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FACULDADE BOAS NOVAS DE CIÊNCIAS TEOLÓGICAS, SOCIAIS E

BIOTECNOLÓGICAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Brenda Thaissa Barros Cantisani


Rosa Maria Almeida Gama
Thais Karoline Azevedo da Silva

UM ESTUDO DE CASO SOBRE NEUROSE


OBSESSIVA: ‘’O HOMEM DOS RATOS’’

MANAUS-AM
2023
Brenda Thaissa Barros Cantisani
Rosa Maria Almeida Gama
Thais Karoline Azevedo da Silva

UM ESTUDO DE CASO SOBRE NEUROSE


OBSESSIVA: ‘’O HOMEM DOS RATOS’’

Este trabalho foi solicitado pela Prof.ª


Neiviane Cordeiro, da disciplina de
Teorias Psicanalíticas, para obtenção de
nota parcial referente à ARE 2.

MANAUS-AM
2023
3

INTRODUÇÃO
O estudo do caso clínico do "Homem dos Ratos", conduzido por Sigmund
Freud, é um dos pilares fundamentais da psicanálise e uma referência crucial para
compreender a neurose obsessiva. Ao explorar minuciosamente a história desse
paciente, Freud apresenta um mergulho profundo da psique humana, revelando os
intricados processos mentais subjacentes à neurose obsessiva.
O paciente, identificado como "Homem dos Ratos", fornece um contexto
fascinante para investigar as origens, manifestações e mecanismos psíquicos dessa
condição, permitindo uma análise cuidadosa dos sintomas obsessivos e das
ansiedades que os permeiam.
Esta análise visa aprofundar não apenas o caso do "Homem dos Ratos", mas
também oferecer uma compreensão abrangente do conceito de neurose na ótica da
psicanálise. A neurose, dentro desse arcabouço teórico, é conceituada como um
distúrbio mental que se manifesta através de sintomas ansiosos, compulsões,
obsessões e intrincados mecanismos de defesa, todos reflexos de conflitos
intrapsíquicos.
Explorando o caso clínico do "Homem dos Ratos", serão examinados em
detalhes os principais pontos que perpassam essa narrativa. Inicialmente, nos
voltaremos para o momento de eclosão dos sintomas, buscando compreender a
gênese e a progressão da neurose obsessiva, destacando os eventos e contextos
desencadeantes que contribuíram para o surgimento desses sintomas intrusivos.
Além disso, abordaremos a experiência específica que motivou o paciente a
buscar tratamento, uma peça crucial na compreensão da jornada do indivíduo rumo
à análise e ao enfrentamento dos sintomas obsessivos.
A relação ambivalente estabelecida com o pai do paciente também será
minuciosamente examinada, pois é um elemento essencial na compreensão da
psicodinâmica subjacente à neurose. Esse relacionamento não apenas evidencia
conflitos latentes, mas também revela padrões de comportamento e emoções
reprimidas que desempenham papel fundamental na gênese e perpetuação da
neurose obsessiva.
Por fim, para uma compreensão mais abrangente, abordaremos as estruturas
gerais da neurose obsessiva, examinando como esses mecanismos psíquicos se
manifestam de maneira mais ampla, não apenas no caso específico do "Homem dos
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Ratos", mas também em outros contextos clínicos. Esse enfoque nos permitirá
enriquecer a compreensão das estruturas mentais subjacentes à neurose obsessiva
e suas manifestações peculiares na psique humana.
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CONCEITO DE NEUROSE OBSESSIVA SEGUNDO A PSICANÁLISE


A neurose obsessiva, segundo a psicanálise, é um conceito cunhado por
Sigmund Freud para descrever um conjunto de sintomas que podem levar a pessoa
a ações prejudiciais para si mesma. As características da neurose obsessiva variam
de acordo com a estrutura psíquica da pessoa, mas um dos sintomas mais
característicos é o surgimento de ideias ou pensamentos obsessivos que geram
sentimentos de angústia, medo e culpa, levando à ansiedade e ações
impulsivas. Essa condição obsessiva coloca o sacrifício em cena em busca do ideal:
jejum, arranhões, dores e penitências são exemplos da ação do superego e do
masoquismo do eu.
No artigo "Observações Adicionais sobre as Neuropsicoses de Defesa" de
1896, Freud categoriza as ideias obsessivas como "culpas transformadas que
ressurgem do recalque e estão sempre ligadas a alguma ação sexual desfrutada na
infância" (FREUD, 1896, p.160) - a volta do que foi reprimido. Essas autocríticas
também são reprimidas pelo sintoma principal de proteção (autodúvida). Isso acaba
reforçando as autocríticas: a autodúvida e a autocrítica se sustentam mutuamente.
Outros principais sintomas de proteção apontados por Freud incluem a
conscienciosidade e a vergonha.
Em 1909, Freud apresentou o artigo "Notas sobre um Caso de Neurose
Obsessiva", detalhando o tratamento do paciente conhecido como "Homem dos
Ratos". O autor descreve as estruturas obsessivas como desejos, tentações,
impulsos, reflexões, dúvidas, ordens ou proibições. Ele explica que a repressão
ocorre ao desfazer as conexões causais por meio da remoção da representação
afetiva. Freud também observa que o neurótico obsessivo busca a incerteza ou a
dúvida, criando um método para afastar o paciente da realidade e isolá-lo do mundo.
Freud aponta que o neurótico obsessivo enfrenta um embate entre o
superego e o id, levando o ego a evitar a inserção de fantasias inconscientes e a
expressão de sentimentos ambivalentes. Quando o obsessivo recorre ao isolamento
por meio de atos mágicos, expressos nos sintomas, busca evitar associações
mentais, seguindo uma regra fundamental da neurose obsessiva: a proibição do
contato. Esse tabu tem o propósito de evitar qualquer contato com o objeto, seja de
investimento afetivo ou agressivo. De acordo com Freud, "o toque físico e o contato
são os objetivos imediatos das ligações afetivas e agressivas com o objeto".
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O autor conclui que a neurose obsessiva inicialmente busca o contato erótico,


