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‘FACULDADE EVANGÉLICA DE TECNOLOGIA, CIÊNCIAS E

BIOTECNOLOGIA DA CGADB - FAECAD

HISTÓRIA DE ISRAEL

Rio de Janeiro/RJ
2018
HISTÓRIA DE ISRAEL

Trabalho apresentado como exigência


da disciplina de História de Israel do curso
de Teologia, sob orientação do Me. Lucas
Gesta.

Rio de Janeiro/RJ
2018
1

INTRODUÇÃO

As obras literárias mais antigas que têm algum peso no estudo da Bíblia são
provenientes dos povos antigos da Mesopotâmia e do Egito. A data mais remota que
é possível atribuir a Moisés é o século XV a.C., enquanto os primeiros textos de
literatura suméria e egípcia procedem da primeira parte do terceiro milênio 1.
Entretanto, devemos considerar que Moisés “...foi educado em toda a
sabedoria dos egípcios e tornou-se um homem poderoso em palavras e obras” (At
7.22). Provavelmente ele conhecia mais acerca da história universal anterior e sem
dúvida alguma fez uso da escrita (Êx. 17:14, 24:4, 34:27, Nm. 17:2, 33:2, Dt. 6:9,
24:1,3, 27:3,4, 31:19,24).
Quanto ao Gênesis, parece que ele usou registros que vieram de gerações
anteriores2.

1
LONGMAN III, Tremper. Como ler Genesis. Tradução de Marcio Loureiro Redondo.
São Paulo – SP: Vida Nova, 2009. p. 82.
2
HALLEY, Henry H. Manual Bíblico: um comentário abreviado da Biblia. Tradução
de David A. de Mendonça; revisão de Gordon Chown. 4ª ed., São Paulo – SP: Vida Nova, 1994. p.
56.
2

Mito da Criação ou origens


1- Gênesis
A Bíblia hebraica tem, no seu início, um livro que começa com um capítulo no
qual se descreve a criação do universo material, dos seres vivos e do homem. Trata-
se do Livro do Gênesis, que relata o início de tudo. O seu tema fundamental, do
ponto de vista teológico, é o tema da criação. Tudo o que existe é obra do Deus
único, que o criou pela palavra, num tempo primordial, longínquo, dispondo tudo tal
qual como se encontra hoje, através de processos de criação e de separação dos
diversos elementos, até resultar algo ordenado e com sentido, após o estado caótico
original (Gn 1, 2-3)3.
O relato bíblico da criação é feito numa sequência de seis dias de criação e
um de descanso do Criador. A descrição segue o seguinte esquema:
 No início, quando Deus criou os céus e a terra, tudo era informe, apenas
existiam as águas primordiais e as trevas a cobrir todo o abismo (Gn 1,1-2).
 Primeiro dia é criada a luz e é separada esta das trevas, numa sequência de
dia e noite;
 Segundo dia é criado o firmamento para dividir as águas que estão nos céus
das que estão na terra;
 Terceiro dia é feita a separação das águas e da terra, sendo criados os mares
e a terra firme bem como as plantas;
 Quarto dia são criados os dois grandes astros (luzeiros), o sol e a lua, o
primeiro para presidir ao dia (que já existia, separado da noite) e o segundo
para presidir à noite;
 Quinto dia são criados os animais da água e do ar, peixes e aves;
 Sexto dia foi ocupado com a criação dos animais terrestres e, como cúpula de
toda a criação, foi criado o homem (macho e fêmea), «à imagem e
semelhança» do criador, porquanto tinha por missão tratar e guardar o mundo
criado, sobre o qual dominaria4.

