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História Primitiva

O Antigo Testamento e a
História Espiritual da Humanidade

Emil Bock

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Emil Bock

A História Primitiva
O Antigo Testamento e a
História Espiritual da Humanidade

Tradução de Mariane Lanz

Revisão de Martha Maria Walzberg – 27/09/2009


Colaboração de Mayena Buckup e Walkíria P. Cavalcanti

Editado pela Associação Pedagógica Rudolf Steiner


Rua Job Lane 900
São Paulo – Brasil
11- 5523-6655

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Sumário

- Gênesis e história ............................................................................................................. 05


- Adão, o Paraíso, a Queda ............................................................................................... 07
- A Humanidade Atlântica ................................................................................................ 13
- Enoque .............................................................................................................................. 16
- Noé e Jô ............................................................................................................................ 20
- Cam .................................................................................................................................... 24
- Os Patriarcas ..................................................................................................................... 29
- Melquisedeque .................................................................................................................. 41
- O Sacrifício de Isaque ..................................................................................................... 49
- Lot, Abraão e Isaque ....................................................................................................... 50
- Abraão ............................................................................................................................... 53
- Jacó ..................................................................................................................................... 58
- José e seus Irmãos . .......................................................................................................... 67

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Nota

Esta apostila é a reprodução, apenas superficialmente corrigida, de anotações que a


relatora fez para seu uso pessoal.
Trata-se de um resumo do “Urgeschichte” de Emil Bock.
Dada a grande importância do assunto e para não perder muito tempo, estas notas são
apresentadas na presente forma, com a idéia de que mais tarde deveriam ser corrigidas e
completadas. Mas, já em sua forma atual, pode constituir um valioso material de trabalho
para os professores encarregados de mencionarem a História Bíblica.
Claro está que o conteúdo destas notas se destina exclusivamente ao professor, pois lhe
mostra o fundo espiritual de muitas cenas bíblicas.

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GÊNESIS E HISTÓRIA

O Antigo Testamento tem sua origem numa verdadeira retrospectiva espiritual. Temos
acesso a formas de existência da Humanidade e da Terra bem anteriores à sua criação
física. O Antigo Testamento fala da pré-existência da Terra, da História Cósmica, da
História Mítica e da História propriamente dita. Ele fala não somente da história do Povo
Israelita, mas o Povo Israelita é aquele que prepara o corpo físico de Deus que se tornou
Homem.
É um engano pensar que o relato bíblico da Criação do mundo se refere ao começo da
existência da Terra. O mundo já existia naquele momento cósmico, ao qual se refere o
começo do livro Gênesis. O nosso planeta já havia passado por existências e
desenvolvimentos anteriores, quando os Elohim disseram: “Faremos o Homem”; o
Homem já existia, embora numa forma meramente anímico espiritual. Depois de ter
percorrido diversos ciclos, separados por “noites cósmicas” (Pralaias), houve o começo
de um novo ciclo, do nosso ciclo, da nossa encarnação na Terra, na qual, pela primeira
vez era possível a concentração da matéria, que resulta em matéria física e, com isso, uma
vontade terrena e um destino terreno. A Bíblia fala do gérmen do corpo físico humano.
O nome Adão não significa o primeiro homem, mas o primeiro “Homem Terreno”. Pelo
“Sopro Divino” a alma eterna se liga ao envoltório físico. Até lá, a alma não existia no
elemento do ar. O Verbo Criador Divino provoca não a origem da terra e do Homem,
mas a sua encarnação terrena.
Velhas lendas falam de mundos que já precederam esta Terra e também de dois
elementos que já existiam antes do começo do mundo: o vento e a água; a Bíblia relata
que: “O espírito de Deus pairava, irradiando calor, em cima das “águas”. Os ciclos do
fogo, do ar e da água precederam o ciclo do elemento da Terá. O Gênesis indica o
começo deste ciclo Terreno. A Ciência Espiritual Antroposófica nos mostra um grande
mapa, no qual podemos localizar o momento do Gênesis. Falando dos três ciclos que
precedem o nosso, no primeiro havia a primeira forma de encarnação. É o primeiro
começo do nosso corpo físico, ainda longe da forma rígida, firme, física de hoje. Ele

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chegou a ser constituído apenas pelo elemento calor, calor que se achava em movimento.
Era o “Velho Saturno”.
Continuando o processo da condensação, o elemento de ar se misturou com o do calor.
Junto com isto nasceu a Luz. A criação chegou ao nível do mundo vegetal, embora ainda
não houvesse plantas individuais. Era o segundo ciclo ou “Velho Sol”. Aquilo que hoje é
o sol, ainda estava unido como o que hoje é Terra e Luz e planetas num só corpo celeste.
Mas as condições físicas eram totalmente diferentes das atuais. Num Terceiro Ciclo
ocorre mais uma condensação, nasce o elemento água. Temos, pois calor, ar e água; ao
mesmo tempo o som se junta à luz; é o Verbo Divino. Neste ciclo verifica-se uma cisão.
O Sol se separa do resto do planeta. Por isso a condensação progride mais rapidamente e
chega ao estado do reino animal animado. Ainda não se formam corpos animais
separados. Esse reino animal é, na realidade, o gérmen para o reino humano atual. Num
elemento aquoso o Homem chega assim ao terceiro estado da sua encarnação. Seu estado
de consciência era comparável às imagens de sonho. Esse terceiro ciclo pode ser chamado
de “Velha Lua”, porque a Terra ainda era uma unidade com a Lua.
O Quarto Ciclo é aquele da Nossa Terra. Juntou-se aos três elementos anteriores o
elemento sólido da Terra. Chegamos ao grau do Homem. É o começo do Homem que
anda reto pela Terra, circundado de animais, plantas e pedras; a consciência do sonho
passa a ser permeada pelo pensamento lúcido.
Cada Ciclo tem seu começo próprio; depois de cada noite cósmica, há uma recapitulação,
de forma comprimida, de todos os ciclos anteriores. Por isso, começa no início da
Encarnação da nossa Terra, como primeiro processo, a condensação no elemento do
fogo, do calor. Numa segunda fase adicionam-se o elemento ar e a luz, na Época
Hiperbórea, no meio da qual se separa o Sol.
Numa terceira fase, a nossa Terra consiste de calor, ar, luz, água; junta-se então o som do
Verbo Cósmico. No meio dessa fase, chamada de Época Lemúrica, a Lua se separa da
Terra, como sinal exterior de uma grande crise para evitar que a Terra se petrifique e
endureça demais.

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A quarta época é chamada de Atlântida: a Terra forma e plasma corpos físicos bem
definidos.
A quinta época, a Pós Atlântida, é aquela na qual nos achamos agora, desde há uns
10.000 anos. Ela já aponta para o futuro.
No meio da Época Lemúrica, a criação chega ao nível do Homem. Em Adão
percebemos o Homem munido de um corpo físico. Contudo, ele já existia como Homem
no mundo espiritual. Com Adão ainda não no achamos em tempos históricos. Entramos
na época do Mito. Até Adão estamos na Época Cósmica. De Adão até Abrão ela é mítica
(mitologia). A própria história mesmo começa com Moisés. A História Cósmica, mas
também a História Mítica devem ser lidas diferentemente da história propriamente dita. A
época de Adão até Abrão, embora figurando na Bíblia em poucas páginas, representa uma
época mil vezes maior do que todo o resto do Antigo Testamento. A partir de Abrão, a
medida do Tempo é humana; até Abrão o Tempo é sobrenatural, divino.
Figuras como Adão, Caim, Set, Enoc, Noé representam, cada um, uma fase inteira da
humanidade, uma imagem de degraus do desenvolvimento humano. Somente mais tarde
a Bíblia mostra personagens históricos.

ADÃO – O PARAÍSO – A QUEDA

Existem, na Bíblia, duas descrições diferentes do começo do mundo. Isto, não devido ao
fato de basearem-se em duas fontes diferentes. Na realidade, as duas descrições referem-
se a dois estados da formação do Homem, separadas por épocas enormes.
Voltamos o nosso olhar à primeira metade da Época Lemúrica. A Terra ferve num calor
vulcânico. É impossível existirem seres vivos no sentido de hoje. Mas existem os
precursores do reino animal, vegetal e humano, mas ainda não em corpos
individualizados. Existem as espécies. A Bíblia indica isso, quando diz: “Os Elohim
criaram as plantas e os animais, cada um de acordo com sua espécie”. Depois disso, ainda
consta – e isto não é um contrasenso: “Não havia ainda árvores no campo, nem ervas”.
De fato, não havia ainda plantas nem animais individualizados.

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Depois chega a hora de os Elohim criarem o Homem. É a criação que se refere ao
Homem físico na Terra. Mas o Homem recebe apenas o começo do seu envoltório
terreno; este ainda não é de matéria sólida, mas o que está nascendo é a imagem do corpo
físico, o corpo etérico. Ainda não teria sido visível ao olho físico.
A Bíblia diz que o primeiro Homem Físico era hermafrodita. “Os Elohim criaram o
Homem pela sua imagem, pela imagem de Deus, feminino-masculino”. Este Homem
ainda não era capaz de procriar, formando envoltórios físicos, de dentro para fora, para
outros seres humanos, ao redor da Terra. Esse Homem tampouco era capaz de trabalhar
a Terra.
Progride a condensação da Terra e com ela a condensação do corpo físico do Homem.
Pela primeira vez, indica-se a matéria da qual o Homem Físico é feito. “Poeira Terrena”.
Adam (Adama) significa “terra”. Adam = formado, feito de terra. Pelo sopro divino, o
Homem recebe a alma individual; mas, nessa altura, ainda não tem a forma que tem hoje.
Certas formas de animais primitivos lembram aquele estado primordial. O sentido do
ouvido se desenvolveu primeiro. O ser Humano ainda não tinha olhos para ver. Sua alma
vivia num mundo de imagens “coloridas”, como sonhos, evocando sentimentos e falando
do mundo ao seu redor.
Depois da segunda criação, é indicado ao Homem-Adão um lugar aonde não chegam as
tempestades do desenvolvimento planetário; é o Paraíso, cheio de paz. O Homem forma-
se Adam-Kadmon, seu corpo reflete a pureza divina. Que é o Paraíso? Uma repetição do
Velho Sol, da Época Hiperbórea, que poderíamos chamar de o “pequeno paraíso
cósmico”. No meio da Época Hiperbórea tinha acontecido um fato que acaba com o
estado paradisíaco cósmico. O Sol separa-se da Terra; é uma “Expulsão do Paraíso”, em
escala cósmica. Separam-se a luz e as trevas. Progride rapidamente o processo de
condensação. O palco da Humanidade muda para o Sol. Agora forma-se, depois dos dois
paraísos cósmicos, o grande paraíso terreno. Ficou um lugar na Terra onde ainda se
mantinham restos do éter-solar. O Homem pode, durante algum tempo, ainda
permanecer na proximidade de Deus. Em volta do Paraíso era deserto.

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Há uma tradição segundo a qual a situação geográfica do Paraíso, conforme a descrição
da Bíblia é marcada por quatro rios: Fison, Geon, Tigre e Eufrates. Eles saiam de um rio
comum e banhavam o Paraíso. O Geon sempre foi imaginado como sendo o rio Nilo. O
Fison não se acha mais nos mapas de hoje. O Paraíso era um lugar de “forças” cósmicas e
etéricas muito potentes.
Segundo essa tradição, o Paraíso chegaria provavelmente até a Palestina de hoje para a
consciência imagintiva; a Palestina e principalmente Jerusalém é a paisagem mais antiga
do mundo e o lugar onde Adão foi criado. “A Terra Santa foi criada primeiro e todo o
mundo depois”. O rochedo Moriá, a pedra fundamental do futuro templo deu sempre a
impressão de ser um resto do Velho Saturno. As lendas contam que Adão foi criado em
Jerusalém e esse lugar era considerado, ao mesmo tempo, como a entrada para o Paraíso.
Em seguida, a Terra entrou em outra grande crise, que pode ser chamada de crise lunar.
Ela estava ameaçada de endurecer a tal ponto, que nenhuma vida nela seria possível.
Preparava-se outra separação cósmica.
No Paraíso também os corpos ficam mais densos, mais terrenos, a grande cisão cósmica
tem uma paralela humana. É o começo da existência dos dois sexos. A Bíblia fala da
criação de Eva. No começo, os homens continuam com a capacidade de procriação de
dentro para fora, mas os seus corpos diferenciam-se sempre mais. Quanto mais as forças
que plasmam os corpos de fora diminuem, tanto mais estas forças, assim liberadas,
voltam-se para dentro. Começa uma vida interior. O homem faz agir a força para erguer-
se e consegue andar ereto. Nesse tempo, o número dos homens encarnados na Terra
torna-se cada vez menor. Os seres humanos não acham mais condições de vida na Terra,
que endurece sempre mais. Dá-se então aquele acontecimento cósmico que há muito se
tinha preparado. A Terra expulsa, numa grande convulsão, a Lua. Assim, o elemento que
endureceu a Terra demasiadamente foi eliminado. De fora, a Lua age de maneira benéfica.
Assim terminou a repetição da Velha Lua. A Terra, afinal, é ela mesma.
A separação da Lua é conhecida também nos meios científicos. Depois da separação da
Lua, há uma separação nítida entra água e terra. Formam-se os continentes. Com o perigo
do endurecimento total da Terra eliminado, mais seres humanos se encarnam na Terra.

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Agem inda os Homens pelos seus instintos, pela inspiração de seres divinos. Longe ainda
está a capacidade do pensar. No fim da Época Lemúrica temos o começo da linguagem
que ainda é parte da palavra Divina. Do Verbo Divino desenvolve-se a língua humana.
Durante a crise lunar, tomou forma na Terra animais enormes, expressão daquela crise
terrível. São os tempos dos Dragões, Ictiossauros, Plesiossauros, Dinossauros, etc., cujos
esqueletos foram achados. Mas o Homem não viveu junto com aqueles seres na Terra.
Inclusive, nem foram achados vestígios do Homem nas mesmas camadas da Terra. Com
efeito, o Homem, naquela época, ainda não era físico. Estes animais enormes, os
Dragões, representam formas anímicas anormais e grotescas contra as quais luta Micael.
No mundo espiritual havia seres que deviam acompanhar o desenvolvimento normal.
Mas eles se rebelaram, manifestando sua vontade própria e foram jogados para a Terra
pelo arcanjo Micael.
Assim apareceram os Dragões na Terra, onde agem como inimigos e tentadores do
Homem. A própria crise lunar é um grande ataque do Dragão contra a Terra e o Homem.
Pela separação da Lua, o ataque está sendo repelido com a ajuda dos deuses. Mas o
tentador continua agindo. Desenvolve-se na Terra uma espécie de Anti-Paraíso; o Paraíso
era um resto do Velho Sol; forma-se agora uma paisagem de caráter lunar. São os
desertos, que formam uma espécie de anel, que talvez tenham uma relação com aquela
catástrofe.
Dos desertos, o deserto da Palestina, na Península do Sinai e o Deserto da Judéia têm um
lugar especial. Dão uma impressão infernal. Parece que um pedaço de lua ficou na Terra.
O mito do Pecado Original descreve o momento, na evolução, na qual o Homem adquire
uma nova forma de consciência, onde ele cai na tentação, que cria a possibilidade da nova
forma de consciência. Com isso, ele cria a possibilidade de uma personalidade livre, mas
por outro lado também dá lugar às forças adversas, aos dragões, dentro do seu próprio
ser, até na sua constituição física, que tende sempre mais a consolidar-se, a endurecer,
seguindo o exemplo dos dragões do mundo físico exterior.
Assim as forças adversas entram até a esfera do Paraíso, que era, até aquele momento,
uma esfera próxima aos mundos espirituais, livres de influências adversas. É o Homem

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que os deixa entrar. E então os seres espirituais retiram-se. A expulsão do Paraíso não
quer dizer que Adão e Eva tinham que deixar um lugar determinado, mas sim que o
Paraíso acaba, que as forças divinas, o mundo espiritual se retira. Com isto, o Homem se
acha na Terra dura, nos campos áridos, no mesmo lugar onde, antigamente, havia aquele
Jardim Celeste onde agia o Éter-Solar.
O Homem se acha mudado e com ele a Terra também. “Com suor na tua face comerás o
teu pão”. Trabalho duro. De agora em diante, também os dois sexos devem agir, de fora,
para a procriação, e somente o Ser do sexo feminino dá à luz. É dito a Eva: “Darás à luz
com dores”. A época Lemúrica terminou com grandes catástrofes de fogo. O ramo
progressivo da Humanidade se salvou em direção a Oeste, onde ia nascer a civilização
Atlântica. Velhas lendas contam que o Homem, depois do Pecado Original, voltou para o
lugar de sua criação, para Jerusalém. Começa o destino trágico da humanidade.
A Palestina parece ter sido, em todos os tempos, uma espécie de ponto de gravitação,
uma espécie de centro da Terra. Até hoje, ela é a chave entre o Ocidente e o Oriente e a
África, também pelo seu caráter. A parte entre o Jordão e o Mar Mediterrâneo parece
pertencer à Europa. A parte a leste do Jordão já possui as características, as dimensões, o
mistério do oriente asiático. O Sul do Mar Morto até a Península do Sinai já possui a
atmosfera escura e pesada da África.
Dentro da Palestina existe uma grande polaridade. Em nenhuma parte do mundo existe
um contraste tão grande e ao mesmo tempo geograficamente tão próximo, como o
contraste entre a Galiléia e a Judéia. A paisagem em volta do Lago Genezaré, até hoje, é
repleta de um elemento solar e espiritual. O Lago Genezaré é chamado de o lago dos
lagos, o Monte Tabor, de o monte dos montes, sentindo-se que nesta zona ainda atua
algo do mundo primordial.
Ao contrário, temos o lado Sul, o deserto, a paisagem da morte. Na Galiléia a gente se
sente numa zona solar, paradisíaca; no deserto da Judéia, sem vida animal-vegetal e
humana, com as salinas hostis a qualquer vida em volta ao Mar Morto, à gente podia
pensar achar-se numa paisagem lunar, do inferno, do Pecado Original. Parece que, de
fato, um pedaço da Lua sobrou aqui na Terra.

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O Lago de Genezaré e o Mar Morto mostram o contraste entre a vida e a morte.
Começa-se a sentir porque essa terra sempre foi designada como sendo o umbigo da
Terra e porque todos os acontecimentos importantes, de Adão até Cristo, tinham que ter
como palco esse lugar, a Palestina.
Adão e Eva assustaram-se, quando viram que estavam nus, depois de comer da árvore do
conhecimento. Isso mostra que eles adquiriram um corpo físico e perderam seu
envoltório divino. A nuvem de luz, que servia como envoltório do Homem antes do
Pecado Original, significa não apenas um estado de ser, mas um estado de consciência.
O começo da Humanidade não era um estado primitivo. Ao contrário. Ele faz parte do
mundo divino, dos pensamentos divinos. A revelação primordial, pelo Verbo Divino, foi
o começo da Consciência humana, numa época na qual o Homem não possuía ainda
olhos, mas era capaz de receber o som cósmico.
Dessa revelação primordial o Homem ainda sabia até tempos não muito remotos. Foi
somente o nosso materialismo moderno, o Darwinismo que desenvolveu a teoria da
descendência do Homem do animal.
Existe uma imagem muito importante que fala dessa revelação primordial, que é o “Livro
de Adão”: segundo a tradição, um arcanjo ofereceu a Adão um livro que continha os
segredos mais profundos do mundo. O Homem contém esse livro dentro de sua alma.
Enquanto o Homem tinha esse livro, ele fazia parte do mundo divino e era co-criador.
Ele possuía forças mágicas, mas não a força do conhecimento. Depois de comer da
árvore do conhecimento, esse livro da vida afastou-se dele, mas ele recebeu outro, o livro
do conhecimento. Os dois livros são como o Sol e a Lua. O Sol irradia luz própria, a Lua
apenas luz refletida. Enquanto o Homem ainda continha dentro de si as imagens
primordiais, irradiava como o Sol. Mas ele era apenas o palco do conhecimento divino,
não o sujeito de um conhecimento próprio. Ele trocou a luminosidade do seu ser pela
densidade da matéria, tornando-se refletor; ele trocou o livro das imagens primordiais
pelo livro das imagens refletidas. Nessa época, desenvolveu-se o olho físico. A Bíblia
relata uma cena em que o Homem dá os nomes aos animais, pela ordem divina. Com

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isso, Deus mesmo leva o Homem a arvore do conhecimento. Pelo livro da vida, o
Homem contém dentro de si as imagens primordiais, isto é, os NOMES (Gên.2,19-10).
Na medida em que o Homem deve dar conscientemente o Nome, as imagens primordiais
devem sumir e as imagens refletidas aparecem. Isso torna-se possível através de processo
calcificantes da Lua no Ser Humano.
Micael dá ao Homem o Livro de Adão, a revelação solar primordial; na mesma hora em
que Micael luta contra o Dragão e o expulsa dos céus para a Terra, ele vence a força
adversa no mundo espiritual; na Terra, é o Homem que tem que lutar contra ele. Micael
dá apenas a arma, isto é, as Revelações Primordiais.
O Livro de Adão é o alimento divino oferecido ao Homem. A História do Antigo
Testamento mostra como ele desaparece sempre mais. O Paraíso não era apenas um lugar
protegido, mas o primeiro centro de Mistérios na Terra, que se tornou sempre mais
parecido com a Lua.
Atrás do nome Adão, que ainda indica não se tratar de uma individualidade, aparecem os
guias da Humanidade.
Então Adão sai do Paraíso, emigra para o Oeste, o lugar da próxima cultura, a Cultura
Atlântica.

