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(2006)
O CELULAR & O FRIO CHICABON DA SOLIDÃO
Bom dia flor do dia, bom dia velho diário surrado de rotinas, amores e
fiascos, bom dia edições fracasso, buenos dia meu inferno conhecido.
Bom dia Grambel, inventor da ansiedade fixa e profeta da ansiedade
móvel.
Querido diário, comprei um celular novo. Disse ao moço: “por favor, o
mesmo número, pois sou frila na vida e preciso que me passem encomendas,
costuras para fora, entende?”.
Sem problema, disse o moço fino trato.
Pronto. Levo o septuagésimo aparelho para casa _vivo a perdê-los,
quebrá-los, sabotá-los...
Quase uma semana sem o aparelho. Checo. E nécaras de recados.
Nenhuma chamada.
Passo quase três dias com o celula. Ninguém telefona ao coroné,
latifundiário do ar. O bicho mudo como um paralelepípedo. Nem ex-sogra. Nem
o SPC, nem o gerente, nem o Serasa.
O desprezo de Godard é pouco.
À margem do rio piedra sentei e llorei...
Llorando, llorando, cantei com o Roy Orbison em castelhano.
Passou boi, passou boiada e o mudinho nada.
[pra variar tambem estava de notebook quebrado _a tela virou um
Pollock de cristal líquido!]
Volto para casa chutando as tampinhas do abandono na sarjeta.
O frio chicabon da solidão derrete no queixo.
Somente a solidão, essa pantera, foi minha companheira inseparável,
recito Augusto, nosso corvo-mor.
Canto o ébrio, cisco no galinheiro do óbvio.
E o mudinho... Caralho!
Não nasci pra Greta Garbo.
Entonces não me agüento e ligo para mim mesmo...
Com voz de diva, com voz lânguida de musa da Carençolândia.
O mudinho cada vez mais pedra.
Ufa, acabava ali o segredo e o charme de um cavalheiro solitário e
esquecido, acabava ali o ermitão dos tempos modernos.
O moço de fino trato havia me presenteado com um celula de número
novo. Depois te passo, senhorita Simpson.
HAI KAI
o sentimento de posse
a ejaculação precoce
NINGUÉM RESISTE A UMA D.R.R
Até este exato momento em que cato milho aqui na velha Remington
enferrujada pelo sal da sobrevivência ou do diletantismo borratcho, já são nove
casais amigos o número de vítimas da rinha amorosa do Reveillon. Sim, velho
Norman Mailer, os casais acertam no baço da ruína durante a fumaça de fogos
das festas finais. Haja nego na lona ou zonzo nas cordas depois que a fumaça
da pólvora assenta sobre o lombo de Iemanjá e ganha os mares nunca dantes.
Ora, se uma D.R. [a mitológica discussão de relação inventada por Zeus e Exu]
já é bronca no varejão dos lares, imaginem o sururu de uma D.R.R., que vem a
ser uma D.R.Retrospectiva, aquela em que se passa em revista a antologia de
merdas do ano todo, a latrina do amor, o poleiro de todas as papagaiadas, as
sabotagens, os atentados, as torturas à moda Condoleezza Rice com os
soldados no Iraque?!
A corda amorosa será esticada até pelo menos o vagão do próximo R, que vem
a ser mais temerosa e maldita das tempestades, pior do que o ódio em
Shakespeare e os chifres da normalidade em Nelson Rodrigues, pior que São
João e todos os seus Apocalipses.
lá dentro, léguas submarinas, uma aventura ainda maior do que a tua, pobre e
amado Julio Verne, segredos e algas com infinitas variações degustivas, mas
sem frescuras, com gosto, muito gosto, devoção, decência, loucura, a lingüinha
de cima segue contra vento e maré entre plantas carnívoras, verdes mares
bravios, enquanto isso cardumes delirantes se deslocam até o juízo da moça,
provocando-lhe um estrago nos miolos enquanto outra língua avança, tanto
pode ser de rapaz como de outra rapariga, os mistérios marinhos ao infinito,
comum de dois, ali mais embaixo, pero como se voltássemos para o princípio,
um coralzinho levemente mais áspero, quase arrecifes, experimente agora um
dedo mais profundo, deixe o grelhinho a balançar como no trapézio do cérebro,
outros peixes iluminados irão se esconder por um tempo, descanso no céu da
boca do(a) dono(a) da língua, ai que preguiça, dirão os pestes, uma vez que as
arraias hedonistas já intercedem, chamando-os para a festa aqui embaixo,
pedagogia do gozo, clamam, desçam dessa boca-istmo, golfo, aos vossos
lugares, os mares da moça, o preparo do gozo etc, e o moço ou a gazela da
língua, enquanto sobem um pouco e respiram, avistam, rentes às suas
comovidas retinas, os sargaços na areia entre os ilíacos, ossinhos-âncoras,
como rochas que dividem as praias de angra, os sargaços são os pentelhos
mais lindos da buceta, seus mistérios marinhos e um mar de histórias e coisas,
ali embaixo sou náufrago e pirata, ali, mulher, sou teu Robinson Crusoé e
outros tantos perdidos da história, ali, se fôlego marinho tivesse, vixi, moraria
por toda a vida, até pousaria para uma bela foto da national geographic, bem
enxerido, bem na hora em que meu amor gozasse, zolhinhos de peixe-morto
para as câmeras da amostragem, ah, porra, te amo sempre como se fosse até
debaixo d´água.
MISS CORAÇÕES SOLITÁRIOS ESTÁ DE VOLTA
Ufa!
Depois de todas as dores de corno que não curam com cachaça ou morfina,
Miss Corações Solitários, cigana-mor das cólicas andaluzas, bálsamo dos
almodovares corazones... pegou o seu helicóptero vermelho-sangue, ao qual
se refere apenas como “o colibri rubro a serviço dos deuses”, e aqui se
encontra, na redação deste Carapuceiro, no último subsolo da rua Augusta, no
fundo do casarão do Saravejo, a serviço dos farrapos humanos.
Redentora e fecunda Miss C., não é a primeira nem a última vez que lhe
escrevo esses lacrimosos garranchos, provas da minha vida de m... ah, de
merda mesmo, pronto, falei o que todo mundo aqui já sabe desde que provei o
mingau da inconveniência de haver nascido... Ah, Miss C., não busco mais a
cura, preciso apenas de uma resposta, à nível de uma aposta aqui entre as
balzacas do bairro dos Aflitos, atrás do campo do Náutico, essa outra desgraça
da minha existência!. Gloriosa Miss C., qual a coisa mais difícil dessa vida: 1)
Parar de fumar?; 2)parar de beber?; 3)parar de amar? Ansiosa pela sua luz,
Madá do MADA.
RESPOSTA:
E não é questão de moda não. Já foi. Agora é tudo muito bossa-nova, tudo
muito natural. A coisa mais comum é perder uma gazela para outra. É vê-las,
mesmo com algum desassossego n´alma, na dúvida entre um cara e uma
semelhante. Mas o mesmo desassossego que nos visita quando os cabelos
viram interrogações a nos perguntar se ficamos com essa ou aquela, isso ou
aquilo.
E não falo por aquele velho chiclê-macho da tara de vê-las, fêmeas em brasa,
a foder. O lindo é avistá-las de mãos dadas ou trocando rápidas carícias de
rua, desafiando os olhos de quem só vai enxergá-las um dia quando for
justamente trocado por uma dessas desafiadoras costelas.
NA LINHA DO CORAÇÃO E DA VIDA
Vejo aqui na linha do coração um amor mal-resolvido", soprou este mago que
vos lê a sorte e sina. A mocinha, uma deusa balconista ali dos arredores da
praça Patriarca/SP, assanhou as sobrancelhas. "Ele vai voltar pra mim?",
avexou-se em saber.
"O infeliz te ama muito, mas é cheio de dúvidas e nove-horas, sabe como são
essas coisas", tergiverso, na moral, enquanto afago, carinho esotérico com
fundo levemente erótico, a mão direita -uma mão espadulada, conforme meus
conhecimentos prévios de quiromancia.
A minha primeira consulente, na tenda improvisada no viaduto do Chá, sai
comovida, esperançosa. Falar em amor mal-resolvido é golpe certeiro para
qualquer alma penada. A consulta gratuita, "dumping" na concorrência cigana e
baiana, atraiu os passantes. De graça, nego entra na fila até para ouvir o dia da
morte.
O segundo foi chegando como quem chega do bar. Ótimo. Nada mais fácil do
que prever o futuro de um ébrio. "Todo mundo crê em alguma coisa; eu, por
exemplo, creio que vou tomar um uísque", recepciono a criatura, ajambrando
um boutade de Grouxo Marx. "Me leva com vossa pessoa, então", soluça o
rapaz, fino, bom humor. Com uma alma bêbada, melhor aplicar as cartas. Ele
saca mais rápido e vai logo traçando o baralho, como se fôssemos disputar um
truco. Começou a dar trabalho. Decido então o seu destino: dou-lhe umas
moedas para tomar uma cerveja. Ele arreda, feliz, feliz...
Próximo. Outra rapariga em flor. Mão cônica. Lindos dedos. Passeio na linha
da sua vida suavemente. Agora a esquerda, para ler o passado. A direita de
novo. Ela apreensiva. O medo da mocinha diante do mago. "Você quer mesmo
que eu diga tudo que li aqui, passado, presente, futuro?" Titubeou. "Será, meu
Deus!?", diz. "Está nas suas mãos", amplifico o mistério, com voz de
G.K.Chesterton. "É muita desgraça assim?", treme. "Nada mais, nada menos
do que a vida, meu amor", amacio. "Me solta, melhor ir embora", ela tira a mão,
que eu ainda acariciava...
As ciganas ao lado só miravam a minha banca de mercadorias e futuros. Uma
delas, Carmem de Itapevi, olhos capitus, foi com a minha cara. "Vou te ensinar
como se lê uma mão de verdade", disse, rindo do meu jeito leso e picareta.
Decifrou num instante a minha sina amores "perros". "Você sabia que está
muito próximo de encontrar a mulher da sua vida?", faz suspense. "Acabo de
encontrar", gracejei. "Não brinque com o destino", ela atalha. "Verdade", insisti.
"É uma moça que tu já conheces, e muito, com quem foi, acabou, voltou, foi de
novo...” deu o serviço clicheroso, fudeu, passou. E um lance de búzios jamais
abolirá o silêncio, como diz o velho Acaso com os dedos coçando para jogar
novos dados.
CLIENTE MORTO NAO PAGA
Mas, de tanto insistirem com a mala direta do além, decidi procurar aquele
"investimento diferenciado", como dizia o folder. Saí em busca dos corretores
de plantão no "stand de venda". Planos facilitadíssimos. Até dez vezes para
pagar. Jazigos a partir de R$ 9.500, fora as gavetas, fora a taxa de
manutenção anual. "Ótima localização, bairro chique", dizia uma vendedora. Só
faltou dizer que me daria o céu, meu bem, como na canção do Rei e no livro de
Ivana Arruda Leite.
