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Copyright ©2020 by Anne Miller.

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violação de direitos autorais. (Lei 9.160/98)

Capa: Anne Miller

Imagem: @CanStock

Edição digital: abril de 2020

Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos
ou situações da vida real terá sido uma mera coincidência.
Índice

Índice
Prólogo
Capítulo 01 — Doce Lar
Capítulo 02 — Distância
Capítulo 03 — Miss Girassol
Capítulo 04 — Festa
Capítulo 05 — Peão
Capítulo 06 — Traumatizada
Capítulo 07 — Calmaria
Capítulo 08 — Tempestade
Capítulo 09 — Ao Pôr do Sol
Capítulo 10 — O Retorno do Anel
Capítulo 11 — Trilha
Capítulo 12 — Deslizes
Capítulo 13 — Rotina no Sítio
Capítulo 14 — Climão
Capítulo 15 — Convite
Capítulo 16 — Jantar
Capítulo 17 — Traumas do Passado
Capítulo 18 — Bruto
Capítulo 19 — Café da Manhã
Capítulo 20 — Ficando Sério
Capítulo 21 — Festival do Girassol
Capítulo 22 — Espinhos
Capítulo 23 — Natal
Capítulo 24 — Conflito
Capítulo 25 — Sintomas
Capítulo 26 — Segredos
Capítulo 27 — A Penúltima Noite
Capítulo 28 — O Acidente
Capítulo 29 — Revelação
Capítulo 30 — Despedida
Epílogo
Conheça os Meus Outros Trabalhos
Anne Miller
Prólogo

“Porque não há lugar como o seu lar.”


Devo ter lido essa frase mais de dez vezes, ainda sem acreditar que a
equipe de criação da minha empresa havia feito um trabalho tão porco.

Peguei a impressão, estampando a arte e slogan, e segui para o setor de


criação. Assim que entrei na sala, as quatro cabeças voltaram seus olhares
para mim.

— Alguém sabe me dizer que droga é essa aqui? — questionei,


levantando a folha com a “obra prima” deles.
Quando um dos estagiários abriu a boca para me responder, eu o cortei:
— Vocês praticamente plagiaram “O Mágico de Oz”. — Evidentemente não
queria uma resposta. Respirei fundo, controlando-me ao máximo para não
explodir. — É uma campanha para uma construtora, não para uma porcaria
de um filme infantil.

Depois do meu puxão de orelha, caminhei de volta para a minha sala,


pois ainda precisava telefonar para um cliente que estava dificultando as
coisas, barrando praticamente qualquer decisão que eu e a minha equipe
tomávamos.

Esse era um dos grandes problemas em trabalhar com pequenas


empresas: quase sempre eram gerenciadas por uma única pessoa, que se
achava a dona da razão e detentora de todo o conhecimento do universo.
Dessa vez, o cliente não queria que modelos “modernos demais” —
exatamente como ele havia se expressado em seu e-mail mal-humorado —
fizessem parte da campanha publicitária. Ele queria vender sapatos para todos
os públicos com um anúncio que destacava apenas um casalzinho padrão que
não representava ninguém.

Peguei o telefone em minha mesa e liguei para o infeliz, tentando me


controlar enquanto chamava.
Quando o João Antoniazzi finalmente atendeu, cumprimentei-o com
um gentil “bom dia, Antoniazzi. Tudo bem? Quem fala é a Patrícia…” e
tentei resolver toda a questão que estava me incomodando.

Sempre tentava mostrar o meu lado das coisas de forma tranquila,


apontando o porquê da disfuncionalidade de sua ideia e, principalmente,
engolindo frases como “se o senhor sabe tanto assim, então por que precisou
contratar uma agência?”. Ou seja, engolia um milhão de sapos e mostrava o
motivo de cada detalhe presente na minha campanha.

Mas com aquele cara, isso nunca funcionava.


Ele parecia uma porta. Cansava-me de explicar, dando as melhores
explicações e rebatendo com os melhores argumentos. No entanto, depois de
tanto esforço, o desgraçado respondia como se nada tivesse ouvido,
ignorando absolutamente tudo que eu tinha falado.

— Eu detestei praticamente tudo o que vocês me apresentaram até


agora, não combina com o que queremos transmitir ao público… A
campanha de vocês é tudo, menos o que minha empresa representa — rebateu
ele, justificando o motivo de estar tornando o meu trabalho tão complicado.
— Eu estava esperando mais…

— Por que você me contratou, João? — questionei interrompendo-o, já


sem nenhuma paciência com a irritante conversa que estávamos tendo.
Ele ficou alguns instantes em silêncio, evidentemente não
compreendendo onde eu queria chegar com o questionamento. E, de forma
hesitante, Antoniazzi respondeu com o óbvio: — Porque eu precisava de uma
campanha publicitária.

— Não foi isso o que eu te perguntei. — Dessa vez, eu não consegui


controlar o tom ríspido em minha voz. — Por que você me contratou? Eu,
Patrícia Medeiros… Por quê?

Ao compreender a minha pergunta, ele não hesitou em dizer: —


Porque você é a melhor.

— Então, sabe qual é o meu segredo para ser a melhor? É não permitir
que pessoas que não entendem do assunto interfiram no meu trabalho —
tornei a dizer, já não me importando com a maneira que ele interpretaria. —
Se a minha equipe te apresentou uma campanha, é porque eu mesma a
analisei e aprovei cada um dos detalhes. O objetivo nunca foi transmitir todo
o conservadorismo que você e a sua empresa representam, mas vender
sapatos. — Antes que ele pudesse contra-argumentar, finalizei: — Então, se o
senhor ainda estiver interessado em vender sapatos, dê mais uma olhada em
tudo o que te enviamos… Se quiser mostrar o quanto são conservadores,
podemos bolar uma nova campanha, só não espere que ela aumente as suas
vendas.

Conhecendo bem Antoniazzi, não ficaria nem um pouco surpresa se ele


desligasse o telefone na minha cara e depois retornasse com o rabinho entre
as pernas, dizendo que a ligação havia caído.
— Tudo bem, vou confiar em você — ele respondeu cedendo, como
sempre acontecia depois de uma das minhas ligações. — Pelos nossos anos
de parceria...
No fundo, ele sabia que eu estava certa sobre a representação. E sabia
também que o seu conservadorismo era só uma desculpa para o preconceito
que tinha e que isso acabava refletindo em sua empresa.

Enquanto pensava no quanto João era capaz de me irritar, lembrei-me


de uma pessoa que já tinha conseguido superá-lo nesse quesito.
Sofia Medeiros.

A minha mãe.

Discutíamos por nada e absolutamente tudo. Talvez esse fosse o


motivo para que continuasse adiando uma visita ao sítio dos meus pais. Em
parte, sabia dever-se ao fato de, diferentemente de uma ligação que poderia
ser encerrada a qualquer momento, não poderia ir embora uma hora depois de
chegar.
Como finalizei meu trabalho na agência mais cedo que o normal,
decidi ir até o apartamento de Diogo. Queria fazer uma surpresa ao meu
noivo, um jantarzinho romântico para nos tirar daquela coisa monótona que
os últimos meses haviam trazido para a nossa relação.

Obviamente, eu não iria cozinhar. Sempre fui péssima nisso, mas nada
que uma comidinha de aplicativo não conseguisse resolver, principalmente a
dos restaurantes da região, que nunca conseguiram uma reclamação minha ou
do Diogo.

Eu não tinha um controle do portão do prédio, mas, como o porteiro me


conhecia há anos, sempre me deixava entrar e ainda dava um jeitinho para
que estacionasse em uma das vagas reservadas para os funcionários.
Peguei a minha bolsa e saí do estacionamento, tentando decidir o que
iria pedir para comermos. Depois de um ano plantada na frente da porta de
entrada, procurando pela minha cópia da chave, eu entrei.

A música clássica tocando alto foi a primeira coisa que notei ao cruzar
a porta. Isso fez com que eu percebesse que a minha surpresinha havia ido
para o ralo, que Diogo estava em casa.
Ele trabalhava em um escritório de advocacia no centro e os horários
dele eram tão flexíveis quanto os meus. Então, não era nada incomum que já
estivesse em casa antes das seis horas da tarde. Mas o simples fato de termos
um programinha juntos, sem que um de nós dois estivesse preso trabalhando
até tarde da noite, já seria bem especial.

Coloquei a minha bolsa sobre a mesinha de canto e, já pensando


naquilo que gostaria de comer, caminhei para a sala, buscando pelo meu
noivo.

Assim que adentrei o cômodo, encontrei Diogo.


Fiquei tão chocada com o que encontrei que, todas as opções de
comida deixaram a minha mente, dando lugar para um sentimento de mal-
estar, como se pudesse vomitar a qualquer momento.

Ele estava deitado no sofá da sala, beijando o pescoço fino e pálido de


uma mulher ruiva. Estavam tão concentrados que não me notaram ali,
assistindo de camarote àquela cena nojenta.

A garota, ironicamente, me notou antes de Diogo.


Abriu os olhos, me viu e gritou alto.

Gritou como se eu fosse uma intrusa, como se eu fosse a outra. Gritou


como se os lábios que havia acabado de beijar não pertencessem ao meu
noivo infiel. Gritou como se não estivesse colocando um fim no meu
relacionamento de anos.
Capítulo 01 — Doce Lar

Duas semanas depois.

No momento em que avistei meu pai, foi como se toda aquela saliva
que havia cuspido para cima há dez anos tivesse caído bem no meio da minha
testa. Era capaz de senti-la escorrendo pelo meu rosto enquanto me
aproximava dele com um sorriso desajeitado nos lábios, tentando maquiar o
quão desconfortável eu estava com o nosso tardio reencontro.

Estranhamente ele não me disse nada — nem mesmo insinuou alguma


coisa —, apenas puxou-me para um abraço apertado antes de sussurrar o
quanto havia sentido minha falta.
Seu João pegou a mala da minha mão e caminhamos para fora da
pequena rodoviária da cidade de Girassol. E, só então, me dei conta de que
realmente estava ali — de volta ao lugar que sempre havia evitado —, como
uma espécie de inferno astral.

“Bem-vinda de volta ao inferno, Patrícia!” cantarolou o meu


subconsciente debochando de mim.

— Como foi de viagem, querida? — questionou-me ele, provavelmente


se perguntando o real motivo para ter escolhido vir de ônibus e não de avião,
como qualquer pessoa inteligente o suficiente para não querer passar quase
dois dias sofrendo na estrada.
“Terrível!” pensei em lhe dizer, lembrando-me de quantas vezes eu me
arrependi de ter entrado naquela porcaria de ônibus.
— Foi bem tranquila, pai — menti, forçando um sorriso. — Eu tive
bastante tempo pra apreciar a paisagem.

“Apreciar a paisagem… Sério mesmo, mulher?” questionei-me


mentalmente, odiando-me por ter dito uma coisa tão estúpida quanto aquela.
Meu pai nunca foi um homem de muitas palavras, mas ele sempre se
esforçou comigo. Atualmente — como já era de se esperar, vindo de um cara
tão bacana quanto ele —, seu João me tratava muito melhor do que eu
merecia.

Entramos em sua velha caminhonete azul, uma que ele possuía desde o
tempo em que eu ainda morava com eles, e seguimos em direção ao sítio da
minha família, o “Paraíso”.

Durante toda a minha adolescência, sempre levei esse nome como uma
espécie de deboche universal — uma maldita piada interna —, pois, para
mim, aquele pedaço de terra estava longe de ser algo divino. Enxergava-o
mais como um inferno, como se ele fosse uma prisão que me impedia de
conhecer todas as coisas boas que o mundo tinha a me oferecer.
Ao menos, era isso o que a minha mente adolescente e imatura
costumava pensar.

Sempre fui uma mulher de cidade grande e já me sentia como uma


antes mesmo de chegar a me mudar. Odiava tudo o que era relacionado ao
sítio, as tarefas domésticas — sempre implicavam em sujar as minhas mãos
—, a falta de uma distração que me interessasse no meio de todo aquele mato
e terra e, principalmente, a enorme diferença entre mim e minha mãe.

Diferentemente daquilo que pensei, o meu pai não ficou calado atrás do
volante, perdido em seus próprios pensamentos. Ele tocou em todos os meus
calos, em apenas vinte minutos de estrada rodada. Questionou sobre a minha
vida na cidade grande, sobre o meu trabalho e, como era de se esperar, sobre
a minha tão repentina decisão de tirar férias.

— Está tudo bem mesmo, Paty? — meu pai prosseguiu, sentindo


cheiro do problema.
Poderia ter dito a verdade. Poderia ter falado sobre todos os problemas
que havia enfrentado na última semana. Poderia ter contado sobre Diogo e o
quanto eu estava me sentindo arrasada com o término de nosso
relacionamento. Poderia ter confessado o verdadeiro motivo de ter voltado
para o lugar que tanto amaldiçoara no passado. Poderia ter feito tudo isso,
mas não o fiz.

— Está sim... Eu só estava com saudades e precisava de umas férias;


meu trabalho estava me sufocando demais... — comentei, ainda com aquele
sorriso forçado no centro dos meus lábios. — Então resolvi unir essas duas
coisas.

Conhecia-o bem o suficiente para saber quando ele não engolia uma
das minhas mentiras. Minha percepção quanto às suas reações havia se
aperfeiçoado bastante durante a minha adolescência, quando eu me obrigava
a inventar desculpas esfarrapadas para que ele me deixasse sair de casa.

Seu João não era desses que cortam a mentira no segundo em que a
identificam, ele gostava de deixar a pessoa alimentá-la e ir se enforcando
sozinha, limitando-se a observar até onde ela conseguiria levar aquilo. E,
infelizmente, alguma coisa me dizia que eu não iria muito longe com aquela
história de saudade e trabalho sufocante.

— O engomadinho não quis vir com você?

Com “engomadinho”, referia-se ao Diogo, o desgraçado que


costumava ser o meu noivo.
— Não... — respondi desconcertada com todo aquele assunto. E como
isso não o impediria de continuar cavando até descobrir toda a verdade,
decidi ser um pouco mais direta, não deixando margem para perguntas
semelhantes, algo que ele certamente faria. — Ele não… Ele não vem, pai.

Meu olhar tentando fugir do seu foi o suficiente para que João ligasse
uma coisa à outra e resolvesse aquelas palavras cruzadas. Depois disso,
finalmente chegou o silêncio pelo qual eu tanto ansiava. Contudo, isso tornou
o clima ainda mais tenso do que durante a aplicação de seu interrogatório.

Continuamos dessa forma, evitando olhares e palavras, até chegarmos


ao nosso destino: o Paraíso que eu — de acordo com a mentira que acabara
de contar — buscava para descansar a minha mente do trabalho.

Quase não reconheci a minha mãe quando ela saiu da casa e se colocou
ao lado da porta, esperando-nos com aquele seu olhar enigmático e crítico.
Ela estava muito enrugada e parecia ainda mais magra do que já era, bem
acabada mesmo. Os anos a encontraram de uma maneira que realmente me
assustou, mas não que dona Sofia Medeiros se importasse com uma coisa tão
fútil quanto a sua aparência.

A primeira coisa que a minha mãe disse ao me encarar, não foi um


acolhedor “bem-vinda de volta, minha querida” ou um gentil “eu senti tanto
a sua falta”.
Não, é claro que não.

Esse tipo de coisa não combinava com ela.

Em vez de algo acolhedor ou gentil, ela optou por uma frase carregada
de deboche:
— Então, você finalmente lembrou que tem uma família aqui no
Inferno, Patrícia?

Esse era bem o tipo da minha mãe: atirar palavras que eu havia
pronunciado no passado — coisas como “Inferno” — de volta na minha cara.
Diferente do meu pai, dona Sofia não conseguia manter certas coisas para ela
mesma.
— Eu também adorei te ver, mãe — respondi, tentando não abalar o
sorriso animado que carregava em meus lábios. Interrompi o nosso abraço e
completei: — Estava morrendo de saudades.

Antes que ela pudesse responder com um “estava? Nossa, eu nem


percebi em todos esses anos que você não me visitou”, meu pai apareceu,
comentando algo que desviou o seu foco para outro assunto e,
consequentemente, impediu a nossa primeira briga.

Passei pela sala, que era decorada com uma espingarda pendurada na
parede, e segui o homem com a mala até o meu antigo quarto.
Quando o adentrei, ao observar os detalhes daquele lugar, que
continuava exatamente da forma que o havia deixado quando, aos vinte e
quatro anos de idade, decidi ir embora, a nostalgia atingiu-me em cheio.

Caminhei até a cama e toquei a colcha lilás que a cobria, sentindo a sua
textura e a maciez. Foi impossível não sorrir, lembrando-me de todas as
vezes em que havia chorado embaixo dela, amaldiçoando o nosso sítio e
sonhando com o dia que eu finalmente o deixaria para trás.

Voltei meu olhar para a velha escrivaninha e vi o porta-retratos com


uma foto minha e de Clarisse — minha melhor amiga do tempo de escola.
Estávamos em nossa formatura, tão felizes e cheias de sonhos, encerrando
uma fase de nossas vidas.
Ainda que metade de todos aqueles planos — incluindo a parte de
encontrar o cara perfeito —, não tivesse dado muito certo, eu consegui ir
embora do “Inferno” e construí uma nova vida, uma da qual eu realmente me
orgulhava. De certa forma, podia me considerar uma vencedora.

“Vencedora” tornei a mentalizar essa palavra, esforçando-me ao


máximo para não a achar irônica demais.
Definitivamente, não era assim que eu me sentia.

Voltei para a sala e, ao olhar de novo para a espingarda na parede,


questionei: — Por que vocês têm uma arma dentro de casa?

— Isso aí? Ah, você sabe, é só por segurança — meu pai prontificou-se
em responder. — Nós nunca sabemos quando vamos precisar de uma.
Detestava armas, quase tanto quanto detestava o interior, e não via
sentido em possuir algo tão mortal ao alcance da mão. Em minha opinião,
que claramente não era partilhada pelos meus pais, aquele objeto só servia
para criar ainda mais problemas.

— Atualmente já existe algo bem mais prático, chamado de 190 —


respondi, aproximando-me da mesa em que eles estavam sentados. — Você
liga, eles vêm e os caras maus são presos. Simples assim.

A minha mãe riu daquela sua forma nada sutil de ser, como se eu
estivesse lhe contando uma piada.
— Até a polícia chegar aqui no sítio, todo mundo já vai estar morto —
ela argumentou. Depois de passar a mão por seus cabelos dourados, que eram
mesclados com mechas grisalhas, prosseguiu: — Não sei se percebeu, mas
não moramos num apartamento de luxo no centro da cidade, Patrícia.

Aquele soco na minha cara foi tão forte que o meu pai precisou mudar
de assunto para diminuir a tensão que se criou.

— Falando em negligência, amanhã faz três anos desde o acidente... —


seu João comentou, deixando-me curiosa sobre o assunto de que estavam
tratando. — Dá pra acreditar?
Como detestava estar em uma conversa da qual eu não compreendia
nada, não demorei a questionar:

— Que acidente?

— O acidente que envolveu aqueles amigos nossos... Nós te contamos


em uma das nossas ligações... — meu pai respondeu, fazendo com que me
lembrasse parcialmente do que eles estavam dizendo.
Tinha sido uma tragédia.

Numa das pequenas ruas de Girassol, um veículo dirigido por um


bêbado chocou-se violentamente contra um outro ocupado por uma família.
A noite foi marcada por sangue e destruição. Os meus pais foram uns dos
primeiros a aparecer no local, fizeram o atendimento inicial, mas a demora de
socorristas preparados agravou toda a situação.

Todo mundo morreu — exceto, é claro, o homem alcoolizado ao


volante.
— Lembrou, Patrícia? Sendo sincera, nem houve tantas ligações assim
nesses últimos três anos pra você se esquecer de uma delas — dona Sofia
tornou a me atacar, deixando claro que realmente queria uma briga.

Os olhos escuros do meu pai se voltaram na direção dela. Ele


provavelmente se deu conta de que, dessa vez, mudar de assunto não
adiantaria, não impediria aquela briga que a sua mulher estava tentando
causar desde o instante em que coloquei o meu pé no sítio.
Antes que alguém dissesse mais alguma coisa naquela mesa,
finalmente respondi às provocações dela: — você quer que eu vá embora,
mãe? — Ela abriu a boca para responder, mas eu não lhe dei a chance e
completei: — se você quiser, eu vou.

— Ela não...
— Eu só disse que você não ligou tanto assim nos últimos anos — ela
se defendeu, cortando o meu pai e me colocando como a errada da história, o
que infelizmente não estava muito longe da verdade, se eu fosse sincera
comigo mesma. — E eu não menti.

— Por Deus, Sofia. Ela acabou de chegar aqui.

— Tudo bem, pai — eu o interrompi, levantando-me da mesa. — Eu


não sei por que estou surpresa com essa recepção da mamãe... Surpresa
mesmo foi ela não ter feito isso lá na porta.
— Foram dez anos, Patrícia. — A minha mãe me relembrou, como se
eu não soubesse. — Dez anos.

Tive que me segurar para não lhe responder com “vocês também não
foram me visitar”, como se isso fosse uma justificativa boa para o tempo em
que passei longe do sítio da minha família.

— Nós podemos continuar com essa briga outra hora? Estou cansada
demais pra...
— Podemos sim, só espero que não demore mais dez anos — ela me
interrompeu, claramente vencendo aquele primeiro round.

Era mesmo oficial.

Eu estava de volta.
E como já dizia Dorothy — e os estagiários incompetentes da minha
empresa —, não há lugar como a droga do nosso lar.
Capítulo 02 — Distância

Dentro do meu antigo quarto, deitada na cama, foi como se a minha


ficha finalmente caísse.

Estava em casa.

Em Girassol, no sítio em que chorei, esperneando e amaldiçoando os


meus pais e o universo por me manterem prisioneira. No pedaço de terra em
que dei o meu primeiro beijo — e, um ano mais tarde, perdi a minha
virgindade no banco de trás do carro de Alison Bastos. No lugar em que
tomei muito banho de chuva enquanto corria sujando os meus pés na terra
vermelha ao lado da minha melhor amiga Clarisse.

Fiquei longe por dez anos — mais de 3650 dias —, porém, conseguia
lembrar nitidamente de quando parti, do dia um, do momento em que
coloquei a minha mala violeta na caminhonete do meu pai e olhei para trás,
dando-me conta de que aquela seria a última vez em muito tempo que
observaria a fachada da casa em que havia crescido. Levei comigo apenas um
punhado de roupas surradas e sonhos inalcançáveis que estava disposta a
realizar.
Voltei o meu olhar para o lado, tornei a encarar a fotografia da minha
amiga mais antiga, e não demorou muito para que as lembranças começassem
a bombardear a minha mente, levando-me de volta ao passado que tanto lutei
para esquecer.

Desde a época em que eu e Clarisse éramos duas garotinhas bobas, sem


nenhuma noção de como o mundo realmente funcionava, fantasiávamos
sobre o momento em que finalmente viveríamos na cidade grande, longe de
todo o mato que nos cercava e da terra que encardia as solas dos nossos
sapatos.

Conforme fomos crescendo, essas fantasias infantis transformaram-se


em planos e sonhos que juramos seguir e realizar. Dentro desse globo
mágico, nós dividiríamos o mesmo emprego e apartamento, seríamos
madrinhas de casamento uma da outra e, quando uma de nós engravidasse, a
criança da sortuda passaria a ser afilhada da outra.
Tínhamos o plano perfeito e tudo estava muito bem organizado, não
existiam brechas para nenhum tipo de erro. Naquele tempo, essa era a nossa
verdade, a única coisa que realmente importava: nós nos formaríamos e, logo
em seguida, partiríamos daquele lugar, dando início ao sonho que
desenvolvemos juntas.

Mas só porque criamos os nossos próprios planos, não significa que a


vida também não crie os dela. E nesse destino ou coincidência — ou qualquer
outra coisa que queiramos chamar —, Clarisse não estava inclusa no pacote.

Minha melhor amiga abriu mão de tudo aquilo no instante em que


conheceu Frederico. Foi como se nada do que combinamos durante anos
continuasse importando para ela. E então eu assisti a todos os nossos planos
deixando de existir, sendo sobrepostos pelos que eles criaram juntos.
Eu fui a única de nós duas a deixar Girassol e mudar para a cidade
grande. Fui a única a cursar uma faculdade. E eu fui a única que não se
rendeu ao estilo de vida ao qual costumávamos nos opor.

Enquanto me preocupava com a minha carreira no ramo publicitário,


minha amiga engravidou e, cercada por todas as coisas que ela costumava
desprezar, passou a se dedicar à sua nova família e casa no sítio.

Essas nossas diferentes realidades, somada a toda a distância entre nós


duas, foi mais do que o suficiente para que as ligações se tornassem cada vez
mais curtas e raras, até que deixassem de acontecer.
Depois de todos aqueles anos, eu já nem era capaz de me lembrar da
última vez em que havíamos nos falado — sem que fosse através de um
comentário fútil nas redes sociais —, só sabia que fazia muito, muito tempo.

A parte mais irônica era que a sua amizade — aquilo que me ajudou
suportar toda a infância e adolescência confinada no Inferno — era uma das
únicas coisas que eu estava disposta a levar do lugar em que cresci. E, mesmo
assim, eu não fui capaz de carregá-la comigo.

***

Peguei meu celular e, automaticamente — como se fosse uma espécie


de instinto —, cliquei no perfil do Diogo. Mesmo me detestando muito por
isso, dei uma de stalker e bisbilhotei toda sua rede social, querendo saber
tudo o que estava acontecendo com o meu ex-noivo.
Observei os lugares que ele visitou através de seus check-ins, stalkeei
cada uma das mulheres que ele havia adicionado nesse meio tempo, analisei
as fotos que curtiu e todas as que ele postou.

Tínhamos uma amiga em comum, Roselinda — ela detestava esse


nome e insistia para que a chamássemos de “Rose” —, que optou por não
tomar partido, mesmo sabendo que o desgraçado havia me traído.

Respeitei a sua decisão e não cortei nossa amizade. Inclusive, fora ela
quem me dera a brilhante ideia de viajar para “esfriar a cabeça” e dar
“tempo ao tempo”.

— Eu acho que você devia viajar pra algum lugar, amada — dissera-
me ela, no dia seguinte ao término do meu relacionamento com Diogo. —
Esfrie a cabeça e descanse um pouco... Tenho certeza de que quando você
voltar pra cá, as coisas já estarão melhores.
Lembro-me de rir, como se a ideia de deixar o meu trabalho fosse
ridícula.

— Não posso simplesmente abando...

— Dê tempo ao tempo, Paty — ela me interrompeu. — A pior parte


ainda nem começou, amada... As pessoas vão comentar e ainda vão se meter
no meio do relacionamento de vocês dois.
De todas aquelas coisas, “as pessoas vão comentar”, foi o que mais
ressoou em mim. Eu senti pavor só de imaginar o que pensariam de mim, do
que diriam pelas minhas coisas e, principalmente, daquilo que perguntariam
quando me vissem.

E foi exatamente isso o que me fez sair de férias, a oportunidade única


de evitar aquele constrangimento, de pular toda a parte estranha e desgastante
do final da minha relação.

Agora, no dia em que cheguei a Girassol — dois dias depois de ter


saído do meu apartamento e entrado no ônibus —, a primeira coisa que notei
no perfil de Diogo foi a foto de uma festa, uma imagem repleta de garotas e
bebidas. E a cretina da Roselinda estava lá, bebendo com ele, encorajando-o a
seguir em frente sem mim.
Ainda que não fosse explícito, isso me fez perceber que, ao contrário
do que havia me dito, Rose havia tomado partido, sim, ela havia escolhido o
meu ex-noivo. Aconselhou-me a viajar para “esfriar a cabeça” enquanto
enchia a do Diogo de cachaça e diversão.

Fiquei com tanto ódio que minha vontade era a de tirar um print da
foto e mandar para ela, exigindo explicações. Eu precisei me controlar para
não brigar, xingando-a dos piores nomes que conseguia pensar.

No final, tudo o que eu fiz foi excluí-los das minhas redes sociais e
agradecer a distância por me impedir de quebrar a cara daquela traíra, que
não teve a decência de esperar nem ao menos duas semanas antes de festejar
com Diogo, encorajando-o a cercar-se de mulheres. Fez isso mesmo depois
de me garantir que, talvez, as coisas ainda não tivessem realmente terminado
entre a gente.
Capítulo 03 — Miss Girassol

Por telefone, combinei um encontro com Clarice em sua casa. Minha


antiga amiga ainda morava no mesmo lugar, na propriedade de seus pais, que
eram praticamente os nossos vizinhos ou o mais próximo que tínhamos disso
nas proximidades.
Dez minutos dentro da caminhonete do meu pai foi o suficiente para
que eu chegasse lá.

A poeira se levantando, os vidros abertos e o meu cabelo dourado


balançando com o vento, traziam-me lembranças da garota rebelde que eu
costumava ser.

Estar dirigindo o carro do meu pai daquela forma, sem me preocupar


com um possível flagrante de um de seus amigos, era estranhíssimo. Por mais
que tivesse plena consciência de que não era mais uma frustrada garota de
dezoito anos de idade, com todas aquelas lembranças me invadindo, era
impossível me controlar e não deixar esse sentimento me dominar.
E esse era exatamente o problema de se esconder do passado, de
trancafiar todas as lembranças no fundo da mente. Em determinado
momento, todas essas coisas acabam nos encurralando, fazendo-nos sentir em
décuplo tudo aquilo que não queríamos sentir.

Antes de passar pela porteira da propriedade, onde precisei descer da


caminhonete para abrir com as minhas próprias mãos, como se ainda
estivéssemos no século passado, estava com medo do quê, ou melhor, de
quem eu encontraria lá dentro. Afinal, todos aqueles anos sem nenhum tipo
de contato com Clarisse era a receita perfeita para um clima estranho entre
nós duas, o famoso bolo de climão.

E eu não queria sentir isso — não com ela —, não com alguém que já
tinha sido tão especial para mim. Eu não queria ficar desconfortável a ponto
de desejar que nosso reencontro, que havia demorado muito tempo para
acontecer, acabasse de forma tão rápida. Não queria olhar para a minha amiga
mais antiga e perceber que, naquele momento, nós não passávamos de duas
estranhas, de pessoas que já tinham significado muito uma para a outra, mas
que não se conheciam mais.
No instante em que a vi deixando a casa para me receber, todos esses
meus pensamentos pessimistas desapareceram.

Estacionei o carro e abri a porta, ansiosa para confirmar aquilo que os


meus olhos vislumbraram de relance. Quando me aproximei de Clarisse,
notei que não se tratava de uma espécie de miragem ou memória do passado
tornando a me invadir.

Ela realmente estava ali, bem ao meu lado.


Com os meus olhos colados na Miss Girassol, cheguei à conclusão de
que a minha amiga não havia mudado praticamente nada. Ela continuava com
a mesma cor e corte de cabelo, a mesma postura e principalmente o mesmo
estilo brega, que era bem expresso no seu jeans boca de sino e em suas
botinhas com detalhes em xadrez.

— AI MEU DEUS, OLHE SÓ PRA VOCÊ! — gritou ela, assustando-


me pela altura que a sua voz soou.

Tinha me esquecido do quanto a Clarisse costumava ser escandalosa


ou, como a minha mãe dizia, “ardida”.
— Olha só pra esse cabelo e rosto? Você está gostosona, Paty! —
Depois de mais alguns segundos me analisando, ela concluiu: — Mas
continua perdendo pra mim em corpo, ainda não tem bunda.

Eu nem tive tempo de formular uma resposta ácida, pois os seus braços
me envolveram com tanta força que me deixou sem ar e palavras.
— Você está ainda melhor do que nas fotos do seu Facebook —
continuou ela, como se a minha aparência realmente a tivesse surpreendido.
— Sempre pensei que você exagerava nos filtros e por isso as suas fotos
ficavam tão perfeitas, mas aqui está você, ao vivo e em cores… É oficial, eu
te odeio, sua cretina.

Definitivamente, fazia muito tempo que ninguém do meu círculo social


me chamava de “cretina”. A última pessoa a fazer isso, muito
provavelmente, foi a própria Clarice — ou uma das muitas pessoas que eu
demiti.

O fato de ela estar exatamente como antes, também significava que a


minha melhor amiga continuava maravilhosa. Os seus cabelos castanhos
permaneciam volumosos e brilhantes, seus olhos continuavam naquela cor de
mel que sempre amei e o seu corpo estava mais magro do que nunca, nem
mesmo a sua segunda gravidez foi capaz de deixá-la menos perfeita.
E tudo isso confirmava as suas palavras — ainda que eu nunca fosse
admitir em voz alta —, que Clarisse ainda ganhava de mim com o seu
corpinho de “Miss Girassol”, competição de beleza da cidade que ela venceu
por dois anos consecutivos.

— Você não mudou nada — disse segundos antes de receber um “eu


sei!”, o que me fez tornar a prestar atenção nas suas roupas. — O seu
péssimo senso de moda, definitivamente, continua igual.
Ela revirou os olhos e riu de forma debochada, antes de disparar: —
Você acha mesmo que eu vou me vestir bem pra ser vista por um bando de
animais?

— E quanto ao Fred? — eu fiz questão de lembrá-la do marido.


— Ele já estava incluso nos animais, sua tonta — contra-argumentou
Clarisse, provando-me que ela continuava a mesma.

A morena acenou com a mão, trazendo-me para próximo da entrada da


casa.

— Não vou nem te pedir pra não reparar na bagunça porque eu te


conheço e sei que você vai reparar mesmo assim, sua vaca!
Ela realmente me conhecia bem.

E para Clarisse, coisas como “sua vaca” eram equivalentes a um “eu


te amo”.

Diferente da proprietária, o lugar tinha sofrido uma mudança


significativa com os anos. Eu tinha impressão de que até a divisão de alguns
cômodos estava diferente da última vez em que eu havia estado ali, quando a
ajudei com a mudança.

Ainda que não fosse exatamente do meu gosto — na verdade, era


completamente o oposto —, era bem confortável, a cara do Fred.

— Nem conseguimos falar muito por telefone ontem… Quando foi que
você chegou? — questionou ela, convidando-me para me sentar no sofá. —
Pra falar a verdade, demorei pra acreditar que você realmente estava aqui no
Inferno.

— Cheguei ontem mesmo, pela manhã — respondi, ainda observando


os detalhes da casa. — Mas, então, me conte! Quais são as novidades?
Ela riu e balançou a cabeça, antes de me dizer: — Se eu te contasse
tudo, nós teríamos que passar a semana inteira aqui, sentadas neste sofá
velho.

Nós conversamos sobre os nossos colegas de escola e o quanto as


aparências enganavam ou, no mínimo, mudavam bastante com o tempo.
Lívia, que costumava ser a garota mais popular e rica da turma — do
tipo que cuspia na cara de todo mundo sobre o quanto a vida dela era incrível
e a sua não —, estava vivendo em um sítio menor do que o dos meus pais,
com três filhos e casada com o Ferdinando, que também era conhecido como
“Fedornando”, o garoto que não tomava banho.

Gustavo, conhecido como Gu ou “Gustoso” — como eu e Clarisse o


chamávamos secretamente —, era basicamente o cara que sempre nos
deixava molhadas só com um sorriso. Ele foi o nosso sonho de consumo
durante toda a adolescência. Atualmente, o garanhão trabalhava como caseiro
em uma fazenda na região e, de acordo com a minha amiga, que era sempre
maldosa com os detalhes, estava com muita barriga e pouco cabelo.

E o fato mais assustador — talvez não tanto quanto o nosso príncipe


encantado ter se transformado num sapo — era que eu fui uma das poucas
pessoas a se mudar para um lugar sem terra, mato ou vacas para ordenhar.
Patrícia Medeiros tinha sido uma exceção.

Clarisse se levantou e caminhou em direção à mesa da cozinha,


segundos antes de voltar a sua atenção para mim.

— Quer um pouco de café? — Antes que eu pudesse responder com


um “sim”, minha amiga completou: — Mas já aviso que não é um
cappuccino ou qualquer outra porcaria chique que você deve estar
acostumada a tomar.
Eu a fuzilei com o meu olhar e retruquei: — Se não for tão ruim quanto
costumava ser… Sinceramente? Eu já vou sair no lucro.

Clarisse riu enquanto colocava o café nas duas xícaras.


E alguma coisa me dizia que não era da minha frase sobre o café dela
ser péssimo.

— Não se preocupe… Esse aqui foi o Frederico quem fez — comentou


a morena, ainda rindo, agora de uma forma mais debochada.

Quando ela o chamava de “Frederico” significava que as coisas não


estavam muito bem entre os dois.
— O infeliz fez até torrada e ovos mexidos pra tentar me agradar.

Não compreendendo o problema em tentar ser agradável, indaguei: —


E qual o problema nisso? Em tentar te agradar pela manhã? Eu acho isso tão
romântico, Clari.

— Ele só fez isso porque ficou do lado da mãe dele em uma de nossas
discussões — revelou-me ela enquanto me entregava a xícara com o café. —
Aquela velha sempre me irritou, mas nos últimos dias está passando dos
limites.

Provei o café e, para a minha surpresa, estava ótimo, nem precisei


fingir. Era mais forte do que aqueles que eu estava acostumada a tomar, mas
estava longe de ser tão ruim quanto o que Clarisse costumava fazer.

— Pelo menos, ele ainda tentou te agradar, outros nem isso fazem… —
disse, lembrando-me do traste do meu ex-noivo e do quanto ele havia me
decepcionado.

— O meu problema com esse agradar de macho é que sempre vem com
uma segunda intenção — continuou ela, dessa vez, fazendo-me concordar. —
Fred mesmo só me agrada em duas ocasiões. Uma delas é quando faz alguma
coisa errada, tipo ficar defendendo a vaca da mamãezinha dele.

Como ela não prosseguiu, comentando sobre a segunda coisa, a minha


curiosidade me obrigou a questionar: — E qual é o outro motivo?
Ela voltou o olhar para o meu rosto e me encarou com uma expressão
de “vai me dizer que não sabe mesmo?” e isso fez com que eu começasse a
rir, pois eu realmente não tinha ideia do que aquela louca estava insinuando.

— Não é óbvio, amiga? — continuou Clarisse, deixando-me ainda


mais curiosa pela resposta. Quando ela percebeu que eu realmente não sabia,
finalmente respondeu, revelando: — Boquete e anal!

Não tive nem tempo de rir da resposta, pois, logo em seguida, uma
garotinha loira surgiu de surpresa e aproximou-se de onde nós duas
estávamos sentadas.
Eu ainda não conhecia a segunda filha de Clarisse; tudo o que tinha
visto eram fotos nas redes sociais. Depois de eu cumprimentá-la com um
abraço, a garotinha voltou toda a sua atenção para a mãe.

— O que é “onal”, mamãe? — quis saber a criança, fazendo com que


eu quase me afogasse com o café.

Beatriz tinha apenas quatro anos de idade e, aparentemente, estava


entrando naquela fase de questionar o significado de tudo. E agora, estava na
minha frente, querendo saber o significado do tal do “onal”.
— Essa palavra não existe querida, a mamãe disse “ah não!” —
respondeu ela, tornando impossível não rir daquela situação constrangedora.

Eu mesma, nunca conseguiria sair de uma saia justa daquelas.


Provavelmente, era por esse mesmo motivo que nunca tinha pensado em ter
um filho, mesmo quatro anos depois de já ter completado trinta.

— Agora vá brincar com a sua irmã, a mamãe está conversando com a


titia.
“Fiquei pra titia”, eu me dei conta enquanto a criança se afastava da
gente.

— Meu Deus, como ela é linda, Clari! — comentei, voltando o meu


olhar para a morena. — Nem parece que essa coisinha fofa saiu de você.

A mulher ao meu lado sorriu e, como se estivesse se vingando da


brincadeira, perguntou-me: — E quanto a vocês, já estão planejando ter um
monstrinho?
As pessoas sempre me perguntavam isso.

“Quando é que vocês vão ter um filho?”.

“A criança já está encomendada?”.


Só não me perguntavam mais do que a famosa: “e o casamento de
vocês, quando é que saí?”.

Com o tempo, eu comecei a responder isso de forma padronizada —


para os dois casos —, usava apenas um “por enquanto ainda não estamos
planejando”.

Eu havia construído uma vida incrível: possuía uma posição


cobiçadíssima no ramo publicitário, alcancei a independência financeira —
talvez o meu maior sonho na época em que deixei o sítio dos meus pais —,
entretanto, sempre que dizia que não era casada e que ainda não possuía
filhos, as pessoas agiam como se eu tivesse fracassado como mulher.
Em relação a ser mãe, eu até compreendia essa “preocupação”, pois,
com o tempo, infelizmente acabava ficando mais difícil.

No entanto, isso não se aplicava ao casamento, não existia nenhuma


questão biológica nisso. E, mesmo assim, ouvia coisas como: “Mulher, se
apresse aí... Se você chegar aos quarenta anos solteira, não casa mais”.
Eu nem tive tempo de responder a sua primeira pergunta, pois a minha
amiga já emendou outra: — Falando nisso, e o seu casamento, amiga?

Droga.

Foi como se ela estivesse lendo os meus pensamentos.


E como dessa vez aquela resposta padronizada não serviria, eu não
tinha a mínima ideia do que deveria lhe responder.

Deveria dizer a verdade?

Dizer que não existia mais noivado, que estava solteira depois de levar
um chifre seguido por um baita pé na bunda?
Ou mentiria, dizendo que ainda não havíamos planejado nada disso?

Mesmo depois de vários anos sem nos encontrarmos, a minha amiga


mais antiga ainda me conhecia melhor do que ninguém. Eu nem precisei
decidir, pois o meu breve silêncio e hesitação deu a ela a resposta para aquela
pergunta.

— Merda… Eu… eu não tinha ideia…


— Tudo bem… Na verdade, esse é o motivo da minha viagem pra cá
— revelei, sentindo-me confortável o suficiente para dividir aquelas coisas
com ela. — Não foi um término muito amigável e eu precisava descansar a
minha cabeça de todos esses problemas.