A HUMANIDADE ATLÂNTICA

Na época do Paraíso ainda não havia a Morte. A lama seguia um ritmo de inalação e
exalação cósmica, apenas mudando, de vez em quando de ambiente. A morte tinha,
naquele tempo, ainda mais os traços do seu irmão, o sono. O ritmo era como uma
respiração, mas não uma separação, uma perda. Não havia ainda o tempo no sentido de
hoje. Também o Sol, a Lua e a Terra ainda tinham que estabelecer a relação entre si. Não
havia o limiar entre a vida e a morte, e assim se justifica falarmos de uma duração de vidas
de milhares de anos.

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Somente depois da separação da Lua e do Pecado Original começou a alei do nascimento
e da morte. Junto com as dores do parto apareceram o sofrimento e o medo da morte.
De agora em diante existe o cadáver, a decomposição.
O desenvolvimento no fim da época Lemúrica é um drama trágico, que se reflete no Mito
de Caim e Abel.
Em volta do nascimento de Caim existe um grande segredo. Eva diz, depois de ter dado à
luz Caim: “Escolhi Deus como marido”. Caim é o primogênito que, depois da separação
da Lua, pode encarnar-se novamente na Terra. Devagar, o número dos Homens na Terra
está crescendo. Um grande pesadelo desapareceu. Em Caim enxergamos a Humanidade
que de novo pode se encarnar.
Outra coisa se esconde na palavra de Eva. O pai de Caim não é Adão, mas uma força
divina. É o milagre da mãe virgem, que se relaciona ao nascimento de Caim. A gravidez
sem sofrimento, o nascimento sem dores. A maldição “com dores dareis à luz” ainda não
se realiza. Por um lado, Caim é primogênito, um primeiro, por outro lado um último.
Somente no nascimento de Abel se realiza a maldição do pecado original. É o começo da
época terrena.
Tentando compreender o grande desenvolvimento cósmico, enxergaremos também
melhor o mito do fratricídio, superando o ponto de vista primitivo, humano, moral. Com
o pecado original, o Homem adquiriu o conhecimento do Bem e do Mal. Abel é herdeiro
do Pecado Original. Ele representa o Homem normal da sua época, que sabe distinguir
entre o Bem e o Mal, que se sente separado e afastado do mundo espiritual. Ele sofre as
saudades do religamento com o mundo espiritual. Abel é o primeiro Homem religioso.
Com ele nasce a Religião. O sacrifício de Abel é como o começo da História da Religião.
Caim ainda é um representante dos tempos primordiais. Ele nasceu do paraíso e não do
Pecado Original. Não sabe distinguir entre o Bem e o Mal. Forças mágicas ainda estão
presentes nele. As forças da árvore da vida transformam-se em forças mágicas, num
mundo onde existe consciência e morte. A magia humana é algo perigoso. Ela pode trazer
vantagens como grandes perigos, pode trazer a vida como também a morte. Abel sabe o

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que é o Bem e o Mal, Caim não sabe, mas ele possui forças sobrenaturais de fazer o Bem
e o Mal.
O Mito conta que Caim sacrificou os frutos do campo e Abel os primogênitos do
rebanho, mas que somente o sacrifício de Abel foi aceito por Jeová. Grandes segredos
estão escondidos nesta imagem. Caim serve, com seu sacrifício solar do reino vegetal a
uma Divindade abdicada. Os deuses solares, os Elohim, passaram o cetro à divindade
lunar, Jeová. O sacrifício de Caim não é mais adequado à época. O sacrifício lunar dos
animais de Abel corresponde ao espírito do presente.
Consideremos a tragédia de Caim. Suas dádivas não correspondentes à época
representam, assim mesmo, um progresso importante na vida cultural. Caim é, justamente
porque pertence à época passada, em relação a Abel, o Homem criativo. Abel é o
Homem atual, mas que consegue apenas conservar os valores antigos, nunca conseguirá
criar novos. Rudolf Steiner disse que no sacrifício de Caim, dos frutos, manifesta-se uma
grande reforma na nutrição do Homem. Na época passada, o Homem se alimentava só
de leite, leite que toda a natureza lhe oferecia. Agora, junta-se um alimento solar.
O Sol se retrai para o mundo espiritual, mas se oferece no alimento que desenvolvido
pela atividade solar. O mito da deusa Natura, com muitos seios, e também a imagem da
vaca Audhumla, do mito nórdico, representam uma verdade na época Lemúrica. Depois,
o mundo mudou e só o reino animal doava o leite. Caim, que faz o sacrifício das plantas,
não é do presente, mas semeia um gérmen do futuro. Os frutos do campo deixam prever
o pão e o vinho.
Há uma tragédia que atua entre o Homem mágico e o Homem religioso. Aquele que
provém da época sem Morte, causa a Morte. À morte junta-se o assassínio. As forças e a
vontade de Caim não correspondem mais à sua época, pois superadas, elas causam o mal.
De agora em diante, existe na Humanidade não apenas o sofrimento de Abel, mas
também o susto de Caim motivado pelo mal que fez. A própria Bíblia indica o valor
muito grande que se perderia com a estirpe de Caim, quando diz: “O assassino de Caim
deveria ser castigado com uma maldição sete vezes maior do que o assassino de Abel”. A
parte progressiva da Humanidade em geral ficou com Abel. Somente uma parte pequena

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dela é portadora da força de Caim. Se as forças de Caim se manifestassem
espontaneamente como as forças de Abel, elas causariam um mal terrível. Inicia-se uma
reviravolta no fim do tempo lemúrico e no começo do tempo Atlântico. As forças de
Caim são isoladas em lugares especiais, onde não agem na continuação do fratricídio, mas
onde estão guardadas para o Bem da Humanidade. Formam-se centros esotéricos no
meio da vida esotérica geral. É o começo dos Mistérios.
Quando o livro do Gênesis fala do Destino de Caim, de ter que percorrer o mundo, isto
significa que uma parte do mundo precisa renunciar a uma pátria pessoal para poder
servir ao progresso da Humanidade sem considerar o próprio Bem.
A Humanidade de Caim tem tarefas enormes, nas quais ela deve transformar suas forças
mágicas. O campo, que o Homem trabalha, não dá mais tudo de que ele precisa. O
Homem precisa desenvolver uma arte para conseguir que a Terra dê alimentos. O reino
animal exige mais do que o serviço do pastor. A domesticação, a criação e a construção
de casas. Jabal, o primeiro dos três filhos de Lamec, da linha de Caim, ensina a arte de
construir casas, domesticar e criar animais. O Homem precisa aprender a trabalhar e
forjar o ferro e tratar os minerais. O mestre desta arte é Tubal-Caim. O terceiro, Jubal-
Caim, cria da matéria morta os primeiros instrumentos de música. Ele deu origem à arte
do violino e da flauta. Os frutos dos mistérios são os primeiros começos da arte e da
técnica.

ENOQUE

O filho de Caim é Enoque, provavelmente ligado aos Mistérios que ensinam a


Humanidade a viver, trabalhar e cultivar a terra. Ele é conhecido como sendo o primeiro
construtor de cidades. O nome Enoque significa “Iniciado”. A primeira cidade também
recebe este nome. Temos uma indicação de que de agora em diante a Humanidade tem
como seu guia grandes personalidades iniciadas. Enquanto não havia ainda a morte na
Terra, os próprios deuses podiam, em forma humana, serem os guias do Homem. Isso
mudou com a densificação dos corpos e a morte na Terra. Para que os Homens

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pudessem tornar-se guias, eles tinham que fazer uma educação, uma transformação da
alma: era a Iniciação.
A morte mística da Iniciação é uma arma contra a morte. A morte mística leva à
ressurreição, vencendo a morte.
Existem três estados diferentes de morte. Nos tempos paradisíacos, a morte é igual ao seu
irmão, o sono; depois do pecado original, ela toma a sua forma terrível. Desde o começo
dos mistérios, aparece outro irmão da morte, o sono iniciático.
Os descendentes de Abel, isso é, a parte da Humanidade que procura o progresso no
sentido da época, tem seu grande guia em Set, o filho de Adão, que nasceu em
substituição a Abel. Set é o primeiro grande mestre da Humanidade. As lendas contam:
para ajudar seu pai doente, Set empreende uma migração para procurar o Paraíso. Afinal
ele chega às suas portas e pode entrar. Ele recebe três sementes da árvore da vida, para
levá-las até seu pai. Quando Adão morreu, Set lhe pôs as três sementes na boca e do seu
túmulo cresceu uma árvore de cuja madeira foi feita a vara de Moisés, os pilares do
portão do Templo, a ponte através da qual Cristo carregou a cruz e, afinal, a cruz do
Gólgota.
Com Set nós nos achamos já numa terra diferente da Humanidade, numa terra cuja parte
maior hoje é coberta pelas águas do Oceano Atlântico. A Humanidade entrou numa nova
fase do seu desenvolvimento. Pode ser que atrás da imagem da migração de Set até o
Paraíso escondam-se migrações históricas, pelas quais a Humanidade queria ficar em
contato com o lar original, o Leste, para não perder a luz do Leste. Vemos, pela lenda de
Set, uma Humanidade longe do Paraíso, sofrendo a doença e a morte, com saudades do
Paraíso perdido. Set ainda era capaz de captar as forças da árvore da vida, mas o que é
que cresce na terra, das sementes da vida? Aquilo que pertence à árvore do
conhecimento. Logo depois que o homem toca os galhos da árvore da vida, eles se
transformam em galhos de árvore do conhecimento. O conhecimento é uma tarefa da
Humanidade atual.
Set é o herdeiro do livro de Adão. Conta-se como Adão ensina o menino no manuseio do
livro, guardado numa fenda dos rochedos. A grande sabedoria do Livro lhe ensinou todos

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os conhecimentos do mundo, e ele aprendeu o que era o Bem e o Mal, e que é preciso
odiar o Mal e escolher o Bem. Existem as duas correntes, a corrente mágica, que com as
forças divinas forja capacidades terrenas. A corrente da sabedoria sente a separação entre
céu e terra e sabe distinguir entre o Bem e o Mal. Ela manda guias que ensinam a Religião,
a Religiosidade, a Moral. Mas também a corrente de Set precisa fundar mistérios, lugares
onde se cultiva e se guarda o tesouro do passado. As lendas contam: “E Set fez uma arca
de ouro e guardou o livro dentro dela, juntou algumas especiarias e escondeu a arca numa
caverna da cidade Enoque”. Isso mostra um contato com os mistérios de Caim. Também
na corrente de Set aparece o nome de Enoque. Entre os filhos de Set, um tem o nome de
Enoque. Ele é o sétimo depois de Adão; Enoque é o próximo herdeiro do livro de Adão.
Revela-se num sonho, o lugar onde ele achará o livro sagrado e a maneira de usá-lo. E
Enoque entra na cidade do seu próprio nome; o filho de Set entra na cidade de Caim e lá
acha a arca de ouro com o livro de Adão.
A Bíblia fala pouco de Enoque, mas isto não quer dizer que ela sabe pouco dele: Gên. I,
5, 22-24 Enoque é um guia importante da Humanidade. Quando a Bíblia diz que ele
viveu 365 anos, ela fala de um número cósmico, de um ciclo grande dentro da época
Atlântica, durante a qual ele influenciou a Humanidade. Enoque não é apenas importante
para o Judaísmo e o Cristianismo, também outros povos nos quais conservou o
conhecimento da revelação primordial, o conhecem como seu grande mestre. Enoque é o
mesmo que no Egito é chamado de Tot, os filósofos árabes maometanos o conheciam
pelo nome de Idris, na Grécia ele é chamado Hermes; entre os romanos, Mercúrio. No
Egito, ainda veneram Hermes Trismegisto, fundador do Egito e das culturas mais antigas.
Ele tinha de levar a sabedoria divina para a Terra. Os livros secretos egípcios também têm
sua origem em Enoque / Hermes Trismegisto.
Mas desde o pecado original não há apenas luz, mas também as trevas. Há a grande luta
entre o Bem e o Mal.
A corrente das trevas é alimentada pelo abuso das forças mágicas. O Ego Humano ainda
não pode errar, mas os homens podem, pelo abuso das forças mágicas no culto religioso,
atrair seres sobrenaturais, que são adversários dos deuses bons. Se as forças mágicas são

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aplicadas na dominação da matéria morta, nasce a cultura. Se são aplicadas no campo
sobrenatural, nasce à magia negra, o culto dos demônios.
As lendas contam que, já na primeira geração dos filhos de Set, nasceu a corrente
contrária. Elas falam de Enos, filho de Set, como sendo o primeiro mágico e idólatra, e
falam de um grande dilúvio, já muito antes do tempo de Noé, que era resultado das
aberrações humanas. Uma vez Enos perguntou a seu pai, quem era o pai de Adão.
Quando ele ouviu que Deus fez Adão de uma pequena quantidade de terra, também
pegou uma porção de terra e formou dela a imagem do Homem. Soprou seu sopro na
imagem, mas não nasceu um homem vivo, pois a imagem ficou animada por uma força
demoníaca!
Na época de Enos passam-se mudanças terríveis na Terra. Parece que somente então a
maldição do pecado original se realiza. São quatro coisas que se mudam no mundo na
época de Enos. Os morros, que antes serviam para a agricultura, ficaram duros como
pedra. Os corpos dos mortos eram comidos pelos vermes. Até lá não se sabia o que era a
decomposição. Os homens, no seu aspecto, tornaram-se parecidos com os macacos. A
imagem de Deus não existia mais. Os espíritos maus perderam seu receio perante o
Homem. Fica evidente o segredo do nome “Enos”. Enos quer dizer homem, só que
homem doentio. “Adão” também significa homem, mas homem próximo a sua imagem
primordial. De agora em diante existe no mundo não só a morte, mas também a doença.
Na polaridade Enos-Enoque temos a expressão da luta entre a luz e as trevas na época
Atlântica.
Em Enoque se reúnem o Humano e o sobre-humano. Com Enoque, os grandes iniciados
humanos começam a guiar a Humanidade. Enoque passa um dia entre os Homens,
ensinando-os, para depois retirar-se e dialogar três dias com Deus. O tempo do retiro
torna-se sempre maior e quando ele volta aos homens, seu rosto brilha com a luz divina.
Sempre mais raramente ele volta aos homens. Os homens sempre agüentam a luz que
emana dele. Mas a saudade de vê-lo é muito grande. Depois os anjos o chamam para ser
mestre entre os seres celestes, como ele o era entre os Homens. Os deuses o levam para o
Céu, a Humanidade fica sempre mais deslocada, só. O pai de Enoque chama-se Jared,

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aquele que desceu. Enoque significa: aquele que sobe. Em Enoque vemos uma força pela
qual a descida da Humanidade pode transformar-se em subida. A ascensão de Enoque ao
céu, de longe, indica a Ascensão de Cristo.
A velha tradição menciona Enoque como sendo aquele que, pela primeira vez, introduziu
a escrita. Também os egípcios e gregos vêem em Tot-Hermes o inventor da escrita.
Somente no decorrer do desenvolvimento da época Atlântica a humanidade aprendeu a
língua. Hermes-Enoque trouxe a palavra do Céu para a Terra. Ele ensinou a fala aos
homens.

NOÉ E JÔ

A Bíblia denomina a Arca de Noé e a cestinha (em hebraico, “Caixa”) de Moisés pelo
mesmo nome: Tebah. De fato, entre os dois existe algo em comum. Nos dois casos, trata-
se de salvar uma vida jovem. Numa vez, um indivíduo eleito, Moisés, que foi salvo do
infanticídio faraônico, na outra tribo jovem da Humanidade, eleita para sobrevivência no
grande dilúvio. O que mais tarde torna-se destino individual começa como destino da
Humanidade e de um povo.
A arca e o caixão de Osíris e Adônis eram símbolos da morte e ressurreição nos
mistérios. A pintura nas catacumbas e nos sarcófagos são prova de que até o Cristianismo
primitivo tinha consciência disso. As relações entre o formato da arca e da caixinha de
Moisés são muito parecidas. Sempre aparece Noé, que se eleva como um ressurreto da
caixa, parecida com um caixão. Tanto a caixa de Moisés como a Arca de Noé, significam
mais do que um meio para salvar a vida. Significam uma instituição do destino, que eleva
a personalidade pela experiência da passagem pela morte. O mito do dilúvio é a imagem
da iniciação, pelo destino, de todo um grupo da Humanidade. É a iniciação de um grupo
eleito da Humanidade pela força do destino, num ponto crucial do desenvolvimento. Noé
é, nessa iniciação, o grande guia sacerdote e Hierofante.
O mito do dilúvio existe em todos os povos como lembrança comum. Há mais de 60
lendas do dilúvio. Em todas há, no centro, uma individualidade que corresponde a Noé,

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seja Manu dos Indianos, Deucálion dos Gregos, Xixutros dos Caldeus ou Utnapichtin da
epopéia babilônica de Gilgamesh.
Para compreender a grande mudança que se passou com o Dilúvio, temos que estudar a
figura do grande Manu, conforme o descreve a Ciência Espiritual Antroposófica. Manu
era o guia do mais importante centro esotérico. A maioria dos mistérios da Velha
Atlântida não conseguiu estabelecer um contato com os seres solares, que se tinham
separado da Terra, mas que, no futuro da Humanidade, iriam ligar-se novamente com ela.
Os outros mistérios eram mistérios lunares ou planetários. Somente Manu recebeu a sua
iniciação do Sol. Este centro de Manu estava situado a leste da Velha Atlântida, mais ou
menos onde hoje se acha a Irlanda. A cultura Atlântica era influenciada pelos deuses,
através dos mistérios. Com o progresso dessa cultura surgiram discrepâncias. Ao lado dos
mistérios progressivos havia os que se tornaram sempre mais decadentes.
Aqueles mistérios, que eram ligados à corrente de Enos, abusavam das forças vegetativas
da natureza e do homem. Começou a luta pelo poder.
Os corpos humanos que naquela época ainda eram muito menos endurecidos, podiam
expressar faculdades anímicas. Uma pessoa mais delicada psiquicamente também tinha
um corpo que era estruturado muito mais delicadamente, mais ágil, mais flexível. Uma
pessoa pouco desenvolvida tinha um corpo mais grosseiro, pouco plasmável, pouco ágil.
A progressividade anímica contraia os corpos, enquanto o atraso anímico, as paixões, os
instintos baixos, etc. provocavam um crescimento da substância material, até formas
gigantescas. Era o tempo em que havia, pela descrição da Bíblia, tiranos e gigantes. Afinal,
tudo o que se passava nos mistérios degenerados, provocou grandes catástrofes. Da
mesma forma que o anímico espiritual agia e se manifestava nos corpos físicos, ele atuava
sobre a superfície da Terra. Os mistérios degenerados da magia negra, o abuso das forças
vegetativas, provocaram, afinal, na atmosfera densa de neblina, em que a água e o ar eram
mais próximos do que são hoje, grandes tempestades que deram origem a grandes
catástrofes aquáticas e, assim, provocaram o desaparecimento de toda a Atlântida. A
maior parte da humanidade desapareceu. Só uma minoria salvou-se por migrações para o

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leste (Europa e Ásia) ou oeste (América), onde novos continentes começaram a se
formar.
Era tarefa do Manu preparar o futuro e educar uma pequena parte da Humanidade para
que pudesse ser salva, no meio das catástrofes, a fim de formar a semente da Humanidade
futura. Para tal fim, ele cultivou nesses homens a força do pensamento, ou seja, a força
que devia prevalecer na época pós-atlântica.