"Um investimento que só valoriza", insistia, como estivesse vendendo um
terreno de frente para o mar de Angra.
Uma prosa pra lá de macabra. Uma moça tão linda e negociando com uma
"commoditie" dessas, pensei. Vai chegar em casa e dizer ao namorado:
"Benhê, vendi 12 túmulos hoje, veja que maravilha!" Papo mais excitante, né?
Mas, antes de fechar o negócio, fiz uma última pergunta:
"Escuta, meu amor, esse plano funerário tem alguma carência?"
A musa gótica sorriu da minha inocente indagação e respondeu:
"Imagina, querido, você pode usar o jazigo assim que fechar o contrato. A partir
de amanhã cedo..."
Cliente morto não paga. Me vi ali, tristão no ataúde. Lembrei de uma velha
reportagem, em parceria com o fotógrafo Fred Jordão, assombrações do Recife
Velho, quando me fiz de morto, dentro de um caixão e tudo, para denunciar a
máfia dos "papa-defuntos". Gonzolenda das antigas.
Sim, mas como eu ia dizendo, voltei ao mocó na dúvida se fechava ou não o
negócio. Debaixo da porta, mais uma mala direta do além. Eu me lembrava da
corretora e seu olhar de Tânatos. Tão bela e tão sem Eros. Ah, só compraria se
ela me garantisse um velório igual ao do Bertrand, o sujeito do filme "O Homem
que Amava as Mulheres". Que lindas aquelas viúvas, vestes negras, luvas s
Minhas férias, como nas redações do ginário das antigas. Minhas pequenas
férias, blend de maresia & labuta hedonista, como o projeto “bispo sardinha
catequizando o Brasil até ser devorado pelas índias, deus te oiça, amém” _
como doravante denomino a peregrinação de lançamentos do meu catecismo
de pornodevoções, saravá meu pai!
Minhas férias e Wander Wildner na sua gloriosa excursão “10 anos bebendo
vinho” e me pagando bohêmias de trigo geladíssimas diante dos olhos de
pitomba das boyzinhas recifenses.
Minhas férias e os sets alucinantes dos novos filmes de Paulo Caldas e Cláudio
Assis. Minhas férias e a gréia com Homero e Chinaman, novos amigos da
porra.
Minhas férias, meus bares/meus mares... e muito nado no seco que essa é
mesmo a grande arte de um pirata, um homem falsificado desde o berço!
ZOLHINHOS DE LAIKA
Algumas saem fáceis, menina, como aquelas de Rubem Braga, como uma
polaroid, uma pose digital, olha o passarinho, diga xis, um sabiá teimando
contra o barulho da metrópole, fáceis como beijos roubados de mulheres
difíceis, na dança, na pista, uma moleza, como empurrar bêbado em ladeira,
como Vinícius no elogio de uma saboneteira, como descer para um café ou
uma cerveja aqui na esquina da Augusta, como quem costura para fora,
mesmo sabendo quanto custa a mais-valia da musa da encomenda, mesmo
sabendo que na vida não tem almoço de graça, muito menos sobremesa,
mesmo sabendo que a vida não é café pequeno, mesmo sabendo que no
fundo da xícara, na borra mais árabe, o desenho do futuro, Etelvina, é obscuro,
o jogo do bicho, Etelvina, ainda não permite o teu luxo.
Algumas, menina, são crônicas de britadeiras, saem na marra, à força,
furando o asfalto para tirar uma florzinha de nada, a peleja do escriba com o
lirismo que não chega nunca, as chagas abertas, croniquinha raquítica, só o
fiapo de narrativa, sem sustança, sem tutano, coisinha sem graça,
metalingüística, a crônica sobre a crônica falta de assunto.
Algumas vêem ao mundo para confundir a audiência, são crônicas-
travestis, arte dos cronistas transgêneros... Pois é, menina, a gente não sabe
se é um conto, uma rápida elegia expressionista, um poema em prosa, sabe-se
lá, menina, mas mesmo não sendo nada já nasceram crônicas.
Algumas, não têm jeito, eram apenas notícias, que o dedógrafo teimou
em decepar as aspas, minha menina, e enfeitar o naturalismo como pôde,
coitado.
Algumas, menina, são para ninar as moças nas sestas, como as de
Antônio Maria, sabia?
Algumas são de costumes, e até ficam como registros históricos,
crônicas de épocas, já ouviu falar em João do Rio?
Algumas já nasceram crônicas de rua, como a grande arte de chutar
tampinhas, como os sem-teto e malacos, como os bambas das sinucas das
antigas, aí já estamos em João Antônio, manja?
Algumas são do amor louco, menina, como aquelas do velho Charles, o
safado catando milho na Remington, menina, com aquela outra menina na
praia, gaivotas quase a bicar-lhe os peitos, como no cinema.
Algumas, minha adorável criatura, minha menina sem nome, são como
aquelas, lembra, quando me conheceste, lembra, quando pela primeira vez,
lembra, lindamente me deste?
D.R. Roberto Carlos - Detalhes tão pequenos de nós dois que você
teima em não esquecer.
D.R. punk-rock _ Três acordes e vai cada um pro seu lado, dormir na
casa da mãe, de um(a) amigo (a), hotel, flat, amante, homeless...
D.R. Bartleby _ “Prefiro não discutir”, diz uma das partes, repetindo o
mantra do escriturário do livro homônimo de Melville.
DA ARTE DE PEDIR
q hora esse povo escreve? Queres saber mesmo a resposta a uma velha
indagación de rubem fonseca, chegada a nós envelhecida em barris de
bálsamo [via Marçal Aquino] nas noites brancas? Nem o vento sabe a
resposta, como diria o brodi Sidney sheldon _lembra aquela capa foda do clube
do livro, joca rrrrr terrones??? O vento e suas interrogações sob redemoinhos.
Todos as capas do clube do livro eram assim. Na lata. Metáfora é coisa de
heterossexual enrustido, pois pois. Que hora esse povo escreve ficamos
devendo, mas que after hours esse povo bebe e se prepara para o verbo,
agora sabemos. Com testemunha ocular da história. Reparem como nosso big
brother é muito mais divertido e muito mais século XIX. O fla^neur está vivo
desde que inventaram a luz ele´trica na paris dos mil e novecentos e tantos.
Medo das trevas hoje ainda não temos. Mas se queres saber mesmo q hora
esse povo não escreve, adentre a taverna desse sítio tão estranho quanto a
floresta de Laura Palmer
http://colorsplash.zip.net/
Tudo obra do olhar blow up de Isabel Santana. Sim, há um crime depois de
cada 3X4.
HOMEM-LAXANTE
Foi nessa vibe-viborowa que colei na Mercearia São Pedro para o nosso
Bloomsday fora de época, uma micareta alcoólica com Ele, o homem, o mito, o
fígado de ouro, o bravo herói da resistência carioca Sérgio de Magalhães
Gomes Jaguaribe, Jaguar, o fundador da Banda de Ipanema, o Neruda do pé-
sujo, autor do clássico “Confesso que bebi”, o garoto de todas as fuzarcas.
Joca Reinerrrs, primo da Charlize Theron, que graça de menina!!!, ainda fez um
quatro, mesmo embriagado pelos fermentados de um amor encorpado.
-E não tinha mulher nesse encontro, tio? Ah, tinha, até que tinha, mas só
mulher dos outros.
já é carnaval!!!!
A MULHER E O GARÇOM, OU SEJA, AS MELHORES COISAS DESSE
MUNDO
Resposta: Ora, ora, tolinha, a lição que pedes, como quase tudo nessa
vida, está numa canção do Roberto, a grande educação sentimental de
nosotros. Repare direitinho, está tudo lá, em Cavalgada, escuta só: “Usar meus
beijos como açoite/ E a minha mão mais atrevida”. Depois o bofe ainda vai
cantar feliz, como naquela música de Otto: “Dedo de Deus tocou em mim...”
Mas vai com delicadeza, que é mais gostoso, como se dizia ontem no bloco
das Virgens de Olinda. Cariño, tua M.C. Solitários
**
Privilegiada e abençoada M.C. Solitários, serei breve, pois o meu
problema é um pouco pesado para me expor assim em público. Acontece que
meu marido se recusa a bater em mim, por mais que peça, clame, rogue aos
céus, chore aos seus pés, implore. E sem apanhar, normal que sou, não faço
amor direito, não faço amor que preste. Que fazer para despertá-lo? Tem jeito,
sábia cigana? Ass. Justine, Consolação, São Paulo (SP).
Sim, claro que ela é linda e tem os zolhinhos saltados para além do próprio
juízo, vistosa, gostosa, charme e bons pisantes, calçado bico decente, uma
coisa, faz é tempo, desde aquele aniversário, vestidinho verde num
apartamento de Santa Cecília/Higienópolis, libra, rock, e para o bem e para o
mal eu via uma certa máscara nouvelle vague, sabe? O aparente do aparente,
como na leitura da vida pelos judeus. Mas eis que depois de algum diálogo,
nada mudou muito, virtualidade, eita, platonismo, algodão doce da existência,
como criança que vê bichos nas nuvens, e ela lá com suas heranças
amorosas, como as nossas coisas/todas que enroscam e paralisam. Mas eis
que vamos ao sujinho, madruga pós-Bortolotto, nosso único e verdadeiro
dramaturgo, que nos acompanha noites brancas com ou sem Deus, e ela,
gestos solenes como uma deusa, pede: MOÇO, COM ARROZ À GREGA!
Nada mais comovente do que uma mulher que assim solicita, arroz à grega,
um clássico, e ensaia o garfo como quem cutuca a própria humanidade,
ervilha, cenoura e outros verdinhos possíveis, repete, amor, a vida é sempre à
grega, trágica, a vida ao mesmo tempo é simples como o pedido dela, como
esse pedido a humaniza... e eis que ela me devolve de presente a surpresa e
manda embalar para a viagem o que sobrou da asa e da coragem e agora
estou eu aqui, lição de coisas, lambendo os beiços, gloss-baudelaire, já é,
promessa de felicidade, graça alcançada de quem acredita na beleza.
Sossega, nega, não se morre de amor nos trópicos. A morte amorosa é uma
invenção dos que hibernam como ursos da Sibéria ou cinzentos donzelos
alemães...
O tio tenta uma filosofia de consolação para a amiga que sofre e pena entre a
Angélica e Augusta como se fosse num inferno verde de fitzcarráldica fábula
babilônica labiríntica, danou-se! a menina nas asas da hipérbole-helicóptera.
Te juega, nega, aqui não se morre disso. Se o jovem Werther aqui fosse
nascido, até choraria um tanto o seu infortúnio, mas já já algum vagabundo
passaria na sua casa e eles iriam tomar um ele & ela (caldinho com cachaça)
na Várzea ou no Pina, freguesia do Recife, iam tirar uma onda na barraca de
Jesus ou no seu Rainha, na mesma cidadela invicta, iam tomar uma com
Franciel, pura ingresia da Bahia, lá nas beiradas do mercado de São Joaquim,
na frente daqueles garajaus com bodes pretos e galinhas idem, além dos
gabirus na lama dos currulepes que ali dançam aos pés dos bêbados, seres
com ou sem asas para trabalhos de macumba, como reza o manual de
zoologia daquele cego portenho da gota.
