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Ela abriu meu coração...

Eu só queria roubar um carro. Eu também não sabia que


estava roubando uma garota. Até que o rosto mais lindo que eu
já tinha visto apareceu no espelho retrovisor.

Eu me apaixonei forte, rápido e para sempre...

Mas ela arrancou meu coração – me deixou sozinho e


sangrando.

Como posso esquecê-la, quando tenho que ver esse rosto


perfeito em outdoors e revistas?

É uma tortura.

9 longos anos. Pensei que tinha ido embora.

Depois a vi em carne e osso...

E meu coração começou a sangrar novamente...


Dedicado a Keeana, que me pintou um quadro da mulher
perfeita, forte e sexy para Dante.
— Simone! Por que você não está pronta?

Minha mãe está parada na porta, já vestida para a festa.

Em contraste, estou usando shorts de moletom e uma


camiseta da Mulher-Maravilha, porque eu estava encolhida no
assento da janela, perdida em um livro.

— Que horas são? — Eu pergunto, confusa.

— Que horas você acha que são? — Mama diz, sorrindo


ligeiramente.

Eu teria dito duas ou três da tarde, mas o fato de ela já


ter colocado o vestido de noite me dá uma pista de que deve
ser mais tarde.

— Uh... seis? — Eu chuto.

— Tente sete e meia.

— Desculpa! — Eu digo, pulando da janela, jogando meu


exemplar de O Morro dos Ventos Uivantes no tapete.
Não admira que eu esteja morrendo de fome. Perdi o
almoço e, aparentemente, o jantar também.

— É melhor você se apressar, — diz Mama. — Seu pai já


chamou o carro.

— O carro está esperando, na verdade, — diz meu pai.

Ele está ao lado de Mama. Eles são o par mais elegante


que se possa imaginar – ambos altos, magros, impecavelmente
vestidos. A cor escura e rica dele ao lado da beleza dela é o
único contraste entre eles. Caso contrário, eles combinam
perfeitamente.

Às vezes, meu pai usa roupas Kente1 brilhantes em


ocasiões formais. Esta noite ele está vestido com um smoking
preto com lapela de veludo. O copo-de-leite lavanda em sua
lapela tem o tom exato do vestido de minha mãe.

Ao lado da suave perfeição deles, sinto que sou uma


criança. Muito estranha até para ser vista com eles.

— Talvez vocês devessem continuar sem mim... — Eu


digo.

— Boa tentativa, — Mama diz. — Se apresse e se vista.

Eu sufoco meu gemido. No início, fiquei animada por


voltar do internato. Chicago parecia um turbilhão de festas,
bailes e eventos. Agora, apenas alguns meses depois, eles estão

1 É um tecido tradicional de um dos maiores impérios residentes no continente africano, eles


ocuparam grande espaço no mapa e na cultura do continente e imprimiram tudo isso em padrões
coloridos nesse tipo de artesanato.
todos começando a se confundir. Estou cansada de
champanhe e canapés, conversa educada e até dança educada.
Além disso, gostaria que minha irmã aparecesse com mais
frequência.

— Serwa está vindo? — Eu pergunto à Mama.

— Não, — ela diz, uma pequena linha se formando entre


suas sobrancelhas. — Ela não está em um dia muito bom.

Meus pais me deixam sozinha para me vestir.

Eu tenho um armário inteiro de vestidos para escolher, a


maioria deles comprados este ano. Corro meus dedos pelo
arco-íris das roupas, tentando escolher rapidamente.

Eu poderia passar uma hora assim. Sou um pouco


sonhadora e adoro coisas bonitas. Principalmente roupas.

O interesse pela moda pode ser visto como frívolo. Em


minha mente, roupas são arte vestíveis. Elas são a declaração
que te precede em cada sala. Elas são as ferramentas que
moldam a percepção das pessoas antes de você falar uma
palavra.

É assim que eu descreveria para qualquer outra pessoa.

Para mim, elas significam muito mais do que isso.

Tenho uma reação intensa à cor e à textura. Elas criam


um clima dentro de mim. Não gosto de admitir para ninguém,
porque sei que é... estranho. A maioria das pessoas não sente
repulsa física por um tom nada atraente de púrpura. E eles
não sentem um desejo irresistível de tocar em seda ou veludo.

Sempre fui assim, desde que me lembro. Acabei por


aprender como esconder.

Tenho que me forçar a pegar um vestido, sem ficar


olhando para ele por muito tempo.

Pego um dos meus favoritos, um vestido rosa claro com


chiffon esvoaçante nas costas que me lembra as asas de uma
borboleta.

Aplico um pouco de blush rosa e brilho labial no mesmo


tom. Não muito – meu pai não gosta que eu me vista muito
“madura”. Acabei de fazer dezoito anos.

Quando desço correndo, meus pais já estão esperando na


limusine. Há uma tensão estranha no ar. Meu pai está sentado
rigidamente ereto em seu assento. Minha mãe me olha, depois
olha pela janela.

— Vá, — Tata ordena para o motorista.

— Eu me arrumei o mais rápido que pude... — digo


timidamente.

Meu pai ignora isso completamente.

— Você gostaria de me dizer por que acabei de encontrar


uma carta de aceitação de Parsons pelo correio? — Ele exige.

Eu ruborizo, olhando para minhas unhas.

Esperava interceptar aquele envelope específico, mas é


difícil de fazer em nossa casa, onde vários funcionários
verificam a correspondência duas vezes por dia.

Posso dizer que meu pai está furioso. No entanto, ao


mesmo tempo, sinto uma onda de euforia com suas palavras...

Eu fui aceita.

Eu tenho que esconder minha felicidade. Meu pai não


está nada feliz. Posso sentir seu desprazer irradiando para fora
como uma névoa fria. Isso me congela até os ossos.

Eu não consigo encontrar seus olhos. Mesmo em seu


melhor humor, meu pai tem feições afiadas e um olhar intenso.
Quando está com raiva, ele parece a máscara entalhada de
alguma divindade – épica e vingativa.

— Explique, — ele ordena.

Não adianta mentir.

— Eu me inscrevi para estudar lá.

— Por que você fez isso? — Ele diz friamente.

— Eu... eu queria ver se eu entraria.

— O que importa se você entrar, já que vai estudar em


Cambridge?

Essa é a universidade do meu pai. Cambridge é


responsável por seus modos elegantes, suas conexões
europeias e o leve sotaque britânico do qual ele tanto se
orgulha.
Meu pai, pobre, mas brilhante, veio para Cambridge com
uma bolsa de estudos. Ele estudou muito mais do que
economia – ele estudou o comportamento e as atitudes de seus
ricos colegas. Como falavam, como andavam, como se vestiam.
E, acima de tudo, como eles ganhavam dinheiro. Ele aprendeu
a linguagem das finanças internacionais – fundos de
investimentos, capital alavancado, paraísos fiscais no
exterior...

Ele sempre disse que Cambridge foi sua realização. Ficou


claro que eu iria estudar lá, assim como Serwa foi antes de
mim.

— Eu só... — Minhas mãos se torcem indefesas no meu


colo. — Eu só gosto de moda... — Eu digo sem jeito.

— Essa não é uma área de estudo séria.

— Yafeu... — Mama diz suavemente.

Ele se vira para olhar para ela. Minha mãe é a única


pessoa que meu pai escuta. Mas eu já sei que ela não vai se
opor a ele – não em algo assim, onde sua opinião já está tão
rigidamente estabelecida. Ela está apenas lembrando-o de ser
gentil. Enquanto ele destrói meu sonho.

— Por favor, Tata, — eu digo, tentando manter minha voz


firme. Meu pai não vai ouvir se eu ficar muito emocionada.
Tenho que argumentar com ele da melhor maneira que posso.
— Alguns dos designers mais prestigiados do país se formaram
na Parsons. Donna Karan, Marc Jacobs, Tom Ford...
Meu pai junta as mãos na frente dele. Ele tem dedos
longos e elegantes com unhas bem cuidadas.

Ele fala devagar e claramente, como um juiz que


estabelece a lei.

— Quando você nasceu, meus pais disseram que era uma


pena eu só ter filhas. Eu discordei. Eu disse a eles que as filhas
sempre serão leais aos pais. As filhas são obedientes e sábias.
As filhas honram suas famílias. Um filho pode se tornar
orgulhoso e pensar que sabe mais do que seu pai. Uma filha
nunca cometeria esse erro.

Meu pai põe a mão no meu ombro, olhando nos meus


olhos.

— Você é uma boa filha, Simone.

Estamos chegando ao hotel The Drake. Meu pai tira um


lenço limpo do bolso. Ele o passa para mim.

— Limpe seu rosto antes de entrar, — diz ele.

Não tinha percebido que estava chorando.

Mama pousa a palma da mão na minha cabeça por um


momento, acariciando meu cabelo.

— Vejo você lá dentro, ma chérie, — ela diz.

Em seguida, eles me deixam sozinha no banco de trás do


carro.

Bem, não realmente sozinha – nosso motorista está


sentado na frente, esperando pacientemente que eu me
recomponha.

— Wilson? — Eu digo em um tom estrangulado.

— Sim, Srta. Solomon?

— Você poderia me dar um minuto a sós, por favor?

— É claro, — ele diz. — Deixe-me encostar o carro.

Ele dirige o carro até a calçada, fora do caminho de todos


os outros que estão sendo deixados na porta da frente. Então
ele se afasta do veículo, gentilmente deixando o motor ligado
para que eu ainda tenha ar-condicionado. Eu o vejo iniciar
uma conversa com um dos outros motoristas. Eles viram na
esquina do hotel, provavelmente para fumar um cigarro.

Uma vez que estou sozinha, eu me entrego ao choro. Por


cinco minutos inteiros eu chafurdo em minha decepção.

É tão estúpido. Não é como se eu esperasse que meus


pais me deixassem ir para Parsons. Foi apenas uma fantasia
que me levou ao meu último ano de escola em Tremont e aos
intermináveis exames devastadores que eu sabia que era
esperado que passasse com as melhores notas. E eu passei –
em cada um deles. Sem dúvida, receberei uma carta de
aceitação semelhante de Cambridge a qualquer momento
porque me inscrevi lá, conforme necessário.

Enviei um portfólio de meus projetos para Parsons por


um capricho. Acho que pensei que seria bom receber uma
rejeição – para me mostrar que meu pai estava certo, que meu
sonho era uma ilusão que nunca poderia realmente acontecer.

Então, ouvir que fui aceita...

É um doce tipo de tortura. Talvez pior do que nunca


saber. É um prêmio brilhante e cintilante, colocado bem ao seu
alcance... então puxado para longe novamente.

Eu me permito ser infantil e miserável por aqueles cinco


minutos.

Então eu respiro fundo e me recomponho.

Meus pais ainda me esperam dentro do grande salão de


baile do hotel The Drake. Devo sorrir, conversar e deixar que
eles me apresentem às pessoas importantes da noite. Não
posso fazer isso com o rosto manchado e inchado.

Limpo meu rosto, reaplicando um pouco de brilho labial


e rímel da minha bolsa.

Bem quando estou prestes a alcançar a maçaneta da


porta, a porta do motorista é aberta em vez disso, e alguém
desliza para o banco da frente.

É um homem – um homem enorme, praticamente um


gigante. Ombros largos, cabelos escuros e definitivamente não
usando um uniforme como Wilson.

Antes que eu possa dizer uma palavra, ele bate o pé no


pedal do acelerador e acelera para longe do meio-fio.
A segurança no The Drake é rígida, graças a todos os tipos
de políticos atrevidos que vêm para o baile. Os ricos usam
qualquer desculpa para comemorar. Banquetes de premiação,
arrecadação de fundos, leilões de caridade – tudo é apenas
uma desculpa para eles darem tapas nas costas um do outro
publicamente.

O restaurante do Papa, La Mer, está oferecendo patas de


caranguejo-real, camarões vermelhos e ostras em meia casca
que formarão a gigantesca torre de frutos do mar no centro do
buffet. Nós oferecemos um lance barato neste trabalho, porque
não teremos lucro com camarão esta noite.

Eu dirijo minha van até as portas de serviço e ajudo o


pessoal da cozinha a descarregar as caixas de marisco gelado.
Um dos seguranças enfia a cabeça na cozinha, nos observando
abrir as caixas.

— Como você chama isso? — Ele diz, olhando para os


camarões vermelhos com uma expressão horrorizada.

— É o melhor camarão que você não pode comprar, —


digo a ele, sorrindo.

— Oh sim? E quanto custa?

— Cento e dezenove dólares meio quilo.

— Cai fora, porra! — Ele balança a cabeça em descrença.


— É melhor você puxar para mim uma sereia em tamanho real
com grandes seios do oceano por esse preço.

Depois que temos todo o produto guardado com


segurança na geladeira, aceno para Vinny. Colocamos o último
baú sob um carrinho do serviço de quarto.

Vinny trabalha no The Drake, às vezes como carregador


e às vezes como lavador de pratos. Seu verdadeiro trabalho é
conseguir itens para os hóspedes – coisas um pouco mais
difíceis de encontrar do que toalhas limpas e gelo extra.

Eu o conheço desde que corríamos por Old Town com


tênis do Homem-Aranha. Fiquei muito maior, enquanto Vinny
permaneceu o mesmo – magro, sardento, com dentes horríveis,
mas um sorriso lindo.

Pegamos o elevador de serviço até o quarto andar. O


elevador balança de forma alarmante sob nosso peso
combinado. The Drake é um dos hotéis dos anos 20 em
Chicago – reformado desde então, mas não muito. São
maçanetas de latão, lustres de cristal, cadeiras estofadas e
aquele cheiro de mofo de carpetes e cortinas que não foram
realmente limpas nos últimos cinquenta anos.
Aposto que Dukuly está chateado por ser empurrado para
alguma suíte comum no quarto andar. Ele tem uma vista do
lago, mas está muito longe da suíte presidencial. Infelizmente
para ele, ele não é a pessoa mais importante da cidade para o
baile, nem perto disso. Neste evento em particular, ele mal se
classifica na metade superior.

Provavelmente é por isso que ele ainda está de mau


humor em seu quarto enquanto o baile está prestes a começar.
Posso sentir o cheiro da fumaça do charuto saindo de sua
porta.

— Você quer que eu vá com você? — Vinny pergunta.

— Não, — eu digo. — Você pode voltar lá embaixo.

Vai ser tudo mãos à obra na cozinha. Não quero que


Vinny se meta em encrencas, nem que alguém venha procurá-
lo. Além disso, já fiz negócios com Dukuly duas vezes antes.
Portanto, não prevejo nenhum problema.

Vinny me deixa com o carrinho do serviço de quarto.

Bato na porta – três toques, conforme combinado.

O guarda-costas de Dukuly a abre. Ele é o típico tipo


corpulento e rude, vestido com um belo terno, mas parece que
vive no topo de um pé de feijão.

Ele me deixa entrar na suíte, que consiste em dois


quartos com uma sala de estar no meio. Depois de uma rápida
revista para ter certeza de que eu estava desarmado, ele
grunhe, — Sente-se.

Eu me acomodo no sofá estampado, enquanto o ogro se


acomoda em uma poltrona em frente. Um segundo guarda-
costas se inclina contra a parede, os braços cruzados sobre o
peito. Esse cara é um pouco mais magro que o amigo, com
cabelo comprido preso em um rabo de cavalo na nuca. Quero
dizer a ele que o rabo de cavalo do capanga saiu de moda com
o último dos filmes de Steven Seagal. Antes que eu tivesse
chance, Dukuly sai de seu quarto, fumando furiosamente o
charuto.

Ele já está vestido com seu smoking formal, que aperta


em torno de sua barriga. Ele é um daqueles homens que
praticamente parecem grávidos porque seu peso está
concentrado apenas no meio, entre braços e pernas finos. Sua
barba aparada rente é salpicada de cinza e suas sobrancelhas
grossas formam uma prateleira pesada sobre os olhos.

— Dante, — ele diz, como forma de saudação.

— Edwin. — Eu concordo.

— Charuto? — Ele segura um charuto cubano premium,


pesado e cheiroso.

— Obrigado, — eu digo, levantando-me para pegá-lo.

— Venha para a janela, — ele diz. — Recebemos uma


reclamação da recepção. Aparentemente, não há mais locais
para fumar em nenhum dos quartos. O que esse país está se
tornando?
Ele acena com a cabeça para o Ponytail2, que
apressadamente destranca a janela e força a janela. Tarefa
nada fácil, já que a vidraça velha está praticamente soldada no
lugar pelo tempo e pela rigidez. Não há tela – apenas uma
queda direta de quatro andares no toldo abaixo.

Posso ver limusines e carros parando junto ao meio-fio,


com os foliões saindo de suas portas, as mulheres em tons de
joias brilhantes, os homens em tons de preto, cinza e marinho.

Além disso, vejo ciclistas pedalando ao longo da margem


do lago e água azul cintilante pontuada por velas brancas.

— Bela vista, — digo a Dukuly enquanto ele acende meu


charuto.

— O lago? — Ele zomba. — Eu fiquei na Suíte Real do


Burj Al Arab. Isso não é nada.

Fumo meu charuto para esconder meu sorriso. Eu sabia


que ele reclamaria sobre o quarto.

Edwin Dukuly é o Ministro de Terras, Minas e Energia da


Libéria. Mas são os diamantes de sangue que pagam seu
relógio Vacheron e charutos pesados. Como um Marco Polo
moderno, ele traz saquinhos de diamantes com ele em todos
os lugares que vai para negociar com os luxos locais que
deseja.

Eu tenho esses luxos comigo agora. Menos de quinze

2 Rabo de cavalo.
centímetros de gelo no meu baú de frutos do mar.

— Devemos?

Ele aponta para a área de estar mais uma vez. Apago meu
charuto no parapeito da janela e o sigo.

Nós fazemos um quadro divertido – quatro homens


grandes, enfiados em cadeiras listradas de rosa e branco.

Eu puxo o baú para cima da mesa de café, abrindo a


tampa. Pego o forro que contém o gelo e uma camada
camuflada de camarão, revelando as armas embaixo.

Trouxe tudo o que ele pediu: três Kalashnikovs, quatro


Glocks, uma Ruger e um lançador de granadas RPG-7 portátil,
normalmente usado para derrubar tanques. Não tenho a
mínima ideia do que ele planeja fazer com isso – suspeito que
ele viu em um filme uma vez e achou legal.

Também há um quilo de cocaína bem embrulhado. Ótimo


pó colombiano. Os olhos de Dukuly brilham quando ele vê isso.
Ele tira uma pequena faca de prata do bolso da camisa de seu
smoking e corta o embrulho. Ele pega um monte de pó na
ponta da faca, pressionando-o contra a narina e aspirando
forte. Em seguida, ele esfrega o resíduo na língua e nas
gengivas.

— Ah! — Ele suspira, colocando a faca de volta na mesa.


— Eu sempre posso contar com você, Dante.

Para seus homens, ele diz: — Guardem tudo isso, em


algum lugar onde as camareiras não vão encontrar.

Limpo minha garganta, lembrando-o da pequena questão


de pagamento.

— Sim, claro, — ele diz. Tira uma bolsinha de veludo do


mesmo bolso da camisa, passando para mim. Despejo os
diamantes na palma da minha mão.

Tenho uma lupa de joalheiro no bolso, mas não preciso


usá-la para ver que Dukuly pensa que sou um idiota.

Os diamantes são turvos e pequenos. O tamanho e a


quantidade são menos da metade do valor combinado.

— O que é isso? — Eu digo.

— O quê? — Dukuly grunhe, fingindo ignorância. Ele não


é um ator muito bom.

— Isso é uma merda, — eu digo.

O rosto de Dukuly fica vermelho. Suas sobrancelhas


pesadas caem tão baixas que mal posso ver o brilho de seus
olhos por baixo.

— É melhor você tomar cuidado com suas palavras,


Dante.

— Claro, — eu digo, inclinando-me para frente da minha


cadeira e olhando diretamente para ele. — Deixe-me formular
da maneira mais educada possível. Pague-me o que você me
deve, seu depravado de merda.
O corpulento guarda-costas agarra uma das Glocks e a
aponta diretamente para o meu rosto. Eu o ignoro.

Para Dukuly eu digo: — Você está falando sério? Você vai


atirar em mim no meio do hotel The Drake?

Dukuly ri. — Eu tenho imunidade diplomática, meu


amigo. Eu poderia atirar em você na escada da frente da
delegacia.

— Você não tem imunidade da Outfit. Meu pai é o Don de


Chicago. Ou você esqueceu?

— Ah, sim, Enzo Gallo. — Dukuly acena com a cabeça,


um sorriso lento se espalhando por seu rosto. — Um homem
muito poderoso. Ou, pelo menos, era... ouvi dizer que ele
perdeu as bolas quando perdeu a esposa. Era sua mãe, ou ele
gerou você em alguma outra prostituta?

Minha mãe está há cinco anos enterrada. Mas não há


uma hora do dia em que eu não pense nela.

A raiva surge através de mim como óleo fervente,


inundando minhas veias.

Em um movimento, pego a pequena faca de prata da


mesa e enterro na lateral do pescoço de Dukuly. Enfio tão
fundo que metade do cabo desaparece junto com a lâmina.

Dukuly bate a mão sobre a ferida, olhos esbugalhados e


boca abrindo e fechando silenciosamente como um peixe fora
d'água.
Ouço o click click click enquanto o guarda-costas
corpulento tenta atirar nas minhas costas. A Glock dispara
impotentemente. Não sou estúpido o suficiente para trazer
armas carregadas para um negócio de armas.

No entanto, não tenho dúvidas de que há muitas balas


nas armas dentro de seus paletós.

Então giro Dukuly, usando seu corpo como um escudo de


carne. Eu tenho que me agachar – ele não é tão alto quanto eu.

Com certeza, Ponytail já está com sua arma na mão. Ele


dispara seis tiros em rápida sucessão, perfurando o peito e a
barriga saliente de seu chefe. Ele sabe que Dukuly já está
morto – está motivado por vingança agora.

Bem, eu também.

Esses filhos da puta tentaram roubar de mim. Eles


insultaram minha família.

Assim como o chefe é responsável pelas ações de seus


soldados, os soldados pagarão pelas palavras de seu chefe. Vou
arrancar a cabeça deles da porra dos ombros.

Mas não gosto das minhas chances no momento – dois


contra um, e sou o único sem arma.

Então, em vez disso, corro em direção à janela,


arrastando o corpo inerte de Dukuly como meu escudo. Eu
mergulho através da moldura aberta, virando meus ombros
para o lado para caber. É um pouco apertado – eu mal consigo,
por pura força do impulso.

Eu caio quatro andares no ar, observando o céu e o


pavimento trocarem de posições.

Então bato no toldo.

A moldura de lona não foi feita para suportar cem quilos


de massa em queda livre. O tecido se rasga e as escoras
desabam, envolvendo-me em um casulo de destroços.

Bato no chão com força. Forte o suficiente para tirar o ar


de mim, mas com muito menos impacto do que eu mereço.

Ainda assim, estou atordoado. Levo um minuto para


limpar minha cabeça. Eu agito meus braços, tentando me
livrar da bagunça.

Quando olho para a janela, vejo o guarda-costas


corpulento olhando para mim. Tenho certeza de que ele
gostaria de disparar alguns tiros em minha direção. Ele só está
se segurando porque sua imunidade diplomática expirou com
seu chefe.

É quando eu vejo o Ponytail correndo pela lateral do


prédio. Ele desceu correndo os quatro lances de escada como
um atleta olímpico. Eu o vejo se arremessando em minha
direção, debatendo se devo estrangulá-lo com minhas próprias
mãos ou transformar seu rosto em polpa.

Então vejo uma dúzia de funcionários do hotel e


convidados do baile enxameando em minha direção, e eu me
lembro que fiz um barulho infernal ao cair. Tenho certeza de
que alguém já chamou a polícia.

Então, em vez disso, procuro o veículo mais próximo com


o motor ligado. Eu vejo um lustroso Benz preto parado no
meio-fio. O banco do motorista está vazio, mas os faróis estão
brilhando.

Perfeito.

Abro a porta e pulo no banco da frente.

Quando coloco o carro em movimento, tenho um


vislumbre perfeito do rosto furioso do Ponytail pela janela do
passageiro. Ele está tão bravo que não dá a mínima para quem
está assistindo – ele pega sua arma.

Dou-lhe uma pequena saudação enquanto piso no


acelerador.

O motor ruge e o carro se afasta do meio-fio como um


cavalo de corrida que saiu do estábulo. O Benz pode parecer
um barco, mas tem um motor decente sob o capô.

Meu irmão Nero adoraria isso. Ele é obcecado por carros


de todos os tipos. Ele apreciaria o manuseio e este assento de
couro confortável que parece se moldar ao redor do meu corpo.

O carro cheira a couro e uísque e algo mais... algo doce e


quente. Como sândalo e açafrão.

Estou acelerando pela Oak Street quando um rosto


aparece no espelho retrovisor. Isso me assusta tanto que viro
o volante para a esquerda, quase batendo em um ônibus que
segue na direção oposta. Tenho que desviar para a direita para
compensar, então o carro oscila para frente e para trás várias
vezes antes de suavizar novamente.

Acho que soltei um grito e a pessoa atrás deu um gritinho


em troca – traindo-a de que era uma menina.

Quero parar, mas preciso ter certeza de que ninguém está


me seguindo primeiro. Então, continuo dirigindo para o oeste
em direção ao rio, tentando ter outra visão da minha
passageira surpresa.

Ela está agachada no banco de trás novamente,


obviamente apavorada.

— Está tudo bem, — eu digo. — Eu não vou te machucar.

Tento fazer minha voz soar o mais suave possível, mas sai
em um rosnado áspero como de costume. Não sei como ser
charmoso com as mulheres nas melhores circunstâncias,
muito menos quando sequestrei uma por acidente.

Há silêncio por um minuto. Em seguida, ela guincha: —


Você poderia, por favor... me deixa sair?

— Eu vou, — eu digo. — Em um minuto.

Eu ouço um pequeno barulho e farfalhar ao redor.

— O que é esse barulho? — Eu lati.

— Apenas... apenas meu vestido, — ela sussurra.


— Por que está tão alto?

— É grande...

Certo, claro. Ela provavelmente estava prestes a entrar no


baile. Embora eu não saiba por que seu carro foi estacionado
para o lado sem nenhum motorista à vista.

— Onde estava seu motorista? — Eu lhe pergunto.

Ela hesita, como se estivesse com medo de me responder.


Mas ela tem mais medo de não fazer.

— Pedi a ele para sair por um minuto, — disse ela. — Eu


estava... chateada.

Ela está se sentando um pouco mais reta agora, então


posso ver seu rosto novamente. Na verdade, está quase
perfeitamente enquadrado no retângulo do espelho retrovisor.
É o rosto mais lindo que já vi.

Deveria haver uma palavra melhor do que bonita. Talvez


haja, e eu simplesmente não sou educado o suficiente para
saber disso.

Como você chama quando não consegue desviar os olhos


de um rosto? Quando você pensa que está olhando para o
ângulo mais adorável, e então um levantar de uma
sobrancelha ou uma expiração pelos lábios reorganiza as
feições e você fica totalmente atordoado de novo?

Como você chama quando seu coração está batendo mais


rápido do que quando havia uma arma apontada para seu
rosto? E você está suando, mas sua boca está seca. E tudo que
você pode pensar é: que porra está acontecendo comigo? Bati
minha cabeça com mais força do que pensava?

Seu rosto é quadrado, com um queixo pontudo. Seus


olhos são grandes, amendoados e castanhos-dourados, como
uma pequena tigresa. Suas maçãs do rosto e mandíbula são
dolorosamente afiadas, enquanto sua boca larga e carnuda
parece tão suave quanto pétalas de rosa. Seu cabelo está
puxado para cima em um coque elegante, mostrando seu
pescoço delgado e seus ombros nus. Sua pele é bronze polido
– a pele mais lisa que já vi.

Encontrar uma garota assim no banco de trás do carro é


alarmante. É como colocar uma moeda de 25 centavos em uma
máquina de chicletes e o Hope Diamond cai para fora.

Isso não pode acabar bem.

— Quem é você? — Eu digo.

— Simone Solomon. Meu pai é Yafeu Solomon.

Ela diz essas duas frases juntas, como se estivesse


acostumada a se apresentar por meio do pai. O que significa
que ele deve ser alguém importante, embora eu nunca tenha
ouvido seu nome antes.

Eu não dou a mínima para ele no momento.

Quero saber por que ela estava chorando sozinha em seu


carro quando deveria estar bebendo champanhe com o resto
dos ricaços.

— Por que você estava chateada? — Pergunto a ela.

— Oh. Bem...

Observo a cor se espalhar por suas bochechas, rosa se


espalhando pelo marrom, como um camaleão mudando de cor.

— Fui aceita em uma escola de design. Mas meu pai... eu


devo ir para uma universidade diferente.

— O que é escola de design?

— Design de Moda... — Ela cora ainda mais. — Você sabe,


roupas e acessórios e tudo mais...

— Você fez esse vestido? — Pergunto a ela.

Assim que digo isso, sei que é uma pergunta estúpida.


Pessoas ricas não fazem suas próprias roupas.

Simone não ri de mim, no entanto. Ela alisa as mãos


sobre a saia de tule rosa, dizendo: — Eu queria! É Ellie Saab
Couture – semelhante a aquele que Fan Bingbing usou no
Festival de Cinema de Cannes em 2012. O dela tinha uma
capa, mas o tule e as contas neste tipo de formato botânico...

Ela se interrompe. Talvez tenha percebido que, pelo que


eu sei, poderia muito bem estar falando mandarim. Eu não sei
nada sobre moda. Tenho uma dúzia de camisetas brancas e a
mesma quantidade em preto.

Mas eu gostaria que ela não parasse. Gosto do jeito que


ela fala. Sua voz é suave, elegante, culta... exatamente o oposto
da minha. Além disso, as pessoas são sempre interessantes
quando falam sobre algo que amam.

— Você não liga para vestidos, — ela diz, rindo baixinho


de si mesma.

— Não, — eu digo. — Na verdade não. Eu gosto de ouvir


você, no entanto.

— Eu? — Ela ri novamente. Ela se esqueceu de ficar com


medo quando falava do vestido.

— Sim, — eu digo. — Isso é surpreendente?

— Bem... — ela diz. — Tudo sobre isso é um pouco


surpreendente.

Agora que tenho certeza de que ninguém me seguiu, virei


para o norte e estou dirigindo quase sem rumo. Eu deveria me
livrar do carro – provavelmente ele foi registrado como
roubado. Eu deveria me livrar da garota também, por motivos
semelhantes. Poderia deixá-la em qualquer esquina. E ainda
assim, eu não vou.

— Você tem um sotaque? — Pergunto a ela. Acho que sim,


mas não sei dizer de onde.

— Não sei, — ela diz. — Já morei em muitos lugares.

— Onde?

— Bem, eu nasci em Paris – é onde mora a família da


minha mãe. Em seguida, mudamos para Hamburgo, depois
Accra... depois disso, acho que foi Viena, Barcelona, Montreal
por um tempo – meu Deus, lá era frio. Em seguida, para DC,
que não era muito melhor. Depois disso, fui para o internato
em Maisons-Laffitte.

— Por que você estava sempre se mudando?

— Meu pai é um embaixador. E um empresário.

— E a sua mãe?

— Ela era uma herdeira do chocolate. — Simone sorri com


orgulho. — O nome de solteira dela era Le Roux. Você conhece
trufas Le Roux?

Balanço minha cabeça. Sinto-me ignorante e sem cultura


ao lado de Simone. Mesmo ela sendo tão jovem, parece que ela
esteve em todos os lugares do mundo.

— Quantos anos você tem? — Eu pergunto a ela.

— Dezoito.

— Oh. Você parece mais jovem.

— Quantos anos você tem?

— Vinte e um.

Ela ri. — Você parece mais velho.

— Eu sei.

Nossos olhos estão presos no espelho retrovisor e estamos


sorrindo um para o outro. Sorrindo muito mais do que
costumo fazer. Não sei por que nós dois somos tão divertidos.
Existe uma espécie de energia entre nós, onde a conversa flui
facilmente e nada do que dizemos parece fora do lugar. Mesmo
que sejamos estranhos, nesta situação contraditória.

— Você vai ficar no The Drake? — Eu pergunto a ela.

— Não, nós alugamos uma casa em Chicago para o verão.

— Onde?

— Lincoln Park.

— Estou em Old Town.

Os bairros ficam lado a lado.

Eu não deveria ter dito isso a ela – se ela falar com os


policiais depois, se ela der a eles uma descrição de mim, não
serei tão difícil de encontrar. Existem tantos homens italianos
do tamanho de um cavalo de tração em Old Town. Além disso,
os Gallos dificilmente são desconhecidos do Departamento de
Polícia de Chicago.

— É melhor eu ir, — digo a ela.

Minha boca diz as palavras. Meu corpo não está de


acordo. Parei o carro no estacionamento mais próximo, mas
não vou sair.

Vejo aqueles olhos fulvos, olhando-me no espelho. Ela


pisca lentamente, como um gato faria. Hipnotizando-me.
— Vou deixar você no Museu de História, — digo a ela. —
Você tem um telefone?

— Sim, — ela diz.

Isso foi descuidado também. Ela poderia ter chamado a


polícia enquanto estávamos dirigindo, sem que eu percebesse.

Que porra estou fazendo? Nunca sou tão imprudente.

Rapidamente, limpo o volante e o câmbio com a frente da


minha camisa, certificando-me de remover todas as
impressões digitais. Também limpo a maçaneta da porta.

— Estou saindo, — digo a ela. — Faça-me um favor e


espere alguns minutos antes de ligar para alguém.

— Espere! — Simone chora.

Eu me viro, encarando-a totalmente pela primeira vez.

A visão dela em carne e osso, não apenas refletida, me


tira o fôlego. Eu literalmente não consigo respirar.

Ela avança pelos assentos e me beija.

Só dura um segundo, seus lábios delicados pressionados


contra os meus. Então ela se senta novamente, parecendo
quase tão assustada quanto eu.

— Adeus, — ela diz.

Tropeço para fora do carro, até o parque.


Eu pressiono meu rosto contra a janela, observando o
homem correr para o Lincoln Park. Ele se move rapidamente
para alguém tão grande.

Então eu afundo no meu assento, sentindo como se o


carro todo estivesse girando.

O que diabos aconteceu?

Não acredito que o beijei.

Esse foi o meu primeiro beijo.

Eu fui para um colégio interno só para meninas. E


embora isso não tenha impedido nenhuma das minhas colegas
de encontrar parceiros românticos – homem ou mulher –
nunca conheci ninguém de quem gostasse o suficiente para
namorar. Nunca tive tempo ou interesse.

Em toda a minha imaginação, nunca pensei que meu


primeiro beijo seria com um criminoso. Um sequestrador. Um
ladrão de carros. E quem sabe o que mais!
Eu nem sei o nome dele. Não perguntei a ele, porque não
achei que ele me contaria. Eu não queria que ele mentisse.

Meu coração está batendo forte contra minhas costelas.


Meu vestido parece muito apertado em volta do meu peito e eu
continuo respirando cada vez mais rápido.

Esses dez minutos juntos no carro pareceram horas. E,


no entanto, mal posso acreditar que aconteceu. Ninguém mais
acreditaria se eu contasse a eles.

Não posso contar a ninguém sobre isso. Por um lado, meu


pai ficaria furioso. Além disso, por mais tolo que pareça, não
quero colocar aquele homem em apuros. Ele roubou o carro,
sim, mas não me machucou. Ele nem mesmo levou o Benz com
ele.

Na realidade... ele era um cavalheiro. Sem boas maneiras


– ele foi rude e abrupto, especialmente no início. Sua voz
causou arrepios na minha espinha. Era profunda e rouca,
definitivamente a voz de um vilão.

Ele também não parecia um cavalheiro. Ele era enorme –


alto e largo, mal cabendo no carro. Seus braços pareciam tão
grossos quanto meu corpo inteiro. Ele tinha cabelo preto como
tinta, barba por fazer em todo o rosto, pelo preto nos braços e
até mesmo nas costas das mãos. E seus olhos eram ferozes.
Cada vez que ele olhava para mim no espelho, eu me sentia
presa no lugar contra o assento.

Ainda assim, acreditei nele quando ele disse que não iria
me machucar. Na verdade, eu acreditei em todas as coisas que
ele disse. A maneira como ele falava era tão direta que parecia
que ele tinha que ser honesto.

Pressiono minhas palmas contra minhas bochechas para


esfriá-las. Eu me sinto nervosa e com calor. Minhas mãos
também estão quentes – elas não estão ajudando.

Não consigo parar de pensar em seus olhos olhando para


mim, aquela voz áspera e aqueles ombros insanamente largos.
Suas mãos enormes segurando o volante...

Nunca vi um homem assim. Em nenhum país que visitei.

Sinto meu telefone vibrar na minha pequena bolsa e o


pego. Vejo uma dúzia de chamadas perdidas e muito mais
mensagens.

Atendo a ligação dizendo — Tata?

— Simone! — Meu pai chora, sua voz rouca de alívio. —


Você está bem? Onde você está? O que está acontecendo?

— Estou bem, Tata! Estou bem. Estou no Museu de


História, na esquina do Lincoln Park.

— Graças a Deus, — meu pai chora. — Fique onde está,


a polícia está a caminho.

Eu não poderia sair, a menos que fosse a pé. Nunca tirei


carteira de motorista.

Leva apenas alguns minutos para a polícia chegar. Eles


me puxam para fora do carro e me cercam, colocando um
cobertor sobre meus ombros, fazendo-me centenas de
perguntas de uma vez.

Tudo o que digo é: — Não sei, não sei, — repetidamente.

Eles me levam diretamente de volta para casa, por


insistência do meu pai, tenho certeza. Ele já está esperando na
varanda da frente. Ele me afasta da polícia, dizendo-lhes para
não me fazerem mais perguntas.

Mama continua me beijando e segurando meu rosto entre


as mãos como se ela não pudesse acreditar que sou realmente
eu.

Até Serwa está acordada e desceu de seu quarto, envolta


em seu robe felpudo favorito. Ela me abraça também – não tão
forte quanto Mama. Eu a abraço de volta com a mesma
gentileza. Minha irmã é dez anos mais velha do que eu, mas
uma cabeça mais baixa. Eu descanso meu queixo em seu
cabelo, sentindo seu cheiro familiar de sabonete de jasmim.

Depois que a polícia vai embora, o verdadeiro


interrogatório começa.

Meu pai me senta na sala de estar formal, exigindo saber


o que aconteceu.

— Um homem roubou o carro, Tata. Eu estava no banco


de trás. Ele me disse para abaixar e cobrir meus olhos. Então
ele me deixou.
A mentira sai de mim com notável facilidade.

Não estou acostumada a mentir – especialmente para


meus pais. Mas não tenho como explicar a eles o que realmente
aconteceu. Eu nem mesmo entendo.

— Diga-me a verdade, Simone, — diz meu pai com


severidade. — Ele tocou em você? Ele te machucou?

— Yafeu... — Mama diz.

Ele levanta a mão para silenciá-la.

— Responda-me, — diz ele.

— Não, — eu digo com firmeza. — Ele nunca me tocou.

Fui eu quem o tocou.

— Bom, — diz meu pai com um alívio incomensurável.

Agora ele me abraça, envolvendo seus braços fortes em


volta dos meus ombros e me apertando com força.

Eu me pergunto se ele teria feito isso se eu tivesse sido


“tocada?”

— Você perdeu sua festa, — eu digo para Mama.

— Não importa, — ela diz, colocando uma mecha de


cabelo claro e brilhante atrás da orelha. — Mon, Dieu, que
cidade! Eu sabia que isso poderia acontecer. Todo mundo disse
que são todos criminosos e ladrões aqui, tiroteios todos os dias.

Ela olha para meu pai com reprovação. É sempre sua


escolha quais compromissos ele vai, para onde vamos. Apenas
duas vezes minha mãe pôs o pé no chão – quando ela estava
grávida de minha irmã e depois de mim. Ela insistiu em ir para
Paris nas duas vezes para que nascêssemos em solo francês.

A personalidade do meu pai é tão forte que nunca vi


ninguém ganhar uma discussão com ele. Certamente, eu
nunca ganhei isso. Ele é como uma geleira – frio e imóvel. Nada
pode resistir a ele. Ele poderia esmagar uma cidade inteira em
seu caminho, com tempo suficiente.

Foi preciso muita vontade para escapar da pobreza de seu


nascimento. Ninguém mais em sua família conseguiu sair. Ele
tinha três irmãs mais velhas – todas as três morreram ou
desapareceram quando ele ainda era um menino. Seus pais
também morreram. Ele é um mundo dentro de si. Ele é Júpiter,
girando em torno do Sol, e Mama, Serwa e eu somos
minúsculos satélites, puxados em sua órbita.

Não acho que Mama se importe, em geral – ela me disse


que se apaixonou por meu pai assim que pôs os olhos nele. Ela
tem sido dedicada a ele desde então. Ele era incrivelmente
bonito – alto, magro, tão afiado como se fosse esculpido em
obsidiana. Mas sei que foi mais do que isso. Ela era uma
herdeira, nascida no luxo. Era seu impulso obsessivo que ela
amava. Ela nunca tinha visto nada parecido entre todas as
crianças privilegiadas.

No dia do casamento, ela entregou a ele o controle de seu


fundo fiduciário. Em um ano, ele aumentou para três vezes seu
tamanho original.

Eu me pergunto se realmente existe amor à primeira


vista.

Qual é a sensação?

É como uma flecha disparando em seu peito, toda vez que


um par de olhos negros como carvão se fixam nos seus?

Posso sentir meu rosto ficando vermelho de novo, só de


lembrar.

— O que foi? — Mama me pergunta. — Você parece


estranha. Você precisa de água? Comida?

— Estou bem, Mama, — asseguro a ela.

Meu pai está se levantando do sofá.

— Onde você vai? — Ela pergunta a ele.

— Eu tenho que falar com Jessica.

Jessica Thompson é sua assistente.

— Agora mesmo? — Mama diz, aquela linha entre as


sobrancelhas aparecendo novamente.

— Imediatamente. Ela vai ter que emitir um comunicado


à imprensa. Não há como encobrir o fato de que nossa filha foi
sequestrada. Não com toda a agitação no hotel.

Este é o jeito do meu pai – assim que um problema é


resolvido, ele passa para o próximo. Estou segura, então a
próxima tarefa é o controle de danos.

— Está tudo bem, Mama, — eu digo. — Estou indo para


a cama.

— Vou subir com você, — diz Serwa.

Sei que minha irmã é gentil, mas, honestamente, é


provavelmente ela quem precisa de ajuda para subir as
escadas. Ela está passando por uma infecção pulmonar e seus
antibióticos não estão funcionando.

Enquanto subimos a escada larga e curva, deslizo meu


braço em volta de sua cintura para ajudá-la a subir. Eu posso
ouvir sua respiração ofegante.

Meu quarto é o primeiro à esquerda. Serwa me segue,


sentando-se na beira da minha cama.

Eu me viro para que ela possa abrir o zíper do meu vestido


para mim. Não tenho vergonha de ficar nua na frente dela –
Serwa é tão mais velha que sempre cuidou de mim, desde que
eu era pequena.

Eu saio do vestido, pendurando-o com cuidado


novamente no armário. Só usei por pouco tempo e nem dancei
com ele – não há necessidade de mandá-lo para a lavanderia.

Enquanto procuro meu pijama favorito, Serwa diz: —


Então me diga o que realmente aconteceu.

Uso a desculpa do pijama para evitar olhar para ela.


— O que você quer dizer?

— Eu sei que você não contou tudo para Tata e Mama.

Pego meu pijama com pequenos cones de sorvete por


cima e coloco-o.

— Bem, — eu digo, de dentro da escuridão reconfortante


da blusa do pijama, — ele era muito bonito.

— O ladrão? — Serwa grita.

— Sim... shh! Mama vai ouvir você.

— Como ele era? — Serwa sussurra, seus olhos brilhando


de curiosidade.

— Ele era enorme – como um daqueles levantadores de


peso russos. Como se ele comesse uma dúzia de ovos e duas
galinhas a cada refeição.

Serwa dá uma risadinha. — Isso não parece bonito.

— Não, ele era. Ele tinha um rosto brutal, queixo largo,


olhos escuros... mas pude ver que ele era inteligente. Não
apenas um bandido.

— Você poderia dizer isso apenas olhando para ele? —


Serwa diz ceticamente.

— Bem... conversamos um pouco também.

— O quê!? Sobre o que? — Ela diz, esquecendo-se de ficar


quieta novamente.
— Shh! — Eu a lembro, embora esta casa seja enorme e
seja improvável que alguém pudesse nos ouvir, a menos que
estivessem do lado de fora da porta. — Apenas... sobre tudo.
Ele perguntou de onde eu era, onde morava e por que estava
chorando antes da festa.

— Por que você estava chorando? — Serwa pergunta,


franzindo a testa.

— Tata descobriu sobre Parsons.

— Oh, — Serwa diz. Ela sabia que eu estava me


inscrevendo. Ela foi muito gentil para me dizer que era uma
ideia terrível. — Ele estava com raiva?

— Claro.

— Sinto muito, — ela diz, me abraçando. — Cambridge é


adorável, no entanto. Você vai gostar de lá.

Serwa foi, exatamente como deveria. Ela se formou com


distinção, com mestrado em macroeconomia. Ela foi convidada
a trabalhar como analista no Lloyd's de Londres, mas antes
que pudesse começar, pegou pneumonia três vezes
consecutivas.

Minha irmã tem fibrose cística. Meus pais pagaram por


cada tipo de tratamento que existe. E muitas vezes, ela fica
melhor por meses de cada vez. Ou, pelo menos, ela está bem o
suficiente para ir à escola ou viajar. Mas sempre, quando está
no limite de sua próxima conquista, isso a deixa para baixo
novamente.
Tem sido a sombra que paira sobre nossa família o tempo
todo. Saber que a vida de Serwa provavelmente será mais curta
que a nossa. Que só a temos por um tempo.

Isso seria trágico por si só. O pior é que minha irmã é a


pessoa mais gentil que já conheci. Ela é gentil. É calorosa. Ela
nunca tem uma palavra ruim a dizer sobre ninguém. E ela
sempre esteve lá para me ajudar e me apoiar, mesmo quando
seus pulmões estão se afogando e ela está fraca por tossir.

Ela ainda é tão bonita, apesar de sua doença. Ela me


lembra uma boneca, com seu rosto redondo, olhos escuros,
bochechas coradas e cabelo puxado para trás em uma parte
reta ao meio. É pequena e delicada. Eu gostaria de poder
abraçá-la como uma boneca e protegê-la de qualquer coisa
terrível acontecendo com ela.

Não conto à Serwa sobre o beijo. É muito bizarro e


constrangedor. Nunca me comportei assim antes. Ela ficaria
chocada. Estou chocada comigo mesma, honestamente.

— Bem, estou feliz que você esteja segura, — diz Serwa,


apertando minha mão. Minha mão é maior que a dela. Tudo
em mim é maior – fiquei mais alta do que ela quando tinha
apenas dez anos de idade.

— Amo você, onuabaa, — digo.

— Eu também te amo, — ela diz.

Serwa volta para seu quarto. Depois de um momento,


posso ouvir o som de seu colete vibrador zumbindo,
expulsando o muco de suas vias respiratórias.

Coloco os fones de ouvido, porque aquele som me deixa


triste.

Deito na minha cama, ouvindo minha lista de reprodução


do Apocalipse. Nunca ouço música pacífica para dormir.

Eu me contorço sob as cobertas, lembrando do momento


em que meus lábios encontraram os lábios do ladrão... o calor
inundou meu corpo como um fósforo jogado na grama seca. A
chama se espalhou em todas as direções, consumindo tudo em
seu caminho.

Acabou em um instante, mas continua se repetindo


continuamente em meu cérebro...

Eu adormeço ao som de “Zombie” dos Cranberries.


Não consigo parar de pensar em Simone.

Sua elegância, sua beleza, sua compostura, mesmo


quando eu estava correndo pela cidade com ela presa na parte
de trás do carro...

Eu sei que é uma loucura.

Pesquisei o pai dela. Ele é um diplomata chique de Gana


que também é tão rico quanto um Faraó. Ele tem uma série de
hotéis de Madrid à Viena.

Minha família está longe de ser pobre. Mas há uma


grande diferença entre o dinheiro da máfia e o dinheiro do
hoteleiro internacional. Tanto em volume quanto em
legitimidade.

Sem mencionar o fato de que Simone e eu nos


conhecemos em circunstâncias nada ideais. Não tenho ideia
do que ela disse aos policiais. Só posso supor que não foi
muito, já que ninguém bateu na minha porta ainda. Ainda
assim, seria idiota começar a vasculhar sua vizinhança,
apenas implorando para ser localizado.

No entanto, três noites depois, é exatamente o que estou


fazendo.

Encontrei a enorme mansão do Lincoln Park que Solomon


alugou no início do verão. Não foi difícil – a coisa ocupa quase
um quarteirão inteiro quando você inclui o terreno. Parece a
porra do Palácio de Versalhes. Extensões infinitas de calcário
branco, pilares e varandas ornamentadas. Jardins ao redor,
muitas árvores e três piscinas separadas.

Solomon tem uma equipe de segurança, mas eles não


estão exatamente em alerta máximo. É muito fácil entrar
furtivamente no terreno e observar a casa de fora.

Eu vim na hora do jantar. Não consigo ver a família – não


sei se eles estão comendo em uma das salas internas ou
fazendo suas refeições separadamente. Mas posso ver dois dos
seguranças brincando na cozinha com uma empregada e uma
garota que provavelmente é uma assistente pessoal. Eles estão
todos comendo sanduíches e bebendo cerveja, sem perceber
que estou parado do lado de fora da janela.

Não dou a mínima para nenhum deles. Só estou aqui para


ver uma pessoa.

Essa pessoa sai para o jardim dos fundos apenas vinte


minutos depois. Ela está vestindo um robe curto e chinelos, o
cabelo preso em um coque apertado no topo da cabeça.

Simone tira o manto, revelando um modesto maiô de uma


peça por baixo. Mesmo o traje mais deselegante não pode
obscurecer o corpo por baixo. Acho que estou de queixo caído.

Simone é uma porra de deusa. Eu não vi no carro, porque


ela estava sentada com aquela saia rosa fofa toda afofada ao
redor dela. Mas seu corpo é incrível.

Pernas com um quilometro de comprimento. Seios fartos


e naturais. Cintura fina, alargando-se em quadris como os de
Vênus. Tudo envolto naquela pele rica e suave que brilha sob
as cordas das luzes externas.

Ela levanta as mãos sobre a cabeça, com as palmas das


mãos juntas, e mergulha na piscina como uma flecha caindo.
Ela rompe a água com apenas uma ondulação, então nada
debaixo d'água quase todo o comprimento da piscina. Ela dá
um pontapé na parede oposta, depois deita-se de costas,
acariciando na direção oposta.

Seus seios sobressaem da água, os mamilos endurecem


com o ar frio. O modesto maiô se agarra a sua pele, mostrando
cada curva abaixo agora que está encharcado.

Meu pau está tão duro que preciso pressioná-lo com a


mão. Está preso no zíper da minha calça jeans, tentando
rasgar o tecido.

Simone continua nadando para frente e para trás.


Quando ela nada, vejo suas nádegas fortes e redondas virando
para a esquerda e para a direita na água, o maiô subindo entre
elas. E quando ela nada de costas, vejo aqueles seios lindos
de novo, os mamilos perpetuamente duros por causa da água
fria e do exercício.

Não sei quanto tempo fico ali atrás de um bordo japonês,


observando-a. Pode demorar dez minutos ou uma hora.

Eu teria ficado por vinte anos para ver o que se segue.


Quando Simone finalmente se cansa e nada para a escada,
sinto minha respiração presa na garganta. Ela sai da piscina,
a água escorrendo por seu corpo.

Ela poderia muito bem estar nua considerando tudo que


o maiô cobre agora. Eu posso ver cada centímetro dessas
curvas impossíveis. Posso até ver a depressão de seu umbigo e
a pequena fenda entre os lábios de sua boceta.

Eu a quero como um lobo quer uma corça. Quero devorá-


la, até o último pedaço. Minha boca está literalmente
salivando. Meu pau lateja há tanto tempo que quase fica
dormente.

Simone pega sua toalha e começa a se secar. Enquanto


esfrega a toalha nas costas e para trás, o movimento sacode
seus seios, fazendo-os balançar e pular.

Pequenas gotas brilham em sua pele e em seus cabelos.


Eu quero ser uma dessas gotas, deslizando por seu corpo.
Quero lamber a água dela. Quero chupar seus mamilos através
daquele traje.

Acho que a visão dela realmente me deixou louco.


Porque quando ela volta para dentro de casa, observo o
andar de cima com olhos selvagens, esperando as luzes se
acenderem. Com certeza, após o tempo que uma pessoa leva
para subir as escadas e atravessar um corredor, vejo uma luz
acender no canto noroeste da casa.

Devo esperar até escurecer.

Eu não deveria fazer isso de jeito nenhum.

Mas nada menos que uma explosão nuclear poderia me


deter agora.

Cuidando das câmeras de segurança, corro para o deck


daquele lado da casa e subo na grade. Saltando de lá, posso
apenas agarrar a varanda do próximo nível e me puxar para
cima.

É uma varanda no estilo Juliette, pequena e conectada


apenas ao quarto individual do outro lado das portas de vidro
duplo. Demoro menos de um minuto para abrir a fechadura.

Quando entro no quarto, vejo que Simone ainda não tirou


o maiô. Ela foi distraída por um gatinho cinza rondando em
seu tapete. Ela se agachou para coçar atrás das orelhas.

Quando se endireita novamente, envolvo meu braço em


volta de sua cintura e coloco minha outra mão sobre sua boca.

Ela grita contra a minha palma, o som abafado até nada.


O gatinho corre para o armário para se esconder.

Posso sentir seu maiô molhado encharcando a frente da


minha camisa. Seu coração bate descontroladamente contra
meu antebraço.

— Sou eu, — rosno em seu ouvido. — Não grite.

Eu a soltei, com cautela. Ela se vira dentro dos meus


braços, olhando para o meu rosto com os olhos arregalados.

— O que você está fazendo aqui? — Ela sussurra. — Se


alguém ouvir você...

— Eles não vão me ouvir. Se você puder ficar quieta.

— Você é louco? Como você me achou?

— Você me disse onde morava.

— Mas por que você veio?

— Eu precisava ver você de novo.

Ainda estamos pressionados juntos, e posso sentir o


coração dela contra meu peito agora, selvagem como um
pássaro.

Se eu achava que o rosto dela era lindo antes, não é nada


comparado ao que parece a apenas alguns centímetros de
distância. Posso sentir o cheiro de cloro em sua pele, e aquele
cheiro doce de sândalo por baixo que percebi no momento em
que entrei em seu carro.

Seus lábios estão separados. Quero enfiar minha língua


entre eles.
Foda-se – é por isso que vim, não é?

Pego seu rosto entre as mãos e a beijo como deveria ter


feito no carro. Eu a beijo como uma cativa, como algo que
roubei. Forço minha língua em sua boca e sinto sua doçura.
Mordo seus lábios e os chupo com força, até que estão
inchados e latejantes.

Por um momento ela está rígida em meus braços,


chocada e provavelmente apavorada. Mas então ela derrete
como chocolate, afundando em mim, deixando suas mãos
embalarem minha nuca. Seus dedos se enroscam em meu
cabelo.

Eu a pego e a jogo em sua cama. A cama é infantil e


feminina – coberta por um dossel rosa claro e cheia de
travesseiros com babados. Empurro tudo para fora do caminho
para abrir espaço para seu corpo esguio e meu corpo maciço.
As molas rangem sob meu peso quando subo em cima dela.

— Espere! — Simone engasga. — Diga-me seu nome desta


vez.

— Dante, — eu digo.

— Esse é o seu nome verdadeiro?

— Sim.

— Você não está mentindo?

Eu olho em seus olhos, âmbar profundo nesta luz. — Eu


nunca vou mentir para você, — digo a ela.
Eu a beijo mais forte do que nunca, esfregando meu corpo
contra o dela. Estou totalmente vestido e ela está quase nua.

Fecho minha boca em torno de seu seio, sugando seu


mamilo através do tecido do maiô, assim como eu imaginei.
Sinto o gosto da água da piscina e sinto a ponta dura de seu
mamilo contra minha língua.

Então puxo para baixo a frente do maiô, expondo aquele


peito pesado em forma de lágrima. Fecho minha boca quente
em torno de seu pequeno mamilo frio. Ela grita tão alto que
coloco minha mão sobre sua boca novamente. Eu chupo forte
em seu seio, bato levemente em seu mamilo com minha língua,
em seguida, chupo com força novamente.

Simone se contorce debaixo de mim. Agarro seus pulsos,


prendendo-os sobre sua cabeça. Eu passo para o outro seio,
sugando vorazmente novamente. Ela grita contra minha
palma. Tenho certeza de que a barba por fazer no meu rosto
está arranhando a pele macia de seus seios.

Segurando seus pulsos sobre a cabeça com uma das


minhas mãos, eu me abaixo e prendo meus dedos sob o
elástico de seu maiô. Eu puxo a parte de baixo para o lado,
expondo sua doce vagina.

Simone se enrijece e fica imóvel. Eu deslizo meu dedo


médio para cima e para baixo na fenda dos lábios de sua
boceta, sentindo a pele de veludo e o pequeno tufo de cabelo
macio. Pela maneira como sua respiração desacelera e sua
frequência cardíaca acelera, acho que ninguém jamais a tocou
aqui antes. Suas pernas tremem quando eu separo os lábios
de sua boceta.

Eu umedeço meus dedos com sua umidade e os deslizo


para frente e para trás sobre a protuberância de seu clitóris.
Simone deixa escapar um longo gemido. Seus joelhos
pressionados juntos. Eu os separo com minha coxa,
espalhando-os abertos para que eu tenha acesso total a todos
os lugares que quero tocar.

Sua vagina é como uma flor minúscula e perfeita. Os


lábios são as pétalas e sua umidade é o néctar interior. Acaricio
meus dedos através de suas dobras e esfrego círculos ao redor
de seu clitóris com a palma do meu polegar. Sua respiração
está ficando cada vez mais rápida. Ela arqueia as costas,
tentando pressionar contra minha mão, mas eu a tenho
pressionada contra o colchão.

Seus olhos estão fechados, seus lábios separados.

Lentamente, muito lentamente, eu deslizo meu dedo


indicador dentro dela.

Ela morde o lábio, como se até aquele dedo fosse difícil de


segurar. Ela é definitivamente virgem. Eu não seria capaz de
enfiar meu dedo se ela não estivesse tão molhada.

Eu tiro meu dedo indicador e coloco o dedo médio, que é


um pouco mais grosso. Ela engasga novamente. Sinto sua
boceta apertando em torno do meu dedo. Sinto a resistência
de partes dela que nunca foram violadas antes.
Com meu dedo dentro dela, eu lentamente esfrego seu
clitóris novamente. Ela vira o rosto contra meu pescoço, olhos
fechados e lábios pressionados contra minha pele.

Eu esfrego um pouco mais forte, deslizando meu dedo


para dentro e para fora dela.

Ela faz sons como aquele gatinho no armário – ansiosa e


desesperada. Suas mãos ainda estão presas. Tudo que ela
pode fazer é mover seus quadris meio centímetro, apertando
com força em volta do meu dedo.

Eu posso sentir seu clímax crescendo. Vejo o rubor


varrendo sua pele. Eu a ouço ofegando contra meu pescoço.
Vejo suas pernas começando a tremer.

Quando começa a gozar, ela morde meu ombro com força,


seus dentes afiados quase rasgando a pele. Ela solta um grito
apenas parcialmente abafado pelo meu ombro.

Sua boceta me agarra com força. Meu dedo está tão


molhado como se eu o tivesse mergulhado em óleo. Essa é a
única razão pela qual ainda posso movê-lo. Seu corpo inteiro
está tremendo agora, não apenas as pernas.

Por fim, ela relaxa com um longo suspiro. Eu a beijo


novamente, sentindo o gosto dos feromônios em seu hálito.

Naquele momento alguém bate na porta.

— Simone? — Uma voz feminina chama.

Eu pulo da cama.
Antes mesmo que Simone pudesse responder, — Só um
minuto! — Já passei pelas portas francesas, por cima do
parapeito da varanda, caindo no deck abaixo.

Eu corro pelo terreno, o cheiro de Simone em meus dedos,


meus lábios e minha pele.
Estou com muitos problemas.

Quando beijei Dante pela primeira vez, foi um impulso


selvagem no final de um evento bizarro que pensei que não
seria nada mais do que uma bolha no tempo – efervescente e
desapareceria para sempre assim que a bolha estourasse.

Claro, pensei nele depois. Constantemente, na verdade.


Mas eu nunca esperava vê-lo novamente.

Então ele invadiu meu quarto e tudo mudou.

Meu universo trocou de posição. Dante se tornou a nova


realidade. E todo o resto parecia tão frágil quanto aquela bolha
ao vento.

Ele me consumiu inteiramente.

Fiquei acordada a noite toda, pensando nele.

Eu podia sentir seu cheiro em meus lençóis – como


cardamomo e pinheiro, especiarias e madeira. Eu juro que ele
deixou uma marca no meu colchão de seu corpo.
Pressionei meu rosto naquele amassado, lembrando.

Seu corpo em cima do meu era esmagador. O tamanho


dele quase aterrorizante. Cada vez que eu tocava uma parte
dele – seu ombro parecido com uma rocha, ou seu bíceps maior
do que uma bola de basebol – eu não conseguia acreditar como
os músculos eram grossos e densos.

Sua barba por fazer era áspera. Arranhou meu rosto e


peito. Ele me beijou como um animal, enfiando a língua em
cada parte da minha boca. Mas ele foi gentil quando colocou
os dedos dentro de mim. Como se ele soubesse que ninguém
nunca tinha feito isso antes.

E esse orgasmo... Oh meu Deus.

Tentei replicar mais duas ou três vezes mais tarde


naquela noite, quando não conseguia dormir. Eu aninhei meu
rosto no travesseiro, sentindo seu cheiro, e tentei me lembrar
exatamente como ele me tocou. Mas minha mãozinha macia
não era nada como a sua enorme e calosa, cada um de seus
dedos mais grossos do que dois ou três dos meus juntos.

Foi enlouquecedor.

Eu precisava ter mais dele.

Eu senti que morreria se não conseguisse.

Mas eu estava totalmente impotente. Eu não tinha como


encontrá-lo novamente.

Então, hoje, alguém enviou cinquenta rosas cor de rosa


para a casa. Não havia cartão. Sem nome na entrega.

Eu sabia que eram para mim. As rosas eram quase


exatamente da cor do meu vestido, da noite do baile. Eu sabia
que elas eram de Dante. Eu sabia que ele viria me encontrar
novamente.

Esta noite devo ir a um jantar da The Young


Ambassadors3. Mama me pergunta se estou me sentindo bem
o suficiente para ir. Quando ela me ouviu gritar no meu quarto,
disse-lhe que adormeci e tive um pesadelo. Claro, ela presume
que estou traumatizada com meu breve sequestro.

— Estou bem, Mama, — eu prometo a ela. — Eu quero


muito ir.

Ela me olha com ceticismo. — Você tem certeza? — Ela


diz. — Você parece... febril.

— Tenho certeza! Por favor, Mama. Eu odeio ficar


confinada em casa.

Ela hesita, então concorda. — Tudo bem. Eu terei o carro


pronto para você às oito.

— Obrigada.

Eu me visto quase uma hora mais cedo. Mesmo que não


haja nenhuma razão real para pensar isso, tenho certeza de
que verei Dante esta noite. Talvez não até depois da festa – na
verdade, talvez eu nem deva ir. Ele pode estar planejando subir

3 Jovens Embaixadores.
para o meu quarto novamente.

Não, eu tenho que ir. Especialmente depois de fazer tanto


alarde para Mama. Vou na festa, mas não vou demorar.

Estou realmente com febre, meu cérebro pulando como


uma máquina de pinball. É difícil se concentrar por tempo
suficiente para me vestir.

Este jantar é um pouco menos formal do que o baile.


Estou prestes a pegar um dos meus lindos vestidos de festa em
tom pastel, mas então um espírito perverso me apodera e pego
um vestido diferente do armário.

Este é um que eu nunca usei antes – verde esmeralda,


decote nas costas, com uma fenda na coxa. Material fino o
suficiente para amassar tudo e enfiar em uma bolsa. Visto uma
jaqueta leve por cima, para que meus pais não percebam.

Traço meus olhos um pouco mais escuros do que o


normal, e deixo meu cabelo solto sobre meus ombros. Eu tenho
cabelo ondulado – escuro, com apenas um toque de vermelho
se a luz o acerta direito. Meu pai sempre me diz que fico melhor
com o cabelo preso, mas suspeito que seja porque fico um
pouco mais selvagem quando está solto.

Tudo bem. Eu me sinto um pouco selvagem esta noite.

Eu não fico assim com muita frequência. Na verdade, não


consigo pensar em uma única noite em que saí de casa em um
espírito de rebeldia.
Esta noite estou vibrando de energia. O ar da noite parece
frio no meu rosto. Até o escapamento do carro que está
esperando tem um cheiro forte e excitante.

Wilson está me levando. Ele está sendo extremamente


gentil – acho que ele se sente culpado por eu ter sido
“sequestrada” sob seu comando. Embora eu tenha dito a ele
uma dúzia de vezes, não foi culpa dele.

Ele me leva até o Pavilhão Pritzker no Millennium Park.


O pavilhão parece uma vasta nave espacial cromada pousada
no meio do parque. É bizarro e futurista e, aos meus olhos,
muito bonito.

Como o pavilhão é usado para concertos ao ar livre, ele


inclui uma enorme treliça oval que se estende sobre a grama,
para criar a acústica perfeita para ouvir ao ar livre. A treliça é
enfeitada com luzes douradas e, de fato, reflete os sons do
quarteto de cordas tocando no palco.

O gramado aberto já está lotado de convidados. The


Young Ambassadors é uma organização juvenil para jovens
interessados em seguir carreira no serviço estrangeiro. Na
prática, está lotado de filhos de diplomatas e políticos,
procurando preencher seus currículos para inscrições na
faculdade.

Faz cinco anos que faço parte dela, primeiro na França e


agora aqui. Muitos jovens participaram de eventos
internacionais, então vejo pelo menos uma dúzia de pessoas
que reconheço.
Um deles é Jules, um menino de Estocolmo cujo pai é um
conselheiro suíço. Assim que me vê, ele vem com uma taça
extra de espumante de maçã na mão.

— Bonsoir Simone! — Ele diz, entregando-me a bebida. —


Que bom encontrar você aqui.

Eu já sabia que ele estava em Chicago. Mama fez questão


de me contar. Jules é exatamente o tipo de garoto que tenho
permissão para namorar – quando tenho permissão para
namorar. Ele é educado, respeitoso, de boa família.

Ele também é muito fofo. Tem cabelo loiro escuro, olhos


verdes, um punhado de sardas e o tipo de dentes perfeitos que
você só consegue com intervenções ortodônticas precoces e
caras.

Tive uma queda por ele alguns anos atrás, depois que
ambos participamos de uma arrecadação de fundos em Praga.

Mas esta noite, noto como sou, na verdade, alguns


centímetros mais alta do que ele de salto. Ele parece infantil
em geral comparado a Dante. Isso se aplica a todos aqui. Dante
faz até homens adultos parecerem meninos.

Ainda assim, sorrio de volta para Jules e agradeço a


bebida. Sempre me lembro de minhas maneiras.

— Você está... uau, — Jules diz, deixando seus olhos


voarem sobre o vestido verde revelador. Tirei a jaqueta e a
deixei no carro com Wilson.
— Obrigada, — eu digo.

Normalmente eu estaria corando, lamentando minha


escolha nesse mar de garotas vestidas como se tivessem saído
de um catálogo de Lilly Pulitzer. Mas esta noite estou me
sentindo bem. Estou me lembrando da maneira como Dante
me atacou com as mãos e a boca, como se meu corpo fosse o
mais delicioso que ele já tinha posto os olhos.

Ele me fez sentir sensual. Desejável.

E eu gostei.

— Fernand e Emily estão aqui também. Você gostaria de


se sentar à nossa mesa durante o jantar? — Jules me
pergunta.

Ele aponta para o palco, onde duas ou três dúzias de


mesas forradas de linho branco foram erguidas, com talheres
formais e cestos de pão cobertos prontos para serem comidos.

— Eu... oh!

Eu ia dizer sim. Até que avistei uma figura corpulenta no


canto da área, afastada das luzes. Embora eu não possa ver
seu rosto, reconheço as proporções de Golias imediatamente.

— O que foi? — Jules me pergunta.

— Eu tenho que ir ao banheiro feminino, — digo


abruptamente.

— Claro. Fica perto do...


— Eu posso encontrar! — Eu digo.

Eu me apresso para longe de Jules, deixando-o parado ali


com uma expressão perplexa.

Eu não vou diretamente para Dante. Ando como se


estivesse indo para os banheiros portáteis, então corro na
direção oposta, escapulindo do anfiteatro e entrando nas
árvores do Millennium Park.

Esta é a primeira vez que quebro as regras diretamente.

Quando Dante roubou o carro comigo no banco de trás,


não foi realmente minha culpa.

O mesmo quando ele invadiu meu quarto. Eu não poderia


ser culpada por nenhuma dessas coisas.

Mas agora estou fazendo uma escolha consciente de


deixar a festa e encontrar um criminoso na floresta. Isso é tão
diferente de mim que mal me conheço. Eu deveria estar
sentada a uma mesa com Jules, tomando um gole de
espumante de maçã como uma boa menina.

Mas não é isso que eu quero.

O que eu quero está me perseguindo nas sombras sob as


árvores. Eu posso ouvir seus passos pesados atrás de mim.

— Você está perdida, senhorita? — Ele rosna.

— Eu posso estar, — eu digo, virando-me.

Mesmo que eu tenha vindo aqui para encontrá-lo, ainda


sinto meu coração subindo na garganta ao vê-lo.

Eu não percebi que ele estava tão perto. De salto, tenho


quase um metro e oitenta de altura. Dante ainda se eleva sobre
mim. Em largura, ele tem pelo menos o dobro do meu
tamanho. Esse rosto severo e brutal é assustador na
escuridão. Seus olhos negros brilham.

Eu estou tremendo. Não posso evitar. Eu me sinto nua


com seus olhos vagando sobre mim.

— Você recebeu as flores que eu te enviei? — Dante diz.

— Sim, — eu guincho.

Ele se aproxima ainda mais de mim, para que eu possa


sentir o calor de seu peito largo, a poucos centímetros do meu
rosto.

— Você vestiu esse vestido para mim? — Ele diz.

— Sim, — eu sussurro.

— Tire, — diz ele.

— O-o quê? — Eu gaguejo.

Estamos a apenas trinta metros da festa. Ainda posso


ouvir a música – Brahms, acho. Posso até ouvir o murmúrio
da conversa e o tilintar de copos.

— Eu disse para tirar.

Sou uma garota obediente. Normalmente faço o que me


mandam. Especialmente quando se trata de uma autoridade.

Antes que eu possa pensar, deslizo as alças finas do


vestido pelos meus ombros, expondo meus seios para o ar frio
da noite. Posso sentir meus mamilos endurecendo. Com a
tensão deles parece que alguém os está tocando, embora Dante
não tenha levantado a mão. Ainda.

Eu largo o vestido todo o caminho até a grama e folhas


caídas. Então saio dele.

— Calcinhas também, — Dante ordena.

Meu coração está acelerando. Nunca estive


completamente nua na frente de um homem.

Enfio meus polegares no cós da minha calcinha e puxo


para baixo também.

Agora estou nua, exceto por um par de saltos em um


bosque de árvores em um parque público. Qualquer pessoa
pode passar a qualquer momento. Resisto ao desejo de cruzar
os braços sobre os seios.

Posso sentir uma leve brisa deslizando sobre minha pele,


como um hálito humano. Quando o ar toca entre minhas
pernas, posso dizer que estou muito molhada.

Dante olha para o meu corpo em silêncio. Seu rosto está


tão impassível que não consigo dizer o que ele pensa. Mas seus
olhos estão queimando como duas brasas negras.

— Vire-se, — ele ordena.


Lentamente, me viro até que ele esteja atrás de mim mais
uma vez.

— Curve-se, — diz ele.

Não entendo por que ele está fazendo isso. Não sei o que
ele quer. Não era isso que eu esperava quando vim encontrá-
lo. Achei que íamos conversar ou ele poderia me beijar de novo.

Em vez disso, estou me curvando para tocar os dedos dos


pés, o que é difícil de fazer com sapatos de salto alto em terreno
irregular.

É humilhante me expor assim. O que ele está planejando?


E se ele tirou uma foto minha assim? Eu morreria de vergonha.

Posso ouvi-lo se mover atrás de mim e quase me endireito.


Só mantenho essa posição horrível porque tenho mais medo de
desobedecê-lo.

Dante se ajoelha atrás de mim.

Ele coloca o rosto entre minhas pernas.

Por trás, sinto sua língua quente e úmida deslizando pelo


comprimento da minha boceta.

É tão bom que meus joelhos quase dobram. Eu só fico de


pé porque suas mãos enormes estão segurando meus quadris.