época lemúrica  instinto


época atlântica  memória
época pós-atlântica  pensamento

Pela força do pensamento, o Homem da época pós-atlântica deveria chegar à liberdade e


ao livre arbítrio. O nome de Manu é expressão disso. A raiz Man significa portador de
pensamentos. Manu já formulava em conceitos as revelações dos mistérios, enquanto que
os outros mistérios tinham que falar por símbolos. Manu ensina aos seus discípulos a
compreender; ele não fala apenas a mando de deuses, mas fala sobre os próprios deuses.
Para os ensinamentos do Manu, são idôneos aqueles que renunciaram à consciência
mágica, que estava ainda impregnada pelas forças do além. Esses indivíduos tinham
disposição do pensamento, um certo equilíbrio anímico, que os predispunha a escolher e
a decidir livremente.
Quando a catástrofe do dilúvio começou, os mistérios do Sol não podiam mais cumprir
sua missão. Manu, com os seus adeptos, começou a migração para o leste, até a Ásia,
onde hoje se acha o deserto de Gobi, para fundar uma cultura da qual sairia a força do
pensamento. Num passado mais remoto, as migrações para oeste tinham salvado os
resultados da cultura lemúrica das catástrofes do fogo. Nessa altura, as migrações de
Manu salvaram os frutos da cultura atlântica. Durante milênios, o grande Manu inspirava
os impulsos de diversas culturas, seja por meio de encarnações próprias ou por
intermédio dos seus discípulos, que ele dirigia do mundo espiritual.

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Como primeiros, ele mandou os sete melhores alunos, ou seja, os sete Rishis, os
fundadores da sagrada e antiga cultura indiana. Cada um deles representava um dos
mistérios planetários da época atlântica; eles eram os administradores da herança atlântica.
O grau seguinte de representantes dos mistérios solares era Zaratustra, que fundou a
cultura persa. Também os impulsos para a fundação das culturas egípcio-babilônicas e
greco-romanas emanavam de maneira semelhante, do grande Manu. Noé é o nome
bíblico para o grande Manu e significa: quem traz calma. Pela força do pensamento ele
implanta a cama na alma do Homem, para estabelecer o equilíbrio no meio das
tempestades. O lugar para onde ele levou seus discípulos era chamado Manoah, ou seja,
lugar do sossego. Na imaginação, esse lugar aparece como sendo o primeiro dos montes
que surge das águas e de cujas oliveiras o pombo trouxe o ramo da paz.
Não só as almas, também o mundo ficou diferente. A Terra toda parecia ter se
transformado num grande Manoah – aquilo que antigamente estava em movimento, foi
tomando forma definitiva. Os seres superiores e elementares deixaram sua obra e se
retraíram. Forma-se o mundo das leis da natureza. Começam a reger a medida, o
algarismo, o peso. Tanto na alma do Homem como na natureza começa o pensamento. A
natureza podia ser compreendida da mesma maneira, como o homem estava adquirindo a
capacidade de compreensão. Da natureza em movimento, dificilmente compreensível e
calculável, duas coisas permanecem até hoje: os fenômenos vulcânicos e as mudanças do
tempo. As grandes neblinas, que até lá cobriam o mundo, se dispersaram. O Sol apareceu
no céu azul, com a lua e as estrelas e ficaram visíveis ao olho físico. Como símbolo da
nova vida do mundo aparece o arco-íris. Noé fez do arco-íris o símbolo da nova aliança
entre Deus e os Homens. Começou então o ritmo regular das estações do ano, a
semeadura e a colheita, o calor e o frio, o verão e o inverno, o dia e a noite. Com esse
ritmo, o Homem passou a adivinhar as leis divinas e humanas e, afinal, a compreendê-las.
A Bíblia indica um segredo importante: Noé foi o primeiro Homem a plantar a videira. A
imagem do primeiro plantio da videira está relacionada com as grandes mudanças nas
forças etéricas durante a catástrofe atlântica.

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O dinamismo das forças de reprodução e das forças vegetativas começam a agir de
maneira mais quieta e conforme certas regras. As lendas ainda falam da força titânica do
tempo atlântico. “As mulheres ficavam grávidas durante três dias e logo davam à luz.
Alguns falam até de um dia; as crianças logo pulavam ao redor das mães. Nos tempos do
dilúvio, o trigo era do tamanho dos cedros do Líbano. Não era preciso semear e nem
colher; o vento fazia tudo.”
Depois do grande dilúvio, as forças etéricas passaram a agir de uma maneira mais íntima.
Na videira, a força titânica dos elementos é como que captada e virada para dentro. A
intensidade e o fogo agem no interior da ponta e não para fora. O mundo vegetativo
aprende, no ponto da videira, o segredo do amadurecimento vigoroso e lento. As lendas
querem indicar que se encontra na uva um resto do Paraíso. Noé achou uma videira, que
provinha do Paraíso; ele comeu dos frutos e sentiu vontade, em seu coração, de tê-los
sempre. Assim, ele os plantou. No dia em que ele plantou, ele já colheu... e Noé bebeu do
vinho.
O efeito do vinho é o de ligar o Ego da personalidade mais profundamente à organização
física. Isso ajudou o Homem a descobrir seu próprio Ego; ele experimenta de maneira
extática o primeiro encontro consigo mesmo. (Mais tarde, o mesmo meio ia conduzir o
Homem do futuro, que já era possuidor de um Ego, à perda do mesmo). Os Titãs são
seguidos por Dionísio. Poderíamos chamar Noé, o Dionísio do Gênesis. Ele leva o
Homem e a natureza a uma vida interior, íntima.

CAM

Um dos três ramos, que saem da humanidade de Noé, quer conservar as velhas forças da
natureza. É Cam que, com seu filho, zomba do seu pai Noé, que bebeu o vinho.
Separam-se os Homens. A Bíblia mostrará, futuramente, que os Israelitas, seguidores da
missão de Noé, estão sempre em oposição aos povos Camíticos: Nemrod, na Babilônia, é
o inimigo de Abrão; o faraó investe contra Moisés; há os povos de Canaã, contra os quais

24
Josué estava lutando por tanto tempo. Todos eles são filhos de Cam, que não queria
separar-se do mundo dos Titãs, das leis da natureza vigorando antes do dilúvio.
Caim pelo seu sacrifício dos frutos dos campos tinha feito uma primeira profecia, pregou
a respeito de uma futura concentração da força solar, dentro da terra e dentro do
Homem. O segredo do pão e do vinho apareceu num horizonte bem longínquo.
Noé era o décimo descendente, como Enoque era o sétimo, que nasceu depois de Adão.
Nos três filhos de Noé se refletem os três filhos de Adão: Caim, Abel e Set.
Noé precisava guiar a Humanidade em determinada direção. Era o começo do
conhecimento dos números, das proporções, das medidas. “Noé aprendeu de Adão a arte
de fazer contas e herdou dele o livro dos Signos, o livro da Astronomia. Ele conhecia o
nome de cada um dos céus e sabia o que emanava deles.”
Noé deu um segundo ensinamento à Humanidade, conforme seu estado de alma. Ele
recebeu, depois do dilúvio, um livro de arte médica, foi o Arcanjo Rafael que lhe
transmitiu a sabedoria de conhecer as ervas árvores e raízes, que curam doenças. Noé
tornou-se, assim, o inaugurador da arte médicas. O cosmo esclarece a consciência
humana, mas o Homem perde as forças cósmicas. Ele fica fraco para pode ficar livre.
Quanto mais livre o Homem fica, mais ele precisa de ajuda, da arte médica e do médico.
Noé, participando, da sabedoria primordial, é o primeiro médico, o primeiro curador.
Enquanto a Humanidade progride da época atlântica para a Pós-Atlântica, ele passa de
Titurel a Anfortas. Na lenda do Gral. Titurel é o velho pai, da estirpe do Gral, é o grande
sábio, o rei da sabedoria. Seu filho Anfortas não pode permanecer no mundo dos deuses,
como seu pai. Alguma inquietação o fez procurar os problemas da vida. Ele recebe aquele
ferimento que traz a doença e um sofrimento infinito. A Humanidade daquela época
passou de Titurel a Anfortas. Com os grandes mestres e sábios, como Enoque, ele tinha
Tituriel e seu meio. Em sua nova fase, a Humanidade fica com os traços do rei doente,
sofrendo como Anfortas. No Antigo Testamento, a figura de Jó é a síntese da
Humanidade Pós-Atlântica, com os traços de Anfortas. Uma pequena análise do mistério
de Jó mostrará a cisão importante entre a história cósmica e mítica de um lado e a época
mítico-histórica de outro.

25
No Talmude encontramos a pergunta seguinte: quando é que Jó viveu? Há muitas
respostas, que o colocam em quase todas as épocas depois do dilúvio. Conclusão: então
ele não viveu ou viveu em todas as épocas; ele, portanto não é uma figura histórica. Jó é
uma figura que pertence à humanidade toda e não apenas a uma época limitada; pertence
a toda a época pós-atlântica. Sabemos que Goethe fez seu “Fausto”, representante do
tempo moderno, em continuação a Jó.
Jó sofre todos os sofrimentos que começaram para a Humanidade com o fim da época
lemúrica, quando os corpos ficaram mais densos, mais terrenos.
Ele sofre a perda das duas riquezas e tem que encarar a morte, quando os sete filhos e as
três filhas são mortos pelos elementos e ele mesmo é vítima de uma doença. Dizem as
escritas apócrifas que seu corpo, durante 48 anos, foi coberto de furúnculos. Ele sofre
tudo quanto existe de desgraças. Junta-se a todo esse sofrimento ainda o sofrimento
íntimo, interior, da alma, de estar completamente só. De dois lados aproxima-se a
tentação de largar a força de vontade do Ego. A parte baixa, terrena do seu Ego,
representada pela sua mulher, aconselha-o a permitir que a terra e a morte tenham poder
sobre ele. Representada pelos três amigos, manifesta-se a outra voz dentro dele. Por
constantes críticas eles querem convencê-lo a se humilhar perante Deus e a reconhecer os
sofrimentos como castigo justo pelos seus pecados. Com seu Ego, o Homem se acha só
entre céu e terra. Os outros homens ainda mostram mais como de fato o Homem é só.
Será que o Ego é suficientemente forte ou será que ele cede para um ou outro lado?
É mais fácil vencer a tentação do lado terreno. A luta interior para compreender o sentido
do sofrimento é mais difícil, mais duro do que o sofrimento exterior. Como o Antigo
Testamento, nos seus grandes mestres primordiais como Enoque, volta à época que se
referem ao começo, ao nascimento de toda a Humanidade, assim na figura de Jó o Antigo
Testamento já alcança épocas futuras que também já ultrapassam o que é só do povo
israelita.
Os três amigos representam o ponto de vista do Antigo Testamento, onde religião e
moral são a mesma coisa.

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A pergunta: “qual é o sentido do sofrimento?” tem apenas uma resposta: é o castigo para
algum mal cometido. A conta entre azar e pecado dá certo e não há resto. Pressupõe que
o sofrimento tem uma origem cósmica e daí nasce a saudade da redenção da
Humanidade, que é própria das grandes religiões pós-atlânticas. Para Jó, religião é mais do
que moral. O ponto de vista dos amigos sobre Deus e suas pretensões não é o suficiente.
Se isso fosse certo, todos os que pecam deveriam sofrer aqui na Terra. Mas os pecadores
tornam-se ricos e ficam velhos. Por que Deus castiga o Homem que não é capaz de viver
sem pecados? Se o sofrimento tem sua origem em motivos e intenções mais elevados do
que os humanos, deve-se procurar também a redenção na mesma esfera mais elevada,
divina.
Jô adivinha algo de origem verdadeira do sofrimento do mundo. A Terra ficou
inteiramente terrena, física. Podemos achar nas suas profundezas grandes tesouros, metais
preciosos, prata, ouro, pedras preciosas. Mas um tesouro se perdeu que não pode ser
achado nas profundezas da Terra: a sabedoria.
O Homem lembra os tempos quando Deus e a luz divina ainda estavam perto (29-30).
Existe um caminho de achar novamente aquela sabedoria perdida? Sim, porque Deus
sabe o caminho para achá-la.
Quando Jó tocou nos segredos cósmicos do caminho da Humanidade, apareceu uma
nova personagem que se opõe a ele. Ele pede a Jó que não mais argumente com Deus,
cujo poder é grande nos elementos, raios e trovões e que mostra ao Homem quão
pequeno ele é. Então aquilo de que o jovem fala acontece mesmo. A voz de Deus se
manifesta no trovão e nos raios. Deus faz perguntas importantes a Jó (38 4-39).
Qual o sentido dessas perguntas? Será que quer mostrar ao Homem apenas como ele é
pequeno, como ele não sabe nada? Nem sempre o Homem era obrigado a fechar a boca e
calar. Em tempos remotos havia homens que poderiam ter respondido positivamente às
perguntas de Deus. Será que Enoque não podia dizer mesmo que ele conhecia as
profundezas do cosmo e que as portas da morte de abriam diante dele? Ele podia falar da
ascensão aos céus, onde ele viu os segredos dos raios e dos trovões, dos ventos e como
eles se distribuem pela terra, das nuvens e do orvalho. Ele viu os quartos fechados, de

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onde saem os ventos, a chuva de pedra e as neblinas, etc.. Ele viu os quartos do sol e da
lua, de onde eles vinham.
Se alguma vez existiu uma época em que o Homem tenha participado da grandeza divina,
ele não estará eternamente condenado à pobreza de Jó. Será possível achar novamente o
que foi perdido. As perguntas divinas, que soam dos elementos, mostram que o Homem
perdeu a revelação primordial e a sabedoria divina, mas ao mesmo tempo provocam as
saudades de conquistá-las novamente. O Homem possuía o livro de Adão, recebido no
Paraíso. Onde achará novamente o livro perdido? Jó adivinha o sentido do sofrimento. O
Homem sofre porque caiu do mundo divino. Mas será o sofrimento o caminho de volta?
Será o sofrimento capaz de metamorfosear a alma de tal maneira que ela seja capaz de
voltar? De achar novamente o que ela tinha perdido?
As perguntas transformam-se em revelações. Mas o que Deus revela são seres terríveis.
“Veja, aí está Beemot... seus ossos são como canos de ferro... e veja Leviatã, o sopro que
sai dele brilha como uma luz e seus olhos são como sobrancelhas da aurora. Da sua boca
saem chamas e tochas ardentes, como o fogo é a sua respiração.” (40-41)
Será que Deus que apenas quer assustar a Jô ainda mais? Porque Deus disse de Beemot
que ele é o começo dos caminhos de Deus.
É o grande segredo do “limiar” que Enoque ainda conhecia e que agora se revela a Jó.
São dois animais terríveis que querem assustar o Homem e tentá-lo a procurar caminhos
errados. De um lado é o animal arimânico, que nem uma máquina, com canos de bronze,
que destrói tudo. Do outro lado queima a chama da tentação luciférica. Seu coração é
duro como pedra e, assim mesmo, ele solta fogo. É a face dupla do mal. Os gregos o
conheciam pelo nome de Cila e Caríbdis, o mito germânico, como Logo Fenris e a
serpente Midgard. Como eles se acham no limiar, de fato são o começo do caminho de
Deus. E quem quer se aproximar do limiar precisa vencer esses dois inimigos do Homem.
Jó não recua. Ele agüenta encarar os dois animais. O sofrimento lhe deu a força
necessária. Ele passou pela prova. Ele mesmo se expressa no sentido de enxergar o
mundo divino. Diz a Deus: “Até agora só ouvi de Você pelos meus ouvidos, agora meu
olho Te viu.”

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No fim as descrições imaginativas mostram como Jó readquiriu o que tinha perdido.
Novamente Jó recebe sete filhos e três filhas. (Os 10 Sefiroth dos corpos humanos –
Cabala)
A Humanidade pós-atlântica deve viver e contar com o sofrimento que veio para o
mundo. Mas o sofrimento não é castigo. É o fator pelo qual a Humanidade pode
progredir. Pelo sofrimento poderemos chegar, em liberdade, aos começos primordiais,
dos quais saímos.
A Humanidade atlântica venceu a morte pela morte de sacrifício dos mistérios. A
Humanidade pós-atlântica recebeu o sofrimento, que pelo destino dos homens está
sempre presente, que pode levar para frente aquele que sabe agüentá-lo. Nos mistérios, os
discípulos sofreram padecimentos que não eram deles pelo seu carma, mas que eles
aceitaram, como representantes de toda a Humanidade.
Esse sofrimento os levou ao limiar, aos primórdios. “Ver a Deus” era o fruto da iniciação.
O sofrimento de Jó é uma imagem do que espera a Humanidade pós-atlântica. Todo
sofrimento tem em si a esperança da redenção futura. O sofrimento de Jó é uma
antecipação daquele grande sofrimento do Cristo em Gólgota, que abre o Paraíso perdido
a toda a Humanidade.

OS PATRIARCAS

Da época dos Patriarcas, temos a impressão de que a vida, naquele tempo, era simples,
piedosa e de pastores. Imaginamos homens velhos, piedosos, rodeados de seus familiares
e criados, vivendo em barracas (tendas), no meio de pastos e desertos. Pensa-se que as
migrações de Abraão e Jacó eram as migrações de nômades, tribos de beduínos, que iam
de lugar em lugar para achar pastos novos para seus rebanhos. Isto é um engano, é má
interpretação de descrições imaginativas do Antigo Testamento. Trata-se, na verdade, de
algo bem diferente. Como provam as escavações modernas do americano Wooley, a
cidade de Abraão era o centro de uma cultura grande e muito desenvolvida. Foram

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escavadas casas de grande beleza e luxo, que mostram como os burgueses viviam. A vida
não era nada primitiva.
Foram achadas tabuletas com hinos religiosos, com tabelas matemáticas, que iam de
simples adições até fórmulas para tirar a raiz quadrada e cúbica. Documentos de negócios
e recibos provam que havia uma vida comercial que se irradiava do palácio do Rei para a
cidade inteira. Nas proximidades dos Templos havia fábricas, onde a matéria prima,
entregue como imposto logo era aproveitado por mulheres que faziam tecelagens.
Agora começa o Tempo, no qual o nome significa uma pessoa, uma individualidade,
enquanto que antes se referiam a gerações da Humanidade, e a gerações e correntes de
iniciados. Mas os acontecimentos descritos não são idênticos aos acontecimentos físicos
da época.
São imagens daquilo que se passou nas almas dos homens. A vida de pastor existia, mas
não era o único fator cultural daquela época. Ela representa aqui o estado de consciência
da alma dos homens descritos. Para o pastor, até nossa época, e com motivação espiritual,
existe a palavra: ”pastor”. O Antigo Testamento descrevendo Os Patriarcas como
“pastores” quer indicar a mentalidade de “prestes” de “pastores” daquela época.
Devemos imaginar Abraão como um “Rei Sacerdote”, equivalente aos grandes reis da
Antiga Babilônica e do Antigo Egito.
Era por volta do ano 2000 a.C., há milênios havia nessa região, uma cultura rica e
espiritual, da qual testemunham muitas escavações. Elas nos levam até 4000 a.C.. Outras
escavações, em particular uma camada endurecida de lama, de 1000 anos antes de Abraão,
deixam concluir que o Mito do Dilúvio é histórico. E todas as outras culturas, em que há
o mesmo mito, se referem à mesma época, 3000 a.C.. Logo depois começam as gerações
dos reis da Babilônia. Na mesma época do dilúvio na região do Eufrates e Tigre, deve ter
havido dilúvios em outras regiões, segundo contos gregos, chineses etc.
Será que isto refuta o mito daquele dilúvio que fez desaparecer um continente todo,
expresso no conto de Manu da Índia e de Noé? O dilúvio que aconteceu milhares de anos
antes da catástrofe localizada 1000 anos antes de Abraão?

