”. Nã o queria ser essa pessoa aqui
também. Queria que vocês gostassem de mim por mim mesma, nã o por
causa disso.
Foi a vez de Dex piscar com um arrastar lento daqueles cílios muito
escuros e longos demais para um rosto tã o masculino.
— Flor, acho que você teve a pior sorte de que eu já ouvi falar. — Ele
tocou a ponta do meu nariz com o indicador. — Quando te vi pela
primeira vez, vi uma garotinha bonita que fez o irmã o arranjar um
trabalho para ela. Uma garotinha que nã o cresceu dentro do clube,
diferente do resto de nó s. Agora eu conheço você. Sei que passou pela
mesma quantidade de merda, senã o por mais, que o resto de nó s. Você
sobreviveu a muita coisa, Ritz. Seu pai, sua mã e, sua avó , e além de tudo,
ainda criou o seu irmã o. — Seu polegar tocou a borda da cicatriz.
E entã o pisquei de novo. Uma, duas, três vezes, e juro, juro, juro que
seus olhos pareceram vidrados sob aqueles cílios tremulantes.
— E aqui está você. Vida injusta e tudo o mais. Eu respeito você, flor.
Nã o só porque parte a porra do meu coraçã o a cada merda de vez que
te vejo sorrir, mas porque… — Ele soltou uma boa quantidade de ar
pelos lá bios; e piscou, piscou e piscou aqueles olhos azuis. — Porque
sim. Entende?
Nã o. Nã o de verdade. Esse sentimento no meu peito se avolumou e
avolumou até chegar a um tamanho que fazia ser difícil respirar. Mas
assenti mesmo assim.
— Mas, porra, queria que você tivesse contado para mim antes de
contar para todo mundo — admitiu, baixinho. — Pensei que eu fosse
vomitar na mesa, caralho.
Estremeci e enfiei o rosto debaixo do seu queixo, cheirando seu
pescoço. A expressã o magoada de Magrã o lá no bar pipocou na minha
cabeça. Eu nã o tinha o costume de irritar as pessoas, mas, quando fazia
isso, irritava todos ao meu redor. Aff.
— Tomara que nã o haja mais nada para eu te contar tã o cedo. Já
contei mais coisas para você do que para todo mundo que conheço. E
isso inclui Sonny. — Suspirei. Outra pessoa que eu havia irritado. A
ú nica pessoa que raramente ficava brava comigo. — Da ú ltima vez que
precisei fazer quimioterapia, nã o contei para ele até o tratamento estar
quase no fim. Ele ficou tã o bravo comigo, Charlie. Tive certeza de que
ele nunca mais ia falar comigo.
Dedos deram batidinhas no meu quadril.
— Foi logo depois do acidente de carro da mã e dele?
— Foi. É parte da razã o para eu nã o ter contado. Sonny já estava
muito estressado por causa do acidente, e ficou afastado do trabalho
por muito tempo. Eu nã o queria piorar ainda mais as coisas para ele —
expliquei.
Dex soltou um murmú rio que veio do fundo da garganta. Aqueles
dedos longos e artísticos dançaram pela minha pélvis.
— Faz sentido agora. Eu me lembro de ele ter perdido a cabeça uns
anos atrá s. Quebrou a casa toda, caçou briga com metade do Clube. Ele
estava sendo um otá rio até que deu no pé. Nã o disse a ninguém para
onde estava indo.
Eu nã o fazia ideia de que ele tinha feito tudo isso. Ele tinha aparecido
na casa da yia-yia com as juntas dos dedos machucadas, mas eu estava
tã o preocupada com nosso relacionamento que nã o parecia a hora certa
para fazer perguntas.
— Ele passou um mês com a gente. Agora ele está bravo porque nã o
contei que fui ao Busty’s.
— Ele vai superar — disse Dex, ao apertar meu quadril.
— Em algum momento.
Ele soltou outro hum.
— Ele está irritado, mas vai superar. Você só precisa parar de
esconder essas merdas.
— Eu sei. — Suspirei. — Eu sei. E nã o vou. Nã o de vocês.
Aqueles dedos familiares, cobertos de tinta preta, enroscaram-se nos
meus e ele rosnou:
— É melhor mesmo.
Eu estava dividida entre querer matar o Luther e dar um abraço nele.
A ú nica coisa que me impedia de descobrir uma forma de entupir sua
privada era o fato de haver hamburguinhos de quinoa esperando por
mim da ilha da sua cozinha. Porque, assim, eram hamburguinhos de
quinoa. Alguém, em algum lugar, os tinha preparado e eu duvidava de
que houvesse outros vegetarianos no clube dele, dada a confusã o que o
velho Pete tinha armado por causa dos hambú rgueres de feijã o preto.
Entã o, por isso, ele viveria e sua privada sobreviveria a mais um dia.
Mas por convidar aquela tal de Becky e algumas outras mulheres que
ficavam comendo Dex com os olhos quando os acompanhantes delas
nã o estavam olhando… Luther sofreria uma tortura imaginá ria.
Repetidas vezes.
Quando eu havia me tornado essa pessoa, caramba? A garota que
precisava rilhar os dentes porque o ciú me a fazia estourar alguns vasos
sanguíneos. Meu sorriso parecia forçado, falso, nada natural.
E a pior parte era que a gente só estava na casa dele havia, no
má ximo, uns quinze minutos.
Por que eu nã o havia insistido mais para ficar na casa do Dex? Eu
tinha dito que nã o queria ir. Nã o que nã o quisesse ver Luther ou outro
integrante do Fá brica de novo. Só nã o queria vê-los tã o cedo. A merda
toda no escritó rio de Dex havia sido embaraçosa. A ú ltima coisa que eu
queria era que me olhassem fazendo cara de “coitada da Ris”.
Eu odiava aquela droga de olhar.
Dex havia simplesmente me olhado pensativo e afagado a linha do
meu nariz.
— Você me mandou ir me foder, na frente dos membros do clube.
Você, que diz “pra caramba” e “cará coles”, flor. — Ele piscou. — Acho
que você me chamou de cuzã o também. Nã o foi?
Aquilo era verdade.
A ponta do seu dedo bateu no meu nariz quando ele exalou alto.
— Pode acreditar em mim, linda. Sinto muito por ter dito aquilo para
você, mas a ú nica coisa de que todo mundo vai se lembrar daquele dia é
do que você me chamou, nã o o contrá rio.
Acho que concluí, naquele momento, que Dex tinha razã o.
Ele nã o tinha entrado em uma briga depois daquilo?
Finalmente cedi e aceitei ir à casa do Luther. A possibilidade de que
havia pessoas que conheciam Dex de forma mais íntima do que eu
jamais havia passado pela minha cabeça.
Com base no nú mero de gente naquela casa, a “reuniã ozinha” de que
Dex havia me falado naquela manhã seria um evento de um dia inteiro.
Nã o que eu pudesse reclamar. Nã o tinha direito nenhum de julgá -lo por
causa das pessoas com quem ele tinha se envolvido… eu nem sequer
consegui terminar de pensar nisso antes de a ná usea abrir caminho
pela minha garganta.
O ciú me chegava a tal ponto.
Esbarrei em uma loira baixinha enquanto eu saía da cozinha
carregando uma quantidade enorme pra caramba de hamburguinhos
de quinoa e salada de frutas. Ela olhou na minha direçã o e abriu um
sorriso lento, como se estivesse me medindo. Usando um jeans que
parecia ter sido tingido e uma regata que mal continha seus peitos
enormes, ela era toda confiança. E peitos gigantes.
— Desculpe — disse ela, com uma voz suave nada convincente.
Ah, caramba. Será que Dex havia dormido com ela também?
Você não quer saber.
Droga.
Lancei um sorriso constrito para ela.
— Desculpe.
E fugi.
Medrosa.
O imenso quintal de Luther estava lotado com gente do MC e seus
respectivos familiares. Havia uma piscina bem grande no meio do
terreno, com uma boa quantidade de crianças jogando á gua para cima e
gritando. Adultos lotavam as mesas e cadeiras dobráveis arrumadas ao
redor enquanto rock clá ssico explodia dos alto-falantes montados mais
para o fundo.
Era agradável. Agradável pra caramba.
Mas assim como tinha sido na festa de aniversá rio da sobrinha de
Dex, me senti deslocada sem o meu irmã o e o cara de cabelo preto sob
quem eu havia dormido na noite anterior. A ú nica forma de mudar isso
era fazendo amigos, certo?
Mas eu poderia fazer amigos mais tarde. Quando nã o estivesse toda
desajeitada de pé perto da porta como estivera no refeitó rio, no
primeiro ano do ensino médio.
Havia um grupo com coletes pretos e tons diferentes de camisetas
brancas e pretas perto de uma das mesas mais afastadas. Mas é claro.
Me desviei das crianças gritando ao redor da mã e e localizei o cabelo
escuro de Dex. Ele estava sentado, cotovelos apoiados nos joelhos,
olhando um dos outros membros do clube com expressã o de
desinteresse.
Um dos homens, um mais velho que eu nã o tinha visto muito
durante minha estadia em Austin, bateu nele com as costas da mã o,
erguendo seu queixo. Na mesma hora, aqueles olhos muito azuis
dispararam para cima e esquadrinharam as cadeiras ao seu redor. O
olhar se desviou e passou pelos homens, pelas mulheres, até finalmente
pousar em mim.
Balancei as sobrancelhas e rodeei as cadeiras que o pessoal do clube
havia juntado. A lateral da boca carnuda e rosada de Dex se contorceu
com o meu gesto.
— Oi, gente — falei, alto o bastante para os outros membros me
ouvirem.
Dez variaçõ es diferentes de “E aí, Ris” chegaram a mim enquanto eu
parava diante de Dex, acenando para os caras.
Ergui meu prato.
— Posso me sentar com você? — perguntei. A ideia de que ele
poderia dizer “nã o” nem sequer passou pela minha cabeça.
Dex se recostou na cadeira e abriu bem as pernas, a camiseta muito
branca se destacando ainda mais em contraste com os desenhos
coloridos em seus braços. O canto dos seus lá bios se ergueu.
— Claro que pode, linda.
A escolha ó bvia provavelmente era me sentar em seu colo, mas, em
vez disso, me virei e cruzei as pernas antes de me sentar no chã o entre
seus pés. Eu o senti se mover à s minhas costas, suas coxas se fechando
ao redor dos meus braços. Dedos examinaram meu cabelo, puxando as
mechas para um dos meus ombros.
— O que você pegou? — murmurou no meu ouvido, ao torcer meu
cabelo em seus dedos, formando vá rios nó s bagunçados e apertados.
Mostrei meu prato.
Com a outra mã o, Dex pegou um pedaço de melancia. Um murmú rio
baixo de aprovaçã o ressoou por sua garganta depois de ele lamber a
ponta dos dedos para limpá -los.
Acho que estremeci um pouquinho quando ele pegou uma uva logo
depois com aqueles dedos longos e graciosos.
Comemos em silêncio. Terminei o hambú rguer de quinoa em três
mordidas enquanto Dex pegava pedaços de frutas e enrolava e
desenrolava meu cabelo em seu punho de novo e de novo. Seu peito
estava quente nas minhas costas e ficamos amontoados assim. O resto
dos homens falava sobre uma viagem que algum deles estava pensando
em fazer ao longo da costa oeste.
— Parece bem mais longo que isso — concordou Luther, sobre
qualquer especificidade que eles estavam discutindo.
Me engasguei com um pedaço de maçã . A piada estava bem na ponta
da minha língua, mas eu estava diante das pessoas erradas para dizer
aquilo.
— Eu já fiz. Nã o é dureza nenhuma, mas é longo — concordou um
homem mais velho que eu só tinha visto de passagem.
É . Me engasguei de novo. O isso foi o que ela disse estava preso na
minha garganta junto com aquela droga de maçã .
— Bando de amarelã o. Dá para aguentar a dureza.
Dex bateu nas minhas costas ao baixar o rosto, a bochecha afagando
a minha conforme eu engolia a fruta em seco. Seu fô lego parecia
estrangulado, e levei um segundo para perceber que ele estava se
esforçando muito para nã o cair na gargalhada.
— Ponha para fora — implicou ele, afundando um dedo nas minhas
costelas ao soprar na minha orelha.
Soltei um riso pelo nariz bem alto.
Dex cutucou minhas costelas com mais força, seu peito ressoando
mais, mais e mais alto. Tive que virar meu rosto para longe dele e enfiar
nariz e boca em sua coxa para deter a risada que estava desesperada
para sair.
— O que é tã o engraçado, cacete? — perguntou Luther.
— Nada — respondeu Dex, um pouco rá pido demais.
Enterrei o rosto todo com ainda mais força no mú sculo rijo do seu
quadríceps.
Alguém soltou um barulho como se nã o tivesse acreditado em nada
daquilo, mas que fosse. Levou bem mais tempo do que deveria para eu
me controlar, mas quando, por fim, consegui, havia algumas mulheres
sentadas no colo de outros dos caras.
Mas só me fixei em uma. A maldita da Becky.
Se eu tivesse penas, elas com certeza estariam chegando ao céu de
tã o eriçadas que ficariam quando a vi. Devo ter enrijecido, porque Dex
apertou meus ombros.
— O que foi? — sussurrou no meu ouvido.
Era imaturo, eu sabia, mas nã o pude deixar de me afastar dele. Nã o
era justo, eu sei. Mas sério? Sério?
— Nada de mais — consegui murmurar, meus dedos de repente
parecendo um pouco menos estáveis ao segurarem o prato.
— Quero saber a verdade, flor.
Eu nã o tinha prometido para ele, na noite anterior, que diria a
verdade? Olhei adiante e a encontrei encarando Luther com uma
expressã o sonhadora. Ah, Senhor. As palavras de Sonny sobre a falta de
inteligência dela soaram no meu cérebro.
— Você esteve com ela, nã o foi? — Eu nã o precisava especificar de
quem estava falando, ele sabia.
Dex nã o perdeu nem um segundo.
— Sim.
Bem. Cará coles. Ele respondeu sem nem pensar.
Senti vontade de vomitar.
— Por quê? — perguntou ele, baixinho, para que só eu pudesse
ouvir.
Por quê? Foi só a vontade de dar um murro no meio da cara dele que
me impediu de vomitar.
— E a loira lá dentro? — Eu era uma otá ria imatura. Eu sabia, e,
ainda assim, nã o dava a mínima naquele momento.
— Qual delas?
Puta merda. Todo o meu corpo ficou tenso.
— Deixa, Dex — falei, entre dentes. Eu nã o queria, mas foi tã o
natural que nã o importou.
— Ritz. — A ponta do seu nariz tocou minha bochecha. — Está com
ciú me?
Ele só podia ter enlouquecido se achava que eu ia responder, sendo
que ele parecia satisfeito demais.
— Boa parte dessas garotas já está pelo Clube há um bom tempo —
explicou, como se aquela fosse uma desculpa razoável que eu ia querer
ouvir. — Nã o foi nada.
Nada. Nã o foi nada.
Talvez nã o fosse. Aquela parte ló gica e minú scula de mim aceitou
como se fosse verdade, mas a outra parte, a mais hormonal, pedia uma
castraçã o.
Deus, tomara que minha menstruaçã o nã o viesse antes do que eu
esperava.
Eu nã o precisava ficar parada ali, esquentando a cabeça com o fato
de que provavelmente teria que encarar as mulheres com quem ele
havia dormido quando eu estivesse nesse tipo de reuniã o. Estava
nauseada. E me sentindo idiota. O que mais eu esperava? Precisava
escapar dos lembretes de por onde o piercing pú bico de Dex tinha
andado, e enquanto eu olhava para o meu colo, onde ele nã o andava.
Me forcei a acenar com a cabeça, ficando de pé bem devagar para
que nã o o atingisse sem querer no rosto. Nã o era sua culpa ele ter uma
histó ria enquanto a minha era praticamente negativa. Mas será que ele
pelo menos nã o podia entender que eu nã o queria encarar essas coisas?
Mesmo se fosse a garota que parecia se jogar em cima de qualquer
homem que lhe desse atençã o.
Tudo bem, isso era grosseria. Até onde eu sabia, ela podia muito bem
ser uma garota legal que sofria de problemas com o pai, ao qual o meu
nem chegava aos pés. Eu precisava deixar de ser uma babaca.
— Acho que vou dar um mergulho — falei, ao desviar o olhar para as
crianças ao redor da piscina oval.
Se olhasse para Dex, ele seria capaz de dizer que havia algo me
incomodando.
Com a sorte que eu tinha, ele já sabia.
Ele agarrou meu pulso e o puxou.
— Iris. — Meu nome saiu com um resmungo.
Toquei o alto da sua cabeça com a outra mã o, ainda incapaz de olhar
para ele.
— Está tudo bem. Eu volto.
Dex faria uma cena se quisesse, mas, por sorte, nã o quis. Seu aperto
afrouxou o suficiente até eu ser capaz de me desvencilhar dele, com o
prato em uma das mã os e o meu orgulho ferido agarrado à outra. Joguei
o lixo na lata mais pró xima e fui pegar minha bolsa na pilha de coisas
em uma das mesas mais pró ximas da porta dos fundos.
Com a toalha na mã o, fui até a piscina, sorrindo para algumas das
mulheres que reconheci, fingindo entusiasmo suficiente na esperança
de que nã o parecesse uma ridícula mal-humorada, furiosa e ciumenta.
Eu precisava me acalmar.
Relaxar…
Alguém me deu um tapa na bunda.
Eu nem sequer me virei para ver o garotinho, de provavelmente
cinco anos, passando feito um raio por mim, como se nã o houvesse
amanhã .
— Bumbum! — gritou ele.
Devo ter ficado parada lá por pelo menos uns dois minutos,
digerindo o fato de que tinha acabado de ser apalpada por uma criança
que ainda devia fazer xixi na cama.
E a risada que escapou de mim meio que doeu.
Era perfeitamente natural que eu saísse correndo atrá s do merdinha.

— Tio! Tio! TIO! — Dean gritou a plenos pulmõ es, debatendo-se com
cuidado para nã o me chutar. Bem, me chutar de novo. Ele já tinha me
atingido na barriga pelo menos três vezes, mas esse era o risco que
você corria quando fazia cosquinha em uma criança. Era impossível nã o
acabar levando uns tapas ou que nã o fizessem xixi em você. Eu
preferiria mil vezes levar uns tapas.
Cutuquei suas costelas com mais força.
— O que você disse?
— RIS! A Ris é quem manda! — arquejou ele.
— Quem é que manda? — Eu ri, fazendo ainda mais có cegas nele.
Dean jogou a cabeça para trá s, o cabelo loiro voando para toda parte.
— Você! Você!
— Tem certeza?
— Tenho! — gritou ele.
— Tudo bem. — Eu ri, e soltei suas costelas.
O rosto do pobrezinho estava todo vermelho quando ele conseguiu
recuperar o fô lego, e ele me lançou um sorriso enorme e pateta. Depois
de correr atrá s dele por alguns minutos, finalmente o peguei e passei a
hora seguinte brincando com ele na piscina. Fiquei sabendo, depois de
encharcá -lo uma vez, que, ao que parecia, ele era obcecado por
bumbuns em geral.
E o que a gente dizia ao se deparar com algo assim?
Nada. Pronto.
Passamos um tempo brincando de caça ao tesouro no raso; depois
de Marco Polo com duas meninas mais ou menos da idade dele, e aí
começamos com as có cegas.
— De novo? — perguntou ele, arfando.
— Garoto, sua mã e já falou que você tem que sair. — Eu nã o fazia
ideia de quem era o pai dele. Nem sequer reconheci a mã e, mas a
mulher nã o parava de articular um “obrigada” para mim todas as vezes
que ela passava para ver como ele estava.
Ele soltou um barulho de pum.
— Tudo bem.
Apertei as costelas dele antes de levá -lo até os degraus. Dean parou
no mais baixo e deu uma olhada rá pida ao redor. Ainda havia umas dez
pessoas na piscina, mas ele nã o encontrou o que estava procurando
porque, um segundo depois, jogou os braços ao redor do meu pescoço e
me abraçou.
— A gente pode brincar de novo qualquer dia desses? — perguntou,
baixinho.
Ah, caramba, ele ia me fazer chorar.
— Sempre que você quiser, carinha.
Dean me apertou por um milésimo de segundo antes de soltar os
braços.
— Tudo bem. — Ele olhou ao redor de novo e deu um passo para
trá s ao sussurrar: — Tchau, moça do bumbum. — E entã o saiu da
piscina e seguiu em direçã o à mã e, enquanto eu ficava na á gua, que
chegava à altura do meu peito quando estava ajoelhada, sorrindo para
ele.
Eu precisava descobrir quem era o pai. Tinha certeza de que
explicaria muita coisa.
Sozinha pela primeira vez depois de uma hora, nadei cachorrinho em
direçã o ao fundo, onde havia menos pessoas. Mas havia alguém lá ,
sentado na beirada da piscina, de pernas cruzadas e uma expressã o que
era o filho da diversã o e do afeto.
Ah, caramba.
Como eu poderia ficar com raiva dele por coisas que tinham
acontecido antes de mim? Ok, bem, eu poderia, se fosse superbabaca,
mas eu nã o era. Meu coraçã o e cérebro sabiam que as coisas entre nó s
eram diferentes e assustadoras. Ainda assim, ali estava ele, esperando
por mim. Corajoso e seguro como sempre quando acontecia de eu fugir
dele.
— Oi.
— Oi, linda — ele me cumprimentou, plantando as mã os na beirada
da piscina.
Me agarrei lá , mantendo só a cabeça à tona.
— Você comeu?
Ele assentiu, sério, tocando minha bochecha com a ponta do dedo.
— Você parecia estar se divertindo.
— Eu estava. Dean é engraçado.
— Eu vi o moleque bater na sua bunda. — Seu dedo desceu para
delinear minha mandíbula. — Acho que todos nó s vimos você correndo
atrá s dele, flor. — A trilha de Dex seguiu caminho pelo meu pescoço. —
Todo mundo ouviu vocês dois morrendo de rir.
Engoli em seco.
— Essa coisa chega a ser um biquíni?
Assenti.
Ele nã o estava com cara de quem acreditava.
— Gostei bastante, mas talvez nã o tanto na frente desse bando de
pervertidos. — Dex fechou a cara por um instante. — E a porra da Amy
saindo por aí dizendo à s pessoas que você deveria estar procurando um
sugar daddy. Pensei que eu fosse ter que dar uma surra no Wheels
quando ele a ouviu.
— Deixe o pobre do homem em paz. Por que você está sempre
caçando briga com ele?
— Sempre foi assim com a gente. — Uma linha profunda se formou
entre sua sobrancelhas. — Por que você está defendendo o cara? Se
visse o jeito como ele olha para você, nã o estaria pensando que ele
merece qualquer consideraçã o.
Nã o consegui evitar o revirar de olhos e o resmungo. Que exagero.
— Ah, por favor. Nã o achei que você já tivesse chegado à idade de ter
que fazer exame de vista.
As sobrancelhas de Dex se ergueram em ultraje. Que suscetível!
Como sempre, ele optou por se agarrar à parte menos relevante.
— Caralho, você nã o faz a mínima ideia, nã o é? — Dex lambeu o lá bio
inferior. — Porra, você me deixa duro pra caralho, linda. Ainda mais
depois que fiquei te observando tanto tempo com aquelas crianças —
ele sussurrou. — Eu nã o conseguia parar de olhar para você, nem ele.
Ah, droga. Inclinei a cabeça para Dex, sentindo seus dedos se
esticarem para alcançar a lateral do meu pescoço em um aperto
possessivo.
— Está pronta para dar o fora daqui?
Hã , é claro.
— Me deixe sair pelas escadas — pedi, inclinando a cabeça na
direçã o de onde eu tinha vindo.
Dex franziu a testa.
— É só sair daí.
— Na verdade, nã o posso… — Suspirei, pensando nas centenas de
vezes que tinha saído da á gua na academia. — Por causa do meu braço.
A careta que tinha se formado em seu rosto desapareceu. Dex se
agachou e passou os braços por debaixo das minhas axilas.
— Deixe comigo, flor.
Ele me içou e me tirou da á gua antes que eu pudesse falar qualquer
coisa, e nó s dois ficamos de joelhos por um instante antes de ele me
ajudar a ficar de pé. Dex me pegou pela mã o e nos guiou em direçã o ao
lugar em que ele estava sentado antes. Havia menos gente do clube no
círculo à quela altura, uns poucos estavam vagando pelo quintal
acompanhados da família ou comendo.
Ele devia ter pegado minha bolsa enquanto eu estava com Dean,
porque se abaixou e tirou minha toalha de lá .
— Melhor se secar antes de acabar resfriada — disse Dex, com um
tom enganosamente suave.
Olhei para o céu.
— Está sol.
Ele se levantou, segurando a toalha cinza já aberta.
— Me faça um agrado, flor.
Como nã o estava mesmo pensando em voltar para a á gua, assenti e
permiti que ele envolvesse a toalha ao redor dos meus ombros com
tanta força que me senti um burrito humano.
Em um piscar de olhos, ele já tinha me pegado e se acomodado na
cadeira em que estivera sentado. Dex me aninhou de lado em seu colo,
com os braços me envolvendo com força. Os lá bios pressionaram minha
testa. Parecia normal o bastante para quem nos olhasse, mas nã o para
mim. Eu conhecia Dex bem demais. Reconhecia a possessividade do seu
gesto e estaria mentindo se dissesse que nã o tinha ficado animada com
aquilo.
Luther estava sentado na sua cadeira, olhando ao redor do jardim.
Sozinho.
Deixei a cabeça descansar no ombro de Dex.
— Desculpe por mais cedo.
Ele murmurou e os braços fortes me apertaram.
— Eu entendo.
— Entende?
— Ah, entendo — falou ele, no que soou como um rosnado. Era um
rosnado? Eu meio que esperava que fosse o caso. Rawr.
— É melhor aqueles garotos rezarem para que eu nunca os veja em
carne e osso.
— Nã o precisa ficar todo nervosinho — impliquei. — Nã o dormi com
nenhum deles, Dex.
Seu fô lego ficou mais ofegante ao mesmo tempo em que o aperto
vacilou.
— Pensar em você… você com… puta merda, nã o consigo. Nã o
consigo nem dizer.
Dex estava com ciú me? Ciú me? Ah, caramba, acho que meus ová rios
começaram a se descontrolar quando ele gaguejou.
— Pensar em você… — ele pigarreou com força. — Nã o precisa se
preocupar. Nã o gosto de comer a carne onde ganho o pã o.
O olhar inexpressivo que lancei para ele deve ter sido o suficiente
para ele entender que eu nã o tinha entendido exatamente o que queria
dizer.
— Becky foi um erro, Ritz.
Eu o olhei pelo canto do olho.
— Claro.