— Ele te traiu? — ela adivinhou, sendo direta como de costume.


Balancei a cabeça confirmando a teoria certeira dela.

— Me diz que você, pelo menos, deu uma surra nos dois safados?

Fiquei em silêncio.

— Bateu só na vadia? — continuou ela, tentando adivinhar o que mais


havia acontecido. — Se você bateu só nela e não ralou a cara do infeliz, eu é
que vou quebrar a sua cara.

Novamente, nenhuma palavra deixou a minha boca.

Depois de mais alguns segundos, ela desistiu de continuar chutando.

— Desisto…

— Eu não bati em ninguém… Em vez disso, fui bem compreensiva,


tentei desculpá-lo e dar uma chance pra ele, para a nossa relação, mas…
Diogo não quis.
Com uma expressão bem surpresa, minha amiga comentou, com aquela
sua sinceridade aguda: — Deixa eu ver se entendi bem essa história? O cara
te coloca um par de chifres, você o perdoa e, logo em seguida, ele te dá um
pé na bunda?

Envergonhada, eu balancei a minha cabeça, confirmando.

Foi exatamente o que aconteceu.


— Ele me trocou por uma garota de vinte anos…

Basicamente, alguém catorze anos mais jovem do que eu.

— Eu já achei uma tremenda burrice você não ter quebrado a cara dos
dois… Mas tentar perdoá-lo depois de ser chifrada? Isso é ser trouxa demais,
Paty... Até pra você, amiga!
Olhando através daquele ângulo, eu realmente aparentava ser a mulher
mais burra do universo.

Eu não conseguia colocar em palavras exatamente o que havia me feito


tentar salvar algo que já estava perdido. Tudo o que eu sabia era que conhecia
Diogo — ou pensei conhecê-lo. Ele era alguém que eu conseguiria
administrar, com quem eu conseguiria fazer dar certo. Tínhamos feito planos
demais para acabar com tudo o que nós dois possuíamos sem nem tentar
encontrar uma maneira de salvar aquele barco afundando.

Além disso — por mais que eu não quisesse admitir —, ainda havia a
questão da minha idade. Em apenas cinco anos, estaria quase chegando aos
quarenta, solteira e sozinha. Infelizmente para uma mulher, de acordo com
aquilo que cresci ouvindo, era um claro sinal de fracasso.

No final das contas, eu realmente não havia colocado um fim em nossa


relação.

Foi ele quem fez isso.


Depois de notar o meu silêncio e que, provavelmente, estava pegando
pesado demais comigo, Clarisse tentou consertar a situação com aquela velha
conversa fiada de “vai ficar tudo bem, amiga”.

— Você vai encontrar um cara bacana e muito gostoso, não se


preocupe... — continuou ela em sua falha tentativa de me colocar para cima,
segundos depois de quase ter me enterrado viva com toda aquela sinceridade.

Após mais alguns instantes em silêncio, ela prosseguiu completamente


animada: — Nós podemos sair e festejar juntas, tipo relembrar os velhos
tempos?
Eu não tinha ideia se aquilo havia sido uma pergunta ou afirmação.
— E quando foi que passaram a dar festas no Inferno? — questionei
sem nem disfarçar o tom debochado em minha voz.

Felizmente, a minha amiga não se importou com isso, ela até entrou na
brincadeira.
— Agora nós também temos festas, exatamente como na cidade
grande, querida… Só que a nossa é no meio do mato, o que torna tudo ainda
mais divertido, pois nem precisamos de quartos. — Antes que eu pudesse
chamá-la de nojenta, Clarisse continuou: — E eu fiquei sabendo que a
próxima acontecerá na sexta-feira.

— Eu não…

— Vamos sim, você mesma disse que veio pra cá esfriar a cabeça e
nada melhor do que em uma festa com a sua velha amiga — respondeu ela,
interrompendo-me antes que eu pudesse enumerar os vários motivos pelos
quais aquela não parecia ser uma boa ideia. — Vai que você encontra um
peão gostoso por lá, se casa e mora em um sítio aqui perto, já pensou?
Quase fiz um sinal da cruz e rezei um pai-nosso para me proteger
daquela maldição que Clarisse estava jogando pra cima de mim.

E como eu sabia bem que ela não desistiria tão fácil, resolvi apelar para
a família dela.

— E o Fred, amiga? — indaguei, com os meus olhos fixos nos dela. —


O que ele vai pensar de tudo isso?
Com um sorriso estampado nos lábios, ela me respondeu: — Se você
não contar, eu também não conto.
Capítulo 04 — Festa

Quando aquela nossa conversa chegou ao fim, recusei o convite, mas,


assim como acontecia no tempo da escola, Clarisse insistiu demais e apelou
para frases do tipo: “você vai mesmo privar a amiga entediada que não
visitou durante anos de se divertir em uma festa”? Consequentemente,
acabou me fazendo ceder.

Ela conseguia ser muito persuasiva quando queria e, no final era


sempre a mesma coisa, eu acabava concordando com a loucura que ela
sugeria.
Mesmo depois de confirmar, ainda fiquei dividida, pensando se
realmente deveria ir a uma espécie de festa e fingir que estava bem, que não
estava pensando naquele infeliz que me trocou como se eu fosse um modelo
ultrapassado.

Nos dois dias seguintes, a minha resposta foi um “não, eu não vou ir a
essa festa estúpida” e “eu não preciso disso”. Mas quando a sexta-feira
chegou, dirigi até o local em que a festa ocorreria, pensando “você merece se
divertir, Patrícia!”, como se estivesse justificando para mim mesma o
motivo de ter aceitado participar daquela loucura.

Como Clarisse se atrasou, fiquei do lado de fora, observando o estilo


das pessoas que estavam entrando no local, uma espécie de barracão.
Não havia ninguém parecido com o tipo de gente que eu estava
acostumada a conviver. Eles eram, em sua maioria, malvestidos e
barulhentos. No entanto, o maior problema que identifiquei, não foram as
roupas ou a intensidade que as suas vozes irritantes soavam, mas que toda
aquela gente tinha uma coisa muito específica em comum.

A idade.

Eu ainda não tinha visto ninguém que aparentasse ter mais de vinte e
cinco anos e isso me deixou bem desanimada, pois, ao lado deles, jovens e
agitados, acabei me sentindo uma idosa.

Estava em um ambiente cheio de crianças.

O lugar cheirava a leite.

E depois de ser substituída por um modelo mais novo, não era nem um
pouco legal se sentir um produto vencido. Por mais que a minha autoestima
fosse boa, era impossível não me sentir mal depois do que havia acontecido
com o meu noivado, do que Diogo havia feito comigo.

Quando a minha amiga finalmente deu o ar de sua graça, vestindo um


shortinho extremamente curto, que parecia com algo que ela costumava usar
na adolescência, comentei sobre o que me incomodava.

— Só tem adolescentes por aqui, Clarisse — sussurrei, enquanto


continuava observando as pessoas que passavam ao nosso lado. — E eu não
vou ser a coroa da festa... Já não basta eu ter sido trocada por uma novinha?

— Você, uma coroa? Claro que não, amiga! — respondeu-me ela em


uma tentativa de me convencer do contrário. — Tem gente de todas as idades
por aqui, sua boba.

Eu tinha uma estranha impressão de que essa também era a primeira


vez dela em uma festa daquele tipo. A morena parecia estar tão surpresa e
perdida quanto eu, ainda que estivesse tentando esconder isso de mim.

— Por que você não me avisou que seríamos a terceira idade daqui, sua
vaca? — continuei a questioná-la e, dessa vez, quase gritando. Havia
pronunciado até um “sua vaca”. A minha paciência estava desaparecendo
rapidamente. — Não pensou que seria legal, sei lá, me avisar?

Ela ficou em silêncio por alguns instantes e, em seguida, respondeu,


confirmando todas as minhas suspeitas.
— Esta é tipo a minha primeira festa em uns oito anos… Então,
desculpe, eu… eu não sabia.

“É claro que não”, pensei, odiando-me ainda mais por ter aceitado a
porcaria do convite.

Ela só tentou passar a impressão de que ainda era tão descolada quanto
no tempo da escola, de que ainda frequentava festas e se divertia, mesmo
sendo casada e mãe.
No fim das contas, estávamos incessantemente tentando mostrar o
quanto a nossa vida era incrível e deslumbrante, ainda que isso não fosse
verdade. Tudo o que importava eram as aparências, as fotos que postávamos
e as curtidas que recebíamos.

— Chega disso! Eu… eu vou embora — disse e me virei, disposta a


deixar tudo aquilo pra trás e passar a minha noite realmente assistindo
televisão com o meu pai.

Com certeza, algo bem mais produtivo do que a festa do dia das
crianças que estava rolando naquele barracão. Mas ela agarrou o meu braço,
impedindo-me de voltar para a caminhonete azul.
— Você vai mesmo desperdiçar a oportunidade de se divertir e
esquecer o babaca do seu ex? — questionou ela como se estivesse atirando
uma isca pra me fisgar. Depois de perceber a minha hesitação, a morena
continuou: — Vamos entrar e se só tiver crianças lá dentro, nós vamos
embora. Combinado?

Clarisse — ainda que ela não estivesse admitindo — estava precisando


mais daquela festa do que eu.
Talvez ela estivesse se sentindo sufocada com a sua vida de mãe e dona
de casa. Talvez estivesse tentando dar o troco em Fred depois da briga que
tiveram. Talvez a minha presença tivesse despertado memórias antigas e ela
estivesse apenas com saudade daquela pessoa festeira que costumava ser.

Eu não tinha ideia de qual era a resposta correta, mas depois de ter isso
em mente, foi impossível deixar de balançar a minha cabeça, concordando
com a sua proposta.

De qualquer forma, o que eu perderia tentando me divertir?


Entramos na festinha e, felizmente, não estávamos cercadas apenas por
adolescentes — ainda que eles, com toda a certeza, fossem a maioria — e
isso foi o suficiente para que eu finalmente começasse a me animar. Clarisse
não perdeu tempo e buscou bebida para nós duas, sabendo que isso ajudaria a
nos enturmarmos com o restante das pessoas.

Eu nunca fui do tipo de mulher que costumava beber com frequência:


nem mesmo chegava a gostar de cerveja, a bebida que eles tinham ali. Por
outro lado, em um lugar onde não conhecia ninguém, o álcool certamente me
ajudaria a ficar mais extrovertida.

Depois de uma hora bebendo isoladas em um canto, uma música


sertaneja começou a tocar e Clarisse, puxando-me para dançar com ela,
gritou: — Amiga, é a minha música!
Como eu já estava um pouco alta — na verdade, bem mais do que “um
pouco” —, nem questionei, só a acompanhei até o centro do barracão onde
outras pessoas também se arriscavam nos passos de dança.

A partir da segunda música, já estava me divertindo. Não era algo


forçado, em que eu tentava me convencer de que estava melhor sem Diogo,
sem que nem eu mesma acreditasse totalmente nisso.
Naquele instante, enquanto dançava com a minha amiga, esqueci
completamente de todo o restante, que incluía o trabalho que eu havia
deixado nas mãos de outras pessoas lá na cidade — gente que até se
esforçava, mas que não era tão competente quanto eu — e, obviamente, do
meu ex-noivo, o culpado por tudo.

Finalmente me sentia bem e essa sensação foi o suficiente para que eu


me entregasse de vez à bebida, à música e, consequentemente, à festa.
Capítulo 05 — Peão

A minha visão estava completamente embaçada e tudo parecia girar,


deixando-me ainda mais desorientada. E por mais que a minha cabeça
estivesse explodindo — certamente, uma consequência de toda aquela bebida
que ingeri na festa —, esse não era o meu principal problema.

Não me lembrava de muita coisa da noite anterior. Com exceção do


que havia acontecido nas primeiras horas, tudo o que eu sabia era que havia
exagerado no álcool e que tinha feito coisas que a Patrícia Medeiros sóbria
nunca cogitaria em fazer.
Meu pavor aumentou no instante em que observei os detalhes do lugar
em que estava.

A decoração era escura e simples demais, extremamente masculina —


e de um péssimo gosto, diga-se de passagem. Definitivamente, não se tratava
de um dos quartos da casa dos meus pais, nem o mau gosto pavoroso da
minha mãe conseguiria dar vida a um lugar horripilante daqueles. E por mais
que o gosto da minha amiga também fosse bem duvidoso, alguma coisa me
dizia que não era um dos que Clarisse e Fred tinham na deles.

Estava deitada em uma cama dura e coberta com uma colcha verde
desgastada, que parecia ser o cobertor de algum animal de estimação e não
algo adequado para o uso de um ser humano, entretanto, a parte mais
assustadora era que eu estava vestindo apenas roupas intimas.
Isso fez com que eu, no mesmo segundo, olhasse para o chão, a
procura do restante das minhas coisas.
Não encontrei nada; nem roupas, nem bolsa e nem sapato.

Naquela fração de segundos, tudo o que a minha mente focava era em


colocar alguma vestimenta no meu corpo e sair o mais rápido possível
daquele lugar desconhecido, dando um fim no que parecia ser um filme de
terror.
— Então a bela adormecida finalmente acordou? — disse uma voz
grossa, com um sotaque típico do interior, arrastando o “R” de
“adormecida” e quase comendo o “U” de “acordou”. — Já tava na hora.

Instantaneamente, voltei o meu olhar na direção daquela voz grossa e


desconhecida, e avistei um homem alto, com uma expressão felina estampada
no rosto. Ele encarava-me como se eu fosse uma de suas presas tolas, uma
que acabara de se enroscar na arapuca do predador e que estava com os
segundos contados.

Outra coisa que me intimidava — além de seu olhar analítico — era o


fato de ele ser muito atraente, daquele lote de homem que consegue ser o tipo
de toda mulher. Seus cabelos eram de um tom castanho escuro, que
facilmente podiam ser confundidos com o preto. Já os seus olhos, eram de um
verde vivo, totalmente hipnotizante, trazendo um contraste perfeito.

Só não me senti ainda mais atraída porque ele não parecia possuir mais
de vinte e poucos anos e eu já era madura demais para ficar brincando com
crianças.

Devido a situação em que eu me encontrava, sem memória e


praticamente pelada na cama de um completo estranho, tê-lo a minha frente
foi mais do que o suficiente para que eu entrasse em total desespero.

Muito provavelmente, estava encarando a pessoa que dormiu ao meu


lado naquela cama, a mesma que me ajudou a tirar cada uma das peças de
roupa do meu corpo. E — a parte mais aterrorizadora — alguém que eu não
sabia nem mesmo o nome.

Não tinha como não ficar apavorada com algo assim, independente da
aparência do sujeito.
Sem nem pensar, apanhei o cobertor velho e me enrolei nele, antes de
me levantar da cama, ficando de frente com o desconhecido.

Demorei um pouco para perceber que ele estava segurando uma


bandeja de plástico com algumas torradas e um suco que identifiquei como
sendo de laranja.

— Onde… onde eu estou? — questionei com um pouco de dificuldade,


enquanto continuava tentando manter a calma. — E quem me trouxe pra cá?
O moreno não respondeu a nenhuma das minhas perguntas, se
limitando a continuar parado a minha frente, com um sorriso debochado,
acompanhado de um olhar enigmático.

O seu silêncio foi o estopim para a minha explosão.

— Você é surdo ou só idiota mesmo? — disse a ele, dessa vez sem


gaguejar.

Ao que tudo indicava, toda a minha paciência e autocontrole haviam


evaporado, junto com a memória da noite anterior.

A minha frase deu conta de arrancar o sorrisinho irritante dos lábios


dele.

Depois disso, sua resposta não demorou a vir: — A madame tá num


quarto, enrolada no meu cobertor e se abaixar um pouquinho a bola, prestes a
provar do meu delicioso café da manhã.
Seria impossível ouvir uma resposta mais vaga do que aquela.

O cretino realmente estava empenhado em me irritar.

Cansada de esperar uma resposta decente daquele caipira, eu dei três


passos e passei por ele, decidida a pegar as minhas coisas e ir embora.

Minha determinação só durou até o momento em que cheguei à porta.


Mesmo não querendo voltar a olhar para ele, eu ainda não tinha ideia de onde
estava a minha bolsa e, o mais importante, o restante das minhas roupas. E
como não poderia partir vestindo calcinha e sutiã, fui obrigada a recorrer ao
infeliz que continuava bloqueando o meu campo de visão.

— Onde você colocou as minhas coisas? — perguntei de forma mais


agressiva, torcendo para que dessa vez ele me desse logo a resposta.
Inicialmente, pela maneira com que a expressão de seu rosto se
transformou, eu pensei que ele finalmente fosse pronunciar alguma coisa
relevante, mas, como sempre acontecia comigo quando se tratava de homens,
eu estava enganada.

— Seu nome é Patrícia, né? — A sua voz soou de forma mais pacífica.
— Acalma um pouquinho...

Ele colocou a bandeja em cima de uma mesa velha e sorriu, realmente


tentando passar por cima de toda a minha agressividade. O caubói sentou-se
na cama e deu um tapinha no espaço vago ao seu lado.
— Senta aqui comigo, come um pouco do café que preparei e eu te
explico tudo que aconteceu com mais calma.

Como eu não me movimentei, ele se levantou e se aproximou de mim,


mas antes que o homem pudesse chegar até onde eu estava parada, eu me
afastei, dando dois passos para trás.
— Eu não quero a droga do seu café da manhã… Quero as minhas
coisas e só! — gritei, cansada de ter que ficar repetindo sempre a mesma
coisa, parecia que eu estava conversando com uma parede.

Antes que ele pudesse abrir a boca e despejar mais daquela conversa
fiada, eu completei: — E você não tem vergonha na cara, não? Trazer uma
mulher completamente bêbada pra sua casa e se aproveitar dela?
O desconhecido ficou extremamente sério e, logo em seguida, começou
a rir, como se eu estivesse lhe contando uma piada engraçada ou falando algo
estúpido e sem sentido.

— Cê tá dizendo que eu te abusei... É isso mesmo? — questionou-me


ele, finalmente compreendendo todo o problema daquela situação. Como
fiquei em silêncio, confirmando a sua pergunta, ele prosseguiu: — Eu
nunca… — Ele riu e balançou a cabeça, como se gritasse o quanto estava
descrente com a minha acusação. — Nunca precisei disso pra pegar mulher
nenhuma. — Os olhos verdes dele analisaram o meu corpo de uma forma que
me deixou bem desconfortável. — E, com certeza, eu que não começaria
com… com uma perua fresca dessas.

Se há alguns segundos eu estava me sentindo incomodada com a


possibilidade de ter transado com ele bêbada, agora estava ofendida por ele
sugerir que não faria isso comigo, como se eu não estivesse a sua altura.
Foi impossível não me sentir agredida por aquele “perua fresca”.

O caipira fez com que eu me sentisse velha.

— E, ainda assim, me arrastou para a sua casa e pra sua cama, não é
mesmo seu cachorro? — rebati, pegando nojo daquela expressão sarcástica
que ele mantinha estampada no rosto.
Naquela fração de segundos, eu me detestei por, em algum momento,
já tê-lo achado bonito.

Outra vez, eu não lhe dei chances de soltar mais um comentário


ridículo: — O único motivo por eu ter deixado aquela festa com um caipira
nojento, que se presta a vestir uma camisa xadrez ridícula como essa, foi
porque estava bêbada demais pra me dar conta disso — ataquei, constatando
que ele devia mesmo se tratar de um peão qualquer. — Agora, novamente,
onde estão as minhas coisas ou será que eu vou ter que chamar a polícia?

— Tá tudo ali no banheiro, madame — disse ele, finalmente dando-me


uma resposta decente, ainda que finalizasse com o irritante “madame”.

Por mais que o quarto fosse bem simples — típico de um peão da


classe dele —, se tratava de uma suíte, então não demorei muito para
localizar o banheiro. Sem perder mais nenhum minuto, caminhei em direção
à porta do outro lado do cômodo e, por sorte, encontrei a minha bolsa e uma
sacola amarela ao lado dela, onde o idiota havia guardado as minhas roupas.

Resolvi checar se a minha carteira e todos os outros pertences ainda


estavam dentro da bolsa, pois não confiava nem um pouco naquele cara.
Quando constatei que ele não havia furtado nada, eu abri a sacola para
finalmente colocar um pouco de roupa no meu corpo e dar um fim a todo
aquele pesadelo.
Assim que eu desfiz o nó, o meu estomago se revirou com o cheiro
nojento que o conteúdo exalava.

O meu vestidinho rodado estava lavado de vômito. Se eu não tivesse


fechado aquilo alguns instantes depois de abrir, teria vomitado mais. Cheguei
a sentir o gosto amargo tomando conta da minha boca.

— Cê praticamente me obrigou a te trazer pra cá, ficou miando alguma


coisa sobre querer esquecer um tal de Diego — A voz do caubói surgiu
novamente, pegando-me de surpresa. — Disse que eu era gostoso e implorou
pra eu te comer.

A última palavra deixou o meu rosto vermelho.


Foi impossível não me irritar. Não porque achava que ele estava
mentindo. Na verdade, o que me irritava era justamente o oposto, o fato de eu
saber que ele estava certo. A ideia de que eu o obriguei a me arrastar para
aquele barraco, que dei em cima dele — pedindo para ser “comida” — e
vomitei nas minhas próprias roupas não parecia nada louca ou improvável. A
minha dor de cabeça e ele ter errado o nome do meu ex-noivo por um “o”,
apenas corroborava com isso.

— Como sua amiga já tinha dado no pé, eu achei melhor trazer cê pra
cá e evitar que dirigisse bêbada igual uma gambá por essas bandas.

Eu me virei, encarando aquele sorrisinho nojento e vitorioso que


coloria os seus lábios rosados e terminei de ouvir o que mais ele tinha para
me dizer.
— E quando nós dois chegamos aqui, cê tentou me agarrar… — Ele
riu, mostrando-me que o pior ainda estava por vir. — Eu só não precisei fugir
porque cê vomitou em nós dois e apagou. Foi nojento pra cacete.

O olhar dele fez com que eu engolisse todas as palavras que tinha
pronunciado mais cedo, junto com a razão que eu pensei possuir.

Tudo isso se transformou em vergonha.


Uma vergonha humilhante.

Mas como eu já devia esperar — e como eu realmente merecia —, ele


não aliviou as coisas para o meu lado.
— A única coisa que eu fiz, foi impedir que a madame aí dormisse
embalada no próprio vômito. Então, não tem de quê!

Em uma vingança boba, ele nem me deu chance de falar, deixando o


banheiro no instante em que eu abri a minha boca para lhe fazer um pedido,
praticamente implorando por ajuda.
Sem nenhuma alternativa, eu me obriguei a correr na sua direção, pois
precisava conseguir alguma coisa para vestir. Porém, quando você acusa e
maltrata uma pessoa sem motivos, pedir por um favor pode não ser a coisa
mais fácil do mundo. E por mais que o meu rosto estivesse tão vermelho
quanto uma pimenta, eu não tinha outra saída.

— Você… você… — comecei a dizer, com ainda mais dificuldade do


que antes. As palavras simplesmente desapareciam no momento em que eu
mais precisava delas. — Você tem uma camisa pra me emprestar?

Ficou evidente o quanto ele estava adorando me ter naquela posição,


quase implorando por uma coisa sua. E ainda que eu merecesse em parte, isso
não tornava a situação menos humilhante.
— Então agora a bonita quer a ajuda do caipira aqui? — provocou-me
ele, tornando a sorrir daquela maneira que me tirava do sério.

Eu precisei engolir uns dez tipos de palavrões para não me complicar


ainda mais. Quando finalmente me dei por vencida, balancei a minha cabeça,
respondendo a sua pergunta com um tímido gesto.

Sim.
Eu precisava da ajuda do peão.

Segundos depois dessa minha confirmação, o caubói começou a


desabotoar a sua camisa xadrez — aquela que eu havia chamado de ridícula
— e, nesse instante, os meus olhos me traíram, colando em sua pele
bronzeada, queimada pelo sol. Eu não consegui deixar de estudar cada
pedacinho daquele seu abdome musculoso, que, muito provavelmente, era
fruto do trabalho braçal no campo.

— Se quiser, vai usar a camisa xadrez ridícula que tanto desprezou —


disse ele, trazendo-me de volta a realidade, ao entregar-me a peça de roupa
suada. Como eu demorei pra pegá-la de sua mão, o peão continuou com a sua
sessão de tortura: — Ou cê pode voltar pra casa vestida de vômito, a madame
que decide.
Sem dizer mais nenhuma palavra, o marrento jogou a camisa em cima
da cama e se virou, pronto para deixar o quarto. No entanto, antes de me
abandonar ali, o infeliz pegou a bandeja com o café, que agora estava com
uma cara maravilhosa.

— Mulheres mal educadas não merecem café da manhã — finalizou o


cretino, levando a comida junto com ele.

Por mais que eu fosse uma mulher de convívio complicado, não tinha
muitas desavenças e eu não odiava quase ninguém. Mas aquele cara, com
toda a certeza, já estava ocupando uma ótima posição na minha listinha do
ódio, o seu nome permaneceria por muito tempo sublinhado na cor vermelha.
Mesmo detestando a ideia de vestir a roupa brega e suada que aquele
inútil havia acabado de tirar do corpo, fui obrigada a fazer isso.

Eu já conseguia até imaginar o olhar da minha mãe me vendo chegar


com aquela camisa. Ela ganharia o dia me assistindo de forma tão deplorável.
E pior do que o seu olhar, seria ter que ouvir algum de seus típicos
comentários irônicos.

Mas se existia alguém que eu estava odiando mais do que o caipira mal
educado, era Clarisse — a pessoa que deveria ter agido como a minha amiga.
De acordo com aquele babaca, ela foi embora e me deixou lá sozinha e
bêbada, completamente exposta a todo tipo de perigo.

Eu podia me considerar uma pessoa sortuda por ter ido parar na cama
de um cara só insuportável. Sabia que a situação podia ter sido muito pior, ele
poderia ser insuportável e assassino.
Ao deixar o quarto do caipira, que provavelmente trabalhava de caseiro
na fazenda, avistei a caminhonete do meu pai estacionada ao lado de uma
árvore.

Vê-la ali, em segurança e ao meu alcance, me aliviou por completo,


sendo exatamente o que eu precisava para dar um fim a todo aquele pesadelo.

No fim das contas, pelo menos, o caubói idiota serviu para alguma
coisa. Ele havia buscado o carro no local da festa, guardou em segurança no
quintal, escolheu até um lugar que não pegasse muito sol e devolveu a chave
para dentro da minha bolsa. Por mais que eu nunca, em hipótese alguma,
fosse assumir algo do tipo, realmente estava grata pelo gesto.
Observei por uma última vez a propriedade e dei partida, torcendo para
nunca mais ter que cruzar com aquele imbecil.
Capítulo 06 — Traumatizada

Exatamente como eu havia imaginado — enquanto dirigia para o


“Paraíso” —, minha mãe foi a primeira pessoa que me viu chegando,
vestindo apenas a camisa daquele projeto de caubói idiota.
Ela estava sentada na cadeira de balanço marrom, que ficava no quintal
da casa. E da maneira como olhava para frente, parecia que estava ali de
tocaia, esperando-me chegar só para ter o prazer de pronunciar um de seus
comentários maldosos, recheados de ironia.

Como eu não estava com muita paciência para isso, nem lhe dei a
chance de começar a falar. Passei por ela e limitei-me a um simples “bom
dia, mãe”, enquanto seguia em passos bem apressados para dentro de casa.

Já no meu quarto, finalmente tive o prazer de arrancar aquela camisa


xadrez nojenta. Atirei a peça de roupa no chão e, como uma menininha de
cinco anos de idade fazendo birra, pisei em cima enquanto me lembrava da
expressão de superioridade daquele cretino ao me emprestá-la.

Nunca havia sido tão humilhada.

E por um idiota que nem sabia falar direito.

“Se quiser, vai usar a camisa xadrez ridícula que tanto desprezou”.
Ele havia me dito com aquele sotaque de roceiro, junto com um sorrisinho
desprezível.
Depois dessa minha dose diária de infantilidade, fui para o banheiro
terminar de me purificar. Necessitava, urgentemente, me sentir limpa outra
vez e isso não aconteceria até que me lavasse, esfregando a minha pele com a
esponja mais grossa que os meus pais tinham.

A simples sensação da água quente caindo sobre minhas costas fez com
que voltasse a me sentir como eu mesma: uma mulher decidida e forte. A
água levou com ela todo o constrangimento que tinha passado pela manhã e
praticamente toda a raiva que ainda estava sentindo.
Não queria tornar a me lembrar daquela festa idiota e, principalmente,
do caubói com quem havia tido o desprazer de acordar, mas ainda existia
uma pessoa que me devia explicações — explicações muito boas por sinal.

Enquanto eu me ensaboava, pensava exatamente nas palavras que


usaria com Clarisse — a culpada por quase toda a confusão em que eu havia
me metido. Ela praticamente me obrigou a ir àquela festa estúpida e depois
me deixou lá sozinha, à mercê de homens tão nojentos e ridículos quanto
aquele que havia conhecido há algumas horas.

Ao me trocar — e, dessa vez, colocando outras coisas além de uma


camisa e roupa intima —, decorei várias frases agressivas como forma de
argumento, perfeitas para aquela determinada ocasião.
No caminho para a sala, mais especificamente onde o telefone ficava,
agi como se estivesse prestes a entrar em um tribunal, atuando como
promotora de um caso qualquer, que precisava derrubar todos os argumentos
da defesa.

No entanto, no instante em que a minha amiga atendeu a ligação, notei


que a sua voz estava um pouco estranha, transmitindo cansaço — de uma
forma bem diferente de quem havia acabado de acordar de ressaca. Então, em
vez de começar a despejar sobre ela todo aquele ódio que havia planejado,
optei por perguntar onde ela estava.

— Ainda estamos no hospital… Eles querem mantê-la em observação


por mais algumas horas — respondeu-me Clarisse, como se eu soubesse do
que ela estava falando. E como se já não tivesse me deixado confusa o
suficiente, ela continuou dando um nó na minha mente: — Fred descobriu
que eu não estava na sua casa por causa do cheiro de álcool nas minhas
roupas e agora está me ignorando e agindo como se eu fosse a pior mãe do
mundo.

Eu senti que ela continuaria falando — Clarisse tinha mesmo esse


defeito de ser tagarela — e como eu não estava compreendendo uma só
palavra de toda aquela conversa, resolvi interrompê-la e começar a questionar
a parte que julguei ser a mais séria.
— Espere um pouco, o que você está fazendo em um hospital?

Ela ficou em silêncio por alguns segundos, como se eu também a


tivesse deixado confusa.

— Beatriz. A minha filha. Uma crise de convulsão... Lembrou agora?


— ela disse pausadamente, como se isso fosse facilitar a minha compreensão.
Como se estivesse lendo os meus pensamentos, Clarisse prosseguiu, dando-
me o que eu precisava para acompanhar toda aquela história: — Comentei
com você ontem, antes de deixar a festa… Eu também te enviei umas vinte
mensagens.
Eu não me lembrava de nada disso e o meu celular estava sem bateria,
criando uma situação perfeita para o surgimento de mais um problema. Nesse
momento, eu agradeci mentalmente por não ter gritado com ela ao telefone,
antes de saber exatamente o que havia acontecido. Já bastava minha acusação
sem fundamento pela manhã, quando sugeri que o caubói teria se aproveitado
da minha embriaguez.

— Eu não me lembro de praticamente nada do que aconteceu ontem —


disse, odiando a mim mesma por ter bebido tanto.

Então, eu me dei conta de que havia acabado de saber que a filha dela
estava internada e questionei o óbvio: — mas e a Beatriz, como ela está?
— Já está melhor... Às vezes, ela tem essas crises e precisamos correr
para o hospital — explicou, despreocupando-me e fazendo com que me
sentisse menos culpada por pensar em um discurso ridículo antes de ligar. —
Ela ainda ficará em observação, mas acho que vão dar alta ainda hoje.

— Fico feliz em saber... Precisando de alguma coisa, é só me ligar —


disse finalizando a conversa e, em seguida, sentindo-me a pior pessoa do
mundo, encerrei a ligação.

A primeira coisa que fiz, depois de engolir toda a razão que pensava
possuir e aceitar que não existia mais ninguém para transferir a culpa além de
mim mesma, foi colocar a porcaria do meu celular para carregar. Eu queria
ver as mensagens que Clarisse havia-me enviado, para conferir se não havia
mais algum detalhe que eu precisava saber.
Após fazer isso, eu fui para a cozinha pegar uma xícara de café, pois
precisava desesperadamente despertar e a cafeína podia me ajudar com isso.
Chegando lá, eu descobri que a minha mãe já não estava mais lá fora
encarando o horizonte com o seu olhar julgador, agora ela estava acampada
na mesa, provavelmente esperando eu aparecer por ali para dar início a sua
segunda tentativa de comentar sobre o quanto eu estava sendo irresponsável e
imatura por dormir fora de casa sem avisá-los.

Ela notou minha presença e, instantaneamente, os seus lábios


começaram a se mexer: — Você já tem mais de trinta anos, mas continua
agindo como se tivesse quinze… — Antes que eu pudesse dizer qualquer
coisa, ela continuou com o sermão pronto: — Você quer matar o seu pai de
preocupação, Patrícia?

A princípio, eu teria dito: “como você mesma disse, eu já estou velha


demais pra ouvir toda essa baboseira, mãe!”, mas eu sabia que isso apenas
complicaria mais as coisas entre nós duas. E, por mais que fosse
extremamente irritante admitir, eu também sabia que a minha mãe estava
certa em tudo o que havia me dito. Virar a noite fora de casa sem avisá-los
era um comportamento muito adolescente.

— Eu realmente deveria ter avisado vocês… Desculpe mesmo, eu não


queria preocupar vocês dois — respondi de forma tranquila, surpreendendo
tanto ela quanto a mim mesma. — Prometo que não vou deixar isso acontecer
de novo.

Ela ficou tão grogue com o meu pedido de desculpa — algo que
realmente não era fácil de acontecer — que perdeu até o restante do sermão,
que também devia ter passado horas planejando.

Depois de quase um minuto em silêncio, apenas bebericando da sua


xícara de café, dona Sofia voltou o seu olhar em minha direção e sorriu.
— É bom finalmente ter você por aqui — comentou ela, antes de se
retirar da cozinha.

Essa frase era aquele “bem-vinda de volta, filha” que eu tanto esperei
no momento em que a vi, quando cheguei ao sítio. E, ainda que ela estivesse
um pouquinho atrasada, foi ótimo ouvi-la.
Capítulo 07 — Calmaria

Eu só fui começar a esfriar minha cabeça e realmente descansar — um


dos principais motivos da minha viagem de férias ao Paraíso — no final da
primeira semana no sítio.
Diogo não era mais um pensamento constante, especialmente quando a
minha mãe me arrastava para ordenhar vacas e limpar o galinheiro. Deixei de
me importar com o trabalho que deixei lá na cidade. E, principalmente, o meu
convívio com a dona Sofia estava “suportável”.

As coisas, estranhamente, estavam se encaminhando melhor do que eu


havia imaginado.

— Você não vai sair hoje, não é? — questionou a minha mãe,


destacando o “não” em sua frase, como uma espécie de indireta para que se
eu de fato fosse sair, desistisse da ideia.
Balancei a cabeça, negando.

Realmente não tinha nenhum compromisso com Clarisse — a única


pessoa com quem eu tinha contato na cidade —, os meus planos para a
segunda-feira à noite se resumiam a televisão e cama, pois já havia me
acostumado a dormir mais cedo.

Mas, ainda assim, quis saber o porquê da pergunta dela.


Felizmente, não precisei nem questionar, pois dona Sofia deu-me a
resposta: — O seu pai convidou um amigo para jantar com a gente esta noite.

O “jantar com a gente”, provavelmente, significava “apresentar você


pra ele”.
— É alguém que eu conheça?

Ela confirmou, balançando a cabeça e continuou: — Sim, acho que


você o conhece, sim… O Rocha, ele tem uma fazenda nas proximidades...
De forma bem espontânea, fiz uma careta e revirei os olhos.

Eu sabia exatamente de quem a minha mãe estava falando: Cristóvão


Rocha.

Basicamente, um senhorzinho mal humorado que eu sempre detestei. E


além da nossa pouca afinidade — e do fato de ele ser insuportável —, existia
outro probleminha. Rocha era o dono do lugar em que eu acordei depois do
meu porre. Ele devia ser o patrão daquele peão idiota. Dessa forma, existia a
possibilidade de ele ter reconhecido a caminhonete do meu pai estacionada
em sua propriedade ou — o que também era muito provável — que o projeto
de caubói tivesse dado com a língua nos dentes, soltando detalhes sobre o
carro que “a mulher que vomitou nele” possuía.
Ainda que eu fosse grandinha demais pra ter medo de ser exposta por
um dos amigos do meu pai, queria evitar essas situações constrangedoras,
porque ainda não estava totalmente recuperada da última.

Mas, dessa vez, o máximo que eu conseguiria fazer era mentir, dizendo
“eu dormindo no quarto de um peão na sua propriedade? Eu acho que não,
hein”.

O lado bom dessa história — se é que existia um — seria que os meus


pais nunca acreditariam em algo assim, principalmente a minha mãe que
sabia bem o nível de pessoas com quem eu me relacionava, ainda que tivesse
me flagrado chegando pela manhã naquele sábado.
Como ficar pensando no que aconteceria não faria com que as coisas
melhorassem quando o velhote chegasse, fui para o meu quarto escolher uma
roupa que não fosse o pijama que eu já tinha programado usar pelo restante
da noite.

Quando abri o meu guarda-roupa, onde já tinha colocado as minhas


coisas, a primeira peça que os meus olhos enxergaram foi a camisa xadrez do
peão. Agora, depois de toda aquela confusão, ela já não parecia mais tão
ridícula assim. O vermelho e o preto combinavam e o tecido até que era bem
macio, lembrando bastante o algodão.

E, de repente, eu me peguei pensando naquele idiota. Pensava no


quanto ele era grande e atraente, no momento em que tirou a camisa e em
como o seu sorriso irritante conseguiu me cativar, mesmo detestando todas as
coisas que procediam de sua boca.

Quando notei o que estava fazendo, fiquei horrorizada e tornei a pensar


em Cristóvão, o patrão dele.

Não queria me arrumar demais para um jantar com aquele homem


desagradável, então optei por vestir um jeans e uma blusinha preta, algo bem
simples. Essa roupa não faria com que a minha mãe revirasse os olhos e
pensasse algo como “se arrumou toda pra desfilar ali no milharal,
Patrícia?”, tampouco me faria sentir malvestida.
Seria um perfeito meio termo.

Estava em um ótimo dia, um tão bom que me voluntariei para ajudar a


minha mãe na cozinha. Fiquei lá por exatos dois minutos, mais
especificamente até que ela começasse a colocar defeito na salada que eu
estava cortando, dizendo coisas como “então, na cidade as pessoas
desaprenderam a fazer coisas tão simples quanto cortar um tomate?”.

Quando a minha paciência se esgotou, respondi com um “então, faça


do seu jeito, mãe!”, e me afastei.

Ela, que nunca deixava barato, retrucou com “farei mesmo ou vamos
acabar espantando o convidado”.
Apenas mais um momento normal entre mim e minha mãe.

Pensei em ajudar com os pratos, mas mudei de ideia. Não queria correr
o risco de discutir com ela em frente ao nosso “convidado de honra”.

Ela havia caprichado no jantar, fazendo coisas que, provavelmente, não


faria para mim. Tínhamos a sua famosa lasanha à bolonhesa, um arroz e
feijão feitos na hora — e não o que havia sobrado do almoço —, além da
salada e limonada, já que a minha mãe detestava refrigerante, até mesmo o
zero açúcar, que eu particularmente consumia.
E, com isso, foi impossível não soltar coisas como “tudo isso pra
aquele velho chato?”.

Como eu não ouvi nenhuma resposta da parte dela, dona Sofia não
devia ter ouvido minhas queixas.

Quando a comida ficou pronta e a mesa arrumada, meu pai começou a


comentar sobre as vezes em que ele e Rocha pescaram e no quanto aquele
caipira costumava ser engraçado e brincalhão. Tudo o que eu conseguia
imaginar, era Cristóvão mascando o seu fumo horrível e falando coisas
desagradáveis.
Depois de dez minutos de atraso — morando em um lugar não tão
distante do nosso sítio —, não consegui mais controlar a minha língua.

— Esse velho não tem relógio, não? — disse de forma debochada, na


cozinha com minha mãe. Meu pai já estava sentado lá fora, esperando a
chegada do amigo. — Ou será que não consegue mais enxergar as horas nos
ponteiros do relógio?

Como dona Sofia não me acompanhou na risada, devo ter sido a única
a achar graça naquilo — ainda que fosse uma piadinha de muito mau gosto,
assumo. Mas isso era estranho, já que a minha mãe nunca ligou para o
“politicamente correto”, principalmente quando isso se referia à própria filha
dela.
Alguns segundos mais tarde, como se tivesse demorado a processar a
informação, minha mãe questionou: — De que velho você está falando,
Patrícia?

Eu a encarei com uma expressão confusa por alguns segundos, antes de


responder: — Do Cristóvão, o amigo do papai… O santo que vocês veneram.

Antes que eu pudesse continuar, ela me cortou: — E quem falou de


Cristóvão?
O barulho de carro fez com que eu perdesse a minha linha de
raciocínio. Como a minha mãe foi em direção à porta para recepcionar o
“amigo”, eu resolvi segui-la. Parei ao lado dela e observei a caminhonete,
uma Hilux cinza, estacionar em nosso quintal.

Minha mãe estava comentando alguma coisa sobre lasanha ser o prato
preferido dele, algo que não dei muita importância. Todo o meu foco estava
no carro e na pessoa que sairia dele.

E no segundo em que a porta cinza do veículo se abriu, eu o reconheci.


Seria capaz de reconhecer aquele rosto e corpo a centenas de metros —
principalmente, pelo modo ridículo como se vestia. Se a roupa de peão não
tivesse me entregado a sua identidade, o seu caminhar certamente o faria.