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Não! As catástrofes aquáticas, 1000 anos antes de Abraão, não eram acontecimentos
físicos, mas reflexões físicas, mas reflexões que segundo a lei da repetição, representam
uma correspondência com o grande dilúvio. Em vez do desaparecimento de um
continente houve o desaparecimento de um estado de alma. Segundo a Ciência Espiritual
de Rudolf Steiner, o Kali Yuga, daquela época escura de afastamento do mundo
espiritual, que tem uma duração de 5000 anos, começa justamente 3101 a.C.. É a época
que coincide com aquelas catástrofes aquáticas 1000 antes de Abraão. O começo do Kali
Yuga é a época em que a luz dos mundos espirituais desapareceu na qual o Homem
precisa aprender a se orientar na escuridão e descobrir o mundo físico. A transição deve
ter provocado um grande choque, a sensação de afogamento. A imaginação de um grande
dilúvio, que se refere ao começo do Kali Yuga, se refere em primeiro lugar, às vivências
anímicas, e segundo os acontecimentos exteriores. Também aquele dilúvio primordial do
Tempo de Noé era uma catástrofe que acompanhava grandes transformações da
consciência. A consciência da época Atlântica tinha que se transformar em uma
consciência mais clara, mais conceitual. Manu, ou Noé era o grande guia espiritual que
levava a Humanidade para uma nova luz.
A Babilônia era o centro da cultura que expressava nova consciência e o progresso
cultural daquela época. É o terceiro milênio antes de Cristo que prepara a época de
Abraão, a primeira cultura do Kali Yuga.
Depois do grande dilúvio, eram fundadas pelos mensageiros do grande Manu 2, culturas
que ainda se baseavam na clarividência antiga; a cultura da Antiga Índia e a Antiga Pérsia.
A terceira cultura, cujo começo já se deu no Kali Yuga, é a cultura babilônico-egípcia,
culturas gêmeas, que se estendem do Eufrates e do Tigre até o Nilo.
Durante a mesma época da cultura da Pérsia Antiga, sobreviviam na babilônia os
sumérios, um povo muito espiritual e nobre. Eles tinham uma cultura sumamente
espiritual, onde reinava a velha clarividência e a velha sabedoria. Rudolf Steiner disse que
uma das características da cultura dos sumérios era que não havia distância entre o
pensamento e a língua. Sua língua era tão próxima ao espírito que os sons exprimiam os
fatos espirituais, sem deturpá-los. Era como uma “Língua Primordial”, falada e

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compreendida por todos os povos, embora já existissem entre os povos línguas
diferentes. Os sumérios pela escrita cuneiforme eram os iniciadores da letra. O Éter
Sonoro das estrelas era a alma da cultura sumeriana, e as medidas cósmicas se refletiam
nas medidas usadas na Terra.
Na sabedoria astronômica e na língua babilônica há um reflexo muito fraco da vida
sumamente espiritual dos sumérios.
No começo da Kali Yuga, a Babilônia e o Egito tinham que assumir a liderança da
Humanidade. Era como se alguém que, tendo ficado cego fosse eleito Rei. A paz se foi.
Os céus se retraíram, as almas ficaram escuras, os Homens deixados sós começam como
numa doença febril, a fazer construções.
Podemos começar a compreender a imagem da construção da Torre de Babel. O medo
dominava as almas. O Homem queria erguer-se, procurar a luz do céu que foi perdida. O
medo torna os homens egoístas. Até lá a cultura tinha sido inspirada das alturas para
baixo, agora pânico faz nascer, aquela vontade do Homem solitário, de construir o
mundo próprio de baixo para cima. Mas da escuridão só pode nascer a escuridão. A
Bíblia mostra como conseqüência da construção da torre, a confusão das línguas.
Desaparece o último elemento da língua primordial que ligava todos os homens. A língua
não recebe mais a sua inspiração das alturas, mas de baixo. A língua espiritual, ao se
tornar sem Deus, reparte-se em muitas línguas, entre as quais não há mais ligação. Os
homens não entendem mais uns aos outros. Começa a época dos diferentes povos,
isolados em brigas e em guerra. O Nome de Babel muda de sentido. Ele não significa
mais “Portão de Deus”, mas “Mistura Caótica”, porque Deus lá diferenciou as línguas e
dispersou os povos. A História Babilônica é um símbolo real pela confusão da
consciência que agora, necessariamente começou para a Humanidade.
A cultura egípcia é mais harmoniosa que a cultura babilônica. Rudolf Steiner mostra que
essa diferença está ligada as duas personalidades que são os inspiradores daquelas
culturas, Hermes e Gilgamesh. Hermes é idêntico a Enoque, ainda pertencente à época de
antes de Kali Yuga, e conhecedor dos segredos mais profundos da iniciação. Hermes fora
fundador da cultura egípcia.

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Gilgamesh já pertenceu à época da Kali Yuga e precisa lutar espiritualmente por um
destino já muito individual. A epopéia mostra como ele chega apenas até o limiar da
iniciação e não vence as últimas provas.
A cultura exterior foi, portanto influenciada por uma personalidade que tinha todas as
qualidades anímicas de alguém que não conseguiu mais ser iniciado nos segredos. Tanto o
Egito como a Babilônia possuem seus mistérios, mas a cultura do Nilo é a expressão
adequada da sabedoria dos mistérios, enquanto a cultura da Mesopotâmia é caracterizada
por uma discordância entre a cultura exterior e interior. Na Babilônia há uma cultura
exterior e outra diferente dos mistérios; no Egito, uma corresponde à outra.
Esta é a chave importante pra o mundo e o tempo nos quais vive Abraão. Na Babilônia,
ele está rodeado de uma cultura exteriorizada, embora grandiosa, uma cultura do Kali
Yuga.
Nemrod e Gilgamesh – A Bíblia mostra Abraão em oposição a Nemrod o qual a Bíblia
descreve como grande caçador. Pensou-se que Nemrod e Gilgamesh eram a mesma
pessoa, mas os nomes de Gilgamesh e Nemrod ainda não são nomes para personalidades
históricas, como já o são os nomes de Abraão e Hamurabi. Gilgamesh é o nome dos
mistérios para certa personalidade histórica, mas significa mais as forças espirituais que
agem através dela. Provavelmente ele era um contemporâneo mais velho de Abraão.
O nome Nemrod ainda tem dimensões diferentes. Também os Talmudistas consideram
Nemrod e Abraão como dois adversários, dizendo que Nemrod seria a terceira geração e
Abraão a décima depois de Noé. Com isto seria excluído o fato de serem dois
contemporâneos. Mas Nemrod é um homem mítico, que ainda não bem definido como
individualidade. Ele ainda possui as dimensões gigantescas que abrangem várias gerações.
No entanto, Abraão já é uma personalidade histórica, bem definida e individualizada. É a
transição de duas épocas. Nemrod significa Marte, o Deus das Guerras. Conta-se também
que Nemrod era o primeiro a fazer guerras. A lenda mostra Nemrod também como
aquele que construiu a torre. Também o termo “caçador” tem seu sentido imaginativo.
Caçador significa uma pessoa que domina as forças vitais da natureza, que vira seu
interesse apenas para fora, mas sem amor à criatura e possesso do poder.

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Em Nemrod e Abraão confrontam-se o caçador e o pastor, o tirano e o servidor
sacerdotal. Nemrod e Gilgamesh são a mesma coisa. Eles representam uma cultura
exteriorizada, decadente.
Muitas lendas ligam-se ao nascimento de Abraão. Eles mostram a diferença entre a tarefa
da missão de Abraão e a cultura babilônica. Uma lenda conta que Taré, pai de Abraão, era
o chefe militar na corte de Nemrod. O nascimento do menino é anunciado por uma nova
estrela, muito clara no firmamento. Os astrólogos, conselheiros de Nemrod, dizem que
aquele que está para nascer derrubará muitos reis. Nemrod organiza um gigantesco
infanticídio. Os infanticídios futuros do Faraó na ocasião do nascimento de Moisés, e de
Herodes no nascimento de Jesus, não se comparam em tamanho com aquele de Nemrod.
Dizem que templos enormes eram construídos para onde foram levadas todas as mães
com seus meninos e todas as mulheres grávidas e onde 70.000 vidas jovens foram
sacrificadas. Taré consegue esconder sua mulher numa caverna nas rochas, em baixo da
terra. Quando ela deu a luz, de repente toda a caverna fica iluminada, como se o sol
brilhasse. Assim fulgurava o rosto do menino. Durante 10 anos o menino Abraão viveu
na caverna, muitos milagres aconteceram na sua infância oculta. Depois as lendas falam
de uma época, até muito comprida, durante a qual Abraão procurava Noé e seu filho
Sem. Ele ficou com eles e aprendeu deles muito sobre Deus e seus caminhos. Ninguém
sabia onde ele estava. Ele serviu a Noé e seu filho. Ele passou 39 anos na casa de Noé.
Depois voltou com seu pai a corte de Nemrod e lutou, com grande força de espírito,
contra a idolatria em Ur e sobre tudo contra a construção da Torre de Babel.
Torre e caverna – Dois símbolos que caracterizam otimamente bem as duas correntes
encarnadas em Nemrod e Abraão. A torre é imagem de uma vontade sem limite de
expansão. A caverna, a imagem de uma interiorização que se isola do mundo.
As imagens mostram nitidamente a mudança da consciência e do organismo anímico que
se passou naquela época.
A clarividência antiga era impossível, porém o corpo etérico ainda ultrapassava o corpo
físico, principalmente na parte da cabeça. O Homem conservava, na sua organização
espiritual, a possibilidade de ser gigante, embora o corpo físico já fosse endurecido e

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limitado em seu crescimento. Com o começo do Kali Yuga a velha clarividência
desapareceu, porque o organismo etérico encolheu. O corpo etérico começou a coincidir
com o corpo físico também na parte da cabeça. O Homem, de repente, se sentiu como
uma casa apertada demais. Havia duas possibilidades de reagir – Revolta contra o estado
novo e a luta para forçar a permanência do estado do mundo antigo, ou aceitar a nova
situação e tentar ver na nova atividade do corpo etérico um novo sentido da vida.
Nemrod e a Humanidade que ele representa constituem o primeiro caso. Ele quer
substituir a força do corpo etérico e constrói, do lado de fora, a casa maior, a torre. Nasce
uma vontade arquitetural imensa. Desenvolve-se uma tendência de magia negra. O
infanticídio também é sintoma de magia negra. As forças que desenvolvem a criança no
ventre materno estão objeto de abusos por parte da sede do poder.
Em Abraão estão sendo encarnada a Humanidade que aceita o novo estado do mundo. O
corpo etérico, agora atuando no interior da personalidade humana, cria uma nova
consciência. Realiza-se a imagem do Homem que se desenvolve dentro da caverna. O
órgão para o pensamento, o cérebro, desenvolve-se na caverna do crânio.
Esta é a missão histórica de Abraão – formar, plasmar um órgão físico para uma
compreensão conceitual do mundo. O pensamento somente pode desenvolver-se quando
o cérebro do corpo etérico e o cérebro do corpo físico coincidem. Desaparece a
clarividência. Para desenvolvermos essa faculdade foi escolhida uma individualidade que
já havia perdido a antiga clarividência e que, no entanto, há havia desenvolvido o órgão
físico do pensamento, o cérebro. Essa individualidade era capaz de descobrir, nos
fenômenos do mundo exterior, a medida, os números, a ordem e a harmonia, e de
procurar a unidade. Essa individualidade era Abraão.
Não é apenas o cérebro que chegou ao ponto crucial do desenvolvimento, mas ao mesmo
tempo todos os órgãos de percepção, que se tornam mais capazes de receber percepções
físicas e substituem os restos da antiga clarividência. O raciocínio e a percepção nítida dos
sentidos do mundo físico são os primeiros frutos do Kali Yuga. Abraão é seu primeiro
realizador.

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Abraão é o contemporâneo da cisão babilônica em uma corrente esotérica e em outra
exotérica. O próprio Abraão vinha dos misteriosos Caldeus, que se dedicaram a
manutenção da herança espiritual suméria, mas Abraão não queria, apenas, salvar um
mundo esotérico da cultura barulhenta mundana exterior, mas levar ao mundo exterior a
sabedoria dos mistérios, transformada; isso ele queria fazê-lo de maneira diferente da de
Gilgamesh Nemrod. A corrente de Abraão quer racionalizar os conteúdos espirituais,
levar o espiritual para a esfera individual pessoal. A corrente de Abraão visa a uma
tradução da consciência iniciática para a linguagem conceitual do intelecto humano. Os
dois, Gilgamesh e Abraão, saem de Ur (luz primordial). Gilgamesh procura a Babilônia,
terra de expansão poderosa. Abraão vai de Ur a Haran e a Palestina, a Terra do
amadurecimento interno.
Abraão é considerado pelas lendas como o inventor da aritmética. A escrita das imagens
divinas transformou-se em algarismos. Com o raciocínio cerebral a alma adquire o centro
do seu Ego. Por meio da unidade interior o Homem percebe a unidade do mundo
exterior. Nasce daí a idéia do Monoteísmo. Com Abraão a Humanidade começa a
procurar o Deus único, o Criador de toda a criação.
Antigas lendas judaicas mostram que Abraão marcou um começo. Contam de um
tribunal que Nemrod fez com Abraão, quando este foi posto na prisão por causa do seu
protesto contra a construção da Torre de Babel.
Nemrod: - Porque negas ao fogo, meu Deus, Tua adoração?
Abraão: - A água extingue o fogo.
Nemrod: - Também a água adoramos.
Abraão: - As nuvens carregam a água.
Nemrod: - Também as nuvens adoramos.
Abraão: - Os ventos dispersam as nuvens.
Nemrod: - Também os ventos são nossos deuses.
Abraão: - Mas a Terra é mais forte do que o vento.
Nemrod: - Quanto tempo você ainda quer desprezar os deuses? Se não queres adorar o
fogo, ele deve devorar-te.

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Abraão quer, através da infinidade dos elementos, chegar à unidade do Criador. Mas
Nemrod não quer renunciar à vida elementar.
Dizem as lendas que de fato Abraão foi lançado ao forno. Durante 3 dias ardera no fogo,
mas Abraão não queimou. Ele teve a impressão de ficar em baixo de árvores floridas e
perfumadas. “3 dias e 3 noites ele passeou no fogo”. O Arcanjo Gabriel pediu ao Senhor
que apagasse o fogo e salvasse a Abraão. Esta lenda parece indicar que Abraão tinha que
passar por uma iniciação decadente. As lendas, como para dar uma explicação, dizem que
os caldeus não batizavam com água, mas com o fogo. Mas as lendas mostram que a sua
consciência não sucumbiu as provas e que, ao contrário, ele chegou à consciência e ao
conhecimento do Deus único, que o ajudou por ser o primeiro ego humano.
Dizem que Abraão foi o primeiro que chamou a Deus de seu “Senhor”. Mas ele também
foi o primeiro que, em sua velhice, ficou com o cabelo branco, o que mostrou a sintonia
da velhice. Ele recebeu a coroa do cabelo branco. O homem torna-se indivíduo e acha a
individualidade divina. Mas ele pode atingir essa meta apenas desistindo das suas relações
com as forças da vida e da juventude. Mas o que é pesado no destino, o homem agora é
capaz de suportá-lo com dignidade. Com as provas de Jó começa a possibilidade de
superá-las. Antes de Abraão, Deus julgou o mundo com dureza. Somente a Abraão é
permitido recupera-se, pelo sofrimento. Desde aquele tempo há o sofrimento no mundo.
As migrações de Abraão são os primeiros acontecimentos históricos. Ficamos
conhecendo uma personalidade que no meio de um mundo estranho encontra a si
mesma. Parece-se com o pêndulo, que se move em duas direções até sossegar no meio.
Abraão deixa a Babilônia, o país dos dois rios e chega à Palestina. Mas lá ele não fica,
continua sua migração até chegar ao Egito, o país de um único rio. Mas nem o mundo do
Faraó, nem o de Nemrod, consegue segurá-lo. No meio desses dois países, no país do Rio
Jordão, rio muito menos majestoso do que os outros, o pêndulo das migrações de Abraão
vai parar.
A Bíblia diz que um chamado Divino levou Abraão a deixar sua terra, Ur. Mas qual era o
destino que fez ouvir sua voz?

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Ficou claro que Abraão devia sentir-se em oposição à cultura de Gilgamesh. Ele tinha de
separar-se dessa cultura, para se proteger das influências e para poder cumprir sua missão.
Será que a cultura do Nilo ofereceu algo a ele? À sua missão? Parece que o Egito era o
extremo oposto da Babilônia. Embora a Babilônia, terra fértil como última lembrança do
Paraíso, fosse uma cultura decadente e palco de grandes pecados humanos, o Egito
parecia ser a imagem do pecado original, com sua faixa tão estreita ao longo do Nilo, que
era fértil, enquanto o resto era um grande deserto. Reinava lá a atmosfera da morte, do
túmulo, dos mistérios da morte. Abraão saiu do mundo dos mistérios degenerados do
nascimento para chegar ao mundo mistérios da morte, ainda sadios. As duas culturas lhe
ofereceram algo, mas nenhuma forneceu as circunstâncias para desenvolver a vida íntima,
as forças do intelecto, o Ego.
Na própria Palestina há uma repetição dessa polaridade, a Galiléia e a Judéia. Babilônia
parece ter sido como um reflexo do Paraíso, o Egito, no entanto, de uma espécie de
inferno, um Hades. Até os salmos são uma expressão disso.
Dizem as lendas que a emigração de Abraão a Ur estava relacionada com a Torre de
Babel. Dizem que Abraão, que tinha então 48 anos, se recusou a ajudar a construir a torre
e amaldiçoou-a. isto não é apenas uma imagem, mas uma realidade histórica.
As escavações mostram que o tempo de Abraão era, de fato, na Mesopotâmia, a época de
enormes construções, de pirâmides-templos em forma de torre.
Abraão, nascido na caverna, deixa o país das construções de torres. Ele precisa separar-se
pra construir algo dentro dele, dentro da sua própria personalidade. Ele chega ao Egito,
às grandes pirâmides, ao sul do delta do Nilo, perto da cidade real de Menfis. Abraão, que
foge das construções gigantescas da Babilônia, encontra do outro lado a mesma coisa,
com uma grande diferença. As pirâmides são construídas de enormes pedras, sendo até
hoje um enigma a técnica de sua construção. Nas construções da Babilônia foi feita a
descoberta da fabricação do tijolo, como conta a Bíblia. A técnica egípcia é um fim. Pela
última vez forma usadas forças sobrenaturais, como eram usadas na época Atlântica,
ainda preservadas na constituição física dos escravos. Eram forças etéricas ainda não
absorvidas pelo corpo físico, que possibilitavam forças físicas que hoje são julgadas

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incríveis. A invenção do tijolo é o começo da técnica. Na presença das torres imensas
feitas de tijolo, os homens da corrente de Abraão já pressentiram as conseqüências
enormes de um futuro separado de Deus. Hoje, que superamos de longe as construções e
as técnicas babilônicas, devemos ter novamente a consciência do absurdo e do perigo
desse desenvolvimento.
A técnica usada na construção das pirâmides não podia ser repetida. Elas continuaram
sendo um assunto divino. Com as construções babilônicas, começou a corrente das
infinitas invenções na terra. As construções não são relacionadas, apenas a construção
sacras. Abre-se o caminho à cultura profana e utilitária.
Nem na atmosfera da magia divina egípcia, Abraão pode cumprir sua missão. Ele escolhe
a terra do Jordão para ser sua, sem arquitetura, a terra das cavernas, símbolo da missão de
Abraão.
Mas ele leva algo na alma, tanto do Egito como na Babilônia. A separação da Babilônia é
um mistério em si. Depois de receber o chamado Divino, ele deixa a Mesopotâmia, mas
vai primeiro de Ur, no sul para Haran, no norte do país. Ele ainda tem uma relação com
seu pai Taré. Três anos Abraão e Taré moram em Haran e depois que Abraão saiu para a
Palestina, voltou mais uma vez para Haran.
Haran era o centro de mistérios lunares. Por isso era adequado para que Abraão achasse
ali a si próprio. O cérebro é um refletor do espiritual como a lua reflete o sol.
A Bíblia conta que Haran, irmão de Abraão, morreu enquanto seu pai ainda era vivo. Era
a primeira vez no mundo que um filho morria antes do pai. Com esse fato, também algo
de novo entrou no mundo. Dizem lendas que Haran era sacrificado nas mesmas chama
das quais Abraão era milagrosamente salvo.
Os mistérios decadentes ainda praticavam o sacrifício do primogênito. O abuso das
forças do nascimento e da juventude provavelmente levaram a enterrar vivos os
primogênitos, logo após seu nascimento, para tirar daí forças sobrenaturais para toda a
família. Taré ainda tem que fazer o sacrifício concreto que Abraão, no sacrifício de
Isaque, faz apenas espiritualmente. Com Abraão já começa a entrar em vigor a lei

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segundo a qual nem sempre o primogênito é portador da hereditariedade paterna, mas
que muitas vezes um irmão mais novo foi escolhido a continuar a missão paterna.
Taré manda com Abraão o filho de Haran, Lot, e a filha de Haran, Saraí. A futura
separação de Lot é a mais uma separação da Babilônia. Sarai significa a “maravilhosa”.
Ela é provavelmente portadora da cultura persa. Além dos dois, há ainda o servo Eliezer,
que representa o mundo da Babilônia. Eliezer, o futuro homem que deve procurar a
noiva para Isaque, na terra natal, é representado pelas lendas como sendo um grande
iniciado nos mistérios babilônicos, tendo sido dado pelo próprio Nemrod a Abraão
quando ele partiu.
Uma cena, aparentemente pessoal, mostra de que maneira Abraão está ligado aos
mistérios egípcios. Abraão diz ao Faraó que Saraí é sua irmã, para não ser morto por
causa dela. Quando o Faraó, encantado com sua beleza, quer tê-la como mulher, ele sente
a resistência de forças espirituais. Ele e seu país sofrem pragas. Parece ser uma
antecipação das futuras 10 pragas. Faraó renuncia ao seu propósito, oferecendo ricos
presentes a Abraão e Saraí.
Atrás desta imagem escondem-se como as correntes esotéricas encontram-se em Abraão,
Saraí e o Faraó. Abraão e Saraí não são beduínos, mas sim representantes reais de uma
corrente esotérica, que procuram o grande iniciado no Egito. Abraão ainda não manifesta
os conteúdos dos seus mistérios, sabendo que daí haverá uma discrepância muito grande
entre ele e o Faraó. Os egípcios então recebem de Saraí o que ela trás dos mistérios da
Ischtar-Vênus. Mas também aqui encontram oposições espirituais. Forças invisíveis os
distanciam. Eles, de repente, sentem-se mais pobres do que ricos. Eles desistem.
Ainda não chegou à hora do Egito aprender de Abraão, mas sim a de Abraão aprender do
Egito. Ele aceita o que os mistérios egípcios lhe oferecem, como ajuda para poder
cumprir sua missão. Como sua participação nos mistérios babilônicos é representada
pelas pessoas que o rodeiam, assim também é sua participação nos mistérios egípcios. O
Faraó dá uma das suas filhas a Saraí, para tornar-se sua serva. Isto é a “Serva Egípcia
Agar”, que dá a luz o primogênito de Abraão – Ismael.

