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Copyright © 2023 — Pauline G

Capa: Designer Tenório


Diagramação: Laís dos Passos
Revisão: Wedla Souza
Leitura Sensível: Luana Peres
Leitura Beta: Dani Scariot
Ilustração: Sofia Gomes

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação do(a) autor(a). Quaisquer semelhanças com
nomes, datas e acontecimentos reais são mera coincidência.

É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte destas obras,


através de quaisquer meios, tangível ou intangível, sem o consentimento escrito do(a)
autor(a) ou da editora.

Todos os direitos reservados.

Criado no Brasil.

Capa - Imagens Licenciadas:


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SUMÁRIO

SINOPSE
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
EPÍLOGO
BÔNUS 1
BÔNUS 2
AGRADECIMENTOS
Davi Filipo Sintori sempre consegue tudo o que quer.
Baixista da banda universitária Five Stars, o estudante de
Administração chama a atenção com sua atitude confiante e seu
corpo repleto de tatuagens.
Aos 28 anos, Sin é o filho caçula de Domenico, um magnata
viúvo "bon vivant". O rapaz não lida bem com o desfile de
madrastas, seguindo a regra de nunca as tocar.
Até o pai levar para casa Madah, uma garota de programa
intrigante demais...
Só que nem tudo é o que parece.
Um veterano popular que luta para sustentar uma fachada
de força e indiferença, escondendo medos e traumas que o
assombram. Uma mocinha resiliente com uma trajetória marcada
por experiências degradantes.
Alternando os pontos de vista dos protagonistas, o livro
mostra o surgimento de uma paixão avassaladora, capaz de
transformar vidas.
Conteúdo maduro +18: sexo explícito, linguagem informal,
palavreado adulto, consumo de álcool e drogas, bem como
gatilhos relacionados a questões de saúde mental e abuso sexual.
Para você que, assim como eu,
acredita que os melhores mocinhos literários
são aqueles que começam como vilões.
Bem-vindo ao mundo de Davi Filipo Sintori, mais conhecido
como Sin. Um legítimo vilão-mocinho para você odiar e amar.
Vamos lá... O livro não é um romance “água com açúcar”.
Pelo contrário, é um bully romance.
Para quem não está familiarizado com o termo, explico: bully
romance é um subgênero do romance em que a relação dos
protagonistas se inicia através do bullying (ofensas, xingamentos,
provocações etc.) e, depois, se desenvolve para o amor.
Aproxima-se também do dark romance por retratar violências
físicas e/ou psicológicas.
Não custa dizer: mulheres, fujam de homens assim na
vida real!
Continuando... A história contém gatilhos por abordar temas
sensíveis, como sexo explícito, questões de saúde mental e abuso
sexual (sem romantização).
Inclusive, as cenas mais pesadas estão sinalizadas dentro
dos respectivos capítulos, cabendo a você optar por ler o trecho,
ou não, sem que haja prejuízo do entendimento dos
acontecimentos. São lembranças gráficas que podem incomodar
quem é sensível ao tema.
Vale lembrar que as falas e atitudes problemáticas dos
personagens, em especial as que destilam machismo e
LGBTfobia, são inerentes à construção e desconstrução deles, e
não reproduzem minhas ideias e convicções.
Além disso, a linguagem do texto é propositalmente mais
informal, coloquial, por se tratar de um romance contemporâneo,
com protagonistas entre vinte e trinta anos, jovens e
descontraídos.
Relembro que se trata de um relançamento, com
significativas mudanças na história. A principal delas: os detalhes
do romance envolvendo o personagem secundário Enrico foi
retirado, pois, será contado em um livro à parte, com mais cuidado
e profundidade.
No mais, para quem aprecia leitura com música, segue o
código para a playlist no Spotify:

Do fundo da minha alma, desejo que você tenha uma


experiência literária prazerosa... Que a história que nasceu lá no
Wattpad consiga alçar novos voos, conquistando mais corações.
Que você possa se emocionar e se divertir ao lê-la, como
aconteceu comigo ao escrevê-la.
Com amor,
Pauline G
aqueles que escapam do inferno
nunca falam sobre
isso
e nada mais
incomoda eles
depois
disso.
uma vez que você foi para o inferno
e voltou,
você não olha para trás
quando o chão
range.
uma vez que você foi para o inferno
e voltou.
(Charles Bukowski)
Devo ficar ou devo ir agora?
Se eu for, haverá problemas
E se eu ficar, haverá o dobro
Should I Stay or Should I Go? ~ The Clash

Um cutucão no braço me faz abrir os olhos.


— Porra... — Franzo o rosto, incomodado com a
luminosidade do ambiente.
Ao virar a cabeça para o lado, encontro o responsável pela
perturbação da minha paz: Domenico Sintori, também
denominado...
Deixe-me pensar, a lista é comprida pra cacete.
O homem é conhecido como o CEO da Modernitá Tech.
Como o viúvo mais cobiçado do Brasil.
Como o sétimo integrante da seleta lista de bilionários da
Forbes.
Ou ainda, nas poucas horas vagas, como o meu pai.
Ele tenta se comunicar comigo, porém apenas o encaro de
volta, sem escutar nada que sai da sua boca.
"Should I stay or should I go now?". O som de The Clash
pulsa nos meus ouvidos, me levando a batucar os dedos nas
coxas.
Ainda me observando, Domenico fica com o rosto vermelho.
Com a barba grisalha e os olhos expressivos, está igual a
um palhaço velho de circo.
Sinto vontade de rir, até que o homem puxa o meu fone com
irritação, quase decepando a minha orelha no processo.
— Eu disse que chegamos, Sin — diz com firmeza. —
Arrume suas coisas para desembarcar.
— Já? — Esfrego o rosto para terminar de despertar.
O voo de jatinho até Punta del Este foi suave, tanto que
cheguei a dormir.
Viajamos para a cidade uruguaia porque meu pai gosta de
jogar em cassinos e um dos mais próximos do Brasil fica aqui.
— Vermelho, 16. Certeza. — Domenico conversa com um
dos guarda-costas sobre as apostas na roleta. Ele está otimista,
acreditando que a sorte vai sorrir para o lado dele.
Eu não ligo para jogos. Vim para passear, curtir a balada
VIP, pegar umas mulheres.
Curtição e sexo.
Não preciso de mais nada.
Depois do desembarque e de toda a porcaria burocrática,
encontramos um BMW série 7 sedã nos esperando do lado de
fora do aeroporto.
Preto, novinho e zerado.
Deslizo as pontas dos dedos pela lataria, apreciando a
textura lisa.
Do lado de dentro, o cheiro do banco de couro até me causa
arrepios. Sempre gostei de carros potentes, e não dá para não
admirar uma máquina dessas.
O motorista nos leva direto ao Cassino Hotel Punta Estelar.
Eu, meu velho e os dois guarda-costas, Gerson e Raul. Pois é,
dois.
O todo-poderoso Domenico Sintori não viaja sem proteção,
ainda mais com o filho caçula a tiracolo. No caso, eu.
Um dos guarda-costas fica na entrada do saguão com a
bagagem — que se resume a duas malas de mão — enquanto o
outro nos acompanha até a recepção para o check-in.
O plano é passar uma noite no hotel. Porra, uma noite
inteira. Isso é um milagre que quase me faz jogar as mãos para os
céus.
Domenico sempre tem um milhão de compromissos e as
nossas viagens costumam ser extremamente curtas e corridas, a
maioria delas com bate e volta no mesmo dia.
Quando deixamos a recepção, o homem sorri com desdém
ao reparar nas minhas roupas.
— Bela gravata, Sin. Comprou no camelô da Praça da Sé?
Poderia ter escolhido uma das minhas Hermès.
— Ah, não. Quer mesmo discutir sobre grifes? — Corto o
barato dele. Entrando no elevador, volto a falar: — Sou jovem.
Não preciso de gravata grã-fina para pegar mulher.
Dou risada ao mexer com o ego do meu pai.
Domenico me encara irritado, com o rosto quente e o olhar
gelado. Para ele, não existe ofensa pior do que ser lembrado de
que é velho.
Aos sessenta e sete anos, ele quer o quê?
Subimos o restante do tempo em silêncio.
Quando as portas do elevador se abrem, percebo que
estamos no último andar.
Um segurança do hotel nos cumprimenta com um aceno,
empurrando a porta da área VIP do cassino.
Ao dar os primeiros passos pelo recinto, sinto um excitante
frio na barriga que me faz sorrir.
Forço os olhos para tentar enxergar alguma coisa enquanto
o gelo seco recém-liberado se dissipa pelo ar. Aos poucos, o
ambiente elitizado se mostra repleto de hóspedes, quase todos
como meu pai e eu.
Homens ricos e poderosos, vestidos com roupas sociais de
grife, em busca de uma boa noitada para relaxar, uma jogatina
cara para brincar e uma mulher gostosa para transar.
Na entrada do salão, uma pista de dança quadrada dita o
clima da balada, com os corpos dançantes, a música eletrônica e
as luzes pulsantes, escapando dos globos estroboscópicos.
Sobre as nossas cabeças, grandes gaiolas penduradas
exibem dançarinas sensuais, seminuas, com biquínis minúsculos
que não passam de tapa-sexos.
Nas laterais do salão, ficam os locais da jogatina, com as
mesas de blackjack à esquerda e as de pôquer à direita. A roleta
está ao fundo, em um quadrante de destaque sob a iluminação
mais forte. Uma placa sinaliza que as apostas ali começam nos
quatro dígitos.
Sigo direto até o bar, com Domenico ao meu lado. Raul nos
acompanha, dois passos atrás.
Aponto para a bandeira do Brasil bordada na lapela da
garçonete, assim ela já nos cumprimenta em Português:
— Boa noite! O que os cavalheiros desejam? — quer saber,
sorrindo com os lábios pintados de roxo.
Com os cabelos curtos e espetados, é alta e elegante como
uma modelo estilosa, a pele clara dos braços coberta por
tatuagens coloridas.
— Vodca dupla, por favor — pede Domenico, alisando a
barba grisalha.
Ao mesmo tempo, os olhos dela passeiam pelas tatuagens
tribais dele, serpenteando do dorso da mão na direção do punho
da camisa social.
— Uma Coca para mim. — Apoio os antebraços no balcão,
testando uma teoria.
Bingo.
Abafando um sorriso presunçoso, acompanho o olhar
interessado da mulher correr pelos desenhos das minhas mãos —
um emaranhado de rosas, serpentes e caveiras —, dos pulsos até
os dedos.
Quando as bebidas aparecem, Domenico ergue o copo e dá
um gole lento, os olhos azuis percorrendo o ambiente ao redor.
— Vamos às salas de massagem? — pergunta, apontando
com a cabeça para as portas duplas do outro lado.
— Nada de massagem, vamos ficar por aqui. A vista está
boa. Tenho a garçonete tatuada de um lado, as dançarinas
gostosas de outro… — indico as gaiolas sobre a pista.
O bom em ter um pai viúvo e boa pinta é isso. Podemos sair
como amigos, falar besteira, curtir a noite. E, honestamente,
"amigo" é o papel que Domenico melhor desempenha, porque o
de pai…
— Na verdade, não quero massagem. Eu… — Coça a barba,
pesando as palavras. — Procuro por uma garota em específico.
"Madah". A pronúncia é "Madá", escreve-se com H no final. Na
recepção, me disseram que estaria trabalhando aqui em cima
como massagista. Ela é filha de brasileira, fala português.
Me seguro para não bufar.
Meu pai e suas putas de estimação.
Não gosto de vê-lo com outras mulheres, em especial
garotas de programa.
Sei que o homem está no direito dele — é viúvo da minha
mãe há anos —, mas não sei explicar.
Só me parece… sei lá… errado.
— Por que não pede para alguém chamá-la e vocês já
descem direto para a suíte? Mais prático — sugiro, sem qualquer
ânimo.
— Prefiro surpreendê-la. De repente, Madah não gosta de
ser solicitada e decide desaparecer. Não posso deixá-la escapar.
Ao terminar de falar, ele ajeita o paletó e mexe no relógio,
parecendo ansioso.
Porra, se o velho está tão determinado em encontrar a
fulana, ela deve ter uma boceta de ouro.
Até me interessaria experimentar o mel, se não fossem dois
"detalhes".
O primeiro ponto. Meus irmãos e eu fizemos um pacto de
não compartilhar mulher com Domenico. E, como ele curte bancar
o "Sugar Daddy", vive se enroscando com garotas mais novas, da
minha idade ou até menos.
Para o franguinho do Enrico, meu irmão do meio, é moleza
não quebrar o combinado. Ele não pega ninguém, de qualquer
maneira. Com quase trinta anos na cara, nunca o vi
acompanhado. Nunca. Aposto que continua virgem.
Já para mim e para Luca, meu irmão mais velho, é outra
história... Em mais de uma ocasião, a "madrasta" da vez se
mostrou uma grande tentação. Mas… Tô fora. Pegar as sobras do
meu pai seria podre.
O segundo ponto. Me recuso a me envolver com garotas de
programa. Tenho os meus motivos, que vêm desde a época em
que minha mãe era viva, fazendo com que a regra seja
absolutamente inquebrável para mim.
— Ok, Sin. Quer ficar aqui, fique. Vou atrás dela. Nos
encontramos depois.
— Beleza, pai. Boa sorte.
Tomo mais um gole do meu copo enquanto ele se afasta,
cruzando o salão a passos rápidos. Depois, me acomodo em um
sofá de couro, em um lounge despojado, na lateral da pista de
dança.
Retiro o paletó e dobro as mangas da camisa até os
cotovelos, ficando mais à vontade na balada. Ainda bebendo meu
refrigerante, mantenho o olhar fixo nas dançarinas engaioladas,
que rebolam para lá e para cá no ritmo da música eletrônica.
— Hola, chico...
Uma loira parecida com a Shakira surge na minha frente.
Sorridente, ela pisca para mim com os cílios compridos.
Esboço um sorriso torto e bato com a mão no espaço vago
ao meu lado.
Ela se senta, sem fazer cerimônia, e acaricia meu joelho
com suas unhas compridas.
Mais direta, impossível.
— Que tal? — ronrona, inclinado o corpo para mais perto.
Seu perfume adocicado é quente, muito marcante.
— Mejor ahora, cariño. Bamos a mi cuarto? — arrisco no
meu melhor “portunhol”.
O ruim de transar em outro idioma são as frases durante o
sexo. Às vezes, me seguro para não cair na gargalhada na hora
H. Como no mês passado, em Miami, quando peguei uma gringa
que passou a gritar: "Oh, fuck me, fuck me hard, baby!", e a cena
toda ficou parecendo um pornô barato sem legenda.
Porém, antes que a sósia da Shakira me responda algo,
Raul aparece do nada, me chamando com um movimento rápido
de cabeça.
Gerson vem logo atrás, com os olhos de águia
esquadrinhando o ambiente mal-iluminado. As únicas luzes perto
da pista são coloridas e pulsantes, dificultando a visão das
pessoas.
Ainda assim, enxergo Domenico entre os guarda-costas.
Com o rosto sério, meu pai traz alguma coisa pendurada nos
braços.
Alguma coisa, não.
Alguém.
Fico em pé e me apresso até eles, tentando entender a
cena. Encoberto pelos dois guarda-costas enormes, Domenico
carrega uma garota magra, aparentemente desacordada. Os
braços dela são finos como gravetos e balançam no ritmo das
passadas firmes do meu pai.
De repente, eles param de andar ao lado das portas do
salão. Raul leva o celular à orelha enquanto Gerson conversa com
o segurança local, mas não presto muita atenção neles.
Me aproximo mais do meu pai, tentando dar uma conferida
nas feições da garota que continua com a cabeça no ombro dele.
Não tenho sucesso porque os longos cabelos castanhos cobrem o
rosto inteiro.
Passeando com o olhar pelo corpo miúdo, descubro que ela
veste apenas lingerie, mais especificamente sutiã, calcinha e
cinta-liga em renda preta.
— Não fique parado como um idiota, Sin! Jogue seu paletó
por cima dela! — Domenico me fuzila e eu o obedeço.
Na sequência, Gerson nos acena e saímos todos da balada,
seguindo na direção do elevador.
Passo a caminhar no automático, com a cabeça longe. Meu
cérebro gira, as peças soltas, sem conseguir compreender o que
está acontecendo.
— Pai, o que tá rolando? Quem é ela? Para onde vamos?
Meu pai respira fundo e me encara firme antes de me
responder. Ainda não faço ideia de nada, nem mesmo do impacto
que terão as palavras dele.
Poucas palavras, mas que vão mudar tudo.
Absolutamente tudo.
— Sin, vamos levar Madah para casa.
Eu vejo, eu gosto
Eu quero, eu consigo
7 Rings ~ Ariana Grande

Ela é a Madah?!
Sob a luz branca do interior do elevador, observo melhor a
garota. Sua pele é lisa e clara, contrastando com os cabelos
castanhos. Mas o que mais chama a atenção é a magreza...
Porra, seu corpo é um saco de ossos.
Pelo jeito, o gosto do meu pai está se diversificando.
Domenico sempre preferiu as ratas de academia, como a minha
atual "madrasta". Aliás, quero só ver a cara de Bárbara quando
descobrir sobre Madah. Vai perder a cabeça, soltando aqueles
gritinhos irritantes que quase perfuram meus tímpanos.
— Pai. Ela desmaiou ou o quê? — Aponto com a cabeça
para ela.
— Desmaiou. Em cima de mim. Não sei se por fraqueza, por
abuso de drogas ou por outro motivo. Não tenho culpa — garante,
mudando o peso de um pé para o outro.
Certo. Eu acredito no meu pai. Ele não doparia uma garota
para sequestrá-la ou coisa pior. Domenico não precisa disso.
Com a aparência impressionante e as contas bancárias
recheadas, as mulheres quase brigam para ficar com ele. E,
modéstia à parte, comigo é a mesma coisa.
— Ela vai mesmo para casa com a gente? Pretende bancar
o "Sugar Daddy" de novo? — disparo, sem disfarçar a crítica nas
entrelinhas. — Bárbara vai surtar.
— Não quero falar sobre isso. — Ele me corta, saindo do
elevador. — Vamos até o quarto, não podemos levá-la assim para
o aeroporto. Quando Madah despertar, iremos embora. Está
resolvido — diz, com o tom enfático de um CEO ao final de uma
reunião de negócios.
Nada semelhante a uma conversa entre pai e filho.
— Beleza — murmuro resignado, esfregando a nuca.
Estou com mil perguntas na cabeça, mas sei que não
adianta insistir quando ele decide um assunto assim. Domenico
sabe o que quer e não aceita interferências. Seu modo CEO pode
ser irritante, mas devo admitir que não costuma falhar. Tanto que
construiu praticamente sozinho uma maldita multinacional.
Ele caminha pelo corredor acarpetado, carregando a garota
sem qualquer esforço. A magrela não deve pesar nem cinquenta
quilos.
Ao parar junto à última suíte, vira o rosto para o guarda-
costas.
— Raul, faça a gentileza de abrir a porta.
O homem o atende, encaixando a chave-cartão na fechadura
eletrônica.
Quando entramos, o ambiente luxuoso nos recebe com o ar-
condicionado gelado. Dois sofás e uma mesa de jantar para
quatro pessoas delimitam a saleta, com as portas de vidro da
varanda à esquerda e as de madeira do quarto à direita.
Meu pai segue para o lado direito e eu me adianto na frente,
escancarando as portas para que ele consiga passar com a garota
nos braços.
Duas camas king ocupam o centro do recinto, arrumadas
com lençóis que parecem custar uma pequena fortuna. Nas
laterais, duas poltronas de leitura em couro reforçam o ar refinado.
Entre elas, um apoiador retangular com as nossas bagagens.
Domenico coloca Madah em uma das camas, o corpo ainda
coberto com meu paletó dos ombros para baixo.
Umedeço os lábios, tentando não encarar seu rosto
desacordado.
Sua maquiagem pesada está borrada, com o rímel preto
espalhado e o batom vermelho desbotado. Combinando com a
lingerie vulgar que vi em seu corpo, não me resta muito espaço
para a imaginação. Aposto que o papo de massagem é
eufemismo para prostituição.
Mas, embora seu estado decadente seja caótico, na atual
situação — com os olhos fechados e os lábios entreabertos —,
Madah aparenta estar relaxada e tranquila.
Em absoluta paz… Ao contrário de mim.
Porra, estou me corroendo por dentro, com o coração
martelando descompassado no peito, e sequer compreendo o
porquê de tanto nervosismo.
— Raul, me passe as coisas dela — Domenico pede,
estendendo a mão para o guarda-costas.
O homem entrega a ele uma pequena mochila cinza. Eu nem
tinha percebido que ele a trazia em um ombro.
Meu pai despeja o conteúdo na outra cama. Vários objetos
se espalham pelo lençol imaculado: maquiagem, chocolate,
perfume, carteira etc.
— Che cavolo[1], nenhuma roupa — resmunga, passando a
mão pela barba.
Abrindo a carteira pink, tira um documento de dentro,
analisando os dois lados devagar, com atenção.
Quando ele o larga, eu o pego. É um RG do Brasil. De
acordo com o papel, Madah se chama Madeleine Laurent e é
gaúcha, natural de Santa Maria/RS. Que mais? Vinte e oito anos
e... Ah, não.
Essa porra só pode ser falsa. De jeito nenhum ela tem a
minha idade. Parece ter dez anos a menos… Merda, só espero
que não seja menor.
— Sin, tem alguma roupa sua que sirva nela? — Meu pai
toca no meu braço.
Deixo o documento de lado e caminho até as bagagens.
— Deixa eu ver — murmuro, abrindo a mala de mão. —
Trouxe duas camisetas brancas, calça jeans, jaqueta preta...
— Me dá a jaqueta. Vai servir.
Quando a entrego a ele, Domenico alcança meu paletó com
a outra mão. Ele joga a peça social para mim e cobre o corpo da
garota com o lençol, deixando apenas a cabeça para fora. Por fim,
posiciona a jaqueta ao lado dela.
— E agora? — pergunto. — Não é o caso de chamar um
médico?
— Nada de médico. Vamos aguardar — Domenico decide,
se afastando da cama. — Pelo que pude sentir, a respiração está
regular e a temperatura corporal normal. Mas pode levar horas
para que desperte. Ela parecia exausta.
— Ok. — Visto meu paletó, suspirando fundo. — Vou dar
uma volta, preciso de um cigarro.
Andando até a porta, apalpo o bolso para conferir a
presença do maço de Marlboro. Positivo.
— E eu vou apostar na roleta. — Domenico alisa a gravata
em frente ao espelho. — Raul, fique aqui. Me avise assim que a
menina acordar.

Uma hora depois, estou me atracando com duas brasileiras


na balada.
Ao meu redor, o ambiente parece ainda mais pulsante. A
música alta, as luzes coloridas e as dançarinas nas gaiolas
deixam o clima tão excitante que minha pele chega até a formigar.
Sentado em um sofá, movimento a língua para dentro da
boca de uma, escorregando a mão por baixo do vestido da outra,
apreciando o contato com a pele macia da coxa.
Não sei os nomes delas, mas não faz diferença. O que
realmente importa aqui é que as gostosas estão me agradando.
Com as quatro mãos em mim, sinto meu pau endurecendo,
aprisionado dentro da calça.
De repente, uma delas dá um pulo. Cobrindo a boca para
não vomitar, sai cambaleando trôpega pelo salão.
— E a sua amiga, hein? — Dou risada. — Game over.
— Acho que ela exagerou na tequila. — A loira ri comigo.
Ela parece ter uns bons anos a mais — perto dos quarenta,
talvez —, mas não ligo para isso.
Tenho poucas exigências quanto às mulheres que levo para
a cama. Mais velha, mais nova, loira, morena, casada, solteira...
Que se dane. Desde que não tenha se envolvido com meu pai, e
que não seja uma profissional do sexo, tá valendo.
— Vamos continuar só nós dois — sugere, arrastando a
bunda redonda para o meu colo. Quando seus cabelos lisos
roçam no meu nariz, sopro os fios para longe.
— Boa ideia.
Enquanto beijo sua boca, acaricio seu seio por cima do
vestido. O tecido fino me permite sentir o mamilo rígido sob a
roupa.
Circulo a pontinha com o polegar, fazendo a mulher se
remexer em cima de mim.
— Está hospedado aqui? — Sopra na minha orelha, me
arrepiando.
— Estou. Mas não sei se o quarto está livre.
Ela volta a me beijar, passando a mão pela minha barba rala.
Decido testar se posso pegar um pouquinho mais pesado.
Aperto seu seio, afundando os dedos na carne.
— Ai... — geme, se desmanchando no meu colo. Ótimo.
Não contenho um sorriso ao senti-la encaixar a minha
ereção entre as nádegas, afastando as coxas. Mesmo com as
camadas de roupas entre nós, consigo notar que está usando
calcinha fio-dental, enfiada na bunda.
— Papo reto. — Massageando seu peito, passo a trilhar uma
sequência de beijos molhados pelo seu pescoço. — Não quero
ofender, mas preciso saber qual é o seu lance... Você é uma
profissional?
— Não sou. Fica tranquilo, lindo, não vai gastar um centavo
comigo. — Escorrega a mão por dentro da minha camisa, me
arranhando nos ombros. Provavelmente, concluiu que não quero
gastar dinheiro, mas não é isso...
"Não sou", repito mentalmente suas palavras, com outras
preocupações me vindo à cabeça. Posso levá-la para o quarto? A
magrela continua desmaiada na cama? Meu pai já voltou para lá?
Descendo a língua pelo seu decote, me delicio com a maciez
da sua pele e tomo uma decisão.
— Quer saber? Vamos tentar usar o quarto — afirmo,
puxando a loira pela mão.
Deixamos a balada sem olhar para trás. As batidas de "7
Rings" que fazem a pista bombar desaparecem assim que
entramos no elevador.
Dou um sorrisinho ao perceber que arranjei uma mulher
gostosa para transar, exatamente como eu queria. Como diz a
letra da música, "se eu quero, eu consigo". Sem dificuldades.
Seguimos pelo corredor dos quartos, eu e ela, um passando
a mão pelo corpo do outro. Quando dou um tapão na bunda dela,
a loira gargalha alto.
Peço silêncio para abrir a porta. Ela anui, mordendo a boca.
Na saleta mal-iluminada, enxergo somente o guarda-costas
sentado no sofá, mexendo no celular.
— Raul? Como estão as coisas?
— Na mesma. A garota não acordou.
— E meu pai?
— Não apareceu.
— Ótimo. Pode dar uma volta? Preciso de quinze minutos de
privacidade aqui.
Puxo a mulher para a minha frente, enlaçando sua cintura.
Com a expressão impassível, Raul concorda com a cabeça e
se levanta, passando direto por nós.
Tranco a porta depressa, o coração agitado em expectativa.
— Quinze minutos? Só? — choraminga, alisando meu braço.
— Quinze minutos ou nada, querida.
Deslizo a mão pelas suas costas e, novamente, desfiro um
tapão na sua bunda.
— Então por que continuamos de roupa?
Ela ri, descendo o zíper lateral do vestido vermelho. Depois,
se livra da lingerie da mesma cor, ficando completamente nua.
Que mulher escultural… Curvas de violão, peitos cheios,
bunda redonda. Nota dez.
Arranco paletó, gravata, abotoaduras, camisa social,
camiseta. Porra, odeio me vestir assim. Duzentas peças de roupa.
— Se masturba para mim enquanto termino aqui —
murmuro, olhando para os seus dedos que alisam sua boceta
depilada. — Qual é mesmo seu nome, gata? — quero saber. Ao
mesmo tempo, descarto o restante dos itens. Sapatos, meias,
cinto, calça, boxer.
— Luana.
Devoro seu corpo com os olhos, de baixo para cima. Ao
alcançar o rosto, encontro seu olhar aceso percorrendo minhas
tatuagens, os lábios sorrindo em aprovação.
Sei que as mulheres apreciam meu físico, o que infla minha
autoestima e me enche de satisfação.
— De costas, Luana — ordeno, finalmente pelado.
Me aproximando devagar, carrego a calça na mão. Preciso
dela para pegar a camisinha.
Quando ela me atende, fixo os olhos na sua bunda, que é
mesmo fenomenal. Colo meu corpo por trás, encaixando a ereção
entre as nádegas cheias.
— Se apoia de bruços na lateral do sofá. — Eu a conduzo
pelo quadril, beijando sua nuca. — Assim. Abre mais as pernas,
gata.
Ela me obedece. Com a barriga apoiada no sofá e a bunda
empinada na minha direção, a visão é do caralho.
Largo a calça no encosto do sofá, ficando com as duas mãos
livres.
Arrasto os dedos pela linha da sua coluna e desço
centímetro a centímetro, passando pelo vale entre as nádegas,
contornando seu buraco apertado até chegar na boceta molhada.
Ela está pegando fogo.
Com uma mão massageio meu pau enquanto a dedilho com
a outra. A loira geme e rebola, lambuzando meus dedos que
entram e saem, escorregando na lubrificação.
— Não se mexa, querida.
Pego a camisinha e me encapo. Posiciono a glande entre os
lábios vaginais melados, aperto seus quadris e me enterro nela de
uma vez.
— Ai... — geme, remexendo a bunda. Minha ereção se
acomoda entre as paredes quentes, me fazendo apertar os olhos.
— Gostosa. — Passo a desferir estocadas fortes, puxando
para fora e metendo de volta com precisão, apreciando o impacto
da sua bunda enorme na minha virilha. — Gostosa pra caralho.
— Isso... — Ela ofega, enfiando as unhas no estofado do
sofá.
Desse jeito, vamos gozar em segundos. Mas não quero...
Ainda não.
Paro de meter e fico parado dentro dela.
— Continua... — pede, rebolando devagar.
Abro suas nádegas com as duas mãos, vidrado com a visão
do meu pau enterrado na sua boceta. Circulo seu buraco de trás
com o polegar e ela estremece, rindo baixinho.
— Curte anal? — Esfrego a ponta do dedo pelas suas
pregas e ela sussurra que sim. Continuo provocando, contornando
lentamente, sem penetrar.
— Enfia logo o dedo, vai... Me preparei hoje.
— Quieta. — Desfiro um tapão na sua nádega e sinto sua
boceta pulsar.
— Ai...
— Eu disse... Quieta. — Dou outro tapa ainda mais forte.
Puxo com firmeza seus cabelos enroscados em uma mão e
volto a me impulsionar para a frente e para trás, a chacoalhando.
Uma, duas, três vezes...
— Vou gozar... — Ela vacila com o orgasmo a invadindo.
Amolece as pernas e eu a sustento pelos quadris.
Ainda com os espasmos apertando sua boceta, deslizo meu
pau para fora, troco de camisinha em dois segundos e pressiono a
glande por fora do seu orifício menor. A camisinha que escolhi
vem mais melada de lubrificante, facilitando o processo.
A mulher enrijece levemente a coluna quando percebe o que
vai acontecer.
— Calma, Lu. Vou foder com jeitinho — sussurro. Ao mesmo
tempo, massageio seu ombro e seu corpo relaxa. — Você vai
gostar.
— Quero ver. Vai, continua — pede e eu sorrio. É um tesão
quando elas cedem às minhas vontades. Do meu jeito.
Vou me empurrando devagar, milímetro a milímetro, sentindo
sua musculatura anal me estrangular.
— Posso mesmo continuar? — Ofego, com meu pau inteiro
dentro dela.
— Pode.
Acelero aos poucos, entrando e saindo no ritmo certo, os
olhos fechados, a cada investida mais perto do clímax e...
De repente, sinto uma presença que deixa meu corpo em
alerta, com minha pele inteirinha pinicando. Abro os olhos e viro a
cabeça para o lado, sem parar com a movimentação dos quadris.
Assim, eu a vejo.
Porra, tinha que ser…
Madah.
Você estará no meu show
Assistindo, esperando
Sentindo pena
All The Small Things ~ Blink-182

Madah fica parada junto à porta do quarto, hipnotizada com


a cena de sexo anal.
Vestindo minha jaqueta preta por cima da lingerie, está sexy
pra caralho. Seus cabelos castanhos bagunçados emolduram o
rosto delicado, prendendo minha atenção.
Boquiaberta, fita a loira sob mim, que parece alheia a tudo,
remexendo a bunda como se não houvesse amanhã.
Sorrio de lado ao perceber que a magrela não vai parar de
olhar.
Com as bochechas coradas, Madah inclina a cabeça
devagar, os olhos subindo até meu rosto.
Quando seu olhar se choca com o meu, desencadeia uma
onda elétrica que me percorre com tudo, se concentrando na
virilha.
Mordo o lábio e acelero o ritmo das estocadas, sem quebrar
o contato visual, o tesão potencializado pela atenção dela.
— Porra! — Sinto meu pau engrossar e vibrar, o orgasmo me
destruindo.
Ejaculo com força dentro da camisinha e tombo o corpo para
a frente, colando a barriga nas costas da loira, a pele úmida de
suor.
Fecho os olhos por um momento, respirando fundo para me
recompor.
Quando os reabro, Madah já não está mais ali.

— Você foi maravilhoso, Sin. — A loira sorri, calçando as


sandálias. — O melhor sexo que fiz em anos. É uma pena que
more tão longe… Não vamos conseguir nos reencontrar. Se bem
que você não parece ser o tipo de cara que continua saindo várias
vezes com a mesma mulher.
— É… Eu também curti, Lu. Valeu. — Tomo um gole de
água, apreciando a sensação de frescor na garganta. Não me dou
ao trabalho de refutar sua última frase. Ela está certa.
— Tchauzinho. — Me sopra um beijo e sai para o corredor,
caminhando graciosamente na direção do elevador.
Da porta do quarto, fico olhando a mulher ir embora,
satisfeito e relaxado, com meu ombro apoiado no batente.
Domenico aparece do outro lado, passando por ela. Raul e
Gerson, o outro guarda-costas, vêm logo atrás.
Pelo semblante vitorioso do meu pai, sei que ganhou um
bom dinheiro na roleta.
Ele seca a loira da cabeça aos pés antes de sorrir para mim.
— Fazendo o quarto de motel? — sussurra ao chegar mais
perto. — Muito bonita a mulher...
— É... Mandei bem — afirmo convencido, me lembrando dos
elogios dela.
— Espero que tenham usado a sala ou a varanda. Seria
esquisito você fazer sexo no quarto com Madah dormindo lá
dentro...
— Relaxa, não entramos no quarto — asseguro, omitindo o
detalhe de que ela nos flagrou na sala. — O que tem aí?
Aponto para as sacolas na mão de Gerson. Elas contêm o
logotipo do hotel.
— Comprei roupas para Madah. Vou acordá-la. Decidi voltar
ainda hoje para São Paulo e... — Domenico para de falar quando
o celular apita.
Puxando o aparelho do bolso, observa a tela com um vinco
na testa, parecendo apreensivo. Problemas na empresa,
provavelmente.
Depois, torna a guardar o celular e cruza a saleta a passos
rápidos, se dirigindo à porta do quarto. Ela está fechada.
Domenico bate duas vezes e Madah a abre, se encostando
na parede ao lado. Continua vestida com a minha jaqueta preta,
as bordas batendo no meio das coxas.
Meu sangue se aquece quando penso no que aconteceu
minutos atrás. Porra, ela me viu fodendo a loira e não parou de
olhar até eu gozar como um condenado. Surreal.
— Madah. Já me apresentei a você lá em cima. — Domenico
passa um braço pelo meu ombro, me puxando para mais perto. —
Esse é o meu filho caçula, Davi Filipo Sintori. Todos o chamam de
Sin. Creio que ainda não se conheçam...
— Nunca o vi na vida. Prazer — acrescenta rápido demais,
me fazendo abrir um sorrisinho.
Mentirosa.
Ainda vou fazê-la confessar que não só me viu, como gostou
do que viu.
— O prazer é todo meu. — Amplio o sorriso, arqueando uma
sobrancelha.
Ela não sustenta o meu olhar.
Preciso descobrir qual é o lance dela, para saber se posso
partir para cima.
Se realmente for uma prostituta — alguns sinais apontam
que é —, ou se estiver envolvida com meu pai — outros sinais
indicam que está —, vou pular fora.
— Madah, querida... — Domenico ergue as sacolas no ar. —
Comprei roupas e sapatilhas para você, espero que sirvam. Daqui,
partiremos para São Paulo no meu jatinho, como combinado.
Vamos direto para a minha mansão. Tudo bem?
Acho que saquei. Começaram os "queridas", os presentes,
os passeios de jatinho, as estadias na mansão.
"Sugar Daddy" de volta à ativa.
Que merda... Detesto quando meu pai enfia uma mulher em
casa, fodendo com nossa harmonia familiar.
Harmonia que parece mais frágil a cada ano. Ou a cada
madrasta.
Desde que Domenico ficou viúvo, somos em quatro homens
— eu, meus irmãos e ele —, convivendo em um espaço
desgovernado que ele insiste em chamar de lar.
Não há equilíbrio. Sobra testosterona e falta tato com a
felizarda da vez, que trança para lá e para cá com risinhos baixos,
saltos altos e biquínis minúsculos.
Nunca dura. Nunca.
É um infinito rodízio monótono e, ao mesmo tempo, irritante.
Irritante pra caralho.
Porém, olhando melhor para Madah, sinto que algo não se
encaixa... Em vez de se mostrar animada com a fala dele, ela
parece estar em um maldito velório. Qual é a dessa garota?
— Sente-se melhor? Você me assustou quando desmaiou,
menina.
O tom preocupado do meu pai não me passa despercebido.
— Estou bem, obrigada. Foi a emoção do momento. Muita
coisa para assimilar. — Ela arrisca um sorriso que não chega aos
olhos.
— Sim, sim. — Domenico balança a cabeça. — E não
precisa me chamar de senhor. Bem, tome um banho e prepare-se
para a viagem. Leve o tempo que entender necessário. Vamos
esperá-la aqui na saleta.
Eu não abro mais a boca, observando com atenção a
interação do meu pai com ela.
— Obrigada. Não vou demorar. Com licença.
Com as sacolas em mãos, Madah entra no quarto e fecha a
porta.
— Pai... — Eu me viro para ele. — Eu queria saber...
— Agora não, Sin. Preciso fazer o check-out. Me aguarde
aqui. — Me dispensa de novo, chocando um total de zero
pessoas.
Sem falar mais nada, sai da suíte com Raul e Gerson na sua
sombra.
Aborrecido, me jogo no sofá e passo a mexer no celular,
tentando me distrair.
Minutos depois, Madah reaparece.
Sem a maquiagem e com os cabelos úmidos caindo sobre
os ombros, parece uma adolescente.
Ela caminha lentamente pela saleta, desfilando com a roupa
e os calçados novos. O tamanho das sapatilhas parece ok, mas o
vestido preto soltinho está grande demais no seu corpo que tem
carne de menos.
Com o olhar ressabiado, carrega a minha jaqueta preta nas
mãos.
— Obrigada pela jaqueta. — Estica o braço, me devolvendo
o objeto.
— Como sabia que era minha?
Ela dá de ombros, sem falar nada.
Pego a peça e fico em pé.
Madah dá um passo para trás, intimidada com a minha
proximidade.
Vestindo a jaqueta, deslizo devagar as mangas pelos braços.
Quando ajeito a gola, estranho um perfume que não me é familiar.
— Ficou com o seu perfume — comento, inspirando o aroma
delicado, levemente doce. De caramelo, talvez.
— Obrigada? — murmura hesitante, provavelmente sem
saber se aquilo foi um elogio.
Nem eu sei se foi, para falar a verdade.
Sustento seu olhar, analisando a garota mais uma vez. Um
formigamento elétrico me percorre, com o ar crepitando entre nós.
— Quantos anos você tem? — A pergunta me escapa e
Madah mordisca a boca.
Sem pensar, levo meu polegar ao seu rosto, soltando o lábio
inferior dos dentes de cima.
Ela estremece com o toque, mas não se afasta.
Ainda com meu dedo roçando na sua boca, escuto sua voz
vacilante:
— A idade de verdade? — sussurra e eu faço que sim. —
Vinte e um.
Ok. Sete a menos que eu e… Quase cinquenta a menos que
meu pai.
— Então… — Quando vou perguntar o porquê de falsificar o
RG para ficar com vinte e oito, Domenico e os guarda-costas
entram na saleta, estourando a nossa bolha.
Dou um passo para trás e enfio as mãos nos bolsos da
jaqueta.
— O check-out está feito. Vamos, crianças.
Descemos direto até a recepção.
Ao longo do caminho, Domenico conduz Madah com uma
mão pousada nas costas dela.
O gesto protetor me intriga.
Protetor ou possessivo?
Eu os sigo a uma certa distância, os dois guarda-costas logo
atrás de mim, trazendo nossa bagagem.
No estacionamento do hotel, o motorista de uma van acena
para nós.
— E o BMW de mais cedo, pai?
— Agora estamos em cinco adultos, mais o motorista. Tive
que pedir a van.
— Que merda — resmungo baixinho.
Entrando no veículo, me jogo no último banco.
Depois que todos se acomodam, o motorista dá a partida.
Me sento de lado no banco, com as costas na janela, e
encaixo os fones de ouvido. Mexendo no celular, passo a escolher
uma música. The Clash, Sex Pistols, Ramones, Pennywise, Blink-
182... Ainda não inventaram nada melhor do que as lendas do
punk rock.
Se bem que os melhores são mais hard rock: Guns N'
Roses. Duff McKagan foi quem me despertou a paixão pelo
contrabaixo. Tanto que sou o baixista da Five Stars, banda que
fundei com Luca e os outros caras na época da escola.
Entretido com o som de "All The Small Things", fico com os
olhos fechados, sentindo o sacolejar da van pelas ruas da cidade.
Apenas no final da música eu abro os olhos. Virando o rosto
para a frente, enxergo as costas de Domenico e Madah. Eles
estão na primeira fileira de bancos.
No minuto seguinte, a palhaçada começa...
Meu sangue borbulha quando meu pai toma a iniciativa de
mexer no cabelo dela, colocando uma mecha atrás da orelha —
técnica manjada pra cacete —, e se aproxima para sussurrar
alguma merda, fazendo a infeliz estremecer.
Depois, rola um carinho aqui, um aconchego ali, até que eles
ficam tão próximos que só falta Madah subir no colo dele.
Porra, Domenico, ela tem idade para ser sua neta.
Fora o lance da diferença de idade, meu pai é oficialmente
um homem comprometido. Ou seja, ao decidir levá-la para casa,
está ignorando todas as regras do bom senso.
Aperto os olhos e praguejo mentalmente. Merda, por que me
importo com ela? Madah é só uma garota!
Uma garota, não. Uma vagabunda oportunista que não
merece um segundo dos meus pensamentos.
Se ela se sujeita a fazer sexo com velhos, encenando sentir
prazer para ser contemplada com dinheiro e presentes, é uma
opção dela. Que se dane.
Se ela trabalha com isso, então… Que se exploda. Já contei
que desprezo prostitutas? Por causa do vício do meu pai em as
procurar, minha mãe entrou em depressão e deu no que deu. Sei
que é a "profissão" mais antiga do mundo, mas…
O problema é quando fode com a família das pessoas. Como
fodeu com a minha. Foi uma sequência de dominós, com uma
peça tombando atrás da outra até não restar mais nada. Nada.
Caí direto no fundo do poço e, quando tentaram me puxar de
volta, era tarde demais.
Eu estava quebrado.
Na real? Talvez ainda esteja.

Na sala de embarque do aeroporto, sentado de costas para


as pessoas, não consigo deixar de escutar meu pai e Madah
conversando sobre coisas aleatórias.
Em um dado momento, o foco é a viagem que vamos fazer
logo mais.
— Estou um pouco nervosa, Domenico. Nunca andei de
avião — ela comenta baixinho, soando constrangida. — Nem
passaporte eu tenho. Vai ser um problema?
— Não será um problema, estamos no Uruguai. Sabe,
Madah, não se exige passaporte de brasileiro para viagens pelos
países do Mercosul, basta o RG. Somente para destinos fora do
Mercosul precisamos do passaporte. Ah, para alguns países em
específico, além do passaporte, é necessário o visto. São
exemplos o Canadá e os Estados Unidos. Com outras nações
temos acordos de reciprocidade, que é o caso de Portugal e...
Continua pacientemente com a maldita aula de relações
internacionais, me dando nos nervos.
Quem ouvisse a explicação didática poderia até pensar que
meu pai fosse um professor atencioso. Não um "Sugar Daddy"
louco para fazer sexo com a garota.
Não me seguro e viro a cabeça para espiar os dois. Encontro
Domenico falando sem parar, com um ar confiante, e Madah
prestando atenção nele, parecendo interessada, com os olhos
brilhantes.
— Vou lá fora fumar. — Me levanto em um pulo, puxando o
maço do bolso.
— Não demore, filho. Vamos embarcar em breve.
Faço que sim com a cabeça e me afasto deles, passando
pela porta que dá para a rua.
Passo a fumar com o olhar perdido no céu da madrugada,
sem entender o porquê de me sentir tão irritado com o meu pai.
Quer saber? Domenico que faça o que bem entender da vida
dele, não tenho nada com isso.
Quando volto para o lado de dentro, o encontro sozinho na
área de embarque, falando no celular. Andando para lá e para cá,
ele gesticula no ar com a mão livre, absorto na conversa. Para um
homem que costuma ser calmo e centrado, seu estado inquieto é
incomum.
Domenico afasta o aparelho da orelha para se dirigir a mim:
— Todo mundo já embarcou, Sin. Vai entrando, vai...
Com o rosto mais corado, ele volta para a ligação.
Diminuo os passos, pretendendo ouvir uma parte da
conversa.
O que será que o deixou tão agitado?
Meu estômago dá uma cambalhota quando escuto o nome
dela:
— É… Madah ainda me explicou sobre os tipos de
massagem que fazia. Se o cliente pagasse um extra, já sabe…
Sim, sim… Eu lhe disse, Giuliano. Ok. Estou a levando para a
minha casa hoje mesmo. Isso, quando você retornar da viagem,
pode a conhecer… Vai gostar dela. É uma menina encantadora e
cheia de vida, embora esteja fragilizada. Sim, sim… Pode deixar.
Será um prazer. Até breve, amico mio.
Oh, criador de sonhos
Seu destruidor de corações
Moon River ~ Audrey Hepburn

"Pode a conhecer. Vai gostar dela. Será um prazer."


As palavras de Domenico martelam na minha cabeça.
Que merda é essa? Meu pai pretende compartilhar uma
garota mais jovem com um amigo? Com o tio Giuliano?
Uma garota mais jovem, não. Uma prostituta de luxo.
Bem que acertei que, no caso dela, falar que trabalhava
como massagista era uma maldita fachada.
"Se o cliente pagasse um extra, já sabe", meu pai disse ao
amigo, confirmando as minhas suspeitas. E ainda que não tivesse
dito em voz alta... O fato de Madah trabalhar daquela maneira
vulgar — vestindo apenas lingerie e cinta-liga —, falava por si só.
Já posso até imaginar a tabela dos extras. De masturbação
a sexo anal, o céu é o limite.
Tio Giuliano não é meu tio de sangue, mas é como se
fosse… Ele e Domenico são grandes amigos desde sempre.
Filhos de famílias italianas, têm muitas coisas em comum.
Casaram-se com duas amigas, Anna — a minha mãe —, e
Alessandra, a mãe de Marco e Paolo. Abriram uma empresa,
enriqueceram juntos.
Como nossas famílias eram muito próximas, eu, Enrico e
Luca crescemos junto com Marco e Paolo. Até hoje frequentamos
os mesmos espaços, festas familiares e círculos sociais. Cinco
homens ricos e solteiros, com idades entre vinte e oito e trinta e
três, sendo Marco o mais velho e eu o mais novo.
— Pai… — Eu o intercepto no portão de embarque. — Jura
mesmo que você vai levar uma prostituta para casa?
Ele me encara com o semblante indecifrável, parecendo
pensar no que responder. Porém opta por me deixar no vácuo,
mais uma vez.
Desviando os olhos, volta a caminhar na direção do jatinho.
— Vamos logo, Sin.

Me acomodo em uma das poltronas do fundo, ajusto o cinto


de segurança e encaixo os fones de ouvido, me preparando para
a viagem.
Por ser madrugada, a comissária de bordo diminui as luzes
do teto.
Mesmo na penumbra, posso ver os guarda-costas na
primeira fileira. Eles se aprontam para dormir, ajeitando os
travesseiros atrás das cabeças.
Meu pai e Madah estão sentados lá pelo meio do jatinho,
novamente cochichando um com o outro.
Mexendo no celular, escolho uma playlist de músicas mais
tranquilas. Quando começa a tocar "Patience", do Guns N' Roses,
deito a cabeça no encosto e fecho os olhos.
Tentando pegar no sono, me sinto entorpecido. Porra, estou
exausto…
Com a cabeça enevoada, meu raciocínio fica lento e o corpo
parece pesado.
É, o sexo com a loira está finalmente cobrando seu preço…
Mas valeu a pena.
Valeu a pena cada segundo dele. Ainda mais pelo grand
finale com Madah me olhando, quase hipnotizada, enquanto eu
fodia a outra mulher.
Com as imagens voltando à mente, me entrego à música
que ressoa pelos fones:
Just a little patience
(Apenas um pouco de paciência)
Letra cadenciada, melodia suave, composição genial.
Isso… Ela é ideal para o momento.
Quase sempre consigo relacionar com perfeição uma música
do Guns a algo que estou experimentando na vida.
Vou precisar de paciência para lidar com os caprichos do
meu pai, que decidiu levar uma prostituta para casa e…
De repente, sinto um toque no ombro.
Abro os olhos e dou de cara com Madah em pé no corredor.
Puxo um dos fones da orelha, levemente irritado pela
interrupção.
Deixando escapar um sorrisinho nervoso, ela sussurra:
— Oi. Você estava dormindo?
— Não. E, se estivesse, você teria me acordado. O que
quer?
— Posso sentar do seu lado? Seu pai foi para o quarto e eu
não gosto da ideia de ficar sozinha.
Sua voz era baixa, provavelmente para não incomodar os
guarda-costas adormecidos mais à frente.
Suspirando fundo, aponto para a poltrona vaga à minha
direita.
— Senta.
Viro o rosto para o outro lado, decidido a interagir o mínimo
possível com ela.
Quando olho pela janela para a pista do aeroporto, não
entendo nada. Continuamos parados por quê?
— Ainda não decolamos — comenta, prendendo o cinto de
segurança. — O piloto disse que o aeroporto de São Paulo está
temporariamente fechado. Acho que por causa do mau tempo...
Ele está esperando autorização para voar.
— Certo. — Jogo a cabeça para trás, apoiando a nuca no
encosto da poltrona.
— Estou tão nervosa… — Ela chega mais perto para
cochichar e seu perfume delicado me atinge com tudo. O mesmo
aroma doce que deixou na minha jaqueta. — Nunca voei e…
— Sinto muito, não sei como te ajudar. — Corto o papo. Não
vou ficar dando trela para a marmita do meu pai.
Seus olhos se arrelagam diante do meu rompante. No
instante seguinte, ficam marejados e… Droga. Não suporto choro
de mulher.
Minha consciência — se é que tenho uma — pesa um
pouquinho, me levando a oferecer:
— Quer ouvir música?
Pelo menos assim não precisamos mais conversar.
— Quero. Posso escolher? — Ela enxuga os olhos,
engolindo o choro. — Tem uma que me acalma demais.
— Pode escolher qualquer uma. Por mim, tanto faz. Qual
você quer?
— "Moon River". Da trilha sonora do filme Bonequinha de
Luxo, sabe?
Solto uma risada baixa, incrédulo com a previsibilidade da
coisa. No filme, Audrey Hepburn é uma garota de programa nova-
iorquina decidida a arranjar um marido milionário.
— Ok. "Moon River". — Entrego um dos fones a ela.
Quando Madah movimenta o braço para o pegar, seu ombro
roça no meu, me deixando muito ciente da proximidade dos
nossos corpos.
— Obrigada. — Encaixa a bolinha na orelha. — Sabe por
que eu gosto dessa música?
— Posso imaginar... — Não contenho um sorrisinho
debochado. — Mas me conte o porquê.
Ela desanda a tagarelar:
— A minha mãe tinha uma caixinha de música linda, de
madeira. Quando a gente levantava a tampa, uma bailarina
dançava a música em cima de um espelho. Tinha um rio
desenhado sob os pés dela e, por dentro da tampa, uma lua.
"Moon River". Quando ela ficou doente, levou alguns pertences
para o hospital e… Já era. Nunca mais vi a caixinha. Mas, mesmo
sem o objeto, procuro ouvir a música sempre que quero me sentir
melhor. Ela me traz lembranças boas, de uma época em que as
coisas eram mais fáceis, entende?
CARALHO.
Estou inteirinho arrepiado, da cabeça aos pés.
— Legal — murmuro, disfarçando o quanto o relato mexeu
comigo.
É só falar em mãe, doença e hospital que… Deixa para lá.
Pigarreio antes de falar:
— Vou dar o play aqui, beleza?
— Tá bom.
Ela apoia as solas descalças no assento, abraça as pernas e
fecha os olhos, o queixo apoiado nos joelhos.
Aproveito para a analisar com mais atenção. Não posso
dizer o que é mais magro no seu corpo: os pulsos ou os pés, com
os ossinhos marcados sob a pele.
Assim que a música engata, Madah passa a cantarolar
baixinho em inglês, ainda com os olhos fechados e…
Não sei que porra acontece.
Só sei que não consigo parar de olhar.
Moon river, wider than a mile
(Moon river, mais largo que uma milha)
E como se as coisas já não estivessem esquisitas o
bastante…
Do nada, ela abre os olhos e me flagra a observando. Até
arqueia as sobrancelhas em espanto, mas não fala nada.
Ela para de cantar na metade de uma frase e simplesmente
sustenta o meu olhar, mantendo os lábios entreabertos.
Se eu dissesse que isso não me impactou, estaria
mentindo…
Uma sensação estranha corre pelo meu corpo, me deixando
em alerta.
Ao mesmo tempo, a música continua fluindo pelo fone:
Oh, dream maker, you heart breaker
(Oh, criador de sonhos, seu destruidor de corações)
Madah apenas me encara e preciso fazer um esforço
absurdo para me lembrar de respirar. Eu me sinto... Sei lá.
Paralisado. Hipnotizado. Enfeitiçado.
Capturado pelo brilho dos seus olhos — o castanho-claro me
lembrando o caramelo do perfume impregnado na jaqueta —, me
esqueço até do meu nome.
Então, uma vibração sob os meus pés me arranca do transe
bizarro. É o motor do jatinho, recém-ligado pelo piloto. Aleluia.
Volto a respirar normal quando a aeronave passa a se
movimentar na direção da pista de decolagem.
Sobre as nossas cabeças, o aviso para desligar os
eletrônicos pisca em amarelo.
Sem falar nada, eu pauso a música, já nos últimos acordes.
Madah me devolve o fone e o coloco junto com o outro na
caixinha, que guardo no bolso.
Ela abraça as pernas com mais força ao perguntar:
— É agora?
— Logo mais. Relaxa.
Olho para o lado de fora, observando a pista livre. As luzes
das torres batem no asfalto e fazem as partículas cintilarem em
tonalidades prateadas.
O piloto pega velocidade, fazendo o motor roncar mais alto
e…
Madah agarra minha mão, a palma fria esmagando meus
dedos. Merda.
Viro o rosto com tudo, prestes a xingar a garota, mas a
encontro com os olhos apertados e a respiração errática, as
narinas abrindo e fechando mais depressa.
Quase me livro do agarre dela, mas desisto no meio do
caminho.
Quando penso que não tem como piorar… Piora.
Ela se movimenta devagar, entrelaça os nossos dedos e
eu…
Eu o quê?
Eu não faço nada para a impedir — nada —, surpreendendo
pra caralho a mim mesmo.
Fico completamente imóvel, de mãos dadas com a infeliz,
apenas sentindo um formigamento incomum subir pelo braço e
chegar à nuca, eriçando todos os cabelinhos curtos.
É, vai ser uma longa viagem.

Não sei quanto tempo se passa porque eu caio no sono.


Quando acordo, antes mesmo de abrir os olhos, percebo
que estou em uma pose estranha. Mais especificamente, com a
minha cabeça deitada no seu ombro. Merda.
Minha bochecha descansa na pele macia do seu pescoço e,
para me matar de vez, seus dedos delicados acariciam meus
cabelos.
Quero me afastar, mas não consigo de imediato. Seus
toques leves no meu couro cabeludo me relaxam de um jeito
absurdamente bom. Permaneço imóvel por mais dois ou três
minutos, fingindo ainda dormir.
Por fim, me forço a acabar com a palhaçada.
Preciso me afastar dela.
— Acordou? — Madah pergunta quando eu me sento direito,
esticando as costas. — Está tudo bem?
— Por que não estaria? — Esfrego os olhos, sem conseguir
enxergar direito no breu do interior do jatinho. — Eu não tenho
medo de voar como você.
— De voar, eu não sei, mas… — Ela engole a saliva. —
Você sentiu medo de alguma coisa, ou teve um pesadelo, ou sei
lá. Estava dormindo com o sono agitado, se remexendo na
poltrona e falando coisas desconexas.
— Foi por isso a porra do cafuné? — Aponto para a minha
cabeça, me tremendo inteiro.
Me destrói saber que vou voltar a sofrer com os malditos
pesadelos. É sempre assim… Dois ou três meses de trégua,
depois eles voltam com tudo.
Posso apostar que, desta vez, os pesadelos são por culpa
dela. Madah com meu pai é um cenário que me perturba demais.
— Foi. — Soa receosa diante do meu tom agressivo. —
Você relaxou depois que eu…
— Só não faça mais isso! Não encoste em mim! Nunca te
ensinaram a não tocar em alguém que está dormindo? Porra!
Sei que a minha reação furiosa a pegou de surpresa. Madah
está com os olhos arregalados e a boca apertada, provavelmente
se segurando para não me xingar. Não a condenaria se o fizesse.
Ela me tratou com gentileza o tempo inteiro e somente recebeu
patada em troca.
— Olha, não sei o que fiz para que você agisse como um
babaca. Eu só quis ajudar, mas… Esquece. Pode deixar, nunca
mais vou tocar em você.
— É bom mesmo. Tenho nojo de gente podre como você —
rosno as palavras, sem olhar para ela.
Quero magoá-la de propósito para cortar de vez o contato.
Preciso me afastar dela.
— Nojo? Não foi o que pareceu quando falou o meu nome
durante o sono.
Não, não. Ela deve estar tirando uma onda com a minha
cara.
Eu jamais chamaria o nome dela. Chamaria? Merda.
Fico mudo e ela solta um risinho debochado antes de voltar
a falar:
— A não ser que seja um fetiche. Sentir desejo por pessoas
que considera podres e nojentas. Porque eu escutei
perfeitamente: "Madah… Fica aqui comigo… Só nós dois…"
Davizinho, você é um garoto perturbado. Recomendo terapia. —
Ela se levanta da poltrona. — Pensando melhor, faça terapia, ou
não faça. Não me importo, nem um pouco. Com licença.
Ela vai embora, provavelmente para o outro lado do jatinho,
me deixando com a cabeça a ponto de fritar.
"Davizinho"? Espera um pouco. Quem mais me chamava
assim? Tento pescar na memória, mas as cenas estão turvas,
embaçadas e…
Porra, não sei. Só sei que me passa uma sensação ruim.
Muito ruim.
Deslizo a mão trêmula por dentro da camisa e escorrego os
dedos pela pele sobre as costelas, onde sei que está o poema do
Bukowski.
Seis costelas, seis malditas frases.
A tatuagem mais excruciante de todas, que quase me fez
vomitar de dor.
aqueles que escapam do inferno
nunca falam sobre isso
e nada mais incomoda eles depois disso.
uma vez que você foi para o inferno e voltou,
você não olha para trás
quando o chão range.
Sim, Madah é uma diaba.
Mas ela não vai me levar de volta para o inferno.
Eu já estive lá por tempo demais.
Você veio a este mundo sozinho
Velho de coração, mas tenho só vinte e oito
Estranged ~ Guns N' Roses

— Bom dia, Antônio! — Meu pai cumprimenta o mordomo


assim que pisamos em casa. — Esta é a Madeleine.
— Prazer, senhorita. — O homem calvo acena formalmente
com a cabeça.
— O prazer é meu. — Ela esboça um sorriso tímido. Seus
lábios brilham com um batom clarinho que a deixa com a
aparência ainda mais delicada.
A vagabunda é boa em disfarces, o ar angelical, os gestos
comedidos. Mas a mim não engana…
Depois, Madah corre os olhos ao redor, parecendo
fascinada. Previsível que a oportunista se encante com a mansão
Sintori. O pé direito alto, os lustres de cristal, os tapetes persas,
as esculturas caras. Domenico nunca economizou com a
decoração luxuosa exatamente para isso. Para impressionar.
— Onde estão Enrico e Luca? Por que não os vejo?
Meu pai estica o pescoço na direção da espaçosa sala de
estar, procurando pelos meus irmãos.
— Ainda dormindo, senhor — explica o mordomo. — Devo
chamá-los?
— Prefiro que leve as bagagens para os quartos. Sin, chame
seus irmãos. Quero conversar com vocês três sobre a presença
de Madah. Enquanto isso, vou me trocar. Tenho um compromisso
na hora do almoço. Nos encontramos no escritório em dez
minutos, certo? — diz, com o rosto baixo, mexendo no celular.
— Certo, Sugar Daddy — murmuro quase inaudível.
Apenas Madah me escuta, esboçando uma careta
indignada.
Porra, por que se fazer de ofendida se é a vida que
escolheu?
Suspirando fundo, percebo no ar o perfume que tive o
desprazer de sentir na minha jaqueta. O cheiro impregnou nela
e… Nota mental: mandar a peça para a lavanderia, o mais rápido
possível.
Balanço a cabeça e me dirijo para a escada, subindo os
degraus que levam ao andar dos quartos.
Entro primeiro no quarto de Enrico, meu irmão do meio.
Mesmo sendo um pouco mais velho do que eu — com quase trinta
anos na cara —, é irritantemente bobo, inexperiente e desligado.
Eu só vejo o cara se empolgar com livros, nunca com
mulheres.
Ele só sai de casa para frequentar o milésimo curso de
Teatro. Ou Artes. Ou Cinema. Alguma porcaria do gênero. Isolado
e sem amigos, fica o dia inteiro perdido no seu mundinho
particular.
Não sei como meu pai permite que Enrico faça cursos tão
aleatórios, sem trabalhar, nem nada.
Talvez seja porque eu e Luca já optamos por Administração.
Eu ainda estou na graduação e apareço no estágio duas vezes
por semana na Modernitá. Veterano na FGV, vou me formar no
final do ano. Por sua vez, meu irmão mais velho está quase
terminando o segundo ou terceiro MBA e já trabalha de verdade
na empresa.
Ou seja, Domenico já sabe que nós dois decidimos seguir
seus passos na Modernitá. Enrico que continue encostado, então.
Ninguém liga.
— Acorda, fracote. — Pego uma almofada na poltrona e a
arremesso na cabeça dele. — O pai quer falar com a gente no
escritório.
— Bom dia para você também, Davi — resmunga ao se
sentar, passando a mão pelos cabelos lisos.
— Bom dia. Encontra a gente lá. Tchau — disparo antes de
sair, seguindo para o quarto de Luca.
O mais velho de nós três, já tem trinta anos. Nossa mãe teve
os filhos em uma escadinha, com um ano e pouco de diferença
entre cada um.
— Hora de levantar, Bela Adormecida. — Me jogo ao lado
dele no colchão. — Escuta a última do pai.
— Calma. — Espreguiça, bocejando devagar. — Espera eu
acordar.
— Não temos tempo. Ele já quer conversar com a gente no
escritório e preciso te adiantar o assunto.
— Fala logo, então. — Sai da cama em câmera lenta e leva
uma mão ao rosto, esfregando os olhos.
— Ele trouxe uma prostituta de luxo para casa. E passou dos
limites... Ela é muito mais nova. Quem vê, pode até pensar que é
menor de idade. Precisamos fazer alguma coisa.
— Sério? — Caminha até o banheiro, vestindo apenas uma
bermuda de moletom, os passos arrastados ainda trôpegos de
sono. — O velho é foda.
Enquanto Luca escova os dentes, fico olhando as
sequências de fotos que passam devagar pela tela do notebook
dele.
Uma fotografia que tiramos no último verão me faz sorrir.
Nós dois na praia, as peles bronzeadas, o pôr do sol ao fundo
deixando o mar em um tom alaranjado.
Apesar de Luca ser mais velho, sempre fomos muito
parecidos, quase gêmeos. A mesma altura. O mesmo castanho
escuro nos olhos e nos cabelos. O mesmo porte.
As principais diferenças estão nas tatuagens, que tenho em
maior número, fechando os braços, e no estilo dos cabelos.
Enquanto Luca usa um corte mais certinho e formal, eu deixo os
fios crescerem um pouco — não longos o bastante para fazer um
rabo, mas compridos o suficiente para a mulherada puxar durante
o sexo.
Porra, nós pegamos tantas naquela viagem… Uma pena que
não possamos repetir a dose tão cedo. Os compromissos de
estudo e de trabalho do meu irmão ferram com tudo.
— Vamos descer logo, quero ver a cara da vagabunda. —
Luca passa por mim, enfiando uma camiseta cinza pela cabeça.
Encontramos Enrico no corredor e descemos os três juntos.
Com meus irmãos atrás de mim, abro a porta do escritório e
encontro Domenico em pé junto à escrivaninha, usando um terno
claro.
Madah está sentada em uma poltrona perto dele, com as
mãos apoiadas nos joelhos magros, parecendo apreensiva.
Percebo os olhares curiosos dos meus irmãos na direção dela,
analisando a infeliz da cabeça aos pés.
— Bom dia, meninos. — Domenico começa, o semblante
sério denotando autoridade. — Luca, Enrico, esta é Madeleine.
Podem a chamar de Madah. É uma visitante que, a meu convite,
vai passar uma temporada aqui conosco. Quero que a tratem com
respeito e cordialidade durante a estadia.
Ao finalizar a última frase, ele olha para ela, utilizando um
tom de voz mais leve:
— Querida, temos quatro quartos de hóspedes à disposição,
escolha o que mais gostar.
A fala do meu pai me faz franzir a testa.
Pensei que os dois dormiriam juntos, afinal, toda vez que ele
traz uma mulher para casa, é assim que funciona. Porém, o
"querida" não me passou despercebido.
Madah assente para ele, sem ousar olhar para o paredão
que eu formo com os meus irmãos. A postura dela parece mais
tensa a cada minuto, os dedos quase esmagando os joelhos.
Domenico volta a falar com a gente:
— Como Madeleine não trouxe nada, devem levá-la para
comprar os itens de maior necessidade. Ela já está com o meu
cartão. Precisa de celular, roupas, sapatos etc.
"Ela já está com o meu cartão". Cerro os dentes para digerir
a frase, até que a voz brincalhona do meu irmão irrompe:
— Você a pegou da rua? — Luca dá risada. — Por que ela
não trouxe nada para passar "uma temporada" aqui?
Mordo a bochecha para não rir.
Caralho, Luquinha, mandou bem.
— Che cavolo, Luca, não seja indelicado! Que parte do
"tratar com respeito e cordialidade" você não entendeu? Peça
desculpas a ela agora mesmo! — Domenico o repreende, o rosto
pegando fogo.
— Mil desculpas, foi apenas uma curiosidade. — Luca dá de
ombros.
Meu pai suspira e vira o tronco para pegar o celular em cima
da escrivaninha. O aparelho está apitando, para variar.
Aproveito para dar um soquinho de brincadeira no meu
irmão, que sorri de volta para mim.
— Continuando. — Domenico torna a falar, os olhos presos
no iPhone. — Quem irá levar Madah ao shopping hoje?
Um silêncio pesado circula pelo ambiente, crepitando entre
nós.
— Posso ir sozinha de táxi — oferece ela, a voz oscilante.
— Não. — Domenico balança a cabeça. — Meninos, andem
logo. Quero um voluntário. Ela não conhece a cidade, um de
vocês precisa acompanhá-la. — Ele coloca as mãos nos bolsos, o
olhar firme alternando entre mim e meus irmãos, um a um.
— Porra, você que inventou de trazê-la para cá, sem nos
consultar a respeito. Por que não leva pessoalmente a sua
"querida", então? Ela não é um problema nosso — provoco,
cruzando os braços.
Meu pai pega leve comigo por conta de toda aquela merda
do passado e por isso eu abuso mesmo, sei que ele não vai me
esculachar. Que se foda…
Pelo canto dos olhos, vejo Luca esboçar um sorriso sutil,
aprovando a minha afronta.
— Porque alguém tem que trabalhar nessa casa! — Meu pai
vocifera, abrindo os braços com irritação, me fuzilando com os
olhos. O que é absurdamente… Inesperado. — Para bancar as
regalias de vocês! Um bando de marmanjos mimados e ingratos
que não podem fazer um único favor que lhes peço!
Trinco a mandíbula, borbulhando de ódio. Como é possível
que em tão pouco tempo ela bagunce assim a dinâmica da nossa
família, fazendo Domenico — normalmente tranquilo, paciente e
centrado —, se voltar desta maneira contra mim? Contra nós?
— É que eu e ele temos um ensaio importante da banda. —
Luca mente, passando um braço pelo meu pescoço. — Está
marcado há semanas com Marco, pai, sabe como a nossa agenda
anda difícil por causa do MBA.
Ao perceber que estou tremendo, murmura um: "relaxa,
cara" quase inaudível, apertando meu ombro.
— Tá bom, tá bom. Eu posso. — Enrico cede, suspirando
com um ar cansado. — Vamos sair em quantos minutos, Madah?
Quinze?
— Obrigada. — Ela assente. — Pode ser.
— Assunto encerrado, então. Com licença, preciso ir. —
Luca se despede, gesticulando com dois dedos na lateral da
cabeça, e foge do escritório.
— Isso mesmo, assunto encerrado — Domenico repete. —
Obrigado, Rico. Antes de pegar o carro, contudo, espere que ela
escolha o quarto em que irá ficar. Assim a governança já pode
deixar tudo arrumado.
— Tudo bem, não tenho pressa. — Enrico coça a nuca,
olhando para a garota. — Vou te esperar lá em cima, meu quarto
é a segunda porta à direita.
Depois, caminhando daquele jeito mole, com os passos
arrastados, ele vai embora.
Aproveito a porta que ele deixa aberta para me mandar
também.
— Bom passeio, Madah. Enrico é muito legal e divertido.
Tchau para vocês.
Assim que saio do escritório, escuto meu pai dizer um:
"Então, Madah". Discretamente, fico parado no corredor para
descobrir o que ele vai falar agora que está a sós com ela.
— Tenho cinco minutos antes de partir para o meu
compromisso. Sugiro que escolha o último quarto à esquerda. É o
mais distante dos meninos, assim terá mais privacidade.
— Se é assim, já escolhi, quero o último quarto. Seus filhos
me odeiam — ela acrescenta, soltando uma risadinha sem graça.
— Enrico não — Domenico aponta, a voz tranquila.
— Tá bom. Dois terços dos seus filhos me odeiam. Sin e
Luca me estrangulariam se pudessem.
— Não ligue para eles, menina, são inofensivos.
Meu estômago revira diante do tom da palavra "menina".
Não sei o porquê, só sei que parece muito errado.
Domenico continua:
— Mimados, sim. Mal-educados, talvez. Mas fiz o melhor
que pude sozinho, entenda. Perderam a mãe cedo demais…
Muito, muito triste. Além disso, sua estadia aqui será provisória,
conforme acertamos. Vamos lá, querida?
Percebendo que estão prestes a sair do escritório, me afasto
rápido para que não me vejam parado aqui.
Me jogo na poltrona do hall e fecho os olhos, sem saber bem
o que pensar quanto à presença da prostituta entre nós.
É nítido que ela divide a família Sintori.
Luca está comigo, como sempre. A interesseira que não se
cresça para cima de nós. Já Enrico, provavelmente, é neutro. Ele
nunca fica do meu lado, de qualquer maneira (uma triste verdade
que aprendi cedo demais). Por sua vez, Domenico vai defendê-la
com unhas e dentes. Ela é a sua "querida", sua protegida, sua
"menina".
Em uma frase?
Vou enlouquecer.
Bem-vindo à minha vida estúpida
Maltratada, deslocada, incompreendida
F**kin' Perfect ~ Pink

