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Unidade 2

2.5 três dimensões da empatia

A empatia é considerada elemento estruturante da Comunicação Não-

Violenta (CNV). Integra a perspectiva da valorização das necessidades humanas

e a atenção aos sentimentos que surgem da interação permanente entre os

sujeitos no tempo-espaço onde convivem em grupos, sociedades e

comunidades, auxiliando na solução de conflitos.

É bastante comum que se conceitue empatia como habilidade de “colocar-

se no lugar do outro”. Contudo, a CNV considera isso inacessível e pretensioso,

uma vez que jamais poderia alcançar um lugar que não conheço. Para a CNV,

empatia é o oferecimento de presença intencional e consciente que promove

conexão porque nos aproxima focando naquilo que temos em comum:

vulnerabilidades (BROWN, 2010; BROWN, 2015), isto é, nossas necessidades

humanas básicas (ROSENBERG, 2015).

Em outro trabalho, escrito com o Lucas Jeronimo (CARVALHO,

JERONIMO, 2020, n.p), afirmei que

Quando oferecemos presença empática a alguém, não precisamos responder

ao que nos foi dito, por exemplo. Podemos deixar nossa ansiedade de ‘resolver’

ou ‘salvar’ a vida alheia de lado e simplesmente nos mantermos silenciosos,

ouvindo nosso interlocutor de maneira atenta e compassiva. Oferecer escuta,

sem interromper a fala do outro, muitas vezes, é suficiente para que a outra

pessoa se sinta mais presente para si mesmo e se organize a ponto de identificar

os sentimentos e as necessidades em questão. O sentir-se escutado possibilita


dar um novo lugar interno ao conteúdo compartilhado. A mente já não precisará

ocupar espaço e energia com segredos, dúvidas, imaginações, suposições,

conclusões precipitadas ou receios se houver um espaço seguro onde todas

essas questões possam existir.

O poder da escuta empática se consubstancia na compreensão de que aquilo

que escuto precisa ser honrado e respeitado. Escuta empática não é dever de

intervenção, é oferta de presença atenta, que reconhece que tudo o que o outro

viveu contribuiu para que chegasse até aqui. A empatia o liberta para ser quem

é e me liberta para ser quem sou. Rompe com as crenças de que somos heróis

ou salvadores e nos conecta enquanto humanos.

Escuta empática pressupõe que as histórias importam, que todas as

experiências integram a sabedoria universal. Oportuniza aos interlocutores

saírem de si e de seus próprios julgamentos em direção à descoberta

surpreendente e inesperada do outro, com quem convivo neste Planeta, mas

não o conheço nem o reconheço igual. E ao não o conhecer, me torno refém dos

rótulos e estigmas que foram criados e se acreditou serem verdades; o que

Chimamanda Adichie denominou de ‘o perigo da história única’.

Nesse mesmo trabalho, o Lucas e eu defendemos a existência de três

dimensões da empatia para a Comunicação Não-Violenta. Confira:

A empatia pode ser materializada em três diferentes esferas: a nível pessoal,

também chamada de autoempatia; em relação ao outro, como normalmente se

pensa o termo ‘empatia’; e no meu trato diante de um coletivo com o qual me


sinto pertencido e significante e em que vejo sentido, é o caso da empatia

comunitária.

Os três níveis são comuns à vida humana e, em certos aspectos, costumam ser

simultâneos e fortalecem um ao outro. A partir desse olhar, a valorização da

minha importância pessoal me abre ao outro e ao grupo coletivo. Posso ser

alguém melhor para as pessoas quando cuido de mim. E esta é a razão de, ao

se pensar em começar a prática da CNV por algum aspecto, sugerimos que seja

feito pela autoempatia.

Assim como somos convidados a, diante de alguma inconstância no avião,

colocarmos primeiro a máscara de oxigênio em nós e só depois ajudar quem

estiver ao lado, se não nos oferecemos amor e empatia, não somos totalmente

capazes de fazê-lo em relação ao outro, mesmo quando temos as melhores

intenções. O ‘eu’ é o ponto de partida para qualquer relação social. É preciso

continuar respirando para auxiliar alguém a respirar (CARVALHO, JERONIMO,

2020, n.p).

A autoempatia, em um aspecto peculiar, representa a dimensão primeira dos

relacionamentos humanos, que é a do sujeito consigo mesmo, propiciando-se o

cuidado de se auto-observar, reconhecer-se conectado a necessidades

inalienáveis.

Parte significativa da autoempatia diz respeito a celebrar o que temos

conseguido ser e realizar. Ser responsável com a satisfação das próprias

necessidades e sentimentos não implica em ser egoísta ou em deixar-se dominar

por ganância ou apego. Ao contrário, autoempatia é uma prática fundamental


para a construção de resiliência, para manter-se com integridade mesmo diante

de situações desafiadoras.

Rinponche e Tworkov (2018) comentam que

Muitos alunos afirmam que não conseguem se relacionar com suas virtudes. Isso

parece estar baseado na suposição de que qualquer identificação de virtude

automaticamente gerará orgulho e enaltecimento próprio. Esse é um tipo de ego

ao contrário, porque torna nossa virtude grande coisa. Sugere a propriedade

dessa virtude ou a identificação completa com ela. Virtude é simplesmente a

coisa positiva que fizemos ou estamos fazendo. Todo mundo tem algum grau de

virtude.

Embora seja verdade que me comunico em níveis distintos comigo, com

os outros individualmente considerados e com meus grupos relacionais e

afetivos, em um nível mais profundo da não-violência, a distinção dessas três

esferas de comunicação já não se faz relevante. “Ao reconhecer-me como parte

de tudo o que existe e perceber que tudo o que existe habita em mim, todo ato

de empatia passa a dizer respeito a autoempatia. Por essa razão, podemos

considerar a autoempatia como o princípio e também o fim da CNV”

(CARVALHO, JERONIMO, 2020).


REFERÊNCIAS

BROWN, Brene. Daring greatly: how the courage to be vulnerable transforms the

way we live, love, parent, and lead. New York: Avery Publishing Group, 2015.

BROWN, Brene. The gifts of imperfection: let go of who you think you're

supposed to be and embrace who you are. Minnesota: Hazelden Publishing &

Educational Services, 2010.

CARVALHO, Mayara; JERONIMO, Lucas. Reflexões sobre a dimensão da

autoempatia na Comunicação Não-Violenta. In: CARVALHO, Mayara;

JERONIMO, Lucas; SILVA, Elaine Cristina da. Comunicação Não-Violenta:

diálogos e conexões. Belo Horizonte: Instituto Pazes, 2020. E-book Kindle.

RINPOCHE, Yongey Mingyur; TWORKOV, Helen. Transformando confusão em

clareza: Um guia para as práticas fundamentais do budismo tibetano.

Teresópolis: Lúcida Letra, 2018.

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