3
MARQUES, Joaquim de Jesus. Literaturas do Próximo Oriente Antigo na Bíblia:
Origens, Aliança e Sabedoria. Disponível em:
<http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/24157/1/ulfl212797_tm.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2018. p. 18.
4
Ibid. p. 20
3

2 – Enuma Elish
É composto por 7 tábuas de argila contendo a história da criação, foram
descoberto por Austen Henry Layard em 1849 nas ruínas da Biblioteca de
Assurbanípal em Nínive.
Apesar de existirem vários mitos mesopotâmicos sobre a origem do universo,
como é dito acima, o que apresenta maiores semelhanças com o relato do capítulo
primeiro do Gênesis é a epopeia de Enuma elish (Quando lá em cima), cuja
finalidade primária consistia em celebrar a ascensão de Marduk como o principal dos
deuses da Babilônia. Esta obra, descreve a eleição de Marduk para combater a
poderosa Tiamat, que ameaçava exterminar os deuses mais jovens porque o
marido, Apsu, os considerava demasiado tumultuosos. Marduk consegue levar a
melhor sobre Tiamat e o autor vai narrando, ao longo do texto, uma sequência de
obras criativas: o céu – uma abóbada sólida que sustém as águas celestes, foi
construído com uma das metades do corpo de Tiamat, dividido ao meio após a
vitória; foram impostos os limites às águas terrestres; foi designada a lua para
regular os tempos, em parceria com o sol e as estrelas; foram criados também os
cereais e as plantas, o protótipo da humanidade e, por fim, Marduk descansa e
comemora com um banquete5.
Uma síntese da Enuma Elish6:
Tábua I
Os vários deuses representam aspectos do mundo físico. Apsu é o Deus da
água doce e Tiamat, sua esposa, é a Deusa do mar e, consequentemente, do caos
e da ameaça. A partir deles, vários deuses são criados. Estes novos deuses são
demasiados tumultuosos e Apsu decide matá-los. Ea descobre o plano, antecipa-se
e mata Apsu. Posteriormente, Damkina, esposa de Ea, dá à luz Marduk. Entretanto,
Tiamat, enraivecida pelo assassínio de seu marido jura vingança e cria onze
monstros para executar a sua vingança. Tiamat casa com Kingu e coloca-o à frente
do seu novo exército.

5
MARQUES, Joaquim de Jesus. Literaturas do Próximo Oriente Antigo na Bíblia:
Origens, Aliança e Sabedoria. Disponível em:
<http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/24157/1/ulfl212797_tm.pdf>. Acesso em: 27 abr.
2018http://zeecult.blogspot.com.br/2011/06/enuma-elish-e-o-mito-da-criacao.html.
6
ALVES, Wendell. Enuma Elish e o mito da criação. Disponível em:
<http://zeecult.blogspot.com.br/2011/06/enuma-elish-e-o-mito-da-criacao.html>. Acesso em: 27 abr.
2018.
4

Texto inicial:
“Quando no alto não se nomeava o céu, e em baixo a terra não tinha nome,
do oceano primordial (Apsu), seu pai; e da tumultuosa Tiamat, a mãe de todos, as
águas se fundiam numa, e os campos não estavam unidos uns com os outros, nem
se viam os canaviais; quando nenhum dos deuses tinha aparecido, nem eram
chamados pelo seu nome, nem tinham qualquer destino fixo, foram criados os
deuses no seio das águas”.

Tábua II
As forças que Tiamat reuniu preparam-se para a vingança. Entretanto Ea
descobre o seu plano e confronta-a. Numa zona danificada da tábua é aparente a
derrota de Ea. Anu desafia-a, mas tem o mesmo destino. Os deuses começam a
temer que ninguém será capaz de deter Tiamat.

Tábua III
Gaga, ministro de Anshar, é encarregado de vigiar as atividades de Tiamat e
de os informar da vontade de Marduk de a enfrentar.

Tábua IV
O conselho dos deuses testa os poderes de Marduk. Depois de passar o
teste, o conselho entregue o trono a Marduk e encarrega-o de lutar com Tiamat.
Com a autoridade do conselho, reúne as suas armas, os quatro ventos e ainda os
sete ventos da destruição, e segue para o confronto. Depois de prender Tiamat
numa rede, liberta o Vento do Mal contra ela. Incapacitada, Marduk mata-a com uma
seta no coração, capturando os deuses e monstros seus aliados. Marduk divide o
corpo de Tiamat, usando metade para criar a terra e a outra metade para criar o céu.