Bato na porta duas vezes e aguardo, esfregando uma mão


na outra.
"Aqui é melhor do que o Uruguai, aqui é melhor do que o
Uruguai", fecho os olhos e repito mentalmente como um mantra.
— Madah, você tá bem? — A voz de Enrico chega aos meus
ouvidos e eu abro os olhos para vê-lo. — Parece… Sei lá. Aflita?
Parado sob o batente de madeira, segurando a maçaneta,
ele veste apenas uma bermuda, com uma camiseta jogada sobre
o ombro. Pelo jeito, ainda vai terminar de se trocar.
Não posso deixar de reparar que o homem é esbelto e
definido, sem tatuagens aparentes. Um físico bonito, porém não
chega nem perto da perfeição dos corpos tatuados dos irmãos
babacas. Sin e Luca certamente se dedicam mais a atividades
como academia, musculação e esportes.
— Sim, estou bem. Só não me sinto muito animada para as
compras. — Passo as mãos pelos cabelos e refaço meu rabo,
incomodada com os fios bagunçados pelo rosto.
Eu estou exausta. Da viagem. Das novidades. Do estresse.
De tudo.
Mas realmente preciso comprar os itens de primeira
necessidade, como produtos de higiene, e duas ou três mudas de
roupa.
— Idem. — Ele dá uma risadinha. — Não costumo participar
de sessões de compras, muito menos femininas. Podemos ir e
voltar logo, sem enrolar para escolher as coisas. Assim ficamos
livres de uma vez.
— É o que eu quero. Obrigada, Enrico.
— De nada. Pode me chamar de Rico. Vamos?
Ele veste a camiseta cinza e inclina o corpo para dentro do
quarto, pegando o celular e a chave do carro sobre a
escrivaninha. Um cheiro suave de incenso alcança meu nariz.
Espio rapidamente o ambiente, reparando que é repleto de
livros e pôsteres clássicos de cinema, como de "O Poderoso
Chefão" e "Star Wars". Sinto um quentinho no coração, contente
em ver que temos algo em comum.
Sempre fui apaixonada por filmes antigos e quase nunca tive
com quem conversar sobre isso.
No trajeto até o shopping, Enrico permanece em silêncio por
muitos minutos. As mãos firmes no volante do Jeep, os olhos
castanhos voltados para o trânsito, o ar pensativo.
Alguma coisa nele me lembra o ator Tobey Maguire, do filme
"Homem-Aranha". Talvez o charme inocente e a voz suave.
Sinceramente, não sei o que esperar dele. Apenas arriscaria
falar que é tímido, introvertido e discreto. Bem diferente dos
irmãos babacas.
— Madah. — Quebra o silêncio ao parar em um sinal
vermelho, me espiando de soslaio. — Posso te fazer uma
pergunta? O que os meus irmãos sabem que eu não sei, para te
tratarem mal daquele jeito?
Ele percebeu. É evidente que percebeu. Quem não
perceberia a hostilidade gratuita daqueles dois?
— Acho que pensam mal de mim… — Umedeço os lábios,
pensando em como explicar a situação, sem realmente explicar.
— Por eu ter vindo pra cá com Domenico. Sin já lançou vários
comentários maldosos do tipo, se referindo ao pai de vocês como
o meu Sugar Daddy. Não te contaram?
Enrico balança a cabeça e volta a dirigir quando o sinal
muda para verde.
— Eles nunca me falam nada. Fingem que não existo. —
Sorri sem graça, os olhos fixos no trânsito. Com certeza, a relação
com os irmãos é um tópico sensível para ele.
— Sinto muito.
— Já estou acostumado. É que os dois são parecidos com
Domenico e… Eu não. Sin e Luca cultuam o corpo, fazem um
milhão de tatuagens, integram uma banda de rock, vivem
cercados por mulheres, vão a milhões de festas. Eu nunca quis
me tatuar, sou péssimo com instrumentos musicais, vivo
eternamente sozinho, quase não saio de casa. Enfim, eu não me
encaixo. Sou o patinho feio da família, o "esquecido no
churrasco".
Ai, meu Deus…
— Bem, feio você não é. Pelo contrário… — Aponto,
tentando animá-lo um pouquinho.
— Obrigado. Mas não digo nem da aparência… — Esboça
um sorrisinho desanimado. — É da personalidade mesmo. Sou
muito diferente deles, os meninos de ouro dos Sintori. Meus
defeitos são infinitos… Me chamam de "esquisitão", "mosca-
morta", entre outras coisas bem piores.
— Todo mundo tem qualidades e defeitos — repito o que
minha mãe sempre me dizia quando eu reclamava de ser magra
demais, ao contrário das outras adolescentes cheias de curvas. —
Não é legal se colocar para baixo assim. Veja o lado bom: você
mora em uma casa linda, tem uma família com posses, um pai
presente… É uma vida privilegiada.
— Uhum — murmura, sem parecer nada convencido.
Não me dou por derrotada e resolvo me aprofundar na
questão.
— Já que mencionou o patinho feio. Presta atenção,
Enrico… Ele não era o coadjuvante "esquecido no churrasco". Ele
era o protagonista da história! Que nos ensina a aceitar o que é
diferente, a enxergar a beleza no que cada um tem de especial,
coisas assim. Afinal, não adianta tentar ser aquilo que não somos.
A moral da história é que temos que sentir orgulho do que nos
diferencia dos outros.
— "Não adianta tentar ser aquilo que não somos". Cacete,
Madah… — Ele solta um riso baixo. — Você não se parece com
as garotas que meu pai costuma pegar — completa, fazendo uma
curva em uma avenida.
— Seu pai não está me pegando. É que… — Penso em
como justificar minha presença na casa sem quebrar o combinado
com Domenico. Impossível. — É complicado.
Fechando os olhos, relembro a conversa que tive com o pai
dele na van. O homem havia sido enfático em me pedir sigilo e,
depois de tudo que estava fazendo para me ajudar, não queria
decepcioná-lo.
— Madah, vamos aproveitar que Sin está lá no fundo
escutando música para conversarmos a sós. É um assunto
extremamente sigiloso.
Domenico colocou meu cabelo atrás da orelha para falar
mais de perto. Eu podia sentir seu hálito na minha pele, o que me
deixava desconfortável, mas me mantive firme.
Apenas concordei com a cabeça, com o coração batendo
mais rápido. Ao mesmo tempo, a van sacolejava pelas ruas e
revirava meu estômago, aumentando ainda mais meu nervosismo.
— Como lhe disse na sala de massagem, eu era amigo da
sua mãe. Mais de vinte anos atrás, Heloise trabalhava na minha
empresa, a Modernità Tech. Uma excelente assistente pessoal.
Esperta e competente, lidava diretamente com o mais alto
escalão. Até que… Ela me procurou, assustada, pedindo ajuda —
hesitou, como se tomasse coragem para as próximas palavras. —
Porque estava grávida, e o pai do bebê exigia o aborto.
— Grávida? De mim? — balbuciei, prendendo o ar.
— Exato. Sinto muito, criança. Então, naquela conversa,
Heloise não quis me revelar a identidade dele. Disse apenas que
era um homem muito poderoso e perigoso. Queria ir embora, com
medo do que ele poderia fazer contra ela ou o bebê.
— Foi por isso que ela se mudou para o Uruguai.
— Foi. Eu a ajudei a sair do país e mantivemos algum
contato depois daquilo. Heloise chegou a retornar de carro para o
sul do Brasil, para que você nascesse em solo brasileiro, mas logo
depois voltou para o Uruguai…
Continuamos conversando sobre cada passo que havia
levado Domenico a mim, até que não consegui mais me segurar.
Comecei a chorar baixinho, percebendo as lágrimas quentes
escorrendo pelas bochechas. O homem carinhosamente as limpou
com o polegar.
Deitei a cabeça no seu ombro e permiti que me consolasse,
alisando meus cabelos. Senti que não havia malícia naquela
aproximação.
— Sinto tantas saudades dela... Dela, e de quem eu era
quando ela era viva. Sabe, Domenico, eu era feliz. Estudava.
Ainda não tinha sido levada para trabalhar como massagista. Não
me sentia ameaçada dia e noite.
— Não chore, criança. Você está segura agora. Vou cuidar
de você até localizarmos os parentes de Heloise. Seus parentes.
Em algumas semanas, meu investigador deve apresentar os
resultados das buscas. Enquanto isso, peço encarecidamente que
não comente sobre o assunto com ninguém. Primeiro, quero
descobrir quem é seu pai, e se ele ainda representa risco à sua
integridade. Me prometa que manterá sigilo quanto ao que
conversamos, por favor.
Assenti em resposta.
De repente, meu corpo balançou com um tranco.
— Estamos no aeroporto — o motorista avisou, desligando o
motor da van.
Os guarda-costas saíram primeiro e escancararam a porta
lateral do veículo.
Antes que eu pensasse em descer atrás deles, Sin passou
como uma flecha, me fuzilando com os olhos enfurecidos. Sua
mandíbula estava travada com força, os músculos dos ombros
muito tensos.
Domenico, ainda me aninhando, enrijeceu o corpo ao
perceber o olhar do filho. Naquele momento, eu soube…
Sin interpretou tudo errado.
— Tudo bem, não faz diferença. Não vou te julgar, de
qualquer maneira — Enrico completa, me trazendo de volta à
realidade.
Sussurro um "obrigada", rezando para encerrar logo o
assunto.
Pelas próximas duas ou três horas, almoçamos e
passeamos pelo shopping gigantesco. O Iguatemi é puro luxo.
Enrico me obrigou a comprar tudo o que experimentei e
serviu, sem me dar a chance de recusar. Juro que não pensei que
pudesse ser tão determinado...
À parte dessa faceta mandona, se mostrou uma companhia
agradável e leve, e fiquei contente diante da possibilidade de
desenvolver uma amizade com ele.
Engraçado que quis me ajudar no trocador mais de uma vez
e, em momento algum, me olhou com interesse. Nem mesmo
quando, ao provar os biquínis, me atrapalhei com a parte de cima
e "paguei peitinho".
Sei que sou magra demais, mas o esperado seria que um
homem da idade dele, jovem e solteiro, me olhasse com certa
malícia.
Infelizmente, me habituei a ser vista como objeto sexual, o
que fez com que a reação dele — ou melhor, a falta de reação
dele — fosse ainda mais incomum.
Não vislumbrei uma única gota de desejo nos seus olhos
castanhos.
De qualquer forma, é melhor assim. Preciso de um amigo,
não de um crush.
Minha vida já está complicada demais.

Quando retorno para a mansão, me despeço


apressadamente de Enrico, murmuro um "muito obrigada por
tudo" e subo direto para o quarto.
Desfaço as sacolas, uma a uma, guardando as roupas novas
no armário.
Não sei quanto tempo depois, meu estômago ronca
baixinho.
Decido descer rapidinho até a cozinha, caminhando na ponta
dos pés, como se estivesse cruzando um campo minado cheio de
bombas e inimigos, prestes a explodir.
É exatamente assim que me sinto ao estar sob o mesmo teto
com aqueles dois irmãos do mal… Tensa. Insegura. Temerosa.
Pego uma maçã na fruteira e volto depressa para o quarto,
rezando para não esbarrar em Sin ou Luca pelos corredores.
Milagrosamente, a sorte sorri para mim, me poupando de
encontrá-los pela casa.
À noite, o mordomo bate à minha porta e me avisa que
Domenico está "solicitando a presença da senhorita" em seu
escritório.
Quando compareço ao local, o encontro sentado à
escrivaninha, vestindo o mesmo terno claro de horas atrás.
Seu semblante parece mais cansado, com bolsas sob os
olhos enrugados.
— Madah, tudo bem? Como foi a experiência do seu
primeiro dia conosco? Enrico foi uma boa companhia durante as
compras?
— Sim, sim. Tudo ótimo. Estou feliz por estar aqui, obrigada.
Sorrio com educação, me sentando do outro lado da mesa.
Pois é, preferi responder de maneira positiva, sem externar
minhas preocupações "bobas". Afinal, os episódios de estresse
com os filhos dele eram quase insignificantes perto dos problemas
reais que eu enfrentava no Uruguai, dos quais ele me salvou.
— Fico satisfeito em saber, querida. — Pigarreia,
entrelaçando os dedos tatuados sobre a mesa. — Eu lhe chamei
aqui para conversar sobre um assunto urgente. Meu investigador
está trabalhando há 48h e ainda não conseguiu qualquer pista
sobre seus parentes. Portanto, tomei a liberdade de pôr em
prática uma decisão importante quanto ao seu futuro. Preparada?
Meu coração pula para a garganta.
— Que decisão? — murmuro, morta de medo de que me
coloque na rua.
Para onde eu iria, meu Deus?
Mas só porque queima
Não significa que você vai morrer
Try ~ Pink

Domenico endireita a postura antes de voltar a falar.


— Madah, você irá à faculdade de Administração.
Quase levo um choque com o aviso inesperado.
— Como? Por quê?
— Não será produtivo ficar semanas, talvez até meses,
dentro de casa, sem fazer nada.
— Eu poderia trabalhar…
— Nada disso. Dinheiro não lhe faltará enquanto estiver sob
meus cuidados. Prefiro vê-la se dedicar a uma boa graduação, a
estudos e trabalhos acadêmicos. Perder tempo com um
subemprego não levará a lugar nenhum.
Engulo a saliva, sem saber como rebater sua fala.
— E por que Administração?
— É um curso que irá lhe oferecer um grande leque
profissional, em setores privados e públicos. Acabei de consultar
meu advogado por telefone e ele providenciará a papelada para a
matrícula. Hoje é quarta-feira. A partir de segunda, poderá
frequentar as aulas. Ainda estamos em fevereiro, no início do
primeiro semestre, certamente conseguirá acompanhar. Está
bem?
"Está bem"?
Não, não. Meus batimentos pulsando desgovernados dentro
do peito sinalizam que me encontro muito longe de estar bem.
Apesar do alívio em saber que posso continuar morando
aqui, quase fico tonta ao tentar assimilar a novidade. Uma
faculdade, "do nada", definitivamente não estava nos planos.
Domenico parece decidido, com o cenário inteiro sob
controle, sem espaço para discussões. Mas quer saber?
Talvez eu esteja cansada demais para discutir, de qualquer
maneira.
É isso. Vou aceitar de bom grado qualquer opção que me
ofereça. Só de não envolver mais massagens em velhos
nojentos… Já estou no lucro.
— E o processo seletivo? Não fiz nenhuma prova. Após o
Ensino Médio, me inscrevi em um curso profissionalizante de
Hotelaria lá no Uruguai, mas tive que largar os estudos pela
metade.
— Fique tranquila. O reitor da FGV é um grande amigo. As
portas estarão abertas para você, assim como estiveram para os
meus filhos. Caso não saiba, é a melhor faculdade particular de
Administração do país.
— É? — pergunto, abafando um sorrisinho.
Óbvio que o reitor da FGV é um grande amigo dele.
Domenico parece ser um homem de contatos em todos os lugares
importantes.
— Positivo. Luca formou-se anos atrás, hoje faz MBA. —
Para de falar, coçando a barba grisalha. — Sin ainda está na
graduação, no último ano. Será bom para você já conhecer
alguém naquela faculdade. Tenho consciência de que meu caçula
não é sinônimo de simpatia, porém é melhor um rosto conhecido
do que nenhum.
— Sin ainda faz faculdade? — disparo, espantada.
Eu realmente não contei com a possibilidade de estudar com
ele.
— Faz. Ele já tem vinte e oito anos, mas demorou para se
formar na escola. Foi diagnosticado com TDAH quando ainda era
um menino, enfrentou dificuldades e… — Pigarreia, reformulando
a frase. — Entre outros contratempos.
O homem apoia a mão no tampo da mesa, fica em pé e alisa
a gravata. Deduzo que não quer se estender no assunto.
Uma pena, porque eu gostaria de saber mais sobre Sin,
sobre o diagnóstico do TDAH, sobre a infância dele, sobre os
"outros contratempos". Contudo, não vejo abertura para perguntar
mais nada a Domenico.
— Preciso me deitar, querida. — Ele volta a falar. — Estou
com uma dor de cabeça terrível. Foi um dia longo demais.
— Foi, mesmo. Melhoras. — Me levanto também. —
Obrigada por tudo, de verdade. Boa noite.

Os próximos dias fluem em um piscar de olhos.


A mansão é enorme e quase não me encontro com os outros
moradores.
Domenico sai para trabalhar de manhãzinha e só retorna à
noite.
Sin, Enrico e Luca são uma incógnita. Não sei exatamente o
que fazem durante o dia. Ninguém me fala nada, e eu também
não pergunto. Não é da minha conta.
Só sei que Enrico não sai muito, nos encontramos de vez em
quando pelos corredores ou na cozinha.
Luca costumo ver à distância, nadando na piscina aos finais
de tarde.
Já Sin eu nunca vejo, nem de relance.
Acho engraçado que os três marmanjos ainda morem com o
pai, mas… Pensando bem, como os julgar?
Aqui, eles têm todas as regalias. Uma equipe de funcionários
à disposição, roupa lavada, comida fresca, cômodos de mais e
cobranças de menos.
Hoje é domingo. Quando o mordomo me chamou para
almoçar, não imaginei que seria aqui, na sala mais luxuosa que vi
na vida, com a mesa posta completa. O capricho está em todos os
detalhes, dos talheres de prata aos pratos de porcelana.
Todos vieram, com exceção de Sin. Quase pergunto pelo
paradeiro do infeliz, mas Domenico me poupa de verbalizar a
minha curiosidade sem sentido. Ainda bem.
— Onde está o irmão de vocês? — quer saber, o olhar
estoico indo de Luca a Enrico. — Sabem que prezo pelos almoços
em família aos finais de semana.
— Ele está no estúdio com Marco e Paolo. — Luca dá de
ombros, sem sustentar o olhar do pai.
Aposto que está mentindo.
— Ensaio no domingo? — o pai estranha.
— Isso. Ensaiamos mais cedo, eu vim embora, ele ficou para
ajudar Paolo com uma nova composição. Isso aqui está muito
bom… — Muda de assunto, dando uma garfada na macarronada.
Domenico deixa para lá.
Mais tarde, Rico me leva novamente ao shopping para a
compra de alguns itens para as aulas, que vão começar amanhã.
Como ainda não tenho a lista do material da faculdade, escolho
apenas o básico na papelaria: um caderno, duas canetas, lápis e
borracha.
Quando voltamos para casa, já anoiteceu.
Só quero deitar e dormir, tentando aplacar a ansiedade que
me corrói quando penso na minha estreia na faculdade. Como o
ano letivo começou no início do mês, estou duas ou três semanas
atrasada.
Por Deus, só espero conseguir acompanhar a turma.
Mas se não conseguir, também… Qual o problema? Minha
situação com Domenico é provisória. Ele disse que vou ficar sob
seus cuidados por "semanas, talvez até meses" mas, mais cedo
ou mais tarde, tudo vai acabar.
Portanto, a ideia é tirar o máximo de proveito do cenário.
E frequentar por um tempinho uma faculdade excelente é um
bom começo.
— Eu te levaria para a aula amanhã… Se acordasse cedo.
— Rico me empurra com o ombro. — Sou um cara noturno, sabe?
Minha arte funciona melhor de madrugada. Por isso, costumo
acordar perto do meio-dia.
Ele me contou que está estudando Artes Plásticas.
É apaixonado por desenho, em especial a mão livre.
— Sei. E quando vai me mostrar seus desenhos?
— Quem sabe um dia. É uma coisa meio íntima e… — Me
puxa para mais perto pela cintura. — Talvez eu tenha vergonha.
Acho que não sou bom.
— Para de ser bobo. — Dou risada, subindo a escadaria ao
lado dele. — Aposto que você é muito bom.
— "Coisa íntima", "vergonha", "muito bom". — Luca está
parado no corredor dos quartos. Com os braços cruzados, exala
antipatia e hostilidade. — Não quero nem saber o que rola entre
vocês. Podre…
Seus olhos descem devagar para a mão de Enrico que
descansa na minha cintura. Quando esboça uma careta de nojo,
meu rosto pega fogo.
— E o que te interessa? — disparo, me segurando para não
xingar o babaca.
— Me interessa? Tá maluca? Nada! Ao contrário dele, me
recuso a comer a marmita do meu pai. — Cospe as palavras e
vira as costas.
— Cala a boca, Luca, você não sabe do que está falando.
As palavras de Enrico ressoam em vão.
Seu irmão mais velho já não está mais aqui.

Quando apareço na cozinha pela manhã, me deparo com


Domenico e Sin sentados junto ao balcão de mármore.
Finalmente, o caçula dos Sintori deu o ar da graça,
aparecendo em casa.
Lado a lado, eles tomam café em silêncio, de costas para a
porta.
Meu coração dá uma disparadinha traiçoeira quando
observo os ombros fortes do homem mais novo.
Com os cabelos castanhos bagunçados, Sin mantém a pose
rígida e os braços relaxados, com os cotovelos apoiados no
balcão. Como a camiseta preta é de manga curta, os bíceps
musculosos ficam aparentes, a pele clara repleta de tatuagens
escuras.
Assim que me aproximo do banco vago ao lado do pai, o
filho se levanta, levando sua xícara à pia.
— Bom dia — murmuro e apenas Domenico acena para
mim.
— Bom dia, querida. Animada para o seu primeiro dia de
aula?
— Acho que sim. — Me sirvo de café. — Eu…
— Estou indo agora para a faculdade. — Sin se apressa em
direção à porta, visivelmente mal-humorado.
Concluo que o pai contou a ele que vamos estudar juntos.
Tanto que, antes de deixar a cozinha, ele olha para mim e
despeja as palavras:
— Se quiser carona, agiliza.
Hesito por um momento, tentada a dispensar a "generosa"
oferta.
Só que eu não saberia chegar lá de ônibus, e seria abuso
demais gastar com táxi — sendo que Sin estava indo para o
mesmo endereço —, fora que eu teria que utilizar o cartão de
crédito que Domenico deixou comigo.
Eu pretendia usar aquele cartão o mínimo possível.
— Quero, obrigada — respondo, esboçando um sorriso.
Sin permanece parado junto ao batente, com a cara fechada.
Sua barba castanha, crescida, lhe confere um aspecto mais
feroz.
Meu sorriso vacila diante da sua má-vontade e repenso a
decisão.
É realmente uma boa ideia pegar carona com ele?
Mas que opção eu tenho?
Além do mais, como Domenico apontou, vai ser melhor
aparecer na faculdade com alguém minimamente conhecido do
que com ninguém.
Bebo o café de uma vez, pego um pão de queijo no cesto e
me afasto do balcão, me dirigindo à porta.
— Vou me trocar rapidinho, Davi Filipo. Nunca pisei em uma
faculdade. Tem alguma regra de vestimenta para os alunos?
— Não. É só não se vestir como uma puta que está bom —
murmura, cruzando os braços.
Arregalo os olhos e me viro para Domenico, para ver se vai
dar uma bronca no filho pela grosseria, mas o homem está
distraído, mexendo no celular.
Respiro fundo e passo por Sin, mordendo a boca com força.
Queria de verdade que nossa convivência fosse mais leve.
Mais normal.
Com Enrico me vejo tão tranquila… Seria ótimo se os outros
irmãos me tratassem com o mesmo respeito para que eu ficasse
mais à vontade por aqui.
Até chegar a hora de ir embora.

Ao descer a escada, encontro Sin me esperando no hall de


entrada. Com o rosto baixo e as costas apoiadas na parede, ele
mexe no celular.
Repasso na cabeça minha decisão de tentar ter um
relacionamento minimamente civilizado com ele.
Será a minha meta pelos próximos dias.
Vou me esforçar para não o provocar, a não ser que ele
passe dos limites… Afinal, não nasci para ser saco de pancadas.
Quando percebe a minha chegada, Sin ergue o olhar e meu
coração idiota dispara como um trem descarrilhado.
Sem falar nada, me avalia da cabeça aos pés.
Aparentemente, não desgosta da roupa que estou vestindo. Não
elogia, mas não critica.
O que é quase um progresso, vindo dele.
Como o dia está ensolarado, escolhi uma calça jeans e uma
blusinha branca. A bolsa preta combina com os tênis All Star. Os
cabelos soltos e os lábios cobertos com uma camada de lip balm
completam a produção.
Sin veste a camiseta preta com jeans da mesma cor. Roupas
escuras como as tatuagens.
— Vamos logo — diz, abrindo a porta para sairmos da casa.
Do lado de fora, uma bela Mercedes branca está
estacionada à nossa frente. Pelo jeito, ele a buscou na garagem
enquanto eu me arrumava.
Sin se acomoda atrás do volante. Eu dou a volta, me
sentando no banco de passageiro. Prendo o cinto de segurança
devagar, quase em câmera lenta, muito impressionada.
Meu Deus, o interior é incrível! Os bancos de couro caramelo
em contraste com os vidros escuros são simplesmente perfeitos.
Além de chique, o carro é bem cuidado, limpo e perfumado.
Nota dez.
Percebendo que estou de olho em cada detalhe, Sin
pergunta com a voz baixa, sem disfarçar o tom orgulhoso:
— Gostou da minha Branca?
Abafo uma risadinha ao ver que ele tem um apelido para a
Mercedes.
— Sim. É muito bonita.
Abro um sorriso sincero que, para variar, ele não
corresponde. Apenas passa a dirigir em silêncio, e compreendo
que nossa "conversa" está encerrada.
Eu queria lhe perguntar o que fez nos últimos dias, afinal,
desapareceu desde que voltamos de viagem, mas não senti
qualquer abertura da parte dele.
O clima entre nós parece tenso e pesado, mais
desconfortável a cada minuto.
Para tentar relaxar, pego o celular e os fones na bolsa —
todos os objetos recém-comprados com a ajuda de Enrico —, e
procuro por uma música boa.
Sin observa a minha movimentação, me espiando de rabo de
olho.
— Pode ligar o som do carro. Se quiser — completa, com
uma entonação milagrosamente normal, sem denotar irritação.
— Obrigada.
Estico a mão, mas paraliso diante da infinidade de botões.
Então, ele se adianta e liga o painel, escolhendo uma das
playlists.
"Try", da Pink, ressoa pelas caixinhas de som.
Embora seja uma música que eu adore, estranho a escolha.
Não combina com ele.
Where there is desire, there is gonna be a flame
(Onde tem desejo, vai ter uma chama)
Where there is a flame, someone's bound to get burned
(Onde tem uma chama, alguém vai tender a se queimar)
— Sério que você gosta de Pink? — Puxo conversa,
sorrindo. — Eu adoro, mas pensei que…
— É a playlist que coloco para as garotas. Todas gostam.
Ok. Entendi que está habituado a carregar um milhão de
ficantes no carro.
Sin não fala mais nada durante o trajeto, mantendo os olhos
na rua enquanto dirige. Em um dado momento, abre a capota da
Mercedes e sinto um frio na barriga bem gostosinho.
É a primeira vez que ando em um carro conversível e já
consigo entender o apelo. A sensação de liberdade é deliciosa.
Sorrio com as lufadas mornas de vento no rosto, prendo os
cabelos esvoaçantes em um rabo e cantarolo Pink, me distraindo
sozinha.
Vez ou outra, espio seus antebraços tatuados, com as veias
aparentes serpenteando entre os desenhos.
Quando chegamos à FGV, ele fecha a capota e liga o ar-
condicionado.
O contraste de temperatura me deixa inteirinha arrepiada.
Ou talvez seja a visão à minha frente.
Um enorme portal com os dizeres "Fundação Getúlio
Vargas" coroa a entrada do estacionamento. Mais ao fundo, é
possível ver os prédios da faculdade. Um mais alto, outros
menores, todos muito imponentes. Ao redor, as pracinhas
elegantes, o gramado bonito, os jardins planejados… Tudo é
ostensivo, digno da elite paulistana.
Sin nem se abala, óbvio, está acostumado a vir aqui, mas eu
fico boquiaberta.
Enquanto manobra o carro, dando marcha a ré para entrar
em uma das vagas, um grupinho de quatro pessoas se aproxima
e, mesmo com as janelas fechadas, posso ouvi-los falar o nome
de Sin.
Certamente, reconheceram a "Branca" dele.
Como o vidro tem insulfilme, eles não podem nos enxergar,
mas eu os enxergo muito bem.
As duas garotas estão muito mais arrumadas do que eu,
com os cabelos escovados, os rostos maquiados, os saltos altos
nos pés e as bolsas chiques a tiracolo. Sério que se montam
assim para frequentar aulas?
Com as mãos trêmulas, tento guardar o celular com os fones
e fechar o zíper, mas me atrapalho e derrubo a bolsa do meu colo.
Com a falta de sorte que tenho, ela cai com a abertura para baixo,
espalhando tudo pelo chão do carro.
Me inclino para recolher as coisas enquanto Sin desce, me
deixando sozinha.
Espiando pela janela, o observo cumprimentar os garotos
com toques de mão e as garotas com beijos no rosto. Nada de
anormal.
O clima parece tranquilo entre eles.
Sin se encosta em uma mureta e fica olhando na minha
direção. Quando finalmente saio da Mercedes, tropeço sozinha e
ele esboça um sorrisinho cruel. Babaca.
Felizmente, consigo me equilibrar no último segundo, sem
me espatifar no chão. Espano a roupa, com a cabeça baixa, ciente
de que o nervosismo faz o meu rosto pegar fogo.
Assim que levanto os olhos, me deparo com todos os
olhares voltados para mim. Uma das garotas, também apoiada na
mureta, engancha o braço no de Sin, abrindo um sorriso
desdenhoso.
— Dando carona, gato? Quem é essa? — pergunta, jogando
os cabelos loiros para o lado. Parece ser mais nova do que eu.
Dezoito ou dezenove anos, eu arriscaria dizer.
— É uma garota que… Meu pai levou para casa. Vai ser
caloura aqui. — Ele dá de ombros, sem sorrir. Acende um cigarro
e leva a ponta aos lábios, encerrando o papo.
— Ela vai estudar aqui? — A menina parece surpresa. —
Assim? — Aponta para as minhas roupas, desdenhando da minha
aparência. Ridícula.
— Vai — diz ele, soltando a fumaça.
A loira pega o cigarro da mão dele e dá uma longa tragada.
Ok. Entendi que possuem intimidade.
— Caloura? Prazer. — Um dos garotos me estende a mão,
simpático. — Bruno.
Com o corpo atlético e os cabelos lisos caindo em uma
franja, me lembra o Kaká quando jovem, na época que jogava
pelo Brasil.
— Madeleine. Prazer — respondo, apertando a mão dele,
desconfortável com a atenção de todos em cima de mim.
Olho para os lados, decidindo o que fazer. Quero me afastar
deles, mas estou com vergonha de sair andando sozinha, sem
rumo.
Não sei nem para qual lado fica a saída do
estacionamento…
— "Madeleine", que nome diferente. Ele é o Leonardo. —
Bruno indica o outro garoto baixinho que sorri para mim. —
Lorena e Carol. — Aponta com a cabeça para elas.
Lorena é a loira perto de Sin, e Carol é a morena depois
deles.
— Pode me chamar de Madah. Prazer em conhecer todos
vocês.
Então, reparo em um detalhe…
Enquanto uma Lorena feliz e sorridente acaricia o antebraço
de Sin, ele parece não apreciar nada o gesto carinhoso, pela
expressão de desconforto no rosto dele. Poderia apostar que está
detestando o contato.
— Está na hora. — Ele se solta dela, vindo até mim. —
Domenico me pediu para levar você até o reitor.
Prendo o ar quando ele apoia a mão no meu ombro.
Estranho o toque inesperado, mas não o dispenso.
É a primeira vez que ele deliberadamente encosta no meu
corpo.
— Até mais, pessoal. — Acena, se despedindo dos amigos.
Sin movimenta os dedos pesados pelas minhas costas até
alcançar a cintura, deixando um rastro ardente pelo caminho.
Quase me desequilibro com as sensações diferentes que
correm pela minha espinha, me fazendo queimar.
Me concentro para caminhar ao lado dele, nossos corpos se
roçando a cada passo.
— Quer fazer ciúmes para a sua ficante? — Franzo a testa,
apontando com o queixo para seus dedos tatuados, fixos na
lateral do meu tronco.
— Ela não é a minha ficante. Por que a careta? Meu toque te
incomoda?
Sin para de andar e me encara com firmeza. Ficamos frente
a frente e, talvez para me provocar, ele aumenta o contato, me
segurando pela cintura com as duas mãos.
Levanto o queixo para o encarar de volta, quase me
perdendo nos seus olhos castanho-claros, cor de avelã. Mais de
perto, sob a luz da manhã, posso ver também seus cílios
absurdamente longos e suas pintinhas nas maçãs do rosto e no
nariz.
Pintinhas, não. Sardas.
Milhares de sardas amarronzadas salpicadas pela pele clara,
que o deixam ainda mais bonito, com um aspecto de menino.
Como seria traçá-las com as pontas dos dedos?
— Suas grosserias me incomodam. E vai mesmo mentir
dizendo que aquela menina não é a sua ficante? Tá bom. Não foi
o que me contaram… — Jogo verde.
Sei que colhi maduro quando ele pragueja baixinho:
— Luca fofoqueiro pra caralho.
Sin volta a andar, com uma mão nas minhas costas, de
novo.
Embora pareça extremamente irritado, ele não me larga.
Nem quando chegamos ao prédio da faculdade.
Estou morrendo com nossos corpos próximos assim,
sentindo tanta hostilidade irradiando dele para mim, quase me
pinicando. Mal consigo respirar.
Penso em falar alguma coisa para amenizar o clima:
— Calma, bebê. Não precisa ficar irritadinho por…
Minha frase morre sozinha quando o infeliz paralisa no lugar,
os olhos vidrados de um jeito que nunca vi, me assustando.
— Nunca mais me chame de bebê — sibila, agarrando meu
pulso. — Sua imbecil sem-noção.
Ele está tremendo de ódio. Me mataria aqui mesmo, se
pudesse.
Atônita com a reação dele, me desvencilho e dou dois
passos para trás. Meu coração bate tão forte que até me atordoa.
Levo longos segundos para reencontrar minha voz:
— Vou sozinha à reitoria, posso seguir as placas. E imbecil
sem-noção é você, Davi Filipo… Vai se foder.
Em uma atitude impensada, mostro o dedo do meio para ele
e entro correndo na faculdade, sem olhar para trás.
Pelo jeito, já falhei na minha meta.
Na primeira porcaria de manhã.
Eu sei, eu sei que é você
Você diz olá, e então eu digo adeus
Around The World ~ Red Hot Chili Peppers

Os últimos dias se arrastaram de maneira lenta e pesarosa.


Quase não pisei em casa, procurando me poupar da
convivência com a "hóspede" que Domenico queria me empurrar
goela abaixo.
Passei as tardes e as noites no estúdio, tocando música e
jogando tempo fora, ou simplesmente cochilando, me refugiando
na mansão de Marco e Paolo.
Ainda não sei quase nada sobre Madah.
Se ela está morando na minha casa por algum motivo.
Se Domenico tem interesse nos "serviços" da garota.
Se o homem se sente atraído por ela.
Enrico, eu desconfio que sim. Anda grudado demais nela.
Luca vive falando sobre as cenas irritantes que presencia em
casa… Ainda bem que não estou lá para ver a palhaçada com
meus próprios olhos.
Meu irmão do meio não é gay? Madah está interessada
nele? Ou será que o alvo dela é o meu pai? Que merda veio fazer
aqui? Quando vai embora de vez?
As perguntas sem respostas estão me matando…
Ontem mesmo, quando voltei para casa perto da meia-noite,
encontrei Domenico ainda acordado. Tivemos uma maldita
conversa que…
Que não me esclareceu quase nada.
Quando percebi a luz acesa sob a porta do escritório, bati
duas vezes e ele me autorizou a entrada.
— Boa noite. Pai, então… Ainda não explicou o motivo de
Madah estar aqui. — Fui direto ao ponto, me sentando do outro
lado da mesa. Tentei estabelecer um contato visual, mas não deu
certo.
— E nem vou explicar — disse, com os olhos fixos no
computador.
— Porra, tem que ter uma explicação! — explodi. Minha
cabeça girou, me deixando enjoado. Pelo menos, consegui a
atenção dele.
Domenico me fitou com o olhar sério, entrelaçando os dedos
sobre a mesa.
— Che cavolo, por que fica implicando com ela? Enrico a
aceitou bem. Por que não baixa a guarda? Madah é uma boa
menina.
Apesar da voz contida, percebi que estava com raiva de
mim. Afinal, fui grosseiro e desrespeitoso.
Não que eu goste de destratar o meu pai. Tenho as minhas
mágoas com ele, admito, mas tento manter um relacionamento
decente entre nós.
Só que, às vezes, explodo. É mais forte do que eu…
Equilíbrio emocional nunca foi meu forte, ainda mais depois
daquela merda do meu passado.
— Ok. Me desculpe. Só preciso de umas respostas… —
acrescentei e ele assentiu, me olhando com seriedade. — Ela era
massagista lá no Uruguai. Certo?
— Certo.
— E ela fazia apenas massagem nos clientes? Fiquei
sabendo de uma tabela com "extras" que podiam contratar. —
Gesticulei as aspas com os dedos.
— Filho… — Meu pai soou hesitante. — Madah não tinha
opção.
— Já entendi. — Eu o cortei, incomodado com a confirmação
dos serviços sexuais que ela fazia em troca de dinheiro. — E você
fez uso desses extras?
— O quê?! — disparou, como se fosse a coisa mais absurda
do mundo. — Nunca encostei nela… Nem ela em mim. Eu juro.
— Sei. Mais uma pergunta. Não se importa que ela se
envolva com outro homem? — arrisquei, querendo descobrir quais
eram as intenções dele.
— Que homem? — Franziu as sobrancelhas grisalhas, me
esquadrinhando. — Bem que desconfiei de vocês dois…
— Eu, não. Mas agora que ela vai para a faculdade, pode…
— Não vou interferir nas relações pessoais dela. Madah é
adulta, que faça o que bem entender, com quem quiser. —
Balançou uma mão no ar, dispensando a questão. — Agora me dê
licença, preciso terminar um e-mail.
Deixei o escritório com a pulga atrás da orelha, sem saber se
Domenico havia mentido para mim.
Ainda que fosse verdadeiro o fato de que ele e Madah nunca
tiveram nada, não me conformava com o fato de ter trazido uma
prostituta para casa.
Não me conformava mesmo.
Sentado na última fileira da sala, suspiro fundo e deito a
cabeça nos braços.
Absorto nos pensamentos, não consigo prestar atenção à
aula de Direito Empresarial.
É uma matéria do primeiro ano de Administração, mas…
Aqui estou eu. Cumprindo uma maldita "DP".
Encaixo um dos fones e me perco no rock antigo do Red
Hot.
O solo do baixo em "Around The World" é um tesão.
I know, I know it's you
You say hello, and then I say adieu
(Eu sei, eu sei que é você
Você diz olá, e então eu digo adeus)
Sem que eu possa evitar, as imagens de Madah na minha
Branca voltam à minha mente.
Ela não parou de sorrir ao ver o carro, empolgada, e pareceu
ainda mais feliz quando abri a capota.
Ainda me lembro da primeira vez que levei uma garota para
passear na Mercedes conversível, zero quilômetro.
Eu estava animado pra caralho, porém, assim que ela
entrou, me pediu para fechar o teto para não ficar descabelada.
Mas Madah, a prostituta de luxo que atendia os magnatas
em Punta, não. Apenas pegou um elástico na bolsa e prendeu os
cabelos castanhos em um rabo bagunçado. Sua atitude tranquila
e seu sorriso leve, assim como o vislumbre do seu pescoço à
mostra, a deixaram sexy demais. Uma tentação…
Uma tentação a que não posso ceder. Nunca.
Ao final da música, meu olhar vagueia na direção do
professor.
Vestindo um terno azul-marinho, anda para lá e para cá
como um maldito aristocrata, com seus cabelos grisalhos, sua
postura rígida e seu nariz arrogante.
De repente, ouço o homem pigarrear mais alto.
Retiro o fone e escuto sua voz grave:
— Agora, irei receber os pré-projetos. Como expliquei no
início da aula, quando vocês pegaram os papéis em branco, eles
poderiam ser feitos individualmente ou em dupla. A ideia é já
definir o tema e as fundações metodológicas para o trabalho
sobre Legislação. Aliás, espero que caprichem quando forem
fazê-lo, será a principal nota do bimestre. Por ordem alfabética.
Amanda?
Como assim? "Pré-projetos"? "Papéis"? Porra, não faço
ideia de nada disso.
Suando frio, massageio o osso nasal e tento respirar pela
boca, com meus batimentos me sufocando.
Não posso reprovar novamente nesta matéria. De jeito
nenhum.
— Rodrigo… — Cutuco meu colega ao lado e tento
conseguir ajuda. Me concentro para manter a voz baixa,
disfarçando meu desespero. — Você fez em dupla?
— Fiz com o Breno. Ele já está entregando a nossa folha. —
Sinaliza com a cabeça para a frente, tranquilo, girando um lápis
entre os dedos. — Por quê?
— Nada. — Enterro as mãos nos cabelos, exasperado.
Não conheço mais ninguém aqui, ou seja, não tenho a quem
mais recorrer.
Já era.
O professor continua chamando os alunos. Até que…
— Davi? — Esboça um sorrisinho debochado, já presumindo
a minha falha.
— Eu… — Abro um livro pesado e o folheio na maior cara de
pau, como se esperasse que, por um milagre, o papel inexistente
se materializasse bem aqui.
— Vamos logo, Davi, não tenho a manhã inteira.
— Ah… Não está aqui, senhor. — Fecho o livro, sustentando
o olhar dele.
Por trás dos óculos redondos, seus olhos não vacilam. Pelo
contrário, eles brilham, exalando satisfação. O desgraçado está se
divertindo, sem dúvida.
— Lógico que não estaria.
Seu dedo indicador aponta para mim, fazendo vários rostos
se virarem para trás.
Meu sangue gela quando entendo que quer me humilhar.
Diante dos olhos de todos.
O maldito volta a falar:
— Sua falta de comprometimento não me surpreende. Não
me surpreende em nada. Um veterano que continua preso em
uma DP de primeiro ano? É algo patético que denota
irresponsabilidade e…
Sua frase é interrompida por uma voz delicada que… Espera
um pouco. Caralho, isso é algo inesperado… Não, não.
"Inesperado", não.
Impossível.
Porra, eu nem tinha visto que ela estava nesta mesma
sala…
— Com licença, professor. Ele vai fazer o trabalho comigo.
Aqui está o pré-projeto com o tema que escolhemos juntos.
Sentada na primeira fileira, Madah estica o braço fino para a
frente, entregando a folha ao homem.
Sem piscar, observo sua mão delicada e percebo que está
levemente trêmula.
— Vai, mesmo? — Franze a testa, desconfiado, pegando o
papel dela.
— Sim, senhor.
Ele ajusta o posicionamento dos óculos para ler a folha.
Depois, a encaixa em uma pilha que está em cima da mesa.
— Prosseguindo, Elisa? — Volta a chamar os alunos, sem
sequer me pedir desculpas. Filho da mãe.
Me sentindo uma tonelada mais leve, solto devagar o ar pela
boca, sem entender o motivo que levou Madah a me ajudar.
Não sei por que fez isso.
Só sei que preciso falar com ela no intervalo.
Sem falta.

Assim que bate o sinal, puxo o maço do bolso e me dirijo ao


pátio externo.
Corro os olhos pelos bancos e logo encontro Madah sentada
sozinha, abrindo uma barrinha de chocolate. Perto de uma
parede, o sol bate no seu corpo e cria sombras atrás, os raios
deixando os cabelos castanhos com tonalidades douradas.
Acelero o passo, me aproximando rápido, sem me dar
chance de desistir.
— E aí? — Me sento ao lado, fazendo a garota arregalar os
olhos. Distraída, nem me viu chegar. — Obrigado por me salvar lá
dentro.
— De nada — diz, terminando de desembrulhar o chocolate.
— Por que fez aquilo?
Apoio os cotovelos nos joelhos, me inclinando para a frente,
tentando parecer tranquilo, ou melhor, ignorando meu coração que
bate descompassado dentro do peito.
— Porque, apesar de você não merecer minha ajuda para
nada, aquela atitude escrota do professor me incomodou.
Assinto em resposta e encaixo um cigarro entre os lábios.
Ela volta a falar:
— E pode deixar, vou fazer o trabalho sozinha, prefiro assim.
Mas não se acostume… Será só dessa vez. Não pretendo ficar
fazendo suas tarefas acadêmicas.
— Entendi. — Solto a fumaça para o alto, sem desejar
estender a conversa.
Mas Madah tem outros planos porque continua falando e
falando.
— É uma faculdade maravilhosa, sabe? Fiquei realmente
impressionada com as instalações. Me contaram que é a melhor
entre as particulares no ranking do MEC. Ou seja, é uma
oportunidade de ouro estudar aqui. Dê mais valor, seja mais
responsável… — Enquanto despeja as palavras, o vento traz seu
hálito de chocolate diretamente para mim. — Você não para em
casa, fica o dia inteiro no estúdio. Enquanto não terminar os
estudos, não deveria priorizar a banda.
Disfarço um sorriso ao notar que vem reparando nos meus
hábitos, sabe até para onde vou quando não estou em casa.
Será que perguntou sobre mim a alguém? Com certeza, meu
pai ou meus irmãos falaram do estúdio com ela. Pelas minhas
costas.
"Você não para em casa, fica o dia inteiro no estúdio", repito
mentalmente, com um formigamento estranho correndo pela
minha pele.
— Ei… — Não me contenho, ajeitando uma das suas
mechas atrás da orelha, apreciando a textura delicada sob os
meus dedos. — Acha mesmo que é por causa da banda que eu
não paro em casa?
Madah enrijece o corpo e me encara, sem falar nada.
Quando umedece os lábios com a ponta da língua, meus
olhos descem com tudo, como se tivessem vida própria.
Enquanto me vejo preso na maldita cena, hipnotizado pela
sua boca rosada, o ar fica mais denso, com a eletricidade indo e
vindo.
Eu poderia beijá-la.
Um único beijo e…
Não, não devo fazer isso.
Ou vou me foder de vez.
Até que o sinal bate, estridente, quebrando o clima
esquisito.
— Isso não muda nada, beleza? — Fico em pé e descarto o
cigarro, me preparando para deixar o pátio.
— O que quer dizer? — Ela dá mais uma mordidinha no
chocolate. Nesta velocidade, vai levar uma hora para comer a
barrinha inteira.
— Ainda que tenha me ajudado… — Endireito a postura,
escolhendo as palavras. — Continuo sem gostar de você.
— Meu Deus, será que vou sobreviver? — Sorri com
desdém. — De verdade, Davi Filipo? É recíproco… É totalmente
recíproco. Vamos só esquecer os eventos desta manhã.
Eu quero chorar, e eu quero amar
Mas todas minhas lágrimas foram gastas
Another Love ~ Tom Odell

As próximas semanas passam em um borrão.


Já vai fazer um mês que Madah mora com a minha família,
mas mal tenho contato com a infeliz. Eu não paro em casa, e
ela… Sei lá. Não faço ideia do que tem feito da vida.
A gente apenas respira o mesmo ar durante as caronas
matinais para a faculdade, que transcorrem em um silêncio quase
absoluto.
Pelo jeito, a garota levou muito a sério o lance de esquecer
aquela nossa primeira manhã, quando desandou a falar comigo
no intervalo.
Hoje ela saiu do carro assim que estacionei, murmurando
um "obrigada pela carona", como sempre.
Não a segui até o prédio principal porque vim correndo para
o ginásio esportivo. Estou uns minutinhos atrasado, mas faz
parte…
Como vão começar os Jogos Universitários, combinamos de
treinar todas as sextas-feiras, às 6h30, antes das primeiras aulas.
Já são 6h40.
Os treinos costumam reunir as turmas de todos os anos, o
vestiário masculino fica lotado. É um inferno. Ao empurrar a porta
de metal, sou engolido pelo ambiente ruidoso, fedendo a catinga,
suor e umidade. A conversa dos caras está ainda mais barulhenta
do que o normal, não sei o porquê.
Franzindo o rosto por conta do mau cheiro, vou direto até o
meu armário para me trocar.
No banco em frente está o Bruno, o capitão do time de
futebol da FGV.
— Hoje a animação tá demais — digo, separando meu
uniforme. — O que tá rolando?
— Saíram as chaves, vamos pegar a PUC no primeiro jogo
— explica.
Ele abre um sorriso empolgado e continua a se arrumar. Já
está quase pronto para entrar em campo, ajeitando o meião e a
caneleira.
— Vai ser moleza — murmuro, despreocupado.
— É o que eu espero. — Ele vem até mim e dá um tapinha
na porta de metal do armário. — Tô indo. Agiliza, Sin… Te vejo no
campo.
Bruno nunca se atrasa para os treinos. Como capitão do
time, tem que dar o exemplo e ser pontual. Por isso nunca me
candidatei para a vaga.
Ainda estou me aprontando quando uns nerds se aproximam
de mim. Eduardo e André. São uns caras esquisitos que só
curtem computadores, jogos online e essas merdas. Circulam
entre os populares apenas porque descolam umas drogas
sintéticas de qualidade.
— Fala, Sin… Deixa eu te perguntar. Madeleine está
solteira? — Eduardo dá um sorrisinho, sem qualquer noção. Me
seguro para não esmagar aqueles seus óculos de grau ridículos.
— Sei lá, caralho — resmungo, amarrando as chuteiras,
sentado no banco.
— Não sabe? Como assim? Você não dá carona para ela
todos os dias?
Minhas mãos fecham em punhos.
Me esforço para responder com a voz baixa:
— A gente não conversa sobre isso.
A gente não conversa sobre nada, para ser mais preciso.
— É que todo mundo já deu uma conferida na caloura
nova… — André solta uma risadinha, me enervando ainda mais.
— Agora, a expectativa está alta. A molecada quer ver quem vai
ser o primeiro a ficar com ela.
Me levanto e bato a porta do armário, o estrondo metálico
revelando que usei força demais.
— Porra, podem esquecer. Ninguém aqui vai ficar com ela —
acrescento, me apressando para deixar o vestiário.
Minha cabeça martela com as palavras dele, desbloqueando
uma preocupação nova, que sequer imaginei que poderia ter…
"Quem vai ser o primeiro a ficar com ela."
Puta que pariu.
Era só o que me faltava.

Enfim, sábado.
Depois daquela maldita abordagem dos nerds no vestiário,
tive uma manhã de merda na faculdade.
Ainda bem que hoje não preciso voltar para lá.
Ao abrir a varanda do quarto, fico cego com a luminosidade
que bate na minha cara.
Esfrego os olhos para tentar recobrar a visão, apreciando o
calor dos raios solares no rosto.
Quando volto a enxergar, reparo que meus irmãos estão na
piscina. Visto uma bermuda de tactel, coloco o celular no bolso e
pego uma toalha de praia.
Desço rapidinho até eles, aproveitando que estão sozinhos.
Caso Madah também apareça por lá, eu saio. Simples.
— E aí, caras?
Aceno para os dois ao subir os degraus do deck. Luca está
dentro da água e Enrico sob o chuveiro, tomando uma ducha. Eles
me cumprimentam de volta.
Nem sinal do meu pai, nem da protegida dele. Olho ao redor,
esquadrinhando o espaço inteiro, para ter certeza. As
espreguiçadeiras estão vazias.
— Cadê Domenico? — pergunto, caminhando devagar até a
borda da piscina. A madeira sob os meus pés está morna do sol.
Ainda na água, Luca bagunça os cabelos molhados antes de
falar:
— Foi viajar.
"Viajar"?
Do nada?
Porra, será que levou Madah com ele?
E se foram para Punta? E se ela não voltar para cá? Nunca
mais?
Eu deveria ficar feliz.
Deveria.
— A trabalho? — Salto para dentro da piscina, submergindo
o corpo inteiro. Mesmo a temperatura fria da água não ajuda a
aliviar a agitação do meu estômago.
— Milagrosamente, não. Estava todo empolgado… — Luca
dá risada. — Foi para a casa de praia curtir o final de semana.
Acompanhado, lógico.
— Entendi.
— Sabe o que isso significa? — ele quer saber e eu suspiro
fundo.
Significa que Domenico irá transar pra caralho. Significa que
Madah não terá mais como bancar a santa, fingindo que não
existe um lance sujo entre eles. Significa que…
— Festinha! — Luca passa um braço pelo meu pescoço, me
puxando para perto. — Vamos chamar todo mundo?
Sua animação não me contagia. Pelo contrário, estou
enjoado aqui, quase passando mal.
— Vamos. — Saio da piscina, me enxugando com a toalha.
Alcanço o celular sobre a mesinha e digito a mensagem:
"Casa liberada. Trazer bebida. Oito da noite."
Mando nos grupos certos, convidando uma galera em cinco
segundos.
— Já avisou ao pessoal da FGV? — Luca pega o celular
dele depois de se enxugar. — Estou vendo aqui a mensagem no
grupo da banda, vou repassar para a turma do MBA. Pediu para
os Fontini chegarem mais cedo?
— Sim, sim.
Jogo a toalha úmida na cara dele, mas o espertinho é ligeiro
e pega a peça no ar com a mão livre, rindo adoidado.
É sempre assim. Toda vez que Domenico viaja, eu e Luca
organizamos festinhas em casa, com a ajuda de Marco e Paolo
Fontini, os filhos do tio Giuliano.
E, modéstia à parte, as nossas festas são as melhores.
Não vejo a hora de pegar uma garota. Qualquer garota, para
acalmar meus hormônios e voltar a pensar racionalmente, mais
centrado e tranquilo.
Se por fora consigo disfarçar, brincar e manter o sorriso no
rosto, a verdade é que por dentro estou absurdamente
incomodado.
Não aguento mais a presença daquela prostituta na minha
casa, com os demônios do passado ameaçando me engolir todos
os dias.
Não aguento mais, mesmo.

Por volta das 19h horas, já estou pronto.


Quando desço as escadas, encontro Marco largado em uma
poltrona do hall, as mãos atrás da cabeça raspada.
— Sinta-se em casa. Tatuagem nova? — Aponto para o
antebraço dele, onde uma rosa vermelha se destaca entre os
outros desenhos.
— É, estou quase fechando os braços como você.
Fica em pé, exibindo as artes, orgulhoso.
— Legal. E o que faz aqui sozinho?
— Esperando Luca descer, acabou de subir para tomar um
banho.
— Entendi. Vamos conferir o freezer. — Volto a andar e ele
vem atrás. — Quero checar a quantidade de gelo. E o seu irmão?
— Paolo vem mais tarde — diz, entrando comigo na cozinha.
— Tinha um ensaio de teatro.
Assinto, conferindo o gelo no freezer.
Depois, pego uma cerveja para Marco e nos sentamos junto
ao balcão.
Papo vai, papo vem, Luca aparece e abre uma latinha para
ele também.
Até que, do nada, Madah surge na porta da cozinha.
Porra, como assim? Ela não tinha ido viajar com o meu pai?
Ela hesita quando nos vê, entreabrindo os lábios. A sem-
noção está com os cabelos molhados, sem maquiagem. Com a
cara limpa, parece ainda mais nova. Para piorar, veste um
pijaminha rosa de algodão de duas peças. Um short curtinho e
uma blusinha leve.
— A festa já vai começar, caralho. Vai se trocar — rosno, me
esforçando para não descer os olhos pelo seu corpo.
Não tenho qualquer sucesso na empreitada.
Sem sutiã, seus mamilos pontudos ficam perceptíveis sob o
tecido do pijama, atraindo meu olhar com violência.
— E vê se bota um sutiã — completo.
Com o rosto pegando fogo, ela passa pela gente a passos
decididos, abrindo o armário sobre o forno.
Quando fica na ponta dos pés para alcançar a prateleira,
Luca e Marco não perdem a oportunidade e a devoram com os
olhos, me irritando ainda mais.
— Para sua informação, Davi Filipo… Eu uso sutiã se quiser,
o corpo é meu. E não vou participar de festa nenhuma.
Depois, coloca um pacote de pipoca no micro-ondas, me
dando as costas.
Antes que eu consiga pensar em uma resposta, meu irmão
toma a iniciativa:
— E o que vai fazer em pleno sábado à noite, sem
Domenico? — Luca pergunta, com os antebraços apoiados no
balcão.
— Não que seja da sua conta, mas… Combinei de ver Netflix
com Rico — ela informa, ainda de costas, com a voz indiferente.
"Rico". Bufo incrédulo com o apelido. Que intimidade é
essa?
Não posso acreditar que Madah está tentando colocar as
garras no meu irmão fracotinho. Maldita oportunista.
De qualquer forma… Azar o dela focar nele, porque tenho
quase certeza de que Enrico não curte garotas.
— Essa que é a nova "aquisição" do tio Domenico? — Marco
quer saber, cutucando Luca com o cotovelo, sussurrando
propositalmente alto.
— Sim, Marco. Madah… — Meu irmão sorri com malícia. —
Aposto que está mal-humorada porque meu pai foi viajar com a
namorada oficial, deixando o brinquedinho novo largado em casa.
Nós três nos acabamos de rir com o comentário escroto.
Madah apenas enrijece a postura, sem abrir a boca.
Quando o micro-ondas apita, ela se sobressalta. Em um
movimento rápido, pega o saco de pipoca e desaparece da
cozinha.
Pelo jeito, não teve coragem de nos enfrentar.
Se bem que três contra uma foi sacanagem…
Eu quero usar e abusar de você
Eu quero saber o que está dentro de você
Sweet Dreams (Are Made Of This) ~ Marilyn Manson

A festinha está rolando há mais de uma hora.


Música alta, iluminação pulsante, dezenas de pessoas
circulando para lá e para cá, outras tantas se espremendo na
pista improvisada entre os sofás da sala.
O DJ toca Marilyn Manson, um dos meus músicos
preferidos, com as batidas cadenciadas de metal e, mesmo assim,
não consigo relaxar.
Meu pensamento traiçoeiro vive voltando para a Magrela.
Ela continua no andar de cima com o meu irmão?
A ideia de que desça para a festa me deixa agitado. Os
caras da faculdade estão mais bêbados do que gambás e todos
adoram uma carne nova.
Me dirijo à cozinha, os passos apressados, quase
descoordenados. Me aproximo da bancada e alcanço a vodca
importada entre a bagunça de copos e garrafas vazias.
Quase nunca bebo, mas que se dane… Uma dose de álcool
não vai me matar. Que se fodam os remédios. Que se fodam as
consequências que sofrerei depois.
Preciso disso agora.
Mais do que nunca.
Tomo um gole lento, apreciando a queimação que desce
rasgando pela garganta.
De repente, uma garota cola do meu lado e apoia os peitos
sobre o balcão, atraindo o meu olhar. Lorena.
— E aí, Sin? Tudo bem?
Ela sorri, esbanjando segundas intenções. Sorrio de volta,
vendo vantagem.
— Tudo. Quer ir comigo a um lugar mais privado como… —
Levo as pontas dos dedos a uma mecha loira que cai entre os
peitos fartos. — Como o meu quarto?
— Quero — responde, sem cerimônia.
Porém, antes que eu possa a puxar comigo, tenho o
vislumbre de um rosto deslocado passando pela cozinha.
Enrico.
Ele parece confuso em meio à bagunça. Desajeitado, passa
a escolher uma bebida na geladeira e… Merda. Se o infeliz está
circulando pela festa, isso significa que…
— Um minuto, Lorena.
Viro a dose de vodca de uma vez.
Deixo a cozinha em um pulo e subo os degraus de dois em
dois.
As perguntas giram como um carrossel na minha mente
perturbada. As palavras "Madah", "sozinha", "quanto tempo" se
misturam e, inexplicavelmente, o medo de que ela esteja com
alguém lá em cima faz meu estômago doer.
Enjoado, paro em frente à sua porta, que está um palmo
aberta.
Coloco a cabeça no vão e me perco com a movimentação
que acontece do lado de dentro.
Somente com a luz de um abajur iluminando o ambiente,
Madah está retirando o sutiã branco por dentro do vestido de
alcinhas, soltando o fecho de trás. Depois, passa a descer uma
alça de cada vez, escorregando as tiras pelos braços finos.
Invado o quarto sem pensar duas vezes.
— O que está acontecendo aqui?! — esbravejo.
Correndo os olhos pelo ambiente, não enxergo mais
ninguém.
Em silêncio, ela me dá as costas e joga o sutiã na cama
vazia.
Em seguida, apoia displicentemente os cotovelos na
cômoda, me olhando com desdém. A luz da televisão ainda ligada
deixa o teto azulado.
— Ah… — Sorri com deboche. — Estou me preparando.
Meu crush precisou sair rapidinho, mas já deve estar voltando.
Estou tão ansiosa… Sabe por quê? — Diminui a voz, como se
fosse confidenciar um segredo: — Porque não vejo a hora de
cavalgar no pau dele.
CA.RA.LHO.
Eu avanço com tudo, alcançando seu pulso fino.
Meus batimentos estão tão alterados que mal consigo
respirar.
— Me larga — sibila, os olhos fixos nos meus, a centímetros
de distância. — Qual é o seu problema?
— Você é o meu problema. E sabe o que faço com os
problemas? Esmago cada um deles, assim como todos os insetos
imundos que entram no meu caminho…
— Ui, que medo! — Ela sacode o corpo, como se estivesse
tremendo. Dá risada, mas logo fica séria. — Se pensa que o
joguinho que faz me assusta… Presta atenção, Davi Filipo. Você
não imagina o inferno onde eu vivia. Lidar com um mimadinho
babaca não é NADA. Agora saia daqui.
Madah mexe o pulso para se soltar de mim, mas não permito
a movimentação. Pelo contrário, escorrego o toque pela sua mão,
entrelaçando nossos dedos.
Por quê? Não faço ideia.
Com a mão livre, seguro seu pescoço, sentindo sob a palma
a pulsação descontrolada da sua carótida.
Abro um sorrisinho lento ao confirmar o efeito que causo
nela.
— É mesmo o que quer, mulher? Que eu saia?
Nossas respirações fortes se misturam, acelerando mais
meus batimentos. Desço o olhar para seus lábios entreabertos e
os vejo mover para falar:
— É, quero que saia. Já disse, estou esperando alguém.
Meu sangue ferve ao imaginá-la com outro cara.
Racionalmente, suspeito que respondeu aquilo apenas para
me provocar, ainda assim não consigo conter a onda de ódio que
me queima.
— Madah, desculpe te fazer esperar tanto, mas… — A voz
de Enrico irrompe no quarto, morrendo no ar, antes do final da
frase.
Meu irmão paralisa ao nos flagrar juntos, com os olhos muito
abertos.
Puxo as minhas mãos para trás como se tivesse levado um
choque, cortando o contato com ela. Dou uns passos de marcha a
ré e coloco distância entre nós.
— Porra. — Solto uma risada, aliviado. — Era só o Enrico?
Por que não falou?
Madah esboça um sorrisinho esperto que me dá nos nervos.
— Porque não podia perder a oportunidade de te provocar. É
legal.
— Me provocar? Com isso? — Aponto para o corpo dela,
desdenhando. — Gosto de mulher com corpo de mulher.
— "Mulher com corpo de mulher", que idiotice. Nunca parou
para pensar no quanto você é ridículo falando essas coisas?
Ridículo. Vazio. Superficial. — Ela sorri com tranquilidade, nada
abalada com o embate.
Eu engulo a saliva, sem saber como retrucar.
Madah vem até mim, desfilando graciosa como uma
gatinha.
Quando me alcança, fica na ponta dos pés e sussurra no
meu ouvido:
— Vai… Admita que morreu de ciúmes. Admita que me
deseja. Admita que não consegue parar de pensar em mim. —
Puxa a minha mão para a lateral do seu corpo. — E, talvez, se
admitir tudo isso, quem sabe eu não possa cavalgar no seu pau.
Subindo e descendo bem gostoso, sabe? — Ondula os quadris
devagar, enfatizando sua fala. — Do jeito que você fantasia
comigo desde o primeiro dia.
A diaba pronuncia cada palavra com os lábios roçando na
minha orelha, enfiando os dedos da outra mão nos cabelos da
minha nuca.
Uma onda absurda de tesão me percorre com tudo,
descendo pela coluna até a virilha.
Minha voz sai rouca quando resmungo baixinho:
— Você só pode estar delirando…
Recuo e saio do quarto a passos rápidos, quase correndo.
Preciso me afastar dela.
Desço os degraus como uma flecha e vou até a cozinha para
beber mais.
Ela quer me enlouquecer.
Viro mais uma dose de vodca, sem conseguir tirar da cabeça
as palavras obscenas sussurradas para mim.
Ainda posso sentir seu hálito quente na minha orelha, seu
corpo delicado na minha mão, seu perfume suave nas minhas
narinas.
Circulo pela festa, tentando me distrair.
Não dá certo.
Em um rompante, aperto os olhos e…
Foda-se.
Para o inferno a regra de não transar com prostituta. Toda
regra tem sua exceção, certo? De qualquer maneira, não vou
pagar pelo sexo com ela. E vai ser só uma vez. Um único desvio
da rota que tracei para minha vida há anos.
Para o inferno o pacto de não compartilhar mulher com
Domenico. Não sei nem se ele tem mesmo dormido com ela.
Ainda que sim… Meu pai não está presente, e não está
preocupado. Viajou para a casa de praia, e aposto que está
transando à vontade com Bárbara, feliz e contente, enquanto eu
estou aqui, definhando, quase morrendo.
Subo os degraus depressa, decidido. "A melhor maneira de
se livrar de uma tentação é ceder a ela", repito mentalmente o
ditado, tentando me convencer de que é a decisão certa.
Sim, vou ceder à tentação que é Madah.
Uma única vez.
Uma única trepada.
Caminho até o final do corredor e empurro a porta do quarto
dela.
Respiro fundo antes de falar o que ela quer ouvir:
— Madah, você venceu. Eu admito que…
Estaco com o cenário de merda que se desenrola à minha
frente.
O frangote do Enrico e a infeliz estão se beijando em cima
da cama. Beijando. Grudados. Enroscados.
Como se fosse uma coisa tranquila, certa e natural.
Mas, porra, a cena me parece errada.
A cena me parece muito errada.
Um cara como você deveria usar um aviso
É perigoso
Toxic ~ Britney Spears

HORAS ANTES
Estou enfiada no quarto desde cedinho.
Mais especificamente, desde que Domenico veio falar
comigo.
Ele avisou que viajaria com a namorada, ou seja, que me
deixaria sozinha na mansão com os filhos por um final de semana
inteirinho.
Meu Deus, como vou ficar até segunda, sem o homem por
perto para me resguardar?
Tudo bem que Sin mal para em casa, porém Luca vive
aparecendo no meu caminho, soltando aqueles comentários
ridículos. Sei que os dois se comportam um pouquinho melhor na
presença do pai. Agora, com a ausência prolongada de Domenico,
quero só ver…
Por sorte, tenho Enrico do meu lado.
E por falar nele…
— Madah? — Ele coloca a cabeça no vão da porta. — Você
sumiu… Aconteceu alguma coisa?
Continuo sentada na cama, abraçando meus joelhos.
— Nada de mais. Só não estou muito empolgada para o final
de semana.
— Ah… — Ele passa a mão pela franja, ajeitando os fios
lisos. — Já está sabendo da festinha dos meus irmãos?
— Pois é… Eu estava na cozinha agorinha, e seu irmão mais
velho apareceu para dar umas instruções aos empregados. "Sin e
eu vamos receber uns amigos, sabem como é…", blábláblá. Pediu
que os móveis da sala fossem afastados e sei lá mais o quê. Nem
olhou na minha direção, ainda bem.
Luca parecia muito entretido com os preparativos da festa.
Até tinha mudado o corte dos cabelos. Raspados à máquina dois
ou três, o novo estilo o deixou ainda mais atraente. Pois é, ele era
um babaca atraente e sorridente, visivelmente animado para a
noitada.
Ao contrário dele, não me sinto nada empolgada para o
evento. Os tais "amigos" deviam ser tudo farinha do mesmo
saco… Um bando de machos riquinhos, mimados e idiotas.
— Eu nunca participo das festas dos meus irmãos. Podemos
passar a noite aqui em cima. Você, eu e Netflix, que tal? — Enrico
sugere.
— Boa ideia. Obrigada, Rico.
Quando ele vai embora, esboço um sorriso, me sentindo
mais leve.
"Aqui é melhor do que o Uruguai. Aqui é melhor do que o
Uruguai", repito várias vezes, tentando me manter positiva.
É, vai dar tudo certo.
No final do dia, tomo uma boa ducha.
O chuveiro da casa é maravilhoso.
Mil vezes melhor do que o que tinha nas dependências de
funcionários do hotel, com suas duas únicas temperaturas de
água: fria congelante ou quente escaldante.
Depois de me enxugar, desembaraço os cabelos e visto um
pijama, me preparando para a noite de filmes.
Quando o relógio marca 19h30, vou atrás de Enrico, não sei
se ele já está pronto.
Bato na porta dele.
Nem cinco segundos depois, ele a abre, vestindo apenas
uma bermuda de moletom. Pelos cabelos molhados, acabou de
sair do banho.
Quando um aroma quente de especiarias vem até mim,
identifico os cheiros de cravo e canela. Deve ser de incenso, já sei
que Enrico gosta deles.
— Oi. Eu estava lá no meu quarto, mas não sabia se você
iria aparecer para o filme. Não combinamos o local… Será no meu
ou no seu?
— Melhor no seu. Estou reorganizando os livros aqui. —
Indica as pilhas instáveis pelo chão. Estão espalhadas por todo o
ambiente. — Fiz uma bagunça.
— Tudo bem. Tem pipoca nessa casa? Sem querer abusar…
— emendo e ele dá risada.
— Tem, sim. Na cozinha, no armário acima do forno. Quer
que eu pegue?
— Pode deixar. Vou até lá rapidinho, antes que a festa
comece. Até já. — Aceno, já me afastando.
— Combinado. Vou acabar de me vestir. Te encontro no seu
quarto em dez minutos.
Desço a escada com calma, feliz até… É bom estar aqui, e
não no Uruguai.
Aos sábados, a balada VIP ficava lotada e eu chegava a
atender até cinco clientes em uma noite. Meu estômago revira
quando me lembro daqueles velhos nojentos gemendo de prazer.
Sim, é bom estar aqui.
Entro na cozinha, tranquila e distraída, até que…
Congelo ao me deparar com três pares de olhos virando com
violência na minha direção, sem um pingo de simpatia. Os
homens estão sentados junto ao balcão e, pela cara deles,
estraguei o clima.
Luca, Sin e mais um, que parece mais forte do que os
demais, com a cabeça raspada à máquina zero e o pescoço
musculoso coberto por desenhos coloridos.
Os três são parecidos na quantidade de tatuagens, no estilo
das roupas e nas posturas confiantes, mas Sin se destaca com
aquele seu magnetismo único.
Só ele é capaz de fazer meu coração disparar com um
simples olhar.
"Simples", não. Porque nada nele é simples… Os olhos
intensos, os cílios longos, as sobrancelhas espessas, o nariz
bonito, a boca carnuda.
Com os cabelos bagunçados, se destaca entre os outros
dois de cabeças raspadas, atraindo minha atenção como um sol
reluzente em meio a planetas sem graça.
— A festa já vai começar, caralho. Vai se trocar — ele rosna
para mim. — E vê se bota um sutiã.
Ridículo. Não me conformo em ter sido simpática com ele na
viagem, para em seguida ser tratada como lixo… "Não encoste
em mim", "Tenho nojo de gente podre como você."
Suas palavras duras me feriram mais do que eu gostaria.
Não podia mais lhe dar abertura para que me machucasse. Nunca
mais.
Com o rosto quente, passo por eles e abro o armário alto.
Fico na ponta dos pés para alcançar a prateleira, sentindo os
olhares deles em mim.
— Para sua informação, Davi Filipo… Eu uso sutiã se quiser,
o corpo é meu. E não vou participar de festa nenhuma —
acrescento, pegando o pacote de pipoca e jogando no micro-
ondas.
— E o que vai fazer em pleno sábado à noite, sem
Domenico? — Luca quer saber.
— Não que seja da sua conta, mas… Combinei de ver Netflix
com Rico.
Um silêncio pesado preenche a cozinha.
Nunca os três minutos para estourar uma pipoca se
arrastaram tanto.
Então, o homem que não conheço puxa assunto.
Antes não o tivesse feito…
— Essa que é a nova "aquisição" do tio Domenico?
— Sim, Marco. Madah… Aposto que está mal-humorada
porque meu pai foi viajar com a namorada oficial, deixando o
brinquedinho novo largado em casa — Luca me alfineta e os três
caem na risada.
Meu coração me ensurdece e a humilhação me queima, me
transportando para…
Para outros ambientes luxuosos. Para outros dias sombrios.
Para outras risadas masculinas maldosas.
Por fim, o micro-ondas apita, aleluia, me trazendo de volta
para a realidade.
Pego a pipoca e fujo da cozinha, sem olhar para trás.
Já no meu quarto, decido trocar de roupa.
Mais cedo, vesti o pijama por pensar que não teria problema,
mas me senti exposta demais depois do embate com os três
ogros na cozinha. Não quero correr o risco de me sentir assim
novamente. Caso me depare com mais gente pelas próximas
horas, preciso estar mais preparada. Por hoje chega.
Por isso, coloco um vestidinho de alcinhas, com sutiã, e
espero pela chegada de Enrico.

