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(2009)
O AMOR ENTROU MUDO E SAIU CALADO
Um casal vive há 20 anos, na mais perfeita harmonia, sem trocar uma palavra.
Nem um monossílabo, nem um pantim, nem um grunhido, nem um muxoxo,
nem um arrulho, apenas o silêncio a lastrear o lindo amor dos pombinhos.
Meu primo Zé Humberto contou a bela história ali na calçada de Tica e Dison,
sábios e queridos tios que também convivem com sabedoria e poucas palavras
no discreto Sítio das Cobras, no mesmo município de Santana do Cariri adonde
reina o casal mais calado do mundo.
O cabra voltou a insistir por mais cinco vezes nas semanas seguintes. A
católica Maria, cansada de guerras e gravidezes, manteve-se na resistência.
Com o orgulho de macho ferido, ele fechou a cara. Em pouquíssimo tempo
descobriram o bem que fazia aquele silêncio, passaram a conviver sem
discussões ou arengas, estavam a dois passos do paraíso na terra.
João aprecia mesmo, na mirada certeira dos seus olhos semi-áridos, é olhar a
sua mulher sem que ela perceba. Admirá-la dormindo, por exemplo, a extrema
beleza da calada da noite. Fica horas neste exercício, relembrando o tempo em
que estragavam o amor com palavras como tapurus que botam a perder as
melhores goiabas.
João e Maria agoram contemplam a vida, ali nos ares da Chapada do Araripe,
como um jovem casal de mãos dadas no silêncio escuro do cinema.
A ROSA AMALDIÇOADA DO REI ROBERTO
-Depois que peguei aquela rosa no show do Roberto - ela disse, já de pé, indo
ao banheiro.
Era uma desconhecida, mas daquele tipo de mulher que nos dá a impressão
de ter passado uma vida inteira ao nosso lado.
-Só pode ser maldição da rosa do Roberto -a senhorita ainda anônima volta do
WC resmungando. -Só pode!
Por causa da zoada no botequim, ela fala aos berros no meu ouvido esquerdo:
-Não, de forma alguma, muito pelo contrario - respondo, sem carecer mentir, o
que é raro nesse gênero de interpelação avulsa.
-Pois acredite, moço, desde o dia em que peguei a maldita rosa do Rei a vida
tem sido um desmantelo só -ela conta, buscando fôlego lá no escondidinho
d´alma penada.
-A vida ficou mais feia que virada de Kombi, amigo! -ela ri, escondendo o
sorriso com a mão esquerda, a do lado do coração, por uns instantes. -Rio para
não chorar, se é que você me entende.
Não me chama de amigo à toa. Desde que arrastou a cadeira e pediu licença
para sentar na mesa, parecia que éramos velhos conhecidos. Daqueles de
chorar no ombro e tudo.
Entendo, amiga.
-Ainda na mesma semana do concerto perdi meu marido -ela desfia a tragédia.
-Tudo bem que não era lá essas coisas, a bem dizer era um traste, mercadoria
sem nota.
-Quer beber alguma coisa quente? -indago, todo-ouvidos para a sua história
verdadeira.
Certo tipo de história forte não combinava nada com as espumas flutuantes da
cerveja.
-O senhor está no céu, por favor, me trate por você mesmo -interrompi, típica
freada de velho contra as palavras que nos trazem mais rugas no vento.
-Ele (Roberto) não é todo cheio de manias, só veste azul e branco, todo
supersticioso, pois passou todo azar desse mundo para aquela rosa,
descarregou geral o mal-assombro -- insiste. -Eu logo vi, eu que nunca tive
sorte em nada, nunca peguei um bouquet de noiva, e vem aquela rosa
vermelha, linda, fresquinha, e cai direto no meu colo?!
-Quando a gente está apagadinha para a vida, nem uma mina inteira de
diamante nos ilumina -disse ela, lágrimas derramando no campari.
NOSSOS PLANOS SÃO MUITO BONS -O RETORNO
MODOS DE MACHO
Nossos planos são muito bons, como na canção dos Doces Bárbaros, nossos
planos são recicláveis, como os de mil novecentos e antigamente, nossos
planos são os mesmos que se arrastam desde século seculorum, nossos
planos são tão conhecidos, tão íntimos, eles nos acompanham há tanto tempo
que viraram nossos amantes, nossos melhores amigos, nossos planos
renascem a cada começo de ano como os nossos melhores cúmplices.
Nossos planos são muito bons, mas sinto muito por eles, coitados, mais uma
vez não serão cumpridos na íntegra no ano da graça de 2009. Cumpriremos,
no máximo, os 10% da humaníssima cota do possível, os 10% do garçom,
justa medida.
Nossos planos são muitos bons e nunca foram atrapalhados por crise alguma.
O que nossos planos enfrentam para valer é uma invencível guerra interna nos
fracos juízos repletos de defeitos de fábrica.
Nossos planos são muito bons, mas, como sempre, ainda temos o benefício da
dúvida, ainda temos a complacência e, se, por acaso, faltar alguma conversa
fiada no estoque, botamos a culpa nos outros - nosso inferno mais próximo.
Nossos planos mal devoraram a ceia do Natal, nossos planos famintos, nossos
planos eivados pela fome histórica de todos os semi-áridos e Jequitinhonhas, e
lá estão nossos planos a dormir a mais preguiçosa das siestas espanholas.
Nossos planos estão dengosos, como nunca, para este 09 que já se arrasta,
aproxima, nossos planos querem colo, nossos planos odeiam uma academia
de ginástica, um cooper às cinco da manhã, uma dieta saudável.
Nossos planos não têm medo do colesterol e muito menos da gordura trans,
nossos planos adoram uma costelinha de porco, como aquela que Maria fez no
Paraíso, costelinha com cerveja preta, ah, nossos planos lamberam os beiços,
mesmo não sabendo o que seríamos de nós dali a duas voltas do sol no eixo
da existência.
Nossos planos não se desgastam à toa, não vivem de estresse, não andam de
automóvel na cidade grande, nossos planos são eternos pedestres e adoram
uma rede depois do almoço.
Nossos planos são do mato e ruminam um capinzinho entre os dentes
manchados pelo cigarro brabo do tempo. Nossos planos se espreguiçam,
estralando todas as juntas e costelas, quando ouvem falar outra vez de novos
planos.
Nossos planos se enfileiram com novas contas no gigantesco colar das coisas
não-feitas!
Perder quilos, malhar a barriga, fazer ioga, pilates e fechar a boca... Terminar
aquele doutorado e ser mais sabida... Reabrir as matrículas, escrever um livro,
fazer todos os cursos, mudar de casa, endoidar a cabeça... Ser a Barbarella de
Roger Vadin ou a Vera Fischer no papel "Superfêmea", a incrível
pornochanchada de ficção científica do tempo em que era gostoso o nosso
cinema.
Livrar-se daquele traste, amar um bom homem, fazer uma viagem para bem
looonge, ler Manuel Bandeira em uma cadeira de balanço arrodeada de
meninos, como no sonho de Isabela Rocha, morena bela do Cordeiro, musa de
Caxangá, Várzea, Engenho do Meio e alhures.
Enfim, fazer coisas e mais coisas, e nunca fazer mal às moças.
Apressado, assina mais um cheque, repare que ainda estamos em pleno mês
dos desgostos, e o mal-assombrado Homem do Tempo mira a data e toca o
terror de novo: ´Bem que eu avisei, 2010 chegou voando´.
O Homem do Tempo, esse infeliz das costas-ocas, esse vampiro das horas, é
capaz de matar de susto qualquer criatura temente à Velha da Foice. Não
estamos falando daquele desavisado e pobre sujeito que comenta, por mera
falta de assunto, a contagem dos dias, o envelhecimento do homem e as suas
circunstâncias.
Este é um inocente camarada. O mesmo que olha para os céus e fala que vem
chuva, o mesmo que mostra as Três Marias para as crianças, o mesmo leitor
de Bilac que recita, orgulhoso, ´Ora direis, ouvir estrelas´.
O mais cruel Homem do Tempo que conheço, tão cruel que parece
personagem de programa humorístico, é o meu ´padrinho de fogueira´ Antonio
Carneiro, habitante de Santana do Cariri, na região sul cearense - padrinho de
fogueira, para quem não sabe, é o mesmo que padrinho de São João, costume
antigo dos pais de fazer novos e bons compadres, enquanto queimam as
brasas afetivas do período junino.
Não tenho uma queixa sequer do nosso Carneiro, excelente na condição de
padrinho, mas não queria estar na pele dos moradores do Sítio das Cobras e
arredores, onde ele reina com os poderes sagrados de Cronos.
da cor das lentes dos meus óculos verdes o absinto que os amigos
terron & zabel me trouxeram da curva do rio tejo.
bebo lentamente a garrafa, para enxugar o desassossego, para invocar
sá-carneiro e a sua ponte do tédio entre ele & o outro, bebo para celebrar as
quedas e por amor desesperado aos meus passos mais trôpegos.
meus óculos de absinto cada lente é uma roda de imaginária bicicleta
bêbada tentando andar no fundo do cálice.
vejo uma menina que não tive sobre os aros da mesma bicicleta,
vestidinho com flores que se acendem no atrito da roda e do dínamo..
e que coincidência, amigos de belas noites e tranqueiras: no dia em que
a garrafa pousou na minha sorte, ela estava a mudar-se, malas e cuias, para
os ares lisboetas... seria a mãe da menina fictícia.
há uma canção no fundo da garrafa desse absinto, destampo-a, ela
salta: algo como nick cave cantando um fado.
há um desespero na minha dança.
fome de viver da gota!
vida modo de usar as 78 rotações de uma agulha sobre o bolero de
dores & vinil de palmeira carnaúba.
ela, cabelos feito algas marinhas, bóia no fundo da garrafa verde. as
sobrancelhas espessas e cheias de dúvidas, misturo mulheres do passado
como se fossem bebidas.
entorno a morte amorosa, destilada e pura, envelhecida nos barris das
devoções mais ímpias.
Quando a vida dói/drinque caubói.
como são estranhas as noites que não dormes comigo, noites brancas, como
aquelas russas noites narradas pelo Homem Doente dos subterrâneos gelados
de Bem Longe, como o sol se põe mais tarde tão-somente para tingir de paixão
roxa a minha miopia e o meu astigmatismo, aquele degradè borrado por
melancólicos nanquins na chuva de san pablo derretendo sobre mis gafas-
parabrisas, como são atípicas não pelo costume, mas pelo desproveito do
calendário, a folhinha do quando, que não marca dia santo nem feriado para o
desejo, como são estranhas as noites riscadas pelos relâmpagos do ciúme e
como são lindas as madrugas e manhãs entorpecidas pelo amor-de-muito que
ficou guardado nas dobrinhas, glândulas, suores dos corpos e das roupas
vagabundamente atiradas sobre os tacos de todos os “últimos tangos”, como
enfio as pernas entre os lençóis tentando achar o que quero para sempre hoje.