Tábua V
Marduk cria residências para os outros deuses. À medida que estes vão
ocupando o seu lugar vão sendo criados os dias, meses e estações do ano. As
fases da lua determinam o ciclo dos meses. Da saliva de Tiamat, Marduk cria a
chuva. A cidade da Babilônia é criada sobre a proteção do Rei Marduk.
5

Tábua VI
Marduk decide criar os seres humanos mas precisa de sangue para os criar,
mas apenas um dos deuses poderá morrer, o culpado de lançar o mal sobre os
deuses. Marduk consulta o conselho e descobre que quem incitou a revolta de
Tiamat foi o seu marido, Kingu. Ea mata Kingu e usa o seu sangue para criar o
Homem, de forma a que este sirva de criado dos deuses. Em honra a Marduk, os
deuses constroem-lhe uma casa na Babilônia, havendo um grande festim para os
deuses quando terminada.

Tábua VII
Continuação do louvor a Marduk como chefe da Babilônia e pelo seu papel na
criação. Instruções às pessoas para estas relembrarem os feitos de Marduk.
Fazendo um paralelo entre os textos, podemos observar:
O texto de Gênesis é monoteísta, e mais harmonioso

Traçando um paralelo entre as narrativas:


Enuma Elish Gênesis
Um panteão de deuses. Um único Deus.
O mundo é criado pela guerra entre os Deus cria o mundo pela autoridade da Palavra.
deuses.
Todo mundo físico e o destino dos Nenhuma parte do mundo físico é divina.
homens são controlados pelos deuses.
As coisas do mundo físicas estão Deus declara que toda criação é boa.
relacionadas a deuses bons ou maus.
O homem foi feito para servir aos deuses Deus criou o homem a sua imagem e semelhança e
como escravo deu-lhes a responsabilidade sobre a criação.
Fonte: http://teachfastly.com/activity-map/the-drama-of-creation-evolution Adaptado

3- Egípcio
Base em uma antiga crença egípcia, segundo a qual o navio de Re (Rá), o
deus sol, fazia uma viagem por cima dos Céus durante o dia e por baixo dos céus
durante a noite. Mas, na viagem noturna, tinha de enfrentar sempre o perigo da
destruição por um demônio que se escondia por baixo da terra, chamado Apófis.
O manuscrito “O livro das criações de Re (Rá) e de Apófis destruidor”.
6

“O senhor-de-tudo disse, após ter vindo à existência: Eu sou o que


veio à existência como Kepri. Quando vim à existência, foi o próprio existir
que veio à existência, e todos os seres existiram depois de mim. Muitos são
os seres que saíram da minha boca antes de o céu, a terra, o campo e os
répteis serem criados no seu lugar. Eu pus em conjunto alguns deles em Nun
como seres incômodos, antes de eu poder encontrar um lugar onde pudesse
estar. Parecia vantajoso para mim, cá no meu íntimo; eu planejei com a
minha face; e concebi (fiz em conceito) cada forma, quando eu estava só,
antes de eu ter desovado aquilo que foi Shu, antes de eu ter cuspido aquilo
que foi Tefnut, e antes de qualquer outro ter vindo à existência e que pudesse
atuar comigo. Eu planejei no meu próprio coração e veio então à existência
uma multidão de formas de seres, as formas das crianças e as formas dos
seus filhos. Eu fui o único que pratiquei cópula com a minha mão fechada,
masturbei-me com a minha mão. Depois vomitei com a minha boca. Eu
desovei aquilo que foi Shu e cuspi aquilo que foi Tefnut. Foi meu pai Nun que
os criou, e o meu olho seguiu-os desde as idades em que estavam distantes
de mim.
Depois de eu ter vindo à existência como único deus, houve três
deuses a seguir a mim. Vim à existência nesta terra, enquanto Shu e Tefnut
sentiam prazer onde estavam. Eles trouxeram-me o meu olho com eles.
Depois de eu ter juntado os meus membros, chorei sobre eles. Foi assim que
vieram à existência os homens, a partir das lágrimas que saíram do meu
olho7”

O deus Re (Rá) afirma-se como aquele que existe por si mesmo, Ele é
anterior aos outros seres. E, como se vê pelo contexto próximo, não está antes,
apenas por uma razão cronológica, mas por uma razão de causa: os seres são
criados por ele. — Os seres saíram da sua boca: a criação realizou-se pela força da
sua palavra. Para criar, basta dizer, como o Deus bíblico na primeira página do
Gênesis: faça-se, e assim se fez.