Sossega, preta, roga uma praga neste peste e pronto, cai de novo na lama
milagrosa do hedonismo. E se a vida atropelar, de nuevo, na mesma curva,
anota a placa, menina, e arrisca no bicho.
OU QUASE
Acabei de enfiar o dedo na tecla del apagando idéias de merda como suposto
ex fumante que mente para si mesmo pra mais quem interessa a fábula com
filtro de esopo o misantropo que apaga o post como o cambista que apaga a
pule do jogo.(...) reticências como na morte a crédito do velho céline, sabe?... e
é isso
Infelizes dos que não nadam no seco da existência e não catam lambaris de
mosaicos, giz, SASHIMIS DESENHADOS NA PAREDE PRA GENTE PULAR
NA PONTE FEITO KAMIKAZES-PAREDEXS, trombadinhas de rodapés, jogo
de amarelinha de meninas tontas que trocaram calçadas por celulares; salve os
que acreditam nos mares, oceanos brancos e vermelhos; os outros terão
apenas o reino sem volta das decepções sem troca e sem cura dos homens
sem hedonismo, os homens que irão morrer orgulhosos dos vermes que lhes
cutucam os cus neoliberais, CUS DE JUDAS e lombrigosos e THE END,
problemas de vocês.
VIVER É NADAR NO SECO [OU BREVE COMENTÁRIO A RESPEITO DE
VIRGILIO PIÑERA]
Não me deito deitar já não posso, quase aurora, pois ela vaga no juízo como
objetos de madeira sobre as enchentes, adiaria essa madruga que estivemos
tão colados para sempre, até esquecemos códigos e amizade e ensinei-lhe
beijos públicos, fragmentos do discurso do namoro, ajudamos sem culpa os
mendigos e, pasmem, um tal de Roberto Carlos _teria sido a recompensa
divina?_ avisou ao garçom que havia pago a nossa conta.
Era uma vez uma rapariga devota, masoquista, religiosa, que parava o tempo,
mil e uma tardes em hotéis baratos, cortininhas de pano fulero balançando , era
uma vez só para escapar do tédio, ou seja, da morte amorosa, sendo assim o
referido tédio o correspondente à morte de fato que tanto temia Sherazade,
como me sopraria num sonho, dia desses, um escriba mexicano, cavaleiro
andante, galope elegante, armado de arcos, liras & elipses. Era uma vez uma
rapariga que subia lindamente os degraus dos hoteizinhos baratos, das
espeluncas do centro, dos motéis mais singelos, só para escapar da morte do
tédio, pois o amor é vespertino e só viaja pelo acostamento.
E caminhava semelhante à noite. Eita que agora dei pra roubar, de ouvido, sem
aspas, platônico, até versos da Ilíada e imitar os passos dos bêbados das
antigas, que classe, rapaz. Bom dia noite que me entende e me entrega a
senha da existência. Se a noite é uma criança eu sou da pedofilia desde
criancinha, meu velho e bom Antônio Maria. A senha pra renovar mais uma
noite como o portal da passagem do calendário lunático. Não para sempre,
lugar que não existe, mas para renovar mais uma noite no cartão de ponto dos
bares, meus bares meus mares e meus nados sincronizados no seco, como
Moisés sobre as águas, cada um faz o que pode, meus lambaris nos mosaicos,
meus beijos nos pezinhos cobertos de esmaltes. Bom dia noite, estou amando
os erres rrrrrrrrrrrrrr arrrrastados de uma paulistana que atira doces vocábulos
como quem mira de metralhadora meu coração como alvo, quanta elegância
nas mulheres de São Paulo, a praia aqui é o bazar do Herchcovitch [sic, vixi,
oxi] nunca escrevo correto esse batismo. Eu caminho como quem dá bom dia à
noite, bom dia lua cheia que deixa as mulheres mais doidas, bom dia botas de
mulheres lindas que pisam asfaltos,lábios e pistas, beijos avulsos de amores
molhados de tão líquidos, bom dia domingo que me guarda fanhoso como os
radinhos de pilhas futebolísticos dos porteiros de domingos, bom dia meu dia
possível, e que o sol leve meu cachorrinho imaginário, minha cachorrinha
Laika, para passear no espaço, enquanto certamente estarei sonhando contigo,
sonhos de domingo, minha cadela mais linda do meu acertado naturalismo-
realismo infinitamente barroco, lezama-me, lima, meu santo lesado do pau oco.
“Decifra-me ou te devoro”, foi logo berrando a Esfinge, num grego das antigas,
“o que tem no copo vermelho, meu filhooooooo?”
Eu mal escapara das garras dos tubarões de Boa Viagem, “benvindo ao Recife,
na próxima te pego, meu nego”, dissera o monstro dos mares com seus dentes
afiados capazes de fazer dos surfistas meras criaturas esquisitas sem pé nem
cabeça _como uma história mal contada.
Aquela voz que saía de dentro do copo gigante e vermelho me deixava sem
saída. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, prevalecia o adágio
naquela manhã de 30 graus.
Vejo algo como se fosse a ponta dos dedos de um mulher, unhas e mãos
vermelhas, tentando sair do copázio. Pelo barulho, alguém tenta puxá-la pelos
pés, como se dissesse: o copázio repete a vida lá fora, quando uma criatura
tenta subir, vem alguém e lhe puxa a perna.
Agora ensaia-se o motim, percebe-se. Mas será por que somente as fêmeas
tentam a fuga?
Tento ganhar tempo com a Esfinge. O tic-tac do relógio como num quiz show
de auditório fuleiro.
Arrisco a minha cabeça quando avisto uma ex-afilhada de Balzac que põe só a
cabeça de fora do copo. Havia rejuvenescido pelo menos umas duas décadas
meia. De balzaquiana a rapariga em flor. Mas quando ia respondendo, outro
evento me choca: minha sobrinha Alice, de seis anos, já portava lindos e
maduros cabelos brancos.
Repensei. Não, não pode ser uma fonte da juventude depois do ocorrido com a
Alice menina. É algo mais sofisticado em matéria de maquinaria do tempo.
Parece o Castelo dos Cárpatos, de Julio Verne... Ou seria a Ilha do Doutor
Moreau habitada pelos homens invisíveis de G.H. Wells?
Não, certamente não seria tão óbvio, muito menos estaria ligado tal copo a
livros fantásticos ou sonhos.
A brisa marinha, num pitaco dos deuses, assobia-me uma canção que ouvi há
muito no rádio. Epa. Tá quente.
Arrisco, dona Esfinge: é sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de
ar!
Sim, estive com o Rei. Não poderia esconder de vocês essa bela
aventura. Aventura sim senhor. Não estive com o Rei num lugar qualquer. O
encontro deu-se em alto mar, num cruzeiro pelo Atlântico, costas do Rio e de
São Paulo.
O Rei está muito bem, mandou lembranças, obrigado, praticamente livre
do seu TOC, o transtorno obsessivo compulsivo que tanto perturbou o seu
juízo. O Rei faz uma chapinha besta para eliminar os caracóis dos seus
cabelos.
Faz e assume.
As afilhadas de Balzac vão à loucura quando o Rei aparece. As lindas
vovôs gritam histéricas como as mais gasguitas das ninfetas. Mulher é tudo
louca, sopra a brisa chamada Lacan.
As canções que você fez pra mim.
Eu te proponho, nós nos amarmos...
Se um outro cabeludo aparecer...
Vou cavalgar por toda a noite...
As flores do jardim da nossa casa...
Meu cachorro me sorriu latindo...
Vista a roupa meu bem, e vamos nos casar...
Quem nunca deu aquele amasso no portão ao som do Rei?
Quem nunca lavou o carro no domingão, suburbanos corações, ao som
do disco novo do Rei?
Quando, você se separou de mim, quase a minha vida teve fim... Chorei!
Acompanhei Roberto para uma reportagem da revista “Trip” que está
nas bancas. Corra, Lola, corra, que já está esgotando. Se perder, apareça, te
dou a minha.
O importante é que emoções eu vivi.
Até a Lady Laura, a mãe do Rei, eu conheci de perto. “Me leva pra casa,
Lady Laura, me conta uma história, Lady Laura”.
Só lembrava de Maria do Socorro, a minha mãe, brava sertaneja. Um dia
a levo num cruzeiro. Eta marzão!
Perguntei ao Rei: Amor só de mãe?!
Claro que não, disse, com aquela risada, bicho, de sempre.
O inimitável Roberto.
Um colega perguntou sobre sexo. “É importante, bicho”, lacônico, e de
novo aquela risadinha de todos os tempos.
Até “negro gato” Roberto cantou no show do transatlântico.
Com o Rei pelos mares nunca dantes.
Eu tenho tanto para lhe falar, mas com palavras não sei dizer, como é
grande o meu amor por você!
O Rei aparecia a madrugada no cassino. Caça níquel. Bati o Rei na
roleta.
E sabe quem também estava com ele, o Miele, lembram? Foi mestre de
cerimônias de um karaokê com as canções do Roberto. Também fez o seu
showzinho de velhas piadas e muita bossa.
Não adianta nem tentar me esquecer...
É, amigo Pasquale, os erros tantos do meu português ruim.
O importante é que ereções eu viviiiiii!
A SHERAZADE DA AUGUSTA FINALMENTE LEVA O MAR DE HISTÓRIAS
AO SERTÃO -É O FIM
Sherazade diz “vamos simbora que o novelo acabou, sete homens, sete
capítulos, sete noites subtraídas de mil e uma”, entra num táxi e começa a
contar a história do seu ultimo gozo, como o coração dele batia, o pulso, a
tatuagem de Corto Maltese nas costas, homem forte, a viagem, e conta com tal
suspense e gosto que ao chegar ao destino o taxista diz “ah não, me conta
mais, num pára, agora não, pelo amor de Deus, me conta”, e segue com o auto
pela pista afora, sem destino, só para ouvi-la, ela narra a do homem que de
tanto amar se transforma no gênio da lâmpada tão-somente para fazer todos
os gostos e desejos da amada, ela conta do outro cabrón que virou jardineiro
só para cultivar as próprias flores que levaria todos os domingos para a amada
_ele não via sentido em deixar outros homens tocar em nada, terra, estrume,
borboletas, que encantasse a sua moça!_, ela conta do rapaz que furou os
seus próprios olhos depois de ter gastado os olhos com a coisa mais linda da
sua vida, a nova amada, ela conta, ela conta, e o auto larga-se na cosmopista
entre o sonho e a vida, ela embeleza tanto aquele homem forte ao volante que
o vê como pássaro a voar como delicadíssimo passarinho, “ah o poder infinito
das narrativas”, ela ri ao vento, com um certo orgulho, e o auto num pára mais
nunca, já já atravessará os desertos, o São Francisco, o raso da Catarina, os
rastros de Lampião, o recôncavo já se foi, ali na frente a Pedra Bonita, mais
adiante o Recife, a nova Amsterdã, a rua da Aurora, e sobe a serra da russa, o
cheiro de abacaxis e tristezas descascadas, passa por Bezerros, oficina de J.