A LINDEZA DAS ESTRÁBICAS
“Era uma mulher alta, morena, com ossos e músculos de homem; usava o
cabelo curto, penteado para trás; no seu rosto trigueiro notava-se alguma coisa
de fixo de abstrato. Poderia ter sido bela se não fosse um pouco estrábica“. É a
descrição da personagem Amélia feita na “Balada do Café Triste”, o livro que
cito na crônica abaixo, encontrável baratinho nos bons sebos do ramo. E desde
quando estrabismo é defeito, querida Carson? Nada mais lindo do que uma
vesguinha mirando o inferno e o paraíso ao mesmo tempo, com o olhar perdido
da cadela Laika no Sputinik russo.
pego primeiro na tua mão, digo uma coisa, tipo assim "uma viagem",
MODINHAS DE FÊMEA
E por falar em King Kong, a capa de “Época” mostra que vocês, amadas
e nobres costelas, não são nada óbvias, nada fracas. São capazes de ficar
excitadas até com um filme de sexo entre animais –no caso os macacos
bonobos. A matéria é baseada em estudo de uma pesquisadora da
Universidade Queen, no Canadá, a doutora Maredith Chivers. Nós, os ditos
machos, diz a investigação, somos, noves fora alguns perversos soltos por ai,
mais certinhos. Ficamos nas cenas humanas mesmo. É, amigos, é como
naquela música de Caetano Veloso da trilha de “A Dama do Lotação”, filmaço
com uma Sônia Braga enlouquecedora: “Quando a gente volta/ O rosto para o
céu/ E diz olhos nos olhos da imensidão:/Eu não sou cachorro não!/A gente
não sabe o lugar certo/De colocar o desejo”.
Miss Metrô trafega da Consolação ao Paraíso com a sua mochila laranja, Miss
Metrô deixou um homem feliz lá em cima da Paulista, Miss Metrô desce as
escadarias e o seu homem seguramente vai para casa ver os gols da rodada,
Miss Metrô hoje está com um penteado à antiga, Miss Metrô desce as
escadarias com uma nobreza cosmopolita, Miss Metrô prefere o barulho do
rock´n´roll ao silêncio dos humanos que já ensaiam a corrida com bolas de
ferros nos pés de todas as segundas, Miss Metrô e suas longas pernas
marcadas pelo sol dos trópicos, Miss Metrô aprecia os subterrâneos e assim
não gasta suas preciosas vistas com paisagens mortas de domingo, Miss
Metrô escreve belas histórias na cabeça, Miss Metrô não pensará no filme do
Oscar do doidão matemático que esculacha Leonardo di Caprio, Miss Metrô
sabe que tudo em volta está deserto, tudo certo como 2 e 2 são cinco.
PELOS PODERES DE GRAYSKULL
Só há um lugar de fundo que deixa você mais linda ainda: as nuvens. Você
pagando uma siesta aérea, essas coisas lá do alto, livrinho da coleção L&PM
Pocket PLUS largado entre as coxas, a janela, forma única de comunicação
com as mulheres, horizonte e abismo, isso mesmo, Tristessa do Kerouac, o
poder das belas moças, celulares desligados, guaraná, sanduiche de
meteoritos, o incomparável ensaio de amor assim nos céus como jamais na
terra... e alguém, pânico no juízo, pensando naquele tiozim salvador que caiu
sobre as águas qual um Moisés das aeronaves na América, e você, falemos só
de usted, cacomigo, de novo, a mina que comeu o C do Crato do meu
nascimento na identidade momesca como se fosse um ácido.
Só nos resta uma saída honrosa a esta altura da balbúrdia que toma
conta do mundo: inscrevermos nossos batismos na velha Sociedade dos
Amigos do Crime. As regras são quase as mesmas, com algumas poucas
atualizações da crônica de costumes dos tempos do marquês. Vale sobretudo
o artigo segundo:
“O indivíduo que queira ser admitido na sociedade deve renunciar a toda
espécie de religião, submetendo-se a provas que constarão seu desprezo por
esses cultos humanos e seu quimérico objeto. O mais leve retorno de sua parte
a tais asneiras implicará sua exclusão imediata.”
se” de “se” de cullo és ruella, por supuesto, não hay banda non hay banda... y
don estebito a esta altura sobe no palco nuevo do PRAGA, el cetegê del
rokenrô, se não fosse o diablo desta fiebre da selva amorosa yo estaria bem
dentro, te procurando, chica, no googlezito de mis gafas, mis anteojos pára-
brisas, mis lunetas de camiñoneiro perdido nos entornos de um bielorizonte
llorado como en la canción de roy orbison.
DECÁLOGO DO MAL-DIAGRAMADO
Dez coisas que um homem feio deve saber para tirar mais proveito da
vida, essa ingrata:
I) Que a beleza é passageira e a feiúra é para sempre, como repetia o
mal-diagramado Sérge Gainsbourg – o tio francês que pegava a Brigitte Bardot
e a Jane Birkin, entre outras deusas. Sim, aquele mesmo francês cabra-safado
autor do maior hino de motel de todos os tempos, “Je t´aime moi non plus”,
claro.
II) Que as mulheres, ao contrário da maioria dos homens, são
demasiadamente generosas. E não me venha com aquela conversinha miolo-
de-pote de que as crias das nossas costelas são interesseiras. Corta essa,
meu rapaz. Se assim procedessem, os feios, sujos e lascados de pontes e
viadutos não teriam as suas bondosas fêmeas nas ruas. Elas estão lá, bravas
criaturas, perdendo em fidelidade apenas para os destemidos vira-latas.
III) Que o feio, o mal-assombro propriamente dito, saiba também e repita
um velho mantra deste cronista de costumes: homem que é homem não sabe
sequer a diferença entre estria e celulite.
IV) Que mulher linda até gay deseja e encara, quero ver é pegar
indiscriminadamente toda e qualquer assombração e visagem que aparecer
pela frente.
V) Que homem que é homem não trabalha com senso estético. Ponto.
Que não sabe e nunca procurou saber sequer que existe tal aparato
“avaliatório’’do glorioso sexo oposto.
VI) Que as ditas “feias” decoram o Kama Sutra logo no jardim da
infância.
VII) Que para cada mulher mal-diagramada que pegamos, Deus nos
manda duas divas logo depois de feita a caridade.
VIII) Que mulher é metonímia, parte pelo todo, até na mais assombrosa
das criaturas existe uma covinha, uma saboneteira, uma omoplata, um
cotovelo, um detalhe que encanta deveras.
IX) Que me desculpem as muito lindas, mas um quê de feiúra é
fundamental, empresta à fêmea uma humildade franciscana quase sempre
traduzida em benfeitorias de primeira qualidade na alcova.
X) Saiba, por derradeiro, irmão de feiúra, que a vida é boxe: um bonitão
tenta ganhar uma mulher sempre por nocaute, a nossa luta é sempre por
pontos, minando lentamente a resistência das donzelas. Boa sorte, amigo
esteticamente prejudicado, nesse grande ringue da humanidade!
Minha gata Déli, por exemplo, sabe quando estou ás vésperas do choro. Fica
ali por perto e prepara o anti-bote, o pulo no colo para dar o abrigo a um
homenzarrão que vai desabar daqui a pouco, desabou, fudeu, lá vem o cara a
gastar as dores do mundo.
“E olhe que ele bebe, amigas,” conta a gata para las gatitas colegas no dia
seguinte, olhe que é um homem protegido sob o escudo de um vício, porque
um homem virtuoso de tudo é um fraco, só serve ao Kapital, a mais nada. “E
mire que ama uma mina incrível”, completa a moça de quatro patas, “mas
chorar não tem nada a ver com suposta felicidade”, completa o tanque das
incompreensões gasolinosas.
Chorar é mais lá para dentro do mato e de todas as veredas possíveis, mas
chorar para os céus não tem graça, daí ai pouco já estaremos lembrando de
Deus e dos homens, não era isso o combinado, chorar é focinho, chorar é
cachorro, no máximo um lobo de Jack London que estica a língua para la luna
caliente em uma adivinhação do suposto divino e do fracasso.
PSICANÁLISE DE POBRE
“Tinha cá pra mim que agora sim, eu vivia enfim o grande amor,
mentira!”
Encontro minha amiga A., no nosso botequim predileto, e a desalmada
vai logo anunciando, com a ironia fina que a acompanha na riqueza e na
pobreza, na saúde e na doença.
Sempre tem boas histórias e uma mania louca de escolher uma música,
normalmente Chico Buarque, para trilha das sagas românticas.
Como Chico tem um vasto elenco de personagens femininos e incorpora
as dores e delícias das mulheres, ela escolhe no capricho, no ponto. Moleza,
garoto.
“Tinha cá pra mim que agora sim, eu vivia enfim o grande amor,
mentira!”, ela repete e repete, enche o saco com o “Samba do grande amor”.
Essa música nem é protagonizada por uma fêmea, e sim por um homem
desiludido, um cabra cujo destino parafusou-lhe na testa belos objetos
pontiagudos, como diria o compay Marçal Aquino.
Mas ela insiste e canta assim mesmo. Pior: canta e ri, uma loucura. Que
diabo de sofrimento é esse com essas gargalhadas todas?
A moça é assim mesmo. Não tem jeito. E olhe que nem pediu
caipiroscas de frutas vermelhas nesse dia, ficou apenas no chope, coisa fina e
civilizada.
“Morrer dessa vez é que não vou”, tira onda. “Ih, estou escaldada, velho
Francisco”.
O que A. me contou uma das coisas banais que mais escuto das minhas
amigas nos últimos tempos. E olhe que sou conselheiro, ombudsman das
moças, cupido e ouvidor-geral de muitas crias das nossas costelas.
“Sua carteira de desesperadas é grande”, ela mesma tira uma boa onda
sobre um ofício que desenvolvo com gosto e curiosidade desde os verdes anos
–quando sequer eu sabia o era uma mulher para valer, conhecia apenas as
cabritas e as bananeiras.
A amiga deparou-se com mais um desses homens que prometem,
ensaiam, jogam um charme, cultivam, cantam de galo... comparecem e..., sem
dizer nada, tomam o clássico chá de sumiço.
“Por essas e por outras é que agora prefiro um bom canalha a um
homem frouxo”, prega a amiga, conquistando rapidinho o apoio da mesa
feminina ao lado. “Um canalha pelo menos me pega com gosto e temos noites
deliciosas”.
Defende a tese e emenda, riso desavergonhado: “Passava um verão a
água e pão, dava o meu quinhão pro grande amor, mentira!”
É rapazes, é tempo de homem frouxo, que corre mesmo diante da
possibilidade de uma história mais densa e afetiva. Não sabem o que estão
perdendo. A começar pela minha amiga cantante, belo exemplar da raça, no
auge dos seus 3 ponto 6, boa conversa, boa lábia, gostosa, bocão-Jolie e um
humor capaz de tornar o mais nublado dos dias no dia mais alegre e
comovente para o cara que estiver ao seu lado. Sorte desse homem!
NA PELE DE UM METROSSEXUAL OU ESFOLIADO E MAL-PAGO
Por que a molecada genial não suja aos mãozinhas bem-criadas? Há coisa
mais importante no mundo, meu velho Zéfiro?
DEUS CASTIGA
Só um pezinho ai pra gente cantar junto e fechar o tema: “Meu bem, meu bem/
Use a inteligência uma vez só/ Quantos idiotas vivem só, sem ter amor/E você
vai ficar também sozinha, eu sei porque/Sua estupidez não lhe deixa ver que
eu te amo...”
Desde aquele instante, uma idéia fixa grudou na alma cigana como um fiscal
corrupto gruda num pobre sacoleiro sem galáxias: haberia de gastar mi
portuñol numa visita a Assunción, por supuesto. A tríplice fronteira, com direito
a quedas d´águas e de pressão, por causa das belas moças –algumas
inclusive com burcas fundamentalistas- já conhecia dos meus tempos de
repórter de las investigaciones malditas. Investigaciones suicidas que já vão
tarde, lead que me perguntava sempre “o que que eu sou, onde estou, como
sou, fazendo o quê, seu idiota?” Donde lead, para quem, gracias a Diós, não é
do ramo, vem a ser aquele princípio de texto das matérias jornalísticas chatas
que explicam explicam e não dizem nada.
