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1983
Amália
Bae
Amália
Bae
Amália
Bae
Amália
Bae
Amália
Bae
Amália
Bae
Amália
Bae
Amália
Bae
Amália
Bae
Amália
Bae
Amália
Bae
Amália
Bae
Amália
Bae
Amália
Bae
Amália
Fim
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Todos os direitos reservados.
A violação autoral é crime, previsto na lei nº9.610/98, com
aplicação legal pelo artigo 184 do Código Penal.
Para aqueles que tem sempre uma mãozinha,
na hora do desespero.
1983
Amália

Estava sendo difícil e um tanto estressante lidar com tantas


cobranças em torno de um novo lançamento, sendo que há
semanas eu tentava buscar alguma ideia ou inspiração para, pelo
menos, começar a fazer a primeira linha.

Enquanto tomava meu banho, pensava na minha carreira


como escritora, será que seria a garota de um único sucesso?!
Livros sempre foram minha paixão, mas a ideia remota de tudo
acabar depois de um lançamento, me pareceu uma piada de mau
gosto.

Meu quarto estava uma bagunça, com tantos papéis


espalhados, parecia que não era capaz de acertar o lixeiro, que
estava bem do lado da minha mesa. O papel de parede com listras
brancas e bege, mal aparecia com a luz do sol passando da janela.
— Ah não, de novo não... — Faço careta ao ver o cocô de
passarinho manchando o vidro.

Vou caminhando pra fechar a cortina, mas acabo tropeçando


nos sapatos que deixei largados na noite passada e num piscar de
olhos estou no chão, sorte minha que tinha largado meu suéter por
ali também, assim não machucou tanto.

— Caramba, que... bagunça! — Me levanto meio atordoada e


tiro os cabelos molhados do rosto.

Logo meu relógio começa a tocar, lembrando que eu já


estava atrasada. Ponho a toalha no cabelo molhado, visto a calcinha
com uma mão, ao mesmo tempo que procuro minha blusa sobre a
cama, igualmente bagunçada, acho um par de meias... quer dizer,
uma meia de listras coloridas e a outra preta e branco, mas quem ia
notar?

Visto a blusa de plantinhas, o macacão jeans, as meias


descombinadas e por fim meus tênis. Pego a bolsa e vou correndo
pra sair, sem comer, mas faria uma boquinha no caminho.

Quando saio na rua, dou de cara com um moço e quase derrubo


seu café.

— Vai devagar sua maluca! — Grita irritado.

— Foi mal! — Devolvo indo na direção oposta.

Mais à frente, na esquina, onde atravessaria, vejo a situação


do meu cabelo pela vitrine da loja de vestidos.

— Quem te deixou sair da plantação espantalho? — Escuto


um rapazinho dizer e rir com as amigas que o acompanhavam, mas
não tive tempo de responder, passei apressada de um lado da rua
para o outro.
Fiz uma nota mental pra passar um pente no cabelo quando
chegasse na agência. Olho o relógio de pulso, faltavam 5 minutos
para o ônibus passar, e ainda tinha que descer uma ladeira e tanto,
até chegar no ponto.

Porém, como minha rotina não é bem um roteiro de filme de


fadas, perdi o ônibus, um cachorro agarrou a perna na minha roupa
e deixou uma marca de baba, sem contar que já estava toda suada
e nem parecia que tinha tomado banho a pouco tempo.

— Sinto muito moça, a máquina de expresso quebrou, só


temos chá. — A senhora me olhava de forma preguiçosa, enquanto
mascava o chiclete e olhava meu cabelo em julgamento.

— Então me dá quatro bolinhos. — Digo e vou pegando o


dinheiro da bolsa, que estava completamente desorganizada, tinha
rascunhos amassados até ali!

— Mais alguma coisa? — Me entrega o saco de papel e


passo o dinheiro por cima do balcão.

— Não, obrigada.

Vou saindo, com o saco de bolinhos preso entre os dentes


enquanto tento fechar a bolsa que o zíper emperrou, na minha
distração acabo esbarrando em alguém na porta a lojinha e paro de
tentar fechar a bolsa, sentindo meu rosto queimar de vergonha.

Tiro a sacola da boca e o olho o rapaz que segurava o riso de


mim. Seus traços asiáticos, o sorriso simpático, a mão no bolso
direito, aqueles olhos escuros e brilhantes, e o cabelo um pouco
desalinhado.
— Bae?! — Fico chocada em vê-lo por ali.

Desde que começou sua carreira de ator, não havíamos


conversado mais, e eu sabia que era pela correria dos filmes.

— Atrasada? — Pergunta já rindo e assinto. — Aceita uma


carona? — Faz um gesto sútil e vejo seu conversível vermelho,
brilhando ao sol.

— Ah, seria um máximo. — Sorri sem jeito e então vamos


saindo dali.

Enquanto entro no caro com ele, posso ver quão desajeitada


estava minha aparência, procuro por um elástico de cabelo e faço
um tradicional rabo de cavalo baixo, como eu não havia penteado e
ele estava meio seco e meio úmido, não estava apresentável.

— Quanto tempo não te vejo, ainda mais com esse penteado.


— Sorri e abraço meu amigo.

— Você passa mais de um ano sem me dar notícias e


quando nos vemos vem falar do meu penteado? Já foi mais original.
— Implico voltando ao me acento.

— Desculpe, é que na foto que tem no seu livro, você está


bem diferente. — Responde ligando o carro.

— Não se engane, ainda sou a mesma pessoa, hoje mais


atrasada que nunca. — Fico nervosa ao ver a hora no relógio e ele
ri. — O que te trouxe a cidade outra vez?

— Vim buscar um pouco de inspiração para um filme e você,


como está com a escrita? — Respiro fundo com aquela pergunta e
olho de lado, para o meu reflexo no retrovisor.
— Está parada... vou para uma reunião com a minha agente,
o prazo com a editora está quase acabando e não tenho nem um
parágrafo escrito...

— Onde fica?

— Na rua 13 com a 15. — Explico abrindo o saco de


bolinhos, estava com fome.

— O mesmo recheio? — Me olha brevemente com um


sorrisinho e assinto retribuindo o sorriso.

Ficamos o restante do caminho calados, não foi nada


estranho, éramos só amigos que não se viam há algum tempo e
obviamente estavam sem muito assunto... pelo menos era o que
esperava que fosse, já que na minha vida inteira, Bae foi o único
que permaneceu comigo depois do acidente da Nina.

— Te vejo depois? — Pergunta quando subo na calçada.

— A-ah, sim, nos vemos depois. — Aceno e vou entrando no


prédio.

A cara de Donatella já me dizia muita coisa, ela queria ver


algo do livro, que eu não tinha, e estava claramente irritada com
meu atraso, que não foi culpa minha... não em todas as partes.

— Amália estamos esperando por um rascunho há meses, e


você não me deu nenhuma página como indício de que esteja
trabalhando em algo! — Diz severa e assinto em compreensão.

— Eu sei, eu sei, mas já tinha te dito ao telefone, não estou


conseguindo escrever nada, tem várias bolinhas de papel
espalhadas pela minha casa, e nenhuma delas está com um
parágrafo completo. — Bufo e ela também.

— O que posso fazer? A editora está me cobrando alguma


coisa, para mantermos esse contrato de pé, então preciso de
indícios que você está fazendo algo, quer viajar para algum lugar?
Quem sabe novos horizontes te ajudem a fazer algo?

— Acho que não preciso sair daqui... só preciso relaxar


minha mente, não me leve a mal Dona, mas toda essa cobrança me
sufoca. — É a vez dela assentir em compreensão e suaviza sua
expressão.

— Vou te dar um mês, sem ligações, sem cobranças e sem


pressão, vou querer pelo menos metade de um capítulo, pode ser
assim?

Hesito um pouco antes de afirmar que "sim", não era muito


tempo, mas levei em consideração que poderia conseguir pelo
menos o que ela estava me pedindo, meio capítulo? É, eu poderia
fazer até mais que isso!

— Trato feito! — Apertamos as mãos e ela me deu um meio


sorriso.

Que era algo bem satisfatório nesse nosso período de crise


criativa.

Naquele mesmo dia, quando cheguei em casa, tratei de


arrumar meu espaço de trabalho. Vulgo meu quarto.

Separei as roupas, dobrei, guardei e finalmente podia


enxergar minha cama e o chão, além de apanhar todos os papéis
que tinham em todos os lugares, até dentro dos meus tênis.
— Não acredito que isso tudo foi obra minha. — Bufo me
jogando na cama, depois de terminar tudo.

Olho para a máquina de escrever vermelha, as folhas do lado


e minhas anotações que ficavam num bloquinho ao lado.

— Só preciso de um sinal universo, só um sinalzinho de onde


devo começar, minha cabeça já está fritando com tudo isso. —
Respiro fundo e me sento de pernas cruzadas.

Talvez alguns alongamentos ajudassem, vai que aquela


ferrugem criativa, fosse do meu corpo e estava passando para
minha cabeça? Ao ouvir os estalos das articulações, percebi o
quanto estava travada, sinto meus músculos irem relaxando quando
vou fazendo movimentos de alongamento. Pra cima, pra baixo, do
lado, do outro, inspira, expira e relaxa. De novo!

Quando achei suficiente, me levantei e fui colocar um pouco


de música no toca fitas. Era amarelinho, e tinha marcas minhas por
ali, meu nome escrito em letrinhas bem pequenas e tortas, na
caneta preta.

A música escolhida foi Dancing Queen, do ABBA, uma das


minhas favoritas do grupo.

— UUUH, estou sentindo! Estou sentindo as ideias! — Digo


empolgada enquanto me remexo.

Não digo dançar, porque precisava de um tantinho de


coordenação, coisa que não tinha muita se tratando disso e
principalmente em público, que até andar ficava difícil. Mas olha que
ironia da vida, agora eu era uma escritora conhecida, que dava
entrevistas, era fotografada e paparicada por pessoas que não
conhecia, porém que botavam total fé em mim e nas coisas que
escrevia.
Foi com esse pensamento, que uma coisa me ocorreu, meu
primeiro livro não foi exatamente um romance, foi uma comédia em
que a personagem sonhava com o estrelato, mas teve que passar
por várias provações, e o que a editora queria era um romance,
daqueles com um final feliz. E se precisasse descobrir primeiro o
que seria um romance, antes de escrever um?

Quer dizer, não precisava arrumar um namorado, nem nada


assim, mas pelo menos observar o que seria um namorico de perto,
e tirar algumas possibilidades para uma trama. Não custa tentar.

Entretanto, antes de qualquer coisa, precisava trocar de


roupa e dar um jeito naquele cabelo. Achava ele lindo, era
igualzinho ao da minha mãe, não era tão cacheado, os fios eram
finos, por isso qualquer coisinha e já estava cheio de nó, e sem
estar penteado, ficava muito volumoso, bem rebelde na verdade. A
escova quase me deixou careca, olhar aqueles fios castanhos, meio
parecidos com chocolate, me traziam uma lembrança distante.

No último ano da escola, eu e meus amigos decidimos


aproveitar tudo ao máximo. Tudo mesmo!

Beijar, beber, ir a festas, passear por vários lugares e para


alguns, transar em qualquer brecha escura que encontrassem tarde
da noite. Digo isso porque uma das pessoas do grupo tinha um
namorado, sim, Nina tinha um namorado, muito chatinho por sinal,
mas não fazíamos contragosto em levar ele para passear com a
gente.

Numa Sexta à noite, estava morrendo de cólicas, muito bem


deitada na minha cama, com uma história em quadrinhos, meus
pais haviam saído pra jantar, então a minha comida vinha com eles.
Meu pai sempre fez questão de trazer quentinhas dos restaurantes
que eles iam, dizia que era uma forma de amadurecer meu paladar
infantil.
O telefone tocou lá na sala, e tive que fazer um esforço
gigante para me levantar e ir até lá. Atendi, me sentei na cadeirinha
que tinha ao lado da mesinha do telefone e apoiei a HQ da mulher
maravilha nas minhas pernas.

— Onde você está? — Era a voz de Nina.

— Em casa, por quê?

— Posso ir aí? Noite das garotas, vou levar petiscos e


cremes para o rosto, que tal?

Desde que Nina começou a se envolver com o Maurício,


ficamos um pouco distantes, há um bom tempo não fazíamos coisas
só nós duas, tinha outra menina no nosso grupo, a Bela, mas não
tínhamos tanta intimidade pra fazer esse tipo de programa. E o
único grande motivo de uma noite das meninas de última hora, no
caso da Nina, era uma briga séria, antes era com os pais, mas nas
atuais circunstâncias, a causa era o namorado.

— Claro, estou te esperando. — Ela manda um beijinho do


outro lado da linha e desligamos.

Eu bem que estava necessitada de uma noite de beleza com


minha amiga, afinal de contas, estava bem desleixada.

Não demorou muito pra ela chegar, e veio com vários


petiscos, doces, salgadinhos, bebidas e uma sacola de cremes,
esmaltes, e revistas de fofoca.

— Nossa, você passou o dia largada? — Assinto a sua


acusação e ela ri.

— Sorte sua que estou por aqui, trouxe tudo e um pouco


mais, para ficarmos lindas. — Sorri e vamos indo para o meu quarto.
— Desculpa ter desmarcado o boliche ontem, com você e o Bae, é
que aconteceram coisas com o Maurício e...

— Tá tudo bem, não ficamos chateados, tomamos um milk-


shake extra grande em consolação. — Brinco e ela ri.

A ajudo a tirar as coisas das bolsas e logo a mesma alcança


uma escova de cabelo.

— Vamos começar com esse visual do seu cabelo, como


quer impressionar um cara andando assim? — Me repreende e
sento na cama, ela se senta atrás de mim e começa a pentear meus
cabelos.

— Não estou procurando impressionar ninguém. — Digo


abrindo um pacote de biscoitinhos.

— Se doer, me diz... — avisa quando começa a passar a


escova.

Nos primeiros minutos, tudo estava bem, até que começou a


doer e puxar, logo vejo a escova cheia de cabelo quando ela coloca
do meu lado e pega os elásticos de cabelo para fazer duas tranças.

— Relaxa, você não ficou careca, nem um pouquinho. —


Brinca e rimos.

— Que bom, já estava preocupada em como você faria algum


penteado.

Nina me fazia muita falta, seus conselhos, nossos momentos


de risadas e principalmente nossos passeios. Depois do que houve
após a formatura, Bela nunca mais falou com ninguém ou tivemos
notícias suas, Maurício foi embora da cidade, Bae engatou nos
cursos de cinema e eu?... Bem, fiquei no meu quarto por uns
meses, depois arrumei um emprego, aluguei um apartamento e
comecei a escrever.

O que me lembrava que não era hora de flashbacks tristes, e


sim de sair e ver como os casais viviam e se comportavam. Uma
pesquisa de campo, diretamente da praça da cidade, que ficava
duas ruas atrás do lugar onde morava.
Bae

O fato de ter encontrado Amália, logo de cara, me fez pensar


que aquilo seria um bom sinal. Afinal de contas, precisava de
alguém criativo, que soubesse lidar com papel, falas e tramas, para
que meu filme fosse perfeito. A questão era ela aceitar e ter essa
disponibilidade, visto que já parecia estar envolvida num projeto
editorial.

— Já chegou em Miliot? — Minha agente questiona logo que


atende.

— Cheguei sim, na verdade já tem umas horas, mas fui passear


antes de vir ao hotel.
— Sei, espero que esse seu passeio tenha sido inspirador, sabe
que o prazo para o projeto vai ficar apertado e talvez muito corrido
daqui que você coloque sua cabeça pra funcionar de verdade. —
Reviro os olhos por sua fala mal-humorada e tão presunçosa a
respeito dos meus compromissos.

— Emy, eu sei muito bem o tamanho da responsabilidade que


carrego, desde que assinei aquele contrato, mas sinceramente,
você não precisa estar fazendo esses comentários amargos a
respeito disso. — Desabafo, minha mãe já não gostava muito dela,
e talvez começasse a dar razão ao que ela me dizia a respeito de
toda essa negatividade vinda da mesma.

— Desculpe... é que, muita coisa está em jogo com esse projeto,


inclusive minha carreira e a sua.

— Não se preocupe, não vou colocar as coisas a perder, sei o


que estou fazendo, só preciso me organizar.

— Tudo bem então, imagino que esteja cansado da viagem e do


seu passeio, amanhã te ligo pra saber como está.

— Vamos fazer o seguinte, eu ligo quando acontecer algo, sabe


que pressão demais atrapalha as coisas. — Ouço um suspiro
frustrado do outro lado e logo a linha fica muda.

Sim, ela tinha o péssimo costume de desligar na minha cara e de


ficar com raiva de mim quando não fazia as coisas do seu jeito, mas
precisava seguir meus instintos, e se vim para Miliot sem ela, era
justamente para me libertar de tanta pressão.

Ali dentro do quarto de hotel, era meio complicado pensar num


enredo apaixonado para o filme, apesar do papel de parede ter
cores claras e tudo ser muito bem iluminado pela luz do fim de
tarde. Ainda parecia faltar ar e liberdade.
As pessoas me reconheciam quando passava pelas ruas,
acenavam e gritavam coisas fofas, as quais ainda não era
totalmente acostumado, mas me faziam amar ainda mais minha
profissão. Aquele garoto de ensino médio, que não tinha coragem
nem de levantar a mão durante uma aula, de tanta timidez, agora
estava nas telas de cinema, sendo visto e notado por algo.

Estacionei de frente a uma loja de quadrinhos e fui caminhando


até a praça, que ficava do outro lado, achei que chamaria atenção
saindo daquele carro, mas as pessoas que estavam por ali, ou
melhor, os casais que estavam por ali, pareciam alheios a minha
presença, o que era bom.

— Uma pipoca, por favor. — Peço ao rapaz que passava com o


carrinho, ainda haviam alguns saquinhos e pelo cheiro, tinham
ficado prontas a pouco tempo.

Pago a ele e vou até um banco para aproveitar meu lanchinho, o


que eu não esperava, era estar no mesmo lugar que Amália. Se
fosse combinado, não teria dado tão certo.

— Ainda perambulando? — Questiona de frente pra mim.

Antes de lhe responder, observo bem aquele vestido rosa com


algumas florezinhas, o reconhecia muito bem. Foi um presente de
aniversário, talvez o presente mais complicado de encontrar que já
dei a alguém na vida e ainda lhe servia tão bem, parecia novo.

— Resolvi espairecer antes de começar meu trabalho de fato, e


você?

— Estou na mesma, precisava fazer uma investigação, quase


secreta. — Ri baixo e vem se aproximando para sentar ao meu lado.

— Que tipo de investigação se faz numa praça cheia de casais?

— A resposta está na sua pergunta — sorri, — vim investigar os


casais, preciso de ideias para o meu livro novo. — Suspira um tanto
cansada.

— Também está com problemas criativos? — Ela assente no


mesmo instante e olho em volta. — Exatamente, que tipo de
informação você pensa em captar daqui?

— Sei lá, qualquer coisa que pareça romântica e normal entre os


casais... A editora chefe quer fazer uma surpresa ao público jovem,
e fui a voz escolhida pra transformar a ideia numa coisa real —
cruza os braços, — só não sabia que seria tão complicado pensar
em algo romântico pra escrever...

— Sério? E as coisas bonitas que você ajudava a Nina a


escrever para o namorado?

— É diferente, era uma adolescente com expectativa em alguma


coisa.

— E não tem mais? — Ela me olha por uns instantes e logo dá


de ombros.

— Só mudei a perspectiva...

Ficamos alguns minutos em silêncio e noto seu olhar passear


por cada casal que estava por ali. Pensei muito bem se deveria
contar sobre meu problema com o roteiro do filme, mas se ela
também estava tendo bloqueios com o projeto dela, como
poderíamos nos ajudar? Obviamente faríamos uma permuta que
beneficiasse os dois lados, mas nessas condições era meio difícil.

— Acho que aqueles dois começaram a namorar a pouco


tempo... — Aponta discretamente e vejo o casal forrando a toalha de
pique nique.

— Por que diz isso?

— Ela não parece muito confortável com a ideia de se sentar no


meio da grama, com o perigo das formigas lhe beliscarem. — Ri do
seu comentário e presto atenção na cena.

O rapaz beija o rosto da garota, que parecia mais preocupada


com algo no chão, do que em oferecer carinho ao namorado. Mais
alguns instantes observando, e vimos ela balançar a cabeça, de
forma negativa, várias vezes, enquanto ele tirava os lanchinhos de
dentro da cesta.

— Viu? Ainda é muito recente, ele ainda não sabe muito bem
dos gostos dela para a comida.

— Ela parece meio abusada pra comer, tudo aquilo é bem


gostoso e olha só, quem nega os pãezinhos da senhora Miles? —
Amália ri baixo e balança a cabeça.

— Realmente, acho que ela deve ter algum tipo de problema,


esses pães são simplesmente deliciosos, mesmo sem recheio,
nossa eu sempre amei. — Sorrimos com a lembrança que,
provavelmente, veio instantânea, para ambos.

Era reconfortante em saber, que mesmo depois de nos


afastarmos devido as necessidades da vida adulta, ela ainda era
minha amiga mais próxima, que me deixava confortável e que eu
sabia que me entenderia acima de qualquer coisa. Sem
julgamentos.

— Está de férias do seu trabalho? — Pergunta enquanto anota


alguma coisa num bloquinho de folhas amarelas.

— Na verdade, também estou fazendo uma investigação. — Me


olha e esboça um sorriso leve de canto.

Ainda podia me lembrar a última vez que vi aquele sorrisinho,


mas ele não estava feliz, era um disfarce pela decepção em me ver
partir. Foi tudo tão rápido depois que saímos do ensino médio, o
tempo que perdemos a Nina, até cada um seguir seu rumo, foi bem
curto para poder absorver tantas mudanças.
— Está investigando casais também? Ou é uma daquelas
caçadas por novos talentos para a indústria do cinema?

— Na verdade, estou como diretor do próximo filme, mas estou


sem muitas ideias de como começar essa produção, eles esperam
que faça um romance espetacular para combinar com minhas
atuações nos roteiros românticos dos outros.

— Entendi, mas essa função, não é do roteirista? — Sua


pergunta me faz rir de leve e assinto.

— Exatamente, mas como sou um diretor "recém-nascido", ainda


não tenho minha própria equipe para trabalhar. — Pareceu
pensativa e anota mais alguma coisa no bloquinho.

— Veja pelo lado bom, você fez vários projetos bem-sucedidos e


vai se superar nesse também, mas olha bem pra sua amiga aqui, é
sério olha, minha cara é de puro desespero com os prazos que
perdi, o último que recebi é bem apertado e não tive nenhuma ideia
ou noção do que fazer, além do mais, só tenho um livro no mercado,
vai ser mais fácil esquecerem de mim depois de um fracasso como
esse.

— Não diga isso, tenho certeza que logo vai pensar em alguma
coisa, afinal de contas já faz parte de você, escrever e imaginar um
monte de coisas. — Ela ri e nos observamos por alguns instantes.

Ficamos ali por mais alguns minutos, comentando e observando


o movimento dos casais, ela me atualizou sobre as coisas que
andou fazendo e lhe contei um pouco da minha trajetória também.

— Não acredito, vi todos os seus filmes e você nem sabe do que


se trata o meu primeiro e ÚNICO livro? — Finge estar indignada e ri
da careta que fez.

— A culpa não é cem por cento minha.


— Claro que não, é do papai noel e da fada do dente que não te
deram a chance de prestigiar sua velha amiga, isso é um ultraje e
dos grandes! — Se expressa com um drama exagerado, que chega
a ser engraçado e ri.

— Não seja tão radical, posso ler quando acabar esse projeto,
ou acompanhar o novo livro que vai fazer, quem sabe até me tornar
um personagem, hein? — Mexo as sobrancelhas e ela me encara
de modo sarcástico, negando.

— Desculpe, mas o cargo de elenco já está todo preenchido, não


trabalho com novatos. — Cruza os braços e faz um biquinho
arrogante.

— Ah, não seja maldosa, como vou apreciar seu trabalho se não
me deixar participar? — Ela me analisa, mas continua negando e
logo rimos daquela ceninha.

Uma coisa que nunca faltou entre nós, foi o bom humor e ás
vezes a falta de seriedade com as coisas. Principalmente quando
éramos adolescentes que estavam descobrindo as maravilhas do
mundo, nada era pra ser levado cem por cento à sério de fato.

— Anda logo Bae, vamos nos atrasar pra sessão! — Ela bate
com certa impaciência e indelicadeza na porta do meu quarto.

— Se você parar de me atrapalhar a cada cinco segundos, saio


daqui a pouco!

— Você está me dizendo isso já tem quinze minutos, a sessão é


às oito e quero ver os trailers. — Reclama e podia imaginar
perfeitamente sua cara de inconformada do outro lado, com um bico
maior que ela.

— Caramba, com certeza você não nasceu de nove meses, veio


bem antes porquê não teve paciência. — Digo ao abrir a porta e ela
revira os olhos.

— E você deve ter completado os doze meses antes de vir,


porquê nunca vi demorar tanto assim, e ainda dizem que quem
atrasa são as mulheres. — Resmunga de braços cruzados e se
senta na minha cama, que estava meio bagunçada.

— Já te disse, estava testando alguns produtos masculinos para


impressionar no passeio de hoje. — Passo as mãos no cabelo de
um jeito sedutor e ela começa a rir.

— Não seja bobo, sabe que estaremos no grupo de sempre e


não me lembro de ter nenhuma convidada especial pra hoje. — Diz
com um risinho astuto e faço cara feia.

— Posso conhecer alguém novo, não é porque estou andando


em bando, que não posso ir além dessas fronteiras. — Mexo as
sobrancelhas e ela ri de novo.

— Tudo bem então, se você fizer contato com uma garota, só


umazinha, e não gaguejar no processo eu te pago o próximo
ingresso quando formos sair. — Estende a mão e aperto no mesmo
instante.

— Vai se arrepender de duvidar de mim. — Sorri presunçoso.

Não só gaguejei, como também comecei a suar frio quando


tentei falar com a menina da fila. Sendo assim, também perdi o
ingresso de graça e virei o motivo da risada sem freio de Amália,
mas no fundo aquilo não me incomodava, nossas disputas eram
sempre levadas na esportiva e no bom humor, nunca eram bem-
sucedidas de fato, mas nos rendiam boas risadas no final.

— O que vai fazer hoje à noite? — Pergunto ao reparar que ela


estava jogando minhas pipocas para os pombos e eu não havia nem
comido cinco. — Ei!
— Eles estavam com mais fome que você. — Argumenta dando
de ombros e ri sapeca.

— Vou me lembrar disso, e dar suas pipocas aos bichos


também, quando não estiver olhando. — Agora eu que estava
dando as pipocas e ela ri baixo.

Só então percebi o quanto aquela fala me representava aos


meus sete anos de idade.
Amália

Depois daquele passeio no parque e com as anotações que


fiz, minha cabeça parecia querer colaborar. A presença de Bae,
nossa conversa e as risadas foram essenciais para aquele momento
de relaxamento, ele fez questão de me trazer em casa e trocamos
os telefones, caso precisássemos conversar ou sei lá, só pra manter
o contato mesmo.
"Ela era uma jovem ingênua, que sonhava com um grande
amor, alguém que lhe tirasse daquele tédio de observação de outros
casais..."

Sim, era um bom começo, mas precisava do resto e o que


tinha anotado, ainda não me parecia o suficiente para fazer algo
além de uma página e meia, ou duas se me esforçasse mais.

Antes de continuar a minha escrita, fui até meu rádio


amarelo, escolhi uma música tranquila e romântica para ver o que
mais poderia sair se eu embarcasse de vez naquela emoção tão
meiga, pelo menos foi o que pareceu, vendo os casais aproveitando
a tarde naquele gramado.

Ao som de ‘Time after time’, me sentei na cadeira fofinha, de


frente para minha máquina de escrever, que andava sofrendo
bastante com meu bloqueio e os papéis sendo tirados com força,
tadinha. Meus pés estavam se sacudindo quase que por conta
própria, em baixo da mesa, mas pelo menos alguma coisa estava
saindo e depois de quase cinco minutos, revisando minhas
anotações e repassando o passeio na minha cabeça, o primeiro
parágrafo ficou pronto.

— Veja só, você está um parágrafo a menos, de salvar sua


carreira. — Elogio a mim mesma de forma sarcástica.

Só esqueci um detalhe bem importante do meu ritual de


escrita, a parte em que tiro o telefone do gancho pra ninguém me
incomodar, porquê das duas uma, ou era Donatella — apesar de ser
estranho, visto que falamos sobre isso a pouco tempo, — ou o
telemarketing me oferecendo livros gigantes para sanar todas as
minha dúvidas. Me forcei a levantar e ir até a sala e ainda ousei
atender, só para ter certeza que não era uma coisa muito urgente,
tipo minha mãe, quando avisa de última hora que estão vindo da
casa do interior pra me visitar aqui.
— Alô?

— Desculpe o horário, te atrapalhei? — Era a voz de Bae e


se bem o conhecia, ainda, ele estava tímido.

— O-oi, não, eu já estava mesmo passando perto do


telefone. — Ri baixo, mas era pra desligar e não atender.

— Ótimo então, queria marcar um almoço ou um jantar com


você amanhã, se estiver livre claro, gostaria de te fazer uma
proposta. — Automaticamente prendi o fôlego, não gostava quando
as conversas começavam assim, uma quase bomba que só viria no
dia seguinte.

— Pode me adiantar só um pouco do assunto? — Mordo a


unha do mindinho de forma leve, era só para não começar a rir de
nervoso.

— É sobre meu filme e nossos trabalhos, nada grave se é


isso que quer saber. — Quase sorri de alívio, no entanto queria
mesmo saber como iria dormir aquela noite imaginando o que meu
trabalho e o dele tinham tanto a ver, a ponto de precisar de uma
reunião cara a cara e ainda mais, ter uma proposta no meio. —
Ami? Ainda está aí?

O som da sua voz me chamando pelo apelido da época do


colégio, me fez despertar dos mil e um pensamentos que percorriam
minha cabeça.

— Oi, estou sim, podemos marcar o almoço, que tal?

— Por mim está ótimo, pode ser no restaurante da sra.


Miles? Ainda existe, não é? — Ele ri baixinho e respondo que sim.

— Então está combinado, vou te esperar lá e, por favor, não


se atrase, já estou mega curiosa pra saber o que é essa proposta.
— Escuto a risada dele que faz cócegas no meu ouvido.

— Prometo não demorar, até amanhã Ami, tenha uma boa


noite.

— Você também. — Desligo e mordo meu mindinho para não


dar um gritinho exasperado.

Deixo o telefone fora do gancho e volto para o quarto, mas


agora com aquele suspense as minhas ideias românticas para
aquela protagonista sem nome e mal começada, também tinham
sido suspensas até amanhã depois daquele almoço e quando minha
curiosidade fosse acalentada pelas palavras de Bae.

Chego um pouco antes do horário que combinamos, pela


curiosidade em saber do que se tratava e pela precaução de que
nada me fizesse atrasar para aquilo.

— Gostaria de ver nosso cardápio moça? — O garçom vem até


minha mesa enquanto estava distraída mexendo no paliteiro.
— Ainda estou esperando alguém. — Ele assente e vai se
afastando.

Começo a encarar o relógio quadrado, branco, com


alguns desenhos de frutas acima dos números, pendurado
entre as portas dos banheiros. A mesa que escolhi ficava bem
na janela, para que pudesse ver quando Bae chegasse, então
minha atenção estava dividida no relógio de frutas, e o
movimento da rua. E á vezes o meu próprio reflexo, que hoje
estava excelente, já que arrumei bem os meus cabelos, e não
estava com pressa.
A minha sorte era que meu amigo sempre foi pontual, isso
sempre admirei nele, e por muitas vezes sua pontualidade me
salvou de perder aula. O que eu tinha de atrasos, ele
compensava sendo pontual por nós dois.

— Uau, não acredito que chegou antes de mim. — Brinca e


faço uma careta.
— É isso que acontece quando você deixa uma pessoa ansiosa
para saber de algo.
— Ah, me desculpe, não foi a intensão. — Vejo suas bochechas
corarem e ri baixo.

Uma coisa que sempre chamou bastante atenção nos anos


que temos de amizade, é nosso nível de timidez. Apesar de que,
acho que isso mudou um pouco hoje em dia, porém nem tanto já
que ele ainda cora facilmente, Bae e eu, apesar de andarmos em
grupo com outras pessoas, sempre nos entendemos e combinamos
melhor em dupla, muitas coisas que os outros achavam saber
demais sobre nós, não passavam de “achismos”. E vendo tudo isso
agora, ainda com as noites das garotas e os passeios de finais de
semana, erámos os únicos que se entendiam, a ponto de decifrar
um olhar incomodado e louco para ir embora quando as coisas
estavam ficando chatas.

— Então, preciso muito que me ajude no desenrolar da trama


do filme que vou dirigir. — Começa com os dedos
entrelaçados. — No entanto, sei que está tendo problemas
com a sua escrita, e pensei em algo que pode nos ajudar, o
passeio do parque ontem me deu várias ideias e fiz um
rascunho do que vai ser a história. — Ele me entrega um
envelope amarelo, o qual nem percebi estar em sua posse,
até que me entregasse.

Isso deixa bem claro o tamanho da minha ânsia em saber do


que se tratava, nem havia reparado naquele detalhe.
— Tem vinte páginas, por enquanto, mas acho que dá pra
entender direitinho o que quero propor. — Diz enquanto tiro
as folhas dali e fico abismada com sua agilidade em produzir,
ainda que fosse apenas um rascunho.
— Tem certeza que está com problemas criativos? Porque não
parece... — Digo em tom de riso e ele sorri.
— Só consegui dormir depois de colocar tudo que pensei no
papel. — Responde com certo orgulho.
— Não é à toa que você era o queridinho da professora de
línguas. — Vejo ele corar novamente e faz uma careta em
seguida.
— Tudo bem mocinha, você continua com seu senso de humor
intacto e é dele que preciso para o filme.
— Ah sim, eu te empresto. — Baixo um pouco os papéis para
lhe observar. — Explica isso direitinho...
— Pensei que você seria perfeita para fazer a mocinha do filme.
— Me engasgo com sua fala e deixo as folhas na mesa, pra
levantar os braços enquanto tossia.
— Quê?!
— É isso mesmo, quero que dê vida a ela, ninguém melhor do
que a inspiração, para interpretar o personagem. — Sorri de
canto.
— Bae, me sinto lisonjeada com seu convite, mas não vai dar
sabe? Eu tenho um prazo bem curto, bem mais curto do que
gostaria pra entregar alguma coisa que mal comecei ainda...
— Já pensei nisso também, não se preocupe.
— Ah, é? E como você pretende parar o tempo? — Faço uma
cara séria, mas ele acaba rindo de mim e pelo meu palpável
desespero com sua proposta um tanto maluca. Quer dizer,
COMPLETAMENTE maluca!
— Não é parar o tempo, é ampliar seus horizontes, talvez te
ajude, já que estava indo vigiar os casais para se inspirar,
que tal viajar comigo e fugir um pouco da rotina para ajudar?
— Suas palavras faziam sentido, mas precisei de um minuto
inteiro para pensar.
— Está dizendo que devo trabalhar em outra coisa e só então
voltar ao meu trabalho original? — Levanto uma sobrancelha
e ele assente. — Não sei se isso vai dar certo, sou muito
nervosa, minha memória é quase de um peixe, não sei se
decoraria todas as falas, ou se aguentaria segurar o riso
quando todos estivessem vendo a cena ser gravada.... Não,
eu não posso ser atriz, meus talentos são pra ficar nos
bastidores, não o contrário.
— Ami, desde quando te meti em confusão? — Pergunta com
um sorrisinho, os dedos entrelaçados.

É, aquela pergunta me pegou em cheio, não estava


preparada para aquele argumento, quer dizer, era mais fácil que eu
acabasse cometendo uma besteira que encrencasse nós dois, mas
era ele que nos salvava dos castigos e das suspensões.

— Só me explica uma coisa, como vou ter tempo pra escrever e


enviar as coisas, se vou estar ensaiando e atuando?
— Eu vou te ajudar em tudo que precisar, vai ser uma troca
equivalente, você dá vida a minha personagem e te ajudo a
montar o seu. — Balança as sobrancelhas com um risinho
divertido.
— Então você está sugerindo uma colaboração? — Ele assente
rapidamente e encaro os papéis, as anotações feitas à mão.
— Tenho um mês pra entregar pelo menos um capítulo
inteiro para a editora saber que estou trabalhando nisso e
não desistir do contrato.
— Entendendo perfeitamente e não vou deixar você perder
esse prazo, entregaremos até mais do que eles te pediram.
— Sorri orgulhoso e estende a mão.
— Quando viajaremos? — Pergunto segurando sua mão e ele
esboça um sorriso mais que contente.
— Vou comprar as passagens ainda hoje e te ligo pra avisar a
hora do voo, tudo bem? — Assinto e soltamos as mãos.

Meus instintos me diziam que seria uma ótima


experiência, aliás que era tudo que eu precisava pra fazer esse
livro finalmente aparecer. E não duvidei quando disse que me
ajudaria, já estava imaginando o tamanho do sucesso que esse
livro poderia ter, uma estrela de filme assinando a colaboração
seria uma coisa espetacular, além de tudo, salvaríamos nossos
empregos.

Depois daquela negociação nada formal, pedimos um


lanche de comemoração e saímos dali. Bae me deixou em casa
e foi providenciar as passagens. E o meu quarto que estava tão
organizado mais cedo, voltou a ficar uma bagunça quando tive
que fazer as malas.

Mal dormi naquela noite, fiquei despertando quase que a


todo momento, jurando que o telefone estava tocando e que
estava atrasada pra viajar. Acordei antes do meu despertador, e
resolvi deixar algumas coisas encaminhadas antes de viajar, sei
que o combinado com Donatella era de um mês sem ligações,
mas ainda achei que seria útil ela saber por onde eu andava e o
que estava aprontando, visto que tinha um prazo a cumprir com
ela e não podia falhar.

— Oi, você ligou pra Amália, no momento embarquei numa


loucura com meu melhor amigo, deixe o recado. — Percebo
que a secretária não estava gravando, respiro fundo e aperto
o botão. — Viajei com meu melhor amigo famoso, volto logo,
deixe seu recado.

O final ficou bem melhor que antes, o que me fez ter uma
ideia pra escrever. Volto para o quarto e acabo batendo o
mindinho na quina da cama.

— Que abacaxi! — Resmungo fazendo careta e vou me sentar.

Só estava doendo muito, mas não ia me matar e nem ia fazer


com que esquecesse da minha ideia pra mais uma linha daquela
história mal começada.
“Em um dia qualquer um homem apareceu naquele parque.
Uma presença inusitada em tanto tempo, e assim como ela, parecia
buscar respostas apenas na observação e movimentação de outros
apaixonados por ali. A diferença é que enquanto ela deixou de
reparar ao redor, ele ao menos viu que aqueles olhos castanhos lhe
fitavam de longe...”

Sou interrompida pelo toque do telefone, e mais uma vez


volto correndo pra sala.

— Alô?
— Oi Ami, está tudo certo? Nosso voo saí hoje à tarde.
— Sim, sim, claro, minhas malas já estão feitas desde ontem,
— ouço sua risada do outro lado — não acredita?
— Claro que acredito, é só que... estou feliz que tenha aceitado
ir comigo, sei que é loucura e completamente fora da sua
rotina, mas você é importante nesse processo.
— Ah que fofinho, obrigada pela declaração, esperei muito
tempo por isso — digo em tom de riso e ouço sua risada
baixa, — te vejo mais tarde, e anota esse discurso pra o seu
roteiro, pode precisar, ficou ótimo!
— Engraçadinha, até mais tarde.

Assim que desliga, ri comigo e volto para o quarto, tento


me concentrar ao máximo para conseguir preencher pelo
menos aquela página.
Bae

Ter encontrado Amália e passado aquela tarde no parque,


sem dúvidas foi o sinal que estava precisando para iniciar esse
projeto com o pé direito. Para minha sorte ela aceitou trabalhar
comigo, e seria ótimo ter minha melhor amiga ao meu lado
nesse primeiro filme.

Naquela tarde, chegamos cedo ao aeroporto, e enquanto


esperávamos o horário do voo, ela não parava de caminhar de
um lado para o outro, ou de sacudir os pés, e mastigar aquelas
barrinhas com amendoim, incrivelmente barulhentas.

— Você ainda não parou de comer isso? — Digo vendo que


eram daquela mesma marca que ela me fazia comprar
quando perdia uma aposta, ou quando estava doente.
— Qual o problema? Não conheço nenhuma outra que seja tão
boa como essa. — Morde outro pedaço e fica olhando o
movimento das pessoas com as bagagens. — Poxa vida,
eles bem que podiam antecipar né? Já tem horas que
estamos aqui e nada...
— Horas? — Sou obrigado a rir e olho a hora no relógio. — Tem
exatamente quinze minutos que estamos aqui, e você já
andou esse aeroporto inteiro.
— Pra mim é muito tempo, sério, é horrível ver todo mundo indo
e a gente ficando aqui nessas cadeiras, quero viajar. —
Começo a rir e ela também, mesmo sem entender o motivo.

Uma das características que sempre foi marcante,


principalmente nos dias mais intensos do tempo de escola, era
a energia de Amália para fazer as coisas, ás vezes sua
empolgação era tanta que os trabalhos ficavam prontos no
mesmo dia, e em outros momentos podia ser bem ruim, já que
nos atrapalhava. Digo nós, porque sempre fazíamos os
trabalhos em dupla, e no grupo, sempre estávamos juntos
dividindo alguma parte da apresentação.