Três ou quatro episódios de "Friends" mais tarde, Enrico


escorrega para fora do colchão. Sim, optei pelo seriado antigo em
vez de um filme, com a intenção de arejar a cabeça.
Está bem legal a nossa programação de Netflix com pipoca.
Os dois sentados na cama, relaxados e tranquilos, dando risada
das piadinhas bobas da série.
— Estou com sede — ele avisa, bagunçando os cabelos
castanhos. — Vou descer para pegar um refrigerante. Quer ir
junto? Dar uma volta pela casa, sair um pouco do quarto.
— Com a festa acontecendo lá embaixo? — Posso sentir a
vibração da música no assoalho. — Não, obrigada.
Abraço um travesseiro, me afundando na cama.
— Madah, não precisa ter medo. Se quiser ficar aqui, tudo
bem. Se quiser descer, eu te acompanho. Não deixo ninguém
mexer com você — assegura, tão bonzinho que quase me
comove. É tão raro que cuidem de mim…
— Ai, você é um príncipe, sabia? — elogio e ele fica corado
no mesmo segundo. — Obrigada, de coração, mas prefiro ficar
aqui. Vai lá, espero você voltar para colocar o próximo episódio.
— Me espera mesmo… Vai rolar aquele casamento do Ross,
não quero perder por nada.
— Pode ir tranquilo, Príncipe.
— "Príncipe". — Dá risada antes de sair do quarto.
Depois que Rico vai embora, me levanto para me alongar.
Aproveito que estou sozinha para tirar o sutiã, o ferrinho do
bojo está me incomodando há muitos minutos.
Como a Mãe-Natureza me equipou com seios pequenos
demais, vivo dispensando a lingerie.
Por dentro do vestido de alcinhas, solto o fecho de trás,
desço uma alça de cada vez pelos braços e…
— O que está acontecendo aqui?! — Sin surge na porta do
quarto, os olhos castanhos me fuzilando.
Fico momentaneamente confusa, sem entender nada.
Me concentro para não demonstrar o quanto sua presença
me afeta, enquanto meu cérebro gira as engrenagens.
O que ele… De repente, ao vê-lo correr o olhar
freneticamente pelo ambiente, a compreensão me faz sorrir.
Sin pensou que eu estivesse com alguém. E o mais
divertido: sentiu ciúmes.
Abro um sorriso fugaz, pronta para mexer com ele.
— Ah… Estou me preparando. Meu crush precisou sair
rapidinho, mas já deve estar voltando. Estou tão ansiosa… Sabe
por quê? Porque não vejo a hora de cavalgar no pau dele —
provoco e ele vem para cima de mim, segurando meu pulso. —
Me larga. Qual é o seu problema?
— Você é o meu problema. E sabe o que faço com os
problemas? Esmago cada um deles, assim como todos os insetos
imundos que entram no meu caminho… — Sua voz mais rouca
entrega o hálito de vodca.
— Ui, que medo! Se pensa que o joguinho que faz me
assusta… Presta atenção, Davi Filipo. Você não imagina o inferno
onde eu vivia. Lidar com um mimadinho babaca não é NADA.
Agora saia daqui.
Mexo o pulso para me soltar e, para a minha mais absoluta
surpresa, ele faz o impensável… Desce o toque arrastado pela
minha mão e entrelaça os nossos dedos. Meu Deus…
Prendo o ar, secretamente desejando sentir aqueles dedos
levemente ásperos por outras partes do meu corpo.
Com a outra mão, Sin alcança meu pescoço e minhas
pernas amolecem como gelatina.
Ele esboça um sorrisinho de canto ao perceber que
consegue me desarmar com facilidade.
— É mesmo o que quer, mulher? Que eu saia? — murmura
tão perto do meu rosto que passo a respirar seu hálito quente de
vodca.
— É, quero que saia. Já disse, estou esperando alguém.
Por mais que meu corpo inteiro o deseje, não posso ceder.
Ele não merece.
Além disso, ainda que eu ignorasse o orgulho e me
entregasse, é certo que iria me machucar.
Homens como ele são… Tóxicos. Imprevisíveis. Perigosos.
— Madah, desculpe te fazer esperar tanto, mas…
Enrico aparece, fazendo Sin me largar como se eu fosse
radioativa.
— Porra. Era só o Enrico? Por que não falou?
— Porque não podia perder a oportunidade de te provocar. É
legal.
— Me provocar? Com isso? — Gesticula na minha direção.
— Gosto de mulher com corpo de mulher.
Filho da mãe… Quer dizer que não tenho corpo de mulher?
Que não sou boa o bastante? Pensando bem, sou mesmo
diferente daquela loira com quem ele transou em Punta, cheia de
carne, volumes e curvas.
A ofensa me dói, mas disfarço a mágoa para não lhe dar o
gostinho. E como a melhor defesa ainda é o ataque…
— "Mulher com corpo de mulher", que idiotice. Nunca parou
para pensar no quanto você é ridículo falando essas coisas?
Ridículo. Vazio. Superficial.
Como ele não rebate nada, eu abro um sorriso, me
aproximando para sussurrar a última parte no ouvido dele:
— Vai… Admita que morreu de ciúmes. Admita que me
deseja. Admita que não consegue parar de pensar em mim. E,
talvez, se admitir tudo isso, quem sabe eu não possa cavalgar no
seu pau. Subindo e descendo bem gostoso, sabe? Do jeito que
você fantasia comigo desde o primeiro dia.
Provoco mais um pouco, passando os dedos pelos seus
cabelos macios, como naquele dia do avião. Poderia ficar fazendo
isso por horas.
Desço os olhos e confirmo sua excitação, firme e forte sob o
zíper da calça.
Quando penso em tirar mais uma onda dele, Sin vai embora.
— Você só pode estar delirando… — diz ao desaparecer do
quarto.
— Uau… — Enrico ri, coçando a nuca. — Nasci para ver o
dia que meu irmão sairia correndo de uma garota.
— Seu irmão é um ridículo. Aliás, seus dois irmãos são. E
aquele amigo deles, que encontrei mais cedo, também. Marco.
Está mal de contatos, hein, Rico?
Dou risada, tentando descontrair para não demonstrar o
quanto me sinto nervosa.
— Então, é bom mesmo eu não me misturar. Eles mal falam
comigo, você sabe.
— Isso é ótimo! Antes só do que mal acompanhado… Os
três são tudo farinha do mesmo saco, não são?
Subo na cama e me sento no centro do colchão, com as
pernas de índio. Ajeito a barra do vestido para não exibir demais
as minhas coxas. Não que Enrico estivesse olhando… Ele nunca
olha assim para mim.
— São. Marco, Luca e Sin são parecidos em tudo. Adoram
tatuagens, esportes, bandas de rock, mulheres… — explica, vindo
para o meu lado.
— E você?
— Eu? Eu, nada. Nunca nem…
— "Nunca nem" o quê? — Busco seus olhos, mas Enrico
baixa a cabeça, parecendo sem graça.
— Esquece.
— Pode falar. Não vou te julgar. — Toco no seu braço,
tentando transmitir confiança.
— Ok. — Suspira fundo. — Vou confiar em você. Eu… Eu
nunca estive com uma mulher.
— Como assim? — Sem querer, solto uma risada, incrédula,
fazendo seu rosto empalidecer. Droga. — Desculpa a minha falta
de tato. Você tem o quê? Trinta anos?
— Vinte e nove. — Me encara, sério.
— Ah… Me explica melhor o que quis dizer com "eu nunca
estive com uma mulher". Já beijou?
— Não. Não fiz nada, nem tentei. Eu quase não saio, não
vou a festas e… Mesmo que fosse. Nunca me senti atraído o
bastante por mulher alguma para me arriscar.
— E por homem? — arrisco.
Ele continua com a cabeça baixa, mas esboça um sorrisinho
antes de falar:
— Talvez. Mas não tive coragem de experimentar.
— Rico. Não sei o que falar… Sinto muito.
— Eu também sinto. Mas não vamos focar no lado triste…
Vamos voltar à parte em que você dá risada de mim por ser "BV"
com essa idade. Sou patético, não sou?
— Não. Só fiquei surpresa… Me perdoe por aquela risada
inapropriada.
— Está perdoada. Vamos lá… Em uma escala de zero a dez,
quão surpresa você ficou? Fala a verdade.
— Nove? Desculpa… — De repente, tenho uma ideia. — Ai,
que tal darmos um adeus ao seu "BV"? A não ser que você não
queira…
— Espera aí. Você quer me beijar? — Ele arregala os olhos.
— Por quê?
— Por que não? Você é legal, gentil, atraente… E assim já
descobre como é beijar na boca.
— Como em um experimento? — pergunta receoso, alisando
o queixo. — Pode ser. Tá bom… Eu quero.
— Vem cá.
Puxo o homem pela nuca e tento iniciar o beijo devagar.
Mas ele mantém a boca fechada.
Deixo escapar um sorrisinho, sem me afastar. Ao mesmo
tempo, percorro seus lábios com a ponta da língua, de um lado ao
outro.
Enrico continua imóvel, parado como um poste.
— Rico… — sussurro. — Abre a boca.
Desço a mão pelo seu peito, sentindo seu coração
acelerado.
Ele entreabre a boca e eu deslizo a língua para dentro,
explorando seu interior. Seu gosto é quente e suave, um pouco
doce do refrigerante.
Sua cabeça se move só um pouquinho para o lado, e suas
mãos permanecem firmes na minha cintura.
— E aí? — Me afasto, curiosa para ouvir o que tem a dizer.
— Sentiu alguma coisa? Frio na barriga? Calor em outros
lugares?
Enrico franze a testa. Parece pensativo, talvez confuso.
— Não.
— Não, nada?
— Sinceramente? Um pouco de aflição… E você, o que
achou? Eu beijo muito mal?
Diminui os olhos, com o semblante inseguro.
— Gostei de beijar você. Mas acho que precisa se
movimentar mais… Na próxima vez, tenta trabalhar a língua, os
lábios, as mãos. Assim como fazem nos filmes, sabe?
— Ok. Vamos tentar de novo?
Ele sorri, tomando a iniciativa do segundo beijo. Desta vez,
me arrasta para o colo enquanto mexe a língua de encontro à
minha.
Até sinto uma gastura gostosinha quando suas mãos
apertam meus quadris.
Sem quebrar o beijo, arranho suas costas por dentro da
camiseta, apreciando a sensação da pele lisa sob meus dedos.
— Madah, você venceu. Eu admito que… — Uma voz atrai
minha atenção.
Viro a cabeça e encontro Sin parado junto da porta. Mudo e
pálido, parece em estado de choque.
Para ser sincera, cogitei a hipótese de que ele voltasse
depois da minha provocação.
Afinal, saiu daqui com uma ereção de peso na cueca e um
hálito de vodca na boca. Uma combinação temerária… Só não
imaginei que estaria beijando seu irmão quando o fizesse.
Timing perfeito.
E se você dissesse algo que talvez fosse verdade
É difícil tentar decifrar em quais partes eu deveria acreditar
Porque você me dá um milhão de motivos
Million Reasons ~ Lady Gaga

— Que porra é essa aqui?! — vocifero, fechando as mãos


em punhos.
Apertando a mandíbula com força, sinto a pressão dos
batimentos cardíacos nos ouvidos.
Madah vira o corpo de frente para mim, as costas apoiadas
no peito de Enrico.
— A gente está se beijando, oras. O que tem de errado? —
Sorri, dissimulada.
— O que tem de errado?! Tudo, caralho!
— O quê, por exemplo?
Ela continua sorrindo, claramente se divertindo às minhas
custas.
— Ele é viado! — Aponto para o meu irmão, atestando o
óbvio.
— Jura? Engraçado você falar isso do cara que estava com
a língua na minha garganta. Você se considera gay, Rico?
— Não — responde, sério.
O frangote ainda tem a ousadia de erguer o queixo, me
encarando. Se eu partisse para cima dele, não sobraria nada.
Otário.
— Bem… — Madah pigarreia, quebrando a troca de olhar
hostil entre mim e meu irmão. — Ele já disse que não. Alguma
outra queixa?
— Tenho. O meu pai…
— O que tem ele? — Ela é rápida em perguntar, afiando o
olhar.
— Vocês… — hesito, escolhendo as palavras.
— Nós?
— Vocês estão "juntos". — Me seguro para não esculachar,
falando coisa pior. Não posso perder o controle.
— Quem disse?
Ah, porra… Madah me acha com cara de trouxa?
— Eu não sou idiota, caralho! Domenico apareceu com você
carregada nos braços, de calcinha e sutiã, então te colocou no
jatinho, te trouxe para casa, te liberou o cartão de crédito, etc.
Posso nunca ter testemunhado nenhum beijo entre vocês, e dou
graças a Deus por isso, mas tenho certeza de que entre quatro
paredes…
— Está falando besteira. — Ela me corta. — A única boca
que eu beijei da sua família foi essa aqui, oh… — Vira o rosto e
dá um selinho em Enrico.
Depois, puxa as mãos dele em torno da sua cinturinha fina,
desenhando um sorriso irritante nos lábios.
Meu coração dispara tanto… Mas tanto… Que não consigo
nem respirar. Fecho os olhos para tentar me controlar, mas a
tontura me acerta com tudo. Cambaleando, apoio as costas na
parede ao lado da porta.
O que está acontecendo comigo? É culpa do álcool?
Esfrego o rosto, desorientado, sem conseguir organizar as
ideias.
Foda-se quem ela pega ou deixa de pegar.
Tento ir embora do quarto, porém meus pés não me
obedecem.
— Madah, meu irmão está mal. Hora de parar — Enrico
murmura baixinho, mas, com o som da televisão desligado, posso
ouvi-lo perfeitamente. — Me diz uma coisa, Sin… Você não
bebeu, né?
Não abro a boca e apenas o encaro de volta, tentando focar
o olhar no seu rosto magro.
Ele suspira fundo e torna a falar:
— Cacete, bebeu mesmo, está na cara… Que merda? Sabe
que não pode. Os seus remédios… — Deixa morrer a frase
quando o fuzilo com os olhos.
Enrico está preocupado comigo? Até parece. Não é de hoje
que ele não me transmite confiança.
Por quê? Sei lá. Não é um sentimento racional, não sei nem
explicar direito, mas sinto que não posso contar com ele.
Enquanto tento organizar os pensamentos confusos, a diaba
amplia o sorriso, acariciando a coxa do meu irmão. Ok. Se ela não
quer parar, tampouco eu quero…
— Quer dizer que o franguinho é a única boca que você
beijou da família? Faz sentido. Meu pai não beija puta.
Ela parece estarrecida, com as bochechas vermelhas em
irritação, mas logo se recompõe, empertigando a postura.
— Isso eu já não sei. Pergunte a Domenico quando voltar, se
está tão interessado nas práticas dele com as mulheres. Eu não
estou. Vou repetir: nunca beijei seu pai.
Então, um flash daquela conversa telefônica do meu pai com
o tio Giuliano me vem à mente, com a menção dos extras durante
as massagens e…
— Ok. Você pode não ter beijado o velho, mas deve
conhecer o pau dele. Eu sei das massagens…
Cruzo os braços com o olhar desafiador, o qual ela sustenta,
firme.
A diaba é boa de briga.
— O único pau que eu conheço dessa família é o seu —
afirma sem desviar os olhos, e depois vira o rosto para falar com
Enrico: — Foi à distância, viu, Príncipe?
— Depois quero saber a história completa, Princesa. — Ele
dá uma risadinha.
Em seguida, coloca as mãos nos ombros dela,
massageando carinhosamente.
Não consigo nem processar a troca de apelidos escrotos. A
irritação e o álcool não permitem que a minha cabeça funcione
direito. Disparo:
— Que história é essa de conhecer o meu pau, hein?
— No hotel. Quando você deu aquele showzinho para mim,
transando com a "mulher com corpo de mulher". Gostou que eu o
observasse? Ou queria que fosse eu ali, recebendo suas
investidas? A segunda opção, aposto. Afinal, foi por isso que
voltou hoje aqui no meu quarto. Mas que pena que não falei a
sério… Eu jamais me deitaria com você, Davi Filipo. Eu te
desprezo.
— Vai se foder!
— Prefiro que o seu irmão me foda. Bem gostoso… Ele, ao
contrário de você, sabe como me tratar bem. — Ela pega a mão
de Enrico e entrelaça os dedos. — Agora, nos deixe a sós.
Queremos privacidade.
Saio do quarto com as suas palavras girando como um
turbilhão na minha cabeça, acabando com a minha sanidade.
Madah me desestabiliza de um jeito absurdo… Fico até
parecendo um menino de dez anos que não sabe nem discutir. Só
me atrapalho e me ferro.
Chega.
Não vou nem olhar na direção da infeliz. Chega de caronas.
Chega de interações. Se ela se aproximar, eu me afasto. Se ela
falar comigo, eu a ignoro.
Assim pretendo ir levando até o dia em que ela finalmente
desapareça da minha casa… e da minha vida.

Não sei quanto tempo depois, me encontro no meu quarto,


com Lorena ajoelhada na minha frente, me chupando devagar.
Em pé, com as costas apoiadas na parede, embrenhando os
dedos nos cabelos loiros, acompanho o ritmo do vai e vem.
— Porra, continua.
Está tudo indo bem até que…
Até que a voz sussurrada da diaba invade minha cabeça,
fazendo minha ereção pulsar com força: "Quem sabe eu não
possa cavalgar no seu pau. Subindo e descendo bem gostoso,
sabe? Do jeito que você fantasia comigo desde o primeiro dia."
Com certeza, Madah daria um show na cama, uma
cavalgada digna de filme pornô e… Merda. Não posso pensar
nela.
"Esquece a vagabunda", me recrimino, balançando a
cabeça.
Afundo os dedos nos cabelos de Lorena e passo a estocar
na boca dela, entrando duro até o fundo. Caralho, é disso que eu
preciso!
Sem dó, arremeto com força, quatro, cinco vezes.
Quando estou prestes a gozar, me retiro depressa.
Preciso de mais uma coisinha…
Ainda ajoelhada, Lorena sobe os olhos marejados, sorrindo
para mim. Mantenho uma mão em seus cabelos, enroscando os
dedos nas mechas.
— Posso? — pergunto e ela faz que sim.
— Só um… — acrescenta depressa, com a voz manhosa.
Eu assinto.
Então, com a mão livre, dou um tapão na cara dela, fazendo
a vermelhidão brotar na bochecha.
Que tesão seria deixar marcada a pele daquela garota
irritante… Será que Madah gosta de brincadeiras assim durante o
sexo? Ela, não sei. Eu, com certeza.
Lorena volta a me chupar com ainda mais vontade.
Nem um minuto depois, chego no meu limite e ejaculo com
tudo.
Ela engole cada gota.
Respirando fundo, recupero o fôlego e me afasto.
Vou até o banheiro e jogo uma água fria no rosto.
Me olho no espelho, me encarando por um tempo.
Estou mais relaxado? Com certeza.
Satisfeito? Nem de perto.

— Te acompanho até lá embaixo — ofereço, abrindo a porta


do quarto para Lorena.
Estou sem camiseta, com as gotículas do banho espalhadas
pela pele. Pois é, após dois rounds de sexo, precisei de uma
ducha gelada para voltar a viver.
Bagunço meus cabelos molhados e suspiro fundo. O bom
humor já evaporou. Durou apenas uma hora. O tempo das fodas,
para ser mais preciso.
— Não é necessário, Sin. Você parece que precisa dormir…
Nos vemos na segunda — diz, terminando de ajeitar o cinto fino
em torno da cintura.
— Ok. Vem, te levo até a escada pelo menos.
Acompanho a garota pelo corredor, escutando o barulho de
música vindo do andar de baixo. Espio o relógio na parede,
descobrindo que já passa das quatro.
Não disse que as nossas festas são as melhores?
Quando a Lorena desce os degraus, volto pelo corredor,
quase me arrastando. A ressaca vai ser foda e…
De repente, me bate uma curiosidade.
Enrico já voltou para o quarto dele?
Sem pensar, vou até a porta do meu irmão e a abro
silenciosamente.
Tudo apagado.
E a cama?
Forço os olhos para enxergar na escuridão.
Vazia.
Puta merda.
Não posso acreditar que ele continua no quarto dela.
Em um rompante, decido ir até lá.
Paro em frente à última porta do corredor, colando o ouvido
na madeira.
Silêncio.
Coloco a mão na maçaneta, respiro fundo e giro o objeto.
O abajur continua aceso, mostrando Madah adormecida na
cama.
Sozinha.
Puta alívio.
Respiro fundo, soltando o ar que prendia.
Porra, ela é apenas uma garota. Miúda. Magra. Comum.
Sim, "comum", no sentido mais literal da palavra. Não tem
nada nela que chame a atenção…
Preciso tentar entender o porquê da minha obsessão.
Porque o que ela causa em mim não é comum. Nunca me
senti assim antes. Mexido. Abalado. Obcecado.
Entro no quarto, fecho a porta atrás de mim e me aproximo
dela como se atraído por um ímã.
Quando dou por mim, estou sentado na beirada do colchão,
viajando nos seus lábios entreabertos, nos cabelos espalhados
pelo travesseiro, no peito que sobe e desce devagar,
acompanhando o ritmo da sua respiração regular.
Uma batalha entre a razão e a loucura se trava dentro de
mim.
A razão perde.
Me deito cuidadosamente ao lado dela, sem encostar.
Quase caindo do colchão, continuo a observando dormir.
A paz que me invade é assustadoramente boa.
Posso fechar os olhos um pouquinho. Só por um minutinho.
Mas não é "só por um minutinho".
Porque eu caio no sono, sem querer.
De repente, sinto um cutucão no braço.
— Ei, por que veio dormir aqui? — Madah me encara, sem
piscar, o rosto a centímetros de distância. Tão perto que posso até
ver as sardas acobreadas salpicadas pelas suas bochechas.
Nós dois estamos deitados de lado na cama, um de frente
para o outro, sem nos tocar.
Sou sincero:
— Não faço ideia.
Esboço um sorriso cansado, sem ânimo.
— Você me acordou — diz, sem desviar os olhos.
— Não, você me acordou. Não lembra que me cutucou…
— Mas você me acordou antes. Teve um pesadelo.
Porra.
De novo, não.
— Foi mal — murmuro, constrangido. — É melhor eu ir para
o meu quarto.
Faço menção de me levantar.
— Espera. — Toca no meu antebraço, me fazendo
estremecer. Não me levanto. — Você faz ideia das coisas que fala
durante os pesadelos?
— Não.
— Sinto muito. Era sobre a sua mãe… Você chamava por
ela. Parecia um garotinho assustado. Pedia ajuda por algum
motivo que não pude entender.
Porra, o pior é que nem eu entendo qual é o maldito motivo.
O que me causava tanto medo quando moleque.
Meu cérebro parece anuviado, lento, com uma espessa
cortina encobrindo as imagens.
A falta de lembranças é angustiante pra caralho.
Viro de barriga para cima e cruzo os braços sobre o peito.
Minha respiração está acelerada, mais curta, descompassada.
— É… Eu… — As palavras se embolam. — Eu só tinha doze
anos…
Cubro o rosto com as duas mãos, chorando como uma
criança. Porra.
— Me desculpa — emendo depressa.
— Você tem um milhão de motivos para me pedir desculpas.
Chorar não é um deles.
Ela começa a passar os dedos pelos meus cabelos, daquele
jeito delicado que me arrepia até a alma.
Quando dou por mim, estou me acalmando com o rosto
enfiado no seu pescoço, respirando seu calor, mordendo a língua
para não beijar sua pele macia.
Eu não quero estragar as coisas. Está bom pra caralho…
Mais uma vez, me sinto absurdamente em paz. Tanto que volto a
dormir.
Na cama dela.
Na cama dela com ela.
Garota, eu penso em você todo dia agora
Não há dúvida, você está no meu coração agora
Patience ~ Guns N' Roses

Acordo com a luz do sol batendo no rosto, passando pelos


vãos das cortinas.
Viro o corpo na cama e me espreguiço devagar, deslizando
os braços pelo lençol macio.
Sin não está mais aqui.
Me pergunto se sonhei com sua aparição até sentir seu
perfume.
Sim, o travesseiro exala vodca, cigarro e perfume, o mesmo
que estava na sua jaqueta naquele dia no hotel.
Pensando bem, ainda posso sentir a textura dos seus
cabelos nos meus dedos, o calor da sua bochecha no meu ombro,
a umidade das suas lágrimas no meu pescoço.
Por que veio me ver?
Não sei. Só sei que seu choro me desarmou.
Sua fragilidade mexeu comigo, me dando a certeza de que
há coisas trágicas por trás da sua máscara de bad boy.
Quando lhe perguntei por que estava deitado comigo,
respondeu: "não faço ideia".
Se nem ele faz ideia, quem sou eu para tentar descobrir?

Ao deixar o quarto, penso em Enrico. Quero chamá-lo para


tomar café comigo. Circular sozinha pela casa, sem Domenico por
perto, talvez não seja uma boa ideia…
Visto uma camisa branca soltinha. Ela é mais comprida,
tanto que a barra quase encobre os shorts jeans curtinhos. Não
me dou ao trabalho de escolher um par sandálias. Gosto de andar
descalça para lá e para cá.
Caminhando distraída pelo corredor, alcanço a porta do meu
amigo e dou duas batidinhas na madeira.
Não há resposta.
Será que continua dormindo?
Quando estou quase desistindo, uma voz masculina ressoa
do outro lado:
— Entra.
Giro a maçaneta e corro o olhar pelo quarto, encontrando
uma cama bagunçada, um mural de fotos e… Nada de livros.
Droga. Não é o quarto de Enrico.
— Ah, é você? — Luca sai do banheiro, usando apenas uma
cueca boxer.
Suas tatuagens cobrem a pele bronzeada, com os músculos
do tanquinho saltando do abdômen. Alto e forte, é quase um
Channing Tatum em "Querido John".
Seria lindo, se não fosse tão babaca. Pois é, a atitude
estraga tudo…
O homem me olha com desprezo, como se eu fosse uma
baratinha irritante que ele esmagaria com a sola do pé.
— Me enganei de quarto… — Tento me explicar, mas o
ridículo me corta, gesticulando com os braços abertos.
— Sai daqui, caralho. Não percebeu que estou de cueca?
— Não se preocupe, estou saindo. E daí que está de cueca?
Grande coisa. — Dou de ombros, fingindo indiferença.
— Grande mesmo.
Ele leva a mão ao pênis por cima do tecido da cueca e o
aperta, me desafiando com o olhar. Provavelmente, concluiu que
eu fugiria.
— Acha mesmo? Pobrezinho. — Tripudio, olhando bem para
onde está sua mão, forçando a visão. — Me parece bem pequeno,
comparado com a média dos que conheci.
Ele arregala os olhos, com as bochechas vermelhas
deixando tudo ainda mais constrangedor para ele e divertido para
mim.
Abro um sorriso de ponta a ponta.
Ele tenta revidar:
— Que se foda… Não me interesso pelas suas experiências
como puta. Coitados dos velhos que se satisfazem com você.
— E eu não me interesso pelas suas experiências como mal-
dotado. Coitadas das garotas que se satisfazem com seu pau
pequeno.
Prendo seu olhar o máximo que consigo, sustentando minha
fachada de durona por um fio, o coração pulsando rápido demais.
Pisco duas ou três vezes, tentando afastar a vontade de
chorar. Não funciona. Quando meus olhos enchem de lágrimas,
viro as costas e saio do quarto, batendo a porta atrás de mim.
Odeio chorar nas discussões, ainda mais nas bestas assim.
Me tremendo inteira, volto para a minha suíte e jogo uma
água no rosto, procurando me acalmar.
Assim que retorno para o corredor, enxergo Luca saindo do
quarto de Sin, ou melhor, de onde imagino que seja o quarto de
Sin.
Luca não me vê, porque segue direto na direção oposta e
desce a escada.
Dos três irmãos, conheço dois quartos. O de Enrico, ontem,
e o de Luca, minutos atrás. Como deixou a porta de Sin aberta,
deve voltar logo.
Ao passar em frente ao vão, não posso evitar olhar para
dentro do cômodo.
O homem está com os cabelos bagunçados, sentado na
cama, segurando um violão. Sem camiseta.
Acima da cabeça dele, vários pôsteres escuros de rock
enfeitam a parede clara.
De repente, ele começa a tocar "Patience", da banda Guns
N' Roses.
Assoviando aquele trecho do início igualzinho ao Axl Rose,
dedilha as cordas do violão com uma destreza impressionante:
Shed a tear 'cause I'm missin' you
(Derrubei uma lágrima porque estou sentindo sua falta)
I'm still alright to smile
(Eu ainda estou bem para sorrir)
Girl, I think about you every day now
(Garota, eu penso em você todos os dias agora)
Quando termina de cantar as primeiras estrofes, deixo
escapar um suspiro, fazendo com que ele erga a cabeça com
tudo, finalmente me notando parada na porta.
Seus lábios bonitos esboçam um sorriso torto.
Sin para de tocar e me encara, sem dizer nada, as íris
castanhas ilegíveis.
Não consigo sustentar seu olhar porque meu coração bate
rápido demais.
Ao descer os olhos, encontro suas mãos tatuadas. A palavra
PATIENCE está gravada em preto nos dedos da esquerda. Será
por causa da música?
Do nada, ele volta a cantar.
Com as costas apoiadas no batente da porta, fecho os olhos
e aprecio a canção. Sua voz rouca me arrepia inteirinha.
There is no doubt, you're in my heart now
(Não há dúvida, você está no meu coração agora)
Said "woman take it slow, and it'll work itself out fine"
(Disse "mulher vá devagar, e vai dar tudo certo")
Então, ao reabrir os olhos, quase me engasgo com a saliva
ao vê-lo olhando para mim.
Cantando para mim.
Meu Deus…
Seus olhos não se desviam dos meus. Escuros. Profundos.
Intensos.
Um milhão de borboletas enlouquecidas voam na minha
barriga enquanto Sin finaliza a música.
All we need is just a little patience
(Tudo o que precisamos é de um pouco de paciência)
If I can't have you right now, I'll wait dear
(Se eu não posso ter você agora, vou esperar querida)
— O que é isso, irmão? Foi chamar a perdida para um
showzinho particular? Não fode!
A voz debochada de Luca surge pelas minhas costas, porém
me recuso a olhar para ele.
Sin hesita por um instante, ainda com os olhos em mim.
Depois, ele os baixa, dando de ombros.
— Eu não chamei ninguém aqui, ela apareceu porque quis.
— Quer dar para você, certeza. — Luca passa por mim. Ele
se senta na cama com o irmão e pega uma pasta de músicas,
folheando as páginas.
— É… Deve ser. — Sin ri baixinho, sem me olhar.
Meu peito afunda, pesado, mas tento não me mostrar
abalada. Rebato:
— Engraçado você achar que eu quero transar com você, se
foi você quem invadiu a minha cama na madrugada. Contou isso
para o seu irmão?
Viro as costas, sentindo meus batimentos na garganta.
Fujo do quarto e me apoio na parede do corredor, inteirinha
trêmula.
Como a porta do quarto ficou aberta, ainda posso escutar as
vozes deles lá dentro.
— Você foi para a cama dela? Comeu a marmita do pai?
Pegou as sobras do Enrico? — Luca dispara as perguntas, com
um tom urgente na voz. — Coragem, hein?
Maravilha. Pelo jeito, Sin tinha contado a ele sobre mim e
Enrico.
— Não, porra, que nojo… Quem eu comi ontem foi a gostosa
da Lorena. Sabe?
Pronto. Meu coração idiota vai direto para o chão.
— Aquela loira que tem um rabetão? Amiga da Clara?
Solto um riso fraco, fechando os olhos.
Lógico que ela teria um "rabetão". Sin gosta de "mulher com
corpo de mulher".
— A própria.
— Mandou bem. — Luca dá risada e os acordes de violão
voltam a ressoar. — Isso. Vamos ensaiar.

— Rico? — Bato na porta certa.


— Pode entrar — responde, a voz arrastada de sono.
Giro a maçaneta e entro no cômodo escuro.
O cheiro de incenso e livros me faz sorrir.
Vou direto até a janela e abro a cortina.
A claridade invade o quarto e clareia tudo.
— Ah, não… — Ele cobre os olhos com o antebraço. —
Estou dormindo.
— Acorda, Príncipe. Quase meio-dia. Quero conversar. —
Me sento ao lado dele no colchão. Enrico está engraçado,
amassado e descabelado, sem camiseta. — Mas antes me conta
da sua noite. Deu certo?
— Não. Amarelei. — Passa a mão pelo rosto, desanimado.
Ontem, quando Rico saiu do meu quarto, disse que iria
tomar a iniciativa de beijar um cara por quem nutria um amor
platônico há anos. Acreditava que, por termos nos beijado mais
cedo, seria menos difícil, já que não sentia aquela pressão por ser
a primeira vez.
— Jura? Por quê?
— Não estou a fim de falar sobre isso. Vou rapidinho ao
banheiro. Me espera aqui?
Ao observar Rico ficar em pé, esticando o tronco magro e
definido, me pego desejando com todas as minhas forças que
estivéssemos em um universo paralelo, onde ele fosse hetero e se
apaixonasse por mim.
Enrico vale ouro.
Continuo na cama enquanto ele usa o banheiro. Mesmo com
a porta encostada, os barulhos da descarga e, depois, o da água
da pia, chegam até mim.
Volta enxugando a boca, pelo jeito também escovou os
dentes.
— Fala. Sobre o que quer conversar? — Sorri tranquilo, se
sentando ao meu lado.
— Ah, o seu irmão… É um babaca.
— Qual dos dois? Ok, os dois são babacas. Mas o que
aconteceu? — ele quer saber.
Conto tudo sobre Sin.
Ou quase tudo.
Primeiro, sobre a visita da madrugada, omitindo apenas a
parte do choro, porque quero sentir somente raiva e me lembrar
dele chorando amolece o meu coração.
Depois, falo sobre o que aconteceu minutos antes. A cena
com o violão. A música cantada para mim. A chegada de Luca,
estragando o momento. A conversa dos dois sobre o sexo com
Lorena.
— Sou muito burra por sentir desejo pelo seu irmão caçula.
É sério! Ele é ridículo. Detesto me sentir tão mexida por alguém
que deveria me causar repulsa. Meu corpo reage em uma direção,
pedindo coisas que… Minha mente sabe que não podem
acontecer.
— Sua sexualidade é muito aflorada, tá louco… — Ele ri,
bagunçando os cabelos castanhos.
— E sou virgem, tá? — confesso.
Sei que posso me abrir com ele.
— Sério? — Ergue uma sobrancelha, parecendo surpreso.
— Sério.
— Cacete, o tombo dele vai ser feio quando souber.
— Azar o dele. Que se exploda de remorso por tudo o que
diz de mim.
— Ainda estou meio chocado aqui. Você, virgem…?
— Falou o cara que era "BV" até ontem.
— Mas eu sou tímido, estranho, inseguro… Você é linda,
confiante, bem-resolvida. Tanto que tomou a iniciativa ontem
quando nos beijamos. E meio que gostei, tá? Será que sou bi? —
Coloca um dedo sobre a boca e volta o olhar para a frente,
pensativo.
Fixo minha atenção ali, nos seus lábios bonitos, e depois
subo para os cílios espessos, emoldurando os olhos gentis.
Enrico é tão parecido e, ao mesmo tempo, muito diferente
dos irmãos. Os três são atraentes, mas apenas um deles derruba
todas as minhas estruturas.
E como não posso tê-lo…
— Rico?
— Quê? — Vira o rosto para mim.
— Me beija? — pergunto e o queixo dele quase bate no
chão.
Prendo a respiração, na expectativa de sua resposta.
Enrico me encara, e enxergo certa hesitação nos seus olhos
castanhos.
— Só para esclarecer, Princesa… Não sou eu quem
realmente você queria beijar, certo?
— Certo — admito. — Tudo bem por você?
Quando Rico faz que sim, avanço para cima dele.
Nossos lábios se encontram com tudo e eu fecho os olhos,
depositando naquele beijo toda a carência que sinto por me ver
desprezada pelo único homem que eu queria beijar de verdade…
Mas que nunca beijaria.
Você é um mistério
Assim como um sonho
Você não é o que parece ser
Like A Prayer ~ Madonna

Ainda beijando Enrico, deslizo as mãos pelo seu peito firme,


sentindo seu coração disparado.
Não contenho um sorriso quando me arrasta para mais
perto, me agarrando pela cintura. Ele aprende rápido…
— Madah. — Fica em pé e me puxa com ele, nos afastando
da cama. — Vem comigo — sussurra, distribuindo selinhos leves
pela minha boca.
Seus lábios são macios, com um gosto mentolado suave de
pasta de dente.
— Aonde? — Me estico na ponta dos pés, sem desejar parar
com os beijos. Eu poderia ficar nessa troca de carícias o dia
inteiro.
— Ao banheiro — explica, acariciando a minha bochecha
com o polegar. — Apagar o seu fogo.
— Como assim?
— Você vai ver… Tive uma ideia. Confia em mim.
Enrico me conduz pela mão, decidido.
Um minuto depois, estamos os dois seminus embaixo da
água fria do chuveiro. Apenas a calcinha rendada continua no
meu corpo, grudada na pele molhada.
Não resisto e olho para o meio das pernas dele, descobrindo
que está relaxado dentro da boxer encharcada.
Ao perceber a direção do meu olhar, Enrico me vira de
costas e passa a massagear meus ombros.
Fecho os olhos, imaginando outras mãos na minha pele.
Meu coração dá uma disparada gostosinha, me fazendo
sorrir.
Rico escorrega as pontas dos dedos pelo meu colo, acima
dos seios, e eu deixo escapar um gemidinho, ondulando os
quadris. Sem pensar, conduzo suas mãos mais para baixo,
envolvendo os montinhos pequenos, friccionando as palmas
pesadas nos mamilos.
Enrico entende o recado e passa a esfregar os bicos, me
acendendo inteira.
Quando aperto as coxas, ele dá uma risadinha.
— Já que a água fria não funcionou… Pega. — Me entrega o
chuveirinho e aumenta a potência da água. — Divirta-se.
Sorrio com a ideia, direcionando o jato lá embaixo.
— Ai…
Ofego, me contorcendo com a pressão deliciosa. É tão
bom… E fica ainda melhor quando ele passa a me beijar no
pescoço, percorrendo cada centímetro da pele com os lábios.
— É assim que você gosta? — perguntou, a boca perto da
minha orelha. — Está gostoso?
— Muito. Não para… — murmuro, me desmanchando com o
jato de água e os toques dele, queimando de tesão.
Enrico continua me beijando, me estimulando nos seios,
brincando com os bicos, até que a pressão lá embaixo vai
aumentando, aumentando…
Sem querer, imagino outras mãos em mim, com os dedos
tatuados me tocando nos pontos certos, e é o meu limite…
Estremeço todinha, amolecendo as pernas com o orgasmo.
Rico me segura pela cintura, evitando que eu caia. Em um
movimento firme, gira meu corpo e me abraça apertado, alisando
minhas costas.
Percebo sua respiração mais rápida e, pressionando meu
umbigo, há um volume.
Uma ereção, firme e forte, apontando para cima.
— Você… — balbucio surpresa, descendo o olhar entre
nossos corpos.
— Foi mal, Princesa. Acho que te ver gozar foi demais para
mim. — Ele parece genuinamente sem jeito, olhando para o chão.
— Vem, vamos sair.
Ainda entorpecida do orgasmo, não sei o que falar. Devo
oferecer "ajuda"? Afinal, se há uma coisa que aprendi a fazer, é
como masturbar um homem.
— Quer que eu… — Aponto para baixo.
— Não. Não — repete incisivo, pegando uma toalha para
mim. — A ideia era apagar o seu fogo.
— E funcionou — digo, me enxugando devagar.
— Então vê se para de ficar obcecada pelo meu irmão.
Enrico sorri antes de depositar um beijo no topo da minha
cabeça.
Sem falar mais nada, passa a se secar com a outra toalha.
Quando termina, enrola a peça na cintura e borrifa desodorante
sob os braços, espalhando o perfume masculino pelo ar.
— Vou tentar… — asseguro, ainda sorrindo. Estou me
sentindo muito leve e feliz, como há tempos não me sentia.
Ainda estou me vestindo quando ele vai para o quarto,
deixando a porta do banheiro aberta.
Descarto a calcinha encharcada e escorrego a camisa pela
cabeça.
Quando estou ajeitando a gola, me assusto com um barulho
seco. É a porta do quarto, que foi aberta com tudo.
Instintivamente, empurro a do banheiro para a frente, deixando
apenas uma frestinha aberta.
— O pai telefonou para avisar que… — Sin para de falar ao
reparar no irmão.
Enrico está com a toalha enrolada na cintura, parado no
meio do quarto. Uma pose relativamente normal.
O problema está em seu rosto.
Os olhos arregalados em pânico entregam que há algo de
errado.
— Droga, Sin. Que susto… Não sabe bater? — Tenta
disfarçar, se apressando na direção do irmão, impedindo a
passagem dele.
A atitude de o segurar lá fora causa o efeito contrário.
Sin o empurra para o lado, irrompendo no quarto como um
raio.
— Onde ela está?! — Aponta para as minhas Havaianas no
chão.
Rico não responde nada.
Cruzando os braços, apenas morde o lábio, em silêncio.
— Porra! Vou acabar contigo, seu… — Sin explode.
Puxa rapidamente o cotovelo para trás, fazendo menção de
desferir um soco violento.
Eu o interrompo com um grito, escancarando a porta do
banheiro.
— NÃO! — Engulo em seco, tentando manter a voz firme. —
NÃO. ENCOSTA. NELE.
O infeliz congela, descendo os olhos pelo meu corpo,
parecendo incrédulo.
Continuo com os cabelos molhados, as mechas encharcadas
pingando pela camisa branca. Ainda bem que a barra comprida
cobre minha intimidade, porque estou sem a calcinha e sem os
shorts.
Estremeço ao perceber seu olhar quebrar.
Sin pisca devagar, balançando a cabeça para os lados.
Em vez de gritar ou brigar, simplesmente se vira e vai
embora do quarto. Meus batimentos perdem o rumo.
— Ei… Qual é o seu problema? — Enrico o alcança no
corredor.
Me sento na beiradinha da cama, atenta à conversa a
poucos metros de mim, enxergando apenas metade das costas do
Rico.
— Na real? Não entendo… Não faz sentido. — A voz rouca
faz uma pausa para respirar fundo. — Você nunca pegou
ninguém. Agora resolve tomar a iniciativa justo com ela?!
— Na verdade, não tomei a iniciativa. Foi ela. Ontem e hoje.
Madah é uma menina cheia de atitude. Mas, se quer saber, eu
gostei…
"Eu também gostei, Rico. Você é um príncipe!", penso,
esboçando um sorriso minúsculo.
— E isso também não faz sentido. Por que ela quis
especificamente você?
— Talvez porque eu seja o único aqui que não a trata como
lixo. Você e Luca perderam a noção. Se é que algum dia a
tiveram…
— Queria o quê? É uma prostituta, uma oportunista que…
Minha nossa… Na cabeça dele, sou mesmo uma prostituta!
Sin não fala da boca para fora, apenas para me provocar.
Ele tem certeza!
— Para com isso! — Rico o corta. — Você só fala besteira.
Ela não é uma prostituta. Tá viajando. Cacete, não é nada disso
e… Ainda que fosse. Precisava agir assim com a menina?
— Puta que pariu. Já está assim, todo protetor? Madah deve
ter te dado um belo chá de boceta. — Sin ri com amargura. —
Quantas vezes já transaram, hein?
— O quê?! Nenhuma!
— E tomaram banho juntos? Como… Espera. Você é viado
mesmo?
— Ah… Você me chama de viado há anos e agora resolveu
me perguntar a respeito?
Boa, Rico!
— É ou não é? — Sin insiste.
— Sinceramente? Não sei.
Silêncio.
— Ainda não acredito que tomaram banho juntos e não
fizeram nada.
— Eu não falei que não fizemos nada. Falei que não
transamos. E não, não vou te dar os detalhes.
— Vocês deram altos amassos, não deram? Assim você me
quebra…
Silêncio mais uma vez.
— Olha para você, Sin… Você tá gostando dela, não tá?
Prendo o ar, na expectativa da resposta dele.
— Nem fodendo. Gostar dela? Uma puta? Marmita do pai?
— Dá risada, esmagando meu coração.
— Escuta… — Enrico expira fundo. — Me fala uma coisa.
Por que cismou com isso? Alguém por acaso te disse que ela era
prostituta?
— Porra, você não estava lá. Eu vi com os meus próprios
olhos. Vou te contar tudo, presta atenção. O pai foi fazer uma
massagem em uma área VIP do hotel lá em Punta. As tabelas das
massagistas incluíam serviços extras e…
— E…? Continua.
— Antes mesmo de sumir em uma das salas, Domenico já
procurava por ela. Ele sabia o nome dela. Talvez algum amigo a
tenha indicado, isso já não sei. Só sei que depois ele apareceu
com Madah desmaiada nos braços, apenas de calcinha, sutiã e
cinta-liga. Disse que a levaria para casa, comprou presentes, mais
tarde ficou de chamego com ela a caminho do aeroporto, a
colocou no jatinho… E o resto você já sabe. E aí? Ainda acha que
tô viajando?
Meus olhos ficam cheios de lágrimas e eu nem sei direito o
porquê.
Talvez porque, no lugar dele, qualquer pessoa tivesse
chegado às mesmíssimas conclusões.
— Ok. — Enrico parece ponderar. — Acho que é um mal-
entendido. O certo é você tentar elucidar as coisas com ela e com
o pai. Mas se acalma… Não quero que tenha uma recaída. Não
gosto de te ver surtar porque me lembro daquela sua fase
péssima. Tem tomado os remédios direitinho?
Recaída? Recaída do quê? Que fase péssima? Que
remédios?
— Sim, sim. Mas é uma bosta… Desde que a infeliz
apareceu, não consigo me controlar. Ela dispara algum gatilho em
mim, não sei. Até os pesadelos ressurgiram, sabia?
— Jura? Mas eles fazem algum sentido? Do que se lembra
ao acordar?
— Ela tem aparecido neles.
— Ela quem? — Enrico dispara rápido demais e eu fico em
alerta.
— Madah, porra, quem mais seria?
— Ah… E se voltasse para a terapia?
— Detesto aquela porra. E se eu usasse só um pouquinho?
Para me ajudar a…
— Não. Não quero te ver usando de novo. Nem um
pouquinho.
— Por quê?
— Porque você é o meu irmão caçula e eu me importo com
você, apesar de tudo.
— Foda. Não sei mais o que fazer.
— Minha sugestão é: conversa com o pai, conversa com ela.
Coloca tudo em pratos limpos.
— Beleza. Vou ver — diz, sem muita convicção. — Valeu.
O barulho de uma porta se batendo me faz concluir que Sin
entrou em seu quarto.
Fecho os olhos, a cabeça girando com as informações. Meu
coração martela forte, parecendo uma bateria de escola de
samba.
— Madah? — Enrico reaparece e eu olho para ele. — Está
tudo bem?
— Está. — Ainda sentada no colchão, aperto os joelhos. —
O que aconteceu?
Não tenho coragem de confessar que escutei a conversa.
— Ah… Essa casa é só estresse, tá louco. — Ele sorri,
disfarçando.
— Percebi.
— Posso te fazer uma pergunta? — Lança as palavras com
cautela, me analisando. — Não precisa responder se não
quiser…
— Vai logo.
— Você era prostituta? Mentiu quando disse que era virgem?
— São duas perguntas. — Solto uma risada baixa. — Mas
tudo bem, posso falar para você. Não, não era prostituta. Sim, sou
virgem. Mas… fui obrigada a trabalhar como massagista e… não
era só massagem… se é que me entende — explico de maneira
pausada e ele franze a testa. — Ok, para que não restem dúvidas,
vou falar diretamente. Os clientes podiam pagar a mais por
masturbação. Massagem com "final feliz" — acrescento em um fio
de voz, enojada.
— Cacete… Você fez isso com o meu pai? — dispara, mas
parece se arrepender no mesmo segundo. — Desculpa, não é da
minha conta.
— Não, não fiz. Para ser justa, não fiz por escolha dele.
Porque Domenico não quis. Porque não contratou os serviços
naquela noite. Eu não tinha opção, Rico.
Enrico fica em silêncio por longos segundos antes de
segurar a minha mão. Me olhando com gentileza, diz:
— Sinto muito. Não deve ter sido nada fácil para você.
— No começo, era difícil demais. Até vomitava quando
voltava para o quarto. Só que depois eu meio que me acostumei.
Nunca senti prazer em lidar com aqueles velhos, mas eu
"desligava" a cabeça, sabe? Era como se eu não estivesse ali de
verdade.
— É o que os atores pornôs fazem nos vídeos… Já vi um
documentário a respeito. Alguns estão lá porque querem, mas
muitos não. É uma indústria podre.
— Você já assistiu pornô?! — Não disfarço a minha
surpresa.
Até ontem, Enrico me parecia tão certinho…
— Culpado. Posso ser virgem, mas… Tenho umas fases de
punheteiro. — Sorri, bagunçando o cabelo daquele seu jeito
tranquilo. — Já vi muito pornô.
— Que tipo de pornô? — quero saber. Sim, às vezes sou
intrometida.
— Gay, hétero… Vejo de tudo. — Ele dá risada. — De onde
acha que veio a ideia do chuveirinho?
O cabelo dela me lembra
Um refúgio quente e seguro
Onde, criança, eu me esconderia
Sweet Child O' Mine ~ Guns N' Roses

Continuo andando pelo corredor mal-iluminado, com as


portas fechadas dos dois lados. Meu coração vacila a cada passo,
pressentindo que vai dar merda.
O assoalho vibra sob meus pés, não deixando dúvidas
quanto ao volume absurdo da música.
E a festa no andar de baixo está só começando…
"É a chave da última suíte à direita, Sin. Leonardo disse que
podemos usar o quarto à vontade. Se quiser subir com uma
garota, me fala."
No início da festa, Bruno me mostrou uma chave dourada
antes de enfiá-la novamente no bolso, com um sorriso animado
dançando nos lábios.
Com sua pinta de capitão de time "certinho", o filho da puta
não tem dificuldade para pegar mulher.
Não que eu possa reclamar quanto a isso. Eu e meus
amigos sempre estivemos bem servidos de garotas.
O problema é que, nesta maldita noite, todo mundo parece
querer a mesma garota.
A diaba sonsa de sorriso doce.
Sorriso que me atrai como o canto da sereia mais
dissimulada.
Pousando a mão sobre a maçaneta da última porta, respiro
fundo antes de girar o objeto metálico.
O sumiço dos dois não me passou despercebido…
De jeito nenhum.
— Não pode ser — murmuro ao pisar dentro do quarto e me
deparar com aquilo.
Em um sofá de couro preto, Bruno está por cima de Madah,
quase esmagando a infeliz. Mas ela não parece nada
incomodada…
Pelo contrário, os dois parecem muito entretidos. Enquanto
se beijam na boca, um acaricia o corpo do outro, tão absortos no
momento que nem notam a minha presença.
Eles permanecem indiferentes, alheios a mim. Em
contrapartida, eu não poderia estar mais absorvido por eles.
Por ela.
Cada nuance da magrela me hipnotiza. O batom vermelho
borrado. Os cabelos castanhos bagunçados. As roupas
desalinhadas.
Mas o que me destrói é…
O cheiro dela.
Aquele familiar perfume adocicado que continua impregnado
na minha jaqueta desde o primeiro dia.
Com o coração acelerado, passo mal e…
Acordo de repente, com o corpo inteiro suado.
Solto o ar pela boca e me sento devagar na cama, tentando
recobrar o fôlego.
Péssima ideia tirar um cochilo antes da festa, depois
daquela minha dose de antidepressivo. Maldito TDAH. Com a
medicação, às vezes os sonhos parecem absurdamente reais.
Com cores, cheiros e texturas.
Sonhos, não. Pesadelos.
É um inferno… Não satisfeita em me incomodar durante o
dia, Madah vem me perturbando também na hora do sono.
Já faz um tempinho — exatamente duas semanas — desde
aquele lance dela com Enrico. Não sei se ficaram mais vezes, e
não quero saber.
Desde aquela manhã que flagrei os dois no quarto do meu
irmão, me mantive ainda mais distante da diaba.
Só continuei com as caronas à faculdade para não me
indispor com Domenico. Mas não troquei mais palavras com ela.
Nada de interação. Nada de conversinhas.
Para tentar relaxar, levanto da cama e decido tomar um
banho.
Cantarolando sob o chuveiro, me animo um pouco, entrando
no clima da night.
Mais cedo, quando Leonardo me mandou uma mensagem,
contou sobre a montagem do palco improvisado para a banda, me
deixando empolgado.
Pois é, vamos tocar na festa de hoje na casa dele. Não vejo
a hora.
Após o banho, visto apenas uma calça jeans e tiro uma
selfie, exibindo as tatuagens do tronco e dos braços. Envio a foto
no grupo da faculdade, como o bom "biscoiteiro" que sou.
"Baixista da Five Stars pronto para o show. A noite promete",
escrevo embaixo. Pelos próximos minutos, várias mulheres me
elogiam, inflando meu ego.
Com um sorriso convencido nos lábios, passo a analisar as
fotos dos contatos para eleger as melhores. Talvez seja com uma
delas que eu vá terminar a noite. A ideia é essa…
Ao dar o horário para a festa, caço a jaqueta no armário,
pego a chave do carro e guardo a carteira e o celular nos bolsos.
Pronto.
Quando estou descendo a escada, escuto os sons de vozes
na sala.
Paro de andar junto às portas duplas, analisando o cenário à
frente.
Enrico e meu pai parecem arrumados para sair enquanto
Madah está de pijama, conversando com eles.
Desta vez, é um pijama discreto. Um modelo de duas peças
em azul-marinho com estrelinhas brancas. Já percebi que várias
roupas dela são em azul. Pelo jeito, gosta da cor.
Enquanto conversam, Domenico, Enrico e Madah sorriem,
tranquilos, sentados nos sofás. Praticamente uma família de um
maldito comercial de margarina.
Respiro fundo e decido ir embora antes que me notem, mas
a jaqueta pesada escorrega depressa do meu braço.
O impacto ruidoso da peça no chão me entrega.
— Filho! Está de saída? — Domenico quer saber, me
olhando com as íris brilhantes. Sim, ele parece animado.
Os outros pares de olhos também se voltam para mim.
— Estou. Festa do Leonardo — digo, recolhendo a jaqueta
do chão. — Vai todo mundo da faculdade.
— Todo mundo? Caramba! Não me chamaram — Madah
comenta, esboçando um sorrisinho minúsculo, tirando uma onda
com a minha cara. Sonsa.
Domenico me encara em expectativa, arqueando as
sobrancelhas, praticamente me obrigando a fazer a próxima
pergunta:
— Quer ir? — murmuro, incomodado. — Se bem que não
deve ir ninguém que você tenha amizade… Melhor não.
— Muito obrigada pelo convite, você é tão gentil… Mas hoje
não vai dar. — Ela sorri, com um ar de falsa inocência.
A diaba adora me provocar. Na resposta dela, sarcasmo
escorreu de cada palavra, mas aposto que meu pai não percebeu
nada.
— Tem outros planos? — Não me seguro, mordendo a isca.
Burro pra caralho.
— Tenho. Eles incluem três coisas: eu, pipoca e Netflix.
— Sozinha? Ah, não... Posso faltar na palestra de Artes e
ficar com você, se quiser — Enrico oferece. — Não sei por que me
inscrevi. Eu nem estava muito a fim de ir mesmo.
Madah assente, feliz, apreciando a ideia.
Nem fodendo.
Engulo a saliva antes de falar:
— Pensando melhor, talvez fosse bom você ir à festa. Fazer
uma social… Os convidados são quase todos da nossa faculdade.
Porra, estou quase borbulhando de irritação. Minha
mandíbula até dói, os dentes apertados uns contra os outros.
Eu me odeio por sentir ciúmes dela.
Eu a odeio por me deixar perturbado assim.
— Boa ideia, filho! — Domenico parece satisfeito com a
minha iniciativa. — Marquei de jantar com Bárbara, se não eu
mesmo convidaria Madeleine para passear. É deprimente ficar em
casa em um sábado à noite. Que ótimo que a chamou para a
festa. Você vai com ele, querida?
— Só vou se o Enrico também for. — Ela cruza os braços,
me enervando ainda mais.
Passo as mãos pelos cabelos, quase arrancando os fios,
tentando não explodir.
— Por quê? — disparo entredentes, sem desviar os olhos do
rosto dela.
— Porque já estou vendo tudo… Você vai ficar lá com os
seus amiguinhos e eu vou ficar isolada. Você mal fala comigo,
Davi Filipo! E, quando fala, é para me destratar em noventa por
cento das vezes. Ou leva o Rico ou não vou.
— Deixa pra lá, Princesa. Não gosto de festas. — Enrico fala
mole.
Madah concorda com a cabeça, e tenho vontade de mandar
todo mundo ir para o inferno.
— Então vai sozinho, Sin. — Domenico anui. — Seus
amigos da banda também estarão lá, certo? — pergunta e eu faço
que sim. — Bom show para vocês.
— Banda? Marco e Paolo vão? — Enrico se interessa.
Previsível.
— Vão — confirmo, já prevendo que ele vai mudar de ideia
em três segundos. — Combinamos de tocar umas músicas na
festa.
Três, dois…
— Ah, isso parece legal! Vamos, Madah? — O fracote soa
animado demais, não se contendo em si.
É, eu acertei.
— Tá bom, tá bom! Que enrolação… Bem, vou me trocar. —
Ela suspira, se levantando do sofá. — Sairemos em quantos
minutos?
— Dez — resmungo, ciente de que minha ideia inicial já era.
Eu pretendia ir sozinho à festa, para passar mais tempo
longe dela, me pegando com uma mulher.
Agora, não apenas tenho que levá-la comigo, como preciso
carregar meu irmão esquisito junto. Haja paciência.

Para ser justo, Madah se arrumou bem rápido para uma


garota.
Estou distraído com o celular no hall quando ela aparece, se
aproximando de mim a passos hesitantes, sem me olhar
diretamente.
Com o cabelo escovado de um jeito diferente e os olhos bem
maquiados, está sexy pra caralho. O vestidinho tomara-que-caia
preto é espetacular…
— Você está… — Perco as palavras quando ela me olha nos
olhos.
— Vai falar que estou igual a uma puta? — Dá um passo
para trás, na defensiva. Com o movimento, seu perfume quente
de caramelo flui pelo ar.
— Não. Vou falar que… Isso que passou nos olhos… —
Aponto, sem encostar nela. — Dá um efeito legal.
— Você está me elogiando? — Franze o cenho, confusa.
— Acho que sim. — Enterro as mãos nos bolsos, mudando o
peso de um pé para o outro.
— Obrigada.
— De nada.
Silêncio.
Sem falar nada, como se não estivesse no comando dos
meus pés, dou dois passos na direção dela.
Madah não se move. Ela nem pisca.
Ficamos com os corpos a poucos centímetros de distância, e
sinto que ainda não é perto o bastante.
O silêncio denso faz minha pele formigar, com nossos
olhares conectados deixando tudo ainda mais surreal.
E, quando ela solta um suspiro fraco, entreabrindo os lábios,
todo o ar é sugado dos meus pulmões.
Hipnotizado, levo dois dedos ao seu rosto delicado,
contornando o queixo devagar, de um lado ao outro. Sua pele é
suave e macia, eu poderia tocá-la para sempre.
Madah fecha os olhos e não recua, umedecendo os lábios
com a ponta da língua.
Porra, que tentação… Minha mente grita que preciso me
afastar, mas meu corpo parece não entender e…
— Vamos? — Enrico surge do nada, quebrando
imediatamente o clima.
A Magrela dá um pulo para trás, assustada.
Melhor assim. Foi por pouco…
Quase fiz merda.
— Vamos. Até que enfim, noiva. — Me viro para Enrico e o
encontro com a cara de bunda de sempre, todo fracotinho, os
bracinhos expostos graças às mangas curtas da camiseta preta.
Mordo a boca ao passar pela porta, tentando me recompor.
Pesco a chave da minha Branca no bolso e sigo direto até a
garagem. Os dois vêm atrás de mim, conversando sobre qualquer
bobagem que não me interessa.
Dentro da Mercedes, ligo o som assim que dou a partida.
De modo aleatório, passa a tocar Guns N' Roses, "Sweet
Child Of Mine".
Her hair reminds me of
A warm safe place
Where, as a child, I'd hide
(O cabelo dela me lembra
Um refúgio quente e seguro
Onde, criança, eu me esconderia)
— Gosto muito dessa música… — Madah diz baixinho.
Ela está sentada do meu lado, no banco do passageiro. Me
viro rapidamente na sua direção e a encontro sorrindo, ajeitando o
cabelo daquele seu jeito leve que, ao mesmo tempo, me
tranquiliza e me fode.
— É uma boa música — respondo.
Chegamos na festa em cinco minutos porque Leonardo mora
no mesmo bairro.
Eu e Enrico descemos do carro e Madah fica retocando a
maquiagem lá dentro, visivelmente insegura. É natural que esteja
nervosa assim… Será a primeira festa dela com o pessoal da
faculdade.
Eu poderia a escoltar para dentro da casa, facilitando as
coisas. Mas não. Nada disso.
Ela que inventou de vir, não tenho nada a ver com isso.
— Pega. — Entrego o chaveiro ao meu irmão, decidindo
entrar na festa sem eles. — Você volta dirigindo.
Ele sorri com a ideia, sem disfarçar a surpresa.
Enrico é louco para dirigir a minha Branca, mas nunca
permito porque morro de ciúmes.
Hoje quero tomar todas, por isso não tenho escolha. Deus
me livre de bater o carro e amassar aquela lataria perfeita.
— Espera, Sin… Você não vai beber, né? Não pode…
— Relaxa, não vou — minto.
Ajeito a jaqueta no corpo e, sem olhar para trás, entro
depressa na casa. Sozinho.
É a minha vida, é agora ou nunca
Não vou viver para sempre
Só quero viver enquanto estou vivo
It's My Life ~ Bon Jovi

Assim que entramos, percebo que a festa ainda não


começou oficialmente.
No salão da casa, estamos apenas em seis pessoas. Eu, Sin
e Rico, mais o anfitrião Leonardo e dois outros caras de cabelos
castanhos, sendo um deles o babaca do Marco. Eles parecem
ocupados, mexendo em aparelhos de som sobre um palco
improvisado. Devem ser todos da banda.
Sin se une ao grupo e começam a passar o som.
Eu e Enrico nos sentamos em um sofá na parede oposta,
virado de frente para o palco.
— Rico, quem é aquele que nunca vi?
— Paolo. Ele e Marco são filhos do tio Giuliano. Fazem parte
da banda, junto com meus irmãos e Leonardo.
O nervosismo na sua voz não me passa despercebido.
— Por acaso, é o seu crush? Percebi que você se interessou
em vir para a festa quando soube da banda…
— Talvez. — Sorri, sem desviar o olhar do palco. — Mas não
acontece nada entre mim e ele. Não precisa ter ciúmes, Princesa
— completa com a voz divertida. — Por enquanto você é a única
que já tirou uma casquinha de mim.
Passando um braço pelos meus ombros, me beija na
cabeça.
Quase respondi que sentia falta dos nossos amassos, mas
preferi não falar nada. Nós ficamos apenas duas vezes — naquele
sábado no meu quarto e no dia seguinte no dele, quando
tomamos aquele banho —, duas semanas atrás.
Depois daquele final de semana, Enrico continuou me
tratando bem, porém fiquei com a impressão de que não quis dar
continuidade à "amizade colorida".
Por falta de vontade ou... Por culpa de Sin.
— E como chama a banda? — pergunto, com os olhos no
palco.
— Five Stars.
— Tá, os cinco se acham estrelas… Captei a mensagem.
— Exatamente. Cinco narcisistas. Mas, hoje em dia, são
quatro com mais frequência do que cinco. Luca já não participa
tanto, com os compromissos do MBA e tudo mais.
— Entendi. E qual é a posição de cada um?
— Paolo no vocal, Sin no contrabaixo, Marco na guitarra,
Leonardo na bateria. — Aponta um a um.
Olhei bem para os caras ensaiando no palco, a luz indireta
lhes dando um ar de estrelas do rock.
Todos são extremamente parecidos no estilo, menos um.
Paolo não tem tatuagens aparentes e é bem mais magro.
Apenas o piercing de argola no nariz e as unhas pintadas de preto
denotam alguma rebeldia. Assim como o boné branco na cabeça,
suas roupas são simples e comuns.
Seu rosto é fino, quase delicado, sem qualquer vestígio de
barba. A pele pálida combina com o cabelo castanho-claro que
escapa por baixo do boné, as mechas enrolando atrás das
orelhas.
Mas o que mais me chamou a atenção nele foi o sorriso
bonito que abriu quando nos viu chegar.
— Você reparou no sorriso do vocalista quando entramos no
salão? — Cutuco meu amigo com o cotovelo. — Porque eu
reparei.
Não há resposta.
— Abre o jogo, Rico. Conta tudo. Qual é o lance entre
vocês?
— Você não vai mesmo me deixar em paz? — Ele dá uma
risadinha. — Tá bom, tá bom… Paolo é o meu sonho de consumo,
desde sempre.
— Aprovado. Ele é bem gatinho, parece o Troye Sivan em
"Três Meses". Os olhos claros expressivos, a boca carnuda. Todo
perfeitinho. E nunca rolou nada mesmo?
— Somente trocas de olhares, conversas… Nada de mais.
— Suspira fundo, frustrado. Depois, joga a cabeça para trás,
apoiando no encosto do sofá.
— A noite está só começando… — Bagunço seus cabelos
lisos. — Milagres acontecem.
— Aliás, um milagre já aconteceu. — Ele puxa um chaveiro
do bolso. Olho para o objeto, sem entender o que há de especial
nele. — É a chave da Branca do Sin. Ele deixou comigo, nem
acredito… Vou dirigir aquela máquina pela primeira vez.
— Ele é muito chato com o carro?
Eu quero saber mais sobre Sin, mas quase nunca encontro a
oportunidade de perguntar. Preciso me agarrar a qualquer fio…
Quem sabe Enrico me dê uma luz.
Domenico é um homem de poucas palavras. Sucinto e
direto, não me dá abertura para questionamentos. Fora que o
homem mal para em casa… Quando aparece, não se desliga do
celular e do notebook, eternamente ocupado e apressado.
Mais de uma vez, tentei conversar com ele sobre a minha
estadia na mansão. Por que continuo lá? Até quando? Não
consegui respostas, recebendo apenas: "Agora não, querida",
"Fique tranquila, está tudo sob controle", entre outras frases
vagas.
Já estou há quase dois meses morando com a família
Sintori, sem saber o que será de mim. Não posso reclamar da
segurança e do conforto, óbvio, minha vida em São Paulo é
infinitamente melhor do que em Punta. Mas, quando penso melhor
no assunto, a falta de definição me angustia.
A saída é "não pensar" e aguardar pelos próximos capítulos.
Enfim, se nem sobre a minha situação incerta obtenho
informações de Domenico, quem dirá descobrir mais sobre os
filhos dele.
— Você quer mesmo saber se Sin é chato com o carro? —
Rico dá uma risadinha. — "Chato" é eufemismo. Ele é
completamente louco, maníaco, obcecado. Nunca vi o cara sentir
tanto ciúmes de alguma coisa como sente daquela Mercedes e…
— Para de falar e esquadrinha o meu rosto devagar. — Pensando
bem, a Branca foi rebaixada para o posto de segundo lugar. O
primeiro é todo seu, Princesa.
Assinto lentamente, ciente de que Sin dá todos os sinais de
que sente ciúmes de mim.
Neste exato instante, por exemplo, ensaia com um olho na
partitura e o outro aqui no sofá, muito atento à minha interação
com Enrico.
Antes de sairmos de casa, sei que ficou mexido ao me ver
pronta para a festa e, não poderia dizer se foi loucura da minha
cabeça ou não, mas tive a impressão de que iria me beijar.
Pior que, provavelmente, eu não teria oferecido resistência.
Não consigo ser racional quando estou perto dele.
Ainda bem que ele trabalha por nós dois, se mantendo
distante.
Nossa realidade é triste e, ao mesmo tempo, definitiva.
Em vez de simplesmente tentar me conquistar — o que teria
sido a coisa mais fácil do mundo para ele —, o babaca me
destrata, não demonstrando interesse em me conhecer de
verdade, sem seus pré-julgamentos ridículos.
Ou seja, nunca vai dar certo.