Criação do homem
1- Genesis
Então disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a
nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do

7
TAVARES, A. Augusto. A criação do homem nos mitos das origens. Disponível
em: <https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/13654/1/V00801-035-053.pdf>. Acesso em: 27 abr.
2018. p. 40.
7

céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os pequenos


animais que se movem rente ao chão”.
Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou.
Deus os abençoou, e lhes disse: “Sejam férteis e multipliquem-se!
Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as
aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra”.
Disse Deus: “Eis que lhes dou todas as plantas que nascem em toda
a terra e produzem sementes, e todas as árvores que dão frutos com
sementes. Elas servirão de alimento para vocês.
E dou todos os vegetais como alimento a tudo o que tem em si fôlego
de vida: a todos os grandes animais da terra, a todas as aves do céu e a
todas as criaturas que se movem rente ao chão”. E assim foi. (Gênesis 1:26-
30 NVI)
A concepção bíblica que utiliza o verbo “dominar” para indicar a posição do
ser humano como representante de Deus e capaz de intimidade com ele.

2- Enuma Elish
Quando [Marduk] ouviu as palavras dos deuses, seu coração o
empurrou a criar maravilhas; e [abrindo] sua boca dirige sua palavra a Ea
para comunicar-lhe o plano que havia concebido em seu coração: “vou juntar
sangue e formar ossos; farei surgir um protótipo humano que se chamará
homem”. Vou criar este protótipo, este homem, para que lhe sejam impostos
os serviços dos deuses e que eles estejam descansados” (Tábua 6, linhas 1-
8). Ataram-no (Kingu) e o mantiveram coagido diante de Ea. Infligiram-lhe seu
castigo: cortaram-lhe o sangue. E com seu sangue (Ea) formou a
humanidade. Impôs sobre ela o serviço dos deuses, liberando a estes (Tábua
6, linhas 31- 34)8
No relato babilônico o ser humano foi feito para assumir as tarefas pesadas,
que eram atribuídas aos deuses, sendo assim escravos destes.

3- Egípcio
No manuscrito “O livro das criações de Re (Rá) e de Apófis destruidor”, são
das lágrimas de Rá que o homem é criado, porém em outras variações as lágrimas
criam os deuses Shu e Tefnut.

8
PONTES, Antonio Ivemar da Silva. A “INFLUÊNCIA” DO MITO BABILÔNICO DA
CRIAÇÃO, ENUMA ELISH, EM GÊNESIS 1,1—2,4a. Disponível em: <
http://www.unicap.br/tede//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=495>. Acesso em: 27 abr. 2018.p.67.
8

Todo este conjunto de paralelos, mostram que os diferentes autores querem


mostrar o grandioso ato de criação divina por comparação negativa com o estado
deserto e desolador da situação anterior em que não existia nada. E esse nada não
se refere apenas ao necessário para sustentação da vida biológica mas também tem
em conta, por vezes, outros aspetos importantes para o autor, como os templos,
cidades e moradas santas. Não restam dúvidas de que os autores bíblicos eram
conhecedores deste gênero de literatura mítica e que utilizaram idênticos motivos
ainda que os seus propósitos possam ter motivações e explicações diferentes. Para
além da importação dos temas para um cenário de estrito monoteísmo, existem
outras diferenças quanto às razões invocadas para a criação do homem. Enquanto
na Mesopotâmia tinha um fim utilitário para os deuses, providenciando-lhes
alimento, vestuário e os necessários trabalhos nos templos, em Israel não lhe é
atribuída qualquer finalidade material, tal como no Egito, onde o homem também
não tinha sido criado para interesse dos deuses, antes pelo contrário, tudo o que foi
criado por deus foi-o em benefício da criatura, como se pode ver nas «Instruções
para o Rei Meri-ka-re», citado. Por outro lado a criação do homem na Mesopotâmia
exigira o sacrifício de um deus, para obter o seu sangue, o que proporcionaria o
princípio vital do novo ser. Mas o aspeto mais significativo decorrente do relato de
criação dos capítulos dois e três do livro do Gênesis é a busca de um sentido para a
vida humana, sobretudo a compreensão do sofrimento e da morte e a dissonância
causada por estas realidades em contraste com a bondade de Deus criador, atributo
essencial que o povo hebreu atribuía ao seu Deus 9.