— Lembra quando fomos aquele acampamento? — Ela revira


os olhos e balança a cabeça de forma engraçada.
— Foi a pior viagem da minha vida!
— Ah, pode apostar que da minha também, fiquei traumatizado
com esse negócio de barraca, grilos e gravetos. — Começa
a rir.
— Não foi culpa dos grilinhos que sua barraca tinha um buraco,
foi você mesmo que fez aquilo, porquê não quis ver o
manual. — Cruza os braços e é minha vez de rir.
— O manual estava com você, era pra ter me orientado melhor.
— Amália faz uma cara de indignada e começamos a rir.

A verdade é que aquele acampamento foi um completo


desastre e marcou a nós dois de uma forma muito divertida, quer
dizer, menos no momento, visto que não gostei de ver a barraca cair
por cima de mim três vezes durante a noite, tão pouco de ter que
sair correndo por causa dos grilos que passaram pelo buraco, ou de
ter passado um tempão catando gravetos, e esfregando uns nos
outros, antes de me dar conta que havia levado um isqueiro.
O tempo que passamos aguardando, foi suficiente pra
colocar a conversa em dia e relembrar alguns acontecidos
engraçados. Boa parte na verdade.

— Minha mãe tinha medo quando saíamos juntos.


— Quê? — Ela ri enquanto colocamos os cintos. — Você nunca
me disse isso, e ela também nunca pareceu preocupada.
— Mas ficava bastante, principalmente quando era final de
semana, ela achava que nós acabaríamos num hospital
depois de uma fuga. — Acabamos rindo.
— Bom, por um lado eu não a culparia, já que não somos a
dupla dinâmica mais coordenada que existe. — Dá de
ombros e ri baixo.
— Tem razão, mas sempre deu certo no fim das contas né?
Voltamos e continuamos inteiros. — Ami assente e rimos
daquilo.

Estávamos juntos outra vez, indo fazer algo muito importante


e com nosso histórico, algumas coisas poderiam fugir do controle.
Ou não também, já que éramos adultos e responsáveis.

— O que você trouxe pra passar o tempo no voo? — Pergunto


vendo ela remexer na bolsa de listras coloridas.
— Bem, trouxe um bloquinho, lápis, meu walkman e... meu
querido sudoku. — Faço uma careta e ela ri. — Ah é? Então
me diz o que você trouxe?

Pego a malinha de mão e abro.

— Trouxe meu walkman, alguns lanchinhos, e um livro muito


legal. — Lhe entrego o livro que ela havia publicado. — E
quero um autografo caprichado da autora. — Lhe entrego a
caneta.

Vejo seu rosto ficar vermelho, ela começa a escrever a


dedicatória e por fim assina.
— Não estou acostumada com isso. — Admite tímida e sorri de
canto.
— Eu também não, é estranho saber que tanta gente agora
sabe que você existe, né? — Ela assente e olha rapidamente
pela janelinha.
— Espero que tudo isso dê certo, aceito qualquer coisa, menos
falhar na minha segunda publicação.
— Não vou deixar nada te atrapalhar, estamos juntos nisso,
certo? — Ela abraça o meu braço e faço um leve carinho nos
seus cabelos.

A viagem não demorou muito, mas foi o suficiente para que


Amália escrevesse bastante naquele bloquinho, e quando dei por
mim, também estava quase na metade do livro e suas palavras me
inspiraram com relação ao roteiro, ela era, definitivamente, o que
estava precisando para essa história acontecer.

— O que já fez tanto aí? — Pergunto quando o capitão anuncia


o preparo do pouso.
— Acabei descobrir que a minha nova protagonista sofre por
um amor distante, mesmo fazendo pouco tempo que eles se
conhecem. — Faz uma careta e fico intrigado, pelo meu
silêncio ela explica. — É um tipo de amor à primeira vista, só
que não sou a melhor pessoa para descrever isso. — Batuca
o lápis no bloquinho e penso um pouco.
— Necessariamente tem que ser um romance dessa natureza?
— Nega e dá de ombros.
— Mas é o que estou sentindo, é o que vejo pra ela.
— Porém?
— Contudo, entretanto, toda via, não vejo futuro para o casal,
pelo menos não da forma que eles estão cobrando de mim...
— Olha, você escreveu bastante coisa aí, a viagem inteira,
então quando chegarmos no hotel, descansa um pouco e
depois estudamos esse rascunho juntos pra criar algo.
— Boa ideia, talvez seja mesmo o cansaço. — Ela sorri
levemente de canto e a altitude do avião vai diminuindo.
Vejo Amália evitar olhar a janela e fechar os olhos com força
quando tocamos o chão, aos poucos ela vai soltando o fôlego e só
então percebo que também estava segurando minha mão com
força.

— Foi sua primeira vez no avião? — Pergunto curioso quando


vamos saindo devagar.
— Não, mas fico um pouco nervosa, depois da viagem que fiz
com Donatella para o lançamento em outro estado e o avião
apresentou problemas, fico meio desconfiada com... tudo
isso. — Fica levemente ruborizada e assinto compreensiva.
— Quando terminarmos tudo, prometo te acompanhar na
viagem de volta.
— Mas é claro que vai, você me trouxe, vai me levar e me
deixar exatamente onde me encontrou. — Diz quando vamos
atravessando a pista e ri.
— Bem, eu te encontrei na cafeteria, mas acho que não seria
um bom lugar pra te deixar com malas e uma multidão de
novos fãs. — Começamos a rir e recebo uma tapinha leve no
braço.

Fomos direto para o hotel, e pela janela do carro observamos


tudo. Apesar do tempo que estava por aqui, ainda tinha muita coisa
nova pra mim, visto que passava mais tempo trabalhando que
aproveitando os passeios.

O motorista nos ajuda com as malas quando chegamos ao


hotel, lhe pago e seguimos.

— Você mal chegou em Miliot e já voltou, não é meio estranho?


— Por que?
— Sei lá, foram só dois dias e meio, isso não dá espaço para
ver todo mundo e matar a saudade dos seus lugares
favoritos. — Argumenta e sorri pra ela.
— E quem disse que não fui aos meus lugares favoritos? Ou
que não vi todo mundo? — Ela dá de ombros.
— Sério? — Assinto olhando pra ela e a mesma mantém o
contato por uns instantes até esbarrar na pilastra do saguão.
— Ami! Céus, machucou? — Ficou preocupado ao vê-la
massagear o nariz.
— É, um pouco... — Diz com a voz engraçada. — Se não
batesse em algo na chegada, não seria eu. — Rimos e passo
o braço por seus ombros.

Pego a chave do quarto que ficava habitualmente, antes


morava num apartamento, mas era muito distante dos meus
compromissos e o local era meio perigoso. Felizmente minha agente
conhecia muita gente, tinha seus contatos e seus favores a serem
cobrados, e ali estava eu, num dos hotéis mais confortáveis da
cidade.

— Seja bem-vindo de volta sr. Bae, seu quarto está arrumado.


— A moça me entrega a chave e sorri gentil.
— Obrigado. — Me viro pra Amália, que estava bem
concentrada, olhando um quadro fixamente. — Vamos?
— Por que a moça do quadro está agarrada aquele vaso? —
Pergunta com uma careta de estranheza.
— É um tipo de coisa abstrata, cada um vê um significado
diferente.
— Ah é, pode ter certeza, pra mim ela parece estar passando
mal e todos que andam por aqui ignoram esse detalhe.
— Sua cabeça já está faiscando com esses seus pensamentos
e análises, vem, vamos descansar. — Um dos funcionários
vem nos ajudar com as bagagens e caminho com ela,
tomando todo cuidado para ela não bater o rosto em mais
nada, já que seu olhar viajava por cada centímetro das
paredes.

Entramos no quarto e ela pareceu ainda mais surpresa com


tudo. A cama era grande o suficiente para nós dois, estava forrada
com lençóis cor de creme e detalhe dourados, as cortinas
balançavam devagar com a brisa que passavam pelas grandes
janelas abertas.

— Que espelho maravilhoso! — Diz indo até o grande espelho


de moldura em ouro velho e faz poses engraçadas. — Dá pra
ver cada centímetro, não vou andar com a roupa amassada
por aqui. — Ri baixo do seu comentário.

Por um instante me peguei admirando Amália dos pés à


cabeça, o tempo que passei sem vê-la com certeza não apagou a
essência leve e divertida da minha amiga, mas, ainda assim, estava
diferente em seus traços, de uma forma sutil e ao mesmo tempo
gritante.

— O que foi? Está encarando o nada com um peixe, sem


piscar. — Sua voz me tira daquele transe e dou de ombros.
— Estava pensando no que vamos jantar, tem um restaurante
aqui perto que é muito bom, acho que você vai gostar.
— Claro, mas antes quero me deitar um pouco e relaxar.
— Eu também, olha, caso você não se sinta à vontade, vou
procurar outro colchão pra dormir aqui no chão. — Ela
balança a cabeça.
— Está tudo bem, cabe nós dois nessa cama, nem vamos
saber que o outro está ali do lado. — Assinto e em seguida,
tratamos de organizar as roupas nos devidos lugares.

Ami fez questão de deixar as coisas nas malas mesmo,


pois não queria bagunçar meu espaço.
Amália

Depois de finalmente nos organizar, me deitei para descansar


um pouco, mas enquanto eu revirava na cama fofinha e gigante,
Bae estava sentado a escrivaninha com papel e caneta a todo
vapor.

— Só por esse tanto de papel, posso ter certeza que o filme


está quase todo planejado. — Comento me sentando e ele
mexe o pescoço de forma preguiçosa.
— São só rascunhos, minha protagonista está bem difícil de
sair.
— Achei que faria um homem.
— Por que pensou isso?
— Não sei, é que ás vezes fica mais fácil pra se colocar no
lugar, tipo, costumes, enfim. — Ele me olha.
— Achei que seria interessante escrever sobre você de uma
forma ressaltada. — Sinto meu rosto queimar com seu
comentário e vou até ele.
— Acha mesmo que me colocar para atuar no seu primeiro
filme, é uma boa ideia?
— Já disse que sim, não tem nada melhor pra uma ideia nova,
que novas energias pra dar vida a ele. — Sorri de canto e
retribuo.

Volto a me deitar e percebo que ele ainda passou alguns


instantes observando a mim. Logo acabo dormindo e só volto a
despertar quando me chama gentilmente para irmos jantar.

Descemos juntos e percebo ele cumprimentar muitas


pessoas no caminho, pessoas essas que me observavam com certa
curiosidade, como um ser que vinha de outro planeta ou que tivesse
uma cor estrambólica.

— Não me sinto confortável com tantos olhares assim. —


Confesso quando colocamos os pés na rua.

A brisa que soprava era morna, e o céu, apesar do horário,


ainda tinha manchas rosadas de um pôr do sol.

— Antes eu ficava muito desconfortável, ainda fico na verdade,


mas aos poucos isso acaba ficando tão normal, que você
age naturalmente a situação.
— Deve ser por isso que famosos demoram a encontrar
alguém, principalmente alguém fora desse círculo de flashes.
— Ele pareceu pensativo e assente vagamente.

Durante o caminho até o restaurante, ele me apresenta


algumas coisas que gostava, lojinhas, cafeterias e uma confeitaria
bem pequena, que no momento estava fechada.

— O que acha de tomarmos café da manhã lá? — Pergunta


animado e assinto prontamente.
— É tão fofa, que parece coisa de filme. — Digo ainda admirada
com a delicadeza da decoração externa e imaginando como
seria por dentro. Estava bem óbvio que o proprietário era
minimalista.
— Você vai amar ainda mais quando estiver lá — diz com um
sorriso, — vai ser a primeira vez que estarei levando mais
alguém.
— Jura? — Ri baixo. — Não acredito nisso, que dizer que
ninguém nunca te acompanhou num lanchinho, lá? — Ele
nega e sorri.
— Digamos que ali é um dos meus lugares sagrados para estar
sozinho, mas vou ficar feliz de dividir com você.
— Muito gentil, me sinto lisonjeada. — Brinco e ele faz uma
careta.

Quando finalmente chegamos ao restaurante, vi que a placa


tinha marcas amarelas e azuis, como ondas e o nome “Alto Mar”
,com uma âncora ao lado, escrito em preto.

A decoração era composta de miniaturas de boias salva


vidas, vermelhas com branco, mesas de madeira escura, cadeiras
em azul e amarelo, algumas pinturas temáticas, feitas nos mínimos
detalhes.

— Pela sua cara, posso chutar que gostou?


— Acertou. — Sorri.
— Vamos sentar naquela mesa ali. — Aponta para uma mesa
de dois lugares perto de um grande aquário, cheio de
peixinhos coloridos.
— Que fofo! — Digo empolgada com o ambiente e logo vamos
nos sentar.

O movimento não estava tão grande, mas era bem mais do


que estava acostumada a ver nos restaurantes de Miliot.

— Depois do café da manhã, vou te levar até o estúdio onde


trabalho, quero que conheça algumas pessoas. — Diz com
uma leve empolgação.
— Tudo bem, mas me diz, quantas pessoas são exatamente?
— Tem quantidade limite para apresentações? — Brinca.
— Não, é que... você sabe que fico nervosa com muita gente,
fico perdidinha. — Ele sorri e segura minha mão.
— Vou estar lá, e pode segurar minha mão caso esteja muito
nervosa, mas desde já te adianto que ninguém morde. —
Esboço um fraco sorriso.

Não podia reclamar de forma alguma de Bae, era uma migo


incrível e nem o tempo ou a fama foram capazes de mudar isso.
Depois daquele fiasco que foi o discurso na nossa conclusão da
escola, e as vaias que recebi, minha interação com muitas pessoas
ficou prejudicada. Eu me esforçava para controlar o nervoso que me
dava com essas questões de apresentações, mas ás vezes era tão
complicado que minha voz sumia, literalmente.

— Vamos deixar esse papo de nervosismo pra lá, e focar no


nosso projeto, sei que você escreveu bastante coisa no seu
rascunho hoje e eu também, então quero saber como vai ser
sua história. — Apoio meu rosto nas mãos e o encaro
esperando falar.
— Bem, a protagonista estará em fuga de um compromisso,
mas não tem nada a ver com esses casamentos arranjados
ou tradições.
— Então ela vai fugir de que?
— Quero que ela tenha poderes, um tipo de grande dever, do
qual ela quer abdicar, por lhe forçar a abrir mão de coisas
que são importantes pra ela.
— Tipo, um amor? — Ele assente.
— Mas como te disse, isso ainda é um rascunho, não chega
nem perto de ser o esqueleto da coisa toda. — Ri fraco. — E
você?

A pergunta me faz recostar na cadeira e encarar tudo em


volta antes de falar.

— Ela vai ser vítima de um amor à primeira vista, mas o cara


não vai notar de vez, e isso vai gerar turbulências, até que
ele finalmente perceba que sempre esteve apaixonado por
ela, mas assim como o seu roteiro, isso não está nem perto
de ser o esqueleto do livro. — Digo e ao olhar em seus olhos,
pareceu estar distante.
— Li boa parte do seu publicado, e devo dizer que é
simplesmente incrível, você seguiu a carreira perfeita.
— O-obrigada. — Fico sem jeito e acabo passando uma mecha
de cabelo para trás da orelha, na tentativa de distrair meu
cérebro.

Era a festa de despedida de Bae, antes da sua mudança para


a cidade grande. Estava parada perto da mesa de bebidas
mordendo a borda do copo plástico vazio, a casa estava cheia, a
ideia foi de Nina e os pais dele concordaram, eram puro orgulho do
único filho que começaria seu caminho para o estrelato na Segunda
de manhã.

Desde a hora que havia chegado, não tinha tido a


oportunidade de trocar uma palavra se quer com meu amigo, e
estava apreensiva de não conseguir me despedir e lhe entregar o
presente que fiz. Quando a música ficou mais alta que meus
pensamentos, saí da cozinha e fui até o quarto de Bae, sabia que
ele não se incomodaria se me achasse ali.

Não tinha quase nada fora das caixas, a cama estava


impecavelmente forrada e uma das coisas que estava junto a mala
de mão, era um porta-retratos com nossa foto da máquina
instantânea do parque, ficou meio borrada e estava em preto e
branco, mas nada foi tão colorido e iluminado quanto aquele dia.

— Ami. — Ouço sua voz e o vejo entrar com uma garota de


longos cabelos cacheados.
— Céus, d-desculpa, eu só... Isso é pra você.

Não esperei qualquer reação, apenas deixei o embrulho com


o laço lilás perto da foto e saí apressada dali.
Me lembro que não demorei nem mais quinze minutos depois
daquilo e fui embora para casa. Caminhando e naquele frio absurdo,
achei que aquela despedida foi péssima e que talvez deveria ter
esperado mais.

Mas me lembro muito bem que depois daquela noite, recebi o


correio de voz dele, dizendo que amou o presente, que seria uma
grande escritora e me pedindo desculpas pelo ocorrido.

— Ami? Ei! — Desperto dos meus pensamentos e vejo que o


cardápio estava na minha frente. — O que houve?
— Você ainda tem aquele presente que fiz para sua despedida?
— Claro que sim, porque?
— E-eu gostaria de ver ele, ler de novo.
— Tudo bem, assim que chegarmos no hotel te entrego.

O jantar foi tranquilo e divertido, rimos de monte e acho que


acabamos incomodando algumas pessoas das mesas próximas. No
caminho de volta pra casa, comprei alguns doces com amendoim,
Bae não comia por conta da alergia, mas da última vez que comeu,
ele amou e acabou indo parar no hospital.

— Sua agente já sabe que está de volta? — Pergunto quando


engulo o pedaço que estava mastigando.
— Ainda não, e é até bom, caso contrário ela já estaria me
ligando e me sufocando com tantas perguntas.
— Parece bem estressante. — Ele faz um gesto com a mão, de
“mais ou menos”.
— A Emy foi uma pessoa importante desde que cheguei em
Conway e para que eu tenha conquistado tudo isso hoje,
apesar de todas as nossas pequenas discussões, sei que
são todas para o meu bem e ela só quer me manter nesse
caminho, sempre para mais sucesso.
— Entendo, bem, não sei se isso tem ligação com o tipo de
sucesso que estamos destinados, mas Donatella nunca foi
de me sufocar, sempre foi muito paciente, e temos uma
relação bem transparente. — Vejo seu sorrisinho meio
murcho.
— Sendo bem sincero, nessa parte, gostaria que Emy também
fosse assim, fiz a viagem para escapar um pouco de toda a
pressão que ela vem colocando com esse filme, e tem ficado
mais estressada que o normal.
— Você não parece tão confortável assim...
— Ás vezes não fico, de forma alguma, mas minha mãe sempre
me disse que esse caminho tem preços muito altos, e preciso
manter minha cabeça erguida e tranquila independente do
que vier.
— Mesmo que custe sua paz? — Assente com um pouco de
hesitação, mas resolvo encerrar aquela parte da conversa.

Quando retornamos ao hotel, o saguão estava com alguns


repórteres espalhados, eles interceptavam alguns hospedes que
passavam por ali e escutava os cliques das câmeras.

— O que é isso? — Pergunto confusa e logo ouvimos uma


risada, que escapava do centro de uma rodinha de
jornalistas.

O homem que surgiu daquela rodinha, era alto, esguio e de


olhos verdes, seu cabelo estava um pouco despenteado, num tom
de castanho claro.

— Era previsível. — Escuto o baixo comentário do meu amigo e


o rapaz vem caminhando até nós com um largo sorriso.
— Bae! Parece que resolvemos retornar das férias por igual. —
Diz empolgado e me observa de cima a baixo. — Quem é a
princesa?
— Romeo, Amália, Ami, Romeo. — Nos apresenta, e percebo o
tom de desapontamento em sua voz.
— Encantado. — Beija minha mão e sinto meu rosto ruborizar.
— Lembro de você, já te vi em um dos filmes do Bae. —
Comento e ele sorri mais.
— Somos colegas de estúdio, e não sei porque não tinha te
conhecido antes. — Fala convencido e Bae segura minha
mão.
— Não vamos ocupar o tempo da sua coletiva, nos vemos
amanhã. — Diz um pouco sério e nos despedimos com um
leve aceno de cabeça.

Enquanto subíamos para o quarto, noto o silêncio estranho


do meu amigo, que ainda se mantinha de mãos dadas comigo. Até
entrarmos no quarto.

— Está tudo bem? — Pergunto preocupada.


— Mais ou menos, é que... digamos que estamos mais para
conhecidos que colegas. — Coça a nuca e me sento na
cama esperando a explicação.
— Alguma discussão de trabalho? — Bufa baixinho e assente.
— Depois do último filme que fizemos, fui escalado para um
novo projeto da mesma diretora da franquia, mas ele
trapaceou e levou o papel, por isso estou fazendo meu
próprio lançamento.
— Poxa vida... isso é horrível, sinto muito.
— Obrigado, mas ele acabou me fazendo um favor sem
perceber. — Sorri e vem se sentar perto de mim. — Me fez
voltar a uma certa cidadezinha e reencontrar uma pessoa
bem importante. — Foi minha vez de sorrir.
— Essa pessoa é linda e maravilhosa, e tem bom gosto pra
comida? — Digo em tom de brincadeira e ele assente rindo.
— Ela é incrível, é tudo que posso dizer.
— Ah, que bom então, né? Não precisa ter ressentimentos, já
que ele te fez esse favorzão. — Rimos.

O observo por uns instantes, seus traços suaves, mas ao


mesmo tempo tão marcantes. O tempo não o deixou estranho para
mim, tipo aquelas mudanças drásticas que te fazem olhar duas
vezes pra ter certeza de que é a mesma pessoa, e que sua
essência ainda está lá também.

— Vou escrever um pouco antes de dormir, te incomoda se ficar


com a luz ligada algum tempo a mais?
— Não, não, fique à vontade, disse que te ajudaria, então se
precisar ajudar deixando tudo ligado, deixarei. — Brinca e
bato palminhas animada.
— Já disse que te amo? — Beijo sua bochecha e me levanto.
Bae

“Já disse que te amo? ” — As palavras dela rodaram minha


cabeça durante toda a noite. Ao me virar de lado, pude ver sua pose
na escrivaninha, os pés descalços, em cima da mesa, suas unhas
estavam pintadas num tom claro de azul, a luz que chegava até seu
rosto, destacava seus traços, cujos apreciei em silêncio. Os cabelos
soltos estavam um pouco bagunçados, a deixando ainda mais bela
na baixa iluminação e com os pensamentos distantes da realidade.

— Bae? — Abro os olhos e a luz que passava pela brecha da


cortina, me incomodou um pouco.
— Que horas são? — Pergunto meio atordoado, nem pareceu
que dormi e sim que pisquei o olho.
— São sete e meia, e sua agente mandou um recado pelo
carteiro do hotel, está vindo tomar café da manhã com você.
— Diz se afastando um pouco e só então percebi que ela
ainda não tinha ido dormir.
— Não veio dormir?
— Na verdade, acabei dormindo no sofá, fui tomar um chá e ver
um filme, mas não vi nem cinco minutos. — Ri baixo e
esfrego os olhos ao me sentar.
— Pelo visto a noite de produção foi intensa. — Digo me
espreguiçando e a mesma abre um largo sorriso.
— Você nem imagina, mas consegui fechar um capítulo inteiro
só essa noite, minha mente trabalhou por esses seis meses
que não produzi nada. — Brinca.
— Isso é perfeito, na verdade, é incrível e não podia esperar
menos de você. — Aperto sua bochecha e ela reage ao
carinho, apertando as minhas também.
— Obrigada, mas agora chega de paparicos, você tem
companhia para o seu café da manhã. — Fala já saindo da
cama.
— Não vem comigo?
— Ahn, na verdade não, eu quero muito ir naquela lojinha que
passamos ontem, quero tirar umas fotos e como no caminho.
— É impressão minha ou não quer conhecer minha agente?
— Desculpa, não te ouvi direito, acho que tem água no meu
ouvido. — Faço careta e ela ri. — Estou falando sério, minha
falta de vontade em interação social não é tanta assim, só
quero fazer outra coisa antes de conhecer sua equipe de
trabalho, okay?
— Okay, agora sim me convenceu. — Vai pra o banheiro e me
levanto.

Separo uma roupa simples para tomar café, mas não tão
simples, já que se tratando de Emy, tinha que estar impecável caso
tivesse alguns paparazzi à espreita.

Cinco minutos depois, Amália saí enrolada na toalha e com


outra no cabelo, vejo suas unhas azuis dos pés e sorri de canto.

— O que foi?
— Nada, é que não sabia que pintava as unhas do pé.
— A-ah, achei bem legal. — Diz com um sorriso meigo e vai se
vestir.

Entro no banheiro e não demoro muito para me enfiar


debaixo do chuveiro. Vejo os produtos dela ali, ainda era viciada na
fragrância de frutas vermelhas e chocolate.
Antes que pudesse sair do banho, escuto o som de coisas
caindo e de algo quebrando em seguida.

— Ai não... — a voz abafada de Amália me deixou em alerta.


Me enrolo rapidamente e vou saindo do banheiro.
— Está tudo bem? — Olho as coisas em volta e a encontro
segurando a xícara de chá e o bule de vidro no chão.
— Me desculpa, eu ia colocar na pia pra lavar, mas acabei
batendo o pé na mesinha e caiu. — Diz envergonhada.
— Não tem problema, se machucou? — Se observa e nega
com a cabeça.
— Vou limpar isso.
— Cuidado onde pisa, está descalça.
— Tudo bem... — Vai até a cama e calça as sandálias que
estavam ali e volta até a salinha de estar para limpar a
bagunça.

Enquanto Ami terminava de limpar os vidros, desci para me


encontrar com minha agente. E eu que estava com a esperança de
ao menos receber um “bem-vindo de volta”, recebi uma cara feia.

— Por que não me disse que estava de volta?! — A mulher de


cabelos escuros, um pouco mais baixa que eu e de lábios
tingidos de vermelho, me encarava de braços cruzados.
— Bom dia pra você também... — me sento e coloco o
guardanapo no colo. — Estava um pouco cansado da viagem
e preferi descansar antes de te encontrar.
— Cansado? Engraçado, não é bem o que as fotos dos jornais
dizem. — Me entrega o jornal do dia, que tinha uma foto
minha com Amália, na entrada do saguão.
— Isso não quer dizer nada, havíamos acabado de chegar.
— Os colunistas estão escrevendo sobre um “possível romance
estrangeiro”, e eu em casa, esperando sua boa vontade de
trabalhar, quando na verdade foi arrumar um namorico?!
— Emy, você está falando bobagem, não fui atrás de namorico,
fui trabalhar, acontece que essa pessoa que está ao meu
lado, é minha melhor amiga que veio comigo. — Explico
tranquilamente e um garçom vem trazer chá para mim.
— Ainda assim, acho uma falta de respeito saber que você está
de volta pelos jornais. — Cruza os braços e franze o cenho.
— Me desculpe, tudo bem? Não quis te deixar chateada, só
queria descansar e te ligar assim que estivesse pronto para
encarar o trabalho.
— Você já tem alguma coisa para o filme?
— Tenho sim, na verdade já tenho bastante coisa como
rascunho e já podemos usar pra ir dando forma a tudo. —
Alivia o semblante e toma um pouco do seu café.
— Sou todo ouvidos, pode começar a falar.
— Antes de tudo, quero lhe dizer que já tenho alguém para ser
protagonista.
— Mesmo? E a conheço? Já fez muitos filmes de sucesso? —
Se empolga.
— A Amália, minha amiga, é quem vai fazer a protagonista, é
uma excelente escritora. — Percebo sua risada forçada e
balança a cabeça em negação.
— Bae, estamos falando de uma produção de alto nível, que
acima de tudo é independente, você não pode colocar
qualquer pessoa para fazer isso, já imaginou o vexame?
— De que vexame está falando? Se quer a conhece para dizer
algo do tipo.
— Você mesmo acabou de dizer que a qualificação dela é de
escritora, precisamos de uma atriz de verdade!
— Essa parte não está em discussão. — Digo firme e ela bufa
alto.
— Acho que você ainda não entendeu, se essa produção não
der certo, nossas carreiras vão pro buraco! E não cheguei
até aqui, para acabar no fundo do poço por conta de uma
pessoa sem qualificação!
— Deveria dar uma chance, pelo menos conhecê-la, antes de
ficar falando esse tipo de coisa, e jogando tanta negatividade
em cima do projeto.
— Não estou nem um pouco afim de discutir isso com você,
está muito cedo para estresse — respira fundo e relaxa o
corpo, — espero você no estúdio de TV hoje à tarde, tem um
teste para comercial de uma marca de roupas. — Assinto
enquanto tomo meu chá e ela se levanta com certa
ignorância.
— Trataremos desse outro assunto na minha sala, quando
terminar seu teste. — Diz séria e vai embora sem esperar
minha resposta.

Quando se distancia mais, solto um longo suspiro e coço a


nuca, um tanto preocupado. Apesar de Ami ter sido resistente a
primeira ideia de protagonista, agora ela estava mais confiante, mas
conhecia Emy e quando não gostava de algo, fazia de tudo pra tirar
do caminho. E não queria deixar isso acontecer.

Depois de alguns minutos, Amália desce e ao me ver


sozinho, se senta na cadeira a minha frente para comermos.

— Levou uma bronca?


— Não exatamente. — Ri sem jeito.
— Foi alguma coisa com o filme?
— Sim, mas isso posso resolver com ela, só preciso de muita
paciência pra dobrar aquele gênio.
— Ela não gostou da sua ideia ou foi algum problema com o
prazo?
— Na verdade... ela não quer que te coloque como
protagonista. — Digo sincero e percebo estranheza no seu
semblante, mas ela logo disfarça.
— Não quero te causar problemas.
— Não vai, é só que a Emy é meio desconfiada das coisas e
quer que tudo siga uma regra específica, mas já disse que
não vou abrir mão de você. — Vejo seu rosto ruborizar e sorri
comigo mesmo.
— Não acha que seria melhor pelo menos me testar antes? E
se eu não tiver toda essa pompa que você imagina? —
Balança os ombros de uma forma engraçada e rimos.
— Tenho certeza que vai conseguir, mas se ainda assim quiser
fazer o teste pra se sentir confortável com a câmera, eu topo
fazer. — Assente e assim encerramos a discussão. Ou pelo
menos parte dela.

Depois de comer, fomos sair um pouco para espairecer,


queria que ela conhecesse melhor a cidade em que aprendi a viver,
ou quase isso.

— Aqui é muito barulhento, não sei como você aguenta. —


Reclama quando um carro buzina bem perto de nós.
— Com o tempo você se acostuma, eu também estranhava
bastante e agora que voltei de Miliot, percebo que é bem
irritante isso. — Ela ri, e aquele som parece me atravessar,
fazendo algo vibrar em mim, de um modo alegre e límpido.
— Onde estamos indo? Já está me dando preguiça de
caminhar e caminhar nesses projetos de calçada. — Faz
uma careta.
— Como assim?
— Você não vê? Elas são muito estreitinhas, mal dá pra estar
lado a lado. — Se afasta um pouco para dar passagem a um
idoso que vinha na direção contrária.
— Talvez seja um pouco, ou você é muito espaçosa. —
Pareceu indignada e começou a rir.
— Acho que está confundindo as coisas, esse é você na
verdade. — Foi minha vez de fingir indignação e a mesma se
mantém inocentemente séria, nos fazendo rir em seguida.

Pegamos um ônibus, estava meio cheio naquele horário.


Sentamos no banco do fundo, Amália ficou na janela admirando a
paisagem. Era certo que aqui tinha menos árvores e flores que na
nossa cidade natal, mas os prédios tinham uma identidade própria,
com cores e relevos que pareciam ser de mentira, de tão bem feitos
que eram.

— Isso me lembra aquelas casas antigas que tinham na rua


detrás do colégio, você lembra? — Me olha de forma
nostálgica e sorri levemente.
— Apesar de serem de madeira e estarem abandonadas, eram
lindas daquele jeitinho, com as videiras e os jardins
detonados pelo sol.
— Eu achava aqueles jardins medonhos, pareciam um cenário
de filme zumbi. — Ri e faço o mesmo.

O ônibus nos levou até a rua do estúdio, vejo como ficou


maravilhada com o movimento do outro lado da rua, o prédio era
grande e projetava uma sombra considerável por boa parte daquele
trecho. O estacionamento da empresa estava cheio, os carros
brilhavam ao sol e já do portão de entrada era possível ver o
movimento do pessoal, a equipe de cenários e figurinistas com as
araras cheias de roupas.

— É todo dia assim? — Pergunta ainda boquiaberta com a


agitação.
— Por incrível que pareça, é sim, temos uma rotina intensa, e é
por isso que tive que me afastar um pouco.
— Bem pouco mesmo né? Não passou nem quatro dias direito.
— Me cutuca e assinto com um leve suspiro.

Quando as professoras nos perguntam o que queremos ser e


respondemos totalmente empolgados, porquê achamos que a vida
adulta é um mar de rosas, na verdade é por não sabermos a
realidade das coisas. Não que esteja reclamando, mas
convenhamos, que tem horas que realmente cansa e é necessária
uma pausa, que raramente é concedida.
Amália

Tudo ali, desde a entrada até o que ainda não tinha visto, me
deixaram impressionada. O portão principal estava aberto e a única
coisa que impedia nossa passagem eram as catracas dos carros,
mas o porteiro logo liberou nossa entrada sem muito problema.

O caminho era largo de lajotas cinzas, o sol fazia parecer que


era brilhante. Nos cantos, haviam pedrinhas brancas que ladeavam
a grama bem verdinha, com alguns arbustos floridos, palmeiras bem
cuidadas e altas, as plaquinhas avisavam para não pisar. Os
seguranças passeavam por ali, com as mãos pra trás, mas os
walkie talkies estavam ativos pra qualquer necessidade.

O movimento de idas e vindas era frenético e mal dava para


acompanhar, figurinos, atores chegando, pessoas apressadas e os
sons dos sapatos nos caminhos de lajotas.

— Uau, já estou cansada só de ver esse movimento todo. —


Comento boba quando chegamos até a porta dupla de vidro,
tinha uma moça limpando ela por dentro.

Uma plaquinha avisava para não tocar no vidro e usar o


puxador da porta, e assim fizemos, quer dizer, Bae fez. Porque eu
estava absorta com o cenário ao meu redor.

O piso de porcelanato estava tão limpo e bem cuidado, que


nossos reflexos apareciam sem nenhum defeito naquela cor creme.

— Bem-vindo sr. Bae, a senhorita Emy ainda não chegou, mas


pediu para deixar o acesso ao seu camarim e a sala de
testes liberados. — Ouço a recepcionista falar, mas meus
olhos vagavam pelas paredes e a decoração da entrada.
— Obrigado. — Ele diz e toca meu ombro, me fazendo
aterrissar e vamos caminhando até o elevador.
As portas metálicas se abrem e entramos, olho para o
espelho que havia ali, e me toquei da minha cara de boba.

— Por que não me disse que estava com essa cara?


— Que cara? — Ele me observa e aponto para o reflexo. — É
sua cara de sempre.
— De besta?!
— Quê? — Ele ri. — Do que está falando?
— É que isso tudo é tão incrível, não me admira que tenha
mergulhado totalmente no seu trabalho esse tempo inteiro.
— Você tem razão, é incrível mesmo, mas tem um lado que não
é tão bom assim...

Assim que as portas se abrem, ouço burburinhos, pessoas


agitadas e apressadas que passavam de um lado para o outro, sem
dar muita importância a nossa presença.

— Tem duas novelas sendo gravadas por aqui, então tudo está
mais do que agitado. — Olho para o fim do corredor, as
portas duplas pretas, com uma sinalização vermelha de
gravação. Ali não tinha movimento, tão pouco algum ruído.
— E para onde nós vamos? — Fico curiosa quando ele começa
a me guiar sutilmente pelo lado agitado.
— Vamos para a sala de teste, você disse que queria ser
testada, então é isso que farei, mesmo sabendo que é muito
boa.
— Bae, você não tem noção do que está dizendo,
principalmente a respeito de algo que nunca fiz na minha
vida!
— Nunca já é exagero, lembro das filmagens que sua mãe me
mostrava das suas peças do jardim. — Faço careta e reviro
os olhos, quase batendo num rapaz, mas ele pareceu nem
notar.
— Escuta, atuações de jardim, e atuações de criança, não
contam como experiência pra isso, ninguém estava me
pagando e nem estava fazendo aquilo pra salvar a carreira
de ninguém, coisa muito diferente hoje em dia. — Me olha, e
foi sua vez de revirar os olhos.
— Precisa confiar mais em si, vou te dar um texto simples e
pedir que interprete de formas diferentes, só isso.

Por dentro meu juízo já estava cozinhando de nervoso em


fazer isso. Apesar de ter embarcado nessa com Bae sem nem
pensar duas vezes, confesso a mim mesma que o frio na barriga já
vinha espreitando a cada novidade desse acordo.

— Só vai ter você na sala? — Questiono por segurança e ele


nega.
— Emy vai vir também, quero que ela veja que estava errada
sobre você e também que comprove por si os motivos que
me fizeram te escolher. — Lhe mostro um sorriso amarelo.
— E seu teste? Como vai ficar? — Fico preocupada, ou talvez
procurando um motivo para não fazer aquilo.
— Ainda temos tempo até lá. — Ele abre uma porta e tudo era
bem espaçoso.

Havia duas araras com roupas e sapatos, bem diante dos


meus olhos, um espaço livre com um banco e uma garrafa de água,
que deduzi ser para os testes. Tinha uma penteadeira com luzes,
cremes e maquiagens, alguns acessórios cenográficos em caixas,
luzes, uma câmera bem posicionada no ângulo reto daquele banco.

— Bem-vinda a sala de teste, uma delas. — Sorri orgulhoso


enquanto meus olhos passeiam por todas as brechas
possíveis.
— Adorei — sorri, — posso me vestir do que quiser?
— Sabia que ia se contagiar — diz empolgado, — fique à
vontade, vou pegar alguns textos básicos na sala de cópias.
— Assinto e o vejo sair despreocupado.

Comecei a caminhar por aqui e por ali, a mexer na arara


procurando uma roupa ideal. O que eu queria ser?
Achei um vestido amarelinho, com algumas flores e o peguei
indo até a porta do pequeno vestiário que tinha ali. Tinha cabides a
disposição nas paredes e um grande espelho centralizado.

Me troco e analiso o caimento da peça, prefiro soltar meus


cabelos para cobrir um pouco do busto que achei ter ficado muito
exposto. Deixo minha pequena pilha de roupas na cadeira da
penteadeira e tiro os sapatos para ficar mais à vontade. Ficar
descalça, era o grande segredo de muitas coisas para mim. Prefiro
não me maquiar, mas abro a pequena maleta de acessórios para
ver se algo me agradava, enquanto admirava os brincos de pérola
falsa, mas extremamente bem polidos, alguém gritou lá fora e me
assustei, derrubando um dos brincos, que quicou algumas vezes no
chão e bolou não sei pra onde.

Me ajoelhei para começar a procurar e acabei o encontrando


numa brecha atrás da porta. Assim que vou pegar o brinco, alguém
entra de forma abrupta e meu dedo prende na fresta entre a porta e
o chão.

— Ei, quem te deu autorização pra estar aqui? — Uma mulher


de cabelos escuros e feição mal-humorada olha para mim
batendo o pé.
— Estava tentando pegar um brinco, mas você amassou meus
dedos. — Resmungo.
— O que disse?
— Que não vi você chegar... — Ela revira os olhos e deixa
alguns papéis em cima da penteadeira.
— Pegue suas coisas e saia daqui. — Indica a porta.
— Eu vim fazer um teste.
— De que?
— Para o meu filme. — Bae chega mesmo na hora e a moça
me olha pior do que antes, com mais raiva, ou sei lá o que.

Acho que se pudesse franzir mais o cenho, a cara dela ia


virar para dentro. Credo.
— Emy, essa é minha amiga...
— Não precisa nem falar. — Interrompe-o e volta a me analisar,
enquanto estava massageando o dedo e volto a guardar os
brincos. — Quer dizer que você vai mesmo fazer isso?
— Está falando comigo? — Questiono confusa e pude jurar que
sua cabeça soltou fumaça. A mesma olha pra Bae.
— Jura que é a ela que você vai entregar o papel do filme, que
vai definir nossas carreiras?

Ei! O que ela estava insinuando mesmo?!

— Olha só, você está falando de mim, mas estou aqui e


gostaria mesmo que fosse um pouco mais agradável. — Emy
me olha novamente e continua de cara feia.
— Ela vai te provar o que já sei, se acomode, o show vai
começar. — Meu amigo sorri e pisca pra mim.

O que faz meu coração dar um pulinho, sim, era exatamente


isso, o show ia começar, e podia ser uma maravilha ou um horror.

— Aqui está o texto Ami, quero que leia primeiro com


entusiasmo. — Pego a folha e leio brevemente as frases
sublinhadas.

Respiro fundo antes de começar a ler o texto, me posiciono


ao lado do banquinho com a garrafa, Bae vai até a câmera e fica
atrás dela, enquanto a moça mal-humorada, pega uma cadeira de
estúdio e se senta de pernas cruzadas.

— Quando quiser. — Ele avisa e começo a fazer a leitura.

Me imaginei como uma personagem dos meus livros, e como


era empolgante a sensação de caçar borboletas e dar um
significado a cada uma delas, mesmo sendo iguais.

— Agora leia as frases de baixo de modo melancólico. — Emy


me interrompe antes que possa concluir tudo.
Felizmente minha mente pareceu estar ao meu favor, isso
ela queria fazer, escrever que era bom... nada, né? Ou quase
nada, dependendo das horas...

O teste foi apressado, visto que a agente de Bae estava


com muita vontade de me dispensar, e não fazia nenhuma
questão de que aquele teste continuasse de verdade. Quando
finalmente paro, ela me olha com uma cara sonsa, havia errado
algumas coisas no texto, mas era apenas nervosismo pela
forma com que ela estava levando aquilo, suas encaradas feias,
as bufadas, as mudanças repentinas de fala...