mas após uma regressão, passa a buscar esse contato sob a aparência de
agressividade. Por isso, o obsessivo recorre ao isolamento como forma de defesa, já
que "isolar é eliminar qualquer chance de contato; é um método para evitar que algo
seja tocado de alguma forma". Ao isolar uma ideia específica, o neurótico obsessivo
separa os pensamentos relacionados a essa ideia de outros pensamentos, evitando
que eles se conectem de forma associativa.
CASO CLÍNICO: PONTUAÇÃO DOS PRINCIPAIS TÓPICOS
O caso clínico “Homem dos Ratos”, relata acerca de um jovem com formação
acadêmica que chegou até Freud relatando um histórico de ideias obsessivas desde
a infância, mas que obteve uma maior intensidade nos últimos quatro anos de sua
vida. Ele expressou que seus principais medos estavam relacionados a possíveis
danos a duas pessoas que tinham bastante significado em sua vida que eram seu
pai e uma mulher a qual ele tinha afeto e admiração. Os principais tópicos do caso
clínico do Homem dos Ratos, segundo a obra de Freud, são:
A história do paciente: O paciente teve uma estruturação difícil em sua
construção psíquica. Seus pais, por exemplo, somente ficaram juntos em
circunstâncias muito específicas e essa relação sofreu transformação no estado
imaginário. Por causa da angústia, houve uma resposta que afetou a sua
percepção.
Seu pai foi um suboficial do exército, ganhando autoridade e capacidade
de ostentação. Ele era autoritário e exigente, o que pode ter contribuído para a
internalização do sentimento de culpa do paciente, entretanto, o pai não era tão
valorizado assim por seus contemporâneos. Sem contar que o casamento dele
com sua mãe foi por conveniência, já que a fortuna dela aumentaria seu
prestígio.
Sua mãe tinha o costume de brincar com o pai sobre a figura de uma
jovem pobre do passado dele. Segundo relatos, a moça havia sido uma paixão
do homem antes de ele casar. Ela era muito exigente e exibia comportamento
instável, o que pode ter contribuído para a criação de ideias obsessivas e
compulsões do paciente.
Os sintomas do paciente: O comportamento desequilibrado do paciente era
respondido graças a um diagnóstico conclusivo de neurose obsessiva clássica. Além
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disso, embora haja temas ligados a casos comuns de neurose, esse possuía a sua
particularidade inerente. O argumento imaginário responsável pela procura da
análise aconteceu graças a uma narração de tortura feita com ratos. Prisioneiros,
segundo a narração, tinham ratos inseridos em seus retos como forma de tortura.
Com uma mente fragilizada, o paciente acabou interligando esse episódio com um
medo pessoal de represália.
O grande medo obsessivo: o grande medo obsessivo do paciente é
relacionado a ratos. O paciente tem medo de ratos e tem ideias obsessivas sobre
eles, como a ideia de que um rato poderia entrar em sua cama e mordê-lo. Ele
também tem medo de que os ratos possam causar doenças e morte. Essas ideias
obsessivas são tão intensas que o paciente chega a ter comportamentos
compulsivos, como verificar repetidamente se as portas e janelas estão fechadas
para evitar a entrada de ratos.
A sexualidade infantil: O paciente relata que a masturbação na infância era
uma atividade frequente e que era a principal maneira de aliviar seus impulsos
obsessivos. A sexualidade infantil do paciente foi marcada por inibições e repressão,
como a proibição de ver nuas pessoas do sexo feminino e a sensação de culpa por
seus pensamentos e ações.
A neurose obsessiva é caracterizada por um conflito entre instintos e normas,
levando a comportamentos compulsivos e ideias obsessivas como punição para os
pecados e transgressões, incluindo os relacionados à sexualidade infantil conforme
o trecho abaixo:
“Já com seis anos eu sofria de ereções, e lembro
que certa vez fui à minha mãe e queixei-me disso.
Tive que superar alguma hesitação para falar
sobre o assunto, pois suspeitava que aquilo tinha
relação com minhas ideias e minha curiosidade, e
durante algum tempo, naquela época, abriguei a
ideia doentia de que meus pais sabiam de meus
pensamentos, e a explicação que dava a mim
mesmo é que os havia falado sem ouvi-los. Vejo aí
o começo de minha doença. Havia pessoas,
garotas, que me agradavam muito, e que eu
desejava ardentemente ver nuas. Mas com esses
desejos eu tinha uma sensação inquietante de que
algo aconteceria, se eu pensasse tais coisas, e eu
devia fazer tudo para evitá-lo. ” (Freud, “O
HOMEM DOS RATOS”, 1909, p.15)

Compreensão do caso clínico: O paciente apresentava ideias obsessivas


absurdas, como a de que havia ratos em seu quarto, e resistência ao tratamento.
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Em uma das primeiras sessões, ele pediu para ser livrado de suas ideias
obsessivas. Freud menciona que, durante o tratamento, o paciente contou
detalhadamente a história clínica de seu pai, que morreu de enfisema há nove anos.
Portanto, a introdução à compreensão do tratamento no caso clínico envolve a
compreensão da técnica psicanalítica correta, a identificação das ideias obsessivas
do paciente e a exploração de sua história clínica e pessoal.
Interpretações de Freud: O trecho abaixo descreve a relação entre uma
ideia obsessiva e a vida do paciente. Ele relata um episódio em que o paciente,
enquanto estudava para um exame a fim de se unir à sua amada, foi acometido pela
saudade dela e começou a pensar no motivo de sua ausência. Nesse momento,
surge nele um sentimento de raiva em relação à avó da amada, que estava doente,
e esse sentimento é seguido por um desejo de autopunição. Freud sugere que esse
processo, que vai da raiva à autopunição, ocorre de forma inversa na consciência do
paciente, acompanhado por um forte afeto, e também argumenta que essa
explicação não parece forçada ou baseada em muitos elementos hipotéticos.
“Ele perdeu algumas semanas de estudo por
causa da ausência de sua dama, que viajara a fim
de cuidar da avó doente. Enquanto estava imerso
no estudo, ocorreu-lhe: “Pode-se admitir a ordem
de fazer os exames do semestre na primeira
oportunidade. Mas se viesse a ordem de cortar a
garganta com a navalha? ”. De imediato percebeu
que esta ordem já fora dada, correu para o
armário, a fim de pegar a navalha, e então lhe
ocorreu: “Não, não é tão simples. Você deve ir lá e
matar a velha”. Então caiu no chão, horrorizado. ”
(Freud, “O HOMEM DOS RATOS”, 1909, p.34)

