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DA MULHER
The Myths of Prometheus and Pandora – the creation of man and woman
Elaine C. Prado dos Santos1 (Universidade Presbiteriana Mackenzie- UPM)
Professora Doutora em Letras Clássicas pela Universidade de São Paulo.
Docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, desde 1988.
Vinculada ao CCL, Centro de Comunicação e Letras.
Resumo:
Segundo algumas versões míticas, Prometeu, um urânide, criou, do barro, o
primeiro homem. Como ele havia roubado o fogo sagrado dos deuses para insuflá-
lo em sua criação, foi-lhe enviada a primeira mulher, a belíssima Pandora, criada
pelos deuses, trazendo aos homens os piores males. Pretende-se, com este
trabalho, apresentar, como leitura do imaginário, o mito de Prometeu e Pandora,
por meio de duas obras clássicas - os Trabalhos e os dias, de Hesíodo e as
Metamorfoses, de Ovídio - bem como demonstrar as imagens simbólicas pelas
quais o mito desenvolve a história essencial do gênero humano, ou melhor, a
história do homem e da mulher, estabelecendo, por fim, uma relação com sua
história contemporânea.
Abstract:
According to some mythical versions, Prometheus, a uranid, created, out of
clay, the first man. As he had stolen the sacred fire from the gods to give life to his
creation, the first woman, the beauty Pandora, was sent to him, bringing the evil to
men with her. This presentation intends to present the myths of Prometheus and
Pandora as readings from the imaginary, by means of two classic works – Works
1Professora Doutora em Letras Clássicas pela Universidade de São Paulo. Docente da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, desde 1988. Vinculada ao CCL, Centro de Comunicação e Letras.
and Days, by Hesiod and The Metamorphosis, by Ovid, as well as
demonstrating the symbolic images through which the myth develops the essential
history of the human gender, that is, the history of men and women, establishing a
relationshiop with their contemporary history.
Na Antigüidade helênica, o mito de Prometeu foi tratado em quatro obras:
Protágoras, de Platão; Prometeu, de Ésquilo; Teogonia, os Trabalhos e os dias, de
Hesíodo. Para se entender, segundo notas de Brandão (1997, p.167), como a arte
enriquece, amplia, transfigura e, não raro, desfigura o mito, seria necessário fazer
uma leitura da tragédia de Ésquilo, Prometeu acorrentado, em que o mito é
apresentado de uma forma mais ampla e poética. Entretanto, nosso foco de
pesquisa está centralizado nas obras de Hesíodo e nas Metamorfoses de Ovídio.
Segundo diversas versões, Prometeu foi aquele que criou o homem do
barro da terra, mas semelhante versão não é confirmada em Hesíodo. Prometeu, o
filho de Jápeto, antes da vitória de Zeus, já era considerado um benfeitor da
humanidade, o que lhe causou um enorme mal, por ter enganado por duas vezes a
Zeus, o pai dos deuses. Segundo a Teogonia (v.535-536), como os deuses
desconfiassem dos homens, protegidos por Prometeu, houve uma querela entre os
divinos e os homens. Para acabar com essa querela entre imortais e mortais, era
necessário que se fizesse uma oferenda de um sacrifício a Zeus. Prometeu,
querendo enganar a Zeus para beneficiar os mortais, dividiu um boi enorme em
duas porções: a primeira continha as carnes e as entranhas, cobertas pelo couro
do animal; a segunda, apenas os ossos, cobertos com intensa gordura do mesmo.
Zeus escolheu exatamente a porção que continha ossos e gordura, a qual era
destinada aos mortais. Sentindo-se ultrajado, com o coração pleno de ódio,
investiu contra os homens a privação do fogo, ou seja, simbolicamente, a privação
da inteligência de tal forma que os homens se imbecilizaram (Trab. 47-50).
Tanto na Teogonia, quanto nos Trabalhos e os dias, não há indícios da
criação do homem, feito de barro por Prometeu. No entanto por meio dos versos
do poeta latino Ovídio (I a.C.), poeta das Metamorfoses, pode-se depreender a
idéia da Antigüidade greco-romana a respeito da criação do mundo, pois conforme
2 Ante mare et terras et, quod tegit omnia, caelum
Vnus erat toto naturae uultus in orbe,
Quem dixere chaos (Met. I, 5-7)
3 Sic erat instabilis tellus, innabilis unda,
Lucis egens aer; nulli sua forma manebat
Obstabatque aliis aliud, quia corpore in uno
Frigida pugnabant calidis, umentia siccis,
Mollia cum duris, sine pondere habentia pondus.
Hanc deus et melior litem natura diremit; (Met. I, 16-21)
o poeta, todas as coisas tinham um único aspecto a que se dava o nome de
Caos, onde se mesclavam os elementos:
“Antes do mar e das terras e do céu, que cobre todas as
coisas, a natureza tinha no mundo uma única face, a qual
chamaram de caos.” 2
Nas Metamorfoses, o caos designa a confusão inicial de todas as coisas,
nomeando o estado primitivo do universo e a construção. Desta forma, Ovídio
afirma, ao descrever o caos: quem dixere chaos , que tanto terra e mar, quanto
outras coisas não estão claramente separados ainda um do outro, pois tudo ainda
tinha uma única aparência: unus uultus. O caos era uma massa informe e confusa,
onde jaziam latentes as sementes das coisas. Para Jaa Torrano (1995, p.43), o
Kháos, em Hesíodo, é a força que preside à separação, ao fender-se, dividindo-se
em dois, uma vez que primeiro nasceu Caos, depois a Terra (Teog.116-117), que
primeiro pariu igual a si mesma o Céu constelado, para cercá-la toda ao redor
(126-127).