Pego a minha roupa e vou me trocar enquanto escuto um


diálogo contido entre ela e meu amigo. Estava óbvio que ela
não ia facilitar minha entrada ou permanência nesse filme,
afinal de contas, o projeto era dos dois e ela também precisava
estar de acordo.

— Escute Emy, até agora tudo que você tem feito em prol desse
projeto, é descartar as possibilidades de que ele pelo menos
saía do papel.
— Jura? Você me traz uma garota qualquer para estrelar o filme
e quer que eu simplesmente sente e aceite isso?!
— Viu o teste que ela fez, e estava ótimo!
— Ótimo?! Não vê o quão amador foi isso? Ela estava descalça
Bae, por um acaso vai ficar fazendo isso em cena? Temos
que tratar isso de um jeito sério, ou não vai dar certo!
— Precisa começar a levar isso de uma forma mais profissional,
posso ver que está insegura, mas também não está dando
chances a ela com tudo isso! — Ouço um suspiro e um
farfalhar de papel quando abro a fresta da porta.
— Ainda vai ver que essa menina é uma péssima escolha, e
não diga que não avisei. — Sua voz saí ríspida e fria, e um
segundo depois a porta bate.

Espero alguns segundinhos antes de sair dali, fingindo


que não ouvi nada.
— Ótimas notícias! O papel é seu!
— Jura?! — Tento parecer surpresa, mas começo a rir. —
Digamos que já sabia disso. — Faço cara de convencida.
— Quanta humildade, hein? Imagina depois da estreia?
— Nasci para isso cara. — Ele ri e nos encaramos fixo por
alguns instantes.

Seus olhos eram lindos, e podia ver ali um brilho genuíno


de algo, não sabia identificar o que era, mas me deixou com
uma sensação ótima.

— Eu tenho que fazer um teste em alguns instantes, quer ver?


— Claro! — Digo indo apoiar minha mão, mas foi em falso e
acabo caindo de lado.
— Opa! — Ele vem até mim, — está tudo bem Ami?
— Sim, foi só um deslize de nada.

Digo tranquila, mas meu cotovelo estava doendo pra


caramba. Tinha batido mesmo na quina daquela penteadeira e
senti um formigamento indo até a ponta do mindinho.

— O que vamos fazer depois daqui? — Mudo de assunto.


— Vou precisar ficar para uma reunião com alguns
patrocinadores do filme, então você pode voltar para o hotel
ou... — Faz uma pausa pensativa.
— Ou?
— Pode dar uma voltinha pelo prédio para se familiarizar com
tudo, afinal de contas, passaremos um bom tempo por aqui
quando as filmagens começarem.
— Parece bom...

É, só pareceu mesmo.... Assim que Bae entrou naquela sala


de reuniões, fiquei por conta própria para fazer o tour e não era uma
boa ideia Amália — vulgo euzinha, — andar sozinha por um canto
que não conhecia.
Peguei o elevador até o andar de baixo, estava agitado, mas
as pessoas pareciam menos apressadas. Muitas mulheres bonitas e
bem maquiadas, homens bem vestidos, alguns staffs com fones,
comunicadores, papéis — muuitos papéis!

Uma porta bem diferente chamou minha atenção, era


amarela e não tinha placa. Se fiquei longe? Claro que não. Tive que
ir lá, podia ser qualquer coisa, um quartinho de limpeza, um
banheiro, uma lavanderia. Quando me aproximo da maçaneta,
escuto algumas vozes baixas, mas não dava para entender bem,
será que tinha alguém ensaiando as falas? Ou passando mal de
nervoso?

Abri a portinha e dei de cara com um casal em trajes de baixo


aos beijos, a moça estava com o batom rosa borrado, e uma parte
dele estava na boca do homem.

— Ahn... Porta errada...


— Saí daqui! — A mulher vem fechar a porta com certa
brutalidade.

Apenas recuo e seguro o riso, não era como se não tivesse


maturidade para saber o que estava acontecendo ou prestes a
acontecer, mas qual a possibilidade de dar de cara com isso logo de
primeira?!

Caminhando mais um pouco, por tantos corredores, portas,


entre tantas caras feias por atrapalhar a passagem, me vi
maravilhada pelo ambiente de criação cinematográfico. Estava num
corredor vermelho, com algumas molduras, com fotos chiques dos
presidentes daquela empresa, vim andando de costas, enquanto
admirava tudo e acabei deslizando no piso e desequilibrando para
trás, caindo no carrinho da limpeza.
— Ai, socorro! — Chamo tentando me levantar, mas minhas
pernas estavam para cima e meu bumbum parecia ter ficado
preso.
— Moça, meu Deus moça! — A mulher da limpeza chega e me
oferece a mão para que pudesse sair.

O negócio é que estava me dando vontade de rir, a água


do balde estava molhando minha roupa, bem no bumbum! E eu
estava entalada ali, como pode?! Até ela já estava começando
a rir.

— Vou chamar algum segurança do andar pra ajudar. — Avisa


segurando o riso e assinto, ficando sozinha e rindo de mim.

Ela não demorou a voltar, o segurança era bem alto, com um


terninho preto e uma cara bem séria, segurou na minha mão e
começou a me puxar. Até que enfim me livrei do balde, agradeci ao
moço e a mulher.

— Preciso chegar até a recepção, onde fica o elevador por


aqui?
— Tem um à esquerda, como você veio até aqui?
— Bem, eu vim pela escada, o elevador estava com uma
plaquinha amarela, achei que estava quebrado. — Ela franze
o cenho e percebo que segura o riso.
— Parece que você tá boiando por aqui, né? As placas
amarelas no elevador significam que tem figurinos indo e
vindo.
— A-ah, é?! Quer dizer que subi isso tudo por... nada? — Fico
indignada e ela assente com um leve riso.

Suspiro e agradeço indo para o elevador, ao entrar vejo um


moço com uma arara cheia de roupas, reviro os olhos discretamente
e cruzo os braços. Ele me olhava e eu o olhava de volta, desviamos
os olhares, mas vira e mexe estávamos verificando a presença um
do outro. No fim, ele saiu com a cara feia e fiquei sem entender.
Parei no meio do saguão da recepção e logo vejo Bae,
parecia preocupado.

— Ainda bem que te achei, estava preocupado.


— Aconteceu algo?
— É que disseram que tinha uma moça presa num balde, achei
que fosse você.
— E com que frequência isso acontece aqui?
— Nenhuma... Céus, você está bem Amália? — Não se
aguenta e começa a rir.
— Isso, vai rindo mesmo, ri da tragédia da sua amiga. — Faço
careta e ele continua rindo.

Pior que acabei rindo também, as pessoas passavam ali e


nos viam naquele estado, no mínimo deviam pensar que estávamos
malucos, mas quem se importa né?

— Vamos embora, acho que seu passeio já foi bem


emocionante por hoje. — Diz passando o braço por meus
ombros e assinto.

Do lado de fora, o ventinho da tarde fazia gelar a parte


molhada da minha roupa e percebi que algumas pessoas estavam
olhando.

— Me empresta seu casaco?


— Claro. — Tira e me entrega.
— Aliás, por que veio com isso?
— Costume... Ué, não vai vestir?
— Ah vou sim, — amarro na cintura, — agora ninguém mais vê.
— Vê o que? — Olho feio pra ele, e no mesmo instante sua
ficha parece cair. — Não creio que isso aconteceu logo de
primeira.
— Pois foi, e tem mais...
— Então vai contando. — Vejo suas bochechinhas ficarem
vermelhas pelo esforço em segurar o riso.
Na volta de ônibus, rimos bastante, e acho que incomodou o
cobrador, já que ele ficava fazendo caras estranhas toda vez que
dávamos risadas.

— Até que foi legal, mas preciso tirar essa roupa logo, meu
bumbum está frio! — Corro apressada para o banheiro assim
que ele abre a porta do quarto.

Escuto sua risadinha quando fecho a porta. Ainda no


chuveiro tentei ao menos esfregar aquela mancha cinzenta que
ficou da água suja.

— Ninguém merece... — Resmunguei quando meus dedos


começaram a doer.
Bae

Ainda naquela noite, tivemos um jantar bem tranquilo. Amália


me contou tudo que viu, inclusive o flagra no armário amarelo de
limpeza, rimos bastante.

— E a sua agente, a Emy, gostou do teste? — Pergunta um


tanto desconfortável e meneio a cabeça com cuidado.
— Sei que ela parece ser bem chata, mas só está preocupada
com os rumos que esse projeto vai tomar se não sair como
planejamos.
— Entendo..., mas precisa ser tão desagradável?
— Nisso você tem razão, no entanto, falei com ela sobre isso,
quero que se deem bem, pelo menos dentro do estúdio já
que fora não se veem.
— Saiba que da minha parte vou fazer o meu máximo, mas não
gosto de ouvir certas coisas descabidas. — Cruza os braços
e prendo o riso.

A última vez que vi aquele gesto não foi nada bom.

— Eu sei, e acredite em mim, como boa profissional, sei que a


Emy fará o mesmo, tudo bem assim? — Ela assente e relaxa
a postura, terminando de comer os bolinhos.

Quando retornamos ao quarto, nos arrumamos para


deitar, contudo o sono estava demorando a chegar para nós
dois.

— Não sabia que tinha virado um peixe. — Faço graça e recebo


uma tapinha leve, ouvindo sua risadinha.
— Estou sem sono, tem um filme passando na minha cabeça
desde o passeio de hoje à tarde. — Se vira e fica me
observando, então me viro também.
— No que tem pensado tanto?
— Em como nossas vidas mudaram e acabei lembrando dos
amigos que viviam conosco no colégio, o que será que estão
fazendo hoje, se gostam das suas carreiras, ou se casaram...
— Suspira e noto certa tristeza na sua voz.
— E você pensou nela também? — Me refiro a Nina, e a vejo
assentir.

O que aconteceu no final daquele ano marcou a todos nós, e


teve um grande impacto pra Amália principalmente, já que estava
tão próxima da cena e recebeu olhares tortos daqueles que menos
esperava.

Era mais um final de semana de filme, eu e outros dois


amigos nossos, já estávamos na fila guardando os lugares pra
comprar os ingressos, o namorado de Nina vinha e traria ela e
Amália. A fila estava grande naquele dia, então não nos
preocupamos com a demora, mas quando tudo começou a ficar
estranho, fui o primeiro a chegar no telefone público e discar o
número dos pais de Amália.

Um acidente, e todos três estavam feridos. Meu mundo caiu e


fui desesperado para o hospital, pedindo mentalmente que aquilo
não fosse real, que não passasse de um pesadelo, Que acordasse
logo...

— Fico pensando, se aquela discussão no carro não tivesse


acontecido, como eles estariam hoje... — Sua voz estava
baixa.
— Ainda me pergunto o motivo de te olharem feio por isso, se
quem estava dirigindo era ele. — Amália suspira e vira de
barriga pra cima.
— Ele estava meio bêbado pra começar, e Nina não gostou
muito disso, foi então que eu sugeri irmos andando ou de
táxi, mas ele se aborreceu e começou a falar um monte de
besteiras sobre mim, e você sabe que não sou de engolir
mentiras, ainda mais ao meu respeito... Ela tentou intervir, e
pedi pra descer já que o cara não parava de me insultar...
Tudo aconteceu tão rápido, ele começou a acelerar quando
tentei abrir a porta e depois, só lembro do clarão e quando
saí do hospital, o covarde já tinha dito que eu atrapalhei a
direção lhe forçando a parar e o fiz bater o carro...
— Só estou sabendo disso depois de todo esse tempo, e se
pudesse fazer algo, com certeza teria feito...
— Também queria que estivesse lá quando a notícia começou a
correr, mas você já tinha partido e até que minha memória
voltasse, eu realmente acreditei ter sido a responsável, mas
foi e sempre vai ser ele. — Cruza os braços.
— De uma coisa eu sei, Nina estaria feliz em te ver como
escritora publicada, lembro o quanto gostava dos seus textos
e narrativas nas aulas. — Posso ver o seu sorriso e ela se
vira novamente para mim.
— Vou colocar o nome da minha personagem como o dela, mas
vai ter um par de respeito, e não um mané feito o da vida
real.
— Te dou todo apoio.

Amália se move para perto de mim e ficamos ombro a ombro,


sentindo a pele e o calor do outro.

— Foi bom ter desabafado isso com você, precisava aliviar essa
carga de tempos... — Confessa apoiando a cabeça no meu
ombro. — Bae?
— Sim?
— Você é o melhor homem de todos, e não digo isso apenas
por ser meu melhor amigo e famoso, mas por valer tanto. —
Instintivamente começo a fazer carinho nos seus cabelos
macios e cheirosos.
— Posso dizer o mesmo de você Ami... minha melhor amiga,
incrível e famosa. — Escuto uma risadinha baixa e cansada
antes de notar que ela já cochilava escorada em mim.
Talvez estivéssemos precisando de um momento assim, para
não ficar mais voltando ao passado, essa foi nossa pendência de
quando de me mudei e agora não existia, apenas espaço para as
novas e boas memórias. Agora da vida adulta.

Acordei um pouco depois do horário de costume e a primeira


coisa que me dou conta, é que Amália não estava mais ao meu
lado.

— Ami? — Chamo baixinho e vou me levantando com certa


preguiça.

Lhe encontro na sala, concentrada com aquele seu bloquinho


de páginas amarelas e pela agilidade com o lápis, pude ter certeza
que sua mente estava revigorada e com a criatividade a todo vapor.

— Bom dia. — Falo e ela me olha com um sorrisinho no rosto.


— Você não vai acreditar, mas tive um sonho maravilhoso essa
noite e algumas partes dele cabem perfeitamente na minha
estória nova!
— Fico feliz em saber, então quer dizer que o novo ambiente
está te fazendo bem, hein? — Esboço o leve sorriso e a vejo
assentir.
— Bem, ainda é pouco, já posso prever o desfecho de tudo e se
conseguir concluir essa primeira parte, posso enviar uma
amostra para Donatella e garantir o contrato da editora. —
Seu rosto se ilumina e vou até ela, beijando o topo da sua
cabeça.
— Estou feliz por você, espero que continue assim e que
termine tudo em tempo recorde, — vejo seu sorriso — e já
estou te avisando que hoje teremos um dia bem cheio no
estúdio, está preparada para essa dupla jornada?
— Mesmo se não estivesse, teria que estar, afinal de contas,
vim até aqui, então tenho que cumprir minha parte também.
— É assim que se fala, amigos unidos...
— Jamais serão vencidos.

Resolvi fazer o café da manhã enquanto ela estava imersa no


seu universo. Achava engraçado vê-la criando, sua língua ficava pra
fora e não parava de se mover, como se estivesse “escrevendo”
também, sem contar nas caretas que fazia quando a dúvida
chegava.

— Que cheiro é esse? — Sua voz me desperta dos


pensamentos e começo a sentir o fedor de algo queimando.
— Minha omelete! — Me apresso em desligar o fogão, mas já
era tarde.

A parte inferior havia grudado na frigideira, a de cima ainda


estava mole, mas quando virei pra verificar, já estava queimado.

— Quero saber que tipo de receita chique é essa? — Começa a


rir enquanto vem até mim.
— Só me distraí por um segundo... — Resmungo jogando
aquilo fora.
— Quer ajuda?
— Não quero te atrapalhar, vai lá terminar sua escrita, juro que
a comida vai ficar boa.
— Ei, lembra daquele pique nique que fizemos no começo do
segundo ano, quando todos estavam fora e nós estávamos
de castigo? — Suas palavras saem divertidas e faço uma
careta.
— Me dá dor de estômago só de lembrar. — Começo a rir.

A questão era que nunca soube cozinhar muito bem, mas me


esforçava, o problema daquele dia em específico é que não dei
muita atenção aos detalhes e nosso pique nique acabou sendo no
hospital com intoxicação. Ficamos no soro, dividindo o mesmo
quarto, nossas mães estavam bem preocupadas enquanto nós dois
estávamos rindo da situação.
Quer dizer, qual a chance de um pique nique ir tão mal
assim?

O nosso café da manhã não foi a coisa mais gostosa que já


provamos nessa vida, certeza, mas deu pro gasto.

— Já vamos começar a filmar?


— Ainda não, temos que recrutar o restante do elenco e fazer
algumas listas para o figurino, cenário e outros materiais. —
Pareceu pensar um instante e seu olhar viaja além da janela
do ônibus.
— Esqueci de dizer a minha mãe que não vou estar em casa
esses dias...
— Como assim?
— Gravei um recado na secretária do telefone, mas ela não tem
costume de ligar...
— E você também não, né? — Me olha e acaba rindo.

Quando entramos no prédio, fomos direto para a sala de


testes que estivemos ontem. Havia uma pequena fila de pessoas
com papéis e figurinos no corredor.

— Todos vão fazer teste?


— Sim, mas você não precisa assistir se não quiser, temos uma
sala bem grande e silenciosa para que possa escrever se
quiser.
— Ótimo, mas antes me diga como posso chegar lá, não quero
cair em outro balde de novo. — Ri baixo e lhe indico o
caminho sutilmente.
— Até mais.
— Até. — Vai se afastando de forma tímida.

Os testes foram bem demorados, haviam muitas pessoas,


alguns estavam nervosos, outros estavam fugindo do texto e duas
garotas simplesmente entraram na fila errada por achar que era
para um comercial de sapatos.
Vimos boa parte da questão do figurino enquanto o almoço
não vinha, por alguns instantes minha cabeça vagou até minha
amiga, se estaria bem ou o que estava acontecendo naquela sala.
Sei que o dia seria cheio, mas ficava apreensivo que o agito
daqueles corredores atrapalhassem seu processo também. Afinal,
tinha lhe trazido para que fosse se adaptando ao ambiente aos
poucos e principalmente para sabermos se tudo isso não iria
interferir de modo negativo no seu livro.

Enquanto Amália estava longe, fiquei resolvendo detalhes e


mais detalhes com Emy. A mesma ainda estava aborrecida porquê
não dei o braço a torcer com a atuação da minha amiga no filme.

— Fiquei sabendo que ela causou certo vexame por aqui


ontem, tomou as providências? — Arqueia a sobrancelha pra
mim e franzo o cenho pra ela.
— Do que está falando?
— De não deixar ela longe, ficar sempre vigiando, não sabemos
o que essa garota é capaz de fazer estando sozinha por aí!
— Só pra lembrar, mais uma vez, estamos falando da minha
melhor amiga e não de um bichinho de estimação, Amália
sabe muito bem se virar.
— Caindo dentro de um balde, no meio do corredor da
presidência?! Olha Bae, não quero ser a pessoa chata, mas
você sempre está me colocando nessa posição e sugiro que
esse tipo de ceninha não fique acontecendo por aí, temos
uma imagem a zelar e um trabalho a fazer, não quero ter que
bancar a babá ou ficar ouvindo pelos outros o que sua
amiguinha andou aprontando por aí.
— Pode deixar, que com ela eu resolvo, e de resto, foque no
momento de agora, o que passou não volta mais. — Me
afasto e vou tomar um pouco d´água.
Haviam dias em que precisava respirar tão fundo que podia
segurar o ar por algum tempo, só pra focar em outra coisa senão as
reclamações e exigências de Emy.

— Bae! Olha só o que consegui comprar na máquina de


doces?! Isso é muito bom! — Amália entra de repente e
muito contente com um saquinho de doces coloridos.
— Ei minha filha! Não pode entrar aqui assim! — Emy
intercepta ela no caminho até mim, passo a mão na testa
procurando calma.
— Desculpa... E-eu...
— Você é muito sem noção e sem educação, onde já se viu
entrar num ambiente falando alto assim e sem bater na
porta?
— Emy! — Chamo sua atenção e vejo seus ombros
tencionarem, antes que se virasse para mim. — Dá pra parar
com isso?

Ela fica de cara feia e saí do caminho. Amália vem até


mim de forma tímida e com um semblante meio perdido.

— Desculpa, não queria te atrapalhar... — Pede baixinho e me


estende o pacotinho.
— Eu até comeria se não tivessem amendoim.
— Céus! Me perdoe, por um momento esqueci desse detalhe...,
mas escuta isso, elas são bem crocantes, com um equilíbrio
perfeito dessa cobertura e do amendoim. — Sorri de canto e
coloca uma bala roxa na boca, e naquele momento notei sua
língua toda colorida.
— Você já comeu quantas desse pacote?
— Várias! São muito boas e não consigo simplesmente parar de
comer. — Ri dela.
— Tenho que terminar alguns testes ainda, você pode ir pra
casa ou me esperar por aqui.
— Acho melhor ir pra casa, posso fazer o jantar que tal? Sei
que você já almoçou por aqui, e também já me entupi de
besteiras. — Sorri sem jeito.
— Ótimo, meu estômago agradece, tenho que admitir que senti
falta da sua comida. — Recebo uma leve tapinha e a mesma
me abraça antes de sair da sala.

O olhar de Emy estava escuro e seu semblante expressando


toda sua raiva por ter sido contrariada na frente de todos ali. Mas
isso era uma questão que resolveria depois.

O próximo a ser testado era Romeo, que por incrível que


pareça estava bem empenhado em conseguir o papel de mocinho,
não que isso fosse de se estranhar, entretanto, vindo de uma
pessoa que fez comentários tão fracos a respeito do meu projeto na
sala de apresentações, isso me deixou com um pé atrás.
Amália

Já que a volta pra casa era de ônibus, então não tinha risco
de me perder. Pelo menos era o que desejava evitar que
acontecesse.

Ainda faltavam pelo menos duas horas pra Bae retornar, não
me desesperei para fazer o jantar. Me sentei com meu caderninho e
um pequeno monte de folhas, mas demoraria muito se fosse
escrever cada folha daquelas anotações na mão.

Fui até a recepção e perguntei se em algum lugar eles tinham


uma máquina de escrever, inicialmente a moça não queria me
liberar, mas acabou me reconhecendo quando comparou a foto do
livro comigo. Troquei um autógrafo pelo uso da sala.

O lugar era bem aconchegante, a iluminação era bem focada


nos livros de contabilidade, documentos de anos e anos de
funcionamento, além de ser completamente silencioso. Haviam
algumas máquinas por ali, todas desocupadas, escolhi uma
verdinha que tinha as teclas meio amareladas pelo uso constante.

— Vamos lá Amália, é sua grande chance... — Digo a mim


mesma quando me sento.

Encaixo as folhas, estico os dedos e abro o bloquinho para


continuar de onde parei e depois repassar o que estava pronto nas
folhas.

“{...} estava total e completamente apaixonada por ele, mas


como? Como um sentimento desse tipo pode surgir assim? Apenas
com olhares, sorrisos e conversas, já que isso é algo típico entre as
pessoas. Em questão de dias Joe virou meus pensamentos e agitou
meu coração, no entanto algo em mim me deixava desconfiada de
que não sentia o mesmo e se quer desconfiava que era isso que eu
estava sentindo. O tal do amor.”

Ainda que a escrita tenha fluído bem, me perdi em


pensamentos algumas vezes, todos voltados a Bae, o filme e Emy.
No entanto saí dali com pelo menos dez novas páginas feitas, a
mulher que me ajudou, ficou bastante empolgada quando passei pra
lhe devolver as chaves e contei um pouco do novo projeto.

— Estou amando seu livro, tem um toque bem especial e


diferente de todos os outros que já li — sorri com suas
palavras e seu semblante acende, — tive uma ideia, se não
for exagero claro, mas você aceitaria ir comigo para o clube
do livro que participo? É nesse fim de semana o encontro, e
vamos debater justamente sobre sua obra. — Meu coração
falhou uma batida e imediatamente me vejo assentido pra
ela.
— Claro que sim! Só me diz o horário que já fico por aqui te
esperando.
— É às cinco e meia, mas saio daqui um pouco antes, já que o
ônibus demora a passar no final de semana.
— Tudo bem, então estarei aqui de cinco.
— Você é incrível, nunca vou esquecer disso! — Dá pulinhos
contidos e sorri.

Logo nos despedimos e voltei para o quarto. Guardei os


papéis em um envelope amarelo e deixei em cima da escrivaninha,
pediria a Bae para pôr em um lugar seguro quando chegasse.
Usei o livro de receitas para fazer o jantar, eram pratos
coreanos, mas o que escolhi pareceu dar certo no fim das contas.
Uma panqueca de batatas com uma bela salada fresca, era tudo
que precisávamos para repor as energias. A questão era que
mesmo depois de horas escrevendo e mais algum tempo fazendo o
jantar, meu amigo ainda não tinha chegado, o que me deixava
preocupada.

Chequei a secretária eletrônica, ele havia avisado que


demoraria mais que o normal para voltar, pois estava adiantando
detalhes do filme.

— Bem, terei que ser minha companhia para o jantar.

Ali, sozinha, observando algumas fotos dele em premiações,


algumas capas dos filmes e alguns detalhes da organização da sua
casa, me fizeram soltar um longo suspiro. Talvez estivesse com
mais saudades do que imaginava, e estarmos juntos outra vez me
deixava tão eufórica que a trava criativa foi embora sem que eu
percebesse.

Deixei um pequeno bilhete antes de deitar.

“Obrigada por tudo que está fazendo por mim e


principalmente, não esqueça de ir tomar café da manhã comigo
naquela padaria, apesar da correria não esqueci do seu convite e
estou te convidando a irmos logo. Boa noite”

Me preparei para dormir e assim que deitei, Bae chegou.

— Ami?
— Eu? — Me sento na cama e logo o vejo aparecer e sorrir.
— Desculpe, te acordei?
— Acabei de me deitar, deixei seu jantar no forno.
— Obrigado e desculpe a demora, achei que seria bom
antecipar muitos detalhes do filme, só não pensei que
demoraria tanto, mas Emy não facilitou muita coisa...
— Quando começamos a gravar?
— Amanhã mesmo, então sairemos cedo daqui, pra que você
possa ensaiar, fazer a maquiagem, o cabelo e tudo mais.
— Cedo quanto?
— Ás seis.

Processo a informação por alguns instantes e ele vem se


aproximando.

— Algum problema?
— Não... é que eu tinha pensado em irmos naquele lugarzinho
que você me mostrou, quero muito ver como é por dentro e
tirar algumas fotos pra deixar registrado antes de voltar pra
casa, sei que o processo do filme não vai deixar tanta brecha
de tempo e ainda tenho meu livro, então quero aproveitar
com você algumas oportunidades. — Vejo que pareceu
desapontado e segura minha mão.
— Não vou deixar você voltar a Milliot sem antes conhecer
aquele lugar, mas precisamos dar prioridade a nossa
agenda, sei que o seu prazo é menor que o meu.
— Me promete então?

Unimos os mindinhos e sorrimos um para o outro.

— Prometo, agora vem ver as roupas que trouxe pra você


experimentar. — Me levanto empolgada e saímos juntos até
a pequena sala de estar.

Ele havia deixado as sacolas em cima do sofá, e assim que


abri, pude ver várias estampas e cores.

— Uau! Já gostei bastante, posso experimentar tudo?!


— Claro, as que te servirem melhor já vão servir de norte para
os figurinistas produzirem algumas peças do filme.

Assinto e saio apressada para o banheiro.


Pego um macacão jeans e uma blusinha branca com arco-
íris, visto e saio para ele ver. Desfilando de um jeito desengonçado,
mas me sentindo uma estrela de Hollywood.

— Está ótimo pra jardinagem. — Implica e faço cara feia.


— Diz isso porquê com certeza não caberia em você. — Cruzo
os braços e ele faz uma cara de descrença.
— Pois bem, quando fizer a próxima troca, me empreste e vou
lhe mostrar.

Ri baixo e volto para o banheiro. Uma jaqueta caqui com


franjas nos braços, com um vestido verde claro que chegava até os
tornozelos. Entreguei o macacão a ele na saída e fiz uma breve
demonstração do look.

— Não gosto dessa cor.


— Por que?
— Ela é sem graça Bae. — Acabo rindo quando ele aponta para
a cor da calça que estava usando.
— Esse é um assunto delicado, não me faça explicar o motivo
dessa cor ser incrível.
— Você é brega.
— Brega? Pegou pesado, vamos tirar isso a limpo amanhã. —
Seu olhar já me dizia tudo. Uma aposta.
— Manda o desafio, sabe que não sou do tipo medrosa.
— Amanhã vamos bem arrumados para o estúdio e a Taylor, vai
fazer uma avaliação completa, quem perder paga a comida
do passeio.
— Só isso? Quero mais.
— Vai passar o resto da semana usando as indicações do outro.
— Agora sim! Vou te fazer usar uma corzinha melhor.
— Aham, vai sonhando. — Ele entra no banheiro para
experimentar o macacão.

Por incrível que pareça ficou ótimo, menos na parte da


cintura que obviamente ficou apertada nele.

— Vai precisar de ajuda pra sair daí.


— Não deve ser tão difícil já que entrei.

Infelizmente ele estava terrivelmente enganado, e acabou


enganchado na roupa. Entrei no banheiro pronta pra puxar e ajudar
a sair, mas estava difícil e a cada esforço ouvíamos a costura
estourar em alguma parte.

— Ami, cuidado, não podemos rasgar isso, tenho que


devolver...
— Estou sendo o mais cuidadosa possível, mas é você ou a
calça... — Respondo um pouco sem fôlego, — caramba Bae,
parece que colou!
— Era para consolar?
— Vamos ter que forçar mais.
— Vai rasgar! — Fica nervoso e começa a rir.
— Ei, não é hora pra isso!

A questão era a seguinte, o riso de nervoso dele o fazia


perder as forças, e se já não estávamos numa situação muito boa
na disputa contra a roupa, imagina com ele rindo sem parar?

Demoramos nada mais, nada menos que trinta minutos para


tirar o bonitinho de dentro da roupa. No fim, sentamos no chão,
como se tivéssemos corrido uma maratona, ele colocou uma
almofada sobre as pernas para cobrir sua cueca e acabei rindo alto.

— Fala sério, isso não pode ter acontecido, quer dizer, qual a
chance? Será possível que estamos destinados a esses
micos sempre que estivermos juntos? — Continuo rindo.
— É por causa desses micos que estamos unidos até hoje, sem
volta. — Diz revirando os olhos e começa a rir também.
— Promete pra mim que nunca mais vai vestir um macacão?
— Não posso prometer isso, mas sim que vou utilizar um
número mais confortável. — Nos olhamos e voltamos a rir
feito bobos.
Arrumamos a bagunça, ele foi comer e eu mergulhei de cara
nos travesseiros, precisava de um bom descanso.

Dentro do meu sonho, era ele quem estava comigo,


caminhando de mãos dadas e me abraçando diante de um pôr do
sol estonteante, da forma mais romântica e carinhosa. A sensação
que aquela imagem me deu, deixou meu coração bem quentinho, foi
tão real...

E quando aquele despertador escandaloso começou a tocar


a fofura acabou e senti uma grande vontade de chutar ele pela
janela, só pra ver se ia continuar tocando lá da calçada quando se
espatifasse. Mas com a minha sorte, ele acertaria a cabeça de
alguém ou jogariam de volta.

A solução era levantar e desligar. Com um murro amigável.

— Desculpa, eu mesmo queria te acordar, mas fui providenciar


nosso café. — Bae aparece na porta do quarto e sorri
desconfiada.
— Sem problemas, seu despertador é ótimo. — A ironia escapa
no tom de voz.
— Jura? Vou te dar um desse de presente então.
— Pensando bem, ele só combina com você, e adoro o meu,
está velhinho, mas prefiro os clássicos. — Ele começa a rir.
— Você só gosta dele porquê mal dá pra ouvir de tanta queda
que já levou.
— Olha lá... — Cruzo os braços e viro de costas pra não rir.
Bae
Nos arrumamos para ir ao estúdio, colocamos nossas
melhores combinações para a avalição de Taylor, mas antes, tive
que mandar o macacão para um conserto breve. Notei que Amália
não conseguia focar nas anotações do seu bloquinho, e mordia o
lábio com certa constância o deixando avermelhado.

— Está tudo bem?


— Só estou um pouco preocupada em como vou me sair no
primeiro dia. — Sorri de canto.
— Só respira, tá? Esse é o segredo de tudo. — Ela segura
minha mão e apoia a cabeça no meu ombro.
— Por que você não anda de carro aqui?
— Gosto dos ônibus e meu carro está na manutenção. — Ela
levanta o olhar para mim e naquele momento sinto que meu
coração recebeu um impulso a mais.

O restante da viagem foi feito em silêncio, mas não deixei de


notar nossas mãos dadas e toda sua proximidade comigo. Claro que
aquilo não era estranho, éramos amigos de longa data e já
havíamos feito aquilo centenas de vezes, no entanto agora estava
parecendo bem diferente.

— O filme vai ter uma festa de estreia? — Quebra o silêncio e


sorri grato.
— Claro, e vamos entrar juntos pelo tapete vermelho certo?
— Não perderia isso por nada, vou pode dar muitos autógrafos.
— Escuto seu risinho divertido e acabo sorrindo com isso.

Haviam pequenos detalhes nela e apenas dela que nunca vi


em mais ninguém, mesmo que estivesse procurando, ainda não
encontraria. Amália, só havia uma.
Assim que chegamos ao estúdio, já recebi a pasta amarela
com os textos a serem ensaiados.

— Essas são suas falas, preciso que estude e se concentre


enquanto organizam os cenários e te arrumam pra gravar.
— Exatamente quanto tempo eu tenho para decorar isso?
— Não precisa se preocupar com o tempo, faremos uma parte
por vez, e se errar também não tem problema, podemos
fazer de novo. — A vejo assentir e quando as portas do
elevador se abrem, entramos juntos e os olhos dela
começam a passear pelo texto com as falas da sua
personagem.
— Uma pergunta, — a olho — como conseguiu terminar tudo
que estava faltando em tão pouco tempo?
— Lembra das reuniões com patrocinadores? Então, uma das
pessoas ofereceu o apoio com a equipe de roteiro para a
conclusão imediata da história, digamos que ele é meu fã e a
filha dele ficou empolgada em saber que a escritora favorita
também vai estar nessa produção.
— Jura?! Quer dizer, você está mesmo insinuando que a filha
de um dos seus patrocinadores é mesmo minha fã?
— E você tem alguma dúvida?
— Caramba... não tenho, é que... uau! Acho que ainda não
fazia ideia de onde cheguei com meu livro.
— Sem noção, né? — Ela faz careta e ri de mim.
— Só um pouquinho. — Gesticula.

Enfim saímos do elevador e damos de cara com Emy.

— Espero que tenham conversado o suficiente ai dentro, temos


muito trabalho pela frente. — Amália segura minha mão
como que para controlar o nervosismo, que obviamente,
minha agente despertava nela.
— Primeiramente, bom dia.
— Pra quem? — Bufa e começa a caminhar na nossa frente.

Fomos até a sala de figurino para deixar Amália se


arrumando com o pessoal e ensaiando suas falas tranquilamente,
enquanto isso, fui até o estúdio da gravação para checar a
montagem de todo o cenário, iluminação e o material de filmagem.

— Você deu muita sorte que um dos patrocinadores te deu boa


parte das coisas.
— E isso é ruim?
— Claro que não, por quê acha isso?
— Pelo seu tom de voz, ás vezes parece que você gostaria que
isso fosse bem mais trabalhoso e estressante, só pra ficar
repetindo que tinha razão. — Emy bufa e toca meu ombro.
— Para de ser paranoico, se você for mal é sinal que meu
trabalho não está sendo bem feito.

Me mantenho em silêncio, até que sou chamado e me afasto


dela para verificar a posição de alguns móveis para a primeira cena.

O cenário estava perfeito, bem como nos desenhos e


projetos que foram apresentados, todas as câmeras estavam bem
posicionadas e a iluminação já havia sido testada junto aos
microfones.

A equipe já estava pronta, os atores e figurantes já


começavam a chegar, não tive nenhum sinal de Amália. Emy estava
ocupada mascando seu chiclete e nem percebeu que ainda estava
faltando uma parte do elenco.

— Só vira quando eu disser. — Escuto a voz da minha amiga e


fecho os olhos já com um sorrisinho se formando.
— Por onde entrou?
— Vim escondida na arara da Taylor. — Sua risadinha sapeca
faz cócegas no meu pescoço e me arrepio.
— Posso te ver?
— Uhum...

Me viro devagar e abro os olhos, vendo seu lindo sorriso e


quanto estava bonita. A maquiagem leve realçava seus traços, seus
cabelos foram delicadamente modelados e a roupa lilás lhe caia tão
bem que me deixou sem palavras por um instante.

— E então? — Dá uma voltinha animada e finalmente consigo


racionar algo.
— Está incrível! Não podia imaginar melhor, você ficou linda
Ami. — Seu rosto se tinge em um vermelho tão gracioso.

Nossos olhares se encontram e tudo pareceu ficar em


silêncio por uns segundos, até Emy mandar ela se posicionar.

— Essa mocinha conversa demais, e você dá muito cartaz Bae!


— Bebe água e passa seu braço pelo meu quando comecei
a me dirigir até a cadeira de diretor.
— Sem problemas hoje, tudo bem?
— De forma alguma.

O silêncio foi ganhando espaço aos poucos, Amália já estava


em posição, como Ester, sua personagem.

— Luz... Câmera... Ação!


Amália

A primeira cena estava inteira na minha cabeça, não só as


minhas falas, como as dos outros. Aquele colega de Bae, o tal
Romeo era o meu par romântico pelo que entendi, mas ainda não
sabia se teria coragem de lhe dar um beijo mais para a frente.

— Ester, você tem que entender que nem tudo é para ser como
desejamos, ás vezes temos apenas que acatar o que nos foi
reservado!
— Jura? Não foi isso que me disse na noite em que te falei
aquelas coisas...

Tentei transparecer toda a tristeza e raiva da minha


personagem, mas sentia um olhar distante que me reprovava, e
podia ter certeza que era de Emy.

— Não pode usar nossa história como um pretexto, imagina se


isso escapa por esses corredores?!
— Nem brinque com isso... sei que correríamos um risco
enorme, principalmente você.
— Uma acusação de traição é a gota d´água..., — se aproxima
de mim e segura minhas mãos, que obviamente estavam
frias pelo nervoso — mas você sabe Ester, que iria até o fim
do mundo por você, não é? — Acaricia meu rosto.

A atuação de Romeo era impecável, e estava me esforçando


para lhe acompanhar, mas quando ia concluir nossa cena, uma voz
no megafone interrompe tudo.

— Corta! — Era Emy, sem nenhuma surpresa até aí.


— Qual o problema? — Bae olha confuso pra ela.
— É, o que foi? — Romeo põe as mãos na cintura.
— Não estão vendo que ela está completamente travada? Cadê
a emoção? Você está planejando partir e abandonar seu lar,
e seu amor junto, e não consegue expressar nada disso?! —
Olha diretamente para mim e sinto um nó no meu estômago.
— Vou melhorar. — Respondo sem cortar nosso contato visual
e acho que aquilo lhe irritou um pouco.

O quê? Ela acha mesmo que vai ficar me dando gritos e


reclamações desnecessárias e que vou ficar me escondendo?
Nana, nina, não, meus pais não criaram uma garotinha assustada.

— Era só isso? — Meu amigo estava visivelmente irritado com


sua atitude e ela assente voltando ao seu lugar. — Do
começo, por favor. — Ele diz respirando fundo.

Voltamos as posições iniciais, comigo sentada na cama


fofinha e bagunçada de Ester e Romeo do outro lado da porta falsa,
que estava bem polida e tinha um trinco redondo com um detalhe
floral que era muito bom ao toque.

Repetimos o começo e felizmente prosseguimos sem


nenhuma interrupção para a próxima parte.

— Por favor, me diga que não vai levar essa ideia pra frente? —
Romeo, quer dizer, Sam, toca o rosto de Ester com ternura.
— Se ficar, terei que ser um fantoche deles e de toda forma,
vou acabar sem você...
— Claro que não, já te disse que...
— Pare! Pare com isso, sabe muito bem que existem pessoas
aqui capazes de te usar para conseguirem o que querem de
mim, colocando sua vida em risco! — Me afasto dele e
coloco a mão no coração.

Cenas de drama sempre foram bem impactantes pra mim, e


ás vezes adorava interpretar as cenas dos livros que lia. Só para ter
certeza que estava no clima.
Junto a Romeo, a cena fluiu bem, e com o restante do
pessoal também, a primeira parte demorou mais ou menos uma
hora, já que entre uma troca e outra de cenários, tínhamos um
tempinho pra revisar as falas, retocar a maquiagem e outros
detalhes.

Não sabia que as coisas eram tão frenéticas, só naquelas


horas que ficamos ali dentro, já conseguimos antecipar cenas do
começo e do meio do filme, não todas, claro, mas uma moça da
produção me disse que era a melhor forma de otimizar o trabalho,
principalmente com o prazo que tinham recebido.

— Amália, poderia vir comigo um instante? — Emy me chama e


estranho seu tom de voz, tão calmo.
— Algum problema?
— Não, não... quer dizer, fico até sem jeito de te pedir isso, mas
esqueceram seu próximo figurino e gostaria que fosse pegar,
tenho que ajudar com algumas coisas aqui, pode ser?
— Claro, onde pego?
— No final do corredor, uma porta vermelha. — Assinto e ela
gesticula de forma a me dispensar.

Saio do set e vou caminhando até a tal porta vermelha. De


fato, haviam vários figurinos quando entrei lá, as etiquetas tinham os
nomes dos atores, o número da cena e do filme que estavam sendo
usados.

— Ué, onde está o meu? — Me perco entre as roupas quando


vou passando pelas araras a procura de uma etiqueta com
meu nome.

Não sei quanto tempo passei ali, mas quando saí para voltar,
vi Bae saindo do elevador com uma feição preocupada.

— Céus! Onde você estava?


— Eu, vim pegar um figurino...
— Que fi... — Emy aparece na porta da sala de gravação, na
outra parte do corredor.
— Ei! Que bom que você apareceu menina, já atrasou tudo,
ande logo! — Faz cara de brava e passo apressada para a
sala.

Realmente meu amigo estava nervoso, deu passos largos até


a sala e tomou um gole generoso da sua água quando se sentou. A
staff que estava me auxiliando veio me ajudar a vestir às pressas.