A festa está lotada, com pessoas espalhadas pela mansão.


Sala, varanda, cozinha, quintal. Não encontrei um espaço vazio
enquanto circulava pelos ambientes com o Rico. Fiz bem em
insistir que ele viesse, ou estaria absolutamente sozinha.
Por volta das nove horas, observo a Five Stars se
preparando para a apresentação. Eles ligam as luzes e testam os
instrumentos, conversando e rindo, na maior tranquilidade do
mundo.
Arrasto Enrico para a frente da pista, passando por dezenas
de pessoas. Quando alcanço a borda do palco, sinto uma
adrenalina gostosinha correr pelo corpo. Ao meu redor, todos
parecem ansiosos para o show. O gelo seco e as luzes coloridas
contribuem para o clima elétrico, aumentando as expectativas.
— Boa noite! Estamos aqui para… — Paolo fala no
microfone, mas minha atenção não se prende ao vocalista.
Estou hipnotizada demais por Sin, com o contrabaixo nas
mãos, a poucos metros do amigo.
Sem a jaqueta preta, as tatuagens dos braços ficam
expostas sob as luzes pulsantes. Seu cabelo bagunçado emoldura
o rosto sério, com o olhar compenetrado fixo nas cordas do
instrumento. Meu Deus, ele está mais lindo do que nunca… Sua
presença de palco é de arrepiar.
Quando os primeiros acordes da música ressoam, meu
coração dispara como um trem desgovernado. Sorrio ao
reconhecer as batidas fortes. Sou apaixonada por Bon Jovi.
This ain't a song for the broken-hearted
(Esta não é uma canção para quem tem o coração partido)
Paolo canta em um inglês perfeito, mas meu foco não está
nele.
Como se pressentisse meu olhar, Sin vira a cabeça na minha
direção.
Sem parar de tocar o contrabaixo, conecta nossos olhos. E,
quando esboça um sorriso torto para mim, meus joelhos
amolecem como manteiga.
Mordo a boca para não sorrir como uma adolescente
emocionada.
De repente, Enrico me puxa pela cintura.
— Está gostando?! — Ele levanta a voz para se fazer ouvir
em meio a música alta.
— Estou! — respondo com sinceridade.
A música "It's My Life" tem uma energia maravilhosa.
It's my life
(É a minha vida)
It's now or never
(É agora ou nunca)
— Está ouvindo a letra? Fica a dica, Rico! — grito para ele.
— Aproveita a vida! É agora ou nunca! Quero te ver beijar o
vocalista hoje!
— Só se você beijar o baixista! — grita de volta, rindo. —
Não aguento mais a tensão sexual irritante entre vocês!
— Combinado! — Solto sem pensar, só na empolgação.
Depois de umas dez músicas, a banda faz uma pausa.
Paolo pula do palco como um felino e vem direto até nós, se
desviando das pessoas pelo caminho, sem tirar os olhos afiados
de Enrico.
— Ora, ora… Donatello Enrico Sintori, em carne, osso e
timidez, em uma festa universitária? Como se sente em um habitat
estranho, cara?
Com um sorriso envergonhado, Enrico estende a mão para o
cumprimentar, mas Paolo o puxa para um abraço apertado.
— "Donatello Enrico"? — repito, estranhando a combinação,
e olho para o meu amigo. Ele está se desvencilhando do abraço.
— É o meu nome — diz, com um sorrisinho tímido, alisando
a camiseta na barriga. — Mas quase ninguém me chama assim.
— É só para os íntimos. — Paolo dá uma piscadinha e Rico
fica vermelho no mesmo segundo. — Paolo Fontini, muito prazer.
Ele se inclina para me beijar na bochecha, um beijo de cada
lado.
— Madeleine. Pode me chamar de Madah.
— É só para os íntimos também? — brinca, segurando o
riso. Seus olhos azuis brilham em divertimento.
Simpatizo com ele no mesmo segundo.
Seu jeito peculiar, despojado e extrovertido, é cativante
demais.
— Não, todo mundo me chama assim.
— Então, Madah… — Paolo apoia uma mão no meu ombro.
— Precisa me contar o segredo. Como fez para arrastar o nosso
amigo aqui para uma festa? Eu nunca consegui. E olha que já
tentei muito, viu? Nos conhecemos desde moleques.
— Foi ele que quis vir. Assim que soube que teria o show de
vocês — acrescento depressa para dar um empurrãozinho.
— Verdade, cara? — Paolo sorri de ponta a ponta, olhando
para Enrico.
— É… — Sorri de volta, tímido.
Enquanto observo as trocas de olhares entre eles, percebo
que estou sobrando. Para deixá-los a sós, peço licença para ir ao
banheiro.
Quando volto, não encontro mais os dois. Será que…
Ai, tomara que sim!
Torço para que estejam juntos em algum canto finalmente se
pegando.
Completamente sozinha, decido circular pela festa e
procurar por algum rosto conhecido da faculdade. Ainda não fiz
amizades profundas, porém, no dia a dia, converso com um ou
outro colega da minha turma.
Caminho até o gramado da frente — está cheio de pessoas
conversando e tomando bebidas —, mas não encontro ninguém.
— Oi. Madeleine? — Um sujeito de óculos para do meu lado.
Ele acena rápido com uma mão na altura do rosto. Com a outra,
segura um copo de plástico. — Sou Eduardo, e meu amigo se
chama André.
Aponta com o queixo para um cara bochechudo à sua
esquerda. Os dois me encaram com intensidade, espalhando uma
sensação esquisita pelo meu estômago.
— Oi, prazer — respondo, voltando a espiar ao redor na
esperança de encontrar um conhecido.
— Está procurando alguém?
— Um amigo… Enrico. Conhece?
— Estuda na FGV?
— Não. Só o irmão dele estuda lá. Davi Filipo… Sin.
— Ah… — Arruma os óculos no nariz com a mão livre,
parecendo mais nervoso. — Não posso ajudar, porque não sei
quem é.
— Tudo bem. — Dou um sorriso educado e, quando estou
prestes a me afastar, ele me segura pelo cotovelo.
Me sobressalto com o toque inesperado.
— Aceita uma bebida? — Estende o copo de plástico para
mim. — Acabei de pegar lá dentro. É vodca com energético.
— Eu… — Estico a mão no automático, mas, quando estou
prestes a agradecer e dizer que não bebo, uma sombra irrompe
do meu lado, arrancando o copo do Eduardo.
— Porra, nunca te ensinaram a não aceitar bebidas de
estranhos?! — Sin vocifera para mim, levantando a bebida para o
alto.
Como…
— Eu não sou um estranho. Não lembra de mim? Somos
amigos, cara. — Eduardo arrisca, fazendo um "joinha" com o
polegar.
Mas se encolhe rapidinho quando Sin dá um passo
ameaçador na direção dele.
— "Amigos" é o caralho. Se eu levar isso aqui até a Polícia…
O quão encrencado você fica, seu merda?
— Polícia? Como assim? Tá insinuando que… que… —
gagueja.
— Então bebe. Tudo.
Sin empurra o copo contra o peito dele.
Ao lado, André recua dois passos, talvez com receio de que
sobre para ele.
— Ok. — Eduardo segura o objeto com a mão trêmula.
Quando está levando a borda à boca, deixa cair tudo no chão. —
Ops, escorregou.
— Viu só?! — Sin me puxa pelo braço para longe deles. —
Ele ia te drogar! Puta que pariu… — gesticula com a mão livre,
parecendo muito perturbado.
— Obrigada. Mas não precisava… — Não consigo finalizar a
frase porque ele me corta.
— Não tenho tempo para ficar de babá! Faça um favor a si
mesma: use o cérebro, de vez em quando. Não seja tão burra!
Abro a boca em choque, prestes a mandar o ridículo para o
inferno, mas me vejo repentinamente sozinha.
Porque ele sai andando pelo gramado, pisando duro.
Droga.
Para onde vamos?
Para onde vamos agora?
Sweet Child O' Mine ~ Slash (feat. Myles Kennedy)

Volto a circular pela festa, vagueando pelos ambientes


lotados.
Com a cabeça a mil, fico passando e repassando
mentalmente o sermão que queria ter dado em Sin.
Aquele babaca irritante…
Ele me pegou de surpresa com o insulto final e não consegui
rebatê-lo a tempo, o esculachando.
Óbvio que o esculacho não surtiria o efeito que realmente
desejo — que Sin pare de me destratar —, mas, ainda assim, não
teria sido em vão.
Porque eu me sentiria maravilhosa por desentalar tudo da
minha garganta.
Engolir sapos nunca é uma boa ideia. Como dizia a minha
mãe quando eu era pequenininha, "Quem engole sapos, vai para
o brejo. Põe para fora, filha."
Pois é, já deu…
Preciso colocar tudo para fora.
Preciso falar com Sin.
Decidida a encontrá-lo, volto para dentro da casa e me dirijo
à cozinha. Os caras mais festeiros vivem ali, entre a pia e os
balcões, preparando bebidas.
Assim que alcanço a porta, enxergo ao lado da geladeira um
rosto conhecido: Bruno. O capitão do time que conheci naquele
primeiro dia de aula.
Caminho diretamente até ele.
— E aí, Madah? — Bruno sorri, passando a mão pelos
cabelos castanhos. — Tudo bem? Quer alguma coisa? — Aponta
com o queixo para a geladeira aberta, a outra mão segurando a
porta escancarada.
— Na verdade, eu queria encontrar o Sin. Sabe dele? —
pergunto, tentando soar casual.
Bruno pega uma latinha de cerveja e fecha a porta da
geladeira antes de responder:
— Vi o cara lá fora faz um tempo, ao lado do carro dele.
Estava com uma loira do quinto ano. — Vira o rosto para a janela
da cozinha, espiando a rua. — Pelo jeito, não foi embora. A
Mercedes branca continua parada ali. Mas parece que o casal
está lá dentro — completa com um sorrisinho esperto, ainda
olhando para fora.
— Ah… — Meu coração burro afunda diante das palavras
"uma loira". É sempre uma loira. — Sério?
— Sério. Olha lá. — Me puxa pelo cotovelo, me aproximando
da enorme janela de vidro que dá para a lateral do jardim.
A alguns metros, está a Mercedes, com a lanterna acesa e
os vidros escurecidos, fechados e embaçados. Droga.
— Não quer mesmo uma cerveja? — oferece, levando à
boca a latinha verde. — Está estalando de gelada.
— Eu não bebo — murmuro, subitamente mal-humorada.
Quero tanto ir embora dessa porcaria de festa…
Bruno assente e continua bebendo.
Quando seu celular apita, passa a trocar mensagens no
aparelho, se esquecendo da minha existência.
Corro os olhos pela cozinha, notando que sou a única de
cara feia por aqui.
Todos bebem, riem e conversam, se divertindo, sem
qualquer esforço.
Os drinks coloridos, as músicas vibrantes, as risadas
descontraídas… É uma realidade absolutamente nova para mim.
Nova, intrigante, e até mesmo um pouquinho atraente.
Nunca tive a oportunidade de frequentar festas universitárias
no Uruguai. Talvez eu deva me esforçar um pouquinho, me abrir
para novas experiências…
— Quer saber? Me vê uma dessas. Quero experimentar.
Toco na latinha de Bruno, que levanta os olhos do celular e
me observa por dois segundos. Guardando o aparelho no bolso,
reabre a geladeira e pega uma cerveja para mim.
Lacrada? Sim.
Confiro direitinho, passando a ponta do dedo pela superfície
fria.
Basta de bebidas "batizadas" por hoje.
Quando abro a latinha, o barulho da pressão estala no ar.
Dou uma risadinha e levo a borda à boca.
Tento tomar um gole, mas é difícil… Quase cuspo o líquido
gelado na pia. Me seguro no último segundo para não passar
vergonha.
Faço uma careta involuntária ao sentir o sabor horrível na
língua.
É a primeira vez que provo cerveja e me sinto ludibriada.
Pensei que seria uma bebida deliciosa, mas, que nada!
É apenas… Fria. Amarga. Ruim.
Como as pessoas podem gostar disso?
— Depois da segunda latinha fica melhor — Bruno diz, me
olhando com graça. Com certeza, percebeu que detestei a bebida.
— Quer ir até a pista? O DJ parece ser bom — comenta,
sinalizando na direção da sala.
— DJ? — Estranho a informação.
O único palco que vi montado era aquele da Five Stars.
— É… Contrataram um DJ para tocar nos intervalos da
banda — explica, colocando uma mão no meu ombro. — Vamos?

Na pista improvisada no centro do salão, remexo o corpo


acompanhando as batidas da música eletrônica, tentando me
divertir. Já estou na segunda latinha e ainda odeio o sabor da
cerveja.
— Olha lá, Leonardo e Marco estão religando os aparelhos.
A banda vai voltar! — Bruno grita no meu ouvido, o som alto
atrapalhando a conversa.
Assinto com a cabeça, na expectativa de ver Sin tocar. Ele
vai voltar para a segunda parte do show ou pretende continuar
nos amassos com a loira no carro?
Dois minutos depois, Sin sobe no palco. Meu queixo cai
enquanto observo o infeliz ajustar o pedestal do microfone para a
altura dele.
Ele vai cantar?!
— Boa noite. — Sua voz rouca ressoa pela sala. — Diante
do desaparecimento do vocalista da Five Stars, vou assumir o
vocal para a segunda parte do show.
"Desaparecimento"? Como assim?
Ao me perguntar onde está Paolo, um estalo quase faz meu
cérebro explodir. Cintilante como um raio, a compreensão me
atinge com tudo, esticando meus lábios em um sorriso
involuntário.
As peças soltas se encaixam com perfeição.
O sumiço de Enrico.
O desaparecimento de Paolo.
A chave do carro de Sin com Enrico.
Boa, Rico!
Meu sorriso aumenta ainda mais quando me dou conta de
que, logicamente, não era Sin dentro da Mercedes dando os
amassos.
Em um piscar de olhos, a pista lota para o show. A atmosfera
está eletrizante… As luzes piscando no alto, o assoalho vibrando
embaixo, o calor humano nos envolvendo por todos os lados.
Porém, o que mais esquenta meu rosto e dispara meu
coração são os olhos castanhos de Sin, que de tempos em
tempos se voltam para mim.
Ele aparenta estar muito incomodado com a presença de
Bruno ao meu lado, olhando feio para o amigo entre uma música e
outra.
— Vou até a cozinha pegar mais uma cerveja. Quer ir
comigo? — Bruno sussurra no meu ouvido, sinalizando na direção
da porta.
Os olhos de Sin quase saltam das órbitas.
Ele pode ver a mão do amigo ao redor da minha cintura, me
puxando levemente, e parece nervoso com isso.
Antes de dar uma resposta a Bruno, continuo olhando para
Sin.
Arqueio as sobrancelhas, em expectativa, arriscando uma
pergunta silenciosa. E, quando faz que "não" com a cabeça,
enfático, compreendo que não quer que eu deixe a pista com
Bruno.
Levanto o queixo, prestes a desafiá-lo e ir embora, quando
ele aproxima o microfone dos lábios e dispara:
— Última música. Guns N' Roses. Pode começar, Marco.
Aquela lá. — Sua voz parece tensa, me deixando em alerta.
Seria possível que…
Então, quando Marco passa a dedilhar a guitarra para a
introdução, tenho a confirmação. Meu Deus do céu…
Meu coração pula para a boca ao reconhecer a música que
escutamos no seu carro, e que ele sabe que eu gosto.
E, para me matar de vez, enxergo seus lábios fazerem as
palavras sem som: "Fica. É pra você".
— Pode ir, Bruno. Eu vou ficar — aviso e ele vai embora.
Sem tirar os olhos de Sin, me aproximo do palco e passo a
cantar junto as primeiras estrofes, nossos olhares presos fazendo
arrepios correrem pelo meu corpo como ondas macias.
And if I stare too long
I'd probably break down and cry
(E se eu olhar por muito tempo
Provavelmente vou perder o controle e chorar)
Oh, oh! Sweet child o' mine
Oh, oh! Sweet love of mine
(Oh, oh! Minha doce menina
Oh, oh! Meu doce amor)
A emoção que me consome é surreal, fazendo meus
batimentos quase entupirem meus ouvidos.
E, quando me lembro do que falei a Enrico — que iria beijar
o baixista da Five Stars —, borboletas enlouquecidas invadem
minha barriga.
É hoje!, penso, decidida.
Certamente vou me arrepender depois, mas…
O que mais quero nesse momento é beijar o cara que não
sai dos meus pensamentos, nem por um minuto.
— Te encontrei de novo. — De repente, Eduardo ressurge,
colando do meu lado.
Olho para ele por meio segundo, sem sorrir.
Ele passa a falar comigo, mas o ignoro, sem qualquer
interesse em desviar a atenção do homem que está cantando
Guns de uma maneira perfeita, olhando para mim.
Sin repara em quem está do meu lado e enrijece a postura,
visivelmente irritado. Posso apostar que só não veio para cima de
nós porque ainda está finalizando a música.
Morrendo de calor, prendo os cabelos em um rabo alto,
soltando as mechas molhadas da nuca.
E tudo acontece em um piscar de olhos…
Sou agarrada por trás e virada de costas para o palco, com
uma boca beijando meu pescoço, me arrepiando de um jeito
péssimo.
Nojo. Muito nojo.
— Ei! Eduardo! Para com isso! — Luto para me soltar, o
asco me consumindo. — Socorro! — tento pedir ajuda, mas o som
da banda continua alto demais.
As pessoas ao redor parecem não notar o meu desespero,
entretidas com o show, os olhos voltados para a frente.
Tento chutar Eduardo com a sola do pé, mas o desgraçado
se desvia, sem desgrudar a boca da minha pele.
— Não está gostoso assim? — Desliza a boca molhada para
baixo, me lambendo devagar. Suas mãos fortes ainda imobilizam
meus braços, os dedos firmes nos meus cotovelos.
— Não! — grito, o mais alto que consigo.
E a música para.
Você escolheu dançar com o diabo e teve sorte
Swim ~ Chase Atlantic

Disparo como um raio na direção de Madah e Eduardo,


saltando de cima do palco.
— Larga ela!
Dou um empurrão no ombro do filho da puta e puxo meu
cotovelo para trás para virar um soco na cara dele.
Só que Eduardo é mais rápido… Joga Madah para cima de
mim e dá passos desajeitados para trás, as mãos erguidas em
sinal de rendição.
Com o sangue fervendo de ódio, quero voar para cima dele,
mas estou preso no lugar, com a magrela enroscada em mim, se
tremendo inteira.
— Ca-calma, cara… Não sabia que não po-podia… — ele
gagueja.
Andando de costas, passa pelas pessoas que preenchem a
pista de dança.
Não tira os olhos de mim, nem por um segundo. Covarde
desgraçado…
— Seu filho da puta! — esbravejo, gesticulando com uma
mão no ar. — Ainda vai ter o que merece!
Meu outro braço está imobilizado, com Madah pendurada
nele, me apertando como se eu fosse uma boia salva-vidas e ela
estivesse prestes a afundar.
— O que foi, Sin? — Marco aparece do meu lado.
— Vai atrás dele! Aquele cara de óculos! — falo para o meu
amigo, apontando para Eduardo.
A essa altura, o nerd está quase deixando o salão.
Marco me atende, sem hesitar.
Quando me viro para Madah, tenho a confirmação do que já
desconfiava: ela está assustada, com a pele pálida e os olhos
esbugalhados.
Vou matar aquele maldito…
— O que ele fez? — Passo a mão pelo seu cabelo
bagunçado, as mechas lisas caindo sobre o rosto.
— Ele me agarrou. — Ela alcança a minha mão, me
apertando.
Sem dizer mais nada, entrelaça os nossos dedos. Sua palma
está fria como a de um cadáver. Porra…
— Vamos. — Eu a conduzo pela mão para fora da pista, mal
conseguindo respirar com o gelo seco e as luzes fortes me
deixando ainda mais perturbado.
— Aonde? — Ela quer saber, mas não oferece resistência,
me acompanhando pelo caminho.
— Tomar um ar.
Continuo andando até passar pela cozinha e sair pela porta
dos fundos, chegando ao quintal.
Apoio as costas na parede externa da casa e levo as duas
mãos à cabeça, suspirando fundo.
— Obrigada. — Madah vem para a minha frente. — Ninguém
parecia perceber o que estava acontecendo… Só você me ajudou.
Inesperadamente, ela me puxa para um abraço, deitando a
bochecha no meu peito.
Sem reação, apenas retribuo o gesto, apreciando o calor do
seu corpo miúdo que parece se encaixar com perfeição ao meu.
— De nada — murmuro, minha voz quase inaudível, com a
boca perto do topo da sua cabeça.
Não sei quanto tempo depois ela se afasta, me soltando.
Dá um passo para trás e observa meu rosto. Suas feições
não estão muito nítidas por conta da pouca luz que nos cerca a
céu aberto.
Ainda assim, posso ver seus olhos brilhantes e sentir seu
perfume suave, soprado pelo vento frio que nos abraça.
— Davi Filipo, eu quero…
— Sin, estava te procurando! O cara escapou! — Marco
surge do nada, estourando nossa bolha. — Não consegui
impedir…
— Obrigado por tentar — respondo, sem tirar os olhos do
rosto dela. — Nos deixe a sós, brother — murmuro, quase
engasgado, o coração na garganta.
Com uma expressão de surpresa no rosto, Marco vai
embora. Ele conhece o histórico de Madah. Sabe que não fico
com mulheres assim.
A questão… Eu sei?
— Você quer… — começo, mas me perco com a visão dos
seus lábios entreabertos e hesito por um momento.
De repente, um cara aparece na porta da cozinha e passa a
vomitar no chão, esguichando a poucos metros dos nossos pés. O
clima se quebra mais uma vez.
— Vamos para lá, cansei de interrupções. — Eu a levo na
direção do deck da piscina, que provavelmente está vazio. É
quase meia-noite. Com o vento frio da madrugada, ninguém vai se
atrever a ficar naquela área desprotegida.
A cada passo que dou, meu estômago se agita com a
expectativa do que podemos fazer naquele local escuro a sós.
Que se dane que ela é uma prostituta.
Eu a quero mesmo assim.
Eu a quero pra caralho.
— Droga. — Madah tropeça e quase cai. Por sorte, eu a
firmo pela mão. — Os saltos finos entram na grama, não consigo
andar direito.
— Não seja por isso.
Em um movimento ágil, eu a pego no colo, colocando um
braço nas suas costas e o outro sob os joelhos.
— Ei… Não precisa me carregar. — Sorri, envolvendo meu
pescoço com um braço, ajeitando o corpo contra mim.
— Relaxa. Você não pesa nada, Magrela.
Continuo a carregando até alcançar o deck da piscina, que
está imerso na escuridão. Apenas a luz da lua me permite
enxergar alguma coisa adiante.
Me sento em uma das espreguiçadeiras e Madah continua
no meu colo, com o corpo posicionado de lado.
Quando se mexe um pouquinho, roça a bunda no meu pau,
me fazendo morder a boca. Já estou totalmente excitado apenas
por tê-la tão perto de mim.
— Pode falar agora, Madah. Ninguém vai nos interromper
aqui.
Quase morrendo de tesão, aperto sua cintura com as duas
mãos, mantendo a magrela parada em cima de mim.
— Quero te perguntar uma coisa. — Leva as pontas dos
dedos ao meu rosto, contornando a mandíbula devagar. — Foi
impressão minha ou… Você cantou aquela última música para
mim?
— Não foi impressão sua.
Seus olhos cintilam em satisfação.
Escorregando os dedos do meu rosto para a nuca, me
acariciando com suavidade pelo caminho, Madah me faz acreditar
que também me quer.
Mas um resquício de insegurança me segura, me lembrando
das suas palavras disparadas como dardos: "Eu jamais me
deitaria com você, Davi Filipo. Eu te desprezo."
— Você quer… — Não consigo terminar a frase.
Madah deposita um beijo leve nos meus lábios.
Apenas um roçar sutil, etéreo como um sopro.
Ela não me beijaria de verdade. Beijaria?
Quando penso que não — que aquele selinho não daria em
nada —, a Magrela me surpreende. Colocando a pontinha da
língua para fora, percorre lentamente o contorno da minha boca,
me provando como se eu fosse a melhor das sobremesas.
Seus gestos contidos, quase tímidos, desencadeiam o efeito
contrário em mim.
Como se tivesse implodido uma barragem no meu peito,
deixo fluir semanas e semanas de ansiedade e tensão, agarro sua
nuca e puxo, a beijando com tudo.
Fundindo nossos lábios, enfio a língua na sua boca como
fantasiei desde o primeiro dia, a tomando para mim.
Seu gosto é... Quente. Suave. Alucinante.
Nos beijamos com tanta devoção que saio de órbita,
perdendo a noção de tempo e espaço, com milhares de ondas
elétricas queimando meu corpo, endurecendo minha ereção.
Madah enterra os dedos nos meus cabelos, me puxando
mais para si, gemendo e ofegando com um desespero que só não
é maior do que o meu.
— Porra… — Quebro o beijo, mas ela não se afasta.
Desce os lábios pelo meu pescoço, me arrepiando ao
distribuir beijos molhados por toda a extensão, me devorando de
cima para baixo.
— Você é tão gostoso… — Seus dedos magrinhos entram
por dentro da minha camiseta, apalpando o abdômen e alisando
os músculos.
Ao mesmo tempo, arrasto uma mão pela lateral do seu
corpo, apreciando os contornos dos quadris e da cintura, subindo
até alcançar o pescoço.
Fecho os dedos ao redor da garganta, afastando seu rosto
para olhar nos seus olhos. Suas íris dilatadas entregam seu tesão.
— Confia em mim? — pergunto e ela faz que não. Depressa
demais.
Sorrio diante da sinceridade. Estou de saco cheio de
mulheres que mentem para me agradar.
— Está certa. Nem eu confio… — "em mim mesmo", omito a
última parte. — Continue assim.
Madah revira os olhos quando dou uma enforcada leve,
apenas testando suas reações.
Solto sua garganta e desço a mão pelo seu colo, brincando
com o decote do vestido.
— Sem sutiã, é? — Massageio seu seio por cima do tecido,
circulando o mamilo rígido com o polegar.
— Faz tempo que você não me manda "botar um sutiã". —
Ela puxa o vestido para baixo, me surpreendendo mais uma vez.
— Não prefere assim, sem nada?
Puta que pariu.
Seus peitos são pequenos, porém bem-feitos e empinados,
com os bicos pontudos me chamando, me dando água na boca.
— Prefiro. Mas só para mim…
Em um movimento rápido, inverto nossas posições.
Deito Madah na espreguiçadeira e caio de boca nos peitos.
Arrasto a língua entre eles, chupo um e depois o outro, me delicio
com sua pele macia, a lambuzando e marcando com a saliva.
— Eu poderia fazer isso por horas. — Brinco com o bico,
balançando a ponta antes de sugar mais forte, aumentando a
pressão.
Quando solto, o barulho molhado de "ploc" faz Madah gemer
mais alto.
— Você quer me matar. — Ofega, enterrando as mãos nos
meus cabelos.
Ela ondula os quadris, extremamente excitada com a
brincadeira. Assim como eu. Dentro da calça, meu pau dói de tão
pesado, com a ponta úmida melando a cueca.
— Posso te tocar...? — pergunto, escorregando uma mão
pela sua coxa lisinha.
Madah faz que sim.
Alcanço a virilha e contorno o elástico da calcinha com as
pontas dos dedos. Aliso sua boceta devagar. O tecido que a cobre
está molhado e quente, me deixando louco.
Quando pressiono o polegar contra o forro, na direção do
clítoris, Madah crava as unhas nos meus ombros.
— Continua. — Abre mais as pernas, facilitando o acesso.
Me sento entre elas e levanto a barra do vestido, embolando
a peça na altura do umbigo.
A calcinha delicada abraça seus quadris, e é uma visão tão
perfeita que prefiro não a tirar.
Apenas me inclino para selar um beijo rápido na sua coxa e
puxo a calcinha para o lado, expondo seus lábios carnudos.
— Porra, Madah… — Levo meu toque trêmulo a ela,
patinando na lubrificação abundante.
Passo as pontas dos dedos entre as dobras em uma linha
reta, de baixo para cima, a masturbando.
Ao mesmo tempo, suas mãos deslizam pelos meus
antebraços, me apertando, me arranhando. Seus toques frios
contra minha pele quente me estremecem de um jeito
absurdamente bom.
Quando esfrego o polegar sobre o clítoris, Madah geme mais
alto.
Paro de mover a mão, mostrando a ela quem está no
comando.
— Continua. — Arqueia a coluna, tentando buscar seu
alívio.
Alívio que apenas eu a daria.
Afasto mais suas coxas e me encaixo entre elas, a cobrindo
com meu tronco, puxando suas pernas ao meu redor.
A magrela entende o recado e passa a pressionar a boceta
contra o meu pau, mais dolorido a cada segundo, ainda preso
dentro da calça.
Simulando o ato sexual, volto a chupar seus peitos,
mamando forte enquanto continuo investindo os quadris contra
ela.
— Quer eu te faça gozar agora? — pergunto, subindo o
rosto para beijar sua boca.
Ela faz que sim, balançando a cabeça para cima e para
baixo.
Arrasto uma mão entre nós, encontrando o clítoris inchado,
melado com os líquidos da sua boceta.
Pressionando o pontinho com o polegar, empurro o dedo do
meio para dentro dela.
Madah grita, mas abafo o som com um beijo forte, sentindo
os primeiros tremores do seu orgasmo.
Quero fazê-la gozar na minha mão, para depois montá-la em
cima de mim, rasgando a Magrela ao meio como sonho há tanto
tempo.
Mas…
De repente, estranho a sensação de penetrá-la com o dedo.
Não está normal.
Nem um pouco normal.
Sua musculatura quente me aperta, centímetro a centímetro,
a pressão quase impedindo minha movimentação.
— Você é tão fechada, como é possível… — Deixo escapar
as palavras.
— Eu sou virgem, babacão. — Ela morde o lábio, fixando os
olhos nos meus.
Espera um pouco.
Não faz sentido.
Uma prostituta virgem?
— Não fala merda. Você está bêbada? — Paraliso, quase
em choque.
Ela só pode estar brincando…
— Bebi duas cervejas, mas estou sóbria. Pode acreditar. Eu.
Sou. Virgem. — Enfatiza as palavras antes de beliscar minha
bochecha. — Isso meio que estraga a sua teoria de que sou uma
puta, não?
Não. Não é possível. Ainda incrédulo, cuidadosamente tento
girar o dedo dentro dela e quase caio para trás.
V.I.R.G.E.M.
Puta merda.
Como pude me enganar tanto?
— Me desculpa, eu…
— Para de falar agora, vai — pede, fechando os olhos. — Eu
estava quase gozando… Só continua, Sin.
Me obrigo a sair do transe e tomar uma atitude.
A que ela quer. A que ela espera.
— Pode deixar, Magrela.
Fecho os lábios sobre os dela, a beijando e a masturbando
no mesmo ritmo, indo e vindo, a língua e o dedo trabalhando em
sincronia.
Quase me perco com os barulhos das nossas respirações,
com os gemidos abafados, com o entra e sai molhado do meu
dedo.
O tesão, o calor, a pressão… Tudo mexe demais comigo.
E eu continuo, como ela me pediu.
E eu continuo com os beijos e os toques, desmanchando
Madah sob mim, me desfazendo junto com ela, nós dois
entregues às sensações.
— Davi… — ela choraminga quando começa a gozar,
contorcendo o corpo.
Porra, ela chamou pelo meu nome.
Não tiro o dedo de dentro dela, me deleitando com os
espasmos do seu orgasmo.
Não me aguentando mais, coloco a outra mão dentro da
calça. Me masturbo desesperado e explodo em segundos, me
lambuzando com os jatos viscosos.
Inacreditável.
Respiro fundo enquanto ela distribui uma trilha de beijinhos
pelo meu pescoço, me arrepiando inteiro.
Madah sorri quando me deito ao seu lado.
— Quer ouvir uma verdade, Sin?
Com o corpo mole, eu a puxo para mim.
— Fala. — Arfo, ainda sem fôlego.
— Foi o melhor orgasmo da minha vida.
Não sei o que responder, por isso apenas a arrasto para
cima do meu corpo, a apertando mais forte.
Meu coração bate sem controle, extremamente feliz e
absurdamente assustado.
— Me escuta. — Levanto seu queixo com as pontas dos
dedos. Suas bochechas estão coradas, a deixando ainda mais
perfeita. — Tenho que me desculpar com você. Fui tão babaca
e…
— Não quebra o clima. Não vamos discutir o assunto agora,
ok? Você é um babaca, sim. Mas isso não é novidade… Eu já
sabia, faz tempo. Vamos focar nas coisas que acabei de descobrir,
que tal? — desanda a tagarelar. Pelo jeito, Madah é daquelas
pessoas que ficam eufóricas depois de gozar. — Você beija bem.
Você é habilidoso com os dedos. Você sabe como dar prazer a
uma mulher. Para falar a verdade, eu já desconfiava disso desde
que te vi na suíte do hotel com aquela loira, porém, superou todas
as minhas expectativas. Minha nossa… Me dói inflar mais o seu
ego, mas é a mais pura verdade. Você é um deus do sexo.
— "Deus do sexo"? — Dou risada, achando graça do jeito
dela. É uma espontaneidade que me cativa. — Você é engraçada,
Magrela. Nós nem fizemos sexo. Ainda.
Quando enfatizo a última palavra, Madah me presenteia com
um sorriso bonito.
Sorrio de volta, sem me conter.
Estranho minha própria reação.
Porra, eu não sou uma cara sorridente. Não saio distribuindo
sorrisos abertos como Paolo ou soltando risinhos bobos como
Enrico. Pelo contrário.
Só tem uma explicação.
Então é isso…
Estou fodido.
Não estou magoado, estou tenso
Porque vou ficar bem sem você, querida
Friends ~ Chase Atlantic

Madah está cantarolando baixinho uma música


estranhamente familiar.
Deitada comigo na espreguiçadeira, mantém a cabeça
encaixada na curva do meu pescoço. Respiro fundo o perfume
quente dos seus cabelos, notando aquele mesmo aroma
adocicado que lembra caramelo.
Estou louco para fumar, mas não vou me mover para pegar o
maço no bolso.
Não vou me mover para nada nesse mundo.
— Que música é essa mesmo? — pergunto. — Conheço de
algum lugar...
— “Moon River”. Lembrou...?
— Lembrei — digo, me recordando de quando ela me pediu
para colocar a mesma música no jatinho. — Qual é o seu lance
com ela? Me explica de novo.
— A minha mãe tinha uma caixinha de música muito bonita,
com uma bailarina que dançava “Moon River” sobre um espelho.
É isso. — Deixa escapar um suspiro que esbanja melancolia.
— Não ficou com você depois que ela...?
— Não. Ela a levou para o hospital e nunca mais a vi. Nem a
caixinha, nem a minha mãe. Heloise foi levada de ambulância ao
pronto-socorro da cidade quando passou mal, a diagnosticaram
com câncer e, durante a madrugada, foi mandada a um hospital
especializado. Foi tudo tão repentino...
— Que merda... Sinto muito. Foi no Uruguai? — Apuro os
ouvidos, me concentrando nela. Quero prestar atenção na sua
história.
— Sim. Eu morava em Punta del Este e o hospital para onde
a transferiram ficava em Montevidéu. Logo depois a colocaram em
coma induzido e... Esperei que os médicos me contatassem com
boas notícias, de que ela tivesse acordado, assim eu pegaria a
estrada para vê-la. Mas isso nunca aconteceu. Ai, estou cansando
você com este falatório? Já deve estar praguejando por ter
perguntado.
— Não, não. Estou bem atento. Quero saber mais sobre
você, sobre sua família.
— Não tem muito o que saber da minha família. Era só eu e
a minha mãe. Fim de história — diz em um tom definitivo e
compreendo que não quer mais falar sobre o assunto.
— Entendi. Ei... O que você tá fazendo? — Observo seus
dedos fininhos subindo e descendo pelo meu braço, serpenteando
pela pele.
— Traçando os contornos dos seus desenhos. Nem imagino
o sofrimento que foi fazer todas essas tatuagens.
— No braço é tranquilo… Em outras partes a dor foi mais
aguda. Mas "dor" é diferente de "sofrimento". Tem a dor que é
boa. Já o sofrimento nunca é bom.
— Não consigo pensar em uma dor que seja boa. — Sobe
os olhos para mim, franzindo o cenho.
— Escuta só… Minha mãe falava que a dor do parto era boa.
Porque, ao contrário das dores relacionadas a doença e morte,
significa vida.
— Me fala mais sobre a sua mãe.
Seu pedido repercute no meu coração, que bate mais
dolorido.
— Melhor não.
— Por quê?
— Porque estou tranquilo aqui. Feliz — acrescento com um
sorriso e ela sorri de volta. — Não quero estragar o momento com
uma maldita melancolia.
Seus dedos vêm para os meus lábios, o toque delicado
ampliando meu sorriso.
— Davi Filipo… Por que você não podia ser assim desde o
primeiro dia? — sussurra, os olhos subitamente tristes.
Meu peito afunda com a certeza de que a culpa é minha.
Fui eu quem colocou aquela tristeza bem ali.
— É… — Não sei o que falar. Não me sinto pronto para falar
sobre meus fantasmas. Não aqui. Não assim. — É complicado.
Está esfriando, não está? Quer voltar para a festa?
— Não. Estou com preguiça. — Boceja, cobrindo a boca com
a mão. — Quero continuar mais um pouquinho aqui. Fica comigo?
— Fico.
Passo a acariciar suas costas magrinhas, deslizando a mão
para cima e para baixo. Ao mesmo tempo, Madah alisa meu
pescoço, subindo e descendo pela linha da carótida.
A música da festa toca ao longe, quase inaudível, nos
deixando imersos em um silêncio agradável.
Ficamos apenas nos tocando por longos minutos, flutuando
em uma bolha de paz, sob o céu noturno estrelado.
Quando Madah passa a intercalar os toques delicados com
beijinhos leves na linha da minha mandíbula, me sinto confuso.
Sempre odiei essas carícias bobas. Esse lenga-lenga depois
do orgasmo. Porém com ela… Só quero que continue.
Mas como tudo o que é bom dura pouco…
Aos poucos, seus movimentos diminuem e falham até
pararem de vez.
Inclino a cabeça para espiar seu rosto.
Porra, Madah está dormindo?
Incrível.
Com muito cuidado, retiro o celular do bolso e ligo para o
meu irmão.
— Enrico. Onde você tá? — pergunto, quase sussurrando
para não a acordar.
— Na festa, é lógico! E você? — grita para se fazer ouvir em
meio à música eletrônica.
— Preciso da sua ajuda.
— Espera! Vou sair da sala, tá muito barulho! — Segundos
depois, o ruído de fundo desaparece. — Pronto. Fala, Sin.
— Leva o meu carro até a porta de trás da casa? Madah
apagou e vou carregá-la no colo.
— Como assim?! Ela está bem?!
Seu tom preocupado não me passa despercebido. Ele
parece realmente se importar com ela e… Esquece.
Respiro fundo para não me aborrecer.
— Está bem, relaxa. Te explico tudo pessoalmente. Manda
uma mensagem quando eu puder sair com ela.
Minutos mais tarde, enquanto Enrico dirige a minha Branca a
caminho de casa, permaneço no banco traseiro. Com a cabeça da
Magrela no meu colo.
Conto ao meu irmão sobre o filho da puta do Eduardo e
sobre o que rolou entre mim e ela, sem entrar em detalhes.
"Nós ficamos", é o que digo.
Pronunciar as duas palavrinhas em voz alta deixa tudo mais
real.
Mais assustadoramente real.
— E o Eduardo, hein? Aquele sem-noção pensou o quê?
Que tentar drogar e agarrar uma mulher seria uma boa ideia? —
Enrico resmunga, balançando a cabeça. — Me sinto culpado. Eu
não deveria ter deixado a Princesa sozinha.
— A culpa não é sua — disparo, me esforçando para ignorar
o apelido carinhoso que ele usa para se referir a ela. — Botei o
infeliz para correr, mas me arrependo de não ter estourado a cara
dele antes. Eduardo ainda vai ter o que merece.
— Legal da sua parte ter socorrido ela. Do jeito que você
tratava a menina, pensei que nunca moveria um dedo para a
ajudar.
Silêncio.
— Ela é virgem, Rico. — Passo a mão pelo rosto, suspirando
fundo.
— Eu sei. Ela me disse.
— Ela me disse também, durante os amassos e… Eu não
acreditei. Por causa daquela minha ideia fixa de que era uma
prostituta. Fui um babaca. — Aperto o osso nasal, o remorso me
corroendo.
— Foi mesmo.
— Ela nunca vai me perdoar.
Enrico não responde nada, mas posso jurar que seu olhar de
canto diz: "bem feito, eu avisei."
Ao chegar em casa, subo a escada com Madah no colo.
Quando a acomodo na cama, desperta com uma expressão
confusa no rosto, me encarando com os olhos pesados de sono.
— Onde estamos?
— Em casa. Voltamos da festa, está tarde. São quase duas
horas da madrugada. Pode dormir tranquila. — Beijo sua testa. —
Boa noite.
— Fica comigo? — Arrastando-se para o lado, abre espaço
para mim na cama.
— Fico.
É a segunda vez que Madah me pede para ficar com ela.
Não sei bem como lidar. Só sei que não posso — e não
quero — negar.
Deixo o celular na mesinha de cabeceira e descarto os tênis,
chutando para longe. Quando me deito, Madah chega mais perto,
se enroscando no meu braço.
Com seu calor e seu perfume embalando meu sono,
adormeço em um piscar de olhos.

Acordo com a luz do sol entrando pela janela e logo


reconheço a cama de Madah.
Ela não está mais aqui comigo.
Ao me sentar, confiro o horário no celular.
Nove e meia da manhã.
Porra, dormi por quase oito horas seguidas? Isso é inédito.
Milagrosamente bem-humorado após um sono de qualidade,
me pego sorrindo sozinho, relembrando os últimos
acontecimentos.
A noite que tive com Madah foi incrível. Surpreendente? Sim.
Absolutamente imprevisível? Nem tanto.
Porque, apesar das minhas tentativas desesperadas de
negar o óbvio, a verdade é que desejo aquela garota desde o
primeiro dia.
O que me segurava eram as minhas conclusões
equivocadas a respeito dela.
Agora, nada mais me prende.
Eu a quero comigo.
Eu vou para cima.
Ela vai ser minha.

Ao entrar na cozinha, eu a vejo de costas, com os cabelos


molhados espalhados pela blusinha azul.
Está sentada junto ao balcão, tomando café com Enrico. Os
dois conversam e riem, descontraídos.
Então, quando o meu irmão belisca a bochecha dela,
gargalhando ainda mais, não posso deixar de me doer com a
nítida intimidade entre eles.
— Bom dia — murmuro, anunciando a minha chegada.
Madah vira o rosto com tudo.
Seu sorriso morre assim que seu olhar gruda em mim,
fazendo meu coração congelar.
Caralho, o que eu fiz agora?
Tento ignorar a insegurança e me aproximo dela, encostando
delicadamente na sua cintura. Seus olhos fogem dos meus e seu
corpo se enrijece sob meu toque. Merda.
— Bom dia, Sin. Eu já estava de saída. Tchau para vocês. —
Enrico percebe o clima estranho e desaparece da cozinha, nos
deixando a sós.
Ela também se levanta, se afastando. Quando leva seu prato
vazio à pia, fica parada lá. De frente para a torneira.
— Madah, olha para mim. — Eu a chamo e ela me atende.
Meu estômago revira diante da expressão dura em seu rosto. —
Está tudo bem com você?
— Está. Obrigada.
— Que bom. — Me forço a abrir um sorriso, que ela não
corresponde. — Acordei e não te vi na cama. Ontem você me
pediu para ficar no seu quarto…
— Sobre ontem. — Me interrompe. — Vamos deixar para lá,
ok? Esquecer que aquilo aconteceu.
Puta que pariu.
— Por quê?
É a única coisa que consigo perguntar, com a língua mais
pesada dentro da boca.
— Porque me deixei levar pelo calor do momento e… Pensei
melhor. Nós dois ficarmos… Não foi uma boa ideia. Foi um erro.
Eles dizem: Todos os garotos bons vão para o céu
Mas os garotos maus trazem o céu até você
Heaven ~ Julia Michaels

— Um erro? Por quê? — O tom indignado de Sin me faz


estremecer.
Seu olhar vulnerável me desmonta tanto que mal consigo me
lembrar dos meus argumentos.
Do porquê de não poder me sentir feliz por termos ficado na
festa.
— Vamos conversar em outro lugar.
Passo por ele e deixo a cozinha, seguindo pelo corredor.
Preciso ganhar tempo para me recompor.
Ele vem logo atrás, com uma energia furiosa exalando na
minha direção.
Não sei nem para onde ir, e não quero levá-lo para o meu
quarto por motivos óbvios.
Caminho sem rumo, passando pela sala, tentando encontrar
um lugar adequado. Quando enxergo as portas duplas da
pequena biblioteca de Domenico, paro de andar e respiro fundo.
O plano é conversar com privacidade, sem nenhuma cama
por perto.
Aqui pode dar certo.
Abro as portas e entro na saleta repleta de estantes de
livros, do chão ao teto, em duas paredes, uma em frente à outra.
Na parede do fundo, há um janelão de vidro emoldurado por duas
poltronas de couro.
Suando frio, me sento em uma das poltronas e apoio as
mãos úmidas nos joelhos, mexendo os dedos.
Sin fecha as portas atrás de si e se acomoda na outra
poltrona, mantendo uma postura rígida, nada amistosa.
— Sou todo ouvidos. — Cruza os braços tatuados, na
defensiva.
— Eu…
As palavras me fogem. Droga. Como começar?
— Já sei! — ele dispara. — Está achando que agi de caso
pensado? Que quis bancar o herói para depois tirar vantagem?
Eduardo te agarrou porque é um filho da puta. Eu não planejei
nada daquilo. Escuta…
— Não. Me deixa falar. — Resolvo tentar tomar as rédeas da
conversa. — Em primeiro lugar, agradeço que tenha me ajudado a
me livrar de Eduardo. Aquilo foi inesperado e… Legal da sua
parte.
— Então qual é o problema? — Bagunça os cabelos,
parecendo agoniado. — Por que está me cortando?
— O problema é que… — Umedeço os lábios. — Você
passou semanas me humilhando, me maltratando, me chamando
de puta em todas as oportunidades. Tudo isso por ter concluído
sozinho que eu era uma prostituta, que tinha um lance com
Domenico e… Quer saber?! — Acabo levantando a voz,
extremamente mexida. — Ainda que eu fosse uma garota de
programa, Sin! NADA justificaria aquele modo desrespeitoso como
você me tratou! NADA! Eu me sentia um LIXO! Por sua causa!
Ele fica pálido com as minhas palavras. Absolutamente
mudo, esfrega os olhos e joga a cabeça para trás, apoiando a
nuca no encosto da poltrona.
Enquanto isso, controlo a minha respiração para tentar me
acalmar, me esforçando para segurar as lágrimas que sobem pela
garganta querendo escapar pelos olhos.
Não vou chorar, não vou chorar, repito mentalmente, mil
vezes.
Meu coração bate tão rápido dentro do peito que temo
passar mal e apagar. Sou campeã em desmaiar quando estou sob
estresse, como no dia em que Domenico me abordou na sala de
massagem do hotel.
Detesto quando isso acontece, principalmente porque me
machuco com a queda, ficando com vários roxos pelo corpo.
De repente, sua voz rouca quebra o silêncio, falando o
inesperado:
— Você tem toda a razão, Madah. Agi como um completo
babaca e sinto muito por isso, peço perdão. — Passa a mão pelo
rosto, suspirando fundo. — O arrependimento, a culpa e o
remorso estão me comendo vivo, estou até enjoado. Porra, sou
mesmo um imbecil.
Minha nossa… Um pedido de perdão, assim, não estava no
script. Pensei que ele discutiria comigo, ou tentaria me manipular,
ou sei lá.
Fico sem reação.
Completamente sem reação.
E, quando me fita com os olhos castanhos cheios de dor, eu
quase jogo meu orgulho e amor-próprio para o alto e pulo em cima
dele, beijando sua boca perfeita.
Por sorte, meu lado racional dá sinal de vida e traz à tona as
lembranças das humilhações das últimas semanas.
Sin tinha caprichado na crueldade… Foi pancada atrás de
pancada.
No avião, depois que adormeceu no meu ombro e que
acariciei sua cabeça, ele me repeliu: "Não encoste em mim",
"Tenho nojo de gente podre como você."
Quando me viu no quarto com Enrico, me esculachou: "Meu
pai não beija puta", "Vai se foder!"
E tantos outros momentos de deboche, escárnio, grosseria e
ódio. Gratuitos.
As memórias ainda estão muito frescas... A mesma voz
rouca que no presente tenta me amolecer foi a que me feriu e me
magoou poucos dias atrás.
Como confiar nele agora?
Impossível.
Ninguém muda assim, da noite para o dia.
Não posso confiar, não posso confiar.
— Eu fui tão estúpido… — Sin volta a falar, com um ar
cansado. — E, quando percebi que você era virgem, minha
cabeça quase deu um tilt. Caralho, Madah… Há pouco tempo,
conversei com meu pai. Domenico falou sobre as massagens e os
"serviços opcionais". Ele disse que não rolou nada entre vocês,
mas entendi que você fazia de tudo com os clientes e…
— Ele te contou sobre as massagens — murmurei,
extremamente constrangida. — Em vez de falar com ele pelas
minhas costas e tirar mais conclusões equivocadas, você poderia
ter me perguntado… Como seu irmão fez.
Me levanto, prestes a explodir em lágrimas. As imagens dos
clientes ressurgem na minha mente, fazendo meu estômago
embrulhar.
— Eu sei, eu sei. — Ele se aproxima, fazendo menção de
tocar na minha mão, mas sou mais rápida e cruzo os braços,
evitando seu toque.
— Quer saber, Davi Filipo? Não importa mais. Estou
achando que você só mudou comigo porque pôde comprovar a
minha virgindade. Eu senti você mexendo o dedo dentro de mim.
E a ideia de você ter mudado por causa disso é perturbadora…
Como se a virgindade me desse outro peso, outro valor, me
fazendo digna do seu respeito.
— Não é nada disso, eu…
— Espera. Não terminei. — Faço um sinal com a mão
espalmada no ar para que aguarde. — Não quero que me respeite
por causa de um rótulo inútil de "garota virgem". E mais… Aposto
que, na sua cabeça machista, tirar uma virgindade seria um
troféu. Moleza para você, certo? Só que não vai acontecer. Como
falei na cozinha, não foi uma boa ideia ficarmos. Foi um erro. Já
tomei minha decisão. Não quero mais nada com você.
— Calma, Madah. — Aperta as têmporas, parecendo aflito.
— Presta atenção. E a atração que existe entre nós? Não conta
para nada? Isso aqui, oh… — Balança a mão entre nossos peitos,
os gestos desajeitados, desesperados. — Vem desde o primeiro
dia! E é tão incomum acontecer assim, de maneira recíproca,
entre duas pessoas. Vou abrir o jogo, que se dane, já estou fodido
mesmo… De verdade? Eu já sentia a nossa conexão mesmo
quando não queria. Mesmo quando me esforçava para te afastar.
Então, quando finalmente nos beijamos, eu soube… e você
também, mesmo que não admita… eu soube que não foi nada
comum. Não abra mão disso. Me dê uma chance. Quero tentar
mostrar que consigo ser digno de você.
— Não. Não seria saudável. — Fujo para mais perto da
janela, dando as costas a ele.
Não posso confiar, não posso confiar.
— Só uma chance. Por favor.
Não consigo me virar para vê-lo, nem sou capaz de elaborar
uma resposta.
Apenas escuto seus passos na direção da porta, mais longe
de mim.
Sua voz baixa chega até mim:
— Não vou pedir de novo.
Me viro para ele e encontro seu olhar duro.
Já com a mão na maçaneta, Sin está abrindo a porta.
— Melhor assim — sussurro, me tremendo da cabeça aos
pés.
— Ok. Desisto.
Não tenho coragem de continuar a olhar nos seus olhos. Ele
parece tão ferido…
Estremeço com o estrondo das portas, me sentindo
subitamente fraca.
É… Sin foi embora.
Melhor assim, repito na minha cabeça, tentando me
fortalecer.
Tentando me convencer.
Será que fiz a coisa certa?

No final da manhã, Enrico me chama para a piscina. Como o


domingo está bonito e ensolarado, eu aceito o convite.
Quando piso no deck, quase desisto da ideia e dou meia-
volta ao enxergar Luca já deitado em uma espreguiçadeira,
tomando sol.
Escolho uma do lado oposto — o mais longe possível do
infeliz —, passo protetor e me estico como uma lagartixa,
determinada a relaxar.
— Então… Ele admitiu que queria me beijar desde os doze
anos. Acredita, Princesa?
Acomodado do meu lado, Rico fica me contando mais
detalhes sobre a noite que teve com Paolo. Os dois quase
transaram dentro do carro de Sin.
É maravilhosa demais a tagarelice do meu amigo… Além de
me deixar feliz por ele, me distrai a cabeça, o que é bom para não
ficar pensando o tempo todo em uma certa pessoa.
Enrico fala e fala, sem largar o celular. Chega a ser cômico
vê-lo checar o WhatsApp de um em um minuto, à espera da
mensagem que Paolo ficou de mandar.
— Queria conhecê-lo melhor — comento, tomando sol com
os olhos fechados. — Paolo parece ser tão legal… Ao contrário
daquele irmão ridículo.
— Ah, sim. Ele e Marco são muito diferentes, assim como eu
e meus irmãos.
Marco não me desce desde aquele encontro na cozinha,
quando me olhou com desprezo, perguntando: "Essa que é a nova
'aquisição' do tio Domenico?"
— É verdade — concordo, me virando de bruços para
bronzear as costas.
— Madah, escuta só! Pelo jeito, hoje já vai ter a chance de
conhecê-lo melhor. Paolo acabou de mandar uma mensagem
chamando a gente para um ensaio da banda. Na casa dele, às
sete da noite.
— Ensaio da banda? — repito insegura. — Não sei se é uma
boa. Eu e o baixista da Five Stars estamos em uma situação meio
delicada e…
Splash!
Reconheço o barulho de um salto na piscina. O som de
respingos e borbulhas acompanha o esguicho de gotículas frias
nos meus pés, e me seguro para não olhar. Porque mesmo sem
abrir os olhos sei que é ele.
Todas as células do meu corpo gritam que é ele.
Nem um minuto depois, sinto um gotejar de água gelada nas
costas.
Pega de surpresa, giro a cabeça no automático e quase me
engasgo com o que vejo.
Sin está molhado, com os cabelos ensopados, me
encarando com aqueles olhos castanhos de encharcar a calcinha.
Ou o biquíni, no caso.
Mas são suas palavras que me desmontam inteirinha:
— Pensei melhor, Magrela. Não vou desistir.
Sua voz rouca estremece todas as partes do meu corpo.
Me sento devagar, as costas apoiadas no encosto da
espreguiçadeira, e colo os joelhos no peito, os abraçando com
força.
— Por quê? — balbucio.
Pela visão periférica, percebo Enrico se afastar para nos dar
privacidade. Não sei dizer se acho isso bom ou ruim.
Sorrindo, Sin se senta junto dos meus pés, os molhando
com os shorts que pingam a água da piscina. Minha pele, quente
do sol, fica toda eriçada com o contato gelado.
— Porque, Madah… É foda. — Bagunça os cabelos,
espirrando mais gotículas nas minhas pernas. — Não sei que
porra está acontecendo, mas você não sai da minha cabeça. Me
sinto absurdamente arrependido pelo meu comportamento, e
estou determinado a conseguir seu perdão e sua aceitação. Você
precisa… Me aceitar. Me querer com você. Assim como te quero
comigo.
Pisco os olhos, com pensamentos conflitantes se debatendo
dentro de mim. Por um lado, fico feliz em cogitar que talvez sejam
verdadeiros os seus sentimentos. Por outro, morro de medo de ter
o coração partido.
Sin não me parece confiável.
Nada confiável.
"Você não sai da minha cabeça", "Te quero comigo".
Quantas garotas já foram iludidas pelas mesmas frases clichês?
Aperto mais os joelhos contra o corpo.
Com o coração batendo forte, murmuro:
— Eu não confio em você.
— Vou conquistar sua confiança.
— Difícil. — Mordo a bochecha, entregando meu
nervosismo.
— Sem problema. Sou um homem que não hesita diante de
desafios difíceis.
— Você vai se cansar…
— Mas no final vai valer a pena. — Sorri com uma certeza
tranquila, passando a ponta da língua pelos lábios. Por dois
segundos, me perco olhando para aquela boca rosada. — Pode
anotar, Magrela. Você vai ser minha.
Meu Deus.
— Convencido. — Balanço a cabeça, incrédula diante da
última frase.
A autoestima dele é gigante.
— Convencido, não. Realista. Nós nascemos um para o
outro. É um pecado não ficarmos juntos — diz, se arrastando para
mais perto, os quadris quase encostando em mim.
— Pecado? — pergunto retoricamente, atordoada com a
proximidade. Mal consigo raciocinar com aqueles olhos me fitando
com tanta intensidade.
Sua atitude extremamente segura e incisiva me desconcerta
demais.
— Pecado. O próprio. — Ergue uma mão, rindo. —
Literalmente.
Não me aguento e dou uma risadinha diante do trocadilho
bobo. "Pecado" em inglês é "Sin".
— Tá. Agora, não quer me deixar em paz? — Coço a nuca,
me sentindo inquieta.
— Não. Por mim, continuamos discutindo o assunto por
horas.
Sin apoia a bochecha na mão, em uma pose relaxada,
nitidamente se divertindo com a situação.
Não posso evitar descer os olhos pelo seu antebraço
tatuado. As veias saltadas serpenteiam entre os desenhos,
prendendo minha atenção.
— Sei que você gosta das minhas tatuagens. — Volta a falar.
— Vai em frente. Pode olhar, tocar, beijar… Você entendeu. Sou
seu, Magrela.
Caramba! Enrubesço com as palavras que repercutem pelo
meu ventre.
— Tchau, me deixa em paz. Quero tomar sol — digo,
empurrando de leve sua perna com meu pé.
— Eu vou. Mas eu volto. — Belisca meu tornozelo e se
levanta, andando devagar na direção da piscina, os passos
relaxados como os de um gato vira-lata.
Luto para não fixar os olhos na sua bunda musculosa,
marcada sob a bermuda molhada.
Quando Sin salta na água, afunda o corpo inteiro.
Luca pula em cima dele e os dois ficam brincando de lutinha,
como crianças felizes.
As gotas passeiam pelo rosto bonito de Sin, escorrendo pelo
pescoço, ombros e… Droga.
Ele é a perfeição em forma de homem.
Eu poderia observá-lo por horas, mas…
Não posso. Melhor sair daqui.
Deixo o deck, passo depressa pela cozinha e subo para
tomar um banho.
Ao entrar no meu quarto, fecho a porta e penduro a toalha
da piscina ao lado do espelho.
De repente, a porta se abre com tudo atrás de mim. Sem
pensar, dou um pulo para o outro lado.
— Posso entrar? — Sin pergunta depois de entrar, rindo por
ter me assustado.
— Não faça mais isso. — Mantenho a mão sobre o peito,
sentindo os batimentos acelerados. — A regra é bater antes de
entrar.
— E que graça tem em seguir regras? — Esboça um sorriso
torto.
Enfiando as mãos nos bolsos da bermuda, dá dois passos
na minha direção. Ele continua sorrindo.
— Tá. Fala de uma vez. O que faz aqui? — Cruzo os braços,
tentando não sorrir de volta.
Queria conseguir ser mais durona, mas ele me desmonta
inteira apenas por me encarar. Não precisa nem me tocar.
— O que faço aqui, onde? — Gira um indicador no ar, com
um brilho divertido no olhar. — Nesta casa? Eu moro aqui.
— O que faz aqui na minha frente. — Suspiro fundo,
tentando soar entediada.
— Queria te ver mais uma vez, Magrela. Vou dar uma saída
e não sei que horas volto.
Não posso negar o quentinho que sinto toda vez que me
chama assim, carinhosamente. "Magrela."
— Já viu. Pronto.
Dou uma voltinha rápida e ele lambe os lábios, quase
babando em mim. Ainda estou vestindo a saída de praia por cima
do biquíni. Com o tecido semi transparente, deixa pouco para a
imaginação.
— Se é só isso, já pode ir. — Sem querer, meus lábios se
esticam em um sorriso.
— Obrigado pela voltinha, e pelo sorriso. — Dá uma
piscadinha. — Por enquanto é só isso mesmo. Tchau.
Não sei o que falar, então ele se aproveita da deixa para
dizer:
— Ah, mais uma informação… Sei ser paciente.
— Sabe mesmo?
— Positivo. Tenho paciência gravada na pele.
Ele estica os dedos tatuados, os levantando na altura do
meu rosto.
Em um piscar de olhos, um flashback me transporta para o
dia em que reparei naquela tatuagem pela primeira vez. Como
esquecer? Sin estava sem camiseta, com o violão nas mãos,
cantando Guns N' Roses. As letras em preto contrastavam com a
pele clara dos dedos, formando a palavra PATIENCE.
Dedos grandes e habilidosos, que me tocaram entre as
pernas e…
Ai, não posso pensar nisso agora!
— Que cara é essa? — Ele semicerra os olhos para me
analisar melhor. — Está olhando de uma forma esquisita para os
meus dedos.
Sin passa a se aproximar devagar, cauteloso e atento como
um predador. Uma faísca diferente escapa dos seus olhos,
esbanjando malícia, me hipnotizando.
— No que está pensando, hein? — insiste, mexendo dois
dedos no ar, para cima e para baixo.
O mesmo movimento que fez em… Droga.
Me seguro para não esfregar uma coxa contra a outra.
— Nada — respondo rápido, sem conseguir me mover.
Ele está a cada passo mais perto.
— Eu não te pegaria contra a sua vontade. Portanto, vou
esperar que me peça. Combinado? Tchau, de novo.
Sem aviso, deposita um beijo no meu rosto. Só que ele não
se afasta. Fica com a boca na minha bochecha, respirando perto
da minha orelha.
Prenso os lábios um contra o outro, com medo de deixar
escapar as palavras: "Vai em frente, me pega logo".
Seu cheiro quente de suor e cloro me inebria como o melhor
dos perfumes.
Então, quando sua mão pesada sobe pelo meu pescoço,
concluo que serei beijada na boca.
Até prendo a respiração em antecipação.
Sin fecha os dedos ao redor da minha garganta e sussurra a
música, roçando os lábios no meu ouvido:
If I can't have you right now
I'll wait, dear, patience
(Se eu não posso ter você agora
Vou esperar, querida, paciência)
Me enforcando de leve, amolece meus joelhos como
manteiga.
Não arrisco falar nada.
Apenas aperto os olhos, todinha arrepiada.
Quando os reabro, sua mão me solta.
Sorrindo de canto, Sin me olha por cima do ombro e vai
embora.
Quase corro atrás, implorando para que me agarre de vez.
Respiro fundo, me perguntando por quanto tempo mais vou
conseguir resistir.
Se continuar assim…
Não tenho a menor chance.
Você é meu raio de sol, meu único raio de sol
Você me faz feliz quando o céu está nublado
You’re My Sunshine ~ Jasmine Thompson

Uma batida na porta me faz ir até ela.


Esfregando a toalha nos cabelos molhados, desço os olhos
pelo meu corpo, conferindo se estou devidamente apresentável.
Minutos atrás, tomei banho e coloquei short jeans e
blusinha, sem sutiã. Antes de abrir a porta, paro em frente ao
espelho e observo meus seios minúsculos. O tecido azul-marinho
da blusa é grosso, não revelando nada de mais. Ainda bem.
Quando finalmente giro a maçaneta, encontro Enrico parado
ali do outro lado.
— Sozinha? — Inclina a cabeça, conferindo o interior do
meu quarto. — Sin não está aqui? Pensei que ele tivesse vindo
atrás de você.
— Veio, mas já foi embora. Disse que precisava sair. O que
quer com ele? — pergunto, dando passagem.
— Hum. — Rico morde a boca antes de entrar no recinto.
Daquele seu jeito tranquilo, caminha até a janela, espiando o
lado de fora.
— Já sei! Tomou coragem para confessar o que fizeram
dentro do carro dele? — arrisco, dando risada.
A primeira coisa que pensei quando Enrico me contou que
os amassos com Paolo aconteceram dentro da Branca foi isso…
Como seria a reação do Sin?
Quero só ver a cara dele quando descobrir. O cara é tão "cri-
cri" com aquela Mercedes!
— Antes eu na Branca do que ele, não é?
Rico dá um sorrisinho, fazendo referência ao que contei a
ele. Que vi o carro com os vidros embaçados, concluindo
equivocadamente que fosse Sin com a tal da "loira do quinto ano".
— Quer saber a verdade? Eu nunca confessaria isso ao seu
irmão, mas quase passei mal de ciúmes ao imaginá-lo nos
amassos com outra mulher.
— E choca um total de zero pessoas. — Dá risada. —
Aproveitando o assunto "amassos". A nossa… — Enrico hesita,
parecendo sem jeito. — A nossa amizade colorida, como falam,
não pode continuar. Ok?
— Tudo bem, Príncipe. Eu já tinha percebido que não iria
mais rolar, não precisa ficar sem graça. Sei que se encontrou com
Paolo, que é ele que você quer, e fico contente por você. De
verdade. Quero que seja feliz.
— Obrigado. Mas não é só isso…
— O que mais? — questiono, me sentindo um pouco
insegura.
Será que ele odiou ter ficado comigo?
Será que se arrependeu?
— Jura que não sabe, Princesa?
— Prefiro que fale.
— Meu irmão… Ele gosta de você.
Caio sentada na borda da cama, como se tivesse levado um
tapa.
— "Gosta"? Até parece! Até ontem só me humilhou! —
desando a tagarelar, o nervosismo me deixando extremamente
agitada. — Agora, porque descobriu que sou virgem, está todo
bonzinho, querendo ser o primeiro a brincar no parquinho.
Conheço bem o tipo dele! Sem vergonha, sedutor, cafajeste…
Corre atrás das mulheres e depois as descarta, sem pensar duas
vezes.
Quando termino de falar, Rico apenas balança a cabeça
para os lados, mantendo o semblante sério.
— Você está enganada.
— Estou? Me diga o porquê. — As batidas descompassadas
do meu coração quase me impedem de elaborar uma frase
decente.
— Primeiro, que meus irmãos não correm atrás de ninguém.
As mulheres caem aos pés deles. Segundo, que nunca vi o caçula
olhar para ninguém da maneira que olha para você. Lembra como
surtou quando nos flagrou juntos? E ele já… — Pigarreia,
escolhendo as palavras. — Já passou por uma fase difícil.
Portanto, tenho um pedido a fazer. Foi isso que, na realidade, me
trouxe até aqui. Eu queria falar com você, não com ele.
— Que pedido? — balbucio, quase gaguejando de tão
chocada com o rumo da conversa.
— Por favor, não quebre o coração dele.
Caramba! Como assim?
Eu quebrar o coração dele?
— Rico! Você só pode estar brincando! É muito mais certo
ele quebrar o meu coração!
— Não estou brincando. É muito sério, Madah. Não vou
expor a você os problemas dele, não cabe a mim fazê-lo. Só
pense com carinho no meu pedido. Afinal, sou seu cunhado
preferido, não sou?