A única coisa em que conseguia pensar era que Cristóvão, por algum
motivo — talvez por não conseguir mais dirigir —, havia mandado o peão
dele trazê-lo. No entanto, parecia não haver mais ninguém dentro do veículo
e isso se confirmou quando meu pai se levantou da cadeira e, aproximando-se
dele, deu-lhe um abraço.

— Você disse que o Cristóvão Rocha viria para o jantar… — disse


para minha mãe, ainda encarando a pessoa que se aproximava de nós duas, já
ao lado do meu pai.

— Eu disse Rocha... Nunca disse que era o Cristóvão.

Droga.

Droga.
Droga.

Não tive tempo para responder com um “da próxima vez, seja mais
específica”. Meu pai e o provável filho de Cristóvão Rocha já se
encontravam bem a nossa frente.

— Eu acho que você ainda não conheceu a minha filha, Patrícia… —


começou o meu pai, apresentando duas pessoas que já haviam se conhecido
da pior maneira possível. Ele voltou o olhar para o cretino que já estava
sorrindo e continuou: — Esse aqui é o Roberto.
Roberto Rocha deu um passo à frente e estendeu a mão em minha
direção, apresentando-se: — Pode me chamar de Beto.

Antes que eu pudesse dizer um “prazer em te conhecer, Roberto”,


disfarçando ao máximo o fato de que já nos conhecíamos, o desgraçado, em
um golpe extremamente baixo, disparou: — Na verdade, eu acho que a gente
já se conhece, não é?
Capítulo 08 — Tempestade

Antes que ele pudesse revelar aos meus pais as exatas circunstâncias
em que nós dois havíamo-nos conhecido — e me matar de vergonha alheia
—, apertei sua mão com força e levantei o meu olhar, encarando os olhos
esverdeados que tanto me intimidaram naquele sábado de manhã.

— Impressão sua… — forcei um sorriso e tentei deixá-lo o mais


natural possível. — Faz anos que eu não apareço por aqui.

Por sorte, Beto — o apelido do projeto de caubói — limitou-se apenas


a sorrir, balançando a cabeça e aceitando que eu havia vencido aquela luta.

Por mais que os seus lábios permanecessem fechados e arqueados em


um sorriso irritante, os seus olhos diziam muita coisa: gritavam ameaças
enquanto me fuzilavam de maneira intensa. Nós dois travávamos uma guerra
silenciosa em frente aos meus pais.
— O jantar acabou de ficar pronto — mentiu a minha mãe, aliviando o
atraso dele.

Se eu tivesse me atrasado vinte minutos, ela nem me deixaria passar


pela porta da casa, mas, estranhamente, estava sendo gentil demais com ele.

— Vamos entrando… — A mão dela pousou nas costas dele de forma


carinhosa. E, como se estivesse conversando com um filho, dona Sofia
continuou: — Eu fiz o seu prato preferido.
A minha vontade de revirar os olhos para aquela cena foi enorme.

Beto sorriu e seguiu a minha mãe até a cozinha, onde comentou: — O


cheirinho está maravilhoso, sô... Olha que assim, eu vou acabar mal
acostumado.

Sô?

Tive que me segurar para não soltar um “isso se você já não estiver,
não é?”. Mas, ainda que a minha língua estivesse sedenta pelo comentário
venenoso, não podia nem pensar a me arriscar e atacá-lo dizendo o quer que
fosse. Se o projeto de caubói quisesse, com uma simples frase, poderia
facilmente me destruir de forma cruel e muito humilhante.

Com os olhos colados em meu rosto, ele continuou falando: — João


falava muito da filha menina que ele tinha, mas como cê nunca apareceu, eu
cheguei a pensar que fosse uma das histórias de pescador dele.

Nesse instante — com aquela indireta de “filha ausente” —, acabei


não me controlando e quando percebi o que estava fazendo, as palavras já
haviam deixado a minha boca e disparado como um tiro certeiro em direção a
ele.
— Engraçado que, no tempo em que estou aqui, ele nunca tocou no seu
nome.

Mas é claro que esse meu gostinho não durou por muito tempo.

— Eu falei sim, querida. Contei até das vezes em que nós pescamos
juntos, lembra? — retrucou o meu pai, mostrando-me que realmente havia
falado sobre o cretino.
Em todas essas nossas conversas, eu pensei que o seu João estava se
referindo ao pai de Beto, o Cristóvão — o velho que agora, depois de eu
saber quem era o seu filho, não parecia mais tão insuportável.

Se eu suspeitasse que seria obrigada a jantar ao lado daquele idiota,


nem teria ficado ali passando toda aquela vergonha.
Desde a minha infância, a minha mãe tinha mania de servir todo
mundo e, na maior parte das vezes — propositalmente —, ela colocava
comida demais e depois usava da desculpa de “você está muito magra” ou
“vai ficar desnutrida”.

Eu sempre detestei isso, mas vê-la colocando comida para Beto antes
de colocar a minha, fez com que eu sentisse um ciúme bobo e vergonhoso.
Quando chegou a minha vez, ela exagerou no pedaço de lasanha.

— Você colocou demais, mãe — comentei de forma inocente e


espontânea, rindo da situação e já conformada que teria que comer tudo
aquilo.

Desta vez, eu realmente não fiz o comentário como forma de crítica ou


ataque, mas, baseando-se no nosso longo histórico, dona Sofia pensou
exatamente isso e deu um jeitinho de rebatê-lo.
Então, ela voltou o olhar para Beto e disparou: — Essa aí não come
nada… Vive fazendo dieta.

Eu queria me beliscar para ter certeza de que não estava presa em uma
espécie de pesadelo, daqueles em que você acorda completamente aliviada
por se dar conta de que tudo não passou de um sonho. Não conhecia outra
palavra que pudesse descrever aquela situação em que eu me encontrava.

A última coisa que eu pensei que seria obrigada a vivenciar era um


jantar com os meus pais e o caubói — o cara com quem eu havia
compartilhado um dos momentos mais constrangedores de toda a minha vida
—, descobrindo que eles eram grandes amigos e que a relação dos meus pais
com ele era mais bem desenvolvida do que comigo.
— Não é dieta, é que eu não costumo comer nada muito pesado no
jantar — rebati sem olhar para nenhum dos dois.

Peguei meu prato e assentei-me à mesa no local mais distante possível


em relação a Beto.
Enquanto comíamos, os meus pais não pouparam elogios ao dono da
camisa xadrez em meu guarda-roupa. De acordo com a minha mãe, ele era
como uma espécie de “filho que eles nunca tiveram”.

Eu tinha certeza de que ela não tinha dito isso em relação ao gênero
masculino, ela basicamente estava dizendo que ele era tudo o que eu nunca
fui para eles.

Sabia que tinha a minha dose de culpa nisso tudo, e que não era tão
pequena assim. Afinal, tinha passado muitos anos sem visitá-los, limitando-
me a conversas telefônicas e mensagens de texto em determinadas datas.
Depois de me tornar adulta, ausentei-me quase completamente da vida deles.
No entanto, era muito baixo da parte dela jogar tudo isso na minha cara, num
jantar com um dos caras que mais me intimidavam.
Voltei o meu olhar para o caipira.

— Obrigada… — disse engolindo todo o meu orgulho como se fosse


mais um pedaço daquela lasanha gordurosa. Ainda encarando Beto,
completei: — Por ser tão bacana assim com eles.

Qualquer pessoa em seu lugar não daria mais que um sorriso tímido,
continuando a aproveitar a comida dentro do prato. Mas — como ele já tinha
me provado — o desgraçado não se enquadrava nesse “qualquer pessoa”.
Ele era irritante demais para isso.

Beto sorriu, mas não foi um sorriso de agradecimento, era algo


carregado de deboche, como se eu tivesse dito algo ridículo ou idiota demais
para ser levado a sério, exatamente como no dia em que o acusei de tentar se
aproveitar de mim.

— Precisa agradecer não — comentou o peão, quando terminou de


mastigar. — Gosto um bocado dos seus pais e não é algo que eu faço por
obrigação… Ou qualquer outra coisa que mereça um agradecimento.
Balancei a cabeça, concordando enquanto sorria extremamente sem
graça com as suas palavras. Ainda que não fosse algo explicito, Beto estava
me alfinetando, cuspindo que estava com os meus pais quando eu, a própria
filha deles, não era presente. Era como se todos eles estivessem me
perseguindo, de todos os lados e com as piores armas.

E, sem dúvida alguma, a sensação que passava pelo meu corpo era a de
que um massacre estava bem próximo. Ou, talvez, fosse apenas toda a culpa
por ser uma péssima filha finalmente me alcançando. Eu era ausente e isso os
obrigou a criar uma relação com estranhos, precisaram transferir o amor deles
para outra pessoa, pois a verdadeira filha nunca estava por perto.

Independentemente de qual fosse a situação, no final das contas, não


era algo muito bom pra mim.
Quando terminei de comer, deixei o meu prato na pia e fui para o sofá,
pois não estava mais suportando assistir de camarote toda aquela intimidade
que o projeto de caubói tinha com os meus pais.

Não queria saber das pescarias dele com o meu pai e nem das vezes em
que ele consertou algo na casa para a minha mãe. Não queria ouvir nada que
provasse o quanto ele era melhor do que eu como filha.

Como a sala e a cozinha não ficavam muito longe uma da outra, a


única coisa que me salvava era o barulho da televisão. Quando eu quase
acreditei que não estava interessada no que acontecia do outro lado, a minha
mãe me chamou para ajudá-la com a louça.

Primeiramente, Beto se ofereceu para ajudar. Mas ela respondeu com


“imagina, querido. Deixe que a Patrícia me ajuda com isso!”.
E a pior parte nem foi ficar ali secando louça — algo que eu conseguia
odiar ainda mais do que lavar — em frente ao roceiro, mas a maneira como
ele me observava, de forma extremamente analítica e maliciosa, como se
estivesse tentando captar todos os detalhes do meu corpo.

Esse era o problema dos homens. Mulheres também gostam de olhar e


explorar o corpo masculino — principalmente, se eles fossem tão gostosos
quanto o do peão —, entretanto, tudo isso era feito de forma mais discreta e
cuidadosa. Não ficava tão explicito.

Quando terminei de ajudar minha mãe com a louça, fui para o banheiro
e tranquei a porta, como se isso me livrasse completamente do caubói.
Observei o meu reflexo no espelho e respirei fundo, tentando não surtar com
o que estava acontecendo fora dali.
“Você é uma mulher crescida, Patrícia” disse a mim mesma, tentando
enxergar a situação de outra forma. “Você tem trinta e quatro anos. Dê a
outra face... Seja uma adulta”.

Respirei fundo uma vez mais, coloquei um sorriso no meu rosto, abri a
porta do banheiro…

E dei de cara com Roberto.


O sorriso confiante escorreu do meu rosto e aquele “seja uma adulta”
perdeu completamente o sentido. Não tinha forças nem para me virar, “dando
a outra face”.

E, lá no fundo, eu estava com raiva e não queria mais continuar


fingindo uma maturidade que eu não possuía.

— Eu sei exatamente o que você está tentando fazer. Conheço bem


homens como você, o seu tipinho, que se acham os fodões... — disse cansada
do teatrinho que estava rolando. — E, meu amor, isso não vai dar certo.
Antes que ele abrisse a boca para contra-argumentar, eu prossegui: —
Você está claramente tentando me intimidar vindo até aqui, mas eu...

— Eu só quero mijar — ele me interrompeu, apontando na direção do


banheiro, o cômodo que eu estava claramente bloqueando. — Vai sair da
frente ou cê quer entrar e segurar ele pra mim?

Prontifiquei-me a desbloquear a passagem, permitindo que aquele


animal passasse.
Ainda sem graça, segui para a cozinha.

— Patrícia?

Voltei o meu olhar na direção da minha mãe e ela tornou a falar: —


Pegue a sobremesa na geladeira e chame o Beto pra comer.
Limitei-me a tirar o pudim da geladeira e o coloquei na mesa,
ignorando completamente a parte de chamar o caipira. Felizmente, minha
mãe não conseguiu me criticar por aquilo.

Como não queria continuar olhando para a cara do infeliz, fui


novamente para a sala e me joguei em cima do sofá, fingindo interesse na
novela.

Depois de comer e conversar mais um pouco com os meus pais, ele


finalmente se deu conta de que já estava ficando tarde e de que não era legal
perturbar as pessoas.
— Está cedo — respondeu a minha mãe em um show de simpatia que,
até então, era totalmente desconhecido por mim. — Fica mais um pouco,
você quase nem comeu a sobremesa direito. — Ela voltou o olhar em minha
direção e pediu: — Pega mais um pouco de pudim pra ele, Patrícia.

Aparentemente, eu tinha virado a empregada de Beto.


— Precisa não, eu já comi bastante. Se continuar comendo assim, vou
acabar engordando — respondeu ele sorrindo, como se fosse o homem mais
simpático do mundo. Ele olhou para o relógio dourado em seu pulso e
continuou: — O jantar tava uma delícia, mas eu tenho que ir... Obrigado mais
uma vez pelo convite.

Então, ele se despediu dos meus pais, piscou pra mim — com um
sorrisinho provocador nos lábios — e se preparou para deixar a casa.

Aquele caipira idiota achava mesmo que eu me daria por vencida?


Que eu o deixaria sair como o vitorioso depois de destruir minha noite
com os meus pais?

Com toda a certeza, ele não me conhecia.

Como o meu pai já estava indo para fora junto com ele, eu me
antecipei, dizendo-lhe: — Deixa que eu acompanho o Beto.
A única pessoa que estranhou a minha atitude foi a minha mãe, mas,
por sorte, manteve-se em silêncio.

Eu realmente caminhei ao lado dele, carregando um sorriso amigável


em minha expressão, até chegarmos em frente ao seu carro.

Roberto Rocha voltou aquele seu olhar em minha direção.


— Seus pais são... Eles são incríve…
— Vamos cortar essa toda essa baboseira? — disse, interrompendo-o
de forma abrupta. — Eu só vou ficar por mais uns trinta dias... Então, faça o
favor de não aparecer mais por aqui nesse meio tempo.

Toda aquela simpatia escorreu de seu rosto, da mesma forma que o


meu sorriso havia desaparecido lá na porta do banheiro.
Beto — o queridinho dos meus pais — finalmente colocou as garrinhas
para fora.

— Engraçado, não sabia que cê era a dona desse sítio... — respondeu-


me ele, de uma forma bem debochada. Mas eu o irritei tanto que ele não
conseguiu manter aquela pose de superioridade e prosseguiu: — Tá pra
nascer a mulherzinha metida a besta que vai dizer o que eu posso ou não
fazer.

Ali no quintal, longe de todos, eu também não precisava ser gentil com
ele. Na verdade, estava com muita raiva para conseguir tratá-lo bem. Roberto
— pelo que eu pude notar durante o jantar — era amigo dos meus pais há
bastante tempo, o que também significava que ele sempre soube quem eu era,
que tinha reconhecido a caminhonete azul do meu pai.
— Mulherzinha metida é a vaca da sua mãe! — disparei com fúria nos
olhos, cansada de precisar tratar aquele idiota com cordialidade. — Os pais
são meus e eu não quero que os meus momentos com eles sejam manchados
com a sua presença repugnante. — Antes que ele pudesse me responder,
ainda completei: — Como você provavelmente não deve saber o que é
repugnante, significa uma coisa nojenta... Bem parecida com você.

— Conheço seus pais há três anos e em todo esse tempo, eu nunca te vi


fazer uma visita sequer, nem umazinha — rebateu ele, confrontando-me.
Dessa vez, foi Beto que não me deixou contra-argumentar: — E já que
estamos falando das coisas que não te pertencem, eu quero a minha camisa de
volta!

Eu estava com tanta raiva dele que nem pensei para responder com
uma mentira: — Eu joguei aquela coisa horrorosa fora.
— Você, o quê?

— Na verdade, a história é bem engraçada. A minha mãe precisava de


um pano de chão, então nós a cortamos e tentamos usá-la pra limpar a
varanda, mas acontece que nem pra isso aquela porcaria serviu… Então, eu
resolvi jogar no lixo.

— Eu só não vou dizer o que ocê é por respeito aos seus pais, de quem
eu gosto muito...
— Cala essa boca, seu caipira idiota — rebati, imaginando o que
aquele desgraçado achava que eu era. Tinha certeza de que a palavrinha em
sua mente começava com “P”. — Quem é você pra pensar em achar alguma
coisa sobre mim?

Beto não parecia ser o cara que perdia a paciência com muita
facilidade, mas, naquele momento, ele perdeu. O caubói não disse mais
nenhuma palavra, simplesmente entrou em sua Hilux e tentou me ignorar.

— Faça uma boa viagem — eu finalizei, com um sorriso vencedor no


rosto. — E nem pense em voltar aqui, peão nojento.
Capítulo 09 — Ao Pôr do Sol

— Como é que você pôde me deixar lá com ele, sua vaca? — perguntei
a Clarisse pela centésima vez. — Não havia ninguém mais desagradável,
não?
Depois de sua crise de riso — uma consequência do meu relato sobre o
dia em que acordei na cama do caipira e do jantar horrível que fui obrigada a
participar —, ela começou a se defender.

— Alguém ainda mais gostoso? Impossível, amiga! — comentou a


morena, fazendo-me revirar os olhos, ainda que ela não estivesse mentindo
sobre a beleza do peão. — Você queria esquecer o seu ex, então quando
aquele deus grego surgiu na nossa frente, é claro que eu convidei ele pra
beber com a gente.

O projetinho de caubói era, indiscutivelmente, muito atraente — nem a


minha implicância deixava-me mentir —, mas isso não o tornava menos mal-
educado e insuportável. E isso tudo, sem contar com o fato de que ele era
jovem demais para mim.

— Pode até ser bonito, mas é grosso e mal-educado — argumentei


contra aquele traste, como se quisesse provar a ela que nunca aconteceria
nada entre a gente. — Além de ser insuportável.

Clarisse revirou os olhos e me respondeu: — Minha filha, você não


precisava se casar com ele não. Podia sentar um pouco em cima daquele
homem gostoso e depois chutar, fingindo que nem conhecia. — Ela riu,
balançou a cabeça em descrença e completou: — Aquele safado, galinha
como é, com certeza faria o mesmo com você.
Surpresa com aquele comentário, indaguei: — Então vocês dois já se
conheciam?

Ele negou com a cabeça, antes de me responder: — Só de vista e das


fofocas que rolam por aqui. Cidade pequena né, amiga? Mas, no geral, ele é
conhecido por conta do...
Antes que Clarisse pudesse me contar mais alguma coisa daquele
caipira nojento, eu a interrompi: — Eu não quero saber mais nada sobre ele!
— Depois de me ajeitar no sofá, mudei completamente de assunto: — E a
Beatriz, ela está melhor mesmo?

— Está sim — ela respondeu. — O único problema é o Fred, que


continua me tratando como se eu fosse a pior mãe do universo, o que
sabemos que não é verdade porque não tem como eu perder pra dele.

Voltei o meu olhar para o relógio na parede da sala e me assustei em


como as horas haviam passado tão rápido: — São quase seis horas da tarde,
amiga... Eu já tenho que ir.
— Tá cedo, a gente ainda nem falou muito da parte em que você
vomitou nele — lembrou-me a morena, fazendo-me rir de algo que tinha me
constrangido muito.

— Vai se ferrar, sua cretina — disse e, pegando a minha bolsa,


levantei-me do sofá.

Ela me acompanhou até a porta.


— Vê se não desaparece, hein?

— Pode deixar — respondi, dando um tchauzinho com a mão e


seguindo na direção da caminhonete do meu pai.

Depois de girar a chave do carro e deixar a propriedade da minha


amiga, diminui um pouco a velocidade e realmente tentei apreciar a vista,
enxergar a beleza que sempre me diziam que o interior tinha a oferecer. Em
menos de um minuto, já estava acelerando novamente, ansiosa para chegar
em casa, abrir o meu notebook e finalizar a série que tinha gravado.

Quando faltava cerca de um quilometro e meio, notei uma fumaça


estranha saindo do capô e isso, obviamente, fez com que eu me desesperasse.
Em pouquíssimo tempo, a cor cinzenta tomou conta do meu campo de visão.

Imediatamente, parei o carro, jogando-o no canto da rua de chão e


apanhei o extintor.

Sem a mínima ideia do que fazer, optei pelo mais óbvio — e, talvez, o
mais estúpido — gastando todo o extintor em cima do capô. Quando
terminei, dei-me conta de que, talvez, devesse ter aberto o capô primeiro,
antes de desperdiçar todo o pó do extintor no metal azul descascado.

Por sorte, a fumaça parou. Ainda assim, fiquei com medo de girar a
chave e aquela porcaria velha pegar fogo. Se acontecesse novamente, não
teria mais nada para apagar o incêndio.
Abri a minha bolsa e peguei o meu celular, antes de me dar conta de
que aquilo era completamente inútil no lugar em que estava.

Não havia sinal em lugar nenhum. Os meus pais precisavam conectar


os aparelhos deles a uma espécie de antena lá na casa para que funcionasse. E
isso significava que nem por um milagre divino eu conseguiria rede naquele
fim de mundo.

Ouvi um barulho de motor e isso fez com que eu me virasse e me


colocasse no meio da rua, praticamente obrigando a pessoa a parar o carro e
me ajudar.
Essa era a minha última esperança.

Uma caminhonete salmão, mais velha do que a do meu pai, apareceu e,


instantaneamente, ergui a minha mão.
Por sorte, a pessoa estacionou atrás do meu carro. Mesmo
envergonhada, em busca de alguma ajuda com o carro velho do meu pai ou,
em último caso, de uma carona de volta para o sítio, prontifiquei-me a me
aproximar do veículo e contar o que havia acontecido.

A primeira coisa que notei quando a porta se abriu foram o chapéu


escuro e as botas marrons. E, então, foi como se tivesse sido puxada de volta
para aquele pesadelo, para o momento em que acordei naquela cama horrível.

Beto aproximou-se de mim com um sorrisinho irritante no rosto.


— A madame aí precisa de ajuda? — ele indagou, fazendo com que eu
me detestasse por ter praticamente me jogado em frente ao carro dele.

— Sua ajuda? Não, obrigada!

Ele ignorou a minha resposta e caminhou até a parte da frente, para


observar o capô da caminhonete, quase todo tingido pelo extintor de
incêndio.

Ao observá-lo, ele não se segurou e começou a rir.

E eu nem poderia culpá-lo por achar graça da minha burrice.

— Tinha um monte de fumaça saindo e eu acho que vi até um pouco de


fogo... — disse, sem encará-lo, obviamente exagerando muito na parte do
fogo. — Sorte que eu consegui apagar a tempo... Vai que isso, sei lá,
explodisse comigo dentro. — Depois de alguns segundos em silêncio,
completei: — Acho que nunca corri tanto perigo dirigindo.
Os olhos verdes dele se voltaram na minha direção. Beto tinha uma
expressão séria no rosto e isso me fez pensar que ele simplesmente balançaria
a cabeça concordando comigo.

Mas, como era de se esperar, eu estava errada.


— O único perigo que cê corre é de ser burra igual a uma porta — ele
respondeu, daquela forma grosseira que eu tanto odiava. — Só aqueceu um
pouco o mot...

— Com quem você pensa que está falando, seu babaca? — eu o


interrompi, cansada de ser desrespeitada por aquele homem das cavernas.
Antes que ele fizesse a mesma pergunta pra mim, prontifiquei-me a
responder: — Eu sou Patrícia Medeiros, uma lenda no ramo publicitário...

— Tá mais pra uma lêndea — ele me cortou, irritando-me ainda mais.


— Se fosse tão grande coisa assim, não teria gastado o extintor inteiro pra
apagar uma fumacinha dessa.
— Inteligente mesmo é você, um peão burro que não sabe nem falar
português direito...

— Além de tudo, é muito da mal agradecida — ele tornou a falar. — Já


é a segunda vez que o peão burro aqui salva a tua pele.

O quê?
— Meu filho, eu nunca pedi a sua ajuda pra nada — disse a ele,
realmente possessa de ódio. — Se eu soubesse que aquele carro horroroso era
seu, nunca teria pedido ajuda. E naquela festa, você me levou pra sua casa
porque é um galinha nojento... Queria é se aproveitar de mim, isso sim.

Eu sabia que não tinha acontecido nada daquilo, mas esse era o meu
último recurso para não sair por baixo naquela discussão.
— Eu, um aproveitador? — Ele me fuzilou com aquelas lanternas
claras e isso fez com que eu me preparasse para o que estava por vir. E, ainda
assim, eu não estava pronta: — Cê ficou se oferecendo pra mim igual a uma
cadela no cio, eu só não te comi porque não quis, porque sou um cavalero...

— Tá mais pra um cavalo — revidei aquele comentário dele. — E não


é “cavalero”, é “cavalheiro”, seu jumento.
Pensei em rebater o argumento nojento de que eu estava me oferecendo
como uma cadela no cio e que ele só não me “comeu” porque não quis, mas
não queria voltar para aquela noite.

E, de qualquer forma, o caipira continuou.

— Eu devia é ter deixado cê voltar pra casa caindo de bêbada — ele


tornou a falar. — Mas não quis que desse ainda mais desgosto pra sua mãe.
Esse comentário me atingiu mais do que todos os outros, fez com que
eu me sentisse um lixo.

Talvez fosse porque eu sabia que era verdade.

— Só vou ajudar porque o carro é do João...

— E quem disse que eu quero a ajuda de uma mula dessas?

Ele deu de ombros e retrocedeu em alguns passos, antes de dizer: —


Então, cê que se exploda aí.

Ignorei o seu comentário, simplesmente peguei a minha bolsa, tranquei


o carro e comecei a andar na direção do sítio dos meus pais, que ficava a
cerca de um quilômetro e meio de onde eu estava parada.
Minhas pernas tremiam de tanta raiva daquele roceiro nojento, mas eu
não iria me arrastar de volta pra ele, implorando pela sua ajuda. E, ainda que
os meus olhos estivessem marejados, eu me recusava a chorar.

Eu não precisava dele.

Nunca precisei.

Depois de cinco minutos andando pela estrada de chão, ouvi um


barulho de carro. E, ao olhar para trás, descobri que se tratava de Roberto
novamente, com aquela sucata ambulante que ele estava dirigindo.

Ele reduziu a velocidade, acompanhando-me pela rua.

Ignorei-o por alguns segundos e continuaria assim até chegar lá no sítio


dos meus pais, se ele não tivesse me dito: — O motor só tinha esquentado um
pouquinho, madame... Agora que já deu uma esfriada, dá pra dirigir de novo.

Depois de me dizer isso, com um sorriso enorme de satisfação no rosto,


ele acelerou, deixando-me no meio do nada.

Com aquela informação, não foi difícil chegar à conclusão de que o


desgraçado havia me enganado, de que ele havia feito com que eu andasse
quase meio quilômetro para me seguir e me dizer que o carro estava “bem” e
que eu poderia dirigi-lo novamente.

Virei-me, refazendo os meus passos até a caminhonete do meu pai,


amaldiçoando aquele caipira desgraçado em voz alta.
Capítulo 10 — O Retorno do Anel

Durante todo o fim de semana, Beto não tornou a cruzar o meu


caminho. Ele não apareceu no sítio dos meus pais, tampouco me abordou no
caminho para a casa de Clarisse — praticamente, o único lugar que eu
visitava na cidadezinha.

No entanto, isso não impediu que o caubói deixasse de ser um tema


constante em minhas conversas com a minha amiga.

— Admita logo que você tá interessada nele — provocou-me Clarisse


em um de nossos telefonemas.

Instantaneamente, comecei a questionar “eu estou interessada nele?”.


Quando me dei conta do que estava fazendo, espantei todos esses
pensamentos.

— Não, eu não estou — retruquei, jogando-me em cima da cama. Era


como se estivesse respondendo mais para mim mesma do que para ela. Voltei
o meu olhar para o teto branco do quarto e disse, lembrando-me de como ele
estava bonito naquele jantar e até mesmo no dia em que discutimos no meio
da estrada. — Não vou dizer que ele não é bonito, mas, definitivamente, não
é o meu tipo... E ainda tem a idade e...

— Você tem trinta e quatro anos, não noventa.


— Ele continua não sendo o meu tipo — rebati, ansiosa para mudar de
assunto.

Eu tinha certeza de que aquilo — “não é meu tipo” — não era algo que
pudesse ser aplicado a Beto. Pelo menos, não em relação à sua aparência. A
sua casca era perfeita, mas o recheio, com toda a marra, falta de educação e
grosseria, tornava o restante podre.

— Sei… Enfim, vou desligar agora porque preciso buscar a Beatriz na


casa da vadia da avó dela — disse Clarisse rindo. E antes de finalizar a
ligação, disparou: — E você, deixa de ser burra e aproveite que não é todo
dia que um cara maravilhoso aparece só pra implicar com você. Discutir em
cima de uma cama é bem melhor do que em uma mesa de jantar.

Ela não me deu tempo nem de mandá-la calar a boca, encerrando a


ligação. Tentei não pensar muito nas coisas que ela havia me dito, pois não
queria me imaginar em uma cena parecida, por mais que, lá no fundo, eu
soubesse que isso — transar com o safado — não seria a pior coisa do
mundo.

Ouvi um barulho de carro e, no mesmo segundo, xinguei em voz alta.


Era só eu falar no cretino que ele resolvia aparecer — mesmo depois de
praticamente ameaçá-lo para que ele não tornasse a circular pelas
proximidades.

Não que eu achasse que Beto fosse acatar um pedido meu — da


“mulherzinha”, de acordo com a sua frase nojenta.

A verdade é que durante esses dias sem vê-lo, esperava que ele
aparecesse. Como certas coisas nunca mudavam, o sítio dos meus pais
continuava não tendo nada que me interessasse. E brigar com ele, sem dúvida
alguma, foi a coisa mais interessante que havia feito nas últimas semanas.
Adorei ver aquela sua expressão de ódio quando insinuei que ele tentou se
aproveitar de mim ou então quando menti que joguei a sua camisa no lixo.

E com isso em mente, eu peguei a sua camisa xadrez vermelha no


guarda-roupa e a vesti, só para provocá-lo. Coloquei um sorriso em meu rosto
e deixei o quarto, pronta para um novo round daquela briga.

Mas não foi ele quem os meus olhos avistaram.

Um homem loiro, vestindo uma camisa branca e uma calça jeans preta,
estava parado ao lado da minha mãe — a última pessoa do mundo que eu
queria que o recebesse. Um sorriso simpático e encantador iluminava aqueles
lábios maravilhosos.

Ele tinha o comportamento de um príncipe britânico.

E, sem dúvida alguma, seria o homem perfeito para mim, a porcaria do


meu “tipo”.
Só existia um pequeno problema.

Tratava-se de Diogo, o desgraçado do meu ex-noivo.

Eu não estava só surpresa com a presença dele, estava irritada. Tinha


me rastejado tanto atrás dele, tentando salvar algo que no fundo nunca
havíamos tido, que agora não conseguia mais encará-lo sem sentir vergonha
pelo quanto havia me rebaixado por um homem que não merecia nem metade
do meu esforço.

Quando ele me viu saindo de dentro da casa e se aproximando dele e


da minha mãe, arreganhou aqueles dentes brancos perfeitos em um sorriso de
outro mundo e pude observar as suas covinhas. E isso me lembrou de quando
nos conhecemos e consequentemente do quanto um sorriso e um rostinho
bonito podiam ser extremamente enganosos.

— Ei, como você está, amor? — questionou-me ele, aproximando-se


para me beijar. Instintivamente, virei o meu rosto e Diogo beijou a minha
bochecha. Ignorando completamente tudo o que havia acontecido, ele me
abraçou e prosseguiu: — Senti tanto a sua falta.
Voltei o meu olhar em direção a minha mãe e, mesmo sem dizer uma
única palavra, ela entendeu o recado, permitindo-me conversar sozinha com
aquele infeliz.

Por alguns segundos, enquanto ele ainda me segurava em seus braços,


senti como se recuperasse tudo que sempre quisera ter. Todos os planos e
sonhos que havia criado para nós dois, de repente, estavam vivos outra vez.
Eu podia avistar o nosso apartamento novo — a cobertura maravilhosa que,
por meses, havíamos planejado adquirir —, a chegada de um bebê e toda a
porcaria do modelo de família que eu sempre desejei pra mim.
No entanto, a voz de Clarisse também soou, desvencilhando-me
daquele canto de sereia.

“Deixa eu ver se entendi bem essa história? O cara te coloca um par


de chifres, você o perdoa e, logo em seguida, ele te dá um pé na bunda?”,
resumiu ela no dia em que eu contei sobre a traição do Diogo e de como eu
havia reagido a ela.

Ao relembrar dessa nossa conversa, foi impossível não me sentir


estúpida. Essa sensação foi mais do que suficiente para que me afastasse do
meu ex-noivo e aceitasse que todos aqueles planos, juntamente com a nossa
relação, estavam irremediavelmente mortos.
— Você me traiu — fiz questão de relembrar, ainda não acreditando na
cara de pau dele em vir atrás de mim e fingir que nada havia acontecido.
Quando ele começou a falar novamente, com a sua mesma conversa fiada, eu
o interrompi: — Você me trocou por uma garota que acabou de sair da
adolescência, Diogo.

Ele colocou as mãos em meus braços, como se quisesse impedir que eu


me afastasse. E isso fez com que eu voltasse o meu olhar para os seus olhos
castanhos e para o seu cabelo dourado. E tudo o que eu pude pensar foi “o
desgraçado é charmoso”. No entanto, a cena do flagra tornou a invadir a
minha mente; o exato momento em que entrei em seu apartamento e
encontrei os dois no sofá.

— Você estava disposta a me perdoar e preservar tudo o que nós dois


temos... — comentou o safado, ignorando tudo o que eu estava lhe dizendo.
— Eu me dei conta do que você significa pra mim, de todas as coisas que nós
dois construímos juntos. Sei que demorei, mas eu estou aqui… Eu estou aqui
por você, Patrícia.
Eu não consegui continuar séria.

A impressão que eu tinha era de que tudo aquilo não passava de uma
grande piada, de que a qualquer momento alguém começaria a rir, dizendo
“você está no Te Enganamos TV”. E como ninguém riu, revelando uma
armação, estava mais do que confirmado que era eu mesmo a palhaça da
história.

— O que foi que você me disse quando eu tentei preservar o que nós
tínhamos? Deixe-me lembrar… — disse, buscando pelas palavras que ele
havia usado para me dar um fora. — Acorda Patrícia, eu traí você, porra! Fiz
isso porque esse nosso noivado estava um porre... Isso aqui, nós dois, não
tem mais salvação. E como você já descobriu tudo, eu acho melhor a gente
dar um fim aqui mesmo… O problema não é com você ou comigo, o
problema são as circunstâncias que levaram a isso...
Lembrei-me de cada palavra que aquele desgraçado havia usado. No
momento em que eu as ouvi, senti cada uma delas, como se estivessem sendo
tatuadas por todo o meu corpo, marcadas em mim a ferro quente. Eu nunca
me esqueceria de nenhuma delas.
— O problema não é com você, Diogo… — continuei dizendo da
forma mais sarcástica que encontrei. — Na verdade, o problema é com você,
sim!

Tirei as suas mãos de mim e me preparei para entrar na casa dos meus
pais e deixá-lo ali fora falando com o vento.
— Eu estou aqui te implorando…

— Agora quem não quer mais sou eu. — Eu o interrompi, cansada de


ouvir a sua voz. Depois de todo o meu sofrimento com aquela relação,
colocar um ponto final naquilo estava sendo bem mais fácil e prazeroso do
que jamais havia imaginado. — Boa sorte…

O barulho da caminhonete — uma Hilux cinza familiar — que


adentrou o nosso quintal fez com que eu perdesse completamente a minha
linha de raciocínio, junto com todas as palavras que eu tinha preparadas para
Diogo.
Eu nunca fiquei tão feliz em ver um dos carros daquele projeto de
caubói antes, foi como uma espécie de sinal divino. Estava realmente
contente por ele ter passado por cima da minha ordem de não aparecer pelos
próximos trinta dias.

No momento em que ele desceu da caminhonete, voltei o meu olhar


para Diogo e forcei um sorriso, dizendo-lhe: — Eu adoraria continuar essa
nossa conversa, mas eu meio que já tenho planos para essa tarde.

Depois de lhe dizer aquilo, não dei chance para o loiro argumentar,
simplesmente caminhei na direção de Beto e gritei de forma animada: —
Você está dez minutos atrasado, caubói!
Quando me aproximei, abracei-o com força e beijei o seu rosto de
forma carinhosa, sentindo a sua barba áspera em meus lábios. Esforcei-me ao
máximo para agir como se nós dois fossemos extremamente íntimos ou, no
mínimo, bons amigos.

Ainda forçando aquela expressão animada, eu me virei, agarrando o


braço dele e o puxei para mais perto do meu corpo, antes de arrastá-lo em
direção à sua caminhonete.
— Que porra...

— Cala a boca e continua andando — sussurrei enquanto continuava


com o meu teatrinho. Antes que o roceiro cretino pudesse se virar e revelar a
minha farsa para Diogo, completei: — E eu… eu fico te devendo uma,
caipira. Eu prometo!

Beto sorriu, satisfeito com a minha proposta, que era praticamente um


acordo com o diabo.
— Posso pedir qualquer coisa?

Mesmo aterrorizada com o que ele me pediria futuramente, confirmei:


— Qualquer coisa.

Ele abriu a porta pra mim, entrando completamente em seu


personagem de “interesse amoroso do interior”.
— Então, quer dizer que o caipira nojento serve pra fazer ciuminho
besta pro teu ex, é? — sussurrou ao pé do meu ouvido no instante em que eu
entrei em sua caminhonete.

Como não respondi, ele fechou a porta e deu a volta em seu carro,
antes de se sentar no banco do motorista e voltar o seu olhar em minha
direção, com um sorrisinho irritante de vitória.

— Nós vamos pra onde mesmo, madame?


— Você escolhe… Só tire a gente daqui — respondi, não deixando de
levar o meu olhar até o vidro da minha porta, encarando uma vez mais o cara
que costumava ser o meu noivo se corroendo de ciúmes.
Capítulo 11 — Trilha

Beto não conseguiu nem disfarçar o quanto tinha gostado daquela


situação. A pior parte era que nem poderia odiá-lo por isso, pois, em seu
lugar, teria feito exatamente a mesma coisa.
E, de certa forma, fiquei muito grata por ele ter-me ajudado a “dar a
volta por cima”. Tanto que teria dado qualquer coisa para saber como Diogo
tinha se sentindo naquele momento. Eu torci para que a resposta fosse muito,
muito mal. Desejei que ele passasse pela mesma coisa que eu havia passado,
mas, como isso não seria possível, eu me contentei em mostrar a ele o
“quanto eu estava bem, ao lado de um homem maravilhoso”, ainda que tudo
não passasse de uma mentira.

— Eu conheço um lugar perfeito — comentou o caipira de forma


animada, tirando-nos do silêncio, como se nós realmente fôssemos a algum
lugar juntos.

Roberto era inocente demais.

— Eu quero que você me deixe na casa de uma amiga — respondi com


os olhos voltados para a paisagem.

No fundo, não queria ter que encará-lo enquanto desconversava sobre o


“você escolhe… só nos tire daqui”. Como bateu um pouquinho de remorso,
completei: — Obrigada por me ajudar com o Diogo, mas você já fez o
suficiente.

O som da sua risada fez com que o meu olhar fosse atraído em sua
direção.
— O que foi? — quis saber o motivo de toda aquela graça. — Eu disse
alguma coisa engraçada?

— Esqueceu que cê tá me devendo uma, madame? E pelo nosso


acordo, eu podia pedir o que eu quisesse... — Beto comentou, sem tirar o
sorriso irritante dos lábios. — Eu quero que me acompanhe em um passeio.
Agora era a minha vez de rir.

Por um curto instante pensei que fosse uma piada, que não existisse a
possibilidade de aquilo ser verdade. Até porque, tinha me comprometido a
fazer qualquer coisa — e tinha até me assustado ao fazer essa promessa no
momento do desespero.

Mas não se podia esperar inteligência ou coerência de um caipira burro


daqueles, não é?
— Você está tão carente a ponto de precisar obrigar alguém a te
acompanhar pra algum lugar? — ataquei, com os meus olhos colados em seu
rosto. — Isso é tão patético que dá pena.

Com aqueles seus faróis verdes colados na estrada, ele respondeu: —


Quase tanto quanto ocê. A única diferença é que eu não tenho uma noivinha
pra enciumar.

— Ele não é mais o meu noivo — eu o corrigi no mesmo segundo.


Eu já sabia até o que dizer para ganhar aquela discussão, mas uma
dúvida fez com que eu interrompesse o ataque, questionando: — Como você
sabia que ele era meu noivo?

— Ninguém daqui se vestiria daquela forma ridícula — revelou-me


ele, como se fosse algo bastante óbvio, o que não era verdade. — E aquele
cabelinho lambido?
Por algum motivo, eu me senti ofendida, como se o cretino do Diogo
ainda fosse alguma coisa minha, importante o suficiente para que eu o
defendesse.

— Melhor que o seu, todo espetado e mal hidratado — rebati,


desviando a minha atenção para longe dele. — E, pra mim que realmente
entendo de moda, ele se veste perfeitamente bem.
— E, mesmo assim, usou esse cara com o cabelo todo espetado e
malvestido pra fazer ciúmes nele, né? — provocou-me ele, destruindo todos
os meus argumentos restantes. — E não vamos nos esquecer de quando cê
me disse lá na fazenda que eu era gostoso.

— Até onde me lembro, eu estava bêbada nessa ocasião — rebati,


completamente corada. — Um dos efeitos do álcool é distorcer os nossos
sentidos.

Beto estacionou o carro em um lugar bem deserto e, antes que eu


pudesse questionar, disse: — Precisamos continuar a pé.
Continuei sentada, esperando que ele começasse a rir e dizer que estava
fazendo mais uma de suas brincadeiras idiotas, mas, infelizmente, ele
continuou sério e desceu do carro. Mesmo a contragosto, abri a porta e saí de
sua caminhonete.