Dante come minha boceta como se estivesse morrendo de


fome. Ele lambe, suga e enfia a língua dentro de mim. Ele me
lambe absolutamente em todos os lugares. É úmido e intenso,
e absolutamente ultrajante.

A vulnerabilidade da minha posição e a intimidade dos


lugares em que ele põe a língua são insanas. Eu não posso
acreditar que estou permitindo. Mas é bom demais para parar.
Sinto-me suja e travessa, e amo isso pra caralho.

Enquanto está me fodendo com sua língua, ele alcança e


esfrega meu clitóris com a mão.

Oh meu Deus, sinto como se tivesse esperado anos para


que ele fizesse isso de novo. Tenho estado tão reprimida
pensando nele que em segundos posso sentir o clímax se
construindo, a corrida implacável e impetuosa para a liberação
que temi nunca mais sentir.

Dante enterra o rosto ainda mais fundo nas minhas


partes mais delicadas. Ele usa aqueles dedos grossos e ásperos
para esfregar, pressionar e me persuadir exatamente onde ele
quer que eu vá.

Curvada assim, minha cabeça está abaixo dos meus


tornozelos e todo o sangue está correndo para o meu cérebro.
Quando começo a gozar, sinto que posso estar tendo um
aneurisma. Fogos de artifício estão explodindo atrás das
minhas pálpebras fechadas, e não tenho ideia se estou
gemendo tão alto quanto no meu quarto. Deus, espero que não.

O orgasmo me rasga, ainda mais forte do que antes. Eu


desabo, apenas salva de cair no chão pelos braços enormes de
Dante em volta de mim.
Ele me segura contra o peito. Estou mole e ele é sólido
como um carvalho.

Quando posso ver de novo, ele me ajuda a colocar o


vestido. Minha calcinha sumiu, impossível de ver no escuro.

— Você gostou disso? — Ele me pergunta.

— Sim, — eu digo, em meu tom mais apropriado. — Foi


muito agradável.

Dante ri. É a primeira vez que o ouço rir – um estrondo


profundo que vibra em seu peito.

— Você quer dar um passeio? — Ele me pergunta.

— Eu adoraria.
Levo Simone para o meu carro. É apenas um Bronco
velho, surrado e cinza metálico. Não é bom dirigir um carro
chamativo no meu negócio. Não é bom chamar muita atenção.
Além disso, eu não caberia em um minúsculo carro esportivo.

Simone não parece se importar. Ela espera na porta por


um segundo, sem tocar na maçaneta. Percebo que ela espera
que eu abra.

Eu me inclino para agarrá-la no mesmo segundo que ela.


Nós esbarramos um no outro, o que não faz nada para mim,
mas quase a derruba. Ela cora e diz: — Desculpe, isso foi...

— Não, pode deixar, — eu digo.

Nunca abri a porta para uma garota antes. Eu não teria


pensado nisso.

Não sou exatamente o tipo “namoro”. Mais do tipo “fique


bêbado em um bar, e se alguém estiver me dando uma olhada,
acho que vou levá-la para casa”.

Gosto de mulheres da mesma forma que gosto de


hambúrgueres – se estou com fome e há um disponível, então
comerei.

Simone não é hambúrguer.

Ela é uma refeição de dez pratos, se eu tivesse faminto


por cinquenta anos.

Ela poderia me trazer de volta à vida se eu estivesse quase


morto.

Ela sobe para o lado do passageiro, olhando em volta para


os bancos de couro rachados, o volante gasto e a pequena faixa
de tecido pendurada no espelho retrovisor.

— O que é isso? — Simone pergunta, apontando.

— É uma pulseira da amizade. Minha irmã mais nova fez


isso para mim. Mas ela fez do tamanho de seu pulso, então não
cabe, — eu rio.

— Você tem uma irmã? — Simone pergunta, surpresa.


Como se ela pensasse que fui criado por trolls da montanha.

— Sim, — eu digo, colocando o carro em marcha à ré. —


Eu tenho uma irmãzinha e dois irmãos.

— Oh, — Simone suspira. — Sempre desejei vir de uma


família grande.

— Não há família como a família italiana, — eu digo. —


Tenho tantos tios, primos e pessoas que pensam que somos
parentes porque nossos tataravós vieram da mesma cidade em
Piemonte que você poderia encher toda a maldita cidade com
eles.

— Você sempre morou aqui? — Simone diz.

— Toda a minha vida.

— Estou com ciúme, — diz ela.

— Do que você está falando? Você já esteve em todo lugar.

— Visitante em todos os lugares, cidadã em lugar


nenhum, — diz Simone. — Você sabe que nunca tivemos uma
casa? Alugamos esses palácios... mas é sempre temporário.

— Você deveria vir à minha casa, — eu digo. — É tão


antiga que provavelmente criou raízes.

— Eu gostaria de ver isso, — ela diz, com entusiasmo real.


Então pergunta: — Para onde estamos indo agora?

— Onde você gostaria de ir?

— Eu não sei. — Ela hesita. — Você tem medo de ser visto


comigo?

— Não. Você tem?

— Um pouco, — ela diz honestamente. — Meus pais têm


um itinerário para mim. Wilson me leva aonde quer que eu vá.

— Eu vou te levar a algum lugar onde ninguém vai nos


ver, — eu prometo. — Ou, pelo menos, ninguém que você
conhece.
Eu dirijo até Lakeview, um prédio antigo de tijolos com
uma porta indefinida no meio do beco. Simone parece que mal
quer sair do carro depois que eu estaciono. Ainda assim, ela
me segue, deslizando a mão na dobra do meu braço enquanto
caminhamos, segurando-me para proteção. Ninguém por aqui
iria foder com a gente, mas gosto da sensação dela agarrada
ao meu braço.

Bato duas vezes na porta. Depois de um momento, ela


abre o suficiente para o segurança me dar uma olhada. Tony
abre um sorriso ao me ver.

— Aí está você, — diz ele. — Onde você esteve, Dante?

— Lugares onde eles não economizam em azeitonas, seus


filhos da puta baratos, — eu digo, dando um tapinha em seu
ombro.

— Você não deveria comer um pote inteiro com sua


bebida. — Tony sorri. — Acho que eles nunca te falaram isso
no término da escola.

Tony levanta uma sobrancelha para Simone, que se


esconde atrás do meu braço.

— Dante, — diz ele. — O que você está fazendo com uma


garota bonita assim? Você é tão alto que ela não consegue ver
seu rosto? Qual é, amor – você sabe que pode ter melhor do
que esse cara.

Simone parece ligeiramente alarmada, mas seus anos de


treinamento social não a abandonaram. Ela olha para mim
como se realmente estivesse examinando minhas feições pela
primeira vez.

— Ele não é tão ruim, — diz ela. — Não se você semicerrar


os olhos.

Tony ri. — Semicerre muito os olhos – você também não


notará os buracos no tapete.

Ele nos deixa passar para o bar clandestino.

The Room é um clube privado com apenas trezentos


membros. Papa e eu somos dois deles. O resto são alguns
gângsteres italianos, irlandeses e russos da velha guarda mais
tradicionais da cidade. E por velha guarda, quero dizer muito
velha – provavelmente sou o membro mais jovem por pelo
menos dez anos.

É por isso que não estou preocupado em trazer Simone


aqui. É mais provável que ela testemunhe um ataque cardíaco
do que um tiroteio.

Além disso, achei que ela iria gostar da vibe. É um espaço


minúsculo, escuro como a noite, já que estamos no subsolo,
exceto pela luz fraca das lâmpadas sombreadas sobre a mesa
e a placa néon verde sobre o bar. Há cadeiras carmesim
felpudas, tapetes desbotados, papel de parede antigo e uma
parede sólida de garrafas de bebida empoeiradas e escuras que
realmente poderiam estar aqui desde a Lei Seca.

Os garçons também têm cerca de cem anos. Eles


remexem em suas camisas brancas e longos aventais pretos,
nunca derramando uma gota de bebida.

Carmine vem até nossa mesa, dando-me um aceno


amigável e Simone uma pequena reverência.

— O que posso pegar para vocês? — Ele diz com aspereza.

— Vamos querer o amostrador, — digo antes que Simone


possa responder.

— Obrigada, — ela diz, enquanto Carmine cambaleia de


volta para o bar. — Eu não tinha ideia do que dizer. Na maioria
das vezes, só bebi champanhe ou vinho. Além de algumas
mimosas. Meus pais não bebem muito, mas você sabe que
vinho dificilmente é considerado álcool na Europa.

— É o leite materno para os italianos, — eu digo.

Carmine volta alguns minutos depois com uma bandeja


carregada com oito coquetéis em miniatura, além de uma
tábua de madeira com azeitonas marinadas, picles caseiros,
nozes, frutas secas e alguns tipos de queijo.

— Isso tudo é para nós? — Simone chia.

— Esses são coquetéis da era histórica, — explica


Carmine pacientemente. — Apenas uma pequena amostra de
cada um. Aqui você tem The Bee's Knees – um pouco de mel e
limão no seu gim. Em seguida, o Mary Pickford – que é rum
cubano, abacaxi e um toque de groselha para dar a você essa
linda cor rosa. Tenho certeza de que você já bebeu um Sidecar
antes – licor azedo com conhaque, licor de laranja e limão. E,
finalmente, o clássico Chicago Fizz – um pouco de rum escuro,
vinho do porto ruby, clara de ovo, limão e refrigerante.

Ele coloca os coquetéis em miniatura em uma fila na


frente de Simone enquanto nomeia cada um.

— Saúde, — eu digo, pegando o Chicago Fizz. Simone


segura o mesmo com cuidado. Brindamos os copos e ela toma
um gole.

— Nada mal, — diz ela.

Ela tem um bigode de espuma acima do lábio. Isso a faz


parecer ainda mais com um gatinho. Eu não posso deixar de
sorrir.

— O quê? — Ela diz, sorrindo para mim.

— Nada, — eu digo.

Ela começa a rir.

— Por que você está rindo? — Eu pergunto a ela.

— Nada, — diz ela, balançando a cabeça.

Eu me vejo no espelho acima do bar. Eu também tenho


bigode.

Estamos ambos rindo, tanto que os homens nas outras


mesas nos lançam olhares de desaprovação.

Limpo meu rosto com um guardanapo, depois o dela,


suavemente.
— Você nunca ia me dizer, não é? — Eu pergunto a ela.

— Não, — Simone bufa.

Coloco minha mão sobre a dela, na mesa. Sua mão é fina


e de formato perfeito. Em comparação, faz a minha parecer
uma luva de beisebol.

A jukebox no canto muda o disco. Mesmo sendo um bar


clandestino dos anos 20, a maior parte da música que toca é,
na verdade, dos anos 60 ou 70, já que esses são os “bons e
velhos tempos” para a maioria dos clientes.

“Ring of Fire” de Johnny Cash começa a tocar.

— Dance comigo, — digo à Simone.

— Ninguém está dançando, — ela diz.

— Nós vamos, — digo, puxando-a da mesa.

Eu sou um dançarino de merda. Eu já sei disso.

Não importa. Só quero segurar Simone contra meu peito.


Ninguém se importa se estamos dançando. Eles nos dão uma
olhada e depois voltam para suas conversas.

Eu posso sentir o cheiro doce e limpo do cabelo de


Simone. Ela sabe exatamente como se mover.

Depois de mais algumas músicas, sentamo-nos à nossa


mesinha novamente. Experimentamos todas as bebidas, assim
como a comida. Simone está corada do álcool. Suas bochechas
ficam rosadas e ela fica mais falante do que nunca. Ela me faz
todos os tipos de perguntas.

Não tenho bebido muito, mas me sinto embriagado ao vê-


la. Pela cor de seu rosto e pelo brilho de seus olhos. Eles se
alteram, dependendo da luz. Às vezes são claros e dourados
como mel. Aqui, com pouca luz, eles parecem tão laranja
quanto âmbar.

— Você é... um mafioso? — Simone sussurra, não


querendo que mais ninguém ouça.

— Talvez. — Eu encolho os ombros. — Não é como se você


participasse de uma gangue. É um negócio familiar.

— O que você quer dizer? — Simone pergunta. Ela parece


genuinamente curiosa, não crítica.

— Bem... — Tento pensar em como explicar. — Como


todos os negócios, existem os negócios que você administra
honestamente e os que exploram as lacunas. Existem as leis
que você segue e as que você não segue, porque foda-se as
pessoas que fizeram essas leis – elas são igualmente sujas e as
exploram da mesma forma para obter dinheiro e poder.

Tento pensar em como expressar isso sem insultá-la.

— Seu pai – ele faz negócios, cobra favores. Ele tem seus
amigos e seus inimigos. Meu pai é o mesmo.

— Acho que sim, — diz Simone, brincando com o copo de


seu Sidecar. — Não se trata apenas de negócios secretos, não
é?
Ela olha para mim, não querendo me ofender com a
pergunta, mas querendo saber a verdade.

— Não, — eu digo. — Não se trata.

Nero e eu derrubamos dois caminhões blindados em


Canaryville no mês passado. Não estou acima de qualquer
criminoso, não mesmo.

Não dou a mínima para roubar de um banco. Bancos,


governos, empresas – você me mostra um que é realmente
honesto. É tudo um sistema para embaralhar dinheiro, e tenho
tanto direito de retirar alguns milhares quanto qualquer
banqueiro gordo.

Eu não machucaria ninguém por diversão. Mas quando


há um motivo... eu não hesito.

— Você já matou alguém? — Simone pergunta, tão


baixinho que mal consigo ouvi-la por causa da música.

Sinto minha mandíbula apertar involuntariamente. Matei


alguém na noite em que nos conhecemos. E essa não foi a
primeira vez.

— O que você acha? — Pergunto à Simone.

Ela morde o lábio, incapaz de responder. Ou relutante.

— Vamos, — eu digo. — Vamos sair daqui.

Voltamos para o Bronco. Eu dirijo para o leste, até a


Lakeshore Drive. Abaixo as janelas, e o ar fresco da noite flui
por ela.

Simone parece um pouco sonolenta, porque está ficando


tarde ou porque não está acostumada com as bebidas. Puxo
sua cabeça para o meu colo, então ela está mais perto e pode
descansar.

Ela está deitada lá, com a mão na minha coxa.

O calor de sua bochecha contra minha virilha e a fricção


sempre que ela move a cabeça, mesmo que um pouco, começa
a me excitar. Posso sentir seu perfume suave. Sei que ela pode
sentir meu pau inchando sob minhas calças, e isso me excita
mais.

Quando estou muito duro para ela não perceber, ela


levanta a cabeça um pouco. Mas não se senta. Ela começa a
desabotoar minha calça jeans.

Ela desliza para baixo o zíper, alcançando minha boxer


com sua mão magra. Ela puxa meu pau para fora.

Parece tão grosso quanto seu pulso, a cabeça caindo


pesadamente em sua palma. Ela se assusta, mas aperta-o
timidamente. Um pouco de fluido transparente sobe na ponta.

Ela lambe os lábios para umedecê-los. Então ela lambe a


cabeça do meu pau, provando-o.

A ideia de que meu esperma é o primeiro que ela provou


me excita mais do que nunca. Quero olhar para baixo e
observá-la, mas tenho que manter meus olhos na estrada.
Sinto aqueles lábios carnudos e macios fecharem em
torno da cabeça do meu pau. Ela está lambendo, provando,
explorando. Ela não sabe o que está fazendo. Mas isso é mais
erótico do que qualquer boquete de estrela pornô. Estou
tomando sua boca pela primeira vez, sentindo meu pau bater
em suas bochechas e língua enquanto ela tenta descobrir...

Estou tão duro que gemo a cada toque.

Eu quero ser gentil com ela, mas é tão difícil de esperar.


Coloco minha palma pesada na parte de trás de seu cabelo e
empurro sua cabeça para baixo, para que meu pau deslize
ainda mais em sua garganta.

Simone engasga, sua saliva escorrendo pelo meu eixo. Eu


seguro sua cabeça lá, empurrando meu pau para dentro e para
fora de sua boca. Posso sentir a cabeça empurrando o fundo
de sua garganta, incapaz de ir mais longe. O aperto em volta
do meu pau é forte, quente e úmido.

Eu a deixei levantar para que ela pudesse respirar.


Simone ofega por ar, as lágrimas escorrendo do canto dos
olhos. Não porque ela está chateada, apenas com a ânsia de
vômito.

Depois de recuperar o fôlego, ela tenta novamente. Ela


segura a base do meu pau em sua mão e tenta colocar o
máximo que pode da cabeça em sua boca.

Sua técnica é uma merda, mas seu esforço é A+. Estou


dividido entre meu desejo de protegê-la, de ser gentil com ela,
e a luxúria raivosa que me faz querer foder seu rosto o mais
forte que posso dentro dos limites do cinto de segurança e do
volante.

Simone é delicada e culta. Isso traz à tona o animal em


mim. Eu quero arrancar suas roupas, jogá-la no chão, usar
seu corpo. Sua gentileza e doçura naturais me fazem querer
dominá-la ainda mais. Ela é uma boa menina – quero torná-la
MINHA boa menina. Minha gatinha obediente.

Nunca senti um desejo assim: louco, furioso e extremo.


Eu sinto que mal estou segurando meus últimos resquícios de
autocontrole.

Se eu não tivesse que manter o carro na estrada,


provavelmente não seria capaz de me conter. Essa é a única
coisa que me mantém paciente o suficiente para deixá-la
trabalhar, para deixá-la deslizar seus lábios e língua em volta
do meu pau até que eu finalmente exploda.

Porra quente explode em sua boca. Posso dizer que ela


não esperava por isso. Algumas gotas pingam em meu jeans e
outras ela engole.

Ela se senta, ofegante e limpando a boca.

Estou tão atordoado que mal consigo dirigir. O orgasmo


foi selvagem, doloroso. Ele sacudiu tudo. Eu realmente deveria
ter encostado o carro.

Meu coração está batendo forte como uma marreta.


— Tudo bem? — Simone pergunta.

Eu a puxo de volta e a beijo rudemente. Me provando em


seus lábios.

— Você é perfeita, — eu digo. — Perfeita pra caralho.


Não é fácil escapar para ver Dante.

Principalmente depois daquela primeira noite, quando


voltei tão tarde.

Meus pais ficaram furiosos. Wilson esteve esperando por


mim no Millennium Park por mais de uma hora. Felizmente, a
equipe ainda estava limpando o jantar, então eu poderia fingir
que estava passando mal no banheiro depois que Dante me
deixou novamente.

Mama cheirou suspeitosamente, provavelmente sentindo


o cheiro da bebida no meu hálito. E talvez algo mais também –
o cheiro persistente de sexo na minha pele.

Eu não me importei. Em alguns dias, estava encontrando


maneiras de me encontrar com Dante novamente. Eu disse à
Mama que ia sair com Emily da Young Ambassadors. Fiz
Wilson me deixar em lugares neutros como o shopping ou o
cinema.

Mama estava realmente satisfeita em me ver socializando


sozinha, fora dos eventos obrigatórios. Ela continua me
dizendo para trazer meus “amigos” para jantar ou usar a
piscina.

Em vez disso, Dante vem me buscar em meus encontros


com amigos falsos. Ele me leva para longe, onde podemos ficar
sozinhos. Às vezes vemos um filme ou saímos para comer,
embora ele tente escolher lugares longe dos restaurantes
populares onde eu possa ser reconhecida.

Sério, eu só quero ficar sozinha com ele.

Vamos a praias distantes, mirantes, recantos de parques,


sua casa, ou até mesmo hotéis. Então ele me despe e coloca
suas mãos enormes em todo o meu corpo. Ele me beija e me
toca por horas, sempre terminando com o rosto enterrado
entre as minhas pernas, fazendo-me gozar uma e outra vez.

Ainda não fizemos sexo. Mas posso sentir que estamos


chegando mais perto.

Dante sabe que ele seria o meu primeiro. Ele está


tentando ser paciente. Posso dizer que cada vez que ele me
toca, desperta aquela parte dele que não tem paciência e tem
muito pouca gentileza. É assustador, porque sei que ele
poderia me partir ao meio se realmente perdesse o controle.
Mas, ao mesmo tempo, eu o quero tanto quanto ele me quer.

Não é apenas físico.

Passamos horas conversando. Sobre livros, filmes,


música, nossas melhores e nossas piores memórias. As coisas
que queremos fazer e as coisas que temos medo de tentar.

A única coisa sobre a qual não falamos é nosso futuro


juntos.

Contornamos a questão da minha família. Contei a Dante


tudo sobre Mama, Tata e Serwa. Ele sabe como eles são.

Portanto, ele deve saber com que violência eles se oporiam


a nós dois estarmos juntos. Não me importo com o passado de
Dante – eles não serão tão perdoadores.

Meu pai é rígido. Ele exige tudo de si mesmo e das pessoas


ao seu redor. Ele tem um caminho traçado para mim desde o
nascimento. Não inclui relacionamento com o filho de um chefe
da máfia.

Além disso, Dante não tem intenção de abandonar o


“negócio da família”. Eu não acho que eu poderia pedir a ele.

Especialmente depois de conhecer sua família.

Conheci Aida primeiro, a irmãzinha. Ela não é realmente


um bebê – onze anos, magrinha, vestindo jeans rasgados e
uma camisa de basebol. Suas unhas são quebradas e sujas, e
seu cabelo é completamente emaranhado. Posso ver crostas
em ambos os joelhos pelos buracos em seu jeans.

Ela é bonita, apesar disso. Ou será, quando ela crescer.


Seus olhos não são escuros como os de Dante – eles são cinza-
prateados, brilhantes de curiosidade.

— Oh! — Ela diz. — Você é diferente do que eu esperava.


— Como você achou que eu seria? — Pergunto a ela.

— Não sei, — ela ri. — Acho que pensei que você seria
grande como Dante.

— Quando você viu uma garota tão grande quanto eu? —


Dante ressoa.

— Eu serei! Vou ser maior e mais forte do que todos vocês,


— diz Aida.

— Você tem que comer algo diferente de sorvete e picolé


se quiser que isso aconteça, — diz Dante.

Na verdade, estamos tomando sorvete durante essa


conversa, em Lane Beach.

— Eu disse que queria uma casquinha, não uma taça, —


lembra Aida a Dante.

— Você já está suja o suficiente sem que o sorvete derreta


em cima de você, — diz Dante.

— Tomei banho, — diz Aida.

— Quando?

— Esta semana.

— Mentirosa.

— Fui nadar. Isso conta.

— Se não houver sabonete envolvido, não conta.


É fascinante ver essa garota de trinta quilos interagir com
Dante sem um pingo de medo. Na verdade, é claro que ela o
adora. Ela me conta como ele a levou ao Six Flags e cavalgou
no Looping Demon quatro vezes.

— Você não estava com medo? — Eu pergunto a ela.

— Fiquei mais assustado, — diz Dante. — Não acho que


aqueles carrinhos foram projetados pensando em mim.

— Eu vomitei, — Aida diz alegremente. — Mas não em


nada importante.

Também conheci os irmãos de Dante – Sebastian e Nero.


Sebastian é apenas um pouco mais velho que Aida, mas já é
mais alto do que eu. Ele se parece com um cachorrinho com
seus grandes olhos castanhos e seus pés grandes demais para
seu corpo. Ele é tímido e, principalmente, deixa para seus
irmãos responder a quaisquer perguntas que eu fizer.

Nero é uma criatura totalmente diferente. Ele tem


dezesseis anos e, francamente, o mais assustador do grupo.
Ele é lindo de um jeito que seria chocante para um homem
adulto, quanto mais para um adolescente. Mas ele é feroz e
temperamental, e desconfia profundamente de mim.

— Dante fala de você o tempo todo, — digo a ele.

— Mesmo? — Ele diz rudemente. — Porque não o vejo há


um mês.

— Pega leve, — Dante diz a ele rispidamente.


— Está tudo bem, — eu digo. — Eu tenho monopolizado
você.

— Você mora naquela mansão na Burling Street? — Nero


diz.

— Sim.

— Chique. Dante usa smoking para visitá-la?

Seus frios olhos cinza estão estreitados para mim. Tenho


certeza de que ele sabe que Dante nunca me visitou lá.

Enquanto isso, estive em sua casa várias vezes. Eu amo


isso. Está recheada de história e memórias. Cada arranhão na
madeira é de um dos irmãos Gallo ou de um tio ou tia que veio
antes. É caloroso e pessoal, e tão adorável quanto a mansão
na Burling Street, à sua maneira.

Dante me levou até o telhado, onde as uvas pendiam


pesadas e cheirosas da pérgula. Ele escolheu algumas para
mim e eu as comi, aquecidas pelo sol e cheias de suco.

Até conheci Enzo Gallo, o pai de Dante. Não sei o que


esperava – um bandido, acho. Eu não poderia estar mais
errada. Enzo é culto, educado. Posso ver que ele costumava ser
forte como Dante, antes que a idade e a tristeza o
desgastassem. Dante me contou como Gianna Gallo morreu.
Tenho certeza de que para um homem poderoso como Enzo,
uma doença inesperada deve parecer a mais cruel virada do
destino – algo completamente fora de seu controle.
Como Nero, Enzo desconfia de mim. Duvido que eu seja
o que ele deseja para seu filho mais do que Dante se ajusta às
expectativas de meu pai. Somos de dois mundos diferentes.
Enzo parece evitar os holofotes exatamente como meu pai
deseja.

Uma noite, depois de jantar com toda a família, Enzo


puxa Dante para outro cômodo, e eles se ausentam por quase
vinte minutos. Posso ouvir o ruído surdo da voz de Dante, mas
não o que ele está dizendo ao pai. Quando ele sai alguns
minutos depois, Dante está corado.

— Vamos embora, — ele me diz.

Enquanto nos afastamos de casa, pergunto a ele: — O


que aconteceu?

— Nada. — Ele balança a cabeça.

Coloco minha mão sobre a dele, sentindo seu pulso


batendo forte nas veias levantadas nas costas de sua mão.

— Você pode me dizer, — eu digo.

Dante olha para mim, os olhos ardendo.

— Ninguém nunca vai tirar você de mim, — diz ele.

Borbulhando dentro dele, vejo aquela raiva que ele


mantém presa abaixo da superfície. Dante é tão forte que tenho
certeza de que ele aprendeu cedo que tinha que controlar seu
temperamento ou destruiria tudo em seu caminho. Mas ele
ainda é jovem, mesmo que não pareça. Não sei quanto tempo
dura esse controle.

— Ninguém vai, — eu sussurro.

Ele vira a mão e aperta a minha, nossos dedos


entrelaçados.

— Bom, — diz ele.

Na noite seguinte, Dante manda mensagens para


perguntar se eu posso encontrá-lo.

Digo a ele que Mama está me obrigando a ir a um baile


de máscaras. É uma arrecadação de fundos para as escolas
autônomas4 de Chicago.

Ele não responde, provavelmente irritado por ser o


terceiro evento desta semana que nos separou.

Eu já estava farta de festas chiques quando o verão


começou. Agora que tenho Dante para me distrair, elas
parecem pura tortura. A cada minuto dos eventos, sinto-me
como a metade de um ímã atraído e puxado para onde eu acho
que Dante possa estar. O impulso de ir até ele é avassalador.

4São escolas com um sistema de ensino alternativo, no qual essas escolas recebem fundos públicos
mas opera de forma independente. Sendo assim, uma escola pública, mas que opera como particular.
Fico especialmente irritada quando a campainha toca.
Ou, pelo menos, fico irritada quando Mama me chama e vejo
Jules parado ali. Ele está olhando escada acima, sorrindo
timidamente e segurando um buquê de lírios amarelos.

— Pedi a Jules para buscá-la, — diz Mama. — Já que


Wilson tem a noite de folga.

Tenho certeza de que não é coincidência que ela deu folga


à Wilson esta noite. É a oportunidade perfeita para me
empurrar para um encontro.

Não há realmente nenhuma maneira de recusar. Não


agora.

— Ótimo, — eu murmuro. — Vou terminar de me


arrumar.

— Vou esperar aqui embaixo! — Jules me chama.

Ele está vestindo um terno cinza claro com uma máscara


prateada empurrada para cima em sua cabeça.

Pelo menos dois ou três bailes por ano são bailes de


máscaras. Os ricos adoram usar máscaras. É uma tradição
que remonta ao Carnaval da Idade Média. As razões são óbvias
– em uma sociedade rígida, uma máscara proporciona
liberdade. Sua identidade, suas ações e até mesmo suas
expressões faciais estão livres do escrutínio sem fim que
normalmente suportamos. Você não precisa se preocupar se
será assunto de fofoca na manhã seguinte ou de uma foto nada
lisonjeira nas redes sociais. Pela primeira vez, você pode fazer
o que quiser.

Nunca tirei vantagem da máscara antes.

Mas até eu sinto uma sensação de alívio deslizando a


gatto pelo meu rosto. É uma máscara tradicional italiana, com
orelhas e olhos de gato, pintados de dourado e preto.

Minha saia cheia balança em volta de mim enquanto eu


caminho. É mais fantasia do que vestido, preto com joias de
ouro espalhadas como estrelas.

Jules engole em seco quando me vê.

— Uau! — Ele diz.

Eu não posso deixar de provocá-lo. — Você só me vê de


vestidos, Jules. Eu acho que você ficaria mais surpreso com
um par de calças de moletom.

Jules dá de ombros, rindo nervosamente. — Acho que


sim, — ele diz.

— Não se metam em muitos problemas, vocês dois, —


Mama diz levemente.

Pouca chance de isso acontecer.

— Definitivamente não, Sra. Solomon, — Jules garante a


ela.

Eu o sigo até seu carro. É um Corvette, tão baixo que


tenho dificuldade em entrar com minha saia enorme e fofa. Eu
meio que tenho que cair no banco do passageiro.
Jules fecha a porta atrás de mim, tomando cuidado com
meu vestido.

Posso dizer que ele está nervoso, levando-nos de carro ao


Museu de História. Nunca estamos realmente sozinhos,
sempre nos encontrando em eventos sociais, em lugares
públicos. Quero dizer a ele que pode relaxar, porque isso não
é realmente um encontro, mas é claro que não há como fazer
isso.

— Onde você foi na outra noite? — Ele me pergunta.

— Hmm? — Eu estava olhando pela janela, pensando em


outra coisa.

— Você desapareceu do jantar da The Young


Ambassadors. Achei que você fosse se sentar à minha mesa.

— Oh. Desculpa. Eu saí mais cedo. Eu não estava me


sentindo bem.

— Ok, bom. Quer dizer, não é bom você estar doente. Mas
estou feliz que não foi porque você não queria se sentar comigo.

Há um pouco de cor em suas bochechas pálidas, sob as


sardas.

Sinto uma pontada de culpa. Jules é um cara legal e não


é feio. Ele está em forma, tem boas maneiras, é inteligente. Um
excelente esquiador e violinista, pelo que ouvi. Mas as
pequenas faíscas que senti por ele no passado não são nada
comparadas ao inferno que Dante pode acender dentro de mim
com um único olhar.

Chegamos ao museu. Sinto uma emoção ao ver a longa


fachada de tijolos. Foi aqui que Dante me deixou no dia em que
roubou o carro comigo no banco de trás. Eu gostaria que ele
estivesse me levando ao baile, em vez de Jules.

Como a festa já está a todo vapor, temos que esperar em


uma fila de uma dúzia de limusines e carros esportivos. Jules
entrega as chaves ao manobrista e, em seguida, pega meu
braço para me ajudar a subir os longos degraus acarpetados
até a entrada.

No grande salão, há tanto barulho e tilintar de copos que


mal consigo ouvir a música tocando. Não posso negar que a
variedade de máscaras e vestidos brilhantes é absolutamente
adorável. Vejo pavões e borboletas, arlequins e fadas. Algumas
pessoas optaram por vestidos de estilo italiano com anquinhas
e mangas de renda, outras com estilos de princesa sem alças.

Os homens estão vestidos principalmente com ternos ou


smokings. Alguns usam a clássica meia-máscara columbina.
Outros usam a volto de rosto inteiro ligeiramente
perturbadora, a bauta angular ou a sinistra scaramouche com
o nariz comprido.

— Gostaria de uma bebida? — Jules me pergunta.

— Obrigada, — eu digo.

Enquanto ele se dirige para o bar, alguém se aproxima de


mim com uma fantasia de médico da peste.
— Simone... — uma voz baixa sussurra.

— Sim? — Eu digo hesitante.

— Sou eu! — Emily ri. Ela abaixa um pouco a máscara


para que eu possa ver seus olhos azuis brilhantes.

Eu rio. — O que você está fazendo nisso?

— Espionando, — ela diz. — Esgueirando. Ouvindo


conversas.

— O que você descobriu até agora?

— Oh, só que Jean VanCliffe trouxe sua amante para a


festa, não sua esposa – você pode vê-la ali no vestido cor de
vinho. E que Angela Price está completamente bêbada, é por
isso que ela está dançando sozinha há meia hora.

— Coisas fascinantes, — digo a ela. — Você deveria


escrever um livro.

— Não me tente, — ela diz. — Adoraria escrever um


romance que contasse tudo sobre os ricos e famosos de
Chicago.

— Eu não sei se eles são realmente interessantes, — eu


digo. — Exceto para eles próprios.

Jules volta para se juntar a nós, entregando-me uma taça


de champanhe.

— Oh, desculpe. — Emily sorri. — Eu não queria


interromper o seu encontro.
— Não é... — Eu começo.

— Tudo bem, — diz Jules, seus lábios sorrindo sob a


máscara. — Afinal, viemos para nos socializar.

— Oh! — Emily diz sarcasticamente. — Pensei que


viéssemos apoiar crianças pobres que precisam de novos
computadores.

— Certo. Claro, — Jules diz desconfortavelmente.

— Ela está apenas brincando com você, — digo a ele.

— Certo, — Jules diz novamente.

Esse sempre foi seu ponto fraco – nenhum senso de


humor.

— Devemos dançar? — Ele me pergunta.

Ele me puxa para a pista de dança entre a rotação infinita


de casais girando ao nosso redor. A banda está tocando “The
Vampire Masquerade”, apropriadamente. Jules é um
dançarino muito mais experiente do que Dante. Mas ele é
quase extravagante – ele rodopia a minha volta, girando-me,
até mesmo me mergulhando um pouco. É claro que ele quer
que o maior número possível de pessoas nos veja.

Eu gosto de dançar. Eu amo todas as cores ricas, contas


e brocados ao meu redor. A maneira como os vestidos
balançam e farfalham, a maneira como os tecidos brilham,
desviando a luz que brilha de vários lustres acima. Gosto do
doce aroma de champanhe e uma dúzia de perfumes, do aroma
mais suave da pomada e da loção pós-barba masculinas e das
notas mais baixas de graxa de sapato e couro.

A banda muda para “Midnight Waltz”.

— Você quer continuar dançando? — Jules me pergunta.

— Sim! — Eu digo. Prefiro dançar do que falar.

Nós giramos em torno do chão, rápido o suficiente para


eu respirar com dificuldade. Jules me faz algumas perguntas
sobre como estão meus pais e se já escolhi minha faculdade.

— Vou para Harvard, — diz com orgulho.

— Isso é ótimo, — eu sorrio.

Só então minhas costas batem em algo duro e imóvel.

— Oh, desculpe! — Eu digo, virando-me.

Eu tenho que olhar para cima para encontrar os olhos do


homem elevando-se sobre mim.

Ele está vestido todo de preto. Seu cabelo está penteado


para trás. Ele está usando uma máscara de seda preta que
cobre todo o rosto. Seus olhos escuros brilham para mim.

Antes que eu pudesse dizer uma palavra, ele agarrou


minha cintura e minha mão envolveu a dele.

— Com licença... — Jules protesta.

— Você não se importa se eu a levar, — o homem rosna.


Não é uma pergunta. Ele me arrasta sem outro olhar para
Jules.

Eu soube que era Dante desde o momento em que vi seu


corpo. Não há um homem na sala com ombros tão largos. Se
eu já não tivesse adivinhado, aquela voz áspera e o cheiro
inebriante de sua colônia teriam denunciado.

Estou apenas surpresa que ele tenha conseguido entrar


no local – duvido que ele esteja na lista de doadores para KIPP5.
E eu não esperava que ele tivesse um terno perfeitamente
ajustado.

— O que você está fazendo aqui? — Eu digo, olhando para


ele.

Por trás da máscara, seus olhos estão mais ferozes do que


nunca.

— Assistindo você dançar com outro homem, — ele rosna.

O tom de sua voz envia um arrepio pela minha espinha.


Sua mão engole a minha. Eu sinto o calor saindo de seu corpo.

Não consigo ler sua expressão, mas posso sentir seus


músculos tensos de fúria.

— Você está com ciúmes? — Eu sussurro.

— Profundamente.

5 Knowledge Is Power Program; rede de escolas preparatórias para faculdades gratuitas, em


comunidades de baixa renda nos EUA.
Não sei por que isso envia uma onda de prazer por mim.

— Por quê? — Eu digo.

Em resposta, Dante apenas me puxa com mais força.

Posso sentir os olhos se voltando para nós. É impossível


não notar o homem mais alto da sala. Os outros dançarinos
criam espaço para nós, ninguém quer ser esmagado por Dante
enquanto ele me gira em “Waltz for Dreamers”.

Normalmente eu não gosto quando as pessoas me olham,


mas agora eu não poderia me importar menos. Eles podem
sussurrar o quanto quiserem. Tudo o que me importa são os
dedos de Dante em volta da minha cintura, a força impossível
que ele usa para me chicotear e a maneira como ele não tira os
olhos do meu rosto por um instante.

— Por que estou com ciúmes? — Ele diz, respondendo à


minha pergunta.

— Sim.

Ele me pressiona com força contra ele.

— Porque eu não me importo se os filhos da puta mais


ricos e extravagantes do mundo estão nesta sala. Você
pertence a mim.
Eu vim ao baile para surpreender Simone.

Comprei um ingresso, por um preço exorbitante, de


alguém que realmente havia sido convidado. Então eu peguei
o único terno que possuo e até encontrei uma máscara.

Fiz tudo isso para vê-la sorrir quando percebesse que eu


me infiltrei na única festa que poderíamos ir juntos sem
ninguém ver meu rosto.

Mas então eu apareci. Eu bebi da riqueza e do poder na


sala. Cada pessoa rica e influente em Chicago e nas cidades ao
redor. Examinei a sala cheia de pessoas bonitas, procurando
pela mulher mais deslumbrante de todas.

E eu a vi dançando com outro homem.

Reconheci Simone imediatamente. Ninguém tem uma


pele que brilha como a dela, ou uma figura que ofusque até
mesmo o vestido mais ostentoso. Ela faz todos os homens na
sala babarem de inveja. O sortudo com quem ela estava
dançando sabia que ele estava muito além de seu nível.
Mas eu estava com ciúme de qualquer maneira. Com
ciúmes pra caralho, que mal conseguia respirar.

Eu poderia dizer que o garoto era rico apenas por seu


relógio e seu terno. Na verdade, eu tinha certeza de que ele era
o mesmo merdinha com quem ela estava conversando no
jantar do Jovem Embaixador.

Eu queria quebrar a porra das pernas dele por dançar


com ela.

Ele sabia dançar. Parecia que ele tinha feito isso toda a
sua vida – e provavelmente tinha. Ele tinha estilo, porte,
maneiras – tudo que eu não tenho. E ele tinha Simone em seus
braços.

Então, eu a arranquei para longe dele. Literalmente a


puxei de suas mãos e a tomei. Eu a girei pelo chão até que ela
ficasse tonta, mostrando a cada engomado naquele salão que
ela era minha, e eu a tomaria sempre que quisesse.

Mas não foi o suficiente. Nem perto do suficiente.

Então agora estou puxando-a para fora da pista de dança,


para fora do salão de baile, totalmente para fora da festa.

Algum idiota com uniforme de segurança tenta nos


impedir.

— Com licença, senhor... Senhor! — Ele chama.

Pego um maço de notas do bolso e coloco em sua mão. —


Cale a boca e me mostre qual caminho podemos ir para
ficarmos sozinhos, — digo a ele.

Ele encara o dinheiro por um segundo, então murmura:


— Por ali. Só não toque em nada, ok?

Eu puxo Simone para longe através das galerias vazias do


museu. Eu a estou arrastando, minha mão travada em seu
pulso.

Ela está correndo atrás de mim, tropeçando um pouco em


seus saltos altos, com a saia grande e pesada de seu vestido a
atrasando.

— O que você está fazendo? — Ela engasga. — Onde


estamos indo?

Eu não faço ideia.

Estou apenas procurando um lugar. Um lugar onde


ninguém pode nos ver ou nos ouvir. Onde posso tomar posse
de Simone de uma vez por todas.

Finalmente, chegamos à exibição de Napoleão. A maioria


das luzes está reduzida. Vejo uma máscara mortuária de gesso
claro, medalhas militares, letras escritas à mão sob o vidro,
uma espada incrustada de diamantes, uma fileira de frascos
de colônia de vidro e um par de chinelos bordados. Retratos do
imperador, mosquetes e um chapéu bicorne surrado.

E então o que eu estava procurando: uma longa


espreguiçadeira de veludo, verde esmeralda, com quatro
pernas esculpidas e travesseiros em uma das pontas. Está
isolada, mas desprotegida.

Pego Simone e jogo-a naquela espreguiçadeira.

— O que você está fazendo! — Ela diz, apavorada. — Nós


vamos ter tantos problemas...

Eu empurro a máscara do meu rosto e a silencio com


minha boca caindo sobre a dela. Eu a beijo vorazmente. Provo
o champanhe em sua língua. Vou limpar todas as lembranças
daquele outro homem de sua carne. Em todos os lugares que
ele a tocou, vou tocá-la com mais força.

A espreguiçadeira geme sob meu peso. Eu não me


importo. Vou estilhaçar tudo com Simone embaixo de mim.
Vou trazer este museu inteiro, e todos os artefatos dentro dele,
desabando ao nosso redor.

Só há uma coisa de valor aqui: Simone.

Ela pertence a mim. Só a mim.

Tento libertar seu peito do corpete pesado de seu vestido.


O material resiste a mim e eu o rasgo. Seus seios transbordam.
Eu os apalpo com força, beliscando seus mamilos até que
Simone suspira e geme.

Eu puxo a saia também.

Ela está usando meias até a coxa e calcinha de renda por


baixo. Eu arranco isso. Empurro meus dedos dentro dela. Ela
está encharcada, como eu sabia que estaria.
Já esperei muito por isso.

Cansei de esperar.

Eu liberto meu pau da minha calça.

Está brutalmente duro, morrendo de vontade de afundar


em seu calor e umidade pela primeira vez. Digo a mim mesmo
para ser gentil, para ir devagar. Mas meu corpo não está mais
recebendo ordens do meu cérebro.

Eu coloco a cabeça do meu pau em sua entrada.

E mergulho dentro.
Dante perdeu a cabeça.

Ele me joga na espreguiçadeira, sem se importar que este


assento tenha mais de duzentos anos e nunca tenha sido
construído para alguém do tamanho dele, muito menos para
nós dois.

Ele levanta a máscara para que eu possa ver seu rosto,


mas isso dificilmente melhora.

Ele parece louco. Seus olhos estão brilhando. Sua


mandíbula tensa como uma barra de ferro.

Seus lábios atacam os meus. Ele morde meus lábios,


enfia a língua na minha boca, sugando o ar dos meus pulmões.
Suas mãos estão sobre mim. Ouço tecido rasgando e não me
importo nem um pouco. Quero suas mãos em meu corpo, em
minha carne nua.

Ele agarra meus seios e os aperta.

Qualquer garoto que me tocou antes o fez com delicadeza,


hesitante, sempre pedindo permissão.
Dante pega o que quer. Ele pega dinheiro, armas e, acima
de tudo, eu. Não existe nenhuma lei nesta terra que ele não
violará. E ele, com certeza, não se importa com as convenções
sociais.

Portanto, não estou surpresa com a forma como ele age.

Estou surpresa com a forma como reajo a isso.

Meu corpo anseia por isso. Ele quer mais e mais e mais.
Não importa o quão rudemente suas mãos apalpem, agarrem
e apertem. Minha carne lateja, mas o prazer é muito mais
intenso do que a dor.

Estou moendo contra ele, sentindo seu pau duro como


pedra preso entre sua barriga e minha coxa.

Estou com medo desse pau. Eu provavelmente deveria ter


praticado com um que fosse menor, mais suave e mais
razoável...

É tarde demais agora. Praticar e esperar chegaram ao fim.


Dante está pegando o que quer esta noite. E eu quero dar a
ele.

Ele rasga minha calcinha, arrancando-a da minha


cintura. Enfia os dedos dentro de mim. Mesmo isso é difícil de
aceitar. Estou molhada e ansiosa, mas todos os músculos do
meu corpo estão tensos, ansiosos, desesperados.

Ele solta seu pau e atinge meu quadril, pesado e quente.

Ele o agarra, alinhando-o com a minha boceta.


Empurra a cabeça entre meus lábios. É incrivelmente
espesso e extremamente quente. Muito mais quente do que
seus dedos ou mesmo sua língua.

Estou tremendo de nervosismo. Eu diria algo, mas ele


ainda está me beijando, enchendo minha boca com sua língua.
Tudo o que posso fazer é envolver meus braços em volta do
pescoço, fechar meus olhos e esperar que não doa muito.

Dante agarra meus quadris com as mãos e me puxa para


ele. Seu pau empurra dentro de mim, um centímetro de cada
vez.

Isso dói. Dói pra caralho, na verdade. E parece piorar


quanto mais fundo ele vai.

Mesmo que seu pau seja tão macio, está me arranhando


por dentro. Empurrando e escavando todo o caminho. Eu grito
em sua boca, mordendo com força seu lábio.

Ainda assim, ele continua. Com estocadas superficiais,


ele continua empurrando todo o caminho para dentro, até que
nossos corpos estejam bem juntos, sem espaço entre nós.

É muito. Eu realmente não aguento.

E ainda assim... é bom, também.

O calor de seu corpo me preenche por dentro e por fora.


A pesada cabeça de seu pênis esfrega contra um ponto
profundo dentro de mim. Um local que eu nem sabia que
existia. Esse pedacinho de carne é um botão de prazer,
semelhante ao meu clitóris. Ele lateja e incha ao menor toque.

Dante mal está se movendo. Seu pênis desliza para


dentro e para fora apenas um centímetro. A cabeça esfrega
contra aquele local, provocando-o.

Estou ficando cada vez mais molhada. Isso ajuda seu pau
a deslizar. Não sei se a umidade é sangue ou apenas
lubrificação. Eu não me importo. Isso permite que Dante puxe
seu pau para dentro e para fora um pouco mais, para que eu
possa balançar meus quadris contra ele, e ele pode flexionar
as enormes placas de músculos em suas costas e bunda,
penetrando-me ainda mais fundo.

Nossas bocas estão travadas. Eu estou agarrada a ele.


Nunca me envolvi com outra pessoa assim.

Estamos com calor da dança. Quentes de emoção e


desejo. Ele está suando um pouco. Isso o faz cheirar
intensamente bem. Eu paro de beijá-lo por um segundo para
que eu possa lamber o lado de seu pescoço, sentindo o gosto
de sal e seu próprio cheiro pessoal.

Agarro o lóbulo de sua orelha entre os dentes e mordo.


Dante rosna, virando a cabeça para chupar o lado do meu
pescoço.

Nunca vi um homem como Dante. Nunca senti essa força


e poder crus.

Alguma parte primordial do meu cérebro me diz que EU


PRECISO dele. Eu preciso dele dentro de mim, ainda mais
profundo do que isso.

— Mais forte, — eu gemo em seu ouvido.

Dante enterra seu pau dentro de mim. Sinto suas costas


flexionando, seus músculos trabalhando. Isso me deixa louca
de excitação.

— Mais forte, — eu gemo.

Seus braços grossos estão em volta de mim. Ele está me


apertando com tanta força que tenho medo de que ele vá
quebrar minhas costelas, quebrar minha espinha. Mesmo
assim, quero mais.

— Mais forte, Dante, por favor!

Com um rugido bestial, ele explode dentro de mim. Eu


sinto pulso após pulso daquela coisa que eu estava desejando
– aquele fluido espesso e quente.

Estou gozando também. Eu nem sabia que estava perto.


Mas a excitação psicológica dele gozando dentro de mim me
levou ao limite. O orgasmo vem de dentro, bem no fundo –
daquele pequeno ponto sensível que pode sentir a contração de
seu pênis, o fluido jorrando dele.

Estou apertando, moendo e gozando exatamente como


ele, de olhos fechados e meu rosto enterrado em seu pescoço.

Então acabou, e ele está saindo de mim, um líquido


quente escorrendo pela parte interna da minha coxa.
Sem seu pênis preenchendo esse espaço, sinto-me vazia
e crua por dentro. Não ouso olhar a bagunça que fizemos. Eu
apenas puxo minha saia para baixo.

Dante está ofegante, não parecendo tão selvagem agora,


mas também não completamente são novamente.

Ele me beija novamente, lento e profundamente desta vez.

— Você está bem? — Ele me pergunta.

— Sim, — eu digo, ofegante também.

— Doeu muito?

— Um pouco. Não muito.

Eu o beijo, saboreando a excitação em sua respiração.


Cada expiração é úmida e quente, ainda mais rápida do que o
normal.

— Eu te amo, Simone, — ele diz, seus olhos escuros fixos


nos meus. — Eu sei que só se passou um mês...

— Eu também te amo, — digo a ele rapidamente. — Eu


não me importo quanto tempo faz. Essa coisa entre nós...

— Não é normal, — diz Dante. — Eu te amo como... como


se eu pudesse destruir qualquer coisa que tentasse ficar entre
nós. Como se eu fosse queimar o mundo inteiro se precisasse.

Seus olhos continuam fixos nos meus. Eu não consigo


desviar o olhar. Eu não quero desviar o olhar. Eu só quero
acenar com a cabeça.
— Eu sei, — eu digo.

— Eu quero você. Nada mais, — diz ele.

— Você me tem. Tudo de mim.

— Prometa-me, Simone.

— Sou sua. Até o dia de minha morte.

Ele sorri e pressiona seus lábios pesados nos meus.

— Eu quero você por mais tempo que isso, — ele rosna.

Eu nunca fui criada para me apaixonar assim. Sem razão


ou escolha. Apenas uma obsessão selvagem e intensa.

Eu nunca quis que isso acontecesse.

Mas agora que me apaixonei, não há como escapar.

Eu pertenço a Dante. E ele pertence a mim.


Este verão foi o melhor da minha vida. Estou apaixonado
pela primeira vez. A única vez.

Simone é perfeição aos meus olhos.

Ela é uma bela sonhadora. Nunca fui capaz de ver as


coisas como ela. Ela está sempre apontando as cores das
coisas, as texturas, as formas.

— Olhe para aqueles redemoinhos correndo por aquelas


nuvens ali – isso me lembra o grão de madeira, você não acha?

— Olha como os prédios são iluminados pelas laterais. O


vidro parece ouro.

— Você está sentindo esse cheiro? Essas são rosas de


damasco. Algumas pessoas pensam que cheiram a folhas de
chá...

— Oh, sinta esta pedra, Dante! Se você fechasse os olhos,


pensaria que era sabonete...

A gente fica cada vez mais ousado, percorrendo a cidade


juntas, porque quero mostrar à Simone todos os meus lugares
favoritos. Ela não está aqui há tanto tempo quanto eu.

Eu a levo para o Promontory Point, para o Jardim


Botânico, para o Corredor das Artes para ver todos os murais
pintados ao longo das paredes.

Eu até a levo para uma exposição de trajes da Old


Hollywood dos anos 1930 e 1940. Simone ama isso mais do
que tudo. Ela enlouquece com o vestido verde de ...E o Vento
Levou, aparentemente costurado de cortinas – nunca vi o filme.
Eu reconheço os chinelos de rubi de O Mágico de Oz – um dos
vários pares feitos para o filme, de acordo com o pequeno
cartaz ao lado da tela.

Observando sua empolgação com as roupas, digo a ela:


— Você deveria aceitar a oferta de Parsons. Você deveria ir para
lá.

Simone para ao lado de uma vitrine de agasalhos de


Casablanca.

— E se eu aceitasse? — Ela diz, sem olhar para mim. —


O que aconteceria conosco?

Estou bem atrás dela, quase perto o suficiente para tocar


a curva de seu quadril. Eu vejo a borda de seu rosto, seus cílios
apoiados em sua bochecha enquanto ela olha para o chão.

— Eu poderia visitar você, — eu digo. — Ou eu poderia


vir para Nova York... muitos italianos em Manhattan. Eu tenho
primos lá, tios...
Simone se vira, o rosto iluminado.

— Você iria? — Ela diz.

— Prefiro ir para Nova York do que para a porra do Reino


Unido, — eu digo.

A verdade é que eu iria a qualquer lugar para ver Simone


enquanto ela estiver na escola. Mas eu sei que é Parsons que
ela quer, não Cambridge.

— Meus pais já estão chateados comigo por eu ter


atrasado minha aceitação, — ela suspira. — Eu disse que iria
para o semestre de inverno...

— Não é a vida deles, — eu rosno.

— Eu sei. Eu sou a única que eles têm, no entanto.


Serwa...

— Não é sua responsabilidade compensar todas as coisas


que sua irmã não pode fazer.

— Na verdade, ela está muito melhor ultimamente, — diz


Simone, feliz. — Ela está tomando um novo medicamento. Ela
está se candidatando a empregos em Londres. Pelo menos
estaremos próximas uma da outra, se eu for para Cambridge...

Não conheci Serwa, nem ninguém da família de Simone.

Simone acha que eles não vão me aceitar.

Ela provavelmente está certa. Eu sei o que sou. Pareço


um bandido e tenho as maneiras de um. Meu pai pode ser
digno quando quer. Ele pode confraternizar com políticos e
CEOS. Nunca aprendi a fazer isso. Papa passou as partes mais
feias do nosso negócio para mim, e isso é tudo que sei.

Digo a Simone que ela não precisa se curvar às exigências


do pai.

Mas tenho minhas próprias responsabilidades para com


minha família. O que eles fariam se eu fosse para Nova York?
Nero não tem idade suficiente para lidar com as coisas sozinho.
E há verdade no que Edwin Dukuly disse antes de eu matá-lo.
Papa ainda é poderoso. Mas ele não teve o mesmo foco desde
que Mama morreu. Ele me diz o que precisa ser feito. Sou eu
que tenho que fazer isso.

Simone também não é a esposa certa para mim aos olhos


da minha família. Eu deveria me casar com uma garota de uma
família mafiosa – alguém que entende o nosso mundo. Isso
formaria uma aliança. Ajudaria a manter nossos filhos
seguros.

Além disso, há a questão do escrutínio que isso traria, por


se casar com alguém como Simone. Os Gallos ficam fora dos
holofotes. Sempre ficamos. É chamado de “submundo” por um
motivo – porque não temos nossa imagem na seção de
sociedade do Tribune.

Foi o que aconteceu no baile de máscaras. Alguém tirou


nossa foto e, no dia seguinte, o Times publicou uma foto no
centro, minha e de Simone, valsando pelo salão do museu.
Felizmente, eu estava usando uma máscara, mas Papa não
ficou nem um pouco impressionado ao ver a legenda: “Simone
Solomon, filha de Yafeu Solomon, dança com um convidado
desconhecido”.

Papa recebe todos os jornais. Ele bateu na minha frente,


bem no meu prato de café da manhã.

— Eu não sabia que você era um patrono das artes, —


disse ele.

Ele já havia conhecido Simone. Mas eu prometi a ele que


ela e eu estávamos mantendo um perfil discreto.

— Você não pode ver meu rosto, — eu disse a ele.

— Essa paixão está indo longe demais. O pai dela não é


estúpido – ele cultiva a filha como um de seus hotéis. Ela é
uma vantagem. Uma que você está desvalorizando,
publicamente.

— Não fale sobre ela assim, — eu rosnei, olhando para o


rosto do meu pai.

Eu podia ver sua raiva crescendo para encontrar a minha.

— Você é jovem, Dante. Existem muitas mulheres bonitas


no mundo.

— Não havia para você, — eu disse a ele.

Papa se encolheu. Ele não é um homem sentimental, não


é um homem que mostra fraqueza. Quando minha mãe foi
arrancada dele, seu apego a ela criou um buraco. Porque ele
não pode falar sobre ela sem emoção, ele não fala sobre ela.

— Sua mãe não era do nosso mundo. Isso foi difícil para
ela. Uma mulher não deve se casar com um homem como eu,
ou você, a menos que ela seja criada para aceitar certas
realidades.

— Mama as aceitou.

— Não totalmente. Foi o único ponto de conflito em nosso


casamento.

Levantei-me da mesa do café, tão abruptamente que meu


movimento empurrou a mesa pesada, derramando suco de
laranja recém-espremido sobre a borda da garrafa.

— Não vou parar de vê-la, — disse a meu pai.

Agora estou dizendo a Simone que ela também precisa


fazer sua escolha. Ela atrasou a escola por alguns meses, mas
eventualmente ela terá que decidir.

Parsons ou Cambridge?

Eu ou o homem que seu pai escolheria para ela?

Tenho que levar Simone de volta mais cedo do que


gostaria.
Eu a deixo na biblioteca, sua desculpa para onde ela disse
que iria hoje.

Vejo seu motorista Wilson já estacionado na rua,


esperando para pegá-la.

Não gosto do subterfúgio. Eu odeio me sentir como seu


segredo sujo.

Já que tenho tempo para matar, vou até a escola de Seb


e o pego.

Ele sai pelas portas da frente assim que o sinal toca, sua
bola de basquete debaixo do braço. Faz tanto parte dele hoje
em dia quanto seu corte de cabelo desgrenhado ou a corrente
de prata com o medalhão de Santo Eustáquio que ele sempre
usa. Nosso tio Francesco costumava usá-lo, até ser morto pela
Bratva.

Seb sorri quando me vê. — Eu não sabia que você estava


vindo, — diz ele.

— Achei que você gostaria de ir ao parque, — eu


respondo, batendo a bola de sua mão e roubando-a dele.

— Sim, — Seb diz. — Vamos ver se você consegue fazer


isso na quadra.

Eu o levo para o Oz Park, onde há muitas quadras de


basquete abertas. Eu tenho um par de shorts no meu porta-
malas, tênis também. Sem camisa, então eu não me preocupo
com isso. Seb também descarta a dele. Ele é magro, mas
começa a ficar musculoso. Ele é quase tão alto quanto Nero
agora, embora tenha apenas treze anos.

Jogamos “make it, take it6”, em meia quadra. Eu deixei


Seb tomar posse primeiro. Ele tenta me contornar e é rápido
pra caralho, mas sou mais rápido ainda, pelo menos com as
mãos. Tiro a bola dele, coloco de volta na linha e, em seguida,
arremesso direto sobre sua cabeça.

Ela passa pelo aro, sem nem mesmo encostar na borda.

— Sim, sim, — Seb diz, enquanto eu faço tsk para ele.

Fui eu quem ensinou Seb a jogar. Fui eu quem o levou as


quadras todos os dias depois que nossa mãe morreu, quando
ele estava tão deprimido que não o vi sorrir por um ano. Foi
mais difícil para ele e Aida – ou, pelo menos, foi o que pensei
na época. Eles tinham apenas seis e oito anos, ainda eram
bebês.

Mas agora me pergunto se não foi o que aconteceu com


Nero pior de tudo. Seb e Aida estão bem. Eles saíram disso,
recuperaram sua felicidade novamente. Enquanto Nero parece
estar tão... bravo. Ele entra em luta após luta, cada uma mais
desagradável do que a anterior. Acho que ele vai matar alguém.
Para distraí-lo, estou levando-o comigo nos assaltos de
caminhões blindados. E ele é bom nisso – bom em impulsionar
os carros de fuga, bom em seguir instruções. Ele mesmo é bom
em planejar os ataques. Ele é muito inteligente, embora você

6Considerada como uma regra no basquete de meia quadra. Se uma equipe marca ponto, ela pega a
bola novamente no ataque.
nunca saberia disso por causa de suas notas.

Não pude ir para Nova York. Não em tempo integral. Disse


isso à Simone no calor do momento, mas não posso deixar
meus irmãos aqui sozinhos. Aida está ficando mais bonita a
cada dia e mais problemática. Seb precisa praticar comigo,
para que ele possa entrar no time do colégio. Nero precisa de
mim para mantê-lo fora da prisão ou para evitar que seja
morto. Ele pensa que é invencível. Ou ele não se importa que
ele não seja.

Se ela for para Parson eu ainda poderia visitá-la.

Seb faz uma pequena trapaça e rouba a bola de mim no


meio de um movimento em direção ao aro. Quando ele tenta
trazer de volta para marcar, eu bloqueio seu arremesso,
derrubando-a de volta.

— Você não vai fazer aquele arremesso sobre a minha


cabeça, — digo a ele.

— Você tem uns vinte centímetros a mais que eu, — Seb


reclama.

— Sempre haverá alguém mais alto do que você. Você tem


que ser mais rápido, mais forte, mais tortuoso, mais preciso.

Eu caminho em direção ao arco novamente, facilmente


derrubando-o de lado com meu peso superior.

Depois de arremessar, estendo a mão, ajudando a


levantá-lo do concreto.
Seb se levanta novamente, estremecendo.

Ele é magro, menor do que eu, com grandes olhos


castanhos que partem meu coração. Eu quero pegar leve com
ele. Mas como isso o ajudaria? Não iria. Ninguém mais vai
pegar leve.

— Tente de novo, — eu digo, jogando a bola para ele.


Serwa conseguiu um emprego no Barclays7 em Londres.
Ela partirá em algumas semanas.

— Você está animada? — Eu digo, sentando em sua cama


e observando ela empacotar seus livros em caixas.

— Muito, — ela diz.

Ela está com uma aparência melhor do que tenho visto


há meses. Os antibióticos eliminaram a infecção em seus
pulmões, e ela mal tossiu com os novos medicamentos. Tata
disse que ela poderia até conseguir um transplante de pulmão
em um ou dois anos. Ela nunca ficará totalmente curada, mas
um transplante pode adicionar décadas à sua vida.

Serwa é muito menor do que o resto de nós – tão pequena


e delicada quanto uma boneca American Girl. É quase como
se sua doença fosse uma maldição, preservando-a no tempo.
Ela não parece mais velha do que eu, embora haja dez anos
entre nós.

7 Banco universal com sede em Lodres.


Estou tão acostumada a vê-la em um roupão
ultimamente que é emocionante vê-la em um vestido. É um
lindo vestido de verão amarelo, feito de renda com ilhós.

— Vou sentir sua falta, — ela diz.

— Eu posso estar em Londres também, — eu a lembro.

Ela inclina a cabeça para o lado, examinando-me com


seus olhos arregalados. — Mesmo? — Ela diz. — Achei que
você pudesse ficar em Chicago.

Posso sentir o calor subindo em minhas bochechas.

— Por que você achou isso?

— Oh, por causa de quem você está fugindo para ver.

Eu coro ainda mais forte.

— Eu não estou...

Serwa balança a cabeça para mim. — Você é uma


péssima mentirosa, Simone. Eu vi você sorrindo, mandando
mensagens de texto no seu telefone. E quando você quis ir às
compras cinco vezes por semana?

— Bem...

— É o ladrão?

Minha boca fica seca.

— O que te faz dizer isso?


— Eu vi a foto no Tribune. Poucos convidados no baile de
máscaras são “desconhecidos”. Sem mencionar que ele era do
tamanho de uma casa. Acho que me lembro de você dizer que
o homem que roubou nosso carro era grande...

— Você não pode contar a Tata, — eu imploro a ela.

— Claro que não, — diz Serwa. Sua expressão é séria. —


Mas não sei como você acha que pode manter isso em segredo.
E um criminoso, Simone? Foi engraçado falar sobre isso depois
que ele roubou o carro. Mas você não pode estar realmente
namorando com ele.

— Ele não é o que você pensa, — eu estalo.

Não é minha intenção ter um tom tão áspero, mas não


suporto Serwa chamando Dante de ‘criminoso’. Eu sei o que
ela está imaginando. Dante não é assim.

— Você não tem muita experiência com homens, — diz


Serwa. — Você está confiando, Simone, e está protegida. Você
não sabe o que existe no resto do mundo.

Isso é irônico, vindo da minha irmã, que passou meses


trancada em nossa casa. Ela não viu muito mais do mundo do
que eu.

— Eu conheço Dante, — digo a ela.

— Ele é um criminoso ou não?

— Ele é... ele não é... é diferente. Ele é de uma família


italiana...
— Máfia? — Serwa diz com uma expressão horrorizada.

— Você não o conhece, — eu digo desajeitadamente.

Meu estômago está revirando.

— Isso não é o que você quer para si, — diz Serwa.

Sempre ouvi minha irmã. Ao contrário de meus pais, ela


apoiou meus sonhos. Ela me disse que eu deveria me inscrever
na Parsons. Tê-la se voltando contra mim agora é perturbador.
Isso me faz questionar meu julgamento.

Eu sinto que vou vomitar.

— Dante e eu temos uma conexão, — eu sussurro. — O


que sinto por ele... não consigo nem explicar para você, Serwa.
Sabe quando você conhece pessoas, pessoas que são bonitas,
ou charmosas, ou engraçadas, e você gosta delas? Mas existem
dezenas de pessoas assim, elas não significam nada para você,
na verdade. Então, de vez em quando, você encontra alguém
que tem uma espécie de brilho. Isso te puxa para dentro... e
você se apaixona. Você quer estar perto deles. Você pensa neles
quando está sozinha.

— Sim, — diz Serwa. — Eu estive apaixonada uma ou


duas vezes.

— O que eu sinto por Dante... uma paixão à luz de velas.


E Dante é como o sol, bem dentro do meu peito. Ele queima
tão forte e tão brilhante que eu mal posso suportar. Pode
queimar e queimar por um milhão de anos e não se extinguir.
Serwa está me olhando com a boca aberta. Não era isso
que ela esperava.

— O que você está dizendo... — Ela me pergunta.

— Eu o amo, — digo a ela.

— Ama ele! Mas, Simone...

— Eu sei o que você vai dizer. Você acha que eu nem sei
o que isso significa ainda. Mas eu amo, Serwa. Eu o amo.

Serwa balança a cabeça lentamente. Ela não sabe como


me convencer. Como nossos pais ficarão furiosos. Como é
louco se apaixonar pelo primeiro garoto que você beijou...

— Você tem uma foto dele? — Ela diz finalmente.

Abro a pasta oculta no meu telefone onde guardo a única


foto que tenho de Dante.

É uma foto que tirei na noite em que fomos para o bar


clandestino. Ele estava sentado à minha frente na mesa,
ouvindo música.

Eu levantei meu telefone para tirar uma foto dele e ele


virou a cabeça naquele momento, olhando diretamente para
mim. Severo e sério.

Estava tão escuro no bar clandestino que a foto parecia


quase preto e branco, sem a saturação. O cabelo de Dante
derrete nas sombras ao redor de seu rosto, e sua pele parece
mais pálida do que realmente é. Seus olhos são como ônix sob
as barras pesadas de suas sobrancelhas. Sua mandíbula está
tão sombreada pela barba que quase parece um hematoma.

Serwa aperta os lábios com força.

Eu sei o que ela vê: um gangster. Um bandido.

Ela não sabe que Dante é muito mais do que isso.

— Quantos anos ele tem?

— Vinte e um.

— Ele parece mais velho.

— Eu sei.

Ela devolve meu telefone. Seus olhos estão preocupados.

— Espero que saiba o que está fazendo, Simone.

Eu não sei. De modo nenhum. Nem um pouco.

Volto para o meu quarto. Eu deveria sair para ver Dante


em uma hora. Eu disse a Mama que encontraria Emily em um
restaurante.

Meu estômago ainda está revirando por causa da


conversa com Serwa. Eu odeio conflito. Eu odeio desaprovação.
Quando vem das pessoas que mais amo, é insuportável.

Corro para o banheiro e vomito na pia. Em seguida,


enxáguo a boca com água e olho meu rosto no espelho.

Meus olhos parecem tão preocupados quanto os de


Serwa.
Já faz quase uma semana desde que vi Simone. Estou no
limite, ansiando por ela como uma substância que não consigo
tirar do meu sistema.

Ela me manda uma mensagem dizendo que seus pais


estão suspeitando – fazendo perguntas toda vez que ela tenta
sair de casa.

Eu mando uma mensagem de volta,

Devíamos parar de nos esgueirar.

Há uma longa pausa em que a vejo começar a responder,


depois parar e começar de novo.

Finalmente ela diz,

Eu sei. Eu também odeio isso.

Eu faço uma carranca, digitando rapidamente.

Então conte a eles sobre mim.

Outra longa pausa, finalmente ela responde.


Eu quero. Estou com medo.

Eu entendo sua posição. Eu sei o quanto sua família é


importante para ela. Eu sei que ela prospera com sua
aprovação, sua aceitação.

Eu entendo, porque minha família é importante para mim


também. Eles são uma parte de mim, tanto quanto minha
altura ou a cor dos meus olhos.

Para Simone, provavelmente é mais forte. Quando você se


muda o tempo todo, sua família é uma constante. Eles são o
centro do seu mundo. Tenho simpatia pela posição dela.

Na verdade, eu até entendo como seus pais se sentem.


Simone é uma orquídea de estufa, rara e bela, podada e
protegida. Ela foi cuidadosamente criada todo esse tempo para
que ela pudesse ser a peça-chave de sua família. Por causa da
doença de sua irmã, seus pais transferiram todas as suas
esperanças e sonhos para Simone.

Simone nunca foi feita para mim. Eles provavelmente


pensaram que a juntaria com algum duque ou conde, pelo
amor de Deus. Ela é certamente linda o suficiente. Sem
mencionar que é culta, bem-falante e educada.

Então há eu. O oposto do que eles querem em todos os


sentidos. Simone é um vitral e eu sou a gárgula de pedra do
lado de fora da catedral.

Ensino médio. Registro criminal. Minha família tem


dinheiro e poder, mas de todas as fontes erradas. O nome Gallo
é tão escuro quanto nosso cabelo.

Nada disso passará despercebido pelo pai de Simone.


Assim que ela contar a ele sobre mim, ele colocará seu pessoal
para trabalhar, desenterrando cada esqueleto que enterrei –
falando figurativamente, espero. Embora também pudesse ser
feito literalmente.

É perigoso me colocar em sua mira.

E pretendo fazer muito mais do que apenas chamar a


atenção dele. Vou me tornar seu inimigo – o suposto ladrão de
sua filha.

Sei tão bem quanto Simone que Yafeu Solomon não vai
aceitar isso. Nem por um segundo.

Mas não há como contornar isso.

Não se eu quiser ficar com ela de verdade, para sempre.

Pego meu telefone e envio minha mensagem para ela:

Sem mais se esconder. Eu quero conhecê-los.

Eu espero por sua resposta, minha boca seca e minha


mandíbula tensa.

Finalmente, ela responde:

Eu direi a eles esta noite.

Eu coloco o telefone de lado, deixando escapar um longo


suspiro.
Espero não estar cometendo um grande erro.

Papa me diz para encontrá-lo no Stella para que


possamos jantar com Vincenzo Bianchi, o chefe de uma das
outras famílias italianas. Seu filho se meteu em problemas,
dirigindo bêbado com duas meninas de dezesseis anos em seu
carro. Ele saiu da estrada em Calumet Heights e uma das
garotas passou pelo para-brisa. Bianchi está tentando manter
seu filho fora da prisão.

— É esse maldito imbecil, — diz Bianchi, enchendo a boca


de ravióli. — Ele está em uma porra de uma caça às bruxas
aqui. Meu Bosco é um bom menino. Nunca teve problemas
uma vez na vida. E só porque esta é a segunda vez dele
dirigindo sob influência de álcool...

Bosco não é um “bom menino”. Na verdade, ele é um


merdinha. Trinta e dois anos de idade, bagunçando a merda
dos negócios de seu pai, rugindo pela cidade com menores no
banco do passageiro, totalmente embriagado. Estaríamos
todos melhor se o promotor o trancasse e jogasse a chave fora,
antes que Bosco traga mais problema para o resto de nós.

Mas, como Papa é Don, ele precisa fazer o possível para


ajudar Bianchi –quer ele mereça ou não.
— Eu tenho alguma influência com o escritório do
promotor público, — diz Papa. — Mas você precisa entender,
Vincenzo, ele pode demorar um pouco por isso. Se tivéssemos
conseguido chegar lá primeiro – colocado uma das garotas
atrás do volante... não é bom que a polícia o tenha encontrado
no carro. Eles fizeram o teste de drogas e o bafômetro...

— Foda-se o teste de drogas! Bosco não usa droga


nenhuma.

— Talvez consigamos fazer com que algumas das


evidências desapareçam, — diz Papa. — Há sempre algum
policial disposto a ‘extraviar’ a papelada por alguns milhares.

Papa olha para mim, girando seu vinho na taça.

É aqui que devo intervir com sugestões ou algum


incentivo para Bianchi. Dizer a ele que o ajudaremos com as
ameaças usuais, subornos, intimidação de testemunhas...

Eu não tenho prestado atenção, no entanto. Estou


distraído, agitado. Pensando em Simone. Querendo saber se
ela já contou a seu pai sobre mim. Talvez ela não queira. Talvez
ela esteja com vergonha de mim. Meu peito arde com esse
pensamento – arde de vergonha e raiva.

— O que você acha, Dante? — Papa me cutuca.

— A garota está morta? — Digo abruptamente.

— O quê? — Bianchi diz, parecendo ofendido.

— A garota que passou pelo para-brisa. Ela está morta?


