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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

KHARINA KOHL MENSEN

PROMETEU X LÚCIFER:
A ORIGEM DO CONHECIMENTO

CURITIBA
2021
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KHARINA KOHL MENSEN

PROMETEU X LÚCIFER:
A ORIGEM DO CONHECIMENTO

Trabalho de conclusão apresentado à disciplina de


Teatro Antigo, ministrada pelo Prof. Dr. Rodrigo
Tadeu Gonçalves, do curso de Graduação em
Letras Inglês, Bacharelado em Estudos Literários

CURITIBA
2021
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1 INTRODUÇÃO

Através de milhares de anos, a humanidade tem buscado conhecimento e desenvolvido


formidáveis habilidades que lhe permitem exercer domínio sobre outros seres vivos e sobre a
natureza de um modo geral. Um elemento essencial nessa busca é a auto consciência, ou seja,
entender a si próprio como um ser vivo, pensante e capaz de lidar com as adversidades e de ir
além dos próprios limites.
Essa busca constante fez os homens conceberem mitos que tentam explicar a origem
do conhecimento. Por exemplo, os gregos criaram o mito de Prometeu, um deus que, em uma
desavença com Zeus, o rei dos deuses, rouba o fogo e o dá à humanidade. Já dos judeus vem a
história bíblica de Lúcifer, um anjo poderoso que, querendo tomar o lugar do Deus Criador,
seduz os humanos a desobedecer a Deus, e os leva, assim, a tomar conhecimento de si próprios.
O presente estudo pretende explorar os paralelos entre esses dois mitos.

2 PROMETEU

Hesíodo, no século VIII a.C., escreveu a Teogonia, ou Genealogia dos Deuses, no qual
descreveu a origem do mundo e a geração sucessiva dos deuses, bem como seu envolvimento
com os homens. Tanto na Teogonia quanto no seu poema épico Os Trabalhos e os Dias, Hesíodo
falou sobre Prometeu. Outra menção a este pode ser encontrada em Protágoras, uma obra de
reflexão filosófica, moral e política escrita por Platão no século IV a.C. Além dessas obras
referenciais, a base principal dessa pesquisa é o Prometeu Acorrentado, peça escrita por Ésquilo
no século V a.C.

2.1 O MITO

Prometeu (pro – antes, methis – conhecimento, ou aquele que prevê), assim como
Zeus, também era um deus, e lutou ao lado deste na Titanomaquia, a guerra em que Zeus matou
seu pai Chronos e, com isso, tomou o lugar de rei dos deuses.
Na criação dos seres vivos, Epimeteu, que era irmão de Prometeu, foi incumbido de
distribuir qualidades e atributos aos seres, que lhes permitissem sobreviver e ser auto
suficientes. Assim, alguns receberam cascos, outros, pelos, e ainda outros, asas, garras ou
grande força. Mas Epimeteu não deixou sobrar nada para os humanos, que ficaram desprovidos
de proteção, pelados e fracos. Prometeu, que tinha grande amor pelos homens, quis dar a eles
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algo que os equipasse e os tornasse superiores aos animais e, por isso, roubou o fogo
(representando todo o conhecimento) e a técnica de Hefesto, deus do fogo e da metalurgia, e de
Atena, deusa da sabedoria, filha de Zeus e Métis.
Isso enfureceu Zeus, pois ele estava decepcionado e farto da raça humana, e queria
destruí-los e começar de novo. Por isso, como vingança, Zeus deu Pandora (aquela que dá todos
os presentes), forjada com as coisas boas e más de todos os deuses, como esposa para Epimeteu.
Pandora tinha consigo uma jarra ou cântaro (popularmente conhecida como “caixa de
Pandora”), que, por curiosidade, ela abriu, deixando assim sair todos os males e os bens que
passaram a atingir a humanidade.
A tragédia de Ésquilo inicia quando, a mando de Zeus, Hefesto agrilhoa Prometeu às
rochas no Cáucaso. Durante a peça, Prometeu conversa com Hefesto, Oceano, Io e Hermes,
além do coro, explicando todos os eventos que o levaram a esta terrível situação e expondo a
tirania de Zeus. Por fim, a terra se abre e ele é engolido pelo abismo, sendo lançado no Tártaro.

3 LÚCIFER

A história do povo judeu remonta ao seu fundador, Abraão, que possivelmente viveu
entre os séculos XXI e XVIII a.C., e é narrada na Bíblia. Além de ser um livro histórico,
composto por mais de sessenta pequenos livros, a Bíblia também é entremeada por diversos
mitos, dentre os quais o da criação do homem, relatado no seu primeiro livro, Gênesis.
Segundo Gênesis, Deus criou o homem e a mulher, Adão e Eva, e os colocou no Jardim
do Éden, onde tinham tudo de que precisavam. Uma única restrição lhes foi imposta: não
deviam comer do fruto da árvore do conhecimento, que estava no meio do jardim, sob pena de
serem mortos (Gênesis cap. 2, vers. 16, 17).
Muito tempo antes, Deus havia criado um número incontável de anjos que lhe
prestavam adoração no céu. Dentre esses estava Lúcifer (ou: anjo de luz), um anjo
poderosíssimo de grande prestígio, mas que nutria a ambição de se tornar igual a Deus e ser
adorado. Na criação dos humanos ele viu a oportunidade de alcançar seu intento.
Lúcifer tomou a forma corpórea de uma serpente, e foi até o paraíso, onde procurou
um momento para falar a sós com Eva, que era mais nova e inocente. Ele lhe seduziu, dizendo
que Deus havia mentido para eles, e que se comesse do fruto proibido, ela não morreria, mas
seria como Deus e teria todo o conhecimento do bem e do mal. Ela gostou do que ouviu e
decidiu comer, e depois ofereceu a Adão, que, talvez por também acreditar na serpente, ou por
querer agradar a mulher, também comeu. Naquele momento, “os olhos de ambos foram abertos,
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e eles souberam que estavam nus” (Gênesis cap. 3, vers. 7). O próprio Deus disse: “Eis que o
homem se tornou como um de nós, para conhecer o bem e o mal” (vers. 22). Eles foram expulsos
do paraíso e tiveram que aprender a lavrar a terra, enfrentar muitas dores e sobreviver sem a
ajuda de Deus.
Esse acontecimento resultou em muitos outros anjos também decidirem seguir a
Lúcifer em vez de a Deus, e assim ele passou a ser chamado de Satanás (adversário) e de Diabo
(caluniador). Ele e seus demônios foram expulsos do céu e lançados num abismo, ou inferno,
ou ainda: Tártaro (2 Pedro cap. 2, vers. 4; Apocalipse cap. 20, vers. 3).