Os olhos dele se voltaram para o meu corpo e, como sempre acontecia,


isso me deixou desconcertada.

— É uma droga ter que admitir, mas essa camisa fica mais melhor em
você do que em mim.
— Não existe “mais melhor”, é só “melhor” seu caipira burro —
respondi com um sorriso superior no rosto. — Mas obrigada pelo elogio.
Diferentemente do que pensei, ele não revidou aquela patada.

Beto começou a andar, atravessando a rua. Como eu não queria ficar


para trás, sozinha em um lugar desconhecido, apressei-me para acompanhá-
lo.
E teria continuado, caso ele não estivesse prestes a entrar no meio do
mato.

— Não… não… eu não vou entrar aí… — disse decidida,


interrompendo os meus passos.

Só de pensar em me enfiar lá dentro, minhas pernas já ficaram bambas.


Sem paciência, ele retrucou: — Deixa de frescurinha boba e vem logo.

— Não… Pode esquecer! — respondi, retrocedendo três passos. — A


única forma de você me arrastar pra dentro desse mato é morta.

— Olha que não é uma má ideia.


— Idiota!

Beto sorriu e ficou me encarando em silêncio por alguns segundos,


provavelmente pensando em como me faria entrar ali com ele.

— Quer saber… Cê que sabe, se não quiser vir… pode voltar andando,
são só dez quilômetro... — disse ele, entrando no matagal, nem me dando
tempo de dizer alguma coisa.
Simplesmente detestava mato, e a ideia de andar no meio dele, com
todos os bichos me picando e aquela terra nojenta sujando meu corpo, era
como um pesadelo se tornando realidade. Mas, como saí de casa
desprevenida, não tinha celular e nenhuma outra forma de avisar meu pai. E
ainda que eu tivesse, não teria sinal. Dinheiro também era algo
completamente descartável, já que eu não encontraria algo parecido com um
Uber por lá.

— Espere por mim, seu projeto de caubói idiota — gritei, entrando no


meio do mato. — Caso você ainda não tenha notado, eu não gosto de você.
A minha sorte era que estava de calça, tênis e com a camisa de Beto,
que ajudava bastante cobrindo os meus braços.

— Se eu fosse ocê, não continuaria insultando a única pessoa capaz de


te proteger nesse lugar — respondeu-me ele, gelando o meu estômago. —
Mas como eu não sou ocê…

— Cala essa boca! — gritei, interrompendo-o. — Eu estou cansada de


ouvir o som irritante da sua voz.
— Isso mesmo, grita bem alto e atraí todo tipo de bicho na nossa
direção — advertiu-me Beto, assustando-me de verdade com aquela história
de “atrair bichos”.

Fiquei tão apavorada com aquele comentário que só não voltei atrás
porque nós dois já havíamos andado alguns metros e fiquei com medo de me
perder, já que não tinha certeza quanto à direção certa para a estrada.

Eu sabia que existiam onças e vários outros bichos na região, incluindo


cobras, e isso foi suficiente para que eu me mantivesse colada a ele, em
silêncio.
— Tá com medinho, né, lenda da publicidade? — perguntou-me ele,
adorando toda aquela situação. Quando o peão percebeu que eu realmente
estava tremendo ao seu lado, tão assustada a ponto de nem retrucar a sua
provocação, ele tentou me tranquilizar: — Se preocupa não, eu já fiz muito
esse caminho.
Quando eu pensei que ele fosse continuar me passando confiança, o
cretino completou: — O máximo que pode acontecer é uma onça aparecer
por aqui, mas eu tenho quase certeza que a sua personalidade vai espantar ela.

Depois disso, ele se limitou a sorrir, provando-me o quanto gostava de


me provocar e que o fazia por diversão — assim como eu também havia feito
em algumas ocasiões.
— Então, se ela aparecer você tenta… Já que a sua é mil vezes mais
repugnante do que a minha — disse, não conseguindo deixar aquele
comentário dele passar em branco.

Andamos por uns quinze minutos, tempo suficiente para que eu sujasse
todo o meu tênis branco. A parte mais triste era que eu sabia que aquela terra
nunca mais sairia dele, seria chegar em casa — na minha verdadeira e não na
dos meus pais — e jogá-lo fora.

— Falta muito pra gente chegar?


Ele balançou a cabeça, negando e fazendo com que uma sensação de
alívio percorresse todo o meu corpo.

— Tamo quase na metade do caminho — respondeu-me ele de forma


séria. Por mais que eu não quisesse acreditar, aquilo não soava como uma de
suas provocações. — Mas quando cê colocar o olho na cachoeira, vai ver que
valeu a pena.

Ao descobrir o destino da nossa trilha, eu comecei a rir, não


acreditando no que ele havia acabado de me dizer.
Beto voltou o seu olhar em minha direção; em seu rosto estampava-se
uma expressão confusa.

— Você me fez andar no meio do mato por todo esse tempo pra ver
uma porcaria de cachoeira? — questionei de forma agressiva.

Com um sorriso sarcástico, ele respondeu: — E cê pensou que eu


estivesse te levando pra onde? Pro caminho das fadas?
Eu só não peguei um pedaço de pau e dei na cabeça daquele imbecil
porque se alguma coisa aparecesse em nosso caminho, precisaria dele para
me defender. Sem qualquer alternativa, continuei a segui-lo por mais alguns
minutos.

Beto estava usando aquela oportunidade para se vingar de tudo o que


eu já havia feito ou dito para ele. Isso era muito baixo e genial, por mais que
eu estivesse odiando completamente.

Finalmente tinha entendido por que ele havia cobrado a minha dívida
com um “simples” passeio.
O desgraçado, definitivamente, era um “gênio caubói do mal”.

— A gente pode parar um pouquinho? — perguntei, pois, devido


àquela caminhada sem fim, respirava ofegantemente.

— Falta só mais um pouco pra gente chegar — garantiu-me ele,


obrigando-me a continuar.

Nós nem havíamos chegado à porcaria da cachoeira ainda e eu já


estava considerando que teríamos que andar tudo de volta. Aqueles poucos
segundos, quando o usei para fazer ciúmes pro Diogo, estavam-me custando
caro demais.

— Pode falar a verdade, caipira... Confessa logo que tudo isso é uma
espécie de vingança — disse, limpando o suor da minha testa.

Como Roberto Rocha ficou em silêncio, voltei o meu olhar em sua


direção e descobri o que havia roubado todas as suas palavras.
Eu nunca fui do tipo de pessoa que apreciava paisagens naturais, mas
aquela visão, da cachoeira que finalmente estava a nossa frente, tirou o
restante do meu fôlego.

Não era apenas bonita.


Ela era perfeita.

— É linda... — confessei, aproximando-me de onde Beto estava


parado. Antes que ele pudesse dizer um “eu te disse”, emendei: — Não que
tenha valido a pena quase morrer de andar pra ver algo que eu poderia
apreciar em uma foto pela internet, lá no meu apartamento.

Ele revirou os olhos e rebateu: — Olha pra essa água, pra essas árvores
atrás de você ou pro chão que tá pisando… Cê não tem isso lá na cidade
grande.
— E é exatamente por isso que eu moro lá, né querido? — respondi,
imaginando ter que viver com toda aquela sujeira ao meu redor. — Deus que
me livre ter toda essa terra nojenta espalhada pelo meu piso branco.

Mas, ainda assim, admitia que o lugar em que estávamos era mesmo
muito bonito, provavelmente o mais lindo em que eu já havia estado.

Quando eu pensei que nós dois finalmente voltaríamos, Beto tirou a


camisa e a jogou sobre as pedras.
Os meus olhos — traíras desgraçados — correram na direção do
abdômen definido dele. Observei os músculos e todos os pelos que se
espalhavam por aquele corpo lindo; por mais que eu detestasse ter que
admitir, mexia muito comigo.

— Que droga você está fazendo, Roberto? — questionei-o, realmente


não ligando uma coisa na outra. Provavelmente, porque a minha mente estava
mais ocupada processando as imagens do caipira sem camisa.

Ele voltou o olhar para a cachoeira e respondeu, como se não fosse


algo óbvio: — Cê não achou que eu viria até aqui pra ficar plantado, olhando
pra ela, não é?
Antes que eu pudesse lhe dar uma resposta, Beto abaixou o jeans que
usava, ficando apenas com uma cueca azul, que demarcava bem o seu
volume.

E, infelizmente, os meus olhos traíram-me novamente e, descendo um


pouquinho mais, focaram em sua virilha, nos pelos escapando da cueca azul
e, principalmente, no que a recheava. Parecia ser grande, até mesmo mole, e,
quando ele se virou, tive acesso à sua bundinha redonda.

O cretino conseguia ficar ainda mais delicioso sem toda a roupa e


próximo àquela paisagem.
Como continuei em silêncio, ele tornou a falar: — Deixa de frescura,
Patrícia... Vem se refrescar aqui comigo.

Seu convite fez com que eu olhasse para a água e, em seguida, para o
rosto dele.

“Vem se refrescar aqui comigo”.


Filho da puta.

E, de repente, eu entendi todo o plano por trás daquilo.

Roberto realmente era um gênio caubói do mal.


— Seu cretino… Ai, meu Deus, você está dando em cima de mim! —
comentei perplexa por essa ideia não ter me ocorrido antes.

— Eu, o quê? — questionou-me ele, fazendo-se de desentendido.


— A paisagem e a água gelada, você tirando a roupa e me convidando
pra entrar também…

Ele começou a rir e não era uma risada de nervosismo por ter sido pego
no flagra. Beto realmente havia achado graça do que eu havia acabado de
dizer — ou era um ótimo ator —, como se fosse algo completamente ridículo
e isso fez com que eu considerasse a ideia de, mais uma vez, estar enganada a
respeito das intenções do peão.

— Eu dando em cima do cê? Foi picada por algum bicho e tá tendo


alucinação, é? — O caubói continuou rindo, como se essa possibilidade fosse
algo idiota demais para ser considerado, o que, de certa forma, me ofendeu.
— Eu só te trouxe até aqui comigo porque imaginei e gostei muito da ideia de
fazer ocê andar no meio do mato.

Por mais que o comentário dele de me torturar no meio daquela mata


fizesse muito mais sentido que o meu, obviamente não dei o braço a torcer.

— Tá bom, caipira… Vou fingir que acredito.


O roceiro não esperou mais por mim e atirou-se para dentro da água.
Optei por me sentar em uma pedra onde pegava um pouco de sol e por,
discretamente, observá-lo no rio, movimentando aqueles braços musculosos
dentro da água.

“Como um grosso desse pode ser tão gostoso?” questionava-me


mentalmente enquanto engolia o seu corpo com os meus olhos.

O cretino podia ser um porre, mas era muito atraente e só de imaginar o


que aquele seu corpo seria capaz de fazer comigo em cima de uma cama —
com todos aqueles músculos em cima de mim, espremendo-me contra o
colchão —, eu já ficava molhada sem sequer tocar naquela água.
Desejei estar na minha casa, deitada dentro da banheira, onde teria
privacidade para brincar, imaginando uma cena quente com o caipira mal
educado, chamando-me de “madame” enquanto — de acordo com as suas
próprias palavras — me “comia” com força naquele mesmo quarto em que
acordei, no dia em que nos conhecemos.

— Patrícia? — A voz dele fez com que toda a fantasia se dissipasse,


trazendo-me de volta à realidade.

Beto aproximou-se da rocha em que eu estava sentada e,


estranhamente, não atirou água em mim — a primeira coisa que passou pela
minha mente. De forma bem silenciosa, parou diante de mim e continuou me
encarando com um olhar estranho.

— Não se mexa, tem uma cobra do seu lado… — sussurrou ele, com
uma expressão séria. O moreno foi se aproximando de onde eu estava
lentamente e isso me deixou ainda mais tensa. — Continue quietinha…

Segundos depois de pronunciar aquela frase, o roceiro me agarrou com


força e me puxou pra dentro da água junto com ele. Como o rio não era tão
raso quanto aparentava, eu fiquei completamente encharcada, molhada da
cabeça aos pés.

O caubói idiota e mentiroso continuava me segurando em seus braços.

Irritada com o lance do “tem uma cobra do deu lado”, dei um tapa em
seu braço esquerdo.

— Seu mentiroso, desgraçado! — gritei, enquanto o meu corpo


começava a tremer de frio. — Eu odeio vo…
Ele agarrou-me pela cintura e me virou. E, só então, eu consegui
enxergar uma cobra marrom rastejando. Observá-la levar aquela língua
bifurcada para fora fez com que todo o meu corpo ficasse mole.

Não era uma mentira.

Ela estava a menos de meio metro da pedra em que eu estava sentada.

Ao continuar ali, vendo-a se mover, meu corpo estremeceu e foi


impossível não agarrar Beto. Afoguei o meu rosto em seu peito molhado e,
por alguns instantes, encontrei conforto e segurança. Essa sensação durou até
eu imaginar outras centenas de cobras nadando junto a nós dois naquele rio.

— Me tira… Me tira daqui… — murmurei, dessa vez, evitando olhar


na direção da cobra, pois isso só me assustaria ainda mais. Como ele
continuou parado, encarando o meu rosto, eu completei: — Por favor…
Beto aproximou-me ainda mais de seu corpo e me abraçou, antes de
começar a nos levar para a margem do rio, do lado oposto de onde a cobra
estava tomando sol.

Ele me sentou em outra pedra e, dessa vez, não fui capaz de ficar ali
por mais de cinco segundos. Levantei-me e, de forma paranoica, fiquei
olhando para o chão, como se eu estivesse cercada por cobras. E, durante
todo esse tempo, não fui capaz de largar o braço do caubói, que,
estranhamente, ainda não havia feito nenhum comentário maldoso a respeito
do meu estado de choque.

— Ei… Só vou ali pegar minhas roupas e já volto aqui, tudo bem? —
disse ele, olhando para a minha mão, que continuava agarrada ao seu braço
direito. Ele não conseguia desvencilhar-se de mim. — Prometo.
No mesmo instante, eu finalmente soltei Beto, totalmente
envergonhada.

Ele vestiu a roupa por cima do corpo molhado e voltou para onde eu
estava. Beto, sem dizer uma única palavra, entrelaçou os nossos dedos e
começamos a andar juntos, refazendo o caminho para casa.
Capítulo 12 — Deslizes

O clima mudou drasticamente.


Talvez todas as dicas dessa mudança estivessem bem debaixo dos
nossos narizes, mas, ainda assim, nós não percebemos — pelo menos, eu não
fui capaz de notar. Quando os sinais da chuva se tornaram evidentes demais
para que pudéssemos continuar ignorando, já era tarde demais.

Em menos de dez minutos de caminhada pela mata, enquanto


refazíamos o caminho de volta para o carro, as primeiras gotas começaram a
cair sobre as nossas cabeças. Quando elas me acertaram em cheio, voltei o
meu olhar para cima e observei os pássaros em uma fuga aérea, voando entre
as árvores.

Certamente, uma tempestade se aproximava.


Nem sequer poderia reclamar de que a chuva estivesse engrossando e
molhando o meu corpo, pois já estava completamente ensopada devido ao
episódio no rio. A única coisa que realmente me incomodava era o frio.

Voltei minha atenção para o homem ao meu lado, que, diferentemente


de quando entramos na floresta, não fez mais nenhuma brincadeirinha idiota,
nem mesmo um único comentário maldoso sobre o estado do meu cabelo ou
de toda a sujeira na roupa que eu usava.

O caubói se mantinha em silêncio, com os olhos voltados para frente.


Tudo isso, provavelmente, era consequência do clima estranho que
ficou entre nós, principalmente após os nossos dedos terem se entrelaçado.

Quando todo o meu choque passou, eu discretamente afastei a minha


mão da de Beto. Não queria continuar daquela forma, interpretando a
personagem fraca e chorona, que precisava de um homem para protegê-la.
Também não era de se esperar que alguns minutos de trégua entre nós dois
fossem aliviar ou resolver todo o restante.

A minha razão trabalhava arduamente para que eu transformasse a


sensação de “ele foi o meu herói” para algo como “a culpa é toda dele, já que
me obrigou a vir aqui, em primeiro lugar”.

E eu realmente me esforcei para abraçar essa ideia e alimentar ainda


mais a birra infantil que eu nutria por ele. O fato era que eu queria deixar
aquela floresta com raiva do caubói, mas tudo o que eu consegui foi admirá-
lo, ainda que da minha forma.

Dez minutos mais tarde, o chão em que pisávamos já estava


completamente afetado pela água da chuva, todo lamacento e escorregadio.
Nós tivemos que diminuir o ritmo para não deslizarmos em alguns obstáculos
que apareciam constantemente em nosso caminho. Em pouco tempo, fui
pegando prática e me tornando mais confiante, conforme pulava sobre as
poças, mas essa mesma confiança também me deixou mais descuidada.

— Cuidado, o chão est…

Antes que Beto pudesse finalizar aquela frase, escorreguei e caí dentro
de uma poça de lama. O meu corpo ficou todo coberto por uma mistura
gosmenta que me deu nojo só de olhar.

Eu, que sempre detestei o interior, estava completamente coberta por


ele, e de uma forma bem literal.

O universo era extremamente irônico.


— Eu acho que cê acabou de cair numa poça de lama — caçoou Beto,
rindo da minha desgraça. Ainda se divertindo com a minha queda, ele
continuou: — Mas não se preocupe não, madame... Ouvi dizer que lama é
bom pra pele.

Ignorei a sua voz e apoiei a minha mão sobre o barro, buscando uma
espécie de apoio para me ajudar a levantar dali, mas sempre que eu tentava, o
meu pé tornava a escorregar e isso só serviu para me sujar ainda mais.
Quando percebi que não conseguiria fazer isso sozinha, voltei o meu
olhar para o caubói, rendendo-me e quase implorando por sua ajuda, ainda
que ele continuasse com aquele sorriso estúpido no rosto.

— Caso você ainda não tenha reparado, eu meio que estou precisando
de uma ajuda aqui — pedi pelo seu auxílio, daquele meu jeitinho especial de
ser.

Em vez de estender a mão e me tirar logo de lá, contudo, o cretino


começou a rir.
A princípio, em meu terceiro escorregão, ele até segurou um pouco o
riso. Segundos depois, entretanto, o som da sua risada tornou a soar alto e
isso me irritou o suficiente para que eu desejasse poder afogá-lo na mesma
poça em que eu estava presa.

Quando ele percebeu que eu não estava com graça e que continuava
dentro daquela poça maldita, finalmente estendeu a mão para me ajudar. Mas,
em vez de usar a sua mão de apoio e sair de lá, eu a puxei para baixo com
toda a minha força. Como ele não estava preparado para aquilo, não deu
outra. Beto também caiu na poça lamacenta em que eu estava.

— Acho que você acabou de cair numa poça de lama — disse,


lembrando-o das palavras que ele havia acabado de pronunciar para mim. —
Eu te tranquilizaria também, dizendo que lama é bom pra pele, mas não sei se
a sua ainda tem jeito.

Suas mãos lamacentas agarraram a minha camisa, trazendo-me para


mais perto de seu corpo. Pensei que ele fosse me afundar ainda mais naquela
lama, mas tudo o que Beto fez, foi me manter daquela forma, presa ao seu
corpo.
Os nossos rostos estavam extremamente próximos um do outro — a
poucos centímetros de se tocarem. Eu era capaz de ouvir o som ofegante de
sua respiração e tinha certeza de que ele também estava acompanhando o
meu. Nós dois estávamos sujos e apreensivos, à espera de algo que poderia
não acontecer, algo que nem sabíamos se queríamos mesmo que acontecesse.

Seus olhos verdes nunca brilharam tanto quanto naquele instante,


pareciam duas lanternas iluminando o meu rosto, clareando toda a escuridão
causada pela tempestade, que continuava caindo sobre as nossas cabeças.

Estávamos prestes a nos beijar.


Eu podia sentir isso.

Mas, por algum motivo — provavelmente pelo medo —, levei a minha


mão em direção ao seu rosto e sujei a sua bochecha e barba de lama.

Ainda que eu tivesse feito isso para impedir o que estava prestes a
acontecer, Beto não interpretou o meu gesto dessa forma.
Soube disso quando a sua mão enorme, também suja, acariciou o meu
rosto e me puxou para aquele beijo que eu tanto havia tentado evitar.
Conforme o seu rosto se aproximou, eu me senti dentro de um carro
desgovernado, prestes a colidir com outro veículo.

Nós éramos um desastre iminente.

E antes mesmo que nos tocássemos, eu já era capaz de ver os destroços


da colisão.

Nossos lábios se aproximaram. E, naqueles poucos segundos em que o


beijo durou, eu me esqueci de que o seu rosto estava completamente sujo,
esqueci até mesmo de que aquela boca pertencia ao caubói que tanto me
irritou. Simplesmente me entreguei a ele e ao beijo, deixei com que Beto me
dominasse com a sua língua, que a sua mão direita agarrasse o meu cabelo,
tornando-nos ainda mais próximos, como se ele planejasse me engolir. Deixei
que ele provasse de mim e aproveitei para prová-lo também.

Foi estranho.

Foi sujo.

Foi bruto.
E foi muito, muito bom.

Bom o suficiente para me deixar completamente excitada enquanto


estava cercada por lama e outras coisas das quais eu preferia nem pensar.

A questão é que, ao nos afastamos, foi como voltar para o momento em


que ele apareceu naquele quarto, na manhã daquele sábado em que eu acordei
de ressaca e, logo em seguida, o acusei de ter se aproveitado de mim. Eu me
senti envergonhada e extremamente tensa. E isso fez com que eu conseguisse
me levantar sozinha; dessa vez, sem tornar a deslizar. O caubói também não
precisou de ajuda para sair de lá. Com isso, não demorou muito para que
estivéssemos refazendo a nossa trilha, que já estava quase se encerrando.
O silêncio foi quase um novo membro daquela caminhada e nos
acompanhou até que os meus olhos avistassem a rua em que Beto havia
estacionado a sua Hilux.

Atravessamos com a dificuldade similar à de quem atravessava o mar


vermelho. E quando o carro finalmente estava ao alcance da minha mão,
fechei os meus olhos, não acreditando na tarde que havíamos acabado de
passar juntos.

Ele destravou as portas, mas, no instante em que eu me preparei para


entrar, o caubói me impediu, dizendo: — Sem chance de entrar no meu carro
toda suja desse jeito.
Se eu não estivesse tão cansada, até discutiria com ele. Mas,
simplesmente, comecei a desabotoar a camisa e me preparei para tirar toda
aquela roupa suja do meu corpo. Tirei a camisa, contudo, assim que comecei
a remover a minha blusinha, senti a sua mão tocar em meu ombro.

— Ei… eu só tava brincando — sussurrou ele, roubando a minha


atenção. Com um sorriso em sua expressão também cansada, Beto
completou: — E seu eu soubesse que essa era mesmo a maneira mais fácil de
te fazer tirar toda a roupa, tinha jogado ocê na lama antes.

Aquilo foi uma confirmação.


Eu realmente não estava errada lá na cachoeira, por ter pensado que
tudo aquilo havia sido um plano bem elaborado para dar em cima de mim.

Como um cavaleiro — e não o cavalo que ele costumava ser na maior


parte do tempo —, o roceiro abriu a porta da caminhonete para mim. Sorri
em agradecimento e entrei, acomodando-me naquele banco confortável.

Nunca fiquei tão feliz por estar dentro de um carro. Abaixei o vidro e
voltei o meu olhar para o acostamento, enquanto absorvia tudo o que havia
acontecido. No final de todas as minhas somas, sabia exatamente o resultado
daquela equação.
— Obrigada pelo… — comecei a dizer, sem saber ao certo pelo que eu
estava lhe agradecendo. Eram tantas coisas que ficava difícil enumerar em
um mesmo comentário. Eu era grata por ele me salvar de Diogo e daquela
cobra, por ceder o seu peito quando eu precisei de um lugar para afagar o
meu rosto e pela sua proteção no momento em que fiquei aterrorizada. —
Obrigada por tudo.

Ele fechou a sua porta e, ainda com aquelas lanternas claras


iluminando o meu rosto, respondeu: — Precisa agradecer não… Eu já te disse
que não faço nada por obrigação. Seu eu fiz mesmo alguma coisa pra merecer
agradecimento, foi porque quis fazer.
Beto deu partida no carro, tirando-nos daquele lugar.

Foquei na paisagem que passava rapidamente pelo vidro. A chuva


continuava caindo sobre a terra vermelha e já podíamos avistar os clarões que
iluminavam o céu tempestuoso e eram seguidos pelos sons de trovões.

Por mais que eu não fosse a maior fã do interior, não podia negar que o
cheiro da terra molhada era maravilhoso.
Terra.

Água.

Lama.
Eu nunca mais conseguiria pensar nessas três palavras sem me lembrar
daquele beijo que compartilhei com o caubói.

Quando a caminhonete estacionou em frente à casa dos meus pais,


busquei pelo seu rosto. Analisei os lábios rosados que provei naquela mata, a
barba escura e por fazer, que sujei com a lama da minha mão e os seus olhos
penetrantes que pareciam enxergar através de mim.

Ainda que o céu estivesse escuro, sabia que não devia ser muito tarde,
apenas mais um dos efeitos da tempestade que continuava a cair. Então, não
sabia se desejava um “boa noite” ou, simplesmente, se me despedia dele com
um sorriso.

Por fim, eu acabei não optando por nenhuma dessas duas opções.
Limitei-me a abrir a porta do carro e me preparar para deixá-lo, sem dizer
nada.
— Cê não tá se esquecendo de nada não? — O som da sua voz me
impediu de sair. Ao perceber que eu não sabia a que ele estava se referido, ele
apontou em direção a camisa xadrez em minha mão. — Acho que isso aí
costumava me pertencer.

Apertei a camisa coberta de lama contra o meu corpo e sorri, antes de


lhe responder: — Amanhã… venha pegá-la comigo amanhã.

Sem prolongar ainda mais, levantei-me do banco e desci de seu carro.


E, ainda segurando a camisa do caubói, comecei a correr sob a chuva até a
parte coberta do quintal, onde desacelerei os meus passos e me virei para
observá-lo partir.
Capítulo 13 — Rotina no Sítio

Beto não apareceu no dia seguinte.


Nem no outro.

E nem no outro depois desse.

Ou ele tinha desistido da camisa xadrez ou tinha desistido de mim. E


tudo isso justamente quando eu comecei a apreciar a sua companhia.
Infelizmente para mim, o carrapato do Diogo não desistiu.

Aquele traidor enviou centenas de mensagens para o meu celular —


obviamente não respondi —, falando sobre o quanto havia se arrependido e
também prometendo mil e uma coisas, caso estivesse disposta a lhe dar uma
segunda chance. A minha sorte era que, além das mensagens que chegavam
por internet, ele não conseguia me ligar, pois não existia sinal fora da antena
em que o telefone fixo ficava conectado.

Como tudo o que ele recebeu de mim foi um visualizado e não


respondido, resolveu aparecer novamente no sítio e fez o maior drama para ir
embora.
Antes de finalmente entrar no carro e desaparecer do meu campo de
visão, o cretino disse: — Eu não vou desistir de você, Patrícia. Eu vou lutar
por nós dois.

Queria tanto tê-lo ouvido pronunciar essa mesma frase no dia em que o
confrontei sobre a traição. Tinha certeza de que, se ele a tivesse dito, da
mesma forma que havia feito naquele instante em que estava prestes a deixar
a casa dos meus pais, ela teria sido suficiente. Teria sido suficiente para
salvar aquele “nós” a que ele se referia.

Agora, já era tarde demais. Esse mesmo “nós” já estava morto, morreu
no instante em que Clarisse fez com que eu percebesse o quanto estava sendo
idiota por esperar migalhas de um homem, quando poderia ter o pão inteiro,
vindo de outro muito melhor.
Sempre fui aquela mulher viciada em trabalho, que não encontrava
tempo para cuidar da própria vida. Conseguia resolver qualquer tipo de
problema na empresa, mas sempre adiava os meus próprios. Por muito
tempo, não consegui ter um relacionamento que durasse mais de três meses.
Diogo foi o cara que conseguiu mudar isso; fez com que eu olhasse para mim
mesma de outra forma; fez com que eu tivesse uma verdadeira noção do que
era um relacionamento.

Então, quem podia me culpar por tentar salvar aquela relação no


momento em que tudo desmoronou? Quem podia me culpar por sentir medo
de não encontrar outra pessoa que me fizesse sentir segurança, da forma que
Diogo conseguia?

Eu não tinha ideia se o que nós tínhamos era mesmo amor ou,
simplesmente, uma cumplicidade, algo que funcionou muito bem por anos.
Contudo, meu coração não acelerava — não da maneira como acontecia
quando estava perto do caubói —, meu estômago não se enchia de borboletas
e não me sentia nem perto de como havia me sentido ao beijar o Beto. Por
outro lado, não era ruim, possuíamos química e tínhamos intimidade,
conhecíamos os costumes um do outro e os anos nos trouxeram experiência
de convivência.
Talvez fosse apenas outra forma de amar — a única que eu conhecia na
época.
Mas acabou.

Eu tinha certeza.

A partir daquele momento, a única coisa pela qual ansiava era ter
novamente aquela sensação que havia experimentado com Beto e tinha
certeza de que era algo que Diogo jamais poderia proporcionar.

Tinha consciência, entretanto de que, no final das contas — ainda que


o cretino tivesse feito toda aquela merda —, o problema não era com ele, mas
comigo, pois acabara de me dar conta de que eu queria e merecia mais.

Peguei a minha garrafinha d’água dentro da geladeira e avisei a minha


mãe de que sairia para correr.
Dessa vez, ela só balançou a cabeça.

Na primeira vez em que disse “vou correr… daqui a pouco eu volto”,


ela ficou em silêncio, com uma expressão de descrença, antes de responder
com um “você, correndo em uma estrada sem asfalto? E logo depois da
chuva? Essa eu não perco por nada” e se ofereceu para ir comigo.

Foi a primeira atividade entre mãe e filha que tivemos em anos. Não
houve brigas, nem comentários maldosos. Pelo contrário, nós rimos bastante
e conversamos sobre coisas relacionadas ao sítio.
— Quer ir junto? — convidei-a realmente esperando que aceitasse e
me acompanhasse mais uma vez.

Ela negou com um aceno de cabeça, respondendo: — Se eu não tivesse


tanta coisa pra fazer até iria.

Sorri e deixei de enrolar ou acabaria dando para trás.


Gostava muito de me exercitar, mas dentro da academia do prédio em
que morava. Fazia isso em uma temperatura ambiente e, na maior parte das
vezes, sendo instruída por um personal trainer.

Eu só corria sobre uma esteira, nunca me imaginei fazendo isso em


qualquer outro lugar, e a experiência do dia anterior havia sido muito boa e
extremamente diferente. Era incrível sentir o pé batendo no chão, o vento no
rosto e realmente se movimentar, saindo do lugar, não se limitando a um
espaço de um metro.

De certa forma, era libertador.

Já não me pilhava em ter o meu tênis branco tocando no barro,


tampouco na lama respingando em minha perna. Superei tudo isso quando caí
dentro daquela poça, junto com o caubói.

Fiz uma hora e dez minutos de atividade física. Quando estava


voltando para a casa, vi que a caminhonete de Beto — dessa vez, tratava-se
daquela velha — estava estacionada lá e isso foi o suficiente para que o meu
estômago começasse a gelar.
Seria a primeira vez que o veria desde o nosso beijo.

E eu não sabia o que aconteceria agora.

Fingiríamos?
Repetiríamos?

Com certeza, não descobriria ali parada, encarando o quintal a


distância. Precisava, literalmente, dar aquele passo e colocar-me à sua frente.

E foi o que eu fiz.


Encontrei o caipira junto com os meus pais, sentados no sofá da sala.
Quando entrei no cômodo, todos voltaram os seus olhares em minha direção.
Limitei-me a erguer a mão, cumprimentando todo mundo de uma só
vez. Demorei o meu olhar sobre o seu rosto, analisei a sua camisa vermelha
— uma diferente daquela que estava comigo — e foi tempo suficiente para
constatar o quanto aquela cor combinava com ele.

Os olhos dele também estavam em mim e isso me deixou


desconcertada, principalmente porque eu estava coberta por suor — não que
isso fosse problema para quem já tinha me beijado tingida por barro.

Fui para o meu quarto pegar roupas.

Escolhi um vestido rodado.

Dessa vez, eu queria estar bonita.


Mas quando me virei para ir ao banheiro, notei que ele estava parado
na porta do meu quarto, assistindo-me ali com o guarda-roupa aberto.

— Eu vim buscar aquela camisa — comentou Roberto, entrando no


meu quarto e se aproximando de onde eu estava parada.

Dei dois passos, diminuindo ainda mais a distância entre nós dois,
antes de lhe responder: — Então, perdeu a viagem… Eu nunca considerei a
ideia de devolvê-la.

Ele não disse mais nada, simplesmente avançou sobre mim e, mais uma
vez, tomou os meus lábios para si. O impacto entre os nossos corpos foi tão
forte que eu bati as minhas costas no guarda-roupa, mas nem isso fez com
que interrompêssemos aquele beijo.

Meus olhos permaneceram fechados, enquanto a sua língua continuava


me explorando. Sentia o cheiro de seu perfume, o toque de sua mão em meu
rosto e a leveza de seus lábios, que continuavam colados aos meus.

Assim que nos afastamos, abri os meus olhos para encarar aquele rosto
que devia estar tão próximo ao meu, entretanto, vi a imagem da minha mãe
por cima de seu ombro.

A porta do quarto estava aberta e ela estava parada ali, assistindo à


cena quente que o Beto e eu protagonizávamos.
Como todos os meus movimentos foram interrompidos, o caipira se
afastou e, ao olhar para a expressão de meu rosto, matou a charada antes
mesmo de se virar.

Afastei-me de Beto, caminhei em direção à cama e peguei a roupa que


tinha separado para usar.

— Vou tomar um banho — disse, fugindo daquela situação


constrangedora.
Passei pela minha mãe e deixei os dois no meu quarto.
Capítulo 14 — Climão

Deixei o banheiro torcendo para que a minha mãe não estivesse


acampada próximo da porta e ainda com aquela expressão — a de que eu lhe
devia uma ótima explicação — estampada no rosto.
Por sorte, nem ela e nem Beto estavam por perto.

Pelo som das vozes, deviam estar todos na cozinha. Fui então para o
meu quarto, terminei de secar o meu cabelo e, encarando o espelho da porta
do guarda-roupa, questionei-me se aquele vestido não era exagerado demais,
realmente desnecessário da minha parte.

Depois de pensar um pouco sobre isso, decidi continuar da maneira que


estava mesmo. Como a intenção sempre foi surpreender o caipira, antes “de
mais” do que algo “de menos”.
Encontrei-me com eles e, assim como havia acontecido mais cedo —
quando voltei da minha corrida —, os olhos de todos voaram em minha
direção. Dessa vez, não corri para outro cômodo, deixei que me analisassem
bem, principalmente o caubói, que estava sentado ao lado do meu pai.

— Eu só fui resolver isso ontem e aí deu uma atrasada — comentou


Beto com a atenção voltada para os meus pais. Ele levou a xícara com café
preto até os lábios, mas antes de beber, prosseguiu: — Espero que a colheita
não seja muito prejudicada...

Como não tinha a mínima ideia sobre o que eles estavam falando, tudo
o que eu fiz foi me sentar e continuar ouvindo em silêncio.
Demorei a entender que eles estavam comentando sobre problemas no
maquinário de Beto e que isso poderia acabar dificultando a colheita. Como a
família dele era a que possuía a maior quantidade de terra na região, esse
“dificultar” também poderia significar “perder”.

E “perder” quase sempre envolvia dinheiro.


No entanto, o que mais chamou a minha atenção em toda aquela
conversa, foi que, ainda que estivesse falando com os meus pais, seus olhos
sempre encontravam uma maneira de se voltar em minha direção, como se
ele não conseguisse passar uma determinada quantidade de tempo sem olhar
para mim.

Talvez ele estivesse sofrendo do mesmo mal que eu.

Fiquei à mesa com eles por mais alguns minutos, tempo suficiente para
tomar uma xícara de café com leite e, em seguida, levantei-me, sem deixar de
encará-lo.
Nossos olhares se cruzaram e, nesse meio tempo, conversamos de
forma silenciosa, sem pronunciarmos uma só palavra.

Ele sabia exatamente o que deveria fazer, pois, no momento que os


deixei, seu sorriso sacana deu conta de me informar.

Retornei ao meu quarto e mantive a porta aberta.


Em menos de três minutos, o caubói também a cruzou. E, dessa vez,
ele a fechou, mostrando que não estava disposto a ser interrompido
novamente.

— Ela te falou alguma coisa? — questionei-o, referindo-me ao


momento em que o deixei sozinho com a minha mãe, logo após ela ter
flagrado o nosso beijo.

Ele negou com a cabeça, respondendo: — Se afastou assim que cê


fugiu da cena do crime. — Ele abriu um sorriso e prosseguiu: — Ainda não
te perdoei por me abandonar.

— Quem mandou me agarrar? — Aproximei-me de onde ele estava e


comentei: — Você mereceu, seu caipira safado!
O sorriso bobo se tornou malicioso em segundos.

— Cê ainda não me viu sendo safado, Patrícia.

Não esperei por mais nada, estava ansiosa demais para provar mais um
pouco daquela boca gostosa. Dessa vez, fui eu quem tomou a iniciativa,
agarrando-o e selando os nossos lábios. E, enquanto estávamos ligados pelo
beijo, arrastei-o para a minha cama, onde caímos e continuamos com o que
estávamos fazendo.
Por mais que a porta nem estivesse trancada, eu já estava preparada
para caso as coisas se intensificassem — havia colocado um conjunto de
lingerie maravilhoso —, mas depois de me beijar por alguns poucos minutos,
o roceiro levantou da cama e se afastou.

— Preciso ir… — disse ele, deixando-me ali, com um gosto amargo de


“quero mais”. — Tive problema com as minhas máquinas e precisei viajar
pra comprar algumas peças. Cheguei hoje… — Com os olhos secando o meu
corpo, ele completou: — Só apareci por aqui porque queria pegar aquela
camisa de volta.

Sabia bem a camisa que aquele safado queria pegar.


Joguei o meu corpo para trás, deitei-me sobre a cama e respondi da
forma mais sexy que eu consegui naquele momento: — Se ainda a quiser,
tente amanhã de novo. Quem sabe você não dá sorte.

Ele piscou e sorriu, mostrando-me o que realmente era ser sexy, antes
de deixar o meu quarto.

Alguns minutos depois que o Beto foi embora, minha mãe entrou no
quarto. Seu olhar enigmático de quem ainda pensava exatamente no que me
diria, mostrou-me que, muito provavelmente, não tinha vindo perguntar o que
eu gostaria de comer no jantar.

Não estava esperando aquela visita, mas não podia dizer que estava
surpresa com sua aparição. Sabia que ela conversaria comigo sobre o beijo
que havia flagrado mais cedo, pois dona Sofia adorava dar a sua opinião
sobre tudo que se referia à minha vida, mesmo que, em momento algum, eu
tivesse lhe perguntado.

— Vocês dois…
Balancei a minha cabeça, negando antes mesmo que ela finalizasse
aquela pergunta.

— Foram só alguns beijos e não passou disso — expliquei, mostrando


que ela não precisava se preocupar com nada. — Ele te disse alguma coisa?

Ela negou e aproximou-se da cama, sentando-se na beirada.


— Ele... Beto é um rapaz bom, Patrícia... — Antes que eu pudesse
questionar onde ela queria chegar com aquilo, minha mãe me deu a resposta:
— Não… não brinque com ele.

Ainda que fosse difícil de acreditar, minha mãe estava bem ao meu
lado, defendendo o caubói de mim — como se fosse mesmo necessário — e
isso soava errado de mais formas do que eu conseguia contar.

Ao perceber o meu olhar, ela se preparou para dizer mais alguma coisa,
mas, no último segundo, hesitou e desistiu, deixando-me sozinha no quarto.
Capítulo 15 — Convite

Depois de todos aqueles beijos e momentos quentes com Beto, eu


finalmente podia admitir aquilo que já não conseguia mais continuar
ignorando — ou escondendo.
Sim.

Era oficial.

Eu estava mesmo presa em uma trama extremamente clichê, onde a


“mocinha mimada” e o “cara brutão” se estranhavam durante um livro
inteiro, mas, no final, acabavam completamente apaixonados e melosos.
Nesse caso, ainda não sabia se o caubói estava tão interessado assim
em mim — pelo menos, não da maneira com que eu estava — ou se só queria
se divertir comigo. E devo confessar que, fosse esse mesmo o caso, não seria
de todo mal.

Eu deveria fazer alguma coisa?

Evitar vivenciar aquela nova e forte experiência com um homem mais


novo e totalmente excitante?
Eu não conseguiria fazer isso, nem se me esforçasse.

A verdade é que tinha sentido grande aversão por ele, quando nos
conhecemos naquele sábado em seu quarto. Beto me irritou mais do que
qualquer outro cara jamais tinha conseguido em tão pouco tempo. Mas, com
o passar dos dias, conforme fui conhecendo mais dele, todo aquele rancor,
talvez até um pouco de ódio, foi se transformando em outro tipo de
sentimento, um forte demais para que pudesse ignorar ou fingir não existir.
E tudo isso se confirmou quando ele ligou para o telefone fixo dos
meus pais.

Como eu era extremamente azarada, foi minha mãe quem atendeu


primeiro. Em poucos segundos, a expressão de seu rosto já me entregou que a
ligação não era para ela nem para meu pai. Dona Sofia passou-me o telefone
com um olhar de “você não deveria”. Mas, ansiosa para ouvir a voz do
caipira, obviamente a ignorei, arrancando o telefone de sua mão.

Inicialmente, limitei-me a um tímido “oi” e só comecei a falar de


verdade quando a minha mãe se afastou.