Borges, as máscaras dos papangus, carne de sol nos varais como as roupas
das almas que vagam, o asfalto como testemunha e miragem, um
derramamento de contos pelo agreste, ai meu deus, a noite já cai sobre as
cidadezinhas que dormem guardando seus homens de outras narrativas
estrangeiras, as cidadezinhas sem nome, as histórias como gasolina da
existência, e já já o azul desfocado dos olhos de Jorge Luis Borges choverá
nos olhos do violeiro cego os labirintos do mar que o sertão tanto merece.
LESTE O ESTRANGEIRO?
Ninguém sabe o porquê, mas houve, é tanto que ele rasgou a meia, a meia-
calça dela, a meia do prefácio do frio, todinha, e derramou cachaça nas coxas
e mordeu, mordeu, mordê-la era destino, pernas dantes apreciadas, e botou a
meia no bolso do casaco, guardou como quem guarda uma anotação de
precioso conto, o capote, o nariz de Gogol, como se fosse a “orientação dos
gatos”, de Cortazar, guardou a meia como memória do gosto, e saiu daquele
bar, seu mar, donde muito nadado no seco havia, e atravessou a rua como o
mar vermelho de Moisés, aos seus pés, e dali se destinaram a um hotel do
centro, e fez-se escuro, e o resto, o fim, foi narrado por um cego, que nem viu
quando ela derramou aguardente na própria buceta, na ladeira do umbigo, e
ele loucamente a sorvê-la, as duas coisa que mais gostava na vida: vem,meu
bem, me bebe como se um gozo engarrafado te causasse a maior das
quedas, o fim, o precipício, a agonia das mãos no dia seguinte sem mais tê-la.
Minha amiga Gigi, Miss Gi, torrou uma grana no salão metido a chique, ora, era
aniversário do bofe, queria fazer bonito, mostrar para a ex dele, aquela piranha,
que era mais ela, mostrar para a sogra, sempre do contra, que tava podendo,
que sai debaixo, que sai da frente, que debaixo dos seus cabelos, mil e uma
noites, chega de caracóis, e histórias para contar, aí, aí, vai encarar, sou mais
eu, madeixas, ame-as ou deixe-as, e dá-lhe a alisá-las, no ferro em brasa, uma
beleza, via só as pontas, nervosa no espelho, meu Deus, vou arrasar com
aquela vaca, capricha, capricha, dizia para a cabeleireira, o ferro em brasa,
como quem ferra um boi, fuerza en la peruca, os fios na estica, capilares
corazones, Miss Gi toda-toda, arrasô a fofa, tá meu bem, passar bem, a chapa
quente, aquele movimento em “s”, para cima, para baixo, adeus meus cachos,
supresa mais linda, niver do bofe, desgosto para a ex, veneno para a sogra,
capricha fulaninha, fuerza na tomada, 220 volts esta noite, Gigi sai uma
lindeza, o ventilador sopra no teto, vê-se na sala toda-espelho, Narciso perde
nessa hora, o mundo é todo inveja, cabelo ao vento... peruas jovens reunidas,
Miss Gi torra toda a grana, tudo vale a pena quando alisa-se até a alma, sai
toda empolgada, sai à rua como uma estrela, passos de modelo, ate que o
sonho vira pesadelo, como anuncia o homem do tempo: uma chuvinha, uma
chuvinha, uma chuvinha... uma garoa de frente fria acaba com o orgulho de Gi
e sua caprichada chapinha!
TOCA OUTRA VEZ, TOM WAITS
As separações nos levam vinis e livros e isso é lindo, de alguma forma ficamos
lá sob agulhas que nos tocam como boleros e sob os olhos da ex que nos lerá
nas suas entrelinhas; os amigos não nos devolvem nossos livros, e isso é
melhor ainda, pois os amigos são para toda a vida, os amigos podem levar
nossa estante inteira, é bom que os livros andem, passeiem, se desmanchem,
copulem com outros volumes, sintam o gozo masoquista com outras traças
desconhecidas; igualmente lindo é quando reencontramos esses coisos que já
passaram pelos nossos sentidos e olhos; parecem mulheres ou grandes
amigos que não vemos há tempos, que bom, me dá um beijo, como vai você, a
vida tem lhe tratado bem, o que tem feito?
Numa visita que fiz ontem aos subterrâneos de babel, tive um alumbramento
desses atrás do outro; logo de cara dei com “Prosa do Observatório”, Cortázar,
e dele mesmo, mais adiante, amassei, como quem amassa uma antiga
namorada, “Orientação dos Gatos”... E haja aqueles livrinhos da coleção
“Cantadas Literárias”, sabe “Porcos com Asas”, aquela delícia de putaria e
política? Da mesma Brasiliense, que nos alumbrou tanto nos 80, catei com
gosto “Mulheres”, do velho Bukovski, enquanto “Luna Caliente”, do Mempo
Giardinelli, da Olho da Rua/LPM, já dançava nas minhas lentes verdes...
Existem várias maneiras de arruinar aquela grande noite. A noite dos sonhos, a
noite do meu bem, como canta Dolores Duran. Uma delas, além da ansiedade
que estala no corpo feito aqueles taxímetros dos fuscas das antigas, é tentar
reinventar a roda, digo, o sexo, como se fosse possível recriar o Kama Sutra.
Se bem que outro dia, combalido pela falta de potássio e de um sexo mais
selvagem para a idade, tive um câimbra que fez o maior sucesso com uma
moça. A perna ficou dura, dei uma mexida lá meio sem querer, dor da porra, e
me consagrei. Afilhada do velho Marquês, a rapariga achou que se tratava do
mais nobre e desconhecido segredo de alcova.
DRAMA CASEIRO
Nada como um gay nas nossas pobres existências sobre a terra, essa
passagenzinha de nada, velho e bom Kardec.
Sim, um gay de verdade, com toda a sua riqueza de alma.
Agora falando sério: um gay é tudo em nossas vidas.
Duas ou três coisas que deveríamos saber mesmo sobre eles: toda
grande mulher tem um gay como principal e inseparável amigo; festa sem gay
não decola, não emplaca, não orna; o mundo sem estas alegres criaturas teria
muito menos delicadeza e graça.
Festa sem gay não tem liga, nossas mulheres sem eles não são as
mesmas...
São sentenças bíblicas. Deveriam constar de lei federal, nas tábuas de
Moisés, em todos os testamentos.
Você já viu uma festa sem gay animada? Também não.
A pista não pega fogo, as mulheres não têm com quem fuxicar sobre o
modelito da perua de vermelho... Seja forró, o velho e amado roque, música
eletrônica ou um sambinha esquema novo.
Seja em Nova York ou no Crato.
A mesma lição da festa perfeita vale para a amizade das nossas
gazelas. Mulher sem um amigo gay nos arredores não tem graça. Com um gay
como melhor amigo, ela fica mais inteligente, mais bem-humorada, mas
faceira, acerta a roupa que veste, pinta o cabelo pra sair da rotina, o diabo-a-
quatro.
E você, cabrón, enquanto a amada vai ver o filme-cabeça com a biba
amiga, ainda pode ficar em casa curtindo tranqüilamente aquele Santos x
Atlético/PR, aquele Fortaleza X São Paulo, aquele Figueirense X Palmeiras.
Ora, nada melhor para nos livrar daquele filme iraniano, paquistanês,
taiwanês, chinês...
Uma beleza, uma mão-na-roda essa união. Sem esquecer, claro, que
você, cabrón, também terá um grande amigo, normalmente brilhante, para
quebrar um pouco a rotina da testosterona à milanesa do boteco.
E você ainda pode aquendá-lo, vez por outra, com uma graça do tipo
“rapaz, amigo gay para mim é homem...”
Ai vem você e diz assim: não vem mais com aquelas coisas,
provocações, sexo, sabe, nossas perversidades de sempre, te peço,
encarecidamente, duas vias, papel caborno da burocracia da
existência, carimbo, guichês, filas que andam, como se a quentura dos
seres assim esfriasse, como se tomássemos o antitérmico do amor e
da lenha das nossas sortes; aí donde eu: oxi, foste tu que começaste
nas todas vezes últimas; eu sei, mas só te aviso, sabe; não; que
sentido fazes?; e se ele soubesse daquele beijo na boca?, na frente do
povo?, te daria um murro; ah, não se bate num homem de óculos em
seus domínios; e foi na boca mas só raspou o gloss, nada de garganta
profunda; lábios que eu beijei, né questão de posse, só merecimento
por antiguidade, serviços prestados, usucapião do teu coração que por
mim, só por vício, nem mais por amor, ou agora é que será, ainda bate.
Mas o que está em jogo agora, companheiros, é o fim das dentucinhas. Uma
lástima, uma tragédia da anatomia brazuca. Vocês lembram como eram
especiais os beijos das dentucinhas? E os dengos orais das dentucinhas?
Triste correção. Isso é o que chamávamos antigamente de um tremendo crime
vulgar.
SOBRE A ASMA AMOROSA
Não há mais dúvidas: quanto mais beira o verossímil, com gritos lancinantes na
noite, como assimilamos do cinema, mais fingido é o tal do orgasmo. Nunca é
condizente com a nossa performance e suor. Os melhores e mais
recompensadores orgasmos guardam o bom preceito da educação dos
gemidos.
Por mais megalomaníaco que seja Vossa Senhoria, recomendo que não
acredite naquelas algazarras, feiras amorosas, sacolões do sexo, capazes de
fazer os vizinhos pularem da cama só de inveja. Aquela gritaria toda, meu caro,
só vale para provocar um problema dos mais graves. Deixará o casal que mora
do outro lado da parede em pé de guerra, uma vez que a mulher, atenta à lição
de gozo comparado, vai exigir mais, muito mais, mais e mais, e mais um
pouquinho ainda, do seu colega de prédio ou de rua. E o pior é que os gritos
lancinantes só costumam ocorrer quando o gozo não passa de teatro, puro
teatro, falsidade ensaiada, estudiado simulacro, como canta a deusa La Lupe.
O gozo desesperado costuma ter origens variadas (falar nisso, por que
ninguém cita mais W. Reich, meu ídolo da lira dos 20 anos?!).
O cafa poético não é nada óbvio. Sabe, inclusive, que nem só de gostosas vive
o homem. É capaz de devotar-se àquela mulher que ninguém dá nada por ela.
E de repente descobre que trata-se de um sexo sem precedentes, um vulcão
nunca dantes despertado para as artes da alcova.
O doce cafajeste entra no saloon e não atira para todo lado. Não gasta balas à
toa. Sempre escolhe um alvo. O caricato e amador gasta as balas do colt até
com as mulheres dos amigos, embora não tenha arma para matar sequer uma
formiga.