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O Antigo Testamento fala em poucas palavras, com valor imaginativo – Quando Abraão
deixou o Egito, ele era rico em gado, prata e ouro. As lendas completam; também em
sabedoria, ele era mais rico, pois havia com os sábio egípcios e seus adivinhos a arte dos
cálculos e a astrologia, de modo que era mais sábio do que qualquer outro homem antes
dele.
Só depois de entrosar-se também no mundo egípcio, ele pode parar na terra do meio,
para ali estabelecer um equilíbrio.

MELQUISEDEQUE

A Bíblia menciona a Melquisedeque apenas com poucas palavras: “Melquisedeque, rei de


Salém, trouxe pão e veinho: ele era sacerdote do Deus altíssimo. Abençoou a Abraão e
disse: Bendito seja Abraão pelo Deus Altíssimo, Criador do céu e da terra! E bendito seja
o Deus Altíssimo que entregou os teus inimigos as tuas mãos! Abraão deu-lhe o décimo
de tudo.”
Abraão volta da batalha. É no vale dos Reis, chamado vale de Josafá, hoje o vale de
Cedron, entre Jerusalém e o Monte das Oliveiras, que Abraão tem o encontro com aquele
sacerdote sublime, que o abençoa e em cuja frente ele se curva.
Quem é Melquisedeque? A Bíblia quase nunca é tão lacônica quanto nesta ocasião. Mas
sentimos, em todas as palavras, um mundo sublime e sagrado. A epístola aos hebreus do
Novo Testamento fala de Melquisedeque como de um personagem santíssimo:
“Melquisedeque era o Rei da Salém, um sacerdote do Deus Altíssimo, ele foi de encontro
a Abraão, quando este havia voltado da batalha. Abraão lhe sacrificou o décimo dos seus
bens. Ele também é o Rei de Salém, isto é, o Rei da Paz. Ele que não tem pai, nem mãe,
sem genealogia, que não tem princípio de dias nem fim de vida, mas feito semelhante ao
filho de Deus, permanece sacerdote continuamente. Hebreus (7 1-10).
Abraão é um dos grandes guias da humanidade, no cumprimento de seu destino terreno.
Melquisedeque é um guia ainda mais elevado, que aparece só uma vez e, no mais, mantém

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oculto. A Bíblia não dá descrições dos mistérios mais elevados da humanidade. Ela deixa
reinar o segredo.
Melquisedeque é o sacerdote do Deus Altíssimo. Quem é o Deus Altíssimo? O El-Eljon,
cujo nome sagrado foi mencionado na Bíblia somente nesse lugar. Não é Javé o Deus que
Abraão conhece o Deus do Universo? Como é que existe um Deus mais alto?
Pelo seu cérebro cinzelado, plasmado, Abraão, como primeiro representante da
Humanidade, era capaz de conhecer o mundo e o espírito que reina no mundo, pelos
seus pensamentos, pelo raciocínio, isto é, por meio de imagens refletidas. Abraão
reconheceu a unidade divina na multiplicidade dos fenômenos. Mas o ser único, central
do Universo, não podia estar presente nele. O ser divino, presente em Abraão, era apenas
o reflexo do espírito cósmico, Javé. Javé está para ser divino, cósmico, como a lua está
para o sol. Javé é o reflexo lunar do Deus Altíssimo, que é o sol espiritual do Cosmo.
Assim Abraão, sacerdote de Javé, está para Melquisedeque, o sacerdote do El-Eljon,
como a lua está para o sol. Abraão encarna a corrente lunar espiritualizada, pela qual a
Humanidade tem que passar. Em Melquisedeque aparecem os mistérios do sol, que
tinham de se retrair da Humanidade, durante um momento, para reaparecer num futuro
longínquo.
A ciência espiritual dá a solução do enigma de Melquisedeque. Quem Abraão encontra
nas pessoas do rei-sacerdote Melquisedeque é o grande Manu, aquele a quem a Bíblia
chama de Noé, o grande iniciado solar que salva a Humanidade através do grande dilúvio.
Foi ele quem, a partir dos seus mistérios dirigiu a Humanidade durante milênios. Ele
mandou os 7 sagrados Rishisse, fundou a primeira cultura pós-atlântica, a indiana.
Seu grande aluno Zaratustra, fundou a segunda cultura pós-atlântica, levando os homens
a venerar o sol. Os alunos de Manu fundaram a 3ª época pós-atlântica, as culturas gêmeas
do Egito e da Babilônia. Com esse encontro com Melquisedeque, Abraão torna-se
discípulo de Noé e, daí em diante, ele está no mesmo nível de Zaratustra, Gilgamesh,
Hermes. A corrente nova, que Abraão tem que fundar se liga às grandes correntes
principais.

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Parece que a tradição Talmúdica está em contradição com aquilo que diz a ciência
espiritual. A tradição Talmúdica, quando fala de Melquisedeque, fala de Sem, filho de
Noé.
Devemos estudar a personalidade de Sem. Os 3 filhos de Noé eram, Sem, Cam e Jafé.
Será que são apenas os patriarcas de 3 raças? Eles representam, em primeiro lugar, 3
correntes espirituais da Humanidade. Cam significa o escuro. Isto não quer dizer apenas,
que os Camitas são de pele escura, eles são os portadores da corrente espiritual escura,
que foi cultivada principalmente nos mistérios egípcios e babilônicos. “Jafé” significa o
“Belo”, e se refere aos ramos da Humanidade que, como os gregos e povos celtos-
germânicos, adoram a beleza da natureza. O nome Sem não é adjetivo. Ele significa
“nome” e indica o segredo do ser íntimo do Homem. O nome é a forma espiritual do ser.
Todo o ser do universo tem seu nome, mas eles não podem dar um nome a si mesmo. Só
o Homem pode dar nome a todos os seres e a si mesmo. Além disso, ele pode dizer
“Eu”. Sem, significa apenas o nome que é comum a todos, não o “Eu” individual. Ele
significa os “nomes” em geral. Esta é a missão de Sem e da raça que usa seu nome, em
primeiro lugar o povo israelita. Trata-se da força espiritual plasmadora possuindo
capacidade de “dar nomes”, ligada ao Ego, que devia ser cultivado nessa corrente, que usa
o nome de Sem. O povo do Antigo Testamento é o povo de nome do denominador.
“Dar o Nome”. Uma corrente dupla tinha que agir. Pela hereditariedade, a força do
“nome” tinha que estar em todas as gerações que descendiam de Sem. Como faculdade
criadora ela devia ser ensinada pelos guias da corrente de Sem.
Nenhum outro povo zelava, tão cuidadosamente, por manter puro o sangue paterno, o da
hereditariedade.
Fala-se da “Escola de Sem”, mistério central da Humanidade. Sem é o herdeiro do livro
de Abraão.
Jafé, o irmão de Sem, estudava na sua escola. Falam as lendas sobre Sem, como sendo o
grande mestre, igualando-o a Melquisedeque.
Rudolf Steiner explica como isso acontece. Ele diz que o corpo etérico de Sem era
plasmado, de maneira especial, por seres espirituais, para que ele pudesse descer em

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muitas projeções, para transmitir a todos que eram da mesma corrente hereditária, uma
certa formação espiritual.
Era um corpo etérico primordial, especialmente precioso. Melquisedeque era o portador
do Ego de Noé e do corpo etérico de Sem.
Em Abraão vivia uma projeção do corpo etérico de Sem. Seu cérebro físico e etérico se
cobriam perfeitamente. Por isso, ele podia ser um aparelho refletor, claro e cristalino, do
espírito, um órgão da denominação.
Em Melquisedeque fala-se de um grande guia espiritual, o mensageiro do sol. Dele se diz
que os nomes de seu pai e sua mãe não devem ser mencionados, nem sua idade, para
deixar evidente que não se trata de um ser humano qualquer.
De fato, existem muito mais relatos sobre Melquisedeque do que se pensa, porque em
muitos casos, quando se fala de Sem, isto se refere à Melquisedeque. Sem e
Melquisedeque eram igualados.
O pequeno encontro entre Abraão e Melquisedeque, descritos na Bíblia provavelmente se
referia a uma iniciação que levou um tempo bem maior. Abraão não encontra apenas um
homem, mas um mundo de mistérios, cujo iniciador e guia é o grande Manu, que se
manifesta em Melquisedeque.
A tradição conta, na “Schatzhöhle”, os segredos mais profundos relacionados à
Melquisedeque e seu mistério. Dizem que a luz mais brilhante, mais clara sai do Paraíso,
lugar onde Deus fez o Homem. Mas esta luz se apaga, e o Homem tem que procurar
outro lar. Também a caverna, que substitui o paraíso, brilha com uma luz clara e quente.
“Depois que Adão e Eva deixaram o Paraíso, o portão foi trancado, e na sua frente
estava um anjo com uma espada. Adão e Eva desceram o Monte do Paraíso e acharam o
cume de um monte com uma caverna. Eles entraram e se esconderam. Adão e Eva eram
virgens. Quando Adão quis “conhecer” Eva, ele trouxa dos limites do Paraíso: ouro,
mirra e incenso, colocaram-nos na caverna, benzeu, para que fosse o templo religioso dele
e de seus filhos, e chamou-a de Caverna do Tesouro.
Esta Caverna do Tesouro é a pequena substituição do Paraíso, e torna-se centro de tudo
que a Humanidade vivência até o grande dilúvio. Ela é o santuário dos homens entre

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Adão e Noé. É possível que essa caverna represente o grande oráculo solar da época
atlântica.
Que acontece com a caverna quando o dilúvio começa? Noé recebe de seu pai a tarefa de
construir a arca, mas uma condição especial foi ligada a isso: “Desce desse morro sagrado,
leva contigo o corpo do teu pai Adão e as 3 oferendas: o ouro, a mirra e o incenso. Põe o
corpo de Adão no meio da arca, e em cima dele estas 3 oferendas. Ordena a teu
primogênito Sem que, depois da tua morte, consiga o corpo do nosso pai Adão e o leve
até o centro do mundo. Lá deve morar um dos seus descendentes, para que sirva a Deus
e lhe sacrifique o pão e o vinho. Ele deverá ficar solitário, porque é servo de Deus
Supremo. Depois, Noé pegou o corpo de Adão e Eva. Sem levou o ouro, Cam a mirra e
Jafé o incenso. Assim eles deixaram a Caverna do Tesouro. Quando desceram o morro
sagrado, choravam, por terem perdido o lugar sagrado de seus pais. Parece que estavam,
mais uma vez, deixando o Paraíso. Onde continuará aquilo que vivia na caverna?
Depois do dilúvio, Noé manifesta sua última vontade a Sem. “Depois de minha morte, vá
até a arca e vá buscar o corpo do nosso Pai Adão. Mas ninguém deve te ver. Leve contigo
Melquisedeque, filho de Malach, porque ele é que foi escolhido para servir a Deus em
cima do corpo do nosso pai Adão. Leve-o até o centro do mundo e deixe Melquisedeque
morar lá. E Sem, junto com Melquisedeque, levou o corpo de Adão, deixando seu povo
durante a noite. Apareceu o anjo do Senhor, guiando-os à frente. O caminho era muito
fácil, porque o anjo do Senhor dava força. Quando chegaram a Gólgota, o centro da
Terra, o anjo mostrou o lugar a Sem e a terra abriu-se em forma de uma cruz. Lá, Sem e
Melquisedeque puseram o corpo de Adão. E Sem disse a Melquisedeque: “Tu és servo do
Deus Supremo, fica aqui para sempre.”
É assim que o livro, “A Caverna do Tesouro”, descreve o santuário oculto, como, daí em
diante, volta ao lugar de origem, onde o Homem era criado conforme a imagem de Deus,
onde era o portão do Paraíso. Trata-se de um local muito antigo de mistérios, no lugar da
futura Jerusalém, lugar de paz, que é conhecido na tradição judaica como “Escola de
Sem”. É na “Escola de Sem”, sua casa, onde Melquisedeque e Abraão se encontram.

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Quando Caim sacrificou os frutos do campo, isto é, quando o filho do Sol ofereceu-lhe
seus donativos, seu sacrifício não foi aceito, mas sim o sacrifício sangrento de Abel. O
tempo do Paraíso, do Sol, acabara. A lua dominava o mundo. Os mistérios solares tinham
de se manter ocultos até a hora de uma nova era. No santuário do Manu e de
Melquisedeque, o sacrifício de Caim era guardado para o futuro.
Quando Noé trabalhava na terra e plantava o vinho, a Bíblia podia dizer: “Ele trouxa pão
e vinho. Mas ele os levou até a vida exterior, escondendo seu segredo espiritual. Eles
tornaram-se alimento dos Homens. O mundo esqueceu que eles podiam ser o alimento
de Deus, o sacrifício. Mas quando Abraão volta da batalha contra os reis, Melquisedeque
lhe oferece pão e vinho, como dádiva dos mistérios. Ele é o próprio Noé.
Será que a época do Sol já voltará? Isso não. Mas Abraão, o servo de Jeová, Deus Lunar,
deve saber que também ele, pelo seu serviço, deve preparar a vinda do espírito solar, do
El-Eljon. O Deus Supremo, que agora só fala pelos mistérios, será Homem e doará o pão
e o vinho a todos os Homens. Então Caim será redimido. O Paraíso perdido voltará.
Abraão, que serve a Jeová, Deus Lunar, deve conhecer também o mistério do Sol. E a
tarefa de Abraão criar, pela corrente hereditária, o envoltório lunar para escolher o Deus
Solar.
Melquisedeque é como uma profecia encarnada do Messias. O corpo etérico de Sem é
envoltório lunar do mais sublime que a Humanidade, até lá produziu. Noé, o grande
Manu, é o servo do Sol, capaz de encarnar-se.
Como futuramente co Cristo devia encarnar-ser em um corpo preparado pela corrente
lunar, assim Melquisedeque se encarna, apontando para o Cristo. É isto o que a Epístola
aos Hebreus quer dizer quando diz: “Ele é a imagem do filho de Deus”. Abraão aprende
com Melquisedeque que o Messias provém de uma esfera mais alta do que Jeová.
Em alguns trechos da Bíblia há uma alusão a este segredo, como no Salmo 110, no qual
Jeová diz ao Messias: “Tu és eternamente sacerdote pelo rito de Melquisedeque”.
O pão e o vinho tinham ainda, além da profecia que se referia aquele futuro longínquo,
um significado muito atual para o tempo de Abraão. Eles mostram o caminho que vai do
sacrifício sangrento ao sacrifício sem sangue. Diz-se que no altar de Melquisedeque não

46
havia sacrifício de animais, somente os de pão e vinho. Toda a evolução, no Antigo
Testamento, mostra o caminho que vem dos sacrifícios sangrentos de animais, e levava
um serviço religioso interiorizado, espiritualizado, que prepara o culto puro do sol. “O
sacrifício do dízimo”, que Abraão aprende com Melquisedeque é a ponte entre um e
outro. O ensaio de Melquisedeque faz a lua olhar para o Sol.
As lendas a respeito do nascimento de Abraão mostram uma ligação entre ele e os
mistérios de Melquisedeque. Dizem que Abraão, depois de viver 10 anos na caverna onde
ele nasceu, foi com Noé e seu filho Sem, para ser seu discípulo durante 39 anos. Outro
trecho mostra o jovem Abraão na casa de Melquisedeque. Nemrod quer matá-lo. Mas
Eliezer, o servo sábio, que o próprio Nemrod havia dado de presente, lhe dá um
conselho: “Abraão seguiu o conselho de Eliezer, levantou-se e correu para casa de Noé e
de seu filho Sem, escondeu-se lá e se salvou. Manteve-se escondido na casa de Noé
durante um mês, até que o rei o esqueceu”. Vê-se a mão protetora de Melquisedeque.
Pode-ser sentir também uma relação entre Melquisedeque e Eliezer.
Uma hora importante no desenvolvimento é quando Deus faz uma aliança com Abraão,
impondo-lhe a circuncisão. As escritas apócrifas também mostram que a circuncisão está
relacionada com Melquisedeque, dizendo: “Aí Abraão mandou buscas Sem, o filho de
Noé, e este circuncidou Abraão e seu filho Ismael.
O culto da circuncisão põe a corrente de Abraão em oposição consciente ao espírito do
mundo babilônico. Lá querem conservar uma relação com as forças etéricas cósmicas e
com o mundo das experiências visionárias e de êxtase. A força sexual e da reprodução, os
instintos primitivos são objetos de culto. É o começo do futuro culto do falo.
O rito da circuncisão, que começa com Abraão, é uma espécie de culto anti-fálico. Ele
exprime a concentração do corpo etérico dentro do espaço ocupado pelo corpo físico, a
recusa de qualquer êxtase, a renúncia a quaisquer experiências clarividentes antigas, a
favor da formação da organização física. As forças da natureza que tendem para fora,
devem receber um estímulo para uma atividade interior, que forma os órgãos. A vontade
estática, inconsciente, deve ser aproveitada para a secreção interna do organismo e
transforma-se em forças intelectuais conscientes. A circuncisão manifesta o desejo de

47
uma última formação do organismo humano e de uma corrente hereditária que transmite
e aumenta a formação bem nítida da organização física e etéricas. A força de Jeová, como
o mais elevado espírito da forma, está sendo aceita pelo ser físico e pela hereditariedade.
No sentido exato da palavra, o corpo físico torna-se templo de Jeová.
Por isso a circuncisão é a confirmação da aliança divina, pela qual Abraão recebe a
promessa de uma descendência grande, conforme a ordem das estrelas. Aquelas forças,
que outras correntes da Humanidade dirigem para a esfera das estrelas, a corrente de
Abraão a dirige para dentro, para que possam nascer dentro dos órgãos do corpo humano
e na seqüência das gerações, um reflexo da ordem das estrelas na terra.
Como um símbolo de que a aliança de Jeová é uma espécie de “nova criação” do
homem, uma repetição do começo primordial em que Jeová fez o Homem de terra, as
duas pessoas que na criação nova estão no lugar de Adão e Eva, recebem novos nomes.
Os dois nomes recebem o som de H. Abraão torna-se Abraham, Saraí torna-se Sarah.
Abraão significava: “O pai das alturas”, Abraham significa: “O pai dos povos”. Saraí
significa: “Aquela que quer predominar”, “Sarah” quer dizer: “Consagrada para dominar”.
Mais importante do que a mudança da significação do nome é o seguinte; da mesma
forma como Jeová insufla a Adão seu sopro divina, ele agora insufla ao “nome” do
homem, com o “H”, um pressentimento do futuro. A forma recebe o pressentimento do
conteúdo que o futuro trará. O sentido das gerações, que agora começam, é de construir
uma forma, o envoltório para o espírito divino. Jeová entra no envoltório humano de
Abraão. Futuramente será o mais elevado, o El-Eljon, que entrará em um corpo humano
santificado através deste povo, destas gerações que, pela hereditariedade, prepararam o
seu corpo físico. A tradição apócrifa faz alusão ao fato de que foi Melquisedeque quem
realizou o ato sacerdotal da circuncisão em Abraão. Isto nos ajuda a nos distanciarmos
das abstrações e das representações apenas históricas, a respeito desse fato importante no
destino de Abraão.