Ele suspirou, o aperto ficando um pouco mais possessivo.
— Você estava lá naquela manhã , flor. Eu tinha bebido demais na
noite anterior.
Eu tinha estado lá no dia seguinte. As palavras pareciam ter
escapado do alcance antes de eu conseguir apanhá -las.
— É , e você bateu na bunda dela como se nã o tivesse sido um erro
tã o grande assim.
Dex teve a decência de estremecer.
— Nã o posso afirmar que nã o gostaria de voltar no tempo. O que
está feito está feito, Ritz. Existe um motivo para eu nã o encher a cara,
flor. Aprendi a liçã o com o meu pai.
Uhum. Eu sabia que ele tinha razã o. Nesse tempo todo desde que eu
o conhecia, e todas as noites que havíamos passado juntos, ele
raramente tinha bebido mais do que umas poucas cervejas. Com
certeza nã o era o suficiente para que eu duvidasse, por um segundo que
fosse, que ele nã o estivesse no controle total de si mesmo. Ele
geralmente era mais só brio que eu.
E ele estava certo quanto ao pai. Pelo que eu havia descoberto, o
Locke mais velho era alcoó latra, e se Dex sabia disso… bem, ele nã o ia
querer seguir pelo mesmo caminho. De jeito nenhum. Para um homem
que parecia valorizar o controle, seria difícil engolir se ele caísse numa
armadilha dessas.
— E aquela ruiva? Sky?
Ele gemeu, balançando as pernas debaixo de mim. Dex mordiscou o
ló bulo da minha orelha.
— Naquela noite nã o aconteceu com ela nada do que você está
pensando, flor. Ou em qualquer outra noite desde que você entrou no
meu estú dio com suas roupas de patricinha.
A pergunta que escapou da minha boca nã o foi intencional. Juro, mas
todos esses temores que espreitavam nos recô nditos do meu cérebro
nã o sumiriam da noite para o dia. Uma parte de mim ainda precisava da
proteçã o deles, eu acho.
— Entã o por que ela levou seu colete para o estú dio e disse que você
deixou com ela?
— Vai saber. Meu melhor palpite é que ela estava tentando ser uma
cretina e queria uma desculpa para dar uma olhada em você, já que
você estava ficando na minha casa.
Uma sensaçã o sorrateira e esquisita inundou meu estô mago com
algo parecido com pavor…
— Você é a ú nica garota que já levei para casa, Ritz. Acho que ela
ficou com inveja porque a dispensei todas as vezes que ela abordou o
assunto.
Eu ia vomitar, e o rosto do Dex era o meu alvo.
É isso? Era isso que eu ia conseguir? Uma confirmaçã o nauseantes
das vezes em que ela quisera que ele a levasse para casa e ele nã o tinha
levado?
Creio que isso, na verdade, era tudo o que eu queria e precisava. Eu
queria os detalhes? De jeito nenhum.
De. Jeito. Nenhum.
Tudo bem, talvez uma partezinha minú scula e sá dica de mim
quisesse, mas era burrice. O que eu ficasse sabendo nã o poderia ser
esquecido. Melhor nã o.
Eu era forte o bastante para aceitar o papel que Dex tinha criado
para mim. Ele havia me dito o que sentia mais do que umas poucas
vezes de um jeito que, mesmo vago, era poderoso. Eu precisava deixar
de ser infantil e aceitar. Aceitar que eu o conhecia melhor do que
qualquer pessoa. Isso bastaria para mim?
Teria que bastar.
Ele me apertou com força.
— Mas nã o precisa esquentar com nada disso. Há muito poucas
coisas para as quais já dei alguma importâ ncia. Todo o resto… é sazonal,
como minha mã e diria. — Ele pressionou a boca na minha têmpora, e
sussurrou: — E aí você apareceu.
Engula, Iris. Respire, Iris.
Fui completamente engolida pela emoçã o. Por essa coisa
aterrorizante que tinha que ser amor, porque doía tanto quanto
consolava.
Erguendo os joelhos mais alto, me movi no seu colo até poder olhá -lo
melhor. Sua expressã o estava tensa. Cheia de cautela. Talvez até mesmo
um pouco preocupada? Entã o, ele nã o era virgem. Nem de longe, mas
isso era normal. Dex era quem era e eu tinha uma partezinha dele só
para mim. Nã o arruinaria tudo por me agarrar ao passado. Nã o queria
que isso ganhasse.
Apostava que nenhuma outra pessoa já tinha visto o quarto de
hó spedes dele, cheio de colecionáveis relacionados a quadrinhos. Iris 1,
Vagabundas Pré-Iris 0.
Bati o dedo na ponta do seu nariz.
— Tudo bem.
Ele piscou aqueles olhos que mais pareciam uma pedra preciosa de
cor escura.
— Tudo bem?
— Sim.
O sorriso que se arrastou pela sua boca era melhor do que uma
manhã de Natal, e o beijo que ele me deu depois disso, de alguma
forma, foi ainda melhor.
— Acho que eu deveria agradecer por você nã o ter três ex-mulheres
à solta por aí, tentando te reconquistar, né?
Ele revirou os olhos, as rugas nos cantos ficando ainda mais
pronunciadas quando o sorriso ficou mais largo.
— Você acha?
— Acho, eu nã o sei lutar. Se chegasse a esse ponto, teria que usar
minha chave na cara delas ou arrancar um pedaço da orelha delas com
os dentes — disse, fazendo careta.
A risada que escapou dele fez os outros homens do MC se virarem
para olhar para nó s, como se ver Dex rindo alto assim se equivalesse a
avistar um OVNI. Juro que um dos mais novos, um aspirante, expressava
uma combinaçã o esquisita de pavor e perplexidade. Mas eu estava tã o
entretida com a resposta de Dex que simplesmente fiquei sentada ali
observando-o com um sorriso imenso e bobo. Para onde mais eu ia
querer olhar?
Assim que finalmente se controlou, Dex me puxou para trá s o
suficiente para passar o olhar pelo meu rosto. Eu deveria estar igual a
um rato molhado, mas nã o me importava quando vi sua expressã o
calma e focada. E quando o canto da sua boca se ergueu daquele jeito
sorrateiro…
— Você é a coisa mais fofa que eu já vi na vida, sabia?
— Ei, namoradinho, quer um cigarro?
Um dos homens do clube mais velhos sentados na nossa frente
soltou uma risadinha e ergueu um maço de cigarros na mã o
envelhecida.
Dex balançou a cabeça, e sua expressã o de “como assim?” foi
impagável.
— Nã o? — perguntou o integrante do clube, incrédulo.
— Ela nã o precisa ficar cheirando a essa merda.
O homem fechou a cara, os olhos indo dele para mim.
— Você é alérgica ou algo assim, Rissy?
Rissy. Ha.
Balancei a cabeça e sorri para ele.
— Nã o. Você pode fumar aqui, eu vou procurar Dean ou algo do tipo.
As pernas debaixo de mim balançaram de novo.
— Ela teve câ ncer, Lee. Nã o precisa de nada desse negó cio de
fumante, de ser fumante passiva e essas merdas para piorar tudo.
Como é que é?
Me virei bem devagar para encarar Dex. Mas ele estava esperando.
Parecia que estava pronto para que eu o desafiasse, que ficasse
chateada por ele sair por aí contando algo que tinha acabado de
descobrir.
E nã o era como se eu nã o o tivesse flagrado olhando para o meu
braço a toda oportunidade, rangendo os dentes e tudo o mais.
— O quê? É verdade. Todo mundo vê esses comerciais que dizem a
quantidade de pessoas que morrem todos os anos por causa do fumo
passivo. Você nã o vai se colocar em risco — declarou, firme. Dex
inclinou o rosto para mais perto do meu e sussurrou: — Isso é uma
família, Ritz. Você nã o precisa esconder essas merdas de ninguém.
Lee, o homem mais velho, se engasgou antes que eu tivesse a
oportunidade de processar o comentá rio de Dex.
— Você teve câ ncer? — Ele se recostou na cadeira e abriu as pernas
finas. — Puta merda. Você ainda é a porra de uma criança.
— Já faz um tempo — esclareci, olhando feio para Dex.
Meu comentá rio nã o ajudou Lee em nada a processar o que estava se
passando na sua cabeça. Ele acabou passando as mã os pelo cabelo e
soltou um bufo.
— Bem, caramba. — Com uma olhada rá pida para mim, ele enfiou o
maço de cigarro no bolso da frente do colete. — Ninguém fuma perto de
você. Você me ouviu, Dexter? Nada de fumar perto da Rissy.
Essa era a minha família? Esse motoqueiro bem mais velho com
quem eu tinha falado talvez duas vezes na vida estava fazendo
exigências em meu nome?
Tive que curvar os lá bios atrá s dos dentes para me impedir de sorrir
como uma boba.
Dex soltou uma risada alta.
— Entendido, velho.
— Velho é o meu rabo — disparou ele, sem nem pensar. Lee passou
as mã os pelo cabelo de novo e gemeu. — Caralho. Câncer? Minha irmã
morreu de câ ncer no cu. Essa merda ronda a minha família. — Ele virou
o foco para mim, com olhos arregalados. — Dá para fazer teste para
saber se tem ou algo assim?
Pelo canto do olho, flagrei Dex me encarando com os olhos
arregalados e achando graça.
— Bem…
Trinta minutos depois, Lee havia saído da cadeira parecendo
esgotado demais. Acho que eu o tinha assustado. Mas quando ele
prometeu visitar o médico pela primeira vez em cinco anos, nã o me
senti tã o mal. Prevençã o, prevençã o, prevençã o.
— Pronta para ir para casa daqui a pouco? — perguntou Dex.
Assenti.
— Sim. Vou só me vestir, e quero me despedir do Luther.
Ele apertou meu ombro e me deixou me levantar, entã o me entregou
o short e a blusa que eu estava vestindo mais cedo.
Me despedi das poucas pessoas que estavam por perto,
especialmente Lee, mas nã o vi Dean causando confusã o em lugar
nenhum. Droga. Eu tinha gostado do moleque.
Luther estava na cozinha com alguns dos outros quando estávamos
de saída. Eu nã o era muito efusiva com pessoas que nã o conhecia muito
bem, e Luther era uma delas. Mas nã o pude deixar de dar um abraço de
lado nele quando estávamos perto o bastante.
— Só queria agradecer pela sua ajuda na busca pelo meu pai —
disse, com discriçã o, e dei um passo de volta para perto de Dex.
Ele nã o parecia o tipo que ria com frequência. As linhas marcadas do
seu rosto contavam a histó ria de um homem que fazia parte de um
clube de motoqueiros desde antes de ele se legalizar. Um homem que
havia perdido alguém a quem amava por causa de uma infinidade de
erros.
Mas esse homem também era o pai de Trip. Ele tinha que ter um
pouco do coraçã o daquele idiota.
A ruguinha em seus olhos confirmou o fato.
— Coraçã o, fiz melhor que isso por você. Um camarada meu o
localizou ontem.
— Acho que nã o vai encaixar.
Ofeguei, afoita demais por ter precisado me controlar na casa do
Luther dois dias antes.
— Isso foi o que ela disse!
— Porra, Ris. — Magrã o balançou a cabeça e riu, quase derrubando o
termotransfer que tínhamos montado um minuto antes. — Esses braços
nã o foram feitos para trabalho pesado, você nã o pode me fazer rir
quando estou carregando as coisas.
Olhando-o pelo canto do olho, agarrei o outro lado do aparelho.
— Isso nã o pesa só uns cinco quilos?
— Nã o esquente. — Ele bufou. — Mova aquele kit ali um pouquinho
para lá e vai caber.
Empurrei pelo balcã o as tintas sobre as quais ele se referia e o
observei deslizando o termotransfer no lugar. Devia ser um saco ir e vir
da copa sempre que precisavam de um estêncil, entã o eu talvez tivesse
ficado um pouco animada demais quando o velho pifou e encomendei
um novo com a intençã o de colocá -lo lá na frente.
— Você quer estrear a má quina nova? — perguntou Magrã o, de
costas para mim.
— Ainda nã o sei o que quero — expliquei, ao me referir à tatuagem.
Ele olhou para trá s, tremulando aqueles cílios loiro-avermelhados.
— O dragã o estará esperando quando você estiver pronta.
Ele se referia ao dragã o que cuspia arco-íris.
— Vai doer? — perguntei, igual a uma chorona, e me sentei na
cadeira mais pró xima.
Magrã o mordeu o lá bio e fez uma careta que dizia é, vai doer pra
caramba.
— Bem, vai. Um pouquinho. — Cará coles. — Mas você é forte. Vai
aguentar.
A histó ria da minha vida. Merda.
Encontrei minha voz.
— Ainda estou pensando, Michelangelo.
Ele soltou um suspiro resignado.
— Tudo bem, vó .
A cabeça de Blake apareceu por cima da divisó ria entre a recepçã o e
a estaçã o dele. Nã o havia nada marcado para a hora seguinte e, no
ú ltimo segundo, eu havia pedido a Blake para cuidar da recepçã o
enquanto montávamos o aparelho novo. Ele franziu a testa quando
estreitou os olhos para o que a gente estava fazendo.
— Dex sabe que você quer fazer uma tatuagem? — perguntou, com
tato.
— Ele ouviu a gente falando disso naquele dia — respondi, distraída.
No dia que eles ficaram sabendo sobre o meu braço.
Blake soltou uma risada. Talvez tenha sido a primeira risada que eu
ouvia dele na ú ltima semana. Ele ainda estava enlouquecido por causa
do Seth, mas agora que nos contara, parecia ter tirado um pouco do
peso dos ombros.
— Nã o sei por que está se esforçando desse jeito, Magrã o. Você sabe
que ele nã o vai deixar nenhum de nó s tirar a virgindade dela.
Eu quase, quase me engasguei ao ouvir o comentá rio espontâ neo,
retomando a lembrança da noite anterior com tudo ― Dex havia tirado
minha roupa, se deitado de costas e me puxado para cavalgar o rosto
dele. Aqueles deviam ter sido os melhores quinze minutos da minha
vida. E os quinze ou trinta minutos que vieram logo depois, quando ele
me virou e me fez apreciar muito um determinado nú mero formado por
um seis e um nove… bem, digamos apenas que eu estava acumulando
experiências novas e divertidas com uma velocidade surpreendente.
Aleluia!
— Foda-se — falou Magrã o, devagar. — Talvez ele me deixe fazer
essa nele, entã o. Você sabe que eu o venho amolando para ele me deixar
terminar o outro lado do corpo dele.
— O outro lado do peito? — perguntei.
Os dois ergueram as sobrancelhas em diversã o fingida, mas foi a
droga do ruivo quem abriu um sorriso.
— Ah, você conhece as tatuagens dele todinhas, nã o é?
Qualquer coisa que lembrasse um sorriso desapareceu do meu rosto.
— Cale a boca.
— O que aconteceu com a srta. Nã o-Vai-Acontecer-Nada?
— Tomara que você se esqueça de passar protetor solar da pró xima
vez que ficar ao ar livre — disparei.
Magrã o balançou a cabeça e riu.
— Uhum. Aposto que você também está super por dentro dos
piercings dele, nã o é, Ris?
Fiz careta.
— Pode continuar.
— Quando der por si, vai estar com um “Propriedade do Dex”
tatuado nas costas — ele pensou alto.
Mas de jeito nenhum eu tatuaria o nome de um homem em mim.
— Vai sonhando, otá rio.
Blake ergueu as mã os, rendendo-se.
— Eu nã o ficaria nada surpreso se ele fizesse isso.
É , eu também nã o, depois que parei para pensar. Aquele imbecil
sorrateiro a faria em mim em segredo na primeira oportunidade que
tivesse.
E ainda assim…
Por mais estranho que parecesse, eu era apenas cerca de noventa
por cento contra.
Nã o que isso fosse acontecer algum dia, ainda mais quando eu nem
sequer conseguia decidir quanto a fazer uma tatuagem pequena
primeiro.
O movimento da porta abrindo nã o me alarmou. Blake estava livre e
atenderia a pessoa que havia entrado. Por ser noite de terça-feira, o
movimento estava bem tranquilo. Era por esse motivo que Dex tinha
saído, depois de terminar uma sessã o de três horas, para ir falar com a
mã e sobre o possível divó rcio.
No entanto, a primeira coisa que saiu da boca de Blake foi um alto e
alarmado “mas que porra?”, seguido por um som agudo de algo muito
pesado batendo em algo igualmente tã o pesado, mas um pouco mais
frá gil. E entã o o som inconfundível de um corpo caindo no chã o fez nó s
dois nos erguermos e olharmos na direçã o de Blake.
Mas nã o era o meu amigo careca que estava lá . Havia três homens
usando má scara de ski parados bem onde Blake tinha que estar.
Homens de estatura mediana, com corpo mediano, com um esgar
raivoso na boca que mal era visível.
E um segurava uma arma. E aquela arma estava apontada para mim.
O impulso de perguntar o que era aquilo estava bem na ponta da
minha língua, mas me contive, me lembrando do que tinha acontecido
com Blake havia apenas um segundo.
— Pegue o que estiver na mesa, cara — Magrã o assumiu, agarrando
o encosto da cadeira com uma das mã os até as juntas ficarem brancas.
Respirei fundo e assenti, concordando com o que ele estava
sugerindo, as palavras no meu cérebro perdendo a vez para o tremor
nas minhas mã os. Onde é que estava o meu celular?
O homem com a arma soltou um risinho alto e dissimulado.
— Tu. — Ele apontou para mim. O sotaque forte parecia russo, eu
acho. — E tu ris?
Eu? De onde ele tirou que eu estava rindo?
Eu estava prestes a abrir a boca quando o outro mascarado logo à
direita do que segurava a arma assentiu.
— É ela. Rá pido, Fyo.
Puta merda! Puta merda! Puta merda!
Olhei para Magrã o, achando que íamos morrer. Esse cara ia atirar na
gente. Acho que meu coraçã o chegou a um milhã o de batidas por
segundo, fazendo tremer nã o só meus dedos, mas os antebraços e até
mesmo meus bíceps com a possibilidade do que estava prestes a
acontecer. Era por causa do meu pai? Tinha que ser. Tinha que ser,
caralho.
Os Ceifadores? Ai, meu Deus. Eles eram membros? Dex tinha dito que
havia cuidado de tudo, mas… merda!
— Por favor, deixe meus amigos em paz. Seja o que for, é culpa só
minha. — Eu me vi gaguejando quando dois dos três homens
avançaram ao redor da divisó ria.
Mas nenhum deles disse nada quando um dos homens armados
estendeu a mã o e agarrou meu rabo de cavalo em um puxã o rá pido tã o
forte que minha cabeça estalou com a brutalidade. Ele puxou com mais
força ainda da segunda vez, arrastando meu corpo sobre a cadeira antes
de dar outro puxã o. Eu gritei alto, e caí no chã o, batendo o quadril com
força no piso quando o mascarado deu um solavanco.
O homem puxou meu cabelo uma ú ltima vez, e se agachou com a
Glock na mã o. Os lá bios se abriram quando ele levou o rosto para perto
do meu.
— Diga ao seu pai que se ele nã o nos pagar até a meia-noite de
amanhã , vamos terminar o trabalho que começamos esta noite —
ameaçou o homem, um momento antes de sua mã o livre avançar e me
dar um tapa tã o forte na cara que minha visã o explodiu em estrelas
multicoloridas. — Diga isso. Entendeu? — perguntou o homem.
Eu estava piscando, incapaz de ver onde ele estava porque parecia
que meu rosto havia sido atingido por um caleidoscó pio de tijolo.
O homem me deu outro tapa tã o forte quanto o outro, se nã o mais.
— Você entendeu, sua vagabunda? — O cano frio da arma
pressionou o meio da minha testa, e fiz de tudo para reprimir o
choramingo. — Responda!
A ú nica coisa que eu entendia com clareza era que eu ia matar o meu
pai. Ia cortá -lo em pedacinhos, estilo um assassino em série, e o jogaria
no oceano, onde seus restos mortais jamais seriam encontrados.
De alguma forma, enquanto planejava rapidamente um homicídio,
respondi um “sim”. Consegui nã o chorar enquanto meu rosto latejava
no ritmo do meu coraçã o, à medida que os homens saíam do estú dio
tã o rá pido quanto tinham entrado.
A batida da porta me fez olhar para cima. Ignorando as fisgadas
desconfortáveis irradiando das minhas costelas, foquei nos olhos de
Magrã o.
— Você está bem? — ele me perguntou, com os olhos arregalados.
Fiz que sim, mas nã o estava, na verdade. Minha cabeça latejava e
minhas costelas doíam pra caramba. Mas, naquele momento, nã o
importava. Estava viva e…
— Blake! — gritamos nó s dois, ao mesmo tempo.
Magrã o saltou sobre a cadeira enquanto eu lutava para me ajoelhar,
minhas mã os e meu corpo doendo em protesto. Blake estava deitado no
chã o, com sangue empoçando ao redor da cabeça.
Não perca o controle, Iris!
Magrã o se ajoelhou ao lado de Blake e o sacudiu. O homem nã o tinha
atirado nele, disso eu sabia, mas provavelmente lhe deram uma
coronhada ou algo assim.
Me ajoelhei do outro lado do seu corpo imó vel, balançando seu
ombro de leve. Olhos escuros piscaram até entrarem em foco enquanto
suas mã os se estendiam fracas para começar a bater para afastar as
persistentes de Magrã o.
— Pare com isso, babaca — murmurou ele, levando a mã o à cabeça.
Afastando-se, Magrã o arrancou o celular do bolso e discou tã o rá pido
que nã o tive nem a chance de me perguntar se ele ligaria primeiro para
a polícia ou para Dex.
— Dex, alguns homens estiveram aqui — ele falou um minuto
depois. O que respondeu a minha pergunta.
Me inclinei sobre Blake, observando enquanto ele recobrava os
sentidos, contorcendo o rosto de dor.
— Porra — gemeu ele.
— Nã o foram eles. A gente vai te esperar no bar. Blake precisa de
pontos — disse Magrã o no aparelho, os olhos se desviando para mim.
Eu conseguia ouvir Dex falando do outro lado. — Ela… ela… eles
deixaram uma mensagem para o pai dela. — Um segundo depois,
Magrã o afastou o telefone do rosto e olhou para a tela. A preocupaçã o
estava gravada em suas feiçõ es. Com grande relutâ ncia, ele olhou para
Blake e para mim e suspirou:
— Vamos lá para o Mayhem, cara — ele instruiu, estendendo as
mã os para o cotovelo dele para ajudá -lo a ficar de pé.
Me levantei e fiz o meu melhor para ajudar Blake também. Meus
olhos se desviaram para Magrã o.
— Você vai ligar para a polícia?
Seus olhos se arregalaram quando ele pressionou na cabeça de Blake
alguns guardanapos que havia pegado na sua estaçã o.
— Nã o.
— Prefere que eu ligue? — perguntei, ao cruzarmos a rua com
cuidado, com Blake entre nó s.
Ele balançou a cabeça.
— A gente nã o precisa da polícia, Iris.
Blake nem olhou para qualquer um de nó s dois nesse meio-tempo,
concentrando-se apenas em segurar os guardanapos logo acima da
sobrancelha.
— A gente nã o precisa da polícia? — A má fia devia estar envolvida.
Coisa que acontecia na televisã o, nã o na droga da vida real.
— Você acha mesmo uma boa ideia ligar para a polícia quando uma
gangue croata está querendo te matar? — indagou, sem fazer rodeios.
Dei uma olhada para Blake, ainda completamente alheio à nossa
conversa, e engoli em seco. Se tinham tido coragem de ir até o estú dio
armados… nã o queria nem pensar do que mais eram capazes.
— Certo. — Mas nã o estava nada certo. Meu rosto doía pra caramba
e meu coraçã o ia explodir para fora do peito por causa do medo que eu
estava sentindo. Mas o comentá rio de Magrã o me pegou em cheio. —
Eles eram croatas?
Ele assentiu, cansado.
— Reconheci a tatuagem nas mã os deles. Há um tempo, atendi um
cliente que me pediu para cobrir o símbolo da gangue.
Aquilo era um pesadelo.
E isso era exatamente o que Sonny quis dizer quando falou que nã o
queria saber a quem nosso pai devia dinheiro além dos Ceifadores.
No momento em que atravessamos o segundo quarteirã o para
chegarmos ao Mayhem, três homens já nos esperavam lá fora. Um era
aquele cara um pouco mais velho que Dex e que era muito atraente, e os
outros dois eu nunca tinha visto antes. Um dos caras foi direto na
direçã o de Blake, só me olhando rapidamente de canto de olho antes de
puxar o homem ensanguentado para dentro do prédio.
— Ah, porra — murmurou o homem bonito, chamado Wheels,
quando parou bem na minha frente. Seus olhos estavam em uma
missã o de busca. — Foram eles que fizeram isso?
Magrã o fez o favor de repetir o que os homens tinham dito a mim,
mas com uma voz muito mais equilibrada do que a minha teria
conseguido em qualquer ocasiã o.
Wheels rosnou em resposta ao balançar a cabeça.
— Sinto muito, boneca.
Eu também.
— Está tudo bem. Poderia ter sido pior — tentei dizer, mas minha
voz vacilou e basicamente gaguejei. Fraca, fraca, fraca. Eu estava bem.
Superbem. Precisava me recompor, Blake estava sangrando sem parar e
eu corria o risco de me mijar de medo. Quando olhei para o chã o, tive
um vislumbre de um metal preto e achatado enfiado no có s do jeans de
Wheels.
Uma arma. Puta merda. Ele estava armado. Por que eu estava
surpresa?
— Vamos lá pegar um pouco de gelo para você — ele conseguiu
sugerir entre dentes, de alguma forma.
Nó s três seguimos para a escada, enquanto Blake e os outros homens
foram em direçã o à cozinha, no primeiro andar. Wheels e Magrã o
pareciam estar tendo uma conversa telepá tica acima da minha cabeça.
Nã o consegui reunir forças para me dar ao trabalho de prestar atençã o
ao que estava sendo comunicado. O latejar no meu rosto multiplicava
dez vezes a cada contraçã o muscular.
Com um saquinho ziplock pressionado na bochecha e uma garrafa de
á gua entre minhas coxas enquanto eu estava sentada no sofá , Wheels se
plantou ao meu lado e Magrã o ficou do outro. Nenhum de nó s disse
nada. O que havia a dizer? Wheels nã o perguntou o que havia
acontecido nem se eu estava bem. Ele simplesmente ficou sentado lá ,
puxando o ar pelo nariz e o liberando pela boca.
— Blake está bem? — indaguei, enfim, depois de pegar outro maço
de papel-toalha para cobrir o saco de gelo.
— Jesse deve estar dando os pontos nele agora. Ele está bem —
respondeu Wheels.