— Ela está em coma, — Bianchi grunhe. — Eu puxaria a
tomada se fosse eu. Por que manter uma porra de vegetal
ligado assim?

— Você deveria estar feliz que os pais dela não


compartilham de sua opinião. Ou Bosco estaria olhando para
uma acusação de assassinato.

Meu pai me lança um olhar de advertência.

— Os pais dela deveriam ter mantido a filha em casa, —


zomba Bianchi. — Você deveria ter visto como ela estava
vestida. Como uma prostituta de dez dólares.

Meus punhos estão enrolados como duas pedras sob a


mesa. Eu quero esmagar Bianchi bem no queixo. Ele é um
hipócrita do caralho, agindo como o pai do ano quando seu
próprio filho vale menos do que o cuspe na calçada.

Este é exatamente o tipo de trabalho sujo que a família


de Simone mais desprezaria. Bem neste momento, sou
exatamente o que eles desdenham.

Eu me afasto da mesa antes de dizer algo do qual me


arrependerei.

— Eu vou encontrar Nero, — eu digo.

Enquanto me afasto, ouço Papa acertando as coisas com


Bianchi. — Nós cuidaremos disso, Vincenzo. Não se preocupe.

Volto para a cozinha, onde aceno para Zalewski, o polaco


dono do restaurante.
— Você vai descer para o jogo? — Ele me pergunta.

— Nero está jogando?

Ele concorda.

— Vou assistir, então.

Eu empurro a porta estreita que parece levar a um


armário de armazenamento. Em vez disso, dá lugar a uma
escada íngreme e escura que desce para as entranhas do
edifício.

É aqui que Zalewski dirige seu jogo de pôquer ilegal.

Não é o maior nem o mais chique da cidade, mas é o que


tem mais cache. Enquanto os jogadores e os grinders8 gostam
de jogar jogos maiores, onde têm a garantia de pelo menos
algum fish9 para tirar fichas, apenas o melhor dos melhores
joga no jogo de Zalewski. Você vence lá e pode vencer em
qualquer lugar.

Suponho que seja para isso que Nero esteja


economizando dinheiro, quando lhe dou sua parte nos
trabalhos de caminhão blindado. Ele acha que vai derrubar
Siberia, o russo fraudulento.

Eles o chamam de Siberia porque ele sempre fica com

8 São jogadores que jogam consistentemente para lucrar sem correr muito risco. Eles jogam em um
limite abaixo de suas habilidades para conseguir parte ou todo o lucro, sem correr risco de perder o
que foi apostado.
9 Nome dado a um jogador fraco, ruim.
cooler10 – a mão que mata sua mão, mesmo quando você a joga
perfeitamente.

Com certeza, quando desço para a mesa escura e


enfumaçada, vejo Siberia sentado em uma extremidade,
flanqueado por dois companheiros Bratva, e então Nero
sentado do lado oposto com uma pilha de fichas à sua frente.
Os outros três jogadores são The Matador, Action Jack e
Maggie the Mouth.

— Ei, Dante! — Maggie grita assim que me vê. — Onde


você esteve, garotão? Não te vejo há um mês!

Nero me lança um olhar, seus olhos cinzas piscando para


mim antes que ele os vire de volta para sua pilha de fichas
novamente. Eu o vejo contando sua pilha e a de Siberia, o que
leva dois segundos. Meu irmão é brilhante, por mais que eu
odeie admitir. Mas ele também é imprudente e está ansioso
para fazer seu nome. Não gosto que ele esteja jogando,
principalmente contra Siberia, que é tão frio e sem humor
quanto seu nome sugere.

Siberia parece mais um viking do que um russo, com uma


barba ruiva cheia e um peito largo. Ele está tatuado até as
unhas.

Parece que ele tem cerca de quinze mil dólares em sua


frente, embora eu não consiga contar à primeira vista como
Nero fez. Nero tem cerca de dois terços disso – talvez dez mil

10Uma situação que normalmente não tem escapatória: um jogador com uma mão forte perde para
outro jogador com uma mão ainda mais forte.
dólares em fichas, que até onde eu sei, é quase todo o dinheiro
que ele possui no momento.

Eu gostaria de agarrá-lo pelo colarinho e tirá-lo daqui,


mas você não sai no meio do jogo.

Então eu só tenho que assistir enquanto o crupiê


distribui as cartas.

Siberia está no small blind11. Ele joga uma ficha de dez


dólares. O russo à sua esquerda dobra, então The Matador faz
o mesmo. Maggie pensa sobre isso um minuto, antes de deixar
cair suas cartas. Nero abre as apostas com uma ficha de cem
dólares.

Siberia bufa. Ele viu muitos jogadores jovens e famintos


em seu tempo.

Não querendo igualar aquela aposta agressiva, The


Matador e o outro russo desistiram. Agora é apenas Siberia e
Nero na mão.

Siberia não será intimidado por nenhuma criança. Ele


aumenta para trezentos dólares. Nero iguala.

O crupiê mostra o flop12: Às, Dez, Dez.

Nero tem posição. Siberia dispara metade do pot13 –


outros trezentos dólares. Nero aumenta para mil dólares,

11É a posição ocupada pelo jogador à esquerda do crupiê, é também uma aposta forçada feita por
esse jogador para dar início a partida.
12 São as três primeiras cartas comunitárias reveladas após a primeira rodada de apostas.
13 É a soma de dinheiro que os jogadores apostam durante uma única mão ou jogo.
assumindo o controle da mão. Siberia iguala.

Nero está apostando forte, mas eu conheço meu irmão.


Eu sei o quão agressivo ele é e o quanto ele quer se provar. Não
acredito que ele tenha nada ainda. Ele provavelmente está
perseguindo um straight14.

A carta do turn15 é um Seis de Ouros. É improvável que


ajude qualquer um dos jogadores.

Pela primeira vez, Siberia hesita. Ele provavelmente está


preocupado que Nero tenha um Dez. O que significa que
Siberia não deve ter um – eu o coloquei no Às/Rei. Isso
significaria que ele tem dois pares, que perderia para um trio.

Siberia passa a vez, não querendo apostar fora de


posição.

Nero sorri. Pensando que pode levar o pot, ele aposta mais
mil.

Siberia grunhe e balança a cabeça. Ele mudou de ideia –


ele acha que Nero é um monte de merda e não vai deixá-lo
ganhar o pot. Ele aumenta novamente para três mil dólares.

Nero se meteu em apuros, tenho certeza disso. Ele não


tem aquele Dez e Siberia sabe disso.

Nero iguala mesmo assim – agora há quase nove mil


dólares no pot.

14 É uma mão de pôquer formada por cinco cartas em sequência ou consecutivas.


15 É a quarta carta comunitária da mesa.
O river16 é outra carta que não pode ser jogada – Três de
Paus.

Siberia, tentando controlar o tamanho do pot,


simplesmente passa a vez.

Sem um pingo de hesitação, Nero empurra toda a sua


pilha de fichas.

A mesa está mortalmente silenciosa.

Siberia senta e observa, seus olhos indo e voltando do


monte de fichas para a expressão calma e triunfante de Nero.
O russo sabe que deve igualar. Mas seu orgulho está em jogo
– se Nero tiver um Dez, afinal, Siberia parecerá estúpido. Ele
está apenas no pot de quatro mil e trezentos dólares. Ele não
pode apostar toda sua pilha de fichas sem ter certeza. Ninguém
tenta blefar com ele – eles sabem que é impossível.

Posso ver como Siberia está zangado, embora ele não


queira demonstrar. Ele odeia admitir que desperdiçou todas
aquelas fichas.

Depois de dois minutos inteiros considerando, ele


descarta suas cartas, recusando-se a mostrá-las.

Não importa. Nero sabe exatamente o que ele tinha.

Nero vira suas próprias cartas: um Valete e uma Rainha.


Não há Dez à vista.

16 É a quinta e última carta comunitária da mesa de pôquer.


— Puta que pariu! — Maggie grita.

Nero ri. — Você desistiu fácil demais, — diz ele a Siberia.

O rosto do homem fica tão vermelho quanto sua barba.


Seus olhos azuis claros estão avermelhados e arregalados. Ele
está furioso demais para falar. Não sei se ele já levou um bluff17
com sucesso antes.

Nero nem mesmo teve a decência de esconder sua alegria.


Ele está tentando deixar Siberia mais furioso.

— Sorte de iniciante, — diz Nero em seu tom mais


zombeteiro.

Quero dizer a Nero que é hora de ir, mas partir logo depois
de um golpe como aquele só deixaria os russos mais furiosos.
Enfio as mãos nos bolsos para esconder minha agitação.

Nero acumula seus ganhos, preparando-se para o


próximo jogo. Ele se recusa a olhar para mim. Ele sabe que é
uma péssima ideia.

Eu o vejo olhar para a pilha de Siberia novamente. Agora


Nero tem o maior tesouro de guerra – catorze mil dólares contra
os onze mil dólares do russo. Mais importante, ele tem Siberia
exatamente onde ele quer: em tilt18.

Quando alguém está em tilt, não importa qual será a

17 É a jogada de apostar com uma mão fraca, na tentativa de fazer o seu oponente desistir do jogo.
18É um termo para um estado de confusão ou frustração mental ou emocional de um jogador depois
de perder muito, fazendo com que ele tente recuperar o dinheiro o mais rápido possível, algumas
vezes apostando agressivamente.
próxima mão. Eles estão dentro. O sangue do Siberia está
fervendo – ele quer lutar. Ele toma um gole da garrafa de gim
ao lado e se prepara para jogar.

O crupiê move-se para Siberia. Ele tem posição em Nero.


Com certeza, ele faz uma aposta cega no button19 – uma ficha
de cem dólares no straddle20, antes que uma única carta seja
distribuída. É um desafio silencioso para Nero.

O crupiê coloca as cartas. Todos os outros na mesa sabem


que Siberia quer sangue. Eles querem sair do seu caminho –
ele não está atrás deles, apenas de Nero. O russo no small
blind desiste, assim como The Matador e Maggie the Mouth. A
ação vai para o Nero.

Prendo minha respiração, esperando que ele não tenha


nada e que ele baixe suas cartas.

Em vez disso, Nero aumenta para quinhentos dólares.

— Você quer dançar com o diabo de novo, garoto? —


Siberia rosna.

— Absolutamente porra, — diz Nero. — Contanto que


você encontre sua coragem no fundo daquela garrafa,
camarada.

Ninguém na mesa quer tocar nesta mão. Action Jack

19É um pequeno disco redondo que se move de jogador em jogador, após cada mão, para indicar o
último jogador que agiu na partida.
20 Nos jogos que possuem apostas obrigatórias, uma straddle é uma aposta extra que o jogador paga
por vontade própria. Essa aposta extra é usada para incrementar as apostas na rodada e colocar mais
fichas e ação no jogo.
desiste, e o outro russo depois dele.

Siberia e Nero se enfrentam.

Siberia ainda nem olhou para as cartas dele. Ele dobra os


cantos, dando uma olhada. O vermelho em seu rosto
desaparece um pouco. Porra. Ele tem algo bom, no botão, na
posição. Com certeza, ele iguala suavemente. Ele não quer
revelar que tem uma mão monstruosa. Ele quer fazer Nero
blefar novamente.

E Nero está no lugar certo para ser enganado. Porque


Siberia está em tilt, e por causa de seu straddle, Nero
provavelmente presume que ele tem uma mão de merda.

O flop é Rainha, Rainha, Dez.

Nero é o primeiro a agir. Despreocupadamente, ele diz: —


Vou apostar aqui. Espero que isso não o assuste, Siberia.

Ele aposta o pot – mil dólares.

Siberia oferece mil dólares sem hesitação.

— Cave sua própria porra de túmulo, garoto, — ele rosna.

Ele acha que Nero está perseguindo um straight


novamente.

O turn é outro Rei.

Estou observando o rosto de Siberia enquanto a carta


aparece. E acho que vejo a menor contração de uma
sobrancelha vermelha. Ele apenas fez sua mão. Tenho certeza
de que ele tem a casa cheia.

Nero é tão presunçoso que nem está prestando atenção.


Ele não estava olhando para Siberia, então ele não viu a
contração. Ele está olhando para suas próprias fichas,
preparando-se para apostar novamente. Eu gostaria de poder
gritar para ele parar.

O pot é de três mil dólares agora. Nero aposta mais dois


mil.

Siberia aumenta a aposta de Nero no turn, assim como


ele fez na mão anterior. Desta vez, ele não será enganado por
nada. Ele aumenta para cinco mil dólares.

Nero iguala, suave como manteiga.

Até o crupiê parece nervoso com a tensão óbvia na sala.


Ele vira a carta do river: Dois de Espadas. Não é bom para
ninguém.

Siberia sorri. Ele tem certeza de que Nero perseguiu o


straight, assim como na última mão. E ele não conseguiu.

Fingindo que fez, Nero diz: — Eu estou all-in21.

Siberia sorri, mostrando todos os seus dentes amarelos.


Ele iguala a Nero antes que as palavras “all-in” saiam de seus
lábios.

Siberia vira um par de Reis – ele tem um nut boat22, Reis

21 É a jogada na qual o jogador aposta todas as suas fichas.


22 Três cartas do mesmo valor, uma trinca, acompanhada de um par.
sobre Rainhas.

Nero solta um pequeno suspiro. Então ele vira um par de


Rainhas. Ele tinha uma quadra23 desde o início.

Siberia olha fixamente para a mesa, como se ele nem


pudesse compreender o que está vendo. O amigo à sua direita
murmura: — Etot grebanyy chiter!

A realidade bate. Siberia solta um rugido desumano. Ele


salta, e seus dois compatriotas também saltam. Se eles não
tivessem sido revistados em busca de armas no caminho, não
acho que todo o Exército Vermelho poderia ter evitado que
crivassem meu irmão com balas. Do jeito que está, eles
parecem querer rasgá-lo com as próprias mãos.

Nero fica tenso e quieto, não é tolo o suficiente para colher


seus ganhos.

— Sente-se, — eu lati, minha voz cortando a sala.

Siberia olha para mim, seus ombros tremendo de raiva.

— Seu irmão é um trapaceiro, — ele sibila.

— Ele te venceu, — eu digo sem rodeios. — Eu assisti a


coisa toda.

Eu dei alguns passos mais perto, então estou bem atrás


de Nero. Os outros jogadores estão enraizados em seus
assentos, sem querer fazer barulho, caso o russo volte sua

23 Quatro cartas do mesmo valor.


raiva contra eles. Até Maggie the Mouth, mantém sua boca
fechada pela primeira vez.

— Ele é jovem demais para jogar, — diz um dos outros


Bratva.

— Você não se importou com isso quando aceitou a


aposta inicial dele, — digo.

— O que está feito está feito, — diz o crupiê, levantando


as mãos. — Vamos pagar e encerrar o jogo por essa noite.

É a coisa errada a dizer – seria melhor ele oferecer outra


aposta inicial à Siberia. Ainda assim, com meu volume
bloqueando a porta, os russos têm que deixar isso ir.

Não sem uma última escavação, no entanto.

— Um jogador de merda ganha hoje, — zomba Siberia.

Nero estreita os olhos. Ele não se importa se o chamam


de trapaceiro – mas inexperiente? Isso é demais.

Com um forte sotaque da KGB, Nero zomba: — Você quer


um biscoito, bebê gordo?

O Bratva corre para ele.

Eu viro a mesa inteira, jogando-a de lado como se fosse


papelão. As fichas se espalham em todas as direções, rolando
pelo chão. Eu pulo entre Nero e os russos, agarrando o
primeiro e jogando-o sobre a mesa virada.

Atrás de mim, ouço o estalo do canivete de Nero abrindo.


Quem quer que o revistou não fez um trabalho muito bom. Ou,
mais precisamente, eles teriam que usar uma ressonância
magnética de corpo inteiro para encontrar algo que Nero deseja
manter escondido.

Siberia e o outro russo hesitam.

Passos trovejam escada abaixo e Zalewski berra: — Parem


com isso, todos vocês!

Ele ouviu o barulho da mesa virando, e o russo voando


pela sala. Agora ele está no porão, com o rosto vermelho e
furioso.

— Sem luta no meu jogo, porra! — Ele uiva. — Saiam,


todos vocês!

— Não sem minhas fichas, — Nero diz teimosamente.

Eu gostaria de estrangular meu irmão sozinho neste


momento.

Em vez disso, empurro minha cabeça para o crupiê, para


dizer a ele para pegar as fichas.

Quando ele arrecadou o que parece ser vinte mil dólares,


eu digo: — Resgate-o.

O crupiê olha para Zalewski. Ele acena secamente.

O crupiê abre o cofre e conta as notas. Ele as entrega para


mim e eu as coloco no bolso.

O tempo todo, os russos observam com seus olhos pálidos


e furiosos.

— Vamos nos encontrar de novo do outro lado da mesa,


— Siberia diz a Nero.

— Não, você não vai, porra, — digo a ele.

E com isso, eu puxo Nero de volta escada acima.


Mesmo que eu esteja com medo de dizer aos meus pais
sobre Dante, eu sento com eles nessa noite, assim que nós
terminamos de comer. Eu gostaria que Serwa também
estivesse aqui, mas ela estava cansada e foi para a cama cedo.

— Mama, Tata, — eu digo, — tenho algo para contar a


vocês.

Minha mãe parece ansiosa. Meu pai está carrancudo – ele


não gosta de surpresas.

Eu respiro fundo. — Eu conheci alguém. Estamos


namorando há alguns meses.

Mama sorri. Ela parece satisfeita, como se já esperasse


por isso. — É Jules, não é? — Ela diz. — Eu vi a mãe dele no
brunch na semana passada, e ela disse...

— Não é Jules, — eu interrompo.

— Oh. — Seu sorriso desaparece, mas não totalmente.


Ela acha que deve ser algum outro garoto da The Young
Ambassadors, ou um amigo de Emily.
— O nome dele é Dante Gallo, — eu digo. — Ele é daqui.
De Chicago.

— Quem é ele? — Meu pai pergunta imediatamente.

— Ele é, bem, uh... sua família trabalha com construção.


E no ramo de restaurantes... — Eu digo. Estou tentando listar
as profissões menos ofensivas.

Meu pai não se deixa enganar por um minuto.

— É ele quem você está saindo às escondidas para ver?


— Ele vocifera.

— Yafeu, por que você... — Mama diz.

— Não pense que Wilson não me contou, — diz meu pai,


sem tirar os olhos de mim. — Ele deixa você na biblioteca e
você liga para ele seis horas depois. Você desaparece de
jantares e festas...

— Não sabia que estava sob vigilância, — digo friamente.

— Saindo às escondidas? — Mama diz, franzindo a testa.


— Eu realmente não vejo...

— O que você está escondendo? — Meu pai exige. —


Quem é esse homem que você está vendo?

Estou suando e meu estômago está revirando e revirando.


Eu odeio isso. Mas não vou chorar ou vomitar – não desta vez.
Eu tenho que ficar calma. Eu tenho que explicar.

— Ele é um bom homem, — eu digo com firmeza. — Eu


me importo com ele... muito. Não queria falar sobre ele porque
sabia o que você pensaria.

— O quê? — Meu pai diz com uma calma mortal. — O que


eu pensaria?

— A família dele tem... uma história criminal.

Meu pai xinga em Twi24.

Minha mãe está me encarando com os olhos arregalados.

— Você não pode estar falando sério, Simone...

— Eu estou. Muito sério.

— Você se apaixonou por algum... algum malfaiteur?

— Ele não é assim, — eu digo.

Eu não queria mais mentir, mas não sei como explicar o


que Dante é, na verdade. Ele é forte, ousado, inteligente,
apaixonado... Odeio ouvi-lo descrito nos termos terríveis que
meus pais estão usando. Mas, ao mesmo tempo, não posso
exatamente alegar que ele é inocente, que nunca violou a lei...

— Eu quero que vocês o conheçam, — eu digo, no tom


mais firme que posso demonstrar.

— Fora de questão! — Meu pai zomba.

— Espere, Yafeu, — diz minha mãe. — Talvez nós

24É um ramo da Língua Acã, que é um conjunto de línguas nígero-congolesas faladas no Golfo da
Guiné.
devêssemos...

— Absolutamente não! — Ele diz. Virando-se para mim,


ele ordena: — Você não vai ver este homem de novo. Você vai
bloqueá-lo em seu telefone, vai dar seu nome e descrição para
a equipe e, a partir deste momento...

— Não! — Eu grito.

Meus pais ficam em silêncio, olhando para mim em


choque.

Acho que nunca lhes disse ‘não’ antes. Eu definitivamente


nunca gritei.

Com o coração acelerado, digo: — Não vou parar de vê-lo.


Não antes mesmo de vocês conhecê-lo. Vocês não podem dizer
nada sobre ele agora, quando ele é um estranho. Vocês não o
conhecem como eu...

Meu pai parece que quer gritar algo para mim, mas Mama
coloca a mão em seu braço, firmando-o. Depois de um
momento, ele respira fundo e diz: — Tudo bem, Simone. Você
o convidará para jantar.

Até Mama parece surpresa com isso.

— Jantar? — Eu digo.

— Sim, — ele pressiona os lábios em uma linha fina. —


Conheceremos esse homem que se insinuou no coração da
minha filha. E veremos exatamente que tipo de pessoa ele é.
O sangue está trovejando em meus ouvidos. Eu não posso
acreditar que ele está concordando. Parece um truque. Como
se o outro sapato estivesse prestes a cair.

Mas meu pai não diz mais nada. Ele espera minha
resposta.

— Obrigada, — eu digo baixinho. — Vou convidá-lo


amanhã à noite.

— Bom, — Tata diz. — Mal posso esperar.

O jantar é um desastre.

Desde o momento em que meu pai abre a porta, sei que é


assim que vai ser.

Ele vestiu um de seus melhores ternos – o Brioni


marinho. Não é um gesto de boas-vindas ou respeito. Ele quer
parecer o mais intimidante possível.

Ele cumprimenta Dante friamente. Meu pai pode ser


terrivelmente severo quando quer.

O problema é que Dante é igualmente severo em troca.


Ele está vestindo uma camisa de botão e uma calça comprida.
Seu cabelo está bem penteado e seus sapatos elegantes,
engraxados. Mas ele não parece refinado como Tata. Com as
mangas da camisa enroladas, seus antebraços fortes estão
expostos, polvilhados com cabelos escuros e grossos com veias
e músculos. Sua mão enorme se fecha em volta da de meu pai,
e parece uma mão brutal, com os nós dos dedos inchados e o
anel familiar de ouro que Dante usa no dedo mindinho.

Em contraste, as mãos de meu pai são finas, refinadas e


bem cuidadas. O relógio e as abotoaduras de meu pai parecem
joias de um cavalheiro.

Dante parece que não fez a barba, embora eu saiba que


ele fez. É apenas a escuridão de seus pelos faciais que marcam
suas bochechas uma perpétua aparência de barba por fazer.

Quando ele cumprimenta minha mãe e minha irmã, sei


que está usando seu tom mais gentil, mas sai como um
grunhido. Eles não estão acostumados com sua voz. Mama
realmente dá um pulo. Eles não sabem como diferenciar entre
seu tom mais suave e seu rosnado verdadeiramente
aterrorizante. Para eles, ele soa rude e grosseiro em tudo que
diz, mesmo quando tenta elogiá-los.

— Vocês possuem uma bela casa, — diz ele à Mama.

Isso também parece errado, como se ele nunca tivesse


estado em uma bela casa antes. Quando eu sei que a mansão
Gallo é adorável e venerável à sua maneira. Muito mais do que
este lugar alugado.

Já estou doente de pavor e o jantar mal começou.


Todos nós nos sentamos ao redor da mesa de jantar
formal.

Tata está à frente. Mama está ao pé. Serwa se senta de


um lado, Dante e eu do outro. Pelo menos estamos bem
próximos um do outro.

Uma das empregadas traz a sopa.

É gaspacho, com um brilho de azeite brilhando em sua


superfície. Dante observa a sopa gelada com cautela.

Ele pega sua colher. Parece comicamente pequena em


sua mão enorme. Meu pai, minha mãe e minha irmã estão
olhando para ele como se ele fosse um animal em um zoológico.
Estou com tanta raiva deles que tenho vontade de chorar. Eu
sei que eles não querem expressar isso, mas me dói ver suas
expressões rígidas, o verniz de polidez com desgosto por baixo.

Dante também pode sentir. Ele está tentando ficar calmo.


Tentando ser afetuoso com eles. Mas é impossível sob as luzes
fortes, o escrutínio tenso, o silêncio que cobre a mesa. Cada
tilintar de nossas colheres é ampliado no espaço de jantar
formal.

Dante dá algumas colheradas educadas na sopa, antes


de pousar a colher. É demais tentar comer com tantas pessoas
olhando para você.

— A sopa não agrada você? — Meu pai diz com polidez


fria. — Eu posso pedir outra coisa da cozinha. O que você gosta
de comer?
Ele diz isso como se pensasse que Dante vive de uma
dieta de pizza e batatas fritas. Como se comida humana normal
estivesse além da apreciação de Dante.

— A sopa está excelente, — rosna Dante. Ele pega a colher


novamente e dá cinco ou seis colheradas apressadas. Na
pressa, um pouco da sopa vermelha espirra na toalha branca
como a neve. Dante enrubesce e tenta limpar o local com o
guardanapo, tornando-o pior.

— Oh, não se preocupe com isso, — diz Mama.

Ela fala com gentileza, mas soa condescendente, como se


Dante fosse um Dogue Alemão sentado à mesa, da qual nada
melhor poderia ser esperado.

Eu não posso comer nada. A sopa tem um cheiro horrível


para mim, como se tivesse limalhas de ferro. Estou segurando
as lágrimas.

— Então, Dante, — meu pai diz, tão calmo e deliberado


como sempre. — O que você faz para viver?

— Minha família é dona de vários negócios, — responde


Dante. Para seu crédito, sua voz é tão calma quanto a de Tata,
e ele não tem problemas para encontrar os olhos de meu pai.

— Que tipo de negócios?

— Construção. Imobiliária. Alta gastronomia.

— De fato, — diz meu pai. — Também várias lavanderias


e um clube de strip, não é?
Eu vejo um músculo saltar na mandíbula de Dante. Meu
pai está deixando claro que fez pesquisas sobre a família Gallo.

— Sim, — diz Dante. — Está certo.

— Sua família tem uma longa história em Chicago, não


é?

— Sim.

— Aquela casa na Meyer Avenue é simplesmente...


encantadora. Sua família deve ter tido isso por cem anos.

— Desde 1902, — Dante diz rigidamente.

Meu pai pousa a colher e cruza as mãos finas e bem


torneadas sobre a mesa à sua frente.

— O que estou me perguntando, — diz ele, — é por que


você acha que eu permitiria que minha filha se alinhasse com
a máfia italiana?

Um silêncio gelado cai sobre a mesa. Todos parecemos


congelados no lugar, minha mãe rígida e com os olhos
arregalados na cadeira, Serwa segurando a colher perto da
boca, mas sem tomar um gole de sua sopa, eu cravando as
unhas na palma da mão com tanta força que poderia estar
tirando sangue. Meu pai olhando para Dante, e Dante olhando
de volta para ele.

— Todas as famílias têm seus segredos, — diz Dante, sua


voz áspera em oposição direta aos tons cultos de meu pai. —
Você, por exemplo, crescendo em Accra... Duvido que você
tenha que procurar muito para encontrar um parente que
cortou a garganta de alguém por alguns Cedis25.

Meu pai não vacila, mas vejo a indignação em seus olhos.


Não sei se Dante sabe o quão precisa essa afirmação foi. Meu
pai tinha dois tios que trabalhavam para um gangster local.
Um dia, eles ofereceram a suas irmãs para os cargos de
empregadas domésticas na parte rica da cidade. As meninas
fizeram as malas, planejando voltar para casa nos fins de
semana. Mas elas nunca mais voltaram – meu pai nunca mais
as viu.

A mão de Tata estremece na mesa. Acho que ele está


prestes a responder, mas Dante ainda não terminou.

— Isso é normal na África, eu acho, — Dante rosna. — E


depois que você veio para Londres? É aí que está o dinheiro
real. Fundos de investimento livre, fusões e aquisições,
transações imobiliárias de grande escala... O Outfit é bom com
dinheiro. Muito bom. Mas não temos nada sobre financiadores
internacionais... isso é crime em uma escala totalmente
diferente.

Meu pai faz um som de tsk, seu lábio superior contraído


em um sorriso de escárnio.

— Tenho certeza de que você gostaria que isso fosse


verdade, — diz ele. — Minhas mãos podem ser pretas, mas as
suas estão ensanguentadas. Essas mãos nunca tocarão minha

25 Moeda monetária de Gana.


filha. Não depois desta noite.

Os olhos de Dante ficam tão escuros que são ainda mais


escuros que os de meu pai – nenhuma íris, apenas pupila
preta.

Receio que ele diga a Tata que já me tocou. De todas as


maneiras possíveis. Não sou mais a pura princesinha do papai.
Nem mesmo perto.

Mas Dante nunca me trairia assim.

Em vez disso, ele diz: — Essa não é sua decisão.

— Sim, é, — diz Tata. — Eu sou o pai da Simone. Ela vai


me obedecer.

Dante olha para mim. É a primeira vez que nossos olhos


se encontram desde que este jantar horrível começou. E é a
primeira vez que vejo uma rachadura na armadura de Dante.
Ele entrou aqui como um cavaleiro negro, severo e inflexível. E
agora, em seus olhos, vejo o primeiro indício de
vulnerabilidade. Uma pergunta: meu pai está falando a
verdade?

Minha boca está seca demais para falar. Minha língua se


lança para umedecer meus lábios rachados, mas não é o
suficiente. Não consigo formar nenhuma palavra.

Esse músculo salta na mandíbula de Dante novamente.


Suas sobrancelhas baixam em decepção. Ele se vira para
minha mãe.
— Obrigado por sua hospitalidade, — diz ele.

E com isso, ele se levanta e sai da sala.

Eu deveria levantar.

Eu deveria correr atrás dele.

Em vez disso, eu vomito diretamente na minha tigela de


sopa. Por todo o gaspacho intocado.
Eu não deveria ter saído da casa de Simone.

Eu sabia que seu pai iria me desafiar. Só pensei que


Simone estaria do meu lado. Pensei que enfrentaríamos os pais
dela juntos.

Não há uma pessoa neste mundo que poderia me


arrancar dela. Achei que ela sentia o mesmo.

Então, quando me virei e olhei para ela, vi aquela dúvida


em seus olhos... isso colocou um buraco em meu coração. Eu
podia sentir a carne rasgando dentro do meu peito.

Eu faria qualquer coisa por ela. Contanto que estejamos


juntos.

Ela estava com vergonha de mim. Eu poderia dizer. Eu


me vesti com tanto cuidado. Mas não foi o suficiente. Não
posso mudar minha aparência, quem eu sou.

Eu me senti como um urso andando pesadamente em


uma galeria de arte. Tudo o que fiz foi desajeitado e errado.
E então eu saí furioso – provando que era exatamente tão
incivilizado quanto eles pensavam.

Tento ligar para Simone depois. Vinte ou trinta vezes. Ela


nunca responde. Não sei dizer se ela está me ignorando ou se
o pai dela pegou o telefone dela.

Eu espreito sua casa por dias. Não vejo Simone saindo no


carro com chofer. Apenas seu pai e uma vez sua mãe.

Isso está me deixando louco.

Quanto mais o tempo passa, mais acho que o jantar foi


minha culpa. Era demais esperar que Simone me apoiasse
quando eu estava agindo como um animal. Eu antagonizei o
pai dela desde o início – o que eu esperava que ela fizesse?

Eu tenho que ver ela.

Espero até a noite e entro furtivamente no terreno


novamente.

Mas desta vez, a equipe de segurança não está apenas


brincando. Eles estão em alerta máximo. Eles instalaram
sensores e têm um Doberman26 à espreita. A coisa começa a
latir antes de eu chegar a três metros do terreno.

Eu não planejei nada disso. Eu estava ansioso demais


para ver Simone. Eu não pensei nisso.

Eles me expulsam imediatamente e posso ouvir um dos

26 Raça de cachorro, foi a primeira raça criada especialmente para proteção.


guardas chamando a polícia. Eu me afasto, humilhado de
novo.

Eu olho para a janela de Simone, que pende como uma


moldura brilhante contra a casa escura.

Eu vejo uma figura parada ali, com a mão pressionada


contra a janela. Vejo sua silhueta esguia e seus dedos abertos
no vidro. Mas não consigo ver o rosto dela. Não sei se ela quer
que eu vá embora ou tente de novo.

Não tenho ideia do que ela está pensando.


A briga que tive com meus pais depois do jantar foi
terrível. Gritamos por horas – ou, devo dizer, meu pai e eu
gritamos. Minha mãe ficou sentada lá, em silêncio e pálida,
chocada com nosso comportamento.

— Como você pôde fazer isso conosco? — Meu pai exigiu.


— Depois de tudo o que fizemos por você, Simone! O que você
sempre precisou ou desejou que não fornecemos? Festas,
roupas, férias, a melhor educação que o dinheiro pode
comprar! Você é mimada. Terrivelmente mimada. E pensar que
você nos desonraria assim! Que você se desgraçaria! Um
bandido, um criminoso, um mafioso! É repugnante. Achei que
tivéssemos criado você melhor do que isso. Achei que você
tivesse moral. Isso é o que você quer para si mesma? Ser a
esposa de um gangster? Até que ele te mate, ou um de seus
associados o mate. É isso que você quer? Ser destruída por um
carro-bomba? Ou talvez você gostaria de se sentar sozinha em
uma casa comprada com dinheiro sujo enquanto seu marido
apodrece na prisão!

Suas palavras são como lâminas de barbear, cortando-


me continuamente em todas as direções. Nenhum corte é
suficiente para matar, mas me sinto enfraquecida pelo
sangramento.

O problema é que ele está gritando meus próprios


pensamentos de volta para mim. Meus próprios piores medos.

— Mesmo que você não se importe com o seu futuro,


como você pôde fazer isso conosco? Depois de tudo pelo que
sua mãe e eu trabalhamos. Você colocaria essa mancha em
nosso nome e reputação? E quanto a sua irmã? Você acha que
ela manterá seu emprego no setor bancário quando souberem
que ela está ligada à máfia italiana? Egoísta! Você é
completamente egoísta.

Tenho que me sentar no sofá enquanto suas palavras


continuam me martelando, sem parar.

Finalmente Mama fala.

— Simone, eu sei que você acha que ama este homem...

— Sim, Mama. Eu o amo.

— Você ainda não sabe o que é amor, ma chérie. Você é


tão jovem. Você vai se apaixonar tantas vezes...

— Não, Mama. Não assim...

Eu não posso explicar para eles. Não posso explicar que


o amor pode ir e vir, mas meu vínculo com Dante é para
sempre. Estou costurada a ele em cada centímetro da minha
pele. Meu coração está em seu peito e o dele no meu. Eu vejo
dentro dele. E ele me vê.

Eu sei que sou jovem e tola. Mas se alguma vez tive


certeza de alguma coisa em minha vida é esta: o que sinto por
Dante nunca mais acontecerá. Não com qualquer outra
pessoa. Ele é meu primeiro, último e único.

Agora sou realmente uma prisioneira. Eles pegam meu


telefone, meu laptop. Não tenho permissão para sair de casa
por nenhum motivo.

Estou em agonia sabendo que Dante deve estar tentando


me enviar uma mensagem de texto e me ligar. Estou apavorada
com o que meu pai fará se Dante persistir.

Eu choro no meu quarto até ficar tão seca quanto areia


do deserto. Nenhuma lágrima sobrou na minha cabeça. Nada
além de soluços doloridos.

Mama traz bandejas de comida e eu as ignoro.

Apenas Serwa é permitida no meu quarto. Ela se senta ao


meu lado na cama e acaricia minhas costas.

— Foi muito corajoso da parte dele vir até a casa, — diz


ela.

Serwa, pelo menos, formou uma opinião gentil de Dante


ao conhecê-lo.

— Eu não quero que você vá embora, — eu soluço.

Ela deve ir para Londres em mais alguns dias, para


começar seu novo emprego.

— Eu fico se você quiser, — ela diz.

Eu quero isso. Muito. Mas eu balanço minha cabeça.

— Não, — eu digo. — Você deveria ir. Talvez Tata deixe


você me ligar...

— É claro que ele vai, — diz Serwa.

Durmo horas e horas todos os dias. Não sei por que estou
tão cansada. Deve ser a miséria densa e negra me sufocando.

Tento comer um pouco da comida que Mama traz, para


não ficar tão enjoada e tonta, mas com frequência acabo
vomitando de novo.

Uma das noites, ouço uma comoção no quintal – gritos e


brigas. Não consigo ver nada pela janela, mas tenho certeza de
que é Dante, tentando entrar para me ver. Meu pai aumentou
nossa equipe de segurança. Dante não consegue passar.
Presumo que eles também não o pegam, já que meu pai
certamente esfregaria isso na minha cara.

Dante sabe que sou uma prisioneira aqui? Ele sabe o


quanto eu quero falar com ele, mesmo que apenas por um
minuto?

Ou ele acha que estou cedendo aos meus pais? Que vou
desistir dele como eles querem?

Eu não estou desistindo.


E ainda assim...

Para ser honesta comigo mesma...

Não estou exatamente tentando escapar de casa também.

Não é só porque estou doente e infeliz. Eu me sinto como


se estivesse me equilibrando na lâmina de uma faca – de cada
lado meu, uma queda de dez mil pés no nada.

É uma escolha impossível entre Dante e minha família.


De qualquer forma, perco algo precioso para mim. Uma parte
de mim.

Eu não sei o que fazer. Quanto mais tempo me equilibro


na lâmina, mais ela morde minha carne, me cortando ao meio.

No final, torna-se uma escolha completamente diferente.

Serwa traz uma tigela de sorvete para o meu quarto. São


sete horas da noite, oito dias depois do jantar desastroso.

Ela coloca o sorvete no meu colo. Chocolate com menta –


meu favorito.

— Você tem que comer alguma coisa, onuabaa — diz ela.

Mexo o sorvete na tigela. Já está começando a derreter. O


verde parece extravagante.

Eu dou uma mordida, em seguida, coloco-o sobre a mesa.

— Não tem um gosto bom, — eu digo.

Serwa franze a testa. Ela sempre é sensível aos sinais de


doença em outras pessoas, porque ela mesma sempre esteve
mal. Ela é sempre a primeira a me trazer uma compressa
quente quando tenho cólicas menstruais ou a me emprestar
seu nebulizador quando estou resfriada.

— Você está pálida, — ela me diz.

— Faz uma semana que mal saio do quarto, — digo. —


Não há luz do sol aqui.

Eu sei que estou sendo mal-humorada. Serwa deve partir


amanhã para Londres. Eu deveria perguntar a ela se ela quer
deitar e assistir a um filme. Ou se ela precisar de ajuda para
fazer a mala.

Antes que eu possa oferecer, Serwa se levanta


abruptamente.

— Tenho que correr para a farmácia, — diz ela. — Eu


volto em breve.

— Envie Wilson, por que não? — Eu digo.

— Eu volto já, — Serwa repete.

Deitei na cama novamente, cansada demais para me


importar muito sobre por que ela precisa correr para a
farmácia neste minuto. Na verdade, estou com um pouco de
ciúme porque ela pode andar por aí sempre que quiser
enquanto estou presa aqui sob vigilância em grande escala.

Ela volta uma hora depois, carregando uma sacola


plástica da farmácia.
— Simone, — ela diz hesitantemente. — Eu acho que você
deveria usar isso.

Ela estende uma caixa retangular.

É um teste de gravidez. Eu fico olhando para ele


inexpressivamente, em seguida, faço uma carranca para ela.

— Eu não preciso disso.

Dante e eu só fizemos sexo sem proteção uma vez. Seria


muito improvável que eu engravidasse de uma única vez.

— Por favor, — Serwa disse calmamente. — Para minha


paz de espírito.

Pego a caixa da mão dela. Eu não quero fazer o teste. É


humilhante e já estou estressada o suficiente. Mas a visão do
teste colocou um grão de dúvida em minha mente.

Estou cansada, com dor de cabeça, com náuseas...

Tento me lembrar da última vez que menstruei. As


últimas semanas parecem um borrão. Não consigo me lembrar
exatamente se tive um período neste mês ou no anterior. Não
sou muito regular.

Pretendo fazer xixi no palito só para ter certeza. Para


mostrar a Serwa que não há nada com que se preocupar – além
das milhares de outras coisas com que já estou preocupada.

Vou até o banheiro, que não está tão arrumado e limpo


como de costume. Não tenho deixado a empregada entrar para
limpar. Toalhas úmidas cobrem o chão e a pasta de dente
mancha o espelho. Meus cosméticos estão espalhados pela
bancada e a lixeira está transbordando.

Sento-me no vaso sanitário para ler as instruções. É


bastante simples – tiro a tampa do indicador, faço xixi na ponta
do palito e deixo descansar por noventa segundos.

Sigo os passos, tentando não pensar no que aconteceria


se eu estivesse grávida. Que desastre isso seria.

Até o cheiro da minha própria urina revira meu estômago.


Eu mal posso suportar colocar a tampa de volta no teste e
colocá-lo no balcão ao lado da bagunça de grampos de cabelo
e batom meio usado.

Eu me olho no espelho, puxando minha camiseta grande


para examinar meu corpo.

Eu pareço a mesma de sempre. Nenhuma protuberância


na minha barriga. Nenhuma mudança na minha forma.

Até meus seios parecem iguais. Eu aperto-os em minhas


mãos para ver se eles parecem mais cheios. Eles parecem
normais – embora um pouco doloridos.

Ainda não se passaram noventa segundos. Eu não me


importo. Pego o palito para provar a mim mesma que tudo isso
é ridículo.

Eu vejo uma linha rosa vertical. Negativo.

Então, bem diante dos meus olhos, uma segunda linha


horizontal começa a surgir. Como tinta invisível erguida contra
a luz, ela floresce do puro algodão branco, ficando mais
espessa e escura a cada momento.

As duas linhas rosa formam uma cruz. Um sinal de mais.


Positivo.

O teste cai dos meus dedos dormentes na pia.

Serwa ouve cair. Ela vem até a porta.

Seus grandes olhos escuros olham para o teste, depois


para o meu rosto. — O que você vai fazer? — Ela diz.

Eu balanço minha cabeça, silenciosamente. Eu não faço


ideia.

— Precisamos contar para a Mama, — diz Serwa.

— Não! — Eu digo, um pouco abruptamente.

Se contarmos para Mama, ela contará a Tata. E ele ficará


furioso. Não consigo nem imaginar esse nível de raiva.

Não, há apenas uma pessoa a quem quero recorrer agora:


Dante.

— Você precisa pegar meu telefone, — imploro a Serwa.


— Eu tenho que falar com ele.

Ela aperta os lábios, nervosa. — Eu sei onde está, — ela


diz.

Serwa sai para roubar meu telefone de volta. Assim que


estou sozinha no meu quarto, a realidade desaba sobre mim.

Grávida. Estou grávida. Neste exato momento, há um


conjunto de células crescendo e se dividindo dentro de mim.

Parece impossível, mas é a coisa mais real e imediata do


mundo.

As paredes do meu quarto parecem correr em minha


direção como se desmoronassem e, em seguida, se afastassem
novamente. Eu afundo no tapete, suando e tremendo. Estou
respirando muito forte, muito rápido. Meu coração está
parando no meu peito. Acho que posso estar morrendo...

O que eu vou fazer?

O que eu vou fazer?

O que eu vou fazer?

— Simone! — Serwa exclama, caindo ao meu lado. Ela


coloca o braço em volta dos meus ombros, puxando minha
cabeça contra o peito.

Estou chorando de novo. Minha reserva de lágrimas


aumentou o suficiente para que meu rosto ficasse encharcado
mais uma vez.

Serwa empurra o telefone na minha mão. A tela está


rachada. Não sei se meu pai deixou cair ou jogou com raiva.

Felizmente, ele ainda liga. Vejo cinquenta e sete


chamadas perdidas e uma dúzia de mensagens de Dante.
Eu estava planejando ligar para ele agora, mas estou
chorando muito.

Em vez disso, digito uma mensagem:

Eu tenho que falar com você. Venha me encontrar à


meia-noite, no mirante do parque.

Ele vai saber o que quero dizer. Fomos passear juntos no


Lincoln Park. Sentamos naquele gazebo e nos beijamos e
conversamos por horas.

É apenas um momento até que Dante responda, como se


estivesse segurando o telefone na mão, olhando para a tela.

Simone! Eu tentei te ligar. Eu tentei te ver.

Eu sei, eu respondo.

Você está bem?

Minhas mãos estão tremendo tanto que mal consigo


digitar.

Sim. Venha para o gazebo. Meia-noite. É importante.


Eu tenho que te ver.

Eu estarei lá, ele diz. Eu prometo.

Eu entrego o telefone de volta para Serwa, para que ela


possa devolvê-lo ao seu esconderijo, onde quer que meu pai o
tenha que escondido.

— Como você vai sair? — Serwa me pergunta.


— Eu preciso de sua ajuda, — eu digo a ela.
Estou mole de alívio depois de finalmente conversar com
Simone.

Eu estava ficando louco com ela trancada naquela casa.


Eu estava pensando em pegar Nero, Seb e seis de nossos
homens e invadir o castelo. Só não fiz isso porque não podia
arriscar que ninguém se machucasse. Afinal, é a família de
Simone que a mantém como refém.

Ainda assim, dificilmente me sinto melhor depois de ler


suas mensagens. Ela parece horrível – nervosa com alguma
coisa.

Eu quero vê-la agora. Não quero esperar até meia-noite.

O alívio já está se dissipando, substituído por pavor.

Ela disse que precisa falar comigo.

Ela vai me dizer que não pode mais me ver?

Seu pai teve uma semana inteira para trabalhar nela.


Para culpá-la e envergonhá-la, e atacar seus medos. Tenho
certeza de que ele descobriu tudo o que pode sobre mim. Tenho
certeza de que ele contou a ela todos os meus segredos mais
sombrios e coisas piores. Ele pode ter dito a ela qualquer coisa,
verdadeiro ou falso.

Não, não pode ser isso.

Se ela não quisesse mais me ver, ela simplesmente me


diria. Seu pai a deixaria ligar se esse fosse o motivo. Ele ficaria
ao lado dela enquanto ela fazia isso.

Não, ela quer fugir para me ver. Isso significa que ela
ainda me ama. Ela quer que estejamos juntos.

Fico repetindo isso para mim mesmo, para que


pensamentos mais sombrios não apareçam.

Simone e eu devemos ficar juntos. Eu sei isso.

Não foi por acaso que a conheci naquele dia.

Foi o destino que me jogou pela janela. O destino que me


puxou para aquele carro. Destino que eu fui embora com ela
no banco de trás. E o destino quando nossos olhos se
encontraram no espelho.

Não sou romântico, nunca fui. Mas eu tenho instinto. Eu


sei quando algo está certo.

Simone é minha. Todos os anos antes de nos


conhecermos, éramos dois asteroides no espaço, em dois
caminhos separados com uma única trajetória. Sempre
estivemos destinados a colidir.
Verifico meu relógio novamente e novamente. São nove
horas. Depois dez. Depois, quase onze. Pego minha jaqueta e
as chaves do carro – não posso correr o risco de chegar
atrasado.

Meu Bronco está estacionado abaixo do nível da rua, em


nossa garagem subterrânea.

Quando vou para lá, ouço Nero tocando rap e o tilintar de


suas ferramentas. Ele está sempre trabalhando em um ou
outro de nossos veículos. Temos aqueles que usamos para
trabalhar, depois seus próprios projetos pessoais, as
motocicletas e carros antigos que ele cuidadosamente restaura
de cascos enferrujados em brilhantes obras de arte. É a única
vez que o vejo focado e paciente. Eu gostaria que ele pudesse
aplicar essa consistência a qualquer outra coisa em sua vida.

— Eu preciso do Bronco, — digo a ele acima do barulho


da música.

— Está no elevador automotivo, — diz Nero sem erguer os


olhos. — Estou colocando pneus novos.

— Quanto tempo isso vai levar?

— Não sei. Uma hora.

— E quanto ao Beamer?

— Papa está com esse. — Ele se senta, enxugando a testa


com as costas da mão. Deixa uma longa faixa de graxa em sua
pele. — Você pode levar meu Camaro. Mas está com pouca
gasolina.

— Não temos nenhuma?

Normalmente mantemos alguns recipientes à mão.

— Não, — diz Nero.

— Por que não?

Ele encolhe os ombros. — Não tenho reabastecido


recentemente.

Eu engulo minha irritação. Tenho muito tempo para


parar em um posto de gasolina. E é minha culpa não ter
verificado os carros antes.

Entro no Camaro vermelho, sem me preocupar em me


despedir de Nero, porque ele já voltou a mexer embaixo do
Mustang.

Quando chego ao nível da rua, acho que vejo o clarão dos


faróis atrás de mim, mas eles desaparecem um momento
depois. Provavelmente um carro virando a esquina.

Vou até o posto de gasolina na Wells Street.

Quando chego lá, as bombas estão apagadas. Fechou às


10:30.

— Porra! — Eu grito.

Estou ansioso, tenso. Eu queria chegar cedo ao parque.


Não gosto da ideia de Simone estar sozinha no escuro,
esperando por mim.

Em vez disso, dirijo até Orleans, procurando outro posto


de gasolina. O mostrador está tão baixo que nem mesmo está
no vazio – está alguns milímetros abaixo. Definitivamente, não
o suficiente para chegar ao Lincoln Park sem encher.

As ruas estão escuras e quase vazias. Não há muitos


outros carros por aí.

É por isso que noto o SUV preto me seguindo. Viro à


esquerda na Superior e o SUV também. Não consigo ver quem
está dirigindo, exceto que definitivamente há duas figuras nos
bancos da frente. Duas grandes figuras.

Para testar minha teoria, viro à direita na Franklin e


desacelero.

Com certeza, o SUV também vira. Quando eles me veem


rastejando, fazem um desvio rápido na Chicago Ave. Piso
fundo, acelerando na estrada. Quero perder o outro carro
enquanto estamos fora de vista um do outro. Eu desço por
Chestnut rugindo, depois volto ao longo de Orleans, mantendo
um olho no espelho retrovisor o tempo todo para ver se os
perdi.

O medidor de gasolina está tão vazio quanto agora. Estou


sem combustível. O excesso de velocidade não está ajudando –
preciso encontrar um lugar para abastecer agora, quer tenha
perdido o outro carro ou não.

Entro no posto de gasolina, saindo com cautela e olhando


ao redor por todos os lados enquanto passo meu cartão de
crédito e abro o tanque.

Encaixei o bocal na lateral do Camaro, ainda varrendo o


terreno escuro e vazio com os olhos, nervosos como um gato.

O tanque parece levar séculos para encher. Posso ouvir a


gasolina fria saindo, rápido, mas não o suficiente. Estou tenso
e nervoso. Quando penso que provavelmente há gasolina
suficiente no tanque, interrompo o fluxo e puxo o bocal para
liberar.

Muito tarde.

O SUV preto entra no estacionamento, parando bem na


frente do meu carro, então terei que dar ré para sair. Estou
prestes a deixar cair o bocal, mas antes que eu possa me
mover, antes que o SUV pare totalmente, quatro russos abrem
as portas e pulam. Os dois da frente não reconheço. Siberia e
seu amigo do jogo de pôquer saem por trás. Eles me cercam,
fechando como um cerco.

Agarrando o bocal com a mão direita, coloco a esquerda


no bolso da calça jeans, procurando pelo metal.

— Dante Gallo, — diz Siberia. Ele está vestindo uma


jaqueta de lona com a gola levantada. O material fino se
estende ao longo de seu peito e ombros.

Ele é o maior dos russos, mas os outros três não são


exatamente pequenos. Um é de pele escura – provavelmente
armênio. Um tem tatuagens nas laterais do rosto ao longo da
linha do cabelo. E um está usando soco inglês em ambos os
punhos. Eles brilham fracamente na luz fraca. Quando ele
sorri, ele tem um dente de ouro na frente, quase exatamente
do mesmo tom.

— Eu esperava que fosse Nero, — diz Siberia, apontando


para o meu carro.

— Você tem sorte que não foi, — eu rosno. — Basta olhar


para o meu irmão e vou arrancar sua espinha como a porra de
uma ambrósia.

— Oh, você acha? — Siberia diz suavemente. — Eu não


tenho tanta certeza. Você acha que é algum tipo de valentão?
Temos muitos valentões na Rússia. Selvagens também. Eu
conheci muitos valentões na prisão. Você sabe que meu
apelido não é do pôquer. Vem do Gulag27 onde servi oito anos.
Às vezes, os guardas organizavam partidas entre os homens
maiores. Lutas de boxe sem luvas. O prêmio era comida. Comi
muito bem com os ossos quebrados daqueles valentões.

— Por que você não me mostra? — Eu digo. — Diga a seus


amigos para recuarem e me enfrente você mesmo.

Mesmo enquanto estou falando, os dois à minha


esquerda estão se aproximando. Estou olhando para Siberia,
mas estou observando-os pela visão periférica.

— Você quer uma luta justa? — Siberia diz. — Justo como

27Sistema de campos de trabalhos forçados para qualquer cidadão que se opusesse ao regina na
União Soviética.
a mão do seu irmão?

Antes mesmo que ele termine sua provocação, os dois da


esquerda estão correndo para mim.

É o que eu esperava.

Eu pressiono a alça do bocal e jogo gasolina bem na cara


deles. Ao mesmo tempo, já estou abrindo a tampa do meu
isqueiro e acendendo a chama. Jogo o isqueiro no Brass
Knuckles28, acertando-o bem no meio do peito. Ele acende
como uma tocha. Em meio segundo, Tattoos29 também está em
chamas.

Eles gritam de choque e dor, agitando-se, esquecendo-se


de cair e rolar. Você não costuma ouvir um homem gritar. É
pior do que uma mulher.

O armênio e Siberia não ajudam seus amigos. Em vez


disso, eles correm para mim.

Parte da chama líquida espirrou no braço da minha


jaqueta. Não consigo nem sentir o calor. Meu corpo inteiro está
queimando de adrenalina. Eu fecho meus punhos e balanço
meus braços para cima na mandíbula do armênio. A força do
golpe o joga de lado em Siberia.

Isso não o atrasa em nada. Ele empurra o amigo para o


lado e vem para mim, os punhos erguidos na frente do rosto
como um pugilista adequado. Ele dá socos fortes bem no meu

28 Soco inglês.
29 Tatuado.
rosto. Bloqueio minha mandíbula e ele ataca meu corpo,
acertando-me no estômago e nas costelas com força total.

Cada golpe é como um martelo. Seus punhos são


enormes e duros como pedra. Eles batem em mim, rápido.
Mantendo minhas mãos para cima, eu o acerto na mandíbula
com o cotovelo, seguido por um cruzado de esquerda. Isso mal
o deixa perturbado.

Enquanto isso, o armênio mergulha nas minhas pernas.


Ele me derruba. Rolamos no concreto. Eu ouço o som
inconfundível de uma lâmina se abrindo. Sem tempo para
levantar os olhos, agarro o armênio pela frente da camisa e o
levanto, jogando-o na direção de Siberia. A lâmina de Siberia
afunda no braço de seu amigo, mas ele a solta de novo e corre
para mim, apontando a faca em meu rosto.

Eu coloquei meu braço para cima. A lâmina corta minha


jaqueta de couro como linho. Ela rasga a carne do meu
antebraço, deixando um longo corte até o osso. Sinto o sangue
escorrendo, pingando de meus dedos.

Enquanto isso, Brass Knuckles e Tattoo estão gritando e


rolando, tentando apagar as chamas. Mas tudo o que eles
estão fazendo é rolar na gasolina acumulada, espalhando-a e
espalhando o fogo.

O armênio se curvou. Dou uma joelhada em seu rosto e


bato meus punhos na parte de trás de seu crânio. Siberia
balança sua lâmina em meu rosto novamente e eu recuo, a
ponta da faca cortando minha bochecha direita. Eu avanço em
Siberia, agarrando a mão da faca pelo pulso. Minha mão está
escorregadia de sangue e é difícil segurar. Eu o bato
repetidamente com meu punho esquerdo, e ele faz o mesmo,
enquanto se esforça para forçar a lâmina em meu peito.

Ouço um som sibilante atrás de mim. Parece um vento


forte soprando em um tubo muito pequeno. Receio saber o que
isso significa.

Liberando a mão de Siberia, deixei que ele enfiasse o


canivete em meu ombro direito. Enquanto isso, eu o acertei
com força na garganta com a palma da minha mão. Ele tropeça
para trás, sufocando.

Com a lâmina ainda embutida no meu ombro, eu me


agacho e corro o mais rápido que posso para longe das bombas
de gasolina. Só dei uma dúzia de passos antes de a bomba
explodir. O calor me atinge primeiro, como uma parede de calor
líquido, me empurrando por trás. O som vem uma fração de
segundo depois – alto, estrondoso e metálico. Eu ouço
enquanto voo pelo ar, caindo com força no concreto. Minha
cabeça bate contra o meio-fio.

Estou atordoado e surdo.

Levo um minuto para levantar a cabeça. Olho para trás,


para os resquícios brilhantes da bola de fogo e para a massa
de metal em chamas que costumava ser o carro de Nero. O
SUV dos russos também está pegando fogo, assim como dois
corpos ao lado da bomba. As outras duas figuras foram
lançadas mais longe, incluindo Siberia, que ainda está vivo. Eu
posso ouvi-lo gemendo.

Eu me puxo para cima do meio-fio. Pego o cabo da faca


projetando-se para fora do meu deltoide e arranco a lâmina.
Dói mais para sair do que quando entrou.

Minha mão parece uma luva ensanguentada. O braço


inteiro está rígido e inútil.

Posso sentir o sangue escorrendo do meu nariz e orelhas.


Várias de minhas costelas parecem trincadas, se não
quebradas. Não sei se foi de Siberia, da explosão ou da queda
no cimento.

Puxo meu telefone do bolso. A tela está quebrada. Meu


relógio também está quebrado. Não tenho ideia de que horas
são – tudo que sei é que estou atrasado. Meu carro está fora
de serviço e ouço o uivo distante de sirenes vindo em minha
direção.

Eu me coloco de joelhos e então fico de pé, curvado.

Tenho que falar com Simone.

Não consigo chamar um táxi – ninguém vai me buscar


neste estado. Eu poderia roubar um carro, mas isso só
chamaria mais atenção.

Só resta uma coisa a fazer. Eu tenho que correr.

Começo a mancar na direção de Lincoln Park. Depois de


alguns metros, começo uma espécie de corrida arrastada.
Minha cabeça lateja a cada passo. Minhas costelas estão em
agonia, me apunhalando a cada respiração.

Mas preciso chegar até Simone.

Não consigo parar nem por um segundo.


Serwa me ajuda a sair furtivamente de casa. Não é
terrivelmente difícil, porque não estamos realmente em uma
prisão. Minha principal preocupação é que não quero ser
seguida, porque quero falar com Dante sem interrupções, sem
meu pai ouvindo ou chamando a polícia.

Serwa carrega uma grande carga de material reciclado


para as latas de lixo no quintal, depois joga tudo no pátio, com
um monte de vidros quebrados, jarros de leite que balançam e
latas que rodam. Quando os dois seguranças correm para
ajudá-la a pegar tudo, eu saio sorrateiramente pelo portão dos
fundos.

Eu ouço aquele cachorro nojento rosnando enquanto


corro pelo gramado, mas os guardas o mantêm na coleira,
então ele não pode correr atrás de mim. Graças a Deus por isso
– nunca vi um animal tão mau.

Vestida de jeans e um moletom cinza, com o capuz


puxado para cima, me sinto uma criminosa. Nunca saio à noite
sozinha. Lincoln Park é um bairro seguro, relativamente
falando, mas ainda estou no centro de Chicago. Eu me afasto
de qualquer pessoa andando na direção oposta pela calçada.
Sinto que todos estão olhando para mim, embora ninguém
esteja.

Caminho cerca de seis quarteirões até o parque. Queria


me encontrar aqui por motivos simbólicos, porque Dante e eu
sentamos sob as videiras de glicínias e conversamos e nos
beijamos por horas, e foi uma tarde linda, uma das melhores
da minha vida.

O sol estava brilhando, as abelhas zumbindo, e eu tinha


o homem que amo ao meu lado. Agora estou sozinha. Está frio
e escuro. A estação mudou – as glicínias perderam suas folhas
verdes espessas e seus cachos de flores roxas. Agora são
apenas vinhas marrons secas. O gazebo não é mais uma alcova
protegida – está exposto ao vento e aos olhos de qualquer outra
pessoa que possa estar vagando pelo parque.

Eu me encolho no canto do gazebo, tentando manter


vigilância em todas as direções ao mesmo tempo.

Eu deveria ter usado um casaco, não um suéter. Está


ventando mais do que eu pensava e mais frio.

A cada rajada de ar, os galhos secos das árvores se


arranham. Ouço sons de farfalhar que podem ser um esquilo
ou um gato. Eu pulo todas as vezes e fico olhando em todas as
direções.

Foi estúpido vir aqui. Eu deveria ter pedido para Dante


me encontrar em um café – em algum lugar quente, claro e
seguro.

Eu deveria ter trazido meu telefone. Tive medo de que


Tata percebesse que faltava.

A escuridão, o frio e o medo estão dominando minha


mente. Se Dante tivesse aparecido naquele momento, eu teria
me jogado em seus braços sem hesitar. Senti tanta falta dele,
tanto, tanto que parecia um órgão arrancado do meu corpo.
Eu teria deixado escapar a notícia sobre a gravidez – teriam
sido as primeiras palavras que sairiam da minha boca.

Mas quanto mais espero, mais fico confusa e chateada


por ele não ter vindo. Ele prometeu me encontrar à meia-noite.
Ele disse que estaria aqui. Eu tinha certeza de que podia
contar com ele – certeza de que ele não me deixaria esperando
nem por um momento. Agora já passa da meia-noite, passa
das 12:30. O que poderia estar mantendo-o longe?

Então começo a me perguntar se é assim que sempre vai


ser.

Isso é o que meu pai e minha mãe disseram. Eles me


disseram que se eu ficasse com Dante, teria uma vida de perigo
e medo perpétuos. Disseram que não poderia haver final feliz
com um homem assim. Que ele traria violência e crime para
minha vida, não importa o quanto ele tentasse esconder isso
de mim.

E agora estou começando a perceber que essa gravidez


muda tudo...

Se eu ficar com esse bebê... que tipo de vida ele vai ter?

Que tipo de pai?

Posso estar disposta a arriscar minha própria segurança


para estar com Dante... mas eu arriscaria a segurança do meu
filho?

Tenho visões de criminosos invadindo nossa casa no meio


da noite, decididos a se vingar.

Ou que tal uma equipe policial da SWAT? Basta uma bala


perdida para extinguir uma vida... especialmente se essa vida
for particularmente pequena e vulnerável.

Meu coração está acelerado, cada vez mais rápido.

Eu preciso vomitar de novo. Estou continuamente


enjoada, tonta, com dores. Tremendo de frio.

Como Dante pôde me decepcionar assim? Ele me


prometeu...

Talvez suas promessas não signifiquem muito.

Só nos conhecemos há alguns meses. Eu pensei que


éramos almas gêmeas. Achei que o conhecesse.

Mas o homem que eu conhecia não me deixaria


esperando por uma hora em um parque escuro, sozinha. Não
quando eu implorei para ele vir.
Eu deveria ir embora. E se alguém me agredir? Eu não
tenho mais apenas eu em que pensar. Ainda não decidi se vou
ficar com este bebê ou não, não inteiramente, mas agora
parece a coisa mais importante do mundo. Como se eu tivesse
entrado neste lugar deserto carregando algo
insuportavelmente precioso e frágil.

Estou quase fugindo do gazebo quando ouço um som –


muito mais alto do que qualquer gato ou esquilo. Arrombando
os arbustos, vindo direto para mim.

Meu corpo enrijece como madeira petrificada, e coloco


minhas mãos sobre a boca, tentando não gritar.

Uma figura corpulenta salta para o gazebo – enegrecido


pela fuligem e coberto de sangue. Olhos selvagens fixam-se em
seu rosto, olhos e dentes horrivelmente brancos contra sua
pele imunda.

Eu grito, tão alto que rasga minha garganta.

— Simone! — Ele choraminga, alcançando-me com suas


mãos enormes.

Eu entendo que é Dante, mas eu me afasto dele, ainda


gritando.

Suas mãos estão cobertas de sangue, cada centímetro


delas. Seus dedos estão inchados, cortados, sangrando e todas
as suas mãos estão encharcadas – não por causa desses
cortes, mas de outra coisa. De outra pessoa.
— Não me toque! — Eu grito, olhando para aquelas mãos
horríveis.

Essas são as mãos de um criminoso. Um matador.

— Eu sinto muito... — Ele diz.

— Não me toque! Eu... eu...

Tudo o que planejei dizer a ele saiu da minha cabeça.


Tudo que posso ver é seu rosto machucado, suas mãos
ensanguentadas, o rosnado ainda mostrando seus dentes. Eu
vejo a evidência inconfundível de violência. Provas da vida que
ele leva.

Uma vida que não pode incluir uma criança.

— Vou embora amanhã, — digo, com os lábios


dormentes. — Não quero mais ver você.

Dante está perfeitamente imóvel, suas mãos caindo para


os lados. — Você não quer dizer isso, — ele diz.

Eu não quero. Eu não quis dizer isso. Mas eu tenho que


fazer isso.

— Isso acabou entre nós, — digo a ele. — Nós


terminamos.

Ele parece chocado. Atordoado, até. — Por favor,


Simone...

Eu balancei minha cabeça, lágrimas silenciosas correndo


pelo meu rosto. — Estou indo embora. Não me siga.
Ele engole em seco, seu lábio partido e inchado. — Eu te
amo, — ele diz.

Pela primeira vez, a única vez, sua voz soa gentil. Isso
rasga meu coração ao meio como papel. Rasga novamente e
novamente.

Eu poderia ficar. Eu ficaria, se fosse só eu.

Mas não é mais só eu.

Eu me viro e corro para longe dele.


Eu não acredito que ela realmente vai embora.

Eu acho que ela me ama. Então acho que ela vai ficar.

Mas estou errado.

Ela voa para Londres na manhã seguinte.

E não volta mais.


Talvez se eu não estivesse com tanto frio e com medo
naquela noite, eu teria feito uma escolha diferente.

Talvez se eu não estivesse tão doente em Londres...

Tive hiperêmese gravídica durante toda a gravidez.


Vomitando vinte, trinta vezes por dia. Fiquei tão magra que
não passava de ossos. Os médicos colocaram um tubo
intravenoso permanente em mim, para que eu não morresse
de desidratação.

Fui hospitalizada no segundo trimestre.

O bebê nasceu no início do terceiro, com trinta e quatro


semanas. Ele era minúsculo. Deus, muito, muito pequeno,
apenas 2,30kg. Ele não chorou ao nascer. Ele parecia azul e
enrugado. Mal vivo.

O parto foi um pesadelo. Eles me deram gás nitroso para


a dor, mas eu tive uma reação fraca a ele. Comecei a ter
alucinações – pensei que as enfermeiras eram demônios e
estavam tentando me rasgar. Achei que o médico fosse um
monstro com máscara de humano.

Achei que Dante tivesse vindo ao hospital, mas ele apenas


ficou parado na porta, me encarando. Implorei a ele que me
perdoasse por ir embora. Por não ter contado a ele sobre o
bebê. Ele não quis falar comigo – ele apenas olhou para mim
com uma expressão fria e furiosa.

Depois do nascimento, quando estou de volta ao meu


juízo, acredito que foi a única coisa que vi que era realmente
verdade: Dante não vai me perdoar por isso, se ele descobrir.
Jamais.

Meus pais vêm ao hospital. Eles não sabiam que eu


estava grávida – fiz Serwa jurar não contar a eles. Mama chora
e pergunta por que eu mantive um segredo tão terrível. Tata
franze a testa e exige saber se Dante está ciente do que fez
comigo.

— Não, — eu sussurro. — Eu não falei com ele. Ele não


sabe.

Como o bebê era pequeno e com dificuldade para respirar,


colocaram-no na UTI neonatal, na incubadora. Eu mal o vi ou
o segurei. Tudo o que sei é que ele tinha muito cabelo preto e
encaracolado e um corpo pequeno e flácido.

As enfermeiras continuam me dando drogas. Estou


dormindo o tempo todo. Quando acordo, o bebê nunca está no
quarto.

No terceiro dia, acordo e meus pais estão sentados ao lado


da cama. Não há mais ninguém no quarto – nenhuma
enfermeira ou Serwa.

— Onde está o bebê? — Eu pergunto a eles.

Mama olha para meu pai. Seu rosto está pálido e tenso.

Os dois estão bem vestidos – Mama com um conjunto de


blazer e saia, Tata de terno. Não exatamente formal, mas o
mais próximo disso. Como se eles tivessem um evento para
participar. Ou talvez este seja o evento.

Eu me sinto nojenta em comparação – suja, despenteada,


na bata do hospital de algodão barato.

Eu me pergunto se outras pessoas se sentem assim em


comparação com sua própria família – indignas.

— Precisamos discutir o que você planeja fazer, — diz


Mama.

— Sobre o que? — Eu pergunto a ela.

— Sobre o seu futuro.

A palavra “futuro” costumava ter um brilho tão fulgurante


para mim. Agora parece vazio e assustador. Como um corredor
longo e escuro para lugar nenhum.

Eu estou em silêncio. Eu não sei o que dizer.

— É hora de colocar sua vida de volta nos trilhos, — Tata


me diz. Sua voz é moderada, mas seu rosto está rígido e severo.
Ele olha para mim não com raiva... apenas decepção. — Você
tomou algumas decisões muito ruins, Simone. É hora de
endireitar o barco.

Eu engulo, minha boca seca.

— O que você quer dizer?

— Aqui está o que vai acontecer, — diz meu pai. — Sua


irmã vai adotar o bebê, em particular e discretamente. Ela
apresentará a criança como se fosse dela. Ela vai criá-lo como
se fosse dela. Você está indo para Cambridge no semestre de
inverno. Você obterá seu diploma. Você vai conseguir um
emprego depois. Você não vai contar a ninguém sobre sua
indiscrição em Chicago. Todo este capítulo feio será deixado
para trás.

Eu fico lá em silêncio, enquanto aquelas declarações


bizarras tomam conta de mim.

— Quero ver meu filho, — digo por fim.

— Isso não vai acontecer, — disse Tata.

— Onde ele está?

— Você não precisa se preocupar com isso.

— ONDE ELE ESTÁ? — Eu grito.

— Ele já está em casa com Serwa, — diz Mama, tentando


me acalmar. — Ele está sendo muito bem cuidado. Você sabe
como sua irmã é boa com crianças.

Isso é verdade. Serwa adora crianças. Ela praticamente


me criou.

Mas isso não me faz sentir nem um pouco melhor. Eu


quero ver meu bebê. Eu quero ver o rosto dele.

— Eu não vou entregá-lo, — eu sibilo para meu pai.

Ele olha de volta para mim, seus olhos escuros


combinando com os meus de raiva.

— Você acha que pode cuidar de uma criança? — Ele


cospe. — Você não tem um centavo no seu nome que eu não
lhe dou. Como você vai alimentá-lo? Onde você irá morar? Não
estou apoiando você em jogar sua vida fora. E que tipo de mãe
você seria? Você é uma criança. Olhe para você. Você mal
consegue sair dessa cama.

Mais gentilmente, Mama diz: — Simone... eu sei que você


se importa com este bebê. Mais do que seus próprios desejos
egoístas. Você não está em um momento de sua vida para ter
um filho. Mais tarde, sim, mas agora... você não está pronta
para isso. Não seria o melhor para o bebê. E pense em sua
irmã...

— O que tem ela?

— Serwa nunca terá outra chance de ter um filho.

É a primeira coisa que dizem que me atinge o coração.


Todas as suas palavras até então tinham sido nada além de
poeira que eu planejava afastar. Mas essa declaração... isso me
corta.
Mama me olha com seus olhos azuis gentis.

— Ela já o ama, — diz ela.

— Você deve dar isso a ela, — Tata diz. — Deixe-a criar o


bebê. Deixe-a ficar com uma coisa. Você tem o resto de sua
vida pela frente. Serwa não. Esta é a única chance dela.

De todos os ângulos que eles usaram para me atacar, este


é o que atinge meu ponto mais vulnerável.

Talvez eu pudesse ter resistido às ameaças de renegar ou


ao medo de criar meu filho sozinho, na pobreza.

— Olha, — Mama diz.

Ela levanta o telefone.

Na tela está uma foto de minha irmã sentada em uma


cadeira de balanço, com um pequeno embrulho no colo. Não
consigo ver o rosto do bebê – ele está enrolado em um cobertor
e uma touca de tricô, a cabeça voltada para ela.

Mas posso ver o rosto de Serwa.

Eu a vejo olhando para o meu filho com bondade, amor...


e pura alegria. É o aspecto mais feliz que eu já vi.

E eu estou o mais miserável que já estive.

Naquele momento de fraqueza, ainda suturada e


sangrando do nascimento, a cabeça ainda nadando de
drogas... concordo.
Eu assino os papéis.

Eu entrego meu filho.

E eu caio, caio, e caio em um poço escuro. Uma depressão


tão profunda que acho que nunca mais vou sair dela.

A tristeza dura anos.


9 anos depois

Começamos a Fase 1 de desenvolvimento no South Shore.