— Desistiu da sua camisa? — questionei, não conseguindo deixar de


sorrir.

Por sorte, Beto não podia ver a minha expressão de garotinha


encantada pelo “bad boy” da escola. A diferença era que, no interior, o “bad
boy” acabava significando o “caipira”; e agora eu sabia que não era nada
ruim.
— Eu não costumo desistir fácil das coisa, Patrícia — respondeu ele,
acelerando o meu coração, mesmo que com uma frase gramaticalmente
incorreta. De forma determinada, Roberto prosseguiu: — Essa camisa aí
ainda vai ser minha.

Eu entendia bem o que o caubói estava fazendo. Beto usava uma


espécie de duplo sentido em suas frases. Por mais que parecesse estar se
referindo à camisa xadrez dentro no meu guarda-roupa, estava falando sobre
mim — ou sobre uma parte muito íntima minha, o que, convenhamos, era
ainda mais safado.

— Mas eu pensei que ela já fosse sua — continuei, desconversando e


fingindo que não havia entendido exatamente onde ele queria chegar.
— Ela é minha? — questionou, pegando-me desprevenida.

O cretino era muito bom.

Para evitar responder um “sim”, dando-lhe a vitória logo no início,


desconversei novamente. Dessa vez, mudando totalmente o rumo da nossa
conversa.

— Você ainda não me disse o motivo da ligação...

Depois de alguns instantes em silêncio, pude ouvi-lo rindo.

— Também… Cê nem me deixou falar, já foi oferecendo a sua camisa


pra mim — respondeu Beto, deixando-me tão vermelha quanto uma pimenta.

Cansada daquele seu joguinho — um que eu perderia de qualquer


maneira —, optei por cortar a conversa e me resguardar.

— Eu adoraria continuar conversando com você, mas…


— Desliga não — gritou ele, mantendo-me ao telefone. — Eu quero
saber se... Cê aceitaria sair comigo? — Depois de alguns segundos em
silêncio e sem uma resposta da minha parte, ele completou: — Num jantar
aqui em casa.

Deixei de me fazer de difícil e finalmente respondi positivamente ao


seu convite.

— Se você prometer se vestir um pouquinho melhor, eu até aceito.


O caubói riu.

— Em todas aquelas vezes que cê me beijou, nunca reclamou do que


eu estava vestindo — atacou-me, roubando-me um sorriso.

— Foi você quem me beijou, me agarrando durante todas essas


vezes… Como o roceiro safado que é — retruquei, defendendo-me de suas
acusações.

Pensei que ele fosse jogar na minha cara que, na última vez, a iniciativa
do beijo havia partido de mim, mas tudo o que o projeto de caubói disse, foi
um “e cê gostou, não é?”, mais uma vez, colocando-me em uma situação
complicada.
— Passo te pegar aí daqui uma hora? — completou ele,
surpreendendo-me com toda aquela pressa e afobação de sua parte.

Ele estava me convidando para um jantar que aconteceria em uma


hora?

Sim, estava.
Dessa vez, fui eu quem quis brincar com o duplo sentido. Notei um na
frase de Beto — aparentemente cuja existência nem ele tinha percebido — e
não me segurei.

— Uma dica caipira, eu não gosto de homens que perguntam se podem


ou não me pegar, eu gosto daqueles que, simplesmente, me pegam —
respondi a sua pergunta e encerrei a ligação.

Devolvi o telefone para o gancho e voltei o meu olhar para os dois


lados, certificando-me de que realmente estava longe do olhar analítico da
minha mãe.
Eu não duvidava de que ela houvesse montado um acampamento em
algum canto da casa só para bisbilhotar a minha conversa com Beto.

Isso era muito a cara da dona Sofia.

Quando constatei que ela realmente não estava ali, finalmente tive a
liberdade para sorrir da minha forma exagerada.
Diferente da última vez, eu não precisei revirar as minhas roupas no
guarda-roupa, tampouco espalhá-las em cima da minha cama, completamente
indecisa sobre o que vestiria. Eu já sabia exatamente o que usaria em nosso
jantar, foi algo automático. A ideia surgiu espontaneamente na minha cabeça.

Peguei minha toalha e segui para o banheiro, pois a hora que eu tinha
para me arrumar já estava passando. A chuveirada apressada — onde eu não
teria tempo nem de cantar uma música — foi a parte mais fácil.

O pior mesmo seria dizer para a minha mãe onde eu planejava jantar.

Seria impossível ficar impune ao seu olhar.

Mas valeria a pena, afinal, o que era um olhar — e, provavelmente, um


comentário maldoso — comparado a uma ótima noite junto com o cara que
conseguia, no bom sentido, me tirar do sério?
Fiz tudo o que precisava fazer e retornei ao meu quarto, preparando as
coisas. Usaria um vestido de renda vermelho sem mangas e aberto nas costas.
Era o tipo de roupa que eu costumava usar em uma festa ou em um jantar de
negócios. Definitivamente, não combinava com interior ou qualquer coisa
relacionada a isso.

Talvez, a parte mais ousada fossem os sapatos de salto prateados. Por


mais que eu estivesse com medo de atolá-los em um buraco ou poça de lama,
queria muito que Beto me visse daquela forma, da maneira como eu
costumava me vestir no meu mundo.

Eu não queria estar apenas bonita para o nosso jantar.


Queria estar deslumbrante.

Na verdade, queria arrancar todo o ar dos pulmões daquele caipira no


instante em que ele me visse.
Obviamente, optei por deixar para avisar minha mãe apenas no
momento em que o caubói chegasse. Dessa forma, contaria a ela que jantaria
na casa dele e, imediatamente, já entraria em seu carro, escapando de
qualquer comentário que ela achasse que deveria fazer.

Só deixei o quarto no instante em que ouvi o barulho do carro dele.


Como não queria dar chance para que Beto entrasse e ficasse batendo papo
com os meus pais, apressei-me para encontrá-los pela casa. A minha mãe
estava na sala, sentada no sofá, assistindo televisão.

Não precisei nem chamar a atenção dela, a minha aparência fez isso
por mim.

— Eu vou jantar com o Roberto e não sei bem o horário que vou
chegar — disse, fazendo questão de usar o nome completo do roceiro. E antes
que ela pudesse comentar alguma coisa, completei: — Boa noite, mãe.

Meu pai certamente já estava lá fora, conferindo quem tinha chegado.


— É pra mim — disse ao passar por ele. E como uma garotinha que
devia satisfações, continuei dizendo: — Avisei minha mãe sobre o meu
compromisso. Boa noite.

Beto já estava descendo do carro, contudo, ao me ver caminhando em


direção a onde ele estava, interrompeu os seus movimentos, mantendo-se
parado, com aqueles olhos esverdeados colados em mim.

Abri a porta e sentei-me no banco do carona.


Ele ficou me encarando por uns trinta segundos em silêncio e isso me
levou a esperar por alguma de suas brincadeirinhas sem graça —
principalmente em relação a toda aquela minha superprodução exagerada.

— Cê tá… — Ele sorriu, como se lhe faltassem palavras. — Linda.


Voltei o meu olhar para ele e finalmente notei que o caipira não estava
se vestindo como um caipira. Beto usava uma camisa social azul, um jeans
escuro e, estranhamente, não havia nenhum chapéu em sua cabeça. O seu
cabelo estava penteado para trás e isso fez com que eu sorrisse, pois ele havia
se arrumado mesmo, ainda que da sua maneira.

— Você também está lindo… — Antes que ele pudesse dizer alguma
coisa, completei: — Mas cuidado, caipira… Tá parecendo um playboy
engomadinho — brinquei, desviando o meu olhar para colocar o cinto de
segurança e, sem encará-lo, questionei: — Vamos?
Capítulo 16 — Jantar

Quando chegamos, acabei reparando em muitas coisas que não havia


captado da primeira vez — mais especificamente no dia em que acordei ali
com uma ressaca terrível e, envergonhada, queria entrar na caminhonete do
meu pai e simplesmente sumir.

A primeira delas se referia ao lugar em que eu havia passado a noite. O


quarto não chegava nem a fazer parte da casa dele, ficava no lado externo e,
de acordo com o próprio Beto, costumava ser usado pelos seus empregados.

Voltei o meu olhar em sua direção e novamente ele estava com aquele
sorriso idiota.

— Eu não acredito que você me deixou dormir no quarto dos peões…


— comentei, fingindo estar chocada com aquela sua revelação. Naquele
tempo, eu pensava que ele era o peão, um empregado do verdadeiro dono na
propriedade. Ou seja, antes mesmo de saber quem ele era, já tinha me
conformado que tinha passado a noite na cama de um peão. — Você ficou na
sua caminha confortável e eu tive que dormir naquela porcaria?

Ele começou a rir e isso fez com que eu desse um tapa de leve em seu
braço esquerdo.

— Cê me chamou de aproveitador deitada naquela cama, imagina se


tivesse te levado pra um quarto dentro da casa? — respondeu Beto,
mostrando-me um ótimo ponto.

Caminhamos em direção ao quintal de sua casa. Eu estava tão distraída


que somente notei um sapo em cima da calçada — algo bem comum no
interior — quando chegamos a menos de um metro dele. Fiquei tão assustada
que o meu corpo voltou com força pra trás. Só não caí porque Beto foi mais
rápido e me segurou.

Ele me encarou, forçando uma expressão séria enquanto tentava


segurar o riso.
— Tudo bem?

Balancei a cabeça, negando.

Não, claro que não.


Havia um sapo grande e nojento bem na nossa frente; não estava nada
bem.

— É só um sapo, Patrícia — continuou ele, já não fazendo questão de


disfarçar o quanto estava se divertindo com a situação. — Ele não vai pular…
Se preocupa não.

Eu dei alguns passos para trás, afastando-me dele e, consequentemente,


do sapo.
— Eu… eu não vou entrar... — afirmei, sem conseguir tirar os meus
olhos daquela coisa nojenta. Comecei até a rir de tanto nervosismo. — Eu
não…

Eu nunca conseguiria passar por ele.

Nunca.
— Cê tá com medinho de um sapo? A lenda da publicidade? —
continuou o caubói, aproximando-se de onde eu estava. — Deixa de frescura
e vem logo.

Estava tão concentrada no bicho verde que nem percebi o momento em


que Beto avançou em minha direção, pegando-me no colo.

— NÃO! — gritei, batendo em seu peito, em uma tentativa de impedir


que ele continuasse andando. — Volta agora… Beto, volta!
Ele não me ouviu, continuou andando e, quando constatei que ele não
retrocederia, afundei a minha cabeça em seu corpo e rezei para que o sapo
não pulasse na gente. Só fui abrir os meus olhos quando o caubói já tinha nos
colocado dentro da casa.

Ele me deixou em cima do sofá, com um sorrisinho ridículo no rosto.

— Medrosa… — caçoou ele com aqueles olhos esmeralda colados em


mim. — Gosta de bancar a durona, mas ficou com medo de um sapim de
nada.
Revirei os meus olhos e sorri de forma sarcástica, respondendo: — Não
é medo, é nojo! Mas você não entenderia, afinal, como um sapo pode ter
medo de outro sapo, não é?

— Se esse fosse o caso, cê também deveria gostar… E muito, já que


beijou um monte esse sapão aqui.

Sapão?

O cretino estava mesmo inspirado.

Ainda tentando vencer aquela discussão, comentei: — Eu não duvido


que você o tenha colocado ali… Só pra depois me pegar no colo e bancar o
herói.

Beto riu da minha teoria ridícula e depois de ficar alguns instantes em


silêncio, confessou: — Olha que não é uma má ideia, hein?
Fuzilei-o com o meu olhar.
— Eu mato você e o sapo — deixei claro, tornando a olhar para os
lados, passando a observar mais os detalhes internos de sua casa.

A decoração dele era extremamente rústica e masculina — e de


péssimo gosto, diga-se de passagem. Eu não conseguia ver muita diferença
entre o quarto dos peões e a sala dele, por exemplo. O ambiente era bem
parecido para mim, mas como estávamos em uma boa fase, resolvi guardar
todos esses comentários.

— O que teremos para o jantar? — questionei, louca para saber o que


ele tinha preparado.

Como o caipira não tinha cara de quem cozinhava, eu não estava com
as altas expectativas quanto ao menu. Apostava em algo bem simples e,
muito provavelmente, feito por outra pessoa.

Ele aproximou-se do sofá e, sem tirar aquelas duas lanternas de mim,


sentou-se ao meu lado.
— Tem jantar não, madame — respondeu-me com uma expressão
séria. Como não acreditei em suas palavras, esperei que ele revelasse ser uma
de suas brincadeiras bobas, mas isso não aconteceu. — Queria te ver e
inventei essa história de jantar.

Não consegui deixar de rir.

Eu tinha me vestido de forma exagerada para esse jantar que, no final


das contas, nem mesmo existia.
— Dá pra fazer uns sanduíche com o que tem na minha geladeira —
continuou ele enquanto levava a sua mão até a minha. — Também tem o que
sobrou do meu almoço…

Não tive nem tempo de bater naquele cretino. O seu rosto foi se
aproximando lentamente para um beijo que eu queria muito conseguir
recusar, entretanto, eu não era tão forte e também desejava sentir os seus
lábios nos meus.

Continuaria a beijá-lo, contudo Beto se levantou e se afastou do sofá.


Sem explicar muita coisa, pegou-me pelo braço e arrastou-me para o que
parecia ser a sua cozinha.
Encontrei uma mesa arrumada.

Dois pratos.

Dois copos.
E até mesmo os talheres estavam organizados, colocados na mesa de
forma errada, mas esse foi outro detalhe que não quis comentar.

O caubói puxou uma cadeira para que eu me sentasse, em um gesto


bem cavalheiresco. Quando eu já estava sentada, caminhou em direção ao
forno, tirou uma forma e a colocou sobre o trilho da mesa.

Arroz de forno.
Reconheci pela camada de muçarela que cobria toda a extensão da
forma.

E cheirava muito bem.

— Eu sei que cê não deve tá acostumada a comer essas coisa, mas…


— Eu adoro arroz de forno — interrompi-o com um sorriso no rosto.
Não era o meu prato preferido e muito menos algo que eu comesse com
frequência; entretanto, outra vez, não quis ser a mulher cheia de “frescura”,
pois sabia que isso detonaria o clima maravilhoso em que estávamos. — A
minha mãe costumava fazer um muito bom.
Ele nos serviu e sentou-se no lugar à minha frente.

Como era uma pessoa muito observadora — e, certamente, puxei isso


de minha mãe —, não consegui deixar de analisar a sua cozinha. Era bem
simples, o que não fazia muito sentido, levando em conta o fato de Beto ter
dinheiro.
— Te enganei, não é? — ele comentou, trazendo a minha atenção de
volta para o seu rosto. — Achou mesmo que eu não tinha preparado alguma
coisa?

— Eu meio que aprendi a não te subestimar, então… — respondi, antes


de começar a comer. O arroz realmente estava bom, com um tempero bem
gostoso. Com certeza, era muito melhor do que os que a minha mãe
preparava. — Está muito, muito bom.

— Obrigado, eu me esforcei bastante: pedi pra Martha preparar pra


gente. Ela é uma das pessoas que me ajudam com a casa — revelou-me ele,
mostrando-me o quanto eu era inocente por acreditar que ele havia preparado
aquilo sozinho.
Bebi um pouco do vinho que ele serviu e, depois do meu primeiro gole,
meus olhos se voltaram em sua direção. E mesmo sem ter pronunciado
nenhuma palavra, Beto soube exatamente o que eu estava pensando.

— Assume... Cê não achou que o peão nojento aqui entendesse de


vinho, não é? — ele comentou, tirando as palavras da minha boca. — Meu
pai adora e… Enfim, acabei aprendendo a gostar também.

Tive a impressão de que ele falaria mais alguma coisa depois daquele
“e”.
— Ele… O seu pai mora aqui com você?
— Morava até uns tempo atrás, agora está na casa da minha irmã... Ela
se tornou a pessoa mais adequada pra cuidar dele. — Ele riu e completou: —
E também a gente não se dava muito bem.

Eu entendia muito bem sobre problemas com os pais, ainda estava me


esforçando para resolver aqueles com a minha mãe.
E, como se estivesse lendo os meus pensamentos, ele indagou: —
Quero ser intrometido não, mas... Por que cê demorou tanto pra voltar?

A pergunta me pegou desprevenida.

Não existia uma resposta simples para ela; era tudo muito mais
complexo.
Com o meu silêncio, Beto tornou a falar: — Desculpa, é que... Quando
a gente se conheceu, eu achei que tinha entendido tudo. Pensei que cê tinha
abandonado os dois aqui porque era uma cascavel sem vergonha, que não se
importava com eles... — Ele riu de uma forma tão contagiante que me
arrancou um sorriso, mesmo com aquele assunto tão pessoal e difícil para
mim. O caubói ficou sério, antes de prosseguir: — Mas agora eu sei que isso
não é verdade... Cê é mimada e muito marrenta, mas não é ruim.

Tive que me controlar para não atacar, dizendo que ele não me
conhecia e não podia supor nada sobre a minha vida baseando-se no
pouquíssimo tempo em que nos conhecíamos.

— Vou te dar a resposta mais curta, O.K.? Porque eu sou uma vaca
egoísta — respondi assim, já que não consegui pensar em nada mais sucinto.
— E a longa? — Beto questionou, não se contentando com o que eu
havia lhe dito.

Comecei a rir, pois era estranhíssimo o fato de que ele quisesse


conversar e, verdadeiramente, estivesse disposto a me ouvir. Isso não era
comum. Na maior parte das vezes, as pessoas — e eu me incluía entre elas —
estavam ocupadas demais com seus próprios interesses para ouvirem
qualquer coisa.

— Eu tinha planos de transar exaustivamente com você — disse com


um sorriso malicioso no rosto. — Tem certeza de que quer mesmo ouvir a
versão longa dessa história?

Por um curto instante, ele pareceu indeciso, como se não soubesse qual
das opções deveria escolher.

— Tenho certeza — Beto insistiu, não me deixando escapar daquela


pergunta traiçoeira.

Depois de aceitar que o roceiro não desistiria de sua resposta, resolvi


contar: — Os problemas com a minha mãe começaram muito antes de eu ir
embora da cidade...
Capítulo 17 — Traumas do Passado

A convivência com minha mãe sempre foi muito complicada e frágil,


como uma taça de cristal que pode trincar a qualquer momento. Ainda que ela
permaneça inteira e sem nenhuma rachadura, todo o perigo de uma eventual
queda faz com que o clima fique tenso e desagradável.

E tudo começou lá na minha pré-adolescência, quando ainda era uma


menininha boba, quando minha mãe ainda era um modelo pra mim.

Éramos diferentes demais, mesmo na época em que os nossos


problemas não existiam.

Sempre gostei mais da casa dos meus avós e isso não tinha relação só
com o luxo ou com o fato de eles me mimarem demais. Amava a facilidade
para fazer coisas tão simples quanto ir ao mercado.
Como consequência disso, sempre que as minhas férias terminavam,
era uma tortura ter que voltar para o sítio.

Quando completei treze anos, tomei coragem e perguntei a minha avó


se eu poderia continuar lá; se ela e meu avô me aceitariam na casa deles por
mais do que um único mês. A resposta foi um “sim” quase eufórico.

Aquele foi, até então, o melhor dia da minha vida.


Pelo menos, até que eu dissesse a minha mãe.

No momento em que revelei estar pensando em morar com os meus


avós, dona Sofia enlouqueceu. Ela não hesitou em dizer “não, você não vai”.

E tudo ficaria bem se ela não fosse além, proibindo-me de passar as


férias na casa dos meus avós. Minha mãe simplesmente acusou os próprios
pais de tentarem tirar-me dela.

Sabia que parte disso se devia aos problemas que haviam tido no
passado, com os meus avós não aprovando o casamento dela e nem sua
mudança para o interior. Mas, ainda assim, foi demais para mim.
E, definitivamente, onde os nossos problemas começaram.

Desde então, tudo o que eu fiz foi trabalhar em função de deixar o sítio
dos meus pais e começar de novo em uma cidade grande, de preferência na
dos meus avós. Essa sempre foi a única verdade que eu conhecia, assim como
também o único plano que eu seguia fielmente. Dona Sofia, como era de se
esperar, nunca aceitou bem essa ideia e sempre se colocou contra todos esses
meus objetivos.

Diferente de mim, minha mãe sempre amou viver exatamente onde ela
estava, conseguia enxergar aquele pedaço de terra como um verdadeiro
paraíso — e daí que veio o nome do sítio. Sofia Medeiros não suportava a
ideia de que eu não fosse capaz de amá-lo tanto quanto ela e, principalmente,
de que permanecer lá não fazia parte do meu futuro.
Com o passar dos anos e os seus “nãos”, eu comecei a vê-la como uma
espécie de obstáculo para alcançar a minha meta, como algo que eu precisava
ultrapassar para poder avistar a linha de chegada e, em um determinado
momento, nós duas deixamos de agir como mãe e filha e passamos a nos
comportar como rivais.

Talvez — bem lá no fundo — a maior parte da minha implicância com


ela tivesse se originado das escolhas que ela tinha feito no passado, as
mesmas escolhas que definiram sua vida. Antes de conhecer o meu pai, ela
vivia em São Paulo e como os meus avós tinham uma ótima situação
financeira, levava uma vida de princesa. Era a típica mulher que adorava
comprar, viajar e desfrutar de todos os benefícios de viver cercada por tudo o
que a cidade e o dinheiro podiam lhe oferecer. No entanto, ela se casou com o
meu pai, engravidou e foi morar no “Paraíso”. E, estranhamente, abandonou
todas as coisas que costumava amar antes de conhecê-lo.

Eu nunca entendi — e continuava sem compreender — o que teria feito


com que ela abandonasse a cidade grande para viver ali, longe de todas as
coisas que um dia tiveram um significado para ela. Mais do que isso, essa
falta de compreensão fez com que eu criasse uma certa aversão ainda maior a
tudo aquilo.
Naquela época, para uma adolescente, não era fácil saber que a minha
mãe teve tudo o que eu mais queria e, sem hesitar, jogou fora.

Cinco anos depois de responder aquela pergunta com um “sim”, minha


avó faleceu e isso foi o estopim para a minha revolta. Só não fui embora
porque o meu avô, que ficou doente demais para ficar sozinho, acabou vindo
morar com a gente.

Continuei no sítio até os meus vinte e quatro, exatamente dois meses


após a morte do meu avô.

— Mesmo com ela sempre dificultando tudo, consegui — completei,


continuando com o meu relato. — Eu encontrei um emprego na capital e o
meu pai me ajudou com o aluguel nos primeiros meses... Minha mãe fez
questão de dizer que não contribuiria financeiramente para esse meu delírio...

Ela, assim como eu, era filha única, herdou tudo dos meus avós.

Ao menos, foi o que eu pensei na época.


Dois anos depois de já ter me mudado, de ter precisado dividir
apartamento com desconhecidos, de me esforçar para conseguir pagar
mensalidade de faculdade, alimentação e transporte, ela me contou que minha
avó tinha deixado praticamente tudo pra mim — que eu tinha uma quantia
enorme de dinheiro —, mas que ela ocultou essa informação e que só estava
me contando agora pois se deu conta de que eu não voltaria mais para o sítio.

Isso resultou em quase um ano de gelo da minha parte. O meu pai


costumava intermediar as nossas ligações. Eventualmente, acabei esquecendo
e voltamos a nos falar durante ligações realizadas em datas específicas.

— Então, nos primeiros anos, eu ignorei mesmo… Evitava até


pronunciar a frase “estou com saudade”, pois sabia o resultado: meu pai diria
“então, venha nos visitar” — confessei ao peão, realmente me sentindo
confortável para falar sobre o assunto com ele. — Eu até pensava em visitá-
los, mas sabia que teria um clima chato com a minha mãe, que ficaríamos
remoendo todos os problemas passados, coisas que eu ainda não tinha
superado completamente.

Ele ficou em silêncio, sem saber o que deveria dizer, então continuei,
cortando aquele gelo: — Minha mãe e todo mundo pensa que eu só apareci
porque a minha vida estava desmoronando com o fim do meu noivado... E
em parte, realmente foi por isso... — Pela maneira como aqueles olhos
esverdeados fugiram de mim, conscientizei-me de que Beto pensava a mesma
coisa. — Mas… — Foi impossível não rir de forma espontânea ao pensar em
todas as melhores opções de viagens que eu possuía — Eu… eu tenho uma
vida bem confortável, entende? Poderia descansar a minha cabeça em
qualquer outro lugar do mundo, dormir nos melhores hotéis, comer nos
melhores restaurantes, apreciar os melhores pontos turísticos…

— Com o fim do noivado, cê tinha um motivo pra voltar, algo que não
fosse só a saudade… — observou ele, completando a minha frase.
— E também tinha esperança de que se eles percebessem o quão mal
eu estava… Não fossem me julgar tanto — disse, notando que esse plano não
deu muito certo, já que eu e minha mãe discutimos logo no dia em que
cheguei. — Mas eu tenho consciência de que não existem desculpas para
ficar dez anos longe, nem as implicâncias dela comigo, nem a mentira sobre o
dinheiro... Passei os dez últimos Natais longe daqui, longe do meu pai e não
há perdão pra algo assim.

A nossa relação de mãe e filha tornou-se tão ruim quanto a que dona
Sofia tinha com a minha avó. E essa era a parte mais irônica. Elas se
afastaram porque a minha mãe quis se mudar para o interior, porque
abandonou a vida que tinha com ela na cidade. Comigo, foi exatamente o
oposto. Nossas brigas começaram porque eu não queria ficar no sítio com ela.
— Admite que você se arrependeu por não ter escolhido transar —
comentei, tentando aliviar um pouco o clima.

— E quem disse que a gente não vai? — ele brincou rindo. Depois de
alguns segundos com os olhos verdes queimando o meu rosto, ele completou:
— Obrigado por me contar. E, não, não acho que cê seja uma vaca egoísta.

Isso me fez sorrir.

— Você só está falando isso porque quer o meu corpinho, seu caipira
safado!

— Não vou negar e nem confirmar...

Beto se levantou e retirou os nossos pratos. Eu o ajudei com isso,


colocando os copos na pia.
— Se você estiver esperando que me ofereça para lavar a louça,
desculpe te decepcionar, mas não vai acontecer — comentei enquanto
encarava a pia suja. Mostrei as minhas unhas pra ele e continuei: — Como fiz
ontem, não posso estragar agora.

“Como se eu fosse lavar alguma coisa mesmo que não tivesse feito as
unhas” pensei.
Ele negou com a cabeça, respondendo: — Lavar louça? Não… Tenho
coisas bem mais interessantes pra gente fazer.
Capítulo 18 — Bruto

Deixamos a cozinha e seguimos para a sala, saindo de um clima tenso e


entrando num fulminante.
A verdade é que nós não havíamos comido quase nada daquele jantar
— pelo menos, eu não consegui comer muito —, por mais que a comida
estivesse realmente boa. O simples fato de tê-lo ali, bem à minha frente,
acabava com todo o meu apetite, e despertava algo ainda mais voraz, algo
que eu sempre mantinha escondido no fundo da minha mente.

Caminhei em direção ao sofá, pois já não conseguia mais disfarçar a


minha vontade de ficar próxima dele, ouvindo aquele seu sotaque gostoso do
interior enquanto beijava a sua boca maravilhosa e sentia aquela mão grande
e pesada explorando o meu corpo. Mas antes que eu pudesse chegar lá, o
caipira me puxou com força pelo braço, trazendo-me para perto de seu corpo
grande e intimidador.

Parei em frente a ele e não consegui disfarçar o quanto estava excitada.

As minhas mãos foram se acomodar em seu peito firme e o meu olhar,


consequentemente, em seu belo rosto, que tornava a estampar aquela
expressão felina, a mesma de quando nos conhecemos. O filho da mãe estava
me comendo com os olhos, sentia-me uma gazelinha pronta para o abate,
para ser destroçada.

— Então, que coisa interessante é essa que você tinha pra gente fazer,
caipira? — questionei, usando o tom mais sexy que consegui.

Com os seus olhos verdes ainda me queimando, ele sorriu de forma


maliciosa e respondeu: — Por mais que cê tenha me dito que gosta de caras
que te pegam sem avisar, vou dizer exatamente o que eu vou fazer... — Ele
riu, dando-me o sorriso mais malicioso que já presenciei. — Vou te comer...
Vai ser minha sobremesa.

Nem sequer tive tempo de processar a sua frase — uma extremamente


direta —, pois ele me agarrou rapidamente, tomando-me em seus braços.
Instintivamente, o meu olhar subiu em direção ao seu rosto e observei aquele
sorriso safado no centro de seus lábios e me detestei por estar ansiosa para ser
“comida” por aquele homem.
Foi impossível não me render completamente a ele. Eu queria ser
dominada por sua língua, queria que ela me explorasse daquela forma que
Beto sempre fazia — algo bruto e, ao mesmo tempo, carinhoso —, queria tê-
lo mordiscando levemente os meus lábios, poucos segundos antes de nossos
rostos se afastarem. Eu queria tudo o que ele era capaz de me proporcionar e
nem um pouco a menos.

Roberto Rocha me carregou para o seu quarto, que ficava no final do


corredor. Em seu colo, tive um pouco de tempo para observar os vários
quadros de cavalos — que eram horríveis — espalhados pelas paredes de cor
caramelo. Mas a sua simples presença tornava tudo melhor, incluindo a sua
decoração pavorosa.

— Dessa vez, dona Patrícia Medeiros… Cê vai acordar na minha cama


— sussurrou Beto, comigo ainda em seus braços.
A sua voz grossa fez com que o meu corpo estremecesse.

O roceiro colocou-me em cima da cama de casal e tornou a me beijar


vorazmente, como se realmente quisesse arrancar um pedaço meu com a
boca.
— Vai finalmente admitir que, desde o dia em que acordei lá naquele
quarto nojento, você já estava louco por mim? — disse, necessitando de uma
confirmação.

Ele balançou a cabeça, negando.


— Naquela noite, quando a gente tava saindo da festa, eu reconheci a
caminhonete... Soube que cê devia ser a filha do João... — ele comentou,
confirmando algo que eu já suspeitava. — Tá achando que eu sou um
pervertido, é? Não ia dá em cima da filha do meu amigo.

Revirei os meus olhos com aquela cara de pau dele.

— Continuo filha do João e, há uns três minutos, você disse que ia me


comer — rebati o seu argumento ruim. — Então, o que foi o que mudou, seu
cretino?
— Tenho nem ideia, madame... — respondeu, parecendo sincero. —
Acho que toda a raiva que senti acabou virando tesão... Quando parei de te
achar um pé no saco, comecei a ficar duro.

Joguei o meu corpo para trás, deitando-me sobre o colchão e ele me


acompanhou, buscando por mais dos meus lábios.

— Eu acho que quis transar com você desde aquele dia — confessei
sem me envergonhar. — No início, talvez eu não quisesse admitir isso, que
me sentia atraída por um peão idiota... Acho que por isso dificultei tanto.
— Gosto assim... Quanto mais marrenta, melhor.

A boca dele estava a centímetros da minha. Eu conseguia sentir o seu


hálito quente, ouvia o som de sua respiração e, em um determinado momento,
foi como se tivesse a capacidade de sentir o calor emanando de seu corpo.

Beto livrou-se de sua camisa azul, mostrando-me um pouco mais


daquele seu corpo esculpido pelo trabalho braçal. Foi difícil não me imaginar
lambendo cada pedacinho do seu peitoral, assim como também foi difícil
impedir qualquer outro pensamento parecido de invadir a minha mente.

Até tentei disfarçar e deixar que ele continuasse tomando a iniciativa,


conduzindo-me, mas tudo isso caiu por terra em poucos segundos. Eu não me
controlei e o puxei para o colchão, antes de sobrepor o seu corpo, agindo de
forma tão selvagem quanto ele.

Beijei sua boca uma vez mais e, em seguida, fui descendo, em direção
ao seu peito e abdome. Iniciei com beijos e, lentamente, fui intensificando,
lambendo-o como se o seu corpo fosse um pedaço suculento de carne mal
passada. Depois de contornar os seus mamilos com a minha língua gulosa,
em um jogo de provocação, eu mordisquei levemente, enquanto continuava
explorando todo o restante com a minha mão direita, sentindo-o com aquele
contato de pele na pele.

Não descansei até que a minha boca conhecesse cada pedacinho


daqueles gomos em seu abdome, que sempre foram o meu principal alvo.
Como era de se esperar vindo de um projeto de caubói grosseiro, Beto —
como um cavalo arredio — não era daqueles homens que suportavam a
dominação por muito tempo.

Ele gostava do controle.


Talvez ainda mais do que eu.

— Você não disse que ia me comer? — cobrei no breve momento em


que os nossos lábios se afastaram. — Eu estou esperando...

O caipira simplesmente avançou em minha boca, dando-me a resposta.


Sim.
Ele me devoraria.

Ainda me beijando daquela maneira insaciável, o projeto de caubói


arrancou aquele vestido vermelho do meu corpo, atirando-o no chão.
Sem a peça de roupa, o meu corpo seminu ficou à sua disposição e ele
não fez cerimonia para agarrar os meus seios por cima do tecido do sutiã.
Beto os apertou, espremendo-me como uma daquelas frutas que ele estava
acostumado a chupar.

— Sabia que cê era safada assim não... — ele disse, ainda sentindo os
meus seios por cima da peça da lingerie. — Ah, se eu soubesse... Tinha
chupado cê todinha lá naquela rua, quando a caminhonete do seu pai
quebrou.

Lembrava-me desse dia.


O cretino tinha me tirado do sério.

A mão dele desceu, invadindo o meu vestido. Sem nenhuma cerimônia,


ele arrancou a minha calcinha com uns três puxões, destruindo-a.

Dois de seus dedos afundaram em mim.

Droga.

Estava tão excitada que nem consegui ligar para a minha insegurança,
para o medo de não ser tão boa quanto as novinhas que ele devia comer pela
cidade.

Os olhos verdes dele continuavam queimando o meu rosto, enquanto os


seus dedos continuavam dentro de mim, brincando com o meu sexo.
O desgraçado era muito safado e sabia exatamente como excitar uma
mulher.
Não demorou muito para que a parte de cima da minha lingerie
também estivesse no chão, dando a ele um completo acesso a outra parte do
meu corpo — uma que Beto não disfarçava desejar.

Diferente da maneira que eu sempre agia, o roceiro não buscava conter-


se ou tentar disfarçar os traços de prazer em seu rosto.
Não.

Ele não sabia fazer isso, Beto era selvagem — um bicho do mato — e
entregava-se instintivamente a todas essas sensações e as explorava,
extraindo o máximo de prazer.

E isso me atraía demais.


Os seus lábios foram puxados em direção aos meus seios, quase que de
forma automática. Parecíamos dois animais em cima daquela cama,
entregando-nos aos nossos desejos mais instintivos e carnais.

Talvez eu também estivesse começando a agir como ele.

O caipira me chupou com vontade, sugando-me de uma maneira bruta


e muito excitante. Vingativo, ele mordeu-me em uma tortura prazerosa,
devolvendo aquela provocação que havia recebido há pouco. Em sua
vingança maldosa, os seus dentes raspavam levemente em meus mamilos,
rendendo-me baixos gritinhos.
Era bom.

Era doloroso.

Tudo isso ao mesmo tempo, um verdadeiro misto de emoções.


Os dedos de sua mão direita continuavam em minha boceta, que já
estava completamente molhada. A mão esquerda se perdia em meus seios,
que o safado continuava chupando de forma voraz, mergulhado de cabeça,
sem medo de se afogar em mim.

— Caralho... Sua boceta tá molhada… — comentou o roceiro,


esfregando a mão em minha fenda. — Prontinha pra eu comer.
Daquela sua forma bruta de agir, agarrou-me pelas pernas e me trouxe
para mais perto do seu corpo, mudando-nos de posição, deixando o seu rosto
bem no meio das minhas pernas.

Nem mesmo tive tempo de respirar fundo — mais uma vez ele não
avisou para atacar —, Beto mergulhou o seu rosto dentro de mim. Chupou-
me de forma voraz, extremamente intensa. Suas mãos apertaram as minhas
pernas, como se ele estivesse tentando prevenir que eu escapasse dele.

Fui completamente arrebatada e, em uma tentativa de impedir que


aquilo acabasse, gritei, em meio aos gemidos: — Não… ah… não pare…
Nesse momento, desisti de tentar me controlar e conter os meus
gritinhos de prazer. Era impossível manter a minha boca fechada com aquele
homem me comendo daquela forma, com ele lambendo o meu sexo
freneticamente, como se estivesse tentando me deixar seca.

Chegou a um ponto em que eu não conseguia e não queria continuar


me contendo, disfarçando o quão bem eu estava me sentindo, sendo
envolvida por seus braços e degustada por sua língua ágil e gulosa.

Fazia tanto tempo que eu não me sentia daquela maneira, desejada e


satisfeita sexualmente. Não estávamos naquele sexo monótono em que eu
precisava fingir o êxtase, mesmo bem longe de tê-lo sentido.
Ele se afastou um pouco, para encarar bem o meu rosto —
provavelmente, certificando-se de que eu estava mesmo gostando de sua
“linguada”.

E, novamente, não quis que ele continuasse a interromper os


movimentos lá embaixo, não queria que ele tentasse olhar para o meu rosto
ou fizesse qualquer outra coisa que não fosse dedicar a sua completa atenção
à minha vagina, que gritava pelo seu toque.
— Continue e não… não pare, caipira... — disse com uma voz
manhosa, já me preparando para receber os seus lábios uma vez mais.

De uma forma irritante, ele se afastou e respondeu: — Então pede pro


caipira aqui chupar a sua boceta, pede safada...

Eu estava tão excitada que nem me importei, teria pronunciado


qualquer coisa que ele me pedisse, só para experimentar mais um pouquinho
daquela sensação maravilhosa.
— Chupa a minha… chupa caipira — obedeci, por algum motivo, não
conseguindo dizer “boceta”.

Talvez a antiga Patrícia não estivesse tão morta assim.

Ele não me deixou nem terminar aquela linha de raciocínio, caindo de


boca em mim, exatamente como eu tanto queria. A melhor parte de tudo isso,
era que Beto fazia isso com vontade — era bem perceptível —, realmente
gostava de estar lá embaixo, me proporcionando prazer.
Ele queria me chupar, me engolir com aquela língua grande e
esfomeada. Não parecia apressado para a penetração, como a esmagadora
maioria dos homens com quem já tinha estado, que só conseguiam pensar no
próprio prazer.

Além do mais, o caubói sabia exatamente o que estava fazendo. Era


experiente e isso ficava bem claro no instante em que a sua língua ou os seus
dedos tocavam em determinados lugares do meu corpo.

Não satisfeito apenas em me chupar, o caubói passou a inserir os seus


dedos novamente, intensificando ainda mais os meus gemidos, que com o
passar das suas dedadas tornaram-se gritos.
Gritei sem me importar com quem pudesse ouvir. Naquele momento,
eu não conseguia mais pensar com clareza, tudo o que eu queria era continuar
usufruindo aquela sensação e extrair o máximo de prazer possível.

Em determinados momentos, ele levantava o seu rosto e trazia o seu


olhar em direção ao meu — só para observar o quanto era capaz de me
satisfazer. Nesses instantes, a sua barba raspava em minha boceta e isso me
deixava ainda mais louca. A textura áspera, os olhos verdes dele me
queimando, o seu sorriso sacana... Indescritível.

O intervalo era curto: passava-se apenas um breve momento antes que


seus dedos expertos começassem a vibrar novamente, arrancando-me gritos
ainda mais intensos.
— Geme pra mim, gostosa, geme pro seu caipira... — ele sussurrou. —
Eu quero cê gemendo, Patrícia.

E eu gemi.

Fiz isso o mais alto que eu pude.


O sentimento de extravasar era libertador. Foi como se fossemos as
últimas pessoas no mundo, como se restássemos apenas eu e ele em cima de
uma cama.

Depois de brincar dessa forma comigo por mais alguns minutos, ele se
levantou da cama e pegou sua carteira no bolso direito da calça.

Mesmo olhando apenas de relance, pude ver bem a embalagem


brilhante do preservativo e isso fez com que o meu corpo ficasse mais acesso
do que nunca.

Beto jogou a carteira, a calça e todo o restante no chão do quarto e


começou a desfilar em minha direção, deixando aquelas suas coxas grossas e
peludas à mostra. Aquele animal feroz e selvagem usava uma cueca preta,
mas nem mesmo a cor escura foi capaz de esconder o quanto ele estava
excitado — duro feito uma rocha.

— Olha só como cê me deixou, madame? — ele comentou, apertando


o membro por cima do tecido escuro.

Beto não fez cerimonia para tirar a última peça de roupa que vestia o
seu corpo.

Era grande.
Não, era enorme. Uma verdadeira anaconda, que chegou a me
intimidar. Nunca me importei com tamanhos, mas tinha certeza absoluta de
que sempre me lembraria daquele caralho grande e grosso, e do quanto ele
parecia imponente no momento em que escapou da cueca.

Parado à minha frente, ele me deixou apreciar bem o cacete que me


destruiria. O mastro dele estava tão duro que eu conseguia observar as veias
grossas por toda sua extensão.

Não me controlei e estiquei a minha mão, segurando-o. Eu o apertei,


sentindo aquelas mesmas veias pulsarem em minha mão. Era tão quente e já
estava começando a babar, o que, por algum motivo, deixou-me ainda mais
excitada.
— Todinho seu — Beto comentou, observando-me brincar com o pau
dele. Como fiquei em silencio, ele prosseguiu: — Da mesma forma que essa
boceta é minha.

— Então vem me pegar — respondi, afastando-me na cama. Ignorando


o pensamento do quanto a minha próxima frase seria ridícula, disse: — Vem
me foder.
E ele veio, avançando na minha direção como um touro bravo, que
tinha como alvo o meu sexo. Beto agarrou as minhas pernas, prendendo-me,
como se tivesse com medo de que eu fosse escapar na hora “H” — o que,
convenhamos, não aconteceria. Ele encapou o membro rapidamente e
começou a esfregá-lo na minha boceta, aumentando ainda mais a minha
ansiedade para a consumação daquele ato, para tê-lo me destruindo,
exatamente da forma que ele me prometeu.