Respirei com dificuldade, olhando ao redor da sala mal iluminada
com suas mesas de sinuca e o bar. Aquela confusã o estava me
devorando aos pouquinhos. Eles nã o queriam envolver a polícia. Meu
pai devia uma boa quantia para aqueles filhos da mã e terem vindo de
Austin só para fazer ameaças, e eu tinha sido arrastada para o meio
dessa bagunça causada por um homem que nem me amava. E eles
simplesmente haviam encostado uma arma na minha testa depois de
machucar Blake. Uma coisa era lidar com Liam, outra completamente
diferente era ser abordada por uma gangue.
Gangue. Cristo. Dois meses atrá s, meu maior temor era como eu
pagaria a conta do celular.
— Isso é normal? — com a voz fraca, perguntei ao homem.
Wheels me olhou de canto de olho e suspirou.
— Nã o é totalmente incomum.
Nã o sei como me senti com aquela resposta.
— Você acha que eles vã o voltar se nã o forem pagos?
A porta se abriu com um estrondo, batendo na parede com um estalo
alto do gesso da parede rachando, o que sinalizou a chegada de Dex. Seu
corpo alto e musculoso preencheu a porta. Ele esquadrinhou o salã o
antes de pousar os olhos em nó s três amontados no sofá .
E eu senti. Todo mundo sentiu.
O estalo do seu humor despencando foi como uma camada de gelo;
poderia muito bem ter sido o inferno congelando por causa da potência
fria e poderosa da sua raiva. Indicava a chegada da segunda Era do Gelo.
Entã o seus olhos se estreitaram no saquinho que eu pressionava na
bochecha. E, como se fosse possível, a linha tensa de controle no ar se
esticou a ponto de arrebentar fio a fio.
No espaço de dois segundos, Dex havia avançado e caído de joelhos
diante de mim, uma das mã os se enterrando no meu cabelo, a outra
espalmando a almofada logo ao lado da minha coxa.
— Iris. — O tom era baixo e descontrolado.
Pisquei para ele.
— Está tudo bem.
A mã o no sofá se moveu para pegar a bolsa do gelo que eu segurava.
Dex fechou a cara. Algo indescritível cintilou em seus brilhantes olhos
azuis, algo que se relacionava à fú ria e que era algum primo distante do
assassinato.
Isso, aliado ao seu tom de voz, me fez sentir medo.
— Me conte.
— Aqueles caras entraram e atacaram o Blake. E aí me disseram que
se meu pai nã o os pagasse até amanhã , eles voltariam. — E
terminariam o trabalho, fosse qual fosse: minha morte ou algo
igualmente violento. De jeito nenhum eu diria isso.
A cabeça de Dex se afundou para a minha, os olhos nã o perdendo um
grama da emoçã o sombria que nadava no fundo deles.
— O que eles fizeram? — perguntou ele, aos sussurros.
Eu estava dividida entre contar a versã o resumida ou a verdade.
Concluí que ambas acabariam voltando para me assombrar. A
expressã o que fiz deve ter indicado a Dex que eu estava escondendo
alguma coisa, porque ele estendeu a mã o para traçar minha mandíbula,
seus olhos se fixando no que supus ser a marca vermelha inchada na
minha bochecha.
Eu nã o queria preocupá -lo, mas sabia que, se nã o contasse o que
tinha acontecido, ele ficaria ainda mais puto depois.
— Ele me agarrou pelo cabelo quando eu estava na cadeira e me
arrancou de lá — contei, com toda sinceridade. Pude ver pelo mover do
seu pomo de adã o que ele havia engolido em seco. — E aí ele me deu
um tapa. — Respirei fundo, deixando o medo irracional rastejar pelos
meus ombros. Ele pressionou uma arma na minha testa, eu quis dizer,
mas nã o consegui me convencer a dizer as palavras em voz alta.
O humor de Dex disparou pelo salã o como uma corrente poderosa.
Sua expressã o ficou séria; a postura, tensa, e eu juro que ele até mesmo
parou de respirar. As moléculas no ar pausaram em deferência.
Mas, em vez de dizer ou fazer qualquer coisa, ele levou a boca à
minha e pressionou um beijo suave. Um beijo demorado que me fez
esquecer de que minha cabeça doía porque ele deixara tudo melhor.
— Vou pedir a um dos caras para te arranjar um analgésico —
sussurrou Dex, beijando minha mandíbula com um carinho que ele
raramente demonstrava.
Foi naquele momento que notei que sua mã o tremia… bastante. Ele
me beijou mais uma vez logo ao lado do olho, tendo o cuidado de nã o
apertar o que estava dolorido.
Sem pressa, Dex ficou de pé, o movimento estável e equilibrado, mas
havia algo de estranho nele.
— Aonde você vai? — perguntei, esquadrinhando sua expressã o.
Aquele olhar nã o estava certo. Era selvagem e descontrolado, e fez meu
coraçã o se apertar ainda mais.
— Vou cuidar do assunto — disse ele, ao desviar o olhar para o teto.
Ah, droga. Fui tomada pelo pâ nico, preocupada com o que Dex
pudesse fazer se saísse de lá . Naquele milésimo de segundo, eu nã o
estava nem aí para o que tinha acontecido no estú dio. Nã o se isso fosse
levar Dex a fazer alguma idiotice.
— Charlie.
— Flor — rosnou ele. — Preciso que você melhore. Sente-se.
Estendi a mã o e peguei a dele, entrelacei nossos dedos e apertei com
força.
— Nã o faça nada. — Puxei sua mã o. — Está tudo bem. Eu estou bem.
Sério. Vou pensar em alguma coisa para que eles nã o me encontrem.
— Você nã o vai a lugar nenhum — disse ele, uma declaraçã o. Uma
ordem. O pomo de adã o se moveu com força com as engolidas, os
mú sculos se retesando e relaxando duas vezes.
— Dex, por favor — implorei. — Por favor. Se você se encrencar com
a polícia de novo… — Um soluço estava abrigado no fundo da minha
garganta. — Nã o vá . — Meu coraçã o estava prestes a se estilhaçar.
Estava sendo picadinho por causa de todos os “e se”.
Dex rangeu os dentes, e a veia em seu pescoço ficou mais
protuberante.
— Nã o me peça para nã o fazer nada, Ritz. — Ele inclinou o pescoço
para cima com a raiva mal contida. — Você espera que eu fique sentado
e deixe esse pessoal se safar dessa merda?
— Dex…
— Olhe o que fizeram com você! — explodiu. Seus olhos
resplandeciam. — Eles machucaram você. Colocaram as mã os em você.
Nã o posso ficar sentado aqui e olhar para você com a consciência
tranquila. Eu jamais deveria ter deixado isso acontecer.
Ai, meu Deus. Meu coraçã o tamborilou feito um idiota em reaçã o à s
suas palavras, à sua convicçã o, sua lealdade… tudo. Eu estava mesmo
apaixonada por esse homem. Era aterrorizante e maravilhoso. Apertei
os dedos ao redor dos dele.
— Nã o é culpa sua, Dex.
Ele estreitou os olhos e soltou um suspiro que fez seus lá bios
tremerem. Estalando o pescoço de um lado e do outro, ele girou os
ombros.
— Você é responsabilidade minha. Você é minha. E nã o vou ficar
parado aqui feito um inú til. Acho que eu faria qualquer coisa por você,
pode acreditar. Mas isso, nã o. — Ele pressionou os lá bios na minha
testa, o fô lego quente. — Tenho que fazer isso.
Eu poderia ter deixado Dex ir. Eu poderia ter simplesmente ficado
sentada ali e o deixado ir se vingar em meu nome, mas nã o faria nada
disso. Nã o naquele dia, nem no pró ximo, nem no mês seguinte, nem no
ano que vem. Porque a situaçã o nã o valia a possibilidade de perdê-lo, e
eu nã o me achava boa demais para apelar. Para dizer o que fosse
necessá rio. Fazer o que fosse necessá rio.
— Por favor. Nã o me deixe também — sussurrei.
A declaraçã o deve ter ido direto para aquela cabeça dura e teimosa.
Ele piscou aqueles brilhantes olhos azuis repetidas vezes antes de
finalmente assentir devagar, como se o ato lhe causasse dor. Ele ergueu
a mã o e a apoiou no meu braço ruim, pressionou os lá bios na minha
testa e soltou um suspiro trêmulo. Era golpe baixo dizer aquelas
palavras para ele, mas nã o me importei quando, enfim, ele falou:
— Vou pegar um analgésico para você.
Olhei para ele ao me sentar. Os olhos de Dex estavam ferozes ao
mirar os de Wheels, a boca dele se curvando com crueldade. Aquela
tensã o brutal pulsava por suas veias a cada segundo que ele se
comunicava com Wheels sem dizer uma ú nica palavra antes de sair dali.
Foi só quando ele saiu que a está tica que parecia irradiar dele se
expandiu, triplicou e quadriplicou.
Quando demos por nó s, ele tinha agarrado um dos bancos do bar e o
atirado do outro lado do salã o, onde o objeto encontrou uma morte alta
e bagunçada ao atingir a parede. Dex rugiu. Entã o rugiu um som
primitivo e gutural que poderia ter causado terremotos. Ele inclinou o
rosto para cima e cerrou as mã os ao lado do corpo.
— Puta que pariu! — gritou ele, ao passar as mã os pelo cabelo.
Minha nossa.
Ele pegou outro banco pelas pernas e o lançou na mesma direçã o.
— Caralho! — Explodiu de seus pulmõ es.
Com uma explosã o final, ele sumiu pela porta. Num piscar de olhos.
E por alguma razã o nã o tã o estranha assim, confiei nele o bastante
para concluir que nã o tinha mentido para mim.
— Foi melhor do que eu esperava. — Suspirou Magrã o.
Voltei a pressionar o saco de gelo no rosto e estendi a outra mã o para
agarrar os dedos dele.
— Sinto muito por tudo isso.
E eu sentia. Mas mais que tudo, naquele instante, eu estava era
muito, muito puta.
Que droga havia de errado com o meu pai? Que tipo de babaca
egoísta colocaria outras pessoas em perigo por causa dos rolos que ele
mesmo arranjava? E por que, caramba, eu tinha que ter parentesco com
ele? Sabia que era injusto e que talvez fosse um pouco de maldade, mas
suas açõ es eclipsaram todos os meus pensamentos. Nã o havia como ele
nã o saber do que a droga dos russos ou dos romenos ou dos croatas
eram capazes de fazer. Essa merda de gangue e de má fia era algo
reservado para os livros que eu lia e para os filmes a que assistia.
Estava possessa. E agora que ainda mais pessoas de quem eu gostava
acabaram se envolvendo, aquilo se parecia ainda mais com uma batalha
pessoal. Minha pró pria bagunça para consertar. É claro que nã o havia
como esses otá rios receberem o dinheiro no dia seguinte, mas se eu
fosse embora, nada aconteceria, nã o é?
Era um tiro no escuro, mas era a ú nica esperança que eu tinha.
Magrã o puxou minha mã o e apertou os dedos que ele segurava.
— Nã o é culpa sua.
— É , sim — respondi, e suspirei. Eu me sentia péssima.
Precisava dar um jeito nisso.
Foi Wheels quem me disse exatamente o que eu precisava fazer.
— Você ainda nã o sabe onde Curt está ? — perguntou ele.
Eu sabia, agora, pelo menos. O amigo de Luther o encontrara a
poucos quarteirõ es da casa onde a gente morava na época… na época
antes de tudo ir para o inferno, quando eu era criança.
E eu sabia o que precisava fazer, independentemente de ter dito ou
nã o tanto a Dex quanto a Luther que os deixaria cuidar do assunto. Que
os deixaria trazê-lo para cá , quer dizer. No momento que aqueles filhos
da mã e haviam entrado na Pins, isso se tornava problema meu. Nã o de
outra pessoa.
Nem mesmo do Sonny.
Sonny. Droga. Meus dedos flexionaram de nervosismo quando levei a
mã o ao bolso para pegar meu celular. Mais tarde, eu nem sequer me
lembraria de ter pressionado tã o rá pido a discagem rá pida do nú mero
dele. Naquele momento, só estava ciente de que tinha que ser eu a ligar
para o meu irmã o e contar para ele. Isso nã o resolveria os problemas de
confiança entre nó s, mas seria um começo, tomara.
Nem sequer permiti que ele me cumprimentasse antes de o
interromper. O acontecido e minha decisã o recente assumiram meus
pensamentos como uma tempestade. Ele precisava saber.
— Son, preciso voltar para casa.

— A gente chegou, linda.


Senti a mã o pressionando minha coxa para me fazer voltar à vida, e
bocejei. Devia ser quase três da manhã quando Dex parou a picape de
Luther na garagem. Apesar do cochilo que eu havia tirado no Mayhem,
estava exausta… absolutamente exausta. Também tinha a sensaçã o de
que ele havia me dado algum remédio para dormir, em vez de um
analgésico, mas nã o tinha certeza, nem me importava.
Depois do colapso de Dex, eu só o tinha visto de passagem umas
duas vezes lá no bar. Ele havia subido com Blake a reboque. O coitado
do Blake havia levado alguns pontos na sobrancelha. Pedi desculpas
dezenas de vezes, mas ele só acenou e foi embora do bar depois de me
dar um abraço que eu esperava que significasse que ele nã o guardaria
má goa de mim por causa do que acontecera na Pins. Dex, por outro
lado, havia me observado com a mandíbula tensa e punhos cerrados na
lateral do corpo até se curvar para beijar o alto da minha cabeça. Suas
narinas dilatadas e as veias saltadas em seu pescoço tinham sido o
ú nico sinal de que estava no limite.
A segunda vez que o tinha visto foi quando ele estava indo lá
embaixo. Sabia que ele estava bravo, e apesar de tudo, o que eu queria
era subir nele e pedir um abraço. A distâ ncia provavelmente tinha sido
boa para nó s. Eu precisava decidir como iria para a Fló rida, e ele
precisava relaxar.
Medo e temor haviam se enterrado em mim, e eu estava me
esforçando para me convencer a nã o fazer isso. Mas também nã o obtive
sucesso. Desde que eu conseguisse ir embora de Austin até essa
confusã o se resolver, ninguém de quem eu gostava se machucaria.
Pelo menos era nisso que tinha depositado todas as minhas
esperanças.
E foi esse argumento que finalmente convenceu meu meio-irmã o a
concordar quando eu disse que precisava ir tentar encontrar nosso pai.
Acompanhada, ele insistira, mas nã o cheguei a concordar. Sonny
percebeu, assim como eu, que essa bagunça havia se tornado um
desastre. Um desastre que ele havia tentado impedir, mas, agora que ele
estava tã o longe, recaía sobre os meus ombros.
Nã o seria a primeira vez que a responsabilidade recairia sobre mim,
e com certeza nã o seria a ú ltima. Os quinze minutos de conversa
haviam me esgotado até a alma. E, na melhor das hipó teses, só me
deixaram com mais raiva.
Esgotada, puta e magoada, eu havia cochilado no sofá e comido o que
os caras mais novos tinham levado para mim. Alguém continuou
enviando pacotes de gelo pelas primeiras horas. Mesmo depois disso,
pessoas que conheci só de passagem nã o deixavam de perguntar se eu
precisava de alguma coisa. Meu novo amigo Lee havia subido em algum
momento e feito carinho na minha cabeça antes de se sentar ao meu
lado no sofá e começar a contar a histó ria do quanto tinha sido
estranho ter seus “bens” acariciados no consultó rio do médico.
Mas o que eu mais precisava era que meus dedos parassem de
tremer. A dor no meu rosto era suportável, mas aquela memó ria
marcada no meu cérebro da arma pressionada na minha testa havia se
tornado semipermanente à quela altura.
Magrã o e Blake foram embora cerca de uma hora depois do
acontecido, com planos de irem para casa. Dex havia decidido deixar o
estú dio fechado por ora. Eu nã o poderia dizer que ele estava errado,
mas me senti ainda pior, porque eles precisariam reagendar os clientes
por causa da minha bagunça. Nã o queria que essa noite se repetisse.
Ou nunca.
Dex já me carregava a meio caminho do Mayhem quando comecei a
despertar. Ele havia encostado a já conhecida caminhonete lá na frente
e me colocado no banco do passageiro, chegando ao ponto de afivelar
meu cinto. Mais tarde, eu me preocuparia com o local em que ele havia
deixado a moto, e me lembraria de agradecer a Luther por emprestar o
veículo de novo. Estar na traseira da Dyna nã o me atraía em nada no
momento. Assim que ele se acomodou no banco do motorista, pegou
minha mã o e a colocou no colo, puxando-a para si, e entrelaçou os
dedos com os meus.
Ele abriu a porta do carona logo que parou na frente da casa. Mã os
grandes abriram meu cinto antes de me puxarem para o corpo largo.
— Eu consigo andar, Dex — falei, ao pressionar a testa em seu
ombro.
Ele soltou um som que veio da garganta.
— Me deixe fazer isso, Ritz — disse, com a voz rouca, antes de me
ajeitar no colo, e minha cabeça se aninhar bem no seu pescoço
enquanto entrávamos.
Ele nã o parou na sala nem na cozinha. Dex nã o me largou no
banheiro para que eu pudesse me limpar. Em vez disso, foi direto para a
suíte, me colocou de pé enquanto tirava as botas com auxílio dos pés e
fez o mesmo com os meus sapatos.
Ele nã o dizia nada; estava instável. As mã os foram para a barra da
minha blusa e a tiraram devagar até ela ser jogada para o canto. Sua
respiraçã o ficou mais ofegante quando ele parou com as mã os na lateral
do corpo.
Em um rompante de coragem, fiz o mesmo com a blusa dele e
observei seus olhos com atençã o.
— O que foi? — sussurrei.
— Nada. — Ele balançou a cabeça, fechando aqueles olhos azuis. —
Só … cacete, Ritz! — Ele bateu a palma das mã os na parede, uma de cada
lado de mim. Aqueles braços grossos e musculosos estavam retesados
por causa de uma emoçã o que eu duvidava que ele entendia por
completo. — Caralho! — exclamou, e baixou a testa para a minha. —
Você nã o faz ideia… ideia nenhuma…
Ele estava certo. Eu nã o fazia a mínima ideia de no que ele estava
pensando, no que estava cravando uma faca nas suas costas, mas sendo
medo, raiva, decepçã o ou alguma das milhares de emoçõ es que
existiam, tudo isso se enraizou em mim. E eu era a ú nica pessoa que
poderia ajudá -lo.
Encarei seu pescoço, a pontinha do tentá culo vermelho de Uriel
espiralando pelo corpo multicolorido, circulando o piercing no mamilo.
Os mú sculos duros da barriga e uma trilha de pelos escuros que
desapareciam por baixo do có s da cueca e que se dissipava para dentro
do jeans.
Minhas mã os tremiam ao se plantarem em suas costelas, em Uriel, e
deslizarem pela pele macia, pelo ondular dos mú sculos oblíquos, antes
de pararem no botã o do jeans. Eu o abri como se tivesse feito isso a vida
toda, meu coraçã o batendo rá pido em um ritmo nervoso. Agarrei o
zíper e escorreguei os dedos para dentro do có s da sua cueca. Para
baixo, para baixo, para baixo eles foram. Tudo. Jeans e cueca desceram
pelas coxas musculosas. Caí de joelhos e beijei a tatuagem do Fá brica de
Viú vas na sua coxa, ignorando o longo mú sculo pulsante mirado direto
para mim.
Eu podia fazer isso. Eu podia.
No momento em que ele chutou as roupas de lado, inclinei a cabeça
para beijar a linha diagonal do mú sculo do seu quadril depois de ajudá -
lo a tirar as meias grossas. As bolinhas redondas do piercing na base do
seu pau rosado estavam bem ali, pertinho do meu rosto, enquanto o
mú sculo lustroso apontava direto para a parede.
— Flor — sibilou Dex.
Minha mã o trêmula envolveu seu membro carnudo e apertou com
força o comprimento teso. Observei seu rosto quando lambi um círculo
ao redor da cabeça larga, igualzinho a como ele me ensinara a fazer dias
antes. O sabor era salgado, almiscarado e tã o, tã o gostoso. O gemido que
saiu rasgado da sua garganta quando o envolvi com os lá bios mais
parecia um afrodisíaco e foi direto para o meio das minhas pernas.
Nossa, ele era grosso. Minha mã o mal o envolvia por completo
enquanto eu lambia um círculo no recuo mais profundo entre a cabeça
e o resto dele. De novo e de novo, passei a língua na fenda, deixando os
sons baixos vindo da garganta de Dex me servirem de combustível.
A mã o dele deslizou ao redor da minha cabeça, me segurando no
lugar. Aqueles olhos azuis estavam sérios e intensos acima da boca
severa.
— Envolva a boca… ah… ah… caralho, só … ah… assim mesmo…
chupe… chupe… puta que pariu…
Ele só me deixou chupar a ponta rosada com toda a pressã o que
meus lá bios conseguiam fazer duas vezes e entã o saiu da minha boca
abruptamente e me puxou para ficar de pé.
— Linda — murmurou ele, inclinando a boca sobre a minha logo
depois.
O beijo era posse e emoçã o, tudo em um. A língua dele era á spera e
quente. Eu estava tã o envolvida em seus lá bios e no calor das suas mã os
no meio das minhas costas que mal notei quando ele abriu meu sutiã ,
ou quando seus dedos desabotoaram minha calça e empurraram minha
calcinha até os joelhos. Seus pés descalços roçaram minhas pernas
conforme ele me ajudava a tirar a calça.
Ele nã o parou nem por um segundo enquanto eu tirava os braços das
alças do sutiã , e nã o me permiti pensar nos passos monumentais que
estávamos dando. Ele nã o hesitou quando seus dedos encontraram o
bico dos meus seios, passando os polegares até enrijecerem. A virilha
de Dex pressionava minha barriga, um cano grosso de calor que
escrevia sonhos eró ticos na minha pele.
— Preciso de você — arquejou na minha boca. Nã o disso. Ele nã o
precisava disso, ele precisava de mim. E isso era o que fazia toda a
diferença.
Chegou a hora.
Chegou a hora.
Ergui a perna sem qualquer sugestã o e a enganchei em seu quadril
em um movimento que me fez me sentir incrivelmente vulnerável. E se
o ato nã o correspondesse à s expectativas dele?
O temor foi esquecido um segundo depois quando Dex agarrou firme
a parte de trá s da minha coxa. Com a outra mã o, escorregou do meu
seio para baixo, para baixo, para baixo até deslizar os dedos longos e
artísticos sobre a minha abertura. E se afundaram entre os lá bios
ú midos, afagando o botã ozinho escondido entre eles.
Eu gemi.
O que levou aqueles dedos milagrosos a se moverem do meu clitó ris
até estarem afundados dentro de mim, devagar. Dois dedos grossos
esticaram o canal apertado, o que arrancou um ofego sufocado de Dex.
— Caralho, Ritz — disse, entre dentes.
Ele tirou os dedos quase que por completo antes de voltar a entrar.
Dex entrou e saiu, sem parar, movendo os dedos cruzados e
mergulhando até eu estar encharcada, até a mã o dele estar coberta com
minha excitaçã o, meus lá bios aumentando a pressã o ao redor dos seus
dedos.
— Nunca quis nada do jeito que quero você — ele gemeu na minha
pele. — Parece que vou morrer se nã o tiver sua bocetinha quente em
volta do meu pau, linda.
Entã o, ele parou. Do nada. Simplesmente parou. Dex tirou os dedos
devagar e os arrastou para a parte de trá s das minhas coxas. Ele me
ergueu para apoiar minhas costas na parede. E apertou minha bunda ao
trazer sua pélvis para a minha. Sua longa ereçã o descansou entre o meu
sexo.
Ele era tã o quente, e os mú sculos eram tã o firmes…
Dex deslizou a mã o da minha bunda e a subiu pela minha coluna
enquanto dava beijos suaves no meu ombro. Rebolou os quadris, assim
a ponta do seu pau cutucou minha barriga, todo duro, cá lido e
insistente. O fô lego que soprou no meu pescoço estava agitado.
— Linda. — Ele moveu a pélvis em mim e os globos macios dos seus
testículos roçaram minha fenda. — Eu nã o consigo…
Eu o beijei para interrompê-lo. Meus braços se enroscaram em seu
pescoço, e fundi a boca com a dele.
— Dex.
Ele se afastou só para morder meu queixo, tã o ofegante que temi que
ele fosse desmaiar, ou, no caso, sofrer uma combustã o espontâ nea
causada por quais fossem as dezenas de emoçõ es que martelavam seu
corpo.
— Por favor. Eu preciso…
De mim.
Devagar, movi a mã o entre nó s e agarrei a ereçã o grossa. Adrenalina
e nervosismo pulsaram pelas minhas veias conforme eu tentava alinhá -
lo ao lugar a que ele pertencia, a ponta grossa indo para um lugar bem
mais alto, depois para um bem mais baixo, até que enfim, enfim, ele
estava lá . A enorme cabeça de cogumelo mal se afundou um centímetro,
era mais um beijinho amigável do que qualquer outra coisa.
Dex deslizou um braço debaixo da minha bunda para segurar meu
peso, o outro atravessou minhas costas na diagonal, assim a palma da
sua mã o envolveu meu ombro, colando meu peito ao dele.
— Aqui, Ritz? — perguntou, com a voz rouca, afundando mais um
centímetro dentro de mim. Os dedos no meu ombro se apertaram.
A escolha era minha.
Ele poderia fazer isso, ali, nem mesmo no chuveiro, ou… em algum
outro lugar. Tanto fazia. Eu conhecia Dex bem o suficiente para ter
certeza de que, se dissesse que eu queria que ele tirasse minha
virgindade oficialmente em outro lugar, ele faria exatamente isso.
Mas eu nã o me importava. Nem um pouco. Isso, eu, era dele. Ali. No
banheiro. No sofá . Nã o importava.
Minha resposta foi ilustrada quando mordisquei seu pescoço bem
perto de Uriel.
Dex gemeu, penetrando o que pareceu ser um centímetro do seu pau
duro dentro de mim, tã o devagar, com tanta precisã o, que só ficou
desconfortável quando ele entrou no lugar em que nenhum homem
tinha chegado antes.
— Porra — disse, alto, beijando meu pescoço com mais do que
apenas língua e lá bios.
— Tudo bem? — perguntei, o que parecia ser ridículo quando ele
olhou para mim com uma expressã o de dor.
Os olhos azul-escuros estavam lâ nguidos; a linha á spera da sua
mandíbula, cerrada. Ele flexionou os quadris, deixando-se afundar mais
um centímetro.
— Você é perfeita, linda. Perfeita pra caralho. — Seus quadris se
afastaram quase que por completo antes de voltar com um cuidado e
uma paciência que normalmente ele nã o possuía. Era só um arquejo
que entregava a batalha que estava sendo travada sob a sua pele.
