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Os limites da Empatia

Em meio aos tantos discursos tomados a partir da psicologia e da banalização


dos transtornos mentais vê-se entremeado uma nova tendência, um movimento do “ser
empático”. Desde abordagens psicológicas que se sustentam a partir da escuta empática
ao discurso popular que se apropriou do conceito, nem sempre de forma profunda, ser
empático está na boca do povo.
Longe de criticar abordagens psicológicas ou demonizar o senso comum, quero
me colocar aqui a perguntar. Diante do excesso de respostas, venho trazer dúvidas. Tal
como o paciente, que para Silvestre (????) sofre em seu excesso de respostas e não
perguntas, quero acoçar a dúvida e fazer circular o desejo.
O que seria essa tal empatia e o que a psicanálise tem a dizer sobre ela? Mais do que
dizer sobre ela, o que se há de questionar sobre essa tal posição empática.
A priori definiremos empatia para que seja possível, ou ao menos se aposte, uma
conversa. Raniere & Barreira (2012: p. 13 - 14) definem a palavra partindo de sua
etimologia em sua origem alemã, designa algo como “sentir dentro”, “sentir em” e isso
se refere ao outro. Os autores também propõem que empatizar é reconhecer o outro
como alter ego, como outro eu e essa experiência é algo do humano.
Ainda na busca de uma definição nos valeremos de algo que todos tem acesso, o
dicionário, diferentemente do artigo utilizado anteriormente. Segundo o Dicio (2021), a
empatia tem muitos significados podendo ter algumas nuances até de acordo com o
campo de saber, mas as duas primeiras são: “Ação de se colocar no lugar de outra
pessoa, buscando agir ou pensar da forma como ela pensaria ou agiria nas mesmas
circunstâncias. Aptidão para se identificar com o outro, sentindo o que ele sente,
desejando o que ele deseja, aprendendo da maneira como ele aprende etc.”
Apenas um destaque faremos a respeito dessa conceituação. Há de se enfatizar
que em ambas as fontes a empatia ocorre a partir do Eu e assim o outro só pode ser
apreendido como outro-eu. Em outras palavras, o que se supõe que o outro sente ou
pensa faz-se a partir da própria pessoa que empatiza.
Freud (1930) em Mal-estar na Civilização, traz uma crítica sobre o amor ao
próximo como a ti mesmo, tal como vemos na Bíblia Cristã. Ele aborda um certo
impossível em fazer e destaca que a medida desse amor é antes de tudo narcísica, já que
é para amar como a si mesmo. Ou seja, tomando o Eu enquanto medida eu amo o outro.
Se há algo que a teoria freudiana bem disse é que há uma realidade psíquica e ela
permanecer como singular. De tal modo que o que vemos não é não pode ser
compartilhado aos outros, nossa visão do mundo é própria e ela só pode ser feita a partir
do singular que nos constituiu (FREUD, 19??).
Isso implica dizer que aquilo que amo ou que considero idealmente bom, não
necessariamente se aplica ao outro e da recusa desse amor surge o ódio. A partir do
momento que o outro recusa, o antes amado, torna-se odiado. Trazendo uma leitura
lacaniana, Corrêa (2007?) assinala que isso diz de uma quebra no espelho, de algo que
na imagem permanece não simbolizável, aí onde não é possível dizer, surge mais uma
vez o ódio.
Outro problema ao amor ao próximo assinalado por Freud (1930) repousa mais
uma vez no próprio narcisismo que não consegue mobilizasse a amar o outro como a
nós mesmo, antes, o afeto que ilusoriamente nos parece tão genuíno é apenas mais uma
faceta da nossa constituição narcísica que tentará a todo custo extrair disso um retorno.
Em outras palavras, amar ao outro como a si mesmo só se faz esperando que ele
também nos ame de volta, retornando o nosso investimento libidinal.
No esquema L, Lacan (195?) demonstra que o outro é tomado em um eixo
imaginário como um semelhante-diferente, ao longe ele se parece muito conosco, mas
em aproximação tal engodo se desfaz. O outro é tomado a partir do eu, se pensarmos a
constituição da imagem do sujeito (LACAN: 1945) a partir do estádio do espelho, vê-se
que há ali uma transitividade e em primeiro tempo o Eu aparece como um outro. Isso
denota que há no imaginário um certo indeferimento em um contexto onde tanto Eu
quanto outro, em verdade são imagens, são especulares.
A suposição a partir desse imaginário que nos constitui um corpo unificado é
que o outro é feito a minha imagem e semelhança. Tal como o Eu, ele sente, pensa e é
comungando assim dos mesmos ideias que orientam a própria realidade do sujeito.
No começo de seu ensino, Lacan (1954?) há de se debater com a proposta de