Respiro fundo quando sinto algo estranho e sufocante


crescer em mim.

— Logo no primeiro dia de gravação bonequinha? — Romeo


comenta com um sorrisinho, me analisando de cima a baixo.
— Só fui buscar uma roupa.
— Que roupa, se todas estão aqui? — Perco meu fôlego por um
instante.

Era possível mesmo que ela tivesse feito aquilo para me


prejudicar? Assim tão na cara?!

Deixo aquela conversa pela metade e vou gravar a próxima


cena. Era um jantar, e a mesa estava farta de comidas de cera o
ator que dava vida ao pai da minha personagem estava pegando em
quase tudo e analisando de forma cuidadosa.

— Não come, tá? Me engasguei feio quando tive essa ideia. —


Diz com um ar de riso e assinto rindo baixo.
— Prontos? — Bae diz indo até o lado do câmera-man. —
Ação!

A cena do jantar foi tensa, me senti realmente intimidada pela


sua performance, e algo em mim crescia, como uma empolgação,
para dar meu máximo e não deixar a equipe decepcionada. Pelo
menos não mais do que já poderiam ter ficado com meu sumiço.
O dia foi bem intenso, cansativo e em alguns pontos
estressante. Aquele negócio de retocar maquiagem, tira roupa, bota
roupa, vai pra um lado e vai pra o outro, me deixaram esgotada, pior
que não tinha uma cena que minha personagem passasse pelo
menos dois minutos sentada, a criatura realmente tinha dias bem
agitados e turbulentos.

— Está com fome? — Escuto a voz de Bae do outro lado da


porta enquanto lavo o rosto pra tirar aquela maquiagem.
— Estou sim, morrendo! — Ri baixo enquanto enxugo o rosto e
logo abro a porta.

Ele parece tomar fôlego antes de começar a falar outra vez.

— Como está se sentindo?


— Incrivelmente cansada, atuar cansa demais! — Suspiro e
estalo os dedos das mãos.
— Te entendo perfeitamente, mas a boa notícia é que as
filmagens de hoje estão encerradas.
— Ótimo, meu corpo pede banho, comida e cama. — Ele sorri
de canto, percebo algo em seu semblante.
— O que está te incomodando? — Sua hesitação demora
alguns segundos, até que se pronuncia.
— O que aconteceu pra você sumir no meio da filmagem?
— Ah isso... — cruzo os braços, — a Emy, me falou que...
— Bae! Bae! Preciso de você aqui! — Falando nela, a mulher
grita por ele do outro lado da sala.
— Um minuto!
— Agora, não temos tempo a perder! — O vejo suspirar e faço
o mesmo.
— Quando chegar em casa, quero me conte o que ela falou e
não me esconda nada, okay?
— Okay. — Ele se afasta com certa pressa e fecho a porta do
banheiro.

Estava bem certo que ela tentaria me sabotar, a questão era


se deixaria que fizesse disso um inferno pra mim. É claro que não
seria assim, mas hoje Emy já havia marcado um ponto a seu favor.
Bae precisou ficar, mas gentilmente aceitei a carona de
Romeo até o hotel, era um pouco tarde e o ônibus vinha um pouco
lotado.

— Grata pela carona. — Digo no caminho.


— Não precisa agradecer, achei que seria meio difícil te
conhecer melhor se fosse embora sendo espremida. — Ri e
esboço um leve sorriso. — Me fala um pouco de você.
— Sou escritora e nunca atuei antes. — Ele abre a boca e
balança a cabeça em negação.
— Jura? Quer dizer, não parece, normalmente os principiantes
ficam bem nervosos e você... nossa! Merece aplausos. —
Seu tom de voz é sincero e animado, o que me faz rir.
— Obrigada pelos elogios, mas só...
— Ah, por favor, não me diga que foi seu mínimo ou apenas sua
obrigação, está bem claro que você leva muito jeito pra essa
coisa toda, — sorri e me olha rapidamente — se fosse pra
escolher, com qual carreira seguiria, no cinema ou de
escritora?
— Sem dúvidas a de escritora.
— Por que?
— Não me leve a mal, mas mesmo com toda essa magia do
cinema e a energia das filmagens, essa profissão é muito
estressante e não acho que seria justo comigo.
— Nisso tenho que concordar, mas uma hora tudo isso acaba
se acomodando pra você e nem parece mais tão
estressante.
— Te acho suspeito para falar disso. — Brinco e o vejo sorrir
novamente.

O caminho até o hotel foi bem tranquilo, Romeo era bem


mais que um rostinho bonito ou aquele personagem fútil que se
apresentou para as câmeras aquele dia no saguão.
— Mesmo que não siga como atriz, espero te ver mais vezes,
quem sabe até em premiações? Tem isso pra escritores? —
Seu risinho sínico me dizia que era uma breve indireta.
— Tem sim, mas não chamaria você. — Devolvo o sorriso e ele
dá de ombros.

Felizmente não ficou nenhum clima estranho quando desci do


carro e agradeci, mas era isso mesmo, quem fala o que quer, escuta
o que não quer.

— Até amanhã! — Diz e aperta a buzina, apenas aceno e vou


entrando.

Assim que entro no quarto solto um longo suspiro, e reparo


na organização do ambiente, provavelmente o serviço de quarto
veio trocar as toalhas e deixar as correspondências.

Vejo um lindo buquê de flores na mesinha de centro e um


cartão bem bonito à vista, com meu nome para minha surpresa. Me
aproximo e pego para ler, era de Donatella e dos meus pais.

Parece que leram meus pensamentos quando lembrei que


não havia os avisado, o cartão tinha uma bela bronca pelo susto,
mas felizmente minha agente me viu na TV com Bae e tratou de
acalmá-los por mim.

Fui até o telefone e liguei pra eles, não atenderam e pelo


horário já deveria ter desconfiado que estariam dormindo, então
deixei um recado na secretária eletrônica.

Tomei um bom banho e coloco o pijama, apesar dos


pensamentos frenéticos sobre a falsa preocupação de Emy quanto a
mim e meu trabalho. Não sei por qual motivo estava fazendo isso,
quer dizer, eles estavam trabalhando juntos e se o objetivo era fazer
tudo certinho, que sentido tinha essa perseguição dela comigo?
Tomei um belo suco de maracujá e devorei alguns bolinhos
antes de ir me deitar.
Bae

Conversei com Emy por pelo menos vinte minutos, voltamos


ao debate sobre a atuação de Amália no filme, ela definitivamente
queria que a expulsasse.

— Queria que me desse pelo menos um motivo justo pra isso,


porquê pelo que estou entendendo não passa de uma birra e
nem tem fundamento!
— Birra?! Bae, por favor, sou uma adulta e sei muito bem das
minhas responsabilidades e deveres, e o meu principal dever
nesse momento é de te alertar que essa garota não é a
pessoa certa para essa filmagem!
— Olha, está ficando tarde, os produtores e os editores
gostaram bastante dos testes dela e das cenas que fizemos
hoje principalmente, então não posso só levar o seu
desagrado como desejo final. — Seu rosto estava vermelho
de raiva.
— Será possível que não enxerga?! Ela sumiu no meio de uma
filmagem, de propósito, será que isso é profissional? —
Cruza os braços e bate o pé.
— Um motivo teve, e posso jurar que ouvi o seu nome escapar
da boca dela. — Desafio olhando em seus olhos, a vejo
estremecer.
— Além de irresponsável é uma causadora de intrigas?
— Conheço Amália há tempo suficiente pra saber do seu
caráter.
— E o meu é duvidoso por isso?
— Claro que não, mas sua recente postura está me deixando
desconfortável, já que estamos trabalhando todos juntos,
contudo, você parece não fazer muita questão além de
colocar ela para fora. — Emy bufa e balança a cabeça saindo
da sala, batendo a porta.
Solto um longo suspiro, sabia muito bem que Amália não faria
aquilo de propósito, mas também não queria aceitar a possibilidade
de que minha própria agente estivesse tentando sabotar meu
elenco.

Quando finalmente chego ao hotel, vou direto até o quarto,


tudo está escuro e silencioso, passava da meia noite, vejo o buquê
de flores na sala com o cartão aberto, mas não atrevo a bisbilhotar.
Vou até o quarto e minha amiga está bem espalhada na cama, o
lençol cobria uma de suas pernas, enquanto a outra estava apenas
coberta pela calça laranja do pijama, seu sono estava tão profundo
que a mesma nem se mexeu quando esbarrei na cadeira da
escrivaninha ao pendurar meu casaco.

Fui me banhar e preferi descansar no colchonete que ficava


guardado no fundo do guarda-roupas. Peguei os travesseiros que
precisava na cama, e por alguns instantes me perdi admirando
Amália, seus cabelos espalhados nas cobertas, até mesmo a
delicadeza de sua respiração.

“O que está acontecendo comigo afinal?!” — Me repreendo


mentalmente.

Estava tão cansado que não demorei a pegar no sono, mas


logo cedo, na melhor parte no meu sonho sinto um peso sobre
minhas costas e em seguida um baque bem do meu lado.

— Ai!... — Abro os olhos assustado e vejo Amália bocejar e


esfregar o cotovelo.
— Se machucou?
— Não, eu... por que não dormiu na cama? — Se levanta meio
desengonçada e analisa o cotovelo.
— Não quis atrapalhar seu sono.
— Jura? Inventa uma desculpa melhor, estava tão cansada que
se derrubassem essa porta eu não ouviria. — Resmunga
prendendo o cabelo em um rabo de cavalo torto.
— Me perdoe por tentar ser educado com a visita.
— Visita? — Faz careta. — Visita vem e vai embora no mesmo
dia, ainda tenho três semanas por aqui, sou uma inquilina.

Lhe acompanho com o olhar enquanto entra no banheiro e


mais uma vez me repreendo por ser levado por aquela sensação
estranha.

— Vou pedir nosso café da manhã, não vai dar tempo de fazer.

Ela aprece na porta do banheiro com a boca cheia de


espuma da pasta e a escova de lado, gesticulando sei lá o que.

— Sabe que sou péssimo em mimica... — Ela continua fazendo


gestos e acabo rindo quando a mistura começa a escorrer
por seus lábios. — Você é um zumbi com raiva!

Amália revira os olhos e vai lavar a boca pra falar.

— Zumbi com raiva é você, eu estava querendo saber se


podemos ir até a lojinha ao invés de comer aqui, se me
lembro, tem um ponto de ônibus bem na esquina. — Sorri
meiga e ponho as mãos na cintura.
— Promessa é dívida, então vamos. — Finjo mau humor e ela
me surpreende ao pular em meus braços, lhe seguro pra não
se machucar.
— Você é uma pessoa ótima, te perdoo por me derrubar logo
cedo. — Brinca e me dá um beijo molhado com aquele
frescor de menta.
— Em minha defesa, você deveria olhar por onde anda. — Beijo
sua testa e a vejo se afastar com um olhar sapeca.
— Não me responsabilizo por isso. — Vai saindo e ri sozinho
com seu jeito.

Se bem me lembrava, essa não era a primeira vez que ela


esbarrava em alguém que dormia no chão, mas já havia ocorrido de
uma forma mais séria.

Enquanto ela se arruma, vou fazer minha higiene e ao sair do


banheiro esbarro com ela.

— Hoje não é seu dia. — Provoco e ela ri.


— Estou procurando um brinco, quero que Taylor me dê a nota
máxima pra você perder a aposta. — Sorri convencida e faço
o mesmo.
— Tem razão, com a correria de ontem nem falamos com ela
sobre isso, vou me arrumar, pra VOCÊ perder.

Passo por ela e escuto sua risada.

— Com essa sua calça sem graça, duvido!

Reviro os olhos ouvindo seu comentário e vou me vestir. Ela


estava bem confortável com as sandálias de dedo na cor branca, a
calça jeans folgada e com a lavagem clara, a blusa de alcinhas em
listras coloridas, além do rabo de cavalo bagunçado.

Não posso negar que todo esse conjunto acabou mexendo


com algo em mim. Encarar aqueles olhos castanhos claros
ultimamente estava sendo um mar de descobertas, era minha
melhor amiga, ao mesmo tempo que parecia estar se tornando outra
coisa.

— Ei! Acorda, ou você vai sem a camisa? — Aparece de braços


cruzados na porta do quarto e ri.
— Não sabe bater? Eu estava pensando qual cor fica melhor. —
Minto e pego uma camisa verde musgo pra comparar com a
vermelha.
— Não posso opinar, tenho muito bom gosto para isso. —
Limpa a garganta com um sorrisinho sapeca e saí do quarto
ao pegar sua bolsa.
— Quem ri por último, ri melhor.

Enfim saímos do quarto para tomarmos o café da manhã. Ela


havia levado sua polaroid para fazer as fotografias que estava
ansiosa.

— Por que nunca trouxe ninguém aqui mesmo? — Pergunta


analisando os detalhes.

As paredes eram de um leve tom de goiaba, com detalhes


em branco, formando molduras vazias, entre cada espaço delas
havia um vaso de planta preso a parede, todas verdadeiras e que já
abriam pequenos e delicados botões.

— Nunca tive vontade de compartilhar esse lugar com outra


pessoa... até agora. — Confesso e ponho as mãos nos
bolsos.

Ela me olha e sorri de canto, tirando uma foto surpresa. Mas


antes que pudesse repreendê-la por isso, a mesma se afasta indo
em direção ao balcão, os docinhos e pães estavam sendo expostos
e o cheirinho preenchia o lugar de modo sutil, Amália tirou foto das
mesas ainda vazias, eram redondas e de um tamanho perfeito para
não deixar o ambiente apertado, as cadeiras de ferro, na cor branca
e com as almofadas marrons, davam um toque de classe e cuidado.

— E aí, o que achou daqui?


— Achei que não precisaria fazer essa pergunta com toda essa
animação que estou — sorri, — é lindo! Cada detalhe é
perfeito, me sinto dentro de uma cena de filme romântico,
aqueles clichês de amor à primeira vista. — Ri baixo.
— Tão específica, já imaginou se o cara dos seus sonhos passa
por aquela porta? — Cruzo os braços brincalhão e ela olha a
porta com os vidros bem limpinhos e faz uma careta.
— Acho que não, hein?
— Uma escritora de romance que não bota fé no amor à
primeira vista? — Ela ri baixo e parece pensativa.
— Você fala de mim, mas é um ator de romance que não saí
com ninguém, qual o mistério? — Sua pergunta me pegou de
surpresa e dei de ombros, não tinha o que responder, mas
também não sabia mentir sobre esse assunto.

Mas parando para refletir um segundo, mesmo que tenha


saído com algumas pessoas, não cheguei a me apaixonar, ou a
trocar beijos e pensando um pouco mais, a última vez em que estive
em um momento íntimo com alguém, era minha festa de despedida
em Miliot, quando Amália estava no meu quarto e depois sumiu.

— Terra chamando Bae! Ficou magoado? — Pergunta já com


um saco de bolinhos nas mãos e só então percebo o quão
longe fui com meus pensamentos.
— Não, não, é que eu estava lembrando de umas coisas.
— Boas ou ruins?
— Neutras.
— Menos mal, vai pedir alguma coisa? Não me importo de
tomarmos o café da manhã no ônibus. — Sorri divertida e
assinto indo fazer meu pedido para viagem.

Amália se sentou numa mesinha próxima ao balcão enquanto


meu pedido não vinha, e voltei a refletir sobre algumas coisas
recentes outra vez. Me desligando completamente da realidade.

Quando pegamos o ônibus, estávamos bem distraídos, ela


com as fotos e eu com meus pensamentos.

Mas quando descemos no estúdio a mesma me abraçou e


senti algo tão bom e intenso tomar conta, que foi como se tivesse
acabado de encontrar o estado de paz que uma aula de yoga
prometia trazer.
— Antes de entrarmos aí, queria te dizer que o que aconteceu
ontem, não foi por maldade... Emy me pediu para buscar
meu figurino em outra sala e assim o fiz, mas não quero
gerar confusão ou atrito por isso, talvez ela tenha se
enganado ou...
— Está dizendo isso porquê acredita, ou pra evitar que ela fique
com raiva de você em algum momento? — Seu silêncio me
disse tudo.
— Só não quero problemas, tá?
— Também não quero, mas isso não é uma postura aceitável.
— Bae... vamos ignorar, certo? É só o que te peço, hoje o dia
está maravilhoso, estou super empolgada para as próximas
gravações e não quero um clima chato. — Olho para ela e
respiro fundo.

Meu silêncio a fez relaxar e recebi um beijinho no rosto. Logo


estávamos dentro do prédio e não pude ignorar o fato que meu
coração estava em um ritmo animado dentro do meu peito.

Antes de qualquer outra coisa, fomos ver Taylor, Amália


estava empolgada e eu também estava sendo contagiado por sua
energia.

— Pode nos fazer um favor Taylor? — Pergunto ao abrir a porta


da sua sala devagar e ela me olha com um sorriso simpático.
— Como posso ajudar? — Quando diz isso, já vou entrando
junto de Amália e minha amiga dá uma voltinha.
— Diz quem de nós está melhor, porquê está valendo um
lanche pago. — Sorri e Taylor retribui.

Ela vem até nós e começa a avaliar de forma silenciosa e


crítica, da mesma forma que fazia com os projetos que iam para a
costura.

— Ficou meio difícil, vocês se vestem bem, mas... vou ter que
escolher as peças do Bae, desculpe Amália. — Diz com um
sorrisinho simpático e minha amiga faz uma careta pra mim.
— Você fez por onde, meus parabéns. — Estende a mão e
aperto com um sorrisinho cínico.

Percebi algo diferente em seus olhos e vi sua pele arrepiar


com o contato quente de nossas mãos, mas logo a realidade nos
chama quando Emy aparece entrando sem bater e já começa a me
puxar.

Não deu tempo de me despedir de Taylor, mas Amália fez


isso por nós dois e seguimos para sala de reuniões, quer dizer, eu e
Emy, minha amiga foi para o camarim.

— Bom dia pra você também Emy. — Digo quando as portas do


elevador se fecham.
— Bom dia, esqueceu que tinha uma reunião hoje pra estar de
conversinha na sala da figurinista?
— Não, não esqueci, mas estou dentro do horário. — Minha
tranquilidade parece irritar ela, mas a vejo respirar fundo e
seu semblante muda automaticamente.
— Pedi para atrasarem as gravações em uma hora, assim dá
tempo de terminarmos a reunião e Amália e Romeo
ensaiarem a cena do beijo.

Aquilo me chamou atenção de uma forma estranha, eles dois,


se beijando? Sei que fazia parte do trabalho, porém, não estava
confortável com aquilo. Quer dizer, eu conhecia bem Amália e sabia
como se sentiria com tudo isso e se quer tive tempo de conversar
com ela a respeito disso.

— Algum problema? — Emy chama minha atenção e as portas


se abrem.
— Nenhum, é que não conversei com Amália sobre isso.
— E qual o problema? É só um beijo, ou ela não consegue
fazer isso? — Lhe olho com reprovação pela insinuação e
não respondo nada.
Entramos na sala de reuniões e conforme a mídia era
notificada dos avanços do filme, apareciam interessados para
projetos futuros, o que era muito bom, mas não parecia ser o
suficiente para minha cabeça naquele momento.
Amália

No camarim, enquanto preparavam meu cabelo, fiquei


estudando as falas de forma despreocupada. Estava tão
concentrada que não ouvi quando Romeo chegou e sou
surpreendida quando ele beija meu rosto, meu instinto foi de bater
as folhas na cara dele.

— Ai! Pra quê tudo isso?! — Resmunga e ponho a mão na boca


pela segunda surpresa. Bati no meu parceiro de cena logo
cedo.
— Desculpe, é que você me assustou.
— Percebi, bom dia pra você também. — Ele vai para a cadeira
ao lado e a maquiadora já se aproxima.

Voltei minha atenção para as páginas que estavam um pouco


amassadas, até que a linha seguinte me dá uma nova surpresa
naquela manhã.

— Que negócio é esse de beijo?! — Penso em alto e ouço uma


risadinha de Romeo.
— Não gostou?
— Não estava esperando isso... pelo menos não agora.
— Qual o problema? É só um beijo técnico, não esqueça que
nossos personagens estão apaixonados, e é isso que
pessoas apaixonadas fazem.
— É mesmo? Nem imaginava. — Digo irônica pelo nervosismo
e ele ri mais.
— Sei que é sua primeira vez fazendo isso e que é um pouco
bizarro beijar um estranho, mas juro que não mordo e
convenhamos que não sou feio. — Lhe observo e ele me
encara de volta.
— O problema não é esse... é que... — Minha travada já
entregou tudo, porquê seu semblante se iluminou de uma
forma diferente.
— Você nunca fez isso, quer dizer, com ninguém?
— Não, de forma alguma. — Continuou me encarando
abismado e franzo o cenho. — Qual o problema? Nunca dei
muita bola para essas coisas.
— Nenhum problema, pelo menos pra mim não há, mas você
parece bem chateada com isso bonequinha, estava
guardando para o seu príncipe encantado?
— Nossa que comentário de sexta série — reviro os olhos, —
não tem nada a ver com isso, é que esse negócio parece
confuso, tipo, não sei o que vou fazer quando encostar minha
boca na sua!
— Beijar, é óbvio!

Aquela conversa estava tomando um rumo engraçado, quer


dizer, eu nunca esperei ter que discutir o meu primeiro beijo, muito
menos com uma pessoa que conheci à menos de dois dias.

— Olha, as filmagens hoje vão começar um pouco mais tarde,


então teremos tempo de ensaiar.

Lhe observo por alguns segundos e assinto em silêncio,


voltando a leitura do roteiro. Mas fala sério, ainda que ensaiasse,
não estaria pronta para isso, sentia que começaria a rir na cara dele
só pelo nervoso.

Depois que nos vestimos, fomos juntos até a sala de


filmagem, lendo as falas pelo corredor e não pude evitar de rir da
dicção dele as vezes, a língua de Romeo parecia travar em algumas
palavras e enquanto repassávamos a pronúncia ele ria de si
mesmo.

— Não seria melhor treinar esse beijo numa laranja? —


Pergunto pegando uma da cesta de frutas cenográfica.
— Pra quê? Isso é coisa de quem não tem com quem treinar.
Caminho com ele pelo set de filmagem, tomando cuidado
para não esbarrar nos fios, mas bato minha cabeça em um arranjo
que estava sendo suspenso.

— Cuidado moça!
— Desculpe!

Romeo ri ao meu lado e logo nos posicionamos em um lugar


que não atrapalhasse ninguém e não nos interrompessem.

— Vamos lá, faremos a cena inteira, quantas vezes precisar,


okay? — Assinto e respiro fundo antes de começar.

Busquei pela Ester lá no fundo, afinal de contas, aquele beijo


era dela e não meu. O que me dava uma gota a mais de coragem.

— Não era pra você estar aqui Sam. — Olho para Romeo com
certa tristeza, como a cena pedia e ele faz o mesmo.
— Tinha sim, não posso simplesmente aceitar que vai fugir e
ignorar tudo que conversamos... — Cochicha.

O cenário era em um tipo de celeiro, durante a noite.

— Já disse tudo que devia e até mais do que não deveria, cada
dia que fico aqui aceitando as vontades alheias, é um pedaço
que abandono de mim.
— E nós dois? Como ficamos no meio disso tudo?
— Nós... não ficamos Sam. — Vejo uma lágrima escapar do seu
olho esquerdo e guardo minha surpresa, ele atuava tão bem,
mas não queria acabar com o ritmo do nosso ensaio.
— Não posso levar a sério isso que está me dizendo...
— Sinto muito, mas isso é um adeus e como último pedido, não
me siga, não quero que nada te aconteça. — Me concentro
para chorar, mas não consigo com tanta facilidade como ele,
então passo a mão no rosto como se estivesse mesmo
enxugando uma lágrima.
Discretamente Romeo faz um legal, me dando mais coragem
para o que vinha a seguir.

— Nada é pior do que saber que não lhe terei mais em meus
dias — pausa dramática para nos olharmos tristes e aí
vem..., — pelo menos posso lhe dar um último beijo?
— Será justo. — Nos aproximamos e Romeo passa a mão
delicadamente pela minha cintura, deixando nossos corpos
mais próximos.

Vamos aproximando os rostos pouco a pouco e minhas


pálpebras vão pesando para fechar, mas antes que nossos lábios se
toquem, alguém abre a porta da qual estávamos próximos e a
mesma bate na cabeça de Romeo, com um som abafado.

— Perdoe, machucou? — O staff pergunta preocupado


enquanto o meu colega de cena massageia a cabeça e nega
em silêncio.

Vejo o rapaz passar e volto a olhar Romeo que ri em silêncio.

— Escolhemos um péssimo lugar para isso. — Comento


divertida e ele concorda.
— Podemos voltar ao camarim pra ensaiar isso, o que acha?
— Claro, mas antes preciso comer alguma coisa doce, estou
nervosa. — Ele ri e assente.
— Te entendo, fazia muito isso no começo, te espero lá então.
— Foi minha vez de assentir e vou saindo com certa pressa.

Quando fechei a porta da sala de filmagem, me dei conta que


minhas mãos estavam suadas, eu estava mesmo prestes a fazer
aquilo!

Tive que pegar o elevador até o andar de cima onde tinha


uma máquina de comida. Me ver no reflexo do vidro entre os doces,
deixou algo em mim ainda mais agitado.
— Ami! — Escuto a voz de Bae quando coloco o código do
doce.
— Oi, já terminou? — Ele nega e me analisa bem.
— Você está bem? Parece nervosa.
— E estou, fiquei sabendo agora a pouco que vou ter que fazer
uma cena de beijo e nunca beijei na vida. — Reviro os olhos
e ele suspira.
— Devia ter te avisado, mas... nunca beijou? — Sua pausa me
fez cruzar os braços.
— Algum problema?
— Não, é que... deixa pra lá, estava querendo falar disso mais
cedo, mas acabei esquecendo completamente, no entanto se
não estiver a vontade com isso pode me dizer que coloco um
dublê no seu lugar.
— Dublê? Achei que isso fosse só pra cenas perigosas. — Digo
distraída pegando o docinho. — Não se preocupa, Romeo
está ensaiando comigo, vou conseguir. — Sorri, porém algo
parecia incomodá-lo.
— E ele não disse nenhuma gracinha? — Nego.
— Está tudo bem, não estou incomodada, faz parte do trabalho,
né? — Bae demora uns segundos, mas logo assente
devagar.

Atrás dele a bruxa vem caminhando já de cara feia, dou um


beijinho no rosto do meu amigo e me despeço para voltar a ensaiar.

Entrei no camarim e Romeo estava sussurrando suas falas


bem concentrado, então lhe dou um sustinho, o que o faz
estremecer na cadeira e me faz rir.

— Engraçadinha, né? — Resmunga e fico de frente pra ele.


— Só um pouco, — sorri meiga — vamos continuar?
— Claro, do começo ou de onde fomos interrompidos? — Se
levanta e percebo nossa diferença de altura.
— De onde paramos, vou ter um faniquito se ficar mais nervosa
com isso. — Confesso dando uma mordida generosa no
doce e ele fica me observando.
— Espero que não esteja planejando me beijar de boca cheia,
não é muito adequado. — Faço careta e me viro terminando
de mastigar e respirando fundo antes de continuar.
— Vamos lá. — Deixo o docinho na penteadeira e fico de frente
pra Romeo.
— Um último beijo?
— É justo. — Ele se aproxima de forma sútil e vou sentindo sua
respiração calma no meu rosto.

Fecho os olhos e tento relaxar o máximo que consigo, o


problema é que acabo rindo. Tudo pelo nervosismo.

Romeo se afasta com um leve sorriso nos lábios e tento me


controlar para recompor a personagem, mas só de pensar em fazer
isso, já estava aumentando as risadas.

— Ri bastante, no filme isso não pode acontecer. — Avisa


enquanto tento controlar a respiração para acalmar o riso.
— Nossa... desculpa, não deu pra aguentar, isso é muito
esquisito.
— Eu sei, pelo menos você está rindo, na minha vez, me senti
tonto, mesmo já tendo dado meu primeiro beijo.
— Juro que vou conseguir...
— O Bae pode colocar um dublê pra você. — Nego
prontamente.
— Vamos logo com isso.

No mesmo instante retomamos as posições, e me esforcei a


esquecer o nervosismo, o riso e a estranheza por beijar Romeo.
Seus lábios tocam os meus de forma delicada, e naturalmente lhe
correspondo, um pouco insegura, mas completamente focada na
minha missão, que também era a da Ester, um beijinho para o Sam.
— Posso dizer uma coisa? — Ele fala assim que nos
afastamos, e percebo que estava um pouco trêmula.
— Foi tão ruim assim? — Mordo o lábio e o mesmo nega.
— Não precisava estar com medo, se beija bem. — Sinto meu
rosto queimar no mesmo instante e sua risada vem em
seguida. — Não quis te deixar tímida, é um elogio sincero e
sem maldade. — Seu tom sincero me fez respirar outra vez,
mas ainda esteva sem jeito com aquele elogio repentino.

Ensaiamos mais um pouco, e repetimos o beijo outras duas


vezes. Logo fomos chamados para o set, meu nervosismo tinha se
esvaído junto da água da garrafinha que me entregaram.

Bae e Emy já estavam em suas cadeiras quando entrei junto


do meu colega de cena.
Bae

Ver a cena do beijo entre eles mexeu com algo em mim, e me


fez voltar naquela conversa de mais cedo, por algum motivo. Mas
Emy e seus comentários sobre as cenas, me traziam direto para a
realidade a minha frente, a manter o foco no projeto. O dia passou
bem rápido até, mas estava muito cansado.

Voltando no ônibus com Amália, ela estava empolgada e feliz


com os elogios que recebeu sobre a cena, claro que também
compartilhava da emoção da minha amiga. Nos prendemos num
abraço aconchegante até o nosso destino final.

— Preciso escrever mais, não quero atrasar para a data que


combinei com Donatella, Segunda-feira quero enviar pelo
menos os dois primeiros capítulos completos.
— Dois, tão rápido?! Está inspirada, hein? — Vejo seu sorriso
enquanto passamos pela porta.
— Talvez estivesse precisando de uma mudança de ambiente,
de rotina e principalmente, estar com a minha pessoa favorita
nesse mundinho. — Aperta minha bochecha e ri dela.
— Que bichinho te mordeu? Logo você sendo melosa? —
Implico e sua risada reverbera em mim de uma forma
diferente, causando aquela mesma sensação de mais cedo.
— Quero que me ajude hoje, vou te entregar o que já fiz e
enquanto escrevo mais, você pode ir corrigindo o que está
pronto, por favor?
— Claro que sim, nem precisava pedir, temos um acordo,
lembra? Estamos nos ajudando.

Ela assente e logo estamos entrando em casa. Me sento no


sofá e respiro fundo, dando uma olhada breve no relógio, o horário
que chegamos e penso no dia da semana. De repente, um mês
parecia pouco com sua companhia.
Viajei um pouco nos meus pensamentos, e só retorno a
realidade porquê minha amiga senta ao meu lado com papéis,
aquele bloquinho, lápis e um envelope amarelo.

— Aqui dentro estão as páginas de tudo que já fiz, então essas


são para você e essas outras pra mim, se divirta. — Diz ao
colocar o envelope no meu colo.
— Você ainda parece ter muita energia, comeu muito daquele
docinho? — Puxo conversa e ela ri baixinho.
— Por incrível que pareça, não foi nada disso, é só a
criatividade fervendo.
— Não sei se você ouviu, mas o pessoal da equipe gostou
bastante da cena de vocês dois hoje, disseram que teve
muita química. — Ela me olha e faz uma careta de leve.
— Química só se for dos personagens, porquê se estiverem
insinuando que existe algo entre mim e Romeo, é uma
grande viagem.
— Claro, claro...
— Se não te conhecesse, diria que está com ciúmes.
— Eu? Por qual motivo?
— Sei lá Bae, você está falando todo cauteloso, como se esse
assunto fosse um crime, seus ombros estão tensos, sem
contar que está viajando muito na maionese.
— Mas não é nada disso, entende?
— Foi alguma coisa na reunião então? — Mentir seria inútil,
mas também não sabia o que dizer daquele assunto.
— Só tenho medo que o Romeo te magoe, ele é uma pessoa
bem superficial ás vezes.

Ela me abraça com carinho.

— Não precisa esquentar com isso, foi um beijo de mentirinha,


não teve sentimento e nem vai passar a existir por conta
disso, mas obrigada por se preocupar com meu emocional.
— Sempre...
Ficamos até tarde corrigindo e debatendo algumas partes do
livro, rimos bastante também com os possíveis finais que a
protagonista poderia ter, e o de virar uma acumuladora de gatos
pareceu bem chamativo.

Fomos tomar café no restaurante do hotel, Amália estava


cochilando sentada e eu também estava do mesmo jeito, nos
servimos de um bom café sem açúcar para despertar, pãezinhos
com geleia, biscoitos de polvilho, e algumas frutas fatiadas.

— Tem muita coisa pra gravar hoje? Não sei se vou aguentar
muito tempo sem me escorar em algo para dormir.
— Felizmente não tem, mas tem prova de figurino e isso é bem
cansativo também, a Taylor precisa fazer ajustes para as
próximas peças e sem demora.
— Ela é tão fofa, — sorri e boceja em seguida — sua agente
parecia feliz ontem, desde que conheci ela, é a primeira vez
que posso dizer isso.
— Ah sim, e estava mesmo, fechamos um bom contrato de
comercial para uma empresa, sem contar nos comentários
positivos dos patrocinadores com a produção do filme, estão
com boas expectativas para o retorno financeiro.
— Que bom, e o prazo para estreia?
— Era isso que queria falar com você, sei que seu prazo é
menor e que deve estar com vontade de voltar logo, mas
queria que ficasse pelo menos até a estreia, quero que esteja
comigo no tapete vermelho. — Sorri e recebo um sorriso
genuíno de sua parte também.
— Claro que sim seu bobinho, nem precisava perguntar, mesmo
estando com vontade de voltar, também estou adorando
estar aqui com você vivendo tudo isso.

Senti meu coração ficar quentinho quando toca minha mão,


fomos interrompidos por um garçom que vem trazendo um pequeno
buquê com flores coloridas e entrega a Amália.
— Aqui está o cartão. — Entrega e se retira, ela lê com certa
surpresa e confusão repentina.
— Quem mandou?
— Romeo e quer jantar comigo hoje à noite. — Limpo a
garganta e ela simplesmente deixa o presente de lado,
continuando a comer.
— Você não vai mandar um recado de volta?
— Não precisa, quando chegar no estúdio falo pessoalmente.

Assinto e voltamos o foco para outra coisa. O livro dela.

— Já tem alguma ideia para o título?


— Não exatamente, mas queria algo que se relacionasse ao
primeiro amor.
— Posso te ajudar?
— Claro que sim.
— Que tal colocar “o amor é lilás”? — Ela reflete um pouco e
sorri com satisfação.
— Gostei, é bem simbólico, levando em consideração que lilás
é a cor do primeiro amor e... é disso que se trata.
— Agora só falta uma capa de sucesso.
— Isso Donatella consegue em pouco tempo, aquela mulher é
incrível!

Falamos bastante sobre seu livro, até chegar ao estúdio, e


como a rotina naqueles dias estava bem agitada, ali dentro nosso
contato era bem reduzido, mas pelo menos deu tempo de aceitar
seu convite para ir ao clube do livro naquele Sábado. Queria muito
prestigiar ela, já que não pude no seu primeiro lançamento.

Durante as filmagens daquela parte da manhã, Emy ficou


bem calada, neutra e achei até estranho já que nos últimos dias seu
humor era bem tempestuoso. Por outro lado, Amália estava cada
vez mais à vontade com a equipe e Romeo estava bem próximo
dela também.
— Posso saber o que te incomoda? — A voz de Taylor me
desperta dos meus pensamentos durante aquele intervalo.
— Incomoda? Nada, por que a pergunta?
— É que você está com uma cara séria, vendo sua amiga e o
Romeo conversarem... — Mexe as sobrancelhas e fico
confuso com sua insinuação silenciosa.
— Não é o que você está pensando.
— Está com um cheiro horrível de ciúmes aqui. — Faz uma
careta engraçada.
— Taylor, pode ir tomar conta do seu trabalho e deixar o diretor
se concentrar na próxima cena? — Emy surge com um tom
ríspido e a conversa se encerrar no mesmo instante.

Volto para minha cadeira, o cenário era um bosque escuro, a


iluminação foi reduzida e Amália já estava com a caracterização de
sujeira, sangue e roupas rasgadas de uma batalha intensa.

— Ação! — Digo e o silêncio se instala para o início da cena.


— Gostaria que meu cavalo não tivesse fugido, como vou
chegar lá antes do próximo pôr do sol? É uma viagem muito
longa... — Sua voz cansada me deixa imerso na cena, sabia
que ela era pessoa certa para aquilo.

Mas antes de dar continuidade, minha amiga vira de costas


para a câmera e começa a coçar o rosto e os braços de forma
impaciente.

— Está coçando muito! — Escuto sua reclamação agitada e me


levanto fazendo um gesto para interromper a gravação.

Vou até ela com certa pressa, a maquiadora já estava se


aproximando com uma toalha e água para limpar a maquiagem,
podia ser uma reação alérgica, ainda que não fizesse sentido, já que
ela utilizou maquiagem das outras vezes e não aconteceu nada.

— Caramba, está muito vermelho, melhor ir lavar no banheiro.


— A maquiadora diz com certa preocupação e Amália vai
saindo com ela.
Fico preocupado pelo estado que sua pele estava ficando,
com as marcas das unhas ao coçar as áreas irritadas.

— Qual o drama? — Emy pergunta sem me olhar.


— Não tem drama nenhum, ela teve reação alérgica a
maquiagem.
— Como assim?
— Também não entendi muito bem, usamos nos outros dias e
não deu em nada... — Mordo o lábio de forma pensativa.
— Será que isso não é uma desculpa para fugir do trabalho?
— Não vou entrar nessa conversa com você. — Me levanto e
saio pela porta lateral para ver o que havia acontecido.

Amália saiu do banheiro com a maquiadora, que estava com


o rosto pálido pelo nervosismo. Minha amiga estava vermelha, e
ainda se coçando muito, com algumas pequenas bolinhas inchando.

— É melhor levar ela ao hospital, isso pode ficar pior.


— Tem razão, vou com ela, avise aos outros lá dentro que as
filmagens estão suspensas até depois do almoço e veja que
maquiagem foi utilizada para evitarmos. — Ela assente e saí
apressada para o set.

Vou com Amália para o elevador e vejo seus olhos


lacrimejando pela irritação.

— Tenta não coçar, vai piorar.


— Está ardendo muito!
— Viu passarem alguma coisa de diferente?
— Não, ela usou o de sempre que estava na maleta.

Fico preocupado, haviam cenas que precisavam de uma


maquiagem diferente, e se ela não pudesse fazer isso por alergia,
talvez não pudesse continuar as gravações. Uma substituição seria
adequada, ou um dublê.
Chamei um táxi da recepção e não demorou muito para irmos
até o hospital.

Felizmente não havia muita gente na espera, mas pedi por


uma certa urgência, já que ela parecia mais e mais vermelha com a
reação e seu incomodo me deixava muito preocupado.

Ainda esperamos alguns minutos enquanto o clínico vinha do


outro setor, o que pareceu uma eternidade.

— Isso começou hoje? — Pergunta depois de nos


cumprimentar e ela assente com certa pressa.

O médico anota algo e vem até a mesma para lhe analisar de


perto.

— Já havia utilizado maquiagem antes?


— Sim, sim, esses dias utilizei, mas não senti nada, nenhuma
irritação também, só hoje, e foi questão de minutos depois da
troca de figurino.
— Temos duas possibilidades para isso, alergia de modo
cumulativo, ou a maquiagem estaria vencida, você checou
esse detalhe?
— Não, mas...
— Doutor, trabalhamos com materiais de qualidade, nossa
maquiadora tem um equipamento novo. — Sua cara pareceu
de dúvida e fico preocupado, quer dizer, erros poderiam
acontecer, mas era a primeira vez que algo assim ocorria.
— De toda forma, vou receitar esses cremes para aliviar a
coceira e sumir com a irritação, você vai limpar bem esse
rosto com água corrente, enxugar bem e aplicar, certo? —
Vai anotando as recomendações e entrega a minha amiga.
— Dois dias?!
— Sim, e evite utilizar durante esse período.
Ainda hesitante ela assente e somos dispensados. No
caminho de volta, comprei os cremes e paramos no hotel.

— Que abacaxi! Odeio isso, por que tinha que acontecer justo
comigo?! — Pareceu frustrada e vou pegar água pra ela.
— Ami, não se preocupe, daremos um jeito, podemos usar um
dublê até passar sua irritação e descobrir o que realmente
aconteceu para sua pele irritar assim, se for mesmo a
maquiagem...
— Terei que sair da produção, não é? — Fica triste e assinto de
modo sincero.
— Mas vamos pensar positivo, talvez tenha sido algum dos
produtos que estava vencido.

Não pareceu lhe confortar muito, mas depois de tomar a água


lhe vejo mais calminha. A ajudo a fazer a limpeza do rosto e aplicar
as pomadas.

— Meus olhos não irritaram tanto, ainda bem, pelo menos vou
poder escrever enquanto estiver de castigo.
— Essa cor de tomate combina com você. — Implico e ela me
mostra a língua.

Olho para os nossos reflexos no espelho, éramos


praticamente do mesmo tamanho, com uma diferença de 1
centímetro.