O falso cafa é só “garganta”. Transando ou não transando,diz que transou, e
espalha a lenda urbana. Seu caminhãozinho não perde a viagem... Mas areia
que é bom de verdade... O cafajeste romântico é discreto.
O cafa caricato se acha. O doce cafa sabe que hoje está por cima e amanhã
pode muito bem estar por baixo _mas que seja, pelo menos, de uma bela
moça, claro.
No catecismo do cafa romântico, não há nojinhos nem proibições. O amador é
asséptico e limpinho.
O cafa sexy, senhores, se pudesse, voltava para o útero por dentro da mulher
mais linda da cidade, como na crônica do amor louco do velho safado Charles
Bukowsky.
O amador se contenta, muitas vezes, com um sexozinho virtual no Messenger.
Sem cheiros, sem odores, nada visceral. Ele ainda não sabe, como soprou aqui
mil vezes o passarinho Kac, que para curar um amor platônico é preciso uma
bela trepada homérica.
DA DEVASSIDÃO COMO POLÍTICA DA FÊMEA... [REPUBLICADO A
PEDIDOS]
Tão lindamente sacana, ah, que nega a minha nega, derreto-me como
manteiga!
Ela quer saber se estou gostando, claro que estou mortinho ali no pré-
gozo. Tem um orgulho, “vê como faço bem feito e com gosto”, ali naquela
olhadinha plongé, contra-plongé, depende de quem vê...
Não resisto a olhadinha lá de baixo, vem cá, estou longe e perto, meu
amor, tudo em volta está deserto, tudo certo, como na canção do 2 e 2 são
cinco. Como nosso universo é tão perfeito aqui na cama, só na cama, lá
embaixo, na cama zen, japão do amor, horizontalizo-me, para sempre, viro
réptil, nunca mais me levanto, nunca mais me levanto e ando, odeio meus
Lázaros internos, agora eu quero mais é nadar no seco, melhor jeito de
navegar aos teus pés, e de vez em quando, quer saber?, afundo as mãos nos
arrecifes e te dou um peixinho, como aquele do conto de Virgílio Piñera, que
aprisiono nas profundezas sujas das nossas existências.
Enquanto isso, pertíssimo dali, e logo às 19h, no glorioso bar futebolístico São
Cristóvão [Aspicuelta, 533, na mesma citada VIla], Allan Sieber bota em vossas
mãos a F # 4, agora publicada pela Conrad. Tem uma entrevista foda com
Fausto Wolf e desenhos do próprio Sieber, Leo, Fabio Zimbres, Rafael Sica,
Langer (sim, tem argentino na F) e a inimitável lenda urbana Schiavon!
Mais tarde um pouquito, ali das 22h por diante, na mesma Vila Madalena,
Clarah Averbuck, Alex Antunes e este escriba que vos sopra a nuca
apresentam a sensacional Trilogia Suja de Sampa. Não,não é sarau. É
prosódia beat contemporânea, free style, jazz de letra, enfim, lama falada e
nado sincronizado no seco. É festa. Tem o próprio Alex e Alessandro Psycho
nas picapes. Adonde essa zona toda? No Studio SP, puta lugar bacana – r.
Inácio Pereira da Rocha, 170.
Nos vemos logo mais nesse verdadeiro Triângulo das Bermudas de atrações e
cachaça. Vou de vermelho e branco. Pra quem não me conhece, serei aquele
mal-diagramado abraçado a uma linda garrafa de Germana!
Impagável uma mulher quando acorda. Nada mais lindo e misterioso do que
uma mulher acordando. Do que uma mulher antes das 10 da manhã, como
uma vez vi umas fotos num livro de arte inglês, pelo que me lembro ou sonho.
Uma mulher e suas verdades nos olhinhos que se espantam com o mundo
como uma criatura que acaba de sair do útero, o maior dos sustos, o maior dos
assombros da existência.
Existem aquelas que não estão nem ai, estas são raras, acordam e te
presenteiam com aquele sorriso, como se tivessem sonhado com a
possibilidade do nirvana ao teu lado, cria da tua costela, como canta o outro
Chico, uma beleza essa menina!
Outros te mandam embora antes da aurora, para dormir o sono dos justos, leve
como a pena do ganso no travesseiro, o sono que livra de pesos na
consciência e possíveis laços imediatos. Certíssimas, essas moças, sábias
moças.
Nada mais lindo e misterioso do que uma mulher acordando, seus gestos, a
dramaturgia, o arranque para a vida ou a inércia nos teus braços.
Primeiro exercício:
... como na lição do velho Jota Cheever, amigo platônico incrível, mas
sem exercícios de estilo [ou perobices de gênio], ora, caray, aqui vale a
cremação e os degraus do desespero, aqui vale a escada inútil, aqui vale o
fogo nas vestais, nas vagabas e na mulher-abismo, como se escrevesse com
sangue e gasolina o próprio incêndio, e ainda sobrasse fogo para o isqueiro do
idílio, o último cigarro, o último gole, o último suspiro de Caryl Chessman, como
se escrevesse uma carta de amor expressionista, depois daquela festa, uma
missiva certeira, como um tiro de marido traído, uma escrita-réptil, sem deixar
rabos, uma carta ridícula, brega, como todas as outras, selada ao cuspe da
derradeira punheta, a carta ali, no lambuzo da existência, longe do alcance da
maldita, na febre do rato, na peste bubônica, na urgência de quem extrai uma
bala, alojada no osso de um crânio cuidado frágil.
Se o namoro ainda não tiver começado, largue a mão dessas cantadas baratas
e internéticas e atire a garrafa aos mares. Uma boa carta de amor é irresistível.
Mas não vale copiar aqueles modelos que vêm nos livros. Sele o envelope com
a língua, como nas antigas, lamba os selos, esse pré-beijo dos lábios da futura
amada.
Uma carta, até mesmo de amizade, deixa a gente comovido, como a que
recebi outro dia de Fábio Victor, escriba e amigo do Recife que habita a velha e
fria Londres.
Pela volta da carta, que já é por si só uma maneira devota, um tempo que se
tira, sem pressa, para dedicar-se a quem se gosta. Pela volta da carta, pois o
que se diz numa carta é de outra natureza, é o bem-querer em tom solene.
O que você está esperando, meu amigo, minha amiga, largue esse cronista de
lado e debruce-se sobre a escrivaninha. Uma mesa de bar ou de um café
também são bons lugares para assentar as suas mal-traçadas linhas.
Um namoro, romance ou cacho somente à base de emails não se sustenta,
mais parece uma troca de ofícios, “venho por meio desta”, uma troca de
protocolos, mensagens comerciais. Um amor sem uma troca de cartas, nem
que seja bem rápida, ainda não é amor... O que você está esperando? Vamos
lá, cabrón, adelante chica, papel, tinta e derramamento, faz favor!
Só nos resta uma saída honrosa a esta altura da balbúrdia que toma conta do
mundo: inscrevermos nossos batismos na velha Sociedade dos Amigos do
Crime. As regras são quase as mesmas, com algumas poucas atualizações da
crônica de costumes dos tempos do marquês. Vale sobretudo o artigo
segundo: “O indivíduo que queira ser admitido na sociedade deve renunciar a
toda espécie de religião, submetendo-se a provas que constarão seu desprezo
por esses cultos humanos e seu quimérico objeto. O mais leve retorno de sua
parte a tais asneiras implicará sua exclusão imediata.” Lembremos também o
artigo 12º:“Nos horários consagrados ao prazer, todos os irmãos devem estar
nus e misturar-se uns com os outros, gozando indistintamente...”
DECÁLOGO DO BOÊMIO
3)Boemia é como futebol, é ritmo de jogo, seqüência; se você a larga por uns
dias, ela te pega na volta, mesmo que peças,suplicante, a tua nova inscrição.
7) É livre o “pindura”, data vênia, para fregueses com mais de cinco anos de
casa, como reza a lei do usucapião.
Nick Cave clama "Do You Love Me" no clipe gravado no Love Story, Tom Waits
recita "Rain Dogs" na praça Roosevelt, uma canção brega no rádio do táxi, tire
o seu sorriso do caminho, suba a Consolação comigo, que eu vou chorar com
Wander Wildner.
Derramo lágrimas de vinho barato, choro as dores novas e faço iê-iê-iê do
amor que perdeu o prazo de validade, já foi tarde. Flâneur ordinário, sigo o
caminho do cemitério e imito de forma caricata os passos dos vagabundos que
sofrem nos romances russos. Até que me deparo com o trovador punk, que
canta no porão da rua Piauí as desventuras de ratos e homens.
"Estoy subindo las montanhas da guarda/.../ y tiengo um páraquedas para te
salvar/ porque trago um pára-quedas em mi corazón", manda W.W.
Mesmo os que não derramam lágrimas alcoolizadas, choram de alguma forma
no show. De lá não se sai ileso, mesmo o mais empedernido dos machões.
W.W. nos faz lembrar, com o seu punk brega, que somos caras carentes,
desajustados habitantes da imensa Carençolândia que é a existência; nos faz
rir das nossas assombrações, da nossa tara pela vizinha, da empregada de
Guadalajara que um dia trabalhou para Elvis nos seus tempos de seresteiro.
O show deixa patente que a vida não é mesmo bossa nova. A vida ou é punk
ou é brega. E W.W., como poucos, sabe fazer labaredas ao juntar essas duas
correntes. Um show para quem não tem medo de cair, para quem domina a
arte de nadar no seco.
Loucura de Zidane? Nada disso. Um craque como ele tem todas as razões do
mundo para perder a cabeça ou ganhá-la mais uma vez neste mundo pós-
guilhotina e órfão dos São Jõoes Baptistas.
Não quero nem saber o motivo, mas Zizou tem suas razões, claro.
Sem time nem pátria na final, eu e alguns amigos até estávamos inclinados pró
Fontanna de Trevi, justamente pela fantasia de Fellini, mas bastou aquela
cabeçada e as besteiras de Galvão Bueno sobre o fato, ignorando a vida e a
existências dos demasiadamente humanos, para eu mudar de lado. Aqui o
narrador televiso como idéia e representación da mediocridade brazuca que
unem redundantemente a classe média e todas as suas escrotices.
Toda criatura desta terra tem toda razão possível, num momento qualquer de
sua natureza, de dar uma cabeçada num zagueiro, num porteiro, numa grande
ou pequena autoridade, seja ela um soldado-raso ou um presidente da
República.
O que falta no mundo são homens como Zidane, que não se guiam pela
etiqueta de governos ou da Fifa. Um gaulês de verdade, um gaulês das
margens das páginas, um gaulês da guerra da Argélia, um gaulês da periferia
étnica que uma vez se juntado a porras tantas e ovários d´outras plagas forma
uma lindeza estética que provoca ira e raiva a tantos povos ditos puros e
inseguros dos pés às cabeças passando pelos cus de Judas, claro, né não,
meu velho e bom Lobo Antunes?