Respirando e expirando pela boca, tentei relaxar ao redor dele,
sentindo aquele pau enorme e arredondado me partir ao meio com seu
formato só lido. Com mais duas estocadas curtas e planejadas, Dex me
encheu até o talo. Eu conseguia sentir o metal frio do seu piercing roçar
em mim. Nã o era exatamente doloroso, estava mais para estranho
quando ele ficou parado e eu flexionava os mú sculos internos ao seu
redor, experimentando, o que me rendeu um rosnado rouco.
— Nã o — falou, entre dentes.
Parei e beijei seu pescoço.
— Me diga se eu fizer algo errado — sussurrei e me mantive parada.
Dex suspirou, inclinando a boca para baixo para me beijar com
ternura.
— Parece que você está espremendo a porra para fora do meu pau
quando faz isso.
Acho que parecia ser algo bom. Nã o é?
O instinto assumiu e eu fiz de novo. Dex soltou um som baixo que foi
direto para o feixe de nervos entre as minhas pernas.
— Linda — gemeu ele, me ajeitando mais acima em seus braços.
Dex se afastou de mim apenas uns poucos centímetros, deixando
meus ombros se acomodarem na parede enquanto ele saía e entrava,
dois centímetros, cinco centímetros, oito… Aquele pau bonito e rosado
me empalando a cada vez.
Foi uma retirada lenta e firme e um repuxar entre as minhas pernas
que me deixou doendo e necessitada, o desconforto apertado se
dissipando a cada estocada. Ele mordeu meus lá bios, alternando entre
chupar um e outro enquanto se movia. E rá pido, rá pido demais, a
sensaçã o estranha tinha praticamente desaparecido, até que algo
quente e maravilhoso se retesou no meu ventre.
— Dex — arquejei. — Por favor.
A mã o no meu ombro apertou enquanto ele mordia o ló bulo da
minha orelha, inclinando os lá bios ainda mais para melhor acesso. O
movimento era mais um repique, me fazendo ir para baixo e para cima
sobre ele, nada mais que uns poucos centímetros por vez. Mas o â ngulo,
minha nossa…
Era bom pra caramba.
O â ngulo fazia a parte exposta do piercing na base do seu pau roçar
no meu clitó ris. A. Cada. Vez. Roça, roça, roça.
Joguei a cabeça para a parede e arquejei o nome dele.
— Caralho… caralho… linda… — sibilou, entre dentes. Os quadris
bombearam mais rá pido, ainda dois centímetros, cinco centímetros,
oito centímetros. O membro longo ficou enterrado dentro de mim, me
esticando ao redor da sua grossura. — Bom demais.
O calor explodiu no meu nú cleo, disparando pela minha coluna,
descendo pelas minhas pernas conforme seu piercing atingia meu
clitó ris com força e sem parar. Entã o, todos os meus nervos foram para
a galá xia. Meu corpo inteiro detonou com eletricidade e fogos de
artifício que eu nã o conseguia descrever, sangue pulsando nas minhas
orelhas até eu ficar surda.
Nã o ouvi o engasgar alto que se estrangulou da garganta de Dex, ou
os grunhidos que ele soltou quando suas estocadas ficaram frenéticas,
desajeitadas. Nã o vi seus olhos selvagens virarem para baixo, para
encarar o lugar por onde estávamos unidos, para vê-lo perder a cabeça
ao assistir seu cumprimento desaparecer. Nã o ouvi o som de prazer que
verteu dele quando gozou, e calor e umidade me inundaram.
Dex bombeou os quadris devagar, arfando e arquejando ao mover
nosso peso combinado novamente para pressionar minhas costas na
parede. O peito estava colado ao meu, todo suor e ofegos. Apertei as
pernas ao redor dos seus quadris, o pau se movendo dentro de mim.
Apoiei o rosto na lateral do dele enquanto recuperava o fô lego.
A mã o no meu ombro deslizou escorregadia para cima e para baixo
nas minhas costelas, parando para descansar na minha nuca. Da cintura
para cima, estávamos envolvidos um no outro, e se eu pudesse, tinha
certeza de que teria sentido o bater do coraçã o dele sobre a minha pele.
Respirei fundo e pressionei os lá bios em seu pomo de adã o.
— A gente pode repetir em breve?
Uma risada emergiu dele, livre e feliz, e ele afagou a lateral do rosto
barbado no meu.
— Você tem que ser a melhor coisa que eu nem sabia que precisava.
Ah, caramba.
De repente, fiquei feliz demais por ele nã o poder ver o sorriso
imenso que pesava no meu rosto. Dizer que ele era fofo nã o me parecia
algo que ele fosse querer ouvir, entã o mantive a boca fechada e optei
por beijar a linha da sua mandíbula. Eu queria dizer a Dex que ele era a
melhor coisa que nunca pensei que teria algum dia na vida, mas guardei
para mim. Me pareceu ser demais na hora.
Emoçã o demais para um dia só .
— Nã o foi assim que planejei que acontecesse — arfou ele.
— Está tudo bem. — Beijei seu queixo. — Nã o vou a lugar nenhum.
— Permanentemente, pelo menos, meu cérebro decidiu me lembrar.
— Claro, porra. — Dex mordiscou minha orelha mais uma vez. —
Preciso te colocar no chã o — disse, de um jeito que soou como um
pedido de desculpas. — Você me fez gozar feito um trem desgovernado,
linda. É um milagre eu ainda nã o ter te derrubado.
Ele tinha razã o, pelo menos eu esperava que fosse o caso, depois de
ele ter me colocado de pé e saído de mim, e um líquido pegajoso
escorreu, molhando a parte interna das minhas coxas. E foi quando
percebi.
Merda. Merda!
O suor pontilhava minha testa e minhas têmporas.
— Dex, eu nã o tomo anticoncepcional.
Ele soltou um murmú rio ao erguer as mã os escuras e tatuadas para
segurar meu rosto. Ele afagou o alto da minha cabeça.
— Eu estou fodendo com as merdas todas hoje. Desculpe, linda. Nem
passou pela minha cabeça. — Ele envolveu meu cabelo ao redor do
punho, olhos azuis e brilhantes fitando os meus. — Sempre fui
cuidadoso. Você nã o tem com o que se preocupar.
Não tem com o que se preocupar. Ah, caramba.
Havia muito poucas coisas de que eu me lembrava da ú ltima aula de
ciências que tive, mas sexo seguro era uma delas. Sexo seguro, eles
enfatizaram. Você não quer terminar grávida ou tomando remédios pelo
resto da vida.
— Linda. — Ele puxou meu cabelo. — Nã o há nada com o que se
preocupar. Eu nunca… — Dex pareceu desconfortável por um instante,
porque… é… claro que eu queria ouvir que ele tinha feito sexo com
outras pessoas logo depois de estar comigo. Nã o. — Você é a ú nica.
Nunca aconteceu. A gente vai dar um jeito no resto, tudo bem?
É , já estava feito e acabado. Minha menstruaçã o viria em breve, entã o
minhas chances de estar ovulando… eu ia ficar bem. Além do que, eu
era “a ú nica”. Ele nã o mentiria para mim sobre algo tã o pessoal. A
expressã o calma de Dex foi minha garantia de que tudo ficaria bem.
Pelo menos “esse tudo” ficaria bem, talvez nã o tudo no geral.
Assenti em seu pescoço.
— Eu sei.
Ele assentiu logo em seguida, sorrindo só um pouquinho ao passar a
palma da mã o pela minha bunda e apertá -la.
— Que bom. — Com um suspiro baixinho, Dex beijou meu queixo. —
Hora do banho.
Esfreguei as coxas uma na outra, o fluido pegajoso cobrindo minha
pele.
— Boa ideia.
Dex ficou em silêncio ao ligar a á gua e me conduzir até a banheira
grande. Olhos arregalados e desconfiados encararam os hematomas
profundos e coloridos no quadril em que eu havia caído em cima.
Ele murmurou algo com rispidez, mas nã o disse mais nada, e nã o
tocou as partes machucadas do meu corpo. Dex lavou meu cabelo e
costas com as mã os lentas, gentis e ensaboadas. A palma deslizou pelas
cicatrizes do meu braço, mas ele nã o prestou muita atençã o a elas. O
ú nico indício que deu de que havia algo errado foi o nervo que nã o
parava de pulsar sob seu olho.
Esperei enquanto ele se enxaguava, e percorri com os olhos as partes
de Uriel que envolviam suas costas. Tanta pele lisa e uniforme por toda
parte. Eu nã o conseguia parar de olhar para ele. As costas largas e
musculosas. Quadris estreitos. O membro carnudo semiereto sobre sua
coxa. Peguei o sabonete com ele e ensaboei as mã os, esfregando-as nas
partes coloridas e nã o tã o coloridas do seu peito. Sobre as cores escuras
e nã o tã o escuras dos seus braços.
Dex ficou parado ali, braços estendidos me deixando chegar até ele.
Coxas. Joelhos. Panturrilhas. Até mesmo os pés. Lancei sorrisos todas as
vezes que chegava a uma parte diferente do corpo, sorrisos a que ele
correspondia genuinamente.
Eu nã o tinha mais o que dizer a essa altura, nem mesmo depois que
ele me ajudou a me secar. Instantes depois, ele me levou de volta ao
quarto e se acomodou na beirada da cama, nu, e me puxou para o colo.
Um braço envolveu minhas costas e a outra mã o espalmou minha coxa.
Para cima e para baixo, ele afagou a pele nua.
Dex nã o falou ao beijar minha testa e meu nariz bem de leve, o que
me preocupou. Ele nã o disse nada quando estremeci depois de ele
agarrar sem querer meu quadril dolorido. E nã o disse nenhuma vogal
ou consoante quando tentou passar a mã o pelo meu cabelo.
Mas quando inclinou meu rosto para o seu, olhos intensos fitando os
meus, minha força chegou ao fim com o que parecia ser um grito.
— Você está bem, flor? — sussurrou, e eu sabia que ele nã o se referia
ao que tínhamos acabado de fazer.
Meu aceno de cabeça foi relutante.
Dex pressionou a bochecha na minha testa.
— Essa é a minha garota. — Sua voz era trêmula.
Aquele medo indesejado de antes se arrastou pela minha pele nua.
Minha vida toda me disseram que eu valia alguma coisa. Que eu
importava. Entre yia-yia e Sonny, eu nunca me sentira como se valesse
menos do que ouro. E eu me valorizava, de verdade. Embora nã o fosse
talentosa, nem genial, nem muito boa em nada, eu era inteligente o
bastante e esforçada o suficiente para compensar as outras fraquezas.
Mas, naquele momento, com o peso que a confusã o do meu pai tinha
trazido à minha vida, e a aceitaçã o de que tudo havia se espalhado pela
vida dos outros, de repente, me senti insegura. Eu havia conhecido
pessoas que largavam as outras por muito menos.
Tudo o que Dex tinha feito era me ajudar desde… bem, praticamente
o início. E todo mundo antes dele que se importava comigo tinha feito
igual e mais.
Algo muito parecido com medo agarrou meu pescoço em um aperto
intangível.
— Sinto muito. — As palavras vieram estranguladas de um lugar em
mim onde eu normalmente armazenava todos os meus
arrependimentos e temores. Tudo o que eu tinha feito causara dor de
cabeça a Dex. Eu o tinha feito perder dinheiro. Tempo. Paciência e
credibilidade. Ele nã o tinha obrigaçã o nenhuma de lidar com as minhas
merdas.
— Eu sou um pé no saco.
Seu corpo ficou tenso.
— Iris.
Me movi para apoiar a bochecha na dele.
— Você sabia que a minha mã e sabia dos tumores quando foi ao
médico? Ela esperou porque a gente nunca tinha dinheiro. Porque eu
estava doente e ela tinha que pagar minhas despesas médicas.
Era um milagre eu nã o estar soluçando quando soltei essas coisas
que havia enterrado bem lá no fundo.
— E minha pobre yia-yia teve que vender a casa para que a gente nã o
fosse à falência quando fiquei doente de novo. Eu tive que vir morar
com Sonny porque nã o tinha um tostã o. E agora você e o pessoal estã o
passando por toda essa merda por minha causa.
Culpa, culpa, culpa, culpa, culpa.
— Sinto muito mesmo, Dex. Pra caramba. Eu nunca quis nada disso.
Nã o quero que nenhum de vocês acabe ferido. Nem quero ver a droga
do meu pai. Ou ter a porra de uma arma apontada para a minha cara. Eu
nã o… eu nã o… — Precisei juntar toda a minha determinaçã o para
impedir que as palavras entrecortadas se transformassem em um choro
fraturado. — Preciso voltar para casa e procurar o meu pai.
A mã o que segurava minha coxa ficou rígida, apertando o mú sculo
esguio com tanta força que doeu. Em um piscar de olhos, Dex tinha nos
virado e fiquei de costas e ele de quatro em cima de mim, parecendo
prestes a matar alguém. Aqueles olhos cor de cobalto brilharam com
raiva.
— Nã o.
— Eu tenho que ir.
Ele balançou a cabeça e me fitou, sério.
— Nã o. — Ele piscou. — Nem fodendo.
— Dex — sussurrei, minha voz soando muito mais patética do que
eu queria. — É responsabilidade minha. Isso precisa acabar.
— Ele está lá , Ritz, você ouviu o Lu, mas você nã o vai voltar —
insistiu. — Ainda mais sem mim.
Foi minha vez de piscar em descrença.
— Você vai comigo?
— Vou. — Dex baixou a cabeça para capturar meu lá bio inferior nos
seus, e se nã o tivesse sido por aquele toque, eu nã o teria sentido a
forma como suas mã os tremiam nas minhas bochechas. A forma como
todo o seu corpo tremia.
Assenti para ele, dividida entre a necessidade de irromper em
lá grimas por causa da sensaçã o arrasadora e da necessidade de me
jogar nele para sentir a segurança cá lida que só ele era capaz de me dar.
Eu poderia fazer isso sozinha? Sim. Mas eu queria? Nã o.
Estava apaixonada por esse cara. Completa, aterrorizantemente
apaixonada por ele. E a vida, de repente, voltou a parecer curta demais.
Eu queria passar o resto da vida escondida atrá s da sombra do meu
pai? Sofrendo com os erros dele? Nã o. De jeito nenhum.
Dex devia ter visto algo no meu rosto que o fez largar o peso sobre
mim. Aquele corpo quente e nu esparramado sobre o meu, as pernas
apoiadas em ambos os meus lados, os braços me prendendo.
AimeuDeus, Dex Locke estava pelado em cima de mim. Seu sexo limpo e
bonito apoiado na minha barriga.
Morte cerebral. Eu tive morte cerebral.
— Você nã o vai sozinha — exigiu Dex.
Ah, caramba.
— Eu nã o vou.
Apoiando o peso em um braço dobrado, ele segurou a lateral do meu
rosto.
— Você me fez perder dez anos de vida hoje, linda — disse ele.
Minha nossa.
— Pensei que eu teria que passar o resto da minha vida na cadeia,
flor — sussurrou. E a mã o segurou minha panturrilha, cá lida e exigente.
— A gente vai achar aquele merda com quem você e Sonny foram
amaldiçoados e vamos dar um jeito nisso. Entendido?
Entendido? Ah, sim. Assenti.
Aqueles olhos azuis brilhantes fitaram os meus. Ele suspirou.
— Nã o sei que porra eu faria se algo tivesse acontecido com você. —
Dex apertou meus joelhos. — Fiquei apavorado pra caralho, e vou me
certificar de que seu pai saiba como é a sensaçã o.
Um tremor cobriu cada centímetro da minha pele. Foi lento, mas
poderoso, devorando meus mú sculos e nervos como se estivesse
faminto. O momento, a declaraçã o, tudo pareceu um sonho. Como algo
que teria acontecido com a Iris Taylor que eu poderia ter sido em um
universo alternativo, se a vida tivesse seguido o caminho que deveria
seguir.
Me importava por ele estar ameaçando meu pai? Sendo sincera,
naquele momento, nã o. Preferi ignorar porque queria que fosse eu a
ferir aquele otá rio egoísta.
As mã os de Dex me seguraram com firmeza. Uma deslizou para cima
para segurar minha bochecha com ternura enquanto ele pressionava a
testa na minha têmpora.
— Nunca mais quero me sentir daquele jeito.
Acho que meu coraçã o se partiu um pouquinho na hora.
— Estou bem — sussurrei, ao colocar a mã o sobre a que estava no
alto da minha coxa. Queria dizer para ele que eu também nunca tinha
sentido tanto medo, mas nã o podia. Nã o quando Dex estava se abrindo
e me contando os pró prios temores. Ele nã o tinha medo de nada. Nem
de barata, nem do escuro, nem de palhaço, nem de filme de terror, nem
da possibilidade de ser magoado. Nada.
O fato de ele ter temido por mim se espalhou por dentro do meu ser.
Ele inclinou a cabeça para tocar os lá bios nos meus.
— Jamais vou deixar nada acontecer a você — murmurou, ao roçar o
polegar na minha bochecha. Quando eu nã o disse nada em resposta,
principalmente por estar envolvida demais no seu toque, ele beijou o
cantinho da minha boca.
Eu, melhor do que ninguém, sabia como a vida poderia ser instável,
mas essa era a beleza dela, se você reconhecesse o potencial que tinha
pela frente. Eu precisava apreciar o que havia de melhor, o homem bom
que queria me proteger, porque era real e atual. O feminismo que se
danasse. Eu já havia carregado fardos o bastante sozinha, e podia dizer
uma coisa: nã o era nada fá cil.
Cada nervo do meu corpo estava preparado para lá grimas e emoçõ es
estranguladas, mas as controlei. Sempre havia me considerado forte,
mas ali com Dex, com os braços dele ao meu redor apesar do dia que eu
tivera, me sentia invencível. Eu nã o precisava de lá grimas. Entã o contei
a verdade que havia fincado raízes bem naquela partezinha nã o
cultivada do meu peito. Clara, concisa, precisa.
— Eu sei. Confio em você.
O movimento da mã o dele nas minhas costas vacilou.
— Iris — sussurrou na minha têmpora, a voz mais parecendo um
coaxar.
Esse homem. Meu coraçã o se inchou de uma forma que nã o era
natural.
Apertei os braços ao redor da gaiola de calor das suas costelas e,
sobre seu peito, articulei com os lá bios as palavras que nã o permiti que
saíssem.
Três palavrinhas que detinham todo o poder do mundo.
— Quer que eu dirija?
Olhei para Dex sentado ali, com o punho solto sobre o volante.
Estávamos na caminhonete do Luther havia pelo menos seis horas e,
além das três paradas, o coroa ― ele nã o ficava nada feliz quando eu o
chamava assim em voz alta ― estava dirigindo direto. Ele parecia estar
em uma missã o, e havia insultado minha conduçã o lenta da primeira
vez que perguntei se ele queria que eu assumisse o volante. Sua
resposta agora, como antes, foi a mesma:
— Está tudo bem.
Eu poderia falar até cansar de muitas coisas que estavam mais que
bem com ele, mas ele dirigir por tanto tempo nã o era uma delas.
A dor entre minhas pernas era um lembrete amigável de uma dessas
coisas. Assim como a memó ria da sua pele colorida, e daquelas bolinhas
metá licas no Pequeno Dexter encostando em mim.
Aff. Tudo era tã o ardente, tudo nele. Meu pescoço esquentou.
— Você está bem? — perguntou ele.
O idiota tinha um sorrisinho cheio de si. Quando ele havia acordado
de manhã , praticamente espalhado nas minhas costas, uma coxa peluda
emaranhada na minha, ele era todo olhos sonolentos e sorrisos
convencidos. Ele havia roçado a ereçã o no meu traseiro em um círculo
lento.
E o que eu tinha feito? Eu tinha deixado. Entã o me processe. Até
mesmo uma recém-ex-virgem sabia quando estava na presença de um
pênis bonito. Um pênis perfeitamente longo e grosso.
Caramba. O que havia de errado comigo? Eu havia passado de pensar
em sexo e estar com os hormô nios furiosos na época da menstruaçã o
para ser incapaz de pensar em nada além de todas as coisas que
envolvessem Dex nu.
Ele havia me drogado. Só podia.
Certo, nã o de verdade, mas ainda assim. Aquele negócio era
praticamente má gico.
Infelizmente, a manhã preguiçosa desmoronou rá pido demais
quando o celular dele começou a tocar no momento que ele se lançou
sobre mim, apoiado nas mã os e nos joelhos. Era Luther. E foi a oferta de
Luther de nos emprestar a caminhonete que fez Dex e eu arrumarmos
as coisas para irmos.
E foi assim que acabamos a meio caminho do condado de Dade, com
Dex monopolizando o volante e sendo um babaca sabe-tudo.
— Estou bem — respondi, e apoiei as costas no canto em que o
assento se encontrava com a porta. — Tem certeza de que nã o está
cansado demais para dirigir?
Ele piscou aqueles olhos azuis e cerrou a boca.
— Estou pronto para dar o fora daqui.
Em dez horas.
— Tudo bem — falei, e dei de ombros.
Dex deixou escapar um suspiro profundo e estendeu a mã o sobre o
console para agarrar minha coxa.
— Quero resolver essa merda logo, Ritz.
Dei o meu melhor para nã o me preocupar com essa confusã o toda
durante as ú ltimas horas. Ir para a cama depois de chorar em cima de
Dex havia sido uma distraçã o, e eu tinha conseguido cair no sono bem
rá pido, mas isso nã o significava que eu estava em paz com tudo isso. Eu
havia acordado pelo menos umas quatro vezes durante a noite, suando,
nervosa, combatendo um pesadelo atrá s do outro repetindo o que havia
acontecido no estú dio. Duas dessas vezes, eu havia olhado por cima do
ombro e visto Dex completamente desperto também.
Se ele estava dormindo ou se meu revirar e meu barulho o haviam
acordado, eu nã o sabia com certeza. E também nã o perguntei. Eu havia
deslizado meus dedos para perto dele uma vez, e ele havia afagado
minhas costas até eu cair no sono de novo, da segunda. As chances
eram de que ele devia ter dormido menos que eu.
E eu só podia imaginar no que ele estivera pensando.
Porque eu sabia o que eu estivera pensando quando me permitia
fazê-lo. E se…
E se meu pai nã o tivesse o dinheiro?
Estávamos indo para a Fló rida para encontrá -lo, e entã o o quê? O
que a gente faria se tudo o que ele tivesse fossem dez dó lares?
A realidade era que eu o faria dar um jeito. As possibilidades eram
infinitas, e minha impiedade também. Eu com certeza nã o voltaria a
Austin até essa porcaria estar resolvida. Quando aceitei a possibilidade
de que ele estava quebrado, pensei em Blake desmaiado e sangrando no
chã o da Pins. E foi o que tinha me feito seguir adiante. Mas…
Lá no fundo, eu sempre seria pessimista.
— Quais você acha que sã o as chances de ele ter o dinheiro? —
perguntei a Dex, sem nem pensar na hipó tese.
O suspiro com o qual ele respondeu nã o foi muito tranquilizante.
— Bem menos do que provável, flor.
Nã o era o que eu queria ouvir.
— O que devo fazer se for o caso?
— A gente vai pensar em alguma coisa — disse, enfatizando as
primeiras palavras. — Vai depender da situaçã o.
Bem. Embora isso nã o fosse exatamente tranquilizador, pelo menos
eu poderia me preparar psicologicamente para a verdade. Me
perguntei, caso arrastá ssemos Curt Taylor de volta, se a gangue poria
um fim à quilo. Ou talvez…
— Conhece alguém no comércio de ó rgã os? Tenho certeza de que ele
poderia viver sem um rim, uma vesícula ou um pulmã o, caso seja
necessá rio — pontuei, com medo de investigar se eu estava ou nã o
falando sério. Algo me dizia que eu estava.
Dex riu e apertou minha coxa.
— Gosto da sua linha de raciocínio, Ritz.
— Você acha que isso faz de mim uma pessoa ruim? O fato de eu nã o
ser completamente avessa a fazer algo extremo para dar um jeito nessa
confusã o? — De repente, fiquei preocupada por estar agindo com tanta
indiferença com aquela coisa toda. Eu poderia mesmo permitir que meu
pai fizesse algo assim? Nã o me sentia culpada. Nem um pouco.
— Nã o. — Ele fez uma breve pausa e pigarreou. — Nã o se pode
esperar que você se importe com uma pessoa que nã o se importa com
você. Nã o é normal. E o fato de ele ser a porra de um idiota além de ser
um merda nã o ajuda em nada. Acho que você já desperdiçou bastante
de si mesma com ele.
Nã o falei nada enquanto pensava no que ele tinha dito. Porque Dex
estava certo. Cada vez que o coroa fazia uma apariçã o, era o prenú ncio
da desgraça. O homem era uma bola de demoliçã o humana sem um
pingo de consideraçã o pelos outros. E já passara da hora de eu desistir
de vez dele.
— Você está certo.
— É claro que estou — concordou Dex, com um pequeno bufo.
Gemi e me larguei no assento, tentando relaxar. Para me libertar
desse aperto horroroso que prendia minhas emoçõ es.
— Depois de ele vender alguns ó rgã os, talvez eu enfim consiga levar
uma vida bacana e normal.
Dex me olhou de canto de olho e contorceu a boca.
— Linda, nã o sei o que pensa que é normal, mas você vai levar uma
vida bacana e segura assim que encontrarmos esse cara. Tudo bem?
Pode apostar. — O tom dele foi baixo, sério. Ele estava bravo, bravo por
mim, em meu nome, e tudo dentro de mim reconhecia o fato e se
refastelava na emoçã o dele.
Assenti.
— Tudo o que quero é só nã o ter de me preocupar com as coisas por
um tempo. — Desde que me lembrava, tinha sido minha saú de, minha
mã e, minha saú de de novo, yia-yia, criar Will, contas, meu desemprego,
e agora tudo isso. Eu havia pulado a parte em que algumas pessoas iam
para a escola e se concentravam nisso. Aonde as crianças iam para ser
crianças em vez de ter que passar por quimioterapia e veló rios.
Nã o estava reclamando. Nã o mesmo. Mas… algo tã o mísero nã o era
esperar demais, era?
— No momento, eu daria meu bíceps esquerdo para minha ú nica
preocupaçã o ser se eu deveria ou nã o te dizer que encomendei a tinta
errada. — Suspirei.
Ele rosnou, e um sorriso apareceu no canto da sua bochecha e boca.
— Essas paradas sã o subestimadas, nã o sã o? — perguntou ele,
deixando os dedos vagarem um pouco mais alto na minha coxa.
— Todo mundo dá as coisas por garantido, coisas pequenas, coisas
importantes… tudo.
Dex murmurou, concordando.
— Aprendi minha liçã o na cadeia. Você faz ideia do quanto senti falta
de fumar quando estava preso? De dirigir? Tomar a porra de um banho
sem me preocupar em ser atacado?