— Poderíamos ser irmãos. — Ela comenta humorada e passa a


mão por cima das nossas cabeças fazendo uma medida
imaginária e ri.
— Acho que não.
— Primos distantes?
— Talvez... — Lhe ver sorrir depois daqueles momentos de
coceira, foi uma das coisas mais fofas do meu dia, ainda que
sua cara estivesse um pouco branca pelos cremes.
— Acha que vão perceber se eu aparecer assim? Não parece
TÃO ruim. — Se admira um pouco, fazendo umas caras
engraçadas.
— Com certeza não, está bem discreto, eu mesmo não saberia.
— A ironia na minha voz nos faz rir depois de alguns
segundos encarando nossos reflexos.

Estávamos parados na frente do espelho, no banheiro da


casa de Amália. Havia marcado um encontro com uma garota do
terceiro ano, mas estava inseguro e nervoso, talvez desse meu
primeiro beijo e não estava certo de que queria que acontecesse
naquela noite.

— Não vou conseguir! — Disse me virando para ela.


— Nada disso, você é incrível, e eu vou estar lá escondida em
alguma das mesas, caso precise de algo.
— E se ela te ver?
— Qual o problema? Essa cidade é pequena, e as pessoas se
esbarram nos lugares, né?
— Não exatamente, já que somos melhores amigos e isso é o
tipo de coisa que se faz...
— Quer saber? Está sendo paranoico, vai dar tudo certo.

Não foi bem assim que aconteceu, já que a menina veio me


buscar de carro, e Amália foi caminhando para o restaurante.
Durante os minutos que ela não estava lá, suei bastante e atropelei
as palavras na hora de conversar com a garota.

Felizmente, aquela que tornava meus dias os mais diferentes


possíveis, chegou ofegante e indiscretamente. Minha acompanhante
já me olhou estranho, mas Amália fingiu inocência e foi para outra
mesa. O que deu errado, era que ela não estava comendo nada, foi
sem dinheiro e o garçom pediu que se retirasse, lá fora começou a
chover e tive que pedir que voltássemos pra casa e levássemos ela
também.
— Aquele dia foi horrível, é claro que ela não sairia mais com
você. — Diz e rimos.
— No fundo, não estava tão interessado.
— Está brincando? Como não?! Ela era tipo, celebridade. —
Vamos saindo do banheiro e ri baixo, dando de ombros.
— Lembra quando me perguntou qual o mistério de não estar
com ninguém?
— As atrizes são muito superficiais, ou a galera do cinema não
é atraente? — Nego e ela me olha confusa.
— Não sinto e nem senti paixão por nenhuma das pessoas que
estive, talvez só estivesse tentando aplacar algo que o
momento “exigia”. — Nos sentamos lado a lado no sofá e
nos encaramos no mesmo instante.

Pode parecer coisa de livro, mas aquela troca de olhar, foi do


tipo cúmplice, de quem entende, e passa pelo mesmo. Nossa
comunicação realmente não falhava, ainda que silenciosa.
Amália

Não voltei ao estúdio, mas pelo menos no tempo que estive


lá, pude falar sinceramente com Romeo e explicar os motivos que
me fizeram rejeitar seu convite. Bae, por outro lado, teve que voltar,
haviam outras cenas que poderiam ser gravadas sem mim e que já
estavam planejadas para aquele dia.

Ficar naquele quarto, com a cara toda empolada e pegajosa


de creme, não era um cenário inspirador para escrever, no entanto,
foi exatamente isso que fiz, minha protagonista estava precisando
de uma emoção na vida dela.

“Logo no dia em que se arrumou tanto para ver o seu homem


dos sonhos, uma abelha lhe picou bem no nariz, o que era um
pesadelo já que sua alergia era bem intensa. O passeio no parque
com o vestido lilás, se tornou uma visita ao pronto socorro para ser
medicada, o que passava longe de um plano romântico para aquele
fim de tarde. ”

Fiz um lanchinho e uma coisa me ocorreu subitamente,


amanhã tinha o clube do livro e estava com essa aparência de
morango, mas não um moranguinho bonito. Não podia usar
maquiagem, e nem queria desmarcar o compromisso com Joana,
ela estava me ajudando muito e até arriscando o emprego por me
emprestar uma sala privada, era o mínimo que poderia fazer. Ainda
que minha cara não estivesse das melhores para isso.

O tédio estava me consumindo ali dentro, então peguei o


telefone e resolvi ligar para Donatella.

— Como está minha escritora favorita?


— Com a cara toda cheia de creme pra alergia e você?
— Estou bem, mas o que aconteceu? — Seu tom de
preocupação é bem óbvio.
— Reação a maquiagem do filme, mas estou bem agora que fui
medicada, porém, não foi pra isso que te liguei e sim pra falar
do livro.
— Não sabe a felicidade que acabou de me proporcionar garota
— ri, — conte, já estou ansiosa para receber o manuscrito
que combinou de mandar.
— Nem se preocupe, esse já está pronto pra você, só que já
estou com mais uma parte pronta, trabalhei bastante nela.
— Essa viagem está te fazendo muito bem pelo visto. — Pude
imaginar seu sorriso e sorri também, afinal de contas, era um
fato.
— Nem posso acreditar que já se passou uma semana, tem
mais uma coisa que preciso te dizer.
— Estou ouvindo.
— Vou ficar mais uns dias aqui, até a estreia do filme pelo
menos, estarei no tapete vermelho. — Digo em um tom
divertido, nunca me imaginei nessa posição.
— Claro! Com tanto que me mande o livro pronto, daqui eu
assumo a edição e a data de lançamento, estou feliz e
orgulhosa por você.
— Obrigada Dona, és incrível pra mim.

Conversamos mais algumas coisas pelo telefone, mas como


ela era bem ocupada, tive que lhe desocupar e procurar mais
alguma gota de inspiração estando trancada ali.

O aparelho de som do meu amigo estava bem guardado no


móvel da sala, ele tinha algumas fitas, peguei qualquer uma e liguei.

A música do ‘Hooked on a feeling’ começa a tocar e é


instantâneo que comece a me mover junto do ritmo, mesmo não
sendo uma dançarina excelente. Mas o sentimento que aquela
música me trazia, fora a sua letra, deixavam impossível não se
contagiar e até cantar junto.
Quando fui cansando de dançar e cantar as que eu sabia, me
deitei no tapetinho que ficava no centro da sala, a baixo daquela
mesinha cheia dos meus papéis, meio ríspido contra a minha pele
ainda sensível, mas feliz enquanto encarava o teto. Bae, Bae, minha
cabeça só pensava nele, em como queria que estivesse ali
dançando comigo, como fizemos várias vezes dentro do meu quarto
nos fins de semana em que não estávamos de castigo ou fugíamos
dos passeios agitados com nossos amigos.

Pensar nele, antes de seu retorno, era algo que aquecia meu
coração e me fazia tão bem, principalmente quando a saudade
falava mais alto, e naquele instante, naqueles dias que se
passaram, algo pareceu crescer em mim de uma forma que não
sabia explicar ou que havia sentido, estar com ele depois de tanto
tempo, ás vezes parecia uma ilusão e saber que nos entendemos
apesar disso, é surreal.

— Seria loucura se isso virasse uma paixão, não é? —


Questiono a mim mesma e de repente me assusto, sentando
abruptamente e bato a testa na quina da mesinha. — Au! —
Massageio a testa e respiro fundo quando sinto a pele ali
pinicar mais que o comum, pela sensibilidade.

Que pensamento maluco foi esse? E eu disse mesmo em voz


alta?! Amor... sim, o amo, mas não dessa forma romântica, não que
seja um absurdo amar um cara assim, mas poxa! O conheço há um
bom tempo, o que mudou? O que muda afinal?!

— Melhor deixar de pensar besteiras... — Me repreendo e


levanto, indo escrever mais alguma coisa.

Fui até aquela sala onde passei tudo que havia escrito a mão
para o papel datilografado, já fazendo algumas correções. Porém
demorei bastante já que minha cabeça divagava até Bae, deixando
meu coração com uma sensação estranha e ao mesmo tempo
incrível! Sem contar nos sorrisinhos bobos que surgiam.
Ouço a porta abrir e tomo um leve susto, era Joana, meu anjo
da guarda ali naquele lugar.

— Está um pouco tarde, achei que gostaria de comer algo. —


Se aproxima e o cheirinho do chá e biscoitos com chocolate
me deixam com água na boca.
— Grata pela preocupação, — sorri — você tem sido um
verdadeiro anjo pra mim esses dias, com toda certeza vou te
colocar na dedicatória. — Seu rosto se tinge de um vermelho
e a vejo sorrir sem jeito.
— N-não precisa, só de saber que estou ajudando já é o
suficiente, sou fã do seu trabalho. — Coloca a bandeja na
mesa em que eu estava.

Me levanto e a abraço.

— Cada coisinha dessa é de suma importância pra mim, você


nem imagina o tamanho da crise criativa que estava antes de
chegar aqui. — Ri e ela também.
— Fico feliz em ajudar, mas vou te deixar continuar, só vim
trazer uma comidinha e avisar que às nove troco de turno.
— Não se preocupe, saio daqui em dez minutinhos e deixo a
chave com você. — Ela assente e vai saindo.

Assim que a porta se fecha, experimento o chá de camomila


e uma ideia brota na minha linda cabecinha. Se eu tinha um anjo
feito Joana, minha protagonista precisava de uma também.

Deixo anotado nas folhas amarelas do bloquinho, e foco em


concluir a página que estava na máquina. Tomando cuidado para
não sujar nada com farelo ou derrubar o chá.

Mas acabei perdendo a noção do tempo, quando olhei no


reloginho da mesa do lado, já passavam das nove e vinte, entro
num pequeno modo de pânico. Não deixei a chave com Joana, e
nem saí daqui!
Limpo os farelos até o lixeiro, pego meus papéis e a chave,
porém assim que encosto na xícara a porta se abre e escuto uma
voz masculina.

— Tenho certeza que esses registros estão por aqui... — Me


escondo em baixo da mesa vizinha, que ficava num vão mal
iluminado daquele círculo com mesinhas e máquinas de
escrever.

Vejo seus pés passarem bem perto e controlo a respiração já


que estava ficando nervosa, ali tinha poeira e meu nariz começava a
coçar.

— Se pelo menos soubesse onde fica o interruptor dessa sala,


que escuro! — Reclama e derruba a bandeja bem próximo a
mim. — Que coisa, esquecem até de levar as coisas, esse
pessoal é muito folgado mesmo. — Bufa e pega a bandeja
sem me ver.

Céus, o espirro estava vindo, ele estava vindo! Moço saí


logo!

— É melhor pedir a Joana para procurar amanhã, e avisar ao


pessoal da limpeza pra olhar bem essas mesas. — Ele vai
saindo, e meu espirro escapuliu assim que fechou a porta.

Espero uns dois minutos, só pra ter certeza que não me ouviu
e finalmente saio dali de baixo.

Ajeito o vestido e vou até a porta, abro uma fresta e vejo ele
bem ali do outro lado, no balcão, bem de frente para a minha saída.
Fecho devagar e penso numa forma de sair dali. Olho em volta, se
tinha telefone até no corredor, então poderia ter pelo menos um ali...

Caminho, caminho de novo, passando entre as estantes de


arquivos e enfim acho um telefone numa mesa mais afastada.
Haviam rosas num jarrinho, alguns papéis de bala abertos e
espalhados pelos registros, o discador estava um pouco pegajoso.
Talvez a pessoa responsável por aquela mesa não fosse tão
cuidadosa.

Ligo para o número do hotel, o rapaz atende e peço pra falar


com um dos hospedes, que no caso era Bae e eu torcia que ele já
tivesse chegado. Uma musiquinha toca por alguns instantes e em
seguida ouço a voz do meu amigo.

— Onde você está?


— Trancada na sala da contabilidade do hotel.
— Quê? Como assim?! — pareceu assustado e ri baixo.
— Longa história, mas preciso de um resgate, não quero
arriscar o trabalho de alguém.
— Tudo bem, já estou indo.

Desligamos e vou pra perto da porta ficar vigiando a chegada


e a deixa de Bae.

Vi quando ele chegou e começou a conversar com o rapaz,


que parecia estar absorto por conversar com um cara famoso, logo
ele se abaixa e começa a procurar algo enquanto meu amigo olha
sutilmente pra trás e faz um gesto para que eu saía.

Sou discreta, pelo menos nisso, fecho com a chave e vou


apressada até o balcão, com a xícara ainda em mãos.

— Não estou encontrando nada em seu nome sr. Bae. — O


moço diz ainda abaixado e coloco a chave no porta lápis de
Joana.
— Tudo bem então, talvez tenham se enganado. — O homem
levanta e me olha com uma leve careta por ver meu rosto.
— Ah, essa é minha melhor amiga, Amália. — O semblante do
mesmo se ilumina em incredulidade.
— Perdoe por não cumprimentar a senhorita, minha filha é sua
fã! — Sorri pra ele e rabisco um autógrafo no bloquinho de
notas que estava ali em cima.
— Entrega a ela, por favor, foi um prazer lhe conhecer.

Ele assente feliz e guarda o papel com carinho. Vou


acompanhada de Bae para o elevador e assim que as portas se
fecham ele me olha com a sobrancelha arqueada.

— Como você foi parar lá?


— Estava escrevendo, mas acabei perdendo a noção de tempo
e não tinha como escapar sem que ele me visse.
— Então você tem um cúmplice?
— Sim, a Joana. — Vejo um sorriso começar a ganhar forma
em seus lábios e logo ele começa a rir.

Começo a rir também, mas não posso negar que a imagem


dos seus olhos brilhando com a diversão e o som da sua risada me
causaram uma leve aceleração cardíaca.

— Além de ficar presa lá, o que mais aprontou? — Pergunta


quando vamos saindo e põe as mãos nos bolsos.

Imaginei estar apaixonada por você! Silencio o pensamento e


olho para ele com um leve sorriso.

— Escrevi, falei com Donatella e... Tomei chá com biscoitos. —


Mostro a xícara, que devolveria amanhã sem falta.
— Estou feliz que seu projeto está caminhando bem, apesar
dessa rotina agitada, o que acha de sairmos pra passear
amanhã à tarde, um pouco antes do clube do livro?
— E onde vamos? — Ele faz um gesto de silêncio e franzo o
cenho.
— Jura que vai fazer mistério? — Assentiu e ri. — Vou fazer
você contar.

Ele me olha assustado e abre a porta. Deixei os papéis e a


xícara na mesinha de centro e me viro para lhe olhar.
— Você pode me contar por bem ou por mal. — Mexo os dedos
na sua direção e ele se encosta na parede.
— Nem pense nisso, é muita maldade. — Diz com um
sorrisinho surgindo de canto.

A vantagem de nos conhecermos tão bem, era saber o ponto


fraco também e Bae era muito sensível para cócegas, no pescoço,
na barriga, debaixo dos braços.

— Ah sim, e esconder as coisas da melhor amiga também. —


Dou um passo à frente e ele vai apressado para o quarto,
enquanto lhe sigo.
— Não vou falar, é surpresa!
— Vai falar sim!

Lhe persigo e ele já começa a rir antes mesmo que encoste


no mesmo, mas consigo lhe derrubar de lado na cama e lhe faço
cócegas.

— Vai contar? — O vejo negar e continuo fazendo.

Sua risada estremece meu coração e sinto uma empolgação


crescendo, em vê-lo tão bem, em lhe sentir tão perto e por ser
aquele homem que me enchia os olhos e me salvava das salas de
contabilidade.

— Você é linda como uma princesa e terrível como uma bruxa.


— Diz ofegante quando paro e me deito do seu lado, ri dele e
nos olhamos no mesmo instante.

Que abacaxi! Acho que aquilo estava mesmo acontecendo e


um leve desespero se instalou em mim. Por que o meu melhor
amigo?!
Bae

Não pude deixar de notar aquele brilho diferente no olhar de


Amália na noite passada. Ela saiu tão rápido do meu lado depois da
brincadeira, que pareceu que haviam espinhos ali, mas segundo a
mesma, era pressa para passar a pomada no rosto.

Logo pela manhã ela também não estava mais ao meu lado,
no entanto a cozinha estava com um cheiro muito bom, e minha
amiga estava bem sentada, já tomando um suco e comendo.

— Tinha formigas na cama? — Pergunto humorado e a vejo


negar enquanto mastiga. — Sua pele parece bem melhor, a
vermelhidão diminuiu.
— Sim! Nossa, estou tão aliviada, achei que era um tipo de
fantasia ansiosa que meu rosto melhorasse logo — ri, — mas
já que você está confirmando, me sinto bem melhor.
— Está preocupada por causa do clube do livro?
— Um pouco, quer dizer... essa coisa toda de ser o centro das
atenções as vezes me deixa sem ar. — Me sirvo do suco e
sento ao seu lado.

Fiquei um instante em silêncio por analisar os traços do seu


rosto, os cabelos um pouco bagunçados, as unhas dos pés agora
estavam sem o esmalte. Seu olhar castanho me fez estremecer e
algo pareceu brilhar em seus olhos, porém o contato é cortado logo
e foco no meu café da manhã.

— Com tudo que aconteceu ontem, esqueci de te contar que a


maquiagem estava mesmo vencida, ainda não sabemos
como aquilo foi parar lá, mas já removemos todos os
produtos.
— Ufa! Estava preocupada de ter algum tipo de alergia e acabar
tendo que sair. — Sinto o alivio quando se expressa e sorri
de canto.
— Romeo queria vir te ver, mas ontem foi bem cheio pra ele e
não deu certo.

Sua expressão não muda quando cito ele, no entanto, isso


me lembra do estado em que o mesmo ficou quando voltei com
notícias dela.

— Por que está me olhando assim?


— Nada, é que... o Romeo pareceu bem mexido quando falei
de você.
— O que isso quer dizer?
— Não sei, só que foi uma reação incomum vindo dele. — Ela
parece pensar um pouco e me analisa em silêncio, noto seu
olhar viajar pelo rosto, enquanto finjo ignorar, mas por dentro,
meu coração parecia nervoso.

Amália se levanta e vai saindo muda até o quarto, me viro na


cadeira e lhe acompanho com o olhar por uns instantes. Logo ela
passa para o banheiro e fico um pouco preocupado.

— Ami, você está bem? — Pergunto da cozinha.


— Sim, por qual motivo?
— É que... está parecendo estranha, como se estivesse com
algo te incomodando.

Seu silêncio me deu a resposta que precisava. Termino de


tomar o suco e vou até a porta do banheiro. Assim que ela abre dá
de cara comigo, joga a pomada contra mim.

— Que coisa! O que está fazendo ai?! — Ofega um pouco.


— Queria saber o que está acontecendo, e isso doeu... —
Reclamo e apanho a bisnaga do chão, lhe entregando.
— Já pensou se eu soltasse um daqueles bem barulhentos ali?
Seu café da manhã ia se revirar todinho. — Vai saindo e
seguro o riso.

Prefiro não insistir, talvez fosse algo relacionado ao estresse


ou cansaço pela rotina dupla, produzir aqui e ali.
— Está usável? — Provoco antes de entrar no banheiro e
escuto uma risadinha vinda do quarto.
— Claro!

Tomo um banho e saio enrolado na toalha, a tempo de ver


como estava linda, o jeans solto, a camisa com um desenho de
margarida, os tênis e a faixa de cabelo, num conjunto sútil a
ressaltar toda sua beleza. E quando sorri...

Ah não, sorrir era a peça chave para me deixar de joelhos.


Fiquei mudo, o tempo de fato nos mudou, a forma com que nos
ligamos nesse reencontro, com certeza não estava sendo diferente
apenas para mim, o brilho no olhar de Ami, me dava aquela certeza
que não era coisa da minha cabeça.

— Vai ficar me olhando com essa cara ou se arrumar? — Sou


obrigado a rir daquilo.
— Não posso mais te admirar que você corta meu barato! —
Resmungo e ela ri.
— Pode sim, mas sem parecer um iceberg, congelado e
boiando na realidade. — Pega sua bolsa com retalhos
coloridos e vem caminhando na minha direção. — Está
molhando o chão todinho, enxuga, tá? — Faço uma careta e
a vejo sair.

Com certeza não podia lidar com aquela confusão de


sensações sem falar com alguém, ela seria minha primeira opção,
se não fosse o motivo daquilo.

Então minha ideia foi conversar com Emy, assim que a


encontro no estúdio, Romeo já havia grudado em Amália para saber
como estava e ensaiarem um pouco para as cenas que fariam
assim que ela melhorasse da alergia.
— Podemos falar?
— Algo errado com o filme? — Me olha assustada.

Quando me mudei para Conway, além de agente, Emy se


tornou uma amiga para todas as horas e esse era um lado que
havia visto bem pouco desde que começamos a história desse filme.

— Na verdade, estou precisando de uma amiga, pode ser? —


Sua sobrancelha arqueia e seus lábios vermelhos continuam
numa linha séria.
— Sua melhor amiga não pode te oferecer um ombro?
— Não estou afim de brigas, deixa pra lá. — Digo já um pouco
perdido, havia sido uma má ideia, já que elas aparentemente
não se davam muito bem.
— Espera... desculpe, eu... vem, fecha a porta.

Faço como pede e fecho a porta do camarim, e nos sentamos


um de frente para o outro nas cadeiras de maquiagem.

— O que aconteceu? — Seu tom se suaviza, assim como sua


expressão.
— Estou confuso com algumas coisas... quer dizer, eu já tinha
te falado que sentia muita falta de Miliot, e tinha um motivo
bem específico, havia deixado minha melhor amiga lá, no
momento mais delicado e talvez mais conturbado da sua
vida...
— Achei que... fosse sua família.
— Também Emy, mas Amália faz parte desse grupo.
— E qual o problema? Está arrependido de... — Lhe olho sério
e ela para. — Tá, qual o problema exatamente?
— Acho que estou me apaixonando por ela... — Emy parece
tomar um susto e se não fosse pelo batom, veria o quanto
estaria pálida.
— Como assim?
— Estou sentindo coisas diferentes, desejo estar com ela
sempre e sempre, dividir tudo, meu coração parece entrar
num compasso diferente quando estamos perto. — Vejo sua
sobrancelha arquear e percebo que minha fala pareceu bem
clichê.
— É uma pegadinha?
— Claro que não, estou falando muito sério.
— Você nunca me contou nada sobre seus sentimentos, se
quer saiu com alguém desde que chegou aqui, mesmo
recebendo vários convites e quer mesmo me dizer que está
apaixonado por ela?
— E qual seria o problema?
— Parece carência! — Sua reação me deixa surpreso e logo ela
volta ao tom normal. — O que quero dizer é que... por ter
feito parte de um grande momento da sua vida, talvez a
saudade e a nostalgia daqueles momentos estejam te
confundindo, pensa comigo, tem anos que se conhecem e só
agora está surgindo algo? — Penso um pouco, até que fazia
sentido. — Vocês só estão tendo uma convivência maior, e
isso traz coisas novas, obviamente é isso.

Continuo em silêncio e ela se levanta.

— Pensa direitinho, tá? Para não se magoar, achando que é


uma coisa que nem existe. — Abre a porta e me convida a
sair num gesto sútil.

Me levanto e caminho até a saída, beijo o topo da sua cabeça


num agradecimento silencioso.

Suas palavras me deixaram imerso em pensamentos até que


entro no set e vejo Amália e Romeo ensaiando uma valsa, ela não
estava indo muito bem, mas se divertia, fazendo ele rir junto de si. E
olhando aquilo de longe, refleti comigo mesmo.

Era isso mesmo ou só estava confuso pelas nossas histórias


do passado?

— Bae! — Sua voz me distraí dos pensamentos e lhe observo,


quando vem se aproximando com certa pressa e um pouco
ofegante, mas mantendo aquele sorriso no rosto.
— Algum problema?
— Me ensina a valsa? — Sua pergunta me pega desprevenido,
fazia algum tempo que não dançava nada.
— Agora?!
— Quando estivermos em casa, já que vai começar a gravar, e
eu vou para o meu cantinho escrever.
— Tudo bem, só tome cuidado para não se perder. — Brinco e
ela beija meu rosto antes de ir.

Me sento e respiro fundo, hoje seria um daqueles dias em


que minha mente daria mil voltas.
Amália

Deixo o set e vou até aquela sala de reuniões escrever, mas


no meio do caminho encontro Emy, que vinha, como sempre, de
mau humor, porém quando me viu, tive quase certeza que queria ter
me fuzilado com os olhos.

— O que faz aqui? — Pergunta ríspida.


— Eu só...
— Olha, só vou dizer isso uma vez, não cause nenhum
problema aqui hoje, já basta seu drama do outro dia.
— Drama?! Olhe pra mim, acha mesmo que isso foi uma
encenação?!
— Se eu fosse você, com certeza me manteria no meu lugar,
quer dizer, já que não vai gravar hoje, por que não desgruda
dele um pouco?
— Quê? — Fico confusa.
— É isso mesmo, está sufocando ele garota, deveria ficar no
hotel, cuidando dessa pele e arrumar outra ocupação.
— É o que vou fazer, escrever, ao invés de discutir com você.

Antes que saia mais alguma coisa da sua boca, vou


caminhando para a sala de reuniões. Era só o que me faltava, não
poder estar com Bae, por uma exigência dessa azeda!

Mas... E se ele tivesse dito algo? Não, com certeza me diria


antes.

Antes de chegar ao meu destino, encontro Taylor no corredor


e a mesma me sorri.

— Ei, podemos falar um instante?


— Claro, aconteceu algo?
— Isso é você que vai me dizer. — Olha para os lados e me
leva para uma sala aleatória, que estava cheia de produtos
de limpeza. — O que está rolando entre você e Romeo?
— Como assim?! Nada...
— Mesmo? Eu vi as flores que ele encomendou e o cartão que
fez, com aquela letrinha medonha.
— Ah, não foi nada demais, nem existe algo também.
— Seu nome não sai mais da boca dele, acho que aquele beijo
foi realmente mágico.
— Ah não, nem vem com isso, não faz sentido. — Toco o trinco.
— Então era por isso que Emy estava daquele jeito... — Parece
pensativa.
— Que jeito? Com raiva de mim?
— Não sei se tem mesmo a ver com você, mas ouvi ela
chorando e quebrando algo na sala. — Fico confusa, o que
será que havia acontecido?
— Que estranho..., mas eu preciso ir. — Digo apressada e saio
dali.

Chego a sala de reuniões e fecho a porta, soltando um longo


e profundo suspiro, só podia ser algum tipo de pegadinha que ainda
não havia entendido.

Passei um bom tempo ali, esqueci de tudo, inclusive da hora,


porém, uma coisa que me deixou bem orgulhosa daquela tarde de
trabalho, foi ver o tanto que havia escrito, já estava com quase
setenta páginas e em relação ao que produzi em todo o prazo
anterior que me deram, 1 mês parecia estar surtindo um bom efeito
no meu cérebro preguiçoso.

Alguém abre a porta e logo vejo um rapaz com o uniforme da


limpeza, que educadamente pede para que eu saia e assim o faço.
Pego as coisas e enfio na bolsa com pouca delicadeza quando me
avisa a hora.
Vou procurar meu amigo, mas assim que chego no corredor
que ficava o set, vejo Romeo saindo de lá. Seu sorriso pra mim é
tão genuíno e fofo, que me deixou até sem jeito.

— Como está?
— Bem melhor e você? Já terminou suas tarefas por hoje? —

Aperto a alça da bolsa suavemente quando ele vem se


aproximando.

— Digamos que o fato da minha parceira estar impossibilitada


de gravar, me deixou sem muito serviço também. — Toca
meu queixo num gesto sútil.
— Sabe que acumular serviço é pior, não é?
— Não me importo muito, desde que divida comigo.
— Me diz uma coisa, o que exatamente está acontecendo aqui?
Porque ouvi algumas coisas a seu respeito e fiquei sem
entender bem...
— Que tenho falado muito de você? Ou as especulações de um
suposto romance entre nós?
— Os dois! Quer dizer, não quero deixar as coisas confusas,
queria entender seu lado da história. — Ele coloca as duas
mãos nos bolsos e olha para o chão antes de me responder.
— Eu realmente gostei das cenas que fizemos, me diverti
bastante estando com você, que é bem diferente
comparando a outras parceiras de gravação que já tive, —
faz careta e sorri de canto com o gesto engraçado — é que
por aqui, tenho uma fama de ser chato e superficial, que é
uma mentira bem grande, então acho que o fato de elogiar
sua atuação e estar contente com nossa parceria despertou
esse assunto nada a ver nas pessoas.
— Entendo, mas... e a Emy?
— O que tem ela?
— É que... me falaram que estava chorando e quebrando
coisas na sala dela. — Seu olhar me deixou confusa, será
que havia dito uma besteira?
A resposta veio logo em seguida, quando sua risada explodiu
no corredor, me deixando tímida.

— Estão achando que ela está apaixonada por mim e surtando


por isso? — Assinto e aos poucos vai controlando a risada e
a respiração pra falar. — Olha bonequinha, não dê ouvidos a
tudo que escuta por aqui, Emy não sente nada por mim, além
de um estresse que ela lança a todos. — Cruza os braços.
— Foi uma pergunta boba né? — Ele assente e acabo rindo
baixo.
— Está se achando muito, hein? Pra quem chegou há poucos
dias. — Toca a ponta do meu nariz e vai passando por mim.

Bufo baixinho e vou caminhando para o set. Uma coisa era


certa, não podia dar ouvidos a tudo que vinham me falar.

Bae estava levantando com uma pasta preta, parecia ter


muitos papéis ali, logo ele vem se aproximando e já pude sentir o
cheiro suave do seu sabonete.

— Se divertiu?
— Nem imagina o quanto. — Sorri de canto e ele passa o braço
por meus ombros, me puxando delicadamente para perto e
beijando o topo da minha cabeça.

Fechei os olhos por um breve segundo, e assim que abri, já


vejo a cara feia e irritada de Emy em nossa direção.

— Acha que acabou? — Se dirige a ele, que assente silencioso,


fazendo-a bufar alto. — Temos um evento para hoje.
— Evento esse que desmarquei de ir, tenho planos. — Sua cara
de indignação é dirigida a mim.
— Não pode trocar seus compromissos por capricho.
— Você não pode me forçar a ir Emy, já falei sobre isso, não
queira tomar atitudes ou falar por mim, sabe que não gosto.
Ela pareceu ficar sem fala, passa bem pelo meio de nós dois
de forma bruta e bate à porta. Acompanhamos sua saída
desgovernada e olho pra ele em seguida.

— Algo que me diz que ela não ficou feliz, nem nunca parece
estar também. — Ele ri baixo e voltamos a ficar juntos.

Saindo pela outra porta do set, Bae enfim me revelou onde


iríamos passear, cinema drive-in.

— Caramba! Faz tanto tempo que fui numa sessão assim. —


Me empolgo e vejo rir.
— Sabia que ia gostar, pra mim também faz tempo, já que a
última vez nós estávamos no primeiro ano e acabamos
sendo mandados embora por fazer muitos comentários do
filme. — Foi minha vez de rir.
— Mas era horrível! Não tinha como ficarmos calados, com
tantos absurdos. — rimos.
— Dessa vez vai valer a pena e não seremos expulsos,
prometo. — lhe abraço pela empolgação e dou alguns
pulinhos.
— Pelo menos vamos passar no hotel antes? Quero deixar
meus papéis lá.
— Vamos sim, e iremos para a sessão no meu carro, que
finalmente voltou do conserto.
— Isso quer dizer que não viremos mais de ônibus?
— Por que, não gostou da novidade?
— Gostei sim, mas também gosto do ônibus daqui, é um
pequeno passeio.
— Não seja por isso, te levarei a pequenos passeios de carro
também. — Sorriu e lhe abraço satisfeita outra vez.

Logo estávamos a caminho do hotel, e ele finalmente revelou


o que iríamos assistir, um lançamento de algumas semanas atrás,
ação e aventura. Era Indiana Jones e o templo da perdição.
— Dá pra acreditar que já fiz tudo isso e já vou começar mais
um capítulo? — Digo empolgada quando entramos no seu
carro, um conversível azul, com faróis quadrados, cuja
pintura tinha um brilho impecável sob a luz do poste.
— Nunca duvidei de você, uma mudança de local ás vezes é
tudo que precisamos.
— Tem razão, mas agora estou mega empolgada para vermos
esse filme. — Sorri e logo ele põe o carro em movimento.
— Em homenagem aos nossos velhos tempos e principalmente,
a esse reencontro tão valioso. — Diz com um sorriso meigo
no rosto e sinto como se meu coração fosse derreter.
— Me diz uma coisa, falta muito para terminarmos o filme?
— Digamos que ele está em vinte e cinco por cento, mas esses
dias daremos um belo plantão para cumprir prazos e adiantar
outras coisas para edição.

Assinto e acompanho o passar da paisagem, sentindo o


vento nos meus cabelos, era uma brisa suave e bem gostosinha.
Fecho os olhos um instante e aproveito daquela sensação, ouvindo
minha própria respiração e a música que começou a tocar baixinho
no rádio.
Bae

Ver ela tão bem, leve e sorridente, me deixou com uma


sensação incrível, do tipo que diz; “essa é sua missão, fazer essa
mulher feliz”.

Chegamos ao drive-in, ainda não estava cheio e


conseguimos o lugar perfeito, que segundo Amália, era no meio,
nem tão perto e nem tão longe da tela.

— Vou comprar a pipoca e o refrigerante. — Assinto e ela vai


saindo.

Acompanho seus passos até o carrinho de pipoca que estava


ali próximo, o que eu não esperava era ver Romeo ali também,
estava desacompanhado e os vejo conversar, até que minha amiga
aponta para onde estávamos e ele acena, retribuo o gesto e o vejo
dar um beijo no rosto dela antes de se afastar.

Desvio o olhar para qualquer lugar, vendo os carros com mais


casais chegarem, haviam adolescentes por ali e mais ao fundo
outras pessoas se amontavam em cadeiras de jardim com caixas de
bebida.

— Peguei pipoca doce e salgada. — Sua voz me chama


atenção e logo ela se senta, apoiando o refrigerante com os
canudos no porta-copos do carro.
— O filme vai começar em cinco minutos.
— Oba, oba! Já estou bem curiosa pra saber toda a história.

Ela pega algumas pipocas e põe na boca, observando tudo


ali em volta.
A iluminação improvisada é desligada, uma contagem
regressiva aparece no tecido branco, as pessoas encerram os
assuntos e já podemos ouvir as bebidas sendo abertas e as pipocas
estalando ao serem mastigadas em conjunto.

Ami coloca os dois canudos no nosso refrigerante e me


oferece um pouco, obviamente não recuso e ela bebe do outro lado.

— Nada de fazer bolhas, tá? — Sussurra e faço cara de


desentendido.

Afinal, antes de sermos tão amigos assim, brigávamos


bastante, qualquer coisa era motivo para discussão, até mesmo se
eu fazia bolhas no meu refrigerante no colégio. Mas nem esses
detalhes triviais evitaram nossos momentos até aqui.

O filme começou e todos aplaudiram quando o nome da


produtora apareceu com as estrelinhas. E então, quando o silêncio
se instalou outra vez, todos os olhares estavam direcionados ao
professor Jones.

Amália estava tão absorta com o filme que às vezes deixava


algumas pipocas caírem no tapete do carro, fiz uma nota mental
para limpar depois, mas minha vontade era de estar com a máquina
fotográfica para registrar suas caras e bocas com os altos e baixos
do enredo.

— Do que está rindo? — Pergunta quando deixo escapar um


leve ruído.
— Sua expressão com tudo isso.
— Não vai dizer que não ficou com agonia quando a parede
começou a descer?! Eles iam virar peneira de tantos buracos
Bae!
— Shh! — Ouvimos logo atrás e ela se encolhe levemente no
banco, respirando fundo e tomando um golinho do
refrigerante.
— Fiquei, mas você parecia estar lá de tão hipnotizada.

Recebo uma careta e voltamos nossa atenção ao filme. As


coisas foram ficando cada vez mais tensas ao se aproximar da
aventura, o famoso clímax, mas ao que parece, minha amiga não
estava tão interessada já que olhei e a mesma estava bem tranquila
cochilando no banco.

Começo a rir baixo, não era possível que alguém dormisse


com um filme assim, só estando muito cansado. Sua pose estava
engraçada, o cotovelo apoiado na porta no carro, sua mão
pressionava levemente sua bochecha, que ficou torta e acabou por
formar um biquinho em seus lábios, e suas sobrancelhas estavam
franzidas como se estivesse mesmo chateada com algo.

— Ami? — Lhe chamo baixinho e a vejo se remexer, mas num


movimento em falso sua cabeça pende pra frente e ela
desperta num susto.
— Não dormi, eu não dormi... — Fica em alerta e logo boceja, o
que me faz começar a rir.
— Faltam alguns minutos para terminar, você que ir pra casa ou
aguenta?
— Claro que aguento, isso foi só... — boceja de novo, — só
uma distração de leve.

Assinto com um sorriso irônico, era óbvio que estava bem


cansada, mas sua teimosia falava bem mais alto nesse caso. Então
ficamos para ver o final, mas vez ou outra a via cochilar e pendurar
a cabeça.

— A pescaria está boa, hein? — Implico e a mesma me dá uma


tapinha no braço.
— O filme, foca no filme. — Cruza os braços com um pouco de
frio e tiro meu casaco pra lhe oferecer. — Obrigada... —
Continua bocejando, e se agasalha melhor, ficando mais
acomodada no banco.
E para resumir o final do passeio, ela nem percebeu quando
dirigi de volta para o hotel, apenas quando tive de acordá-la para
subirmos.

No sábado de manhã, pedi que trouxessem o café para o


quarto, minha amiga ainda estava bem adormecida debaixo das
cobertas, fiz a gentileza de desligar o despertador. Antes de ir
comer, tomei um bom banho para esperar a comida, hoje seria o dia
do clube do livro e confesso que estava bem animado.

— Oi zumbizinha, como dormiu? — Falo humorado quando vejo


ela de pé, com os cabelos bagunçados e a cara amassada
de sono.
— Muito bem, estava precisando. — Sorri preguiçosa e entra no
banheiro.

Antes que pudesse falar do nosso café, Amália bate à porta


na minha cara e fico boquiaberto por uns instantes, já que fui
interrompido.

Depois de uns 3 minutos ela saiu de lá, com os cabelos


presos e mais desperta.

— Você percebeu que fechou a porta na minha cara? — Implico


e recebo um olhar confuso.
— Foi mal, não mandei ficar parado lá, precisava de
privacidade. — Dá de ombros e segura o riso.
— Mas eu ia falar.
— Então fala agora ué. — Diz abrindo a porta, e a camareira
entra com o café no carrinho.

Assim que a mesma sai, olho para Amália e recebo um


sorriso sapeca.
— Não é à toa que brigávamos muito, você não tem modos. —
Implico e ri da sua cara de indignação.
— E fazer bolinhas na bebida é? — Passa por mim esbarrando
no meu ombro e ri baixo.
— Touché!

Depois do café, fomos até o parque passear um pouco. Era


um pouco longe do hotel, mas o trajeto de carro até lá foi divertido,
chegamos um pouco descabelados, visto que o vento aquela manhã
estava bem rebelde.

No entanto, como uma boa dupla que éramos, tivemos a


ideia de alimentar os patos do laguinho, Amália achou fofinho e quis
tentar.

Nunca fui muito fã de patos e gansos, por eles serem meio


estressadinhos, mas minha amiga não levou isso em conta, já que
era “só agir naturalmente”.

— Ami, eles não parecem tão confortáveis com isso... — Digo


quando dois deles arrepiam as penas enquanto era picota o
pão com os dedos.
— Ah, que isso, olha como são fofinhos! — Sua fala saiu com
uma voz diferente e recuo um passo quando o patinho vem
desconfiado.
— Ami...

Meu alerta foi ignorado, ela estendeu a mão com o pãozinho


ao bicho, ele bicou de modo tranquilo e recuou, mas o outro não fez
bem isso. No momento que Amália recuou a mão, o outro pareceu
se sentir ameaçado e começou a correr na nossa direção.
Ela de levantou um pouco desajeitada e saiu correndo logo
atrás de mim, o que eu não esperava é que o pato tivesse tanto
fôlego de ir até uma certa distância atrás de nós.

Algumas pessoas que estavam ali, se divertiram com a cena


enquanto o pato grasnava logo atrás.

E se não fosse suficiente, acabei pisando em falso num


buraco e caí por dentro de um arbusto, felizmente não tinha
espinhos, mas os galhinhos que quebraram ainda me arranharam
no impacto. Tentei me levantar mesmo sem um apoio firme, ouvi a
voz da minha amiga bem atrás de mim, estava ofegante e só de
olhar para a frente, já me veio um pequeno pânico.

O pato estava bem ali, paradinho e nos encarando pelo


buraco que fiz no arbusto com a queda.

— Não se mexe, por favor...


— E você acha que eu faria isso, com a possibilidade dele bicar
onde não deve? — Sussurro e a vejo segurar o riso.

Felizmente o bicho deu meia volta, de modo bem tranquilo,


como se nada tivesse acontecido. Cínico.

— Começamos bem. — Sua respiração faz cócegas próximo ao


meu ouvido e acabou rindo alto.

Ela tenta me levantar e em seguida limpo a roupa.

— Tem mato no seu cabelo. — Riu e passo a mão sentindo as


folhas, as tirando.
— Nunca mais eu chego perto de um pato.
— Não seja injusto, o outro era bonzinho, vai ver aquele não
está num bom dia. — Brinca e ri.
— Prefiro evitar a fadiga, vou ver só de longe agora. — A vejo
continuar a dar risadas.
Suas bochechas já estavam vermelhas, e o ar começava a
lhe faltar daquela crise de riso.

— Vai passar mal... — Digo tentando me manter sério, o que


não durou muito, já que era contagiosa aquela risada
sapeca.

Seguimos para um banco, para respirar depois daquela


corrida.

— Ei! O que fazem sentados aí? — Um senhor com um pincel


sujo e um balde de tinta branca, veio em nossa direção.
— Descansando senhor... — Respondo meio cansado.
— Não viram a placa? A tinta está fresca.

Nos entre olhamos e automaticamente arregalamos os olhos


ao ver as linhas brancas de tinta em nossas roupas. Levantamos
rápido e observamos as marcas que ficaram ali.