Mito do diluvio
A antiga Mesopotâmia existem três importantes relatos de dilúvio (Gênesis
Eridu, Gilgamesh e Atrahasis) mais outros textos que mencionam também o dilúvio.
O dilúvio foi uma tradição bem atestada na Mesopotâmia antiga. Apesar do fato de
que o herói do dilúvio (o equivalente a Noé no texto bíblico) tinha um nome diferente
nessas composições (Ziusudra, Utnapishtim e Atrahasis), a história basicamente
continua a mesma, ainda que o relato mais completo esteja no épico de Gilgamesh.
Gilgamesh

9
MARQUES, Joaquim de Jesus. Literaturas do Próximo Oriente Antigo na Bíblia:
Origens, Aliança e Sabedoria. Disponível em:
<http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/24157/1/ulfl212797_tm.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2018. p.30.
9

O épico de Gilgamesh não traz nenhum relato de criação, mas sua história de
dilúvio com as mais relevantes semelhanças com o relato bíblico do dilúvio.
Gilgamesh apenas narra o dilúvio no contexto de um enredo maior 10.
Resumo da epopéia de Gilgamesh
Gilgamesh é o rei de Uruk, porém impopular entre seus súditos descontes
com sua arrogância e luxúria. Como consequência, eles vão se queixar ao deus
Anu, que ordena a deusa da criação Aruru a criação de Enkidu. Este iria,
presumivelmente, ser rival de Gilgamesh e distraí-lo para que deixasse de lado seu
comportamento opressivo com os cidadãos de Uruk. De início, contudo, Enkidu não
entrou na cidade de Uruk. Enkidu foi criado inocente, longe da malícia da civilização,
vivendo entre as criaturas selvagens e compartilhando a natureza com elas. O rei
Gilgamesh, sabendo da existência de Enkidu, incube uma missão a uma das
prostitutas sagradas do templo da deusa Ishtar (deusa do amor e da fertilidade):
seduzir Enkidu e trazê-lo para dentro das muralhas de Uruk.
Enkidu deixou-se seduzir pela rameira e perdeu sua inocência, além de seu
poder selvagem, tornando-se conhecedor da malícia do homem. Uma vez ali, Enkidu
se encontra com Gilgamesh, e eles lutam. Em meio à luta ambos se tornam firmes
amigos e embarcam juntos numa série de feitos. Entre outras aventuras, derrotam
Huwawa, o protetor da floresta de cedros do Líbano. Durante esse período a grande
capacidade e beleza de Gilgamesh atraem a deusa Ishtar, que propõe se casar com
ele.
Gilgamesh, conhecedor do destino que tiveram seus amantes anteriores, a
rejeita, o que faz com que ela procure o pai, o deus Anu, em busca de vingança. Anu
não deseja matar Gilgamesh, mas, em vez disso, o castiga matando Enkidu.
Gilgamesh é bastante tocado pela morte de Enkidu, não apenas porque é seu
amigo, mas também, ao que parece, porque a morte de Enkidu o confronta com sua
própria mortalidade. O restante do conto é a história da procura, por Gilgamesh, de
uma resposta para a morte. E essa indagação que o leva até Utnapishtim, visto que
Utnapishtim é o único ser humano a não experimentar a morte. A pergunta de
Gilgamesh a Utnapishtim sobre por que ele não morreu é o que leva este último a
relatar sua experiência com o dilúvio (tábua 11 do épico).

10
LONGMAN III, Tremper. Como ler Genesis. Tradução de Marcio Loureiro Redondo.
São Paulo – SP: Vida Nova, 2009. p. 94.
10