Será um projeto de dois bilhões de dólares, distribuído ao


longo dos próximos seis anos, em quatro fases.

A Fase 1 é o imobiliário comercial. A construtora Gallo


está terminando nosso primeiro arranha-céu, exatamente à
beira mar. A parte mais alta do prédio atinge 365 metros de
altura. O que significa que, quando estiver concluído, será o
terceiro edifício mais alto de Chicago.

Aos meus olhos, é o mais lindo. E não apenas porque eu


construí. A forma espiralada é coberta por uma fachada lisa de
vidro, passando por um violeta profundo na base, até um azul
puro e verde-mar no topo. Ou, pelo menos, é assim que ficará
quando estiver totalmente concluído.

No momento, os dez andares superiores são um esqueleto


de aço nu, aberto ao ar e a queda de trezentos e cinco metros
até o solo.
À leste do edifício, você pode ver a extensão plana do lago.
À oeste, a visão é bloqueada por um enorme outdoor no
telhado. As imagens no outdoor giram – agora está mostrando
um anúncio da Coca-Cola com uma garrafa de refrigerante do
tamanho de uma piscina olímpica.

Compramos esse prédio também, então a primeira coisa


que vou fazer é rasgar o outdoor. Assim, terei uma visão clara
do Russell Square Park.

— Aí está você, — diz uma voz feminina.

Eu me viro.

Abigail Green está parada atrás de mim, segurando sua


prancheta e uma caneta. Ela está olhando para mim de sua
maneira usual – maliciosa e sorridente, como se tivéssemos
um segredo.

Nós não temos. Estou usando a Srta. Green para alugar


os escritórios neste prédio porque sua empresa de imóveis
comerciais é a maior e mais prestigiada de Chicago. Eu não
dou a mínima se ela tem 1,55m, loira e com o corpo de uma
estrela pornô – embora eu tenha certeza de que isso a ajudou
a construir sua base de clientes quando ela começou.

Abigail é inteligente. Analisamos todos os números dos


tipos de negócios que desejo no prédio, os prazos ideais de
locação e quanto devemos cobrar. Embora estejamos alguns
meses antes da conclusão, já estamos com 78% da capacidade.
Então ela fez um ótimo trabalho. É a... atenção extra que eu
poderia viver sem.

Ela queria se encontrar aqui hoje, em vez de em seu


escritório. Ela disse que queria ver pessoalmente o prédio,
agora que está quase pronto.

— Então, o que você acha? — Eu pergunto a ela,


acenando com a cabeça do teto ao chão em direção à vista de
parede a parede do lago. Estou bem no limite. Não há nada que
me impeça de pisar para um espaço aberto e vazio.

— É lindo! — Abigail diz. Ela estremece, porém, vendo


como me inclino contra as escoras de metal. — Presumo que
você não tenha medo de altura.

— Não, — eu digo. — Eu não tenho.

Ela se aproxima um pouco mais de mim – embora não


muito perto. Ela morde o lábio, me olhando de cima a baixo.

— Acho que um cara do seu tamanho não tem medo de


muita coisa.

— Não, — eu digo categoricamente. — Mas não tem nada


a ver com tamanho.

O medo se apodera das pessoas que têm algo a perder.

Eu não dou a mínima para muito esses dias. Eu coloquei


todo esse tempo e esforço neste complexo – mas a verdade é
que foi ideia de Nero. Ele quer que os Gallos sejam a família
mais rica de Chicago.
Eu me joguei no trabalho, porque é isso que eu faço. Eu
conduzo esta família. Executo os planos. Eu me certifico de
que tudo corra perfeitamente – sem erros, sem falhas. Eu
mantenho todos seguros, felizes e bem-sucedidos.

E quando termina, eu me sinto exatamente como antes...


vazio.

— Tenho mais dois contratos de aluguel para você


assinar, — diz Abigail.

Atravesso o chão vazio para pegar sua prancheta. Esses


escritórios serão luxuosos e elegantes assim que colocarmos
as janelas, a parede de gesso e o carpete no lugar. Por
enquanto, é uma caixa aberta, com faixas de gesso e poeira
pelo chão, e alguns parafusos espalhados.

Examino os acordos e assino no final.

Abigail fica olhando meu rosto o tempo todo, enquanto


brinca com a pulseira em seu pulso esquerdo.

— Não é sempre que eu olho para cima para um homem,


— diz ela. — Principalmente quando estou de salto.

Ela está com salto alto, meia-calça, uma saia na altura


do joelho com uma fenda de bom gosto nas costas, uma blusa
de seda e brincos que parecem caros. Posso sentir seu perfume
floral e o cheiro ligeiramente ceroso de seu batom vermelho.
Ela está muito perto de mim.

Não há nada de feio em Abigail.


Pelo menos não para uma pessoa normal.

O problema é que tenho uma definição limitada e


específica do que considero atraente. Foi formado há muito
tempo e não mudou desde então. Abigail não se encaixa nisso.
Quase ninguém o faz.

Devolvo a prancheta para ela. Abigail a pega, mas ela não


se move de onde está. Ela segue seu dedo indicador, com sua
unha vermelha perfeitamente bem cuidada, pela parte externa
do meu braço. Então agarra levemente meu bíceps.

— Esse é o tipo de músculo que você ganha balançando


um martelo? — Ela ronrona. — Ou você treina de alguma outra
maneira...

É óbvio o que Abigail quer.

Eu poderia dar a ela – já fiz isso antes, muitas vezes, com


outras mulheres. Eu poderia virá-la, puxar sua saia, rasgar
sua meia-calça, curvá-la e fodê-la até explodir. Tudo acabaria
em cinco minutos e encerraria este joguinho.

Se eu tivesse vontade, eu faria. Mas não sinto isso hoje.


Eu sinto menos do que nada.

Então, eu ignoro seu comentário.

— Obrigado por trazer aqueles papéis. Vou acompanhá-


la de volta ao elevador.

Abigail franze a testa, seriamente irritada. — Eu não


entendo você, — ela diz. — Você não é casado. Tenho certeza
de que você não é gay...

— Eu acho que você nunca encontrou ‘não interessado’


antes, — eu digo.

— Não, eu não encontrei, — Abigail diz, descarada. — Eu


não acho que já fui rejeitada por um homem. O que foi – você
não gosta de mulheres bem-sucedidas?

— Se eu não gostasse, não teria contratado você, — digo.

— O que então?

Agora sou eu quem está irritado. Eu pago Abigail para


encontrar inquilinos para meus prédios, não para me
interrogar. Franzo a testa e dou um passo em direção a ela. Ela
tropeça para trás em seus saltos altos, sua expressão se
transformando em medo.

— Não é da porra da sua conta, — eu rosno.

— D-desculpe, — ela gagueja.

Ela deixa cair a caneta, se abaixa para pegá-la e depois


coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha sem me olhar nos
olhos.

— Vou escanear isso e enviar uma cópia por e-mail para


você, — ela murmura.

— Obrigado.

Abigail corre de volta para os elevadores. Eu fico


exatamente onde estou.
Depois que ela sai, volto para a janela novamente. Ou,
pelo menos, o local onde ficarão as janelas, eventualmente.

Estou parado no lado oeste do prédio, olhando para


aquele outdoor.

A imagem vira novamente. Agora, em vez de refrigerante,


está exibindo um anúncio de perfume de vinte metros de
comprimento. É o rosto de uma mulher, em close-up extremo
– o rosto mais famoso do mundo.

Olhos largos, ligeiramente inclinados para cima nas


bordas externas, marrom-mel com anéis escuros ao redor da
íris. Cílios grossos e pretos e sobrancelhas retas e escuras.
Bochechas lisas como bronze polido. Rosto quadrado, queixo
delicado, boca carnuda. Esses lindos lábios estão curvados em
um sorriso. Mas os olhos estão tristes... terrivelmente triste.

Ou pelo menos é o que eles parecem para mim.

Mas o que eu sei?

Ela é provavelmente a pessoa mais feliz do mundo – por


que não seria? Ela é uma supermodelo de merda. Rica, bem-
sucedida, famosa, viajando pelo mundo, fazendo amizade com
celebridades... o que ela poderia estar perdendo?

Sou eu quem me sinto miserável.

Eu fico olhando para aquele rosto por um longo tempo,


mesmo que cada momento pareça pura tortura. Parece um
torno apertando meu peito, apertando e apertando até que
meu esterno está prestes a quebrar.

Então, finalmente, a imagem vira para a Coca-Cola


novamente.

Eu me afasto, o rosto ainda em chamas.


— Simone, coloque a mão direita em seu quadril. Um
pouco mais abaixo. Sim, isso é perfeito. Ivory, incline o queixo
um pouco para cima... é isso, perfeito. Alguém mexa naquele
ventilador – quero a saia soprando para o outro lado. Não, para
o outro outro lado! Bom. Agora incline esse refletor...

A câmera clica novamente e novamente. A cada clique,


mudo levemente minha posição. Primeiro olhando diretamente
para as lentes, depois para o chão e por cima do ombro direito.
Então eu mudo meu peso para o meu quadril oposto, então eu
me inclino contra Ivory, então descanso meu braço em seu
ombro.

Eu me movo pelas posições automaticamente, sem nem


mesmo pensar. Sempre mantenho o rosto iluminado e lembro-
me de manter o casaco aberto como Hugo queria.

Estamos fotografando uma campanha para Prada. É a


minha terceira este ano. Eles sempre me colocam com Ivory,
porque fazemos um ótimo contraste uma com a outra – ela tão
clara e eu tão escura. Hugo canta aquela velha canção “Ebony
and Ivory” para nós quando está com um humor brincalhão.

Ele não está hoje. Estamos fotografando nas dunas de


areia em Algodones e tem sido um desastre desde o início.
Primeiro estava ventando. A areia estava soprando em nossos
olhos e dentes e fodendo com o cabelo de Ivory. Seu cabelo é
fino como algodão doce e branco como uma nuvem.

Ivory não é apenas loira – ela é albina. Sua pele é puro


leite e seus olhos são da cor violeta, mais vermelhos do que
azuis na luz certa. Claro, isso significa que ela tem que passar
protetor solar para fotografar ao ar livre assim, e a luz direta
do sol é assassina em seus olhos. Quando fizemos o primeiro
conjunto de roupas com os grandes e retrô óculos de sol Duple,
ela estava bem. Mas agora que ela mudou para um vestido
longo e esvoaçante e sem sombras, seus olhos estão
lacrimejando e ela não consegue parar de piscar. Não ajuda
que Hugo tenha aquele maldito refletor apontado diretamente
para o rosto dela.

O pior de tudo foi a girafa. Hugo teve a brilhante ideia de


que deveríamos fotografar com animais de verdade – primeiro
um avestruz, depois uma girafa-masai emprestada do
zoológico. O treinador veio para se certificar de que ela se
comportaria. Mas a girafa não gostou nem um pouco dos gritos
de Hugo, ou dos flashes dos lightsboxes30. Ela acabou
galopando, um casco enorme do tamanho de um prato quase

30 Um equipamento que consiste em uma lâmpada sobre um tripé, a lâmpada é envolta por uma caixa
com um tecido que deixa a luz transparecer de forma mais suave. Pode funcionar como uma fonte de
luz ou um modificador de iluminação, já que traz um efeito diferente à imagem.
acertou o rosto de Ivory. Depois disso, ela não quis mais ficar
perto dos animais. Demorou mais de uma hora para o
treinador pegar a girafa de volta, perseguindo-a em nosso
carrinho de dunas.

De qualquer forma, estamos atrasados agora. Hugo


decidiu que é melhor passarmos por algumas roupas apenas
com Ivory e eu e as dunas de areia antes de ficarmos sem luz.

— Levante essa bolsa, Simone, — diz Hugo. — Não, não


tão alto – isto não é The Price is Right31. Faça isso casual.
Natural.

Não há nada natural em me contorcer na posição perfeita


para mostrar a jaqueta e a bolsa do jeito que Hugo quer, mas
eu nem me preocupo em revirar os olhos para ele. Eu gostaria
de encerrar isso também.

— Tudo bem, — diz Hugo, uma vez que ele tem algumas
centenas de imagens deste conjunto. — Quem vai segurar
minha cobra?

— Eu realmente espero que isso não seja um eufemismo,


— Ivory diz, franzindo o nariz.

— Haha muito engraçado. — Hugo funga. Ele é baixo e


magro, tem cavanhaque grisalho, nariz comprido e uma queda
por bonés de beisebol. Ivory diz que é porque ele está ficando
careca e não quer que ninguém saiba.

31 Um programa de televisão americano. O programa envolve participantes competindo para


identificar corretamente o preço de itens comuns para ganhar dinheiro e prêmios.
Ele abre um grande baú com orifícios de ar suspeitos na
lateral.

— Quero dizer uma cobra de verdade. Uma píton


birmanesa, para ser exato. Por que você não a envolve em volta
do pescoço, Ivory – ela também é albina. Vocês duas devem se
dar bem perfeitamente.

— Porra, não — Ivory diz, dando um passo para trás. É


difícil dizer, mas acho que ela ficou três tons mais pálida ao
ver Hugo tirando a enorme cobra da caixa.

A coisa deve ter 3,6 metros de comprimento. Parece


pesada pela maneira como Hugo está lutando para erguê-la.

— Deixe-me ajudar, — diz o treinador, agarrando a


metade inferior da cobra. O treinador ainda parece suado e
sujo de sua travessura na areia para recuperar a girafa.

A cobra se agita no início, então se anima quando percebe


que está ao ar livre.

É muito linda – de cor creme com manchas amarelas. Isso


me lembra um pouco de pipoca com manteiga. Sua pele parece
lisa e seca.

— Eu farei isso, — eu digo.

— Tudo bem, mude para a saia branca da pradaria, — diz


Hugo. Ele não está falando comigo – ele está instruindo
Danielle, a especialista em vestuário. Ela corre para pegar a
saia em questão e um par de sandálias diferentes. Ela me
ajuda a tirar minha roupa atual para que eu possa me trocar.
Eu faço isso abertamente, tirando a roupa para uma tanga cor
nude. Ninguém presta atenção na minha nudez. A nudez é tão
comum quanto cigarro eletrônico e postagens no Instagram no
mundo da moda.

— Qual top? — Danielle pergunta.

— Nenhum, — diz Hugo. — Você não se importa, não é


Simone?

Eu balanço minha cabeça. Eu não dou a mínima para


fazer topless.

Hugo envolve a cobra em meus ombros. É realmente


pesada – mais de quarenta e cinco quilos, eu acho. O treinador
ajuda a apoiar a cauda enquanto me posiciono entre duas
dunas de areia.

A cauda da cobra pende sobre meu peito nu. Seu corpo


passa pelos meus ombros e desce pelo braço esquerdo. Ela está
enrolada no meu antebraço, com a cabeça apoiada na minha
palma aberta. Cubro meu outro seio com a mão livre.

— Oh, isso é perfeito, — diz Hugo. — Ok, fique firme


assim... tudo bem, agora vire um pouco para a esquerda e olhe
por cima do ombro para mim. Isso. Estenda esse braço e veja
se a cobra vai olhar bem para você...

A carreira de modelo pode ser muito tranquila. Você se


torna quase uma estátua humana, articulável e móvel, mas
não sentindo muito. Você sabe que está fazendo algo lindo. É
sempre divertido ver as imagens mais tarde, após recortar e
editar. Você consegue ver o que você era naquele dia – uma
deusa. Um anjo. Uma diva. Uma garota festeira. Uma CEO.
Uma exploradora...

Mas o verdadeiro motivo pelo qual comecei a modelar foi


por dinheiro. Depois da minha explosão com meus pais,
percebi o quanto eles me possuíam. Sem dinheiro, você não
tem independência. Então, aceitei o primeiro emprego que
encontrei e que me daria essa liberdade.

Comecei desfilando em Paris. Eu fui apenas uma das


centenas de modelos que voaram para a Fashion Week. Eu
desfilei para cima e para baixo como um cabide ambulante por
horas a fio, passando por dezenas de roupas. Então comecei a
agendar trabalhos comerciais também. No início, apenas
pequenas campanhas para marcas de xampu e náilon,
ganhando algumas centenas de dólares por vez.

Um ano depois, consegui meu primeiro grande emprego –


a capa da Sports Illustrated 's Swimsuit Edition32.
Tecnicamente, eu não estava usando maiô - apenas um monte
de pintura corporal estrategicamente colocada, no formato de
um biquíni com estampa de guepardo. Depois disso, eles
começaram a me chamar de The Body33.

Suponho que devo agradecer a Henry por esse apelido.


Meu corpo nunca mais voltou a ser como era depois que ele

32 Uma das principais revistas esportivas dos Estado Unidos. Edição de traje de banho.
33 O Corpo.
nasceu. Fiquei magra de novo, mas meus seios e quadris
estavam mais cheios do que antes. E isso coincidiu com o fim
de uma era na modelagem. A heroína chique34 estava fora, a
bunda J.Lo35 entrou. Todo mundo queria curvas, curvas,
curvas. E lá estava eu – fazendo parte da nova onda de
supermodelos sexy. Kate Upton, Charlotte McKinney, Chrissy
Teigan, Emily Ratajkowski e Simone Solomon... mais uma
Kardashian ou duas.

Todo mundo queria aquele visual exótico, etnicamente


ambíguo, e aquela figura de ampulheta de “mulher de
verdade”. Não sei o quão “de verdade” qualquer uma de nós
era, mas o dinheiro que ganhamos era sólido o suficiente.

O trabalho fluiu rápido. Mais empregos do que eu poderia


dar conta. Eu voei para todos os cantos do mundo.

Isso ajudou a me manter ocupada e a manter minha


mente longe do quão miserável eu estava.

Tentei não pensar em Dante – como eu fui embora e como


menti para ele. Menti por omissão. A maior omissão que existe.

Mas não me esqueci do meu filho.

Entre cada trabalho, voei de volta a Londres para vê-lo.


Deixei Serwa criar Henry – mas ele ainda era meu, no meu
coração. Eu o segurei, brinquei com ele, o alimentei. E meu

34 Era um visual popularizado na moda no início dos anos 1990, caracterizado por pele pálida,
olheiras, um corpo muito magro, batom vermelho escuro, cabelo pegajoso e uma estrutura óssea
angular.
35 Jennifer Lopez.
coração sangrava de novo toda vez que o devolvia para minha
irmã.

Serwa também o amava – eu podia ver isso. Ela centrou


seu mundo ao redor dele. Largou o emprego no Barclays,
passou o dia todo levando-o ao parque, ao rio, ao Eye.

Meus pais estavam financiando isso. Eles estavam


pagando bem para ela criar o bebê, mas não a mim.

Eu estava amargurada. Pra caralho.

Economizei cada centavo que ganhei como modelo. Eu


planejava levar Henry de volta, quando eu tivesse o suficiente.

Mas Serwa também era tão apegada a ele.

E ela estava doente. Depois de um ou dois anos de


recuperação, ela começou a ficar mais fraca novamente. Achei
que se tirasse meu filho dela, isso a mataria.

Então, nós o compartilhamos. Ela cuidou dele enquanto


eu estava trabalhando e ele era meu quando voltava para casa.
Ele nos chamou de mamãe quando começou a falar.

Não era um sistema terrível. Na verdade, funcionou


surpreendentemente bem. Eu senti tanto a falta de ambos
quando fui embora. Mas os anos de modelo são curtos – é uma
indústria da juventude. Eu tinha que trabalhar enquanto
podia. E eu economizei, economizei, e economizei o dinheiro.

Serwa e eu estávamos mais próximas do que nunca. Eu


não falei com meus pais. Eu os cortei quando levaram meu
bebê sem nem mesmo pedir. Disse à Serwa para garantir que
eles nunca me visitassem quando eu estivesse em casa. Ela
teve o cuidado de manter essa promessa – mantê-los separados
de mim.

Eu os deixei visitar Henry quando eu não estava em casa.


Ele tinha tão pouca família, eu não queria negar a ele seus
avós. Quando eu chegava em casa, ele me contava tudo sobre
como a vovó o ensinou a fazer crepes e o vovô deu a ele um
cubo de Rubik.

Meus pais tentaram fazer as pazes muitas vezes. Eu não


respondia suas ligações ou cartas.

Até a morte de Serwa. Ela faleceu há três anos. Com


apenas trinta e quatro anos.

Estávamos todos juntos no hospital. Foi a primeira vez


que vi meus pais em anos. Minha mãe parecia mais velha. Meu
pai parecia quase exatamente o mesmo – apenas alguns fios
cinzentos em seu cabelo curto.

Olhei para os dois e senti esse ódio crescer dentro de mim.


Eu estava com tanta raiva deles. A raiva não havia
desaparecido. Na verdade, estava mais forte. Eu os vi parados
ali com meu filho entre eles e tive vontade de arrancar Henry
deles, como se eles tentassem arrancá-lo de mim, e nunca mais
deixá-los vê-lo novamente.

Mas engoli, porque estávamos lá por Serwa, não por mim.


Sentamos e conversamos com ela, e dissemos que tudo ia ficar
bem, que ela iria se recuperar novamente, como sempre fez
antes. Ela estava em uma lista restrita para um transplante de
pulmão. Achamos que isso resolveria tudo.

Em vez disso, ela morreu naquela noite.

Quando o médico nos contou, meu pai começou a chorar.


Eu nunca o tinha visto chorar antes, nunca em minha vida.
Ele me agarrou, puxou-me para seus braços e soluçou: —
Simone, me perdoe. Você é tudo que nos resta.

Eu me senti tão sozinha sem Serwa. Eu queria minha


mãe e meu pai de volta tanto quanto eles me queriam. Abracei
Tata e minha mãe nos abraçou, e todos choramos juntos.

Não sei se os perdoei, no entanto. Eu nunca respondi


sobre isso.

E mesmo agora, três anos depois, não tenho certeza se


perdoei.

Nós nos vemos com frequência. Visto de fora, parecemos


com a mesma família unida que costumávamos ser – sem
Serwa e com a adição de Henry.

Mas é claro, o que você vê de fora nunca conta a história


de uma família. É uma maçã vermelha madura. Quando você
a corta, pode haver algo dentro. Polpa fresca e saudável... ou
podridão e vermes.

Henry mora comigo agora, em tempo integral. Posso


pagar uma babá/tutora para ele. O nome dela é Carly. Nós três
viajamos por todo o mundo juntos.

As revistas escreveram que eu adotei meu sobrinho. Eu


não os corrigi. Não falo sobre meu filho publicamente, nunca.
Não permito fotos dele. Foi minha escolha colocar meu rosto
em outdoors e revistas. Eu o mantenho escondido o melhor
que posso, para que um dia ele possa escolher por si mesmo
se deseja uma vida pública ou privada.

Além disso, estou com medo...

Com medo do que poderia acontecer se Dante alguma vez


visse uma foto de Henry.

Porque quando examino o rosto de Henry, vejo minhas


feições... mas também vejo Dante.

Eu roubei seu filho dele.

Meu pior medo é que um dia ele possa roubá-lo de volta.

A sessão acabou. Hugo colocou cuidadosamente a cobra


de volta em seu ninho dentro do baú. Ivory está balançando a
cabeça para mim.

— Não me abrace depois de tocar naquela coisa, — ela


diz.
Eu sorrio para ela. — Mas você fica tão adorável nesse
suéter. Tão fofinha e aconchegante...

— Nem pense nisso!

— Você vai, pelo menos, compartilhar um carro de volta


para a cidade comigo?

— Sim, — diz ela altivamente. — Isso seria aceitável.

Ivory e eu somos amigas há quatro anos. É difícil ficar


perto de alguém no mundo da modelagem – todos nós viajamos
muito. Mas você tende a trabalhar com as mesmas pessoas ao
longo do tempo, já que certos fotógrafos ou agentes de talentos
te recomendam para empregos.

Provavelmente sou a única pessoa que sabe que o nome


verdadeiro de Ivory é Jennifer Parker, e ela não cresceu na
França, como gosta de dizer às pessoas. Na verdade, ela é
canadense – de uma pequena cidade em Quebec chamada
Mille-Isles.

Ivory diz que precisa criar um mistério em torno de si


mesma. — Ninguém jamais daria a mínima sobre Marilyn
Monroe se ela continuasse se chamando Norma-Jean.

Eu entendo sobre segredos.

Eu entendo que a verdade pode ser tão dolorosa, que é


muito mais fácil viver uma vida de faz-de-conta, onde
quaisquer perguntas que as pessoas façam não podem te
machucar de forma alguma, porque são todas apenas parte da
narrativa. É tão fácil falar sobre você quando nada do que você
diz é real.

É assim que faço entrevistas.

— Qual é a sua cor favorita?

— Vermelho.

— Qual sua comida favorita?

— Massa.

— Com quem você mais gostaria de almoçar?

— Chris Evans, é claro.

É tudo bobagem. Os entrevistadores não se importam


com o que eu digo. Nem as pessoas que leem revistas
sofisticadas. Simone, a supermodelo, é apenas uma
personagem. Ela é “The Body”. Ninguém se importa se eu
tenho cérebro.

Ivory e eu dividimos um táxi de volta para o centro da


cidade. Ela me deixa no Ritz-Carlton.

Pego o elevador direto para o meu quarto. Assim que ele


ouve minha chave na fechadura, Henry se aproxima da porta.
Ele tenta me assustar, mas não adianta porque eu já estava
procurando por ele assim que abri a porta.

— Ei, você, — eu digo, envolvendo meus braços em volta


dele e puxando-o contra meu peito.
Henry é tão alto. Ele tem apenas nove anos e já está no
meu ombro. Tenho que comprar roupas para ele do tamanho
12 ao 14 e, mesmo assim, a cintura é folgada enquanto as
calças mal são compridas o suficiente.

— Hoje tirei fotos com uma cobra. Você quer ver? — Eu


mostro a ele as fotos que tirei no meu telefone.

— É uma píton birmanesa! — Ele diz. — Você sabia que


elas podem crescer até seis metros?

— Felizmente, essa aqui não era tão grande.

— Elas têm dois pulmões. A maioria das cobras tem


apenas um.

Henry adora ler. Ele se lembra de tudo que lê e de tudo


que assiste na TV. Tive que reduzir seu tempo no YouTube,
porque ele estava seguindo sua curiosidade em todos os tipos
de buracos de coelho – alguns que eu não gostaria que ele
aprendesse, nem mesmo daqui a cinco ou seis anos.

Ele tem braços e pernas compridos agora, e seu rosto está


inclinado para fora. É difícil ver o menino gordinho que ele
costumava ser. Porém, algumas coisas são iguais – ele ainda é
um gigante gentil, prestativo, bondoso e cuidadoso com os
sentimentos dos outros.

— O que devemos fazer esta noite? — Pergunto-lhe.

— Não sei.

— Você terminou todas as suas tarefas escolares?


— Sim.

— Deixe-me ver.

Ele me leva até a pequena mesa do hotel, onde estava com


seus papéis e livros espalhados. Ele me mostra os capítulos
que estava lendo com sua tutora.

Às vezes, quando sei que ficaremos no mesmo lugar por


um tempo, matriculo Henry em uma das escolas
internacionais, apenas para que ele possa vivenciar as salas de
aula e os amigos de uma maneira um tanto normal. Ele parece
gostar quando está lá. Mas ele parece gostar de qualquer lugar
aonde vamos. Ele é tão tranquilo que nunca poderei ter certeza
se ele é realmente feliz ou se isso é tudo que ele conhece.

Tenho muito dinheiro economizado agora. O suficiente


para que eu pudesse parar de trabalhar ou desacelerar. Nós
poderíamos viver em quase qualquer lugar.

A questão é: onde?

Já estive em todas as cidades do mundo, parece. Mas em


nenhuma delas estou em casa.

Mais recentemente, meus pais moravam em DC. Depois


que Serwa morreu, meu pai se lançou no trabalho
humanitário. Ele está negociando uma grande coalizão
internacional de combate ao tráfico. Na verdade, ele está
fazendo uma blitz na mídia por todo o país agora.

Bem, fale do diabo.


Meu telefone vibra com o número do meu pai.

— Espere, — eu digo a Henry.

Eu atendo a chamada.

— Simone, — meu pai diz, sua voz profunda e suave


cortando as ondas de rádio entre nós, como se ele estivesse na
mesma sala comigo. — Como foi sua sessão de fotos hoje?

— Boa. Acho que eles conseguiram tudo o que queriam,


então esse foi provavelmente o último dia.

— Excelente. E o que você reservou a seguir?

— Bem... — meu estômago dá um pequeno nó. Mesmo


depois de todo esse tempo. — Na verdade, devo fazer uma
sessão de fotos para Balenciaga na próxima semana.

— Em Chicago?

Eu faço uma pausa. — Sim.

— Isso é o que sua assistente disse. Fico feliz em ouvir


isso, porque sua mãe e eu estaremos lá ao mesmo tempo.

— Oh, ótimo, — eu digo fracamente.

Eu já estava com medo de voltar para Chicago. Não vou


lá há quase uma década. A ideia de me encontrar com meus
pais lá... não me emociona exatamente. Muitas memórias
antigas surgiram.

— Estou fazendo um comício, — diz Tata. — Em apoio à


Freedom Foundation. O prefeito de Chicago falará, assim como
um dos vereadores da cidade. Eu gostaria que você estivesse
lá.

Eu me inquieto no lugar, mudando de um pé para o outro.


— Eu não sei, Tata... não sou muito politizada...

— É uma boa causa, pequena. Você poderia dar seu apoio


a algo significativo...

Existe aquela nota de desaprovação novamente. Ele não


acha que minha carreira seja significativa. Sou uma das
modelos mais bem pagas do mundo, e ele ainda vê isso como
um passatempo frívolo.

— Sente-se no pódio comigo. Você não precisa falar. Você


pode fazer isso, não pode? — Meu pai diz em seu tom mais
razoável. É enquadrado como um pedido, mas sei que ele
espera que eu diga sim. Eu ergo contra essa pressão. Estou
sozinha há muito tempo. Na verdade, não tenho que fazer o
que ele diz.

Mas, ao mesmo tempo, meus pais são tudo o que tenho


agora que Serwa se foi. Além de Henry, é claro. Não quero
derrubar a trégua entre nós. Não por algo tão mesquinho como
isso.

Chicago é uma cidade grande. Posso ir para lá sem


encontrar Dante.

— Tudo bem, Tata, — eu me ouço dizer. — Eu irei ao seu


comício.
Depois que desligo, pego meu telefone e encontro a foto
de Dante que salvei todos esses anos. Tento não olhar para ele,
porque ele parece tão feroz e zangado. Como se ele estivesse
olhando para minha alma e não gostasse do que vê.

Estou viciada. Às vezes resisto por meses. Mas eu sempre


volto a isso. Nunca tive força para apagá-la.

Eu olho para seus olhos negros. Essa mandíbula feroz.


As linhas firmes de sua boca.

A dor que sinto é mais forte do que nunca.

Eu desligo meu telefone e o empurro para longe de mim.


Eu dirijo para a firma de advocacia de Riona para deixar
os documentos que ela precisa para a nossa nova linha de
crédito do negócio. Riona é a filha mais velha dos Griffins. A
família dela e a minha fizeram parceria para o desenvolvimento
de South Shore. Ela está lidando com os aspectos legais de
nossa nova entidade comercial conjunta.

Não é o tipo de advocacia que ela costuma exercer. Na


verdade, ela começou como advogada de defesa, mantendo os
soldados dos Griffin longe de problemas enquanto eles lidavam
com alguns dos aspectos menos saborosos dos negócios da
máfia irlandesa.

Ela me tirou de maus lençóis quando fui preso por uma


acusação de assassinato idiota.

Foi muito irônico, ficar preso na Cadeia do Condado de


Cook por um crime que não cometi. Depois de todas as coisas
que me safei ao longo dos anos... eu não esperava ser acusado
de atirar em um ninguém medíocre.

De qualquer forma, Riona me ajudou, e não esqueci. Eu


devo um favor a ela. Alguns favores, provavelmente.

O irmão dela é casado com minha irmãzinha, então já


éramos parentes. Agora nos tornamos amigos. Eu a encontro
para almoçar às vezes, quando estou perto de seu escritório. E
de vez em quando, quando ela está realmente chateada com
alguma coisa, saímos para correr juntos. Ela precisa disso – de
modo geral, Riona é mais vulnerável do que um relógio de dois
dólares.

Hoje não é diferente. Ela sai apressada de seu escritório


com dois pontos brilhantes de cor em suas bochechas em um
rosto pálido. Ela está com o cabelo ruivo puxado para trás em
um coque elegante e está usando sua roupa típica de
advogada, um terninho azul marinho escuro e uma blusa de
seda creme.

— Ei! — Ela diz quando me vê. — Estou pegando um café


na cafeteria lá embaixo – você quer vir?

— Claro, — eu digo. — Eu trouxe isso.

Eu entrego a ela os documentos.

— Oh, obrigada, — diz Riona, examinando-os


rapidamente para ter certeza de que não esqueci de nada. Isso
não me ofende – sei que é a maneira dela verificar tudo duas
vezes, porque não confia em ninguém tão meticuloso quanto
ela. — Vou deixá-los no meu escritório primeiro.

Eu a sigo pelo corredor até seu escritório privado. Já


estive aqui algumas vezes antes. Parece mais uma sala de estar
chique de Manhattan do que um escritório – paredes cor de
estanho, gravuras de arte moderna, alguma escultura
estranha que parece um modelo solar. Quer dizer, é super
estiloso, mas é frio e intenso, um pouco como a própria Riona.

Ela coloca os documentos em sua mesa. Percebo que ela


alinha a borda da pasta com o canto da mesa, embora vá movê-
la novamente assim que voltar.

— Você conseguiu esses contratos de aluguel de Abigail


Green? — Ela me pergunta.

— Sim.

Riona me dá uma olhada rápida. — Ela é muito...


persistente, não é?

— Ela é boa em seu trabalho, — eu digo brevemente.

— Aposto que ela é boa em muitas coisas... — Riona diz,


virando seus olhos verdes frios para mim.

— Eu não estou transando com ela, — eu resmungo.

— Isso é muito ruim, — diz Riona. — Eu provavelmente


poderia ter feito ela diminuir sua comissão por um ponto.

— Não. Você apenas terá que usar seus truques habituais


de advogada – um ataque implacável de argumentos até que
você a derrube até a submissão.

Riona sorri. — Você me conhece tão bem.

— Eu acredito que sim. Porque eu posso dizer que você


saiu daquela reunião fervendo.

— Oh, isso, — Riona franze a testa. — É neste caso que


estou trabalhando – o outro advogado entrou com um monte
de moções de merda. Ele está tentando me irritar para que
desista.

Ele desafiadoramente não conhece Riona, então.

— Você quer que eu o mate para você? — Eu digo.

Riona bufa. — Se ele continuar me irritando, então


talvez... e, a propósito, obrigada por não colocar isso em uma
mensagem de texto desta vez.

— Nenhum rastro de papel. Estou aprendendo, — digo,


batendo na têmpora com o dedo indicador. — Eu posso ver
você obtendo seus registros telefônicos intimados para algum
caso. Em seguida, eles a puxam para cima e dizem: ‘Srta.
Griffin, pode ler para o tribunal sua conversa de 28 de
setembro com o Sr. Gallo?’

Riona ri, jogando junto. — Bem juiz, ele disse, ‘Você quer
que eu o mate para você?’, E eu disse, ‘Sim, por favor – devagar,
com uma picareta.’ Mas foi tudo brincadeira, meritíssimo. O
fato de que ele escorregou e caiu em uma picareta naquela
noite foi completamente coincidência...

Nós descemos para o café no andar térreo de seu prédio.


É um espaço limpo e luminoso, com folhados frescos entregue
três vezes ao dia. Eles recebem os pedidos em minutos – uma
necessidade absoluta para todos os advogados em serviço. A
empresa de Riona divide o prédio com vários outros grupos
jurídicos, então todos aqui parecem ocupados, mal-
humorados e prontos para entrar com um pedido de liminar se
não derem a quantidade certa de espuma no café com leite.

Peço um sanduíche e Riona um café com croissant.


Quando tento pagar os dois pedidos, ela me corta com o cartão
de crédito pronto.

— Eu tenho que cuidar de você, — diz ela com


naturalidade, — porque estou tentando bajulá-lo.

— Isso não parece bom.

— Não é nada terrível...

— Eu aposto.

Eu a sigo até a mesa aberta mais próxima. Ela se senta


na minha frente, cruzando as mãos na frente dela de um jeito
que eu sei que significa que ela está prestes a fazer sua
apresentação.

— Meu irmão está discursando em um comício, — diz


Riona. — É para a Freedom Foundation. Eu quero que você
cuide da segurança do evento. Você estaria trabalhando com a
equipe do prefeito.

— Ok... — Eu digo, me perguntando qual é o favor,


exatamente. — Não sou nenhum tipo de especialista em
segurança...

— Eu sei, — diz Riona. — Eu só quero alguém da nossa


própria família lá. A equipe que eles contrataram vai ter como
foco o prefeito, principalmente, e também o palestrante. Quero
alguém de olho em Callum.

Callum é seu irmão mais velho, casado com Aida. Tenho


quase tanta motivação para mantê-lo seguro quanto Riona. É
por isso que ainda estou esperando o inevitável.

O cafeteiro vem com o croissant de Riona e meu


sanduíche. Dou uma grande mordida no meu BLT. Riona deixa
sua comida intocada, querendo terminar nossa conversa antes
de comer.

— É no sábado, — ela diz. — Você estaria fiscalizando a


preparação e supervisionando o evento. O prefeito quer ter
certeza de que tomamos cuidado, porque o palestrante recebeu
várias ameaças de morte nos últimos meses.

— Quem é esse? — Eu pergunto sem rodeios.

Riona não rodeia o arbusto. — Yafeu Solomon, — diz ela.

Larguei meu sanduíche. — Não acho que seja uma boa


ideia.

— Você não precisa falar com ele, — diz Riona. — Ele


provavelmente nem vai ver você.

Riona está ciente de minhas interações anteriores com a


família Solomon. Além dos meus irmãos, ela é uma das únicas
pessoas que sabe.

Fico em silêncio, pensando.


Se fosse qualquer outra pessoa me pedindo, eu
simplesmente diria não. Não tenho interesse em ficar perto de
Yafeu Solomon, e principalmente em protegê-lo. Na verdade, se
eu visse algum assassino atacando-o com uma faca, ficaria
tentado a simplesmente me afastar.

Mas devo um favor à Riona.

É por isso que ela está pedindo. Um bom advogado nunca


faz um pedido sem saber a resposta.

Eu suspiro. — Quem devo contatar do gabinete do


prefeito?

Riona se permite sorrir, apenas por um segundo,


satisfeita por ter me amarrado com sucesso.

— O nome dele é John Peterson, — ela diz, mandando


uma mensagem com o número dele. — Ele já está esperando
sua ligação.

Quase tenho vontade de rir. — Claro que ele está.

— Você sabe que gosto de ter minhas coisas alinhadas,


— diz Riona. Ela checa o relógio. — É melhor eu voltar lá para
cima.

— Você não comeu.

— Vou levá-lo comigo.

Ela pega o croissant em um guardanapo, mantendo os


dedos limpos, então toma um gole rápido de seu café.
— Obrigada, Dante, — ela diz.

— Quantos favores a mais eu devo a você até estarmos


quites?

Ela ri. — Eu não sei – quanto vale vinte e cinco anos de


vida?

— Acho que pelo menos mais um ou dois.

Ela me dá um pequeno aceno e volta em direção aos


elevadores.

Eu fico parado para terminar meu sanduíche. Não faz


sentido desperdiçar boa comida.
Dirigir em torno do centro de Chicago coloca meus nervos
no limite.

Não sei se a cidade mudou ou se minhas memórias estão


apagadas. Em minha mente, a cidade tinha uma espécie de
brilho dourado de fim de tarde – todos os vidros dos prédios
altos iluminados como um pôr do sol. Lembrei-me do lago e do
rio, limpos e azuis, e da linda arquitetura Art Déco no meio.

Agora, várias lojas de luxo ao longo da Magnificent Mile


foram fechadas com tábuas, provavelmente por causa dos
distúrbios e protestos durante o verão, e a cidade inteira
parece mais sombria e suja do que eu me lembrava.

Mas essa é provavelmente a diferença em minha própria


cabeça.

Eu estava apaixonada da última vez que estive aqui. Tudo


parecia lindo para mim então. Não notei as partes feias.

Agora que estou mais velha, vejo as coisas de forma


realista.
— O que há de errado, mãe? — Henry me pergunta. Ele
está sentado ao meu lado no táxi, lendo um dos livros de Diary
of a Wimpy Kid36. Ele os leu uma dúzia de vezes, mas gosta de
olhar seus favoritos novamente e me mostrar os melhores
quadros de desenhos.

— Nada, — eu digo. — Por que algo estaria errado?

— Seu rosto parece bravo.

— Não, não estou brava.

— Você está triste?

— Talvez um pouco cansada, baby.

— Eu estava cansado no avião. Então, fui dormir um


pouco.

— Eu deveria ter feito isso também.

Eu puxo Henry contra meu ombro e descanso meu queixo


no topo de sua cabeça. Seus cachos são tão macios. Ele é um
menino lindo – olhos grandes e escuros. Cílios que qualquer
garota invejaria. Um rosto comprido e estreito. Suas mãos e
pés já são tão grandes quanto os meus, e ainda estão
crescendo. Como um cachorrinho, isso apenas mostra o quão
alto ele será quando crescer.

— Quando vamos ver a vovó e o vovô?

36 Diário de um Banana.
— Agora mesmo. Vamos encontrá-los para jantar.

— Bom. Posso mostrar meu livro a eles.

Enquanto dirigimos, passamos pelo hotel The Drake. Não


reservei meu quarto lá, por razões óbvias. Mas não há como
evitar os lugares que vi na minha primeira estada em Chicago.

Posso ver exatamente o local onde o carro com motorista


estava estacionado quando eu estava soluçando na parte de
trás e Dante abriu a porta do lado do motorista e entrou.

É engraçado pensar como chorei por causa de Parsons.


Quão infantil da minha parte. Meu maior problema na época
era não frequentar a escola que eu queria. Eu não tinha ideia
de como as coisas estavam prestes a ficar piores.

Perdi o amor da minha vida.

Eu perdi meu filho.

Então eu perdi minha irmã.

Pelo menos consegui Henry de volta. O resto é como


poeira ao vento... espalhados longe demais para pegá-lo
novamente.

O táxi para em frente ao restaurante. Eu pago o motorista


enquanto Henry pula para a calçada, ansioso para ver meus
pais. Ele os ama. E eles o adoram. Meu pai leva Henry ao
zoológico e o ensina a fazer arroz jollof. Minha mãe joga
cribbage37 com ele e mostra como pintar com aquarela.

Eu aprecio o relacionamento deles com meu filho. Eu


realmente aprecio. Mas se eu alguma vez os vir tentando
destruir o sonho dele como fizeram com o meu... Eu os
arrancaria de nossas vidas sem um momento de hesitação.
Nunca vou deixar meu filho se submeter à vontade de outra
pessoa. Vou fazer por ele o que não pude fazer por mim mesma.
Vou deixá-lo escolher seu próprio caminho.

A anfitriã nos leva até a mesa onde meus pais já estão


sentados, tomando uma taça de vinho cada um. Eles se
levantam quando nos aproximamos para que possam nos
beijar nas duas bochechas.

— Você está parecendo forte, — diz meu pai a Henry.

— Eu estava jogando basquete na escola internacional de


Madrid, — diz ele.

— Você deveria jogar golfe. Esse é o esporte das finanças


e dos negócios, — diz meu pai.

— Ele gosta de basquete, — eu digo, um pouco


bruscamente.

— Bem, ele terá altura para isso, — diz meu pai. — Ele é
alto como o avô.

Alto como o pai também. Mas nunca mencionamos isso.

37É um jogo de cartas tradicionalmente para dois jogadores, que envolve jogar e agrupar cartas em
combinações que ganham pontos.
Talvez no silêncio que se segue, meus pais estejam
pensando em Dante. Eu duvido que eles o façam em
circunstâncias normais, mas é impossível não notar aquele
elefante em particular no quarto em nossa primeira noite de
volta a Chicago.

Tata rapidamente muda para outra coisa. — Como vai


seu trabalho escolar, Henry?

Enquanto Henry conta a Tata sobre isso, Mama me


pergunta sobre sua tutora.

— Ela está de volta ao hotel agora, — eu digo. — Ela não


queria vir jantar conosco.

— Ela deve gostar de voar pelo mundo todo com vocês


dois.

— Provavelmente. Embora eu tenha certeza de que é


solitário. Ela começa a pós-graduação no outono, então terei
que encontrar alguém novo. Não há pressa, entretanto – Henry
está na frente na escola. Ele poderia facilmente tirar um ano
de folga sem ficar para trás.

— Ele é muito inteligente, — diz Mama, olhando para ele


com orgulho. — Ele gosta de frutos do mar? Poderíamos pedir
mariscos para começar...

A refeição é agradável. Estou feliz em ver meus pais


novamente. Mas aquela velha raiva está fervendo dentro de
mim, bem abaixo da superfície. Foi um erro voltar aqui, mesmo
por uma semana. Eu deveria ter recusado o trabalho e
recusado o convite dos meus pais.

— Em quais dias você está trabalhando? — Meu pai


pergunta.

— Amanhã e no dia seguinte.

— Podemos pegar Henry de manhã e levá-lo ao Navy Pier


enquanto você está fazendo suas fotos?

— Tenho certeza de que ele vai gostar.

— Só não reserve nada no sábado à noite, — diz meu pai.


— Há um evento noturno, após o comício.

Meus lábios se contraem, mas eu aceno. — Tudo bem.


Isso soa bem.

— É tão bom estarmos juntos de novo, — diz Mama,


sorrindo.

Todos nós, menos Serwa.

Eu pisco para conter as lágrimas, tomando um gole do


meu vinho.

Acho que você nunca para de sentir falta das pessoas que
perdeu.

Talvez um dia doa menos. Mas isso ainda não aconteceu.


Sábado de manhã, acordo cedo para ver a preparação do
comício. Não tem sido tão ruim trabalhar com Peterson, o chefe
da equipe de segurança do prefeito. Ele é ex-militar como eu,
então havia uma linguagem compartilhada desde o início.
Concordamos que ele lidaria com a maior parte da segurança
do público, enquanto eu estaria encarregado de ameaças
externas como explosivos, drones ou ataques de longo alcance.

Quando chego ao Grant Park, o palco e o perímetro já


estão no lugar. Os políticos farão seus discursos em uma das
extremidades do Hutchinson Field, enquanto os convidados se
espalharão pelo gramado. No lado oeste da área você tem a
margem do lago e, no lado leste, uma série de prédios altos. Os
prédios mais próximos ficam a cerca de 1.500 metros do palco,
então não devem ser um problema. Mesmo assim, tenho um
escudo espelhado à mão, na base do palco.

Estou mais preocupado com as pessoas na área. Todos


os convidados do comício devem passar pelos detectores de
metal, mas o parque é um enorme espaço aberto. Na verdade,
não temos guardas suficientes para ter certeza absoluta de que
alguém não se esgueirou pelas barricadas com uma arma
escondida em sua jaqueta.

Por esse motivo, continuo dizendo à equipe de montagem


para mover as barreiras de multidão de volta à frente do palco.

— Ninguém deveria estar a menos de quarenta e cinco


metros do palco, — digo a eles.

— Mas parece estranho com um espaço tão grande na


frente do palco... — Jessica reclama. Ela é a coordenadora do
evento. Posso dizer que ela acha que estou exagerando na
questão da segurança. O que provavelmente é verdade – esta
não é minha área de especialização. Não estou acostumado a
equilibrar as necessidades de proteção e segurança com as
necessidades dos fotógrafos da imprensa para obter um ângulo
fotogênico.

— Isso é meio campo de futebol, — diz ela. — Vamos,


tenho certeza de que podemos lidar com um pouco mais de
proximidade...

— Você tem as barreiras a dez metros, — digo a ela. —


Isso está ao alcance até mesmo para um atirador inexperiente
com uma pistola barata.

Peterson vem andando devagar. Ele tem pouco mais de


um metro e oitenta, com a constituição de um levantador de
peso e a barba de um lenhador.

— O que está acontecendo? — Ele diz.


— Dante quer mover as barreiras de volta, — Jessica diz,
mal escondendo seu aborrecimento. — De novo.

— Melhor fazer isso, então, — diz Peterson.

— Quarenta e cinco metros? — Jessica sibila.

— Bem... talvez metade disso, — Peterson diz, levantando


uma sobrancelha para ver se estou bem com esse meio-termo.

— Sim, — eu digo. — Tudo bem.

É o primeiro dos dez ou doze conflitos que temos à medida


que a preparação continua. Eu faço Jessica mover os arranjos
florais que bloqueiam a saída do palco e digo a ela que todos
na área de recepção precisam ser revistados, mesmo aqueles
com passes de imprensa.

Quando estamos a uma hora do comício, ela parece estar


com lágrimas nos olhos e frustrada, como se eu tivesse
arruinado tudo. Talvez eu tenha. Sei que estou sendo
paranoico, mas Riona me pediu para fazer um trabalho, e vou
fazê-lo com o melhor de minhas habilidades.

Callum é o primeiro orador a chegar. Ele tem Aida com


ele. Eles estão andando mais devagar do que o normal, porque
Aida está com cerca de oito meses de gravidez. Ela está
carregando o herdeiro dos Gallos e dos Griffin – o laço que
unirá nossas famílias para sempre.

Na primeira metade de sua gravidez, ela mal aparecia.


Agora ela está em plena floração.
Enquanto ela caminha em minha direção pela grama, o
sol brilha em sua cabeça e ela parece uma deusa – como
Deméter ou Afrodite. Seu cabelo escuro e encaracolado está
mais comprido do que eu já vi, solto sobre os ombros. Seu
corpo esguio se encheu e sua expressão está feliz de uma
maneira que eu nunca vi antes. Não está contente ou
travessa... apenas genuinamente alegre. Seus olhos estão
brilhantes, suas bochechas estão cheias de cor, sua pele e
cabelo parecem saudáveis e vibrantes.

Ela é a primeira de meus irmãos a ter filhos. Olhando


para ela, sinto-me muito orgulhoso e feliz por ela.

Mas também me dá um pouco de dor. Eu vejo Callum ao


seu lado, segurando cuidadosamente seu cotovelo para que ela
possa andar sobre o terreno irregular com segurança em seus
saltos altos. Ele a está ajudando, protegendo, pairando em
torno dela mais do que nunca. Ele está prestes a se tornar pai,
e posso dizer que isso significa muito mais para ele do que este
comício, ou qualquer outra coisa no mundo.

Eu o invejo.

Eu não me importo com nada tanto quanto ele se


preocupa com minha irmã e seu filho.

— Você está linda, — digo à Aida, beijando-a na


bochecha.

— Oh Deus, — ela ri. — Você sabe que deve estar do


tamanho de uma morsa se seu irmão começa a te elogiar para
animá-la.

— Você esteve doente? — Eu pergunto a ela.

— Não, — diz Callum, dando-lhe um olhar severo. — Ela


só está com os pés inchados porque está trabalhando demais.

— Está tudo bem, — diz Aida, piscando para ele, — Você


pode massageá-los para mim mais tarde.

— Você já escolheu um nome? — Eu pergunto a ela.

— Eu estava pensando que poderíamos chamá-lo em


homenagem ao bisavô de Cal, — diz ela, sorrindo. — Você não
acha que Ruaidhri fica na ponta da língua?

— Absolutamente não, — Cal diz.

— Significa ‘grande rei’.

— Você não pode ser um rei se ninguém souber


pronunciar seu nome, — diz Cal. — Você não tinha um avô
chamado ‘Clemente’?

— Soa como um Papa, — diz Aida, fazendo uma careta.

— Acho que você deve dar nomes de objetos aos bebês


agora, — digo a ela. — Apple, Blue e Fox e coisas assim.

— Oh, perfeito! — Aida diz alegremente. — Vou chamá-lo


de acordo com onde ele foi concebido. Pequeno Elevator Gallo...

— Eu acho que você quer dizer Elevator Griffin, — Cal a


corrige.
— Elevator Griffin-Gallo, — diz Aida. — Muito
presidencial.

— Você vai ficar sentada ali, por falar nisso, — digo a ela,
apontando para o lado esquerdo do palco.

— Oooh, cadeiras dobráveis acolchoadas!

— Só o melhor para minha irmã.

— Vocês podem esperar lá se quiserem, — digo a eles,


apontando para o trailer abastecido com lanches e bebidas. —
Eles vão começar a deixar as pessoas entrarem na área em
breve.

Aida aperta meu braço. — Obrigada por cuidar de todos


nós hoje, — diz ela.

Enquanto ela se dirige para o trailer, Cal fica para trás


para falar comigo por um minuto.

— Não acho que haverá qualquer problema, — diz ele. —


O combate ao tráfico é talvez a única questão bipartidária que
nos resta. Riona estava apenas sendo paranoica.

— Você vai falar logo depois do prefeito? — Pergunto-lhe.

— Sim. Nós nos aproximamos muito nos últimos meses.


Ele vai me apoiar quando eu concorrer a sua posição.

— Então ele está passando a tocha.

— Basicamente.
— Quanto isso vai nos custar? — Eu digo em um tom
baixo.

Cal bufa. — Cerca de quinhentos mil dólares. Pagos por


meio de ‘taxas de palestra’ em eventos futuros.

É crucial que Cal se torne prefeito, para que possamos


aprovar o restante de nosso empreendimento em South Shore.

— E Yafeu Solomon discursa logo depois de você? — Eu


digo.

— Está certo. — Callum me lança um olhar cuidadoso. —


Aida disse que havia algum tipo de história entre suas famílias.

— Eu o conheci uma vez, — eu digo rigidamente. — Não


há conexão entre nós.

— Ok, — diz Cal.

Não sei dizer pela expressão dele se Aida contou a história


toda ou não. Mas está claro que eu não quero falar sobre isso.
Então Cal não pressiona. Ele apenas me dá um tapinha no
ombro e diz: — Vejo você em breve.

O resto da hora passa em um borrão de atividades –


colocar os convidados situados no gramado aberto, caminhar
pelo perímetro mais uma vez, checar os membros distantes da
equipe de segurança por meio de nossos protetores de ouvido
e assim por diante. Peterson luta com os alto-falantes,
organizando suas posições no palco para que eu não tenha que
falar com Yafeu. Ainda nem o vi, já que foi o último a chegar,
enquanto eu estava na extremidade sul do gramado, lidando
com os policiais emprestados pelo Departamento de Polícia de
Chicago.

Finalmente, a música começa a jorrar dos alto-falantes,


enquanto os organizadores constroem a energia da multidão.
Eles estão tocando “Start Me Up” dos Rolling Stones. Não sei
onde eles conseguem suas playlists, mas a combinação de
estrelas do rock e políticos enfadonhos sempre me pareceu
estranha.

Acho que não há nada enfadonho em Cal. Ele parece alto,


em forma, bonito e poderoso enquanto caminha pelo palco,
acenando para a multidão. Quando o conheci, achei que ele
parecia inteligente, mas ele tinha essa arrogância e
intensidade que eram desanimadoras. Com aqueles olhos
azuis focados, ele parecia o T-1000 Terminator38.

Aida trouxe à tona um lado melhor dele. Deu a ele um


pouco de humor e charme. Não tenho dúvidas de que ele se
tornará prefeito, ou o que quer ele tenha como objetivo depois
disso.

Eu odiaria isso. Quanto mais velho fico, menos gosto de


falar com as pessoas.

Ainda assim, é interessante ver como a multidão


responde a ele, gritando e torcendo assim que ele põe os pés
no palco. Muitos deles parecem conhecer Aida também – eles

38 Ciborgue fictício do filme O Exterminador do Futuro 2.


rugem quando ela sopra um beijo para a multidão. Seb me
disse que os dois têm alguma conta no Instagram que se
tornou popular. Estou muito velho – não tenho Facebook,
muito menos Instagram.

O prefeito os segue até o palco um minuto depois. Ele não


é um homem alto, mas tem presença. Ele tem cabelo branco,
careca na parte superior e muito comprido nas laterais, óculos
sem aro empoleirados na ponta do nariz e um grande sorriso
cheio de dentes tortos. Embora ele tenha apenas 1,73m, sua
barriga impressionante ajuda a dar-lhe um senso de
dignidade. Ele acena para a multidão com as duas mãos, seus
dedos rechonchudos me lembrando de luvas de desenho
animado.

O prefeito Williams é tão corrupto quanto possível, mas


de uma forma genial. Ele sempre esteve disposto a fazer
negócios com as famílias da máfia irlandesa e italiana, ou
qualquer outra pessoa que queira manter a cidade
funcionando com subornos, favores e trocas.

Tê-lo no lugar foi uma coisa boa. Ter Cal como prefeito
seria ainda melhor. O que não queremos é algum defensor ou
o chefe de uma família rival.

Enquanto estou pensando em quem pode concorrer


contra Cal, Yafeu Solomon sobe os degraus do palco. Eu olho
para ele da minha posição na frente das barreiras.

Ele parece quase exatamente o mesmo da última vez que


o vi – alto, magro, vestindo um terno escuro bem cortado. Seu
rosto está tão majestoso como sempre, sem novas linhas que
eu possa ver. Apenas os pequenos fios prateados em seu cabelo
preto mostram que algum tempo já passou.

Ele não está olhando para mim. Ele está olhando para a
grande multidão com uma expressão de satisfação no rosto. É
um resultado excelente – um crédito para sua causa.

Por um momento, presumo que a mulher que caminha


atrás dele seja sua esposa. Então ele dá um passo para o lado
dela e eu vejo seu rosto por completo. E eu percebo que é
Simone.

Estou congelado no lugar, olhando para ela.

Eu me preparei para ver seu pai. Nunca imaginei por um


segundo que Simone estaria com ele.

Eu me torturei com vislumbres dela em Ibiza, Paris,


Londres, Miami... fotos tiradas por paparazzi ou em tapetes
vermelhos. Pelo que eu sei, ela nunca voltou para Chicago.
Nunca pensei que ela faria.

Agora ela está parada a dez metros de mim. Se ela olhasse


para baixo, ela me veria. Mas ela não está olhando para a
multidão. Ela se sentou bem no canto do palco e está olhando
para as próprias mãos, obviamente não gostando da atenção.

Eu não posso acreditar nisso. Eu não consigo tirar meus


olhos dela.

O prefeito se levanta para fazer o primeiro discurso. Eu


deveria estar examinando a multidão, verificando os guardas,
certificando-me de que ele está protegido de todos os ângulos.

Não estou fazendo nada disso. Estou fascinado pela visão


de Simone.

Puta que pariu, ela está duas vezes mais bonita do que
antes. Ela tem que ser a única supermodelo no mundo onde
suas fotos não fazem justiça a ela.

Éramos apenas crianças quando nos conhecemos. Ela


era adorável naquela época, mas dificilmente uma adulta.

Agora ela é uma mulher no sentido mais amplo da


palavra. Ela é tudo que uma mulher deve ser – suave, mas
forte. Magra, mas curvilínea. Feminina e poderosa. Tão
poderosa que não consigo tirar os olhos de seu rosto. Eles são
puxados magneticamente para os olhos de Simone, seus
lábios, sua pele, seu pescoço esguio e seus seios fartos, suas
longas pernas cruzadas na frente dela no tornozelo e suas
mãos finas cruzadas no colo.

Há uma nova profundidade de emoção em sua expressão.


Como se seus olhos contivessem um romance inteiro, se eu
soubesse como lê-los.

O prefeito fez todo o discurso e não desviei o olhar dela


nenhuma vez. Ela não ergueu os olhos para olhar para mim.

Eu não posso acreditar que estamos tão perto e ela nem


mesmo sente isso.
Meu desejo por ela voltou rugindo, como um incêndio
florestal atingido pelo vento.

Disse a mim mesmo que, se a visse novamente, não faria


isso. Eu não me permitiria sentir o que sentia antes.

Bem, agora está acontecendo, e eu percebo que não tenho


o menor controle. Não consigo deixar de querer pular naquele
palco, pegá-la, jogá-la por cima do ombro e carregá-la embora.
Eu quero arrancar aquele vestido de verão dela e enterrar meu
rosto entre aqueles seios... eu quero tê-la de volta da única
maneira que sei fazer... tomando posse de seu corpo
novamente.

Eu quero isso, e não posso deixar de querer.

Eu mal posso me impedir de fazer isso.

Tenho que cerrar os dentes com força e cerrar os punhos


ao lado do corpo.

É o que estou fazendo quando Cal se levanta para falar.


Simone o observa cruzar o palco. Finalmente, seus olhos
passam por mim.

Eu posso dizer o momento em que ela me vê. Ela fica


rígida na cadeira, sua expressão mudando de leve interesse
para choque absoluto.

Ela está olhando diretamente para mim, nossos olhos se


encontraram.

E eu posso me sentir olhando de volta para ela, minha


mandíbula cerrada e meu corpo todo rígido com a luta para
não subir naquele palco. Eu sei que provavelmente pareço frio
e zangado. Mas não sei como olhar de outra forma. Não consigo
sorrir para ela, isso seria um absurdo.

Eu não sei o que fazer. E isso me frustra mais. Odeio estar


aqui neste momento, sem aviso ou preparação, forçado a olhar
para esta mulher que amei por tanto tempo. Eu odeio isso. Eu
odeio não conseguir ler sua expressão. Ela parece chateada –
isso eu posso dizer. Mas é porque ela está com medo? Porque
ela não quer me ver? Não há como saber.

Cal está recebendo uma ótima resposta da multidão. Eu


posso ouvi-los aplaudindo depois de quase todas as frases.

O rugido da multidão está bem atrás de mim, mas parece


distante e abafado. O rosto de Simone parece preencher toda
a minha visão.

É como o outdoor de novo. Mas desta vez, ela está tão


perto que eu poderia realmente tocá-la...

Eu afasto meus olhos e tento me concentrar no meu


trabalho real. Eu deveria ter certeza de que ninguém está
prestes a atacar Cal. Ele parece invencível lá em cima atrás do
pódio – apenas começando a entrar no ritmo de seu discurso.

Eu examino a multidão como deveria estar fazendo,


embora eu saiba que meu cérebro não está arquivando
informações da maneira usual. Eu deveria estar procurando
por pessoas cujas expressões não combinam com o resto da
multidão. Cujos movimentos não se alinham. Pessoas enfiando
a mão nas jaquetas, pessoas que parecem impacientes, como
se estivessem tentando se motivar.

Riona disse que Solomon estava recebendo ameaças de


morte, mas a grande maioria das ameaças não significa nada.
Mesmo os malucos que tentam agir dificilmente conseguem. O
último assassinato de um político em solo americano foi o
prefeito de Kirkwood Missouri, em 2008.

Então, eu realmente não acho que algo vai acontecer hoje.


Mas tenho que ficar de olho de qualquer maneira. Eu prometi
à Riona. Não posso me distrair só porque a mulher que
arrancou meu coração apareceu na minha frente.

Cal está encerrando. Yafeu Solomon se levantará em


seguida.

Eu dou outra varredura na multidão, então olho para o


palco onde Cal está parado atrás do pódio. Eu vejo uma faixa
de bandeiras no topo do palco. O arranjo é estranho – elas não
estão penduradas no mesmo nível uma da outra. Na verdade,
algumas das bandeiras estão penduradas em uma linha
diagonal, levando diretamente ao pódio.

Do ponto de vista estético, parece estranho. Eu me


pergunto se Jessica teve que movê-las, depois que eu a fiz
mudar os arranjos florais.

Eu vejo as bandeiras levantarem um pouco com a


mudança do vento. É um dia calmo, mas as bandeiras são
leves o suficiente para mostrar a direção até mesmo do menor
sopro de ar.

Na verdade, elas quase parecem que foram organizadas


para fazer exatamente isso...

Cal apresenta Yafeu Solomon. Solomon avança,


juntando-se a Cal no pódio e apertando sua mão.

— Boa tarde, irmãos e irmãs, — diz ele, com sua voz


profunda e calma. — Estou muito grato a todos vocês por se
manifestarem em apoio à nossa causa hoje. Não creio que haja
uma tragédia maior ocorrendo no mundo hoje, espalhada por
todo o globo, afetando pessoas de todas as nações.

—... O tráfico de pessoas é um crime contra todas as


pessoas. É um crime contra a humanidade. Todos nós
nascemos livres – é a característica mais importante dos
humanos, que nenhum de nós deve ser um escravo ou uma
ferramenta para outra pessoa. Todos nós devemos ser livres
para buscar nossa felicidade nesta vida.

— ...este flagelo monstruoso assume muitas formas –


trabalho forçado, escravidão sexual, casamentos arranjados e
tráfico de crianças. Devemos formar uma aliança com grupos
como as Nações Unidas e...

Não estou ouvindo Solomon. Estou tentando seguir a


linha das bandeiras, para ver por que foram organizadas dessa
forma. Que linha de visão elas proporcionariam a alguém na
posição certa.
Os arranha-céus do lado oposto do campo estão
distantes. Mais de um metro e meio de distância. Não os
considerei uma ameaça, porque apenas uma pequena minoria
de atiradores poderia dar aquele tiro.

A essa distância, você está considerando um tempo de


voo de cinco ou seis segundos para a bala. Você teria que levar
em conta a temperatura, umidade, altitude, vento e o
spindrift39 da bala. Até a rotação da Terra se torna um fator.
Os cálculos matemáticos são complicados – e alguns devem ser
feitos em tempo real, se há uma mudança no vento ou ângulo,
ou se o alvo se move.

Atiradores de elite dão tiros na cabeça, caso o alvo esteja


usando colete.

Eles não atiram no momento em que o discurso começa.


Eles esperam que o orador entre em pleno fluxo, quando
encontram sua posição e não estão se movendo tanto.

Yafeu Solomon está noventa segundos em seu discurso.


Se alguém está prestes a atirar nele, isso vai acontecer muito
em breve.

Estou olhando para os arranha-céus do outro lado da


rua, procurando movimento em qualquer uma das janelas.
Uma cortina se movendo, um rosto espiando.

Em vez disso, vejo um flash momentâneo. Ele está lá e

39Ocorre quando uma força é aplicada à bala em movimento. A força da gravidade atuando sobre a
bala a envia ligeiramente para a esquerda ou direita da trajetória original.
desapareceu em um quarto de segundo. Luz refletida em vidro
ou metal.

Eu não paro para pensar. Corro em direção ao palco o


mais rápido que posso.

A princípio, Solomon não percebe. Estou quase logo


abaixo do pódio quando ele interrompe sua frase. Não sei se
ele me reconhece. Ele está apenas olhando, congelado.

Agarrando o escudo do espelho com as duas mãos, eu o


levanto e o inclino em direção ao sol, gritando: — ABAIXEM-
SE!

Aponto o espelho para o arranha-céu.

O sol reflete na superfície ampla e plana e incide de volta


no prédio. Se houver alguém na janela, isso enviará um clarão
fulgurante direto para eles. Tão brilhante que os cegará.

Eu não ouço o tiro. Apenas vejo bala se cravar no palco.

Solomon mal teve tempo de recuar, muito menos abaixar-


se atrás do pódio. Ele encara o buraco da bala, chocado demais
para se mover.

É Simone quem o agarra por trás e o arrasta para longe.


Cal já agarrou Aida e puxou-a para fora do palco. A multidão
está gritando, disparando em direção ao outro lado da área.

Eu continuo inclinando o espelho em direção ao prédio


alto, sabendo que a qualquer segundo outra bala poderia vir
direto para o meu crânio.
Mas um segundo tiro nunca chega. O atirador sabe que
está ferrado – ele errou o alvo e agora precisa sair de seu
esconderijo antes que os policiais invadam o prédio.

Jogo o espelho para baixo e corro pela lateral do palco,


procurando Simone.

Eu a encontro agachada com seu pai, ambos olhando


desesperadamente ao redor enquanto a equipe de segurança e
o DP40 de Chicago fecham um círculo ao nosso redor.

— Quem era aquele? — Simone choraminga, com os olhos


arregalados.

— Quem sabe, — Solomon diz, balançando a cabeça.

Quando olho para seu rosto, não tenho certeza se acredito


nele.

40 Departamento de Polícia.
Ver Dante Gallo me encarando da frente da multidão é
uma das piores surpresas da minha vida.

Quase não o reconheço – aos 21, ele já era o maior homem


que já conheci. Agora ele mal parece humano. Ele cresceu pelo
menos um ou dois centímetros e ficou ainda mais cheio.
Apenas músculo em cima de músculo, esticando-se contra os
limites de uma camiseta que deve ser plus-size.

Sua mandíbula se alargou e ele tem algumas linhas na


testa e nos cantos dos olhos – não linhas de sorriso. Parece que
ele está semicerrando os olhos para o sol.

Mas o que mais transforma seu rosto é sua expressão. Ele


está olhando para mim com ódio puro e não adulterado. Ele
parece querer pular neste palco e arrancar minha cabeça dos
meus ombros.

E honestamente, não posso culpá-lo.

Depois de deixar Chicago, pensei em ligar para ele mil


vezes.
Se eu não estivesse tão doente...

Se eu não estivesse tão assustada...

Se eu não estivesse tão deprimida...

É difícil lembrar como era minha existência durante


aqueles nove meses de gravidez.

Todas as cores desbotadas do mundo. Tudo parecia tons


de estanho, aço, freixo e pedra. Tentei assistir a filmes de que
gostava, tentei ouvir as músicas que amava e simplesmente
senti... nada.

Era tão difícil me arrastar pelo pequeno apartamento que


dividia com Serwa em Mayfair. Tão difícil fazer xixi ou beber
um copo d'água. A ideia de pegar o telefone e discar, tentando
explicar a Dante por que fui embora... era demais. Eu não pude
fazer isso.

E depois que o bebê nasceu, ficou muito pior. Senti como


se meu filho tivesse sido arrancado de mim, mas também como
se ele pudesse ficar melhor com Serwa. Fiquei com muita raiva
dos meus pais pela posição em que me colocaram, mas
também porque devia isso à minha irmã – essa chance de
felicidade, a única chance que ela provavelmente teria.

Eu estava tão confusa. E tão sozinha.

Eu ansiava por falar com Dante. Eu sofria por ele. Mas


eu sabia que ele ficaria furioso comigo. Eu escondi a gravidez
dele. Eu o fiz perder o nascimento de seu filho.
E eu ainda estava com medo do que poderia acontecer se
ele soubesse. Eu queria manter Henry seguro. Eu não queria
que ele fosse puxado para um mundo de violência e crime.
Fiquei me lembrando do sangue escorrendo das mãos de
Dante, de como ele parecia assustador e monstruoso naquela
noite no parque.

E pensei em como ele ficaria bravo se descobrisse o que


eu fiz.

Vendo-o agora em Grant Park, ele já parece que quer me


matar. Ele ficará muito mais zangado se algum dia descobrir a
verdade?

Eu não posso deixar isso acontecer.

Foi um erro vir para Chicago. Terminei minhas filmagens


para Balenciaga – devo ir embora assim que o comício acabar.

É isso que estou pensando quando, do nada, Dante


começa a correr em direção ao palco.

Eu pulo da minha cadeira, pensando que ele está


correndo bem para mim.

Em vez disso, ele pega algum tipo de espelho grande,


circular e curvo e o inclina pelo campo. Enquanto ele está
fazendo isso, ele berra: — ABAIXEM-SE!

Não entendo o que está acontecendo, mas


instintivamente me agacho, e todo mundo faz o mesmo. Todos,
exceto meu pai. Ele parece congelado no lugar, tão chocado
quanto eu.

Eu vejo o sol brilhar no espelho de Dante, e então ouço


um som agudo de assobio. Um amassado aparece no chão do
palco, como um minúsculo meteorito acabado de cair do céu.

Meu cérebro diz: Bala. Isso foi uma bala.

Todo mundo começa a gritar e correr.

Callum Griffin agarra sua esposa grávida e a arrasta para


longe. O rosto de Callum está pálido como giz. Eles estavam
sentados bem atrás de onde a bala atingiu. Alguns metros à
frente, e poderia ter atingido sua esposa bem na barriga.

Eu não corro – não para fora do palco, pelo menos. Corro


até Tata, porque percebo que a bala foi destinada para ele e
pode haver outras vindo. Eu agarro seu braço e puxo o mais
forte que posso, puxando-o para longe do pódio.

Pela primeira vez, meu pai não parece estar no controle


da situação. Ele parece confuso e assustado. Eu também, mas
aparentemente um pouco menos do que ele. Eu o arrasto para
fora do palco para que possamos nos agachar atrás dele.

O problema é que não tenho ideia de qual direção o


tiroteio está vindo. Então, puxo meu pai para baixo do palco o
máximo que posso, esperando que isso nos proteja.

Um momento depois, o corpo enorme de Dante cai ao


nosso lado com um baque.

Ele diz: — Vocês dois estão bem?


— S-sim, — eu gaguejo.

São as primeiras palavras que falamos um com o outro


em quase dez anos.

— Quem era aquele? — Eu pergunto ao meu pai.

Não consigo entender quem iria querer matá-lo.

— Quem sabe, — Tata diz, balançando a cabeça. Ele


parece confuso e atordoado.

Os guardas de segurança estão se aproximando de nós.


Sinto-me paranoica e nervosa – como sabemos que alguns
desses homens não estavam nisso, seja lá o que isso for?

Por mais estranho que pareça, estou grata por Dante


estar ao nosso lado. Qualquer que seja a nossa história, eu o
vi salvar meu pai daquela bala. Acho que ele faria de novo, se
um desses homens tentasse atirar em nós.