— Ahn... nós podemos pintar de volta...


— Claro que vão. — Diz mal-humorado e entrega o pincel a ela
e a tinta para mim. — Não demorem, já atrasaram muito meu
trabalho. — Cruza os braços e começamos o serviço.

Pintamos tudo em silêncio e depois entregamos os materiais


ao senhorzinho, que nos colocou pra longe do banco.

— Você viu alguma placa? — Me pergunta olhando


discretamente pra trás.
— Não, e você?
— Acho que voou, mas também acho que somos dois
dementes, não sentimos nem o cheiro da tinta. — Nos
olhamos e acabamos rindo um do outro.

Aquele passeio passou longe de ser tranquilo.

— Temos que esperar a tinta secar, ou vai manchar o carro.


— Legal, seremos duas zebras passeando por aí. — Responde
humorada e ri baixo.

Apesar do passeio não ter saído como imaginamos, nem tudo


estava perdido, Amália havia levado sua bolsa e dentro dela estava
a máquina fotográfica, junto de lápis e papéis, tudo fora de ordem.

— Tudo culpa do pato. — Argumenta e lhe olho arqueando uma


sobrancelha.
— É né, e sua que foi mexer com ele. — Implico e ela me
mostra a língua.
— Vira de costas, quero registrar suas listras.

Faço como pede e viro um pouco o rosto antes que ela bata o
retrato, com certeza ia sair uma parte da careta que fiz. E a vejo rir
conforme vai aparecendo.

— Vou entregar isso ao pessoal da empresa que você faz


comercial, está muito bom. — Continua rindo e me aproximo
pra ver.
— Faz melhor. — Seu olhar vem de encontro ao meu, e
sorrimos de forma sapeca e simultânea.

Me entrega a câmera e se afasta, virando de costas e logo


mostrando uma careta pra foto. As pessoas passavam por nós,
olhando as manchas de tinta e as caretas nas fotos.
Amália

Depois do passeio no parque, voltamos para o hotel, Bae fez


questão que eu fosse com ele para o almoço que teria com Emy. E
apesar do ânimo zero em vê-la, não queria ficar sozinha ali.

No entanto, se encontrasse uma boa desculpa de última


hora, que ficaria.

— Olha, eu sei que os últimos dias além de corridos tem sido


bem tensos entre vocês duas, mas te garanto que ela é uma
boa amiga.
— Pra você, né? — Seu suspiro já deixava bem claro o quanto
estava cansado daquele arranca rabo.
— Sei que ela teve implicâncias com você, mas não vi isso
depois daquela história da roupa.
— Claro, ela me ignora completamente.
— Tenta mais uma vez, por favor, sei que Emy pode ser bem
orgulhosa às vezes, mas se tiver um pouco de paciência,
você pode descobrir bem mais.

Penso um pouco, talvez ele tivesse razão, podia tentar outra


vez, só pelo bom relacionamento no trabalho pelo menos. Assinto
devagar e resolvo ignorar meu plano de fuga desse almoço.

Me arrumo e um tempo depois, pego minha bolsa com alguns


papéis e caneta, porém deixei a câmera em cima da cama.

O restaurante ficava um pouco longe dali a avenida que


pegamos para chegar até lá, estava bem movimentada, haviam
grandes propagandas em outdoors.
— Uma vez me perdi quando saí do meu primeiro almoço
executivo, e o pneu da bicicleta furou bem aqui nessa
avenida.
— Não sabia que tinha uma bicicleta.
— Tinha sim, era tudo longe, e eu ainda não tinha dinheiro para
um carro, mas tinha que chegar logo aos lugares. — Sorri de
canto ao vê-lo sorrir nostálgico, seu olhar estava encoberto
pelos óculos de sol de armação vermelha, mas tinha certeza
que estavam viajando naquela lembrança.
— E o ônibus?
— Nem sempre chegava na hora, então tive que tomar conta da
situação, ou não conseguiria meus trabalhos.
— Com certeza seus pais ficaram bem orgulhosos quando
recebeu seu primeiro contrato. — Comento, e seu sorriso se
alarga.
— Eles queriam muito fazer uma daquelas festas de dois dias,
com toda a família, mas eu preferi não fazer, ainda era meu
primeiro trabalho e não podia passar esse tempo todo com
eles, com tanta coisa pra gravar.

Falamos mais um pouco sobre o trabalho no cinema e


quando chegamos até o restaurante, havia uma pessoa para
estacionar o carro, e um garotinho passou me entregando um jornal,
seus olhos se arregalaram um pouco ao me ver e saiu depressa.

Assim que leio a manchete, quase perco o equilíbrio, era uma


foto minha rindo junto de Romeo, bem de frente ao hotel onde
estava atualmente, mas o problema não era esse e sim o título.
“Novo casal de estrelas? ”.

— Ami, não liga pra isso, é tudo bobeira...


— Mas é uma mentira!
— Eu sei, mas se deixar isso te afetar é pior, podemos falar
com a Emy e ela resolve isso, tudo bem?

Não sei se pedir ajuda a ela, era a melhor escolha, até por
que eu nem sabia se a mesma faria aquilo de bom grado.
Entramos no restaurante e guardo o jornal na bolsa, nem
reparei tanto na decoração, só notei a iluminação baixa, que trazia
certo conforto e os tons de madeira claros e escuros se
contrastando as rosas vermelhas, que deixavam o aroma leve.
Minha cabeça só conseguia pensar em como conseguiram aquela
foto, e de onde tiraram aquela ideia?!

Emy demorou um pouco a chegar, mas os clientes que


entravam ali e nos viam, me analisavam e olhavam Bae, se virando
para cochicharem também, o que me deixava num estado de
ansiedade, para sair logo dali e tentar fazer algo a respeito.

— O restaurante não está do seu agrado querida? — Seu modo


de falar comigo, apesar de suave, tinha uma nota de
desgosto.
— Está tudo ótimo. — Respondo calma e por baixo da mesa,
Bae segura minha mão gelada.

Que só notei estar fria, quando senti seu toque quentinho.

— Vi a notícia que saiu sua com o Romeo, é por isso que está
tão inquieta? — Seu jeito de falar comigo, era tão forçado,
que podia ter quase certeza de que se dirigir a mim lhe
causava alguma dor, de tão esquisito que era seu tom.
— Não gosto de mentiras, só isso.
— Emy, será que você poderia resolver isso, por favor? — Ela
olha um tanto surpresa pra ele.
— Não precisa se preocupar com isso Amália, é tudo por você
ser a novata da produção, mas já, já um escândalo maior e
de verdade toma a cena. — Seu tom estava me deixando
bem desconfortável.
— Pode fazer algo para ajudar, ou não?
— Claro, farei o possível, afinal, uma amiga do Bae, também é
minha amiga e devemos trocar essas figurinhas caso
necessário, não é?
Silenciosamente eu respondi um “não! ”, mas fisicamente,
apenas balancei a cabeça em concordância. Depois disso, a
conversa ficou monopolizada entre eles e eu fiquei comendo em
silêncio, ela sabia rir e se divertir, o que era bem surpreendente,
visto que noventa e nove por cento do tempo ela estava de cara feia
e falando de modo ríspido comigo ou qualquer outro.

— Estou feliz em dividir esse momento com vocês, duas


pessoas importantes pra mim. — Meu amigo diz de modo
fofo e toca me ombro, enquanto sua outra mão está junto a
de Emy.

Sorri de canto, e um leve pânico me atravessou só de


imaginar que aquilo poderia ser o tipo de situação em que eles
anunciariam um relacionamento. Mesmo desejando toda felicidade
pra ele, e sendo neutra em relação a ela, meu mundo acabaria
despencando com tal coisa... visto que estavam surgindo coisas,
que eram diariamente nutridas com gestos minuciosos dessa nova e
maluca rotina que nos metemos.

— Você está bem? — Ele me pergunta assim que Emy vai ao


banheiro.
— Na verdade, não, nada contra sua amizade e tudo, mas ela
não me deixa confortável...
— Ami, ela está se esforçando, sei que é meio complicado
vencer a timidez, mas você consegue. — Seu tom inocente,
me faz dar um leve suspiro.

Certo, Bae não havia notado aquela interação bizarra, como


algo bem forçado e mecânico, e sim pelos olhos da positividade,
que ficaríamos amigas...

— Não quero ser estraga prazeres, mas acho que estou


atrapalhando um pouco dos assuntos de negócios de vocês.
— Está dizendo que quer ir embora? — Seu semblante perde
aquele brilho e assinto devagar.
— Ainda tenho coisas planejadas pra gente depois daqui, me
espera. — Toca minha mão e mordo a bochecha por dentro.

Não conseguia resistir aqueles olhos escuros e incrivelmente


lindos, que refletiam a mim mesma enquanto os fitava silenciosa.

— Tudo bem, tudo bem, só por você ser um fofo.


— Sempre soube que isso era irresistível. — Sorri convencido e
lhe cutuco.

Mas nosso momento de brincadeiras encerrou logo, quando


Emy retornou à mesa e começou a falar de mais trabalho, deixando
duas pastas à vista.

Uma hora depois, ela foi embora de táxi, e nós dois fomos em
mais um passeio do cronograma do dia, e eu só esperava que esse
fosse tão bem quanto o de logo cedo. Nada de patos ou roupas
manchadas.

— Pensei direitinho em como te surpreender e deixar cada


momento da sua viagem melhor, então lembrei daquela flor
que estava na sua roupa na festa a fantasia da Nina.
— Está falando da lavanda?
— Sim, e de como ficou mal por não conseguir cultivar. — Faço
um biquinho e minha cabeça vai processando todas aquelas
dicas.
— Vai me dar uma? — O vejo sorrir enquanto mantém os olhos
na estrada.
— Isso também, mas antes, uma visita bem importante pra que
tudo dê certo dessa vez. — Mexe as sobrancelhas ao virar
pra mim rapidamente.

Ri baixo. Mas estava ficando ansiosa só para ver meu


presente e principalmente, sobre essa tal visita. Só esperava que
não fosse nada de assustar... se bem que, lavandas e susto não
combinam.

O susto aconteceu, mas não de forma maldosa. Bae me


levou para conhecer um lindo lavandário da cidade.

— Então, você gostou? — Pergunta tocando meu ombro,


enquanto admiro a plantação pelo vidro da recepção.
— Se eu gostei?! Bae, essa é a coisa mais linda que já vi, sem
contar que... é uma sensação indescritível! — O olho e pude
sentir meus olhos marejarem, seu sorriso surge e repito o
gesto, — obrigada por me trazer até aqui.
— Você merece Ami, só quero te ver feliz. — Me abraça e o
aperto contra mim de forma carinhosa.

Se pudesse, o guardaria em um potinho de tanta meiguice


naquele homem. Uma preciosidade que só havia visto em livros.
Bae

Ver o sorriso de felicidade, misturado ao olhar de gratidão,


não teve preço. E era um fato, que aquele momento era algo bem
precioso, tanto para ela, como pra mim.

Entramos para fazer a visita ao cultivo, junto de um pequeno


grupo de senhorinhas e alguns velhinhos também, que com certeza
eram seus cônjuges.

A guia estava explicando alguns detalhes em relação ao


cultivo, cuidado com as folhas, irrigação e principalmente algumas
propriedades daquela plantinha, que de perto era tão linda. Não
mais que a pessoa que estava ao meu lado, direito.

— Essa é uma plantação familiar, tudo que é cultivado aqui tem


pelo menos uma década de história e gerações. — A moça
nos entrega algumas amostras da lavanda e outras flores
que haviam por ali, mas em outro setor.
— Que passeio inusitado para um jovem casal. — Uma
senhorinha comenta parando ao nosso lado e sorri. —
Quanto tempo de relacionamento? — Nos entre olhamos e a
empolgação nos olhos daquela mulher em seguida.
— Na verdade, nossa relação é apenas de amizade. — Amália
explica e sorri para ela, que ergue uma sobrancelha com
uma pequena desconfiança, mas ao inspecionar nossas
mãos, creio que tenha se convencido.
— Ah sim, me perdoem, é que isso é muito raro de acontecer,
jovens vindo num passeio como esse.
— Quis surpreender minha melhor amiga, da forma que ela
merece. — Vejo o rosto de Ami ruborizar e a velhinha sorri de
forma meiga para nós.

Fomos seguindo em fila pelo lavandário e mais à frente havia


um roseiral, em todas as cores possíveis.
— Recomendamos que usem essas sombrinhas, nosso sistema
de umidificação fica ligado a essa hora por ser muito quente,
para evitar que se molhem durante a passagem. — Havia um
cesto de palha, redondo com algumas sombrinhas ali, pego
uma para mim e outra pra Amália.

Era algo bem diferente de tudo que já havia visto, a estrutura


era em vidro e de fato a umidade estava escorrendo por alguns
deles.

— As rosas amam solos mais argilosos e de boa drenagem, por


isso temos sempre exemplares disponíveis para venda,
colhidas ou em mudas.

Olhar Amália e ver aquele brilho de encanto em seus olhos


castanhos me deixou por um segundo sem fôlego. Não podia ser
engano, ou confusão, que estivesse sentindo coisas fluírem e se
expandirem em meu peito, só por um simples momento
compartilhado.

— Quando sairmos daqui você ainda vai levar sua própria


lavanda para casa. — Cochicho para ela que me olha e sorri.
— Mal posso esperar, isso tudo está sendo incrível Bae. — Em
dois segundos sua sombrinha fechou sobre sua cabeça e
vejo quando tropeça, tomando uma atitude rápida de lhe
segurar quando inclina para trás.
— Moça, está tudo bem? — A guia vem até nós enquanto ajudo
ela a tirar o objeto da sua cabeça.
— Sim, sim, foi só um contratempo. — Diz rápida e toma fôlego
enquanto o grupo vai voltando a andar.
— Machucou?
— Não, mas se não tivesse me segurado, estaria toda espetada
agora. — Rimos e continuamos a “trilha”.
Mais tarde quando terminamos o passeio, tomamos um
sorvete e voltamos para o hotel. Ami vinha feliz e admirada com sua
lavanda, havia um lindo laço branco no vasinho, e ela segurava o
manual de cuidados.

— Já participou de outros clubes de livro? — Pergunto curioso,


mesmo lhe ajudando a construir seu novo projeto, ainda não
sabia muito da sua carreira.
— Já sim, mas foi bem no começo, antes do lançamento pela
editora, depois tive que reservar o tempo mais para as
coletivas de promoção e divulgação, mas sempre vira uma
roda de conversa, visto que os fãs estão sempre por lá,
cheios de perguntas e teorias. — Sorri orgulhosa e repito o
gesto.
— Ainda não sei como sua trajetória começou, mas devo dizer
que me tornei um grande fã da sua obra.
— Jura? Ou está dizendo pra me agradar?
— Não confia no que fez?
— Claro que sim! Ou não teria publicado, — riu — mas já recebi
críticas sobre e também aceitei muito bem, não dá pra
agradar todo mundo.
— Te entendo, e você não está errada, porém, estou sendo
bem sincero, finalmente consegui terminar, lendo escondido
na cabine do banheiro do estúdio. — Confesso e sua risada
vem intensa.
— No banheiro? Nossa, essa foi bem inusitada.
— Sério?! Onde mais já leram seu livro?
— Bem, no ponto de ônibus, dentro do ônibus, no meio da rua,
em parques, bibliotecas, mas acho que ninguém estava tão
desesperado a esse ponto. — Riu outra vez.
— Digamos que é meio difícil conciliar certas diversões quando
sua agente arruma tantos contratos e reuniões em menos de
cinco minutos, a cada respiro seu.
— Posso imaginar.
— Está ansiosa para esse próximo lançamento?
— Sim, mas estou bem confiante ao mesmo tempo, só preciso
de um sinal positivo, sei que Donatella vai dar tudo no projeto
de capa e nas correções que precisar.
— Posso te perguntar algo?
— Além disso? — Provoca e ri baixo. — Pode.
— Como acabamos perdendo o contato?

Escuto quando limpa a garganta e se remexe no banco.

— Logo depois de tudo aquilo e com sua partida tão rápida, me


senti meio perdida, ainda mantive contato com seus pais por
algumas semanas até que se mudaram também, não
consegui seu número a tempo... depois fui me ocupando em
fazer algo para ganhar dinheiro, meus pais queriam se mudar
também, e não queria ficar em Miliot sem casa e sem nada
pra fazer...
— Eu...
— Combinamos de viver apenas o presente né? O que passou,
passou, o importante é que nos encontramos aleatoriamente,
bem na lojinha que costumávamos ir lanchar quando
saíamos cedo da escola e num momento de crise para
ambos. — Sorriu quando nos olhamos e assinto em
concordância.

Ao chegar no hotel, ela trocou algumas palavras com Joana


enquanto eu conferia as correspondências, naquele momento, ouvi
uma voz bem familiar e por um instante, torci para que fosse
engano.

— Advinha quem vai voltar a ser seu vizinho oficialmente?! — A


voz empolgada de Romeo deixou meus ombros tensos.

Lembro que quando voltei de Miliot com Amália estava por


aqui no hotel, no entanto, não o vi mais desde que começamos as
gravações e tudo mais, o que me dizia que provavelmente estaria
acomodado em outro canto. O que não era mais o caso.
— Achei que não morasse mais por aqui. — Comento ao me
virar pra ele.
— E não morava mesmo, só que tive um problema com a casa
que aluguei quando voltei de férias, então enquanto ela está
em obras, eu voltei ao meu lugar favorito. — Comenta com
as mãos nos bolsos e logo nota a presença de Amália.

Percebo que o olhar dele passeia por todo corpo dela, a


mesma estava distraída e debruçada no balcão, conversando com
Joana, a lavanda estava bem ao seu lado e emoldurava um simples
cenário para o seu rosto de perfil.

— Felizmente sua inquilina é bem mais simpática para ter como


vizinha. — Comenta irônico e respiro fundo preferindo não
responder aquela bobagem.
— Oi Romeo! — Ami começa a vir em nossa direção com seu
presente e para ao meu lado.
— Que plantinha bonita, combina com seus olhos.
— Obrigada, foi ele que me deu. — Diz contente e recebo um
olhar vindo dele, que no momento não consegui decifrar o
significado.
— Agora como vizinhos, podemos nos ver mais vezes, certo? E
quem sabe, irmos juntos para as gravações?
— Muito gentil da sua parte, mas...
— Não precisa agradecer, quando tiver oportunidade, pode ter
certeza que te trago sem cobrar nada. — Sorriu pra ela e
vem na direção da mesma, percebo o que ia fazer.

Mas o instinto de Amália foi de liberar a passagem para que


ele passasse, acho que minha amiga não entendeu bem o recado.
Noto que ele ficou sem jeito com a recuada inocente da mesma, e
apenas acenou.

— Vamos logo nos arrumar. — Me chama com empolgação e


assim fazemos.
Sobre um clube do livro, nunca estive em um antes e
estava empolgado em participar com ela sendo a estrela. Fiz
questão de irmos todos juntos ao invés de pegarmos ônibus, ela e
Joana foram conversando durante todo o caminho. O lugar era uma
casa grande, com um jardim iluminado e decorado com estátuas de
gesso, ao que entendi, a líder do grupo fez questão de sediar o
encontro na própria casa de sei lá quantos metros quadrados.

Assim que batemos a porta, fomos recepcionados pelo


mordomo, em seguida escutamos a voz da dona da casa, que veio
nos cumprimentar.

— Estou feliz em receber duas estrelas em minha casa, sou fã


do seu livro Amália e uma grande admiradora dos seus
trabalhos Bae. — Sorri e abraça Joana por último.
— Agradeço o convite. — Minha amiga sorri e a mulher pareceu
se derreter quando escuta tais palavras.
— Imagina, não podia perder a oportunidade! — Começa a nos
guiar para a sala onde seria realizada a confraternização.

Havia uma mesa de madeira, bem polida, cheia de comida,


doces, salgados, frutas, sucos e bebidas quentes. As outras
pessoas já estavam a esperava de Amália, que foi recebida com
aplausos, de pé, assim que apareceu na frente de todos.

O rosto da minha amiga se tingiu de vermelho, mas logo a


vejo tomar a postura confiante, longe de toda timidez.

Haviam mais de trinta pessoas ali, certeza, e uma repórter,


que além de fã conseguiu uma entrevista de primeira enquanto
faziam perguntas sobre o livro lido e lançavam a ela curiosidades
sobre o próximo projeto.

— Eu amo a forma como a Sara foi crescendo e amadurecendo


no livro, teve alguma inspiração pessoal?
— Ah sim, alguns detalhes dela, manias principalmente, peguei
um pouco das minhas. — Riu baixinho e todos sorrimos.
— Qual o segredo para viciar seus leitores? — Foi minha vez
de perguntar e vejo o sorriso dela pra mim, que me fez
arrepiar e acelerar o pulso.
— Tramas fora do curso que estamos acostumados. — Pisca
em minha direção e assinto com um sorriso.

Pensar no livro dela, me fez ter um pequeno deja-vu. Sara


buscava consolidar sua carreira, que ainda nem havia começado
direito, mas já estava repleta de altos e baixos, era uma comédia
perfeita, que lembrou bastante de nós dois esses últimos dias. E
com certeza, ainda haveriam mais trapalhadas até consolidarmos
nosso desejo, assim como Sara.
Amália

Foi um momento perfeito, principalmente por estar dividindo


com Bae e Joana, minha nova amiga.

Demos um intervalo nos comentários de algumas passagens


do livro, e fomos comer.

— O que está achando do debate? — Joana se aproxima com


um copo de café.
— Estou gostando muito, na verdade, sempre gosto de
participar de rodas assim, bem enérgicas. — Ela sorri e olha
Bae, que estava entretido com algumas das outras leitoras.
— Vocês formam uma dupla e tanto, como é possível que não
role nenhum romance? — Me olha e sinto o coração perder o
ritmo, quase me engasgando no processo.
— Porque somos assim... — Foi o máximo que consegui, e
segundos depois me arrependi, pelo olhar dela pra mim.
— Mesmo? — Cruza os braços. — Sabe, ninguém namora ou
se apaixona por quem não gosta, é sempre uma pessoa
inusitada, mas que tem exatamente aquilo que deixa as
coisas diferentes. — Mexe os dedos de uma forma
engraçada e olho rapidamente pra ele.

Estava sorrindo, despreocupado, alheio a minha observação


a distância. Mordo o interior da bochecha e respiro fundo.

— Tem alguma coisa guardadinha aí? — Chama minha atenção


quando demoro a reagir.
— É que... na verdade eu não sei bem, nós sempre fomos
amigos e... — Vejo os olhos dela se iluminarem e um
sorrisinho bobo começar a surgir. — Não se empolga, nem te
confirmei nada.
— Isso já é o suficiente Amália, e convenhamos que ele é um
conjunto e tanto para os olhos, vocês se dão super bem, e
também são lindos juntos.
— Você diz isso, mas não viu como é a novela quando saímos
juntos. — Ri baixo.
— Olha, não quero enfiar expectativas na sua vida, porém
adoraria ver esse romance, seria inédito. — Pisca pra mim e
se afasta sem me dar chance de resposta.

Solto um leve suspiro, porém meus pensamentos são freados


quando um casal de leitores me aborda e fazem perguntas sobre o
novo livro e o filme que estava participando.

Ainda não havia parado pra pensar, que de uma vez só,
estaria em um filme e lançando um livro, tudo envolvendo romance.

— Pode ter certeza que estaremos na primeira fila quando


chegar o dia da estreia. — Diz o homem empolgado e sorri.
— Fico agradecida e lisonjeada com todo carinho de vocês.

A noite foi bem longa e animada, teve música, ainda


dançamos um pouco e voltamos quase meia noite para casa. Bae
ofereceu carona a Joana, mas ela disse que ficaria mais um pouco
por lá.

— Seus fãs tem uma energia incrível, e não seria pra menos. —
Diz orgulhoso quando entramos no quarto.

Ri baixo e já vou largando as sandálias em um canto.

— É por isso que ser escritora é bem melhor que ser atriz. —
Implico e ele faz careta.

Nos arrumamos pra ir deitar, estávamos exaustos e


quaisquer comentários sobre o evento, ficariam para depois. Isso se
desse tempo também, já que eu voltaria a gravar, visto que a alergia
já tinha largado de mim.

Ao fechar os olhos, a sensação de sono já veio me


embalando, como um abraço gostoso, ao meu lado, podia sentir o
calor emanar de Bae, ouvir sua respiração lenta, virei o rosto um
instante e o vejo de costas para mim, seus músculos se moviam
devagar, senti uma vontade de abraçar ele, mas isso seria tão
estranho, num nível que me faria cavar um buraco para o térreo
desse prédio, assim que fizesse aquilo.

Me acomodo de costas pra ele também, volto a fechar os


olhos e me concentrar nos carneirinhos pra dormir logo. Começo a
sentir ele se movimentar ao meu lado e em seguida, um toque
suave e carinhoso em meus cabelos, num cafuné tão delicado que
me fez soltar um longo suspiro.

Em alguns instantes, senti seu toque hesitante, mas me


mantive quietinha para que continuasse e assim acabei dormindo.

O cenário de uma noite estrelada, uma rua vazia, Bae de


smoking, com a gravata nas mãos, vindo de encontro a mim que
estava do outro lado. Fiquei surpresa em como era deslumbrante o
vestido vermelho que meu imaginário me presenteou.

As mangas iam até o cotovelo, um detalhe na cintura que


finalizava como um laço nas costas, era bem leve na saia, e sua
textura era quase real. Não sei que tipo de diálogo tivemos ali no
meio da rua, tão bem vestidos e sozinhos, mas lembro
perfeitamente de sentir seus lábios contra os meus, seu abraço
carinhoso e quando ia tocar seu rosto...

A DROGA DO DESPERTADOR TOCA!


Eu me virei tão abruptamente que caí da cama.

— Ami?! — Ouço a voz de Bae.

Enquanto estava deitada no chão como um saco de batatas,


vejo seu rosto surgir logo acima e o sorriso divertido que se formava
em seus olhos.

— Acha engraçado? Eu odeio seu despertador! — Falo mau


humorada e ele me estende a mão com uma risadinha.
— Não diga isso, um relógio como esse é o melhor amigo de
qualquer estrela, seja de cinema ou do mundo dos livros. —
Implica e ao me sentar de volta na cama, mostro a língua a
ele.
— Estou pensando seriamente em atirar ele pela janela.
— Nada disso, não deixe seu lado rancoroso arremessar meu
reloginho, gosto dele. — Ri e vai se levantando.
— Se eu cair da cama outra vez, ele vai cair na calçada, lá em
baixo.

Nossa rotina ficaria ainda mais agitada nessas semanas, e só


de pensar em tempo, meu coração parecia desacelerar e ficar triste.
Estaríamos longe outra vez e sabe-se lá por quantos meses ou
anos...

Quando chegamos ao restaurante do hotel, encontramos


Romeo, que logo sorriu pra mim e nos convidou gentilmente para
fazermos companhia.

— Sua pele está bem melhor, ainda bem que vou ter minha
parceira de volta. — Diz empolgado e compartilho daquela
animação.

Nesses últimos dias pude sentir falta dessa rotina, de toda


essa adrenalina de uma produção diante de câmeras.

— Preciso que ensaiem bem as cenas de hoje, adiantaremos


muitas coisas que ficaram pendentes das participações de
vocês. — Bae diz enquanto escolhia as uvas para comer.

Assentimos juntos e o café seguiu bem tranquilo, quer dizer,


bem silencioso, visto que ambos pareciam não saber o que dizer um
ao outro que não envolvesse o filme.

— E o seu livro Amália?


— Está indo muito bem, hoje já vou enviar uma boa parte do
que escrevi para análise e se der tudo certo, o processo de
produção já vai começar.
— Nossa, imagino o tamanho da pressão que deva estar
passando, com um filme e um livro, sem contar as
expectativas... — Me analisa devagar e Bae limpa a garganta
do outro lado.
— Minha amiga tem uma habilidade incrível, — fala orgulhoso e
sinto meu rosto queimar — já leu o publicado dela?
— Não, ainda não tive tempo, mas com certeza arrumarei um
jeito de contemplar seus talentos. — Eles rocam olhares e
fico um pouco confusa.

Eles faziam parecer que era algo comigo, mas era bem
evidente que não passava de questões masculinas mal resolvidas.

— Então, por qual motivo vocês ficam agindo assim? Quer


dizer, somos bem grandinhos e eu estou me sentindo uma
parede, que evita um embate. — Eles me olham e mantenho
firmeza na postura, logo se observam e continuam em
silêncio.

Fico completamente alheia daquilo.

— Nós já resolvemos o que deveríamos, a questão é que, fora


o trabalho não temos mais nada em comum... com exceção
de você. — Romeo dá de ombros e olho Bae.
— Então pra quê as caras feias, e as meias palavras trocadas?
Parecem crianças.
— Isso é com seu amigo, parece que ele tem medo que você
descubra que eu sou uma companhia melhor. — Provoca
com um sorrisinho de canto e não posso evitar de rir baixo.

Não sabia em que momento aquilo deveria ter acontecido,


mas assim como estava tentando me aproximar de Emy, eles
estavam dando seu melhor, apesar de parecer esquisito ás vezes.

Antes de sairmos para o estúdio, deixei as cópias dos


capítulos para serem postadas pelo serviço de correio do hotel.

— Ester! Finalmente te encontrei, quando me disseram que as


tropas te acharam, fiquei com medo que o pior tivesse
acontecido... — A atuação de Romeo, era realmente
impecável, seu semblante de preocupação e o
posicionamento diante das câmeras, me tiravam o fôlego de
admiração.
— O que faz aqui?! Como passou pelos guardas?
— É a troca de turno, aproveitei a movimentação pra entrar,
queria ter certeza que estaria bem. — Toca meu rosto e
fecho os olhos.
— Foi bem arriscado, não me procure mais, sabe que estou
como traidora aqui e não mais como a filha de um
poderoso...
— Não me importa, quero estar com você, independente da sua
nova posição nesse lugar.
— Até se me usarem como a arma tão desejada?

Sam, o personagem dele, hesita e dá um passo para trás. O


cenário era de uma prisão escavada na pedra, as grades estavam
frias, meu figurino estava aos frangalhos e eu me sentia angustiada
e triste pela minha personagem.
— Iria até o fim do mundo por nós dois, fizemos uma promessa
e não vou deixar que nada fique no meio disso. —
Encostamos nossas testas e posso sentir o perfume dele.

Se o cinema transmitisse o cheiro também, com certeza iriam


eleger Romeo como o ator mais cheiroso do set. Mas voltando a
cena, tínhamos mais um beijo a ser gravado antes do fim daquela
cena.

Mas claro que nos ensaios já haviam acontecido outros, só


pra ter certeza que não iria rir no meio da cena toda.

— Amo você Sam... — Toco seu rosto através das grades e


logo tocamos nossos lábios.

Talvez tenha demorado alguns segundos a mais do que o


momento pedia, mas ouvimos aquela campainha do final da
gravação e nos afastamos, ouvindo os aplausos de quem estava ali.

Vejo Emy batendo palmas de uma forma eufórica, alguém


assoviou e senti meu rosto ruborizar enquanto a staff vinha abrir a
cela. Ver o sorriso de Romeo me deixou ainda mais tímida, ele
segurou minha mão e depositou um beijo suave na mesma.

— Você é uma atriz perfeita. — Pisca pra mim e vamos nos


afastando do cenário.

Meu coração estava batendo tão depressa que começava a


suar, peguei uma garrafinha de água na mesa e tomo um gole
demorado.

— Amei a cena, sabia que não decepcionaria. — O comentário


me surpreende.

Não que eu estivesse achando que fui mal, no entanto, saído


da boca de Emy, parecia até uma mentira.
— Obrigada. — Falo simplesmente e ela me abre um sorriso.
— Sabe Amália, sei que fui bem chata no começo, mas queria
começar com o pé direito, do zero, seu profissionalismo está
me surpreendendo e devo reconhecer que errei no meu
julgamento. — Continua me encarando nos olhos, e por
algum motivo, não estava acreditando.

Só que ela também não tinha pra que mentir na frente de


todos, né?

— Águas passadas Emy, só quero que nosso relacionamento


de trabalho seja o mais saudável possível.
— Claro que quer, e eu também. — Toca meu ombro e sinto um
arrepio.

Logo ela se afasta e tomo mais um gole de água. Antes de


voltar para a maquiagem, fui ao banheiro.

Antes que pudesse retornar a entrada lateral do set, uma


moça me chama, estava vindo com um copo de milk-shake.

— Mas não pedi nada...


— No papel da lanchonete veio como admirador secreto. —
Levanto a sobrancelha e ela apenas me entrega sem mais
palavras.

Sei que não devia aceitar coisas de estranhos, mas se


chegou até aqui, deveria ter sido um pedido de alguém de dentro.
Era de chocolate e tinha bastante chantilly, coisa que eu amava.

Antes que pudesse colocar o canudo na boca, Bae vem


saindo do set e sorri pra mim.

— Comendo escondida? — Cruza os braços e ri.


— Acredite, eu acabei de receber, quer um pouco? — Ofereço e
ele pega experimentando um pouco.
— Hm... é bom, mas ainda prefiro o de morango. — Implica e
faço uma careta, experimento o milk-shake e fiquei
imensamente feliz com o sabor.
— É igual a sua calça caqui, só você quer. — Ele mostra a
língua e vai ao banheiro.

Tomo mais um pouco da bebida geladinha, e quando minha


barriga faz um barulhinho estranho, paro no mesmo instante. Escuto
um barulho vindo de onde meu amigo entrou e largo o copo no chão
assim que o vejo sair com o rosto vermelho.

— Bae! Socorro! — Começo a gritar no mesmo instante e Taylor


e Romeo são os primeiros a surgir da porta do set.

Saltando a mancha de chocolate que estava ali.

— O que houve?!
— É reação alérgica ao amendoim, temos que ir para o hospital,
agora!

Ouvimos um baque no mesmo instante, Romeo apoiava meu


amigo nos ombros com ajuda de Taylor. Emy havia escorregado na
poça de chocolate e já estava de cara feia.

Lhe estendi a mão para que se levantasse, mas a mesma


recusou e ignorei, indo pegar minha bolsa na mesa de garrafas que
ficava ali.

— Onde pensa que vai? Você tem trabalho a fazer! —


Esbraveja quando passo apressada por ela.
— O trabalho espera, ele precisa de mim! — Vou correndo
pelas escadas, já que o elevador estava ocupado.

Quando chego a recepção, Romeo estava colocando meu


amigo no carro lá fora e entro desengonçada.

— Mande notícias! — Taylor avisa e saímos dali no instante


seguinte.
Os piores minutos da minha vida com certeza foram naquela
sala de espera do hospital, os enfermeiros o levaram para o
corredor de emergência e pediram para ficarmos esperando
enquanto ele era medicado e examinado pelo médico. Apesar de
termos sido rápidos, Bae já estava ficando inchado, e respirando
mal o que me deixou completamente assustada.

— Vai fazer um buraco no chão desse jeito... — Romeo diz


enquanto balançava o pé.
— Estou tão nervosa que já está me dando dor de barriga de
novo. — Falo incomodada com a minha terceira ida ao
banheiro desde que chegamos ali.

Sim, o nervoso estava me consumindo. E mais uma vez que


retornei aquela sala de espera, ainda não tínhamos notícias de
nada, nem de ninguém.

— O que ele comeu?


— Não sei... quer dizer, dividimos um milk-shake no corredor
antes, mas era de chocolate... — Fico pensativa e naquele
momento me ocorreu que poderia ter amendoim ali e não
percebemos.
— Era só chocolate?
— E-eu... não tenho certeza.
— Como não? De onde saiu esse negócio?
— Recebi de um admirador, mas não sabia que poderia ter isso
lá...
— E você aceita coisa de estranhos? Já pensou se tivesse um
laxante ali ou até veneno?! — Fica preocupado e aperto os
nós dos dedos quando fala de veneno.

Com certeza a pessoa envenenada ali, não era eu. Sinto uma
culpa imensa por ter dado aquele deslize sem tamanho e agora meu
melhor amigo estava em maus lençóis.

— Senta aqui bonequinha, você não tem culpa, não tinha como
adivinhar. — Diz de um modo carinhoso e hesito antes de ir
me sentar.

Fico um pouco afastada, mas ele faz questão de se


aproximar e me abraçar.

— Ele vai ficar bem, chegamos rápido. — Assinto confiando em


suas palavras.

Deixo uma lágrima escapar e apoio a cabeça em seu ombro.


No instante seguinte o médico passa pelas portas duplas e vem até
nós.

— Felizmente está tudo bem, ministramos os remédios e agora


ele está em observação. — Solto um suspiro alto de alívio. —
Mas ainda preciso saber de onde veio o amendoim, pois
estamos suspeitando de uso de mais alguma substância.
— B-bem, nós tomamos um milk-shake de chocolate, mas não
tenho certeza que o amendoim veio de lá, só sei que estou
com bastante dor de barriga... — Digo sincera, vai que
ajudasse em algo?
— Podem trazer uma amostra para análise? — Olho para
Romeo e o mesmo assente devagar. — Ótimo, ficarei na
espera, enquanto isso, um de vocês pode vê-lo.
— Sei que você não faz tanta questão, vou primeiro. — Me
levanto e acompanho o médico.

O quarto era pequeno e estava iluminado apenas pelo sol


que atravessava a janela, meu amigo estava adormecido, ainda um
pouco vermelho, mas parecia bem mais tranquilo que antes.

— Me desculpa... — Falo baixinho ao me aproximar da sua


cama.
Acaricio os seus dedos e ajeito seu cabelo. Não me lembrava
da última vez que tinha tomado um susto feito esse, mas mesmo
que lembrasse, não chegaria nem perto do medo que fiquei ao vê-lo
tão mal em questão de segundos.

Ainda fui mais vezes ao banheiro com aquela dor de barriga,


que já estava estranha, visto que o nervosismo tinha diminuído. Saí
alguns instantes do quarto pra falar com Romeo, que conseguiu
pegar o copo com Taylor, agradeci sua preocupação, ele até se
ofereceu para revezar comigo no hospital, mas preferi tomar conta
de Bae eu mesma.

— Se cuida bonequinha, qualquer coisa liga pra lá e eu venho.


— Beija minha testa e vai embora.

Durante o almoço, ele fez questão de ir buscar roupas limpas


pra mim e para meu amigo também. As poucas vezes que Bae
acordou, reclamou de dor na garganta e evitamos conversar. A noite
já havia inundado o céu quando me despedi de Romeo e fiquei
observando o movimento no estacionamento pela janela do quarto.

— Achei que tivesse ido embora com ele... — Ouço a voz


baixinha e rouca, que me assusta e viro na direção da cama.

De onde ele me olhava com um breve sorriso.

— Acha mesmo que te deixaria aqui, desse jeito?


— Parece cansada.
— Mas não é o suficiente pra me tirar daqui. — Digo me
aproximando dele e toco seu rosto. — Parece bem melhor.
— Estou me sentindo bem melhor mesmo, principalmente
agora. — Ri baixo e me sento num pedaço da sua cama.
— Não sabia que tinha amendoim naquilo, me desculpa.
— Romeo disse isso enquanto você estava no banho, sua mãe
não te disse pra não aceitar comida de estranhos? — Riu e
me sinto envergonhada.
— Que me sirva de lição, o médico disse que além do
amendoim, também tinha laxante lá... por isso estava com
minha barriga ruim. — Bufo e ele ri mais.
— Isso parece uma continuação daquele piquenique, nós dois,
no hospital de novo, passando mal ao mesmo tempo. — Ele
segura minha mão e aperto a sua gentilmente.
— Parece que esse tipo de drama nos persegue. — O vejo
assentir e rimos.

Até que a noite foi tranquila, jantamos aquela sopa sem gosto
e meio amarga, jogamos o jogo da velha e conversamos bastante
antes de dormirmos.

A cada sorriso meu coração se tranquilizava mais um pouco,


por ele estar bem, cada vez melhor.
Bae

Depois daquela noite no hospital, o médico chegou bem cedo


para me examinar outra vez. Nada de febre, sem inchaço, e a
vermelhidão havia diminuído consideravelmente.

O sorriso de Amália quando recebi alta, foi tão grande que


mais parecia que havia ganhado um prêmio.

— Antes que me esqueça, a dosagem de laxante que estava na


bebida era maior que a usual, então tomei a liberdade de lhe
prescrever esses cuidados para evitar uma desidratação e
regular o intestino. — Entrega o papel a minha amiga.

Logo ficamos a sós para nos organizarmos e irmos embora.


Ela parecia estar bem pensativa, mas não compartilhou nenhuma
das coisas que estivesse passando na sua cabeça.

Fomos de táxi para casa, nossas mãos permaneceram


unidas durante todo o caminho. Já no saguão encontramos Emy,
Taylor e Romeo nas poltronas que ficavam mais ao canto.

— Que bom que chegaram! Estava tão preocupada com você.


— Minha agente vem com certa pressa e me abraça
afastando o contato de Amália.

Vejo minha amiga se afastar até os outros e receber abraços


que logo se dirigiram a mim também.

— Que susto, nem fazia ideia dessa sua alergia, toma cuidado
no que anda comendo homem! — Taylor me repreende de
forma divertida e ri.
— Farei isso, só essa noite já foi suficiente para não querer
voltar lá tão cedo.
— Precisamos conversar. — Emy vai me puxando da roda.
— Algum problema?
— Claro que sim, você foi parar no hospital por conta de uma
irresponsabilidade daquela garota. — Sussurra e franzo o
cenho.
— Espere, ela nem sabia que tinha amendoim naquela coisa,
nem que estava batizado.
— C-como?
— Pois é, alguém fez uma brincadeira de péssimo gosto com
ela, e felizmente não acabou mal, ou pelo menos tão mal
quanto deveria ser e vou descobrir quem fez isso.
— Por que não se preocupa com você primeiro? Afinal de
contas, ela parece muito bem, já não digo o mesmo da sua
pessoa... — Coça a nuca com uma cara de incomodo.
— Entenda que isso aconteceu porque tem alguém tentando
prejudicar ela, o que me faz começar a desconfiar do
episódio da maquiagem também.
— Eram produtos vencidos, já sabemos que foi apenas um erro
técnico.
— Um “erro técnico” que só afetou a ela.
— Está com febre? — Toca minha testa. — Acho melhor
descansar, está começando a criar coisas onde não existem.