[*verso de Roberto & Erasmo cantado por Antônio Marcos e agora virado
subversão na voz do inconfundível e inimitável Wander Wildner, que canta hoje
no Café CAMALEHON, Rua Piauí 103 - Higienópolis,ali colado no nosso futuro,
o cemitério]. Além muito além do marido de Vanusa, tem Sex Pistols (Lonely
Boy),Rolling Stones (Out of Time), Ramones (I love You), Graforréia
Xilarmônica (Amigo Punk) e Iggy Pop (Candy).
UM HOMEM SEM ROSTO NA MULTIDÃO
Passa boi, passa boiada, e ninguém olha pra você. Ninguém reconhece,
ninguém fala, você não existe. Você é apenas uma mão esticada na multidão.
Uma mão rejeitada. Ponha lá a Gisele Bündchen e a Naomi Campbell e
ninguém reconhecerá as beldades. Ponha lá um di Caprio, e nenhuma moça
dará gritinhos umedecidos. Lá, nenhuma gazela pára o comércio, nenhum
astro incomoda o trânsito.
A fofa até pegou o panfleto que eu distribuía –“Rosa de Ogum, trago o seu
amor de volta em três dias”-, mas não viu meu rosto diluído na massa, não
disse sequer um “ola, que tal?!’, um “oi” sem graça, um muxoxo, um zumbido
raivoso de abelha rainha. Fiquei a mascar o jiló do desprezo. Ela passou na
sua marcha elegante para os braços de um outro vagabundo qualquer.
Ofendido e humilhado, por causa da Carmen que passou e não me viu, liguei
para a desalmada. Riu às pampas dessa comédia. Na despedida do
telefonema, ouvi o pior que se pode ouvir de uma mulher: “a gente se vê”. Aqui,
madrugada adentro, estou eu a mascar o jiló da solidão e do desprezo.
EXPEDIÇÃO AO BANHEIRO FEMININO
Das lições da anatomia, essa é uma das mais belas. Aqueles ossinhos
prontos a receber, como recitaria Manuel Bandeira, sabonetes Araxás. As
lindas moças dos sabonetes Araxás. Ali guardamos também nossos desejos
ensaboados, aqueles desejos que ainda carecem da mínima convicção, mas
logo logo nos põem caídos aos vossos pés, devidamente abaixados,
destemidos, para apanhar os imaginários sabonetes que despencam no
abismo da existência.
Não, baby, até o cara que acabou de cortar o dedo no balcão do bar aqui da
Augusta, sabe, não sou um cara violento, até o cavaleiro errante que passou
no seu pangaré urbano e branco, sabe, não dou tiros para cima quando estou
ao teu lado, existe apenas algo patético na minha loucura que pretendo trocar
pelos teus lindos olhos e que o troco deixes de inventário para o nosso amor
louco, não, não quero sabotar o ensaio de amor, quero apenas cantar refrões
sofridos no show do Wander, quero ser um cara legal, te ver trocando de
roupas, agoniada com a escolha da blusa, embora nos membros inferiores te
baste um jeans com bom caimento e umas havaianas, além da dúvida
meteorológica, porque ainda não sabes que te esfrio e te esquento conforme
diz a moça do tempo, quero ser um cara legal, esquisito, religioso, que te mira
o tempo inteiro e tem a ciência de que não há sequer meio defeito em cima do
teu corpo que tanto amo, não, corazón babilônico, embora meu olhar para ti
seja um olhar de criminoso, vim apenas fazer um alegre piquenique em tua
vida e deixar farelos do nosso doce na grama para a alegria das formigas.
A ressaca era tão monstruosa que os mortos riam de mim do outro lado do
muro do cemitério. Seguramente, depois daquelas noites brancas, eu estava
mais morto do que eles todos. Arrastava a carcaça, suava frio e doía
justamente naquele lugar do coração que nunca vai ser preenchido, como no
poema do velho Charles, there is a place in the heart that/ will never be filled.
Esse ai estragou a vida mas ela teima em segui-lo, dizia a voz dum morto
franzino do outro lado do muro da Cardeal Arcoverde. A vida gosta das suas
piadas e ri dos seus passos. E eles se divertem juntos lambendo o rés do chão
e os pés de lindas garotas.
Esse ai, o mal-assombro da calçada, deitou ao lado de uma bela bunda, mas
as pernas não encaixaram à perfeição, como dantes. Ele notou que ela já não
tinha mais aquele sorriso capaz de incendiar a manhã e o calendário. Bodeado
corazón. Estava chateada. Aquela viagem ao fim da noite a tirou do prumo:
vinho barato, projeto Fante, Jack Daniels , palavras desagradáveis que saltam
do inferno da gengiva sem dente, Nick Cave e Bjork espalhando convicções e
gilletes, there is a place in the heart that/ will never be filled... Eu sigo.
Tu cabes direitinha nesta nesta manhã, nem carece dizer “que dia lindo, meu
bem”, foste feita para esta manhã, de vestido, pois sol já tem, Elvis voltou para
Acapulco e canta à beira da piscina antes do teu mergulho, maiô azul marinho,
tu cabes todinha na manhã, mas não na terra, nos ares, como naquele quadro
russo, a mulher girando nas nuvens enquanto um homem a segura destemido
pelo braço, ela gira sobre a cabeça dele, que está coberta do algodão vermelho
que tece as redes que protegem, mas não das quedas, não das quedas
precoces do amor, tu cabes girando na agulha dos meus cha-cha-chás
matinais enquanto come sucrilhos e sorri com o tigre da caixa dos sucrilhos dos
campeões, juro que releio Kurt Vonnegut depois da primeira cerveja, meio dia,
então pára de besteira, pára de caprichos e pantins, me liga, tchau e beijo.
Nossa Sra. dos que Amam Sozinho, perdoa-me pela insistência, nem
mais é por tanto quere-la, é por deixar claro, nega que sopra das intimidades
dessa oração, que só ela me faz passar da conta, perversa, cair no abismo
mais lindo do gozo sem volta, como naquele encosto de beira de estrada, como
na rodovia estrangeira de Sam Shepard, crônicas de motel, simbora
Nossa Sra. dos que só pensam Nela, cotovelos lanhados de tanta
espera, tantos sustos nas ruas, nos bares, “é ela!!!”, Nossa Sra. Dos Cotovelos
da Surpresa e das Janelas, cotovelos tão gastos, cinzas, peles, dobras, e tanta
fome de viver aqui dentro, megalomaníaco, épico, terá sido a força dos
indiferentes, meu velho Alberto Moravia?
É mesmo a paudurescência, nostalgia precoce das grandes histórias, o
tempo inteiro, pensando, pensando, pensando, mas no fundo gostas!
Os joelhos lanhados pela romaria, devoção e insistência.
Nossa Sra. da Vida Alongada que consegue, nos seus exercícios de
Kama Sutra, me levar à coisa mais sagrada.
Amor demorado, anjo exterminador da alcova!
Beijá-la demoradamente,como um cristão que dissolve na boca uma
hóstia.
Homem-bomba que troca as 70 virgens de Alá somente por uma costela.
Lua cheia, vida crescente.
Escuto Le Déserteus, Boris Vian, leste?.
Nossa Senhora dos que sentem muito e amam sozinho, rogai por nós
que recorremos a vós!
Ela é um mix de PJ Harvey e Clarice Lispector. Ela faz cinema e é mais sábia
que a Sophia Coppola. Ela sabe quando é serio e quando é ironia. Ela sabe
que a vida é besta. Ela passa às 21h e me pega pra gente ir para o show do
trovador punk-brega, ela sabe os bons refrões, um encanto de moça, simples e
foda, nada metida, não precisa, onde andava que eu não sabia? Ela toma
bloodymary, eu tequila, ela me dá boas idéias para o romance, ela me vê a
cavalo na paisagem, meu cão andaluz a protege dos bandidos e dos
mascarados, ela diz te cuida, você precisa comer algo, dormiu direito?, eu acho
a lua nos céus de São Paulo, eu me comovo e faço terrorismos poéticos,
segura na mão de deus e vai, eu não creio no freio-de-mão do amor, quando
vou, passionais mc´s, eu me jogo, enquanto pj harvey bota uma melodia
inquieta em "perto do coração selvagem".
TEM DIA QUE DE NOITE A VIDA É SÓ DELIVERY E BEIJO NA BOCA
Você beijava tão bem a outra garota, não por modinha, mas porque gosta, e eu
dizia “vamos casar a três”, ah eu já vi esse filme, professor Truffaut, mas pode
ser você e dois homens, eu dizia, o importante é o terceiro vértice, para
amansar a loucura da tradição cristã dos pombinhos, bora, topa? Como você
sabe beijar bem outra garota! Uma arte. Bota Nina Simone pra gente tomar
banho, MY BABY JUST CARES FOR ME, tomar banho de luz apagada, só
uma vela no canto da casa, depois delivery e beijo na boca até chegar a
aurora.
Atiro-me aos seus pés como um romeiro louco que acaba de presenciar
o terceiro milagre de Fátima. Como um homem-bomba que acaba de preferir
esta cria isolada da sua costela a todas as virgens que teria direito logo depois
de explodir contra o alvo apontado pelo dedo de Alá. Ela cai sobre o palco
improvisado naquele decente templo do punk-brega. Luzinhas coloridas,
daquelas de Natal mesmo, Jesus Cristo voltará?, piscam no pedestal do
microfone, aleluia. Os cabaleros que me acompanham cospem fuligem e se
preparam para o pior. A inveja testosterônica exala de todos os subacos del
mundo.
Clarah diz que domingo, que tédio; melancólico, eu diria, tenho feito merdas e
apostado demais no caminho do excesso; ressaca da existência e roxo de
tantos baques e nados no seco; Camis sonha com o Taiti ou um mato qualquer
para fugir um pouco da jaca babilônica; escrevo uma carta ao meu pai, que
mora longe e sem telefone, mas para nunca ser enviada, uma garrafa de
lágrimas é uma garrafa de lágrimas é uma garrafa de lágrimas; preciso
conhecer a casa nova de R., na semana que passou fizemos cinco anos de
amor & amizade; Miss S. está num sítio e diz tem Truffaut às dez, na tevê;
assistir ao mesmo filme, um longe do outro, é como ver la luna caliente, está
em todas as partes, é só esticar a cabeça aos céus e pronto; o horóscopo diz
que Vênus em Leão garante “dia gostoso e animado ”; Clarah acha que tudo é
só falta de dormir de conchinha; A. fez aniversário e eu por recomendações
clínicas pouco fiz; a morena que tem cheiro de maré mergulhou agorinha numa
piscina azul no agreste; me aquieto apenas com as taças de vinho
recomendadas pela OMS; releio as histórias de amor de Adolfo Bioy Casares;
se der sorte, no meu edredon que parece o mar artificial de Fellini, morrerei
docemente.