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O SACRIFÍCIO DE ISAQUE

Este sacrifício, pela tradição legendária, também está em relação com o mistério de
Melquisedeque. Em geral, a gente imagina este acontecimento, descrição imaginativa
segundo a Bíblia, como sendo um acontecimento humano dentro de uma paisagem
deserta e montanhosa. O rochedo do sacrifício de Moriá deve ter sido, desde tempos
remotos, o lugar de um santuário. Para dentro desse recinto do santuário, Abraão leva seu
filho, a encarnação da Aliança Divina. Com sua morte, destruiria-se toda a profecia ligada
às gerações que com ele haviam começado.
A “Caverna do Tesouro” conta que Abraão leva seu filho para Melquisedeque: “Isaque
tinha 22 anos quando seu pai o levou para cima do morro Jebus, onde estava
Melquisedeque, servo de Deus Supremo. O morro Jebus é o mesmo lugar onde estão as
montanhas Amoritas, onde mais tarde foi elevada a cruz do Messias. Lá mesmo nasceu
uma árvore onde estava presa a ovelha que salvou Isaque. Este lugar é idêntico, como o
Centro da Terra, ao túmulo de Adão, ao altar de Melquisedeque e ao Gólgota. Lá mesmo
Davi viu o anjo que segurava a espada de fogo. A “Caverna do Tesouro” indica que a
época desse acontecimento era aquela da fundação da cidade de Jerusalém. Ela foi
edificada ao redor do lugar dos mistérios de Melquisedeque, sem que estes perdessem a
sua intimidade. No mesmo ano no qual Abraão sacrificou seu filho Isaque, foi construída
Jerusalém. O começo deu-se da seguinte maneira: Quando Melquisedeque apareceu e
mostrou-se aos Homens, viram-no 12 reis. Quando o viram, pediram-lhe para
acompanhá-los. Ele disse: “Não posso mudar-me daqui para um lugar diferente”. Então
resolveram construir uma cidade para ele e disseram: “Deveras, ele é o Rei da Terra toda,
o pai de todos os reis. Assim construíram uma cidade e elegeram Melquisedeque como
Rei dela. Melquisedeque deu-lhe o nome de Jerusalém. (Cap. 30)
Todas as tradições concordam em relacionar o nome de Jerusalém com o Rei de Salém,
isto é, Melquisedeque. Abraão chamou a esse lugar Jaré, “Jeová aparece” referindo-se ao
acontecimento de Moriá. Sem, (Melquisedeque), deu-lhe o nome de Salém, “a paz”. Esses
dois nomes juntos fizeram Jerusalém.

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As lendas contam que Isaque, logo depois do sacrifício, foi mandado por seu pai Abraão
para Sem, filho de Noé, para estudar com ele. Em outro trecho é dito: “E Isaque foi para
casa de Sem, para aprender os caminhos de Deus e aí ficou durante 3 anos.
As lendas mostram Melquisedeque entre os hóspedes de Abraão na ocasião do
sepultamento de Sara, como também antes, na festa de nascimento de Isaque. Quando
Isaque e Rebeca estão tristes por não terem filhos, eles sobem a montanha de Moriá,
pedindo a Sem- Melquisedeque que rezasse por eles. Quando Rebeca, estando grávida de
Esaú e Jacó, precisou de ajuda, ela foi “A Melquisedeque”. E ele rezou e disse: “Dois
corpos estão no teu ventre”. A tradição talmúdica conta que Jacó durante muito tempo
foi discípulo de Melquisedeque. Dizem que lá ficou durante 32 anos.
No primeiro plano, o esotérico, a corrente de Abraão faz seu caminho lunar. Mas o que
orienta nesse caminho são os mistérios do Sol, que ficam no segundo plano. No nome de
Melquisedeque concentra-se a corrente esotérica, da qual a História Hebraica, em sua
origem grandiosa, recebe sua orientação.

LOT – ABRAÃO – ISAQUE

Na época do fim das migrações de Abraão, na região situada entre a Babilônia e o Egito,
o vale sul do Jordão deve ter sido fertilíssimo e de muita riqueza. Segundo a Bíblia, toda
aquela terra era como o “Jardim de Deus” e, segundo a tradição, os habitantes da região,
o povo de Sodoma, era o mais rico do mundo. Um estado anterior da terra, com as forças
do crescimento ainda bem mais potentes, deve se ter mantido naquela região. Mas parece
que os homens não eram mais capazes de fazer um uso benéfico dessa plenitude de
forças etéricas, ao contrário foram levados a usá-las para uma cultura mágica
extremamente decadente.
Quando Lot se separou de Abraão, ele foi para lá atraído pela riqueza da região de
Sodoma. Tomando a descrição imaginativa da Bíblia, por um fato histórico, o que em
geral acontece, acredita-se que a separação entre Lot e Abraão foi provocada por brigas
pelos pastos. As descrições da Bíblia devem sempre ser “traduzidas”, embora o caráter

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meramente histórico vá predominando à medida que se chega a épocas mais recentes.
Primeiro as pessoas a serem personalidades históricas, os nomes não se referindo mais a
seqüência de gerações, mas a individualidades definidas. Mas continua sempre por trás do
plano histórico, exterior e esotérico, aquele das imagens anímicas e não físicas.
A dinâmica das representações bíblicas refere-se a fatos mesmo históricos a partir das
migrações de Abraão. As grandes movimentações geográficas já são história no sentido
próprio. Mas as imagens ainda falam numa linguagem anímica da imaginação. Esse é o
caso também nas histórias da separação de Lot e Abraão. Trata-se de contrastes
intransponíveis, não só de brigas exteriores comuns. Atrás de imagem dos pastores em
briga, aparecem diferenças espirituais e religiosas. Abraão e Lot, que devemos imaginar
como sendo sacerdotes, podem viver em harmonia, apesar das diferenças entre as
correntes culturais que representam. Mas, entre seus súditos, verifica-se logo uma
separação e divergências intransponíveis. O modo de viver e de pensar é diferente
demais. Afinal é Abraão quem propõem uma separação amigável e deixa a Lot a escolha
da região onde irá morar com seus.
Como efeito da herança babilônica, a alma de Lot, filho de Harã, escolhe a região de
Sodoma. Ele pertence ao grupo dos homens que não querem ser pobres, pois não vê a
necessidade de que o homem, na sua alma, deva tornar-se pobre e humilde, o que faz
parte da tarefa da corrente de Abraão. Lot agarra-se a um estado anterior do mundo e a
relação antiga do homem com as forças cósmicas. Seu ideal é a plenitude mágica, não à
liberdade e sobriedade. O organismo físico etérico de Lot deve ter sido dominado mais
pelas forças cósmicas e etéricas, do que aquele de Abraão, que já era mais interiorizado.
Algo dentro da natureza de Lot sente-se magneticamente atraído pela região de Sodoma.
Não vê que está se decidindo por um mundo que se externa e que, internamente é
destinado ao extermínio.
Isso não quer dizer que Lot participe daquela cultura decadente mágica florescente em
Sodoma. Apesar de certo parentesco, ele leva para aquela cultura demoníaca decadente
uma semente de boa vontade e de qualidades humanas puras. O seu papel em Sodoma
deve ter sido parecido com aquele de José no Egito ou de Daniel na Babilônia, que apesar

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de estrangeiros tinham funções de liderança, para que, por seu intermédio, uma cultura
decadente recebesse impulsos novos, modernos. Pode ser que Lot se sentisse em Sodoma
como um reformador, mas as forças eram muito desiguais. Lot tinha apenas forças
humanas para lutar contra forças sobre-humanas, demoníacas, demasiadamente grandes.
Seu nome deixa supor que ele ainda era dono de forças sobrenaturais, pois significa
“mágico”. Mas só pode encantar não desencantar. Encantamento significa reter um ser
em um degrau inferior do seu desenvolvimento. A decadência sodomita encantou o ser
humano, repelindo-o ao estado de animal. A tradição, inclusive o termo “sodomismo”,
usado hoje, deixam concluir que na região de Sodoma não se desencadeavam apenas
paixões animais, mas que homens e animais se misturavam sexualmente para produzir
uma raça humana animalesca. Pensava-se em elevar o Homem, mas como eles olhavam
para a natureza abaixo do Homem e não para o verdadeiro ser humano, aumentava
apenas o animal dentro do Homem e alcançaram o contrário: o encantamento.
Lot ainda possui proveniente do seu passado babilônico, um resto de forças mágicas que
atuam sobre o crescimento de todos os processos vitais. Agir como essas forças
significariam provocar um aumento físico no reino vital, seja em plantas, animais ou
homens. Mas o mundo físico já ficara muito duro para poder obedecer a essas forças. Em
vez de a substância física crescer, a vida sai. Plantas que vivem transformam-se em
minerais. Acontece o aumento da morte e o encantamento da vida em morte. Lot não
podia redimir Sodoma. Pela sua atuação, precipitou o destino de Sodoma.
Onde uma vez havia as riquezas de Sodoma, existe hoje aquele submundo do deserto de
Judá e, 400 metros abaixo da superfície do mar, o Mar Morto. É mesmo um mundo
encantado, apesar da beleza das cores do sol poente. Tudo respira a morte. O Mar Morto,
a água, o elemento da vida, assumiu o caráter de mineral morto. É uma solução altamente
salina que parece ser água viva, mas nenhum peixe, nenhum caracol, pode viver nela. Um
sopro venenoso estende-se pela região toda, que eliminaria toda a vida se o grande
deserto já não constituísse a redondeza desses mar. É mesmo o Mar Morto, centro de
irradiação de um mundo morto. Aquilo que uma vez era vida exuberante está encantado
no nível do mineral morto. O Dschebel Usdum é um grandioso bloco de sal. A terra-mãe,

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uma vez viva, endureceu-se em monte de sal. A cena, aparentemente humana, da mulher
de Lot, que não conseguiu separar-se do mundo de Sodoma, constitui-se em um fato de
dimensão sobrenatural, em toda a paisagem da região.

ABRAÃO

Abraão escolheu uma região, que até hoje se destaca dentro daquela paisagem, portadora
do signo da morte. Era uma região modesta, na qual ele percebeu a atuação de forças
espirituais. Mamré significa “o lugar da força”, e já antes dos tempos de Abraão deve ter
sido um lugar santo. A experiência espiritual de Mamré deve ter sido de calma, ligada a
uma penetração consciente do véu da natureza física.
Abraão sentiu-se atraído pela força do espírito dirigida para dentro, interiorizada. Lá ele
erigiu um altar para venerar aquela força divina, a qual tinha que servir.
No bosque de Mamré, Abraão tem um encontro que se compara ao encontro com
Melquisedeque. É na hora do meio dia, quando a cortina do mundo físico se abre e 3
figuras divinas se revelam. A lenda chama “Os Três Homens”, que visitam Abraão no
bosque sagrado de Mamré, pelo nome e mostra suas lindas cores. “Como arco-íris, lá em
cima se levanta em 3 cores, assim os três mensageiros aparecem nas cores branca,
vermelha e verde. Branco era a cor de Micael, vermelho a de Gabriel e verde a de Rafael.”
É uma experiência muito íntima, a da visita dos 3 arcanjos no bosque de Mamré. Abraão
aqui não é um discípulo real de uma guia ainda mais elevado, mas sim o amigo de Deus.
Seus hóspedes são os anjos.
A visita dos anjos, que Abraão recebe, contém o segredo desse lugar, da mesma forma
que o aparecimento, no campo dos anjos que se revelam aos pastores em Belém. É um
lugar que conservou algo do Paraíso, e lá os homens recebem como presente, a
proximidade do mundo divino dos tempos primordiais do Paraíso.
A lenda conta que Gabriel predisse a Abraão a destruição de Sodoma e Gomorra,
enquanto Micael transmitia a Sara a notícia de que apesar de sua avançada idade, ela teria

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um filho. Depois os anjos aproximaram-se de Lot, em Sodoma, comunicando-lhe o juízo
mundial que ameça as riquezas antigas.
E então veio a catástrofe. Era como se um resto do fogo que destruiu a velha Lemúria
ainda tivesse em brasa. Ele devastou a terra fértil e transformou-a em deserto e nas
soluções salinas do Mar Morto. Gases e vapores incendiaram-se, levantaram-se e deram
aos rochedos formas e cores fantásticas. É um exemplo de tempestades de fogo, de longo
alcance, que destruíra Sodoma e Gomorra, transformando quase toda a Judéia naquele
campo de escórias e cinzas de um gigantesco fogo mundial.
No destino de Sodoma e Gomorra encontramos mais uma vez a lei dos círculos maiores
e menores. O que acontece é, em um nível diferente, uma repetição menor da destruição
e do desaparecimento da Lemúria. Uma imagem do Paraíso – da queda e da expulsão do
Paraíso. Abraão, no bosque de Mamré, lembra Adão no Paraíso. Dentro da Judéia, o
bosque de Mamré e toda a região até Belém são como uma região de irradiação de forças
etéricas e poderiam ser chamados de pequenos paraísos terrenos.
A decadência sodomítica corresponde à tentação cósmica na época lemúrica, simbolizada
pelos dragões. A queda era uma incorporação do endurecimento animal na natureza. Em
Sodoma, aconteceu um aumento grotesco dessa queda, causado pela promiscuidade entre
homem e animal. O resultado foi um aumento do endurecimento do Homem. Se a raça
animal-humano, adestrada em Sodoma, não tivesse sido exterminada, uma materialização
perigosa do corpo humano teria acontecido. O mito do encantamento de um homem (a
mulher de Lot, que não podia se libertar do mundo de Sodoma) em uma coluna de sal
realizou-se não apenas na natureza, transformando toda a paisagem em um deserto
morto, mas também dentro da natureza humana, pelo aumento da esclerose e da
classificação, que edificam, dentro do homem, uma coluna de mineral morto.
Dizem que Abraão foi o primeiro Homem que apresentou os sinais físicos da velhice.
Isso mostra que a sombra da coluna de sal caía sobre todos, até sobre Abraão. O Mar
Morto é um grande símbolo do aumento das forças da morte dentro do Homem vivo.
A missão de Abraão era, eminentemente, uma missão física. Ele tinha que inaugurar uma
corrente hereditária definida e, com ela, um processo de formação que preparava, de

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geração em geração, o Homem consciente, libertado de todas as reminiscências atávicas.
Sua missão expressou-se em seu nome novo: “O Pai dos Povos”.
Como essa missão podia ser cumprida, Sara não podendo ter filhos? Agar, a serva egípcia,
deu a Abraão um filho, Ismael. Este também era portador da promessa que predizia uma
impressão de ordem cósmica nas gerações futuras. “Eis que o abençoei e o tornarei
fértil.” Gerará a doze princípes, pois quero fazer dele um grande povo. (Gen. 17,20). Essa
promessa divina referia-se a ele e se cumpriu. Como mais tarde Jacó, também Ismael
tornou-se patriarca de 12 tribos. Mas Ismael não era capaz de cumprir a própria missão
de Abraão, ele não era idôneo para produzir a forma pura e a consciência. Em seu sangue
viviam a Babilônia e o Egito. O sangue camita de Agar era forte dentro dele. A Bíblia o
chama de “caçador” e quer realçar a relação de parentesco com Nemrod, o grande
“caçador”. Ele não era um “pensador”, mas um caçador. Paixões não purificadas
entraram em seu pensamento.
Os descendentes de Ismael são as tribos árabes que mais tarde aceitaram a religião do Islã.
A essência do Islã já vivia na alma de Ismael. O símbolo do Islã, a meia-lua com a estrela
de Vênus, pode ser considerada como a expressão daquelas forças agindo em Ismael.
Vivem nele as forças da lua, não de maneira pura, mas sim de maneira extática.
Misturavam-se as forças da alma, pertencentes a épocas passadas e decadentes das
culturas babilônicas de Ishtar e da egípcia de Hator-Ísis, com a força do pensamento
lunar. Agar e Ismael são expulsos da comunidade do povo.
O nascimento de Isaque salva a missão de Abraão. Esse nascimento representa um
milagre, uma violação das leis que já estão em vigor que limitam as forças vitais e
estabelecem certos ritmos para estas. Abraão está com 100 anos e Sara com 90 quando
afinal a promessa divina é cumprida.
A aproximação do mundo espiritual, que já havia se retirado da terra, também se
manifesta do lugar de nascimento de Isaque. Milagre atrai milagre. As lendas contam que,
nesse tempo, muitas mulheres sem filhos tornaram-se férteis, muitos surdos ouviram,
muitos cegos viram. O número das luzes no céu aumentou, e Deus teria aumentado 48
vezes o brilho do sol, no dia em que Isaque nasceu.

55
Será que, pelo milagre, Isaque não é antes um filho do espírito do que um portador da
hereditariedade? Essa pergunta se refere ao segredo mais íntimo do destino de Isaque.
Isaque era menos um homem de Javé do que Abraão. Era uma alma ligada
demasiadamente ao sol, enquanto que Ismael era ligado demais lua. Por isso ele era
idôneo para continuar a corrente de Javé. Já existem em Isaque demasiadas correntes,
ligadas a um futuro ainda bem remoto. Que deve acontecer? Abraão recebe a
incumbência de sacrificar Isaque. Qual será o sentido desta severa ordem divina? Porque
será que o mundo divino dá o filho prometido pela sua graça, para logo depois pedi-lo de
volta? Não parece que aquela abominável decadência babilônica, onde se praticava
sacrifícios humanos e matança dos primogênitos, estava surgindo agora também em volta
de Abraão?
Já falamos do lugar de mistérios de Melquisedeque em Jerusalém. É para lá que Abraão
leva seu filho para cumprir a tarefa tão difícil do sacrifício.
Abraão, que se dedica com toda a sua alma ao serviço lunar de Javé, sabe do mistério
solar escondido e reconhece como seu guia superior aquele que dirige esse mistério. Ele
está disposto a sacrificar o filho prometido nos mistérios de Melquisedeque. Sente que
Isaque lhes pertence, porque seu ser é um ser solar.
Devemos imaginar que Abraão, que nunca fez uma iniciação no sentido dos mistérios
solares, não sabia como interpretar e em que sentido este sacrifício deveria ser feito. Em
sua alma vive o heroísmo da obediência e a disposição para sacrificar-se.
Algumas lendas descrevem um acontecimento espiritual muito importante que se deu na
hora do sacrifício. “Quando a espada tocou o pescoço de Isaque, sua alma voou até o
céu. Quando o Senhor fazia soar sua voz da esfera dos Querubins: “Não ponhas tua mão
no menino!” a alma voltou para dentro do corpo. Abraão o desamarrou, e ele pôs de pé.
Isaque então soube que existia a ressurreição dos mortos e falou: “Bendito seja o Senhor,
que faz ressurgir os mortos.”
Não é que tenha acontecido nada. Isaque, de fato, passou por uma morte. Só que não era
aquela morte para sempre, que separa a alma do corpo, era a morte da iniciação, que leva
a uma ressurreição e elevação da vida. O filho solar de Abraão passou por uma iniciação,

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no lugar oculto do mistério solar, e tornou-se discípulo de Melquisedeque, conforme
revelam as comunicações apócrifas. Dizem que Isaque, depois do sacrifício no Monte
Moriá, permaneceu 3 anos na escola de Sem.
O que Isaque vai fazer? Agirá conforme os impulsos solares dentro da sua personalidade?
Teria feito isso se tivesse seguido os seus próprios impulsos e seu próprio
desenvolvimento. Dessa maneira não teria feito jus à tarefa abraâmica, antecipando o
futuro messiânico. Pela sua transformação nos mistérios solares ele tornou-se consciente
da sua tarefa presente. Ele entendeu que devia renunciar aos impulsos solares a favor de
Javé. O “Sacrifício de Isaque”, onde ele devia ser oferecido em sacrifício, terminou pelo
sacrifício que ele mesmo faz. Para fazer jus ao futuro, deve ser feito um sacrifício no
presente.

O sacrifício do carneiro

O carneiro deve ser considerado como o símbolo de uma época futura. Naquela época o
equinócio da primavera se realizava no signo do Touro. Numa época futura seria no
signo de Áries (carneiro). O futuro deveria ser sacrificado em prol do presente.
Nos mistérios de Melquisedeque, Isaque aprende do sol, o caminho lunar. Por não ter
trazido o suficiente para cumprir a tarefa de Abraão, Ismael foi expulso. Isaque trouxe
demais, e para poder ser portador da herança, devia fazer o grande sacrifício. A vida de
Isaque, daqui em diante, se passa na intimidade, no silêncio. A cena do sacrifício
predomina em toda a vida de Isaque. A sua cegueira parece implicar que a renuncia ao sol
se fez corpórea. “Quando Isaque era velho, seus olhos ficaram escuros.” Isaque, que era
como também Melquisedeque, uma alma solar, devia viver na intimidade, atuando mais
pela sua “existência”: pelo seu “ser”, do que por atos. Mas o sacrifício volta,
interiorizando, num nível mais elevado do desenvolvimento. A essência solar, sacrificada
por Isaque, brilha sobre o povo que nasce como um brilho de ouro futuro. O povo está
sendo guiado pelo sol, mas os indivíduos do povo ainda devem ser servidores da lua. O
futuro já se anuncia nos próprios acontecimentos.