Esse outro trecho abaixo descreve a explicação para um ato obsessivo, no


qual o paciente, ao lembrar que sua amada estava de férias com um primo inglês,
sentiu ciúmes e raiva desse primo, a ponto de desejar matá-lo. Esse sentimento de
raiva e ciúme resultou em uma autopunição, que se manifestou na forma de um
tratamento de emagrecimento. O autor destaca que, apesar de ser um impulso
obsessivo diferente do desejo de suicídio anterior, ambos surgem como reação a
uma raiva intensa e inapreensível à consciência, direcionada a alguém que
atrapalha seu amor.
“Um dia, numa estação de veraneio, achou que
estava muito gordo [dick, em alemão], que
precisava emagrecer. Ele começou a levantar-se
da mesa antes do pudim, correndo pela rua sem
chapéu, no sol de agosto, e subindo a montanha
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em passo rápido, até que tinha de parar, coberto


de suor. A intenção de suicídio por trás dessa
mania de emagrecer apareceu abertamente uma
vez, quando, à beira de uma escarpa, surgiu o
imperativo de que pulasse, o que certamente
acarretaria a morte. ” (Freud, “O HOMEM DOS
RATOS”, 1909, p.35)

O paciente passou a sofrer outras ideias obsessivas relacionadas à amada,


evidenciando diferentes mecanismos e origens instintuais. Durante a estação de
veraneio, o paciente manifestou uma série de atividades obsessivas em relação à
sua amada. Isso incluiu um comportamento obsessivo protetor, como obrigá-la a
usar um boné em um barco durante um vento forte, e contar entre relâmpagos e
trovões durante uma tempestade. Após a partida da amada, ele desenvolveu uma
obsessão por compreender cada sílaba que lhe era falada, buscando um
entendimento exato.
No trecho abaixo, é relatado a origem de todas as ideias obsessivas do
paciente que estavam relacionadas a um episódio em que ele interpretou mal uma
frase de sua amada antes das férias de verão.
“Todos esses produtos da doença ligavam-se a um
episódio que então dominava sua relação com a
amada. Quando, antes das férias de verão,
despediu-se dela em Viena, interpretou uma de
suas frases como se ela quisesse repudiá-lo ante
as pessoas presentes, e ficou bastante infeliz. Na
estação de veraneio houve oportunidade para
discutir isso, e ela pôde então provar que, com
aquelas palavras mal-entendidas por ele, quisera
antes protegê-lo do ridículo. Ele ficou novamente
bastante feliz. ” (Freud, “O HOMEM DOS RATOS”,
1909, p.36)

Freud interliga a ocorrência de ações obsessivas em dois tempos, onde o


primeiro é anulado pelo segundo, caracterizando um padrão típico na neurose
obsessiva. Essas ações são mal compreendidas pelo pensamento consciente do
paciente e possuem uma motivação secundária, sendo racionalizadas. O verdadeiro
significado dessas ações está na representação do conflito entre dois impulsos
contrários, geralmente amor e ódio.
Ao contrário do que ocorre na histeria, onde há um compromisso que
contempla os dois opostos numa só representação, na neurose obsessiva os
opostos são satisfeitos isoladamente, em dois tempos distintos, muitas vezes
tentando criar uma conexão lógica entre os dois contrários hostis. Essas ações
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obsessivas revelam um novo tipo de formação de sintomas, demonstrando a


complexidade dos mecanismos psicológicos envolvidos nesse transtorno
Freud explica isso em outro trecho do livro no caso do paciente:
“O conflito entre amor e ódio revelou-se também
por outros indícios em nosso paciente. Na época
de seu redespertar religioso, ele fazia orações que
aos poucos chegaram a tomar uma hora e meia,
pois nas formulações devotas sempre se
misturava para ele — um Balaãog invertido — algo
que as convertia no oposto. Por exemplo, se ele
dizia “Deus o proteja”, logo o espírito maligno
interpolava um “não” à frase. Uma vez ocorreu-lhe
amaldiçoar; então certamente o contrário se
insinuaria; nessa ideia irrompeu a intenção original
reprimida pela oração. Em tais apuros, ele achou o
expediente de abolir a oração e trocá-la por uma
fórmula curta, preparada com as letras ou sílabas
iniciais de orações diferentes. Ele a falava tão
rapidamente que nada podia nela intrometer-se.”
(Freud, “O HOMEM DOS RATOS”, 1909, p.38)

Interpretação de sonhos e fantasias: O paciente mencionou sonhos e


fantasias a Freud, conforme citam os trechos abaixo que mostram a mesma
dualidade de amor e ódio da neurose obsessiva.
“Um dia ele contou um sonho que representava o
mesmo conflito, transferido para o médico. Minha
mãe morreu. Ele quer expressar condolências,
mas teme produzir a risada impertinente que já
soltou algumas vezes em casos de falecimento.
Então prefere escrever um cartão com p. c. [pour
condoler], mas essas letras se transformam, ao
redigi-las, em p. f. [pour féliciter]. ” (Freud, “O
HOMEM DOS RATOS”, 1909, p.38)

“Em outras fantasias, nas quais, por exemplo, ele


lhe presta um grande favor sem que ela saiba
quem o fez, ele reconheceu apenas a ternura, sem
apreciar o bastante, em sua origem e tendência, a
magnanimidade voltada para a repressão da sede
de vingança, segundo o modelo do conde de
Monte Cristo, de Alexandre Dumas. Ele admitiu, de
resto, que ocasionalmente sentia impulsos muito
claros de fazer algum mal à dama que venerava.
Esses impulsos geralmente silenciavam na
presença dela e irrompiam na sua ausência. ”
(Freud, “O HOMEM DOS RATOS”, 1909, p.39)