Eu queria, desesperadamente, senti-lo dentro de mim. Mais do que


isso, queria que Beto me destruísse em cima daquela cama, que o seu cacete
me invadisse com força, que ele me fizesse gritar. Queria algo bruto e
intenso, algo forte o suficiente para saciar todo o desejo que eu sentia.

— Deixa de ser um caipira frouxo e me fode logo — ataquei sem


paciência para aquele seu joguinho de provocação. — Me come logo, seu
cretino!

— Quer que eu te foda, é? — respondeu-me ele, buscando por mais


uma confirmação da minha parte. — Tá louquinha pra levar a vara do caipira
nojento, não é?

Balancei a cabeça, em um sinal positivo.

Estava louca por ele e isso era óbvio, não existiam motivos para
mentir.
E não me envergonhava disso.
Com a minha deixa, ele parou de brincar com a comida e invadiu o
meu corpo com aquela sua rola grossa. Seus braços caíram ao meu lado,
construindo uma prisão da qual eu nunca escaparia. Nossos olhares se
fixaram e a cada estocada, Beto era capaz de ver a minha expressão facial se
transformando, sendo manchada pelo prazer de tê-lo dentro de mim.

Ele não brincou em serviço, pegando-me de jeito. Seu quadril bombava


com bastante força e agilidade, sentia o seu membro entrar e sair. O barulho,
nossos corpos se tocando daquela forma, as respirações pesadas e o suor. A
sensação que isso me proporcionou fez com que eu visse estrelas. Estava
completamente entregue ao caubói, com as penas abertas e tudo.
Enquanto metia com força, os seus lábios despencaram em minha
direção e ele passou a dominar a minha boca também, em um beijo ardente.
Não demorou muito para que as suas mãos subissem até os meus seios, onde
ele tornou a apertar, sem nenhum pudor.

Eu me sentia totalmente dominada, laçada por aquele filho da puta.

Quando os nossos corpos se afastaram, Beto deitou-se sobre a cama,


assumindo a minha antiga posição. Dessa forma, passei a assumir o controle,
sentando-me em cima de seu membro, que apontava para cima, como um
foguete grosso pronto para alçar voo.
Encaixei-me em seu corpo e cavalguei em cima dele, que se mostrou
um garanhão bem arredio.

— Senta gostoso… senta, vai? — gemeu ele, dessa vez, implorando


para que eu continuasse com os meus movimentos.

Aumentei o ritmo, ”sentando” mais rápido em seu pau. Estava


adorando ter aquele controle sobre ele e, principalmente, lhe proporcionar
prazer, assim como ele havia se empenhado comigo.
Seus braços me puxaram pra frente e ele retomou o controle,
começando a meter com força. Meus gemidos foram abafados pelos seus
beijos constantes. E através da sua expressão, eu soube que ele estava prestes
a gozar. Se aquela sua careta de tesão já não tivesse me dado a deixa, o
aumento dos seus movimentos a dariam.

Beto me empalava com tanta força que eu era capaz de ouvir o barulho
dos nossos corpos se colidindo, era capaz de ouvir a dificuldade em sua
respiração, que já carecia de fôlego há bastante tempo.

Tudo isso culminou em um urro.

Levei os meus lábios até os dele novamente, provando um pouco mais


daquela boca deliciosa. Joguei-me ao seu lado e permaneci ali, encarando o
seu rosto, enquanto tentava processar tudo o que havíamos acabado de viver.
Capítulo 19 — Café da Manhã

A luz do sol clareando o meu rosto fez com que eu abrisse os meus
olhos e tentasse me espreguiçar, entretanto, assim que comecei a me esticar,
senti o corpo de Beto colado ao meu. Os seus braços musculosos agarravam a
minha cintura, como se quisesse me impedir de fugir no meio da noite.

Tomando cuidado para não o acordar, virei-me para encará-lo


dormindo. Queria apreciar aquele rosto de deus grego em sua forma mais
serena. No entanto, para a minha surpresa, os seus olhos verdes já estavam
bem abertos, analisando o meu corpo, exatamente da forma que tinha
planejado fazer com o dele.

Com um sorriso colorindo aqueles lábios, ele sussurrou um “bom dia”


silencioso que me fez rir.

— Eu achei que ocê demoraria mais um pouco pra acordar — ele


comentou, tocando o meu braço com os seus dedos. — Queria te preparar um
café da manhã especial.

Quando o moreno tocou no assunto “café da manhã”, foi impossível


não me lembrar da cena em que ele pegou aquela bandeja que tinha
preparado pra mim, antes de dizer “mulheres mal-educadas não merecem
café da manhã”.

Olhando desse novo ângulo, conseguia admitir que, naquele dia,


realmente não merecia.

— Então, agora eu mereço o seu café? — questionei, fingindo


surpresa.
Ele balançou a cabeça confirmando e respondeu: — Cê merece tantas
coisas… Mas, no momento, estou pensando em algo grande e duro.

Revirei os meus olhos com a sua frase maliciosa e tentei disfarçar


sobre o quanto estava louca para provar mais um pouco daqueles lábios que
havia me cansado de beijar na noite anterior. E, como era de se imaginar, o
meu disfarçar logo caiu por terra, bastou Beto se aproximar.
Eu matei o meu desejo de uma só vez. Atirei-me em cima daquela boca
deliciosa e não deixei de mordê-lo levemente, mostrando o quanto eu estava
faminta por ele, o quanto eu o desejava.

Sua mão direita acariciou o meu rosto e foi impossível não rir da forma
como me encarava. O olhar de Beto era enigmático e intimidador, e isso me
fez desejar mais que tudo saber no que ele estava pensando enquanto
permanecia tão concentrado olhando para mim.

Levei a minha até o seu cabelo, arrumando-o para o lado.


— Estou esperando aquele café maravilhoso que você me prometeu —
cobrei Roberto, quando a fome realmente me atingiu. Precisava repor as
energias, pois, em nossa dança dilacerante, havíamos queimado tudo o que eu
possuía. — Estou faminta.

Ele aproximou ainda mais os nossos corpos e, enquanto beijava o meu


pescoço, sussurrou: — Tem certeza que quer mesmo que eu saia dessa cama?

O cretino era muito bom em me persuadir.


Os seus beijos fizeram com que eu optasse pelo seu corpo no lugar da
comida. E, por mais que o meu estômago não achasse que era um bom
negócio, eu tinha certeza de que sairia muito satisfeita.

Respondi puxando-o para mais um beijo quente.


E ele entendeu o recado.

Dessa vez, fui eu quem o prendeu em cima da cama. Após empurrá-lo,


deitando-o sobre o colchão, sussurrei um “relaxa aí, peão”.
Comecei beijando o seu peito e fui descendo, trilhando um caminho
que passou pelo seu abdome e parou nos pelos que seguiam até a sua virilha.
Voltei o meu olhar para cima, observando o caipira, que mantinha os olhos
fechados e a cabeça voltada para o teto do quarto.

Encostei os meus lábios em seus pentelhos e continuei abaixando, até a


extensão de seu pênis, que despertou com o meu toque. Puxei o excesso de
pele para baixo e beijei a cabeçona, que já estava toda melecada.

Abocanhei o membro dele e o senti crescer em minha boca. E


conforme ia chupando, fazia movimentos de vai e vem, proporcionando um
prazer ainda maior ao meu caubói. Em questão de minutos, aquele caralho se
petrificou, ficando mais duro do que nunca.
— Ahh... — ele gemeu, mordendo o lábio inferior.

Não conseguia engoli-lo completamente, mas continuava me


esforçando para enfiar o máximo em minha boca. Estava adorando brincar
com aquele pedaço de carne e, principalmente, estar no comando da situação.

Depois de lamber cada pedacinho daquele pau, desci mais um pouco e


passei a me concentrar em suas bolas. Chupei uma de cada vez, com bastante
calma e vontade. Passei a minha língua e, logo em seguida, coloquei-a inteira
em minha boca, como se estivesse prestes a engoli-la como uma almôndega.
Como eu já imaginava, Beto não conseguiu parar muito tempo naquela
posição. Sua mão buscou por minha cabeça. De uma forma carinhosa, o
cretino começou a pressioná-la contra o seu membro.
Por mais que eu realmente adorasse — principalmente com ele — todo
aquele lance de dominação e submissão, tirei a sua mão de mim.

— Eu te mandei relaxar, caipira — disse, olhando em sua direção. Ele


ficou bem surpreso com a minha reação. Provavelmente, não havia conhecido
uma mulher que gostava tanto de controle quanto ele. — Agora, nesse
momento aqui, sou eu quem dita as regras…
Ele sorriu de forma sacana e acatou o meu pedido — pronunciado
como ordem —, afastando as mãos de mim e tornando a ficar deitadinho
sobre o colchão, deixando-me brincar com o seu pau.

Agarrei o seu cacete e o apertei com força, sentindo aquelas veias


pulsarem em minha mão, como na noite anterior. A sensação de poder era
maravilhosa. Durante aquela fração de segundos, ele era completamente meu.

O roceiro urrou com o meu toque.


A cabeça rosada chegou a mudar de cor com a forma com que eu
pressionei. E ainda segurando-o daquela maneira, tornei a chupar os seus
bagos.

Abri a minha mão, deixando que o pau dele respirasse um pouco. Mas
não dei muito tempo e engoli seu membro mais uma vez, fazendo isso no
mesmo momento em que retomei os movimentos de vai e vem, masturbando-
o.

— Eu… eu vou gozar — avisou ele, tentando afastar o pau da minha


boca.
Mas eu não deixei, surpreendendo tanto ele quanto a mim mesma, que,
até aquele momento com ele, nunca tinha nem cogitado fazer algo assim.

Sem nenhum resquício de vergonha, eu continuei com o seu cacete na


minha boca e aumentei os ritmos dos movimentos, realmente ansiando pelo
momento em que o caipira explodiria lá dentro.

Não esperei muito, em pouquíssimos segundos Beto gozou fartamente.


E eu nem cheguei a pensar, foi algo instintivo, simplesmente engoli tudo,
tornando a chupá-lo, arrancando mais gemidos de prazer de sua boca.
— Caralho... — o peão sussurrou, quase sem fôlego. Os olhos verdes
dele encontraram o meu rosto e, ao me observar limpando a minha boca com
as costas da mão, ele repetiu: — Caralho, Patrícia...

— Foi bom — constatei, tornando a deitar ao lado dele na cama.

No meu mundo, as primeiras vezes costumavam ser horríveis. Sempre


tinha que colocar um sorriso forçado no rosto e fingir que tinha gostado. Com
Diogo, a coisa só começou a ficar realmente boa lá pela quarta.
— Bom? Foi gostoso pra cacete! — ele respondeu, deixando-me
animada por aquele feedback. Era muito bom saber que eu tinha
proporcionado tanto prazer a outra pessoa. — Nem lembro a última vez que
eu gozei tanto.

— Eu meio que notei... — Aquela sua última frase me fez rir e, no


segundo seguinte, arrancar o sorriso do meu rosto. — Eu só espero não pegar
a porcaria de uma doença sexualmente transmissível.

Ele riu e balançou a cabeça em descrença.


— Isso foi muito ofensivo — Beto rebateu, ainda em sua crise de risos.
— Cê pode ficar tranquila madame, o vira-lata aqui é vacinado.

Merda.

Merda.
Merda.

— Eu juro que não...

— Eu sei — ele respondeu e, aproximando-se de mim na cama,


ficamos frente a frente. — E eu também já me acostumei com os seus coices.

Antes que eu pudesse brincar, dizendo algo como “você está me


chamando de égua?”, ele me beijou e isso, aquela sensação gostosa e
conflitante dentro de mim, fez com que eu notasse que essa era a primeira vez
em muito tempo que eu me sentia verdadeiramente feliz.
Capítulo 20 — Ficando Sério

Na sexta-feira pela manhã, Beto me enviou uma mensagem de texto.


“Tem planos pra amanhã, madame?”.

Depois de sorrir, respondi: “Tenho sim. Muito provavelmente, farei


alguma coisa com um caipira sem noção”.

“Ele mandou eu te avisar que tem uma festa das boas amanhã. E que
passa aí pra te pegar às sete”, respondeu como se já estivesse tudo decidido.
Meu primeiro impulso foi responder com “não”, ainda que ele
claramente não estivesse me fazendo uma pergunta.

Em parte, devia-se à péssima experiência que havia tido na última


festa. Só de me lembrar de todos aqueles adolescentes naquele barracão, já
me sentia envergonhada pelas coisas que eu nem me lembrava de ter feito.

Além disso, também havia a questão de que nunca tinha saído com
Beto em público. Até então, a nossa relação se resumia exclusivamente a
encontros na casa dele — onde acabávamos transando — ou na dos meus
pais, tanto que a única pessoa que sabia sobre a gente era a minha mãe. E,
ainda assim, porque ela era uma tremenda bisbilhoteira.
Antes de responder negativamente — provavelmente, com algum emoji
bonitinho para aliviar o “não” —, fingi interesse naquela festa, como se
realmente estivesse cogitando a ideia de ir com ele.

“E onde é isso? Eu não acho que aguento outra noitada naquele


barracão imundo”.
Após alguns minutos, tempo que usei para tomar o meu café da manhã,
Beto respondeu “Relaxa um pouco, minha lenda da publicidade... Na festa de
amanhã, prometo que mais ninguém vai te levar pra casa. Vou cuidar de
você, te proteger de todos os outros caipiras nojentos dessa cidade”.

Isso me fez sorrir e me dar conta de que se não fosse por aquela festa,
não estaria num relacionamento com Beto, de que nunca estaria vivenciando
essa coisa estranha e maravilhosa. Ainda que eu fosse conhecê-lo
eventualmente — por conta da relação que ele tinha com os meus pais —,
seria completamente diferente, não teríamos as implicâncias que nos
tornaram tão próximos.
“É uma festa anual daqui, acontece há tanto tempo que acho que você
deve se lembrar dela”, ele completou por mensagem, esclarecendo um pouco
as coisas.

Eu realmente me lembrava.

“Festival do Girassol”, uma comemoração que celebrava os fundadores


da cidadezinha. Na época em que eu ainda vivia ali, a cidade inteira
participava disso. Para os moradores da região, acabava sendo até mais
importante do que as comemorações do Carnaval e do Ano Novo.

Se fosse com ele, eu — Patrícia Medeiros, a lenda da publicidade —


seria vista por todo mundo em sua companhia, seria quase como oficializar
um relacionamento poucos meses depois de ter sido chutada do último. Se
fosse com ele, Beto seria visto comigo, alguém quase dez anos mais velha do
que ele.

Muito provavelmente, estava exagerando em me pilhar com isso, como


se a opinião de um monte de desconhecidos realmente importasse.

Pensei por alguns segundos e cheguei a seguinte conclusão: se ele não


tinha vergonha de andar comigo no evento mais movimentado e importante
da cidade, nem tinha vergonha de me ter como companhia num ambiente
onde estaria presente a maior parte das pessoas que conhecia, eu também não
deveria ter vergonha de estar com ele, um cara de quem eu realmente estava
gostando.

“Tudo bem, caipira. Vamos pra essa droga de festival” respondi a


mensagem, sentindo um arrepio pelo corpo.

Nesse mesmo dia, optei por me antecipar, contando a todas as pessoas


que conhecia — basicamente duas, excluindo a minha mãe que já sabia —
sobre a minha relação com Roberto Rocha, pois não queria pegar ninguém de
surpresa.

Comecei pelo meu pai, que aceitou bem melhor do que eu imaginava.
Obviamente não lhe disse “então, eu estou dormindo com o seu amigo, o
Beto”. Foi algo como “Então, pai... Eu e o Beto estamos nos conhecendo
melhor. Na verdade, sinto-me um pouco estranha e envergonhada por dizer
isso. Espero que você não se sinta da mesma forma ao saber”.

A pessoa que mais fraquejei para contar foi a minha amiga.


Muito provavelmente, devia-se a todas as vezes que eu havia fingido
que nunca aconteceria nada entre nós dois, que eu e o Beto éramos diferentes
demais para simplesmente compartilhar o mesmo metro quadrado.

— Você o quê? — Clarisse questionou, como se ela mesma não tivesse


me aconselhado a isso. Depois de se recuperar daquela surpresa escandalosa,
em que precisei afastar o telefone do ouvido, ela prosseguiu: — E como foi?
— Foi bem rápido, a gente acab...

— Eu estou falando do sexo! — ela me interrompeu, deixando-me


vermelha. — Como foi montar nele, amiga?

— Eu não vou falar disso com você — prontifiquei-me em responder.


Alguns segundos depois, eu completei: — Mas, só pra constar, foi
maravilhoso. Os três “G’s”... Grande, grosso e gostoso.
Dois minutos depois, ignorei completamente o “eu não vou falar disso
com você” e já estava contando praticamente tudo sobre a minha noite com
Beto.

— Estou tão feliz por você amiga, chutou o seu ex e montou em um


novinho — ela continuou, tornando a me envergonhar. — Fred que não se
cuide, pois continuo sendo a mulher mais desejada desta cidade. — Depois
de se autoelogiar um pouquinho mais, Clarisse acrescentou: — E falando
nisso, adivinha quem vai ser homenageada no Festival deste ano? — Ela não
me deu tempo de dizer “você?”, gritando: — EU!

A homenagem à qual ela se referia, seria entregar a faixa de “Miss


Girassol” para a nova Miss. Na época da escola, Clarisse venceu o concurso
duas vezes. Essa era, muito provavelmente, uma das coisas que a minha
amiga mais se orgulhava na vida.
— Você vai lá pra me prestigiar, não é?

— É claro que eu vou — respondi, optando por não lhe revelar que iria
de qualquer jeito, já que o Beto havia me convidado antes dela.
Capítulo 21 — Festival do Girassol

Ouvi o barulho da caminhonete do Beto e instantaneamente peguei a


minha bolsa em cima da cama e saí de casa, indo encontrá-lo do lado de fora.
Como os meus pais não iriam ao festival na avenida — essa,
provavelmente, era a única coisa que dona Sofia detestava na cidade —, não
havia motivos para enrolar. E havia também a questão de ter assumido para o
meu pai a minha relação com o Beto e, definitivamente, não queria participar
de um momento estranho entre ele e o amigo.

Seria um plano perfeito se Beto não estragasse tudo.

Antes que eu chegasse à caminhonete dele com o meu salto alto, que
parecia se jogar nos buracos do gramado, o caubói desceu do carro.
— Eu avisei que a gente já ia sa...

— Primeiro vou falar com o João — Beto me interrompeu, deixando


claro que não voltaria para o carro, saindo despercebido, como eu tinha
planejado. — Tenho que ir lá dar satisfação primeiro.

Sabia que ele estava se referindo ao fato de eu ter contado ao meu pai
sobre o nosso “relacionamento”. Ao revelar sobre a nossa relação, acabei
colocando-o numa situação meio complicada. Ele e o meu pai eram amigos
há bastante tempo, então não culpava o Beto por se sentir no dever de se
explicar.
Aproveitei que o carro estava destrancado e entrei. Como podia evitar
aquele momento constrangedor entre os amigos, não tinha motivos para
acompanhar o Beto.
Dez minutos depois, o peão retornou. Enquanto andava na direção do
carro, observei a sua calça jeans azul, as botas de couro de algum bicho —
algo que, com toda a certeza, reprovaria em voz alta — e o chapéu marrom.
Ele estava bem vestido para um projeto de caubói, mas, ainda assim, suas
roupas apenas evidenciavam o quanto tinha exagerado na minha produção.

Antes que pudesse começar a me pilhar com isso, ele entrou no carro e,
assim que se sentou no banco do motorista, disse: — Pronto.

Como ele continuou em silêncio, questionei: — E aí, como foi com o


coroa?

Esperei por um “como você não foi lá comigo, não vou te contar”, mas
o Beto foi bonzinho, respondendo: — Disse que tinha boas intenções e que
queria pedir a bênção dele pro nosso namoro.

A última parte da frase fez com que eu ficasse absolutamente grogue.


Como assim namoro?

Ao notar a minha expressão, Roberto começou a rir, tornando a falar:


— Brincadeira, sua boba... Só disse pro João que gosto do cê e que sinto
muito por não ter dito quando a gente começou a sair... — Depois disso,
tornou a rir gostoso e completou: — Cê precisava ver a sua cara.

Eu sabia que havia sido uma brincadeira dele e que Beto tinha se
divertido com isso, entretanto, senti-me na obrigação de explicar o verdadeiro
motivo da minha reação, de que o problema não era com ele.
— Eu adoraria namorar um homem como você, mas... Eu acabei de
terminar um noivado e...

— Ei, eu sei... Precisa explicar não... — ele respondeu, tornando tudo


muito mais fácil. — Gosto do que a gente tem.
Ele ligou a caminhonete e nos tirou do sítio dos meus pais, aliviando
um pouco da tensão que se criou no carro.

O festival ocorreria na principal praça e avenida da cidadezinha, o mais


próximo de “centro” que Girassol possuía. Por mais estranho que pudesse
parecer, ainda não tinha ido lá para revisitar o local, então seria interessante
observar as mudanças.
Chegamos lá em quinze minutos. Nesse meio tempo limitei-me a
observar o caubói enquanto dirigia, levando uma expressão séria no rosto
tomado pelas sombras. Apreciei as mechas de cabelo castanho que
escapavam de seu chapéu, os fios de barba e a forma como aqueles olhos
verdes encaravam-me de vez quando, antes de voltarem a prestar atenção na
estrada mal iluminada e de terra batida, que ia sendo engolida por sua potente
caminhonete.

Por um momento — e pela primeira vez —, realmente cogitei a ideia


de um relacionamento com ele, de ter Beto sempre ao meu lado, de tornar
aquele homem selvagem e arredio somente meu.

Ainda que muito improvável, não podia dizer que a ideia parecia ruim.
Ele estacionou o carro e descemos. E novamente o pensamento de estar
produzida demais tornou a pairar por minha mente.

Estava com um vestido de grife longo na cor azul, sapatos de salto


prateados, os mesmos que usei em meu primeiro jantar na casa de Beto. Os
meus cabelos dourados estavam presos e, como não podia deixar de ser,
usava algumas joias — não que as outras pessoas fossem reconhecer o
material delas.

— Quase me esqueci... — ele disse, parando no meio do caminho. Beto


se virou e fixou os seus olhos claros no meu rosto. — Cê tá linda. Eu nem
preciso entrar lá pra saber que é a mulher mais bonita dessa festa.

E isso foi mais do que o suficiente para que cada insegurançazinha


desaparecesse da minha cabeça. Ainda que o festival estivesse lotado de
antigos conhecidos meus, opinião dele era a única que me importava.
Beto entrelaçou os nossos dedos e isso fez com que eu voltasse o meu
olhar para cima, encarando o rosto dele. O caubói sorriu, deixando-me
extremante confortável com aquilo. Era a primeira vez que fazíamos isso
desde aquele incidente com a cobra lá na cachoeira.

Com o meu estômago sendo consumido por borboletas, adentramos o


festival.

A praça estava repleta de barraquinhas coloridas, que vendiam


comidas, brincadeiras e produtos de todo os tipos. De certa forma, o festival
continuava parecido com as minhas memórias de infância. Naquele tempo,
era o meu dia preferido do ano — e isso porque eu nem me produzia como
Clarisse, para tentar ganhar o título de “Miss Girassol” —, era a oportunidade
perfeita para conhecer garotos mais velhos, beber muito quentão e me divertir
com a minha melhor amiga, fantasiando sobre as festas que deviam ocorrer
longe da cidadezinha.

— O que a gente faz primeiro, madame?

Pensei por alguns segundos e lhe respondi: — Comer alguma coisa


bem gordurosa que eu vá me arrepender muito depois.

Ele riu e seguimos para a barraquinha do pastel. Eu peguei um de


queijo e Beto, um de pizza, depois de eu lhe dizer que comprar coisas com
carne moída em barraquinhas era implorar para passar mal.
Tinha quase certeza de que ele desistiu de um de carne só para que eu
parasse de falar.

— Aproveitando a festa? — indagou um desconhecido que se


aproximou de nós. Com os olhos em Beto, ele prosseguiu: — Colocou o pé
pra fora daquela fazenda, é?
O peão riu e o cumprimentou com um aperto de mão.

Depois de alguns segundos, os olhos do desconhecido correram na


minha direção.

— Patrícia — disse apresentando-me.


— Filha dos Medeiros — Beto acrescentou, fazendo com que a pessoa
soltasse um “aaah”.

O homem falou um pouco sobre o meu pai e se afastou, entretanto não


demorou muito tempo para que fôssemos encontrando várias outras pessoas
que sempre se aproximavam para falar com Beto.

Na terceira vez, já nem precisava de Roberto, eu mesma acrescentava


“eu sou a filha dos Medeiros, do João e da Sofia”. E as pessoas sempre se
lembravam de mim. Eu, por outro lado, recordava-me de muito pouca gente,
apenas aquelas que eu realmente tinha convivido.

Quando finalmente consegui terminar de comer o pastel — que esfriou


depois de tantos cumprimentos —, uma moça alta e morena aproximou-se de
nós.

Ela era muito bonita e não parecia ter mais de vinte e poucos anos. E se
isso já não fosse motivo suficiente para me deixar enciumada, a cena em que
ela se jogou em cima de Beto, abraçando-o deu conta do recado.

— Você não me avisou que viria — ela disse, ainda agarrando-o. As


mãos dela o tocaram de tantas formas que eu precisei me controlar a fim de
que meu ódio não transparecesse em meu rosto. Ela se afastou e completou:
— Eu esqueci a minha jaqueta lá na sua casa.

Isso me deixou completamente sem graça a ponto de soltar a mão dele.


Foi como se eu tivesse desaparecido.

Não consegui nem prestar atenção no que Beto respondeu.

Só voltei para à realidade quando a morena voltou a atenção dela para


mim e perguntou: — Quem é ela?

“A pessoa que está com ele, sua vadia” a minha mente gritou.

— É a filha dos Medeiros — Beto respondeu, deixando-me ainda mais


indignada.

Então, eu era isso: “a filha dos Medeiros”.


O cretino não disse nem “uma amiga”.

Ela o abraçou de volta, e sussurrou: — Eu vou me divertir, Betinho.


Talvez eu te veja mais tarde, mas não conte com isso.

Antes de se afastar, levou os olhos na minha direção e disse: — Prazer


em te conhecer, filha dos Medeiros.

Limitei-me a sorrir, um sorriso muito forçado.

Quando aquela vaca se afastou da gente, encarei o desgraçado e as


palavras simplesmente deixaram a minha boca: — Quem é aquela biscate,
“Betinho”?

— Amanda, a minha irmã — respondeu sem demonstrar qualquer


embaraço, deixando-me extremamente desconcertada.
Havia acabado de chamar a irmã dele de biscate.
— Ai, meu Deus... — comecei a dizer sem saber como terminar aquela
frase. — Eu sinto...

— Relaxa, foi bonitinho te ver toda ciumenta — ele me interrompeu.


Depois de rir um pouco, Beto tornou a falar: — Mas, com certeza, eu vou
contar isso pra ela.
Isso me deixou ainda mais vermelha.

— Eu mato você, caubói!

Andamos mais um pouco pela festa e, infelizmente, apareceu mais


gente para cumprimentá-lo, como se ele fosse um astro do Rock. Enquanto
Roberto conversava com mais um desconhecido, aproveitei para ir ao
banheiro.
Como se tratava daqueles banheiros químicos, foi um inferno. Não
chegava a ser sujo, mas por estar dentro de uma caixa cinza, sentia-me
desconfortável, quase claustrofóbica.

Quando finalmente saí de lá, avistei uma pessoa familiar atrás de uma
das barracas.

Aproximei-me de Clarisse, que não parecia nada feliz. E, julgando pelo


que ela vestia, sabia exatamente por quê.
A minha amiga usava um vestido branco longo, completamente
pomposo, que chegava a fazer curva, como se ela estivesse com um
espartilho medieval por baixo. Ela também usava uma tiara prateada e seu
cabelo, todo cacheado pelo babyliss, estava esquisitíssimo. Além disso, a
maquiagem estava muito pesada.

Quem a observasse daquela forma — com um vestido branco, penteado


e uma maquiagem daquelas —, acharia que ela estava prestes a se casar.
— Vai se casar com quem, Clarisse? — comentei, pegando-a de
surpresa assim que me aproximei.

Ela fez uma careta ao me notar.


— Com ninguém, sua vaca! — Depois de soltar um risinho frustrado,
questionou-me: — Está tão ruim assim, amiga?

Olhei para o rosto dela e para o vestido pomposo, e não consegui


mentir: — Está.

— Fui ao melhor salão dessa droga de cidade, me cobraram um rim... E


tudo isso pra quê? Pra me deixarem assim! — ela continuou, fazendo-me rir.
— Era pra eu estar perfeita, mas me transformaram na noiva do Chucky.
Eu conhecia Clarisse de, literalmente, outros festivais e sabia que não
devia ter sido culpa do salão. A minha amiga, com toda a certeza, pediu
exatamente aquilo que recebera e agora estava se dando conta do quanto
exagerou. Ela mirou em princesa da Disney e acertou em monarquia do
século XIX.

— Olhando agora, desse novo ângulo, até que não está tão ruim as...

— Vá se foder! — ela retrucou, nem me deixando concluir a mentira.


— E olha só pra você, sua piranha? Está bem mais bonita do que eu que sou a
Miss.
Os olhos dela se voltaram para o meu vestido, de forma extremamente
analítica. Após alguns segundos em silêncio, a morena completou: —
Amiga,...

E Clarisse não precisou finalizar aquela frase para que eu lhe


respondesse: — Sem chance!

— Por favorzinho — ela continuou, arrancando-me uma careta de dor.


— Será como um presente pra sua amiga que você não visitou por uma
década.

Eu não queria.
E se não soubesse o quanto aquela porcaria de festival significava pra
ela — a ponto de chegar e se esconder atrás de uma barraquinha —, teria dito
“não”.

Com a minha cara amarrada, retornei ao banheiro químico.

Dessa vez, Clarisse estava junto comigo.


— Não tem outro lugar pra gente se trocar não? — questionei, mal-
humorada.

— É isso ou atrás de uma barraquinha.

Deixei de reclamar e comecei a tirar a minha roupa, para que a Miss


Girassol usasse, enquanto passava a faixa para a nova Miss. Tirei o meu
vestido azul maravilhoso e entreguei para Clarisse, como se estivesse dando
uma parte de mim. E, como não podia sair do banheiro pelada, eu fui
obrigada a colocar a porcaria do vestido dela.

— Os seus sapatos são tão lin...

— Não abusa — eu a interrompi, arrancando um sorriso do rosto dela.


— Agradeça por não ter que subir naquele palco com essa droga aqui.

Depois ter vestido aquela velharia, não consegui deixar de dizer: — Eu


odeio você.
Ajudei Clarisse a tirar um pouco daquela maquiagem horrenda, cuja
única coisa realmente boa eram os olhos. Removemos todo o restante e
improvisamos, deixando tudo bem básico. Um batom vermelho para dar um
bom contraste e o que eu consegui fazer com o que tinha na minha bolsa.

— Eu te amo, Paty — ela disse, encarando o espelho de mão.

— E eu te odeio por me fazer usar isso.

Ela riu e respondeu: — Agora, pelo menos, estamos quites.

— Quites?
— Esqueceu que fui eu quem te apresentou o gostosão? — ela se
explicou, fazendo-me revirar os olhos.

Soltei o meu cabelo — já que o meu visual ficaria ainda mais ridículo
com ele preso — e deixei o banheiro químico.

— Beto deve estar me procurando... — disse, notando que o meu “vou


ao banheiro, já volto” estava demorando muito. — A gente se vê depois...
Isso se eu não for embora, depois de colocar esse lixo no meu corpo.
Antes que eu pudesse me afastar, a morena gritou: — Vê se não vai
manchar o vestido, Patrícia... Isso aí é alugado!

Simplesmente continuei andando e retornei ao local onde havia


deixado o Beto.

Ele continuava parado no mesmo lugar. E, dessa vez, não tinha


ninguém conversando com ele. Mas, ainda assim, o caubói demorou a me
reconhecer, só o fez quando eu estava a poucos metros dele.
Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, eu me curvei, segurando
parte do vestido com as minhas mãos em uma reverência.

— Contemple a Princesa Patrícia Medeiros Terceira — disse, antes de


começar a rir.

E, então, depois de se livrar do choque, ele finalmente começou a rir.


— A vaca da Clarisse roubou o meu vestido e me deixou com essa
tralha velha — expliquei, não conseguindo deixar de me sentir envergonhada.

Ele deu um passo na minha direção e respondeu: — Pra mim, cê tá


ainda mais linda.
Então ele me beijou, tomando os meus lábios de forma voraz e eu me
entreguei, esquecendo que estava no meio de uma praça, com um vestido que
parecia ser do século passado e cercada por um monte de gente.

— O que você acha da gente sair daqui, caubói? — questionei, cansada


de dividi-lo com desconhecidos.

Ele tornou a entrelaçar os nossos dedos, dando-me a resposta.


Capítulo 22 — Espinhos

— Eu não sabia que você era tão popular assim, caipira — comentei no
instante em que Beto deu a partida e nos tirou daquela avenida movimentada.
— A gente não conseguia dar meio passo sem que alguém aparecesse para
falar com você.

Pensei que ele fosse rir e fazer alguma gracinha, destacando o quanto
era famoso em Girassol e que eu tinha muita sorte por ser a sua
acompanhante naquele festival. Mas, estranhamente, Roberto ficou sério,
como se eu tivesse acabado de pisar em um de seus calos.

— Aquilo? Não... não é popularidade... — respondeu-me com os olhos


voltados para a estrada mal iluminada. — Essa gente só faz isso por
obrigação.

Não entendi.
Conversavam com ele por obrigação? Não tinha nenhum sentido.

No entanto, sua expressão séria me impediu de continuar a questionar.


Simplesmente balancei a minha cabeça, aceitando aquela resposta vaga e
estranha, para uma pergunta que havia sido completamente despretensiosa.

Ficamos quase cinco minutos em um completo silêncio. Jurava que


podia ouvir o som da respiração dele, enquanto o carro balançava sobre a
pista de terra batida. E isso me deixou tão inquieta que, por algum motivo —
um muito estúpido, diga-se de passagem —, abri o porta-luvas da
caminhonete dele.
A primeira coisa que vi ali dentro foi um porta-retrato. Inicialmente,
pensei que se tratasse de uma fotografia de Beto e esse foi o único motivo de
eu enfiar a minha mão lá dentro e o pegasse.

A foto ilustrava uma mulher morena, que não devia ter mais de vinte e
cinco anos. Seu olhar estava fixado na câmara e sorria — um sorriso que eu
nunca conseguiria replicar —, como se não estivesse posando graciosamente
para uma fotografia. Demorei um pouco para notar que conhecia o lugar em
que a foto havia sido tirada.

Era a cachoeira que Beto havia me levado; o mesmo lugar que marcou
o exato momento em que deixei de vê-lo como um caipira nojento.

— Quem... quem é essa aqui? — indaguei, mostrando-lhe o porta-


retrato.

E, só então, Roberto notou que eu estava mexendo nas coisas dele, que
era tão bisbilhoteira quanto a minha mãe. O moreno ficou tão surpreso que,
por um instante, foi como se tivesse se esquecido de que estava ao volante. E
isso rendeu uma freada brusca em uma elevação na estrada.
A expressão dele ficou tão feia que me preparei para ouvir muita
merda, para uma explosão que eu nunca havia presenciado com ele.

— É a minha... minha mulher... — ele respondeu, gaguejando. Ao se


dar conta do que tinha acabado de dizer, ele se corrigiu: — Minha ex-mulher.

Eu guardei o porta-retrato e fechei o porta-luvas, notando a droga que


tinha feito.
— Eu não devia ter...

— Tudo... Tá tudo bem — ele me interrompeu, não me deixando


completar o meu pedido de desculpas.

Pensei que fôssemos ter mais cinco minutos daquele silêncio


constrangedor, mas Beto tornou a falar: — Juliana... Esse é o nome da minha
ex...

Como a voz dele já estava melhor — ainda que a sua expressão


continuasse igual, como se ele tivesse visto um fantasma na estrada de chão
batido —, resolvi arriscar, perguntando mais sobre esse casamento que, até
então, eu não sabia da existência.
— Não sabia que você já tinha sido casado — disse a ele, como quem
não queria nada. — Você é tão novo e...

— Não sabia por que eu não contei! — ele continuou, ainda com os
olhos na rua. Antes que pudesse achar que tinha levado um soco dele,
Roberto completou: — Eu devia ter falado... É que... É complicado pra
cacete.

— Tudo bem se você não quiser falar sobre isso... — respondi, notando
o quanto estava sendo difícil para ele entrar naquele assunto. — De
complicações eu entendo bem.
— Eu quero falar... Eu quero, mas... — ele suspirou de frustração. — É
difícil.

— Faz muito tempo que acabou?

— Ela foi embora — ele respondeu, esclarecendo um pouco as coisas.


— Você traiu? — questionei-o de forma completamente impulsiva. —
Deu motivos pra ela te deixar?

Três segundos depois de ter dito essas palavras foi tempo suficiente
para que eu me arrependesse.

— Desculpe, é que eu... Eu fui traída e...


— Não, eu não traí ela — ele esclareceu. — Se eu dei motivos? — Ele
fez uma careta, antes de prosseguir: — Acho que sim. Eu não era o melhor
marido do mundo, não chegava cedo, não reparava nas vezes que ela
arrumava o cabelo e não me lembrava de datas especiais.

— Quer uma dica de alguém que foi chutada depois de levar um


chifre? Para de olhar somente para os momentos bons... — comentei, sendo
completamente sincera. — Quando fizer isso, vai perceber que não era
perfeito. Nada é.

Quando eu flagrei a traição de Diogo, pensei que o meu mundo fosse


acabar. Eu não consegui imaginar um futuro do qual ele não fizesse parte.
Isso me levou a perdoar uma traição e praticamente me arrastar, depois que o
desgraçado disse com todas as letras que não queria continuar com o nosso
noivado.

Quando segui o conselho de Roselinda e fiz a viagem, não estava


pensando em mim. Tudo o que estava em minha mente eram as coisas que
estavam deixando a minha vida. E isso me fez fantasiar um retorno triunfal à
cidade, de ter Diogo aos meus pés, implorando por uma nova chance.

No entanto, com o passar dos dias, as coisas boas começaram a perder


o brilho. Lembrei-me do quanto ele costumava ser um babaca, de que
estávamos noivos há anos, ele ainda nem tinha sugerido uma data para o
casamento e sempre se recusava a falar sobre isso. Lembrei-me de todas as
vezes que brigamos e era sempre eu a pessoa que cedia. Lembrei-me de que,
nem mesmo no início da nossa relação, ele fez com que eu me sentisse bem,
como fez o Beto — o caipira que acabara de conhecer.
Quando eu parei de focar nas coisas boas, descobri que elas eram
minúsculas perto de todas as ruins. Quando você para de se vitimizar,
pensando no quanto o universo é injusto e cruel, finalmente se dá conta de
que merece mais, de que a perda foi, na verdade, uma libertação.

— Eu errei também — admiti, com os meus olhos colados no caubói.


— Dava atenção demais ao meu trabalho e não me dedicava tanto à nossa
relação. Se ficou fria e estranha com o tempo, muito disso foi minha culpa.
— Não consegui me controlar e ri, notando o quanto o mundo era irônico. —
Mas aquele babaca não precisava agir de maneira tão cruel: não bastasse me
trair, deixou que flagrasse para, só então, terminar com tudo que a gente
tinha.

— Tem que ser muito idiota pra deixar uma marrenta dessas escapar —
Beto comentou, fazendo-me sorrir. — Ele não era homem pra você, Patrícia.

Antes que eu pudesse agradecer os elogios ou ressalvar que essa era a


primeira vez que ele me dizia “você”, sem abreviar por “cê”, ele
acrescentou: — Eu sou.

Isso me deixou surpresa e um pouquinho desconcertada. Não era fácil


falar sobre sentimentos com a data da minha partida marcada.
— Ele disse a mesma coisa quando o conheci — brinquei. — Fez com
que eu achasse que era um príncipe.

— Eu não sou príncipe — Roberto disse, dessa vez levando aquelas


lanternas verdes para mim por alguns poucos segundos, antes de tornar a
observar a estrada. — Mas eu poderia te tratar feito princesa. Sou cabeça
dura, eu sei... Só que também costumo aprender com os meus erros. Já deixei
de valorizar quem amava uma vez, não faria isso de novo.

Aquilo, vinda do caipira, era quase um “eu te amo”.


— Eu tenho muito carinho por você...

Ele riu e interrompeu a minha resposta ruim: — Ou cê gosta ou num


gosta. — O moreno passou alguns segundos em silêncio. — Sempre gostei
disso aqui, dessa coisa que nós temos, mesmo quando cê era aquela perua
irritante que me chamava de nojento. Era direto, era sincero. — Depois de um
meio sorriso, ele concluiu: — Sei que eu não sou o que cê quer, que não
gosta tanto assim de mim pra ficar aqui.

— Você está certo — afirmei, sentindo-me encurralada com aquela


conversa. — Não gosto tanto assim de você a ponto de abandonar o resto da
minha vida. Porém, até hoje, você foi o único homem na face da terra que me
fez considerar a ideia, mesmo que por um segundo. Eu planejava passar trinta
dias aqui e já faz quase três meses que cheguei.
Era frustrante demais pensar que, em poucas semanas, tudo aquilo
terminaria. Mas não havia nada que eu pudesse fazer pra mudar isso,
possuíamos vidas muito distintas, realidades que nunca se encaixariam.