uma psicanálise que é feita a partir de uma intersubjetividade. A crítica desse primeiro
momento da obra lacaniana é que não dois sujeitos em uma análise devendo o analista
outra posição. Isso vai de encontro a uma formulação que cria uma simetria entre os
seres falantes onde o que se fala aqui chega aos ouvidos alhures sem alguma
interferência. É aí que Lacan contrapõe o registro imaginário ao simbólico trazendo a
linguagem como algo que em verdade traz separação e desencontro. “Você pode até
saber o que disse, mas nunca o que o outro escutou”.
A linguagem nos permite nos organizarmos em civilização, mas nunca a
comunicação se a tomarmos como uma mensagem que sai do emissor e é recebida pelo
receptor. Se no campo imaginário eu e o outro são tomados como semelhantes e estão
juntos, no simbólico há a linguagem entre eles, que apesar de permitir identificação
promove separação radical.
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Retomando o Signo de Saussure , Lacan faz uma inversão dando preeminência
S
S
ao significante e ressalta que entre eles em verdade há uma barra que impede a fusão
s
entre os elementos. Essa barra é o que permite inclusive a interpretação. Se o
significante correspondesse ao significado sendo eles inseparáveis ao falarmos de
amizade isso atribuiria o mesmo valor a todos os que comungam da linguagem, ela teria
o mesmo sentido sendo impossível deslocar para novos produzindo interpretação.
O que se ressalta em Lacan (?) é que o Sujeito é antes de tudo o da Linguagem
ele se produz por meio dela enquanto um efeito do significante aparecendo sempre entre
aqui e lá.
A empatia, para a Psicanálise, a partir do que já discorremos até então, situa-se
no campo do Imaginário. Para fazer o movimento de tentar entender o outro, tentar levar
em conta seus afetos se colocando no seu lugar, é preciso tomá-lo como objeto,
especularizá-lo, torná-lo imagem semelhante ao Eu. Fazê-lo não é possível do ponto de
vista simbólico por conta da linguagem. Ainda que se suponha fortemente, tudo o que se
diz sobre o outro, em verdade se diz sobre o Eu, a partir dele em encerrado em sua
lógica.
Freud (1915), ao explicar os pares amor-ódio antecipa Lacan (?) ao dizer que no
imaginário só há um único sentido o do próprio Eu. A guerra situa-se então nesse
campo introduzindo um Real impossível que é entender o outro em vias de fato. O ódio
aí, par do amor que enlaça, surge como tentativa de separação, como violência, como
ato diante da falta do dizer.
Colocar-se de fato no lugar do outro ou até mesmo fazer isso enquanto
movimento comporta um certo impossível à medida que esse outro será tomado sempre
como um objeto de nossa fantasia e não como ele mesmo é. Isso acontece no dia-a-dia
mesmo sem que estejamos tentando ser empáticos. As ações dos outros são lidas por
nós e nossa leitura por mais imparcial que tentemos ser nunca será isenta da nossa
subjetividade. De forma muito resumida o outro é simplesmente uma construção nossa e
tal engenharia usa nossos próprios materiais que são de natureza diferente do meu
semelhante. O outro objetivo permanece um enigma no qual nunca chegaremos,
qualquer formulação a respeito deles serão negociavelmente nossas.
Se não é possível a empatia nos termos que construímos o que é, então?
Desistimos da escuta clínica já que há o fosso da linguagem?
Diferente de tomar a discussão em lençóis pessimistas, propõe-se sustentar um
não-saber sobre o outro, um não entender. E é exatamente isso que lhe permite dizer.
Falo a futuros Psicólogos e muitos aqui se enveredaram pelos caminhos sinuosos da
clínica. A empatia, em alguns contextos, pode servir como uma dessubjetivação que
desimplica o Sujeito que queremos escutar. Se já entendemos isso poupa-nos o trabalho
dele falar de si, se explicar.
O quanto é importante não só na clínica o não entender. Quando a gente não
entende abre-se espaço para perguntar e a partir delas o outro ganha um lugar de fala. E
aí algo do Sujeito pode antes de tudo aparecer ali.
Se não propomos a empatia pelos motivos citados, é inegável que é preciso
escutar. Em verdade, é exatamente isso que não ocorre nos nossos dias, as pessoas
entendem demais fechando a escuta, fechando a possibilidade do outro dizer de si.
Nesse sentido, a Psicanálise orienta-se por uma Ética: a do bem-dizer. Partindo
dessa impossibilidade de entender sustentamos o impossível como causa do trabalho,
como motivador de nossas intervenções e a partir daí o paciente é levado a dizer um
pouco mais.

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