A causa imediata da doença: Um dia, nosso paciente mencionou um


episódio importante que ocorreu há seis anos. Ele não lembrava de ter atribuído
algum valor ao episódio, mas foi um momento que marcou o início de seus
sintomas.
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O trecho abaixo fala sobre a causa imediata da doença do paciente, que é o


conflito do paciente entre permanecer fiel à garota pobre que ele ama ou seguir as
pegadas do pai e tomar como esposa a garota bela, rica e nobre que lhe
destinavam.
“A mãe do paciente fora educada, como parente
distante, por uma rica família detentora de uma
enorme empresa industrial. Ao desposá-la, seu pai
entrou para os quadros dessa indústria, chegando
a uma boa situação graças ao casamento,
portanto. O filho soubera, por gracejos entre os
pais (que viviam um ótimo casamento), que o pai
fizera a corte a uma bela garota de família
modesta, antes de conhecer a mãe. Essa é a
história preliminar. Após o falecimento do pai, a
mãe comunicou ao filho, um dia, que havia falado
de seu futuro com os parentes abastados, e um
dos primos se declarara disposto a oferecer-lhe
uma das filhas, quando ele terminasse os estudos.
A ligação com a firma lhe abriria excelentes
perspectivas na profissão. Esse plano da família
despertou nele o conflito entre permanecer fiel à
garota pobre que amava ou seguir as pegadas do
pai e tomar como esposa a garota bela, rica e
nobre que lhe destinavam. E esse conflito, que
era, de fato, entre o seu amor e a persistente
vontade do pai, ele resolveu adoecendo, ou,
melhor dizendo: ele subtraiu-se, mediante a
enfermidade, à tarefa de resolvê-lo na realidade. “
(Freud, “O HOMEM DOS RATOS”, 1909, p.42)

Esse conflito foi resolvido pelo paciente adoecendo, ou seja, ele subtraiu-se,
mediante a enfermidade, à tarefa de resolvê-lo na realidade. A principal
consequência da enfermidade foi uma teimosa incapacidade para o trabalho, que o
fez adiar por anos a conclusão dos estudos. Mas na verdade, o resultado da doença
já estava na intenção dela; o que parece ser consequência é, na realidade, a causa,
o motivo do adoecimento, pois a neurose obsessiva é um distúrbio associado a
tensões psicológicas, caracterizado pela presença de pensamentos obsessivos que
desencadeiam comportamentos compulsivos.
COMEÇO DAS IDEIAS OBSESSIVAS DO PACIENTE EM QUESTÃO
Conforme o que o paciente relata no livro, suas ideias obsessivas iniciaram
ainda em sua infância, por volta dos seus seis ou sete anos de idade, pois ele tinha
desejos inquietantes de ver garotas nuas, mas sentia que algo aconteceria se
pensasse tais coisas, e devia fazer tudo para evitá-lo, mesmo isso ainda não tendo o
caráter obsessivo porque o Ego dele ainda não era algo separado, já havia uma
oposição a esse desejo, pois ele relatou o aparecimento de sentimentos dolorosos
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quando ele tinha esses pensamentos. O paciente acreditava que esses