És que chega a grande oportunidade. O primeiro e informal encuentro del
Portuñol Selvagem, que agora faz parte do calendário extra-oficial da
Paraguaylândia. O encontro nasceu justamente no tempo em que o
patenteador da nova língua, don Douglas Diegues, escriba brasileiro com
madre paraguaya e longa vivência na tríplice fronteira (Brasil, Argentina e
Paraguai), rapay ali de Ponta Porá y arredores, iria lançar, um livro que tem
dado o que falar em toda a América Latina: “Rocio” (editorial Jakembo), um
baita idílio lírico-guarany-expressionista acerca da gostosa Rocío Núñez, a
mais linda das mulheres, modelo internacional, já saída do Paraguay pós
Castiñeras y Perlas otras.
Sim, o Efraim tem razão, o Paraguai é uma bela de uma ficção, diz o poeta e
editor Cristino Bogado, responsável pelo lançamento do portuñol selvagem e m
Assunción. “Aqui o brasileiro tem que chegar sem pressa, rondar pela cidade, ir
ate a beira do rio Paraguay, comer um peixe, andar sem o vexame de quem vai
a Nova York”, completa El Domador de Jacarés, um lendário personagem que
flana pela bela e inesperada noche da capital paraguaia.
O Paraguay não é turismo babaca. Precisa dos seus olhos e do seu gasto de
sapatos para ser reinventado a cada instante. Como todos os países do
mundo, lá tem o melhor da vida em comida, bebida, escrita (Salve Roa Bastos
y Kaneze) e arquitetura de palácios manchados por ditadores e lendas, mas ou
você viajante inventa os lugares por onde anda ou melhor você ficar em casa
dando voltas ao redor do próprio tédio.
A melhor coisa da Semana Santa, além de não ter aula de segunda até
sexta, era a proibição de tomar banho de quarta-feira por diante.
Uma bênção dos céus.
E ai de quem teimasse contra as leis divinas. Ficava aleijado, óbvio,
como nos milhares de relatos ouvidos a cada ano.
Quarta-feira de Trevas. A folhinha do calendário já deixava o veto ao
banho mais do que explícito. Não podia mesmo.
Só os desnaturados pecadores, e eles estão em toda parte,
desdenhavam dos costumes, mesmo sob o risco de ficarem tronchos e
empenados.
A pequena gente, a meninada, sempre arisca ao banho naquelas terras
de pouca água, pedia a Deus que a lei cristã fosse perpétua.
Parecíamos aquele garoto que faz o Woody Allen criança no filme “A Era
do Rádio”. O pirraia, fina ironia, chega à conclusão de que há uma grande
vantagem em ter nascido em uma família pobre naqueles anos 1940, arredores
de Nova York: não ser obrigado a escovar os dentes com o mesmo rigor que
os filhos dos mais abastados.
Os católicos mais tementes ainda guardam os preceitos antigos da
Semana Santa, mas, pelo que sabemos, esse capítulo da higiene pessoal não
é mais tão ortodoxo.
Nem mesmo a distância da carne vermelha é questão de vida ou morte.
A própria igreja relaxou o expediente. Digamos que a carestia na venda do
bacalhau e do peixe tenha contribuído, ano a ano, para esta reforma do
cânone.
O que os mais fervorosos não arriscam de jeito algum é a conjunção
carnal. Continua um tabu nos grotões e vilas. Até os pequenos cabarés, os
velhos bregas e lupanares, fecham suas portas.
É mesmo uma tristeza a vida de rapariga na Semana Santa, mas elas
sempre fizeram questão, justiça histórica seja feita, de suspender as atividades.
É hora de jejum e penitência.
Ao macho que comete o tresloucado gesto sobra um impiedoso e cruel
destino: a impotência para todo o sempre, como prega a crendice.
Um amigo do Cariri, o Clóvis, ex-coroinha, católico à vera, papa-hóstia
juramentado, vivia a paranóia de que as moças só lhe davam bola durante a
Semana Santa. Era um daqueles donzelos que estampavam nas feições os
vincos da estiagem e da carência. Um queijudo mesmo, coitado.
Tempos depois ficamos sabendo que se tratava de pura perversidade
feminina. Só para testar a resistência católica e apostólica do garoto que
ajudava delicadamente o padre nos rituais da missa.
TEM GENTE!
Esta crônica é para aqueles que um dia acordaram com a macaca, que
choraram as pitangas, que não entregaram a rapadura, que fizeram das tripas
coração, que fundiram a cuca, que não deixaram a vaca ir pro brejo, que
ficaram numa sinuca de bico, que um dia se estreparam, que jogaram aquele
plá, que subiram nas tamancas, que ficaram em maus lençóis e que, enfim,
puseram as barbas de molho.
E também para vocês, nobres gazelas e pobres moços, ah esses
moços, que não sabem patavinas sobre tais expressões das antigas. Não
sabem mas agora ficarão amarradões, pois um dia já ouviram da Pampulha,
ouviram do Capibaribe, ouviram do Cocó e ouviram do Ipiranga, música ao
longe, na boca dos seus titios e vovôs coisas bem parecidas.
Esta crônica é sobre um certo “Admirável Mundo Velho!”, com
exclamação e tudo, como nos títulos dos jornais do tempo do onça. E antes
que o distinto leitor me mande chupar prego ou pentear macaco, depois de
todo esse lero-lero vida noves fora zero, é bom que se frise: trata-se de um
livro (editora Globo) muitíssimo bem bolado pelo jornalista e escritor Alberto
Villas, moço de Belo Horizonte que sentou praça na capital bandeirantes
depois de estudar no estrangeiro.
E cá com os meus botões, amigo, este cronista que vos bafeja, este
cabeça-chata que não passa de um José dos Anzóis Carapuça, ficou com tanta
inveja, a boa inveja dos achados lítero-afetivos da vida, que acabou plagiando
até a dedicatória do sr. Alberto que abre esse texto.
Uma pouca vergonha, coisa de boco moco, mas que nem me deixou
assim tão encafifado, afinal de contas, desde menino, lá na Chapada do
Araripe e seus arredores, não faço outra coisa senão remedar os outros. Já
imitei até Camões, mais conhecido no interior do Nordeste como um anti-herói
à moda João Grilo e Pedro Malasartes -nada de poeta épico do orgulho
português. Aliás, naquele nosso mundinho, o velho caolho era chamado de
”Comonge”. Talvez, quem sabe, uma mistura com Bocage, pois era atribuído
ao cabra dos Lusíadas toda uma sorte de versos fesceninos ou de sacanagem.
Eita que agora deu vontade, com o livro do Villas debaixo do braço, de
voltar para casa de mãe, lá em Juazeiro, e repassar com ela esse mundão de
expressões. Certamente iria retornar com o embornal repleto de outras.
Na última visita, aliás, no final do ano, quando ela chamou o neto Felipe
de “crânio”, que realmente é um menino sabido da gota, melhor do que Malba
Tahan -o homem que calculava-, foi um assombro. A família inteira chorou às
gargalhadas com o termo aplicado por dona Maria do Socorro.
Havia também um outro modo genial de dizer que alguém era um Rui
Barbosa, ou seja, um crânio, como no “Admirável Mundo Velho”: Fulano de tal
é “ginasi”. Claro, era uma corruptela e o jeito da fala nordestina para dizer
ginásio, um alto grau escolar da época para nós, como lembrei outro dia com o
irmão Evardo Costa.
E quando tinha alguém no banheiro, mesmo o de casa, você chegava
apertado e ouvia sempre um apocalíptico “tem gente!” Pense no desespero!
& MODINHAS DE FEMEA
Fulaninha ficou para titia. “Ficar para titia era chegar aos 20, 22, 25 anos
–e nada de casar”, como consta do livro do Alberto Villas. Nessa mesma faixa
etária, no costume do interiorzão do Brasil, quando a moça não contraía
núpcias dizia-se que “deu o primeiro tiro na macaca”. O segundo tiro seria aos
35; o terceiro e derradeiro tiro pipocaria uma década depois. Ai, adeus, sem
cura ou jeito, o destino seria mesmo o caritó, jamais a sujeita casaria, como
rezava a crendice da época.
XÍCARA
Tudo que sei é que esta é uma história em primeira pessoa. Blow-up. Quando
dei fé, cão vadio, aos teus pés lá embaixo estava, mulher-abismo.
Enfiei-me entre os dedos lambi como um lazarento... pulgas passionais ainda
tentaram me avisar, epa!, durante a queda, em vão. Uma mulher muito grande,
alma desenhada por R. Crumb. Pulgas mais avexadas, sado-camonianas,
escreveram no meu couro, em caligrafia-coceira, “o amor é fogo que arde e
não se sente”, ah, se eu pego esse caolho eu furo o outro. Lambi os dedinhos,
um a um, mas não com ritmo, queria que você visse o desassossego desse
pobre cardisplicente sob a forte chuva de granizo. Não há guarda-chuvas para
o amor, Catherine. Nem mesmo quando se tem 20 anos. Não há diamantes
que comprem uma alma perra, Catherine, não há barcos, salva-vidas, só
perdição e enchentes. Não à-toa os sofás bóiam nos aguaceiros. Sofás
dormidos por homens que erraram, homens que já partiram. “As mulheres são
todas diferentes. Quando se perde um homem, há outro igual ao virar da
esquina. Quando se perde uma mulher, é uma vida”. Desde o dia em que cai
aos seus pés não sabia se estava a ganhá-la ou perde-la. O AMOR É FODIDO,
do amigo ultramarinho Miguel Esteves Cardoso, me ensina coisas. Ao contrário
das pulgas sado-camonianas, este gajo, certa noite das antigas, na cidade de
São Paulo, boate Love Story, dizia que as lágrimas das raparigas são
coquetéis sem álcool. Dizer “não chores” funciona sempre, porque só
mencionar o verbo “chorar” emociona-as e liberta-as, dando-lhes carta branca
para chorar ainda mais. As raparigas, depois de chorar, soprou-me o gajo,
lirismo-Morrisey, ficam com vontade de fazer amor.
*do livro "Cão vadio aos pés de uma mulher-abismo" (editora Fina Flor,
esgotado).
CAP. I -§ 1º
Se beber não passe email. As chances de dar merda, ora, são enormes. Pedir
alguém que você mal viu em casamento, desmanchar o namoro dos sonhos,
sabotar os projetos em andamento, escrever pornografia para a madre
superiora do Colégio das Damas, xingar o amigo, zoar o freguês, desonrar o(a)
parceiro (a), desmerecer os carinhos, atordoar os sentidos, desmascarar os
ímpios, passar óleo de peroba na cara dos eventuais incorruptíveis,
desmoralizar o ombudsman, entregar as Bovarys e os dons Juans com farta
distribuição na rede de fotinhas digitais...
MODINHAS DE FÊMEA
A mulher chega na frente do bar, assim como não quer nada, vasculha
com as vistas, e vai embora. Mais adiante repete o mesmo ritual em outra
freguesia. Está desesperada à procura do marido, do traste, do vagabundo,
como deve ser tratado doravante.
Criatura que rasteja, seja macho, fêmea ou bicho é com ele mesmo. A
sua música está repleta da gente que esperneia, desassossego, como a dama
que procura o seu marido, amante ou cacho em uma longa viagem ao fim da
noite paulistana.
Até ai tudo bem, rola o vinil na vitrola, mas a dama, logo adiante, já
ensaia a tragédia: “Porém, com perfeita paciência/ Volto a te buscar/
Hei de encontrar/ Bebendo com outras mulheres/ Rolando um
dadinho/Jogando bilhar.”
Até o trágico epílogo: “E neste dia então/ Vai dar na primeira edição/
Cena de sangue num bar/ Da avenida São João.”.
Não foi por falta de aviso. Os seres que rastejam depuram no alambique
do peito os venenos mais trágicos.