E se por atacado ele quisesse dizer…
Nã o vou por aí. Nã o, senhor. Ainda mais quando eu tinha certeza
absoluta de que ele estava tentando se conectar comigo e nã o me
assustar pelo resto da vida.
— Aprendi a ter paciência lá , entã o acho que nã o deveria reclamar.
E… era um milagre eu nã o estar bebendo, de outra forma, teria
cuspido tudo no painel.
— Você? Paciente?
Dex bufou.
— É.
A indicaçã o foi o meu bufo. Um bufo que interrompeu o silêncio em
que estávamos envolvidos.
— Nã o quero nem pensar como você era antes dos vinte e cinco se
pensa que pode dizer a palavra com “p” sem rir.
O olhar de soslaio que ele me lançou foi um culpado. Ele com certeza
tinha sido um pé no saco quando jovem. C-o-m-c-e-r-t-e-z-a.
Ergui as duas mã os em prece.
— Graças a Deus te conheci já coroa. — E dei uma piscadinha para
ele.
Estranho.
Dirigir pela parte da cidade em que eu havia crescido era
simplesmente… estranho. Esquisito. Eu havia circulado por essas ruas
milhõ es de vezes ao longo da vida. A ú ltima vez tinha sido três meses
antes, quando tive que aceitar o fato de que meu eu desempregado nã o
tinha mais opçõ es… teria que ir morar com Sonny, já que era contra ir
morar com Lanie em Ohio. Visitar o cemitério em que minha mã e e yia-
yia estavam enterradas tinha sido meu adeus oficial. Na época, pensei
que nunca mais voltaria à Fló rida. Qual seria a razã o? Eu nã o tinha
laços além das memó rias que eram tã o boas quanto eram ruins.
Ainda assim, ali estava eu, em um veículo com um homem que nem
nos meus sonhos eu teria sido capaz de imaginar. Em um lugar que
deveria ter parecido familiar, mas que nã o era mais.
— Isso é esquisito demais — sussurrei ao passar pelo posto em que
eu costumava abastecer.
Ele me lançou um olhar cansado. Depois do ú ltimo meio milhã o de
horas no carro, das quais ele havia dirigido todas, eu nã o poderia culpa-
lo por estar exausto. Eu também nã o tinha cochilado, mas a adrenalina
e o nervosismo me mantiveram ligada. Meu pai estava nessa cidade em
algum lugar. Em algum lugarzinho decadente de beira de estrada.
Mas havíamos concordado que dormiríamos um pouco antes de sair
à caça da causa de todo aquele inferno recente.
— Você está bem? — perguntou, com a voz rouca e cansada.
— Estou. — Passamos pela creche em que eu havia trabalhado logo
que acabei a quimioterapia. Deus, esse lugar me deixava deprimida. —
Isso tudo está bagunçando minha cabeça. Eu deveria me sentir animada
por estar aqui, mas nã o estou. Só quero voltar para Austin.
Dex assentiu, sério.
— Nã o há nada de errado com isso, flor. Estou meio aliviado por nã o
precisar te arrastar de volta para casa comigo.
Estreitei os olhos.
— Me arrastar?
— É . Te arrastar. — Ele bufou. — Você nã o ficaria aqui nem se
quisesse. — Dex fez uma pausa e olhou na minha direçã o com aqueles
olhos azul-escuros decididos. — Eu morei em Dallas e senti falta de
Austin todos os dias, mesmo que nã o sentisse falta da merda do clube e
de todo o drama. Nã o quero te dar razã o para sentir falta desse lixã o.
Nã o era um lixã o, mas eu nã o discutiria isso com ele. Sabia o que ele
estava tentando fazer: me fazer abrir mã o de qualquer amor que ainda
sentisse por Tamarac e por Fort Lauderdale. Esse sorrateiro filho de
uma mã e.
Nã o consegui deixar de rir mais comigo mesma do que para ele. Eu
deixaria passar, preferindo me concentrar no que ele dissera sobre o
MCFV.
— Dex? Por que você está no clube se nã o se importa muito com ele?
Quero dizer, sei que você cuida de toda a contabilidade e de outras
coisas, mas nã o acho que você… como posso dizer? Goste de estar nele,
eu acho?
Ele ergueu uma das mã os e bateu os dedos nos lá bios em um gesto
pensativo.
— Tradiçã o, flor. Eu sou um legado. E quando saí do condado, Lu já
tinha limpado a merda toda. Metade dos MC já tinha ido embora, e… —
ele fez uma pausa e abaixou a mã o. Os lá bios franziram no que mais
tarde interpretei como descrença e talvez embaraço. — Luther foi o
ú nico a me oferecer ajuda quando voltei para Dallas, entã o eu meio que
devia, sabe?
Lá estava. Aquela lealdade feroz. Ele nã o fazia ideia de que isso era o
que havia de mais atraente nele. Superava seu rosto, as tatuagens, o
corpo, tudo. Dex Locke era verdadeiro. Era seguro.
E eu estava mesmo apaixonada por ele.
— Ele foi fiador do primeiro contrato de aluguel da Pins e me
emprestou dinheiro sem nem pensar no assunto. Ninguém mais se
ofereceu além de Blake para ajudar com o licenciamento do estú dio. Eu
ajudo no clube principalmente por causa do Lu.
— Foi muita bondade dele.
— Ele é o melhor homem que conheço. Muita gente nã o vê a bondade
nele por ele ser muito sério, sabe? Mas o Lu cuida das merdas dele e,
boa parte do tempo, sabe do que está falando. Nã o consigo deixar de
ouvir quando ele diz alguma coisa. Mantenha seu estúdio separado do
clube. Mantenha o nariz limpo. Agarre essa garota meiga antes de você se
arrepender dessa merda. Entã o eu presto atençã o.
Nã o pude deixar de sorrir para mim mesma quando ele tocou a
lateral da minha coxa ao dizer a ú ltima frase. Estendi a mã o para
retribuir tocando a dele também. O canto da sua boca se inclinou com o
contato.
— Enquanto ele estiver lá , eu vou estar. Gosto de cuidar das minhas
coisas e ele entende. Eu estou lá quando preciso, e eles têm membros o
bastante para fazer o que nã o quero. Tem funcionado bem assim.
Era ridículo até mesmo imaginar alguém tentando obrigar Dex a
fazer algo que ele nã o queria. Absurdo. E aquele pensamento me fez
sorrir. Ele era quem era, quer você quisesse ou nã o.
E entã o parei de sorrir assim que pensei no imbecil que ele era
quando nos conhecemos, e qualquer pensamento de que eu o amava se
desvaneceu.
Bem, acho que nem sempre tinha sido fofo, mas superamos isso e eu
nã o poderia abordar o assunto.
Sabendo que ele perderia a cabeça se eu soltasse o cinto, beijei a
ponta dos meus dedos e estendi a mã o para pressioná -la na bochecha
dele, sorrindo como uma idiota porque Dex acharia graça do gesto. Ele
nã o me decepcionou, um meio-sorriso boboca cobrindo a sua boca.
— Você é uma das melhores pessoas que conheço.
Ele nã o disse nada, mas a cada vez que eu olhava para ele depois
disso, sua expressã o pensativa estava manchada por pura presunçã o.
Passamos pelo hospital em que minha mã e trabalhava, e de repente
fui atingida pelo lembrete de que esperava ver meu pai dali a poucas
horas. Por alguma razã o, me perguntei qual era a aparência dele agora.
Ele ainda tinha a mesma barba? Ele me reconheceria na mesma hora?
Ele me acharia parecida com a minha mã e?
— Flor, qual a razã o desse suspiro? — perguntou Dex.
O rosnado que soltei foi tã o baixo que talvez ele nã o tivesse ouvido.
— Acho que estou nervosa com a possibilidade de ver meu pai pela
primeira vez em eras. — Suspirei. — Parece o primeiro dia de aula, ou
algo do tipo. Talvez seja tã o ruim quanto meu primeiro dia na Pins.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Nã o há nada com que se preocupar — me assegurou.
Nada mesmo.
Nã o se ele nã o tivesse o dinheiro. Nã o se ele tivesse escapado da
cidade.
Se, se, se, era “se” pra caramba.
Já mencionei o quanto eu odiava depender das pessoas?
Ainda mais quando tal pessoa era o indivíduo menos confiável que
eu já tinha conhecido.
— Charlie…
Ele riu e virou aqueles brilhantes olhos azuis na minha direçã o.
— Nã o esquente com isso.
Apertei os lá bios e mantive meus temores para mim mesma. Nã o
havia razã o para me estressar até sabermos com certeza se ele estava
na cidade. Claro que Luther nã o teria razã o para mentir, e tomara que o
amigo dele também nã o tivesse, mas eu nã o colocaria todos os meus
ovos na mesma cesta. Me preocuparia quando tivesse certeza de que
Curt Taylor estava por perto.
Vi mais alguns lugares em que estivera centenas de vezes. A loja de
ferragens, que era um negó cio familiar; o mercadinho; os salõ es de
beleza que estavam lá desde que o mullet estava na moda.
E tudo pareceu demais um déjà vu.
Lembranças de alguns dos melhores momentos da minha vida e dos
piores.
O hotel em que paramos fazia parte de uma rede grande, algo que eu
havia encontrado barato pelo celular antes de chegarmos à Fló rida.
Paguei por ele antes de dizer a Dex qualquer coisa, porque ele tentaria
me convencer a pegar seu cartã o de crédito. Passei pelo check-in como
uma sonâ mbula e preenchi a ficha com a pior caligrafia da vida.
— Aqui está — disse a recepcionista ao me entregar os dois cartõ es-
chave. Os olhos dela se desviaram da tatuagem no pescoço do Dex e
foram para o hematoma feio na minha bochecha.
Ah, caramba. Que seja.
Passei o braço pelo de Dex e me inclinei para perto dele, a lateral do
meu rosto pressionada em seu bíceps como se fosse a coisa mais
natural do mundo. Aqueles olhos azuis olharam para mim, delineados e
circulados por um azul-arroxeado, e um lado da sua boca se ergueu. A
mã o livre dele subiu para afagar o alto da minha cabeça.
— Vamos lá , preguiçosa.
Eu nã o tinha dú vida nenhuma de que estava igualzinha a um filhote
apaixonado enquanto seguíamos para o quarto.
— Banho primeiro, linda. Vou ligar para o Son e para o Lu e avisar
que chegamos — falou Dex, ao largarmos as bolsas logo que entramos
no quarto.
Assenti para ele antes de pegar a minha e olhei para a cama king size,
que ocupava a maior parte do quarto. Eu o cutuquei no braço ao passar,
tomei um banho rá pido e vesti um moletom puído e calcinha antes de
acabar dormindo em pé.
Bem quando abri a porta, ouvi Dex do outro lado.
— … melhor que isso. Pare de ser otá rio, caralho — atacou ele.
Bem. Acho que ele nã o estaria falando com Luther assim, e, se era
com Sonny… eu gostaria de ouvir a conversa.
— Ela me contou tudo. — Ele fez uma pausa. — É , isso também.
Olha, Son…
Cinco chances de acertar o que o traidor do meu irmã o poderia
finalmente estar vomitando.
— Eu quero essa merda resolvida… é… vou voltar para casa, e ela vai
comigo. Como pode ser tã o difícil assim você entender, porra? Ela é
minha, meu irmã o, e nã o estou nem aí se você está bravo ou nã o,
caralho. É o que é e você precisa se lembrar de como me conhece bem.
Acha que eu estaria aqui se nã o fosse o caso?
Droga. Naquele momento, eu daria qualquer coisa para saber o que
Sonny estava dizendo do outro lado da linha em vez de ter que recorrer
à adivinhaçã o. À s vezes, eu odiava minha curiosidade. Eu deveria
simplesmente ter entrado no quarto, como uma pessoa normal. Ah, a
quem eu estava enganando? Qualquer um estaria de pé do outro lado
da porta escutando escondido.
Dex emitiu um barulho que pareceu um rosnado.
— Isso nã o vai ser a porra de um desperdício do tempo dela nem do
meu. Eu sou um homem maduro, Son. Você nã o vai me dizer o que
posso ou nã o fazer. Sei bem o que estou fazendo. Você vai tentar
quebrar minha cara quando a gente voltar? Beleza. Nã o estou nem aí.
Você nã o vai me fazer mudar de ideia. Pode tirar as calças pela cabeça…
Sonny deve ter interrompido, porque, quando dei por mim, Dex
soltava uma risada amargurada.
— A mínima. Nã o estou nem aí mesmo. Nem me lixando. Você e Trip
podem ir à merda. Vou ligar quando encontrar seu pai, filho da puta
teimoso.
Entã o, nada.
Esperei alguns minutos do outro lado da porta, para ver se Dex diria
algo mais, mas nã o disse. Só alguns farfalhares e rangidos enquanto se
movia pelo quarto.
Bem. Ok. Desfiz minha cara de “que droga é essa?” e abri a porta,
com toda naturalidade. Dex estava sentado na beira da cama, só de
boxer, bocejando. Super confortável. Completamente relaxado, como se
nã o tivesse acabado de discutir com o meu irmã o.
Mas, bem, Charles Dexter Locke, com aquele tanquinho firme, os
braços completamente tatuados, piercing nos mamilos e a droga da
tatuagem de polvo mais fofa estava quase pelado.
Minha boca tremeu, sem palavras.
Alguma vez eu enjoaria? Tomara que nã o, eu esperava.
— Você é tã o gostoso. — A declaraçã o saiu da minha boca antes que
eu conseguisse reprimi-la.
Nesse momento, o sorriso que rastejou pelas suas feiçõ es cansadas,
ainda bocejando, nã o foi reprimido. Ele se apoiou para trá s sobre as
mã os, me observando com aqueles olhos exaustos.
— Venha cá — murmurou.
Como se eu fosse hesitar quando eu tinha a chance de ficar tã o perto
dele e de toda aquela gloriosa pele quente. Parei entre suas coxas
abertas.
Dex se sentou ereto e agarrou a parte de trá s das minhas coxas com
um aperto frouxo antes de abrir uma trilha pela curva da minha bunda,
por debaixo do tecido fino e esticado do meu moletom. Era uma
segunda natureza ainda usar coisa de manga longa, independente de
ele saber ou nã o do meu braço. Por sorte, ele nã o disse nada quando as
mã os quentes circularam um bom pedaço da minha cintura e os
polegares desenharam círculos minú sculos logo acima do meu piercing
do umbigo. O moletom se amontoou sobre os braços dele.
— Vi muitas coisas na minha vida…
Não vomite, Iris.
Por muitas coisas, ele poderia nã o estar se referindo a pessoas.
Certo, a quem eu estava enganando? Provavelmente era.
Eu nã o ia vomitar. Nã o ia.
— Mas você — as narinas dele dilataram —, minha doçura de garota,
só pode ser a minha favorita até hoje. Acho que você ganhou o primeiro
de cem lugares. — A cabeça dele afundou para a frente para morder o
algodã o solto drapejado em seus antebraços. Devagar, ele subiu o tecido
com os dentes e língua até conseguir enfiar a cabeça por debaixo,
formando um volume firme sobre a minha barriga.
A ponta da sua língua tocou o rebite do meu piercing por um breve
segundo. Seu fô lego aqueceu minha pele logo acima dali antes de ele
pressionar os lá bios no mesmo lugar, ú midos e carinhosos. Dex tocou a
língua no mesmo lugar, e o toque mais parecia um beijo molhado que
uma lambida.
— Que cheiro delicioso — murmurou, quando as mã os apertaram
meus quadris, me fazendo arquear nele.
Olhando para baixo, para ele, com o rosto enfiado debaixo do meu
moletom, me lambendo e me beijando, nã o achei que houvesse coisa
mais excitante no mundo.
Dex beijou cada lado das minhas costelas com estalinhos lentos e
castos.
— Queria nã o estar tã o cansado — disse, traçando com a língua uma
linha na minha barriga.
Ai, caramba.
Aquela ponta á spera e ú mida parou bem no meio dos meus seios. Eu
podia ver sua cabeça virando para a direita, roçando uma linha curta na
parte de baixo do meu seio. Seus lá bios pararam na parte mais carnuda,
chupando de leve. Minha nossa. Ele moveu a boca para o outro globo
pequeno e repetiu a açã o.
Emiti sons que nã o eram de todo humanos quando o calor
desabrochou no meu ventre.
E isso foi quando ele tirou a cabeça de dentro do moletom ao dar um
ú ltimo beijo no meu piercing.
— Preciso tomar banho, flor.
Me engasguei. Ele estava falando sério?
Minha expressã o devia ter entregado o “mas-que-droga-é-essa”
estampado lá , porque ele abafou uma risada ao pressionar os lá bios no
meu quadril agora coberto.
— Estou cansado pra cacete. Você nã o precisa ficar acordada se nã o
quiser — continuou, começando a se levantar com as mã os ainda
dentro do moletom.
Dex me lançou outro sorriso cansado e me deu um beijo na cabeça
logo que se desviou de mim, dando um tapa na minha bunda.
— Vá dormir — falou, como se essa fosse uma opçã o, sendo que
parecia que as Cataratas do Niá gara estavam entre as minhas pernas.
Quando percebi que ele nã o estava brincando, me deixando plantada
ali feito uma idiota, ele já havia ligado o chuveiro.
Que imbecil.
Subi na cama, dando o meu melhor para nã o pensar na expressã o de
prazer de Dex na noite anterior; completamente livre e relaxada com
um pouco de felicidade misturada. O que, entã o, me fez não pensar em
como ele tinha feito com a boca, dias antes…
Pare.
Para minha surpresa, a cama era muito mais confortável do que a
minha na casa do Sonny, e mil vezes melhor que o sofá de Dex. Nã o
fiquei nada surpresa quando caí no sono quase no momento em que
apoiei a cabeça no travesseiro.
E parecia que eu mal havia feito aquilo quando virei de bruços, com a
bochecha apoiada nos lençó is. Lá bios quentes e ar fresco formigaram
na minha coluna. Dois conjuntos de dedos deslizaram pelas minhas
omoplatas, descendo pelas partes gêmeas das minhas costas.
Eu ainda estava meio adormecida quando o antebraço dele deslizou
entre a minha barriga e o colchã o. Sua boca percorreu as vértebras da
minha coluna. Calor espiralou da minha nuca até o có ccix e, por
instinto, arqueei as costas como um gato ao seu toque.
Piscando, sonolenta, notei que o quarto estava escuro como breu.
Devíamos ter dormido só umas poucas horas, no má ximo. O ú nico
barulho vinha do zumbido baixo do ar-condicionado na parede e do
ranger da cama sob o peso de Dex quando ele ia descendo pelo colchã o,
com o braço ainda ao meu redor.
— Nã o está mais cansado? — sussurrei com a voz rouca.
A risada baixa de Dex preencheu o quarto, a língua desenhando um
círculo na parte mais baixa das minhas costas.
— Eu só precisava de um cochilo. — Ele respirou logo antes de
morder minha bunda.
Ah, caramba.
Eu talvez tivesse me esticado em um arco profundo, o que me rendeu
outro mordisco no outro lado.
Sua mã o livre segurou meu traseiro, os dedos longos se espalhando
da fenda até quase chegar ao meu quadril.
— Essa bunda… — rosnou, beijando cada lado ao mesmo tempo. —
Eu preciso agradecer a todo o tempo que você passa nadando ou à sua
mã e, por você ter sido abençoada com ela?
Rebolei um pouquinho.
— Nã o sei.
Nã o houve nenhum aviso para o aperto forte do seu braço erguendo
meus quadris antes da ponta da sua língua percorrer minha fenda,
deslizando lá com um impulso molhado.
Minha nossa. Um milhã o de minha vezes nossa.
A língua de Dex lambeu a junçã o uma, duas vezes ― nã o o suficiente
―, com movimentos cuidadosos e medidos quando fez um rá pido
desvio para mergulhar lá dentro.
Morta, morta, morta. Ele me mataria com a boca. E com os lá bios.
Ah, Senhor, ainda mais os lá bios quando ele começou a chupar de
leve cada prega macia.
Santa. Mã e. Do. Céu.
Talvez eu devesse ter sentido vergonha dos gemidos e gritinhos que
rastejaram pela minha garganta quando tentei empurrar os quadris na
direçã o de Dex. Minha bochecha ainda estava encostada no colchã o, os
dedos curvados nos lençó is da cama do hotel, e talvez fosse a falta da
visã o que tivesse intensificado cada toque, cada gemidinho de
aprovaçã o que ele soltava quando deslizava a língua onde eu queria,
precisava, de algo maior.
Quase como se tivesse lido minha mente, sua mã o apertou minha
bunda de leve, antes de eu soltar um grito engasgado com o pressionar
profundo e lento dos dedos longos penetrando meu canal, substituindo
aquela língua á spera e brutal. Sua boca beijou minhas ná degas, os
dedos afundando ainda mais em mim. Curvando-se. Entrando e saindo
enquanto eu me contorcia na cama.
— Perfeita, linda. Perfeita pra caralho… — Eu mal o ouvi arquejar na
pele da minha bunda.
Eu estava tã o molhada que dava para sentir. Para ouvir. O som
líquido dos seus dedos entrando e saindo de mim, me deixando
desesperada por aquele formigamento que desabrochou no meu ventre
no momento que ele havia me virado de costas.
A velocidade duplicou, depois triplicou. A queimaçã o aumentou e
aumentou conforme ele beijava e mordiscava minha bunda, mordendo
com ainda mais força quanto mais molhada eu ficava. Entre o frenesi de
dedos e aquele calor abençoado irradiando do seu corpo, eu estava no
paraíso.
Até que, de repente, ele se retirou.
Me virei para olhar por cima do ombro, sem me importar nem um
pouco por mal conseguir ver o contorno do seu corpo na escuridã o,
mas a presença ardente do seu braço ao redor da minha cintura
confirmou que ele ainda estava ali.
Entã o, lá estava ele. A ponta intumescida do seu pau de repente
estava entre meus lá bios de baixo quando ele largou o peso para me
cobrir. Coxas na lateral das minhas. A virilha nas minhas costas. Peito
nas minhas costas. Dex era um cobertor humano que aos poucos
empurrou o membro largo e carnudo dentro de mim, centímetro apó s
delicioso centímetro.
Mesmo agora, depois de mal terem passado vinte e quatro horas, o
encaixe foi dos mais apertados. Nã o exatamente doloroso, nã o havia
como eu esquecer aquela experiência, mesmo depois da cabeça bulbosa
ter estado dentro de mim, que ele estava lá . Me preenchendo. Me
esticando. Movendo-se na minha abertura assim que terminou de
entrar em mim com aquele comprimento longo.
E, caramba.
Ai. Caramba.
Latejei ao seu redor antes de ele sequer ter a chance de se retirar da
primeira vez.
A boca de Dex desceu para a curva entre meu ombro e pescoço,
mordendo com força, nó s dois gemendo por razõ es completamente
diferentes.
— Caralho, Ritz — sussurrou, mas nã o havia força por trá s da voz.
Nenhuma necessidade nem desejo para que eu parasse.
Entã o contraí meus mú sculos internos de novo, e ganhei um circular
dos seus quadris em resposta junto a outro gemido profundo e gutural.
Parecia que eu estava preenchida até o limite. Mais um centímetro, mais
um milímetro de circunferência e de jeito nenhum eu conseguiria
recebê-lo sem sentir dor, supus.
Mas isso… isso era perfeito.
Arqueei as costas ainda mais, agradecendo os anos que tinha
passado praticando yoga e alongamentos depois da nataçã o, e aquilo o
fez se afundar ainda mais.
— Ah!
Dex soltou um gemido longo e baixo contra as minhas costas.
— Caramba, linda — sibilou. Lá bios molhados se moveram pela
linha do meu ombro. Sem se afastar um centímetro, ele deslizou os
joelhos entre as minhas pernas, abrindo tanto minhas coxas que, se eu
estivesse vestida, teria parecido que estava me arrastando por debaixo
de arame farpado nas forças armadas.
O braço ao redor da minha cintura se apertou quando ele enfim se
afastou um mísero centímetro, e entã o estocou. Com força. Ele se
retirou cinco centímetros da segunda vez, e entã o voltou. Devagar e
estável, Dex estabeleceu o puxa e empurra, um centímetro sobre outro
centímetro até só a ponta da cabeça intumescida estar me esticando.
Entã o, ele estocou.
E emiti sons engasgados e arquejos descontrolados, seus testículos
quentes batendo em mim enquanto ele penetrava. Os sons de Dex
arfando a cada deslizar controlado engoliu o arquejar estável que saía
da minha boca, o som de carne batendo na carne. A ereçã o se enterrou
em mim com estocadas poderosas que me fizeram me empurrar um
pouco mais para trá s.
Gemi na cama quando ele inclinou os quadris de um jeito específico
que atingiu algo má gico dentro de mim.
Ele rosnou, concordando, antes de morder meu ombro de novo.
— Bom. — Ele mordiscou o outro lado. — Bom pra caralho.
Minha nossa.
Com um rá pido deslocar do nosso corpo, ele me agarrou com força
junto a si e nos virou, mantendo a conexã o ú mida e preenchida entre
nó s até ele estar de costas, com as minhas costas e quadris
perfeitamente acomodados em cima dele. Dex plantou os pés na cama e
abriu minhas coxas, assim elas passaram por cima das dele, joelho a
joelho, me deixando aberta e vulnerável.
Pelo menos até ele curvar os quadris.
Gemi o nome dele e ganhei outro bombear da sua pélvis.
Foi o instinto que me fez erguer os dois braços para cada lado do
rosto dele, a fim de me segurar na cabeceira. O rosto de Dex estava bem
ao lado do meu quando o virei para o lado. Eu nã o conseguia enxergar
nada mais que a forma de suas feiçõ es, tã o duras e fortes, mesmo no
escuro, que eu soube onde sua boca estava, encontrando-a onde nã o
deveria conseguir.
Sua língua saiu para buscar a minha, digladiando-se com ela em um
ritmo completamente diferente das estocadas que entravam e saíam de
mim. Seu braço serpenteou ao redor da parte de cima do meu peito e o
outro foi para cima dos meus seios, como barras de aço. A posiçã o
deixou as estocadas mais rasas, mas o â ngulo…
— Por favor, nã o pare — arquejei, curvando meus pés em suas
panturrilhas para me ancorar conforme seus quadris bombeavam com
mais força a cada segundo.
— Nã o vou parar — disse, rouco, deslizando a mã o para pressionar
os dedos no alto da minha abertura. Dex moveu os quadris, entrando
em mim com força. Inclinei a cabeça para trá s, juntando os cotovelos ao
corpo para me equilibrar quando as estocadas ficaram mais brutas e
rá pidas.