Estou com Enrico na mesa da sala, repetindo o pudim de


leite condensado. Ao meu lado, ele está lendo um livro,
compenetrado, parecendo muito interessado na história.
Só eu continuo comendo, me deliciando com a sobremesa…
Pois é, sou apaixonada por doces. Sin não voltou para casa para
almoçar, Luca desapareceu depois que limpou o prato, Domenico
e Bárbara escaparam para um dos sofás assim que terminaram de
comer.
Entre uma garfada e outra, observo discretamente o casal. A
ruiva está deitada com os pés nos colo dele. Enquanto ela mexe
no celular, ele massageia os pés dela, as unhas pintadas de
vermelho combinando com os penduricalhos da tornozeleira
dourada.
De repente, Luca reaparece na sala.
Parando ao lado da mesa, quer saber:
— Alguém viu o Sin pela casa?
Silêncio.
Ele olha para todos, menos para mim. Rico continua
entretido com a leitura, Domenico e a namorada talvez nem
tenham ouvido a pergunta por causa da distância.
Quando Luca finalmente resolve pousar os olhos em mim,
respondo:
— Ele saiu.
— Como você… — Estranha que eu saiba a resposta.
— Ele me disse que ia sair. Faz umas duas horas, mais ou
menos.
— É, ele não para em casa — Enrico comenta, fechando o
livro.
Suas palavras carregam uma crítica nas entrelinhas. Como
se ele fosse um pai reclamando das saídas constantes do filho.
— E você sabe muito bem o porquê. — Luca olha feio para
Rico.
Com a curiosidade me corroendo, levo o olhar de um ao
outro. Analisando os dois irmãos, tento captar uma dica no ar.
Nada.
— Eu não sei o porquê — tento a sorte.
Luca permanece com a cara fechada. Com as mãos
enterradas nos bolsos, exala antipatia.
Enrico vem mais perto de mim para cochichar:
— As saídas dele acontecem mais aos finais de semana,
quando Bárbara se instala por aqui. Sendo que a coitada nunca
fez mal a ele, nem a ninguém.
Caramba! Que estranho…
— Você gosta dela, Rico? — pergunto, tentando entender.
Interagi pouquíssimas vezes com a mulher desde que vim
morar aqui. Apenas "oi" e "tchau", além de diálogos rasos,
comentários sobre o clima e afins.
Não tenho uma opinião formada sobre ela.
Enrico continua falando baixinho para que não o escutem do
outro lado da sala.
— Nada contra, nada a favor. Sou indiferente, porém a
aceito em respeito a Domenico. De verdade, Princesa, eu não ligo
para Bárbara, ela não faz diferença nenhuma na minha vida, mas
meu pai fica feliz por ter uma companhia, então, está tudo certo.
— Idem. — Luca passa uma mão pela cabeça raspada,
olhando para o irmão. — Mudando de assunto, Enrico. É sério que
vocês dois pretendem ir ao ensaio da banda? Paolo comentou
sobre isso agorinha.
Agora Luca está com um brilho jovial nos olhos, uma mistura
de curiosidade e divertimento.
Aperto os lábios para não rir ao ver as bochechas do Rico
mais vermelhas do que um pimentão.
— Pois é, Madah gostou da Five Stars. Ela pediu para a
gente ir. — O descarado joga a culpa em mim. — E como um bom
amigo, vou fazer o esforço de sair de casa em pleno domingo para
levá-la ao ensaio — completa em um tom desanimado.
A atuação de milhões.
De repente, a porta da entrada é aberta e todos os olhos se
voltam para lá.
Sin está atravessando o hall, com uma postura relativamente
tranquila, mas, ao pousar os olhos em Bárbara e Domenico no
sofá, enrijece os ombros no mesmo segundo.
— Filho! — Domenico acena alegre para ele. — Que bom
que chegou. Gosto de ver a casa cheia, com a família reunida e…
— Por pouco tempo. Só vim pegar uma mochila e já vou sair
de novo. — Ele dá passos apressados na direção da escada. —
Madah, pode vir falar comigo rapidinho?
Levo um choque quando Sin me chama e me levanto no
mesmo segundo. Limpo a boca com um guardanapo e vou atrás
dele. Meu coração bate mais acelerado, revirando meu estômago.
Quando alcanço a base da escada, ele já está virando no
corredor dos quartos. Subo devagar, respirando fundo para tentar
me recompor. Não quero que veja o quanto mexe comigo.
Ao chegar na porta do seu quarto, encontro Sin parado com
uma caixa quadrada nas mãos. Seu semblante é ilegível. Sério,
mas como um brilho diferente nos olhos, me despertando muita
curiosidade.
— Para você. — Empurra o objeto na minha direção. —
Rodei a cidade inteira até encontrar.
— Para mim?
Pego a caixa, desembrulhando o papel de seda devagar.
Não é muito pesada, mas também não é leve. Não faço ideia do
que tenha dentro dela.
Minhas mãos tremem de leve, dificultando o processo.
Quando finalmente levanto a tampa, deixo escapar um
arquejo.
É uma...
Caixinha de música.
Em formato oval, feita de madeira clara com frisos dourados,
exibe uma bailarina no topo.
É linda.
— Não é igual àquela da sua mãe... Mas é a mais próxima
da sua descrição que encontrei. Espero que goste.
Sin vira as costas e entra no banheiro, me deixando sozinha,
parada no lugar.
Estática.
Incrédula.
Fascinada.
Em câmera lenta, levanto a parte de cima da caixinha. A
melodia de “La Marsellaise”, o hino nacional da França, ressoa
baixinho.
Então, para me surpreender de vez, encontro preso ao
espelho um bilhete rabiscado:
“Uma música francesa para uma garota com nome
francês.”
Morri.

DIAS DEPOIS
Sete noites, sete caixinhas de música.
Cada uma delas roubando mais um pedacinho do meu
coração.
Pensei que Sin tentaria me seduzir ao longo da semana,
mas ele tem cumprido sua palavra e se comportado. Exceto pelas
caixinhas, que me arrancam sorrisos e suspiros, derretendo meu
muro de gelo aos pouquinhos.
Estou a um fio de ceder e me jogar nos braços dele.
A caixinha de hoje tem o formato redondo e toca a melodia
de “You’re My Sunshine”. O bilhete, por sua vez, traz um
pedacinho da letra:
You are my sunshine, my only sunshine
You make me happy when skies are grey
(Você é meu raio de sol, meu único raio de sol
Você me faz feliz quando o céu está nublado)
Fico tão emocionada que preciso falar com ele.
Falar o quê?
Não sei.
Mas sinto que preciso.
Ao alcançar a porta do seu quarto, enxergo suas costas
tatuadas por meio segundo.
Sin está trocando de camiseta.
À sua frente, espalhadas pela cama, estão umas peças de
roupas dobradas.
Com os gestos apressados, ele passa a colocá-las em uma
mochila.
— Aonde você vai? — pergunto, entrando devagar no
recinto. Ele não responde.
— Não sei. Eu… Preciso de um tempo — murmura, sem se
virar de frente para mim. Seus ombros estão tensionados, sua
postura inteirinha rígida.
Sem falar mais nada, volta a enfiar as roupas na mochila.
Dou dois passos para trás, prestes a sair do quarto.
— Ok. Tchau, então — balbucio.
Ele se vira com tudo, me encarando.
Minha boca cai ao vê-lo tão…
Apagado.
Uma sensação elétrica corre pela minha espinha.
Um déjà-vu ao contrário, do futuro para o presente, que me
deixa em alerta.
Como se meus instintos me sinalizassem que aquele
momento era importante.
De que aquele momento poderia mudar tudo.
As palavras escapam de mim:
— Posso ir com você?
Sin franze a testa, formando um vinco entre as sobrancelhas
espessas. Sua expressão varia entre confusão e surpresa,
beirando a incredulidade.
Seus dedos tatuados mergulham nos seus cabelos
castanhos, bagunçando mais as mechas, quase arrancando os
fios.
Seu corpo permanece parado no lugar, em uma postura
estoica. Ao mesmo tempo, seus olhos estão agitados, entregando
que sua mente está girando a mil.
Quando penso que ficarei no vácuo para sempre, escuto:
— Pega umas roupas. Vamos passar a noite fora.
Sua última frase me acerta em cheio, quase me
desestabilizando. Meu Deus… O que ele quer dizer com "passar a
noite fora"?
Dormir juntos? Onde? Como? Por quê?
— Co-como assim? — Chego a gaguejar. — Explica melhor.
Ele dá passos lentos na minha direção. Sua postura agora é
outra. Não parece mais triste ou abatido como há um minuto.
Está mais animado.
Mais vivo.
Seus olhos até cintilam, acesos.
Esticando uma mão, Sin segura meu queixo entre os dedos.
— Quero te levar para conhecer um lugar. Um chalé. Fora da
cidade.
Pisco duas vezes, tentando assimilar as informações.
Dormir juntos. Em um chalé. Fora da cidade.
Isso significa que…
Ele espera que…
Façamos sexo?
— Para de pensar tanto, criatura. — Esboça um sorriso torto.
— Te convidei para conhecer um chalé nas montanhas, não para
nadar com tubarões no Pacífico.
— E esse bendito "chalé nas montanhas"... — Umedeço os
lábios com a ponta da língua. — Tem quantos quartos? Porque,
dependendo do número, Davi Filipo, talvez eu prefira os tubarões.
Seria a opção mais segura para mim, sabe?
Ele dá uma risada.
Não, ele dá uma gargalhada.
O som é delicioso, e repercute por todo o meu corpo.
— Sete. Relaxa, Magrela, não vou dar em cima de você.
Esqueceu do que falei? Sou um homem de palavra.
— Não esqueci. Você disse que só iria avançar se eu pedir.
— Se, não. Quando pedir. É uma certeza. — Dá uma
piscadinha arrogante. — Mais cedo ou mais tarde, não vai resistir.
— Tá bom, reizinho irresistível. — Bufo. — Vou lá pegar as
roupas.
Estou flutuando, mas sou pesado
E vou lhe mostrar se deixar, garota
Slow Down ~ Chase Atlantic

A viagem de três horas passa em um piscar de olhos.


Minha Branca é um espetáculo na estrada, deslizando
silenciosamente pela pista, me relaxando.
São quase oito da noite quando chegamos em Campos do
Jordão. A mudança de temperatura é brusca. Enquanto em São
Paulo fazia uns 26 graus, aqui o termômetro não deve bater 17.
Madah parece apreciar o ventinho gelado. Com a janela
aberta, ela sorri com os olhos fechados, os cabelos lisos
esvoaçando pelo rosto.
— Gostou do frio?
— O ar puro das montanhas é maravilhoso. Dá para sentir a
diferença de São Paulo. É gritante… Tem dias que eu percebo a
poluição carregada de lá. Meu nariz chega a coçar, sabe?
— Eu nem percebo mais — murmuro, olhando para a frente.
— Ficamos acostumados ao que não podemos mudar.
Acostumados, não. Resignados — completo, ciente de que não
estou mais falando sobre poluição.
Ao final da estradinha de terra, o caseiro abre os portões
para que eu passe com a Mercedes, me cumprimentando com um
aceno educado.
Conduzo devagar o carro pela passagem recoberta por
pedrinhas, com o grande chalé mais adiante.
Ladeado por pinheiros enormes, o caminho passa a
impressão de que estamos na Europa.
Olho ao redor, apreciando os jardins de hortênsias
iluminados sob as fileiras de postes. O local me transmite uma
paz absurda.
Há muitos anos não venho aqui, não sei nem por quê. Talvez
porque…
Era um dos lugares preferidos da minha mãe.
Estaciono, desligo o motor e pego as nossas mochilas no
banco de trás. Madah desce do carro em câmera lenta, os olhos
muito abertos observando o chalé. Sei que está impressionada
com a estrutura da construção.
Subimos os degraus da varanda da frente em silêncio. As
luzes das arandelas se acendem automaticamente com a nossa
movimentação. Ao abrir a porta do chalé, me detenho no hall de
entrada.
Largo as mochilas no aparador e respiro fundo.
O aroma de eucalipto evoca flashes de memórias sensoriais.
Me esforço para segurar as lembranças que piscam na
minha mente, fugazes, como vagalumes agitados. As cenas se
embaralham e é difícil organizá-las, mas aos poucos consigo
extrair alguma coisa.
As risadas espontâneas de crianças brincando de esconde-
esconde pelos cômodos. Eu, meus irmãos, Marco e Paolo.
Os acordes melodiosos do violão da minha mãe tocando
Elvis.
O cheiro quente de fumaça, terra e madeira queimada da
lareira.
Meu pai cozinhando… O que era mesmo?
Que merda não conseguir me lembrar direito.
Dou dois passos à frente, observando a sala familiar. O
recinto é aconchegante, com as paredes de madeira, a lareira
antiga e os móveis rústicos.
Mas o ponto alto são os janelões de vidro, largos e amplos,
que oferecem uma vista incrível das montanhas. Uma pena que à
noite não se possa ver quase nada.
Madah vem para o meu lado, viro a cabeça para vê-la
melhor. Mesmo com os cabelos bagunçados da viagem, está
linda.
Ainda não acredito que ela aceitou vir até aqui comigo.
Depois de como a tratei por semanas… Porra, sou mesmo um
idiota.
Aperto os olhos, com várias sensações ruins revirando as
minhas entranhas. Tristeza. Vergonha. Raiva.
— Preciso de um banho — murmuro, me afastando dela.
Tenho que me recompor.
— Espera. Você está bem? — Ela me segura pelo cotovelo.
— Parece mais pálido.
— Deve ser cansaço da viagem. — Passo a mão pela nuca.
Porra, estou suando frio.
Pisco devagar e a tontura me acerta com tudo, quase me
derrubando. Me deixo cair sentado no sofá e afundo o rosto nas
mãos.
Não estou bem. Não estou nada bem.
Por que será que… Já sei.
Meus remédios.
Meus malditos remédios.
Por conta da viagem repentina, não me liguei no horário e
pulei a última dose. Que bosta…
Pelo menos tomei os comprimidos pela manhã. Eles ficam
na minha mesinha de cabeceira, ao lado do celular. É impossível
esquecer e…
Tomei porra nenhuma.
Como acordei no estúdio, depois de tocar até de madrugada
— algo totalmente fora da minha rotina —, a falta da medicação
me passou batida.
Para piorar, arrumei a mochila de qualquer jeito, com a
presença de Madah me atordoando e… Fodeu.
— Não trouxe meus remédios. Esqueci de pegar os
comprimidos… Sou um imbecil.
— Ai, calma, eu também não peguei muitas coisas. Mas
talvez tenha aspirina na minha necessaire, se precisar…
Encaro Madah, sem saber o que falar. Ela está parada na
minha frente, em pé, mudando o peso de uma perna para a outra.
Apertando as mãos juntas, parece preocupada.
— Não é de aspirina que preciso — confesso, bagunçando
os cabelos. Meus dedos puxam as mechas com força, entregando
meu nervosismo.
— Não faz assim… — Ela pousa uma mão no meu pulso. —
Aposto que há farmácias lá na avenida principal, pode comprar
seus remédios. Quer que eu vá com você?
— Não posso. Sem receita? Impossível. Tarja preta.
— Meu Deus… — Ela continua me segurando. — E agora?
— E agora já era. Vou ter que ficar sem eles. Beleza, eu
sobrevivo. — Jogo a cabeça para trás, apoiando a nuca no
encosto do sofá.
— Não queria ser invasiva, mas… — Ela escorrega a mão
pelo meu pulso e aperta meus dedos. — Por que você precisa de
remédios tarja preta?
Quase respondo que não é da conta dela, mas me seguro no
último segundo. Não posso continuar com as grosserias. Não
posso, de jeito nenhum. Pretendo conquistar a minha garota.
Mostrar a ela que consigo ser um cara decente.
Além disso, seu olhar assustado me leva a concluir que está
com medo.
Com medo de mim?
— Relaxa, não sou um psicopata. Não vou te assassinar se
não tomar os remédios. Eles são apenas para… TDAH e
depressão. Não é um segredo, mas também não gosto de sair
anunciando por aí. Na real? Quase ninguém sabe.
O constrangimento pesa no meu peito. Como ela vai me
enxergar a partir de agora? Como um fraco? Como um doente
mental?
Vou entender se preferir se distanciar ainda mais e…
Me surpreendendo, Madah se senta no meu colo, com o
corpo de lado, a bunda na altura dos meus joelhos.
— Ah… — Ela me encara com intensidade. — E o que
acontece se ficar um dia inteiro sem tomar? Ou mais tempo?
— Não sei. — Dou de ombros. — Nunca aconteceu. Talvez
meu humor oscile. Talvez eu fique mais inquieto, mais irritado,
coisas assim.
— Entendi. Isso quer dizer que, até hoje, só conheci sua
versão medicada. — Ela dá uma risadinha. — Sabe que você não
era exatamente um modelo de bom humor, calma e tranquilidade,
não sabe?
Capto a mensagem nas entrelinhas.
Se a minha versão medicada era instável daquela maneira,
Madah certamente se pergunta quão insuportável eu ficaria sem
os comprimidos.
— Quer ir embora? — pergunto, com um frio na barriga,
torcendo para que queira ficar.
Para que queira ficar aqui comigo, apesar de tudo.
— Não, está tudo bem. Acho que consigo lidar com as
oscilações de humor.
Lentamente exalo o ar pela boca, aliviado.
— Obrigado.
Ela sorri, fazendo um "de nada" silencioso com os lábios.
Seus dedos vêm para os meus cabelos, afastando os fios
bagunçados da testa.
Me arrepio inteiro com o toque delicado.
Sua proximidade mexe comigo, acelerando meus
batimentos.
Eu preciso de mais.
Eu preciso de muito mais.
Me inclino devagar para depositar um beijo na sua boca,
testando suas reações.
Quando estou quase a beijando, Madah é mais rápida.
Virando o rosto, faz com que meus lábios resvalem na sua
bochecha.
O milésimo fora do mês. Legal.
Ela se levanta depressa e me dá as costas.
Suspiro fundo, desanimado.
— Vai lá tomar o seu banho, Davi Filipo. Vai se sentir
melhor.
— Beleza. Sobe comigo. Quero te mostrar o andar de cima.
É onde ficam os quartos. Vai dormir comigo? — Forço um tom
casual, como se fosse uma pergunta absolutamente banal.
— Ah… Acho melhor eu ficar em outro quarto.
Dou as costas a ela depressa. Não quero que enxergue a
decepção estampada nos meus olhos.
Busco as mochilas no aparador e caminho em direção à
escada. Madah pega a dela da minha mão e me acompanha em
silêncio.
Alcançamos o corredor acarpetado, com as fileiras de portas
dos dois lados.
— Um minuto, me deixa adiantar o meu banho.
Empurro a porta do primeiro banheiro, acendo a luz e vou
direto até o boxe.
Enquanto Madah me espera na entrada, aciono o chuveiro e
abro a água, para que já vá esquentando. Não dá para tomar
banho frio em Campos do Jordão.
Quando retorno para a porta, ela me dá passagem.
— Aquele último quarto é a suíte master, meu pai
geralmente fica lá, as coisas dele estão no closet. — Aponto para
o final do corredor. — Pode escolher qualquer outro. Se decidir
dormir comigo, leva a sua mochila para aquela segunda porta. A
varanda daquele quarto dá para as montanhas, a vista é incrível.
Madah aperta as alças da mochila dela com as duas mãos,
sem falar nada.
Viro as costas, com medo de ver o que ela irá escolher.
Volto para dentro do banheiro e abro a minha mochila na
bancada da pia. Pego uma calça de moletom e uma camiseta,
deixando as peças separadas.
Pelo reflexo do espelho, observo o vapor saindo do boxe.
A água já esquentou.
Enquanto isso, Madah continua parada no mesmo lugar,
apenas me olhando, com uma expressão ilegível.
— Quer tomar banho comigo? — arrisco, puxando a
camiseta pela cabeça.
Pelo seu olhar espantado, já sei que a resposta será "não".
É… Ela não me quer mesmo. Estraguei tudo.
Engulo em seco, sem palavras.
— Te espero lá embaixo. — Me dá as costas, prestes a ir
embora.
O gosto amargo da rejeição se espalha pela minha língua,
me aborrecendo.
Me enfurecendo.
— Foi mal. Esqueci que não sou o Enrico — disparo, sem
me conter.
Afinal, com ele, ela tomou banho numa boa, com ele, ela deu
altos amassos sob o chuveiro.
Madah paralisa, sem se virar para mim. A tensão nos seus
ombros é visível, mesmo de longe.
Me preparo para o contra-ataque, sabendo que vai me
lançar uma resposta atravessada, me esculachar e me xingar —
talvez eu até mereça —, porém, depois de dois ou três segundos
imóvel, ela simplesmente desaparece do banheiro.
Mas que merda…
Com a respiração forte, entro embaixo do chuveiro e deixo a
água quente me molhar. Apoio as mãos nos azulejos, fecho os
olhos e tento me acalmar.
Por que não consigo lidar com a rejeição dela?
De repente, dedos delicados pousam nos meus ombros
encharcados.
Giro o corpo para encontrar Madah comigo dentro do boxe,
de calcinha e sutiã. Seus olhos faíscam, me queimando até a
alma. Ela está irritada?
— Presta atenção, Davi Filipo. Não vou repetir. Esquece o
Enrico, esquece todo mundo. O único motivo para não estarmos
juntos é a porcaria da sua atitude comigo. Por isso… Melhore.
— Eu… — Perco a fala.
A sensação dos seus toques molhados indo dos meus
ombros ao pescoço, dos seus olhos mergulhando mais fundo nos
meus, da água quente descendo pelos nossos corpos… Tudo me
impacta. Tudo me desconcerta.
— Eu… — Pigarreio. — Nunca me senti assim… E quero
melhorar. Para você. Por você. Mas não sei como… Não sei nem
o que falar.
Sou sincero, segurando sua cintura, sem desviar o olhar.
Não quero falar mais para não correr o risco de estragar tudo.
A proximidade dela me deixa nervoso, o que aumenta o meu
risco de estragar as coisas ao abrir a boca.
É sempre assim… Não consigo me controlar e, quando dou
por mim, meto os pés pelas mãos, sou grosso e estúpido, um
completo babaca.
— Então não fala mais nada e me beija — sussurra, as mãos
alcançando a minha nuca.
— Eu disse que só te agarraria se me pedisse… Você está
me pedindo. Certo? — pergunto, para ter certeza. Estou exausto
demais para joguinhos.
— Certo. Vai logo, antes que eu mude de ideia.
Quando ela se estica inteirinha na ponta dos pés, ansiosa
por mim, é o meu fim… Sem hesitar por nem um segundo,
esmago nossos lábios em um beijo desesperado.
Minha língua invade sua boca e meus dedos afundam na
sua cintura, puxando seu corpo para mais perto.
Sem quebrar o beijo, prenso a minha garota contra a parede
úmida de vapor e a ergo pela bunda, ajustando a altura dos
nossos rostos.
E, quando movo os quadris para a frente, ela me envolve
com as pernas e me agarra, gemendo baixinho dentro da minha
boca.
— Ai, sou uma fraude… — Dá um sorriso, sem afastar o
rosto. — Falei que era um erro… Dias depois, aqui estou. De
novo. Droga.
— Seu lugar é aqui, Magrela. Nos meus braços. — Firmo a
pegada, apertando sua bunda. — Você está exatamente onde
deveria estar. Não lute mais contra isso. Não lute mais contra nós.
Ela concorda lentamente, remexendo os quadris, se
esfregando em mim. Com nossos sexos se roçando, o tesão
cresce de modo surreal, me fazendo sorrir de canto.
Minha ereção desliza por fora do tecido ensopado da sua
calcinha, a boceta latejando sob as investidas ritmadas.
Preciso de um autocontrole do caralho para não rasgar a
maldita lingerie e me enterrar de vez nela.
Madah rebola mais rápido, fazendo meu pau pulsar, sensível
e dolorido.
— Nossa… Já estou quase gozando. — Ela ofega, fincando
as unhas nas minhas costas.
— Espera. — Encaixo uma mão por dentro da calcinha,
entre as nádegas, e contorno seu buraco apertado com o dedo
indicador.
Meus toques escorregam com a água do banho, relaxando
sua musculatura.
— O que você está fazendo aí? — Ela quer saber, ainda
ondulando os quadris. Sua respiração está descompassada como
a minha. — Sou virgem em todas as entradas, Davi Filipo. Na
frente e atrás.
— E eu serei o primeiro em cada uma delas. — Pressiono a
ponta do dedo. — Posso? Quero te fazer gozar assim. Você vai
gostar, eu garanto.
Madah hesita por um momento. Quando finalmente assente,
empurro o indicador devagar, apenas a primeira falange.
Sua musculatura anal esmaga meu dedo, me arrepiando
inteiro.
A pressão e o calor são absurdos.
— Ai… — choraminga, enrijecendo a coluna.
— Quer que eu tire? — Beijo seu pescoço quente,
arrastando a língua pela pele lisinha.
— Não. Continua assim. — Ela morde meu ombro. — Estou
quase…
— Isso… Vai se esfregando em mim… — Com o outro
braço, seguro seu corpo, facilitando a movimentação. A fricção do
meu pau por fora da sua boceta é demais. — Assim mesmo,
Magrela…
Empurro mais o dedo no seu ânus e flexiono em gancho,
girando lá dentro. Quando estimulo suas paredes internas, sinto
seus primeiros espasmos.
Madah grita com o orgasmo, estremecendo nos meus
braços.
Acelero o vai e vem, esfregando a cabeça do pau entre suas
pernas.
Perco o fôlego quando um choque elétrico percorre minha
espinha, me destruindo, e ejaculo por fora da sua calcinha, os
jatos esbranquiçados escorrendo com a água do banho.
— Porra, foi perfeito — murmuro, olhos nos olhos, nossas
testas unidas.
Desço seu corpo de volta para o chão e levanto as mãos, me
livrando das mechas molhadas que grudam no meu rosto. Me
sinto uma tonelada mais leve. Mais livre.
Madah sorri com os olhos brilhantes.
Suas unhas deslizam do meu peito até a barriga, ida e volta.
As carícias suaves são uma delícia, e eriçam todos os cabelinhos
da minha nuca.
— Eu nunca tinha visto um assim — comenta, alisando meu
pau com as pontas dos dedos.
— Assim como?
— Tatuado. Sério mesmo que as pessoas tatuam as partes
íntimas? Você é doido.
Dou risada, balançando a cabeça para os lados.
Madah é engraçada.
— Vamos sair daqui, Davi Filipo? Não quero acabar com a
água do planeta. — Ela dá uma risadinha.
— Vamos, Magrela.

— Acorda. Está tudo bem. Respira.


Sua voz delicada e seus toques nas minhas costas me
despertam.
Passo a mão pelo pescoço molhado, praguejando baixinho.
Estou todo suado, com o coração disparado e os membros
trêmulos.
Merda. Aposto que meu corpo está sentindo falta dos
remédios.
Me sento na cama, firmando os pés no chão.
Pelo canto do olho, percebo uma movimentação sutil.
É a Madah, que se arrasta para o meu lado. Ela estava
dormindo aqui comigo? Para valer?
Tento pescar na memória o que fizemos ontem.
A viagem até aqui. Os amassos no banho. O delivery de
pizza.
Posso estar enganado, mas acho que, em um determinado
momento, Madah falou alguma coisa sobre ficar em outro quarto.
O que a fez mudar de ideia?
— Você estava dormindo comigo? — pergunto confuso.
— "Dormindo", não. Como estava preocupada, eu… —
Umedece os lábios. — Fiquei de olho em você. Imaginei que seu
sono não seria tranquilo sem os remédios.
— Desculpa pelo trabalho. — Me espreguiço devagar,
cruzando os dedos acima da cabeça.
— Você me ajudou no dia da festa, eu te ajudei hoje. Não
precisa me agradecer. Passou a tremedeira? — Ela aperta meu
antebraço.
— Mais ou menos. — Levo uma mão à frente dos olhos. Me
sinto como se estivesse em uma maldita crise de Parkinson.
— Bebe um pouco de água. — Alcança um copo na mesinha
de cabeceira e o leva à minha boca.
Assinto, tomando um gole minúsculo. A água está fresca, e
desliza devagar pela minha garganta.
— Deita, Davi Filipo. Tenta voltar a dormir. São duas da
madrugada. — Ela deixa o copo na mesinha e pega o celular,
destravando a tela.
— Estou sem sono. — Me acomodo de bruços na cama, com
a cabeça apoiada em uma mão para a observar melhor.
— Então escuta. Eu estava lendo aqui na internet… — diz,
olhando para o celular. — De acordo com o Instituto de Psiquiatria
da USP, um único dia sem tomar os remédios de depressão já
pode alterar os sinais químicos do cérebro e provocar sintomas
como enjoo, fadiga, tremedeira, tontura, sensação de "cabeça
aérea", entre outros. A intensidade dos sintomas varia de pessoa
a pessoa. É a tal da "síndrome da retirada", que acontece pela
interrupção do uso não só de antidepressivos e ansiolíticos, mas
também de estabilizadores de humor e estimulantes, como os
remédios usados no tratamento do TDAH. Ou seja, se você trata
duas coisas com dois remédios, tem o dobro de chance de sofrer
com a falta e…
Ela continua falando e falando, dissecando o meu quadro,
com um vinco de preocupação estampado na testa. Ela parece
realmente se importar… Há quanto tempo uma pessoa não se
preocupa assim comigo?
Porra, Madah é perfeita.
Ela tem que ser minha.
Só minha.
E, com essa ideia martelando na mente, lanço as
palavrinhas que nunca disse a nenhuma mulher, em toda a minha
vida.
— Ei… Namora comigo?
Todas as suas inseguranças, toda a roupa suja
Nunca me fizeram piscar uma vez
Unconditionally ~ Katy Perry

— Ei... Namora comigo?


Seu pedido me pega completamente desprevenida.
Sin fica me encarando, sem piscar, e me pergunto se ele fala
sério ou se está confuso das ideias por conta da falta dos
remédios.
— Você está raciocinando direito? — Acaricio sua bochecha
com as pontas dos dedos. — É sério isso?
Os batimentos do meu coração latejam nos ouvidos.
Tum, tum, tum, tum.
— É sério, Magrela. Me apaixonei por você. — Segurando
minha mão, entrelaça nossos dedos. — Pensei que os bilhetes
nas caixinhas de música já tivessem deixado isso muito óbvio.
Meu Deus…
Permaneço quieta por fora, imóvel como uma estátua.
Ao mesmo tempo, estou completamente alvoroçada por
dentro, os pensamentos em curto-circuito tentando encaixar as
peças impossíveis.
Até ontem ele me desprezava. Agora me solta um "me
apaixonei" e pronto?
— É… Me apaixonei pra valer — repete baixinho, sem jeito,
com um vinco na testa. — Mas ok. Você não quer namorar
comigo, e eu entendo. Sou todo fodido…
— Cala a boca, Davi Filipo. Eu quero — disparo em um
rompante. — Minha resposta é "sim".
Mesmo porque o "não" seria impossível.
Desde que viemos para cá, me vejo mais e mais encantada
por ele e pelas descobertas que estou vivendo com ele.
Me sinto no Paraíso e não quero abrir mão disso.
De jeito nenhum.
— Porra. — Expira o ar pela boca.
Seu alívio chega a ser cômico e elimina toda a tensão,
deixando o clima mais alegre.
Uma felicidade boba, quase infantil.
Me sinto nas nuvens, flutuando de prazer.
Dou risada, o fazendo rir também.
Porém, aos poucos, o bom senso me puxa para o chão.
— Mas… — Pigarreio, voltando a mim.
— Tinha que ter um "mas"? — Sin faz uma careta, franzindo
o cenho.
— Mas queria te fazer um pedido, meu amor.
— Fala. — Solta um longo bocejo. — Desculpa, o sono está
me pegando. Ah, gostei do "meu amor", pode aderir — diz, com
um sorriso preguiçoso dançando nos lábios.
— Então, meu amor. — Dou um destaque extra às palavras
e ele sorri ainda mais. — Me preocupo com a sua saúde mental, e
quero que busque ajuda.
Seu sorriso morre.
Sin fica mudo e trinca a mandíbula, sem desviar os olhos
dos meus.
Volto a falar, tentando expor meus argumentos.
Ele precisa de terapia.
Ele precisa de muita terapia.
— Não é por mim, é por você. Quero o melhor para o meu
namorado. Você não se cansa do seu temperamento instável,
explosivo e…
— Você acha que eu gosto de ser assim? — rebate, com o
olhar duro — É foda, Magrela. Eu explodo quando não aguento
mais, quando não tenho outra saída. Você não entende! Não sabe
das merdas do meu passado… Não sabe de nada!
— Não sei ainda das coisas do seu passado, assim como
você não sabe do meu, e tudo bem. Namoros servem para isso
também… Vamos nos conhecer melhor, aprender mais um sobre
o outro. Combinado?
Acaricio seu pescoço e seus olhos se voltam para mim.
A angústia escorre das íris castanhas, afundando meu
coração.
O que fizeram com ele, pelo amor de Deus?
Mantenho a mão no seu pescoço.
Sob a minha palma, os batimentos da carótida pulsam a mil.
Sin deve estar tão nervoso…
— Combinado. — Ele cede e me abraça apertado, apoiando
o queixo no meu ombro. — Vou procurar ajuda, prometo.
— Maravilha. Eu conheci a psicóloga da faculdade, a
doutora Solange. Ela é legal. Pode fazer terapia lá ou em outro
lugar, você escolhe. Não conhece nenhum profissional da área?
Silêncio.
Devagar, Sin desfaz o abraço e endireita a coluna.
— Se eu te contasse sobre a minha psicóloga do Ensino
Médio…
Solta um riso nasal, balançando a cabeça.
— Então me conta.
— Você não vai gostar de escutar.
— Não faz mal, quero que me conte mesmo assim. Pode
falar de uma vez, sem enrolação. Vai, eu aguento — incentivo, o
puxando pelo braço para nos deitar de volta na cama, com os
corpos aconchegados.
— Ok. A minha psicóloga também era legal… Principalmente
quando estava chupando o meu pau. Eu tinha dezessete anos.
Ela, trinta e poucos. A desgraçada se aproveitava da minha
fragilidade para me seduzir. Não que eu esteja reclamando…
Brinquei muito naquela sala. Mas não me ajudou em nada.
— Nossa… Sinto muito. Bem, a doutora Solange não
tentaria seduzir você. Eu acho. Ela parece ter mais de sessenta
anos, é uma senhorinha bem fofa, com os cabelos grisalhos e os
olhos gentis.
— Posso conhecê-la, se faz questão. — Ele boceja de novo.
Depois, beija o topo da minha cabeça, me puxando para
mais perto.
— Obrigada. Agora dorme, Davi Filipo.
Observo seu rosto, as pálpebras estão pesadas de sono.
Encaixando a minha cabeça na curva do seu pescoço,
acaricio seu peito nu com as pontas dos dedos, contornando as
tatuagens. Vestindo apenas uma boxer preta, Sin é uma visão e
tanto…
Ainda bem que o aquecedor do chalé funciona direitinho, ou
ninguém poderia ficar à vontade assim, apenas com as roupas de
baixo.
— Ainda vai estar namorando comigo quando eu acordar.
Certo? — quer saber, com a voz arrastada, já com os olhos
fechados.
— Certo. — Dou um beijinho na sua barba, apreciando o
contato dos meus lábios com a textura áspera.
— Até amanhã, então.

— Bom dia!
Acordo animada, pulando da cama para escancarar as
janelas.
Do outro lado, a visão da Serra da Mantiqueira é de tirar o
fôlego. As montanhas formam um manto verde aveludado, infinito,
me transmitindo muita paz.
Sin permanece deitado, preguiçoso, com as pálpebras
pesadas.
Volto a falar:
— Precisamos definir quando vamos voltar para São Paulo.
Hoje é segunda-feira, já estamos perdendo aula.
Me sento na beirada do colchão.
Como ele está nu, evito olhar lá para baixo para não me
distrair. Já eu estou vestindo uma camiseta de manga comprida
dele que peguei durante a madrugada quando senti frio.
— Precisamos mesmo? — Agarra minha cintura por baixo da
camiseta, me arrastando para perto, me deitando.
Seus dedos quentes me desmancham inteira, me tocando
dos seios ao umbigo. Ele me aquece o corpo e a alma.
Porém algo me incomoda lá no fundo.
Uma insegurança chatinha e persistente.
A pergunta que não quer calar grita na minha mente:
O namoro é pra valer?
Quero perguntar a ele se o pedido de namoro continua de
pé, ou se foi apenas uma loucura da madrugada, mas não sei
como o fazer.
— Precisamos, sim — respondo sobre a faculdade,
suspirando fundo. Por mim ficaria com ele no chalé a semana
inteira. Só que não dá. — Não acho certo perder aula à toa.
Me sento na cama e ele faz o mesmo. Quando estou prestes
a me levantar, segura meu pulso, acariciando minha pele.
— Magrela... Espera. Agora que estamos namorando, me
peguei pensando em uma coisa — começa, respondendo à minha
dúvida silenciosa, me deixando feliz.
O namoro é pra valer!
— Continua — peço, sorrindo como uma idiota.
Não me seguro e acaricio seu rosto, desfazendo uma ruga
de preocupação entre suas sobrancelhas.
— Temos que dar alguma satisfação para o Enrico? Sei lá,
não queria magoar o meu irmão. Não nos damos bem, eu sei, mas
me preocupo com o pentelho. Sei que ele tá cagando para mim,
mas...
— Ei... Não precisa se preocupar. Eu e ele só ficamos duas
vezes, não foi nada demais. E sabe o que mais? Enrico também
se preocupa com você. Um dos motivos que o fez sugerir sermos
apenas amigos foi precisamente você. Sabia?
— Não sabia — diz, pensativo. Coça a nuca antes de me
olhar de novo. — E tem mais motivos? Você disse "um dos
motivos."
— Tem. Ele não está na minha... Está em outra — afirmo,
fazendo Sin arregalar os olhos, surpreso. Faz menção de pedir os
detalhes, mas o corto. — Mas não cabe a mim fazer a fofoca. Se
quiser saber mais, você que converse com ele.
Nem morta que vou contar a ele sobre Paolo. E, só de
lembrar dos amassos deles dentro da Mercedes, quase solto uma
risada nervosa.
Sin vai ficar tão indignado...
— Sacanagem. Namorados não guardam segredos, sabia?
Namorados que se gostam de verdade, que confiam um no outro
— tenta me chantagear emocionalmente, mas seu sorrisinho torto
entrega que é brincadeira.
— Jogo baixo. Mas não vai me convencer. Pode desistir,
amor. Então, o que vamos fazer hoje? — Apoio o queixo no seu
peito.
— Você é quem manda.
— Nenhuma ideia? — Me deito por cima dele e encaixo as
mãos sob o queixo, sentindo seus batimentos contra as palmas.
Seus olhos escurecem um tom.
Sin leva as mãos pesadas à minha bunda, aperta as
nádegas e lambe os lábios com a ponta da língua, como se
estivesse com fome.
— Tenho uma ideia para a programação, então. Te fazer
gozar na minha boca. Posso?
Massageia a minha bunda, pressionando meu quadril mais
para baixo, em cima da sua ereção. Mordo a bochecha para não
gemer ao sentir seu volume na direção da minha calcinha.
Me remexo de leve e ele arfa baixinho, prendendo o lábio
com os dentes. Minha nossa... Minha intimidade inteira lateja,
espalhando um formigamento gostoso.
Com o rosto quente e o estômago gelado, tomo uma
decisão.
— Pode, mais tarde. Já sei o que vou querer primeiro —
sussurro, com o coração disparado. — Umas coisas… que vão te
deixar de queixo caído.
— Fala logo — diz, sem desviar os olhos dos meus. Ainda
com as mãos na minha bunda, me esfrega descaradamente
contra si.
— Duas coisas. Perder a minha virgindade. Dirigir a sua
Mercedes. Posso?
Me toque como você toca
O que está esperando?
Love Me Like You Do ~ Ellie Goulding

Com os olhos muito abertos, Sin leva dois ou três segundos


para tentar elaborar uma frase.
— O quê?! — balbucia. — Você quer transar?! Comigo?! Por
quê?!
— Quero, sim. Me deixa pensar o porquê... — Coloco os
dedos no queixo, forçando uma pose reflexiva, quase rindo. —
Vamos ver. Você é bem gostosinho. Dá para o gasto, sabe? É
cheiroso, limpinho... E, na última vez que chequei, ocupa o posto
de meu namorado.
Não me aguento e dou risada, sem desviar os olhos dos
dele.
— Palhaça. Você está tirando uma com a minha cara... —
diz, com um tom azedo. Vira o rosto, fugindo do seu olhar. — Bem
que imaginei que fosse brincadeira.
— Davi Filipo. — Levo uma mão à sua bochecha. — Tá
difícil? Eu quero perder a minha virgindade com você. Hoje.
Agora. Entendeu? É sério.
Ele abre a boca, mas hesita antes de falar. Será que fui
ousada demais? Passei dos limites?
— Você não quer? — Me levanto, sem graça. — Pensei
que...
— O que não quero é machucar você. Vai doer e...
— Que eu saiba, na primeira vez de uma garota é normal
doer. Sei disso, e estou preparada. E, pelo que me lembro, dor é
diferente de sofrimento. Não é?
Ele parece surpreso ao descobrir que me lembro do que me
disse, quando ficamos pela primeira vez.
Volto a falar:
— Mas se você não quiser hoje, por algum motivo... Tudo
bem. Podemos deixar para outro dia.
Viro de costas, subitamente constrangida, com as bochechas
quentes. Pelo amor de Deus, estou mesmo tentando convencer o
homem a transar comigo?
— Nem fodendo. — Ele me puxa de volta em um movimento
rápido. — Eu quero você, como nunca quis nenhuma outra garota.
— Sério? — balbucio, animada.
— Sério. Só vamos combinar uma coisa... Me dá um toque
se eu me empolgar demais. Estou acostumado a fazer de um jeito
mais bruto, mas vou me esforçar para ir com calma. Ok?
— Ok. Eu confio em você.
Fico na ponta dos pés e beijo sua boca.
Seu sorriso torto entrega certo nervosismo.
Sin me abraça pela cintura e me beija de verdade, invadindo
minha boca com a língua.
Seu gosto masculino tem um leve toque mentolado da pasta
dental.
— Você ainda não fumou hoje... — comento, sem afastar os
lábios. — Seu gosto fica ainda melhor sem o cigarro.
— Hoje vou fumar o melhor cigarro de todos. O do pós sexo
— diz, descendo a boca pelo meu pescoço, me arrepiando. —
Quero sentir mais da sua pele...
Ele leva as mãos à barra da camiseta que estou usando e
afasta o rosto para tirar a peça de roupa, puxando pela minha
cabeça. Nós dois ficamos completamente nus.
— Pronto. Estamos iguais agora. — Sorrio, dando uma
voltinha, feliz.
Meus mamilos apontam para a frente, duros, e sei que é de
pura excitação. Afinal, não faz frio aqui dentro, com o aquecedor
ligado.
Na verdade, nós dois estamos com tanto fogo que uma fina
camada de suor nos cobre, fazendo nossas peles brilharem.
Sin volta a me beijar na boca, empurrando meu corpo até a
parede, encaixando uma coxa no meio das minhas pernas. Com a
fricção contra a minha intimidade, sinto a região molhada,
escorrendo a lubrificação.
— Minha nossa... Que delícia... — sussurro, enfiando as
mãos nos seus cabelos.
— Você que é uma delícia... Me deixa maluco... — Ele passa
a me masturbar com as pontas dos dedos, esfregando o clítoris,
sem afastar a perna.
— Sin... — gemo baixinho, amolecendo as pernas, com a
respiração falhando. Estou quase gozando.
Em um movimento ágil, ele me pega no colo e me deposita
com cuidado na cama, de barriga para cima. Quando desce o
rosto entre as minhas pernas, eu não acredito.
Sin dá um beijo no meu sexo que pulsa, latejando, e
escorrega a língua entre os meus lábios íntimos, inchados e
melados.
— Porra, eu precisava sentir o seu gosto.
Ele continua me chupando, afundando a cabeça entre as
minhas coxas, me fazendo ver estrelas.
Quando afasta o rosto para falar, choramingo em protesto.
— Parou por quê? — Ofego, com a excitação me
queimando.
— Estou só começando, Magrela. Pronta? Quer mesmo
continuar? — Desliza dois dedos pela minha abertura, espalhando
minha lubrificação. — Sua boceta está mais do que pronta.
— Quero continuar — respondo, com os olhos presos aos
dele.
— Já venho. — Ele se levanta.
Sua ereção me assusta. Apontando para cima, exibe a
glande brilhante, pronta para entrar em ação.
— Aonde você vai?
— Pegar a camisinha.
— Não quero.
Sin trava no lugar.
— Como assim, Magrela?
— Quero te sentir direito na minha primeira vez. Eu tomo
injeção, não vou engravidar. A não ser que você faça com as
outras garotas sem proteção.
— Eu só faço usando proteção.
— Hoje não vai usar. Volta aqui.
Esparramada no colchão, eu o chamo com um dedo.
Ele não dá nem um passo.
Apenas passa as mãos pelos cabelos, nervoso.
Quando desce o rosto, desolado, acompanho seu olhar.
Sua ereção...
Já era.
— Ei, calma... — Corro até ele, preocupada. — Se quiser
usar camisinha, pode usar. Você é quem manda. Tenho certeza de
que será maravilhoso de qualquer jeito.
— Como... Como você sabe? — murmura.
— Porque eu sei — respondo, levando as mãos ao seu
rosto. — Porque você é o meu amor.
— Esquece. Não vai rolar. Meu pau morreu, Magrela.
Ele se senta na beirada do colchão, afundando o rosto nas
mãos.
Não sei o que falar. Meu coração bate sem controle, e não é
de um jeito bom.
— Puta que pariu... — resmunga, como se falasse sozinho.
— Nunca brochei com garota nenhuma, tinha que acontecer bem
com ela?
E se você quer amor, vamos fazê-lo
Your Body Is a Wonderland ~ John Mayer

Me sinto paralisada, olhando para o meu namorado sentado


na beirada da cama, com o rosto nas mãos.
Estraguei tudo.
Quando propus o lance de transarmos sem camisinha, não
imaginei que fosse desencadear essa reação nele. Droga. Preciso
dar um jeito de remendar as coisas.
— Vou colocar uma música para a gente, ok? — sugiro, na
falta de ideia melhor. Sei que ele ama música e que a usa para
relaxar e se distrair.
— Ok. — Suspirando fundo, tomba o tronco para trás.
Sin fica deitado de barriga para cima, com um antebraço
cobrindo os olhos. Com a outra mão, segura um travesseiro sobre
os quadris.
Não consigo nem imaginar o quanto se sente constrangido
por ter brochado.
Visto sua camiseta que está largada em cima da cômoda e
pego o celular. Mexendo nas playlists, procuro aleatoriamente por
uma música apropriada.
Não pode ser animada demais, porque não é o momento de
dançar, nem lenta demais, porque é necessário levantar o astral
e...
Achei!
Em pé, toco no seu joelho com uma mão e aperto o play de
"Your body is a wonderland", de John Mayer.
Sin abre os olhos e eu começo a dançar, sensualizando.
— Sério? Um strip-tease? — Ele se senta devagar, surpreso.
— Sério. — Enfio as mãos por baixo da barra da camiseta,
alisando lentamente meus quadris, barriga e cintura, no ritmo da
música.
And if you want love, we'll make it
(E se você quer amor, vamos fazê-lo)
Swimming a deep sea of blankets
(Nadando em um mar profundo de lençóis)
Take all your big plans and break 'em
(Pegue todos os seus grandes planos e os quebre)
This is bound to be a while
(Isto deve demorar um pouco)
Seus olhos não se desviam do meu corpo, e é com alegria
que percebo suas íris escurecerem.
Continuo dançando e me tocando devagar, bem na sua
frente, observando suas reações.
Sin está imóvel, prendendo o lábio com os dentes, com a
respiração forte fazendo seu peito tatuado subir e descer cada vez
mais rápido.
Até que, ainda sentado, com as mãos levemente trêmulas,
ele agarra minha cintura, me puxando para si.
Fico em pé entre seus joelhos, em expectativa.
Sem aviso, Sin arranca a camiseta que estou vestindo, me
deixando nua.
Arremessa longe o travesseiro que está no seu colo e passa
a se masturbar devagar, com os dedos fortes envolvendo seu pau
tatuado.
Nunca vi nada nada mais sexy em toda a minha vida.
Sorrio ao vê-lo se excitando mais uma vez comigo.
— Vai. Continua. — Com seu jeito firme e autoritário, mesmo
sem dizer mais nada, ele consegue acelerar meu coração e
umedecer minha intimidade.
Ele gosta de estar no controle.
Ele precisa estar no controle.
E, por mim, tudo bem.
Your body is a wonderland
(Seu corpo é um país das maravilhas)
Your body is a wonder, I'll use my hands
(Seu corpo é uma maravilha, vou usar minhas mãos)
Seus olhos percorrem cada centímetro do meu corpo, se
demorando nos meus seios, deixando meus mamilos duros como
pedra.
Ainda se masturbando em silêncio, ele não me toca e eu não
sei se devo tomar alguma atitude.
Não quero correr o risco de estragar as coisas de novo.
— Me escuta... — digo baixinho. — Vamos fazer tudo do seu
jeito. É só falar o que quer de mim.
Ele sorri de lado com as minhas palavras, os olhos cheios de
malícia. Pelo jeito, acertei ao sugerir isso.
— Massageie seus seios, Magrela. — Sua voz rouca me
arrepia com tudo.
— Assim? — Aperto a carne macia com os dedos abertos.
— Puxe os bicos.
Mais uma vez, eu o obedeço, pinçando os mamilos, sentindo
a minha vagina latejar.
Com os olhos nos meus dedos, Sin ainda se masturba, mais
ofegante. Não sei se olho para o seu rosto ou para a sua ereção.
Tudo nele é hipnotizante.
Do nada, leva a outra mão à minha intimidade, esfregando a
palma toda para frente e para trás. Arfo com o toque inesperado,
quase bruto. Minha nossa...
— Caralho, tão molhada... — rosna, me jogando na cama de
barriga para cima.
Sobe por cima de mim, com um braço apoiado no colchão.
Com a outra mão, passa a provocar minha vagina com sua
glande quente e úmida.
Escorrego as mãos pelo seu peito tatuado, sentindo seu
coração bater tão rápido quanto o meu.
Ele continua me pincelando, com as lubrificações se
misturando, me fazendo ver flutuar quando se concentra sobre o
clitóris.
Se fizer isso por mais um minuto, posso gozar assim, fácil.
— Minha nossa... — gemo, me remexendo.
— Pronta?
Posiciona a glande na minha entrada, encaixada entre os
meus lábios vaginais.
— Pronta. Pode vir — afirmo, quase sem respirar.
Nem acredito que vai mesmo acontecer...
E, no segundo seguinte, ele me beija.
Um beijo lento, cheio de sentimentos, que derrete meu
coração.
— Te amo — murmura ao separar nossos lábios e, sem falar
mais nada, começa a me penetrar.
Mordo a boca ao senti-lo me abrir, milímetro a milímetro,
arrastando sua espessura pelas minhas paredes íntimas, quente
como um ferro, larga como uma tora, me queimando.
Meus olhos se enchem de lágrimas quando sinto a película
do hímen se romper, ardendo ainda mais.
Enfio as unhas nos seus bíceps, com a dor se espalhando
pelo meu corpo, me matando.
— Você tá bem? — pergunta, preocupado.
Beijando meu rosto, deslizando os lábios pelas lágrimas, as
recolhendo.
— Sim. Continua — peço, envolvendo seu quadril com as
pernas.
Já que chegamos até aqui, quero ir até o fim.
Meu namorado vai se empurrando mais e mais, com firmeza
e cuidado, até que entra por inteiro.
— Porra. — Gira os quadris devagar, se acomodando melhor
dentro de mim, de olhos fechados.
— Ai...
Sinto minha musculatura interna tentando se amoldar a ele,
os lábios vaginais esticados ao redor da sua grossura, doloridos.
Sin abre os olhos e, agarrando as minhas mãos, as empurra
contra o colchão nas laterais do meu rosto.
— Madeleine. — Me encara com intensidade. — Agora você
é minha.
Morri.
Simplesmente, morri.
Uma energia forte se espalha pelo meu corpo, fazendo meus
batimentos perderem o compasso.
— Sou sua — confirmo, com o coração batendo sem
controle. Eu mal conseguia respirar. — Eu te amo.
Ele sorri e me dá um beijo rápido, voltando a separar nossos
rostos, atento às minhas expressões faciais.
Sin continua inteiro dentro de mim. A sensação é
indescritível.
Nunca tinha me sentido tão...
Preenchida.
Arrebatada.
Completa.
Mesmo ainda sentindo dor, solto uma risadinha espontânea,
feliz.
— Já está rindo, é? — Ele dá aquele sorrisinho torto que
acaba comigo. — Ainda nem me mexi. Preparada para gozar no
meu pau?
— Manda bala, gostoso.
Lentamente, ele passa a mover os quadris para frente e para
trás, em um ritmo firme e preciso.
Quando solta as minhas mãos, eu as levo às suas costas
molhadas de suor e fecho os olhos, me entregando às novas
sensações.
O barulho do entra e sai cada vez mais rápido se funde às
nossas respirações alteradas e, quando beijo as tatuagens do seu
pescoço quente, Sin geme baixinho, acelerando ainda mais as
investidas.
Ouço a cabeceira da cama se chocar contra a parede, sem
parar, mais um som para a nossa sinfonia.
Até que ele leva uma mão lá embaixo, girando o polegar em
cima do meu clitóris, com suavidade e firmeza. Sinto o
formigamento crescer, o calor aumentar e...
— Sin! — Explodo com a onda elétrica que me invade.
Minha musculatura em espasmos aperta seu pau que passa a
ejacular forte, me preenchendo.
— Caralho! — Ofega, bombeando devagar, até expelir tudo.
Então, se joga de lado, saindo de dentro de mim.
Sinto seu sêmen quente e viscoso escorrer pela minha
abertura e sorrio ao me dar conta de que ele conseguiu, mesmo,
fazer sem camisinha.
— O que foi isso... — Me puxa para mais perto, rindo. Seu
cheiro masculino misturado ao suor é delicioso. — Melhor sexo do
universo. Vou ter que te comer todo dia.
— Posso pensar no seu caso. — Acaricio seu peito suado,
fazendo seus mamilos se enrijecerem.
— Você está me arrepiando... — Ele ri, segurando minha
mão. — Sabia que te amo?
— Hum, não tenho certeza — brinco, mexendo nos seus
cabelos bagunçados. — É melhor você repetir.
— Te amo. — Ele me abraça forte, quase esmagando
minhas costelas. — Muito.
— Ai... Menos força, por favor.
— Foi mal. É foda me segurar com você... Eu me empolgo.
Sabe por quê? Porque é linda, perfeita, gostosa e eu te amo. Já
falei que te amo? Te amo, porra!
Ele repete as coisas sem parar, tagarelando tão feliz, que
quase não o reconheço.
— Já falou, sim. No último minuto, umas dezessete vezes.
— Pareço um idiota, né? — Sorri, contente, me fazendo
perceber que estava ainda mais apaixonada por ele.
— Um idiota que eu amo. — Belisco sua bochecha. —
Pronto para a segunda programação do dia? Quero dirigir uma
certa Mercedes...
— Só se for agora.

A brisa fria que bagunça meus cabelos.


A sensação de liberdade com perfume de pinheiros.
O couro macio sob mim. O ronco potente do motor.
Tudo me impacta.
Mas o que realmente me cativa...
É o sorriso lindo do meu namorado, dirigido a mim.
Acabei de dar uma volta pelo bairro, dirigindo a Branca pelas
estradinhas, e ainda me sinto nas nuvens.
Sin desce primeiro.
— Feliz? — ele quer saber, sorrindo.
Com os braços tatuados apoiados na minha janela, me
encara como se eu fosse o tesouro mais precioso do mundo.
Pensando bem, é assim que me sinto em relação a ele.
É exatamente assim.
Parece que estou batendo
Nas portas do Paraíso
Knocking’ On Heaven’s Door ~ Guns N’ Roses

DIA SEGUINTE
De volta à realidade.
De volta a São Paulo, depois daquela viagem perfeita.
Viagem que mudou tudo.
Nem acredito que finalmente conquistei a minha garota...
É hora do almoço.
Me sento à mesa com Madah e Enrico.
Apenas nós três, em vez de cinco. Para variar, meu pai se
encontra na empresa. Luca, não faço ideia de onde esteja.
Ao meu redor, a conversa entre os dois flui sobre inutilidades
— filmes, séries, livros —, enquanto me sirvo de mais
parmeggiana, alheio a eles. Nunca tenho muito assunto com o
meu irmão do meio.
A nítida intimidade entre a Magrela e ele me incomoda de
leve. Mesmo porque poucas semanas atrás se pegaram e…
— Princesa, me passa a salada? — pede Enrico.
Me seguro para não xingar o otário, mas decido estabelecer
limites:
— Se você puder parar com a palhaçada de chamar a minha
namorada de princesa, agradeço.
Enrico solta os talheres com tudo, o ruído metálico
ressoando pela sala silenciosa. Completamente mudo, ele me
encara em um misto de surpresa e incredulidade, com os olhos
muito abertos, como se eu tivesse falado que a Terra é quadrada.
— Ah, ainda não tive a oportunidade de te contar, Rico… —
Madah toma a iniciativa. — Eu e Sin começamos a namorar.
Concordo com a cabeça e seguro a mão dela por cima da
mesa, abrindo um sorriso orgulhoso.
Ele olha bem para os nossos rostos, um de cada vez, indo e
vindo.
Por fim, murmura um: "Ok."
Otário.
Após o almoço, Madah pede licença, dizendo que precisa
dormir um pouquinho.
Para não atrapalhar seu descanso, eu a deixo sozinha no
seu quarto e vou direto para o meu.
De repente, escuto duas batidas na porta.
— Pode entrar! — falo, esparramado na cama.
Será que ela resolveu vir se deitar comigo?
Legal.
— Oi. — Enrico coloca a cabeça no vão da porta, arriscando
um sorrisinho sem graça.
Nada legal.
— O que foi? — resmungo, esfregando o rosto.
— Podemos conversar?
Pela sua cara de bunda, já sei que lá vem merda…
Solto um longo suspiro antes de assentir devagar,
desanimado. Aposto que terei outra dor de cabeça.
Me sento na cama, com as costas apoiadas na cabeceira, e
ele se acomoda na cadeira de rodinhas do computador.
— Fala logo — murmuro, cruzando os braços.
— Que história é essa de namoro? Pode me explicar?
— Não tenho nada para explicar a você. Estamos
namorando, é isso. Algum problema?
— É que… — Parece pesar as palavras, coçando a nuca. —
Até ontem você tratava a Madah mal pra cacete, brigavam como
gato e rato… Ok, eu percebia uma tensão sexual entre vocês,
mas… Namoro, cara? Você nunca namorou. O que está fazendo?
— Rá. Falou o expert em relacionamentos — debocho, rindo.
— Nunca pega ninguém e quer dar uma de entendido para cima
de mim? Você tá viajando, cara…
— Pois é, "viajei" ao supor que pudesse ter uma conversa
madura e civilizada com você. De irmão para irmão. Eu queria
falar o que penso sobre isso, mas pelo jeito não vale a pena…
Ok. Talvez eu não tenha sido muito maduro.
— Tá legal. Sou todo ouvidos. O que você pensa, Enrico?
— De verdade? Promete não surtar?
— Prometo. Anda logo. — Gesticulo com a mão no ar para
que ele pare de enrolar.
— Acho que você só quis "namorar" a garota porque a
flagrou comigo, e porque a viu de conversinha com o Bruno no dia
da festa. Você surtou, Sin… Enfim, acho que você a pediu em
namoro por ser egoísta, mimado, competitivo, possessivo,
qualquer merda, menos apaixonado. Vocês dois mal se
conhecem, e isso é uma puta sacanagem da sua parte.
Porra, por que ele quer estragar tudo?
— Você tá falando merda! — Meu sangue ferve tanto que
mal consigo organizar os pensamentos. — Eu a conheço o
suficiente!
— Conhece? Qual é o nome da mãe dela? Do que ela
morreu? Qual é a cor favorita dela? E o sabor do sorvete? E o
personagem de Friends preferido?
— Eu… — Esfrego o rosto, nervoso pra caralho, sem saber
uma única resposta.
— Heloise. Câncer. Azul. Baunilha. Ross.
— Foda-se! Não obriguei a Madah a namorar comigo! Se ela
aceitou, foi por que quis!
— Madah aceitou porque ela não sabe nada do mundo, cara!
Vivia presa naquele inferno, fazendo coisas que não queria, com
homens que lhe davam ânsia de vômito.
Ele se levanta, com o rosto pintado de vermelho.
Nunca tinha visto o Enrico tão irritado assim.
— Do que você está falando?
Fico em pé também, apertando as mãos em punhos,
possesso.
— Pelo jeito, não conversaram sobre o passado dela, e
aposto que não conversaram sobre o seu. — Ele se aproxima de
mim a passos lentos. — Eu sei que você já passou por muita
merda, mas ela não fica atrás. Madah não estava em uma fase
nada fácil lá no Uruguai antes de vir para cá. Vocês dois agem
como se fossem fortes e durões, mas não são. Sabe que daqui de
casa sou o mais sensato e responsável de todos, às vezes até
mais do que o nosso pai. Enfim, me preocupo com ela, e me
preocupo com você. Sim, me preocupo com os dois, por terem se
enfiado nesse namoro precipitado fadado ao fracasso. Pensa
melhor antes de dar continuidade com isso, cara… Vão acabar se
machucando. Vão acabar se machucando feio.
— Dispenso sua preocupação — murmuro a primeira merda
que me vem à cabeça, atordoado demais com tudo o que
despejou em mim.
— Uma última coisa… Todo mundo sempre passou a mão na
sua cabeça, por causa das merdas do seu passado, mas não sei
até que ponto isso te ajudou. Você tem vinte e oito anos e muitas
vezes age como um moleque de dezesseis. Está mais do que na
hora de amadurecer.
E, com essas últimas palavras, Enrico vai embora.
Ele bate a porta atrás de si, me deixando sozinho e confuso.
Mais sozinho e confuso do que nunca.

Abro os olhos devagar, despertando da minha soneca.


Pego o celular ao lado e confiro o horário.
— Nossa… Seis da tarde?
Surpresa, me dou conta de que dormi por mais de quatro
horas. Pelo jeito estava mesmo cansada.
Ao deixar o quarto, sigo calmamente pelo corredor.
A porta do quarto do Sin está fechada.
Bato duas vezes. Nada. Tento de novo. Sem resposta.
Será que ele está no andar de baixo?
Logo adiante, encontro a porta do Enrico entreaberta.
Pelo vão, enxergo o meu amigo conversando em uma
chamada de vídeo. O sorriso apaixonado no seu rosto me faz
adivinhar quem é do outro lado…
Bato de leve na porta e ele sorri para mim, me chamando
para entrar, sem desligar a chamada. Dá umas batidinhas no
colchão para que me sente do seu lado.
Inclinando a cabeça, consigo ver um Paolo sorridente na
tela.
— Boa tarde, Madah! — Paolo bagunça os cabelos
ondulados, com os olhos inchados de sono. — Acho que não sou
o único que acabou de acordar.
Rico dá risada, arrancando um sorriso bonito do vocalista da
Five Stars.
— Boa tarde, Paolo! Capotei depois do almoço… É que tive
uma madrugada agitada. Qual é a sua desculpa?
— Eu tive uma madrugada perfeita! De pura inspiração!
Escrevi duas músicas. Acho que tem alguém aqui me deixando
inspirado… — Sorri mais uma vez para Enrico, que o observa com
os olhos brilhantes.
— Que maravilha! Depois quero ouvir as músicas.
— Ainda te espero em um ensaio, hein? Furou com a gente
no domingo.
— Ah, acabei viajando de última hora… — O ronco da minha
barriga me lembra de que estou morta de fome. — Bem, boa
conversa para vocês. Preciso comer alguma coisa. Beijo, Paolo.
— Despeço, me levantando da cama.
— Espera, vou com você — diz Enrico, tocando no meu
braço. — Preciso mesmo desligar, daqui a pouco tenho o curso de
Desenho — explica a Paolo. — Depois nos falamos. Beijo, Lo.
— Beijo, Rico.
Desço as escadas com Enrico me contando sobre o
telefonema, todo feliz e animado. Vamos direto até a cozinha.
— Prefere levar um sanduíche de presunto e queijo ou
salame? — pergunto a Enrico, separando duas fatias de pão de
forma.
— Presunto e queijo.
— Tá bom. — Abro a geladeira, caçando os ingredientes do
recheio. — Prepara um café para mim, por favor?
Enrico está acostumado a levar para o curso os lanches que
preparo para ele.
É um mimo simples que o faz sorrir, e que não me custa
nada.
Já percebi que os três filhos Sintori são carentes, cada qual
à sua maneira, provavelmente pela perda precoce da mãe e pela
ausência constante do pai.
O único que permanece mais fechado, para mim, é Luca.
Enquanto como um pedaço de queijo, Rico mexe na
máquina de café, de costas para mim.
— Obrigado, Princesa. Seus lanches são os melhores. Ah,
mais uma coisa… — Ele gira o corpo de frente para mim. — Vou
te chamar de Princesa, Sin que esperneie o quanto quiser. A não
ser que você não queira mais…
Enrico vira de costas novamente para pegar o café quando a
máquina apita.
— Pode continuar, o seu irmão que aprenda a lidar. Não tem
por que ele ainda sentir ciúmes de nós dois. Aliás… — Me
aproximo dele para pegar o café. — O seu lance com Paolo. Vai
ser secreto para sempre? Tenho certeza de que Sin pararia de
implicar com você se soubesse…
— Calma. Ainda nem sei se temos mesmo algum lance. É
muito recente para a gente assumir qualquer coisa, só ficamos
duas vezes. Eu não começo a namorar da noite para o dia, sabe?
— Arqueia uma sobrancelha, me encarando. — Coisas
precipitadas não costumam dar certo.
Sinto a indireta e, desconfortável, não sei o que responder.
— Boa tarde. — Luca surge do nada, olhando para o
sanduíche embalado no papel de alumínio sobre o balcão. — É
meu?
— É do Rico. Quer que eu faça um para você também?
— Quero. Esperta… A melhor maneira de fisgar um homem
é pelo estômago, sabia? — Dá uma piscadinha, jogando seu
charme barato.
— Vai com calma. — Enrico olha para o irmão. — Agora ela
é uma mulher comprometida.
— Ah, é? — Luca me encara, surpreso. — Comprometida?
Com quem?
— Ah… — Minhas bochechas enrubescem com a atenção
voltada para mim. — Eu e Sin estamos namorando.
É bem estranho falar assim, em voz alta.
O que parece tão certo e natural, quando estou a sós com
Sin, soa inapropriado e esquisito quando dito às outras pessoas.
Não entendo o porquê.
— Como assim? Eu nem sabia que vocês estavam juntos…
Caralho, fiquei quanto tempo fora? — Segura a risada,
balançando a cabeça. — Bem, boa sorte.
Ele vai até a geladeira e pega um refrigerante.
Quando abre a latinha, a levanta em um brinde.
— Felicidades ao casal! — Dá um longo gole. — E cadê o
arrombado do Sin?
Estou prestes a responder que não sei, porém Enrico é mais
rápido.
— Está lá no quarto dele, enchendo a cara com uísque e
escutando música. Tentei chamá-lo para descer mais cedo, não
deu certo.
Como assim? Bebendo em plena quarta-feira?
— Deixa ele, Rico — Luca dá de ombros. — Melhor álcool
do que outras coisas, e melhor em casa do que em outros
lugares.
Lanço um tchau para eles e saio da cozinha. Subo a escada
correndo, com o coração pulando aflito dentro do peito.
Bato novamente no quarto do meu namorado, mas não
obtenho resposta. Arrisco girar a maçaneta, abro a porta e espio
pela frestinha.
Sin está sentado na cadeira do computador, de olhos
fechados, com fones de ouvido. Os cotovelos na escrivaninha, o
notebook em frente, o copo de bebida ao lado.
Me aproximo devagar, com medo de assustá-lo.
Toco delicadamente no seu antebraço e Sin abre os olhos.
Vermelhos.
Sem sorrir, gira a cadeira e me puxa para o colo. Me
abraçando apertado, enfia o rosto no meu pescoço, respirando
fundo.
Não sei o que fazer, por isso somente retribuo o abraço,
alisando suas costas, sentindo sua pele firme e quente sob a
camiseta.
Após algum tempo, retiro seus fones lentamente.
Hesitante, olho nos seus olhos embaçados.
— O que foi? O que aconteceu?
— Não sei explicar… — Seu hálito fede a uísque. — Se
deita um pouco comigo?
Faço que sim e nos levantamos, caminhando até a cama.
Ele se acomoda de barriga para cima. Me puxando para
perto, deita a minha bochecha no seu ombro e beija o topo da
minha cabeça. Com um braço pesado, envolve a minha cintura,
mexendo os dedos nas minhas costelas como se tocasse piano.
— Tenho medo de… — Ele se interrompe, soltando um
suspiro tenso.
— Medo de quê? Continua. — Contornando suas tatuagens
do braço, tento fazê-lo relaxar.
— Medo de te machucar. De te fazer mal. Queria que você
fosse feliz e… Não sou o melhor cara para você namorar,
Magrela. Pelo contrário. Sou o pior…
Quero lhe pedir que explique o porquê dessa fala, mas sua
voz embargada e seu hálito forte deixam claro que ele bebeu
demais.
Acho melhor encerrar o assunto, por enquanto.
— Melhor, pior, não importa. Você é o único que eu
namoraria, Davi Filipo. Deixa de bobagem — falo, sem parar de
deslizar os dedos pelo seu braço tatuado.
— Não. Precisamos conversar… Só não sei como começar.
Sin me deixa aflita com o tom que emprega.
Ele já quer terminar o namoro, em menos de uma semana?
Sem falar mais nada, dá um longo bocejo, me puxando para
mais perto.
— Dorme, meu amor — sussurro, observando seu rosto
quase adormecido. — Depois conversamos. Dorme, que vai
acordar melhor.
Mexo nos seus cabelos macios e volto a me aconchegar no
seu corpo forte.
"Coisas precipitadas não costumam dar certo", a voz de
Enrico sopra no meu ouvido.
Concluo que se referia ao meu namoro. Mas, nesse caso,
ele está enganado.
Precipitado ou não, que se dane…
Tenho certeza de que não gostaria de estar em nenhum
outro lugar que não nos braços do único homem que faz meu
coração disparar. Estou completamente apaixonada por Sin, e
apenas a ideia de terminarmos me enche de pânico.
Preciso mostrar a ele, a Enrico e a todo mundo que
podemos dar certo.
Que vamos dar certo.

Mais tarde, estou sozinha na sala, lendo no celular.