Naquela noite eu partiria para o Recife, que conhecia apenas de fotos e do mar
de histórias trazidos pelos amigos. Lembro de uma penca de fotografias em
especial, que ilustrava uma bolsa de plástico que usava para carregar meus
livros e cadernos. Lá estavam as pontes do centro, casario da Aurora ao fundo,
lá estava a sede da Sudene, símbolo de grandeza naquele apagar dos anos
1970, lá estava o Colosso do Arruda, o estádio do Santa...
Lembro que naquele dia, mãe, ouvimos juntos o horóscopo de Omar Cardoso,
na rádio Educadora do Crato (ou teria sido na Progresso de Juazeiro?). Que
falava dos novos rumos do signo de Libra. Você disse: “Tá vendo, meu filho,
você será muito feliz bem longe”.
A voz de Omar Cardoso e o seu mantra ecoava no juízo: “Todos os dias, sob
todos os pontos de vista, vou cada vez melhor!”
Todo choro que segurei na tua frente, mãe, foi derramado em todas as léguas
seguintes. Mal chegou em Barbalha eu já estava com os dois lenços de pano –
outro cuidado seu com o rebento- molhados. Em Missão Velha, uma moça
bonita, uma estudante que voltava de férias, me confortou: “É para o seu bem,
foi assim também comigo”.
E assim foi a viagem toda. Com direito a soluços, que acordaram a velhinha
que ia ao meu lado, quando o ônibus chegou ao amanhecer no Recife.
Arrastei a mala pelo bairro de São José e procurei a pensão mais econômica.
Sim, mãe, tem armador de rede, escrevi na primeira carta. Era tudo na base do
“espero que esta te encontre com saúde”, como a gente escrevia na
formalidade das missivas.
É mãe, neste teu dia, que está quase chegando a hora, quero lembrar que a
coisa que mais me comoveu foi tua coragem, que eu até achava, cá entre nós,
que fosse dureza além da conta d’alma. Até falei, um dia no divã, sobre o
assunto, como se eu quisesse que naquela despedida o sertão virasse o teu
mar de pranto.
Eis que recentemente me contaste como foi duro, que tudo não passava de um
jeito para não fazer que eu desistisse de ganhar a rodagem. Aí me lembrei de
uma sabedoria que citava nas cartas e bilhetes, quando eu esmorecia um
pouco na sobrevivência da cidade grande: “Saudade não bota panela no fogo”.
E ainda reforçava: “Saudade não cozinha feijão. Coragem, filho, coragem”.
Em nome das mães de todos os meninos e meninas que partiram, dona Maria
do Socorro, quero te deixar beijos e flores.
Sim, mãe, agora já sabes que somos de uma família de homens chorões, são
04h06 de uma quarta-feira e eu choro um pouco, como fazia no fundo daquela
rede colorida que puseste no fundo da mala. Chorava tanto nos sótãos das
pensões do Recife que os chinelos amanheciam boiando no quarto, como se
quisessem tomar o caminho de volta para casa.
MOÇA TRISTE DA BOATE KALLIFA *
Um “eu te amo” tão precoce, mesmo depois do sexo bem pago. Ou terá sido o
assobio do vento, como no conto de Tchecov? O barulho dos caminhões no
asfalto impedem de ouvir outras promessas, chove elipses pelo buraco da
telha.
É tanta onda com essa tal de “crise do macho” -mote de peças, colóquio
chique e cafés filosóficos em São Paulo- que este anacrônico que vos bafeja o
cangote resolveu lembrar algumas atitudes e costumes capazes de reorientar
esta criatura que se julga perdida no milharal da existência.
Nada devolve mais a macheza perdida como retornar para casa no
começo da noite com aquele clássico pacote de pães debaixo do braço. É
nessa hora que um homem se faz homem de verdade e consolida a admiração
da cria da sua costela, dos rebentos, da mulher do vizinho etc.
Essa dica é o consenso da Chapada do Araripe, reserva de
pterossauros e berço dos varões da família deste cronista.
Não importa se é a patroa a nova provedora do lar. Deixe ela, toda
poderosa e orgulhosa da nova posição social, pagar a escola das crianças,
completar o tanque do carro, encher a geladeira, abastecer a despensa e até
saldar aquele “pindura” no botequim da esquina.
Nada disso envergonha um macho.
Só não abra mão do direito sagrado dos homens de boa vontade: voltar
para casa no começo da noite com o dito saco de pães debaixo do braço.
Limpe, amigo, na boa o cocô-abacate do pimpolho, chore com a cebola
cortada, desenvolva os dotes culinários e de corte e costura, passe a cera no
piso, dê o brilho, rale a barriga no tanque, rale.
Pouco importa se é ela quem manda mesmo, pouco importa se só lhe
resta, tempos modernos, dizer “sim, minha senhora”, “xô, galinha” e “pra
dentro, menino”.
Só não deixe escapar, amigo, a oportunidade do eterno retorno com o
pão nosso de cada dia a caminho do lar doce lar. Não, amigo, não deixe essa
responsabilidade com a empregada, a funcionária, não é a mesma coisa. Toma
tenência, se liga na simbologia do universo.
Pouco importa se a digníssima, toda executiva, toda trabalhada no azul
do seu tailleur, já passou com o carrão na boutique de pães –é assim que
chama a gente de bem- e trouxe baguetes e ciabatas para o jantar.
Ainda assim, não se deixe impressionar pela modernidade e submissão.
É importante a imagem pública e o cumprimento do protocolo caseiro. Mesmo
que esteja aposentado, finja que precisa ir às ruas e volte com o embrulho
debaixo do sovaco. É um ritual espartano, é a prerrogativa zero zero um de um
homem que honra suas calças.
Falar em calças, amigo, mesmo que já não tenha mais tanta utilidade
assim debaixo daquele teto –até para apertar as costas, ela tem um japonês
profissa!- evite o processo de pijamização. Um homem o dia inteiro em pijamas
perde de vez o respeito. Fuja também dos moletons, vista-se com a decência
do velho tergal vincado de sempre, fale alto nas esquinas, compre boiadas,
lembre histórias da fazenda imaginária em Goiás ou Minas, movimente
fortunas, mas reserve sempre umas patacas, umas moedas, para uma meia
dúzia de pães a caminho de casa.
Meu amigo, você ai que anda mais liso que mussum de brejo, que anda
comprando fiado e pedindo o troco, repare na moleza desse emprego: R$
5.700,00 para fazer um menino, engravidar uma fêmea. Não uma fêmea
qualquer, não uma criatura avulsa e não-sabida, nada de cobaia de pesquisas,
nada disso, meu caro, simplesmente a mulher do vizinho.
Imagine a cena. Certa manhã, você acorda ali sofrido com as dívidas,
olhão arriado de tanta tristeza, ai vem o morador do apartamento ao lado e diz:
-Que que é isso, vizinho, muito pelo contrário. Tenho é uma proposta
para te fazer...
-Tudo bem, tudo bem, não está mais aqui quem estava falando –diz
Miltinho, coitado, um banana.
O velho Costa até que já havia pisado na bola inúmeras vezes com o
último dos dez mandamentos, mas nada que tivesse ido além da cobiça e do
desejo na mulher do próximo. Nada além do platônico.
-Como assim, gente, não estou entendendo mais nada, que pegadinha é
essa!? –assombrou-se o camarada.
-Isso mesmo que o nosso querido vizinho ouviu: preciso que faças um
neném em mim, com a máxima urgência possível.
A vizinha não era nada de se jogar fora. O velho Costa, amante das
mulheres fartas, sempre admirou o seu latifúndio dorsal.
O velho Costa não pegava um galo, como ele sempre chamou a cédula
de 50, havia meses. Imagine a cara de espanto da infeliz criatura.
-E já podemos começar as tentativas hoje mesmo, não é benhê? –disse
a mulher, toda sedutora, sob o olhar resignado e sincero do esposo.
Claro que por trás do agito das moças tem uma ação de marketing -ê
mundão perdido e sem porteiras. Pois é, trata-se de um apelo de um site de
relacionamentos, que vai usar a efeméride liberal-picareta-capitalista do Dia
dos Namorados.
Quando digo acho, amigo, quero dizer teimo, insisto, aposto. Até porque
o amor jamais pode ser circunscrito a uma questão geográfica ou de classes,
mas que os sertões e os subúrbios estão cheios de homens de verdade, ah,
isso ainda procede.
Repito, era um clássico das desculpas dos machos. A nossa maior falta
de vergonha na cara. Agora ouvimos a mesma ladainha da boca das moças,
que onda!
Não faz mal, quantas vezes não usamos do mesmo artifício, da mesma
falta de argumento, tá legal, eu aceito o fingimento...
Mas por favor, crias das nossas costelas, devolvam o meu caô, o meu
171, o meu agá, a minha enganação-mor, a minha forma de me livrar mais fácil
e, de preferência, de forma indolor.
“Estou confusa...”
(Me veio até, do sótão do cocoruto, a velha imagem de Didi Mocó no seu
clássico “Estou cafuso, estou cafuso!”
Sim, outro clássico, o “não é nada disso que vocês estão pensando”, já
mudou de boca também faz tempo. Agora derrete o batom e o gloss das lindas
filhas de Eva.
É, amigos, toda vez que ouço um diplomático “estou confusa” saco logo
meu velho serrote de galhas e chifres para poder, ao menos, entrar,
humildemente, na porta de casa.
Se casamento fosse bom, não precisava testemunha, pra que padre, pra
que juíz, se o que faz a gente ser feliz é amar, amar, amar... Amor não faz mal
a ninguém.
Cantarolo ai, mal e abestalhadamente, alguns versos de um antigo forró
do genial Trio Nordestino, para entrar de sola, como se diz no futebol, em um
tema que incomoda feito pulga ou carrapato em orelha de cãozinho de
madame: a exploração da indústria do casamento.
Nada contra o enlace dos pombinhos, é lindo, é sonho, aquele vestido
branco, o atraso da noiva, as piadas dos amigos com o noivo, o cunhado
bêbado bolindo com as moças, bouquet para o alto, as coroas aos tapas, as
coroas com a humanissima inveja que rói as vestes qual o rato roía as roupas
do rei de Roma, as coroas em fuga dos seus caritós, as coroas à beira de um
ataque de nervos como as Carmens Mauras...
Ai vai todo mundo para casa... Fim de festa, aquela bangunça, uns
parentes intrigados por passar na cara uns dos outros “umas verdades”
encobertas que careciam de umas canjibrinas, umas doses a mais etc.
Fim de festa e o o noivo e a noiva, meu Deus, nem podem ir para um
hotelzinho barato lá em Poços de Caldas, um chalezinho em São José da
Coroa Grande, Guaramiranga, Ubajara... Sim, passa a régua, estão entregues,
na bacia das almas, às prestações, às dívidas, ao crediário. Pense em uma
ressaca cheia de cálculos.
Foram fazer bonito para os convidados, parentes e amigos e agora, no
noves fora zero da tabuada, o saldo é vermelhíssimo. Pior, amigo noivo, é que
ainda sairam falando. Não gostaram dos salgados, como lhe contou aquela
prima ranzinza e seca de tão ruim, só o couro, o cabelão de crente e os ossos.
Deixa pra lá, amigo, o importante é que foi bonita a festa, pá, e não tem
mais jeito. Não poderia deixar uma data nobre passar em branco, celebrare,
celebrare, celebrare. Não está mais aqui o cronista cri-cri para lhe ampliar a
ressaca.
O problema, distinto noiva e respeitável noiva, é que ninguém casa mais
de um jeito simples. Todo mundo cai no conto do bufê, dos salgadinhos
padronizados e sem gosto, da filmadora, do álbum nada familiar, dos carrões,
das carruagens, da transmissão pela internet (a nova modinha é essa) e de
outros tantos pacotes completos.