Segundo afirmações do poeta latino, o mundo foi criado a partir da
confusão e da luta dos elementos (Met. I 16-21), pois quando um deus e a
natureza intervieram colocaram um termo a essa discórdia, separando a terra do
mar e o céu de ambos:
“Assim a terra era instável, o mar inavegável, o ar tinha
necessidade de luz: nada conservava sua própria forma, uma
coisa se opunha às outras, porque em um só corpo o frio
combatia o calor; a umidade, a seca; o macio, o duro; o sem
peso, o pesado. Um deus acabou com esta luta e a natureza
tornou-se melhor”.3
4
Natus homo est; siue hunc diuino semine fecit
Ille opifex rerum, mundi melioris origo,
Siue recens tellus seductaque nuper ab alto
Aethere cognati retinebat semina caeli;
Quam satus Iapeto mixtam pluuialibus undis
Finxit in effigiem moderantum cuncta deorum; (Met.I,78-83)
Nas Metamorfoses, nesse ponto, ao lado da natureza, para instaurar a
ordem universal, há uma interferência de uma divindade anônima (Met. I,21), a
qual Ovídio não nomeia. Um demiurgo (deus sive natura, quisquis fuit ille deorum,
mundi melioris origo, mundi fabricator, ille opifex rerum) separou as diversas partes
do mundo, colocou a ordem no caos inicial, porém segundo o poeta, quisquis fuit
ille deorum, (Met. I,32) (Um dos deuses, quem quer que seja), pois não se sabe
qual deus tratou de empregar seus bons ofícios para arranjar e dispor as coisas na
Terra. Assim a vida realmente começou a surgir, exatamente quando Ille deorum
separou a terra do céu. O demiurgo, que se percebe, posteriormente, é Prometeu,
mas não é apenas aquele que dá ordem às coisas, ele se apresenta como o
artista, o opifex rerum, que modela o homem, sua obra, pois era necessário um
animal mais nobre, sendo assim foi feito o homem.
“Nasceu o homem: ou o fez com a semente divina o criador das
coisas, origem de um mundo melhor, ou a terra, recente há
pouco afastada do alto éter, reprimia as sementes do seu irmão
céu. Quando o filho de Jápeto, com as ondas das chuvas, a
misturou e modelou, à imagem dos deuses”. 4
Pelos versos acima, não se sabe se o criador o fez de materiais divinos, ou
se na Terra, há pouco separada do Céu, ainda havia algumas sementes celestes.
No entanto, pode-se afirmar que o opifex rerum realiza um ato de caelatura, pois
Prometeu cria o homem à imagem divina para contemplar o divino, o homem vem
do barro: mistura de terra e água, porém carrega sementes divinas do céu,
sementes ígneas: cognati ... semina (Met.I,81) de tal forma que o homem se torna
uma parte do divino. É notável que caelum deixa de ser apenas aquele que cobre,
que oculta todas as coisas, para tornar-se uma obra-prima, a qual é admirada pelo
5 Trabalhos e dias de Hesíodo, tradução, comentários de Mary Camargo Neves Lafer.
homem, que possui um porte ereto, de maneira que, enquanto os outros
animais têm o rosto voltado para o chão, o homem levanta os olhos para os céus,
contemplando as estrelas (Met. I, 85-86). O homem, para Ovídio, é o animal mais
sagrado, sanctius, que faltava para dominar, dominari, os outros por meio de uma
mente superior, mentis altae (Met. I, 76-77). Por fim o homem é o artefato, a
criatura que gradualmente se torna o artífice nas eras metálicas,
conseqüentemente vem para rivalizar com os deuses em suas habilidades e
técnicas; entretanto, suas tentativas para rivalizar com o divino ou até para
reivindicar a herança divina não produzem resultados felizes, como se vislumbra
no mito de Faetonte, que, ao tentar dirigir o carro do Sol, quase destrói o mundo
pelo fogo.
Em Ovídio, Prometeu após misturar um pouco de terra com água, formou o
homem à semelhança dos deuses, enquanto os outros animais têm a cabeça
voltada para o chão, somente o homem a ergue para o céu. Já o poema didático
de Hesíodo, os Trabalhos e os dias, tem como finalidade mostrar a necessidade
do trabalho e da justiça; ensinar os trabalhos da terra, apontando as épocas em
que é conveniente realizá-los. Tanto o trabalho quanto a justiça estão intimamente
ligados e jamais poderão separar-se, caso não haja o primeiro, com certeza
haverá a violência, ou seja, a injustiça:
“Por trabalhos os homens são ricos em rebanhos e
recursos
e, trabalhando, muito mais caros serão aos imortais.
O trabalho, desonra nenhuma, o ócio desonra é!”
(v.309-311)5
O trabalho, para Hesíodo, é penoso, todavia é o único caminho para fugir
da miséria, sua lei é fundamentada numa razão metafísica, ou seja, no mito de
Pandora. O poema os Trabalhos e os dias segue exatamente esta divisão:
Introdução: (versos 1-10) que se compõe de uma invocação às Musas da
Piéria e a Zeus, guardião da justiça, concluindo com a finalidade máxima da obra:
dizer a seu irmão Perses a verdade.
1. Primeira parte (versos 11-382): elogio do trabalho e da justiça. Segundo
Brandão (1997, p.164), existe uma força moral que
empurra o homem para o trabalho: é a emulação; mas há outra, que o
afasta do mesmo: a inveja. Essas duas tendências, sob uma ótica
alegórica, são apresentadas por Hesíodo como as duas Lutas,
cifradas na Éris, a Emulação, a Discórdia (versos 11-41).