“Se um cão vadio aos pés de uma mulher-abismo” (ed. finaflor), idílio
real-visceralista –aqui um salve para Roberto Bolaño que estou a ler em febre e
delírio!- tem agora a sua segunda edição na praça. A primeira foi lançada na
Galeria Vermelho, SP, e vendida exclusivamente na Mercearia São Pedro, a
taberna lítero-boêmia de San Pablo de Piratininga.
A nova fornada está à disposição do respeitável público a partir de hoje,
segunda (21/08) às 18h, na Cultura do Recife, ali rente ao espelho do
Capibaribe, a livraria mais bonita do Brasil. Este perro escrevinhador que vos
fala espera os amigos para autógrafos e substâncias embriagadoras d´almas.
A tertúlia faz parte do Festival Recifense de Literatura, que deixa a
cidade em regime de celebración permanente até o próximo domingo.
Apareçam minhas almas perras!
ROMANCE
Não sou Quixote nem meu amigo aqui ao lado, no seu cavalo
igualmente paraguayo, nas pradarias deste deserto metropolitano de uns 12
milhões de habitantes, poderia ser tratado como Sancho.
Mas é como se fosse, se não não seria romance.
Dulcinéia aqui é fácil que nem empurrar bêbado em ladeira.
Dulcinéia aqui já nasce com um ponto debaixo de um poste ou numa
esquina da supracitada rua Augusta.
Dulcinéia tenho muitas, embora não pareça, a maioria em troco de
patacas, as outras, sei lá, por vício, sorte, refeições e belas sestas nas quais
sonhamos filmes e lhes conto recentes crimes dos jornais, além de ler para
elas todas as previsões astrológicas do mês, com direito a interpretações
particulares da lua em Vênus, a lua não sai de Vênus nos horóscopos que
narro.
Dulcinéia não deixa de ser bela por ser fácil, muito pelo contrário.
Mas o quixotesco aqui no deserto de Carençolândia, sina de todos os
cabróns, é ter uma Eva Futura, costela no bafo.
O COMEÇO DA SANTIFICAÇÃO - parte III da nouvelle
_Lê isso ai,quero ouvir! – disse, mandona que só a porra que deve fazer jorrar
dos homens.
Mais uma cerveja, enquanto ficava pronta a comida, e eu estava lendo
para aquela moça de botas longas e sai tão curta, trechos do livro.
Henry Miller havia passado no teste da esquina da Augusta. Ela tomava
conhaque e pedia mais. Eu lia colado ao seu ouvido.
Você precisa ler “Trópico de Câncer”, um incêndio a cada página, eu
disse, assim meio caricato mesmo, panfletário milleriano, usando todos os
clichês, sobre o livraço. Esse é o mais quente. Veio ao mundo em 1934, em
Paris, e somente 27 anos depois, haja moralismo!, publicado na terra do autor,
os EUA. Haja didatismo, pedagogia do putanheiro, praticamente um Paulo
Freire do baixo meretrício.
_Quero!
Irresistível uma mulher que pronuncia “quero” com olhos tristes e como
se tivesse vivido anos ao teu lado. Era a sensação. Ou seria a embriaguez?
Tanto fazia àquela altura.
_Por que você não me leva para sua casa?_disse. _A noite tá tão
gelada!_ dramatizou, como qualquer mulher de verdade.
Por um segundo pensei: poxa, se levo essa cria da minha costela para o
meu lar doce lar... acabo não escrevendo esse frila, me fodo, nada de costura
pra fora, nada de encomenda, preju à vista.
Não perguntei o preço do programa, achei uma falta de educação e
civilidade com uma rapariga tão bela e de olhos marejados pela garoa das
calçadas.
Lá vamos nós... Minhas pernas cansadas, Dulce, Dulce, Dulcinéia, Dulce
bela, bela, 15 latas de cervejas, meia garrafa de White Horse... e alguns bifes
com batatas.
_Cadê o livro que você falou?
Era a primeira puta que subia à minha casa e perguntava por um livro
antes de qualquer outra coisa. Milagre de São Henry Miller, Santo Henry Miller,
pensei, salve,salve.
Não achei, na bagunça do meu labirinto, o lembrado “Trópico de
Câncer”. Mas pus no seu colo uma pilha de relançamentos recentes do velho
escriba. Sobre aquela pilha eu escreveria o frila da dita noite, por isso que
estava tudo mais ou menos arrumado aos pés da escrivaninha de fórmica
setentona na qual atravesso dias e noites... E aí estava apenas começando
nosso belo diálogo impertinente. [CONTINUA AMANHÃ, PROMETO!]
VIDA MODO DE USAR...OU HENRY MILLER É NOSSA ESQUINA
Ela me pediu para contar um pouco sobre a vida daquele homem que,
de uma forma ou de outra, nos unia naquela noite.
Tirei uma onda de narrador de documentários chatos,imitando a
tonalidade e o ritmo dos locutores da Discovery Channel: o escritor Henry Miller
nasceu em 1891 na gloriosa cidade de Nova York, nos Estados Unidos da
América, viveu no Brooklyn, foi embora para França, onde comeu, bebeu e
viveu, apesar da miséria, em Paris... Depois voltou para os EUA, abrigando-se
em Big Sur, Califórnia...
_E você, o que você tanto escreve?
Ah, escrevo por encomenda, costuras para fora... E nas horas vagas leio
esse cara e morro de inveja.
Ela me olhou com piedade.
_Vem cá, meu amor...
Aquela palavra amor saída da boca daquela linda puta me fez tremer o
coração.
Fiquei meio perdido, andava muito carente, e, só me restou pedir que ela
lesse mais Henry Miller para o seu devoto aqui:
“Entregar-se de maneira absoluta e incondicional à mulher que se ama é
romper todos os laços exceto o desejo de não perdê-la, o laço mais terrível de
todos.”
_Eu amo esse homem_ ela disse de novo.
Seus olhos estavam tão vermelhos que era impossível saber a cor de
verdade. A maquiagem já borrava. Ela renovava o gloss a cada segundo, como
num vício obsessivo. Lábios mestiços, grossos, meu Deus.
Acendia um cigarro atrás do outro. Pegou “Dias de Paz em Clichy”, outra
reedição brasileira, mas leu somente a orelha do Roberto Muggiati, tradutor do
livro relançado pela José Olympio.
_Odisséia priápica?, o que é isso?
Ah, ficar de pau duro a vida toda, a chamada paudurescência, eu tentei
uma explicação possível, que me desculpem, respeitáveis leitores desse blog-
família, a grosseria homérica.
Dormimos juntinhos, conchinha, abraçados, pés colados nos pés, como
se, desde o primeiro olhar triste, nossos corpos já entendessem a linguaguem
dos nossos espíritos livres... e unidos, naquela noite fria e violenta, por Henry
Miller.
Ela acordou com aquele sorriso que atinge até nossos testículos, como
HM descreve uma moça no citado “Sexus”.
Almoçamos no dia seguinte, arroz, feijão, bife, comida de três acordes,
punk, sem requintes bestas, e desde aquela sobremesa, aquele café, procuro,
em vão, aquela criatura pelas cercanias da Augusta. Mas essa história, velho
Miller, você sabe muito bem, não é uma história triste.
Ah, tubarões da praia de Boa Viagem à parte, nada melhor que um sarro
dentro d´água. Aliás, “dendágua”, como a gente pronuncia no dia-a-dia, na real
da guerra,na prática.
Que coisa linda, celebridades fuleiras à parte, já viram que hoje tudo tem
o seu aparte, o seu noves-fora, desculpa desse cronista de costume, coitado,
envergonhado por citar tal Dani, mas, cá entre nós, que coisa linda a Cicarelli,
meu Deus, naquele malho, vocês viram?, que lindo, como me lembra aqui
minha amiga da praça Maciel Pinheiro Denise Arcoverde, que eu amo, amo
como um Príncipe, e sempre, não é à-toa que a ucraniana Clarice Lispector foi
morar justamente na Maciel Pinheiro, a praça, como eu amo essa cartografia
da existência!
Que malho dendágua, vocês viram?
Sou do tempo de sexo al mare. A merda é que eu saía lá da Casa do
Estudante, no Engenho do Meio, e ia correndo pra Boa Viagem, Recife, com
apenas um passe e, no máximo, só para pluralizar, dois reais. Na verdade era
um real, traduzindo para o dinheiro de hoje, e uma descida no ônibus por trás,
ali na altura da maloqueiragem, terminal, sabe?
Saía correndo feito um doido barrido. E ia foder dendágua, como um rei
dos sete mares, como a vida é, pode ser, por uma coisinha de nada, a coisa
mais linda.
Reparem bem: um passe de ônibus, de estudante, e um marzão pela
frente.
Só gosto de me manter vivo por isso, velho Cioran, essas coisinhas que
me fazem gozar de verdade, sabe?
Ai eu ficava dentro da água, com a boyzinha, ali na maré, tirando onda,
dizendo coisas, ouvindo mais, diletantes corações de domingo, como era lindo,
depois Arruda, Ilha ou Aflitos, eu era um jovem repórter de esportes, futebol,
melhor dizendo, e voltava segunda tirando onda de Elói e de Lurdinha, grandes
amigos-amores da gráfica e editora Comunicarte.
Ainda bem que eu sempre vou ao Recife e repito!
Não há nada mais lindo do que reinventar o Recife possível!
Como é bom amar uma cidade.
Amar uma cidade como a gente ama as mulheres. Só que a cidade não
sai do canto, né, velho Saramago, a cidade pára nas pedras. A cidade não é
ingrata como os tubarões, a cidade é cega como meus pés nos bueiros, a
cidade, velho Zé Teles, é capaz de cozinhar os nossos bagos naqueles
caldeirões de milho cozido, mas é a CIDADE DOS SONHOS, sempre.
Amigos de outras partes, visitem a São Petersburgo dos trópicos, a
Florença das Américas, como disse Camus no seu livro de viagens, reparem
na morte e vida na Veneza dos pobres... Recife é a cachaça do universo, se
Deus fosse mulher, era ali, quando era moda, bem no meio do umbigo, que ele
botava um piercing!
Será que o sonho que a gente deixou ainda quentinho suado no lençol
verde-água nos aceitará de volta ou teremos que ficar quarando
aqui no sereno de la calle até o sistema de saneamento eliminar todas
as sarjetas das nossas napas farejadoras de fracassos?
Reparem só nos títulos: É tudo Mentira, Contos Bregas, Escolha o Título e Dos
Prazeres aos Pedaços, respectivamente de Patrício Jr., Carlos Fialho, Thiago
de Góes, Daniel Minchoni e Rodrigo Levino. Meninos eu li. Sei que num sou
assim um fiador que se preze, mas se eu fosse você ia tomar uma lá com a
gente. Começa às 20h, ali na rua Rodésia, 34. Simbora, cabróns & chicas.
MODESTA PROPOSTA PARA ENGORDAR AS NOSSAS GAZELAS
[das sobrancelhas]
das mulheres.
vejo ao longe
mario bortolotto,
que nos traz, como sempre penso, o que sobrou de deus,
um sorriso bacana,
do que inventamos como deus
e algo dito assim, numa voz de neblina, goela de tom waits, mas com
segunda voz de nick cave:
porra, vocês tão parecendo terra de cemitério, só querem comer gente!