Agora mesmo acontece em São Paulo uma tal de Expo Noiva, feira
milionária que mostra o que se transformou uma cerimônia de casamento. Os
números que saem de lá assustam qualquer barão. Estima-se que os
pombinhos torram pelo menos uns R$ 8 bilhões por ano nos seus enlaces em
todo o país.
Não quero aqui provocar a ira santa dos bispos e pastores e recomendar
que se ajuntem, se amancebem, se amiguem, grudem as costelas e sejam
felizes até o eterno enquanto dure. Só não precisa é cair no conto do vigário
das cerimônias caríssimas. Amigo noivo, engorde umas galinhas, uns capões,
um porco, um cabrito e estamos conversados. Acordar devendo em plena lua
de mel é a pior das traições, é como ser corno de si mesmo. Amém e até a
próxima.
As coroas largam seus caritós e vão pegar no pau de Santo Antônio, as Lolas
também brincam em cima do tronco, as desenganadas fazem um chá da
casca, os homens seguem os poetas Josélio, negão Wilson e o barco de
cachaça, os ecologicamente corretos protestam –não contra a festa do santo,
mas contra a derrubada da árvore gigante, arre palavra, aroeira, arre, Ibama na
área-, o vigário desfia os seus contos e enterra os seus níqueis na botija, a
rádio Salamanca toca Eleonor Rigby dos Beatles, o arroz jogado nas noivas
rende um banquete aos mendigos, o pau do santo é milagreiro, quem pega
casa mesmo, todo cuidado é pouco para um lobo solitário, o santo passa no
andor muito sorridente, bochechas coradas de tanto paparico, ô mamãe ô que
calor, ô mamãe ô que calor, calor calor na bacurinha, as coroas com fogo nas
entranhas, meu Santo Antoniozinho, nos dai hoje um velho tarado e
aposentado, fazei subir nossa pressão atmosférica, Barbalha acordou
manhosa, Barbalha barbarela, o pau de Santo Antônio nunca foi tão
casanovístico, teso, grosso, imenso, rosa, valhei-me meu padroeiro, as coroas
gozam só de vê-lo, é festa, pá, bendita efeméride e ninguém sabe direito onde
começa o sagrado e muito menos adonde o profano acaba com a gente.
Sim, amigo, numa canção que nem dão muito por ela, nem virou
clássico, mataste a pau, antes mesmo do debate dessa parada do macho
perdido de hoje, sacas?
Nossa Senhora, o título da música já diz tudo: “O amor é a moda”.
Que lição de vida, como se perder com tal bússola?
Aquela estrela é dela, vida vento leva-me daqui, como é lindo quando
cantavas a dos meninos do Ceará, lembras?
Mais lindo ainda quando cantou as fofinhas, as macias, as de óculos,
tens a manha da isonomia anatômica, bem sei que não se trata de média, nós
pegamos todas, desde que seja com a mínima moral amorosa, além, muito
além dos botões da blusa.
Sim, me diga aí amigo meu, se tudo que a gente gosta é ilegal é imoral
ou engorda?
Agora mesmo, sabe, cara, todas as vezes, sabe aquela moça que
sempre passa e não nos vê... Os dias passam correndo... Preciso dar um jeito
de chamar a atenção da desalmada, que tu achas, se ele nem liga para minha
existência?
Que jeito, amigo, para chamar a atenção da sujeita?
Sim, o meu melhor sorriso eu dei, segui o teu conselho, não adianta, só
me falta ficar nu pra chamar sua atenção, mas tu sabes, amigo,
anatomicamente não sou lá essas coisas todas, o que se faz nessas horas?
Chega de te encher o saco, amigo Roberto, parabéns pelos 50 anos de
educação sentimental do macho brasileiro e desculpa pelo desabafo, e o resto
é a rotina do dia-a-dia que está mudando tudo lentamente, mas estamos
firmes, como machos, antigos ou modernos, que não deixam nunca o amor sair
de moda, por supuesto.
Por causa dessa ficha corrida, sempre me mandam, até hoje, cartas e emails
com alguma demanda amorosa. Não estava respondendo publicamente às
consultas, mas como Eliete faz questão de tornar explícita a sua dúvida,
deixamos ai aberta aos leitores.
Xico, sou viúva e tenho um pretendente em outra cidade. Sou pobre e ele
rico. Ambos temos filhos.Você acha que largo tudo e caso com ele ou
desisto desse amor? Muito obrigada. Um abraço afetuoso, Eliete,
Jaboticabal, São Paulo
Prezada Eliete, desistir qual o quê, encantadora senhora! Se achas que é amor
por que fugir à luta? Por que o dito sr. mora em outra cidade? Quando é amor,
criatura, vale se mudar com mala e cuia até para Tegucigalpa, o que não deve
ser o caso –imagino que mores na mesma região do pretendido homem
maduro. Mas o que você vais largar, criatura? Filhos? Se eles já tiverem
grandinhos, não há motivo para mascar o jiló cristão da culpa. Que faças tua
vida, serás compreendida pelos garotos. Até porque eles não terão cerimônia
alguma em mais adiante, naturalmente, deixar a mãezinha querida e seguir a
merecida vida deles, casarem, terem também os seus rebentos etc etc.
Amiga consulente, por que tu achas que a riqueza do sr. pretendente pode
atrapalhar vossa vida amorosa e de convivência? Não careces dar ouvidos a
estranhos comentários, que, por maldade, insinuam algum interesse teu na
fortuna dele. Se ele diz que ama, por que temê-lo? Temos que correr de quem
vive afundado em um poço de dúvidas, da turma do “estou confuso”, da turma
do “oncotô, quêque-eu-sou, oncovô” etc.
Ufa!
Depois de todas as dores de corno que não curam com cachaça, aspirina ou
morfina, Miss Corações Solitários, cigana-mor das cólicas andaluzas, bálsamo
dos almodovares corazones, pegou o seu helicóptero vermelho-sangue, ao
qual se refere apenas como “o colibri rubro a serviço dos deuses”, e aqui se
encontra, na redação deste Carapuceiro, a serviço dos molambos e outros
farrapos humanos.
Redentora e fecunda Miss C., não é a primeira nem a última vez que lhe
escrevo esses lacrimosos garranchos, provas da minha vida de m... ah, de
merda mesmo, pronto, falei o que todo mundo aqui já sabe desde que provei o
mingau da inconveniência de haver nascido... Ah, Miss C., não busco mais a
cura, preciso apenas de uma resposta, à nível de uma aposta aqui entre as
balzacas do bairro dos Aflitos, atrás do campo do Náutico, essa outra desgraça
da minha existência!. Gloriosa Miss C., qual a coisa mais difícil dessa vida: 1)
Parar de fumar?; 2)parar de beber?; 3)parar de amar? Ansiosa pela sua luz,
Madá do MADA.
RESPOSTA:
Com vocês, Paulo César Campos Velho, vulgo Peréio, gaúcho de Alegrete,
ator, poeta e macho. Uma vida de resistência contra a androginia (“Esse
camarada se androginou/ a moça deu bola a ele e ele nem ligou!”, ouve-se ao
fundo a lírica de Luiz Ayrão) e os desvios demasiadamente humanos da raça.
-Demasiadamente humanos para ti, cronista vagabundo, esse basquete
do Nietszche não rola aqui na minha masmorra, corta essa, estoy fuera –
manifesta-se o homem, o mito, a lenda viva, o bom animal à espreita.
É isso ai, a mata é virgem porque o vento é fresco, vamos em frente,
conosco o Peréio, na mira da bola preta, roda a madeira sobre o giz italiano,
buraco do meio, suave como aquela do Miles Davis, caçapa.
-Sabe, amigo, é preciso manter o senso de escrotidão – cutuca, solene
como no primeiro Shakespeare. –Não obrigatoriamente com as mulheres, mas
com esse garçom, por exemplo, que não chora no meu uísque.
Bola no canto, ele ajeita a manga da camisa cor de rosa, dribla dois fãs
chatos no mesmo mosaico, drible curto, seco, de futebol de salão, gênio, fecha
um olho como no tiro ao marreco, erra na mira, por pouco, muito pouco, pouco
mesmo.
-Chegou mulher bonita começa a dar merda no ambiente –admoesta a
diva que flana na área.
Homem que é homem não chama uma moça à atenção, homem que é
homem admoesta, mata no peito, desliza na coxa e faz do pito uma tese
dramática de catega, jamais uma cantada, tão-somente uma isca para os
movimentos futuros.
É o que nos professa o monstro de Alegrete, agora já retomando a sua
melhor fase no jogo depois do alumbramento bucetístico.
-E digo mais, meus rapazes, ser amado pode até nos encher a bola,
ampliar o orgulho macho etc, acontece, mas não olvidem jamais: toda mulher
que ama, porra, se acha no sagrado direito de chutar o teu saco em qualquer
calçada, a qualquer hora. E isso não é uma metáfora, porra, homem que é
homem não trabalha com metáforas.
Como assim, meu guru, explique a teoria. Antes, porém, peço um uiscao
duplo para nós outros.
Peréio cascaveliza o copázio e manda, de prima, no ângulo:
-Certa vez uma ex mandou a porrada nos meus culhões. Ali ainda no
solo pátrio, me contorcendo em dores, deblaterei, blasfemei, e quis saber o
motivo de tal ira.
Pausa para a chegada de Mário Bortolotto, que desafia o monstro de
Alegrete na sinuca, assobia um um blues, e fica de botuca para ouvir as
danações em andamento.
-No que a amada se explica, senhores, magnâmica: ´É que eu te amo
demais´.
A essa altura, garçons, putas, rufiões, jogadores profissas e umas duas,
três moças de bem indagam, em uníssono:
-E ai, o que fizeste, hombre de Diós?
-De chofre, gostaram do ´de chofre?´, admoestei: pois trata de me amar
menos, porra! (...)Desse dia em diante, sempre adverti as fêmeas: por favor,
me amem menos, cada vez menos, e de lá para cá tenho preservado o meu
lindo saco cor de rosa.
Tudo bem, bravas fêmeas, os homens são todos iguais, blábláblá etc.
Alguns, no entanto, são bem mais perigosos que os outros. Em mais um
serviço de utilidade pública, este cronista de costumes volta a exibir os tipinhos
contemporâneos da mais alta periculosidade.
Muito prazer, Homem-bouquet. Sim, é aquele macho que entende de
vinhos finos, abre a garrafa, cheira a rolha, balança na taça, sente o bouquet
da bebida dos deuses. O tipinho faz mil cursos, não perde um programa
especializado na tevê, entra em sites franceses do gênero, reúne os amigos
para encher o saco com o tal bouquet, o sabor e o aroma amadeirado etc.
Mais uma advertência: o mesmo elemento costuma apreciar também o
que ele chama de “um bom jazz”, uma “MPB de qualidade”... Corra, Lola, corra
de criaturas desse naipe. Esse camarada é frutado!
Homem que entende e gosta mesmo de vinho não sai arrotando
conhecimentos por ai, simplesmente aprecia e faz a sua companhia apreciar
sem arrogância ou jequice alguma.
Mesmo as heroínas que conseguem escapar do “In vino picaretas”
dificilmente escaparão da arapuca do inominável e desqualificado Homem-
hortinha. Trata-se do distinto mancebo que, ao receber as moças
elegantemente para um jantar, usa o manjericão cultivado na própria hortinha
que mantém no quintal ou na área de serviço. Cultivar o próprio manjericão não
é exatamente o defeito do rapaz. O problema é que ele passa duas horas a
discorrer sobre o cultivo da hortinha, os cuidados, o zelo, samba de um
tempero só, degustação ao pé do saco.
Uma amiga, Ty, coitada, conheceu um destes exemplares que cultivava
até a própria minhoca usado como “fator adubante” da própria hortinha. Corra,
Lola, corra, corra mesmo, corra léguas, eis um tipo irrecuperável.