A polícia nos leva até uma van da SWAT na beira do


estacionamento. Eles nos fazem dezenas de perguntas, a
maioria das quais não podemos responder.

Não vejo Dante – acho que ele voltou para o palco. Ou


talvez ele tenha ido embora.

Estou tremendo incontrolavelmente. Os policiais colocam


um cobertor em volta dos meus ombros e me dão um copo
d'água para beber. Cada vez que tento levar o copo aos lábios,
água gelada respinga na borda e molha minhas mãos.
Eu finalmente consigo tomar um gole, bem quando uma
linda mulher ruiva vem abrindo caminho através do cordão
policial.

Um dos seguranças tenta impedi-la. — Só um minuto,


senhora!

— Está tudo bem, — Dante diz, levantando a mão.

Ele voltou do palco. Ele está segurando algo na mão.

A ruiva joga os braços em volta dele e lhe dá um abraço.

— Oh meu Deus, Dante! — Ela chora. — Eu sei que pedi


para você ficar de olho, mas eu realmente não esperava por
isso...

Dante a abraça de volta, como se a conhecesse bem.

Sinto uma pontada profunda e desagradável de ciúmes.

Eu sei que não tenho o direito. Mas esta mulher é tão


bonita...

Se ela não fosse tão alta. Ou tão bem vestida. Se seu


cabelo não tivesse um tom de vermelho tão vibrante... talvez
eu pudesse ter engolido. Mas a visão das mãos enormes de
Dante ao redor de sua cintura era demais para suportar.

Dante a solta, voltando-se para um dos policiais.

— Esta é a bala, — diz ele, jogando o metal retorcido na


palma da mão do oficial.
— Você tocou? — O policial diz.

— Você não vai conseguir nenhuma impressão digital, —


Dante grunhe. — Olhe o estado disso. Sem mencionar que não
haveria nada em primeiro lugar. Este atirador é um
profissional. Apenas a distância... Apenas uma dúzia de
pessoas no mundo poderiam dar aquele tiro.

— Como você saberia? — O policial diz desconfiado.

— Porque ele mesmo era um atirador, — a ruiva estala.


— E um muito bom, então você deve ouvir o que ele diz. E
agradeça a ele por seu serviço, enquanto você está nisso.

— Certo, — o policial murmura. — Claro.

Dante era um atirador?

Ele esteve no exército?

Eu nunca soube o que ele estava fazendo todos esses


anos. Tentei procurá-lo uma ou duas vezes, mas ele não tinha
nenhuma rede social ou qualquer artigo de notícias sobre ele.
Nenhum que eu encontrei, de qualquer maneira.

Esta mulher obviamente conhece Dante melhor do que


eu. E ela é rápida em defendê-lo.

Eu tremo miseravelmente dentro do meu cobertor. Ela


deve ser sua namorada. Olho para a mão esquerda dela – não
consigo evitar. Sem anel. Ainda não, pelo menos.

Não importa. Nada disso importa. Dante não é mais meu


– ele foi apenas por um breve momento no tempo. Ele pode ter
uma namorada, ou até uma esposa. Não tenho o direito de ficar
com ciúmes.

E ainda assim, se auras fossem visíveis, a minha seria


verde venenosa. Tão verde brilhante quanto os olhos da outra
garota.

— É uma bala feita à mão, — Dante diz ao policial. — Liga


de bronze. Você não será capaz de rastrear a fonte, muito
menos obter uma boa e suculenta impressão digital. Sua
melhor aposta é encontrar a janela de onde ele atirou e ver se
ele deixou alguma coisa no local. Ele provavelmente saiu às
pressas.

— Em que prédio ele estava? — O policial pergunta.

— Aquele, — Dante aponta para um arranha-céus com


fachada branca. Pode ser um hotel, embora seja difícil dizer à
distância. — Acho que ele estava cinco andares acima, na
esquina sudeste.

O policial está anotando tudo em seu caderno.

Um homem grande e corpulento com barba se aproxima


e dá um tapinha no ombro de Dante, balançando a cabeça.

— Puta que pariu, cara. Achei que você estava apenas


sendo paranoico. — Ele olha para meu pai. — Alguém queria
você morto, meu amigo.

Tata não tem nenhum cobertor ao redor dele. Ele está


sentado reto e calmo, tendo se recuperado do choque muito
mais rápido do que eu.

— Aparentemente sim, — ele diz. Ele dá um aceno


respeitoso para Dante. — Você salvou minha vida.

Dante encolhe os ombros enormes, uma expressão


carrancuda no rosto.

— Talvez, — ele diz. — Ele pode ter errado de qualquer


maneira.

— Duvido, — diz Tata. — Dante Gallo, não é?

Ele estende a mão para apertar.

Dante olha para a mão de meu pai com uma expressão


de desgosto, como se preferisse não a pegar. Tenho certeza de
que ele não gostou do tom de meu pai – como se, quando se
encontraram antes, fosse apenas em um coquetel. Tata está
agindo como se fossem conhecidos casuais. Como se não
houvesse rancor entre nós.

Ele certamente não está oferecendo nenhum tipo de


desculpa. E ele nunca vai. Eu conheço meu pai bem o
suficiente para saber disso.

Dante salvando sua vida não significa nada. Meu pai é


grato, mas isso não mudará sua opinião sobre nada.

Não que isso importe a essa altura.

Estou pensando que Dante não vai apertar a mão, mas


meu pai a mantém estendida, com calma persistência, e por
fim Dante dá um aperto rápido, depois a deixa cair novamente.

— Você virá para a arrecadação de fundos esta noite? —


Tata pergunta.

— Você ainda está pensando em ir? — A ruiva diz, em tom


de surpresa.

— É claro, — diz meu pai. — Por que não?

— Bem, para começar, seu suposto atirador ainda está


vagando por aí, — diz ela. Ela está observando meu pai com
seus olhos verdes frios, examinando-o de perto. Ela parece
inteligente e quase predatória. Não alguém com quem brincar.

— Tenho certeza de que eles terão bastante segurança no


evento, — diz meu pai. — Vou me sentir bastante seguro,
especialmente se Dante estiver lá. Você vai participar? Eu
gostaria de agradecer publicamente.

Eu vejo os músculos flexionando ao longo da mandíbula


larga de Dante. Ele abre a boca para responder, e tenho quase
certeza, pelo formato de seus lábios, que está prestes a dizer
“Não”. Mas a ruiva o interrompe.

— Ele estará lá, — ela diz suavemente. Então ela vira


aqueles olhos verdes penetrantes para mim. É tão repentino
que quase pulo. Ela me olha da cabeça aos pés em um relance.
Tenho certeza de que ela me reconhece.

— Eu sou Riona Griffin, — ela diz, estendendo a mão para


mim.

Eu aceito. Seus dedos são frios, secos e macios. Ela tem


uma manicure francesa recente e um aperto firme.

— Prazer em conhecê-la, — eu digo. — Simone Solomon.

Gostaria que minha voz fosse tão confiante e profissional


quanto a dela. Em vez disso, sai em um pequeno guincho,
ainda trêmulo de nervosismo.

— Eu sei. — Ela sorri. — Você é muito famosa.

Não sei como responder. Gostaria de saber quem ela é, o


que faz e como conhece Dante. Mas não há como fazer essas
perguntas com graça.

Tudo o que posso fazer é sentar lá estupidamente


enquanto ela se vira para Dante.

— O que você vai fazer agora?

— Eu quero seguir aquele policial até o poleiro, — diz


Dante. Vendo que nenhum de nós entende, ele esclarece. — O
local onde o atirador estava situado.

— Você está no caso, inspetor? — Riona diz em um tom


de provocação.

— Estou curioso, — admite Dante.

Meu pai parece menos curioso, apesar do fato de ser ele


a pessoa que estaria sendo baleada. Ele já está vasculhando
seu telefone, procurando notícias sobre a tentativa de
assassinato fracassada.

— Eu vou com você, — diz Riona. Ela olha para mim. —


Prazer em conhecê-la, Simone.

— Prazer em conhecê-la, — eu repito.

Dante não diz nada. Ele se afasta de mim sem dizer uma
palavra – sem nem mesmo olhar na minha direção.

Eu vejo suas costas largas se afastando.

Quando me viro novamente, meu pai está me observando.


Ele me olha com seus olhos escuros, como se me desafiasse a
dizer algo.

Eu mantenho minha boca firmemente fechada. Não tenho


interesse em ouvir o que meu pai tem a dizer sobre Dante, para
o bem ou para o mal. Se a opinião dele não mudou, então não
quero ouvir. E se mudou – então, é tarde demais para isso. Não
pode me fazer bem agora.

Então, fico sentada em silêncio, enquanto meu pai volta


a folhear seu feed de notícias.
Graças aos poderes de persuasão de Riona, e um pouco
de pressão de Callum, os policiais concordam em me deixar no
quarto do hotel que acham que o atirador usou.

Ele já tinha partido há muito tempo quando eles


chegaram – com bastante tempo para empacotar seu
equipamento. Mas “desocupado” não significa “vazio”.
Ninguém pode sentar-se em uma sala sem deixar rastros.

Por exemplo, ele não se preocupou em mover a mesa do


quarto de hotel que deslizou para mais perto da janela. Posso
ver as marcas no tapete onde a mesa estava originalmente
situada. Agora está exatamente em frente à janela voltada para
o leste que ele deve ter usado para o tiro.

Suponho que ele escolheu este hotel porque é antigo e as


janelas realmente abrem. Ele deixou uma faixa aberta. Posso
ver o buraco quadrado que ele cortou na tela e o pedaço de tela
descartado no chão ao lado do aquecedor.

Mal consigo ver o Hutchinson Field daqui, não a olho nu.


Tenho uma visão perfeita, mas não consigo distinguir nada
além do próprio palco. Não as bandeiras, as flores ou as
cadeiras ainda paradas na frente do palco, algumas delas
tombaram quando todos se espalharam.

O atirador teria visto tudo claramente através de sua


mira, entretanto.

De acordo com os policiais, ele entrou no quarto usando


o aplicativo do hotel. Os milagres da tecnologia moderna – ele
nem mesmo precisou passar pela recepção para pegar uma
chave. Ele poderia abrir a porta automaticamente usando seu
telefone.

Claro que o nome que ele registrou é falso. E também o


cartão de crédito que ele usou para pagar. O Royal Arms vai
sair com os 229 dólares pelo quarto.

— Alguém o viu entrando ou saindo? — Eu pergunto a


um dos policiais. — Talvez uma das empregadas?

— Ninguém com quem falamos, — diz o policial. — As


empregadas só trabalham de manhã. Ele deu entrada no
quarto às 13h20. Ou, pelo menos, é o que diz o computador.

O policial está me dando a informação, mas não com


alegria. Ele está irritado por eu estar olhando por cima do
ombro. Isso deve ser particularmente irritante, já que este
policial, como a maioria dos policiais em Chicago, sabe
exatamente quem eu sou. Não há amor perdido entre os Gallos
e o DP de Chicago.

Riona tem um relacionamento um pouco melhor com


eles, embora não muito. Ela é amiga de alguns idiotas. Mas ela
também mantém bandidos como eu fora da prisão.

Agora, ela está olhando ao redor do quarto com quase


tanta curiosidade quanto estou sentindo.

— Nada no lixo, — ela diz, olhando para a lixeira.

Posso ver marcas em cima da mesa. É onde o atirador


tinha seu rifle armado. Não sei dizer que tipo de rifle era – não
por alguns arranhões. Mas suponho que ele tinha o melhor e
mais recente – algo como um McMillan Tac-50 ou um Barrett
M82A1.

Estou inclinado para o Tac-50. A bala que encontrei


parecia calibre .50. Tac-50 são fabricados no bom e velho
Estados Unidos da América, em Phoenix. Eu vi muitos deles
no Iraque. Usei um, depois que o meu L115A3 foi fodido por
uma granada improvisada.

É também a arma que estabeleceu os mais recentes


recordes de longa distância. Tem o maior número de mortes
confirmadas em 1250 metros.

— Tem certeza de que era apenas um cara? — Riona diz


para a polícia. — Os atiradores normalmente não trabalham
em equipes?

Ela direciona a segunda parte dessa pergunta para mim.

Ela sabe que eu tive um parceiro no Iraque – Raylan


Boone, um garoto de Kentucky.
— Às vezes eles trabalham. Às vezes não, — eu digo. —
Antes você precisava de alguém para fazer medições e fazer
cálculos. Agora você tem telêmetros, calculadoras balísticas,
equipamento meteorológico portátil, software de previsão
balística...

Ainda assim, não há nada como outra pessoa vigiando.


Todas aquelas horas intermináveis agachado em edifícios
bombardeados e torres destruídas... conversando, esperando,
impedindo o outro de levar uma bala na nuca. Raylan é um
irmão para mim agora, quase tanto quanto meus irmãos reais.

Tenho a sensação de que esse cara estava sozinho, no


entanto.

Não há razão para isso, nenhuma evidência. É apenas o


vazio da sala, a precisão com que ele removeu cada traço de si
mesmo. Esse cara é um perfeccionista. E os perfeccionistas
não toleram muito bem as outras pessoas.

Eu olho para baixo em sua linha de visão novamente.


Posso ver a forma como as bandeiras estão alinhadas e outros
marcadores que ele colocou ao longo do caminho – um pano
branco amarrado a um cabo de força. Uma corda na ponta de
um galho de árvore.

A direção e a velocidade do vento podem variar


dramaticamente ao longo do caminho da bala. Ele teve o
cuidado de configurar marcadores ao longo do caminho.
Medidores também, talvez. E a forma como as bandeiras se
alinhavam no palco... isso não foi coincidência. Ele deve ter
estado lá embaixo. Ou tinha alguém lá.

Podemos ter passado um pelo outro. Tento me lembrar


dos rostos da equipe de montagem e das equipes de segurança
– pensando se havia alguém que se comportou de maneira
estranha ou parecia fora do lugar.

Se havia, eu não percebi na hora.

Olho para a mesa. Posso ver o menor resíduo de pólvora,


muito mais fino do que areia. Vejo o brilho do grafite e grãos
brancos de acônito. Coloco meu nariz em cima deles e inalo.
Definitivamente cheira a nitrocelulose.

— Não é cocaína, você sabe, — zomba um dos policiais.


— Não vai te agitar.

— Não, não, deixe o cão de caça trabalhar, — seu parceiro


ri.

Posso dizer que Riona quer mandá-los embora, mas


balanço a cabeça para ela para mostrar que não me importo
com o que aqueles idiotas pensam.

— Mais alguma coisa, inspetor Clouseau41? — Um dos


policiais diz sarcasticamente.

— Não, — eu digo. — Nada mais.

Os policiais continuam varrendo o quarto em busca de


impressões digitais – inúteis em um hotel – e vasculhando os

41 Personagem fictício dos filmes A Pantera Cor-de-Rosa.


tapetes e cortinas em busca de evidências. Riona e eu voltamos
para o térreo.

— Então? — Ela diz em um tom expectante.

— Não havia muito para ver no quarto. — Eu encolho os


ombros.

— Não, estou me perguntando se você está planejando ir


ao coquetel.

— Por que eu deveria? — Eu franzo a testa.

Ela solta um bufo.

— Você vai fingir que não se importa nem um pouco? Eu


vi seu rosto quando você a viu cruzando aquele palco.

— Você sabia que ela estaria aqui? — Eu exijo,


contornando Riona.

— Não, — ela diz calmamente. — Mas eu não lamento que


ela esteja. Vocês dois têm negócios inacabados.

— Não, não temos, — eu digo, no tom de voz que


normalmente assustaria a outra pessoa de dizer qualquer
outra coisa. Mas Riona luta para viver. Nada menos que a
remoção completa de suas cordas vocais vai impedi-la de falar.

— Certo, — ela diz. — É por isso que você é tão alegre e


otimista. Porque você é emocionalmente saudável em todos os
sentidos.

— Você não é minha psiquiatra, — eu estalo para ela.


Tínhamos que ver um psiquiatra às vezes no exército. Eu
odiava isso.

— Eu sou sua amiga, no entanto, — Riona diz, olhando


para mim com seu olhar firme. — Eu acho que você deveria ir.

— Ela me deixou há nove anos porque sua família


pensava que eu não era bom o suficiente para ela. Duvido que
tenham mudado de ideia.

— Por que não? — Riona diz. — Você é um veterano


condecorado. Um incorporador imobiliário de sucesso. Além
disso, você acabou de salvar a vida do pai dela, pelo amor de
Deus.

— Eu ainda sou um Gallo, — eu digo.

Não parei de estourar as cabeças das pessoas só porque


vim do Iraque. Ainda sou o mesmo gangster de nove anos
atrás. Pior, na verdade. O fato de que nosso negócio legítimo
cresceu junto com nossa organização criminosa... Duvido que
isso vá impressionar Yafeu Solomon. Não que eu dê a mínima
para o que ele pensa.

— Acho que você deve ir, — Riona repete. — Não para


começar alguma coisa de novo. Só para fechar.

— Ninguém consegue fechar abrindo a porta novamente.

— Também não consegue apenas ficando de mau humor,


— Riona dispara.

A paciência dela acabou – ela parou de ser legal comigo.


— Estou indo para lá em uma hora, — diz ela. — E vou
pegar você no caminho.

— Não se preocupe.

— Vista um terno. Um bonito.

— Não tenho terno, — minto.

— Venha nu, então. — Riona sorri. — Se isso não a


impressionar, nada vai.
Estou tão nervosa para me preparar que minhas mãos
estão tremendo – quase tanto quanto ficaram depois que a bala
do atirador errou a cabeça de meu pai por alguns centímetros.

Eu me pergunto se Dante realmente virá esta noite?

Eu não acho que ele vai. Ele certamente não pareceu


muito interessado quando Tata o convidou.

Não acho que ele queira me ver de novo. Ele não falou
comigo depois do tiroteio. Bem, ele perguntou se estávamos
bem. Mas acho que ele teria perguntado isso a um completo
estranho. Isso não significa nada.

Ele salvou a vida do meu pai. Eu também não acho que


isso significou nada. Dante estava trabalhando na segurança
– ele estava apenas fazendo seu trabalho.

A mulher ruiva era Riona Griffin. Ela é irmã de Callum


Griffin, o vereador do 43ª Distrito. Dante deve estar conectado
com sua família. É por isso que ele estava supervisionando o
evento.
Eles devem estar namorando. Essa é a única explicação
que consigo pensar.

Já se passaram nove anos. Eu deveria saber que ele


estaria comprometido agora. Estou surpresa que ele ainda não
seja casado. Um homem assim, um espécime ambulante de
masculinidade... ele deve ter mulheres perseguindo-o onde
quer que vá.

Eu mesma vi, quando estávamos namorando. Em todos


os lugares que íamos, as mulheres não podiam deixar de olhar
para ele.

Toda mulher quer saber como é estar com um homem tão


grande. Ser levantada e jogada em uma cama como se você
fosse leve como uma pena. Quando você dá uma olhada nessas
mãos, tem o dobro do tamanho de suas próprias mãos... você
não pode deixar de pensar em quão grandes devem ser as
partes dele que você não pode ver...

Já sei a resposta para essa pergunta e minha mente ainda


está correndo.

Claro que Dante esteve com outras mulheres desde que


nos separamos.

Eu mesma tive outros namorados. Mas nenhum deles se


compara a ele.

É uma coisa horrível quando o primeiro homem com


quem você dorme tem a constituição de um deus grego. Todo
mundo que vem depois parece muito mortal.
Eu namorei fotógrafos, designers, outros modelos.
Namorei um banqueiro israelense e um homem que era dono
de sua própria ilha na costa da Espanha. Alguns eram gentis,
outros inteligentes. Mas nenhum deles era Dante.

Eles eram apenas homens.

Dante é “o homem”. Aquele que primeiro formou minha


concepção do que um homem deveria ser. Aquele que primeiro
me fez apaixonar. Quem tirou minha virgindade. E quem me
deu um filho.

Os outros mal eram conhecidos em comparação.

Quando sentia a menor palpitação por um desses


homens, perguntava a mim mesma: — Isso é amor? Eu poderia
estar me apaixonando de novo?

Então, eu olhava para trás, através de toda a dor e


miséria daqueles anos, para os meses em que Dante e eu
estivemos juntos. Eles brilharam como diamantes em minha
mente. Por mais que eu tentei enterrá-los na lama e sujeira da
miséria que se seguiu, aquelas memórias ainda estavam lá, tão
duras e brilhantes como sempre.

Eu me olho no espelho, imaginando o que Dante viu


quando viu meu rosto novamente. Ele achou que eu parecia
diferente? Mais velha? Mais triste?

Eu era tão jovem quando nos conhecemos.

Eu começo a maquiar meu rosto, rápida e ferozmente.


Não acho que ele venha hoje à noite, mas se vier, vou ficar
o mais linda possível. Eu sei que ele não me quer mais – ele
provavelmente me odeia. Mas não serei patética.

Posso ouvir Mama gritando no quarto ao lado. Bem, não


gritando exatamente – mas definitivamente usando um tom
mais agitado do que o normal. Ela não está feliz que Tata ainda
vá à festa esta noite.

— Alguém tentou matar você! — Ela choraminga. — Se


isso não justifica uma noite de folga, então não sei o que
justifica!

Henry levanta os olhos de seu Switch. Ele está deitado na


minha cama jogando Cuphead.

— Alguém realmente tentou matar o vovô? — Ele me


pergunta.

Eu sei que você deve mentir para seus filhos às vezes.


Henry foi trazido ao mundo com tanto tumulto e segredo que
eu não tinha mais energia para isso. Desde pequeno, digo a
verdade sobre quase tudo.

— Sim, — eu digo. — Alguém atirou nele enquanto ele


fazia seu discurso.

— Quem?

— Eu não sei.

— A polícia o pegou?
— Ainda não.

— Hmm, — Henry diz, olhando de volta para seu jogo


novamente.

Crianças não entendem a morte. Elas sabem que os


adultos dão muita importância a isso. Mas para elas, é como
um videogame. Elas acham que sempre vão voltar, mesmo que
tenham que reiniciar o nível.

— A vovó vai ficar comigo de novo? — Henry pergunta.

— Não, — eu digo. — Ela está vindo conosco. Carly estará


aqui, no entanto.

— Posso pedir serviço de quarto?

— Sim. Você precisa comer frango ou salmão – não


apenas batatas fritas dessa vez.

Henry olha para mim, sorrindo. — Batatas são vegetais,


você sabe.

— Eu não acho que elas sejam.

— O que elas são, então?

— Uh... talvez uma raiz?

Henry suspira. — Eles são batatas, mãe. Batatas.

Eu não posso dizer se ele está brincando comigo. Henry


tem um senso de humor estranho, provavelmente por passar
muito tempo com adultos e não o suficiente com outras
crianças. Além disso, tenho quase certeza de que ele é mais
inteligente do que eu, então nunca fico totalmente confiante
quando estou discutindo com ele. Ele sempre vem com coisas
estranhas que acabou de ler em algum livro. E quando eu
procuro no Google depois, ele geralmente está certo.

Eu corro meus dedos por seus cachos macios, beijando o


topo de sua cabeça. Ele estende a mão brevemente para me
dar uma espécie de meio abraço, com a atenção ainda no jogo.

— Vejo você em algumas horas, — digo a ele.

Não pretendo chegar tarde da festa. Quero colocar Henry


na cama sozinha quando voltar para o hotel.

Mama já está vestida quando saio para a sala principal.


Ela não parece muito feliz.

— Não consigo acreditar, — ela diz, me dando um abraço


rápido. — Eu disse a seu pai que deveríamos pular a
recepção...

— É um centro de eventos, — digo a ela. — Não


abertamente.

— Mesmo assim...

— Estamos indo, — diz meu pai em seu jeito imperioso.


— Você pode vir ou não, Éloise.

Minha mãe suspira, seus lábios finos e pálidos de


estresse. — Estou indo, — ela diz.
Pegamos um táxi até o centro de eventos Heritage House.
Assim que meu pai sai do carro, ele é cercado pela imprensa e
pelo flash de uma dúzia de câmeras. Obviamente, a notícia do
tiroteio se espalhou. As pessoas estão gritando perguntas para
ele de todos os lados.

— Você tem alguma ideia de quem iria querer matá-lo, Sr.


Solomon?

— Esta foi a primeira vez que você sofreu um ataque?

— Isso está relacionado à sua campanha pela Freedom


Foundation?

— Você ainda está avançando com sua aliança?

— Você tem uma declaração para o atirador?

Meu pai se ergueu em toda a sua altura, de frente para o


semicírculo de câmeras e microfones.

— Eu tenho uma declaração, — diz ele. — Para o homem


que atirou em mim hoje – você falhou. Ainda estou de pé. E
mesmo se você tivesse conseguido me matar, minha causa
nunca morrerá. Esta é uma aliança global, um movimento
global. A humanidade decidiu que não mais suportaremos a
escravidão e o abuso de nossos membros mais vulneráveis. Eu
nunca vou parar de lutar pelo fim do tráfico humano, e nem
meus aliados aqui em Chicago, e em todo o mundo.

Não sei se ele preparou aquele discurso, ou se o imaginou


na hora. Meu pai sempre pronuncia suas falas com a precisão
de um professor e o fogo de um pregador. Seus olhos estão
brilhando e ele parece uma força da natureza.

Eu acho isso assustador. Para mim, parece que ele está


provocando o atirador. Esse homem ainda está correndo solto.
Se ele foi pago para fazer o trabalho, provavelmente pretende
tentar novamente. Não gosto de ficar parada aqui na escada,
aberta e desprotegida.

Fico aliviada quando Tata termina sua declaração à


imprensa para que todos possamos entrar.

O Heritage House não se parece realmente com uma casa


– mais como um celeiro gigante reformado com paredes com
painéis de cedro, lustres de ferro, luzes de corda e janelas
panorâmicas com vista para um jardim. É rústico e pitoresco,
muito mais bonito do que o salão de baile de um hotel comum.

A banda também não é o quarteto de cordas usual. É


composto por uma menina loira com um vestido de algodão
branco e botas de cowboy, com um violão pendurado no
pescoço, e três homens tocando um contrabaixo, um violino e
um banjo. A música deles não é piegas – é adorável. A menina
tem uma voz baixa que começa rouca, então sobe alto, clara
como um sino.

Os garçons carregam bandejas de champanhe e limonada


gaseificada com canudos listrados. Percebo que quase não
comi o dia todo. Estou faminta. Vou até o buffet, grata por ver
que há comida de verdade, não apenas canapés. Começo a
encher um prato com uvas, morangos e camarão, enquanto a
mulher grávida ao meu lado faz o mesmo.

Enquanto pegamos um sanduíche de salada de frango ao


mesmo tempo, ela se vira para mim e diz: — Oh, olá de novo!

Eu fico olhando para ela sem expressão, confusa com o


quão familiar ela parece. Então eu percebi que estávamos no
palco juntas hoje cedo – ela estava sentada no lado oposto,
então eu a vi apenas de relance por um momento.

— Você é a esposa de Callum Griffin, — eu digo.

A mulher ri alto e contagiante. — Você não me reconhece,


Simone? É a barriga?

Ela se vira de lado para me mostrar sua barriga de


grávida em um perfil completo e glorioso.

É o rosto dela que estou olhando – aqueles olhos cinza


brilhantes, contra a pele bronzeada e o sorriso largo e branco.

— Aida! — Eu suspiro.

— Isso mesmo. — Ela sorri.

Ela era uma criança tão magra, rebelde, quase selvagem.


Não consigo conectar a imagem que tenho dela em minha
mente – joelhos esfolados, cabelo emaranhado, roupas sujas
de menino – com a mulher glamourosa parada na minha
frente.

— Você está tão bonita! — Eu digo, antes que eu possa


me impedir.
Aida apenas ri mais. Ela parece achar que essa é a melhor
piada do mundo.

— Aposto que você não viu isso chegando! — Ela diz. —


Ninguém pensava que eu cresceria para ser gostosa quando
corria como Mogli, aterrorizando as crianças vizinhas. Houve
um verão inteiro em que não usei sapatos nem escovei os
dentes nenhuma vez.

Eu quero abraçá-la. Sempre gostei de Aida e Sebastian, e


até de Nero. Enzo foi afetuoso comigo também. Eles foram
todos gentis – mais do que eu merecia.

— Eu li sua entrevista na Vanity Fair, — diz Aida. — Eu


estava checando para ver se você me daria um elogio, mas não
tive essa sorte...

— Deus, eu odeio fazer isso, — eu balanço minha cabeça.

— Modelo mais bem paga do ano em 2019, — diz Aida. —


Tenho mantido o olho sobre você.

Eu me sinto corando. Eu nunca gostei particularmente


da “fama” da modelagem. Felizmente, mesmo as principais
modelos não são tão famosas quanto atores ou músicos. Ou
tão fácil de reconhecer quando não tivemos o benefício de uma
equipe de cabeleireiro e maquiagem. Então, ainda posso me
locomover anonimamente na maioria das vezes.

— Quem é a número um este ano? — Aida me provoca.


— Você a odeia?
— Eu realmente não presto atenção em nada disso. — Eu
balancei minha cabeça. — Quer dizer, estou grata pelo
trabalho, mas...

— Oh, vamos lá, — diz Aida. — Eu quero os detalhes


sujos. Quem é legal e quem é uma merda total? Quem está
dormindo junto que eu nunca imaginaria?

Não posso acreditar o quanto Aida conseguiu reter a


energia selvagem que tinha quando criança. Ela é tão animada
e brincalhona. Ela tem toda a joie de vivre42 do mundo,
enquanto eu pareço não ter mais nada disso.

Tento brincar junto, pensar em algo que possa diverti-la.

— Bem, — eu digo. — Havia um fotógrafo...

Antes que eu possa ir mais longe, Callum Griffin se junta


a nós.

— Desculpe, não tivemos a chance de nos conhecermos


adequadamente antes, — diz ele, apertando minha mão.

— Sim, — Aida diz a ele, em um tom pretensioso. — Que


negligência da sua parte não se apresentar no meio do tiroteio,
meu amor.

— Vejo que você conheceu minha esposa, — diz Callum.


Posso dizer que ele está acostumado com as provocações de
Aida.

42 Alegria de viver.
— Na verdade, já nos conhecemos há muito tempo, — diz
Aida.

— Vocês se conhecem? — Callum levanta uma


sobrancelha escura e espessa.

— Sim. Você não tinha ideia de que eu sou melhor amiga


da mulher mais linda do mundo, não é? — Aida ri.

— Eu sou casado com a mulher mais linda do mundo, —


Callum diz, sorrindo para ela.

— Oh meu Deus! — Aida passa o braço dele pelo paletó.


— Que encantador. Não admira que você continue sendo eleito
para as coisas.

— Obrigado por vir ao comício hoje, — Callum me diz. —


É uma boa causa.

— Sim, obrigada, Simone, — Aida diz solenemente. — Eu


sei que a maioria das pessoas é pró-tráfico de crianças, mas
não você. Você está firmemente contra, e eu respeito isso.

— Sim, estou, — digo, tentando não rir. Aida não mudou


nada. Ela pode ter crescido para parecer a esposa de um
político, mas seu coração alegre é o mesmo.

Olhando para a barriga de Aida novamente, eu digo: —


Parabéns, vocês dois. Vocês sabem qual o sexo?

— Um menino, — Callum diz com orgulho. Acho que ele


ficaria orgulhoso de qualquer maneira, mas eu estava com
Dante por tempo suficiente para saber o que um filho significa
para essas famílias dinásticas.

— Isso é maravilhoso! Eu... — Eu paro no meio da frase.


Sem pensar, ia dizer que também tinha um filho.

— O que foi? — Aida pergunta. Seus olhos acinzentados


estão examinando meu rosto. Lembro-me muito bem de como
ela é inteligente e perspicaz.

— Eu só ia dizer o quanto estou feliz por você. Tenho


certeza de que você... toda a família deve estar tão animada.

É a primeira vez que mencionei Dante, ainda que


indiretamente.

Aida ainda está me observando de perto, a cabeça


ligeiramente inclinada para o lado.

— Eles estão, — ela diz suavemente. — Todos eles.

Conhecendo a curiosidade de Aida, fico surpresa por ela


ainda não ter me perguntado sobre Dante. Sua contenção
provavelmente não é um bom sinal. Significa que ela sabe que
as coisas entre nós ainda estão péssimas.

— Oh, — diz Callum. — Lá está Ree.

Eu sigo seu olhar para ver Riona Griffin entrando no


local, vestida com um vestido de cobalto deslumbrante. O
vestido é modesto, de mangas compridas, mas envolve seu
corpo na perfeição. Aquele azul rico contra sua pele macia e
cabelo vibrante é muito mais atraente do que qualquer
quantidade de pele nua poderia ser.
Com certeza, Dante segue três metros atrás dela. Meu
coração voa para cima, como uma codorna assustada do mato.
Com a mesma rapidez, uma flecha o atravessa quando o olhar
severo de Dante passa por mim como se eu nem estivesse lá.

Eu me pergunto se ele e Riona vieram juntos. Eles devem


ter vindo, chegando ao mesmo tempo.

Posso sentir Aida me observando, observando minha


reação ao irmão. Eu gostaria de poder manter meu rosto tão
imóvel e pétreo quanto o de Dante.

— Vamos! — Aida diz abruptamente, agarrando meu


braço. — Vamos dizer oi!

Eu não tenho escolha. Ela me arrasta até Dante, com um


aperto surpreendentemente forte para alguém que é menor do
que eu e já carrega outro humano onde quer que vá.

Ela praticamente me empurra direto para ele, dizendo: —


Ei, irmão! Sou eu – sua única irmã. Só queria mostrar que
estou viva, já que você se esqueceu de me verificar.

— Eu vi Cal puxar você para fora do palco, — Dante diz


rispidamente.

Ele não está olhando para mim. Mas posso sentir a tensão
entre nós – densa e elétrica. Isso faz com que os cabelos da
minha nuca se arrepiem. Estou com medo de que ele se vire e
me enfrente. Mesmo assim, não suporto ser ignorada por ele.

— Você se lembra da nossa amiga Simone, não é? — Aida


diz.

— Aida, — Dante diz em um rosnado tão baixo que é mais


como uma vibração. — Pare de brincar.

Aida o ignora.

— Simone estava apenas dizendo o quanto ela amava


essa música, e como ela queria dançar. Por que você não a leva
para dar uma volta, irmão mais velho?

Não sei como ela tem coragem de dizer isso, impedindo-o


de fugir enquanto Dante parece zangado o suficiente para tirá-
la de seu caminho com um golpe de braço.

Ele vira seu olhar para mim, como se eu pudesse


realmente ter dito que queria um parceiro de dança.

Tento balbuciar uma negação, enquanto Aida fala por


cima de mim. — Continue! Eu sei que você se lembra de como
dançar, Dante.

Para minha surpresa, e sem minha concordância, Dante


coloca uma mão enorme em volta da minha cintura e me puxa
para a pista de dança. É a primeira vez que ele me toca em
nove anos. Posso sentir o calor de sua mão através do tecido
fino do meu vestido. Eu posso sentir os calos em sua palma.

Lembro o quão forte ele é. Como é fácil para ele me colocar


em posição.

Mas ele nunca foi tão rígido. Eu poderia muito bem estar
dançando com uma estátua. Nenhuma parte de nós está se
tocando, exceto minha mão na dele e a outra mão na minha
cintura. Ele está olhando para frente, por cima do meu ombro.
Sua boca parece sombria e zangada.

É uma tortura estar tão perto dele, mas com tanto espaço
entre nós.

Eu não aguento isso. Não suporto ser odiada por ele.

Tento pensar em algo para dizer – algo, qualquer coisa.


Tudo em que penso parece ridículo.

Como você tem estado?

O que você tem feito ultimamente?

Como está sua família?

Dante parece igualmente perplexo. Ou ele prefere o


silêncio. A música continua, melancólica e lenta.

Acho que ele não vai falar comigo – terminaremos essa


dança em silêncio e depois nos separaremos.

Então, como se as palavras doessem nele para sair, Dante


diz: — Você realmente ama essa música?

— Eu não sei, — eu sussurro.

Eu estava muito tensa para prestar atenção. Eu olho para


o palco agora.

A garota está cantando baixinho ao microfone. A música


é simples, com um leve toque country. Sua voz é baixa e clara
acima do violão. Ela assobia, franzindo os lábios e fazendo um
som como de uma Cotovia.

— Chama-se ‘July’, — diz Dante.

Nós nos conhecemos em julho. Não sei se ele pretende me


lembrar disso, ou se está apenas conversando um pouco
porque não quer dizer mais nada para mim.

Meu peito está queimando como se eu tivesse corrido


quilômetros em vez de dançar lentamente.

Eu posso sentir o cheiro de Dante, poderosamente


masculino. Ele não está usando a mesma colônia de antes,
mas o cheiro de sua pele é o mesmo – inebriante e cru. Posso
ver seus músculos se mexendo sob o paletó pesado. Ele é um
dançarino melhor agora. Mas não há prazer em seu corpo ou
em seu rosto.

Deus, essa cara...

A sombra escura ao longo de sua mandíbula, visível


mesmo quando ele está bem barbeado. A fenda profunda no
queixo. Seus olhos negros, os mais escuros e ferozes que já vi.
Seu cabelo escuro e espesso que parece molhado mesmo
quando não está, penteado para trás em sua testa.

Eu o quero. Tanto quanto nunca antes. Ainda mais...

É como se esse desejo estivesse crescendo e se


espalhando dentro de mim todo esse tempo, mesmo sem eu
saber. Todo o tempo em que pensei que estava esquecendo
dele... Eu nunca esqueci.

Posso sentir as lágrimas quentes picando meus olhos.


Pisco rapidamente para me livrar delas. Eu não posso deixá-lo
me ver assim.

Dante limpa a garganta. Ainda sem olhar para mim, ele


diz: — Li sobre a sua irmã. Eu sinto muito.

Eu faço um som estrangulado que deveria ser algo como


— Obrigada.

— Eles disseram que você adotou o filho dela.

Tudo fica mais lento ao nosso redor. As luzes de cordas


são um borrão de ouro. As paredes revestidas de madeira
deslizam em câmera lenta. Eu posso dizer que a música está
prestes a terminar, mas os últimos compassos parecem estar
se prolongando para sempre.

Eu poderia dizer a Dante a verdade agora.

Eu poderia dizer a ele que Henry é filho dele.

Mas duas coisas estão me impedindo:

Em primeiro, não tenho ideia se Dante ainda está inserido


na máfia italiana. Eu estou supondo que ele provavelmente
está. Não importa o quanto seu negócio possa ter crescido nos
últimos nove anos, duvido que ele tenha cortado todos os
vestígios de seu antigo emprego ou se livrado de seus laços com
os criminosos de Chicago. Ele é um homem tão perigoso
quanto antes – provavelmente ainda mais.
E em segundo, o motivo mais covarde...

Dante ficará furioso quando descobrir.

Quando parti, pensei no bebê apenas como meu. Meu


para proteger, meu para cuidar. Achei que era meu direito
levar meu filho para outro país, para uma vida mais segura.

Mas quando Henry foi arrancado de meus braços no


hospital, comecei a pensar de forma diferente. Cada vez que
perdia um momento de sua vida porque estava trabalhando –
um primeiro passo ou uma palavra inicial – percebia o quanto
Dante estava perdendo também.

Esconder minha gravidez foi horrível.

Esconder meu filho foi imperdoável.

Portanto, não posso contar a verdade sobre Henry,


porque estou com medo. Com medo de Dante.

Eu me encontro balançando a cabeça estupidamente.


Comportando-me como se Henry realmente fosse meu
sobrinho. Continuando minha mentira porque não sei mais o
que fazer.

A música chega ao fim e Dante solta minha mão.

Ele me dá um pequeno aceno de cabeça, quase uma


reverência.

Então ele se afasta de mim sem outra palavra.

E eu estou ali, miserável e sozinha, cada célula do meu


corpo ansiando pelo homem desaparecendo na multidão.
Por que eu dancei com ela?

Maldita Aida, por enfiar o nariz onde não pertence.

Estou acostumado com o desprezo total da minha irmã


pelos limites das outras pessoas, mas desta vez ela foi longe
demais. Ela sabe que Simone está fora dos limites, de todas as
maneiras concebíveis. Eu não falo sobre ela. Eu nem penso
nela.

Mas isso não é verdade, é?

Eu penso nela todos os dias, porra, de uma forma ou de


outra.

Por que isso nunca foi embora?

Depois que ela foi embora, acho que fiquei louco por um
tempo. Eu via Simone em toda parte – nas esquinas, nos
restaurantes, nos carros que passavam. Toda vez que eu virava
minha cabeça, pensando que era realmente ela, apenas para
perceber que era uma estranha. Alguém que realmente não se
parecia com ela.
E então a verdadeira foda mental começou. Seu rosto
começou a aparecer nas capas de revistas, em lojas de varejo
e corredores de cosméticos. Sua nova carreira parecia uma
piada cruel destinada a me atormentar. Uma vez adormeci
assistindo TV e acordei com o som de sua risada – ela estava
no The Late Show sendo entrevistada por Stephen Colbert.

— Então, como é ser a mulher mais linda do mundo,


Simone? Como o homem mais bonito, tenho alguns
pensamentos... — Risadas da audiência.

Eu não conseguia ficar longe dela. Não havia nenhum


lugar onde eu pudesse me esconder.

Eu odiava Chicago. Odiava meu trabalho. Eu até odiava


minha família, embora não fosse culpa deles. Odiava todas as
coisas que fizeram Simone me deixar. As coisas que me
tornaram indigno.

Eu não queria mais ser eu mesmo – o homem que a


amava e não era amado em troca.

Então, entrei para o exército.

Eu voei pelo mundo para o deserto esquecido por Deus,


apenas para encontrar um lugar onde eu não teria que ver seu
rosto.

Eu ainda queria, no entanto. Eu vi seu rosto no quartel,


nas dunas de areia, nas noites vazias e estreladas. Ele flutuou
atrás de minhas pálpebras fechadas à noite, quando tentei
dormir.
Eu teria dito a você que me lembrava de cada detalhe
disso.

E ainda assim, ela me tirou o fôlego no comício. Eu não


tinha lembrado nem um quarto de como ela pode ser bonita.

Ela parecia ainda mais deslumbrante esta noite. Ela


estava usando um vestido branco simples, de um ombro com
uma fenda de bom gosto na coxa esquerda. Cada vez que ela
se movia, eu tinha um vislumbre de sua perna longa e sua pele
bronzeada profunda contra o branco brilhante.

Sua cintura parecia apertada e magra sob minha palma.


Mas sua figura estava mais cheia do que costumava ser. É por
isso que a chamam de The Body – porque nunca houve um
corpo assim em toda a criação. Todas as outras mulheres no
mundo são apenas uma pálida imitação dela. Como se todas
fossem feitas à imagem dela, mas sem nenhuma das mesmas
habilidades. Ela é o Picasso e o resto são apenas cartões
postais.

Por que ela me deixou?

Eu sei porquê. Eu sei que falhei com ela naquela noite,


deixando-a sozinha e assustada no parque. Eu sei que a
apavorei quando apareci, enlouquecido e pingando sangue. E
eu sei que ela estava oscilando à beira de me deixar antes
mesmo, porque eu não era o homem que ela planejava amar,
aquele que sua família queria para ela.

Então eu acho que a pergunta para a qual eu realmente


quero saber a resposta é: por que ela não me ama, afinal? Por
que ela não me ama tanto quanto eu a amo?

Eu pensei que ela amava. Eu olhei em seus olhos e pensei


ter visto meus próprios sentimentos refletidos de volta para
mim. Achei que pudesse ver dentro dela e sabia exatamente o
que ela sentia.

Nunca estive tão errado.

Agora ela está de volta aqui, como um anjo que só visita


a terra uma vez a cada década. Eu sou o idiota que quer cair a
seus pés e implorar que me leve de volta para o céu com ela.

Um homem como eu não merece o céu.

Eu posso ver os músicos terminando seu show. O


organizador do evento está mexendo nos microfones,
provavelmente prestes a trazer Yafeu Solomon ao palco para
falar.

Lembro-me do que ele disse sobre querer “me agradecer


em público”. Não tenho interesse nisso. Não quero o
agradecimento dele, nem a atenção de ninguém.

Então começo a me dirigir para a saída.

Foi estúpido vir aqui em primeiro lugar. Não sei por que
deixei Riona me amarrar nisso. O que eu achei que iria
acontecer? Que Simone iria se desculpar? Que ela me
imploraria para aceitá-la de volta?

Ela não fez isso no comício, então por que faria aqui esta
noite?

Eu não iria querer isso de qualquer maneira.

Ela não me queria naquela época, e certamente não quer


agora. Seu status aumentou como um foguete. Eu sou o
mesmo gângster que era antes – um pouco brilhante, mas
ainda com os nós dos dedos machucados e danificados, se você
olhar de perto.

Estou quase na porta quando Riona me intercepta.

— Aonde você vai?

— Não quero ouvir o discurso de Solomon.

Riona afasta uma mecha de cabelo ruivo brilhante. Ela


está bonita esta noite – ela sempre está bonita. Mas não me
deixo enganar pelo vestido ou pelos saltos. Ela é uma pitbull
em seu núcleo. E posso ver que ela está debatendo o quão
difícil é me empurrar, depois que ela já me armou fortemente
para vir aqui esta noite.

— Eu vi você dançando com Simone, — ela diz.

— Sim.

— O que ela disse?

— Nada. Mal nos falamos.

Riona suspira. — Você sabe que ela só está aqui por


alguns dias...
— Bom, — eu digo asperamente. — Então provavelmente
não a verei novamente.

Eu empurro Riona, deixando Heritage House.

Depois do calor e pressão da pista de dança, o ar fresco


da noite é um alívio. Riona me pegou no caminho, então ela
não vai se importar se eu for embora sem ela.

Quando atravesso o estacionamento, vejo Mikolaj Wilk e


Nessa Griffin estacionando no jipe de Nessa. Miko está
dirigindo e Nessa está se inclinando para descansar a cabeça
em seu ombro. Nessa está rindo de alguma coisa, e até mesmo
Miko tem um sorriso em seu rosto magro e pálido. Seu cabelo
claro é fantasmagórico no interior escuro do carro, e as
tatuagens subindo por seu pescoço parecem um colarinho
escuro.

Levanto minha mão para acenar para eles, mas eles não
me veem, muito envolvidos um no outro.

Puta que pariu. Não quero ficar com ciúme, mas é difícil
não ficar amargurado, quando mesmo o casal mais improvável
pode fazer isso funcionar, enquanto Simone e eu não podemos.

Mikolaj odiava os Griffins com cada fibra de seu ser. Ele


sequestrou Nessa, a filha mais nova deles. Ele assassinou Jack
Du Pont, guarda-costas e melhor amigo de Callum. No entanto,
de alguma forma, depois de tudo isso, ele e Nessa se
apaixonaram, casaram e até fizeram as pazes com a família
Griffin.
Acho que algo está faltando em mim.

Algum componente essencial necessário para a felicidade.

Porque a única vez que senti isso foram aqueles poucos e


curtos meses com Simone. E ela obviamente não sentia o
mesmo.

Eu pego um Uber de volta para minha casa. As luzes


estão quase todas apagadas – Papa vai para a cama cedo agora,
e Nero provavelmente saiu com sua namorada Camille. Apenas
a luz do quarto de Seb está acesa. Posso vê-lo no alto do
terceiro andar, como um farol acima do mar escuro do
gramado.

Eu corro até a calçada da frente. O pavimento está


rachado. O quintal está cheio de folhas mortas. Os velhos
carvalhos cresceram tão altos e grossos que a casa fica muito
sombreada – perpetuamente escura, mesmo durante o dia.

Ainda é uma bela mansão antiga, mas não durará para


sempre.

O filho de Aida provavelmente nunca morará aqui.

Talvez se Nero ou Seb tiverem um filho, haverá mais uma


geração dando vida a essas velhas paredes.

Eu não me vejo tendo filhos nunca. Embora eu mal tenha


mais de trinta anos, me sinto velho. Como se a vida já tivesse
passado por mim.

Enquanto subo os degraus para a porta da frente, vejo


um pacote na varanda. É pequeno, mais ou menos do tamanho
de uma caixa de anel, embrulhado em papel pardo.

No meu mundo, você não pega pacotes não marcados.


Mas isso é muito pequeno para ser uma bomba. Pode estar
cheio de antraz, suponho.

Neste momento, eu realmente não me importo. Eu pego e


tiro o embrulho.

Posso ouvir algo sacudindo dentro da caixa. Parece


pequeno e duro. Pesado demais para ser um anel.

Eu abro a tampa.

É uma bala do calibre cinquenta – feita à mão. Liga de


bronze. Cheirando a óleo e pólvora.

Eu a retiro da caixa, girando o cilindro frio e escorregadio


entre meus dedos.

Há uma nota aninhada em algodão. Pequena, quadrada


e escrita à mão.

Diz: Eu sei quem você é.


Estou tomando café da manhã com meus pais no quarto
deles. Temos suítes adjacentes, então é fácil passar pela porta
entre elas enquanto ainda estou de pijama e me sentar à mesa
cheia de bandejas do serviço de quarto.

Mama sempre pede comida demais. Ela odeia a ideia de


que alguém possa passar fome, embora ela própria coma como
um pássaro. Ela tem travessas de frutas frescas, bacon, ovos,
presunto e doces, bem como café, chá e suco de laranja.

— Eu tenho um prato de waffles aqui para Henry


também, — ela me diz quando me sento.

— Ele ainda está dormindo.

Depois da arrecadação de fundos, Henry e eu nos


abraçamos e assistimos a um filme até tarde da noite. Eu
estava estressada e chateada com minha dança com Dante. A
única coisa que me acalmou foi a sensação da cabeça do meu
filho pousada no meu ombro e sua respiração tranquila e lenta
depois que ele adormeceu.
— O que vocês estavam assistindo? — Mama me
pergunta. — Eu ouvi explosões.

— Desculpe, — eu digo. — Eu deveria ter abaixado.

— Oh, está tudo bem. — Mama balança a cabeça. — Seu


pai usa protetores de ouvido e eu estava acordada lendo de
qualquer maneira.

— Era Homem-Aranha no Aranhaverso, — digo a ela. —


Esse é o filme favorito de Henry.

Eu também amo, na verdade. Miles Morales me lembra


Henry – inteligente, de bom coração, determinado. Às vezes
bagunçando, mas sempre tentando de novo.

Quem eu seria no filme?

Peter B. Parker, eu acho. Fodeu com a própria vida, mas


ainda pode ser um bom mentor, pelo menos.

É nisso que estou me segurando. Já cometi tantos erros,


mas farei o que puder para dar uma boa vida a Henry. Eu
quero dar a ele o mundo e a liberdade para encontrar seu
caminho nele.

— Como você dormiu, Tata? — Eu pergunto ao meu pai.

— Bem, — diz ele, bebendo seu café. — Você sabe que eu


posso dormir em qualquer lugar.

Meu pai parece realizar coisas por pura força de vontade.


Ele nunca permitiria que algo tão mundano como um colchão
irregular ou o barulho da rua o mantivesse acordado.

— O que devemos fazer com Henry hoje? — Mama diz.

— Oh... — Eu hesito. Eu estava planejando deixar


Chicago hoje. Tenho outro trabalho reservado em Nova York
na próxima semana – pensei em levar Henry lá mais cedo, ir
ver alguns shows da Broadway juntos.

— Você ainda não está indo embora, está? — Mama


pergunta queixosamente. — Nós mal conseguimos ver você.

— Você não terá outro serviço até a próxima semana, —


diz meu pai. — Qual é a pressa?

Odeio quando ele entra em contato com minha assistente.


Vou dizer a ela para não dar mais a ele minha agenda.

— Acho que posso ficar mais um ou dois dias, — admito.

Nesse momento, alguém bate na porta.

— Quem será? — Mama diz.

— Provavelmente Carly, — digo a ela. O quarto de Carly


fica no final do corredor. Todos nós dormimos até tarde, depois
do horário em que ela geralmente começa os trabalhos
escolares de Henry.

Meu pai já está caminhando para abrir a porta. Em vez


do corpo pequeno de Carly, estou chocada ao ver os ombros
largos de Dante preenchendo a porta.

— Bom dia, — diz ele educadamente.


— Bom dia. Entre, — meu pai diz imediatamente.

Dante entra. Seus olhos encontram os meus e minha mão


aperta com força em torno da minha caneca de café. Eu
gostaria de ter penteado meu cabelo e lavado meu rosto. E eu
gostaria de não estar usando pijama com pequenos abacaxis
por cima.

— Venha tomar o café da manhã conosco, — diz Mama.

— Eu já comi, — Dante responde rispidamente. Então,


para suavizar a rejeição, ele diz: — Mas, obrigado.

— Tome um pouco de café, pelo menos, — diz Tata.

— Tudo bem.

Mama serve uma caneca para ele. Antes que ela possa
adicionar qualquer açúcar, eu digo: — Só creme.

Os olhos de Dante piscaram para mim novamente, talvez


surpreso que eu me lembre de como ele gosta de seu café.

Reunindo coragem, pego a caneca e entrego a ele. Seus


dedos grossos roçam as costas da minha mão enquanto ele a
pega. Eu posso sentir aquele breve toque persistente na minha
pele.

— Obrigado, — diz Dante. Ele está dizendo isso para mim,


olhando nos meus olhos. É a primeira vez que ele olha para
mim sem raiva no rosto. Ele ainda não é amigável, mas é uma
melhora.
— Então, o que podemos fazer por você, Dante? — Meu
pai pergunta.

Dante ainda está de pé. Ele olha sem jeito ao redor em


busca de algum lugar para pousar sua caneca, por fim
colocando no parapeito da janela.

— Eu quero saber quem atirou em você ontem, — diz ele


sem rodeios.

— Também gostaria de saber, — responde Tata.

— Você tem alguma ideia?

— Receio ter feito muitos inimigos com esta nova aliança.


Você pensaria que esse seria um tópico com o qual qualquer
pessoa poderia concordar, mas, na verdade, irritou muitas
pessoas importantes. Pedimos sanções extremas contra países
como a Arábia Saudita, que permitiram de fato a escravidão
dentro de suas fronteiras.

— É daí que vêm as ameaças de morte? — Dante


pergunta. — Arábia Saudita?

— Algumas, — diz Tata. — Algumas da Rússia, China,


Irã, Bielo-Rússia e Venezuela também. Fizemos pressão para
que esses países fossem rebaixados ao nível 3 pelo
Departamento de Estado – o que significa que eles são
considerados países que não cumprem os padrões mínimos de
direitos humanos em relação ao tráfico.

Dante franze a testa, pensando. — E as ameaças


nacionais? — Ele pergunta.

— Também fizemos muitos inimigos na América, —


admite Tata. — Estamos pressionando por um processo
agressivo e sentenças mais duras para as pessoas que
facilitam o tráfico sexual dentro e fora de solo americano. Por
exemplo, cidadãos americanos que alugam jatos particulares e
barcos offshore para tais fins. Tenho certeza de que você está
familiarizado com a enxurrada de acusações contra políticos e
celebridades que compareceram a esse tipo de... festas.

— Já ouvi falar, — grunhe Dante. — Alguém em


particular pode culpá-lo por essas acusações?

— Talvez uma pessoa, — diz Tata. — Mas ele saiu


impune, então não acho que ele tenha muita motivação para
se vingar.

— Quem? — Dante diz.

— O nome dele é Roland Kenwood. Ele é um editor.


Também fortemente envolvido na política. Rico como o pecado,
é claro. É por isso que o caso nunca foi a lugar nenhum.

— Onde ele mora? — Eu pergunto.

— Aqui em Chicago, — Dante interrompe. — Eu sei quem


ele é.

— Sim, tenho certeza de que Callum Griffin cruzou com


ele, — diz Tata.

— Você acha que ele arriscaria contratar alguém para


matá-lo, bem no território dele? — Eu digo.

Meu pai dá de ombros. — As maquinações mentais de um


homem que contrataria meninas de quinze anos para suas
festas estão além de mim. Talvez ele quisesse ver cair. Ou
talvez não fosse ele mesmo. Eu não sou um detetive, apenas
um diplomata.

Dante balança a cabeça lentamente. Ele parece achar que


é uma boa pista.

A porta entre as duas suítes se abre. Henry entra


tropeçando, com os olhos sonolentos, com o cabelo um
emaranhado de cachos em volta da cabeça e a blusa do pijama
listrado mal abotoado de forma que um lado fica mais baixo do
que o outro.

Eu congelo ao vê-lo. Quando vejo Dante olhando


diretamente para seu filho, não consigo nem respirar.

Eu me pergunto se Dante percebe como a sala ficou


silenciosa. Henry não parece notar. Ele dá a Dante um olhar
rápido e curioso, então vai direto para a mesa do café da
manhã.

— Alguma panqueca?

— Sim, — Mama diz apressadamente. — Quero dizer, há


waffles...

Ela puxa a tampa da bandeja.

Ainda estou observando Dante, meu coração na garganta.


Existe um lampejo de suspeita em seus olhos escuros?
Ou ele apenas vê um menino como qualquer outro?

— Vou deixar vocês voltarem para a comida de vocês, —


Dante diz a todos nós.

Ele se dirige para a porta.

Eu pulo e corro atrás dele, esperando até que ele saia no


corredor para dizer: — Um momento!

Dante para, virando-se lentamente.

— Eu quero ir com você, — eu digo.

— Onde?

— Para falar com este Kenwood. Eu sei que você vai vê-
lo.

— Não acho que seja uma boa ideia.

— Se ele está tentando matar meu pai, quero ajudar a


detê-lo. Você nem sempre estará lá para bloquear qualquer
bala vindo em nossa direção.

— Ele saberá quem você é, — diz Dante.

— E daí? Isso pode ser uma coisa boa. De que outra forma
você vai fazê-lo falar com você? Ele pode ser instigado a fazer
isso, se ele me conhece.

Dante franze a testa. Ele não gosta nada dessa ideia. Seja
porque ele acha que só vai causar mais problemas, ou porque
ele não quer ficar comigo, não sei dizer.

— Vou pensar sobre isso, — diz ele, por fim.

Ele se vira para sair novamente. Quero dizer outra coisa,


qualquer outra coisa, mas não sei o quê.

Finalmente, deixo escapar: — Obrigada, Dante. Por salvar


a vida do meu pai. E por investigar isso.

— Não estou prometendo nada, — diz Dante. — Mas eu


quero saber quem é esse atirador.

Sinto uma onda de esperança em meu peito.

Eu sei que Dante não está fazendo isso por mim.

Ainda assim, se alguém pode descobrir isso, é ele.


Não posso ter certeza se o atirador é local ou não, mas
acredito que sim.

Não é fácil transportar esse tipo de equipamento


internacionalmente. Melhor usar um atirador local – se você
puder encontrar alguém com as habilidades para lidar com um
trabalho como esse.

E acho que um filho da puta arrogante como Kenwood


ordenaria o golpe em algum lugar que ele pudesse ver. Qual é
a graça de ter um inimigo assassinado se você não pode
assistir as consequências?

Tenho quase certeza de que a pólvora era um propelente


de nitrocelulose. A Du Pont o fabrica em uma fábrica em
Delaware. Esse tipo de pó é menos comum do que costumava
ser, quando a Du Pont se tornou o principal fornecedor para
os militares.

Isso me faz pensar que o atirador é velho ou tem algum


apego a essa mistura em particular. Será que o propulsor foi
fornecido para algum outro grupo, além do exército?
Fora isso, não tenho nenhuma pista.

Exceto a nota.

Eu sei quem você é.

O que isso significa? Obviamente, foi deixado para mim


pelo atirador. Tenho certeza de que ele estava chateado por eu
ter estragado seu trabalho. Ele não será pago, já que Solomon
não morreu.

Mas por que a nota? Se ele encontrou minha casa e quis


se vingar, ele poderia simplesmente ter se escondido e atirado
em mim.

Eu sei quem você é.

Ele estava apenas me deixando saber que ele me


rastreou? Não teria sido tão difícil de fazer – a tentativa
frustrada de assassinato estava em todos os noticiários.
Contra minhas preferências, Yafeu Solomon me identificou
abertamente como a pessoa que interveio. Encontrar minha
casa teria sido simples.

Não, a mensagem significa mais do que isso.

Eu sei quem você é.

Ele está falando sobre meu tempo no exército. Eu fiz parte


da segunda onda de soldados enviados de volta ao exterior
depois que o Estado Islâmico conquistou áreas do Iraque e da
Síria. Trabalhamos com as forças iraquianas para retomar
Mosul, Anbar e Fallujah.
Os atiradores de elite foram cruciais, já que a maioria dos
combates ocorreram em ambientes urbanos. Cobrimos as
tropas terrestres enquanto eles avançavam pelas cidades,
limpando prédio após prédio.

Às vezes, os atiradores rivais tinham seus próprios


poleiros e tínhamos que triangular, montar cortinas de fumaça
e tentar expulsá-los. Se fôssemos a guarda avançada, as
batalhas de franco-atiradores durariam dias.

Tive cento e sessenta e duas mortes confirmadas. O


exército me deu uma estrela de prata e três estrelas de bronze.

Nada disso significa porra nenhuma para mim. Mas


significa algo para outras pessoas. Talvez para este outro
atirador.

Ele decidiu que somos antagonistas. Rivais.

Tiro sua bala do bolso e a rolo entre meus dedos


novamente. Ele deixou isso para mim como um aviso.

Tento pensar qual será seu próximo movimento.


Atacando Solomon novamente? Me atacando?

Estou fervendo de frustração. Não conheço esse homem,


então não consigo imaginar como ele pensa.

A única maneira de descobrir quem ele é, é descobrindo


quem o contratou. Portanto, por esse motivo, preciso visitar
Roland Kenwood.

Nós não frequentamos exatamente os mesmos círculos.


Embora haja alguma coincidência com Callum Griffin e os
políticos que Kenwood mantém em seu bolso, o resto de suas
conexões estão entre os rostos famosos de Chicago. Kenwood
é uma “celebridade idiota” por falta de um termo melhor. Ele é
conhecido por dar festas chamativas e glamourosas, repletas
de músicos, atletas, modelos e, é claro, escritores.

A editora Kenwood é especializada em biografias. Ela


publicou várias das autobiografias mais vendidas da última
década, incluindo as dos dois últimos presidentes.

É por isso que acho que posso realmente precisar de


Simone, afinal.

Não sou famoso – nem perto disso. Mas ela é.

Mesmo que Kenwood odeie Yafeu Solomon com todas as


fibras de seu ser, Simone poderia entrar em uma de suas
festas. Ela seria a joia da coroa no evento – um dos rostos mais
famosos do planeta.

Não gosto da ideia. Primeiro, porque cada segundo que


passo perto dela é pura tortura. E em segundo lugar, porque
Kenwood é perigoso. Já odeio o fato de Simone estar passando
um tempo com o pai enquanto ele tem um alvo pintado nas
costas. A ideia de trazê-la direto para a cova dos leões me deixa
doente.

Mas eu não vejo nenhuma maneira de contornar isso.

Mando uma mensagem para ela, porque eu não acho que


tenho estômago para ouvir sua voz ao telefone.
Roland Kenwood vai dar uma festa amanhã à noite.
Você quer vir comigo?

Simone responde imediatamente:

Estou dentro.

Nós paramos nos portões da propriedade de Kenwood em


River North. Já posso ouvir a batida da música eletrônica vindo
da casa, embora não consiga ver nada por entre as densas
árvores.

Os seguranças examinam a lista, nada impressionados


com a Ferrari que aluguei para esta noite. Eu esperava que
eles simplesmente me deixassem passar se me vissem em um
carro de quatrocentos mil dólares.

Não tive essa sorte. Eles olham para mim pela janela,
carrancudos.

— Vocês não estão na lista, — um deles grunhe.

Simone se inclina para a frente. Ela está linda em um


minivestido prateado que adere ao corpo. Seu cabelo é uma
nuvem de cachos em volta do rosto. Isso faz com que seus
traços pareçam particularmente suaves, jovens e femininos.
— Você tem certeza? — Ela diz, em sua voz gentil e culta.
— Acho que o Sr. Kenwood estava particularmente ansioso
para me conhecer. Você sabe quem eu sou, não é?

— Sim, — o segundo guarda diz rapidamente. — Eu ainda


tenho minha Sports Illustrated com você na capa.

Simone dá a ele seu sorriso mais encantador. Eu sei que


ela está apenas nos levando através dos portões, mas me faz
queimar de ciúme vê-la olhando para ele com aqueles olhos de
gato, seus cílios grossos tremulando.

— Isso é tão fofo! — Ela diz. — Eu gostaria que você a


tivesse aqui. Eu assinaria para você.

— Vou avisar ao Sr. Kenwood que vocês estão subindo,


— diz o guarda educadamente.

— Obrigada! — Simone diz, mandando um beijo para ele.

Eu coloquei o carro em movimento, mal esperando os


portões se abrirem antes de eu entrar ruidosamente. Posso
sentir minha nuca queimando. Simone está ainda mais linda
agora do que quando a conheci. Eu me pergunto se eu
aguentaria ficar com ela, o jeito que os homens babam por ela
em todos os lugares que ela vai. Esses guardas não
conseguiam manter suas mandíbulas fechadas. Isso me fez
querer pular do carro e bater nos dois. E Simone nem é minha.

Não importa. Isso não é mais uma opção.

Simone deixou bem claro há nove anos o que ela sente


por mim.

Eu nunca vou dar a ela outra chance de arrancar meu


coração e pisar nele. Eu quase não sobrevivi da última vez.

Aceleramos para a casa. Simone deixa escapar um


pequeno suspiro ao vê-la. Não acho que ela esteja
impressionada – o lugar é simplesmente escandaloso. É a
mansão mais ostentosa que já vi. Parece que seria mais
adequado para Bel Air do que para Chicago.

É uma monstruosidade greco-romana branca, como três


mansões empilhadas uma em cima da outra. Uma confusão de
pilares e volutas, arcadas e passagens. O caminho
semicircular gira em torno de uma fonte gigantesca, maior do
que a fonte de Trevi em Roma. A água jorra da boca dos
golfinhos, enquanto várias sereias se agarram aos fortes
braços e pernas do Rei Tritão.

Eu paro ao lado da fonte para que o manobrista possa


pegar minhas chaves.

— Oh meu Deus, — sussurra Simone, saindo do carro.

— Sejam bem-vindos, — diz o manobrista. — Vão até o


nível principal. A festa é em toda a casa e nos fundos.

Mais carros estão chegando atrás de nós. Cada um é um


supercarro que vale duzentos e cinquenta mil dólares ou mais.
Um garoto que parece ter vinte e um anos sai de um
Lamborghini. Ele está vestido com uma camisa de seda com
estampa tropical e calças combinando, com cerca de vinte
correntes de ouro penduradas no pescoço. Ele está usando
óculos escuros espelhados, apesar de serem dez horas da
noite.

— Não acho que esse seja o meu tipo de festa, — digo à


Simone.

— Qual é o seu tipo de festa? — Ela me pergunta, a


sobrancelha levantada.

— Bem... — Agora que penso nisso, acho que nenhum


tipo de festa.

— Talvez um copo de Guinness, uma hora de basebol e


um passeio de carro ao longo da margem do lago, — diz
Simone, com um pequeno sorriso.

Esse seria o dia perfeito para mim.

Me perturba a facilidade com que Simone listou isso.


Assim como ela se lembrava de minhas preferências por café.
Isso me faz sentir inexperiente e exposto.

Às vezes, digo a mim mesmo que a intensa conexão que


senti com Simone estava totalmente na minha mente. Que não
poderia ser real, ou ela nunca teria partido.

Aí ela prova que realmente me entendeu, e isso fode com


a minha cabeça. Fode com a história que contei a mim mesmo
para explicar como ela pôde me deixar tão facilmente.

Eu sei que estou carrancudo para ela. Eu posso dizer pela


maneira como ela se afasta de mim, o sorriso desaparecendo
de seu rosto.

— Vamos entrar na casa, — eu digo.

— Claro, — Simone responde em voz baixa.

Não pego seu braço, mas fico perto dela quando entramos
na mansão de Kenwood. As luzes estão baixas e não sei quem
estará aqui.

A música é alta e forte, sacudindo as paredes e sacudindo


a arte nas paredes. Enquanto o exterior da casa é uma
antiguidade falsa, o interior é todo pop-art fluorescente, móveis
Lucite, máquinas de pinball e esculturas espalhafatosas que
parecem lábios vermelhos gigantes, guitarras cintilantes e
animais de balão cromados.

Os convidados são igualmente extravagantes. Metade das


roupas combinaria mais em um circo do que em uma festa,
mas vejo marcas suficientes para saber que tudo é caro.

— É isso que está na moda agora? — Murmuro para


Simone.

— Acho que sim, se você tiver dinheiro para isso, — diz


Simone. Ela acena com a cabeça em direção a uma jovem
usando um minivestido colante e um par de botas de pele azuis
na altura da coxa. — Essas botas custam quatro mil dólares.
Elas são da linha de outono da Versace, que ainda nem foi
lançada.

— Hã. Achei que ela esfolou um Muppet.


Simone ri. — Bem, caro nem sempre significa atraente.

Lembro-me que Simone queria desenhar roupas próprias,


antigamente.

— Você acabou indo para Parsons? — Eu pergunto a ela.

Ela balança a cabeça. — Não. Eu nunca fui.

— Por que não?

— Oh... — ela suspira. — Trabalho e... outras coisas


atrapalharam.

“Outras coisas” significando seus pais, provavelmente.

— Eu faço esboços de projetos às vezes... — Simone diz.


— Eu tenho um caderno cheio deles.

Sem pensar, digo: — Gostaria de vê-los.

— Você gostaria?

Ela está olhando para mim com a expressão mais


comovente em seu rosto. Por que DIABOS ela se importa com
o que eu penso? Eu não a entendo. Como ela pode ser tão
insensível comigo, e ainda assim tão vulnerável?

— É melhor irmos, — digo asperamente. — No caso de


aqueles guardas realmente chamarem Kenwood.

— Certo, — Simone diz, baixando os olhos. — Claro.

A casa está cheia de festeiros, especialmente no andar


principal. Olhando para o quintal, podemos ver dezenas de
pessoas relaxando ao redor da piscina, nadando ou
mergulhando na banheira de hidromassagem. Alguns parecem
ter caído na piscina com suas roupas, enquanto outros estão
seminus ou totalmente nus.

O lugar inteiro cheira a álcool. Há bebida em toda parte,


além de uma abundância de drogas de festa, à vista. Vejo um
grupo de moças misturando uma tigela cheia de comprimidos,
depois cada uma pegando um punhado e engolindo com
conhaque.

Algumas das garotas parecem extremamente jovens.


Principalmente as contratadas para trabalhar na festa. Elas
estão vestidas como convidadas, com minivestidos, tops,
shorts e saltos altos, mas fica claro pela maneira como elas
rondam a festa, encontrando homens mais velhos e sentando
em seus colos, que foram contratadas como entretenimento.

Simone as observa, carrancuda.

— Quantos anos você acha que elas têm? — Ela diz,


olhando para uma ruiva particularmente jovem com seu cabelo
em tranças.

— Eu não tenho ideia, — eu digo. — Kenwood


definitivamente tem uma reputação. Suponho que ele não seria
estúpido o suficiente para trazer alguém com menos de 18
anos aqui na cidade. Mas dizem quando ele leva os convidados
para seu barco... ele traz meninas de 12 anos.

— Isso me dá vontade de vomitar, — diz Simone


friamente.

— Concordo.

— Eu tinha três tias, — diz ela, baixinho. — As irmãs mais


velhas do meu pai. Elas pensaram que estavam conseguindo
empregos como empregadas domésticas. Então eles
desapareceram. Tata acha que elas podem ter sido traficadas.
Ele as procurou por anos, mas nunca as encontrou. É por isso
que ele começou a Freedom Foundation.

Eu não sabia disso. Presumi que Yafeu estava usando


trabalhos de caridade como a maioria das pessoas ricas faz –
para melhorar seu status e conexões. Eu não sabia que ele
tinha uma conexão tão pessoal com o problema. Na verdade,
me faz sentir pena dele. Por um momento, pelo menos.

Simone olha ao redor da festa com foco renovado. — E


agora? — Ela me pergunta. — O que nós fazemos?

— Bem... — Ainda não vi Kenwood em lugar nenhum. —


Eu acho que quero bisbilhotar a casa dele. Tentar encontrar
seu escritório, um laptop ou iPad. Ver se consigo acessá-lo ou
roubá-lo e pedir a alguém mais inteligente para invadir.

— Tudo bem, — Simone diz nervosamente. Eu sei que ela


quer me ajudar, mas é aqui que cruzamos a linha de penetras
a criminosos. Ela provavelmente nunca quebrou a lei em sua
vida.

Subimos a escada larga e curva para o andar superior.


Todas as luzes estão apagadas aqui, provavelmente para
dissuadir os convidados de subir. Tenho que puxar Simone
para a sala mais próxima, para evitar um guarda que passa
rondando.

Há guardas por todo o lugar. A menos que Kenwood tenha


contratado segurança extra para a festa, ele é muito paranoico.
O que significa que ele tem algo a esconder.

Simone e eu começamos a vasculhar os quartos. Ela


mantém vigilância do lado de fora da porta, enquanto eu olho
cada espaço por vez.

Kenwood tem todos os tipos de coisas estranhas aqui.