pensamentos obsessivos eram o início de sua doença, mas na verdade, eles já
eram a própria doença.
Com isso que foi visto no caso, é revelado que já havia um conflito evidente
na vida psíquica dele, pois junto com o desejo obsessivo, também havia um medo
obsessivo. Sempre que os pensamentos emergiam em sua mente, logo vinha o
medo de uma catástrofe acontecer. Esse medo terrível era indeterminado, o que
poderia caracterizar as futuras manifestações da neurose. Mesmo o paciente ainda
sendo criança, ficou claro que ele não conseguia expressar claramente o seu medo.
O que leva a traduzir esse medo obsessivo como algo: "Se eu quiser ver uma
mulher nua, meu pai vai morrer".
Portanto, esse relato revelou a intricada interação entre pensamentos,
emoções e medos desde a infância do paciente. Sua experiência precoce com
desejos e medos obsessivos sugeriam um início da condição que viria a se
manifestar como uma doença mais tarde.
EXPERIÊNCIA QUE O FEZ BUSCAR ANÁLISE E INICIAR O TRATAMENTO COM
FREUD
Ao ler o a história clínica, é visto que o paciente menciona que recentemente
ele havia se deparado com a explicação de umas curiosas associações de palavras
em um livro de Freud, que lhe lembraram tanto seus próprios "trabalhos mentais"
com suas ideias, que resolveu confiar-se a ele. A vivência que ocorreu que lhe fez
procurar Freud foi durante suas atividades militares.
Ele narrou que durante os seus exercícios militares de agosto, ele vivenciou
uma mudança: os pensamentos obsessivos que o atormentavam pararam com o
início dessas atividades. Então, determinado a mostrar aos oficiais sua capacidade,
em uma pequena marcha perdeu seus óculos, e decidido a não atrasar o grupo
renunciou os seus óculos e solicitou um novo par ao óptico em Viena.
Então, durante seu descanso, sentou-se entre dois oficiais, um deles era um
capitão de sobrenome tcheco, que se tornaria importante para ele, esse mesmo
homem evocou certo receio ao paciente por sua tendência a crueldades. Isso se deu
durante uma refeição, em que o paciente discordou veementemente da introdução
de castigos físicos, levando a uma troca de ideias com o capitão, que o mencionou
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um castigo particularmente horrível praticado no Oriente, algo que ele já havia lido
sobre...
Ao relatar isso pra Freud o paciente pediu para parar e pediu para pular
alguns detalhes, porém Freud explicou que ultrapassar barreiras seria vital no
tratamento, uma necessidade que não poderia ser evitada. Freud também já havia
introduzido o conceito de "resistência" no início da sessão, quando o paciente havia
mencionado suas dificuldades internas para compartilhar aquela experiência. Porém,
ele prometeu fazer o possível para interpretar o significado completo de qualquer
insinuação.
Freud perguntou do paciente se ele se referia à prática da empalação? Ele
respondeu, — Não, não é isso, o condenado é amarrado — (ele se expressou de
forma tão confusa que inicialmente Freud não compreendeu a posição). Ele
continua, —, um recipiente é colocado sobre sua parte traseira, cheio de ratos que
— nesse momento ele se levantou novamente, demonstrando horror e resistência e
conclui, — perfuravam... O ânus.
Ao narrar tudo isso nos momentos cruciais de sua história, uma expressão
facial singular se mostrou, era perceptível a mistura de horror e um prazer até então
desconhecido. Mesmo apresentando dificuldade, ele continuou: "Naquele momento,
estremeci ao pensar que isso acontecia com alguém próximo a mim". Freud o
indagou diretamente, ele afirmou não ser o executor do castigo, pois isso era
realizado de forma impessoal. Freud refletiu e percebeu que o "pensamento" estava
relacionado à mulher que ele amava.
Após isso, ele interrompeu a narrativa de Freud para assegurar que tais
pensamentos lhe eram estranhos e desagradáveis. Porém junto com o pensamento,
havia também a "punição", ou seja, a ação defensiva que ele tomava para evitar que
a fantasia se concretizasse. Quando o capitão mencionara aquele castigo terrível e
essas ideias surgiram novamente, ele conseguiu se defender usando suas
expressões habituais, utilizando um "mas" acompanhado por um gesto de recuo com
a mão, e a frase "Que coisa me vem à cabeça!".
Esse momento gera uma confusão para o leitor, uma vez que, até então,
conhecia-se apenas uma ideia: a de que o castigo dos ratos seria executado na
mulher. Contudo, ele revelou que, ao mesmo tempo, surgiu outra ideia, a de que a
punição também afetava ao seu pai. Quando ele considerava o fato de seu pai já ser
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falecido há bastante tempo, compreendia que esse temor obsessivo era ainda mais
irracional que o primeiro. Ainda assim, ele tentou evitar confessar essa ideia por um
tempo.
Continuando a narrativa do evento que o fez procurar Freud, ele contou que
na noite seguinte, o capitão entregou a ele um pacote que havia chegado pelo
correio, dizendo: "O primeiro-tenente A. pagou o reembolso; você deve devolver o
dinheiro a ele". No pacote estava o par de óculos que havia sido encomendado por
telegrama. Nesse momento, ele relatou sentir uma "sanção": que dizia através dos
seus pensamentos que a ideia de não devolver o dinheiro, caso contrário a fantasia
dos ratos se concretizaria com seu pai e a mulher. Nesse momento, ele ordenou-se
para combater essa sanção: "Você precisa pagar as 3,80 coroas ao primeiro-tenente
A.", murmurava para si mesmo.
Então dois dias depois, os exercícios militares terminaram. O paciente passou
esse tempo tentando devolver a pequena quantia ao primeiro-tenente A., mas
encontrou dificuldades que pareciam objetivas. Inicialmente, tentou fazer o
pagamento por meio de outro oficial que ia até a agência dos correios, porém deu
errado, ainda assim ele sentiu alívio quando o dinheiro foi devolvido, pois a única
maneira de cumprir o juramento não correspondia ao sentido literal, que era “Você
tem que pagar o dinheiro ao primeiro-tenente A.”
Mais tarde, ele encontrou o oficial que procurava, mas esse se recusou a
aceitar o dinheiro, afirmando que não tinha recebido nada e que não era responsável
pelo correio, mas sim o primeiro-tenente B. Ele ficou chocado por não poder cumprir
seu juramento, baseado em uma premissa falsa, e elaborou um plano peculiar.
Decidiu ir ao correio com os senhores A. e B., onde A. daria 3,80 coroas à
funcionária, ela entregaria o dinheiro ao Tenente B., e então ele, de acordo com o
juramento, pagaria os 3,80 coroas ao Tenente A.
Ainda nessa sessão, a única informação que ele compartilhou com Freud foi
que desde o início, todos os seus medos sobre o destino das pessoas que amava
estavam relacionados não apenas à vida atual, mas também à ideia do além, à
eternidade. Ele narrou que até os seus quatorze ou quinze anos, ele era
profundamente religioso, mas que durante tempo foi construindo de forma gradual
livre-pensamento que possuía hoje.
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Ele resolvia essa contradição entre seus pensamentos e suas obsessões ao