Com o Homem-Ômega 3 não carecemos cozinhar tanto o juízo, não
representa lá, sejamos generosos, grandes dramas para a humanidade. É
simplesmente um sujeito doente, com alguma cota de paranóia, que tenta
pregar a causa da vida saudável, como se isso fosse pelos menos 10%
possível. Preocupado em combater os radicais livres, o elemento enche
imoderamente o saco dos que enchem a cara. É o tipo do macho que costuma
morrer cedo, mas cheio de saúde, uma beleza, com todas as células
empenhadíssimas em retardar o envelhecimento.
Todo politicamente correto, benza-te Deus, o Homem-ONG, ou homus-
oenegê, é o que há de mais maçante nesse mundão sem porteira. Adora um
abaixo-assinado, uma passeata, põe nariz de palhaço a cada cinco linhas que
lê do noticiário e está sempre morto de decepcionado com o governo, qualquer
governo, mesmo que a sua entidade não-governamental encha as burras, lave
a égua no brejal mais público. Sim, ele acredita na humanidade, na
responsabilidade social, no terceiro setor, na arte como redenção dos pobres...
Se você reparar, leitora do meu coração, ele quase levita, de tão puro, de tão
bom. Some, Lola, some que é roubada-mor.
O moço triste nos contou tb uma história de amor sem sentido, como a nossa.
Sim, amor, era Paraty, seguimos e o moço com cara de filme de Jim Jarmusch
nos ancourou em um quintal de família. Parou o barco e achava que
estávamos no paraíso. Nada havia lá de tão bom assim que já não
esperássemos nos nossos coraçõezinhos superbonders & aralditosamente
colados. Até as crianças eram chatas e não bebiam sangria como los niños de
Espana. Nada para vender ou comprar, baby, nada mesmo, só uma areinha de
nada, cinco metros se muito, e uma família triste, tão triste que nem havia um
gordo feliz e sequer um radinho deixado por R. Crusoé ao pé de uma
bananeira artificial.
Paramos depois numa ilha-bar, povo já indo embora, mas sol pedindo saideira
e vocábulos de corações lesados.
O moço do barco contava uma história parecida. Lentamente dizia que nada
lhe faltava quando inventava histórias de amor como essa. Mostrou a luz da
sua mulherzinha ao longe como quem mostra o farol da existência na mão
trocada, afinal de contas é o faroleiro quem deve mostrar o rumo das coisas ao
barqueiro.
Sua mulherzinha bem longe, ele rezava a reza de quem vai chegar em casa e
pegá-la de jeito. O moço falava uma língua meio jamurschiana mesmo, assim
perdido no paraíso. Minha mulher ao cair da noite foi ficando cada vez mais
incrível, o moço chegou, pegou seu dinheiro e foi para casa. Até adonde deu
na vista, feliz.
Senõra,
Tu que conheces os recônditos da alma humana do alto de sua bola de cristal,
tu que vês passado, presente e futuro nas cartas do tarô dos sóis, luas e
estrelas andaluzes, responde a esta jovem atormentada: o fogo que
queima minhas entranhas se apagará com a volta do falcão querido que foi
voar para outras paragens e, vira e mexe, dá sinais de vida, ainda que
virtualmente? Ou o falcão só está maltratando meu pobre músculo
cardíaco, enredando-me em sua confusão infinita - e assim, devo buscar um
novo xodó bem bom por esse mundão de Deus?
Grata pela resposta,
Moça Ansiosa.
“Tinha cá pra mim que agora sim, eu vivia enfim o grande amor,
mentira!”
Encontro minha amiga A., no nosso botequim predileto, e a desalmada
vai logo anunciando, com a ironia fina que a acompanha na riqueza e na
pobreza, na saúde e na doença.
Sempre tem boas histórias e uma mania louca de escolher uma música,
normalmente Chico Buarque, para trilha das sagas românticas e congas na
bunda.
Como Chico tem um vasto elenco de personagens femininos e incorpora
as dores e delícias das mulheres, ela escolhe no capricho, no ponto.
Moleza, garoto.
“Tinha cá pra mim que agora sim, eu vivia enfim o grande amor,
mentira!”, ela repete e repete, enche o saco com o “Samba do grande amor”.
Essa música nem é protagonizada por uma fêmea, e sim por um homem
desiludido do amor, um cabra cujo destino parafusou-lhe na testa belos objetos
pontiagudos, como diria o compay Marçal Aquino.
Mas ela insiste e canta assim mesmo. Pior: canta e ri, uma loucura. Que
diabo de sofrimento é esse com essas gargalhadas todas?
A moça é assim mesmo. Não tem jeito. E olhe que nem pediu
caipiroscas de frutas vermelhas nesse dia, ficou apenas no chope, coisa fina e
civilizada.
“Morrer dessa vez é que não vou”, tira onda. “Ih, estou escaldada, velho
Francisco”.
O que A. me contou uma das coisas banais que mais escuto das minhas
amigas nos últimos tempos. E olhe que sou conselheiro, ombudsman das
moças, cupido e ouvidor-geral de muitas crias das nossas costelas.
“Sua carteira de desesperadas é grande”, ela mesma tira uma boa onda
sobre um ofício que desenvolvo com gosto e curiosidade desde os verdes anos
–quando sequer eu sabia o era uma mulher para valer, conhecia apenas as
cabritas e as bananeiras.
A amiga deparou-se com mais um desses homens que prometem,
ensaiam, jogam um charme, cultivam, cantam de galo... comparecem e..., sem
dizer nada, tomam o clássico chá de sumiço, saem para comprar o king size,
sem filtro, do abandono.
“Por essas e por outras é que agora prefiro um bom canalha a um
homem frouxo”, prega a amiga, conquistando rapidinho o apoio da távola
redonda das gazelas ao lado. “Um canalha pelo menos me pega com gosto,
como se fosse mesmo a última noite”.
Defende a tese e emenda, riso desavergonhado: “Passava um verão a
água e pão, dava o meu quinhão pro grande amor, mentira!”
É rapazes, é tempo de homem frouxo, que corre mesmo diante da
possibilidade de uma história mais densa e afetiva. Não sabem o que estão
perdendo. A começar pela minha amiga cantante, belo exemplar da raça, no
auge dos seus 3 ponto 6, boa conversa, boa lábia, gostosa, bocão-Jolie e um
humor capaz de tornar o mais nublado dos dias na mais promissora e
comovente folhinha do calendário. Sorte desse homem!
Nada sofreu um baque tão grande com a internet como a carta de amor.
Falo da missiva de punho próprio, selada na língua, carimbada, que segue no
bico do pombo-correio ou é entregue pelo bravo homem de amarelo, o velho
mr.Postman da canção dos Beatles, esse grande homem, o carteiro, sempre
enxotado pelos cães e recebido pelo sorriso das moças que sentem saudades
dos mancebos que saíram para comprar cigarro.
Já fiz campanha aberta, aqui mesmo nesta bodega lírico-boêmia, pela
volta de tal correspondência. Mesmo sabendo que só malucos ainda usam tal
expediente.
Até longos namoros são dissolvidos por email, covardemente, como o
pé-na-bunda mais famoso do mundo, o do escritor francês Grégoire Bouillier na
artista Sophie Calle. Ela fez da história uma obra. Na semana passada fizeram
uma D.R.-cabeçosa e civilizadíssima na Flip, uma Discussão de Relação com
notas de rodapés e tudo. (Estou fuera, prefiro a barbárie sincera dos corações
selvagens e doloridos, me cutuca aqui a gatinha manhosa no meu colo).
Volto ao tema, que merece panfletos permanentes, por causa da
publicação de um livro que é mais uma bela peça de defesa da missiva à moda
antiga. Chama-se “Carta para você –Declarações de amor em tempos
modernos” (editora Alfaguara), uma antologia que junta os mais diversos
escritores, inclusive este vagabundo cronista –por ai voce tem ideia da
amplitude.
Mas a genialidade são os outros. Fico muito orgulhoso e confesso, não
vou mentir, dona Maria do Socorro, madrecita querida, de estar em uma capa
ao lado de varões como o Neil Gaiman e o Leonard Cohen. São os caras, mãe,
cada um do seu modo de macho, e a causa é nobre demais da conta.
O Cohen, Maria, agora falando de outra linda homônima da mãe do
cabeludo da cruz, a que amo hoje além muito além daquela serra azulada e
edipiana do Araripe donde eu vim ao mundo, escreveu uma carta linda. Sim, o
Cohen das baladas de todos os cafés e uísques caubóis tristes.
A Maria ouve o belo compositor e cantor canadense enquanto eu rego
as flores dos jardins suspensos e a lua fura o barracão de zinco. Os versos do
Cohen fazem qualquer planta crescer sem adubo. E talvez sem chuva.
Sim, dona Sophie Calle, o Cohen sabe muito mais sobre pé-na-bunda.
Tem carta com desculpas, carta para a mamãe, carta chocante, carta
para a melhor amiga e Margaret Atwood fez uma carta misteriosíssima. Miguel
Sanches Neto, do time brasileiro da coletânea, escreveu o melhor começo de
todas as cartas do livro: “Querida J., tudo vem com a distância”.
Não é nada não é nada, o fardo das missivas, nos mais diversos jeitos –
estilo é coisa de Hemingway e Faulkner para cima!- é, para dizer o mínimo, um
empurrãozinho para estimular esses moços, pobres moços, a assentar no
papel aqueles garranchos que bolem por dentro e viram caligrafia mais torta
ainda.
Amigo, no tempo em que os homens lambiam selos, sabiam adular
também as moças de um jeito mais bonito e delicado, se é que você me
entende. Eu volto com mais devoção no próximo post, eis a minha missão
reencarnada nessa terrinha azul que se move não se sabe para donde.
Além do mais, caro Pereira, é uma graninha que entra, uma festa para os
autores, quase sempre mais lascados que maxixe em cruz. Não tem conversa.
Pereira, cuja regra 01 é ler apenas autor morto, blasfema: até admito ler um
autor vivo, desde que sem loiros, sem honrarias ou méritos de campeonatos de
livros. Danou-se. Pena que vou morrer e não conhecerei este dito cujo. Pereira,
lido e metido, lembra de um conto do Villiers de l’Isle-Adam, um simbolista
esquisitão de França, em que um moço se oferece a um diretor de jornal de
Paris dizendo-se o único jovem literário sem talento da época, o séc. XIX, pelo
que recorda. É o seu grande atrativo para ganhar um emprego, que acaba não
levando, por ter demonstrado algum naco de talento durante a entrevista, pelo
que conta o Pereira.
Por favor, ajudem o Pereira descobrir um autor contemporâneo que não tenha
sido premiado ou sequer indicado. Cartas para este armazém de carapuças.
Já escrevi de tudo nesse mundão perdido e sem porteira, cujo prazo é sempre
ontem e a musa inspiradora é, na maioria das vezes, a dona Encomenda. Haja
costuras para fora, bicos, rendas e babados. Nunca, porém, estivera às voltas
com a confecção de um discurso de casamento.
Ele vindo de Cuiabá, curva de um rio sujo, Mato Grosso; ela, do Crato, via
Fortaleza e Paris. Os belos encontros das gentes múltiplas de São Paulo, na
Mercearia São Pedro, taberna lítero-boêmia, o verdadeiro e único caminho dos
jardins que se bifurcam.
Uma plantação de flores dos pais da distinta criatura, no Sítio Santa Fé, no
município cearense de Maranguape, exalou mais forte o perfume que roubara
de Belzita, como a tratamos carinhosamente. Pronto, é lá mesmo que se dará o
enlace, neste final de semana.