— Eu acho que isso aqui, eu e você, nunca daria certo — disse,


imaginando as nossas intermináveis brigas por motivos estúpidos como o
controle da televisão. — Mas, ainda assim, eu não quero pensar que vou
parar de falar com você quando for embora, quero tentar manter isso, mesmo
sabendo que não vamos conseguir.

Essa era a verdade.


Não daria certo.

No entanto, o pensamento de que eu iria embora e não o veria


novamente fazia com que o meu coração se apertasse. Era mais fácil partir
quando um plano lindo — e completamente impraticável — estava
escondendo a verdade. Isso foi exatamente o que aconteceu com a minha
amizade com Clarisse. Nós juramos que nunca nos afastaríamos, mesmo com
a distância e isso não durou muito tempo.
— Se a gente conseguiu parar se odiar, acho que todo o resto é fichinha
— ele respondeu, arrancando um sorriso do meu rosto. — Vou te irritar
muito com os meus “bom dia”. Vou perguntar o que cê tá fazendo a cada
duas horas. E de noite, quando eu estiver deitado pra dormir, vou te ligar e
perguntar como foi seu dia.

Por algum motivo estúpido, isso me deixou muito emocional a ponto


de os meus olhos marejarem.

— Por favor, faça isso — respondi, esforçando-me ao máximo para


não começar a chorar na frente dele.
Capítulo 23 — Natal

Nas três semanas seguintes, Beto e eu nos encontramos


constantemente. Sempre descobríamos uma maneira de ficar juntinhos, quer
fosse em sua casa, onde a privacidade era sempre maior, ou então na dos
meus pais, trancados no quarto, quando nos perguntávamos se os dois
poderiam estar ouvindo alguma coisa lá da sala.

Foram jantares, passeios vespertinos pela mata fechada e noites


quentes que se tornaram inesquecíveis sob a luz do luar e o brilho das
estrelas.
No entanto, quando a véspera do Natal chegou, meu coração se
apertou. A chegada das festas de fim de ano também significava que restava
menos de um mês para aproveitar ao lado do meu caubói preferido.

O meu tempo em Paraíso estava se esgotando. Muito em breve, eu teria


que deixar todas aquelas pessoas incríveis para trás e retomar à minha vida na
cidade. Teria que deixar os meus pais, a cuja companhia já havia me
acostumado. Teria que deixar Clarisse, a minha amiga mais antiga, que tornei
a amar como se fosse uma irmã. E teria que deixar Roberto, o homem pelo
qual eu havia me apaixonado.

Por mais que, dessa vez, fosse me esforçar ao máximo para manter
contato com todos eles, visitando-os sempre que tivesse uma oportunidade,
sabia que não seria assim tão simples. Talvez funcionasse com os meus pais e
com a minha amiga, mas o caubói continuava sendo um enigma para mim.
Eu não tinha ideia do que aconteceria e, provavelmente, nem mesmo
ele, que também sabia qual seria o meu último dia no sítio. Evitávamos falar
sobre esse assunto, pois sabíamos que o clima seria prejudicado no mesmo
instante, exatamente como no dia em que eu revelei a data para ele.

Sempre pensei que a parte mais difícil em retornar a Girassol fosse


justamente ter que suportar o tempo que passaria ali — num lugar que eu
considerava sem graça —, fingindo que estava aproveitando as férias. Nunca,
nem mesmo nos meus pesadelos, pensei que a pior parte seria o momento em
que teria que deixá-la para trás.

Mas é como dizem, só conseguimos mensurar o quanto uma coisa é


boa ou importante quando estamos prestes a perdê-la — ou, mais
infelizmente, quando já perdemos —; só funcionamos através de contraste e
da dor.

Dessa última parte eu entendia, pois o meu coração se apertava só de


me imaginar sem tudo o que tinha aprendido a gostar e valorizar.

Tentei não pensar muito, não me torturar antes da hora, realmente


estava disposta a aproveitar ao máximo os meus últimos momentos no sítio.
E não faria isso como se fosse uma espécie de despedida, mesmo que,
evidentemente, o fosse.
Tive ainda mais certeza no instante em que Roberto chegou à casa dos
meus pais, vestindo uma camisa verde e um jeans azul marinho apertado,
evidenciando as suas coxas grossas.

Observei que, dessa vez, ele estava sem o chapéu. O seu cabelo estava
lambido para o lado e o cheiro forte de seu perfume amadeirado apenas
confirmou o que já suspeitava. E isso me fez rir, pois, ainda que o roceiro
nunca fosse admitir em voz alta — e talvez nem para ele mesmo —, eu sabia
que ele tinha passado a se arrumar melhor por minha causa.

— Você está lindo — fiz questão de lhe dizer. Aproximei-me dele e,


depois de lhe dar um rápido selinho, completei: — Está gostoso e cheiroso.

Ele me abraçou, pegando-me pela cintura.

— Quanto elogio... — ele sussurrou, com um sorriso maravilhoso


naqueles lábios vermelhos. — Cê costumava ser uma onça brava, vivia me
chamando de peão nojento...

— Como se você não tivesse merecido cada um dos meus insultos, seu
safado — rebati ainda em seus braços. Aqueles olhos verdes se fixaram nos
meus e isso me fez fraquejar. — E, de qualquer forma, eu já te achava lindo
naquela época.

Não lhe dei a chance de ficar se gabando pelos meus elogios e


completei: — Mas você está atrasado em uma hora.
— Desculpa deixar a madame me esperando — ele respondeu. —
Minha irmã apareceu lá em casa sem avisar e ficou enrolando um montão pra
ir embora.

Amanda Rocha.

Eu não a conhecia muito bem. E na única vez que conversamos, eu a


havia confundido com uma ex-namorada de Beto. Quando ela se afastou da
gente no festival, chamei-a de “biscate”, o que me rendeu um momento bem
humilhante.
Entramos na casa, mas não conseguimos ficar muito tempo juntos, não
com todos os preparativos para a ceia de Natal. Enquanto ajudava a minha
mãe na cozinha, Beto se juntou ao meu pai, ajudando-o a organizar o quintal,
arrumar as duas mesas lá fora, acender a churrasqueira e terminar de limpar a
grama.

— Vocês já conversaram sobre... — A voz da minha mãe roubou a


minha atenção, distraindo-me do que estava pensando.

— Sobre a minha partida daqui a três semanas? — completei a sua


frase, enquanto continuava a cortar tomates. — Nós conversamos sim.
Detestava o fato de minha mãe se preocupar com os sentimentos do
Beto mais do que se preocupava com os meus.

Só porque eu seria a pessoa a partir, não significava que não sairia


machucada daquele sítio, contudo Dona Sofia não parecia enxergar dessa
forma, era como se apenas os sentimentos de Roberto importassem.

E as suas próximas palavras apenas confirmaram isso.


— Esse namoro de vocês só complicou tudo... — ela continuou,
sabendo exatamente como me desagradar. — Espero que ele não sofra muito
quando você for embora.

Eu nem fiz questão de corrigi-la, deixando claro que não se tratava de


um namoro — ainda que agíssemos como se estivéssemos em um —,
tampouco que Beto não seria o único a sofrer.

Esse curto diálogo fez com que ficássemos em silêncio até o final do
trabalho na cozinha.

Assim que eu deixei o cômodo, indo para o meu quarto, o caubói me


seguiu.

Ele me puxou para um canto e me beijou com vontade, fazendo com


que eu esquecesse aquele momento desagradável com dona Sofia.

Beto tirou uma caixinha vermelha mal embrulhada do bolso. E, nesse


instante, eu me senti muito mal por não ter nenhum presente para ele.
— Eu pensei que a gente tinha combinado de não…
— Combinamos, mas eu queria te fazer uma surpresa — interrompeu-
me ele, entregando-me o presente, que já estava um pouco amassada por ter
ficado tanto tempo no seu bolso. Como eu continuei parada, ele prosseguiu:
— Abre logo, criatura.

Demorei um século para desembrulhar, pois não queria despedaçar a


embalagem, o que era um pouco tosco da minha parte, já que o embrulho me
lembrava do tempo em que estudava e minha mãe encapava livros com
aquele tipo de papel presente.

Tratava-se de um colar. Não era uma joia, a corrente não era feita de
ouro branco e, muito provavelmente, nem mesmo de prata. Mas a parte mais
estranha era o pingente, uma pedrinha branca, quase transparente.

Era um presente estranho.

Não sabia se havia gostado.


— Eu peguei essa pedra lá na cachoeira — ele revelou, mudando
completamente a minha opinião sobre o presente, tornando-o algo muito
especial. — Algo pra se lembrar de mim quando... Cê sabe.

Voltei o meu olhar para ele e, ainda sem graça, respondi: — Eu… eu
não tenho um presente pra você. — Depois de um instante em silêncio,
finalizei: — Nada pra se lembrar de mim.

Ele sorriu e se aproximou, encurralando-me na parede.


— Tem certeza? — questionou o caubói, com um sorriso safado no
rosto. Antes que eu pudesse confirmar que não, ele roubou os meus lábios,
pegando-os para ele. — Sei exatamente como cê pode me presentear... E de
uma forma que eu nunca vou esquecer...

— Seu safado — disse, dando um tapinha em seu braço, como se não


quisesse exatamente a mesma coisa que ele.

Eu o abracei com força e, ao pé de seu ouvido, sussurrei: — Amei o


presente.
Quando os convidados começaram a chegar, tivemos que interromper
os beijos pelos cantos da casa.

Meus pais tinham muitos amigos na região e, pelo que me disseram no


dia anterior — quando me revelaram em cima da hora que a ceia seria mais
que uma “reuniãozinha” —, eles sempre organizaram essa ceia de Natal e
reuniam todo mundo em uma grande comemoração. Sendo assim, a casa não
demorou para ficar lotada de gente que eu não conhecia.

Esforcei-me ao máximo para parecer a filha mais simpática do mundo,


permitindo que o meu pai me apresentasse a todo mundo. Ter Beto ao meu
lado, que conhecia a maior parte daquelas pessoas, ajudou, e muito.
— Fiquem à vontade — comentei, segundos depois de apertar a mão
de um senhor, acompanhado da esposa e filho.

Fomos até a churrasqueira para pegar um pouco de carne, mas, antes de


chegarmos lá, o homem ao meu lado comentou: — Aquele lá não é o seu
noivo?

Inicialmente, pensei que Beto estivesse tentando me enganar com uma


de suas brincadeiras idiotas. No entanto, ao acompanhar o seu olhar, fui
desagradavelmente surpreendida.
Não era uma brincadeira.

Diogo realmente estava ali, na festa de Natal dos meus pais.


Capítulo 24 — Conflito

Precisei me controlar para não caminhar na direção do desgraçado e


expulsá-lo à força.
O simples fato de olhar para aquele rosto e observar a expressão sínica
nele, já fazia com que eu perdesse a minha paciência.

De forma protetora, o peão se aproximou de mim e segurou a minha


mão, entrelaçando os nossos dedos, como se quisesse deixar claro para Diogo
e todos os outros convidados que eu lhe pertencia.

Ainda que não fosse verdade, eu estaria mentindo se dissesse que não
gostei de ver a expressão no rosto de Diogo ao observar as nossas mãos
juntas, como se fôssemos mesmo um casal.
— Podemos conversar? — perguntou-me ele, no instante em que se
aproximou. — Prometo que não vai levar mais de cinco minutos.

Mais cinco minutos ouvindo aquele imbecil?

Eu não tinha certeza se suportaria.


— Não temos assunto pra cinco minutos, Diogo.

— Mas eu…

— Cê é surdo, cara? — O caubói o interrompeu, de forma bem


grosseira. — Ela já disse que não quer conversar.
Mas, diferentemente do que pensei, Diogo não se assustou. A
intromissão de Beto pareceu deixá-lo ainda mais disposto, com se ele tivesse
algo a provar.
— Eu não te perguntei nada… Fica na sua!

Beto se afastou de mim e, assim como Diogo, também deu um passo à


frente, peitando o meu ex-noivo. Pareciam dois animais selvagens, prestes a
brigar pela fêmea. Olhei para os lados, certificando-me de que ninguém havia
notado a confusão iminente.
— Ei, controle-se aí — disse com o olhar colado na face do peão, que
não gostou nada. — Deixa que eu cuido disso.

Agarrei o braço de Diogo e o arrastei para dentro da casa, levando-o


para o meu quarto.

Respirei fundo e encarei o idiota a minha frente, sinalizando que ele já


podia começar a dizer o que tinha de tão importante.
— Eu quero saber se você pensou naquilo que eu te disse? —
questionou-me ele, fazendo com que eu perdesse todo o restante da minha
paciência.

Diogo, provavelmente, estava se referindo às várias mensagens que ele


me enviava, implorando para que eu reconsiderasse, salvando o que “nós
tínhamos”.

— Sim, pensei bastante e cheguei à conclusão de que nós não temos


mais nada — disse, cansada de repetir sempre a mesma coisa para ele. —
Você destruiu tudo o que a gente tinha no instante em que decidiu me trair.
A parte mais engraçada era que ele estava ali, parado bem na minha
frente, pedindo-me para não desistir de nossa relação, quando ele mesmo
havia feito isso ao sair com outra mulher. Foi Diogo quem desistiu de nós
dois.

— Eu já te disse várias vezes, Paty… Aquilo não significou nada, eu


juro — continuou ele, realmente acreditando que a sua frase melhoraria
alguma coisa.

“Isso torna tudo ainda pior” eu pensei, sem saber como aquele babaca
não se dava conta disso. Ele, basicamente, trocou todos os anos em que
passamos juntos por alguém que não significava nada para ele.
— Então, você trocou a gente por nada, Diogo — afirmei ansiosa para
encerrar aquela conversa.

Como eu não tinha mais nada para falar com ele, comecei a caminhar
para fora do quarto. No entanto, sua mão agarrou o meu braço esquerdo,
impedindo-me de cruzar a porta. Ele me puxou com força para perto de seu
corpo e, em seguida, me empurrou contra a parede e tornou a se aproximar,
prendendo-me ali.

E, sem dizer uma única palavra, Diogo inclinou o seu rosto em minha
direção, forçando um beijo. Tentei empurrá-lo, mas ele era bem mais forte do
que eu e não consegui afastá-lo para longe de mim.
Seus lábios continuaram a me tocar, dessa vez beijando o meu pescoço
e isso finalmente fez com que eu destravasse e superasse aquela inércia
constrangedora que me deixou completamente à mercê de sua vontade.

Dei-lhe uma joelhada no meio das suas pernas, fazendo com que o
babaca cambaleasse para trás.

— Nunca mais chegue perto de mim, seu porco nojento — gritei sem
me importar com quem pudesse nos ouvir.
Uma vez mais, não consegui deixar o quarto. Sua mão agarrou com
força o meu vestido e me puxou de volta para perto dele. Notei a expressão
raivosa de seu rosto, uma consequência da dor que ainda devia estar sentindo.
E, diferentemente do que acontecera há poucos momentos, quando
estava contra a parede, cercada por ele, realmente senti medo do que poderia
acontecer comigo naquele quarto.

— Se afasta da minha filha! — A voz da minha mãe soou alto, fez com
que o meu olhar voasse em sua direção. Ela segurava a espingarda do meu
pai e a apontava em direção a Diogo. — AGORA.
Diogo continuou parado, como se não estivesse levando aquela
situação a sério.

Então a minha mãe atirou, gelando o meu estômago.

O barulho foi tão alto que o meu ex-noivo chegou a pular, tirando os
seus pés do chão.
Dona Sofia não precisou dizer mais nada, o “engomadinho” ergueu as
mãos e correu para fora da casa, como um cachorrinho amedrontado. Quando
chegou na porta da sala, reduziu a velocidade todo envergonhado e caminhou
apressado, provavelmente seguindo para o carro.

— É exatamente pra isso que essa arma serve — a minha mãe disse,
relembrando uma conversa que tivemos no dia em que cheguei à cidade,
quando questionei o motivo para manterem aquela espingarda dentro de casa.

Eu me virei e encarei o buraco da bala no guarda-roupa.


Aquela louca poderia ter matado Diogo.

Não demorou muito para que Beto entrasse correndo no meu quarto,
completamente afobado.

— O barulho... Cê tá bem? — ele me perguntou, notando a minha


expressão assustada.
Minha mãe respondeu por mim, contando ao caubói que viu Diogo
avançando pra cima de mim e que correu a pegar a arma na parede da sala.

— Vou matar esse filho da puta — Beto gritou e saiu do quarto de


forma tão apressada quanto havia entrado.
Corri em sua direção e o agarrei pelo braço, impedindo-o de deixar a
casa.

— Não deixe esse desgraçado acabar com o nosso Natal — pedi, quase
implorando. Voltei o olhar para o outro lado da casa, observando a minha
mãe, que ainda estava com a espingarda na mão. — Minha mãe já deu um
susto nele.

Ao me lembrar da cena do meu ex-noivo, literalmente, correndo para


fora da casa, não consegui deixar de rir, o que era uma loucura, considerando
o fato de que havia acabado de ser assediada pelo babaca.
Ainda com os olhos em minha mãe, completei: — E, de qualquer
forma, você chegou atrasado pra bancar o herói. Esse papel já tem uma dona.
Capítulo 25 — Sintomas

Talvez fosse nojo pelo que havia acontecido comigo naquele quarto —
eu não tinha ideia —, mas a semana seguiu acompanhada de muito enjoo, dor
de cabeça e um péssimo humor.
Também sabia que tudo isso devia estar relacionado com minha
ansiedade, ocasionada pelo simples fato de eu saber que o meu tempo em
Paraíso estava evaporando rapidamente.

— Esse chá de camomila é ótimo — minha mãe comentou, quando eu


finalmente revelei sobre os enjoos que estava tendo. Enquanto me observava
bebericando o seu chá, dona Sofia acrescentou: — Quando uma mulher
começa com enjoos...

Ela nem precisou terminar a frase para que eu entendesse


imediatamente a que ela se referia.
— Eu não estou grávida, mãe — respondi rindo, deixando claro que a
ideia era estúpida e que ela não precisava se preocupar.

Quando minha mãe deixou a cozinha, o sorriso desapareceu do meu


rosto.

Eu e Beto já tínhamos transado sem camisinha uma vez. Foi algo


rápido, lá no banheiro da casa dele e, na época, eu nem dei muita importância
a isso, mesmo sabendo que tinha me descuidado.
Com a semente da dúvida plantada pela minha mãe, pesquisei os
sintomas de gravidez. Encontrei coisas como mau-humor, enjoo, dor de
cabeça e várias outras coisas pareciam se encaixar em mim.
“Você não está grávida, Patrícia” disse para mim mesma,
desesperando-me. “Você não pode estar”.

Não conseguiria conviver com aquela dúvida. Então, simplesmente


peguei a chave da caminhonete do meu pai e fui até a cidade comprar um
teste de farmácia. No caminho de volta para o sítio, notei que não queria fazer
isso lá na casa, com os olhos da minha mãe colados em mim.
Dei meia volta e segui para a casa de Clarisse, torcendo para que a
minha amiga estivesse sozinha em casa.

Por sorte, estava apenas ela e as duas meninas.

— Você está bem? — foi a primeira coisa que ela me perguntou ao


notar a minha expressão.
Simplesmente tirei o teste de gravidez da sacola e mostrei para ela.

Não precisei dizer mais nada.

Peguei a caixa e fui para o banheiro, mijar na porcaria do teste de


farmácia. Como não era a primeira vez que usava um daqueles, sabia bem o
que devia fazer.

Fechei os meus olhos e comecei a rezar.

“Não esteja grávida”.

“Não esteja grávida”.


“Não esteja grávida”.

“Não esteja grávida”.

“Não esteja grávida”.


“Não esteja grávida”.
“Não esteja grávida”.

Abri os meus olhos e continuei mentalizando o “não esteja grávida”,


até olhar para o exame e identificar os dois palitinhos.
Eu estava grávida.

E o filho era de Beto.

— E aí? — Clarisse perguntou, assim que deixei o banheiro.


— Deu negativo — menti, forçando um sorriso. E, como se quisesse
acreditar na minha própria mentira, acrescentei: — Ai, que alívio... Eu não
estou grávida.

A morena fez uma careta, antes de me responder: — Você vai me odiar


se eu te disser que torci pro resultado dar positivo?

Antes que eu pudesse xingá-la, Clarisse completou: — Se você


estivesse mesmo grávida do Beto, teria um motivo pra voltar pra cá... — Ela
riu e pareceu envergonhada. — Acho que me acostumei em ter você de volta.
Eu a abracei com bastante força.

— Eu prometo que não vou sumir de novo — garanti, realmente


disposta a honrar essa promessa. — Você ainda vai me aturar muito.
Capítulo 26 — Segredos

Eu nunca realmente havia cogitado a ideia de ter um filho, nem mesmo


quando ainda estava em um noivado, durante o tempo em que pensava que
minha vida amorosa era “estável”.
Ter essa bomba jogada em minhas mãos agora, quando as coisas
estavam mais instáveis do que nunca, me fez surtar. Fiquei assustada a ponto
de não conseguir contar ao Beto nas vezes em que nos encontramos no
decorrer da minha última semana no sítio. Quanto mais o dia da minha
partida se aproximava, mais certa eu estava de que não deveria falar nada, de
que deveria apenas ir embora.

Eu não era tão cretina a ponto de esconder algo dessa magnitude de


Roberto.

É claro que não.


Eu contaria, mas no meu tempo, quando já tivesse digerido toda essa
história maluca.

A parte mais irônica era que eu tinha ficado tão assustada com a
possibilidade de deixar o peão e nunca mais vê-lo que o universo deu um
jeito de nos ligar para sempre. Ainda que não estivéssemos juntos, em um
relacionamento amoroso, sempre existiria uma ligação entre nós dois.

Eu querendo ou não, a minha vida nunca mais seria a mesma.


Avisei os meus pais de que passaria a noite na casa de Beto e, depois
de me arrumar para o nosso encontro, fiquei esperando pelo caubói. Nesse
meio tempo, minha mãe se aproximou de onde eu estava parada e, pelo seu
olhar, soube que ela comentaria alguma coisa — algo que, muito
provavelmente, eu não gostaria.

— Ele gosta mesmo de você, Patrícia… — Dona Sofia me disse ainda


com os olhos voltados para o piso. — Desde que eu o conheço, nunca o vi se
interessar tanto assim por alguém.
Estava sendo muito difícil digerir a ideia de que eu o deixaria — sem
contar toda a parte da criança que viria, complicando ainda mais as coisas —,
não precisava ouvir a minha mãe cuspir um monte de coisas que eu já sabia.

— Gosto dele também — respondi, cansada de ser vista como o bicho


papão pela mulher que deveria se portar como a minha mãe e não a de Beto,
defendendo-o a todo instante. — E eu também vou sentir falta, eu tamb…

— É diferente! — ela me cortou, não me dando nem a oportunidade de


explicar que seria tão difícil para mim quanto para ele. — O seu único amor
sempre será a vida que você construiu lá na cidade.
Eu não conseguia ouvir três palavras dela sem me sentir julgada de
alguma forma. Ela estava mesmo tentando me culpar por gostar da vida que,
com muito esforço, eu havia construído? Se essa fosse a sua intenção com
todo aquele sermão, não daria certo.

— Eu realmente estou gostando dele, mãe — continuei, ansiosa para


encerrar todo aquele assunto. — Mas, sim, eu nunca trocaria algo que
conheci há alguns meses pelas coisas que eu construí e idealizei durante toda
a minha vida.

— Eu te avisei para não o iludir — retrucou ela, odiosa a ponto de


sempre querer dar a última palavra. — Eu vi isso acontecendo no instante em
que flagrei aquele beijo.
Eu sentia vontade de gritar com ela.

Dizer todas as coisas que estavam entaladas em minha garganta.

Mas eu me limitei a um “tá bom, mãe”.

Quando me preparei para deixá-la ali, falando sozinha, dona Sofia


prosseguiu: — Ele te contou como eu e seu pai o conhecemos?

Roberto não havia me dito nada sobre isso e nunca cheguei a


questionar. Talvez fosse pelo fato de que os três agiam como se sempre
tivessem sido amigos.
Balancei a minha cabeça, negando.

Então, ela continuou: — Estávamos voltando do Vilmar, um amigo do


seu pai que mora em uma cidade vizinha. Havia um acidente na estrada que
vem pra cá e estava bloqueando toda a rua... Estava cheio de polícia e resgate
na área, mas o que chamava a atenção eram os dois carros completamente
destruídos.

Como notei que aquela história seria grande, fui com ela para a cozinha
e nos sentamos à mesa.

— Ficamos sabendo por outras pessoas que estavam lá que uma mulher
e uma criança de um ano já estavam mortas — contou ela, deixando-me
apreensiva para o momento em que Beto entraria na história. E como se ela
estivesse lendo a minha mente, completou: — Então, chegou um rapaz
desesperado, dizendo que aquele era o carro de sua esposa e eu e o seu pai
ajudamos a contê-lo... Foi assim que o conhecemos.

Eu perdi todas as minhas palavras.

Sabia alguns detalhes sobre o acidente a que ela estava se referido.


Lembrava-me de terem me contado durante uma ligação — e chegamos a
falar disso no dia em que retornei a Girassol, antes que minha mãe e eu
começássemos a brigar —, entretanto, sempre pensei que eles fossem amigos
das pessoas que haviam morrido no acidente e não que o vínculo com Beto
ocorreu depois.

Não sabia o que dizer ou o que pensar de tudo aquilo.


Era horrível demais e mudava tudo.

— Durante esses anos que eu o conheço, só o vi dessa forma, tão feliz


e completo, nesses últimos meses. Cheguei a comentar com o seu pai que ele
estava diferente, que não estava bebendo com tanta frequência, que já não ia
àquelas festas estúpidas e que parecia feliz de novo, como se tivesse parado
de olhar para trás. Mas eu só fui descobrir o motivo quando vi o beijo de
vocês.

Todos os indícios disso estavam bem na minha frente, mas não


consegui enxergar.
Agora, lembrava-me perfeitamente de todas as vezes em que minha
mãe hesitou em me contar, de que protegeu Beto como se ele fosse uma taça
de cristal, prestes a partir. Lembrava-me de Beto comentando sobre os
problemas com o pai e o porquê dele ter ido morar com a irmã, tudo isso
provavelmente originado da bebida e das festas — o local em que o conheci.
Lembrava-me dele me dizendo que as pessoas só o cumprimentavam por que
se sentiam no dever de fazê-lo, assim como também recordava da foto que
peguei no porta-luvas de seu carro — da mulher que, de acordo com ele,
“havia ido embora”. Lembrava-me também de Clarisse me dizendo que ele
era conhecido por um incidente; porém, na ocasião, nem ao menos deixei que
ela terminasse de contar.

Tudo isso me atingiu de uma forma tão intensa que eu não consegui
conter as minhas lágrimas.

Desabei.

Chorei pela porcaria da gravidez, pelas pessoas que eu nem conhecia,


mas que agora sabia estarem mortas — e que eram a família de Beto —,
chorei porque teria que deixá-lo. E chorei pelo fato de tudo ser tão injusto e
cruel.

Em meio às lágrimas, levantei o meu rosto, para observar a minha mãe,


que também estava emocionada com a história, e finalmente confessei: —
Eu... eu estou grávida.

O barulho de carro fez com que o meu olhar se voltasse para a

porta. Visualizei uma vez mais o rosto da minha mãe, que ainda estava

chocada com aquela minha revelação, então me levantei e caminhei em

direção à porta para me encontrar com Beto.


Capítulo 27 — A Penúltima Noite

Entrei em sua caminhonete e me esforcei para não deixar transparecer


o quanto eu estava chocada com a história que acabara de ouvir da minha
mãe.
— Aconteceu alguma coisa? — Beto notou haver algum problema no
segundo em que me aproximei, provando-me que minha habilidade de
disfarçar era péssima.

Sabia que o meu rosto devia estar vermelho por conta do choro e que a
expressão de choque não devia ter me abandonado. Mas, ainda assim,
balancei a minha cabeça, negando.

— Nada muito importante, só mais uma briga idiota com a minha mãe
— respondi, esforçando-me ao máximo para fazê-lo engolir aquela mentira.
Ele se aproximou para me beijar e, assim que os nossos rostos se
afastaram, notei que ele estava sorrindo.

— Essa é a nossa penúltima noite junto, não é? — ele indagou, fazendo


com que eu me desse conta de que, em dois dias, deixaria Girassol. — Então,
nada de tristeza, madame.

Concordei com um aceno de cabeça e ele deu partida na caminhonete,


tirando-nos do sítio dos meus pais.
Dentro do carro de Beto — depois de descobrir tudo o que havia
acontecido com ele —, era impossível não me lembrar da foto da mulher
naquele porta-retrato que ficava em seu porta-luvas.

Ao me recordar da imagem de Juliana, lembrei-me também de que


minha mãe havia dito que, além da esposa, ele também havia perdido a filha
de um ano no acidente. E esse simples pensamento, quase trouxe as lágrimas
de volta ao meu rosto.

— Ela te contou, não é? — A voz dele roubou completamente a minha


atenção. E, pela forma como me virei para encará-lo, acabei entregando que,
sim, a minha mãe havia me contado. — Te conheço, Patrícia... Cê não ficaria
triste assim por conta de uma despedida boba.

Eu ficaria triste com a nossa despedida e não a achava boba. Mas, de


certa forma, ele estava certo, pois, ainda que eu ficasse arrasada, não
demonstraria; não daquela forma, como se fosse começar a chorar a qualquer
momento.

— Ela contou — confirmei, sabendo que ele não acreditaria em


nenhuma das minhas mentiras.

Seus olhos continuavam na estrada e, durante quase um minuto inteiro,


ficamos em um completo silêncio. Eu sabia que Roberto ainda estava
buscando por palavras, que ele estava atrás de uma forma de começar aquele
assunto.
E talvez por isso, eu tenha tomado a iniciativa, facilitando as coisas: —
Por que você não me disse nada? — Como Roberto continuou calado atrás do
volante, continuei: — Sei que eu nunca te perguntei sobre a sua vida antes de
me conhecer, mas…

— Eu queria evitar exatamente esse tipo de situação — respondeu ele,


reduzindo a velocidade para passar por uma lombada. — Não queria que cê
me olhasse da forma que está me olhando agora.

Automaticamente, virei-me e realmente fixei o meu olhar em seu rosto,


antes de perguntar: — De que forma?
No fundo, eu sabia bem do que ele estava falando, só não queria
admitir isso em voz alta.

— Como o cara que perdeu a família… — Os seus olhos verdes


voltaram-se para mim. — Eu… eu não quero a sua pena, Patrícia.
Coloquei a minha mão em seu braço direito, antes de responder: — Eu
não sinto pena de você… Só não consigo imaginar o que faria na mesma
situação.

— Nada… — ele disse, desviando o seu olhar. — Essa é a questão,


você não poderia fazer nada na minha situação.

Ficamos em silêncio durante o restante do caminho. Quando chegamos


à casa dele, sentei-me no sofá e busquei uma forma de contornar toda aquela
situação. Eu não queria queimar aquela noite — a nossa penúltima juntos —
com aquele clima de luto.
— O que mais a sua mãe te falou? — indagou ele, aproximando-se de
onde eu estava.

Ainda que de forma hesitante, optei por não esconder nada.

— Que você começou a beber demais, que só vivia em festas…


Estranhamente, onde nós dois nos conhecemos… Enfim, você conhece a
minha mãe, ela me contou tudo o que tinha que me contar — respondi,
sentindo-me em uma verdadeira encruzilhada. — E está sendo protetora
demais com você, acho que ela tem medo de…
— De que eu volte a agir daquela forma? — adivinhou o caubói, mais
uma vez. Confirmei com um aceno de cabeça e isso fez com que ele me
perguntasse: — Cê acha isso também?

Eu não tinha ideia do que achava, era tudo novo demais pra mim.
Ainda não tinha digerido nada daquela história horrível.

Quando ele percebeu que eu não responderia a sua pergunta,


continuou: — Não preciso de babá.
— Eu não disse que precisava, mas...

— Sei que a vida que eu tinha não era saudável — ele me interrompeu.
— E foi por isso que eu pedi pra minha irmã ficar com o meu pai, porque eu
sabia que não tinha condição de cuidar de outra pessoa.

Ele fechou os olhos e a cor ruborizada de seu rosto mostrou-me que


estava irritado e de uma forma que eu nunca tinha visto, nem mesmo na
época em que ainda trocávamos farpas.
— Dois dias... — ele comentou, exalando frustração. — Dona Sô foi
dar com a língua nos dentes dois dias antes do cê ir embora.

— Eu sinto muito — disse, sabendo que não teria uma hora boa para
falar aquilo. — Sinto muito que isso tenha acontecido com você.

Os olhos claros dele encontraram-se com os meus. E, nesse instante,


pensei que ele fosse explodir. No entanto, para a minha surpresa, Roberto
começou a chorar.

Eu nem pensei, só fui até ele e o abracei com muita força.

— Se você não quiser, não precisa me dizer nada — comentei


enquanto o observava limpar as lágrimas com a manga da camisa.

— Eu não quero contar... Eu não quero falar disso — ele declarou,


sendo mais sincero do que eu poderia esperar. — Mas, depois de tudo isso,
depois de eu ter mentido, acho que tenho a obrigação de te falar.
Capítulo 28 — O Acidente

Ele começou do início, na época da escola, quando conheceu Juliana, a


pessoa que, anos mais tarde, se tornou sua esposa e a mulher com quem teve
uma filha.
Durante o relato sobre o relacionamento, Beto não se prendeu muito a
detalhes, não narrou encontros, nem mesmo o que chamou a atenção dele
nela, disse-me apenas que Juliana era engraçada, e, apesar das brigas, sempre
conseguia fazê-lo rir.

— Quando a minha filha nasceu, acho que foi o dia mais feliz e
assustador da minha vida — ele comentou, com um olhar distante,
provavelmente lembrando-se da criança. — Ela era tão pequenininha e
parecia tão frágil que eu fiquei até com medo de pegar no colo.

Camille.
Esse era o nome da criança.

Ela tinha os olhos escuros da mãe, era gordinha e, até onde ele
conseguia se lembrar, pouquíssimos traços dele, o que o caubói considerava
como algo positivo. Beto contou-me que não tinha muitas fotos de Camille e
que as poucas que ele guardou estavam escondidas em lugares que nem
conseguia mais se lembrar, pois era difícil demais olhar e se dar conta de que
ele não havia aproveitado o pouco de tempo que teve ao lado da filha.

— É o que eu mais me arrependo... Não ter sido um pai presente, um


pai bom... — ele continuou, com uma expressão séria. — Trabalhava muito e
não dava tanta atenção a ela. — Ele riu de forma frustrada. — A gente
costuma ter a falsa sensação de que vai ter todo o tempo do mundo pela
frente e deixa de fazer coisas importantes: dizer como a gente se sente; ficar
com quem a gente ama... Deixamos de fazer isso pra se preocupar com
trabalho e coisas sem importância.

Durante o primeiro ano após o acidente, Beto ficou obcecado por


vingança. Ele chegou ao ponto de seguir o cara que, alcoolizado, dirigia o
carro que colidiu contra o da esposa dele.

— Eu queria matar ele — o moreno confessou, não me surpreendendo.


Não tinha ideia do que eu faria no lugar dele, de como reagiria ao saber que
um desgraçado matou o meu esposo e a minha filha. — E eu até tentei,
soquei tanto a cara dele que pensei ter matado... Tudo o que eu consegui foi
uma noite na cadeia e a esposa dele me implorando pra esquecer... Naquele
dia, eu me dei conta de que se desse um fim naquele desgraçado, tudo o que
conseguiria seria deixar uma criança sem pai e uma mulher sem marido.

Sem mais ninguém para culpar, Roberto começou a voltar toda aquela
raiva contra ele mesmo, condenando-o por não ter sido o melhor pai do
mundo, por não ter passado mais tempo com a esposa e aproveitado a vida
que tinha, por não ter dado o devido valor.

— E aí, as bebidas, mulheres e festas começaram... E o resto cê já sabe


— ele disse, concluindo o relato. — Quando a sua amiga foi embora e cê
ficou comigo, caindo de bêbada, me senti na obrigação de te levar pra casa. E
faria isso, se não tivesse reconhecido o carro do teu pai.
Não sabia se devia repetir o meu “eu sinto muito” ou se simplesmente
sorria e deixava claro que estaria sempre disponível quando ele precisasse
desabafar.

Ele mordeu o lábio inferior e sorriu, de forma frustrada.


— E eu menti pro cê… — Felizmente, ele não esperou a pergunta para
me dar a resposta. — Depois que a sua mãe flagrou aquele nosso beijo, ela
veio conversar comigo e eu pedi pra ela não te contar sobre o acidente, quase
implorei…

De acordo com Beto, diferente de todo mundo na cidade de Girassol,


eu nunca pisei em ovos para falar com ele. Quando olhava para o rosto dele,
não via os resquícios da tragédia que havia acontecido.

Nós nos conhecemos trocando ofensas: ele me chamava de “perua”,


enquanto eu contra-atacava apontando o quanto ele era “ridículo”. Irritamo-
nos mutuamente de muitas maneiras, contudo, enquanto estávamos juntos,
ainda que por uma pequena quantidade de tempo, ele finalmente conseguiu
esquecer o que acontecera.

Comigo, ele não era mais “o homem que perdeu a família”.

Ao meu lado, Beto sentia-se alguém novo.


E isso, pela primeira vez em anos, deixou-o feliz.

— Lembra aquele dia que eu arrastei o cê até a cachoeira?

Eu nunca me esqueceria.

Foi quando ele se transformou pra mim, quando deixei de vê-lo como
um caipira ridículo e passei a enxergá-lo como o homem incrível que ele era.

— Nós, eu e Juliana, costumávamos ir muito lá. Acho que era nosso


lugar preferido no mundo — ele revelou e isso fez com que eu me lembrasse
daquela foto, de analisar o fundo da imagem e reconhecer a cachoeira. —
Depois do acidente, eu nunca mais consegui voltar lá... Até aquele dia, com
você junto comigo.

— Eu...
— Soube no momento em que a gente se beijou que gostava demais do
cê — ele me interrompeu, prosseguindo. — Eu... eu acho que te amo. —
Segundos após me dizer aquilo, ele se corrigiu: — Não acho, eu tenho certeza
disso.

Respirei fundo e disse, sem me importar com o que aconteceria depois:


— Eu amo você também... — E, ainda com os meus olhos queimando o rosto
do caubói que eu aprendi a amar, prossegui: — E eu estou grávida.
Capítulo 29 — Revelação

Roberto Rocha ficou sem reação, completamente imóvel por quase um


minuto. Em seguida, simplesmente deu dois passos e me abraçou com força.
Ainda me envolvendo com os seus braços musculosos, ele disse
“obrigado”, aparentemente, agradecendo por eu estar grávida, o que era um
pouquinho bizarro.

— É um presente — ele completou, quando nos afastamos, rompendo


aquele abraço. — Cê tá me dando o melhor presente do mundo.

Ainda que fosse estranho — talvez nem tanto depois de tudo o que eu
havia acabado de ouvir —, fiquei feliz e extremamente tranquila. Beto me
passou tanta segurança que, por alguns segundos, a gravidez nem pareceu
mais tão aterrorizante assim.
Como não queria mais mentiras e omissões, confessei-lhe que havia
descoberto já fazia quase uma semana.

— Eu queria ter contado isso antes, mas eu fiquei com medo —


revelei. — E é óbvio que eu não deixaria de te contar... Só não seria aqui em
Girassol.

No momento em que eu pronunciei a última parte da minha frase, o “só


não aqui em Girassol”, o sorriso escorreu do rosto de Roberto.
— É sério? Cê ia embora daqui sem me dizer nada? — ele questionou,
como se não tivesse ouvido nada do que havia acabado de lhe dizer.

Isso me deixou tão desconcertada a ponto de perder a minha linha de


raciocínio. Eu não tinha palavras para formular uma desculpa minimamente
convincente.

— O importante é que eu te contei, não é? — emendei num esforço


para sair daquela situação.
— Eu quero fazer parte da vida dessa criança, Patrícia — ele
respondeu, deixando-me confusa, pois em nenhum momento disse algo que
havia se oposto a isso. E, como se estivesse lendo os meus pensamentos, ele
reformulou: — Eu quero ela perto de mim.

Sabia exatamente o que ele queria dizer com aquela frase.

A única forma de Beto poder ficar perto da criança seria ter-me por
perto também, já que eu não tinha a menor intenção de me distanciar dela.
Então, basicamente, ele estava dizendo que eu teria que permanecer ali, em
Girassol.
— Não vou me mudar pra cá, abandonando o resto da minha vida —
deixei claro sem nem hesitar. — Isso não vai acontecer, Roberto.

Com o meu “Roberto”, ele sabia que eu estava falando sério.

— A gente se gosta e a gente vai ter um filho — disse, recapitulando a


nossa vida. — Quando cê me disse que tava grávida, a primeira coisa que eu
pensei foi em te pedir em casamento. Não tem motivo pra não ficar junto,
Patrícia.
— Tem e eu acabei de mencioná-lo: o resto da minha vida —
retruquei, sentindo-me mais pressionada do que nunca. — Não dá, Beto...
Desculpe.

— Mas vai ter que dá.

— Eu amo você, mas não quero e não vou me mudar pra sua casa e
virar dona de casa.
— O problema é a mudança ou sou eu? — ele questionou. Antes que
eu pudesse lhe dizer que, obviamente, era a primeira opção, ele completou:
— Porque se for a mudança, eu vou embora com ocê.

Isso me fez rir, pois eu realmente não achei que ele estivesse falando
sério.
— Você realmente abandonaria toda a vida que tem aqui pra ir morar
comigo? — perguntei a ele, não conseguindo disfarçar o tom de descrença.

— Que vida, Patrícia? — contestou olhando-me fixamente nos olhos.


— A minha vida acabou no dia daquele maldito acidente e só começou de
novo quando cê apareceu aqui.

Depois de alguns segundos calada, olhando para ele, disse: — Não


acredito que vou dizer isso, mas... Acho que você vai voltar pra casa comigo,
caubói. — Depois de rir daquela loucura, completei: — Mas já vou avisando
que quero um prazo de devolução pro caso de você não se comportar.
Ele me beijou com vontade, derrubando-me no sofá.