Nã o tinha certeza se tinha sido eu ou ele quem começou a suar
primeiro, mas minhas costas estavam encharcadas. A parte interna das
minhas coxas tremia conforme elas se abriam ainda mais sobre os
joelhos dobrados dele.
— Dex, Dex, Dex — entoei seu nome.
Com cuidado, ele desenhou círculos no meu clitó ris conforme eu me
contorcia sobre ele, desesperada por mais pau, por mais dedos. Mais,
mais, mais.
Seus dentes mordiscaram minha mandíbula.
— Amo você bem assim — murmurou. — Toda macia e molhada
para mim, linda. — E estocou com força, me fazendo gemer. — Minha
bocetinha doce… toda minha… nã o é, linda?
O quê? Do que ele estava falando?
— Diga — insistiu, quando tudo o que fiz foi gemer em resposta ao
circular de dedos sobre o meu clitó ris. — Diga.
Ah, caramba.
Rebolei os quadris sobre ele, apertando meu sexo ao redor da ereçã o
grossa.
— É sua, Charlie.
— Sempre — ele deixou bem claro, com uma estocada profunda.
Céus. Eu conseguia sentir. Sentir aquela explosã o má gica de fogos de
artifício e arco-íris nos dedos dos meus pés.
— Sempre.
A forma como ele bombeou os quadris à minha confirmaçã o dizia
que era um homem satisfeito. Impelindo com força para longe da
superfície do colchã o, o braço ao redor do meu peito se apertou mais.
Dex parecia um homem possuído, arrancando um orgasmo direto de
um pote de ouro dentro de mim. Eu poderia ter gritado, chorado de
alegria ou começado a falar em línguas conforme meu orgasmo me
envolvia, e nã o teria lembrado. Fogos de artifício dispararam pela
minha coluna por tanto tempo que pensei que me derreteria nele, ou
pelo menos ao redor do seu membro.
No movimento mais rá pido do mundo, ele saiu de mim, fechando
minhas coxas ao redor do seu pau ao estocar nelas. Uma vez, duas
vezes, fazendo brotar um grito rouco quando ele gozou, derramando
jatos quentes na minha barriga e no meu peito com as estocadas
lâ nguidas remanescentes.
Arquejei no mesmo ritmo em que os ofegos de Dex preenchiam meus
ouvidos, me deixando surda para todo o resto.
Foi só o movimento quente das suas mã os sobre os meus seios,
ombros e braços que me fez voltar à realidade. Seu polegar afagou as
cicatrizes do meu braço. Devagar, com calma, Dex abaixou nossas
pernas para a cama antes de nos virar para o lado.
Olhando por cima do meu ombro, lancei um sorriso cansado para ele
e inclinei o rosto para um beijo. E que beijo foi. Sedoso, carinhoso, mais
lá bios que língua. Mais afeto que posse.
Bem, quase.
— Me acorde desse jeito sempre que quiser.
Um sorriso irrompeu do rosto dele. Tudo o que Dex fez foi espalmar
a lateral do meu rosto e beijar o canto da minha boca ao murmurar:
— É o que pretendo.
Senti um desejo terrível de vomitar assim que acordei no dia
seguinte.
Meu primeiro pensamento, antes de entender que estava nua,
deitada na cama ao lado de Dex, envolvia o meu pai. A droga do meu
pai. O homem que provavelmente eu ia ― tomara ― ver hoje pela
primeira vez em oito anos.
Merda.
Nã o porcaria, merda.
Se era nervosismo, raiva ou uma ansiedade horrível que preenchia
minha barriga, eu nã o sabia, e isso me deixou inquieta.
Tã o inquieta que Dex percebeu antes mesmo de sairmos do quarto.
Ele estava parado à porta do banheiro, abotoando a calça, quando fez
careta para mim.
— O que foi?
Eu queria dizer “nada”, mas nã o disse. Nada mais de mentiras, nã o é?
Precisei me contentar ao abrir um sorriso tímido para ele ao mesmo
tempo em que olhava disfarçadamente para Uriel. A quem eu estava
enganando? Eu estava olhando para os piercings no mamilo, me
lembrando brevemente da sensaçã o deles nas minhas costas horas
antes.
Sai dessa!
Tentei disfarçar minha tosse estranha.
— Acho que estou um pouco nervosa.
— Por quê? — perguntou, como se minha confissã o fosse total
estupidez.
— Nã o sei. Acho que estou nervosa por ver meu pai depois de tanto
tempo, mas também meio que sinto como se devêssemos ser um
programa de caçadores de recompensa ou algo assim. Faz sentido? —
Cocei a garganta.
Dex estreitou os olhos e tirou a escova de dentes da boca bem
devagar.
— Nã o.
Bem.
— Nã o fique nervosa, flor. Qual é a razã o para isso? Nó s vamos
encontrar seu pai, e daí vamos pensar em uma forma de dar um jeito
nas merdas dele antes de eu ser preso por homicídio — concluiu, com
tanta indiferença que eu quase poderia ter descartado o fato de que ele
havia abordado a possibilidade de ser preso.
Por homicídio. Por minha causa.
Ai, Senhor.
Eu o perturbei antes para que nã o fizesse algo tã o burro, entã o
preferi ignorar essa parte do comentá rio.
— Acho que nã o é simples assim.
Ele me olhou feio, e enfiou a escova de volta na boca.
— É.
Deixei o assunto para lá porque, na realidade, como eu conseguiria
explicar a Dex por que estava tã o nervosa por ver meu pai? Nã o era
como se eu já nã o tivesse aceitado as coisas como eram.
Ele havia abandonado a mim e a minha família. Confere.
Ele havia me abandonado aos dezesseis anos, no meio da
quimioterapia com uma mã e à beira da morte. Confere.
E entã o me abandonou de novo, aos vinte e quatro, para lidar com as
porcarias dele, obviamente sabendo com que tipo de gente ele estaria
lidando. Confere.
Me atingiu bem no meio da cara. Um golpe forte que teria arrancado
alguns dentes.
Ele era um horror. Nada mais, nada menos.
Ele nã o era nenhum Sonny. Nem mesmo um Will, porque eu sabia
que se dissesse ao meu irmã o que pessoas estavam aparecendo no meu
trabalho e ameaçando minha vida, ele faria o que estivesse ao seu
alcance para dar um jeito na situaçã o. Literalmente, ele teria feito
qualquer coisa. Eu só nã o queria ter que arrastar Will para essa merda.
Curt Taylor também nã o era nenhum Luther. Lu chegara ao ponto de
emprestar o carro para Dex e para mim para virmos procurar meu pai.
Ele havia me ajudado a procurar esse ser humano lamentável. E ele mal
me conhecia.
Curt Taylor nã o era nenhum Dex também, sem dú vida. Nenhum
Charlie. Nã o havia possessividade nem lealdade feroz. Nada. Além de os
dois serem homens e membros do Moto Clube Fá brica de Viú vas, era
isso. Nã o havia nenhum traço de similaridade entre o homem diante de
mim e o que me deixara para trá s.
Esse era um homem que havia abandonado pessoas que precisavam
dele um milhã o e meio de vezes. Que porcaria de razã o eu tinha para
ficar nervosa? Ele é que deveria estar nervoso por me ver. Eu nã o devia
absolutamente nada. Isso aqui nã o era nenhuma reaproximaçã o nem
uma busca por amor e conselhos que ele havia arrancado de mim
quando eu era jovem demais para entender.
Ele deveria estar com medo de mim.
Pelo menos os ó rgã os dele deveriam. Porque jurei para mim mesma
bem naquele momento, sentada na beirada de uma cama de hotel, que
me certificaria de que ele pagasse aos croatas de alguma forma.
O velho miserável me devia isso.

— Sorrateiro filho da puta. — Sonny suspirou do outro lado da linha.


Coloquei os pés no apoio do banco e olhei ao redor do restaurante
como se meu pai pudesse estar escondido em uma das mesas. Aquele
desgraçado.
— O cara da recepçã o falou que ele fez check-out ontem. Ontem,
Sonny. É como se ele soubesse o que tinha acontecido ou algo assim.
— Talvez ele saiba, Ris. Nã o me surpreenderia nada.
— É uma meleca. — Lanço outro olhar ao redor do restaurante,
dessa vez, procurando Dex. Ele havia ido ao banheiro há alguns minutos
e ainda nã o tinha voltado. — Vamos tentar ir a alguns hotéis de beira de
estrada por aqui e ver se conseguimos encontrá -lo.
É , as chances sã o mínimas, e Dex e eu sabíamos que meu pai teria
que ser um completo idiota para ir a lugares a poucos quilô metros dali,
mas… eu nunca disse que ele nã o era um completo idiota. Eu poderia
esperar pelo melhor, era tudo o que podia fazer.
Sonny murmurou em resposta, a tensã o estranha entre nó s
perdurando. Eu quase nã o tinha ligado para ele, mas depois da
conversa ao telefone que tinha ouvido na noite anterior, entre ele e o
meu gigante tatuado, concluí que seria a melhor opçã o. A verdade era
que me doía o fato de Sonny ainda estar bravo comigo. Mesmo depois
que eu lhe contara todo o incidente na Pins, ele pareceu ficar zangado,
mas ainda tã o distante. Nã o foi assim que imaginei que ele reagiria se
as coisas estivessem bem entre nó s.
E era culpa minha. O que era a coisa mais difícil de engolir, mas
provavelmente a mais importante. Açõ es sempre vinham com
consequências, nã o é?
Olhei por cima do ombro enquanto esperava ouvir se Sonny tinha
dito alguma coisa, e vi Dex de pé do lado de fora do banheiro, com uma
garçonete invadindo o espaço dele. Nã o a nossa garçonete, só uma
bonitinha que havia sorrido para nó s quando entramos. Puta.
Ok, isso nã o foi nada legal.
— Me avise se vocês precisarem que eu vá para aí, devo chegar em
Austin daqui a um ou dois dias, vai depender de quantas paradas Trip
vai querer fazer — disse o meu irmã o.
Ainda olhando para Dex enquanto ele balançava a cabeça para o que
quer que a garçonete estivesse dizendo, engoli a sensaçã o estranha na
minha garganta e me concentrei na conversa com Sonny. De jeito
nenhum eu ia gastar minutos preciosos da minha vida me preocupando
com a possibilidade de Dex estar ou nã o fazendo algo suspeito pelas
minhas costas. Tipo, ele estava bem ali. E nunca me dera razã o para que
eu nã o confiasse nele.
Fechei os olhos e tentei imaginar as muitas, muitas vezes que Sonny
havia comido algo de que nã o gostava ― tudo porque eu nã o comia
carne. Ou nas centenas de vezes que ele havia se preocupado com
minha saú de e meu bem-estar. Sonny era importante para mim. E eu
precisava tentar consertar o que havia de errado entre nó s. Isso era
importante.
— Son, eu amo você. E sinto muito por ter sido a merda de uma
mentirosa e sei que minhas promessas talvez nã o signifiquem mais
nada para você, mas juro que nã o vou mentir de novo. Pelo menos nã o
quanto a algo tã o idiota. Tipo, se você me perguntar se comi a ú ltima
tortinha, talvez eu minta, mas é isso. Nã o por algo importante.
E aí eu esperei. E esperei. E esperei.
Jesus, Maria e José, ele estava mesmo puto comigo. Ai, caramba. Eu
finalmente tinha conseguido essa proeza.
— Garotinha — disse ele, enfim, depois do que pareceu um ano. —
Você me deixou puto pra cacete, mas eu te amo mesmo assim. Nada vai
mudar isso. Nem mesmo aquele gorila idiota que você arranjou para
bancar seu guarda-costas.
— Eu gosto do meu gorila idiota. — De jeito nenhum eu puxaria o
assunto de ele estar bravo comigo de novo. Me concentraria em algo
que nã o fosse isso.
Sonny suspirou de novo, dessa vez um longo suspiro resignado.
— O que é uma desgraça.
— Ele é bom para mim de verdade — sussurrei ao telefone, ao me
virar no banco para o olhar para o dito gorila idiota. Ele ainda estava
parado perto dos banheiros com a garçonete falando com ele. — Eu
gostaria de continuar com ele, entã o espero que você nã o esteja
planejando matá -lo.
— Isso meio que arruína meus planos, garotinha — disse ele, e eu
nã o tinha certeza se estava brincando ou nã o. Era mais provável que
nã o estivesse. — Nã o é como se ele tivesse seguido a trégua do Clube, a
de deixar a família alheia em paz. Ele sabia que isso nã o era legal.
— Hum. — Olhei ao redor para ver o babaca alto e de cabelo preto
caminhando entre as mesas e vindo na direçã o em que havia me
deixado. — Poupe pelo menos o rosto dele. — Pausei antes de
adicionar: — E as mã os.
Meu meio-irmã o grunhiu.
— Estou desligando agora.
Eu estava dividida entre rir e ficar ridiculamente envergonhada pela
forma como tinha feito aquele comentá rio.
— Nã o foi o que eu quis dizer!
— Nã o estou nem aí, garotinha. O estrago está feito.
Dedos quentes desenharam uma linha descendente do meu ombro
nu até o pulso, antes de Dex se sentar ao meu lado, seu peito uma
parede só lida de mú sculos e calor. Olhei para o seu rosto e o vi calmo e
relaxado. Tã o lindo. Ainda assim, eu ainda estremecia quando pensava
na imagem mental que Sonny devia estar tendo.
— É , tudo bem.
— Me liga depois? — indagou ele.
Fitei Dex enquanto seu olhar se arrastava da parte mais curta da
minha saia e se erguia para o meu rosto. O canto da sua boca subiu em
um sorriso suave.
— Claro. Cuidado na moto. — Entã o, adicionei só para garantir, o
tempo todo observando Charlie quando disse: — Amo você.
Sonny devia ter murmurado a resposta para mim, mas nã o entendi.
A ú nica coisa que captei foi o som da linha depois de ele desligar.
Porque o homem sentado ao meu lado estava me observando com
aqueles curiosos olhos azuis.
Assim que coloquei o celular no balcã o, cutuquei seu ombro com o
meu.
— Só estava atualizando o Son.
Aquele olhar ardente percorreu meu rosto, minha boca, minhas
bochechas, antes de abrir caminho para me olhar dentro dos olhos.
— Consertou as merdas entre vocês? — perguntou, com a voz mais
baixa.
— Hummmm. Precisei deixar Son te chamar de gorila idiota para
conseguir o perdã o dele, mas duvido que você se importe.
Dex deslizou aqueles dedos longos pelo meu pulso e circulou os
ossos com delicadeza.
— Está feliz por ele enfim ter voltado a falar com você? — Fiz que
sim, o que me garantiu um dar de ombros. — Entã o estou pouco me
lixando para o que ele pensa, você sabe disso.
Eu sabia mesmo. Como eu sabia de um monte de loucuras. Tipo o
fato de que eu ofereceria partes do corpo do meu pai para garantir a
segurança de Dex. Voltei a me recostar nele e pressionei a boca em seus
lá bios.
— É , eu sei.
— Uma porçã o de panquecas de mirtilo e uma porçã o dupla com
linguiça de acompanhamento. — Nossa garçonete apareceu e colocou
os pratos diante de nó s.
Agradeci e a observei se afastar, e procurei pela mais jovem que eu
tinha visto falando com Dex, minutos antes. Mas ela nã o estava em lugar
nenhum.
— Acho que eu a aborreci — disse Dex, do nada, fazendo meus olhos
se arrastarem de volta para ele.
Ele estava ocupado cortando a pilha imensa de panquecas diante de
si, seu tom despreocupado.
— A garçonete com quem você estava falando?
Ele ergueu um ú nico ombro.
— Ela estava me irritando pra cacete. Nã o sei por que pensou que eu
me importaria com ela gostar ou nã o das minhas tatuagens.
Meu primeiro pensamento foi que a garota havia corrido para a
cozinha para cuspir na nossa comida.
Inferno.
Dex cortou outro triâ ngulo grosso ao me olhar de canto de olho.
— Nã o parava de falar o quanto queria se tatuar, mesmo depois de
eu falar que a minha garota estava me esperando.
Eu seria a maior mentirosa da face da Terra se dissesse que nã o
havia ficado animada por ele ter me chamado de minha garota. Era um
pouquinho bá rbaro? Talvez. Mas eu me importava? Nã o.
— Nã o dá para culpar a menina. Você é bem fofo, Charlie. Tenho
certeza de que vá rias mulheres nã o se preocupariam por você estar
com outra pessoa. — Por mais que o pensamento me incomodasse, era
verdade.
Um suspiro exasperado abriu caminho por sua boca bonita.
— Fofo? — Ele disse a palavra como se estivesse dividido entre
sentir nojo e achar graça, ignorando meu outro comentá rio.
Certo, eu poderia fingir também.
— Desculpe, você é um garanhã o ardente e viril.
Ele me prendeu com um olhar inexpressivo que me fez rir.
— O quê? Você é. — Quando a expressã o dele nã o se alterou por um
longo minuto, eu ri de novo e o cutuquei nas costelas. Nã o ia deixar meu
pai e seu desaparecimento estragarem meu humor. Ele nã o teria tanto
poder sobre mim. E eu com certeza nã o descontaria isso em cima da
ú nica pessoa que estava tentando me ajudar. Nã o, senhor. — Tudo bem,
você é simplesmente gostoso. Gostoso pra caramba. Nada de fofo. Nã o é
fofo mesmo.
Dex me lançou aquele sorrisinho característico dele antes de voltar a
atençã o para o prato. Demos algumas garfadas na nossa comida antes
de ele voltar a falar de novo.
— Você sabe que nã o precisa se preocupar com nada nem ninguém,
Ritz.
Lá íamos nó s. Assenti, mas nã o olhei para ele.
— Eu confio em você. — Só nã o queria carregar o medo de que Dex
acabaria se entediando. Ele nã o era o meu pai, e a cada dia eu o
conhecia mais e mais, o que só cimentava o fato com ainda mais
firmeza.
Ele tirou o garfo da minha mã o antes de puxá -la para debaixo do
balcã o do restaurante e me fazer espalmar logo abaixo da sua virilha.
— Flor, eu sou seu tanto quanto você é minha, e essa merda nã o vai
mudar, entendeu? Nã o hoje, nem amanhã , nem nunca. — Ele deslizou a
mã o sobre a minha, prendendo-a firme ao contorno da sua coxa. —
Entendeu?
— Dex — suspirei.
— Ritz.
— Nã o pode dizer coisas assim. Você pode se cansar de mim em
algum momento.
— Nã o. — Ele balançou a cabeça. — Sei muito bem o que estou
dizendo. Sei muito bem o que quero dizer. Ok?
Ele nã o estava perguntando. Eu sabia. Entã o eu sabia que nã o fazia
sentido discutir com ele e, ao mesmo tempo, nã o havia razã o para
inventar desculpas quanto a por que ele nã o poderia gostar tanto de
mim assim. Eu jamais saberia, a menos que permitisse. Apertei sua coxa
e assenti.
— É , eu entendi. — Só para garantir, sorri. — Fofinho.
— Ritz — rosnou, mas eu podia dizer pelo seu olhar que ele nã o se
importava.
— Estou brincando. — Tirei a mã o da sua perna e cortei um
triâ ngulo das minhas panquecas de mirtilo antes de murmurar
baixinho: — Só que nã o.
Isso arrancou um bufo dele.
A garçonete mais jovem que havia acossado Dex antes apareceu bem
naquele momento, em uma mesa do outro lado do restaurante. Entã o
aproveitei a oportunidade para fazê-lo rir de novo. Acho que gostava do
som um pouco demais.
— Dex?
— Sim, linda?
— Ela voltou — sussurrei, e entã o fiz uma pausa. — Acho que vou
precisar das suas chaves.
E, como sempre, ele nã o me decepcionou, e uma risada muito, muito
alta ribombou do meu homem sério e reservado.

Três dias se passaram e nada.


Nem rastro dele.
Aquele filho de uma boa mã e havia desaparecido, e minha irritaçã o
havia chegado a um nível nunca visto antes, cortesia do meu curto
período de vida. Eu estava puta e estressada a esse ponto, até minha
menstruaçã o havia durado metade do tempo que normalmente durava.
— A gente vai encontrar o homem — Dex havia me assegurado uma
dú zia de vezes ao dia.
O problema é que era incrivelmente difícil abrigar esperanças de
encontrar alguém que era mestre em desaparecer. Encontramos o
amigo de Luther no dia anterior, mas o homem mais velho também nã o
o havia visto. Para minha sorte, e a de todo mundo, o homem
normalmente ranzinza que nos levara de Delray para Boca e Deerfield
Beach, era otimista o bastante por nó s dois.
Nã o havia como ele saber que a gente estava na Fló rida, disso eu
tinha certeza. O amigo de Luther nos prometera que havia sido discreto,
entã o devia ter sido coincidência ele ter ido para outro lugar.
Pelo menos era o que eu esperava.

— Nunca ouvi falar dele — disse o velho motoqueiro, em tom


arrastado por cima da borda do copo longo e abaloado, bebendo algo
que era todo cor de â mbar sem gelo nenhum.
Me sentia um balã o que havia sido espetado com um alfinete. Vazia.
Completamente vazia.
Dex me lançou um olhar antes de estender a mã o para o homem
superbarbudo.
— Valeu, irmã o.
Outro fracasso. De novo. Mais quantos seriam no dia de hoje? Oito
bares diferentes nas redondezas? Pelo amor de Deus, quem sequer
sabia que havia tantos bares diferentes por ali?
Apertei a mã o do homem assim como Dex tinha feito, e o segui para
fora de lá . O homem tinha sido o ú ltimo de três que nos esforçamos
para encontrar no bar. Venha comigo, disse ele, e eu fui. Mas nã o
encontramos nada. Quatro dias no meu estado de origem, e nada. Que
saco.
No momento em que subi na caminhonete e fechei a porta, Dex me
olhou antes de estender a mã o para pegar a minha.
— Está a fim de fazer outra coisa?
Eu estava crescida demais para fazer bico e chorar por causa da
injustiça dessa porcaria toda, entã o, em vez disso, entrelacei os dedos
com os dele e suspirei. Eu queria encontrar meu pai. Mas nã o estava
rolando. Toda aquela viagem até entã o tinha sido a troco de nada. Nada
de pai. Só memó rias dolorosas. E comidas de lugares a que eu havia ido
com Will centenas de vezes que, de repente, nã o pareciam nada
deliciosas como haviam sido meses antes.
Todos esses percursos de carro estavam me fazendo sentir ainda
mais saudade da minha mã e e de yia-yia. Provavelmente foi isso que
tinha me feito abrir a boca e sugerir algo pela primeira vez desde que
iniciá ramos nossa busca.
Ainda era cedo. Cerca de seis horas, entã o haveria mais uma hora de
sol…
— Você se importa se a gente for ao cemitério? — perguntei a Dex,
hesitante.
— E por que eu me importaria, flor? — indagou, já dando ré. — Só
me diga como chegar lá .
O cemitério ficava bem perto de onde estávamos. Parecia que eu
havia estado lá ontem mesmo. Eu nã o precisava de um mapa nem de
instruçõ es para guiar Dex até lá . Em um piscar de olhos, ele estava
entrando na longa estrada sinuosa.
Até nã o estar mais.
Ele estacionou ao longo de uma via familiar demais. Eu reconheceria
a leve inclinaçã o do terreno mesmo sem olhar. Saí e olhei ao redor,
observando Dex sair do carro também, seus olhos cautelosos e
desconfortáveis ao passar por cima de lá pide atrá s de lá pide.
— Você está bem? — perguntei depois de ele engolir em seco.
Dex nã o parecia bem.
— Sim — foi a simples resposta.
Ele estava… desconfortável? Pelo que me lembrava, o avô de Dex
havia morrido quando ele era bebê. Toda a sua família parecia ainda
estar por aí, entã o a ú nica coisa em que pude pensar era que cemitérios
o assustavam. Nã o havia nada errado com isso.
Mas mantive a boca fechada e apreciei o gesto.
— Você pode ficar aqui se quiser, nã o vou demorar — disse.
Aqueles olhos escuros se estreitaram em suspeita.
— Tem certeza?
Eu podia ver no rosto dele. Por favor, tenha certeza.
— Sim, está tudo bem. Quinze minutos no má ximo.
Levou um segundo para ele concordar, mas assim que me deu um
aceno de cabeça, dei um sorriso para ele e comecei a subir em direçã o à
á rvore imensa que servia como marca de onde minha mã e e yia-yia
estavam enterradas juntas.
Meses nã o haviam feito nada com o gramado verdejante nem com as
lá pides elegantes pelas quais minha avó havia pagado por anos antes de
sua morte. Ela nunca achou irô nico planejar a pró pria morte antes de
estar perto do dia. Encontrei o lugar quase que imediatamente,
observando as lá pides, uma ao lado da outra, me incitando a avançar.
Em algum filme româ ntico fofinho, haveria as flores que meu pai
deixara no tú mulo com promessas de um amor que poderia sobreviver
ao apocalipse. De um amor que nã o importava para o tempo e
compreensã o nenhuma para a morte.
Mas nã o havia.
Nem uma erva daninha. Nem uma flor viva. Nem mesmo uma flor
morta.
Ou uma velha mensagem de amor.
Nada. Nadica. Nada mesmo. Gramado e mais gramado muitíssimo
bem-cuidado.
Dizer que era uma decepçã o seria o eufemismo da semana. Mas,
bem, o que eu poderia esperar da decepçã o imperante de um ser
humano?
Eu deveria ter imaginado.
Foi quase uma reflexã o tardia me ajoelhar quando cheguei ao tú mulo
da minha mã e e de yia-yia. Doce, mas incrivelmente amargo. Quantas
vezes eu me sentara ali nos anos depois que yia-yia morrera, pedindo
sua ajuda moral e psicoló gica para lidar com Will? Dezenas?
Criar um irmã o era difícil. Sempre foi difícil, mas depois que yia-yia
morreu, ficou ainda mais. Ainda assim, nó s demos um jeito.
Minhas mã os roçaram as lâ minas verdes e pegajosas, sentindo o
quanto estavam aparadas. Imaculadas e sem marcas de pés. De repente,
desejei, mais do que a esperança de encontrar meu pai, que eu tivesse
pelo menos uma delas por perto para me dizer o que eu deveria fazer
nessa situaçã o.
Eu queria o conselho delas. As sugestõ es. O apoio.
E tudo o que eu tinha era essa droga de grama.
Nã o estava nervosa nem com medo. Estava desesperada. O que eu
deveria fazer? Desistir? Vender meu carro? Tentar pedir um
empréstimo? Abrir um negó cio de assassinato de aluguel?
Desistir nã o estava no meu DNA. Ser forçada à submissã o, sim, mas
também era um ú ltimo recurso. Sempre pensei em mim mesma como
uma pessoa prá tica.