Respondendo a Gilgamesh, Utnapishtim narra o tempo em que os deuses


decidiram trazer um dilúvio contra a humanidade. O deus Ea, no entanto, se
comunicou com um dos seus devotos e lhe disse para construir uma embarcação
que transportaria os moradores da terra em meio à devastação causada pelo dilúvio.
As dimensões dessa arca foram as de um grande cubo. Tendo terminado de
construir a arca em apenas sete dias, Utnapishtim carregou o barco com provisões,
mas, mais importante ainda, também levou sua família e animais dentro. Quando
todos estavam seguros dentro da embarcação, chuvas terríveis começaram. Até os
deuses “ficaram assustados com o dilúvio”. A tempestade durou sete dias, e a
embarcação veio a parar sobre o monte Nimush. A essa altura Utnapishtim soltou
algumas aves em sequência — duas pombas e, em seguida, uma andorinha — para
ver se terra firme já tinha aparecido. O truque deu certo com a última ave, e
desembarcaram. Sua primeira providência foi oferecer um sacrifício, o que foi um
grande prazer para os deuses, que estavam esfomeados devido à falta de atenção
dispensada pelos seres humanos. Enlil, no entanto, não ficou nada satisfeito e
acusou Ea por falta de lealdade com os colegas deuses. Mesmo assim Ea
conseguiu acalmar Enlil, e este último então decidiu outorgar imortalidade a
Utnapishtim e sua esposa.
Para Gilgamesh a história é fascinante mas também deprimente, pois
descobriu que a imortalidade de Utnapishtim não se repetiria. Assim sendo, o próprio
Gilgamesh não encontrará resposta para seu dilema. Ele, contudo, não está
convencido de que o lugar em si não o proteja da morte até descobrir que não é
capaz nem mesmo de evitar o sono, o primo distante da morte. Ele dorme, e isso o
convence de que a morte não está muito longe. Apesar disso, a caminho de casa,
Utnapishtim informa Gilgamesh acerca de uma planta no fundo da água, a qual
parece ter o poder de preservar a vida. A despeito de Gilgamesh ter tido sucesso em
apanhar a planta, uma serpente a rouba dele.
No final da história, Gilgamesh veio a aceitar o fato de que não viverá para
sempre, a não ser por meio de seus grandes feitos 11.

11
LONGMAN III, Tremper. Como ler Genesis. Tradução de Marcio Loureiro Redondo.
São Paulo – SP: Vida Nova, 2009. p. 95-97.
11

Quadro comparativo Gilgamesh e Gênesis


Gilgamesh Gênesis
Os deuses decidem destruir a humanidade por Yahweh decide destruir a humanidade por
causa do barulho desta que os impede de causa da maldade dos homens.
descansar.
Ea avisa Utnapishtim e diz-lhe para Yahweh avisa Noé e ordena-lhe que construa
construir um barco. uma arca.
Utnapishtim deve levar no barco a semente de Noé deve guardar na arca casais de animais
todas as criaturas vivas. para repovoamento.
Com o dilúvio toda a humanidade é reduzida a O dilúvio tem por fim a destruição de todos os
lama. seres vivos sobre a terra.
Utnapishtim solta uma andorinha e depois um Noé solta um corvo e depois uma pomba.
corvo.
Barco de Utnapishtim pousa sobre o monte A arca de Noé encalha no monte Ararat,
Nisir, que se supõe situar-se no Curdistão situado na Anatólia turca, próximo das
Iraquiano. fronteiras com o Irão e Arménia.
Utnapishtim, ao sair do barco, oferece um Ao sair da arca Noé constrói um altar e oferece
sacrifício aos deuses, que aspiram o seu odor. um holocausto a Yahweh, que sente o seu
agradável odor.
Enlil reconcilia-se com Utnapishtim. Yahweh não mais amaldiçoará a terra por
causa dos homens.
Enlil abençoa Utnapishtim e a sua mulher. Yahweh abençoa Noé e os filhos.
Fonte: MARQUES, Joaquim de Jesus. Literaturas do Próximo Oriente Antigo na Bíblia: Origens, Aliança e Sabedoria.
Disponível em: <http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/24157/1/ulfl212797_tm.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2018. p.35 –
Adaptado.

Na epopeia de Gilgamesh o dilúvio é relatado como história intercalar, para


dar resposta à grande questão que atormenta o herói Gilgamesh, isto é, a condição
mortal do homem e a solução para este herói obter a imortalidade 12.