4 PARALELISMOS

Ressaltadas as devidas diferenças, são diversos os pontos paralelos que podem ser
destacados. Ambas as histórias apresentam uma disputa entre um deus superior e um inferior,
na qual a humanidade é envolvida e seu destino entra em jogo. No primeiro mito, Zeus quer
acabar com a humanidade, mas Prometeu, filantropo, amante dos homens, toma uma atitude
para torná-los mais fortes e salvá-los do tirano. No segundo, Deus cuida dos humanos, mas
Lúcifer, por razões egoístas, toma uma atitude que os tira do cuidado de Deus e os enfraquece.
No entanto, o resultado é o mesmo: os homens ganham o conhecimento que os leva a
desenvolver habilidades com as quais dominam os outros seres e alcançam feitos inimagináveis
e grandiosos.
Sobre isso, Eva Maria Migliavacca explica em seu artigo “A consciência no mito:
Prometeu e Satã” (2003):

A ação satânica traz conseqüências irreversíveis ao curso da vida humana, e a primeira


delas é a consciência. O homem percebe-se de um modo novo; ele desperta para o
fato de que sua realidade ultrapassava aquilo que estava ao seu alcance antes perceber.
É um despertar avassalador, e desse deslumbramento resulta tudo o mais
(MIGLIAVACCA, 2003, p. 38).

Nos dois casos, o homem toma consciência da sua humanidade e aprende a alcançar a
plenitude de seus esforços, lidando com os conflitos e as necessidades da vida e rompendo com
o estado de coisas anterior. Prometeu ensina tudo aos humanos – linguagem, artes, ciências,
matemática, engenharia – e isso faz com que ascendam como seres superiores aos demais
animais. Lúcifer tira a venda dos olhos do homem, tornando-o consciente de sua condição
humana. Ambos tiram o homem do escuro e lhe mostram a “luz”. Prometeu diz
especificamente: “Eu os fiz lúcidos” (lux).
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Migliavacca (2003) ainda acrescenta:

O homem prometéico conserva suas características primitivas acrescidas de um novo


equipamento para lidar com elas. Ele vivia em um estado ausente, inconsciente de sua
existência, e poderia ter sido fulminado sem jamais se dar conta de ter existido. No
homem edênico concentram-se as qualidades divinas, anteriores ao fruto, e as
qualidades demoníacas, posteriores à transgressão. (. . .) com Prometeu, o homem era
um bruto e humanizou-se; com Satã, o homem era perfeito e humanizou-se!
(MIGLIAVACCA, 2003, p. 41)

Além disso, em ambos os mitos o deus maior se exime de responsabilidade diante da


ação do outro ser poderoso, e o homem tem de lidar sozinho com as aflições decorrentes. No
sentido moral, as consequencias são diferentes, pois a condenação de Adão resulta em culpa, o
que se reflete historicamente na religião judaico-cristã baseada na Bíblia, que espera um
Messias que liberte a humanidade do pecado. Já para o mundo grego, o conhecimento o
impulsiona sempre para frente, sem culpas em relação aos deuses, e isso não resulta em menores
valores morais ou éticos (MIGLIAVACCA, 2003).
A conclusão dos dois mitos também se dá de modo similar: furioso pela
insubordinação, o deus maior pune os homens com sofrimento e o deus menor é lançado no
abismo, ou Tártaro.
Assim, podem-se identificar muitos pontos em comum entre as duas histórias, sendo
que o fio condutor se mostra como a busca humana pelo conhecimento: de si próprio, em relação
ao outro e ao mundo que o cerca, e esse conhecimento como motor de desenvolvimento de
incontáveis áreas através das eras.
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REFERÊNCIAS

BÍBLIA SAGRADA. Versão King James Fiel 1611. BV Books Editora. Niterói, 2017.

ÉSQUILO. Prometeu Acorrentado. In: Prometeu Acorrentado, de Ésquilo; Ajax, de Sófocles


e Alceste, de Eurípedes. Trad. Mario da Gama Kury. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro, 1991.

HESÍODO. Teogonia / Os trabalhos e dias. trad. Ana Elias Pinheiro & José Ribeiro Ferreira.
Lisboa: Imprensa Nacional, 2005.

__________ Trabalhos e dias. Trad. de Christian Werner. São Paulo: Hedra, 2013.

MIGLIAVACCA, Eva Maria. A consciência no mito: Prometeu e Satã. Psychê [on line].
2003, VII (12), 27-45. ISSN: 1415-1138. Disponível em:
https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=30701203. Acesso em: 26 jul. 2021.

PLATÃO. Protágoras. Fortaleza: UFC, 1986.

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