Eu nã o fazia ideia de quanto tempo havia ficado sentada ali, olhando
para os nomes entalhados e sentindo minha alma pesada. Nã o poderia
ser tanto tempo assim se o sol ainda estava lá , baixo, mas ainda lá . Mais
cansada emocional do que fisicamente, me levantei e voltei para o
carro. Encontrei Dex sentado na caçamba com um cigarro apagado na
boca. Seus olhos trilharam um caminho lento conforme eu me
aproximava, verificando e inspecionando.
Ele se levantou e passou uma perna longa pela caçamba. Com um
salto gracioso, chegou ao chã o e enfiou o cigarro atrá s da orelha.
Nenhum de nó s disse nada enquanto eu ia até ele e passava os
braços pela sua cintura. Dex envolveu um braço acima dos meus
ombros, a mã o livre encontrando seu caminho pelo meu cabelo. Dei
uma fungada hesitante na sua camisa, mas ele só cheirava levemente a
sabonete e sabã o de lavar roupa.
— Você nã o tem que parar de fumar por minha causa — falei,
embora fosse ó bvio que eu preferisse que ele parasse, mas nã o pediria.
Ele entrelaçou os dedos no meu cabelo.
— Certo.
— Estou falando sério.
Ele continuou fazendo nó s nas pontas do meu rabo de cavalo.
— Passei cinco anos sem fumar, flor — sussurrou no meu ouvido, o
lá bio inferior roçando a parte externa. — Tem umas merdas de que
preciso e outras merdas que quero. Fumar nã o é uma delas, ainda mais
quando estou perto de você.
Era errado as palavras dele terem me feito derreter um pouquinho?
E que eu nã o ia nem me incomodar em discutir mais por isso?
Na ponta dos pés, pressionei os lá bios na parte de baixo do seu
queixo.
— Nesse caso, obrigada. — Pressionei o rosto em seu peito por um
instante, desfrutando do abraço.
— Está tudo bem com você?
Assenti o suficiente para que o alto da minha cabeça roçasse seu
queixo.
— É . Só sinto saudade delas.
O murmú rio de Dex veio da garganta, os braços se apertando ao meu
redor em resposta ao comentá rio. Seu corpo, seu calor, seu conforto e
segurança me embeberam. A sensaçã o dele alimentou partes minhas
que estavam carentes e me deram um chã o. Nã o que algo ou alguém
algum dia pudessem substituir as duas mulheres que haviam me
criado, mas Dex era tã o homem, tã o cheio de personalidade, que
percebi que nã o estava mais sozinha.
E por mais egoísta que fosse, eu esperava nunca mais ficar sozinha.
Apertei sua cintura.
— Já que estamos aqui e tudo mais, quer ir à minha pizzaria
preferida? Sonny dizia que eles faziam a melhor pizza de pepperoni.
— Eu gosto de pizza. — Sua mã o deslizou pela curva da minha
coluna até eu sentir um beliscã o forte no meu traseiro. — O que você
vai comer? Queijo? — debochou ele.
— Espinafre Alfredo, espertinho. — Bufei e dei um passo para longe
dele, esfregando onde havia me beliscado.
Dex franziu o nariz, mas nã o fez comentá rio nenhum perto de mim.
Deu um tapa na minha bunda assim que a oportunidade surgiu.
— Espinafre Alfredo, entã o, flor — disse ele.
Entrei na caminhonete logo depois, sorrindo feito uma idiota. Eu
estava pensando em iguarias má gicas de massa fina enquanto Dex saía
do cemitério. Por alguma razã o, bem quando paramos nos portõ es,
aconteceu de eu olhar para o outro lado da rua. Lá na esquina havia um
daqueles hoteizinhos sem procedência que cobravam por hora.
— Direita ou esquerda? — perguntou Dex.
Era para ser esquerda, mas algo me fez mirar o hotelzinho de
prostitutas.
— Direita. — Na pior das hipó teses, a gente poderia dar meia-volta e
seguir por onde veio, certo?
Dex obedeceu.
Virei a cabeça para dar uma olhada do estacionamento. O que eu
encontraria, na verdade? Nada, era mais do que provável.
E nã o encontrei, pelo menos de início. Carros e caminhonetes. Em
seguida, vi o guidã o. Poderia ser de qualquer pessoa, mas e se nã o
fosse? Nã o poderia ser assim tã o ó bvio…
Estendi a mã o para bater no braço de Dex.
— Encoste aqui, por favor.
Aquele homem maravilhoso nem se deu o trabalho de perguntar por
que pedi para ele virar ali. Ele fez uma manobra brusca para a esquerda
e conduziu a caminhonete até o estacionamento do hotel de dois
andares. Agora, de perto, a moto foi como levar um chute no peito.
Ainda era preta e brilhante com uma espiral de vermelho
atravessando a lataria. Quase uma década depois, e eu ainda a
reconhecia como à palma da minha mã o. Dividida entre as memó rias de
ser criança e montar nela quando estava estacionada na frente de casa,
e a ú ltima lembrança que tinha do meu pai indo embora logo depois do
funeral da minha mã e… parecia ter algo alojado na minha garganta.
— É ele.
Os pneus cantaram quando Dex pisou no freio. Ele nem se
incomodou de parar na vaga antes de estacionar atrá s de dois carros.
Saí da caminhonete antes dele, olhando para todas as portas como se eu
tivesse algum tipo de radar interno que me informaria em que quarto
ele estava.
— Me deixe ir ver onde ele está — murmurou Dex, ao apertar meu
antebraço.
à hh…
É , talvez eu nã o quisesse saber como ele planejava conseguir essa
informaçã o.
Fiquei parada lá enquanto ele ia na direçã o da recepçã o minú scula
que ficava perto da entrada do estacionamento. Olhando, olhando,
olhando. Em menos de cinco minutos, o passo despreocupado de Dex o
trouxe para perto de mim.
Respirei fundo para acalmar os nervos e inclinei a cabeça para cima,
tentando ser confiante.
— O funcioná rio ainda está vivo?
Ele deu um sorrisinho, o canto de sua boca arqueando tanto que
aqueles dentes brancos e bonitos lampejaram para mim. Ele puxou a
bainha da minha blusa.
— Vivo e com os dedos intactos, flor.
— Engraçadinho. — Nã o rir era impossível. Ergui a mã o para um
“toca aqui”. Dex balançou a cabeça com uma risada e bateu nela,
entrelaçando nossos dedos logo depois.
— Vamos.
Envolvi a mã o livre ao redor da parte interna do seu cotovelo,
absorvendo confiança nas tatuagem escuras de seus braços. Elas me
lembravam da Pins e dos meus amigos de lá . Segurança. Familiaridade.
Tatuagens eram Dex. Meu amigo. Meu protetor.
— Vamos — concordei.
E escada acima nó s fomos. Descemos o corredor. Viramos à direita.
E paramos.
Dex ergueu a mã o para bater à porta, mas o impedi ao segurar seu
punho. Baixei a cabeça, pressionei os lá bios no seu polegar e respirei
fundo para reunir minha calma. Dex me observava com aqueles olhos
escuros e firmes… curiosos.
— Obrigada por vir comigo — sussurrei.
As narinas dele se dilataram, e ele assentiu rapidamente.
Bati, mas ninguém atendeu de imediato. Bati de novo, dessa vez com
mais força.
Nada ainda.
Bati mais forte, mais rá pido, com uma persistência mais irritante.
Nada ainda.
Dex se inclinou sobre mim, batendo o punho na porta.
— Abra a porra da porta — grunhiu.
Ai, caramba.
Um e noventa e mandã o? Contanto que nã o estivesse direcionado a
mim, fazia meus ová rios cantarem ó pera.
A tranca virando foi a ú nica coisa que me afastou das fantasias com
Dex. Por alguma razã o, de repente me perguntei se meu pai ainda tinha
barba.
Foi como um filme em câ mera lenta.
A porta se abrindo.
O quarto escuro.
A expectativa.
À porta, uma mulher estava de pé com uma camisa três vezes o
tamanho dela. Uma mulher que talvez fosse apenas uma década mais
velha que eu.
— Hum, posso ajudar?
Se ele estivesse ali, eu o mataria, decidi naquele momento.
Ignorei a mulher diante de mim e olhei por cima do ombro, para o
meu Dex de cabelos escuros. Eu nã o teria um ataque de pâ nico nem me
transformaria em um guaxinim raivoso com ele atrá s de mim, isso era
certo.
— Tem certeza de que o quarto é esse?
Tudo o que ele precisou fazer foi assentir antes de uma confiança e
uma raiva com as quais eu nã o era muito familiarizada invadissem o
meu ser.
Que se foda.
Com uma coragem que eu nem imaginava possuir, me inclinei para a
frente e falei mais alto do que talvez devesse:
— Eu sei que você está aí dentro, e só vou embora depois que você
aparecer.
Para onde é que a Iris tímida tinha ido?
— Mas que porra? — bradou a mulher, fazendo careta.
Que elegante.
— O homem que está aí dentro com você precisa vir falar com a filha
dele.
— Filha? — Mas que idiotice. Nã o tinha outra explicaçã o.
Um barulho veio dos recô nditos do quarto, uma voz falando tã o
baixo que fiquei surpresa pela pessoa diante de mim ter ouvido. Meus
ouvidos zumbiam tã o alto com a adrenalina e pura raiva que eu nã o
conseguia ouvir nada com clareza.
Meu olhos estavam fixos na mulher diante de mim, reparando no
cabelo escuro, na pele bronzeada, nos olhos claros. Ela era uma réplica
malfeita da minha mã e, pensei, por mais malvado que eu normalmente
teria suposto que o pensamento fosse. Mas nã o me importei na hora. Eu
a medi. Eu a observei dar um passo para trá s e se virar para falar com o
homem lá dentro.
Precisei engolir em seco para me impedir de emitir algum som
horroroso. Nã o fosse pelo calor nas minhas costas irradiando do peito
de Dex, nã o sei o que eu teria feito enquanto esperava meu pai aparecer
à porta.
Meu pai. O pensamento pareceu tã o desprendido que deveria ter me
alarmado, mas fiquei surpresa com o quanto foi libertador. Nã o meu
pai. Nada meu. Doador de esperma, conforme as palavras de Sonny.
— Iris.
Lá estava ele.
Mais baixo do que eu me lembrava, ou talvez o balã o que eu,
cuidadosa, havia inflado com as lembranças dele havia sido exagerado
demais. Ou talvez eu simplesmente estivera perto dos ossos longos de
Dex por tempo demais.
Curt Taylor estava ali. Com os braços cobertos de tatuagens e sem a
insígnia do Fá brica de Viú vas que costumava estar lá . Um bigode
grisalho cobria seu lá bio superior. Cabelo ainda curto. E tã o mais velho
do que eu me lembrava.
Meu coraçã o se agitou em reconhecimento, em necessidade. Mas
apenas por um breve segundo. Por um milissegundo, me permiti sentir
saudade dele. Sentir saudade da época em que ele me fez sentir como
se eu fosse a pessoa mais importante do mundo para ele.
Mas isso tinha sido décadas atrá s. Uma fotografia envelhecida.
Estava danificada e estragada.
E mais específica e felizmente, para mim, eu havia me remendado ao
longo do caminho.
Deixei minha mã o ir para trá s até que agarrei a coxa de Dex, e a usei
para me centrar, conforme eu encarava o homem que me negara a amar
por tanto tempo.
Mas o amor que eu tinha conhecido, o tipo de amor de que me
lembrava de quando criança, era muito diferente da versã o que
reconheci como adulta. Nã o havia química. Nã o dava para destruir
propriedades do amor e fazer dele algo que nã o era. Eu sabia disso
agora.
Uma parte pequena e idiota de mim sempre sentiu algo pelo meu pai,
mas isso nã o queria dizer que eu o respeitava. Que o valorizava de
verdade. Nã o quando, de repente, me ocorreu o quanto era ó bvio que
ele nã o sentia o mesmo por mim. E amor sem respeito e apreço, na
verdade, nã o era nada. Nã o tinha valor nenhum.
Eu sabia como era ser valorizada. Como era ser cuidada. Como era
ser prioridade. E nã o aceitaria menos que isso do homem que deveria
ter me demonstrando essas coisas ao longo da minha vida.
Que se foda.
Eu nã o era mais uma garotinha. Nã o cairia nas palavras enganosas,
ridículas e vazias dele.
Se eu tivesse um filho, um garotinho ou uma garotinha que tivesse
crescido nos meus braços, nã o haveria como eu deixar a criança por
vontade pró pria. De jeito nenhum eu nã o pensaria nele ou nela todos os
dias e imaginaria se estavam bem, sendo que eu tinha feito isso pelo
meu pró prio irmã o mais novo. Caramba, eu até me preocupava com
Magrã o e Blake o tempo todo. O que isso significava?
Significava que eu nã o era o meu pai, nem nunca seria.
— A gente precisa conversar.
— Iris? — A voz dele vacilou.
Nã o sei o que dizia sobre mim o fato de eu ser capaz de olhar para o
rosto dele com firmeza sem sentir nada além de ressentimento.
— A gente precisa conversar mesmo.
Ele piscou aqueles olhos castanho-esverdeados. Os olhos dos Taylor,
que ele havia passado para mim e para o Sonny.
— Rissy — ele falou meu apelido bem devagar —, eu nã o vejo você…
Dex grunhiu e o interrompeu.
— Eu nã o quero saber. Ela nã o quer saber. Pegue suas merdas
porque a gente está de partida.
Meu pai, Curt, piscou rapidamente. Os olhos dele se arregalaram
como se ele mal tivesse visto Dex de pé atrá s de mim; bem, mais
provavelmente se elevando sobre mim. Meu eclipse pessoal de ego e
tatuagens.
A raiva que curvou sua boca foi o predecessor para aqueles olhos
castanho-esverdeados irem de mim para Dex. Devagar, eles se moveram
para os hematomas multicoloridos na minha bochecha, que ainda nã o
tinham sumido.
— Seu filho da puta! — explodiu meu pai. — Você fez isso com ela?
O hematoma?
Dex? Dex que estava pronto para destruir o universo por causa do
que aqueles imbecis tinham feito?
— Velho — disse Dex, entre dentes, aproximando tanto o corpo do
meu que pude senti-lo se acomodar ao redor das curvas das minhas
costas e traseiro. — Você deveria calar a porra da sua boca antes de
dizer algo que vai te fazer se arrepender.
Ai, caramba. Alivie o clima, Iris!
Precisei respirar fundo para me acalmar. Aquilo nã o dizia respeito
apenas a mim. Mas a Dex, Sonny, Magrã o, Blake e o garotinho no
Colorado que tinha a mesma linhagem que eu. Por mais que meu
subconsciente fosse amar ver Dex fazendo frente a esse homem, meu
cérebro dizia que nã o era a hora certa.
Essa visita era para evitar que algo horrível acontecesse a todos eles.
Eu podia fazer isso por eles. Eu podia manter tudo em ordem.
— Isso é obra dos croatas. É obra sua — declarei, sem erguer a voz,
observando a cor ser drenada do rosto dele. — E nã o estou nem aí para
o que você tem que fazer, mas vai pagar esses caras.
— Ele… eles… encontraram você? — balbuciou.
Idiota, idiota, idiota.
A risada maligna que serpenteou de Dex me informou que ele
pensava que meu pai era tã o falastrã o quanto eu pensava.
— Quer bancar o idiota? Vou bancar o idiota com você. O que achou?
Que pegaria dinheiro deles e nada aconteceria?
Os olhos do meu pai se viraram na hora na direçã o de Dex, a boca
cerrada em agressividade.
— Cale a boca, moleque.
— Moleque? — Ele ficou ultrajado.
Moleque? Dex? Ele precisava de ó culos?
— É , moleque. Eu arrebento pessoas desde antes de você existir,
entã o nã o venha para cima de mim, tentando bancar o fodã o. Eu te dou
uma surra até você mudar de ideia — retrucou Curt.
Dex gargalhou.
— Velho, você pode estar fazendo isso há mais tempo que eu, mas
nã o quer dizer que nã o vou limpar o chã o com você. Pelo menos travo
minhas batalhas com minhas pró prias mã os em vez de permitir que o
sangue do meu sangue apanhe no meu lugar.
— Seu merdinha…
E… para mim deu. Deu.
O que dizia sobre mim o fato de eu estar disposta a jogar fora a
conexã o que tinha com meu pai por causa do homem que eu amava?
Nada. Porque, no fim das contas, nã o importava. Eu jogaria mais coisas
ainda fora.
Minha palma estendida se encontrou com o peito do meu pai quando
o empurrei com mais força que o necessá rio.
Os olhos castanho-esverdeados arderam, mais em resposta ao
momento e à conversa com Dex do que a mim. Pelo menos era o que eu
podia supor. Apontei um dedo para o meu pai e balancei a cabeça,
observando quando os olhos dele percorreram a extensã o do meu
braço até entrarem em contato com as cicatrizes branco-prateadas que
minha regata nadador deixara à mostra para todo mundo ver. E ele viu,
com certeza, o que só reforçou minhas palavras e meu humor.
— Nã o diga uma palavra para ele. Nem uma ú nica palavra. No mês
passado, Sonny levou uma surra. Eu fui atacada no meu trabalho, e me
pediram que eu me tornasse amante de um idiota qualquer. Tudo por
sua causa. Você está em dívida comigo e, pode confiar, nã o quer que eu
comece a listar as milhõ es de coisas com que tive que lidar por sua
causa antes deste ano.
Ele abriu a boca para discutir comigo. Os olhos foram do meu braço
para o rosto de Dex acima de mim.
— Nã o — insisti. — Nã o mesmo.
— Ele é do Fá brica, Rissy! — gritou meu pai, completamente alheio
ao fato de que estávamos de pé do lado de fora de um hotel barato com
dezenas de outras pessoas.
Aonde será que ele iria com isso?
— Ele é meu — enunciei bem devagar. — E minha vida deixou de ser
da sua conta quando você foi embora.
Um tapa nã o o teria atingido com tanta força. E meu babaquinha
interior nã o poderia ter ficado mais satisfeito com a pontada de dor e
humilhaçã o que ardeu em seu rosto.
— É — eu o provoquei. — Isso mesmo.
De onde toda essa feiura havia borbulhado?
— Eu nã o achei… — ele gaguejou. — Eles foram atrá s de vocês?
Nem me incomodei em responder, simplesmente assenti, apressada.
Meu pai ergueu as mã os, passando-as pelo cabelo curto.
— Jesus. — Ele balançou a cabeça. — Eu jamais pensei…
O calor do corpo de Dex queimou nas minhas costas quando ele deu
um passo para a frente, encostando em mim. Ele segurou a moldura da
porta, me enjaulando.
— Você nunca se importou. Nã o confunda ser um babaca com ser um
idiota.
Ele se eriçou, a boca a postos para discutir ou falar merda com o
homem mais jovem.
Mas brigar nã o fazia sentido. Nem era necessá rio.
— Nã o importa mais. Eu preciso saber se você tem o dinheiro.
A cara que ele fez nã o era um bom sinal.
— Rissy.
— Sim ou nã o?
Meu pai soltou o ar de uma forma que fez seus lá bios tremerem.
— Nã o todo.
Acho que poderia ser pior, a menos que ele considerasse que vinte
mil fossem uma quantia significativa.
— Quanto?
— Porra. — Os lá bios dele vibraram de novo. — Você quer entrar
para a gente conversar sobre isso?
Dex e eu respondemos ao mesmo tempo.
— Nã o.
Ainda mais quando aquela mulher ainda estava lá . Que nojo.
— Você tem cinco minutos para encontrar a gente lá embaixo —
disse Dex. — Me dê suas chaves.
Meu pai deu um passo para trá s, fazendo uma careta feroz.
— Como é que é?
— Suas chaves. Me dê.
— E por que eu te daria essa porra?
Talvez ele nã o soubesse, mas eu, sim. Estendi a mã o.
— A gente nã o pode correr o risco de você ir embora.
— Eu nã o vou — argumentou ele e, por um centésimo de segundo,
me senti rude por ter concordado com o pedido de Dex.
Essa batalha era minha e de mais ninguém. Estendi a mã o e esperei.
Ele nã o as entregou de imediato. Dezenas de emoçõ es passaram pelo
rosto do meu pai até ele, enfim, se virar e entrar no quarto. Palavras
sussurradas acima das outras soaram antes de ele voltar e largar as
chaves na minha mã o.
— Cinco minutos — falou Dex por detrá s de mim enquanto eu
olhava a mulher lá dentro andando de um lado para o outro.
A mulher usando as roupas do meu pai. A mulher que se parecia com
a minha mã e se eu fechasse os olhos, os estreitasse e fizesse minha
visã o borrar.
Suspirei. Tudo em que eu podia me concentrar no momento era no
quanto estava decepcionada com esse homem a quem eu chamava de
pai.

Estranha nã o começaria nem a descrever a atmosfera na


caminhonete do Luther, ou a tensã o na mesa da pizzaria.
Tensã o também nã o era o termo apropriado.
— Rissy… — Ele havia começado a dizer uma dezena de vezes antes
de Dex calá -lo.
— Nã o — rosnava meu homem de cabelos escuros.
Nã o movi uma unha para assegurar a Dex de que estava tudo bem,
que eu queria falar com o meu pai, porque, sendo sincera, eu nã o
queria.
— Rissy — começou ele de novo, para ouvidos moucos.
Minha mã e. Minha pobre, meiga e linda mã e tinha amado esse
homem. Ela pensava só coisas boas dele mesmo depois de ele a ter
abandonado com dois filhos pequenos. Ela o amava apesar de ele nunca
ter ligado, nunca ter ajudado financeiramente, nunca ter feito uma
ú nica droga de coisa.
Fú ria borbulhou nas minhas veias.
Se eu soubesse de tudo o que eu sabia agora…
Que eu tinha parentesco com um galinha egoísta…
Estendi a mã o para pegar a de Dex e envolvi os dedos por cima dos
dele. O olhar que ele me lançou foi constrito. Ele fervia sob a superfície,
e eu nã o fazia ideia do que estava abastecendo aquilo, nã o que nã o
houvesse dú zias de fontes possíveis.
Dex nã o era o meu pai. De nenhum modo, jeito ou forma.
E eu o amava.
— Eu devo vinte, mas tenho dezoito em mã os.
Tudo bem, nã o era tã o horrível assim. Uma diferença de dois mil
dó lares nã o era tã o ruim quanto eu esperava. Mas, bem, eu nã o
esperava que ele devesse vinte mil dó lares também. Caramba.
Quanto eu tinha na poupança? Tentei fazer as contas na cabeça.
Mil e duzentos com certeza, talvez mil e quinhentos…
Dedos agarraram meu antebraço. Dex soltou um grunhido que veio
do fundo da garganta que chamou mais a minha atençã o do que o seu
aperto.
— Nem sequer pense nisso — avisou, com a voz séria.
Como ele sabia no que eu estava pensando?
— Em quê?
— A gente nã o vai pegar dinheiro seu. — Ele apertou meu braço. —
Nó s conversamos sobre isso, Ris. A gente vai dar um jeito, ok?
Foi exatamente com isso que concordamos. Assenti para ele,
ignorando o olhar inquisitivo do meu pai enquanto ele nos observava.
Dex virou o rosto de volta para ele, com os olhos estreitados.
— Gostaria disso, homem feito1? Da sua filha se oferecendo para
pagar suas merdas? Dela limpando a sua bagunça? Parece algo com que
você está acostumado. Deixar suas merdas espalhadas por aí para que
as outras pessoas resolvam.
Foi impossível nã o ouvir os dentes de Curt Taylor rilhando, ou deixar
passar a forma como ele se inclinou sobre a mesa engordurada.
— Você nã o sabe porra nenhuma sobre mim…
— Sei o bastante.
— Você nã o sabe porra nenhuma…
— Você acha que nã o sei tudo o que há para saber sobre você? Sei o
que é necessá rio, e me deixe te informar, nã o fiquei impressionado.
Você é um covarde de marca maior, Taylor, e um maldito idiota. — Dex
rolou as palavras para fora da boca.
Ah, caramba. Eles estavam falando tã o alto que as pessoas nas mesas
ao redor começaram a se virar. Espalmei a coxa de Dex para tentar
acalmá -lo. Nã o que fosse uma tarefa fá cil quando ele estava com raiva.
Mas ele estava me defendendo, nã o arranjando briga só porque sim.
— O que a gente vai fazer? — perguntei.
Meu doador de esperma se reclinou no assento e cruzou os braços. A
semelhança entre ele e Sonny era chocante. Os olhos, o corpo, a
porcaria do temperamento.
— Posso arranjar os outros dois mil, mas vai levar um pouco de
tempo — explicou ele, em voz baixa.
Era pedir demais para que ele ficasse envergonhado com a situaçã o,
que dirá ouvi-lo admitir culpa por ser um otá rio de marca maior.
Dex zombou e deslizou a mã o sobre a minha.
— Nã o dois. Vinte e um.
Acho que nó s dois nos viramos para olhá -lo como se ele fosse
maluco.
Tudo o que Dex fez foi erguer uma sobrancelha preguiçosa e
desafiante.
— Você está se esquecendo do dinheiro que deve aos Ceifadores?
— Merda — murmurou meu pai, passando as mã os pelo cabelo de
novo.
Ele nã o tinha me dito dias antes que isso havia sido resolvido?
Espere, o que ele queria dizer ao falar que estava resolvido? E que
porcaria eu estava pensando ao presumir que a dívida havia
desaparecido em um passe de má gica? Como se esse tipo de coisa
acontecesse.
— Vinte e um? — engasgou ele.
Dex bateu os dedos na mesa, e os outros apertaram minha coxa.
— Existe uma coisa chamada juros, sabia? — Ele inclinou o queixo.
— Mas nã o se preocupe com isso agora. Você e eu poderemos pensar
em algum financiamento assim que a minha garota estiver fora de
perigo.
Financiamento? Quê?
Eu queria pedir explicaçõ es, mas nã o era a hora, pelo menos nã o
enquanto o doador de esperma estivesse sentado a menos de um metro
de nó s. Ele podia ver a pergunta no meu rosto. Você pagou? Curt abriu a
boca como se quisesse dizer mais alguma coisa. Ele articulou “minha
garota” com os lá bios, mas nada disse. Entã o esfregou a cabeça de novo,
exasperado.
— Consigo recuperar o dinheiro em alguns dias se eu passar pelo
Mississippi e pela Louisiana e ir aos cassinos.
Olhei para Dex, e ele olhou para mim, e eu nem sequer pensei duas
vezes antes de baixar a testa na mesa e batê-la lá algumas vezes.
O que eu tinha dito antes, sobre nã o ser possível mudar a natureza
das pessoas?
Foi naquele momento que o pager na mesa disparou, sinalizando que
nossa comida estava pronta. Dex acariciou minha coxa com a mã o antes
de deslizar do assento, carregando o aparelho.