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A imagem mais nítida é a morte e a ressurreição de Isaque no monte Moriá. Era um
prenúncio, uma primeira realização da morte e ressurreição de Cristo, consumadas no
mesmo lugar, bem mais tarde.
A Bíblia pinta imagens que indicam o futuro de Cristo, mostrando Isaque sempre junto a
um poço. O papel das árvores na vida de Abraão é substituído pelo poço na vida de
Isaque. Isaque dá nova vida à morte. Bersheva ou Bersabéia, a cidade dos 7 poços, ao sul
de Hebron, na região de Sodoma, já deserto, é a própria cidade de Isaque. Na terra dos
Filisteus, Isaque dá nova vida aos poços destruídos. (Gen. 26,18) e abre outros novos.
Em ocasiões especiais da sua vida, quando Eliezer traz da pátria dos antepassados a sua
esposa, e depois da morte de Abraão, encontramos Isaque no “poço dos que vivem e
vêem”. (24,62, 25 II). São imagens proféticas de um futuro revivescimento da vida na
terra que está morrendo, de uma reconquista do paraíso perdido.
Na trilogia Abraão, Isaque e Jacó, só Abraão e Jacó realmente se destacam na história,
oscilando entre as colunas da Babilônia e do Egito. O destino de Isaque passa-se sem
grandes movimentos exteriores. Isaque não chega aos países do passado. Ele permanece
na terra prometida. Tomando a Trilogia Abraão, Isaque e Jacó como reflexo no plano
humano, da trindade, então Isaque representa o princípio do Filho, ainda oculto. O
Tempo do Filho não está maduro. O Filho permanece oculto na esfera do sacrifício. Saul,
Davi e Salomão os primeiros reis, representam outro reflexo da trindade. Desta vez é a
figura do meio a que se destaca mais: “A era do Filho está se aproximando”.

JACÓ

Jacó representa uma alma forte, uma alma que luta uma alma individual. A humanidade
entra na era da personalidade individual.
As oscilações das migrações de Jacó levam-no para as mesmas terras distantes, como
Abraão, enquanto do meio, Isaque, permanece em uma tranqüilidade misteriosa. O
motivo das migrações de Jacó não é um chamado do espírito, no sentido de procurar a
terra prometida, mas a força do destino, ou seja, a perseguição e a miséria provocadas por

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uma existência sem pátria. A fuga de Esaú levou Jacó à Babilônia e, quando no fim de sua
vida ele foi para o Egito, é porque havia o filho predileto e porque em sua própria terra
reinava a seca e a pobreza. Sempre Jacó tem que lutar. A Bíblia já o mostra, no ventre
materno, em luta com o irmão gêmeo. Ele precisa lutar pelo direito do primogênito, lutar
por Raquel, até com seres do mundo espiritual. Até seu nome ISRAEL, significa: “o que
lutou com Deus”.
A promessa de que os descendentes seriam como a estrela do céu não se cumpriu tão
logo como Ismael, pelo nascimento de 12 filhos. Ele ainda tinha que passar por uma
prova e separação. Rebeca tinha dado a Isaque o par de gêmeos, Esaú e Jacó. Qual dos
dois seria o portador da missão prometida?
Esaú nasceu primeiro. Jacó segura, dentro do ventre materno, o calcanhar de Esaú e o
solta só depois do seu nascimento. Esta imagem, de maneira oculta, já contém a decisão:
Jacó nasce mais tarde, mas ele é portador das capacidades do futuro. Esaú pertence a um
mundo passado, portador de grandes forças que não são adequadas à época. Seu
calcanhar é fraco, ele não pode andar para frente, ele coxeia e fica para trás.
Esaú pode ser comparado a Aquiles, que teve o calcanhar vulnerável, que não tem a força
de transpor o limiar da época nova. Ele tem que ceder o lugar ao homem do futuro,
Ulisses, portador da inteligência, que sabe substituir a força pela inteligência e pela astúcia.
Em geral a leitura da Bíblia provoca uma simpatia por Jacó, quando a gente deveria sentir
em sua atitude uma falta de moral. A tradição extra-bíblia mostra Esaú com mais justiça.
Mostra que em Esaú atuam antigas forças solares, enquanto Jacó é portador de forças
lunares. Na personalidade de Esaú age a natureza solar do homem físico, já superada pela
humanidade progressiva, mas ainda continuando em uma forma decadente. As forças
vitais não estão congruentes com as formas orgânicas, mas as ultrapassam, sobressaindo
nas formas gigantescas, cósmicas da natureza. É por isso que Esaú foi descrito como um
homem de tamanho físico e de forças enormes e, como Nemrod, ele é descrito como
caçador. Enquanto Jacó, conforme sua constituição física prefere a vida dentro de casa,
Esaú vive como caçador nos campos.

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Na figura histórica de Esaú devemos imaginar diferente daquilo que concluímos da
descrição imaginativa da Bíblia. Nemrod aparece como o caçador selvagem, enquanto na
realidade ele era um dos reis mais poderosos e o criador da cultura babilônica. Assim
devemos imaginar também Esaú como sendo um grande guia da tribo, em um ambiente
que não é primitivo, mas adequado a sua dignidade de príncipe. Esaú significa: ”o
peludo”. A descrição de que ele era coberto de cabelo, como se fosse de uma pele,
contribuiu para a opinião de que se tratasse de um selvagem. Outra vez temos, pelo
próprio texto, uma alusão às velhas forças solares. Jacó, diante de Esaú é parecido com o
alfaiate em frente do gigante, no conto de Grimm. Pela imensa força da sua vontade,
ainda cósmica, Esaú é maior do que seu corpo. Nele moram forças maiores do que na sua
personalidade limitada, individual, mas a luz da consciência ainda não é capaz de penetrar
em sua personalidade.
Jacó é completamente fechado dentro do seu corpo, mas justamente por causa disso ele
possui o espírito intelectual. Como no conto do “Pequeno Alfaiate”, que ganha do
gigante pela sua inteligência, assim também Jacó triunfa sobre o irmão.
A compreensão usual da descrição bíblica pode, naturalmente, ver naquilo que acontece
entre Jacó e Esaú uma fraude. Mas isso não revela o sentido mais profundo da história.
Em primeiro lugar, a vantagem que Esaú tem sobre Jacó pelo fato de ser o primogênito,
não pode ter tanta importância, uma vez que são gêmeos.
A tradição extra bíblica dá uma série de alusões, deixando supor que, atrás das imagens da
Bíblia, se escondem fatos históricos que mostram todos os acontecimentos em relação
aos acontecimentos sacros. Dizem que o prato lentilhas, pelo qual Esaú cede o direito do
primogênito, tinha sido uma refeição de luto cerimonial, por ocasião da morte de Abraão.
Esaú sempre foi descrito como tendo uma inclinação para pensar na morte, tendo por
isso se sentido extremamente atraído por esse prato ligado à cerimônia para os mortos.
Esaú disse: ”Para que serve o direito da primogenitura para mim, uma vez que tenho que
morrer?” (Gen. 25,32). Isto pode mostrar que ele era portador de forças espirituais, sem
futuro, que ele possuía ainda a natureza da ira, mas não a coragem criativa que leva o
futuro. As lentilhas estão relacionadas aos ritos antigos. Os Brâmanes e os Pitagóricos

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evitavam esse alimento, pois provocava uma ligação excessiva da alma com o corpo
físico, com a matéria. Esaú incorpora tal corrente espiritual, cuja alma liga-se com luxúria
à matéria do corpo físico e da natureza. Descreve-se em seguida que Esaú passou a Jacó,
junto com o direito de primogenitura, também o seu emblema; daí em diante Jacó era
dono da veste de pele de Adão. Segundo a tradição, não só o livro de Adão, mas também
a veste de Adão era passada de geração em geração. Com isto é feita a referência as velhas
forças de consciência solares. Dizem que Deus deu a Adão uma veste de pêlo, composto
de todos os pêlos do reino animal, quando este teve que sair do paraíso. Esse casaco
passou para Enoque e, enfim, para Noé. Enquanto o livro de Adão passou para Sem, a
veste foi para Cam. Entre os filhos de Cam, Nemrod ficou herdeiro dela, e essa veste fez
dele o grande caçador. Todos os animais aproximavam-se dele, quando ele a usava,
porque eles o tomavam por seu rei. Esaú matou Nemrod e pegou a sua veste de pêlo.
Outras lendas dizem que essa veste passou de geração em geração, sempre para o filho
primogênito, e assim ficou com Esaú.
Isso mostra que Jacó usou um meio justo e não fraudulento, quando pôs a veste de pele
para receber a benção do pai cego.
O que parece ser a história de uma fraude, na verdade é nada mais que a história do
nascimento do intelecto. Não é só Jacó que comete um erro, mas a humanidade toda dá
um passo a mais na queda e no pecado. O mundo antigo vivia na essência do ser. Agora o
homem individualizado produz, pelo seu raciocínio, o reflexo do ser que ele quer retomar
por realidade. Ao intelecto está ligada uma astúcia cósmica: o afastamento de Deus. Ele
tem, desde o começo, o caráter do engano. O erro cósmico do intelecto necessário para a
conquista da liberdade individual é representada, na Bíblia, na imagem da fraude
individual.
O problema da primogenitura não aparece, pela primeira vez, na Bíblia com Esaú e Jacó,
nem a necessidade da eliminação. Existe um processo de seleção. Caim tinha que
renunciar ao direito do primogênito, quando Set ficou como tronco da raça futura,
portadora dos impulsos progressivos. As velhas tradições designam uma vez Cam, outra
vez Jafé, como primogênito. Foi preferido Abraão e não o irmão mais velho, Haran, e

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também Isaque e não o irmão mais velho Ismael, vemos atuar uma previsão eugenética,
para cumprir uma tarefa histórica definida. É necessário eliminar dessa linha aqueles que
ainda estão ligados ao passado. Eles tornam-se entroncamentos de linhas laterais que,
fisicamente, mais tarde vão ligar-se espiritualmente a corrente principal. Assim foram
eliminados da corrente principal, Caim, Cam e Jafé, Haran e seu filho Lot, Ismael, Esaú,
Rúben, o primogênito de Lia, e José, o primogênito de Raquel. Seria como um contínuo
sacrifício histórico do primogênito, não realizado de maneira cruel, como na Babilônia.
Com cada passo das gerações, deve ser feito um progresso espiritual definido, que torna
necessário eliminar o domínio exclusivo da lei da hereditariedade natural. Somente uma
hereditariedade que se espiritualiza é apta para preparar o envoltório para o futuro divino.
A hereditariedade deve combinar-se com o princípio da seleção espiritual. Todas as
antigas forças de clarividência e de magia estão eliminadas em prol da forma pura. O
povo de Israel é o “povo escolhido” pela providência eugenética, que determina sua
seleção desde os primórdios.
Jacó é o primeiro que conscientemente se emancipa do domínio exclusivo das leis da
natureza. Ele deve, pelo próprio destino, sofrer as dores causadas pela eliminação da lei
do primogênito.
Aquilo que foi eliminado da evolução física deve ser recuperado espiritualmente. Assim
Jacó recebe a ordem de ir à Babilônia. Há dois motivos, segundo a descrição imaginativa
da Bíblia: a fuga perante a ira de Esaú e o desejo de procurar a esposa certa. E quando
Jacó, depois de sua volta, se reconcilia com Esaú, não é só por causa do lapso de tempo
que se passou. Pela sua estadia na Babilônia, Jacó aceitou de maneira íntima a herança do
mundo antigo, que ele havia ignorado na figura de Esaú.
Jacó começa sua migração. Percorre o caminho de Abraão em direção oposta, como se
ele voltasse para o grande seio materno da humanidade. O alvo de sua migração é a velha
cidade dos Templos, Haran, primeiro alvo também de Abraão, depois de deixar a sua
terra, a cidade de Ur. Não devemos imaginar Jacó como pastor, um ambiente de campos
e pastos. Na realidade, o fundo da sua estada na Babilônia é o mundo grandioso dos
Templos e do culto.

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Labão, irmão de sua mãe rebeca, é descendente do irmão de Abraão, Nacor. De nenhuma
maneira devemos imaginá-lo, segundo a imagem bíblica, como sendo um xeque nômade e
rico. O seu próprio nome leva a uma compreensão melhor. Labão, nome de uma
divindade lunar, significa: “O que brilha com uma luz branca”.
Haran, a cidade de Labão, é a cidade lunar do mundo antigo. O centro da cidade era um
velho templo lunar. Chegamos mais perto dos fatos históricos, se imaginarmos Labão
como sacerdote importante de um grande santuário lunar. A imagem do pastor deve
referir-se a um sacerdócio, exercido na direção de um grande rebanho.
É também importante a grande época de sua vida que Jacó passa na Babilônia, a serviço
de Labão. São vinte anos dentro da cultura babilônica. É a época mais importante da vida,
os melhores anos. Se não foi a época maior, era pelo menos a mais decisiva em seu
destino terreno. Em Haran, nascem quase todos os filhos de Jacó. Onze dos 12 filhos e a
filha Dina eram babilônicos de nascença. Jacó mesmo, pela influência de tantos anos, era
mais um homem da Babilônia do que da Palestina.
Jacó viveu e serviu na casa de Labão como discípulo. Pela descrição imaginativa, Jacó
serviu, nos primeiros dois setênios, pela esposa, no último pela posse dos rebanhos. Duas
vezes sete anos serviam a um desenvolvimento individual. No seu fim, ele é aceito pelos
guardas dos mistérios babilônicos em Haran. O tempo que ele serviu pelos rebanhos
adiciona um desenvolvimento, do qual ele, pessoalmente, não precisava mais; mas
submeteu-se a esse aprendizado para levar algo do tesouro da Babilônia para a terra
prometida.
No seu desejo de casar com Raquel, Jacó está sendo envolvido em um grande drama. Será
que está sendo enganado, como enganou a Esaú? Aqui há segredos mais profundos. Não
é por fraude que Lia é dada por Labão a Jacó como esposa; é uma antiga ordem sagrada.
A intenção de Jacó, de casar com Raquel, nasceu do mesmo desrespeito e não da
observação da antiga ordem. Aqui, em Haran, isso não é tão fácil; não é possível. O
passado exige seu direito. Labão disse: “Não é costume, na nossa terra, casar a filha mais
moça antes da mais velha.” (Gen. 29,26). Isso mostra a natureza sacra da natureza
humana. Deve ter havido na Babilônia uma lei sacra da primogênita feminina. As filhas

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primogênitas dos sacerdotes também eram sacerdotisas. Provavelmente devemos
imaginar Lia como sacerdotisa no templo da lua. Lia significa: ”fraquejar, diminuir-se”,
uma imagem das forças ligadas ao passado. Raquel significa: “carneiro” e aponta para o
futuro espiritual, como também Isaque. Assim mesmo essas forças devem ser adquiridas
novamente, pelas gerações. A essas forças pertencia o amor de Jacó.
Por uma nova fraude, Jacó toma uma grande parte das riquezas de Labão e deixa
secretamente o país. Seria errado outra vez ver aqui apenas a fraude. As riquezas
adquiridas na Babilônia são riquezas da sabedoria dos templos. Pela força do intelecto ele
soube encurtar a aprendizagem. Que as “riquezas” tinham caráter de mistérios, se
expressa pelo fato de que Raquel levou os deuses de seu pai. Ela não se contenta com o
futuro interiorizado, intelectualizado, ela não pode se separar do culto, dos seus objetos e
símbolos.
Não se sabe direito o que significavam este “terafim” que Raquel levou. Séculos
posteriores dão descrições horrorosas dos mesmos, dizendo que eram cabeças de crianças
primogênitas masculinas, com lábio dourados, que falavam conforme certas fórmulas de
exorcismo. Para a época mais antiga, ainda não decadente, vale provavelmente a descrição
de que eram figuras feitas em forma humana, em ouro ou prata, que recebem em épocas
determinadas as forças das estrelas e predizem o futuro. Os costumes babilônicos chegam
bem próximos a Jacó.
Labão viaja atrás de Jacó e os seus, até os limites da Palestina. Ali Labão não cobrou a
responsabilidade de Jacó; mas uma revelação interior convido-o a fazer as pazes com ele,
que se tinha apoderado, de maneira fora do comum e injusta, de segredos dos mistérios
de Haran. Agora Jacó recebe a posteriormente a licença daqueles que cuidam desses
mistérios. Seu tempo de aprendizado está terminado. Ele está é elevado de discípulo a
membro autorizado dos mistérios da Haran. A Babilônia reconhece a forma pela qual foi
incorporada por Jacó nele próprio e na parte da Humanidade que por ele deve ser
liderada. As pazes com Labão são feitas; agora falta fazer as pazes com Esaú. Foi feito jus
à ordem antiga.

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Naquela época, cada viagem exterior era, ao mesmo tempo, um desenvolvimento interior.
Enquanto o Homem físico se movimentava de um país para outro, a alma estava sendo
levada por esferas diferentes. Abraão tinha que fazer sua viagem, seu caminho do leste
para o oeste, da região do paraíso na direção em que a futura humanidade ia se
desenvolver. Jacó já era adiantado no desenvolvimento do intelecto, do afastamento do
mundo espiritual. Ele devia fazer o caminho de Abraão mais uma vez, mas em direção
oposta. Os Servos Divinos queriam levar Jacó até a porta do Paraíso, aquele lugar
transjordânico, além do Jordão, onde a terra era considerada como o espelho do mundo
espiritual. A migração, de fato, provocou um contato mais íntimo com os mundos
divinos. Jacó, já intelectualizado e afastado do mundo espiritual, tem uma experiência
espiritual muito importante. Durante o sonho, ele vê a escada celeste e nela, anjos
subindo e descendo. Durante todo o dia, ele está sozinho com seus pensamentos, durante
a noite passa pela vivência de fazer parte do mundo divino, das hierarquias dos anjos. O
filho perdido voltou a casa do pai. Ele clama: “Santo é este lugar, aqui é a casa de Deus, a
entrada dos céus.” (Gen. 28,27). Jacó chama este lugar de Betel, Casa de Deus. Ele edifica
uma coluna de pedra, para lembrar o lugar onde vira os céus abertos.
Foi provavelmente no lugar de um antigo santuário que Jacó teve essa vivência espiritual,
a Bíblia diz que era na cidade “Luz”. Conforme os ritos do santuário, ele edificou a
Massebe, a coluna sagrada. É uma maneira mais simplista de pensar que Jacó tenha
dormido apenas no campo, e que tenha usado a pedra, que serviu de almofada durante a
noite, para erigir um momento para lembrar seu sonho. A pedra edificada por Jacó em
Betel é um Menir (estela) e pertence como o círculo de pedras mais tarde edificado por
Josué em Guilgal, sem dúvida a cultos muito antigos, provavelmente pertencentes às
últimas épocas da Atlântida. (Como também as culturas druídicas na Irlanda, na Bretanha
e na Alemanha setentrional).
Os dolmes e os menires são monumentos erigidos em lugares santos, onde o homem
estava em contato com as forças solares. Os sacerdotes viam, nas sombras, onde havia
uma atuação maior das forças etéricas do sol, como as forças celestes subiam e desciam, e

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assim recebiam suas inspirações. Eles viam as forças espirituais e cósmicas do sol nas
forças verticais da natureza, nas forças que sobem de baixo para cima.
Jacó, então, entrou em um destes santuários cósmicos. O sol busca durante a noite aquele
que, durante o dia se dedica ao seu intelecto lunar. “Ele entorna óleo na cabeça da pedra.”
(Gen. 28,18). Ele faz com a pedra a mesma coisa que o mundo espiritual fez com ele.
Jacó, desde a experiência em Betel, sabia quais eram as forças que tinha que abandonar.
Por isso, na babilônia, dedicou-se apenas aos cultos lunares. Quando, depois de 20 anos,
na Babilônia, Jacó voltou a Canaã, ele experimentou a segunda grande experiência
espiritual depois de sua reconciliação com Labão, no limite da Palestina. Revelam-se as
hierarquias celestes. E quando ele os viu, disse: “Vejo o exércitos de Deus”. E ele chamou
o lugar de Manaim, “exércitos”. (Gen. 32,2f.). O que ele viu no começo de sua viagem
durante a noite, no sonho, vê agora em pleno dia, com toda a consciência. Olha para a
esfera do espírito em que mãos invisíveis o seguram e lutam por ele.
No Jordão, teve a terceira das importantes experiências espirituais (não durante a noite
como a primeira, não durante o dia como em Menachim, mas no limiar entre o sono e a
lucidez, antes do nascer do sol), que levará, definitivamente, para o estado da lucidez, para
o país das tarefas do presente e do futuro. Um poderoso ser espiritual o encontra, na hora
do acordar. – Ele deve lutar. Na primeira da grande luta, na hora do “acordar, Jacó quer
livrar-se. Mas é como se a força espiritual que o segurava, dissesse: “Não te deixo se não
tiveres passado pela prova.” Jacó passa pela prova vence a luta, mas agora é ele quem não
quer deixar o outro, cuja santidade ele sente. “Não te deixo se não deres a tua benção.” A
benção de Isaque, Jacó a recebeu por meio da sua inteligência. A benção da força divina
ele recebeu por causa da sua força e da coragem anímica. Ele ficou ciente desta benção
pelo nome que recebeu – Israel, o que lutou com Deus.
Jacó perguntou ao anjo quem ele era, este não dá a resposta por meio de palavras, mas
Jacó recebeu a resposta através da visão. Ele chamou o lugar, onde lutou com o anjo no
fim da sua caminhada de “Fanuel – a Face de Deus”, por que foi o Arcanjo Micael quem
se revelou depois da luta. “A Face de Deus” acompanhou-o com seu olhar, quando ele
deixou a casa de Deus para entrar na liberdade.