Vejo ela se afastar de volta ao grupo e chamar Ami para


conversarem, o semblante das duas permanece neutro até certo
instante quando minha agente fala algo que deixa minha amiga
pálida e triste, a ponto de sair dali com um pouco de pressa.

Alcanço o grupo e Taylor dizia algo, de forma irritada, a Emy.

— Isso foi bem desnecessário!


— Uma hora vocês vão me agradecer por estar colocando as
coisas em seus devidos lugares. — Pega a bolsa pra sair. —
Volto mais tarde para te ver Bae.
Acompanhamos sua saída um tanto confusos, como ela
poderia levar uma simples situação, de zero a cem e de uma forma
tão drástica.

— Essa mulher é uma bruxa e se eu fosse você, tomava muito


cuidado com Amália, mesmo sendo muito boa nas palavras
pra se defender, Emy tem atitude de cobra, agindo sorrateira.
— Taylor desabafa, me deixando sem palavras. — Melhoras
Bae.

Nos despedimos com um abraço e vou procurar Ami, a quem


Romeo já havia ido ao socorro antes de mim.

Encontrei os dois sentados na frente do quarto que


dividíamos, conversando baixinho. Assim que notam minha
presença, ele olha pra ela como se quisesse certificar que estava
tudo bem.

— Fica bem Bae. — Diz ao passar por mim em direção ao


elevador.
— Obrigado.

Me sento ao lado dela e ouço seu suspiro.

— Sinto muito por não te defender dela, achei que as coisas


estavam mudando com relação a essa implicância...
— Então vou te dar a péssima notícia, não está e parece que
cada dia que passa só piora.
— O que ela te disse?
— O que você acha? Claro que fui responsabilizada por isso e
pelo jeans caro dela que ficou manchado, a unha lascada da
queda e mais uns problemas de perua que ela tem no
momento. — Dá de ombros e riu baixo.
— Sabe que não te culpo por isso, nem faria tal coisa, não é?
— Sei..., mas ouvir ela falar, ou melhor cuspir tudo aquilo na
frente dos outros como se tivesse feito de má fé, me deixou
confusa e mal.
— Vou falar bem sério com Emy e não vou te pedir que fique
perto, não quero que coisas assim te machuquem.
— Não sou de vidro. — Brinca.
— Mas odeio ver esse rostinho assim. — Toco seu queixo e nos
olhamos alguns instantes fixamente.

A distância parecia ir diminuindo, podia sentir sua respiração


bem mais perto, e quando achei que fosse acontecer aquilo que
desejei secretamente, ela encosta sua testa na minha e em seguida
apoia a cabeça no meu ombro.

Seguro o suspiro que veio do coração e apoio minha cabeça


na sua.

Minha agente não ousou voltar naquela noite, talvez tivesse


ficado envergonhada pelo que fez a Amália, ou seja lá qual fosse a
razão, era melhor assim.

Quarta-feira

A semana estava voando, mal pude conversar com Amália no


set, estava sempre ocupada ensaiando as cenas com os outros, ou
concentrada no seu livro. Eram sete horas da noite e continuávamos
no estúdio, o jantar já estava vindo e pela décima vez, minha amiga
ligou para a recepção do hotel, ansiosa com algum retorno de
Donatella, algum contrato para assinar de produção.

— Nada da sua agente? — Escuto Romeo perguntar quando se


aproxima antes de mim.
— Ainda não, mas ainda tenho até onze e cinquenta e nove pra
receber um sinal. — Diz com um sorriso otimista.
— Gosto de ver assim bonequinha. — Toca a bochecha dela. —
Mas quero te cobrar uma resposta para o nosso passeio no
parque essa Sexta. — Amália parece pensativa e na minha
mente me repreendo por não ter perguntado quando
estávamos vendo aquele filme na Segunda de noite.
— Vamos sim, mas você já sabe né?
— Sei, não é um encontro e você é uma chata. — Implica e ela
ri.
— Você também, agora me deixa comer que a Taylor ainda vai
me arrumar.
— Como quiser bonequinha. — Beija seu rosto e saí.

Vejo a deixa de me aproximar, mas sou interceptado por Emy,


que esses dias estava um mar de tranquilidade desde o ocorrido no
saguão. Teve pedido de desculpas, mas Amália se mantinha o mais
longe possível, nem críticas desnecessárias ouvi durante as
gravações.

— Tem como estendermos o horário de trabalho lá na sua casa


Sexta à noite?
— Como assim?
— Caso tenha esquecido, você assinou o contrato para uma
novela e tenho que deixar os roteiros, além de decidirmos
alguns detalhes dos cartazes de divulgação do filme e que
cenas vão ser rodadas no trailer.
— Precisa ser na Sexta? — Pergunto um pouco cansado, a
rotina com o prazo curto, estava esgotando minhas energias.
Ultimamente, mais que antes.
— Precisa, e nem vai demorar tanto, coisa de uma horinha ou
duas. — Sorriu de canto e assinto com incerteza.
— Te espero às sete então.
— Ótimo, posso levar o jantar? — Fico surpreso com sua
pergunta, mas ela não me dá tempo de resposta. — Levo
seu prato favorito então.

Perco Amália de vista e me apresso em ir jantar, ainda tinha


muita coisa pra fazer e o horário máximo era até às nove.
Quando me sentei com o prato de comida, vi Ami do outro
lado do set, comendo também, mas quando pensei em ir até a ela,
Taylor já se aproxima com a maleta de maquiagem e ambas
começam a conversar sobre algo animado.

A verdade é que nesses últimos dois dias, nem em casa


conseguíamos falar, já que o cansaço só nos permitia escovar os
dentes antes de dormir. Quando não era isso, ficávamos em
universos diferentes, mergulhados em nossos projetos e trabalhos.
O que me lembrava de corrigir as novas páginas que ela fez esse
fim de semana, de preferência assim que Emy fosse embora, ou um
pouco antes dela chegar.

— Com licença sr. Bae, sabe onde posso encontrar a senhorita


Amália? — Uma staff se aproxima e aponto para o outro lado
da sala, mas a mesma pareceu hesitante em ir até lá.
— É algo importante? Pode me dizer e eu comunico a ela.
— Uma moça chamada Joana pediu pra avisar que a agente
dela ligou, os editores adoraram a proposta inicial do livro, e
querem pelo menos mais dois novos capítulos essa semana,
a documentação de produção já está a caminho.
— Nossa, isso vai deixar ela tão feliz! Muito obrigado. — Sorri e
ela se afasta num gesto delicado de despedida. Me levanto e
vou caminhando até Amália.

Era minha abertura para finalmente falar com minha amiga,


coisa que eu não deveria precisar, já que dividíamos a mesma casa
e o espaço de trabalho também, no entanto, nada me tirava da
cabeça que aquilo que houve no corredor possa ter influenciado
nesse clima entre nós...

— A maquiagem está ótima Taylor. — Digo ao ver o excelente


trabalho, a pele de Ami estava com um toque brilhante e um
realce em seus olhos, parecia mesmo uma feiticeira.
— Espera só até ver o penteado que escolhemos pra essa
cena, vai ficar incrível! — Diz empolgada e começa a
procurar algo nos bolsos. — Opa, esqueci os grampos na
sala de figurino, volto já. — Saí apressadinha e enfim nos
olhamos.

Vejo seu rosto ficar vermelho e um sorriso tímido surgir no


canto de seus lábios.

— Nem parece que trabalhamos no mesmo lugar. — Diz


baixinho e assinto.
— Mas te trouxe boas novas pra compensar nosso tempo sem
fofocar. — Brinco e ela sorri abertamente, a coisa mais linda
do mundo inteiro.

Não tinha como ser coisa da minha cabeça, nem uma


coisinha passageira. Estava totalmente apaixonado por ela, pela
minha melhor amiga.

— Donatella ligou, os editores amaram seus textos e querem


mais capítulos para essa semana, o contrato já está a
caminho.
— Jura?! — Ela se levanta com certa pressa e acaba
derrubando o restante da sua comida em nossos pés. —
Opa...
— Se não fosse assim, não era você. — Provoco e rimos.

Nos afastamos um pouco daquela bagunça e ela me abraça,


ouvir seu suspiro de alegria e sentir nossos corpos tão juntos,
deixou meu coração acelerado e meu corpo em alerta. Era tão bom
estar assim, dividir esses passos.

— Vou pedir uma vassoura e um pano, mas obrigada por me


contar isso, estou imensamente feliz!
— Temos que comemorar, que tal no Sábado? — Ela assente
sem demora e logo vai se afastando, saltitante e ri comigo
mesmo.
As gravações deram mais do que certo aquela noite,
felizmente não tivemos que repetir nenhuma cena, e saímos quinze
minutos antes do tempo limite, bem cansados.

Romeo voltou conosco aquele horário, era raro, mas


acontecia dele aceitar, principalmente pelo cansaço.

— Você conseguiu escrever aquela cena na hora do almoço? —


Pergunta a Ami do banco de trás.
— Consegui, mas estava com medo de esquecer alguma coisa
já que fiz tudo no lápis e escrevo meio devagar. — Ouço ele
rir baixo.
— Fiquei feliz por seus editores terem aceitado sua ideia, com
certeza vai ser um sucesso de vendas.
— Conto com isso, esse segundo livro está uma verdadeira
novela pra sair, então tem que alcançar metas bem altas. —
Brinca e rimos.

Subimos juntos para os quartos, compartilhando da animação


dela.

Assim que entramos no quarto, ela tira os sapatos e vai até o


aparelho de som.

— Ei, a festa não pode incomodar os vizinhos. — Digo sem


querer lhe atrapalhar e a vejo colocando a fita.
— Tá bem baixinho, vem dançar comigo. — Estende a mão e a
música já começava a tocar.

‘Wake me up before you go-go’. Nós abraçamos e afastamos,


rodopiamos e executamos uma coreografia totalmente aleatória,
mas que combinava em certas partes, no entanto, quando não
estava bem sincronizada nos fazia rir. Sua energia acabou me
contagiando e o cansaço do dia foi deixado de lado para
aproveitarmos aquele momento.
Logo nos jogamos no sofá, ofegantes, mas felizes.

— Estou muito orgulhoso de você, muito mesmo. — Digo


buscando fôlego e a escuto rir baixinho.
— E eu de nós dois, por conseguirmos conciliar tudo isso,
correção de papéis e filme, ensaios, nossa!
— Não há nada que essa dupla não consiga conquistar, nem
mesmo um filme e um livro juntos. — Ela me abraça e tenho
certeza que podia ouvir o quanto meu coração estava
acelerado, e não era só pela dança.
— Sempre fomos incríveis juntos, não tem como negar.
— Humilde da sua parte. — Brinco e começo a fazer carinho
em seus cabelos enquanto controlamos a respiração.

Só não percebi quando a mesma adormeceu sobre mim, mas


não a deixaria dormir na sala, então lhe pego com cuidado e levo
para o quarto.

Amália estava tão cansada que nem se mexeu quando


esbarrei no móvel do relógio e xinguei algo. Termino de me arrumar
e logo me deito ao seu lado, ela finalmente se move e joga seu
braço por cima do meu peito, me deixando sem ar.

Noites inquietas eram bem raras, mas já havia percebido que


eu sempre apanhava quando aconteciam.

A Quinta-feira já começou bem, os pais de Ami ligaram e ouvi


um pedaço da conversa enquanto estava no banho, ela estava tão
radiante em compartilhar com eles as coisas do livro. Ainda hoje,
assim que descêssemos outro envelope amarelo com outra parte
escrita, já estaria a caminho para as mãos dos editores.
Enquanto estava me trocando vi um rascunho que ela deixou
na cômoda.

“Estava sendo difícil amá-lo, sentir aquele turbilhão de coisas


e não dizer uma palavra quando o mesmo parecia tão distante,
ainda que estivesse perto, tão perto que espantava minhas
palavras... era o meu primeiro amor, tínhamos feito uma amizade
incrível, que se tornou algo mais e ainda não sabia se seria
correspondida. O medo de um coração partido deixava meus
sonhos inquietos...”

Não tínhamos noção de quantas páginas já haviam sido


escritas, mas com ajuda de Joana, Amália fez bem rápido tendo
acesso as máquinas de escrever.

— O que está lendo aí? — Ela me assusta e quase largo a


toalha.
— Céus! Quando entrou?! — Me viro a vendo com as mãos
sobre os olhos.
— Foi mal, é que eu vim... isso aí não está pronto pra você
estar lendo. — Reclama mesmo com o rosto escondido e sou
obrigado a rir daquilo.
— Você entra sem bater e ainda está reclamando comigo? Não
parece justo.
— Já vou sair, só vim buscar minhas meias... — Diz se
movimentando de um jeito desengonçado, enquanto mantém
as mãos diante do rosto, evitando nosso contato visual.

Logo ela saiu e tranco a porta, mas aquele texto havia


mexido comigo, tinha algo tão real naquelas palavras que chegava a
ser um quase espelho dessa realidade.

A verdade é que já havíamos nos entregado quando


aconteceu aquele quase beijo corredor, mas não tocamos no
assunto. Acredito que compartilhamos o mesmo medo que a
personagem dela.
No set, as coisas estavam uma loucura, os colaboradores
pediram para reduzir o tempo, então estávamos entregando cada
gota de nossas energias naquilo, usando até o último minuto para
ensaiar, gravar e corrigir o que fosse necessário. Eles queriam fazer
uma estreia numa data específica, uma bela jogada de marketing
por assim dizer.

— Tentei fazê-los entender que diminuindo o tempo, poderia


prejudicar alguns detalhes do filme... — Emy bufa ao meu
lado enquanto toma café e massageia as têmporas devagar.
— Temos uma boa equipe, estão todos comprometidos com as
gravações, daremos conta do recado. — Digo mais pra mim
que para ela. Ser diretor, era algo intenso e para o meu
primeiro trabalho, estava tudo indo até que bem.
— Ainda vai fazer sua participação especial nessa trama?
— Claro, já está tudo cronometrado.
— Seu figurino ficou pronto?
— Taylor está trazendo hoje.
— Tenho que confessar que toda sua dedicação me deixa cada
vez mais admirada. — Faz um carinho na minha mão, que
estava apoiada no braço da cadeira.

Afasto o toque sutilmente e sorri de canto.

— Obrigado, devo meus agradecimentos a você, que fez e faz


parte de tudo isso. — Ela meneia a cabeça e seu olhar se
volta a movimentação de Amália e Romeo sendo maquiados
e conversando algo.

Depois do incidente do começo da semana, vinha notando


Emy diferente, menos estressada, mais comedida em suas ações,
sem implicâncias ou embates grosseiros. O que realmente estava
me surpreendendo, de fato acreditava que aquilo tudo lhe serviu de
lição, principalmente para ver que Amália estava comprometida com
tudo e não haviam motivos para brigas e queixas sem fundamento.
O horário de almoço chegou rápido, e tirei esse tempo para
me concentrar na correção das coisas de Amália, enquanto ela fazia
mais na sala ao lado. Minha tarefa era corrigir algumas coisas de
seus textos e confesso que logo no começo fiquei meio perdido já
que ela me entregou as folhas fora de ordem. Mas a aventura
amorosa de sua personagem estava a ficando gravada na minha
mente, e secretamente me fazendo imaginar a mim e ela em certos
momentos.

— Aí está você, te procurei por todos os lugares. — Emy diz


simpática ao entrar na sala.
— Algum problema? — Lhe observo se aproximar da mesa com
sua comida.
— Nada demais, só queria me certificar que estaria mesmo
descansando, sua cara já mostra o seu nível de cansaço
desses dias.
— Nem me fale, às vezes acordo no meio da noite achando que
estou atrasado para vir gravar.
— Então somos dois. — Ela ri baixinho e esboço e meio sorriso.

Seus olhos vagam pelos papéis que separei cuidadosamente


e as leves marcações nos textos, onde havia corrigido.

— Posso saber o que é isso? — Se senta próximo a mim, mas


seu olhar está em mim agora.
— É o livro da Ami, estou ajudando ela com essa parte.
— Uau, achei que já estava pronto.
— Está quase, ela fez tudo bem rápido e está bem feito, todo o
enredo. — Seu sorrisinho é quase invisível.
— Ainda não li nem o primeiro, mas já sei que faz um sucesso
com os adolescentes... — Podia jurar que ouvi uma nota de
negatividade em seu tom de voz.
— Não só os adolescentes, inclusive recomendo que leia, é
ótimo!
— Espero que não esteja dizendo isso para ficar bem na fita. —
Cruza os braços se recostando.
— Digo com toda propriedade de quem leu. — Pisco pra ela.
— Bem, pelo que entendi das conversas de vocês, isso aí é
bem urgente, não é? — Assinto e a mesma observa os
papéis uma última vez, já se levantando. — Então vou te
deixar continuar em paz, o horário de almoço anda bem
curto.
— Até mais Emy.

Ela acena e vai saindo dali.

Foi preciso alguém da equipe vir me chamar para retornar ao


set, fiquei tão absorto com aquele capítulo que esqueci das minhas
outras obrigações.

Mas precisei deixar minha agente no controle daquela parte


da gravação, enquanto ia resolver alguns pepinos dos meus novos
contratos e sobre o trailer do filme.

— É uma pena que você vá embora depois do lançamento,


deveria se mudar pra cá. — Ouço Taylor dizendo quando as
portas do elevador se abrem e logo vejo Amália junto a ela.
— Tentarei vim por aqui com certa regularidade, gostei da
cidade e de vocês também. — Sorriu amigável e logo ambas
me veem.
— Olha só, Bae se em Miliot tiver mais amigos seus assim,
pode me apresentar. — Brinca e pisca pra mim.
— De lá agora, só tenho a Amália. — Falo sincero e ambas
riem baixo.
— Estamos indo buscar a outra arara de figurinos, já devolvo
ela. — Assinto e ambas passam por mim.

Aquilo me fez lembrar que essa seria a penúltima semana


dela aqui, que o tempo passou voando e precisava encontrar um
momento para nós dois e dizer tudo que estava sentindo. Não
aguentaria saber que perdi uma chance de me declarar, se a vida
nos separasse outra vez, com certeza não teria a mesma sorte de
um encontro longo como esse.

Quando voltei para o set e logo que me sento, Romeo se


aproxima e senta ao meu lado.

— Posso conversar com você um instante? — Nos olhamos e


algo em mim já sabia qual seria o assunto.
— A vontade.
— Eu sei que a bonequinha vai voltar logo para a cidade natal,
e queria fazer algo especial para ela lembrar de mim... quer
dizer, de tudo aqui.
— Está falando de uma despedida? — Ele assente.
— Em pouco tempo Amália se tornou alguém importante, pra
mim e para os outros também, então nada mais justo que
uma festinha, queria fazer no telhado lá do hotel, tem
bastante espaço, a música não incomodaria ninguém e
ficaríamos bem à vontade pra comer e dançar.
— Ótimo, em que posso contribuir?
— Chegamos no ponto, queria que ajudasse o pessoal na
organização, não sou muito bom com isso sabe? E você
conhece bem os gostos dela, então seria bem aproveitado
nessa parte.
— E você? Que mal pergunte claro. — Apoio a mão no queixo e
o vejo sorrir de forma despretensiosa.
— Serei a distração da bonequinha, óbvio!

Sou obrigado a concordar.

— Sei que ela não está na mesma sintonia que eu, de romance
e essas coisas, mas acredite quando digo que estou
completamente na dela. — Evito demonstrar qualquer
incomodo.

Mas por dentro me senti muito incomodado, afinal de contas,


ele não era o único a sentir algo por Amália.
Naquele momento lembrei de um trecho da música “Love
grows”, que diz exatamente o que precisava fazer. Contar a ela,
dizer o que sentia e o tamanho da minha sorte.

— E quando pretende fazer isso? — Retorno a realidade


quando ouço Romeo limpar a garganta de forma repetida.
— Próximo final de semana, estaremos praticamente livres pra
curtir e será o último Sábado dela por aqui. — Assinto e ele
me estende a mão. — Tudo combinado então?
— Combinado. — Aperto e o vejo sorrir antes de ir embora.

Uma coisa que não poderia esquecer e que bom que alguém
teve tempo de pensar nisso, era uma ótima forma de agradecê-la
também pela grande ajuda que me deu com tudo isso.
Amália
A Sexta chegou mais rápido do que gostaria, quer dizer, em
parte. Estava louca para descansar um pouco e poder focar nos
detalhes da finalização de mais um capítulo do livro, por outro lado,
era só mais um lembrete que meu tempo ali estava chegando ao
final e que em breve estaria saindo daqui direto para o aeroporto e
sabe-se lá quando voltaria.

— No que está pensando? — Romeo me aborda enquanto


tomava a vitamina de banana ao lado da mesa de buffet.
— Em como o tempo passou rápido, logo estarei indo embora.
— Você ainda tem uma semana inteira no meio desse agito e
mais uns dias até a estreia, porque se preocupar com a
partida tão cedo, e a essa hora do dia? — Mostra o relógio e
ri baixo.
— Tem razão, — respiro fundo e nos encaramos por alguns
instantes — me conta onde vai me levar?
— Ah sim, espero que goste de parques, tem um que chega
hoje e quero aproveitar com você.
— Nossa, faz muito tempo desde que fui em uma roda gigante
ou aproveitei das brincadeiras das barraquinhas. — Ri e ele
assentiu com um sorriso animado.
— Então somos dois, vamos aproveitar bastante, é melhor
deixar um espaço na barriga porque ainda vai ter o jantar.
— E a que horas vamos?
— Passo no seu quarto às seis, vamos comer e depois
aproveitar, certo? — Assinto e ele beija minha testa, saindo
em seguida, levando um cacho de uvas.

As manhãs no set geralmente começavam mais frenéticas e


o ritmo ia diminuindo conforme as cenas avançavam. Hoje teria
poucas gravações com Romeo, e na minha cabeça um filme dos
últimos dias insistia em passar. Teria que me acostumar com minhas
manhãs tranquilas e atrasadas em Miliot, outra vez.
— Oi, podemos falar um instante? — Sinto o toque sutil de Bae
em meu ombro e me viro para lhe olhar.
— Nem precisava perguntar. — Ele sorri e me estende um
envelope amarelo.
— Terminei de corrigir mais uma parte, e já estou te cobrando a
próxima, simplesmente estou viciado no seu texto. — Ri
baixo de modo tímido.
— Obrigada por isso, pelo elogio e por me ajudar, mesmo com
tanta coisa pra fazer pelo filme.
— Temos um acordo, e é o mínimo que te devo, principalmente
por estar dando vida a minha protagonista. — Sorrimos um
para o outro e naquele momento meu coração acelerou e
soltei um longo suspiro.
— Então fique sabendo que hoje é sua noite de folga, ainda não
acabei o que estava escrevendo, mas vou sair um pouco
com Romeo, então é seu tempo livre. — Falo num tom
animado, mas ele não parece tão empolgado assim.
— Vou estar parcialmente de folga então — ri sem gosto, — vou
trabalhar com a Emy, mas não vou deixar de te cobrar o final
desse capítulo, me tornei seu leitor número um e não posso
ficar sem respostas. — Muda de assunto e rimos.
— Vai ter que disputar com Donatella.
— Melhor deixar em segredo, sabe como é, não quero magoar
ela sem ao menos conhecê-la devidamente. — Faz uma
carinha de convencido e ri com ele.

Depois do final do intervalo do almoço, me tranquei na sala


de figurinos da Taylor, o espaço da sala de reuniões andou bem
movimentado e às vezes ficava bem incomodada com as passadas
de Emy por ali, me sentia como um peixe no aquário e ela o tubarão
faminto.

Podia ser até coisa da minha cabeça, um alerta, depois


tantas ceninhas protagonizadas por ela. Mas não baixaria mais a
minha guarda, a última discussão foi bem desgastante e mesmo que
tivesse permanecido na produção contra os gostos dela, não havia
nada que podia impedi-la de arrumar uma boa desculpa para me
tirar dali de uma hora para outra.

— Achei que precisaria de mais papel. — Taylor aparece numa


brecha da porta e balança as folhas.
— Obrigada, salvou meu momento. — Mostro as quatro folhas
que me sobraram na pasta que havia trazido na bolsa.
— Vou querer um exemplar autografado, é o meu preço. —
Assinto com um sorriso e a deixo ir.

“Ouvi-lo falar era uma das minhas coisas favoritas, mas


conforme o tempo passava e minhas chances de declaração
ficavam menores, ia dificilmente lidando com o fato de que em breve
estaríamos distantes e que mesmo juntos, uma hora a distância
seria cruel o suficiente para nos tirar um do outro. Quer dizer, isso
se ele fosse apaixonado por mim também...”

Nem contei quantas páginas fiz, e nem prestei atenção no


relógio, porém a dona da sala teve de vir me tirar dali, Bae e o
pessoal já estavam indo embora e só quando terminei de recolher
os papéis é que me dei conta do tamanho da fome que estava
sentindo e o quão dormente estava meu bumbum.

— Achei que já tivesse ido embora, Romeo saiu cedo do set


para ir se arrumar. — Meu amigo diz com uma expressão
confusa ao me ver caminhando até seu carro.
— Eu perdi a noção do tempo... — Olho Emy que o
acompanhava e já havia colocado sua bolsa no banco do
passageiro.
— Então entra aí, já estamos indo pra casa.
— Achei que passaríamos no restaurante pra pegar o jantar. —
Ela o olha e identifico um certo desgosto na sua voz.
— Vamos sim, não se preocupe, agora entrem e se acomodem
senhoritas.

Ela me olha uma última vez de cima a baixo, e faço o mesmo.


A pose azeda daquela mulher estava me tirando do sério, qual o
problema dela comigo? Só porque vim de uma cidade menor e não
usava aqueles sapatos caros e roupas finas o tempo inteiro, feito
ela, tinha menos capacidade de trabalhar ao seu lado?! Nem que
fosse o motivo mais besta, tinha que a ver uma razão pra tanta
implicância, afinal de contas, desde que cheguei, mal troquei um ‘A’
com sua pessoa.

Quando chegamos ao hotel depois de buscar o jantar deles,


fui me arrumar as pressas, na verdade já tinha encontrado com
Romeo no corredor, assim que as portas do elevador se abriram.
Pedi dez minutinhos, tinha que pelo menos deixar meu cabelo
apresentável, visto que o vento no carro havia deixado ele como um
ninho recém construído.

Tomei banho, coloquei um macacão jeans escuro, era acima


dos joelhos, calcei as sandálias brancas e prendi o cabelo com uma
faixa vermelha.

— Bom passeio Ami. — Bae diz com um sorriso fofo quando


passo por eles na sala, os papéis já estavam espalhados na
mesinha e haviam algumas fotos do meu amigo em várias
poses.
— Até mais tarde, bom trabalho pra vocês.

Emy me oferece um meio sorriso, que mais pareceu uma


careta. Fecho a porta e encaro Romeo, que me observava de cima
a baixo.

— Exagerei?
— Claro que não, está perfeita, vamos lá que já perdemos mais
dez minutos senhorita.
— Tudo bem, por ali moço. — Digo animada e vamos entrando
no elevador.
O plano inicial era jantar e depois ir ao parque, no entanto,
nenhum de nós dois estava disposto a esperar tudo isso para nos
divertimos. Seguimos direto para a diversão.

As luzes coloridas, a música animada, o cheiro da pipoca e


do algodão doce se misturavam ao movimento e risadas. Os
brinquedos estavam com filas relativamente longas, compramos os
ingressos e enquanto esperávamos o volume de pessoas diminuir,
fomos jogar em algumas barracas.

— É seu último tiro senhor. — O rapazinho avisa e olho para


Romeo que segurava um dardo azul, sua última tentativa de
estourar algum balão.
— O último é o da sorte. — Digo em tom de riso.

Era o décimo dardo, e ele só havia acertado dois balões que


não davam nenhum prêmio, pelo menos eu ganhei um chaveiro de
golfinho que fazia barulhinho.

Meu amigo se concentra, respira fundo e...

— Você errou novamente. — O mocinho diz tirando o dardo do


painel e toco o ombro de Romeo.
— Esse jogo não é pra você. — Seu olhar se encontra com o
meu e recebo uma careta.
— Pra você foi só um momento de sorte, e os prêmios maiores
são os mais difíceis.
— Ah claro, se isso te consola. — Começo a rir e ele revira os
olhos, rindo em seguida.

Saímos dali para tentar rodar um pouco na roda gigante.


Felizmente a fila estava menor e não demoramos a subir.

Ficamos lado a lado e conforme fomos subindo fiquei


encantada com as luzes de Conway, era uma cidade linda, apesar
das calçadas apertadas, o calor que fazia mesmo quando a noite
chegava, e o barulho do trânsito frenético em certas horas do dia...
só que cheguei a conclusão que não trocaria Miliot, de jeito nenhum.

— Já pensou em morar aqui?


— Não, e justamente agora, me ocorreu que não trocaria minha
cidadezinha por essa daqui. — Seu olhar é incrédulo e ouço
sua risada, enquanto balança a cabeça em negação.
— Só você mesma bonequinha, sei de muitas pessoas que
preferem muito mais a vida na cidade grande.
— Acontece que eu e essas pessoas não dividimos o mesmo
cérebro, então temos ideias bem diferentes de vida. Ainda
bem.
— Não gostou daqui?
— Claro que gostei, mas tem seus contras, então prefiro ficar
no meu cantinho.
— E se tivesse alguém especial, ainda assim você não ficaria?
— Olho pra ele e sorri de canto, voltando minha atenção para
a paisagem das pessoas caminhando animadas pelo parque,
entre as barracas e brinquedos.
— O que quer dizer com isso?
— Você entendeu bem, já é bem grandinha. — Suspiro e o olho
outra vez, estava com um sorrisinho meigo.
— Não ficaria.
— Como assim?! Que tipo de romancista é você? — Brinca e
rimos.
— Do tipo pé no chão, minha vida está toda em Miliot, essa
pessoa teria que entender minha trajetória antes de qualquer
coisa e aí quem sabe as coisas dariam certo?
— Sei... faz sentido, quer dizer, o amor não pode ser o tipo de
coisa que te limita e sim que te faz ir cada vez mais longe,
não é? — O olho surpresa, e faço “uau” sem emitir som. —
Arrasei, né? — Brinca e ri com ele.

Saímos do brinquedo e caminhamos devagar até o carrinho


de pipoca, ele pediu dois saquinhos para nós e fomos nos sentar em
um dos banquinhos de madeira que ficavam ali perto, mas era um
pedaço mais calminho.
— Por que me perguntou isso?
— Curiosidade e porque acho que você já tenha notado
algumas coisas também.
— Acredito plenamente que você ficou encantado com a garota
atrapalhada que caiu de paraquedas nesse filme, mas não
acho que algo entre nós daria certo. — Ele pareceu
pensativo e brinca com uma mexa do meu cabelo.
— Já entendi que não estamos na mesma sintonia, mas não
precisa ser tão bruxa assim... — Lhe olho e percebo seu
sorrisinho brincalhão.
— Bom saber que isso não te afeta, alguns caras iriam embora
e parariam de falar comigo.
— Com um bom motivo né? Mas não quero perder sua amizade
bonequinha, por mais chata e atrapalhada que seja. — Faço
careta e suspiramos no mesmo instante.
— Posso te contar algo?
— Com essa pergunta, já sei que é sério e que é segredo.
— É segredo mesmo. — Romeo faz um gesto para que eu
continue a falar, enfim tomo coragem de pronunciar pela
primeira vez em voz alta para outra pessoa... — Já estou
apaixonada por alguém...
— Um chute, — levanta o indicador e faz uma carinha
engraçada — é o Bae.
— Está tão óbvio? — Apoio meu rosto contra o braço que
estava apoiado no encosto do banco.
— Apesar de ser de péssimo gosto — ri dele e lhe dou uma
tapinha, — certo, vamos fingir que ele é um príncipe, a forma
como você o olha é diferente.
— Estou com medo que isso acabe mal... quer dizer, nós somos
melhores amigos já tem anos! Nunca passou pela minha
cabeça que algo assim poderia acontecer. — Ficamos em
silêncio por uns instantes.
— Só vai saber o que precisa, se tomar coragem de perguntar,
se declarar ou até mandando um bilhetinho. — Rimos baixo.
— Obrigada por me ouvir, estava prestes a enlouquecer com
essa informação gigante pairando na minha cabeça.
— Conta comigo bonequinha.
Batemos as mãos e terminamos de comer as pipocas
enquanto falávamos de outras coisas aleatórias.

Resolvemos ir embora depois da volta num brinquedo que


rodava rápido, recuperamos o equilíbrio antes de tudo e em seguida
retornamos ao hotel.

— Ainda vai ficar me devendo uma revanche do tiro ao alvo. —


Diz enquanto saímos do elevador.
— Tudo bem, mas não chore se perder de novo. — Implico e
rimos enquanto ele me leva até a porta do quarto.
— Adorei o passeio bonequinha, descansa tá?
— Você também e obrigada por hoje, exatamente tudo.
— Precisando estou bem no fim do corredor. — Assinto e ele
beija minha testa antes de ir.

Mas preferia que tivéssemos trocados mais algumas palavras


antes de entrar, do que ter que ver aquela cena no meio da sala...
Bae

O trabalho com Emy estava indo bem, pelo menos em boa


parte da noite, os únicos momentos em que paramos foi para que
eu atendesse uma ligação da minha mãe e ir ao banheiro, mas em
algum momento entramos no assunto de relacionamentos e quando
dei fé, seus lábios estavam contra os meus e a porta de abriu,
revelando a expressão de choque de Amália.

— Desculpem... — Diz baixinho e fecha a porta quando entra.


— Céus, que coisa embaraçosa... — Emy se afasta e olha para
nós dois.
— Não se preocupem, não vi nada, já estou indo dormir. —
Sorri de canto e passa para o quarto.

Acabo soltando um suspiro pela confusão que ficou em meus


pensamentos, não sabia nem o que dizer ou fazer.

— Bae...
— Emy, eu acho melhor você ir, já adiantamos muitas coisas,
esse resto vejo sozinho. — Tento ser o mais delicado
possível, não queria magoá-la, porém, não queria ficar
naquela saia justa... mais do que já estava.
— Tudo bem, eu só... me desculpe, foi um impulso, não quero
que...
— Por favor, não precisa se explicar. — Mantenho o tom e pego
suas pastas lhe entregando com cuidado. — Te levo até a
porta.

Ela se levanta um pouco atordoada e por fim vai embora sem


mais palavras. A cena se repete em minha mente e quando tomo
atitude de ir até o quarto, esbarro com Ami no meio do caminho.

— E-eu queria explicar isso... — Começo, mas ela faz um gesto


e me calo.
— Não precisa, sabe? Vocês são adultos, estavam no seu
momento privado e acabei atrapalhando, te peço desculpas
por isso. — Seu tom estava tão distante que bateu forte em
algo dentro de mim, não sabia exatamente o que estava
sentindo com aquilo tudo, no entanto, quando passa por mim
e se tranca no banheiro, o piso pareceu se abrir debaixo dos
meus pés e um frio percorreu minha espinha, como se
estivesse mesmo em uma queda livre e sem ideia de onde
estaria o fundo.

Desde que aquele episódio aconteceu no meu apartamento,


tudo ficou diferente. Amália parecia mais reclusa, o pouco tempo
que tínhamos para conversar e fazer algo diferente de trabalho, ela
estava mais ocupada que nunca na sala que Joana disponibilizava.
Não fomos comemorar as boas notícias da sua publicação.

Mas não deixei de notar que ela também parecia ansiosa e


nervosa, sempre que a correspondência passava por baixo da porta.
Eram seus últimos dias ali, queria que fossem os melhores
possíveis, mas tudo estava virando uma bola de neve.

Parei de tomar o suco quando escuto coisas caírem no chão


e um baque “fofo” no chão. Olho a cena e vejo Amália, Emy e
muitos papéis no chão.

— Desculpe. — Ami diz, mas minha agente nada responde.


Ambas começam a apanhar os papéis e me aproximo pra
tentar ajudar, contudo, vejo o semblante da minha amiga
mudar bruscamente e logo se vira pra mim.
— Está tudo bem? — Pergunto preocupado e ela me mostra o
papel.
— Pode me dizer o que os meus rascunhos estão fazendo com
ela? Isso aqui era pra estar em suas mãos e somente nelas
Bae!
— Ami, tem uma boa explicação pra isso, mas antes se acalme,
vamos conversar. — Ela parecia furiosa e com toda razão,
mas eu era inocente, não fazia a mínima ideia de como
aquilo havia chegado até Emy.
— E tem mais o que dizer?! Meu projeto está perambulando no
meio de tantos outros papéis como uma coisa qualquer, e
você sabe muito bem que o tanto que isso é importante! —
Começa a recolher as folhas do rascunho, com certa
brutalidade, do chão e as que já estavam nas mãos da minha
agente, que a olhava boquiaberta.
— Amália, tenha um pouco de paciência, estão todos nos
olhando querida.
— Querida?! Me faça o favor de ficar calada, pelo menos dessa
vez, querida é o caramba! — Saiu apressada do set e
Romeo saí em seguida.

Antes de ir atrás da minha amiga furiosa, olho Emy


severamente.

— Vamos até a sala de reuniões. — A mesma assente e


deixamos a sala com vários olhares atônitos e curiosos com
o que acabara de acontecer.

Nos trancamos na sala de reuniões e esperei que ela me


explicasse como aquilo estava em suas mãos, tinha plena
consciência que não entreguei esse projeto a NINGUÉM! Sei que
cheguei a comentar sobre, mas nunca, jamais entreguei uma página
sequer, sabia muito bem do sigilo daquilo, estava no contrato de
Amália e a única exceção estava sendo eu.

A explicação de Emy não me convenceu em nada, de que


estavam misturados a outros papéis que foram misturados da
reunião, conforme seu nervosismo aumentava sua história ficava
bem pior.

— Isso que você fez é imperdoável, já havia te falado da


importância desse projeto e dessa implicância infantil com
Amália, achei mesmo que tivesse passado, mas me enganei,
mais uma vez, não é?!
— Você não vê que isso tudo é desnecessário?! Não é como se
eu fosse uma fofoqueira! Bae, sou sua agente, e sou de total
confiança, não prejudicaria sua amiga, ao contrário dela que
já aprontou de tudo por aqui, bagunçando cronogramas e
chamando atenção sempre e sempre! — Se exalta e fico
absorto com o rumo que a conversa estava tomando. — Se
tinha laxante naquele milk-shake ou não, não era motivo pra
parar um dia de filmagem aqui enquanto outra pessoa
poderia estar com você no hospital!
— Espere... como sabe do disso? — Ela para no mesmo
instante e sua respiração também para por uns instantes.
— Você me disse quando chegaram.
— Não, eu disse que tinham misturado algo, mas não citei que
era laxante
— Disse sim... a-alguém me disse, eu lembro!
— Quem disse? — Fico lhe observando e vejo seus olhos
marejarem. — Queria não acreditar nisso, mas agora as
coisas parecem se encaixar e é tão óbvio agora que me sinto
um completo besta por não ter notado antes! A maquiagem,
a bebida, as manchetes com fofocas aleatórias, foram todas
propositais, pra ela sair, não foi?!
— Não vou mais negar, só que tive bons motivos para fazer
tudo isso, ela não deveria estar aqui, e ouvir você dizer todas
aquelas coisas melosas de uma criatura do interior, me
deixou nauseada! Passei anos aqui, do seu lado, cuidando
de tudo, sendo seu apoio, mas sua ingratidão foi tão grande
que se quer hesitou em me trocar por aquela magricela! E
ousou se apaixonar, me contar, a culpa é sua!
— Chega! Pra mim chega Emy! — Seu rosto está molhado
pelas lágrimas incessantes e vermelho pela raiva que saia
junto a suas palavras.
— Você não seria nada sem mim, eu que te dei tudo isso e
enquanto estava aqui, sua atenção estava nela, isso me
correu por dentro, cada dia mais!
— Amanhã, assim que encerrarmos a última gravação, sua
demissão já estará pronta, não quero qualquer vínculo com
você, nunca mais! — Ela ri de um jeito amargo.
— Vai me fazer de vilã na história? Só porque fui à luta pelo
homem que me apaixonei? — Passa a mão no rosto com
certa agressividade e borra o rímel. — Vai se arrepender!
— Não mais do que você, pode apostar. — Digo frio e vou
saindo da sala para procurar Amália.

Caminho apressado pelos corredores, o elevador estava


ocupado então vou descendo as escadas o mais rápido possível.

Encontro minha amiga aos prantos, vermelha e com os


punhos cerrados, enquanto se apoia em Romeo.

— Ami, precisamos conversar... — Digo baixo, mas ela se quer


me olha, Romeo suspira baixo e me observa de forma
confusa. Creio que por não saber se ia ou ficava.
— O envio dessa semana está atrasado, você disse a mim que
não havia encontrado os rascunhos, mas que deviam estar
nas suas pastas... e eu boba acreditei, até porque, como se
não bastasse isso, o meu contrato de produção também não
chegou, então confiei que logo estaria com minhas cópias de
volta e tudo estaria resolvido, mas estavam nas mãos dela,
graças a você! — Aponta o dedo de forma furiosa.
— Posso te explicar tudo, mas precisa me dar essa chance...
— E como quer que eu confie? Meu trabalho estava nas mãos
da sua agente, justamente a pessoa que mais me detesta
aqui dentro, e sabe-se lá o que ou a quem essa mulher deve
ter mostrado!