Pelo canto do olho, vi meu pai estender a mã o sobre a mesa, com os
dedos esticados.
— Rissy — sussurrou ele.
Eu o observei, observei aqueles dedos longos tentando abrir
caminho, mas permaneci parada.
— Converse comigo.
Desviei o olhar para ele. Nã o houve nenhum esforço da minha parte
para esquecer as lembranças que eu tinha dele de quando eu era
criança. As lembranças que me impediram de partir para cima dele por
ser um completo idiota, mas agora… nada. Eu nã o sentia nada por ele.
— Estamos conversando.
Ele voltou a ranger os dentes.
— Sem aquele otá rio.
Ah. De. Jeito. Nenhum.
— Eu amo aquele otá rio. Ele fica.
A cara que ele fez para mim me deu a impressã o de que eu o havia
estapeado. Ele ficou ultrajado.
— Você está de sacanagem comigo.
— Nã o estou.
— Eu nunca quis isso para você — disse ele, entre dentes. — Nã o
entende? Acha que eu e Delia nos mudamos para cá sem razã o? A gente
nã o queria você perto do clube, e com certeza nã o trepando com um
deles.
A raiva fez minha nuca formigar. Ressentimento. Amargura.
— As coisas nem sempre funcionam do jeito que a gente quer. — Eu
poderia ter explicado os eventos que me levaram a Austin, mas nã o
faria isso. Estava feliz lá , e nã o me arrependia da mudança nem por um
segundo. E esse homem nã o merecia uma explicaçã o.
Nã o era como se ele tivesse explicado qualquer coisa para mim.
Nunca explicou.
— Você nã o entende…
— Nã o tem nada para entender — eu o interrompi, curta e grossa.
— Sua mã e…
Quanto mais ele a mencionava, mais irritada eu ficava, porque me
fazia pensar na mulher no quarto do hotel sujo com ele, e no garotinho
em Denver.
— Nã o fale dela.
Os olhos coloridos dele lampejaram. Indecisã o e sabe-se lá o que
mais o atravessou.
— Ela era o amor da minha vida.
Agora, ele estava simplesmente pedindo para Dex dar uma surra
nele. Melhor ainda, que eu desse uma surra nele. Minhas mã os se
cerraram em punhos no meu colo.
— Foi por isso que você foi embora? Porque a amava demais? Você a
amava tanto que a traiu e teve um filho com outra pessoa?
Ele se balançou no assento.
— Você nã o entende — repetiu.
— Nã o, eu entendo. Entendo que você a amava do seu pró prio jeito
distorcido, mas o que eu e Will éramos? Um efeito colateral? Acidentes?
— Meu queixo se inclinou sozinho quando minha mandíbula cerrou. —
Nada, nã o é? Nã o éramos nada para você?
— Droga. Nã o é nada disso. Por que você nã o para de ser tã o hostil e
me deixa falar, porra? — disparou.
É , eu havia chegado ao limite. Nã o dava mais para aguentar esse
homem e essa bobagem toda.
Engoli em seco e respirei fundo.
— Estou aqui porque você precisa dar um jeito na confusã o que
arrumou com aqueles europeus antes que eles matem a mim ou a
alguém de quem gosto. Nã o é uma visita para conversar sobre o fato de
você ser horrível como humano, que dirá como pai.
— Pare de ser tã o cre…
O tinido alto da queda das duas bandejas de pizza na mesa engoliu o
fim da frase. O corpo imponente de Dex pairou sobre a mesa, as mã os
dele a agarrando na beirada.
— Termine essa porra dessa frase, e eu te esfolo vivo.
Ele ia me chamar de cretina? A mim?
Um nó se formou na minha garganta ao mesmo tempo em que as
lá grimas conseguiram abrir caminho até meus olhos. Baixei a cabeça
para que nenhum deles visse minha reaçã o. Precisei respirar fundo
para me centrar.
De todas as pessoas no universo, por que eu tinha que acabar tendo
parentesco com um babaca desses?
Infelizmente, nã o dava para escolher a família, Sonny havia me dito
certa vez. Mas você podia escolher todo o resto. Nesse caso, eu
escolheria feliz com quem passaria o presente que era a minha vida.
Isso eu merecia. Mesmo sem o câ ncer, sem perder minha mã e e yia-yia,
eu teria desejado mais. Nã o esse arremedo lamentável de homem.
Pisquei e pisquei de novo até me controlar.
Olhei para cima e notei a expressã o assassina de Dex. A forma como
os ombros dele enrijeceram. Ele sabia. Ele sabia exatamente contra o
que eu estava lutando.
Nã o consegui olhar para o meu pai enquanto falava. Mantive o olhar
fixo na ponta do tentá culo de Uriel que espiava por cima da gola da
blusa de Dex. Isso era certo. Estar ali com ele, era destino. Era assumir o
controle da minha vida e trilhar um novo caminho.
— Eu nunca mais quero te ver de novo.
Foi apenas o endireitar das costas de Dex que me deu o aviso de que
ele havia processado minhas palavras e chegado a uma conclusã o.
Aquela conclusã o veio na forma de um punho atingindo meu pai no
queixo.
Talvez dali a alguns anos ou, caramba, talvez até mesmo dali a alguns
meses, eu me sentisse culpada pelo que nó s tínhamos feito depois
disso.
Mas, bem, talvez eu nã o fosse sentir nada. Talvez, simplesmente
talvez, eu jamais pensaria em voltar à quele lugar ou em visitar o
homem que deixamos sangrando lá . Quem sabe?
Mas o que eu sabia, sem sombra de dú vida, foi que tínhamos feito a
coisa certa. A ú nica coisa possível. Talvez nã o fosse a coisa certa ou mais
ética, mas quando você é deixado para cuidar de si mesmo e daqueles
que ama, agir do jeito apropriado e ser bonzinho nem sempre é uma
possibilidade.
Nó s fomos embora.
Com as chaves do meu pai no bolso de Dex. Ele e eu saímos de mã os
dadas.
Uma impiedade da qual jamais pensei ser capaz tomou força em
minhas veias e a determinaçã o me preencheu conforme eu falava pela
primeira vez desde que Dex saíra em minha defesa.
— Quanto você acha que a gente consegue pela moto dele?
A lentidã o com que ele virou a cabeça, com sobrancelhas erguidas e
lá bios franzidos, foi um misto de surpresa e algo mais. Mas o sorriso
que invadiu suas feiçõ es depois disso foi a coisa mais linda que eu já
tinha visto na vida. Ele estendeu a mã o e segurou minha bochecha.
Aqueles dedos tatuados, com as palavras SONHO FIRME marcadas
neles de forma permanente, encheram meu peito com tanto amor e
segurança que eu teria passado centenas de vezes pelo incidente de
momentos antes só para obter o mesmo resultado.
As narinas de Dex dilataram quando o polegar dele acariciou o
hematoma amarelado ao longo da minha bochecha.
— Nã o faço ideia, mas conheço alguém que vai saber.
Trinta minutos depois, nosso plano foi traçado, um quarto de hotel
sujo havia sido invadido e uma moto tinha desaparecido do
estacionamento em que ela estivera parada.

1 Na má fia americana, significa um membro completamente iniciado, apó s feito o juramento. (N.E.)
Entrelaçamos nossos dedos, e Dex me conduziu em direçã o aos
elevadores naquela noite. Em questã o de horas, havíamos cometido
pelo menos quatro crimes. Agressã o, lesã o corporal, arrombamento e
invasã o, roubo e sabe-se mais lá o quê.
Quem teria pensado que eu me consideraria uma criminosa?
Geralmente, eu suava quando dirigia dez quilô metros acima da
velocidade permitida.
Envolvi as mã os em torno das dele e descansei a testa em seu ombro
enquanto nos deslocávamos em silêncio. O que havia a ser dito?
Havíamos pegado quinze mil no respiradouro onde meu pai tinha
escondido o dinheiro, e nã o perguntei como Dex sabia onde procurar, e
levamos a moto dele para o amigo de Luther, que nos assegurou de que
encontraria um comprador para uma Harley Davidson Classic. Em troca
de uma taxa, é claro.
Documentaçã o? Impostos, título de propriedade e licenciamento?
Não se preocupe com isso, ele tinha dito. Entã o eu nã o me
preocuparia.
A ú nica coisa com que me preocuparia era com o resto do dinheiro
que meu pai ainda deveria se conseguíssemos o que eu esperava pela
moto. O dinheiro dos Ceifadores.
— Entã o… há algo mais que você deseja me contar?
Os dedos dele folgaram ao redor dos meus, e suas unhas roçaram
minha palma.
— Eu te conto tudo, flor.
— Nã o exatamente — cantarolei ao irmos em direçã o ao quarto. Ele
deslizou o cartã o na porta. — Dex, você pagou aos Ceifadores?
Ele grunhiu e segurou a porta para que eu passasse primeiro.
Parei no meio do quarto e o esperei entrar e passar a correntinha na
porta. Deus, como ele era lindo. O corpo esguio, os braços fantá sticos na
camiseta branca. Bem, branca com umas manchinhas vermelhas no
peito. O sangue do meu doador de esperma. Dex parou a poucos passos
de mim e deslizou as mã os no bolso da frente.
— Paguei. — Tã o simples. Tã o sincero.
— Por quê? — Diminuí a distâ ncia entre nó s, parando perto o
suficiente para deslizar os dedos por debaixo do có s do seu jeans. Pele
quente cumprimentou as costas dos meus dedos.
Dex estendeu a mã o e puxou o elá stico que prendia meu coque
bagunçado.
— Porque… — Ele torceu meu cabelo ao redor dos dedos, sem me
olhar nos olhos. — Eu nã o queria ninguém te perturbando.
Como era possível eu ainda estar de pé?
— Você acha que quero aquele otá rio indo atrá s de você quando seu
pai nã o pagasse? Aquele filho da puta nem sequer pretendia pagar a
dívida com eles, flor.
Acho que estava menos para ele nã o se lembrar e mais para ele optar
por nã o se lembrar. Otá rio.
Os dedos de Dex foram até minha testa, e as pontas desceram para
baixo, para baixo, para baixo, passaram por trá s das minhas orelhas e
foram para o meu pescoço.
— Nã o gostei nada de pensar nele querendo você.
Ele… Liam.
Ah, caramba.
Tudo dentro de mim que havia sido esmagado e pisoteado pelas
palavras despreocupadas e as atitudes idiotas do meu pai se regenerou
com o toque e as palavras de Dex. Tirei os dedos da calça dele e os levei
para a bainha da sua camiseta e a puxei o bastante para desnudar a
parte inferior da sua barriga.
— Vou te pagar o resto — prometi, deslizando a mã o por sua
camiseta acima, para espalmar o espaço entre seu peitoral. — Vai me
levar um tempo, mas…
As mã os de Dex seguraram o alto da minha cabeça, me afagando com
carinho.
— Nã o.
— Estou falando sério. Prometo te pagar…
— Nã o — repetiu. — Você nã o vai me pagar nem um centavo.
O desconforto formigou na minha nuca. Eu estava devendo por
muitas coisas, mas quase dez mil era demais. A ú ltima coisa que eu
queria era que ele pensasse que eu queria tirar vantagem dele.
— Eu vou.
— Nã o. Nã o vai. Ritz, olhe para mim. — Direcionei os olhos para
cima para encontrar os azuis dele. — Nã o dou a mínima para o
dinheiro. Vou ganhar mais.
Um rosnado vibrou na minha garganta.
— É demais.
Os lá bios dele se repuxaram em uma linha severa, os olhos buscando
os meus. Ele queria discutir comigo, dava para perceber. Mas nã o iria.
Aquele rosto bonito se comprimiu.
— Quer me pagar? Matricule-se na faculdade e assuma a
contabilidade do clube e do estú dio, ok?
Meu queixo caiu.
— Nã o é a mesma coisa.
— Nã o estou dizendo por alguns meses, linda. Mas de agora em
diante — esclareceu.
De agora em diante.
Ai, meu Deus.
— Pegar ou largar — murmurou, e sua boca perdeu um pouco do
esgar. — Nã o me importo nem com um nem com o outro.
Esse homem.
— É dinheiro demais. Dinheiro demais mesmo, Charlie. Nã o quero
tirar vantagem de você.
— Nã o está tirando, flor. Eu conheço você e você me conhece. Pode
aceitar ou recusar a oferta, mas nã o vou pegar dinheiro seu. Você tem o
resto da vida para me pagar fazendo merdas de que nã o gosto.
Minhas costelas apertaram todos os ó rgã os lá dentro. Tudo pulsou,
cheio de vida, calor, jujuba e purpurina. Isso era… nã o sei como
explicar… era manhã de Natal quando a gente é criança. De certa forma,
era tudo o que eu quis desde que meu pai tinha ido embora da primeira
vez.
E nã o havia nada melhor que isso.
— Feito — concordei, com um sussurro ofegante. Cada um dos seus
polegares se curvou sobre a volta das minhas orelhas.
— Essa é a minha garota.
A garota dele.
Depois de toda porcaria pela qual eu havia passado naquele dia, nã o
podia haver palavras melhores de se ouvir.
Bem, havia outras palavras, três, principalmente, que eu gostaria de
ouvir, mas aceitaria essas. Isso nã o significava que ele era o ú nico que
sabia como dar. Ele já tinha me dado o suficiente. Meus ossos e coraçã o
sabiam que nã o havia nada a temer. Eu o amava e à s vezes isso gerava
consequências assustadoras, mas isso, a emoçã o em si, nã o era. Eu
sabia agora.
Que tipo de vida eu teria se deixasse meus medos assumirem? Esse
era um presente que eu havia me esquecido de apreciar ultimamente.
Havia passado tempo demais sendo feliz por apenas estar viva, mas
agora… agora eu tinha Dex. Eu tinha toda a minha vida pela frente, e
precisava parar de ser covarde, agarrar a vida pelos chifres. Nesse caso,
eu agarraria os piercings de mamilo dele.
— No que você está pensando, Ritz?
Estendi as mã os para ele ver o quanto estavam tremendo.
— Estou pensando que te amo tanto que me dá medo. Viu?
Os polegares de Dex inclinaram meu queixo para cima para que eu
pudesse olhar seu rosto… seu rosto lindo e desalinhado.
— Iris. — Ele disse meu nome como se fosse um ronronar que
alcançou as vértebras da minha coluna.
Curvei os lá bios por detrá s dos dentes e respirei fundo, massacrada
pelas coisas boas que mordiscavam meu sistema nervoso.
— E mesmo que isso me assuste pra caralho, eu amo você, e quero
que saiba disso. Tudo o que você tem feito por mim… — Ah, caramba.
Soltei um longo suspiro. — Obrigada. Você é a melhor pessoa que já
gritou comigo.
Ele murmurou meu nome de novo, baixo e suave. Os dedos cravaram
um pouco mais fundo na pele macia da parte de baixo da minha
mandíbula.
— Se todas as merdas que faço por você, e toda merda que estou
disposto a fazer nã o te disserem o quanto você se esgueirou para
dentro de mim, flor, entã o eu vou te dizer. — Ele baixou a boca para
bem perto do meu ouvido, os dentes mordiscando o ló bulo antes de ele
sussurrar: — Te amo.
A sensaçã o que se afundou em mim era indescritível.
Ele me deu esperança. Esse ex-presidiá rio enorme e de pavio curto
me lembrava do quanto eu era forte e, para melhorar tudo, me fazia ser
mais forte ainda.
— Dex — suspirei seu nome.
Ele mordiscou minha orelha de novo.
— Eu amo você, Ritz. — A barba por fazer roçou minha mandíbula
antes de ele morder de leve. — Amo a porra da sua cara, suas piadas de
isso foi o que ela disse, seus “toca aqui” idiotas e seu braço, mas eu amo
pra caralho o quanto você é idiota. Seus culhõ es sã o maiores do que os
do seu irmã o, linda.
Soltei uma risada engasgada.
Dex inclinou minha cabeça ainda mais para trá s, segurando o peso
em seus dedos longos ao morder a curva do meu queixo.
— E eles vã o ser os meus culhõ es, sua fodonazinha.
Fogo disparou pelo meu peito.
— É ? — arquejei.
— É . — Ele assentiu e mordeu meu queixo com mais força. — Já te
disse que eu cuido do que é meu.
Eu ia vomitar.
Sério.
— Você vai ter que encostar.
Sonny se virou para me olhar por cima do ombro, olhos arregalados
em exasperaçã o.
— De novo?
Essa era só a terceira vez.
Bem, a terceira vez na ú ltima hora.
O movimento de cabeça entusiasmado demais que fiz para ele deve
ter sido o bastante para ele puxar o carro alugado para o acostamento.
O pavimento desigual fez meu estô mago revirar ainda mais. A gente mal
havia parado quando abri a porta de trá s e saí, vomitando coisas que
nem deveriam estar no meu estô mago depois de ter colocado tudo para
fora duas vezes.
E pensar que a mã e de Dex havia me falado que eu sofreria com isso
pelos pró ximos dois meses.
Dois meses. Se eu tivesse sorte.
Por quê? Por quê?
Nã o era mais tã o frequente eu sentir saudade da minha mã e, mas
quando o enjoo matinal por fim deu as caras, semanas depois daquela
droga de teste ter dado positivo, me atingiu como uma bola de
demoliçã o. A quem eu procuraria para pedir conselhos? Eu nã o sabia
um nada sobre isso. Entã o mesmo apesar eu ter ficado animada, e
tendo morrido de medo, sentir saudade dela, precisar dela, havia
amortecido tudo nos primeiros poucos dias.
Até que fui ao médico e soube com certeza que minha vida mudaria
para sempre.
Mas, bem, acho que seria só questã o de tempo. Juro pela minha vida
que Dex vinha fazendo de tudo para atingir esse objetivo desde o
momento… Bem, conhecendo aquele babaca presunçoso,
provavelmente desde o momento em que ele decidira mandar seus dois
melhores amigos, nas palavras dele, “irem se foder”.
— Você está bem, flor? — Duas mã os pousaram nos meus ombros,
massageando-os enquanto eu estava curvada sobre o mato crescido.
Era bem capaz de que eu tivesse vô mito nos cantos da boca. Ó timo.
Assentindo, me endireitei e peguei um dos muitos papéis-toalha que
havia enfiado no bolso de trá s para limpar a boca.
— Estou bem.
O riso de Dex preencheu meus ouvidos quando ele envolveu os
braços ao redor do meu peito, por detrá s, e descansou o queixo no alto
da minha cabeça.
— Só bem?
Ele estava me provocando, eu sabia.
Eu ainda nã o havia contado a novidade para ele, mas, da mesma
forma sobrenatural que ele sempre sabia o que eu estava sentindo ou
pensando, ele podia farejar minhas mentiras a quilô metros de
distâ ncia. Ele só estava me dando tempo para revelar a ele.
Para contar que estaria carregando o filho dele no ventre pelos
pró ximos sete meses e meio.
Eu só queria que a loucura dessas duas ú ltimas semanas acabasse.
As provas finais do semestre haviam acabado fazia três dias, Dex
estivera mais ocupado do que nunca com a abertura do novo bar do MC,
e aí havia essa viagem. A viagem que, de início, havia sido planejada
para Sonny, Will e eu.
No entanto, surpreendendo a ninguém, Will havia desmarcado havia
duas semanas, e Dex do nada “decidiu” que queria vir junto. Só calhou
de eu ter feito o teste de gravidez no dia anterior a ele comprar uma
passagem de aviã o para si.
Certo.
Esse homem nunca fazia nada sem um bom motivo. E o motivo atual
o fez parecer uma mamã e ursa. Uma mamã e ursa muito agressiva e
possessiva. O que era alarmante, pois Dex normalmente já era assim. Eu
nã o podia nem me sentar no Mayhem sem ele ou Sonny estarem a três
metros de mim.
Inclinei a cabeça para trá s em seu peito e ri.
— É , só bem.
Ele soltou um murmú rio que veio do fundo da garganta.
— Ritz — falou, arrastado, naquela voz rouca que atingia as partes
mais sombrias dos meus ó rgã os. — Você está me matando, linda.
Ah, caramba.
Eu queria mesmo dar oficialmente a notícia ali no acostamento da
estrada com vô mito provavelmente ainda espalhado pelo meu rosto?
Nã o. Entã o optei pela verdade.
— Eu tinha tudo planejado na minha cabeça. Já encomendei a
motinha de brinquedo mais fofa do mundo para poder te contar, entã o
nã o estrague tudo.
Uma risada baixa explodiu do seu peito, tã o forte que balançou meu
corpo junto com o dele. Eu amava esse cara pra caramba. Cada vez que
ele ria, eu juro que o sentimento se multiplicava. A esse ritmo, eu o
amaria mais do que a minha pró pria vida ao cubo, e ao cubo de novo.
— Certo — murmurou, entre aquelas risadas baixas logo que ele se
acalmou um pouco. Os dedos trilharam a pele das costas da minha mã o
até pararem no meu anelar, e ele apertou o osso esguio. — Posso ser
paciente.
Aquilo lhe rendeu uma risada da minha parte. Paciente? Dex? Mesmo
depois de mais de três anos, aquele ainda seria um termo que eu jamais
usaria para descrevê-lo. E talvez nunca usaria. Ele havia começado a
perder a cabeça durante a viagem, quando Trip ligou para perguntar
como armava o alarme do bar novo.
— Dex, Ris e bebê Locke, vocês já acabaram? — gritou Sonny,
espiando por cima da porta do carro.
— Você está de brincadeira comigo? — gritei para ele. Todo mundo
já sabia?
Os olhos arregalados do meu meio-irmã o para mim nã o estavam
nem um pouco arrependidos. Eu nã o ia nem me dar ao trabalho de
perguntar como ele sabia. Esses dois otá rios me conheciam melhor do
que ninguém, incluindo o idiota que eu chamava de irmã o mais novo. O
mesmo irmã o mais novo que eu havia visto apenas duas vezes. O
covarde que estava com medo demais de vir conhecer o mais novo de
nó s.
Nã o que isso significasse muito, já que eu tinha levado três anos para
finalmente ir ao Colorado. Mas Carson, nosso meio-irmã o de treze anos,
tinha estado mais do que receptivo com nossa progressã o gradual de
conhecer um ao outro. Tínhamos evoluído de eu enviando um presente
de aniversá rio para ele, para uma ú nica ligaçã o de agradecimento.
Depois ligaçõ es mensais para conversarmos, o que durou um ano,
evoluindo para e-mails semanais e, enfim, videochamadas via Skype.
Mesmo entã o, eu tinha levado alguns meses para ligar para ele
depois que a vida voltou ao normal, apó s a confusã o com o homem que
nunca será nominado.
Tinha levado ainda mais uma semana e meia para a moto do meu pai
conseguir ser vendida. O dinheiro havia sido o bastante para cobrir o
resto da dívida que ele tinha com os croatas. Em seguida, entregar o
dinheiro para eles havia sido um processo tedioso para garantir que o
assunto houvesse se encerrado e que estaríamos seguros depois disso.
E com facilidade, depois que aqueles babacas receberam, nunca
houve outro problema.
Nem com a má fia, nem com os Ceifadores, nem com o meu pai.
O mesmo pai que nunca havia feito outra apariçã o na minha vida,
nem na dos meus irmã os.
E eu podia dizer, com toda tranquilidade, que nã o sentia um grama
de culpa por causa do que tínhamos feito naquela viagem, nem mesmo
três anos depois. Também ajudou nunca termos descoberto para que o
dinheiro era. Quando tudo acabou, nã o me importei. Nem um pouco.
— Prontos? — gritou Sonny de novo, batendo no teto do carro com a
palma da mã o.
— Sossegue o facho, porra — gritou Dex em resposta. Bem, a
amizade deles levou alguns meses para voltar aos trilhos, mas estavam
bem agora.
Sabe, depois que eles trocaram socos lá no Mayhem. E depois teve
uma segunda briga no quintal do Luther. Pois é. Nã o consegui
testemunhar nenhuma delas, mas nã o deixei de notar o nariz inchado,
os olhos roxos e os lá bios partidos depois. Ainda assim, eu nã o podia
deixar de sentir uma sensaçã o de completude por esses dois homens
das cavernas idiotas serem meus. Meus otá rios orgulhosos e leais.
Me afastei dele e, devagar, me virei e inclinei a cabeça para olhar o
seu rosto. Deus, ele era tã o bonito. Tã o incrivelmente perfeito. Eu
conseguia ver a ponta do tentá culo de Uriel em um lado do seu pescoço
e a explosã o multicolorida de um arco-íris do outro lado. O arco-íris era
a minha tatuagem. O dragã o azul que Magrã o tinha passado semanas
me rodeando para fazer.
Só que foi Dex quem me convenceu, tecendo meu nome em violeta,
de um jeito que só Magrã o seria capaz de fazer.
Meu pró prio dragã ozinho azul, uma fraçã o do tamanho do dele,
enfim havia encontrado seu lar na parte interna do meu pulso logo
depois.
Fiquei na ponta dos pés e beijei a parte de baixo da barba bem-
aparada que ele vinha cultivando nos ú ltimos meses.
— Te amo.
Aquele sorriso lento e sedutor rastejou por suas feiçõ es. Brilhante e
mais carinhoso do que era possível para eu conseguir lidar, e que
roubou todo o meu fô lego. Quando ele espalmou minhas bochechas e
beijou cada uma delas e meu nariz e minha testa, devagar, como se
estivesse saboreando os estalinhos e o contato, absorvi tudo. Como
sempre, e como eu sempre faria.
— Te amo pra caralho. — Ele suspirou no meu ouvido, um braço
deslizando pela minha lombar para nos aproximar ainda mais. — Mais
que tudo.
A droga da buzina do carro soou, longa e baixa. Droga de Sonny.
Sorri para Dex e entrelacei os dedos com os dele.
— Pronto? — perguntei. Um questionamento amplo que abarcava
uma dú zia de direçõ es distintas.
E ele respondeu do jeito que eu sabia que responderia todas as vezes
que eu perguntasse a partir de entã o, do jeito que me dizia que ele
jamais me decepcionaria. Que ele era um objeto imutável. Que ele
sempre estaria presente para mim para lutar com os demô nios que
podíamos ver e com os que nã o podíamos.
— Iris.
Meus amados leitores, obrigada por todo o seu apoio nessa
incrível jornada. Este livro começou uma vida totalmente nova
para mim, e sou grata pra caramba a todos vocês. Obrigada por
tudo.
Como sempre, um obrigada especial para a minha família,
Chris, Dorian e Kai, que me colocam para cima quando estou
para baixo… mas que também me dã o alguns pontapés para ter
certeza se ainda estou viva e disposta a batalhar quando nã o
me levanto sozinha, hahaha. Amo vocês, galera.
Entre em nosso site e viaje no nosso mundo literário.
Lá você vai encontrar todos os nossos
títulos, autores, lançamentos e novidades.

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