Não poderia ser em outro canto ou galáxia. As rosas não falam, mas não são
bobas: obedecem ao que há de mais sagrado na agricultura celeste inventada
pelos poetas alquimistas. Assim foram plantadas, assim estarão abertas aos
noivos que desafiam os tempos de homens frouxos, tempos em que os
rapazes não pedem mais gazelas em namoro, tempos de amores líquidos que
funcionam como bombeiros de todos os fogos, el fuego.
Não queria improvisar, já cometi esse pecado para os dois nos últimos tempos.
O desejo é escrever uma peça lírico-pombilínea à guisa de ´viva os noivos´.
Será que consigo? Viva Isabel & Joca e o resto é jazz de um escriba, seu
uísque e sua velha Remington, que soa a essa altura da noite como um banjo
para os gatos no telhado.
O fingimento do gozo também pode ser uma prova de amor, como o amor
vadio das putas;
Hoje tem feira aqui na Vila Pompéia. Motivo para lembrar de uma velha
crônica sobre as loas dos pregoeiros:
***
TE CUIDA, HOMBRE
-Senhor Francisco?!
-Sim...
Resposta:
Menina, menino, seja lá que diabo for tens o meu respeito e calor... Que
rebuceteio d´alma te meteste, criatura! Mas chega de aflição, amigo é pra
acudir outro. Gostei foi desse expressão “parasita de emoções”. Que coisa fina,
hein, nega, nego, sei lá!? Para sair desse grau zero, querido anfíbio, não há
remédio na prateleira, a não ser o tempo, um bom trabalho de feitiçaria e a
corrente dos dias e da espera. É engraçado como te pegas com a mesma
Síndrome do Príncipe Encantado de todas as moiçolas de família. O bom é que
para um anfíbio pode rolar pelo menos um sapinho terno e sentimental,
daqueles de várzea, que já está de bom tamanho, não é, biba? Mas, lembra-
te, cobra que não anda não engole sapo. Te joga na saúna mais próxima e
deixa o cheiro de eucalipto dilatar os poros e desentupir as veias desse
coração parasita. Com a bênçao e as flores brancas de sempre, Miss C.
Solitários.
(da série Velhos posts q movem o lirismo, mais uma crônica das
antigas, a pedidos)
Ih, rapaz, por essa a gente não esperava tão cedo. Mas vem da Suécia,
pátria de todos os clichês do sexo loiro, uma lufada revolucionária capaz de
virar de cabeça para baixo as nossas tristes existências. As gazelas daquele
país passaram a obrigar os cavalheiros a mijar sentados. Postura que nos
impõe um distanciamento brechtiano em relação ao nosso confidente-mor:
agora escondido, mergulhado no vaso, encoberto pela barriga, ele sente que
perdeu o arrastado e cansativo debate sobre a pontaria. Ele abaixa a cabeça,
num quase mergulho suicida, existencialista perdido diante do trunfo da nova
moral burguesa do Politicamente Correto.
Que fazer?
Saltamos, leninistas, abestalhados a buscar uma solução para essa onda
que deve varrer o mundo. Aqui em SP, a cidade proibidona, o alcaide não
demora por implantar a tal modinha.
Claro que se trata de mais uma novidade do chamado projeto
internacional para tentar forjar o dito prospecto do macho sensível. Ora, outro
dia admitíamos, no máximo, uma camadazinha de minâncora sobre uma
espinha trabalhosa. Hoje vejo íntegros camaradas se lambuzarem de Lancôme
sem a menor cerimônia, com a maior cara lavada. Que fazer?, repetimos,
estrategicamente leninistas.
Daqui a pouco não restará um só mictório na cidade. Em Estocolmo,
apontam entusiastas da nova mania, não é mais possível mijar em pé em
alguns bares e restaurantes. O fim do mundo. Tentam acabar com aquela cena
clássica de um magote de marmanjos, lado a lado, inveja do pênis do vizinho
ou não, tirando água do joelho.
Claro que fizemos por onde ser derrotados nessa peleja. Foram décadas
e mais décadas de reclamações. Erramos. Não levamos a sério os quesitos
pontaria, tampa levantada etc. Zombamos da boa vontade daquelas que
lustram o nosso chão de estrelas. Deu no que deu. Agora, compadres, só nos
restarão o Firestone na saída dos bares, a cerca do vizinho, um baobá
qualquer a caminho de casa ou o asfalto propriamente dito. (Como este é um
espaço proustiano, recordo-me de quando mijávamos na areia quente do
sertão, tentando escrever os nossos nomes no chão com vigorosos jatos-
mirins.)
Não adianta estrebuchar, pouco importa o direito ao juris esperneandi. O
certo é que querem nos civilizar a qualquer custo... É a conspiração
internacional da qual tratei linhas atrás. Querem nos androgenar, como diria o
lírico sambista Luis Ayrão. “Esse camarada se androginou/ a moça deu bola a
ele/ e ele nem ligou”.
Só nos resta aceitar a derrota histórica. Mijar sentado, tudo bem, mas
pelo amor de Deus, sem aquele barulhinho erótico de que só uma dama é
capaz. Devagar, rapaziada guerreira.
Tem alguma coisa que não bate nessa pesquisa inglesa, compadre. Ora,
como assim, só gastamos, em média, 43 minutos por dia mirando las chicas,
olhando para as mulheres?!
É o que revelou o estudo feito pela Kodak Lens Vision Centres, uma
firma evidentemente interessada no que se passa na nossa vista, afinal de
contas é do ramo e vive disso.
Menos de um tempo de jogo de futebol por dia de tocaia?
Não, compadre, mesmo os entrevistados sendo todos ingleses, rapazes
mais tranqüilos, mais “cool”, como eles se acham, não é possível. O pior: na
terra da Rainha ainda ficaram espantados com os números. Acharam que era
tempo demais, tempo perdido, como se gastar as retinas com as fêmeas fosse
coisa d´outro mundo, mal-assombro que balança as cortinas mesmo quando o
vento está parado.
Tudo bem, as britânicas não possuem os belos latifúndios dorsais das
nossas mulheres, mas 43 minutos a gente atinge nos trópicos assim que deixa
o lar doce lar e pisa na calçada, caso dos pedestres inegociáveis como este
bípede cronista. Aliás, gasto bem antes, pois adoro aquele momento em que a
cria da minha costela escolhe as vestes, ah, quanta angústia, que lindo. E
quando ela diz, dramática, como uma atriz de tragédia grega, “saco, não tenho
roupa!” Mesmo com o armário repleto. Eu entendo. Aliás, ela nem diz mais, só
pensa, e eu já adivinho.
Você, ai, macho sobre quatro rodas, também bate essa cota inglesa em
dez minutos no trânsito ou em meia hora na firma, não acha? Se estou errado,
me corrija, faz de conta que a sua amada não lê essa coluna porco-chauvinista,
não quero provocar cizânia nos lares doces lares, só desejo que os pombinhos
arrulhem em paz.
(Falar nesse verbo, um dos melhores da nossa língua, um parêntesis
para citar o justo momento em que ele, o verbo, se tornou inesquecível em
minha pobre vida, sim, em uma passagem de “Ubirajara”, de José de Alencar,
ê, coisa linda, velha ficha de leitura do grupo Virgílio Távora, em Juazeiro: “A
juriti arrulhou docemente na mata..."
Sim, mas como ia dizendo, tem alguma coisa que não bate nessa
enquete inglesa. Pelas suas contas, entre os 18 e os 50 anos, o homem perde
um ano olhando para mulheres. Como assim, filhos da mãe? Perde? Não seria
o contrário?
Ora, até nos grandes faroestes sabe-se da importância de mirar uma
dama. Na fita “Era uma vez no Oeste”, do Sergio Leone, em um certo
momento crucial, um velho caubói diz para a mocinha: “Vai lá fora e leva uma
xícara de café para eles, os homens mudam de assunto ou calam quando
vêem uma mulher bonita”. Era a forma de evitar que os dois se matassem.
Infelizmente, ela, Claudia Cardinale, tesouro, não obedeceu, quer dizer, não
chegou a tempo. Acontece.
Foda-se a esportiva
Disse o jurubeba de cara
Não tolero a espécie
Que desgosto!, avis rara...
Lá da terra donde venho
Esse rapaz eu emprenho
Apollinaire, minha vara!.
Donde o metrossexual
Na contramão da barbárie,
Gabola e cheirosinho
Via de longe minha cárie...
Seus perfumes no ajuste
Qual o bolinho de Proust
Levava todos nos ares.
Porque cantar só para uma noitada de sexo é uma pobreza dos diabos,
qualquer um animal o faz.
E claro que para cada uma dizemos uma loa, fazemos uma graça, não
repetimos o texto, o lirismo, o floreado.
Sim, tem que ter o cuidado para não ser simplesmente um chato que
baba diante do melhor dos espetáculos, a existência das mulheres.
Ter que cantar sempre a mesma mulher e parecer que está apenas de
passagem, que o estribilho é sempre novo, nada de larararás que mais
parecem refrões do Sullivan e do Massadas, lembram dessa dupla de músicas
chicletosas?
Ah, digamos que você cantou a Sônia Braga ainda naqueles tempos em
que Gabriela subiu com aquele vestidinho no telhado –a cena mais quente da
teledramaturgia brasileira até hoje- e e continuou cantando, sempre, sutil e
sempre, e agora ela, passados tantos calendários, se comove e resolve
recompensá-lo! Vai ser lindo do mesmo jeito, não acha? Na tela do nosso
cocoruto vai passar o videotape de todos os desejos antigos e despejados no
ralo pela morena cravo & canela.
ELE É CASADO
Repare bem, graciosa cria da nossa costela: 90% das mulheres passam
a achar um homem mais tchan, mais cobiçável, mais tampa de Crush, quando
descobrem que ele é casado. Os homens que portam aliança, assobiam os
números da enquete, tornam-se até quatro vezes mais atraentes aos olhares
das fêmeas.
Com ou sem diploma, livros que valem por um curso completo para um
jornalista-escritor:
A alma encantadora das ruas -João do Rio
Um Bom Par De Sapatos E Um Caderno De Anotaçoes -- Como Fazer
Uma Reportagem -de Anton Tchekhov
Balas de Estalo - reunião crônicas políticas e de costumes de Machado
de Assis
Dez dias que abalaram o mundo - John Reed
Paris é uma festa - E. Hemingway
Na pior em Paris e Londres - George Orwell
O SEGREDO DE JOE GOULD, de Joseph Mitchell (AULA GENIAL DE
COMO FAZER UM PERFIL DE UM PUTA PERSONAGEM
PRATICAMENTE ANÔNIMO)
Tudo de Nelson Rodrigues, claro
Malagueta, perus e bacanaço -João Antônio
Vidas Secas e + Angústia - Graciliano Ramos
"Bartleby, O Escriturário" - de Herman Melville
A milésima segunda noite da av. paulista - Joel Silveira
Dicas úteis para uma vida fútil -um manual para a maldita raça humana -
Mark Twain
O perigo da hora - o século XX nas páginas do The Nation (textos de
Kurt Vonnnegut, H.L. Mencken, Gore Vidal, John dos Passos entre
outros bambas) -tem uma tradução brasileira da editora Scritta
O livro dos insultos - H.L.Menken
Etiqueta Moderna -finas maneiras para gente grossa - P.J. O´Rourke
Modesta proposta para acabar com a fome na Irlanda (também
traduzido no Brasil como Modesta proposta para fazer das crianças
pobres churrasco), de Jonathan Swift
Autobiografia de todo mundo - Gertrude Stein.