Sin já dormiu, está roncando lá em cima, desmaiado depois
do uísque. Como eu estava sem sono, desci para beber água e
acabei ficando um pouquinho por aqui, me aproveitando do
conforto desse sofá luxuoso, macio e acolhedor.
Ao meu redor, vários quadros enormes ocupam boa parte
das paredes, me passando a sensação de que estou em um
museu caro, muito privativo.
— Posso me sentar com você? — Luca surge do nada, me
pegando desprevenida. Ele veste roupas sociais, pelo jeito voltou
agora de algum compromisso.
Sem esperar pela minha concordância, se joga no espaço ao
meu lado.
Ergo uma sobrancelha, desconfiada. Eu mal conheço o
homem, apesar de morarmos na mesma propriedade.
— Já não se sentou? Estou brincando... Claro que pode.
Sinta-se em casa. — Faço um meneio com a mão, gesticulando
para que fique à vontade.
Ele ri com a minha resposta, afinal, a casa é dele, não
minha.
— E aí? O que você estava fazendo? — quer saber, em um
tom de voz tranquilo, estranhamente simpático.
— Nada de mais. Lendo no celular. Admirando os móveis.
Apreciando os quadros. Aquele ali... É lindo. Uma cópia perfeita
de Monet. — Aponto para a paisagem com a lagoa de Giverny. —
E, assim como as outras obras do pintor, passa uma sensação de
tranquilidade e paz.
— Quem disse que é uma cópia?
— Mentira! — Arregalo os olhos, incrédula. — Você está
zoando com a minha cara!
— Verdade. — Ele sorri. — Domenico o arrematou em um
leilão em Paris alguns anos atrás. É original.
— Não acredito... — Forço os olhos, tentando enxergar
melhor os detalhes do quadro, me segurando para não ir até ele.
Se eu chegar perto demais, vou querer tocá-lo e... Longe de
mim correr o risco de estragar uma pintura de Monet. Aquilo lá
deve valer milhões!
— E eu não acredito que você conhece Monet — murmura,
me observando com os olhos semicerrados. Certamente, na
cabeça dele, apenas conheço posições sexuais.
— Meus avós eram franceses e, apesar de não ter
conhecido nenhum deles, minha mãe me contava a respeito. Toda
a minha família materna apreciava arte. Frequentei museus no
Uruguai desde bebê. Artistas franceses eram os preferidos da
minha mãe. Impressionistas, em especial. Monet, Manet, Renoir...
Inclusive, meu nome é todo francês: Madeleine Laurent. O que
foi? — pergunto, notando o seu olhar fixo em mim, me deixando
sem jeito.
— De verdade? Ainda não sei o que pensar de você. Enrico
te acha legal há décadas, mas Sin te odiava, falava um monte...
Só agora vocês estão namorando e...
— Sin só pensava bobagens a meu respeito. — Eu o corto,
tensa. Prefiro nem lembrar o que meu namorado dizia sobre mim.
— Se puder esquecer o que ele falava, agradeço. Ele havia tirado
conclusões equivocadas, mas já esclarecemos tudo. Estamos
bem, agora.
— Ele achava que você... — Ele se cala, coçando a nuca.
— Fala logo.
— Que você se prostituía no Uruguai, que você estava com
Domenico.
— Eu sei... — Suspiro fundo. — Não e não, para as duas
coisas. Seu pai me trouxe para cá por outro motivo, que não
posso revelar, mas te garanto que não tem nada a ver com sexo.
Vocês são todos obcecados com esse lance de prostituição, não?
— É mais o Sin... Ele era grudado com a mãe. Filho caçula,
sabe como é... Foi o que mais sofreu quando a merda aconteceu.
— O que aconteceu?
— Ela morreu. Fibromialgia e depressão. E um dos motivos
que a levou a se afundar eram as prostitutas que meu pai...
Esquece. — Pigarreia, com o olhar triste.
Não dá mais detalhes e eu não os peço.
Já entendi o contexto.
— Sinto muito.
— Tudo bem, já tem muitos anos... Posso só te pedir um
favor?
— Fala. — Mordo o lábio, pressentindo que coisa boa não
deve ser.
— Não fica de joguinhos com o Sin, por favor. Depois
daquela merda, uma coisa puxou a outra e ele foi parar no fundo
do poço. Morro de medo de acontecer uma recaída.
Minha nossa... Pelo jeito, Enrico e Luca têm o mesmo receio.
"Recaída do quê?", quis perguntar, mas não tive coragem.
— Luca, eu... Apenas me defendia das atitudes dele. Sin era
um idiota comigo. Aliás, você também. — Aponto o dedo para o
seu peito. — Se põe no meu lugar, caramba...
— Ok. Admito que fui um babaca. Peço desculpas, Madah.
Quero que possamos conviver em paz, em especial agora que
está namorando o meu irmão. Portanto, proponho virarmos a
página. Sim?
Me encara, com um olhar muito sincero que me leva a
responder:
— Sim.
Não baixe a cabeça de tristeza
E por favor não chore
Don’t Cry ~ Guns N’ Roses

INÍCIO DO GATILHO
— Bebê, você é tão bonito. Vai se tornar um homem
maravilhoso quando crescer. E isso aqui também vai crescer. —
Uma mão mexia no meu pinto e eu nem piscava olhando para as
unhas pintadas de vermelho.
Sua outra mão segurava a minha no meio das suas pernas,
onde eu podia sentir que era quente, molhada e peluda.
Com o estômago embrulhado, me perguntei se as meninas
da minha idade eram assim também por dentro da calcinha.
Nós estávamos no meu banheiro. Ela tinha trancado a porta
ao entrar, enquanto eu terminava o banho depois de jogar bola,
me enxugando com a toalha do Pac-Man.
Sem falar nada, tirou as roupas e me puxou para o chão.
Nos deitamos no tapete felpudo ao lado da banheira e ela passou
a alisar meu corpo magro, ainda úmido, do umbigo para baixo.
Eu estava com aflição, enjoado e com o coração disparado.
Não entendia o porquê, mesmo assim, o meu pinto ia crescendo e
crescendo. Toda vez que ela começava a mexer nele acontecia
isso…
— Você não está fazendo direito. Mexe os dedos como
ensinei. Entra e sai, entra e sai…
Ela tinha me feito jurar que eu não contaria para ninguém. "É
um segredo só nosso. Tudo que vou lhe ensinar a fazer… É como
um presente que quero lhe dar. Todos os meninos da sua idade
gostariam de ganhar. Você é tão sortudo em receber."
— Tia Rita, meus pais... — Tentei fazê-la desistir.
Eu sabia que aquilo, "o nosso segredo", era errado e
nojento.
— Bebê lindo da tia… Sua mãe está dormindo pesado, seu
pai só vai voltar à noite. Continua ou vou contar para ele que o
seu boletim está cheio de notas vermelhas. — Assustado,
movimentei os dedos como sabia que ela queria, enfiando e
tirando.
— Ai… — deixei escapar, suando frio, nervoso.
— Isso... Continua, Davizinho... Ah... — gemeu comprido.
Ao mesmo tempo, estalou os dedos, o que significava que
eu não devia mais tocar nela.
Então, se inclinou sobre mim e acelerou a mão que mexia no
meu pinto, para cima e para baixo, até saírem aquelas gotinhas
esbranquiçadas.
Minha respiração falhou e eu fechei os olhos, com a cabeça
girando.
Meu coração batia mais rápido do que nas partidas de
futebol.
— Bom menino. Meu turno está acabando, mas amanhã eu
volto. — Ela se levantou e, depois de vestir a roupa branca, saiu
do banheiro.
Ela se foi, mas seu cheiro forte ficou na minha mão. Senti
ânsia de vômito e me segurei. Odiava vomitar.
Agoniado, resolvi tomar outro banho.
Fiquei pensando… Era sempre assim. Quando ela
começava a mexer em mim, o meu pinto crescia. Alguma coisa
estranha acontecia com o meu corpo, como uma descarga
elétrica. Eu sabia que era errado e me sentia sujo, principalmente
quando eu mexia nas partes dela.
Depois eu ficava inquieto, irritado, tomava outros banhos e...
Fechei o chuveiro e, pronto para me enxugar, enxerguei a
mulher parada de novo ao lado do boxe. Seus olhos brilhavam
para mim. Abraçando meu próprio corpo, tentei conter os arrepios
que me gelavam de um jeito ruim.
— Mudei de ideia, bebê. Já quero mais.
— Ah, não! Tia Rita, eu…
FINAL DO GATILHO
— Acorda, Davi Filipo! Acorda!
Sua voz doce me chamando com firmeza faz com que eu
desperte no susto.
Um pesadelo. Ou melhor, uma lembrança podre, nada bem-
vinda, que esfregou aqueles abusos nojentos na minha cara.
Aquela maldita enfermeira da minha mãe era um monstro…
— Caralho. — Me sento na cama, suado, com o coração
pulando na garganta.
Madah me observa com os olhos repletos de preocupação.
— Conversa comigo, Sin. — Ela acaricia meu braço, os
dedos delicados subindo e descendo. — O que te perturba tanto?
Quem é "tia Rita"?
— Preciso de um minuto. — Escondo o rosto nas mãos, com
a respiração forte, tentando encaixar as peças.
Nem eu me lembrava daquilo.
Aos poucos, os anos de abusos despencam sobre a minha
cabeça, me atordoando. Como se uma cortina pesada tombasse
em um palco, revelando toda a podridão por trás dela.
Dias. Noites. Cenas. Cheiros. Sussurros. Gritos. Sujeiras.
Desastres.
Tudo volta à memória. Tudo me assola.
Talvez, com a ajuda daqueles malditos remédios, meu
cérebro tivesse bloqueado o trauma e…
Agora libertei meus fantasmas.
Não tomei mais os comprimidos. Será que tem mesmo a
ver?
Agora o trauma veio à tona.
Trauma que tem nome e sobrenome, cabelos ruivos e cheiro
de hospital.
Agora tudo faz sentido.
Meu horror ao apelido "bebê". Quase vomitei quando Madah
usou a palavra comigo.
Minha antipatia às namoradas do meu pai.
Minha aversão a ruivas. Nunca quis me aproximar de
mulheres com os cabelos vermelhos. Não fui com a cara da
Bárbara desde o primeiro dia e agora compreendo o motivo.
Meu pé atrás com Enrico. Tentei contar tudo a ele no início,
mas o infeliz não ligou… Imerso no seu mundinho mágico, estava
cagando para mim.
Minha maldita tatuagem no pau. Agora sei por que a fiz…
— Pode confiar em mim… — Madah insiste. — Sou a sua
namorada, lembra? Põe tudo para fora, meu amor.
Ela quer que eu conte para ela.
Ninguém sabe de todos os detalhes.
Nem mesmo o meu pai.
Mas quer saber? Que se foda… Vou falar tudo. Seja o que
Deus quiser.
— Eu tinha onze, quase doze anos…
Respiro fundo e, deitando a minha cabeça nas pernas da
Magrela, fecho os olhos.
— Estou ouvindo — incentiva, acariciando meus cabelos, me
acalmando com os toques leves.
— Meu pai contratou uma enfermeira para cuidar da minha
mãe. Eu e os meus irmãos a chamávamos de Tia Rita.
— O que sua mãe tinha?
— Fibromialgia e depressão. Foi piorando até que chegou
uma hora que quase não saía da cama, dormindo praticamente o
dia inteiro. Às vezes, ficava tão dopada que nem me reconhecia.
— Nossa… É compreensível que isso lhe perturbe. As
lembranças devem ser pesadas.
— Não é isso — corto sua fala, abrindo os olhos. Encontro
seu olhar confuso.
Fico em silêncio, sem saber como prosseguir.
— O que é, então?
Me sinto inquieto com ela me encarando dessa forma.
Prefiro mudar de posição, me sentando na cama.
Madah faz menção de chegar mais perto, mas sinalizo com
uma mão para que mantenha distância. Ficamos os dois em cima
do colchão, sem nos encostar. Ela, abraçando os joelhos; eu, com
as pernas cruzadas.
— Vou tentar resumir. É uma história muito fodida, que eu
mesmo tinha esquecido. Ou melhor, a minha mente tinha
bloqueado. Quer mesmo saber?
— Quero. Se você quiser me contar. Não se sinta
pressionado.
— Lá vai. — Coço a barba, tomando coragem. — A
enfermeira começou a dar em cima de mim. Com o passar do
tempo, me ensinou a fazer coisas que nenhum menino deveria
fazer com uma mulher dezoito anos mais velha… Ela tinha quase
trinta e eu era uma criança… No máximo, um pré-adolescente.
— Meu Deus, ela era pedófila? — Seus olhos bonitos estão
assustados.
— Era. E o pior era que na hora eu ficava excitado. Só que
depois me sentia mal pra caralho. Sujo, sabe? Tomava trocentos
banhos. Porra, perdi a virgindade com ela.
— Caramba! Sinto muito. — Aperta os próprios joelhos com
força, aflita, à beira das lágrimas. — E ela… — Morde a boca, se
interrompendo.
— Pode perguntar, imagino que tenha mil questionamentos.
— E ela vinha aqui todos os dias? Sempre conseguia abusar
de você? Você era um menino e… Com essa idade, eu era uma
criança inocente, estudava em período integral. Você não passava
o dia na escola, amor?
— Eu estudava só de tarde. Ela vinha em casa de manhã,
cinco vezes por semana, quando minha mãe era viva. Mas nem
sempre rolavam os abusos. Só quando ela me flagrava sozinho.
Por isso, eu tentava ficar o tempo todo com os meus irmãos, mas
depois o Luca passou para o Ensino Médio e começou a estudar
de manhã. Já o Enrico, pra variar, não saía do seu mundinho,
enfiado nos livros, alheio a tudo e a todos. Ou seja, pelo menos
uma ou duas vezes por semana ela conseguia o que queria. E
essa merda começou a me prejudicar em outras coisas… Minha
concentração foi para o lixo, minhas notas caíram. Domenico se
preocupou um pouco e me levou para umas avaliações
pedagógicas. Recebi o diagnóstico de TDAH e ele relaxou,
acreditando que os remédios me colocariam na linha. Passei a ter
umas vantagens na escola, provas com consulta e etc., e minhas
notas subiram. "Fim do problema", disse ele. — Sinalizo as aspas.
— Minha nossa… Ele pensou que seu problema estava
resolvido? Seu mau desempenho na escola não era a causa. Por
Deus, era a consequência.
— Pois é, Domenico não enxerga um palmo na frente do
nariz quando o assunto são os filhos. Era a enfermeira abusadora
que me fazia mal, não a porra do TDAH, que nem sei se tenho
mesmo para falar a verdade. Ele não tem noção de nada. Escuta
só… Minha mãe acabou morrendo e depois de um tempo meu pai
veio contar que estava namorando. Adivinha quem era a nova
namorada? — Esboço um sorriso sem graça.
— Não acredito! Ela e Domenico namoraram? — Madah
está boquiaberta.
— Namoraram. Até tudo sair do controle de vez… Quer
mesmo saber?
— Quero. — Aperta os olhos, agoniada.
— Quando eu estava com treze anos, não suportava nem
que ela chegasse perto de mim. Gritava com a mulher, saía de
casa quando ela chegava, explodia mesmo. Todo mundo achava
que eu tinha raiva dela por ser a nova namorada do meu pai, que
eu não tinha superado a morte da minha mãe. Passei a ficar cada
dia mais ansioso, perturbado e agressivo. Meu pai já não sabia o
que fazer comigo… O "filho problemático".
— Espera um pouco… Só para eu entender. Como você
lidou com a morte da sua mãe?
— Eu fiquei mal, é lógico. Mas o que me transformou no
"filho problemático" não foi a morte dela, e sim o assédio da
namorada do meu pai, que não desistia de me procurar para sexo.
Nem dormir tranquilamente eu podia… Perdi a conta de quantas
vezes acordei de madrugada com ela me chupando. Eu a xingava,
a humilhava e mesmo assim a mulher não me deixava em paz.
— Que coisa horrível…
— Calma que vai piorar ainda mais. — Suspiro fundo, me
preparando para o episódio mais pesado.
— Ah, não… Mais? — Ela coloca as mãos na cabeça.
— Mais. Até que um dia a filha da puta veio com um papo de
que não iria mais insistir naquilo. Que estava cansada de ser
humilhada por um garoto que a rejeitava no sexo. Que queria ser
uma boa madrasta, se dedicar ao meu pai, cuidar da família, etc.
Eu vivia sempre tão ansioso… Já fumava cigarro há um tempo,
mas a nicotina não fazia nem cócegas. Então, ela disse que sabia
de uma coisa que iria me acalmar.
— Sei. E o que ela aprontou? — Madah pergunta, mordendo
a boca.
— Ela me apresentou ao Diazepam. Não me esqueço das
suas palavras na primeira vez que me dopou: "É como uma
picadinha de mosquito, bebê. Você vai conseguir dormir, relaxar…
Sou enfermeira, lembra? Sei o que estou fazendo. Vamos contar
até dez para a mágica acontecer. Um, dois, três…"
— Desgraçada. — Madah passa a chorar e eu paro de falar
para enxugar suas lágrimas.
Suas bochechas ficam molhadas e quase desisto da
narrativa para beijá-la. No entanto, me seguro. Já fui longe demais
e preciso prosseguir até o final.
— Vou encerrar logo. Aguenta aí, Magrela. Resumindo, a
maldita me viciou no remédio, me dopando para continuar
abusando em mim. Foi a pior época. Eu não resistia e nem
tentava fugir, muitas vezes ficava até inconsciente. Fora que eu
sabia que o meu pai também transava com ela, o que era nojento
pra caralho. Até que…
— Até que…? — Madah balbucia, enxugando as lágrimas.
— Até que um dia eu surtei de vez. Ela vivia elogiando o
meu pau e, durante o surto, meio dopado, tive uma "brilhante
ideia". Se eu não tivesse mais ele, a mulher me deixaria em paz.
O que fiz? Com a faca de cozinha, tentei me mutilar, cortar fora…
— Não! — Madah cobre a boca com a mão. — Como
conseguiu lidar com a dor?
— O Diazepam é um sedativo potente, sabia? Mexe com os
receptores do cérebro. Sei disso porque eu continuava tomando,
mas em doses controladas, até antes da viagem. Por isso a dor
não foi nada… Só que desmaiei quando começou a sangrar sem
parar, até que Enrico me encontrou quase morto no chão do
banheiro por causa da hemorragia. Só assim ele saiu da sua
bolha e finalmente percebeu que tinha algo de muito errado com o
irmão caçula.
— Minha nossa… Seus irmãos não sabiam mesmo? Ela
nunca mexeu com eles? E seu pai, nunca desconfiou dela?
— Não. Domenico só pensa em trabalho, diversão e mulher.
E, dos meninos, fui o único escolhido. O "sortudo." Talvez por ser
o mais novo.
— Faz sentido. — Balança a cabeça em concordância. — E
depois?
— Depois da tentativa de automutilação, fui hospitalizado.
Como você deve saber, salvaram meu pau, mas fiquei cheio de
cicatrizes. Anos mais tarde, tatuei por cima, cobrindo as marcas.
Fim.
— Fim? E a pedófila? Foi presa?
— Foi nada. Eu não queria sair do hospital e voltar para
casa enquanto ela continuasse morando lá. Por isso, contei por
alto o que rolou para o meu pai e os meus irmãos, mas…
Domenico apenas terminou o namoro com ela e a expulsou. É
engraçado como as pessoas não enxergam a porra da gravidade
quando a pedofilia é feita por uma mulher contra um menino. Luca
até deu risada, falando que perdi a virgindade antes, que eu era
"sortudo." Enfim, que se foda, já passou — afirmo, tentando
convencer a minha namorada.
Tentando convencer a mim mesmo.
Porque a falta de um desfecho para essa podridão é uma
merda.
Madah não concorda com a minha fala final.
— "Já passou" nada. — Ela me encara com os olhos
preocupados. — Os traumas ficam, meu amor. Mais do que
nunca, vou insistir para que faça uma boa terapia. Meu Deus…
Estou tão chocada, você...
— Sou todo fodido, eu sei.
— Não. Eu ia falar que você é tão forte! — Leva as mãos ao
meu rosto. Esboço um sorriso, apreciando o toque delicado. — É
um sobrevivente! E, agora entendo o porquê de algumas coisas.
Os pesadelos. A falta de diálogo com seu pai. O desprezo pelas
namoradas dele. A mágoa com Enrico. O medo que todos têm das
suas recaídas.
— E isso não te assusta? Sou todo fodido. Um namorado
com defeito de fábrica. Você não é obrigada a aceitar. — Pego
suas mãos, nervoso, inseguro.
Não me abandone, torço mentalmente, quase desesperado.
— Não, não me assusta. Eu também vim com defeito, mas a
minha história fica para outro dia. Nós dois fomos quebrados, meu
amor. E isso nos torna perfeitos um para o outro — declara, me
presenteando com um sorriso bonito.
Quase me desmancho em lágrimas. Porra, Madah é perfeita.
É ela.
Ao contrário do que planejei mais cedo, não vou voltar
atrás.
Nada de terminar o namoro com a Magrela.
Nunca.
Você não percebe que sinto o mesmo?
November Rain ~ Guns N’ Roses

Acordo com o corpo mais leve, relaxado como não me sentia


há tempos. Talvez ter colocado tudo aquilo para fora tenha me
feito bem.
Ou o mérito é da minha namorada.
Até sonhei com uma cena diferente.
Diferente e boa.
Não me lembro dos detalhes com clareza, apenas de
imagens isoladas. As estrelas no céu. As luzes piscantes. A
serpente com a cabeça erguida. As ondas vermelhas. O sorriso
espontâneo nos meus lábios. A risada feliz de Madah.
Não sei o que o cenário significava.
Só sei que tudo ali gritava desfecho.
— Bom dia, Davi Filipo!
Abro os olhos quando a Magrela escancara as cortinas. Ela
parece pilhada.
— Anda logo ou vamos nos atrasar para a faculdade. Já
faltamos dias demais.
— Faculdade, já? — Bocejo devagar, sonado. — Não
podemos dar uma rapidinha primeiro?
Aponto para a minha barraca armada. Quase sempre acordo
assim, pronto para brincar.
— Nada disso, gostoso. — Madah se senta do meu lado,
alisando a minha ereção com as pontas dos dedos, por cima dos
shorts. — Mais tarde eu te ataco, pode deixar. Temos que sair em
dez minutos. Hoje você tem aquele treino importante, lembra?
Para o jogo de amanhã.
— O treino é às onze, não são nem sete horas. Mas me
levanto com uma condição… — Sorrio de lado, capturando seu
olhar.
Seguro firme sua mão em cima do meu pau, a deslizando
para cima e para baixo.
— Qual? É uma coisa complexa demais? — Escorrega a
ponta do indicador por dentro do elástico da boxer, tocando na
minha glande úmida. Puta merda.
— Não, é simples. A condição é: veste uma saia. Ok? —
pergunto e ela assente depressa. — Vai… Preciso me trocar
também.
Madah solta uma risadinha e sai do quarto. Me levanto em
um pulo e me arrumo rapidão. Minutos mais tarde, bato na suíte
de Luca.
— Fala, Sin. — Ele abre a porta, vestindo uma camiseta.
— Está de pé o que combinamos? Pode mesmo ir até a FGV
às onze?
— Estarei lá. Espero que não meta a gente em confusão.
— Relaxa, vai dar tudo certo.
Dou um tapinha no ombro dele e volto para o corredor.
Será que Madah já está pronta?
— Vamos? — Espio pela porta entreaberta do quarto.
Colocando os brincos em frente ao espelho, a Magrela
parece distraída.
Ela nem nota a minha chegada.
Hipnotizado, reparo que fez uma maquiagem leve, escovou
os cabelos e vestiu roupas elegantes. Blusa azul. Saia preta.
Sandálias de salto.
É a primeira vez que se arruma assim para a faculdade.
— Impossível ficar mais linda — digo, me aproximando.
Ela abre um sorrisinho nervoso, pega a bolsa e desce a
escada ao meu lado, em silêncio.
Aquela alegria que ostentava ao acordar?
Tinha sumido.
Por que será?
Dentro da Branca, a caminho da FGV, percebo que ela
parece mais nervosa a cada quadra.
No banco de passageiro, sacode levemente as pernas.
Seus joelhos magrinhos atraem a minha atenção. Quando
paro em um sinal vermelho, coloco a mão em um deles, sentindo
sua pele fria.
— Você está bem? — pergunto, mexendo o polegar na sua
coxa, acompanhando a barra da saia.
— Médio. Estou meio nervosa… Do nada, vamos aparecer
namorando, você é todo popular e… Não é melhor a gente manter
o namoro às escondidas?
Antes que eu possa responder alguma coisa, escuto um
carro buzinar atrás de mim, avisando do sinal verde.
Acelero com tudo e, praguejando baixinho, subo na calçada,
estacionando em uma vaga de um comércio fechado.
— Manter o nosso namoro às escondidas? Nem fodendo.
Vem cá. — Em um movimento rápido, eu a puxo para o meu colo,
jogando o banco para trás. — Quero esfregar na cara de todo
mundo daquela faculdade que você é minha.
— Tem certeza? — Morde o lábio enquanto arrasto
lentamente a mão pela sua coxa.
A Magrela está sentada de lado no meu colo, com um braço
enganchado no meu pescoço. Com a mão livre, mexo no som do
carro, procurando pelo álbum do Guns.
Nada de “Patience” por hoje. Vamos de “November Rain” e
seus longos doze minutos.
— Tenho. E agora abre mais as pernas porque sei como te
acalmar.
Com as primeiras notas de piano, avanço na sua boca,
enfiando a língua ao mesmo tempo que passo dois dedos por fora
do tecido quente da sua calcinha, subindo e descendo até o sentir
todo molhado.
Meus batimentos se aceleram tanto que fico sem fôlego.
Quebro o beijo para respirar e aproveito para cantarolar a
música baixinho, os olhos presos aos dela, sem parar de
masturbá-la.
When I look into your eyes
(Quando olho nos seus olhos)
I can see a love restrained
(Posso ver um amor contido)
But darlin', when I hold you
(Mas querida, quando te abraço)
Don't you know I feel the same?
(Você não percebe que sinto o mesmo?)
Volto a beijá-la devagar.
Madah corresponde, remexendo o corpo no meu colo,
acordando meu pau. E, quando afasto o elástico da calcinha,
gememos juntos, meus dedos tocando sua boceta inchada de
tesão.
— Sinta-se privilegiada. — Deslizo os lábios pelo seu
pescoço. — Vai ser a primeira garota a gozar no meu carro. Não
gosto de fazer a minha Branca de motel.
— Seu chato! — Ela ri, enfiando uma mão por dentro da
minha camiseta, alisando meu abdômen. — Ainda vamos transar
muito na "sua Branca".
— Chato? — Giro seu corpo pela cintura. Apoiando suas
costas no volante, abro bem suas pernas.
Ainda bem que os vidros da Mercedes são escurecidos…
Ninguém pode nos ver aqui. Não que tenha muita gente
circulando antes das sete da manhã.
Puxo o elástico da calcinha para o lado, expondo sua boceta
rosada que brilha de tão molhada.
Até pisco, impactado com a visão do Paraíso. Subo e desço
os dedos pela sua fenda, patinando na lubrificação, e levo a outra
mão ao seu rosto.
Madah morde o lábio de baixo com os dentes de cima,
apertando os olhos, absolutamente entregue.
Meu coração bate sem controle ao vê-la tão minha.
I could rest my head
(Eu poderia descansar minha cabeça)
Just knowin' that you were mine
(Apenas por saber que você era minha)
All mine
(Toda minha)
— Chupa. — Enfio o polegar da mão direita entre seus
lábios.
Quando sinto sua língua macia o envolver, passo a penetrá-
la com o dedo do meio da outra mão, me arrepiando inteiro. Seus
olhos não se desviam dos meus, deixando tudo ainda mais
perfeito.
— Porra — gemo, com a voz mais rouca.
Combino o entra e sai dos dedos ao mesmo tempo, um na
boca e o outro na boceta. Mesmo em um ritmo lento, nossa
respiração está tão rápida que embaça os vidros com o calor, me
deixando sem ar.
Tiro as mãos dela, ligo o ar-condicionado e inverto os dedos,
levando o que estava melado de saliva ao meio das suas pernas e
o outro à sua boca.
Esfrego o dedo ao redor dos seus lábios e a beijo em
seguida, sentindo o gosto do seu sexo na minha boca. Caralho.
Meu pau dói de tão duro, latejando para entrar em ação.
Então, começa o solo de guitarra da música, que fica mais
rápida e cadenciada. Timing perfeito.
— Vou te foder agora — aviso, com nossos lábios se
roçando. — Quero te ver gozar em cima de mim.
Aperto seu pescoço com uma mão, dando aquela
enforcadinha que a deixa molinha. Sem beijá-la, abro o zíper da
calça com a outra e puxo minha ereção para fora. Com as pontas
dos dedos, afasto as dobras da sua boceta, o polegar friccionando
seu pontinho mais sensível.
— Sin… — ela choraminga, se desmanchando no meu colo.
Eu a masturbo mais um pouquinho, a deixando no limite.
Quando está a um fio de gozar, eu a ergo pela cintura e a encaixo
em mim, descendo seu corpo em um movimento firme.
Meu pau a penetra duro, a abrindo centímetro a centímetro,
até o final.
Madah fica sentada em mim, arfando forte, tentando se
acostumar ao meu tamanho.
Nossas respirações se misturam enquanto nossos olhares
se fundem. Não existe nada mais incrível no mundo do ver as
suas íris com as pupilas dilatadas, esbanjando desejo por mim.
Passo a nos mover, agarrando sua cintura, fazendo a
Magrela quicar lentamente em mim. Suas mãos sobem para os
meus ombros, acompanhando o ritmo cadenciado do entra e sai.
— Posso acelerar? — pergunto e ela assente, voltando a
morder o lábio.
Aumento a velocidade das estocadas. Meu pau escorrega na
sua lubrificação, a penetrando mais fundo, com os barulhos
molhados me enlouquecendo.
Enquanto isso, Axl Rose canta as últimas estrofes da
música, perfeita para o momento.
Don't ya think that you need someone
(Você não acha que precisa de alguém)
Everybody needs somebody
(Todo mundo precisa de alguém)
Meu coração vai a mil.
— Porra! — Jogo a cabeça para trás, impactado, saindo de
órbita.
Estou quase gozando, e sei que ela também…
— Ai… — geme mais comprido ao gozar e, como eu queria,
sinto os espasmos da sua boceta no meu pau.
Uma explosão corre pela minha coluna e começo a ejacular
no mesmo segundo. Meus jatos preenchendo sua boceta,
despejando até a última gota.
— Puta que pariu. O que tenho que fazer para ganhar uma
rapidinha assim todos os dias? — Dou risada, ajeitando seus
cabelos. — Tenho a melhor namorada do mundo.
— Você pode enjoar…
Madah me presenteia com um sorriso bonito. A visão do seu
rosto mais rosado do orgasmo me inunda com uma paz absurda.
Ela me faz tão bem…
— Nunca, Magrela.

Estaciono na FGV e, pelo horário, sei que perdemos a


primeira aula.
Madah desce do carro e ajeita a bolsa no ombro, apreensiva,
com os movimentos truncados. Me sinto levemente culpado. Sei
que sua calcinha está melada, e talvez isso a esteja deixando
ainda mais desconfortável.
Em um impulso, tomo a iniciativa de darmos as mãos. Nunca
namorei, mas sei que namorados agem assim.
Estendo a minha mão. Recebo apenas seu olhar hesitante
em troca, porém, dois segundos depois, Madah sorri e a segura.
Entrelaço nossos dedos e deixamos o estacionamento.
Com a mão livre, acendo um cigarro.
— Sem chance de você largar esse vício?
— Me deixa. — Solto a fumaça para o alto, com um sorriso
torto nos lábios. — O cigarro do pós sexo é o melhor.
— Ah vá… — Me belisca, rindo. — Que desculpinha isso de
"o cigarro do pós sexo é o melhor" — imita a minha voz. — Você
gozou há mais de vinte minutos! Não estamos mais no pós sexo.
— Não deu para fumar logo depois. Você queria o quê? Que
eu fumasse na minha Branca? Sem chance. — Jogo a bituca no
lixo, subindo os degraus do prédio da faculdade.
— Davi Filipo! — Ela briga, segurando o riso. — Se falar
"minha Branca" mais uma vez, vou mandar você procurar sexo
com a "sua Branca", não comigo.
— Presta atenção. — Abraço sua cintura por trás. — No
plano das pessoas, você é a minha preferida. No plano dos
carros, é ela. São coisas diferentes, entende?
— Médio — responde, com a voz tranquila, divertida.
Fico feliz por conseguir relaxá-la.
Madah não está mais tensa como antes.

As aulas do primeiro bloco transcorrem sem intercorrências.


Volto a encontrar a minha garota no intervalo.
Ela me fita com os olhos inquietos antes de falar:
— Prefiro não lanchar na praça de alimentação…
— Ok. Vamos a algum outro lugar, mas só por hoje. Não
quero ficar escondendo o nosso namoro.
Seguro sua mão e seguimos pelo corredor do prédio, em
sentido oposto à maré de alunos. Quando descemos os degraus
que levam ao gramado, franzo o rosto diante da luminosidade. O
sol brilha por trás das nuvens, com a brisa fresca balançando as
copas das árvores. É uma bela manhã de outono.
— Não é que eu queira esconder o nosso namoro… —
explica, mexendo os dedos fininhos entrelaçados aos meus. — Só
prefiro não me encontrar com certas pessoas. Aquele Eduardo me
dá ânsia de vômito.
Trinco a mandíbula ao escutar o nome dele.
— Já eu não vejo a hora de me encontrar com ele. — Olho
para ela, que me olha de volta, confusa. — Na verdade, é o meu
punho que quer se encontrar com a cara dele.
Em um impulso de raiva, esmago a mão de Madah, que a
puxa de mim, esboçando uma careta de dor.
— Sin! O que pensa em fazer com ele? E doeu, viu…
— Foi mal. — Levo seus dedos magrinhos à boca e os beijo
um a um. — É que fico puto quando me lembro… Ele tentou te
drogar. Ele te agarrou. Porra, se o desgraçado pensa que vai ficar
por isso mesmo, está muito enganado.
— Não quero que se meta em confusão. Deixa isso pra lá,
meu amor.
— Nem fodendo — murmuro, acedendo um cigarro.
Logo depois, chegamos a um pequeno jardim na lateral do
prédio. Não tem mais ninguém por aqui.
Madah se senta em um banco de concreto. Eu me acomodo
do seu lado, com a bunda no encosto e os pés no assento. Assim
a fumaça do meu cigarro não vai a incomodar tanto.
Em silêncio, ela mexe na bolsa e retira uma barra de
chocolate branco, a abrindo sem pressa.
— Esse é o seu lanche? — pergunto, com a mão segurando
o cigarro, apontando para o chocolate.
Descuidado, quase derrubo cinza em cima dela. Porra, é um
fora atrás do outro.
— É. Por quê? Chocolate adoça a vida. — Dá um sorriso
simples antes de morder a barra.
— Porque você precisa se alimentar direito, Magrela. Não é
nutritivo.
Penso em falar que a minha porra que ela recebeu no sexo
foi mais nutritiva do que isso, mas me calo. Tenho umas ideias tão
sem-noção… Preciso me controlar.
— Todo chocolate é um pouco nutritivo — rebate, enfiando o
último pedaço na boca.
— Chocolate branco tecnicamente nem é chocolate, sabia?
— Como assim? Me explique melhor, ó grande "chocolatier".
— Ó grande pentelha, presta atenção. Chocolate branco não
tem massa de cacau. É feito de manteiga de cacau, leite e açúcar.
Ou seja, não tem massa de cacau, não é chocolate — concluo,
me achando o inteligente. — Não conta como lanche.
Dou mais um trago e solto a fumaça para o alto.
— E cigarro conta? Tá. Onde você aprende essas coisas?
— Sou um poço de cultura inútil, você ainda vai descobrir.
Arremesso a bituca no lixo.
Escorrego para baixo, me sentando ao lado dela.
— Agora vem cá, Magrela. — Dou um tapinha na minha
perna.
Madah sorri, se arrastando para o meu colo.
Me perco nos seus olhos bonitos, sentindo uma paz absurda
preencher meu peito.
— O que foi? Que cara é essa? — pergunta, passeando com
a ponta do indicador pela minha bochecha.
— Sei lá. — Sem desviar o olhar, ajeito seu cabelo com uma
mão. — Nem acredito que estamos numa boa, sem brigas, sem
provocações. Ainda não me caiu a ficha de que estamos juntos,
sabe?
— E eu nem acredito que você deixou de ser aquele boçal
mal-humorado e grosso para passar a ser esse cara atencioso,
carinhoso e tarado, tudo junto e misturado. A combinação perfeita
— sussurra no meu ouvido, me arrepiando..
Inclino a cabeça e capturo seus lábios. Mergulho em um
beijo lento, sentindo o doce do chocolate neles.
— O que são esses furinhos aqui?
Passa a língua embaixo do meu lábio inferior, fazendo meu
pau enrijecer no mesmo segundo.
— Eu usava piercing. Você gosta?
Lembro das garotas que queriam eu as chupasse com o
piercing labial. A fricção do metal contra a boceta as deixava
malucas. Porém, obviamente, não comento nada a respeito.
— Talvez. Coloca um dia para eu avaliar.
— Combinado.

Estou me trocando para o treino de futebol. Aos poucos, o


vestiário masculino se enche de alunos. Espero ansiosamente
pela chegada de um deles, em específico, para um acerto de
contas.
De repente, ele chega.
Respiro fundo, fazendo um esforço do caralho para não
socar a cara feia do Eduardo assim que ele passa pela porta com
André.
O otário sabe que está na minha marca, tanto que nem se
aproxima de mim. Fica a uns bons metros de distância e,
enquanto amarro as chuteiras, o observo discretamente. Ele espia
na minha direção, nervoso, mais de uma vez.
Parece esperar por alguma atitude vingativa da minha parte.
E está certo no receio. Não vou deixar passar em branco o que
fez com a minha garota.
Porém ainda não é o momento de agir…
Eduardo, o nerd metido a traficante que passou dos limites
com Madah, vai pagar.
Mas não aqui.
Não agora.
Bem-vindo à selva
Você vai morrer aqui
Welcome To The Jungle ~ Guns N’ Roses

Sorrio ao pisar na quadra do Ginásio, enxergando Luca ao


lado da Magrela na arquibancada. Espero que não estejam
trocando farpas.
Eles são as pessoas que mais prezo na vida e eu gostaria
muito que se entendessem.
Durante o aquecimento, corro com os outros jogadores ao
redor da quadra. Quando passo na frente dos espectadores,
mando um beijo para a minha namorada linda, sem me importar
com quem está de olho.
Estou cadelando demais, nem eu me aguento.
— É o assunto do dia… Todo mundo viu vocês de mãos
dadas pela faculdade. Tá encoleirado, hein? — Leonardo surge do
meu lado e me dá um tapinha na cabeça, me fazendo rir. Sua voz
grossa está cheia de graça.
— Tô fodido, cara… Estou apaixonado por aquela garota! —
Passo a mão pelo rosto, sem parar de correr. — E o mais incrível
é que ela sente o mesmo por mim.
— Fico feliz por ti, Sin. — Sorri sincero, me roubando um
sorriso de volta. Leo é um bom amigo.
Diminuímos o ritmo da corrida quando Bruno nos sinaliza
para parar. O aquecimento está terminando.
— Por que seu irmão está aqui? — Leonardo aponta com a
cabeça para a arquibancada.
— Ah, Luca quis ver o treino. Não tinha compromisso na
empresa pela manhã. E você sabe, eu dou um show com a bola
— Solto um riso convencido.
Convencido, porém realista. Desde o ano passado sou o
artilheiro da FGV.
Leo dá risada e me mostra o dedo do meio, se afastando
para pegar sua garrafinha de isotônico no banco.
Hora do treino.

Após fazer quatro golaços, dois em cada tempo, tomo uma


ducha demorada.
O clima está elétrico no vestiário, com os caras ainda mais
empolgados para o jogo de amanhã. É a última rodada dos Jogos
Universitários, a mais importante de todas.
Bruno fala sem parar, despejando palavras de incentivo para
os jogadores. Ele realmente incorporou o papel de capitão.
Com o canto dos olhos, observo Eduardo mexer em uma
caixa de sapatos dentro do seu armário, retirando dela um
pequeno saquinho, sorrateiramente. Depois, sai pela porta dos
fundos de fininho com André logo atrás.
Sorrio ao perceber que o plano está em andamento.
O combinado era Luca abordá-lo no final do treino, querendo
comprar droga. "Desesperado", estaria disposto a pagar acima da
média pela entrega imediata do pó no estacionamento. Eduardo
não sabe que somos irmãos, e não seria trouxa de dispensar uma
boa venda.
Me troco depressa e digito uma mensagem a Madah
enquanto saio pelos fundos do vestiário, para não passar pelo
Ginásio:
"Magrela, pode voltar para o prédio principal sozinha.
Vou perder a próxima aula, preciso resolver umas coisas
aqui."
Sua resposta vem logo em seguida, demonstrando me
conhecer bem demais:
"Não vai se meter em confusão, hein?"
Já no estacionamento, sem ninguém chegando ou saindo
nesse horário, enxergo André parado junto ao portão, atento à
aproximação de pessoas.
Por isso dou a volta e, em vez de seguir pelo caminho
principal, vou ziguezagueando entre os carros parados até
alcançar o BMW do meu irmão. Luca e Eduardo, sentados dentro
dele, me olham assim que eu chego.
Sem falar nada, firmo as duas mãos sobre o capô,
encarando o filho da puta.
O nerd parece muito assustado, se dando conta de que vim
atrás dele. Faz menção de abrir a porta para fugir, mas Luca
tranca o carro.
— Por que a pressa? Meu irmão quer ter uma conversinha
contigo… Otário.
Ele desce os vidros e eu apoio os braços na janela de
Eduardo, com o rosto a centímetros de distância do dele.
Sorrio, satisfeito em ver o pânico estampado nele. Dos olhos
arregalados por trás dos óculos até a pele pálida suada, cada
expressão na sua face entrega seu medo.
Seus lábios tremem de nervoso, e eu poderia até jurar que
ele vai chorar a qualquer momento.
Quase sinto dó. Quase.
Porém, assim que me lembro dos mesmos lábios beijando à
força a pele da minha garota, meu sangue entra em ebulição.
— O que foi, Sin? Aconteceu alguma coisa? — Ele tem a
audácia de perguntar.
— Você escapou naquele dia da festa. Hoje não vai escapar.
Seu merda…
Ele transpira tanto que seus óculos ficam embaçados.
— É covardia! Dois contra um? — balbucia.
— Nada disso. Só eu e você. — Encosto o dedo no meu
peito e depois no dele, sentindo seus batimentos a milhão. — Vem
aqui.
Luca destranca o carro e desce primeiro, cruzando os braços
em uma postura tranquila.
Eduardo não se mexe.
— Vem logo, porra! — grito. — Se não vier em três
segundos, vai ser ainda pior!
Quero que o inútil desça para apanhar. Só não bato assim
mesmo, com ele sentado, para não sujar o carro do meu irmão.
— Três, dois…
— Tá bom! — Ele abre a porta, tirando os óculos. Os guarda
no bolso e dá dois passos hesitantes na minha direção. — Vai,
pode me bater…
Baixa os olhos e coloca as mãos atrás do corpo, encolhendo
os ombros, em uma pose completamente passiva que me deixa
sem reação.
Fodeu.
Eu não estava esperando por isso.
Pensei que ele iria vir para cima de mim, ou que pelo menos
me irritaria mais. Merda. Não vou conseguir esmurrar a cara dele
assim, com essa postura frouxa.
Busco os olhos de Luca, sem saber o que fazer, e ele ergue
as sobrancelhas em um típico "você é quem sabe".
— Porra, Eduardo… Você foi muito filho da puta com a
Madah! Como você teve coragem de fazer aquilo com ela? —
disparo, agitando os braços.
— É… Eu sei, eu errei — murmura cabisbaixo.
— Não se agarra ninguém à força! Não se força uma mulher
a fazer nada que ela não queira e…
— Ah, não exagera também, né? — Ele deixa escapar um
riso fraco. — No fundo, ela queria… Estava pedindo. Dançando na
minha frente com aquele vestidinho curto, se remexendo de uma
maneira que…
Um soco bem dado cala sua boca. Pronto. Emprego tanta
força que os nós dos meus dedos latejam com o impacto. O
problema é que suas costas batem no carro ao lado, disparando
um alarme estridente.
— Boa. — Luca sorri para mim. — Mas temos que sair daqui
agora. Vem comigo?
Ele olha para o veículo com o alarme disparado e já entra no
seu BMW, dando a partida.
— Não. Vou voltar para a última aula. Valeu, Luquinha.
Eduardo fica caído no chão. O lábio inferior cortado,
sangrando, lhe confere um aspecto patético. Eu lhe dou as costas
e me afasto a passos rápidos.
— Isso não vai ficar assim… — Sua voz mole chega até mim
e consigo escutar as palavras com perfeição, mesmo com o
barulho do alarme irritante nos meus ouvidos. — Vou dar o troco.
— Estou esperando. Ansiosamente.

O final da manhã transcorre sem problemas.


Como imaginei, Eduardo e André não deram queixa da
agressão na Reitoria. Não saberiam explicar o que motivou o soco
ou o porquê de estarem no estacionamento em um horário
incomum, muito antes do término das aulas.
Com certeza, eles não quiseram levantar mais suspeitas...
Aposto que os professores já ouviram os “boatos” de que eles
vendem drogas e uma consulta às câmeras do estacionamento
poderia os comprometer.
— Ninguém viu vocês mesmo? — Madah pergunta pela
segunda vez a caminho de casa.
— Não. — Continuo dirigindo, sem tirar os olhos da rua.
— E por que o mau humor? — Ela cutuca a minha
bochecha.
— Estou frustrado. — Suspiro fundo. — Eduardo apanhou
bem menos do que eu queria. O desgraçado teve a sorte de
disparar o alarme daquele carro e precisei sair de lá. Pelo menos
consegui dar um soco bem dado.
— Ele deve estar bem chateado por causa do soco. Bem-
feito.
— Mas eu ainda queria...
— Você não queria mais nada. — Puxa delicadamente a
minha orelha. — Te proíbo de planejar outra vingança contra o
Eduardo. Não quero que se meta em confusão. Morreu o assunto.
Ah, pensa no lado bom do que ele fez...
— Lado bom? — Estranho as palavras.
— Sim, lado bom — diz, com o carro parado em um sinal
vermelho. — Que é... Tudo de bom que aconteceu entre nós foi
depois que ele me agarrou. Nós ficamos naquela noite, pela
primeira vez, e hoje estamos aqui, juntos.
— Porra, é verdade. Foi o estopim — comento, me sentindo
mais leve. Até resolvo brincar com ela: — Acho que até devemos
chamá-lo de padrinho do nosso futuro casamento.
— Não é para tanto! — Madah dá risada. O som divertido me
arranca um sorriso.
Ela me faz tão bem...

Tiro um cochilo muito bem-vindo depois do almoço.


Madah não me acompanha, dizendo que tem um trabalho
para fazer.
Ao despertar, mando uma mensagem para ela:
“Terminou de fazer o trabalho? Acabei de acordar, vem
aqui.”
Sou ignorado.
Me levanto devagar e me arrasto na direção da porta.
Quando estou colocando o pé no corredor, paraliso ao ver a minha
garota.
Meu cérebro ainda está lento do sono, mas compreendo que
Madah não está saindo da suíte dela. Porra, aquela é a porta do...
— Por que você estava no quarto do Enrico? — disparo, me
segurando para não demonstrar a irritação que me queima.
— Ah... — Madah vem até mim e me puxa de volta para a
minha suíte. — Eu escutei quando ele chegou um tempinho atrás,
e ele não estava bem. Nunca tinha visto o Rico tão chateado e...
Conversamos até que se acalmasse.
— E imagino que não vá me contar o motivo da chateação
dele — aponto, em um tom azedo.
Uma única pergunta perturba minha mente: Enrico não está
aceitando o namoro dela comigo? Quando me deu aquele
esporro, deixou bem óbvio que não aprova nosso relacionamento.
Porra, ele que não tente me foder.
— Não posso contar, sinto muito. É particular... Dele.
— Tem a ver com você? — rebato, com o coração na mão.
— Não! É lógico que não! — É rápida em responder. — Não
tem nada a ver comigo, meu amor. É sobre ele e outra pessoa. Só
tentei ajudar porque estava bem mal e...
Solto o ar, aliviado. Uma preocupação a menos.
— Ótimo — interrompo sua fala.
Vou até a cômoda, procurando por uma bermuda de piscina
na gaveta.
— Eu te conto que seu irmão chegou mal e você me corta
dizendo "ótimo"? — Sua voz nas minhas costas se altera, não sei
se surpresa ou indignada.
— Simplesmente não me importo. Enrico que se foda —
completo, revirando a porra da gaveta inteira.
Onde estão as bermudas de piscina, caralho? Pronto.
Finalmente encontro uma de tactel preta.
Me viro de frente para Madah, com a peça em mãos.
— Você não pode ser mais delicado com relação a ele? —
lança, com os olhos faiscando de raiva.
— Não, não posso. — Sou sincero.
Preciso mudar de assunto ou vamos brigar.
— Vou me trocar para descer. Não quer colocar um biquíni?
Olha o sol... — Aponto para a janela. — Nos encontramos em dez
minutos lá no deck?
Madah me observa com atenção, mordendo a boca.
Consigo identificar decepção, incredulidade, irritação.
De repente, ela me dá as costas, balançando a cabeça para
os lados.
— Tá, daqui a pouco eu desço — diz, saindo do quarto.
Sei que ela não gostou da minha atitude. Se decepcionou?
Decepção foi o que senti dos meus onze aos treze anos, quando a
indiferença de Enrico me empurrou direto para as garras daquela
pedófila.
Enrico foi um irmão de bosta.
Respiro fundo e fecho os olhos, com as imagens agora
nítidas na cabeça. Imagens daquele primeiro dia.
Quando a merda começou.
INÍCIO DO GATILHO
Entediado e cheio de energia, desliguei o videogame. Estava
jogando Fifa desde cedo e já eram quase onze horas da manhã.
Já deu.
O que vou fazer agora? Televisão? Não, queria ir lá para
fora. Piscina? Não, estava ventando muito. Já sei! Vou bater uma
bola lá no campinho.
Animado, vesti o uniforme de futebol completo, com a
camisa e os shorts da seleção da Itália.
Estiquei os meiões azuis até os joelhos, coloquei as
caneleiras e calcei as chuteiras vermelhas. Com a bola encaixada
embaixo do braço, bati na porta do quarto do meu irmão.
Escutei um "entra" em resposta.
— Rico! — Eu sorri, empolgado, não me importando que
aparecessem os metais do meu novo aparelho dentário. — Quer
jogar futebol?
— Não estou a fim — respondeu da cama, sem tirar os olhos
de um livro.
Meu sorriso murchou. Poxa...
Eu não podia desistir tão fácil. Rico era perna de pau, mas
era melhor jogar com ele do que sozinho.
— Vamos, vai! O que você está lendo? — Coloquei a bola na
escrivaninha, andei até a cama e puxei o livro da sua mão,
espiando o título enquanto corria para o outro lado. Percy
Jackson.
— Me devolve! — Ele correu atrás de mim, aborrecido.
— Não. Só depois que você jogar futebol comigo!
Fugi dele em círculos, subindo na cama, pulando no chão,
dando vários "olés".
Comecei a gargalhar quando ele tropeçou e quase caiu.
— Que saco, Davi! Eu odeio futebol! Me deixa em paz! —
Ele gritou, com as bochechas vermelhas.
— Que bagunça é essa aqui? — Tia Rita, a enfermeira da
mamãe, apareceu na porta do quarto, cruzando os braços. —
Estão incomodando o sono da mãe de vocês.
— Foi mal... — Joguei o livro para o alto. — Valeu, hein,
Rico? Vou jogar sozinho mesmo.
Peguei a bola em cima da escrivaninha, indo em direção à
porta. Enrico pegou o livro do chão e, desamassando as folhas,
me olhou feio.
Mostrei o dedo do meio e saí de lá.
Que droga que Luca, meu irmão legal, estudava de manhã e
não podia ficar brincando comigo.
— Onde você vai jogar bola, Davizinho? — Tia Rita
perguntou.
— Lá no campinho, atrás da piscina.
— Tudo bem. Daqui a pouco eu vou lá te ver, bebê. —
Piscou para mim.
A mulher era esquisita. Me olhava de um jeito estranho,
como se estivesse com fome.
No campinho, treinei dribles sozinho por um tempo, tentando
levar a bola de um lado para o outro.
Minutos depois, Tia Rita apareceu, se sentando no banco
que tinha na lateral, sorrindo enquanto me via correr para lá e
para cá.
Eu já estava de saco cheio de treinar sozinho, até que virei o
pé sem querer e caí no chão, resmungando de dor.
Ela veio até mim, me puxando pelo braço.
— Vamos ali atrás... No banheiro da piscina. É bom jogar
uma água fria para cuidar do seu tornozelo.
Fui mancando, com ela me dando apoio.
No banheiro, me sentei em cima da tampa do vaso sanitário
e ela se ajoelhou na minha frente, tirando a minha chuteira e o
meião.
Então, se levantou, molhou as mãos na torneira da pia e
depois se ajoelhou de novo, colocando as palmas úmidas em
mim.
Ela passou a me alisar devagar, do tornozelo até a coxa, ida
e volta. Quando aproximou os dedos da minha virilha, me remexi,
incomodado. Suas unhas me arranhavam levemente e me
arrepiavam. Meu coração batia forte, de um jeito ruim.
— A dor é lá embaixo... — Apontei para o tornozelo.
— Eu sei. Mas às vezes se espalha, por isso é melhor eu
sentir tudo. Sou enfermeira, lembra? Fica quietinho, bebê. Você
vai gostar.
FINAL DO GATILHO
E foi naquele dia que ela me masturbou pela primeira vez.

Quando Madah chega ao deck da piscina, mal olha na minha


cara. Sei que ainda está irritada comigo.
Ela se acomoda na espreguiçadeira ao lado e encaixa os
fones de ouvido, permanecendo em silêncio enquanto toma sol
por um tempão.
Não estou a fim de conversar com ela sobre Enrico ou sobre
a desgraçada da Rita, por isso fico na minha, sem tentar uma
aproximação.
Espero que a raiva dela passe logo.
De repente, ela cutuca o meu braço e aponta para o outro
lado da piscina. Meu pai está ali, andando para lá e para cá,
mexendo no celular.
— Você já contou a Domenico? — sussurra. — Sobre a
gente?
— Não. Podemos contar na hora do jantar.
— Ai... O que será que ele vai falar? — Sua voz baixa soa
tensa.
— Relaxa. — Aperto sua coxa esguia. — Vai dar tudo certo.
Do nada, Domenico levanta os olhos do celular e nos flagra
no ato. Minha mão continua na perna da Magrela.
Ele enfia o aparelho no bolso e passa a caminhar direto na
nossa direção, com o semblante franzido exalando desgosto.
Porra.
Com o coração acelerado, encaro a minha namorada, que
está com os olhos muito abertos. Murmuro um: "Vamos contar
agora?", e ela ergue os ombros, esboçando um: "Não sei".
Em um impulso, agarro sua mão.
Agora Domenico está parado na nossa frente.
Seus olhos escuros correm de mim a ela, e depois pousam
sobre nossos dedos entrelaçados.
— O que significa isso? — pergunta para mim, sério.
— Nós estamos juntos. Namorando — respondo,
sustentando seu olhar.
— Namorando? — Passa a mão pela barba grisalha,
balançando a cabeça. — Não. Não posso concordar...
— Por que não? — Me levanto com tudo, já com o sangue
fervendo.
— Você sabe. Você é o meu filho mais...
— Mais...? — Prendo o fôlego. — Pode falar. Mais fodido?
Mais problemático? Mais irresponsável? Entendi. Se fosse o Luca
ou o Enrico, beleza. Agora, eu... — Solto uma risada sarcástica.
— Mais "instável", eu diria. Mas, não. Eu não queria vê-la
com nenhum de vocês. — Coloca a mão no meu ombro, em um
gesto condescendente. — Sin, tente me entender. Eu trago a
garota para casa e... Permito que você tire vantagem dela? Não é
o correto. Ela está numa posição de vulnerabilidade. Seja mais
responsável... Pelo menos uma vez na vida, pense antes de agir.
Puta merda.
— Já entendi que me vê como um burro irresponsável, que
se dane... — Chuto o balde. — Com ou sem sua benção, o
namoro vai continuar.
— "Que se dane"? — Domenico se indigna. — Seu moleque!
— Aponta o dedo na minha cara, com as bochechas vermelhas.
— Com essa sua atitude de merda, acha mesmo que ela vai
querer ficar com você? Quem em sã consciência ficaria?
Era só o que me faltava... Madah desistir.
Não, não daria para trás.
Se bem que, após descobrir o que meu próprio pai pensa de
mim... Que namorada, no lugar dela, não cogitaria mudar de
ideia?
Nós ficamos mudos, com a tensão palpável no ar,
crepitando.
Meu corpo treme da cabeça aos pés. Me sinto à beira de um
surto, até que... A mão delicada da Magrela segura a minha,
entrelaçando os dedos mais uma vez.
Ela fica em pé e se dirige a Domenico:
— Está tudo bem. Eu quero ficar com o seu filho, estou
apaixonada por ele. — Sua voz suave traz um alento para meu
coração aflito. — Não precisa se preocupar assim comigo. Seu
filho não está tirando vantagem de mim.
Então, quando ela sorri para o meu pai, amolece no mesmo
segundo a postura furiosa dele.
Eu volto a respirar.
— Tem certeza, querida? Ele não está forçando a situação?
— Tenho certeza, sim. Como nunca tive, em toda a minha
vida. Ele me faz muito feliz. — Ergue o olhar para mim, com um
sorriso lindo.
Porra, meus olhos se enchem de lágrimas.
— Muito bem. — Meu pai assente, mais calmo. — Saber
disso é tranquilizador.
Um plim-plim eletrônico ressoa no ar. Domenico puxa o
celular do bolso e muda o foco da sua atenção.
— Com licença, crianças, preciso responder a uma
mensagem — diz, se afastando. — Nos vemos no jantar, sim?
Fico a sós com Madah, ainda perturbado pela briga com meu
pai.
— Caralho, isso foi estressante... — Passo a mão pelo rosto.
— Vamos subir e tomar um banho juntos?
— Só um banho? — ela pergunta baixinho.
Capto a malícia no seu tom e esboço um sorriso de lado.
Safada.
— Só um banho. Sem putaria. Já acabei contigo pela
manhã, preciso deixar sua boceta descansar.
— Tá — diz, revirando os olhos.
Ela não parece satisfeita. Criei um monstro?
Puxo Madah pela mão e entramos em casa. Subimos juntos
a escada até o corredor dos quartos. Quando chegamos na porta
da minha suíte, ela me dá um beijinho na bochecha.
— Já volto, Davi Filipo. Vou pegar uma roupa limpa no meu
quarto e depois te encontro no banho. Sem putaria.

A Magrela é foda. Me enrolou direitinho...


Embaixo do chuveiro, veio com o papo de um ensaboar o
outro e quando dei por mim ela estava de joelhos, me chupando
com o maior empenho. Gozei como um condenado, com a bunda
apoiada no azulejo molhado do boxe.
Puta que pariu, que delícia...
Estou terminando de me trocar quando escuto duas batidas
na porta.
Olho na direção de Madah, que já estava vestida,
desembaraçando os cabelos em frente ao espelho.
Ao abrir a porta, encontro Domenico do outro lado.
— Oi, filho! Você viu Madeleine? Não a encontrei pela casa.
— Ela está aqui.
Escancaro a porta, com os ombros rígidos de tensão.
Porra, o que ele quer agora?
Não ligue as luzes
Vou te dar o que você gosta
Give You What You Like ~ Avril Lavigne

Meu Deus...
O que será que Domenico quer comigo?
— Pois não? — Me aproximo da porta e Sin pousa uma mão
no meu ombro.
— Na verdade, eu queria falar com os dois juntos. —
Domenico empertiga as costas e enterra as mãos nos bolsos. —
Creio que me excedi aquela hora no deck. Além disso, precisei
sair às pressas e deixamos as coisas no ar. Gostaria que me
acompanhassem à mesa para acertarmos as arestas. Enfim,
vamos jantar? — pergunta, com aquela tranquilidade polida que
lhe é característica.
Não sei o que responder.
Olho de soslaio para Sin, que continua imóvel, com a
postura ereta.
O silêncio é incômodo, pesando sobre nós três.
— Aceitem o convite, por favor. Confesso que não reagi bem
à "novidade" naquele momento. Passado o susto, me permitam
melhorar os ânimos — insiste diante da nossa hesitação.
— Aceitamos — decido, abrindo um sorriso. Pelo jeito, ele
está de boa vontade. — Descemos em cinco minutos, tudo bem?
— Tudo, querida. Vou esperar por vocês na sala de jantar —
diz, indo embora.
Ufa... Me sinto aliviada por ter contornado a situação,
amenizando o clima chato.
Fecho a porta do quarto e me viro para Sin.
O homem parece perdido em pensamentos.
De repente, ele dispara:
— É verdade aquilo que disse mais cedo para o meu pai? Eu
te faço feliz? Ou falou por falar, só para se livrar dele?
Sua voz é baixa, quase frágil. Sua insegurança mais uma
vez dá as caras, o deixando instável. Droga.
Sofro com ele. Sofro por ele.
— Ah, meu amor... — murmuro, chegando mais perto.
Sin me envolve pela cintura e eu deito a bochecha no seu
peito. Seu coração bate descontrolado lá dentro.
— Davi Filipo. Quantas vezes vou ter que repetir? — Ergo o
olhar para ele. — Você me faz muito feliz! É tão difícil assim
acreditar em mim?
Me esticando na ponta dos pés, distribuo beijos leves pelo
seu rosto bonito. Mandíbula forte. Barba macia. Nariz salpicados
por sardas.
— É. Uma antiga terapeuta dizia que eu tinha problemas de
confiança. — Alisa minhas costas, sem deixar de me olhar nos
olhos. — Aprendi a esconder, a sufocar a insegurança e os
medos. Na escola, nas festas, ninguém nunca imaginou. Até que
me mostrei de verdade para você, mas... Fiquei vulnerável pra
caralho. É uma merda.
Ai, queria ser capaz de arrancar tudo de ruim que aflige seu
peito, para que consiga enxergar o quanto é maravilhoso...
— Obrigada por se mostrar a mim. Me sinto honrada, de
verdade. Todo mundo age como você por autopreservação. Por
fora, pode parecer que está tudo bem. Mas por dentro... —
Acaricio sua nuca, contornando a gola da camiseta, apreciando o
contato com a pele. — Todos levamos cargas que não mostramos
às pessoas. Algumas são mais leves, outras mais árduas. Sinto
muito que a sua seja tão pesada.
— Tenho tanta sorte. Você... — Agarra meus cabelos e
aproxima nossos rostos, apoiando a testa na minha. — Você me
faz tão bem.
Dou um pequeno sorriso, sustentando seu olhar. Posso
perceber que sua cabeça está a mil pelo modo aflito que me
encara.
— Queria poder ler os seus pensamentos — murmuro,
desfazendo o vinco entre suas sobrancelhas com a ponta do
dedo.
— E eu queria poder não pensar mais em porra nenhuma.
Me ajuda a silenciar minha mente. Me beija.
Eu o atendo no mesmo segundo. Desço as mãos pelas suas
costas firmes, nos unindo ainda mais. Nos beijamos sem pressa,
com intensidade e paixão.
Até que Sin se afasta, sem ar, abrindo um sorriso torto.
Lindo.
— Pronto. Estou bem melhor. Já posso encarar meu pai lá
embaixo. Vamos? — Faz um sinal de cortar a garganta com a
mão, deslizando a lateral do indicador como se fosse uma faca.
Imagino que se sinta mesmo como um novilho a caminho do
abate. Domenico pegou muito pesado com ele...
— Amor... — Passo a língua pelos meus lábios que ainda
formigam do beijo. — Posso dar uma sugestão? Não leve tão a
sério as críticas do seu pai. Se controle, respire fundo, pense em
coisas relaxantes para não explodir outra vez. Mostre que está
crescendo e evoluindo. Você já melhorou tanto, Davi Filipo.
— Hum, vou pensar. — Abre a porta do quarto e inclina o
tronco, exagerando de propósito no cavalheirismo.
Seguimos juntos pelo corredor, de mãos dadas, em um clima
leve e gostosinho.
— Você tem razão, Magrela. Vou tentar me comportar com o
meu pai — diz enquanto descemos a escada. — Já até sei em
que coisa relaxante posso pensar.
— Lá vem... — Sorrio ao notar um brilho diferente nos seus
olhos. Estamos entrando no hall, iluminado com o lustre chique de
cristal.
— No meu pau, na sua boceta, entrando e saindo bem
devagar. Sabe? Me enterro até o talo, depois saio quase que por
inteiro, deixando a cabecinha encaixada na portinha, entro de
novo, saio... — sussurra perto do meu ouvido, me arrepiando
inteira.
— Que delícia, digo, que pecado. — Dou risada, me
segurando para não apertar as coxas. — Se controle, Davi Filipo.
— Falou a freira. Eu queria um banho sem putaria e você
quase engoliu o meu pau. Se controle, Madeleine.
Solto uma gargalhada e, ainda de mãos dadas, entramos na
sala de jantar.
Domenico já está nos aguardando.
— Boa noite, crianças — diz, sentado na cabeceira da mesa,
erguendo sua taça de vinho.
— Boa noite — respondemos.
Me acomodo à direita do homem e Sin à esquerda.
— Tudo bem? Faz tempo que não colocamos os assuntos
em dia. Me contem sobre a faculdade. Sin continua no time de
futebol? Como andam os jogos?
— Continuo. Amanhã à noite teremos um jogo importante em
Guarulhos. Semifinal — completa, se servindo de água.
— Verdade? De manhã ou à noite? — Domenico quer saber,
parecendo interessado. Um bom sinal.
— Às oito da noite.
— Vamos ver o jogo deles em Guarulhos, Madeleine? Posso
levá-la de carro. Sin deve ir de ônibus com o time.
A pergunta de Domenico me pega de surpresa.
Quero muito ver o jogo, só se fala disso na faculdade, mas
tenho medo de atrapalhar de alguma forma... Sei que o jogador
pode se sentir mais pressionado quando tem namorada ou família
na torcida.
Além disso, não desejo parecer grudenta, impondo minha
presença, me convidando para ir.
— Boa ideia. Se ela quiser ir... — Sin olha para mim. —
Queria mesmo que você fosse, Magrela. Mas ficar sozinha na
arquibancada é um porre... Por isso, se puder mesmo ir, pai,
agradeço.
— Você quer ir comigo, querida? — Domenico pergunta e eu
assinto. — Então, está decidido. Nós vamos.
E, pelos próximos minutos, conversamos sobre assuntos
banais enquanto nos servem o jantar. Pai e filho não se
estranham mais nenhuma vez.
Aleluia.
Não, o amanhã não nos é prometido
Então, vou te amar como se fosse te perder
Like I'm Gonna Lose You ~ Meghan Trainor feat. John
Legend

Meu coração bate mais forte enquanto visto o uniforme


completo do time. Sempre fico assim antes de um jogo importante.
Mais pilhado, mais agitado.
Cantarolando Guns N’ Roses, arrumo a mochila com os itens
essenciais. Toalha, garrafinha com isotônico, roupa extra.
Enquanto isso, Madah permanece largada na minha cama,
lendo no celular. Pelas caras que faz, até imagino o conteúdo das
leituras. Safada.
De repente, batem na porta do quarto.
— Entra — respondo, separando o documento de
identidade.
— Oi. — Enrico enfia a cabeça pelo vão da porta, meio sem
graça.
Suspiro fundo antes de voltar a mexer na mochila.
— Fala — murmuro.
— É... É o seguinte. A gente queria ver o jogo também, se
você não se importar. Já sei que o pai e a Madah vão, pensei que
seria legal porque... Nunca fazemos nada em família.
— "A gente" quem? — Ergo uma sobrancelha, me virando
para ele. — Luca disse que não pode ir hoje.
— Eu... e ele. Nós estamos juntos.
Enrico abre mais a porta, exibindo um Paolo muito sorridente
ao seu lado. Com os polegares nos bolsos da frente da calça,
parece bem relaxado. Ao contrário do meu irmão.
Espera um pouco.
Ele disse “Nós estamos juntos”?
— É... — Enrico volta a falar. — Sin, eu estou apaixonado
pelo Paolo. Sempre estive.
— E é recíproco! — Paolo exclama, alegre.
“Sempre estive”, meu irmão disse? Porra. Não sei se viro um
soco na cara dele por ter me feito sofrer por ciúmes à toa, ou se
dou risada, aliviado com a confissão.
Mas pensando bem... Enrico apaixonado por Paolo?
Não vai dar certo.
Balanço a cabeça, sem conseguir entender como duas
pessoas tão diferentes podem ficar juntas.
— Vem cá, Enrico, você sabe que ele é um porra-louca
que…
— O que você quer dizer? — Meu irmão me interrompe, me
encarando. — Seja mais direto, Sin.
— Quero dizer que ele curte orgias, poliamor e sei lá mais o
quê. Todo mundo sabe disso. Como você pode se iludir pensando
que...
Madah pula do meu lado e me dá uma cotovelada,
sussurrando um “deixa eles, estão felizes juntos”.
Porra, ela já sabia?
Meu desconforto dobra de tamanho. Mais uma vez, me sinto
diminuído. Deixado de lado, insignificante, ignorado.
— Relaxa, Sin. — Paolo faz um sinal de “paz e amor” com
os dedos levantados. — Seu irmão me conhece bem, e já
conversamos sobre tudo. Estou disposto a tentar a monogamia
e...
— Quer saber? — Corto a fala dele. — Não me interessa.
Não quero ouvir mais nada.
— A gente quer, sim. Um minuto, meninos.
Madah me puxa pelo braço até o banheiro, fechando a porta
atrás de nós.
— Qual é o seu problema, hein?
Ela vem para cima de mim. Seus olhos esbanjam confusão e
irritação. Dou dois passos para trás, encostando a bunda na
bancada da pia.
— Por que sou sempre o último a saber de tudo?
— Você só maltrata o pobre do Enrico! — ela critica. —
Como quer que ele conte as coisas, se não dá abertura para um
diálogo?
— “Pobre do Enrico” — debocho. — Já que sente tanta
compaixão por ele, por que apoia aquele relacionamento deles?
— Aponto para o quarto, me esforçando para manter a voz baixa.
— Não percebe como os dois são diferentes? Paolo vai quebrar o
coração do meu irmão.
— Mais diferentes do que eu e você? Tem certeza? — Ela
segura meu rosto, olhando dentro dos meus olhos. Perco a pose
no mesmo segundo. — Todo mundo merece uma chance, Davi
Filipo. Agora se controla e vamos voltar lá. Se esforça, vai… Por
mim. Posso até te recompensar depois.
Quando abre um sorriso malicioso, compreendo a que tipo
de recompensa se refere.
— Agora ficou interessante. — Sorrio de lado e dou um
tapinha na bunda dela.
Depois a levanto, coloco sentada sobre a bancada e afasto
suas pernas. Me posiciono entre elas, beijando seu pescoço.
— Você fica tão gostoso de uniforme de futebol, sabia? —
murmura, passando as mãos pelas minhas costas.
Meu pau reage dentro dos shorts.
Mexo meu quadril para a frente, empurrando a ereção contra
a boceta dela. A safada se remexe, aumentando a fricção.
Caralho.
Preciso de um autocontrole absurdo para dar um passo para
trás.
— Você me deixa louco. — Passo a mão pelos cabelos. —
Mas vamos voltar logo para o quarto, eles estão esperando.
— Vamos. — Ela desce da pia. — Se comporta.
Assim que saímos do banheiro, anuncio:
— Quero falar com Paolo a sós. Magrela, pode levar meu
irmão daqui por cinco minutos?
Enrico arqueia uma sobrancelha, desconfiado, me
encarando antes de sair do quarto.
Sorrio ao vê-lo desconfortável. Será que se sentiu inseguro
por deixar Paolo comigo sozinho?
— Rá. — Dou risada quando eles saem. — Acho que ele
está enciumado. Bem-feito. O mundo dá voltas... Enrico quase me
fez morrer de ciúmes ao ficar com a Madah. Que sofra agora.
— Isso porque ele nem sabe da "mão amiga" que eu te dava
na adolescência. — Paolo sorri, se sentando na cadeira do
computador.
Franzo o rosto com a lembrança que estava enterrada em
algum canto morto da minha mente. Já fiz cada coisa na vida...
— E nem precisa saber. Aquela merda ficou lá atrás... Eu
tinha o quê? Quinze anos? — Ando até a janela, apoiando o
quadril na parede ao lado.
Esfregando os olhos, me lembro da primeira vez que
aconteceu. Paolo entrou no meu banheiro, do nada, e me flagrou
no banho, batendo uma punheta. Deu risada e, na maior cara de
pau, continuou o serviço.
Foda. Os hormônios adolescentes nos levam a fazer cada
besteira... Depois, rolou mais uma ou outra vez, porém, ao
contrário dele, eu não quis ir além. Ficamos só na "mão amiga"
mesmo, dele em mim.
— Dezesseis. "Merda"? — Ele ri, mexendo nos cabelos
ondulados. — Eu me lembro bem de como você gozava como um
condenado com as punhetas que eu batia. Acho que realmente
gostava da minha mão no seu pau.
— E eu acho que você está pensando demais no meu pau.
— Ergo o dedo do meio. — É falta de rola no mercado?
— Seu pau tatuado é inesquecível.
Pelo seu sorrisinho irritante, sei que está me provocando,
tentando me constranger.
Mas posso lidar muito bem com ele...
— Ah, vai se foder! Você nunca mais vai chegar perto da
minha rola. Contente-se com o pau pequeno do meu irmão.
Ele ri mais, se divertindo.
Volto a falar:
— Aquilo lá que fizemos foram umas brincadeiras bobas de
adolescentes. Sou muito hetero. Já você sempre foi gay...
— Sou uma alma livre. — Dá de ombros, despreocupado. —
Meu interesse sexual não se limita a grupos predefinidos.
— "Alma livre". Quer dizer que sente tesão por homem,
mulher, árvore e nuvem?
Ele gargalha com espontaneidade, sem inibição, me fazendo
questionar, mais uma vez, como consegue se relacionar com
Enrico. Eles são os extremos opostos.
— Não sei o que acho do seu lance com o meu irmão... —
comento. — Você é porra-louca demais para ele.
— Meu lance com ele não lhe diz respeito. Sem ofensas.
Mas se quer mesmo saber... Estou gostando dele. De verdade.
Paolo sorri com os olhos mais brilhantes e...
Eu acredito nele.
Eu realmente acredito nele.