se dizer: "O que você sabe sobre a vida além? O que os outros sabem? Não se
pode verdadeiramente saber nada, então não há riscos, então faça isso". Apesar de
possuir um intelecto normalmente afiado, ele considerava esse raciocínio impecável
e, dessa forma, usava a incerteza da sua razão para reforçar uma visão de mundo
religiosa que ele já havia superado.
Foi somente na terceira sessão, que ele concluiu sua narrativa, descrevendo
seus esforços para cumprir esse juramento obsessivo. Relatou que na última noite
do encontro dos oficiais antes do término das manobras, teve que agradecer durante
um brinde aos "senhores reservistas". Contou que apesar de sua fala ter sido
adequada, ele se sentiu como um sonâmbulo, pois esse juramento “não cumprido”
ainda o atormentava profundamente. Ele descreveu ter passado uma noite terrível,
onde debatia argumentos consigo mesmo; e a questão principal era que a base de
seu juramento - o pagamento feito pelo primeiro-tenente A. - não correspondia com à
sua realidade. No entanto, confortou-se com a ideia de que A. estaria presente até
certo ponto na marcha para a estação ferroviária de P. na manhã seguinte e ele teria
a chance de conversar sobre o favor que recebeu.
Contudo, ele não abordou A. durante a marcha e pediu ao seu ajudante para
anunciar sua visita à tarde. Ele contou que chegou à estação por volta das nove e
meia da manhã, deixou sua bagagem e realizou várias tarefas na pequena cidade,
planejando visitar A depois. O vilarejo onde A estava alojado ficava a cerca de uma
hora de carro da cidade de P. Por fim, essa viagem de trem até o local do correio
levaria três horas; então, ele planejou chegar a Viena no trem vespertino de P., que
era parte do seu plano complicado. Então se viu dividido entre duas ideias: por um
lado, considerava covarde não pedir a A. o favor e assim evitaria parecer tolo,
ignorando seu próprio juramento; por outro lado, cumprir o juramento era o oposto
da covardia, pois desejava se livrar de suas obsessões.
Quando esses argumentos se equilibravam, ele costumava seguir eventos
casuais, como se fossem decisões divinas. Assim, quando um carregador lhe
perguntou se pegaria o trem das dez horas, ele concordou e partiu às dez, criando
um fato consumado que o aliviou bastante. Durante a viagem, teve a ideia de descer
na próxima estação, esperar pelo primeiro trem na direção oposta e ir a P. para
encontrar o primeiro-tenente A., mas a reserva no vagão-restaurante o impediu de
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agir imediatamente. Apesar disso, ele adiou a descida e continuou a viagem até que
chegou a uma estação em que sentiu ser impossível descer, pois havia parentes ali.
Decidiu seguir para Viena, encontrar seu amigo e expor a situação, para então
decidir se deveria retornar a P. com o trem noturno. Nesse momento Freud o
questiona se isso era possível.
Então ele assegurou ter uma lacuna de trinta minutos entre a chegada e a
partida dos trens. Ao chegar em Viena, não encontrou o amigo no restaurante onde
planejava, esse mesmo amigo só chegou ao apartamento por volta das onze horas,
então ele compartilhou o problema naquela mesma noite. Então, ele relatou que o
amigo ficou surpreso com a persistência da dúvida sobre se era uma obsessão,
tranquilizando-o para aquela noite. Isso de certa forma lhe proporcionou um sono
tranquilo, e na manhã seguinte, esse amigo o acompanhou até o correio para enviar
as 3,80 coroas à agência onde o pacote dos óculos tinha chegado.
Essa nova informação deu a Freud o ponto de partida para desvendar as
distorções em sua narrativa. Quando confrontado pelo amigo, ele não enviou a
pequena quantia nem ao primeiro-tenente A. nem ao primeiro-tenente B., mas sim
diretamente à agência de correio. Já no momento da partida, ele deveria estar ciente
de que não devia essa taxa a ninguém além do funcionário do correio. Na verdade,
ele se lembrara de que algumas horas antes de encontrar o capitão cruel, teve a
oportunidade de conversar com outro capitão, que lhe explicou a verdadeira
situação.
Este oficial reconheceu o nome do paciente quando este se apresentou, pois
tinha estado na agência do correio e a funcionária perguntara se conhecia um
tenente H. (o nome do paciente). Embora o paciente tenha negado conhecê-lo, a
funcionária confiou nele e pagou ela mesma a taxa, o que resultou na entrega dos
óculos encomendados. O capitão cruel cometeu um equívoco ao entregar o pacote e
solicitar que reembolsasse para A. os 3,80 coroas. O paciente provavelmente sabia
que era um erro, mas baseou seu juramento nesse equívoco, o que se tornou uma
fonte de tormento para ele. Ele omitiu esse episódio do outro capitão e a existência
da funcionária confiante do correio, tanto para si mesmo quanto para Freud ao
narrar a história.
Depois de sair do convívio do amigo e retornar à sua família, as incertezas
voltaram a assombrá-lo. Os argumentos do amigo, percebeu, eram os mesmos que
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ele próprio tinha, e reconheceu que sua breve tranquilidade derivava mais da
influência pessoal do amigo do que de convicções genuínas. A decisão dele em
buscar ajuda médica foi mesclada habilmente ao seu delírio. Ele planejava solicitar
ao médico um atestado que justificasse a necessidade de realizar atos como os
planejados com o primeiro-tenente A., acreditando que isso o faria aceitar os 3,80
coroas.
Finalizando esse evento, graças a uma coincidência que o livro de Freud foi
parar nas mãos do paciente, o que acabou o levando a escolher Freud para
conversar sobre o assunto de suas experiências perturbadoras. Ainda assim, ele não
mencionou o atestado, apenas pediu, de maneira bastante razoável, que o
auxiliasse a se livrar de suas obsessões.

RELAÇÃO AMBIVALENTE COM O PAI


Mediante o relato do paciente que Freud identificou como a causa imediata da
doença na idade adulta, pois estava relacionada a um conflito que ele identificou
com o pai, pois esse pai tinha um papel significativo na doença recente do paciente,
que gerava uma luta entre a persistente vontade desse pai e própria inclinação
amorosa do paciente.
O conflito era permanecer fiel à garota pobre que ele amava ou seguir as
pegadas do pai e tomar como esposa a garota bela, rica e nobre que lhe
destinavam, o que gerou como resultou o adoecimento do paciente. Isso sugere que
a doença teve origem em um conflito emocional profundo, relacionado à
identificação com o pai e à luta entre suas próprias inclinações e as expectativas
paternas.
O livro descreve o pai do paciente como um homem notável, inicialmente um
suboficial com traços marcantes de sua vida militar, como maneiras diretas e um
gosto por linguagem rude. Além das qualidades esperadas, como descritas em
epitáfios, ele se destacava pelo senso de humor vibrante e pela indulgência
compassiva para com os outros. A característica mais notável era sua abordagem
como pai: ele não impunha autoridade inquestionável, mas compartilhava
abertamente com os filhos suas falhas e dificuldades.
Apesar dessa relação próxima, havia uma questão que os distanciava, a
ponto de fazer o filho pensar de maneira intensa e indevida sobre a morte do pai.
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Esses pensamentos obsessivos surgiram da esperança de que, com a morte do pai,


uma moça específica, influenciada pela compaixão, mostrasse mais afeto pelo filho,
o que de certa forma mostra a dualidade de um pai excepcional em quase todos os
aspectos, mas com uma lacuna na relação que leva o filho a ter pensamentos
inapropriados sobre a morte dele. Essa lacuna parece ser relacionada à atenção
afetiva do pai para com o filho em comparação com essa moça específica.
Para Freud não havia dúvida que no âmbito da sexualidade havia diferença
na sexualidade entre pai e filho, o que levou o filho (paciente) a desenvolver ideias
obsessivas infantis, que ressurgiram anos depois da morte do pai. Quando ele
relatou a Freud a experiência prazerosa do coito, contou que associou esse
sentimento à possibilidade de matar o próprio pai.
Além disso, pouco antes de falecer, o pai expressou claramente sua oposição
à tendência que mais tarde dominaria o paciente, pois ele percebeu que o paciente
buscava a companhia daquela mulher e o alertou sobre ela, dizendo que não era
sensato e que ele se colocaria em uma situação ridícula.
Outra questão que tem ligação com a situação ambivalente do pai gerou-se
no âmbito da masturbação, conforme o trecho a seguir:
“Nosso paciente teve um comportamento peculiar
no que toca a masturbação. Não se masturbou
durante a puberdade, o que, de acordo com certas
expectativas, poderia deixá-lo livre de neuroses.
Mas o impulso à atividade masturbatória surgiu
nele aos 21 anos, pouco tempo depois da morte
do pai. Ficava muito envergonhado após
satisfazer-se assim, e logo abandonou essa
atividade. Desde então se masturbou apenas em
ocasiões raras e extraordinárias. ” (Freud, “O
HOMEM DOS RATOS”, 1909, p.46)