Acabamos discutindo no estacionamento, ela não queria me


ouvir, mas ainda assim tentei me explicar. Por um lado, entendia
toda sua frustração, se aquela notícia chegasse aos seus editores
chefes, acabaria com o contrato, com tudo que fizemos até ali, toda
via, sua resistência em aceitar minha explicação me deixou irritado,
tínhamos tantos anos de história, de confiança e de conhecimento
sobre o outro, como podia ser daquele jeito?
Amália

Voltei para o hotel com Romeo, fiz minhas malas, peguei


minha lavanda e pedi abrigo a Joana, perguntei outra vez sobre meu
contrato, mas a mesma avisou que ainda não havia chegado, o que
era estranho, já que faziam dias e dias que Donatella avisou do
envio.

Como minha amiga ainda estava em seu horário de trabalho,


pedi o endereço e tomei um táxi até sua residência. Durante o
caminho, fiquei pensando em como as coisas mudaram
drasticamente, e se meu coração já doía há dias pela cena que vi
entre Bae e Emy, agora estava duas vezes pior.

O motorista ficava olhando pelo retrovisor, enquanto eu me


debulhava em lágrimas, não só de tristeza, mas de raiva, por
entender que aquela mulher queria me prejudicar a todo custo. Sem
motivo algum... quer dizer, talvez ela estivesse tentando me manter
afastada desse romance secreto dela com meu amigo, mas ainda
não justificava meus rascunhos estarem em sua posse.

A casa de Joana era pequena, mas bem confortável, o quarto


que ela me disse para ficar, estava bem arrumadinho, tinha uma TV
pequena, uma máquina de costura e uma grande sacola com um
belo tecido vermelho, em um canto entre o guarda roupa e a parede,
estava o busto do manequim, com uma parte da peça sendo feita.

Deixei as malas em um canto e a pasta grossa com os meus


rascunhos em cima da cama, felizmente apanhei todas as folhas e
mesmo amassadas, estavam ali para serem analisadas e mandadas
para minha agente. Me sento no chão, não tinha mais lágrimas para
chorar, não esperava por aquilo vindo dele e me tirou o chão.
Quando respirei um pouco, caminhei descalça até a mesinha
do telefone, o chão geladinho me fazia lembrar de respirar com
calma e conter os pensamentos tristes dos últimos dias. Tentei falar
com Donatella, mas só dava ocupado, então provavelmente não
estaria na cidade, ou em uma reunião daquelas bem demoradas.
Ficar ali sozinha e com a criatividade suspensa pelo momento, não
era minha ideia de aproveitar o final dessa viagem.

Vou até a cozinha e preparo um suco para comer com os


biscoitinhos amanteigados que estavam num pote verde. Era uma
bela forma de me reerguer, antes de finalizar o que tinha em aberto,
ou seja, o filme e o meu livro.

Me sento no chão da pequena sala, o sofá verde de dois


lugares, coberto com uma manta de retalhos, muito fofa, o tapete
redondo e colorido, estavam sendo iluminados em algumas partes
pelo sol que passava pela janela. Pego uma das revistas que ficava
no apoio da mesinha de centro e começo a folhear. O tema sobre
cinema me chamou atenção, o tempo de produção e edição de um
filme, o que me deixou bem pensativa, tínhamos gravado
intensamente durante um mês, a equipe de edição também
trabalhou bastante para deixar tudo no jeito para o lançamento que
estava previsto para alguns dias após o final da gravação. O estúdio
era bem conhecido e trabalhava com materiais muito bons, além de
uma equipe bem competente, então se o prazo dito pela matéria,
era de 1 mês e meio até 6, o tempo que levamos para toda essa
produção, foi fantástico!

— Sinto muito pelo que aconteceu... seu amigo passou louco


pelo saguão quando não te achou no quarto. — Joana
estava de frente para mim, enquanto tomávamos um chá
verde recém-saído do fogo e que fumegava nas canecas
amarelinhas com flores.
— Queria que isso tudo não tivesse acontecido nunca, a viagem
estava indo tão bem, e… me apaixonei por ele, mas parece
que não foi mesmo uma boa ideia ter deixado isso acontecer.
— Olho para os meus pés, cujas unhas pintei de um
amarelinho enquanto estava tentando distrair a mente.
— E você escolhe pelo seu coração? — Diz em tom de riso e
sou obrigada a rir baixinho, mas nego em seguida.
— Só não queria que tivesse sido assim... tomei consciência
que o amava tarde demais, já tinha outra pessoa aos beijos
com ele, secretamente falando.
— Você me disse..., mas o que pensa em fazer? Afinal, ainda
tem mais um dia de gravação e eles vão estar lá. — Diz com
certa cautela e dou de ombros.
— Farei o que tiver pra fazer, depois arrumarei minhas coisas
para ir embora. — Ela suspira e segura minha mão,
acariciando o dorso com seu polegar.
— E se pelo menos vocês falarem antes? Uma explicação seria
tudo para te deixar em paz com essa história, certo?
— Preciso mesmo voltar para minha casa, minha janela já deve
estar toda manchada por aqueles passarinhos sem
vergonhas e talvez seja bem melhor esse tempo e essa
distância, meu coração está dolorido agora. — Sua resposta
vem silenciosa quando balança a cabeça.

A noite não foi das melhores, fiquei bem inquieta e quando


conseguia dormir, vinham pesadelos.

Os pedaços do meu livro todos voando e sendo levados pelo


movimento no tapete vermelho, mais a frente podia ver Emy rindo
de mim enquanto se agarrava a Bae, beijos e mais beijos. O pior era
que meus pés estavam presos na calçada de entrada do cinema.

Estava de pé quando o despertador de Joana toca na sala, o


que me assusta, já que não havia notado o reloginho vermelho ao
lado da Tv. Ela vem desligar e boceja antes de me cumprimentar.
— Por que deixa ele aqui? — Fico curiosa e ela sorri de canto.
— Isso me força a levantar, ou não posso me livrar desse
barulho irritante e é assim que desperto pra trabalhar. —
Rimos baixo. — Sua noite não parece ter sido das melhores.
— E não foi, fiquei tendo pesadelos, tenho até a próxima Quarta
para mandar algo, mas hoje é Quinta, o capítulo que tenho
não está completo e deveria mandar tudo isso junto do
contrato assinado, que deveria se vencer na Segunda, mas
nem recebi, e não consigo falar com minha agente... — Coço
a nuca e respiro fundo.
— Queria poder te ajudar, mas já olhei todas as caixas de
correspondência de trás pra frente e não vi nada.
— Não se preocupa, uma hora vou conseguir falar com ela, o
problema da vez é entrar naquele set e ver eles dois, espero
ter forças para continuar as gravações de hoje sem ter um
chilique com alguma aproximação indesejada.
— Espera, você me disse que hoje o horário de encerra mais
cedo então isso quer dizer que... — Assinto a sua pergunta
não pronunciada.

Sim, iria embora ainda hoje, uma das coisas que consegui
fazer na madrugada foi falar com a central de vendas 24h de
passagens aéreas, e garantir minha volta pra casa.

Joana vem me abraçar e nos despedimos de modo


silencioso, sabia que ela ainda estaria trabalhando quando desse o
horário do meu voo, e não gostaria de atrapalhar seu expediente.
Então nosso café da manhã foi para ser registrado, literalmente,
tiramos fotos na minha polaroid e ela já deixou pendurada na sua
geladeira com o imã de abacaxi.

Assim que cheguei ao estúdio, já vi o carro de Bae no


estacionamento o que me lembrou que ele iria querer conversar,
mas eu ainda não estava com cabeça para esse papo, nem sei se
estaria tão cedo. O que Joana me disse era muito certo, uma hora
precisaria dar um desfecho a tudo isso, no entanto, minha mente
estava bem cheia e os baques desses dias não ajudavam a pensar
com tanta calma assim.

Vou direto para sala de figurinos e Taylor já estava me


esperando com Romeo e o restante do pessoal, que já estavam
caracterizados, talvez tivesse me atrasado um pouco.

— Nossa bonequinha, que cara de derrota. — Meu amigo


comenta com uma careta, e mostro a língua. Me sento na
cadeira de maquiagem ao seu lado.
— A noite não foi das melhores... — Bocejo e fecho os olhos
quando as mãos de fada da staff tocam meu rosto.
— Olha, eu sei que essa confusão toda não precisa de mais um
envolvido, mas acho que vocês precisam conversar e
esclarecer tudo isso, tem que ter um motivo para suas coisas
estarem com Emy.
— Talvez um namoro seja a resposta disso. — Ouço ele
engasgar do meu lado.
— Que negócio é esse?
— Ué, você é tão espertinho, não sabe que namoro é quando
duas pessoas estão apaixonadas, se beijam e assumem um
compromisso de cumplicidade? — Abro os olhos levemente
e o vejo revirar os olhos.
— Deixa de gracinha, o que te faz pensar uma coisa dessas?
Sei que seu amigo tem um péssimo gosto com as calças
caqui, mas estar com uma companhia estressante como a
Emy é demais.
— Quando cheguei do parque aquele dia, eu... bem, eles
estavam se beijando na sala de estar, no meio de todos
aqueles papéis. — Outro engasgo.
— Ah não, que droga. — Respiro fundo e sinto um nó se formar
na minha garganta só por lembrar daquilo. — Acha que foi
por isso que ela estava com as partes do seu livro?
— Pra corrigir que não era, sem contar que ela sempre esteve
por perto, então talvez... — Paro a fala quando escuto a
porta abrir e o som da voz de Bae.
Abro os olhos e o vejo se aproximando.

— Tem um minuto? — Noto seus olhos meio inchados e com


olheiras. Não era a única a perder a noite de sono.
— Não me leve a mal, mas não quero falar disso agora. — Digo
apenas e volto a me acomodar para a finalização da minha
maquiagem.

Ouço a leve movimentação do meu lado e em seguida a


porta dali se fechando levemente, suspiro pesadamente, já sentindo
meus olhos arderem com a ameaça das lágrimas.

Não sabia como encarar aquele dia, mas daria um jeito.

— Você está livre, livre Ester! — O olhar doloroso de Sam,


Romeo, fez meus olhos encherem de lágrimas
automaticamente enquanto me ajoelho ao seu lado.

O feiticeiro que Bae interpretou acabou sendo um dos


causadores da morte do amor da minha personagem, que
infelizmente não teve opção de salvar Sam.

— Não queria que terminasse assim, mas já sabíamos que meu


destino não era como a heroína.

Sam e Ester tiveram exatamente o destino que debati com


Bae durante noites, ela não era a favor das escolhas que fizeram
pra si e acabou sacrificando seu próprio amor para libertar-se. Não
era bem para o personagem de Romeo morrer, mas estava
precisando de um drama a mais para o crescimento da minha.

— Te amo... — Ele diz baixinho e me aproximo do seu rosto


para lhe beijar.

Ouvimos o sinal do fim das gravações, e Romeo abre os


olhos sorrindo para mim.
— Quase acreditei que estava chorando mesmo. — Brinca e o
ajudo a levantar.

A equipe começa a bater palmas e fazemos o mesmo, todos


mereciam e meu peito se encheu de orgulho, logo eu que estava
com medo de esquecer as falas, ou de nem passar da primeira
cena. Cheguei ao final, mas ao olhar em volta e encontrar a tristeza
em Bae, me lembrei que algo sairia partido de tudo isso.

Saio dali no momento em que todos se reúnem para um


abraço coletivo, tive que dar uma volta e tanto para chegar a sala de
figurino, visto que saí pela porta lateral do set. Vou trocar de roupa e
lavar meu rosto.

Quando me arrumo, procuro a carta que fiz para me despedir


de Romeo e Taylor, deixo os envelopes em cima da penteadeira e
antes de sair, uma moça da limpeza entra ali, por um instante não
reconheci já que meu pensamento estava bem longe.

— Vai embora cedo menina?


— Sim dona Lucia, as filmagens acabaram e tenho um
compromisso em outro lugar. — Ela assente com as mãos
apoiadas no cabo da vassoura.

Ao ver seu carrinho de limpeza na porta, me lembrei do


socorro que me prestou logo no primeiro dia aqui. Me tirar do balde.

— Se cuida, viu? E fica longe dos baldes de limpeza. — Adverte


com um sorriso e assinto com um leve sorriso.

Não éramos próximas, mas adorava quando nos


encontrávamos nos corredores logo cedo e a mesma sempre me
desejava um ‘bom dia’, com um enorme sorriso, então, em
homenagem a isso, tomei a liberdade de lhe abraçar antes de ir.
Quando passei pela recepção, dei uma boa olhada no
relógio, tinha exatamente 30 minutos até o horário do meu voo, mas
ainda passaria na casa da minha amiga para buscar minhas coisas,
era uma contramão, mas tinha esperança que não chegaria
atrasada.
Bae

Assim que as filmagens acabaram, Amália sumiu, assim


como Emy, parecia que ambas haviam virado fumaça. Sabia que
minha amiga não estava no clima de falar comigo, então fui resolver
o assunto com minha ex-agente primeiro, isso daria mais um
tempinho para que ela esfriasse a cabeça.

Saí do set e fui até o R.H onde Emy já me aguardava, com o


semblante sério e raivoso. Portava apenas sua bolsa de couro preto,
e uma pequena pasta vermelha.

— Saiba que está fazendo uma péssima escolha. — Diz ríspida.


— Acredite, não fui eu que causei tudo isso.
— Claro que não, é culpa da sua amiga. — A secretária do R.H,
passa o documento, já carimbado pela diretoria do setor.
Deixo ela assinar primeiro e em seguida faço o mesmo.
— Te desejo tudo de bom na sua carreira, e que melhore seus
conceitos.
— Tchau.

E desse modo encerrei nosso ciclo de parceria, ainda


estaríamos ligados pelo filme, mais nada.

Depois disso fui procurar Amália, enquanto o pessoal saía


animado das salas de figurino e do set, que agora estava sendo
desmontado, procurava pelo seu rosto, e não a via em canto algum.

Até que esbarro em Romeo, que saía apressado do camarim,


carregando um papel na mão.

— Você viu a Ami? — Seu semblante não estava nada feliz.


— Olha, não sei o que rolou pra você ter entregado as coisas
dela nas mãos da louca da Emyli, mas sei que o resultado
disso tudo foi uma merda. — Empurra o papel contra o meu
peito e saí andando apressado, antes que pudesse entender
o que houve ali, Taylor passa com os olhos marejados e
entra no banheiro feminino mais à frente.

Saio do meio do corredor e começo a ler o que estava ali.


Ami foi embora, se quer nos despedimos, nem pude explicar meu
lado da história com tudo isso o que significa que ela foi magoada.

Depois de ler aquilo, já fiquei sabendo por Taylor que a festa


no telhado do hotel estava cancelada, mas é claro que não ficaria ali
sem fazer nada. Imediatamente fui buscar minhas coisas para
passar em casa e comprar uma passagem de última hora para
Miliot. Quando ia chegando até o elevador, sou interceptado por
dona Lucia, que carregava um papel meio amassado em mãos e
estava ofegante pela pressa.

— Sabe onde está a senhorita Amália?


— Ela já foi embora, precisa de ajuda?
— Não, mas obrigada. — Continua seu caminho apressada e
entro no elevador.

Não sabia se ela havia entendido que o “embora”, significava


sair da cidade, mas talvez tivesse recebido uma carta como a de
Romeo e Taylor.

Quando cheguei em casa fui direto preparar uma pequena


mala para a viagem, e enquanto remexia os cabides para pegar as
camisas, fiquei com o telefone preso entre o ombro e a orelha, o que
quase me fez derrubá-lo.

— Sinto muito senhor, o último voo acabou de sair, mas


teremos amanhã no fim da tarde e Segunda de manhã.
— Moça, é um caso de urgência, não tem alguma outra forma?
— Infelizmente não. — Penso um pouco, de carro demoraria
pelo menos dois dias, ou um pouco mais, já que iria sozinho.
— Tudo bem, vou querer uma passagem pra amanhã, por favor.
— Ela demora um pouquinho a responder, mas logo pede
meus dados e a chamada se encerra.

Mas é claro que não conseguiria dormir aquela noite, não


com toda aquela situação acontecendo, minha cabeça estava cheia
das imagens da nossa discussão na frente do estúdio, e o pior era
recordar a sombra da mágoa em seus olhos, que estavam ferozes e
marejados. Nunca na minha vida poderia imaginar Amália furiosa, e
tudo isso se somava a dor que sentia em meu coração, por tê-la
decepcionado, de certa forma Emy havia passado por mim e violado
a privacidade da minha amiga, cuja eu estava responsável. Me
joguei na cama, exausto com tudo aquilo, e acabei chorando outra
vez.

Sempre amei aquela mulher, seu sorriso, seu jeito, a


capacidade de encantar a todos e sua forma única de encarar as
coisas com uma pitada de sarcasmo ás vezes, e me doía no fundo
da alma, saber que ela fugiu de mim, triste e furiosa. Isso tudo
aconteceu tão depressa, que se quer tive chance de falar o que
sentia e sabe-se lá se teria mesmo essa chance, dependendo da
nossa conversa amanhã.

Uma batida de porta na cara doeria mais que o normal.

Tentei ocupar a mente para não ficar ansioso com a viagem


do dia seguinte, mas assim que liguei a TV, já dei de cara com a
notícia que um temporal estava chegando, um presente de outono.
Mas de tantos momentos pra isso acontecer, tinha que ser justo
agora?

O pior foi olhar na janela e ver que não tão distante, o céu já
ficava numa cor diferente, mais escura, e só piorava. Dependendo
de como o céu estivesse amanhã até a hora da viagem, não teria
voo, e o que pode mais enlouquecer uma pessoa apaixonada, do
que estar, literalmente, com uma nuvem gigante e carregada a
ponto de desfazer seu ato de reconciliação?

Pensei em ligar para ela, mas ainda estaria voando, e mesmo


que estivesse em casa, seria bem fácil desligar na minha cara. E é
por isso que meu pai sempre fala que esse tipo de coisa não se faz
por ligação. São necessários gestos quando se ama alguém.

Como saí logo do estúdio, acabei esquecendo de cancelar


alguns compromissos, aliás, nem fiquei com minha agenda,
provavelmente esqueci no camarim ou Emy acabou levando por
engano. No fim das contas, recebi uma ligação irritada de um dos
diretores da campanha para qual estava participando, me desculpei
pelo inconveniente e expliquei uma parte dos ocorridos do dia, que o
fez entender parte do meu sumiço repentino. Dois segundos depois
de colocar o telefone no gancho, recebo outra ligação, dessa vez a
pessoa parece apressada e preocupada, era dona Lucia.

— Está tudo bem?


— É que eu encontrei uns papéis aqui no nome da senhorita
Amália, estão meio amassados, mas parecem importantes.
— Fico alerta no mesmo instante.
— Que tipo de papéis?
— Tem o nome de uma editora, é um contrato, mas como faço
para entregar? — Meu coração acelera e começo a pensar
em um motivo daquele contrato estar lá, quer dizer, o
endereço de entrega era para o hotel, a menos que... respiro
fundo ao pensar que Emy poderia ter chegado a esse ponto
e pior, debaixo do meu nariz.
— Eu vou buscar no estúdio, muito obrigado dona Lucia, mas...
poderia me dizer onde o encontrou?
— Ah, estava fazendo a limpeza na sala pessoal da senhorita
Emyli, estava dentro de uma caixa que ela largou com pastas
vazias. — Respiro fundo outra vez e massageio a têmpora.
— Tudo bem, chego aí em alguns minutos, mais uma vez
obrigado.

Pensar que tantas coisas aconteceram diante dos meus


olhos e não percebi por tamanha ingenuidade, era decepcionante,
principalmente diante da situação delicada em que me encontrava.
Amália poderia perder tudo por um descuido meu.

Ás horas pareciam demorar a passar, mal dormi de noite


ansioso para a viagem. Estava com o contrato dela em mãos, e pedi
para que o clima colaborasse com a saída do voo, que estivesse em
Miliot o mais rápido possível. Que toda essa situação se
solucionasse.

Mas desde que acordei, ouvi trovões, as gotas de chuva


estalando alto na janela do meu quarto e um céu completamente
cinzento. E até a hora em que vim para o aeroporto, a situação não
havia mudado muito, até piorado quando os ventos ficaram
barulhentos, levantando toda poeira pelas ruas.

E tudo isso fez a viagem ser reagendada para s Segunda de


manhã, o que só me deixou ainda mais apreensivo.
Amália

Quando cheguei em casa na Sexta, descobri várias


correspondências promocionais, de viagens, revistas, propagandas
de lojas de roupa e mais um monte de coisa que não ligava. Fiz uma
boa faxina e descobri que minha janela virou um ótimo berçário,
mas cheguei atrasada para o nascimento, só restaram as cascas
quebradas no pequeno ninho, e uma janela toda melecada.

Segunda-feira chegou bem rápido, passei o final de semana


trancada trabalhando no que faltava do meu livro, e ainda assim iria
demorar para chegar ao fim, e falando nisso, o meu final de prazo já
estava batendo a porta e eu nem havia conseguido falar com
Donatella.

A janela do quarto estava fechada por causa da chuva, mas


comecei a ouvir batidinhas diferentes, que me obrigaram a sair da
cama e deixar as anotações de lado.

— O que faz aqui? — Fico surpresa em ver Bae ali, debaixo de


um guarda-chuva preto, mas um pouco molhado.
— Abre a janela, precisamos conversar! — Sua voz estava
meio abafada. Aponto para direita, o caminho da porta da
frente.

Quando abri a porta o vejo molhado, assim como sua mala


de mão, encaro seus olhos que passavam uma urgência ao me
analisar. Sentia meu coração disparado e me forcei a ficar calma,
sei que havíamos brigado feio, mas não seria tão covarde ao ponto
de deixá-lo na rua. Além do mais, já tinha esfriado bem meu juízo
para lidar com aquela situação, que viria mais cedo ou mais tarde.

— Por que está tão molhado? — Fecho a porta quando entra e


vou pegar uma toalha bem rápido no banheiro.
— Obrigado... — Diz quando retorno e começa a se enxugar. —
Não estava com o guarda-chuvas enquanto esperava o táxi e
só pude comprar há algumas quadras de distância do
aeroporto.

Fico em silêncio lhe observando e vou até a pequena cozinha


que era dividida da sala por um balcão, coloco água no bule e
separo um chá.

— O que veio fazer aqui? — Pergunto, mesmo sabendo da


resposta.
— Resolver tudo com você, odiei tudo isso que aconteceu, não
queria que nossa viagem acabasse dessa forma e eu te devo
isso, porque sei o tanto de coisas que estão em risco com
tudo o que aconteceu.
— É um pouco tarde você não acha? — O vejo balançar a
cabeça em negação e começa a tirar a camisa molhada.
— Consegui encontrar o seu contrato, e eu poderia te contar
uma novela inteira de coisas, mas quero de pedir perdão de
todo o meu coração, não entreguei as coisas para Emy,
como você pensa, mas acabei falhando em proteger tudo
isso. — Se abaixa e começa a tirar uma pasta, envolta num
plástico, de dentro da mala. — Esqueci o guarda-chuva, mas
não deixei de proteger isso. — Mostra e coloca no braço do
sofá.

Tive de conter minha vontade de ir até lá e pegá-lo, assinar e


sair correndo para falar com minha agente.

— Eu... agradeço seu gesto e todo seu cuidado para trazer isso
até mim. — Falo sincera enquanto coloco as folhas do chá,
no bule.
— Era o mínimo que te devia e tem mais uma coisa... — O vejo
arrepiar, mesmo enrolado na toalha.
— Que coisa?
— Estava pra te contar o que aconteceu nessa viagem, e que
de fato escondi de você. — Meu coração pareceu pular uma
batida e acelerou outra vez.
— Vai falando.
— Eu te amo Amália. — Sinceramente, não estava esperando,
e minha reação foi ficar estática enquanto ele se aproximava
de onde eu estava. — Fiquei com medo de te perder quando
tomei consciência de tudo que estava sentindo, mas quando
você se foi sem se despedir, me vi na obrigação de te
encontrar e não deixar nada guardado. — Toca meu rosto,
seus dedos estavam gelados contra a minha pele, e isso
desperta um arrepio que percorre todo o meu corpo. — Vim
saber se tenho seu perdão, e se esse sentimento é
correspondido.

CLARO! CLARO QUE É! Você é o homem da minha vida,


dos meus sonhos, literalmente!

— Bae... — Antes que pudesse dizer algo a água começa a


ferver, fazendo o bule chiar e desligo o fogo no mesmo
instante, o que me dá tempo de soltar o fôlego.
— Vou entender se não tiver nada a dizer, sei que foi tudo de
repente e que é muita informação pra esse momento...

O momento que eu tanto queria estava acontecendo, mas


algo em mim não se permitiu ser levado pela emoção.

— Não me leve a mal, ainda estou mexida com toda essa


situação, tudo que ainda está em risco, admiro que tenha
vindo até aqui pra salvar a minha publicação, e que tenha se
declarado, no entanto, preciso de um tempo Bae, isso não
está certo pra mim...
— Espero o tempo que for, mas... não deixe de me avisar se
correu tudo bem, certo? — Assinto e sorri fraco.
— Espero que não se importe, mas vou sair agora mesmo pra
resolver isso, mas tome o chá e se seque, não quero que
adoeça.

Ele assente e saio dali pra resolver minha vida de escritora,


porque a romântica já tinha me levado de zero à cem em poucos
instantes.
As coisas estavam mesmo mudando para mim, cheguei a
tempo do horário do ônibus e rapidinho estava no escritório de
Donatella. E enquanto esperava ela na recepção com sua
secretária, descobri que o prédio teve um problema com a linha
telefônica, confundiram ela com uma caloteira e suspenderam as
linhas. Até da sua casa.

— Céus! Que bom que você veio antes, não imagina o caos
que está aqui sem esses telefones. — Dona vem até mim e
me abraça de forma apertada, mas suspiramos aliviadas. —
Bom dia Cinthia, bom dia Amália, vamos pra minha sala,
temos muito o que falar. — Assinto e ela saí me levando pelo
braço.

As coisas estavam mesmo uma loucura, até sua sala que


vivia impecavelmente arrumada, estava bagunçada naquele nível.
Me sento na cadeira de estofado vermelho, assim que retiro todas
as pastas e papéis que estavam ali, e antes de começar a falar, ela
solta um longo suspiro, parecia cansada.

— Não sabe o medo que estava por você estar longe e o


contrato não ter chegado, já entrei em contato com o serviço
de cartas, mas me garantiram que foi entregue, mas nunca
chegou até aqui. — Dispara e lhe entrego a pasta
prontamente.
— É uma longa história, mas para resumir, ele foi feito de refém
por uma pessoa em particular e só chegou em minhas mãos
hoje, mas assinei. — Ela me observa e olha o papel, que
estava um pouco amassado.
— Ótimo, mas você continua devendo dois capítulos, fora os
que você tem que trazer até Quarta, precisamos de
cinquenta por cento do projeto pra ontem. — É minha vez de
suspirar.
— Eu sei que estou atrasada com tudo isso, como disse, é
muita coisa pra contar e algumas situações bloquearam
minha escrita em alguns momentos..., mas vou conseguir,
peça a eles que tenham paciência, por favor Dona. — Junto
as mãos e a mesma me encara de modo pensativo.
— Claro, faço o que for possível para minha agenciada, mas
não fique se confiando, tá? Começa a escrever e bem rápido
mocinha, que se não tiver jeito de adiar, vai ter que ser em
dois dias mesmo, certo?
— Sim, sim, entendi, muito obrigada! Você é incrível! — Vou lhe
abraçar e ela retribui.
— Agora me conta como foi essa viagem, as notícias chegaram
até aqui. — Mostra os jornais com algumas fotos minhas e as
manchetes sobre a escritora publicada que se arriscou na
vida de atriz, ri comigo e começo a contar cada detalhe da
viagem, até chegar nos momentos delicados dos últimos
dias.

Demorei pelo menos meia hora ali dentro e mais alguns


minutos para chegar em casa, o que me fez lembrar que talvez ele
ainda estaria ali. Mas para minha surpresa não estava e felizmente
não havia acontecido nada já que a casa ficou destrancada.

Encontrei o telefone, do lugar onde ficaria, anotado num


papel com um rostinho sorridente.

Liguei para lhe contar que as coisas haviam dado certo, mas
não estava totalmente assegurada da publicação ainda. Não
estiquei a conversa, ainda estava tentando absorver tudo aquilo de
hoje e principalmente tratar em minha cabeça as memórias que
circulavam e me confundiam.
Quarta-feira
Consegui terminar o que precisava para garantir a edição,
corri logo cedo para uma reunião com Donatella e os chefes da
editora, que já tinham sido tão pacientes comigo desde que fiz
aquela renovação após o primeiro lançamento. Eles realmente
confiavam e apostavam alto em mim, então não queria decepcionar.

Durante toda a conversa, o casal se manteve sério ao


analisar o material que levei, o que me deixou bem apreensiva e
secretamente desejei poder sair dali e receber um abraço apertado
do homem que amava, mas ele se quer imaginava que eu estaria
nessa situação, já que evitei contato esses últimos dias.

— Amália, nós te demos todos os prazos possíveis e não nos


decepcionamos, tudo que você entregou até agora é
excepcional, bem melhor do que o que tínhamos imaginado.
— A mulher começa e isso me faz sorrir e soltar um pouco
do fôlego que ia ficando preso pelo nervosismo.
— Mas nós também temos uma data a cumprir e já está ficando
num prazo bem curto para fazermos tudo, você sabe que
ainda tem capa, edição e fabricação, não é? Fora a festa de
lançamento. — A voz do homem, apesar da sua idade, era
bem firme e me deixou bem mais apreensiva do que estava,
com suas palavras.
— Levaremos essa parte do material para analisar com nossa
equipe e no mais tardar, amanhã te daremos notícias, tudo
bem? — A moça olha para mim e Donatella, que esperou eu
assentir primeiro e logo repetiu o gesto.

A reunião não demorou para encerrar, e meu coração


disparou assim que eles passaram pela porta, minha agente nos
serviu água e tomamos devagar.

— Acho que essa foi a reunião mais tensa que já tive. — Diz
humorada e acabo rindo.
— A minha também e… espero que dê tudo certo, não falta
tanto pra chegar ao final, mas não quero perder tudo no
último minuto.
— Ai, vira essa boca pra lá, vai dar tudo certo, não nadamos
tanto pra morrer na praia. Somos vencedoras. — Assinto
com um sorriso confiante, espelhado no dela. — Hoje à noite
quero que se arrume e me encontre no Culinária da casa,
vamos jantar.
— Achei que desse azar comemorar antes da hora.
— Só vamos conversar, nada de comemoração, só amanhã
quando as notícias chegarem, — sorri — te espero às sete.
— Até mais então.

Saio dali com muita vontade de compartilhar tudo com Bae,


mas estava apreensiva de me empolgar muito e acabar caindo do
cavalo. Guardo a informação e meus pensamentos se direcionam
para o que ainda tenho que escrever.

— Já deu certo, você já tem muitos parágrafos para salvar sua


carreira. — Mentalizo na volta pra casa.
Bae

Enquanto estive em Miliot, perdi a festa de lançamento do


filme, mas isso era o de menos, visto que ainda tinha muito o que
resolver. Amália não me ligou mais e também não liguei, para não
atrapalhar.

Mas consegui falar com Donatella e pedir uma ajudinha para


resolvermos aquelas coisas, combinamos um falso jantar entre
ambas, mas quem estaria lá seria eu. Como agente ela disse que
seria uma medida necessária, já que Ami parecia insegura com tudo
no momento e tinha motivo.

Então naquela noite, fiz questão de me atrasar um pouco,


para evitar que ela fugisse caso me visse de cara no restaurante.
Comprei um pequeno buquê com flores coloridas, sabia o quanto
ela gostava de flores pequenas, e algumas barrinhas daquele doce
com amendoim. Cheguei por lá às sete e quinze, e a mesma já
estava a esperava na mesa.

Com um lindo vestido com mangas caídas nos ombros, era


um verde oliva com pequenos pontinhos brancos, seus cabelos
estavam soltos e notei o brilho labial. Assim que me vê, seu
semblante se enche de uma surpresa que me fez ficar em dúvida se
a mesma fugiria ou se estava feliz em me ver.

— Boa noite senhorita. — Falo com um sorriso e a mesma


retribui.
— Deixa eu adivinhar, ela não vem senhorito? — Seu tom
humorado me faz relaxar e nego com cabeça.

O garçom vem nos atender e pedimos o especial do dia para


jantar, logo ficamos a sós.
— Te trouxe as flores miúdas e seu doce favorito para a
sobremesa. — Entrego e a vejo cheirar o buquê, enquanto
coloca os doces ao lado do seu prato.
— Uma ótima combinação, obrigada. — Sorriu e meu coração
se derreteu.
— Ami, o que te disse naquele dia, é verdade, e...
— Também amo você Bae. — Suas palavras me pegam
desprevenido e o sorriso surge instantaneamente.
— Não sabia mais o que pensar, você é uma pessoa importante
pra mim.
— Também não queria que as coisas tomassem um rumo
estranho caso não fosse algo recíproco, mas quando você
chegou lá e disse tudo aquilo, eu só consegui pensar no
quanto esperei pra poder te contar isso..., fiquei com medo
de já ter te perdido quando vi aquela cena e tudo ficou muito
incerto pra mim depois da briga.
— Entendo, e a conselho da sua agente, planejei tudo isso para
que você entenda o quanto o que temos significa pra mim, e
o quanto desejo que sigamos juntos, não só como amigos,
mas como companheiros.
— É um pedido de namoro? — Arqueia uma sobrancelha e
assinto com um sorriso de canto, a vejo repetir o gesto e em
seguida se levantar e vir até mim.

Sentir seus lábios macios e carinhosos naquele beijo, fez


meu corpo relaxar, o compasso do meu coração ficou mais calmo e
poder ver em seus olhos aquele brilho acender, me deu ainda mais
certeza de que era ela. Não havia mais ninguém com quem
quisesse estar, quem amasse tanto, em segredo ou não, sempre foi
Amália.

Todo o jantar foi tranquilo, finalmente tive notícias sobre a sua


publicação, notei a apreensão na sua voz, já que a resposta dos
editores foi muito indefinida e só de pensar na possibilidade de tudo
ter sido em vão, me deixava com um aperto no peito, porém, ver o
seu otimismo com os detalhes que foram acertados no dia em que
cheguei com os papéis, e com o prazo de resposta de amanhã,
trouxeram certo alivio.

Depois da sobremesa paguei a conta e fomos de táxi até a


sua casa. E devo dizer que me surpreendi com sua atitude assim
que a porta foi fechada.

Amália veio até mim com um beijo sedento, suas mãos foram
delicadas e lascivas pela minha nuca até os cabelos e assim que
toco a parte exposta da pele de suas costas, pude sentir como se
arrepiou. Ela foi nos guiando até que caímos no sofá, com seu corpo
sobre o meu, no começo fiquei um pouco tímido dela sentir como
estava minha situação abaixo da cintura, mas quando começou a
me despir, senti segurança em prosseguir com tudo.

Sentir o toque de nossas peles quentes, conforme nos


despíamos ali mesmo, era algo perfeito. Seus olhos carregavam
tantas emoções que pareciam brilhar, fiz questão de lhe acomodar e
tocar cada pedacinho seu com meus lábios, ouvindo seus suspiros e
visualizando seus arrepios.

Ela era perfeita em todos os sentidos e não poderia ter


imaginado cada detalhe com tanta riqueza. Seus dedos passeavam
pelo meu corpo e não demoramos a chegar até seu quarto.

— Amo você Ami... — Digo baixinho e ofegante, a vendo sorrir


e me dar um selinho.
— Também amo você... — Acaricia meu rosto e voltamos a nos
debruçar naquele momento tão íntimo e inimaginável para
aquela dupla de adolescentes.
Amália

Depois de nos amarmos, me apoiei no peito de Bae e


adormeci tranquila até a manhã seguinte.

Despertei com o toque irritante do telefone e me remexo nas


cobertas sentindo que ele não estava lá e me assusto por pensar
que poderia ter sido um sonho lúcido, mas ao levantar o lençol e
conferir meu estado de nudez, ri baixo e levanto me espreguiçando.

Enquanto fui tomar um banho, escuto ele ao telefone e minha


ficha caí sobre a resposta dos editores, fecho o chuveiro e fico
prestando atenção para adivinhar quem era...

— Aviso sim... pode deixar, chegaremos o mais rápido possível


até aí... Obrigado Donatella. — Tudo fica em silêncio e
alguns segundos depois ele bate na porta do banheiro, o que
me assusta. — Ami, sua agente precisa te ver agora pela
manhã.
— Tudo bem, já vou sair. — Volto a ligar o chuveiro e não
demoro pra sair.

Coloco um jeans e uma camisa de listras coloridas, meus


cabelos estavam secando, mas pelo menos já estavam penteados.

— Dormiu bem? — Pergunta quando apareço na cozinha e vejo


o café já pronto.
— Dormi e acho que acordei no céu. — Comento humorada
olhando a comida. — Como você está?
— Feliz, muito feliz. — Sorri abertamente e acabo fazendo o
mesmo. — Hoje é seu grande dia, então já estou com tudo
pronto para comemorarmos.
— Mas nem sei a resposta ainda. — Digo servindo o suco e
experimentando.
— Vendo o tamanho do seu talento, não duvido que seja
diferente de um ‘sim’. — Senta-se ao meu lado e beijo seu
rosto furtivamente.
— Se você estiver certo, nós vamos alimentar os patos pra
comemorar.
— Ahn-ahn, de jeito nenhum! Nem amarrado! — Começo a rir
pela sua cara de desespero.
— Nem todos são mal-humorados, sabia?
— Não vou arriscar, me peça qualquer coisa, menos isso. —
Continuo a rir.

Depois do café fomos ver Donatella, a secretária me pediu


que entrasse sozinha e assim que passei aquela porta, já dei de
cara com os editores. Felizmente não havia me atrasado.

— Que bom que chegou, temos muito o que falar. — Dona diz
com um sorriso gigante e minha ficha caiu no mesmo
instante.
— Esse sorriso significa que...
— Faremos sua produção e daremos mais um tempo para a
conclusão dos outros processos. — O homem diz e dou
pulinhos de tanta alegria, mas logo me recomponho e limpo a
garganta fingindo que aquilo não tinha sido eu.

Os detalhes que acertamos foi o meu novo prazo para a


conclusão do livro, agendamos a sessão de fotos para ser colocada
na capa, além da data de lançamento e os primeiros eventos de
promoção do livro.

— Já sabe o título? — A mulher pergunta enquanto tomava um


pouco de vinho.
— O amor é lilás. — Digo sem medo e ambos me olham
esperando o significado. — Pela inocência nessa relação
criada por eles, o primeiro amor da personagem e o
inesquecível que muda seu olhar para os novos romances
que podem vir mais à frente.
— Tem um ótimo encaixe — a mulher sorri, — nos vemos em
breve Amália. — Se levantam e estendem as mãos para mim
e as aperto simultaneamente.

Sim, consegui manter a publicação do meu livro, e a melhor


parte é que EU TINHA MAIS UM LIVRO! Não seria a escritora de
um sucesso, não morreria nessa praia, nem tão cedo.

Abracei minha agente e logo depois fui comemorar com meu


namorado, que por sinal era meu primeiro e inesquecível amor. O
meu melhor amigo famoso, agora era o meu namorado famoso.
1 mês depois...
Minha agenda e a de Bae, nem sempre cooperavam para
que nos víssemos, mas estávamos dispostos a fazer aquilo dar
certo, trocávamos cartas, ligações e pelo menos duas vezes no mês
ficávamos juntinhos, fosse em Miliot ou em Conway.

Ele continuava morando no hotel, eu conversava bastante


com Joana quando estava lá, e íamos jantar com o grupo de vez em
quando, Taylor, Romeo e a nova namorada dele que havia estado
conosco no set durante o filme, mas como figurante.

O filme fez muito sucesso nos cinemas, e as manchetes se


dividiam entre o nosso relacionamento, e nossas carreiras, inclusive
recebia perguntas de quando seria minha próxima atuação, mas
isso nunca foi uma opção. Quer dizer, a primeira vez também não
foi, porém, não queria misturar as coisas, o motivo de antes foi um
acordo maluco, num momento de crise para nós dois, para salvar
nossas carreiras e mesmo gostando muito do que fiz, ainda não era
o que eu queria.

Mas quem diria que a criação de um livro e um filme ao


mesmo tempo, fosse dar tão certo? Ou que encontraria meu amor
na pessoa que sempre esteve do meu lado?

Parece coisa de romance, não é mesmo?

“E viveram felizes para sempre...” – foi a última coisa que


escrevi antes de fechar meu caderno de anotação.

— Está pronta? Temos um jantar pra ir. — Fala arrumando a


gravata.
— Claro que sim meu diretor favorito. — Sorri e caminho até
ele.
— Esse vestido vermelho ficou incrível em você. — Me rodopia
e sorri boba.
— Criação de Joana e Taylor, inspirado no sonho que tive com
um certo galã do cinema. — Rimos e vamos saindo do
quarto.
Fim

Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço ao Senhor por me dar fôlego e


não perder o foco no processo de escrita. O apoio do meu noivo ao
cuidar de mim em horas quando o cansaço parecia chegar e pelos
fones que me entregou para ajudar na minha imersão no projeto.

A minha mãe, sogra e família pelo incentivo a seguir


sempre em frente, que um dia de cada vez se chega onde é
planejado.

Não menos especial, minha amiga Lisa Miguel que


ouviu sobre minhas metas, e me deu bons conselhos dentro das
avaliações dos detalhes dessa obra. Além das escritoras Ariane
Fonseca e Crys Carvalho, a quem recorri para tirar dúvidas nos
momentos em que haviam tantas informações ao mesmo tempo.

Vocês foram essenciais para que tudo isso se


concretizasse. Minha gratidão de todo o coração.

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