Minutos mais tarde, estamos na estrada a caminho de


Guarulhos.
Acabei decidindo viajar com a minha família, em vez de no
ônibus da FGV. Como o grupo é de seis pessoas, nos dividimos
em dois carros. Eu e a Magrela com o meu pai e o guarda-costas
em um dos Audis. Enrico e Paolo sozinhos no Jeep do meu irmão.
Engraçado que Domenico não se estressou nem um pouco
quando Enrico contou sobre seu rolo com Paolo antes de
entrarmos nos carros. "Então, pai... Nós dois estamos juntos",
meu irmão disse, tímido. "Ok, Rico, usem camisinha", Domenico
respondeu, me arrancando uma risada.
Pois é, o velho só surtou quando soube do meu namoro com
Madah, incrível... Pelo jeito, o problema sou eu.
O trajeto até Guarulhos transcorre tranquilo. Madah fica
sentada do meu lado, acariciando minha perna, sem me tarar, o
que é diferente e bom ao mesmo tempo.
Conversamos assuntos aleatórios com o meu pai, sobre
viagens principalmente. A Magrela ainda não conhece neve e
combinamos de levá-la a uma estação de esqui nas férias.
Já no Ginásio do jogo, me despeço deles para me encontrar
com o time no vestiário. Falei com Bruno minutos atrás, sei que o
ônibus já chegou.
— Vai lá, amor. — Madah me presenteia com um beijo
simples e eu a puxo para um abraço. — Vou torcer bastante.
— Bom jogo, filho. — Meu pai dá um tapinha no meu ombro.
— Se concentra.
Enrico e Paolo também me desejam boa sorte e me afasto
deles, com a mochila nas costas. A cada passo que dou, minha
adrenalina bombeia mais forte pelo sangue.
Porra, sou fissurado por esse clima elétrico que antecede
aos jogos.
No vestiário, o clima é de festa. Penduro a mochila em um
gancho e tomo uns goles do isotônico da minha garrafinha
enquanto Bruno dá os clássicos discursos de incentivo.
— Vamos lá, time! — Bate palmas enquanto deixamos o
vestiário.
Todo mundo sorri, menos um rosto de óculos.
Eduardo, com o lábio ainda inchado do soco, me olha feio,
como se pudesse me amedrontar. Otário. Não sei nem por que
veio. Ele é um inútil que nunca sai do banco de reservas, não
deve nem saber para que lado chutar a bola.
Entramos na quadra e o resto é história.
Dou um show. Três dos quatro gols são meus. Todo mundo
grita meu nome. Quando o juiz apita o final do primeiro tempo,
arranco a camisa, levando a torcida à loucura.
Procuro pela minha garota e mando um beijo, fazendo a
arquibancada explodir em palmas, com todos os olhos voltados
para ela. Madah fica mais vermelha do que um tomate e eu caio
na risada.
Ao vê-la sentada apenas com Enrico e Paolo, me pergunto
pelo meu pai e pelo guarda-costas. Provavelmente, surgiu um
imprevisto de trabalho e foram embora.
Durante o intervalo, seguimos para o vestiário, nos
hidratamos, bato o isotônico da minha garrafinha e a preencho
com um novo, feliz pra caralho. Visto outra camisa do time, limpa,
e jogo uma água no rosto.
— Você tá demais hoje, cara... — Leonardo aperta meu
ombro. — Três gols, seu filho da puta!
— Tô pilhado. Quero fazer mais três no segundo tempo.
— Vamos lá — diz com os olhos em Bruno que sinaliza para
voltarmos para a quadra.
O juiz apita o início do segundo tempo e passo a correr,
disputando a bola com um jogador do time adversário.
De repente, um clarão explode bem na minha frente.
Paraliso, assustado, com os olhos fixos nas chamas brilhantes.
— O que foi? — Leo chega em mim, correndo. — Por que tá
parado?
— Aquilo ali! — Aponto para o clarão, bem no meio da
quadra, a dois metros de mim. As chamas brancas sobem do chão
como em uma fogueira. — Que porra é aquela?
— Não tem nada ali, cara! Se concentra no jogo!
Esfrego os olhos, assustado. Olho de novo para o local e... A
fogueira sumiu. Que merda está acontecendo comigo?
Espio ao redor, com o coração palpitando. Uma tontura me
invade com tudo. Balanço para os lados, instável, me abraçando,
tentando me equilibrar.
Uma mão alcança meu braço e viro o rosto para ver quem é.
— Você tá dopado? — Bruno pergunta baixinho, com os
olhos arregalados. — Porra, Sin! Sai do jogo, agora!
Assinto e, quando vou andar, um buraco negro me engole. A
sensação de cair no vazio é horrível, com a escuridão me
puxando.
Antes de apagar, uma imagem prende meu olhar.
Eduardo, no banco de reservas, me encarando com um
sorrisinho.

Abro os olhos e espio ao redor. Me encontro em um hospital,


com uma agulha espetada no braço. Não tem mais ninguém no
quarto comigo.
Coço a bochecha, sem entender nada, me perguntando o
porquê de estar aqui. Minha cabeça dói tanto que mal consigo
raciocinar.
Aperto o botão vermelho ao lado, chamando pela
enfermagem. Preciso de algum remédio. Fecho os olhos por um
ou dois minutos. Com a dor ainda me consumindo, escuto a porta
se abrir.
Uma voz absurdamente familiar chega aos meus ouvidos,
retorcendo meu estômago e gelando minha espinha.
— Eu sabia que você se tornaria um homem maravilhoso,
bebê.
Para onde vamos?
Estou caindo de novo, caindo de novo
Falling ~ Harry Styles

O jogo é suspenso assim que o meu namorado tomba no


meio da quadra, com o baque da queda me estremecendo. Meu
Deus...
Com seus olhos fechados e sua bochecha prensada contra o
chão, a visão é muito impactante, esmagando meu coração.
Sentindo o choro entalado na garganta, saio correndo pelos
degraus da arquibancada até lá embaixo, porém os guardas não
me deixam passar da grade de proteção.
Mais adiante, os jogadores carregam Sin para o banco de
reservas. Com o corpo mole e os braços caídos, parece um
boneco de pano.
— Fica firme, Princesa. Vamos ver o que aconteceu. — A
voz de Enrico surge do meu lado. Ele tenta soar calmo, mas está
assustado, apertando a mão de Paolo.
Somos só nós três aqui. Domenico e o guarda-costas já
foram embora por causa de uma emergência de trabalho.
Meu desespero aumenta ao ver os socorristas tentando
reanimar meu namorado. Minha nossa... Agarro as grades com
mais força, com a sensação horrível de que dependo delas para
não afundar.
— O que será que ele tem? — murmuro, à beira das
lágrimas.
— Não sei. Vamos tentar descobrir. — Enrico coloca a mão
no meu ombro e me puxa para caminharmos juntos. Paolo vem
logo atrás.
Damos a volta e ficamos mais perto de onde Sin está, ainda
desacordado, com a equipe médica o examinando. Dois
socorristas agachados parecem checar os sinais vitais.
Bruno nos vê chegando e aponta na nossa direção. Seus
cabelos escuros estão suados e desgrenhados. Ele também
parece muito nervoso.
— Aquele ali é o irmão dele! Pode acompanhá-lo na
ambulância!
Os socorristas viram as cabeças para nós e um deles se
levanta, trazendo uma prancheta nas mãos.
Quando os guardas abrem a porta, passamos para o outro
lado.
— Eu quero ir com ele! — aviso, indo ao encontro do
socorrista, porém o homem me barra com um olhar impaciente.
— Pode parar. Você é da família? Documento. — Estende a
mão na minha frente.
— Sou a namorada dele!
— Não é da família. Com licença. — Olha para um terceiro
socorrista que se aproxima trazendo uma maca de metal.
Sem piscar, observo a transferência de Sin para a maca,
onde o prendem com cintas de segurança nas pernas, quadris,
tórax e ombros. Em menos de um minuto, a maca é empurrada na
direção da ambulância.
O veículo está a poucos metros de distância, com as portas
de trás abertas e uma rampa de metal a postos, estirada.
— Moço, espera! — grito, me aproximando. — O que ele
tem? Por que desmaiou?
— Overdose — responde, sem tirar os olhos da maca que
está empurrando rampa acima, transportando o meu namorado.
Caramba. Sin parecia tão bem, tão feliz! Não teria por que se
drogar. Ou teria? Será que o conheço de verdade? Será que...
Meus pensamentos são interrompidos quando um choro
compulsivo me domina, me rasgando inteira. Meu Deus...
— Calma, Princesa. Respira. — Enrico me abraça. — Vou
com ele na ambulância. Me encontra no hospital, Paolo te leva no
meu carro. Vai dar tudo certo.
Paolo recebe a chave do Jeep e a guarda no bolso. Com a
outra mão, mexe nos cabelos com o olhar perdido.
— Acorda, Paolo. — Enrico estala os dedos na frente do
rosto dele. — Cuida dela para mim.
— Como você sabe? Que vai dar tudo certo? — pergunto
baixinho, tentando enxugar as lágrimas.
— Porque não é a primeira vez que o meu irmão apaga
assim. Ele vai ficar bem, te prometo — afirma, dando um beijinho
na minha testa.
Em seguida, sobe pela rampa e me deixa para trás.
Assim que entro na ambulância, não tenho coragem de olhar
diretamente para o meu irmão, a centímetros de mim.
O espaço é apertado, por isso meus joelhos batem na sua
maca, com o metal frio roçando na minha calça.
— Minha nossa... — Madah soluça do lado de fora e me viro
para ela, que está em pé, a poucos metros de mim. Arregalo os
olhos ao ver suas pernas fraquejarem. Só não se espatifa no chão
porque Paolo a sustenta, passando um braço em volta da sua
cintura.
— Uma última coisa — falo, antes de fecharem as portas. —
Não vou poder usar o celular aqui na ambulância. A caminho do
hospital, liguem o viva-voz do meu carro e avisem a todos. Meu
pai, Luca, Marco. Ok?
— Pode deixar. — Paolo assente. — Vamos para qual
hospital? Quero colocar o endereço no aplicativo. Não sei andar
nessa cidade.
— Para onde vão levá-lo? — pergunto ao motorista da
ambulância.
— Para o Hospital Geral de Guarulhos — o homem
responde e Paolo acena em concordância.
A caminho do hospital, olho para o meu irmão desacordado,
com uma máscara de oxigênio cobrindo parte do seu rosto, e me
sinto mal. Muito mal. Não consigo pensar com a sirene do lado de
fora e os apitos intermitentes dos aparelhos do lado de dentro.
Afundo o rosto nas mãos, com a culpa me corroendo.
Sin tinha razão? Eu era mesmo um irmão de merda? Até
então, ninguém da família tinha levado muito a sério suas
reclamações, aos treze anos, quando falava que a desgraçada da
Rita tinha fodido com a vida dele.
A princípio, pensamos que fosse exagero dele o ódio que
sentia por ela, a "nova namorada do papai", que isso teria a ver
com a nossa mãe.
Depois, quando nos contou sobre o sexo, o choque maior foi
porque ela era a namorada do nosso pai. Ninguém cogitou abuso.
Afinal, qual era o problema? Iniciar a vida sexual com uma mulher
bonitona como ela não poderia ter sido tão ruim. Era o sonho de
muitos adolescentes. Por que Sin teria achado repugnante? Além
disso, um garoto não poderia ser vítima de abuso sexual praticado
por uma mulher, certo?
ERRADO.
Demorei, mas finalmente percebi o quanto estava errado. Foi
um verdadeiro trauma para ele. Para piorar, não se tratou de um
fato isolado... Dos seus onze aos treze anos ele vivia no inferno.
Como pude ser tão ignorante? Juntando as peças, sabia que
o meu irmão ainda sofria com os problemas decorrentes do
trauma. Os surtos, os pesadelos, a insegurança, a desconfiança,
os remédios controlados... Só que pensava que ele tinha parado
de exagerar neles. Pelo jeito, me enganei.
Se eu pudesse voltar no tempo, faria tudo diferente. Teria
sido mais atencioso com ele. Mais protetor. O caçula sempre foi o
mais animado e cheio de energia de nós três. Eu deveria ter
percebido que tinha alguma coisa de errado quando começou a
ficar quieto, sem concentração e... Droga.
Sinto as lágrimas quentes descendo pelas minhas
bochechas.
Sem parar de olhar para seu rosto desacordado, por um
instante imagino que vai abrir os olhos para me xingar de viadinho
como sempre, me zoando.
Sin pega no meu pé, mas não faz diferença.
É o meu irmão caçula e não me vejo sem ele.
Nunca.
No hospital, levam Sin de imediato à ala de atendimento e
pedem que eu vá à recepção fazer o cadastro de entrada. Informo
nome, endereço, telefone, preenchendo duas fichas, uma minha e
uma do meu irmão.
Depois, me sento nas cadeiras da área de espera, junto com
dezenas de pessoas.
Logo em seguida, Madah e Paolo passam pelas portas
duplas da entrada e vêm apressadamente até mim.
— Rico! E aí? Cadê ele? Para onde o levaram? Alguma
notícia? — Madah está muito nervosa, olhando tudo ao redor.
— Levaram ele para o atendimento lá dentro. Sem notícias
por enquanto. Já fiz o cadastro e agora estou esperando pelo
médico.
— Vou fazer o meu cadastro também. Quero vê-lo assim que
possível! — diz ao se afastar, correndo até a recepção.
— Fala a verdade, Rico. — Paolo me encara, se sentando
do meu lado. — O que já sabe? Você chorou... Posso ver pelo seu
rosto. Não gosto de te ver assim, cara.
— Falei a verdade. Não sei de nada, é que... — Minha voz
falha. Jogo a cabeça para trás, suspirando fundo.
— Vem cá... — Ele me puxa para mais perto e leva uma mão
à minha nuca, me acariciando. Seus toques suaves que me
acalmam de leve. — Vai ficar tudo bem... Seu irmão é guerreiro
pra caralho. Daqui a pouco o pentelho vai tá acordado, enchendo
meu saco como sempre.
— Torço para isso. Não vejo a hora dele passar por aquela
porta e tirar uma onda da minha cara de choro. — Solto um riso
sem ânimo. — Então... Não quero te prender aqui, cara. Se quiser
pode ir embora, que...
— Nem fodendo — diz com segurança, me roubando um
sorriso. — Vou ficar aqui contigo. Estamos juntos, lembra?
— Lembro. Obrigado — murmuro, sem conseguir disfarçar a
felicidade que sinto ao ouvir suas palavras. "Estamos juntos". — E
aí? Avisou ao pessoal?
— Avisei. Logo devem chegar... Seu pai, Luca, Marco. Se
bem que, de São Paulo até Guarulhos, leva mais de hora.
— Como eles reagiram à notícia? — Suspiro fundo, deitando
a cabeça no seu ombro. Me sinto exausto.
— Domenico deu uma surtada. Falou alguma coisa de "não
quero o meu filho naquele hospital", mas não entendi o porquê.
Burguês, né? Deve estar se corroendo por aqui ser um hospital
público.
— Imagino que ele queira transferir o meu irmão para São
Paulo...
— Pensamento positivo, cara. Sin vai ter alta. Não vai
precisar de transferência pra caralho nenhum. Quer apostar? —
Inclina o pescoço para olhar para mim.
Ele abre um sorriso tão bonito que até agita meu estômago.
Endireito a postura e coço os olhos.
— Queria conseguir ser como você — comento, mordendo a
bochecha. — Você é positivo, otimista...
— Você consegue, se quiser. É inteligente, capaz, perfeito.
Só precisa sair da sua zona de conforto. Quer tentar? Vai, me dá
um beijo. Aqui. Agora.
Paolo aproxima a boca da minha. Ele sabe que evito beijá-lo
em público — bobeira minha, eu sei —, mas não consigo negar
seu pedido e deposito um beijo leve nos seus lábios.
A sensação é boa.
Libertadora.
É, eu consegui.
Algum tempo depois, Madah retorna e se senta com a gente.
Ela fica fungando, esfregando o nariz, segurando o choro.
Não sei o que falar para a tranquilizar, por isso apenas
aperto a mão dela, tentando transmitir algum consolo.
De repente, um médico surge com uma prancheta em mãos,
parando ao lado do balcão da recepção.
— Família de Davi Filipo Sintori? — pergunta, olhando para
as dezenas de pessoas sentadas.
Nós três nos levantamos e vamos direto até ele.
— Somos nós. Davi é o meu irmão. — Tomo a iniciativa e
Madah se agarra no meu braço, aflita. — Pode falar, doutor.
— Boa noite. Sou o Dr. Daniel. Vou resumir o quadro do
paciente. — Ajeita os óculos empoleirados no nariz, lendo a folha
presa à prancheta. — Já está tudo sob controle. Foi um caso
grave de intoxicação por MDMA.
— MDMA? — Estranho a sigla desconhecida. Mentalmente,
repito "já está tudo sob controle", tentando me acalmar.
— MDMA é a sigla para 3,4-metilenodioximetanfetamina. É
uma droga sintética. Ela atua sobre os neurotransmissores
serotonina, dopamina e noradrenalina, provocando sensibilidade
exacerbada e alucinações visuais, auditivas, entre outros efeitos.
— Minha nossa... Nunca ouvi falar... — Madah sussurra.
— É um pó cristalizado, que pode ser levado diretamente à
língua ou diluído em água ou outra bebida. Em altas doses, como
no caso desse paciente, provoca distúrbios fortes no organismo
que podem levar à morte por falência hepática ou parada
cardíaca. Felizmente, conseguimos agir a tempo. Minha equipe
teve sucesso em minimizar os danos.
— Cacete... — A explicação faz um arrepio subir pela minha
espinha. — Ele poderia ter morrido?
— Sim. Mas, como falei, as nossas intervenções foram bem-
sucedidas.
— Obrigado, doutor. Já nos tranquilizou bastante. Podemos
vê-lo agora? — quero saber.
— O horário de visitação já se encerrou — diz, olhando para
o relógio de pulso. — Mas posso permitir apenas um parente,
como acompanhante.
— Então eu não posso? — Madah quase cai no choro. —
Sou a namorada.
— Infelizmente, não. Terá que aguardar o horário de visita,
pela manhã. Sinto muito.
— Não... Ele quase morreu... Não consigo esperar tanto... —
ela choraminga.
— Eu vou vê-lo. Explico que você queria entrar também,
mas que não permitiram. — Dou um beijo na sua testa, sentindo
sua pele fria.
— Não se esqueça de pegar o cartão de acesso ao quarto
na recepção. Mais alguma dúvida? — Dr. Daniel guarda a
prancheta no jaleco.
— Não, obrigado — agradeço e o médico vai embora.
Pego o cartão na recepção e deixo Madah sentada com
Paolo.
Sigo pelo corredor da área interna do hospital, lendo as
placas para encontrar a ala correta. Um adesivo no cartão indica o
número do quarto: 316.
Depois de alguns minutos de busca, encontro a porta. Passo
o cartão na fechadura eletrônica, girando a maçaneta com
cuidado. Não quero acordar meu irmão, caso esteja dormindo.
O quarto está na penumbra, apenas com um abajur aceso.
Meus olhos levam um instante para se acostumarem à iluminação
fraca, prateada.
Então, quando consigo enxergar com clareza, estaco com a
cena se desenrolando à minha frente.
Que merda é essa?
Meu irmão está deitado na cama, com os olhos arregalados
e uma expressão de puro pânico no rosto.
Do seu lado, sentada na beirada do colchão, uma enfermeira
fala baixinho, mantendo a mão na coxa dele, mexendo os dedos
compridos para cima e para baixo.
De imediato, sei que tem algo de errado aqui...
Nenhum dos dois nota a minha chegada. Aperto os olhos
para enxergar melhor a mulher, analisando suas características.
Altura mediana, magra, longos cabelos ruivos... E, quando foco no
seu rosto, congelo da cabeça aos pés.
Não é possível...
— Sai de perto dele! — grito, voando na direção dos dois. —
Sai ou vou chamar a Polícia!
Rita fica em pé. Ela me reconhece no mesmo segundo.
— Donatello Enrico. Que surpresa agradável... — Sorri. —
Que lindo que você está... Quase chega aos pés dele.
— Vai se ferrar! Sua maluca! O que fez com o meu irmão? —
Me aproximo mais dele, que parece em choque, estático.
— Ah, a gente só estava colocando a conversa em dia...
Depois de tanto tempo. Bem, vou deixar vocês a sós — fala para
mim e depois se volta para o meu irmão: — Se precisar de mim,
bebê... É só chamar. Podemos brincar como antigamente, vou
amar.
Sin fica ainda mais pálido quando ela sopra um beijo no ar.
— Sua vagabunda! — Agarro seu braço.
— Ai, você está me machucando! — Faz uma careta,
tentando se soltar.
— É para machucar mesmo. — Aperto com mais firmeza,
cravando os dedos. — E só não acabo contigo porque não bateria
em mulher.
— Você, acabar comigo? — debocha. — Não deve nem
saber dar um tapa e...
Viro um tapa com tanta força no seu rosto que minha palma
até arde. Ela só não cai porque minha outra mão continua
agarrando seu braço.
— Mudei de ideia. Em você, eu bato. Não é uma mulher... É
um monstro. — Viro outro tapa violento, fazendo seu lábio
sangrar. — Fora daqui!
Com os olhos arregalados, Rita leva a mão ao rosto e
desaparece pela porta.
— Como você está? — Vou até o meu irmão.
Ele ergue o corpo, se apoiando em um dos cotovelos. O
outro braço tem uma agulha espetada.
— Caralho, Rico... — Balança a cabeça, rindo. — Me salvou,
cara. Você bateu nela? Inacreditável!
— Tão inacreditável que nem eu acredito... Minha mão está
doendo.
Quando vou mostrar a minha palma vermelha a ele, percebo
que a mão inteira está tremendo.
— Lógico que está doendo. Viadinho pra caralho. — Dá
risada com gosto, me fazendo rir também. — Viu que azar o meu?
A filha da puta da Rita trabalha aqui. Quando ela apareceu foi
foda... Eu não sabia se era a porra de uma alucinação, ou a
merda de uma assombração que escapou dos meus pesadelos.
— Muito azar. Quais eram as chances daquela maluca
ressurgir assim?
— E o pior é que, quando encostou na minha perna, fiquei
paralisado, sem conseguir me mexer, como uma criancinha
indefesa. Estou com o estômago embrulhado, cara. Até o cheiro
dela me enjoa... Preciso ir embora daqui, mas o médico só vai me
dar alta amanhã e... — Ele para de falar, com os lábios trêmulos.
— E se ela voltar, Rico? De madrugada? Como fazia quando...
— Calma. — Seguro sua mão agitada, determinado a corrigir
os erros que cometi no passado. Chegou a hora. — Não vou
deixar que ela chegue perto de você de novo. Fica tranquilo, cara,
não vou sair daqui. Eu prometo.
Estou tão atordoado
Não sei o que me atingiu
All of Me ~ John Legend

Ainda não conseguia acreditar que o Rico tinha estapeado a


desgraçada da Rita.
Uma cena incrível.
Inesquecível.
— Que cara é essa? — pergunto ao vê-lo sorrindo como um
trouxa, digitando no celular. — Falando putaria com Paolo, aposto.
— Eu não falo putaria. Só estamos batendo papo... — Baixa
o aparelho, olhando para mim. — Acho que ele e a Princesa não
se dão muito bem... Paolo não vai com a cara dela. Devem estar
entediados, os dois sozinhos na sala de espera.
"Princesa". Suspirei ao ouvi-lo chamar a minha namorada
assim. E, por falar nela...
— Ainda não acredito que não a deixaram entrar. — Passo a
mão pelo rosto, aborrecido. — Preciso vê-la, porra... Vou pedir
para o pai tentar dar um jeito. Ele falou se está chegando?
— Está. Marco também, com Luca. — Abre um sorrisinho,
pensativo. — A vida não é justa. Você enche o saco de todo
mundo, mesmo assim é venerado pelas pessoas. Marco é um
bom exemplo disso, te considera um irmão.
— Marco é parceiraço. Gosto pra caralho dos Fontini. Aliás,
por que Paolo não vai com a cara da Magrela? Ele sempre se dá
bem com todo mundo, é o mais sociável de nós cinco.
— Então, ele não falou com todas as letras, mas... — Rico
coça a nuca, sem jeito.
— Mas...?
— Acho que ele sente ciúmes de mim com ela. Paolo já sabe
de tudo o que rolou, que perdi meu “BV” com ela e...
— Pode parar, já entendi.
— Engraçado que Paolo é o cara mais desapegado do
mundo. Agora me vem com essa de ciúmes?
— Karma é foda.
Dou risada, fazendo o meu irmão rir também.
Assim, em um raro momento descontraído com Enrico, me
dou conta de que talvez ele seja um cara legal.
— Filho! — Domenico abre a porta com tudo, quase me
fazendo cair da cama com o susto. — Como você está?
Ao enxergar seus olhos assustados e seus cabelos grisalhos
desgrenhados, concluo que está preocupado comigo.
De vez em quando é bom.
Logo atrás dele, entraram no quarto Luca, Paolo, Marco e...
Madah!
— Não acredito! — Abro os braços, sorrindo como um idiota
para ela. — Vem aqui! Como te deixaram entrar?
— Seu pai... — Sobe na cama, me envolvendo com os
braços fininhos, enfiando o rosto no meu pescoço. — Fiquei tão
preocupada, amor...
— Estou bem. — Respiro fundo, apreciando seu calor e seu
perfume delicado.
Passo o braço direito ao redor da sua cintura, acomodando a
Magrela do meu lado na cama. Meu braço esquerdo continua com
a agulha espetada, parcialmente imobilizado.
— Nós também estamos te visitando, viu? — Luca brinca,
porque ignorei por completo a presença deles. Só me importei
com a minha garota. Me sinto tão em paz, com ela assim pertinho
de mim.
— Legal — digo, sorrindo. — Fico feliz de verdade que todos
estejam aqui. Pai, como conseguiu que autorizassem a entrada
dela?
— Até parece que não me conhece... Ninguém resiste ao
meu charme. — Domenico sorri, presunçoso.
— Ao charme, e à promessa de uma doação generosa ao
fundo do hospital. Né, tio? — Marco aperta o ombro dele.
Dou risada, balançando a cabeça.
— Fala, Marco. Obrigado por ter vindo, cara.
— Você é meu brother. — Ele dá um passo à frente, com as
mãos enterradas nos bolsos. — É lógico que eu viria.
— Já voltamos — Enrico avisa, deixando o quarto com
Paolo, que parece quieto demais. — Vamos até a lanchonete. Se
alguém quiser alguma coisa, é só falar.
Meu pai e o meu irmão mais velho continuam no recinto, em
pé, cochichando alguma coisa de modo que não posso os ouvir.
Até que Domenico delicadamente empurra Luca para a
frente, os dois parecendo desconfortáveis. Lá vem...
— Sin, queria te perguntar uma coisa. Não me leve a mal,
mas... — Luca engole a saliva. — Por que você foi se drogar no
intervalo do jogo?
— Eu não me droguei. — Trinco a mandíbula, me lembrando
da expressão no rosto do filho da puta do Eduardo. Madah
acaricia meu braço, tentando me acalmar.
— Mas o médico disse que você apagou por causa de uma
droga sintética... — Luca volta a falar.
— Colocaram a droga na minha bebida. Eu tomei o isotônico
no intervalo, no vestiário. Minutos depois, comecei a ter
alucinações. E, antes de desmaiar, eu entendi tudo. Já sei até
quem foi.
— Quem, filho? — Domenico quer saber. — Por quê?
— Um cara lá da FGV. Eduardo. Eu tinha dado um soco nele
e... Você estava lá, Luca! Ele falou que iria dar o troco! Não posso
provar, mas tenho certeza de que foi ele.
— Che cavolo. Isso é muito grave! É crime! Vou fazê-lo
pagar! — esbraveja Domenico, sem duvidar de mim.
Caralho! Que milagre!
— Você poderia ter morrido, cara... — Luca completa. — Ele
precisa responder por isso. Será que no vestiário não tem
câmeras?
— Boa... — diz Marco. — Vamos descobrir.
— Ele já tem dezoito anos — comento. — Quero que seja
preso por essa merda.
— Ele será preso. Pode ter certeza, filho.
***
Assim que todos saem, abro um sorriso para a minha garota.
— Me ajuda a ir ao banheiro? Quero escovar os dentes para
te beijar... Estou com gosto de carpete mofado na boca. Solta ali
para mim? — Aponto para o soro.
— Sério mesmo que você quer me beijar em um quarto de
hospital?
Ela dá risada, mas me atende. A agulha continua presa no
braço, mas o caninho fica solto, pendurado.
— Você não quer? — Me levanto da cama, olhando para a
camisola hospitalar azul que bate nos meus joelhos. — Tá. Essa
minha roupinha aqui é brochante.
— Davi Filipo, acha mesmo que me importo com o que você
usa? Gostoso. — Me abraça por trás. — Além disso, vestido
assim fica com a bunda tatuada à mostra, sabia?
A Magrela me belisca na nádega direita e eu dou risada.
No banheiro, abro a água da pia e escovo os dentes. Assim
que enxugo a boca, me inclino para beijar a minha garota.
Porra, como senti falta do gosto dela…
Aperto sua cinturinha enquanto devoro seus lábios, me
deliciando com os movimentos das nossas línguas. Quando faço
menção de avançar mais, apalpando seus seios, Madah se afasta.
Sorrindo, ela balança a cabeça.
— Chega. Você precisa dormir, meu amor. — Me puxa de
volta para o quarto. — Vem… Deita de conchinha comigo.
Madah se acomoda de lado na cama, sorrindo.
Me encaixo por trás dela e arrasto o nariz pelo seu pescoço
delicado.
— Hoje tive tanto medo de que... Deixa pra lá. Não quero
falar sobre isso. Quero falar que... — Ela me olha por cima do
ombro. — Te amo. Te amo tanto.
Meu coração dispara com a declaração inesperada.
Eu a puxo ainda mais para mim, apertando sua cintura. Seu
corpo miúdo se encaixa ao meu, me aquecendo, me relaxando.
Um momento perfeito para fechar um dia caótico.
— Te amo mais, Magrela.
Mal sabia eu que o caos estava só começando...
Vou mantê-la sã e salva
No momento, está tudo muito louco
Never Be Alone ~ Shawn Mendes

— Não está com fome? — pergunto, alisando o antebraço de


Sin.
Seu corpo está encaixado nas minhas costas, me
envolvendo.
— Até estou com um pouco de fome... Mas nem fodendo
que eu chamo a enfermagem de novo — murmura a última frase
meio distraído, como se falasse sozinho.
— Ué. Por que não? Pelo horário? Os enfermeiros trabalham
vinte e quatro horas, não tem problema.
— Não te contei uma coisa... — Solta um riso sem graça. —
Sabe quando tudo dá errado, e você pensa que não tem como
piorar, e piora?
— Do que você está falando? — Viro a cabeça para vê-lo
melhor.
— Não fica me olhando ou vou me desconcentrar — diz,
acariciando meus cabelos, delicadamente girando minha cabeça
para o outro lado. — Escuta só. Primeiro, Eduardo me drogou. Na
final do maldito do campeonato. Já vi pelo celular as mensagens
do grupo do futebol e, além de terem cancelado meus gols,
aplicaram uma penalidade ao time, que foi desclassificado. É a
penalidade máxima, dada em caso de drogas ou doping de um
dos jogadores. Os caras estão me crucificando, não param de me
esculachar. Menos Bruno e Leo, que vieram me chamar em
particular, preocupados comigo.
— Minha nossa... — sussurro, com o coração apertado no
peito. — Eduardo complicou a sua vida, amor.
— Complicou, mesmo. E, quando pensei que nada poderia
ser pior, chamei a enfermagem porque a minha cabeça doía e...
— E...? — Sinto sua respiração forte atrás de mim, indicando
que era algo bem grave.
— A enfermeira veio. E ela era... — Faz uma pausa antes de
revelar: — A vagabunda da Rita.
— Rita? Ela trabalha aqui? A mesma que... — Não me
aguento e viro o corpo, ficando de frente para ele.
Sin está com o semblante fechado, inteirinho tenso.
— A mesma.
— Não acredito! — exclamo, chocada. —Vamos chamar a
Polícia?
— E falar o que, Magrela? Que ela abusou de mim há mil
anos? Que tirou a minha virgindade? Porra, se nem a minha
família me levou a sério, os policiais reagiriam como?
— Mas... Mas ela não pode ficar impune! — Balanço a
cabeça, sem saber o que falar. — Temos que pensar em alguma
coisa! Agora que a gente sabe onde ela está, temos que dar um
jeito de fazê-la pagar!
— Pelo menos o Rico bateu nela, acredita? — Ele dá um
riso nasal.
— O Rico? “Bateu”? Como? — Mal consigo perguntar, muito
surpresa.
— Agarrou o braço da maldita e deu dois tapões no rosto
dela. Foi lindo. — Abre um sorriso, feliz com a lembrança. — Mas
o melhor foi o que ele me disse depois que ela desapareceu...
Meu irmão meio que assumiu que errou no passado, falando que
não iria deixar que ela chegasse perto de mim de novo.
Meu Deus... Rico é mesmo um Príncipe. Não é perfeito,
porque ninguém é, mas é correto e bondoso, e quer corrigir seus
erros.
— Que bom, amor... Ele tem noção de que falhou com você
lá atrás.
— Sim. Já o meu pai — resmunga. — Tá nem aí para a
história.
— Pelo menos Domenico acreditou em você no incidente de
hoje. Quando disse que não se drogou, que foi o Eduardo... —
Torno a me deitar com as costas na sua barriga, puxando suas
mãos para me abraçar. — Reparou que ele não duvidou de você
em momento algum?
— É verdade. Até fiquei surpreso... — Solta um bocejo
comprido. — Vamos dormir?
Faço que sim com a cabeça. Seu calor e seu cheiro me
aquecem a alma, me embalando em uma preguiça gostosa. E,
quando sua mão volta a acariciar meus cabelos, amoleço o corpo,
quase adormecendo.
De repente, duas batidas na porta me fazem sentar em um
salto. Droga.
Sin enrijece o corpo, ainda deitado, e nenhum de nós fala
nada.
— Estão acordados? Posso entrar? — Domenico abre a
porta devagar, sem colocar a cabeça no vão. Provavelmente ficou
com medo de nos flagrar em uma cena imprópria.
— Pode. — Sin suspira fundo.
Seu pai entra no quarto com o guarda-costas, Wilson.
— Vim me despedir. Vou dormir no hotel aqui ao lado.
Amanhã cedo volto para sua alta, filho.
— Certo. Obrigado.
— Vão ficar bem? Precisam de algo? — Enfia as mãos nos
bolsos da calça social, com o semblante sério. Ele parece
incomodado com alguma coisa.
— Estamos bem e.... — Sin se interrompe, como se
pensasse nas palavras. — Então, não sei se o Enrico te contou,
mas...
— Sobre a aparição da Rita? — Domenico o corta. — Ele me
contou, sim. Não se preocupe, filho. Ela não irá voltar.
— Como assim, pai? Você falou com ela?
— Só... Não se preocupe. Boa noite, durmam bem.
E vira as costas, deixando o quarto com Wilson à sua
sombra.
— Ué... — murmuro. — Isso foi estranho.
— Meu pai é estranho, Magrela. Nem vou esquentar a
cabeça.
— Melhor. Você precisa descansar, meu amor. Boa noite. —
Dou um beijinho rápido nos seus lábios e volto a me encaixar nos
seus braços.
— Boa noite.
— Bom dia.
Uma voz feminina me faz abrir os olhos.
Uma enfermeira grisalha e baixinha está andando em
direção à janela, escancarando as cortinas. Depois, volta até a
porta e puxa um carrinho de metal.
— Trouxe o café da manhã — ela diz e eu esboço um
sorriso.
— Acorda, amor... — Mexo no braço do meu namorado, que
ainda dorme profundamente.
— Eu não sabia que havia uma pessoa de acompanhante
neste quarto. Você é a namorada? O prontuário não continha a
informação. Vou pedir que tragam mais uma bandeja.
— Agradeço.
Meu estômago ronca de fome.
— O paciente passou bem a noite? — pergunta, colocando a
bandeja do café sobre a mesinha.
— Sim. Dormiu direto.
— Ótimo. Daqui a pouco o médico irá reavaliá-lo. Se tudo
estiver certo, terá alta. Com licença. Se precisarem de mim, meu
nome é Edna.
— Obrigada.
Me levanto e vou até o banheiro lavar rosto. Escovo os
dentes, penteio os cabelos e, quando volto para o quarto, Sin está
acordando.
— Bom dia — fala com a voz rouca, passando a mão pelo
rosto. — Já trouxeram o café. Espero que seja algo que preste.
Estou com uma fome da porra... — Olha para a mesinha, se
sentando devagar.
— Bom dia. — Paro sob o batente da porta do banheiro,
mais uma vez impressionada com sua beleza. Mesmo com o rosto
amassado e os cabelos bagunçados, meu namorado continua
lindo. — Sim, o café está ali, mas ainda nem vi o que é. E vão
trazer mais um, graças a Deus. Estou com tanta fome que
comeria até pedra...
— É? — Abre um sorriso torto, me secando, malicioso. —
Tem uma coisa aqui dura como pedra para você cair de boca...
Sentado na beirada da cama, aponta para a ereção que se
desenha por baixo do tecido da roupa.
Não é possível!
Tenho uma crise de riso, incrédula com o comentário safado
dentro de um hospital.
— Atrapalho alguma coisa? — Uma enfermeira de cabelos
ruivos aparece do nada, me encarando. Seus olhos azuis faíscam,
gelados.
No mesmo segundo, eu sei quem é.
Rita.
Espio rapidamente o meu namorado, que já não sorri. Pelo
contrário, está pálido, com os olhos arregalados.
Impressionante o que um trauma de infância é capaz de
fazer com uma pessoa, desestruturando-a até depois de adulta.
Sin já é um homem feito, grande e forte, poderia dar uma surra
nela se quisesse, porém nitidamente se sente acuado e
assustado, paralisado pelo medo.
Preciso fazer alguma coisa.
— Some daqui, sua doente! — Me coloco na frente dele, em
pé entre seus joelhos, apertando sua mão. — Não tente se
aproximar dele ou faço um escândalo!
Ela sorri com escárnio, dando dois passos à frente. Fica a
poucos metros de nós, com os braços cruzados.
— Quis ver com meus próprios olhos quem era sua
acompanhante, bebê. Quando Edna pediu mais um café para a
"namorada" do paciente... Não me contive. — Desce os olhos, me
fitando com desdém. — Não acredito que, depois de ter uma
mulher como eu, você se contente com uma adolescente ratinha
como ela.
Meu coração quase explode, inflado pela raiva. Sinto a
respiração alterada de Sin nas minhas costas, porém ele não abre
a boca. Sua única reação é apertar meus dedos com força, aflito.
— Engraçado falar isso... — Eu a encaro, sem me deixar
abalar. Minhas bochechas queimam em irritação. — Quem aqui
gosta de adolescente, ou melhor, de criança, é você, sua pedófila!
Como teve coragem? De abusar de um menino de onze anos?
— Você não sabe do que fala! Menina idiota... Não foi abuso.
Nós dois... — Aponta para o próprio peito e para o do meu
namorado, me enervando. — Vivemos um romance lindo! Não
tradicional, admito, mas o amor verdadeiro não se prende a
mesquinharias como diferença de idade ou outras bobagens.
— Minha nossa... Você é mesmo doente. — Balanço a
cabeça, incrédula com a fala. — Precisa ser internada para nunca
mais voltar a viver em sociedade. Você representa um risco para
as pessoas.
— Bebê, ela está tão cega que não consegue enxergar a
verdade. Conte a ela. Como nos amamos... Como foi real...
— Real? Foi um pesadelo, caralho. — Ele balbucia por trás
de mim, com a voz trêmula.
Preciso expulsá-la daqui ou ele vai passar mal.
— REAL. Tão real que gerou frutos! — Ela dá mais um
passo à frente, com uma mão sobre a barriga.
Ah, não... Não pode ser.
Droga, droga, droga.
Minha cabeça lateja com a compreensão do que ela está
insinuando. O ar fica mais pesado no quarto e não se ouve um
pio.
— Eu não lhe contei na época... — Rita volta a falar, sorrindo
como uma louca. Seus olhos contém um brilho doentio. — Mas
agora que é adulto está na hora de saber... Eu engravidei de você,
bebê. Nós temos um filho.
Mesmo que não seja sua intenção me machucar
Você continua me quebrando
Mercy (Acoustic) ~ Shawn Mendes

As palavras da desgraçada ficam ecoando em looping na minha


cabeça, fodendo com a minha sanidade. "Eu engravidei de você, bebê.
Nós temos um filho."
Com a espinha gelada e o estômago revirado, não sei como
reagir.
— Mentirosa! Manipuladora! — Madah grita, me tirando do
transe. — Você não teria um filho dele sem ninguém saber! Com
certeza, iria exigir o sobrenome, a pensão e tudo o mais! Está
inventando isso para nos perturbar!
— Quem disse que ninguém sabe? — Ela ri, balançando a
cabeça. — Tolinha... Domenico sabe. Inclusive, paga uma gorda
pensão todo mês para o neto. Apenas abri mão do sobrenome e de
uma ou outra coisinha.
Porra. "Não vou surtar, não vou surtar", repito mentalmente,
agarrando a cintura da minha namorada como se fosse uma boia
salva-vidas. Somente ela é capaz de me dar um mínimo de
estabilidade.
— Magrela. Chame o meu pai aqui. Agora — sussurro.
Madah faz que sim com a cabeça, digitando com os dedos
trêmulos no celular. Logo em seguida, um apito indica a chegada da
resposta.
— Ele já está passando pela recepção do hospital — responde
baixinho, virando o rosto para mim, com os olhos presos aos meus. —
Calma. Ainda acho que pode ser mentira dela...
— Estou calmo — minto. — Apenas quero colocar tudo em pratos
limpos.
Apoio o queixo no seu ombro, inspirando seu perfume suave.
Rita nos olha com um sorriso estranho nos lábios, sem piscar,
com aquele olhar vidrado que só as pessoas loucas têm. Ela é
completamente maluca.
Aliás, meu pai não permitiria que uma doente como ela criasse
seu neto, meu filho. Caralho, "meu filho." Me recuso a acreditar.
— Quero ver uma foto da criança — exijo, sem desviar os olhos
dela.
Ela hesita, surpresa com pedido.
— Não tenho foto dele aqui comigo. — Foge com o olhar,
desconfortável.
— Que mãe não tem uma foto do filho? Na carteira, no celular?
— Madah se cresce. — Eu sabia que era mentira sua...
— Eu não tenho, porque... Porque não crio o menino. Foi uma
das condições de Domenico. Ele me daria o suporte financeiro, desde
que eu entregasse o bebê para ser criado por outra pessoa. Ele está
com... Com uma prima minha.
Puta que pariu.
Aquilo até que faz sentido.
De repente, a porta do quarto se abre e Domenico paralisa ao
nos ver juntos. Mais pálido, corre os olhos pelos nossos rostos,
preocupado.
— O que está acontecendo aqui? — pergunta. Wilson sai de
fininho, fechando a porta atrás de si.
— Querido... — Rita sorri forçadamente para ele. — Eu acabei
contando a verdade a eles. Não precisamos mais esconder...
— Cale-se! Em primeiro lugar, não me chame de "querido". —
Gesticula com as mãos, furioso. Porra, é tão raro ver meu pai
descontrolado assim. — Em segundo lugar, uma das condições do
nosso combinado era que você não o procurasse nunca mais.
— Eu não o procurei! — Ela ergue as mãos, em um gesto de
inocência. — Nesses anos todos, nunca fui atrás do Davizinho. Não
tenho culpa se o destino o trouxe para o meu hospital. Para mim.
— Saia daqui! Agora! Ou já sabe! — grita, fazendo-a estremecer.
Rita desaparece do quarto sem olhar para trás, o que me dá um
puta alívio. Quase não consigo respirar com a maldita no mesmo
ambiente que eu...
Quando olho para Domenico, o encontro esfregando a barba
grisalha, estressado.
Puxo Madah para se sentar do meu lado na cama. Estou tão
amortecido que nem me abalo mais. Não sinto mais desespero,
nervoso, nada. Parece que meus sentidos e meu corpo estão
absolutamente dormentes.
— Pai... É verdade?
Domenico somente me encara em silêncio. Quando penso que
não vai me contar nada, para variar, desanda a falar:
— Me lembro daquele dia como se fosse ontem. Eu já havia
rompido com Rita e ela apareceu em casa, pedindo para conversar.
Disse que estava grávida. — Baixa os olhos, balançando a cabeça.
— E qual foi sua reação?
— Dei risada. Falei que era impossível, pois eu era
vasectomizado há anos. Então, ela respondeu que não estava grávida
de um filho, mas sim de um neto meu. Che cavolo. Mostrou o teste de
gravidez com o resultado positivo e me contou do caso de vocês.
— "Caso". — Solto uma risada sem ânimo. — Ela abusava de
mim. Eu contei para vocês, lembra? Mas ninguém se importou e...
Deixa para lá. Continua falando da gravidez. Quem garante que o bebê
era meu? Ela pode ter transado com outros na época.
— Sim. Por isso fizemos o exame de DNA, ainda no início da
gravidez.
— Durante a gravidez? — Madah soa desconfiada.
— Durante a gravidez. O médico coletou o material que envolvia
o feto, do líquido amniótico ou da placenta, não me recordo.
— Eu não me lembro de ter sido examinado...
— Você não foi, filho. Eu não iria submetê-lo a mais esse
estresse, em um período já tão conturbado. Por isso me voluntariei. E
a paternidade pode ser confirmada com as amostras de DNA de avô e
neto.
— E aí? — pergunto retoricamente, já sabendo a resposta. Porra.
— O resultado foi positivo. Rita estava mesmo grávida de um
filho seu.
— Caralho! — Esfrego os olhos, quase me beliscando. Queria
tanto que não passasse de um pesadelo...
— Me deixe terminar, por favor. Pensando no seu bem e no da
criança, tomei a decisão de firmar um acerto com ela. Afinal, com treze
anos você não poderia ser pai.
— Que combinado?
— Eu pagaria uma pensão mensal generosa, com três condições:
ela deveria abrir mão do registro de nascimento, não o procurar nunca
mais e entregar o bebê para outra pessoa criar. Rita não tinha
condições psicológicas para cuidar de uma criança. O dia que
assinamos o acordo foi a última vez que a vi. Até hoje.
— E como sabe que ela cumpriu as condições?
— Nós nos falamos nestes anos todos por telefone. Ela me
relatava os acontecimentos, como a entrega do bebê a uma prima
assim que nasceu. Eu conheci esta prima logo depois do exame de
DNA, se chamava Lúcia, me pareceu ser uma pessoa sensata. Lúcia
me confirmou por telefone que recebeu o bebê. Fim.
— Que merda, hein? Não sei nem o que dizer. Você conheceu
o...?
— Não conheci o menino. Adolescente, hoje. Não quis conhecê-
lo, na verdade. Achei melhor assim. — Domenico se levanta, com um
ar cansado. — Chega desta conversa, vamos para casa. Me
encontrem na recepção assim que lhe der alta médica, filho.
Ele sai do quarto, sem falar mais nada.
— Porra, Magrela. Tenho um menino? Com ela? — murmuro,
com a cabeça aérea.
— Calma, amor. — Madah sobe e desce a mão pelas minhas
costas, tentando me tranquilizar. — Ainda acho que pode ser mentira
dela e que o seu pai paga pensão à toa, sem existir neto nenhum.
— Como assim? Por quê?
— Não sei bem... São impressões, hipóteses... Pensa comigo. —
Madah se afasta para me olhar nos olhos. — Domenico não viu a
evolução da gravidez. Nunca viu a criança. Rita se assustou quando
você pediu para ver uma foto...
— Mas e o teste de gravidez? E o exame de DNA?
— Ela pode ter engravidado, sim. — Segura meu rosto, com as
mãos delicadas nas minhas bochechas, me acolhendo. — Mas ela
pode ter perdido o bebê.
Me sinto prestes a afundar, preso a um finíssimo fio de
esperança, torcendo para que a minha namorada esteja certa.
— Não sei se você é inteligente demais ou otimista para caralho.
Vou mandar uma mensagem ao meu pai agora mesmo. Ele tem um
investigador que pode checar os fatos.
Pego o celular, iniciando uma mensagem de áudio: “Pai, escuta
só...”, e conto toda a teoria da Madah. Vai que...
Minha mente está a mil, orquestrando tudo o mais que preciso
fazer.
Tenho que desmascarar o merda do Eduardo, limpar a minha
barra com o time e desmentir a filha da puta da Rita.
Só assim terei paz.
De repente, a porta do quarto é aberta com tudo.
Marco está parado sob o batente, com o rosto pálido e os olhos
inchados. Lá vem merda...
Mais uma.
— Porra, o que foi agora? — pergunto, sem forças.
— É o Paolo. Um bando de homofóbicos filhos da puta... Quase
mataram ele, Sin.
— O quê?! — Madah grita.
— Parece que os desgraçados viram ele com Enrico na
lanchonete do hospital de madrugada. Então, quando meu irmão saiu
para fumar, cercaram ele.
— Caralho! — Aperto os olhos. — E como ele está?
— Não sei. Vou voltar lá para a sala de espera agora, o médico
deve aparecer a qualquer momento e...
— Vai com ele, Magrela. Assim que me derem alta, procuro por
vocês.

Estou na sala de espera com Marco e Enrico, que não deve mais
ter unha para roer. Meu amigo está um caco.
— Eu tinha que ter ido procurá-lo mais cedo... — Rico sopra as
palavras, destruído. — Ele saiu para fumar, não voltou... Estava bravo
comigo, preferi dar um tempo para se acalmar. Quando finalmente fui
atrás... Tarde demais.
Fica se lamentando, sem parar, e eu não faço perguntas. Ele não
está em condições de conversar agora.
— Parentes de Paolo Fontini? — Uma voz masculina ressoa pelo
ambiente frio.
— Aqui! — Marco levanta o braço, acenando para o médico
grisalho.
Quando ele se aproxima, ficamos todos em pé. O bordado no
jaleco indica seu nome: Dr. Érico Novaes.
— Serei direto. Tenho uma boa e uma má notícia. Primeiro, a
boa. Conseguimos estabilizá-lo, mas por pouco tempo. O paciente
perdeu muito sangue e precisará de uma transfusão com urgência. E
essa é a má notícia... Seu sangue é um dos mais raros de todos. Não
o temos em estoque. Sem ele, em poucas horas perderemos o
paciente.
Levo um choque com as palavras, percebendo Marco estremecer
do meu lado.
— E não podem trazer as bolsas de outros hospitais...? —
balbucio.
— Já ligamos em todos os hospitais parceiros. Ninguém tem esse
sangue e...
— Que sangue? — Marco intervém. — Sou irmão dele, posso
doar!
— Isso é bom. Vamos testar o seu sangue para verificar a
compatibilidade. Paolo tem o chamado Falso O, também conhecido
como Bombay ou Bombaim. É herdado geneticamente de um dos pais.
— Talvez seja do meu pai. A merda é que ele está trabalhando
fora do país. Já telefonei para contar o que houve e me garantiu que
voltaria no primeiro voo, só que deve demorar mais de um dia...
— Não temos tanto tempo, infelizmente — diz o médico, em um
tom grave. — Vamos torcer para que você seja compatível, rapaz.
— Posso me oferecer também para o teste de compatibilidade?
— Enrico aperta as mãos em oração, desesperado. — Vai que...
— Sim. Porém é praticamente impossível que alguém que não
seja da família apresente o sangue Falso O. Pelo que me lembro, há
apenas uma dúzia de famílias no país com esse sangue.
— Eu me ofereço para o teste também — digo, tentando ajudar.
— Ótimo. — Assente o médico. — Vamos pegar as amostras de
vocês três.
Minutos mais tarde, na sala de espera da UTI, aguardamos o
resultado em um silêncio tenso.
Sin e Domenico já estão conosco, as expectativas à flor da pele.
De repente, o médico passa pela porta, sorridente, balançando
um papel no ar.
— Boa notícia! Temos uma compatibilidade! — avisa, sorrindo, e
Marco já se levanta.
Respiro fundo, aliviada.
Agora é torcer para Paolo ficar bem e...
— Você, não. — O médico gesticula para que ele se sente de
novo. — Você. Venha, garota. Vamos fazer a transfusão agora mesmo.
Eu?!
Me levanto em um pulo, com os olhos arregalados.
Ao meu redor, todos parecem em choque, menos Domenico.
O homem fica em pé e, sorrindo, aperta meu ombro em um gesto
amistoso.
— Vamos logo. — O médico me chama e eu o sigo, quase
cambaleando. Estou completamente entorpecida, sem entender nada.
— Pai, o que você sabe que nós não sabemos? — Escuto Sin
perguntar. — Você nem ficou surpreso com o resultado...
— Tio Domenico? — Marco está com a voz instável.
— É uma longa história. Marco, eu queria esperar o retorno do
seu pai para confirmar a hipótese com um teste de DNA, mas... As
circunstâncias não permitiram isso. Enfim, tudo indica que Madeleine é
filha de Giuliano. Você tem uma irmã caçula.
Faça-me sentir que estou respirando
Sentir que sou humano
A Little Death ~ The Neighbourhood

Os próximos dias passam como um turbilhão.


O investigador ainda não deu um retorno sobre os dois
casos que meu pai pediu que checasse: Eduardo e Rita. As
incertezas me fodem, mas tento não pensar muito no assunto.
Pelo menos Paolo já está melhor, prestes a receber alta. A
doação de sangue de Madah salvou a vida daquele filho da puta.
Daquele filho da puta que considero um irmão e que,
ironicamente, é irmão da minha garota.
É, não. Deve ser. Estamos esperando o resultado do DNA
para termos a confirmação. O teste foi feito anteontem, assim que
Giuliano voltou para o Brasil.
Madah ainda não quis conhecê-lo pessoalmente, mas sei
que, em algum momento, isso vai acontecer.
Por falar no diabo...
Estou passando pelo hall da casa quando enxergo Domenico
próximo à porta, com o mordomo a abrindo.
E quem está do outro lado?
— Bom dia, amico mio — Giuliano cumprimenta com alegria,
estendendo a mão magra para o meu pai. — Tirei a manhã de
folga para vir aqui.
— Entre, entre. Vamos tomar um café.
Giuliano é alto e magro, parecido com aquele ator
desengonçado da série que Madah adora. Ross.
Acho que ele ainda não sabe do meu namoro com ela. Como
será que vai lidar com a novidade?
Cumprimento os dois e os acompanho até a cozinha.
Enquanto preparo meu café, presto atenção na conversa deles.
— Estou muito ansioso para conhecer a minha filha,
Domenico. Será que hoje ela aceitará falar comigo?
— Quem sabe... E Paolo, já teve alta?
— Ainda não. Mas já está bem... E o lance entre ele e
Enrico, hein? Me pegaram de surpresa.
— Parece que eles se gostam — Domenico opina, tranquilo.
— Eu não fiquei surpreso, para ser sincero. Sempre soube, no
meu íntimo, que Enrico é gay.
Giuliano sorri e aproveito o momento descontraído para lhe
contar sobre mim e a Magrela.
— Eu também, sogro. Sabe, eu...
— Espera, espera! — Balança a mão em negativa,
apertando os olhos. — Você também é gay, Davi? "Sogro"? Não
vai me falar que está com Marco...
— Não! — Solto uma gargalhada — Falei "eu também"
porque eu também sempre soube que Enrico é gay. Eu sou
hétero, e Marco é apenas um bom amigo.
— Jura? É que me lembrei de umas "brincadeiras" entre
você e Paolo, no passado.
— Que brincadeiras? — Domenico quer saber, erguendo
uma sobrancelha. Porra.
— Aquelas merdas não passaram de descobertas de
adolescentes. Giuliano, não me complica... Sou hétero, sim. —
Fecho o rosto, mal-humorado. Como ele sabe da "mão amiga" que
Paolo me dava?
— Certo. — Assente, desconfiado. — Então por que o
"sogro"?
— Porque estou namorando a sua filha. Que é uma garota.
Afinal, como já falei, sou hétero.
— A minha menina? Não me diga que vocês dois já... — Me
queima com os olhos e eu faço que sim com a cabeça. — Cazzo,
Domenico! Fico um tempo fora e... Como deixou seu filho pegar
minha filha?
— Ué... Seu filho está pegando o meu, e estou bem tranquilo
quanto a isso. Deixa os jovens. Relaxa, Giuliano.
— "Relaxa"? É surreal! Você é sogro de dois filhos meus, eu
sou sogro de dois filhos seus... — Ele parece desorientado. —
Preciso de um tempo para processar tudo.
A minha tensão desaparece. Agora que todas as cartas
estão na mesa, volto a respirar, sem o peso do mundo nas costas.
— Poderia ser pior — provoco. — Pensa. Luca e Marco
continuam solteiros. Eles poderiam namorar, assim, em vez de
sogros duas vezes, vocês seriam três, com direito a pedir música
no Fantástico.
— Sin, chega. Não complica — meu pai me repreende,
porém percebo que segura o riso.
— Davi, chame a minha filha, por favor. Quero conhecê-la, e
perguntar a ela quando pretende ir comigo para casa. Para a casa
dela.
— Como assim? — disparo, com o coração acelerado, e os
dois olham para mim.
— Filho... — Domenico pousa uma mão no meu ombro. —
Você sempre soube que a permanência de Madeleine nesta casa
seria provisória. Estive conversando com Giuliano sobre a
mudança dela e... — continua falando e falando, mas não absorvo
mais nada.
Porra, eu sei que faz sentido que a Magrela se mude para lá.
Porém não estou preparado para abrir mão da sua companhia
diária.
Ainda não.
— Mas eu...
— Davi. — Giuliano me corta. — Se coloque no meu lugar.
Apenas desejo o melhor para a minha filha. Quero conhecê-la,
compensar o tempo perdido. Isso não é sobre você.
Suspiro fundo para não o mandar tomar no cu. Preciso
mudar de abordagem. Trocar o foco de mim para ela.
— Se coloque você no lugar dela. Vocês não podem
simplesmente querer que Madah vá morar com um homem
estranho.
— Foi exatamente o que aconteceu quando Madeleine veio
comigo para cá. — Domenico sorri, me fodendo. — E aposto que
ela não se arrependeu de ter vindo.
— Comparação escrota, pai! — explodo, agitando os braços.
— Quando Madah deixou o Uruguai, estava fugindo do inferno!
Entre as duas opções, vir para cá com um estranho foi a menos
pior. Agora, ela está feliz aqui em casa. Namora comigo, é amiga
dos meus irmãos e...
— Ela também já conhece Marco e Paolo. — Giuliano dá de
ombros.
— Não é a mesma coisa... — digo, com a cabeça girando,
tentando desesperadamente encontrar uma solução. — Me
escuta. Ainda nem temos a comprovação da paternidade. A minha
ideia é a seguinte... Ela se muda para a sua casa depois que sair
o resultado positivo do DNA, com a retificação do documento de
identidade. Quando Madah for oficialmente uma Fontini. Por
enquanto, a minha namorada não é nada sua. Até lá vocês podem
se conhecer, deixando as coisas menos estranhas. Que tal?
Sorrio, orgulhoso da minha boa ideia.
Pelo menos assim vou ganhar tempo.
— Mas o sangue Falso O já me deu a certeza de que...
— Giuliano, meu filho tem um bom argumento. — Domenico
o interrompe e, se posicionando do meu lado, até paro de respirar.
— Não vamos nos precipitar. Vamos aguardar o resultado do teste
para a mudança.
Caralho! O meu pai me apoiou!
Apuro os ouvidos para ouvir os fogos de artifício que vão
estourar a qualquer momento. Porém escuto algo ainda mais
inesperado.
A voz delicada dela, levemente trêmula.
— Amor... O que está acontecendo aqui? — De pijama,
abraçando o próprio corpo, a Magrela desce a escada. — Lá de
cima pude perceber que você estava gritando.
Imediatamente, eu a puxo para o meu lado, abraçando sua
cintura.
— É que...
— Oi, Madeleine. — Giuliano se adianta, com um sorriso
tenso nos lábios. — Sabe quem eu sou? Estava ansioso para
conhecê-la.
— Você... Seria o meu pai? — arrisca, insegura.
— O próprio. Giuliano Fontini. — Ele dá um passo à frente.
Silêncio.
Longos segundos de um silêncio terrível preenchem o
recinto, quase me sufocando.
— Sinto muito, Madeleine — Giuliano torna a falar. — Eu
não podia, naquela época... Me deixe recompensá-la agora. Você
vai morar comigo e com seus irmãos. Pode escolher o melhor
quarto da casa, comprar o melhor carro, tudo o que quiser. Te
darei o mundo, filha.
— Espera. Você nunca me quis... Por que agora está falando
essas coisas?
— Porque... Embora meu casamento estivesse morto, eu era
um homem casado. Minha esposa sofria de uma doença
progressiva. Seria imperdoável, naquela época, pedir o divórcio
para assumir um relacionamento com Heloise. Os meninos...
Marco, principalmente... Eu não poderia. Agora, sou viúvo.
Ninguém fala mais nada por um tempo. O clima de merda
deixa o ar pesado, com uma tensão que poderia ser cortada com
uma faca.
Sinto a respiração forte da Magrela, com as costas coladas
na minha barriga.
— Era uma situação bem delicada mesmo, amico mio —
Domenico murmura, balançando a cabeça.
— Amor... Me leva daqui? — Madah sussurra, virando o
rosto para trás, me encarando com os olhos cheios de lágrimas.
— Sobe comigo?
— Agora mesmo. Giuliano, Domenico, com licença. — Puxo
a minha garota pela mão, a levando embora.
Subimos as escadas em silêncio. Já no meu quarto, assim
que bato a porta atrás de nós, ela me abraça forte, chorando de
soluçar no meu peito.
Porra.
Não falo nada e a deixo chorar, passando a mão nas suas
costas.
— Não sei o que eu faço... Não consigo sentir raiva dele,
mas me sinto magoada... — Soluça, sem conseguir continuar.
— Vou apoiar qualquer decisão que você tomar. E não
precisa já saber o que quer fazer... Pense o quanto quiser. Sem
pressa.
— Davi Filipo. — Ela sorri, levando uma mão ao meu rosto,
me acariciando com toques leves. Fico todo arrepiado. — Você é
perfeito e...
— E...? — pergunto, atento. Estou com a impressão de que
ela vai dizer algo importante, só não sei se será algo bom ou ruim.
"Que seja bom", torço mentalmente.
— Um paradoxo. — Umedece os lábios. — Você é um
paradoxo. Sabe por quê?
— Me diga.
— Porque você é... Pervertido, às vezes, romântico,
confiante, às vezes, inseguro, engraçado, às vezes, mal-
humorado. Seus olhos... Castanhos que no sol ficam avelãs. Sua
boca... Perfeita que se entorta de leve quando sorri, destacando
os furinhos do piercing... — Passa a ponta do indicador pelas
minhas marquinhas. — Você é único. Você é o amor da minha
vida.
— Porra, Magrela. — Enxugo os olhos, chorando como uma
criança. — Você é o amor da minha vida.
Para onde vamos?
Para onde vamos agora?
Sweet Child O' Mine ~ Slash

DIAS DEPOIS
Meu Deus... É hoje que me mudo para a casa de Giuliano.
A casa do meu pai, onde passarei a viver, com ele e meus
irmãos.
Sentada no banco do passageiro da Branca, estacionada em
uma das vagas para visitantes da mansão Fontini, sinto a
apreensão me corroer.
Ainda sem coragem de descer do carro, agarro a mão do
meu namorado, percebendo que está tão fria quanto a minha.
Com a mão livre, Sin mexe no som, colocando a "nossa"
música, “Patience”, do Guns N’ Roses.
Ele joga a cabeça para trás, suspirando fundo.
Minha mudança de casa não será fácil.
Nem para mim, nem para ele.
Não falamos nada no curto trajeto da casa dele até aqui. Seu
olhar fixo à frente e sua mandíbula travada refletem sua
insatisfação. Pelo menos não tentou me convencer a mudar de
ideia.
Nós dois sabemos que isso é o certo e, portanto, temos que
nos resignar.
É apenas uma questão de tempo... Logo vamos nos
acostumar com a nova realidade. Nosso namoro vai prosseguir,
cada um morando na sua casa, como a esmagadora maioria dos
casais universitários.
Com a voz de Axl Rose quebrando o silêncio e nos
lembrando de que é preciso ter paciência, fecho os olhos para me
acalmar, relembrando os últimos acontecimentos.
No dia anterior, saiu o resultado do teste de DNA que, como
já esperávamos, deu positivo. Sin estava sentado do meu lado,
junto da mesinha do computador, quando acessei o site do
laboratório. Com os dedos trêmulos, digitei o número do protocolo
e a senha, e depois aguardei a tela carregar por dois segundos
que pareceram uma eternidade.
Com o coração latejando nos ouvidos, eu nem conseguia ler
as primeiras linhas, que começavam com: "A investigação
genética etc.", focando meu olhar no retângulo vermelho com a
palavra mais importante em destaque: POSITIVO.
Eu e Sin soltamos o ar juntos, sem falar nada. Senti sua mão
firme na minha cintura, arrastando minha cadeira para mais perto.
— É isso, Magrela. Você vai embora — disse, com a voz
triste.
— Ei, está tudo bem... — Virei para ele, tentando sorrir,
disfarçando a angústia e o medo que apertavam meu coração. —
Vamos morar pertinho, vai dar tudo certo... Sempre virei aqui, e
você poderá ir lá.
— Fazer o quê? — resmungou, esboçando um sorriso
desanimado. — Não vejo a hora de me formar, trabalhar na
empresa e te pedir em casamento.
— Casamento? — repeti, sorrindo de canto a canto.
Minha nossa... Ele realmente fazia planos para a gente.
Para o nosso futuro.
— Por que a dúvida? Não disse que você é o amor da minha
vida? E você não falou que sou o amor da sua? — pergunta com
a característica nota de insegurança.
— Dúvida nenhuma. Davi Filipo. Você é a minha certeza.
Mas tudo a seu tempo, meu amor. — Uni nossos lábios em um
beijo simples.
Em seguida, ele me puxou para um abraço e, quando soltou
o ar quente com o nariz roçando no meu pescoço, quase torci
para que já estivéssemos formados e empregados, e já
pudéssemos nos casar.
Ter a nossa casa, a nossa vida.
Uma coisa de cada vez, Madeleine. Uma coisa de cada vez.
Algum tempo depois, Paolo me chamou no celular,
mandando uma selfie com Giuliano, os dois sorridentes apontando
para o computador, com o resultado POSITIVO aberto na tela.
“Bem-vinda à família Fontini, irmã!”
Respondi no mesmo instante:
“Obrigada! Pelo jeito já está em casa?”
“Sim, saí daquele hospital chato. Ei... Fiquei sabendo
que me deu o sangue. Obrigado.”
Seu agradecimento acalmou meu coração aflito, o deixando
mais quentinho.
“Irmãos servem para isso...”, digitei, sorrindo.
“Vamos comemorar a sua chegada e a minha alta
hospitalar! Festinha aqui?”
“Só se a minha banda preferida tocar.”
“Fechado! Fala para o arrombado do seu namorado
trazer o contrabaixo”, respondeu, me arrancando uma
gargalhada.
“Não fala assim dele! É seu cunhado em dose dupla.”
“Então. Se cunhado fosse bom, não começava com cu!”,
e se despediu.
A lembrança daquela sua piadinha ridícula me faz rir.
— Rindo do quê, Magrela? — Sin pergunta, me trazendo de
volta para o momento presente. — Vai, vamos lá... Chega de adiar
o inevitável.
Ele toma a iniciativa de sair da Branca.
Dá a volta e abre a porta do passageiro, estendendo a mão
para mim. Seu olhar está arrasado.
— Vamos. — Solto o ar devagar, aceitando sua ajuda para
descer do carro.
Sin pega no banco de trás minha pequena mala e seguimos
até a frente da casa em silêncio, de mãos dadas.
Com a mão livre, aperto contra o peito a bolsa com a minha
mais preciosa coleção: as caixinhas de música que ganhei de Sin
tempos atrás. É a única coisa que eu faria questão de salvar em
um naufrágio, entre todos os meus pertences.
— Buongiorno! — Giuliano nos cumprimenta, sentado nos
degraus sob o alpendre. — Lindo domingo, não? Vi a Mercedes
estacionar na vaga para visitantes. Sabia que eram vocês.
— Boa tarde. — Não consigo falar mais nada.
Meu namorado murmura um cumprimento qualquer, sem me
soltar.
Giuliano se levanta e aperta a mão de Sin.
Depois, se vira para mim, me abraçando apertado. Meu
Deus... Está mesmo acontecendo. Me sinto deslocada, perdida,
confusa.
— Bem-vinda, Madeleine. — Afasta o corpo, sorrindo. —
Estou muito feliz com a sua chegada. Vamos entrar?
Concordo e ele educadamente pega minha mala da mão de
Sin, enganchando a alça no antebraço. Com a outra mão, abre a
porta da casa.
— Obrigada. E eu estou feliz por estar aqui — digo,
brincando com uma mecha do cabelo.
— Gosto de saber! — Sorri, espiando o relógio de pulso. —
Já são quase três e meia. Vamos subir para que escolha um dos
quartos. Depois, podemos tomar um café. Domenico disse que
chegaria umas quatro horas. Ele acabou de pousar em Guarulhos
e vai vir direto para cá.
Giuliano segura a porta aberta e nos dá passagem, falando
sem parar, agitado.
Ele engata o assunto:
— Paolo está ansioso para a festa. Não parou quieto o dia
todo, enfiado na bagunça do estúdio, testando os aparelhos de
som. Nem parece que esteve internado até ontem. Trouxe o
contrabaixo, Davi? Se não me engano, os convidados vão chegar
a partir das seis.
— Trouxe. Deixei na Branca, depois pego — responde,
subindo a escada atrás dele, sem sorrir.
— Viram a nota que saiu da coluna social? Você está
famosa, Madeleine! Todo mundo já sabe sobre a festa de boas-
vindas da nova integrante da família Fontini — Giuliano fala com
os olhos brilhantes, se voltando para mim.
Ele parece estar se esforçando para me agradar, mas
sinceramente não aprecio a ideia de aparecer em coluna social.
Aposto que virão fotógrafos para a festa, e sei que a atenção
exagerada me deixará sem jeito.
— Nota na coluna social? Pensei que fosse preferir mais
discrição. Por causa da tia... — Sin aponta, se referindo à falecida
esposa do homem, traída há tantos anos.
Sim, sou fruto de um adultério. A sensação é esquisita,
mas... Me recuso a sentir culpa por isso. Meus pais se envolveram
porque quiseram, anos antes que eu existisse. Não sou a causa
das suas decisões. Sou a consequência delas.
— Infelizmente, ela não está mais entre nós. — Ele para de
andar no corredor. — Não podemos nos prender a quem já se
foi... Precisamos celebrar a vida.
Ele parece mais apagado, triste, com os olhos baixos.
— Sinto muito pela sua perda... Giuliano — murmuro, sem
conseguiu chamá-lo de “pai”.
Não sei dizer se algum dia serei capaz de o chamar pela
palavra que, embora pequena, carrega um significado enorme.
— Obrigado. Já estou acostumado... Mas agora ganhei uma
filha. — Esboça um sorriso triste. — Temos dois quartos de
hóspedes desse lado e dois daquele outro. Vamos vê-los?
Dizem que estou enlouquecendo
Somebody To Love ~ Queen

Depois que a minha namorada escolhe um dos quartos, o de


parede azul, óbvio, descemos a escada e vamos até a cozinha.
Espio ao redor do ambiente elegante, com os
eletrodomésticos brilhando.
— E os seus filhos? — Estranho a ausência de Marco e
Paolo. Não os vi ainda.
— Estão ensaiando no estúdio, para variar. Tomem um café
comigo. Depois vocês podem ir até lá. Aceitam? — Giuliano
sugere, ligando a máquina de café.
— Aceito. — Madah sorri, se sentando em uma das
banquetas.
Então, meu pai aparece na porta.
Cumprimenta a todos com um sorriso maior do que a boca.
Animado, Domenico se aproxima de mim, esfregando uma
mão na outra.
— Filho. Podemos conversar a sós? — Encosta no meu
braço, me encarando com os olhos brilhantes. Pelo jeito ele tem
novidades.
Concordo e o acompanho até a sala, com a expectativa à
flor da pele. Me sento em uma poltrona e ele se acomoda no sofá
em frente.
— Sin... — Ele não consegue parar de sorrir. — O
investigador entrou em contato pela manhã, eu ainda estava na
Argentina. Você estava certo, cazzo. Não existe filho nenhum. Rita
mentiu.
Rita mentiu, repito as palavras devagar, as saboreando.
— Eu sabia! Conta direito! O que ele descobriu?
— Vasculhando o passado dela, o investigador encontrou
exames antigos. O primeiro ultrassom gestacional já mostrava que
o feto tinha malformações graves, incompatíveis com a vida. —
Ele faz uma pausa, suspirando fundo. — Enfim, Rita abortou o
bebê. Mas, como pode concluir, ela omitiu o fato de mim para
receber o dinheiro mensalmente ao longo dos anos. Maldita. Só
que a farra acabou... Na mesma hora, determinei o bloqueio da
conta bancária.
— Boa, pai! — Tamborilo os dedos nas coxas, empolgado.
— E por que só me contou agora? Tinha que ter me ligado no
mesmo segundo.
— Porque queria lhe contar pessoalmente. — Aperta meu
joelho com a mão pesada.
Jogo o corpo para trás, respirando bem mais leve, sorrindo
sem parar.
Não tenho filho com aquela desgraçada.
— E tem mais... — Domenico volta a falar. — O investigador,
em um trabalho conjunto com a Polícia, obteve as imagens das
câmeras de segurança do vestiário da quadra de Guarulhos.
Conseguimos flagrar Eduardo colocando a droga na sua garrafa
de isotônico. Com isso, será feita a notícia-crime para que o
inquérito policial seja aberto. Em outras palavras, filho, aquele
menino se deu mal.
— É... — Assinto, assimilando tudo. — Bem-feito.
Porra, estou quase flutuando de alegria com as notícias.
Não vejo a hora de contar tudo para a Magrela.