CÃO DE GUARDA DO SONO DA AMADA
Nem me venha miss Friaca, Ingmar Bergman está morto e não caio mais no
conto sartreano, há tempos assassinei aquele anão perverso, o marido de dona
Simone e mudei de mala-e-cuia, mystery train, pra Guadalajara, adonde Elvis
já me esperava naquele bar imundo que fedia a mijo, limão e coragem, nem me
venha Jean-Paul, você não me pega mais com a sua velha cartilha sem-saída,
estoy careca mas meus longos cabelos renascem no vento do deserto road-
movie, nem venha me fazer usar gola rulê e acreditar no frio d´alma, adiós, cá
em Guadalaraja os homens não têm tempo para frescuras do naipe, faz sol, e
Lourdes y Felipe me ensinam os segredos do tequila e do agave.
HOMEM-TUPPERWARE
Quando ela acorda, aquelas marquinhas no corpo feitas pela noite, atrito de
peixes que passeiam nos subterrâneos dos lençóis.
Cabelos feitos algas doidas, o seu incômodo mais bonito; algum tédio diante da
reabertura do mundo chato, ela se espreguiça, ossinhos que estalam sob a
réstia do sol dos sérios que atravessa a cortina.
O pau toca a sua bundinha sem a pressa da foda, quase como fossem feitos
um para o outro e tivessem todo o tempo do mundo. As almas já se entendem,
os corpos quase, ela pensa “qualé a desse cara?”.
Toco fogo no café e o cheiro sobe, polvo do amor mobilizo-me entre o forno,
esquentar os pães, as frutas dos impressionistas, a manteiga do primeiro
tango, acorda maria bonita, que a polícia do pensamento já está de pé. Um
homem nos ensaios de amor, velho J.L.Godard, carece de muitas mãos,
línguas, dedos, certezas.
Repito, era um clássico das desculpas dos machos. A nossa maior falta
de vergonha na cara. Agora ouvimos a mesma ladainha da boca das moças,
que onda!
Não faz mal, quantas vezes não usamos do mesmo artifício, da mesma
falta de argumento, tá legal, eu aceito o fingimento...
Mas por favor, crias das nossas costelas, devolvam o meu caô, o meu
171, o meu agá, a minha enganação-mor, a minha forma de me livrar mais fácil
e, de preferência, de forma indolor.
“Estou confusa...”
(Me veio até, do sótão do cocoruto, a velha imagem de Didi Mocó no seu
clássico “Estou cafuso, estou cafuso!”)
É, amigos, toda vez que ouço um diplomático “estou confusa” saco logo
meu velho serrote de galhas e chifres para poder, ao menos, entrar,
humildemente, na porta de casa.
Nossa Sra. dos que Amam Sozinho, perdoa-me pela insistência, nem
mais é por tanto quere-la, é por deixar claro, nega que sopra das intimidades
dessa oração, que só ela me faz passar da conta, perversa, cair no abismo
mais lindo do gozo sem volta, como naquele encosto de beira de estrada, como
na rodovia estrangeira de Sam Shepard, crônicas de motel, simbora!
Nossa Sra. dos que só pensam nela, cotovelos lanhados de tanta
espera, tantos sustos nas ruas, nos bares, “é ela!!!”, Nossa Sra. Dos Cotovelos
da Surpresa e das janelas, tão gastos, cinzas, peles, dobras, e tanta fome de
viver aqui dentro, megalomaníaco, épico, terá sido a força do desprezo???
Não creio, sr. Albero Moravia.
É mesmo a paudurescência, nostalgia precoce das grandes histórias, o
tempo inteiro, pensando, pensando, pensando, mas no fundo gostas!
Os joelhos lanhados pela romaria, devoção e insistência.
Nossa Sra. da Vida Alongada que consegue, nos seus exercícios de
Kama Sutra, me levar à coisa mais sagrada.
Nossa Senhora!!!
Amor demorado, anjo exterminador da alcova sem pílulas milagrosas.
Amor por tê-la, rara.
Beijá-la delicadamente, como um cristão que dissolve na boca uma
hóstia.
Amar por horas, riachinhos d´águas que não se sabem donde, cada
cantinho dum mapa que se inventou só pra se perder depois, sentimento é a
verdadeira bússola dum homem, perdido docemente lá embaixo, lá embaixo,
daquelas tuas vestes modernas que nunca te escondem.
Lua cheia, vida crescente.
Escuto Lê Déserteus, Boris Vian, ouviste?.
Nossa Senhora dos que sentem muito e amam sozinho, rogai por nós
que recorremos a vós!
CINEMASCOPE, PARTE II
Do cinema lindo & phoda de existir e de como uma mulher pode encantar nos
detalhes e cortes de nós dois. Quando ela pede pra gente virar os olhos ou
fechá-los bem fechados. Só enquanto troca a calcinha, vupt, mesmo com toda
intimidade desse mundo, às vezes intimidade de anos. Só enquanto troca o
sutiã, biquíni, parte de cima, ajeita a parte de baixo, areia do doce balanço da
beira dos mares, só enquanto tira uma toalha do banho, viagem de fim de ano,
só enquanto está lindamente menstruada e quer guardar-se, embora saiba que
atravessamos com amor e gosto todo o seu mar vermelho e ainda mais mares
houvesse a cada mês. “Feche os olhos”, diz. “Vira o rosto”, safadeza-se, diva
sob seguras telhas. Só para manter o suspense do cinesmascope debaixo do
mesmo teto. “Pronto, pode olhar”. Ai ela ressurge mais linda ainda, cabelinhos
molhados, com aqueles cremes todos da Lancôme ou com simples sabonetes
Dove ou aqueles de nove em cada dez estrelas de Hollyood, Lux, deluxe, eu
morro nesses lapsos de tempo, elipses do desejo, frações de segundo que são
eternas de olhos fechados para quem meus olhos na terra, que há de comê-los
inté os aros dos óculos, mais abriram e justificaram seu brilho castanho mesmo
em dias de torpor e existência lusco-fusco.
ah, vamos esquecer por uma semana nosso sol de bolso, como João Cabral
chamava a aspirina, como Paulo Henriques Britto batizou o milagroso
antidepressivo, remate de males do cocoruto, vamos esquecer por uma
semana as cartelas, as receitas, as tarjas negras, vamos ver o que acontece,
vamos dar um bom dia tristeza, vamos nos tornar lindamente melancólicos ao
lusco-fusco, vamos deixar q a espessa neblina encubra o pára-brisa, vamos
tentar..., e se der merda, e se a gente não segurar a onda, a gente enche a
cara, noite na taverna, a gente volta correndo pra casa e faz dos lençóis uma
cabana, uma barraca de praia no escuro, a gente se agarra como se fosse
mesmo o fim do mundo, e daí?, posso querer os seus zolhinhos com aquele
velho spleen?!
A GENTE SE VÊ (O REMIX)
O macho carançolandês não passa meia hora separado, não vive sequer o
luto amoroso da resoluta que aplicou-lhe um conga no meio da bunda - a
padoca mole e farta que dantes já prescrevia o chute. Ele vai lá e agarra a
primeira que passa, nem que seja um manequim de gesso, como ocorreu ao
meu amigo Sizenando, aquele mesmo que trabalhava como galhudo-mor nas
crônicas de Rubem Braga. Enquanto o manequim era levado de um lado a
outro da rua, para uma troca de vitrines, ele abofelou-se com a loira gessificada
e a entope de gala até hoje.
Nem fomos ao mar para ver o nosso amor morrer na praia. Nosso amor morreu
engarrafado, na correria do povo para deixar São Paulo, babilônicos corações
de fumaça a 10 km por hora. Nosso amor largou o automóvel e saiu
caminhando, melancólico, entre motoboys e miragens, crepúsculo cubatanesco
a escorrer do nariz.
Nosso amor só pode estar tirando onda da nossa cara, é o tipo do amor que
sabe rir da nossa desgraça, um amor de rapariga da última luz vermelha do fim
do mundo, um amor da porra, que não respeita as leis do cosmo, nosso amor é
uma ficção barata, café puro, pão na chapa, nosso amor nem esfriou ainda o
cadáver, acabou no auge, como a carreira de Pelé, como os Beatles, nosso
amor era sábio. E como os amores reencarnam, muito cuidado, senhoras e
senhores, nosso amor pode estar rondando ai a sua área. Prendam o
criminoso, onde está a polícia que não vê uma coisa dessas, tio Nelson?
SÓ VINGANÇA,VINGANÇA,VINGANÇA*
Amigo torcedor, amigo secador, que prazer tem uma ex-mulher, ainda
magoada ou não, quando o time do desalmado leva um belo tombo. É
sadismo ludopédico no último.
Ela pode nem apreciar tanto o esporte, mas só por uma lupicínica
vingança, faz um foguetório com a desgraça do miserável. Sabe que a única
dor que deveras sente o canalha é a da tragédia do seu clube.
Como me diz agora a M., com perversidade e alguma saliva histérica na
risada, ainda comemorando o fracasso do do Palmeiras, alviverde imponente
do homem que a trocou por outra.
É, amigo, no peito de cada mulher abandonada explode um coração de
secadora vingativa.
“Mas enquanto houver força em meu peito/ Eu nao quero mais nada/ Só
vingança, vingança, vingança/Aos santos clamar...”, cantaria o gaúcho
Lupicinio Rodrigues, o rei da dor de cotovelo.
A explosão de M. é tão comovente como no momento dos safanões do
menino Maurício e do Obina, que acabaram expulsos, no embate contra o
Grêmio, por pura sinceridade de rapazes humildes que buscam a todo custo o
triunfo. O zagueiro ainda passou a noite chorando. Coisa de homem mais
ainda. Merece todo o respeito.
Deixemos a crise verde lá no Parque Antarctica. Bom mesmo é a
maldade das mulheres contra a paixão clubística dos seus marmanjos.
Outra amiga, carioca, que já superou a dor amorosa e enxerga a fila que
anda, comemorou, o porteiro do prédio está de prova, a queda do Sport do
mancebo. E olhe que a danada é Fluminense, também sob risco de
Segundona.
O primeiro episódio que me recordo de belas vinganças femininas
ocorreu naquela decisão do Brasileiro de 1996, com Grêmio x Lusa.
Segundo gol do tricolor gaúcho. 2x0. A amiga G. pára o carro, voltava de
uma cachoeira nas cercanias de Brasília, ajoelha na estrada, ergue as mãos
para os céus, agradece, vibra, tinha certeza que A.estaria mais triste que o anjo
inútil e todos os fados da Amália Rodrigues.
No Recife, L., uma jambo-girl com toda a morenidade exaltada por
Gilberto Freyre, enviou para o ex, um torcedor do Náutico, integrante da torcida
Timbucana, uma saca de areia de Boa Viagem, logo depois de vitória do
bravíssimo Santa Cruz, meados dos anos 90. É que o alvirrubro dos Aflitos tem
uma fama histórica de nadar, nadar e morrer na praia.
Com as nossas exs, infelizmente não temos esse gosto sádico
ludopédico. Por mais que sejam fanáticas, creio que as fêmeas sofrem menos
com as dores do futebol. Para variar, são mais sábias também nesse capítulo.
TUDO EM VOLTA ESTÁ DESERTO, TUDO CERTO
Final feliz, que alívio no faroeste da Pompéia, terra onde o caminhão do gás,
como avisou M.L., musa do cine-cama, toca Enio Morricone.
Aos vinte e tantos anos, nunca havia sequer beijado uma garota. Só queria
saber da sua vida de cowboy e guardava uma certeza na dobra dos braços da
camisa de homem forte: um tempo qualquer encontraria o “anjo” e pediria em
casamento imediatamente. O destino apontaria: “É esta”.
Como deu trabalho esse anjo loiro quando surgiu na sua estrada. Nunca havia
sido santa. A galega só tinha uma obsessão: trabalhar em Hollywood. Veio a
tempestade. Nevou no coração da gazela mais ainda. O amigo Virgil tocou
belas canções, não o suficiente para amansar o selvagem. O cantil de uísque
também não foi o bálsamo daquela pobre alma. O enfrentamento com outros
brutos, tampouco.