O paciente relatou situações em que o indivíduo se sentia impelido a se


masturbar em momentos belos e enaltecedores, como quando ouviu um postilhão
tocar sua corneta em uma bela tarde de verão, ou quando leu sobre o jovem Goethe
libertando-se de uma praga lançada sobre a mulher que ele amava, o paciente
também destaca se admirava com o fato de sentir essa compulsão em momentos
tão positivos. No entanto, Freud relaciona o que essas situações tinham em comum:
a presença de proibição e desafio a uma ordem estabelecida.
O paciente descreveu uma conduta peculiar enquanto estudava para uma
prova e brincava com uma fantasia em que seu pai ainda estava vivo e poderia
retornar a qualquer momento. Ele estudava até tarde da noite e, em um determinado
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momento, interrompia seus estudos para abrir a porta que dava para o corredor do
edifício, como se estivesse esperando seu pai, e depois voltava para contemplar seu
próprio pênis no espelho do vestíbulo.
Freud sugeriu que essa conduta obsessiva podia ser compreendida como
uma forma de desafiar a ordem estabelecida e de expressar os dois lados de sua
relação com o pai. Com todos esses acontecimentos, Freud arriscou uma seguinte
hipótese sobre o paciente e seu pai.
Freud fez uma hipótese que aos seis anos de idade, o paciente incorreu em
alguma má conduta sexual relacionada à masturbação e foi castigado pelo pai, o
que teria colocado fim à masturbação, mas também deixado um rancor indelével em
relação ao pai. O paciente relatou que essa situação, ocorrida em sua primeira
infância, foi-lhe contada várias vezes pela mãe e estava ligada a coisas notáveis.
O paciente não se recordava desse evento, mas a história era a seguinte:
quando era pequeno, devido a morder alguém, foi surrado pelo pai, o que o levou a
soltar imprecações e xingamentos, mesmo sem saber xingar, chamando o pai de
nomes de objetos. O pai, assustado com a explosão de raiva do menino, parou de
golpeá-lo e afirmou: "Esse menino será ou um grande homem ou um grande
criminoso".
O paciente relatou que o pai costumava matar ratos a pauladas com
vassoura, ele também acreditou que essa cena deixou uma impressão duradoura
tanto nele como no pai, e atribui parte de sua mudança de caráter a essa vivência,
afirmando que o medo diante da magnitude de sua raiva o tornou covarde a partir de
então. Ele desenvolveu um medo horrível de golpes e passou a se esconder quando
um de seus irmãos era surrado, cheio de terror e indignação.
Pela primeira vez com essa construção, o paciente teve sua recusa abalada
em acreditar que o pai era o objeto de seu ódio na sua infância, que depois tornou-
se inconsciente. Foi apenas através da transferência que o paciente conseguiu
convencer-se de que sua relação com o pai exigia aquele complemento
inconsciente. Posteriormente, em sonhos, devaneios e pensamentos espontâneos, o
paciente passou a expressar insultos grosseiros a Freud e seus parentes, enquanto
demonstrava um enorme respeito na interação real.
Ao relatar esses insultos, o comportamento do paciente era o de alguém
desesperado, pedindo para ser mandado embora e demonstrando medo de ser
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punido. Ele também se afastava de Freud, justificando inicialmente como uma


questão de delicadeza, mas depois admitindo que o fazia por medo de ser punido. O
paciente atribuiu parte de seu comportamento ao fato de seu pai ter um
temperamento irascível, o que o levou a desenvolver um medo intenso de punições.
A partir dessa vivência, o paciente adquiriu a convicção que lhe faltava,
permitindo o estabelecimento de todo o contexto em torno da ideia que envolvia os
ratos. Ao analisar a reação do paciente a duas falas do capitão tcheco, que o
deixaram inquieto e provocaram reações patológicas. Freud identificou que o
paciente se encontrava em uma inconsciente identificação com o pai, que servira
durante muitos anos e contava histórias de seu tempo de soldado.
O acaso permitiu que uma das pequenas aventuras do pai tivesse um
importante elemento em comum com a solicitação do capitão, o que tocou pontos
hiperestésicos do inconsciente do paciente. O pai do paciente havia perdido dinheiro
em um jogo de cartas e teria sido ajudado por um camarada, mas depois, ao tentar
devolver o dinheiro, não encontrou mais o colega. Essa lembrança do pecado juvenil
do pai era penosa para o paciente, pois seu inconsciente abrigava hostis objeções
ao caráter do pai.
As palavras do capitão sobre a restituição de dinheiro pareciam uma alusão à
dívida não saldada do pai. No entanto, a informação de que a própria funcionária do
correio fizera o reembolso, com palavras lisonjeiras sobre o pai, fortaleceu a
identificação do paciente com o pai em outro terreno. O paciente então revela que
havia uma bela moça na agência postal, filha do estalajadeiro, que se mostrara
amável com ele, e ele poderia tentar sua sorte com ela.
No entanto, agora ela tinha uma rival na funcionária do correio. O paciente
passa a hesitar entre partir para Viena ou voltar ao local da agência do correio, e
suas tentativas de interromper a viagem e retornar ganham um novo significado. Ele
justifica a atração pelo povoado onde se localiza a agência do correio como uma
necessidade de cumprir a palavra, mas na realidade, seu desejo era encontrar a
funcionária do correio.
Essa análise revela a complexa relação do paciente com a figura paterna,
suas ambiguidades e conflitos inconscientes, e como esses elementos influenciam
suas atitudes e sintomas obsessivos. O paciente criou uma "moeda de rato" nos
seus delírios obsessivos. O paciente associa o custo de uma sessão de tratamento a
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uma quantidade específica de ratos, transpondo para essa linguagem todo o