Perto das seis da tarde, estou no palco ensaiando a música


que Paolo escolheu para abrir a apresentação — “Heaven”, do
Troye Sivan. Depois de sofrer aquele ataque homofóbico, ele quis
cantar uma música que falasse sobre a questão LGBT. É de
arrepiar...
Sem mudar uma parte de mim
(Without changing a part of me)
Como chego ao paraíso?
(How do I get to heaven?)
Todo o meu tempo é desperdiçado
(All my time is wasted)
Sentindo como se meu coração estivesse errado
(Feeling like my heart's mistaken)
Tocando o contrabaixo em cima do palco improvisado na
sala, meus olhos se mantêm fixos na Magrela, sentada no sofá à
direita de Domenico. Do outro lado dele, está Giuliano.
Madah sorri para mim o tempo inteiro. Linda. Está tão feliz
quanto eu com a descoberta do "filho" inexistente. Assim que lhe
contei a novidade, a minha namorada me deu um beijo, agarrando
a minha nuca, se pendurando em mim.
“Só eu posso parir um filho seu... Está me escutando, Davi
Filipo? Mas daqui a uns dez anos”, disse com os lábios macios me
provocando.
Já disse que sou apaixonado por essa garota?
De repente, um dos seguranças da casa se aproxima do
sofá em que Madah está com nossos pais.
Intrigado, desço do palco e vou até eles.
— O que foi? — pergunto.
— O segurança Hugo veio nos informar que uma pessoa não
autorizada está no portão, pedindo para entrar — diz Giuliano. —
A mulher afirma ser uma ex-namorada de Domenico.
— Deve ser Bárbara... — meu pai resmunga. Passando a
mão pela barba grisalha, ele se levanta do sofá.
O quê?! Ela tinha virado ex desde quando?
Olho surpreso para Domenico, que vem até mim, pousando
uma mão no meu ombro.
— Ela estava me roubando, tirou quase um milhão da minha
conta — cochicha no meu ouvido, respondendo à minha pergunta
silenciosa. — Bem, vou até lá ver o que ela quer — emenda, se
afastando.
— Vou com você — aviso, acelerando o passo para alcançá-
lo.
Quero evitar que ele amoleça. Nem fodendo que eu
permitiria que a aceitasse de volta. Mulher desonesta.
— Eu também vou. — Madah aperta a minha mão,
percebendo que estou irritado.
Nós três seguimos o segurança pela sala, depois pelo hall e
passamos pela porta de entrada, saindo no jardim da frente.
Continuamos pelo caminho de pedrinhas, com o céu
escurecendo sobre nós.
Domenico caminha na nossa frente ao lado do segurança,
com os ombros rígidos, nitidamente desconfortável com a visita
inesperada.
Alcançamos o pesado portão de metal, com uma pequena
porta para pedestres ao lado da passagem maior para veículos,
perto da cabine blindada da portaria.
O segurança usa o walkie-talkie para se comunicar com o
colega que se encontra do lado de dentro, que não podemos ver
graças ao vidro escurecido com insulfilme.
— Câmbio. Danilo, Hugo na escuta.
— Câmbio. Prossiga.
— Destranque a porta. Os convidados do senhor Giuliano
irão falar com a mulher.
— Positivo.
— Precisam que eu lhes acompanhe? — Hugo pergunta ao
meu pai, empertigado em sua pose formal.
— Não, pode ficar aqui dentro, Bárbara é inofensiva. Toco a
campainha quando formos voltar.
Sua resposta é seguida de um sonoro click, com a porta se
abrindo lentamente.
Mas, em vez de Bárbara, é outra mulher que nos espera do
lado de fora. Com um sorriso debochado no rosto, mexe nas
pontas dos longos cabelos ruivos. Paraliso, com o enjoo me
revirando o estômago.
— Não me convidaram para a festa, bebê? Ainda bem que
leio a coluna social. — Rita se dirige a mim.
Esmago a mão da Magrela, que tenta me acalmar soprando:
"Respira, amor."
— O que faz aqui? — Meu pai toma a iniciativa de confrontá-
la, dando um passo à frente, com a voz firme. — Filho, entre na
casa. Basta tocar a campainha. Eu lido com ela, pode deixar.
Aponta para a porta fechada atrás da gente.
Apesar das palavras de Domenico para mim, não consigo
mover os pés. Apenas puxo Madah para a minha frente, com a
pressão dos meus batimentos cardíacos me ensurdecendo.
Envolvo sua cintura fininha com os braços, apoiando o queixo no
topo da sua cabeça, me estabilizando.
— Você bloqueou a conta da minha pensão! Exijo uma
explicação! — Rita o fuzila com os olhos furiosos. — Como você
não me recebe nem na sua casa, nem na sua empresa, tive que
vir até aqui. Ainda bem que a colunista social confirmou a
presença da família Sintori na festa na mansão dos Fontini.
— Bloqueei a conta da pensão, sim! Pensão que eu nunca
deveria ter concordado em lhe dar. Che cavolo. Demorei, mas
descobri a verdade. Não há neto algum. Sua vadia dissimulada...
Nunca mais receberá um único real de mim.
— Seu velho maldito! Isso não vai ficar assim! Depois de
tudo o que fiz... Tudo o que tive que fazer para garantir minha
segurança financeira. — Bagunça os cabelos vermelhos,
perturbada. — Davi, bebê, você me engravidou uma vez.
Podemos tentar de novo...
Quase vomito com a ânsia me subindo pela garganta, me
queimando.
— Não fale com ele, sua desgraçada! — Domenico gesticula
com os braços abertos e Rita lhe dá as costas. — Você já
estragou a vida dele no passado! Não ouse se dirigir a ele e...
Sua voz morre assim que ela se vira de frente, empunhando
discretamente uma arma na altura do quadril. Puta que pariu.
Aposto que, com os movimentos contidos, pretende não chamar a
atenção do segurança da casa.
— Calado, seu velho idiota... — sussurra ao encostar a
pistola na barriga dele, com os olhos vidrados. — Já que você
quebrou a sua parte do nosso combinado, vou quebrar a minha.
Eu não podia chegar perto dele... — Acena com a cabeça na
minha direção, depois para um Honda vermelho antigo perto da
calçada. — Agora eu posso. Quero levar o meu menino comigo.
Davi, entra no meu carro ou mato seu pai.
Porra, como assim? Mal consigo respirar, com o desespero
me tomando. Sinto Madah tremer na minha frente, o que só me
deixa ainda mais em pânico.
— Sin... Não vá — Domenico diz com a voz baixa, tentando
soar seguro. — Ela está blefando. Não teria coragem de matar
ninguém e...
— Eu não teria coragem de matar? Rá! — Rita dá risada,
sem abaixar a arma por um único maldito segundo, pressionando
o cano no abdômen do meu pai. — Já matei a sua mamãe,
Davizinho. Sabia? Ou seja, matar o seu papai não seria nada
difícil para mim. Agora entre na porcaria do carro.
Estarei com você do crepúsculo ao amanhecer
Dusk Till Dawn ~ Zayn feat. Sia

— Você matou a minha mulher? Maldita — Domenico rosna,


com o rosto todo vermelho.
— Falou o marido dedicado! "Nota dez", hein? — debocha,
empurrando mais a arma contra a barriga dele. — Quanta
hipocrisia... Enquanto se distraía com as prostitutas, eu ficava a
sós com a sua esposa e podia agir com total liberdade. Você
nunca percebeu que fui aumentando a medicação, a envenenando
aos poucos. Eu a deixei prostrada, depois inconsciente, até que a
matei de overdose. Não fui inteligente?
Domenico está boquiaberto, em choque. Seus olhos
arregalados e seus cabelos desgrenhados compõem o quadro
caótico do seu desespero.
— Filha da puta... Assassina... — Sin murmura, com a
respiração forte fazendo seu peito bater nas minhas costas.
Sem saber o que fazer para acalmá-lo, somente aperto sua
mão, sentindo seus dedos trêmulos.
— Chega de enrolação! Venha logo, Davi. Não vou falar de
novo.
— Magrela. Não tem jeito, tenho que ir com ela — Sin sopra
no meu ouvido. Embora esteja extremamente nervoso, posso
perceber que há uma grande determinação no seu tom. — Não se
preocupe, não sou mais uma criança medrosa. Confie em mim e
deixe o celular ligado.
Dá um beijo rápido no topo da minha cabeça e se afasta do
meu corpo, dando um passo para trás. Um calafrio percorre minha
espinha no mesmo instante.
A mulher não tira os olhos vidrados de nós, sorrindo, com a
arma ainda engatilhada na mão. Isso não vai acabar bem...
— Não... — balbucio, segurando as lágrimas, assustada.
Queria chorar e gritar, mas meu descontrole não o ajudaria em
nada.
Tento agarrar sua mão, porém Sin se afasta mais,
caminhando lentamente na direção dela, como um animal
resignado se arrastando para o abate.
Domenico vem para o meu lado. Pálido como um papel,
aperta a minha mão. Sua palma está tão fria quanto a minha.
Observamos juntos, em um silêncio estarrecedor, Sin se juntar à
maluca perto do meio-fio.
Rita rapidamente se coloca atrás dele, com a arma colada
na base das suas costas, bem em cima da lombar. A cena gela
meu sangue.
— Muito bem, bebê. Vamos embora. — Com a mão livre, o
pega pelo braço, o puxando na direção do carro. — Entre, está
destrancado.
Sin se senta no banco do passageiro e ela bate a porta.
Rita dá a volta para se sentar atrás do volante e, assim que
liga o veículo, inverte a posição dele na rua, ficando com sua
janela de frente para mim e... Dois estrondos irrompem no ar.
POW! POW!
O tempo parece mudar o ritmo, entrando em câmera
lenta. Os estouros ensurdecedores, o olhar apavorado do meu
namorado dentro do carro, o cheiro de pólvora, o barulho do
impacto do corpo contra o chão.
Domenico tomba de lado, bem nos meus pés. Sem reação,
apenas olho para o filete de sangue espesso que escorre pela
calçada, a centímetros dos meus pés.
Até que meus olhos captam uma movimentação periférica.
Enrico aparece correndo, vindo da outra esquina. Sem hesitar, se
joga ao lado do pai.
Ao mesmo tempo, o ronco de um carro atrai meu olhar para
a esquina oposta.
Em estado catatônico, observo Rita partir, levando Sin
embora, e sinto meu coração se quebrar, como se arrancassem
um pedaço dele. Sin é o meu mundo, e ela o tirou de mim.
— Rico? — Domenico tosse, cuspindo sangue.
— Calma, pai, vai dar tudo certo! Já telefonei para a Polícia.
Assim que cheguei, vi a maluca com vocês, a arma na mão... Por
isso não me aproximei, mas consegui gravá-la em vídeo. Vamos
mandá-la para a cadeia — diz rapidamente, segurando a mão de
Domenico, tentando passar segurança a ele.
Depois, levanta os olhos para mim, me encontrando parada
como uma completa idiota.
— Anda, Princesa, toca a campainha! Chama o seu pai!
Chama o Marco! Ele fez Medicina! Vai poder ajudar com os
primeiros socorros!
Saindo do transe, aperto a campainha um monte de vezes.
— Mansão Fontini. Boa tarde. — Uma voz tranquila soa pelo
interfone, me enervando. "Boa tarde"?
— Pelo amor de Deus! Vocês não têm câmeras? Ninguém
viu o que aconteceu? Domenico foi baleado! Precisamos de
Giuliano e Marco aqui com urgência!
— Positivo.
Logo em seguida, Hugo passa pela porta, falando com
alguém pelo walkie-talkie antes de se virar para mim.
— Não percebemos nada, senhorita. Perdão. Como Seu
Giuliano havia solicitado a minha presença, eu estava no interior
da casa. Pensei que a mulher fosse inofensiva...
— Tá. E o segurança da cabine?
— Do lado de dentro da cabine não se escuta o som
externo, exceto quando o interfone é aberto, e Danilo não deve ter
prestado atenção às imagens das câmeras. — Coloca novamente
o walkie-talkie no ouvido, concentrado. — Recebemos novas
instruções agora. Iremos levar Seu Domenico para dentro da
casa, Seu Giuliano está lá com os filhos separando os materiais
para os primeiros socorros.
— Rico... — Domenico cospe sangue de novo, atraindo
nossa atenção. — Não perca seu irmão de vista. Vá atrás deles.
Eu vou ficar bem. — Aponta para o carro vermelho já distante,
bem no final da avenida.
— Cacete... Esqueci do Sin! — Enrico se levanta em um
pulo, puxando a chave do carro do bolso.
— Vou com você! — Me apresso para acompanhar seus
passos rápidos e em dois segundos chegamos ao Jeep.
Rico dá a partida e seguimos pela avenida principal até
chegarmos a uma bifurcação.
— Merda. Perdemos eles de vista. Para onde foram? —
Enrico olha para os lados, sem saber para onde ir.
De repente, sinto uma vibração inesperada no meu celular,
guardado no bolso de trás da calça. Já sei que é ele! Com o
coração mais disparado do que nunca, destravo a tela, sorrindo
com a descoberta: Sin me enviou sua localização em tempo real.
Perfeito.
— Rico! Vire à direita no final daquela rua — falo,
empolgada, com os olhos presos no celular. — Agora podemos
segui-los.
"A cem metros, vire à direita". A voz robótica do aplicativo
ressoa pelo carro, repetindo a instrução.
— Boa. — Meu amigo abre um sorriso, animado. —
Compartilhe a localização comigo e com Luca, peça para ele
avisar a Polícia.
— Pode deixar! — Sorrio de volta, mais otimista.
Rico e suas ideias estão salvando a pátria... Não sei nem o
que faria sem ele. Compartilho a localização como me pediu e
Luca me responde logo em seguida.
“Localização recebida! Vou avisar a Polícia.”
“Ok! E Domenico?”
“Desmaiou por causa do sangramento. Marco tá
terminando de fazer os primeiros socorros, agora temos que
aguardar a ambulância que não chega nunca...”
“Calma, já deve estar chegando. Pensamento positivo!”
"Vire à esquerda", a voz robótica quebra o silêncio.
Atenta ao caminho, paro de trocar mensagens com Luca.
"Pegue a segunda saída na rotatória, à direita".
— Ei... — Observo o semblante do meu amigo concentrado
no trânsito. — Desde quando você se tornou esse cara tranquilo,
que toma as melhores decisões em momentos mais caóticos?
— Momentos? Como assim?
— "Momentos", no plural, porque é a segunda vez que te
vejo assim, todo proativo. Naquele dia que Sin foi drogado em
Guarulhos, lembra? E, agora, se superou...
— Acho que Paolo está me influenciando — comenta com
um sorrisinho, sem tirar os olhos da rua. — Naquele dia que
expulsei a Rita do quarto do meu irmão no hospital, eu tinha
conversado exatamente sobre isso com Paolo. Sobre ele ser mais
seguro, confiante, otimista... Enquanto eu não passava de um
medroso, pessimista, inútil. Resumindo, um bunda mole.
— Não fala assim... Mas devo dizer que essa sua versão
cheia de iniciativa é maravilhosa. Jura que até teve a ideia de
gravar um vídeo da maluca com a arma?
— Gravei, sim. Mas o difícil foi escutar a fala dela sem poder
reagir. Naquela parte em que confessou ter matado a minha
mãe... — diz, apertando o volante com força. — Foi duro,
princesa. Pelo menos o vídeo vai garantir a passagem dela para a
cadeia. Assassina.
— E pedófila, psicopata, dissimulada, mentirosa... Rita tinha
falado que, caso Sin não fosse com ela, atiraria em Domenico.
Por isso ele foi. E ela atirou no seu pai mesmo assim.
"Pegue a saída para a Rodovia Presidente Dutra, à
esquerda."
— Para onde estamos indo? — Observo a estrada, saindo
da cidade. Já anoiteceu por completo. — Guarulhos? Tem certeza
de que é o caminho certo? Consegue vê-los?
— Sim. Olha o carro dela ali... — Aponta mais adiante na
estrada. — Na frente daquela van preta.
Do nada, Enrico inclina o tronco para a frente, apertando os
olhos para enxergar melhor alguma coisa.
— O que foi aquilo? Algo foi arremessado pela janela do
carro!
— Tenho um pressentimento. Será que foi o celular do Sin?
Deixa eu ver... É, foi isso. — Murcho ao ver o meu namorado já
offline no WhatsApp. Com isso, é cortado o envio da sua
localização.
— Ela deve ter descoberto que ele estava nos mandando a
localização em tempo real.
— Não perca o carro de vista, Rico, pelo amor de Deus!
— Não vou perder. — Acelera, se aproximando mais dela. —
Mande a nossa localização para Luca. Avise que perdemos o
contato com Sin, mas que estamos o seguindo. Ele precisa
manter os policiais a par e... Mais fácil: você pode ligar para a
Polícia diretamente agora que saiu do WhatsApp.
— Ok. — Concordo, me tremendo mais do que vara verde.
— Vou fazer isso.
Tenho um coração em chamas
Black Dog ~ Led Zeppelin

Minha tática parece estar funcionando.


Entrei no jogo da psicopata e, dentro da sua loucura fodida,
Rita comprou a ideia de que estou gostando de fugir com ela.
— Quer dizer que você sentiu saudades de mim? —
pergunta, com os olhos vidrados presos à estrada.
— Demais... — murmuro, me segurando para não estragar a
mentira.
— Eu também! Foram tantos anos separados, bebê. Pelo
menos agora poderemos correr atrás do tempo perdido.
— Não vejo a hora.
— Estamos quase chegando no lugar que escolhi para a
gente. Mais quinze ou vinte minutos.
— Maravilha, tia Rita. Estou ansioso.
Sinto ânsia de vômito a cada vez que ela encosta na minha
perna, porém não posso arriscar enfrentá-la, com a arma ainda na
sua mão. Por isso, apenas forço sorrisos e suspiro fundo,
tentando me controlar.
Rita dirige com a mão direita segurando o volante e a
esquerda empunhando a porra da pistola. Chegou a apontá-la
para mim minutos antes, quando percebeu que eu mexia no
celular e, irritada, me fez arremessá-lo pela janela.
Após me ver sem o celular, torço para que Rico não tenha
nos perdido de vista. Ainda não entendi de onde meu irmão
surgiu, mas estou feliz com o fato que ele está vindo atrás de
mim.
Cheguei a morder a bochecha para não sorrir quando
percebi o Jeep nos acompanhando, meia hora atrás. Porém não
sei se ele continua na nossa cola...
Embora seja difícil me segurar e não olhar para trás, tenho a
consciência de que não posso ficar me virando ou levantaria
suspeitas. Pelo jeito, Rita não notou que ele nos seguia.
A expressão enfezada no rosto da maluca mostra que ela
está aborrecida comigo por causa do lance celular. Quando
entramos na porra do carro, ela disse para eu não pegar nada,
não mexer em nada, se não quisesse irritá-la.
Pois é, pelo jeito a irritei.
Minha respiração falha quando reparo que seus dedos finos
apertam a arma com tanta força que estão até com os nós
brancos nas juntas.
Preciso dar um jeito de acalmá-la.
— Tia Rita... Não fica brava comigo, por favor. — Forço um
tom amistoso e infantilizado. — Foi pura força do hábito, mexer no
celular ao receber uma mensagem... Foi mal.
— E quem era, hein? — Aperta os olhos para me analisar
rapidamente, antes de voltar a olhar para a estrada.
Estou exibindo meu sorriso mais angelical.
— Nada de importante. Alguma bobagem do grupo do
futebol...
— Tudo bem. Eu te perdoo com uma condição. — Seus
lábios pintados de vermelho esboçam um sorriso. — Você me
chupar gostosinho assim que chegarmos na casa... Daquele seu
jeitinho faminto. Sabe, bebê?
Puta que pariu.
Travo com a lembrança da sua boceta me vindo à mente. Me
lembro de todos os detalhes de quando fazia oral nela — cores,
cheiros, sabores, texturas. Porra.
Meu estômago embrulha, meu sangue esquenta, minha
cabeça gira... Caralho!
Passo mal e por pouco não vomito aqui mesmo.
Rita se vira para olhar para mim, estranhando meu silêncio,
e nossos olhares se chocam por um único segundo. E, para
piorar, não consigo disfarçar todo o asco que me consome.
Todo o horror.
E ela percebe.
Fodeu.
Então, observo seu rosto nojento se iluminar com luzes
pulsantes.
Sirenes policiais?
Olho para a frente e enxergo quatro viaturas vindo a toda
velocidade pela pista oposta.
No impulso, tomo uma decisão.
Quer saber? Que se dane...
— Eu nunca mais vou chegar perto da sua boceta
asquerosa, sua psicopata! — grito, a pegando de surpresa.
Boquiaberta, ela vira o rosto para mim, mas logo volta a
olhar para a frente, na direção que as viaturas invadem a nossa
pista, uma a uma, vindo ao nosso encontro.
Com o coração disparado, compreendo o que está
acontecendo lá fora. Querem cercar o nosso carro. Finalmente.
— É aquela menina que entrou na sua cabeça... Aquela
ratinha... — diz, desorientada, balançando a cabeça. — Você
gostava de mim, bebê, e pode voltar a gostar.
— Não viaja, porra! Eu sempre senti nojo de você, e sempre
vou sentir! E nunca mais me chame de bebê! — explodo,
despejando tudo o que estava preso na minha garganta. — Você
é a pior coisa que aconteceu na minha vida!
— Chega! Cala a boca! — Sacode a arma na minha direção,
diminuindo a velocidade do carro por causa das viaturas que
fecharam as pistas.
Os dois sentidos da estrada estão bloqueados.
— Fim de jogo, "titia". — Aceno na direção da Polícia,
parada a alguns metros de nós. Meu coração bate rápido,
esperançoso por um final feliz. — Hora de se entregar.
— Nunca... Eu não vou para a cadeia... — Balança com
força a cabeça e solta o volante, puxando os cabelos vermelhos.
O carro ziguezagueia devagar pela rodovia, sem rumo. — Se não
podemos viver juntos, vamos morrer juntos.
E, ao se virar para mim com a pistola engatilhada, tenho que
tomar uma decisão em uma fração de segundo. Mesmo sem
raciocinar, compreendo que o momento berra desfecho.
Finalmente, caralho.
— Vai você! Para o inferno, porra!
Me agacho e, com a mão esquerda, solto seu cinto de
segurança ao mesmo tempo em que, com o pé esquerdo, piso
com tudo no acelerador, virando o volante na direção do
acostamento.
O carro dá um tranco forte, alcançando o marco de 100km/h
em poucos segundos. O corpo dela se sacode com a aceleração
repentina e depois voa pelo vidro da frente com o impacto, o capô
se chocando contra a mureta do acostamento, espalhando
estilhaços por todos os lados.
O airbag infla bem na minha cara, me prensando e me
sufocando, mesmo assim eu rio como um palhaço, eufórico.
Fico com o rosto de lado, olhando para a porta amassada,
me perguntando o que teria acontecido com a desgraçada. Das
duas, uma: ou filha da puta se machucou feio, ou morreu.
Se morreu... Foda-se! Tomara que sim!
Mas, se não morreu, pelo menos vai presa. De qualquer
forma, estou livre. Livre dela.
— Amor! — De repente, a voz da minha namorada chega até
mim. — Você está bem?
Madah se agacha para me espiar através da janela
quebrada. Mesmo chorando, ela dá risada ao me ver inteiro.
Antes que eu possa responder, reparo na ambulância do
Samu atrás dela, com as sirenes ligadas. O veículo prende a
minha atenção, me intrigando, me remetendo a um déjà-ju que...
Porra.
O símbolo na lateral me faz sorrir.
A serpente enrolada no bastão está em todas as
ambulâncias.
Já sei.
A serpente com a cabeça erguida. As estrelas no céu. As
luzes piscantes. As ondas vermelhas. O sorriso espontâneo nos
meus lábios. A risada feliz de Madah.
É o meu sonho.
É o meu desfecho.
— Responde, meu amor. Você está bem? — Madah repete.
— Estou bem, Magrela. Agora, sim.

UM MÊS DEPOIS
Finalmente, as coisas estão entrando nos eixos. Meu pai se
recuperou do ferimento à bala, ao contrário da desgraçada da
Rita, que não resistiu ao acidente de carro e morreu.
Ainda me lembro do calafrio que senti ao receber a notícia
de Enrico. Admiti:
“Eu que sou o responsável pela morte, Rico. Não foi um
acidente. Soltei o cinto de segurança dela, pisei no acelerador e...
Porra. Ela queria bater o carro para que a gente morresse junto!
Isso que fiz foi muito errado? Não sei o que pensar.”
Ele apertou meu ombro e disse:
“Não. Pode parar com isso, Sin. Você fez o que tinha que ser
feito. O lugar dela é no inferno.”
Enrico me tranquilizou e tentei não pensar mais no
acontecimento. Quem diria que o caos daquele dia me
aproximaria tanto do meu irmão? Hoje somos amigos, como
nunca fomos na vida.
Pelo menos algo de bom saiu daquela maldita confusão.
Aliso a camisa antes de tocar a campainha, me remexendo
inquieto, em expectativa.
— Meu Deus... — Madah me olha espantada ao abrir a
porta.
Ainda não me acostumei com ela morando nessa casa, mas
aqui é o lugar dela. Afinal, é uma Fontini.
— "Meu Deus", não. "Meu namorado" seria o mais
adequado. — Sorrio torto, enfiando uma mão no bolso.
Seus olhos se apertam levemente por causa do sol atrás de
mim, mas ainda assim posso vê-la me secar da cabeça aos pés.
Estou todo de preto, com um paletó por cima da camiseta.
— Caprichou, hein... Nunca te vi assim, Davi Filipo. — Sorri
contente, disparando o meu coração. Não sei como é possível,
mas eu a amo cada dia mais.
Com um vestido claro, branco, a Magrela exala feminilidade
e leveza.
Eu de preto, ela de branco.
Os opostos que se atraem, se completando com perfeição.
— Linda. — Dou um beijo simples nos seus lábios,
segurando sua mão. — Vamos?
É noite quando chegamos ao nosso destino. Assim que
desligo o motor da Branca, arrasto Madah para o meu colo.
Seu vestido delicado sobe e ela rapidamente puxa a barra
para baixo, a alisando.
— Sin! Vai me deixar toda amassada! — Dá risada, sentada
de lado nas minhas pernas. — Queria ficar com a roupa impecável
para o nosso primeiro jantar. O que as pessoas grã-finas vão
pensar...?
Aponta para a fachada do Figueira Rubayat, restaurante que
escolhi para o nosso encontro. Não foi fácil conseguir as reservas
em cima da hora, em pleno sábado à noite, porém a minha nova
"madrasta", Audrey, já trabalhou como hostess aqui e tinha os
contatos certos.
Pela primeira vez na vida, Domenico arranjou uma namorada
decente, gentil e inteligente, que não dá em cima de mim ou dos
meus irmãos.
— Você é linda de qualquer jeito, Magrela. — Ataco seu
pescoço, beijando sua pele quente, subindo os dedos pela sua
coxa. — Amassada ou não. Fodam-se os grã-finos.
Beijo sua boca, enfiando a língua possessivamente, sentindo
seu gosto quente. Com a outra mão na sua nuca, puxo seus
cabelos macios, liberando das mechas o familiar aroma de
caramelo que senti naquele primeiro dia.
— Ainda não entendi o porquê do convite para o jantar, todo
formal. Ai... — geme quando alcanço sua calcinha. E, em vez de
reclamar, a safada abre mais as pernas, me roubando um sorriso.
— Porque eu te amo. E porque eu vi a sua cara de cachorro
sem dono quando o meu irmão contou que Paolo o levou para
jantar fora. — Passo a subir e descer os dedos pela renda da
calcinha, gostando de sentir a umidade da sua boceta. — Vamos
dar uma rapidinha agora? De aperitivo. Depois do jantar a gente
vai ficar com preguiça.
— Aqui? Davi Filipo, é um estacionamento movimentado...
— Os vidros do carro são filmados e estamos de frente para
o muro. Ninguém vai ver nada. — Escorrego dois dedos por baixo
do elástico da calcinha, acompanhando a bordinha da renda, de
cima a baixo, percebendo sua lubrificação escorrer. — Me lembrei
de que um dia você falou que queria cavalgar no meu pau...
Chegou a hora.
Lá no comecinho, quando a gente só se estranhava, sua voz
provocadora me soprou: "Admita que morreu de ciúmes. Admita
que me deseja. Admita que não consegue parar de pensar em
mim. E, talvez, se admitir tudo isso, quem sabe eu não possa
cavalgar no seu pau."
Foi na noite da primeira festinha com a Magrela em casa e,
na época, eu a tratava mal pra cacete. Fora que ela me provocava
e eu surtava. Um círculo vicioso fodido.
Respiro fundo, sentindo um puta alívio ao perceber que
aquela merda ficou para trás. A única coisa que não mudou foi o
desejo que sempre senti por ela.
— Espera. Amor... — Madah começa, mordendo o lábio,
pensativa. Tiro a mão da sua boceta para prestar atenção no que
vai falar. — Eu me lembro de falar em cavalgar... Só que naquele
dia eu te detestava. A gente ainda vivia como gato e rato. Mas...
— Mas...?
Madah se remexe para descer a calcinha, se sentando de
frente para mim, um joelho de cada lado das minha pernas, com o
olhar cheio de malícia.
— Eu fugia de você, mas, no fundo, já queria me pegasse de
jeito — confessa.
Sem tirar os olhos dos meus, leva as mãos aos botões da
minha calça, fazendo a familiar onda de tesão subir pela minha
coluna.
— E eu fugia de você, mas, no fundo já queira te pegar. —
Agarro sua cinturinha fina, sorrindo com seu vai e vem,
esfregando sua boceta no meu volume. Me animo ao perceber
que ela tinha topado o sexo de aperitivo. — Mudou de ideia,
safada? Sou irresistível, pode falar.
— Não vou transar por causa disso — diz, levando uma mão
ao meu pau que pulsa de tão rígido. — Ok, você é mesmo
irresistível, amor. Porém tenho um motivo ainda mais forte.
— Que seria...? — Mordo o lábio quando passa a me
punhetar devagar. Porra, mãos de fada...
— Transar na sua Branca. É um evento raro. Só fizemos
uma vez até hoje. — Acelera a punheta, me deixando ainda mais
duro. — Me deixa contar para o Rico? — Dá risada, sem parar de
me masturbar.
— Caralho, Magrela. Conta para quem você quiser. Bota no
jornal se preferir. — Ergo a bunda para me livrar das calças e da
cueca, as chutando para o chão. — Pronto. Pode sentar.
Abro um pouco os joelhos, descendo as mãos da sua
cinturinha até os ossinhos dos seus quadris.
— Amor... Eu ainda não tenho muita coordenação assim, por
cima. Me ajuda? — pede, encaixando a cabeça do meu pau entre
seus lábios íntimos melados, se mexendo de leve para ajeitar a
posição.
— Pode deixar. Só... Desce. — Aperto os olhos ao sentir
meu comprimento ser engolido pela sua boceta quente,
escorregando lentamente, arrastado até o final. — Puta que pariu!
— Espera, deixa eu me acostumar — sussurra, mordendo o
lábio. — Me sinto empalada! — Ri, me arrancando um sorriso.
Com as mãos nos seus ossinhos, eu a mexo para os lados,
ainda todo enterrado nela, extasiado com a sensação das suas
paredes internas me pressionando.
— Preparada? — pergunto, com o coração batendo rápido.
Ela assente com a cabeça e eu passo a erguer e descer o
seu peso-pena em um ritmo preciso, me arrepiando ao entrar e
sair da sua boceta.
— Que delícia... — Ela sorri, me encarando com as pupilas
dilatadas. — Quero fazer sozinha, me solta.
Tira as minhas mãos dos seus quadris, as posicionando nos
seus seios.
Madah começa a se impulsionar para cima e para baixo
enquanto brinco com seus biquinhos, que ficam tão duros que
quase furam o tecido do vestido.
O calor, os olhos fixos nos meus, os sons molhados de entra
e sai, a maciez dos seus peitinhos, o roçar das nossas peles
quentes das coxas... Puta merda.
— Estou quase, amor... — avisa, ofegante.
Desço mais uma vez as mãos até seus quadris, acelerando
a movimentação, socando com força, quase brutalidade, nos
tirando de órbita.
— Caralho! — Me arrepio inteiro com seu orgasmo. Gozo um
segundo depois dela, ejaculando forte, sem parar, com o corpo
todo sensível, entorpecido. — Te amo, porra!
— Te amo mais. — Ela se inclina, me dando um beijo
simples nos lábios, misturando nossas salivas e nosso suor.
Eu a puxo para um abraço, sentindo nossos batimentos
descontrolados no peito.
Ficamos parados assim por um tempo, sem falar nada, ainda
encaixados.
Depois, ligo o ar-condicionado para desembaçar os vidros e
pego um pacote de lencinhos no porta-luvas.
— Pode sair — digo, dando um beijo casto na sua testa. —
Já peguei lencinhos para você.
Eu a ajudo a se sentar no banco do passageiro.
Madah se limpa antes de reposicionar a calcinha e ajeitar o
vestido. Me arrumo também em silêncio.
— Ai, estou com as pernas doloridas. — Massageia as coxas
finas.
— É falta de exercício. Você é preguiçosa pra caralho. Em
vez de fazer musculação comigo, fica lá perdida com seus livros
no celular. — Abro o espelhinho e passo as mãos pelo cabelo. —
Livros de putaria que eu sei... Uma falta de vergonha.
— Me deixa! — Ela gargalha. — Fazer eu posso, ler não?
Então é melhor a gente não praticar mais essa “falta de
vergonha”.
Touché. Me fodi, caindo na risada.
— Nem inventa. Você não conseguiria me negar, Magrela.
— Para a sua sorte, não mesmo. — Madah termina de
retocar a maquiagem e pentear os cabelos. — Pronto. Podemos ir
para o restaurante.
— Ainda não — digo, abrindo o compartimento na lateral do
meu banco, perto do câmbio. — Falta uma coisa.
Ela arregala os olhos ao me ver puxar uma caixinha preta.
Entrego o objeto a ela, que o pega com os dedos trêmulos.
Sorrio de lado, observando sua reação ao analisar as
alianças de compromisso com a palavra Patience gravada nelas.
— Mandei fazer as alianças para a gente há um tempinho.
Demorou para ficarem prontas... A joalheria não tinha a pronta-
entrega porque seu dedo é fino como o de uma criança. Gostou?
Tagarelo, um pouco nervoso com seu silêncio. Madah
simplesmente não abre a boca, parecendo em choque olhando
para a caixinha.
— Ei... Fala alguma coisa. — Toco no seu queixo, erguendo
seu rosto delicado.
Meu coração pula ao ver os seus olhos cheios de lágrimas.
— Davi Filipo. — Ela ri, piscando devagar, derrubando uma
lágrima solitária. — Se eu gostei? Isso foi a coisa mais linda do
mundo... Eu te amo, tanto!
Com o olhar emocionado, Madah põe a sua aliança e me
entrega a minha. E, assim que a deslizo pelo meu dedo, a minha
namorada agarra meu pescoço, me beijando com devoção.
Sorrio sem quebrar o beijo. Depois, com nossas testas
unidas, respondo sua declaração, com o coração batendo feliz.
Em paz.
— Eu te amo mais, Magrela. Para sempre.
FIM
Não posso evitar me apaixonar por você
Can’t Help Falling in Love ~ Elvis Presley

TRÊS ANOS DEPOIS


Estou no deck da piscina de casa, aproveitando o domingo
de sol. O clima continua quente como nos últimos dias, com
poucas nuvens do céu.
— Cheguei, amor! — Madah se senta do meu lado,
passando uma mão pelos meus cabelos.
— Bom dia, Magrela — falei, reparando no seu olhar perdido
na minha cabeça. — O que foi?
— Me lembrei de quando você os usava mais compridos...
Quando te conheci.
— E como você prefere...? — pergunto e, a puxando pela
cintura para que se deite comigo, fecho os olhos. — Com os fios
mais compridos ou curtinhos?
— Naquela época, daquele jeito mais bagunçado — continua
fazendo aquele seu cafuné de arrepiar, com as pontas dos dedos
acariciando meu couro cabeludo. — Mas agora que você começou
a trabalhar na empresa, acho que o cabelo curtinho "combina"
mais.
— Como assim? — quero saber e não recebo resposta de
imediato. Abro os olhos, encontrando seu olhar em mim. Linda.
— Ah... Você fica com um ar mais sério, sabe? — Escorrega
a mão pelo meu pescoço até chegar aos bíceps. — Meu CEO
gostoso.
— Estou longe de ser o CEO da Modernità, Magrela... —
Dou risada. — Por enquanto sou um simples assistente
administrativo.
— Assistente administrativo gostoso. — Ela ri, alisando meu
braço.
— Não vejo a hora de subir na empresa — comento,
acariciando suas costas.
— E eu não vejo a hora de me formar. Essa faculdade que
não acaba... — Ela suspira.
Sei que está ansiosa para a sua formatura em poucos
meses.
Madah será a oradora da turma. Ela é a aluna mais dedicada
do 4º e último ano de Administração da FGV, e parece realmente
gostar da área.
Confesso que optei por Administração por ter ido no embalo
do meu pai, mas passei a gostar de verdade depois que comecei
a trabalhar na empresa, sob a supervisão de Luca e Domenico.
Além disso, as sessões de terapia que recomecei antes de
me formar me ajudaram — e ainda ajudam — a entender que
todos os processos são lentos e contínuos, e que não posso
simplesmente querer as coisas de uma hora para a outra.
Inclusive, passei por novos profissionais de saúde mental,
que comprovaram que meus velhos diagnósticos de TDAH e
depressão estavam equivocados.
Eles dispensaram definitivamente os remédios que eu já
tinha abandonado, explicando que a medicação é uma benção
para quem realmente precisa, mudando as vidas das pessoas,
mas podem ser um veneno para quem a toma sem necessidade,
como era o meu caso.
Ao que tudo indica, a desgraçada Rita tinha manipulado
meus resultados na época, já que trabalhava no mesmo hospital
em que fiz os testes, pretendendo me dopar para facilitar os
abusos. Filha da puta.
— Por falar em faculdade... — recomeço, tendo uma boa
ideia. — Amanhã você pode faltar! Já fechou as notas mesmo...
Assim a gente sai para comemorar o meu aniversário. Que tal?
Pois é, vou completar trinta e um anos amanhã. Nem
acredito.
Madah estreita os olhos, me encarando com um olhar de
reprovação.
— Tá bom! — concorda, sorrindo de leve. — Só porque vai
ser o seu aniversário. Você sabe que não gosto de faltar...
— Obrigado. — Arrasto seu corpo pequeno para cima do
meu e dou um beijo na sua boca.
— O que você quer de presente? — pergunta com o ossinho
do queixo apoiado no meu peito.
— Carta branca? Posso pedir qualquer coisa?
— Pedir, pode. Mas não sei se vou dar.
— Ok. — Mordo a boca, pensativo. — Deixa eu ver o que
quero... Já sei! Quero que, amanhã, você realize todos os meus
desejos sexuais. Vinte e quatro horas a meu dispor. Fácil, vai...
Obviamente já pensei em sexo anal, que fizemos pela
primeira vez pouco tempo atrás, para a minha felicidade. Madah
ficou um pouco “impressionada” com a intensidade da coisa e tive
medo de que nunca fosse querer repetir a dose, mas ela me
tranquilizou dizendo que poderíamos repetir o feito em ocasiões
especiais.
— Vinte e quatro horas a seu dispor? Impossível! Você tem
aquela reunião importante, lembra? Com a outra empresa italiana.
Só estará livre das seis da tarde em diante.
É impressionante como, às vezes, ela sabe mais da minha
agenda do que eu.
— Reunião de negócios no dia do aniversário é foda... —
Bufo.
— Nem pense em fugir. — Ela sai de cima de mim, se
sentando na espreguiçadeira. — Domenico ainda não voltou da
lua-de-mel com Audrey, e Luca foi visitar a filial argentina. É um
negócio importante, diretamente com o CEO dessa outra
empresa. Um contrato milionário.
— Não conheço esse CEO deles. — Me sento ao seu lado,
interessado no papo. Gosto muito de negociar os grandes
contratos. — É de família italiana como as nossas? Tem cabeça
aberta para as novas tecnologias? Já descobriu alguma coisa?
— Não muito — responde, prendendo os cabelos em um
rabo-de-cavalo. — Acho que não é italiano, não. O nome é
americano. Sei que é jovem e inovador. Por isso estou confiante.
Acho que vai dar negócio.
Concordo com a cabeça, satisfeito em saber que o sujeito é
"jovem e inovador".
O benefício de namorar uma mulher da sua área de estudo e
trabalho é vivenciar experiências assim. Trocamos
conhecimentos, ideias, crescemos juntos, falamos a mesma
língua.
Madah vinha se mostrando excepcional... Ela é inteligente,
responsável, dedicada em tudo o que faz. Eu a amo, tanto.
Essa é, definitivamente, a melhor fase da minha vida.
No dia seguinte, um pouco antes do horário da reunião, me
detenho um pouquinho embaixo do prédio e pesco os cigarros no
bolso do terno.
Abro o maço e... Porra! O isqueiro não está dentro dele.
— Com licença. — Me aproximo de um homem com roupa
social, fumando um cigarro ao lado da porta principal, recostado
em uma mureta. — Me empresta o isqueiro, por favor?
— Claro. — Retira um zippo prateado do bolso, o
entregando a mim.
Não posso deixar de notar a tatuagem no dorso da sua mão.
A mesma andorinha que tem no seu pescoço. E, incrivelmente, no
meu pescoço.
— Obrigado — murmuro após acender meu cigarro,
devolvendo o objeto de metal a ele. — Tatuagem bacana... —
comento.
Ele ergue os olhos azuis, como se reparasse em mim pela
primeira vez.
— De nada — responde, franzindo as sobrancelhas. — Você
não está dando em cima de mim, está? Não sou viado, cara.
— Calma, sou hétero. — Dou risada. — Só falei da tatuagem
porque tenho uma igual no pescoço. Tá vendo? — Viro a cabeça
para que ele consiga enxergar.
— Coincidência. — Solta a fumaça devagar. — Nada contra
gays, ok? Tenho um irmão que é...
— Eu também tenho! — Balanço a cabeça, rindo. — Mais
uma coincidência, hein? E o meu irmão ainda pegou o meu
amigo...
— Não fode! O meu também! — Ele ri tanto que se engasga
com a fumaça. — O noivo do meu irmão é o meu melhor amigo!
Precisamos ser amigos, cara.
— Precisamos, sim. — Estendo a mão para ele. — Davi
Sintori.
— Sintori? Da Modernità? — Acena na direção do prédio da
empresa, jogando fora a bituca. — Tenho uma reunião com você
daqui a pouco... — Ele aperta a minha mão. — Adam Carter.
— Adam Carter? Da Ferrari Vanità? — pergunto após
apertar sua mão.
— Sou. Eu já ia subir para a reunião... — Corre os olhos
para a rua, como se procurasse por alguém. — Só estava
esperando o meu amigo advogado... Pronto, ele chegou. —
Mostra um homem de cabelo raspado descendo de um táxi. — Em
off... Ele é o noivo do meu irmão.
— Adam. — O engravatado o cumprimenta, estendendo a
mão. — Te fiz esperar demais? Peguei mais trânsito do que o
normal.
— Tudo bem, Johnny boy[2]. — Pega a mão do amigo,
sorrindo. — Fiz uma amizade enquanto te esperava.

A reunião é um sucesso.
Adam gosta da nossa proposta de serviços de tecnologia e
logo assinamos o contrato, com o respaldo dos advogados, o
nosso e o dele.
Depois que o nosso advogado sai, continuamos na sala,
batendo papo por horas. Eu, Adam e Johnny. Até combinamos de
sair para um bar qualquer dia desses.
Mais tarde, estou pronto para comemorar meu aniversário
com Madah.
Dentro da Branca com a minha garota, antes mesmo de dar
a partida no motor, ligo o rádio e o som do Guns, tocando “Sweet
Child of Mine”, me deixa ainda mais animado.
— She's got eyes of the bluest skies, as if they thought of
rain... — Cantarolo, arrancando um sorriso bonito da Magrela. —
Lembra...?
— Lembro. Você cantou para mim na noite do nosso primeiro
beijo — diz, reflexiva, olhando pela janela.
— Uma moeda pelos seus pensamentos. — Levando a mão
ao seu rosto, acaricio sua bochecha.
— Nada demais. Só estou... — Me encara com os olhos
brilhantes. — Sei lá... Está tudo tão bom. Sabe? Estou feliz. É
isso. Te amo.
— Sei. — Me inclino na sua direção, passando lentamente a
língua pelos meus lábios.
Ela entende o recado e me puxa para mais perto, me
presenteando com um beijo calmo, cheio de emoção.
— Eu também estou feliz, Magrela. Te amo.
Não há dúvida, você está no meu coração agora
Patience ~ Guns N' Roses

DOIS ANOS DEPOIS, CHILE


— Estou morrendo! — Madah cai na risada.
Ela arranca as luvas salpicadas de neve quando entramos
no chalé. O ambiente aquecido nos faz arrancar os casacos, luvas
e gorros, os pendurando ao lado da porta.
— Você não queria conhecer a neve? Toma! — Sacudo meu
gorro bem em cima da sua cabeça, com os pequenos flocos
brancos se agarrando às suas mechas, derretendo no mesmo
instante por conta do calor.
Depois de passarmos o dia esquiando nas montanhas
geladas do Valle Nevado, todos os músculos do meu corpo estão
latejando, doloridos.
— Nunca pensei que esquiar fosse tão difícil... — resmunga,
se sentando no banco do hall para retirar suas botas sujas de
neve.
— Foi engraçado te ver cair duzentas vezes, Magrela. —
Apoio uma mão na parede, descalçando as botas em pé,
arremessando-as embaixo do banco.
Estou ansioso para ver o que prepararam na sala, a meu
pedido.
Mas antes precisamos de um banho.
— Foi engraçado te ver passar vergonha falando
“Portunhol”. — Ela se gaba. Por ter crescido no Uruguai, Madah é
fluente em Espanhol e se comunica com os chilenos mil vezes
melhor do que eu.
— Você fica tão sexy falando outra língua... Aqui na viagem
podia me chamar de “mi amor”, “mi cariño”, na hora do sexo. Que
tal?
— Vou pensar, “mi novio”. — Sorri, gelando meu estômago.
Será que descobriu sobre a surpresa...?
Com o coração acelerado, repito a palavra, atento às suas
reações:
— “Novio”?
— É! Significa “namorado” em Espanhol — explica, tirando o
peso do mundo dos meus ombros.
Não, ela não desconfia de nada. Porra, ainda bem!
— Vamos descansar um pouco primeiro? — Fica em pé,
esticando os braços para cima.
Deve estar ainda mais dolorida do que eu.
Faz menção de andar na direção da sala, mas me posiciono
na sua frente.
— Não. Vamos tomar um banho relaxante. Pedi para
deixarem a jacuzzi pronta. — Agarro sua cinturinha, a conduzindo
pelo corredor que leva à suíte.
Não quero estragar a surpresa que nos aguarda na sala.
— Sério, Davi Filipo? Que coisa mais esnobe... Nunca tive
ninguém para preparar o banho para mim.
— Agora tem. Você é podre de rica, Madeleine Laurent
Fontini. Lide com isso.
Recentemente, Madah e eu assumimos postos mais altos no
trabalho, com mais responsabilidades, para o orgulho de
Domenico e do meu irmão mais velho. Tudo caminha de vento em
popa na nossa vida profissional.
E, na pessoal, só falta um pequeno detalhe para eu me
tornar o homem mais feliz do mundo.
O que, se tudo der certo, vai acontecer na noite de hoje.
Ao entrarmos no banheiro enorme, uma jacuzzi redonda nos
espera com a água quente borbulhando, preenchendo o ambiente
com o vapor perfumado que embaça as amplas janelas voltadas
para as montanhas.
O pôr-do-sol deixa a vista ainda mais incrível, de arrepiar.
Fico pelado primeiro e, rapidamente, me acomodo sentado
com as costas apoiadas na jacuzzi, apreciando o calor da água
me envolvendo até a linha do peitoral, me relaxando.
— Senta aqui. — Abro as pernas para que Madah se sente
na minha frente, com os quadris magrinhos encaixados entre as
minhas coxas. Ela já conta com vinte e seis anos e continua
magrela de tudo. — Parece que colocaram algum óleo perfumado
na água... — comento, molhando seus ombros delicados, os
massageando com cuidado.
Madah puxa os cabelos para o lado, facilitando minha
movimentação.
— Lavanda — murmura, gemendo baixinho enquanto aperto
sua nuca, indo e vindo dos ombros ao pescoço, subindo e
descendo. — Bom, né?
— Muito bom — concordo, escorregando as mãos para a
parte da frente do seu corpo, descendo pelo seu colo lisinho,
encontrando os seios macios. Com o tamanho ideal, se encaixam
perfeitamente nas minhas palmas. — Uma delícia.
— Estava falando da água, Davi Filipo! — Ela ri, se
remexendo na minha frente, com sua bunda estimulando meu
pau.
— E eu? Não sou bom? — Continuo provocando seus seios,
rodeando os mamilos com os polegares.
— Está carente, é? Tudo bem... Vou encher sua bola —
rebate, levando as mãos para trás, alisando meu abdômen. —
Você é mais do que bom. É o homem mais gostoso do mundo. E
você é meu. Todo meu. — Agarra minha ereção, me punhetando
devagar por baixo da água.
— Todo seu — digo, arrastando lentamente as mãos pelas
curvas do seu corpo miúdo. E, agarrando seus quadris, a ergo
com facilidade, a girando de frente para mim. — Quer sentar...?
Sorrindo, Madah faz que sim. Posicionando os joelhos nas
laterais do meu corpo, me beija na boca ao descer, com a boceta
engolindo o meu pau, centímetro a centímetro, até o base.
Gemo baixinho, movimentando os quadris.
Eu a mantendo sentada em mim, enlouquecendo com a
pressão da sua musculatura interna se abrindo para me
acomodar.
— Nunca vou me acostumar... Nunca — murmuro,
levantando-a e descendo com firmeza, espirrando gotas de água
por todo lado, duas, três, quatro vezes.
— Sin... — Arfa, enfiando as unhas nos meus ombros,
tentando se equilibrar enquanto a movimento para cima e para
baixo, cada vez mais rápido, o tesão ardendo pelo meu corpo. —
Estou quase... Quase...
Ao perceber que Madah está prestes a gozar, eu a soco para
baixo com tudo, me mantendo todo enterrado dentro dela.
Seus primeiros espasmos me apertam com mais força
quando levo a mão ao seu clítoris, esfregando-o por baixo da
água, prolongando seu orgasmo.
— Sin... — Ela amolece, com um sorriso frouxo nos lábios.
Linda.
Em um movimento lento, me retiro dela e apoio sua barriga
na borda da jacuzzi. Alcançando o tubo de lubrificante ao lado,
lambuzo a cabeça do meu pau, me preparando para a próxima
etapa.
— Você se preparou, certo? — Espalho o gel pelo seu ânus
apertado, usando os dedos do meio, com meu polegar passeando
pela sua boceta inchada, ainda pulsante do gozo.
— Me preparei — confirma, arrebitando a bunda.
Meu coração acelera em expectativa.
Preparo o terreno, enfiando um dedo no seu cu. Depois,
dois. A pressão quase me mata. Vou abrindo os dois como uma
tesoura, alargando seu anel de músculos.
Quando empurro o terceiro, Madah arfa forte, ondulando os
quadris.
— Quietinha. — Mantenho os dedos dentro dela e dou um
tapão com a outra mão, marcando sua bunda, sorrindo ao ver a
pele se manchar de vermelho.
Sei que gosta quando a pego assim, com mais brutalidade,
agora que está mais madura. E eu gosto ainda mais.
— Preparada? — Enrosco seus cabelos molhados no meu
punho e retiro lentamente os dedos do seu rabo.
Madah choraminga quando a esvazio, mas já solta um
gritinho assim que a penetro com meu pau. Firme, abrindo seu
ânus, a tomando como sonhei desde o primeiro dia.
Puxo mais suas mechas, arqueando sua coluna, e passo a
entrar e sair em um ritmo forte, chocando a minha virilha contra a
sua bunda.
— Ai... — geme, firmando as mãos do tablado que circunda
a jacuzzi, tentando se segurar.
Solto seus cabelos e envolvo sua garganta, a enforcando de
leve enquanto continuo socando, a chacoalhando sob mim,
alucinado.
Nunca foi tão bom.
Nunca.
— Caralho! — Não me aguento e explodo com tudo,
ejaculando dentro do seu cu.
Então, a abraço apertado, por trás, recuperando o fôlego
com meu queixo apoiado no seu ombro.
Me retiro devagar, hipnotizado pela minha porra que escorre
do seu buraco apertado, avermelhado do sexo.
Levo as pontas dos dedos ao líquido viscoso, o empurrando
para dentro da sua boceta, a lambuzando por dentro e por fora.
Passo a entrar e sair, sorrindo ao perceber que ela está
sensível ali, como se tomasse choquinhos, a um fio de gozar pela
segunda vez.
— Você quer acabar comigo... — Ela ri baixinho, apertando
as pernas.
— Não. — Afasto suas coxas com um movimento brusco,
encaixo minha mão e esfrego seu clítoris, ainda inchado,
protuberante.
Quando o belisco entre os dedos, Madah se desmancha
mais uma vez, tão forte que esguicha seus líquidos em mim.
— Agora, sim. Estou morta. — Ela amolece inteira, vindo
para o meu colo.
Eu a recebo, a segurando contra o meu peito, perto do
coração.
Eu a quero para sempre. Nos meus braços. Para toda a
vida.

Oh, criador de sonhos


Seu destruidor de corações
Moon River ~ Audrey Hepburn

— Davi Filipo! — Madah exclama ao pisarmos na sala,


cobrindo a boca com as duas mãos.
O ambiente rústico do chalé está todo enfeitado com velas
espalhadas pelas mesinhas e aparadores. No centro, sobre a
mesa de jantar, há uma tábua de queijos e frios, uma garrafa de
vinho e, finalizando a decoração, um vaso com tulipas.
— Gostou da surpresa romântica? — Eu a abraço por trás,
inspirando seu perfume adocicado.
— Amei. Obrigada. — Sua voz, mais baixa, soa emocionada.
— Fica sentada ali no sofá que eu já volto.
Dou um beijo na sua cabeça e me afasto, já com o coração
batendo mais forte. Corro até o quarto, retirando do fundo da mala
uma caixa do tamanho de uma de sapatos. Ansioso, volto rápido
para a sala.
— O que você está aprontando? — Aponta para a caixa
assim que me aproximo, com seus olhos refletindo o fogo da
velinha da mesa de centro.
Sentado ao seu lado, lhe entrego o objeto mal coberto por
um papel simples, porque minhas habilidades com embrulhos são
bastante limitadas.
— Eu que embrulhei — comento para quebrar o silêncio
cheio de expectativa.
— Percebi. — Ela ri, ainda retirando o papel. — O que vale é
o conteúdo.
E, ao encontrar uma caixa simples de papelão, Madah ergue
uma sobrancelha, intrigada.
— Abre logo, Magrela. Estou nervoso aqui. — Passo a
tamborilar os dedos nos joelhos, inquieto.
Me lembro de quando fumava, um tempão atrás, e tinha a
nicotina para me relaxar. Mas ter largado o vício, apesar de difícil,
foi uma das melhores decisões que tomei na vida.
— Calma, estou apreciando o momento. — Ela sorri. — Se
aquieta, Davi Filipo. Será mais uma caixinha de música para
minha coleção?
— Quem sabe... — Sou evasivo, me corroendo por dentro.
Com a caixinha apoiada nas coxas, Madah levanta a tampa
devagar e, ao enxergar o conteúdo, parece incrédula.
— Não pode ser... — murmura com a voz embargada, os
olhos se enchendo de lágrimas.
— É ela, sim. Deu um trabalhão para o investigador
encontrá-la anos depois. Por sorte, uma das enfermeiras antigas
do hospital de Montevidéu tinha ficado com ela. É a caixinha de
música da sua mãe, Magrela. Eu a recuperei para você.
— Meu Deus... — Chorando, Madah pegou a caixinha de
música com as mãos trêmulas, cuidadosamente, como se fosse a
joia mais rara. Levanta-a na altura dos olhos, analisando
detidamente, hipnotizada.
— Não vai abrir...? Está funcionando. Já dei corda nela
antes de embrulhar. — Passo um braço ao redor da sua cintura,
percebendo seu corpo trêmulo, a emoção palpável.
E, quando Madah abre a caixinha, uma bailarina se coloca a
dançar sobre um espelho, com a canção “Moon River”
preenchendo a sala, me arrepiando.
A mesma música que ela me pediu para colocar na viagem
de jatinho que a levou ao Brasil, tantos anos atrás.
Que a levou para mim.
A Magrela chora de soluçar e quase fico sem saber o que
fazer. Se a deixo extravasar a emoção ou se tento a consolar. Sei
que a caixinha de música de Heloise Laurent tem um puta
significado para a minha garota.
Quando a canção termina e a bailarina para de dançar, me
ajoelho na sua frente, apontando para uma gavetinha na parte de
baixo da caixinha, ansioso para o final da surpresa.
— Abre aqui embaixo. Tem mais um presente.
— Ah, não... Não sei se o meu coração aguenta. — Ela ri,
enxugando as lágrimas com a lateral da palma.
Com a outra mão, puxa a gavetinha.
Sua boca se abre quando ela encontra o pequeno objeto ali
dentro, solitário. Rapidamente, eu o pego e, ainda ajoelhado na
sua frente, faço a pergunta que nunca me imaginei fazendo a
ninguém, que não a ela.
— Madeleine Laurent Fontini. Esse anel pertenceu à minha
mãe, Angela Sintori, a mulher mais importante da minha vida,
antes de você aparecer. — Mantendo os meus olhos nos seus,
tento me lembrar do que ensaiei tantas vezes em frente ao
espelho, com a emoção quase me fazendo engasgar. — Agora,
quero entregá-lo a você, junto com o meu coração, com a certeza
de que ele já é seu, desde o primeiro dia. Eu te amo. Sei que não
sou perfeito, mas estou tentando ser um homem melhor a cada
dia, para você. Quer se casar comigo?
— Quero! — Ela ri e chora ao mesmo tempo. Linda. — Você
é perfeito para mim. Você é o amor da minha vida, Davi Filipo. —
E, colocando a caixinha de lado, estende a mão direita para mim,
sorrindo.
Tremendo, encaixo o anel no seu dedo.
Fecho os olhos e sinto duas presenças no ar, vibrantes,
abençoando a nossa união. A mãe dela, representada pela
caixinha de música, e a minha, pelo anel de noivado.
E, mais uma vez, mostrando que a nossa conexão é surreal,
Madah sussurra baixinho na minha orelha, me arrepiando:
— Elas estariam felizes com o nosso noivado, não acha?
— Elas estão felizes, Magrela. Pode acreditar.
Em primeiro lugar, queria falar um pouquinho sobre um
assunto abordado na história.
Infelizmente, o abuso sexual praticado por mulheres contra
meninos é bastante ignorado pela sociedade.
Como mostrado no livro, os casos não são levados à
Justiça.
Segundo um relatório do Disque 100, canal de denúncias
mantido pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos
Humanos, “somente 18% dos registros de violência sexual contra
crianças e adolescentes brasileiros referiam-se a vítimas do sexo
masculino. A subnotificação de abusos contra meninos se torna
ainda maior na adolescência. Enquanto 46% dos casos atinge
vítimas do sexo feminino entre 12 e 17 anos, a proporção de
garotos da mesma faixa etária que denunciam é de apenas 9%.
‘Por causa de nossa cultura patriarcal e machista, há uma
estigmatização de garotos que sofrem abuso sexual’, diz Flávio
Debique, gerente de proteção infantil e incidência política da ONG
Plan International Brasil, que atua na prevenção de violências
contra crianças. “A família prefere não denunciar.”[2]
Um verdadeiro absurdo, que deixa marcas profundas nas
crianças e nos adolescentes. Precisamos urgentemente mudar as
estatísticas.
Que fique a reflexão sobre o assunto.
Que consigamos proteger nossos meninos.
Que, parafraseando Mahatma Ghandi, sejamos a mudança
que queremos ver no mundo.
Agora, vamos aos agradecimentos.
Agradeço, em primeiro lugar, a Deus e meus pais, por tudo.
Ao meu marido e nossos dois filhos, pela paciência e
compreensão. Foram incontáveis horas longe deles para que eu
pudesse me dedicar ao livro, que surgiu como um simples hobby
e, depois, tomou outras formas.
Em especial, agradeço aos meus leitores que me
acompanham desde o Wattpad. Todos que se irritaram com Sin,
que torceram para que Madah ficasse com Enrico, que choraram
quando descobriram sobre o passado do nosso menino, que
imploraram pela morte de Rita.
Graças a vocês, leitores que se tornaram amigos, me
apoiando e me incentivando desde a primeira publicação online,
SIN se tornou um sonho possível.
Meninas do meu grupo de leitoras no WhatsApp, vocês têm
todo o meu coração. Incentivadoras, apoiadoras, amadas, me
deram o gás que faltava nos dias mais nublados.
A minha equipe maravilhosa: Beca, Dani, Lua e Wed.
Obrigada por não soltarem a minha mão, mais uma vez.
Agora, a mulher mais tóxica, também conhecida como a
melhor assessora do mundo: Aline Bianca. Obrigada por confiar
em mim.
Agradeço também às parceiras que já começaram a
panfletar o livro: Samyra @jovemliterariaa, Fabiola
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@lendopaixao, Leticia @books_xavier, Fernanda Bueno
@buenoleituras, Anna Carol @corte_de_leitores, Lutiala
@lu_literaria, Criscielle @crisentrelivros, Maiara @lidosdamai, e
às meninas que das publis que ainda vão fazer: May
@v4diasliterarias, Laura @bookcaseoflaura, Cami
@primaveraliteraria e Tha @booksdatha.
Escrever SIN foi uma experiência intensa e inesquecível. Me
sinto extremamente honrada em poder entregá-lo a vocês.
Com carinho,
Pauline G.

[1]
Che cavolo: expressão em italiano que demonstra descontentamento. Literalmente, a
palavra “cavolo” quer dizer “repolho”, mas na expressão ganha outro sentido. “Che
cavolo” seria “que droga”, “porcaria”.
[2]
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-03-23/homens-e-meninos-tambem-sofrem-
abuso-sexual-eles-estao-aprendendo-a-pedir-ajuda.html

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