Primeiro, encontramos uma enorme sala de bilhar com


cinquenta ou mais cabeças empalhadas na parede. Todos são
animais exóticos, alguns que eu nem sei nomear. Seus olhos
de vidro olham inexpressivamente para as cadeiras com
estampa de rosas e espreguiçadeiras listradas de zebra.

Ao lado dessa, uma sala que parece ser uma réplica exata
da ponte Star Trek Enterprise. Não sei a que propósito serve
para Kenwood. Só posso supor que ele entrou aqui e se sentou
na cadeira do capitão, olhando para a parede pintada para
parecer o espaço sideral.

— Isso é assustador, — sussurra Simone, espiando pela


porta.

— O quê?

Ela aponta. Existem câmeras escondidas em dois cantos


da sala. Na próxima sala também. Provavelmente por toda a
casa.

— É melhor nos apressarmos, — digo a ela. — Ele pode


já ter nos vistos.

Simone me segue mais adiante no corredor. Ainda não


vimos nada que se pareça com um escritório. Apenas um
quarto de hóspedes, um banheiro e outro quarto de hóspedes.

— Vamos, — murmuro para Simone. — Vamos verificar


as portas no final do corredor.

Ela está bem ao meu lado, sem me tocar, mas


caminhando tão perto que posso sentir o calor de seu corpo no
meu braço nu. Está mais frio neste andar do que no andar de
baixo. Posso ouvir o zumbido do ar-condicionado. E eu posso
ver os mamilos de Simone cutucando o material prateado
brilhante de seu vestido. Desvio o olhar rapidamente.

— Espere aqui, — eu digo a ela enquanto alcançamos as


portas duplas no final do corredor. — Se você ouvir alguém,
venha me encontrar.

Deslizo para dentro do que parece ser a suíte master de


Kenwood.

Atravesso um carpete gigante. O quarto de Kenwood


parece ter sido desenhado por Liberace. Sua cama fica em cima
de um estrado circular elevado, cercado por cortinas
penduradas e dois vasos enormes com flores de estufa. Posso
sentir seu perfume forte daqui. Tudo é enfeitado com borlas,
dourado ou espelhado. Todo o teto é um espelho, assim como
várias das paredes, o que dá ao quarto uma sensação
assustadora de casa de diversões. Eu continuo tendo
vislumbres do meu reflexo de diferentes ângulos, e isso me faz
pular toda vez, pensando que pode haver outra pessoa aqui.

Começo a vasculhar a mesinha de cabeceira e as gavetas


de Kenwood, procurando um telefone, tablet ou laptop extra.
Procuro por um cofre atrás das pinturas. Não sou tão bom em
quebrar fechaduras quanto Nero, mas posso conseguir abrir
um cofre com tempo suficiente.

Na área de estar, vejo uma parede inteira cheia de fotos


de Kenwood apertando a mão de pessoas famosas. Ele tem
prefeitos, governadores, senadores e presidentes, todos dando
a ele aquele aperto de mão esquisito com tapinha no ombro
que eles parecem adorar.

Depois, dezenas de outras fotos de Kenwood com atores,


cantores, modelos, CEOs e atletas. Ele até tem uma foto com
um astronauta, assinada e tudo. Duvido que Kenwood seja
realmente amigo de todas essas pessoas, mas é óbvio que ele
é um colecionador. Obcecado em brilhar para estar sob os
holofotes de outras pessoas.

Quando chego ao que penso ser o armário de Kenwood,


tenho uma surpresa. Atrás da porta, há uma salinha com uma
única cadeira. A parede inteira está repleta de monitores, e
cada monitor mostra uma das imagens das câmeras da casa.
Há câmeras em todos os cômodos, exceto o que estou
ocupando atualmente. Isso inclui a meia dúzia de quartos de
hóspedes espalhados pela casa.

Presumo que os convidados não sejam informados.


Porque agora, eu poderia assistir a vários casais diferentes
transando, ou o trio atualmente acontecendo na banheira de
hidromassagem. Se eu fosse um fodido lascivo como Kenwood.

Suponho que é assim que ele se diverte – sentado aqui


observando as garotas que contratou para servir seus amigos
ricos. Ou talvez ele use a filmagem para fazer chantagem. Isso
explicaria como ele conseguiu escapar das acusações feitas
contra ele pela Freedom Foundation e pelo Departamento de
Polícia de Chicago.

O computador conectado aos monitores é criptografado.


Mas eu poderia pegar o disco rígido. Eu conheço muitas
pessoas que poderiam invadir aquela coisa, se tivessem várias
horas e o incentivo financeiro certo. Inferno, aposto que Nero
poderia fazer isso.

Eu desconecto o disco e coloco na frente da minha calça


jeans, sob minha camiseta. Não é um ótimo esconderijo, mas
servirá por enquanto.

Volto para as portas, perguntando-me se devo contar à


Simone que descobri o que viemos buscar ou se devemos
continuar bisbilhotando.

Mas, quando volto para o corredor, não vejo Simone em


lugar nenhum.
Ela desapareceu completamente.
Enquanto Dante investiga o quarto principal, eu fico de
olho do lado de fora, certificando-me de que os guardas não
circulem ao redor.

Manter a guarda é muito chato. No começo, fico distraída


com o medo de ser pega e a sensação de culpa de me esgueirar
por algum lugar que você não deveria estar. Depois que isso
desaparece, estou apenas parada no escuro, ouvindo o baque
distante da música da casa. Eu vi o DJ no quintal – tenho
certeza de que ele é o mesmo que tocou na festa de aniversário
de Ryan Phillippe em Los Angeles.

Às vezes vou a festas de celebridades, quando Ivory me


arrasta. Ela adora esse tipo de coisa. É por isso que ela
começou a trabalhar como modelo – ela adora a atenção, a
sensação de ser especial.

Para mim, a atenção só me faz sentir mais solitária. As


pessoas pensam que amam Simone Solomon, mas na verdade
não me conhecem. Todos os elogios não significam nada,
porque são dirigidos à personagem que criei. Essa Simone é
apenas um produto. Ela não existe realmente.

Eu sei o que é ser amada por alguém que realmente me


entendeu. Dante não me amava como meus pais – por causa
do que eles queriam que eu fosse. Ele me amava exatamente
do jeito que eu era.

Serwa também. Mas ela se foi agora.

E Dante, embora ele esteja apenas a alguns metros de


distância, do outro lado daquela porta... ele poderia estar a um
quilômetro e meio de distância. Perdi seu amor para sempre
quando fugi dele.

Pelo menos eu tenho Henry.

Mas estou com medo. Com medo de que, ao fazer de


Henry o centro do meu mundo, eu coloque muita pressão sobre
ele, assim como meus pais fizeram comigo. Não é certo colocar
toda a minha felicidade nele. Ele não deveria ter que carregar
esse fardo.

Não sei mais o que fazer, no entanto.

Além de Henry, nada na minha vida realmente me deixa


feliz.

Deus, se eu não tivesse arruinado as coisas com Dante...

Eu pensei que o peguei olhando para mim enquanto


caminhávamos pelo corredor. Achei que seus olhos tinham a
mesma expressão de antes – famintos e atentos.
Mas então eu pisquei, e ele estava apenas olhando para o
corredor novamente, recusando-se a encontrar meus olhos.

Enquanto espero, ouço vozes no final do corredor. Estou


prestes a entrar no quarto para avisar Dante, mas posso ouvir
que as duas pessoas estão se movendo na direção oposta, para
a ala mais distante da casa.

Meu corredor e o deles formam um T. Conforme as figuras


cruzam a interseção dos dois pontos, vejo Roland Kenwood.
Pesquisei a foto dele online antes de chegarmos. Ele tem
estatura mediana, é magro, rosto comprido e bronzeado, nariz
aristocrático e uma cabeleira grisalha. Nas fotos de sua
editora, ele está vestido com ternos escuros com camisas
monocromáticas por baixo. No momento, ele está vestindo uma
camisa verde-limão desabotoada até o umbigo, shorts de
piscina e sandálias. Ele está acompanhado por uma jovem.
Uma mulher muito jovem – talvez até uma garota. Ela mal
chega até o ombro dele e está usando um vestido Shirley
Temple, com o cabelo em duas tranças loiras sobre os ombros,
as pontas amarradas com laços.

Não consigo ver o rosto da garota porque ela está olhando


para Kenwood quando eles passam. Mas ouço sua risada
infantil.

Minha pele se arrepia. Eles estão andando rapidamente –


se eu não for rápida, eles irão desaparecer neste labirinto de
coelhos em forma de casa.

Coloco minha cabeça dentro do quarto, procurando por


Dante. A suíte é grande e escura demais para que eu possa ver
qualquer coisa.

— Dante? — Eu assobio.

Não há resposta.

Não tenho tempo para encontrá-lo. Corro pelo corredor o


mais silenciosamente que posso, procurando ver para onde
Kenwood foi.

Quando viro à esquerda no T, posso ver a bainha da saia


da garota desaparecendo na última porta à direita. Corro atrás
dela, preocupada com o que Kenwood planeja fazer quando
estiverem sozinhos.

Quando chego ao final do corredor, a porta está fechada.


Eu pressiono meu ouvido contra a madeira, incapaz de ouvir
qualquer coisa do outro lado. Sei que não vou conseguir entrar
sem ser vista, mas não tenho escolha. Essa garota pode ter a
idade de Henry.

Então pego a maçaneta e giro, entrando na sala bem


iluminada.

Está completamente vazia.

Vejo alguns sofás, uma TV de tela grande e um bar cheio,


abastecido com bebidas e lanches. Mas nada mais. Ninguém.

Não entendo. Esta é a única porta de entrada e saída da


sala. Eu vi Kenwood entrar com a menina. E ninguém saiu.
Então, muito baixinho, tão baixinho que quase perco,
escuto uma risadinha.

Vem da parede oposta.

Eu atravesso o tapete, para o que parece ser uma


serigrafia de Mao feita por Andy Warhol de três metros de
altura. Eu escuto com atenção. Silêncio. E depois... aquela
risadinha novamente. Vindo de trás da pintura.

Eu agarro a moldura. A pintura se afasta da parede em


uma dobradiça. Atrás está outra sala.

Eu passo pelo parapeito para o espaço a seguir. A pintura


volta ao lugar, fechando-me.

Este quarto é muito maior. As paredes acolchoadas são


estofadas em veludo vermelho, assim como o teto. O tapete é
tão grosso que meus pés afundam nele. Não posso deixar de
pensar que tudo isso é projetado para bloquear qualquer
escape de som.

A sala é tão escura que a mobília parece surgir do nada,


como formações rochosas obscurecidas pela névoa. Não ajuda
que a mobília seja extraordinariamente estranha – mesmo para
os padrões de Kenwood. Na verdade, não consigo dizer de qual
parte isto é. Vejo um banco coberto de couro com dois flancos
de cada lado. Em seguida, algo que parece uma mesa, com um
tampo macio e acolchoado e anéis de metal fixados em todas
as bordas. Uma gaiola gigante, com pelo menos um metro e
oitenta de altura, com um pedestal que parece um balanço de
playground. Em seguida, algum tipo de equipamento que se
parece com equipamento de exercício, com várias alças e laços
diferentes e...

Eu coro ao perceber que estou olhando para um


equipamento de fetiche. Todos os móveis têm um propósito
sexual – alguns óbvios, agora que compreendi o tema, e outros
ainda um mistério para mim.

Eu ouço um murmúrio baixo do outro lado da sala. Desta


vez, a voz é masculina – Kenwood.

Eu me apresso, nem mesmo tentando ficar quieta. Agora


que sei que estou em uma masmorra sexual, com certeza vou
agarrar aquela garota e dar o fora daqui.

Kenwood está sentado em um sofá encostado na parede


oposta. Seus braços estão estendidos ao longo das almofadas,
e sua cabeça está jogada para trás, os olhos fechados.

A garota se ajoelha entre suas pernas abertas, a cabeça


balançando para cima e para baixo.

Kenwood geme. Ele agarra a parte de trás da cabeça da


garota e empurra seu rosto para baixo em seu pênis.

— Pare! — Eu grito, correndo para frente.

Kenwood se senta, assustado e irritado.

A garota se vira, limpando a boca com as costas da mão.

Mesmo na penumbra, seu rosto me assusta. Vejo olhos


grandes e inocentes, emoldurados por cílios postiços. Manchas
brilhantes de blush em suas bochechas. Mas as rugas marcam
os cantos dos olhos e as bordas da boca, tornando-se mais
óbvias por causa da maquiagem espessa. Ela não é uma
criança - apenas se veste como uma. Ela é mais velha do que
eu, alguns anos.

Ela se levanta. Ela deve ter menos de um metro e meio de


altura. Sua expressão é curiosa e maliciosa. Com as tranças
descoloridas e o vestido com babados, ela parece uma boneca
demoníaca.

Kenwood também está olhando para mim. Agora que sua


surpresa passou, um pequeno sorriso aparece nos cantos de
sua boca. Sem quebrar o contato visual, ele enfia o pênis
molhado de volta no short.

— Simone Solomon, — diz ele. — Que bom da sua parte


se juntar a nós. Suponho que você não esteja familiarizada
com minha assistente, Millie.

— Prazer em conhecê-la, — Millie ri.

Sua voz é aguda e deliberadamente infantil. Isso faz meu


estômago rolar, assim como a maneira como ela está de pé –
mãos cruzadas atrás das costas e cabeça inclinada para o lado.

— Agora, o que posso fazer por você? — Kenwood diz. —


Presumo que você tenha um motivo para invadir minha festa
e espionar minha casa?

Meus olhos vão de Kenwood para sua assistente. Os dois


estão sorrindo para mim, bem cientes do que pensei que estava
testemunhando quando os interrompi.

— E-eu...

— Diga logo, — diz Kenwood. Então, com um olhar


malicioso para Millie, ele diz, — Ou engula. Eu gosto mais
desse jeito.

— Você contratou alguém para matar meu pai? — Eu


exijo.

Kenwood bufa. — Você acha que eu contratei aquele


atirador?

Eu acho. Até que vi o olhar arrogante em seu rosto. Agora


tenho menos certeza.

— Sim... — Eu digo hesitante.

— Por que isso?

— Porque a Freedom Foundation reuniu todas essas


informações sobre suas festas privadas. O FBI abriu uma
investigação. Você quase foi preso...

O rosto de Kenwood escurece. Ele não gosta que eu


mencione nada disso. Obviamente, é uma memória odiada por
ele.

— Eu não fui preso, fui? — Ele sibila.

— Não, — eu digo, recusando-me a baixar o olhar. — Mas


você pode ser em breve.
— Foi isso que ele te disse? — Kenwood zomba. — Seu
pai?

Estou confusa. Eu não entendo o que ele quer dizer.

— Sim, — eu digo. — Ele acha que você é a pessoa mais


provável de o querer morto.

— Por que eu deveria ser? — Kenwood cospe. — Eu


mantive minha parte do negócio.

— Qual negócio?

Kenwood ri, levantando-se do sofá profundo. Eu dou um


passo para trás, agora que ele está de pé.

Mas Kenwood não está caminhando em minha direção.


Ele vai até o bar, ao lado de uma enorme pintura de Alexandre,
o Grande, a cavalo, e começa a preparar uma bebida.

— Você quer alguma coisa? — Ele me pergunta.

— Não.

Ele serve uísque sobre o gelo e o gira antes de tomar um


gole. Millie pula até ele. Ele mergulha o dedo indicador na
bebida e o estende para ela. Ela chupa a bebida de seu dedo,
olhando para ele o tempo todo, então ela lambe os lábios.

Kenwood me fixa com seu olhar frio novamente.

— Seu pai e eu fizemos um acordo. Dei a ele os nomes de


três dos meus fornecedores e de alguns ‘amigos’ que não me
importei de jogar embaixo do ônibus. Em troca, o vídeo que
sua pequena fundação fez em uma das minhas festas – que
teria sido jogado fora no tribunal de qualquer maneira, por
sinal – desapareceu. Me salvou de um escândalo, ao preço
baixo de um casal degenerado descartável. Na verdade, — ri
Kenwood, — fazer com que Phil Bernucci fosse preso estava me
fazendo um favor. Aquele filho da puta tentou roubar os
direitos do filme de The Hangman's Game, que me pertencem
pelos próximos oito anos, e ele sabia disso. Vê-lo perder sua
casa de praia em Malibu para honorários de advogado foi lindo
pra caralho.

Eu balanço minha cabeça em descrença.

— Eu não acredito em você.

Meu pai nunca destruiria as provas de um crime assim.


Ele construiu a Freedom Foundation para parar o tráfico. Para
impedir pessoas como Kenwood.

— Eu não me importo no que você acredita, sua vadia


estúpida, — Kenwood rebate, jogando o resto de sua bebida na
garganta.

Naquele momento, um homem abre a pintura de


Alexandre, o Grande e entra na sala. É um dos guardas de
Kenwood.

Kenwood pousou o copo ao lado de um botão vermelho


na superfície lisa de madeira do bar. Um botão de chamada.
Kenwood apertou enquanto preparava a bebida.

— Agarre-a, — Kenwood diz descuidadamente.


Tento me virar e correr, mas o segurança corpulento é
muito mais rápido do que eu, especialmente quando sou
prejudicada por um vestido justo e saltos altos. Ele agarra
meus braços, prendendo-os nas minhas costas. Eu grito
quando ele me agarra, e o guarda aperta sua mão enorme
sobre minha boca. Eu continuo gritando, contorcendo-me e
mordendo sua mão, mas ele é muito mais forte do que eu.

— Fique quieta ou eu vou quebrar seu braço, porra, — ele


rosna, torcendo meu braço nas minhas costas. A dor sobe do
meu cotovelo até o ombro. Eu paro de me contorcer.

— Assim está melhor, — diz Kenwood. Balançando a


cabeça para Millie, ele diz: — Diga aos guardas para revistar o
resto da casa. Encontre com quem ela veio.

Millie faz beicinho. — Eu quero ficar e assistir.

— Vá em frente, — Kenwood diz friamente.

Virando-se, ele me olhou de cima a baixo.

— Tire a roupa dela, — ele diz ao guarda.

Não sei se ele simplesmente pretende me revistar ou algo


pior. O guarda agarra a frente do meu vestido e puxa para
baixo, rasgando a alça do ombro. Assim que sua mão não está
mais cobrindo minha boca, grito o mais alto que posso, —
DANTE!

Eu ouço um rugido como um urso. Dante vem estourando


através da impressão de Andy Warhol na parede oposta. Ele
rasga a tela como se ela nem estivesse lá, correndo para a sala
além.

Kenwood grita de raiva, cravando as unhas nas


bochechas.

— Meu Mao! — Ele grita.

Dante dá uma olhada para mim, os braços ainda presos


atrás das minhas costas, o vestido rasgado de forma que uma
alça está pendurada para baixo, e meu seio esquerdo está nu.
Seu rosto escurece com uma raiva pura e assassina.

Ele ataca o guarda. O cara me solta, tentando levantar os


punhos, mas pode muito bem estar tentando boxear um urso.
O punho enorme de Dante desaba em sua mandíbula, e então
seu outro punho vai balançando como um martelo. Ele bate no
guarda uma e outra vez, levando-o para trás. Cada um de seus
golpes acerta com um baque horrível. Quando ele atinge o
guarda na boca, o sangue respinga para o lado, caindo úmido
no meu braço e no sapato de Kenwood.

Dante acerta o guarda mais duas vezes, então o pega e o


joga. O guarda é um homem grande, mas Dante o arremessa
pela sala como um disco. Ele bate contra a parede, depois cai
no sofá, gemendo e apenas meio inconsciente.

Kenwood parece apavorado. Ele está apertando


loucamente o botão de chamada colocado no bar, mas é tarde
demais. Em três passos, Dante o pegou pela garganta,
levantando seus pés do chão. Os dedos grossos de Dante
afundam na garganta de Kenwood. O rosto de Kenwood fica
vermelho e quase roxo, seus olhos esbugalhados e saliva
voando de seus lábios enquanto ele tenta formar palavras. Ele
agarra a mão e o braço de Dante, mas eles podem muito bem
ser feitos de pedra por tudo que Dante parece sentir. Os pés de
Kenwood chutam desamparadamente no ar.

Acho que Dante está apenas liberando sua agressão, mas


quando os olhos de Kenwood começam a rolar para trás,
percebo que Dante pode realmente matá-lo.

— Dante, pare! — Eu choramingo. — Ele não fez nada


comigo!

É como se ele nem pudesse me ouvir. Kenwood está


ficando mole agora, enquanto os dedos de Dante afundam cada
vez mais em sua garganta. Acho que ele vai quebrar o pescoço
do homem.

— Dante! — Eu grito. — PARE!

Minha voz corta sua raiva. Ele se vira para olhar para
mim, e talvez o terror no meu rosto o tire o resto do caminho.
Ele solta Kenwood, que cai no chão, incapaz de se segurar. Ele
ainda está vivo, eu posso ouvir sua respiração áspera.

— Ele apertou o botão de pânico, — digo a Dante. —


Temos que sair daqui antes que o resto de seus capangas
apareçam. Ou os policiais.

Dante ainda parece atordoado, como se sua raiva o


colocasse em um estado totalmente diferente. Um do qual ele
não pode voltar tão facilmente.

Mas ele me ouve. Ele agarra minha mão e diz: — Vamos.

A sensação de seus dedos quentes envolvendo os meus


envia uma onda de eletricidade pelo meu braço. Eu deixei
Dante me puxar, de volta através da pintura que ele destruiu,
de volta através da sala vazia, e então pelo corredor.

Eu ouço passos subindo a escada – dois ou três homens,


pelo menos. Dante me puxa para a porta mais próxima,
pressionando-me contra a parede com seu corpo para me
manter segura e fora de vista. Estamos mais próximos agora
do que quando dançamos. Meu rosto está pressionado contra
seu peito enorme e seus braços me prendem contra a parede.
Seu corpo está mais quente do que uma fornalha, ainda
inflamado por sua raiva de Kenwood. Posso sentir seu coração
batendo forte na minha bochecha. Seu peito sobe rapidamente
a cada respiração.

Enquanto esperamos os passos passarem, eu olho para o


rosto de Dante.

Pela primeira vez, ele está olhando para mim. Seus olhos
são negros e brilham como pedra molhada. Sua expressão é
feroz.

Abro minha boca para dizer algo. Em vez disso, seus


lábios vêm batendo nos meus. Ele me esmaga em seus braços,
atacando-me com a boca. Ele me beija como se estivesse
esperando nove anos para fazer isso.
Sua barba por fazer é áspera. Ele arranha meu rosto. Mas
sua boca... oh meu deus, ele tem um gosto tão bom. Tenho
morrido de fome por esse gosto. Seu cheiro me deixa tonta e
fraca.

Eu me agarro a ele. Eu derreto nele. Choramingo com o


quanto o quero.

E então ele para.

— É melhor sairmos daqui, — ele rosna.

Eu esqueci completamente que estávamos no meio de


uma fuga.

Dante me puxa para fora no corredor. Ele faz uma pausa


para ouvir, então, sem ouvir nada além da música alta lá
embaixo, nós corremos pelo corredor escuro, todo o caminho
até as escadas, então descemos para o nível principal. Dante
empurra a multidão de convidados – a festa está mais cheia do
que nunca agora. Ele rouba as chaves da Ferrari do
manobrista e logo estamos voltando ruidosamente para os
portões.

Um dos guardas dá um passo à frente, a mão estendida


como se fosse nos parar. Mas Dante não tira o pé do acelerador
nem um pouco. Os portões já estão abertos. O guarda tem que
pular para fora do caminho enquanto passamos rugindo por
ele, errando-o por um centímetro. Nós aceleramos pela estrada
escura, para longe da mansão vistosa.

Soltei minha respiração em um longo suspiro.


— Meu Deus, — eu digo. — Isso foi uma loucura.

Meu coração ainda está acelerado. Na verdade, nunca


testemunhei uma briga antes. Não estou acostumada à
violência. Eu nem mesmo assisto em filmes. É por isso que foi
tão perturbador para mim quando vi Dante coberto de sangue
naquela noite.

Agora eu realmente o vi em ação – eu o vi jogar outro


homem pela sala como se não pesasse nada. Eu o observei
sufocar Kenwood até que a vida sumisse de seus olhos.

Foi horrível. E ainda... eu sei que Dante fez isso por mim.
Eu vi a expressão em seu rosto quando ele entrou na sala, e
me viu com meu vestido rasgado, os braços presos nas minhas
costas. Ele ficou furioso por mim. Para me proteger.

Eu quero olhar para ele. Eu quero dizer alguma coisa.


Mas estou com tanto medo de quebrar o silêncio entre nós.
Para quebrar este breve, momento no tempo, em que tenho
certeza de que Dante ainda se preocupa comigo, pelo menos
um pouco. Tenho medo de que, se eu disser alguma coisa, o
entendimento entre nós se estilhace como vidro e se
desintegre, me deixando ferida e sangrando novamente.

Mas eu preciso falar. Eu tenho que dizer algo.

— Dante...

Seus olhos escuros encontram os meus. Eles parecem ter


um quilômetro de profundidade. Eu posso ver além da raiva,
até a dor que ele está escondendo. Eu machuquei este homem.
Eu o machuquei muito.

— Sinto muito, — eu digo.

Por que foi tão difícil pronunciar essas palavras?

Por que não as disse a Dante há muito, muito tempo...

O efeito é instantâneo. As mãos enormes de Dante se


apertam ao redor do volante e ele desvia com força para a
direita. O carro range e quase gira, escorregando no
acostamento de cascalho antes de parar.

Dante se vira e me encara.

Ele está me assustando, mas tenho que continuar.

— Me desculpe por ter partido, — eu balbucio. — Isso foi


um erro. Um erro pelo qual paguei todos os dias desde então.

— Você pagou por isso? — Ele diz, em um tom de


descrença.

— Sim, — estou tentando não chorar, mas não posso


evitar as lágrimas quentes picando em meus olhos. — Tenho
estado tão infeliz... nunca parei de sentir sua falta. Nem por
um dia. Nem por uma hora.

Ele está em silêncio, sua mandíbula cerrada e


trabalhando enquanto ele parece se esforçar para dizer algo em
resposta ou para se conter.

Eu posso ver a batalha em seu rosto. Duas forças


guerreando dentro dele – o desejo de se enfurecer e gritar,
contra talvez, espero, o desejo de me dizer que ele também
sentiu minha falta.

— Você sente muito? — Ele me pergunta, aqueles olhos


negros procurando meu rosto.

— Sim.

— Eu quero que você me mostre o quanto você sente.

Eu não entendo o que isso significa.

Ele puxa o carro de volta para a estrada. Não sei para


onde estamos indo e tenho muito medo de perguntar. Estou
nervosa e confusa. Mas também há um grão de esperança
dentro de mim... porque ele não me rejeitou completamente.
Acho que há uma chance mínima de que ele ainda possa me
perdoar.

Voltamos para a cidade sem falar. Então, Dante para


abruptamente em frente ao hotel The Península. Não é onde
estou ficando, então estou confusa.

— Vá esperar no saguão, — Dante ordena.

Eu faço o que ele diz.

Como sempre acontece quando estou constrangida, sinto


que todos estão olhando para mim. Tenho que segurar a alça
esquerda do meu vestido, porque ainda está rasgado. Depois
de alguns minutos, Dante se junta a mim com a chave do
quarto na mão.
— Lá em cima, — ele diz.

Um arrepio percorre minha espinha. Acho que estou


começando a entender, embora não me atreva a dizer uma
palavra. Eu sigo Dante obedientemente no elevador, as mãos
tremendo e os joelhos tremendo de nervosismo.

O elevador sobe até o último andar. Dante me leva pelo


corredor para a Suíte de Lua de Mel.

Ele destranca a porta e a abre.

Hesito no limiar. Eu sei que se eu entrar, algo está para


acontecer.

Eu não me importo com o que seja. Naquele momento,


finalmente entendi que farei de tudo para ter Dante
novamente. Mesmo apenas por uma noite.

Eu entro no quarto do hotel. Dante fecha a porta atrás de


mim. Eu posso sentir seu calor e volume, bem atrás das
minhas costas. Eu o sinto pairando sobre mim. Nunca conheci
um homem que pudesse me fazer sentir tão pequena e indefesa
apenas por estar ao meu lado.

Quando ele fala, sua voz é a mais profunda e áspera que


já ouvi.

— Você sabe o que aqueles nove anos fizeram comigo? —


Ele diz. — Você sabe o que eu fiz para tentar te esquecer?
Abandonei minha família. Eu entrei para o exército. Eu voei
meio mundo e lutei em um inferno. Eu matei cento e sessenta
e dois homens, apenas para entorpecer a dor de sentir sua
falta. E nada funcionou, nem por um segundo. Nunca parei de
sofrer. Eu nunca parei de me perguntar como você poderia me
deixar, quando eu não poderia deixar você ir nem mesmo por
um segundo.

— Eu sint... — Eu tento dizer novamente.

Dante agarra minha garganta por trás, cortando as


palavras e prendendo minhas costas contra seu peito largo.

— Não quero ouvir você pedir desculpas, — ele sibila. —


Você precisa me mostrar aqui e agora o quanto você sente, se
quer que eu acredite em você.

Ele não está apertando com força, mas mesmo a menor


pressão restringe o fluxo sanguíneo para o meu cérebro. Minha
cabeça está girando.

— Acene se você entendeu, — diz ele.

Eu aceno minha cabeça tanto quanto posso, com o


colarinho de sua mão em volta da minha garganta.

— Diga, 'Sim, Senhor' — ele rosna.

Ele relaxa seu aperto o suficiente para eu responder.

— Sim, senhor, — eu sussurro.

— Vire-se.

Eu me viro para encará-lo. Estou tremendo tanto que não


consigo nem olhar para o rosto dele.
— Olhe para mim, — ele ordena.

Lentamente levanto meus olhos para os dele. Seus olhos


parecem tinta pura e escura. Seu rosto é brutal, bonito e
assustador.

— Tire o vestido, — ele diz.

Sem hesitar, deslizo para baixo as alças – a que já está


rasgada e a que está inteira. O fino material prateado desliza
pelo meu corpo, amontoando-se no chão aos meus pés.

Os olhos de Dante queimam minha pele nua.

— Roupa íntima também, — ele ordena.

Lembro-me de como ele me fez despir assim na floresta


há muito tempo. Eu não acho que esta noite vai ser como
aquela noite.

Eu deslizo para baixo minha calcinha de renda e saio


dela, ainda usando meus saltos.

Dante deixa seus olhos vagarem pelo meu corpo


totalmente nu. Posso vê-lo absorvendo cada centímetro disso,
talvez comparando com a memória que teve em sua mente
todos esses anos.

Então ele passa por mim e entrando no quarto. Ele se


senta na beira da cama. Estou prestes a segui-lo, mas ele
ordena: — Fique aí.

Eu fico ali nua, enquanto ele lentamente desamarra os


sapatos sociais e os tira. Então ele tira as meias.

Com seus dedos grandes e grossos, ele desabotoa a


camisa, expondo os músculos do peito. Posso ver que ele
adicionou várias outras tatuagens desde a última vez que o vi
sem camisa.

Ele puxa a camisa, revelando seus ombros e braços


monstruosos, e seu torso.

Oh meu deus... seu corpo é absurdo. Parece que ele


passou cada minuto desde a última vez que o vi se torturando
na academia. Acho que ele tirou cada pedaço de sua
agressividade em seu conjunto de peso.

Sinto que estou ficando molhada.

— Agora... — Dante diz. — Fique de joelhos e rasteje até


aqui.

Eu não hesito.

Eu caio de joelhos e rastejo pelo tapete. Meu rosto queima


de humilhação, mas ao mesmo tempo, eu não dou a mínima.
Vou fazer o que ele pedir.

Quando alcanço seus pés, eu olho para ele.

Dante está abrindo o zíper de sua calça social, puxando


seu pênis. É tão grande quanto eu me lembrava. Parece escuro
e inchado nesta luz. Eu posso sentir minha boca molhando.

— Chupa, — ele ordena.


Coloco seu pau em minha boca. No segundo que o faço,
sinto o gosto do fluido fino e salgado vazando da ponta, familiar
e delicioso para mim. A saliva inunda minha boca. Eu começo
a chupar seu pau vorazmente.

Estou chupando seu pau selvagemente, avidamente.


Estou mostrando a ele o quanto eu senti falta desse pau, senti
falta desse corpo e, acima de tudo, senti falta dele. Estou
provando que eu doía por ele, ansiava por ele, tanto quanto ele
sentia por mim. Talvez até mais.

Eu adoro esse pau. Uso minhas mãos, meus lábios,


minha língua, minha garganta. É úmido, bagunçado e sem
dignidade alguma. E eu não dou a mínima. Tudo o que importa
é que isso seja bom para ele. Ele pode ser meu mestre e eu
serei sua escrava, se isso for necessário para trazê-lo de volta.

Eu posso dizer que está funcionando. Embora ele esteja


tentando que não, Dante geme e enfia a mão no meu cabelo,
empurrando minha cabeça com mais força em seu pau. Ele
rola seus quadris, fodendo a parte de trás da minha garganta,
e eu tomo seu pau mais fundo do que nunca.

Mas antes que eu possa acabar com ele, ele me impede.

Ele se levanta e puxa o cinto de couro das presilhas da


calça. Ele envolve uma das pontas em sua mão e a puxa com
força, fazendo o couro estalar como um chicote.

Eu engulo em seco.

— Coloque as mãos na cama e se incline, — ele ordena.


Eu coloco minhas mãos espalmadas no colchão. Como
sou alta e ainda estou de salto, tenho que me curvar
totalmente.

Eu ouço Dante se movendo atrás de mim. Eu fecho meus


olhos, sabendo o que está por vir.

O cinto de couro assobia no ar e desce com força na


minha bunda.

CRACK!

Eu pulo e solto um grito.

— Fique quieta, — Dante late.

Tento ficar parada. Tento não recuar para o próximo


golpe.

CRACK!

O cinto atinge minha outra nádega. Não consigo deixar


de gritar de novo.

Eu sei que Dante não está me batendo nem de perto com


a força que poderia, mas dói pra caralho. Tenho certeza de que
ele está causando vergões na minha bunda.

CRACK!

CRACK!

CRACK!

Ele continua me espancando com o cinto. Eu grito todas


as vezes, incapaz de conter.

Dante faz uma pausa por um momento. Ele alcança entre


minhas pernas e sente minha boceta com os dedos. Estou
encharcada – começou assim que tirei a roupa e só piorou.
Nada do que ele faz me faz parar. Estou ficando cada vez mais
molhada.

Seus dedos no meu clitóris me dão um doce alívio,


acalmando a dor ardente na minha bunda. Mas dura apenas
um momento. Eu ouço o assobio de couro, e o cinto desce
novamente sobre minhas nádegas.

CRACK!

CRACK!

CRACK!

— Você está arrependida agora? — Dante rosna.

— Sim! — Eu soluço.

CRACK!

CRACK!

CRACK!

— Que tal agora?

— Sim! Eu sinto muito!

Dante me agarra pelo cabelo e me puxa para cima. Ele


me empurra de joelhos e coloca o cinto em volta do meu
pescoço. Ele usa o cinto para puxar minha boca de volta para
seu pau, que está brutalmente duro, projetando-se de seu
corpo como aço sólido.

Ele empurra seu pau até o fundo da minha garganta e me


segura no lugar com o cinto enquanto ele fode meu rosto. É
áspero e agressivo e não consigo respirar. Mas eu não dou a
mínima. Quanto mais Dante usa seu tamanho e força
superiores em mim, mais eu amo isso. Eu amo que ele esteja
me usando assim. Eu amo não poder fazer nada a respeito.

Ele vai até o limite novamente, mas não explode. Em vez


disso, ele me puxa para cima da cama e me faz chupar seu pau
um pouco mais. Estou deitada de lado enquanto ele empurra
para dentro e para fora da minha boca de uma posição
ajoelhada. Nunca fiz sexo oral por tanto tempo. Minha
mandíbula está doendo. Mas, ao mesmo tempo, a sensação da
cabeça grossa de seu pau batendo contra a minha garganta é
estranhamente satisfatória.

Enquanto ele fode meu rosto, Dante se abaixa e me toca


novamente. Ele esfrega meu clitóris e empurra os dedos dentro
de mim. Eu esfrego contra sua mão, minha boceta inchada e
dolorida por mais.

Com os dedos molhados com minha umidade, Dante


começa a pressionar minha bunda também.

Eu fico rígida. Eu nunca fiz anal antes. Nem mesmo


considerei isso.
— Continue chupando, — ordena Dante.

Eu chupo seu pau, segurando a base com minha mão e


trabalhando a cabeça com minha boca.

Enquanto isso, Dante desliza seus dedos em minha


boceta e bunda.

No início, é desconfortável e muito intenso. Mas ele vai


devagar, esfregando meu clitóris ao mesmo tempo, até que eu
relaxe o suficiente para ele me tocar do jeito que quiser.

— Você vai fazer o que eu disser? — Ele rosna.

— Sim, — eu gemo em torno de seu pau.

— Você vai me deixar te foder do jeito que eu quiser?

— Sim...

Eu não posso recusar.

Eu não posso dizer não.

Eu preciso dele.

Dante me monta por trás. Ele coloca a cabeça de seu pau


contra a entrada da minha boceta e bate em mim com um
impulso. Eu grito, mais alto do que nunca. Ele é enorme. E
tenho esperado tanto por isso...

Ele agarra meus quadris entre suas mãos enormes e


empurra em mim novamente e novamente, com tanta força que
seus quadris batem contra minha bunda. Ele está me fodendo
como um animal, como um touro no cio, duro, áspero e
profundo. Eu não me canso disso. Há tanto tempo que o desejo
tanto que nada menos do que o sexo mais selvagem e agressivo
poderia me satisfazer.

Ele me leva em todas as posições. Ele me levanta e me


fode contra a parede. Ele me inclina sobre a cama e me fode
enquanto fica atrás de mim. Ele me faz montá-lo de costas,
para que ele possa observar minha bunda e minhas costas
flexionando. E então ele me faz montá-lo para o outro lado,
com meus seios saltando em seu rosto.

Isso dura horas.

Eu gozo de novo e de novo. Eu gozo com seus dedos e


língua, e principalmente por montá-lo.

Os orgasmos são intensos e violentos. Eles caem sobre


mim como ondas, me quebrando sob seu peso. E enquanto eu
ainda estou me recuperando, ainda mole de prazer, Dante me
vira e me fode em uma nova posição.

Estamos ambos encharcados de suor. Nossos corpos


deslizam um contra o outro, escorregadios e corados. Não
paramos para beber água ou para descansar. Vamos continuar
até que isso nos mate.

Finalmente, estou farta. Eu não aguento mais.

Dante sobe em cima de mim. Ele me fode com força, gotas


de seu suor escorrendo pelo meu peito nu. Eu posso dizer que
ele está pronto para se soltar e finalmente gozar. Ele me fode
cada vez mais forte, chegando ao clímax. Então ele agarra a
base de seu pau e puxa para fora de mim.

Ele joga a cabeça para trás, os tendões se projetando em


seu pescoço e ombros. Seus músculos estão bombeados e
inchados de horas de esforço. As veias correm por ambos os
braços e pelas costas da mão segurando seu pênis. Ele ruge
quando o orgasmo o atravessa. Enormes jorros de esperma
saem de seu pau, espirrando na minha pele nua, pesada e
quente. Ele pinta minha carne com seu esperma, longos jatos
em meus seios e barriga. Parece branco e perolado contra
minha pele.

Em seguida, ele se senta na cama, ofegante e corado.

Nossos olhos se encontram.

Eu toco o esperma na minha barriga. Levo meus dedos


aos lábios e provo, para ver se é exatamente como me lembro.

Dante me observa com os olhos brilhando. Ele avança e


me beija. Ele me pressiona de volta no colchão com seu corpo,
beijando-me longa e profundamente com as mãos enfiadas no
meu cabelo. Ele não se importa com o quão suados e
bagunçados estamos. Nem eu.

Nossos corpos estão torcidos e exaustos, mas ainda não


terminamos um com o outro. Não sei se algum dia ficaremos
satisfeitos. Estivemos afastados por muito tempo.

Dante se afasta apenas o suficiente para olhar nos meus


olhos.
— Eu nunca parei de amar você, — ele me diz. — Eu
nunca poderia.

Estou prestes a responder a ele, dizendo exatamente a


mesma coisa.

Mas então me lembro de algo. Um fato terrível que Dante


ainda não sabe.

Ele não sabe que temos um filho. Ele não sabe que eu
mantive Henry em segredo dele.

Ele diz que nunca poderia deixar de me amar... mas ele


não sabe os motivos pelos quais poderia fazer exatamente isso.

Eu deveria contar a ele. Eu deveria contar a ele agora, eu


sei disso...

Mas esperei tanto para estar em seus braços novamente.


Certamente poderei aproveitar por uma noite, antes de arriscar
que tudo seja arrancado de mim novamente...

Portanto, não conto a Dante esse último segredo. Eu


apenas o puxo para perto e o beijo novamente...
Eu acordo ao lado do amor da minha vida. O sol está
brilhando por uma fresta nas cortinas, iluminando sua pele
brilhante. Com muito cuidado, para não a acordar, inalo o
cheiro de seu cabelo, que ainda tem um cheiro quente e doce,
como sândalo. Ela não mudou. Não em qualquer uma das
maneiras que importam.

Mesmo que eu esteja tentando não a acordar, seus olhos


tremem e ela se aninha mais fundo em meus braços,
pressionando seu rosto contra meu peito. A sensação de sua
carne nua contra a minha é demais para resistir. Meu pau já
está inchando entre as minhas pernas, pressionando contra
sua barriga. Só temos que nos reorganizar um pouco para que
isso deslize para dentro dela.

Eu a fodo lenta e suavemente, sabendo que ela pode estar


dolorida da noite anterior.

Nunca experimentei sexo assim. Cru, primitivo,


animalesco, catártico. Eu precisava disso. Eu precisava
exatamente assim. Eu tinha que tomar posse de Simone
novamente. Eu tinha que torná-la minha de todas as maneiras
possíveis. Eu tive que dominá-la para saber que ela realmente
pertencia a mim novamente, e apenas a mim.

Talvez esteja tudo fodido. Mas eu sei que ela entendeu.


Ela queria tanto quanto eu.

Nós dois precisávamos disso. Precisávamos nos


reconectar de uma forma que ninguém mais pudesse entender
ou suportar. Simone e eu somos almas gêmeas. Almas gêmeas
não fodem como pessoas normais. Nós liberamos nossos
desejos mais sombrios e selvagens, sem vergonha ou
julgamento. Podemos foder com violência ou ternura, agressão
ou cuidado, e isso nunca é mal compreendido. Isso apenas nos
aproxima.

Nunca me senti mais perto dela do que neste momento.


Ela é a outra parte de mim. Há nove anos vago por aí com
apenas metade da minha alma. Nunca pensei que estaria
inteiro novamente.

Eu a beijo, amando o gosto que ela tem até agora, nós


dois ainda bagunçados e sonolentos. Não tomamos banho,
mas não importa. Eu amo o cheiro de seu suor e de sua pele.

Eu a fodo lentamente, meu corpo pressionado contra o


dela. Eu posso sentir seu clitóris esfregando contra minha
barriga, logo acima do meu pau. Eu abro suas coxas e a fodo
ainda mais profundo e apertado, até que ela comece a gozar.
Ela se agarra a mim, sua boceta pulsando e apertando em volta
do meu pau.
Eu não tenho que me conter desta vez. Eu posso gozar
sempre que eu quiser. Então eu também liberto, explodindo
bem dentro daquela boceta quente e molhada que me aperta
mais forte do que qualquer luva. Mais apertado ainda do que
uma mão em volta do meu eixo. Deposito minha carga
profundamente dentro dela, e então continuo empurrando
mais algumas vezes, porque amo a sensação dessa umidade
extra dentro dela.

Eu não recuo. Eu quero ficar conectado a ela assim pelo


maior tempo possível.

Ficamos ali deitados ao sol e cochilamos um pouco.

Então, finalmente, Simone se levanta para fazer xixi.

Ligo o chuveiro para que possamos nos limpar.

Assim que Simone entra no chuveiro, começo a ensaboá-


la, centímetro a centímetro. Eu lavo seu cabelo, massageando
seu couro cabeludo com meus dedos. Ela se inclina contra
mim, ainda mole da noite anterior.

— Na verdade, nunca conversamos sobre o que Kenwood


disse, — digo.

— Certo... — Simone solta um longo suspiro, penso que


seja por quão boa é a massagem no couro cabeludo, não tendo
nada a ver com Kenwood. — Ele disse que não contratou
ninguém para matar meu pai.

— Você acredita nele?


— Eu não sei... Ele não parecia estar mentindo.

— Mentirosos nunca parecem mentir.

— Bem... — Simone se mexe desconfortavelmente. — Ele


disse que fez um acordo com meu pai. Ele disse que Tata
destruiu as evidências em troca de Kenwood ter lhe dado uma
pista sobre um abuso sexual diferente.

— Hm. — Eu acho que acabou. — É possível. Mas isso


não significa que Kenwood não tenha rancor de seu pai.

— Sim, eu acho, — Simone diz miseravelmente.

— O que há de errado?

— É apenas... meu pai é sempre tão preto e branco. Tão


rígido em sua moral. A ideia de que ele faria um acordo com
um homem assim...

— Todo mundo faz, — eu digo a ela.

— Você disse isso há muito tempo. Mas eu não acreditei


em você naquela época.

— Olha, — eu digo, — todo mundo deseja que as coisas


sejam feitas sem concessões ou feiura. Mas às vezes você tem
que trabalhar com inimigos e também com amigos.

Simone fica em silêncio por um minuto, enquanto eu


enxáguo o sabonete de seu cabelo. Por fim, ela diz: — Vamos
supor que Kenwood estava falando a verdade. Se ele não
contratou o atirador, quem o fez?
— Eu não tenho a porra de ideia, — eu digo. — Eu roubei
um dos discos rígidos de Kenwood, no entanto. Talvez tenha
algo sobre isso.

Depois que terminamos a limpeza, Simone pede o café da


manhã para o quarto e eu corro escada abaixo para a loja de
presentes do hotel. O vestido de Simone ainda está rasgado,
então ela não tem nada para vestir.

Compro para ela uma daquelas camisetas “Eu Amo


Chicago”, além de um short de moletom e alguns chinelos.

Quando volto para o quarto, Simone já está servindo


nosso café, fazendo o meu com creme e sem açúcar, do jeito
que eu gosto. Ela muda de seu robe para as roupas. O short e
a camiseta superdimensionada a deixam quase como uma
adolescente de novo, principalmente com o rosto sem
maquiagem e o cabelo úmido preso em um coque, com
pequenos cachos escapando ao redor. Ela se senta como uma
adolescente em sua cadeira, com um joelho dobrado perto do
peito e o outro pé descalço pendurado para baixo.

Isso faz meu coração apertar no meu peito, vendo-a do


jeito que ela costumava ser.

Não posso acreditar como me sinto feliz, sentado aqui


com ela, comendo nossa torrada juntos ao sol. Isso me
assusta. Tenho medo de ficar confortável, de acreditar nisso.
Não consigo deixar de pensar que algo vai acontecer para
arrancar tudo de novo.
— Quero que você fique, — digo a Simone.

Seus olhos cor de âmbar voam para cima para olhar para
mim, e eu vejo o brilho de excitação neles. Mas dura apenas
um segundo, e então ela está mordendo o lábio, parecendo
preocupada.

— Eu... tenho alguns serviços agendados, — diz ela.

— E daí. Volte depois.

— Eu quero, — ela diz.

— Qual é o problema? É sua família...

— NÃO! — Ela interrompe. — Não são eles. Eu nunca...


eu não deixaria isso me impedir. Eu não me importo mais com
o que eles pensam.

Seu rosto está sombrio e quase zangado. Não tenho


certeza de onde vem essa amargura. Talvez apenas se
arrependa de como eles a influenciaram antes.

Eu não me importo. Eu não a culpo mais por isso. Ela era


jovem. Nós dois éramos.

— Então o que é? — Eu pergunto a ela.

Simone está olhando para seu prato, rasgando sua


torrada em fragmentos.

— Tenho que falar com você sobre uma coisa, — ela diz.
— Esta noite.
— Por que esta noite? Por que não agora?

— Eu tenho que fazer outra coisa, primeiro.

Eu não gosto do mistério. Eu sinto que Simone e eu não


temos chance se não pudermos ser completamente abertos um
com o outro. Não quero ser pego de surpresa como era antes.

— Apenas me prometa uma coisa, — eu digo.

— Qualquer coisa.

— Prometa que não vai fugir de novo.

Eu não digo isso em voz alta, mas se ela fizer... eu só vou


colocar uma arma na minha cabeça e me matar. Porque não
vou sobreviver de novo.

Simone me olha bem nos olhos. Seu rosto está sombrio e


triste.

— Eu não vou deixar você, — ela diz.

Acho que ela está falando a verdade. Mas a enunciação


da frase está um pouco errada – como se ela estivesse dizendo:
— Eu não vou deixar você —. Como se ela estivesse insinuando
que eu poderia deixá-la ao invés.

Isso não faz sentido, mas não importa. Não vou estragar
nossa conversa desta vez.

— Onde você quer se encontrar esta noite? — Eu


pergunto a ela.
— Venha para o meu hotel, — ela diz. — Nove horas,
depois que Henry vai para a cama.

— Perfeito. Eu estarei lá.

Nada poderia me afastar. Não dessa vez.

Beijo Simone novamente, sentindo o gosto da manteiga e


do café em seus lábios. Então eu a levo até a entrada da frente,
para que ela possa pegar um táxi de volta para o hotel. Tenho
certeza de que ela está ansiosa para voltar para o sobrinho.

Tenho meus próprios planos para o dia.

Primeiro, devo encontrar Cal e Aida para almoçar. E


depois disso, vou descobrir o que diabos está acontecendo com
este atirador. Tenho alguns contatos que rastreiam assassinos
contratados – se um contrato foi firmado com Yafeu Solomon,
eles podem ter ouvido falar.

Vou me encontrar com minha irmã em um restaurante


na Randolph Street, perto da Prefeitura, onde Cal tem seu
gabinete de vereador. Aida também está lá metade do tempo,
reunindo-se com vereadores e conselheiros, sindicalistas e
proprietários de negócios, ajudando Cal a negociar centenas de
negócios diferentes que beneficiam nossas famílias.

Cal foi fundamental para a aprovação da primeira parte


do Desenvolvimento da Costa Sul. Hoje estamos revisando as
licenças para a fase dois, que deve começar no próximo ano,
após a conclusão do nosso atual bloco de torres.
Então, passo a manhã em South Shore, certificando-me
de que nada vai ficar bagunçado depois do conserto, então,
pouco antes do meio-dia, dirijo até o Rose Grille.

É um restaurante grande e movimentado, com dezenas


de mesas cobertas com toalhas brancas, copos brilhantes e
cestas de pãezinhos frescos com manteiga de mel batido. É o
local preferido dos políticos, já que a prefeitura fica do outro
lado da rua. Quase todos os clientes estão com seus telefones
abertos, tweetando ou mandando mensagens de texto ou o que
quer que eles façam para tentar se manterem relevantes a cada
minuto do dia.

Cal e Aida já estão sentados quando chego lá. A


pontualidade de Aida melhorou cerca de dez mil por cento
desde que ela se casou com Cal. Posso ver que ela já destruiu
metade dos pãezinhos. O apetite da minha irmã era lendário
mesmo antes de ela estar grávida, então eu odiaria ver sua
conta do supermercado no terceiro trimestre.

Estamos sentados perto da grande janela panorâmica na


frente do restaurante. O sol está brilhando em meus olhos.
Tento baixar as cortinas.

— Por que você simplesmente não se senta do outro lado


da mesa? — Aida me pergunta.

— Ele não quer ficar de costas para a porta, — diz Cal,


sem tirar os olhos da pilha de papéis do licenciamento.

Cal sabe. É uma semelhança entre gangsters e soldados


que você nunca se senta de costas para a porta.

As persianas são fixas no lugar e não podem ser baixadas.


Eu me sento novamente, empurrando minha cadeira um
pouco para trás.

— Água com gás ou sem gás? — O garçom me pergunta.

— Sem gás.

— Gelo ou sem gelo?

— Eu não dou a mínima.

— Ele quer dizer sem gelo, obrigada, — Aida diz ao


garçom. Para mim, ela diz: — Você é um idiota.

— Não gosto de lugares chiques, — resmungo. — Eles têm


que tornar tudo muito complicado.

— Isso não é chique, — diz Aida. — Isto é normal.

— Oh sim? — Eu levanto uma sobrancelha para ela. —


Agora que você é uma Griffin, uma salada de trinta dólares é
plebe para você?

Aida larga a faca de manteiga, olhando para mim. — Em


primeiro lugar, ainda sou uma Gallo, — ela me diz,
acrescentando: — Sem ofensa, — para o benefício de Callum.

— Não ofendeu, — diz ele, passando para a próxima


página de pedidos de licença.

— E se você está planejando reconquistar sua ex-


namorada, que provavelmente come suflê de folha de ouro
como lanche porque ela é uma supermodelo mundialmente
famosa, é melhor levá-la a um lugar mais legal do que o Rose
Grille.

Posso sentir meu rosto ficando vermelho. — Quem disse


que estou tentando reconquistá-la?

Aida revira os olhos. — Eu sei que você não é estúpido o


suficiente para deixá-la escapar novamente. Não depois de
passar nove anos lamentando.

O garçom pousou nossos copos de água. Ele se esqueceu


e encheu todos de gelo. Não que eu me importe de qualquer
maneira.

— Eu posso anotar o pedido de vocês? — Ele diz


nervosamente.

— Hambúrguer médio, — eu digo. — Por favor.

— O mesmo, — diz Aida, entregando-lhe o menu. —


Obrigada.

— Sanduíche de bife, — diz Cal, sem tirar os olhos dos


papéis.

Assim que o garçom sai, aponto para os copos de água.


— Está vendo? Ele não estava ouvindo você de qualquer forma.

— Provavelmente é água do banheiro no seu, — diz Aida


docemente.
Callum está lendo a última página dos pedidos. — O que
é este? — Ele diz.

— Deixe-me ver... — Eu me inclino para olhar mais de


perto. Aida também se inclina. Mas ela não está tão
coordenada como de costume, já que suas proporções
mudaram. Sua barriga bate na mesa, jogando a água gelada
de Callum em seu colo.

Cal pula da mesa, gritando, cubos de gelo voando em


todas as direções de sua virilha. Naquele exato momento, a
janela se estilhaçou, uma cachoeira de vidro caindo. Algo
assobia no ar, bem onde a cabeça de Cal estivera um
milissegundo antes. Um vaso de peônias explode sobre seu
ombro. Uma chuva de cacos de cerâmica atingiu meu braço
direito, enquanto cacos de vidro da janela cortaram o meu
esquerdo.

Cal e eu reagimos quase ao mesmo tempo. Pegamos a


mesa, viramos de lado e puxamos Aida para baixo, formando
uma barricada entre nós e a janela.

Enquanto isso, o resto dos clientes descobriram que a


janela está quebrada e nós nos agachamos em uma trincheira
improvisada. Após um momento de silêncio chocado, há uma
debandada para as portas da frente.

— Vai! — Eu digo para Cal.

Aproveitando o caos, e ficando abaixados, corremos na


direção oposta, em direção a cozinha. O atirador está do outro
lado da rua – precisamos sair pelos fundos.

Nós empurramos as portas duplas de vaivém para a


cozinha. Os cozinheiros estão todos confusos, tendo ouvido a
comoção na sala de jantar, mas sem saber o que diabos está
acontecendo.

— Saiam daqui! — Cal grita com eles.

Eles se assustam como cervos, correndo para o beco atrás


do restaurante.

Cal puxa a arma do paletó, e eu faço o mesmo com a que


estou usando no coldre sob minha camisa. Cal está em uma
postura tática, cobrindo a entrada da cozinha. Eu faço o
mesmo com a saída.

— Você quer ficar aqui? — Cal me pergunta.

— Vamos dar o fora antes que a polícia venha, — digo a


ele.

Há uma chance de que outro atirador tenha coberto os


fundos, mas duvido. Acho que estamos lidando com o mesmo
filho da puta do comício. Um lobo solitário.

Para ter certeza, visto um casaco branco de chef e saio


pela porta dos fundos, examinando rapidamente os telhados
em ambos os lados do beco para ter certeza de que estamos
livres. Então, cubro a porta por trás das lixeiras enquanto Cal
e Aida saem.

Nós corremos pelo beco até a van de catering do


restaurante. As chaves estão enfiadas sob o quebra-sol, então
levamos cinco segundos para roubá-las. Nós rugimos pelo
beco, bandejas de metal balançando ao redor.

— Que porra foi essa! — Aida grita quando entramos na


rua Franklin.

— Aquele era um maldito atirador de elite, — diz Cal com


os dentes cerrados. Posso dizer que ele está furioso – e não
porque alguém acabou de tentar matá-lo. Acho que é porque
esta é a segunda vez que um tiroteio acontece a três metros de
sua esposa grávida.

— Você está saindo da cidade até encontrarmos esse


idiota, — diz ele à Aida.

— De jeito nenhum! — Aida grita. — Eu não estou...

— Isso não está em debate! — Cal ruge. Seu corpo está


rígido de fúria, enquanto seus olhos azuis estão gelados. — Não
vou correr o risco de você se machucar, ou o bebê.

— Vou ficar com você, — Aida diz a ele teimosamente.

— Esse é o pior lugar que você poderia estar, — diz Cal.

E é quando eu entendo a mesma coisa que Callum


acabou de perceber. O atirador nunca esteve atirando em
Yafeu Solomon. Ele estava mirando em Cal o tempo todo. Cal
estava bem atrás de Solomon no palco. Essa bala era para meu
cunhado.

— Quem diabos é esse cara? — Murmuro para Cal.


Seus olhos estão estreitos e ferozes. — Isso é exatamente
o que eu quero saber, — diz ele.

Dirijo para o leste ao longo do rio, pensando.

Não acho que foi uma coincidência que o atirador esperou


que Cal e eu almoçássemos juntos antes de ele dar outro tiro.

Esse cara tem rancor de nós. Nós dois.

Mas por que...

Tento repassar nossa lista de inimigos mútuos.


Definitivamente irritamos os russos. Depois que seu último
chefe atirou na irmã mais nova de Cal, Fergus Griffin o atacou
com um pente completo e o deixou sangrando no chão do balé.

Além disso, Nero roubou um diamante de seu cofre no


Alliance Bank – embora eu não tenha certeza se eles sabem
disso ainda. A pedra era um tesouro nacional, roubado do
Museu Hermitage pelos Bratva, antes de os livrarmos disso.

Esse diamante financiou nosso projeto South Shore.


Trocamos com um magnata grego da navegação por dinheiro
vivo e frio. Gosto de pensar que todo o negócio foi feito por
baixo da mesa, mas a verdade é que um diamante azul de 40
quilates nunca ficará totalmente secreto. É muito tentador
para se gabar e muito fácil de rastrear.

O Bratva é orgulhoso e cruel. Se eles souberem o que


fizemos, eles vão querer vingança.

Mas um atirador não é exatamente o estilo deles. Eles


gostam de retribuição violenta, sangrenta e gráfica. Algo
horrível. Algo que envia uma mensagem. Nada tão rápido ou
indolor quanto uma bala calibre 50 no crânio.

Este tiro foi pessoal.

A bala foi apontada para Cal, mas a mensagem era para


mim. Parei o primeiro tiro do atirador porque vi suas
bandeiras. Desta vez, ele não queria que eu visse nada. Ele
queria que a cabeça do meu cunhado explodisse bem ao meu
lado, sem que eu percebesse nada. Ele queria que eu sentisse
a culpa e a vergonha do fracasso. Ele queria provar que ele é
melhor do que eu.

Mas por quê?

É isso que me pergunto quando levo Cal e Aida para a


mansão Griffin na Gold Coast. Cal quer falar com seu pai e
acha que Aida estará mais segura lá, cercada por uma equipe
de segurança completa.

Eu quero usar o computador deles.

Ligo para Nero e digo a ele para nos encontrar lá. Não sou
ruim com pesquisa, mas Nero é um gênio do caralho. Ele pode
invadir lugares onde não é da sua conta – geralmente os
bancos de dados que armazenam plantas e esquemas de
segurança.

Ele para na garagem dos Griffins quase ao mesmo tempo


que nós, saltando de seu Mustang. Seu cabelo parece
bagunçado e desgrenhado pelo vento, embora ele não estivesse
com a blusa aberta, e ele está enfiando a camiseta de volta na
calça jeans.

— Eu interrompi alguma coisa? — Pergunto-lhe.

— Sim, você interrompeu, — Nero diz friamente. — Então


é melhor que seja importante.

— É, — Aida diz a ele. — Alguém está tentando matar Cal.

— Alguém além de você? — Nero diz.

— Isso não é engraçado! — Aida estala, os punhos


cerrados ao lado do corpo. Eu não acreditaria a menos que eu
mesmo visse, mas acho que pode haver lágrimas nos cantos de
seus olhos cinza brilhantes.

Nero parece igualmente surpreso. Se Aida não consegue


ver o humor em uma situação, então realmente deve ser sério.

Entramos na mansão dos Griffins, que é enorme,


ultramoderna e fica bem na beira do lago, com ampla vista
para o mar.

— O que está acontecendo? — Imogen Griffin diz,


observando todos nós entrarmos em sua cozinha.

Enquanto Cal explica a situação para sua mãe, Nero e eu


subimos para o antigo escritório de Callum. Ele ainda tem um
computador completo lá, mas apenas uma cadeira de
escritório.

— Você fica com essa, — diz Nero, apontando para a


poltrona minúscula do outro lado da mesa. Parece que foi feito
para uma criança de 12 anos.

— Eu não vou caber nisso.

— Bem, você terá que fazer isso, porque preciso de uma


cadeira decente para trabalhar.

— Você precisa da cadeira certa para digitar?

— Não é só digitar, — diz Nero, me encarando. — É por


isso que eu estou fazendo isso e não você. Se fosse apenas
digitar, você poderia sentar-se aqui e ir ao Google.

— Ótimo. — Eu faço uma carranca, encostado na parede


com meus braços cruzados.

— Pare de ficar de mau humor ou mando você fazer um


sanduíche também, — diz Nero.

— Experimente e veja o que acontece, — eu rosno.

Nero começa a clicar nas teclas. Parece a porra de uma


digitação, mas entendi. Ele leva cerca de vinte minutos para
acessar os registros militares que pedi que encontrasse.

— Quero todos os melhores atiradores dos últimos dez


anos, — digo a ele.

Nero encontra os dados, imprimindo-os em várias folhas


de papel.

Enquanto examino as listas de nomes, missões e


condecorações, Nero começa a procurar por recém-formados
na escola de atiradores.

Não tenho certeza do que estou procurando. Alguns dos


nomes que reconheço – caras com quem trabalhei no Iraque
ou que conhecia de reputação. Existe um certo nível de
competição entre atiradores em várias unidades. Se alguém
estava se destacando, fazendo um nome para si mesmo, você
tinha certeza de ouvir sobre isso, mesmo que não estivesse
lutando na mesma área, ou mesmo implantado ao mesmo
tempo.

O que não faz sentido é que nenhuma dessas pessoas tem


qualquer conexão com Cal.

Tenho certeza de que esse atirador é americano e que tem


uma briga comigo. Chame de palpite, chame de projeção, mas
esse filho da puta está tentando provar algo para mim.

Eu sei quem você é.

Ele me deixou aquele bilhete não porque ele me procurou


depois que ele errou aquele tiro no comício. Ele já sabia quem
eu era, tenho certeza. O que significa que ele ouviu falar do
“The Devil of Mosul43”. É assim que os terroristas me
chamavam. E foi assim que alguns dos outros soldados
começaram a me chamar também. Eles acharam engraçado –

43 O Diabo de Mosul.
um apelido fodão.

Eu nunca gostei disso. Eu preferia “Deuce44” que é como


minha própria unidade me chamava. Raylan me deu esse
apelido, depois que ganhei um grande pot com um pocket
two45. Eu estava pensando no meu irmão Nero quando apostei
– pensando em como ele jogaria a mão. Eu não esperava
vencer. Mas, pela primeira vez, tive sorte.

Talvez este outro atirador me conhecesse como The Devil,


não Deuce.

Talvez ele tenha visto isso como um desafio.

Mas por que escolher Cal? Por que não atirar em mim ou
em alguém próximo a mim? Cal é meu cunhado, mas não é o
alvo mais óbvio...

É quando meus olhos correm sobre um nome que


reconheço por um motivo diferente.

Christian Du Pont.

E a peça do quebra-cabeça se encaixa no meu cérebro.

Os Du Ponts são uma das famílias mais ricas da América.


Pierre Samuel Du Pont começou a fabricar pólvora no início do
século XIX. Seu império se expandiu para produtos químicos,
automotivos, agricultura e muito mais. Eles se casaram com
os Astors, os Rockefellers, os Roosevelts e os Vanderbilts. E

44 Dois.
45 Quando o jogador possui um par de cartas na mão no pôquer.
eles tiveram filhos. Muitos filhos. Mais de quatro mil
descendentes. O que significava que até sua vasta fortuna
estava dividida em muitos pedaços.

Callum foi para uma escola particular chique com alguns


desses descendentes. Na verdade, seu melhor amigo e
companheiro de quarto era Jack Du Pont. Infelizmente para
Jack, como um primo em terceiro grau removido duas vezes,
ele herdou o nome e nada mais. Então ele trabalhou para os
Griffins, como motorista e guarda-costas.

Foi nessa posição que ele quebrou o joelho de meu irmão


mais novo, Sebastian, e encerrou sua carreira no basquete.
Então não posso dizer que fui o maior fã do cara. Mas deixamos
de lado nossas diferenças quando Cal se casou com Aida. Parte
do acordo era que não buscaríamos vingança pelo joelho de
Seb.

Embora nunca tenha feito amizade com Jack, eu o


conhecia. Até trabalhei com ele em alguns empregos.

Até o ano passado, quando a máfia polonesa cortou sua


garganta.

Mikolaj Wilk sequestrou a irmã mais nova de Cal, Nessa.


Ele se juntou aos Bratva para tentar quebrar a aliança entre
os Grifos e os Gallos. Eles nos atraíram para o cemitério
Graceland.

Jack estava lá, ajudando Callum a fazer o resgate cair.


Nero e eu escalamos o muro do cemitério, planejando
flanquear os russos e os polacos.

Mas Miko foi rápido demais para nós. Ele mandou os


russos embora com o resgate e enganou Callum com uma
garota-isca. Quando Jack perseguiu o dinheiro, um dos
homens de Mikolaj rastejou por trás dele e cortou sua
garganta. Jack sangrou contra uma lápide.

Ironicamente, Mikolaj e Nessa estão casados agora.


Fizemos uma trégua com a máfia polonesa e matamos o chefe
da Bratva.

Mas isso não significa que nossa rixa não teve baixas –
não há como trazer o pobre Jack de volta dos mortos.

Eu examino o registro de Christian Du Pont – formado no


Curso de Atirador do Exército dos EUA em Fort Benning, um
ano depois de mim. Implantado no Iraque quase ao mesmo
tempo em que eu estava lá.

Ele tem um histórico decente – alguns elogios, três


estrelas de bronze concedidas.

Mas nunca ouvi falar dele.

— Ei, — digo a Nero, interrompendo sua busca pelos


registros da escola de atiradores. — Veja se consegue
encontrar mais alguma coisa sobre Christian Du Pont.

Nero começa a pesquisar esse nome.

— Eu vejo os registros escolares de atiradores dele, — diz


ele. — Ele superou sua pontuação no teste de alcance
avançado.

— Ele superou?

Vou para trás de Nero para poder olhar para a tela por
cima do ombro. Com certeza, Christian me venceu por apenas
um ponto. Ele pontuou mais baixo em Land Navigation, no
entanto.

— Há uma foto dele? — Eu digo.

Nero tira algumas fotos de Christian em treinamento,


embora seja difícil diferenciá-lo dos outros soldados em seus
capacetes e equipamentos. Mas então Nero encontra sua foto
de rosto, aquela que eles usam para identidades militares.

— Puta merda, — diz Nero.

Nós olhamos em silêncio. É um pouco como ver um


fantasma. Christian e Jack Du Pont poderiam ser irmãos – o
mesmo cabelo loiro avermelhado e olhos azuis estreitos. A
única diferença é que Christian é mais jovem na foto e seu
cabelo está bagunçado.

— Qual é a relação deles? — Eu pergunto a Nero.

— Não diz aqui, obviamente, — diz Nero. — Mas ele lista


seus pais como Claire e Alexander Du Pont. E há uma foto de
Alexander com seu irmão Horace neste site de ex-alunos de
Yale. Então, parece que Jack e Christian eram primos.

— Então ele nos culpa por termos matado seu primo. Por
que ele não fez nada sobre isso até agora?
— Ele acabou de voltar para casa, — diz Nero. — Olhe
para seus registros de dispensa – ele esteve no Iraque até o
início do verão.

— Por que ele foi embora?

— Diz 'Capítulo 5-13' demissão.

— O que diabos isso significa?

Nero digita e depois lê. — Afastamento por causa de


transtorno de personalidade. Um 'padrão pré-existente de
comportamento mal adaptativo de longa duração que interfere
na habilidade de um soldado de desempenhar suas funções'.

— Isso não parece bom.

— Não, não parece. Especialmente porque ele estava


prestes a quebrar seu recorde de um dia em Mosul.

— Você acha que ele está competindo comigo?

— Sim, — diz Nero, recostando-se na cadeira do


computador e cruzando os braços sobre o peito. — Eu acho.

— Mostre-me o registro de serviço dele novamente, — eu


digo.

Nero o puxa e eu verifico a lista de tarefas, para ver se Du


Pont e eu estivemos no mesmo lugar ao mesmo tempo. Se
alguma vez nos encontramos sem que eu me lembrasse.

— Nunca servimos juntos, — murmuro. — Mas olhe para


isso...
Aponto para sua última missão.

— Ele estava no quadragésimo oitavo, há dois anos.

— E? — Nero diz.

— Essa é a mesma unidade que Raylan.

— Bom, — grunhe Nero. — Ligue para ele. Veja o que ele


sabe.

Eu faço isso na hora, discando meu número de contato


mais recente do meu velho amigo, esperando que ainda seja o
certo.

O telefone toca e toca, depois muda para o correio de voz,


sem qualquer confirmação de que é o número de Raylan.

Arriscando-me, digo: — Long Shot46, sou eu. Preciso da


sua ajuda. Ligue-me assim que puder.

Eu desligo o telefone. Nero ainda está recostado na


cadeira, pensando. Ele diz: — Se esse cara Christian souber o
que realmente aconteceu no cemitério, ele também não ficará
feliz com Miko.

— Isso é verdade. Vou ligar para Mikolaj para avisá-lo, —


digo.

Tiro o disco rígido de Kenwood da bolsa.

— Eu tenho outro trabalho para você, — eu digo. — Você

46 Tiro longo.
pode abrir isso?

— Provavelmente, — Nero diz, friamente.

— Deixe-me saber o que você encontrar.

— E quanto à Du Pont? — Ele diz.

Eu olho para a imagem de Christian Du Pont na tela –


olhos azuis frios. Olhar intenso.

— Não podemos esperar que ele monte seu próximo


poleiro, — eu digo. — Temos que encontrar esse filho da puta
e mandá-lo embora.
Quando eu volto para o quarto de hotel, eu estou
esperando que Henry esteja trabalhando em seu trabalho
escolar com Carly. Sozinho.

Não tive essa sorte – meus pais estão sentados ao lado


dele na pequena sala de estar da suíte, meu pai lendo e minha
mãe desenhando em um caderno com capa de couro.

Ambos olham para cima quando eu entro na sala,


vestindo uma camiseta "Eu Amo Chicago”, shorts e chinelos.

— Onde você esteve? — Mama pergunta, as sobrancelhas


levantadas. Ela obviamente pensa que eu fui sequestrada por
um ônibus de turismo e forçada a ver os pontos turísticos
durante toda a manhã.

Meu pai é mais desconfiado. Seus olhos voam para as


sandálias de salto alto que estou carregando. Pelo menos tive
o bom senso de jogar fora o vestido rasgado. Ainda assim, ele
conhece um andar de vergonha quando vê um.

Não vou jogar o jogo deles, no entanto. Sou uma adulta


crescida. Não preciso me reportar como costumava fazer
quando tinha toque de recolher. Se eu quiser ficar fora a noite
toda, isso é problema meu.

Ignorando a pergunta de minha mãe, eu digo: — Carly,


quando você terminar com esse trabalho, vou levar Henry para
sair. Então você pode ter o resto do dia de folga.

— Bem, obrigada, — Carly sorri. — Eu vi um restaurante


de sushi descendo a rua que estava chamando meu nome.

Ela é uma garota adorável – sardenta, amigável, sempre


disposta a acomodar minha estranha agenda. Ela é boa para
Henry e serei eternamente grata a ela por isso. Mas no final do
dia sou a chefe dela, não sua amiga. Às vezes, tê-la por perto
só me faz sentir falta de Serwa.

— O que deveríamos fazer? — Mama reflete. —


Poderíamos todos ir ao parque juntos!

— Desculpe, — eu digo a ela suavemente. — Eu preciso


passar algum tempo sozinha com Henry hoje.

— Oh, — ela diz. — Claro.

— Nós poderíamos ir amanhã, no entanto, — eu digo.

