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DE CASTRO
Humberto Alves de Araújo (UFC)
Introdução
É muito cedo ainda para se fazer um estudo acurado e consciencioso do
poeta, cuja morte, nós seus companheiros de ontem, ainda sentimos, como
uma triste, áspera e desoladora surpresa!
Lopes Filho
Passados mais de cento e onze anos, já não é tão cedo para tal estudo que ainda não
veio à luz. Isto não quer dizer que X. de Castro tenha sido esquecido por nossos críticos,
especialmente aqueles que se dedicaram a estudar o movimento literário cearense do fim do
século XIX. Desde seus contemporâneos até Sânzio de Azevedo (que lhe dedicou até agora o
olhar mais acurado) quem quer que se proponha a estudar a Padaria Espiritual não deixará de
notar X. de Castro, que mereceu em sua homenagem, quando do 30.º dia de sua morte, todo o
número 16 d’O Pão.
O poeta cearense X. de Castro iniciou sua carreira como romântico, mas sua face
mais conhecida é a de autor de cromos. Estes já não são românticos, tampouco parnasianos,
enquadrando-se no que Péricles Eugênio da Silva Ramos chamou de Poesia Realista. Neste
trabalho analisaremos alguns dos cromos de X. de Castro para apresentá-los aos que não os
conhecem e, em segundo lugar, ainda dentro da definição de Silva Ramos, definir se seus cromos
devem ser enquadrados no Realismo agreste ou no urbano.
Mestrando em Literatura Brasileira (UFC). Orientador: Prof. Dr. Sânzio de Azevedo (UFC).
RAMOS, 1986.
Os cromos
Com sua origem nas Miniaturas de Gonçalves Crespo, de 1871, os cromos foram
popularizados no Brasil a partir do livro Cromos (1881) de B. Lopes, influenciando vários
poetas que passaram a escrever esse tipo de “soneto descritivo, gracioso e às vezes anedótico,
que é em última análise um sonetilho”. Aqui no Ceará estes poemas foram publicados também
no Libertador entre 9 de junho e 29 de julho de 1884.
Dos poetas do Ceará que praticaram este tipo de poema, destaca-se indubitavelmente X.
de Castro. Nos seus cromos o subjetivismo do eu lírico dá lugar ao objetivismo descritivista do
fino observador das cenas cotidianas cearenses. Mas o cotidiano citadino ou o sertanejo? Dos
que escreveram sobre o autor, a maior parte passa ao largo dessa questão.
Citaremos três autores que, de algum modo, enquadraram os cromos de X. de Castro, ou
alguns deles, em uma dessas duas categorias: Manoel Lobato, Leonardo Mota e, mais uma vez,
Sânzio de Azevedo em fim dos anos 70).
Manoel Lobato, em carta aberta a Sabino Batista, publicada n’O Pão, é o primeiro que,
ao falar dos cromos de X. de Castro, aponta que este já não é romântico e sim realista:
Gritando:—Mamãe, acuda!
Que esta casaca do juda
Papai diz qu’inda precisa!
O que não se justifica é esse cromo ser apontado como flagrante sertanejo, uma vez
que, ainda hoje, tal costume se mantém (agonizante) mesmo na metrópole em que se converteu
Fortaleza.
Leonardo Mota transcreve os cromos “Aguaceiro” e “Distraída” (dos quais trataremos
adiante) e reproduz ainda os cromos “A lavadeira” e “No tempo dos cajus”:
A LAVADEIRA
Ibidem.
MOTA, 2002. p. 173.
Enquanto contam-se as peças,
O preto Tomás, ás pressas, 10
Beija Iva; ela diz:—bruto!!
De semblante carrancudo
Põe-se a velha em gritaria,
Dizendo:—Corre, Maria!...
Oh! Que pé-d’agua barbudo!
Note-se o emprego dos vocábulos “ronceira” e “lesada”, tão nossos. “Cabeção”, que
aparece no último verso, é uma espécie de camisa longa que as mulheres utilizavam como roupa
íntima.
“Contratados” é mais um dos cromos de X. de Castro em que aparece a mulher cearense,
dotada de uma malicia brejeira que contrasta com a mulher idealizada do Romantismo:
Ao vê-la já prometida 5
Vai o noivo retirar-se...
Mas d’ela ao aproximar-se
Sente-a triste... comovida!...
Há um pombal ou poleiro
Bem pouco além da cozinha;
Diva—a morena—e Julinha
—Loira de olhar feiticeiro—
Este cromo parece fazer referência a José de Alencar, pelos adjetivos aplicados às duas
moças, loira e morena, que nos lembram o título do capítulo V d’O Guarani, sensação corroborada
pelo verso 12, que nos lembra também a origem indígena de Isabel, no romance supracitado. O
título original do cromo, mais do que a atividade aí apresentada nos permite imaginá-lo como
uma cena campestre. No cromo “A volta” é a caça, como atividade de subsistência, que nos
permite enquadrá-lo na mesma linha de Realismo agreste:
Ibidem.
Martha, sustendo-a no braço,
Desce as rendas do regaço,
Beija-a e diz: —‘stá seu peitinho...
Mais uma vez temos o registro de expressões coloquiais, como “cobres”, significando
dinheiro, e a descrição da linguagem infantil, como em outros cromos.
Evidentemente urbano é “O mata-pasto”, dedicado ao delegado Pedro Sampaio,
personagem conhecido da Fortaleza do tempo da Padaria Espiritual:
De azul-escuro o horizonte
Rapidamente se veste;
D’oiro o luzeiro celeste
Nas névoas esconde a fronte!
A criadinha da casa
Tem quinze anos apenas,
Anda por ela uma asa
Caindo, quebrando as penas
Já lá no beco a esperava
Seu Pedro —a asa que andava 10
Por ela pensa e de rasto.
Conclusão
Procuramos com este trabalho apresentar o poeta cearense X. de Castro e sua produção
poética, tanto a romântica como a realista, e distinguir algumas das temáticas que aparecem nesta
última: atividades econômicas típicas, a infância, a linguagem popular, a brejeirice feminina etc.
Também demonstramos com os cromos que analisamos que a produção realista de X. de Castro,
com algumas poucas exceções, descreve cenas, costumes e atividades econômicas que podem
ocorrer tanto no campo quanto na cidade, e, portanto, esta produção deve ser classificada como
Realista, sem a distinção entre Realismo agreste e urbano.
As cenas e a linguagem descritas são típicas do Ceará; do mesmo modo o é o aspecto
anedótico de muitas de suas composições — traço cada vez mais aceito como parte da identidade
cearense. Estes sonetilhos, por sua concisão e pela felicidade com que conseguem retratar não
apenas a paisagem cearense, mas também seus personagens, seu linguajar e as relações sociais e
familiares, além da maestria na utilização do verso breve, com sua dicção cantante, contribuem
para retratar o tipo nordestino em geral e o cearense em particular.