complexo dos interesses financeiros ligados à herança do pai.
A ponte verbal "Raten-Ratten" é utilizada para submeter ao inconsciente todas
as ideias relacionadas aos interesses financeiros ligados à herança do pai. Além
disso, a significação monetária dos ratos é apoiada na advertência do capitão para
que o paciente restituísse o dinheiro da encomenda, com a ajuda da ponte verbal
"Spielratte", que remetia ao fracasso do pai no jogo.
A associação simbólica dos ratos com o medo da infecção sifilítica e com o
pênis, revelou a complexidade das associações inconscientes do paciente. O
paciente associou os ratos como transmissores de infecções perigosas, o que pode
ser interpretado como um símbolo do medo da infecção sifilítica, que envolvia
dúvidas sobre o modo de vida de seu pai durante o serviço militar.
Além disso, o pênis é associado à transmissão da sífilis, o que faz com que o
rato se torne um símbolo fálico. O paciente também associa os ratos a um membro
sexual, baseando-se no erotismo oral, na sujeira associada a esse animal e a uma
situação de coito per anum, o que se torna especialmente revoltante para o paciente
quando relacionado ao pai e à mulher que ele amava.
CONSIDERAÇÕES GERAIS: ALGUMAS ESTRUTURAIS GERAIS DAS
ESTRUTURAS OBSESSIVAS
Segundo Freud, a definição das ideias obsessivas seriam recriminações
transformadas que retornam da repressão, sempre ligadas a uma ação de natureza
sexual realizada com prazer na infância, é discutível quanto á forma, apesar de ser
composto de elementos precisos. Elas tendem demasiadamente a unificação e
Freud tomava por modelo o procedimento dos próprios doentes obsessivos, que,
com seu característico pendor a incerteza, reúnem sob o nome de ideias obsessivas
as formações psíquicas mais diversas. Na realidade, é correto falar de pensamento
obsessivos e enfatizar que as construções obsessivas podem equivaler os mais
diferentes atos psíquicos.
Podem ser defendidos como desejos, tentações, impulsos, reflexões, dúvidas,
ordens e proibições. Em geral, os doentes procuram atenuar essas distinções e
apresentar como ideia obsessiva o conteúdo despojado do seu registro de afeto. Um
exemplo desse modo de tratar um desejo, que seria rebaixado a mera ligação de
pensamentos, foi dado pelo o paciente numa das primeiras sessões (p. 39).
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É preciso também admitir que até agora nem sequer a fenomenologia do


pensamento obsessivo foi devidamente apreciada. Na luta defensiva secundária que
o enfermo desenvolve contra as ideias obsessivas que lhe penetram a consciência,
produzem-se formações que são dignas de uma denominação especial. Tais, por
exemplo, foram as séries de pensamentos que ocuparam o nosso paciente durante
seu retorno das manobras. Não foram considerações puramente razoáveis que ele
opôs aos pensamentos obsessivos, mas como que híbridos dos dois tipos de
pensamento: aceitam determinadas premissas da obsessão que combatem e
situam-se (com os meios da razão) no terreno do pensar doentio. Acho que tais
formações merecem o nome de "delírios".
Um exemplo, que pode ser incluído no local apropriado da história clínica,
tornará clara a diferença. A distinção entre luta defensiva primária e secundária
certamente se justifica, mas seu valor é inesperadamente limitado pelo
conhecimento do que os doentes ignoram o teor de suas próprias ideias obsessivas.
Segundo o comportamento analítico de um caso clínico adquire _se a convicção de
que frequentemente ideais obsessivas consecutivas são no fundo a mesma, embora
o seu teor não seja idêntico.
Portanto, o que oficialmente chamamos "ideias obsessivas" carrega, em sua
deformação relativamente ao teor original, os traços da luta defensiva primária. Sua
deformação a torna viável, pois o pensamento consciente pode ser constatado não
só no tocante as ideias obsessivas mesmas, na neurose obsessiva, ocasionalmente,
os processos psíquicos inconscientes irrompem a consciência da forma mais pura e
menos desconfigurada, que tal irrupção pode ocorrer desde qualquer estágio do
processo inconsciente de pensamento. O notável fenômeno de que, quando se
busca com o neurótico obsessivo a primeira aparição de uma ideia obsessiva, ele
tem de recua-la sempre mais no decorrer da análise, sempre achando "novos"
primeiros ensejos para ela.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluirmos esta análise detalhada do caso do "Homem dos Ratos", é
possível perceber a riqueza e complexidade que permeiam a neurose obsessiva sob
a lente da psicanálise. A exploração do conceito de neurose revelou-se essencial
para compreender as manifestações intrincadas dessa condição psíquica, marcada
por sintomas obsessivos, compulsões e dinâmicas inconscientes que moldam a vida
do indivíduo.
Através do estudo minucioso dos principais tópicos do caso clínico, desde o
início dos sintomas até a relação ambivalente com o pai do paciente, foi possível
vislumbrar os mecanismos subjacentes a essa patologia.
A análise detalhada do momento em que os sintomas se manifestaram
proporcionou um entendimento mais claro das experiências que desencadearam a
neurose obsessiva no "Homem dos Ratos".
A compreensão da relação ambivalente com o pai foi um elemento crucial
para desvendar os conflitos subjacentes à formação dos sintomas obsessivos,
destacando a importância das dinâmicas familiares na psicopatologia.
Ademais, a abordagem das estruturas gerais da estrutura obsessiva permitiu
uma compreensão mais abrangente não apenas do caso específico, mas também
de como esses mecanismos se manifestam em contextos clínicos diversos.
Esse mergulho nas nuances da neurose obsessiva nos proporcionou
aprendizados valiosos sobre os processos mentais e as complexidades da psique
24

humana, ressaltando a importância da psicanálise na compreensão e no tratamento


de condições psicológicas.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
FREUD, Sigmund. Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa
(1896). In: _. Primeiras publicações psicanalíticas. 2006.
FREUD, Sigmund. Observações sobre um caso de neurose obsessiva-O
homem dos ratos, 1909. In: Observações sobre um caso de neurose obsessiva-
O homem dos ratos, 1909. 2013. p. 13-112.
SEDEU, Natalia Gonçalves Galucio. Neurose Obsessiva: Tabu do Contato X
Pulsão de Morte. Estud. psicanal., Belo Horizonte , n. 36, p. 121-133, dez. 2011 .
Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
34372011000300012&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 23 nov. 2023.

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