Poema de Atrahasis

12
MARQUES, Joaquim de Jesus. Literaturas do Próximo Oriente Antigo na Bíblia:
Origens, Aliança e Sabedoria. Disponível em:
<http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/24157/1/ulfl212797_tm.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2018. p.36
12

É no poema de Atrahasis, mais antigo, que são aduzidas as razões que


levaram o deus soberano Enlil a decidir dizimar a humanidade: os homens haviam-
se multiplicado e o barulho que faziam impediam-no de ter um bom repouso:
primeiro experimentou reduzir o número de humanos pela epidemia, depois pela
fome, e depois pela seca. A todas resiste uma parte da humanidade devido à
intervenção de Atrahasis, o Supersábio, perante o seu deus amigo Enki, de quem
era particular devoto. Este transmitiu-lhe sempre uma solução para o problema e a
humanidade diminuía em número e em barulho, mas não foi extinta e rapidamente
se reproduzia. Enlil decide finalmente o último recurso, o dilúvio. Atrahasis recorre
mais uma vez ao seu deus protetor que, numa solução de compromisso entre as
ordens de Enlil e a necessária ajuda ao seu devoto, informa-o do que tem que fazer,
mas em sonhos. A solução para sobreviver às águas revoltas de um dilúvio é
sempre a mesma: construir um barco ou algo com a mesma serventia. Neste aspeto
todos os relatos coincidem. No final do dilúvio o sobrevivente tem, como primeira
ação, a oferta de um sacrifício aos deuses. Só que isto denuncia a presença dos
sobreviventes a Enlil, que fica furioso com a traição. Porém parece que acaba por
aceitar a justificação de Enki e é decidido tomar medidas diferentes para que os
humanos não se multipliquem do mesmo modo que antes e prevenir assim a
algazarra incomodativa. A primeira dessas medidas é tornar os humanos mortais;
outras medidas preventivas são: esterilidade de algumas mulheres; mortalidade
infantil; algumas mulheres consagradas, a quem será interdita a maternidade 13.
É provável que a finalidade destes autores será antes explicar a realidade
atual através de acontecimentos que se verificaram em tempos primordiais, com
intervenções divinas, imputando ao homem a responsabilidade pela realidade se
apresentar hoje tal como é, nomeadamente em relação à duração da vida humana
(passou de longevidade imensa para uma duração semelhante à real) e, nos mitos
mesopotâmicos, às formas de limitar a proliferação dos humanos, como a
infertilidade de algumas mulheres, a mortalidade infantil e a morte 14.

13
MARQUES, Joaquim de Jesus. Literaturas do Próximo Oriente Antigo na Bíblia:
Origens, Aliança e Sabedoria. Disponível em:
<http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/24157/1/ulfl212797_tm.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2018. p.37.
14
Ibid. p. 39.
13

Conclusão
Ao contarem as origens do mundo e da humanidade, os autores bíblicos
recorreram às tradições do Próximo Oriente Antigo. Embora haja pontos de contato
com o Egito, as semelhanças parecem maiores com os textos da Mesopotâmia. Isto
não quer dizer necessariamente dependências literárias. As semelhanças podem ter
origem num estádio pré-literário de tradições comuns, em que havia várias maneiras
de apresentar a criação. A Bíblia está inserida no ambiente cultural do tempo e só
assim se pode compreender.
Os escritores bíblicos repensaram essas tradições comuns em função das
tradições específicas do seu povo, salvaguardando e sublinhando a sua fé
monoteísta.
14

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LONGMAN III, Tremper. Como ler Genesis. Tradução de Marcio Loureiro Redondo.
São Paulo – SP: Vida Nova, 2009.

HALLEY, Henry H. Manual Bíblico: um comentário abreviado da Biblia. Tradução


de David A. de Mendonça; revisão de Gordon Chown. 4ª ed., São Paulo – SP: Vida
Nova, 1994.

MARQUES, Joaquim de Jesus. Literaturas do Próximo Oriente Antigo na Bíblia:


Origens, Aliança e Sabedoria. Disponível em:
<http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/24157/1/ulfl212797_tm.pdf>. Acesso em: 27
abr. 2018.

PONTES, Antonio Ivemar da Silva. A “INFLUÊNCIA” DO MITO BABILÔNICO DA


CRIAÇÃO, ENUMA ELISH, EM GÊNESIS 1,1—2,4a. Disponível em: <
http://www.unicap.br/tede//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=495>. Acesso em: 27
abr. 2018.
TAVARES, A. Augusto. A criação do homem nos mitos das origens. Disponível
em: <https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/13654/1/V00801-035-053.pdf>.
Acesso em: 27 abr. 2018.

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