— Amanhã seria perfeito. — Ela sorri.

Eu entro em meu próprio quarto para trocar de roupa.

Meu coração está batendo rápido. Já imaginei ter essa


conversa centenas de vezes, mas era sempre apenas teórica –
em algum dia no futuro distante. Agora esse dia é hoje.

Henry já está vestido. Ele está vestindo shorts de


basquete e uma camiseta, com um boné do Lakers abarrotado
sobre seus cachos. Ele odeia pentear o cabelo, então usará um
boné sempre que puder. Suas roupas não combinam
exatamente, mas são muito parecidas – ele está ficando melhor
em escolher roupas para si mesmo.

Não posso acreditar que este ser humano autônomo que


fiz já esteja tendo suas próprias preferências em cores e
padrões. Ele detesta a sensação de jeans e usa quase
exclusivamente shorts ou calça de moletom. Seus pés parecem
enormes em seus tênis. Já usamos o mesmo tamanho de
sapato.

A visão dele machuca meu coração. Eu amo o jeito que


ele se curva, o jeito que ele anda, seu meio sorriso sonolento.

Isso é o que eu não sabia sobre ter filhos: é como se


apaixonar novamente. Você ama tudo sobre essa pequena
pessoa. Eles são mais cruciais para você do que você mesma.

Eu também não sabia que ter Henry me ligaria a Dante


mais do que qualquer outra coisa. Cada vez que olho para meu
filho, vejo partes de Dante – sua altura. As mãos dele. Seus
olhos escuros. Sua inteligência. Seu foco. À medida que Henry
envelhece, não tenho dúvidas de que sua voz se aprofundará
como a de Dante.

Henry é o maior presente que já recebi. Ele é a melhor


coisa da minha vida. E foi Dante quem o deu para mim. Nós
criamos esse menino juntos – na minha opinião, o ser humano
mais perfeito e lindo já feito.

Esse sentimento é totalmente unilateral – Dante nem


sabe que temos um filho juntos. Mas serei grata a ele por toda
a minha vida por Henry.

Nunca terei um filho com outro homem. Eu soube disso


assim que Henry começou a crescer. Eu vi o quão bonito, forte
e determinado ele era. Tive uma sensação bizarra de destino,
de que havia criado o filho mais incrível do planeta. A
maravilha de Henry é a prova de que Dante e eu éramos a
combinação perfeita. Eu nunca poderia ter um filho com outra
pessoa.

Essas são crenças insanas, eu sei disso. Mas não posso


evitar o que sinto. Dante era o único para mim – o único. E
quer estejamos juntos novamente ou não, ninguém mais
tomará seu lugar.

Como posso expressar isso a Henry, em sua forma mais


simples?

Ele merece conhecer seu pai. Ele merecia conhecê-lo o


tempo todo. Eu estava errada em deixar isso durar tanto.

Mesmo assim, depois de todo esse tempo, não estou


preparada. Não sei como explicar nada disso a ele. E estou
apavorada pra caralho.

Eu levo Henry até a orla. Alugamos duas bicicletas e


pedalamos ao longo da margem do lago por alguns
quilômetros. O caminho está cheio de caminhantes,
corredores, ciclistas, skatistas, pessoas com patinetes,
carrinhos de bebê e até patins.

Eu deixei Henry ir na minha frente. As bicicletas alugadas


são simples com três velocidades, com guidão largo e assentos
banana. É difícil acompanhá-lo enquanto ele está pedalando
loucamente, o vento em seu rosto. Seu boné voa da cabeça e,
por algum milagre, consigo estender a mão e pegá-lo no ar.
Henry sorri de volta para mim, gritando: — Legal, mãe!

Quando vejo um sorveteiro à frente, digo a ele para parar.


Pedimos cones e depois nos sentamos na areia para comer. O
meu é de cheesecake de morango. Henry pediu baunilha, como
sempre faz.

Henry lambe seu cone, que já está começando a derreter.


Não está quente, mas está ensolarado.

— Sobre o que você quer falar comigo? — Ele diz.

— Como você sabia que eu queria conversar?

— Porque você não deixou a vovó vir conosco.

— Certo. — Eu respiro fundo. — Você se lembra de como


eu disse que seu pai morava em outro país?

— Sim, — Henry diz, calmamente.

Eu disse isso a ele há alguns anos. Henry tinha acabado


de entrar na escola internacional em Madrid. Presumo que as
outras crianças lhe tenham perguntado sobre o pai, porque ele
voltou para casa e começou a fazer perguntas também.

— Bem, — eu digo, — Ele mora aqui. Em Chicago.

Henry olha para mim, curioso. Ele não parece alarmado,


mas posso dizer que está interessado.

— Ele está aqui agora? — Ele pergunta.

— Sim. Na realidade... — meu coração está martelando.


— Você o viu outro dia. Ele foi o homem que veio ao nosso
quarto de hotel.

— Aquele cara grandão? Com cabelo preto?

— Sim.

— Oh.

Henry ainda está tomando seu sorvete. Estou observando


seu rosto, tentando interpretar como ele está recebendo essa
notícia.

Ele parece surpreendentemente não surpreso. Henry está


extraordinariamente calmo. Ele não costuma demonstrar
emoções fortes. Acho que ele sente isso por dentro. Mas por
fora ele é sereno.

— Quem é ele? — Henry pergunta, finalmente.

— O nome dele é Dante Gallo.

— Ele veio ao hotel para me visitar? — Henry pergunta,


em leve confusão.

— Não, — eu digo. — Ele não sabe sobre você, ainda. Eu


acho... acho que queria falar com você primeiro.

Henry termina o sorvete em cima da casquinha e começa


a mastigar a casquinha. Nossa conversa não está diminuindo
sua fome em nada.

— Você quer conhecê-lo? — Eu digo.

— Eu já o conheci.

— Quero dizer, você quer falar com ele?

Henry pensa por um minuto, mastigando.

— Sim, — diz ele, balançando a cabeça.

— Isso pode mudar as coisas, — digo a Henry, mordendo


a ponta do polegar. Eu não toquei no meu sorvete, e ele está
derretendo do cone, pingando na areia. Eu não deveria ter
comprado um para mim – estou ansiosa demais para comer.

— Mudar o que? — Ele pergunta.

— Apenas... você pode ir visitá-lo às vezes. Ou ficar com


ele.

Sei que esse conceito pode parecer intimidante e não


quero que isso influencie a escolha de Henry. Mas, ao mesmo
tempo, quero ser honesta com ele. Contar a Dante sobre Henry
é abrir uma caixa de Pandora. Não posso prever o que virá
disso.
Henry considera.

— Ele é meu pai? — Ele diz. — Com certeza?

— Sim, — eu digo. — Ele definitivamente é.

— Ok, então, — Henry dá de ombros.

Eu suspiro, meus ombros liberando de sua posição tensa.


Essa parte está feita, pelo menos.

Quando Henry era pequeno, costumava me fazer


perguntas sobre o pai: Qual é a cor favorita dele? Ele tem um
cachorro? Como ele é?

Agora ele me faz um tipo diferente de pergunta.

— Por que ele não sabe sobre mim?

— É complicado, — eu digo. — Você sabe que eu era


muito, muito jovem quando tive você. Seu pai também era
jovem. Estávamos em lugares diferentes naquela época.
Agora... agora estamos mais velhos. As coisas mudaram.

Quanto elas mudaram? Quais coisas são diferentes e


quais permaneceram as mesmas?

Espero que a resposta seja que Dante mudou e eu mudei,


mas a maneira como nos sentimos um pelo outro perdurou...

Estou com medo. Com medo de que, quando eu contar a


Dante a verdade esta noite, seja o fim de qualquer chance que
tivemos de reacender nosso relacionamento.
Tudo o que realmente posso esperar é que ele possa amar
Henry apesar de tudo. Porque Henry merece isso, mesmo que
eu não mereça.
Eu conto a Callum minha teoria de que Du Pont estava
mirando nele, não em Yafeu Solomon. Aida não gosta nem um
pouco dessa ideia. Mas Callum parece aliviado por pelo menos
saber quem está atirando nele.

— Você acha que ele quer vingança por Jack Du Pont? —


Ele diz, franzindo a testa.

— Sim, eu acho que talvez ele queira. Ele estava no


exterior quando Jack foi morto – então, quem sabe que versão
da história foi contada por sua família. Eles próprios não
sabem o que realmente aconteceu. Quando ele olhou para isso,
provavelmente parecia que estávamos encobrindo. Como se
fôssemos responsáveis.

— Eu sou o responsável, — Callum diz, calmamente.

— Isso não é verdade... — Aida tenta dizer, mas ele a


interrompe.

— Sim, é verdade. Jack trabalhou para mim. Eu o trouxe


para a entrega do resgate sabendo que era perigoso, sabendo
que provavelmente era uma armadilha, sabendo que
estávamos em menor número e em desvantagem tática.

— Jack também sabia disso, — diz Aida com firmeza. —


Ele foi de boa vontade.

Callum apenas balança a cabeça, não querendo se


perdoar por ter seu amigo morto.

— E agora? — Aida me pergunta.

— Vocês dois precisam ficar quietos, — digo a eles. —


Vocês não podem dar a Du Pont outra chance de dar um tiro
em vocês. Isso significa nenhuma aparição pública e,
especialmente, nenhum evento planejado. Vocês avisam esse
cara com antecedência de para onde estão indo, e da próxima
vez ele não vai errar.

— Foi pura sorte que ele errou da última vez, — Callum


diz, sombriamente.

— Sim, de nada, — diz Aida, — Pela primeira vez, a falta


de jeito de sua esposa valeu a pena.

Ela está tentando fazer uma piada como normalmente


faria, mas seu rosto parece tenso e pálido. Sua mão está
pressionada contra o lado de sua barriga, como se ela sentisse
uma dor lá.

— Não quero esperar que ele me encontre de novo, — diz


Callum. — Vamos rastrear esse filho da puta e acabar com
isso.
— Tenho uma ideia de onde ele pode estar, — digo a Cal.
— Mas eu não acho que você deveria vir comigo. Fique com
Aida, fique fora de vista. Não queremos avisá-lo ainda que
sabemos quem ele é. Deixe-o pensar que você está se
escondendo.

Callum franze a testa. Posso dizer que ele não gosta da


ideia de se esconder. Ele quer agir tanto quanto eu.
Provavelmente mais.

Mas Aida está agarrada ao braço dele. Ela definitivamente


não quer que ele saia de casa.

— Por favor, Cal, — ela implora, olhando para ele.

Aida nunca implora por nada.

Callum parece tão surpreso quanto eu.

— Por favor, — ela diz novamente.

— Tudo bem, — ele concorda, relutantemente. — Eu vou


ficar parado por enquanto. Mas me ligue assim que encontrar
alguma coisa, Dante.

— Eu vou, — eu prometo a ele.

Estou agindo como se não quisesse trazer Cal junto para


que possamos embalar Du Pont com uma falsa sensação de
segurança. Mas a verdade é que quero mantê-lo seguro. Se
Aida perdesse o marido pouco antes de o bebê nascer, isso a
destruiria. Pelo bem da minha irmãzinha, tenho que proteger
Callum, quer ele goste ou não.
Eu gostaria de levar Nero comigo, mas ele está
trabalhando no disco rígido que peguei da casa de Kenwood.
Embora eu não ache que Kenwood contratou mais Du Pont,
ainda quero que Nero decifre a criptografia para que possamos
ver que tipo de merda Kenwood está gravando secretamente
dentro de sua casa.

Em vez disso, ligo para Seb enquanto subo no meu SUV.


Ele atende após dois toques.

— Ei, irmão mais velho.

— Ei. Você está livre esta tarde?

— Depende. O que tem no menu?

— Missão exploratória.

— Longa viagem?

— Menos de uma hora.

— Tudo bem. Venha me buscar – vou mandar uma


mensagem com o endereço.

Seb me manda um endereço que não reconheço. Acontece


que é um prédio luxuoso no Loop. Espero no carro e ele desce
cinco minutos depois, parecendo corado e um pouco sem
fôlego.

— O que diabos você estava fazendo? — Pergunto-lhe.

Ele sorri. — O que você acha?


— Você tem alguma namorada morando lá?

— A namorada de outra pessoa que fica sozinha de vez


em quando.

— Oh, pelo amor de Deus – você está tendo aulas com


Nero?

Seb encolhe os ombros. — Ele se estabeleceu em


monogamia. Aida está prestes a ter um filho. E você é
perpetuamente chato – então alguém tem que se divertir um
pouco, — diz ele, afivelando o cinto de segurança e ligando a
música.

Eu sei que ele está brincando, mas na verdade não parece


que está se divertindo muito.

Seb tem estado em um estado difícil no último ano ou


dois, desde que sua perna se ferrou. Ele está pulando por aí,
às vezes nos ajudando no trabalho, às vezes desaparecendo
por dias ou até semanas enquanto bebe, festeja e faz sabe-se
lá o que mais. Aparentemente transando com garotas que já
estão em um relacionamento.

Ele está com a barba por fazer hoje, cabelo bagunçado, a


camisa parecendo que não foi lavada. Círculos escuros sob
seus olhos. Eu esperava que ele se agarrasse a este projeto
South Shore como Nero fez, e isso lhe daria algo diferente para
se concentrar. Mas Seb nunca se interessou tanto pelos
negócios da família quanto o resto de nós.

Ainda assim, ele é útil para um trabalho como o de hoje.


Pedi a Nero que procurasse todas as propriedades de
vários membros da família Du Pont. Existem três a duas horas
de carro de Chicago. Uma era uma casinha em Evanston de
propriedade de MaryAnne Du Pont, agora MaryAnne Ghery.
Como ela é professora e tem três filhos pequenos, risquei essa
da lista. A segunda era um apartamento no centro pertencente
a Charles Du Pont. Essa é uma possibilidade definitiva.
Charles Du Pont é parente distante de Christian, mas ele é um
homem mais velho que parece viver sozinho, então ele poderia
estar hospedando seu primo em terceiro grau. Mas o terceiro
lugar é aquele que verificarei primeiro.

É uma propriedade rural fora de Rockford. Na verdade, é


propriedade de Irene Whittier, que está ainda mais ligada a
Christian do que Charles Du Pont. Mas Callum apontou para
mim na lista. Ele disse que Jack costumava visitar a
propriedade no verão, para andar de bicicleta nas colinas e
ajudar sua tia-avó Irene a treinar os cavalos. Jack nunca
mencionou se seu primo Christian costumava ir lá também.
Mas parece possível, já que ambos tinham a mesma idade e
eram parentes quase iguais de Irene.

Seb e eu levamos uma hora e meia para dirigir até lá. É


engraçado como tudo fica diferente quando você sai da cidade.
Às vezes, passo meses sem sair de Chicago. Eu esqueci como
o resto do estado é plano. Na cidade, os arranha-céus são como
montanhas, criando uma sensação de estrutura e direção, não
importa onde você esteja. Você sempre pode saber para que
lado está voltado com base no rio, no lago e nos edifícios. Aqui,
você só tem o sol como guia. As estradas e campos parecem
iguais em quase todas as direções.

A propriedade Whittier é grande e bonita, mas


extremamente degradada. Quanto mais nos aproximamos da
casa principal, mais óbvia a pintura lascada e as venezianas
quebradas se tornam. Não vejo nenhum outro carro
estacionado na frente. A maioria das janelas parece escura.

— O que você quer fazer? — Seb pergunta, olhando as


janelas nervosamente. Tenho certeza de que ele está pensando
a mesma coisa que eu – que não estamos ansiosos para sair
do carro se Christian estiver em um daqueles quartos, rifle em
punho.

— Fique no carro, — digo a ele. — Vigie para mim.

— Tudo bem, — Seb diz, os olhos nas janelas.

Saio do Escalade, sentindo-me exposto no jardim vazio da


frente.

As pedras do pavimento estão rachadas e o quintal está


cheio de mato. Sinto-me um pouco melhor assim que estou no
pórtico, protegido pelo menos do alto.

Bato na porta e toco a campainha. Há uma longa espera


durante a qual ouço dois cães latindo na casa.

Por fim, passos se arrastam em direção à porta. Estou


com a arma na mão, dentro da jaqueta, caso precise. Quando
uma velha abre a porta, eu solto o gatilho e coloco minhas
mãos ao lado do corpo.

— O que você quer? — A mulher exige.

Ela tem ombros caídos e rosto largo, vestindo um cardigã


masculino e botas de borracha. Seu cabelo é tão ralo que posso
ver o couro cabeludo rosa por baixo. Ela está carregando um
balde de mistura de sementes e suas botas estão incrustadas
de lama – parece que ela estava alimentando galinhas quando
toquei a campainha.

— Desculpe incomodá-la, senhora, — eu digo. — Eu


queria saber se eu poderia falar com Christian.

Ela aperta os olhos para mim como se eu fosse louco.

— Christian? — Ela grita. — Por que diabos você veio aqui


procurando por Christian?

— Eu pensei que ele poderia estar com você, — eu digo,


calmamente.

— Você pensou errado.

Ela vai fechar a porta, mas eu paro facilmente com a


ponta da minha bota.

— Tem certeza de que não o viu? — Eu pergunto,


tentando manter meu tom educado.

— Não vejo Christian há oito anos, — diz ela. — NÃO que


seja da sua conta, seja você quem for. E não que eu te contaria
se tivesse visto.
Ela está olhando para mim com desconfiança. Ela pode
ser velha e frágil, mas é esperta o suficiente para saber que um
amigo de Christian não viria bater sem avisar.

Mesmo assim, acho que ela está dizendo a verdade. Sua


indignação por ser incomodada parece genuína o suficiente.

— Tudo bem, — eu digo, liberando a porta. — Obrigado


pelo seu tempo.

— ‘Obrigado’ ele diz, — ela balança a cabeça. — Como se


eu tivesse escolha!

Com isso, ela bate a porta na minha cara.

Eu não estou ofendido. Eu gosto de velhinhas teimosas.


Elas perderam o desejo de esconder o que realmente sentem
sobre as coisas e eu respeito a honestidade.

Irene tem razão em desconfiar de mim. Não tenho boa


vontade para com seu sobrinho neto. Na verdade, é difícil
imaginar um encontro cara a cara entre nós dois, onde ambos
saímos vivos.

Preciso encontrá-lo mais cedo do que nunca, porque Irene


pode ligar para ele, se tiver o número dele. Não vai demorar
muito para ele descobrir quem era o gigante em sua porta.

Estou prestes a voltar para o Escalade, quando tenho


mais uma ideia.

Eu mando uma mensagem para Seb:


Um segundo. Vou dar uma olhada nos fundos da
propriedade.

Sem esperar que ele respondesse, cortei a lateral da casa.


A propriedade não é cercada, então é fácil cruzar o terreno de
Irene. No entanto, estou atento aos cães que ouvi latindo na
casa. Não sei se há outros rondando por aí e não quero ter que
escolher entre atirar em um cachorro inocente ou perder um
pedaço da minha perna.

O terreno de Irene está quase totalmente abandonado –


vários campos abertos, um antigo estábulo de cavalos que
parece não ser usado há anos, um celeiro em ruínas e alguns
lotes arborizados.

Estou prestes a voltar para o carro, quando vejo o que


estava procurando, bem na beira do terreno: uma cabana
minúscula. Grandes propriedades geralmente têm uma casa
assim para o caseiro – fora da vista da casa principal, mas
perto o suficiente para vigiar a maior parte da propriedade.

Esta parece tão abandonada e coberta de vegetação


quanto o resto do terreno. Mas ainda vou dar uma olhada.
Seria o lugar perfeito para se esconder se você quisesse ficar
na casa da sua tia-avó, sem realmente ser incomodado por ela.

Irene está muito velha para vir pisando duro até aqui.
Christian poderia ficar meses sem que ela percebesse.
À medida que me aproximo, vejo uma estrada de acesso
traseiro serpenteando até a cabana. Você poderia dirigir e
estacionar sem ser notado. Não há nenhum veículo por perto
no momento, mas acho que vejo rastros novos na lama ao lado
da cabana.

Aproximo-me da cabana com cautela, procurando


câmeras. Procurando por arames também. Tínhamos muitos
deles no Iraque. Os insurgentes usaram linha de pesca,
transparente e instalada na altura da canela. Quase impossível
de ver até que você tropeçou através dela e detonou um
dispositivo incendiário. Ou uma daquelas malditas minas –
você a tropeça e a carga propulsora lança o corpo da mina a
um metro de altura, onde ela explode, espalhando fragmentos
em todas as direções na altura certa para abrir suas
entranhas.

Sim, nós não amávamos essa.

Carregamos Silly String47 para pulverizar a área. O fio


ficaria suspenso nas armadilhas, sem detonar as bombas. Mas
eu não tenho nenhuma Silly String agora. Então, eu apenas
observo onde diabos estou pisando, escolhendo
cuidadosamente o meu caminho através da grama alta.

Assim que chego à porta da cabana, tenho certeza de que


Christian esteve aqui. Eu posso ver a linha em arco através da
poeira onde a porta da frente se abriu. Eu verifico ao redor da

47É um produto aerosol que solta uma espuma em formato de cordão. Muito usado no Carnaval no
Brasil, e pode ser conhecido como Serpentina Spray em algumas regiões.
moldura por armadilhas, depois giro a maçaneta e entro.

Não está trancada. Duvido que Christian esperasse que


descobríssemos sua identidade, muito menos onde ele estava
hospedado.

Posso sentir o cheiro de seu sabonete, sobre o mofo e a


poeira. Ele esteve se limpando na pia. E dormindo na cama do
canto. A cama está bem arrumada, os cantos bem apertados e
o cobertor dobrado ao redor, em estilo militar. Eu reconheceria
essa técnica em qualquer lugar – quinze centímetros entre a
borda superior do cobertor e o lençol, dez centímetros de
material dobrado, dez centímetros do travesseiro até a prega.

A cabana foi limpa, e um único prato, caneca e garfo estão


secando ao lado da pia.

Não há TV ou aparelho de som – apenas um armário


antigo contra uma parede, com alguns livros mofados e um
ursinho de pelúcia surrado no alto da prateleira de cima.

Não estou interessado em nada disso. Sou atraído


diretamente para as pilhas de papel organizadas ao lado da
cama. As pastas e recortes são colocados em cima de uma
caixa de cabeça para baixo. Eu os pego, folheando as páginas
uma por uma.

Biblioteca de Chicago dá as boas-vindas a Imogen Griffin


como mais novo membro do conselho...
Fergus e Imogen Griffin têm o prazer de anunciar o noivado
de seu filho mais velho Callum, com Aida Gallo, filha de Enzo e
da falecida Gianna Gallo...

Callum Griffin eleito como vereador do 43º distrito...

Guarda-costas do vereador morto em cemitério...

Dante Gallo é preso por assassinato de Walton Miller...

Jack Du Pont, filho de Horace e Elena Du Pont, foi


sepultado no Cemitério Rosehill em...

Tiroteio no Harris Theatre...

Gallo Construction anuncia um grande projeto de


redesenvolvimento em South Shore...

Antiga usina siderúrgica da South Works renovada para


imóveis comerciais e residenciais...
Reunião contra o tráfico, organizada pela Freedom
Foundation, que acontecerá em Grant Park. Têm como
palestrantes...

Eu examino as manchetes, os artigos recortados e as


imagens impressas das redes sociais. Ele forma uma linha do
tempo dos Griffins e dos Gallos nos últimos dois anos. Algumas
coisas estão faltando – por exemplo, Christian aparentemente
não ligou nossas famílias à invasão do cofre no Alliance, que
foi escrita nos jornais, mas apenas brevemente, já que o
gerente do banco teve o cuidado de manter segredo os detalhes
ainda mais interessantes do roubo. E, claro, ninguém na
imprensa sabia quem eram os ladrões.

Os recortes mencionam o tiro no chefe da Bratva, Kolya


Kristoff, no balé, mas não o sequestro de Nessa Griffin que o
precedeu. Os Griffins nunca divulgaram essa informação. Eles
sempre souberam que teriam que ter sua filha de volta por
conta própria.

Tenho certeza de que Christian sabe mais do que ele tem


aqui. Para provar esse ponto, o papel final na pilha inclui uma
lista de nomes:

Mikolaj Wilk
Marcel Jankowski

Andrei Wozniak

Kolya Kristoff (chefe russo)

Ilya Yahontov

Callum Griffin

Dante Gallo

Nero Gallo

Todas as pessoas que estavam presentes no cemitério na


noite em que Jack morreu.

Não sei de onde Christian conseguiu essa informação.


Portanto, não sei se ele sabe quem realmente matou Jack. Foi
Marcel Jankowski quem cortou sua garganta, por ordem de
Mikolaj. Mas, a menos que uma das pessoas dessa lista tenha
falado com Du Pont, ele provavelmente não sabe se foi a máfia
polonesa, a Bratva, eu ou meu irmão que desferiu o golpe
mortal. Presumo que ele saiba que Cal não faria isso, mas ele
obviamente o culpa de qualquer maneira.

Estou tão absorto nos papéis que quase esqueço que


estou na cabana de Du Pont e ele pode voltar a qualquer
momento. Eu quase salto para fora da minha pele quando a
porta se abre abruptamente.

— Sou só eu! — Seb diz impaciente, sacudindo seu cabelo


desgrenhado de seus olhos. — Que porra você está fazendo?

— O que você está fazendo?

— Eu dirigi o carro para que você não tivesse que andar


de volta.

— Oh, — eu digo. — Obrigado.

— O que é tudo isso? — Ele acena com a cabeça para os


papéis.

— Recortes de um stalker, — digo a ele. — Du Pont tem


pesquisado todos nós.

— Oh sim? — Seb diz. — Ele conseguiu meu jogo contra


o Duke, onde marquei quarenta e dois pontos?

— Não, — eu balanço minha cabeça. — Você não está


aqui de jeito nenhum.

— Bem, isso é uma besteira, — Seb carranca.

Eu sei que ele está brincando, apenas de certa forma.

— Ele não deveria prender tudo nas paredes, conectado


por um barbante vermelho? — Seb diz.

— Não, ele é do tipo arrumado, — eu digo, juntando os


papéis novamente para que eu possa colocá-los de volta onde
os encontrei.

— Você pode dizer isso de novo, — Seb diz, olhando a


cama bem feita. — Nada por aí, exceto aquele velho urso.
Ele vai até a prateleira para pegá-lo.

— Não toque em nada! — Eu lati.

Tarde demais – Seb já o tirou da prateleira. A maioria das


pessoas não seria capaz de chegar lá sem uma escada, mas
Seb nem mesmo tem que andar na ponta dos pés.

— É pesado, — ele diz, franzindo a testa. — Dante... Eu


acho que é um... como se chama isso...

Já percebi antes mesmo dele falar.

É uma câmera de babá.

Seb aponta o urso para mim. Uma pequena luz vermelha


pisca atrás do olho esquerdo vítreo.

A câmera está ao vivo. Alguém está nos observando agora.

— Coloque isso de volta, — eu digo, calmamente.

— Ele já nos viu...

— Shh!

Eu ouço um ruído sibilante suave, quase silencioso. O


som de um aerossol sendo liberado conforme os componentes
químicos se misturam.

— CORRE! — Eu grito para o Seb.

Corremos para a porta, alcançando a moldura


estilhaçada no mesmo momento. Eu o empurro para fora antes
de mim. Assim que minhas mãos encontram suas costas, uma
força como um trovão me atinge por trás. Isso me joga para
fora da cabana. Como um tronco preso em uma enchente, eu
bato em Seb, e nós dois saímos voando. Caímos na grama seca
enquanto a cabana se transforma em uma bola de fogo furiosa
atrás de nós.

— PORRA! — Seb faz uma careta, segurando sua perna.


Ele caiu com força no joelho machucado.

— Você está bem? — Eu digo, rolando.

Ele geme algo em resposta, mas não consigo ouvir, porque


meus ouvidos estão zumbindo. Vou ficar surdo aos quarenta
se continuar assim.

— O quê? — Eu grito.

— Eu disse você está bem? — Seb grita de volta, olhando


para mim com os olhos arregalados.

Eu olho para mim mesmo. Tenho um pedaço de madeira


do tamanho de um lápis saindo do meu bíceps direito.
Conforme me movo, posso sentir mais pedaços de madeira e
metal cravados nas minhas costas.

— Puta que pariu.

Eu agarro Seb e jogo seu braço em volta do meu ombro,


ajudando a levantá-lo.

— Estou bem, — ele protesta, mas posso dizer que ele


está favorecendo sua perna boa.
— Vamos sair daqui. Tenho certeza de que aquela velha
está chamando a polícia.

Seb e eu mancamos de volta para o SUV. Estou


sinceramente feliz por ele ter dirigido até aqui, porque nenhum
de nós poderia correr todo o caminho de volta pela propriedade
no momento. Além disso, se ele não tivesse entrado e pegado
aquele urso, eu não teria notado a câmera ou ouvido a bomba
sendo ativada. A primeira coisa que eu saberia sobre isso seria
o lugar inteiro explodindo em volta das minhas orelhas.

Muitas situações difíceis. Eu posso sentir minha sorte se


esgotando.

Enquanto entramos no carro, Seb diz: — É melhor você ir


para o hospital.

— Que horas são? — Eu digo.

— Cinco e quarenta e dois.

Estou ciente de que da última vez que algo explodiu perto


de mim, cheguei atrasado para encontrar Simone.

Isso não vai acontecer de novo. Nem mesmo se a cidade


inteira pegar fogo.

— Nós vamos parar em uma loja, — eu digo a Seb.

— Que tipo de loja? — Ele diz.

Eu faço uma careta.

— Uma que tenha alicate e álcool.


Espero Dante na frente do hotel. Estou tão nervosa que
sinto que vou vomitar.

Passei mais de uma hora me preparando. A parte patética


de mim espera que, se eu ficar bonita o suficiente, ele possa
me perdoar. Eu sei que é ridículo, mas quando você passa a
vida inteira trocando sua aparência, o que mais você pode fazer
no seu momento mais desesperador?

Eu faria qualquer coisa para voltar no tempo e mudar as


decisões que tomei.

Mas isso é impossível. Tudo o que posso fazer agora é


contar a verdade a Dante. A verdade inteira, completa e
horrível.

Deixei Henry com meus pais. Eles estão jogando jogos de


tabuleiro.

Deixei Henry pronto para dormir antes de sair, de pijama


limpo, dentes escovados.

— Aonde você vai? — Ele perguntou, olhando meu


vestido, saltos e brincos.

— Tenho que sair por algumas horas, — eu disse.

— Você vai ver ele? — Ele perguntou. — Meu pai?

Hesitei, depois respondi honestamente: — Sim.

— Quero ir com você, — Henry disse imediatamente.

— Você não pode.

— Por que não?

— Eu tenho que ter... uma conversa adulta com ele.


Apenas nós dois. Mas acho – espero – que você possa conhecê-
lo em breve.

— Eu já o conheci, — Henry disse, sua voz abafada pela


escova de dentes.

— Quero dizer, conhecê-lo adequadamente.

Henry cuspiu na pia, parecendo zangado. — Eu quero ir


com você agora.

— Você não pode, — eu disse de novo, com mais firmeza


dessa vez.

Eu o beijei na bochecha, alisando seus cabelos. — Por


favor, seja bom para a vovó e o vovô.

— Eu sempre sou, — disse ele.

Enquanto eu caminhava em direção aos elevadores, ouvi


a porta do quarto do hotel se abrir atrás de mim. Henry colocou
a cabeça para fora no corredor. Eu lancei um olhar para ele e
ele recuou para o quarto, batendo a porta atrás de si.

Eu esperava que ele não dissesse nada aos meus pais


sobre Dante, mas neste ponto, isso dificilmente importa. Eu
sei que eles querem manter Henry em segredo dos Gallos. Mas
isso não é mais decisão deles.

Dante para na frente do hotel. Ele está dirigindo um


conversível antigo – provavelmente um de Nero – e parece ter
tomado banho. Há alguns cobertores dobrados em seu banco
traseiro, do tipo que você coloca no chão para fazer um
piquenique ou uma visita noturna à praia. Ele se vestiu e fez
planos para nós, como se fosse um encontro. Meu coração
aperta no meu peito.

Ele salta para abrir a porta do carro para mim. Vejo que
ele está se movendo com dificuldade, como se suas costas
estivessem doloridas. Ainda assim, ele abre a porta, dando um
passo para o lado para me deixar entrar.

Enquanto ele sobe de volta no lado do motorista, noto que


sua orelha direita está vermelho brilhante, e também a parte
de trás do pescoço, como se ele tivesse uma queimadura de sol
feia, apesar de ser outono. Uma bandagem branca cobre seu
bíceps, apenas meio oculta pela manga de sua camiseta.

— O que aconteceu com você? — Eu choramingo.

— Na...
Ele estava prestes a dizer “nada” antes de se conter. Ele
não quer mentir para mim.

— Eu descobri quem está atirando em nós, — diz ele. —


O nome dele é Christian Du Pont.

— Quem é esse? — Digo, perplexa. — Kenwood o


contratou?

— Não, — Dante balança a cabeça. — Na verdade, ele não


estava atirando em seu pai. Era Callum que ele queria. E
possivelmente eu também – ainda estou descobrindo essa
parte.

— O quê? — Isso não faz sentido para mim.

— É uma longa história, — Dante suspira. —


Basicamente, ele culpa os Griffins e os Gallos pela morte de
seu primo. E ele não está exatamente errado.

— Você o encontrou hoje?

— Não. Eu descobri onde ele estava hospedado. Encontrei


seu pequeno diário de perseguidor. Mas então o lugar inteiro,
uh, meio que explodiu.

— O QUÊ!?

Dante estremece. Eu sei que isso é exatamente o tipo de


coisa que ele não quer me dizer. Mas, ao contrário de mim, ele
nunca se esquivou da verdade sobre quem ele é e o que faz.

— Você está bem? — Eu pergunto a ele, tentando


recuperar minha calma.

— Sim. Completamente bem.

Provavelmente não era verdade, mas ele está tentando me


fazer sentir melhor. Meu coração está batendo um milhão de
milhas por minuto. Não era assim que eu esperava iniciar
nossa conversa.

— De qualquer forma, — diz Dante, — posso te contar


tudo durante o jantar.

— Na verdade... — Eu engulo em seco. — Talvez


pudéssemos apenas... dar um passeio ou algo assim.

Não quero estar perto de outras pessoas para isso. Não


quero que ninguém nos ouça.

— Oh... claro, — diz Dante. — Há um parque a cerca de


um quarteirão abaixo na rua...

— Perfeito.

— Vou parar o carro aqui.

Ele estaciona ao lado do meio-fio e saímos novamente.

Não estou vestida para caminhar. Deus, eu realmente não


pensei sobre isso. Estou usando sandálias de tiras e um
vestido de cocktail preto com um blazer leve por cima. O ar
está frio agora que o sol se pôs. Eu envolvo meus braços em
volta de mim, estremecendo um pouco.

— Espere, — diz Dante. Ele corre de volta para o carro,


pega sua jaqueta de couro do banco de trás e a coloca em volta
dos meus ombros. — Melhor? — Ele diz.

— Sim, — eu aceno, miseravelmente. Não quero que


Dante seja bom comigo agora. Eu não aguento mais.

Ele pode sentir meus nervos. Ele pode dizer que algo está
errado. Quando entramos no parque, ele diz: — Então, sobre o
que você quer conversar? É sobre seu trabalho? Porque eu
poderia...

— Não, — eu o interrompo. — Não é isso.

— O quê, então?

Seu corpo enorme caminha pesadamente ao meu lado,


cada passo audível no caminho pavimentado. Posso sentir o
calor de seu corpo, mesmo através da jaqueta de couro
enrolada em meus ombros. Quando eu olho para ele, seus
olhos negros estão fixos em mim com uma gentileza
surpreendente.

Eu não consigo fazer isso.

Mas eu tenho que fazer isso.

— Dante, — eu digo, minha voz tremendo. — Eu te amo...

Não, está errado, não posso começar assim. É


manipulador.

Ele está prestes a responder na mesma moeda, mas eu o


interrompi.
— Não, espere, apenas escute – eu fiz algo. Algo horrível.

Ele está me observando. Esperando. Ele acha que tudo o


que eu fiz, não importa. Ele provavelmente está imaginando
violência, roubo ou traição, algo com o qual está familiarizado
em seu mundo. Algo que ele consideraria perdoável.

Como sempre acontece quando estou estressada, meus


sentidos ficam aguçados. Posso sentir o cheiro de sua colônia,
sua loção pós-barba, seu sabonete e desodorante, até mesmo
o creme em seu cabelo. Por baixo disso, sua pele e seu hálito,
e aquela sugestão de testosterona crua que ele produz em
excesso ao de um homem normal. Esses cheiros não se
chocam – eles se misturam para fazer, o que para mim, é o
epítome da fragrância masculina.

Além disso, sinto o cheiro seco e enfumaçado das folhas


esmagadas sob nossos pés. A seiva crua do pinheiro no ar e o
carro escapando das estradas que cercam o parque. Até
mesmo o leve cheiro de água do lago.

Sinto a brisa fresca no rosto, os cachos soltos dançando


em volta do meu rosto e a jaqueta de couro pesada sobre meus
ombros.

Eu ouço o barulho do tráfego, de outras pessoas andando


e conversando no parque, embora nenhuma muito perto de
nós, e as folhas sendo esmagadas enquanto caminhamos, e os
passos pesados de Dante.

Todas essas coisas se tornam uma confusão em meu


cérebro, tornando difícil para mim pensar. Eu tenho que me
dissociar para poder superar isso. Sinto como se estivesse me
observando percorrer o caminho. Sinto que estou ouvindo
minha voz falar, sem nenhum controle sobre as palavras que
saem da minha boca:

— Quando eu fui embora, nove anos atrás... foi porque


eu estava grávida, — eu digo.

As palavras saem tropeçando, tão rápidas que se


misturam.

Dante fica totalmente silencioso. Ou porque ele não me


entende bem ou porque está em estado de choque.

Não consigo olhar para ele. Tenho que manter os olhos na


calçada para terminar o que tenho a dizer.

— Eu tive o bebê em Londres. Seu bebê. Era Henry. Ele


não é da minha irmã – nunca foi. Ela me ajudou a criá-lo. Mas
ele é seu filho.

Agora eu olho para ele.

A expressão em seu rosto é horrível. Isso estrangula o


resto das palavras que eu pretendia dizer, cortando-as como
uma mão em minha garganta.

Os olhos de Dante são poços negros em um rosto pálido.


Suas bochechas, seus lábios, sua mandíbula, estão rígidos
com o choque e a fúria.

Eu tenho que continuar. Tenho que terminar enquanto


tenho chance.

— Eu o escondi de você. E eu sinto...

— NÃO, — ele rosna.

Eu me afasto dele, tropeçando nos calcanhares. É apenas


uma palavra, mas está saturada de ódio. Ele não quer que eu
peça desculpas. Ele parece que vai me matar se eu tentar.

Dante está ali, ombros curvados, punhos cerrados ao


lado do corpo. Ele está respirando lento e profundamente.
Parece que ele quer pegar pedras e arremessá-las, arrancar
árvores inteiras e quebrá-las sobre os joelhos.

Eu havia me perguntado, no fundo, se ele suspeitava que


Henry poderia ser seu filho...

Agora vejo que ele não tinha ideia. Ele nem mesmo
considerou isso.

Ele nunca imaginou que eu pudesse esconder algo assim


dele.

Estou com medo de falar outra palavra. O silêncio é


insuportável. Quanto mais tempo dura, pior é.

— Dante... — Eu chio.

Seus olhos disparam para mim, seus dentes


arreganhados e suas narinas dilatadas.

— COMO VOCÊ PÔDE? — Ele ruge.


É isso. É muito para mim. Eu giro meu calcanhar e corro
para longe dele o mais rápido que posso. Eu corro de volta para
fora do parque e desço a calçada um quarteirão e meio de volta
para o hotel.

Estou de salto e Dante é mais rápido do que eu – se ele


quisesse me pegar, ele poderia. Mas ele não corre atrás de mim.
Provavelmente porque ele sabe que se o fizesse, ele poderia me
destruir com as próprias mãos.

Empurro as portas do hotel e corro para os banheiros. Eu


me tranco em uma cabine e desabo no chão de ladrilhos,
soluçando em minhas mãos.

Eu fiz algo que nunca pode ser corrigido.

Quebrei o coração de Dante há nove anos e agora fiz tudo


de novo.

Ele estava disposto a me perdoar por ir embora. Mas


isso... ele nunca poderia perdoar isso. Eu deveria saber desde
o início. Eu nunca deveria ter nos deixado chegar perto de
novo.

Eu choro e choro até que todo o meu corpo dói. Meus


olhos estão inchados e fechados. Eu mal consigo respirar com
o muco na minha garganta.

Eu gostaria de poder ficar neste banheiro para sempre.


Não consigo lidar com a bagunça que fiz. É muito. É horrível
demais.
Infelizmente, essa não é uma opção.

Então eu me levanto do chão, ainda tremendo e fraca.


Vou até a pia e jogo água fria no rosto até o inchaço diminuir
um pouco. Em seguida, seco os olhos com uma das toalhas de
mão dobradas elegantes na cesta e tento respirar fundo para
não terminar em outro soluço estremecido.

Finalmente, estou pronta para voltar para cima.

Eu pego o elevador, com medo de conversar com meus


pais. Eu tenho que dizer boa noite para eles. E talvez colocar
Henry na cama, se ele ainda não foi.

Eu entro na suíte dos meus pais, pensando que eles ainda


podem estar jogando jogos de tabuleiro com Henry.

O tabuleiro de Ticket to Ride está todo dobrado, de volta


na caixa junto com todas as pequenas peças de plástico. Mama
está bebendo uma xícara de chá, enquanto meu pai está
sentado no sofá com uma biografia aberta no colo.

— Como foi o jantar? — Mama pergunta. — Isso foi


rápido.

— Sim, — eu digo, entorpecida. — Henry já foi dormir?

— Sim, — ela balança a cabeça, tomando um gole de seu


chá. — Ele não queria mais jogar depois que você saiu. Disse
que estava cansado e foi direto para a cama.

— Espero que ele não fique doente, — diz Tata, virando a


página de seu livro.
Henry nunca vai para a cama cedo se puder evitar. Ele
deve ter ficado com raiva porque eu não o deixei vir comigo.
Espero que ele não esteja chorando na outra suíte, muito longe
para meus pais ouvirem.

— Eu vou ver como ele está, — eu digo. — Obrigada por


cuidarem dele.

— Ele é um menino tão bom, — Mama diz, sorrindo para


mim.

— Boa noite, pequenina, — Tata diz.

— Boa noite.

Eu atravesso a porta ao lado de nossa suíte. Henry e eu


temos nossos próprios quartos separados – estou tentando dar
a ele sua privacidade, agora que ele está envelhecendo.

Ainda assim, vou na ponta dos pés até o quarto dele e


abro a porta, não querendo acordá-lo se ele realmente está
dormindo, mas sentindo a necessidade de ver como ele está.

Sua cama é uma confusão de travesseiros e cobertores. É


difícil localizá-lo, em toda a bagunça. Abro um pouco mais a
porta.

Eu não vejo seus cachos, ou suas longas pernas


penduradas sob o cobertor.

Com o coração na boca, entro no quarto e vou até a cama.


Eu puxo o cobertor para fora.
Vazia. A cama está vazia.

Tento conter o pânico, mas é impossível. Eu corro


descontroladamente pela pequena suíte, verificando meu
quarto, o banheiro e o sofá da sala de estar, caso ele tenha
adormecido em algum lugar estranho.

Perdendo todo o controle, eu grito: — HENRY! — várias


vezes.

Meu pai entra na suíte, olhando em volta confuso.

— Simone, o que...

— Onde ele está? Ele voltou para a sua suíte?

Leva muito tempo, muito tempo para meus pais


entenderem. Minha mãe continua dizendo que devemos
verificar todos os quartos, embora eu diga a ela que já fiz isso.
Meu pai diz: — Será que ele estava com fome? Ele pode ter
descido à procura de comida?

— Liguem para a recepção! — Eu grito com eles. —


Chamem a polícia!

Eu corro pelo corredor até o quarto de Carly, batendo em


sua porta. Então me lembro que dei a ela uma noite de folga –
ela provavelmente saiu para jantar ou ver um filme.

Tento ligar para ela só por garantia. Sem resposta.

Corro para a máquina de gelo, a escada, os elevadores.


Eu corro até o saguão principal e verifico o refeitório como meu
pai sugeriu, rezando para encontrar Henry examinando as
barras de chocolate e chips. Ele adora doces.

A única pessoa no refeitório é um empresário de


aparência exausta, tentando fazer uma escolha pouco
entusiasmada entre uma banana e uma maçã.

— Você viu um menino? — Pergunto-lhe. — Nove anos de


idade? Cabelo encaracolado? De pijama?

O empresário balança a cabeça, assustado com minha


gritaria selvagem.

Corro para fora do hotel e olho para cima e para baixo na


movimentada rua da cidade, me perguntando se Henry teria
vindo aqui. Ele sabe que não tem permissão para vagar
sozinho, especialmente à noite. Mas se ele estava com raiva
porque eu não o levei para ver Dante...

Hesito na esquina, ao lado de uma van de pintura branca.

Foi isso que aconteceu? Henry desceu para tentar dar


uma outra olhada em seu pai? Ele nos seguiu... talvez até o
parque?

A traseira da van de pintura se abre.

Eu me afasto para sair do caminho, ainda tonta e olhando


na direção do parque. Me perguntando se deveria correr até lá
ou se deveria ligar para Dante em vez disso.

Naquele momento, um saco de pano cai sobre minha


cabeça. É tão repentino que não entendo o que está
acontecendo – rasgo e puxo o pano, tentando arrancá-lo do
rosto. Enquanto isso, braços se fecham ao meu redor e eu sou
levantada. Eu grito e luto, mas não adianta. Em dois segundos,
fui jogada na parte de trás da van.
Eu nunca fui tão surpreendido dessa forma na minha
vida.

A confissão de Simone foi um linebacker48 de 180 quilos,


me achatando do nada. Eu me sinto como se estivesse deitado
na grama, ofegante, minha cabeça inteira explodindo.

Nunca, nem por um segundo, pensei que Simone pudesse


estar grávida do meu filho. Só fizemos sexo desprotegido uma
vez no museu. Ela era virgem – eu nem considerei isso.

Mas agora que a ideia está na minha cabeça, muitas


coisas estão se encaixando.

Como ela ficou doente nas últimas semanas em que


estivemos juntos. Como ela parecia cada vez mais ansiosa com
meu trabalho. Como ela exigiu um encontro naquela noite, e
seu horror quando cheguei, machucado, ensanguentado e
fedendo a gasolina...

48Jogador no futebol americano que tenta impedir que jogadores do outro time movam a bola pelo
campo, atuam na defesa.
Ela ia me dizer que eu estava prestes a ser pai. E então
eu apareci parecendo a pessoa menos paternal do planeta.
Como o último homem que você gostaria de ter perto de seu
filho.

Eu entendo agora.

Compreendo... mas não estou bem com isso. Nem um


pouco, porra.

Ela voou pelo Atlântico. Ela desapareceu da minha vida


sem dizer mais nada. Ela carregou meu bebê por nove meses,
deu à luz e, em seguida, CRIOU MEU FILHO SEM NUNCA ME
DIZER QUE ELE EXISTIA!

Estou com tanta raiva dela que nem consigo pensar nisso
sem entrar em estado de apagão.

Quando Simone fugiu de mim no parque, não tentei


persegui-la. Eu sabia que era melhor para ela ir embora antes
que eu dissesse ou fizesse algo de que me arrependeria.

Eu não colocaria a mão nela – eu nunca faria isso.

Mas se algum estranho tivesse se aproximado de mim


perguntando as horas, eu definitivamente poderia tê-lo
assassinado.

Eu nunca poderia machucar Simone.

Mesmo agora, cheio de amargura e fúria, eu sei que isso


é verdade.
E eu estou amargo. Estou tão profundamente amargo
quanto um barril inteiro de quinina. Estou encharcando,
fazendo conserva.

Ela roubou nosso bebê. Ela o criou do outro lado do


mundo. Nunca o vi crescer em sua barriga. Nunca o vi
aprender a engatinhar ou andar. Nunca ouvi suas primeiras
palavras. E, acima de tudo, nunca consegui criá-lo. Nunca
cheguei a ensiná-lo, ajudá-lo, cuidar dele. Incutir nele um
conhecimento de sua cultura, sua família, sua ascendência, do
meu lado.

Em vez disso, ele foi criado por Simone e o maldito Yafeu


Solomon, que ainda odeio. Yafeu se vingou de mim, e eu nem
sabia disso. Tentei tirar a filha dele, mas ele roubou meu filho.

Ando de um lado para o outro no parque, irradiando tanta


raiva que as pessoas saltam do meu caminho nas trilhas.

Não é o suficiente. Eu preciso desabafar de alguma outra


maneira.

Então eu volto para o meu carro, ainda parado na frente


do hotel, e pulo no conversível aberto. Há uma pilha de
cobertores no banco de trás – eu estava planejando levar
Simone para um passeio até as dunas mais tarde. Pensei em
sentar na areia e olhar as estrelas.

Que idiota de merda eu fui.

Eu corro para longe do meio-fio, acelerando


imprudentemente pela estrada. Normalmente dirijo com
cuidado – não hoje. Nada além do vento frio em meu rosto pode
afastar o calor que queima atrás de meus olhos.

Ela me traiu. É por isso que estou com tanta raiva. Eu


estava disposto a aceitar que Simone me deixou. Eu poderia
perdoá-la por isso. Toda a dor que isso me causou poderia ser
lavada por tê-la de volta novamente.

Mas isso... nada pode me devolver esses nove anos com


meu filho.

Puta que pariu, eu mal olhei para ele!

Ele estava bem ali ao meu lado no quarto do hotel, e eu


mal dei a ele um momento para pensar.

Tento me lembrar agora.

Eu sei que ele era alto e magro. Ele tinha cabelos


cacheados e olhos grandes e escuros. Muito parecido com Seb
quando ele era pequeno, na verdade.

Imaginando seu rosto, sinto a primeira punhalada de


outra coisa ao invés de raiva. Uma frágil vibração de
antecipação.

Meu filho é lindo. Ele tem uma expressão inteligente. Ele


parece forte e capaz.

Eu posso conhecê-lo agora, conhecê-lo adequadamente.

Deve ser por isso que Simone me contou sobre ele.

Ela não precisava – eu não fazia ideia. Ela poderia


continuar fingindo que ele era seu sobrinho.

Lembro-me de perguntar a ela sobre isso no evento


Heritage House. Ela ficou vermelha e hesitou antes de
responder. PUTA MERDA! Como eu pude ser tão estúpido?
Deve ter havido uma centena de indícios do que estava
acontecendo, nove anos atrás até hoje.

Se eu tivesse ido para Londres, teria descoberto. Eu teria


visto Simone grávida. Em vez disso, fiquei em Chicago, de mau
humor.

Pensei em persegui-la. Centenas de vezes. Até comprei


uma passagem de avião uma vez.

Mas eu nunca fui. Por orgulho.

Disse a mim mesmo que ela não me queria e eu não


conseguiria fazê-la mudar de ideia.

Nunca pensei que poderia haver outro motivo para ela ter
partido. Algo fora de nós dois.

Agora sinto outra coisa: um choque de simpatia.

Porque eu percebo o quão doente e assustada ela deve ter


estado. Ela tinha dezoito anos. Quase uma adulta.

Eu penso no quanto mudei desde então. Eu era


impulsivo, imprudente, um péssimo tomador de decisões.
Posso culpá-la se ela fez uma escolha errada também?

Se era mesmo uma má escolha.


Penso em todas as coisas estúpidas que fiz ao longo
desses nove anos – todo o conflito e derramamento de sangue,
todos os erros que cometi...

Simone criou nosso filho na Europa, longe de tudo isso.


Ele estava saudável, feliz e seguro.

Não estou feliz por ela ter feito isso – não posso estar.

Mas... Eu entendo o porquê.

Eu a imagino parada no parque, tremendo de medo do


que ela tinha a me dizer. Por que ela estava tão assustada?
Porque ela pensou que eu a machucaria? Porque ela pensou
que eu roubaria seu filho?

Não. Se essas fossem as razões, ela não teria me contado


nada.

Ela me disse... porque ela me ama. Porque ela quer que


eu conheça Henry depois de todos esses anos, e que ele me
conheça. E porque... eu acho que... eu espero... porque ela
queira ficar comigo. Ela quer que sejamos uma família, como
sempre deveríamos ter sido.

Estou dirigindo na estrada a cento e cinquenta


quilômetros por hora, mal tendo que ziguezaguear no trânsito
porque está ficando tarde e não há muitos carros na estrada.

Tenho dirigido em direção ao desenvolvimento de South


Shore sem nem mesmo perceber. E agora sei o motivo – não
para ver os arranha-céus ou o equipamento de construção
vazio que meus trabalhadores abandonaram durante a noite.

Eu quero ver o rosto dela.

Eu dirijo até o outdoor bem quando ele muda do anúncio


de Cola para o de perfume.

O rosto de Simone me bate como um tapa.

Ela é linda. Encantadora. E triste. Sim, ela está triste, eu


sei disso. Porque todos aqueles anos ela sentiu saudades de
mim, assim como eu senti por ela. Éramos duas metades de
um coração, dilacerados, sangrando e doendo para ser
costurados novamente.

Ela me ama. E eu a amo. Eu não consigo parar de amá-


la.

Não importa o que ela tenha feito comigo, não importa o


que ela possa fazer no futuro, eu nunca posso parar. Eu
cortaria minhas mãos por esta mulher. Tiraria a carne dos
meus ossos para ela. Não posso viver sem ela e não quero
tentar.

Perdoá-la não é opcional. Eu tenho que fazer isso. Eu não


posso existir sem isso.

Porque eu não posso existir sem ela. Eu tentei e tentei.


Isso nunca vai funcionar. Vou ficar de joelhos e rastejar pelo
vidro por ela.

Assim que eu percebo isso, a raiva escoa para fora de


mim. Meu peito está queimando, mas não de fúria.
É só amor. Eu a amo pra caralho. Sempre amei e sempre
amarei.

Estou estacionado em frente ao outdoor. A noite escura


está silenciosa ao meu redor.

Até que alguém se senta no meu banco traseiro.

Eu grito e me viro, alcançando automaticamente a arma


sob o assento.

Então vejo que é um menino.

Meu menino.

É Henry.

Ele me olha nervoso, tentando alisar seus cachos com


uma das mãos. Ele morde o lábio inferior, com a aparência
inconfundível de uma criança que sabe que está em apuros.

Ele está vestindo pijama de flanela, azul marinho com


detalhes vermelhos. Eu não consigo parar de olhar para ele.

Eu devo ter sido cego antes. Ele tem a pele lisa, bronzeada
e luminescente de Simone. Seus cachos são um pouco mais
soltos e um pouco mais claros. Seu rosto é mais longo, não
quadrado como o dela.

Na verdade, é a feição que Seb tinha naquela idade. Ele


tem cílios longos como Nero e Aida. Mas a cor real de seus
olhos... eles são escuros, castanhos escuros. Quase preto.

Igual ao meu.
Estou congelado no lugar, olhando para ele. Silencioso.
Totalmente incapaz de falar.

— Eu... eu me escondi no banco de trás, — explica ele,


desnecessariamente. — Desculpe, — acrescenta ele,
estremecendo.

— Está tudo bem, — digo a ele.

Essas são as primeiras palavras que falo ao meu filho.

Seus olhos fogem de mim e voltam novamente. Posso


dizer que ele está tão curioso para olhar para mim quanto eu
para ele, mas ele está com medo.

— Está tudo bem, — digo novamente, tentando


tranquilizá-lo. Eu realmente não sei como falar com uma
criança. Eu tinha irmãos mais novos, mas isso era diferente, e
foi há muito tempo.

— Eu queria conhecê-lo, — diz ele.

— Eu também, — asseguro-lhe. Então, o mais


gentilmente que posso, eu digo: — Sua mãe sabe onde você
está?

Ele balança a cabeça, parecendo mais culpado do que


nunca.

— Eu escapei, — ele admite.

Ele é honesto. Estou feliz em ver isso.

— Devíamos ligar para ela, — eu digo.


Eu aperto no número no meu telefone. Ele toca várias
vezes e vai para o correio de voz. Sem resposta de Simone.

Ela ainda está chateada com a maneira como eu reagi.


Ela não deve ter notado que Henry está desaparecido. Ela
provavelmente está chorando em algum lugar.

Estou prestes a mandar uma mensagem para ela, mas


Henry me interrompe.

— Como é que você nunca veio me visitar? — Ele diz.

Eu hesito. Não sei o que Simone disse a ele. Eu poderia


ter discutido isso com ela, se tivesse ficado calmo, em vez de
perder a paciência.

— O que sua mãe disse? — Eu pergunto a Henry.

— Ela disse que você estava longe.

— Isso é verdade. Eu estive no exército por um tempo –


ela te contou isso?

Henry balança a cabeça.

— Eu fui para o Iraque. Você sabe onde fica?

— Sim, — ele diz. — Gosto de geografia. Aprendi uma


música sobre cento e noventa e cinco países.

— Eles comem kebabs no Iraque. Você sabe, carne


espetada em um palito. Cordeiro ou bife, às vezes peixe ou
frango. Isso era bom, melhor do que a comida do quartel. Eles
tinham um ensopado chamado Qeema também.
— Não gosto de sopa, — diz Henry, franzindo o nariz.

— Eu também não gosto de sopa, — digo a ele. — Mas


guisado, se for bom e espesso, pode ser uma refeição de
verdade. Aposto que você fica com fome, uma criança grande
como você.

— Sim, o tempo todo.

— Eu era assim também. Sempre crescendo. Você está


com fome agora?

Henry acena com a cabeça, os olhos brilhantes.

— Qual sua comida favorita?

— Sorvete.

Eu ligo o motor do carro novamente.

— Aposto que tem algum lugar aberto que serve sorvete...

Nesse momento, meu telefone começa a zumbir ao meu


lado. Vejo o nome de Simone e pego, pensando que ela
percebeu minha ligação ou viu que Henry estava desaparecido.
Estou planejando dizer a ela que ele está comigo, está seguro.

— Simone... — eu começo.

Em vez disso, uma voz masculina responde.

— Dante Gallo.

É uma voz suave. Quase agradável. Ainda assim, envia


um pulso elétrico doentio pela minha pele.
Eu sei quem é, embora nunca tenha ouvido sua voz antes.

— Christian Du Pont, — eu digo.

Ele deixa um pequeno assobio de ar, a meio caminho


entre o aborrecimento e uma risada.

— Muito bom.

Ele já sabe que descobri seu nome, porque me viu em sua


pequena cabana.

Sou eu quem sofre uma terrível sensação de choque.

Du Pont me ligou no telefone de Simone. Isso significa


que ele está com o telefone dela. E ele provavelmente está com
Simone também.

— Onde está Simone? — Eu exijo.

— Bem aqui comigo, — ele diz, suavemente.

— Deixe-me falar com ela.

— Não... Acho que não... — ele responde,


preguiçosamente.

Meu cérebro está acelerado e meu coração também.


Estou tentando manter a calma, tentando não o antagonizar.
Minha voz é como um cabo de aço, esticado ao ponto de
quebrar.

— Não a machuque, — eu rosno.

Du Pont dá aquela risada bufante novamente, desta vez


mais alto.

— Ela é uma verdadeira beleza, — diz ele. — Ainda mais


do que suas fotos. Isso me surpreendeu.

Estou segurando o telefone com tanta força que tenho


medo de quebrá-lo na minha mão. Henry está me observando
com os olhos arregalados. Ele não consegue ouvir o outro lado
da conversa, mas minha expressão é o suficiente para
aterrorizá-lo.

— O que você quer? — Eu exijo.

— Essa é uma pergunta interessante, — diz Du Pont. Não


consigo vê-lo, mas ele parece pensativo, como se estivesse
recostado em uma cadeira, fumando um charuto ou apenas
olhando para o teto. — O que eu realmente quero é impossível.
Afinal, você não pode trazer alguém de volta dos mortos. Então,
tenho que olhar para outras opções. Outras coisas que podem
me fazer sentir um pouco melhor...

— Simone não tem nada a ver com isso! — Eu estalo.

Du Pont não responde à minha raiva. Ele fica


perfeitamente calmo.

— Eu não acho que isso seja verdade, Dante. Você sabe,


quando eu vim aqui, eu tinha um propósito simples e
específico. Vingança. Eu planejei fazer isso de forma limpa.
Callum Griffin, Mikolaj Wilk e Marcel Jankowski. Kolya Kristoff
também merecia morrer, é claro, mas Fergus Griffin já havia
cuidado disso. Então, eu pretendia trabalhar meu caminho
para baixo na lista e terminar com isso. Mas você entrou no
meu caminho.

— Eu nem sabia quem você estava tentando atingir no


comício, — digo a ele.

— Isso é o que é tão interessante sobre o destino, não é,


Dante? — Du Pont sibila. — Eu sabia tudo sobre você no
Iraque, mesmo antes de terminar em uma unidade com seu
parceiro. Você foi um herói para aqueles meninos. Para mim
também, quando cheguei lá. Eu queria te conhecer. Algumas
vezes quase aconteceu. Uma noite, nós dois estávamos na base
de al-Taji, perto o suficiente para que eu pudesse ver suas
costas, sentado em frente ao fogo. Mas algo sempre interveio
para nos manter separados. E depois de um tempo, comecei a
achar que era melhor assim. Porque eu queria bater seu
recorde. Achei que seria muito mais divertido se eu pudesse te
dizer isso na primeira vez em que nos encontrássemos, cara a
cara. Então você foi para casa e pensei: ‘Perfeito. Agora eu sei
exatamente qual número tenho que bater’.

Estou em agonia ouvindo essa merda. Não quero ouvir


sobre essa rivalidade militar ridícula entre nós que existia
apenas em sua cabeça. Quero saber onde Simone está agora.
Preciso ouvir sua voz para saber se ela está segura. Mas estou
me agarrando a cada fiapo de paciência que posso reunir,
então não antagonizo esse psicopata mais do que já fiz.

— Então eles me enviaram de volta, — diz Du Pont, com


uma ponta de amargura na voz. — E nunca cheguei a esse
número.

Já sei que ele não foi “enviado de volta”. Ele foi


dispensado por ser um maluco. Mas duvido que ele vá
reconhecer isso, e certamente não preciso tocar no assunto.

— Achei que fosse o fim de nossos caminhos paralelos, —


ele suspira. — Até Jack morrer.

— Você sabe que eu não o matei, — eu digo. Não porque


me importo com o que Du Pont pensa sobre isso, mas porque
não quero que ele desconte em Simone.

— Eu sei exatamente o que aconteceu! — Du Pont cospe.


— Embora tenha levado meses para obter a história real. Todos
vocês cobriram suas bundas, mantiveram seus próprios
nomes fora dos jornais. Deixaram-nos escreverem sobre Jack
como se ele fosse um maldito criminoso como o resto de vocês.
Quando ele NÃO ERA!

— Ele era o guarda-costas de Callum, — eu digo, não


afirmando de uma forma ou de outra se isso também tornava
Jack parte da máfia irlandesa, ou apenas um empregado. —
Eles eram amigos.

— Amigos, — zomba Du Pont. — Você conduz seus


amigos por aí como um servo? Você abre portas para eles?
Aqueles idiotas irlandeses o tratavam como um cachorro,
quando nossa família tem dez vezes mais pedigree que a deles.

Não adianta discutir com ele. Eu sei que Cal se


preocupava com Jack. Ele ficou arrasado e culpado por meses
após a morte de Jack. Demorou muito para perdoar Miko,
mesmo depois que Mikolaj se casou com a irmã de Cal. Callum
provavelmente nunca o teria perdoado, se Mikolaj não tivesse
salvado a vida de Nessa.

Mas nenhuma dessas coisas vai deixar Du Pont menos


zangado com nossas famílias. Saímos dessa batalha com
nossas famílias intactas. Christian não.

— O que você quer? — Repito, tentando colocá-lo de volta


nos trilhos. Eu não dou a mínima para o rancor dele. Eu só me
importo com Simone.

— Não é o que eu quero, — diz Du Pont, em um tom mais


calmo. — É o que o destino decretou. Isso nos uniu novamente,
Dante. Está nos fazendo enfrentar uns aos outros, assim como
fizemos no Iraque.

Seguir as reflexões de um louco é exaustivo. Nunca


conheci a Du Pont no Iraque. Mas ele acha que tínhamos
algum tipo de rivalidade. Como Nero adivinhou, parece que ele
quer reacendê-la aqui e agora. Ele quer o confronto que lhe foi
negado.

— É isso que você quer? — Eu digo. — Uma competição?

— Parece a maneira mais justa de resolver nosso conflito,


— diz Du Pont, sonhador. — Amanhã de manhã, às 7h, vou
soltar a bela Simone na natureza. Vou caçá-la como um cervo.
E vou colocar uma bala no coração dela. Já disse as horas e
enviarei uma mensagem sobre o lugar. Você terá sua chance
de tentar me impedir. Veremos de quem é a bala que encontra
sua marca primeiro.

Isso não é absolutamente o que eu pensei que ele iria


dizer. Minha mão treme ao redor do telefone. Eu daria qualquer
coisa para conseguir passar pelo espaço entre nós, para rasgar
a garganta de Du Pont.

— Eu não estou brincando com você! — Eu grito. — Se


você colocar a porra de um dedo nela, vou estripar todos os Du
Pont deste planeta, começando com aquela velha vadia Irene!
Vou rastreá-lo e arrancar sua espinha, você...

Ele já desligou o telefone. Estou gritando com nada.

Na verdade, estou gritando com meu filho, que está me


observando o tempo todo com seus olhos grandes e escuros,
as mãos segurando o cobertor ainda deitado em seu colo no
banco de trás.

Estou tremendo de raiva, não consigo evitar.

Esse lunático está com a Simone. Ele quer atirar nela bem
na minha frente amanhã de manhã.

— Alguém vai machucar a mamãe? — Henry sussurra.

— Não! — Eu digo a ele. — Ninguém vai machucá-la. Eu


vou buscá-la e trazê-la de volta. Eu prometo a você, Henry.

É a primeira promessa que fiz a ele.

Vou mantê-la ou vou morrer tentando.


Estou deitada na parte de trás da van de pintura, com os
braços amarrados com braçadeiras atrás de mim.

É extremamente desconfortável, porque Du Pont não


dirige com cuidado. Várias vezes, quando ele fez curvas muito
rápido, eu caí rolando, batendo no poço da roda ou nas
escadas, baldes e sacolas que ele está guardando aqui.

Ele cobriu minha boca, mas eu não falaria com ele de


qualquer maneira. É irritante o suficiente ouvi-lo cantarolar
enquanto dirige. Seu zumbido é atonal e repetitivo. Às vezes,
ele bate no volante com os dedos longos, não exatamente no
ritmo do zumbido.

Fede a tinta e outros produtos químicos aqui. Estou


tentando respirar devagar e não chorar, porque se meu nariz
ficar entupido de novo, tenho medo de sufocar com essa fita
na boca.

Eu ouvi a conversa de Du Pont com Dante. Ele queria que


eu ouvisse.
Parece algum tipo de piada de mau gosto. Eu não posso
acreditar que ele realmente pretende me soltar, apenas para
atirar em mim.

Não entendo por que ele está fazendo isso. Eu não tive
qualquer participação na morte de seu primo. Eu nem estava
no mesmo país na época.

Embora, é claro, não tenha sido por isso que ele me


sequestrou.

Ele quer atormentar Dante.

E ele acha que a melhor maneira de fazer isso é através


de mim.

Ele não sabe que acabamos de brigar. Graças a Deus por


isso. Meu corpo treme quando percebo que se ele soubesse da
luta, se soubesse do que estávamos falando... ele teria
sequestrado Henry em vez disso. Ele não sabe que Henry é filho
de Dante. Essa é a única coisa pela qual posso ser grata agora.
A única coisa que me ajuda a manter uma aparência de calma.

Na verdade, não sei onde Henry está... mas tenho que


acreditar que ele está seguro, ou com Dante, ou em algum
lugar do hotel, nesse caso ele encontrará o caminho de volta
para meus pais novamente. Onde quer que ele esteja, é melhor
do que a parte de trás desta van.

Deus, eu tenho que sair disso. Não posso deixar esse


psicopata me matar. Henry precisa de mim. Ele é tão jovem,
ainda. Ele já perdeu Serwa, não pode me perder também.
Eu procuro desesperadamente por algo que eu possa
agarrar. Algo que eu pudesse usar para escapar. Uma faca, um
estilete, qualquer coisa.

Não há nada. Apenas lonas respingadas de tinta e


mochilas que não posso abrir o zíper sem que Du Pont perceba.

Então ele vira outra esquina, e ouço um som de chocalho.


Um parafuso rolando no chão de metal da van.

É difícil alcançá-lo. Tento me contorcer naquela direção


um centímetro de cada vez para que Du Pont não veja. Tenho
que ir de costas em direção ao parafuso para que possa segurá-
lo em minhas mãos. Enquanto isso, ele continua rolando
novamente, bem quando estou prestes a alcançá-lo.

Du Pont começa a mexer no rádio. Aproveito para


empurrar bastante a roda com os pés, empurrando-me para
trás na direção do parafuso. Meus dedos patinam sobre ele,
dormentes por terem sido torcidos atrás de mim e amarrados
com muita força com as braçadeiras. Pego o parafuso, solto e,
em seguida, pego novamente. Eu a agarro com força em meu
punho, olhando nervosamente para Du Pont para ter certeza
de que ele não percebeu.

Ele encontra sua estação e se recosta em seu assento com


um suspiro de satisfação. Billy Joel sai do rádio, alto e
estranhamente alegre. Du Pont começa a cantarolar, ainda
desafinado.

Eu agarro o parafuso entre o polegar e os dedos. Torcendo


minha mão o melhor que posso dentro dos limites da
braçadeira, começo a serrar na borda do plástico, lento e
silenciosamente.
Eu levo Henry de volta para minha casa. Dirigimos até a
antiga casa vitoriana, cercada por árvores que perderam a
maioria de suas folhas, a grama como um carpete tão denso
que mal se consegue ver o verde entre os montes de vermelho
e marrom.

A casa parece assustadora no escuro. A madeira velha


escureceu com o tempo, e o vidro de chumbo mal mostra a luz
que brilha de dentro. De qualquer maneira, não há muitas
luzes acesas – apenas a do quarto da nossa governanta e a do
meu pai.

— Você mora aqui? — Henry pergunta, nervoso.

— Sim. O seu avô também.

— Vovô Yafeu? — Ele franze a testa.

— Não, seu outro avô. O nome dele é Enzo.

Eu dirijo até a garagem subterrânea. Tem cheiro de óleo


e gasolina, que não são odores desagradáveis nas
circunstâncias certas. Pelo menos aqui está bem iluminado e
limpo. Nero sempre foi arrumado, senão outra coisa.

Henry olha em volta para todos os carros e motocicletas.

— São todos seus? — Ele diz.

— A maioria do meu irmão. Ele gosta de consertá-los.


Está vendo aquele ali? Tem sessenta anos. Ainda assim, lindo.

— Parece engraçado, — Henry diz, olhando para os faróis


borbulhantes e o comprimento de barco do velho T-bird.

— Sim, — eu concordo. — Parece.

Levo Henry para a cozinha no andar de cima. Fico


surpreso ao ver meu pai sentado à mesinha de madeira,
bebendo uma xícara de chá. Ele parece igualmente surpreso
por eu ter aparecido com uma criança ao meu lado.

— Olá, filho, — diz ele, em sua voz profunda e áspera.

— Papa, este é Henry, — eu digo.

— Olá, Henry.

— Oi, — Henry diz, timidamente.

— Você quer um pouco de chá ou chocolate? — Papa diz.


— Eu acho que Greta tem o tipo com marshmallows...

— Eu gosto de marshmallows, — diz Henry.

— Deixe-me encontrar.

Papa se levanta da mesa, remexendo na cozinha,


vasculhando os armários. Ele nunca cozinha nada, então não
sabe onde Greta guarda nada.

Ele está vestindo um robe limpo e bem passado sobre um


pijama listrado. Seus chinelos são de couro e também limpos
e novos. Meu pai nunca se deixou levar fisicamente, por mais
destruído que tenha ficado depois que minha mãe morreu. Ele
ainda vestia suas camisas sociais com punhos e abotoaduras
francesas, seus ternos de três peças e seus oxfords. Ele corta
o cabelo a cada duas semanas e passa trinta minutos fazendo
a barba todas as manhãs.

A única parte dele que ficou selvagem são as


sobrancelhas grossas e cinzentas, que caem pesadamente
sobre os olhos negros como um besouro.

Ele já foi um homem grande – não tão grande quanto eu,


mas fisicamente imponente. Ele encolheu nos últimos cinco
anos. Perdendo peso e altura. Ele é tão inteligente como
sempre, no entanto. Já o vi vencer Nero no xadrez, e isso não
é fácil de fazer.

Ele encontra o cacau e aquece o leite em uma panela no


fogão. Temos um micro-ondas, mas ele nunca confiou nele.

— De onde você veio, garoto? — Papa pergunta a Henry,


não rude.

— Nós moramos em Los Angeles por um tempo, — diz


Henry. — Antes, nós estávamos na Espanha.

— Quem é nós?
— Simone é a mãe dele, — digo a Papa.