Vamo beber, daqui a pouco é alvorada lá na Roosevelt!
Si, si, precisamos de algo más, alguna cosita de nada para alterar a
consciência, desde que não a chamem de droga, non, mais apropriado
doravante denominá-la simplesmente excremento dos deuses incas, cogumelo
da merda dos bois santos e onomatopéicos dos currais dos Grandes Sertões
de Manuelzão, Diadorins e arredores, chá-de-zabumba dos índios Kariris,
cabrobrós-roots-cigarrets, jurubebas-folclorizantes-da-flora-intestinale,
salineiras aguardentes e bagaceiras d´além-mares, cocaine-blues, Johnny
Cash, barbitúricos-corazones, sandubas de MCcondo, Miss Lexotans, florais
del diablo, sangre do divino, peyotes-castañedas, viagens sempre são buenas,
pupilas dilatadas, a morfina de Tristessa, minha índia mexicana...
Um hombre não carece de quase nadie, la incomunicabilidad de las
nouvellas modernas son una farsa, aquela falta de assumpto da puerra, ufa, a
torrar el saco, cêrram hombres, cabrones, hablen algo sincero sobre quase
tudo, a melhor anfetamina é a aventura da linguagem.
CLARICE SEM MISTÉRIOS
“Por favor amigas que vivem no mundo dos negócios! Sejam eficientes,
trabalhadoras, objetivas, mas não permitam que isso afete a sua feminilidade:
Estudem-se com cuidado, quando notarem mudança no cavalheirismo
masculino. É esse o sinal de perigo.” [De Clarisse Lispector, sim, ela mesma, a
grande escritora, que, para ganhar a vida, eta mundão cruel, foi colunista de
amenidades e consultório sentimental em jornais e revistas nas décadas de 50
e 60. A coletânea completa está no “Correio Feminino”, da editora Rocco. Eu
aconselho).
Eu vi o fim no dia em que ela chupou meu pau às lágrimas. Com a devoção de
sempre, mas sem a paixão de outrora. E assim, às lágrimas, fomos dando
tintas finais ao idílio. Mas agora, no momento em que gasto o latim, acabamos
de chegar de outro tipo e vale de lágrimas.
[Sim, ela ainda está aqui comigo.] Dorme ou me trai ao computador, Bovary
dos tempos digitais. Ela está de novo comigo. Ao fuçar na lama, beijar outros
pés, eu provoquei o desarquivamento do título de posse. Finge que sou dela.
Não estamos em casa. Falta o gato, que sempre farejou nosso amor de perto.
Nosso amor carece desse felino. Ela se vê gostosa no espelho do hotel.
Fudemos quase todos os dias. Nunca houve fadiga. Choramos na areia de
uma praia, depois de comer a nossa própria cirrose amorosa, foie-gras, ela
pediu. Nos empanturramos, mesmo aos olhos da cara. O que é uma falência
financeira a essa altura? Ela: É bom comer a nossa própria cirrose. O mar de
quase ressaca tentava, em vão, lavar as nossas dores na pedra.
Tudo que sei é que esta é uma história em primeira pessoa. Blow-up. Quando
dei fé, cão vadio, aos teus pés lá embaixo estava, mulher-abismo.
Enfiei-me entre os dedos lambi como um lazarento... pulgas passionais ainda
tentaram me avisar, epa!, durante a queda, em vão. Uma mulher muito grande,
alma desenhada por R. Crumb. Pulgas mais avexadas, sado-camonianas,
escreveram no meu couro, em caligrafia-coceira, “o amor é fogo que arde e
não se sente”, ah, se eu pego esse caolho eu furo o outro. Lambi os dedinhos,
um a um, mas não com ritmo, queria que você visse o desassossego desse
pobre cardisplicente sob a forte chuva de granizo. Não há guarda-chuvas para
o amor, Catherine. Nem mesmo quando se tem 20 anos. Não há diamantes
que comprem uma alma perra, Catherine, não há barcos, salva-vidas, só
perdição e enchentes. Não à-toa os sofás bóiam nos aguaceiros. Sofás
dormidos por homens que erraram, homens que já partiram. “As mulheres são
todas diferentes. Quando se perde um homem, há outro igual ao virar da
esquina. Quando se perde uma mulher, é uma vida”. Desde o dia em que cai
aos seus pés não sabia se estava a ganhá-la ou perde-la. O AMOR É FODIDO,
do amigo ultramarinho Miguel Esteves Cardoso, me ensina coisas. Ao contrário
das pulgas sado-camonianas, este gajo, certa noite das antigas, na cidade de
São Paulo, boate Love Story, dizia que as lágrimas das raparigas são
coquetéis sem álcool. Dizer “não chores” funciona sempre, porque só
mencionar o verbo “chorar” emociona-as e liberta-as, dando-lhes carta branca
para chorar ainda mais. As raparigas, depois de chorar, soprou-me o gajo,
lirismo-Morrisey, ficam com vontade de fazer amor.
Mas nada como a fotinha, embora possa dar em muita confusão sem sentido
ou lastro de verdade. Dependendo da malícia e do enquadramento do
componente da brigada vitoriana, por exemplo, um simples beijo mais perto da
boca pode render um rebuceteio dos diabos. Um olhinho fechado _às vezes
por descuido ou fadiga do trabalho e os dias_ pode ser o fim do mundo. Uma
tragédia amorosa sem precedentes nas páginas policiais. Cenas de sangue no
bar...
O MOCÓ DO MACHO-JURUBEBA
a teus pés, toda hora, todo devoto que se preze, pezinhos 36, 37, 38, conforme
confiro aqui gravado em lito no cimento fresco, conforme machucado no meu
peito quando pisavas com raiva e desejo, “seu coiso, seu merda, não vês que
te quero”, começo a beijar pelo solo pátrio, nem que o chão esteja quente
como no Crato, como em Teresina, onde o papa João Paulo II foi fazer aquela
graça e queimou a língua, donzela bela que inspira a lira, a loa e a larica,meu
docinho de coco aliterado no último, meu quebra-queixo, minha tapioca com
nata, minha carne de sol dormida no leite, minha manteiga de garrafa, minha
nega,contigo me derreto como no nosso último tango com Elvis na Augusta,
don’t be cruel... don´t be cruel a heart that’s true, minha índia, minha cabocla,
minha prova dos nove, minha canibalzinha mameluca, comedora de homens
na brasa, fome de viver da gota, ô minha minha morena, minha falsa loira, ô
minha creaaança, ô minha maloqueira, ô minha qualquer-coisa-linda-da-porra,
é chegada a hora, de devotar-me mais uma vez, com súplicas, rezas,
ladainhas, benditos e antigas elegias de Jorge Bem –Jesualda desceu o
morro!_, o veraneio dos pezinhos, vem, eles já desfilam por aí, no mais legítimo
gozo do direito safado de ir e vir, constitucionalissimamente, como
Bebetes,lindas sandálias para desenhar calçadas, o baile todo, subúrbio soul,
só as certinhas, só as cachorras, as Lucianas, as Domingas, as Barbarelas,
todas as musas,flores do bairro, sarro na relva, no Parque 13 de Maio, Jardim
Botânico, Ibirapuera, rolinhos primavera, suburbanos corações de
domingo, sempre de shortinhos, para enlouquecer parentes e vizinhos, sempre
lavando o carro indecentemente na frente da casa, que polimento, e a
cunhada, céus, não provoca, a classe operária vai ao paraíso, e a priminha,
como cresceu, Zeus, outro dia batia aqui em mim, na altura braguilha, olha só
como cresceu a criatura, mira o peitinho, mira, me gusta, umbiguinho de fora, ai
que calor, que saboneteira, opa, a tia grita: almoço na mesa, vem comer Juju
se não tu vira modelo e morre que é uma beleza, “ô mãe, vira pra lá essa
língua”, “vê se pode tio, pega aqui,vê como tô cheinha”... e me mata sob aquele
sol falso-magro debaixo de um nada cerimonioso banho de mangueira!
COMO ELIMINAR UM AMANTE
***
Resposta: Ora, ora, tolinha, a lição que pedes, como quase tudo nessa
vida, está numa canção do Roberto, a grande educação sentimental de
nosotros. Repare direitinho, está tudo lá, em Cavalgada, escuta só: “Usar meus
beijos como açoite/ E a minha mão mais atrevida”. Mas vai com delicadeza,
que é mais gostoso, como diz o mantra das Virgens de Olinda. Cariño, tua M.C.
Solitários
**
Como é bom tirar uma sesta, abaixar a cortina e dar um risinho safado para o
capital que se esborracha lá fora; como é bom, mesmo para um falido, ajeitar
os travesseiros –de palha ou de pena de ganso- e cerrar os olhos para sonhos
pequenos. Uma sesta à sombra da toda-poderosa Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo, a Fiesp, aqui perto do meu esconderijo; uma sesta com
as janelas abertas na rua da Aurora, a rua mais linda do mundo, de onde
avista-se Beberibes, Capibaribes, Áfricas, Tongas e Polinésias...
Numa sesta não vale sonhos épicos, apenas sonhos pequenos, daqueles que
a gente realiza num piscar de olhos. Ou simplesmente deixa para lá. Ridículo
correr desembestadamente atrás de sonhos. Sonhos são filmes grátis, que
vemos deitadinhos, sem o barulho ridículo de pipoca ou de gente.
“Ei, morena linda que passa, vamos ao cinema?” Ai trago ela para a sesta.
Cinema é travesseiro e pezinho colado.
Sesta: modo de usar. Quanto dura uma sesta? O ideal é que não se faça o uso
do despertador, que não seja um curta-metragem, que seja um filme que se
durma nele inteirinho, que se beije o olho de quem dormir primeiro, como
sempre guardo as mulheres, até com uma rezinha baixinho para nunca acorda-
las e sempre protege-las, ô Deus guarde essa costela colada à minha e que
esse suorzinho seja o superbonder possível, a resina mais grudenta, que nos
livre do fim, amém. Mas o amor acaba, meu filho, sopra um anjo pousado no
ombro de Paulo Mendes Campos, que me diz baixinho, sossega, menino, esse
coração.
A sesta com a bênção das mulheres e da minha mãe. “Meu filho, durma pelo
menos uma meia horinha depois do almoço”. Minha mãe chorava, no dia em
que fui embora, mas nada dizia além da receita da sesta. Mulher de coragem:
deixar aquele graveto, só o couro e o osso, ganhar a estrada apenas com uma
rede que ela botou no fundo da mala...
Como eu queria achar de novo essa rede e tirar a maior das sestas, mas
troquei por alguma coisa, vício, comida, sei lá, entre uns desalmados de um
cortiço do Recife, num sótão ali na Barão de São Borja. Até quando a usei, era
uma rede que balançava lágrimas e meus chinelos sempre acordavam boiando
de manhã.
A GENTE SE VÊ*