— A satisfação comigo é garantida, madame — com especial ênfase na


última palavra, sussurrou de maneira doce e, antes de começar a beijar com
paixão, sobrepôs ao meu o seu corpo firme e quente.

Quando os nossos lábios se desgrudaram, comentei: — Você já pode


fazer.
— Fazer, o quê?

— O pedido de casamento! — respondi como se não fosse óbvio. —


Você não disse que ia me pedir em casamento? Eu estou esperando.

— É que eu não tenho um anel — ele argumentou, tornando a ficar


vermelho. — E eu queria fazer isso num momento melhor, num restaurante...
— Anda logo, caipira — eu o interrompi.

Ele riu e se abaixou, ajoelhando-se no piso escuro.

Beto levantou a cabeça, encarando-me em pé, na frente dele. E, com


um sorriso lindo no rosto, começou a dizer: — Não sou bom em fazer essas
coisa, falar bonitinho e ser romântico... Mas eu prometo que, se cê aceitar ser
minha mulher, vou ser o melhor esposo do mundo. Eu vou fazer o máximo, o
impossível, pra merecer alguém como ocê. — Ele pegou a minha mão e,
ainda me encarando, finalizou: — Patrícia Medeiros, cê aceita casar comigo?

— Aceito — respondi rindo.

Puxei a mão dele, fazendo com que o caubói se levantasse para me


beijar.
— Foi tão ruim assim o pedido?

Neguei com um aceno de cabeça.

— O último cara que me pediu em casamento, só disse “o que você


acha da gente noivar?” — contei, lembrando-me do quanto Diogo era
babaca. — Acho que esse é o motivo de ele ter mantido aquele noivado por
tanto tempo.

— Não se preocupa, se fosse por mim, a gente casava amanhã mesmo


— ele respondeu, me abraçando.

Continuamos juntinhos, enquanto eu absorvia tudo o que havia


acontecido.
Capítulo 30 — Despedida

— Repete! — gritou Clarisse, com o queixo caído após eu dizer “vou


me casar” e, em seguida, “e, só pra constar, eu estou grávida”. — Sua
cretina. Eu não acredito que você mentiu pra mim naquele dia.
Ela me abraçou, dando-me os parabéns pelas duas coisas. Então
sentamo-nos em seu sofá e eu contei tudo o que havia acontecido.

Comecei pela descoberta da minha gravidez, que havia ocorrido lá no


banheiro da casa dela, antes de eu mentir. Depois disso, segui para o
momento em que a minha mãe me contou sobre o passado de Beto, narrando
o episódio do acidente. E finalizei com o pedido de casamento de Beto, que,
mesmo sem um anel, foi bem melhor do que poderia jamais imaginar.

— E você, por que não me contou do acidente com a família do Beto?


— questionei-a mesmo suspeitando de qual seria a resposta de minha amiga.
— Eu até tentei, né, minha filha? Mas você me disse que não queria
saber de nada sobre ele e depois, quando vocês começaram a se pegar por aí,
eu pensei que ele já tivesse te contado — ela se defendeu, deixando-me sem
mais nenhum argumento.

Isso me fez pensar por alguns segundos, questionar se nós teríamos nos
envolvido se eu soubesse que Beto havia perdido a família naquele acidente.
Se esse passado horrível dele não teria me intimidado a ponto de eu me
afastar.

— Ah, eu estou tão feliz por você amiga — comentou amavelmente e,


torando a me abraçar, ajudou a me desvencilhar dos questionamentos inúteis
e desagradáveis que envolviam uma coleção enfadonha de “e se”. — E ficaria
ainda mais se você viesse morar aqui perto de mim.

— Credo, Clarisse! — respondi, em tom de brincadeira. — Deus me


livre dessa mandinga, mas, não se preocupe, eu prometo que, desta vez, não
vou demorar mais dez anos pra voltar.
Voltei o meu olhar para a tela do meu celular, notando que já eram
quase dez horas da manhã. Como o meu tempo era bem limitado — teria que
partir em apenas algumas horas —, eu me despedi de Clarisse e voltei para o
sítio dos meus pais.

Beto estava lá, sentado na varanda com os dois, muito provavelmente


conversando sobre o nosso casamento e filho.

Em toda minha vida, nunca achei que teria essas duas coisas ao mesmo
tempo. E isso era informação demais para digerir em apenas um dia.
— Tá pronta? — questionou o meu caipira preferido, gelando o meu
coração.

— Não — respondi, mesmo sabendo que não seria uma despedida. —


Mas, quando chegar a hora, prometo que vou estar.

Concordamos que eu iria primeiro, organizaria as coisas — dando um


tempo para ele pudesse arrumar as dele em Girassol também — e, em duas
semanas, nos encontraríamos, tentando aquele “test drive”, e que se até o
nascimento do nosso filho nós não tivéssemos nos matado, nos casaríamos.
Entrei na casa e fui pegar a minha mala, junto com todas as coisas que
já havia empilhado na noite anterior.

Quando olhei para o guarda-roupa, avistei a camisa xadrez de Beto, a


mesma que eu chamei de ridícula no dia em que nos conhecemos. Com um
sorriso colorindo os meus lábios, apanhei-a no cabide e a coloquei dentro de
uma sacola amarela, que levaria comigo no banco do carona.

Não olhei uma última vez para o quarto e nem fiz nada que pudesse
caracterizar um tom de despedida.
Não.

Dessa vez, não faria isso. Não passaria anos sem visitar os meus pais e
o lugar em que cresci. Não desperdiçaria mais nenhum tempo com eles.

— Esses dias com você por aqui foram um presente — comentou o


meu pai ao me abraçar com força. Quando seus braços se afastaram de mim,
com os olhos marejados, completou: — Só… só não demora muito pra voltar
dessa vez, tá bom?
— Eu não vou, pai… — respondi, sentindo um aperto em meu coração.
Precisei reunir todas as minhas forças para me controlar e não começar a
chorar também. — E vocês podem ir me visitar e, finalmente, conhecer o
lugar onde moro.

Minha mãe caminhou em nossa direção e tudo o que eu pensava, era


nas palavras que ela me diria, assim como também aquilo que eu deveria
dizer a ela.

— A gente pode conversar? — indaguei no momento em que parou a


minha frente.
Evidentemente surpresa com o meu pedido, ela balançou a cabeça e
fomos para a cozinha, que já havia se tornado o local reservado das nossas
conversas.

Assim que nos sentamos, depois de hesitar muito pensando no que


diria, comecei: — Eu queria dizer que...
— Desculpa — ela me interrompeu. Os olhos dela fugiram de mim e,
por um curto instante, pensei que ela não fosse dizer mais nada, que se
levantaria da mesa e fingiria que nunca havíamos tido aquela conversa
estranha. — Por não ter dito sobre o dinheiro, pela forma como eu a tratei e
por todas as coisas ruins... Você me perdo...

— Tá tudo bem — respondi, não permitindo que ela concluísse aquele


pedido de perdão. — Eu não sou a única vítima nessa história, mãe. Eu errei
também, não facilitei as coisas... E me arrependo muito por não ter voltado
antes.
Os meus olhos começaram a lacrimejar.

— Eu te perdoo se você me perdoar também — completei, com um


sorriso.

Nós nos levantamos da mesa, dona Sofia me abraçou com força, e,


enquanto estávamos ligadas por aquele abraço, ela sussurrou: — Eu amo
você.
Quase sendo derrotada pelas lágrimas, que se esforçavam pra escapar,
respondi: — Eu também te amo, mãe.

Assim que nos recuperamos daquele momento que era só nosso,


voltamos para a varanda, onde Beto e o meu pai continuavam a conversar.

Foi impossível não sorrir e mais difícil ainda não olhar para o rosto dos
três, sentindo uma imensa vontade de ficar e criar mais momentos
maravilhosos ao lado deles, de estender ainda mais aquelas férias.
Mas como sabia que isso não era uma opção, caminhei em direção a
Hilux do Beto e, já próxima ao veículo, virando-me, acenei em direção aos
meus pais, que, mantendo-se em pé ao lado da porta, observavam a minha
partida.

Beto pegou a minha mala e a colocou em seu carro, contudo impedi


que ele guardasse a sacola que estava em minha mão.
Agindo como um verdadeiro cavalheiro — no fundo, no fundo, eu
sempre soube que ele era —, Beto abriu a porta para que eu entrasse.

— Cê não faz ideia do quanto foi difícil convencer o João a deixar eu


te levar — Beto comentou, fazendo com que eu risse e esquecesse por um
instante todo aquele clima de despedida. — Parecia que eu tava roubando a
filha dele.

— Imagina como eu me senti tendo que escolher entre vocês dois? —


retruquei, mostrando que havia sido ainda mais difícil para mim do que para
ele. — E não vou mentir, foi por bem pouco que você ganhou.
Voltei o meu olhar para o vidro da minha porta e tornei a observar a
paisagem que começava a desaparecer. Agora que eu estava prestes a deixar
aquele lugar, tudo estava se transformando. As estradas de chão batido, as
plantações e todo o restante pareciam ainda melhores, como se estivessem em
um complô para me obrigar a permanecer.

Ele voltou os seus olhos verdes em minha direção, comentando: —


Ainda dá tempo de voltar e ficar por mais um tempinho…

E, estranhamente, a minha mente cogitou essa ideia por alguns


segundos. Comecei a fazer planos de permanecer por mais algumas semanas
e, por bem pouco, não pedi para que ele desse meia-volta, levando-nos para a
casa dos meus pais.
— Neste exato momento, o único lugar a que pretendo voltar é a minha
casa — menti, forçando um sorriso sem graça. Quando percebi o quanto
havia sido idiota por dizer algo bem corriqueiro e similar a um clima de
despedida, completei: — Mas logo você também estará lá comigo…

Ele riu e respondeu: — Ainda estou tentando me acostumar com a


ideia.
— Você vai gostar — argumentei e, virando meu pescoço, passei a
analisar o Beto. Aquele homem ficava bem em qualquer coisa. — Eu só
preciso dar um jeitinho nesse teu visual de caipira e pronto.

Com um sorriso sacana, ele brincou: — Mas aí cê vai abrir mão do que
mais gosta em mim.

Essas suas palavras me mostraram que — ainda que aquilo tivesse sido
dito como forma de piada — eu realmente gostava do caipira que vivia nele.
Eu não precisava mudar nada.

Beto era perfeito.

— Convencido — rebati voltei o meu olhar para o rosto dele.


No momento em que eu a avistei a rodoviária, me odiei por ter
sugerido que ele me levasse. Seria muito mais fácil tê-lo deixado lá no sítio
dos meus pais. Agora, não sabia como conseguiria entrar no ônibus sabendo
que ele estava por perto.

Beto estacionou a caminhonete e, em completo silêncio, ficamos mais


um pouco dentro do veículo.

Ninguém queria começar a se despedir.


— Meu ônibus saí em dez minutos… Então… — fui incapaz de dizer
um simples “tchau” ou “se cuide, caipira”.

Com aquelas lanternas iluminando o meu rosto, ele debochou: — Eu


não sabia que cê tinha comprado um ônibus…

Eu ri de sua piada boba e me aproximei para um abraço apertado. Beto


me amassou com aqueles braços musculosos, como se quisesse guardar um
pedaço de mim com ele.
— Não vai se esquecer de mim nessas duas semanas, sua pé-de-cana
— sussurrou ele, enquanto ainda estávamos ligados pelo abraço.

— Só se prometer não levar outra louca bêbada pra sua casa —


respondi já abrindo a porta do seu carro.

Sem aviso prévio, Beto me puxou com força e tomou os meus lábios
daquela sua forma bruta de agir. Sua língua me explorou de maneira tão
intensa que eu quase fechei a porta da caminhonete e me joguei em cima
dele.
Mas sabia que cada segundo que prolongássemos aquela despedida,
mais difícil ficaria para que eu conseguisse deixá-lo.

Nós nos afastamos e descemos do carro, para pegar a mala. Beto


caminhou da forma mais devagar que conseguiu e passamos a contar os
segundos que nos restavam. E quando ele me entregou a última coisa que
ainda me prendia ali, não deixou de me beijar mais uma vez.

Quando escapei de seus lábios, quase sem nenhum fôlego, voltei o meu
olhar para a sacola que havia trazido comigo, pois sabia que aquele era o
momento perfeito — o único que me havia restado — para entregar o que
tinha guardado ali.
Tirei a camisa xadrez dele de lá e, não resisti, levando-a até o meu
nariz e sentindo o seu cheiro, que continuava impregnado no tecido macio.

— Acho que você finalmente vai ter a sua camisa de volta, caipira —
sussurrei, esforçando-me ao máximo para não chorar na sua frente, tornando
aquele momento ainda mais difícil. Estendi a peça de roupa pra ele e sorri,
completando: — E, definitivamente, ela não é ridícula.

Ele balançou a cabeça e se recusou a pegá-la, antes de responder: —


fica com ela... — Depois de rir com um sorriso, malicioso, tornando a usar de
duplo sentido envolvendo essa peça, ele completou: — Pego de volta quando
chegar lá.

Eu me afastei e coloquei um sorriso nos meus lábios, pois queria que o


nosso último instante fosse marcado por sorrisos. Comecei a caminhar,
afastando-me de seu carro e me controlei ao máximo para não me virar e
olhar para trás, pois sabia serem bem grandes as chances de minhas pernas
travarem ao vê-lo me encarando. Mas, ainda assim, eu podia sentir que os
seus olhos queimavam as minhas costas, acompanhando-me até que eu
deixasse o seu campo de visão.
Epílogo

Assim que bati os meus olhos na televisão, surgiu no meio de uma


propaganda o slogan “não há lugar como o nosso lar”. E isso me fez rir,
pois, na época em que a minha equipe o criou, julguei ser péssimo — e ainda
achava isso, mesmo, evidentemente, dando certo para a construtora.

Lembrei-me de que aquele slogan havia sido criado no mesmo dia em


que flagrei Diogo me traindo, o que também significava que já se haviam
passado seis anos desde que, naquela manhã de sábado, conheci Roberto.

— Bom dia, meu amor — sussurrei, aproximando-me dele. Dei um


rápido selinho em Beto e me afastei. Como ele continuou em silêncio,
completei: — Não vai me dar bom dia, não, seu mal educado?

Ele riu, fez um sinal negativo com a cabeça e me respondeu: — Tem


bom dia pra você não, Patrícia. Só depois que cê me garantir que não vai
trabalhar hoje.
Há exatamente uma semana, Beto me fez prometer que eu encontraria
uma forma de me livrar do meu vício em trabalho, que reservaria todos os
finais de semana para a nossa família.

— Não vou, é sábado. Hoje eu sou todinha sua — garanti, enquanto


pegava uma xícara no armário. Virei-me, para encará-lo e prossegui: — Sou
uma mulher de palavra, caipira.

Ele não parecia completamente convencido, mas respondeu: — Então


eu acho que a madame vai provar do meu café da manhã.
Foi impossível não me lembrar do dia em que nos conhecemos e do
quanto havia detestado Roberto. Nunca pensei que seis anos depois nós
estaríamos casados, dividindo uma casa, com uma filha e, estranhamente, em
um relacionamento que, ainda que não fosse perfeito, era melhor do que tudo
o que eu sempre fantasiei viver.

Fui para a sala e, enquanto Beto terminava de preparar o café da


manhã, aproveitei para dar uma olhada nas minhas redes sociais.
— Sua mãe ligou — ele disse da cozinha.

— Já?

— A ligação das dez — ele me respondeu, deixando-me surpresa pelo


horário. — Falei pra ela que vamos na semana que vem. — Com os olhos
voltados na minha direção, acrescentou: — E que sem falta desta vez.
Concordei e me esforcei para não rir da expressão séria dele.

Dona Sofia ligava para gente quase todos os dias. Obviamente, não era
para falar comigo ou com o Beto. Conversávamos por uns dois minutos e,
então, Gabriele aparecia e arrancava o celular da minha mão.

Elas eram próximas de uma forma que eu e a minha mãe nunca fomos.
Provavelmente, devia-se ao fato de as duas serem parecidíssimas. Diferente
de mim, Gabi detestava morar na cidade. A sua época preferida do ano eram
as férias de verão, quando íamos para o sítio dos meus pais e para a antiga
casa de Beto, que agora era ocupada pela irmã dele.
O universo era extremamente irônico, com um senso de humor podre.
A minha filha amava todas as coisas que eu um dia detestei. Evidentemente,
todo esse amor foi herdado de Beto, que nunca escondeu o quanto era
apaixonado pelo interior.

— Vai ser bom tirar um tempinho pra gente — respondi, esforçando-


me ao máximo para não ver as férias como algo ruim. — Quem sabe eu não
encontro um peão grosso e mal-educado por lá; posso voltar grávida e com
um anel de noivado no dedo.

— Teve nem anel — ele me lembrou, rindo. — Acho que foi o pior
pedido de casamento do mundo.
Voltei o meu olhar na direção dele e balancei a minha cabeça, negando:
— Foi perfeito.

Concentrei-me na tela do celular, mas não tive muito tempo para


atualizar a minha agenda, pois o furacão Gabriele surgiu correndo.

— Mamãe, mamãe… — chamou Gabi, vindo em direção à sala. Como


o sono dela e de Beto pareciam sincronizados, nem me surpreendi que já
estivesse acordada, eles dormiam e despertavam quase simultaneamente.
Depois de parar bem na minha frente e me encarar com aqueles olhos verdes
arregalados, ela prosseguiu: — Como foi que você e o papai se conheceram?
Definitivamente, não estava esperando por essa pergunta. E tinha
certeza absoluta de que meu esposo devia ser o responsável por ela, contando
várias coisas que não devia para a nossa filha.

Beto, ao ouvir o questionamento de Gabi, veio lá da cozinha,


abandonando as coisas no fogo, só para ouvir a minha resposta.

O caubói sentou-se ao meu lado no sofá e depois de beijar a cabeça de


Gabriele, colocou mais lenha na fogueira: — Boa pergunta, bebê. — Seus
olhos se voltaram para o meu rosto e com um sorriso debochado nos lábios,
ele prosseguiu: — Como foi mesmo que nós nos conhecemos, amor?
Eu o fuzilei com olhar.

Obviamente, não podia olhar para a minha filha de cinco anos e,


simplesmente, dizer que fiquei completamente bêbada em uma festa e que
acordei na cama de um desconhecido — que veio a ser o pai dela.

Não queria traumatizar a coitada.


— Eu e o seu pai nos conhecemos na… na… — comecei a falar,
mesmo sem ter ideia do que diria a ela. — Nós nos conhecemos…

Estava em dúvida entre “em uma festa” ou “através de seus avós, que
já eram amigos de Roberto”. Mas antes que pudesse optar por uma das duas
— eliminando toda a parte pesada da história —, encontrei uma resposta
perfeita para aquela sua pergunta.

Infelizmente, não tive tempo de dizê-la, pois o meu esposo foi mais
rápido: — Foi no dia que a mamãe vomitou no papai.
Apontei em direção à cozinha e ordenei: — Vaza daqui e vai terminar
o seu café!

Não precisei dizer mais nada, o caipira sorriu e caminhou de volta para
a cozinha.

Narrei pra ela sobre como uma viagem de férias mudou a minha vida.
Contei como o pai dela — um caipira grosso e cabeça dura — transformou-se
diante dos meus olhos, no dia em que ele me salvou daquela cobra e, em
seguida, deslizamos sobre aquelas poças de lama, onde tivemos o nosso
primeiro beijo. Disse a Gabriele que brigamos tanto no início de nossa
relação, que tudo depois disso se tornou estranhamente fácil, que não
existiam mais conflitos que não conseguíssemos resolver. E que, no final,
Beto deixou o lugar que mais amava no mundo para viver comigo e com ela.
A parte da história que não contei — junto com todos os detalhes
indecentes, diga-se de passagem —, é que o casamento tem toda a sua base
fundamentada em sacrifícios. Você doa tudo de si mesma e torce para que a
outra pessoa faça o mesmo por você.

Eu encontrei a pessoa certa, alguém que não pegava tudo sem nada
restituir. A partir daquele sacrifício de Roberto, abandonando o interior por
mim — e era exatamente assim que eu entendia —, nós construímos uma
família linda.
Uma família que fez com que eu sacrificasse longas e lucrativas horas
do meu trabalho — e continuaria a sacrificar cada vez mais dele —, uma
família que passava todas as férias no Paraíso, uma família que nos consumia
completamente, mas que, de alguma forma, logo no início do dia, durante o
café da manhã, conseguia fazer com que tudo valesse a pena.
Conheça os Meus Outros Trabalhos

Dinastia King
Dinastia King é uma série de livros únicos, cada livro narra a história
de um casal.

Confira a sinopse do primeiro:


Um bilionário que fugia do passado.
Uma babá que desejava recomeçar.
Cansada de viver sob a sombra de Fernando e de sua vida perfeita
após o término de um noivado que durou anos, Cristine Alves decide deixar o
Brasil e passar uma temporada no exterior, longe de tudo e de todos. O
recomeço dos seus sonhos. E a forma que ela encontra — a única que se
encaixa no seu orçamento —, é inscrevendo-se em um programa de
intercambio para babás.
Cumprindo com todos os requisitos do programa, Cristine é enviada
aos Estados Unidos para cuidar de duas crianças, filhos de um viúvo que lhe
foi descrito como ocupado e muito reservado. No entanto, a professora, que
se orgulha de toda a sua experiência com crianças e de seu excelente inglês,
pensou em tudo, menos na possibilidade do seu novo chefe, James King, ser
o homem mais sexy, rico e misterioso que ela já conheceu.
Na busca por um recomeço, Cris encontra uma improvável amiga, um
monte de problemas “internacionais”, duas crianças apaixonantes e um
homem que lhe desperta coisas que ela nunca sentiu.

LIVROS DA SÉRIE
Uma Babá Para James King (Livro 01)
Uma Babá Para Dylan King (Livro 02)
Trilogia Acompanhante de Luxo
Todos os volumes dessa trilogia já estão disponíveis na Amazon.

Sinopse: Ela tem um preço.


Ele está disposto a pagar.

Sabrina Lancaster é uma das acompanhantes de luxo mais requisitadas


do "mercado". Imune a qualquer tipo de paixão, o seu único objetivo é tirar o
máximo de dinheiro dos clientes de sua lista — ou, como ela costuma dizer,
ser muito bem recompensada pelo serviço de qualidade que oferece a eles.

A mulher extremamente confiante e autossuficiente, que nunca


acreditou em amor — ou qualquer outra coisa parecida com isso —, tem a
sua vida completamente abalada quando um homem poderoso e sedutor cruza
o seu caminho e faz com que antigas memórias retornem do fundo de sua
mente. Ele, o seu novo cliente — conhecido como "Marinho" — é um
homem complicado e misterioso, com "métodos estranhos", envolvendo
dominação. E o que ela ainda não sabe, é que o CEO não medirá esforços
para comprá-la.
"A Garota do Bilionário" é o primeiro volume da trilogia
"Acompanhante de Luxo". Embarque nessa história erótica e envolvente, que
tem tudo para te conquistar.

* LIVROS DA TRILOGIA

BOX Completo da série (todos os livros)


A Garota do Bilionário (Livro 01)
Nas Mãos do Bilionário (Livro 02)
Cem Dias Com o Bilionário (Livro 03)
A Mulher do Bilionário (Spin-Off da Série)
Trilogia CEO

Todos os volumes dessa trilogia já estão disponíveis na Amazon.

Confira a sinopse do primeiro volume.


Uma linda mulher.
Um CEO de tirar o fôlego.
Já conhece essa história? Olhe de novo, pois essa aqui tem tudo para
te surpreender.
Depois de vários problemas em sua vida amorosa e financeira,
Vanessa Waller é obrigada a voltar para a casa da melhor amiga e trabalhar
em uma grande organização, algo que ela — que detesta qualquer tipo de
esforço — passa a odiar. Mas tudo muda quando a jovem conhece Bryan
Leal, o irresistível CEO. Depois de se dar conta da posição dele na empresa,
Vanessa começa a buscar novas maneiras de chamar a sua atenção, com o
objetivo de conquistá-lo e, quem sabe, lucrar um pouco com isso. Mas será
que ela, a rainha da manipulação, corre o risco de se apaixonar primeiro?
Embarque nessa história divertida e extremamente envolvente.
Renda-se a “operação” mais quente da Amazon.

LIVROS DA TRILOGIA

Operação CEO (Livro 01)


O Irmão do CEO (Livro 02)

A Escolha do CEO (Livro 03)


Marido de Aluguel
*Livro único*
Sinopse: O plano era muito simples, tudo o que Gabriele Novais
deveria fazer era se dedicar ao seu trabalho na Revista Global e nunca, em
hipótese alguma, colocar um homem como a prioridade de sua vida — assim
como a sua mãe cansou de fazer no passado.

No entanto, esse seu plano caí por terra no momento em que o seu
supervisor revela que a diretoria — leia-se o dono machista da revista —
nunca daria a ela o cargo de “editora chefe”, a posição que Gabriele sempre
almejou, simplesmente por ela ser uma mulher... Uma mulher solteira.

Com a ajuda de seu melhor amigo gay — que sempre fingiu ser o
namorado dela —, Gabriele decide contratar um acompanhante de luxo para
fingir ser o seu noivo e, desta forma, provar a todos que ela é a mais
capacitada para o cargo.
Em um jogo de prazer e sedução, ela se encontra completamente
encantada por esse misterioso cafajeste.

O homem perfeito tem um preço.

Você está disposta a pagar por ele?


Embarque nesse romance erótico e envolvente, que tem tudo para te
conquistar.

Leia os primeiros dois capítulos do livro.


Prólogo

Eu cresci ouvindo que o grande sonho de uma mulher — pelo menos, o


da maior parte delas — era ter o casamento perfeito, com o homem perfeito.
No entanto, a única coisa que eu almejava era o cargo de editora-chefe na
revista Global, o que, automaticamente, me tornava estranha de acordo com a
sociedade.

Mas talvez eu fosse mesmo estranha e isso nunca foi um problema pra
mim.

Ao menos, até a manhã daquela segunda-feira, quando o meu


supervisor se colocou à minha frente e cuspiu todas aquelas palavras na
minha cara.
— O que você disse? — questionei, ainda não acreditando naquela
bobagem que havia acabado de sair de sua boca. Respirei fundo, tentando
manter a calma, enquanto o meu olhar continuava fuzilando o centro do seu
rosto, sem me importar com o que ele pudesse vir a pensar. Quando percebi
que o maldito não iria repetir, eu tornei a falar. — Você não pode estar
falando sério...

Ele levantou as mãos, rendendo-se a mim.

— Você é, provavelmente, a melhor funcionária que eu já tive aqui


nesta revista, mas... — Ele se interrompeu, balançou a cabeça em um sinal de
descrença, antes de prosseguir: — Mas eu tenho que ser sincero e te falar a
verdade... Dizer aquilo que mais ninguém além de mim quer falar... Gabriele,
não vão te oferecer o meu cargo!
Naquele instante, tudo o que eu mais quis foi arrancar a cabeça de
Gaspar com as minhas próprias mãos. Nunca pensei que pudesse chegar a
odiar aquele idiota — pelo menos, não da maneira que eu o odiei naquela
fração de segundos.

Eu não conseguia me conformar com o fato de não ganhar aquilo que


por direito deveria ser meu.
— Eu juro que tentei... Antes mesmo de eu me demitir, falei com
Frederico e te indiquei pra esse cargo, eu disse a ele que você era a melhor, a
mais capacitada para me substituir... Mas tudo o que ele me disse, foi que
nunca daria um cargo assim para uma mulher como você... Pra uma mulher
solteira.

Era ridículo e totalmente injusto comigo, uma pessoa que passou anos
se dedicando a Global, esperando por aquele momento — um que,
aparentemente, nunca chegaria.

Eu sentia como se tudo aquilo que eu mais quis estivesse sendo


arrancado dos meus braços com brutalidade, era cruel e triste.
Não havia como compreender.

Eu não ganharia o cargo simplesmente porque era uma mulher e, pior


do que isso, sem um marido por trás da minha imagem, passando uma
espécie de “confiança” para uma sociedade extremamente machista. Era
como se eu não tivesse um valor — não sem um homem ao meu lado para
“atestar” isso.

— Então, você está supondo que, se eu fosse casada, o filho da puta me


daria o cargo?
Gaspar riu, ainda encarando o meu rosto, antes de responder de forma
bem confiante: — Eu não estou supondo, Gabriele... Eu estou afirmando.
Você é perfeita para o cargo e o Frederico não tem como ignorar isso. Mas
sem uma aliança de casamento no dedo ou, no mínimo, a promessa de uma,
ele não vai te promover... O cara é um rinoceronte velho, realmente acredita
que a porra da família tradicional existe.

Sentei-me na cadeira ao seu lado e encarei o piso branco sem a mínima


ideia do que responder a ele. Não foi nada fácil assistir a todas as minhas
esperanças serem esmagadas daquela forma.

O sentimento de impotência era enorme.

Não havia sido um “erro” meu, mas algo que eu simplesmente não
podia controlar. Estava sendo julgada por uma coisa que não tinha relação
com o meu trabalho ou com a minha capacidade para desempenhá-lo.

— Eu não sei nem o que te dizer...


— Mas eu sei — prosseguiu ele, interrompendo-me. — Diga um
“muito obrigada pela dica, Gaspar. Você é incrível!”. Eu sei que você está
namorando. Só precisa convencer o cara a te propor em casamento e, aqui
entre nós, isso não vai ser tão difícil assim... — Ele sorriu, tentando aliviar o
clima. — O cargo já é seu, minha querida!

E, no fim das contas, Gaspar estava certo a respeito da proposta de


casamento.

Não seria nem um pouco difícil fazer o meu namorado me propor em


casamento; seria completamente impossível. E isso, pelo simples fato de ele,
na verdade, ser gay.

Capítulo 01 — O Noivo Perfeito


Depois de um dia cansativo de trabalho, tudo o que eu mais gostava de
fazer, era chegar em casa e me sentar no sofá da sala, onde eu colocaria o
notebook sobre o meu colo e começaria a editar um artigo que havia escrito
para a revista.
Um artigo que, infelizmente, não teria nem a chance de ser publicado,
como de costume — pelo menos, até que eu assumisse o cargo de editora-
chefe e mudasse algumas das “regrinhas” por lá.

De acordo com o meu supervisor, e também com o CEO da Global, o


público não estava interessado em saber sobre a taxa — uma bem pequena,
diga-se de passagem — de mulheres em posições de poder no mercado de
trabalho nacional.

“Uma matéria sobre casamento ou jardinagem tem mais chance de ser


aprovada pelos nossos leitores”, dizia-me Gaspar sempre que eu tentava
convencê-lo a aceitar um dos meus novos artigos.
Lá no fundo, eu sabia que ele não estava tão errado assim, já que o
nosso público alvo se resumia a homens brancos que deviam acreditar nas
mesmas coisas que o dono da revista — sim, o idiota que não me daria o
cargo de editora-chefe por ser uma mulher solteira.

Por mais que escrever sobre coisas das quais eu não poderia publicar
fosse algo totalmente deprimente, eu não conseguia evitar.

Durante toda a minha vida, eu sempre coloquei o meu trabalho na


frente de todas as outras coisas. Os homens, definitivamente, não eram uma
exceção pra mim.
O meu plano sempre foi muito simples: eu deveria me dedicar ao meu
trabalho na revista e tudo daria certo — contanto, é claro, que eu não
colocasse nenhum cara como o centro do meu universo.

E pensar que toda essa minha estratégia desmoronou tão facilmente, já


que tudo o que eu precisava para ser promovida, era da porcaria de um
homem.
Entretanto, apesar de toda essa minha “resistência” ao sexo masculino,
existia um homem que quase conseguia me dobrar. Tratava-se do meu
namorado, como Gaspar havia me lembrado. E, com toda a certeza, esse era o
homem mais perfeito que eu conheci em toda a minha vida.

Só existia um pequeno detalhe que contrariava toda essa sua perfeição


— o que no ponto de vista de outro gay, só tornava ainda mais perfeito.

No momento em que abri a porta da minha casa, fui contemplada com


uma cena extraída do início de um pornô gay: uma cena em que um garoto
beijava a boca de Eduardo — a pessoa que todos do meu trabalho conheciam
como o meu “namorado” — em meu sofá. Edu não fez cerimônia para
retribuir o beijo quente que havia acabado de receber. E, enquanto enfiava a
sua língua na boca do outro garoto, ele agarrou o menino magricela e o
colocou em cima de seu colo, dominando-o por completo.

Sim, o meu namorado tinha um namorado.

Eduardo encarou o meu rosto e esticou os seus lábios em um sorriso


que comprovava aquela perfeição que eu tanto descrevia. Alguns segundos
depois, o garoto em cima dele virou o seu pescoço e cumprimentou-me
também, da mesma forma gentil que a pessoa a sua frente fizera.

— Vocês dois não transaram no meu sofá, não é? — perguntei a eles,


torcendo para que a resposta fosse um enorme “é claro que não transamos!”.
Com o silêncio dos dois, eu obtive a minha resposta. — Incrível... Mas eu
vou logo avisando, se vocês mancharam alguma coisa, vão limpar com a
língua!

O meu amigo se limitou a continuar sorrindo. Por outro lado, Kauan —


o garoto no colo de Edu — afastou-se do meu “namorado” e caminhou em
minha direção para um forte e inevitável abraço. Eu poderia muito bem
acrescentar um “forçado” na descrição.
— Eu já estava até com saudades — comentou ele, ainda me
abraçando, como se eu fosse a sua pessoa preferida no universo, o que era
uma completa mentira. Antes de se afastar, Kauan prosseguiu, mantendo a
sua falsidade em um nível bem alto: — Eu espero que você não se importe
por eu ficar aqui esta noite.

— A casa é sua — respondi no momento em que ele se afastou de


mim, também com o “modo falsa” ligado. — E saiba que pode ficar o tempo
que quiser. Você é sempre bem-vindo aqui em casa.

Por mais que não aparentasse, eu não era a dona daquele lugar. A
pessoa que havia comprado o apartamento e todas as outras coisas dentro
dele não fui eu, mas a família de Eduardo. Foi ele quem me convidou para
morar ali e não o contrário, o que significava que, na verdade, o namorado
dele possuía muito mais poder dentro daquela casa do que eu.
O meu melhor amigo levantou-se do sofá e caminhou em minha
direção.

Correção, Eduardo caminhou na direção do namorado dele e o abraçou


por trás. Após beijar o pescoço de Kauan, ele finalmente voltou o seu olhar
para mim e, enquanto me analisava, encarou-me por alguns segundos com
uma expressão de paisagem.

— Você está muito estranha hoje — observou ele rapidamente. Edu


franziu a testa e continuou queimando o meu rosto com o seu olhar analítico.
Não demorou muito para que ele perguntasse: — Aconteceu alguma coisa
que eu deva saber?

Ele, definitivamente, era a pessoa que mais me conhecia em todo o


universo. Se, em um programa de perguntas e respostas sobre a minha vida,
colocassem Edu de um lado e minha mãe do outro, ele ganharia sem nem se
esforçar. Não que a minha mãe fosse concordar em participar de um
programa em que ela não fosse a atração principal.

— Eu meio que preciso me casar — disse a ele em um tom sério e com


o olhar fixo em seus olhos castanho-claros. Com um nó enorme na garganta,
continuei a falar: — Eu não acredito que vou dizer isso, mas eu preciso que
você me peça em casamento.

Respirei fundo e continuei sustentando o meu olhar em sua direção


enquanto esperava pela resposta do meu melhor amigo. Mas o que aconteceu
em seguida foi completamente diferente daquilo que eu havia imaginado.
Não houve nenhum abraço seguido por um “é claro que eu te ajudo. Afinal,
somos irmãos, não é mesmo?”.

— Mas é claro que precisamos nos casar, minha princesa — respondeu


ele não segurando a risada.
Edu gargalhava como se eu estivesse contando uma piada muito
engraçada, do tipo que não envolvia gays ou loiras burras, coisas que
afetavam a nós dois.

Após ver que eu não havia compartilhado do seu humor e que a minha
expressão continuou a mesma, Eduardo levantou as sobrancelhas e perguntou
totalmente surpreso: — Você não está falando sério, não é? — Como eu
estava falando, sim, com muita seriedade, permaneci calada. — Gabriele
Novais, por favor, diga que não!

Ele se afastou muito antes de eu começar a explicar o quanto tudo


aquilo era importante para mim, acabando com toda a minha estratégia
dramática, algo do tipo “eu pensei que fôssemos irmãos, mas tudo bem. Eu...
eu me viro sozinha!”.
Eduardo não queria saber dos detalhes, estava mais do que claro de que
ele não toparia me pedir em casamento — não com o seu namoro em jogo,
aparentemente.

Dessa vez, era oficial, eu estava mesmo sozinha, de uma maneira que
nunca estivera antes — não antes de ele aparecer na minha vida.

Com uma expressão nada legal estampada na face, Edu respondeu ao


meu pedido, totalmente irritado: — Essa nossa mentira já foi longe demais,
Gabriele — ele disse isso com o olhar focado no rosto de Kauan, como se
precisasse se certificar de que o namorado ciumento estivesse ouvindo cada
uma das letras de seu grande “NÃO”. — Eu não quero e não posso mais me
envolver em todas essas suas mentiras sem fim.
Sem mais cartas escondidas na manga, restava-me apenas um último
truque, o meu olhar pidão ou — como eu gostava de chamar — o calcanhar
de Aquiles de Eduardo, o mesmo que o convenceu a fingir ser o meu
namorado para as pessoas do meu trabalho no passado.

— É o emprego dos meus sonhos — eu disse lentamente a ele, usando


aquele meu olhar “bandido”. Fiz uma careta de choro, enquanto fingia limpar
uma lágrima com a manga da minha camiseta. — Eu... eu não sei o que fazer,
é o meu sonho, Eduardo...

— Mas e quanto aos meus sonhos? — questionou-me ele, voltando o


olhar para mim.
Após ouvi-lo falar daquela forma, eu soube que não havia mais o que
eu pudesse fazer para mudar a sua opinião.

O meu melhor amigo não salvaria a minha pele, não dessa vez.
— E quanto à minha felicidade, Gabriele? — ele continuou dizendo,
mostrando-me que não cederia à minha pressão. — Como é que eu fico nessa
história toda?

Kauan nem mesmo esperou o seu namorado terminar de falar e deixou


a minha casa. E a atitude dele era totalmente compreensiva, uma vez que eu
estava tentando me casar — mesmo que de mentira — com a pessoa que ele
amava. Talvez se eu estivesse em seu lugar, fizesse muito pior, pulando em
cima do pescoço da amiga egoísta e manipuladora, que só conseguia pensar
em seus próprios problemas.

Eu não odiava o namorado do meu melhor amigo e, bem no fundo,


sabia que ele também não nutria um ódio mortal por mim. Mas não éramos
amigos e nem mesmo podíamos nos considerar colegas. Eu era a pessoa que
ficava entre ele e o namorado. Eu era, definitivamente, aquilo que os
afastava. Talvez o que Kauan mais odiasse em mim, entretanto, fosse a
preferência que o seu namorado sempre me daria.

Mesmo depois de ele ter deixado o apartamento, Edu continuou


comigo, esperando pelo que eu tinha para falar.

— Desculpe... — eu disse, com o olhar voltado para o chão da sala.


Depois de alguns segundos em silêncio, criei coragem para continuar. —
Gaspar me contou que eles não querem me dar o cargo pelo simples fato de
eu ser uma mulher solteira, como se isso fosse algum tipo de doença
contagiosa ou uma ficha criminal.

Caminhei em direção ao sofá e, acompanhando-me, Edu sentou-se ao


meu lado.

O meu amigo estava sem camisa, trajando apenas uma fina bermuda
azulada. Olhando para o seu corpo, não pude deixar de notar novamente que
uma das coisas mais lindas em Eduardo, sem dúvida alguma, era o seu
abdome definido, onde os gominhos eram esculpidos perfeitamente.
Coloquei a minha mão em cima da sua coxa e suspirei enquanto virava
o meu pescoço em sua direção.

Ele colocou a mão em cima da minha e, em um silêncio profundo,


continuamos ali sentados.

Não havia uma maneira de ele me ajudar, não sem aceitar ser o meu
noivo perfeito e isso, infelizmente, parecia estar totalmente fora de questão
naquele instante.
— Kauan me deu um ultimato mais cedo, dizendo que eu deveria
escolher entre você e ele. Acho que, no final das contas, ao ficar aqui, eu
acabei escolhendo você.

Por mais que eu gostasse da ideia de ser a escolha de Eduardo, aquilo


não era certo e nem mesmo uma pessoa egoísta como eu poderia ignorar isso.
Então, eu fiz aquilo que deveria ter feito há muito tempo, mas que acabei não
fazendo por medo de perdê-lo.

— Nós terminamos, oficialmente — eu disse, surpreendendo tanto a


ele quanto a mim mesma. Ainda em um estado hesitante, completei: — Eu
não vou mais roubar a sua vida, nunca mais.
Ele ficou me encarando, como se estivesse esperando pelo momento
em que eu desmentiria tudo, um momento que não aconteceu nos segundos
seguintes e nem depois — por mais que eu quisesse retirar tudo e voltar atrás
em toda aquela história.

— Não fique aqui me olhando, seu idiota. Vá atrás do seu garoto! —


Antes que ele pudesse cruzar a porta, eu o lembrei de um detalhe: — Só não
se esqueça de colocar uma camisa antes disso...
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Anne Miller
Anne Miller é pseudônimo criado para dar vida a romances que
sempre estiveram presos na cabeça da autora. Anne começou a sua jornada
na plataforma Wattpad. Como muitas outras, ela sempre sonhou em contar
as suas histórias — com uma pegada bem quente — para o mundo e,
finalmente, está tendo a chance de vivenciar esse sonho. Além da trilogia
“Acompanhante de Luxo”, também tem a série “Dinastia King” disponível
na Amazon.

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