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A luta de Jacó era a consumação da separação do reino de Marduk, o antigo impulso
micaélico. O sol o liberta. Ele deixa que o homem se separe com sua inteligência lunar.
Ele pode fazê-lo, porque a centelha de liberdade humana já começou a brilhar e passou
pela prova. O germe da força do Ego lutador, dentro do homem, é uma garantia para o
futuro, quando o homem se ligará novamente, pela liberdade, às forças solares. Assim o
sol se retrai inclusive o equilíbrio cósmico que até lá havia predominado dentro do
Homem. Ele toma a força do equilíbrio, ele “desloca o quadril”. De agora em diante o
homem, na tempestade do destino, deve manter o equilíbrio e lutar por ele. “Deslocar o
quadril não é um ato hostil, mas de confiança. O sol entrega o homem à liberdade.
O nome Israel não é um nome pessoal, mas o nome do povo que descende de Jacó. O
grande anjo do sol ainda não pode morar em uma alma humana, mas ele pode tornar-se
protetor, guia do povo escolhido. O sol, que no futuro se torna homem, agora tornou-se
povo, para preparar o caminho do futuro. O povo tornar-se um fato messiânico. Começa
um desenvolvimento histórico, cujo portador, visto pelo lado de fora é o povo de Israel,
enquanto que visto pelo lado de dentro é o novo espírito do povo (Volksgeist) o Arcanjo
Micael.
A luta de Jacó com o anjo é um acontecimento espiritual que corresponde ao encontro de
Abraão com Melquisedeque. É sempre o Sol que oferece sua ajuda no caminho lunar. O
Sol se fez alma do povo. De agora em diante o “Homem Lunar”, que se sente membro
do povo eleito, pode andar pelo seu caminho sob a nuvem brilhante do próprio guia
espiritual do povo, o Arcanjo Micael.

JOSÉ E SEUS IRMÃOS

Quando Jacó recebeu o nome de Israel, o povo de Israel nasceu espiritualmente. Junto
com Jacó, 11 filhos e 1 filha estavam prontos a trocar a terra, Babilônia, pela dos seus
antepassados, a Palestina. Quando, pelo nascimento de Benjamin, o número dos filhos
completou-se em 12, Israel nasceu como povo, na terra. É o começo das 12 tribos,

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reflexo do zodíaco na esfera do homem. Cumpre-se a promessa de que um povo nascerá
igual as estrelas do céu.
Entre os 12 filhos de Jacó, há um que é completamente diferente de todos os irmãos.
Podia-se acreditar que ele fosse de outra família, até de um mundo diferente. É o mais
novo daqueles nascidos na Babilônia, José. Ele é de uma beleza quase feminina, tem algo
de celeste, do além, em volta dele.
José não é lutador como seu pai Jacó. Parece que ele é o querido dos deuses, mesmo
quando os homens lhe querem fazer mal. É como um hóspede do além, que leva o seu
destino das estrelas até o Homem.
Jacó adora esse filho e se apega a ele com grande amor. É o primogênito de Raquel, a
recompensa dos longos anos babilônicos, o espelho que permaneceu na terra, da alma de
Raquel, que já o abandonou. Raquel não levou de Labão apenas os terafim, mas também
Tamus, o jovem divino; levou-o na alma de seu filho. Nessa figura humana de José, Jacó
podia venerar os deuses babilônicos. Ele o enfeita com uma veste com que costuma
enfeitar somente as imagens dos deuses. É uma veste composta com muita arte de muitos
pedaços, que pode ser considerada como a reunião de todos os reinos da natureza. Jacó
presenteia José com a veste dos deuses, sublinhando desta forma seu ser tão diferente,
celeste. Esta veste deve ser uma espécie derivada da assim chamada veste da pele de
Adão, que era também um emblema do primogênito. Talvez Jacó quisesse demonstrar
que preferia o primogênito de Raquel ao primogênito de Lia.
José se diferencia de seus irmãos mais pelo seu grau de consciência do que pelo seu modo
de ser. Ele ainda possui restos da velha clarividência. Ele tem sonhos de imagens
sobrenaturais. Vê o mundo exterior através de um véu de sonhos. Não é de admirar que
ele tivesse que entrar em choque com o mundo bastante sóbrio dos irmãos. Com uma
inocência divina, José conta aos irmãos os seus sonhos. Mundo do sonho para ele é o
mundo real. Nessa época de sua vida, não pensa em explicar os sonhos. Ele simplesmente
vive nas imagens, sem pensar nos conflitos que delas podem resultar.
Os sonhos de José o mostram como tendo uma posição superior aquela dos irmãos e dos
pais. Primeiro ele sonha com os 12 feixes de trigo maduro, cada um pertencendo a um

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dos 12 filhos de Jacó. Os onze abaixam-se diante do seu. Depois ele vê os 12 signos do
zodíaco. Em frente do seu signo abaixam-se os outros onze inclusive o sol e a lua. Era
natural que isso provocasse a raiva dos irmãos, não só pelo conteúdo dos sonhos, mas já
pelo simples fato dos sonhos. O fato de que José tinha sonhos, criou um grande e
intransponível abismo entre ele e os irmãos. Eles queriam livrar-se dele.
Nos 10 filhos mais velhos de Jacó vive a consciência da missão abrãamica. Mais por um
instinto do que conscientemente, eles sabem que todas as faculdades visionárias devem
ser superadas, para desenvolver as forças intelectuais. Quando José, um dia, apareceu com
sua veste em Siquém, para dar aos irmãos uma mensagem do pai, eles disseram: “Vejam,
aí vem o dono dos sonhos!” (Gen. 37,19), e resolveram expulsá-lo.
No mesmo lugar onde os irmãos decidem sobre a expulsão de José, havia acontecido
antes o drama horroroso de Dina. A chave desse acontecimento acha-se no parentesco
que existe entre essa região, a Sumária e a Babilônia.
Praticava-se ali um culto misturado com elementos sexuais, que exercia sobre Dina uma
certa atração. A descrição imaginativa da Bíblia diz: “O príncipe do país tinha-se ligado a
ela em relações amorosas, sem pedir a licença do pai e dos irmãos para casar. A gente de
Siquém queria misturar-se com o jovem povo de Israel. Jacó e seus filhos encontram aqui
aquele mundo do qual tinham procurado distanciar-se desde os tempos de Abraão, pelo
culto de circuncisão. Eles impõem como condição, antes de dar licença para o casamento
de Dina e Siquém, que todos os homens se submetam a circuncisão. Mas alguns entre os
filhos de Jacó queriam exterminar, de uma vez, o modo de ser dos babilônicos. Eles
sabem que a circuncisão, só não significa a mudança da consciência antiga e poderia por
em perigo a missão de Israel. A Bíblia descreve, em imagens sangrentas, como Simeão e
Levi provocaram o fim do mundo samaritano decadente. No drama de Dina, a época
babilônica de Jacó tinha chegado a um fim, o caminho estava doravante livre para um
futuro adequado no sentido da missão abrãamica.
É também perto do mesmo lugar, Siquém, que os filhos de Jacó expulsam aquele em cuja
alma continua vivendo, apesar da maneira fascinante, o mundo antigo e desatualizado.
Desistem do plano de matá-lo, quando Rúben propõe jogá-lo no poço. A palavra que a

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Bíblia usa para “poço” significa também “túmulo”; é possível que tenha sido um dos
túmulos dos dolmes, de pedras gigantescas, ainda hoje existentes naquela região, onde os
sacerdotes do Sol, como os Druidas do Norte, eram sepultados durante alguns dias para
receber uma iniciação. Talvez os irmãos tenham fechado José dentro de um desses
túmulos, livrando-se dele e ao mesmo tempo desprezando todo o mundo antigo. Depois
o libertaram quando Judá propôs vende-lo por 20 moedas de prata à caravana dos
Ismaelitas, que estava passando. A escrita apócrifa “Os Testamentos dos Patriarcas”, diz
que José teria ficado no poço durante 3 dias e 3 noites. É bem possível que os irmãos,
sem querer, tenham proporcionado a José uma iniciação que enalteceu e firmou a força
clarividente que ele já possuía.
José está sendo eliminado do povo de maneira parecida com a de Ismael. A história de
José contém em imagens, as relações entre a natureza Ismaelita e o Egito (Ismael era filho
da egípcia Agar), como o parentesco do destino entre Ismael e José. A viagem dos
comerciantes ismaelitas para o Egito, a terra da sua mãe Agar, cumpre o destino de
Ismael e José, levando-o ao Egito. As imagens do passado encontram-as do futuro, onde
outra vez entre doze, há um Judas que vende alguém que anda entre os homens com
uma auréola divina.
Entram ainda, na história, a imaginações pertencentes à antiga cultura do oriente
próximo. Os irmãos pegam a veste de José, sujam-na com sangue de um animal e levam-
na ao pai. Isso lembra algo que tem um papel importante no culto de Adônis-Tamus na
Síria e na Babilônia. O jovem divino foi rasgado por um javali feroz. As lamentações de
Jacó parecem-se com aquelas dos templos de Adonias.
No Egito, José encontra um mundo que possui desenvolvimento cultural grandioso. Mas
já havia passado o tempo das grandes revelações sobrenaturais. As forças divinas não se
manifestavam mais. A corte do Faraó tinha sido transferida para o sul. Isso era uma
grande mudança na vida do Egito. Há as duas cidades, Tebas e Karnak, uma em frente à
outra, de cada lado do Nilo, representando uma o mundo do sacerdócio e a outra o poder
real do Egito. Enquanto antigamente havia só uma função incluindo o poder religioso e
político, estes agora se dividiram em dois.

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Quando José chegou ao Egito, encontrou ali o começo de decadência. No conto que fala
da tentação na casa de Potifar, a qual ele resiste, mas que o faz passar muitos anos na
prisão esconde-se o encontro de José com o mundo decadente egípcio. Nos capítulos 38
e 39, a Bíblia mostra de maneira impressionante, os destinos dos dois irmãos Judá e José.
Judá não resiste à tentação na própria terra. Ele casa com uma mulher cananéia. Mas os
seus 3 filhos não podem ser portadores da missão de Abraão. Outra vez acontece a
tragédia do primogênito. Ele morre sem deixar filhos. O segundo filho recusa-se a gerar
descendentes ao irmão falecido. Antes que o terceiro filho ficasse homem, o próprio Judá
se une à viúva do seu filho mais velho, que ele não reconheceu, mas tomou por uma
prostituta. O mais velho dos filhos gêmeos de Judá e Tamar continua a geração da missão
futura.
O nome Potifar significa: Sacerdote do Touro Sagrado, e aparece duas vezes nos contos
de José. Duas vezes encontramos José em relação com a vida religiosa egípcia, uma vez
na desgraça, outra na graça. Havia entre José e o mundo dos Templos uma relação
astronômica. Como cada um dos 12 filhos de Jacó, também ele recebeu os dons da sua
natureza de uma das 12 casas do Zodíaco. O seu signo era o Touro. Era esse também o
signo do Egito. O mundo egípcio era dominado pelo culto do Touro sagrado Ápis. Ao
primeiro Potifar, José serve como administrador de sua casa. Durante esse serviço, ele
tem que resistir à tentação. E o reflexo daquela parte do culto de Adônias-Tamus, que
conta como Vênus-Afrodite ama o lindo moço divino. A descrição imaginativa da Bíblia
mostra como a tentadora se vinga e pela sua mentira consegue que ele vá para a prisão.
Adônis, rasgado pelo javali feroz enviado por uma deusa ciumenta, chega ao mundo
inferior com suas sombras. Depois de muitos anos de prisão é libertado pelo Faraó e
recebe todas as honras. Agora aparece, pela segunda vez, um Potifera. É o sumo
sacerdote do On-Heliópolis, cuja filha Asenate é dada como esposa a José pelo Faraó.
Na imagem deste casamento podemos ler que se trata de sua iniciação nos mistérios
egípcios. O sacerdote que lhe dá sua filha como esposa significa que ele reconhece José
como justo dono dos segredos dos mistérios. O nome de Asenate, de sua esposa contém

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o nome de Neith o nome da deusa velada de Scis, a “Grande Mãe do Sol”, a “Mãe dos
Deuses”. O Adonias, libertado do submundo, encontra no lugar da amante a noiva.
Heliópolis, Beth Shemesh ficava no Norte de Menfis e manteve os mistérios vivos e
puros até épocas bem posteriores. Ainda Platão foi durante 13 anos, discípulo dos
sacerdotes egípcios de Heliópolis.
A mudança do seu destino, o enaltecimento para administrador de um povo poderoso,
aconteceu pelo fato dele saber interpretar sonhos. Ele reúne duas capacidades dentro de
si, a herança da velha clarividência e a força intelectual abrãamica. No ambiente dos
Abraamitas ele aparece como um Babilônico ou Egípcio, ele é o sonhador. No Egito ele é
antes do Abraamita, portador da inteligência, é o interprete dos sonhos. Assim, é capaz de
dar um novo impulso à vida egípcia. Ele inocula à cultura egípcia a essência da cultura
abraâmica, reorganiza a administração do país e dos mistérios. Os sonhos, em que os
pássaros comem o pão dos homens e em que as sete vacas magras e as sete espigas
magras devoram vacas e espigas gordas, não exprimem apenas épocas de fome e penúria,
mas também uma diminuição das forças espirituais que emanam dos mistérios. A época
escura se anuncia, e já está presente na Babilônia. Então José, como enviado da cultura
abraâmica, traz uma força que ainda salva o Egito da queda. Ele traz a força da
inteligência, que substitui a liderança pela organização humana, sempre mais fraca dos
mundos espirituais. Pela síntese dos valores espirituais egípcios e israelitas dentro de José,
criou-se a arte da administração de um Estado. Rudolf Steiner disse sobre a missão de
José no Egito: “José provocou no Egito uma completa reviravolta, pelo fato de ter
desenvolvido a clarividência, e que soube aplicar para organizar a vida exterior”. Ele
possuía os dois, a herança antiga da clarividência, pela qual compreendeu o povo egípcio,
e a capacidade da lógica matemática, que aquele povo não possuía. O Faraó era incapaz
de organizar seu Estado. José era capaz, pois o seu conceito do mundo matemático se
ligou ao conceito colorido do mundo egípcio.
Israel e o Egito ajudam-se mutuamente, Israel contribuindo com sua cultura intelectual,
racional na época em que as forças espirituais que provém dos mistérios egípcios estão
desaparecendo, sobrando apenas paixões humanas; Israel conscientemente se liberta de

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tudo o que era visionário e, por isso, está em perigo de tornar sua alma muito fria e seca.
A penúria à qual o Egito estava exposto, também ameaçou Israel, tanto exterior como
interiormente. Israel procurava o contato com o Egito. A natureza foi cuidadosamente
eliminada do sangue, da corrente hereditária. Isso não quer dizer que então não se
procurava uma fecundação cultural, exterior. Os irmãos de José procuram a terra do Nilo,
pra tomar parte nas riquezas daquele país. Finalmente, toda a comunidade do povo
israelita muda-se para lá, para o ambiente da cultura egípcia. É bem possível que tenha
havido realmente uma seca e uma fome. Aquilo que aconteceu exteriormente tornou-se
imagem do grande desenvolvimento da vida espiritual. Enquanto os filhos de Jacó iam ao
Egito para buscar trigo, não podiam evitar uma vivência daquela antiga cultura e sua vida
sacral, que se transformou de maneira a poder ser transmitida para uma época isenta de
revelações.
Quando José se deu a conhecer a seus irmãos e quando todos os seus tinham seguido
aquele que havia expulsado do Egito, começou um aprendizado de Israel no Egito, que
durou e terminou apenas com Moisés. Israel tem que aprender espiritualmente, por fora,
o que tinha que eliminar pelo sangue. Moisés recebeu a iniciação nos Mistérios Egípcios,
e com isto a reintegração de José ficou completa. Rudolf Steiner disse: “Pelo aprendizado
no Egito, transmitido por Moisés, o povo de Israel devia receber aquilo de que ainda
precisava e que a própria organização física não podia dar.” Moisés pode guiar seu povo
de volta, para digerir e trabalhar aquilo que aprendeu, segundo a própria maneira do
povo, sem influência de outros povos, mantendo seu sangue puro.
Cabe anotar que o Arcanjo do Sol, Micael, continuou como o espírito que liderava o
povo de Israel. Segredos cristãos pairam sobre os acontecimentos. As imagens que
refletem na vida e no destino de José são como uma profecia dos futuros acontecimentos
de Cristo. Quando ele foi vendido pelo conselho de Judá, pelo preço de 20 moedas de
prata, isto foi um acontecimento relacionado mais com a alma do seu povo do que com
ele mesmo. Pois foi o povo inteiro que foi para o Egito. O acontecimento já reflete a
futura traição de Judá, que deu origem ao Mistério do Gólgota. Quando ele experimentou
o seu enaltecimento, na idade dos 30 anos, idade em que Jesus recebeu o batismo no

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Jordão, realizou-se de fato, uma maior aproximação do Sol-Cristo para com a esfera do
seu povo.
Encontramos em seguida uma série de imagens de caráter sacro, animicamente tão
substanciais que todas as crianças que as conhecem nunca mais esquecem. Surge daí o
segredo do pão, do vinho da comunhão. Os dois sonhos dos co-prisioneiros na prisão
giram em volta do pão e do vinho. As funções de sumo-padeiro e sumo-copeiro não
devem ser tomadas em sentido profano. Provavelmente tratava-se de personalidades que,
no mundo sacro dos templos, tinham a seu cargo a administração do pão e do vinho.
O sonho do pão contém imagens que fazem entrever um fim; o sonho do vinho tem um
caráter mais consolador. Mas o pão acaba. As revelações espirituais terminam. O vinho
sobra, mas sem se resguardado, ele vive apenas nas paixões e nas almas estáticas. As
imagens futuras mostram a aurora de uma comunhão espiritual no povo de Israel. Os
irmãos voltam com os sacos cheios de trigo. Com um grande susto acham o dinheiro
com o qual haviam pago, no fundo dos sacos. A atenção das suas almas está sendo
levada, longe da esfera de todos os dias, dos negócios para a graça divina. Do pão divino
devem sair para procurar o caminho do pão da revelação espiritual, do mundo do
algarismo para o mundo do sacramento. Na volta da segunda viagem ao Egito foram
levados um passo além. Eles não acham apenas dinheiro junto com o trigo, mas, no
fundo do saco de Benjamin, a “taça” de José. Junta-se, muito delicadamente, à imagem do
pão e do vinho.
Constitui o destino de Israel tomar o vinho do novo Sol na “taça do sofrimento” que
deve ser esvaziada até o fim. “A Taça de José” é o começo de uma corrente de
sofrimentos, através dos quais o povo deve adquirir novas forças anímicas. A expulsão de
José traz consigo o estado apátrida do povo inteiro. Seguem-se uma série após outra de
duras provas do destino. Mas todos os sofrimentos são marcos no caminho em que a
humanidade achará, de novo, o paraíso perdido.
Assim a História de José é como a metade do caminho entre Melquisedeque e Cristo, na
história do pão e do vinho. Se um dia os doze filhos de Jacó, ligados às doze tribos do
povo, forem substituídos pelos doze discípulos que se referem aos doze Egos individuais

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de suas personalidades, a taça das paixões egípcias e a taça dos sofrimentos israelitas se
transformarão na taça cristã da liberdade.

Resumo do livro:
BOCK, Emil. URGESCHICHTE – Das Alte Testament und die Geistesgeschichte der
Menschheit I. Stuttgart: Verlag Urachhaus.

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