Papa faz uma pausa no ato de colocar cacau em uma


caneca. Seus olhos encontram os meus. Ele olha para Henry,
com mais cuidado dessa vez. Vejo seu olhar passando pela
altura de Henry, seu cabelo, seus olhos, a maneira como ele se
recosta na cadeira à pequena mesa da cozinha.

— Isso está certo? — Meu pai diz baixinho.

— Sim, — eu aceno. — Está certo.

Papa despeja o leite quente na caneca e mexe. Ele o leva


para Henry, sentando-se em frente a ele.

— Eu conheço sua mãe há muito tempo, garoto, — diz


ele. — Eu sempre gostei dela.

— Ela é famosa, — diz Henry, bebendo seu chocolate. O


leite espumoso deixa um pequeno bigode no lábio superior.
Isso o faz parecer especialmente com Simone – uma memória
muito específica e preciosa que tenho dela, de muito tempo
atrás. Pressiono o polegar e o indicador nos cantos internos
dos olhos, afastando-me dele por um momento e respirando
fundo.

— Ela é uma mulher muito bonita, — Papa concorda. —


Eu mesmo fui casado com uma linda mulher, há muito tempo.

— Papa, — eu digo. — Eu tenho que sair de novo. Você


pode cuidar de Henry? Ele pode dormir no meu quarto.

— Eu posso, — meu pai concorda. — Ele não parece


cansado, no entanto. Henry, você está cansado?

Henry balança a cabeça.

— O que você gosta de fazer por diversão?

— Você tem algum jogo de tabuleiro? — Henry pergunta,


ansioso.

— Eu tenho um tabuleiro de xadrez. Você já jogou xadrez?

Ele balança a cabeça.

— Eu vou te ensinar. Depois de terminarmos nossas


bebidas.

Entro na sala de estar, fora da vista de Henry e meu pai.


Pela centésima vez, verifico meu telefone para ver se Du Pont
já me enviou uma mensagem. Nada. Nenhuma chamada
perdida também.

É quase meia-noite. Em sete horas, devo encontrar Du


Pont sabe Deus onde, para impedi-lo de matar a mulher que
amo. E eu não tenho a mínima ideia de como vou fazer isso.

Meu telefone toca na minha mão, assustando-me tanto


que quase o deixo cair.

— Sim? — Eu falo.

— Você parece estressado, Deuce, — diz uma voz


arrastada.

— Puta que pariu, Raylan! — Eu exclamo, inarticulado de


surpresa.

— Recebi sua mensagem.

Eu não paro para explicar – eu me apresso.

— Preciso saber tudo o que você sabe sobre Christian Du


Pont. Ele é um psicopata de merda. Ele...

Raylan me interrompe. — Por que eu simplesmente não


digo a você pessoalmente?

— O que você quer dizer?

— Peguei um transporte para Chicago. Estamos na pista


agora. Você pode vir me buscar ou eu posso pegar um táxi.

— Você está aqui? Agora mesmo?

— É melhor você acreditar.

Meu corpo inteiro fica mole de alívio.

Eu não sei o que diabos vamos fazer. Mas se alguém pode


me ajudar, é Long Shot.

— Fique aí, — eu digo. — Estou indo buscá-lo agora.

Eu pego Raylan na O'Hare. Ele está com a barba por fazer,


o cabelo tão comprido que está sobre o colarinho, as roupas e
a pele sujas. Ele sorri quando me vê, seus dentes e olhos
brancos contra a poeira.

— Desculpe, — ele diz. — Eu pretendia tomar banho em


algum lugar ao longo do caminho.

Eu o abraço, sem dar a mínima para a sujeira, que incha


como uma nuvem quando eu dou um tapa em suas costas.

— Eu não posso te dizer o quanto eu aprecio isso, — eu


digo.

Raylan encolhe os ombros como se não fosse nada para


ele ter voado meio mundo para me ajudar.

— Já faz muito tempo, Deuce, — ele diz.

É engraçado ver Raylan com sua velha mochila


pendurada no ombro, suas calças cargo rasgadas e um par de
botas surradas que, espero Deus, não sejam as mesmas que
recebemos no campo. Sua fala arrastada de garoto do campo é
a mesma, e o sorriso que aparece em seu rosto.

Ele parece um pouco mais velho, no entanto. Ele era


apenas uma criança quando trabalhou como meu parceiro,
recém-alistado, com pouco mais de vinte anos. Agora ele tem
rugas nos cantos dos olhos que você só consegue apertando os
olhos sob o sol forte do deserto, e está profundamente
bronzeado sob a sujeira. Ele tem muito mais tatuagens
também. Mais do que os militares teriam permitido.
Ele não está mais no exército. Ele trabalha para um grupo
de mercenários chamado Black Knights. Às vezes, são
contratados pelo exército como Empresas Militares Privados.
Outras vezes, ele desaparece durante meses em missões mais
tenebrosas que contornam a linha entre as operações legais e
ilegais.

Eu não dou a mínima para o que ele está fazendo. Tudo


que me importa é que ele pareça tão elegante como sempre –
em forma e treinado. Preciso de um soldado treinado ao meu
lado para isso. Meus irmãos sempre estão atrás de mim, não
importa o que aconteça. Mas eles não conhecem táticas de
campo de batalha. É isso que vou enfrentar com Christian Du
Pont – não um gangster. Um estrategista. Um soldado.

— Você tem seu rifle aí? — Eu pergunto, acenando com a


cabeça em direção a sua mochila.

— É claro, — diz Raylan. — Algumas outras guloseimas


para nós também.

Ele joga sua bolsa na parte de trás do meu SUV e sobe no


banco do passageiro.

— Maldição, — diz ele, afundando no couro macio. — Faz


um mês que não sento em nada além de tapetes ou aço.

— Provavelmente não teve nenhum ar-condicionado


também, — digo, aumentando o volume do ar.

— Você acertou, — ele suspira, levantando a ventilação


para acertar seu rosto.
— Então, — eu digo, uma vez que estamos de volta na
estrada. — Diga-me o que você sabe sobre a Du Pont.

— Ele foi transferido para minha unidade cerca de oito


meses depois que você voltou para casa, — diz Raylan. — Ele
parecia bem no início. Ele não era exatamente popular, mas
ninguém não gostava dele. Ele ficou quieto. Lia muito. Não
bebia, então alguns dos outros caras pensaram que ele era um
pouco chato. Ele conhecia a merda dele, no entanto. Ele era
rigoroso como o inferno – e ansioso. Ele queria sair cedo e ficar
até tarde. Queria acumular seus números. Era óbvio que ele
era competitivo. E depois de um tempo, eu poderia dizer que
ele era competitivo com você, especificamente. Porque ele
perguntava sobre você. Perguntava quantas tiros você obteve
em uma semana ou um mês. Qual foi o máximo que você fez
em um dia. Você era uma espécie de lenda até então. Você sabe
como é o tempo do exército – seis meses são como seis anos, e
as histórias ficam mais loucas cada vez que são contadas.

Eu aceno, desconfortável. Nunca gostei de nada dessa


merda. Não gostava da atenção e não queria ser tratado como
uma espécie de herói. Para mim, era um trabalho.

— De qualquer forma, começou a ficar estranho. Se


acertássemos todos os nossos alvos, ele começava a procurar
outra pessoa para atirar. Ele dizia: ‘O que você acha daqueles
homens lá embaixo no mercado? Você acha que aquele tem
uma arma debaixo da roupa?’ Além disso, ele não gostava da
polícia iraquiana ou das equipes de ERD49 deles. Deveríamos
estar trabalhando com eles, expulsando os ativistas de Mosul.
Cada equipe tinha uma parte de Old City para limpar.
Devíamos criar rotas de fuga para os civis escaparem.

— ...assim que começamos a nos aproximar dos


insurgentes, nós os encurralamos na mesquita de al-Nuri. Eles
estavam usando alguns dos civis como escudos. Portanto, os
atiradores deveriam pegá-los no meio da multidão. Du Pont
atirou em quatro dos que sabíamos ser do ISIS50. Mas ele
atingiu seis civis também. E eu sabia o quão preciso ele era.
De jeito nenhum os seis foram um acidente. Uma era uma
mulher grávida, nem mesmo estando perto de ninguém.

— ...então, quando os civis começaram a correr, tentamos


guiá-los por um portão no lado oeste. De repente, o portão
explodiu. A coisa toda desabou, enterrando uma dúzia de
pessoas, incluindo um grupo da equipe ERD. Du Pont disse
que devia haver uma granada ou uma mina ali. Mas explodiu
bem quando ele deu um tiro perto do portão. Acho que ele
mesmo plantou a bomba, e então acho que ele a detonou com
aquele tiro. Mas não foi possível provar. Estávamos em lados
opostos do poleiro e eu realmente não vi o que ele estava
fazendo.

— ...houve um inquérito. Ele estava sob aviso. Por um


tempo ele foi cuidadoso. Ele foi emparelhado com um parceiro

49 Emergency Response Division. É


uma divisão que está sobre controle do Ministério do Interior nos
EUA, que desempenhou um papel fundamental na batalha por Mosul em 2017 contra o Estado
Islâmico.
50 Estado Islâmico do Iraque e do Levante.
diferente. E aquele cara era um pedaço de merda também. Seu
nome era Porter. Se Du Pont ainda estava brincando, Porter
estava o acobertando. Eles iam para posição designada, e
então voltavam horas depois, e o que eles disseram que
estavam fazendo nunca combinou com o que nós os vimos
fazendo.

— ...por fim, uma garota foi atacada...

— Que garota? — Eu interrompo.

— Uma garota local. Ela trabalhou para nós como


tradutora. Encontramos seu corpo queimado com gasolina em
uma casa vazia. Vestido puxado para cima em volta da cintura.
Não foi possível provar que foram Porter e Du Pont que fizeram
isso – mas esse foi o último prego no caixão. Ambos foram
dispensados. Mal escaparam da corte marcial. Dispensados e
enviados de volta aos Estados Unidos. Todos nós ficamos
aliviados ao vê-los partir. Deixei o exército e me tornei um
contratado alguns meses depois.

Eu concordo. É sobre o que eu esperava, lendo seu


arquivo.

Eu informo Raylan sobre o que está acontecendo aqui. O


comício, o tiro no restaurante e o que Du Pont disse quando
me ligou no telefone de Simone. Enquanto eu falo, começa a
chover – gotas gordas respingando no para-brisa e se
quebrando.

— Espere... — Raylan diz, olhando furtivamente para


mim com a sobrancelha erguida. — Você está falando sobre
sua garota de tempos atrás?

Contei a Raylan uma versão muito breve e altamente


editada do que aconteceu entre Simone e eu. Mas Raylan é um
filho da puta sorrateiro. Ele usa aquele charme sulista e sua
maneira casual para obter todos os tipos de informações de
você, aos poucos, quando tem todo o tempo do mundo à sua
disposição. Suponho que ele formou uma imagem bastante
precisa da situação ao longo do tempo.

Agora ele está tentando esconder o sorriso e o espanto ao


saber que Simone e eu nos reconciliamos. De certa forma.

— Achei que você estava um pouco menos infeliz do que


o normal, — diz Raylan. — Aquela que foi embora está de
volta...

— Ela estava de volta, — eu digo, rispidamente. — Agora


ela está com aquele pedaço de merda assassino.

— Nós a encontraremos, — Raylan diz, sério. — Não se


preocupe, Deuce.

Mas estou preocupado. Preocupado pra caralho.

— Ele é inteligente, você disse, — digo a Raylan.

— Sim, — Raylan admite. — Ele é muito inteligente.

— Ele terá a vantagem, onde quer que ele quisesse se


encontrar.
— Sim. Mas há dois de nós, apenas um dele.

Eu penso sobre isso. Pense na melhor maneira de usar


isso a nosso favor.

— Deixe-me ver o que você trouxe naquela bolsa, — eu


digo.
Antes eu possa serrar a braçadeira com o parafuso, Du
Pont vira para baixo em uma longa estrada de cascalho, que
me balança na parte de trás da van como o último grão de
milho em uma máquina de pipoca. Acho que cada centímetro
do meu corpo ficará machucado quando pararmos. Eu me
agarro com força ao parafuso com meu punho suado, sem
querer perdê-lo.

Não consigo ver a parte de trás da van sem janelas, mas


sei que estamos dirigindo em linha reta por alguma rodovia há
horas e agora viramos para uma estrada lateral que
definitivamente não é pavimentada. Devemos estar no meio do
nada.

Por fim, a van para e Du Pont desce. Eu ouço seus passos


triturados vindo da lateral da van. Ele abre as portas traseiras,
me agarra pelo tornozelo e me puxa para fora.

Ele me coloca do lado de fora da van, descalça no


cascalho. Uma das minhas sandálias de tiras saiu enquanto
ele dirigia e eu tirei a outra, pensando que pés descalços eram
melhores do que saltos. As pedras ásperas cutucam meus pés
e o chão está frio. Ainda é noite, mas o céu está começando a
ficar com aquele tom cinza que mostra que o amanhecer não
está longe.

Du Pont me olha sem expressão. Ele tem um rosto


estranho. Não é feio – na verdade, em muitos aspectos, ele deve
ser bonito. Ele tem um rosto magro e simétrico. Nariz reto,
lábios finos, olhos azuis. Mas há um fogo em seus olhos que
me lembra padres e fanáticos, e pessoas que trazem teorias da
conspiração sempre que tomam um ou dois drinques.

— Com sede? — Ele diz.

Sua voz é como seu rosto. Baixa, suave, quase agradável.


Mas chiando com uma energia estranha.

A voz de Dante, embora áspera o suficiente para enviar


arrepios na minha pele, sempre tem o tom de honestidade.
Você sabe que ele quer dizer o que diz. Du Pont é o oposto –
não confio em nada que sai de sua boca.

Como esta oferta de água. Não quero beber nada que ele
me dê – pode estar drogado ou envenenado. Mas minha boca
está seca de tanto choro que chorei no banheiro pouco antes
de Du Pont me agarrar. Minha cabeça está latejando e eu
realmente preciso desesperadamente de uma bebida.

Du Pont sabe, sem que eu diga nada.

— Vamos, — ele insiste. — Não posso deixar você


desmaiar.
Ele abre uma garrafa de água e se aproxima de mim. Sem
querer, eu me arrasto para trás ao longo do caminho
acidentado, não querendo que ele chegue tão perto de mim.

Du Pont sorri, agarrando-me pelo ombro e segurando a


garrafa de água em meus lábios. Ele observa enquanto tomo
alguns goles hesitantes. Um pouco da água vaza e escorre
pelos lados da minha boca, pelo queixo, pingando no meu peito
nu e na frente do meu vestido.

Du Pont apenas observa, sem fazer nenhum movimento


para ajudar a limpá-lo.

— Melhor? — Ele diz.

A água tem um gosto celestial, apesar de estar morna da


longa viagem na van. Mas não quero dar a ele a satisfação de
alívio ou gratidão.

Du Pont se vira e fecha as portas da van. Ele puxou a van


em uma pequena ramificação entre as árvores – não uma
estrada, mas uma espécie de cubículo. Agora ele está puxando
algo sobre a van inteira. Parece quase uma grande rede de
pesca, coberta de folhas e musgo. Ele joga alguns galhos em
cima e a van fica camuflada, o suficiente para que você passe
direto sem perceber.

Enquanto Du Pont está mexendo na rede, eu puxo o


parafuso e estou serrando loucamente o último pedaço de
plástico que segura o zíper. Finalmente ele se encaixa. No
segundo em que isso acontece, eu corro pela estrada. Estou
correndo a todo vapor, ignorando o chão áspero que corta
meus pés. Com minhas mãos livres, eu bombeio meus braços,
usando toda a extensão das minhas pernas, não me
permitindo notar como estou rígida e dolorida da longa viagem
na parte de trás da van.

Eu sou uma boa corredora. Eu corro regularmente 13


quilômetros na esteira. Sou rápida e aguento muito tempo.

E agora, estou sendo alimentada pela adrenalina


correndo em minhas veias como ácido de bateria. Posso estar
correndo mais rápido do que jamais estive em minha vida.

Não posso perder um segundo olhando para trás, mas


acho que estou fugindo. Não ouço nada atrás de mim. Talvez
Du Pont esteja tentando sair da van, para que ele possa virar
e correr atrás de mim. Assim que ouvir o motor, vou sair da
estrada e correr para o bosque.

Isso é o que estou pensando quando ele bate em mim.

Ele me joga no chão, tirando meus joelhos e me


envolvendo em seus braços para que caiamos juntos, meus
braços já presos ao meu lado e minhas pernas presas entre os
dele.

É quase gentil, a maneira como ele me derruba. Ele


garante que eu não bata com a cabeça ou esfole meu rosto.

Eu não sei como diabos ele me pegou assim –


silenciosamente, sem eu nem mesmo saber que ele estava se
aproximando. Ele saltou sobre mim como um leão, me
dominando instantaneamente.

Eu grito e luto, tentando arrancar meu caminho para fora


de seus braços. É impossível. Eles estão trancados em volta de
mim como aço. Eu começo a soluçar, porque percebo que é
assim que vai ser quando ele me soltar. Ele é mais rápido e
mais forte. Ele vai me matar tão rápido que eu nem vou ver
isso chegando.

Posso sentir o cheiro de sua loção pós-barba e o leve


perfume de seu suor. Eu odeio isso. Eu odeio estar tão perto
dele. Eu odeio ser tocada por ele.

Du Pont não parece se importar nem um pouco. Ele fica


deitado, segurando-me com tanta força e ternura como um
amante, até que eu pare de lutar. Então ele se levanta,
puxando-me também.

— Não faça isso de novo, — diz ele. — Ou não serei tão


gentil da próxima vez.

Ele me empurra de volta para o caminho, forçando-me a


andar na frente dele. Nós caminhamos com dificuldade. Parece
uma eternidade só para chegar ao lugar onde a van está
escondida. Então ele me mantém andando, por vários
quilômetros de terreno pedregoso. A estrada se transforma em
um caminho. O caminho se torna íngreme e sinuoso.

Por fim, chegamos a uma cabana. Parece que já foi


aconchegante e amadeirada – feita de toras, com telhas justas
e uniformes no telhado. Há uma pequena varanda na frente,
com uma única janela ao lado da porta. Vejo uma bomba
d'água parada no quintal.

Du Pont me empurra para dentro.

— Sente-se, — ele diz, apontando para um sofá velho e


empoeirado.

Eu sento nele.

Du Pont pega uma grande bacia de metal e uma chaleira


e sai por um segundo. Enquanto ele está fora, procuro
desesperadamente por algo útil. Uma faca ou uma arma, ou
mesmo um peso de papel pesado. Não há nada – a cabana está
praticamente vazia. A poeira espessa cobre todas as
superfícies. Teias de aranha estão penduradas na janela e nas
vigas. É óbvio que ninguém está aqui há muito tempo.

Posso ouvir a bomba funcionando ao lado da casa.

Du Pont retorna, carregando a bacia de metal e a chaleira.


Ele coloca a bacia no meio do chão e a chaleira na tremonha.
Em seguida, ele acende um fósforo, acendendo o fogo dentro
da lareira.

Posso sentir o calor se espalhando da tremonha quase


imediatamente. Isso me fez perceber que estava tremendo no
sofá, meus braços em volta do meu corpo. Estou usando
apenas um vestido cocktail minúsculo, nada mais, e está frio
aqui na floresta.

Du Pont se encosta na parede, os braços cruzados,


observando-me.

Ele está em silêncio e imóvel.

Não gosto da aparência da bacia de metal cheia de água.


Tenho medo de que ele use isso para me torturar – segurando
minha cabeça debaixo d'água até que eu diga o que ele quer
saber.

Em vez disso, Du Pont espera que a chaleira ferva, depois


a despeja na água fria da bacia, aquecendo-a. Ele derrama um
pouco de sabão em pó, balançando-o com a mão para misturá-
lo.

— Entre, — ele diz.

Eu fico olhando para ele.

— O quê? — Eu digo.

— Entre na bacia. Lave-se, — ele ordena.

Ele estende uma toalha, puída, mas razoavelmente limpa.

Eu não quero entrar na bacia. Mas eu sei que ele pode me


forçar a fazer isso, se eu recusar.

Eu ando até a bacia, planejando lavar o rosto e as mãos.

— Tire a roupa, — ele late.

Eu paro ao lado da bacia, meu estômago revirando.

Lentamente, alcanço atrás de mim e abro o zíper do


vestido. Eu deslizo, saindo dele. Então tiro minha calcinha
também.

Du Pont me observa, olhos brilhantes, mas rosto


totalmente imóvel.

Eu entro na bacia. É muito pequena para eu sentar, então


tenho que ficar de pé.

— Lave-se, — ordena Du Pont novamente, estendendo a


toalha.

Eu pego o pano. Eu mergulho na água e começo a usar


para ensaboar meus braços.

— Mais lento, — diz Du Pont.

Rangendo os dentes, lavo lentamente os braços, ombros,


peito, barriga e pernas.

Du Pont me instrui como fazer isso. Ele me diz para lavar


entre os dedos das mãos e dos pés, entre as coxas e até a sola
dos pés. A água está razoavelmente quente e o sabão tem um
cheiro fresco e limpo, como sabão em pó. Mas é incrivelmente
desconfortável fazer isso sob seus olhos, especialmente porque
ainda estou tremendo, de pé fora da água, e meus mamilos
estão duros como vidro.

Bem quando estou esperando que tudo acabe, Du Pont


me diz para virar. Ele pega o pano e começa a lavar minhas
costas.

A ternura com que ele me esfrega é totalmente


perturbadora. O pano desliza levemente sobre minha pele,
fazendo minha carne arrepiar. Pelo menos ele não me toca com
as mãos – apenas a toalha.

Ele desliza o pano entre as minhas nádegas e eu me


afasto dele, pulando para fora da bacia.

— Não me toque! — Eu estalo. — Se você tentar... se você


tentar fazer alguma coisa comigo, eu lutarei com você. Vou te
morder e te arranhar e te bater, e sei que você é mais forte do
que eu, mas não vou parar. Você vai ter que me matar agora e
estragar todos os seus planos psicopatas.

Du Pont parece divertido.

— Não vou machucar você, Simone, — ele diz, em tom


entediado. — Você está precisamente certa. Isso estragaria
toda a diversão. Eu quero você em suas melhores condições
para a caça.

Não sei como ele pode dizer essas palavras com uma
expressão tão calma e agradável no rosto. Seus lábios finos
estão curvados nos cantos em uma sugestão de sorriso.

— Vista-se, — ele diz. — Então você pode comer algo.

Ele estende um vestido para mim. Não o que eu estava


usando antes – este é de algodão leve, solto e macio. É branco
puro. Eu estremeço ao colocá-lo sobre minha cabeça. Eu sei
por que ele escolheu isso – será como uma bandeira branca na
floresta. Dando minha posição onde quer que eu vá.

Du Pont tira um pedaço de pão francês de sua mochila.


Ele o rasga em dois, estendendo metade para mim.

— Coma, — ele diz.


Às 04:40, meu telefone vibra com uma mensagem de texto
de Simone. Não é realmente de Simone, claro.

É um link, enviando-me uma localização.

Um local na floresta de Wisconsin, a duas horas e vinte e


oito minutos de onde estou atualmente.

Raylan e eu começamos a acelerar nessa direção


imediatamente.

Tenho que ultrapassar dez vezes o limite, ou mais rápido.


Caso contrário, não chegaremos lá às 7h.

— Cuidado com os policiais, — digo a Raylan, com os


dentes cerrados. Não tenho um segundo de sobra para ser
parado.

— Como você quer fazer isso? — Raylan me pergunta.

— Temos que triangular. Tentar descobrir sua


localização. Em seguida, aproximar dele por dois lados.

— Você não sabe o que ele armou, — diz Raylan. — Ele


poderia ter armadilhas. Minas. Outras pessoas.

— Eu não acho que haja mais ninguém, — eu balanço


minha cabeça. — Você disse que ele não tinha amigos no
exército. Duvido que ele tenha algum agora. O quarto de hotel
acima do comício e o tiroteio no restaurante... foi uma pessoa.
O mesmo acontece com sua pequena cabana fora da casa de
sua tia.

— Uma pessoa em seu próprio terreno ainda tem


vantagem, — diz Raylan.

Eu sei que ele está certo.

— Se você vir Simone, tire-a de lá, — digo a Raylan. —


Não espere por mim.

— Sim, da mesma forma, — Raylan diz. — Porém, eu


realmente não quero levar um tiro de Du Pont. Ele era um
idiota. Seria constrangedor, sabe?

Eu bufo e balanço minha cabeça. — Vou manter isso em


mente.

— Agora, se foi um urso ou um lobo que me pegou... —


Raylan diz, olhando para a floresta em cada lado da estrada.
— Isso seria legal, pelo menos.

— Não há lobos em Wisconsin.

— Oh, muito bem, meu amigo. Grandes lobos cinzentos.


Não é tão grande quanto os do Alasca, mas ainda tem o dobro
do tamanho de um husky.
Cruzamos a fronteira para o outro estado há cerca de
meia hora. Eu sei que provavelmente está principalmente na
minha cabeça, mas a floresta parece mais densa e escura aqui,
mais ameaçadora. Eu não conheço esta área. Não sei o que Du
Pont planejou.

Tudo que sei é que ele está determinado a usar Simone


para me machucar.

Ele não poderia ter escolhido um alvo melhor.

Quando eu estava no exército, nunca tive medo. Eu


estava muito infeliz para isso. Eu não queria morrer, mas
também não me importava muito se morresse.

Agora, pela primeira vez, tenho uma visão de um futuro


possível. Eu, Simone e Henry. Morar em Chicago ou na
Europa, não dou a mínima. Tudo que me importa é que nós
três possamos ficar juntos.

Nada é mais importante para mim do que a ideia de


estarmos juntos na mesma sala, como uma família. Eu não
experimentei isso, nem por um momento. Não vou deixar Du
Pont tirar isso de mim.

Eu tenho que ver Simone. Eu tenho que dizer a ela que a


perdoo. E acima de tudo, tenho que salvá-la.

Se eu tiver que escolher... se apenas um de nós conseguir


sair dessa... vai ser ela.

Raylan e eu estamos acelerando mais perto da


localização. Quanto mais perto chegamos, menos falamos. Já
examinamos nossas estratégias potenciais. Não saberemos
exatamente o que fazer até chegarmos lá, até vermos o que
diabos Du Pont está fazendo.

Por enquanto, tudo o que podemos fazer é nos preparar


mentalmente.

São 6:22. Os limites do céu estão começando a ficarem


roxos em vez de pretos. Em breve vai amanhecer.

À medida que avançamos, o céu clareia um pouco mais.

Graças a Deus parou de chover. O solo ainda está


molhado e enlameado. O pavimento está escuro com manchas
prateadas de água parada.

Por fim, chegamos ao local onde o mapa nos diz para virar
à direita. Estamos deixando a rodovia de duas pistas vazia,
virando para uma estrada de terra sinuosa que leva ao bosque.
O alfinete parece estar a cerca de 13 quilômetros de altura.

Estou no limite enquanto lentamente avançamos pela


estrada acidentada. A estrada fica cada vez mais fraca
conforme avançamos, tão rochosa que eu não seria capaz de
subir por ela em um carro normal. Felizmente, trouxe o
Escalade. Ele nos balança e nos sacode, mas nunca chega ao
fundo.

Raylan e eu estamos procurando por qualquer coisa na


estrada, tensos no caso de alguém nos emboscar na floresta
próxima de ambos os lados. Não há muito que possamos fazer
para evitar isso. Temos que seguir em frente.

Quando estamos a cerca de um quilômetro e meio da


localização, paro o carro. São 6:41.

— É melhor sair aqui, — digo a Raylan. — A localização é


a um quilômetro e meio por ali. — Eu aponto o nordeste.

Não há serviço de celular aqui. Raylan não poderá me


ligar ou seguir o mapa. Perdi a conexão há um quilômetro e
meio e estou perdendo a memória agora.

— Vou ir a pé, — Raylan me promete. — Eu posso até


vencer você lá, com o quão difícil é a estrada.

— Eu duvido, — eu rio.

— Apenas me teste.

Ele joga sua mochila nas costas. Ele tem seu rifle
Dragunov lá, e uma das minhas armas antigas. Algumas
granadas de fumaça, corda, uma faca Bowie e algumas roupas
velhas minhas.

— Vejo você em breve, Deuce, — diz ele.

— Até mais, Long Shot.

Não chamamos Raylan assim porque ele podia atirar à


distância, embora certamente possa. Chamamos ele assim
porque ele é o eterno otimista – sempre pensando que ele pode
fazer o trabalho, quer haja uma chance real ou não.

É por isso que ele veio comigo nesta missão suicida. Ele
acredita que podemos agarrá-la e sair com vida. Espero que ele
esteja certo pela primeira vez.

Eu vejo Raylan desaparecer na floresta, então eu


continuo dirigindo pela estrada sinuosa. Eventualmente ele
desaparece completamente, as árvores e arbustos se
aglomerando tão perto e o caminho se tornando tão íngreme
que eu tenho que abandonar o SUV e continuar a pé. Tenho
meu próprio rifle pendurado no ombro e uma faca no cinto.
Pacotes de munição extras e um colete leve de Kevlar sob
minha camisa.

Está muito frio. O ar está úmido da chuva e meus pés


afundam silenciosamente no solo esponjoso. O único som são
as últimas gotas escorrendo das árvores.

Às sete para as sete, chego a uma cabana de toras. Há


uma bomba na frente. Nenhuma luz brilhando da única janela.
Estou prestes a me aproximar quando vejo uma flecha riscada
na terra, apontando para o leste na floresta. Direções de Du
Pont.

Eu vou para o leste, mas não diretamente ao longo do


caminho da flecha. Eu contorno ao redor, indo na mesma
direção por meu próprio caminho. Não vou cair de boa vontade
na armadilha da Du Pont. Não abertamente.

O sol está nascendo, tingindo o céu de laranja por entre


os pinheiros altos. Posso ver a luz, mas não sinto nenhum calor
dela ainda. Apenas correr pela floresta está me mantendo
aquecido.
Depois de mais oitocentos metros, cheguei ao topo de
uma colina. Abaixo, vejo um campo aberto. A grama está
amarelada e seca, espessa com a névoa matinal. A luz do sol
está apenas começando a se estender pelo terreno aberto.

Exatamente às 7h00, um tiro ressoa.

Meu coração aperta no meu peito. Por um segundo, acho


que Du Pont atirou em Simone exatamente às sete – que ele
me trouxe até aqui apenas para que eu pudesse ouvir, sem
qualquer chance de salvá-la.

Então eu vejo o que parece ser um pássaro branco voando


pelo campo. É Simone – correndo o mais rápido que pode, suas
longas pernas balançando para frente e para trás sob a saia.

Eu quero chamá-la, mas ela está muito longe para ouvir.


E não quero chamar atenção para ela, ou para mim. Em vez
disso, procuro qualquer sinal de Du Pont. Com medo de que a
qualquer momento eu ouça outro tiro e Simone caia.

Pensando a mesma coisa, ela começa a correr em zigue-


zague.

— Isso mesmo, — murmuro, baixinho. — Não torne isso


fácil para ele.

Então, melhor ainda, ela chega a um bosque espesso e


sai de vista.

— Boa menina, — eu respiro.

Desço a colina, tentando circular em torno de onde


Simone pode estar indo, enquanto procuro qualquer sinal de
Du Pont.
Christian Du Pont me arrasta para baixo para os limites
de um campo. Ainda estou descalça, agora com o vestido
branco de algodão e nada mais.

Estou congelando. O frio parece penetrar do solo para os


meus pés e depois subir pelas minhas pernas. Logo meus
dedos do pé estão tão dormentes que mal posso senti-los. As
solas dos meus pés, já arranhadas pela corrida pela estrada,
estão perfuradas por gravetos, folhas de pinheiro e pedras. A
dormência é quase uma bênção.

O sol está começando a nascer. Estou feliz por não estar


fugindo pela floresta no escuro, pelo menos. Embora talvez isso
tivesse sido melhor para mim. A luz tornará mais fácil para Du
Pont me ver. Ele está com o rifle pendurado nas costas, além
de várias pistolas, uma faca enorme e de aparência horrível e
Deus sabe o que mais.

Ele mudou de roupa também – ele está usando uma


roupa marrom, estranha desgrenhada agora. Um macacão que
o cobre da cabeça aos pés, com um capuz pendurado nas
costas.

Sua pele parece pálida e manchada à luz do amanhecer.


Seus olhos brilham para mim, como duas lascas de gelo.

Eu não tenho nada. Sem armas. Nem mesmo um casaco.

— Você acha que isso é um esporte justo? — Eu digo a


ele. — Você está equipado como GI Joe e eu estou de mãos
vazias?

— Não se preocupe, — Du Pont diz, suavemente. — Você


tem o seu campeão.

Ele me posiciona na beira do campo.

— Tudo bem, — diz ele. — Vai.

Eu me viro para encará-lo, os braços cruzados sobre o


peito.

— E se eu recusar?

Ele puxa uma das pistolas do cinto, engatilha e aponta


diretamente para o meu peito.

— Seria uma péssima ideia, — diz ele, friamente.

— Você vai atirar em mim agora?

— No mínimo, eu poderia atirar na palma da sua mão, —


diz ele, tão casualmente quanto você pede uma bebida em um
restaurante. — Você ainda pode correr com metade da mão
estourada.
Reflexivamente, eu aperto minhas mãos.

— Vá em frente, — ele sibila. — Três... Dois...

Eu me viro e fujo.

Antes de dar dois passos, ouço a arma explodir atrás de


mim, e acho que foi isso, ele já atirou nas minhas costas. Então
eu percebo que ainda estou correndo, e ele deve ter disparado
para o ar em vez disso.

Corro pelo campo, a grama seca chicoteando minhas


pernas.

Uma nuvem de mosquitos se levanta enquanto eu


perturbo seu descanso, e um pássaro assustado voa na direção
oposta. Meu peito está queimando e posso sentir o gosto de
sangue na boca. Estou correndo muito, o ar frio da manhã
queima meus pulmões.

Não consigo ver muito dos dois lados por causa da névoa.
Não tenho ideia do que Du Pont pode ver. Estou ciente de que
a qualquer segundo posso sentir um lampejo cegante de dor e,
em seguida, nada, se ele já mirar na minha cabeça.

Bem... não vou tornar isso fácil para ele. Eu começo a


correr de um lado para o outro, esperando que isso torne mais
difícil para ele me rastrear. Sabendo que provavelmente não
sou rápida o suficiente para evitar sua mira.

Então chego a um lugar onde a grama é densa, úmida e


pantanosa, quase na altura do peito. Eu caio nela e começo a
rastejar, esperando que ele não possa me ver aqui, que ele não
tenha certeza de que direção eu fui.

Encontro um canal úmido na grama, quase um riacho.


Eu me enfio nele, esperando poder rastejar sem sacudir a
grama.

Está muito frio e lamacento. Estou sujando meus braços


e a frente do vestido com lama.

Isso me dá uma ideia.

Este vestido é uma faixa branca, chamando atenção para


mim onde quer que eu vá.

Lembro-me de como Du Pont camuflou a van com uma


rede, folhas e galhos.

Eu tiro o vestido para ficar nua novamente. Amassei e


escondi na lama. Então eu continuo rastejando. Enquanto
rastejo, fico deliberadamente o mais enlameada possível.
Limpo a sujeira no meu cabelo e na minha pele.

Estou chegando à beira do campo. Procuro pelo arbusto


mais profundo, mais escuro e mais espesso. Em algum lugar
que eu possa me esconder. Em algum lugar onde eu possa me
mover sem ser vista.

Terei que sair deste canal e correr em terreno aberto. Eu


sei que assim que eu sair do disfarce, Du Pont pode atirar em
mim. Mas se eu ficar onde estou, ele com certeza vai me
rastrear. Ele viu onde eu caí. Ele sabe que não fui muito longe.
Eu respiro fundo três vezes para acalmar meu coração
acelerado.

Então, pulo da grama e corro em direção à floresta. Eu


caio e deslizo sob os arbustos, como um jogador de beisebol
deslizando para o home plate51. Assim que caio, uma bala
assobia sobre minha cabeça, cravando-se no tronco de um
olmo.

Fico imóvel no mato grosso, ofegante. Esperando por mais


balas.

Nenhuma veio. Ele me perdeu. E ele não pode me ver


agora.

Mas tenho certeza de que ele já está me perseguindo.

Espero mais trinta segundos, recuperando o fôlego. Então


eu pulo e começo a correr novamente.

51É o último lugar que um jogador deve tocar para marcar um ponto, a posição final que tem que ser
alcançada.
Quando Simone mantém o disfarce, a minha inclinação
natural é assistir e ver para onde ela corre. Mas me forço a
olhar na direção oposta, em vez disso procurar por Du Pont.
Com certeza, vejo um clarão do disparo do outro lado do campo
quando ele atira nela.

Coloco meu rifle no ombro, procurando por ele pela mira.


Eu sei de onde ele atirou. Eu só tenho que encontrá-lo.

Não consigo ver nada. Estou olhando, olhando, meus


olhos se esforçando para o menor movimento. Então, não vejo
uma figura, mas uma forma. O filho da puta está vestindo um
terno ghillie. É marrom e desgrenhado, combinando
perfeitamente com as madeiras escuras e úmidas.

Eu atiro nele, uma fração de segundo tarde demais. Eu


não tinha sua posição exata. Eu perdi.

Ele desapareceu na floresta, circulando em torno de onde


Simone caiu. Ele está mais perto dela do que eu. Ele vai chegar
lá mais rápido.
Eu começo a correr em torno do lado oposto do campo,
rezando para que ele não a acertasse com aquele tiro, rezando
para que ela pudesse ficar longe dele um pouco mais.

Enquanto corro, pulo sobre troncos e arbustos, abrindo


caminho pela floresta onde não há caminho. Estou tentando
ficar quieto, mas tenho que ser rápido também.

O que não estou fazendo é prestando atenção.

Enquanto corro pela floresta, bato em algo que parece


tenso e flexível. Antes que eu saiba o que está acontecendo, um
enorme tronco desce sobre mim, atingindo-me na cabeça e no
ombro. Isso me joga pelo ar, lançando-me contra um pinheiro.

É tão repentino que mal sei o que está acontecendo. Eu


desmaio por um segundo, chegando a um zumbido em meus
ouvidos, e sangue quente e úmido escorrendo pelo lado do meu
pescoço.

Meu braço direito pende, sem resposta. Essa porra de


tronco deslocou meu ombro.

Foi um desastre. O tipo de armadilha que você arma para


cervos ou até pumas. Eu tropecei direto nisso.

Isso me assusta por dois motivos – primeiro, Du Pont


acabou de estragar minha mão de atirador. E segundo, se
houve uma armadilha, pode haver mais. Du Pont pode estar
levando Simone direto para elas.

Tenho que consertar meu braço. Serei inútil sem ele.


Nunca desloquei meu ombro antes, mas já vi isso
acontecer com outras pessoas. Eu sei que tenho que colocá-lo
de volta no lugar.

Agarrando e sacudindo meu braço flácido com a outra


mão, puxo meu braço para frente e para cima em um
movimento brusco. Mesmo tentando ficar quieto, não consigo
evitar o rugido de dor que sai de mim. Meu ombro parece que
foi encharcado de gasolina e incendiado.

Tão abruptamente, quando volta ao lugar, a dor se


dissipa. Não é bom – a articulação lateja a cada batimento
cardíaco. Mas posso mover minha mão direita novamente.

Tenho que encontrar meu rifle. Ele saiu voando quando a


tora me atingiu. Eu o encontro a uns três metros de distância,
respingado de lama, e verifico para ter certeza de que o cano
está livre de detritos. Então eu o coloco por cima do ombro e
começo a correr novamente, com mais cuidado agora,
procurando outras armadilhas.

Espero que Raylan esteja bem. Ainda não vi nenhum


sinal dele.

Estou dando a volta ao local onde Simone deixou o


campo. Eu desacelero, examinando o mato com minha mira.
Estou procurando por ela e também por Du Pont. Quando você
está procurando por alguém que você sabe que está camuflado,
não procura cores, padrões ou características individuais,
como rosto ou mãos. O que você procura é uma forma. A forma
arredondada dos ombros e costas.
Eu também procuro movimento. Mas é difícil, porque as
últimas folhas agarradas às árvores farfalham secamente, os
galhos se movem com a brisa e os troncos das mudas finas e
finas se arranham. Há pássaros e esquilos cantando e
guinchando, criando um ruído ecoante que salta no espaço
confinado.

Vejo um bando de estorninhos no topo de um pinheiro


destruído por um raio.

Quando me aproximo, os pássaros olham para mim com


cautela, mexendo-se em seus poleiros.

Isso me dá uma ideia.

Eu corro para eles, balançando meus braços no ar.

O bando inteiro voa alto, circulando e girando como uma


única massa. Eles voam sobre as árvores, virando para um
lado e para o outro, procurando um lugar seguro para descer.

Enquanto eu observo, eles dão uma guinada brusca para


longe de um ponto na floresta ao norte. Eles evitam isso como
uma só mente, indo na direção oposta e descendo em outra
árvore vazia e solitária.

Os pássaros viram algo no chão. Ou mais precisamente,


alguém...

Eu me viro para o norte e começo a correr novamente.


Correr ou esconder?

Essa é a questão.

Eu corro pela floresta, galhos e espinhos arranhando


minha pele nua.

Não sei correr sem deixar rastros. Tenho certeza de que


estou espalhando lama e sangue em todos os lugares que vou,
deixando pegadas e galhos quebrados em meu rastro. Não sei
como evitá-los.

Se eu me esconder, Du Pont seguirá meu rastro e depois


atirará em mim.

Se eu continuar correndo, ele vai me ver ou me ouvir.

Pelo menos o ar está esquentando um pouco. Não estou


mais emitindo nuvens de ar toda vez que exalo.

Eu ouço algo que parece um gemido, bem longe na


floresta. Não sei se é animal ou humano. Neste ponto, eu
prefiro um animal.
Do outro lado, muito mais perto, ouço um estalo agudo,
como uma pessoa pisando em um galho.

Imediatamente caio atrás da árvore mais próxima,


encolhida o mais pequena que posso, ouvindo.

No começo, não ouço nada. Apenas um longo silêncio,


com o leve assobio de uma brisa nas árvores.

Então ouço o som de alguém se movendo, mais do meu


lado direito. É óbvio que estão tentando se mover lenta e
silenciosamente, mas eu os ouço do mesmo jeito. Meus
sentidos sempre ficam mais fortes quando estou estressada.

Com a brisa leve, sinto o cheiro inconfundível da loção


pós-barba da Du Pont.

Ele está muito, muito perto.

É uma tortura se esconder atrás desta árvore. Parte de


mim acha que ele já me viu e está se aproximando. A outra
parte acredita que minha única esperança é ficar
perfeitamente imóvel enquanto ele passa.

Eu fecho meus olhos. Eu mantenho minha boca fechada.


Coberta de lama, sou quase exatamente da cor da casca e do
solo macio e argiloso. Apenas meus dentes e olhos brancos me
denunciariam.

Eu mal respiro. Vou fazer meu coração bater baixinho.

Mais silencioso do que um sussurro, ouço-o passando do


meu lado direito.
Lentamente, muito lentamente, eu rastejo ao redor do
tronco da árvore, para manter a maior parte da árvore entre
mim e ele. E então eu espio ao redor da borda da casca.

Ele parece monstruoso. Ele puxou o capuz para estar


coberto da cabeça aos pés naquela roupa marrom
desgrenhada, como um urso que aprendeu a andar sobre as
patas traseiras. Ele se move de forma lenta e arrastada, a
cabeça girando da esquerda para a direita, procurando por
mim. Eu vejo o brilho de seu rifle, cano erguido e pronto.

Estou atrás dele agora. Estou esperando que ele


continue, para que eu possa correr na direção oposta. Mas em
vez disso, ele para exatamente onde está. Ele se esconde atrás
de uma árvore caída, cheia de musgo verde e cogumelos
brancos. Eu sigo seu olhar para cima, para o topo do cume.

Há uma figura lá em cima. Ele está deitado de bruços no


cume, o rifle armado à sua frente. Só consigo ver o topo de seu
ombro, ou talvez seja sua cabeça. É difícil dizer a esta
distância. Tudo o que sei com certeza é que ele está vestido
com roupas escuras e é grande. Tem que ser Dante.

Vejo Du Pont erguer seu rifle, mirando na figura. Seu


dedo se enrola em torno do gatilho.

— DANTE, CUIDADO! — Eu grito.

Muito tarde. Du Pont atira. A figura tomba de volta do


topo da crista, atingida em cheio.

Du Pont já está girando em minha direção. Estou fugindo


o mais rápido que posso, por entre as árvores mais densas,
esperando que elas forneçam alguma cobertura.

Eu ouço outro tiro e, em seguida, um som de estalo,


seguido por um assobio. Lanço um olhar por cima do ombro.
Uma camada de fumaça sobe no ar, espessa e cinza claro. A
fumaça está entre mim e Du Pont. Ou, pelo menos, acho que
está – não tenho um bom senso de direção. Não tenho ideia de
onde estou em relação ao campo, ou à cabana ou van. Estou
completamente perdida.

Eu continuo correndo, as lágrimas escorrendo pelo meu


rosto, esperando contra a esperança de que o tiro de Du Pont
só acertou Dante no ombro, que Dante ainda está vivo.

Chego a um pequeno trecho de terreno aberto e frondoso


e corro por ele, tentando voltar para a cobertura de árvores.
Enquanto corro, o chão cede sob meus pés. Estou
despencando.

Meus braços giram, procurando algo, qualquer coisa.


Pego uma raiz de árvore e seguro-a com as duas mãos, duas
unhas se arrancando no sabugo.

Estou balançando sobre o espaço vazio, mal agarrando-


me à raiz. Tentando não gritar, olho para um buraco profundo.

Oh meu Deus. É algum tipo de armadilha. Não consigo


ver o fundo. Não sei quão profundo é, ou o que está lá embaixo.
Mas sei que é longe o suficiente para provavelmente quebrar
minha perna se perder o controle sobre essa raiz. Além disso,
vou ficar presa lá. Sem saída. Du Pont será capaz de me
rastrear quando quiser.

Eu tenho que me puxar de volta.

Estou agarrado à raiz, que é fina e escorregadia de lama.


Tento me puxar para cima, mas minhas mãos escorregam para
baixo e quase perco totalmente o controle.

Minhas mãos estão congelando de frio e dormentes. Meu


corpo inteiro está doendo – arranhado, machucado, tremendo.

Eu quero chorar. Eu quero desistir. Mas eu não posso.

Aumentando meu aperto, eu me levanto alguns


centímetros, depois mais alguns. Eu cavo meus pés descalços
na lateral do buraco para me dar apoio. À medida que me
aproximo do topo, tento agarrar a borda lamacenta do buraco.
Um pedaço de sujeira desmoronando sai da minha mão, areia
caindo no meu rosto, cegando-me. Cuspo a sujeira da boca e
tento novamente.
Eu corro para o norte, em direção ao local que os
estorninhos evitaram. Eu sei que há um humano lá.

Quando me aproximo, coloco minha mira no ombro e


examino a área. Eu vejo o que parece ser uma figura, deitada
de bruços no topo da colina, e sorrio. Eu reconheço meu velho
rifle. Raylan nos encontrou.

A figura não é Raylan – são minhas roupas, recheadas


com galhos e folhas, posicionadas para parecer uma pessoa. É
uma isca. Raylan está tentando atrair Du Pont. O que significa
que ele tem que estar por perto, esperando que Du Pont
apareça.

Assumo minha própria posição, formando o terceiro lado


de um triângulo. A isca é o ponto – Raylan e eu somos os outros
dois cantos. Esperançosamente, Du Pont vai chegar ao meio.

A floresta está silenciosa. Nenhum canto de pássaros ou


sapos cantando. Há muitas pessoas por perto. Os animais
sabem onde estamos aqui.
Eu retardo minha respiração, examinando a floresta
através do meu alcance.

Então ouço um som que faz meu sangue congelar. O grito


de Simone: — DANTE, CUIDADO!

Um rifle dispara. O manequim cai do topo da colina.

Eu giro meu cano, procurando pelo atirador ou por


Simone.

Raylan a localiza primeiro – ele está mais perto dela. Ela


está fugindo pela floresta, nua e coberta de lama.

Raylan pega sua granada de fumaça, puxa o pino e joga


para baixo atrás dela. Ele detona, lançando uma cortina de
fumaça, protegendo-a de Du Pont.

Infelizmente, também protege Du Pont de mim. E isso


deixa Raylan aberto.

Eu ouço o som do rifle de Du Pont, ecoando por entre as


árvores. Em seguida, um grunhido que deve ser Raylan. Um
corpo cai pela encosta, rolando no caminho. Raylan estava
usando um colete, igual a mim, mas um colete não pararia
uma bala de alto calibre. Isso só diminui um pouco.

Estou dividido entre a necessidade de verificar Raylan e a


necessidade de seguir Simone.

Realmente, não há escolha – meus pés já estão virando


na direção de Simone e estou correndo atrás dela, determinado
a chegar até ela antes que Du Pont possa.
Eu ouço um grito e o som de galhos se partindo. PORRA.
Outra armadilha. Estou correndo a todo vapor, meu ombro
latejando como um tambor, meu coração batendo tão forte que
posso ouvir em meus ouvidos.

Estou batendo no meio das árvores, os galhos


chicoteando meu rosto, correndo em direção ao som daquele
grito.

Chego a uma clareira e vejo Du Pont parado na beira de


um fosso, rifle erguido e apontado para Simone. Simone está
agarrada ao solo macio e em ruínas, olhando para o rosto de
Du Pont com uma expressão de puro terror.

Ele já está com a arma apontada para ela. Se eu atirar na


cabeça ou nas costas, ele pode puxar o gatilho e matá-la.

Sem tempo para pensar. Sem tempo para mirar.

Eu levanto meu rifle, mesmo sem usar a mira. Eu aponto


e atiro.

O dedo no gatilho de Du Pont explode em uma névoa de


sangue.

Rosnando de raiva, ele se vira em minha direção.

Eu atiro nele mais três vezes no peito.

Ele está congelado no lugar, os dentes à mostra, os olhos


esbugalhados.

Em seguida, ele tomba, caindo no buraco.


Corro para Simone, agarrando-a pelos pulsos. Eu a puxo
para fora do buraco, envolvendo-a em meus braços e
pressionando-a contra meu peito.

— Dante! — Ela soluça. — Você está vivo!

Eu a beijo em todos os lugares. Suas mãos, sua testa,


suas bochechas, seus lábios. Ela está coberta de lama, e eu
não dou a mínima. Eu tiro minha camisa e coloco em seu corpo
nu – é tão grande nela que cai quase até os joelhos. Tiro minhas
botas e coloco minhas grossas meias de lã sobre seus pés
ensanguentados e surrados. Então eu a pego em meus braços
e a carrego.

Ela encosta a cabeça no meu peito, tremendo tanto que


mal consigo segurá-la no início, depois relaxa lentamente e
afunda no calor do meu corpo.

Eu a carrego de volta pelo caminho por onde viemos, de


volta para onde Raylan caiu.

— Eu sinto muito, — Simone soluça.

— Nunca se desculpe, — digo a ela, minha voz embargada


com todas as coisas que eu queria dizer a ela, todo esse tempo.
— Eu te amo, Simone. Eu sempre te amei, e eu irei sempre te
amar. Eu nunca vou parar. Onde quer que você vá, faça o que
fizer, você tem meu coração em suas mãos.

— Eu te amo muito, — ela chora, sua voz falhando. — Eu


não posso acreditar que você me encontrou...
— Eu sempre vou mantê-la segura, — eu prometo a ela.

— Henry está... — Ela chora.

— Ele também está seguro. Ele está com meu pai.

Ela vira o rosto contra meu peito e chora mais forte do


que nunca, com alívio dessa vez.

Eu a carrego de volta a colina.

Estou aliviado por Simone estar bem. Mas quanto mais


perto chegamos de Raylan, mais doente me sinto, preocupado
em encontrar o corpo do meu amigo. Preocupado que ele se
sacrificou para salvar a mulher que amo.

Encontro o local onde ele caiu e coloco Simone no chão


para poder olhar em volta, sobre um terreno acidentado e
lamacento, onde as folhas estão agitadas, e posso ver uma
linha de sangue escuro.

— Oh, aí está você, — uma voz irônica diz. — Já era hora.


Quase terminei meu Sudoku.

Eu giro ao redor.

Long Shot está apoiado em uma árvore, segurando a mão


ao lado do corpo. Posso ver o sangue escorrendo pelas fendas
entre seus dedos.

— Raylan! — Eu grito, correndo até ele.

— Relaxe, — ele diz. — Eu não estou morrendo. Isso


apenas dói pra caralho.
A bala de Du Pont rasgou um pedaço de sua lateral, até
mesmo através do colete Kevlar. O quadril de sua calça jeans
está encharcado de sangue, mas ele fez uma espécie de
compressa de musgo e parece que o sangramento diminuiu.

Amarro a compressa com o que resta da camisa de Raylan


e o puxo para cima. Simone ajuda a apoiá-lo do outro lado.

— Eu o peguei, — digo a ela.

— Não, está tudo bem, — diz Simone, séria e


determinada. — Eu posso ajudar.

Apoiando Raylan entre nós, começamos a caminhar de


volta para fora da floresta.

Raylan está pálido, mas olha para Simone com


curiosidade.

— Prazer em conhecê-la, — diz ele. — Não posso dizer que


Deuce me contou muito sobre você, porque, como você sabe,
ele não é um homem de muitas palavras. Mas quando
conseguimos embebedá-lo de vez em quando...

— Cuidado, — eu o advirto. — Eu ainda posso deixar você


aqui para os lobos.

Simone balança a cabeça para mim.

— Obrigada, — ela diz a Raylan, sinceramente.

— É claro, — ele diz. — Deuce não disse muito, mas disse


o suficiente para eu saber que você era uma garota que valia a
pena salvar.

Ele aperta os olhos para mim.

— Você matou Du Pont, não foi?

— Sim, — eu aceno.

— Bom, — ele diz, estremecendo. — Eu nunca gostei


daquele cara. Eu já disse que ele comia as ervilhas uma de
cada vez? Eu deveria saber então que ele era louco.
Dante leva Raylan e eu diretamente ao hospital mais
próximo. É uma pequena clínica em Sarasota, onde o único
outro paciente é uma criança com um braço quebrado. Ele
parece emocionado por ter algum tipo de entretenimento em
mãos, além do próprio braço dolorido. O pessoal é muito mais
desconfiado. Eles me separam dos dois homens, fazendo uma
enxurrada de perguntas que deixam claro que eles não
acreditam na história de Raylan sobre ser baleado em um
acidente de caça.

Eles me deixaram usar o chuveiro, pelo menos. Fico sob


o jato quente por quarenta minutos, observando sujeira,
galhos, folhas e sangue escorrerem pelo ralo. Eu começo a
chorar de novo, vendo os cortes e vergões por todo o meu corpo.
Lembrando a sensação de fugir para salvar minha vida.

Mas também me lembro da sensação de ter os braços de


Dante em volta de mim enquanto ele me levantava no ar,
pressionada com segurança contra seu peito. Nunca senti uma
sensação mais poderosa de alívio, gratidão e segurança.
Os braços de Dante são o lugar mais seguro do mundo.
O único lugar em que realmente me senti segura.

Eu enfrentaria qualquer perigo, desde que ele estivesse


comigo.

Depois que estou limpa e o médico costurou o pior dos


cortes em meus pés e pernas, o hospital me empresta um
uniforme para vestir. Eles são macios e desbotados por causa
de centenas de lavagens e, honestamente, são a coisa mais
confortável que já usei.

Eles levam mais tempo para costurar a ferida na lateral


de Raylan. Eles têm que colocar alguns litros de sangue em
seu braço, e Dante e eu nos hospedamos no único motel da
cidade, para que Raylan possa descansar e se recuperar
durante a noite.

O quarto do motel é minúsculo, provavelmente decorado


pela última vez em 1982, com paredes com painéis de madeira,
cortinas amarelo-mostarda e um cobertor de lã áspero.

Para mim, é o melhor hotel em que já me hospedei,


porque vou ficar lá com Dante. Nós comemos no pequeno
restaurante familiar cafona ao lado, ambos pedimos pilhas
duplas de panquecas e bacon, que acabaram sendo
surpreendentemente deliciosas.

Em seguida, voltamos para o nosso quarto, e Dante me


joga na cama rangente e irregular que geme assustadoramente
sob o nosso peso combinado.
Eu olho para o rosto de Dante – em seus ferozes olhos
negros.

— Sinto muito, — digo a ele, novamente. — Eu deveria ter


contado a você sobre Henry.

— Eu deveria ter ido para Londres, — Dante diz, sério. —


Eu nunca deveria ter deixado você ir tão facilmente. Eu deveria
ter rastreado você naquele ano, ou no seguinte, ou no outro.
Eu estava orgulhoso e amargo. Eu fui um tolo.

— Eu nunca vou mentir para você novamente, — eu


prometo a ele.

— Eu nunca vou deixar de encontrar você.

Ele me beija. Seus lábios são ásperos e quentes. Seus


braços enormes e pesados me envolvem completamente.

Ele move as mãos pelo meu corpo, apertando e


massageando suavemente os músculos doloridos do meu
pescoço, ombros, peito e costas. Ele encontra cada lugar
apertado e cheio de nós e pressiona o estresse e a dor das
últimas vinte e quatro horas. Suas mãos são tão quentes e
fortes que arrancam o trauma da minha carne, deixando um
prazer profundo e contente em seu lugar.

Meu corpo está doendo tanto que parece impossível que


eu possa ficar excitada novamente. Mas enquanto suas palmas
roçam meus seios, sinto meus mamilos respondendo ao seu
toque. Um rubor quente se espalha de meus seios até minha
barriga.
Dante leva meu seio em sua boca. Ele suga suavemente
o mamilo, lambendo-o com a língua. Ele passa a língua por
todo o caminho até o meu umbigo, até o pequeno pedaço de
pele logo abaixo do meu umbigo.

A pele está esticada, mas se você olhar de perto, há


algumas linhas prateadas, os últimos resquícios
fantasmagóricos das estrias que tive no último mês de
gravidez.

— Nunca tinha reparado nisso antes, — diz Dante. Sua


voz é suave, com um tom de admiração, não de raiva. — Aposto
que você era a mulher grávida mais bonita.

— Se você quiser... — Eu digo, minha voz presa na minha


garganta. — Talvez eu possa novamente...

Dante olha para mim, sua mão apertando a minha.

— Você está falando sério? — Ele diz, roucamente.

Eu aceno, as lágrimas pinicando meus olhos.

— Não estou tomando pílula, — digo a ele. — De fato... —


mentalmente, conto os dias desde minha última menstruação.
— Agora pode ser um bom momento.

Dante pressiona seu rosto contra minha boceta e inala


meu cheiro. Mesmo com suas íris escuras, posso ver suas
pupilas dilatarem de luxúria.

— Você tem um cheiro fenomenal pra caralho, — ele


rosna.
Ele corre o polegar pela fenda entre os lábios da minha
boceta, sentindo minha umidade escorregadia. Minha boceta
está vibrando com antecipação, meu clitóris já está inchado e
sensível, embora ele mal tenha me tocado ainda. Meu coração
está batendo forte e sinto aquela expectativa ansiosa, o desejo
enrolado dentro de mim como uma mola.

Eu posso sentir o cheiro da pele de Dante, mesmo quando


ele está entre minhas pernas. Tem um cheiro inebriante,
atraente, irresistível...

Meu corpo o quer. Anseia por ele. Precisa dele.

Tenho certeza de que está certo... Estou fértil agora.


Ovulando. Biologicamente direcionada para acasalar com este
homem que é o maior, mais forte e mais feroz que eu já vi.

— Goze dentro de mim, — eu imploro a ele. — Faça um


bebê comigo, Dante.

Seus olhos são duas piscinas negras de luxúria. Ele


arranca a camisa, revelando aquelas grossas placas de
músculos em seu peito, ombros e bíceps. O cabelo escuro em
seu peito me excita, assim como suas tatuagens, e até mesmo
os arranhões e cortes de nosso tempo na floresta. Provas do
que este homem fez por mim, arriscando sua vida para me
salvar.

Ele desabotoa a calça jeans, deixando-a cair pelos


quadris, revelando aquele membro grande e grosso, que surge,
já totalmente duro e buscando o calor e a umidade entre as
minhas pernas.

Ele agarra a base dele, posicionando-o na minha entrada.


Então ele me atinge com um golpe longo e firme.

Estou tão molhada que o pau dele desliza para dentro,


até a base. Estamos pressionados juntos, cara a cara, peito a
peito. Dante se apoia nas grossas colunas de seus braços,
prendendo-me na cama. Apertando as bochechas de sua
bunda, ele enfia seu pau em mim novamente e novamente.

Eu envolvo minhas pernas em torno de seus quadris,


meus tornozelos unidos atrás de suas pernas. Eu aperto meu
clitóris contra ele com cada impulso. É tão inchado e sensível
que cada impulso envia uma onda de prazer derramando sobre
mim.

— Goza dentro de mim, — eu imploro a ele novamente. —


Me engravide.

Dante me envolve em seus braços e me fode com mais


força, enlouquecido pelo meu pedido.

— Você quer meu bebê? — Ele grunhe no meu ouvido. —


Você quer carregar meu filho?

— Sim, — eu gemo.

Isso é tudo o que preciso. Meu desejo por sua semente o


faz explodir dentro de mim. Eu sinto seu pau pulsando
enquanto ele atira jato após jato de esperma bem no fundo da
minha boceta, bem na entrada do colo do útero.
A contração de seu pênis e a sensação espessa e quente
de seu esperma me levam ao orgasmo também. Minha boceta
aperta em torno dele, apertando e contraindo, puxando seu
esperma mais profundo, todo o caminho até meu útero.

Dante me beija profundamente, selvagem e eroticamente.

Eu o beijo de volta, certa de que sua semente vai tomar


conta.

Vamos fazer outro bebê. Intencionalmente, desta vez.

E Dante estará comigo em cada passo do caminho.


Assim que Raylan está se sentindo melhor, voltamos para
Chicago.

Vou direto para a mansão Griffin no lago. Quero falar com


Callum e minha irmã, para dizer a eles que Du Pont se foi. Que
eles não precisam mais se preocupar.

Mas quando chego lá, apenas Riona está sentada na


cozinha, parecendo tensa e ansiosa. Ela pula quando
entramos.

— Aí está você! — Ela diz, aliviada.

— Onde está todo mundo? — Eu pergunto a ela.

— No Hospital. Aida vai ter o bebê.

— Oh. — Uma onda de alívio passa por mim, seguida de


preocupação. — Ela está bem? Era cedo?

Estou preocupado que ela tenha entrado em trabalho de


parto cedo demais, por causa do estresse.

— Está tudo bem, — Riona me assegura. — Ela está no


fim da gravidez. Cal tem me mandado mensagens com
atualizações. Deve ser a qualquer momento agora.

Riona abre a pasta que está na mesa do café da manhã e


tira o disco rígido de Kenwood.

— Nero deixou isso para você. Ele disse, e cito: ‘Você não
vai acreditar nessa merda aqui’.

Eu pego o disco rígido, virando-o em minhas mãos. Parece


pesado e repleto de todas as informações terríveis contidas em
sua concha de metal.

— O que você vai fazer com isso? — Simone me pergunta.

Eu sei com o que ela está preocupada. Ela acha que vou
usá-lo para chantagear Kenwood ou seus amigos elegantes.

Eu a olho bem nos olhos.

— Sem negócios, — eu prometo a ela. — Kenwood vai para


a cadeia, se eu puder fazer isso acontecer.

— Obrigada, — Simone diz, em um tom exausto.

Riona vai até Simone e pousa a mão suavemente em seu


ombro.

— Você está bem? — Ela pergunta. — Você precisa de


uma bebida?

— Deus, sim, — Simone diz. Então ela se interrompe. —


Na verdade, só água, se não se importar.
Os olhos cor de âmbar de Simone encontram os meus, e
uma onda de calor passa entre nós. Eu sei que ela está sendo
extremamente cuidadosa, apenas no caso. No caso de um
pequeno zigoto frágil estar tomando conta dela agora.

— Eu poderia tomar uma bebida, — Raylan diz, em seu


sotaque sulista suave. Eu o vejo olhando Riona, observando
sua pele clara e macia, seus olhos verdes brilhantes e seu alto
rabo de cavalo de cabelos cor de fogo.

Riona estreita os olhos para ele.

— Parece que um uísque pode matar você, — diz ela.

— Eu faço muitas coisas que podem me matar, — Raylan


ri.

— Você acha isso impressionante? — Riona funga,


erguendo o queixo em desdém.

— Não, — Raylan sorri. — Apenas a verdade.

— O armário de bebidas fica ali, — aponta Riona. Ela


estava disposta a preparar uma bebida para Simone, mas não
para algum estranho enlameado.

Gostaria de avisá-la de que sua frieza com Raylan é o


curso de ação errado, se ela quiser se livrar dele. Quanto mais
alto ela construir essas paredes, mais ele vai querer derrubá-
las. Essa é a natureza do Long Shot – ele adora desafios
impossíveis.

Por outro lado, estou com o melhor humor que


experimentei nos últimos nove anos. Eu realmente gostaria do
entretenimento.

Raylan vai até o armário de bebidas, pegando uma garrafa


de uísque Johnny Walker. Ele geralmente é um homem de
bourbon, então eu sei que ele pegou aquela só para irritar
Riona.

— Qual é o seu veneno, advogada? — Ele diz. — Deixe-


me preparar uma bebida para você.

— Não, obrigada, — Riona diz, severamente.

— Deixe-me adivinhar... — ele finge olhar para ela de


cima a baixo, embora eu já o tenha visto fazer isso. — Vou
colocar você como uma garota de gim-tônica.

Um leve rubor surge em suas bochechas. Isso é


absolutamente certo, embora eu não saiba como Raylan
adivinhou.

— Suponho que Dante lhe disse isso, — diz ela.

— Ele nunca mencionou você, — diz Raylan. — Acho que


ele não é um amigo tão bom para mim quanto eu pensava.

— Como você sabe que sou advogada, então? — Riona


exige, pegando o furo em sua declaração.

— Bem... — Raylan diz, pegando dois copos e enchendo-


os com gelo. — Você tem o terno azul-marinho, salto Soulier e
relógio Akrivia. Tudo riqueza furtiva, porque você quer colocar
seus colegas no lugar deles, mas não quer irritar o juiz
mostrando que você ganha mais dinheiro do que ele. O cabelo
prático e a colônia unissex mandam um foda-se a qualquer
pessoa que tente sexualizar você no local de trabalho. E então
você tem o seu perfurador de dois furos e seu carimbo de
tabelião ali na sua pasta.

Os olhos de Riona se voltam para sua pasta, aberta na


copa, embora virada em um ângulo que não sei como Raylan
conseguiu espiar dentro dela.

Ele está sorrindo para Riona, completamente satisfeito


consigo mesmo. Ela não está nada feliz.

Ele entrega a ela o gim-tônica, decorado com um toque de


limão.

— Muito astuto, — Riona diz, friamente. — Mas você


perdeu uma coisa.

— O quê? — Raylan diz.

— Eu odeio limão pra caralho.

Riona vira o gim sobre a pia, jogando-o fora. Em seguida,


ela pousa o copo com um baque agitado e sai correndo da sala.

Raylan olha para Simone e para mim. Ele sorri.

— Acho que ela gosta de mim, — diz ele.


Uma hora depois, o menor Griffin vem ao mundo. Ele é
pequeno, furiosamente bravo e abençoado com uma mecha de
cabelo escuro e encaracolado muito parecido com o de sua
mãe. Quando ele abre os olhos, eles são tão azuis quanto os de
Callum.

Enquanto Enzo, Fergus e Imogen estão conhecendo seu


neto, estou tendo uma reunião só minha na sala de espera.

Meu pai trouxe Henry para o hospital com ele. Henry está
usando uma velha camiseta Tupac que pertenceu a Nero e seu
cabelo parece recém-lavado. Ele corre até Simone e a abraça
como se não a visse há anos.

Simone envolve nossos braços em volta de nosso filho e


eu abraço os dois. É a nossa primeira vez como família. O que
sinto neste momento não pode ser expresso em palavras. Tudo
o que posso dizer é que tudo que sofri valeu a pena. Mais do
que valeu a pena. Eu faria isso de novo mil vezes, só para
segurar Simone e Henry contra meu peito.

Não há alegria sem dor. Quanto maior a dor, maior a


alegria. Pelo menos para mim.

Todos os três estão chorando. Não tenho vergonha de


meu filho ver isso. É a prova de que eu o amei todo esse tempo.
Parte desse buraco no meu coração era dele, mesmo antes de
eu saber que ele existia.

Depois de um tempo, Nessa Griffin enfia a cabeça para


dentro da sala, nos chamando.
— Venham ver o bebê! — Ela diz, sorrindo seu sorriso
gentil.

Entramos no quarto do hospital. Aida parece suada e


cansada, mas muito satisfeita consigo mesma.

— Olha o que eu fiz! — Ela me disse.

Eu olho para o bebê em seu berço, firmemente envolto em


lençóis de hospital. Ele ainda está carrancudo, embora ele
esteja moderado no momento.

— Qual o nome dele? — Eu pergunto a Aida.

— Ainda não concordamos com um, — diz Callum. Ele


parece exasperado, mas muito feliz com o bebê para realmente
ficar bravo.

— Nada parecia certo, — diz Aida, serenamente. Ela não


está preocupada. Muito parecida com Long Shot, minha irmã
sempre acredita que as coisas vão dar certo no final.

— Que tal Matteo? — Meu pai diz, sugerindo um nome de


família.

— Ou Cian, — Fergus diz, provavelmente fazendo o


mesmo.

— Eu gosto de Miles, — Henry diz, baixinho.

Aida se anima. — Miles Griffin? — Ela considera por um


minuto. — Eu gosto disso.

— E você está bem com Griffin como sobrenome? —


Callum diz, disposto a aceitar qualquer primeiro nome, desde
que consiga o último.

— Soam bem juntos, — concorda Aida.

Henry enrubesce de prazer. Ele toca o bebê suavemente


na bochecha.

Coloquei meu braço em volta de Simone, apoiando meu


queixo no topo de sua cabeça.

Aida sorri para nós. Ela parece quase tão satisfeita em


nos ver aqui juntos quanto em ter trazido com sucesso seu
filho ao mundo.

— É bom ter você de volta, Simone, — ela diz.


É primavera novamente. Um pouco cedo na primavera
para ficar sentada no parque, mas estou sempre com calor
agora, então não importa.

Dante e Henry estão se aquecendo na quadra de


basquete. Dante está mostrando a Henry como proteger a bola
com seu corpo enquanto ele a dirige para o aro. Henry tenta
imitar seu pai, falhando duas vezes, antes de conseguir passar
e fazer o arremesso. A bola gira em torno do aro e depois cai.

— Bom! — Dante grita, batendo nas costas de Henry.

Como se em resposta, sinto o bebê virar dentro de mim,


seus pezinhos agora pressionados firmemente contra o meu
lado. Ela chuta os calcanhares, enviando ondas em minha
barriga. Eu pressiono minha mão do outro lado da minha
carne, sentindo seus pés baterem contra a minha palma.

Fiquei grávida naquele dia no motel, como sabia que faria.

Dante me pegou nos braços quando contei, com uma


nova gentileza. Mesmo que não tivesse começado a aparecer
ainda, ele levantou minha camisa e beijou minha barriga
centenas de vezes.

Ele vem a todas as consultas médicas comigo. Toda meia-


noite, corre atrás de suco de laranja e um tipo específico de
queijo parmesão que estou desejando.

Estou corada de energia. Estou cheia de um espírito


criativo louco, mais forte do que qualquer um que já senti
antes. Não sei se é a gravidez ou estar com Dante, mas as
ideias fluem pela minha cabeça o dia todo. Eu enchi caderno
após caderno com desenhos.

Depois que o bebê nascer, vou começar minha própria


linha de moda. Dante já está me ajudando a encontrar um
depósito onde podemos fabricar as roupas em Chicago.

Ele vai comigo escolher tecidos, perguntando-me o que eu


amo em cada um. Pedindo-me para ensiná-lo por que cores e
tons específicos combinam bem.

— Gosto de vê-los através dos seus olhos, — ele me diz.

Eu carrego minha filha como uma passageira silenciosa


nesta viagem. Algum dia, em breve, mostrarei a ela todas essas
coisas, como mostro a Dante e Henry. Ela se juntará a nós, e
nossa pequena família estará completa.

Meus sentimentos sobre esta gravidez não poderiam ser


mais diferentes do que da última vez. Não há medo ou
preocupação. Apenas uma profunda sensação de antecipação.
Mas meus sentimentos pelo bebê são iguais aos por
Henry – eu já a amo. Com todo meu coração.

— Espero que ela seja exatamente como você, — diz


Dante.

Espero que ela seja melhor do que eu – mais bonita, mais


inteligente, mais gentil. Mas, acima de tudo, espero que algum
dia ela encontre seu par perfeito. Espero que ele caia em sua
vida como Dante caiu na minha.

Porque eu sei melhor do que ninguém que nenhuma


quantidade de beleza ou inteligência, ou fama e sucesso,
podem compensar um buraco em seu coração.

Esse buraco está curado agora. Meu coração está cheio.


Cheio até transbordar.

Não sabia que havia tanta felicidade no mundo.

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